Download PDF
ads:
CLARA ARAÚJO DE MATOS
AS ROSAS, OS LOUCOS, OS POLÍTICOS E OS IMIGRANTES: IDENTIDADES E
MEMÓRIAS CULTURAIS BARBACENENSES
PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
Novembro de 2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CLARA ARAÚJO DE MATOS
AS ROSAS, OS LOUCOS, OS POLÍTICOS E OS IMIGRANTES: IDENTIDADES E
MEMÓRIAS CULTURAIS BARBACENENSES
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Letras da Universidade Federal
de São João del-Rei, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Letras.
Área de Concentração: Teoria Literária e
Crítica da Cultura
Linha de Pesquisa: Literatura e Memória
Cultural
Orientadora: Prof. Drª. Eliana da Conceição
Tolentino
PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
Novembro de 2010
ads:
CLARA ARAÚJO DE MATOS
AS ROSAS, OS LOUCOS, OS POLÍTICOS E OS IMIGRANTES: IDENTIDADES E
MEMÓRIAS CULTURAIS BARBACENENSES
Banca Examinadora:
Prof. Drª. Eliana da Conceição Tolentino – UFSJ
Orientadora
Prof. Drª Edna Maria Resende – Arquivo Histórico Municipal Professor Altair
Savassi Barbacena
Prof. Drª. Maria Ângela de Araújo Resende - UFSJ
Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo
Vice-Coordenador do Programa de Mestrado em Letras
Teoria Literária e Crítica da Cultura
Novembro de 2010
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus amigos e
familiares que tanto me apoiaram
nesta árdua jornada.
Ao Maurício, meu agradecimento
especial.
Muito obrigada, também, ao Programa
de Mestrado em Letras da UFSJ, por
possibilitar a realização desse
trabalho.
RESUMO
Essa dissertação se propõe a discutir os quatro ícones identitários detectados na
cidade de Barbacena, Minas G: as rosas, os loucos, os políticos e os imigrantes.
Procuramos identificar a história desses elementos e as influências que eles
exercem no cotidiano da cidade a ponto de poderem ser considerados ícones da
identidade barbacenense. A cidade é conhecida por ter sido o berço dos hospitais
psiquiátricos de Minas Gerais no século XIX, ficando conhecida como “Cidade dos
loucos”. Também no século XIX, vários imigrantes aportaram na cidade e
marcaram a história do município com edificações de casas, comércios e
participações na vida política e econômica de Barbacena. Desde então, a
imigração, que continua acontecendo, tornou-se parte do cotidiano dos
barbacenenses.
Já o epíteto de “Cidade das Rosas” deve-se à grande produção de rosas e flores
cultivadas na cidade e distritos da mesma. Esses produtos foram introduzidos em
Barbacena pelos imigrantes alemães e italianos e se tornaram um cartão de visitas
da cidade, atraindo turistas e comerciantes de várias partes do país. Além desses
elementos, destacamos a forte presença da política na cidade, afinal Barbacena
também é famosa por suas disputas eleitorais sempre associadas a duas famílias
que se revezam e que rivalizam no controle do governo do município.
Esse trabalho visa, portanto, apresentar essas quatro identidades oficiais do
município de Barbacena e discuti-las quanto às suas manifestações e influências
na história da cidade e no cotidiano do cidadão. Outro objetivo dessa dissertação é
discutir o modo como a cidade reativa as memórias dessas identidades e como
elas são colocadas no dia-a-dia da população barbacenense.
PALAVRAS-CHAVE: identidades, memória, Barbacena, rosas, loucos, políticos,
imigrantes
ABSTRACT
This paper aims to discuss the four icons identity found in the city of Barbacena,
Minas Gerais: the roses, the freaks, the politicians and the immigrants. it attempts to
identify the history of these elements and their influence on the city daily life where
they are considered icons of Barbacena identity. Since the nineteenth century
Barbacena is known as the birthplace of lunatic asylum in Minas Gerais and
therefore started to be called as “City of insane." Also in the nineteenth century,
many immigrants settled down in the city and marked its history with house building,
trading, and participating in political and economic life of Barbacena. Since then,
immigration, which still happens, became part of barbacenense daily life.
However, the epithet "City of Roses" is due to the large production of roses and
flowers grown in city and its district. These products were introduced in Barbacena
by German and Italian immigrants and became a business card for the city,
attracting tourists and marketer from all over the country. Beyond these elements,
we highlight the strong presence of politics in the city, after all Barbacena is also
famous for its electoral contests always associated with two families who take turns
on a competition for the government control of the city.
Therefore, the paper has two main objectives. First, it focuses on presenting the
four official identities of Barbacena, discuss them as to their manifestation, their
influence upon the city history and their influence upon the citizen daily life. The
other goal is to discuss on how the city reactive the memories of the identities and
how they are placed on day-to-day life of Barbacena people.
KEY WORDS: identities, memories, Barbacena, roses, lunatics, politicians,
immigrants
Sumário
Introdução.......................................................................................................
Capítulo 1: Barbacena – um perfil histórico...……......................................
Capítulo 2: As rosas, os loucos, os políticos e os imigrantes: quatro faces
da identidade barbacenense...............................................................
2.1 As rosas – tradição, identidade e comércio..........………......................
2.2 Os loucos: alienistas e alienados – da ficção à realidade....................
2.2.1 (Colônia): uma tragédia silenciosa – luzes sobre uma era nefasta..
2.2.2 Palavras doce-amargas..................….........…........…...........................
2.2.3 Uma luta (não) armada...........................……........................................
2.2.4 O Museu da Loucura........................…..................................................
2.2.5 O Festival da Loucura...........................................................................
2.3 Os políticos: tradição familiar.................…….........................................
2.3.1 A Família Andrada.................................….............................................
2.3.2 A Família Bias Fortes............................................................................
2.3.3 Encontros e desencontros....................................................................
9
17
26
26
34
39
43
47
51
57
61
64
66
67
2.4 O imigrante em Barbacena – destino ou escolha?............................
Capítulo 3: O Democrata – Arquivamento de uma memória
barbacenense..............................................................................................
3.1 O Democrata: descrição.......................................................................
3.2 O Democrata como arquivo.................................................................
3.3 A memória cultural em O Democrata..................................................
3.3.1 Coluna “Personalidades Barbacenenses XIX”.....….......................
Capítulo 4: A Literatura visita Barbacena.....…….....................................
4.1 Viramundo revira Barbacena.............…...............................................
4.2 “Ao vencedor, as batatas!”..................................................................
4.3 Solidão e loucura no sertão.................…….........................................
4.4 Rosa e loucura no caminho de Monalisa............................................
Considerações Finais.................................................................................
Referências bibliográficas..........................................................................
Anexos.........................................................................................................
70
75
81
86
89
90
101
102
107
110
113
118
125
133
9
Introdução
Os discursos sobre identidade estão à tona na contemporaneidade. Procuramos
nos definir, encontrar algum fator que nos represente, que diga quem somos, que
resuma toda a carga que transportamos e construímos ao longo dos anos de
nossa existência. O que percebemos, entretanto, é que uma só palavra ou só
fator não é capaz de nos definir. O que somos, na verdade, é uma junção de
todos os elementos que compõem os instantes que nos definem.
Sabemos que nossos dias são povoados pela fragmentação, pela não totalidade
especialmente do “eu”, pela fácil adaptação a tudo o que é novo e pelo descarte e
substituição daquilo que se torna ultrapassado pelo último lançamento. Como
preservar, então, um passado em meio a essa constante renovação de objetos,
relacionamentos, valores, sonhos e projetos? Quando observamos os desejos
que tínhamos ano passado, vemos que eles já não respondem às expectativas de
hoje, somos assustados pela consciência de efemeridade, percebemos a nossa
transformação e entendemos que tudo aconteceu muito mais rápido do que
imaginamos.
Nesse momento de fragmentação e efemeridade a que muitos teóricos
denominam pós-modernidade e que BAUMAN (2001) qualifica como líquida,
capaz de se ajustar a qualquer modificação, o indivíduo se vê como uma unidade
desdobrada em várias identidades diferenciadas, apto a se determinar de maneira
diferente conforme uma situação ou um requerimento de outrem.
Zygmunt Bauman propõe:
Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não
têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são
bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio
indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age e a
10
determinação de se manter firme a tudo isso são fatores cruciais tanto
para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. (BAUMAN, 2005,
p.17)
Stuart Hall (2001) defende que o conceito de identidade não pode ser posto à
prova por ser complexo, pouco desenvolvido e pouco compreendido na ciência
social contemporânea. Entretanto, cada vez mais esse tema é discutido e as
considerações sobre identidade tenderão a se tornar mais amplas e
aprofundadas, mais claras e consistentes a partir de colocações de vários
teóricos como os já citados BAUMAN (2005) e HALL (2001) e outros como
WOODWARD (2000) e BERND (1990), por exemplo.
Assim, vamos começar nossas reflexões na tentativa de estabelecer um diálogo
entre a proposta deste trabalho e os teóricos que chamamos para as leituras a
que nos propomos para a realização do mesmo.
Segundo RICOEUR apud BERND 1990 p. 17, a identidade não poderia ter outra
forma do que a narrativa, pois definir-se é, em última análise, narrar. A partir
dessa proposição, nossa meta é discutir as identidades barbacenenses através
de narrativas em torno de elementos que consideramos fundamentais para a
formação da identidade desse município. Assim, nesse trabalho focalizamos a
cidade mineira de Barbacena sob o aspecto da construção de sua identidade, que
é formada por várias identidades, que permeiam o município e o tornam
conhecido em toda a sua região e mesmo no país.
Bauman reflete sobre a identidade individual, mas podemos recorrer às suas
colocações e pensar a identidade barbacenense a partir do que ele coloca:
11
Como um assunto individual conduzido com poucos pontos de
orientação (e que mudam constantemente), a tarefa de construir uma
identidade própria, torná-la coerente e submetê-la à aprovação pública
exige atenção vitalícia, vigilância constante, um enorme e crescente
volume de recursos e um esforço incessante sem esperança de
descanso. (BAUMAN, 2005, p.89)
A formação da identidade é uma batalha, como afirma BAUMAN (2005):
A identidade – sejamos claros sobre isso – é um “conceito altamente
contestado”. Sempre que se ouvir essa palavra, pode-se estar certo de
que está havendo uma batalha. O campo de batalha é o lar natural da
identidade. Ela só vem à luz no tumulto da batalha, e dorme e silencia no
momento em que desaparecem os ruídos da refrega. Assim, não se
pode evitar que ela corte dos dois lados. Talvez possa ser
conscientemente descartada (e comumente o é, por filósofos em busca
de elegância lógica), mas não pode ser eliminada do pensamento, muito
menos afastada da experiência humana. A identidade é uma luta
simultânea contra a dissolução e a fragmentação; uma intenção de
devorar e ao mesmo tempo uma recusa resoluta a ser devorado... (p.83-
84)
As identidades e as manifestações culturais que queremos mostrar como
manifestações da história de Barbacena são representadas sob quatro aspectos:
as rosas, a loucura, o imigrante e o movimento político. Para sustentar nossas
argumentações a esse respeito, recorreremos, principalmente, ao periódico O
Democrata; às obras O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino (2008),
Quincas Borba (1997) e o conto “O Alienista” (2004), ambos de Machado de
Assis, o conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, de Guimarães Rosa (1978), o folhetim
O mistério da rosa azul, escrito por Ivone Curi (2005) e publicado pelo Jornal do
Poste de Barbacena, o livro (Colônia): uma tragédia silenciosa, de Jairo Toledo
(2008) e recorreremos também a diversos panfletos sobre a Festa das Rosas e
sobre o Festival da Loucura.
Barbacena é um município que cultiva rosas há décadas, esse plantio rende à
cidade uma grande movimentação financeira, com negociações entre os
produtores da região e consumidores de várias outras cidades do estado de
12
Minas Gerais e de outros estados, bem como são produtos de exportação. Por
esse fator, Barbacena é conhecida como Cidade das Rosas.
Outro fator importante na histó ria da cidade e que a caracteriza profundamente é
a implantação, desde o início do século XX, do maior hospital de tratamento
psiquiátrico de Minas Gerais, o Hospital Colônia. Por receber doentes mentais de
várias partes do estado e até mesmo de outros estados do país, por seus anos de
escuridão no tratamento de doenças psíquicas, enfim, pelos horrores que, como
veremos, aconteceram nesse hospital, mas sobretudo pelo número assustador de
doentes que lá residiram e faleceram, a cidade ficou conhecida também como a
Cidade dos Loucos.
Além desses dois determinantes, Barbacena tem um histórico político bastante
importante na história de Minas Gerais e do Brasil. O envolvimento local na
Inconfidência Mineira, no processo de Independência do Brasil e na Revolução
Liberal marcou a cidade e seus habitantes. As disputas políticas locais também
são famosas na região, pois envolvem duas famílias que tiveram e têm um papel
relevante na política municipal, estadual e até federal.
E, por fim, o quarto elemento identitário que encontramos em Barbacena são os
imigrantes, vistos aqui como aqueles que vêm de fora, de outros lugares. Desde
sua formação, Barbacena tem recebido pessoas de outros países, de outras
cidades do Brasil, os migrantes. A recorrência desse fato e a receptividade do
município para com essas pessoas nos levaram a entender que o imigrante é um
elemento formador da identidade barbacenense.
O corpus que escolhemos para esse trabalho, portanto, abrange os quatro temas
centrais dessa dissertação. Esses configuram quatro identidades associadas a
Barbacena e escolhemos, para discuti-las, manifestações culturais diretamente
referentes a elas. Para estudarmos tais elementos, precisamos localizá-los
13
temporalmente, pois alguns deles seguem um calendário, têm uma data para que
a manifestação cultural seja mais incisiva. Conforme Le Goff defende,
Matéria fundamental da história é o tempo; portanto, não é de hoje que a
cronologia desempenha um papel essencial como fio condutor e ciência
auxiliar da história. O instrumento principal da cronologia é o calendário,
que vai muito além do âmbito do histórico, sendo mais que nada o
quadro temporal do funcionamento da sociedade. O calendário revela o
esforço realizado pelas sociedades humanas para domesticar o tempo
natural, utilizar o movimento natural da lua ou do sol, do ciclo das
estações, da alternância do dia e da noite. Porém, suas articulações
mais eficazes a hora e a semana estão ligadas à cultura e não à
natureza. (LE GOFF, 1990, p.12-13)
Partindo dessa ligação do tempo à cultura, faremos um registro histórico temporal
para marcar o surgimento das rosas, dos loucos, dos políticos e dos imigrantes
em Barbacena. A partir desse registro, dissertaremos sobre as manifestações
culturais que envolvem três desses temas, salvo o quarto elemento que não tem,
na cidade, uma manifestação cultural específica. Pretendemos relatar como cada
um deles surgiu e se fixou na história da cidade a ponto de começar a fazer parte
do cotidiano dos cidadãos. As representações estabelecidas para as rosas, para
os loucos, para os políticos e para os estrangeiros são narrativas da identidade
barbacenense. E como a cidade é uma espécie de microcosmos, metonímia da
nação, sabe-se que é na cidade que a nação se constitui enquanto uma
comunidade imaginada que busca uma identidade homogênea no muitos em um.
E é através das narrativas da nação que “celebram sua antiguidade”
(ANDERSON, apud BHABHA, 1998, p. 201) que na cidade um sujeito conta-se e
é contato através de identidades que emergem das narrativas que buscam a
sedimentação e a construção de uma narrativa realista uníssona de identificação
coletiva.
Além dos elementos que a cidade criou, conforme veremos, para construir,
manter essas identidades ou mesmo para preservá-las, faremos um estudo sobre
14
um jornal que circulou em Barbacena por um breve período, mas que teve em sua
proposta a preservação memorialística da cidade, o jornal O Democrata. Nesse
periódico perceberemos uma preocupação em mostrar os lugares que ele elegeu
como importantes e até mesmo peculiares da cidade, bem como pessoas que
nela vivem ou viveram e que estiveram ou estão de alguma forma envolvidas na
formação cultural do município.
Os quatro objetos de estudo desse trabalho estarão dispostos em capítulos
separados pelos temas que os envolvem. Vamos fazer também breves menções
envolvendo a Literatura de Machado de Assis, de Guimarães Rosa, de Fernando
Sabino, e da escritora barbacenense Ivone Curi, referindo-nos aos seus textos
que mencionam Barbacena.
Para discutirmos acerca da identidade, vamos nos apoiar principalmente em
Stuart Hall (2001) e Zygmunt Bauman (2005), dois teóricos que terão, ao lado de
outros, em nosso trabalho, o papel fundamental de esclarecer as questões sobre
esse tema. Buscaremos apoio também em Jacques Le Goff (1990) e Ecléa Bosi
(1994; 2003), tratando sobre história e memória. Para explorarmos a história de
Barbacena, vamos nos utilizar das narrativas de Nestor Massena (1985), Richard
Francis Burton (1976) e Renato Pinto Venâncio (1999). Quando formos tratar do
tema das rosas, nos apoiaremos em informações fornecidas pelo SEBRAE de
Juiz de Fora e pela presidente da ABARFLORES, Sheila Loschi, e nos textos de
Nestor Massena (1985). Já as pesquisas sobre a loucura foram fundamentadas
em visitas ao Museu da Loucura de Barbacena, na obra (Colônia): uma tragédia
silenciosa, de Jairo Toledo (2008), em informações sobre o Festival da Loucura e
em textos do jornalista Hiram Firmino (1982). Buscando um embasamento teórico
sobre a loucura, recorreremos a Laura Battaglia (1999) e a Michel Foucault
(1991). Para dissertarmos sobre os políticos de Barbacena, vamos utilizar como
material de base os historiadores que fizeram relatos, mediante documentação
histórica, sobre as famílias políticas da cidade. Visitaremos autores como Nestor
15
Massena (1985), José Murilo de Carvalho (1966) e Lígia Maria Leite Pereira
(1994), além de vários periódicos e textos informativos que os órgãos municipais
nos cederam, como a FUNDAC e a CENATUR. Para discorrermos sobre os
imigrantes, vamos buscar o apoio dos textos de Nestor Massena (1985) e Altair
Savassi (1991).
É importante destacar que os ícones identitários escolhidos para este trabalho
são recortes das identidades variadas que podemos encontrar no município. As
fontes usadas para esta pesquisa fundamentam-se na história e na memória
oficial e nelas não vamos encontrar as memórias silenciadas.
No primeiro capítulo desse trabalho, nós vamos apresentar de forma breve a
cidade de Barbacena, discorrer sobre sua história e seu surgimento para
podermos entender o papel das identidades que a formam. Optamos por não
prolongar muito o primeiro capítulo já que uma apresentação geral sobre a cidade
basta para conhecermos esse que será o local de estudo das identidades de que
trataremos nesse trabalho. Posteriormente, no segundo capítulo, dissertaremos
sobre os ícones que representam a cidade: as rosas, tomando como ponto de
partida a sua produção e chegando ao seu elemento máximo, a Festa das Rosas
e Flores; a loucura, fazendo um estudo sobre a obra (Colônia): uma tragédia
silenciosa (2008) livro que traz textos e fotografias sobre o Hospital Colônia de
Barbacena e, para firmar esse tema, faremos um relato sobre o Museu da
Loucura e sobre o Festival da Loucura, ilustrando alguns aspectos com a
narrativa de Machado de Assis (2004) em “O Alienista”. Quanto aos políticos,
elaboraremos um sucinto levantamento histórico sobre a política em Barbacena,
bem como sobre as duas famílias que mais se destacam na história política da
cidade, a família Andrada e a família Bias Fortes e, encerrando esse capítulo,
abordaremos a presença dos imigrantes na cidade. Esse segundo capítulo será o
mais longo dessa dissertação porque condensaremos nele as exposiçõ es das
quatro identidades que abordaremos em nosso trabalho; preferimos, então, não
16
dividi-lo para que o levantamento das identidades barbacenenses ficasse
compilado em sequência no mesmo capítulo.
O terceiro capítulo consiste na leitura do jornal O Democrata, levando em conta
suas reportagens e matérias sobre Barbacena e a forma como esse periódico
lidou com os quatro elementos identitários da cidade, discutindo também as
teorias sobre arquivo, tomando O Democrata como um arquivo de uma memória
construída sobre Barbacena. Cabe destacar que escolhemos estudar esse jornal
porque eu fiz parte da equipe que produzia o periódico e percebo que ele possui
elementos que podem ilustrar as discussões desse trabalho. Em um quarto
capítulo, relataremos algumas abordagens que a Literatura fez do município de
Barbacena, citando O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino (2008), Quincas
Borba, de Machado de Assis (1997), o conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, de
Guimarães Rosa (1978) e o folhetim O Mistério da Rosa Azul, da escritora
barbacenense Ivone Curi (2005). Por fim, faremos as nossas considerações finais
estabelecendo um elo entre a identidade e a memória do município a partir do
corpus que escolhemos para esse trabalho.
17
Capítulo 1
Barbacena – um perfil histórico
Para começarmos nossas considerações sobre as identidades que encontramos
em Barbacena, achamos que seria válido fazer uma contextualização da história
da cidade, de seu surgimento e de sua importância histórica, uma vez que com
esse relato teremos uma visão mais detalhada da cidade e poderemos entender,
no decorrer desse trabalho, como as identidades culturais foram construídas no
município, pois as formas de sociedade e cultura são percebidas como
equivalentes, permitindo que leiamos a sociedade ao ler o mapa de uma cidade.
(RAMA, 1985, p.26)
A história de Minas Gerais começou com a busca pelo ouro e não foi diferente
com a cidade de Barbacena. Para que o ouro e as pedras preciosas chegassem
às mãos da Coroa Portuguesa, dois caminhos foram abertos nas matas mineiras:
o Caminho Velho e o Caminho Novo. O Caminho Velho foi aberto pelas entradas
e bandeiras no final do século XVII. Com a descoberta das reservas de ouro nas
bacias do Rio das Velhas, do Rio Doce e do Rio das Mortes, essa estrada tornou-
se a principal ligação entre Parati e as vilas paulistas do Vale do Rio Paraíba do
Sul com os primeiros núcleos mineradores de Minas. Garcia Rodrigues Pais, no
século XVIII, foi quem abriu, como um projeto oficial da Coroa Portuguesa, o
Caminho Novo, uma estrada que ligava o Rio de Janeiro às Minas e que tinha por
18
objetivo reduzir o tempo dessa viagem antes feita pelo Caminho Velho.
1
(RESENDE, 2008)
O Caminho Novo foi o resultado da iniciativa de colonizadores paulistas e
portugueses e das autoridades, preocupadas em garantir o abastecimento das
minas. Tal esforço, como vimos, foi de Garcia Rodrigues Pais, a quem é atribuída
essa empreitada. Em estudos mais recentes, entretanto, uma nova abordagem
sobre o assunto é proposta. Renato Pinto Venâncio (1999), contrastando o
itinerário do Caminho Novo com os dados relativos à paisagem florestal e
hidrográfica de Minas Gerais e realizando pesquisas arqueológicas, concluiu que
a estrada conhecida como Caminho Novo não foi construída pelos colonizadores.
Na realidade, o percurso, assim como os pontos de assentamento, era utilizado
pelos índios há muitos anos e foram conquistados pelos colonizadores. As
reclamações feitas por viajantes em relação ao trajeto oferecido pelo Caminho
Novo também podem ser argumentos que confirmam o aproveitamento das rotas
indígenas. John Luccock (1975), por exemplo, em viagem por Minas Gerais em
1817, reclamou do traçado do Caminho Novo: Viajamos através de belíssima
região, mas por sobre estradas pessimamente traçadas, pois que por três ou
quatro vezes fomos levados a altitudes de setecentos a oitocentos pés que
facilmente poderiam ter-se evitado. (p.274)
O Caminho Velho, o Caminho Novo e a estrada que liga Ouro Preto a
Diamantina, a Rota dos Diamantes, configuram a atualmente chamada Estrada
Real. Essa Estrada é hoje alvo de diversas campanhas turísticas de revitalização,
pois abrange 177 municípios em três estados: 162 em Minas Gerais, oito no Rio
1
O trajeto do Caminho Novo pode ser conferido em detalhes em: MATOSO, Caetano Costa.
Diário da jornada que fez o ouvidor Caetano da Costa Mattoso para as Minas Gerais. In:
FIGUEIREDO, Luciano R. de A.; CAMPOS, Maria Verônica. (Coord.). Códice Costa Mattoso:
relação das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor
Caetano da Costa Mattoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em
fevereiro de 1749, e vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1999. v. 1, p. 896 e
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da
USP, 1982. p. 184-186. (RESENDE, 2008, p.59)
19
de Janeiro e sete em São Paulo.
2
Dentre os municípios mineiros, a Estrada, no
trecho do Caminho Novo, passa também por Barbacena, percorrendo algumas de
suas ruas centrais.
A utilização do Caminho Novo possibilitou não só a saída mais rápida das
riquezas exploradas nas minas, como também a entrada de mercadorias,
contribuindo para o surgimento de pontos de descanso e abastecimento para as
tropas e viajantes. As pessoas que transitavam pela região na época do auge da
exploração das minas eram recebidas em fazendas, onde se abrigavam, davam
pasto aos animais e compravam mercadorias necessárias para a continuidade da
viagem. A partir desse movimento, os centros urbanos foram se fixando, como o
de Barbacena. (BURTON, 1976)
Barbacena surgiu do povoado que constituiu o Arraial da Igreja Nova da Borda do
Campo. Borda do Campo foi o nome dado, pelos que ali chegaram em busca de
ouro e pedras preciosas, de forma generalizada a toda a região do alto da Serra
da Mantiqueira, lugar habitado primeiramente pelos índios Puris, oriundos da tribo
Tupi, lugar em que os jesuítas fundaram uma aldeia para catequizar esses índios.
Nessa região foi construída, por volta de 1700, a fazenda dos bandeirantes
Garcia Rodrigues Pais e de seu cunhado, primo e primeiro proprietário dessa
fazenda, Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, a Fazenda da Borda do Campo.
Essa fazenda era parada de descanso para os viajantes que vinham de outras
partes do país a Minas Gerais, na rota do ouro, ela foi, também, palco de reuniões
dos inconfidentes, tendo recebido, em ocasião de uma dessas reuniões, o próprio
Tiradentes. (MASSENA, 1985, Parte II)
A Fazenda da Borda tornou-se, então, um marco importante na história de
Barbacena, pois foi a partir da povoação que se formou em torno da igreja que a
ela pertencia, a Igreja Nova da Borda do Campo, que a cidade foi construída.
2
Informações retiradas do site www.brasilviagem.com, acesso em primeiro de maio de 2009
20
Segundo RAMA (1985), A cidade e a ascensão dos novos ricos são fatores
concomitantes. (p.36) Assim sendo, a formação da cidade deu-se pela presença,
primeiro, das famílias mais abastadas em torno da Igreja, com construções de
ostensivas propriedades. Essas famílias eram os novos ricos, fazendo fortuna
com o comércio, pioneiro na região, e com a agricultura.
A cidade mineira de Barbacena fica, então, localizada no alto da Serra da
Mantiqueira, a 1.164m de altitude, a 169 quilômetros da capital Belo Horizonte,
em uma região de agradáveis paisagens e clima ameno. A temperatura média
anual de Barbacena é de 18º graus centígrados, semelhante ao clima europeu,
segundo SAVASSI (1991). Fundada em 14 de agosto de 1791, a vila
3
, antes
Arraial da Igreja Nova da Borda do Campo, recebeu o nome Barbacena em
homenagem ao então governador de Minas Gerais, o português Luiz Antônio
Furtado de Castro do Rio de Mendonça, o sexto Visconde de Barbacena, que
atendeu à s solicitações dos habitantes do arraial elevando-o à condição de vila.
Em 17 de março de 1823, o Imperador D. Pedro I concedeu a Barbacena o título
de “muito nobre e leal vila”. Em 19 de março de 1840, foi a vila de Barbacena
elevada à categoria de cidade pela Lei Provincial nº163. (MASSENA, 1985, Parte
II, p.12)
Ao passar pela cidade, os viajantes se encantavam, sobretudo, com o clima, que
proporcionava descanso e prazer:
Parece desnecessário dizer que nada pode haver de mais puro do que o
ar desses campos; o prazer de respirá-lo combate mesmo a monotonia
de uma viagem em lombo de mula, e o viajante europeu nos trópicos
recupera toda a sua energia, mental e física. As manhãs e a última parte
das tardes constituem a perfeição do clima; as noites são frias, claras e
serenas, como em um deserto árabe sem areia. Não falta, também, aos
3
Vila (no latim villa, villae, significando , então, casa de campo, de quinta, ou de granja e, por
extensão, a granja, a quinta, ou o campo) é a povoação arruada de categoria inferior à de cidade e
superior à de aldeia, de arraial, ou de simples distrito municipal, pois é, em geral, como a cidade,
distrito sede de município. (MASSENA, 1985, Parte II, p.282)
21
campos a beleza da forma e do colorido. Há grandeza em sua vasta
continuidade, que se vai perdendo à distância. (BURTON, 1976, p.79)
Barbacena é conhecida no Brasil, e também no exterior, como a "Cidade das
Rosas", em função da grande produção de primeira qualidade dessa flor. No
Brasil, o município também é conhecido como a "Cidade dos Loucos", pelo
grande número de hospitais psiquiátricos lá instalados hoje, em pleno século
XXI, ainda existem três dessas instalações em funcionamento na cidade, além
das residências terapêuticas. Segundo SAVASSI (1991), a cidade atraiu esses
manicômios em decorrência da antiga idéia, defendida por alguns médicos, de
que seu clima ameno, com temperaturas médias bem baixas para os padrões
brasileiros, faz com que os ditos loucos fiquem mais quietos e menos arredios,
supostamente facilitando o tratamento. Mas o maior hospital psiquiátrico de Minas
Gerais, instalado em Barbacena, o Hospital Colônia, foi para essa cidade por um
motivo que não dizia respeito apenas ao clima, as razões foram políticas. Apesar
de seu clima frio e por ficar a uma altitude considerável em relação ao nível do
mar, embora seja uma cidade tropical, Barbacena proporciona uma das mais
intensas luminosidades do país, o que já inspirou vários poetas, escritores e
pintores que por lá nasceram, passaram ou viveram.
