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GUILHERME RODRIGUES ABRÃO
A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELAS COMISSÕES
PARLAMENTARES DE INQUÉRITO: PODERES E LIMITES
Dissertação de Mestrado apresentada como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
em Ciências Criminais pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Área de concentração: sistema penal e violência.
Linha de pesquisa: sistemas jurídico-penais
contemporâneos.
Orientador: Prof. Dr. Nereu José Giacomolli
Porto Alegre
2010
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Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação (CIP)
A161i Abrão, Guilherme Rodrigues
A investigação criminal pelas comissões parlamentares
de inquérito: poderes e limites /
Guilherme Rodrigues Abrão. – Porto Alegre, 2010.
219 f.
Diss. (Mestrado) – Faculdade Direito, Pós - Graduação
em Ciências Criminais, Área de concentração Sistema Penal
e Violência, PUCRS.
Orientador: Prof. Dr. Nereu José Giacomolli.
.
1. Comissão Parlamentar. 2. Inquérito Parlamentar. 3.
Direito Constitucional. 4. Direitos Fundamentais. 5. Garantia
Constitucional. I. Giacomolli, Nereu José. II.Título.
CDD 341.25377
Bibliotecária Responsável
Ginamara Lima Jacques Pinto
CRB 10/1204
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RESUMO
O presente trabalho vincula-se à linha de pesquisa Sistemas Jurídico-Penais
Contemporâneos, da área de concentração Sistema Penal e Violência, atrelado ao Programa
de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado, da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, e concentra-se em um estudo acerca das comissões parlamentares de
inquérito e da devida observância dos direitos e garantias constitucionalmente asseguradas aos
cidadãos. A partir do momento em que essas comissões são tratadas como sendo um
instrumento de investigação (até mesmo criminal) ao alcance do Poder Legislativo, aplicando-
se, inclusive, ainda que de forma subsidiária, normas processuais penais, há que se identificar
quais são os poderes investigatórios outorgados aos parlamentares (?), ou seja, o que pode ou
não ser empregado e utilizado como meios de investigação (?). Também, ao se falar em quais
são os poderes, há que se buscar delinear se são poderes absolutos ou relativos (?), e, caso seja
reconhecido que são poderes relativos, isto é dizer quais seriam os limites aos poderes de
investigação de uma comissão parlamentar de inquérito (?). Nesta pesquisa, de cunho
analítico-normativo, tendo ainda como base, conquanto parcialmente, o método de
investigação histórico e comparativo, realizada de forma exploratória e descritiva (crítica),
tendo como ponto de partida a análise bibliográfica e jurisprudencial, na qual o método de
abordagem adotado consiste, preferencialmente, no dedutivo e no dialético, é que se procurou
discorrer sobre o tema. Para tanto, é feita uma análise pontual e descritiva do instituto das
comissões de inquérito, estudando-se desde sua criação no ordenamento jurídico pátrio, qual
sua finalidade, as leis reguladoras de tal instituto, seus requisitos (capítulo primeiro), para
após focar-se nos poderes de investigação exercidos pelos parlamentares membros de
comissões de inquérito e qual sua extensão (capítulo segundo). Da mesma forma, mister a
análise dos limites desses poderes de investigação, realizando-se o necessário enfrentamento
da questão de como os poderes de investigação outorgados às comissões de inquérito não
venham a violar direitos e garantias fundamentais, elencando-se os postulados básicos de um
Estado Democrático e Constitucional de Direito que devem ser respeitados e observados
(capítulo terceiro).
