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André Luís Sanchez Cezaretto
A Vaca vai para o brejo:
urbanidade e juventude através da revista Chiclete com Banana (1985-
1990)
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de Mestre em História Social, sob a orientação da
Profa. Doutora Heloísa de Faria Cruz.
SÃO PAULO
2010
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CEZARETTO, André Luís Sanchez. A vaca vai para o brejo: urbanidade juventude
através da revista Chiclete com Banana (1985-1990).
ERRATA
Nos Agradecimentos, ao final da linha 26, incluir:
Também agradeço as palavras do professor Marcos Antônio da Silva que, na
Qualificação e Defesa, fez ricos comentários, críticas e acréscimos e estimulando este
pesquisador a dar continuidade e aprofundar sobre o tema em pesquisas futuras.
Na página 28, incluir a seguinte nota de Rodapé:
Vale destacar que Angeli continua ainda hoje produzindo suas tiras diárias e suas
charges para o jornal Folha de São Paulo bem como criando personagens. Nesta década
podemos citar o exemplo das personagens adolescentes Luke&Tantra. Seus
personagens e histórias mais famosas também são periodicamente publicados em
coletâneas.
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Banca Examinadora
____________________________
____________________________
____________________________
3
Para Lê,
Meu amor
4
AGRADECIMENTOS
Quero iniciar agradecendo minha esposa, Lenise Varanda Cezaretto, pelo
incentivo, atenção às minhas dúvidas, angústias e descobertas bem como pela
paciência e compreensão pelos inúmeros fins de semana sem pizzaria, cinema, bar
e minha devida atenção.
Este trabalho se concretizou pela inestimável orientação da Profa. Dra.
Heloísa de Faria Cruz. Sua objetividade, observações e apontamentos sobre as
fontes e as minhas análises foram extremamente ricas. Sou grato à sua paciência
com as minhas dificuldades nos últimos instantes de trabalho. Muito obrigado.
A idéia de se desenvolver essa pesquisa utilizando histórias em quadrinhos
como fonte de pesquisa não seria possível sem que eu descobrisse com meus pais,
Venâncio Cezaretto e Vera Lúcia Sanchez Cezaretto, o prazer por esse tipo de
leitura desde criança, e me proporcionarem uma criação privilegiada e uma
oportunidade de reconhecer o real sentido da Vida. À minha irmã, Maíra Sanchez
Cezaretto, também meus agradecimentos por quase dez anos insistência para que
eu caminhasse para o mestrado.
Meus padrinhos Olga e Agenor Figueiredo Fasano, bem como alguns amigos
muito próximos de meus pais, e meus amigos, portanto, como o Gilberto e Irani
Preto e Ezaltina Fraga, que não estimularam meu gosto pelos quadrinhos como
deram apoio para minha formação em História e a consequente carreira de
professor. A eles, portanto, o mérito de fazer brotar em mim o desejo, desde cedo,
pelas humanidades, educação e pela academia.
Este trabalho começou ainda no Lato Sensu, sob a orientação da Profa. Dra.
Yone de Carvalho, a quem sou muito grato pela colaboração em transformar uma
idéia em um projeto de pesquisa e por ter acreditado nesta pesquisa. À Profa. Dra.
Estefânia Knotz C. Fraga, por ter aberto meus olhos para a cidade e pela dedicada
atenção que deu a esta pesquisa em diversos momentos.
A alguns professores e colegas também devo meus sinceros agradecimentos.
À Profa. Dra. Vera Lúcia Vieira e ao Prof. Dr. Antônio Rago Filho pelas aulas e
comentários e, aos colegas e professores Márcio Leopoldo Gomes Bandeira e
Mônica dos Santos Quaresma, por terem colaborado com a ampliação da hipótese e
incentivado a realização deste trabalho. Meus sinceros agradecimentos à Elizete
5
Zanotti que fez um enorme esforço para que este texto ficasse impecável e dentro
do prazo.
Agradeço também a CAPES, agência financiadora pela bolsa concedida a
este pesquisador, sem a qual seria impossível seguir adiante.
Devo, por fim, mas que é na realidade o centro de tudo, meus mais profundos
agradecimentos ao meu Mestre, o Dr. Celso Charuri, pela confiança no reino de
todas as possibilidades, despertando meu desejo de ser útil no meio em que me
encontro. Muito obrigado, Amigo.
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RESUMO
CEZARETTO, André Luís Sanchez. A vaca vai para o brejo: urbanidade juventude
através da revista Chiclete com Banana (1985-1990).
Este trabalho teve como objetivo uma análise do cotidiano da vida urbana em São
Paulo no período entre 1985 e 1990, através da revista Chiclete com Banana, de
autoria do cartunista Angeli. A escolha da revista como fonte de pesquisa se deu
pela riqueza do olhar de seu cartunista para uma variedade de temas sobre o
período em questão. Assim, a pesquisa foi encaminhada da seguinte maneira: Na
Introdução, fez-se uma reflexão sobre a utilização de histórias como fonte primária
de pesquisa para o historiador, daí partindo-se para os três capítulos; 1- No primeiro,
foi feita uma abordagem geral da revista, observando todos seus aspectos
constituintes além das HQs em si e buscando seus temas mais recorrentes, partindo
de um ponto que era entender a visão de mundo de Angeli e, dessa forma,
compreender de onde partia seu humor; 2- No segundo capítulo foi dedicado
exclusivamente ao olhar de Angeli para a cidade de São Paulo, entendendo que
suas representações da metrópole interferiam significativamente na própria
caracterização de seus personagens e sendo, então, fundamental no
desenvolvimento das narrativas; 3- Por fim, o terceiro capítulo foi dedicado a
percepção de Angeli sobre as juventudes que se apresentavam no período,
observando que o autor as diferenciava em dois grupos básicos, o primeiro oriundo
da classe média, pequeno burguês da qual partiam manifestações vazias de
conteúdo e até mesmo conservadoras e, o segundo grupo emergente das classes
mais pobres, das quais se apresentavam manifestações com um conteúdo rebelde
mais original e que dialogava com Angeli na seção de cartas. Por fim, a abordagem
de personagens como Meiaoito, Wood&Stock e Bordosa apresentou uma rica
comparação entre as manifestações juvenis do anos 60 com as dos anos 80.
Palavras-chave: Angeli, Chiclete com Banana História em Quadrinhos, Nova
República, Cultura Urbana, Juventudes.
7
ABSTRACT
This essay had the objective of analysing the urban daily life in São Paulo during
1985 and 1990, by using the comic “Chiclete com Banana”, by Angeli. The rich
cartoonist’s point of view about several themes from the mentioned period was the
reason to choose this cartoon as the source of this research. Therefore, it was
organized as follows: At The Introduction there was a consideration about the usage
of stories as primary source for research to the historian, then comes the following
three chapters. 1- At the first one there was a general approach to the cartoon,
observing its essencial aspects besides HQs themselves and searching the common
themes, the beginning point was to understand Angeli’s view of the world in order to
comprehend where his humor came from; 2- The second chapter was exclusively
dedicated to Angeli’s view of São Paulo city, noticing that his representations of the
capital significatively interfered at his own characters characterization which was
essential to the story development; 3- At last, the third chapter was dedicated to
Angeli’s perception of the youths from that period, checking that the author
distinguished them in two basic groups, the first from a middle class, the little
bourgeois with empty manifestations in terms of contents and also conservative
ones, and the second emergent group, the lower class appeared with defiant and
original contents and communicated with Angeli through the letters section. Finally,
an approach to the characters such as Meiaoito, Wood&Stock e Bordosa
presented a rich comparison among youth manifestations from the sixties and the
eighties.
Keywords: Angeli, Chiclete com Banana, Comics, New Republic, Urban Culture,
Youths.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
.........................................................................................
11
CAPÍTULO 1
............................................................................................
28
1.1 O olhar de Angeli sobre o tempo da Nova República............................
34
1.1.2 Abaixo a Direita.................................................................................
34
1.1.3 O sexo frágil.....................................................................................
52
1.1.4 A favor da liberdade de expressão e da libertinagem em expansão..
58
1.1.5 A voz do dono.....................................................................................
63
CAPÍTULO 2
..........................................................................................
68
2.1 O lugar de onde se vê a cidade............................................................. 69
2.2 A super-cap São Paulo na revista Chiclete com Banana......................
71
2.2.1 Assim caminha a cidade..................................................................... 73
2.2.2 Na quebrada da esquina.....................................................................
82
2.2.3 Nos bares da vida............................................................................... 87
2.2.4 O banheiro existencial........................................................................
90
2.2.5 Novelinhas das oito.............................................................................
94
CAPÍTULO 3
............................................................................................
98
3.1 New Imbeciw..........................................................................................
105
3.2- Bob Cuspe e a escarrada da plebe......................................................
113
3.3- Upper cut: porradas, elogios e desejos dos leitores.............................
125
3.4- Os últimos dos dinossauros..................................................................
136
CONCLUSÃO
.........................................................................................
145
FONTES
....................................................................................................
148
BIBLIOGRAFIA
.......................................................................................
149
ANEXOS
...................................................................................................
152
9
PRÓLOGO
Em fins de 1990, ouvi no rádio a notícia que o cartunista Angeli estava
lançando uma revista com suas histórias e faria uma noite de autógrafos em uma
livraria da rua Oscar Freire. Para seguimos eu que aos 15 anos de idade era
um assíduo leitor –, minha e, Vera, minha irmã Maíra, meu primo Evandro e
minha prima Silene. Mal chegáramos, eu e meu primo nos deparamos com um
colunista da revista, Guto Lacaz, vestido de terno escuro e papete com meias
brancas, o que nos causou boas risadas. Ele era tal qual o personagem da revista.
Atrás da mesa, estava Angeli. Minha prima, logo reconhecendo o porquê da fama
de galã do cartunista, sussurrou ao do meu ouvido "Pede pra ele colocar o
telefone junto com a assinatura" – de brincadeira, claro.
Quando peguei a revista em minhas mãos... uma decepção. Era uma
coletânea de famosas histórias. Na hora em que Angeli foi autografar a minha
revista, não aguentei e perguntei:
- Angeli, por que histórias repetidas?
- Ah, isso é muito comum! Os artistas costumam relançar antigas histórias de
sucesso, em papel nobre, para os colecionadores. Acontece muito nos Estados
Unidos e na Europa. Respondeu-me o cartunista.
Depois de mais alguns minutos na loja, quase indo embora, percebi que
estava insatisfeito com a revista e, obviamente, com a resposta. Sem conflitos, voltei
para Angeli e novamente o interroguei.
- Pô, mas as mesmas histórias? Eu tenho todas elas.
- Cara, é o seguinte: eu preciso pagar meu aluguel. Disse Angeli, encerrando a
questão.
Claro que a resposta foi motivo de riso generalizado na loja, incluindo o meu.
“O cara fazia piada a qualquer hora”, pensei.
Como razoável colecionador de quadrinhos, entendo a importância da
primeira resposta e da segunda também justamente hoje, quando as revistas
não são mais publicadas e as existentes se tornaram a minha principal fonte de
pesquisa. A revista em melhor condição é exatamente aquela adquirida naquele dia.
Creio que todo leitor mais frequente de quadrinhos, com hábito de comprá-
10
los, acabe por colecioná-los. O prazer daquele que compra e guarda gibis está em
poder ler e reler inúmeras vezes, mesmo que se conheça a narrativa de trás para
frente ou de baixo para cima. Ler e comentar com quem leu. Ler e contar para quem
não leu. Ler e emprestar caso muito raro, considerado até erro grave. Ler e trocar,
por um período, com outros colecionadores. Ler e guardar. Mas onde? A coleção
ocupa espaço, incomoda a mãe, a esposa, junta poeira... Não é fácil!
Essa pesquisa nasceu do hábito dessa leitura, desse prazer e, como Marc
Bloch, acredito que o pesquisador deveria possuir um elo de apreciação pessoal
com o seu objeto. Depois, essa leitura foi se transformando em algo acadêmico
propriamente dito: quadrinho como fonte, os temas, os problemas. Parece-me que
os historiadores estão se aproximando dos quadrinhos para fonte de pesquisa; mas
os pesquisadores, de uma maneira geral, ainda deixam de lado os elementos mais
ricos do universo das histórias em quadrinhos, que são suas formas de consumo, ou
seja, como os leitores se relacionam com seus gibis e com outros leitores de gibis.
Mas esse é um tema para outra pesquisa. Aqui tentaremos identificar como
Angeli se aproxima do mundo real que o cerca, como ele decodifica esse mundo e
como seus leitores se relacionam com essa interpretação de mundo. Espero que a
pesquisa seja interessante... e um pouco divertida.
11
INTRODUÇÃO
Desde suas origens aa entrada do século XXI, as histórias em quadrinhos
(HQs) cresceram em quantidade de produção, qualidade e, em função da ludicidade
característica desse tipo de produção, variaram em uma infinidade de temas,
passando pelos super-heróis, narrativas bíblicas, guerras estelares e chegando ao
erotismo e à pornografia. Atingiu um grande público leitor e grande elasticidade
etária, do infantil ao adulto.
Hoje, observamos a exacerbação (talvez haja exagero no termo) de uma
antiga relação entre histórias em quadrinhos e cinema. Mais e mais personagens e
famosas histórias das HQs têm ganhado versões para a tela cinematográfica: a
sequência de filmes do Batman desde fins dos anos 80, Super-Homem, Homem-
Aranha, Hulk, Spin City e 300, apenas a título de exemplo. Outra característica
dessa atual e profunda relação HQ-cinema é a crescente produção de
animações em 3D. E toda essa produção para o cinema é acompanhada de novas
versões de jogos para vídeo games, desencadeando, por fim, uma variedade de
produtos consumíveis pelo público e, óbvio, gerando lucros extraordinários para
seus produtores.
Deixemos de lado essa atual reafirmação da paixão HQ-cinema, que, na
realidade, nos revela outra, e secular: HQ e seu público leitor. Os quadrinhos
nasceram dentro da imprensa. Iniciaram-se como meras ilustrações do texto escrito,
caminharam para a caricatura e, na virada dos séculos XIX-XX, desvencilharam-se
das manchetes diárias, sem se afastar do cotidiano de seus leitores. Esse é um
ponto de partida muito importante, pois, ao longo do século XX, a variedade de
temas, personagens e ambientes para as histórias foram quase infinitos, porém, a
publicação de uma HQ narrando uma guerra ficcional entre marcianos e terráqueos
no espaço sideral não significa que os artistas criadores dessa narrativa não
estejam, de alguma forma, também se referindo ao cotidiano de seus leitores.
As revistas de HQs, em função da criatividade do artista diante de pressões
editoriais, de políticas governamentais, de valores morais e éticos de grupos sociais,
acompanham o seu tempo e, portanto, suas problemáticas. De forma resumida,
essa afirmação pode ser exemplificada com o quadrinho francês Asterix, o Gaulês,
12
que faz referências satíricas aos alemães invasores com os personagens godos e à
expansão hegemônica norte-americana no pós-2ª guerra, representada pelo
Império Romano. Mas outros: a superioridade branca, europeia especialmente
a britânica – é encontrada nas histórias do Tarzan; o questionamento do conceito de
bárbaro/civilizado encontrado no quadrinho Conan, o Bárbaro; o enraizamento do
sentimento nacionalista e superior norte-americano embutido no Capitão
América, seja contra os nazistas alemães nos anos 40, seja contra os comunistas
soviéticos vinte anos depois; a luta ferrenha do cartunista Henfil, através de seus
cativantes personagens, contra a ditadura militar no Brasil; a sátira dos diversos
personagens de Angeli à Nova República brasileira (pós-ditadura), aos valores
morais conservadores que não se alteram com o passar das décadas, ao medo de
uma hecatombe nuclear.
Esse tipo de produção cultural, oriundo da imprensa que acabou por ganhar
uma publicação própria os gibis , se insere no contexto da chamada indústria
cultural. Esse conceito é uma das bases para grande parte das reflexões das
ciências humanas, quando estas se debruçam sobre os problemas da sociedade de
massas do século XX, e é também um dos mais polêmicos. O intelectual Theodor
Adorno, mentor da Escola de Frankfurt na Alemanha, foi um dos pioneiros nesse
campo de estudo, com importantes contribuições. Para ele, a produção industrial
capitalista havia se sobreposto também à produção cultural, transformando a arte
em mercadoria e, portanto, em produto consumível e vendido em larga escala.
Dessa forma é possível exercer controle sobre as massas, alienando-as, por meio
da produção cultural. O cinema, o rádio e a TV e também as histórias em
quadrinhos – se enquadrariam nessa perspectiva de cultura de massas.
“Como prova da atrofia da atividade do espectador será mencionado o
cinema: pois, para seguir o argumento do filme, o espectador deve ir tão
rápido que não pode mais pensar, e como, além disso, tudo está dado
nas imagens, o filme não deixa à fantasia nem ao pensar dos espectadores
dimensão alguma na qual possam mover-se por sua própria conta, com o
que adestra suas vítimas para identificá-lo imediatamente com a realidade”
(MARTIN-BARBERO; 2008).
A partir desse controle ideológico é possível, então, tornar os consumidores
da indústria cultural indivíduos amorfos, órfãos de projetos políticos, descrentes nas
manifestações sociais, nas lutas por melhores condições de vida, e que se
13
satisfazem na vitória do bem contra o mal, dos mocinhos sobre os bandidos, no
amor possível entre plebeus e nobres, nos casamentos e nascimentos do último
capítulo da novela, na idoneidade moral dos super-heróis que salvam o planeta, na
possibilidade de ascensão social individual com a participação em programa
televisivos. Enfim, a indústria cultural, ao combinar ficção e realidade, permite a
conciliação de classes.
Apesar da grande importância desse pensador para o debate sobre a cultura
de massas, surgiram, especialmente após os anos cinquenta, outros intelectuais
trazendo outras hipóteses. Adorno pensava na obra como um produto que guardava
a ideologia em si e o papel do público consumidor é apenas consumir, e nesse ponto
reside o problema das suas concepções. A possibilidade de recepção, percepção e
apropriação que as massas podem fazer do produto cultural consumido, é negada.
Apesar de ser membro da Escola de Frankfurt e companheiro de Adorno, W.
Benjamin vai caminhar no sentido praticamente inverso:
“(...) a experiência que Adorno procura desesperadamente resguardar é a
que vem da leitura solitária e da busca contemplativa, quer dizer, a via régia
de uma formação burguesa do indivíduo. Por isso, ao descobrir a fratura
histórica dessa cultura, Adorno pensa que tudo está perdido.a arte mais
elevada, a mais pura, a mais abstrata poderia escapar da manipulação e da
queda no abismo da mercadoria e do magma totalitário. Benjamin, pelo
contrário, não aceita que o sentido tenha sido negado, absorvido pelo valor.
que para ele o sentido não é algo que cresça como valor, não é
produzido, e sim transformado, pois depende do processo de produção. E
então a experiência social pode ter duas faces – um obscurecimento e
empobrecimento profundo –, mas, ao mesmo tempo, sem perder sua
capacidade crítica e de criatividade” (MARTIN-BARBERO; 2008).
A experiência social, as vivências cotidianas abriram novas fronteiras para as
pesquisas acadêmicas, não somente para os estudiosos da indústria cultural, mas
de outras temporalidades, como Le Goff, Chartier, Bakhtin, por exemplo, que vão se
aprofundar nas disputas e conflitos entre os grupos sociais e o papel da cultura
nessas disputas.
Caminhando nessa trilha, percebe-se que as HQs também vão exercer o seu
papel como produtos culturais que geram interpretações, significados e símbolos de
uma determinada concretude social. Então, se as histórias em quadrinhos, como
produtos da indústria cultural, exercem controle ideológico sobre determinado
coletivo ou, se partirmos de uma observação da relação entre produção-recepção e
usos e interpretações que podem adquirir diferentes dimensões em espaços e
14
tempos diferentes, é o que veremos no decorrer deste trabalho.
Olhares sobre as histórias em quadrinhos
“Os povos subdesenvolvidos são para Disney, então, como as crianças;
devem ser tratados como tais, eles não aceitam esta definição de seu ser, é
preciso descer suas calças e lhe dar uma boa surra. Para que aprendam!
Quando se diz algo a respeito do menino-selvagem-bonzinho nestas
revistas, o objeto em que na realidade está se pensando é o povo marginal.
A relação de hegemonia que estabelecemos entre crianças-adultos, quem
vêm com suas civilizações e suas técnicas, e os meninos-selvagens-
bonzinhos que aceitam esta autoridade estrangeira e entregam suas
riquezas se revela como uma réplica matemática da relação entre a
metrópole e o satélite, entre o império e sua colônia, entre os donos e seus
escravos”.
1
Escrito no período crítico da ditadura de Pinochet, o livro Para Ler o Pato
Donald foi, durante um bom tempo, importante referência nos estudos sobre HQs. A
leitura do texto conduz para a proposição de Adorno sobre indústria cultural: as
histórias em quadrinhos da Disney contêm em si a ideologia imperialista norte-
americana, que é consumida como verdade pelo seu inocente público leitor, as
crianças. A inocência se torna o elemento condutor da ideologia, ou seja, a criança
incapaz de refletir sobre verdades ou mentiras contidas de maneira latente nas
histórias acaba por consumir a “família Disney”, seu universo fantasioso e seu
conteúdo latente, a ideologia norte-americana – como verdade incontestável.
O livro, no entanto, tem um objetivo muito claro que é o de fazer frente à
hegemonia norte-americana sobre a América Latina. Além da ditadura chilena,
outros países da América do Sul, como Brasil, Uruguai e Argentina também viviam
seus regimes de caserna e todos eles foram apoiados pelos EUA. Portanto, as HQs
bem como outros produtos da indústria cultural assumiram o caráter do poder
dominante, desconsiderando-se suas relações com o blico leitor e o papel da
recepção e do uso. O papel político ao qual o texto se propunha acabou por negar
essa possibilidade de estudo acadêmico. Todavia, deve-se ressaltar aqui que as
considerações feitas pelos autores não podem ser tomadas como um equívoco se
levarmos em conta a censura promovida nos meios de comunicação e a entrada em
massa de produtos culturais norte-americanos nesses países desde o fim da 2ª.
1
DORFMAN, A. e MATTELART, A. Para Ler o Pato Donald: Comunicação de Massa e Colonialismo. SP, Ed.
Paz e Terra, 2002, p. 54
15
Guerra. Dorfman e Mattelart escrevem dentro de um período histórico bastante
específico, e pensar a difusão do “universo Disney” de outra forma era difícil.
Não foi somente durante o período das ditaduras militares na América do Sul
que a arte das histórias em quadrinhos foi objeto de preconceito. Aliás, elas
demoraram a serem reconhecidas como arte, apesar de sua grande vendagem e
sucesso de público ao longo de todo o século XX. Apesar do preconceito, não era
possível negar a poderosa capacidade de formação de opinião que as HQs
exerciam sobre seu público leitor. Em 1941, o lançamento do Capitão América
atingiu o espetacular número de um milhão de exemplares vendidos e colaborou em
muito como veículo, entre os norte-americanos, da propaganda pró-guerra e
também da própria ideia do modo americano de vida (MARANGONI, 2006). Na
década seguinte, diante da terrível onda conservadora que se abateu sobre os EUA,
as editoras de histórias em quadrinhos criaram o Comics Code, um digo de ética
que estabelecia uma série de regras para a publicação desses periódicos. O Comics
Code estimulou a criação de outros códigos de ética, inclusive no Brasil (RAMA e
WERGUEIRO, 2002)
Muitas eram as opiniões sobre as HQs. Até o início dos anos 60, pode-se
dizer que proliferavam entre pais, professores, autoridades públicas e até clérigos: 1-
Cultura de massa, menor; 2- Deturpadora de conduta do público infanto-juvenil,
especialmente as de terror; 3- Dificultadora do aprendizado da língua, pois era
leitura fácil e pobre; 4- Transofrmadora de leitores em antinacionalista (no caso dos
gibis norte-americanos lidos em outros países). Paradoxalmente, poderoso veículo
de difusão de projetos políticos e sociais. Essas opiniões diversas subsidiaram a
elaboração de normas básicas para a produção de histórias em quadrinhos. Em
meados dos anos 60, o posicionamento de alguns cineastas, como Alain Resnais e
Federico Fellini, em favor das HQs como rica fonte de inspiração para suas criações
cinematográfica, impulsionou a modificação dessa opinião geral e depreciadora.
(MOYA, 1977).
“É preciso, porém, levar em consideração que os próprios produtos
culturais contribuíram para interpretações superficiais e preconceituosas,
por sua natureza efêmera, esquemática, comercial e redundante, por
utilizarem estereótipos e fórmulas facilmente reconhecíveis, por conterem
mensagens nitidamente ideologizadas e também caracterizarem-se por uma
cultura voltada principal e primordialmente para o entretenimento”
(SANTOS; 2002).
16
Roberto E. dos Santos cristaliza muito bem a visão que se tinha a respeito
das histórias em quadrinhos, sobretudo entre os acadêmicos. O autor também
aborda o papel das editoras nesse contexto. Grande parte delas publicava, e ainda
publica, histórias no sentido de formar leitores para aceitarem projetos políticos de
forma passiva. Mas o autor alerta: esse tipo de interpretação sobre HQs é
superficial. E aqui é importante ressaltar ainda dois aspectos importantes quando a
proposta é análise de histórias em quadrinhos: o primeiro é o equívoco de se colocar
“no mesmo saco” toda a produção quadrinística não é possível colocar no mesmo
propósito comercial a revista Tio Patinhas e a revista Chiclete com Banana. O
segundo equívoco é pensar na existência de uma leitura estritamente passiva, ou
seja, aquela em que o leitor aceita passivamente o discurso intrínseco presente nas
histórias. Existem as grandes editoras e as de menor porte e, muitas delas atendem
a públicos bastante específicos, dedicando-se à crítica social, ao erotismo, ao
sadismo, à pornografia (SILVA; 2002).
O sociólogo Nadilson Manoel da Silva, que analisou a revista Chiclete com
Banana, trouxe novas contribuições para outro olhar sobre os produtos da indústria
cultural, em especial os quadrinhos. Ao dirigir esse foco sobre as HQs, percebe-se
que elas possuem especificidades que as diferenciam de outros produtos da
indústria cultural. Mais além, a criação, produção, distribuição e consumo variam
significativamente dentro desse segmento específico da cultura de massas. Nesse
sentido, também é importante distanciar um pouco quadrinhos e cinema.
“Apesar de ser cultura de massa, especificidades, que os diferenciam
em vários níveis. Para se tomar apenas um elemento, observa-se que os
quadrinhos não o consumidos da mesma forma que a obra
cinematográfica, porque, enquanto o filme é feito para ser fruído num
ambiente compartilhado por muita gente, com os quadrinhos o processo é
mais individualizante” (SILVA; 2002).
Aqui há de se fazer um pequeno distanciamento entre HQs e cinema. Ambos
surgiram em um período aproximado apesar dos quadrinhos serem mais antigos;
são caracterizados pelo desenrolar da narrativa em uma sequência de quadros
guardadas as devidas proporções deste desenrolar; e exerceram influência um
sobre o outro ao longo do tempo – exemplos como as primeiras animações dos anos
vinte ou a inserção do conceito de super-herói no cinema. Ao mesmo tempo, esses
17
produtos estão muito distantes no que diz respeito à forma de seu consumo. O
caráter individual da leitura de uma HQ vai além do espaço físico onde esta se
realiza, ou mesmo da dificuldade de fazer uma leitura coletiva. A HQ exige uma
profunda criatividade do leitor que determina o ritmo de sua leitura. A ação existente
entre duas vinhetas cada quadro que compõe uma HQ recebe essa denominação
é imaginada pelo leitor, bem como as vozes dos personagens e os sons oriundos
das onomatopeias tão desenvolvidas pelos criadores de quadrinhos (SANTOS;
2002, SILVA; 2002, MARANGONI; 2006).