A cidade de Barbacena foi construída no alto, bem no topo de uma elevação
montanhosa, com a rua principal nesse topo e as ruas adjacentes e os bairros
limítrofes espalhados ao redor, descendo as encostas como veios de árvores em
busca de um solo mais profundo. A formação geográfica da cidade foi percebida
na época em que a vila começava a ter as suas primeiras construções pelo
viajante francês Saint-Hilaire, em Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e de
Minas, que realizou em 1816, passando por Barbacena em 1818:
Essa vila foi edificada sobre a crista de duas colinas alongadas, uma das
quais termina perpendicularmente ao meio da outra. A sua forma é
22
aproximadamente a de um T, e aí se deparam duas ruas principais que
são bem traçadas e bastante largas; uma delas é calçada em toda a
largura, e as outras o são unicamente em frente às casas. (SAINT-
HILAIRE apud MASSENA, 1985, Parte II, p.286)
Com povoação intensificada desde seu surgimento, a cidade mineira
impressionou Saint-Hilaire por sua aparência agradável de vila bem construída:
Julgava que Barbacena, situada na extremidade das imensas florestas
que acabávamos de atravessar, não apresentasse mais do que uma
reunião de miseráveis choupanas e fiquei agradavelmente surpreendido
ao encontrar pequena vila (petite ville) que pode rivalizar com todas as
da França de igual população. Contam-se aí, atualmente, cerca de
duzentas casas. (SAINT-HILAIRE apud MASSENA, 1985, Part.II, p.286)
De 1818 em diante, ao longo de mais de duzentos anos de história, o município
passou de duzentas casas para inúmeras construções não apenas de mais
casas, mas de prédios, escolas, hospitais, hotéis, praças, enfim, a cidade foi
crescendo e possui, hoje, um parque de exposições, onde acontecem, há mais de
quarenta anos, duas das festas mais famosas da cidade: a Exposição
Agropecuária e a Festa das Rosas e Flores. Barbacena abriga, também, um
aeroporto com aeroclube. Nesse lugar ocorrem, com bastante frequência, eventos
realizados, inclusive com a participação da Esquadrilha da Fumaça, pela Escola
Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR), que tem sede na cidade e é a escola
onde os pilotos da Força Aérea Brasileira começam a sua formação. A EPCAR é
uma instituição educacional que recebe alunos e profissionais de várias partes do
país, constituindo, assim, uma forte propaganda da cidade e para a cidade.
Segundo comentários não oficiais de alguns habitantes de Barbacena, o
município adquiriu o apelido BQ Barbacena Querida de alunos da EPCAR,
que usavam a sigla para se referir de forma carinhosa à cidade que os acolheu.
Não se sabe quando isso começou, o certo é que perdurou e as novas gerações
continuam cultivando o apelido.
23
A cidade é sede também do Batalhão de Polícia Militar, 13ª Região da Polícia
Militar de Minas Gerais e de estabelecimentos de ensino federais, estaduais,
municipais e particulares, como a Escola Agrotécnica Diaulas Abreu (Escola
Agrotécnica Federal de Barbacena - EAFB, atual Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia IFET). A Escola de Hotelaria do SENAC, o Hotel SENAC
Grogotó, é outra instalação bastante conhecida da cidade, pois exporta seus
profissionais, como garçons, chefs e pessoas com formação nos vários setores
do ramo de hotelaria, para várias partes do país. Dentre as escolas de ensino
médio mais tradicionais, temos o Colégio Tiradentes da Polícia Militar, o Colégio
Imaculada Conceição, a Escola Estadual Professor Soares Ferreira e a Escola de
Aplicação/Objetivo da UNIPAC. A cidade também sedia a Universidade
Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG) e o Centro de Estudos Superiores Aprendiz (CESA); possui mais de
trinta bibliotecas, cinco associações culturais e a Academia Barbacenense de
Letras. Na cidade, também encontram-se escritórios da EMATER, DER, IEF e do
IBGE.
A cidade apresenta, também, vários pontos turísticos dignos de destaque, como
igrejas históricas, de estilo barroco e neoclássico, praças com estátuas e bustos
em homenagem a várias personalidades que fizeram história em Barbacena e
quatro museus. Os museus são: Museu Municipal de Barbacena – que conta com
arquivo documental, fotográfico e mobiliário sobre a cidade e seus habitantes
mais conhecidos –; Museu Casa de Marcier instalado no sítio em que esse
pintor romeno, conhecido mundialmente, viveu enquanto morou na cidade, o
museu tem, dentre outros atrativos, afrescos com motivos religiosos pintados por
Marcier –; Museu George Bernanos criado em homenagem ao escritor francês
que morou alguns anos em Barbacena, esse museu conta com um acervo
documental e mobiliário e é centro de atividades culturais diversas. O quarto
museu é o Museu da Loucura, que abriga acervo documental e fotográ fico sobre
o período de funcionamento do Hospital Colônia de Barbacena; além desse
24
acervo, é possível ver no museu exposições temáticas e aparelhos usados no
tratamento dos internos.
Depois desse breve registro sobre o início da história da cidade sobre a qual
discorreremos em nosso trabalho, ainda vale acrescentar que Barbacena é uma
cidade tipicamente interiorana, pacata, com cavalos e charretes disputando
espaço com os carros importados e pedestres que percorrem a cidade a todo
momento e com suas procissões realizadas pelas Igrejas católicas a percorrer as
ruas nas datas comemorativas da Igreja Católica. Mesmo com uma certa
tranquilidade permeando o cotidiano de Barbacena, notamos uma grande
movimentação nos horários de funcionamento dos comércios.
Essa cidade é bastante movimentada pelo comércio variado, bares e
restaurantes, que fazem Barbacena ser frequentemente visitada por moradores
de cidades vizinhas. Ainda citando Saint-Hilaire, relatando sua passagem por
Barbacena em 1818, a cidade já tinha, desde o século XIX, uma vocação
comercial, assim tem, até hoje, um comércio bastante variado e movimentado,
desde sua formação, proporcionando aos viajantes daquela época não apenas
suprimentos para as viagens, mas também momentos de descanso, ainda que
tudo o que fosse comercializado, dos suprimentos à mão-de-obra, tivessem
preços bastante elevados em relação às demais vilas. Saint-Hilaire destaca
também a presença das prostitutas, que ficaram famosas por seus serviços:
Há em Barbacena várias lojas muito bem sortidas, muitas vendas e
algumas hospedarias. Em parte alguma da província a mão-de-obra é
tão cara como nesta vila, o que decorre de que sendo esta
continuamente atravessada por viajantes pressurosos de chegar ao seu
destino, se veem estes forçados a aceitar as imposições dos artífices.
Barbacena é célebre entre os tropeiros pela grande quantidade de
mulatas prostituídas que a habitam e em cujas mãos esses homens
deixam o fruto do trabalho. Sem a menor cerimônia vêm oferecer-se
essas mulheres pelos albergues; muitas vezes os viajantes as convidam
para jantar e com eles dançam batuques, danças lúbricas que, não o
podemos dizer sem vergonha, se tornaram nacionais na Província de
Minas. Pela facilidade com que o dono do nosso albergue parecia
25
permitir que se fizesse de sua casa lugar de deboche, concebe-se que
eu o tenha julgado com alguma severidade; mas, depois de ter
conversado muito tempo conosco, reconheci nele um homem bastante
digno, que nada mais fazia do que se conformar com os costumes
gerais. (SAINT-HILAIRE apud MASSENA, 1985, Parte II, p. 287)
Os costumes gerais transformaram Barbacena em uma cidade de algumas
tradições que a beneficiaram e outras que mancharam o seu nome. Podemos
destacar quatro principais elementos que marcaram a cidade e se tornaram
estigmas para seus habitantes: as rosas, os loucos, os políticos e os imgrantes.
Vamos discorrer sobre essas manifestações que fazem parte da cultura local ao
longo do nosso trabalho, observando como esses elementos marcantes surgiram,
como se transformaram em identificadores da cidade e como se manifestam
ainda hoje.
26
Capítulo 2
As rosas, os loucos, os políticos e os imigrantes: quatro faces da identidade
barbacenense
2.1 As rosas – tradição, identidade e comércio
Todos sabemos que as rosas e as flores configuram uma manifestação de
sentimentos diversos, como carinho, amor e pesar. Presenteamos com rosas e
flores em datas especiais comemorativas, mas também com elas expressamos
tristeza e luto. As rosas e as flores estão associadas a vários momentos da nossa
vida, como o casamento no enfeite da igreja, no buquê da noiva e a morte
nas flores dentro do caixão, nas coroas de flores e nos enfeites dos cemitérios. O
consumo dessas plantas é constante e, segundo estimativas do SEBRAE,
crescente.
Segundo informações fornecidas, por e-mail, pelo SEBRAE de Juiz de Fora, em
18 de maio de 2009, o consumo de flores ornamentais no Brasil vem crescendo
de maneira acelerada nos últimos anos. Acredita-se que o mercado interno irá
crescer e atingir níveis superiores aos atuais de consumo, principalmente
motivado pela mudança de hábitos da população. Além disso, o mercado externo
tem buscado novas opções de flores, flores exóticas, uma grande oportunidade
para o Brasil se posicionar como principal fornecedor mundial.
A produção brasileira de flores e plantas está distribuída em doze pólos
produtores. A maioria dos produtores concentra-se em São Paulo. Os outros
principais pólos estão localizados nos Estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Recentemente, nota-se a inserção de
27
Estados nordestinos, principalmente Ceará e Pernambuco, com foco no cultivo e
a comercialização de flores tropicais. (SEBRAE, 2009)
O clima frio da cidade de Barbacena foi um fator de grande contribuição para que,
com a chegada de imigrantes alemães e italianos, tivesse início ali o cultivo e
depois o forte comércio de rosas e outras flores, o que a fez ficar nacionalmente
conhecida como Cidade das Rosas. (DUARTE, 2007, p.49) Fugindo da Guerra
Mundial, as famílias alemã s aportaram em Barbacena por volta de 1948, trazendo
em suas bagagens uma nova cultura e sendo as responsáveis pelo plantio das
primeiras mudas de rosas na região. Pouco depois, chegaram os imigrantes
italianos e começaram a trabalhar nas lavouras de famílias tradicionais de
Barbacena. Aos poucos, em 1962, os italianos adquiriram um espaço próprio e
começaram o cultivo de rosas, unindo dois dos elementos identitários da cidade:
as rosas e os imigrantes. Desde então, a produção de rosas e flores passou a ser
uma tradição na cidade e uma das principais atividades econômicas do município,
oferecendo empregos para a comunidade local. (op.cit., 2007)
A floricultura, inicialmente localizada nas regiões de Barbacena, Juiz de Fora, São
João del Rei, Belo Horizonte, Congonhas, Mateus Leme, Sete Lagoas e
Diamantina, ganhou cidades adeptas em todo o Estado. Hoje, existem fortes
iniciativas no sul de Minas (op.cit., 2007). Apesar da diversidade de plantas e
flores cultivadas, o Estado ainda é fortemente reconhecido pela produção de
rosas, muito em função do posicionamento atingido pela região de Barbacena,
considerada a capital brasileira das rosas, conforme afirma o jornal Estado de
Minas, em reportagem sobre a Festa das Rosas de 2002, em 3 de outubro de
2002, na página 2 do “Caderno de Turismo”. A região produz rosas e flores em
larga escala e as exporta para várias cidades de Minas Gerais, de outros estados
brasileiros e para Portugal. O período de exportação é de outubro a março,
28
quando acontece a extração da maior safra produzida, resultado da poda de
agosto.
Em entrevista
4
com Sheila Loschi, em 28 de maio de 2009, presidente da
Associação Barbacenense dos Produtores de Rosas e Flores, a ABARFLORES
5
,
verificamos que a estimativa é de que na região de Barbacena existam cerca de
trinta e cinco produtores, dos quais cerca de 60% cultivam rosas. As outras flores
cultivadas na região são, por exemplo, copo de leite, crisântemo, estrelitza, tango,
gypsophila, antúrios, lisiantus, lírios, helicônias e orquídeas. Segundo Sheila, a
associação conta, atualmente, com dezoito associados.
O plantio de rosas era feito, por volta de 1960, nos arredores de Barbacena e em
seus distritos que, após alguns anos, receberam emancipação. Atualmente, a
produção de rosas e flores é feita em Barbacena e nas cidades vizinhas. Como a
produção era bastante vasta, as rosas se tornaram um símbolo de Barbacena, e
são um elemento de identidade cultural, estão espalhadas em canteiros pelas
praças da principal rua da cidade, a Rua XV e pelos jardins das casas. A
importância das rosas faz-se ver, por exemplo, pelo fato de que a única empresa
de transporte coletivo da cidade usa, em seu nome, esse elemento. A empresa
denomina-se “Empresa Cidade das Rosas”. A maior expressão do cultivo de
rosas e flores e dessa marca identitária na cidade é a Festa das Rosas e Flores,
tombada pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de
Barbacena como um bem imaterial da cidade.
4
Entrevista realizada por mim, Clara Araújo de Matos, em 28 de maio de 2009. A reprodução da
entrevista está no anexo da página 134 deste trabalho.
5
A ABARFLORES surgiu em 21 de dezembro de 1999. A associação foi criada pela necessidade
de aumentar as vendas e de organizar o setor. Segundo seu estatuto, a associação tem as
seguintes finalidades: unir os produtores, visando ao aprimoramento das técnicas de cultivo de
flores, quaisquer que sejam, de corte, vasos ou mudas; ser um órgão de defesa dos interesses
dos produtores junto às autoridades; promover exposições, leilões, consórcios, comércios e outros
eventos ligados à atividade do cultivo das flores: estudar e defender os interesses dos produtores
de rosas e flores referentes à produção, industrialização e comercialização do produto para os fins
de manutenção da entidade. (ABARFLORES, 2004, p.3)
29
Segundo Massena (1985), Augusto de Saint Hilaire, ao descrever sua estada em
Barbacena, em 1818, por ocasião de sua Viagem pelas Províncias do Rio de
Janeiro e de Minas, registra que
a maioria das casas possui um pequeno jardim; entramos no de um
comerciante conhecido do Sr. Ildefonso, e aí vimos latadas carregadas
de belos cachos de uvas, pessegueiros cobertos de frutos, algumas das
flores mais cultivadas nos jardins da Europa, tais como cravos,
escabiosas, amores-perfeitos (diathus barbatus); enfim, belíssimos
legumes e, entre outros, batatas. Os jardins que vimos, de um dos lados
da grande rua, se estendem pela encosta da colina, e, na maior parte,
sustentados por muralhas, formam pequenos terraços. (SAINT-HILAIRE
apud Massena, 1985, Parte II, p.364)
A floricultura envolve o cultivo de plantas ornamentais, flores de corte, plantas em
vasos, produção de sementes, bulbos e mudas de árvores de grande porte. O
complexo agroindustrial de flores necessita de tecnologias avançadas,
conhecimento técnico do produtor e um sistema eficiente de distribuição e
comercialização para ser competitivo. Mesmo dominando as técnicas de cultivo,
os produtores viram o declínio dessa atividade acontecer por volta dos anos de
1990, quando cada produtor precisava pagar royalties
6
aos laboratórios que
desenvolviam os espécimes cultivados na região de Barbacena. Esse pagamento
encarecia muito a produção, levando os negócios a uma baixa que quase acabou
com o cultivo de rosas na região, resultando até mesmo na falência de algumas
empresas do ramo, conforme relata a também produtora Sheila Loschi.
A produção de rosas cresceu em Barbacena ao longo dos anos e foi se
aprimorando em qualidade e, portanto, sendo cada vez mais competitiva,
chegando a disputar a concorrência pelo gosto dos compradores com países que
6
Palavra inglesa que significa o valor cobrado pelo proprietário de uma patente de produto,
processo de produção, marca, desenho, plano, modelo, entre outros, (...) para permitir seu uso ou
comercialização. (DUARTE, 2007, p.59)
Segundo Sheila Loschi, os royalties citados configuram uma porcentagem que os
produtores de rosas pagam, pelo direito de produzir as rosas, aos laboratórios de países como
França, Alemanha, África do Sul e Equador que desenvolvem as variedades dessa flor.
30
exportam e têm tecnologia e mão-de-obra especializada para o cultivo dessas
plantas, como a Colômbia e a Holanda.
Segundo o jornal Barbacena, Órgão Oficial do Município de Barbacena, na edição
de 3 de dezembro de 2008, Barbacena, e região, ocupa, atualmente, a terceira
posição no ranking nacional de produção de rosas.
As rosas são, portanto, motivo de orgulho para os moradores barbacenenses que
veem na produção dessas uma fonte de renda, uma demanda turística e,
sobretudo, uma formação identitária. Segundo Bauman (2005), a identidade só é
revelada como algo a ser inventado, e não descoberto (p.21), inventar a
identidade barbacenense através das rosas foi uma escolha feita pela cidade,
associando a produção, o comércio e a Festa das Rosas e Flores. As rosas
movimentam, todos os anos, um grande volume financeiro, em negócios com
lojistas locais e importadores e com o SEBRAE, um grande parceiro dos
produtores, segundo Sheila Loschi. Mas os produtores têm mesmo como ponto
máximo de oportunidade de negócios e divulgação do produto a Festa das Rosas,
pois essa festa constitui o momento em que as rosas e flores atingem o ponto
culminante como produto identitário barbacenense, sendo compartilhado pelos
habitantes da cidade. Segundo Canclini,
a identidade cultural se apóia em um patrimônio, constituído através de
dois movimentos: a ocupação de um território e a formação de coleções.
Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade
ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que
habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável. Nesses
territórios a identidade é posta em cena, celebrada nas festas e
dramatizada também nos rituais cotidianos. (CANCLINI, 1997, p.190)
A Festa das Rosas e Flores de Barbacena teve início em 1968, quando o então
prefeito Simão Tamm Bias Fortes inaugurou um parque até hoje utilizado para
festas, exposiçõ es, shows, passeios e eventos diversos: o Parque de Exposições
“Senador Bias Fortes”. Nesse complexo turístico, idealizado pelo prefeito que o
31
inaugurou, foi realizada a primeira edição da Exposição Agropecuária e Industrial
e, no seu encerramento, a primeira Festa das Rosas, essa realizada no centro da
cidade. Foi nesse primeiro evento que teve início uma eleição que se tornaria, ao
longo dos anos, símbolo de tradição, beleza, glamour e status entre as
barbacenenses: a coroação da Rainha das Rosas.
Quando chega o mê s de outubro, a cidade se movimenta para a realização da
Festa das Rosas, cartazes pelos muros divulgam a programação, a prefeitura
promove a capina nos caminhos que levam ao Parque de Exposições, cuida de
replantar ou de limpar os jardins das ruas principais da cidade e realiza a pintura
dos postes e blocos de cimento para dar um aspecto limpo e cuidado aos trechos
que levam ao Parque. A cidade vê esse cuidado duas vezes por ano nos mesmos
trechos: em maio e em outubro, datas da Exposição Agropecuária e da Festa das
Rosas e Flores.
Nos cinco dias da festa, a movimentação na cidade é grande, os hotéis recebem
visitantes de várias partes de Minas Gerais e de outros estados. Artistas
populares fazem suas apresentações e arrastam uma verdadeira multidão ao
Parque. Essa mobilização para os shows é uma reclamação de Sheila Loschi,
pois, segundo ela, os órgãos municipais estão valorizando muito mais os shows
de música, gastando valores altos para levar à cidade artistas populares
conhecidos nacionalmente e deixando de lado o principal motivo da festa: as
rosas e as flores. Os estandes são montados nos galpões em que, cinco meses
antes, na Exposição Agropecuária, estavam os animais expostos, lugares
repletos de vacas leiteiras, bois, cavalos, cabritos, aves e feno e fezes e urinas e
cheiro de curral, de estábulo, de galinheiro. Os galpões são ainda escuros e
possuem pouca ventilação.
Quando os estandes são montados, fica no meio do galpão um corredor para os
visitantes que se espremem para ver as rosas, os arranjos, as mudas, enfim os
32
produtos principais da festa. O espaço é pequeno e as pessoas,
desconfortavelmente, vão passando em frente aos arranjos e às mudas sem
poder parar para admirar, mal conseguindo tirar uma fotografia, porque outros
visitantes também estão passando e empurrando. Apesar desses contratempos
que a presidente da ABARFLORES nos relatou, ela nos disse também que a
venda de mudas de rosas e flores durante a festa é grande, assim como há uma
boa vendagem de arranjos florais e a festa acaba por ser um bom lugar para os
produtores divulgarem e comercializarem seus produtos.
Além das exposições de rosas, flores e folhagens diversas, todas cultivadas na
cidade e região, a festa inclui também mostra de artesanato e gastronomia dos
restaurantes mais famosos da cidade, desfile das garotas concorrentes ao título
de Rainha das Rosas, Brotinho, Broto e Super-Broto das Rosas e o concurso de
carros alegóricos, bastante esperado e prestigiado pela população. O desfile dos
carros acontece no domingo, último dia da festa, e são, na verdade, tratores
enfeitados de forma muito criativa pelos produtores, cobertos de rosas e
carregando as moças e meninas que concorreram aos títulos da festa. Todas elas
jogam pétalas de rosas para o público e posam para fotografias.
O sucesso da festa é grande e conta com a participação de barbacenenses e de
muitos visitantes, especialmente nos shows famosos como o da cantora baiana
Ivete Sangalo, em 2002 e o do grupo O Rappa, na edição de 2005. A festa conta,
com grande divulgação pela imprensa mineira em jornais como Hoje em Dia,
Estado de Minas, O Tempo e Diário da Tarde, por exemplo. A Festa das Rosas e
Flores tornou-se, portanto, tradicionalmente conhecida e prestigiada e é, também,
considerada bem imaterial com valor histórico e turístico, tombada pelo município,
conforme trechos que transcrevemos do Decreto de Tombamento:
O Prefeito do Município de Barbacena, no uso das atribuições de seu
cargo (...) considerando a decisão do Conselho Deliberativo Municipal do
33
Patrimônio Cultural de Barbacena, constante da Ata 015, de 31 de
agosto de 2006;
Decreta:
Art. 1º Fica homologado o tombamento, realizado pelo Conselho
Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de Barbacena, da Festa
das Rosas e Flores de Barbacena, promovida anualmente pela
Prefeitura Municipal de Barbacena, Associação Barbacenense de
Floricultores e Câmara dos Dirigentes Lojistas de Barbacena, na
qualidade de bem imaterial, por seu valor histórico e turístico. (...)
7
Assim, as rosas em Barbacena são um símbolo de tradição e identidade. Diante
do que foi apresentado sobre a produção de rosas e sua importância para a
cidade, podemos afirmar que as rosas são, de fato, um elemento identitário de
Barbacena, ao lado dos loucos, dos políticos de dos imigrantes. Mas, como afirma
Bauman, As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas
outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em
alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas. (BAUMAN,
2005, p.19) No caso específico das rosas como elemento caracterizador da
identidade de Barbacena, vemos uma aceitação por parte do público, que
participa da festa, que abre floriculturas pela cidade, que compra rosas e flores
nela produzidas e que inscreve e incentiva suas filhas nos concursos da festa.
Além disso, essa identidade é construída e reforçada pelas pessoas que estão
envolvidas com o cultivo das flores e pela Secretaria de Turismo da cidade.
É no festival de rosas que vemos o quanto essa identidade está arraigada na
caracterização do município. Há um esforço por parte do poder público em
consolidar o codinome de “Cidade das Rosas” para Barbacena, pois em época de
festa, seja a das Rosas, seja a Exposição Agropecuária ou o Festival da Loucura,
novas mudas de flores e roseiras são plantadas no centro da cidade e o jornal de
informação oficial do governo também se refere ao município por meio do título de
“Cidade das Rosas”. Além disso, temos a Empresa Cidade das Rosas, que
transita por toda a cidade estampando nos ônibus esse epíteto. Para a população
7
Este Decreto Municipal, de 5980, encontra-se disponível no site da Prefeitura Municipal de
Barbacena, http://www.barbacena.mg.gov.br/pmb/leis/busca_lei.php e foi acessado em cinco de
junho de 2009.
34
barbacenense, portanto, ter em sua cidade o símbolo da rosa configura um
orgulho constantemente reforçado.
No ano de 2009, pela primeira vez desde que a Festa das Rosas e Flores foi
criada, a cidade não realizou esse evento. A alegação da prefeitura foi que a
Secretaria Estadual de Saúde e o Comitê de Enfrentamento da Gripe Suína
recomendaram o cancelamento da festa porque, ao receber milhares de turistas e
reunir tantas pessoas em um só local, o evento representaria um risco para a
população. O motivo para tal preocupação é que a Influenza A, H1N1, se prolifera
mais facilmente em grandes aglomerações. Essa medida de precaução foi tomada
em várias partes do país com o cancelamento de diversos eventos. Para que não
passasse completamente em branco, houve eleição da Rainha das Rosas e o
também tradicional Baile das Rosas.
2.2 Os loucos: alienistas e alienados – da ficção à realidade
Doido
O doido passeia
pela cidade sua loucura mansa.
É reconhecido seu direito
à loucura. Sua profissão.
Entra e come onde quer. Há níqueis
reservados para ele em toda casa.
Torna-se o doido municipal,
respeitável como o juiz, o coletor,
os negociantes, o vigário.
O doido é sagrado. Mas se endoida
de jogar pedra, vai preso no cubículo
mais tétrico e lodoso da cadeia.
Carlos Drummond de Andrade
A loucura só existe em cada homem, porque é o homem que a constitui no apego
que ele demonstra por si mesmo e através das ilusões com que se alimenta.
35
(FOUCAULT, 1991, p.24) Alimentar ilusões e defender pontos de vista pessoais,
que destoam do que a sociedade considera como comportamento convencional,
são fatores apontados por Foucault para o entendimento da existência da loucura
tal como ela foi diagnosticada socialmente. Entretanto, a loucura pode ter, ao
longo de sua história, outras significações além dessa.
Na Antiguidade a loucura era considerada uma manifestação divina. O ataque
epiléptico, visto como loucura pela Antiguidade, era intitulado “doença sagrada”,
significava maus presságios quando ocorria durante os comícios. Se uma pessoa
sofresse um ataque epiléptico durante a explanação de um dos oradores, tal
evento era interpretado como sendo uma intervenção divina, como um sinal de
que não se deveria acreditar no que dizia o orador. Ao longo dos anos, a epilepsia
passou de divina a psicossomática, levando estudiosos e médicos a acreditarem
que a loucura era uma causa física e deveria ser tratada como tal. A exclusão não
demorou a ser a atitude mais conveniente para a sociedade, primeiro os loucos
eram banidos das cidades e ficavam vagando pelos campos, depois começaram
a ser agrupados e tratados das mais diversas formas. Os mais agitados eram
amarrados e os demais eram sempre dopados com medicamentos. Mas a loucura
também causa fascinação nas pessoas e, segundo FOUCAULT (1991),
a loucura fascina porque é um saber. É um saber, de início, porque todas
essas figuras absurdas são, na realidade, elementos de um saber difícil,
fechado, esotérico. (...) Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o
detém em sua parvície inocente. Enquanto o homem racional e sábio só
percebe desse saber algumas figuras fragmentárias - e por isso mesmo
mais inquietantes -, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta:
essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia
de um saber invisível. (p. 20-21)
Vemos uma referência à divinização da loucura também no Corão, o livro sagrado
dos muçulmanos. A Casa Verde, o hospício de O Alienista, conto machadiano
que permeará esta parte do nosso trabalho, recebeu uma inscrição do livro árabe
36
esclarecendo que Maomé declara veneráveis os doidos, pela consideração de
que Alá lhes tira o juízo para que não pequem. (ASSIS, 2004, p.21).
A trajetória do louco é também narrada nas cartas do Tarô, um oráculo europeu
que, segundo estudiosos, teve suas primeiras cartas pintadas durante a
Renascença. Podemos afirmar que o Tarô, em sua versão completa, incluindo os
quatro naipes do baralho e as imagens conhecidas como Arcanos Maiores ou
Trunfos do Tarô reportam à segunda metade do século XV, quando suas cartas
foram desenhadas e pintadas na Itá lia. (SHARMAN-BURKE, 1988, p.8). O louco é
a primeira das vinte e duas cartas desenhadas do Tarô e o jogo consiste na
viagem que esse faz, encontrando, ao longo das cartas, as experiências
fundamentais da infância, do espírito e da imaginação:
Essa carta, o primeiro Arcano Maior, mostra um jovem corajoso, vestido
apenas com peles de animal, executando uma espécie de acrobacia à
beira de um precipício. Traz na cabeça uma coroa de folhas de parreira
e da testa lhe saem dois pequenos chifres de cabrito. Seus olhos estão
voltados para o romper do dia, a distância, onde o sol começa a
despontar por entre as montanhas. A sua volta, apenas uma paisagem
desolada e árida. À esquerda, oculta pelas sombras da noite que acaba
de terminar, vê-se a entrada de uma caverna, de onde o rapaz acaba de
sair. Em cima da entrada da gruta, surge um galho igualmente seco e
desfolhado onde uma águia está pousada. A águia é o pássaro de Zeus,
rei dos deuses, que observa o louco prestes a se lançar no
desconhecido. A caverna da qual ele acaba de sair representa o
passado, algo sombrio e não identificado, a partir do qual a
conscientização sobre a própria individualidade está prestes a tomar
forma. Os pequenos chifres na fronte, assim como as peles que o
cobrem, sugerem que o rapaz pode ser comparado a um selvagem,
conduzido apenas pelo instinto e ainda inconsciente e desprovido de
saber. (SHARMAN-BURKE, 1988, p.20)
O louco, para a nossa sociedade, entretanto, representa, diferentemente da
proposta divinatória, um ser incapaz de conduzir o próprio caminho. Por esse
motivo, não faltou quem o conduzisse conforme as leis da razão criadas pelos
homens “sãos”. A história da loucura atravessou os séculos e piorou muito no
37
decorrer desses. O que vale ressaltar, contudo, é que a reviravolta no tratamento
das doenças mentais enfim aconteceu.
Michel Foucault, em seu História da Loucura na Idade Clássica (1991), mostra-
nos como a loucura substituiu a lepra como principal objeto de exclusão e
supressão de elementos dessa sociedade. Precisava-se de outro fenômeno que
seria seu novo ‘bode expiatório’.
