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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO
ASPECTOS JURÍDICOS DA TRADUÇÃO NO BRASIL
MÁRCIO SCHIEFLER FONTES
FLORIANÓPOLIS
2008
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MÁRCIO SCHIEFLER FONTES
ASPECTOS JURÍDICOS DA TRADUÇÃO NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Estudos da Tradução, da
Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Estudos da Tradução, sob orientação do Prof. Dr.
Werner Heidermann.
FLORIANÓPOLIS
SETEMBRO DE 2008
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iii
DISSERTAÇÃO JULGADA PARA A OBTENÇÃO DE GRAU DE
MESTRE EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PROCESSOS DE RETEXTUALIZAÇÃO
Teoria, crítica e história da tradução
Aprovada em sua forma final pelo
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução
da Universidade Federal de Santa Catarina
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Werner Heidermann
Orientador
Prof. ª Dr.ª Márcia Aguiar Arend
Prof.ª Dr.ª Rosvitha Friesen Blume
Prof. Dr. Markus Weininger
(suplente)
Prof.ª Dr.ª Andréia Guerini
Coordenadora
iv
À minha avó
Dulce de Oliveira Schiefler (in memoriam),
Dulce Luiza, luz e dignidade,
saudade que não tem fim.
v
Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina, especialmente ao seu
Centro de Comunicação e Expressão, a inexcedível oportunidade de participar,
ainda que apenas como testemunha, da trajetória luminosa das letras.
Agradeço também ao meu professor-orientador, Dr. Werner Heidermann,
erudito e eclético, a paciência e o desprendimento com que abrigou
um operário de tijolos entre os arquitetos da catedral.
Agradeço, por fim, à Kellyn, beleza cândida de olhos brilhantes,
bússola sem a qual não faria sentido o caminho que me foi dado percorrer.
vi
A aprovação desta dissertação não implica endosso de seu
conteúdo pela banca examinadora, por seu presidente ou pela
Universidade Federal de Santa Catarina.
vii
“[...] e com estas condições prometo de vos servir,
e dizer o pouco que eu souber, e logo vos hei de dizer
as coisas que sei bem sabidas, e as em que tenho dúvida,
com juramento de falar muita verdade.”
Garcia d’Orta, Colóquios dos simples (Goa da Índia, 1563)
viii
RESUMO
Os vínculos entre direito e tradução aparecem basicamente em
três planos: o plano teórico-doutrinário (doutrina jurídica estrangeira
incorporada pela tradução); o plano propriamente jurídico (legal
translation); e o plano técnico-jurídico da tradução (legislação aplicada à
profissão de tradutor e à prática da tradução). Este trabalho se propõe a
expor e examinar o terceiro deles, a partir da intensa produção legislativa dos
últimos anos, a exemplo do novo Código Civil, de 2002, e da atual Lei dos
Direitos Autorais, de 1998. A própria história da tradução no Brasil é
caracterizada pela farta regulamentação referente à tradução, fenômeno que
pode ser denominado “juridicização da tradução”. O tradutor juramentado,
submetido às Juntas Comerciais dos Estados Federados, é parte e marco
dessa história, e representa o elo mais conhecido entre tradução e direito. No
entanto, o ordenamento jurídico brasileiro está repleto de normas que se
dirigem especificamente ao tradutor/intérprete e à tradução, escrita e oral.
Com efeito, desde a produção da prova na esfera cível até crimes previstos
ao tradutor que oficie desonestamente no processo, passando pela oitiva das
testemunhas, pelo interrogatório do réu ou pela juntada de documentos, o
tradutor pode ser chamado a auxiliar a jurisdição ou mesmo a responder por
faltas cometidas no exercício de sua atividade. Além disso, o direito autoral
do tradutor está inscrito expressamente na legislação brasileira, equiparando-
se ao direito autoral do autor da “obra original”, o que deve inclinar os
tradutores a buscarem seus direitos, em juízo se necessário.
Palavras-chave: direito e tradução, planos da tradução jurídica, direito
brasileiro, direitos autorais do tradutor.
ix
ABSTRACT
The ties between law and translation are basically found at three
levels: theoretical-doctrinal (foreign legal doctrine incorporated by
translation); properly legal (legal translation); and technical-legal (legislation
as applied to the profession of translator and translating). This work aims to
reveal and analyse the third of these from the large volume of legislation
recently passed, for example the new Civil Code from 2002 and the current
Copyright Law, from 1998. The history of translation in Brazil is
characterized by wide-ranging translation regulation, which we can refer to
as “judicialization of translation”. The sworn translator, subordinated to the
States Boards of Trade, is a part of and landmark in this background,
representing the best known link between translation and law. However, the
Brazilian legal system has many rules specifically applicable to
translators/interpreters and both written and oral translation. This means that
in cases ranging from the production of proof in civil court to crimes
involving translators who dishonestly practice their profession, as well as in
areas such as witness hearings, defendant interviews or document filings,
translators may be called on to help the courts or even answer for breaches
of the rules governing their activities. Furthermore, the translator’s copyright
is expressly established in Brazilian legislation and is equivalent to the
copyright held by the author of the “original work”, which will probably lead
translators to defend their rights, if necessary in court.
Keywords: law and translation, levels of judicial translation, Brazilian law,
translator copyright.
x
ABREVIATURAS
Abrates.................... Associação Brasileira de Tradutores
art. .......................... artigo
ATA........................ American Translators Association
CGJESC.................. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina
CLT......................... Consolidação das Leis do Trabalho
CPI.......................... Comissão Parlamentar de Inquérito
Des. ........................ desembargador
DJU......................... Diário da Justiça da União
DNRC..................... Departamento Nacional de Registro do Comércio
DSHS...................... Department of Social & Health Services (Estado de Washington – EUA)
EUA........................ Estados Unidos da América
FIT........................... Federação Internacional de Tradutores
j. ............................. julgado em
JUCESC.................. Junta Comercial do Estado de Santa Catarina
JUCESP................... Junta Comercial do Estado de São Paulo
LDA........................ Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998)
LPI........................... Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14 de maio de 1996)
Min. ........................ ministro/ministra
NOTIS..................... Northwest Translators and Interpreters Society
NYCT...................... New York Circle of Translators
OMC....................... Organização Mundial do Comércio
ONU........................ Organização das Nações Unidas
PGET....................... Pós-Graduação em Estudos da Tradução
SINREM................. Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis
SINTRA.................. Sindicato Nacional dos Tradutores
STF.......................... Supremo Tribunal Federal
STJ.......................... Superior Tribunal de Justiça
TRIPS...................... Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (Acordo)
UFSC....................... Universidade Federal de Santa Catarina
Unesco..................... Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
PREFÁCIO
Ainda hoje me perguntam por que resolvi, já depois da graduação em Direito,
aventurar-me por área tão distinta e tão mais “abstrata” (e as aspas aqui são imprescindíveis)
quanto os Estudos da Tradução. A resposta não é curta nem muito ortodoxa, suposto que
envolve, além de motivação íntima, razões principalmente de ordem acadêmica e profissional.
Desde sempre considerei primordial, especialmente ao profissional militante,
interessar-se por outras áreas do conhecimento para além daquelas tradicionalmente abarcadas
nas academias de Direito: Sociologia, Política, Economia, Filosofia. Evidentemente sem as
excluir, concluí por experiência própria que dificilmente se está preparado para compreender
e então defender ou refutar novas teorias ou tendências sem um lastro mais robusto de
pluralidade de fontes de informações que o permita.
no decorrer dos semestres letivos da graduação, em vista de circunstâncias que
fogem a esta manifestação, também observara meu mais antigo foco de preparação
profissional, a magistratura, ser pouco a pouco obrigado a dividir espaço com outro objetivo,
a diplomacia, até que este último passou a eclipsar o primeiro e, por fim, esteve a ponto de
eliminá-lo. A dúvida, verdade seja dita, em grande parte persistiu graças ao fato de que em
agosto de 2000, ainda com 19 anos e na quinta fase do curso, tomei posse como servidor do
Tribunal de Justiça. Passei a assessorar o Desembargador Francisco Oliveira Filho, hoje
decano e presidente da instituição, mas naquela época recém egresso das funções de
Corregedor Geral da Justiça do Estado e, exatamente por isso, ávido por voltar à atividade
judicante, que sempre exercera com impecável denodo e brilho singular.
Quando colei grau, em março de 2003, havia tomado posse em outro cargo
público, desta vez efetivo, de técnico judiciário no mesmo Tribunal, conquanto continuasse a
exercer as funções de assessor junto àquele magistrado, também processualista e conceituado
professor da Universidade Federal de Santa Catarina. À sombra de um jurista
verdadeiramente incansável, seja como professor, seja como juiz, minha balança voltou a
pender para a magistratura, e assim motivado cursei a Escola Superior da Magistratura do
Estado de Santa Catarina, bem como especialização em direito processual civil pela UFSC.
Por outro lado, com metas acadêmicas nunca abandonadas num interesse de
amplitude tal que naturalmente me inclinava para a diplomacia, na qual o Direito disputa
espaço com a Economia, com a História etc. passei a tentar ingressar no mestrado em
Direito, inicialmente sem sucesso. A área não poderia ser mais sugestiva: relações
internacionais. No entanto, quando tomei conhecimento da oportunidade que oferecia a
xii
segunda seleção para o recém lançado mestrado em Estudos da Tradução, não pensei duas
vezes: era a chance, que até então eu não havia tido, de ampliar meus horizontes acadêmicos
para o campo da tradução e das letras, no meu entender uma boa plataforma para o êxito no
exigente concurso do Instituto Rio Branco, que seleciona os diplomatas de carreira.
Felizmente obtive sucesso na seleção do mestrado, sob orientação do ilustre
Professor Werner Heidermann, a quem apresentara meu projeto inicial, que o
surpreendentemente dizia respeito à importância do tradutor e da tradução na história
diplomática brasileira. Com o tempo, meu orientador demonstraria, a par de uma
personalidade cativante, uma paciência monástica para com as agruras da profissão de
magistrado, abraçada por mim meses mais tarde, depois de um longo e naturalmente
desgastante concurso. Concurso este, note-se, levado palmo a palmo com o concurso para
diplomata, em que eu também acabaria aprovado, poucas semanas após a posse no Tribunal
de Justiça.
O incrível cenário de escolher livremente entre as duas carreiras de Estado mais
tradicionais, sonho de todo jovem bacharel, revelou-se para mim na verdade um emaranhado
de reflexões de toda sorte, do qual confesso ter-me desvencilhado sem traumas
irreversíveis em razão de generoso e persistente aconselhamento oriundo daqueles que me são
caros: meus familiares e meus amigos, grupo este no qual se incluem profissionais da mais
alta estirpe, como o Prof. Heidermann e o Des. Oliveira, entre outros.
O fato, contudo, é que optei por prosseguir na magistratura. Se de um lado isso me
libertou do peso da escolha, do outro me colocou, por renovadas circunstâncias, sozinho
frente à Vara Criminal de São José, então única e de longe a mais trabalhosa do nosso Estado,
naquele tempo idealmente prevista para funcionar com no mínimo dois magistrados. Hoje,
aliás, a antiga Vara Criminal de São José se encontra dividida em duas, a Primeira e a
Segunda. Não obstante, como disse, na época era ainda única, e esteve sem juiz titular, por
querelas administrativas que também fogem a esta explanação, por mais de um ano, período
em que por ela respondi ininterruptamente como juiz substituto – e único.
Essa consumação do giro profissional ocorreu num feliz paralelo com a mudança
do tema que eu havia inicialmente erigido ao âmago da minha pesquisa, e em face de
elementos quase triviais: percebi, ao longo do cumprimento dos créditos das disciplinas no
primeiro ano do curso, que tanto professores como tradutores e alunos (estes provavelmente
futuros tradutores) nada ou praticamente nada sabiam da matéria jurídica que era
diretamente afeta à sua atividade diária ou, nessa linha, à sua remuneração, fato de
importância indiscutível. Mais do que isso: ao serem informados de que considerável parte do
xiii
leque de trabalho do tradutor é regido ou atingido por lei, com conseqüências desde a órbita
civil até a penal, e que isso vinha assim desde muito tempo, reagiam com espanto, quando
não com descrédito. Mesmo aquelas matérias mais obviamente sujeitas à área jurídica, como
eventual direito autoral do tradutor, eram tratadas exclusivamente pelo prisma teórico, no
sentido de perquirir se o tradutor poderia ser considerado, seja no âmbito literário, filosófico,
psicológico ou didático, como o autor do texto, quando o tema clamava, com igual vigor, por
imediata atenção jurídica, nem que fosse pelo viés mais pragmático: a parcela remuneratória
cabível.
Resolvi, então, impulsionar a modesta contribuição que apresento abrigada nas
páginas seguintes, contribuição ofertada, antes e acima de tudo, como incentivo para que esse
espaço vazio passe a ser ocupado se não pela necessidade, não poucas vezes tergiversada
pela inércia, ao menos como homenagem ao pioneirismo da Universidade Federal de Santa
Catarina, que instituiu o primeiro Curso de Pós-Graduação em Estudos da Tradução do Brasil,
desde há um bom tempo objeto de reveladores debates nos Estados Unidos e na Europa.
Ao dar por encerrada esta pesquisa voltada a dois mundos, o dos juristas e o dos
tradutores, externo o anseio de vê-la útil ao dia-a-dia de tantos quantos se ocupem dos tópicos
nela delineados. Olho para trás e examino minha jornada de trabalho rotineira na Vara
Criminal de São José, não raro de mais de doze horas diárias, em feriados e finais de semana
inclusive, obrigando-me à pesquisa e ao estudo madrugadas adentro, e confesso não entender
eu mesmo como foi possível levar adiante este meu projeto acadêmico mais urgente. O que
sei é que devo sinceros agradecimentos a muitos, mas não os nomeio todos, um por um, antes
por medo de cometer injustiças do que por falta de determinação. Fica, porém, um
agradecimento especial aos que mencionei, bem como aos integrantes do Colegiado do
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, que em mais de uma oportunidade
num breve trancamento de três meses e numa prorrogação de outros tantos demonstraram
visão e altruísmo para compreender dificuldades tão particulares e possibilitar o desenlace do
curso a alguém que só fazia desejá-lo.
MSF
Santa Catarina, agosto de 2008
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................. viii
ABSTRACT.......................................................................................................................... ix
ABREVIATURAS.............................................................................................................. x
PREFÁCIO.......................................................................................................................... xi
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 1
I ESCORÇO HISTÓRICO-JURÍDICO DA TRADUÇÃO NO BRASIL........................... 11
1.1 Consideração preliminar necessária..................................................................... 11
1.2 Raízes normativas na América colonial............................................................... 13
1.3 Período imperial................................................................................................... 18
1.4 O Brasil republicano............................................................................................ 26
II A TRADUÇÃO JURAMENTADA NO BRASIL.......................................................... 34
2.1 A tradução juramentada como marco histórico................................................... 34
2.2 O tradutor juramentado, esse desconhecido......................................................... 36
2.3 Juntas Comerciais e disciplina jurídico-administrativa........................................ 42
2.4 A tradução juramentada hoje............................................................................... 48
III A TRADUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO............................ 55
3.1 A tradução no direito civil.................................................................................... 55
3.2 Direito penal, tradução e tradutor......................................................................... 60
3.3 Tradução, interpretação e processo...................................................................... 67
3.3.1 Direito processual civil.............................................................................. 68
3.3.2 Direito processual penal............................................................................. 76
3.4 Outros ramos........................................................................................................ 80
IV DIREITOS AUTORAIS DO TRADUTOR................................................................... 84
4.1 Delimitação prévia............................................................................................... 84
4.2 A Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.............................................................. 86
4.3 Proteção dos direitos autorais e sua aplicação à atividade tradutória.................. 93
4.4 O caso da trilogia O Senhor dos Anéis................................................................. 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 103
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 110
Legislação e jurisprudência........................................................................................ 110
Páginas eletrônicas..................................................................................................... 114
Doutrina – livros, artigos e revistas............................................................................ 116
INTRODUÇÃO
Quando, em 1924, Carlos Maximiliano (2001:1-2) introduziu o clássico de
primeira hora Hermenêutica jurídica e aplicação do direito, que com quase cem anos da
primeira edição ainda impera no meio jurídico nacional, iniciou por reclamar das dificuldades
de entabular o tema na língua portuguesa, pois almejava apresentar ao país a melhor doutrina
alemã do culo XIX (Thibaut, Zachariae, Schaffrath, Rumpf, Gmür), ditando que a língua
alemã, no terreno da filosofia jurídica, “é mais precisa e opulenta que as neolatinas”. Nesse
contexto, dizia ele, termos como “hermenêutica” e “interpretação” não carregavam todo o
significado que lhes pretendia imprimir, embaraçando ainda mais sua já difícil empreitada.
Exemplos como esse, mais do que pitorescos, dão uma dimensão concreta a algo
que parece à primeira vista por demais abstrato: os laços entre a tradução, a Ciência da
Tradução e a Ciência do Direito, que se manifestam principalmente em três planos, cuja
distinção imediata se mostra imprescindível ao objetivo desta pesquisa
1
.
O primeiro deles, mais próximo do tradicional campo da tradução literária, é o
que se pode chamar de plano teórico-doutrinário da tradução, conforme o exemplo que nos
fornece Carlos Maximiliano. É a incorporação de obras e idéias ao direito brasileiro mediante
processos de tradução realizados a partir das mais variadas fontes estrangeiras, como ocorreu
em inúmeros casos, não na filosofia do direito (Maximiliano 2001; Reale 1998), mas
também no direito processual civil (Liebman 1984; Dinamarco 2004), no direito penal
(Hungria 1981), no direito constitucional (Rui Barbosa
2
) e assim por diante.
O segundo é o plano propriamente jurídico da tradução, comumente identificado
na doutrina estrangeira pela expressão legal translation. É, em outras palavras, a tradução de
documentos públicos ou textos legais, os quais viriam a produzir no caso concreto os
consectários jurídicos produzidos pelo texto de partida, independentemente dos destinatários
da tradução, como enfatiza Pedro Coral Costa (2005). Quanto a esta modalidade,
especialmente ao traduzir normas legais, esclarece Susan Šarcevic (2000:3) que os tradutores,
no intento autodeclarado de preservar “a letra da lei”, costumeiramente se apegam ao
chamado “princípio da fidelidade” ao texto de partida. Como resultado, é de aceitação geral
1
Não é mérito do autor destas linhas constatar que o conhecido campo da legal translation não é mais do que
um tulo a ser superado, uma carapaça, um nome genérico sob o qual jaz na verdade uma enorme gama de
aspectos. Sobre o tema, a exemplo das inúmeras hipóteses de trabalho que se escondem sob o título court
translation (tradução nas cortes, ou melhor, tradução em audiências judiciais), ver Gamal 2001:53.
2
A esse respeito, conferir: Schiefler-Fontes 2006:1831-6; Silva 2005:78-9.
2
que a tarefa do tradutor consista primordialmente em reconstruir a forma e a substância do
texto de partida tão próximo quanto possível.
Como se poderá perceber facilmente, nenhum desses dois primeiros planos é de
ser focado no decorrer deste trabalho – talvez apenas mencionados por força didática à
medida que tangenciem o terceiro, tema principal destas linhas.
O terceiro e último plano, por fim, é o plano técnico-jurídico da tradução,
chamado assim por ser, em essência, o quadrante cujo caráter incorpora o lado prático do
direito ao profissional militante da tradução, tanto no sentido de observar nas normas em
vigor as oportunidades em que os tradutores são requisitados e têm sua atividade recebida ou
refletida no mundo jurídico, quanto no sentido de delinear a proteção que o ordenamento
jurídico lhes confere, por direitos, e as obrigações éticas que lhes impõe, por deveres. Em
suma, é este plano derradeiro, de certa forma o de horizonte mais certo e determinado entre os
três, o objeto desta pesquisa.
Não é difícil justificar sua escolha. Sabe-se que a importância do fenômeno
tradutório em si é indiscutível, mesmo porque nenhuma nação é auto-suficiente. Desde
tempos imemoriais os homens se agregam e trocam informações. Dado que jamais houve, até
onde o conhecimento alcança, “língua universal” (Berlitz 1988:19), pode-se dizer que a
tradução tem ocupado, quase invisivelmente, lugar primordial na civilização humana desde
seu nascedouro.
Apesar de o Brasil evidentemente não fugir à histórica regra
3
, aqui, postas as
condições de atraso cnico e científico com que nos defrontamos na maior parte de nossa
história, a situação se mostra bem peculiar: enquanto nações em que as traduções de livros
estrangeiros não ultrapassam a marca dos 2,5-3,5% do mercado editorial, cerca de 80% dos
livros de prosa, poesia e referência circulantes em nosso país
4
são em verdade traduções de
obras estrangeiras (Wyler 2003:13).
3
Friedrich Schleiermacher não deixa passar em branco o fato de que o rei prussiano, apesar de inserido no seio
da classe política e capaz de dizer suas “doçuras e finezas igualmente bem em muitas línguas”, continua
potencial consumidor do trabalho tradutório: “Ao nosso grande rei todos os mais finos e mais altivos
pensamentos surgiram através de uma língua estrangeira, e ele tinha se apoderado o mais profundamente dela
para este campo. O que ele filosofava e compunha em francês, era incapaz de filosofar e compor em alemão.
Devemos lamentar que a grande preferência pela Inglaterra, que dominava uma parte da família, não pôde tomar
o sentido de ele apropriar-se desde a sua infância da língua inglesa, cujo último período áureo florescia na época
e que é mais próxima da alemã por tanta coisa” (Heidermann 2001:69).
4
É verdade que a própria produção bibliográfica na área jurídica constitui rígida exceção a essa regra:
praticamente todos os que escrevem, pesquisam ou aplicam a doutrina jurídica nacional são brasileiros. Porém,
nesse tocante o mercado editorial jurídico brasileiro não é nada mais do que uma genuína exceção no mercado
editorial brasileiro geral.
3
A atividade tradutória adquire tanto ou mais relevo quando se apresenta a miríade
de conexões do Brasil com o exterior ao longo de toda a sua trajetória, mormente suas
relações históricas, políticas e demográficas, à luz do fato de que a tradução, até quando vista
como catalisador da troca cultural, não deve ser considerada apenas, nas palavras de Meta
Zipser (2002:157), “processo preso à letra, mas como um transporte de sentido entre
culturas”.
A necessidade de tradução não é algo que se possa dizer esteja a caminho de
terminar. A própria prática da tradução enquanto interpretação de uma linguagem por outra
incorporou-se à moderna tecnologia da informática, como objeto de severa atenção dos
estudiosos da área inclusive (Terry 1989:2-5). Além disso, o notável processo de propagação
da língua inglesa como “língua internacional” (Carvalho 2000:211), em substituição ao
francês (Störig 1993:101), que por sua vez substituíra o latim, está longe de resolver os
problemas específicos que a distinção da linguagem testemunha surgirem no dia-a-dia dos
falantes de cada idioma.
Não obstante, é fato que o estudo da tradução não recebe a atenção devida, como
de resto jamais recebeu, motivo pelo qual a bibliografia é escassa quando comparada a outros
ramos do conhecimento, notadamente em países periféricos. Estudar a trajetória das ciências,
da literatura e das artes no Brasil sem empreender análise crítica da importância da tradução
nesse processo é privilegiar os efeitos em detrimento dos meios, o que já seria suficientemente
terrível não fosse a renovação constante da utilização dos ditos meios. É o que acontece,
lamentavelmente. Resumiu Lia Wyler (2003:24), a respeito do que chamou de “pesquisa
historiográfica em tradução”, que o pesquisador, na falta de informações, se sente tentado a
abandonar a desanimadora tarefa de reunir e examinar dados dispersos e, ato contínuo, a
empregar suas energias na pesquisa de culturas mais antigas e melhor documentadas,
reforçando mais uma vez a propalada invisibilidade da tradução e do tradutor (Venuti 2002).
Assinala ainda Lia Wyler (2003:25) que esse desprezo devotado pelos
historiógrafos da área de literatura à tradução não é uma exclusividade brasileira, mas sim
“moeda corrente em outros lugares do mundo”, ao mesmo tempo em que “equivale ao
desprezo que a maioria dos semiólogos votam à publicidade: a expressão de um preconceito
de longas raízes, segundo o qual apenas os produtos culturais, cujo valor artístico tem sólida
tradição (tais como literatura, arte, teatro, música erudita, dança clássica, cinema, poesia e sua
irmã gêmea, a poesia traduzida), são dignos de apresentação crítica ou científica”. A
conclusão apontaria na direção dos países centrais, cujo preconceito teria sido assimilado até
no ambiente das teorias acadêmicas, constituindo os livros traduzidos percentagem mínima da
4
produção livreira total e se apresentando como um fim em si mesmos: “fonte de prazer e
descortino de novas ou exóticas visões de mundo”. No Brasil, ao contrário, finaliza a autora
asseverando que “mais que fonte de prazer e exotismo, a tradução tem sido durante séculos
um veículo de aculturação”.
De todo modo, é curioso notar que a aridez indicada não é inédita nem relacionada
apenas à tradução stricto sensu: caso se abandone o estudo e o registro do material envolvido
na propagação das informações, o destino daquilo que se veicula é manifesto. Exemplo
oblíquo, porém instrutivo, é o que fornece Mozart Monteiro, na introdução elaborada por João
Hermes Pereira de Araújo à obra A política exterior do Império, do diplomata e historiador
Pandiá Calógeras (1998:XV), do século XIX, que na pesquisa empreendida pelo último no
monumental trabalho viu-se às voltas com a tradução “de ofícios secretos redigidos em código
daquela época”, deixando, “com a sua própria letra, cópia da tradução ao lado do original, a
fim de que, mais tarde, se outros se perdessem por esses arcanos, não encontrassem aí, nesses
documentos cifrados, as dificuldades por ele já vencidas”.
Sabe-se que o próprio estudo da tradução no Brasil mais recentemente tem
recebido atenção, em que pese o fato de sermos uma nação quase toda formada etnicamente
por imigrantes. A Universidade Federal de Santa Catarina, até certo tempo atrás, infelizmente
também não fugia da nefasta regra, que acaba confirmada por exceções como a dissertação de
Vera Lucia Bianco (1995:23), que sob o título Imaginários Coloniais entre Brasil e Itália
estuda a versão do épico A Confederação dos Tamoios, do poeta Gonçalves de Magalhães, do
português para o italiano. Ali, entre outros aspectos, não deixa de destacar a participação
desse empreendimento como instrumento de aproximação política entre o então Império do
Brasil e o Reino da Itália, cujo ápice aos dois serviria: aos brasileiros, como um degrau a mais
na conquista da confiança daquele país emigratório; aos italianos, ansiosos por verem
reconhecida a recém-alcançada unificação.
Também por justiça, assim como para compreender o relevante papel que a UFSC
desempenha nesta seara, não se pode olvidar a diminuta bibliografia nacional acerca dos
estudos da tradução como um todo, mas ao mesmo tempo deve-se enfatizar a presença nessa
instituição de ensino superior de já significativo material (PGET 2006), além de outros
trabalhos
5
de naipes distintos.
Num ponto específico desse nada aprazível contexto para o tradutor e para o
pesquisador da tradução, ressoa ainda mais sensivelmente a pouca atenção acadêmica que se
5
Por exemplo: Nunes, 1989:275-83.
5
tem outorgado ao estudo da tradução na ordem jurídica brasileira, seja no campo do direito
público, seja no campo do direito privado. Especialmente com a intensa produção legislativa
dos últimos anos, com destaque para o novo Código Civil, de 2002, e para a Lei 9.610, de 19
de fevereiro de 1998, que consolidou a disciplina dos direitos autorais no Brasil, isso parece
mesmo constituir uma lacuna. Chama ainda mais atenção ao problema a realidade de haver
em diversas leis brasileiras dispositivos que mencionam expressamente a atividade do
tradutor.
São muitos os exemplos e variados os ramos jurídicos em que a tradução ganha
corpo, relevo e importância, a começar pela própria Constituição da República, que à testa da
ordem jurídica brasileira assegura que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei
fixar” (art. 5º, XXVII), ao passo que a Lei 9.610, ao regulamentar esse dispositivo
constitucional, prescreve como obra protegida pelo direito autoral “as adaptações, traduções e
outras informações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova” (art. 7º,
XI).
Não bastasse, o Código Civil de 2002, ao tratar, por exemplo, da escritura pública
como meio de prova, estabelece que deve conter também as correspondentes declarações.
Todavia, “se qualquer dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião não
entender o idioma em que se expressa, deverá comparecer tradutor público para servir de
intérprete, ou, não o havendo na localidade, outra pessoa capaz que, a juízo do tabelião, tenha
idoneidade e conhecimento bastantes” (art. 215, § 4º). No direito empresarial, estabelece
também o Cânone Civil, ao regular o exercício de atividade econômica por sociedades
estrangeiras, que é necessário autorização do Poder Executivo, cujo requerimento pode ser
instruído com documentos em língua estrangeira se “autenticados, de conformidade com a lei
nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e
acompanhados de tradução em vernáculo” (art. 1.134, § 2º).
O Código Penal, por sua vez, tipifica como crime “violar direito autoral” (art. 184,
caput), o que inclui naturalmente os direitos autorais arrolados na Lei 9.610, entre eles a
tradução, com pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa, quando não há intuito de lucro,
ou pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, quando tal intuito (art. 184, § 1º). O próprio
tradutor está sujeito a incidir em crime quando funcionar em juízo. O art. 342 do Código
Penal descreve a seguinte conduta delitiva do crime de “falso testemunho ou falsa perícia”:
“Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo
6
arbitral: Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”. Não falta, também, coibição à
desenvoltura dos inescrupulosos: “Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a
pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça, perito,
tradutor, intérprete ou testemunha: Pena reclusão, de 1(um) a 5 (cinco) anos, e multa” (art.
357).
No direito processual não é diferente. O Código de Processo Penal dispõe que “os
documentos em ngua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário,
traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade” (art.
236). Diz também que o interrogatório dos acusados (art. 193) e a oitiva das testemunhas (art.
223, caput) que desconhecerem o português serão feitos com auxílio de intérprete. O Código
de Processo Civil, por fim, também tem dispositivo semelhante, por força do qual “o juiz
nomeará intérprete toda vez que o repute necessário para: I analisar documento de
entendimento duvidoso, redigido em língua estrangeira; II verter em português as
declarações das partes e das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional; III –
traduzir a linguagem mímica dos surdos-mudos, que não puderem transmitir a sua vontade
por escrito” (art. 151).
Outro foco de óbvio interesse para o pesquisador da tradução, e que por si
demandaria uma pesquisa à parte, é o direito internacional, uma vez que o tratado
internacional, fonte real por excelência (Silva, Accioly 2000:19) de tal ramo do direito e sua
face mais destacada e visível, tem evidente ligação com a tradução. Guido Fernando Silva
Soares (2000:69), ao ingressar no tema, esclarece desde logo que nos séculos passados os
tratados multilaterais e mesmo os bilaterais eram assinados nas línguas consideradas francas:
primeiro o latim (até os Tratados de Vestfália de 1648), depois o francês (praticamente até a
Primeira Guerra Mundial, quando passou a conviver com a freqüência crescente do inglês).
Ao continuar, enfatiza que os tratados multilaterais, na atualidade, são redigidos via de regra
em todas ou em algumas das línguas consideradas oficiais da ONU: inglês, francês, russo e
chinês, além do espanhol e do árabe, consideradas línguas de trabalho. Por fim, sublinha que
cláusulas especiais nos tratados multilaterais que dispõem sobre a língua ou línguas de
redação de sua versão oficial, em geral com a advertência de que “todas as versões são de
igual valor”. Os tratados bilaterais, por sua vez, são redigidos nas línguas oficiais dos países
signatários, mas registro de casos de estipulações expressas sobre uma terceira versão do
tratado, redigida em língua franca, que se presta como língua de referência na hipótese de
divergência de interpretação dos textos redigidos nas línguas nacionais dos Estados-partes.
7
Sem esquecer a tradução juramentada, não é preciso mais para justificar a eleição
deste tema, para enxergar a pertinência e a premência de perscrutar as implicações entre
tradução e direito. O próprio “Projeto PGET” (2007), que embasou a instituição do Curso de
Pós-Graduação em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina, previa
o oferecimento de disciplinas como “direitos autorais e tradução” e “direitos de tradução”.
Antes de prosseguir, contudo, é necessário reconhecer, como faz Eliana Maria
Limongi (2000:2): “Os estudos de tradução cobrem um campo muito vasto de pesquisa. A fim
de entender e sistematizar seu objeto de estudo, diferentes delimitações têm sido propostas”
6
.
É necessário vislumbrar, portanto, uma sistematização dos temas jurídicos vinculados à
tradução, a partir do qual se possa traçar linhas gerais ou até descobrir reentrâncias ocultas
que caracterizem todo o conjunto. Sem embargo, o desenvolvimento do estudo que se almeja
realizar mediante esta dissertação está disposto em quatro capítulos.
O primeiro deles, intitulado Escorço histórico-jurídico da tradução no Brasil,
enfeixa – como de praxe o cipoal de raízes que nutrem a origem do tema, ou seja, a
evolução do tratamento legal da tradução no cenário brasileiro. De início mostra-se oportuno
esboçar uma história estritamente normativa da tradução no Brasil não uma história geral e
abstrata, ou mesmo literária. Isso não quer dizer que estas últimas modalidades da pesquisa
histórica sejam desnecessárias, longe disso; nem se ambiciona apenas pincelar dados
desconexos. Porém, nas fixas balizas que delimitam o tema estudado, o que importa
cabalmente para compreender a trajetória que nos traz ao direito pertinente de hoje é uma
história oficial ou jurídica, já que desde muito cedo a tradução e a atividade tradutória,
personificadas no tradutor ou no intérprete, receberam atenção do Estado brasileiro, por
sucessivos regimes, legislaturas e governos.
Em seguida, o segundo capítulo, A tradução juramentada no Brasil, tenciona
desvendar o tradutor juramentado, sua atividade e as regras que sobre eles incidem, também
num exercício de direito comparado. Chega a ser lugar-comum que o tradutor juramentado
permanece um grande desconhecido tanto para os leigos quanto para a grande maioria dos
profissionais, sejam da área jurídica, sejam da área da tradução. Embora não se cogite esgotar
a matéria, o que demandaria por certo um verdadeiro tratado, objetiva-se sim traçar seus
principais tópicos, possibilitando uma compreensão geral, ainda que básica, sobre esse
importante ofício.
6
Todas as traduções transcritas, quando não atribuídas a outrem, são de responsabilidade exclusiva do autor.
8
O terceiro desses capítulos, ao qual se designou A tradução no ordenamento
jurídico brasileiro, tem dois escopos. De largada, presta-se a palmilhar os vários campos do
Direito que se abrem ao horizonte do tradutor ao serem tocados pela atividade respectiva. No
mais, tem serventia de porte compatível como ponte relativa entre aquilo que foi, no tema dos
aspectos jurídicos da tradução, e aquilo que se constitui no tópico mais polêmico e atual da
matéria: a existência e o delineamento dos contornos dos direitos autorais do tradutor. Assim,
é a esta altura que serão examinados ângulos jurídicos mais específicos, constantes dos
principais ramos de direito que normatizam e se correspondem com a tradução: direito
processual, direito penal, direito civil e outros como direito internacional, direito
administrativo, direito tributário e direito constitucional.
Por fim, o título do quarto capítulo do desenvolvimento anuncia a que vem: em
Direitos autorais do tradutor, almeja-se ao mesmo tempo ingressar numa controvérsia e
constatar um fato, sempre de uma perspectiva puramente jurídica. Ingressar numa
controvérsia porque é em princípio incomum pensar no tradutor como alguém que detenha
direitos de autoria; constatar um fato porque o direito brasileiro, como se almeja demonstrar,
iguala categoricamente a proteção a que faz jus o tradutor àquela a que faz jus o autor. Ali
emergirá o tema tradutório eminentemente jurídico: o direito autoral do tradutor, atualmente
reconhecido, como dito, por força expressa de lei. Nesta parte, a análise dos elementos do
direito autoral brasileiro, dramaticamente renovado nos últimos anos, bem como de suas
implicações no direito autoral do tradutor, mostram-se imprescindíveis.
A relevância da proposta para os estudos da tradução em geral encontra eco na
mencionada modesta bibliografia sobre tema tão presente, e a possibilidade da pesquisa se
demonstra justamente pelos visíveis limites que se lhe impõem. Seria na tradução empreender
esforços no conhecimento de uma de suas matérias em particular.
Com efeito, o plano é cingir o estudo dos aspectos jurídicos da tradução em quatro
grandes grupos de dados com consistência distinta. O primeiro deles, essencialmente
histórico, aspira a demonstrar e a provar o caráter legalista e oficioso com que a tradução se
desenvolveu no Brasil até o século XX, com exame não-exauriente da tradução juramentada
inclusive. Na seqüência, a tradução juramentada vai ao foco da discussão, desde sua
importância histórica particular, fato que a conecta ao primeiro grupo, até pormenores da
atividade do tradutor juramentado. Ao terceiro grupo acorre a grande massa de conseqüências
práticas na existência do tradutor de vetores legais em vigor, do que logo se percebe estar o
tradutor brasileiro involuntariamente atado numa complexa gama de normas e determinações
jurídicas das quais muitas vezes não se conta. Por último, aporta o quarto grupo buscando
9
suprir, ainda que não definitivamente, a falta de um estudo jurídico dos direitos autorais
voltado à obra traduzida, categoricamente arrolada como passível de ser protegida pelo Poder
Judiciário por graça do art. 7º, XI, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Empenham-se estas linhas, pois, em alcançar metas muito claras: no seio das
dificuldades que o incipiente estudo da tradução enfrenta, particularmente no Brasil, e à vista
da enorme importância com que a atividade tradutória se veste neste país, cotejar dados, fatos,
episódios de nossa ordem jurídica (leia-se, também, casos levados aos tribunais), relacionados
mais pormenorizadamente ao fenômeno tradutório, com a moderna tradução, exigida no
cotidiano das mais diversas atividades que requerem inúmeras conexões, às vezes com pontos
de partida inimaginados para quem exerce a profissão
7
.