A aproximação entre cinema e quadrinhos, portanto, deve ser vista com
cuidado. Quando falamos das histórias em quadrinhos com um viés humorístico, de
crítica social, fica ainda mais difícil relacioná-los com o cinema. HQ é descendente
direto da imprensa; os laços de parentesco com o cinema são de 2º. grau.
As histórias em quadrinhos, portanto, geraram e geram ainda amplo espectro
em torno de si. Desde sua publicação nos jornais até a conquista de sua
independência com o surgimento das revistas espeficas, rejeitada por um longo
período pelos críticos, manipulada pelos poderes dominantes, considerada como
uma manifestação artística, a HQ revela-se como uma importante fonte histórica
para o historiador.
Histórias em quadrinhos como documento para o historiador
Para os historiadores especializados em estudos sobre os culos XIX e XX,
a abordagem dos chamados meios de comunicação de massa se tornou um
elemento de importante contribuição para a historiografia. A importância dos meios
de comunicação se situa no âmbito da preocupação tanto de seus produtores como
de seus pesquisadores no que diz respeito à formação de uma opinião pública, ou,
melhor dizendo, opiniões públicas. Desde a Revolução Francesa, vemos os diversos
grupos que compõem uma determinada sociedade principalmente na Europa e
nas Américas procurando tentar fazer com que suas vozes sejam ouvidas e, para
isso, a imprensa se tornou um elemento chave.
Com a industrialização e o acelerado processo de urbanização que
caracterizaram a Europa do século XIX, as multidões passaram a se organizar cada
vez mais para luta pelos seus interesses. Aristocratas e burgueses (estes últimos,
18
pós-1848) rejeitavam veementemente ouvir as vozes das “massas” (MARTIN-
BARBERO; 2008). Na medida em que o fim do século XIX se aproximava, e esses
diferentes grupos sociais se organizavam, uma infinidade de jornais e revistas surgia
de uma disputa frenética por leitores. Esses impressos estavam, portanto,
intimamente ligados ao grupo social de onde eram oriundos. Com o avanço do
popular dentro da política ampliação do direito ao voto, constância das eleições,
etc. e da impossibilidade de conter as massas fora dos jogos políticos, a imprensa
tornou-se um elemento fundamental na formação da opinião pública (HOBSBAWM;
1988).
Nas primeiras décadas do século seguinte, com o surgimento de outras
mídias como o cinema e o rádio, as fronteiras da formação da opinião pública foram
largamente ampliadas. Deve se destacar aqui o papel da mídia na difusão do
american way of lifenos anos 20 fazendo emergir uma poderosa sociedade de
consumo e o papel da poderosa propaganda nazista na década seguinte. Foi
dentro desse contexto histórico que Adorno desenvolveu sua tese sobre indústria
cultural e, para ele, não somente a propaganda e a censura nazistas, mas as
poderosas capacidades da indústria norte-americana de transformar arte em
mercadoria consumível causavam profunda descrença e desilusão com o mundo
ocidental. Parecia que tudo estava perdido, a ideologia burguesa havia vencido.
Este era o pressuposto de Marx e Engels, ou seja, em uma sociedade onde
um determinado grupo social era economicamente dominante, sua ideologia
também o seria. No século XX, isso foi possível para Adorno com a indústria cultural,
para o qual o consumidor é um receptor passivo. Porém, o resgate de Gramsci após
a 2ª. Guerra e o aprofundamento dos diálogos entre as diversas áreas das
humanidades História, Sociologia e Antropologia cultural, por exemplo abriram
espaço para revisões sobre as concepções de Adorno e mesmo de Marx (SILVA;
1988).
Nesses novos caminhos que começaram a se abrir, o primeiro ponto é a ideia
de que uma ideologia não consegue dar conta de controlar, manipular toda uma
sociedade. Dentro de uma determinada sociedade existem diversos grupos sociais
que possuem suas visões, representações do mundo, e o fato de uma dessas ser a
dominante em um determinado momento histórico não significa que as outras sejam
anuladas por completo. Ao contrário, uma disputa entre os projetos de diferentes
19
grupos sociais, sendo um deles hegemônico (SILVA e SILVA; 2006). O segundo
ponto se refere à recepção, que deixa de ser passiva. Os consumidores não
recebem os produtos culturais exatamente como imaginaram seus produtores, pois
dão novos significados, reinterpretam, reelaboram (BARROS; 2005) e, por fim,
também resistem às imposições daqueles que se pretendem dominantes
(CERTEAU; 2008).
O terceiro ponto é a própria concepção de “massa”, surgida na metade do
século XIX, proposta por pensadores conservadores que tentavam denominar,
classificar tendo em vista seu temor as multidões que ocupavam a cena dos
novos espaços urbanos (MARTIN-BARBERO; 2008). Porém, essa classificação é
simplista e não dá conta da realidade. Aliás, essa concepção não foi criada mediante
uma investigação empírica, mas é externa à realidade social que se pretende
explicitar.
Graças aos esforços de historiadores sociais, sociólogos e antropólogos nos
últimos quarenta anos, chega-se cada vez mais à conclusão de que a “massa” não
se identifica como tal. Em uma cidade como São Paulo do início do século XX, os
trabalhadores urbanos se identificavam como italianos, espanhóis, alemães, negros,
e não como trabalhadores de uma maneira genérica. Cada um desses grupos
ocupava determinadas regiões da cidade obviamente, por questões que não
cabem aqui, por vezes se aproximavam mais ou se afastavam e em cada uma
delas criavam um modo de vida que os distinguiam dos outros. Durante o carnaval,
negros e imigrantes podiam se encontrar e se confraternizar no bairro do Bixiga,
mas eram poucos os italianos que se predispunham a ir aPirapora do Bom Jesus
para se confraternizar com os negros, e ambos os grupos não eram bem aceitos no
carnaval do corso, promovido pelas elites na Av. Paulista (RAGO; 2005). No mesmo
período, os imigrantes que chegavam à capital do país criavam importantes laços de
solidariedade entre si, porém, mergulhando um pouco mais nesses laços, percebeu-
se que estes eram predominantemente de portugueses com portugueses, italianos
com italianos, e havia grande rejeição desses imigrantes no momento de
aproximarem-se com os negros (CHALHOUB; 1986).
Esse é um elemento muito importante quando se trata de abordar as culturas
juvenis paulistanas dos anos 80. Existiam os punks, headbangers, darks, góticos,
skinheads carecas –, hip-hop, e esses grupos eram, em sua maioria esmagadora,
20
pobres, com baixa escolaridade, oriundos dos bairros mais distantes do centro, e
desenvolviam atividades de baixa remuneração salarial. No entanto, os grupos não
se identificavam, não viam semelhanças entre si; ao contrário, o encontro desses
grupos em locais públicos terminava, invariavelmente, em brigas e confusões.
Portanto, a denominação “massa” torna-se extremamente restritiva, para não dizer
equivocada.
Todas essas observações contribuem para este trabalho no sentido de
abrirem possibilidades para uma aproximação dos quadrinhos como importantes
fontes históricas. Primeiro, destacamos que os meios de comunicação de massa
possuem o poderoso aspecto de formador de opinião, e sendo a HQ um produto da
indústria cultural ela também colabora para formação da opinião de seu público
leitor. Segundo, apesar de imprimirem grande impacto sobre o público leitor, os
pesquisadores das últimas décadas nos informam que esses mesmos meios
colaboram na formação da opinião pública, mas não necessariamente no controle
desta, tornando-se mais mediadores do que determinantes das relações, das
disputas sociais (MARTIN-BARBERO; 2008).
Neste ponto da caminhada, verifica-se a existência de duas trilhas que devem
ser percorridas. A primeira delas foi explorada e se refere ao equívoco ou
limitação que qualquer produto oriundo dos meios de comunicação de massa
contém em si: o caráter ideológico dos grupos dominantes. Se fizermos um
retrospecto da imprensa no Brasil, por exemplo, veremos, desde as Regências, a
presença de uma imprensa alternativa àquelas vinculadas aos grupos dominantes,
cuja produção visava, justamente, protestar contra os desmandos governamentais,
as injustiças e desigualdades sociais, e a censura. Regências, república oligárquica,
Era Vargas, ditadura militar são alguns momentos de grande disseminação dessa
imprensa alternativa (KUCINSKI; 2003). Porém, esse modelo de imprensa de
protesto não foi, é claro, dominante, mas teve, nos diversos momentos de sua
existência, um papel importante na formação da opinião pública.
A segunda trilha, também aberta pelos pesquisadores ligados à História
Cultural, repensa os elos entre produção e recepção. Essa relação não é de mão
única, como foi dito anteriormente. Ora, se a ideologia da sociedade de consumo
tivesse sido realmente dominante, como explicar, por exemplo, os movimentos de
contracultura que eclodiram nos EUA ao longo dos anos 60? Esse não é um
21
problema tão simples de se equacionar, pois as pesquisas de opinião classificam os
indivíduos pelo que consomem e não pelos usos que estes podem dar ao produto
consumido. Portanto, tentar se aprofundar na vida cotidiana pode ser o viés possível
para melhor entendimento das resistências populares (CERTEAU; 2008). Dentro
desta perspectiva, a revista Chiclete com Banana parece abrir um espaço
interessante para o pesquisador, na medida em que mantém um rico diálogo com
seu público através da seção de cartas, que será analisada nesta pesquisa
Capítulo 3.
A revista Chiclete com Banana como documento
Diante do exposto, cabem algumas considerações sobre a escolha da revista
e como esta será abordada nesta pesquisa.
A primeira motivação, sem vida, está ligada a um gosto pessoal deste
pesquisador, que começou a ler a revista entre 1988-89, ainda bem jovem, e,
tecnicamente, não poderia desfrutar da leitura, pois ainda não tinha 18 anos, embora
a leitura de gibis sempre fora muito estimulada pelos pais, que guardavam uma
coleção quase completa do Fradim e do Asterix hábito que, mantido, facilitou um
pouco a realização desta pesquisa.
Ainda não tinha 12, 13 anos completos quando ganhou uma versão em
quadrinhos do Manifesto Comunista de Marx e Engels ainda guardada com
estima, mesmo não sendo um comunista e sabendo que os pais também nunca o
foram. Esta versão da obra se encaixa naquele propósito citado de utilizar a
linguagem dos quadrinhos como forma de educar.
A leitura de gibis incluiu os quadrinhos de Disney, Maurício de Souza, versões
dos Trapalhões, Conan, entre outros. Mas foi a aproximação com a Chiclete com
Banana, sem dúvida alguma, a mais estimulante, que o levou até a revista Geraldão,
de Glauco, às geniais Piratas do Tietê, de Laerte, e Níquel Náusea, de Fernando
Gonzáles. Angeli, o criador da Chiclete com Banana, gerava essa atração entre seus
leitores, por colocar seu universo criativo próximo de seus leitores. O cenário
paulistano em sua multiplicidade: os infinitos prédios, o trânsito engarrafado, os
ônibus lotados, a criminalidade do centro. Os personagens: os remanescentes do
período ditatorial, como Meiaoito, Nanico, Wood e Stock, que não sabiam mais onde
22
eram seu lugar na sociedade da Nova República e a universalidade da rebeldia
juvenil de Bob Cuspe. E o humor com que conduzia suas histórias.
Gosto pessoal e nostalgia, apesar de serem importantes para o mergulho de
um pesquisador, não podem ser seus únicos elementos. Neste trabalho entende-se
que essa revista foi extremante importante ao produzir, através do humor visual, um
importante registro sobre um também importante período histórico em que estava
inserida. Denominou-se Nova República o período imediatamente posterior à saída
dos militares do poder. não se mais ninguém escrevendo ou falando sobre o
que vivemos naquele período, talvez porque o novo ainda não tenha chegado, talvez
porque o novo referia-se à saída dos militares, ao regresso ao processo político
democrático, à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, ao fim da
censura, à busca por uma resolução dos problemas econômicos do país. Parece
que essa novidade ainda está longe de acontecer, e muitos na época rejeitavam
essa alcunha de novo para o período. Entre eles estava Angeli.
A revista Chiclete com Banana se insere em um contexto de significativa
produção humorística com um viés político e social. O jornal O Planeta Diário e a
revista Casseta Popular tiveram papel de destaque; na TV, os humoristas Jô Soares
e Agildo Ribeiro também conduziram programas de humor que abordavam os
problemas do período. Porém, Angeli foi, aos poucos, produzindo cada vez menos
histórias em quadrinhos dedicadas à política, à economia e dando mais espaço aos
temas do cotidiano.
O deslocamento da produção do humor visual dos temas macro política
nacional e internacional para os temas micro cotidiano não significou o fim da
preocupação do artista com os grandes problemas que afligiam a sociedade do
período. Aqui, o conceito de cultura trabalhado nas últimas décadas pelos
historiadores da chamada História Cultural torna-se importante. Entendemos que
cultura é tudo aquilo que uma determinada sociedade produz em sua relação com a
vida material. Falar sociedade implica a percepção de que esta é composta por uma
diversidade de grupos e que ocupam diferentes espaços dentro dela. Em função
desses diferentes espaços ocupados, os grupos produzem diferentes formas de
representar e compreender a realidade que vivem. Essas diferentes representações
geram diferentes práticas sociais, e estas são, portanto, cultura.
23
As produções artísticas, manifestações políticas, relações de trabalho,
relações familiares produzidas pelos mais diversos grupos sociais de um
determinado espaço e tempo o entendidas aqui como cultura. Dentro dessa
perspectiva, Angeli produz uma visão política sobre o tempo em que produz as HQs,
mesmo quando vai lentamente se dedicando a histórias e personagens que
aparentemente estão desligados de algumas problemáticas poticas e econômicas
de seu tempo. Entre os anos de 1985 e 1987, diversas histórias abordam o tema das
eleições e das práticas políticas de então bem como das aparentes tensas relações
entre URSS e EUA e, em 1989, não se observa nenhuma referência às eleições
presidenciais – que foram o eixo central do jornal de humor Planeta Diário, publicado
no Rio de Janeiro – nem à queda do muro de Berlim.
Mas, a leitura das histórias da Chiclete com Banana permite a um leitor mais
atento perceber que a visão potica entendida aqui como uma representação do
autor, que é oriundo de um determinado lugar da sociedade, e também como uma
prática social, na medida em que este expõe sua visão através de suas HQs e que é
compartilhada, ou não, pelos seus leitores é visível em uma conversa no café da
manhã entre marido e mulher, no momento íntimo de um pai de família em crise
existencial, no desejo sexual do camarada do partidão, no simples ato de caminhar
pela rua congestionada de São Paulo, num ato de uma poderosa cuspida no
professor.
Aqui, a abordagem dessas dimensões políticas produzidas por Angeli através
da análise do humor visual, ou seja, do humor que não está somente na fala contida
nos balões, mas também na caracterização física e psicológica dos personagens
bem como no cenário – se houver onde a narrativa se passa. O cenário ganha um
papel de destaque dentro desta pesquisa, uma vez que é na cidade de São Paulo
que se desenrola a maior parte das HQs de Angeli. Essa afirmação se sustenta
mediante duas constatações claras: 1- o autor cita nominalmente São Paulo em
algumas de suas histórias; 2- a descrição visual do espaço físico cria no leitor uma
representação muito clara da metrópole – aspecto que será abordado no capítulo 2.
Entende-se aqui que o artista faz opções em todos os aspectos da elaboração
de sua obra e, portanto, a escolha de um determinado cenário para uma narrativa
não é casual. Angeli parte de São Paulo para construir seus personagens e sua
24
forma de olhar para o mundo. Seu companheiro de inúmeros trabalhos, Laerte,
também escolheu São Paulo e o rio Tietê com claros objetivos de abrir um diálogo
com seu público leitor.
No caso de Laerte, Elaine A. B. Gomes de Lima aprofundou-se na
importância que a cidade ganha em suas histórias. Para ela, sobre uma cidade real
é criada uma cidade ficcional, propiciando ao leitor uma reflexão que parte do
ficcional para o real, dialogando com a memória que os leitores possuem da cidade.
O rio Tietê, para a pesquisadora, ainda ganha outra dimensão na medida em que ele
é visto como o depósito de tudo o que é desprezado pelos habitantes da cidade e o
rio se vinga através dos Piratas do Tie
2
.
Tanto Angeli como Laerte parecem ter herdado essa importância crucial dada
ao cenário de dois outros destacados artistas que os precederam. Ziraldo, com a
Turma do Pererê, cuja publicação se deu no início dos anos 60, buscava levar o
leitor pelas suas representações sobre a fauna e as tradições populares do interior
do Brasil, dentro de um contexto histórico brasileiro em que artista e, principalmente,
intelectuais buscavam resgatar e valorizar a cultura popular (MOYA; 1977, SILVA;
1988). Henfil no Fradim buscava dar vozes a uma região tão desprezada pelas
autoridades, a caatinga (SILVA; 2000). O sertão do Nordeste também era alvo de
outros artistas e intelectuais vale pensar nos filmes O Pagador de Promessas,
Cabra Marcado para Morrer e Deus e o Diabo na Terra do Sol bem como nas obras
literária Morte e Vida Severina e Auto da Compadecida.
Os personagens se portam consoante o local de onde falam, o que não
significa determinismo, mas que a origem do personagem está num determinado
tempo-espaço e, portanto, o autor o coloca como tal. O homem-aranha conseguiria
se deslocar numa cidade onde não houvesse altos edifícios para fixar suas teias e
salvar Mary Jane? Tarzan conseguiria ajuda dos seus amigos animais para salvar
Jane em perigo em Nova Iorque? Conseguiria Bordosa viver no meio da floresta
com o Fantasma o espírito-que-anda sem sua banheira, sem o balcão do bar e
sem o garçom Juvenal para servi-la de vodka? Sabemos que a única resposta para
as questões acima é, evidentemente, não.
O humor visual foi intensamente elaborado pelo historiador Marcos Antônio
Silva em seus trabalhos acadêmicos mestrado, doutorado e livre-docência
2
LIMA, Elaine A. B. Gomes. Piratas no Tietê: Cenários e Fundos de Cena das Histórias em Quadrinhos.
Dissertação de Mestrado da Faculdade de Educação da UNICAMP, 2006.
25
tornado-se, portanto, importante referência para a abordagem que será feita sobre a
revista Chiclete com Banana.
“A ocupação do visual pelo Humor Visual (...) assentadas nessas
orientações, estabelece uma permanente comparação entre o mundo
imaginário e mundo vivido, apresentando o primeiro como instrumento
privilegiado para a indagação do outro e, sugerindo sua recíproca
pertinência” (SILVA; 1981)
Marcos A. Silva percebe que o humor visual na imprensa permite-lhe essa
reflexão sobre situações vividas concretas. Detalhe importante para esse
pesquisador é como a construção das personagens e dos cenários em que vivem as
histórias o capazes possibilitar a reflexão. O humor visual se dá pela percepção e
interpretação por parte do leitor, da constituição do espaço, da personagem neste
caso, o Zé Povo – e das falas como elementos indissociáveis:
“A localização do personagem na imagem (...) acompanhou o processo de
codificação do espaço, elaborando uma retórica da visualidade: valorização
do tamanho (pequeno como frágil, grande como símbolo de força), fixação
de significados para os lugares (o alto como parte da força e dominação, as
partes inferiores como espaço do submisso ou oprimido) e expressões
faciais ou corporais indicando uma leitura de situações os olhos
esbugalhados, cabelos eriçados, mãos crispadas etc. (...)” (SILVA; 1981)
A partir dessa perspectiva, pretende-se observar como Angeli – autor da
Chiclete com Banana construiu seus personagens o tipo físico, as vestimentas,
os acessórios, o cenário onde se passam as histórias e, através dessas
elaborações, por onde ele pretende levar seus leitores.
A análise do humor visual não é tarefa simples. Todos aqueles que se
dedicam a estudar os quadrinhos abordam as características básicas que os
compõem. 1- A HQ é uma manifestação artística composta por duas outras mais
antigas: a literatura e a pintura e suas “irmãs” um pouco menos nobres, como o
desenho e as artes gráficas. 2- O somatório dessas duas artes não leva aos
quadrinhos, mas uma fusão das duas numa nova perspectiva os produz. 3- O leitor é
transportado para outro universo criativo e essa criatividade parte de ambos os
lados: do autor, que desenvolve recursos linguísticos como as onomatopeias, por
exemplo para auxiliar o leitor em sua atividade; e do leitor, de quem também é
exigida uma capacidade de interpretação imaginar a ação entre as vinhetas e a
voz do personagem. Porém, o fato de descreverem essas características básicas,
26
não significou necessariamente que os estudiosos analisaram as HQs na conjunção
de seus elementos componentes.
A título de exemplo, Dorfman e Mattelart se dedicaram ao discurso latente
supostamente presente nas falas dos mais variados personagens de Walt Disney,
deixando de lado um olhar panorâmico sobre o cenário ou mesmo sobre os
personagens – física, psicológicamente e suas ações. Adriano J. Marangoni, quando
se aproxima da produção dos quadrinhos de super-heróis também se aproxima mais
dos modos como esses heróis agem, as razões que os levam a tomar determinadas
ações os projetos políticos contidos nestas ações e se afasta um pouco da
análise da linguagem dos quadrinhos que o seja uma caracterização física e
psicológica dos personagens. Elaine A. B. Gomes Lima se dedica mais aos
cenários, e a perspectiva de como os personagens atuam dentro destes não é
abordada com mais profundidade.
Claro, cada um desses pesquisadores tem sua determinada proposta de
análise, tem suas perguntas a serem feitas aos seus objetos de pesquisa,
contribuindo para a presente pesquisa. Mas, dentro de uma perspectiva de analisar
o humor visual, faz-se necessário um olhar sobre as HQs percebendo as conexões
de todos os seus elementos componentes: personagens físico e psicológico –;
suas ações e movimentos, cenários, se houver. Marcos Antônio da Silva ao contrário
dos acima citados, tenta abordar as HQs dentro de uma perspectiva mais ampla, na
procura do conjunto dos seus elementos constitutivos.
Aqui, a aproximação da revista Chiclete com Banana é a aproximação de um
documento histórico porque seu autor, Angeli, elabora uma representação – via
humor visual da cidade de São Paulo na segunda metade dos anos 80 bem como
de seus habitantes, em especial, os jovens. Crê-se aqui que nesse momento
histórico uma eclosão de movimentos juvenis que não existiam ou ainda não
eram perceptíveis durante o regime militar. A temática da juventude e das culturas
juvenis é importante na medida em que se afirma que grande parte dos jovens
brasileiros acabou por se despolitizar, desinteressar pelos problemas de seu tempo
e este trabalho pretende contribuir para esse importante debate.
No primeiro capítulo deste trabalho, desenvolveu-se uma análise geral da
Chiclete com Banana dentro da seguinte perspectiva: 1- contextualização da revista,
sua aproximação com a tradição do humor alternativo brasileiro e seu
27
distanciamento desta mesma tradição; 2- análise da proposta da revista seu autor,
seus colaboradores, de onde falam, etc.
No segundo capítulo foi abordado o urbano presente na revista, a importância
da cidade de São Paulo para o autor, e as várias facetas desse urbano, divididas em
duas grandes categorias: espaços públicos e privados.
O terceiro capítulo aproximou-se dos personagens que emergem das cidades,
os jovens, da seguinte maneira: 1- captando a emergência das culturas juvenis e
seus principais pólos, de um lado Bob Cuspe representando a parte pobre e, de
outro, os jovens de classe média ou alta; 2- comparando as duas gerações juvenis
distintas através do olhar dos personagens que foram jovens na importante
geração de 1968 Meiaoito, Nanico Wood e Stock. E mais, como os diferentes
grupos juvenis e leitores da revista se relacionavam com ela, bem como também
criavam representações de si mesmos através da observação da seção de cartas.
28
CAPÍTULO 1
A Chiclete com Banana era uma publicação de histórias em quadrinhos; porém,
além destas, também era composta de outros elementos de se fazer humor. Angeli
já trabalhava como cartunista desde o início da década de setenta. Ele colaborou em
revistas como Balão, cuja proposta de HQ bastante diferente das existentes até
então no país – marcada por forte influência da contracultura norte-americana. Ainda
em meados dos anos 70 começou a publicar charges, e depois tiras com seus
próprios personagens no jornal Folha de São Paulo, onde trabalha até hoje. Em
1984 lançou, pela Circo Editorial, um livro com uma coletânea de histórias antigas e
inéditas de seus personagens. Em fins de 1985, iniciou a publicação da Chiclete
com Banana, que perduraria pelos próximos seis anos com grande sucesso de
vendas (SILVA; 2002).
O lançamento da revista ocorre em um contexto histórico bastante significativo.
O Brasil emergia de uma ditadura militar de 20 anos de duração, e o fato de os
militares deixarem o poder era algo que ainda causava incertezas quanto ao
encaminhamento e estabelecimento do que ficou conhecido como Nova República.
Entende-se aqui que Angeli e sua publicação estão inseridos em um
momento especial da produção quadrinística brasileira, marcada pela continuidade
de uma longa tradição humorística brasileira, que tem no humor visual um de seus
traços mais fortes, e, ao mesmo tempo, pela inauguração de uma nova forma de se
conceber HQ.
A tradição aparece na medida em que esse artista dedica seu humor visual a
uma crítica da sociedade. Com temas variados, que vão desde política até relações
amorosas, a abordagem do autor sempre foi orientada no sentido de tentar manter
ou de apresentar, mesmo nas mais íntimas confissões de seus personagens, a
dimensão externa ao ser em conflito, à sociedade que o rodeava, incluindo também
o universo político. Essa abordagem da dimensão política na vida cotidiana faz parte
da trajetória humorística brasileira, pensando nas histórias de Péricles Maranhão e
Henfil (SILVA; 1988 e 2000). A vida social sempre foi fundamental para Angeli na
produção do humor.
Por outro lado, também a relação de Angeli com a corrente do humor
visual de viés mais alternativo, mais próxima historicamente do período de
29
publicação da Chiclete com Banana, durante a ditadura militar, e da qual Angeli é
um “descendente” direto. Dialogando com outros estudos sobre imprensa alternativa
(KUCINSKI; 2003), é possível pinçar alguns elementos que com ela se identificam,
como a não aceitação de imposição de políticas editorias que valorizam HQs
estrangeiras e desvalorizam a criatividade brasileira; a manutenção da crítica social
política, economia e cotidiano como centro da produção de humor; a busca de
elementos novos para a publicação; a opção por mais liberdade de expressão; a
preocupação em valorizar mais o que a publicação tem a dizer em si e menos com a
resposta imediata do público leitor.
A ausência da censura, censura a então imposta pelos militares, e a
aproximação entre alternativo e mercado elementos de impossível associação nas
duas décadas anteriores significou, no entanto, benefícios para a publicação em
questão: liberdade de criação e de livre circulação e comércio, e lucratividade para a
editora durante boa parte da existência da revista (SILVA; 2002). Tratava-se de uma
publicação que gerava lucro, e o aparente desalento do artista com a política e seu
desencanto com o futuro o distanciava um pouco de seus antecessores alternativos,
ávidos por “mudar o mundo” e repudiadores do lucro.
Angeli foi, durante o período em questão, o cartunista mais importante, de
maior destaque dentro e fora do Brasil. Não obstante, não foi o único. Durante todo o
período de publicação, a Chiclete com Banana abriu espaço para outros artistas
publicarem seus trabalhos. A Editora Circo também publicou as revistas Circo, com
HQs de vários artistas, e entre eles Geraldão do Glauco, Piratas do Tietê do Laerte,
e Níquel Náusea do Fernando Gonzáles
3
que ganharam suas próprias revistas. Mas
outros também foram importantes como, por exemplo, Spacca e Marcatti. Atuantes
essencialmente em São Paulo eram, em sua maioria, oriundos de uma das
correntes da imprensa alternativa brasileira que surgiu durante a ditadura militar e
que estava ligada às novas propostas da contracultura norte-americana de
revolução estética e comportamental e, portanto, mantinha certa distância dos
impressos de cunho mais ideológico de esquerda (KUCINSKI; 2003).