Esse fenômeno é a loucura. Mas será necessário um longo momento de
latência, quase dois séculos, para que esse novo espantalho, que
sucede à lepra nos medos seculares, suscite como ela reações de
divisão, de exclusão, de purificação que no entanto lhe são aparentadas
de uma maneira bem evidente. Antes de a loucura ser dominada, por
volta da metade do século XVII, antes que se ressuscitem, em seu favor,
velhos ritos, ela tinha estado ligada obstinadamente, a todas as
experiências maiores da Renascença. (FOUCAULT, 1991, p. 8)
Da mesma forma como acontecia antes dos hospitais psiquiátricos serem criados,
na ficção de Machado de Assis os loucos também viviam soltos pelas ruas,
excluídos ou presos em casa esperando a morte, tal como vemos em Itaguaí,
cidade do Rio de Janeiro em que o conto machadiano se passa:
A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é arguida pelos
cronistas, tinha o de não fazer caso dos dementes. Assim é que cada
louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa e, não
curado, mas descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício
da vida; os mansos andavam à solta pela rua. Simão Bacamarte
entendeu desde logo reformar tão ruim costume; pediu licença à Câmara
para agasalhar e tratar no edifício que ia construir todos os loucos de
Itaguaí e das demais vilas e cidades, mediante um estipêndio, que a
Câmara lhe daria quando a família do enfermo não o pudesse fazer.
(ASSIS, 2004, p.21)
Mas reunir os loucos em um só lugar parecia inconcebível, A idéia de manter os
loucos na mesma casa, vivendo em comum, pareceu em si mesma um sintoma
de demência. (ASSIS, 2004, p.21) Ainda assim, o Dr. Simão Bacamarte construiu
um hospício e abrigou nele quase toda a população de Itaguaí, que passou a
38
viver entre muros, aglomerados e servindo de cobaias para as experimentações
do médico. Podemos observar uma analogia entre o hospital de “O Alienista” e o
que vemos nos hospitais psiquiátricos de Barbacena, no período que vai do ano
de 1900 a aproximadamente 1970: um aglomerado de pessoas guardadas por
muros, misturadas as crianças e os adultos, vivendo de forma vegetativa. Os que
tinham realmente algum distúrbio mental nã o eram curados e os que não
apresentavam demência acabavam piorando suas condições físicas e psíquicas.
Segundo FOUCAULT (1991), A internação é uma criação institucional própria ao
século XVII. (p.78) e perdurou até meados do século XX, vigorando por cerca de
três séculos, até que começaram as lutas antimanicomiais. Como vemos hoje em
Barbacena, reunir tantas pessoas debilitadas num mesmo lugar não foi uma idéia
brilhante. As residências terapêuticas, com menor número de moradores, são
mais funcionais do ponto de vista da recuperação dos portadores de doenças
mentais que o hospital com seus milhares de internos.
A história da loucura em Barbacena data do início do século XX, com a
implantação do primeiro Hospital Psiquiátrico de Minas Gerais na cidade. Seu
histórico é sombrio, as reportagens da revista O Cruzeiro e o documentário de
Helvécio Ratton, Em nome da razão, que relatam esse período, chocam por
mostrar a displicência do governo estadual e municipal, responsáveis pelo
tratamento dos internos. Apesar disso, a história agora é outra, com a luta
antimanicomial, com as residências terapêuticas e com os dois símbolos máximos
dessa mudança na forma de pensar e tratar a loucura: o Museu da Loucura e o
Festival da Loucura.
Chamarmos a ficção aqui para introduzir a questão dos hospitais psiquiátricos em
Barbacena deve-se ao fato de que, embora seja uma frase comum, a vida imita a
arte. Ainda que Machado de Assis tenha escrito “O Alienista” em 1882, quando
ainda não havia hospitais psiquiátricos em Barbacena, podemos buscar na ficção
aproximações com a realidade que acontecia na cidade. A ironia machadiana, ao
39
colocar em questão o limite entre a loucura e a sanidade, chama-nos atenção
para a realidade que era vivida nos hospitais psiquiátricos em Barbacena. Muitas
pessoas eram consideradas loucas, simplesmente por não se adequarem aos
padrões rígidos de comportamento social na sociedade brasileira de formação
católica e extremamente moralista.
2.2.1 (Colônia): uma tragédia silenciosa – luzes sobre uma era nefasta
Começaremos por tratar desse tema, nesse capítulo, expondo e argumentando
sobre a obra (Colônia): uma tragédia silenciosa. Essa obra, organizada pelo
psiquiatra barbacenense Jairo Furtado Toledo, consiste numa série de fotografias
assinadas por Luiz Alfredo Ferreira, fotógrafo da revista O Cruzeiro, marco da
imprensa brasileira até os anos 1980. Além das fotografias de Luiz Alfredo, a obra
apresenta textos de vários profissionais, como psiquiatras, gestores públicos,
jornalistas e artistas, em depoimentos escritos em várias épocas. Antes, todavia,
de partirmos para o estudo dessa obra, vamos fazer um breve comentário sobre a
história do Hospital Colônia para que possamos entender como se deu o início
dessa instituição e como ela, afinal, chegou aos dias atuais carregando consigo
um museu e um festival. Segundo Canclini, Para elaborar o sentido histórico e
cultural de uma sociedade é importante estabelecer, se possível, o sentido original
que os bens culturais tiveram. (CANCLINI, 1997, p.202)
De acordo com Isaías Persotti, em BARROS (2008), o século XIX foi considerado
como o século dos manicômios na Europa, com a criação de hospícios públicos e
com um progressivo aumento nas internações. No Brasil, esse quadro foi
estendido até a metade do século XX. Conforme SAVASSI (1991), temperaturas
amenas, equilibradas, são favorá veis à recuperação física e mental de pacientes
40
portadores de doenças pulmonares e distúrbios mentais e a cidade de Barbacena
sempre foi muito procurada por pessoas em busca de melhoria ou mesmo de um
lenitivo para seus males respiratórios e mentais. A fundação do Hospital Colônia
ocorreu em 1900, no governo de Francisco Sales, mas sua instalação só
aconteceu em 12 de outubro de 1903, em Barbacena, cidade escolhida em
detrimento a São João del-Rei e Diamantina para sediar a instituição.
Segundo o pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Amarante, no
artigo intitulado “O lugar-zero”, publicado na obra (Colônia): uma tragédia
silenciosa, o hospital foi
Construído como prêmio de consolo para uma cidade cujo projeto era
muito mais ambicioso: Barbacena almejava ser a capital das Minas
Gerais, mas o destino reservou-lhe algo muito diferente. Em
compensação pela perda de ser a capital recebeu a construção do
hospício mais importante do Estado. Edificado em terras marcadas pela
sina da traição: para sede do hospício foi escolhida a fazenda de
Joaquim Silvério dos Reis, prêmio que recebeu por sua delação dos
Inconfidentes. As terras do traidor viraram o presente de grego da
democracia. (Apud.,TOLEDO, 2008, p.31)
Como afirma DUARTE (1996) a construção da nova capital mineira no século XIX
exigiu que a organização do espaço se pautasse em mecanismos preventivos
que controlassem classes perigosas. (p.100) Assim, como entre essas classes
perigosas estavam os loucos, os alcoólatras, aqueles que não se enquadravam
numa ordem social preestabelecida, esses deveriam ser segregados da capital e
já ocupavam, por exemplo, as santas casas de misericórdia nas cidades de São
João del-Rei e Diamantina.
Entretanto, através das posições políticas que ocupavam no Senado Mineiro,
Joaquim Antônio Dutra e o ex-presidente de Minas Gerais, o barbacenense
Crispim Jacques Bias Fortes graças às suas influências junto ao Partido
Republicano Mineiro (PRM) a cidade de Barbacena foi escolhida politicamente
41
para sediar a instalação do Hospital Colônia. A escolha da cidade, foi antes de
tudo, uma decisão política,(...) vinha reforçar ainda mais o mandonismo local,
através do clientelismo e patriomonialismo, pela indicaçã o feita por políticos para
o preenchimento de vagas no quadro funcional do Hospital, afirma Duarte (1996,
p.101-102).
Sendo assim, foi então instalado o hospital que teve por primeiro diretor o médico
renomado Dr. Joaquim Antônio Dutra. Naquela época, o Hospital Colônia era
conhecido como Assistência de Alienados do Estado de Minas Gerais, sendo
esse nome modificado em 1927 para Hospital Central de Alienados; em 1934
para Hospital Colônia de Barbacena e finalmente, em 1977, o Estado juntou todas
as fundações de assistência à saúde (FEAL Fundação Estadual de Assistência
aos Leprosos; FEAMUR Fundação Estadual de Assistência Médica de
Urgências; FEAP Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica) e as de
atendimento a tuberculosos em uma só fundação, a FHEMIG (Fundação
Hospitalar do Estado de Minas Gerais). Atualmente a instituição é chamada de
Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB).
A história dessa instituição ficou incrustada na história de Barbacena. Uma
trajetória de tristeza e sofrimento marcou a FHEMIG durante longos anos. A
psiquiatria estaria aliada à ordenação sociopolítica, já que o hospício funcionaria
como um modo de continuidade da moral social. Pessoas com distúrbios leves e
crônicos vinham de toda parte do país em busca de tratamento daí a famosa
expressão “trem de doido”, já que os doentes mentais vinham para Barbacena em
trens superlotados –; familiares “depositavam” os doentes na FHEMIG e nunca
mais procuravam por eles; o Estado recolhia das ruas os andarilhos e os
internava e as condições em que essas pessoas viviam não favoreciam qualquer
melhora no quadro clínico, muito menos a reabilitação à convivência familiar e
42
social. Casos de lobotomia
8
, tratamento de choque, venda de cadáveres para
estudo em Faculdades de Medicina e sepultamento como indigentes de vários
cadáveres em uma mesma vala (acumulando um total de cerca de 60.000 corpos
em um cemitério de aproximadamente 8500m² - hoje em processo de
transformação através do projeto Memorial das Rosas), são algumas das histórias
narradas pelos anos de horror que o atual Museu da Loucura perpetua em sua
instalação no prédio do antigo Hospital Colônia. (Museu da Loucura, 2009)
9
A obra (Colônia): uma tragédia silenciosa apresenta uma perspectiva que destaca
o horror que foram os anos de funcionamento do Hospital Colônia. Composto de
cento e duas fotografias diferentes e vários textos, o livro impressiona e incomoda
ao compilar tanto sofrimento de maneira tão realista. As fotos, assinadas por Luiz
Alfredo, datam de abril de 1961. O olhar que vemos nas faces dos internos é
comovente, seja pela expressão doentia e sorridente, seja pelo alheamento quase
palpável.
Em pelo menos quinze fotos publicadas nesse livro vemos homens, mulheres e
crianças nuas pelos pátios internos e pelas salas do hospital; se não inteiramente
nus, alguns com apenas um embornal a tiracolo, foram retratados com camisolas
entreabertas, deixando as partes íntimas completamente à mostra, sem
consciência de pudor algum. A visão desses corpos nus chocou o psiquiatra
Wellerson Durães de Alkmim que narrou sua visita ao hospital, em maio de 1975,
no texto “A colônia zoológica de Barbacena”:
8
Segundo informações no Museu da Loucura, lobotomia, uma psicocirurgia irreversível, é a
transeção metódica de um dos lobos frontais, indicada em certas condições mórbidas mentais,
como síndromes esquizofrênicas, ou em casos de dores intratáveis de outra forma. MUSEU DA
LOUCURA, 2009.
9
Há vários dados no Museu da Loucura, espalhados em painéis não numerados, dispostos em
várias salas. As informações também estão em notas explicativas afixadas junto aos objetos
expostos. Compilamos as informações expostas no museu e as usamos nesse trabalho com a
referência “Museu da Loucura 2009”.
43
Algo de mim ficou ali para sempre, um olhar descobre uma cena. Não
adiantava mais fechar a cortina. (...) Com outras tantas pessoas,
partimos para uma visita à Colônia Zoológica de Barbacena. (...) No
retorno, muitas gozações pelo meu espanto e indignação. Como se a
brutalidade daqueles corpos nus embolados, massificados, desfeitos e
fedidos pudesse ser naturalizada e explicada apenas com um é assim
mesmo!”. A banalização do trágico talvez fosse necessária para se
suportar aquele dia-a-dia. Será? (Apud.,TOLEDO, 2008, p.47)
2.2.2 Palavras doce-amargas
Os textos publicados na obra (Colônia) constituem uma série de depoimentos,
relatos e impressões de pessoas que estiveram no hospital em seu tempo mais
nefasto e que o visitaram depois que essas instalações foram desativadas. As
palavras que lemos nos reportam dor e indignação diante das condições
subumanas em que os internos viviam. Augusto Nunes Filho, diretor do Centro
Psíquico da Adolescência e Infância da FHEMIG, retrata o Hospital-Colônia, no
texto “Apresentação”, da seguinte forma:
Uma colônia pode designar a instalação de um grupo em terra estranha
como também o pertencimento a outrem, seja esse domínio de caráter
econômico, geográfico, histórico ou jurídico. Uma colônia poderia ser, no
entanto, também lugar de cultivo e cultura. Descaminhos variados
causado pelos mais diversos motivos conduzem a instituição a ocupar o
posto de um dos maiores depósitos de desvalidos, loucos e excluídos
sociais do País. O hospital chega a abrigar uma impensável população
de cerca de cinco mil pacientes. As precárias condições presenciadas
nos anos 1950 tendem a agravar-se nas décadas posteriores, no
período da ditadura, quando quaisquer manifestações em defesa dos
direitos humanos são consideradas nada menos que atos de subversão
punidos com prisões, torturas e mortes. (Apud.,TOLEDO, 2008, p.23).
A preservação da memória dessa época foi possível graças à abertura que a
instituição concedeu à imprensa no início dos anos 1960. Luiz Alfredo, o fotógrafo
que assina as fotografias de (Colônia), esteve no hospital em função de uma
reportagem para a revista O Cruzeiro e assim narra sua visita em seu texto
intitulado “O dia em que estive lá”:
44
Cheguei com meu colega José Franco diante do portão de uma
instituição normal. Fui recebido por funcionários de forma absolutamente
normal. Passei por salas e corredores aparentemente normais. Até
freiras em trajes pretos nos receberam com atenção. Porém, à medida
que transpúnhamos portas e mais portas até atingir os pátios, sentíamos
que nada daquilo poderia ser normal. E as histórias e os relatos
apócrifos de gente que era abandonada ali por razões as mais diversas,
que ouvimos nos caminhos, começavam a fazer sentido naquele mundo
sem sentido.
Meu colega repórter, por vezes, se afastava de mim para ouvir pessoas,
buscar dados para seu texto. Passei uma tarde inteira fotografando
aquele hospital em cuja farmácia, alguém nos disse, não havia sequer
um comprimido para dor de cabeça. Um hospital... (Apud.,TOLEDO,
2008, p.27)
Segundo Barthes, A vidência do Fotógrafo não consiste em “ver”, mas em estar
lá. (BARTHES, 1984, p.76) Podemos notar, por esse relato, que o abandono do
hospital chegou a um nível degradante. E transformou-se em um pesadelo para a
sociedade médica e para os próprios cidadãos, nas palavras de João Batista
Magro Filho, professor de Medicina Social da FMUFMG (Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais), em seu texto “A cicatriz que nos faz
lembrar”:
(…) a história do Hospital Colônia de Barbacena é um pesadelo, um mal-
estar, uma palavra mal dita em nossa história. É um pesadelo que paira
sobre todos nós, médicos, psiquiatras, profissionais de saúde, pacientes,
cidadãos de Minas Gerais e do Brasil.
O Hospital Colônia de Barbacena foi um lugar de muita dor, de muitos
gritos, gritos de angústia, de morte, de perda de identidade, lugar
construtor e refletor de um imenso mal-estar social.
Criado para cuidar dos pacientes, ele próprio tornou-se patologia,
produziu iatrogenia em larga escala e necessitou de cuidados
permanentes para que pudesse se transformar.
A história é razoavelmente conhecida por todos e foi escrita, filmada e
mostrada em vários cantos de nossa terra. Com a função inicial de curar
os doentes mentais, o Hospital Colônia de Barbacena passou a receber
pessoas de todas as partes do Estado. Depois, se tornou um depósito de
doentes, um campo de concentração, um problema sério. Segregação,
exclusão, tratamentos inadequados para a recuperação dos doentes,
maus-tratos, super-lotação. Essas são apenas algumas palavras que
descrevem o passado desse hospício. (Apud.,TOLEDO,2008, p.39)
45
A “produção” de cadáveres dentro do hospital é também um fato marcante dessa
época de horrores. Segundo um painel exposto no Museu da Loucura, os
cadáveres dos internos eram cozidos em tambores de gasolina e todo esse
processo, para fornecimento apenas dos ossos, era realizado na frente dos
internos. As faculdades de medicina de Minas Gerais recebiam esses ossos e
incontáveis cadáveres para suas aulas de anatomia. O psiquiatra Paulo Henrique
Resende Alves, no texto “O hospício nosso de cada dia”, relata assim esse fato:
Barbacena era a cidade que abrigava o maior hospício de Minas Gerais
e fonte de estórias contadas por uma tia, irmã de caridade, que lá
trabalhava. O perigo de criaturas sem controle, que necessitavam ser
trancafiadas era o tom principal. Piedosamente comentava-se sobre os
gritos de socorro daqueles coitados.
Nas aulas de anatomia da Faculdade de Medicina da UFMG o hospício
de Barbacena me ressurgiu através dos cadáveres usados para
dissecação. Antes do óbito eram mortos vivos para a sociedade, pois
aos loucos eram negados básicos direitos de cidadania. Após a morte
biológica os ignorados pelas respectivas famílias não tinham direito nem
a uma cova rasa. Tornavam-se importantes fontes de estudo, além de
alimentar o comércio paralelo macabro desenvolvido com seus corpos.
Comentários assépticos mencionavam a fonte daquele material de
estudo. Corpos úmidos de formol, sem história, através dos quais os
alunos se habilitavam a trabalhar pela cura. (Apud.,TOLEDO, 2008,
p.37)
As mortes eram uma constante em um lugar tão degradado e com super-lotação.
Não havia leitos suficientes para os internos que não paravam de chegar. Nem
mesmo o cemitério destinado a receber os corpos dos doentes tinha capacidade
para o número que ultrapassou a marca de 60.000 corpos. O Secretário do
Estado de Saúde de Minas Gerais, Marcus Vinícius Caetano Pestana da Silva,
apresenta os números em seu artigo “Da loucura às rosas”:
O Prof. José Ribeiro Paiva Filho, ex-Superintendente Geral da FHEMIG,
em visita ao hospital, em 1969, relatou um quadro desolador: a
capacidade instalada era de 2.000 leitos, mas existiam mais de 4.000
internados; a cada mês ocorriam de 100 a 200 mortes; mais de 70% dos
internados não apresentavam problemas psiquiátricos, sendo levados
para lá os excluídos sociais, afastados do convívio social por diferentes
razões. Pacientes de toda a parte chegavam e eram abandonados em
46
Barbacena, trazidos por suas famílias ou nos vagões ferroviários,
também chamados “trens de doidos”.
Não se pode desprezar o fato de que, em nome da razão, mais de
60.000 homens, mulheres e crianças foram condenados à morte por
serem considerados “diferentes” da maioria da sociedade. Seus corpos
mutilados e comercializados como peças de anatomia ou disputados
avidamente pelas aves de rapina, sequer tinham direito a um enterro
modesto. (Apud.,TOLEDO, 2008, p.17)
A escassez de leitos para o número de doentes que residiam no hospital foi
solucionada com capim. Foram espalhados pelo chão das salas-quartos uma
quantidade de capim que, forrando o piso, fazia as vezes de cama. O capim
serviu também como colchão para aqueles que dormiam nos leitos. A maior parte
dos doentes viviam nus e misturados uns aos outros. A falta de higiene do
hospital e dos internos, ao lado da mortandade, chegou a atrair bandos de urubus
que ficavam sobrevoando o hospital e pousando em seus pátios. As moscas
também eram presenças constantes.
O Hospital Colônia foi construído contendo em sua planta muitas salas,
corredores e pátios internos e externos. Um emaranhado de paredes e muros
dispostos a conter toda a gama de excentricidade que por ali parasse. Afora toda
essa segurança dedicada, apenas demagogicamente, à proteção dos internos, o
que a estrutura física do hospital, como podemos ainda comprovar pessoalmente,
protegia mesmo era a sociedade, eliminando de seus olhos moralistas os seres
humanos que não se comportavam “devidamente”. Esses eram então levados
para locais, como o Hospital Colônia, onde poderiam ser tratados e curados.
E, enfim, as mudanças chegaram, não para apagar essa triste história, mas para
melhorar sensivelmente a vida dos portadores de doenças mentais. Uma
mudança que começou em 1979 quando o psiquiatra italiano Franco Basaglia,
precursor da luta pela extinção dos manicômios em todo o mundo, visitou o
Hospital Colônia. Essa visita foi fundamental para a desinstitucionalização do
manicômio, não só em Barbacena, mas em todo o Brasil. Basaglia ficou
47
impressionado com a exclusão diante de seus olhos e comparou o hospital a um
campo de concentração. (Apud, TOLEDO, 2008). Essas transformações podem
ser vistas de perto em Barbacena, pois na contramão desses tristes relatos,
temos hoje uma discussão muito séria, na cidade, sobre o tratamento psiquiátrico.
Hoje, os doentes mentais vivem em Residências Terapêuticas casas que
abrigam um número mínimo de doentes mentais assistidos de perto por
profissionais da área da psicologia e psiquiatria, com responsáveis que revezam
turnos de 12 horas dentro das casas, os Cuidadores, –, em que o convívio social
e o tratamento respeitoso por parte dos profissionais que cuidam dessas
residências são grandes aliados para a melhora física e mental e para a
recuperação da dignidade dos doentes.
As palavras dos textos dos quais transcrevemos vários fragmentos nos reportam
a uma época já, felizmente, distante da nossa realidade. Ainda assim, podemos
perceber nelas a amargura de quem presenciou tantos horrores e a doçura de
quem agora olha para trás e consegue mensurar a transformação pela qual a
condição dos doentes mentais passou.
2.2.3 Uma luta (não) armada
A visita de Franco Basaglia a Barbacena em 1979 foi um ponto determinante para
a reforma da assistência psiquiátrica brasileira. Basaglia ficou chocado com o
Hospital Colônia e procurou o governador de Minas, Francelino Pereira, com
questionamentos sobre os horrores que viu por trás daqueles muros. A partir daí,
o escândalo político em torno do descaso do governo para com o manicômio
barbacenense gerou discussões travadas pelos técnicos e pela sociedade, com o
apoio da mídia. Duas reportagens foram fundamentais nessa época: a série de
reportagens de Hiram Firmino, publicadas no Estado de Minas e mais tarde, em
1981, reunidas pela Editora Codecri sob o título Nos porões da loucura,
ganhadora do Prêmio Esso de Reportagem, e o documentário, ganhador do
48
prêmio “Margarida de Prata” da CNBB
10
, Em nome da razão, de Helvécio Ratton.
Com o apoio da imprensa e a expansão do pensamento crítico ao modelo
carcerário de assistência aos doentes mentais, a reforma começou a ser
desenhada no Brasil. (TOLEDO, 2008)
Em Barbacena essas mudanças foram muito significativas e continuam evoluindo.
O município implantou um Centro de Atenção Psicossocial para atendimento de
pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. Foram inauguradas, até
o ano de 2009, vinte e seis residências terapêuticas, com cento e sessenta e
quatro moradores, todos inseridos no Programa de Volta para Casa, que consiste
no recebimento de uma bolsa, do Governo Federal, para as despesas pessoais
de cada morador. Essas residências estão situadas em diversos bairros da cidade
e sã o assistidas por plantonistas, os Cuidadores. Alguns moradores circulam
livremente pela comunidade, frequentam igrejas e já houve até casamento entre
ex-pacientes internos. A cidade ainda conta com um bom número de portadores
de transtornos mentais, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena tem cerca
de duzentos e vinte e três moradores, a Clínica Mantiqueira abriga cerca de
noventa e nove e a Clínica Santa Izabel conta aproximadamente oitenta
pacientes. Esse número tende a ser reduzido com o aumento de residências
terapêuticas e com as novas técnicas de tratamento que não visam mais à
internação. (TOLEDO, 2008)
Mesmo com toda essa batalha para a transformação das formas de tratamento
psiquiátrico, existe uma que não sofreu grandes alterações: o manicômio
judiciário
10
Prêmio instituído pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na década de 1960, o
Margarida de Prata objetiva destacar, no cinema brasileiro, as obras que apresentam os valores
humanos, éticos e espirituais. A indicação dos filmes visa, ainda, ampliar a consciência crítica e
artística do público brasileiro. Essas Informações estão disponíveis em
http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=237481, acessado em oito de junho de 2009.
49
(...) uma instituição dividida entre a saúde e a justiça, entre o tratamento e
a penitência – dicotomia radical responsável por discussões que
ultrapassam as questões acerca dos direitos e deveres do Estado ou de
cada sujeito. São questões que envolvem a vontade, o desejo, as
possibilidades e os limites do sujeito. (Battaglia, 1999, p. 18)
Localizado no início da Rua Dr. Pena, o morro hoje uma planície modificada
pelo avanço urbano era o chamado “Morro da Forca”, lugar triste e sombrio,
como o próprio nome indica, antigo pelourinho de Barbacena. Assim começou a
história desse lugar que, de pelourinho, passou a local de execução de
condenados. O “Morro da Forca” ficou conhecido então como um lugar para dele
se guardar distância, um lugar lúgubre e indesejado. Quando Alfred Michel, um
industrial francês, outro imigrante nessa história, chegou a Barbacena, nos
últimos anos do Império, adquiriu essa área e nela construiu sua casa, uma
construção antiga, com características francesas, grades de ferro e várias árvores
frutíferas. O lugar logo mudou de atmosfera, tornado-se uma chácara bem
cuidada e de clima aprazível. (MASSENA, 1985, Part.I) Mas o destino do lugar
estava mesmo reservado à punição. Depois do falecimento de Alfred Michel, O
Estado de Minas Gerais adquiriu o local e nele instalou o Manicômio Judiciário.
Inaugurado oficialmente em 15 de junho de 1929, o manicômio vem, desde então,
recebendo vários criminosos com doenças mentais:
Vários psicopatas criminosos expiam, ou expiaram seus crimes por lá.
Lembro-me, quando garoto, de ouvir falar acerca de um tal Severino
(não se confunda com o folclórico político), esfaqueador, matador,
pessoa da mais terrível índole, trancafiado lá dentro, pela mesma razão.
Era pânico generalizado saber que ele estava presente, lidar com ele
então, nem se falava. Era viver sob constante tensão. Não sei,
entretanto, até que ponto isso tudo era verdade, mas me pergunto: será
uma maldição o curso da história se repetir ali? (O Democrata 82,
2006, p.5)
Como o autor da coluna “Personalidades Barbacenenses XIX”, do periódico O
Democrata, Rodrigo Geoffroy, explicita, não se sabe se é verdade que tamanho
50
medo assolou a população de Barbacena devido à presença de criminosos como
o citado acima, sabe-se que até hoje o Manicômio Judiciário representa o lado
obscuro da mente doente e criminosa nessa cidade. São criminosos
apresentando distúrbios psicológicos que fazem com que a luta antimanicomial
seja vista com ressalvas por parte da sociedade, pois não é difícil presumir o
receio de viver em uma cidade onde os doentes mentais não ficam confinados.
Mesmo porque a história de que os loucos em Barbacena causavam medo se
aplica aos internos do Hospital Colônia também, pois quando algum escapava do
hospital, causava pânico na população. Tudo isso gerado por uma força
discriminatória muito grande. Essas pessoas são tratadas assim porque tiveram,
como afirma BAUMAN (2005), negado o acesso à escolha da identidade, são
tratadas como as outras pessoas acham mais conveniente, são trancafiadas e
esquecidas, pois não têm o direito de manifestar as suas preferências, são
chamadas por diversos nomes e se veem oprimidas por identidades aplicadas e
impostas por outros e essas identidades causam ressentimento, mas ainda assim
pessoas como os portadores de doença mental não têm permissão de abandonar
as identidades que lhes são impostas. Identidades que estereotipam, humilham,
desumanizam, estigmatizam... (p.44). Essa discriminação é um fator também
determinante da identidade, pois
As batalhas de identidade não podem realizar a sua tarefa de
identificação sem dividir tanto quanto, ou mais do que, unir. Suas
intenções includentes se misturam com (ou melhor, são
complementadas por) suas intenções de segregar, isentar e excluir.
(BAUMAN, 2005, p.85)
Toda essa história da implantação do Hospital Colônia em Barbacena foi um fator
determinante para a criação da identidade barbacenense ligada à loucura, pois o
poder público responsável por fundar o hospital no município, ao receber tantas
pessoas portadoras de deficiência mental e submeter a população ao convívio
com a FHEMIG, marcou a cidade por mais de um século com o estigma da
51
loucura e, conforme estamos comprovando, essa marca continuará vívida por
muito mais tempo.
2.2.4 O Museu da Loucura
Localizado na antiga sede do Hospital Colônia, o Museu da Loucura é um espaço
criado para a preservação da memória desse hospital, da história da loucura, da
história de Barbacena e da história de tantos rostos que lá vemos estampados em
painéis. Rostos que ficaram sem voz, que foram torturados e desfigurados, rostos
que encheram de horror os corredores do hospital e que agora são acervo de
uma época que não pode e não quer ser esquecida.
Em 1979 foi realizado o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, durante o qual foram
apresentadas várias demonstrações sobre as condições dos hospitais
psiquiátricos de Minas Gerais. Dentre essas demonstrações podemos citar o
documentário de Helvécio Ratton e uma exposição montada pela equipe
organizadora do congresso. Essa exposição exibiu objetos, documentos,
fotografias e um banco de dados sobre o que acontecia dentro desses hospitais.
Em 1987, uma exposição semelhante foi organizada no Palácio das Artes, em
Belo Horizonte. Esse material seria o embrião do futuro Museu da Loucura que,
somente em 16 de agosto de 1996, através de um convênio firmado entre a
Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), por meio do Centro
Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) e a Fundação Municipal de Cultura
de Barbacena (FUNDAC), teve sua inauguração concretizada.
O Museu da Loucura tem por objetivos:
Resgatar a história da Psiquiatria Pública de Minas Gerais, mais
especificamente do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena
(CHPB); preservar a cultura, visando desenvolver e estimular a
valorização do patrimônio histórico e artístico; constituir elo entre a
52
sociedade e a instituição proporcionando o conhecimento da nova
abordagem terapêutica desenvolvida no CHPB e fazendo a integração
da comunidade com os moradores do hospital.