A partir desse raciocínio, que se propõe acompanhar o desenvolvimento da
estrutura da pesquisa que colmata as lacunas da dissertação, apresentam-se opções
metodológicas, referentes aos métodos e às técnicas, a serem empregadas na medida do
conhecido binômio jurídico oportunidade-necessidade (para ficar num conceito familiar aos
processualistas).
Então, de esteio do processo científico que aqui se deseja concretizar, ficam desde
logo enunciados os métodos
8
de pesquisa de que se pode lançar mão, os quais abrem de
imediato um leque de amplas possibilidades: métodos de abordagem e métodos de
procedimento. Mais adiante, com fulcro na obra de Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade
Marconi (1986), podem-se classificar os primeiros em dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo
e dialético, enquanto os segundos em histórico, comparativo, monográfico, estatístico,
tipológico, funcionalista e estruturalista. Sem a intenção de limitar a análise, fica patente que
em princípio serão privilegiados, entre os métodos de abordagem, o dedutivo e o dialético,
quando entre os métodos de procedimento terão preferência o histórico, o comparativo e o
monográfico.
A pesquisa delineada, na esteira das referidas autoras (1986:174-214), é
executada por documentação indireta de fontes primárias pesquisa documental e de fontes
secundárias pesquisa bibliográfica. As primeiras principalmente por arquivos; as segundas,
agora numa extensão mais vasta, por publicações avulsas, boletins e livros.
Nenhum estudo pode ter como escopo sincero além do ideal esgotar o objeto
sobre o qual se detém. Este trabalho não é exceção, naturalmente. Só fica a impressão
7
Como exemplo de conexão entre pontos de partida nacionais com reflexo no exterior no âmbito da tradução,
ver: Etges 2000.
8
Método entendido meramente como “caminho para se chegar a determinado fim” (Gil 1987:27).
10
verdadeiramente modesta de contribuir para a organização de uma esfera de atuação a que os
tradutores e os estudiosos da tradução atribuem pouca utilidade, ou o fazem quando vêem
seus direitos violados por outrem. Tal postura é passível de críticas, mas não deixa de parecer
natural aos olhos do operador do direito, à luz da curial indagação de Lia Wyler (2003:27):
“Por que essa atividade [a tradução] se mantém invisível em um país que durante 500 anos lê,
pensa e sonha traduções das culturas que o têm dominado; por que milhares de tradutores
produzem diariamente milhares de laudas de texto sem reivindicar garantias trabalhistas para
o exercício de sua atividade incessante?”
Ao fim e ao cabo, portanto, os quatro capítulos desta dissertação pretendem trazer
a lume os até agora pouco explorados pontos de conexão entre o direito e a tradução para
além da tradução de textos legais ou documentos, ou da doutrina jurídica, com exame do que
incide no ofício de tradutor brasileiro na história e em seu cotidiano atual, em facetas
concretas e práticas da profissão. Com isso, espera-se concluir pela demonstração de que a
tradução no Brasil, desde seus primórdios até a atualidade, se encontra na teia jurídica tão
característica dos diversos aspectos da vida nacional em todos os rumos eleitos: histórico, do
tradutor público, da previsão legal geral ou do direito autoral.
Pontes de Miranda (2002:44-5), sempre insuperável, deixou dito que o Código
Criminal do Império do Brasil, de 1830, considerava furto, por seu art. 261, “imprimir,
gravar, litografar, ou introduzir quaisquer escritos que tivessem sido “traduzidos por
Cidadãos Brasileiros”, acrescentando que nessa seara “nenhuma regra jurídica latino-
americana” lhe era anterior. Já está mais do que na hora de honrar essa precedência, e isso
também em nome do que é mais caro aos tradutores, a integridade de seu trabalho, pois
como retratou Ihering (2006:38) – “a luta pelo direito é a poesia do caráter”.
I ESCORÇO HISTÓRICO-JURÍDICO DA TRADUÇÃO NO BRASIL
Art. 16 - Os mesmos livros, para serem admitidos em juízo,
deverão achar-se escritos no idioma do Império;
se por serem de negociantes estrangeiros estiverem em diversa língua,
serão primeiro traduzidos na parte relativa à questão, por intérprete juramentado,
que deverá ser nomeado a aprazimento de ambas as partes, não o havendo público;
ficando a estas o direito de contestar a tradução de menos exata.
Código Comercial do Império do Brasil, 1850
1.1 Consideração preliminar necessária
É impossível ingressar no exame das relações entre direito e tradução no Brasil
sem se deparar, quase de imediato, com a história da tradução em nosso país. Sem embargo,
assim como ocorreu na América espanhola, a América portuguesa – que redundou no Brasil
viu-se marcada primeiro pelo contato, depois pelas conexões entre nativos e imigrantes, e
então entre imigrantes entre si, bem como posteriormente à formação de uma consciência
nacional e de uma elite local pela influência estrangeira, seja no campo econômico, seja no
cultural.
Essa realidade, que se refletiu profundamente na tradução, não se restringe à
cultura, nem à economia, nem à sociedade em geral. Não obstante, o caso brasileiro se
distingue com grande nitidez justamente pela progressiva ocupação de espaços pela seara
jurídica do ofício de tradutor, constatação que é um dos cernes deste trabalho. Não é menos
verdade que se verifica processo semelhante na história da América espanhola, como ensina
Josep Peñarroja Fa (2004), porém o caso hispano-americano não é alvo desta pesquisa e
nos serve – bastante bem, aliás – enquanto paralelo ao caso luso-americano.
O que interessa sobremaneira é que não parece possível estudar o vínculo entre
direito e tradução no Brasil sem voltar os olhos a questões específicas do rico desenrolar de
acontecimentos que compõem a história da tradução em nosso país. Também é fundamental
entender que o objetivo destas linhas não é traçar a história da tradução no Brasil, nem sequer
uma delimitada história, mas sim perseguir as bases do passado, recente ou remoto, que nos
trouxeram até o presente, no qual o tradutor está na mira dos mais relevantes ramos do direito,
notadamente do direito processual e do direito penal, ao mesmo tempo em que permanece
figura imprescindível como tradutor juramentado e é partícipe de temas dos mais polêmicos
no direito civil, como é o caso dos direitos autorais, morais inclusive. Isso tudo sem perder de
vista os fatos, cenários e acontecimentos que emolduram o processo, mas sem se permitir
12
exageros de pesquisa histórica que alhures se mostrariam importantes ou essenciais, mas que
aqui seriam excessivos e desnecessários.
Como não poderia deixar de ser, no centro da história da tradução encontra-se o
tradutor, sujeito e objeto dessa história, figura cujos contornos peculiares fazem com que sua
eventual ausência obviamente prejudicasse o próprio estudo do tema, bem como da teoria da
tradução.
As questões históricas que incidem sobre a tradução, mais do que querelas
diletantes sobre o abstrato, são pontos importantes no delinear alguns dos momentos-chave da
política, da literatura e das artes. De largada, lembre-se que no final do século XVI
começaram a aparecer os grandes dicionários bilíngües das línguas européias modernas, os
quais substituíram os pequenos vocabulários que facilitavam o contato e as trocas comerciais,
como preleciona Peter Burke (2002:3), segundo quem o surgimento de dicionários entre
línguas européias e não-européias corresponde a uma longa trajetória – começa com os
missionários do Novo Mundo, portanto relativamente cedo. Burke assinala que em 1555 foi
publicado um dicionário espanhol-nahuatl, em 1578 um dicionário espanhol-zapoteca, em
1608 um espanhol-quéchua; além do que, foi graças aos jesuítas que o primeiro dicionário de
japonês para uma língua européia, o português-japonês de Rodrigues, apareceu em 1595, ano
que também assistiu à publicação da gramática tupi de Anchieta.
Esses e outros elementos implicam a constatação de que do pontapé inicial da
descoberta da América em 1492 e do Brasil em 1500 surgiu um contexto novo, que desde
logo forçou a prática da tradução oral e, como se pretende expor a partir daqui com foco no
Brasil, obrigou a uma formalização ordinatória e jurídica da tradução, fenômeno natural e
distintivo do povoamento do continente americano, assim como do desenvolvimento das
sociedades que nele emergiram.
Outra tese que obrigatoriamente ressoa é a de que em cada um dos períodos com
que a historiografia tradicional divide a História do Brasil (Colônia, Império e República) a
tradução se houve com vetores característicos: o colonial com a tradução oral, bem
representada pelo língua; o imperial com a participação da tradução escrita na formação
cultural das elites e com as funções oficiais com que a legislação nacional ia vestindo o
tradutor; e, por fim, o republicano, com a consolidação da “juridicização” da tradução e do
tradutor.
Sublinhe-se que o objetivo destas linhas é esboçar uma história estritamente
jurídica da tradução no Brasil, no sentido de – sem eliminar o contexto histórico mais
imediato apontar fatos jurídicos, possivelmente antecedidos dos fatos políticos
13
correspondentes, que desenharam o processo de normatização da atividade do tradutor no
Brasil. Não se cuida, portanto, de uma história geral e abstrata, nem literária, o que não
desmerece estas últimas modalidades da pesquisa histórica, antes as distingue. Também não
se pretende detalhar exaustivamente leis e atos normativos
9
, nem muito menos indicar fatos
desconexos, mas ilustrar, dentro dos limites postos, que grande parte da história da tradução
no Brasil é uma história oficial, uma história jurídica, por razões e motivos diversos, cuja
demonstração se almeja.
1.2 Raízes normativas na América colonial
O primeiro momento na história da tradução na América descoberta é o dos
intérpretes no Novo Mundo, que acontece dentro da moldura da colonização deste por
Espanha e Portugal. O encontro dos europeus com a diversidade de línguas, povos e culturas
tão diferentes dos seus e a formação de órgãos administrativos coloniais demandou desde o
início normas específicas para que se tornasse possível uma comunicação com os que não
falavam espanhol ou português nesses territórios. Se por um lado tais normas surgiram no
caso espanhol da necessidade de defender as populações locais de desvios éticos dos
tradutores de plantão, vale recordar que do processo de colonização e conseqüente domínio do
português sobre os idiomas nativos faziam parte a exploração e a conquista, a evangelização e
a conversão, o comércio e a expansão territorial
10
. Em que pese à veemência com que José
Paulo Paes (1990:11) estatui não ter havido tradução “entendida como atividade
regularmente exercida para atender à demanda literária de um público ledor” no Brasil
colonial, Lia Wyler (2003:29) conclui que a tradução teve início em termos documentais com
o descobrimento do Brasil. a tradução escrita propriamente dita, por sua vez, fez segundo
ela sua primeira aparição em terras brasileiras tão-somente em 1549, a partir da chegada dos
jesuítas, “praticamente limitada, durante séculos, aos universos escolar e burocrático e para
línguas-alvos diferentes do português”.
São historiadores do naipe de Heinrich Handelmann que permitem perseguir na
figura do intérprete a tradução oral em territórios da coroa portuguesa, sempre por um olhar
atento e independente. Em História do Brasil, publicada pela primeira vez na Berlim de 1860,
Handelmann (1978:77) menciona que Pedro Álvares Cabral, depois de desembarcar em 22 de
abril de 1500, viu-se num lugar “onde os silvícolas, em multidão cerrada, haviam acudido
9
Ver a esse respeito o interessante artigo de Luiz Eduardo Oliveira, 2005: As origens da profissão de Tradutor
Público e Intérprete Comercial no Brasil (1808-1943).
10
Para mais informações sobre tais aspectos ver: Deslile, Woodsworth 1995.
14
para saudar o navio estrangeiro; debalde, entretanto, procuraram entender-se com eles por
meio de intérpretes, em dialetos asiáticos e africanos”. Depois de erguer uma grande cruz de
madeira com as armas e a divisa do rei D. Manuel, celebrar missa e tomar posse da nova terra
em nome da coroa de Portugal, retira-se em 2 de maio, “deixando na terra dois criminosos,
condenados à deportação
11
, a fim de aprenderem o idioma dos naturais e mais tarde poderem
servir de intérpretes”, iniciando assim a tradição do intérprete oral no Brasil.
Luiz Carlos Villalta (2004), ao traçar na mesma linha um panorama lingüístico do
Brasil do século XVI, estima que os portugueses encontraram aqui, de início, verdadeira
“Babel indígena”. De fato, apura que na costa brasileira e na bacia dos rios Paraná e Paraguai
os índios pertenciam ao tronco lingüístico Tupi, o qual reúne os Guarani ao sul e os Tupi na
costa, falando o Tupinambá ou línguas afins, porém não idênticas. na região central do
Brasil encontravam-se as línguas Macro-jê, confundindo-se mais ao norte, onde “eram tantas
as línguas na bacia amazônica, que o célebre padre Antônio Vieira, escrevia que ‘houve quem
chamou o rio das Amazonas rio Babel’, o que lhe pareceu pouco ‘porque na Torre de Babel,
como diz São Jerônimo, houve somente setenta e duas línguas, e as que se falam no rio das
Amazonas são tantas e tão diversas, que se lhes não sabe o nome, nem o número’”, apreciação
esta de 1683.
Assim na América espanhola, assim no Brasil, território conquistado pelos
portugueses, o tradutor oral será chamado língua e “imediatamente institucionalizado pelos
colonizadores europeus”, nas palavras de Lia Wyler (2003:29-30). Não é menos conhecido
que o primeiro ato oficial praticado no Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha, relata a
tradução mímica a que tiveram de recorrer os portugueses para se comunicarem com os da
terra. Caminha “destaca ainda que os portugueses não quiseram seqüestrar os habitantes da
terra achada para com eles aprender a se comunicar prática aparentemente usual à época – e
que, ao invés, decidiram incumbir um degredado de permanecer com os indígenas e aprender
bem sua fala e os entender” (Wyler 2003:36).
Mais não é necessário, destarte, para perceber a ligação umbilical entre a tradução
no Brasil e seu caráter oficioso e por que não dizê-lo jurídico, fato intuído pela própria
Wyler (2003:37): “no momento mesmo de sua instauração, o poder colonial define quem é
intérprete o degredado e como deve atuar para facilitar o intercâmbio entre os diferentes
grupos que participarão do sistema”. De igual modo como sucedera no encontro entre
11
Para mais informações ver: Villalta 2004.
15
espanhóis e índios, aconteceu entre portugueses e índios
12
, pois o descobrimento do Brasil
colocou em contato e em confronto um enorme número de línguas, o que exigiu a presença de
mediadores, línguas ou intérpretes, para que pudesse haver comunicação entre europeus de
língua portuguesa e indígenas de diversos matizes lingüísticos.
Antes de prosseguir, note-se que o desenvolvimento da matéria nos domínios
portugueses, embora bem distinto do que acontecia nas colônias inglesas e francesas da
América do Norte (Bergeron 2000), seguia uma lógica compartilhada aliás iniciada pelo
vizinho ibérico mais poderoso, a braços com os percalços previsíveis da empreitada
colonizadora.
Em sua Historia de los intérpretes jurados, Peñarroja Fa (2004) afirma que é
difícil refazer a história da tradução juramentada na Península Ibérica, mas graças à
Recopilación de Leyes de los Reinos de Índias, impressas e publicadas por Carlos II, rei de
Espanha, seria concretamente possível investigar a figura do tradutor ou intérprete na América
espanhola.
Sempre segundo o investigador espanhol, data de 24 de agosto de 1529 a primeira
norma sobre a contraprestação de serviços dos tradutores ou intérpretes no Novo Mundo. O
imperador Carlos manda que “nenhum intérprete ou língua dos que andam pelas províncias,
cidades ou povoados dos índios a negócios ou a serviço dos governadores ou da Justiça, ou
por contra própria possa pedir nem receber dos índios ou da Justiça ou de outras pessoas,
jóias, roupas, mantimentos ou qualquer outra coisa sob pena de perder seus bens para nossa
câmara e fisco e ser desterrado e que os índios não lhes dêem mais do que lhes é devido por
serviços prestados”. A necessidade decorre diretamente da grande diversidade de línguas
existentes na América, da formação de órgãos judiciais nos vice-reinos e do aumento cada vez
mais acentuado de exploração das populações locais por parte dos colonizadores, dentre os
quais se encontravam também os intérpretes, aos quais se dirige uma segunda lei, de 1529,
cuja motivação não poderia ser mais indiscreta: “dizem algumas coisas que não disseram os
índios, ou as dizem e declaram de tal forma que muitos [índios] perderam a causa e foram
gravemente prejudicados”.
Prossegue a indicar Peñarroja Fa que até 1630 haverá uma série de modificações,
emendas e novas leis que pretendem regulamentar a atividade dos línguas ou intérpretes,
como em 1563, por exemplo, quando Felipe II estabelece uma série de ordens a fim de coibir
12
A primeira tradução escrita no Brasil, A suma da doutrina cristã na língua tupi, foi realizada pelo padre João
de Azpilcueta Navarro, S.J. (Wyler 2003:39).
16
os abusos que vinham acontecendo desde o início, proibindo os intérpretes de exercer
atividade em suas casas, porém sempre em audiências; de receber qualquer contraprestação
que não fosse o salário; penalizando o absentismo; delimitando horários de trabalho,
honorários em audiências e tradução de documentos, bem como contraprestação de serviços
prestados fora dos tribunais locais.
Em 4 de outubro de 1563, já por outra lei, Felipe II ordena que haja intérpretes em
audiência e que jurem conforme o seguinte: “Ordenamos e mandamos que haja número de
intérpretes e que antes de serem investidos, jurem na forma devida que usarão seu ofício bem
e fielmente, declarando e interpretando o negócio e pleito em questão clara e abertamente,
sem encobrir nem acrescentar coisa alguma, dizendo simplesmente o fato, delito, assunto ou
testemunhos com imparcialidade a ambas as partes, sem favorecer ninguém” (Peñarroja Fa
2004). É a primeira vez que se faz menção a “intérpretes que juram”, expressão que dará
origem à tradução “juramentada”.
Como ainda em 1583 abusos e exploração continuavam, legisla-se novamente a
fim de relembrar a importância da tarefa e reafirmar as qualidades de quem deve interpretar e
traduzir, como fidelidade, espírito cristão e bondade para que se faça justiça”. Na seqüência,
em 1630 definem-se princípios éticos também para a nomeação de um intérprete, evitando-se
assim a nomeação à revelia.
Por fim, trabalha Peñarroja Fa com a Real Ordem de 16 de junho de 1839, na qual
se cria a figura dos “intérpretes públicos” e regulamenta-se sua atividade nas possessões
espanholas Cuba e Filipinas, em cujas ilhas a maioria da população desconhecia a língua do
reino. Supõe, ainda que não haja provas concretas, que essa norma de 1839 se baseie na
legislação então vigente sobre o língua/intérprete do período colonial e origem aos
intérpretes/tradutores juramentados do mundo ibérico subseqüente, Brasil incluído por meio
de Portugal.
Nesse diploma legal de 1839, destaca-se inicialmente o capítulo I, que disciplina
obrigações e atribuições dos intérpretes públicos. Diz seu art. 13: “Traduzirá todos os papéis a
ele confiados por qualquer autoridade, vertendo ao castelhano com o mais severo escrúpulo,
sem permitir-se a menor licença, salvo estritamente as exigências que impõem a fraseologia
dos idiomas, inclinando-se na medida do possível à tradução literal e nunca à tradução livre;
porém sempre explicando e vertendo com toda a clareza, e sem dar lugar a dúvidas, o
verdadeiro sentido do original; em caso contrário, correrão por sua conta custos e prejuízos
que daí emanem” (Peñarroja Fa 2004). As qualidades do tradutor vistas anteriormente se
transformam agora em obrigação e atribuição da responsabilidade pela tradução feita. Nos
17
capítulos III e IV fixam-se os emolumentos relativos ao texto traduzido: “Para cada folha de
papel traduzida com vinte laudas e trinta letras cada linha, em se tratando de versão do
francês, inglês, italiano ou português ao castelhano, dois pesos”.
Na Espanha propriamente dita, a primeira lei de que se tem notícia sobre o
aparecimento da atividade remonta à Real Ordem de 5 de dezembro de 1783, em conjunto
com o Conselho das Ordens Militares, que exorta para que não se aceite qualquer documento
de fora do reino sem o devido atestado da pessoa pública que represente aquele país e que
deverá ser comprovado pelo Secretário da Interpretação de Línguas. Tal secretaria
transformou-se na atual Oficina de Interpretación de Lenguas, que regulamenta a atividade
em toda a Espanha.
Verifica-se, nesse quadro fornecido pela conquista espanhola e bem delineado por
Peñarroja Fa, que a atividade de intérprete ou língua se desenvolveu na América num
contexto determinado pelo processo de colonização. Para que houvesse um entendimento
entre dois mundos, entre uma cultura européia e muitas culturas indígenas, para que o projeto
de expansão de território tivesse êxito e a comunicação entre as populações locais e a
administração do reino funcionasse, requisitavam-se intérpretes, versados em duas línguas e
de origens diversas: índios, mestiços ou espanhóis, que traduziam documentos oficiais ou
então em audiências (Deslile, Woodsworth 1995:275). Além disso, percebe-se a formação de
normas e regras que se agruparam e transformaram paulatinamente num verdadeiro código de
ética da profissão, vigente em todos os círculos.
Em trajetória paralela à Espanha, Portugal, como seria previsível, não destoava.
Nos quadros burocráticos da metrópole em 1754 se encontrava um “oficial de línguas” e
em seguida (1796) um “traductor de línguas” (Oliveira 2005:26). Malgrado no Brasil o
tradutor em língua escrita fosse ser formalmente contratado pelas instituições coloniais em
1808 (Wyler 2003:30), com a fundação da Impressão Régia (Barbosa, Wyler 2001:329), a
realidade da tradução escrita foi desde o começo bem mais promissora.
Vê-se, por exemplo, que quando a autoridade colonial não conhecia o nheengatu,
dialeto tupi professado como língua franca do Brasil dos séculos XVII e XVIII (Barbosa,
Wyler 2001:327), era necessário fazer participar dos atos e audiências um intérprete para
possibilitar a comunicação (Wyler 2003:40):
Em 1636, para entender as declarações de Luzia Esteves sobre o
inventário de seu falecido pai, o juiz de órfãos dom Francisco Rendon de
Quebedo, recém-chegado a São Paulo, precisou juramentar Álvaro Neto,
prático da língua da terra, pois a moça não sabia falar bem a língua
portuguesa e ele, talvez por ser novo na colônia, não falava nheengatu.
18
A progressiva incorporação formal do intérprete e de sua atividade no mundo
colonial – processo conceituado por Lia Wyler (2003:38) de “institucionalização do intérprete
brasileiro” – é não só visível como inegável.
Pelas linhas-mestras objetivamente expostas, viu-se que o contato entre europeus
e nativos americanos só poderia ocorrer, como de fato ocorreu, mediante tradução, oral
principalmente; viu-se também que a imprescindibilidade dessa atividade levou a empreitada
colonial espanhola, mais vasta e complexa que a portuguesa (por isso sua precursora em
diversos aspectos), a desde muito cedo procurar normatizar o ofício de tradutor; viu-se, por
último, que a autoridade colonial portuguesa, também necessitada, apelava, seja no comércio,
seja até em atos oficiais, aos intérpretes e tradutores para exercer seu governo. É na seqüência,
porém, quando o Brasil quebra os vínculos de subordinação com a metrópole e assume
feições culturais e jurídicas próprias, no desenvolvimento de toda sorte de atividade social,
que a tradução assume sua real proporção na formação das elites e na troca de experiências
com o mundo exterior pelos laços mercantis (Romão 2000:1).
1.3 Período imperial
A par do que ficou dito, é bem sabido que foi no período no qual o Brasil
atingiu sua maioridade política que a tradução foi alçada a um patamar profissional superior,
basicamente por dois motivos não muito difíceis de imaginar: primeiro, as novas correlações
econômicas, de todo modo fortalecidas pela autonomia e não-dependência dos humores da
metrópole; segundo, o natural surgimento de uma elite nacional, amiúde sujeita ao
intercâmbio cultural, cujos dínamos mais visíveis são, não raro, as traduções (Venuti 2002:99-
100).
É verdade que o primeiro deles é o que se revela imediatamente primário e que o
segundo pode parecer, ao desavisado, não tão claro assim. Entramos aqui, ainda que
obliquamente, no domínio do cânone ou, simplesmente, do corpo literário que é considerado
canônico numa determinada cultura. A ninguém escapa que a proeminência do texto de
origem pode variar muito, segundo André Lefevere (1997:111), “desde el centro a la periferia,
tanto en la cultura origen como en la cultura término”, possibilitando que um texto que seja
canônico em sua própria cultura não venha a ocupar idêntica posição naquela em que é
traduzida. Fenômeno análogo pode ocorrer em sentido contrário, possibilitando que um texto
19
menos conhecido no polissistema de “partida” se torne importante no de “chegada”
13
. Essa
realidade deve ser levada em conta quando é afirmado, como aqui, que a constituição de uma
elite local é causa – e às vezes também efeito, num ciclo retroalimentar – que destaca a prática
da tradução. John Milton (2002:135) é um a reconhecer que a literatura traduzida pode ter um
importante papel na construção ou desconstrução de uma idéia de mundo, pois possibilita aos
leitores “sensação de familiaridade com coisas estrangeiras”, a resultar numa “crescente
sofisticação dos membros da comunidade ‘imaginada’”, “tornando-os participantes de uma
comunidade ‘imaginada’ internacional”.
Visto isso, merece peculiar atenção o desenrolar dos fatos. Ensina a historiografia
brasileira clássica (Fausto 2004:120-7) que o gatilho a detonar o processo independentista,
que culminaria no riacho Ipiranga em 7 de setembro de 1822, ocorreu no ano-chave de 1808.
Ainda antes da Independência, portanto, a família real portuguesa, fugindo da invasão
iminente das tropas napoleônicas, comandadas pelo general francês Junot, atravessa o Oceano
e, depois de costear o Nordeste, aporta no Rio de Janeiro. Consoante ressaltam Heloisa
Gonçalves Barbosa e Lia Wyler (2001:328) no esclarecedor verbete Brazilian tradition
publicado na Routledge Encyclopedia of Translation Studies de Mona Baker, esse episódio
inusitado, além de contribuir para a consolidação do português como idioma de direito e de
fato da colônia, alterou definitivamente a atmosfera colonial brasileira e deu o primeiro passo,
como dito, para a Independência, ao subseqüentemente elevar o Brasil de Vice-Reino à
condição de Reino Unido a Portugal e Algarves.
Não coincidentemente nesse mesmo ano, Dom João, então regente do Império
Português em nome de sua mãe demente e futuro Dom João VI, decreta a abertura dos portos
às nações amigas, fato que consolidaria por muitos anos o domínio inglês da economia
brasileira. Esse fato, de grandes proporções e de profundas conseqüências sociais, políticas e
econômicas, somou-se imediatamente a outros, como a fundação da Impressão Régia (Paes
1990:13), alcançando o ofício dos intérpretes. Em 10 de novembro daquele ano, Dom João
edita um decreto que “cria um Intérprete para as visitas dos navios estrangeiros que entram no
Porto do Rio de Janeiro” (Wyler 2003:42).
13
Aqui também vale pequena incursão nos conceitos de “intradução” e “extradução”, empregados por Pascale
Casanova (2001:170-1) para explicar o papel reservado à literatura traduzida no percurso entre os pontos de
partida e de chegada. Assim, “para as línguas ‘alvo’ (de chegada) mais desprovidas especificamente, a tradução
que é então uma ‘intradução’ é uma maneira de agrupar recursos literários, de importar de certa forma
grandes textos universais”, enquanto que “para as grandes línguas ‘fonte’ a tradução literária então concebida
como ‘extradução’ permite a difusão internacional do capital literário central”.
20
A partir daquele 10 de novembro de 1808, outros decretos nomeariam intérpretes
para funções administrativas de norte a sul
14
. O tradutor aparece em evidente posição de
categórica importância diante da abertura dos portos, que atrai para o litoral brasileiro um
número crescente de comerciantes estrangeiros. Lia Wyler (2003:42-3) apura com
propriedade três dos mais chamativos desses documentos, “por assinalarem a vulgarização do
bi/plurilingüismo e a conseqüente alteração qualitativa no exercício do ofício”. Um primeiro
data de 3 de dezembro de 1821 e manda suprimir o lugar de oficial de línguas na Secretaria
dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, “por haver na secretaria oficiais habilitados para
tanto” e “por convir aliviar o Tesouro”. Um segundo decreto, posterior à Independência, de
9 de dezembro de 1823, cria o cargo de “tradutor jurado na Praça e intérprete da Nação”, para
tanto nomeando Eugenio Gildmester, a perceber das partes interessadas nas traduções a
quantia de 1$100 (mil e cem réis) por meia folha – aqui apura a autora ser a primeira vez que
o ofício de tradutor é associado ao de intérprete, sublinhando também não estar esse cargo
sujeito a nenhum órgão específico. Um terceiro decreto, datado desta vez de 21 de março de
1828, extingue o cargo de tradutor do Conselho do Almirantado, criado por lei portuguesa de
1793, “pois há algum tempo os processos já tramitam desde as instâncias inferiores em
português”. O decreto aponta, portanto, para o crescente predomínio do português sobre o
latim como idioma administrativo ou, mais especificamente, jurisdicional.
Atente-se para a dinâmica dos acontecimentos, a profusão de normas, o necessário
estabelecimento de cargos na linguagem da época, “logares”, lugares. São eventos que
orbitam o ano da Independência, 1822, e compartilham responsabilidade em sua
consolidação, iniciando um longo processo de maturação cultural, principalmente no Rio de
Janeiro (mas não ali), que se exporia com todo o vigor na segunda metade do século XIX,
amadurecimento que traria conseqüências importantes para a atividade tradutória.
Esse largo intervalo de tempo foi caracterizado por relevantes transformações
políticas, econômicas, sociais, culturais e urbanísticas, que marcaram indelevelmente a cidade
e indiretamente o país que ela centralizava.
Na verdade, haure-se daqueles primórdios de direito administrativo que a Corte
constituía uma entidade política independente da província do Rio de Janeiro, entabulada pelo
art. 72 da primeira e única Constituição do Império, de 1824, segundo o qual onde estivesse
localizada a capital imperial não haveria Conselho Geral da Província, o que na prática a
14
Para a Secretaria de Governo da Bahia, para o porto da ilha de Santa Catarina, para a fortaleza de Santa Cruz,
para a Intendência Geral da Polícia, para as alfândegas do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco (Wyler 2003:42-
3).
21
tornava amplamente autônoma. Essa solução abstrata, contudo, não bastou; em 1834 o Ato
Adicional preconizaria em seu art. 1º: “A autoridade da Assembléia Legislativa na Província
em que estiver a Corte, não compreenderá a mesma Corte, nem o seu Município” (Reis
1995:333). Sacramentava-se assim a divisão da província, de forma a liberar a capital para os
assuntos nacionais, de grande significação política. É certo que esse movimento institucional
foi insuflado pelos agitados tempos da Regência (1831-1840), em que revoltas locais,
pruridos nacionalistas, descontentamentos partidários e desapontamento social mostraram
definitivamente que o Império necessitava de um centro político e administrativo absorto em
assuntos transcendentes à realidade local (Reis 1995:334). A terminologia “Município
Neutro”, via de conseqüência, cedo apareceria para agasalhar essa idéia.
Na década de 1840 a cidade abrigava mais de vinte mil estrangeiros, entre
ingleses, alemães, portugueses e espanhóis, atribuída grande parte do refinamento da Capital à
influência dos franceses, igualmente numerosos. A presença estrangeira, a centralização
imperial, o porto que então, como visto, contava com intérpretes oficiais nomeados e os
ares europeus conspiraram para lançar o Rio de Janeiro numa espiral de mutações que
impressionavam. Ilustrativamente, Machado de Assis, em carta a Magalhães de Azeredo,
datada de 17 de novembro de 1896, afirmou: “Terei conhecido apenas duas cidades, a da
minha infância e a atual, que na verdade são bem diversas” (Trigo 2003:19).
A largada dessa época de grandes transformações, cujo primeiro obstáculo
transposto foi a Independência, não passou ao largo na análise de José Paulo Paes (1990:11-
5): a primeira tipografia, a abertura comercial, depois as faculdades de direito e de medicina.
Consigna também as incursões do patriarca da Independência, José Bonifácio, nos domínios
da tradução bíblica”.
As mudanças no decorrer do século XIX não se restringiram a setores específicos.
Demograficamente, a presença do elemento negro, escravo, que às portas da República
(década de 1880) não parecia dominar a paisagem, em 1850 constituía aproximadamente 40%
da população (Reis 1995:339).
Por outro lado, o quadro urbano não era muito animador; crescia a esmo, numa
ausência de ordenação que principiaria a mudar na década de 1870. As ruas, por exemplo,
estreitas e mal cuidadas, mais lembravam vielas; mesmo a famosa Rua do Ouvidor tinha
apenas 6,7 metros de largura e seu calçamento era precário é o panorama que apresenta
Luciano Trigo (2003:27):
A cidade era cheia de vielas imundas e, como se não bastasse a falta
de limpeza, faltavam árvores, em parte resultado de um decreto do final do
22
século XVII que autorizou que se derrubasse boa parte do arvoredo local.
Com isso, a cidade ficava cada vez mais quente: para se ter uma idéia, em
1851, a média anual de temperatura era de apenas 23,9 graus... Cidade de
distâncias enormes e meios de transporte precários, cidade atrasada e
castigada por epidemias, embora sempre se espelhando nas mais ricas
capitais européias.
Outro detalhe curioso: sobretudo a partir de meados de 1850 a vida social agitada
da Corte contrastava fortemente com a discrição e austeridade do imperador. Segundo alguns,
essa vocação austera do que pairou sobre o governo do Brasil por praticamente meio século
impingiu no brasileiro comum uma ojeriza singular à ostentação governamental, a partir da
qual passou a decididamente preferir a modéstia da administração comprometida com o bem-
comum às grandes demonstrações de pompa e majestosas paradas militares. Da mesma forma,
os poderes políticos quase ilimitados que a Carta Imperial lhe conferiam acabavam limitados
quase que exclusivamente pela própria personalidade do monarca (Holanda 1997:72).
Paralelamente ao crescimento demográfico, a situação econômica não se
confortava à exceção de alguns períodos de prosperidade continuada com seu frágil
equilíbrio sustentado pelo açúcar (Gnaccarini 1997:309-44) e pelo café (Fausto 1997:193-
248). Ao lado da urbanização lenta e dolorida, a política encontrava seus caminhos.
Repleto de contradições cujas soluções apresentava invariavelmente
extemporâneas ou parciais, o Império caiu, enfim, na madrugada do dia 15 de novembro de
1889, e com ele o Rio de Janeiro imperial. Sobre sua estrutura, composta de açúcar e café, de
senhores e escravos, de políticos e de populacho, ergueu-se por quase um século vigorosa
atmosfera cultural.
Sob o Império, a cultura brasileira sintetizava-se e amalgamava-se no Rio de
Janeiro. Nele, o pensamento brasileiro, a literatura, a cultura jurídica, a música erudita, as
artes plásticas e a medicina fincariam seus liames em definitivo.
À primeira vista, despontam as interpretações críticas do século XX que rotularam
o pensamento nacional do século anterior especialmente a literatura como ressentido de
autenticidade, alheado ao povo, à terra brasileira, aos anseios gerais. O romantismo, a
renovação literária, as associações e periódicos, o indianismo e o parnasianismo, a poesia e
até o romance são olhados com certo ar de superioridade (Costa 1985:323). Observação
menos estreita e mais acurada, porém, confirma de certo modo o que já se pensava no final do
século XIX: o Brasil tinha sim cultura própria – e a tradução já se esboçava nela.
Ainda que se restringisse o exame da relevância da tradução aos movimentos
literários mais destacados (romantismo, parnasianismo e simbolismo), o resultado não seria
23
nulo. José Paulo Paes (1990:15-23), fonte pioneira da pesquisa histórica em tradução no
Brasil, bem delineia que o romantismo distinguido entre nós pela presença do romance-
folhetim
15
foi consideravelmente caracterizado ou por traduções ou por autores que também
traduziam. O próprio Gonçalves Dias, tido como primeiro romântico brasileiro por Suspiros
poéticos e saudades, de 1836, foi diplomata brasileiro em Paris (onde travou contato com o
movimento) e tradutor também de alemão, língua que poucos brasileiros de então
dominavam. Castro Alves, entre vários, foi outro que traduziu poesia. Ninguém menos que D.
Pedro II principiou a traduzir diretamente do árabe As mil e uma noites. Em tempo de nosso
realismo-parnasianismo, marcado indelevelmente pela herança romântica, brotam as
traduções, mormente do francês, da parte de Machado de Assis. No simbolismo também não
faltam indicações, notadamente a Nestor Vítor, tradutor profissional em Paris para a Casa
Garnier e grande entusiasta da obra de Cruz e Sousa (Paes 1990:23-5).
Literatura à parte, diferentes segmentos das ciências e das artes sedimentavam-se
lenta porém decididamente, formando o ambiente que determinaria as primeiras leis
genuinamente brasileiras que tocariam o ofício do tradutor.
Na área jurídica (Dutra 2004), ao lado de nomes como Cairu, Paula Batista,
Pimenta Bueno, Cândido Mendes, Lafayette, Tobias Barreto e Teixeira de Freitas,
começavam a aparecer os grandes monumentos legislativos, que soprariam vida nas
instituições imperiais, como a par da Constituição Imperial de 1824 o Código Criminal de
1830 e o Código de Processo Criminal de 1832. No entanto, e uma vez que o Código Civil
viria a lume em 1916, foi apenas depois dos meados do século, sob o reinado de Dom
Pedro II, que a vida civil, a existência cotidiana do homem comum foi sumamente alterada
por duas leis grandiosas, destinadas a ultimar o rompimento das amarras jurídicas do Brasil
com Portugal: o Código Comercial de 1850 e o Regulamento 737, que o acompanhou. Na
parte que trata do comércio marítimo, o Código Comercial do Império ainda está em vigor,
depois de mais de 150 anos; o Regulamento 737, que continha disposições processuais, teria
posteriormente sua abrangência prolongada a todas as causas civis e estenderia sua influência
até o século XX (Lacombe 1985:369-408).