Palavras-chave: Processo Penal – Investigação Criminal – Comissão Parlamentar de
Inquérito – Inquérito Parlamentar – Poderes e Limites.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
2 AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO ............................................. 15
2.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS .................................................................................. 16
2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA: O INQUÉRITO PARLAMENTAR COMO UM
INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO (CRIMINAL) PRELIMINAR ............................... 23
2.3 PROCEDIMENTO E LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL ............................... 29
2.4 PRESSUPOSTOS E REQUISITOS ................................................................................... 37
2.4.1 Requerimento qualificado................................................................................................ 38
2.4.2 Funcionamento das comissões parlamentares de inquérito no âmbito federal, estadual e
municipal .................................................................................................................................. 40
2.4.3 Prazo certo ....................................................................................................................... 43
2.4.4 Fato determinado ............................................................................................................. 47
2.4.5 Conclusões dos trabalhos ................................................................................................ 52
2.5 FUNÇÕES E EFEITOS ..................................................................................................... 57
2.6 O REPENSAR DO PROCEDIMENTO DAS COMISSÕES DE INQUÉRITO: UMA
RELEITURA SUGERIDA ....................................................................................................... 65
3 PODERES DE INVESTIGAÇÃO DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO ........................................................................................................................... 70
3.1 REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS E VIAGENS ...................................................... 77
3.2 CONVOCAÇÃO DE MINISTROS, DEPUTADOS, DEMAIS AUTORIDADES E
TESTEMUNHAS ..................................................................................................................... 79
3.3 INQUIRIR SUSPEITOS .................................................................................................... 86
3.4 REQUISIÇÕES DE DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES A ÓRGÃOS PÚBLICOS E
PRIVADOS E REQUISIÇÃO DE SERVIÇOS (INCLUSIVE POLICIAIS) .......................... 89
3.5 REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES E AUDITORIAS AO TRIBUNAL DE CONTAS 92
3.6 DA QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO ......................... 94
8
3.7 DAS BUSCAS E APREENSÕES .................................................................................... 105
3.8 DA INDISPONIBILIDADE DE BENS: MEDIDAS CAUTELARES REAIS
(PATRIMONIAIS) ................................................................................................................. 111
3.9 DA PRISÃO ..................................................................................................................... 116
3.10 “PODERES DE INVESTIGAÇÃO PRÓPRIOS DAS AUTORIDADES JUDICIAIS”119
4 LIMITES À INVESTIGAÇÃO (CRIMINAL) PARLAMENTAR .............................. 132
4.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................... 137
4.2 AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NAS COMISSÕES DE INQUÉRITO ......... 142
4.2.1 A defesa pessoal: o direito ao silêncio e a não autoincriminação ................................. 149
4.2.2 A defesa técnica: a participação do advogado nas comissões parlamentares de inquérito
................................................................................................................................................ 157
4.3 RESERVA JURISDICIONAL CONSTITUCIONAL ..................................................... 163
4.4 CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DAS COMISSÕES PARLAMENTARES
DE INQUÉRITO .................................................................................................................... 171
4.5 DA COLEGIALIDADE DAS DECISÕES ...................................................................... 179
4.6 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES PARLAMENTARES ..................................... 182
4.7 DA VEDAÇÃO DA DUPLA INVESTIGAÇÃO ............................................................ 188
4.8 DURAÇÃO RAZOÁVEL DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR ........................... 193
4.9 ÂMBITO DE COMPETÊNCIA: A QUESTÃO DO FORO PRIVILEGIADO .............. 199
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 203
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 209
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1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa deu-se em virtude da oportunidade de participação, como advogado, em
duas comissões parlamentares de inquérito: uma, no âmbito da Assembleia Legislativa do
Estado do Rio Grande do Sul (na denominada “CPI do Detran/RS”), e outra, na esfera do
Senado Federal (na chamada “CPI da Pedofilia”), nas quais se teve uma breve percepção do
instituto ora pesquisado, especialmente no que tange aos seus poderes e limites. Também
colaborou para a escolha dessa temática o fato de que este tema jamais fora tratado
especificamente no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Mestrado em Ciências Criminais) e até mesmo
pela doutrina existente de Processo Penal, a qual, diga-se, é escassa. A temática da
investigação criminal, no ordenamento jurídico brasileiro, é analisada quase que única e
exclusivamente sob o enfoque do inquérito policial, pois é como tradicionalmente os crimes
são investigados no país, e a investigação policial é levada a cabo por meio do inquérito
policial, o qual é regulado, ainda que em linhas gerais, pelo Código de Processo Penal. No
entanto, atualmente, vem ganhando espaço a discussão sobre a investigação criminal
conduzida pelo Ministério Público
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e pelas comissões parlamentares de inquérito,
2
outras
formas de investigação criminal existentes no ordenamento jurídico.