11
Para entendermos melhor como esse museu se relaciona com a sociedade local,
vamos descrevê-lo brevemente, pois suas composições sã o fundamentais para
identificarmos a loucura como um ícone da identidade barbacenense. E identificar
suas origens torna-se necessário para desenvolvermos uma perspectiva crítica. É
preciso, também, entendermos que o museu possui peças, fotografias, discursos
e documentos que foram selecionados por alguém mediante um determinado
recurso ou um processo de escolha que não conhecemos, entretanto, não vamos
questionar os aspectos positivos ou negativos de uma instituição como o museu,
o que pretendemos é analisar até que ponto o Museu da Loucura é importante
para a cidade de Barbacena no sentido de preservar uma história que já caminha
mesclada à própria história do município.
De modo geral, podemos informar que o museu é composto por sete salas de
exposição, comportando uma história do Hospital Colônia. Nessas salas estão
dispostos painéis com informações, fotografias e relatos dos próprios internos, há
instrumentos utilizados no tratamento dos pacientes e alguns de seus pertences.
O museu possui um acervo para quem busca informações sobre a história da
loucura em Barbacena. Segundo o Técnico Operacional da Saúde, Murilo de
Oliveira Santarosa
12
, o museu recebe uma média de vinte visitantes por dia,
considerando os números de abril e maio de 2009. (MUSEU DA LOUCURA,
2009)
O hall abriga um espaço com fotografias coloridas do carnaval de 1998 do Bloco
Tirando a Máscara, formado por moradores, usuários e funcionários do Centro
11
C.f. Guia de Museus Brasileiros, 2000, p.117
12
O funcionário do CHPB, Murilo de Oliveira Santarosa, estava, provisoriamente, lotado no Museu
da Loucura como recepcionista na data de uma de nossas visitas, em vinte e oito de maio de 2009
e concordou espontaneamente em fornecer os dados que transcrevemos nesse capítulo.
53
Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, com a participação da comunidade. Esse
bloco abre o carnaval de Barbacena e desfila também durante o Festival da
Loucura.
O primeiro painel recebeu o título “A Cidade dos Doidos” e faz um breve
apanhado histórico sobre o início do tratamento psiquiátrico em Minas Gerais:
A cidade dos doidos: Até o início do século XIX a atenção aos doentes
mentais no Brasil não existia. O primeiro hospital psiquiátrico do país foi
o D. Pedro II, no Rio de Janeiro, criado em 1841. Em Minas Gerais, eram
porões das Santas Casas como as de São João del Rei e Diamantina
que recebiam os loucos. Em 1900, o governo estadual criou a
Assistência aos Alienados de Minas Gerais. Sem recursos para construir
seu Hospital Central, o primeiro diretor da Assistência, Dr. Joaquim
Dutra, indicou então a cidade de Barbacena para sediar o Hospital,
utilizando o prédio de um sanatório particular fechado anos antes.
Durante 30 anos o Hospital Colônia de Barbacena funcionou de forma
aceitável. Gradativamente veio a super-lotação. Pacientes de toda parte
eram abandonados em Barbacena, chegando às dezenas nos “trens de
doidos”. Sem estrutura para receber sua crescente população, o Hospital
Colônia se transformou em um verdadeiro depósito de rejeitados.
Calcula-se que 60 mil pessoas morreram aqui. (MUSEU DA LOUCURA,
2009)
Vamos percebendo, ao longo da visita ao Museu da Loucura, que tudo o que nele
está exposto tem a função de causar um grande impacto no olhar do visitante.
Desde as fotografias, instrumentos utilizados pelos médicos e enfermeiros nos
pacientes, até as informações, tudo foi composto para não deixar o visitante
esquecer que em um tempo já passado as práticas de horror narradas pelo
Museu aconteceram e contribuíram para o falecimento de milhares de pessoas
em Barbacena.
Em uma das salas de exposição há uma instalação composta por uma grade
presa a certa distância da parede, a grade da última cela desativada no hospital,
em 1993. O objetivo dessa composição é denunciar o modo degradante como as
54
pessoas tinham seus comportamentos tolhidos na época do Hospital Colônia;
bastava uma alteração alimentar, uma recusa em tomar um medicamento, enfim,
bastava que os enfermeiros perdessem a paciência para que os internos fossem
então trancafiados. Atrás da grade há um quadro contendo seis fotografias de
pacientes que se encontravam nessas celas, todas mulheres, uma delas aparece
nua. A instalação representa uma forma de tratamento que era recorrente no
hospital: o encarceramento. Esse era o modo como a razão lidava com a loucura,
pois a loucura só tem sentido e valor no próprio campo da razão (FOUCAULT,
1991, p.33) e o isolamento era uma das formas de se estabelecer o sentido, o
valor e mais, o perigo da loucura. Dessa forma, a razão representa a liberdade e
a loucura, a prisão.
Não podemos deixar de notar que a forma como o Museu expõe seu acervo
causa grande impacto, levando o visitante a questionamentos acerca de valores
humanos, sociais, familiares, enfim, valores esquecidos numa época marcada por
vários equívocos.
O Paciente: O doente mental é antes de tudo um doente social. O
impulso da sociedade de tê-lo afastado justifica o hospício, e este é o
destino de muitos pacientes até a morte. As internações são justificadas
de todas as formas: psicó ticos, deficientes físicos, alcoólatras, epiléticos
e rejeitados em geral. A maioria das famílias abandona seus doentes
que se tornam crônicos. (Painel do MUSEU DA LOUCURA, 2009)
Num universo de pessoas consideradas sem individualidade, sem vida própria e
sem memória individual, afetiva, cada interno buscava marcar sua personalidade
com objetos simples, do seu cotidiano, que ficavam carregando o tempo todo,
provando justamente o contrário do que se pensava, provando que eles não eram
um bando de animais sem consciência da própria individualidade. O fato de
carregarem algo, ou mesmo amarrarem um pedaço de pano na pena, ou
envolverem a cabeça em um lenço ou chapéu, mostra-nos a necessidade que os
internos tinham de se diferenciarem uns dos outros. Esses objetos representavam
alguma posse, revelando a ausência de qualquer bem material.
55
Dessa forma, a partir do momento em que o objeto perdeu sua função primeira e
se transformou em peça identitária expositiva, a leitura que devemos fazer se
concentra na forma como esse objeto é apresentado, pois Quando um objeto
perde seu valor de objeto, o que conserva valor é a “maneira” como se apresenta
(LYOTARD, 1996, p.31). Assim, os objetos apresentam-se como peças de
museu, servindo para serem olhados e representando um passado para ser visto
no presente. As roupas já não vestem mais as pessoas, nem a caneca comporta
o café, mas o valor desses objetos consiste exatamente em reafirmar uma busca
pela memória, uma busca por não esquecer.
O Museu da Loucura, como vimos, tem o objetivo de perpetuar a triste história do
Hospital Colônia de Barbacena. A finalidade é mostrar, da forma mais crua
possível, desnudando os fatos ocorridos no hospital e chocando a populaçã o
visitante, os horrores de uma época. Mesmo com a clara intenção de causar
assombro, percebida pela forma como os materiais expostos foram selecionados
e agrupados, o Museu tornou-se uma instituição respeitada na cidade.
O Museu da Loucura, portanto, mostra a forma como a psiquiatria mineira foi
conduzida da primeira à penúltima década do século XIX. Ele integra a história do
Hospital Colônia, antes escondida atrás dos muros, e a sociedade, de forma a
conservar o passado. As exposições do museu dão voz aos internos que, na
época do funcionamento do hospital, foram silenciados e calam os profissionais
de saúde que trabalharam na instituição. Não há referências, nos painéis e
estandes do museu, a qualquer sucesso no tratamento dos internos. O que nos
parece é que houve apenas horror na história desse hospital e que nenhum
paciente, dentre tantos, recebeu alta, voltou ao convívio social. Se os tratamentos
eram ministrados, por exemplo, com remédios, encarceramentos, cirurgias
cerebrais, é porque os médicos dessa época acreditavam nesses métodos e
devem ter constatado algum resultado.
56
Para ilustrar a história do Hospital Colônia, chamaremos, nesse ponto do nosso
trabalho, a literatura machadiana com o conto “O Alienista”, um conto marcante
na obra de Machado de Assis e que retrata a trajetória de um médico em busca
de desvendar as doenças mentais.
Assim como no conto “O Alienista”, Barbacena também teve, conforme vimos,
sua casa de Orates
13
. A Casa Verde foi um local de aprisionamento descrita por
Machado de Assis no conto em questão e abrigou quatro quintos da população
de Itaguaí (ASSIS, 2004, p.46). Os motivos que levaram o Dr. Simão Bacamarte a
recolher tantas pessoas ao internamento foram variados. Primeiro foram os
dementes mesmo, depois o personagem começou a ver nos atos de
excentricidade, de inteligência, de equilíbrio e de desequilíbrio, de retidão de
caráter e de tolerância manifestações de doenças mentais. A aproximação com o
Hospital Colônia de Barbacena é grande. Lá também eram internadas pessoas
com patologias diversas, que nem sempre se comprovavam doenças da mente.
Podemos citar, segundo informações nos painéis expostos no Museu da Loucura
e no documentário Em nome da razão, de Helvécio Ratton, pessoas lá
abandonadas por problemas como alcoolismo e homossexualidade. Bastava que
a pessoa fosse diferente da maioria da sociedade para entrar no hospital e não
mais sair.
E, depois de fazer experimentos e estudos em toda a população de Itaguaí, o
médico do conto machadiano acabou por se trancar na Casa Verde com o intuito
de estudar a si mesmo, morrendo lá dentro poucos meses depois. O caso é que o
alienista tornou-se um alienado, o médico é que terminou louco. Assim, pela
história da loucura em Barbacena, podemos ousar dizer que a cidade como um
todo tornou-se uma Casa de Orates, vemos até hoje a loucura presente no
município, seja em locais, como o museu e as residê ncias terapêuticas, seja nas
13
Casa de Orates: hospício, casa de loucos. ASSIS, 2004, p.20.
57
piadas populares. De certa forma toda a população sente-se aprisionada na Casa
de Orates e reaviva esse estigma de diversas maneiras. O fato de se fazer um
documento de identidade de louco no Festival da Loucura reforça esse estigma.
Morar em Barbacena significa, portanto, ser louco, ter uma identidade de louco,
ainda que de forma carnavalesca.
2.2.5 O Festival da Loucura
A sociedade barbacenense, da região e de várias partes do Brasil tem
participação maciça no Festival da Loucura. Este é um evento recente que tem
por objetivo discutir as novas formas de tratamento psiquiátrico, trazendo à
população uma série de informações sobre as doenças de transtorno mental e
proporcionando à comunidade acadêmica várias atividades, como mesa-redonda,
debate e conferência. O Festival da Loucura configura-se como uma grande
mobilização da sociedade, artistas e intelectuais para discutir o tema que deu a
Barbacena a definição, criada pelo Jornalista Hiram Firmino, baseada no título de
suas reportagens para o jornal Estado de Minas em 1979 Os porões da loucura,
de Porão da Loucura, por ter sido comparável a um campo de concentração
nazista graças à crueldade praticada dentro do Hospital Colônia.
Além das atividades acadêmicas e de informação, o Festival proporciona também
atividades culturais, como exibição de filmes em praça pública e no cinema da
cidade; exposição de arte e shows de artistas como, na sua primeira edição, Tom
Zé e Hermeto Pascoal; tudo com a temática da loucura em voga. Há que se
ressaltar a importância desse Festival, pois nos dias do evento, a loucura e a
história de Barbacena, vinculada à história da FHEMIG, tornam-se um eixo de
discussão médica, acadêmica, social, cultural e artística.
58
Realizado pela primeira vez entre os dias trinta de março e dois de abril de 2006,
o Festival
14
foi promovido pelo Governo Municipal de Barbacena e a Empresa
Municipal de Turismo (CENATUR). O Festival foi bastante noticiado e contou com
cobertura das redes de televisão de Minas Gerais.
No segundo Festival da Loucura, realizado entre os dias doze e quinze de abril de
2007, a programação científica foi mais ampla que no primeiro festival e trouxe
profissionais das áreas médica, jornalística e cultural que debateram sobre os
temas derivados das mesas redondas intituladas “FHEMIG, 30 anos do
manicômio à inclusão social”; “O papel da mídia na reforma psiquiátrica” e “Os
meninos de Barbacena”. Destaque para a presença de Hiram Firmino nesses
debates. Todos os eventos promovidos nesses dias contaram com grande
participação de barbacenenses e visitantes.
A terceira edição do Festival, entre os dias quatro e seis de abril de 2008 foi a de
maior público, e tal frequência talvez se deva ao fato de que foram contratados
artistas de grande popularidade como Marcelo D2, Pitty, Luxúria, Manacá, Ranier
e Cazuza Cover. Na Programação Científica, destaque para os debates sobre
“Van Gogh, o artista e o sujeito” e “O Alienista, comemoração do centenário de
Machado de Assis”. Houve também apresentações teatrais e exposições de arte
com participação numerosa do público.
O Festival de 2009 aconteceu entre os dias nove e doze de julho, com uma vasta
programação científica, bares temáticos, cinema na praça, exposições artísticas,
shows com cantoras de música popular Mart’nália e Zélia Duncan, além da
participação de artistas e músicos locais. A quarta edição do Festival apresentou
uma novidade que foi a delimitação de um tema, nesse ano o Festival da Loucura
foi sobre “A loucura delas”, voltando a programação para uma discussão
14
Todos os dados referentes às três edições do Festival da Loucura foram reunidos por meio de
pesquisa feita no Catálogo do Festival da Loucura 2008, fornecido pela CENATUR. O catálogo
encontra-se no anexo da página 136 a 143 deste trabalho.
59
“feminina”, dando preferência a shows realizados por mulheres, por exemplo.
Talvez esse tema “feminino” possa ser justificado pela sugestão de agradar o
novo governo da cidade que, pela primeira vez, apresenta uma mulher como
prefeita para o período de 2009 a 2012. A programação científica abarcou três
mesas redondas com a participação de profissionais como terapeutas,
psicólogos, psiquiatras e chefes de setores públicos ligados à saúde. Os títulos
das mesas redondas foram: “Políticas Públicas de Saúde Mental: obstáculos a
superar”; “Oficinas Terapêuticas em Saúde Mental: sujeito, trabalho e
subjetividade” e “Reforma Psiquiátrica Brasileira: efetividade e avanços”. Além
dessas mesas redondas, fez parte da programação científica a palestra “Prisões e
Manicômios: lógica penal e produção de subjetividades”, proferida pelo vice-
presidente do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG) e o
lançamento do livro Subjetividade(s) e Sociedades: contribuições da Psicologia,
uma reuniã o de capítulos escritos por diversos profissionais da área, e
compilados pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG). A
presença da população local e de visitantes foi, mais uma vez, bastante
numerosa.
A “carteirinha de doido”, emitida durante os dias do Festival da Loucura, é outra
atração de sucesso que, desde a primeira edição, transformou-se em um
souvenir da festa. Essa carteira é similar à carteira de identidade, contém
fotografia do portador, data de expedição, nome do “doido”, naturalidade, data de
nascimento e “grau de doideira” baixo, médio, alto, em recuperação. Abaixo
desses dados, há a seguinte recomendação: Em caso de surto ou exercício de
atos de excentricidade, o titular desta carteira está isento de qualquer punição ou
restrição legal. A carteira traz, também, o nome impresso do psiquiatra Jairo
Toledo. Tudo isso para que os participantes do Festival sejam “doidos de
carteirinha”. A brincadeira deu certo, pelo menos para os simpatizantes do
festival: as filas para adquirir o documento dobram esquinas durante todo o
60
evento. Até o ex-prefeito da cidade, no período de 2005 a 2008, Martim Andrada,
possui a carteirinha, divulgada pelo Catálogo do Festival, aproximando dois dos
elementos identitários sobre os quais estamos discorrendo neste trabalho: os
políticos e os loucos.
Entendemos, portanto, que o Festival, ao lado do livro (Colônia) e do Museu da
Loucura, funciona como uma forma de memorialização, de estandartização da
loucura em Barbacena, preservando o passado e reforçando a identidade
barbacenense.
a noção de memória deve ser entendida como o conjunto de
conhecimentos e lembranças do passado que se apóia nas experiências
produzidas e transmitidas por grupos sociais específicos. Parte-se do
pressuposto de que o passado é uma referência coletiva que contribui
diretamente para a coesão social, uma vez que permite a construção de
quadros de representação simbólica que atribuem sentido ao presente.
Assim, a temporalidade serve como ponto de referência que configura a
memória dos indivíduos pertencentes a uma coletividade. (PIO, 2006,
p.48)
E para firmar a idéia de construção da memória, na segunda edição do Festival da
Loucura foi lançado o projeto Memorial das Rosas, que propõe a transformação do
antigo Cemitério do Cascalho, hoje Cemitério Nossa Senhora da Paz, inaugurado
para servir ao Hospital Colô nia e desativado há vinte anos. A proposta é reunir os
dois elementos simbólicos mais destacados da história da cidade: rosa e loucura.
Dessa forma, o Memorial das Rosas funcionará como uma representação
simbólica do passado da loucura em Barbacena. Associando dois elementos da
identidade barbacenense, o memorial visa à construção de um monumento em
homenagem às vítimas fatais da psiquiatria mineira, transformando-se em um
museu a céu aberto, conforme informações obtidas a partir do DVD de
lançamento do Projeto Memorial das Rosas, em 2009, à disposição na FUNDAC.
61
Assim, como vimos, a loucura está bastante presente no discurso da construção
identitária da história de Barbacena, pois receber tantas pessoas em busca de
internação, abrigar um hospital nas condições que acabamos de relatar e, em
consequência disso, criar um museu e um festival que tem o objetivo de perpetuar
essa história, faz de Barbacena um lugar marcado pela loucura. Entretanto, o
estigma é tão forte que pessoas de outras cidades, e também de Barbacena,
fazem referência ao município e às pessoas pertencentes a ele com brincadeiras
depreciativas ironizando atitudes menos convencionais com frases do tipo “Nessa
cidade só tem louco mesmo!” ou “Só poderia ser de Barbacena” ou ainda “Sai daí,
ô Barbacena!”.
Conforme BAUMAN (2005), pensar identidade surgiu da crise do pertencimento e
do esforço desencadeado para tentar transpor a brecha entre o “deve” e o é,
construindo a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia recriar a
realidade à semelhança da idéia. (sic, p.26) A ideia de Cidade dos Loucos foi
transportada do cotidiano da cidade para o museu e o festival e a tentativa de
fazer o Memorial das Rosas é mais um fator que conjuga a identidade do
município, associando as rosas e a loucura.
2.3 Os políticos: tradição familiar
A cidade de Barbacena tem, sobretudo, dois sobrenomes de grande relevância na
política municipal, estadual e federal: Andrada e Bias Fortes. Foram dessas
famílias, através de gerações, cargos como governo de estado, prefeitura e
secretariado de estado. Nosso objetivo é fazer um resumo da história dessas
duas famílias para acentuarmos esse terceiro elemento importante na identidade
barbacenense. Essas duas famílias praticaram e praticam a vida política com
grande dedicação. Vamos nos ater à histórica consolidação dessas duas famílias
a ponto de fazer desse município uma terra caracteristicamente política.
62
Barbacena foi cenário de episódios políticos expressivos, notabilizando-se pela
posição liberal e independente assumida em momentos decisivos durante a
Colônia e o Império. A cidade apoiou, por exemplo, a causa republicana. Na visão
de José Murilo de Carvalho, o liberalismo na postura política da cidade se explica
pela localização da mesma, funcionando como uma linha de comunicação entre a
capital da província e o Rio de Janeiro. Um pensamento menos rígido da elite
local teria sido resultado de um contato frequente com outras elites do Rio de
Janeiro e de Ouro Preto, o que evidenciou também o surgimento, ainda precoce,
da imprensa na cidade. (CARVALHO, 1966)
Importantes articulações da Inconfidência Mineira também foram realizadas
nessas terras. Segundo Massena, o Alferes Tiradentes esteve na Fazenda da
Borda do Campo algumas vezes, pois seu irmão, o Padre Antônio da Silva
Santos, era proprietário de uma fazenda na região, a Fazenda do Castelo. Nessa
mesma época, residiam na região de Barbacena outros inconfidentes, como o
Padre Manoel Rodrigues da Costa, José Ayres Gomes e seu cunhado, o Padre
José Lopes de Oliveira. Outra figura importante desse período é Joaquim Silvério
dos Reis, o suposto delator da Inconfidência, que morava em Barbacena.
(MASSENA, 1985, Parte II)
Assim, podemos tomar a Fazenda da Borda do Campo como um berço
importante da política em Barbacena, não apenas por ter sido a partir dela que a
cidade se construiu, mas por ter sido ela o palco de reuniões políticas. Segundo
CARVALHO (1966), sobressaíam, na política, nessa época, no início da criação
de Barbacena, dois clãs, o clã parental da fazenda da Borda, ancestrais dos
Andradas mineiros e o dos Sá Fortes, posteriormente Bias Fortes, descendentes
de Estácio de Sá. (p.155)
63
Outro fato relevante, que mostra o quanto a cidade busca envolvimento político,
foi o processo de independência nacional, quando os líderes políticos de
Barbacena dedicaram apoio ao Príncipe Regente em um importante momento
seguinte ao episódio do “Fico”, em carta de representação entregue a D. Pedro
em janeiro de 1822, em sua passagem por Barbacena a caminho de Vila Rica:
oferecemos, a descer, em massa a essa Corte, quando as circuntâncias exijam e
V. A. Real assim o determine. (MASSENA, 1985, Parte II, p. 168) Por causa
dessa carta, Barbacena foi elevada a vila. A Revolução Liberal foi outro fato
histórico do qual Barbacena participou efetivamente.
Na época do Império, a elite agrária se dividiu em dois partidos: O Liberal e o
Conservador. O Partido Liberal defendia a autonomia provincial. O Partido
Conservador defendia o fortalecimento do poder central, do governante. O último
regente foi Araújo Lima, de 1837 a 1840, ele fazia parte do Partido Conservador,
também conhecido como Partido Regressista. Na regência de Araújo Lima, os
liberais estavam fora do poder e por isso lideraram o movimento pela antecipação
da maioridade do Imperador, o que acaba acontecendo em 1840, através do
Golpe da Maioridade. Os liberais passam, então, a cercar o Imperador.
Em 1842, acentecem a eleições do Cacete
15
, que foram manipuladas pelos
liberais. Esses literalmente perseguiram o eleitorado e fizeram a maioria. Como
consequência desse fato, os conservadores pressionaram o Imperador, que
acabou por anular as eleições do Cacete. Os liberais reagiram através das
Revoluções Liberais de 1842, sendo Barbacena um dos principais centros de
articulação desse movimento (HOLANDA, 1986):
Em 1842, a Revolução Liberal foi deflagrada em Barbacena, como
reação às medidas tomadas pelo Ministério Conservador, decretando o
corte das franquias e das prerrogativas democráticas e liberais que o Ato
15
Eleições para renovação da Câmara Imperial. (HOLANDA, 1986)
64
Adicional concedera às Províncias e aos Municípios. (PEREIRA, 1994,
p.22)
A República também teve adeptos barbacenenses com a criação, em 1887, do
Centro Republicano de Barbacena, que contou com a participação de grandes
nomes da política local, como José Nogueira Nunes, Henrique Augusto de
Oliveira Diniz e Olinto Máximo de Magalhães. Em Minha terra e sua gente
16
,
Alberto Diniz relatou, da seguinte forma, a participação de alguns barbacenenses
no movimento republicano:
Residia no prédio fronteiro ao feio chalé do comerciante Nunes de Melo
meu cunhado Dr. Galdino Abranches (...). Teve ele acentuada
participação no movimento abolicionista e na propaganda pela
implantação da República, tendo sido um dos primeiros signatários do
manifesto, da lavra de Olinto Magalhães, consequente à fundação do
Clube Republicano de Barbacena, cujo primeiro presidente foi o saudoso
Dr. Nogueira Nunes. (MASSENA, 1985, Parte II, p.179)
Pretendemos mostrar, com esses dados históricos, que a tradição política em
Barbacena se dá antes mesmo da presença forte e marcante das duas famílias
que são o nosso objeto de estudo nessa parte do trabalho. Vamos, a partir desse
ponto, discorrer sobre cada uma delas, fazendo um breve levantamento histórico
para que possamos entender claramente a efetiva participação que elas tiveram
na construção do elemento político como identidade barbacenense.
2.3.1 A Família Andrada
Do casamento da bisneta de José Ayres Gomes, Adelaide de Lima Duarte, com
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
17
resultou o ramo mineiro da família Andrada.
16
Apud MASSENA, 1985, Parte II, p.179. Segundo informações neste livro de Nestor Massena,
Minha terra e sua gente teve publicação no Rio de Janeiro, em 1950.
17
“O Bacharel Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito de São Paulo, era procedente de Santos, SP. Era filho de Martim Francisco
Ribeiro de Andrada e de Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, filha e cunhada do Patriarca José
Bonifácio de Andrada e Silva. Teria se mudado para Barbacena em busca do clima saudável da
cidade, uma vez que estava tísico”. (PEREIRA, 1994, p.23)
65
O Bacharel Antônio Carlos tinha dois irmãos deputados na Câmara do Império e
líderes liberais em São Paulo. Foi assim, trazendo consigo uma bagagem política
familiar, que Antônio Carlos chegou a Barbacena, por volta de 1864. Daí em
diante, ele se tornou vereador, presidiu a Câmara Municipal, foi deputado geral à
Câmara do Impé rio e aderiu à causa republicana, com grande repercussão na
imprensa paulista, dada a projeção de seus irmãos na vida política daquele
Estado. (PEREIRA, 1994, p.24)
Depois da Proclamação da República, Antônio Carlos foi eleito Deputado ao
Congresso Contituinte Federal, em 1890, e, em 1891, foi eleito Senador no
Congresso Contituinte do Estado de Minas Gerais, onde teve destacada atuação
na deliberação sobre a mudança da capital do Estado, de Ouro Preto para Belo
Horizonte. (op. cit., 1994, p.24) Sobre esse fato, Nestor Massena discorre em seu
livro A Terra e o Homem:
Quando o Congresso Mineiro reuniu-se em Barbacena, em novembro de
1893, para deliberar sobre o problema da mudança da capital do Estado,
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, na sessão de 13 de dezembro,
estava com Bias Fortes, Henrique Diniz e Silva Fortes, entre os que
votaram pela emenda, vitoriosos por dois votos, favorável à escolha de
Belo Horizonte para esse fim, visto ter-se verificado a impossibilidade de
tornar vencedora a idéia de preferir-se Barbacena. Com aprovação, por
dois votos, dessa emenda, escreveu Abílio Barreto, estava escolhido
Belo Horizonte para a nova Capital de Minas. Desses dois votos
vitoriosos um foi do Sr. Antônio Carlos, que, segundo a tradição, estava
enfermo, impossibilitado de andar, e se transportou ao Congresso
carregado em uma cadeira! (MASSENA, 1985, Parte I, p.123)
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada deixou treze filhos, entre os quais um seu
homônimo, que viria ocupar o cargo de Presidente do Estado, em 1926. A família
foi crescendo ao longo dos anos e repetindo entre si seus nomes e sobrenomes,
com algumas poucas inversões na ordem em que as denominações aparecem.
Dessa família, ligada também ao jornalismo já nos primórdios dessa atividade em
Barbacena, descenderam representantes em várias áreas do governo municipal,
66
estadual e federal. Os descendentes, em sua grande maioria, exercem a carreira
política seguindo as tradições de seus familiares.
Atualmente, a família Andrada tem, na pessoa de Bonifácio José Tamm de
Andrada, seu maior político atuante: ele foi um dos relatores do Projeto do Novo
Código Civil, em 1999, e da Emenda que tentou instituir o Parlamentarismo no
país em 1995; é representante do Brasil no Parlamento Latino-Americano, na
Comissão Jurídica Internacional e, atualmente, presidente da Comissão de
Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Comunicação do Parlatino (Parlamento
Latino-Americano). Também é diretor executivo de Estudos e Pesquisas do
Instituto Teotônio Vilela, vinculado ao PSDB. Bonifácio Andrada exerce o sétimo
mandato na Câmara dos Deputados
18
.
2.3.2 A Família Bias Fortes
O barbacenense Crispim Jacques Bias Fortes formou-se Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito de São Paulo e exerceu a profissão em sua terra natal.
Militou ativamente no Partido Liberal e declarou-se republicano em 1889, com
uma profissão de fé ideológica assim iniciada:
Tendo tido assento nesta casa, como mandatário do Partido Liberal, sou
forçado, por exigência de consciência, a afastar-me de meus colegas de
partido político, para seguir avante, em demanda de caminho que não
encontro neste Partido, a procura de novo ideal o da República no
qual estou convencido de se achar a verdadeira instituição da liberdade.
(MASSENA, 1985, Parte I, p.168)
Dentre os vários cargos políticos que exerceu, Bias Fortes foi Governador do
Estado de Minas Gerais, no governo provisório de 24 de julho 1890 a 11 de
18
Informações retiradas do site http://www.camara.gov.br/bonifaciodeandrada/biografia.html,
acessado em oito de junho de 2009.
67
fevereiro de 1891; Presidente do Congresso Constituinte Mineiro, em 1891;
Presidente do Senado em 1893 e Presidente do Estado de Minas Gerais em
1894, cabendo-lhe instalar a nova capital mineira em 1897. Bias Fortes foi atuante
na vida política do país até a data de seu falecimento em 1917. (GOMES E
CÂNDIDO, 1991, p.25, apud. DUARTE, 1996, p.101)
Seu filho, José Francisco Bias Fortes, também barbacenense, ocupou, como o
pai, o cargo de Governador do Estado de Minas Gerais e foi eleito, com a maior
votação conseguida em Minas, em 1915, para o cargo de Deputado ao
Congresso do Estado de Minas cargo que ocupou durante um decênio,
mediante sucessivas reeleições. Em 1925, foi eleito Deputado ao Congresso
Nacional e em 1926 foi escolhido como Secretário da Segurança e Assistência
Pública do Governo do Estado de Minas Gerais, sendo Presidente Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada. José Francisco Bias Fortes foi também prefeito de
Barbacena. (MASSENA, 1985, Parte I)
De seus descendentes, podemos citar dois nomes que seguiram a carreira
política, Crispim Jacques, deputado federal, e sua filha, Danuza Bias Fortes,
prefeita eleita de Barbacena para o período de 2009 a 2012, tendo esta vencido a
última disputa eleitoral na cidade contra o candidato à reeleição Martim Andrada.