15
A febre do romance-folhetim – que iniciou pela publicação de Robinson Crusoe, de Daniel Defoe, na
Inglaterra de 1719 e de suas traduções terminou por não ser considerado “digno” no Brasil, consoante se extrai
do seguinte comentário de Machado: “Em geral o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo
estrangeiro, e esquece-se, nas suas divagações sobre o boulevard e o Café Tortoni, de que está sobre um mac-
adam lamacento e com uma grossa tenda lírica no meio de um deserto. Alguns vão até Paris estudar a parte
fisiológica dos colegas de lá; é inútil dizer que degenerem no físico como no moral. Fôrça é dizê-lo: a côr
nacional, em raríssimas exceções, tem tornado o folhetinista entre nós. Escrever folhetim e ficar brasileiro é na
verdade difícil” (apud Wyler 2003:93).
24
O período colonial da música erudita, isolado em Minas Gerais, ao longo do
século XIX daria lugar à predominância carioca, que assistiria à sua consolidação no Teatro
Lírico Fluminense, onde se executavam os espetáculos mais suntuosos do Império, como por
exemplo nas homenagens a Carlos Gomes quando de seu retorno da Itália (1870). O
transporte a vapor, a proteção do imperador Dom Pedro II e o fluxo de músicos europeus nos
palcos do Rio de Janeiro conferiram à cidade a aura de capital artística da América do Sul
(Lange 1985:375-406).
Nas artes plásticas, paralelamente à pintura e à escultura destacam-se as grandes
reformas urbanas de cidades importantes como Recife, Belém e, claro, Rio de Janeiro. Nesse
sentido, a arquitetura e o urbanismo receberam especial atenção do governo imperial, que na
expansão urbana encontrou no estilo neoclássico sua melhor expressão (Barata 1985: 415-20).
Relata Luciano Trigo (2003:95-6) que essa nova geografia urbana portará valor relevante
também na literatura, a exemplo de Machado de Assis.
Por fim, até a ciência médica conheceu notável progresso na sede da Coroa a
partir de 1850, impulsionada pela necessidade de dar combate aos surtos de varíola, tifo e
malária que assolavam sazonalmente a população, situação que seria amenizada com a
cruzada sanitária empreendida por Oswaldo Cruz no século XX (Santos Filho 1985:479-
82).
O estágio em que se encontrava a cultura brasileira em geral e carioca em
particular, todavia, não deixa tradução outra que não a de Raymundo Faoro (2001:201), para
quem os dez lustros de 1840 a 1890 significaram
cinqüenta anos cheios de vibração econômica, da definitiva ascendência do
café, da criação dos bancos, das primeiras tentativas industriais, da extinção
do tráfico, da abolição, do emprego da mão-de-obra livre nos campos e nas
cidades. Muita gente enriqueceu e muita gente se arruinou, ao tempo da
abertura das estradas de ferro e das vivas transformações urbanas. O Rio de
Janeiro expande-se: torna-se uma grande metrópole, com seus 415.000
habitantes em 1890.
Nesse teatro de aquecida química social, as antigas Ordenações do Reino e
também aquelas à época da união entre as Coroas espanhola e portuguesa foram dando lugar a
leis próprias e constituindo o direito brasileiro. Em 1855, o jurista Teixeira de Freitas reuniu
leis e ordenações na Consolidação das leis civis do Império do Brasil, que cederiam vez a
um Código Civil em 1916.
Nas Leis civis do Império lia-se no art. 406: “As leis, e usos de paizes estrangeiros
regem a forma dos contratos nelles ajustados”, dispositivo oriundo ainda das Ordenações do
25
Reino, complementado por nota de rodapé de Teixeira de Freitas (2003:278-9): “Mas para
terem em juízo, serem produzidos para qualquer fim legal, os actos passados em paízes
estrangeiros, instrumentos, documentos e quaisquer papeis, devem ser competentemente
legalizados pelos cônsules brasileiros”. Nesse sentido dispunham o Regimento de 13 de abril
de 1834, art. 89; o Regimento de 15 de junho de 1847, arts. 208 e 220; e o Regulamento
Comercial 737, de 25 de novembro de 1850, art. 148.
Em 25 de junho de 1850 entrara em vigor o Código Comercial, que criou os
Tribunais do Comércio. Hoje em dia apenas sua segunda parte, que normatiza o comércio
marítimo, está em vigor. Tal diploma, entre outros temas, estabelecia formalidades para os
comerciantes, como o uso obrigatório dos livros Diário e Copiador. Segundo o art. 16, para
serem admitidos em juízo, os livros deveriam achar-se em língua portuguesa. Se fossem de
negociantes estrangeiros e estivessem em idioma diferente do nacional, dever-se-ia traduzir a
parte relativa à questão por intérprete juramentado nomeado em comum acordo pelas partes,
se não houvesse tradutor público. Em caso de tradução inexata, as partes tinham o direito de
contestar. Nesse caso, em virtude da intensa atividade nos portos, permitia-se um tradutor
particular, nomeado dentro das formalidades. O art. 62 cuidava da autorização para corretores
de navios procederem à tradução de manifestos e documentos que teriam “fé pública”. Em
caso de falta de exatidão, as partes interessadas também poderiam impugnar a tradução.
Pelo Decreto 737, de 25 de novembro de 1850, que regulamentava o processo
comercial, “a tradução será feita pelos intérpretes nomeados pelo Tribunal do Comércio, e na
falta ou impedimento destes, por um intérprete nomeado pelo juiz a aprazimento das partes”.
Ou seja, documentos originários de países estrangeiros seriam formalmente considerados
no Brasil caso traduzidos por intérprete público nomeado pelos Tribunais do Comércio, aos
quais também competia baixar as tabelas de emolumentos pelos quais os intérpretes eram
remunerados (art. 64 do Código Comercial). Em 1875, os Tribunais do Comércio foram
extintos e suas atribuições passadas às Juntas Comerciais, que ainda hoje são responsáveis
pelo concurso que seleciona os tradutores públicos.
De outro lado, foi em 17 de novembro de 1851 que o Decreto 863 regulamentou
pela primeira vez a profissão de intérprete. Para se estabelecerem, sua nomeação seria feita
pelo Tribunal da Corte, sob condições idênticas às impostas aos comerciantes, devendo
demonstrar conhecimentos práticos” de línguas estrangeiras e provar que estavam em dia
com os impostos; em caso de doença, tinham a permissão de continuar exercendo seu ofício
por intermédio de outro por eles indicado, porém permanecendo responsáveis pelos atos
praticados deste. Além disso, ser-lhes-ia permitido licenciar-se desde que comunicassem
26
previamente ao Tribunal do Comércio, podendo reintegrar-se automaticamente quando o
desejassem.
Esse decreto, que estabeleceu Regulamento para os Intérpretes do Commercio da
Praça do Rio de Janeiro, dispôs de forma taxativa sobre as obrigações do tradutor. Seu
trabalho se estendia à esfera da tradução por escrito (passar certidões e traduzir livros,
documentos e papéis escritos em língua estrangeira a serem apresentados em juízo ou em
repartições comerciais, bem como examinar tais documentos a mando da autoridade
alfandegária ou judiciária), da tradução oral (verter verbalmente em juízo depoimento de
estrangeiros) e do exame de traduções feitas por corretores de navios. O decreto, além de
expor as obrigações do intérprete, estipula, por exemplo, que para efeito de remuneração um
texto traduzido de mais de meia página será considerado uma lauda, que cada lauda teria vinte
e cinco linhas e que cada linha teria trinta letras. O montante seria de dois mil e quatrocentos
réis por lauda. As demais localidades, sujeitas à jurisdição do Tribunal do Comércio da
Capital do Império, tinham seus intérpretes nomeados por este tribunal segundo importância
do lugar e “interesses do Commercio”. O exercício da profissão foi expressamente vedado às
mulheres (Wyler 2003:44).
1.4 O Brasil republicano
A atual constituição política do Brasil também testemunhou significativas
alterações econômicas, culturais, sociais que em muito se viram refletidas no ofício de
tradutor. De início, no entanto, a Proclamação da República em 1889 não trouxe modificações
imediatas ao panorama imperial; pelo contrário, em quase todos os setores da vida brasileira
as correntes que vinham do período pré-republicano se aprofundaram: imigração, predomínio
econômico rural, café (Fausto 2004:245-84).
Na literatura, vale o que foi exposto: sem grandes percalços, o movimento
literário passou no último quarto do século XIX do romantismo para o realismo-
parnasianismo e deste parcialmente, na virada do século, ao simbolismo, numa dinâmica
que seria abalada pelo modernismo, em 1922, sempre caracterizada por escritores que no
mais das vezes também traduziam (Paes 1990:15-25).
Entretanto, nem tudo é tão simples assim. Se é verdade que o solavanco político,
administrativo e jurídico não parece ter produzido traumas nem imprimido rumo diverso ao
movimento literário, não é menos verdade que atingiu em cheio os tradutores que exerciam
funções oficiais – e já não eram poucos.
27
As autoridades da nascente república tinham pressa em aprimorar todas as esferas
governamentais, ou no mínimo pretendiam demonstrá-lo. Registra Lia Wyler (2003:44) que
em 1890, ainda antes de completado um ano da Proclamação, em 19 de julho, foi publicado o
Decreto 596, que cuidava das Juntas Comerciais e ostentava nítido caráter descentralizador,
observando, portanto, o espírito acentuadamente federalista
16
que marcaria a Primeira
República (Fausto 2004:245-51). No impulso inicial do novo regime, esse decreto
reorganizou e outorgou novo regulamento às Juntas Comerciais sediadas na capital federal,
que continuava a ser o indefectível Rio de Janeiro, e em Belém, São Luís, Fortaleza, Recife,
Salvador, São Paulo e Porto Alegre. O mote descentralizador fica patente no art. 14: fora da
sede das Juntas, a atribuição de nomear intérpretes será exercida pelas Inspetorias Comerciais
e, “onde não as houver, pelos magistrados a quem competirem as funções de juiz do
commercio”. Novo decreto, de apenas um ano mais tarde, elevou para dez o número de
intérpretes do comércio no Rio de Janeiro para os idiomas inglês, francês, alemão, italiano e
espanhol.
No direito processual civil, aliás, a maior marca do Governo Provisório do
marechal Deodoro foi o Regulamento 763, também de 1890, que estendeu a todos os feitos
civis, e não mais somente aos comerciais, a incidência do Regulamento 737 (Theodoro Júnior
2001:13), aquele mesmo que dispunha que documentos originários de países estrangeiros
seriam considerados formalmente no Brasil caso traduzidos por intérprete público nomeado
pelos Tribunais do Comércio, agora Juntas Comerciais.
Ainda no ano de 1890 surge o Codigo Penal da Republica dos Estados Unidos do
Brasil, portador de disposições muito claras, e que merecerão maior atenção no decorrer
destas notas, assim como nos prolongamentos do Código Penal que o sucedeu. O art. 261
daquele tipificava o testemunho falso” e prescrevia pena “de prizão cellular por tres mezes a
um anno” no caso de depoimento civil, “de prizão cellular por seis mezes a dous annos” “si a
causa fôr criminal e o depoimento para a absolvição do accusado”, e por fim “de prizão
cellular por um a seis annos” “si para a condemnação” (Soares 2004:519). Começa a
completar esse dispositivo o seguinte, de número 262, em cujo caput se lia: “Todo aquelle
que, intervindo em causa civil ou criminal, no caracter de perito, interprete, ou arbitrador,
16
Bem conhecido pelos juristas em razão dos Códigos Estaduais de Processo Civil: “A Constituição Republicana
de 1891 estabeleceu a dicotomia entre a Justiça federal e a estadual, bem como entre o poder de legislar sobre
processo. Elaboraram-se, então, o direito processual da União (Consolidação preparada por Higino Duarte
Pereira, aprovada pelo Decreto 3.084, de 1898) e os vários códigos estaduais de Processo Civil, quase todos
simples adaptações do figurino federal, por falta de preparo científico dos legisladores para renovar e atualizar o
direito processual pátrio. Apenas no Código da Bahia e no de São Paulo se notou a presença de inovações
inspiradas no moderno direito processual europeu” (Theodoro Júnior 2001:14).
28
fizer, ou escrever, declarações ou informações falsas, será punido com as mesmas penas,
guardadas as distincções do artigo anterior” (Soares 2004:524), mas rezava na seqüência o
263: “Não terá logar imposição da pena si a pessoa que prestar depoimento falso, ou fizer
falsas declarações em juizo, verbaes ou escriptos, retractar-se antes de ser proferida sentença
na causa” (Soares 2004:525)
17
.
Nos direitos autorais, constitui marco a Lei 496, de de agosto de 1898, que
embora equipare a proteção jurídica do tradutor à do autor, não deixa de considerar a tradução
apenas o veículo pelo qual o autor reproduz ou autoriza reproduzir seu trabalho (art. 1º).
Passados os conturbados primeiros anos da República (Fausto 2004:252-95), que
periodicamente restringiam a atividade econômica ou eram por ela catalisados, bem como
encerradas as hostilidades na Europa decorrentes da Primeira Guerra Mundial
18
, os livreiros
brasileiros voltaram à normalidade da importação de livros, jornais, revistas e traduções
editados no Velho Continente.
Paralelamente, contudo, surgiam gráficas combinadas a editoras, livrarias e
papelarias que procuravam concentrar seus investimentos, conforme remarca Lia Wyler, “nos
ramos mais rentáveis dessas atividades e na impressão de uns poucos livros didáticos de
venda garantida”. Continua a autora (Wyler 2003:108):
Muitos desses estabelecimentos abriram e fecharam as portas e
trocaram de mãos e alguns até conseguiram virar empreendimentos sólidos
antes da década de 1930. Uns procuravam respeitar os acordos sobre
direitos autorais, pois o Brasil regulara a matéria no Código Penal de 1890,
consolidara o direito do autor no Código Civil de 1916 e aderira à
Convenção de Berna em 1922. Outros não hesitavam em contratar escritores
17
Veja-se a interessante observação do comentador do Código, Oscar de Macedo Soares (2004:524), a qual,
conquanto semelhante ao que se examinará na doutrina atual, guarda o precioso entendimento de que o tradutor,
ou intérprete, mais do que “reproduzir palavras”, “expressa o pensamento” do que é dito ou escrito em idioma
estrangeiro: “Alem dos funccionarios do juizo e das partes interessadas na causa, muitas vezes ha necessidade da
intervenção de pessoas extranhas, chamadas pela autoridade, ou pelas partes, para prestarem o seu concurso [...].
Taes são os peritos, interpretes e arbitradores, quando intervêm nas causas civeis e criminaes. As suas
declarações ou informações, escriptas ou verbaes, são depoimentos de mais força que os das simples
testemunhas, porque elles exercem, embora provisoriamente, uma funcção judicial, mais como auxiliares da
justiça, do que no interesse das partes. O perito, pelo exame, certifica o facto, averigua a verdade; o interprete
reproduz em vernáculo o escripto ou as palavras verbaes ou o pensamento, expressados em lingua estrangeira
[...] a reprodução pelo interprete de palavras ou de pensamento diversos dos manifestados pelo interpretado [...];
estas declarações e informações, que, devendo ser destinadas ao esclarecimento da verdade, vêm, ao contrario,
occultal-a, ou mystifical-a, embaraçam a justiça, prejudicam o direito das partes, impedem a decisão recta e justa
do juiz”.
18
A Primeira Guerra Mundial, aliás, viu nascer a interpretação nas grandes conferências: Conference
interpreting was born during World War One. Until then, important international meetings were held in French,
the international language at the time. During World War One, some high-ranking American and British
negotiators did not speak French, which made it necessary to resort to interpreters (Herbert 1978). With the
advent of simultaneous interpreting, and especially after the Nuremberg trials (1945-6) and Tokyo trials (1946-
8), conference interpreting became more widespread” (Gile 2001:40).
29
multilíngües para adaptar, parafrasear e traduzir, ou seja piratear, textos
publicados na Europa e nas Américas do Norte e do Sul.
Em 1916, como dito, foi finalmente publicado o Código Civil brasileiro, cujos
sucessivos projetos se arrastavam no parlamento desde pelo menos cinqüenta anos antes, após
acalorados e célebres debates protagonizados da tribuna do Senado por Rui Barbosa.
Determinava, por exemplo, seu art. 652 (que seria revogado com a nova Lei de Direitos
Autorais, de 1998): “Tem o mesmo direito de autor o tradutor de obra entregue ao domínio
comum e o escritor de versões permitidas pelo autor da obra original, ou, em sua falta, pelos
seus herdeiros e sucessores. Mas o tradutor não se pode opor à nova tradução, salvo se for
simples reprodução da sua, ou se tal direito lhe deu o autor”.
O Código Civil, que entraria em vigor em 1º de janeiro de 1917, desenha a
consolidação da exigência de tradução pública para reconhecimento da validade jurídica de
documentos redigidos em língua estrangeira, vedando em tese, por exemplo, acertos
extrajudiciais entre as partes interessadas em sentido distinto.
Como se percebe ao longo destas linhas, a consolidação legislativa verificada não
foi despropositada nem acidental. José Paulo Paes (1990:25) dá bem os contornos:
É somente no século XX, sobretudo a partir dos anos 30, que entram a
criar-se no Brasil as condições mínimas, de ordem material e social,
possibilitadoras do exercício da tradução literária como atividade
profissional, ainda que as mais das vezes subsidiária. Avulta em primeiro
plano, entre essas condições, o surgimento de uma indústria editorial
realmente digna do nome, vinculada de perto ao considerável crescimento,
quantitativo e qualitativo, do público ledor, de que, a um tempo, ela foi a
causa e a conseqüência.
Com efeito, isso colaborou para garantir a continuidade da profissão, mantendo-se
com isso aquela rotina burocratizada iniciada com Dom João no começo do século XIX e que
seria seriamente abalada nos idos de 1940 com o governo Vargas e a Segunda Guerra
Mundial. Paulo Rónai (2000:154-8) relata como chegou ao Brasil por volta de 1940, no
Estado Novo (Fausto 2004:364-76), período da ditadura Vargas propriamente dita, e logo se
viu às voltas com a tradução juramentada no Rio de Janeiro, exercida por nomeados a critério
dos getulistas.
Dois monumentos legislativos, ambos até hoje em vigor, dão testemunho da
importância do Estado Novo (1937-1945) na formulação jurídica nacional no século XX: o
Código Penal (Decreto-Lei 2.848), de 7 de dezembro de 1940; e o Código de Processo Penal
(Decreto-Lei 3.689), de 3 de outubro de 1941.
30
O Código Penal definiu, em seu art. 342, o crime de “falso testemunho ou falsa
perícia”: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito,
contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo
arbitral: Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”. O Código de Processo Penal
ordenou que “os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata,
serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada
pela autoridade” (art. 236). Dispôs também que o interrogatório dos acusados (art. 193) e a
oitiva das testemunhas (art. 223, caput) que desconhecessem o português seriam feitos com
auxílio de intérprete.
O Decreto 13.609, de 21 de outubro de 1943, ainda em vigor, estipulou entre
outros dispositivos que a nomeação dos intérpretes públicos seria realizada mediante
concurso público classificatório e universal a cargo das Juntas Comerciais, medida a toda
evidência verdadeiramente revolucionária, pois permitiu às mulheres acesso à profissão na
qual hoje são maioria (Wyler 2003:44-5). As demais disposições do decreto acabariam por
tornarem-se obsoletas, ou pior, prejudiciais aos interesses dos tradutores profissionais,
resultando daí ter sido tal decreto erigido a alvo preferencial das primeiras associações
profissionais de tradutores.
O período da Segunda Guerra, aliás, trouxe novos pontos de encontro entre direito
e tradução. A par da constatação meramente editorial de que o mercado do setor tendia cada
vez mais a depender de tendências universalizadas pelo irresistível apelo norte-americano, as
numerosas conferências internacionais dali decorrentes, dispostas a fixar as amarras do novo
direito internacional, criaram uma demanda inédita de tradutores habilitados. O Brasil, é bom
lembrar, participou da maioria delas, como São Francisco e Bretton Woods (Almeida
2002:59-63).
Mais além, é no final da campanha dos Aliados na Europa, nos processos de
Nuremberg, que a técnica da tradução e o direito se entrelaçariam de modo significativo. É
tido como reflexo da guerra mais importante aos tradutores o progresso tecnológico
incorporado pelo equipamento que possibilitou ao intérprete concomitantemente ouvir o que
dizia o orador e traduzi-lo aos participantes, ouvintes do evento, consoante expõe Lia Wyler
(2003:45):
Foram os norte-americanos que utilizaram pela primeira vez essa
modalidade de tradução para atender às especificidades e repercussão do
julgamento de Nuremberg. Para tanto, montaram um sistema de cabines
equipadas com audiofones e microfones, nas quais a equipe de intérpretes
31
traduzia para o inglês e o alemão o que era dito por réus, promotores,
defensores, juízes e testemunhas.
durante a cada de 1950, marcada por grande volume de traduções (Paes
1990:29), Rónai começaria a corresponder-se com dirigentes da Federação Internacional de
Tradutores – FIT, na verdade uma federação de associações fundada em 1953 (Joly 2001:85),
o que concedia a ele a prerrogativa de participar por algum meio dos procedimentos
institucionais de planejamento e implementação de medidas relacionadas à tradução em escala
global. Por François-Pierre Caillé, presidente da FIT, num encontro em 1973, em Paris, Rónai
foi incentivado a criar uma associação de tradutores no Brasil, o que acabou acontecendo em
21 de maio de 1974, com a participação de 112 tradutores, entre os quais um grande número
de intelectuais conhecidos em todo o país. Prossegue Lia Wyler (2003:141): “Aparentemente,
dois fatos anteriores haviam suscitado em Rónai o otimismo necessário para tomar tal
iniciativa. A revisão da Convenção Internacional de Berna relativa à proteção das obras
literárias e artísticas ocorrida em Paris em 1971, e a nova lei de direito autoral n. 5.988, de 14
de dezembro de 1973”, cujo art. arrolava como “obras intelectuais as criações do espírito,
de qualquer modo exteriorizadas, tais como: [...] XII - as adaptações, traduções e outras
transformações de obras originárias, desde que, previamente autorizadas e não lhes causando
dano, se apresentarem como criação intelectual nova”.
Nessa mesma época, a Lei 5.540, de Diretrizes e Bases da Educação, de 28 de
novembro de 1968, autorizou o curso de graduação de bacharelado em letras com habilitação
de revisor-tradutor-intérprete. Para além da instalação dos cursos universitários de tradução
(Abrates 2007), que refletiu o crescente reconhecimento da profissão (Paes 1990:31), a
progressiva organização da categoria dos tradutores profissionais, primeiro em associações
civis, depois em sindicatos, foi em parte responsável para que o Decreto 82.990, de 5 de
janeiro de 1979, incluísse no grupo “outras atividades de nível superior” do serviço público o
antigo língua, cabo, sertanista, assistente de confessor e de médico e visitador de navios
(Wyler 2003:46-8).
Antes do atual Código Civil, de 2002, que manteve a estrutura do anterior, o
último grande Código a despontar no horizonte jurídico nacional foi o Código de Processo
Civil, de 1973, cujo principal artífice foi Alfredo Buzaid, comprovando pela enésima vez ao
menos a evidente regulação de temas de tradução nas mais importantes áreas do direito, se
não mesmo a patente ligação entre direito e tradução. Determina seu art. 151 ao juiz que
nomeie intérprete toda vez que repute necessário para, entre outras hipóteses, analisar
32
documento de entendimento duvidoso, redigido em língua estrangeira, ou para verter em
português as declarações das partes e das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional.
Ponto importante, já mencionado, foi a publicação da Lei 5.988, de Direitos
Autorais, do final de 1973, para entrar em vigor em de janeiro de 1974
19
. Foi a primeira
norma legal brasileira que sistematizou amplamente a matéria e, também como visto há
pouco, foi categórica no tocante às traduções: “Art. São obras intelectuais as criações do
espírito, de qualquer modo exteriorizadas, tais como: [...] XII - as adaptações, traduções e
outras transformações de obras originárias, desde que, previamente autorizadas e não lhes
causando dano, se apresentarem como criação intelectual nova”.
Em novembro de 1976 a Unesco, entidade filiada à ONU da qual o Brasil também
faz parte (Unesco 2007), aprovou em Nairóbi a “Recomendação para proteção jurídica aos
tradutores e às traduções e sobre os meios práticos de melhorar a condição dos tradutores”,
em cujo art. se lê: “Os Estados Membros devem estender aos tradutores, no que toca a suas
traduções, a proteção que concedem aos autores em conformidade com as disposições
internacionais das quais façam parte sobre direito de autor, ou com sua legislação nacional, ou
com ambas, sem prejuízo dos direitos dos autores das obras preexistentes”. E no art. 7º, a:
“promover a adoção de normas que regulamentem a profissão de tradutor” (Unesco 1976). No
mesmo mês a Abrates encaminhou ao Ministro do Trabalho do governo Ernesto Geisel um
pedido de regulamentação da profissão, indeferido em 1980 (Wyler 2003:148). Em 1988, ano
em que a profissão foi reconhecida por portaria, surgiria ainda o Sindicato Nacional dos
Tradutores (Wengorski 2001).
Correndo a década de 1990, emerge diploma legal de enorme visibilidade e que
merece detido estudo, a Lei 9.610, nova Lei de Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998,
a qual confirma disposições relevantes da anterior e considera obra, na classificação de
derivada, aquela “que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra
originária” (art. 5º, VIII, g). Mais adiante, no art. 7º, estatuiu mais especificamente: “São
obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas
em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais
como: [...] XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais,
apresentadas como criação intelectual nova”.
Apontados e contextualizados os principais marcos jurídicos que acompanharam a
história da tradução e da profissão de tradutor no Brasil, ganha terreno a possivelmente mais
19
Hoje revogada pela nova Lei de Direitos Autorais, de 1998.
33
velada personagem dessa história, o tradutor juramentado, eterno desconhecido, cujo
desvendar é fundamental para que se passe com fundamento ao estudo das normas em vigor
que regulam ou prevêem conseqüências ao desempenho da atividade de tradutor no país.
II A TRADUÇÃO JURAMENTADA NO BRASIL
Minhas confidências provocaram as dele.
Contou-me que viera do Sul com os revolucionários de 1930 e que,
graças a suas relações com figurões do governo de Getúlio,
conseguira uma nomeação para tradutor juramentado,
o que lhe assegurava o modesto ganha-pão.
Paulo Rónai (2000:155)
2.1 A tradução juramentada como marco histórico
Quando se fala a um tradutor sobre direito, ou a um jurista sobre tradução,
provavelmente a primeira coisa que lhes vem à cabeça é a tradução juramentada. Verdade que
esse ponto de contato mais evidente é também uma grande zona nebulosa, quase um enigma,
tido como uma necessidade eventual “do mercado”, imposta ou pela “legislação moralizante”
ou pela “burocracia voraz” (a depender do freguês), bem como um nicho profissional ao qual
apenas um restrito rol de iniciados tem acesso.
O ponto aqui é que nas poucas pesquisas de fôlego sobre história da tradução no
Brasil a tradução juramentada é apresentada explícita ou implicitamente como marco histórico
do processo ou, ainda, como ostensivamente timbrada dentro do oficialismo que caracteriza
a tradução brasileira por alguns fatos relevantes que marcam sua trajetória. Daí poder-se
dizer que por um lado a tradução juramentada é marco histórico na história da tradução no
Brasil; por outro, um dos marcos mais relevantes dessa mesma história (Romão 2000:3-4).
Por pesquisas como a de Peñarroja Fa (2004) se sabe que a expressão “tradutor
juramentado” decorre da própria história da tradução na América colonial e do processo
identificado por institucionalização do intérprete/tradutor (Wyler 2003:38) processo este
que também corresponde a uma “juridicização”, uma produção de normas a respeito, como
duas faces de uma mesma moeda.
De fato, a primeira vez em que se fez menção à expressão “intérpretes que juram”
foi em texto de lei espanhola de 4 de outubro de 1563, pela qual Felipe II ordena que haja
intérpretes em audiência e que jurem conforme o seguinte: “Ordenamos e mandamos que haja
número de intérpretes e que antes de serem investidos, jurem na forma devida que usarão seu
ofício bem e fielmente, declarando e interpretando o negócio e pleito em questão clara e
abertamente, sem encobrir nem acrescentar coisa alguma, dizendo simplesmente o fato, delito,
assunto ou testemunhos com imparcialidade a ambas as partes, sem favorecer ninguém”
(Peñarroja Fa 2004).
35
Não surpreendentemente, portanto, observa-se que por norma legal certamente
destinada a coibir abusos, por parte dos intérpretes, relatados à autoridade colonial
espanhola
20
se estabeleceu uma condição ao exercício de prerrogativas profissionais da
tradução: o juramento que daria nome à própria atividade.
Há notícia de que já nos primórdios do século seguinte (XVII) o juramento
também era exigido pela autoridade colonial portuguesa em território brasileiro,
especialmente para fins judiciais
21
inclusive, o que mais uma vez documenta a trajetória
paralela de oficialismo com que desde o início se revestiu o ofício na América Latina.
Esse início institucionalizado, oficioso, “juridicizado”, espraiou-se por todo o
período colonial, refletindo o interesse público, a importância cardeal e o longo alcance que
lhe eram atribuídos pelo poder político. A normatização do ofício, que provinha da metrópole,
acabou por protrair-se na história brasileira.
Serviu a tradução juramentada de marco histórico no processo a partir do
desembarque da família real na colônia em 1808, mormente com a abertura dos portos ao
comércio estrangeiro acompanhada pela criação dos cargos públicos de intérprete para o
porto do Rio de Janeiro e para outras repartições o “tradutor jurado da praça e intérprete da
nação” (veja-se aqui, finalmente, a vinculação explícita entre tradutor e intérprete). Em
seguida, decretos régios estabeleceram pormenores desses afazeres públicos, como
remuneração por folha, bem como nomearam seus titulares (Wyler 2003:42-3).
É interessante rever a seqüência de leis e regulamentos que confirmariam a
tendência à “juridicização” do ofício de intérprete/tradutor. Leis civis do Império, de 1855
(art. 406); Regimento de 13 de abril de 1834 (art. 89); Regimento de 15 de junho de 1847
(arts. 208 e 220); e o Regulamento Comercial 737, de 25 de novembro de 1850 (art. 148);
Código Comercial, de 25 de junho de 1850 (art. 16), que criou os Tribunais do Comércio a
princípio na Capital e nas províncias da Bahia e Pernambuco, porém os prevendo desde logo
nas demais (art. 1° do Título Único).
Pelo Decreto 737, aliás, a tradução comercial seria feita primordialmente por
intérpretes oficiais, que titularizassem cargos correspondentes, e na falta deles por
nomeados somente para o ato. Aos tribunais do comércio, lugar de lotação dos intérpretes
juramentados, também competia baixar as tabelas de emolumentos (art. 64 do Código
20
Consta em lei espanhola de 1529: “Dizem algumas coisas que não disseram os índios, ou as dizem e declaram
de tal forma que muitos [índios] perderam a causa e foram gravemente prejudicados” (Peñarroja Fa, 2004).
21
O caso, sem dúvida, é eloqüente: “Em 1636, para entender as declarações de Luzia Esteves sobre o inventário
de seu falecido pai, o juiz de órfãos dom Francisco Rendon de Quebedo, recém-chegado a São Paulo, precisou
juramentar Álvaro Neto, prático da língua da terra, pois a moça não sabia falar bem a língua portuguesa e ele,
talvez por ser novo na colônia, não falava nheengatu” (Wyler 2003:40).
36
Comercial). Já o Decreto 863, de 17 de novembro de 1851, reorganizou a profissão
completamente vinculada ao poder público pelos Tribunais do Comércio ao baixar
Regulamento para os Intérpretes do Commercio da Praça do Rio de Janeiro, o qual passou a
valer para todos os ofícios em território nacional. Em 1875, como sabido, os Tribunais do
Comércio foram extintos e suas atribuições passadas às Juntas Comerciais, cuja atuação segue
até os dias de hoje, regrando e supervisionando o ofício de tradutor juramentado.
Lembre-se que as Juntas Comerciais, como corolário desse processo, estão na
atualidade instaladas em todos os Estados Federados e, como se verá adiante, subordinadas
administrativamente aos governos estaduais e tecnicamente ao Departamento Nacional de
Registro do Comércio – DNRC.
Por último, na esfera normativa propriamente dita deve sempre ser recordado o
Decreto 13.609, de 21 de outubro de 1943 (Estado Novo), que “estabelece novo Regulamento
para o ofício de Tradutor Público e Intérprete Comercial no território da República”. Tal
diploma é de grande importância não histórica (porque regulamentou a profissão de forma
abrangente e com pretensão definitiva), mas principalmente porque se mantém em vigor.
Ainda merece destaque, no apagar das luzes do século passado, a Instrução Normativa 84
(DNRC), de 29 de fevereiro de 2000, que “dispõe sobre a habilitação, nomeação e matrícula e
seu cancelamento de Tradutor Público e Intérprete Comercial e dá outras providências”. Entre
outros aspectos de relevo, essas duas normas, uma legal e outra administrativa, antes de tudo
consolidam o título oficial do cargo incumbido da tradução juramentada: “tradutor público e
intérprete comercial” (art. do Regulamento a que se refere o Decreto 13.609/1943 e art.
da Instrução Normativa 84/2000).
2.2 O tradutor juramentado, esse desconhecido
Mas, afinal, que é tradução juramentada e quem a exerce?
Em linhas muito gerais, a tradução juramentada é a tradução que atende requisitos
legais para que um documento possa ter validade legal num país de língua diferente da língua
do país emissor. Distingue-se nessas circunstâncias, pois, da tradução simples, o que não
significa que a tradução juramentada seja “melhor” ou “mais confiável” do que outra
modalidade de tradução.
Francis Henrik Aubert (1998:14) define tradução juramentada como
a tradução de textos – de qualquer espécie – que resulte em um texto
traduzido legalmente reconhecido como uma reprodução fiel do original
37
(com pública
22
). Esta característica de fidelidade, por sua vez, significa
que, por meio de tal tradução, o texto original, expresso em um idioma
estrangeiro, torna-se capaz de produzir efeitos legais no país da língua de
chegada e, ainda, que tal tradução é correta, precisa, exaustiva e
semanticamente invariante em relação ao original (obviamente, dentro dos
limites dos meios de expressão disponíveis nas respectivas línguas/culturas
que se confrontam no ato tradutório específico).
Em princípio qualquer texto pode sujeitar-se à tradução juramentada, de acordo
com as necessidades que se apresentem. No entanto, a maior parte dos documentos cuja
tradução de tal natureza é solicitada recebeu interessante classificação por parte de Lídia
Almeida Barros, Diva Cardoso de Camargo e Francis Henrik Aubert (2005:475): a)
documentos pessoais: carteira de identidade, certidões de nascimento, casamento, divórcio ou
óbito; documentos escolares, carteiras de habilitação de motoristas, passaportes, e outros; b)
documentos societários: termos de incorporação, deliberações de conselhos de empresas, atas
de reuniões, contratos em geral etc.; c) documentos financeiro-comerciais: balanços de
empresas, faturas, notas de débito, letras de câmbio, conhecimento de embarque, notas
promissórias, correspondência comercial etc.; d) documentos legais: cartas rogatórias,
atestados de antecedentes, procurações etc.; e) documentos de diferentes naturezas: patentes,
transferência de tecnologia, correspondência eletrônica etc.
Vê-se, portanto, que o tradutor público comumente
23
chamado de tradutor
juramentado, porque é quem está legalmente habilitado a proferir traduções juramentadas é
o profissional responsável por traduzir para o idioma nacional ou verter para idioma
estrangeiro documentos a serem utilizados para fins legais ou judiciais. É apenas esse
profissional que pode outorgar pública às traduções, o que significa que o documento
produzido guardará presunção relativa (iuris tantum)
24
de verdade, só podendo ser impugnado
mediante prova suficiente cujo ônus recairá sobre a parte que o impugnar.
São inúmeros os exemplos de leis que contêm dispositivos envolvendo os
tradutores públicos, como o Código Civil (art. 224), o Código de Processo Civil (art. 156), o
Código Penal (art. 342), o Código de Processo Penal (art. 236) etc.
22
Ver, por exemplo, o art. 62 do Código Comercial (1850).
Art. 115 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina: “Traduções com
pública são as executadas por tradutores públicos juramentados (Decreto federal 13.609, de 21 de outubro
de 1943, Código Civil, art. 140, e Código de Processo Civil, art. 157)”.
23
Comumente aem lei, a exemplo do art. 157 do digo de Processo Civil: “Só poderá ser junto aos autos
documento redigido em língua estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por tradutor
juramentado”.
24
Não custa lembrar que presunção relativa (iuris tantum) não é presunção absoluta (iuris et de iure), esta sim
não passível de impugnação.
38
Como visto, é o Decreto 13.609, de 21 de outubro de 1943, que regulamenta a
profissão de tradutor público. Segundo esse decreto, o ofício de tradutor público e intérprete
comercial é exercido mediante concurso de provas e nomeação nos Estados Federados pelas
Juntas Comerciais (art. 1°), vinculadas administrativamente aos respectivos governos,
enquanto no Distrito Federal (Lei 4.726, de 13 de julho de 1965) a Junta Comercial é
vinculada diretamente ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Quando é criado um ofício ou ocorre vaga dentro na circunscrição da Junta
Comercial, deve ela fazer publicar no Diário Oficial do Estado, dentro de 10 dias e no mínimo
por três vezes, edital com prazo não inferior a 60 dias, declarando aberto o concurso para
tradutor público e intérprete comercial, o qual se realizará na sede da Junta, tornando-se assim
conhecidas as condições para a inscrição dos candidatos (art. 2°), cujo pedido deve ser
instruído com documentos comprobatórios: a) de ter o requerente a idade mínima de 21 anos
completos; b) de não ser negociante falido inabilitado; c) de ser cidadão brasileiro, nato ou
naturalizado; d) de não estar sendo processado nem ter sido condenado por crime cuja pena
importe em demissão de cargo público ou inabilitação para exercê-lo; e) de residência por
mais de um ano na praça onde pretenda exercer o ofício; f) da quitação com o serviço militar;
e g) de identidade. Além disso, não podem exercer o ofício os que dele tenham sido
anteriormente demitidos (art. 3°).