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Esta discussão já chegou ao Supremo Tribunal Federal e de acordo com os sinais emitidos parece inevitável
que em um Estado Democrático e Constitucional de Direito se reconheça a possibilidade de que o Ministério
Público investigue diretamente infrações penais. O que deverá ser o centro das atenções será a relação entre os
poderes de investigação do parquet e seus limites, ou seja, o que e como (de que forma?) será feita tal
investigação, devendo, portanto, estabelecer-se as regras do jogo. Neste ponto sugere-se a análise do Habeas
Corpus nº 89.837, de relatoria do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, julgado em 20 de
outubro de 2009, e do Recurso Extraordinário nº 593727, de relatoria do Ministro do Supremo Tribunal Federal
Cezar Peluso, julgado em 27 de agosto de 2009, o qual reconheceu que “apresenta repercussão geral o recurso
extraordinário que verse sobre a questão de constitucionalidade, ou não, da realização de procedimento
investigatório criminal pelo Ministério Público”.
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Todavia, poucas são as referências quanto à investigação por meio de comissão parlamentar de inquérito, pois
se verifica que o próprio legislador apenas faz menção ao tema no artigo 54 da Lei de Drogas (nº 11.343/06), o
qual reconhece que a investigação pode também ser resultado de comissão parlamentar de inquérito:
“Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de
informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes
providências [...]”.
3
É válido informar a possibilidade de outras formas (espécies) de investigação criminal, como, por exemplo, o
Inquérito Policial Militar, o Termo Circunstanciado (ainda que seja um procedimento afeto às infrações penais
de menor potencial ofensivo, e por essa razão não seja propriamente uma investigação) e as investigações
conduzidas por Tribunais quando envolver pessoas com foro privilegiado (prerrogativa de função), as quais
terão disposições previstas na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos
regimentos internos dos Tribunais. Da mesma forma as autoridades administrativas poderão investigar, por
meio de sindicâncias e especialmente quando o investigado for funcionário público, conforme o artigo 4º,
parágrafo único, do Código de Processo Penal.
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É perceptível que, com o advento da Constituição de 1988, as comissões parlamentares
de inquérito ganharam e vêm ganhando cada vez mais respaldo, inclusive, tendo amplo e
frequente destaque, para não dizer exploração, na mídia (veja-se, por exemplo, além dos
meios de comunicação tradicionais, o surgimento de veículos de comunicação do Senado
Federal – TV Senado, Rádio Senado e Jornal do Senado –, da Câmara de Deputados Federais
– TV Câmara, Rádio Câmara e Jornal da Câmara –, além dos veículos de comunicação das
Assembleias Legislativas Estaduais, que reproduzem diária e constantemente a atividade
parlamentar, explorando especialmente as sessões das comissões parlamentares de inquérito,
inclusive com transmissões ao vivo).
Todavia, na seara processual penal, são poucos os doutrinadores, juristas e até mesmo
encontros científicos que se dedicam ao tema do inquérito parlamentar, especialmente na
questão de análise dos poderes e limites de tal tarefa investigativa. O que se propõe neste
trabalho é observar quais são os poderes de investigação outorgados às comissões
parlamentares de inquérito (?) e discorrer sobre eles, ou seja, o que pode (ou não) ser
empregado como meios de investigação (?). Ainda, ao se falar em quais são os poderes, há
que se delinear se são poderes absolutos ou relativos (?), e, caso seja reconhecido que são
poderes relativos, é fundamental verificar quais seriam os limites aos poderes de investigação
de uma comissão parlamentar de inquérito (?), para a finalidade de também averiguar o
aspecto procedimental do inquérito parlamentar.
Partindo-se, então, da ideia de que as comissões parlamentares de inquérito,
instrumento de investigação afeto ao Poder Legislativo, terão, eventualmente, a finalidade de
investigação criminal preliminar, especialmente, de condutas atentatórias à Administração
Pública, é que esta pesquisa se desenvolveu, imbuída da intenção de fazer uma releitura desse
instituto em um Estado Democrático e Constitucional de Direito, aproximando-se das balizas
de um direito penal e processo penal constitucionais, notadamente na esfera da investigação
preliminar. Portanto, a princípio, é necessário que em um Estado Democrático e
Constitucional de Direito, tendo em vista que as comissões parlamentares de inquérito
representam verdadeiro instrumento de investigação do Poder Legislativo, sendo, portanto,
uma forma de investigação (criminal) preliminar, haja compatibilidade desta tarefa
investigatória e de seus poderes de investigação com a questão do respeito e da observância
das garantias e dos direitos fundamentais. Note-se ainda de forma preliminar que os poderes
de investigação conferidos às comissões parlamentares de inquérito são limitados, embora a
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Constituição Federal outorgue poderes próprios das autoridades judiciais, devendo haver
sempre o respeito aos direitos e às garantias fundamentais assegurados aos cidadãos.