2.3.3 Encontros e desencontros
As duas famílias, Andrada e Bias Fortes, vieram se encontrando no cenário
político brasileiro durante, sobretudo, as primeiras décadas do século XX
quando iniciou-se então a aproximação entre o jovem bacharel José
Bonifácio de Andrada e Silva, em sua primeira legislatura como
Deputado, e Crispim Jacques Bias Fortes, constituindo essa aliança um
eixo político poderoso em Barbacena, até 1930. Na oposição situavam-
68
se Pedro Massena, seu filho, Nestor Massena, e Paulo Emílio Gonçalves
e seus filhos, proprietários do jornal Cidade de Barbacena.
Com os acontecimentos da Revolução de 1930, deu-se o rompimento
entre os Bias Fortes e os Andrada, passando a liderança política do
município a girar em torno da disputa entre as duas famílias. (PEREIRA,
1994, p.26)
Segundo CARVALHO (1966), cada uma das famílias tem sua versão sobre o
motivo do rompimento e ele relata um motivo da seguinte forma:
O primeiro atrito surgiu com a sucessão de Antônio Carlos e de
Washington Luís. Bias era por Melo Viana para suceder a A. Carlos e
Melo Viana era por Júlio Prestes para suceder a W. Luís. A. Carlos criara
a Aliança Liberal para combater a candidatura Júlio Prestes. Bias se
demite da Secretaria. Sobrevindo a Revolução, José Bonifácio a lidera
em Barbacena, estando Bias no Rio. Após a vitória, José Bonifácio é
nomeado prefeito, sem consulta a Bias. Êste, acostumado ao domínio
absoluto do pai sôbre o município, sente-se diminuído e não comparece
à solenidade de posse. Daí em diante os acontecimentos se precipitam.
Os biistas sabotam o pagamento do imposto de eletricidade, José
Bonifácio se vê obrigado a usar de energia e chama um chefe de polícia.
(...)
O domínio Andrada vai até 1937. Com a queda de Antônio Carlos,
Benedito Valadares, nomeado interventor em Minas, coloca Bias Fortes
na prefeitura de Barbacena. Os papéis se invertem. Os Andradas sofrem
todo tipo de perseguição, desde atentados até violação de
correspondência. (CARVALHO, 1966, p.158-159)
Após o rompimento entre as duas famílias, seus descendentes continuaram as
disputas locais, ora como candidatos diretos, ora como apoiadores dos
candidatos às eleições do município. Em torno das duas famílias vão-se
polarizando as principais famílias locais. A população da cidade se divide em
biista e bonifacista. (CARVALHO., 1966, p.159) Essa disputa chegou aos meios
de comunicação da cidade: as famílias dividem lideranças e influências,
conduzindo, cada uma, seja com participações diretas ou de forma indireta, um
jornal, um site e duas rádios (sendo uma AM e outra FM).
Além dos meios de comunicação, as instituições educacionais de ensino superior
na cidade também fazem parte das disputas que envolvem Bias Fortes e
Andrada. Dois dos três estabelecimentos que ministram cursos superiores em
69
Barbacena estão relacionados a essa disputa política: a UNIPAC (Universidade
Presidente Antônio Carlos), fundada e administrada pela família Andrada e a
UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), instalada na cidade por meio
de uma parceria entre a família Bias Fortes e o Ministro Hélio Costa. Como afirma
CARVALHO (1966), desde 1930, Barbacena viu tôda sua vida social fracionada.
Dois clubes, duas rádios, dois jornais; irmandades, associações, instituições,
dominadas por uma ou outra facção (sic p.184)
Não é nossa pretensão, no entanto, lidar, sobre esse tema, com as questões
acerca da disputa por poder, mas não podemos deixar de citar que, sem dúvida,
essas foram duas famílias com fortes convicções ideológicas e que assumiram
cargos políticos de grande responsabilidade. Barbacena [manteve-se] (...)
fechada às influências de elementos de fora. A resposta que os políticos
costumam dar a elementos de Barbacena que os procuram é: “ali não posso
mexer, aquilo é do Bias e do Zezinho [Andrade] (op. cit., 1966, p.173)
Como vimos, a família Andrada e a família Bias Fortes configuram em Barbacena
uma relevante força intelectual e política, força manifestada pela tradição familiar,
com os filhos sucedendo as carreiras políticas dos pais. Essa tradição é também
familiar aos moradores da cidade, pois os nomes referentes às duas estirpes
estão gravados pelo município, como em praças, ruas e avenidas, instituições
educacionais e monumentos. A familiaridade de Barbacena com as duas famílias
e o histórico de feitos dessas são dois fatores determinantes que nos levam a
afirmar que os políticos são, de fato, o terceiro elemento da identidade
barbacenense. Tanto que, no dia 2 de julho de 2009, dia do enterro de Crispim
Jacques Bias Fortes, pai da atual prefeita de Barbacena, Danuza Bias Fortes,
falecido no dia anterior, a presença da população barbacenense foi numerosa.
Em um funeral repleto de homenagens, a cidade parou para reconhecer os
méritos de um dos mais influentes políticos do Estado. O cortejo seguiu a pé da
70
Matriz de Nossa Senhora da Piedade até o cemitério da Boa Morte sob aplausos
da população e sob uma chuva de pétalas de rosas jogadas de um helicóptero da
Polícia Civil. Foi um momento de despedida para a família, que contou com o
apoio dos cidadãos barbacenenses, incluindo um representante da família
Andrada que, na pessoa do ex-prefeito Martim Andrada, compareceu à cerimônia.
Entendemos que a política é um ícone identitário de Barbacena porque a
influência que as famílias Andrada e Bias Fortes exercem sobre a vida pública da
cidade é grande e se estende também para as cidades vizinhas. O município
está, há gerações, sob o domínio político dessas duas famílias, seja no governo
municipal, seja nas instituições que fazem parte da cidade, como as escolas e as
rádios. É uma influência já enraizada no cotidiano dos cidadãos barbacenenses,
daí a identificação de Barbacena como uma cidade de políticos.
2.4 O imigrante em Barbacena – destino ou escolha?
Se foi o destino ou uma escolha pessoal, é difícil saber, mas está marcada na
história de Barbacena a presença constante de pessoas de outros lugares
buscando pouso nestas terras mineiras. A cidade nos revela, portanto, um quarto
elemento marcante de sua identidade. Durante muitos anos, pessoas que vieram
de vários países, como França, Alemanha, Itália, Portugal e Polônia aportaram na
cidade. Algumas pessoas chegaram fugindo das Grandes Guerras, outras, em
busca de trabalho, outras quiseram passear na cidade e acabaram morando,
outras tantas foram arrastadas por familiares residentes em Barbacena. Além
desses imigrantes, considerados assim numa definição moderna após a formação
dos Estados-nações, vamos considerar estrangeiros a Barbacena também as
pessoas que chegaram de outras partes do Brasil, entendendo que estrangeiro é
aquele que vem de fora, de outra parte, que não nasceu no lugar em que se
encontra e que busca a integração com a sociedade local. Segundo Kristeva
71
(1994), Quem é estrangeiro? Aquele que não faz parte do grupo, aquele que não
é dele”, o outro. (p. 100).
O que nos parece é que o imigrante tem, em Barbacena, uma grande relevâ ncia,
há referências a eles na cidade, seja em nomes de ruas, escolas ou museus; seja
nas histórias narradas pelos historiadores, como Nestor Massena e Altair Savassi.
Talvez por sua característica de cidade interiorana, em que tudo o que vem de
fora é mais valorizado, talvez porque essas pessoas carregaram em suas
bagagens empreendimentos e valores culturais que alteraram a vida da cidade de
alguma forma, o fato é que o município demonstra bastante apreço pelos
imigrantes. Esse apreço pode ser notado, por exemplo, nas visitas aos museus
George Bernanos e Casa de Emeric Marcier, pois os responsáveis por guiar os
visitantes explicam, de forma eloquente, a vida e a obra dos artistas que deram
nome a esses museus, ressaltando o quanto foi importante para a cidade recebê-
los, uma vez que influenciaram a vida local e levaram o nome de Barbacena para
além das fronteiras continentais.
Precisamos, nesse primeiro momento, destacar dois viajantes que narraram
Barbacena e que são fontes de estudos para se conhecer um pouco das origens
dessa cidade: Saint-Hilaire, que descreveu Barbacena em Viagem pelas
Províncias do Rio de Janeiro e de Minas, relatando sua passagem pela cidade em
1818 e Richard Burton em Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, que visitou
Barbacena em 1867. Ambos descreveram suas viagens, impressões e a história
do município sendo, por isso, fontes obrigatórias nas pesquisas sobre Barbacena.
Ressaltamos que esses viajantes estavam apenas de passagem pela cidade, não
criaram raízes e constituem apenas fontes de consulta.
Os primeiros imigrantes que se instalaram na região de Barbacena foram os
jesuítas, com a missão de catequizar os índios Puris que viviam nas imediações
72
da Borda do Campo. Logo após a instalação dos jesuítas nessa região, aportaram
nela também os bandeirantes, que abriram o Caminho Novo e construíram a
Fazenda da Borda, em torno da qual a cidade surgiu. Até mesmo por esse
histórico do surgimento de Barbacena vemos que a influência do imigrante foi
acentuada.
Podemos citar os imigrantes alemães e italianos como muito famosos na cidade,
pois quando chegaram a Barbacena, esses imigrantes se instalaram em uma
região pouco distante do centro urbano, a Colônia Rodrigo Silva e foi nesse
espaço que eles iniciaram o plantio de rosas.
Outro imigrante que podemos destacar é o engenheiro e industrial francês Alfred
Michel, ex-proprietário do lugar onde hoje se encontra em Barbacena o
Manicômio Judiciário do Estado de Minas Gerais. Com grande influência no
cotidiano barbacenense, não podemos esquecer o italiano Amilcar Savassi,
precursor da sericicultura no Brasil e homenageado com seu nome em uma
escola estadual na cidade. Outro nome de destaque a adotar Barbacena foi o
romeno Emeric Marcier, pintor conhecido internacionalmente, homenageado com
um museu na chácara em que residiu na cidade. O escritor francês George
Bernanos também passou uma temporada de mais ou menos quatro anos na
cidade e foi homenageado com um museu na casa em que morou enquanto viveu
em Barbacena. Guimarães Rosa, escritor, praticou medicina durante alguns anos
nesse município e se referiu a ele no famoso conto do livro Primeiras Estórias, de
1978, “Soroco, sua mãe, sua filha”. E, por fim, destacamos os alunos da EPCAR,
provenientes de várias partes do país e famosos sobretudo entre as garotas
adolescentes que, por se mostrarem sempre interessadas em namorar os
rapazes “de fora”, são apelidadas de “cadeteiras” pelos rapazes civis.
Além dessas, não podemos nos esquecer de citar as pessoas que foram levadas
para a cidade em busca de tratamento para doenças psíquicas e que eram
73
oriundas de inúmeras cidades brasileiras. Esses últimos imigrantes não tiveram,
todavia, a mesma aceitação que os outros por parte da comunidade
barbacenense: foram relegados aos muros do Hospital Colônia e segregados da
vivência na sociedade local. Entretanto, suas marcas foram as mais fortes
deixadas na cidade e cultuadas até os dias atuais como forte estigma identitário.
Uma boa parte dos imigrantes que chegaram em Barbacena eram refugiados de
guerra. O pintor Emeric Marcier é um deles e narra a forma como chegou à
cidade em entrevista a Márcio Bertola (2005) dizendo que, depois de vir para o
Brasil fugindo da II Guerra Mundial, fez algumas exposições de suas obras no Rio
de Janeiro. Na terceira exposição, visitada por George Bernanos, um amigo de
Marcier comprou do escritor francês um sítio em Barbacena e convidou o pintor a
visitá-lo: Eu vim e gostei do lugar. (BERTOLA, 2005, p.77) Emeric Marcier viveu
em Barbacena por mais de trinta anos.
Outro ponto que queremos aqui acrescentar sobre a valorização que a cidade faz
do imigrante diz respeito ao Conservatório Municipal. Barbacena é a terra natal de
Flausino Vale, violinista estudado em várias partes do mundo, esse músico
compôs obras que são constantemente executadas por aprendizes de violino e
por artistas já experientes em suas apresentações. Todavia, o Conservatório
Municipal de Barbacena recebeu o nome de Heitor Vila-Lobos, mestre da música
brasileira, porém não barbacenense. Em contrapartida, o conservatório de Belo
Horizonte recebeu o nome de Flausino Vale.
Assim como as rosas, os loucos e os políticos, os imigrantes marcaram muito a
trajetória de Barbacena e consistem em um quarto elemento identitário da cidade.
Quando discorremos sobre Barbacena, somos levados a citar esses quatro
elementos na tentativa de caracterizar a cidade por estarem, eles, arraigados na
história desse município.
74
Partiremos, depois da explanação sobre as identidades barbacenenses, para a
leitura do jornal O Democrata, para observarmos como esse periódico, que se
propunha a divulgar a memória cultural de Barbacena, lidou com esses elementos
identitários em suas páginas.
75
Capítulo 3
O Democrata – Arquivamento de uma memória barbacenense
A imprensa constitui um veículo de informação fundamental para o nosso dia-a-
dia. É através dela que nos atualizamos sobre os acontecimentos que fazem
nosso cotidiano e nossa história. Em nossos dias, procurar informações ficou
ainda mais dinâmico, mais instantâneo. Podemos recebê-las pelo celular, pela
televisão, pelo rádio, pela internet, enfim, as maneiras como elas chegam até nós
são variadas, o fato é que estão cada vez mais presentes.
Em sua forma escrita em papel, a imprensa configura um meio de divulgar as
notícias que, com o advento da internet e da telefonia móvel, foi um pouco
deixada de lado pela geração dos anos 90 do século XX e, sobretudo, pela
geração do século XXI por apresentar características que não são comuns a
essas gerações consideradas cibernéticas. Essas, por sua vez, não param para
ler um jornal de papel, pois se é necessário buscar alguma informação, a internet
abre todas as páginas possíveis, configurando outra forma de leitura, em um
formato diferente.
Não vamos explorar nesse trabalho as diferenças ou semelhanças entre os
veículos informativos, mas cabe citar essas inovações que revolucionaram os
meios de comunicação desde o último século. São transformações que crescem
cada vez mais, que vêm se consolidando dia após dia. Todavia, os jornais
impressos são, há muito, um meio não só de divulgação, mas também de
preservação das matérias publicadas, preservação do cotidiano, preservação da
história em contraponto à efemeridade da internet. A imprensa escrita pode
conservar suas matérias, o papel é fonte material, que se guarda, que se arquiva e
se pesquisa. É também através dessa imprensa que conseguimos informações
76
sobre outros tempos, outros séculos, através dela temos a oportunidade de
conhecer escritores e escritas diversificadas e que ficam distantes no tempo e na
memória. Podemos, hoje em dia, buscar essas informações nos arquivos das
cidades, nas bibliotecas públicas e nos próprios arquivos das redações de jornais,
muitos deles inclusive em um suporte material diferente, pois alguns jornais têm a
preocupação em digitalizar a sua produção.
A imprensa em Barbacena é registrada desde o século XIX com jornais como o
Correio de Barbacena, fundado em 14 fevereiro 1886, por J. Frederico Salgado,
com o formato de tablóide e que publicava atos oficiais; e Cidade de Barbacena,
fundado em 1898, por Emilio Gonçalves, ambos à disposição para consulta no
acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Segundo CARVALHO (1966),
Desde 1836 temos notícias de publicações jornalísticas em Barbacena, essas
publicações, em sua grande maioria, eram editadas pelos próprios donos do
poder, os políticos. (p.157) Atualmente, nossos jornais publicados e que têm
maior circulação em Barbacena são o Correio da Serra e o Jornal de Sábado.
Outro jornal que circulou em Barbacena no final do século XX e início do XXI foi
O Democrata, que se divide, conforme explicaremos posteriormente, em duas
fases de seu formato como jornal impresso em gráfica. Segundo ANDERSON
(1989), ao procurar discutir o conceito de nação a partir da comunidade religiosa,
A data no alto do jornal, a marca peculiar mais importante que ele apresenta,
fornece a conexã o essencial a marcação regular da passagem do tempo
homogêneo e vazio. (p.42) Essa marcação regular, fornecedora de conexão entre
os periódicos e o tempo, não é, entretanto, na segunda fase d'O Democrata, o
que atrela as matérias publicadas ao momento dessas publicações. Esse jornal
apresenta uma temática voltada, sobretudo, para o passado de Barbacena, com
algumas poucas referências ao presente da cidade. Essa busca temática dá-se
com o intuito, como confirmamos durante nossa pesquisa, de arquivar a cidade,
77
sua memória cultural. Ainda citando ANDERSON (1989) se nos voltarmos para o
jornal como produto cultural, vamos ficar chocados por seu profundo caráter
ficcional. (...) Ler um jornal é como ler um romance cujo autor tivesse deixado de
lado qualquer idéia de um enredo coerente. (p.41) Esse enredo pode parecer
desconexo, mas ao ler um jornal que apresenta um conteúdo essencialmente
local, como é o caso do periódico em questão, a linearidade se faz presente no
que tange à população interligada por elementos da publicação que se dirigem
diretamente a ela, fazendo menção ao seu passado ou retratando, ainda que
rapidamente, o seu presente. Dessa forma, a conexão é estabelecida através da
representação da cidade, pois, como afirma Machado de Assis (1994), o jornal
tende à unidade humana, ao abraço comum (p.1). Costuma haver por parte do
leitor em relação ao jornal um sentimento de se pertencer a uma comunidade, um
reconhecimento, através dos textos publicados, de si mesmo como membro de
uma comunidade:
o leitor de jornal, vendo réplicas exatas de seu jornal sendo consumidas
por seus vizinhos do metrô, da barbearia ou de sua casa, sente-se
permanentemente tranqüilo a respeito de que o mundo imaginado está
visivelmente enraizado na vida cotidiana. (ANDERSON, 1989, p.44)
Ainda sobre o jornal, ANDERSON afirma que
(...) o jornal não passa de uma “forma extrema” do livro, um livro vendido
em escala imensa, porém de popularidade efêmera. Poderia dizer-se
que são best-sellers por um só dia. A obsolescência do jornal no dia
seguinte ao de sua impressão é curioso que uma das antigas
mercadorias produzidas em série fizesse antever assim a obsolescência
implícita dos modernos produtos duráveis cria, no entanto, exatamente
por essa razão, esta extraordinária cerimônia de massa: o consumo (“o
imaginar”) quase exatamente simultâneo do jornal-como-ficção.
Sabemos que determinadas edições matinais e vespertinas serão
esmagadoramente consumidas entre tal e tal hora, apenas neste dia, e
não em outro. (ANDERSON, p. 43-44)
Essa efemeridade, entretanto, não vemos tão acentuada no nosso objeto de
estudo que toma como corpus a segunda fase do jornal O Democrata. As matérias
78
que o compõem, como veremos, podem ser lidas em qualquer tempo presente ou
futuro porque não são notícias de fatos momentâneos e sim um material de
divulgação da memória cultural de Barbacena. Por isso nosso foco, nessa parte do
nosso trabalho, é voltado para o arquivamento da cidade. Assim, tomaremos o
jornal como um arquivo cultural de Barbacena, nele se arquivam monumentos
históricos, artistas famosos na cidade e fora dela, e artistas anônimos. Além disso,
o jornal procura retratar o cotidiano da cidade quando destaca pessoas como os
andarilhos, pessoas desterritorializadas que passam a fazer parte do cenário da
cidade por algum tempo. Dessa forma, o periódico sustenta um perfil de jornal
interiorano, voltado para divulgação da cultura local como forma de se destacar e
de destacar o município que ele representa, mesmo porque Hoje, os meios de
comunicação agem como o dispositivo mais poderoso na dissolução de um
horizonte cultural comum no âmbito da nação. (ESCOSTEGUY, 2001, p.157)
Guardar os momentos fugidios, documentar, arquivar. Os periódicos permitem a
publicação de textos memorialísticos que chegam às pessoas de uma forma mais
rápida e fácil. Se todos os que leem reconhecem a memória nos textos, não nos
interessa nesse trabalho; aqui queremos ressaltar a importância dos jornais e das
suas publicações que têm conotações de divulgação e preservação da memória
cultural. Todos hoje queremos perpetuar a efemeridade com a qual convivemos
diariamente. Seja através de fotos, textos, diários, blogs, um folheto daquela
visitação, o papel do primeiro bombom que alguém ganhou do namorado, enfim,
são os chamados “arquivos imperfeitos” que, segundo Fausto Colombo, exercem
a função de arquivamento a longo prazo, é a memória depositada em algum
lugar. Ter a materialização da lembrança tornou-se mais importante que apenas
lembrar intimamente. Os jornais foram e são um veículo para essa materialização,
apesar de configurarem um documento de vida fugaz; como quase toda a
produção realizada neste século XXI. Talvez mesmo por isso seja tão importante
a pesquisa arquivística.
79
A importância de um arquivo é ditada pelo valor social e cultural que a sociedade
à qual ele está inserido lhe imprime. DERRIDA (2001) defende que o arquivo não
será a memória, mas tem lugar em lugar da falta originária e estrutural da
chamada memória. (p.22) e ainda Não há arquivo sem um lugar de consignação,
sem uma técnica de repetição e sem uma certa exterioridade. Não há arquivo
sem exterior. (p.22). O valor social e cultural que a sociedade denota ao arquivo
deve ser tomado como a exteriorização da tentativa de preservar algo que
provoque a memória, que traga à tona as recordações diretamente ligadas ou
afins ao documento arquivado e ao seu conteúdo.
Um periódico local, como é o caso d'O Democrata, traz em seu conteúdo essa
representação social e cultural, permite a leitura daquilo que está próximo
fisicamente ou que nos remete a essa proximidade através de uma história
retratada, uma crônica, uma fotografia. Essa lembrança, ou preservação dela, é
que denota valor ao objeto:
Citar os mortos ou citar um texto é trazer o passado para o presente, é
infundir outra vida ao que foi citado. Análoga à reminiscência, a citação
tende a modificar o já fixado e a fazer emergir uma ordem correlacional
direcionada ou apta a dar lugar a um novo cânon. A questão do valor
coloca-se, portanto, como uma questão de memória: a lembrança torna
valioso o objeto lembrado; mais do que isso, o objeto torna valiosa a
lembrança, ou seja, redesenha as fronteiras de uma tradição esquecida,
que se mostra então plena de atualidade. (MIRANDA, 2003, p.38)
Lidar com o passado no presente, conforme Wander Mello Miranda (2003), é
valorizar a lembrança, é suscitar uma série de sensações de atualidade ou de
nostalgia diante do objeto provocador. O jornal proporciona esse efeito, seja nos
que o buscam, seja nos que se deparam com ele repentinamente. A relação do
arquivo com a memória cultural dá-se de forma intrínseca, uma vez guardado e
organizado. Segundo DUCROT (1998), a preservação do documento e de seu
conteúdo colabora para reavivar as lembranças ou para fazer conhecê-las.
80
Qualquer pessoa tem à sua mercê o fio da memória de um lugar ou de alguém,
cabendo a ela apenas recordar ou adquirir esse conhecimento que, depois de
algum tempo, torna-se memória adquirida; podendo ser reproduzida através de
pesquisas e consultas. É assim com as citações de textos e também com a
produção de textos sobre pessoas ou acontecimentos passados que se
encontram atuais. Fazer uma citaçã o é incorporar no objeto a ser produzido uma
carga de lembranças que posteriormente tomarão o efeito de analogia com o
momento em que se escreve, é trazer à tona uma tradição a ser lembrada.
Segundo Antoine Compagnon (2007), quando se cita, se extrai, se mutila, se
desenraiza. Dessa forma, citar é trazer ao texto atual um passado, mas um
passado deslocado, diferente. E mais, citar é pôr em circulação um objeto que
tem um valor. (p. 15)
Dessa forma, quando nos deparamos com textos ou fotografias em jornais que
podem ser tomados como citações, percebemos a perpetuação por eles
provocadas. O trabalho de citação é uma metáfora, afirma COMPAGNON (2007).
Assim, quando no jornal se cita, seja em forma de texto ou de fotografia, há que
se refletir sobre as razões do deslocamento, pois citar é também deslocar e no
trabalho de citação há um sujeito que do texto alheio se apodera e lhe incute junto
ao texto contemporâneo um status de lembrança, memória, de algo a ser
cultuado, repetido, memorizado e imitado. (op.cit.). Ler sobre um lugar que não
conhecemos como era e sim como é transmite essa sensação de querer
mergulhar na lembrança que nos é transmitida. É olhar para o mesmo lugar e ter
a noção de que ele já não é mais o mesmo, está diferente, é apenas um reflexo
repleto do desejo de se desnudar e de associação com o presente, como se o
mistério do que foi estivesse gritando para se mostrar; para revelar o que o tempo
e as mudanças de comportamento levaram a esquecer ou a nem conhecer. É
através da manifestação memorialística presente nos documentos, nas
conversas, nos estudos que conseguimos recriar esse passado que tem
81
influência direta no nosso presente, seja na forma de ver o nosso cotidiano ou de
conhecer o que provoca esse cotidiano.
3.1 O Democrata: descrição
O jornal O Democrata foi fundado em 15 de março de 1997 e teve sua última
publicação em 30 de janeiro de 2006, sob a direção de Silvério Ribeiro. Sua
proposta foi levar ao público barbacenense uma visão cultural da cidade, através
da apresentação de colaboradores locais, abordando a esfera literária, teatral,
fotográfica e histórica da cidade de Barbacena e região, bem como de
personalidades anônimas e conhecidas do grande público barbacenense. Nesse
periódico há espaço para aqueles que os redatores consideram os cânones que
marcam Barbacena de alguma forma e para as minorias que constroem o dia-a-
dia da cidade. A última edição desse jornal é o número 82, de janeiro/fevereiro de
2006; o encerramento de suas atividades deveu-se à falta de recursos financeiros
para continuar sua impressão, conforme tenho conhecimento enquanto integrante
da equipe desse jornal.
Esse é um jornal que começou dentro de uma instituição de ensino, a
Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), pois o grupo de pessoas que o
lançaram eram estudantes da UNIPAC. Entretanto, foi um periódico que não
dependia dessa instituição para ser veiculado, ainda que a circulação visasse o
público interno da universidade, porém era patrocinado pela hoje extinta papelaria
Flaya. Nos primeiros anos de circulação, a impressão do jornal era feita em folha
A4, com cópias fornecidas pela papelaria citada e com matérias de autoria
daqueles então estudantes da UNIPAC, liderados por Silvério Ribeiro. Esse
periódico era produzido como espaço aberto para debates e como um meio em
que as pessoas que dele participavam viam seus textos publicados, textos esses
que abrangiam o conteúdo cultural e histórico da cidade. A busca pela revelação
82
da identidade cultural nos é apresentada no jornal O Democrata de forma bem
sutil, mas ao mesmo tempo explícita. Esse é um jornal que não retrata o acidente
na esquina nem dá informações sobre o discurso político apresentado no fim-de-
semana.
Em seus quase nove anos de existência, não há registros de processos judiciais
contra o periódico, nem contra seus colaboradores tendo como motivo as
matérias publicadas. O Democrata foi mantido financeiramente, durante todo esse
tempo, por publicidades e algumas assinaturas; não era objetivo de seu diretor e
de seus colaboradores o lucro financeiro com o jornal. O que se queria, segundo
nos contou seu ex-diretor em entrevista
19
realizada em primeiro de agosto de
2008, era um espaço aberto para as publicações de textos daquele grupo que
criara o jornal, um espaço para discussões, enfim, era um jornal produzido por
pessoas interessadas em escrever.
Quando começou a circular, o jornal era reproduzido em folha A4, conforme já
citamos. Posteriormente, o periódico começou a ser veiculado em formato
convencional, medindo 33cm de largura e 46cm de comprimento, em folha de
jornal impresso na Gráfica e Editora Cidade de Barbacena. A direção do jornal
passou para Eliane Medeiros Edon em 2004 devido à candidatura de Silvé rio
Ribeiro à Câmara de Vereadores de Barbacena; deixando o jornal durante esse
período, Silvério Ribeiro não o usou como veículo para promover sua campanha,
porém o seu número eleitoral foi citado nas edições que antecederam a eleição
de 2004, de julho a setembro desse ano; salvo esse fato, os debates que
apareceram foram sobre os candidatos a prefeito, sem referências a candidatos a
vereador. Passada a eleição, Silvério Ribeiro voltou à direção do jornal, mas
Eliane Medeiros Edon continuou exercendo a função de Diretora-Presidente em
exercício.
19
Entrevista realizada por mim, Clara Araújo de Matos, em primeiro de agosto de 2008. A
reprodução da entrevista está no anexo da página 152 deste trabalho.
83
Além dessas mudanças, o jornal passou por uma alteração marcante no início de
2005 que resultou numa nova formatação e numa nova seleção de seu conteúdo.
Quanto à mudança de formatação podemos dizer que ela trouxe novo layout e
novas matérias ao periódico. Essa alteração deveu-se a uma nova equipe de
colaboradores que, liderados por Silvério Ribeiro, direcionaram O Democrata para
a publicação de um conteúdo que versou sobre a memória cultural de Barbacena
e sobre algumas produções culturais do presente da cidade. Dessa forma,
constatamos que o jornal teve, enquanto impresso em gráfica, duas fases. Sendo
assim, como participante dessa segunda fase, pude não só fazer parte do grupo
que intencionava colocar no periódico aquilo que elegíamos como memória
barbacenense a ser preservada e divulgada para o pú blico leitor como também
presenciar a trajetó ria do jornal e seu término. Devo, de antemão, afirmar que a
relação estreita com o grupo que empreendia o jornal se por um lado me coloca
em uma posição privilegiada de testemunha, por outro, essa posição exige um
determinado distanciamento que, muitas vezes, se torna difícil. Espero poder
apresentar uma postura o mais possível isenta e distanciada em relação ao
periódico O Democrata.
É preciso esclarecer que a numeração do jornal foi alterada na segunda fase
porque, quando começou a ser impresso em gráfica, O Democrata foi publicado a
partir do número um; ao começar sua segunda fase, houve uma atualização dos
números do periódico levando-se em conta todos os exemplares, desde a sua
reprodução em xérox. A primeira fase do jornal durou cerca de quatro anos e
apresenta uma variedade de matérias mais centradas nos acontecimentos do
momento então presente da cidade, do ano de 2000 ao ano de 2004. Tomaremos
como exemplo a edição de junho/julho de 2004, ano IV, 39, com data de oito
de julho de 2004. Nessa edição, a matéria de capa expõe os dois candidatos à
prefeitura de Barbacena na eleição daquele ano e a lista dos candidatos à
prefeitura das cidades da região.