O concurso para tradutor público e intérprete comercial compreende (art. 5°): a)
prova escrita constando de versão, para o idioma estrangeiro, de um trecho de 30 ou mais
linhas, sorteado no momento, de prosa em vernáculo, de bom autor”; e tradução para o
vernáculo de um trecho igual, preferencialmente de cartas rogatórias, procurações, cartas
partidas, passaportes, escrituras notariais, testamentos, certificados de incorporação de
sociedades anônimas e seus estatutos; b) prova oral, consistindo em leitura, tradução e versão,
bem como em palestra, com argüição no idioma estrangeiro e no vernáculo, as quais
permitam verificar se o candidato possui o necessário conhecimento e compreensão “das
sutilezas e dificuldades de cada uma das línguas”.
A nota mínima de aprovação é sete (art. 6º), o prazo de validade do concurso é de
um ano (art. 7°) e os aprovados são evidentemente nomeados em ordem classificatória. O
resultado do concurso é homologado mediante ata lavrada em livro especial, com cópia a ser
submetida à aprovação do governo estadual respectivo (art. 8°) ou do Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, quando o concurso for no Distrito Federal.
A comissão examinadora do concurso deve ser presidida pelo presidente da Junta,
que designará o secretário, e composta por mais de duas pessoas idôneas que conheçam bem o
39
vernáculo e o idioma do ofício a ser provido, preferindo-se, quando possível, professores do
idioma em concurso (art. 9º). O provimento dos ofícios só ocorrerá com a aprovação da ata
(art. 10) e o tradutor nomeado é obrigado a tomar posse dentro de 30 dias da data da
nomeação, assinando o termo de compromisso, caso contrário perderá o direito a esta em
favor de qualquer candidato porventura existente e em condições de ser nomeado.
Ponto relevante é que se não for possível a composição de banca examinadora por
falta de “elementos idôneos” para aferir o conhecimento do candidato quanto a determinado
idioma, quando requerida a nomeação para o ofício poderá o candidato requerer a prestação
de concurso especial perante o órgão competente de outro Estado ou do Distrito Federal (art.
12). Também em caso de mudança do domicílio do tradutor para outro Estado Federado, o
tradutor concursado poderá requerer sua transferência independentemente de qualquer
formalidade, desde que haja vaga e a nomeação no outro Estado possa ocorrer sem prejuízo
de qualquer candidato aprovado em concurso ainda válido (art. 13), decaindo esta
prerrogativa em seis meses depois de o candidato ter deixado o ofício anterior.
O ofício de tradutor público e intérprete comercial é pessoal e as respectivas
funções não podem ser delegadas, sob pena de nulidade dos atos praticados pelo substituto e
de perda de ofício pelo titular. Todavia, permite-se aos tradutores públicos a indicação de
prepostos para exercerem as funções de seu ofício no caso de licença por motivo de saúde
(art. 14), prepostos estes que devem reunir as qualidades exigidas para a nomeação de
tradutores, habilitação por concurso inclusive. No mais, os titulares dos ofícios são
responsáveis por todos os atos praticados pelos seus prepostos, como se por “êles próprios
praticados fôssem”, sem prejuízo da responsabilidade criminal do preposto que se pode
demitir por simples comunicação do titular do ofício, a ser publicada em edital (art. 16). A
esse respeito, aliás, nenhum tradutor público pode abandonar o exercício da atividade, nem
mesmo temporariamente, sem prévia licença da Junta Comercial, “sob pena de multa e, na
reincidência, de perda do ofício” (art. 15).
Compete aos tradutores públicos e intérpretes comerciais, entre outras funções
(art. 17): a) passar certidões, fazer traduções em vernáculo de todos os livros, documentos e
mais papéis escritos em qualquer língua estrangeira, que tiverem de ser apresentados em Juízo
ou qualquer repartição pública federal, estadual ou municipal ou entidade mantida, orientada
ou fiscalizada pelos poderes públicos e que para as mesmas traduções lhes forem confiados
judicial ou extrajudicialmente por qualquer interessado; b) intervir, quando nomeados
judicialmente ou pela repartição competente, nos exames para a verificação da exatidão de
qualquer tradução que tenha sido impugnada; c) interpretar e verter verbalmente em
40
vernáculo, quando também para isso forem nomeados judicialmente, as respostas ou
depoimentos de estrangeiros que não falarem o idioma nacional em juízo ou
extrajudicialmente, em repartições públicas federais, estaduais ou municipais; d) examinar,
quando instado pelo Fisco, pela Administração ou pelo Judiciário, a falta de exatidão com que
for impugnada “qualquer tradução feita por corretores de navios, dos manifestos e
documentos que as embarcações estrangeiras tiverem de apresentar para despacho nas
Alfândegas, bem assim qualquer tradução feita em razão de suas funções por ocupantes de
cargos públicos de tradutores e intérpretes”.
Regra importante é que o próprio decreto estipula que todas as traduções
juramentadas, para produzirem efeito em juízo ou administrativamente, terão validade se a
tradução tiver sido feita na conformidade do regulamento por ele instituído (art. 18), incluídos
nesta disposição tabeliães e demais cartorários, que não podem registrar, passar certidões ou
outros documentos cujo todo ou parte esteja em língua estrangeira. Excluem-se da pública
todos os documentos em idioma alienígena que não tenha sido traduzido ou vertido por
tradução juramentada, “à exceção das traduções feitas por corretores de navios, dos
manifestos e documentos que as embarcações estrangeiras tiverem de apresentar para
despacho” (art. 19).
Ainda em aspectos específicos o decreto determina que os tradutores blicos e
intérpretes comerciais podem exercer suas atribuições em todo o território estadual para o
qual foram nomeados, posto que sua produção tem pública em todo o território nacional,
bem como “as certidões que passarem” (art. 20). A presunção iuris tantum de veracidade das
traduções juramentadas pode ser impugnada pela autoridade administrativa ou judiciária, ex
officio ou a requerimento de parte interessada (art. 21), sempre que houver “fundamentos
plausíveis”, mediante exame (art. 22) a ser realizado “por duas pessoas idôneas, de
preferência professores do idioma e na falta dêstes por dois tradutores legalmente habilitados,
versando exclusivamente sôbre a parte impugnada da tradução”. Proferido o resultado do
exame, não se admitirá mais “discussão ou emenda”. Esse exame traz hipótese curiosa,
prevista no § 3º do referido art. 22:
§ Se do exame se concluir falta de exatidão da tradução como
objeto científico, a nenhuma pena fica sujeito o tradutor, se dêle se concluir
êrro de que resulte efetivo dano às partes, será o tradutor obrigado a
indenizá-las dos prejuízos que daí lhes provierem e em Juízo competente;
porém, si se provar dolo ou falsidade na tradução, além das penas em que o
tradutor incorrer na legislação criminal e que lhes serão impostas no
competente Juízo, será condenado pela repartição a que estiver subordinado,
41
ex-officio ou a requerimento dos interessados, às penas de suspensão, multa
e demissão, referidas no art. 24 dêste regulamento.
A parte geral do decreto se encerra (art. 23) com rígida proibição aos tradutores
públicos e intérpretes comerciais de, sem causa justificada e sob pena de suspensão,
recusarem-se aos exames ou diligências judiciais ou administrativas para os quais tenham sido
regularmente intimados, assim como assevera que também não lhes é permitido recusar
qualquer tradução que se apresente no idioma em que estejam legalmente habilitados.
em capítulo sobre penalidades, o regulamento decretado disciplina penas (art.
24) de advertência, suspensão, multa e demissão, segundo a gravidade do caso e apuradas
quando houver dolo ou falsidade, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, assegurado ao
tradutor prazo de 10 dias para exercer sua defesa administrativa, com decisão necessariamente
fundamentada (art. 27). As penas são aplicadas, afora aquelas proferidas pelo Judiciário, no
Distrito Federal pelo departamento competente e na esfera estadual pelas Juntas Comerciais
(art. 25).
Por fim, as disposições gerais do decreto trazem regras de relevo para o ofício. Às
próprias Juntas Comerciais compete fixar e alterar, nas praças de comércio do Estado
Federado correspondente, o número de tradutores públicos e intérpretes comerciais para cada
língua (art. 29), sendo permitida aos tradutores e seus prepostos a habilitação em mais de um
idioma (art. 30).
É obrigação expressa das Juntas Comerciais fazer publicar anualmente no Diário
Oficial do Estado, no mês de março, relação com todos os tradutores e respectivos prepostos
em exercício
25
, “com menção dos endereços e do idioma em que cada um se achar habilitado”
(art. 32).
Deve haver em cada ofício um livro específico, chamado “Registro de
Traduções”, no qual devem ser cronologicamente transcritas ipsis litteris, “sem rasuras nem
emendas” (art. 33), todas as traduções feitas no mesmo ofício, cuja vacância acarreta a troca
de titularidade do livro, que deve ser imediatamente entregue à repartição que tiver de fazer a
nomeação (art. 34).
Também é incumbência das Juntas Comerciais baixar as tabelas dos emolumentos
devidos aos tradutores, emolumentos esses que são independentes das custas que lhes possam
25
O próprio Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina indica em seu art.
116: “A lista dos tradutores no Estado, concursados pela Junta Comercial e reconhecidos legalmente, está
disponível na internet, no endereço www.jucesc.sc.gov.br”.
42
caber como auxiliares da Justiça
26
, “bem como estipular os que devem ser pagos pelos
respectivos candidatos aos examinadores dos concursos” (art. 35), tudo a ser aprovado pelo
superior respectivo (no governo estadual ou no ministério correspondente, conforme o caso).
Um último comando de destaque, que aliás confirma o caráter público do tradutor
juramentado, consta no parágrafo único deste art. 35: “Não é lícito aos tradutores abater, em
benefício de quem quer que seja, os emolumentos que lhes forem fixados na mesma tabela,
sob pena de multa elevada ao dôbro na reincidência, cabendo-lhes anotar no final de cada
tradução o total dos emolumentos e selos cobrados”.
Por fim, não é demais sublinhar que o tradutor blico e intérprete comercial o
se encontra sujeito ao regime celetista, isto é, à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
2.3 Juntas Comerciais e disciplina jurídico-administrativa
As Juntas Comerciais tomaram o lugar dos Tribunais do Comércio na segunda
metade do século XIX, ganhando sua configuração atual nos primeiros anos da República. As
Juntas Comerciais são autarquias vinculadas administrativamente aos governos estaduais e
tecnicamente ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, que por sua vez está
subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (art. 4°, caput,
da Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994). Autarquias, pelo escólio de Hely Lopes Meirelles
(2007:344), “são entes administrativos autônomos criados por lei específica, com
personalidade jurídica de direito público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais
específicas”. São, prossegue, “entes autônomos, mas não são autonomias”, porque
“inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si
própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou”
27
.
A Lei dos Registros Públicos (Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994) estabelece
inúmeras atribuições às Juntas Comerciais na forma de seu art. 3°, segundo o qual os serviços
26
O benefício da gratuidade da Justiça, previsto na Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, não abrange os
honorários dos tradutores, conforme o art. 118 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado
de Santa Catarina: Os benefícios da justiça gratuita não incluem os honorários dos tradutores (Conselho da
Magistratura, Consulta nº 510/98)”.
27
E continua (2007:345): Autarquia é pessoa jurídica de Direito Público, com função pública própria e típica,
outorgada pelo Estado, não se confundindo com as fundações de Direito Privado, nem com as empresas
governamentais, e menos ainda com os entes de cooperação (serviços sociais autônomos e organizações sociais).
[...] E, por fim, assinale-se esta diferença: a personalidade da autarquia, por ser de Direito Público, nasce com a
lei que a institui, independentemente de registro; a personalidade das fundações, empresas governamentais e dos
entes de cooperação, por ser de Direito Privado, nasce com o registro de seu estatuto, elaborado segundo a lei
que autoriza a sua criação. A doutrina moderna é concorde no assinalar as características das entidades
autárquicas, ou seja, a sua criação por lei específica com personalidade de Direito Público, patrimônio público,
capacidade de auto-administração sob controle estatal e desempenho de atribuições blicas típicas. Sem a
conjunção desses elementos nãoautarquia”.
43
de registro público são exercidos no território nacional pelo Sistema Nacional de Registro de
Empresas Mercantis SINREM, composto pelo Departamento Nacional de Registro do
Comércio como órgão central do SINREM (“com funções supervisora, orientadora,
coordenadora e normativa, no plano técnico; e supletiva, no plano administrativo”), bem
como pelas Juntas Comerciais como órgãos locais (“com funções executora e administradora
dos serviços de registro”).
Com uma Junta Comercial em cada unidade da Federação, “com sede na capital e
jurisdição na área da circunscrição territorial respectiva” (art. 5º), subordinadas
“administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao
DNRC” (art. 6°)
28
, cabe-lhes registrar e dar publicidade aos atos constitutivos e alterações
posteriores dos empresários e sociedades mercantis na unidade federada respectiva,
conferindo-lhes personalidade jurídica; conceder matrícula e seu cancelamento dos leiloeiros,
tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros e administradores de armazéns
gerais; o arquivamento das empresas mercantis registradas e dos agentes auxiliares do
comércio; e promover assentamento dos usos e práticas mercantis locais.
Nesse contexto, a Lei 8.934/1994 traz relevantes normas atinentes ao ofício de
tradutor: primeiro estatui que as Juntas Comerciais podem desconcentrar seus serviços,
“mediante convênios com órgãos públicos e entidades privadas sem fins lucrativos,
preservada a competência das atuais delegacias” (art. 7°); segundo, e principalmente, incumbe
às Juntas Comerciais “elaborar a tabela de preços de seus serviços, observadas as normas
legais pertinentes” (art. 8°, II) e “processar a habilitação e a nomeação dos tradutores públicos
e intérpretes comerciais” (art. 8°, III).
No Estado de Santa Catarina, por exemplo, a Junta Comercial JUCESC,
autarquia estadual, tem sua autonomia financeira outorgada pela Lei Estadual 7.165, de 23 de
dezembro de 1987. Como explanado, é aos Estados Federados que as Juntas Comerciais
são administrativamente subordinadas, embora tecnicamente devam cumprir a
regulamentação geral instituída pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio –
DNRC.
Dando vazão à sua supervisão normativa, o DNRC baixa “instruções normativas”,
as quais abrangem uma enorme gama de preceitos técnicos pertinentes às atividades das
28
“A autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus
imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. [...] a autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma
parcela do poder estatal que lhe deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da
autarquia para com a autoridade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico.
mera vinculação à entidade-matriz, que, por isso, passa a exercer um controle legal, expresso no poder de
correção finalística do serviço autárquico” (Meirelles 2007: 345).
44
Juntas e do registro do comércio em geral. Importa aqui alçar a Instrução Normativa 84, de 29
de fevereiro de 2000, que dispõe sobre “habilitação, nomeação e matrícula e seu
cancelamento de Tradutor Público e Intérprete Comercial e dá outras providências”. Ela
pormenoriza o acesso ao cargo de tradutor público, tido como reserva de mercado inacessível
por boa parte dos interessados.
Baixada pelo Diretor do DNRC no uso das atribuições conferidas pelo art. da
Lei 8.934/1994, alegadamente para “disciplinar e uniformizar os procedimentos referentes aos
encargos das Juntas Comerciais, com relação ao tradutor público e intérprete comercial”, a
Instrução Normativa 84 traz várias regras, concretas e específicas ao extremo, segundo as
quais o ofício de tradutor público e intérprete comercial “será exercido mediante nomeação e
matrícula pela Junta Comercial, em decorrência de habilitação em concurso público de
provas” (art. 1º). O tradutor público exerce suas atribuições em todo o território da unidade
federativa da Junta Comercial que o nomeou e suas traduções e certidões que passar têm
em todo o território nacional (art. 2º).
O concurso público de provas que habilita o tradutor público (art. 3º) deve ser
realizado pela Junta Comercial mediante convênio com instituição pública ou privada,
obviamente nos termos de edital próprio, “que será publicado, por três vezes e, com a
antecedência mínima de sessenta dias da data de sua realização, no Diário Oficial do Estado e,
no caso da Junta Comercial do Distrito Federal, no Diário Oficial da União”. O edital deve
conter ao menos: I - indicação dos respectivos idiomas; II - datas de abertura e encerramento,
local e horário das inscrições; III - requisitos de inscrição no concurso, bem como a respectiva
documentação comprobatória; IV - datas, locais e horários de realização das provas; V -
conteúdo programático das provas escrita e oral; VI - condições para a prestação das provas;
VII - critérios de julgamento das provas; VIII - critérios de aprovação; IX - condições para
interposição de recursos; X - aspectos sobre nomeação, termo de compromisso e matrícula;
XI - disposições finais.
A autonomia natural das Juntas Comerciais, autarquias estaduais, é não
respeitada como rigorosamente delineada nos parágrafos do referido art. 3º: enquanto o
primeiro permite que datas, locais e horários de realização das provas possam constar em
editais próprios, o segundo faculta às Juntas Comerciais participar de convênios “para
habilitação de candidatos para os ofícios a serem providos nas respectivas unidades
federativas”.
O pedido de inscrição no concurso (art. 4º) deve ser instruído com documentos
que comprovem ter o candidato idade mínima de 21 anos; ser cidadão brasileiro; não ser
45
empresário falido não reabilitado; não ter sido condenado por crime cuja pena importe em
demissão de cargo público ou inabilitação para o exercer; não ter sido anteriormente
destituído do ofício; ser residente por mais de um ano na unidade federativa onde pretenda
exercer o ofício; estar quite com o serviço militar e eleitoral; bem como sua identidade.
É bem verdade que a apresentação da documentação a que se refere o art.
poderá ser exigida em outra oportunidade, desde que anterior à nomeação dos candidatos
aprovados, mas nesse caso o candidato, no ato da inscrição, deve declarar formalmente sua
situação em relação a cada item especificado, assim como assumir o compromisso de
comprovar suas declarações por meio de documentos hábeis. Além disso, se constatada a
inexatidão de afirmativas ou irregularidade de documentos, ainda que posteriormente, o
candidato deve ser eliminado do concurso, anulando-se todos os atos decorrentes da inscrição.
Ainda segundo a Instrução Normativa 84, as provas escrita e oral devem
compreender obrigatoriamente (art. 5º): I - prova escrita, constando de versão, para o idioma
estrangeiro, de um trecho de trinta ou mais linhas, sorteado no momento, de prosa em
vernáculo, de bom autor; e de tradução para o vernáculo de um trecho igual,
preferencialmente de cartas rogatórias, procurações, cartas partidas, passaportes, escrituras
notariais, testamentos, certificados de incorporação de sociedades anônimas e seus estatutos;
II - prova oral, consistindo em leitura, tradução e versão, bem como em palestra, com
argüição no idioma estrangeiro e no vernáculo, que permita verificar se o candidato possui o
necessário conhecimento e compreensão das sutilezas e dificuldades de cada uma das línguas.
As notas devem ser atribuídas às provas “com a graduação de zero a dez”, aprovados os
candidatos que obtiverem média igual ou superior a sete.
A partir da aprovação, o provimento dos ofícios (art. 6º) se por portaria do
presidente da Junta Comercial, com a nomeação dos candidatos aprovados, a ser publicada no
órgão de divulgação dos atos decisórios da Junta Comercial. Observe-se que a nomeação de
tradutor público e intérprete comercial matriculado para novos idiomas não implica nova
matrícula.
previsão (art. 7º) de perda do direito caso a assinatura do termo de
compromisso não se dê no prazo máximo de 30 dias, contados da nomeação, considerado que
a assinatura depende de comprovação de pagamento do preço devido e da inscrição na
repartição competente, na sede do ofício, para pagamento dos tributos incidentes. É depois da
assinatura do termo de compromisso que a Junta Comercial, por portaria do presidente,
formaliza a matrícula e expede a carteira de exercício profissional (art. 8º), desde que pago o
preço devido e atendidos todos os quesitos formais para sua expedição.
46
Dispositivo que chama a atenção é o art. 9º, que permite ao tradutor público e
intérprete comercial matriculado após ser nomeado por concurso, no caso de mudança de
domicílio de uma unidade federativa para outra, requerer sua transferência independentemente
de qualquer formalidade habilitante. Uma vez requerida a transferência, a Junta Comercial
deve oficiar à da unidade federativa objeto do requerimento indicando o novo endereço
profissional ou residencial e remetendo cópia de seu prontuário. Com a comunicação da
transferência, a Junta Comercial da unidade federativa do novo domicílio do tradutor público
procede à matrícula e emite a correspondente carteira de exercício profissional, atendidos os
aspectos formais para sua expedição” e, claro, “mediante pagamento dos preços devidos”.
Essa transferência preconizada no art. atende por certo ao interesse de manter
os bons tradutores públicos oficiando, ainda que venham a alterar seu domicílio. Isso fica
ainda mais evidente quando se tem em vista que o tradutor pode desistir da transferência
comunicando sua decisão à Junta Comercial que detiver o respectivo processo, para fins de
cancelamento e restauração da matrícula, se for o caso.
Veja-se que se o tradutor público e intérprete comercial não complementar os
procedimentos correspondentes depois de seis meses da data do requerimento de
transferência, mediante pagamento do preço da nova matrícula à Junta Comercial da unidade
federativa de seu novo domicílio, esta última deve oficiar à Junta Comercial de origem e
devolver o processo, para que seja restaurada a matrícula. Aliás, independe de novo
requerimento a entrega à Junta Comercial do comprovante de pagamento do preço devido ou
da comunicação de desistência.
Os tradutores e intérpretes públicos ad hoc vêm previstos no art. 10, que sem
cerimônia restringe sua nomeação a um único e exclusivo ato e somente na falta ou
impedimento de tradutor público e intérprete comercial. Para a nomeação de tradutor ad hoc a
Junta Comercial é obrigada a exigir (art. 11): I - o pedido de nomeação; II - a idade mínima de
21 anos; III - a qualidade de cidadão brasileiro; IV - declaração de não ser empresário falido,
não reabilitado, nem ter sido condenado por crime cuja pena importe em demissão de cargo
público ou inabilitação para o exercer e não ter sido anteriormente destituído do ofício de
tradutor público e intérprete comercial; V - estar quite com o serviço militar e eleitoral; VI -
comprovação de identidade; VII - a identificação do documento a ser traduzido; VIII - o
idioma em que tenha sido exarado o documento e aquele para o qual será traduzido; IX -
cópia do documento a ser traduzido; X - declaração de estar apto para a prática do ato objeto
da nomeação ad hoc; XI - comprovante de recolhimento do preço devido.
47
Também o tradutor ad hoc não está livre de formalizar sua nomeação por meio da
assinatura do termo de compromisso, o que enseja conseqüências graves, primordialmente na
seara penal, como adiante será visto.
O fim do exercício do tradutor público e intérprete comercial se via de regra
pelo cancelamento da matrícula na Junta Comercial. Esse cancelamento (art. 12) decorre da
exoneração do tradutor público e se a requerimento do interessado ou por determinação
judicial. O requerimento de exoneração, dirigido ao presidente da Junta Comercial, deve ser
instruído com todos os livros de tradução que o tradutor possuir, com a carteira de exercício
profissional e com o recolhimento do preço devido. No caso de determinação judicial, o
tradutor público será obrigado a apresentar à Junta Comercial todos os livros de tradução que
possuir e a carteira de exercício profissional.
Cumpridas as entregas requisitadas, a Junta Comercial recolherá a carteira de
exercício profissional e inutilizará as folhas em branco dos livros de tradução apresentados, e
os devolverá ao interessado.
A par disso, no caso de falecimento do tradutor público e intérprete comercial, a
correspondente comunicação à Junta Comercial, por parte dos herdeiros ou inventariante,
deverá ser acompanhada da certidão de óbito e dos livros de tradução, os quais serão mantidos
em arquivo.
O penúltimo tópico da Instrução Normativa 84 diz respeito à publicidade ínsita à
administração pública (art. 37, caput, da Constituição da República). O art. 13 institui que no
mês de março de cada ano a Junta Comercial deve publicar a relação dos nomes dos
tradutores públicos e intérpretes comerciais, respectivos endereços e “idiomas em que cada
um se achar habilitado, no Diário Oficial do Estado e, no caso do Distrito Federal, no Diário
Oficial da União”, mantendo à disposição do público as informações divulgadas.
Um último mas não menos importante tema é o dos valores, dos emolumentos
devidos ao tradutor público e intérprete comercial, valores estes que devem ser aprovados
pela Junta Comercial, à qual também cabe organizar a tabela apropriada. Conforme o art. 14,
a tabela deve ser obrigatoriamente afixada pelo tradutor público, “de maneira visível ao
público”, no local em que exerça seu ofício.
Os emolumentos, diga-se, são devidos pelo “pronto exercício das funções
inerentes ao ofício” (art. 15). Esse requisito do pronto exercício considera-se atendido, nas
funções de tradução e/ou versão de textos, “quando o serviço for executado à proporção de
duas laudas de vinte e cinco linhas por dia útil, transcorrido entre a solicitação inicial e a data
48
em que estiver à disposição do interessado”. O não-atendimento desse prazo pode acarretar a
redução dos emolumentos devidos na proporção de cinqüenta por cento.
2.4 A tradução juramentada hoje
Em prefácio à terceira edição de seu After Babel, George Steiner (1998:vii)
incorporou velha asserção segundo a qual “tanto a filosofia quanto a prática da tradução estão
em constante movimento e debate”. Quer parecer, contudo, que essa não é uma verdade
absoluta, ao menos quando se tem em vista a tradução juramentada cujo inabalável
protagonista, o tradutor público, segue numa estabilidade funcional notável desde a abertura
dos portos (1808).
Ao rico debate em torno do que constitui os estudos da tradução, a tradução
juramentada acresce dilemas jurídicos ou mesmo administrativos ao exercício da profissão.
Em apurada definição, Radegundis Stolze (1992:13) apresenta a tradução como “atividade
especificamente humana, determinada não somente por fatores imanentes à língua, cujo papel
fundamental é mediar o entendimento entre os seres humanos”. Todavia, se não se afigura
possível sequer aventar em termos absolutos uma tradução ideal (Weininger 2005), quantos e
quais problemas podem surgir da tradução juramentada, que “consiste na tradução feita em
formato apropriado para ter validade oficial e legal perante órgãos e instituições públicas”
(Andrart 2007), situação que sem dúvida pode trazer em seu bojo inúmeras conseqüências de
ordem jurídica, como será examinado adiante.
Pelas normas pertinentes (Decreto 13.609/1943 e Instrução Normativa 84/2000),
em boa parte esmiuçadas em estudos específicos (Barros, Camargo, Aubert 2005:475), vê-
se que todas as traduções juramentadas são rigorosamente controladas e arquivadas segundo
regras próprias de orientação e controle fixadas pela Junta Comercial do Estado Federado no
qual o tradutor atua profissionalmente. Os textos traduzidos ou vertidos são subsequentemente
armazenados em livros, chamados “Registro de Traduções”, os quais por sua vez também
seguem normas estritas de organização impostas pela respectiva Junta Comercial. Com
aposentadoria ou morte do tradutor público, os livros de Registro de Traduções são recolhidos
pela Junta Comercial e posteriormente arquivados.
Nessa linha percorrida também não é difícil conceber que as modalidades de
textos traduzidos ou vertidos ainda que por um mesmo profissional podem variar de livro para
livro, além de variar de tradutor para tradutor. Tais diferenças encontram-se relacionadas a um
sem-número de variáveis, dentre as quais emergem o tempo de exercício na profissão por
parte do tradutor público, fase de sua carreira, inserção no mercado, cidade ou região em que
49
atua, respeitabilidade de que goza entre os usuários do serviço etc. É previsível que a tradução
juramentada de determinados tipos de documentos que apresentam alto grau de dificuldade
seja preferencialmente solicitada pelos interessados a tradutores com maior experiência e
especialização no domínio do conteúdo daquele documento. Assim como, uma vez
conquistada a confiança do cliente, este passe a destinar àquele tradutor o mesmo tipo de
documentação cada vez que a tradução juramentada se apresente necessária.
O ofício de tradutor público e intérprete comercial o tradutor juramentado é
sabidamente pouco conhecido em qualquer meio, muito embora, nos últimos anos, tenha
crescido a veiculação de informações a respeito, o que causa o efeito reverso de ressaltar os
raros concursos (Abrates 2008), tornando o acesso à profissão, ao lado dos cartórios
extrajudiciais, alvo de generalizadas críticas fundadas ou não que lhe atribuem um caráter
não-transparente. Outra constatação presente entre os estudiosos da área é a não-exigência de
formação acadêmica específica para o exercício da função, que poderia ser reclamada no
próprio concurso (Romão 2000:3-5). Para o jurista, essa situação salta aos olhos diante dos
princípios que a Constituição erigiu como vetores da administração pública em geral
(notadamente a publicidade e a moralidade) e da prevalência que a mesma Constituição
atribui ao concurso público para a investidura em cargo público, bem como pela simples razão
de constituir o intérprete/tradutor um dos possíveis auxiliares da Justiça no desenrolar de
causas cíveis ou criminais (art. 139 do Código de Processo Civil e art. 281 do Código de
Processo Penal).
Em São Paulo, por exemplo, depois de um intervalo de vinte anos a Junta
Comercial local realizou concurso em 2000 para nomeação de novos profissionais, para o
qual acorreram candidatos em grande número – fato previsível, dada a importância econômica
daquela região: alemão 395, árabe 35, búlgaro 1, chinês 36, coreano 18, croata 4, dinamarquês
13, esloveno 2, espanhol 786, finlandês 1, francês 758, grego 12, hebraico 18, hindu 1,
holandês 14, húngaro 13, inglês 3.925, italiano 417, japonês 181, latim 15, norueguês 6,
polonês 8, romeno 13, russo 36, sérvio 3, sueco 11, tailandês 0 (único caso), tcheco 8,
ucraniano 4, ídiche 3 e lituano 8. o custa registrar que a inscrição não garante a aprovação,
não obstante a grande particularidade do certame, o que fica bem claro pelo exemplo da
língua alemã: dos quase 400 inscritos, apenas 86 foram habilitados nos exames (Romão
2000:7).
Como exaustivamente expressado, os tradutores públicos estão funcionalmente
agrupados nas Juntas Comerciais das respectivas unidades da Federação. A Junta Comercial
do Estado de Santa Catarina arrola tradutores públicos na seguinte proporção: 5 de língua
50
inglesa, 2 de língua espanhola, 2 de língua francesa e 1 de língua alemã (JUCESC 2008). Em
São Paulo, maior núcleo populacional brasileiro, a Junta Comercial local (JUCESP 2008)
arrola 1.504 tradutores públicos matriculados, em sua maioria dos idiomas inglês, espanhol,
francês, italiano, alemão e japonês (nesta ordem). Não se olvide, entretanto, dos tradutores ad
hoc, possíveis para atos específicos e que também devem ser inscritos na Junta Comercial
(art. 10 da Instrução Normativa 84/2000).
As tabelas de emolumentos mais uma vez demonstram a autonomia das Juntas
Comerciais frente aos entes dos quais provêm (autarquias que são), assim como a
independência dos valores cobrados entre os Estados da Federação. Dessa forma, aliás, estatui
todo o arcabouço legislativo de regência (art. 8°, II, da Lei 8.934/1994, art. 35 do Decreto
13.609/1943 e art. 14 da Instrução Normativa 84/2000).
Em Santa Catarina é a Resolução 001/2006 que atualmente fixa os emolumentos
dos tradutores públicos e intérpretes juramentados. Sua tabela, na verdade norma composta
por 10 artigos, divide os textos em duas categorias (art. 1°): textos “comuns” (“passaportes,
certidões dos registros civis, carteiras de identidade, de habilitação profissional, documentos
similares, inclusive cartas pessoais que não envolvam textos jurídicos, técnicos ou
científicos”), com valor por lauda de 26 reais para tradução e 33 reais para versão; e textos
“jurídicos técnicos, científicos, comerciais, inclusive bancários e contábeis, marítimos,
certificados e diplomas escolares”, com valor por lauda de 36 reais para tradução e 43 reais
para versão. As laudas são de até 25 linhas de 50 toques cada (art. 2°), ao passo que por cópia
autenticada se cobra um adicional de 10% (art. 3°). As versões de um idioma estrangeiro
diretamente para outro idioma estrangeiro acrescem 50% aos respectivos emolumentos (art.
5°): hipótese concreta em cartas rogatórias, por exemplo, em que juízo estrangeiro pretende
fazer ouvir um falante de um terceiro idioma.
Veja-se que em juízo ainda em Santa Catarina os intérpretes fazem jus a 103
reais pela primeira hora de serviço e a 79 reais por hora ou fração excedente a 15 minutos (art.
6°) e neste caso, se o serviço não se realizar independentemente da vontade do intérprete
cobram-se os 79 reais, “além de reembolso das despesas de transporte, estada e refeições”
quando cabíveis (art. 7°), reembolso que também será devido sempre que os serviços forem
prestados fora da sede do juízo (art. 8°). Para conferência do trabalho de outro tradutor cabem
50% do preço de tabela (art. 9°), e para “serviços urgentes e de extrema urgência” (art. 10), os
primeiros a serem executados em prazos exíguos 1°) e os segundos “sábados, domingos e
feriados e pontos facultativos, e fora do horário comercial” (§ 2°), cabe acréscimo de 100% e
150%, respectivamente.
51
Ilustrativamente, em São Paulo (JUCESP 2007) a tabela em vigor baixada por
meio da Deliberação 001/2004 também divide os textos passíveis de tradução juramentada
em dois grupos: textos “comuns” (“passaportes, certidões dos registros civis, carteiras de
identidades, de habilitação profissional e documentos similares, inclusive cartas pessoais que
não envolvam textos jurídicos, técnicos ou científicos”), cuja tradução demanda 25 reais por
lauda, ao passo que a versão requer 31 reais por lauda; e textos “especiais” (“jurídicos,
técnicos, científicos, comerciais, inclusive bancários e contáveis; certificados e diplomas
escolares”), cuja tradução demanda 35 reais por lauda, enquanto a versão exige 43 reais por
lauda (art. ). Aqui também se consideram 25 linhas uma lauda, porém 1.000 caracteres
(excluídos os espaços em branco) extravasam uma lauda de toda sorte (art. 2°), disposição
inexistente em Santa Catarina. Outras regras casuísticas bem atestam pretensões distintas, tais
como as cópias autenticadas (20% art. 3°), intérpretes em juízo (patamar paulista menor
neste tópico – art. 6°) etc.
Ultrapassada a paisagem atual da tradução juramentada no Brasil, a relevância do
tema pede exemplificar, para efeito de comparação, a realidade vigente em países vizinhos
como Uruguai e Argentina, ou ainda em potências centrais culturalmente próximas, como a
Espanha, ou não tão próximas assim, como Reino Unido e Estados Unidos da América.
No Uruguai é requisito para obter-se o título de tradutor público o curso de quatro
anos de traductorado na faculdade de direito da Universidade da República. É um curso
autônomo como o de advogado, notário ou relações internacionais que demanda
aprovação prévia num exame de espanhol e noutro do idioma estrangeiro no qual se pretende
a qualificação. A prova de conhecimento da língua espanhola é tão exigente que alguns
reprovam nesse requisito. O ofício de tradutor público é de exercício liberal. Não órgão
fiscalizador da profissão, como de praxe no Uruguai, mas sim regulamentação por normas
próprias. É o Colegio de Traductores Públicos del Uruguay que fixa os honorários para seus
sócios, com tabela que estipula valores mínimos a serem cobrados pelo tradutor público
uruguaio, cogente para todos os associados, de acordo com classificação dos textos e, para
atuar perante órgãos oficiais, o profissional deve estar ali registrado (Lorente 2004:2-3).
Na Argentina a figura do traductor público é associada a uma carreira
universitária que se oferece em quatorze universidades, públicas e privadas. Por traductor
público ou jurado se entende o profissional fedatário, que atribui pública ao que traduz
(característica ínsita e razão de ser do ofício, como se percebe). Logo, entre os argentinos
também se expressa no tradutor público a idéia de compromisso garantidor de ser fidedigna a
tradução segundo seu saber em boa-fé, outorgando-se ao profissional a autoridade legítima
52
para atestar nos documentos que traduz que sejam eles considerados autênticos e com
conteúdo verdadeiro até prova em contrário, assumindo a responsabilidade por seus atos
mediante aposição de selo e assinatura (Martínez, Guilman 2004:1-5).
Na Espanha o traductor jurado é também um profissional liberal e por
conseguinte beneficiário do Tratado de Roma, que franqueia circulação de trabalhadores pelo
espaço comunitário europeu. A norma básica que regula a atividade é o Real Decreto 79, de
26 de janeiro de 1996, que modificou diversos artigos do Reglamento de la Oficina de
Interpretación de Lenguas del Ministerio de Asuntos Exteriores, aprovado por decreto real de
1977 e alterado parcialmente em 1978 e 1992. Até então o acesso à profissão demandava
exames semelhantes aos brasileiros, com requisitos de idade, titulação geral e nacionalidade
espanhola ou do espaço econômico europeu, mas com a liberação promovida viu-se a
Espanha obrigada a permitir que o título de licenciatura em tradução habilitasse o
interessado a tornar-se tradutor juramentado, sem necessidade de exames ou provas (Capellas
2000:3).
No Reino Unido não existe tradução juramentada nem tradutores públicos como
se conhecem em outras partes do mundo. Não obstante, em virtude da procura por parte de
leigos não é raro que alguns tradutores “jurema tradução perante um tabelião (notary) ou
mesmo perante um advogado (solicitor) como artifício para dar maior credibilidade ao
trabalho, chegando ao ponto de intitularem-se sworn translators ou certified translators.
Suposto que o tabelião não domine a língua portuguesa, afigura-se evidente que ele não pode
aferir a correção ou não do documento. Ele apenas o assina atestando o comparecimento do
tradutor para aquele fim. Seguindo o procedimento recomendado pelo Institute of Linguists,
de Londres, o tradutor qualificado não precisa ir ao tabelião para “jurar” sua tradução, mas
apenas atestar, ao fim do trabalho, sua qualificação profissional, de preferência com número
de inscrição no Instituto de Lingüistas, elementos que via de regra conferem credibilidade
para que o documento seja aceito por órgãos públicos e privados em todo o reino (Paquet
2007).
Nos Estados Unidos da América, país que segue a tradição inglesa de common
law (David 2002:351-2), também não existe tradução juramentada como a conhecemos. Não
licença ou certificado federal ou estadual para tradutores. Existem, é verdade, algumas
credenciais disponíveis para tradutores que trabalhem com certas línguas estrangeiras, mas
entre eventuais clientes ou entre os próprios tradutores elas não carregam a importância de um
tradutor público nos países que o possuem. Desde que atendidos alguns requisitos, por
exemplo, a American Translators Association confere certificação aos tradutores de alguns
53
idiomas mediante exames escritos (NYCT 2007), os quais em contrapartida devem especificar
em suas traduções certificadas (certified translations) que o fazem nos idiomas e na direção
(idioma de partida idioma de chegada) em que foram certificados (ATA 2007). Por outro
lado, alguns órgãos públicos têm regras próprias, como o Departamento de Serviço Social e
Saúde (DSHS em inglês) do Estado de Washington, que seleciona tradutores em diversas
línguas para traduzir seu material e documentação de usuários. Tradutores aprovados nessa
seleção podem ostentar o título DSHS Certified Translator”. A partir do ano 2000, a
Translators and Interpreters Guild, organização nacional de tradutores e intérpretes, anunciou
que passaria a oferecer TTIG Certificationpara tradutores. Isso tudo não passa de um jogo
de credibilidade frente ao mercado, de forma que não raro tradutores experientes e com
altíssima qualificação o exibem certificação nenhuma, simplesmente pelo fato de que nos
Estados Unidos não são necessários certificados nem licenças para apresentar traduções para
uso oficial. Na tradução certificada (certified translation), o interessado leva à presença do
notário (notary public) o texto original, o texto traduzido ou vertido e uma declaração formal
do tradutor, assinada conforme firma reconhecida por aquele notário, dando conta de que
empregou seus melhores conhecimentos para aquele trabalho. Freqüentemente essa
declaração é encerrada com um “certificado de exatidão” ou uma afirmação de que dois
documentos têm idêntico significado”, ou ainda um anexo com o currículo do tradutor. Não
deixa de ser curioso notar que essa prática é, aos olhos da lei, ainda mais desnecessária do que
traduzir um documento por tradutor “certificado”, porque o notário não atesta a fidelidade do
conteúdo, mas apenas e tão-somente que foi traduzido por aquele tradutor que previamente
reconheceu firma naquele estabelecimento notarial (NOTIS 2007).
Por último, cumpre relembrar que o tradutor público e intérprete comercial não
atende apenas requisições privadas; ao revés, o ofício de tradutor público implica a
disponibilidade do profissional ao chamamento, quando necessário, por parte de autoridade
judiciária, quando será coberto pelas vestes de auxiliar da Justiça. Nas causas cíveis incide o
art. 139 do Código de Processo Civil: “São auxiliares do juízo, além de outros, cujas
atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de
justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete” [aqui entendido o intérprete
também como tradutor]. nos processos criminais aplica-se o art. 281 do Código de
Processo Penal: “Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos” [como
auxiliares da Justiça, igualmente havidos os intérpretes também como tradutores]. Nessa
condição, o tradutor blico está desde logo submetido à função fiscalizatória típica das
54
corregedorias dos tribunais. Em Santa Catarina
29
, recentemente uma decisão do Corregedor
Geral da Justiça trouxe à tona importante aspecto da remuneração dos tradutores
juramentados. Resumidamente, um tradutor juramentado oficiou à Corregedoria Geral da
Justiça do Estado de Santa Catarina pretendendo sua exclusão “do cadastro de tradutores”
daquele órgão, a fim de não mais prestar serviços nos processos judiciais. No entanto,
invocou-se de plano o art. 15 do mencionado Decreto 13.609/1943, cuja redação inclui: “A
nenhum tradutor público e intérprete comercial é permitido abandonar o exercício do seu
ofício, nem mesmo deixá-lo temporariamente, sem prévia licença da repartição a que estiver
subordinado [Junta Comercial], sob pena de multa e, na reincidência, de perda do ofício”. Em
seguida interpretou-se o pedido, à luz de outros semelhantes, como reclamação dos tradutores
quanto à remuneração dos serviços judiciais. É que enquanto nos atos para particulares a
remuneração dos tradutores juramentados se pela tabela da Junta Comercial, a
remuneração nos atos judiciais se pelo Regimento de Custas (Lei Complementar Estadual
156, de 15 de maio de 1997), em patamares menores. Lembre-se que no Decreto 13.609/1943
o art. 35 exclui da tabela das Juntas Comerciais as custas que aos tradutores “possam caber
como auxiliares dos trabalhos da Justiça”, e que o art. 23 proíbe terminantemente os
tradutores públicos de se recusarem a atender intimações judiciais. No mais, os arts. 146 e 153
do Código de Processo Civil no qual intérpretes/tradutores são equiparados aos peritos
contêm obrigação legal de o perito cumprir o ofício “no prazo que lhe assinala a lei”. Com
base nesses fundamentos, o Corregedor Geral da Justiça não negou o pedido de exclusão
do cadastro judicial como determinou fosse oficiada à Junta Comercial para apuração da
conduta funcional do requerente (CGJESC 2007).
29
Recente iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina disponibilizou portal
eletrônico de cadastro que “tem por objetivo atender à necessidade de nomeação de profissionais para exercerem
suas especialidades, atuando como peritos ou tradutores/intérpretes, seja em processos cujas despesas sejam
suportadas pelas partes, como nos casos de processos em que haja parte beneficiária da assistência judiciária
gratuita” (CGJESC 2008). Está disponível, portanto, um cadastro geral e público de intérpretes e tradutores,
titulares ou ad hoc, que se prestam ao serviço auxiliar da Justiça.
III A TRADUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Embora seja, depois do galego, a língua mais próxima do português,
o idioma castelhano tem idiossincrasias que a fazem traiçoeira para o leigo,
falante de portunhol. Bem por isso, só é permitido o ingresso
de documento escrito em espanhol, quando “acompanhado de versão
em vernáculo, firmada por tradutor juramentado” (CPC, Art. 157)
STJ, REsp 606.393-RJ, rel. Min. Gomes de Barros
3.1 A tradução no direito civil
Não parece ser necessário repetir: o que aqui se examina são aspectos jurídicos da
tradução, e não aspectos da tradução jurídica. Depois de observados os episódios essenciais da
história jurídica da tradução no Brasil, bem assim as linhas que regem a tradução
juramentada, é tempo de ingressar no direito positivo brasileiro atual. Vinculamo-nos à
tradição continental européia, ou família romano-germânica, em contraste com os países
anglo-saxões, cujo direito se convencionou classificar como tributário da commom law e com
características marcadamente privadas, no sentido de que os juízes, ao atentarem apenas ao
caso concreto, seja no tocante à administração da justiça, ao processo ou à prova, não atingem
regra geral de conduta para o futuro (David 2002:25).
No direito continental, as regras jurídicas são concebidas primordialmente como
regras de conduta, firmemente apegadas a preocupações de justiça e noções de moral. Sua
origem, como o nome está a apontar, é a Europa, onde se formou graças aos esforços das
universidades, que fomentaram a partir do século XII uma ciência jurídica de gica
tradicional e aplicação moderna, com espeque principalmente nas compilações do imperador
Justiniano, espalhando-se com a colonização por várias áreas do planeta, América Latina
inclusive (Caenegem 1999:25).
Na família romano-germânica, que é a do direito brasileiro, a base do direito é o
primado da lei, sacramentado no século XIX com as duas grandes codificações de nossa era: o
Código Civil francês, de 1804, e o Código Civil alemão, de 1896.
É nesse talvegue que o conjunto jurídico nacional, nascido na Constituição do
Império, de 1824, e que conheceu grandes monumentos legislativos através do tempo
30
,
navegou por quase dois séculos de independência, em cujo seio o desenvolvimento da
30
Como o Código Criminal, de 1830; o Regulamento 737, de 1850; a Constituição dos Estados Unidos do Brasil
de 1891; o Código Civil de 1916; o Código Penal e o Código de Processo Penal, ambos de 1940; o Código de
Processo Civil de 1973; a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946; e a Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988.
56
tradução ficou marcado, quiçá estigmatizado, pelo fenômeno mais destacado em seu contínuo
entrelaçamento com o direito: a “juridicização” da tradução, suficientemente demonstrada
pelo quadrante da tradução juramentada.
O direito privado, que durante muito tempo identificou-se com o direito civil,
merece o nome porque ali predomina o interesse privado e nele as partes se apresentam em
de igualdade (Gusmão 2006:189). Divide-se costumeiramente em direito comercial e direito
civil, o último dos quais é sem dúvida o mais tradicional ramo do direito, a partir do qual
todos os demais ramos se desenvolveram (David 2002:23). Dele também não escapa a figura
do tradutor, que no direito civil base do direito privado e do que nele se enraíza (direito
comercial, direito do consumidor, direito das comunicações, direito do trabalho etc.) tem
sua atuação focada na matéria probatória, nas provas.
No Código Civil de 2002, as normas referentes à prova não são declinadas, como
no Código de 1916, junto à disciplina dos negócios jurídicos, já que todos os fatos jurídicos, e
não somente o negócio jurídico
31
, são suscetíveis de serem provados. Destacam-se, entre as
inovações provocadas pelo Código mais recente, o regramento da confissão (arts. 213 e 214) e
a admissão de meios modernos de prova (arts. 223 e 225), como reproduções fotográficas,
mecânicas ou eletrônicas.
Pelo enfoque civil, material (em contraposição a processual), Carlos Roberto
Gonçalves (2007:238-9) esclarece que prova é o meio pelo qual se demonstra a existência de
ato ou negócio jurídico. Para ser juridicamente válida, a prova deve ser admissível (não
31
Fato jurídico em sentido amplo é todo acontecimento da vida relevante para o direito. Os fatos jurídicos em
sentido amplo classificam-se em fatos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito, que decorrem da natureza) e
fatos humanos (atos jurídicos em sentido amplo, que decorrem da atividade humana). Os fatos naturais, por sua
vez, dividem-se em ordinários (nascimento, morte, maioridade etc.) e extraordinários (tempestade, terremoto e
outros que caracterizem força maior).
Os atos jurídicos em sentido amplo (fatos humanos) são ações humanas que criam, modificam, transferem ou
extinguem direitos, dividindo-se em lícitos (conforme a lei, cujos efeitos a lei defere) e ilícitos (contrários à lei,
cujos efeitos a lei impõe). Os atos jurídicos lícitos dividem-se em: ato jurídico em sentido estrito (ou meramente
ato lícito”); negócio jurídico; e ato-fato jurídico.
No ato jurídico em sentido estrito ou ato lícito exige-se manifestação de vontade, mas seu efeito está
predeterminado na lei, a exemplo de alguém que fisga um peixe e dele se apropria por força do instituto da
ocupação. Vale, portanto, a mera intenção, não necessitando de vontade qualificada, razão pela qual nem tudo o
que se aplica ao negócio jurídico, como vícios do consentimento ou regras sobre nulidade ou anulabilidade,
incide nos atos jurídicos em sentido estrito (atos lícitos).
O negócio jurídico, por sua vez, também exige manifestação de vontade, mas vontade qualificada (como num
contrato, p.ex.), e os efeitos são selecionados livremente pelas partes entre todos os efeitos possíveis (não
vedados em lei). Via de regra é bilateral, carecendo de manifestação de vontade de todas as partes, mas pode ser
unilateral, quando se aperfeiçoa com uma única manifestação de vontade, como testamento, renúncia de herança
e instituição de fundação.
A terceira e última espécie do gênero atos jurídicos lícitos é o chamado ato-fato jurídico, que é aquele cujo
efeito não é buscado nem imaginado pelo agente (não exige vontade, pois), mas decorre de uma conduta e é
sancionado pela lei, a exemplo da pessoa que acha casualmente um tesouro. Por força do art. 1.264 do Código
Civil, adquirirá dele a metade, ainda que seja absolutamente incapaz.
57
proibida por lei e aplicável ao caso concreto), pertinente (adequada à demonstração dos fatos
postos) e concludente (elucidar a controvérsia fática).
Nessa perspectiva, como se intui, não basta alegar, é necessário provar: allegare
nihil et allegatum non probare paria sunt (alegar e não provar equivale a nada alegar). Veja-
se que o que se deve comprovar são os fatos alegados, não o direito, o qual é conhecido e
aplicado pelo juiz independentemente do exposto pelas partes (iura novit curia, o órgão
julgador conhece o direito, e da mihi factum dabo tibi ius, dá-me o fato que te dou o direito).
Outras regras de caráter probatório comezinhas são a de que os fatos notórios independem de
prova e a de que normalmente o ônus da prova incumbe a quem alega o fato, não a quem o
nega (onus probandi incumbit ei qui dicit, non qui negat).
Observe-se que a regulamentação dos princípios regentes das provas é encontrada
no Código Civil e no Código de Processo Civil. No entanto, são disciplinas diferentes: ao
primeiro cabe determinar as provas, indicar seu valor jurídico e as condições de sua
admissibilidade; ao segundo, diversamente, cabe clarear o modo de constituir a prova e de
produzi-la em juízo.
O art. 332 do Código de Processo Civil, aliás, aduz que todos os meios legais,
bem como os moralmente legítimos, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se
funda a ação ou a defesa, ainda que não especificados naquele Código. Então, quando
examinamos o rol de meios de prova exposto pelo art. 212 do Código Civil (confissão,
documento, testemunha, presunção e perícia) chegamos facilmente a duas conclusões:
primeiro que esse rol não é taxativo, é apenas exemplificativo; segundo que o tradutor pode
ser chamado a participar da produção de todas as provas previstas, por força imediata do art.
224 do Código Civil: “Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o
português para ter efeitos legais no País”.
A confissão, que ocorre quando a parte admite a verdade de um fato contrário a
seu interesse, pode ser judicial (em juízo) ou extrajudicial (fora do processo), espontânea ou
provocada (por pergunta da parte adversa no depoimento pessoal, por exemplo), expressa ou
presumida (revelia). Apresentadas declarações em documentos, quando se presumirão
verdadeiras em relação aos signatários (art. 219 do Código Civil), rege a lei processual que
aquelas em língua estrangeira deverão ser traduzidas por tradutor público, assim como se
forem produzidas em juízo, quando serão oralmente traduzidas pelo intérprete. Relembre-se
que é a lei processual que enuncia o modo de constituir a prova e de produzi-la em juízo, o
que de todo modo será objeto da seção respeitante ao direito processual.
Em segundo lugar surge a prova documental. Os documentos podem ser públicos,
58
elaborados por autoridade pública no exercício das funções de seu cargo (certidões, translados
etc.), ou particulares, quando elaborados por particulares (cartas, telegramas, títulos de
crédito, livros comerciais etc.). Tanto num caso como no outro tem aplicação o art. 148 da Lei
6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), pelo qual títulos, documentos
e papéis escritos em língua estrangeira, caso ostentem “caracteres comuns, poderão ser
registrados no original, para o efeito da sua conservação ou perpetuidade”. Além disso, “para
produzirem efeitos legais no País e para valerem contra terceiros, deverão, entretanto, ser
vertidos em vernáculo e registrada a tradução, o que, também, se observará em relação às
procurações lavradas em língua estrangeira”. É o que consta nos comentários de Maria Helena
Diniz (2003:219): “Instrumentos alienígenas poderão ser registrados em nosso país, no
original, para fins de sua conservação, mas, para que possam ter eficácia e para valerem
contra terceiros, deverão ser vertidos para o vernáculo, e essa tradução, por sua vez, deverá
ser registrada”. A Lei de Registros Públicos, aliás, corrobora a legislação civil e processual
civil no art. 129, 6º: “Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para
surtir efeitos em relação a terceiros: [...] 6º) todos os documentos de procedência estrangeira,
acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância,
juízo ou tribunal”. A Súmula 259 do Supremo Tribunal Federal, não obstante, proclama:
“Para produzir efeito em juízo não é necessária a inscrição, no registro público, de
documentos de procedência estrangeira, autenticados por via consular”.
a prova testemunhal se manifesta por testemunhas instrumentárias ou
judiciárias, estas as que prestam seu depoimento em juízo, e a ela se aplica, no que couber, o
que ficou dito em relação à confissão.
Em penúltimo lugar, o instituto da presunção oferece exemplo elucidativo da
abrangência hipotética da atuação do tradutor na seara jurídica. Ressalvado o entendimento de
que a presunção não é meio de prova, encampado por Dinamarco (2002:124-5), é quase
consenso (Malatesta 2004:192) enxergar no raciocínio presuntivo a dedução do desconhecido
a partir do conhecido, classificando-o como modalidade de prova indireta junto aos indícios.
De toda sorte, não como negar que a presunção vem prevista no Código Civil como meio
de prova (art. 212, IV) e é conceituada como “a ilação que se extrai de um fato conhecido
para se chegar a um desconhecido” e não se confunde com indício, que é meio de se chegar a
uma presunção (Gonçalves 2007:243). Mesmo aqui cabimento da tradução, notadamente
porque a parte que alegar direito estrangeiro deverá provar-lhe o teor e a vigência, “se assim o
determinar o juiz” (art. 337 do Código de Processo Civil). Bem se veja, voltando ao direito
59
civil, que a Lei de Introdução estabelece que o juiz, se não conhecer a lei estrangeira
(conjectura mais provável), poderá exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”
(art. 14). Essa prova não será produzida senão pela tradução tal como regrada em lei.
Por fim, a última modalidade de prova prevista no art. 212 do Código Civil é a
perícia, que se manifesta concretamente no ofício do tradutor por expressa disposição
normativa do Decreto 13.609/1943. Como ali contido, a presunção iuris tantum de veracidade
das traduções juramentadas pode ser impugnada pela autoridade administrativa ou judiciária,
ex officio ou a requerimento de parte interessada (art. 21), sempre que houver “fundamentos
plausíveis”, mediante exame (art. 22) a ser realizado “por duas pessoas idôneas, de
preferência professores do idioma e na falta dêstes por dois tradutores legalmente habilitados,
versando exclusivamente sôbre a parte impugnada da tradução”. Proferido o resultado do
exame, não se admitirá mais “discussão ou emenda”.
Essa matéria probatória se espraia pelo Código, de tal maneira que desde a
disciplina das escrituras públicas até os requisitos para que as sociedades estrangeiras operem
no Brasil exigem, caso se faça necessário, a intervenção do tradutor.
Ao palmilhar as escrituras públicas como meio de prova, estabelece o Código
Civil que devem elas conter também as correspondentes declarações. Todavia, “se qualquer
dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião não entender o idioma em que se
expressa, deverá comparecer tradutor público para servir de intérprete, ou, não o havendo na
localidade, outra pessoa capaz que, a juízo do tabelião, tenha idoneidade e conhecimento
bastantes” (art. 215, § 4º).
A regra geral é bem clara: “Todos os documentos [...] que tiverem de produzir
efeitos no Brasil deverão ser escritos em língua portuguesa. Se escritos em língua estrangeira,
deverão ser vertidos para o português, por tradutor juramentado, para que todos possam dele
ter conhecimento (RF, 269/464), pois não se pode exigir que o juiz possa compreender todas
as línguas” (Diniz 2003:219). É bom lembrar que o formalismo comporta interpretações
conforme o caso concreto. Para ilustrar mais nitidamente pode-se recorrer à jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, intérprete-mor da legislação federal. Em 2004, julgando o
Recurso Especial 151.079-SP, relator o Min. Barros Monteiro, decidiu que em caso de
transporte marítimo no qual a transportadora, por seu representante legal, tenha assinado o
contrato redigido em idioma estrangeiro, é presumível que tenha tido condições de, ao
manejá-lo, tomar ciência de seu conteúdo, de forma que não poderia alegar posteriormente
ausência de tradução para invalidar a prova que o instrumento contratual proporcionava:
TRANSPORTE MARÍTIMO. AVARIA TOTAL. CONHECIMENTO
60
DE TRANSPORTE. EXIBIÇÃO DO ORIGINAL. DISPENSABILIDADE
NO CASO. TRADUÇÃO DE DOCUMENTO REDIGIDO EM IDIOMA
ESTRANGEIRO. PROVIDÊNCIA TAMBÉM PRESCINDÍVEL.
Tratando-se de processo de conhecimento, no qual a ré não nega ter
efetuado o transporte da mercadoria, nem a ocorrência da avaria,
dispensável é a exibição do conhecimento de transporte em seu original.
A transportadora é parte no contrato e o assinou em língua
estrangeira, sendo de presumir-se ter assim pleno conhecimento das
cláusulas nele insertas. Prescindível no caso a tradução do documento
redigido em idioma alienígena.
– Inexistência de prejuízo (pas de nullité sans grief).
Recurso especial não conhecido.
É oportuno sublinhar, aqui, que a dispensa da tradução se deu por interpretação
que prestigiou o conteúdo da prova produzida em detrimento da forma, fato corriqueiro na
análise das normas processuais, mas não tão comum no exame de normas materiais, ainda
mais se levado em conta que ali se sopesava o valor da prova, ou da ausência dela.
Por fim, o Código Civil também estabelece, ao regular o exercício de atividade
econômica no território nacional por sociedades estrangeiras, que se faz necessária
autorização do Poder Executivo, cujo requerimento só pode ser instruído com documentos em
língua estrangeira se autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade
requerente, legalizados
32
no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de
tradução em vernáculo” (art. 1.134, § ), como é regra aliás na escrituração empresarial,
segundo se infere do art. 1.183: “A escrituração será feita em idioma e moeda corrente
nacionais e em forma contábil, por ordem cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos em
branco, nem entrelinhas, borrões, rasuras, emendas ou transportes para as margens”.
3.2 Direito penal, tradução e tradutor
Lado reverso da moeda, o direito penal é eminentemente público. Direito público
é a parte do direito em que predomina o interesse público representado pelo Estado, “direito
organizador do Estado e protetor e garantidor da ordem pública e da paz social” (Gusmão
2006:173). Direito penal é “o conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe
determinadas ações ou omissões, sob ameaça de característica sanção penal” (Fragoso
2004:3). Na seara do direito penal brasileiro, as responsabilidades do tradutor encontram-se
diante de graves conseqüências lembrando que sobre os tradutores públicos pesam também
32
O art. 3º do Decreto 84.451, de 31 de janeiro de 1980, dispensa da legalização consular, para ter efeito no
Brasil, os documentos expedidos “por autoridades de outros países, desde que encaminhados por via
diplomática, por governo estrangeiro ao Governo Brasileiro”. Essa dispensa é de juridicidade discutível à luz do
art. 1.134, § 2º, do Código Civil, porque naturalmente exigência legal não pode ser afastada por decreto.
61
as responsabilidades administrativas delineadas no Decreto 13.609/1943, que regulamenta “o
ofício de Tradutor Público e Intérprete Comercial no território da República”.
Para os fins deste estudo, o segmento penal derrama-se sobre dois eixos
principais, ambos artigos do Código Penal: o art. 342
33
, cuja epítome é “falso testemunho ou
falsa perícia”, e o art. 343
34
, que lhe segue e complementa. É bem verdade que outros
dispositivos penais protegem a atuação do tradutor perante o juízo, como a previsão dos
crimes de coação no curso do processo (art. 344
35
) e de exploração de prestígio (art. 357
36
).
Mais além, outros tipos penais podem hipoteticamente acabar aplicados ao tradutor: não terá
cometido prevaricação
37
o tradutor que receba a incumbência judicial de examinar
determinada tradução e, por ser desafeto da parte, retarde intencionalmente o cumprimento de
seu múnus? Ainda mais fácil será imaginar
38
hipóteses de incidência (com o perdão do
trocadilho tributário) do estelionato
39
, da falsificação de documento, público
40
ou mesmo
33
Art. 342 do Código Penal (redação dada pela Lei 10.268, de 28 de agosto de 2001): “Fazer afirmação falsa, ou
negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. § As penas
aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de
obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da
administração pública direta ou indireta. § O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em
que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.”
34
Art. 343 do Código Penal (redação dada pela Lei 10.268, de 28 de agosto de 2001): “Dar, oferecer ou
prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer
afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: Pena -
reclusão, de três a quatro anos, e multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o
crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil
em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.”
35
Art. 344 do Código Penal: “Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou
alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo
judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da
pena correspondente à violência.”
36
Art. 357 do Código Penal: “Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em
juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha: Pena
- reclusão, de um a cinco anos, e multa. Parágrafo único - As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega
ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.
37
Art. 319 do Código Penal: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra
disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um
ano, e multa.”
38
Aqui recordado especialmente o art. 327 do Código Penal, pelo qual é considerado funcionário público, para
os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função
pública”. O tradutor e o intérprete, titulares do cargo ou ad hoc, subsumem-se com folga nessa redação.
39
Art. 171 do Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um
a cinco anos, e multa [...]”.
40
Art. 297 do Código Penal: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público
verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o
crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte. § - Para os efeitos penais, equiparam-se a
documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as
ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular [...]”.
62
particular
41
, ou da falsidade ideológica
42
. Também é o Código Penal que reprime penalmente
a violação dos direitos autorais (art. 184, caput
43
) consolidados na Lei 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, entre eles a proteção da tradução. Porém, aquelas duas normas primeiras
são os extremos de nosso horizonte não porque se dirigem diretamente à participação do
tradutor público ou ad hoc perante a autoridade, mas principalmente porque se restringem
categoricamente a cada um dos atores que mencionam (testemunha, perito, contador, tradutor
ou intérprete).
Com redação da Lei 10.268, de 28 de agosto de 2001, o art. 342 do Código Penal
descreve a seguinte conduta delitiva do crime de “falso testemunho ou falsa perícia”:
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
§ As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é
praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova
destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que
for parte entidade da administração pública direta ou indireta.
§ O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em
que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.
Para Julio Fabbrini Mirabete (2003:416-7), esse tipo penal tutela “a regularidade
da administração da justiça, violada por fatos que comprometem a apuração da verdade”. No
direito penal, ainda esclarece, “tradutor é quem verte para o idioma nacional texto de língua
estrangeira”, ao passo que “intérprete é o perito encarregado de fazer com que se entendam,
quando necessário, a autoridade e alguma pessoa (acusado, ofendido, testemunha, parte
interessada) que não conhece o idioma nacional ou não pode falar em razão de defeito
psicofísico ou qualquer outra particular condição anormal”. Estatui, por fim, que “tradutor e
intérprete são também peritos” para efeito penal, “mas não elaboram prova, sendo meros
intermediários”.
No rol de sujeitos passivos (atingidos pelo crime) figuram primordialmente o
Estado, a quem interessa a melhor administração da justiça, e secundariamente aquele a quem
41
Art. 298 do Código Penal: “Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento
particular verdadeiro: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.”
42
Art. 299 do Código Penal: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou
nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e
multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo
único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou
alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”
43
Art. 184, caput, do Código Penal (redação dada pela Lei 10.695, de de julho de 2003): “Violar direitos de
autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”
63
o falso visa a adrede prejudicar. Como visto, na falsa perícia agrega a lei penal, como sujeitos
ativos, o perito, o contador e o tradutor ou intérprete. Esclarece Victor Gonçalves (2007:188)
que perito é o técnico incumbido, por sua especial aptidão, de averiguar acerca de fatos,
pessoas ou coisas, e emitir, perante a autoridade a que serve, seu juízo ou parecer como meio
de prova; contador é o responsável pela elaboração de cálculos. Considera tradutor “o perito
incumbido de verter para o vernáculo os documentos em idioma estrangeiro”, e intérprete “o
perito encarregado de fazer com que se entendem, quando necessário, a autoridade e alguma
pessoa (acusado, ofendido, testemunha, parte interessada) que não conhece o idioma nacional
ou que não pode falar em razão de defeito psicofísico ou qualquer outra particular condição”.
nesta altura que se consignar, de um lado, o tratamento categórico do tradutor/intérprete
como perito e, de outro, a ratificação do conteúdo do art. 151 do Código de Processo Civil, a
ser estudado adiante, que equipara, aos que não puderem se expressar no idioma nacional, os
surdos-mudos “que não puderem transmitir a sua vontade por escrito”.
Do principal tipo penal que envolve o “tradutor ou intérprete” ressoam alguns
matizes. O crime previsto no art. 342 do Código Penal é claramente crime de mão própria,
que só pode ser cometido por quem exerce as atividades especificadas no tipo incriminador. A
falsa tradução poderia, no entanto, admitir concurso de agentes? Em co-autoria não,
porquanto como crime de mão própria só o tradutor ou o intérprete que subscrevem seu
trabalho podem ser agentes do crime. A dúvida aparece quando se aventa a possibilidade de
participação, pois alguém poderia instigar ou induzir outrem a mentir em juízo. Ocorre,
contudo, apesar de a participação não ser incompatível com o crime de “falso testemunho
(no qual se inclui a falsa tradução), que se pode interpretar que o legislador, ao punir de forma
autônoma quem dá, oferece ou promete “dinheiro ou qualquer outra vantagem” a testemunha
[...], tradutor ou intérprete para que mintam em juízo, de outra banda não quis punir quem
apenas pede ou incentiva o crime, sem interpolação de dinheiro ou vantagem. Esta última
interpretação é mais consentânea com a teoria minimalista do direito penal, tendência segundo
a qual se deve reduzir ao nimo estritamente necessário a esfera de abrangência das penas,
em vista do “alto custo social que a pena representa” (Fragoso 2004:5).
Nuança diversa é a distinção que Victor Gonçalves (2007:188), ao comentar o art.
342, promove entre os peritos comuns e os tradutores/intérpretes: “O tradutor e o intérprete
diferenciam-se do perito comum, porque não são fontes de prova, limitando-se a fazer
compreender o conteúdo de elementos produzidos para instrução e decisão do processo em
causa”. Para que o falso configure o crime, deve ser cometido em processo judicial (processo
civil, criminal, trabalhista etc.), em inquérito policial (comum ou militar), em processo
64
administrativo (procedimento que visa a apurar faltas ou transgressões disciplinares ou
administrativas), em juízo arbitral (art. 14 da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996), ou em
inquérito parlamentar, em CPI (art. 4º, II, da Lei 1.579, de 18 de março de 1952).
Vários outros elementos (Mirabete 2003:417) devem ser levados em consideração
no caso de se procurar atribuir responsabilidade penal ao tradutor ou intérprete, a começar
pelo fato de que aquela prova (depoimento ou documento, por exemplo) vertida pelo tradutor
ou intérprete deve versar sobre fato juridicamente relevante para a resolução da causa,
entendido fato juridicamente relevante aquele que conduza, ou num contexto, o processo-
crime para a condenação ou para a absolvição do réu. Caso se verifique, na oportunidade da
sentença, que o depoimento ou o documento em nada poderiam influir da decisão da causa, ou
seja, se não houver potencialidade lesiva, não crime. Entretanto, a mera possibilidade de
influência configura o crime, posto se tratar de crime formal, cujo tipo penal se constrói
apenas com base na ação ou omissão, sem necessidade de atingir o resultado exterior que à
ação se ligue por relação de causalidade (característica dos crimes materiais).
Outro ponto relevante é que não previsão da modalidade culposa. Como
elemento subjetivo o tipo exige o dolo, ou seja, a vontade deliberada de mentir, com plena
consciência de que está faltando com a verdade. Assim, é pressuposto da condenação que o
tradutor ou intérprete tenham consciência da falsidade das suas declarações e ainda assim as
prestem, conforme apurado, não bastando que prestem afirmações errôneas (Mirabete
2003:421). O engano e o esquecimento, portanto, não tipificam o crime. O mero erro neste
caso, aliás, é alçado a excludente de ilicitude por ninguém menos que Nelson Hungria
(1981:476): “Se o agente é vítima de um erro, de uma falsa percepção da realidade, do
propósito esquecimento ou de uma deformação inconsciente da lembrança, fica excluído o
elemento subjetivo do crime”.
A consumação do crime ocorre com a conclusão e apresentação do trabalho do
tradutor/intérprete ao juiz da causa. Curioso perceber que é possível a tentativa, quando, por
exemplo, o depoimento não chega a se encerrar por caso fortuito ou força maior, ou quando a
tradução do documento acaba por perder-se e não chega a ser juntada aos autos (Mirabete
2003:422). Da lição de Victor Gonçalves (2007:190) ainda se extrai que se a tradução falsa
for prestada por meio de carta precatória o crime estará consumado no juízo deprecado, o qual
será competente para processá-lo. Se a tradução falsa for prestada em processo que depois se
reconheça nulo, ou se o próprio documento ou depoimento for considerado nulo por outro
motivo que não sua falsidade, não haverá crime. Se o tradutor/intérprete prestar serviços
falsos em fases sucessivas do mesmo processo (ou durante o inquérito respectivo) haverá
65
crime único e não concurso material ou crime continuado.
O § do art. 342, também com redação dada pela Lei 10.268/2001, prescreve
aumento de pena, de um sexto a um terço, em três hipóteses. Em primeiro se o crime for
praticado mediante suborno, caso em que o agente que deu, prometeu ou ofereceu dinheiro ou
vantagem ao tradutor incidiu no art. 343 do Código Penal, que será visto a seguir. Em
segundo se o delito foi cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em
processo criminal, observando-se, pois, que se o falso for cometido em inquérito policial ou
em ação penal a pena será sensivelmente maior. Em terceiro e último, se o crime for praticado
com o fito de obter prova destinada a produzir efeito em processo civil em que for parte
entidade da administração pública direta ou indireta.
Pelo segundo e último parágrafo do art. 342, “o fato deixa de ser punível se, antes
da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”.
Constitui essa hipótese causa extintiva de punibilidade, nos termos do art. 107, VI, do Código
Penal
44
. A palavra “sentença” ali se refere naturalmente ao processo em que a falsa tradução
foi proferida, a fim de minimizar os danos causados, e não ao processo em que o crime de
falso é apurado. A retratação, contudo, deve ser completa. Malgrado entenda-se que a
retratação só possa ocorrer até a sentença de primeiro grau, no procedimento do tribunal do
júri a possibilidade é estendida até a sentença do juiz-presidente e não apenas até a pronúncia.
Observe-se, ainda, que a letra da lei diz que com a retratação “o fato deixa de ser punível”. É
forçoso reconhecer, pois, que a retratação se comunica aos que tenham concorrido para o
crime (Delmanto 2002:702), conquanto o Supremo Tribunal Federal, em 1981, no Recurso
em Habeas Corpus 58.483-SP, relator o Min. Moreira Alves, tenha decidido que em crime
de falsa perícia (ao que se equipara a falsa tradução) a retratação tem caráter exclusivamente
pessoal:
A retratação, admitida no crime de falsa perícia, é causa de extinção
de punibilidade, e tem caráter exclusivamente pessoal, pois se justifica
pelo arrependimento que encerra e pela índole honesta que manifesta, o que
faz com que a pena não mais tenha finalidade para seu autor. É, portanto,
incomunicável.
Antes de passar ao segundo tipo penal diretamente atinente à atividade do
tradutor, cumpre questionar um último aspecto cardeal: a ação penal por falsa tradução pode
ser iniciada antes de concluído o processo em que a falsidade ocorreu? Victor Gonçalves
44
Art. 107, VI, do Código Penal: “Extingue-se a punibilidade: [...] VI - pela retratação do agente, nos casos em
que a lei a admite”.
66
(2007:191) delineia os três entendimentos a respeito. Pelo primeiro, a ação pode ser iniciada
porque não vedação legal; porém, não poderia ser julgada antes da sentença do processo
originário, que até esse momento é cabível a retratação. Pelo segundo, a ação penal não
pode ser iniciada antes da sentença de primeira instância, dado que até esse momento cabe a
retratação; não seria necessário, contudo, que se aguardasse o trânsito em julgado da sentença.
Pela terceira exegese, a ação não pode ser iniciada antes do trânsito em julgado da sentença do
processo em que o falso foi prestado, a fim de evitarem-se decisões conflitantes. Todavia,
uma vez que em teoria o autor do falso pode até ser denunciado junto com aquele a ser
favorecido, desde que a falsidade do documento ou do depoimento tenha sido descoberta
durante o inquérito (sempre ressalvada a possibilidade de retratação), a primeira tese
sobressai.
Vencido o art. 342, pode-se passar ao art. 343, tipo penal identificado pela
doutrina como corrupção ativa de testemunha ou perito, que foi igualmente alterado pela Lei
10.268/2001 e contempla severa repreensão aos corruptores:
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra
vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer
afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos,
tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o
crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em
processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da
administração pública direta ou indireta.
Esse artigo contempla exceção à teoria unitária ou monista
45
, uma vez que o
corruptor responde pelo crime do art. 343, ao passo que a testemunha, o perito ou o tradutor
corrompidos caem no art. 342, § 1º, conforme já explicitado.
O objeto jurídico é a proteção da administração da justiça, especialmente a
veracidade das provas. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, enquanto o sujeito passivo
novamente é o Estado em primeiro lugar e, secundariamente, aquele a ser prejudicado pelo
falso testemunho ou falsa perícia (ou falsa tradução). O tipo subjetivo também prossegue
exclusivamente com o dolo, vontade livre e consciente de praticar a ação nuclear do tipo
45
Adotando a teoria monista ou unitária por seu art. 29, o Código Penal, inspirando-se na escola clássica do
direito penal, preceitua como regra geral que todos os participantes (autores ou partícipes) de uma infração penal
respondem pelo mesmo crime. O crime, portanto, é único. Daí o nome teoria unitária ou monista. Apesar disso,
notórias exceções a essa regra, em que o Código enquadra em penas diversas agentes que comungam da
mesma ação, como corrupção ativa (art. 333) e passiva (art. 317); do falso testemunho ou falsa perícia (art. 342)
e corrupção de testemunha ou perito (art. 343); aborto cometido pela gestante (art. 124) e aborto cometido por
terceiro com o consentimento da gestante (art. 126) etc.