Todos eles, dentro da Editora Circo ou de outras editoras – pequenas, diga-se
de passagem –, foram e são de grande relevância para o cenário brasileiro
4
de
3
Revista foi publicada pela Circo somente seus primeiros quatro números.
4
Apesar de não terem mais revistas próprias, ainda publicam quase que diariamente suas histórias em jornais e
revistas, bem como relançam periodicamente livros com coletâneas de suas HQs, tiras, etc.
30
histórias em quadrinhos por uma série de fatores. Um deles é relativo à conquista,
entre o público leitor brasileiro, de um espaço significativo para a criação de histórias
e personagens próprios. Se o leitor deste trabalho, ao entrar hoje em uma banca de
jornal, observar por alguns poucos minutos a seção de gibis, perceberá que a
esmagadora maioria não é criada por artistas brasileiros. Apesar de o Brasil ser um
celeiro de artistas de HQs décadas (MOYA; 1977), a maior parte deles trabalha
na produção de histórias estrangeiras, importadas
5
.
A luta por espaço dentro das editoras para a publicação de histórias originais
de autores brasileiros não era uma novidade. Desde a década de 50 existia um
movimento de duas entidades a ADB, Associação de Desenhistas do Brasil com
sede no Rio de Janeiro, e a ADESP, Associação dos Desenhistas de São Paulo
que pressionavam as autoridades para que fosse regulamentada a profissão e
criada uma reserva de mercado para histórias nacionais. Essa proposta, que
havia sido apresentada a Vargas em 1953 sem êxito, com Jango encontra acolhida,
estendendo-se aos gibis e às publicações em jornais e outras revistas
6
. Nesse
período, raros foram os casos de autores brasileiros de sucesso, como Maucio de
Souza e sua criação Bidú, que se estendeu para a Turma da Mônica; e Ziraldo com
seus personagens da Turma do Pererê, que deixou de ser publicado ainda em 1964
em função da censura imposta pelos militares. Pode-se destacar ainda a importância
de Péricles Maranhão e O Amigo da Onça, que era publicado dentro da revista O
Cruzeiro. Portanto o espaço aberto inicialmente pela Chiclete com Banana está
vinculado a uma antiga reivindicação de artistas brasileiros que lutavam pela criação
de um espaço no mercado interno.
Esses novos artistas, através de suas personagens e histórias, abordaram
uma gama de temas, mas sem perder uma íntima relação com seus leitores através
do universo cotidiano. Numa pincelada: o Gato e a Gata, de Laerte, trazem uma
5
O trabalho em cima das histórias estrangeiras realiza-se da seguinte forma: uma determinada editora que possui
os direitos autorais para a publicação das histórias do Batman, por exemplo, contrata profissionais que vão realizar o
trabalho de maneira separada, ou seja, temos o desenhista, o letrista, o roteirista muitas vezes o roteiro também é
importado –, o colorista, o artista final que revisa o trabalho como um todo. Esse complexo processo também ocorre
dentro das editoras estrangeiras, em função do grande volume de HQs produzidas. O problema aqui não é exatamente o
fato de profissionais brasileiros trabalharem na produção de HQs estrangeiras em si, mas o reduzido espaço para que
esses mesmo artistas criem e desenvolvam suas próprias histórias e personagens. Esse é um dos motivos que torna os
artistas que emergiram no cenário dos anos 80 tão importantes, sendo eles também responsáveis por todas as etapas de
produção de uma HQ descrita acima. Independentemente do fato desses novos artistas dirigirem suas histórias para um
público adulto.
6
GONÇALO JÚNIOR. Guerra dos Gibis: a formação do mercado editorial brasileiro. SP, Cia das Letras, 2004.
31
discussão das identidades e dos papéis em um relacionamento entre homens e
mulheres no período pós-revolução sexual; na era da ecologia, a barata Flit e o rato
Níquel Náusea, de Fernando Gonzáles, questionam as relações entre os homens e
a natureza, pelo olhar da natureza sobre os homens; Geraldão, de Glauco, tem
dificuldades em conseguir fazer sexo com mulheres porque não superou seu
complexo de Édipo.
O humor produzido por eles se afasta um pouco do humor ligado à política,
tão característico da tradição do humor visual brasileiro. Da mesma maneira, se
distancia do humor produzido por outros meios de comunicação de massa, ligado a
um tipo de cinema oriundo das chanchadas e dos programas humorísticos da
televisão, calcados em modelos “pré-fabricados” e preconceitos sociais o corno, o
bêbado, a boazuda ingênua/ safada, o negro, o obeso e o homossexual, entre
outros.
No mesmo período, o grupo de humoristas humor escrito, vale lembrar
que compunha a revista Casseta Popular e o jornal Planeta Diário também produzia
intensamente no Rio de Janeiro. Esses humoristas seguiam um pouco mais a
tradição do humor político e menos a do humor de costumes, de comportamento,
mas havia um diálogo com os cartunistas de São Paulo
7
. O auge da produção
impressa desse grupo foi a eleição presidencial de 1989.
Portanto, esses artistas de São Paulo que publicavam suas próprias revistas,
ligados às pequenas editoras, cujo público leitor era reduzido com a exceção da
Chiclete com Banana, durante alguns anos de sua existência –, sem anunciantes, ou
com um número muito pequeno e intermitente colaborando no sustento da revista,
geraram uma nova forma de produzir humor visual que extrapolou em muito as
fronteiras revistas-leitores, no espaço e no tempo.
Se forem considerados os aspectos de quantidade de histórias e personagens
bem como sua qualidade criativa, periodicidade de publicação, liberdade de
produção e consumo, o período entre 1985 e 1993 ano de lançamento da Chiclete
7
Cita-se o grupo que compunha o Casseta e Planeta, pois este, juntamente com Laerte e Glauco além de
Cláudio Paiva, também cartunista, e o escritor Luís Fernando Veríssimo compuseram a equipe de roteiristas do
transformador programa de humor televisivo TV Pirata, que foi ao ar entre 1988 e 1991 na TV Globo. Esse programa
trouxe uma nova forma de fazer humor na TV. Fugiu completamente do formato predominante e, infelizmente, tem
tom do atual Zorra Total, na mesma TV Globo –, e trouxe uma leva de novos talentos que, nas duas décadas seguintes,
protagonizaram outros programas humorísticos que traziam dentro de si as sementes plantadas pela TV Pirata,
incluindo o programa próprio do grupo de humoristas do Rio de Janeiro que vai ao ar até hoje apesar de terem
deixado de lado boa parte da renovadora proposta humorística da qual foram protagonistas.
32
com Banana e ano de publicação das últimas edições das revistas Níquel Náusea e
Striptiras, de Laerte, respectivamente foi, sem dúvida alguma, um dos mais ricos
de toda a história de produção de quadrinhos brasileiros. E um tipo de HQ destinado
a um público adulto, o que coloca essa produção em um patamar mais significativo.
Voltemos à revista. Seu conteúdo era dividido em partes, que chamaremos
aqui de seções, de forma a facilitar uma abordagem geral da publicação. Ao longo
dos anos, os espaços determinados para as seções não foram rigidamente
respeitados, mas pouco se alteraram. Essa divisão era assim disposta: 1- editorial
escrito ou desenhado; 2- história em quadrinho; 3- texto escrito
predominantemente no formato de crônica; 4- história em quadrinhos; 5- fotonovela;
6- história em quadrinho onde algum artista colaborador era apresentado, como
Laerte, Luís Gê, Glauco; 7- seção de cartas. A partir do número 16, foi criada a
seção JAM, que contava com a participação de diversos colaboradores, alguns fixos,
outros não. A classificação da revista como de HQ, se justifica porque boa parte dos
espaços estava dedicada a esse formato, preenchida majoritarimante pelos
personagens de Angeli e minoritariamente pelas HQs de outros artistas,
principalmente as de Glauco e de Laerte. No entanto, a presença de outras seções e
da variedade de temas todos carregados de humor nos faz pensar também na
revista Chiclete com Banana como uma revista de variedades, um magazine. As
seções da revista não tinham, todavia, um tema específico a ser tratado. Os mais
diversos assuntos, satirizados por Angeli e seus colaboradores, apareciam em
qualquer seção.
Nesta pesquisa optou-se por uma abordagem geral da revista neste capítulo a
partir de seus temas, pois o elos com os leitores e, portanto, uma possível chave
do sucesso da revista. Para melhor entender por que do foco em tais assuntos, vale
tentar perseguir um pouco a perspectiva de seu autor, o por quê dessas escolhas e
o que ele deseja levar aos seus leitores. Compreender e aprofundar as motivações
do autor será tarefa a ser realizada a partir da própria revista, cujos textos e HQs de
Angeli serão as próprias fontes. Esta escolha não é casual na medida em que o
próprio autor se coloca presente na revista, seja quando ele mesmo é um
personagem Angeli em Crise, por exemplo –, seja quando ele se expressa através
de seus personagens.
33
8
O primeiro editorial, no lançamento da revista em 1985, deixa claro para o
8
Revista Chiclete com Banana Antologia nº. 01. SP, Nova Sampa Diretriz/ Devir, junho/2007.
34
leitor qual é o objetivo dela. Os seguintes estão muito ligados ao modo como
Angeli encara, analisa, reflete sobre seu papel de realizador da revista, os
problemas enfrentados por esta e os olhares do autor para a sociedade.
O editorial da nº. 1 revela o caráter alternativo da revista, ou seja, coloca-se
na contramão das práticas editoriais de histórias em quadrinhos predominantes no
Brasil, simbolizadas no texto pelo Pato Donald, de Walt Disney. A leitura também
nos leva a entender o sentido de “beslicar a bunda do ser humano”, que nada mais é
do que fazer humor do comportamento do humano. Chama a atenção o fato da
discreta brincadeira que se fazia sobre o formato da publicação: gibi ou revista? Esta
é uma resposta que o autor não ao seu leitor. Da mesma forma, o periódico é de
sua autoria, mas a presença de um número cada vez maior de colaboradores tenta
tirar essa percepção de uma revista do autor, embora o seu projeto continue
presente com força.
1.1- O olhar de Angeli sobre o tempo da Nova República
Os temas apresentados e satirizados na revista estão sempre relacionados à
temporalidade em que ela é publicada. Seus personagens e suas narrativas o
ficcionais, mas partem de um mundo real, concreto. Não preocupação em
construir um mundo imaginário, seres de outros planetas, homens com super
poderes. A Nova República, o recente encerrado regime militar, as identidades de
gênero, fantasias sexuais, o que era e o que é a esquerda, e a continuidade da
direita são alguns de seus temas mais recorrentes.
1.1.2- Abaixo a direita
Um autor de histórias em quadrinhos é um homem de seu tempo.
Independentemente da ficção que ele crie, de alguma forma sua visão de mundo se
revela, e até mesmo algumas de suas problemáticas vão aparecer em sua obra. O
autor dessa revista é, indubitavelmente, um homem de esquerda. Não a esquerda
partidária, institucionalizada pois esta é bastante ironizada , mas a forma
esquerda de ver o mundo, a partir da identificação da existência de grupos sociais
diferentes, com interesses diferentes e, obviamente, pela identificação da opressão
35
econômica, da miséria, da indústria cultural alienante, do autoritarismo político e do
conservadorismo social.
9
Na medida em que vai construindo seu humor visual, o autor nos revela o que
9
Revista Chiclete com Banana, nº. 10. SP, Circo Editorial, julho/1987.
36
é motivo de riso e este riso o é inocente, é dirigido para determinados setores da
sociedade e suas práticas. Seu humor parte de algum lugar para mostrar esse
motivo de riso, de ironia e o lugar é a formação do autor – não sua formação escolar
ou acadêmica, pois não a teve além do hoje denominado Ensino Fundamental I. Ao
longo das revistas, Angeli vai revelando aos seus leitores de onde surge seu olhar
sobre o mundo e, portanto, o que ele julga motivo de riso.
O editorial acima apresenta o seu universo de lembranças, por meio dos
elementos que o compõem. O cérebro do autor, em destaque, está separado em 32
partes e, cada uma delas é numerada com a explicação abaixo. Dessa forma, o
autor apresenta ao seu leitor o que supostamente ele lembra, quais são suas
memórias.
Dentre os 32 componentes, destacam-se aqueles que contribuíram para
grande transformação nos modos de agir e pensar de toda uma geração, todo um
universo que alimentou os desejos de mudar o mundo. Estão presentes os desejos
das esquerdas revolucionárias que pretendiam criar um mundo mais igualitário, sem
miseráveis representados por Che Guevara, que, diga-se de passagem, também,
junto a Fidel e Raul, inovou o processo de tomada do poder mas de jovens que
pretendiam romper com os padrões pré-estabelecidos, em todos os aspectos da
vida humana, desde a sexualidade a o trabalho. Há que se destacar ainda a
presença da ditadura, pois 24 referem-se às novas idéias que alimentaram a
juventude e 5, aos militares no poder, entre estes a imagem do corpo do jornalista
W. Herzog, assassinado em 1975. Yoko Ono, Mick Jagger, Picasso, Barbarella,
Henri Miller, Bob Dylan, Jim Morrison, Leila Diniz, Rita Lee fazem parte de seu
universo cultural.
No editorial “A Lutcha Continua”, a frase clássica dos movimentos operários
somada ao charuto preferência de Fidel Castro e a leitura de O Capital é mais
um indicativo de seu posicionamento político não partidário, insiste-se nessa tese.
O detalhe no nome do autor do livro O Capital chama a atenção: não é Karl Marx, e
sim Karl Perkins, músico norte-americano que compôs Blue Suede Shoes, uma
marca do início do rock como símbolo de uma juventude transgressora.
37
10
A esquerda é motivo de riso para Angeli, assim como também é a direita
como veremos a seguir. No entanto, rir da esquerda é concordar que todos os
grandes projetos revolucionário da geração de 60 e 70 fracassaram na década de
80. Logo, o ironizar a esquerda pressupõe a constatação de dois segmentos
importantes: o dos revolucionários que ainda sonham em mudar o mundo e, portanto
estão fora da realidade; e o dos revolucionários que mudaram de rumo e se
deixaram atropelar pelo capitalismo que coloca sob seu domínio a política, a
economia e a cultura. Na leitura da revista, praticamente não se identifica
referências aos partidos políticos de esquerda sinceros, o que deixa, por exemplo, o
10
Revista Chiclete com Banana, nº. 11. SP, Circo Editorial, setembro/1987.
38
personagem Meiaoito deslocado, pois este não encontra apoio para a continuidade
de sua luta revolucionária. Existem referências aos novos partidos democráticos,
que são vistos pelo autor como um novo conservadorismo.
11
Na tira acima, o personagem Angeli em Crise revela que trocou tudo o que
tinha por um compacto raro da banda inglesa Rolling Stones. Observando outras
referências que aparecem na revista, comporta dizer que o valor não está no objeto
em si, e sim na sua referência cultural, nas raízes do pensamento do autor. A
presença desses elementos que fizeram parte de uma cultura juvenil transgressora
é, por vezes, bastante discreta, quase imperceptível, mas fazem parte da construção
de seu humor visual, portanto estabelecendo sempre de onde ele fala o que torna
algo risível.
12
A música que os dois personagens ouvem é Lucy In The Sky With Diamonds,
da banda inglesa Beatles álbum Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band, 1968
– já em sua fase mais psicodélica, que foge radicalmente do formato no qual o grupo
havia se apresentado até 1966 comportados, com músicas pré-fabricadas
dedicando-se às experiências musicais novas. Esse rompimento com padrões
11
Revista Chiclete com Banana, nº. 24. SP, Circo Editorial, dezembro/1990.
12
Revista Chiclete com Banana, nº. 20. SP, Circo Editorial, agosto/1990.
39
estéticos pré-definidos pela indústria cultural, nas artes de maneira geral, foi um dos
catalisadores de toda uma forma de pensar da geração juvenil, que buscava
avidamente novas e transgressoras atitudes, e de seus pares etários. Essa fonte da
contracultura é marcante para o entendimento e busca da identificação de onde fala
o autor. Sua preocupação não era apenas estética ou de transgressão pela
transgressão em si. Esta não era vazia de conteúdo, ao contrário, procurava novas
possibilidades de se resolver problemas da vida cotidiana como os problemas do
mundo do trabalho.
E o problema do trabalho e dos baixos salários é trazido por Bob Cuspe: seu
antagonista propõe-lhe pagar salário mínimo, que é rejeitado com um cuspe. Na tira
seguinte, um homem engravatado assim como o patrão que ofereceu o tal salário
também recebeu um cuspe dentro do ônibus. Ao comparar as duas tiras, verifica-
se que os antagonistas de Bob Cuspe, nas duas histórias, possuem a mesma
descrição física, com ternos escuros, óculos, bigodes. Esse tipo de personagem é
recorrente nas HQs de Angeli, que sempre o identifica como empresário, patrão ou
político, e todas essas imagens estão ligadas às formas de conservadorismo, de
opressão econômica e até mesmo corrupção política. Pensar na construção de uma
narrativa segundo essas características simbólicas só é possível para um homem de
esquerda.
13
No longa-metragem Flash Back: Uma história psicodélica de um autor flower
13
Revista Chiclete com Banana, nº. 6, 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989.
40
Power
14
, dois personagens relembram seu passado da virada dos anos 60 e 70.
Ácidos, rock n’ roll, Kerouac, Sartre, Marcuse, Ginsberg, Godard continuam
afirmando para o leitor as origens intelectuais do autor. Algumas passagens,
selecionadas entre tantas, ilustram como ele vai deixando claro ao seu leitor onde
estão suas origens, suas formas de pensar, de compreender o mundo. Na história,
as referências são claras por aquilo que os personagens vão dialogando suas
experiências anteriores, suas memórias. Em outros momentos, em ouras histórias as
referências são mais sutis, um pouco mais veladas, mas sempre estão presentes.
14
Revista Chiclete com Banana, nº. 10, 1987.
41
42
A construção do humor nessa história está na última vinheta. Nas anteriores,
vemos apenas os dois personagens em suas recordações, na última, descobrimos
que os dois são executivos de uma empresa multinacional, ou seja, os autênticos
transgressores sociais no plano das memórias passaram a yuppies. Tornaram-se
43
exatamente aquilo que criticavam quando jovens, empresários distantes das causas
sociais, das propostas com visões mais coletivistas e menos individualistas tão
apregoadas pelo capitalismo. É desse constante embate entre presente e passado
que Angeli produz parte significativa de seu humor, o seu desencanto com o
esfacelamento e porque não dizer ridicularização até de tudo aquilo que
encantou e moveu uma geração. Talvez o humor produzido aqui não seja um humor
para rir, mas um humor melancólico, triste. Talvez, parte de seu humor nem seja, no
fundo, humor.
Tudo está perdido? Não, nem tudo. Ao se comparar essa história com as
duas tiras anteriores de Bob Cuspe, sente-se que, apesar do declínio dos grandes
ideais que moveram uma geração, nem tudo está perdido. Ao que parece, Bob
Cuspe, que representa um jovem punk, representa também a visão de mundo desse
setor da juventude dos anos oitenta: transgressão da ordem social estabelecida e
o rock assume novamente seu papel simbólico nessa transgressão através de novas
bandas como a inglesa The Clash e a brasileira Inocentes e rejeição do mundo do
trabalho na dinâmica capitalista.
Portanto, é dessa formação que o autor olha e interpreta o mundo a sua volta.
É a partir da literatura marginal, do rock n’ roll transgressor, do cinema arte, do
quadrinho alternativo e também da esquerda revolucionária que são constituídas
suas histórias, identificando o que é motivo para se fazer humor. Um sujeito que
escorrega na casca de banana não é motivo de graça, mas um patrão que oferece
salário mínimo o é; um bêbado que importuna as pessoas na praça não é motivação
para o riso, já um jovem artista que faz playback passa a ser motivo. Essas escolhas
são importantes, revelam a visão de mundo de autor.
Nesse universo criativo, seu olhar apresenta uma esquerda que pode estar
desnorteada, entregue aos novos tempos, reciclando suas visões de mundo,
tentando apaziguar os radicalismos e fazer alianças. Mas com a direita é diferente. A
direita é a direita, ainda que esteja tentando se vestir com uma roupagem diferente.
Mas é a direita.
Na história intitulada Sutilezas Políticas
15
, o político grava seu programa
eleitoral, sua plataforma é o regime democrático. No decorrer dos quadros, no
entanto, o personagem vai ficando alterado, tornado-se agressivo com
15
Revista Chiclete com Banana, nº. 11, SP, Circo Editorial, 1987.
44
equipamentos e membros da equipe de produção. Essa história estimula pensar
como o autor essa tentativa dos conservadores de serem democráticos. Em
outras palavras: por mais que tentem apresentar uma nova forma de ser, não
conseguem esconder sua real posição política, marcada pela atuação, sem ter que
prestar satisfação aos eleitores e protegidos pela violência do regime para com seus
opositores
16
.
16
Essa história pode ser comparada, guardada a distância no tempo, com o recente fato que envolveu o atual
prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Este se irritou profundamente com o estardalhaço de um manifestante
que visitava um hospital na periferia de São Paulo, no início de 2007. Aos berros, o prefeito chamava o
manifestante de vagabundo. Apesar da tentativa de se mudar as aparências, o conservadorismo permanece, e
uma hora se revela.
45
Na história acima, a mesma direita civil que estava no poder político, devido
às práticas políticas autoritárias dos militares, continuou no poder durante a Nova
República. Os elementos que validam o personagem como de direita estão no fato
dele estar na política vinte anos duração do regime militar e sua dificuldade
em se adaptar ao novo regime, pautado nas disputas democráticas entre grupos
políticos opostos, que não existiam durante o período anterior, ou sua existência era
desconsiderada e anulada pelo regime. Atuar numa democracia é, então, algo
impossível para a direita que esteve acomodada no poder. No quadro seguinte, essa
46
impossibilidade para a direita está novamente presente.
17
No quadro intitulado New Imbeciw
18
, extraímos um dos exemplos dos “new”
que o autor nos apresenta, que ironiza todas as supostas novidades da nova
década, mas não consegue encontrar nenhum político novo, ou seja, não
novidade no universo potico, só há o mesmo conservadorismo.
19
Novamente a presença de política de direita no Brasil também nos tempos de
democracia, está no quadro intitulado Fantasias para 86
20
. A aliança democrática é
uma impossibilidade e “brincar uma noite inteira desse jeito” pode ser lida como a
17
Revista Chiclete com Banana, nº. 2. SP, Circo Editorial, fevereiro/ 1986.
18
História na íntegra em Anexo 1, ANEXOS.
19
Revista Chiclete com Banana, nº. 3. SP, Circo Editorial, abril/1986.
20
História na íntegra em Anexo 2, ANEXOS.
47
impossibilidade de aproximar campos políticos opostos por natureza, o que significa,
por parte da esquerda, abandonar projetos políticos que marcaram sua atuação.
21
O Quadro acima foi tirado da passagem Os Anos Noventa vão ser Sodinha
22
.
A Nova República é delineada pela democracia, pelas alianças e pacificação dos
extremos, e pelo apaziguamento da radicalidade de posições políticas via
conciliação e alianças. Ela é, portanto, conservadora e de direita, pois não é possível
aproximar posições historicamente tão díspares. Nesse quadro percebe-se a
proximidade existente entre a direita e os militares com atuação marcada pela
tortura. A tortura promovida pelos militares está a serviço da direita. Nas memórias
de Angeli estão presentes as figuras de generais militares e na revista especial
dedicada aos personagens Meiaoito e Nanico, Angeli deixa claro naquele editorial o
que pensa sobre o regime militar no Brasil.
21
Revista Chiclete com Banana, nº. 9, 2ª. edição. SP, Circo Editorial, abril/ 1990.
22
Anexo 3. ANEXOS.
48
23
A direita é responsabilizada não somente pela ditadura e suas experiências
terríveis, como a tortura, mas também pelo caos econômico no qual se encontra
país. Novamente, o detalhe está no fato de José Sarney ser considerado uma
continuidade do regime militar, não no sentido de manter a ditadura mas no de
manter o mesmo conservadorismo político, o que também significa as mesmas
perspectivas econômicas, ou seja, a do descaso com a população, com a pobreza,
23
Revista Chiclete com Banana, nº. 21 A. SP, Circo Editorial, junho/1990.
49
os baixos salários e o desemprego. Ao longo das edições, especialmente nas
primeiras, há presença constante dos militares, dando a sensação de que não se
pode esquecer a ditadura, pois se ela tomou o poder uma vez, pode muito bem
tomar novamente. Talvez a proposição do humor da revista tenha justamente esse
encaminhamento: O que de novo na Nova República? Ela de fato existe? Se
existe, para quem? Angeli o parece, em momento algum, se identificar com a
Nova República. Seu humor, na realidade, parece gritar para o leitor que a Nova
República é um “Novo Engodo”.
Nas HQs, conservadorismo de direita se apresenta não somente na sua
prática social pelo viés da política e da corrupção mas também na composição
física dos personagens que a representam cabelos curtos, penteados para trás,
bigode, terno e gravata, uniforme militar. Na década de 80, outro personagem acaba
por representar esse neoconservadorismo: o jovem que abraça as causas do novo.
24
Na fala do personagem – no balão “perdi minha carteira do club”
25
a
escolha do termo não é casual, pois club não é uma denominação similar à
“sociedade amigos de bairro” ou “clube da botcha”, mas sim para “Country Club” ou
24
Revista Chiclete com Banana, nº. 2. SP Circo Editorial, fevereiro/1986.
25
Anexo 2. ANEXOS.
50
“Tênis Club”, ou seja, locais de frequência da direita. O fato da sugestão do autor de
que todos no salão podem estar com a mesma fantasia, também se refere ao igual,
à ausência de novas propostas, e o que existe é produto da indústria cultural.
Portanto, esses novos jovens são a nova direita, a “neodireita”
Não existem outras posições políticas. Ou se é de esquerda, ou de direita.
Claro, existem variações dentro das partes o próprio Angeli é uma mescla de
diversas formas de ser esquerda –, mas na Nova República a esquerda a
institucionalizada, partidária foi engolida pela direita, na medida em que não
consegue apresentar uma forma de atuação política diferenciada do que já existia. A
esquerda utiliza-se dos mesmos mecanismos de alianças políticas para seu
fortalecimento e atua conforme as necessidades do momento para seu
posicionamento como oposição ou como conciliação para o bem da democracia;
seus projetos tornam-se negociáveis para que sejam, de alguma forma, plausíveis.
Conciliação para a democracia, sem radicalismos, é o período da Nova República
como um todo.
Angeli apresenta seu posicionamento político constantemente em suas
histórias, e este é percebido através daquilo que o autor julga ser motivo de riso,
bem como as suas referências de formação ideológica oriundas dos projetos da
“geração de 1968”, marcada tanto pelos desejos revolucionários como pela ânsia de
transformar as práticas cotidianas e romper com os antigos valores sociais. Apesar
das constantes referências, não são estas os temas da revista, mas servem como
alimento para o humor visual que se faz sobre o período histórico em que a Chiclete
com Banana é publicada.
A partir, então, de sua concepção de mundo, seu olhar de esquerda, sobre a
esquerda e sobre a direita, Angeli permite ao leitor pensar sobre o que é Nova
República.