84
Expõe também uma matéria sobre o Campeonato Brasileiro de Tae Kwon Do,
ocorrido em abril de 2004, destacando a participação de atletas barbacenenses.
Com quatro páginas, o jornal tem vinte e oito propagandas publicitárias; uma
coluna (Notas) com oito tópicos referentes à eleição na cidade, à inauguração do
Museu-Casa Marcier, e outros comentários sobre o cenário social e político de
Barbacena naquele momento. São várias as colunas: uma coluna “Nossos
Correspondentes” em que se debate com tom irônico a eleição de 2004;
“Parabéns” com felicitações a aniversariantes; uma coluna que encontraremos
mais adiante, nos exemplares da segunda fase, “Personalidades Barbacenenses
XIX”, a dessa edição dedicada ao professor Plínio Tostes Alvarenga; “Giro
Agropecuário”, sobre métodos naturais para a proteção de hortas; uma crônica; a
matéria de capa sobre os dois então candidatos à prefeitura de Barbacena; uma
coluna do radialista Rogério Varandas em “Coração de Repórter”; uma coluna
sobre saúde e uma outra sobre futebol.
Em sua segunda fase, O Democrata apresenta, ao longo de seis números, uma
crescente busca pelo passado histórico-cultural de Barbacena. Tomaremos como
exemplo a edição de abril de 2005, ano VIII, nº 77 (número já atualizado conforme
explicamos anteriormente). Nessa edição, temos na capa as chamadas para as
matérias “Espionagem política vira rotina na cidade”, “Governo Martim Andrada
completa cem dias” e “Padre Corrêa de Almeida enfrentou Deus e o Diabo”, além
do editorial. Com oito páginas, o dobro da edição usada como exemplo da
primeira fase, o jornal tem dezesseis propagandas publicitárias, revelando assim
sua aceitação pelo público barbacenense; na página dois, cujo título é
“Variedades”, há a coluna intitulada “Com a Palavra... Silvério Ribeiro”; uma
coluna noticiando eventos da cidade “Democrata Notícias” e “Galeria” que exibe
três fotos, duas de pessoas conhecidas em Barbacena e uma de um par de tênis
pendurado num fio da CEMIG. Na página três, como título “Exclusivo”, têm-se as
primeiras matérias anunciadas na capa; na página quatro, que recebeu o título
85
“Cultura”, um texto sobre o folhetim de Ivone Cury publicado pelo Jornal do Poste
“O Mistério da Rosa Azul” e uma crônica. Na página cinco, intitulada
“História”, encontramos o artigo sobre o poeta satírico, latinista e musicista do
século XIX Padre Mestre Corrêa de Almeida e a coluna “Personalidades
Barbacenenses XIX”, dedicada ao comerciante italiano Amílcar Savassi. Na
página seis, também intitulada “Cultura”, uma matéria sobre o poeta
barbacenense Honório Armond e uma crônica; na página sete, repetindo o título
“Variedades”, e na página e oito, há um texto que versa sobre uma apresentação
musical, um artigo sobre o livro “Pedaços D’Alma Flores do Campo”, da já
falecida jornalista Inês Piacesi, e uma coluna do radialista Rogério Varandas “A
história do rádio em Barbacena”. Na última página do jornal, contos, poesia e uma
coluna sobre saúde.
Apresentamos aqui os números finais de inserções de cada gênero em todas as
seis edições do jornal O Democrata:
Gêneros Inserções
Artigo 19
Carta 0
Cabeçalho 6
Coluna 31
Conto 5
Crônica 19
Desenho 4
Editorial 6
Entrevista 18
Expediente 6
Foto 186
Nota 18
Notícia 1
Propaganda Comercial 91
Poesia 40
Reportagem 0
Resenha 1
Tira 1
86
Com essa breve apresentação exemplificada das duas fases que compõem O
Democrata como jornal impresso em gráfica, pretendemos justificar a escolha do
corpus para esta parte de nossa pesquisa. Esse acervo é de minha propriedade e
escolhemos os seis exemplares da segunda fase, números 77 a 82, por
encontrarmos neles matérias que se prestam ao arquivamento da memória da
cidade de Barbacena, com publicações relativas sobretudo ao passado histórico e
cultural da cidade. Podemos, de antemão, afirmar que a forte tendência em
focalizar a cultura da cidade de Barbacena nos leva a ler O Democrata como um
arquivo cultural valioso, como um periódico que deve ser conservado porque seu
tema, seu objetivo e principal foco está diretamente associado à preservação da
memória cultural de Barbacena. Levamos em conta que essa memória foi
construída por um grupo de pessoas que acabou por reproduzir a memória oficial,
pois essa está tão fortemente vincada na cidade que torna-se às vezes difícil não
se deixar influenciar por essa memória.
Dessa forma, podemos afirmar que ficou difícil manter uma isenção por parte dos
colaboradores do periódico para que as memórias não oficiais fossem discutidas
nas publicações do jornal. O poder público, seja através de festas e
comemorações, através de folhetos, acaba por reforçar uma memória e apagar
outras ou mesmo ignorá-las, assim, um periódico como O Democrata, por ser uma
manifestação cultural, acaba por refletir a cultura da cidade, as crenças, os
costumes, enfim, a memória que paira como única, embora saibamos que outras
há e outras tantas memórias foram silenciadas.
3.2 O Democrata como arquivo
Jacques Derrida (2001) em Mal de Arquivo: uma impressão freudiana chama
atenção para a figura do arconte, guardião do arquivo e para o lugar onde esse
87
instala o arkheion como instâncias de autoridade que têm o papel de interpretar
os arquivos enquanto depositários da memória. Nesse sentido, entendendo O
Democrata como arquivo, procuraremos tomar as pessoas do grupo que criaram
o periódico como arcontes de uma cultura barbacenense eleita para figurar num
veículo que, como meio de comunicação, disseminava documentos, sejam eles
estátuas, pessoas ou textos, como memória coletiva a ser preservada, a ser
aprovada. Para LE GOFF (1990), a memória coletiva de tempos passados não é
a reunião de “monumentos”, de todos os documentos criados e constituídos, e
sim a compilação que resultou de uma escolha feita por historiadores e por
pessoas influentes em cada época. Além disso, tomando o jornal como o
arkheion e os membros de sua redação como guardiões da memória tentaremos
ler a atuação desse periódico como um espaço que busca unificar uma
comunidade, uma cidade, através de documentos
20
da memória que destacam,
classificam e nomeiam para se preservar e instaurar uma unidade, nos dizeres de
DERRIDA (2001) O princípio arcôntico do arquivo é também um princípio de
consignação, isto é de reunião. (p.14)
Como uma colcha de retalhos, as matérias que encontramos no periódico versam
sobre diversos assuntos que se interligam de forma a constituir um jornal
agradável e interessante para o leitor. Dentre os temas abordados pelo jornal,
podemos apontar os seguintes: história, auto-ajuda, mensagens, educação,
memória, piadas, literatura, pintura e música. O interesse do público pelo jornal,
conforme nos relatou Silvério Ribeiro, devia-se ao fato de o periódico não ser
tendencioso politicamente, ou seja, não optar pelas duas facções políticas
existentes em Barbacena, o PMDB e os Bias Fortes e o PSDB e os Andrada, com
suas respectivas coligações que se modificam a cada eleição. Isso não quer dizer
que o jornal não fazia referências à política local, ao contrário, retratava o
momento político e intentava uma análise crítica sobre o governo municipal.
20
Tomamos aqui o conceito de documento de Jacques Le Goff. (LE GOFF,1990)
88
Como esse foi um jornal que, durante o tempo em que circulou, teve em seu
conteúdo matérias focadas no passado cultural de Barbacena, nosso interesse
em estudá-lo foi despertado tã o logo percebemos que seu teor poderia ser
associado à linha de pesquisa Literatura e Memória Cultural do Mestrado em
Letras da UFSJ. Este estudo sobre O Democrata é inédito, ainda não há qualquer
trabalho acadêmico tendo como objeto de estudo esse periódico. Objeto esse que
apresenta um vasto material sobre o qual é possível direcionar pesquisas para
algumas áreas, tais como História, Literatura e Sociologia. A delimitação que
faremos para este trabalho toma como corpus as matérias do periódico que
permitem um estudo do arquivamento que o jornal faz da memória da cidade.
Esse arquivamento é feito através da publicação de trabalhos de artistas e de
fotos da cidade que divulgam o passado e, com menos recorrência, o presente
cultural de Barbacena. Tomamos, a princípio, um conceito sobre cultura para
começarmos a nortear essa parte do nosso trabalho e, para isso, escolhemos a
seguinte citação de Edgar Morin:
Podemos adiantar que uma cultura constitui um corpo complexo de
normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua
intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta
penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e de
identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como
nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os
ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoios
imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela
alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no
interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um
secreta no exterior de si e no qual se envolve (sua personalidade).
(MORIN, 1969, p. 17)
A publicidade que a mídia faz divulgando identidades locais que pouco
conhecemos, ou que tê m um modo de vida peculiar, como algumas tribos
africanas ou de índios brasileiros, por exemplo, permite cada vez mais o
conhecimento da cultura de uma localidade que se diferencia da cultura
globalizada, Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.113). Fugir dessa semelhança parece ser a
89
tônica dos discursos das culturas locais hoje, mostrar o cotidiano como forma de
diferenciação é a válvula que os meios de divulgação como o jornal em questão
parecem usar. Richard Johnson (2000) afirma que cultura não é um campo
autônomo nem externamente determinado, mas um local de diferenças e de lutas
sociais (p.13). Essa definição de cultura pode ser associada ao objeto de nosso
estudo, pois a identificação que O Democrata fez sobre cultura mostra, ao longo
de algumas matérias que pretendemos explorar, uma diferenciação social,
apresentando artistas que o jornal considera acadêmicos e artistas populares de
Barbacena.
3.3 A memória cultural em O Democrata
Segundo COLOMBO (1991), O importante não é mais recordar, praticar a
memória, é saber que a recordação está depositada em algum lugar e que sua
recuperação é pelo menos na teoria possível. (p.104) Dessa forma, vemos
uma parte da memória de Barbacena “guardada” pelo periódico que está
disponível no Arquivo Municipal e conta com alguns exemplares também
arquivados pela Biblioteca Nacional. Para tratar O Democrata como um veículo
representativo da identidade cultural de Barbacena, precisamos primeiro fazer
uma leitura dessa identidade por meio do periódico. Segundo CANCLINI (1997), a
identidade cultural se apóia em um patrimônio (p.190) e a forma como o
patrimônio de Barbacena aparece no jornal se dá não apenas por fotografias, que
como vimos pelos números coletados chegam a quase duas centenas nessas seis
edições, mas por meio de textos sobre pessoas e lugares que se tornaram
patrimônio material ou imaterial da cidade.
90
A cultura barbacenense é expressa pelo periódico nos artigos da coluna
“Personalidades Barbacenenses XIX”, de autoria do professor e pesquisador
Rodrigo Geoffroy. Pode-se observar que, como o próprio título já demonstra,
esses textos trazem matérias sobre as pessoas que marcaram época na cidade.
As personalidades que aparecem nessa coluna viveram ou por essa cidade
passaram no século XIX e deixaram marcas visíveis até hoje, como textos
publicados, seus nomes em placas de rua, praças ou de estabelecimentos
educacionais.
3.3.1 Coluna “Personalidades Barbacenenses XIX”
Na edição de abril de 2005, 77, página 5, o professor e pesquisador Rodrigo
Geoffroy narra a história de Amílcar Savassi. Esse italiano, nascido em 15 de
agosto de 1877, talvez tenha sido mais barbacenense do que muitos outros que
aqui surgiram à luz da vida. Vindo para o Brasil ainda criança, estabeleceu-se em
Barbacena e participou ativamente da vida pública, intelectual e comercial da
cidade, sendo pioneiro no país com a instalação em Barbacena da Estação
Sericícola de Barbacena, produtora de bichos-da-seda e grande fabricante de
tecidos, a seda. Hoje, vemos o nome de Amílcar figurando, em um
estabelecimento educacional de Barbacena, a Escola Estadual Amílcar Savassi,
antes Grupo Escolar Amílcar Savassi, criado em 18 de junho de 1957 quando
Governador do Estado Dr. José Francisco Bias Fortes. (SAVASSI, 1991, v.2,
p.123).
Na edição de maio de 2005, 78, p.5, a coluna de Rodrigo Geoffroy traz como
temática da matéria o jornalista e escritor francês Georges Benanos que viveu em
Barbacena durante o período da Segunda Guerra Mundial, de 1938 a 1945.
Georges Bernanos foi um escritor de renome e publicou vá rias obras, dentre elas
91
Sous le Soleil de Satan, La Grande Peur des Bien-pensants e Les Grands
Cemitières sous la Lune. Hoje, a casa em que o escritor morou, na Rua Cruz das
Almas, é um museu em sua homenagem e abriga acervo mobiliário e bibliotecário
do escritor, além de promover vários cursos à população, como artesanato e
língua francesa.
Na obra de Fernando Sabino, O Grande Mentecapto, há uma cena em que o
personagem Viramundo, no centro de Barbacena, entra em um café e encontra
Georges Bernanos. O Mentecapto conhecia os livros do francês e era um seu
admirador. Esse personagem trava, então, um diálogo em francês com o escritor,
conversa que declina para um cô mico desentendimento devido ao fato de
Viramundo ter pouco conhecimento da língua materna de seu interlocutor.
Reforça-se aqui a atuação do imigrante para a construção identitária da cidade,
chegando mesmo a ocupar cargos políticos e sendo cultuado quando seu nome
torna-se monumento em nome de escolas e museus, por exemplo. Dessa forma,
podemos perceber o quanto a imagem do imigrante está arraigada na cultura
barbacenense, afinal, além de marcar a cidade, esse elemento aparece no
periódico que estamos estudando e a obra literária de Sabino, ao fazer referência
a Barbacena, entre as rosas, os políticos e os loucos, também cita esse ícone
identitário.
Das seis edições do periódico que estamos estudando, a coluna “Personalidades
Barbacenenses XIX” foi publicada em cinco, saltando a edição de junho/julho de
2005, 79. Na edição de agosto de 2005, 80, p.10, o pesquisador Rodrigo
Geoffroy escreve sobre a escritora barbacenense e professora de língua francesa
Conceição Jardim. Comparando-a às flores cultivadas na cidade, o colunista
afirma que a escritora vicejou, desabrochou, deixando-nos um legado na imprensa
local sob o pseudônimo C. Garden.
92
Querendo mostrar a relevância da coluna “Personalidades Barbacenenses XIX”,
tomamos como exemplo a matéria dessa coluna que foi publicada na edição nº 82
e procuramos promover um diálogo com uma crônica do jornalista Sérgio Ayres
que está publicada ao seu lado, na mesma página. A crônica intitulada Um
cronista em busca das barbacenidades humanas retrata de forma poética os
passos de uma andarilha, numa espécie de alegoria para todos os andarilhos que
vagam pelas ruas da cidade, que transitam entre as calçadas e ruas esburacadas
e dormem sob as marquises de lojas bem sucedidas e por falir. Não importa
onde, o fato é que esses andarilhos estão por toda a cidade, sem rumo certo, sem
que se saiba suas origens, seus sonhos, suas pretensões. Percebe-se sim,
apenas de olhar, algumas de suas necessidades, como comida, abrigo, banho. O
interessante de ter duas matérias distintas, a coluna de Rodrigo Geoffroy e a
crônica de Sérgio Ayres, na mesma página possibilita aproximá-las pela temática
e ao mesmo tempo distanciá-las pela forma de abordagem.
Os aspectos do cotidiano são abrangidos pelo que chamavam na Idade Mé dia de
“crônica” (não esquecer da raiz chronos = tempo), anedótica, tecida de pequenos
sucessos, de episódios breves da família, de cenas de rua vividas por anônimos.
(BOSI, 2003, p.13). A crônica é vista hoje como o texto que aborda os
microcomportamentos e o cotidiano. É o texto que se desloca da ironia sagaz
para a poética lírica, para a crítica e para a narrativa simples. Não vamos aqui nos
preocupar em definir a crônica, mas recorreremos a Antonio Candido no prefácio
“A vida ao res-do-chão” que escreve para um dos livros da coleção “Para gostar
de ler”. Nesse prefácio, em que discute as características da crônica, CANDIDO
(1980) elenca entre os vários aspectos da crônica a efemeridade, a presença da
oralidade na escrita, além da crítica social que o gênero promove. E, por fim, a
crônica como militância, isto é , participação decidida na realidade com o intuito de
mudá-la,(p.11), ou seja, a crônica que apesar da aparente descontração de seu
texto e do humor tem uma função social de denúncia. Nesse sentido, coluna
93
“Personalidades Barbacenenses XIX”, Rodrigo Geoffroy, como veremos, ao lado
do tom descontraído, da espontaneidade, concentra-se visivelmente na pesquisa
histórica, com o intuito de promover uma denúncia de uma questão social na
cidade - como a loucura era tratada nos manicômios da cidade.
A coluna em estudo desse 82 vem nos mostrar um pouco da história do atual
Manicômio Judiciário do Estado de Minas Gerais e, apesar do título
“Personalidades Barbacenenses XIX”, a coluna de Rodrigo Geoffroy não
apresenta, nesta edição do periódico, uma matéria totalmente voltada para a
biografia de Alfred Michel outro imigrante contemplado pelo jornal –; há uma
maior valorização da história do lugar que abriga hoje o Manicômio Judiciário do
Estado de Minas Gerais. Entretanto, o autor do artigo ressalta o industrial francês
como uma personalidade barbacenense por ter sido ele quem tentou revitalizar o
espaço que fora e é hoje tão sombrio e cheio de mortes. Vemos na matéria ao
lado dessa coluna, na mesma página do jornal, uma fotografia que chama a
atenção do leitor pelo anonimato do lugar e da pessoa retratada.
O DEMOCRATA nº 82, janeiro/fevereiro de 2006, p. 5
A fotografia ilustra a crônica Um cronista em busca das barbacenidades
humanas, e mostra uma mulher de cerca de quarenta anos, parcamente
agasalhada talvez não estivesse tão frio no dia da fotografia, algo raro nessa
cidade – e com um olhar baixo, como que carregando a amargura que lhe corta a
94
boca. À primeira vista, parece vazia, uma andarilha sem pertences, sem
ambições de futuro; murcha. O local parece também cheio de ausências: nada
que determine uma localização, nenhum cartaz, nenhum vislumbre de ponto
comercial ou turístico; apenas calçada, pilastras, uma porta sanfonada de ferro e
a soleira. Mas a mulher está sentada lá. Em que deve pensar? Sente saudades?
Revolta? Onde dormir naquela noite? Estava com fome? Ainda está viva até este
momento? Que rumo tomou?
Só nos resta mesmo perguntar e imaginar as respostas para essa fotografia,
talvez arquitetar uma narrativa e transformar a mulher em personagem. Mas ela
ficou ali, imortalizada pela publicação que nem ela mesma deve saber que existiu,
sem uma referência a seu nome ou a sua biografia. Sim, ela com certeza tem
ou tinha um nome e histórias para contar. Porém ela representa uma ilustração
mesmo para a crônica, que, sem fazer qualquer menção a ela, refere-se aos
vários andarilhos que circulavam e circulam por Barbacena. Ela transformou-se,
então, em alegoria. Sã o citados no texto apelidos como GMC, Botina e
Maisena de moradores de rua muito conhecidos da população barbacenense
nos anos 80 e 90 do século XX, moradores que fizeram fama pelo
comportamento ora descontraído, ora irritado com um poste, um cachorro ou um
meio-fio, ou ainda ficaram conhecidos por perambularem durante muitos anos
pelas ruas da cidade, a ponto de se tornarem familiares aos locais em que mais
ficavam. O que a crônica traz são divagações acerca dessas personalidades
anônimas diante da história oficial de Barbacena, especulações sobre supostos
sentimentos e desejos dessas pessoas tão comuns e ao mesmo tempo tão
distintas da grande população pelo modo de vida que assumiram ou que lhes foi
legado.
A comparação que queremos fazer aqui abarca uma coluna que constrói e exibe
a identidade de alguém, com nome, origem e feitos e uma fotografia de alguém
sem essas identificações e especificações. São antagonismos que dialogam na
95
mesma página do periódico, numa demonstração de que as diferenças, hoje
ainda mais, convivem. O passado mais remoto e o presente mais recente
comungam para a formação da identidade cultural da cidade. Segundo Ecléa Bosi
(2003), Do vínculo com o passado se extrai a força para formação de identidade.
(p.16), podemos nos identificar pelo acúmulo de fatos que nos precederam e
foram destacados a fim de contribuírem para quem somos hoje enquanto
cidadãos de uma comunidade, enquanto parte de uma sociedade. Zygmunt
Bauman (2005) afirma que Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo
livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” – ser
“identificado” de modo inflexível e sem alternativa é algo cada vez mais
malvisto. (p.35), o que implica pensar que a mulher na fotografia analisada é um
“indivíduo livremente flutuante”, sobre o qual nada podemos afirmar
inflexivelmente, até mesmo pela ausência de referências diretas a ela na matéria
que essa fotografia ilustra.
Já a matéria publicada pelo professor Rodrigo Geoffroy pode ser vista como uma
tentativa de identificar Alfred Michel como uma pessoa ilustre, imigrante em nossa
terra, benfeitor, com título de diretor industrial e condecoração do governo
imperial. São duas formas bastante distintas de trazer a público um mesmo
objetivo: valorizar a personalidade (pública ou anônima) e perpetuar a memória
transformando-a em arquivo jornalístico. O que podemos perceber ao contrapor
as duas matérias é que uma busca a memória já existente, construída
anteriormente, pois já há textos que legitimam a identidade desse imigrante para
tirá-la do esquecimento, para reforçá-la ou para fazer conhecer, e a outra tenta
criar uma memória, guardando a imagem como um registro, como um arquivo
para ser esquecido e posteriormente lembrado. É a busca da totalidade, com o
trazer à tona uma pessoa considerada ilustre, e da fragmentação, representada
pelo anonimato, pelo cotidiano, pelo plebeu.
96
Todavia, a história construída do imigrante, que vemos exposta no texto, baseia-
se em dados como a construção de sua casa num lugar que ainda existe, ele tem
um nome e um país de origem identificáveis. Entretanto, em relação à andarilha,
embora ela apareça como anônima, sem nome, sem casa, sem país, sem feitos
considerados importantes para a cidade, a fotografia acaba por testemunhar sua
passagem por Barbacena. A passagem transitória da andarilha confere também
identidade a Barbacena e é eternizada através da fotografia publicada no jornal.
A instância realística da fotografia, sua relação metonímica com o real
que armazena, redescobre, portanto, o tema da conexão mnemônica:
uma imagem é signo de um objeto porque o figura, mas é imagem
porque dá testemunho de sua presença, e na condição de testemunha
de existência, serve de suporte para a lembrança. A força do poder
evocativo da fotografia aumenta na proporção inversa e em relação à
transitoriedade do objeto representado: se a tradição clássica da imagem
havia encontrado o seu ápice na figuração eterna de um objeto
inalienável do tempo, o ícone fotográfico deve seu fascínio à
possibilidade de conservar o transitório. (COLOMBO, 1991, p.47)
A conservação do transitório é realizada, portanto, na coluna de Rodrigo Geoffroy
e na crônica de Sérgio Ayres, uma pela consistência de informações
apresentadas – e então divulgadas para a construção e evocação da memória – e
outra pela imagem. Essa última é capaz de se tornar arquivo pela “força
evocadora” que tem: a fotografia encontra na sua verdadeira ou pressuposta
casualidade a primeira razão do seu próprio realismo e da sua própria força
evocadora. (op.cit., 1991, p.48). A imagem da mulher andarilha registra essa
casualidade e se transforma em memória, em registro do momentâneo. Ainda
citando Fausto Colombo, percebemos que não importa se o objeto fotografado
perdura, importa o fato de que sua existência ficou registrada:
A imagem fotográfica assemelha-se, na sua qualidade de índice, à luz
das estrelas mais distantes, cuja vida pode já ter findado há milênios no
momento em que nossos olhos a avistam: se a presença do objeto
representado num instante qualquer já passado é certa, já sua existência
atual só pode ser objeto de conjecturas, e talvez exatamente nisso
resida a força tão pungentemente evocadora da fotografia. (op.cit., 1991,
p.49)
97
A publicação sobre essas duas pessoas constitui, portanto, arquivamento,
memória. Designamos a andarilha como uma personalidade pelo fato de
pensarmos a cidade enquanto um lugar composto de pessoas anônimas e
conhecidas. A andarilha é parte integrante da paisagem urbana e por isso
importante na análise do cotidiano, contrariando a coluna Personalidades
Barbacenenses XIX” que elege as pessoas do século XIX que o autor, como
outros autores, considera como importantes para a cidade, pois Rodrigo Geoffroy
certamente baseia seu texto em textos preexistentes.
Com isso, podemos afirmar que a importância dos jornais pode ser ressaltada por
sua função arquivística. Um periódico leva ao público leitor uma gama de
assuntos corriqueiros, vários exemplares acabam forrando prateleiras, são
torcidos e arranjados por mãos artesãs e até transformados em embrulhos
diversos; mas é sem dúvida um documento do cotidiano e, uma vez conservado,
uma ó tima fonte de pesquisas. Mesmo que seja ainda recente no Brasil, a
pesquisa em arquivos pode ser visto como uma prática bastante eficaz para se
entender um tempo.
Maria Zilda Cury, referindo-se a revistas literárias, destaca que muitos jornais e
revistas ainda permanecem intocados pela teoria literária e o lançar luzes sobre
tais produções culturais significaria a possibilidade de
rearticular visões sobre diferentes momentos, estabelecer novas
cronologias, reestruturar conceitos como influência e origem,
evidenciando que o espaço cultural apresenta-se como fronteiras
móveis, que podem ser redesenhadas pelo olhar do crítico, pela reflexão
teórica sobre os atores colocados em cena pelo trabalho de descoberta
e pesquisa (CURY, 2005, p.190)
98
Com tais possibilidades, estudar a cultura de um local, de um povo, através de
arquivos é seguir rastros sem saber exatamente até onde eles chegarão, mas
conhecendo as marcas que eles cultivam. Maria Eunice Moreira nos ensina que,
Funcionando como pressupostos para o tratamento das aporias temporais,
arquivos, documentos e rastros fundamentam qualquer discurso historiográfico e
o encaminham para a discussão do lugar das fontes documentais. (MOREIRA,
2004, p.121). Chegar a esse passado através das fontes documentais funciona
como uma contribuição para a valorização das mesmas, para que cada vez mais
percebamos a importância dos arquivos e dos periódicos – como os jornais.
Ao propor o estudo da coluna “Personalidades Barbacenenses XIX” e da
fotografia publicada ao lado dessa coluna na página 5 da edição nº 82 do jornal O
Democrata, tentamos salientar que esse periódico é um documento que vale a
pena ser arquivado e consultado. Percebemos que as matérias analisadas se
distanciam e se aproximam em alguns pontos, mas que, acima de tudo, são um
documento de preservação da memória cultural barbacenense.
Cabe destacar ainda que a coluna “Personalidades Barbacenenses XIX” busca
reforçar e construir a identidade barbacenense elegendo pessoas que atuaram no
século XIX em Barbacena. São cinco pessoas destacadas nas seis edições que
estamos estudando. Dessas, três são imigrantes e duas nasceram em Barbacena.
Além disso, dessas pessoas é destacado aquilo que fizeram em prol da cidade
como, por exemplo, a criação da Estação Sericícola, por Amílcar Savassi, e a
revitalização da casa onde hoje funciona o Manicômio Judiciário do Estado de
Minas Gerais, por Alfred Michel; bem como o fato de figurarem em nomes de
lugares como escolas e museus. O fato de haver num jornal uma coluna que se
volta para o século XIX, caracteriza-o como um espaço que intenta divulgar uma
memória construída a partir de um passado já estabelecido como memória a ser
lembrada, reforçando assim um cânone identitário para Barbacena.
99
Partindo da finalidade de colaborar para que a memória cultural de Barbacena não
fosse esquecida, o periódico O Democrata publicou matérias que versaram sobre
várias pessoas, do passado e algumas do presente da cidade, que foram e são
relevantes para a cultura do município apresentando-as ao público, pois A
memória ata os dois tempos; mas se efetiva porque a linguagem é capaz de trazer
de volta o passado e apresentá-lo a algum tipo de audiência. (ZILBERMAN, 2004,
p.20) Ainda que esse passado seja recriado pelo olhar do presente.
Outra matéria inserida em O Democrata e que queremos ressaltar é o editorial,
intitulado “O patrimônio de todos nós”, publicado na edição de setembro/outubro
de 2005, 81. Esse texto propõe uma reflexão sobre os patrimônios de
Barbacena e ressalta que Patrimônio de um povo, na verdade, é a sua cultura,
seus hábitos e costumes, seus valores, sua arte e, também, os espaços e a
arquitetura. Segundo CANCLINI, O patrimônio existe como força política na
medida em que é teatralizado: em comemorações, monumentos e museus
(CANCLINI, 1997, p.162). O editorial, além de buscar esclarecer, a seu modo, aos
leitores o que é patrimônio, chama a atenção para a importância de se preservar
os bens públicos de Barbacena, destacando que a história arquitetônica de
Barbacena perdeu muito ao longo dos anos. Imóveis foram totalmente destruídos
e fachadas tombaram diante dos interesses comerciais. O texto busca divulgar
uma cidade imaginada do passado, uma cidade que precisa preservar seus
costumes, monumentos, esquecendo que uma cidade constrói-se numa dinâmica
em que o tempo presente se realiza. O passado é importante, mas não pode ficar
estanque, sem diálogo com o presente. Construir a identidade de um lugar é usar
o diálogo entre o passado e o presente, algo que não acontece nos textos do
jornal O Democrata. As matérias publicadas deificam o passado como algo mais
importante que o presente, entretanto, o agora também compõe a identidade de
Barbacena.