Esse instrumento investigativo, com a missão de fiscalizar, controlar e investigar os
atos da Administração Pública, ao alcance do Poder Legislativo, calcado no artigo 58, § 3º, da
Constituição Federal, representa a necessária e fundamental convivência harmônica e
independente, mas também integrada, dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Em
determinadas situações irá se verificar a ocorrência dessa integração que até mesmo poderia
ser chamada de pequena interferência controlada de um poder sobre o outro, sendo esta, desde
que controlada e limitada, um exercício regular de preservação de um Estado Democrático e
Constitucional de Direito que se pode denominar, como bem os constitucionalistas o fazem,
de medida de freios e contrapesos, ou seja, é o próprio poder freando o poder
(MONTESQUIEU).
Para tanto, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu amplos poderes às comissões de
inquérito, haja vista ter disposto expressamente que as comissões parlamentares de inquérito
terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Assim, de plano, é possível
vislumbrar que vastos são os poderes de investigação destinados às comissões de inquérito
para o fim de realização da atividade investigativa, o que, contudo, deve ser analisado com
cautela.
Entretanto, há de se afirmar que a investigação criminal realizada por meio de
comissões parlamentares de inquérito está em consonância com a formação de uma sociedade
democrática, estabelecida e calcada em uma Constituição Federal, especialmente no que tange
à independência e harmonia dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, nos moldes do
artigo 2º da Constituição Federal. É, então, nesse sentido que as comissões parlamentares de
inquérito se aperfeiçoam, uma vez que significam um importante instrumento de investigação
ao alcance do Poder Legislativo, inclusive, contando com previsão constitucional. Dessa
forma, verifica-se que compete ao Poder Legislativo, por intermédio dos parlamentares, além
de sua atividade legiferante (inerente, portanto, à sua própria essência), a tarefa de proceder a
fiscalização, o controle e a investigação dos atos emanados do Poder Executivo e da
Administração Pública em geral, sem que isso possa ser tido como violação ao princípio da
separação dos poderes.
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Ao que parece, inicialmente, essa tarefa investigativa realizada por intermédio das
comissões parlamentares de inquérito, ainda que exercida por quemo tenha tal missão por
atividade principal e costumeira, deverá guardar respeito aos direitos e garantias fundamentais
que preservam, em sentido amplo, a dignidade do cidadão, devendo, além do mais, haver
sempre a ponderação entre os poderes (meios) e os limites (fins) das comissões parlamentares
de inquérito, a fim de que tais direitos e garantias individuais sejam devidamente respeitados e
observados, inclusive, quando da investigação preliminar criminal por meio do inquérito
parlamentar, operando-se, então, no sentido de que ainda na fase de investigação, inclusive,
por meio desse modelo investigativo, os fins não justificam os meios, mas, sim, os meios é
que justificam (ou deveriam justificar) os fins.
Com este objetivo de análise das comissões parlamentares de inquérito se busca, nesta
pesquisa, subsídios doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, especialmente das decisões
dos Tribunais Superiores que, atualmente, acabam por balizar os poderes e os limites a essa
tarefa investigativa confiada ao Poder Legislativo, para o fim de aprofundar a relação
existente entre os poderes e os limites das comissões parlamentares de inquérito, uma vez que
tal instituto é uma forma de investigação (criminal) preliminar a cargo do Poder Legislativo
que, como afirmado anteriormente, não viola o princípio da separação dos poderes. Para tanto,
com este trabalho de cunho analítico-normativo (pautando-se também como uma investigação
histórica e comparativa) é que se objetiva realizar uma pesquisa exploratória e crítico-
descritiva do tema ora proposto, tendo como ponto de partida a análise bibliográfica e
jurisprudencial, na qual se primou como método de abordagem, preferencialmente, o dedutivo
e o dialético.
Assim, o primeiro aspecto a se discorrer e pesquisar é sobre as origens das comissões
parlamentares de inquérito, bem como sua adoção no ordenamento jurídico pátrio, por meio
de uma análise histórica desse instituto (procedimento histórico), na qual também deverá ser
dado enfoque da legislação infraconstitucional acerca do tema, proporcionando, nesse mesmo
trilho, trabalhar com a análise dos pressupostos (requisitos) básicos de criação e instauração
de um inquérito parlamentar, bem como o seu aspecto procedimental de instrução, o que,
então, consiste no primeiro capítulo desta pesquisa.
Adiante, no segundo capítulo, feita a análise anterior, é possível adentrar-se num dos
pontos centrais do trabalho, qual seja aprofundar o estudo dos poderes de investigação
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próprios das autoridades judiciais que são outorgados constitucionalmente às comissões de
inquérito, e, assim, estabelecer a relação do artigo 58, § 3°, da Constituição Federal, com a
então recepcionada Lei n° 1.579/52, para a finalidade de elencar, descritiva e criticamente (ao
menos é esta a intenção), os poderes de investigação confiados aos parlamentares na
instauração do inquérito parlamentar, não deixando de lado e à margem questões pontuais e
críticas, notadamente em situações que acabam por relativizar ou flexibilizar direitos
fundamentais (e aqui é que se estará a falar sobre quebra de sigilos bancário, fiscal e
telefônico, buscas e apreensões, decretação de prisões, etc.).
Com isso, no terceiro capítulo, será possível discorrer especificamente sobre a
limitação aos poderes de investigação, proporcionando um viés crítico e restritivo de tais
poderes, reconhecendo-se aplicabilidade de princípios (penais) e garantias constitucionais em
relação ao tema proposto, como ampla defesa e contraditório, dignidade da pessoa humana,
direito constitucional ao silêncio e de não autoincriminação e presença e acompanhamento
dos trabalhos por parte de advogado, dentre outros não menos importantes, tudo isto à luz de
um sistema acusatório moldado pelas margens de um modelo de processo penal
constitucional, e, portanto, como forma de limitação aos poderes de investigação.
Assim, conjugando-se os temas específicos ora abordados nesta pesquisa sobre a
investigação criminal realizada por meio de comissões parlamentares de inquérito,
notadamente quanto aos poderes e limites, é que será possível verificar a importância desse
instrumento investigativo confiado ao Poder Legislativo que deve ser tido como um
instrumento democrático e que também deve pautar sua atividade dentro dos marcos
constitucionais de um Estado Democrático e Constitucional de Direito, respeitando e
observando de forma efetiva os direitos e as garantias fundamentais conquistados ao longo da
história.
Este trabalho, portanto, inicia-se com uma análise descritiva do instituto das comissões
parlamentares de inquérito, na qual se pretende traçar as características gerais desse instituto,
especialmente no que tange à questão do procedimento adotado para criação e condução dos
trabalhos de uma investigação criminal preliminar por meio do inquérito parlamentar, visando
e, assim, tornando possível, que ao longo desta pesquisa seja possível analisar criticamente
aspectos pontuais e relevantes do tema que ora se propõe a dissertar-se, sem perder de vista
14
sua importância em uma sociedade democrática e balizada pelos ditames constitucionais da
Carta Política de 1988.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa, procurou-se demonstrar que a previsão constitucional das
comissões parlamentares de inquérito, bem como sua existência prática é de importância
salutar em um Estado Democrático e Constitucional de Direito, representando tais comissões
típico instrumento democrático ao alcance do Poder Legislativo, não consistindo essa
existência em afronta ao princípio da separação de poderes, cuja atividade-fim será de
investigação, controle e fiscalização dos atos da Administração Pública em geral,
especialmente do Poder Executivo. Inclusive, é fundamental, até mesmo para que seja
mantida a harmonia e a independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário,
que as comissões parlamentares de inquérito desempenhem suas funções, notadamente a fim
de manter a transparência da atividade da Administração Pública.
Com esse intuito, verificou-se que para tanto o inquérito parlamentar poderá ser criado,
dentre outras finalidades, até mesmo para a investigação de fatos aparentemente criminosos
em detrimento da Administração Pública que tenham relevante interesse público, sendo que
terão as comissões de inquérito, inclusive com previsão constitucional, e, ainda que
equivocadamente, poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Todavia, é neste
ponto que também se revela uma maior preocupação com relação às atividades por elas
desempenhadas, pois, como se teve a oportunidade de salientar, os poderes outorgados às
comissões de inquérito deveriam ser poderes típicos das autoridades policiais, já que,
assentando-se no princípio acusatório, há que se afirmar que juiz não investiga, apenas julga,
o que, então, se consubstancia na separação das atividades de investigar, acusar e julgar. Ora,
quem investiga não poderá, ou ao menos não poderia, jamais julgar.
Assim, não se pretendeu desmerecer as comissões parlamentares a ponto de sustentar
sua exclusão do ordenamento jurídico, pelo contrário. Todavia, esta releitura crítica do
instituto deu-se no sentido de reconhecer que é preciso partir do pressuposto que nenhum
poder está acima de outro, quanto menos acima das leis existentes no ordenamento jurídico
pátrio, especialmente dos ditames constitucionais. Posto isso, é premissa fundamental que a
atividade exercida pelas comissões de inquérito, sim, tem limites, e, assim deve ser exercida.
Então, procurou-se demonstrar uma análise crítica sobre os principais pontos da atividade
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investigativa, realizada pelas comissões parlamentares de inquérito, até mesmo para
reconhecer sua importância e legitimidade em um Estado Democrático e Constitucional de
Direito, embora este instituto não esteja adequadamente regulado em lei específica atual, sem
prejuízo até mesmo de eventuais disposições no próprio Código de Processo Penal.
Além disso, ao reconhecer a importância das comissões parlamentares de inquérito no
ordenamento jurídico, também se faz presente a necessidade de observar que esse instituto
deveria sofrer uma reavaliação séria e criteriosa, a fim de que abusos e excessos aos poderes
de investigação, e consequente violações aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos,
não se tornassem algo corriqueiro nesta possível modalidade de investigação preliminar
criminal. Sugere-se uma releitura deste instituto, notadamente quanto à relação existente entre
seus poderes investigativos e suas limitações, a fim de que seja viável a edição de uma nova
lei abordando temas atuais e relevantes que surgem no decorrer da atividade investigativa
(note-se que a Lei 1.579/52 que versa sobre as comissões parlamentares de inquéritos conta
com mais de cinquenta anos sem notáveis alterações), sem prejuízo, repita-se, de possíveis
inovações no campo da investigação criminal dentro do próprio Código de Processo Penal.
Verificou-se que os limites aos (amplos) poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, outorgados pela Constituição de 1988, encontram-se também no próprio
texto constitucional e nas leis existentes e vigentes em nosso país. Mas, não basta encontrá-los
e reconhecê-los formalmente. É preciso aplicá-los efetivamente no curso das investigações
criminais preliminares, inclusive, quando por meio do inquérito parlamentar. Dessa forma, há
de se ter que os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito não se
revelam tão amplos a ponto de serem absolutos e irrestritos, muito pelo contrário, são poderes
que também se submetem a determinados limites, especialmente aos estabelecidos pela
Constituição, ainda que, algumas vezes, de maneira implícita.
É preciso que as comissões parlamentares de inquérito, quando de sua criação, sejam
estabelecidas para investigar fato certo e determinado, não podendo servir para que o Poder
Legislativo investigue fatos amplos, vagos e genéricos e que muitas vezes não só o
investigado ou suspeito, como também os próprios parlamentares, sequer saibam
verdadeiramente aquilo que se está investigando. O interesse público não pode e jamais
poderá servir de justificativa para que a atividade de investigação própria das comissões
parlamentares de inquérito viole direitos e garantias básicas de qualquer cidadão. Esses
205
pressupostos são fundamentais para, em um primeiro momento, reconhecer-se a legitimidade
da criação e o consequente desenvolvimento dos trabalhos de uma comissão parlamentar de
inquérito. Ainda, há de se reconhecer que tais comissões devem inevitavelmente funcionar
por prazo determinado, conforme exigência constitucional, evitando-se o prolongamento
demasiado de tais investigações, que eventualmente poderia revelar somente o interesse
político-eleitoreiro na continuação infinita e prolongada dos trabalhos.
Ainda, não se pode esquecer que o trabalho desempenhado pelas comissões de
inquérito, antes de qualquer coisa, deverá partir do princípio corolário lógico de um Estado
Democrático e Constitucional de Direito, qual seja a dignidade da pessoa humana. Por maior
que seja a ofensa e lesividade do ato cometido pelo investigado ou suspeito, bem como
quando se tratar de testemunha, os parlamentares no exercício da atividade investigativa
devem estrito respeito à dignidade da pessoa humana, obrigando-se a tratar todo e qualquer
cidadão diante de uma comissão parlamentar de inquérito de forma condizente com a
condição de ser humano, pois é a partir desse raciocínio que se pode estabelecer que também
a atividade parlamentar de investigação deverá respeitar as regras básicas do jogo, isto é,
princípios e garantias constitucionalmente assegurados a todos os cidadãos.
Os limites elencados servem não só para demonstrar que se vive sob a égide de um
Estado Democrático e Constitucional de Direito que prima pelo respeito aos direitos e
garantias fundamentais conquistados ao longo da história e assegurados aos cidadãos, mas
também para dar legitimidade ao próprio trabalho das comissões de inquérito. É com o
respeito e a observância desses limites que se poderá verificar a verdadeira essência do
instituto das comissões parlamentares de inquérito, pois estas foram criadas e estabelecidas
para dar transparência e lisura aos atos praticados por agentes públicos e até mesmo privados
em se tratando da Administração Pública, especialmente de atos do Poder Executivo,
aperfeiçoando-se, assim, a própria democracia.
Contudo, não podem as comissões de inquérito, a pretexto do interesse público, ser
transformadas em instrumento ao alcance de determinados parlamentares para o fim de
perseguição política e ideológica de outros grupos ou pessoas, muitos menos revelar apenas
interesses particulares na atividade investigativa, desvirtuando a finalidade da investigação
criminal preliminar por meio do inquérito parlamentar. Assim, deve-se primar pela existência
do instituto das comissões parlamentares de inquérito, cujo exercício de seus trabalhos estará
206
sempre limitado ao respeito e à garantia a todo e qualquer cidadão de que seus direitos e
garantias fundamentais serão respeitados, a fim de que seja evitada a criação de verdadeiros
Tribunais de Exceção, bem como sejam coibidos comportamentos típicos de inquisidores em
busca de uma inatingível e inalcançável verdade absoluta. É fundamental que na seara
investigativa, mesmo que pré-processual, portanto, seja por meio de inquérito policial,
inquérito parlamentar, investigação pelo Ministério Publico, sejam devidamente observados
direitos e garantias fundamentais.
Assim, aos vastos poderes investigativos outorgados às comissões parlamentares de
inquérito, é preciso reconhecer-lhes alguns limites imperiosos na ordem democrática e
constitucional. Deve-se partir da ideia, conforme exigência constitucional, de que as
comissões parlamentares de inquérito somente serão estabelecidas para a investigação de fatos
determinados e por prazo certo, além de ser observada a vontade da maioria parlamentar
quando de sua criação, visto que seu requerimento de instauração deverá ser aprovado por um
terço da respectiva Casa Legislativa, o que revela desde o início, que todo o ato investigativo
de referida comissões deverá ser aprovado mediante a observância do princípio da
colegialidade das decisões.
No curso da atividade investigativa é ainda elementar reconhecer a incidência do artigo
5º, inciso LV, da Constituição, a fim de assegurar aos suspeitos e investigados (e até mesmo
às testemunhas) o direito à ampla defesa e ao contraditório, consubstanciado no direito à
informação e acesso aos autos da investigação, para se evitarem enredos dignos da obra de
Kafka. É fundamental propiciar aqueles que porventura se encontram em uma comissão
parlamentar de inquérito a possibilidade de exercer a defesa pessoal, oportunizando-se,
inclusive, o direito constitucional ao silêncio e a não autoincriminação. Ademais, a defesa
técnica no curso de uma investigação criminal, inclusive por meio do inquérito parlamentar,
também é de extrema importância para propiciar aos cidadãos a plenitude de defesa calcada
na Constituição. Dessa forma, o direito constitucional ao exercício de uma ampla defesa e ao
contraditório deve também ser reconhecido no âmbito das investigações criminais, mesmo
que em grau inferior ao existente no curso de um processo instaurado perante o Poder
Judiciário. Todavia, a plenitude de defesa é possível desde logo na fase pré-processual.
Ademais, os parlamentares que integram uma comissão parlamentar de inquérito e que,
portanto, estão na posição de investigadores, devem observar que determinadas medidas,
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especialmente as que envolvem restrição ou flexibilização de direitos fundamentais, somente
serão tomadas pelo Poder Judiciário. Isto é dizer, preliminarmente, que todas as decisões
parlamentares no bojo de uma comissão parlamentar de inquérito deverão ser tomadas por
maioria (colegialidade das decisões) e de forma fundamentada. Com isso, certas medidas
serão somente solicitadas (requeridas) ao Poder Judiciário, ou seja, de acordo com a reserva
jurisdicional constitucional certos meios probatórios deverão ser requeridos,
fundamentadamente, pelos parlamentares ao Poder Judiciário.
Por conseguinte, a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico, a determinação de
buscas e apreensões, a decretação de medidas cautelares patrimoniais (indisponibilidade de
bens) e a decretação de prisões cautelares jamais poderão ser decretadas no curso do inquérito
parlamentar pelos próprios parlamentares. Estes deverão requerer, mediante deliberação
aprovada por maioria e devidamente fundamentada, ao Poder Judiciário que proceda a
determinadas questões probatórias ou de interesse para a investigação que afetem direitos
fundamentais dos investigados.
De igual forma, há que se vedar a mera possibilidade de se ter uma dupla investigação
criminal. Como já afirmado anteriormente, as comissões de inquérito também possuem a
finalidade de investigar supostos fatos criminosos por meio do inquérito parlamentar.
Todavia, se estes fatos já estão sendo investigados pela autoridade policial (inquérito policial),
quiçá pelo Ministério Público, ou até mesmo já estão em trâmite perante o Poder Judiciário,
não haveria razões para a instauração de uma comissão parlamentar de inquérito para
investigar criminalmente o que já está sendo investigado ou até mesmo já foi investigado e se
tornou processo judicial criminal. A existência de inquéritos paralelos deveria ser coibida,
especialmente pelo fato de que se estaria a denotar única e exclusivamente o caráter político e
eleitoreiro de uma comissão de inquérito, não permitindo-se, então, uma litispendência
investigativa.
Também é preciso partir-se da premissa fundamental de que o Poder Judiciário é o
guardião da Constituição Federal. Ou seja, é imperioso que se reconheça ao Poder Judiciário
que este venha a, eventualmente, controlar de maneira jurisdicional os atos das comissões
parlamentares de inquérito, notadamente nos casos em que os parlamentares abusam e
extrapolam de seus poderes investigativos. É permitido ao Poder Judiciário que intervenha,
preventiva ou posteriormente, na atividade investigativa desempenhada pelos parlamentares
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sem que isso represente qualquer violação ao princípio da separação de poderes. O Poder
Judiciário será, não só reparador, mas também o garantidor, de que os direitos e garantias
fundamentais do cidadão sejam devidamente respeitados e observados quando no curso de um
inquérito parlamentar.
Conclui-se, portanto, que é primordial e salutar que em um Estado Democrático e
Constitucional de Direito, as comissões parlamentares representem importante instrumento de
controle, fiscalização e investigação da Administração Pública em geral e quando houver
nítido interesse público, desde que tal atividade, inclusive, como instrumento de investigação
criminal preliminar, seja desempenhada dentro dos limites consistentes no respeito aos
direitos e às garantias fundamentais elencados na Constituição Federal e nas leis existentes no
ordenamento jurídico pátrio. Dessa forma, há um (longo) caminhar no sentido de que a
atividade investigativa realizada pelos parlamentares nas comissões de inquérito reconheça e
observe os direitos fundamentais assegurados pela Constituição a todos os cidadãos, sejam ou
não acusados de um crime. Todavia, imperioso que se dê o primeiro passo neste penoso
caminho.
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