O termo Nova República merece aqui melhor discussão. Refazendo a
trajetória do termo e daqueles que o cunharam, é possível entender as razões que
levam Angeli a satirizá-lo. Sua origem está na aproximação política entre membros
de uma ala mais moderada do PMDB, que tinha à frente Tancredo Neves, membro
do MDB desde seu início e posicionando-se contra o regime militar de maneira
bastante moderada; com a Frente Liberal, dissidentes do PDS descontentes com a
escolha de Paulo Maluf como candidato à presidente e que tinham como liderança
51
maior José Sarney governador do Maranhão e senador por este estado pelo
ARENA, portanto pró-regime militar. A partir dessa fusão surgiu, então, a Aliança
Democrática, que possibilitou a eleição indireta de Tancredo e Sarney para
presidente e vice, respectivamente. Nasceu a Nova República.
Ora, a observação de tal configuração política permite-nos entender o porque
da desilusão com o novo regime. Grande parcela de seus articuladores políticos
estava umbilicalmente ligada aos militares. Que regime político seria esse, então?
Aonde está seu caráter de inovação? Angeli, com seu humor visual, ou mesmo com
sua produção não humorística vide novamente o editorial da Chiclete com Banana
nº. 21 A percebe que essa articulação política não está relacionada aos projetos
que permitam realmente transformar o país. Para ele, Aliança Democrática, Nova
República designam, na realidade, um engodo articulado pela direita que tenta
“vestir uma roupagem nova” democrática, mas que continua sendo direita para se
perpetuar no poder, assim como perpetuar seus projetos conservadores e que
permitam sustentar as perenes desigualdades sociais existentes no país.
Cabe ressaltar aqui que essa vitória entendida da direita, seja ela mais
“centro” ou não, traz consigo derrotas. Não a derrota da ditadura militar apesar do
militares deixarem o poder, sua base de apoio civil, permaneceu –, mas sim de
outros projetos poticos, que também vão além daqueles que o autor é oriundo,
compostos por uma série de movimentos que foram lentamente se gestando e se
articulando de maneira mais fragmentária ao longo da década de 1970. Movimentos
como as Sociedades Amigos de Bairro, as Comunidades Eclesiais de Base, aqueles
em defesa dos direitos da mulher, das minorias sexuais, dos negros
26
, os novos
sindicatos principalmente os vinculados às montadoras de automóveis da Grande
São Paulo
27
, entre outros e que culminaram com a formação, em 1980, de uma
agremiação política que tentava aglutinar e catalisar essas novas aspirações sociais
bem como reformular a prática política de esquerda do país, o Partido de
Trabalhadores.
Derrota, pois esses diversos movimentos e seus projetos começaram a
ganhar força em fins dos anos 1970 e início da década seguinte. Lutavam também
pelo fim do regime militar, pela volta da democracia, por eleições livres, por uma
26
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência, aspectos da cultura popular no Brasil. SP, Brasiliense, 1986.
27
SADER, Éder. Quando novos personagens entram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande
São Paulo (1970-1980).
52
nova Constituição. Apoiaram as “Diretas Já” e acompanharam, a contragosto, a
votação do Colégio Eleitoral. De pequenos movimentos, pouco articulados,
temerosos e muitas vezes reprimidos, que foram ganhando lentamente as ruas,
tornaram-se multidões. Ultrapassaram a casa do milhão no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Mas, não foram os representantes de seus projetos os vencedores em
Brasília. Nem na posse de José Sarney, nem na posterior composição e mobilização
política estabelecida para a Assembléia Nacional Constituinte. Desta última, dos 559
membros, 303 eram do PMDB, 135 do PFL e 38 do PDS
28
, ou seja, grande parte da
oposição moderada do regime militar, bem como os membros de antigo partido
compunham a maioria absoluta. Novamente, em que medida a Nova República
inovou efetivamente?
No campo da política, o autor entende que houve sim transformações, e que
estas foram para pior, pois a esquerda “endireitou-se” e a direita permaneceu no
poder sob um novo formato de conciliação política. O tempo da Nova República é o
seu tema. Não somente a prática política, mas também a vida cotidiana – as
relações de gênero, por exemplo e a produção cultural, como o rock fabricado
pelas gravadoras. Portanto, os projetos políticos da esquerda da virada dos anos 60
e 70, que é de onde Angeli fala, foram derrotados e a festividade em torno do fim da
ditadura tenta acobertar tal derrota.
A decepção com o campo político é o que, provavelmente, leva o autor, ao
longo das edições da Chiclete com Banana, a se dedicar menos à sátira política e
mais ao humor de cotidiano, que se apresenta em diversos temas.
Sua produção voltada para o cotidiano não perde, todavia, a dimensão
política. Seus personagens vivenciam a política institucional, partidária no dia a dia,
dentro do apartamento, andando pelas ruas, pelos esgotos, nos bares. Podem
rejeitar os projetos políticos ou não, mas raramente suas atitudes, falas passam à
margem dos problemas postos no período.
1.1.3- O sexo frágil
Uma das questões mais presentes na revista o os papéis que homens e
mulheres vinham assumindo e as consequentes dificuldades acarretadas. Suas
28
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. RJ, CPDOC-FGV. www.fgv.br/CPDOC.
53
narrativas apresentam histórias do cotidiano, tornando cômicas essas relações de
gênero. Uma observação mais atenta revela que o problema das relações entre
homens e mulheres se tornou bastante complexo com o passar de algumas
décadas. Na seção de fotonovelas, o homem é o tema central e em situação de
crise de identidade masculina em função de novo posicionamento feminino.
54
55
56
O próprio Angeli é protagonista de boa parte das fotonovelas que se iniciam
sempre sob o título As Aventuras de Angeli em Crise. Duas das fotonovelas que
abordam este tema. Na história Desobediência Civil
29
, uma agente de fiscalização
sanitária de um regime autoritário aborda Angeli, que mora num banheiro público,
29
Revista Chiclete com Banana, nº. 11, 1987.
57
para fiscalizá-lo ressaltando que a fiscalização, nesse caso, é sexo oral. Diante da
recusa do personagem, a agente transforma-se em várias mulheres sedutoras,
todas incapazes de fazer Angeli mudar de idéia, e acaba tentado fazer sexo oral
com ele na marra. Mas Angeli recusa-se veementemente, levanta a voz e sai,
deixando a agente para trás.
O problema de uma ditadura, de um governo autoritário, na história narrada
serve apenas de fachada para discutir questões de gênero. A recusa do sexo oral
coloca o personagem em situação de domínio sobre a mulher, embora ela tenha
tentado seduzi-lo de diversas maneiras. O personagem recusa-se a se submeter aos
propósitos da mulher. Nota-se aqui que a iniciativa para o sexo oral foi feminina, mas
a recusa do masculino o coloca na situação de poder de controle da situação.
O controle da situação e a iniciativa que partem do feminino ocorrem
justamente em outra fotonovela intitulada O Pequeno Lobatinho
30
, na qual o
protagonista do título está em campanha eleitoral. Porém, não é o Pequeno
Lobatinho quem faz a campanha mas sim sua esposa, e é ela quem apresenta o
candidato. Primeiro, sua plataforma potica e, depois o candidato em si, revelando
que não lava cueca e urina fora da bacia, ou seja, denunciando a atitude “porca” de
Lobatinho e a sua não-participação na realização das tarefas domésticas. Lobatinho
é mais baixo que a esposa, não consegue assumir o microfone falar, pois é retirado
do palco pela esposa. Ao final, o apresentador da campanha finaliza dizendo
“acabamos de ouvir as palavras do companheiro Lobatinho”, sem que este dissesse
uma única palavra aos eleitores. O controle está nas mãos da mulher do começo ao
fim, o homem não conseguiu se colocar, se expor, foi impedido e não se impôs.
Como se posicionar perante o papel que as mulheres pretendem para si nos
anos 80? Numa de suas seções de textos escritos, temos o quadro “Vou, Macho e
Volto”
31
, Angeli “apresenta” ao leitor regras básicas para se tornar um macho: ter
cabelos no peito, ficar por cima na cama, assistir a filmes de ação. No texto,
percebe-se a problemática masculina do período s-revolução sexual e o humor é
exibido como resgate de certa representação do masculino, ativo, insensível, que
agride a mulher, se necessário, e que assiste a filmes de guerra.
Essa dificuldade de se relacionar com as mulheres se apresenta no
personagem Bibelô. A construção física do personagem é reveladora, destacando-
30
Anexo 4.
31
Anexo 5.
58
se a costeleta e os pelos no corpo, especialmente no peito, típica representação de
homem macho no período imediatamente anterior ao da revolução sexual, sendo
Jece Valadão um de seus representantes mais notório no Brasil. Na tira a seguir,
Bibelô está na cama com uma mulher e esta reclama de sua atuação sexual.
32
Em outras tiras, Bibelô tem dificuldade em conquistar mulheres, em função de
seu tipo físico e de sua abordagem convite direto para um drink em seu
apartamento ou para dançar bolero. Seu estilo “Jece Valadão” de conquistar
mulheres e de fazer sexo é rejeitado por elas, e o humor desse personagem está
justamente em sua dificuldade em conseguir se adaptar aos novos tempos. Vale
apontar que tal dificuldade de Bibelô se identifica com certa dificuldade masculina de
se portar e é apresentada ao leitor de maneira satírica, ou seja, o autor não está
pretendendo fazer nenhuma denúncia sobre o problema social dos machões,
apenas constata, com bom humor, que esse tipo de personagem social está em
crise.
1.1.4- A favor da liberdade de expressão e da libertinagem em expansão
O sexo é presença constante na publicação. Porém, mais do que a realização
do sexo em si, a fantasia sobre sua realização é mais forte. Uma das seções que
mais aborda o tema da fantasia sexual é a coluna de Edi Campana, fetichista de
plantão e personagem de Angeli. Apesar de ser dirigida para adultos, a revista
atingia grande leva de adolescentes, e recém-adultos. Esse detalhe destacado aqui,
é identificado na seção de cartas. Essas faixas etárias são marcadas, entre outras
32
Revista Chiclete com Banana, nº. 16, 2ª edição. SP, Circo Editorial, junho/1992.
59
coisas, pela descoberta do sexo, não necessariamente por sua realização plena,
mas mais pela fantasia que gera. Angeli torna cômica tal fantasia. Seus
personagens, além da fantasia juvenil sobre a sexualidade, enfrentam grande
dificuldade em realizar sexo ou, pelo menos, torná-lo algo satisfatório, que faça bem
para suas vidas.
33
33
Revista Chiclete com Banana, nº. 8, 2ª. edição. SP, Circo Editorial, maio/1990.
60
61
O personagem Edi Campana escrevia de Paris, e suas narrativas estavam,
então, ligadas às suas taras sexuais muito mais do que as próprias aventuras
sexuais em si. Olhar mulheres pela janela do hotel, seguir bundas pelas ruas e nos
62
trens, lembrar detalhes físicos e vestimentas de atrizes. Por vezes, Edi Campana se
lembra de histórias de família, lembra-se da tia Marta.
O texto acima está escrito no formato de anotações de caderno; outros foram
escritos de uma maneira mais formal, mas aquele chama atenção para o aspecto
citado sobre sexualidade e adolescência. Mistura de anotações, lembranças,
masturbação, recortes de fotografias e outras imagens nos remetem à ideia de uma
agenda, onde ficam registradas as fantasias, os desejos reprimidos e os impossíveis
transar com a cantora Madonna ou com a atriz Natássia Kinsky, por exemplo , e
a masturbação é o ponto central da discussão. Chama a atenção nesse texto a
comparação fictícia entra o estilo narrativo de Edi Campana com o do escritor
alemão/norte-americano Charles Bukowski, notório por tratar de temas como sexo,
prostituição, submundo do álcool e das drogas temas suburbanos rejeitados pela
literatura refinada até o final da 2ª. Guerra Mundial e por construir suas narrativas
em linguagem bem distante das preferências acadêmicas e intelectuais. Bukowski,
um dos muitos de uma nova geração que alimentou a geração da contracultura,
tornou-se muito popular entre os jovens dos anos 60. Novamente, Angeli, denuncia
suas origens. Seus temas o se aproximam de um cotidiano burguês quando se
aproxima, é para satirizar –, mas do popular. Mais além do popular, do suburbano,
não do pobre, miserável, mas suburbano no sentido de abordar temas que não
seriam temas das pessoas finas, respeitáveis, na sala de jantar.
O problema do desejo sexual também atinge o personagem Meiaoito, que se
entregou, desde o período ditatorial, aos interesses do Partido (o Comunista), e
deixou de lado seus anseios pessoais e sua vida íntima.
34
algo que vai além do desejo sexual. O personagem entende que toda sua
34
Revista Chiclete com Banana, nº. 21 A. SP, Circo Editorial, 1990.
63
vida foi e deve continuar a ser orientada pelo partido, inclusive nos aspectos que
remetem à sua vida privada. A visão é de que os desejos, os amores e as paixões
são elementos secundários na vida de um revolucionário, pois não é somente
Meiaoito que tem dificuldades em conquistar uma mulher.
1.1.5- A voz do dono
O fazer da revista, as suas dificuldades também são um tema da própria
publicação. É nos editoriais que Angeli faz considerações sobre o ato de fazer uma
revista, de desenhar HQs em si. Em alguns deles, o autor se coloca como
personagem
35
.
36
Acima, uma situação em que o próprio autor aparece como personagem, e
coloca o leitor diante da própria produção de HQ. Ele divide com o leitor os
problemas e os conflitos sobre seu trabalho e, nesse sentido, é possível classificar
35
A presença do autor como personagem é uma constante em praticamente todas as edições.
36
Revista Chiclete com Banana, nº. 03. SP, Circo Editorial, fevereiro/1986.
64
essa história como uma "metaquadrinho”
37
. A solidão do artista diante da prancheta
até altas horas da madrugada, a necessidade de cumprir os prazos para a gráfica
conseguir imprimir a revista, os questionamentos sobre o sentido de seu humor, ou
seja, o porquê fazer o leitor rir “desenhinhos idiotas”. O próprio espaço onde ele
realiza sua tarefa é significativo, pois não representação de uma porta, uma
janela, apenas sua prancheta sua cadeira e uma luminária sobre a prancheta. O
conflito interno do artista sobre sua função e as pressões que sofre aparecem
também em outro momento. O início da história “A Vaca vai para o Brejo”, traz ao
leitor a mesma situação.
38
37
EISNER, Will. Quadrinho e Arte Sequencial. SP, Martins Fontes, 2001.
38
Revista Chiclete com Banana, nº. 6- 2ª. edição. SP, Circo Editorial, outubro de 1989.
65
Em outro editorial escrito, Angeli contempla as mesmas dificuldades.
39
39
Revista Chiclete com Banana, nº. 23. SP, Circo Editorial, setembro/ 1990.
66
Da observação dos editoriais acima selecionados, verifica-se que o autor
conduz o leitor para conhecer os problemas pelos quais um artista passa para poder
levar o humor aos seus leitores. Criar uma revista a partir de um viés alternativo e
que gere lucros é conflitante. A pressão para a produção de mercado é grande,
tornando a situação do autor difícil. A revista, apesar de se colocar como um meio
alternativo às HQs estrangeiras e dominantes, como é o caso explicitado no editorial
1, está inserida também em um contexto de produção para o consumo. Ou seja,
existem prazos a serem cumpridos para que o produto seja posto à venda e gere os
lucros esperados. Nesse sentido, a revista Chiclete com Banana, que é herdeira de
uma longa tradição de produção de humor na imprensa humor escrito e visual
especialmente da importante corrente originária no início dos anos 70, peodo em
que os seus idealizadores não visavam lucro, apresenta uma nova perspectiva para
a produção de HQs alternativos.
Para o sociólogo Nadilson M. da Silva, a revista bem como sua editora
abriram espaço para um diálogo novo entre alternativo e mercado, fato impensável
na década anterior
40
. Essa tentativa de conciliação, de sucesso, entre os los é
bastante complexa para o autor e ele faz questão de dividir essas dificuldades com o
leitor.
Em outros editoriais, Angeli apresenta outros problemas do periódico. Não de
seus problemas como criador, mas das próprias dificuldades financeiras.
Lendo os editoriais das edições 21 e 22
41
, encontra-se o problema financeiro
da revista. No editorial da edição 21, a grande revelação é a introdução de um novo
tipo de papel que maior qualidade à revista e, imediatamente, no editorial
seguinte, o papel não existe mais. Esse diálogo com o leitor não existe em outros
títulos, talvez esse seja outro fator de sucesso da Chiclete com Banana, pois permite
ao leitor refletir sobre a produção da revista e não apenas consumi-la; rir das
personagens e de suas narrativas, mas pensar na concretude da revista; que criar
HQs não é uma tarefa fácil, mais ainda se a obrigatoriedade de produção dentro
de um prazo, obrigando o autor a criar; dessa forma, a liberdade do autor pode se
limitar pelos prazos, pelos anseios do público e assim por diante. No entanto, a
postura do autor é de dividir, de maneira bem humorada, com o leitor as dificuldades
40
SILVA, Nadilson M. As Histórias em Quadrinhos tornam-se adultas. Artigo apresentado no XXV Congresso
Brasileiro da Ciência da Comunicação (INTERCOM). Salvador, 2002.
41
Anexos 6 e 7, respectivamente. ANEXOS.
67
e as mazelas de ser um cartunista no Brasil, mas que ele prefere. Ou seja, Angeli
não coloca, em nenhum momento, a possibilidade de abandonar a revista, parar de
produzi-la, ou mesmo mudar de profissão. Ele vive e divide suas crises com o leitor,
mas, por fim, prefere “voltar para as historinhas idiotas”. Da identificação da visão de
mundo do autor, suas reflexões sobre o tempo da Nova República, política e
sexualidade, entre outros temas, parte-se para um melhor entendimento entre os
personagens e os cenários apresentados. Parte-se para a cidade.
68
CAPÍTULO 2
Em São Paulo, a industrialização e os movimentos migratórios europeus,
asiáticos, nortistas e nordestinos provocaram grande e desigual crescimento
demográfico, transformando a cidade em uma metrópole agigantada e
extremamente complexa em suas relações sociais. Sobre o início desse processo,
final do século XIX e primeiras décadas do século XX, existe significativa bibliografia,
o que ainda não acontece quando se trata da cidade no período de declínio do
regime militar e instauração da Nova República. Esse momento é importante pelas
marcas do congestionamento, do crescimento vertical extremamente acelerado e
ainda não encerrado – pelo aumento da criminalidade.
É a cidade do abandono do centro pelas elites, que levam os escritórios
centrais de suas empresas para a Av. Paulista e para a região do Morumbi, dos
Shoppings, do consumo, da publicidade em out doors, das favelas, das imensas
regiões das zonas Sul e Leste. Do jovem metrô, do Playcenter, dos rios poluídos,
dos sindicatos e suas gigantescas manifestações públicas, das associações de
amigos do bairro, do punk, do skinhead e do hip-hop disputando na porrada seus
locais de encontro e sua própria existência pública, da pichação.
Essa cidade merece maior atenção do historiador, que descobre cada vez
mais na História do Tempo Presente, História Imediata, Recente um campo
extremamente fértil para a pesquisa historiográfica. Aqui, a percepção do olhar que
Angeli lança sobre São Paulo emergiu ao longo da pesquisa e do diálogo com as
fontes. No capítulo anterior, foram apresentados diversos temas abordados pela
revista, que aparecem nas relações cotidianas presentes na cidade de São Paulo,
através de seus personagens que emergem dela. O olhar sobre o tempo da Nova
República e toda a sua problemática parte de uma perspectiva do urbano, do
habitante de São Paulo, que vivencia sua complexidade. Apresenta-se uma marca
paulistana a partir da qual se produz o humor, a sátira.
As narrativas nas HQs se dão em algum lugar, ou seja, existe um espaço, um
local onde os personagens são colocados para vivenciarem suas histórias, diálogos,
etc. O espaço, todavia, não é apenas um lugar onde é colocado o personagem; ele
também é um componente da narrativa e, como tal, interfere nesta e na própria
69
forma de atuação dos personagens. A criminalidade urbana presente em muitas
histórias é possível mediante o destaque dado ao cenário onde ocorre: ruas com
pouca ou nenhuma iluminação, becos sem saída, galpões abandonados são os
elementos componentes do espaço que legitimam o tema. As gangues e
organizações criminosas atuam de determinadas formas em função do espaço onde
se localizam. Uma vítima acuada em um beco é possível na medida em que
exista um beco que crie este efeito de dramaticidade para o leitor. O espaço torna-
se, então, elemento-chave para o desencadeamento da história e não apenas um
elemento componente da HQ.
Na história intitulada “Labirinto
42
, os policiais identificam um criminoso em
uma casa de diversões eletrônicas. Ele foge pela saída de incêndio nos fundos da
loja, pega o beco, salto o muro, sobe o edifício, mas os policiais sabiam
previamente sua trajetória e o esperavam em outro beco. A HQ foi elaborada dentro
de uma concepção de espaço pensada pelo autor, que conduziu a fuga do
personagem através de locais e levando-o ao encontro dos policiais.
2.1- O lugar de onde se vê a cidade
Na elaboração de suas histórias, Angeli leva o leitor a olhar o cenário de um
determinado ângulo, que é o do transeunte, de quem está andando na rua. A partir
desse posicionamento, os personagens aparecem na mesma linha dos automóveis
e, portanto abaixo dos edifícios, dassemelharem-se à muralha”; e ali parece se
colocar o fim da cidade, não um além-edifícios, uma limitação para o olhar do
leitor, o que pode ser visto se encerra na visão dos prédios.
A identificação do ângulo da composição do cenário é importante na medida
em que estabelece a posição do autor e seus personagens impondo-a ao leitor.
Michel de Certeau considera que, nas pinturas da Baixa Idade Média onde eram
retratadas as cidades medievais, o olhar do pintor e, portanto, do apreciador da
obra, era do alto, como se fosse o olhar divino, de Deus sobre a cidade. Em sua
experiência de caminhante na cidade de Nova Iorque, Certeau observa a cidade de
cima, do alto do World Trade Center, e este olhar é próximo da visão do artista
medieval. A diferença entre os dois olhares sobre a cidade está no primeiro ser o
42
Anexo 7. ANEXOS.
70
divino e o segundo ser o da ciência, do progresso tecnológico e de sua
extraordinária expansão em função de sua aproximação com o capital. Portanto, a
vitória do homem sobre a natureza e mesmo sobre Deus, se impôs ao
racionalismo
43
.
Nas histórias da revista Chiclete com Banana, o olhar é o do transeunte,
daquele que vive o cotidiano e suas dificuldades. Ao mesmo tempo é o olhar
daquele que tem dificuldades em estabelecer uma relação de convívio social com os
habitantes da cidade, que não se encaixa, não se enquadra nos padrões
estabelecidos. O tráfego intenso de automóveis e os prédios ao fundo não permitem
a uma aproximação da cidade.
Não são visíveis o Sol ou a Lua, não é possível distinguir se está frio ou calor,
e somente se reconhece que é noite, pois a escuridão é apartada pela luminosidade
oriunda dos postes. Não se veem árvores, parques ou qualquer área verde, somente
concreto, ferro e aço. Da mesma forma, não estão visíveis os bairros de casas da
cidade sejam os mais pobres, de classe média ou sejam os das elites assim
como não estão presentes a periferia e a favela. A cidade parece ser apenas a
região central da cidade. Essa delimitação espacial da cidade, presente nas
histórias, permite entender que a São Paulo abordada é a capital de referência para
o país, ou seja, é mais uma referência simbólica do que uma busca dos espaços
reais em si. É a cidade do centro, que não ultrapassa muito os limites da Av.
Paulista, do Minhocão, etc. Nesse sentido, a presença dessa cidade-símbolo em
suas histórias se assemelha à cidade-símbolo presente nas novelas da TV Globo e
nas músicas de alguns compositores, como Caetano Veloso e Itamar Assumpção.
No início deste capítulo, o cartunista norte-americano Will Eisner é citado
como exemplo de utilização do espaço para o desencadeamento de uma narrativa.
Essa escolha não é casual na medida em este autor coloca Nova Iorque como
cenário. Em outra história, “A Antiga Vizinhança”, o personagem leva a esposa para
conhecer o antigo bairro em que morava. Suas memórias estão relacionadas aos
espaços da rua por ele frequentados. O personagem ocupa esses espaços e o autor
coloca o leitor em cada um deles: a rua, a frutaria, a escada de entrada do prédio, o
poste, o hidrante e a parede onde há décadas Tony escreveu seu nome.
43
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1- Artes de Fazer. RJ, Vozes, 2008.
71
Claro, as perspectivas dos autores sobre o papel do cenário são diferentes.
Mas a comparação é válida, pois ambos destacam a cidade, mas Angeli o
ultrapassa os limites geográficos da cidade acima identificados, da mesma forma
que não adentra na cidade, esta sempre está ao fundo. Já em Eisner, o autor busca
as diferentes regiões de Nova Iorque da mesma forma que tenta penetrar na cidade.
44
2.2- A super-cap São Paulo na revista Chiclete com Banana
É a partir da perspectiva de que o lugar onde se passa uma história não é
apenas um lugar, mas algo dialoga com a história e seus personagens e exerce,
muitas vezes, um papel predominante no desencadeamento da narrativa, que se
pretende analisar como a cidade de São Paulo se apresenta nas histórias em
quadrinhos de Angeli. Ela aparece como cenário de diversas maneiras, sendo
perceptíveis duas importantes: os espaços públicos, abertos, coletivos e os espaços
privados, íntimos, fechados. Como espaços públicos há as cenas que se passam em
bares, nas ruas, marcadas pela presença de intenso tráfego de automóveis bem
como por uma muralha” intransponível e interminável de prédios a ausência de
casas nas histórias é significativa , e também pela presença das esquinas e dos
becos. Os espaços privados, da intimidade, são caracterizados pelas cenas
vivenciadas dentro das residências nos apartamentos –, onde a poltrona ou sofá
defronte a TV, a janela e o banheiro são locais privilegiados pelo autor.
44
Anexo 10. ANEXOS.
72
Além do espaço físico como composição do urbano, existe a preocupação do
autor de criar representações caricaturadas em sua forma física e em suas
atitudes dos personagens como sendo tipicamente urbanos, moradores de São
Paulo e tendo a própria linguagem como uma de suas características.
Pretende-se aqui fazer uma abordagem sobre como Angeli constrói uma
visão da São Paulo da década de 1980, revelando uma urbe marcada por uma
modernidade controversa, pelo consumismo, individualismo e pelas disputas pelos
espaços públicos por diversos grupos sociais que a compõem e tornando-a, por fim,
não somente cenário, palco, para a atuação de seus personagens, mas também um
personagem que estabelece um diálogo com os outros e influencia suas ações.
45
45
Revista Chiclete com Banana, nº. 08, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1990
73
Na historieta acima, Mateus Matos busca a tranquilidade, segurança e a
beleza da vida no campo. Sua busca é motivada pelos problemas da cidade,
criminalizada, industrializada e poluída. No entanto, no momento de contato direto
com a natureza, o personagem é atacado por inseto e morre. Antes de morrer,
lamenta não estar na cidade, pois é que se encontram as possibilidades de sua
salvação: a comunicação, o transporte e os defensores da segurança e da vida.
Angeli coloca o leitor diante do dilema da vida na cidade, marcada pelo
progresso técnico-científico, mas também pela criminalidade e pela poluição
decorrente desse mesmo progresso. No entanto, seu posicionamento é claro,
prefere o urbano. O campo é belo, mas não é tangível. Poucas de suas histórias são
situadas em outro lugar que não a cidade de São Paulo. Seus personagens vivem
suas histórias a partir de sua inserção no meio urbano e de suas dificuldades. Os
personagens emergem da cidade.
“Poderíamos comparar a tira diária à crônica, em literatura, onde o autor
extrai, a partir dos fatos triviais do dia-a-dia, um elemento ficcional e com ele
recria a realidade através do humor, da reflexão crítica e da fantasia”.