100
Observando o jornal, percebemos que ele apresentou matérias que destacam o
imigrante em Barbacena e se calou em referências à política, às rosas e aos
loucos enquanto elementos caracterizadores da identidade barbacenense. Se o
jornal tinha a proposta de divulgar a memória da cidade, incorreu em uma falha
quando não abordou esses elementos identitários. O jornal fez uma opção por
divulgar e eleger como importante o passado da cidade e destacou algumas
pessoas que, nesse passado, imigraram para ela, voltando-se para o que o próprio
periódico chamou de “patrimônio”. Sendo, portanto, um formador de opinião,
enquanto veículo informativo, e demonstrando grande interesse em educar a
população, o jornal O Democrata fica preso à exaltação nostálgica de fatos e
pessoas ao destacar veementemente um passado idealizado e o imigrante que, na
visão do jornal, ajudou a construir esse passado em Barbacena. Para os leitores,
fica a sensação de que o agora não tem o mesmo valor que o ontem. Todavia, a
identidade é um processo contínuo que se forma levando em conta os ecos do
passado, mas também toda a transformação que é provocada pelo presente.
101
Capítulo 4
A Literatura visita Barbacena
Nesse trabalho, observamos que a identidade que envolve Barbacena se
manifesta em espaços culturais públicos, tais como museus, praças e festivais.
Por ora, vamos buscar os diálogos propostos pelos textos literários para
entendermos como as identidades barbacenenses foram descritas e o quanto
elas contribuem para a caracterização da cidade. A produção literária será um
componente para discutirmos essas identitidades porque é através dela que
percebemos o universo simbólico de uma sociedade.
Como já vimos desenvolvendo nos capítulos anteriores sobre a identidade
barbacenense, reafirmamos que Barbacena é famosa por, sobretudo, quatro
ícones identitários as rosas, os loucos, os imigrantes e os políticos. Desses
quatro elementos, vamos partir, a princípio, de quatro textos literários para
focalizarmos a loucura e, em algumas passagens, focalizaremos também os
outros três elementos da identidade barbacenense –, pois, por ser uma cidade
que, acredita-se, oferece um clima propício para tratamentos das doenças
mentais, a fama de Barbacena se difundiu pelo país como um espaço dedicado a
abrigar esses doentes. Em que pese o lado obscuro e doloroso dessa identidade,
quando se refere à cidade de Barbacena, nos textos literários a loucura oscila
entre o picaresco, a ironia e o lirismo. Citaremos como exemplo O Grande
Mentecapto, de Fernando Sabino (2008), obra que lida não apenas com a
loucura, mas também com as rosas, os imigrantes e os políticos de Barbacena.
Em Quincas Borba, de Machado de Assis (1997), e no conto “Soroco, sua mãe,
sua filha”, de Guimarães Rosa (1978), a abordagem sobre Barbacena aparece
somente identificada à loucura. Partindo da Literatura Brasileira para a Literatura
local, faremos incursões sobre o folhetim O Mistério da Rosa Azul, da escritora
102
barbacenense Ivone Curi (2005), que faz referências às rosas e à loucura na
cidade.
4.1 Viramundo revira Barbacena
O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino, publicado em 1979, é um “Relato
das aventuras e desventuras de Viramundo e de suas inenarráveis
peregrinações”. Esse subtítulo mostra que o romance gira em torno de Geraldo
Viramundo, filho caçula eram treze filhos de um português e de uma italiana,
que recebeu de batismo o nome Geraldo Boaventura, embora ele afirmasse ser
José Geraldo Peres da Nóbrega e Silva. (SABINO, 2008 p.7) Natural da cidade
de Rio Acima, no sertão mineiro, Viramundo passou sua infância nessa localidade
e se consagrou herói quando, ainda menino, se postou na linha do trem que
passava pela cidade rumo a Belo Horizonte. Como o trem não parava em Rio
Acima, Viramundo apostou com quinze outros garotos que faria o trem parar. E,
ao conseguir que o maquinista freasse a locomotiva, sua fama se espalhou. Mas
a alegria não durou muito: ao ser imitado por um dos garotos, o trem não parou e
Viramundo acabou sendo culpado pela morte dele. Depois dessa primeira
peripécia, Geraldo, ao conhecer o Padre Limeira, resolveu ir para o seminário em
Mariana. Ao ser expulso do seminá rio, por se passar por padre e ouvir uma
confissão que causou grande tumulto na cidade, Geraldo, aos dezoito anos, se
tornou Viramundo. E assim começaram as suas andanças por Minas Gerais. De
Mariana a Ouro Preto, cidade vizinha e muito próxima, Geraldo Viramundo levou
dez anos para fazer a travessia e foi nessa cidade que ele conheceu aquela que
viria a ser a sua amada e grande motivo de suas viagens por Minas Gerais:
Marília, filha do Governador Ladisbão. Depois participar de uma peça de teatro e
levá-la ao fracasso por se exibir para a moça, Viramundo saiu à procura de
Marília pelas cidades de Minas e chegou a Barbacena.
103
O longo título do capítulo referente a essa cidade já sugere o tom picaresco do
texto: “De como Viramundo colheu rosas e espinhos em Barbacena, indo parar
num hospício de onde logrou fugir, graças a uma treta bem-sucedida, e acabou
candidato a prefeito da cidade.” (op. cit., 2008, p.80) O romance picaresco é um
gênero que surgiu no século XVI na Espanha principalmente com Lazarillo de
Tormes, obra anônima, publicada entre 1529 e 1533. A característica desse
gênero romanesco é a presença de um anti-herói pícaro, personagem marginal
que narra suas peripécias. No Brasil, Antonio Candido, em “Dialética da
Malandragem”, texto publicado primeiramente em 1970 na revista do IEB/USP
(Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo), discute a figura
do pícaro em Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de
Almeida, e aponta esse não como um romance picaresco, mas como um
“romance malandro”, pois a figura do malandro é peculiar em romances
brasileiros com “certa atmosfera cômica e popularesca” (CANDIDO, 1970, p.72)
O pícaro Geraldo Viramundo foi a Barbacena tentando encontrar Marília
Ladisbão, filha do Governador Geral da Província, por quem estava apaixonado,
sem saber que ela e a comitiva do pai já estavam em outro lugar. Nessa
empreitada de rever a donzela, Viramundo achou por bem oferecer-lhe rosas de
que Barbacena era, diziam, tão pródiga, nas mais variegadas espécies e matizes.
(SABINO, 2008, p.81) Segundo informaram ao herói, as rosas de um alemão,
Herr Bosmann, na entrada da cidade, eram as melhores e Viramundo foi até ele
para comprar as rosas, mas, sem dinheiro, foi enxotado do roseiral rapidamente,
não sem antes ameaçar gritando que Não ficará pétala sobre pétala! (op. cit.,
2008, p.84) no roseiral do alemão. A saga se desenrola com Viramundo
conhecendo em um bar o vendedor de esterco da cidade, Barbeca, assim
apelidado por ser barbudo e careca. Ele também teve seus desentendimentos
com o alemão, mas não por causa das rosas e sim por causa de um pouco de
esterco. Eles arquitetaram e puseram em prá tica um plano de vingança contra
104
Bosmann: roubaram as rosas, destruíram os roseirais e saíram noite a dentro
jogando as pétalas pelas ruas da cidade. Por esse motivo, Viramundo foi
internado em um hospício e Barbeca ficou preso na cadeia.
Dentro do hospício, Viramundo viu de perto o comportamento dos internos como,
por exemplo, um que achava que era um milho e vivia fugindo e com medo de
galinha, outro, por sua vez, achava que era galinha e vivia correndo atrás do que
achava que era milho; outro ainda achava que era uma estrela e passava o dia
com os braços e as pernas abertas perguntando se o sol já havia saído para que
ele pudesse se recolher. Nesses três exemplos de comportamentos estranhos, a
loucura é apresentada em tom picaresco, afinal os loucos são considerados como
tal pelas suas atitudes esdrúxulas; não são loucos porque têm problemas
mentais, mas porque acreditam que se tornaram outros seres, negando assim a
existência humana.
O próprio diretor do hospício, o médico Dr. Pantaleão, recomendou que
Viramundo fosse alguma coisa lá dentro e deu conselhos dizendo que ser pessoa
é sofrer muito.
_ (...) Você o que é?
_ Eu sou mais eu – respondeu Viramundo prontamente.
_ Não pode. Se você fosse mais você, não estaria aqui. Você é menos
você, isso sim. E noves fora, zero. Se eu fosse você, seria alguém mais,
não seria eu. Portanto, você tem de ser alguém. Basta escolher.
(SABINO, 2008, p.87)
Nesse diálogo entre o médico diretor do hospício para onde Viramundo foi
recolhido e o próprio Viramundo, percebemos dois estigmas referentes à loucura:
a não identidade e a escolha de uma outra identidade. Na narrativa de Sabino, a
negação da identidade se dá no ponto em que o diretor afirma que Viramundo
não pode ser mais ele, precisa ser menos ele, ou seja, ele tem que ficar ausente
de si mesmo. Por outro lado, ele deve escolher uma outra identidade, pois,
105
tomando por base o conselho que o médico dá a Viramundo, a loucura está
associada ao ato de fingir ser aquilo que não se é um objeto, um animal,
alguém importante. Há, portanto, uma despersonalização e uma reificação. O
médico declara que seu desejo, quando chegou ao hospital, era ser uma nuvem,
mas não pude, porque tinha que andar pelado, o que era incompatível com a
minha condição de diretor. E você já imaginou uma nuvem de calças? (op.
cit.,2008, p.88) Viramundo acaba, então, por se denominar o revolucionário poeta
russo Vladimir Maiakovski, autor do poema “Nuvem de calças”. Ao repetir o nome
do poeta, com uma alteração fonética e gráfica, o médico o chamou de
Merdakovski. E assim ficou sendo chamado Viramundo dentro do hospício:
Merdakovski. A loucura, nesse texto, também relacionada ao diretor, pois ele tem
uma dificuldade em estabelecer os parâmetros entre a sanidade e a loucura dos
pacientes e dos próprios médicos, o que nos faz lembrar da ironia machadiana
com relação a Simão Bacamarte e os pacientes da Casa Verde, em “O Alienista”,
pois o conto levanta o questionamento sobre quem é louco os pacientes?
Todos? Até o médico?
Mas logo Viramundo se deu conta de que está no hospício por ter sido
condenado à prisão e não propriamente por sua livre e espontânea vontade (op.
cit., 2008, p.90) e pôs em prática um plano para escapar de lá. O plano se
desenvolve de maneira um pouco mirabolante, pois Viramundo encontrou um
jaleco, passou-se por médico e saiu do hospício, reforçando a alusão à máxima
popular de que de médico e de louco, todo mundo tem um pouco. Colocar o
jaleco é mudar de identidade num lugar onde se brinca com ela e se escolhe qual
identidade se deseja. Antes de sair, entretanto, Viramundo viu Herr Bosmann na
portaria, esperando para saber que fim levou o arruaceiro que lhe dizimou os
roseirais e, vestindo o jaleco de médico, o mentecapto pediu a dois enfermeiros
que detivessem aquele homem que sofria de alucinações; o alemão foi internado
106
e ficou no hospício até o fim de seus dias, já perfeitamente adaptado dizendo ser
o Kaiser Guilherme II, Rei da Prússia e Imperador da Germânia.
Nessa parte da narrativa, a facilidade com que Viramundo sai do hospício remete
para a ausência de regras do local, pois como os enfermeiros não conhecem o
corpo médico do hospital e um interno se passa facilmente por doutor? E como,
em uma cidade pequena como Barbacena, ninguém conhece o alemão, tido
como o maior produtor de rosas do município? Podemos depreender desse
exemplo uma crítica relacionada a um fato recorrente em Barbacena na época de
maior movimentação nas clínicas que abrigavam doentes mentais: os motivos de
internação em manicômios eram arbitrários. Nessa obra, essa questão fica clara
nas passagens em que o Dr. Pantaleão não demonstra uma postura científica em
relação à doença mental, mas tem um discurso repleto de jargões populares: _
Isso! Assim é que serve. Esse pelo menos fala. Cada doido com sua mania. De
médico e louco todos temos um pouco. (op. cit., 2008, p.86)
A partir do momento em que sai do hospital e passa a vagar novamente por
Barbacena, Viramundo descobre que a cidade é dividida em duas famílias
políticas, a Bias Fortes e a Andrada, essa última tratada pelo adjetivo bonifacista,
em referência a um dos sobrenomes, Bonifácio, que a família carrega. Viramundo
passeia pela cidade e percebe que cada família é dona de metade dos lugares,
existe um bar biista e um bonifacista, existe uma escola biista e outra bonifacista
e assim por diante, o processo é o mesmo com hospitais, com praças, ruas,
enfim, tudo o que a cidade abarca. A aventura chega ao ponto em que o herói se
vê envolvido com a política local e termina por se candidatar a prefeito da cidade,
a princípio por brincadeira, depois por insistência da população e com o apoio das
duas famílias, Andrada e Bias Fortes, até então politicamente inimigas.
Viramundo une, portanto, as duas famílias rivais da política barbacenense. Em
poucos dias, arma-se uma espécie de disputa pública de desafios entre os dois
candidatos à prefeitura local, Praxedes Borba Gato, candidato apoiado pelo
107
governador Ladisbão, e o mentecapto. Viramundo saiu vitorioso dessa disputa e
aclamado pelo povo. Entretanto seu adversário usa de uma estratégia e convoca
o comandante oficial do exército, que fazia parte de sua escolta, a descobrir se o
mentecapto estava em dia com suas obrigações militares. Acusado de ser
insubmisso por não ter passado pelo exército, Viramundo foi preso e levado para
a sede da região militar em Juiz de Fora, de onde suas aventuras por Minas
Gerais continuam. Viramundo chega a Barbacena pelas rosas, conhece os
imigrantes, experimenta a loucura e sai pela política.
A Barbacena retratada por Fernando Sabino é vista picarescamente sob os
quatro aspectos abordados nesse nosso trabalho, as rosas, os imigrantes, os
loucos e os políticos. O seu olhar cômico-irônico recai também sobre um fator
digno de destaque na cidade: a presença de imigrantes. Já nos referimos aos
dois encontros do mentecapto com o alemão Herr Bosmann, no primeiro esse é
responsável pela internação-prisão de Viramundo no hospício e no segundo
encontro Viramundo torna-se responsável pela internação de Herr Bosmann no
mesmo hospício. Em outra parte do texto, Viramundo passa por um bar,
reconhece o escritor francês George Bernanos e vai cumprimentá-lo por conhecer
sua literatura. Num diálogo intricado, em francês e português, os dois se
desentendem quando Viramundo oferece como um presente um coco-da-serra e
o escritor não entende para que o fruto serve, como se come ou como se chama.
A conversa entre os dois termina com Viramundo dizendo Tout est bien qui finit
bien! (op. cit., 2008, p.97).
4.2 “Ao vencedor, as batatas!”
21
Já a ironia machadiana aparece na obra Quincas Borba, publicada em 1891 e o
personagem que dá nome ao livro passa algumas de suas desventuras em
21
Tomamos de empréstimo o título dessa parte da dissertação da frase célebre do romance de
Machado de Assis Quincas Borba. Lembramos que esse também é o título do livro de Roberto
Schwarz, publicado em 1977, pela Livraria Duas Cidades, Editora 34.
108
Barbacena. A obra não é, todavia, um reflexo de Barbacena, apenas cita a cidade
e, por isso, e pela temática da loucura, está presente neste trabalho.
Segundo artigo publicado no site da Academia Brasileira de Letras
22
, Machado de
Assis passou por Barbacena por volta de 1890 e encontrou apenas chuvas e
trovoadas, o que o teria irritado bastante e inspirado cenas para a obra Quincas
Borba:
Em janeiro de 1890, por estrada de ferro, e na companhia de alguns
amigos, Machado visitou fazendas e centros pastoris. Foi recebido com
relâmpagos e coriscos que o fizeram descer correndo a ladeira em que
se encontrava. Tinha horror a tempestades, que mexiam com o seu
sistema nervoso. Como as descargas elétricas continuaram à noite,
Machado e Carolina permaneceram no quarto do hotel, cobrindo os
ouvidos diante de estampidos apavorantes.
(...)
Em Quincas Borba, descreveu Machado o que certamente é a
experiência por ele vivida (sic):
“Súbito, relampejou: as nuvens amontoavam-se depressa. Relampejou
mais forte e estalou um trovão. Começou a chuviscar grosso, até que
desabou a tempestade. Rubião, que aos primeiros pingos deixara a
igreja, foi andando rua abaixo, sempre seguido do cão, faminto e fiel,
ambos tontos, debaixo do aguaceiro, sem destino, sem esperanças de
pouso ou de comida...” (ABL, 2009)
A certo ponto da narrativa de Quincas Borba, o personagem que dá título à obra
mora em Barbacena e é nessa cidade que a história começa e termina. Quincas
Borba é um romance de, sobretudo, ironia à Humanidade, haja vista a proposta
da filosofia humanitista com a célebre frase “Ao vencedor, as batatas!” que o
personagem principal desenvolve como uma crítica às filosofias cientificistas
recorrentes no século XIX e ao Humanismo. Em Quincas Borba, Machado de
Assis retrata a sociedade pequeno-burguesa do Segundo Império, em que o
importante eram as aparências, a moda, o vestuário luxuoso, os adornos, a
22
2
O artigo citado recebeu o título “Machado de Assis nas Alterosas”, e está disponível em
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=8575&sid=626&tpl=printerview,
tendo sido acessado em primeiro de junho de 2009.
109
habitação, os títulos honoríficos. O valor das pessoas estava, apenas, na sua
exterioridade.
Pedro Rubião de Alvarenga, professor de escola primária em Barbacena, foi
contratado como enfermeiro de Quincas Borba e tornou-se também discípulo da
filosofia desse, que vem a falecer no Rio de Janeiro, na casa de Brás Cubas.
Rubião é feito herdeiro universal do filósofo, com a condição de cuidar de seu
cachorro, que também se chama Quincas Borba. Ao mesmo tempo, outros
oportunistas, como o advogado e falso jornalista Camacho contribuem para o
empobrecimento absoluto de Rubião, enquanto o amor por Sofia, esposa de
Palha o leva, gradualmente, à loucura. Abandonado por todos que dele se
aproveitaram, o herdeiro retorna para Barbacena com o cão Quincas Borba, tudo
que lhe restara da aventura na Corte.
Rubião é retratado como ingênuo e romântico, é um homem interiorano
deslumbrado com a riqueza e a Corte, atormentado por um amor impossível, um
adultério que não se consuma contrariando outras obras contemporâneas a
Machado de Assis, como O primo Basílio, de Eça de Queirós e que termina
enlouquecido em sua cidade natal. Machado de Assis, ao visitar a cidade mineira,
pode ter sido influenciado pela existência do Sanatório de Barbacena, pois situa
seus personagens, Quincas Borba e Rubião, enlouquecendo justamente nessa
cidade que, anos depois, se tornaria um depósito de doentes mentais de várias
partes do país.
O narrador de Quincas Borba retrata uma Barbacena interiorana, com uma
formação arquitetônica típica de cidade do interior, com a igreja, a cadeia e a
farmácia, por exemplo, construídas muito próximas umas das outras. O
personagem Rubião reconhece sua cidade natal por essas construções familiares
a ele e que fazem parte de sua memória e, ingenuamente, chega à conclusão de
que a rua está deserta porque ninguém sabe que ele chegou. Ironicamente, uma
110
pessoa parece espiar Rubião, atitude peculiar de moradores de cidade pequena
que espreitam pelas frestas das janelas:
Era ela, era Barbacena; a velha cidade natal ia-se-lhe desentranhando
das profundas camadas da memória. Era ela; aqui estava a igreja, ali a
cadeia, acolá a farmácia, donde vinham os medicamentos para o outro
Quincas Borba. Sabia que era ela, quando chegou; mas, à medida que
os olhos se derramavam, as reminiscências vinham vindo, mais
numerosas, em bando. Não via ninguém; uma janela, à esquerda,
parecia ter alguém que espiava. Tudo o mais deserto.
_ Talvez não saibam que cheguei, pensou Rubião. (ASSIS, 1994, p.231)
4.3 Solidão e loucura no sertão
No conto “Soroco, sua mãe, sua filha”, do livro Primeiras Estórias de Guimarães
Rosa, publicado em 1962, a mãe e a filha de Soroco são enviadas a Barbacena,
um lugar longe, em um trem cheio de grades, “o trem de doido”, para tratamento
psíquico. A partida desse trem tem hora marcada, a despedida dessa família tem
hora marcada para acontecer: 12h45min, e o sol é escaldante. Soroco é um viúvo
que por longo tempo cuidou da mãe e da filha, que deram muito trabalho a ele,
devido à insanidade que só se agravou com o passar do tempo. A mãe é descrita
como uma mulher de mais de 70 anos, que usa roupa toda preta, como quem
guarda luto, e que balança a cabeça constantemente. A filha é única, ainda moça,
coberta de vá rias roupas, tiras, faixas, vários ornamentos sem nexo pendurados
pelo corpo, e canta uma música incerta, sem tom e sem sentido.
As imagens que descrevem a mãe e a filha de Soroco são naturalmente
associadas à demência. Soroco chega à estaçã o do trem de braços dados com
as mulheres, uma de cada lado e o narrador remete essa imagem à de um
casamento, mas em seguida acrescenta que parece mesmo um enterro, tamanha
a tristeza. Soroco estava usando sua melhor roupa: um ornamento para a
despedida. O narrador afirma também que Soroco não consegue mais cuidar de
111
sua mãe e sua filha e por isso envia as duas para Barbacena, para longe e para
sempre, elas vão ficar por conta do governo. A música é um ponto marcante no
conto, pois a filha cantarola o tempo todo, depois a mãe faz coro à filha e, quando
as duas partem no trem cheio de grades, tal como uma prisão, Soroco se vê
como um sujeito sozinho, oco, angustiado e em poucos instantes começa a
cantarolar a mesma música da filha, dando continuidade à canção. As pessoas do
lugar se assustam ao ouvir Soroco cantar a música, como que imaginando se ele
também fora acometido pela loucura da família. Depois de um instante de
perplexidade, num sentimento de compaixão, todos cantam com ele, essa música
dolorida contagia e as pessoas acompanham Soroco e a canção até a casa
desse homem solitário. Fica nítido, em meio ao lirismo presente na narrativa
roseana, que o limiar entre a loucura e sanidade é mais tênue do que realmente
parece.
Barbacena surge nesse conto logo no início, na descrição da chegada do trem à
estação da cidade sertaneja, indicando ser o destino das pessoas que
embarcavam num específico vagão, dedicado aos doentes mentais e que
esperava por eles desde a véspera. Barbacena, no decorrer do conto, aparece
sutilmente, com poucas referências, como uma sombra, associada a um lugar de
tristeza, distância e morte, afinal as pessoas, em grande parte, iam para lá para
sempre, tal como a mãe e a filha de Soroco. Essa tristeza que permeia o texto é
revelada por um narrador que acentua o lirismo do conto, que nos faz, leitores,
sentir o desespero do personagem, unindo-nos à gente que acompanha Soroco
em seu canto até sua casa.
Na obra (Colônia): uma tragédia silenciosa, organizada pelo psiquiatra Jairo
Toledo, há um texto de autoria do psiquiatra e psicanalista Francisco Paes
Barreto, intitulado Carta a Soroco,
112
Meu querido Soroco,
Esteja onde estiver, quero que ouça o que eu tenho a lhe dizer. Visitei
hoje o lugar onde morreu sua mãe, onde morreu sua filha, onde
morreram as mães, os pais, os filhos e os irmãos de um incontável
número de pessoas.
Sabe o que eu encontrei lá? Um Caps. Um hospital regional de clínica
médica e cirúrgica. Um centro social urbano. Uma escola. Um centro de
convivência. Um bairro popular. Uma área de preservação ecológica.
Uma biblioteca pública. E outras construções que fazem parte da
paisagem da cidade, atualmente conhecida como Cidade das Rosas.
Ali, onde outrora ficava a Fazenda da Caveira, de Joaquim Silvério dos
Reis, e depois o Hospital Colônia de Barbacena, era considerado um
lugar maldito. Ao que tudo indica, porém, a misericórdia dos céus mudou
a sua sina.
(...)Do que havia do antigo hospital, resta apenas um edifício imponente,
que é a principal atração turística da cidade. Chama-se Museu da
Loucura. Está aí exatamente para não nos deixar esquecer, para
registrar uma época. É um templo dedicado à loucura. Não à loucura de
pessoas como sua mãe e sua filha, mas à nossa loucura, Soroco, à
loucura dos chamados normais. (TOLEDO, 2008, p.49)
Quebrando os convencionalismos de que a arte se inspira na realidade, o autor
dessa carta faz o caminho inverso, parte do fato para a literatura parte da
presença forte da loucura em Barbacena e escreve uma carta para um
destinatário que é um personagem literário e elege Soroco, o personagem
roseano, como símbolo das pessoas que tiveram familiares e amigos internados
no Hospital Colônia e que lá sofreram no seu período mais nefasto do início do
século XX até por volta dos anos 1960, quando as denúncias sobre as péssimas
condições de tratamento dentro do Hospital vieram à tona. Barreto dirige uma
carta ao passado, numa tentativa de revelar ao personagem as mudanças
ocorridas desde a partida sem volta da mãe e da filha. O histórico do lugar que
abrigava o Hospital já, por si só, revela uma aura obscura desde seu primeiro
nome: Fazenda da Caveira, título que lembra morte e destruição, lembranças
também associadas ao antigo dono do lugar, Joaquim Silvério dos Reis, tido
como o delator da Inconfidência Mineira, homem que apontou culpados, e que
causou a morte e a destruição de alguns dos principais conjurados.
113
Como vimos, a literatura visita Barbacena, mas não para citar sua história, seu
povo ou suas ruas; se algum desses elementos aparece nas narrativas
observadas por nós, ele está diretamente associado às identidades
barbacenenses. A cidade ficou estigmatizada de tal forma, que faz parte de sua
construção identitária a história do cultivo de rosas no Brasil, da implantação do
Hospital Colônia, da imigração italiana, alemã e francesa e da provinciana briga
política entre duas famílias de mesma origem. Ao retratar Barbacena, os autores
citados nesse trabalho fazem referências à cidade por meio dos ícones
identitários que a personalizam, como uma caracterização que é feita com
estereótipos e levada através dos anos para toda sorte de leitores. Esses, ao se
lembrarem da cidade, lembram-se dela por ser a “Cidade das Rosas”, a “Cidade
dos Loucos”, um lugar cheio de imigrantes, ou um lugar dominado pela política de
duas famílias. Entretanto, são os próprios habitantes da cidade que permitem
essa conversão dos ícones identitários em clichês usados não só pelos escritores
que citamos, mas também pelos autóctones. Pudemos detectar, pelas pesquisas
de campo, que os barbacenenses carregam seus títulos, às vezes com certo
orgulho, às vezes com certa amargura.
4.4 Rosa e loucura no caminho de Monalisa
O folhetim O Mistério da Rosa Azul, de que vamos tratar nessa parte do nosso
trabalho, foi publicado em capítulos no Jornal do Poste da cidade de Barbacena e
foi chamado de folhetim justamente por ter a sua publicação semelhante às
publicações dos folhetins do século XIX: em capítulos. A autora, Ivone Curi, conta
a saga de uma moça muito bonita, chamada Monalisa. O cenário da narrativa é a
própria cidade de Barbacena, com destaque para alguns dos pontos mais
conhecidos do município, como a Rua XV, o coreto do Jardim Municipal e a Ponte
Seca.
114
Quando foi publicado em 2005, o folhetim teve seus capítulos disponibilizados ao
público, no Jornal do Poste que é o único jornal diário da cidade. Os murais desse
jornal ficam espalhados ao longo da principal rua de Barbacena, a Rua XV, e
atraem grande número de leitores. Foram trinta capítulos pequenos, que
permitiam a leitura rápida que podia ser feita numa breve pausa da caminhada
pela rua. Esses apresentavam um curto resumo do capítulo anterior, para que
todos pudessem acompanhar a história mesmo tendo perdido a última parte.
Com uma linguagem em tom irreverente, a autora fez referências a dois dos
elementos da identidade barbacenense: as rosas e a loucura; além de mencionar
o elemento estrangeiro.
Descrita como uma moça de beleza estonteante, Monalisa era desejada pelos
homens e, de certa forma, invejada pelas mulheres, Assim foi que, a despeito de
nunca ter desfilado para Rainha das Rosas, a fama de sua beleza e a retidão do
seu caráter lhe conferiram o título, hors concours, de Eterna Rainha. (CURI, 2005,
p.1)
Embora tenha em sua obra um personagem de origem estrangeira, a narradora
não deixa clara a sua origem, não fica explícito se ele é de outro país, entretanto,
é certo que não é um cidadão nascido na cidade de Barbacena: Recém-chegado
à cidade, ele fazia de tudo para se enturmar. A todos dizia ser cidadão do mundo,
embora nada conhecesse dele. (op. cit., 2005, p.7) Esse personagem, que recebe
o nome de Fazendeiro, representa as tantas pessoas que chegaram a Barbacena
vindas de outras localidades e que influenciaram no cotidiano da cidade. O que
depreendemos do texto, contudo, é que a influência de Fazendeiro é negativa,
pois ele lidera um esquema de aliciamento para a prostituição de mulheres.
Temos aí, portanto, na narrativa a referência ao elemento estrangeiro, uma das
facetas da identidade barbacenense.
115
O mistério da rosa azul, já sugerido pelo título do folhetim, começa quando
Bernadete, futura cunhada de Monalisa e garota de programa aliciada por
Fazendeiro, desaparece. Pega pelo pai de Monalisa em pleno exercício da
função, Bernadete foge da cidade e, em sua cama uma pista é encontrada pelo
irmão, Apolinário, pela mãe, Dona Wanda, e por Monalisa: Em cima da colcha
branca da cama de Bernadete, havia uma rosa azul. Tão viçosa era a flor de seda
que parecia ter desabrochado naquele instante de uma roseira. (op. cit., 2005,
p.12) É a partir desse ponto da narrativa que a rosa, outro elemento da identidade
barbacenense, ganha destaque. A rosa azul de seda representa o mistério em
torno do qual o folhetim se desenvolve.
Essa primeira rosa azul a aparecer na narrativa é confiada a Monalisa, que tem a
função de guardá-la e toma o lugar, numa cúpula de vidro, da santa de proteção
dessa personagem. Continuando a sua história, a narradora relata uma grande
busca por Bernadete, mas nem mesmo a polícia encontra pistas do paradeiro da
moça. Apolinário fica obcecado para encontrar a irmã, tanto que o comandante da
Polícia Militar pede à mãe dele, Dona Wanda, e a sua noiva, Monalisa, que o
ajudem a convencer Apolinário a continuar de licença e a fazer um tratamento
médico, especializado, psiquiátrico. (op. cit., 2005, p.17) Aí está, já no conselho do
comandante, a pista que a narradora oferece ao leitor sobre a loucura que
acometerá o personagem Apolinário, fazendo alusão, dessa forma, a outro
elemento da identidade de Barbacena: a loucura. A demência de Apolinário vai, ao
longo da narrativa, sendo construída e reforçada em vários episódios, como
quando ele chega à conclusão de que sua irmã fora abduzida, culminando com o
momento em que ele, já deveras enlouquecido, coloca fogo no próprio corpo, na
presença da noiva, Monalisa. Depois dessa atitude desesperada do noivo, a
protagonista entra numa espécie de torpor. Passa vários dias enclausurada em si
mesma.