67
penal. O elemento subjetivo se refere ao fim especial de agir para que a verdade seja falseada.
A doutrina tradicional fala em “dolo específico” (Delmanto 2002:707).
Para Victor Gonçalves (2007:192) a corrupção ativa tratada nesse dispositivo
estará consumada ainda que a oferta ou a promessa do dinheiro ou da vantagem não sejam
aceitas pela pessoa-alvo, “de forma que é possível a sua caracterização mesmo que o falso
testemunho ou falsa perícia não se verifiquem”, acarretando o reconhecimento de crime
formal e de que a tentativa é cabível na forma escrita, em caso de extravio do documento
traduzido, por exemplo. Dessa apreciação discorda Celso Delmanto (2002:707), que pondera
que antes da Lei 10.268/2001 a corrupção seria punida ainda que a oferta ou a promessa não
fosse aceita pela testemunha, pelo perito ou pelo tradutor, razão pela qual o crime seria
formal. Contudo, conclui Delmanto que a nova redação conferida ao caput, suprimida a
expressão “ainda que a oferta ou promessa não seja aceita”, exige para a configuração do
crime a efetiva aceitação da oferta ou da promessa, “tratando-se, doravante, de crime
material”.
Por último, o parágrafo único não traz em si nenhuma dúvida. Se o crime for
cometido com o objetivo de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em
processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta, as penas
serão aumentadas de um sexto a um terço.
3.3 Tradução, interpretação e processo
Numa resposta rápida, o operador do direito certamente dirá que o direito
processual é o único ramo em que o tradutor ou o intérprete recebem atenção da lei, em
decorrência de sua participação no processo. se propugnou e comprovou a falsidade dessa
assertiva. O tradutor, a partir das normas administrativas que regem a tradução juramentada,
pode vir a ter sua atividade regulada por normas de direito civil ou de direito penal e isso
para ficar com o já exposto até este momento. Ao mesmo tempo, aquela assertiva primeira
guarda sementes de verdade, porque o direito processual é sim o ramo em que a atuação do
tradutor é mais visível, mais palpável pelo jurista militante no dia-a-dia forense.
O direito processual, que “disciplina o processo judicial” e “a seqüência de atos
destinados a obter a sentença final”, e que “dá os meios para o exercício da jurisdição”
(Gusmão 2006:184), ramifica-se, por sua vez, no direito processual civil e no direito
processual penal, ou simplesmente processo civil e processo penal.
68
3.3.1 Direito processual civil
O direito processual civil regulamenta o processo cujo objeto é matéria cível
(direito privado ou direito público, não importa), quer dizer, todo litígio que não se enquadre
como matéria penal. Nesse ramo do direito, “a iniciativa do processo depende da vontade das
partes e seus efeitos não atingem pessoa alguma que não tiver sido parte do processo”
(Gusmão 2006:185). Processo civil é o instrumento que a sociedade, pelo Estado que a
incorpora, põe à disposição dos litigantes a fim de que seja administrada a justiça. Como
enfatizou Alfredo Buzaid na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, o direito
processual civil
não se destina a simples definição de direitos na luta privada entre os
contendores. Atua, como observara Betti, não no interesse de uma ou de
outra parte, mas por meio de interesses de ambos. O interesse das partes não
é senão um meio que serve para conseguir a finalidade do processo na
medida em que lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse
público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada
uma das partes é a de ter razão: a finalidade do processo é a de dar razão a
quem efetivamente a tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não
um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda sociedade
[Betti, ‘Diritto Processuale Civile’, p. 5.].
No processo civil desponta uma função típica e específica, igualmente precisa e
relevante, do intérprete e do tradutor. De modo geral, mas com os lapsos de sempre, a lei
brasileira atribui a qualificação de tradutor para aquele que perfaz sua atividade de maneira
vinculada à modalidade escrita, ao passo que a atividade oral, ou predominantemente oral, é
aquinhoada com a designação intérprete. Tal distinção passa despercebida aos juristas. Para
Humberto Theodoro Júnior (2001:186) a lei processual civil designa como intérprete “aquele
a quem se atribui o encargo de traduzir para o Português os atos ou documentos expressados
em língua estrangeira ou em linguagem mímica dos surdos-mudos”, inclinado exclusivamente
ao art. 151 do Código de Processo Civil.
O processo civil, se disse, é possivelmente o ramo em que a figura do
intérprete/tradutor é mais presente entre os operadores do direito brasileiro, tanto entre os
doutrinadores como na jurisprudência. A razão disso não é segredo é que o Código de
Processo Civil, de 1973
46
, destaca a figura do intérprete a partir de seu art. 151:
46
Sobre a evolução que levou ao Código de Processo Civil, Dinamarco (2001:23) afirma: “O Código de
Processo Civil de 1939 fora uma tentativa de superar as mazelas de uma legislação extremamente ligada à
tradição lusitana das Ordenações [...]. O discutido Regulamento 737 [...] era, de todo modo, um diploma
absolutamente superado [...] a partir da obra de von Bülow. Os Códigos estaduais que se lhe sucederam tinham
altos e baixos, [...] poucos apresentavam nível técnico satisfatório. E o Código de 1939 [...] não se pode dizer que
tenha sido um diploma moderno, mas teve lá os seus pontos de significativo aperfeiçoamento do sistema”.
69
Art. 151. O juiz nomeará intérprete toda vez que o repute necessário
para:
I analisar documento de entendimento duvidoso, redigido em língua
estrangeira;
II verter em português as declarações das partes e das testemunhas
que não conhecerem o idioma nacional;
III traduzir a linguagem mímica dos surdos-mudos, que não
puderem transmitir a sua vontade por escrito.
Art. 152. Não pode ser intérprete quem:
I - não tiver a livre administração dos seus bens;
II - for arrolado como testemunha ou serve como perito no processo;
III - estiver inabilitado ao exercício da profissão por sentença penal
condenatória, enquanto durar o seu efeito.
Art. 153. O intérprete, oficial ou não, é obrigado a prestar o seu ofício,
aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 146
47
e 147
48
.
Nos comentários ao Código de Processo Civil coordenados por Antonio Carlos
Marcato (2005:439) assinala-se que a preocupação do legislador pode ser resumida em três
tópicos: primeiro, com a publicidade do ato processual, que seefetivamente público se
compreensível; segundo, com a possibilidade plena de apreensão dos termos verbalizados
pelas partes e/ou testemunhas que desconheçam o vernáculo, tanto para conhecimento da
parte adversa como para instrução do juiz; e terceiro, com a possibilidade de se ofertar às
partes todos os meios de prova admissíveis. Disserta o comentador João Marcelo Menezes
Vigliar:
Assim, o intérprete deve realizar, na medida do possível, a tradução
literal do quanto tenha sido dito em audiência, quer pelas partes, quer pelas
testemunhas e mesmo por peritos, quando o caso e, ainda, apresentar os
esclarecimentos necessários à interpretação do quanto tenha sido referido,
tendo em vista que esse conteúdo verbal será transcrito para compor o termo
de audiência.
Essa idéia restrita, de um traduzir “literal”, quase mecânico, é compartilhada pela
jurisprudência. Em acórdão de 1995, disse o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no
Agravo de Instrumento 265.146-1, relator o Des. Marcus Andrade: “A tarefa do intérprete é a
47
Art. 146 do Código de Processo Civil (redação do parágrafo único pela Lei 8.455, de 24 de agosto de 1992):
“O perito tem o dever de cumprir o ofício, no prazo que lhe assina a lei, empregando toda a sua diligência; pode,
todavia, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo. Parágrafo único. A escusa será apresentada dentro de 5
(cinco) dias, contados da intimação ou do impedimento superveniente, sob pena de se reputar renunciado o
direito a alegá-la (art. 423).”
48
Art. 147 do Código de Processo Civil: O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas,
responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por 2 (dois) anos, a funcionar em outras perícias
e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer.” Lembre-se que também se aplicam ao perito e ao intérprete os
motivos de impedimento e de suspeição (art. 138, III e IV).
70
de traduzir e, portanto, não se confunde com o exame e muito menos com a vistoria e
avaliação. Visa extrair o sentido que deve ser dado ao teor de um vocábulo”.
Outros dispositivos importantes no sistema processual civil são os arts. 156 e 157
do próprio Código de Processo Civil:
Art. 156. Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do
vernáculo.
Art. 157. poderá ser junto aos autos documento redigido em língua
estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por
tradutor juramentado.
Do art. 156, sabe-se que o Código de Processo Civil anterior (de 1939)
dispunha no art. 228 que não se admitiam em juízo documentos escritos em língua
estrangeira. Veja-se que sempre se falou em documentos estrangeiros, de modo a também
alcançar documentos escritos no Brasil, mas não em português. De qualquer modo, a regra foi
mantida no atual Código, o que revela a nítida preferência do legislador brasileiro pelo
sistema de tradução obrigatória, rejeitados os sistemas de tradução facultativa adotados
pelos Códigos de Processo Civil italiano e português – e de tradução particular – albergado na
Ley de Enjuiciamento Civil espanhola. Consta nos comentários referidos (Marcato
2005:450):
Na Itália e em Portugal, o juiz pode dispensar a tradução. Na Espanha,
considera-se válida a versão apresentada por uma das partes e não
impugnada pela outra no prazo de três dias. No Brasil, contudo, a versão em
vernáculo, firmada por tradutor juramentado, constitui verdadeiro requisito
de admissibilidade da prova documental. De acordo com o texto da lei,
inobservada a formalidade, o documento não deverá sequer ser juntado aos
autos. Se houver inadvertida juntada, o documento deverá ser
desentranhado.
Decisões a respeito não são raras nos tribunais. Pelo contrário. Um olhar sobre a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, intérprete primaz da legislação federal (art.
105, III, da Constituição Federal), mostra entendimentos bem diversos, variando do legalismo
duro ao formalismo moderado ou chegando mesmo à mais maleável instrumentalidade. Em
2005, a Terceira Turma do STJ, no Recurso Especial 606.393-RJ, relator o Min. Gomes de
Barros, julgou a imprescindibilidade da tradução conforme prevista em lei para a validade de
prova produzida em espanhol:
PROCESSUAL DOCUMENTO EM NGUA ESPANHOLA
TRADUÇÃO INDISPENSABILIDADE (CPC ART. 157)
AUTENTICAÇÃO CONSULAR.
I Embora seja, depois do galego, a língua mais próxima do
71
português, o idioma castelhano tem idiossincrasias que a fazem traiçoeira
para o leigo, falante de portunhol. Bem por isso, é permitido o ingresso
de documento escrito em espanhol, quando “acompanhado de versão em
vernáculo, firmada por tradutor juramentado” (CPC, Art. 157).
II Para fazerem prova no Brasil, os documentos oficiais, passados
por agentes públicos de países estrangeiros, dependem de tradução,
autenticação consular brasileira e registro no ofício de títulos e documentos
(L. 6015/73, Art. 129, 6º).
III Declaração de que o automóvel supostamente roubado transitou
por um posto aduaneiro boliviano, conduzido por alguém que não é seu
proprietário, induz a sensação de que efetivamente o furto aconteceu.
Esse interessante caso versou em resumo sobre o seguinte: o recorrente ao STJ
havia pedido cobertura securitária para o furto de seu automóvel, ocorrido no Rio de Janeiro,
em 19 de janeiro de 2002. Na contestação, a seguradora alegou que o autor cometera falsidade
na denunciação do suposto furto, apresentando relatório de empresa particular que investigara
o suposto ilícito. O relatório, segundo o qual em 13 de janeiro o veículo se encontrava na
Bolívia, trouxe cópia autenticada de certidão passada pela aduana boliviana, redigida em
espanhol, dando conta de que o automóvel, no dia 18 de fevereiro de 2002, passara pelo posto
de controle alfandegário para ser nacionalizado. O juiz de primeiro grau negou valor probante
à investigação da empresa contratada pela seguradora, que se sustentaria em atividade privada
do próprio interessado em negar a cobertura do seguro, bem como acrescentou que o
documento atribuído à autoridade boliviana não havia obedecido ao Código Civil, pelo qual
deveria ter sido traduzido, nisso corroborado pelo art. 157 do Código de Processo Civil
(necessidade de tradutor juramentado). Destacou, por fim, que não impediria reconhecimento
do furto em 19 de janeiro uma certidão atestando presença na Bolívia em 18 de fevereiro.
Em segundo grau, contudo, o acórdão que acabou recorrido ao STJ proveu
apelação da seguradora, para rejeitar o pedido inicial, aventando que o segurado teria
cometido o crime de comunicação falsa de crime (art. 340 do Código Penal
49
), determinando
o envio de peças ao Ministério Público para averiguação. Houve embargos declaratórios, em
que o autor pediu que o Tribunal de Justiça explicitasse as razões pelas quais desprezou suas
provas produzidas e prestigiou documento estrangeiro não traduzido, mas foram rejeitados. O
recurso especial foi manejado com fulcro no art. 105, III, a, da Constituição Federal
50
, porque
a decisão do Tribunal de Justiça em tese afrontara o art. 140 do Código Civil de então (de
49
Art. 340 do Código Penal: “Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de
contravenção que sabe não se ter verificado: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.”
50
Art. 105, III, a, da Constituição Federal: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] III - julgar, em recurso
especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência”.
72
conteúdo equivalente ao art. 224 do atual Código Civil, indicado alhures) e o art. 157 do
Código de Processo Civil (também já mencionado).
A Terceira Turma do STJ restringiu o julgamento à apreciação do entendimento
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pelo qual os documentos redigidos em espanhol,
quando cercados de elementos suficientes, dispensariam a aplicação do art. 157 do Código de
Processo Civil, porquanto “não se trata de redação em língua de difícil compreensão, mas em
espanhol, de fácil entendimento, o que dispensa a tradução”. O documento em espanhol era
reprografia de certificado firmado sobre nome datilografado de “Javier Sempergueti Madueño
– Encargado del Puesto de Control Aduanero” de San Miguel de Velasco, Bolívia.
Ao reformar o acórdão, no que foi acompanhado pelos demais integrantes da
Turma, assim aquilatou a prova o Min. Gomes de Barros, com o perdão da transcrição das
linhas:
Tenho para mim que semelhante proposição não merece prestígio. Em
verdade, o idioma espanhol é reconhecido como língua autônoma e
diferenciada de nosso vernáculo. Embora seja a segunda língua mais
próxima (depois do galego) do português, o idioma castelhano tem
idiossincrasias que a fazem traiçoeira.
O anedotário popular está cheio de situações grotescas, em que
brasileiros, expressando-se em portunhol, metem-se em trapalhadas.
Justamente para obviar mal-entendidos, o legislador exige que pessoa
efetivamente conhecedora de ambos os idiomas efetue a versão do texto
para nosso vernáculo. A assertiva de que o idioma é de cil compreensão
para o juiz é insuficiente. É necessário que o texto estrangeiro seja acessível
às partes. Bem por isso, a lei exige tradutor juramentado.
O acórdão negou vigência ao Art. 157 do Código de Processo Civil. O
documento de fls. 78 [certidão da aduana], desacompanhado da respectiva
tradução, nem poderia ser inserido nos autos. A vedação contida no Art. 157
é clara e peremptória.
Não fosse a falta de tradução, o certificado continuaria imprestável
como instrumento de prova, à míngua de autenticidade.
Com efeito, nada comprova a assertiva de que Javier Sempergueti
Madueño é “Encargado de Puesto del Control Aduanero”. Tampouco existe
prova de que a assinatura acima do nome desse suposto funcionário
alfandegário seja realmente dele. É que o documento ressente-se de
autenticação consular e de registro público.
O Art. 129, 6º, da Lei de Registros Públicos (L. 6.015/73) condiciona
a eficácia de “todos os documentos de procedência estrangeira,
acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em
repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos
Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal.”
Esta Turma, em seus primórdios, proclamou que: “Documentos
fornecidos por entidade portuária estrangeira sobre avarias da carga
desembarcada, que não estejam autenticados notarial e consularmente, não
servem a comprovar os danos honrados pela seguradora, em ação
73
indenizatória contra transportador.” (REsp 24480)
No voto condutor de nosso acórdão, o saudoso Ministro Dias
Trindade, após observar que o documento feito no Brasil, em língua
estrangeira é brasileiro e por isso necessita apenas tradução para o
vernáculo, dispensando registro público, observa: “Há, no entanto,
documentos, se é que assim podem ser chamados os rascunhos
apresentados, que teriam sido elaborados pela entidade portuária de
Monróvia, na Libéria, que não se encontram devidamente autenticados, pela
via notarial do local em que produzidos e por via consular, como exigido,
para que possam ser admitidos como meio de prova. E tais papéis seriam os
meios de que dispõe a seguradora, sub-rogada nos direitos da segurada, para
alicerçar a afirmativa de que as mercadorias transportadas sofreram avarias,
atribuíveis ao transportador, capaz de suportar o seu direito à indenização.”
Não fossem tais falhas, o conteúdo do certificado continuaria
impotente para socorrer a seguradora. A leitura do texto, com meus estreitos
suprimentos do idioma castelhano, deixa-me a sensação de que a declaração
passada pelo suposto agente aduaneiro comprova o fato de que o automóvel
sob a condução de Pedro Cuellar Taceo ingressou na Bolívia e para ser
“nacionalizado”. Quem jornais sabe que a Bolívia é um dos mais
corriqueiros destinos de automóveis furtados no Brasil.
A partir de tal circunstância, qualquer juízo de experiência conduz à
convicção de que efetivamente o veículo foi furtado. Se assim ocorre, o
segurado não faltou com a verdade.
O provimento da apelação louvou-se em solitário documento,
imprestável como instrumento de prova. Os demais papéis que ilustraram a
contestação (integrantes do relatório elaborado pela empresa particular de
segurança) foram desprezados pelo acórdão recorrido, por envolverem
“prova não isenta e capaz de possibilitar a elucidação correta dos fatos”.
Dou provimento ao recurso, para determinar o desentranhamento do
documento de fl. 78.
Desprezado esse documento, e considerados imprestáveis aqueles que
traduzem “prova não isenta”, a causa está madura para ser julgada (Art. 515,
§ 1º). Por isso, avanço no julgamento e restauro a sentença de primeiro grau.
Em contraposição à postura exibida nessa decisão, mostra-se oportuno enfatizar
que freqüentemente a exegese dos tribunais se abre à realidade dos autos no caso concreto. A
raríssimas normas é conferido caráter absoluto, de forma que mesmo regras específicas como
essa se mostram passíveis de maleabilidade, do que oferece exemplo o Recurso Especial
616.103-SC, julgado em 2004, relator o Min. Teori Zavaski:
PROCESSUAL CIVIL. DOCUMENTO REDIGIDO EM LÍNGUA
ESTRANGEIRA, DESACOMPANHADO DA RESPECTIVA
TRADUÇÃO JURAMENTADA (ART. 157, CPC). ADMISSIBILIDADE.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO.
1. Em se tratando de documento redigido em língua estrangeira, cuja
validade não se contesta e cuja tradução não é indispensável para a sua
compreensão, não é razoável negar-lhe eficácia de prova. O art. 157 do
CPC, como toda regra instrumental, deve ser interpretado sistematicamente,
levando em consideração, inclusive, os princípios que regem as nulidades,
74
nomeadamente o de que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não
resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (pas de nulitté sans grief).
Não havendo prejuízo, não se pode dizer que a falta de tradução, no caso,
tenha importado violação ao art. 157 do CPC.
2. Recurso especial a que se nega provimento.
Em tal hipótese, a Corte deliberou pela aceitação do exame de documento
redigido em língua estrangeira pelo julgador, caso seja possível perceber-lhe o conteúdo no
caso concreto, tanto pelo acesso ao documento propriamente dito, como pelos demais
elementos do processo.
Situação diversa, já atinente a princípios gerais do direito processual civil, como a
instrumentalidade e a economia processual, ensejou que em 2003 o Superior Tribunal de
Justiça, no Recurso Especial 434.908-AM, relator o Min. Aldir Passarinho Júnior, propiciasse
ao interessado suprir a falta formal, de modo a aproveitar a trajetória do processo e garantir a
rápida solução do litígio, frente a uma alegação de que não fora realizada a tradução regular
da parte do documento redigida em idioma estrangeiro:
PROCESSUAL CIVIL. DOCUMENTO PARCIALMENTE
REDIGIDO EM IDIOMA ESTRANGEIRO. CPC, ARTS. 157 E 284.
EXEGESE. OPORTUNIDADE PARA COMPLEMENTAÇÃO DA
INSTRUÇÃO. APROVEITAMENTO DO PROCESSO.
I. A exigência de apresentação de tradução de documento estrangeiro,
consubstanciada no art. 157 do CPC, deve ser, na medida do possível,
conjugada com a regra do art. 284 da mesma lei adjetiva, de sorte que se
ainda na fase instrutória da ação ordinária é detectada a falta, deve ser
oportunizada à parte a sanação do vício, ao invés de simplesmente
extinguir-se o processo, obrigando à sua repetição.
II. Recurso conhecido e provido, para proporcionar-se à autora a
regularização documental, com a tradução do contrato.
Idêntica solução fora adotada em 2001, no Recurso Especial 291.099-PR, rel. o
Min. Pádua Ribeiro, no qual o interessado passou a executar o devedor a partir de um título de
crédito sem a correspondente tradução:
Processo Civil. Execução. Exceção de pré-executividade. Cártula em
língua estrangeira. Falta de tradução juramentada. Saneamento. Abertura de
prazo. C.P.C., art. 616.
I - Em vista da instrumentalidade das formas, cumpre ao juiz abrir
prazo para sanar a falta de tradução juramentada que deveria acompanhar o
título apresentado à execução. Ofensa ao art. 616 do C.P.C. caracterizada.
II - Recurso especial conhecido e provido.
Antes do fim, dois aspectos merecem ser reforçados, a fim de que não passem
despercebidos. Inicialmente ressalte-se que a exigência do Código não é de qualquer tradutor,
mas de tradutor juramentado. Nelton dos Santos, nos já referidos comentários (Marcato
75
2005:451), assevera: “Não se trata de formalismo exacerbado. A fé pública atribuída ao
tradutor juramentado e o reconhecimento oficial de sua habilitação constituem valiosos
documentos de segurança para o juiz e para as partes”. Por “tradutor juramentado” entende-se
o tradutor juramentado no Brasil. O STF não considera satisfeita a exigência do art. 157 do
Código de Processo Civil se o tradutor é o equivalente alienígena, consoante se infere do
seguinte aresto
51
, de 1982, relator o Min. Xavier de Albuquerque: “Sentença estrangeira.
Tradução feita por tradutor credenciado no país de origem, e não por tradutor juramentado no
Brasil. Omissão dos requerentes, que não supriram a falta no prazo assinado pelo Presidente.
Extinção do processo (Art. 219, parágrafo único, do R.I.). Agravo regimental não provido”
(AGRSE 3.129).
É evidente, por outro lado, que o tradutor juramentado, diferentemente do que
ocorre com os peritos em geral, não é nomeado pelo juiz, à exceção de uma possível
impugnação da tradução, quando o juiz deverá nomear um terceiro, independente, para a
verificação. Impende registrar que de regra é a parte que contratará o profissional legalmente
habilitado, a fim de apresentar a versão juntamente com o documento redigido em língua
estrangeira. Haverá nomeação judicial é no caso do intérprete, auxiliar da Justiça a ser
chamado para “analisar documento de entendimento duvidoso, redigido em língua
estrangeira; verter em português as declarações das partes e das testemunhas que não
conhecerem o idioma nacional; ou traduzir a linguagem mímica dos surdos-mudos, que não
puderem transmitir a sua vontade por escrito” (art. 151, I, II e III).
A falta de tradutor juramentado no local é que causa controvérsia. O próprio
51
Conferir ainda: “DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ESTRANGEIRA:
REQUISITOS PARA A HOMOLOGAÇÃO (ARTS. 215 E 217, INCISOS II E III, DO R.I.S.T.F. ARTS. 157 E
483, DO C.P.C.). SUCUMBÊNCIA: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS PROCESSUAIS. 1. O
documento apresentado em alemão não evidencia que a sentença tenha sido assinada pelo Juiz, pois apenas
indica o nome deste, sem certificar que a tenha assinado. E pela tradução se verifica que o Oficial de Justiça
apenas certificou sua conformidade com o original, que, como se viu, nada registra quanto à assinatura do Juiz.
2. Além disso, ao que se colhe do documento, a tradução não foi feita por Tradutor Público e Juramentado no
Brasil. 3. No próprio reconhecimento de firma feito pelo Vice-Cônsul do Brasil, em Munique, a 18.05.1994, a
assinatura é referida como de ‘Francisco José Ludovice-Moreira, tradutor juramentado em Nürnberg,
Alemanha’. 4. Enfim, não se tratando de Tradutor Público e Juramentado, no Brasil, não pode ser considerada
satisfeita a exigência do art. 157 do Código de Processo Civil. 5. Ademais, não prova de que a sentença
homologanda haja transitado em julgado, como exige o inc. III do art. 217 do R.I.S.T.F., aplicável à hipótese,
nos termos do art. 483, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 6. E nem é caso de se ensejar à requerente
a regularização e complementação dos documentos apresentados. É que outras razões bastam para o
indeferimento do pedido. 7. A sentença, a partir da constatação de um fato, declara a relação jurídica de
exercício do pátrio poder, pela mãe, ora requerente, em relação à filha menor. 8. Não se sabe - pois nada se
alegou nos autos - se, no direito alemão, é possível executar-se uma sentença meramente declaratória. E o art.
217 do R.I.S.T.F. exige, como requisito indispensável à homologação de sentença estrangeira: ‘II - ter passado
em julgado e estar revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida.’ 9. No
Direito brasileiro, sentença meramente declaratória não comporta execução, pois sua eficácia não gera título
executório judicial. [...] Pedido de homologação indeferido. [...]” (STF, SEC 5.029-RFA, relator o Min. Sydney
Sanches, julgada em 1998).
76
Nelton dos Santos, referido há pouco, ilustra:
Na doutrina, ressalva-se que, não havendo tradutor juramentado,
devem ser seguidas as regras pertinentes aos exames periciais em geral (v.
g. Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 2, p. 21).
Há, também, quem sustente que, não existindo, na comarca, tradutor
juramentado nem pessoa que possa assumir o mister, deverá expedir-se carta
precatória (v. g. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo
Civil, t. 3, p. 60).
Essas providências somente serão necessárias caso a parte interessada não tenha
providenciado a tradução, previamente, em outra comarca, pelo tradutor público que ali
oficie.
3.3.2 Direito processual penal
O direito processual penal versa sobre a ação penal, exercício do poder punitivo
do Estado. Distingue-se a ação penal da ação civil, entre outros característicos, porque pode
ser modificada em seu curso, desde que observado o devido processo legal, para por exemplo
atingir “pessoas que nela inicialmente não estavam incluídas, permitindo, em face da prova
produzida, que o delito, pelo qual responde o u, seja agravado, somado a outros, ou
atenuado, e, ainda, que por outro crime, apurado no mesmo processo, seja condenado, desde
que modificada a denúncia e dada nova oportunidade de defesa” (Gusmão 2006:185).
O Código de Processo Penal, de 1941, traz diversos dispositivos a regrar a atuação
dos tradutores e intérpretes, a começar pelo art. 223, que trata da oitiva da testemunha que não
for falante de português:
Art. 223. Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será
nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas.
Parágrafo único. Tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo,
proceder-se-á na conformidade do art. 192.
Antes de fazer emergir o art. 192, torna-se interessante mencionar dois casos
julgados pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região, com sede em São Paulo. Em
ambos foi afastada a necessidade de intérprete na audiência das testemunhas de acusação,
todas falantes de português. Discutiu-se ali se a defesa do denunciado, estrangeiro, não ficaria
cerceada por não entender ele o que as testemunhas lhe imputavam, e de que forma. No
primeiro deles, Apelação Criminal 98.03.062099-1, julgado em 1998, relatora a Juíza Aricê
Amaral, tão-somente foi alegada a ausência de previsão legal. Todavia, no segundo desses
precedentes, Habeas Corpus 2001.03.00.002800-0, julgado em 2002, relator o Juiz Carlos
Loverra, houve uma interpretação mais funda, que conclui que a presença do defensor técnico
77
supre a ausência de entendimento, por parte do acusado, da prova oral que contra si ser
produzida: “Cerceamento de defesa não configurado, eis que a ausência de intérprete na
audiência de oitiva das testemunhas de acusação não prejudicou a defesa do paciente, o qual
estava, neste ato, acompanhado por sua defensora constituída que garantiu sua defesa
técnica”.
O art. 192, a que se refere o parágrafo único do art. 223, rege o interrogatório
daqueles com deficiência de comunicação (surdos, mudos e surdos-mudos) e abre alas ao art.
193, que cuida do interrogatório do estrangeiro ou do brasileiro que eventualmente não fale
português. Ambos têm redação outorgada pela Lei 10.792, de de dezembro de 2003,
celebrizada pela instituição legal do regime disciplinar diferenciado na execução penal
brasileira:
Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será
feito pela forma seguinte:
I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele
responderá oralmente;
II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por
escrito;
III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do
mesmo modo dará as respostas.
Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever,
intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a
entendê-lo.
Art. 193. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o
interrogatório será feito por meio de intérprete.
A exigência do parágrafo único do art. 192 deve ser interpretada ao da letra.
Em 1996 decidiu o STF, no Habeas Corpus 74.019-SP, relator o Min. Ilmar Galvão: “O
interrogatório do surdo-mudo que sabe ler e escrever pode ser feito por escrito e por escrito
dará ele as respostas, não sendo necessária a nomeação de intérprete, na forma do art. 192,
inc. III, do Código de Processo Penal”.
Do art. 193 depreende-se que a intervenção do intérprete é obrigatória, ainda que
o juiz entenda a língua falada pelo acusado, pois perguntas e respostas também devem ser
compreensíveis para acusação e defesa. decisões, porém, que prestigiam a oralidade em
detrimento do formalismo do termo e do intérprete em caso de idioma tido como parecido
com o português. Em 1981, no Habeas Corpus 59.375-RJ, relator o Min. Cordeiro Guerra, o
STF decidiu que “inocorre nulidade na falta de intérprete para réu de língua espanhola que
tudo entendeu e em tudo se fez entendido”.
Também há acórdão do Superior Tribunal de Justiça entendendo que se o réu vive
78
e tem relações no Brasil tempos a ausência de intérprete não elimina a possibilidade de
ampla defesa no curso do processo. Assim foi julgado em 1995, no Recurso de Habeas
Corpus 4.582-RJ, relator o Min. Adhemar Maciel:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS-
CORPUS. TRÁFICO DE COCAINA. ESTRANGEIRO. PRISÃO EM
FLAGRANTE. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR TER SIDO O
INTERROGATÓRIO POLICIAL FEITO SEM A PRESENÇA DE
TRADUTOR E SEM A OPORTUNIDADE DE COMUNICAÇÃO
COM FAMILIARES E COM O CONSULADO. INEXISTÊNCIA DE
NULIDADE DIANTE DO CONTEXTO. RECURSO ORDINÁRIO
IMPROVIDO.
I - Alemão, radicado no Brasil há mais de três anos e meio, vivendo
com brasileira e com filho brasileiro, foi preso em flagrante por ter no
interior de seu apartamento grande quantidade de pasta de cocaína
preparada para venda a varejo. De acordo com o auto de prisão em
flagrante, constou que falava o português e dispensava a comunicação a
familiares e ao consulado. Mais tarde, por ocasião do interrogatório judicial,
alegou que não falava a língua portuguesa. Foi-lhe dado intérprete.
condenado, ajuizou habeas-corpus com o fito de anular todo o processado
por violação das garantias constitucionais. Também aduziu excesso de
prazo.
II - No mundo jurídico, tornou-se internacionalmente conhecido o
caso “Miranda v. Arizona”, julgado pela Suprema Corte norte-americana em
1966: o custodiado tem o direito de ficar em silêncio quando de seu
interrogatório policial e deve ser advertido pela própria polícia que tem
direito antes de falar, de comunicar-se com seu advogado ou com seus
familiares. A própria Constituição brasileira de 1988 consagra tal cláusula
como “direito fundamental” (art. 5°, inc. LXII e LXIII, § 2°). Mas, do bojo
dos autos infere-se que não houve a violação deduzida, e que o paciente
entendia o português. Por outro lado, no curso do processo o paciente teve
ampla possibilidade de defesa. Também não se pode falar em excesso de
prazo: a sentença condenatória foi proferida antes do ajuizamento do
habeas-corpus.
III - Recurso ordinário improvido.
A tradução dos documentos, a fim de que integrem os autos dos processos penais,
também encontram norma específica:
Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua
juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou,
na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade.
A locução “se necessário” causou por um tempo certo desconforto, ao facultar
79
uma discricionariedade
52
que não se coaduna com o devido processo legal nem com seus dois
corolários mais atinentes ao processo penal: a ampla defesa e o contraditório. Entre os
estudiosos da matéria já não há dúvida, como esclarece Julio Fabbrini Mirabete (2005b:342):
Como por vezes os documentos são vazados em idioma estrangeiro, é
necessário que, para constituir meio de prova, seu conteúdo seja acessível a
todos. Isso torna indispensável sua tradução para o idioma pátrio. [...]
Apesar da ressalva (“se necessário”), se requerida a juntada de documentos
redigidos em língua estrangeira, devem ser eles traduzidos para o português,
ainda que as partes e o juiz tenham conhecimento do idioma alienígena,
porque seu conteúdo deve ser acessível a todos. A dispensa de tradução,
prevista no art. 236, se dará se, visível e patentemente, o documento for
inócuo para o desfecho da demanda [Nesse sentido: RT 637/238]. A
nulidade pelo indeferimento da tradução, porém, é relativa, devendo ser
alegada oportunamente e, para ser decretada, exige a comprovação do
prejuízo.
Vê-se novamente na lei, agora no Código de Processo Penal, que os intérpretes
são qualificados pela atuação oral, e os tradutores pela atuação escrita. Também à semelhança
do processo civil, os intérpretes são equiparados aos peritos (art. 281), podendo ter sua
participação impugnada pelas partes:
Art. 105. As partes poderão também argüir de suspeitos os peritos, os
intérpretes e os serventuários ou funcionários de justiça, decidindo o juiz de
plano e sem recurso, à vista da matéria alegada e prova imediata.
Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou
funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no
processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que
declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou
impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo
estabelecido para a exceção de suspeição.
Na jurisprudência, são muito comuns casos de réus estrangeiros que não falam
português, ou de testemunhas nessa condição, ou de documentos estrangeiros que devem ser
conhecidos pelo juiz criminal. Essa realidade não é restrita às áreas fronteiriças, mas se
encontra amiúde nos grandes centros, providos de portos ou aeroportos.
Há decisões singulares e surpreendentes. Tem-se a idéia, no processo penal, que o
juiz estará sempre aberto aos reclames do acusado, que tem o direito de desempenhar sua
defesa por todos os caminhos que a lei lhe oferece. É interessante encontrar, entre os julgados
52
Ver a íntegra do acórdão da Apelação Criminal 96.02.42625-0, julgada em 1999 pelo Tribunal Regional
Federal da Segunda Região, relator o Juiz Francisco Pizzolante, cuja ementa exibe o seguinte trecho:
“Documento em língua estrangeira. Necessidade de tradução. Artigo 236 do CPP. É do julgador a
discricionariedade de aferir sobre a necessidade de traduzir-se o documento em língua estrangeira. Considerada
desnecessária a tradução foi transferida à parte a responsabilidade de traduzir o documento, se assim o desejasse.
A falta de tradução não foi óbice à apreciação da prova documental.”
80
do Supremo Tribunal Federal, habeas corpus não conhecido porque impetrado em espanhol.
É o Habeas Corpus 72.391-DF, julgado em 1995, relator o Min. Celso de Mello:
É inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em causa
própria, a ação de habeas corpus, eis que esse remédio constitucional por
qualificar-se como verdadeira ação popular pode ser utilizado por
qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica resultante de sua
origem nacional.
A petição com que impetrado o habeas corpus deve ser redigida em
português, sob pena de não-conhecimento do writ constitucional (CPC, art.
156, c/c CPP, art. 3º), eis que o conteúdo dessa peça processual deve ser
acessível a todos, sendo irrelevante, para esse efeito, que o juiz da causa
conheça, eventualmente, o idioma estrangeiro utilizado pelo impetrante.
A imprescindibilidade do uso do idioma nacional nos atos processuais,
além de corresponder a uma exigência que decorre de razões vinculadas à
própria soberania nacional, constitui projeção concretizadora da norma
inscrita no art. 13, caput, da Carta Federal, que proclama ser a língua
portuguesa “o idioma oficial da República Federativa do Brasil”.
Um último julgado, também do Min. Celso de Mello, ainda merece atenção. É o
acórdão proferido em 1999 no pedido de Extradição 744, requerente o governo da República
da Bulgária. Nele, ficou entendido que eventual má qualidade da tradução não torna, por si só,
imprestável documento que se mantenha inteligível:
DOCUMENTOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA - TRADUÇÃO
DEFICIENTE - POSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO DO
CONTEÚDO DAS PEÇAS DOCUMENTAIS - INOCORRÊNCIA DE
DEFEITO FORMAL. - A eventual ocorrência de impropriedades léxicas, a
verificação de desvios sintáticos, a configuração de incorreções gramaticais
ou a inobservância dos padrões inerentes à norma culta, só por si, não
imprestabilizam a tradução produzida, pelo Estado estrangeiro, no processo
extradicional, se se evidenciar que o conteúdo dos documentos,
formalmente vertidos para o português, reveste-se de inteligibilidade.
Precedentes.
Ao extraditando, Emil Todorov Ivanov, búlgaro, era imputada a prática de
privação de liberdade mediante cárcere privado e latrocínio, alegadamente cometidos na
capital daquele país, Sófia, entre 29 e 31 de outubro de 1993, contra vítima de nacionalidade
russa. A extradição foi deferida com o compromisso da Bulgária de comutar uma eventual
pena de morte – prevista pela lei búlgara para o latrocínio – em pena privativa de liberdade.
3.4 Outros ramos
Se partimos da ignorância a respeito dessas inúmeras normas que atingem ou
podem vir a atingir o tradutor, também não motivo para agora crer que se está diante de
uma miríade inesgotável. Há, em suma, uma realidade instigante. O direito civil, que com o
81
novo Código Civil, de 2002, unificou parcialmente o direito privado no Brasil, do velho
Código Comercial não deixando mais do que a parte do comércio marítimo; o direito penal,
sempre cortante; o direito processual e suas ponderações: são aspectos que possivelmente hão
de ser vivenciados, conscientemente ou não, por aqueles tradutores/intérpretes que venham a
ser chamados a juízo, ou tradutores juramentados ou ad hoc que porventura aponham sua
chancela em documentos vertidos e que venham a influenciar o julgamento das causas
muitos nem saberão em que nível ou medida seu trabalho estará a decidir seu futuro.
Como foi demonstrado, a figura do tradutor aparece explicitamente na legislação
brasileira em hipóteses de complexidade vária, e isso em áreas afetas ao cotidiano do operador
do direito, como o direito civil, o direito penal e os processos correspondentes. Afora o direito
autoral dos tradutores, que neste quadrante não foi examinado, esses temas jurídicos mais
relevantes não esgotam todas as possibilidades.
Vejam-se, por exemplo, aqueles ramos do direito que guardam subsidiariedade
com aqueles mencionados. Na execução penal se aplica subsidiariamente o Código de
Processo Penal (art. 2º, caput, da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984).
No direito do consumidor (art. 90 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990
Código de Defesa do Consumidor) e no direito do trabalho (art. 769 do Decreto-Lei 5.452, de
1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho) aplica-se subsidiariamente o direito
processual civil. Não sem razão, portanto, julgou em 2007 o Tribunal Regional do Trabalho
da Segunda Região, sediado em São Paulo, em acórdão do Recurso Ordinário 20070611151,
relatora a Juíza Jane Granzoto Torres da Silva:
Documentos redigidos em língua estrangeira. Tradução oficial
indispensável. O artigo 157 do CPC é taxativo ao atribuir validade a
documento redigido em língua estrangeira somente quando acompanhado de
versão em vernáculo, firmada por tradutor juramentado, não abrindo
qualquer exceção, nem mesmo para os idiomas que têm origem latina.
Trata-se de forma prevista em lei, visando resguardar o interesse público na
efetiva e segura entrega da prestação jurisdicional. Em que pese ser o
espanhol idioma de fácil compreensão em nosso país, contém
particularidades que podem levar à incerteza ou à incorreção na
interpretação do teor dos documentos expressos no mesmo.
Também o direito administrativo, que regula as relações do cidadão com a
Administração Pública, notadamente no processo administrativo, enseja a participação do
tradutor, dado que incorpora como direito subsidiário o direito processual civil, o qual,
conforme demonstrado, estatui a necessidade, sob pena de nulidade, da chancela do trabalho
do tradutor toda vez que um documento redigido em língua estrangeira, por exemplo, tiver de
82
ser erigido à condição de prova a ser apreciada em autos de processo.
foi visto que o art. 342 do Código Penal, que penaliza o tradutor que faz
afirmação falsa, nega ou cala a verdade, também é aplicável ao processo administrativo,
entendido neste caso como aquele que “tem por escopo a apuração de faltas ou transgressões
disciplinares ou administrativas (ilícito administrativo)” (Mirabete 2003:420). É natural que
em licitações internacionais (arts. 23, 32 e 42 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993), comuns
principalmente na esfera da União, o tradutor juramentado seja chamado a debruçar-se sobre
contratos, minutas e até pareceres técnicos a fim de possibilitar que tal ou qual empresa possa
comparecer perante a autoridade administrativa brasileira preenchendo os requisitos da lei de
licitações.
Aliás, outro foco de interesse para o pesquisador da tradução é o direito
internacional. O tratado internacional, fonte real por excelência de tal ramo do direito e sua
face mais destacada e visível, tem óbvia ligação com a tradução (Silva, Accioly 2000:19).
Guido Fernando Silva Soares (2002:69) ilustra:
Nos séculos anteriores, os tratados multilaterais e mesmo os bilaterais
eram assinados nas línguas consideradas francas: o latim (até os Tratados de
Vestfália de 1648) e o francês (nessa língua, praticamente até a Primeira
Guerra Mundial, quando passou a conviver com a freqüência crescente do
inglês). Na atualidade, os tratados multilaterais são redigidos em todas ou
em algumas das línguas consideradas oficiais da ONU: inglês, francês, russo
e chinês e as línguas de trabalho: espanhol e árabe. cláusulas especiais
nos tratados multilaterais que dispõem sobre a língua ou línguas de redação
de sua versão oficial, em geral, com a advertência de que “todas as versões
são de igual valor”. Os tratados bilaterais são redigidos nas línguas oficiais
dos países signatários, havendo casos de estipulações expressas, sobre uma
terceira versão do tratado, redigida em língua franca, que deverá servir
como língua de referência, no caso de divergência de interpretação dos
textos redigidos nas línguas nacionais dos Estados-partes.
Um verdadeiro mundo jurídico à parte, seja pelas dimensões, seja pelas
peculiaridades, o direito e as relações internacionais não são objeto deste estudo, mas a
singularidade dessa ignição da engrenagem de interpretação dos tratados chama a atenção. O
clássico Direito internacional público, de Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet
(1999:121/156-7/240), menciona os três momentos desse mecanismo: em primeiro as
83
cláusulas finais, em que se definem quais idiomas farão
53
; em segundo as convenções
multilaterais
54
; e em terceiro a própria Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos
Tratados, que em seu art. 33 dispõe:
1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu
texto faz igualmente fé em cada uma delas, a não ser que o tratado disponha
ou as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um texto
determinado.
2. Uma versão do tratado em ngua diversa daquelas em que o texto
foi autenticado será considerada texto autêntico se o tratado o previr ou
as partes nisso concordarem.
3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos
diversos textos autênticos.
4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do
parágrafo 1, quando a comparação dos textos autênticos revela uma
diferença de sentido que a aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina, adotar-
se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor
conciliar os textos.
53
“A cláusula pela qual as partes fixam a ou as línguas acreditadas apresenta uma particularidade importante e
levanta um problema de prestígio. No caso de um tratado bilateral, a igualdade das duas partes é observada pela
utilização das respectivas línguas. Existem assim duas versões do tratado, fazendo ambas igualmente fé. O que
significa que elas m um valor igual, como textos autênticos que podem ser apresentados oficialmente. No caso
de surgirem, devido a diferenças de estilo ou de terminologia, divergências entre as duas versões sobre o
significado das disposições, nenhuma delas poderá prevalecer sobre a outra; o intérprete deve procurar um
sentido susceptível de as conciliar. O tratado bilingue corresponde a uma prática tradicional em matéria de
tratados bilaterais. A redação dos tratados multilaterais levanta a este respeito problemas particularmente
delicados” (Dinh, Daillier, Pellet 1999:121).
54
“Relativamente simples no que respeita aos tratados bilaterais, o problema da ou das línguas de redacção é
extremamente complexo tratando-se de convenções multilaterais. Tradicionalmente, a língua única era o latim.
Desde a época moderna e até a Primeira Guerra Mundial, o francês, promovido a língua diplomática oficiosa da
Europa, foi constantemente escolhido. As importantes convenções concluídas em Haia em 1899 e 1907 eram
ainda redigidas unicamente na língua francesa. Em 1919, o francês perdeu esse monopólio. O Tratado de
Versalhes e o Pacto da S.d.N. foram redigidos simultaneamente em inglês e em francês, fazendo igualmente fé as
duas versões. As convenções concluídas no quadro das Nações Unidas foram redigidas em cinco nguas: inglês,
chinês, espanhol, francês e russo, às quais hoje em dia é necessário acrescentar o árabe, língua oficial e de
trabalho da Assembleia Geral desde 1973 (v. por exemplo o art. 320.º da Convenção de 1982 sobre o Direito do
Mar). Esta pluralidade é uma manifestação irrefutável da universalização do direito internacional e parece
conforme ao princípio da igualdade de soberania dos Estados; em contrapartida, aumenta as dificuldades de
interpretação” (Dinh, Daillier, Pellet 1999:156-7).
IV DIREITOS AUTORAIS DO TRADUTOR
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito,
expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,
tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: [...]
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais,
apresentadas como criação intelectual nova
Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998
4.1 Delimitação prévia
O estudo da propriedade intelectual e de sua proteção jurídica é habitualmente
dividido em direitos autorais, de um lado, e direito industrial ou propriedade industrial, de
outro
55
. Os manuais mais tradicionais consideram via de regra o primeiro como ramo mais
ligado ao direito civil, ao passo que o segundo o direito industrial é tido como típico do
direito comercial ou empresarial (Gomes 2003:48), muito embora acabe por envolver normas
de outras áreas, a exemplo do direito administrativo.
De forma geral, os direitos autorais constituem matéria vista por grande parte dos
juristas como obscura, se não como direito de segunda classe
56
. Essa visão, a par de
equivocada, mostra-se completamente ultrapassada: “Mais do que generosidade alheia, o
autor é merecedor de respeito a seus direitos, que, como visto, são fundamentais. Dessa
forma, a cultura estará alimentando diretamente a célula embrionária de toda a atividade
cultural: o criador intelectual” (Costa Netto 1998:17).
55
A proteção jurídica da propriedade industrial no Brasil é fundada principalmente na Lei 9.279, de 14 de maio
de 1996 Lei da Propriedade Industrial ou LPI. A abrangência desse verdadeiro ramo do direito é bem definida
e caracterizada por quatro espécies de bens imateriais juridicamente tutelados: patente de invenção, patente de
modelo de utilidade, registro de desenho industrial e registro de marca.
56
A começar pela própria nomenclatura, variável ao gosto do freguês. É verdade que tanto a Lei 9.610/1998
como a Lei 5.988/1973 dispunham em seu prólogo redação idêntica: “Art. Esta lei regula os direitos autorais
entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhe são conexos”. Entretanto, Eduardo Pimenta
(2004:8-9) demonstra que a uniformidade é exceção, não regra: “Nem sempre a expressão designada para
expressar os direitos do autor e os que lhe são conexos foi direitos autorais. estudiosos que se referem a este
direito mater do ensinamento e da cultura como direitos individuais, por referir-se à individualidade e à
originalidade da produção intelectual (Gareis, Liszt); outros, como direito do autor. A palavra ‘direitofoi usada
no singular, dando o indicativo de que o autor, criador da obra intelectual, é detentor de um direito unitário.
Todavia, o direito de autor, segundo a doutrina dominante, é de pluralidade, com um direito moral com
diversos atributos e um direito patrimonial com a independência de formas de utilização. Razão pela qual a
palavra direito deve ser empregada no plural – DIREITOS. Alguns doutrinadores adotam a nomenclatura direitos
de autor, sendo uma expressão específica, para indicar o sujeito do direito: o AUTOR, excluídos os direitos
conexos, outros preferem direito autoral. Porém, ‘autoral’ (adjetivo) é uma palavra originária do substantivo
‘autor’, sendo contínuo à excludência dos direitos conexos. Por fim, a expressão mais adequada para o gênero é
direitos intelectuais, e para espécie é a usada pela legislação civil: direitos autorais, que designa os direitos de
autor e os que lhe são conexos”.
85
Particularmente, o direito autoral do tradutor eleva à máxima potência essas
circunstâncias adversas, contra o que verbera Lawrence Venuti (2002:311) ao final de seu The
translator’s invisibility: “Os tradutores devem também forçar uma revisão dos códigos
culturais, econômicos, legais que os marginalizam e exploram”. É tema que ainda não
deixou e talvez nunca deixará de ser polêmico. Poucos são os que não demonstrarão
estranheza ao ouvir uma expressão (“direitos autorais do tradutor”) que é corriqueira até
nos jornais; alguns anos divulgou-se na imprensa o embate travado entre tradutores e
editora brasileira da trilogia O Senhor dos Anéis. Em reportagem subscrita por Luís Ferrari e
Cassiano Elek Machado, o jornal de maior circulação no País, a Folha de S. Paulo, estampou
em sua tiragem de 2 de junho de 2004: “Tradutor tem direito autoral há 173 anos”, título sob
o qual asseverou com destemor:
A proteção dos direitos autorais anda de bengalas no Brasil.
Apareceu pela primeira vez no Código Criminal do Império, de 1830. Ele
determinava que o responsável pelo que popularmente é chamado hoje de
“pirataria” (contrafação em termos técnicos) deveria pagar ao autor ou
tradutor da obra copiada uma multa – enquanto nos Estados Unidos a
pirataria era institucionalizada, tema de seguidos protestos do campeão de
vendas da época, Mark Twain (1835-1910).
Provavelmente o tulo específico, que faz afirmação tão contundente (“Tradutor
tem direito autoral há 173 anos”), seria objeto de veemente oposição por mais de um
estudioso do assunto (Costa Netto 1998:18-9). Foge, contudo, ao escopo destas linhas
delinear se e quando o direito autoral, relacionado ou não à tradução, conta com proteção
efetiva no Brasil, ou mesmo quando exatamente a tradução passou a contar com a proteção
legal conferida ao direito autoral em geral, se bem que essa assertiva retira toda a surpresa
de verificar, como se deseja, que a tradução é, no Brasil, tão objeto de proteção da lei quanto a
“obra original”.
Como desde logo se percebe, neste Direitos autorais do tradutor almeja-se a um
tempo ingressar numa controvérsia e constatar um fato, sempre de uma perspectiva puramente
jurídica. Ingressar numa controvérsia porquanto há inegável estranheza em pensar no tradutor
como alguém que detenha direitos de autoria; e constatar um fato porque o direito brasileiro
iguala categoricamente a proteção a que faz jus o tradutor àquela a que faz jus o autor. É neste
ponto, sem dúvida, que emerge o tema tradutório eminentemente jurídico: o direito autoral do
tradutor, atualmente reconhecido, como se quer sublinhar, por amparo expresso de lei.
Além de confirmar que não estudos amplos a respeito do assunto, quer-se aqui
contribuir na busca de atenuar, sem pretensão de esgotamento nem peremptoriedade, a falta
86
de um estudo jurídico de fôlego acerca dos direitos autorais voltado à obra traduzida,
categoricamente arrolada como passível de ser protegida pelo Poder Judiciário por graça do
art. 7º, XI, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Com efeito, a Lei 9.610/1998, alvo de exame na seqüência, traz em seu art. o
seguinte: “Art. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se
invente no futuro, tais como: [...] XI - as adaptações, traduções e outras transformações de
obras originais, apresentadas como criação intelectual nova”. De outro lado, e isto é relevante,
a Lei 9.610 materializa e pormenoriza o comando constitucional inscrito no art. 5º, XXVII:
“Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas
obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.
Como ocorre nas diversas áreas, também aqui o direito, por intermédio do
legislador, procura suprir uma presumida necessidade: no caso, regular e proteger a criação
intelectual diante de uma realidade desafiante. É forçoso reconhecer, com José Carlos Costa
Netto (1998:18), que o progresso incessante dos meios de comunicação ensejando
diversidade e ampliação do espectro de possibilidades de acesso público às criações do
espírito, às obras intelectuais, quaisquer que sejam elas erige oportunidades e obstáculos à
eficiente defesa da propriedade intelectual “em todas as suas vertentes” – aí incluído o
trabalho do tradutor.
4.2 A Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998
O vigente regramento legal dos direitos autorais está instituído pela Lei 9.610, de
19 de fevereiro de 1998, também chamada LDA Lei dos Direitos Autorais, que entrou em
vigor 120 dias após sua publicação (Diário Oficial da União de 20 de fevereiro de 1998
57
), ou
seja, em 21 de junho de 1998. Ela “altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e outras providências”. Em resumo, cuida sob o manto “direitos autorais” dos
“direitos de autor” propriamente ditos, morais e patrimoniais
58
(arts. 22 a 45), e dos direitos
chamados “conexos”, que são “direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores
fonográficos e das empresas de radiodifusão” (art. 89).
57
Concomitantemente à publicação da atual Lei de Direitos Autorais no Diário Oficial da União de 20 de
fevereiro de 1998 foi publicada a Lei 9.609, também de 19 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre a proteção da
propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências”. Esta
última entrou em vigor na data de sua publicação (art. 15), revogando expressamente (art. 16) a lei anterior que
dispunha sobre o tema (Lei 7.646, de 18 de dezembro de 1987).
58
A distinção será esclarecida adiante.
87
Se em âmbito internacional se destaca o Estatuto da Rainha Ana, de 1710, como
marco fundamental da proteção dos direitos autorais, no Brasil essa mesma proteção conhece
seu pontapé inicial com a lei imperial que criou as duas primeiras faculdades de direito
nacionais, em Olinda e São Paulo, que garantia aos professores que elaborassem compêndios
de suas matérias “o privilégio exclusivo da obra por dez anos” (Costa Netto 1998:36-7).
Passou por diversos atos, diplomas, códigos e até constituições antes de, em meados do
século XX, galgar o consenso de que seria necessária uma norma legal que disciplinasse a
matéria de forma abrangente e integrada. Ensaio geral ocorreu com a Lei 4.944, de 6 de abril
de 1966, que dispôs “sobre a proteção a artistas, produtores de fonogramas e organismos de
radiodifusão”. Mas foi a Lei 5.998, de 14 de dezembro de 1973, que se constituiu na primeira
tentativa de estabelecer um conjunto regulatório sistêmico para os direitos autorais em
território nacional, tentativa que desaguou, duas décadas depois, na Lei 9.610/1998.
Lembre-se, neste momento, que a lei nacional está acompanhada e procura
contemplar a proteção internacional dos direitos autorais, composta basicamente por três
tratados internacionais: na área dos direitos de autor as Convenções de Berna (1886) e de
Genebra (1952), revistas mais de uma vez e cuja última grande revisão foi realizada
conjuntamente, em Paris, em 1971; na área dos direitos conexos a Convenção de Roma
(1961). As duas primeiras estão ratificadas pelo Brasil desde 1975 pelos Decretos 75.699 e
75.905, respectivamente, ambos daquele ano; a última fora ratificada já em 1965 pelo Decreto
57.125 desse ano. Além disso, deve-se trazer a registro o Acordo TRIPS
59
, que também regula
atributos dos direitos autorais e do qual o Brasil também é signatário.
A Lei 9.610/1998, que revogou as normas anteriores e unificou a matéria (com
poucas exceções, como a repressão penal, que prosseguiu prevista no Código Penal), foi
resultado de muitas discussões e debates na seara legislativa. O projeto teve a relatoria de
Aloysio Nunes Ferreira na Câmara dos Deputados e de Romeu Tuma no Senado Federal: “A
nova lei de direitos autorais foi, afinal, votada e aprovada no início de fevereiro de 1998 pelo
Senado Federal e encaminhada à sanção do Presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso” (Costa Netto 1998:45).
59
O chamado Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) é um tratado internacional
administrado pela Organização Mundial do Comércio OMC que pretende estabelecer padrões mínimos de
proteção para as diferentes formas de propriedade intelectual (direitos autorais e propriedade industrial). Foi
negociado ao final da Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). Essencial aqui é
consignar que “os regulamentos sobre propriedade industrial, marcas e patentes no Brasil estão em conformidade
com o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – TRIPS
no âmbito da OMC, Anexo 1C do Tratado de Marrakesh, ratificado pelo Brasil através do Decreto 1.355, de 30
de dezembro de 1994, que incorporou a Ata final da Rodada Uruguai das Negociações Comerciais Multilaterais
do GATT” (Martins 2004).
88
A lei atualiza e reflete conceitos presentes na legislação de outros países,
observando o indicado art. 5º, XXVII, da Constituição Federal, como enfatiza Glória Braga
(1999):
Como inovações, a lei traz uma série de definições não apenas quanto
aos titulares dos direitos autorais (autores, artistas, intérpretes ou
executantes, produtores, editores, empresas de radiodifusão), mas também
relativamente às diversas formas de utilização da criação intelectual,
introduzindo conceitos pertinentes à distribuição de sinais por cabo, satélite,
fibra ótica etc. Esses novos conceitos demonstram a evolução do legislador
brasileiro, que buscou proteger em nosso país as mais variadas categorias de
criadores intelectuais que têm suas criações utilizadas diariamente via
Internet ou mesmo distribuídas pelas chamadas TVs por assinatura.
É patente a intenção do legislador em garantir aos criadores o respeito
aos seus direitos autorais. A lei apresenta uma série de dispositivos que
convergem para a manutenção do poder do autor ou de seus representantes
em proibir ou decidir quem utilizará e como serão exploradas
economicamente suas criações do espírito.
Por outro lado, recepciona claramente os princípios informadores das convenções
internacionais subscritas pelo Brasil e da teoria jurídica mais aceita a respeito dos direitos
autorais, que é a teoria dualista, segundo a qual coexistem no mesmo objeto jurídico dois
direitos (moral e patrimonial) derivados de uma única fonte (a criação intelectual). Essa visão
tradicional não impediu o legislador de por meio da Lei 9.610 inovar largamente, e em tópicos
bem delimitados (Braga 1999):
No âmbito musical, as inovações mais significativas dizem respeito à
execução pública das chamadas obras musicais, lítero-musicais e dos
fonogramas. O legislador reforçou a proteção já conferida na legislação
anterior. Caso terceiros se utilizem de músicas sem requererem previamente
a devida autorização dos titulares dos direitos autorais ou de seus
representantes, a lei determina a suspensão imediata da execução musical,
quer em shows e eventos, quer através da radiodifusão ou comunicação ao
público por qualquer outro processo. Ficou mantido o Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição (ECAD) para a defesa desses direitos,
traduzindo o reconhecimento da necessidade da gestão coletiva unificada,
frente à expressiva quantidade de usuários de música existentes. O
legislador também previu a incidência de pesadas multas a ser pagas por
aqueles que utilizarem desautorizadamente das obras musicais protegidas.
Contudo, conforme exposto, o legislador nacional confirmou sua opção pela teoria
dualista dos direitos autorais, encarados destarte como compostos de direitos morais e direitos
patrimoniais coexistentes, numa formatação jurídica muito clara e direta. Assim a descreve
Paulo Luiz Netto Lobo (2003):
A criação intelectual especialmente, as obras literárias, científicas e
artísticas, excluído o aproveitamento industrial ou comercial da pessoa
89
envolve dois aspectos distintos: os direitos patrimoniais do autor, de
natureza econômica e objetos de atos jurídicos, e os direitos morais do
autor, que integram os direitos da personalidade do criador, dotados de todas
as características referidas: intransmissibilidade, indisponibilidade,
irrenunciabilidade, imprescritibilidade, inexpropriabilidade. Segundo a Lei
9.610, de 1998, são assim considerados os direitos à paternidade da obra,
à nominação, ao ineditismo, à integridade ou intocabilidade da obra, à
modificação, o de impedir a circulação, neste caso associado à reputação
(honra) e à imagem. A utilidade econômica da obra pode ser negociada, mas
nunca qualquer dos direitos morais do autor.
A pedra de toque na Lei 9.610, para além
60
do já mencionado art. 7º, é a
conceituação do autor. Para a lei brasileira, toda pessoa física criadora de obra literária,
artística ou científica é considerada autor (art. 11), bem assim a pessoa jurídica em alguns
casos limitados, a exemplo da proteção às obras coletivas por elas promovidas (art. 5º, VIII,
h). O autor se identifica como tal por meio de nome civil, completo ou abreviado, e até por
suas iniciais, bem como por pseudônimo ou qualquer outro sinal que convencione (art. 12),
tomando-se por autor quem com essa qualidade se identifique, “não havendo prova em
contrário” (art. 13). Mais do que isso, e aqui temos um ponto-chave, o art. 14 é categórico: “É
titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio
público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se
for cópia da sua”.
Partindo dessas premissas, o regramento busca pormenorizar as inúmeras facetas
dos direitos autorais, lançando mão de um estratagema simples, porém eficaz, ao dividir o
arrolamento dos direitos justamente em morais (arts. 24 a 27) e patrimoniais (arts. 28 a 45)
60
Art. da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998: “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito,
expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente
no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções,
sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV - as obras
coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as
composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as
cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas
geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à
geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e
outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de
computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras
obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. §
Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes
sejam aplicáveis. § A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se
entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas
obras. §No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu
conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade
imaterial.”
90
antes de se dedicar às limitações aos direitos autorais (arts. 46 a 48) e à transferência dos
direitos de autor (arts. 49 a 52).
Os direitos morais do autor, inalienáveis e irrenunciáveis (art. 27), espalham-se
nas seguintes direções:
Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou
anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer
modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-
la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma
de utilização autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem
afronta à sua reputação e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se
encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de
processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua
memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu
detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo
que lhe seja causado.
De acordo com a lei transmitem-se aos sucessores os direitos morais a que se
referem os incisos I a IV 1º), e no caso dos incisos V e VI ficam ressalvadas as
indenizações a terceiros, quando couberem 3º). Autonomamente, é incumbência do Estado
fazer defender a integridade e a autoria das obras caídas em domínio público (§ 2º).
Por outro lado, a regulamentação dos direitos patrimoniais do autor é deveras
minuciosa, decorrência previsível do fato de que os direitos autorais foram primordialmente
classificados como direito real, nada obstante a primeira lei nacional sobre a matéria (Lei 496,
de de agosto de 1898) tenha ofertado tutela do direito moral (Pimenta 2004:279). Lembre-
se que pela teoria dualista da natureza dos direitos de autor a parcela moral se relaciona à
estreita vinculação entre a pessoa do autor e sua criação intelectual, ao passo que a parcela
patrimonial se abraça à eventual exploração econômica que o autor pode ou não fazer de sua
obra (Costa Netto 1998:77).
Entre outras regras relevantes da Lei 9.610 fulgura o art. 28, por força do qual
cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou
científica, assim como o autor pode outorgar a autorização prévia e expressa
imprescindível para (art. 29): reprodução parcial ou integral; edição; adaptação; tradução para
qualquer idioma; distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com
91
terceiros para uso ou exploração da obra; inclusão em base de dados, armazenamento em
computador, microfilmagem e demais formas de arquivamento do gênero; e “quaisquer outras
modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas” (art. 29, X).
Noutro quadrante, a norma sobejamente conhecida dos setenta anos é
contemplada pelo art. 41, segundo o qual “os direitos patrimoniais do autor perduram por
setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a
ordem sucessória da lei civil”, aplicando-se às obras póstumas o mesmo prazo de proteção
(parágrafo único).
Aspecto crucial dos direitos patrimoniais do autor é o direito de seqüência
61
,
embora alguns lhe atribuam caráter de direito moral, por estar ligado à pessoa do autor, e
conseqüentemente à sua personalidade (Pimenta 2004:284). Esse direito vem consagrado no
art. 38 da Lei 9.610:
Art. 38. O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber,
no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente
verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais,
que houver alienado.
Parágrafo único. Caso o autor não perceba o seu direito de seqüência
no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele
devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o
depositário.
É bom lembrar, enfim, que a disciplina penal da proteção aos direitos autorais (na
qual, repita-se, se inclui a tradução) não se encontra na Lei 9.610/1998, mas sim no próprio
Código Penal, mais especificamente em seu art. 184
62
:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito
de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra
intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa
do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso,
ou de quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ Na mesma pena do § incorre quem, com o intuito de lucro
direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País,
adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou
fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de
artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou,
ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a
61
Telles Netto, transcrito por Eduardo Pimenta (2004:282-3), definiu o direito de seqüência como “o regime de
proteção do direito autoral caracterizado pela faculdade concedida ao autor ou seus herdeiros, antes de tombada a
obra no domínio público, de receberem uma percentagem do preço de venda das criações artísticas, de que
anteriormente dispuseram, quando são as mesmas vendidas”.
62
Com a nova redação conferida pela Lei 10.695, de 1º de julho de 2003.
92
expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante
cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao
usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo
e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito
de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do
autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de
quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ O disposto nos §§ 1º, e não se aplica quando se tratar de
exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em
conformidade com o previsto na Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998,
nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso
privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.
A conduta típica prevista no art. 184 do Código Penal é exemplo claro de norma
penal em branco, que é em suma aquela que exige complementação por outra norma
63
.
Enquanto o Código Penal reprime a “violação ao direito autoral”, quem define o que é e o que
não é “direito autoral” para fins de aplicação do direito brasileiro é a Lei 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, como explica Julio Fabbrini Mirabete a respeito (2005a:1.697):
Abrange a obra literária (livros e outros escritos em prosa ou verso,
discursos, sermões, conferências, artigos em jornais ou revistas, cartas etc.),
científica (que no dizer de Hungria e Fragoso Comentários ao Código
Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 7, p. 336 – incluem ‘livros ou
escritos contendo exposição, elucidação ou crítica dos resultados reais ou
pretendidamente obtidos pela ciência em todos os seus ramos, inclusive as
obras didáticas e as lições de professores, proferidas em aula e apanhadas
por escrito’) e artística (trabalhos de pintura, escultura, arquitetura,
desenhos, obras dramáticas, musicais, cinematográficas, de televisão etc.),
bem como os direitos conexos, protegidos agora expressamente na nova
redação do dispositivo.
Celso Delmanto (2002:437-9) é quem esquadrinha com maior precisão o tipo
penal de violação de direito autoral, albergado pelo art. 184 do Código Penal. Ele contém na
verdade três figuras. A primeira delas (caput) é violar (infringir, ofender, transgredir)
qualquer direito autoral. A segunda figura 1º) penaliza reprodução de obra intelectual sem
63
É do escólio de Heleno Fragoso (2004:92): “A expressão ‘lei ou norma penal em branco’ deve-se a Binding
(Blankettstrafgesetz, em alemão). Foi ele o primeiro a assinalar a existência de leis penais nas quais o preceito é
incompleto, e que são ‘como corpos errantes à procura de alma’. Chamam-se normas penais em branco aquelas
em que se apresenta incompleta a descrição da conduta incriminada, ou seja, aquelas em que o tipo deve ser
completado por outra disposição legal, existente ou futura. Na norma penal em branco não falta o preceito,
como alguns autores supõem: ele é apenas formulado de maneira genérica, sendo completado pela disposição
integradora. Como bem esclarece Petrocelli, a razão de ser de tais normas encontra-se na necessidade que a
ordem jurídica reconhece, de fornecer a tutela penal a determinadas categorias de prescrições administrativas, a
serem emanadas em relação a contingências futuras, gerais ou particulares”. Tranqüilamente se percebe que essa
última observação, conquanto não se encaixe perfeitamente nos direitos autorais (pois a norma penal em branco
o é em sentido amplo), é-lhes pertinente.
93
autorização do autor, ou reprodução de fonograma (som gravado em suporte material) ou
videofonograma (imagem e som) sem autorização do produtor. Por fim, a terceira modalidade
2º) pune a conduta de quem “distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País,
adquire, oculta” ou “tem em depósito” original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou
videofonograma produzidos com violação de direito autoral. Veja-se que nas duas últimas
figura se exige “intuito de lucro”, o que agrava deveras a pena aplicada porém demanda, para
sua aplicação, o dolo específico, como ensina a escola tradicional, ao passo que o caput
requer apenas o dolo genérico. O objeto jurídico da norma é o direito autoral, podendo ser
sujeito ativo qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo naturalmente será o autor ou
outro titular do direito autoral.
Regra relevante também se encontra no art. 186 do Código Penal
64
, pelo qual a
ação penal tendente a punir o infrator do art. 184, caput, é privada, isto é, somente se processa
mediante queixa-crime por parte do ofendido. No caso do art. 184, §§ e 2º, o legislador
reconhece maior gravidade, atribuindo-lhes ação penal pública incondicionada, isto é,
independente da vontade da vítima. Em relação ao § 3º, a ação é condicionada à representação
do ofendido perante a autoridade policial.
4.3 Proteção dos direitos autorais e sua aplicação à atividade tradutória
A esta altura se encontra o cerne da questão, que a bem da verdade não escapa de
uma conclusão séria, porém translúcida: pela lei brasileira, a proteção dos direitos autorais do
tradutor, apesar de pouco invocada junto aos tribunais, encontra-se no mesmo patamar dos
direitos autorais que protegem as obras originais, até na seara extrema do direito penal.
Nos primórdios históricos da legislação autoral, cujo nascedouro é o inglês
Estatuto da Rainha Ana (1710), ao autor era conferido somente o controle sobre a reprodução
ou publicação de sua obra original, mas não lhe cabia controle sobre trabalhos derivados
como a tradução. Ao longo do tempo houve, no entanto, decisões nas quais o direito autoral
dos tradutores foi não apenas reconhecido, como recebeu prioridade sobre o do autor da obra
original. Essa concepção oitocentista de autoria e tradução predominou até o século seguinte,
XIX, a partir do qual passou a prevalecer o conceito romântico de autoria original. Diz Venuti
64
Art. 186 do Código Penal (também com redação da Lei 10.695, de 1º de julho de 2003): “Procede-se mediante:
I - queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184; II - ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos
nos §§ e do art. 184; III - ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de
entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída
pelo Poder Público; IV - ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3º do art.
184.”
94
(1999:49) que o desenvolvimento histórico de um direito autoral exclusivista coincidiu com,
e dependeu da, emergência de um conceito romântico de autoria original”.
Tal realidade implicou a prática generalizada de abordagem indiscriminada de
autores estrangeiros, com criações adaptadas, traduzidas e publicadas no exterior sem
qualquer menção ao autor original (Rocha 2001:23/44). Foi a partir dessa base que o direito
autoral de maneira geral, e do tradutor em particular, recomeçou a trajetória legal exposta,
redundando, no Brasil, com o reconhecimento expresso pela legislação, confirmado pela lei
de regência atual (Lei 9.610/1998).
Cumpre examinar, pois, o direito posto brasileiro. Pela Lei 9.610, o art. 5º, VIII, g,
obra derivada é “a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra
originária”. O art. 7º, XI, já exposto, traz esculpida como obra intelectual protegida “as
criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou
intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: [...] XI - as adaptações,
traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual
nova”.
Neste ponto não é possível deixar de reduzir a termo notas de José Carlos Costa
Netto (1998:119), para quem se de um lado a tradução não alcança a amplitude das
possibilidades criativas” de uma adaptação, de outro a adaptação “poderá não consistir”
necessariamente em “criação intelectual nova”. Leitura desatenta poderia concluir, aqui, que a
tradução será sempre criação intelectual nova e, como tal, objeto da proteção dos direitos
autorais. Linhas antes, todavia, o mesmo autor, invocando o Novo dicionário da língua
portuguesa para conceituar a tradução como “o processo de converter uma linguagem em
outra”, exibira o devido, ao revés, no sentido de que para a tradução ser tida como obra
derivada (art. 5º, VIII, g), “criação autônoma resultante da transformação de uma obra
originária”, e assim “possa ser considerada como obra intelectual passível de proteção no
campo do direito de autor” (ou seja, merecer proteção), precisaria apresentar-se “como
criação intelectual nova” (requisito do batido art. 7º, XI, parte final). Conclui-se deste
segundo raciocínio que há traduções que são criações intelectuais novas, e outras há que não o
são. Só as primeiras são dignas da proteção autoral.
Um aparente desencontro, que na verdade não existe, ainda assim se dissolveria
de imediato. É que pela legislação nacional fica evidente que a tradução “não é mera cópia de
um texto original, mas sim um trabalho de natureza intelectual, que também envolve um
processo de criação textual por parte do tradutor” (Andrade 2007:13), o qual merece proteção
legal idêntica ao autor. Não se consideram objeto de proteção, porém (e então a resposta),
95
traduções “estritamente literais de textos rotineiros ou carentes de extensão ou complexidade,
tais como cartas comerciais, telegramas, entre outros” (Vide, Drummond 2005:28).
Ultrapassada essa questão, desponta o art. 29 da Lei 9.610, que dispõe que a
tradução, “para qualquer idioma”, depende de autorização prévia e expressa do autor, salvo o
caso de obra caída em domínio público, naturalmente, mas isso não obsta o direito autoral do
tradutor sobre a tradução que realizar de obra caída em domínio público, nos termos do art.
14: “É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no
domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução,
salvo se for cópia da sua”.
É conclusão inarredável desses dispositivos que a tradução, uma vez autorizada
pelo autor da obra original ou operada sobre obra caída em domínio público, goza de proteção
autoral equivalente a obra autoral nova, cabendo-lhe os predicados de natureza moral e
patrimonial enunciados em lei. Ora, “se a lei confere ao tradutor direitos morais e
patrimoniais sobre a sua tradução, isso significa dizer que os seus direitos coexistirão ou
concorrerão com os direitos do autor original, sem o prejuízo deste” (Andrade 2007:15). E
não custa lembrar que qualquer autorização com base no art. 29, seja do autor para a tradução,
seja do tradutor para tradução subseqüente, poderá demandar remuneração (Costa Netto
1988:120). Isso não faculta ao tradutor opor-se judicialmente a outras traduções da obra
original àquele idioma de chegada. Em caso juridicamente análogo, o Recurso Extraordinário
102.086-SP, relator o Min. Soares Muñoz, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 1984, sob
a égide da Lei 5.988/1973 (arts. 6º, 29 e 30):
O autor de adaptação de obra original devidamente autorizada
somente pode impedir a exata reprodução do seu trabalho; não tem
legitimidade para se opor a outras adaptações, visto que tal faculdade é
reservada exclusivamente ao criador da obra original. Interpretação razoável
do art. 6º, XII, da Lei 5.988/73 (Súmula 400). Recurso extraordinário não
conhecido.
Incide tanto no caso do autor como no do tradutor, por exemplo, o direito moral
“de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos
que, de qualquer forma, possam prejudicá-lo ou atingi-lo como autor em sua reputação ou
honra” (art. 24, IV). Sobre o assunto esclarece Daniela Andrade (2007:15):
Se, por um lado, o autor original possui esse direito sobre a sua obra e
também sobre a tradução dela feita isto é, o direito de ver respeitada a
integridade de seu trabalho ou de assegurar que não sejam feitas
modificações que comprometam essa integridade ou a sua reputação –, por
outro lado o tradutor também tem o mesmo direito sobre a sua tradução
isto é, sobre o texto que corresponderia ao produto final do processo de
96
tradução (e edição) de uma obra estrangeira.
Portanto, sobre um mesmo texto, sobre um mesmo produto final (uma
obra estrangeira traduzida), concorreriam ou coexistiriam os direitos do
autor original e do tradutor no que diz respeito à integridade de seus
respectivos trabalhos.
Isso significa dizer que tradutor e editor devem respeitar o autor
original, assim como o editor também deve respeitar o tradutor. Sendo
assim, o tradutor, ao fazer o seu trabalho ainda que este receba o
reconhecimento legal de trabalho criativo e autoral – deverá respeitar a
integridade da obra original. Por outro lado, a editora também deveria
respeitar o trabalho oferecido pelo tradutor, o qual, perante a lei, também
possui o status de autor (de obra derivada).
Neste tópico específico, é sabido que o tradutor via de regra possui controle
diminuto ou nulo sobre seu próprio trabalho, ou seja, sobre o texto a ser ao final publicado. As
inúmeras modificações, a configurar em tese infração ao art. 14, IV, são comumente produto
de revisores, situação que semeia grave insatisfação nos profissionais da tradução, com sérios
desentendimentos entre “os vários agentes envolvidos no processo de edição da obra
estrangeira (copidesques, revisores, editores)” (Andrade 2007:16).
A esse respeito disciplina o art. 66 da Lei 9.610, consoante o qual “o autor tem o
direito de fazer, nas edições sucessivas de suas obras, as emendas e alterações que bem lhe
aprouverem”. O parágrafo único, entretanto, ressalva: “O editor poderá opor-se às alterações
que lhe prejudiquem os interesses, ofendam sua reputação ou aumentem sua
responsabilidade”.
Lançando balizas relativamente subjetivas, a lei intenta arar sulcos de bom-senso
entre autor e editor, aliás fazendo uso do termo “autor” de modo claramente genérico, termo
que nessas circunstâncias equipara tradutores a autores. Sabe-se, por outro lado, que “a praxe
de mercado tem sido o pagamento de um valor único pela realização do trabalho de tradução”
(Andrade 2007:18). O tradutor normalmente recebe sua remuneração independentemente de
sua publicação, que terá lugar ou não ao alvedrio do editor. Em caso positivo, poderá gerar
nova remuneração ao tradutor (Costa Netto 1998:120).
Diante disso, mostra-se difícil fugir da conclusão de Lawrence Venuti (1995:112),
para quem “os tradutores são rotineiramente alienados do produto de seu trabalho [...] os
contratos padronizados os forçam a abrir mão de todos os direitos sobre o texto traduzido [...]
Os editores ainda os vêem como ‘trabalhadores de aluguel’, oferecendo-lhes um pagamento
fixo [...] e raramente cedendo-lhes parte dos direitos autorais e das vendas”.
97
Esse retrato, que a toda evidência se aplica ao Brasil, atenta não contra o
escopo geral da legislação pertinente como também contra as normas particulares aplicáveis,
que se encontram à disposição dos interessados para fazerem valer seus direitos.
4.4 O caso da trilogia O Senhor dos Anéis
Até hoje, o caso de maior repercussão sobre direitos autorais do tradutor no Brasil
foi, sem dúvida, o da trilogia O Senhor dos Anéis, clássico da literatura de fantasia, de autoria
do escritor e filólogo católico inglês John Ronald Reuel Tolkien (2003), que em linhas gerais
narra a história dos homens, numa terra imaginária (Terra-Média), em meio a seres
humanóides (hobbits, elfos, anões, orcs) e outras criaturas fantásticas. A rumorosa reportagem
da Folha de S. Paulo mencionada (Ferrari, Machado 2004) apresentou as seguintes linhas
iniciais:
A Torre de Babel tem vivido dias agitados. A normalmente plácida
comunidade dos tradutores acompanha com apreensão o desenrolar de um
processo tramitando atualmente nos corredores da Justiça de São Paulo.
Responsáveis pela tradução para o português da trilogia “O Senhor
dos Anéis”, Lenita Maria Rimoli Esteves e Almiro Pisetta entraram com
ação contra a editora Martins Fontes, que publicou a obra do romancista
inglês J. R. R. Tolkien (1892-1973).
A dupla diz que foi contratada no início dos anos 90 para o trabalho e
que não recebeu mais nenhum tostão depois que a tradução foi concluída. A
Martins Fontes se defende com a afirmação de que esse é o procedimento
corrente de todas as editoras, pagar os tradutores por empreitada, não
proporcionalmente às vendas de suas traduções.
Segundo a reportagem, em abril de 2004 foi prolatada sentença favorável aos
tradutores pelo magistrado competente da 37ª Vara Cível de São Paulo, condenando a editora
Martins Fontes a pagar 5% sobre o valor de cada exemplar vendido, montante que
ultrapassaria com folga 600 mil reais, à vista dos mais de 360 mil exemplares dos romances
de Tolkien que a editora relatou ao jornal ter vendido até então (2004), desde a publicação da
primeira edição da tradução brasileira, dez anos antes. A vencida recorreu, constando que a
própria tradutora Lenita Rimoli afirmara “muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte”.
Do outro lado, Alexandre Martins Fontes, publisher da editora que leva seus sobrenomes,
afirmou que 30 anos sua empresa lida uniformemente com as traduções, pagando um
trabalho fechado, sem nunca ter havido problemas. Editores consultados pelo jornal, como
Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, e Roberto Feith, da Objetiva, confirmaram que esse
é o modo normal da remuneração recebida pelos tradutores. Feith ainda declarou
expressamente: “Em 99,9% dos casos se paga por empreitada, não com direitos autorais”,
98
acrescentando: “Em casos extremos, quando o tradutor é um nome extremamente reconhecido
na ficção, como um [Carlos Heitor] Cony, é possível negociar que o tradutor fique com uma
proporção pequena das vendas, que gira em torno de 1%”.
A notícia sustenta que “os advogados dos tradutores usaram como base para sua
ação a lei de direitos autorais de 1998, que possibilita que o tradutor seja considerado também
um autor”, e tomou de Renato Franco Campos, advogado dos tradutores juntamente com José
Rogério Cruz e Tucci, o depoimento de que o número irrisório de ações de tradutores em
desfavor das editoras até então seria explicado pelo desconhecimento da lei: “Muitas vezes o
tradutor nem sabe que é titular de direito autoral. Ele acha que é contratado para prestar um
serviço. A editora também deve achar isso. Creio que não houve má-fé da empresa. Mas,
diferentemente do que acontece com os autores, que têm mais margem de negociação para
procurar outra editora, o tradutor é hipossuficiente na relação com a empresa”. Tucci
reconheceu que o sucesso provocado pelo lançamento dos filmes, dirigidos pelo cineasta Peter
Jackson e embasados nos livros, influenciou, e que “depois disso [dos filmes] a editora
deveria ter chamado os tradutores e feito um novo ajuste. Faltou colocar no papel a cessão de
direitos, que não pode ser feita por contratação verbal e se presume onerosa”. De fato, os
próprios tradutores aduziram desconhecimento da lei para justificar a ação mais de dez anos
depois de contratados e depois que o livro virou um fenômeno de vendas, sobretudo depois de
sua versão nos cinemas. Martins Fontes insistiu em “oportunismo”, alegando que Rimoli e
Pisetta já fizeram outras traduções para a editora, em obras de que advieram pequenas
vendagens, e que não pediram remuneração extra, muito menos judicialmente. Chamada ao
debate, Heloisa Gonçalves Barbosa então presidente do Sindicato Nacional dos Tradutores,
hoje presidido por Elizabeth Lélia Thompson (Sintra 2008) demonstrou otimismo,
exclamando que o precedente poderia mudar a situação dos tradutores no país: “É preciso que
todos os tradutores tomem essa coragem [de entrar na Justiça]: será somente pela ação
conjunta de milhares de tradutores em todo o Brasil que será possível pôr efetivamente em
prática a legislação existente – que, em si, é muito boa”.
Apunhalada em cheio pela sentença, que julgou procedente o pedido inicial, a
editora alegou ao jornal que teve sua defesa cerceada, porque não teria tido a oportunidade de
produzir provas (havida a controvérsia apenas como de direito). Além disso, a advogada da
editora, Maria Luiza de Freitas Valle Egea, declarou que sua cliente não contestou a
existência de direitos autorais por parte dos tradutores, mas apenas a forma de remuneração,
ao passo que o magistrado sentenciante teria supostamente apoiado sua decisão
principalmente numa inexistente negativa da Martins Fontes em reconhecer seus direitos
99
sobre a tradução. Completou seu raciocínio declinando que os tradutores não provaram ter
havido cessão de direitos e que a relação jurídica entre tradutores e editora se encerrou com a
entrega do trabalho e a contrapartida do pagamento, uma vez que a editora sequer se
comprometera a publicar a tradução, como de praxe. Por fim, a reportagem traz um detalhe
curioso: a Warner, distribuidora dos filmes, teria feito um acordo extrajudicial com os
tradutores, pagando a cessão de direitos autorais. A advogada respondeu que a situação da
distribuidora do filme é diferente da realidade da editora: “A encomenda de tradução é
exclusiva para livros. O fato de a Warner ter feito acordo com os tradutores não nos prejudica
caso apareça futuramente no processo”.
Observada a repercussão que o caso tomou por essas rápidas linhas, da sentença
propriamente dita
65
, lançada em 18 de março de 2004 nos autos 583.00.2002.196409-4 pelo
Juiz José Tadeu Picolo Zanoni, extrai-se o seguinte relatório, redigido direta e objetivamente,
de forma a encampar as alegações das partes:
LENITA MARIA RIMOLI ESTEVES E ALMIRO PISETTA movem
ação de procedimento ordinário contra LIVRARIA MARTINS FONTES
EDITORA LTDA. Alegam que foram contratados verbalmente pela
requerida, no começo dos anos 90, para a tradução do texto de J.R.R
Tolkien, The Lord Of The Rings (O Senhor dos Anéis). Receberam um
adiantamento para a realização do trabalho. O segundo autor também
recebeu um pagamento pela revisão do trabalho de tradução. A tradução, no
caso, é um trabalho de criação intelectual também. Esta foi elogiada pela
crítica. Os nomes dos autores aparecem com destaque no trabalho realizado,
indicando a sua qualificação profissional. Após a tradução, no entanto, a
requerida deixou de pagar qualquer outro valor. Notificaram
extrajudicialmente a requerida para prestar contas do número de exemplares
vendidos, sendo que foram lançadas diversas versões. A requerida afirmou
que nada deve. O direito dos autores está amparado pelo art. 7º, inciso XI,
da lei 9.610/98. O artigo 56 dessa lei estabelece que o contrato verbal vale
somente para uma edição. Não ocorreu a cessão definitiva dos direitos
autorais dos tradutores. Se houvesse tal cessão, teria que ser por escrito. Não
se presume a sua ocorrência. O direito autoral do tradutor vem sendo
reconhecido em julgados. A requerida teve injustificado enriquecimento
com a obra em questão, posto que os autores nada receberam pelas várias
tiragens da obra. Pedem o reconhecimento do direito deles a cinco por cento
do preço de capa de cada exemplar da obra supramencionada, sendo quatro
por cento para a autora e um por cento para o autor, a partir do trânsito em
julgado. Tal montante deverá ser pago, de forma atualizada, descontando-se
aquilo que foi recebido a título de adiantamento, também atualizado, em
liquidação por arbitramento. Juntam documentos (fls. 22/116).
A requerida foi citada (fls. 118) e apresentou contestação (fls.
130/154), com documentos (fls. 121, 123/128, 155/169). Em razão da não
65
Consigna-se aqui agradecimento ao escrivão da 37ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, Nilton Sobral da
Silva, por informações prestadas acerca da demanda.
100
especificação da época em que ocorreu a contratação, afirma que a inicial é
inepta. Alega que a presente ação é uma aventura jurídica e que os autores
tentam receber “algo”, genericamente. Os autores vêm filtrando os
argumentos desde a notificação extrajudicial, quando pediram pagamento
pela cessão da obra para filme, o que foi feito diretamente pelos herdeiros
do autor da obra. Afirma que na época da contratação era feito pagamento
único para a tradução, como ocorre até hoje. Também argumenta que o
direito dos autores está fulminado pela prescrição, nos termos do art. 178,
parágrafo 10, inciso VII, do Código Civil. Afirma que a relação jurídica,
consistente na tradução da obra, é incontroversa. Também pede a carência
de ação por falta de interesse de agir. A prescrição ocorre em razão do prazo
de cinco anos para o ajuizamento do pedido. A presente foi proposta após
oito anos e um mês da primeira edição da obra, que aconteceu em agosto de
1994. O art. 131 da lei 5.988/73 já estabelecia o prazo de cinco anos,
também. Acolher a presente ação seria premiar a inércia dos autores, que
esperaram todo esse tempo para ingressar com a presente. Reafirma que os
autores foram contratados para a realização da tradução e não de acordo
com o resultado econômico da exploração da obra. Naquela época a obra era
importante em seu segmento, mas não era um sucesso de vendas. Isso
aconteceu depois da adaptação cinematográfica. Os autores também
realizaram outros trabalhos para a requerida e foram pagos da mesma forma.
Não estão pedindo a mesma coisa para as outras traduções. Os documentos
juntados pelos autores comprovam que eles foram contratados pela tarefa a
ser realizada. A requerida traz documentos comprovando que os autores
continuam sendo pagos da mesma forma em outros trabalhos mais recentes.
Argumenta que os autores estão litigando de má-fé e pede ou o acolhimento
das preliminares ou a improcedência do pedido inicial.
Foi apresentada réplica (fls. 171/187, com documentos). Dizem que a
tradução se estendeu por mais de um ano e meio. O fato gerador do dever de
indenizar ocorreu com a publicação sucessiva da obra. O problema está no
não pagamento dos direitos dos autores a partir das sucessivas edições da
obra. A prescrição de cinco anos estaria afastada, portanto. Os cinco anos
começam a partir de cada violação do direito e não da data da ciência do
fato pelo proprietário. Volta-se à questão da cessão dos direitos autorais
relativos à tradução. Esta deve ser sempre feita por escrito.
Os autores pediram o julgamento antecipado da lide, posto que a
questão colocada é de direito (fls. 189/190). A editora pediu a produção de
prova testemunhal (fls. 191). Foi designada audiência nos termos do art. 331
do CPC (fls. 195). Nesta (fls. 196/197), sem acordo, foi determinada a
conclusão dos autos.
Ao fundamentar sua decisão, em julgamento antecipado, pela procedência do
pedido, o juiz afastou os óbices levantados pela ré. A prescrição foi rejeitada em função das
várias reimpressões e da edição conjunta, de 2001. À vista das três traduções para a língua
portuguesa existentes (uma portuguesa, de 1977, de Fernanda Pinto Rodrigues; a primeira
brasileira, de 1979, de Luiz Alberto Monjardim; e a segunda brasileira, de 1988, dos
demandantes), o exame da lei aplicável (Lei 9.610/1998) levou à ilação imediata, por parte do
101
julgador, de que “a tradução gera direitos autorais”, dedução que foi ilustrada por interessante
julgado de 1994 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação Cível 205.729-1,
relator o Des. Guimarães e Souza, ainda sob a batuta da Lei 5.988/1973:
DIREITO AUTORAL Indenização Perdas e danos Tradução de
livro Divulgação de obra sem a indicação dos nomes dos tradutores
Violação ao disposto no art. 25, II, da Lei 5.988, de 1973 Verba devida
Obrigatoriedade, ademais, da inclusão de errata nos exemplares ainda o
distribuídos e comunicação em jornal de grande circulação, divulgando os
nomes dos autores como tradutores da obra – Recurso parcialmente provido.
Perceba-se que o art. 25, II, da Lei 5.988/1973, colhido pelo precedente paulista,
foi repetido ipsis litteris no art. 24, II, da vigente Lei 9.610/1998: “Art. 24. São direitos
morais do autor: [...] II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou
anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra”. Nova e clara demonstração de
que o direito autoral é estendido plenamente ao tradutor na proteção de sua criação intelectual.
Não diferentemente concluiu o sentenciante:
a) o trabalho do tradutor gera direitos autorais; b) não é tarefa sobre a
qual pode-se pagar um preço fixo ao tradutor; c) na falta de estipulação por
escrito, que deve existir sempre, não se presume qualquer cessão de direitos;
d) qualquer negócio relativo a direitos autorais tem interpretação restritiva
(artigo da lei). No presente caso, como não houve qualquer estipulação
por escrito das partes, presume-se que as verbas pagas anteriormente tenham
sido a título de adiantamento. A requerida deve os direitos aos autores, a
título de tradução, no montante mínimo de cinco por cento do preço de cada
exemplar, valendo o art. 38 da lei 9.610/98 como base para isso.
Com base nessas proposições, foi acolhido o pedido formulado pela tradutora e
pelo revisor:
Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial para declarar que os
autores possuem o direito de receber cinco por cento a título de direitos
autorais sobre o preço de capa de cada exemplar da obra O Senhor dos
Anéis, sendo quatro por cento para a autora Lenita e um por cento para o
autor Almiro; condeno a requerida a pagar aos autores o percentual de cinco
por cento sobre o preço de cada exemplar comercializado, monetariamente
corrigido, compensando-se o valor pago aos autores a título de
adiantamento (excluindo-se o valor pago pela revisão). Por exemplar
comercializado entenda-se aqueles que são apenas parte da obra mencionada
e pela edição em conjunto de todos eles. A presente condenação será
apurada em liquidação por arbitramento. A requerida deverá pagar as custas
e despesas processuais, além dos honorários advocatícios dos autores, que
fixo em dez por cento do valor da condenação.
Como noticiou o jornal, dessa sentença (lembre-se: de 18 de março de 2004) a
editora recorreu. Aguardando julgamento a apelação no Tribunal de Justiça, as partes
102
compuseram a lide, e em 22 de fevereiro do ano seguinte, 2005, protocolaram conjuntamente
uma transação extrajudicial, requerendo a extinção do processo, com resolução de mérito, nos
seguintes termos básicos:
1. Ressalvado o entendimento contrário da Requerida quanto ao
mérito do presente litígio, obriga-se ela, para abreviar a demanda, a pagar
aos Requerentes a quantia líquida (i.é., sem qualquer retenção na fonte),
total e atualizada, de R$ 172.500,00 (cento e setenta e dois mil e quinhentos
reais), a título de restituição patrimonial, reembolso de custas processuais e
honorários advocatícios dos patronos por eles contratados.
2. A Requerida se compromete a pagá-la aos Requerentes e aos seus
patronos em três (3) parcelas iguais, mensais e sucessivas, de R$ 57.500,00
(cinqüenta e sete mil e quinhentos reais) cada uma, respectivamente, em
de março, 2 de abril e 2 de maio de 2007, mediante depósito bancário, de
conformidade com os seguintes dados:
a) R$ 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos reais) em nome de
Lenita Maria Rímoli Esteves [...];
b) R$ 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos reais) em nome de
Almiro Pisetta [...];
c) R$ 10.000,00 (dez mil reais) em nome de Cibelle Pinheiro Marçal
Tucci [...];
d) R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) em nome de Renato Luiz
Franco de Campos [...].
Embora o caso da trilogia O Senhor dos Anéis tenha sido emblemático, até porque
confrontou uma grande editora e obteve repercussão nacional, a transação operada entre
tradutora, revisor e editora fez com que não houvesse apreciação da matéria pela segunda
instância e tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem a palavra final na
interpretação da legislação federal
66
, caso da Lei 9.610/1998. Portanto, remanescem
basicamente duas dúvidas fundadas: primeira, se essa iniciativa destemida será seguida por
outros tradutores em busca de seus direitos autorais; segunda, válida apenas e tão-somente
caso o decurso do tempo responda positivamente à primeira, se o Judiciário prosseguirá dando
à proteção inscrita na Lei 9.610/1998 ao trabalho do tradutor a larga abrangência pretendida
pelo legislador. Como a Folha de S. Paulo encerrou sua reportagem, “tradutores e editores
esperam os próximos capítulos”.
66
Por força do art. 105, III, da Constituição Federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mais verossímil utilidade destas páginas, se é que alguma de nelas enxergar
o leitor, é chamar a atenção para a trajetória e para a atualidade das normais legais às quais
estão sujeitos os tradutores, públicos ou não, na observância de seus deveres e na defesa de
seus direitos.
No limiar da evidência dos laços entre a tradução e o direito, viu-se que eles se
exibem primordialmente em três planos: o plano teórico-doutrinário da tradução, que traz a
incorporação de obras e idéias ao direito brasileiro mediante processos de tradução realizados
a partir de fontes estrangeiras; o plano propriamente jurídico da tradução, comumente
identificado na doutrina estrangeira pela expressão legal translation, que é a tradução de
documentos públicos ou textos legais, os quais viriam a produzir no caso concreto os
consectários jurídicos produzidos pelo texto de partida, independentemente dos destinatários
da tradução; e o terceiro e último, o plano técnico-jurídico da tradução, que engloba a parte
prática do direito que a legislação infunde no profissional militante da tradução, tanto no
sentido de observar nas normas em vigor as oportunidades em que os tradutores são
requisitados e têm sua atividade recebida ou refletida no mundo jurídico, como no sentido de
delinear a proteção que o ordenamento jurídico lhes confere, por direitos, e as obrigações que
lhes impõe, por deveres. Foi este terceiro plano, quiçá o de perspectiva mais certa e
determinada entre os três, o objeto desta pesquisa. Como se pôde perceber, nenhum dos dois
primeiros planos foi deliberadamente focado, mas apenas tangenciados, num intuito
meramente didático e ilustrativo, à proporção que acompanhassem o terceiro.
A pesquisa foi estimulada pela pouca atenção acadêmica que se tem dado ao
estudo da tradução no e à vista do direito positivo brasileiro, notadamente a partir da
intensa produção legislativa dos últimos anos (a “fúria legiferante”, disseram alguns).
Sobressaem o novo Código Civil, de 2002, e a Lei 9.610, que consolidou a disciplina dos
direitos autorais no Brasil, já não tão recente, de 1998, formando um cenário em que a falta de
debates intensos sobre os direitos dos tradutores parece mesmo constituir uma lacuna, até
porque o fato inegável e até clamoroso de que diversas leis brasileiras mencionam
expressamente a atividade do tradutor.
O trabalho acabou dividido em quatro eixos: Escorço histórico-jurídico da
tradução no Brasil; A tradução juramentada no Brasil; A tradução no ordenamento jurídico
brasileiro; e Direitos autorais do tradutor. Isso porque foi impossível deflagrar o exame das
relações entre direito e tradução no Brasil sem se defrontar com a história da tradução no
104
Brasil. O caso brasileiro, aliás, se distinguiu exatamente pela progressiva ocupação de
espaços, por parte do “mundo jurídico”, no campo das atividades profissionais do tradutor, o
que ficou bem constatado. Essa realidade implica que estudar os elos entre direito e tradução
no Brasil demanda voltar os olhos a incontáveis fatos e pontos específicos do complexo
desenrolar de acontecimentos que compõem a história da tradução nacional.
Se acaso ficou evidenciado que traçar a história completa da tradução no Brasil é
tarefa hercúlea, também é verdade que tampouco foi o objetivo desta pesquisa, em cujo
escopo não estava sequer escrever uma história delimitada da tradução no Brasil. A história da
tradução que se buscou, cingida aos alicerces das avenidas que conduziram ao momento
presente no qual o tradutor e sua atividade se encontram previstos, de uma forma ou de
outra, nos mais relevantes ramos do direito, e viu-se que isso não é de hoje –, foi, pois, uma
história estritamente jurídica da tradução no Brasil, com vistas a, sem desprezar o contexto
histórico mais imediato, apontar os fatos jurídicos, não raro antecedidos de fatos políticos
ensejadores, que acabaram por impor a notável normatização que cerca a atividade do tradutor
brasileiro.
Outra constatação de peso é a de que em cada um dos períodos com que a
historiografia tradicional divide a História do Brasil (Colônia, Império e República) a
tradução se apresenta com caracteres próprios, preponderantes: o colonial com a tradução
oral, bem representada pelo língua; o imperial com a participação da tradução escrita na
formação cultural das elites e com as funções oficiais com que a legislação nacional ia
vestindo o tradutor; e, por fim, o republicano, com a consolidação da “juridicização” da
tradução e do tradutor.
Acelerando o passo, o apontamento e a contextualização dos principais marcos
jurídicos que acompanharam a história da tradução e da profissão de tradutor no Brasil
possibilitaram o desvendar do tradutor juramentado ou, melhor dizendo, do tradutor público e
intérprete comercial, figura-chave dessa história e personagem que remanesce, como ontem,
insondável ou até invisível tanto a juristas como a tradutores. Isso é ainda mais curioso ao
recordar-se que quando se fala a um tradutor sobre direito, ou a um jurista sobre tradução, seu
primeiro pensamento será provavelmente a tradução juramentada, ponto de contato óbvio mas
também nebuloso.
O próprio termo “tradução juramentada” tem origem remota, em lei espanhola de
4 de outubro de 1563, pela qual o rei Felipe II ordenou que houvesse intérpretes em audiência
em que alguma das partes não soubesse se expressar em castelhano, devendo os tradutores
“jurar” seu comprometimento com uma tradução “boa e fiel”.
105
Na atualidade os tradutores juramentados encontram-se sob o pálio das Juntas
Comerciais, instaladas em todos os Estados Federados e subordinadas duplamente:
administrativamente aos governos estaduais e tecnicamente ao Departamento Nacional de
Registro do Comércio DNRC. A norma que embasa o ofício é o Decreto 13.609, de 21 de
outubro de 1943, que “estabelece novo Regulamento para o ofício de Tradutor Público e
Intérprete Comercial no território da República”, diploma ainda em vigor que regulamentou a
profissão de forma a abarcá-la, e com pretensão definitiva. Ao seu lado se acha a Instrução
Normativa 84 do DNRC, de 29 de fevereiro de 2000, que “dispõe sobre a habilitação,
nomeação e matrícula e seu cancelamento de Tradutor Público e Intérprete Comercial e
outras providências”. Antes de mais nada, as duas normas uma legal e outra administrativa
reafirmam o título oficial do cargo incumbido da tradução juramentada: “tradutor público e
intérprete comercial” (art. do Regulamento a que se refere o Decreto 13.609/1943 e art.
da Instrução Normativa 84/2000).
Grosso modo, a tradução juramentada é aquela que cumpre os requisitos legais
necessários para que um documento tenha validade legal num país de língua diferente da
língua do país emissor, assim diferenciando-se das demais, legalmente não consideradas
juramentadas e, portanto, simples sem que se deseje afirmar com isso que uma seja
essencialmente melhor do que outra.
Como foi visto, é o Decreto 13.609/1943 que regulamenta a profissão de tradutor
público. Segundo esse decreto, o ofício de tradutor público e intérprete comercial é exercido
mediante concurso de provas e nomeação nos Estados Federados pelas Juntas Comerciais (art.
1°), vinculadas administrativamente aos respectivos governos, enquanto no Distrito Federal
(Lei 4.726/1965) a Junta Comercial é vinculada diretamente ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que a todas orienta nos aspectos técnicos.
Pode-se asseverar com ampla margem de certeza que o ofício de tradutor público
e intérprete comercial o tradutor juramentado permanece pouco conhecido em qualquer
meio, desde os leigos até os profissionais, o que também não impede se reconheça que nos
últimos anos essa situação vem-se alterando, ainda que não decisivamente, mas o suficiente
para ressaltar os raros concursos, o que dificulta o acesso à profissão, e a não-exigência de
formação acadêmica específica para o exercício da função.
Numa comparação com países vizinhos, como Uruguai e Argentina, ou ainda com
países centrais, como Espanha, Reino Unido e Estados Unidos da América, descobriram-se
contornos bastante variáveis. No Uruguai, exigem-se quatro anos de traductorado na
faculdade de direito da Universidade da República para obter-se o título de tradutor público, o
106
qual, para atuar perante órgãos oficiais, deve estar registrado no Colegio de Traductores
Públicos del Uruguay. Na Argentina o traductor público é ligado a uma carreira universitária.
Na Espanha o traductor jurado é também um profissional liberal, beneficiário do Tratado de
Roma, que franqueia a circulação de trabalhadores pelo espaço comunitário europeu. No
Reino Unido, noutra vertente, não tradução juramentada nem tradutores públicos como
se conhecem na Europa continental ou na América Latina, conquanto isso não impeça que
alguns tradutores “jurem” a tradução perante um tabelião (notary), ou mesmo diante de um
advogado (solicitor), como artifício para dar maior credibilidade ao trabalho, chegando ao
ponto de intitularem-se sworn translators ou certified translators. Por último, nos Estados
Unidos da América, país tributário do sistema de common law, também não existe tradução
juramentada propriamente dita, embora a American Translators Association outorgue
certificação aos tradutores de alguns idiomas mediante exames escritos e alguns órgãos
públicos possuam regras próprias no trato com a questão, bem como se observam práticas
semelhantes à inglesa perante notário (notary public).
O terceiro módulo foi talvez o mais relevante e versou sobre a tradução no
ordenamento jurídico nacional. Coerentemente, buscaram-se não elementos da tradução
jurídica, mas sim elementos jurídicos que abarcassem a tradução. Pela plêiade de normas
expostas, demonstrou-se mais uma vez que o desenrolar da tradução no Brasil foi e prossegue
gravado pelo apanágio da “juridicização”, se não bastassem os caracteres veementemente
jurídico-formais de que se reveste a tradução juramentada em nosso país.
O direito civil foi o ponto de partida mais seguro, porquanto o tradutor pode ser
chamado a participar da produção de todas as provas previstas, a teor do art. 224 do Código
Civil: “Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para
ter efeitos legais no País”. Já o direito processual civil, ainda que longe de ser o único ramo
do direito que albergue o tradutor ou o intérprete, também se presta à diferenciação, um tanto
hesitante, que percorre toda a legislação brasileira: vincular o termo “tradutor” à modalidade
escrita e o termo “intérprete” à tradução oral. Seu art. 151, aliás, dispõe que “o juiz nomeará
intérprete toda vez que o repute necessário para: I analisar documento de entendimento
duvidoso, redigido em língua estrangeira; IIverter em português as declarações das partes e
das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional; III traduzir a linguagem mímica
dos surdos-mudos, que não puderem transmitir a sua vontade por escrito”. Desde logo se
percebe que a primeira clave não seria cabimento de “intérprete”, mas de “tradutor”.
Do lado penal, o direito material alcança a tradução a partir da tipificação criminal
de duas condutas principais: a primeira prevista no art. 342, de epítome “falso testemunho ou
107
falsa perícia”, e a segunda no art. 343, na seqüência complementar. No entanto, viu-se que
inúmeros delitos podem ser praticados por tradutor ou contra a integridade de seu trabalho:
coação no curso do processo (art. 344), exploração de prestígio (art. 357), estelionato (art.
171), prevaricação (art. 319) etc. A violação dos direitos autorais, também crime previsto no
Código Penal (art. 184, caput), só seria estudada no último capítulo. Elegeram-se aqueles dois
crimes apontados inicialmente porque se dirigem diretamente à participação do tradutor
perante a autoridade pública, além do que são restritos aos atores que mencionam
(testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete). O Código de Processo Penal, por sua
vez, traz em seu bojo vários dispositivos acerca da atuação dos tradutores e intérpretes, a
exemplo do art. 193, segundo o qual “quando o interrogando não falar a língua nacional o
interrogatório será feito por meio de intérprete”, e do art. 223, caput: “Quando a testemunha
não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e
respostas”. Ou, mais adiante, o destacado art. 236: “Os documentos em língua estrangeira,
sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público,
ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade”.
O tradutor/intérprete é quase uma “figura carimbada” na legislação brasileira, em
seguidas hipóteses de complexidade variada. Não se esqueça que foram veiculados os ramos
fundamentais do dia-a-dia do operador jurídico: direito civil, direito processual civil, direito
penal, direito processual penal. Daí se atingiram outros ramos, não apenas o direito autoral do
tradutor, que foi deixado para o final, mas a execução penal (art. 2º, caput, da Lei
7.210/1984), o direito do consumidor (art. 90 da Lei 8.078/1990), o direito do trabalho (art.
769 do Decreto-Lei 5.452/1943) e até o direito administrativo, e de soslaio o protagonismo
manifesto do tradutor e do intérprete no direito internacional.
No ápice da caminhada emergiu o direito autoral do tradutor, parte da grande
família da propriedade intelectual, que se divide em direitos autorais, de um lado, e direito
industrial ou propriedade industrial, de outro. Sem se importar em apurar se o direito autoral,
de forma geral, ostenta proteção efetiva no Brasil, ou mesmo quando precisamente a tradução
passou a contar com idêntica proteção legal, buscou-se comprovar que legalmente já não pode
haver dúvida de que a obra traduzida, no Brasil, é tão objeto de cobertura legal quanto a “obra
original”. Sem embargo, o direito brasileiro iguala categoricamente a proteção a que faz jus o
tradutor àquela a que faz jus o autor, e a ausência de estudos difundidos a esse respeito não
obsta o reconhecimento do patente: a obra traduzida foi igualada categoricamente como
passível de proteção judicial com fulcro no art. 7º, XI, da Lei 9.610/1998.
108
A rigor, essa atual Lei dos Direitos Autorais, dando vazão ao esquema normativo
anterior (Lei 5.988/1973), alinhou os direitos autorais em dois sulcos: morais (arts. 24 a 27) e
patrimoniais (arts. 28 a 45), depois do que apresentou as limitações aos direitos autorais (arts.
46 a 48) e os trilhos de transferência dos direitos de autor (arts. 49 a 52). Também não custou
lembrar, nessa altura, o regramento penal da proteção aos direitos autorais, tradução inclusive,
que não se encontra na Lei 9.610/1998, mas no próprio Código Penal, em seu abrangente art.
184. A conclusão não poderia ser diversa, apesar de pouco anunciada: defrontam-se os
profissionais com a proteção dos direitos autorais do tradutor em estágio equiparado àquela
dos direitos autorais que se voltam às obras originais, por determinação legal, e nisso se
incluem até as medidas de força do direito penal.
A condição descrita, que encampa o desprestígio freqüentemente experimentado
pelos tradutores em face dos autores (para não falar dos editores), não encontra respaldo na
legislação; ou melhor, encontra ali base distinta. Nessa linha, a batalha judicial travada entre
tradutores e editora no rumoroso caso da trilogia O Senhor dos Anéis foi ilustrativa do poder
que os tradutores naturalmente enfeixam sobre suas próprias criações. É verdade que esse
embate foi ilustrativo, elucidando a sujeição do tradutor ao império das editoras, com quem
não obtêm o tratamento dispensado aos autores, ainda quando se dedicam a traduções de
grandes clássicos. Não deixa de ser lamentável que o acordo celebrado entre as partes tenha
impedido que a questão ascendesse aos tribunais superiores e mesmo ao tradicional tribunal
paulista, onde certamente receberia a atenção devida.
Quando se fez questão de relembrar, no alvorecer de nosso impulso, que Pontes
de Miranda (2002:44-5) deixara dito que o Código Criminal do Império do Brasil, de 1830,
considerava furto, por seu art. 261, “imprimir, gravar, litografar, ou introduzir quaisquer
escritos” que tivessem sido “traduzidos por Cidadãos Brasileiros” e, indo além, que nesse
campo “nenhuma regra jurídica latino-americana” lhe era anterior, naquele momento
verberou-se que estava na hora de honrar esse pioneirismo, em nome da integridade do
trabalho do tradutor, bem que lhe é mais caro.
Por fim, pode parecer supérfluo deter-se no fato de que a pesquisa apresentada se
deparou com a imprescindibilidade de abdicar de aspectos vicinais, oriundos no mais das
vezes da riqueza advinda do plexo de realidades (jurídica, literária, filosófica, histórica,
econômica e até política) a que estão sujeitos os tradutores e intérpretes no exercício de seus
misteres. Se não ombreou os largos horizontes da matéria, isso não impede que se expresse a
esperança de que tenha modestamente se agregado aos contínuos esforços daqueles, melhores,
que certamente haverão de desincumbir-se dela a contento. Ficam votos também de que a
109
classe profissional dos tradutores, ainda invisível, tome em consideração atentamente e exerça
com destemor a sólida repercussão que sua atividade encontra não em enunciados bem-
intencionados ou em construções teóricas, por mais elaboradas que sejam, mas explicitada no
direito positivo brasileiro.
REFERÊNCIAS
Legislação e jurisprudência
BRASIL. Código Civil. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de
Antonio Luiz de Azevedo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 58.
ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
______. Código Comercial. Lei 556, de 25 de junho de 1850. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0556-1850.htm>. Acesso em: 5 jan. 2007.
______. Código de Processo Civil. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antonio Luiz de Azevedo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e
Lívia Céspedes. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
______. Código de Processo Penal. Obra coletiva de autoria da Editora Revista dos
Tribunais, organizado por Luiz Flávio Gomes. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
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Relator: Min. Teori Zavascki. j. 14-9-2004. DJU 27-9-2004, p. 255.
______. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Recurso Especial 151.079-SP. Relator:
Min. Barros Monteiro. j. 24-8-2004. DJU 29-11-2004, p. 341.
______. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Recurso Especial 434.908-AM. Relator:
Min. Aldir Passarinho Júnior. j. 3-4-2003. DJU 25-8-2003, p. 313.
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Relator: Min. Adhemar Maciel. j. 19-9-1995. DJU 27-11-1995, p. 40.928.
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