(FONTANA; 2003)
A pesquisadora Mônica Fontana aponta para a criação das histórias partindo
de situações do cotidiano. Na aproximação com as fontes, esse cotidiano é o do
paulistano em seus diversos aspectos.
2.2.1- Assim caminha a cidade
Na historieta denominada “Assim caminha a humanidade ou as histórias mais
idiotas do mundo”, Angeli apresenta a cidade como cenário. Ao fundo, salta aos
olhos, em primeiro lugar, a rua congestionada pelos automóveis. São três filas de
carros que compõem parte do cenário em todos os quadros. Em segundo lugar,
atrás das filas de carros, veem-se inúmeros edifícios, de diferentes alturas e estilos
que também estão presentes em todos os quadros.
74
46
Aparentemente, o humor está no conflito de gerações: um jovem,
decepcionado por seu pai, um “importante intelectual de esquerda”, por não
46
Revista Chiclete com Banana, nº. 08, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1990
75
emprestar o carro. Ao colocar a cidade como cenário, o autor, todavia, nos propõe
uma reflexão bem humorada sobre a modernidade na cidade de São Paulo. Dois de
seus grandes símbolos nos são apresentados: o automóvel e o edifício. O automóvel
é representante da vida moderna nos grandes centros urbanos. Cômodo, confortável
e simbolizando a velocidade, ele se contrapõe as viagens sobre o lombo de animais
ou dentro do coche que demandam mais tempo que o automóvel para um mesmo
percurso.
A narrativa apresenta, no entanto, um congestionamento, no qual
percebemos o movimento dos personagens entre eles, um desejava sair de carro
–, mas não dos automóveis, revelando assim um paradoxo. O simbolismo do carro
esta justamente na rapidez de sua mobilidade, ao contrário do andar a pé. A
contradição, que pretende levar o leitor ao riso, dá-se no último quadro, quando o
cenário é ampliado e surge uma visão maior da cidade; ali, um dos personagens
revela seu desencanto com o pai pelo fato deste não lhe emprestar o carro e a
concordância do antagonista (“andar a pé é barra!”). Estabelecendo um diálogo
entre os discursos e o cenário, o autor conduz o leitor a pensar sobre o fato de se
dirigir automóveis em uma cidade onde o trânsito está sempre congestionado.
Dentro dessa linha de observação, nota-se que o autor não se utiliza de
onomatopeias, recurso linguístico fundamental para as HQs, pois fornecem
elementos para a leitura fruir de modo mais palpável. As onomatopeias convertem
sons inaudíveis na HQ – em representações gráficas que levam o leitor a imaginá-
los – uma queda, a batida de uma porta, um tiro de revólver, o apito de um trem, um
beijo, uma batida de carro.
Como elementos conhecidos, reconhecidamente fundamentais e largamente
empregados nas HQs, a ausência dessas representações gráficas é significativa. No
mundo real, o trânsito engarrafado da cidade de São Paulo é marcado pelos ruídos
das sirenes, das freadas bruscas, das buzinas, dos gritos dos motoristas. Na história
em enfoque não som, não movimento dos automóveis, estão parados no
trânsito e em silêncio.
76
47
Nessa passagem da história “Diarréia”, Bob Cuspe mantém sua distância da
cidade caótica. O protagonista anda e os carros, não. Os outros personagens estão
dentro de carros, todos apertados, especialmente nos ônibus, e não existem
pessoas nas ruas, somente os veículos. Parece não haver espaço para o homem
caminhar.
A contradição automóvel=velocidade versus trânsito engarrafado é
aparente em outros momentos de suas HQs, e é um dos problemas abordados pelo
autor, que encontra o centro deste problema no consumo, isto é, no desejo de ter
automóveis por parte da população paulistana. Na seção da revista intitulada “OS
ANOS NOVENTA VÃO SER SODINHA”
48
, Angeli desenha um quadro em que o
personagem se vangloria por ter um “Monza último tipo”, ou seja, veículo automotivo
é sinal de status.
47
Anexo 12. ANEXOS.
48
Anexo 3. ANEXOS.
77
Na seção intitulada “DESEJOS, MILS!”
49
, o personagem “PAULISTAS”
também revela seu desejo de possuir um Monza vermelho. A cidade com trânsito
sempre engarrafado tem um motivo identificado – podem existir outros, mas que não
são temas trabalhados pela revista e seu autor que é a necessidade de possuir
automóveis, preferencialmente de luxo, cuja significação está muito além do que ir e
vir em maior velocidade ou comodidade simbolizam diferenciação social. A
caracterização física dos personagens é a mesma, representa os mesmos
interesses de uma classe média ansiosa por seu poder de consumo.
A São Paulo vertical aparente nos cenários apresenta uma discussão também
vinculada à modernização. Quase todas as grandes cidades em todo mundo
passaram e passam por um processo de verticalização e de racionalização do
espaço urbano. A industrialização e o extraordinário crescimento demográfico
levaram urbanistas, arquitetos e engenheiros a elaborarem projetos que tornam a
49
Anexo 8. ANEXOS.
78
cidade funcional. Basicamente, os projetos foram marcados pela concentração de
maior número de pessoas em um espaço horizontal cada vez menor daí, construir
na vertical bem como ampliar as vias de deslocamento de veículos; portanto, são
necessários mais espaços horizontais. Esse processo continua em andamento, na
medida em que vemos a construção de mais e mais edifícios e estes cada vez mais
altos bem como de vias, subterrâneas (túneis) ou aéreas que visam favorecer o
deslocamento de automóveis. Os bairros de casas ficam cada vez mais distantes do
centro, e o estabelecimento de condomínios residenciais para a classe média e alta
é uma de suas marcas mais atuais. Para Angeli, esse processo também é visível na
cidade de São Paulo.
Nesse sentido, a historieta do início deste capítulo pode ser reveladora
quando coloca os edifícios ao fundo do diálogo dos personagens, criando uma
espécie de “muro de edifícios” tão altos, acabando por deixar pouco espaço para o
leitor identificar o céu na cena. Há, aparentemente, uma limitação espacial,
impedindo maior liberdade de atuação dos personagens. também ausência de
diálogo entre os personagens e a cidade-cenário, ou seja, parece não haver
interação direta entre ambos. As pessoas que estão dentro dos carros não dizem
palavra alguma e não existem pessoas nos edifícios que, de alguma forma, façam
essa interação. uma recorrência dessa ausência de interação pelo diálogo entre
o cenário e os personagens. Da mesma forma, também na historieta é possível
identificar uma determinada constituição de cenário muito presente em outras
histórias que é personagem em primeiro plano e cidade em segundo plano, atrás, e,
de certa forma, distante do personagem. Os protagonistas raramente entram na
cidade, estão à margem.
Em algumas histórias do personagem Bob Cuspe, essa dificuldade de relação
entre o personagem e a cidade-cenário é uma constante. Na história “Bob Cuspe é a
Salvação”
50
, uma passagem que revela onde o protagonista mora: o esgoto
subterrâneo. Sobre ele, o trânsito da cidade, os edifícios, as campanhas
publicitárias, a tensão do tráfego representada nos gestos e nas expressões faciais
dos demais personagens, crianças pedindo dinheiro, policial do Batalhão de Choque
com o cassetete em riste, pronto para conter os mais exaltados. Bob Cuspe optou
por viver no subterrâneo, separado da cena acima dele.
50
Anexo 9. ANEXOS.
79
que se fazer algumas distinções entre essa cena e a historieta “Assim
Caminha a Humanidade...”. Apesar do protagonista não dialogar com a cidade
exposta – ele prefere o subterrâneo, o esgoto – há um movimento no cenário.
Percebe-se a existência de crianças de rua, de um Hare Krishina vendendo incenso,
de um diálogo inaudível entre um motorista e um transeunte. As faces das pessoas
80
que estão dentro dos automóveis são marcadas pela mostra dos dentes, o que
indica tensão, provavelmente em função do congestionamento, do aperto dentro dos
carros, da fumaça da fábrica ao fundo. Em segundo plano, novamente a presença
dos edifícios, desta vez serpenteados por uma via aérea, em clara referência ao
“Minhocão”. A intensidade da cena é muito grande, causa impacto no leitor.
Crê-se aqui ser uma opção do autor constituir o espaço urbano nesse
formato, é essa a São Paulo que se quer apresentar na revista. Carregada,
congestionada, cercada e limitada pela barreira de concreto vertical, tensa em suas
disputas pelos espaços mesmo que sejam apenas aqueles para circulação de
veículos e, por fim, atomizada em suas relações sociais. Além da ausência dos
diálogos diretos entre personagem e cenário, as relações estabelecidas entre os
personagens que estão dentro do cenário são tensas. Se há alguma relação entre
os personagens que estão na rua, esta é completamente inexistente quando se
refere aos que supostamente estão dentro dos prédios. Da mesma forma que a
verticalização permitiu a concentração de maior número de pessoas dentro de um
espaço horizontal menor, permitiu também maior isolamento dessas pessoas com
ampliação dos espaços privados não necessariamente residenciais, mas fechados
dentro de si mesmos, com um contato cada vez menor com o mundo externo.
Dentro do próprio contexto da cidade racional e funcional, as ruas e as calçadas
perdem o conceito de locais públicos, no sentido de propiciarem relações sociais, e
se transformam apenas em vias de locomoção ruas e avenidas para os
automóveis, calçadas para pedestres.
51
Meiaoito e Nanico não conseguem chegar ao seu destino pelo simples
motivo do mapa equivocado. Porém, o desfecho da tira se em um cruzamento
51
Revista Chiclete com Banana, nº. 21 A. SP, Circo Editorial, 1990.
81
novamente a esquina como recurso de linguagem. Todavia, além do mapa errado,
que é uma constante para os moradores de São Paulo, a impossibilidade de
atravessar o cruzamento, completamente tomado por carros em movimento. A
cidade não pertence aos seus habitantes mas sim aos automóveis.
O cidadão, o habitante perde o poder sobre a cidade. Ela não lhe pertence ou
talvez lhe pertença em alguns espaços públicos destinados a essa função, como
praças, parques e outras áreas de recreação criadas pelo poder público. A rua e a
avenida existem para o deslocamento dos automóveis e não para os pedestres, pois
estes devem ficar nas calçadas - para se locomover, não para ficar parado. Essa
visão de uma São Paulo funcional e racional não é criação do autor; é sim sua visão
sobre o desfecho, na década de 80, de alguns projetos de urbanização que foram
implantados, total ou parcialmente, pelo poder público ao longo do século XX.
As duas primeiras décadas do culo XX presenciaram importantes
transformações urbanísticas, especialmente durante as gestões dos prefeitos
Almeida Prado e Raymundo Duprat. Para a historiadora Margareth Rago, o processo
foi profundo:
“Desde cedo, a metropolização da Cidade de São Paulo envolveu muito
mais do que a ordenação e o embelezamento do espaço físico, com a
construção dos majestosos palacetes, jardins e parques, como o
Anhangabaú (...). Constituiu-se um novo regime de verdade, a partir do qual
foram definidas e ditadas as regras do modo correto de viver, sentir, pensar
e agir”.
52
Podemos citar o exemplo de Prestes Maia que, na passagem dos anos 30 e
40 elaborou um suntuoso projeto de reurbanização, no qual a população era
espectadora. Ou seja, por meio do deslocamento pelas novas e largas avenidas, as
pessoas poderiam observar, e talvez se comover, com os grandes monumentos que
seriam erguidos. Esse projeto, o Plano de Avenidas, privilegia a ideia da cidade
como um cenário e a população, espectador
53
.
Ao longo das décadas posteriores vemos algo similar em outros projetos no
sentido de desobstruir o máximo de espaço para melhor fluxo de veículos e, como
as vias marginais aos rios Tietê e Pinheiros construídas ao longo das décadas de
50, 60 e 70 –, a polêmica construção do elevado Costa e Silva, vulgo Minhocão”,
52
RAGO, M. A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900-1950. In:
PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo, A Cidade na Primeira Metade do Século XX. RJ, Paz e
Terra, 2004, pp. 388-389.
53
DIÊGOLI, Leila R. Prestes Maia e seus projetos de cenografia urbana. In: FENELON, Déa R. (org.). Cidades.
SP, Olho D’Água, 1999, p. 38.
82
também nos anos 70, e a demolição de parte dos bairros de Pinheiros e Itaim Bibi na
década de 90 para a abertura de novas avenidas e alargamento da tradicional av.
Brigadeiro Faria Lima.
Essa expropriação da cidade do cidadão talvez seja o que mostra as histórias
de Angeli, uma vez que não é possível penetrar nas ruas, pois estão no fundo, atrás
dos personagens, e estes não nunca são vistos no meio dos carros, bem como não
conseguimos entrar nos prédios que também estão no cenário. Ao mesmo tempo, a
cidade tenta controlar as ações de seus habitantes delimitando o que é público,
aberto, permissível e o que é íntimo, reservado. Essa aparente ausência de
relacionamento entre os personagens e o cenário parece intencional, para nos expor
uma situação que surge especificamente no meio urbano e que havia sido
percebida pelo sociólogo Georg Simmel no início do século XX em suas
observações sobre as cidades modernas.
“A essência da atitude blasé consiste no embotamento do poder de
discriminar. Isto não significa que os objetos não sejam percebidos, como é
o caso dos débeis mentais, mas antes que o significado e valores
diferenciais das coisas, e das próprias coisas, são experimentadas como
destituídos de substância (...) Nesse fenômeno, os nervos encontram na
recusa a reagir a estímulos a última possibilidade de acomodar-se ao
conteúdo e à forma da vida metropolitana”.
54
As histórias selecionadas são muito reveladoras neste sentido e, no entanto,
poderíamos escolher outras que nos levariam a essa mesma observação, pois são
constantes nas histórias de Angeli. Na historieta “Assim Caminha a Humanidade...”,
as pessoas dentro dos automóveis não estão interessadas no que se passa com os
protagonistas, e essa despreocupação, ausência de questionamentos e de opiniões
são contínuas quando o cenário se põe dessa forma. O mesmo acontece no trecho
escolhido da história de Bob Cuspe.
2.2.2- Na quebrada da esquina
Em estudo realizado sobre a representação da cidade de o Paulo nas
histórias em quadrinhos do cartunista Laerte, Elaine A. B. G. Lima faz uma reflexão
interessante sobre a presença e o simbolismo do rio Tietê nessas histórias.
54
SIMMEL, Georg. O Fenômeno Urbano. RJ, Zahar Editores, pp. 16-17.
83
“Rio Tietê. Tudo o que se deseja descartar na cidade é depositado nele. É
que se deposita toda a tensão de São Paulo (...) É nesse espaço que
obrigatoriamente as pessoas circulam, pois para chegar ou sair da cidade
esse é lugar obrigatório de passagem (...) Todas as águas são depositadas
no rio Tietê. Águas das chuvas, águas das enxurradas que lavam as ruas
da capital paulistana e generosamente se depositam no rio, junto com todos
os dejetos”.
55
A autora pretende estimular uma análise sobre o modo como o autor faz do
rio Tietê um elemento central para o desenrolar dos enredos e não apenas como um
cenário em que estes se desenvolvem. Ele é o símbolo do local de despejo de tudo
o que é indesejado pela população e da negação de sua existência. A presença dos
piratas no rio Tietê tem um, entre outros, objetivo, que é o de levar o leitor a refletir
sobre o rio.
Voltando para a revista Chiclete com Banana, o único espaço público, nesse
contexto de ruas e avenidas, em que percebemos um momento de diálogo do
cenário e seus personagens anônimos com os protagonistas, é a esquina. Em
muitas de suas aparições como cenário, ela se revela muitas vezes como o local da
criminalidade, prostituição. É o local escolhido pelo autor para revelar a existência de
um submundo na cidade de São Paulo. se escondem os eletrodomésticos
procurados por cometerem uma série de crimes, como assaltos e estupros
56
(extraído de “A Revolta dos Eletrodomésticos”), também se encontram gangues
prontas para atacar pessoas que ignoram o seu perigo
57
(extraído de “Balada de
Amor”) e, por fim, a prostituição.
Angeli, no entanto, não trata da criminalidade sob uma ótica policial. Sua
herança da contracultura se aproxima mais da ideia de transgressão do que de
crime. Os eletrodomésticos tornam-se rebeldes, revoltam-se contra seu papel de
servidores de humanos, partem para o anonimato; seus crimes denunciam sua
revolta. A esquina parece indicar uma tensão contida na cidade. É que se
estabelecem aqueles que rejeitam ou foram rejeitados pela sociedade
homogeinizadora, normatizadora, que tenta impor condutas, padrões de vidas aos
seus habitantes. O movimento da esquina, a ocorrência do inesperado, os jogos de
55
LIMA, Elaine A. B. Gomes. Piratas no Tietê: Cenários e Fundos de Cena nas Histórias em Quadrinhos.
Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Educação da UNICAMP. 2006.
56
Anexo 10. ANEXOS.
57
Anexo 11. ANEXOS.
84
luminosidade entre claro e escuro revelam essa dinâmica da cidade, sempre
carregada de tensão.
58
59
O interessante desse local apresenta-se com maior profundidade quando se
trata da ocorrência da prostituição, não pelo exercício da profissão em si. A
presença dela permite inferir que o autor traz ao leitor a ideia de que é no submundo
de São Paulo que seus habitantes se revelam. A atomização da vida privada urbana
que nega a vida pública entra em contradição no momento em que o tema é o
desejo. O desejo reprimido ou não, hétero ou homossexual faz com que os
personagens protagonistas e antagonistas dialoguem nas esquinas, exprimam
palavras, exponham idéias, revelem seus anseios. A esquina aparece então para
58
Revista Chiclete com Banana, nº. 11. SP, Circo Editorial, setembro/1987.
59
The Best of Chiclete com Banana. SP, Circo Editorial, 1995.
85
reforçar os problemas enfrentados por seus habitantes na disputa entre público e
privado. Ainda para Simmel
“Os problemas mais graves da vida moderna derivam da reivindicação que
faz o indivíduo de preservar a autonomia e individualidade de sua existência
em face das esmagadoras forças sociais, da herança histórica, da cultura
externa da técnica de vida”.
60
61
62
As histórias não expressam a busca por manter ou criar uma privacidade
individual, como aponta Simmel, mas sim um conflito, uma resistência daqueles
que rejeitam a cidade impositiva.
Angeli percebe ainda outras características dos habitantes dessa cidade. Para
ele uma disputa pelos espaços, sejam públicos ou não. uma disputa entre os
grupos sociais, oriundos de diferentes camadas econômicas da sociedade, por
60
SIMMEL, Georg. O Fenômeno Urbano. RJ, Zahar Editores, pp. 11.
61
Revista Chiclete com Banana, nº. 19. SP Circo Editorial, julho/1989.
62
Revista Chiclete com Banana, nº. 18, 2ª edição. SP, Circo Editorial, agosto/1992.
86
espaços na cidade. A percepção do autor se volta especificamente para os grupos
juvenis.
A esquina, além de cenário para as relações sociais apontadas, também
serve de recurso linguístico para a elaboração do humor. Dentro dos próprios
enredos é na esquina que, muitas vezes, se dá um movimento inesperado no
contexto da narrativa, no intuito de provocar o riso no leitor.
63
O humor está, obviamente no fato do personagem manter-se sempre isolado,
solitário em função de sua profunda discordância da sociedade consumista. Parece
que ter seguidores é em si mesmo uma contradição para a forma de ser do próprio
Bob Cuspe. Mais além, o humor aqui está em sua multidão de seguidores mirins
saindo da esquina. Eles saem de trás, do beco, não se sabe quantos nem por quê, e
é nessa virada que o fato ocorre.
Na historieta Bob Cuspe é a Salvação
64
, a esquina é utilizada como recurso
linguístico no sentido de criar a instabilidade e o riso. Até a segunda vinheta, um
grupo de personagens tenta converter Bob Cuspe para uma religião; após a cuspida
que o grupo recebe, na terceira vinheta, na virada da esquina no último quadro, o
grupo é seguidor do protagonista.
63
Revista Chiclete com Banana, nº. 6, 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989
64
Revista Chiclete com Banana, nº. 13, p. 30.
87
2.2.3- Nos bares da vida
Dos espaços públicos e abertos comentados acima, somente a esquina
permite aos personagens suas ideias, anseios e desejos. Esse é o ponto central da
utilização dos bares como cenário para as HQs. Neles, os personagens se expõem
efetivamente.
88
65
Na primeira tira, os personagens Meiaoito e Nanico estão na selva, levando
adiante a luta guerrilheira contra a direita. Já na segunda, os dois estão sentados no
bar. “Um puta de um bundão” é o que é na realidade o revolucionário Meiaoito. No
bar se pôs a realidade, a frustração da impossibilidade da revolução, não somente
pela postura de Meiaoito, mas também pelo fato de antigos companheiros terem
abandonado a luta e entrado para o governo, tornando-se situação.
66
Nanico, fiel companheiro de lutas de Meiaoito, é homossexual assumido. Ele,
porém, não assume sua opção em qualquer lugar, como se depreende da leitura de
outras histórias com Meiaoito, nas quais o leitor é deixado na dúvida – é ou não é?
, não é falado abertamente. Somente no bar e na esquina, exemplificado
65
Revista Chiclete com Banana, nº. 11. SP, Circo Editorial, outubro/1987.
66
Revista Chiclete com Banana, nº 08, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1990.
89
anteriormente é que se revela claramente. É a escolha do espaço que permite a
revelação. No bar os personagens existem além de sua aparência; suas
contradições internas são apresentadas ao leitor.
67
O bar é um dos ambientes favoritos de Angeli para satirizar diversas formas
de agir, de pensar, dos habitantes de São Paulo. Na tira, com Bob Cuspe no centro
de um debate, a sátira é feita sobre o intelectualismo que, do alto do conhecimento
universitário, das cátedras, pretende dar respostas absolutas para o entendimento
da sociedade no caso em questão, a polêmica entre cultura urbana e rural, a pós-
modernidade e as raízes culturais mas que não passam de debates estéreis para
o autor.
Com os personagens Skrotinhos, o tema é o comportamento dos
frequentadores de bares alvo preferido de Angeli através desses personagens. Na
tira, o problema não está no modess da moça com o belo corpo, mas na tentativa
dos antagonistas se apresentarem aos Skrotinhos como perfeitos, sem defeitos
físicos ou intelectuais. É revelação da imperfeição que move os protagonistas, é a
busca da essência dos antagonistas, do que ele é na realidade, o do que está
aparente.
67
Revista Chiclete com Banana, nº 12. SP, Circo Editorial, novembro/1987.
90
2.1.5- O banheiro existencial
68
Aderbal, casado e com filhos, empregado de uma empresa qualquer, está em
crise. Não aceita a própria vida como ela se apresenta, não se aceita, rejeita a si
mesmo, julga-se um submisso, sem personalidade. Reconhece suas falhas, mas
não consegue mudar. O banheiro é o local onde o personagem revela-se a si
68
Revista Chiclete com Banana, nº. 09, 2ª edição. SP, Circo Editorial, abril/1990.
91
mesmo e ao leitor. De ele não tem para onde fugir, não existem outras pessoas,
não televisão, está distante do chefe, isolado da esposa e dos filhos. O banheiro
é o refresco, permite o isolamento das pressões externas, mas é também o local da
autorrevelação.
Sua luta interna exige um posicionamento perante o mundo que o rodeia, mas
na hora que se apresenta a possibilidade de tomar uma posição, quando a porta do
banheiro é aberta, Aderbal recua e continua sendo o mesmo. As descobertas de si
mesmo continuam reservadas apenas para ele... e para o leitor.
69
O banheiro é o espaço por excelência de Bordosa. É na banheira que ela
revela todos os seus conflitos ao leitor por vezes num diálogo direto como na tira
acima. Rê Bordosa o teme se expor ao público, coloca-se diretamente e de forma,
muitas vezes, chocante. De qualquer maneira, é nesse espaço que se apresentam
os mais íntimos conflitos da personagem. A Bordosa tem uma posição clara
sobre relacionamentos da qual não abre mão, é uma opção. Porém, o conflito
interior.
Note-se que o banheiro é o universo da intimidade e, diferentemente do que
ocorre na esquina ou no bar, as revelações interiores são dirigidas somente ao leitor
ou ao antagonista, mas não atingem o mundo exterior, não são expostas a outras
pessoas.
69
Revista Chiclete com Banana, nº. 02. SP, Circo Editorial, 1986.
92
70
A personagem não está solitária em suas angústias, pois seu antagonista se
encontra na mesma situação. Os relacionamentos são um problema: manter uma
postura significa também encarar os reveses que se apresentam.
70
The Best Of Chiclete com Banana. SP, Circo Editorial, 1995.
93
71
71
Anexo 12. ANEXOS.
94
2.2.5 Novelinha das oito
No trecho da história “Diarréia”, Bob Cuspe revela a Alfredo que tudo está
perdido, que toda vida dedicada ao trabalho para realizar seus desejos de classe
média Monza, sócio de clube, casa na praia foi em vão. A descoberta desta
realidade, apresentada por Bob Cuspe, choca Alfredo. Ele não mais saída,
95
entrega-se, não luta por aquele mundo que tanto trabalhou a favor. Foi o banheiro
que facilitou tal revelação para Alfredo.
Este personagem, todavia, não conta para sua esposa o que descobriu, sua
intimidade é sua intimidade, ele mudou sim sua conduta exterior, a partir de uma
descoberta íntima – a partir das falas de Bob Cuspe – seu universo se alterou.
A poltrona defronte à TV na sala é outro lugar ao qual Angeli recorre quando
aborda o mundo da vida reservada. A presença desse espaço torna-se uma
referência a certo empobrecimento das experiências de vida. Enquanto nos bares e
nos banheiros a proposta é aproximar o leitor do psicológico dos personagens, de
seus conflitos e suas angústias; enquanto a esquina é o símbolo da transgressão, da
exposição dos desejos; a poltrona aparenta ser o local da pobreza de ideias, de
críticas, de projetos. Nada de importante é discutido nesse local, nada de
profundamente revelador acontece.
72
Na historieta acima, nada acontece entre os revolucionários. um tédio
pairando no ar; ficar sentado diante da TV é empobrecedor, nada acrescenta.
72
Revista Chiclete com Banana, 02, 2ª edição. SP, Circo Editorial, 1988.
96
73
Extraído da história “Diarréia”, um casal de classe média sentado, parado,
sem bater, brigar, pensar. Apenas as constatações: diarréia e privada entupida. Num
trecho da mesma história, Bob Cuspe encontra-se numa situação parecida.
74
73
Anexos 12. ANEXOS.
74
Anexo 12, ANEXOS.
97
Na poltrona, com a TV ligada, o personagem não aguenta o tédio. O casal de
classe dia, na vinheta anterior, não recusa a situação de telespectador na
poltrona, ao contrário de Bob Cuspe. As referências a uma cultura juvenil rebelde da
virada dos anos 70-80 merecem ser destacadas: da caixa de som é emitida a
música “London Calling” do grupo inglês The Clash, do mesmo LP que se encontra
no chão, atrás do personagem; na parede acima do toca-discos, está pichado na
“Os Inoce” Os Inocentes, nome de um grupo de rock brasileiro do início dos anos
80. Ambos os grupos representam uma nova onda de manifestações juvenis o
punk –, de origem proletária e da periferia e que seria uma tendência rebelde,
transgressora aos moldes dos primórdios do rock, portanto herdeiros de uma
juventude inconformada que vem se manifestando desde o pós-guerra
75
. A poltrona
e a sala de TV representam esse espaço de convívio social que acaba por girar em
torno da TV, pois não há muito o que dizer. Bob Cuspe, não se contenta em
permanecer sentado, não aceita o tédio, a comodidade, o conformismo. A imagem
acima ainda indica um aspecto muito relevante, que é a emergência de novas
manifestações juvenis, um dos aspectos mais importantes na revista Chiclete com
Banana.
75
BIVAR, Antônio. O que é punk. SP, Brasiliense, 1985.
98
CAPÍTULO 3
Neste capítulo a abordagem da revista se aproxima de um tema que atrai
bastante a atenção de Angeli: jovens e suas formas de manifestação no tempo da
chamada Nova República. O tema merece atenção especial nesta pesquisa em
função de certa, e incômoda, visão de que os jovens da década de 1980
abandonaram os ideais de transformar o mundo, que balizaram a atuação dos
movimentos juvenis em todo o ocidente nas duas décadas anteriores. Para aqueles
que vivenciaram as experiências de uma “revolução juvenil”, entre o final da década
de 60 e o início dos 70, ficou uma visão de que os anos 80 foram marcados por
práticas juvenis que simplesmente negaram os projetos da geração anterior; e por
sua exacerbação individualista, neoconservadora, além politicamente apática e
violenta (ABRAMO; 1997).
Um dos primeiros estudiosos a perceber a introdução dos jovens como
personagens sociais, ocorrida na transição da Idade Média para a Moderna, foi P.
Ariès
76
. Nesse período, as modificações dentro do sistema escolar europeu
passaram a identificar um período de transição entre a fase infantil e adulta, que, ao
longo da Idade Moderna e início da Contemporânea, caracterizou-se cada vez mais
pelas críticas e rejeições ao universo adulto. Este último marcado essencialmente
pelas responsabilidades do trabalho e da família.
Foi ao longo do século XX, porém, que os jovens passaram a repensar e
transformar radicalmente seu papel dentro da sociedade. As manifestações juvenis
aparecem após a Guerra e durante a crise dos anos de 1930, mas foi
fundamentalmente durante e após a Guerra que esse grupo social passou a
rejeitar por completo os modos pelos quais se apresentava o universo adulto em
suas diversas ordens: relações de trabalho, vida familiar, amorosa, sexual, escolar,
religiosa e, por fim política. Ao longo dos anos de 1960 e 70, jovens passaram a
elaborar novas formas de fazer-se, buscando exatamente o inverso do havia sido
feito até a geração de seus pais, partindo de suas próprias representações de
mundo, negando as anteriores. Era a contracultura. Até os projetos de uma
revolução socialista foram “arejados” com novas ideias, e mesmo experiências.
Afinal, Fidel e Che estavam com, respectivamente, 33 e 31 anos quando avançaram
76
ARIES, P. História social da criança e da família. RJ, Zahar, 1986.
99
sobre Havana, em fins de 1950, e ainda eram jovens e inspiradores para o seu
tempo (HOBSBAWM; 1996). A despeito das diversas tendências que podem ser
classificadas como contracultura, um elemento foi quase que um catalisador
universal, uma espécie de símbolo dessa nova geração: o rock e sua
descompostura corporal (CANEVACCI; 2005).
No Brasil, os movimentos juvenis também caminham em consonância com
as manifestações de outros países, porém, com algumas especificidades. A força do
movimento estudantil, centrada na UNE, busca mais participação na vida política do
país, principalmente após o golpe militar de 1964. Foram também os jovens que, a
partir de 1967-68, tomaram a dianteira não somente na luta em prol da democracia,
mas em favor de uma revolução social, marcada pela guerrilha, urbana ou rural.
A partir de meados dos anos 70, no entanto os ideais de mudar o mundo,
tanto dentro como fora do Brasil, entraram em declínio, ocorrendo na década
seguinte a cisão definitiva com a geração da contracultura e da revolução
(CANEVACCI; 2005). Um vazio de ideais pareceu se estabelecer entre esses
jovens; rompeu-se o elo. Decepção e ressentimento entre as gerações pairaram no
ar.
Ainda nos anos de 1980, mas principalmente nas duas décadas posteriores,
pesquisadores tentavam entender o que ocorria. O ressentimento dos jovens da
“geração de 1968” com a geração posterior passou, lentamente, a dar espaço para
novos olhares que buscaram responder o que havia mudado. Nesse caminho,
percebeu-se que nos movimentos emergentes também havia insatisfações, revoltas
e expectativas ou não em relação ao futuro, e que foram manifestadas de
múltiplas formas. Busca-se desde então melhor entendimento das especificidades
de cada uma das formas, dentro de suas representações de mundo e, portanto, de
si mesmas, sem lhes embutir ou atribuir valor uma é melhor que outra ou uma
geração era mais consciente e generosa que outra – aproximando-se, finalmente, do
conceito de culturas juvenis (BORELLI; 2008).
A crescente autonomia que esse grupo social vem ganhando desde o pós
Guerra foi notada, primordialmente, pelas indústrias fonográficas, de cosméticos e
da moda que apostaram e continuam apostando nos jovens como principal
mercado consumidor (HOBSBAWM; 1996). As autoridades também foram forçadas
a dar mais atenção a eles, criando – bem ou mal – políticas públicas para atender as
100
novas demandas, tais como o problema da gravidez na adolescência, reformulações
nos sistemas educacionais, inserção no mercado de trabalho, contenção do
consumo de drogas, da criminalidade e do vandalismo; identificação de diferentes
perspectivas de futuro oriundas dos jovens de diferentes grupos sociais, bairros,
cidades, etc. (ABRAMOVAY-ANDRADE-ESTEVES; 2009).
A leitura da revista Chiclete com Banana leva o leitor a perceber a temática
juventude e refletir sobre ela. Por meio de suas histórias, Angeli tenta apreender as
diferentes manifestações desses grupos sociais e distingui-los. Sua percepção, no
entanto, se polariza ao destacar aqueles ligados às tendências que, de um lado,
representam jovens de classe média ou, como denomina o autor, das classes
abastadas; e, de outro, representam os mais da periferia, a “plebe rude e
suburbana”, trabalhadores, com pouco estudo e pobres, personificados em Bob
Cuspe. Tais representações das manifestações juvenis aparecem, em quase todas
as edições da revista e as criações do autor geram grandes repercurssões entre os
leitores que, por sua vez se manifestam na seção de cartas, objeto também deste
capítulo.
Apesar da presença constante dos jovens e suas representações, uma
história é bastante emblemática: “Psico burguês, a revolta dos babacas”
77
. Ela é
simbólica e se apresenta como uma espécie transição entre a reflexão proposta no
capítulo anterior e este, pois trata da cidade e da juventude. Grande parte das
disputas travadas entre grupos juvenis que habitam a cidade de São Paulo revelam
conflitos por usos e apropriações dos espaços. Também revela um caráter de
disputas sociais em torno da cidade, como palco de tensões e conflitos sociais. A
história cumpre, assim, esse papel de transição, pois é dela que emergem os
personagens abordados neste capítulo, imprimindo um papel essencial na
caracterização deles e no próprio desencadeamento da narrativa.
77
Revista Chiclete com Banana, no. 09, 2ª edição. SP, Circo Editorial, abril/1992.
101
78
78
Revista Chiclete com Banana, no. 09, 2ª edição. SP, Circo Editorial, abril/1992.
102
103
104
A parte inicial da história apresenta um problema vivido pela cidade, ou a
disseminação de um imaginário sobre a cidade violenta e tomada pela periferia, que
é a existência de jovens apartados em diversas gangues que, além de desejaram
105
aparecer e serem reconhecidas como representantes de interesses e anseios
específicos de seus membros, negam a existência das outras, daí o termo rigidez
utilizado pelo autor. Como se não bastasse, os membros dessas tribos são
apresentados como pobres e moradores de bairros mais periféricos da cidade. No
entanto, todos esses grupos possuem um inimigo comum: os jovens abastados,
ricos e moradores da zona sul da cidade.
O confronto social nos apresenta uma disputa espacial, territorial e de modos
de vida. Os jovens proletários não apenas saem às ruas, mas também ocupam os
espaços públicos e os disputam entre si. Essa presença proletária rebelde é
incômoda e causa medo, em especial, aos jovens ricos, que podem ser brutalmente
atacados a qualquer momento. Note-se que o é qualquer cidadão que é atacado,
mas um grupo específico. Como indica a chamada do autor no último quadro da
história, “é a eterna luta de classes”. Em sua concepção de mundo de viés
esquerda, a sociedade é composta por grupos que possuem diferentes interesses,
sim.
No decorrer das páginas seguintes vemos um movimento inverso. Os jovens
das camadas mais abastadas promovem uma revolta e fazem com que seus
projetos assumam o papel de revolucionários ou de vanguarda. Amparados no
financiamento paterno, os “psico-burgueses” conseguem impor sua proposta a plebe
rude, esvaziando-a de seu conteúdo e limpando-a das ruas, tirando-as de lá, o que é
mais importante. Portanto, os espaços públicos voltam a ser seguros para os jovens
ricos, e a distante periferia volta a ser o espaço dos jovens pobres.
A partir dessa distinção de manifestações juvenis feita pelo autor, abre-se a
possibilidade de melhor aprofundar em seu olhar sobre os jovens.
3.1- New Imbeciw, a rebeldia sem causa
Os jovens protagonistas da história, os “psico-burgueses”, estão sempre de
terno e gravata mesmo com algumas exceções visíveis, sempre a presença da
camisa ou do paletó, em todos os casos e esse tipo de personagem estabelece
imediata ligação entre essa forma e a ideia de, entre outros elementos,
conservadorismo, consumismo. O movimento “psico-burguês” tem como base de
discurso a cultura televisiva dos anos 80, especialmente a de caráter infanto-juvenil,
106
em função dos desenhos animados e da publicidade presente na história. A TV,
como meio de comunicação de massa, utiliza-se de recursos para estabelecer a
aproximação entre ficção e realidade, que possui, entre outros aspectos, a função de
conciliar as classes sociais no mundo real
79
. Portanto, a revolta dos jovens
burgueses assume o papel de esvaziar os conflitos sociais presentes em São Paulo.
Daí a farsa do movimento. Seu caráter é consumista, transformando em slogans,
palavras de ordem, termos oriundos dessa cultura de massa. A periferia é engolida
pela nova onda; desaparece da história.
Passado um tempo, os jovens atendem aos chamados dos pais para
assumirem os negócios da família, finalizando assim o movimento. No último quadro,
vemos aqueles personagens reproduzindo o mesmo gesto. A cena traduz a ideia de
mimetismo, continuísmo, ou seja, os filhos dão continuidade ao que foram seus pais;
e a ideia de reprodutivismo, o discurso de movimento “psico-burguês” se tornou algo
reproduzível, consumível e lucrativo. O que já não era revolucionário tornou-se
altamente rentável para a indústria cultural e, portanto, reproduzido em série.
Descortina-se, assim, seu caráter conservador.
Dando continuidade a leitura, percebe-se que o problema dessa juventude
mais abastada não está essencialmente na posse de dinheiro, mas na produção de
um determinado modelo cultural que é satirizado pelo autor, pois este entende que
não há um aspecto de inovador em tal forma cultural, nessa “revolta” como é
salientado no título da história. Existem dois momentos da história em que são
enfatizados os aspectos “revolucionários” daquele grupo. O primeiro está na vinheta
em que um aparente líder do grupo aparece, em destaque, cuja fala está separada
em dois balões. De um lado chama os membros para a luta dizendo: “Vamos à
luta!”; e, no outro, “danoninho para todos”. Na sequência, uma multidão de jovens
sai às ruas gritando slogans revolucionários” ironiza Angeli “Pepe Legal,
Colméia, Bob Pai Bob Filho, Mickey Mouse”, todos personagens de desenhos
animados e histórias em quadrinhos voltados para o público infanto-juvenil, com
forte presença na mídia televisiva daquele momento. Produtos culturais, portanto,
sem um caráter reflexivo, ao contrário, pobres, banais, vazios contra os quais o
autor se coloca no primeiro editorial da revista – e, por fim, babacas.
Em outra vinheta, o narrador da história indica que os jovens estão discutindo
79
MARTIN-BARBERO. Jesus. Dos Meios às Mediações, Comunicação, Cultura e Sociedade. RJ, Ed. UFRJ.
107
“cultura psico em “bares neoburgueses”. Nas mesas do bar, podemos ler nos
balões dos personagens: “Tóquio, N.Y.”, “vídeo-game, Stephanie de Mônaco”,
“Clean, Smiths, Around, Supla” e “Toddy quente com rosquinhas São Luís”. Todos
esses itens explicitados nas duas vinhetas apresentam ao leitor uma cultura de
massa fortemente vinculada à televisão, pois, os da primeira vinheta são
personagens de desenho animado; e os da segunda representam polos culturais,
como Nova Iorque e Tóquio – esta última como um novo centro de referência
mundial, especialmente por sua tecnologia de ponta. Depois, é citada uma nova
febre tecnológica, que exerceu e exerce grande influência sobre o lazer de crianças
e adolescente, o video-game; bandas musicais que buscam um formato um pouco
mais intelectualizado, especialmente o grupo “The Smiths” com a exceção de
Supla, claro; e, por fim, novamente, a força do consumo presente no achocolatado
citado e acompanhado de rosquinhas.
Além das falas contidas nos balões, vale perceber a forma, os elementos que
constituem esses personagens “psico-burgueses” e que são visíveis ao leitor, como
calça, camisa e paletó e gravata, além de um determinado corte de cabelo que se
repete com pequenas distinções na maioria dos personagens. Esses elementos
constitutivos foram destacados no capítulo 1, quando o autor apresenta uma
jovem de direita, que ergue sua cultura fundando-se no consumo e não na criação.
Angeli, ao longo das revistas deu significativo espaço para esses “new jovens”
e, em uma das revistas, publicou histórias de um personagem específico, “Ritchi
Parade”.
80
O humor inicia com o próprio nome do personagem, que é uma brincadeira
80
Revista Chiclete com Banana, no. 03. SP, Circo Editorial, 1986
.
108
com o termo inglês “Hit Parade” que, na língua portuguesa, traduziu-se como
“Paradas de Sucesso”. Na tira em referência, o personagem tem uma conduta
bastante caricata e é absolutamente um produto da indústria cultural, pois não sabe
o que fazer no palco, quer dizer, faz aquilo que a produção diz que deve ser feito.
81
Dando continuidade à tira anterior, o personagem faz o que a produção pede
e que não é tocar guitarra, pois é playback. Ou seja, Angeli cria um personagem que
parece sintetizar uma de suas sátiras às novas manifestações juvenis dos anos 80 –
neste caso, novas manifestações de um determinado setor da sociedade oriundo da
burguesia – marcadas pelo consumo e pelo vazio de projeto.
82
Aqui, a questão é a criação de produtos que giram em torno da produção
musical. Na realidade, não é o rock – é rock, pois o personagem segura uma
guitarra, símbolo desse estilo musical mas o possível consumo gerado a partir
dele. O rock perdeu seu caráter transgressor também foi “engolido” pela indústria
cultural.
O autor entende, no entanto, que essa produção, especialmente a musical,
marcada pelo consumismo não o é declaradamente. Está travestido em uma
81
IDEM. 1986.
82
IDEM. 1986.
109
roupagem moderna, inovadora. O problema da indústria cultural não é apresentado
em suas questões mais amplas, teóricas, debatidas entre os acadêmicos, mas sim
na prática cotidiana de pessoas e de forma bem humorada. Não se pretende fazer
grande desconstrução do discurso da indústria cultural, mas revelá-lo, em todo seu
engodo, ao leitor, para que este possa percebê-lo e torná-lo um motivo de riso. Um
motivo de reflexão também, claro, sobre as práticas e vivências cotidianas do leitor,
e não um grande debate teórico.
Na historieta “NI É TCHANS!, extraída da passagem “New Imbeciw”
83
, o
personagem apresenta-se como um sujeito cosmopolita, ou seja, ligado, antenado
nas mais recentes tendências culturais internacionais oriundas essencialmente de
Nova Iorque, Tóquio e Amsterdã, segundo o próprio Angeli em outras passagens da
revista –, como a música e o cinema. Ouve Madness e, principalmente David Bowie,
músico denominado pela crítica especializada como o “camaleão do rock”, por sua
postura de sempre mudar seu estilo musical e incorporar elementos
contemporâneos em sua criação. No cinema, é significativa a citação de Blade
Runner (O Caçador de Andróides, na tradução para a língua portuguesa), pois o
filme é marcado por um futuro visto pela ficção científica, ou seja, com predomínio
das máquinas, da inteligência artificial, da inexistência da natureza e profundo
declínio das relações humanas. Enfim, uma visão bastante pessimista do futuro. É
leitor da chamada “geração beat”, jovens escritores norte-americanos do período
imediatamente posterior ao término da 2ª. Guerra Mundial Jack Kerouac, e Allan
Ginsberg foram seus expoentes – que romperam radicalmente com os padrões
sociais de comportamento pré-determinados aos jovens e influenciaram
profundamente o movimento da contracultura daquele mesmo país.
Na mesma linha segue o personagem “dança no Satã”. Madame Satã, era
uma casa noturna localizada no bairro do Bixiga, região central da capital paulistana
e marcada por aglomerar essa nova produção musical denominada alternativa ou
underground. O personagem apresenta-se como um sujeito extremamente ligado
nas tendências mais contemporâneas.
83
História na íntegra em Anexo 1, ANEXOS.
110
84
84
Revista Chiclete com Banana, 02, 2ª edição. SP, Circo Editorial, 1988.
111
No entanto, a forma como Angeli finaliza a história – como sempre, é o
momento em que cria um contraponto pretendendo levar o leitor ao riso – coloca por
terra todo o caráter original da personagem. Na última vinheta, todos os amigos do
personagem são iguais fisicamente a ele. São todos iguais, são cópias,
reproduções, mímeses, ou seja, não há originalidade e novamente o leitor é levado a
pensar nessa cultura juvenil, emergente, juntamente com a Nova República, como
algo voltado para o consumo. Novamente, atente-se para a caracterização física do
protagonista e suas cópias, como o topete e o terno, assim como foi apontado no
capítulo primeiro deste trabalho. Para o autor não há criação, há produção no
sentido de fabricação industrial. Da mesma forma que indústrias produzem carros,
também produzem artistas”, bem como produzem seus consumidores.
No fragmento extraído do quadro “Vanguardeiros” (história na íntegra em
Anexo 14, ANEXOS), são apresentados três artistas de vanguarda: um performista
que se utiliza da tecnologia, de eletrodomésticos e brinquedos para suas obras; uma
poetisa que não usa nenhuma palavra para escrever suas obras; e, por fim, um
artista que “pinta qualquer coisa”. Os três representam o que há de mais
contemporâneo no mundo artístico e revelam, por meio de suas obras, o que de
mais atual, ou seja, nada. um vazio completo de conteúdo. Os detalhes do texto
“ultra contemporâneo” e “pós modernérrima” mais que pós-moderna remetem
outra vez à ideia de que os termos vanguarda, neo, pós e new estão profundamente
ligados às novas tendências geradas pela indústria cultural, consumidas pela classe
média, uma pequena burguesia emergente após a ditadura militar e, portanto, não
indicam nada de original em si. O pintor pinta o quê? “Qualquer merda”. A poetisa
escreve o quê? Nada. O performista utiliza-se de recursos tecnológicos, mas suas
performances sempre explodem.
112
85
Enfim, não nada de novo nas novas tendências juvenis derivadas desse
universo de pequeno burguês. um profundo pessimismo de Angeli, presente
quando se trata desses setores juvenis. Mais uma vez, a utilização dos termos neo,
pós, new, vanguarda indicam produção cultural e distintas formas de manifestações
juvenis oriundas das classes médias e classes mais abastadas da sociedade, e não
85
Revista Chiclete com Banana Antologia no. 01. SP, Nova Sampa Diretriz/ Devir, outubro/2008.
113
se identificam com as manifestações de origens mais populares, proletárias. Destes
setores sociais, o autor parece identificar manifestações mais originais.
3.2- Bob Cuspe e a escarrada da plebe
O olhar de Angeli sobre as manifestações juvenis do tempo da Nova
República não é, todavia, totalmente melancólico. O autor não aceita passivamente
o novo momento que, para ele, é marcado pela hegemonia da indústria cultural. Há,
em seu humor, uma crítica e, portanto, uma resistência às “novas tendências”. Sua
resistência se dá através de alguns personagens, principalmente Bob Cuspe.
86
Acima, a composição física do personagem: cabelo, no estilo “moicano”,
alfinetes, munhequeira com pontas de metal, roupas pretas. O detalhe: tênis, tênis
que andam sozinhos, ou seja, o personagem não desgruda deles, não os tira, não
usa outro par se é que o tem. Bob Cuspe é, assim, uma clara referência aos
punks, surgidos na Inglaterra e EUA, em meados dos anos 70, e aqui no Brasil, no
final da mesma década. Sem se aprofundar no chamado “movimento punk”, eis
alguns de seus aspectos. Primeiro, ele foi formado por jovens, em sua maioria,
trabalhadores de baixa qualificação e remuneração ou desempregados, moradores
dos bairros mais periféricos dos centros urbanos tanto no Brasil como no exterior.
Em segundo lugar, esses mesmos jovens vão se reunir basicamente em torno de
uma nova tendência musical, marcada por certo retorno aos primórdios do rock, no
sentido de utilizar poucos acordes, e pela despreocupação com a afinação dos
instrumentos e dos vocais (BIVAR, 2007; ABRAMO, 1994). Em terceiro lugar estão
os cabelos “moicanos”, as roupas surradas e geralmente pretas, botinas e, não
86
Revista Chiclete com Banana, no. 6- 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989.
114
necessariamente, o uso de alfinetes, como adorno nas orelhas e em outras regiões
da face. ainda outro aspecto, embora nem sempre presente no movimento, o da
agressividade, do confronto entre os grupos internos bem como com outras “tribos”
juvenis. Esse último elemento foi o que ganhou maior destaque midiático, levando
boa parcela da imprensa e da opinião pública apontar para os punks como um
bando de jovens drogados, agressivos e vândalos (ABRAMO, 1994), rebeldes
pobres e sem causa.
A pesquisadora Helena W. Abramo entende que esse olhar sobre o
movimento punk é oriundo daqueles que participaram e/ou acompanharam as
manifestações juvenis dos anos 60 e 70, especialmente no Brasil, em que a força do
movimento estudantil se fortaleceu em torno de causas como as reformas sociais e
a luta contra o regime militar. Para esses as formas de manifestações juvenis dos
anos 80 são pautadas pela fragmentação, por estarem fortemente apartadas entre si
e pela ausência de um projeto.
Para ela, a necessidade de se contabilizar o contexto histórico em que se
originam estes movimentos. O período foi marcado pelo modelo do “milagre
econômico”, caracterizado pela expansão de grandes centros urbanos,
especialmente São Paulo, com a abertura de muitas vagas de trabalho, mas com a
contrapartida do contínuo arrocho salarial – principalmente com o desgaste do
modelo a partir da segunda metade dos anos 70. Houve também grande inserção de
jovens no mercado de trabalho 70% dos jovens entre 14 e 18 das regiões
metropolitanas do país. A necessidade do trabalho acaba dificultando a vida escolar,
tornando o índice de evasão também alto. O movimento estudantil o exerce
mais a força aglutinadora de antes. Aliás, os novos movimentos juvenis,
independentemente de setor social, romperam definitivamente com a ideia de uma
“revolução juvenil” que emergiu em fins dos anos 60 desapareceu, e o projeto da
contracultura chegou ao fim. entre esses jovens uma descrença no futuro. O
principal slogan dos punks era, por exemplo, no future.
Segundo Eder Sader, os movimentos sociais, oriundos da periferia e da
região metropolitana de São Paulo, buscaram novas formas de atuação dentro da
sociedade, afastando-se do modelo de sindicalismo e mesmo dos projetos
revolucionários das esquerdas brasileiras. Para o autor, esses movimentos se
“reinventaram”, buscaram novas formas de atuação dentro da sociedade mediante
115
suas novas demandas. Para Helena W. Abramo, o mesmo aconteceu com os
movimentos juvenis. Esses jovens, bem distantes dos movimentos estudantis
universitários, encontraram novas formas de inserção social, porém, não vinculadas
somente ao problema do trabalho e da dificuldade de frequentar escolas. Estes
jovens pretendiam uma originalidade em suas múltiplas formas de ser e aparecer na
sociedade.
Os jovens buscavam, então, novas formas de se expressar, por meio da
produção e do consumo de estilos musicais, cinema, deo, artes plásticas – o
grafite e a pichação, por exemplo. Também buscavam referências internacionais,
desvinculando-se fortemente da ideia de valorização da cultura popular tão presente
na geração dos anos 60-70. Aqui, a moda também assumiu um papel importante,
pois era um elemento central para a distinção “tribal”, indicando que determinado
jovem era membro de uma tribo e não de outra. Para finalizar, a autora destaca que
os punks simbolizaram essa nova juventude em São Paulo, e, no caso do Rio de
Janeiro esse papel foi assumido pelo funk nas favelas da cidade. A tira, acima, de
Bob Cuspe é um exemplo disso; nela o personagem revela sua preocupação de sair
de casa esteticamente adequado ao movimento, com os adornos e acessórios que o
identificam com um punk.
87
Acima, o trecho da história “Bob Cuspe é a Salvação”
88
, apresenta o
protagonista como candidato a prefeito, nas eleições. Nessa passagem, o
personagem descobre que possui uma grande arma contra “as coisas que lhe
enchiam o sacoe, na vinheta seguinte, revela essas “coisas”. A imagem é muito
rica nesse sentido, pois aponta para quem são disparados seus cuspes. No primeiro
87
Revista Chiclete com Banana Antologia no. 01. SP, Nova Sampa Diretriz/ Devir, junho/2007.
88
História na íntegra em Anexos 9, ANEXOS.
116
plano, estão os líderes Reagan e Andropov, disputando quem tem o planeta em
mãos; à esquerda, um militar de alta patente segurando um garrote, em clara
referência à ditadura militar e, ao seu lado, o papa, a própria instituição religiosa. Um
pouco mais ao fundo e à direita, um hare krishna e, ao fundo, referências às guerras,
à corrida espacial com algo que se assemelha a um disco voador. Ainda sobre o
cuspe, cabe perceber seu caráter simbólico, como uma resistência e rejeição a toda
forma de organização social hegemônica. Seu cuspe é uma agressão, mas esta não
é fortuita ou gratuita, mas sim uma forma simbólica em bem humorada – de
devolver a mesma violência que recebe da sociedade, como as guerras, a
exploração econômica, a repressão religiosa.
89
O a imagem acima é também uma passagem da mesma história. Como
apontado em outro momento deste trabalho, o personagem mora em um esgoto
subterrâneo e, a partir desse local, o autor parece levar seu leitor a uma discussão
entre o que é aparente e o que é latente. Quer dizer, uma aparência bela no
discurso dos novos tempos, porém sua verdadeira essência é revelada ao Bob
Cuspe no esgoto, aquilo que dá a verdadeira motivação para os discursos, os
humanos tentam escondê-lo, evacuá-lo, mas o personagem está e identifica tal
engodo. As falas dos personagens sentados à privada são interessantes. O primeiro
89
IDEM. 2007.
117
canta um trecho da música de Jorge Ben, “País Tropical”, em uma postura de que
está tudo bem, que o Brasil tem bela natureza, é miscigenado, alegre. O segundo é
um militar de patente, aparentemente preocupado com seus inimigos, a oposição. O
terceiro é, na realidade, um canalha de um patrão explorador. Por último, um
personagem da esquerda animado com a Nova República. Em dois casos, a ideia
de um discurso aparente, que se contradiz com seu conteúdo latente, se expressa
de maneira bem clara na imagem. Na primeira vinheta, a ideia de que está tudo bem
no Brasil, o povo feliz, carnavalesco, etc. Na última vinheta, o discurso “cheirinho de
novos tempos no ar” também revela o seu verdadeiro conteúdo.
O personagem Bob Cuspe é apresentado, então, como capaz de identificar
essas contradições do tempo da Nova República e é dele e de seu cuspe que sai
uma crítica bastante contundente que, no entanto, se manifesta de forma muito
diferente das manifestações de seus pares juvenis das décadas anteriores.
O personagem Bob Cuspe é apresentado, então, como capaz de identificar
essas contradições do tempo da Nova República e é dele e de seu cuspe que sai
uma crítica bastante contundente que, no entanto, se manifesta de forma muito
diferente das de seus pares juvenis das décadas anteriores.
A saliva é um dos componentes fisiológicos necessários, entre outras
funções, para a própria fala humana. Mas não é para elaboração de um discurso,
que revele suas críticas à sociedade e seus anseios, que ela é utilizada; não serve
para fazer discursos em manifestações públicas e arregimentar multidões. Sua
saliva parece resumir em si todo sentimento de revolta.
90
Nessa tira, uma cena bastante rara na revista Chiclete com Banana. O
90
Revista Chiclete com Banana, no. 6- 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989.
118
personagem olha para a cidade pela janela de um apartamento e, mais importante, o
olha de cima, do alto. Desta janela, que se parece com modelo muito comum nos
prédios de apartamentos à beira do “Minhocão”, pode ser vista uma referência clara
ao elevado e aos incontáveis edifícios da região central da cidade. Pela janela, Bob
Cuspe, com um grito, leva o caos à cidade. Diferentemente da maior parte dos
personagens apresentados, ele parece ter recebido de seu autor certo poder.
Com seu grito, consegue perturbar a cidade, assim como é capaz de “derrubar” a
argumentação de seus antagonistas com o seu cuspe, como apresentado
anteriormente; e, mais do que isso, é capaz de convencê-los de que ele, Bob Cuspe,
está correto, conforme se vê na tira e historieta da página 86. uma potência de
contestação, e a mesmo de vitória, de Bob Cuspe e aquilo que ele representa
sobre valores burgueses e hegemônicos.
91
91
Revista Chiclete com Banana, no. 03, 2ª edição. SP, Circo Editorial.
119
O poder concedido ao personagem é bem explicitado nessa tira. Jovens
universitários fazem uma pesquisa de campo. A pedido dos pesquisadores, Bob
Cuspe revela o comportamento do cidadão urbano; seus interlocutores gostam da
cuspida, entendem a linguagem utilizada por Bob Cuspe e concordam com ela. O
poder de convencimento, de argumentação do personagem é forte.
92
92
Revista Chiclete com Banana, 02, 2ª edição. SP, Circo Editorial, 1988.
120
O encontro com um grupo de religiosos querendo converter pessoas para sua
religião cena tão frequente nas ruas, praças e calçadões da região central da
cidade revela, mais uma vez, a potência e o poder de argumentação de Bob
Cuspe. Seu poder, aqui, está centrado em um dos fundamentos do movimento punk
daquele momento, no futuro. A “revelação” de que o abrigo antiatômico é mais
importante que a “Cruz Bendita” faz os religiosos abandonarem sua crença para
seguir o protagonista. O personagem, porém, não pretende acolher seus seguidores.
Essa rejeição apresenta um duplo movimento: o primeiro é a rejeição dessa massa
acéfala que segue qualquer um; Bob Cuspe é, assim como muitos personagens de
Angeli, solitário, não deseja ter um convívio social harmonioso, ao contrário,
contesta-o; não quer interagir, apesar de haver o contato, quer o afastamento. Certo
“ar blasé”, sem dúvida, compõe sua personalidade.
93
Nem sempre, todavia, o personagem é vitorioso. Bob Cuspe está, novamente,
observando a cidade do alto, e o balão da primeira vinheta revela a selvageria da
vida na cidade grande. Se um indivíduo não vence, outro vencerá. A vitória, nesse
caso, vem de um personagem engravatado e fumando um charuto, ou seja, um
capitalista. Apesar do poder de argumentação e convencimento de seu cuspe, este
ainda está submetido ao poder do capital.
A partir dessas observações sobre Bob Cuspe, depreende-se que o autor
na nova geração, oriunda da periferia da cidade, possibilidades de resistências à
cultura pré-fabricada. uma percepção de que esses novos jovens estão
descontentes com os novos tempos. Ao mesmo tempo, o autor também percebe que
as manifestações de descontentamento se apresentam de maneira bastante
diferente das formas propostas pelos jovens dos anos 60-70. Aqui não existe um
93
Revista Chiclete com Banana, no. 14, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1991.
121
projeto, não existe uma ideia de coesão em torno de uma causa, não existe um
manifesto, discurso, livro, que possa sintetizar os anseios. busca fragmentada,
apartada e manifesta no cuspe, na roupa rasgada, na rejeição de um convívio
harmônico e de troca de experiências entre os grupos, na descrença em lutar para
mudar o mundo e que está intimamente ligada à descrença generalizada em um
futuro melhor. Essa percepção do autor é legitimada pelos seus leitores na seção
de cartas na medida em que esta acaba por revelar uma legião de fãs de Bob
Cuspe, que se identificam com a forma de agir e pensar do personagem.
Não somente a representação do punk aparece na revista. O crítico de arte
também personagem de Angeli – Rui Resenha entrevista uma banda heavy metal de
grande sucesso, Black Ninja
94
. Antes de começar a apresentação, o personagem
faz, ironicamente, um apanhado das manifestações culturais e de seus principais
polos.
“(...)o lixo cultural que se tornou New York. A Europa estava um tédio,
Paris, deja vu; Londres se salva apenas pelos jamaicanos e Berlin e Amsterdã,
desgastadas pela mídia... todos procuram uma wave que mostre a saída. Mas não
encontrarão nothing se não derem um new look em direção ao oriente... Afloram
bandas de heavy metal em Tóquio. Algumas em Hong Kong e outras em Osaka”.
As grandes cidades ocidentais não apresentam mais nada de interessante.
É o caráter inovador que inexiste nessas cidades que faz com que o autor as
despreze e busque novas manifestações no Japão. Ironiza a busca do novo. No
entanto, a preocupação do autor é revelar ao leitor:
“(...)Mas é aqui, do bairro da liberdade em São Paulo, que ruge o mais
pesado som heavy de todos os tempos: Black Ninja...”
Apesar de todo o cosmopolitismo, é de um tradicional bairro de imigrantes
japoneses que emerge uma das maiores bandas de heavy metal. O que vale
destacar nesta entrevista é o pensamento do líder da banda Tanaka Aka – que bebe
sakê com molho shoyu. Seu grande sucesso entre os fãs, especialmente entre os da
94
Revista Chiclete com Banana, nº. 8, edição. SP, Circo Editorial, maio/1990. História na íntegra em Anexo
15, ANEXOS.
122
comunidade japonesa, se deve a alguns fatores:
Rui Resenha: Como surgiu a ideia de uma banda de heavy metal nipônica?
Tanaka Aka: Tava um dia, assistindo o show do Kiss, vi eres esmagando
garinhas em cima do parco (...) daí veio a ideia.
Rui Resenha: O que as galinhas têm a ver com o metal japonês?
Tanaka Aka: Tudo a ver. Principalmente quando se tem um pai dono de
granja. Garinhas aos montes. fartava conseguir as guitarras. Assim formamos a
Black Ninjas...”
Rui Resenha: O que vocês faziam no palco com as pobres galinhas?
Tanaka Aka: Ah... apenas apricávamos toda nossa mirenar sabedoria
japonesa em rutas marciais.
Rui Resenha: Como assim? vocês lutavam karatê com as penosas?
Tanaka Aka: Karatê, judô, aikedô... pé na cara, golpes no peito... voava pena
pra todo rado. A prateia derirando apraudia...”
Rui Resenha: A que se deve essa adoração dos fãs pelos Black Ninjas?
Tanaka Aka: Às garinhas, é craro! O jovem nipônico odeia garinhas. Não
querem seguir o caminho de seus pais, afundando-se em granjas e chocadeiras
erétricas. Quanto muito vai ser rerojoeiro. Nossas músicas indicam novos caminhos
para a juventude amarera. O caminho do metal... das trevas
Rui Resenha: Existe alguma apresentação que marcou na memória da
banda?
Tanaka Aka: Craro! Certa vez, numa festa da seita Seicho-No-Iê, no
momento exato em que começou a tocar aquelas musiquinhas focróricas japonesas,
invadimos o parco e arrasamos “Torá, Torá, Torá!”, nossa música de maior
sucesso, incrusive entre os headbangers. Matamos garinhas, peixinhos ornamentais
e tudo quanto é bichinho de estimação japonês. Terminamos com “Karaokê”, outro
sucesso da banda, . A retra desta música é um protesto à tradição da comida
japonesa. Odiamos peixe cru. Queremos queimar um imenso salmão no fogo do
inferno metal, fritá-lo até que das trevas surja uma sardinha portuguesa. Queremos
comer macarrão e borrarmos de morio à boronhesa. Queremos um Japão heavy...”
O líder da banda apresenta ao leitor as motivações que levaram seus
123
integrantes a formar a banda: rejeição à cultura tradicional japonesa bem como
rejeição a seguirem os passos das ocupações profissionais de seus pais. A
pretensão aqui não é abordar as atividades econômicas assumidas pelos imigrantes
japoneses em São Paulo, o que realmente importa é ressaltar que os filhos e netos
desses imigrantes não desejam ser como seus antepassados. Desejam romper os
laços com o passado tradicional, com a religiosidade, a alimentação e a forma de se
conduzir no mundo do trabalho. O que está em jogo o é a ruptura com a cultura
japonesa em si ou a permanência nela; o que os jovens do período em questão
buscam é o rompimento radical com o passado, com sua geração ascendente direta
e com outras mais anteriores.
As formas pelas quais a banda Black Ninja rompe com a tradição estão nas
atitudes agressivas voltadas aos elementos componentes dessa mesma tradição:
aos animais ornamentais ou aos que representam o universo de trabalho dos pais
as galinhas, por exemplo; na utilização das artes marciais para pura e simples
agressão; e, por fim, no desejo de consumo de culturas diferentes das dela.
Importante também é o fato da banda ter muitos fãs que deliram com suas
performances no palco. Essa é a nova juventude que não usa necessariamente,
como no caso da banda, a violência como recurso único para fazer valer suas ideias
que não busca mais nas antigas formas de manifestações um modelo de
contestação, ao contrário, rejeita-as.
A agressividade é um dos elemento do comportamento juvenil que chama a
atenção do autor. Há uma agressividade transgressora, que possui suas origens nos
primórdios do rock, na qual predomina a estética que choca com a cultura dominante
a uma violência em si. Dançar e tocar rock, deixar o cabelo e a barba crescer,
consumir drogas e fazer sexo com liberdade eram comportamentos esteticamente
agressivos, mas não necessariamente violentos. No tempo da Nova República, a
agressividade ultrapassa os limites da estética para causar impacto e romper com a
geração dos pais, e atinge o limite de violência.
124
95
O trecho acima compõe a HQ “Oliveira Junkie em: A Revolta dos Carecas
Parte I”
96
. Oliveira Junkie é um músico fisicamente identificado com a produção
artística oriunda da indústria cultural vestimentas, corte de cabelo. A preocupação
com o público que o aguarda para o show inexiste, pois chega com uma hora e meia
de atraso e sobe ao palco com um violão, quando deveria ter uma guitarra. Sua
95
Revista Chiclete com Banana, no. 20. SP, Circo Editorial, janeiro/ 1990.
96
História na íntegra Anexo 16, ANEXOS.
125
entrada no palco é marcada pela frase “Oi, babacas. O que querem ouvir?” O total
desinteresse pelo desejo da plateia se esclarece quando o Oliveira prefere tocar a
música “Garota Piranha” a atender aos insistentes pedidos para que execute
“Cadillac Blue”. A escolha por uma das músicas foi bem clara; um “careca do
subúrbio”, em primeiríssimo plano, exige a música “Garota Piranha”; a escolha não
passa despercebida pelo público. Outros “carecas” invadem o palco em direção ao
artista para agredi-lo. Inicia-se uma briga generalizada no show. Aqui tem-se outra
forma de manifestação juvenil e proletária dos anos 80, os carecas do subúrbio,
caracterizados, pelo menos uma parte desse grupo, pelo uso de violência constante
quando do encontro com outros grupos juvenis, carregando, portanto, uma marca
negativa forte (COSTA; 2006).
Tal pancadaria pode até ter se iniciado em função da atitude de descaso do
artista com seus fãs, mas o desenrolar da briga é imotivado. Nas vinhetas que
abordam essa passagem da história, destacam-se os carecas brigando entre si. A
violência aqui acaba sendo apresentada com uma motivação clara, que era o
descaso de Oliveira Junkie. Porém, a continuidade da briga não parece mais estar
relacionada com sua causa original. Parece ser uma briga pelo simples motivo de
este ser um componente de uma apresentação musical ou, melhor, por ser um
componente que destaca o comportamento desse movimento juvenil. Angeli
incomoda-se um pouco com essa especificidade da violência juvenil.
3.3- Upper cut: porradas, elogios e desejos dos leitores
Abordar a seção de cartas se fez necessário para melhor entender a
presença da temática juvenil na revista. A leitura das cartas indica que grande
maioria dos leitores era jovem em função das idades reveladas, quando reveladas,
em suas cartas, ou por determinados personagens cujo exemplo máximo é Bob
Cuspe , e pelos temas que estes abordam e que acabam por denunciar suas
ligações com as problemáticas juvenis de então. A seção de cartas se torna campo
rico para a percepção de como os jovens se relacionavam com a revista, com seu
autor e também entre si.
A partir do número 2, a revista Chiclete com Banana começa a publicar uma
seção de cartas dos leitores. Ela foi dividida da seguinte forma: Upper CUT- A
126
Porrada do Leitor, Confetis, Pau de Macarrão. A partir do número 6, o espaço
reservado aos leitores passa de duas para quatro páginas e surge o setor
Suburbanos.
Com isso, a revista não só abriu espaço para seus leitores como também
para o diálogo entre eles e o próprio Angeli, quando responde algumas das cartas
publicadas, em especial aquelas do setor Upper CUT. As cartas da seção Pau de
Macarrão também eram respondidas, mas supostamente pela esposa de Angeli.
Esse setor teve como característica a publicação de cartas de leitores(as) que se
declaravam para o autor, assim como para sua “patroa”. As declarações tinham um
cunho muito mais de desejo sexual, de tesão, do que de amor propriamente dito. De
todos os setores da seção de cartas, Pau de Macarrão publicou as cartas em
menor número, é verdade – mais extensas com as respectivas respostas, tal qual se
vê na transcrição seguinte.
“ME AJUDE
Completarei 18 aninhos e gostaria de comemorar num motel, mas para isso
acontecer preciso de um gatão que tenha vinte centímetros de bimbo (de
comprimento).
assim terei certeza que não levarei mais comigo o complexo de ser virgem.
Tenho 1,67 m de altura, 38 cm de cintura e 91 de busto peitão mesmo) e 87 cm
de bunda. E faço questão de ser a estrela do beijo na aranha da mulher...
Ana Gusthoza Thezão
São Paulo, SP.
Resposta: Puxa, Ana. Voé decidida mesmo. Quer perder a virgindade logo com
MEU MARIDO? Se ele tem vinte centímetros de bimbo, não é da sua conta. Mas
posso lhe dizer que quando o conheci, num acampamento de praia, em noite de
vendaval, a única barraca que ficava de era a dele. Portanto, trate de se
aconchegar em outro sleep-bag que neste tem lugar para mim. Pelo menos é o
que ele diz. Debaixo de porradas, é claro!
97
97
Revista Chiclete com Banana, no. 6- 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989.
127
Para ilustrar o relacionamento entre Angeli e seus leitores no Upper Cut A
Porrada do Leitor, seguem duas cartas e respostas abaixo.
“New Imbeciw
Angeli, quero lhe fazer uma crítica. Creio que você engandao ao dizer que New
Imbeciw curte o pós-punk, freqüento Madame Satã...Você misturou wave com punk,
o que não tem nada a ver. Você diz também que New Imbeciw freqüenta barzinhos
da moda Shopping Center...e mais adiante que freqüente o Madame Satã.
Frequento o Satã e lhe garanto que o pessoal é cabeça e nunca NI. Talvez os NIs
sejam surfistas caretas de shorts floridos que dançam ao som do Metrô e dos Titãs;
assim...bem cuzão!
Rogério Fernandes Salles
- São Paulo, SP
Resposta de Angeli: Que é isso, Rogério? Idiota tem em qualquer lugar. Não bote a
mão no fogo por ninguém senão vai acabar comendo churrasco. Não tenho nada
contra o Satã, acho-o interessante, mas conheço freqüentadores que são
verdadeiros bundões, fazendo caras de bandido moderno com dinheiro do papai.
Assim é fácil. Quero ver sem nenhum puto no bolso. Quanto à diferença entre um
punk e um new wave, é a mesma entre um ovo fresco e uma gemada em pó
98
.
O leitor faz críticas, entende que Angeli generaliza nas caracterizações dos
personagens. Estes são vistos pelos leitores como identificáveis, visíveis no
cotidiano Madame Satã, bares, shoppings. Angeli, por sua vez, rebate dizendo ao
leitor que ele não deve também generalizar o comportamento de todos os
frenquentadores do Satã pelo simples fato de serem habitues da casa noturna.
uma discordância de ideias, com uma pitada de bom humor do autor.
Na mesma revista, outra carta:
“Leitura de Banheiro
O cara, tu é mesmo pessimista “em o meu”, você gosta de “lê” no banheiro as cartas
das gatinhas, né?
98
Revista Chiclete com Banana, no. 02.
128
Acho que é por isso que eu não “sô” pessimista. Tenho uma puta duma gatona que
escreve estórias em quadrinhos e eu leio elas no banheiro “vô mandá umas
“pucê” “falô”? Assim “vê” “si” alegra. Também...mora em São Paulo. morei
bicho. Tem “trampo” “pá” “oficemenino” aí?
Antônio,
Londrina, PR.
Resposta: Seu signo atravessa um período de desarmonia. O sol está em desacordo
com “Neturno”, seu regente, e Marte penetrará com tudo na casa do amor. Evite
excesso e cuidado onde senta pra não se arrepender depois. Dia propício para sair
“poraí” rebolando e cantando “Mamãe eu quero”.
Nesse caso, a resposta traduz bom humor para uma carta ininteligível, ou
seja, sem nem cabeça, na qual o leitor faz considerações sobre as HQs sem real
conteúdo, ao contrário da carta anterior. É respondida também sem muito objetivo.
Apenas uma forma bem humorada de dizer “arrume algo melhor para fazer”. Mas, o
interessante é que a carta foi respondida. Sabe-se que uma seleção das cartas
para publicação
99
e, portanto, para respostas: mas o distintos os critérios para
uma esta e para aquela.
Antes de caminhar para os aspectos relevantes que traxeram a seção de
cartas para este capítulo, destaque-se o caráter nacional da revista, ou seja, apesar
das cartas serem em sua maioria de leitores de São Paulo e região; muitas outras
vinham de outras capitais e regiões do país, até mesmo, algumas, do exterior, como
de Florença e Nova Iorque.
Com o surgimento do setor Suburbanos, a partir do número 6, a revista
agregou uma característica, que se revelou das mais importantes com o espaço
concedido aos leitores para exposição de suas ideias e, em especial, das gangues
de que fazem parte. Além disso, o espaço ficou aberto para que esses mesmos
grupos, tribos, gangues e pessoas dialogassem entre si, sem respostas de Angeli.
Aliás, poucas são as cartas dirigidas a ele. Alguns exemplos:
“Do contra
99
Na revista Chiclete com Banana 11, as cartas dos leitores não foram publicadas por uma série de intempéries.
Em suas justificativas os editores explicam que o tempo ficou curto para selecionar, copidescar, revisar e editar
as cartas.
129
Nós somos contra o Estado, o poder e todas as formas sujas de controle. Somos
todos revoltados com esse sistema capitalista podre.”
Paulo, Vladimir e Fernando
Salvador- BA
“BOB CUSPE
Sou integrante do grupo chamado ‘GULECA, o qual faz ronda na madrugada
difundindo o pensamento Bob cuspeano”
Gustavo Vieira Botelho
Araguari- MG
“VAGAUS
Os punks são uns bundões. Vagabundos sem força de vontade, eu não sabem lutar
pelo que querem e acham mais fácil cuspir, fazer cara feia e ir se decompondo até a
morte.”
Moisés Manowan
Jundiaí- SP
Essas três últimas cartas foram extraídas do número 8
100
. Com elas, é
possível ilustrar as considerações sobre alguns aspectos das culturas juvenis do
período em questão, feitas também neste capítulo. Na segunda carta, o leitor
Gustavo diz fazer parte de um grupo, o ‘GULECA’ e, portanto, sai cuspindo na
madrugada. Sua forma de protesto está bem distante de qualquer orientação vinda
da União Nacional dos Estudantes - UNE, antes e durante a ditadura militar, mas é
esta a característica de sua revolta e de seu protesto. O comportamento de muitos
jovens está ligado a uma forma de se rebelar contra as instituições – políticas,
econômicas, educacionais, familiares, etc. – marcado por certa agressividade.
Na terceira carta, o autor critica os punks por serem rebeldes em sua atitude
de cuspir e fazer cara feia. Essas atitudes são vistas como verdadeira incapacidade
de jovens pertencentes a esta determinada tribo se articularem e defenderem seus
interesses. Outra característica marcante do Suburbanos: a forte agressividade entre
os grupos. Os xingamentos são constantes e os autores criticam os estilos musicais,
100
Revista Chiclete com Banana, no. 8, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1990.
130
as vestimentas e as atitudes dos outros grupos.
Nem todas as cartas do Suburbanos eram necessariamente uma crítica,
xingamento ou esculhambação de heavys, punks, darks ou carecas. Havia também
aqueles que se dedicavam a expor com clareza suas ideias, no sentido de defendê-
las sem, necessariamente, criticar outrem. Na primeira das três cartas reproduzidas,
o leitor deixa claro seu posicionamento político sem, necessariamente, precisar
desprezar outras formas de manifestação.
Na revista 12 foi concedido espaço para uma única e extensa carta mais
parecida com um manifesto:
“Queremos colocar aqui alguns problemas que atingem grande parte das
bandas brasileiras que fazem o estilo musical geralmente conhecido como ‘Heavy
Metal’ (...) Trazemos em nós uma grande parcela da revolta e inquietação comuns
não nos Bangers, mas também em todo o adolescente. Procuramos transferir
essa revolta para a música (...) O que pedimos é que não julguem o todo pelas
partes, pois como dizia o “velho” Marx, esse é o caminho mais curto para falsear a
realidade. Se somos aparentemente violentos ou agressivos isso é apenas um
reflexo da situação que vivemos. Nós não saímos por dando tiros nas pessoas,
torturando inocentes ou pregando fanatismo religioso. Essas são coisas que
desejamos justamente combater (...) Procurem conhecer um pouco mais sobre os
HeadBangers antes de falar alguma coisa sobre o heavy. Sabemos que não
formamos um movimento único de ideias e que representamos uma parte delas (...)”
EXTERMÍNIO
(Banda de Power-Metal)
Tijuca, Rio de Janeiro
Os trechos, selecionados da extensa carta, revelam a grande diferença em
relação às demais. clareza das ideias; consciência de que a forma de ser
aparenta violência e agressividade que são nada mais do que um sintoma da
sociedade. Um sintoma de que muitas coisas o estão bem. também uma
clareza no sentido de que não é necessário existir, na condição de tribo, em função
da negação de outras, e de que o grupo não é necessariamente coeso e
ideologicamente bem definido. Existem problemas e contradições. E qual é o
131
problema disso? Um breve espaço deve ser dado ao elemento adolescente, a que o
grupo diz estar conectado. clara conexão com o juvenil. Aliás, parece ser
justamente de onde partem as próprias formas de manifestações. A carta revela
uma manifestação de uma banda ligada ao estilo heavy metal; em outras, percebe-
se as ligações com a música punk, dark, gótica, careca. Aí, o caráter das escolhas
de ser membro de um determinado grupo está intimamente ligado a um estilo
musical. O que você é socialmente está ligado ao que você ouve.
A escolha de publicar essa extensa carta, e deixar de publicar outras, leva a
participação do autor na concepção da seção de cartas. O problema entre os
grupos, principalmente a agressividade entre eles, não passa despercebida do autor.
Na Chiclete com Banana 9
101
, Angeli escreve um longo texto intitulado “Críticas aos
Leitores” fazendo algumas considerações sobre as cartas enviadas.
“Estão pensando o quê? Me sufocam de cartas recheadas de contestações,
críticas, cobranças mil e acham que não tomarão uns safanões de vez em quando?
(...) Perguntas do tipo: “Vodeu a bunda?” Chegam aos montes. Caímos
na repetição. O pessoal está confundindo rebeldia com palavrão. Nada contra
palavrões. Sou um puta dum boca suja, mas quando mau aplicado, perde a força
(...) 2- Suburbanos, violentamente suburbanos. O leitor desavisado, que não
conhece o pensamento punk, nem o som heavy e muito menos sabe dos Carecas
do Subúrbio e sobre os headbangers, devem ficar de saco cheio de vocês. Uma
gang manda a outra se foder, punks escarram slogans, os heavy retribuem e o leitor
no ar, sem entender lhufas, So o objetivo de vocês é ganhar adeptos, estão usando
a tática errada acho eu. Expliquem-se melhor. Por quem é contra quem. Não vale
coisas do tipo: “Se cruzar com um headbanger filho da puta, eu desço a porrada
porque são todos uns cuzões”. O que é isso? O que diz isso? Nada de nada! (...)
uma preocupação com o leitor, seja engajado numa tribo ou não. Angeli
quer que seus leitores se manifestem, exponham suas ideias, expliquem as razões
de suas formas de agir. Sua formação intelectual, moldada pela contracultura, é
capaz de perceber que as múltiplas formas de rebeldia juvenil revelam um profundo
descontentamento do grupo social. No entanto, a revista é sua e ele se dá o direito
101
Revista Chiclete com Banana, n
º
. 9, segunda edição. SP, Circo Editorial, abril/1992.
132
de dialogar com seus leitores e de propor uma reflexão sobre suas próprias
condutas. Se quiserem aparecer e ganhar adeptos para suas “gangues”, que
mostrem suas propostas, se é que existem. Novamente aparece a questão da
manifestação a partir de uma estética comportamental e visual, identificação musical
e formas de lazer como práticas de protesto. Angeli entende e respeita, com certas
restrições, à violência das formas, e só deseja que os grupos esclareçam um pouco
mais seus conteúdos. A agressividade, calcada na violência é notada pelo autor, que
não pede aos leitores que parem com a violência ele não se coloca como um
mediador de conflitos entre gangues mas que expliquem as razões de sua
necessidade. Diferentemente da HQ “Psico-burguês, A Revolta dos Babacas”, o
autor não se utiliza do termo gangue de forma depreciativa, como que denotando um
grupo violento da cidade. Aqui, gangue aparece mais como uma forma de distinguir
um grupo de outro, algo um pouco mais próximo de tribo. A violência não é para o
autor, em nenhum momento, um grave problema social, mas sim uma explosão de
sentimentos de revolta das gangues juvenis. Ele não assume um papel de sociólogo
ou psicólogo, tentando entender e contornar o problema. Sua preocupação parece
residir no fato de que seu uso sem a mínima coerência com a proposta das gangues
ou tribos pode até mesmo enfraquecer os movimentos.
O autor, no entanto, escreveu um texto criticando os leitores apenas uma vez;
ele não se coloca como um mediador declarado entre os leitores, não é seu papel.
Mas a seção de cartas seleciona as cartas recebidas e, na medida em que esta
seleção existe, está posta, de certa forma, uma mediação, pois certamente há
interesse em publicar um conjunto de cartas e em não publicar outras.
Essa mediação acaba conduzindo a seção da revista para um espaço muito
rico para a percepção da cultura alternativa juvenil emergente nos anos 80. Os
jovens, fragmentados e apartados em grupos, gangues ou tribos, bem ou mau,
colocam-se, expõem ideias, criticam-se, expressam gostos musicais e locais de
frequência nos momentos de lazer. A partir do número 10, a revista também abre
espaço para a divulgação de fanzines, revistas caseiras e vendidas pelo correio e, a
partir do número 22, nota-se um pequeno espaço, denominado Classificados que
no nº. 24 é denominado de Drugstore –, no qual as pessoas pedem para fazer
contatos com outras sobre temas diversos
133
“Faço um apelo e convite aos jovens quadrinistas brasilienses: Montem um
zine na Capital Federal. Os interessados correspondam-se comigo.”
102
Fábio F. Costa
SQS 308 – BL E, apto 407 Brasília – DF
CEP 70355
Gostaria de trocar informações, ideias, enfim, tudo que se relacione com o
grupo inglês The Cure.
103
Elke July
Rua Arroio Grande, 153
CEP 04235 – São Paulo, SP
Outros exemplos poderiam ser dados sobre esse setor, mas esses bastam
para ilustrar essa perspectiva de uma mediação que conduz para um espaço rico de
debates. Talvez Classificados tenha sido um dos elementos que elevou
significativamente o número de tiragem e vendas ao qual se refere o sociólogo
Nadilson M. dos Santos. Talvez, muitos dos leitores comprassem a revista o
apenas para ler as histórias, mas para saber o que estava se passando no meio
alternativo, do qual faziam parte ou eram entusiastas; talvez comprassem para saber
também se a sua carta havia sido publicada ou se havia alguma resposta às suas
afirmações feitas contra uma gangue qualquer.
A abertura desse espaço, que ao longo das publicações foi se modificando,
ganhando novos contornos e possibilidades, revela íntima relação de Angeli com os
primórdios de sua carreira como cartunista de revistas alternativas, no início dos
anos 70. Demonstra, assim, o reconhecimento de Angeli das novas formas de
manifestar como formas interpretar determinada realidade social marcada pelo fim
da ditadura militar, mas não pelo fim de certa “ditadura midiática”, que é fortemente
percebida e rejeitada por seus leitores e, mais precisamente, por aqueles que
escrevem cartas à revista. Essa “cultura massificada”, veiculada pela TV e pelas
rádios FMs, parace ser ponto de legitimação para a revolta juvenil dos anos 80, e
Angeli percebe essa legitimidade. As manifestações são múltiplas. Portanto, um
102
Revista Chiclete com Banana, no. 22. SP, Circo Editorial, maio/ 1990.
103
Revista
Chiclete com Banana, no. 24. SP, Circo Editorial, novembro/ 1990.
134
respeito do autor para com seus leitores e suas práticas. Diferentemente de outros
veículos de comunicação que estão apenas preocupados em destacar os aspectos
violentos das tribos urbanas (BIVAR; 1982, ABRAMO; 1994).
Nessa trilha, a mediação abre conscientemente um espaço que vai além do
contato entre revista e leitores; ela abrange uma multiplicidade de formas de
intercâmbio de leitores com leitores, com a divulgação de fanzines; com as trocas de
experiências ou xingamentos no setor Suburbanos; com a busca de pessoas que
desejam trocar informações sobre determinados grupos musicais e até sobre um
determinado leitor(a), inclusive por interesse amoroso. A mediação é, de certa forma,
até paternal. Como observado, essas múltiplas manifestações não se restringiam ao
local de publicação da revista, ao contrário, atingiram uma dimensão nacional.
que se fazer uma breve observação ainda no sentido das cartas
publicadas e não publicadas. Existe uma escolha feita e esta privilegia determinados
olhares sobre a revista, seu autor, personagens e outros temas abordados. Não
se sabe, todavia, se existem cartas que se fazem mais “sérias” à proposta de Angeli.
Não são publicadas cartas de pais, autoridades políticas ou religiosas, professores
ou mesmo jovens pequeno-burgueses tão criticados pelo humor da revista.
“COLUNA SOCIAL DA MONA LISA
CHICLETE COM BANANA SUSPENDE CLASSE! Ou “BOB CUSPE ESTÁ
SUJO NO MEIO ECLESIÁSTICO”
A famosa revista Chiclete com Banana foi causadora da suspensão de mais
de 50 alunos do Colégio “Marilac” em Santana.
Ela foi dada como uma publicação promíscua, degradante da moral e dos
bons costumes, assim interpretado pelas freiras que administram o colégio.
O fato ocorreu quando uma professora em ronda habitual pela sala de aula
surpreendeu uma aluna com a referida revista. Tendo constatado a imoralidade da
mesma, informou a coordenação da escola que tomou as devidas providências;
(justas, segundo a freira).
P.S. Para que isso não se repita em outros colégios semelhantes, leia
‘Chiclete com Banana camuflado pela Bíblia!
104
104
Revista Chiclete com Banana, no. 6- 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989.
135
um choque degradação da moral e promíscua por parte da freira e da
coordenação do colégio citado, e a reprimenda foi severa: suspensão para 50
alunos! Será que nunca houve nenhuma carta manifestando revolta contra a revista?
Um detalhe no P.S., ao final da carta, abre espaço também para constatar as formas
de leitura da revista “em outros colégios semelhantes (...) leia camuflado pela Bíblia”.
A revista é destinada a um público maior de 18 anos, mas os alunos da escola em
questão e de outras possíveis são, em tese, menores de idade. A revista circula em
outros meios, e realizar sua leitura exige certas “artimanhas” “camuflado pela
Bíblia”, sugere a carta. A revista é, então, apropriada por uma multiplicidade pessoas
que, diante das condições adversas que se apresentam, elaboram formas de leitura
e de trocas de experiências e vivências em torno destas (CHARTIER; ).
Além de formas e vivências de leitura, um elo se configura entre as cartas
citadas. Para Jesus Martín-Barbero, os leitores não são passivos diante dos meios
de comunicação, eles recebem seus conteúdos e lhes atribuem novos sentidos,
significados e atributos. Essa percepção fica clara na análise da seção de cartas,
pois em cada uma delas, os leitores se posicionam diferentemente sobre os mais
diversos temas abordados pela revista, ou o. Também se apresentam de
determinada forma que não se sabe se são os próprios leitores ou representações si
mesmos e também de seus grupos (COSTA; 2006). Não existe a certeza de que
“Ana Gusthoza” da primeira carta é ela mesma, ou se apenas criou uma
personagem para brincar com o desejo sexual do autor, seu próprio desejo ou
mesmo com a suposta preocupação da esposa de Angeli diante de suas intenções.
Os integrantes do grupo “GULECA”, leram o Bob Cuspe e resolveram sair cuspindo
na madrugada. Ora, em que lugar da revista Angeli diz “imitem o Bob Cuspe”?
Nenhum.
A leitura aqui não é, de forma alguma, passiva. Os leitores leem, na revista, o
que os outros leitores leem portanto comparam suas leituras trocam
informações, criticam, elogiam e fazem pedidos ao autor. Transformam-na em algo
muito além de uma distração risível; legitimam-na em prol de seus usos cotidianos.
Compartilham os anseios entre si, com o autor e com seus personagens. Usam o
espaço para exporem seu imaginário, suas representações sobre o mundo, trocam
informações, brigam entre si mesmo. A seção é um espaço virtual que foi muito além
136
de uma relação entre Angeli e seus leitores. Acabou por se tornar o espaço mais rico
para o entendimento dessa relação entre o meio e o leitor, como este se apropria da
revista para sua própria leitura do mundo e vice-versa. E, pela mediação
identificada, percebem-se diversificadas formas de resistências juvenis (CERTEAU;
2008), e que não estão no âmbito das grandes discussões políticas e dos problemas
econômicos que assolam o país, mas percepção dessas questões na vida
cotidiana e seus problemas diretos nas vidas desses jovens.
3.4- Os últimos dos dinossauros
O capítulo 1 abordou o olhar que Angeli lançava, com suas histórias, sobre o
tempo da Nova República. O entendimento deste olhar exigiu uma análise de fontes
que se propuseram a identificar a visão de mundo do autor, para tentar compreender
melhor suas críticas ao período em questão e, portanto, o próprio eixo condutor de
seu humor. É válido retomar esse eixo neste capítulo na medida em que o autor
apresenta uma espécie de ponte que liga o presente ao passado, em especial no
que se refere aos jovens dos fins dos anos 60 e da geração dos anos 80.
Essa visão de mundo de Angeli permeia a produção da revista o tempo todo
e, no primeiro capítulo, foi possível perceber que o autor expõe sua visão de mundo
por seus personagens. Alguns deles assumem as críticas – como é o caso do
personagem Ritchi Pareide e outros, os projetos que alimentaram e alimentam
intelectualmente o autor. Os que parecem ser a voz decepcionada e desiludida do
autor são Meiaoito e Nanico, Wood & Stock e Bordosa. Esses personagens
não são mais jovens no tempo em que o autor escreve suas histórias década de
1980; eles o foram no fim dos anos 60, e cada uma deles traz uma marca daquele
período: Meiaoito e Nanico eram vinculados aos projetos de uma revolução
socialista; Wood & Stock assumiram os ideais da contracultura e do movimento
hippie; e Bordosa, sem dúvida, é um misto de emancipação da mulher com a
ideia de liberdade sexual levada mais ao extremo.
137
105
Meiaoito, mais do que Nanico – que, na realidade está preocupado com
outras questões, como sua sexualidade – encarna a personalidade do revolucionário
frustrado, decepcionado com as articulações políticas do fim do regime militar.
Dedicou-se, nas décadas anteriores, não somente à luta em prol do retorno ao
regime democrático, mas também da revolução socialista. Seus ideais foram
engolidos pelos acordos da oposição moderada com a situação que queria
sobreviver no poder, e pelos próprios revolucionários que abandonaram suas causas
e foram cooptados, ou compactuaram, numa tentativa de estabelecer uma grande
aliança para impedir os radicalismos de ambos os lados. A terceira vinheta da tira
expõe os personagens como idealistas innuos, que acreditavam não somente na
pureza de um projeto político revolucionário, mas também na solidez das
convicções dos membros do partido.
106
Meiaoito traz consigo a revolução socialista; no entanto, os tempos mudaram
e o personagem não sabe o que fazer; está desnorteado e até mesmo desiludido.
Na tira da página 62, o personagem busca ajuda do “partido” para conseguir mulher,
e a resposta que recebe é que os membros do partido também querem se relacionar
105
Revista Chiclete com Banana, no. 21 A. SP, Circo Editorial, maio/ 1990.
106
IDEM. 1990.
138
com mulheres, também “estão a perigo”. Na tira acima, Meiaoito não se importa com
um detalhe que, nas duas décadas imediatamente anteriores, poderia ser crucial na
instauração e no sucesso de um determinado projeto de revolução. Ser partidário de
uma doutrina ou de outra era uma decisão de vida. Aqui se torna apenas um detalhe
de menor importância, pois os projetos, sejam Trotskysta ou Leninista, naufragaram.
107
Nessa tira, o personagem Wood dialoga com seu filho Overall. O diálogo de
gerações, presente nas histórias de Angeli, raramente se apresenta nesse formato,
a não ser quando Wood e, por vezes, Stock dialogam com o filho de Wood. O
personagem Overall o aparece com frequência nas histórias desses
protagonistas. Mas aqui, Overall o gosta do jeito de ser do pai, teme passar
vergonha na frente dos amigos. Os detalhes dos conflitos das gerações aparecem
na composição física dos personagens. Wood possui o tradicional barbão e cabelão,
já seu filho usa boné com uma franja para fora; Wood está com um bongô, enquanto
Overall carrega um skate com uma caveira desenhada nele.
O skate simboliza a nova geração na medida em que seus praticantes se
utilizam dos espaços blicos e urbanos apesar das pistas próprias, que eram
bem poucas no Brasil da década de 1980 como ruas calçadas, guias, corrimões,
bancos de praça, etc. Os skatistas se apropriaram dos espaços e isso está
intimamente ligado à própria vida urbana. Usar esses espaços representa também
uma forma de protesto à rotinização da vida cotidiana da cidade, especialmente a
vida do trabalho. As origens do skate estão na prática do surf quando não era
possível surfar, mas foi se distanciando deste na medida em que sua prática se
enraizou na cidade e foi se afastando da íntima ligação que surf exercia e exerce
107
Revista Chiclete com Banana, no. 20. SP, Circo Editorial, março/ 1990.
139
com a natureza. Overall se afasta do pai, pois é um jovem urbano enquanto Wood
ainda está ligado na busca de paz e amor e em uma relação mais harmônica com a
natureza.
108
Aqui, aparece outra característica de Overall. Ele é um adolescente estudioso,
que fica feliz por conseguir boas notas nos estudos. Pela postura de Wood, a escola
não fazia parte de seu projeto de transformar o mundo, pelo contrário, ela era uma
instituição que representava os valores conservadores contra os quais se lutava.
Não por que as pessoas não devessem estudar, mas sim pela rejeição de um
modelo de escola calcada numa avaliação classificatória, que determina por
números quem é bom ou mau aluno. A presença da caveira no skate do garoto
aparece como uma pequena nuance reveladora, pois ela apresenta certa
agressividade no uso de sua imagem.
109
A referência ao famoso álbum Branco dos Beatles de 1968 que, com o álbum
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Bandde 1967, caracterizou uma virada de 180º
108
IDEM. 1990.
109
Revista Chiclete com Banana, no. 15. SP, Circo Editorial, maio/1988.
140
na carreira musical da banda, deixa claro de onde fala Stock. O álbum citado
também é uma marca para toda a geração da contracultura. É uma referência
história, catalisadora de toda a multiplicidade de manifestações juvenis, que também
se caracterizavam por convivência entre elas, por troca, por luta em prol de uma
“revolução” que pudesse trazer liberdade de manifestações e infinitas formas e usos.
o conhecimento musical de Overall revela também uma multiplicidade de estilos
dentro do próprio rock, porém não uma ligação com o passado, não aquela
referência histórica – Overall desconhece os Beatles – um ponto de apoio. O
estabelecimento de um diálogo entre as gerações torna-se difícil.
110
Novamente o encontro de Wood com seu filho revela o choque de gerações.
Paz e amor não são elementos constitutivos da nova geração. Ao contrário, observe-
se o aspecto agressivo e até mesmo violento da reação de Overall. A leitura das
tiras amplia a possibilidade de se chegar a Overall. multiplicidade e complexa
descontinuidade em suas referências; conhece diversos estilos de rock, mas
desconhece suas origens e também as despreza; é bom aluno na escola ao mesmo
tempo emque não desgruda do seu skate, adornado por uma caveira, o qual
funciona como um componente de sua estética visual; e pode agredir pessoas
destoantes de sua gangue. A classificação desse jovem foge à compreensão de
Wood ou Stock, pois nas tiras não se um momento em que o jovem é ironizado;
ao contrário, suas falas o sempre as últimas. Na verdade, é o jovem que parece
compreender seu pai, tentado convencê-lo a mudar de postura – “não quero que me
faça passar vergonha”. O novo compreende o antigo e o torna velho, arcaico,
ultrapassado e, por fim, rejeita-o.
110
IDEM.1988.
141
111
A despeito do conflito de gerações presentes no diálogo dos dois
personagens com o adolescente Overall, também se observam momentos de
diálogos entre os dois que apresentam a dificuldade de inserção no novo tempo.
Aliás, a percepção de que o tempo passou não se apresenta aqui. Diferentemente
de Meiaoito que vive conflitos terríveis ao identificar e tentar se adaptar aos novos
tempos, Wood e Stock tentam rejeitar a passagem do tempo mantendo as práticas
cotidianas iniciadas vinte anos antes. A rejeição pela mudança se apresenta até pelo
discreto detalhe de estarem sentados no sofá e de lá não se moverem.
112
Nesta tira fica claro que Stock, mais do que Wood, acredita na visão de
mundo que os dois defendiam nas décadas anteriores, quando eram jovens. O
problema do amigo Lóki não foi o consumo de drogas, mas sim a idade que
avançou.
111
Revista Chiclete com Banana, no. 20. SP, Circo Editorial, março/ 1990.
112
IDEM. 1990.
142
113
Bordosa não está preocupada com a revolução social, com histórias de
paz e amor ou mesmo relações mais afetivas que possam, em última instância,
indicar a possibilidade de compromisso. A personagem se assemelha, em alguns
aspectos, ao próprio Bibelô, na medida em que ela é quem sai à procura de um
parceiro e de satisfação sexual. Não é passiva e também não aceita qualquer forma
de imposição de regras por parte do sexo oposto. Sua origem está diretamente
ligada à revolução sexual e luta pela emancipação da mulher.
114
Na última vinheta dessa tira, Bordosa novamente revela seu caráter livre
no sentido de buscar a satisfação de seus desejos sexuais. No entanto, algo a
incomoda em sua prática. A personagem é boêmia, vive a vida noturna, mas esta
parece não trazer mais a satisfação que outrora trouxera. Sair, beber, fumar e
transar para quê? Aonde leva tal vida? A personagem parece ter perdido o fio da
meada, o sentido que a alimentava.
113
Revista Chiclete com Banana, 02, 2ª edição. SP, Circo Editorial, 1988
.
114
IDEM. 1988.
143
115
Uma profunda melancolia abate Bordosa, pensa no suicídio, que pode se
concretizar de maneira simbólica, no consumo de leite quente, ou seja, no abandono
de toda uma forma de viver, cujas experiências caracterizam sua existência.
Também se apresenta, então, uma crítica ao tempo novo. Essa personagem,
todavia, se diferencia um pouco de Meiaoito, Nanico e Wood&Stock, pois para ela
não se apresenta claramente uma forma de vivência que se oponha ao seu modo de
ser. Com Meiaoito, a Nova República fez naufragar seus projetos políticos; da
mesma forma, Wood e Stock têm dificuldades em perceber o abandono das novas
gerações de uma vida “Flower Power”; mas Rê Bordosa não confessa ao seu leitor o
que tanto a incomoda. Incomoda ser o que ela é, mas ela parece indicar que sua
forma de ser não é mais atraente seu convite de ir para cama foi rejeitado por
Meiaoito não somente para o sexo oposto, mas para ela própria. Porém, não abre
mão de suas convicções.
A personagem, assim como Bob Cuspe, adquiriu um caráter universal; era
muito querida pelo público, popular, funcionando como uma espécie de carro-chefe
que aumentava as vendagens da revista. Seu conflito interior não é declarado, mas
apresenta-se com clareza para o público leitor: abandonar a vida independente de
solteira, correndo o risco da solidão, ou casar-se, ter filhos e perder o bem mais
precioso e guardado por décadas, sua autonomia? É provável que o caráter
extremamente intimista da personagem seja o motivo da universalidade de seu
sucesso. Seu conflito está despojado de questões políticas, sociais, econômicas, de
relações de trabalho, ele se apresenta num diálogo entre os aspectos mais íntimos
com a sociedade.
115
Revista Chiclete com Banana, 02, 2ª edição. SP, Circo Editorial, 1988.
144
Alguns e os mais importantes personagens apresentados neste capítulo
possuem algumas características em comum, mas existe uma em especial que é a
solidão. Meiaoito conversa somente com Nanico, no máximo com os membros do
partido pelo telefone; Wood e Stock conversam somente com Overall; Bordosa
até dialoga com outros personagens, mas seus momentos mais importantes são os
de seus conflitos no balcão do bar e, principalmente, na banheira. Por fim, Bob
Cuspe, que recebe poder em suas mãos, também está marcado pela solidão, neste
caso, voluntária. O novo tempo trouxe profundos conflitos, dificuldades para os
personagens sejam os “jovens” ou os “velhos” personagens se adaptarem. O
tempo da chamada Nova República foi muito chocante, fez ruir todas as
possibilidades, sonhos e projetos. o possibilidade de estabelecer um diálogo
com um tempo que rejeita a possibilidade de transformação real. Os personagens
são motivo de riso para o leitor, mas será que é o riso que Angeli está propondo?
145
CONCLUSÃO
O projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho tinha como objetivo,
inicialmente, abordar as questões juvenis, a partir da revista Chiclete com Banana,
em meados dos anos 80. Todavia, os encontros com a orientadora, as disciplinas
cursadas, a leitura mais aprofundada das fontes, foram abrindo um leque repleto de
possibilidades de temas que poderiam ser abordados. Partiu-se em busca daqueles
que apareciam com mais frequência na revista, e aos quais o autor dedicava
bastante cuidado no humor visual, extremamente rico na construção de
representações e simbolismos.
O tema da política aparece de maneira muito contundente. Nos primeiros
números da revista, Angeli se dedica bastante à sátira da organização política da
chamada Nova República, termo por ele largamente questionado de forma ironizada.
Em nome de quem ela se institui? Seu humor tenta apresentar ao leitor uma visão
muito rica sobre os políticos e seus partidos, com claras representações do que é
direita e esquerda. Havia uma evidente preocupação com a direita, pois era
conservadora, golpista, exploradora, enganadora e a tentativa dela se portar de
maneira democrática é puro engodo.
No tocante à esquerda, observou-se, durante a pesquisa, a existência de rica
formação em Angeli, oriunda do ideário revolucionário e com muito mais força
das múltiplas faces da contracultura que emergiram em fins dos anos de 1960. Mas
um ressentimento em relação à esquerda partidária, que acabou por ceder em
seus projetos e compactuar com a direita para a restauração da democracia pós-
1985. A rejeição pelos partidos de esquerda é tão forte que eles, praticamente,
inexistem nas representações em suas histórias. Sua decepção com a instituição do
novo governo fez com que, lentamente, o tema da política perdesse importância.
Existem referências à Nova República, à Assembléia Nacional Constituinte e ao
presidente José Sarney; porém, o autor, praticamente, nega todo o processo
eleitoral de 1989.
Abandonar os temas ligados à vida política brasileira não significa o abandono
de sua visão política de mundo. Um número expressivo de personagens representa
o universo da vida cotidiana; as dificuldades em ser masculino no período s-
revolução sexual; os conflitos em ser feminino neste mesmo contexto Bordosa
146
vive um eterno conflito –, e mesmo em ser homossexual Nanico é homossexual
assumido, mas recebe certa rejeição social pela sua escolha, recebendo até
reprimendas de seu companheiro de lutas, Meiaoito. O desejo sexual também entra
em pauta, alguns personagens vivem muito mais no mundo das representações
sexuais do que as propriamente ditas. No bojo desses temas, Angeli produz um
segundo sua visão de mundo e, assim, seus personagens acabam abrindo um
diálogo para as experiências do cotidiano em suas mais íntimas complexidades.
uma resistência, íntima e cotidiana, ao novo tempo e seu rolo compressor
conservador que pretende converter tudo, até mesmo os sonhos da geração de
1968, em produtos consumíveis.
As narrativas presentes na revista acabaram por encaminhar a pesquisa para
o tema da cidade, particularmente São Paulo. É de suas regiões mais centrais que
emergem seus personagens, ela não é apenas um palco pré-moldado. Nas HQs,
diferentes formas de ser, pensar e agir dos personagens ocorrem em locais
específicos da metrópole. Nas ruas, o trânsito caótico e congestionado revela uma
cidade tensa, em disputa; ao mesmo tempo, no local onde todos se encontram
ninguém conversa; uma certa solidão ao acompanhar os personagens
protagonistas caminhando pelas calçadas da cidade. Somente quando se adentra
no universo da vida privada é possível perceber os personagens em sua intimidade.
A cidade central, cercada pela muralha de prédios, revela seus habitantes
quando dentro dos apartamentos, na individualidade. Às vezes, somente trancado
no banheiro o personagem consegue se expor por completo.
Na cidade, Angeli identifica alguns de seus personagens mais marcantes,
jovens. Por meio da revista, surgiram representações de duas formas de
articulações juvenis. A primeira delas oriunda da classe média, pequeno burguesa,
que busca sua legitimidade nas novas tendências, nos modismos e, por fim, no
consumo especialmente daqueles derivados da indústria cultural. Desse grupo
parece emergir, então, uma “jovem direita”, conservadora, porém literalmente
fantasiada com uma capa de pós-modernidade. Mas a pós-modernidade apresenta-
se apenas como tudo aquilo que novo, new, neo, pós, como se da novidade em si
saísse uma rebeldia em si. É uma rebeldia barata, sem conteúdo, vazia,
reprodutível.
147
A segunda é representada como emergente das classes trabalhadoras. São
jovens pobres que também rejeitam o novo tempo e rompem com qualquer forma de
contestação juvenil anterior sua representação máxima está em Bob Cuspe.
um choque de gerações, mas Angeli entende que as múltiplas formas de
manifestações juvenis têm legitimidade em sua contestação. Estão revoltados com o
rolo compressor da indústria cultural, com a falta de trabalho, com a escola
conservadora, rejeitam a política. O espaço concedido aos leitores na seção de
cartas revela uma profunda identificação dos leitores com as histórias e Angeli, e, ao
mesmo tempo, o autor também se identifica com eles; reconhecendo a originalidade
e a pluralidade dos movimentos juvenis – por vezes quer que seus leitores se façam
compreender melhor a razão da violência e da segregação existente entre os
grupos.
Porém, por mais que consiga captar os anseios da nova geração, há uma
dificuldade de diálogo. Meiaoito, Wood&Stock, Bordosa são exemplos de
personagens, jovens em fins dos anos 60, enfrentam grandes dificuldades de
entender aonde houve a inversão que os deixou de fora. A solidão se apresenta, não
para os personagens, mas para o próprio Angeli que, revela, através de suas
HQs, suas próprias angústias sobre o peodo em que publica suas revistas. A
presença do próprio Angeli como personagem é uma constante e a característica
mais marcante deste personagem é sua própria solidão.
Em última instância, seu humor é sobre o que convencionou chamar de Nova
República e que se capta na revista de forma caleidoscópica, com uma grande
riqueza de representações, compartilhadas com público leitor.
148
FONTES
Revista Chiclete com Banana Antologia n
0.
01. SP, Nova Sampa Diretriz/ Devir,
junho/2007.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
02, 2ª edição. SP, Circo Editorial, 1988.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
03. SP, Circo Editorial.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
06- 2ª edição. SP, Circo Editorial, outubro/1989.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
08, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1990.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
. 09, 2ª edição. SP, Circo Editorial, abril/1992.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
10. SP, Circo Editorial, julho/1987.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
11. SP, Circo Editorial, setembro/1987.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
12. SP, Circo Editorial, novembro/1987.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
13. SP, Circo Editorial, janeiro/1988.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
14, 2ª edição. SP, Circo Editorial, maio/1991.
Revista Chiclete com Banana, no. 15. SP, Circo Editorial, maio/1988.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
18, 2ª edição. SP, Circo Editorial, agosto/1992.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
20. SP, Circo Editorial, janeiro/ 1990.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
21. SP, Circo Editorial, março/ 1990.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
21A. SP, Circo Editorial, março/ 1990.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
22. SP, Circo Editorial, maio/ 1990.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
23. SP, Circo Editorial, julho/ 1990.
Revista Chiclete com Banana, n
0.
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WILLIAMS, Raymond. Marxismo y Literatura. Barcelona, Ediciones Penísula, 2000.
152
ANEXOS
Anexo 1
153
154
155
156
157
Anexo 2
158
159
Anexo 3
160
161
162
163
164
Anexo 4
165
166
Anexo 5
167
168
Anexo 6
169
Anexo 7
170
Anexo 8
171
172
173
Anexo 9
174
175
176
177
178
179
Anexo 10
180
181
Anexo 11
182
183
184
185
186
Anexo 11
187
188
189
190
Anexo 12
191
192
193
194
195
196
Anexo 13
197
198
199
200
201
Anexo 15
202
203
204
Anexo 16
205
206
207
Livros Grátis
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