116
Como ninguém conseguia demover Monalisa de sua depressão, Prático, o
farmacêutico, um apaixonado pela moça, se propõe a curá-la. Desde os anos de
estudante do ensino médio, Prático se interessou em estudar e fabricar os
hormônios responsáveis pelo instinto sexual dos animais, os feromônios. Quando
por fim descobriu a fórmula, o farmacêutico a testou aplicando-a em uma rosa azul
de seda, rosa entregue a algumas moças da cidade. O efeito foi o esperado: as
moças tinham a libido aguçada e se entregavam facilmente ao prazer sexual.
Com o intuito de ajudar Monalisa, Prático leva até ela a afrodisíaca rosa azul (op.
cit., 2005, p.27). Ao aspirar a rosa, a moça esboça um sorriso e sai do torpor em
que se encontrava. A partir de então, o mistério da rosa azul chega ao fim, pois
era ela um veículo desencadeador do desejo sexual. Monalisa, de mulher
desejada, passa a ser uma mulher cheia de desejos e se entrega à volúpia das
paixões dos homens, transformando-se assim em uma prostituta de luxo.
Quisemos ressaltar, nesse capítulo, a forma como a literatura representa os
quatro ícones identitários de Barbacena. Pudemos perceber que esses elementos
aparecem em textos de autores distintos e retratam as maiores influências
representativas da cidade : as rosas, os loucos, os políticos e os estrangeiros. A
loucura é estereotipada em Sabino; em Guimarães Rosa gera compaixão e
solidariedade e em Quincas Borba está ligada à ingenuidade, à inocência de
Rubião ou mesmo de Quincas, que deixa sua herança para o cachorro e se diz
filósofo. Em Machado de Assis, a loucura acomete aqueles que são socialmente
marginalizados, porque não se curvam às regras de uma sociedade de
aparências. Os personagens machadianos são deslocados, não se reconhecem
como pertencentes à sociedade na qual estão inseridos, daí a necessidade de se
tornarem outros seres, outras pessoas, o que configura uma busca por si
117
mesmos. No folhetim, a loucura aparece como resultado de uma obsessã o
causada pelo desaparecimento de uma moça que se prostituía, que era aliciada
pelo estrangeiro e tinha a sua libido despertada pela rosa cheia de feromônios.
Dessa forma, percebemos que três dos quatro elementos identitários de
Barbacena estão presentes no folhetim e que eles se relacionam ao longo da
história.
118
Considerações Finais
Ao discutirmos a identidade e a memória cultural de Barbacena, abordamos quatro
elementos que consideramos fundamentais para entendermos como essa
identidade e essa memória estão sendo construídas na cidade. As inserções sobre
as rosas, com a Festa das Rosas e Flores, sobre os loucos, com a publicação da
obra (Colônia), com o Museu da Loucura e com o Festival da Loucura, sobre os
políticos, com a atuação constante desses e sobre os imigrantes, além do jornal O
Democrata, firmam o nosso propó sito de expandir leituras sobre a cultura da
cidade. Segundo CANCLINI (1997),
a inserção da cultura nas relações sociais mudou. A maioria dos
espectadores não se vincula à tradição através de uma relação ritual, de
devoção a obras únicas, com um sentido fixo, mas mediante o contato
instável com mensagens que são difundidas em múltiplos cenários e
propiciam leituras diversas. (p.199)
Essas leituras diversas propiciadas pela forma como a cultura se insere nas
relações sociais provocam em nós, cidadãos, um olhar mais atento para as
origens das expressões culturais que vemos hoje. É importante entender como e
por que a história que construímos agora começou e continua se desenvolvendo e
mesmo se repetindo.
Conforme BAUMAN anuncia,
a essência da identidade – a resposta à pergunta “Quem sou eu?” e, mais
importante ainda, a permanente credibilidade da resposta que lhe possa
ser dada, qualquer que seja não pode ser constituída senão por
referência aos vínculos que conectam o eu a outras pessoas e ao
pressuposto de que tais vínculos são fidedignos e gozam de estabilidade
com o passar do tempo. (BAUMAN, 2005, p.74-75)
A permanência dos vínculos estabelecidos entre as pessoas pode ser constatada
pela ausência de postura crítica para mudar situações préestabelecidas por
119
pessoas que elegeram como ícones identitários da cidade os quatro elementos já
apresentados. Falta uma atitude crítica dos cidadãos quando a cidade produz a
Festa das Rosas e Flores, ou o Festival da Loucura, ou quando cria o Museu da
Loucura e compactua com as disputas políticas já esperadas a cada eleição.
Mesmo as publicações de (Colônia) e d'O Democrata são fatores que comprovam
a preocupação dos idealizadores desses projetos em salvaguardar e repetir uma
memória cultural do município que é estereotipada, construída e reforçada a cada
evento. Parece-nos, portanto, que todo esse reforço para a construção de uma
identidade é uma tentativa de eleger características específicas de Barbacena,
sem que outras sejam levadas em conta, como, por exemplo, a grande produçã o
artística e intelectual que existe na cidade.
A identidade de Barbacena oscila, pelo que vimos durante esse trabalho, entre
quatro possibilidades que são, cada uma, em determinados momentos,
ressaltadas com maior vigor. Quando a Festa das Rosas é produzida, por
exemplo, a identidade de Barbacena como “Cidade das Rosas” é reforçada, já no
Festival da Loucura é o codinome de “Cidade dos Loucos” que ganha destaque.
Quando estudamos o passado da cidade e sua formação, percebemos o quanto
os imigrantes são considerados importantes e, na época das eleições, o foco se
concentra na disputa política e então é esse o ícone identitário em voga. Para
Stuart Hall,
à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar ao menos temporariamente. (HALL, 2001,
p.13)
Ainda que essa identificação seja temporá ria, todas estão de alguma forma
conectadas. Pudemos perceber que as rosas e a loucura em Barbacena foram
interrelacionadas com a criação do Memorial das Rosas, embora este não tenha
saído do papel. A loucura em Barbacena é também um fator político, como narra
120
o jornalista Hiram Firmino em seu livro Nos porões da loucura, reproduzindo uma
fala da entrevista que realizou com o psiquiatra José Theobaldo Tollendal, diretor
do Hospital Colônia de 1969 a 1983:
Isso aqui é terra de políticos. Este hospital foi criado em Barbacena por
questões meramente políticas. Jamais foi considerado o aspecto
médico-terapêutico desta cidade que, a meu ver, deveria ter sido a
última a ser escolhida no País para este fim. Ao invés de construírem
este hospital lá em Muriaé, em Carangola, numa região mais quente,
eles preferiram aqui, por meros interesses pessoais. A preocupação não
foi com a saúde de ninguém, e sim fazer disso aqui uma fonte de
empregos, de votos para os senhores políticos da região. Basicamente é
isso. (FIRMINO, 1982, p.56, 57)
A afirmação que o psiquiatra diretor do Hospital Colônia faz contradiz até mesmo o
que Altair Savassi (1991) defende quando afirma que Barbacena atraiu
manicômios por causa de seu clima propício a curas de transtornos mentais. A
narrativa de Hiram Firmino (1982) prossegue denunciando que grande número dos
pacientes do Hospital Colônia morriam por causa do frio intenso da cidade, já que
faltavam cobertores e agasalhos e muitos internos se recusavam a usar roupas.
Sem demonstrar preocupação com o estado físico e psicológico dos doentes,
segundo a versão de Firmino a criação do Hospital Colônia foi um ato realizado
para beneficiamento político. Essa ligação continua com a concepção do Festival
da Loucura, que foi e é sustentada pelo governo municipal. O prefeito da época do
primeiro festival, Martim Andrada, adquiriu sua própria carteirinha de doido.
Quanto ao elemento estrangeiro, associamos os imigrantes à produção de rosas,
pois foram eles quem primeiro fizeram esse cultivo; alguns estrangeiros tiveram
forte influência na política barbacenense e foi um estrangeiro que iniciou a luta
antimanicomial na cidade, estando, portanto, esse ícone da identidade
barbacenense diretamente ligado aos outros. Além disso, ao entendermos o
estrangeiro como um elemento estranho à cidade, podemos vê -lo também à
margem da sociedade local e, dessa forma, ele é semelhante aos loucos,
considerados indivíduos marginais.
121
Associando as quatro identidades barbacenenses, percebemos que elas fazem
parte do cotidiano dos cidadãos do município. São elementos que permeiam
construções, festas e estão presentes por toda a cidade, nomeando ruas, praças,
bairros, enfim, marcando o tempo presente com as cores de um passado não
muito distante, com a história memorialística do município, afinal, Nossa memória
não se apóia na história aprendida, mas na história vivida. Por história devemos
entender não uma sucessão cronológica de eventos e datas, mas tudo o que faz
com que um período se distinga dos outros. (HALBWACHS, 2006, p.79). Na
atualidade, esses fatores identitários estão associados e caminham juntos com a
preocupação do município em preservar sua memória, como vimos no periódico
O Democrata, que aborda três dos elementos dos quais tratamos nesse trabalho,
com exceção para o ícone identitário da loucura.
Segundo Stuart Hall, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo,
através de processos inconscientes, e não algo inato (...) Ela permanece sempre
incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. (Hall, 2001,
p.38). Os processos de formação da identidade de Barbacena foram incutidos, ao
longo do tempo, na consciência dos cidadãos, através de construções
memorialísticas, como as festas, os museus e as publicações jornalísticas. Esses
estigmas estão fixados há tanto tempo que se tornaram familiares aos
barbacenenses, entretanto não há fixidez de identidade, ela vem sendo formada e
se modifica com os fatores cotidianos. Como afirma Ana Carolina Escosteguy
(2001), a identidade é uma busca permanente, está em constante construção,
trava relações com o presente o com o passado, tem história e, por isso mesmo,
não pode ser fixa, determinada num ponto para sempre, implica movimento.
(p.142) E Barbacena vem construindo outras identidades ainda não
estereotipadas, que estão mescladas ao cotidiano da cidade e ainda não
ganharam um evento próprio ou uma dedicação exclusiva nas páginas de algum
jornal.
122
Dentre essas identidades podemos citar uma Barbacena que abriga o curso de
formação dos pilotos da Força Aérea Brasileira ( a EPCAR ); uma cidade que
investe em educação, com a presença de universidades particulares, de escolas
técnicas, de uma universidade estadual e do Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia ( o IFET ); podemos citar também a presença do Hotel
Senac Grogotó, que forma profissionais da área de hotelaria e cozinha que vêm de
várias partes do país para estudar nessa instituição. Além disso, Barbacena
apresenta também uma variedade de pintores, artistas plásticos, escritores,
músicos e atores, como os do grupo Ponto de Partida. Com tantas outras
identidades sendo formadas, o município não deve se ater somente aos quatro
ícones identitários que estudamos nessa dissertação, ainda que eles sejam
realmente presentes e determinantes na história da cidade. Há que se voltar um
olhar para outros elementos que são construídos cotidianamente, como os que
acabamos de citar. Será que Barbacena vai esperar tudo isso virar história para
reconhecer algum valor identitário? E esse valor só existe se os elementos
passam a fazer parte de uma memória, de um passado?
Os símbolos coletivos são construídos pelas sociedades como uma forma de
alimentar o imaginário social porque A percepção de uma “identidade”, que
aglutina os indivíduos em aspirações e sonhos comuns, constrói-se por meio
desses símbolos que circulam no espaço social. (GREGOLIN, 2003, p.98)
Circulando nesse espaço, os símbolos que Barbacena construiu estão hoje
arraigados na memória coletiva da população, formam um vínculo comum entre as
pessoas da cidade e seu passado. Conforme afirma Ecléa Bosi,
A memória opera com grande liberdade escolhendo acontecimentos no
espaço e no tempo, não arbitrariamente mas porque se relacionam
através de índices comuns. São configurações mais intensas quando
sobre elas incide o brilho de um significado coletivo. (BOSI, 2003, p.31)
123
Esse significado coletivo está relacionado também às matérias que O Democrata
publicou porque versam sobre a memória da história barbacenense e, lendo o
periódico como um arquivo dessa história, podemos dizer que as práticas atuais
de arquivamento visam estabelecer uma memória a longo prazo. A partir do
momento em que o jornal arquiva a história da cidade, a memória se fixa, pois está
à disposição de quem quiser guardar e consultar. Ainda assim, Por muito que
deva à memória coletiva, é o indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das
camadas do passado a que tem acesso pode reter objetos que são, para ele, e só
para ele, significativos dentro de um tesouro comum. (BOSI, 1994, p.411) A forma
como cada indivíduo retém a memória da cidade nos leva de volta às questões
sobre a identidade, pois a memória individual é um processo que contribui para a
formação da identidade. A identidade transforma-se em mera etiqueta externa
para o reconhecimento de um grupo, que se define com base nas relações com o
mundo exterior e por conseguinte com base na própria diferença. (COLOMBO,
1991, p.118) A representação dessas diferenças constitui o processo identitário,
pois ela estabelece identidades individuais e coletivas, (...) constrói os lugares a
partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem
falar. (WOODWARD, 2000, p.17)
A partir das identidades individuais e coletivas de Barbacena, foi possível
estabelecer um panorama sobre o modo como os cidadãos barbacenenses e os
não barbacenenses veem a cidade. Todos os elementos que selecionamos estão
de algum modo ligados uns aos outros, produzindo uma malha de inter-conexões
que desembocam na identidade e na memória de Barbacena. Podemos concluir
que conhecer os elementos que configuram a identidade cultural do município é
fundamental para entendê-lo e para interpretar suas manifestações culturais e
esse entendimento se torna possível a partir do momento em que conhecemos
quais são as identidades de Barbacena, como elas se manifestam, como foram
124
incutidas no cotidiano da cidade e como vieram a fazer parte da memória de seus
habitantes.
125
Referências bibliográficas
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de
Janeiro:Jorge Zahar, 1985.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.
ANDRADE, Carlos Drummond. Doido. In: Menino Antigo. Obras Completas, Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1983, p.577.
ASSIS, Machado de. Obra Completa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.I, 1994.
ASSIS, Machado de. O alienista e outros contos. São Paulo: Moderna, 2004.
BHABHA, Homi K. Disseminação o tempo, a narrativa e as margens da
nação moderna. In: O local da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana
Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renata Gonçalves. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1998, p. 198-238.
BARROS, Mary Cristina Silva e. Representando os porões da loucura um
estudo sobre o Hospital Colônia de Barbacena. Belo Horizonte: Argumentum,
2008.
BARTHES, Roland. A câ mara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
BATTAGLIA, Laura. A Portas Cerradas. Insight Psicoterapia e Psicanálise, São
Paulo: Ano IX, n. 97, p. 17-23, Jul. 1999.
126
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Zahar Editor, 2005.
BERND, Zilá. Literatura e Identidade Nacional. Porto Alegre: Editora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1990.
BERTOLA, Márcio. É proibido esquecer. Belo Horizonte: Armazém de Idéias,
2005.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de velhos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
BURTON, Richard Francis, Sir. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. São
Paulo: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1976.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo: Edusp, 1997.
CANDIDO, Antônio. “A Vida ao Rés-do-chão” (Prefá cio). In: Para gostar de ler:
crônicas / Carlos Drummond de Andrade [et al.]. Ed. Didática. São Paulo:
Ática, 1979-80, p. 4-13.
127
CANDIDO, Antonio. Dialética da Malandragem. In: Revista do Instituto de
estudos brasileiros, 8, São Paulo, USP, 1970, p. 67-89. Disponível
em:<http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/leitura/DIALETICA_MALANDR
AGEM.rtf>. Acesso em: 28/09/2010.
CARVALHO, José Murilo de. Barbacena: a família, a política e uma hipótese.
Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 20, jan. 1966.
COLOMBO, Fausto. Os Arquivos Imperfeitos: memória social e cultura eletrônica.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.
CURI, Ivone. O mistério da rosa azul. Barbacena: Jornal do Poste, 2005.
CURY, Maria Zilda Ferreira. Complemento: uma revista, uma geração. In: VAZ,
Artur Emílio Alarcon et Alli (Orgs.). Literatura em revista (e Jornal): periódicos do
Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da
UFMG, POS-LIT: Rio Grande, RS: Fundação Universidade Federal do Rio
Grande, 2005.
DERRIDA, Jacques. Mal de Arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2001.
DUARTE, Maristela Nascimento. Ares e luzes para mentes obscuras: o Hospital
Colônia de Barbacena: 1922-1946. Dissertação de mestrado em Ciências
Políticas. Departamento de Ciências Políticas. Belo Horizonte: UFMG, 1996.
DUARTE, Renata Barbosa de Araújo. Histórias de Sucesso: agronegócios:
floricultura. Brasília: Sebrae, 2007.
128
DUCROT, Ariane. A classificação dos arquivos pessoais e familiares. In: Revista
Arquivos Históricos, n.21. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Cartografias dos estudos culturais: uma
introdução latino-americana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
FIRMINO, Hiram. Nos porões da loucura. Rio de Janeiro: Codecri, 1982.
FOUCAULT, Michel. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo:
Perspectiva, 1991.
FRANÇA, Junia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-
científicas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise (org). Discurso e mídia: a cultura do
espetáculo. São Paulo: Claraluz, 2003.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da
Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São
Paulo: Difel, 1986.
JOHNSON, Richard et al. O que é, afinal, estudos culturais? Belo Horizonte:
Autêntica, 2000.
KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
129
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,
1990.
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil.
Belo Horizonte: Itatiaia, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.
LYOTARD, Jean-François. Moralidades pós-modernas. Campinas: Papirus, 1996.
MASSENA, Nestor. Barbacena; a terra e o homem. Parte I. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1985.
MASSENA, Nestor. Barbacena; a terra e o homem. Parte II. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1985.
MIRANDA, Wander Mello. Archivos e Memória Cultural. In: Arquivos Literários.
Org. Eneida Maria de Souza, Wander Mello Miranda. São Paulo: Ateliê Editorial,
2003.
MOREIRA, Maria Eunice. Na rede do tempo. História da Literatura e fontes
primárias. In: As pedras e o arco. Fontes primárias, teoria e história da literatura.
Regina Zilberman et al. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
MORIN, Edgar. Culturas de Massa no século XX (O Espírito do Tempo). Rio de
Janeiro – São Paulo: Forense, 1969.
PEREIRA, Lígia Maria Leite. José Bonifácio Lafayette de Andrada: uma vida
dedicada à política. Lígia Maria Leite Pereira; Maria Auxiliadora de Faria. Belo
Horizonte: BDMG Cultural, 1994.
130
PIO, Guilherme Leopoldo. Musealização e cultura contemporânea. In Musas
Revista Brasileira de Museus e Museologia, nº2: Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, Departamento de Museus e Centros Culturais, Rio de
Janeiro, 2006.
RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985.
RESENDE, Edna Maria. Ecos do Liberalismo: ideários e vivências das elites
regionais no processo de construção do Estado imperial, Barbacena (1831-1840).
Tese de doutorado em História Tradição e Modernidade da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
ROSA, Guimarães. Soroco, sua mã e, sua filha. In: Primeiras Estórias. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1978.
SABINO, Fernando. O grande mentecapto: relato das aventuras e desventuras de
Viramundo e de suas inenarráveis peregrinações. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SAVASSI, Altair José. Barbacena 200 anos. Belo Horizonte: Lemi, 1991.
SHARMAN-BURKE, Juliet. O tarô mitológico. Juliet Sharman–Burke, Liz Greene.
São Paulo: Siciliano, 1988.
TOLEDO, Jairo Furtado (org). (Colônia): uma tragédia silenciosa. Belo Horizonte:
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2008.
VENÂNCIO, Renato Pinto. Caminho Novo: a longa duração. Varia História, Belo
Horizonte, n. 21, jul. 1999, p. 181-189.
131
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e
conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a
perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
ZILBERMANN, Regina et al. As pedras e o arco: fontes primárias, teoria e história
da literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
PERIÓDICOS:
ABARFLORES. Informativo. Junho de 2004, Ano 1, nº1.
BARBACENA, Órgão Oficial do Município de Barbacena, 412, 3 de dezembro
de 2008.
BARBACENA, Órgão Oficial do Município de Barbacena, 414, 17 de dezembro
de 2008.
BARBACENA, Órgão Oficial do Município de Barbacena, 421, 22 de junho de
2009.
Barbacena se transforma na capital das rosas. In: Estado de Minas. Caderno de
Turismo, 03 de out. de 2002, p.2.
LIBERDADE: Informativo da Coordenadoria de Saúde Mental do Departamento
Municipal de Saúde Pública da Prefeitura Municipal de Barbacena. Ano I, 1,
julho/agosto de 2003.
O Democrata, nº 39, 8 de julho de 2004.
132
O Democrata, edição de nº 77, abril de 2005 a nº 82, janeiro/fevereiro de 2006.
GUIAS, CATÁLAGOS e DOSSIÊS
BARBACENA, Fundação Municipal de Cultura: Dossiês de Tombamento,
Barbacena – Ano 1997 – Exercício 1998. Barbacena: Fundac, 1997.
Catálogo Festival da Loucura, CENATUR, 2008.
Guia de Museus Brasileiros/Universidade de São Paulo. Comissão de Patrimônio
Cultural. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 2000.
SITES CONSULTADOS
www.brasilviagem.com, acesso em 01/05/2009
www.barbacena.mg.gov.br/pmb/leis/busca_lei.php acesso em 05/06/2009.
http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=237481, acesso em 08/06/2009.
www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_13160.php>, acesso em
08/06/2009.
www.camara.gov.br/bonifaciodeandrada/biografia.html, acesso em 08/06/2009.
www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?
infoid=8575&sid=626&tpl=printerview, acesso em 01/06/2009.
133
ANEXOS
134
Anexo 1
Entrevista com Sheila Loschi
Entrevista realizada com Sheila Loschi em 28 de maio de 2009
Entrevistada: Sheila Loschi
Entrevistadora: Clara Araújo de Matos
01 Quantos produtores de rosas nós temos na região de Barbacena?
A estimativa é de que na região de Barbacena existam cerca de trinta e cinco
produtores, dos quais cerca de 60% cultivam rosas. As outras flores cultivadas na
região são, por exemplo, copo de leite, crisântemo, estrelitza, tango, gypsophila,
antúrios, lisiantus, lírios, helicônias e orquídeas.
02 Quantos são os associados da ABARFLORES?
São 18 associados.
03 Por que alguns produtores faliram se o cultivo de rosas e flores é um mercado
tão promissor?
Mesmo dominando as técnicas de cultivo, os produtores viram o declínio dessa
atividade acontecer por volta dos anos de 1990, quando cada produtor precisava
pagar royalties
aos laboratórios que desenvolviam os espécimes cultivados na
região de Barbacena. Esse pagamento encarecia muito a produção, levando os
negócios a uma baixa que quase acabou com o cultivo de rosas na região,
resultando até mesmo na falência de algumas empresas do ramo.
04 Explique melhor o que são os royalties, por favor.
135
Os royalties são uma porcentagem que os produtores de rosas pagam, pelo
direito de produzir as rosas, aos laboratórios de países como França, Alemanha,
África do Sul e Equador que desenvolvem as variedades dessa flor.
05 As rosas movimentam o mercado financeiro de Barbacena?
Sim, as rosas movimentam, todos os anos, um grande volume financeiro, em
negócios com lojistas locais e importadores e com o SEBRAE, um grande
parceiro dos produtores. Mas os produtores têm mesmo como ponto máximo de
oportunidade de negócios e divulgação do produto a Festa das Rosas.
06 Como você vê a Festa das Rosas?
Os órgãos municipais estão valorizando muito mais os shows de música,
gastando valores altos para levar à cidade artistas populares e deixando de lado o
principal motivo da festa: as rosas e as flores. Os estandes são montados nos
galpões em que, cinco meses antes, na Exposição Agropecuária, estavam os
animais expostos. Os galpões são ainda escuros e possuem pouca ventilação. Os
visitantes se espremem para conseguir ver alguma coisa. Ainda assim, a festa é
um bom evento para divulgar e comercializar as flores e as rosas e o ponto alto
da festa é o desfile de carros alegóricos enfeitados com nossos produtos. Dá
trabalho, mas eles ficam lindos!
136
Anexo 2
Catálogo Flores de Barbacena
Catálogo Flores de Barbacena
Catálogo Flores de Barbacena, p. 02
Catálogo Flores de Barbacena
137
Catálogo Flores de Barbacena, p. 05
Catálogo Flores de Barbacena, p. 08
Catálogo Flores de Barbacena, p. 09
Catálogo Flores de Barbacena, p.11
Catálogo Flores de Barbacena, p.13
Catálogo Flores de Barbacena, p.15
138
Catálogo Flores de Barbacena, p.16
Catálogo Flores de Barbacena, p.19
Catálogo Flores de Barbacena, p. 20
Catálogo Flores de Barbacena, p. 22
Catálogo Flores de Barbacena, p. 27
139
Catálogo Flores de Barbacena, p. 29
Catálogo Flores de Barbacena, p. 31
Catálogo Flores de Barbacena, p.32
Catálogo Flores de Barbacena, p. 34
140
Anexo 3
Livro (Colônia): uma tragédia silenciosa
(Colônia): uma tragédia
silenciosa, p. 82
(Colônia): uma tragédia
silenciosa, p. 84
(Colônia): uma tragédia silenciosa, Capa
141
(Colônia): uma tragédia
silenciosa, p. 86
(Colônia): uma tragédia silenciosa, p. 98
(Colônia): uma tragédia silenciosa, p. 108
(Colônia): uma tragédia silenciosa, p. 101
142
(Colônia): uma tragédia silenciosa, p. 115
(Colônia): uma tragédia silenciosa,
p. 116-117
(Colônia): uma tragédia silenciosa, p. 119
(Colônia): uma tragédia silenciosa, p.
144
(Colônia): uma tragédia
silenciosa, p. 186
(Colônia): uma tragédia silenciosa,
p. 188-189
143
Anexo 4
Museu da Loucura de Barbacena, MG
Torreão do antigo Hospital
Colônia, hoje Museu da Loucura,
Barbacena, MG
Foto: Clara Matos 2009
Museu da Loucura
Painel
Foto: Clara Matos 2009
Museu da Loucura
Pertences de ex-internos
Foto: Clara Matos 2009
Museu da Loucura
Aparelho de eletrochoque
Foto: Clara Matos 2009
144
Anexo 5
Catálogo do Festival da Loucura 2008
Catálogo do Festival da Loucura, abril de 2008
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 02
Catálogo do Festival da Loucura,
abril de 2008, p. 03
“O trem dos loucos”, de Moacyr
Scliar
145
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 04
Foto de Luiz Alfredo Ferreira
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 05
Texto de Edson Brandão
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 06
Texto de Edson Brandão
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 07
Texto de Edson Brandão
146
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 10
Texto de Jairo Furtado Toledo
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 11
Texto de Jairo Furtado Toledo
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 12
Texto de Jairo Furtado Toledo
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 13
147
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 14
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 15
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 16
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 17
148
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 19
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 18
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 20
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 21
149
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 22
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 23
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 24
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 25
150
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 26
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 27
Catálogo do Festival da Loucura, abril de 2008, p. 28-29
151
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 30
Catálogo do Festival da
Loucura, abril de 2008, p. 31
Catálogo do Festival da Loucura, abril de 2008, contracapa
152
Anexo 6
Entrevista com Silvério Ribeiro
Entrevista realizada no dia 1 de agosto de 2008.
Entrevistado: Silvério Ribeiro, diretor do jornal O Democrata
Entrevistadora: Clara Araújo de Matos
01 – Você poderia explicar o nome O Democrata?
O nome veio da facilidade em escrever, democraticamente.
02 – O que o levou a “batizar” o jornal com esse nome?
A não existência de um jornalismo democrático na cidade.
03 – O jornal se propunha a quê?
O tendencionismo não ajudava em nada a cidade, então a proposta do jornal O
Democrata.
04 – Como você viu a aceitação desse jornal pelo público?
Muito bem, inclusive não recebemos nenhum processo. Ouvíamos muitos elogios
e críticas construtivas, que proporcionaram a melhora da qualidade do jornal.
05 – O público era apenas o local? O jornal circulou em outros lugares?
No começo era bairrista, apenas Bairro do Campo e Bairro Jardim, depois passou
a circular nas cidades vizinhas de Antônio Carlos, Carandaí e Alfredo
Vasconcelos.
06 – Como era feita sua distribuição?
Era entregue às bancas de jornais e, em outras cidades, ia de ônibus e o pessoal
das bancas recolhia nos pontos dos ônibus.
07 – Quais as impressões que esse jornal imprimia em seus leitores?
Era muito boa, porque nós não noticiávamos, nós comentávamos os
acontecimentos.
08 Na sua opinião, esse jornal se diferencia dos demais que circulam em
Barbacena por quê? Em que ponto?
Era um jornal feito por pessoas conhecidas, que levava uma opinião, não uma
notícia, e os outros jornais da cidade só noticiam os fatos.
09 – Conte um pouco da história desse jornal.
Começou em xérox, em folha A4, depois foi crescendo e se transformou em
formato tabloide. Começou com um grupo de amigos, estudantes da UNIPAC,
mas sem vínculo com a universidade.
153
10 – Fundado em 15 de março de 1997?
Sim
11 – O que você guarda como sensações pela realização desse trabalho?
Muito esforço e uma analogia entre nascimento e morte, porque foi um sonho que
chegou ao fim.
13 – Há pessoas que ainda perguntam pelo jornal?
Muitas ainda perguntam, sentem falta.
14 – Há um desejo de que ele volte a circular ou essa é uma página virada?
Essa é uma página virada.
154
Anexo 7
Jornal O Democrata
Jornal O Democrata, abril de 2005, ano VIII, n° 77
Detalhe da primeira página
155
Jornal O Democrata, agosto de 2005, ano VIII, n° 80
Detalhe da primeira página
156
Jornal O Democrata, setembro/outubro de 2005, ano VIII, n° 81
Detalhe da primeira página
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo