Download PDF
ads:
VIRGINIA CANDIDO DA SILVA
A
A
M
M
Ú
Ú
S
S
I
I
C
C
A
A
P
P
O
O
P
P
U
U
L
L
A
A
R
R
B
B
R
R
A
A
S
S
I
I
L
L
E
E
I
I
R
R
A
A
:
:
I
I
N
N
S
S
T
T
R
R
U
U
M
M
E
E
N
N
T
T
O
O
D
D
E
E
C
C
O
O
M
M
P
P
R
R
E
E
E
E
N
N
S
S
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
S
S
D
D
I
I
F
F
E
E
R
R
E
E
N
N
Ç
Ç
A
A
S
S
L
L
I
I
N
N
G
G
Ü
Ü
Í
Í
S
S
T
T
I
I
C
C
A
A
S
S
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro – 2007/1
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: INSTRUMENTO DE COMPREENSÃO
DAS DIFERENÇAS LINGÜÍSTICAS
Dissertação elaborada por Virginia Candido
da Silva sob a orientação da Professora Doutora
Darcilia Marindir Pinto Simões para obtenção do
título de Mestre em Língua Portuguesa.
UERJ – Rio de Janeiro – 2007/1
ads:
3
A Deus que me permitiu esta caminhada.
A minha mãe, o apoio de todas as horas. Ao
meu querido irmão Marco Aurélio,
habitante do céu, meu grande companheiro.
Ao Marcos Candido, companheiro dessa
jornada.
Aos professores do Mestrado, pela
acolhida.
Aos meus alunos, pela receptividade e
carinho.
4
À pesquisadora Prof.ª Dr.ª Darcilia Simões, pela
maneira carinhosa que me acolheu. Generosa ao
partilhar conhecimento e pela orientação e
dedicação demonstradas. Muito obrigada.
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8
2. FUNDAMENTAÇÃO ...................................................................................... 20
3. METODOLOGIA............................................................................................. 23
CAPÍTULO I: LINGUAGENS EM AÇÃO........................................................... 28
a) Linguagens em Curso......................................................................................... 28
b) Linguagem na Escola......................................................................................... 33
CAPÍTULO II: VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA....................................................... 37
a) Língua: Ferramenta Plural.................................................................................. 37
b) A Língua de Todos............................................................................................. 43
CAPÍTULO III: ENSINANDO A LÍNGUA COM MÚSICA.............................. 47
a) Considerações sobre Ensino Comparativo entre Variantes e Uso Padrão ......... 47
b) Demonstrativo de Trabalho com Música na Sala de Aula................................. 50
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 68
DICIONÁRIOS......................................................................................................... 71
OUTRAS FONTES .................................................................................................. 72
ANEXOS ................................................................................................................... 76
6
SINOPSE
A música como instrumento de compreensão das
diferenças lingüísticas. A língua como ferramenta das
diversas linguagens à disposição do falante. O processo
ensino-aprendizagem da língua materna tendo a letra-de-
música como auxiliar do professor. As aulas de língua
portuguesa e a contribuição dos estudos de variação
lingüística. Análise comparativa entre variantes e uso
padrão. Avaliação da abordagem didática dos conteúdos
gramaticais nas letras-de-música.
7
Ando na rua e vejo palavras em movimento
em todas as lojas, e palavras deitadas sobre as
paredes de todas as casas. Vejo-as nos semblantes
das pessoas mesmo quando estão silenciosas e
quietas, e nos seus movimentos e gesticulações.
(...) Palavras em toda parte. Haverá entre os
habitantes da Terra quem não se adore falando?
(Gibran Khalil Gibran in Temporais)
8
1. INTRODUÇÃO
A escola tem sido alvo de críticas ao longo das últimas décadas, conforme os
jornais divulgam a cada processo de avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), do Ministério de Educação e Cultura (MEC) ou de concursos vestibulares.
Um fracasso gerador de discussões pedagógicas e origem de obras concernentes, como
ilustra Soares (1989:06) quando afirma que a escola mostra-se incompetente para a
educação das classes populares. É o recorte que o jornalista Cláudio de Moura faz na
coluna Ponto de Vista na revista Veja (março/2002, nº 1741) na matéria cujo título O
Brasil lê mal corrobora a incompetência a que se refere Soares “Nossa incapacidade de
decifrar um texto escrito não se deve à pobreza, mas a um erro sistêmico: estamos
ensinando sistematicamente errado”. Significa que o aluno não decifra textos no
aspecto cognitivo. É o que se chama de analfabetismo funcional porque não processa
uma informação a fim de resolver um problema, não atribui sentido ao que lê; o
estudante aprendeu a decodificação fonética, mas não a associar com significação o som
à letra, de onde se conclui que a escola não ensina a leitura como recurso para adquirir
novos conhecimentos, de acordo com Silva (2004:75).
O articulista referia-se ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa), sistema de testes realizado a cada três anos, organizado pelos países membros da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que visa à
orientação de políticas educacionais de cada país. O exame focaliza três habilidades
consideradas pelos especialistas imprescindíveis ao bom desempenho das pessoas no
mundo contemporâneo: a competência leitora, a cultura matemática e a cultura científica.
Esse relatório demonstra a incapacidade do aluno brasileiro na resolução de problemas ou
de situações cotidianas, como, por exemplo, tomar decisões a partir da leitura de um
panfleto comunicando a realização de uma campanha de vacinação, relata Silva, (2004:
74) concluindo que o aluno não percebe significado nas palavras, apenas identifica sons,
letras e sílabas.
9
Assim sendo, a divulgação na mídia dos resultados dos testes organizados por
instituições idôneas reacende as discussões a respeito da educação e, em especial, acerca
da língua materna porque é o meio coletivo básico de expressão no dizer de Azeredo
(2005:31), portanto suscetível de polêmicas. No centro do debate vem à tona o professor
de português e o modo de exercer o ofício de ensinar conjugado à sua formação
pedagógico-intelectual, persistindo a idéia de que o malogro de se ensinar a ler e a
escrever consiste apenas na atuação do professor de língua, como Luft (2003:12) julga
haver necessidade de modificar a metodologia do ensino de língua portuguesa, de
postura normativa à postura mais liberal.
Pensamento similar ao de Azeredo (2005:37) que acrescenta a responsabilidade
dos docentes das diversas áreas do conhecimento em habilitar o aluno na leitura e na
expressão escrita, conforme sugestão dos PCNs, uma vez que as disciplinas acontecem
em língua portuguesa falada no Brasil.
Como se percebe, ensinar a língua materna envolve a escolha do caminho a ser
trilhado, conferir primazia à norma gramatical, tradicional, a forma que segundo Luft
(2003:21) é prioridade do professor, engessa a competência discursiva do estudante.
A outra rota sugerida por Luft (2003:105) e por Azeredo (2005:37) seria o equilíbrio,
conviver com a gramática em funcionamento através dos textos, abordá-los na sua
estruturação – parágrafos, períodos, seleção lexical e assim por diante.
É imprescindível também mostrar as variedades lingüísticas circulantes, a realidade
lingüística do aluno, ao invés de ignorá-las. A língua escolar é a norma culta, a
denominada padrão, a linguagem dos documentos, dos falantes escolarizados, dos
formadores de opinião, das classes privilegiadas.
Vejam o que diz Carlos Drummond de Andrade sobre isso:
Aula de português
1
A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
1
http// www.memoriaviva.com.br/drummond/poema053.htm
10
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua,breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
De acordo com o poeta, há duas línguas, uma do dia-a-dia na qual se comunica,
interage com os seus pares; e outra, incompreensível – a língua que o professor ensina.
Os versos de Carlos Drummond de Andrade refletem a linguagem usual da
população brasileira, opinião que Preti (2004: 16) confirma ao observar que o professor
deve ter a consciência da existência das diferenças do português do Brasil e sua
adaptação às situações de interação, por isso o desacordo entre a língua da escola e a
língua com que o estudante se comunica. É o falante culto, neste caso o professor, que
precisa ser versado nos usos das variantes da língua, deve saber dirigir-se a qualquer
interlocutor, culto ou não.
Por esses motivos, a língua padrão, freqüente no âmbito escolar, provoca um
choque no aluno, falante de uma variante lingüística popular; visto que a variedade culta
distingue-se das demais variedades, por ser mais associada à escrita, à norma gramatical
e representante da tradição cultural.
Parece, então, que as dificuldades do aluno relacionam-se à língua escrita,
prioridade da escola, na modalidade culta subordinada a regras convencionais, de
caráter normativo. Além do mais, na sociedade hodierna a oralidade sobrepõe-se,
circunstância que leva o aluno a distanciar-se da língua escrita, porquanto a interação
social acontece na língua oral. Assim, o estudante enfrenta o obstáculo de aprender uma
variedade denominada padrão na língua escrita cujo uso é insignificante diante de uma
sociedade onde predomina a oralidade.
Mediante tais concepções, Kato (2002:123) orienta que num primeiro momento
de apreensão da escrita, deve haver uma tolerância maior em relação aos desvios
gramaticais, ortográficos e dialetais. Acredita que a importância da iniciação ao sistema
alfabético está na fluência da escrita e não sobre a precisão gramatical ou ortográfica.
Após esta fase, o ideal seria desenvolver no aprendiz habilidades de produção de textos
por meio do treinamento contínuo da escrita.
Observem o que diz Travaglia (1986: 25) sobre os processos que efetivam a
aprendizagem da língua escrita:
11
(...) habilitar o aluno para identificar na escrita o conhecimento
que este tem do seu mundo e que se acha expresso na sua língua
oral; treinar em exercícios, as estruturas da língua permitindo o
reconhecimento das mesmas e favorecendo o processo de
desmontagem dessas estruturas.
Assim, através de um processo de treinamento constante e gradativo, com o
estímulo da prática da leitura e da escrita possibilitaria ao aluno uma efetiva
aprendizagem, concepções similares em Simões (2005:65) e Kato (2002:122).
Por essas reflexões é possível verificar que um dos desafios do ensino assenta-se
na ausência de distinção entre as modalidades oral e escrita. Para eliminar tal barreira,
torna-se necessário trazer à cena Kato (2002:11) que estabelece uma isomorfia entre a
fala e a escrita, ou seja, diz que estas são parcialmente semelhantes; afirma que num
primeiro momento de aprendizagem tenta-se representar a fala na escrita,
posteriormente ocorre o inverso, procura-se representar a escrita na fala. Fávero (2000:
13) postula igual pensamento ao dizer que escrita e fala mantêm entre si relações
mútuas e intercambiáveis. A meta é formar no aluno a consciência de que tanto a língua
oral quanto a escrita estão em diferentes situações comunicativas, por isso necessita-se
demonstrar os diversos níveis das duas modalidades – do mais coloquial ao mais
formal.
Sendo assim, percebe-se que um dos impasses da aprendizagem lingüística
encontra-se no desconhecimento do aluno sobre as relações intrínsecas entre a
oralidade e a escrita, as quais se distinguem nos processos comunicativos. Outro
empecilho é o fato de que o aluno reproduz na escrita a sua fala e, sem as práticas que o
levem à proficiência na língua materna, será inapto na escrita. Problemas detectados
quando se leciona no ensino fundamental e médio, instâncias em que a inadequação do
aluno na língua escrita é desastrosa.
Segundo Simões (2005:03), o mau desempenho do estudante é assunto histórico,
e parece inspiração para a formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais que
preconizam os temas transversais com o fim de transformá-lo num leitor eficiente.
Proposição relevante para melhorar o rendimento em leitura e escrita do aluno, uma vez
que o levaria a defrontar-se com textos literários e não-literários, ou informativos em
todas as disciplinas. Há uma suposição de que, deste modo, a sua atuação lingüística
melhoraria porque todas as áreas do conhecimento envolvem o domínio da língua.
Azeredo (2005:42), e os PCNs enfatizam a necessidade da colaboração de todas as
disciplinas, porque de alguma forma, se apóiam na leitura e na construção de textos.
12
No entanto, apesar da recomendação da interação entre os saberes, a síntese
ideal para ensinar língua, é possível perceber um malogro da proposta –
transdisciplinaridade – por meio dos resultados auferidos em alguns testes realizados e
já citados anteriormente.
Um dos motivos do fracasso da proposição da interdisciplinaridade é a ausência
de suporte pedagógico nas escolas da rede pública. A falta de coordenação em cada área
do ensino talvez seja uma das causas que impede a complementaridade interdisciplinar.
Para acontecer o diálogo entre os conhecimentos, necessita-se de um professor de cada
disciplina que mantenha contato com os demais de forma a gerar discussões cujo
objetivo seja um planejamento viável.
Por outro lado, a viabilidade dos parâmetros pode realizar-se nas aulas de língua
portuguesa por meio da abordagem dos gêneros textuais como relatórios, circulares,
editoriais, atas, conferências, reportagens, resenha, romances e inúmeros outros, de
acordo com Marcuschi (2003:23). Assim, o estudo dos gêneros possibilita explorar
temas presentes na vida humana, como o histórico, o ecológico, o artístico (exposição),
o geográfico, o político no campo sócio-discursivo e cultural, bem como a variedade de
cada um deles na forma e na estrutura lingüística.
No que se refere à rede estadual, outro complicador se faz presente na atual
política educacional implantada em 1999. O Programa Nova Escola, uma gratificação
financeira por produtividade. Gerou algumas distorções propiciadoras da não-
aprendizagem; uma delas é a aprovação automática. Projeto que significa aprovação
em massa, uma vez que uma das regras é que somente 10% dos alunos de cada turma
podem ser reprovados. Eficiência profissional vinculada ao salário e à verba que cada
instituição escolar aufere. Este documento não proporcionou a qualidade do ensino, ao
contrário, incentivou o analfabetismo funcional. O aluno lê e escreve, mas sem a
competência textual que demanda a compreensão dos mecanismos de informação e de
encadeamento de um texto.
A falácia desse projeto comprova-se por meio da carga horária das aulas de
língua portuguesa. Hoje, são quatro horas semanais em lugar das antigas seis horas no
ensino fundamental e duas no ensino médio. Apesar da escassez de tempo disponível, o
corpo docente das escolas públicas estaduais tenta suprir essa exigüidade de acordo com
as suas particularidades pedagógicas, mesmo com a remuneração defasada pelas
sucessivas políticas desvalorizadoras da carreira do magistério.
13
A despeito das políticas educacionais perpetradas no ensino brasileiro, compete
à escola buscar meios que insiram o aluno num mundo cada vez mais unificado pelo
capital econômico, origem da transformação cultural e lingüística. Em conseqüência
exigem-se do indivíduo maior escolarização e saberes cujo domínio pertence às classes
privilegiadas. Assim, a incompetência na aquisição desses bens culturais relega o aluno
a subcategorias sociais e econômicas.
Com semelhante política sociocultural, instaura-se o feudo medieval, período
famoso pela divisão social cristalizada, situação que a escola reproduz, quando perpetua
a estratificação social, através da estigmatização da linguagem usual do aluno, sem levá-
lo a assimilar a norma padrão, propiciadora da mobilidade social.
Por ser a escola um reflexo da sociedade e um braço poderoso das elites, a
tendência é manter as discriminações, os preconceitos por meio do uso lingüístico do
alunado. Na verdade, ela reproduz as desigualdades ditadas pelo capital na face da má
distribuição de renda, dividindo a sociedade em classes. Não é à toa que sala de aula
também se denomina classe. Tal divisão torna-se visível na evasão e nos altos índices
de repetência. É possível ser este um dos fatos geradores do Programa Nova Escola,
cuja intenção seria a de maquiar esses indicadores. O propósito continua o mesmo,
manter um ensino de má qualidade a fim de que a população menos favorecida,
clientela básica da rede pública, permaneça com a pecha de analfabetos funcionais,
perpetuando o antagonismo sociocultural e econômico entre as classes que compõem
nossa sociedade.
É de competência da escola, então, ensinar o padrão culto, o da aceitabilidade
social, prover o aprendiz de ferramentas lingüísticas de modo que possa conquistar
maior participação política e cultural, mas sem marginalizar o dialeto popular do aluno.
Ao contrário, precisa incorporar ao ensino a variação lingüística presente nos vários
textos – jornalísticos, literários, letras-de-música – como uma forma de melhorar o
rendimento do aluno, oferecendo-lhe o uso culto como algo que se soma aos outros
usos, ou demais variedades lingüísticas que lhe devem ser apresentadas durante as aulas.
Outra reflexão que se faz necessária é a dificuldade do aluno ao se defrontar com
a modalidade escrita da língua na qual está subjacente a prescrição normativa
controladora, daí a escrita ser menos variável e mais conservadora que a modalidade
oral. Ademais, na sociedade contemporânea, a atividade escrita ocorre em situações
demarcadas e, via de regra, avaliativas, portanto desconfortáveis. A exceção reside em
escritas informais como as salas de conversação (os chats) nas quais o usuário sente-se
14
confortável e satisfeito devido à espontaneidade do ato. Exceção praticada por uma
minoria mais letrada cujo poder aquisitivo permite adquirir computador e conectar-se à
Internet.
Não é o caso da maioria dos falantes brasileiros. Expressiva parcela da sociedade
que se constitui na clientela da rede pública estadual, os sujeitos que precisam apossar-
se da escrita. Estes se mantêm na categoria dos que utilizam a escrita em menor escala e
em condições delimitadas, embora não se descarte a utilização pífia da escrita em
indivíduos das classes privilegiadas.
É questão, portanto, de justiça social dotar este sujeito-aluno de um saber na
forma gráfica que o faça comunicar-se nas mais diversas ocasiões que se lhe
apresentarem no decorrer da vida, de modo que selecione conscientemente as
variedades lingüísticas em que deseja se expressar. Inclusive para transgredir as regras
gramaticais como alguns escritores, compositores infringem e transformam os textos em
obras de arte.
Essa transgressão não significa converter o estudante em exímio letrista ou
escritor ao ensinar a língua materna, mas torná-lo capaz de dominar o padrão culto de
tal forma que o qualifique como produtor de textos para toda e qualquer situação
comunicativa.
Em virtude dessas constatações aliadas ao interesse de empregar táticas com o
objetivo de granjear ações motivadoras para as aulas de língua portuguesa e que,
simultaneamente exercessem a função de atrair o estudante, constituíram vias
influenciadoras da escolha do gênero textual letra-de-música como estratégia de ensino
e de pesquisa.
A preferência pelo tema deve-se a Simões (2005:113) e ao conhecimento de que
a música expõe o indivíduo ao estímulo sonoro, de modo que o predispõe ao
aprendizado devido à mente preparar-se para ouvir. Esta última condição favorece as
inferências percebidas no decorrer das discussões lingüísticas que subsidiaram essa
dissertação.
As atividades com música conduzem o aluno a um mundo lingüístico conhecido
porque as canções são representativas das linguagens circulantes na sociedade, inclusive
os dialetos populares, instrumental lingüístico do estudante com que se comunica
familiar e socialmente.
Tal eficiência das letras-de-música como processo estimulador da aprendizagem
ajusta-se ao compromisso do professor de desenvolver o aspecto cognitivo e emocional
15
do estudante, pois é a sensibilidade que leva o aluno a compreender e a respeitar os
diversos modos de sentir, de pensar e de ser dos mais diferentes indivíduos com os quais
necessita se comunicar.
A letra-de-música também se constitui em alternativa para desenvolver no
estudante o gosto pela língua materna em razão da inventividade e da liberdade de uso
das palavras. Seu valor está em despertar no aluno o prazer de descobrir os sons, os
ritmos, o lúdico, o lirismo. Apresenta, em algumas ocasiões, uma visão crítica, um olhar
diferente, uma nova forma de pensar o mundo e revelar seus absurdos, suas
contradições, suas injustiças e complexidades.
O estudo de letras-de-música será útil como um painel de fatos gramaticais e
estilísticos, capaz de demonstrar a funcionalidade da língua e as demais linguagens do
contexto social. Tal material pode expor ao aluno a necessidade do conhecimento
lingüístico a fim de ocupar um lugar no espaço da convivência humana. Amplia-se o
quadro das canções com as possibilidades de abordagem da cultura brasileira, um meio
de demonstrar os usos de cada período histórico.
Já não se permite que a escola ignore os meios de comunicação no contexto
existencial do aluno. A revolução tecnológica transforma o mundo em tempo recorde,
com mais agilidade, diferentemente da revolução industrial que fez um percurso de cem
anos para modificar as estruturas sociais. É preciso acompanhar as alterações no mundo.
Enquanto o jovem interage com as mais variadas linguagens imagéticas e sônicas, no
espaço escolar a linguagem está centrada em aulas expositivas e em livros, nem sempre
interessantes.
Conseqüentemente, é importante utilizar os meios de comunicação a favor do
ensino de língua, sendo a letra-de-música um gênero textual ideal para concretizar a
aprendizagem lingüística. A canção é um dos canais mais presentes no cotidiano do
aluno, através de rádio, televisão, Internet, “baladas” (termo que designa saídas noturnas
festivas), CD e assim por diante.
Levando-se em conta que se ensina na escola a língua escrita, a letra-de-música
no aspecto didático-pedagógico serve aos propósitos lingüísticos de aperfeiçoar a
comunicação escrita do estudante na variedade culta, a partir do contato com as demais
variantes. Confrontando-as por meio da Gramática Normativa e da Estilística, torna-se
possível identificar a necessidade de usos distintos, além de chamar a atenção para a
influência da emoção, da estética e da criatividade, nas opções materializadas nos
textos.
16
Nesse plano as letras-de-música exercem a função de mostrar os usos
gramaticais em qualquer variedade lingüística, e a visão de mundo que cada época
possui tanto no aspecto social como cultural e de que maneira influenciarão o indivíduo
na aquisição da escrita. A esse respeito Kato (2002:40) informa que na sociedade
brasileira a oralidade prevalece sobre a escrita, não raras vezes, plena de
coloquialismos, mesmo entre os falantes cultos, o que seria mais um entrave para o
aprendiz, principalmente aquele oriundo de grupos sociais iletrados. Ainda que ambas
apresentem semelhanças, existem mais diferenças formais no código escrito, a começar
pela relação interpessoal, o redator do texto estará sem a presença de um interlocutor.
Escrever e ler são aquisições, daí a necessidade da freqüência do ato da escrita e leitura
no trajeto que se percorre durante a vida escolar.
O desenvolvimento deveria ser contínuo, necessário para a apreensão da escrita,
o que falta ao aluno, resultando na sua exclusão do mundo letrado. De igual forma o
mercado de trabalho diminui sensivelmente, daí os subempregos e a perspectiva de
imobilidade social, por isso a opção pela investigação lingüística do uso de letras-de-
música nas aulas de português, gênero textual possuidor de algumas vantagens. Dentre
elas, o estímulo do aluno em observar algumas ocorrências gramaticais já estudadas,
mas não compreendidas, porque analisadas sob o prisma de compartimentos, sem a
contextualização. Outra vantagem é a discussão originária da cultura que emerge das
canções, documentos lingüísticos da história de um determinado período ou de
determinado grupo social.
O uso dessa estratégia pedagógica permite o cotejo intertextual com obras
consagradas da literatura, exploradas em cada bimestre, conduzindo o aluno à percepção
crítica, além de propiciar uma abordagem interdisciplinar, com enfoques sociológicos,
filosóficos, históricos, geográficos e assim por diante. Assim, as aulas de português se
tornam mais qualitativas, produtivas e eficientes.
Com essas observações não se pretendem desmerecer outras estratégias didático-
pedagógicas, mas experimentar uma forma diversificada de ensinar a língua como
instrumento usual de comunicação com a finalidade de oferecer ao estudante uma
ferramenta de construção da cidadania. Para isso, a base teórica que fundamenta essa
pesquisa é a da variação lingüística para melhor compreensão das diferenças lingüísticas,
tendo como corpus letras-de-música as quais demonstram a diversidade de linguagens,
espelhando a própria sociedade brasileira, plural na cultura e na miscigenação do povo
que a compõe. A língua não poderia ser diferente, evidencia igual pluralidade.
17
Essa pesquisa não propõe um amplo e profundo estudo a respeito das variantes
lingüísticas, mas evidenciá-las por meio das letras-de-música como um quadro
representativo da distinção entre língua coloquial e língua formal, demonstrando a
especificidade de cada variante lingüística em função da heterogeneidade da língua
portuguesa falada no Brasil.
Um dos autores que embasam esse trabalho é Preti (2000), que faz uma análise
precisa sobre as variações lingüísticas no português do Brasil. Ele aponta as variedades
sincrônicas, o cerne dessa investigação, e as diacrônicas que fogem ao enfoque
pretendido. As primeiras são as observáveis de imediato, pertencentes a uma região (as
diatópicas), outras, socioculturais ou diastráticas, relativas à família, ao indivíduo, ao
padrão cultural e às variedades estilísticas, relacionadas às escolhas que o falante tem à
disposição de acordo com a situação de comunicação pretendida.
Scherre (2005) alicerça essa pesquisa com a teoria de que a variação lingüística
utilizada por grupos sociais desprestigiados constitui alvo de preconceito, e
problematiza certas construções sintáticas estigmatizadas, porém consagradas pela
população, a despeito da normatização da gramática.
Soares (1989) contribui com Linguagem e escola: uma perspectiva social, de
modo que esse trabalho possa fundamentar-se também nas diferenças entre a língua oral
e escrita e as dificuldades inerentes à escrituração, problema que preocupa a todos os
envolvidos no processo do ensino da língua materna.
Assim também se considera pertinente o que diz Fávero (1999) em Oralidade e
escrita em que enfoca a imprevisibilidade da fala em contraste com a previsibilidade da
escrita.
Mattos e Silva (2004) com igual tema em O português são dois contribui com maior
embasamento para essa investigação das linguagens que constituem o português brasileiro.
Num trabalho que busca examinar linguagens variadas seria indispensável
Callou e Leite (2005) com a obra Como falam os brasileiros que aponta de forma
acessível as diferentes variedades lingüísticas no Brasil.
A pesquisa tem como objetivo o ensino de língua na perspectiva das variedades
que compõem o português falado no Brasil de modo que o estudante compreenda as
diferenças existentes na língua, perceba a heterogeneidade predominante no idioma
brasileiro. A contribuição desse trabalho assenta-se na proposição de um ensino da
modalidade escrita da língua voltado não só para o padrão culto, mas também mostrar a
18
diversidade lingüística produzida pelos falantes em todo o território brasileiro,
demarcando regiões e grupamentos sociais.
A questão do ensino do idioma no Brasil e a não-aprendizagem do aluno talvez
esteja na escola ter, no padrão culto, o certo, e as outras variedades, erradas. Esta
diferente e errada língua falada pelo estudante é o dialeto desprestigiado, portanto
considerado ilegítimo. O aluno não percebe a equivalência dos dialetos no aspecto da
comunicação, daí advêm os obstáculos para uma efetiva aquisição da linguagem escrita
e da leitura.
Por outro lado, a teoria gramatical precisa ter presença nas aulas de português,
de forma a demonstrar que os fatos gramaticais encontram-se em todas as variedades
lingüísticas, embora com a abonação da gramática normativa restrita ao uso dito padrão
(ou culto).
O ensino da língua materna deve pautar-se numa seqüenciação de assuntos
visando à inteireza textual, cuja finalidade é a intercomunicação.
Compete à escola vincular o ensino da língua a situações que o falante se depara
em todos os momentos da vida prática; apresentar ao aluno os motivos pelos quais ele
necessita aprender a linguagem de prestígio como recurso de maior participação social,
assim transformando a própria condição de desigualdade e colaborando para um mundo
mais igualitário. Por isso a grande questão dessa pesquisa assenta-se em reflexões e
considerações com base nas diferentes teorias a respeito da língua escrita e as
dificuldades de compreensão de seu funcionamento que emperram o seu domínio por
parte do aluno. Tal discrepância é suscetível de sérias conseqüências para o estudante
em qualquer aspecto do processo social. Com efeito, sem a competência de ler/escrever
torna-se difícil lidar, produzir e perceber textos e os sentidos neles explícitos e
implícitos.
O papel da escola é habilitar o aluno na expressão oral e escrita de modo que ele
compreenda tudo o que lhe seja apresentado, para ouvir ou ler. Só se pode falar em
democracia, inclusão e qualidade de ensino (palavras da moda) quando o jovem
estudante terminar o ensino fundamental apto ao uso lingüístico padrão e capaz de
identificar os demais usos, bem como a mensagem.
Deve-se entender ensino como um estudo democrático, inclusivo, aquele que
dota o aluno de saberes e conhecimentos que o levam a uma constante investigação e
capacidade de recorrer a si mesmo quando deseja expressar idéias na modalidade
escrita. Proporcionar igualdade de oportunidades é um dos princípios da democracia,
19
ainda que os governos engendrem uma ideologia de “fachada”, é compromisso da
escola oferecer maior qualidade educacional para as camadas da população
desfavorecida.
A esse respeito Simões (2006), em artigo recente para o I Seminário
Internacional sobre Direitos Humanos, Violência e Pobreza (UERJ, de 25 a 27/07/06)
faz um cotejo metafórico entre a natureza e o processo da educação lingüística, o plantio
e a colheita. Diz ela que o Estado mostra-se inoperante nas políticas educacionais,
planta erva daninha, isto é, impõe reformas que só agravam a situação; a colheita é que
a cada uma delas constata-se maior inadequação do aluno para a leitura e a escrita.
Impotente, a escola diante do despotismo das autoridades educacionais, não
raras vezes, traz à cena situações que espelham atitudes e ações das autoridades
educacionais, donas do saber que deve ser indicado para a população, ou seja, repete-se
o plantio inadequado do ensino da língua, levando o aluno à penúria lingüística. Um
povo não-letrado em sentido restrito não consegue interferir nos destinos de sua nação,
completa Simões (p.5) no mesmo artigo no qual assevera que cidadania e soberania se
concretizam quando os cidadãos são proficientes na língua materna.
Mediante essas evidências do fracasso da escola na sua função elementar de
ensinar a ler e a escrever, e com vistas a uma contribuição para minimizar os problemas
de sala de aula, pretende-se desenvolver essa pesquisa tendo as letras-de-música como
base metodológica.
20
2. FUNDAMENTAÇÃO
Esse trabalho pretende abordar as variedades lingüísticas por meio do gênero
textual letra-de-música na modalidade samba e seus subgêneros, objetivando mostrar
que aprender a língua materna sob o prisma das variantes torna-se uma aprendizagem
agradável.
Preti (2000, 2004), a respeito da linguagem, afirma que a sociedade a percebe
como identificador de condição social, pois existe a idéia de um padrão lingüístico, o
dialeto culto que se considera modelo, símbolo de estados hierárquicos privilegiados; e
outro dialeto popular, desprestigiado, identificável em grupos sociais marginalizados,
levando-se em conta a modalidade oral e escrita da língua.
Ser um falante culto significa usar a linguagem para cada situação que se
apresente, conhecer as variedades que se manifestam na sociedade.
Tanto Preti (2004) quanto Simões (2004) entendem que a língua deve ser
ensinada na sua heterogeneidade e variação. Ambos avaliam o ensino brasileiro como
uma estrutura de poder, elitista do ponto de vista de gestão escolar, além de políticas
distantes das necessidades populares. Simões
2
(1999) abraça essa tese em meio às
reflexões deflagradas pelo tema do evento O português do Brasil – sua implantação e
sua oficialização como língua nacional, e traça um perfil da história do ensino da língua
em nosso país, centrado no uso do certo e do errado e os equívocos nas metodologias
em decorrência dessa dicotomia. Por isso, afirma Simões, (1999:04) o caminho
apropriado para o alunado se tornar eficiente em leitura e escrita é estudar a gramática
no contexto em que estiver inserida, ou seja, (p.3) um estudo contextualizado.
No percurso desses quinhentos anos, a língua se transformou de maneira
paulatina em referencial das camadas sociais, indício de maior ou menor prestígio social
ou poder. Com o advento dos estudos sociolingüísticos descobriram-se as múltiplas
variedades lingüísticas do português brasileiro, e assim desmistificaram as teorias da
uniformidade lingüística.
2
Simões, Congresso Internacional – BRASIL 500 anos de Língua Portuguesa (jul-99/UERJ) MESA-
REDONDA: O Português do Brasil – Sua implantação e sua Oficialização como Língua Nacional.
21
Assim, pesquisadores como Mattos e Silva (2004), Castilho (2002, 2004),
Marcuschi (2000), Mollica (2004), dentre outros, estudaram as variedades lingüísticas,
as distinções entre a língua oral e a língua escrita, e os equívocos advindos do ensino
desta última, com ausência de paralelos entre uma e outra.
Votre (in Mollica, 2004) tece considerações sobre a função da escola em
conduzir o aluno ao domínio da variedade de prestígio. Para isso, gera modificações por
meio de um ensino que se pode realizar como prescritivo, descritivo ou produtivo.
Assim, verifica-se que o ensino produtivo seria o mais indicado por tornar possível a
analogia entre as construções abonadas pela gramática e aquelas de uso, denominadas
estigmatizadas. Desse modo, o discente adquire hábitos lingüísticos prestigiados pela
comunidade letrada.
Proposta compartilhada por Simões (in Henriques & Pereira, 2002), contudo
acrescida de que a escolarização deve expandir as inteligências verbal, lógico-
matemática e não-verbal, devido à complexidade da mente humana. Na ausência de tais
processos, considera qualquer mudança no âmbito do ensino-aprendizagem inócua, no
campo da leitura ou da produção de textos, objetivos conquistados por meio do contato
com a variedade da língua.
Soares (1989) propõe, como metodologia do ensino de língua portuguesa, o
bidialetalismo, que significa apresentar ao aluno o dialeto social de prestígio ao lado do
dialeto popular no qual se comunica, e simultaneamente expor os motivos sociais,
econômicos e culturais que devem nortear a sua compreensão e domínio da forma que a
sociedade letrada elegeu como ideal. Assim, a escola deixa a tradição e encaminha-se
para a escola transformadora, aquela que propicia um ensino eficiente. Simões (1999)
comunga igual proposta ao sugerir um ensino interacionista, progressista e produtivo
de modo que a gramática possa emergir dos textos, e não o inverso como tem sido o
ensino nas últimas décadas.
Castilho (2002) segue a esteira das reflexões dos pesquisadores citados ao
enfatizar que, salvo algumas exceções, o aluno pertence a um estrato social iletrado, por
conseguinte a escola é o meio no qual terá oportunidade de travar conhecimento com o
padrão culto da língua. Por isso, o ponto de partida do ensino da língua materna poderia
ser o cotejo entre um dialeto e outro, de modo que o discente possa escolher a variedade
conveniente às situações comunicativas. Esta é a concepção de cidadania que insere o
falante numa sociedade democrática.
22
No mesmo rumo das teorias supracitadas, Mollica (2004) salienta que a
mobilidade social, o ajuste do aluno como cidadão é possível com a intervenção positiva
da escola. Uma das maneiras de instigar o aluno à aprendizagem da língua seria
demonstrar que a variabilidade lingüística encontra-se em todas as línguas naturais por
serem estas passíveis de mudança devido à evolução promovida pelo uso, evidenciando-
se, por exemplo, ao se fazer o cotejo entre a língua portuguesa hodierna e a língua usual
do século, intermediadas com obras do período.
Por isso, deve-se entender as letras-de-música como um processo de interação
social que retrata a variação lingüística do português do Brasil. É um gênero canção,
segundo terminologia de Costa (apud Dionísio, 2003) composta por duas linguagens: a
verbal e a musical, daí a sua característica intersemiótica, isto é, letra e melodia.
É essa dualidade comunicativa que propõe a sua inclusão como um gênero ideal
para uso escolar no estudo de variação lingüística. Pode-se dizer que as letras-de-música
constituem um território livre para romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e
semânticos traçados pela gramática normativa. Daí ser um dos espaços mais apropriados
para o ensino de variedades, denominadas dialetos sociais, de acordo com Preti (2000).
No âmbito do oral e do escrito, a letra-de-música constitui um objeto
privilegiado de ensino porque permite desenvolver no aluno a competência na língua
escrita e simultaneamente adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que em
algumas circunstâncias implica usar padrões mais próximos da escrita. Desta forma,
construir o conhecimento lingüístico significa ensinar o estudante a manusear textos
escritos variados, propiciando-lhe inserção na sociedade letrada que se expressa e
escreve na linguagem padrão.
Apresentadas as vantagens do gênero letras-de-música, não se pode desprezar a
sua importância como documento escrito em que é possível comprovar os estados e as
mudanças da língua, conforme declara Preti (2000) “a lingüística se serviu de
documentos escritos para reconstituir toda a língua falada de uma época”. Similar é a
função das letras-de-música como fonte de estudos sobre variação.
23
3. METODOLOGIA
Para demonstrar a variabilidade dos usos da língua em letras-de-música,
utilizou-se o método de análise com procedimentos indutivo e comparativo, isto é,
encaminhamento do aluno ao raciocínio lógico através da recorrência a fatos
gramaticais freqüentes nos textos musicais. Assim o discente apreende a dicotomia fala
e escrita, emergentes das letras-de-música que demonstram a funcionalidade da língua,
como recebe informações dos acontecimentos históricos, sociais e culturais da década
de 40 do século XX registrados em algumas letras-de-música desse período.
Fatos que provocaram mudanças no campo social, político e econômico no país,
por isso selecionou-se um corpus do período da década de 40. Na época vivia-se a
ditadura de Getúlio Vargas – 1930 a 1945 – e, cinco anos depois, em 1950, Getúlio
elege-se Presidente da República por força do voto popular, o que lhe proporciona
condições favoráveis para inúmeras realizações: a industrialização do país, a criação da
Petrobrás – no auge de uma campanha nacionalista –, e a legislação trabalhista que
ainda vigora. Uma fase tão marcante que ficou conhecida como a Era Vargas. É nesse
contexto de grandes transformações na sociedade brasileira que surgiram compositores
como Lupicínio Rodrigues, chamado o pai do samba-canção e da dor-de-cotovelo, e
Wilson Batista, cujas letras-de-música retratam a malandragem carioca.
Um exemplo é a letra-de-música Chico Brito, de Wilson Batista, em que narra a
história de um malandro:
Lá vem o Chico Brito/ Descendo o morro/ Na mão do Peçanha/
É mais um processo/ É mais uma façanha/ O Chico Brito fez do
baralho/ seu melhor esporte/ É valente no morro/ E dizem que
fuma uma erva do norte (...)
Além de servir de referência para uma época, as letras-de-música mostram usos
e pensamentos de distintos segmentos da sociedade. Sendo assim, pode-se ter uma visão
ao menos parcial dos indivíduos que percorreram determinado lugar, assim como as
línguas ou sublínguas de que se utilizaram. Dessa maneira, as atividades desenvolvidas
no primeiro momento geraram estímulo nos discentes por considerarem novidade a
24
abordagem da língua em perspectiva distinta do processo ensino-aprendizagem a que se
habituaram: exercícios gramaticais de sintaxe, com reconhecimento dos componentes de
sintagmas oracionais, morfologia e assim por diante, na maioria das vezes em
fragmentos ou mesmo em frases soltas.
Essa dissertação relata um projeto de trabalho que proporcionou aos alunos a visão
de aplicabilidade da gramática existente nas variações de uso, sem o automatismo
condicionante que embasa o ensino da língua materna. Por esse motivo, optou-se por
induzir o aluno ao conhecimento da língua de forma lógica, coerente e de natureza
analítica, com base na reflexão do idioma, possibilitando a produção de textos opinativos
sobre o estudo da língua e suas variedades em letras-de-música.
Dentro dessa perspectiva o aluno percebe as ocorrências semânticas – sentidos
implícitos e explícitos –, presentes nas letras-de-música, valendo-se dos conhecimentos
anteriores do aluno.
A proposição das atividades pautou-se nas ocorrências de palavras polissêmicas,
metafóricas, abstratas e metonímicas, de maneira a conduzir o aluno a perceber as
nuances de significação que os vocábulos carreiam. Leiam este texto (piada) de
Travaglia (1986) que traduz bem as palavras anteriores:
Uma criança que almoçava com seu pai na presença de
estranhos ao terminar seu almoço disse que estava muito cheia.
O pai interveio imediatamente e corrigiu-a afirmando que se
deveria dizer satisfeita e não cheia. Passado aquele momento,
já na rua, a mesma criança, ao ver um ônibus apinhado de
gente, virou para o pai: Olha como aquele ônibus está
satisfeito!
É notória a dificuldade do aluno quando se trata de perceber situações
comunicativas adequadas para algumas palavras e construções, devido ao caráter
polissêmico de inúmeras formas da língua. Por isso, há necessidade de uma abordagem
empírica dos recursos lingüísticos no estudo de letras-de-música, além do conhecimento
teórico de forma que comprometa o aluno para a imensa variedade de escolhas lexicais
com as quais se faça entender e ser entendido.
Para tanto, a prioridade na experimentação do estudo de letras-de-música nas
séries finais foi o plano fonológico, com embasamento em Simões (2005), uma vez que
é um aspecto da língua que deflagra outros processos, como o estilístico, o morfológico
e o semântico.
Optou-se por um caminho pedagógico de discussão e análise que não
descaracterizasse as letras-de-música com tarefas do tipo transcreva ou retire do texto
25
dois substantivos concretos, ou um sujeito simples e assim por diante. Isso porque a
meta é um modelo alternativo de ensino. Por isso, deu-se primazia à elaboração
redacional em primeira instância para, em seguida, desenvolver algumas questões que
orientassem a escrita do aluno.
Dessa forma, procurou-se possibilitar ao discente a oportunidade de treinar a
modalidade escrita da língua em que se aloja o obstáculo do ensino; além disso, ensinar
o aluno a perceber as diferenças entre as modalidades falada e escrita. Nesse ponto,
levar o estudante a observar que a escrita deve ser mais objetiva em prol da clareza e
concisão, para que se evitem as incongruências comuns nos textos discentes, resultantes
da falta de treino continuado.
Observem as palavras de Leandro Konder
3
sobre as diferenças entre a língua
oral e a escrita:
Todos nós, quando falamos, usamos mais palavras do que de fato
necessitaríamos. É uma característica da linguagem oral: na vida
quotidiana, a gente precisa de reiterações, de repetições, para
tentar garantir que o nosso interlocutor nos entenda. Além disso,
as condições em que nos expressamos exigem improvisos e a fala
improvisada hesita, recorre a acréscimos, ressalvas, correções,
coisas que contribuem, inevitavelmente para a superabundância
da expressão. Não há nada de errado nesse transbordamento de
palavras que se observa na linguagem oral. Contudo, ao
estabelecer uma relação mais íntima com a linguagem escrita,
muitas pessoas ficam fascinadas pela capacidade de síntese que
se manifesta na literatura, tanto na poesia como na prosa. A arte
nos permite dizer mais em menos palavras.
Não é somente nas artes que se pretende concisão, mas em qualquer texto na
modalidade escrita, porque conduz à clareza de modo que o receptor, isto é, qualquer
indivíduo que receba o texto, compreenda-o. O conhecimento das diferenças entre uma
modalidade e outra fará com que o aluno veja a língua materna de maneira diversa, com
menor dificuldade; também que perceba as letras-de-música como uma forma de arte,
portanto mais precisas, mais concisas, como escreveu o filósofo e jornalista.
Nesse trabalho experimental em sala de aula, procurou-se demonstrar que a
língua se concretiza nas variedades, tornando-a mais produtiva para o aluno, portanto
viva, próxima da realidade do sujeito-falante.
Desenvolver essa pesquisa tornou possível estimular no aluno a construção do
conhecimento de maneira consciente e participativa. As aulas abandonaram o tom
monocórdio e se transformaram em dialógicas, com o engajamento dos aprendizes na
3
Leandro Konder escreve no Jornal do Brasil aos domingos, 21/10/06
26
utilização de indagações, questionamentos sobre a língua e as variedades lingüísticas, a
respeito do certo e errado.
Para realizar os estudos de variação lingüística, utilizou-se o paradigma
epistemológico, isto é, sistematização, esclarecimento e avaliação de resultados, de
cunho quantitativo e qualitativo, método racional aplicado no contexto de sala de aula, a
fim de analisar os fenômenos de variação mais comuns, presentes na comunicação
diária do aluno.
Dessa maneira, cabe observar que as letras-de-música são representativas da
língua em uso, da diversidade que mantém o falante em permanente contato com o
mundo social. Por isso, expressões do tipo Que mais que tu quer, verso da música
Semba, reproduz a fala de certos segmentos da população brasileira, denominado
dialeto social popular, conforme denominação de Preti (2000). Observa-se o uso não-
padrão do pronome tu acompanhado de verbo na 3ª pessoa do singular; uma tendência
do falante procedente de classes sociais diversas, conforme demonstra Paredes Silva (in
Roncarati & Abraçado, 2003).
Com base nessas evidências, apontam-se no quadro a seguir as letras-de-música
selecionadas na ordem da variedade mais formal para a variedade mais informal, a partir
das composições da década de 40; opção também apoiada em critérios de gosto pessoal.
Tal escolha resultou no seguinte conjunto:
AUTOR
LUPICÍNIO
RODRIGUES
WILSON
BATISTA
CHICO
CESAR
ZECA
BALEIRO
NEI LOPES
Volta
Mãe
Solteira
A prosa Impúrpura
do Caicó
Skap
Debaixo do
meu chapéu
Felicidade
Emília
Alma não
tem co
r
Nega Tu Dá no
Couro
Exemplo
Mundo de
Zinco
Semba
LETRAS
Cadeira Vazia
Chico Brito
Na primeira fase do projeto em 2005, os alunos da 4ª série do curso Normal em
nível médio apresentaram um texto opinativo sobre as letras-de-música compostas por
Lupicínio Rodrigues e, outras, por Wilson Batista.
O trabalho abordou alguns mecanismos de estruturação e de compreensão de
textos, desconhecidos pelos alunos, para em seguida submeter as letras-de-música à
apreciação da turma, a fim de avaliar a própria aprendizagem no que diz respeito ao uso
27
da linguagem, mais formal em consonância com a funcionalidade da língua daquele
período.
No estágio seguinte (2006), o projeto prosseguiu com alunos da 2ª e 4ª séries,
respectivamente turmas 2002, 4001 e 4002 do curso mencionado.
Reuniram-se letras-de-música de períodos diferentes porque visava-se apontar
distintas visões de mundo e o uso mais formal da linguagem na década de 40, conforme
as classes dominantes aspiravam (cf. Callou & Leite, 2005); além das histórias narradas
ou descritas num tom, algumas vezes, passional. As composições de Lupicínio
Rodrigues, por exemplo, tratam da emoção, do amor-sofrimento, da boemia, fatos
cotidianos no universo de alguns segmentos da sociedade daquela época. Na atualidade,
algumas letras-de-música, embora contenham a temática similar à de Lupicínio
Rodrigues, apresentam um uso lingüístico mais próximo da oralidade, como se observa
em Nega, tu dá no couro, composição de Zeca Baleiro. Este, próximo da diversidade da
língua falada; aquele, próximo da padronização da língua escrita, característica do
período em que a letra-de-música foi composta.
Durante a realização das atividades, os alunos puderam apreciar as modificações
da língua em cada letra-de-música, além de verificarem os usos lingüísticos como
manifestações de um mesmo sistema denominado língua.
Para maior receptividade, permitiu-se que os alunos escolhessem duas letras-de-
música e ao final de cada proposta, expressassem as opiniões sobre as atividades.
O trabalho principiou em mostrar o processo de construção das competências
respectivas, como localização de informações implícitas em textos que conjugam a
linguagem verbal e a não-verbal, além da produção de textos simples e de resumos com
significação lógica.
28
CAPÍTULO I: LINGUAGENS EM AÇÃO
a) Linguagens em Curso
As palavras estão em toda parte por se constituírem fonte de maior amplitude da
comunicação humana. Inserem-se numa organização convencional e histórica
denominada língua, a qual permite as produções verbais em consonância com a
dimensão social do falante / produtor de um texto. Nessa perspectiva a linguagem é uma
prática que demanda diversas intenções de comunicação dos inúmeros grupamentos
sociais formadores de uma associação humana que por circunstâncias diversas
necessitam de uma vida em comum.
Coseriu (2004: 91) distingue a linguagem nos níveis universal, histórico e
individual. Universal porque é inseparável da natureza humana; significa que todo ser
humano tem na linguagem uma das características essenciais para a interação social.
Assim o nível histórico diz respeito à língua enquanto tradição cultural de uma nação;
o individual refere-se ao uso lingüístico de cada falante em conformidade com as suas
necessidades comunicativas. Tal comunicação realiza-se através da fala, por duas
razões: no começo funciona como um jogo de sons (os balbucios); posteriormente,
pouco a pouco, ao crescer, a criança percebe o valor utilitário da comunicação verbal
para integrar-se ao meio.
Desta forma, a linguagem é brincadeira por meio dos jogos sônicos que
permitem uma inesperada exploração aproximando palavras parônimas, uso de
ambigüidades, de trocadilhos, de rimas, de adivinhas, de trava-línguas, processos que
subvertem as estruturas da linguagem e agradam tanto à criança quanto ao falante
adulto. Vejam:
Quem cara paca compra, paca cara pagará.
Quem compra paca cara, pagará cara paca.
O que é, o que é,/ Está no meio do começo/ Está no começo do
meio/ Estando em ambos assim/ Está na ponta do fim?
Uni duni tê/ Salamê mingüê/ Um sorvete colorê/ O escolhido
foi você!
Com tais jogos de sons e de palavras a linguagem adquire um caráter lúdico,
fonte de comunicação e prazer para o falante de qualquer faixa etária. Uma ponte de
inter-relação social.
29
Assim sendo, a interação humana ocorre pela mediação da palavra – uma
adjunção de fonemas, de sons-tipo que o indivíduo utiliza com um estilo próprio. O
resultado dessa união é a Estilística – ciência da expressividade. Ela permite a emoção,
os efeitos da intuição e o poder de imaginação que as palavras sugerem, conforme
ensina Monteiro(2005: 16).
Prossegue o autor, esclarecendo que a comunicação humana se realiza, a
princípio, por meio da emoção, e não pela concepção intelectual. A linguagem seria
uma tentativa de expressar o sentimento, a sensibilidade, o processo afetivo, as
sensações. Por isso, a expressividade de uma língua, com as suas idiossincrasias,
multifaces, complexidades, peculiaridades individuais e coletivas tornam a Estilística
uma fonte de recursos que servem à comunicação do indivíduo com o seu semelhante.
Constata-se tal fato num trecho de O Profeta, de Gibran Khalil Gibran ( 1ª ed. 1923,
2005: 17, s/d). Observem:
Sou um viajante e um navegador, e todo dia descubro um novo
país em minha alma. Amigo, tu e eu seremos estranhos nesta
vida, estranhos um ao outro e a nós mesmos, até o dia em que
falares e eu te escutar. (...)
Efetivamente, parece que todo ser humano é um viajante à procura de um lugar
de refúgio, de outro indivíduo para interagir, e a Estilística vale-se dessa carga
emocional e afetiva porque manifesta o pensamento humano nos seus estados
emocionais.
Por outro lado, a linguagem é também um instrumento de ação, de poder, de
manipulação, de afirmação como ser social, de acordo com pensamento de Yaguello
(1997: 21), que implica movimentar intenções positivas ou negativas, numa tentativa de
exercer influências sobre o outro, seja de comportamento ou de opinião. Um político,
por exemplo, tem no ato da comunicação o objetivo de convencer o eleitor a fim de se
favorecer.
No campo da persuasão, a linguagem publicitária é a ideal, porque cultiva o
universo dos desejos do ser humano (cf. Carvalho, 2003, p.10). É a linguagem da
sedução, uma vez que induz o receptor a certos comportamentos e atitudes definidos
previamente pelo emissor do texto.
Para ilustrar a sedução da linguagem publicitária, transcreve-se uma construção
frasal veiculada na mídia escrita, com evidente intenção comercial, cuja finalidade seria
vender uma nova cerveja intitulada Mulata em homenagem ao dia dos pais: Pai que é
pai quer bombom de presente. Logo abaixo do sintagma oracional encontra-se a
30
fotografia da modelo Adriana Bombom, de postura corporal sensual, trazendo à
lembrança movimento de dança, na modalidade samba. O mote sensual encontra-se na
dualidade semântica da palavra bombom; em primeira instância evoca uma guloseima
de confeitaria, geralmente de chocolate, muito saborosa; nessa acepção constitui-se em
substantivo com função de objeto, de sentido denotativo. Por outro lado, a dançarina
possui a cor do chocolate, sendo assim, por semelhança e conotação, a personagem tem
sabor tão agradável quanto o do chocolate; nesse caso, a palavra bombom configura
metáfora, segundo teoria verificável em Garcia (2004:107). Além disso, a expressão
passou a ser um atributo, cognome, caracterizando os predicados físicos da modelo, daí
seu caráter antonomástico, uma variedade de metonímia, segundo Garcia (2004:121).
Observa-se ainda a analogia da oração Pai que é pai com o coloquialismo da
reiteração intencional a fim de enfatizar a idéia da importância de exercer as funções de
pai. Infere-se da mensagem publicitária que um bom pai ambiciona, cobiça bombom não
só o doce, mas também a dançarina, de pele acastanhada, popularmente denominada
mulata, tal qual a marca da cerveja. A mensagem de duplo sentido, ambígua, toca o
imaginário masculino, seduz, persuade.
É possível traduzir linguagem publicitária por linguagem metafórica,
metonímica, hiperbólica e assim por diante, porque via de regra, são os recursos de que
se vale a publicidade, revigorando palavras emprestando-lhes um novo revestimento.
Também no cotidiano inúmeras vezes o falante constrói seu discurso com a
linguagem da persuasão, em casa, no trabalho em qualquer instância que caracterize
interesse pessoal. Por isso, insere-se em linguagem de poder, a capacidade de produzir
adesão e de formar consensos. O linguajar de sala de aula, por exemplo, é uma tentativa
de persuadir o aluno por meio de uma série de palavras.
Tão sedutora quanto a linguagem publicitária é a linguagem das canções;
enquanto uma seduz por meio da persuasão, a outra provoca identificação do falante
pela temática, pelo som e pelo ritmo. Em primeira instância a linguagem do som
encanta, fato observável desde o bebê que brinca com o tom da própria voz reiteradas
vezes, maravilhado. E segue ao longo da vida, embevecido com o som: o canto dos
pássaros, os sons da natureza, as árvores cujas folhas o vento balança emitindo um som
peculiar, as ondas do mar, da mesma forma, veículos em movimento produzem ruídos
distintos. Na verdade o som permeia a humanidade para o bem e para o mal. Para o
primeiro, pode-se pensar o sonoro OM esotérico o qual evoca sensações de bem-estar e
31
inconsciência (conforme vivência própria) com a finalidade de conectar com a
divindade em que se acredita.
Por outro lado, cantar é um som mágico, encantatório para o homem desde o
início da civilização. Os trovadores na Idade Média percorriam os castelos levando a
sua música, contando as histórias de príncipes, princesas raptadas, cavaleiros andantes,
dragões e heróis dos mais variados matizes.
Mais tarde descobriu-se que, com a união de vários sons, obtém-se um conjunto
acústico cuja sonoridade transporta a mente humana ao paraíso, emociona o som das
orquestras. Estas, os nobres mantinham-nas em seus palácios a fim de divertirem a corte
no momento que assim desejassem, haja vista os filmes de época que retratam esse
costume (cf. Ivanhoé, por exemplo).
Transcorre o tempo e com ele o homem aprimora a sua maneira de ouvir sons.
Ele aprisiona os cânticos, os sons em caixas propagadoras de ondas sonoras de modo a
atender o prazer de ouvir sons agradáveis. Estes, aduzidos a fonemas articulados geram
letras-de-música, linguagem das canções.
É a linguagem que comunica por intermédio do timbre, altura, duração,
intensidade, além de produzir distinção sígnica pela comutação de fonemas. Um
exemplo encontra-se na construção Sua fala me consome, a consoante fricativa, surda,
dental /f/ transmutada em consoante oclusiva, sonora, labial /b/, obtém-se um outro
texto: Sua bala me consome. O verbo consumir nas estruturas citadas significa destruir;
porém na primeira, a fala aniquila o psiquismo, a alma; já na segunda, a destruição é no
físico. Houve, então, modificação semântica, o que denota a importância dos sons para a
compreensão lingüística.
A linguagem das canções se molda perfeitamente à exteriorização das emoções e
ao poder de sugerir sentimentos por meio dos temas, ora melancólicos, ora alegres,
enfim o processo emocional imanente em todo ser humano. Expressa afetos e desafetos,
traições, desencontros... Mas também entoa alegrias, folguedos, manifestações
religiosas, celebra-se a vida. Observem o tema da canção Volta, de Lupicínio
Rodrigues:
Quantas noites não durmo/ A rolar-me na cama/ A sentir tanta
coisa/ Que a gente não sabe explicar/ Quando ama/ O calor das
cobertas não me aquece direito/ Não há nada no mundo/ Que
possa custar esse frio no meu peito/ Volta, vem viver outra vez
ao meu lado (...)
Outra é Exemplo, do mesmo autor:
32
Deixa o sereno da noite/ Molhar teus cabelos/ Que eu quero
enxugar, amor/ Vou buscá-la para a fonte/ Lavar os teus pés/ É
assim que começam os romances/ E assim começamos nós dois
(...)
Como se verifica a linguagem das canções traz à baila temas da dor do amor não
correspondido, universal porque se insere no aspecto triste e solitário da alma humana
quando se trata do sofrimento amoroso. Porém as canções não exprimem
exclusivamente amores desfeitos, também expressam alegria, conforme demonstra a
composição de Donato Alves, Essas emoções:
Não importa a noite/ de qualquer maneira nós vamos brincar/
preparem seus corações/ para essas emoções/que trago de axixá/
o importante é que eu cheguei agora/ alegre como sempre feliz
a cantar/ canta comigo amor/ dança comigo amor/ balanceia
meu cordão/ eu sei que você vai gostar/ eu quero ver o vento
louco/ teus cabelos balançar.
Dentre as linguagens sedutoras e persuasivas, não se pode passar ao largo da
linguagem dos meios de comunicação – cinema, rádio, tevê, com maiores possibilidades
de atingir o pensamento, os sentimentos, as idéias de um indivíduo por mostrar um
mundo de sonhos, via de regra, ambicionado pela maioria das pessoas. A linguagem
televisiva é a mais acessível na vida dos cidadãos porque atinge quase a totalidade da
população, com um poder de sedução tão grande que pode decidir eleições, induzindo o
voto popular para este ou aquele candidato. Ou ainda lançar modismos, seja no
vestuário ou num corte capilar.
É o poder de criar, de destruir, de transformar que a palavra por meio da
linguagem televisiva desfruta. Assim, a escola deve utilizar estes recursos midiáticos
para também persuadir o estudante da importância de saber jogar com a linguagem de
modo a ter competência para interagir, estabelecendo relações de acordo com as
situações comunicativas que regem a convivência entre as pessoas.
No mundo hodierno manifestam-se linguagens oriundas das necessidades
específicas do homem de comunicar-se na medida que o mundo sofre transformações
nos saberes, conforme é o caso do aparecimento da tecnologia que demanda o sistema
da linguagem artificial, segundo Gurgel (in Carneiro, 1999) usual para computadores,
da mesma forma ocorre a linguagem de economistas, de advogados, de jornalistas e
assim por diante. Simões (2002:140) define linguagem como repositório das ciências,
uma vez que as organiza em determinados compartimentos do saber.
33
b) Linguagem na Escola
Todo ser humano é capaz de articular sons, fonemas e transformá-los em
palavras. A linguagem é uma necessidade humana, a dimensão dos caminhos do
pensamento; o homem utiliza a linguagem para comunicar suas idéias e pensamentos.
Vários estudiosos conceituaram a linguagem como objeto filosófico, científico e
histórico; preferimos focá-la na sua praticidade, no que se refere ao pensamento e às
nuances deste, no processo de construção do saber do discente e de uma sociedade.
Com o enfoque de que a linguagem humana representa o pensamento e o mundo
real, e em primeira instância a criança produz as suas ações comunicativas interpretando
a realidade sob vários aspectos sem quaisquer obstáculos discursivos, por que ao
ingressar na escola essa faculdade cognitiva decresce?
Para responder a esta pergunta faz-se necessário retroceder no tempo e evocar os
primeiros anos do século XX em que o Brasil abandona as suas características rurais
quando tem início a industrialização e o êxodo rural dá os primeiros passos. Fato que
gera profundas modificações na sociedade brasileira e atinge a escola de modo decisivo,
alterando-a sucessivamente de acordo com as demandas políticas e sociais das
diferentes épocas.
A partir desse período em nome da democratização da escola que passa a receber
em seus quadros a classe proletária, sucessivas reformas são implantadas. Segundo
Zilberman (in Travaglia, 1986:4), tais projetos acrescentam idéias novas a um sistema
antiquado, conseqüentemente não lograram êxito. Assim ocorreu com o ensino
profissionalizante da década de 70 com o intuito de prover mão-de-obra para as
indústrias em expansão.
Modificações que atingem de forma contundente o ensino de língua portuguesa
cuja nomenclatura altera-se para Comunicação e Expressão, promovendo um conteúdo
qualitativo deficiente. A deficiência começa pelo segundo termo, que salvo melhor juízo
já se encontra embutido na palavra Comunicação. Essa reforma estabeleceu outra
divisão no ensino de língua com as matérias de Redação e Expressão, de Técnicas de
Redação, dificultando o processo de transmissão da língua nacional.
Outro fato a ser considerado no enfoque da linguagem como atividade de uso
pelo falante e não-aprendida na escola é a ausência de leitura ou a formação de leitores
que permanecem na superfície do texto; tentam imaginar o pensamento do autor no
34
momento da produção do texto, e o que o escrito evoca, portanto afastados da
compreensão e da interpretação de sentido que os vários textos proporcionam.
Para não ignorar esta realidade é preciso o encadeamento da aprendizagem com
a proficiência da linguagem, assim não se pode olvidar a leitura; para isso trazemos à
baila Freire (1979:30) que toma como postulado o axioma de que a leitura de mundo
antecede a leitura da palavra. Primeiro, lê-se o mundo familiar e circundante; por isso a
criança pequena, ainda não-escolarizada, cartazes, identifica logomarcas, letreiros,
imagens variegadas; mais tarde, alfabetizada, descobre o mundo das letras. Dessa
forma, os dois mundos permitem a continuidade da leitura das mensagens no entorno do
indivíduo. Igualmente Lajolo (2005:8) endossa tal pensamento. Considera leitura de
mundo e leitura de livros, imbricados, não há propriamente fronteiras entre eles, são
leituras entrelaçadas.
A porta de entrada para a aprendizagem da leitura, em princípio, é a escola, o seu
espaço por excelência, contudo, não o único, uma vez que várias são as leituras que se
pode inferir do meio social. Isto implica na diversidade de mensagens veiculadas no
cotidiano do indivíduo, inclusas as linguagens não-escritas como gestos, expressões
fisionômicas, olhares – irônicos, severos, aprovadores ou não – e assim por diante. Eis
aí um paradoxo, sendo a escola o local próprio para se ensinar a leitura, a espinha dorsal
da escola.
No processo da leitura, precisa-se avaliar o grau de compreensão do discente, se
leitor-iniciante o entendimento de leitura ocorre por meio de palavras, se leitor-adulto a
percepção se faz no texto como um todo, inclusa a proficiência de autocorreção. São
fatores preponderantes na aquisição do gosto pela leitura, a dificuldade que um texto
pode apresentar, se de teor desconhecido em que o leitor deve construir novas
inferências, ou o nível de complexidade apresentado.
Saber que estilo de leitura o leitor-estudante prefere, deve ser procedimento
cognitivo do professor, que precisa ter a visão do coletivo, captar o todo, perceber de
que maneira a classe lê: se revela a preferência por adivinhação ao invés de uma leitura
objetiva, informativa ou se manifesta a preferência por circunscrever-se ao texto, de
modo a se alcançar a eficácia no ato de ler.
A ineficiência da leitura intervém em todos os setores do conhecimento porque
repercute na manifestação oral e escrita do estudante, interfere na organização formal do
seu raciocínio. O ato de ler caracteriza uma relação com a realidade da mesma forma
que a linguagem.
35
A crise do ensino de língua materna vem de longa data, Antônio Houaiss (1983:
54) já detectava a complexidade do ensino do português do Brasil e a realidade social.
Diz ele que o início do caos foi a partir de 1920 e determina as causas da confusão que
se instalou, uma delas a utilização pelos escritores de temas e situações sociais
variadas e, por isso mesmo, linguageiras, e a intensificação da democratização com
massificação do ensino.
São essas algumas das razões sociopolíticas que podem, em parte, justificar as
ações escolares insatisfatórias no que se refere à linguagem. A massificação gerou uma
classe de professores descaracterizada como formadores de opinião e postos na
condição de assalariados com todas as mazelas que tal fato pode acarretar. Significa que
o profissional do magistério de forma progressiva deixou de ser produtor de
conhecimentos para ser um receptor de ensino institucionalizado, com legislação e
programas a cumprir nem sempre condizentes com a realidade do cotidiano do aprendiz.
Para ilustrar, vejamos o que diz a respeito, Antônio Houaiss (1983: 57):
A linguagem oficial é a linguagem do Estado e seus prepostos,
ou, por extensão, dos aparelhos e instituições que, com vida
própria, se põem a serviço de certas verdades ou “verdades”,
religiosas, éticas, assistenciais, e a de seus servidores.
Vê-se, então, que o Estado procura estatizar a linguagem, universalizá-la por
meio da coerção e verdades à margem da linguagem natural, corriqueira, habitual na
sociedade. Diz-se coerção porque as reformas são todas por decretos, resoluções, sem
que o professor analise, interfira e contribua com a experiência adquirida na prática
pedagógica diária.
Outras causas marcaram a crise do ensino da língua materna, além das
legislações equivocadas sobre democratização do ensino, da proletarização do
professor, das mudanças de nomenclatura e da influência dos meios de comunicação de
massa.
Num mundo em crise, a escola sofre as turbulências sociais que, por sua vez,
afetam a linguagem, reflexo da sociedade e da interação social. A educação não é mais
o espaço segregacionista de outrora. O estudante de hoje compartilha dos
acontecimentos por meio da mídia; um fato que ocorre em outro extremo do mundo,
quase no instante de sua realização é visto simultaneamente nos mais diversos países; o
mundo atual materializa a velha expressão aldeia global.
Em décadas anteriores, os fatos chegavam lentamente, sem pressa, havia tempo
para digeri-los, selecioná-los, analisá-los e preparar o jovem para um julgamento
36
independente, formando uma opinião crítica. Hoje se presencia uma guerra, no
momento exato do ocorrido. Abalos e escândalos políticos, corrupção desenfreada,
violência de todos os matizes e formas são noticiadas numa constância assustadora.
Injustiças sociais são perpetradas por autoridades que deveriam cuidar do bem-estar das
populações. Um quadro de conceitos e de falta de conceitos que sem dúvida desorienta
toda uma geração.
Num mundo com valores em decadência, conflituoso, a escola é o local ideal
para mostrar que é por meio da língua e do pensamento, que o conhecimento e a
avaliação humana se concretizam, levando o estudante a julgar atos, fatos e opinar sobre
os acontecimentos, a despeito do que os meios de comunicação postulam.
Aprender a opinar implica expressar-se também na língua escrita, uma vez que a
língua é um todo, não há fato lingüístico isolado. Escrever, ler, falar e ouvir constituem
ações entretecidas. Com o domínio da escrita – que propicia a leitura – o aluno torna-se
apto a pensar, a compreender, a observar, a vencer barreiras na busca de novo
vocabulário a fim de comunicar-se com maior clareza.
A função primordial da escola é instrumentar o aprendiz para a escrita e a leitura
franqueando-lhe uma vida social mais produtiva e participativa, de acesso a um mundo
de amplitude cultural. Se assim não acontecer, a instituição escola malogra em sua
função, aparta-se da sua razão de existir.
Não é mais possível ensinar a língua materna, ignorando a realidade por meio de
atividades ou de leituras que mascaram a ineficiência no que concerne à aprendizagem
da leitura e da escrita; sem apetrechar o aluno para redigir um relatório ou compreender
instruções escritas, como circulares, no trabalho que eleger, por exemplo; porém, o que
se percebe é uma população de estudantes com um escasso repertório lingüístico, por
conseguinte, parco de leitura, compreensão e produção de textos, segundo Simões
(2001:33). Tais considerações comprovam a chamada decadência do ensino de língua,
a despeito das inúmeras metodologias, teorias e teses que tentam promover a melhoria
do rendimento escolar.
37
CAPÍTULO II: VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA
a) Língua: Ferramenta Plural
A língua é um sistema mutável e dinâmico. É uma forma de realizar a
comunicação humana, a mais completa. De acordo com a necessidade comunicativa, ela
se desdobra em várias sublínguas.
Conforme as conveniências sociais e culturais, a inteligência popular resolve as
dificuldades da língua por meio da variabilidade lingüística. Assim, por intermédio dos
elementos sonoros da camada fônica, faz-se a reconstituição da língua em
desdobramentos conforme o falante dispõe e necessita para relacionar-se com o outro.
Em Cunha e Cintra (2001:03) encontra-se o conceito de que:
a língua é um instrumento de comunicação social, maleável e
diversificado em todos os seus aspectos, meio de expressão de
indivíduos que vivem em sociedades (também diversificadas
social, cultural e geograficamente). Ou seja, a língua é um
diassistema – um conjunto de sistemas e subsistemas, o que
constitui a variedade lingüística.
Nessa concepção, entende-se que variação é inerente ao sistema lingüístico e de
competência do falante. A língua é coletiva, o seu uso como ato de comunicação difere
de indivíduo para indivíduo, e cada ato de fala de um mesmo falante será distinto dos
demais. Em decorrência, a distinção lingüística é parte integrante do sistema,
manifestando-se nos níveis fonético, morfológico, sintático, semântico e ortográfico.
No plano fonológico há distinções como na consoante lateral /l/ que se realiza
como semivogal /w/ na fala carioca, (cf. Simões, 2005:37) por exemplo, o substantivo
mal confundível com o adjetivo mau, devido à variação prosódica.
No plano sintático é comum em numeroso grupo de falantes, conforme atesta
Paredes Silva (in Roncarati & Abraçado, 2003:160), o uso do pronome tu de segunda
pessoa do singular, constante em todas as gramáticas, sujeito pronominal, acompanhado
por verbo de terceira pessoa do singular, enquanto a forma você funciona como
pronome de segunda pessoa do singular.
Dentre as variantes lingüísticas que entremeiam os grupos sociais, a de maior
prestígio é a formal culta, modelo usual dos estratos sociais, cultural e economicamente
38
privilegiados, modalidade lingüística de maior valor social e mais freqüente nesses
grupos.
Nessa linha enveredam os meios de comunicação, como jornais, revistas, letras-
de-música que circulam nos diferentes grupos sociais. Em nome da diversidade
lingüística e cultural ocorrem modismos lingüísticos que, algumas vezes, transformam-
se em alvo de críticas, como na crônica intitulada Língua, de Arthur Dapieve, no jornal
O Globo, (1º/04/05) que aqui vai transcrita fragmentada, a título de ilustração,
observem:
Por viver de palavras, qual o Joaquim
4
, mantenho o meu melhor
ouvido (...) voltado para o que as pessoas falam. Não para
aquilo que os políticos e gramáticos gostariam que elas
falassem: para o que de fato elas falam. Assim, parafraseando o
romano Terêncio, nada do que é palavra me é estranho. Já
mencionei a descoberta, graças às extraterrestres disfarçadas de
adolescentes daqui de casa, de expressões da riqueza metafísica
de uma “muito sem noção”. (...) Até por isso vinha me
incomodando o exagero no uso do “então”. Não “então, o que
acontece”, que não captei: “então”,em carreira solo, onipresente
nos inícios de frase.(...) Longe de mim buscar culpados pela
nova muleta oral. No entanto, a bem da verdade, “então” quase
sempre chega-me ao ouvido com sotaque paulista. Em nove
entre dez casos, aliás, “então” arrasta um ataque de gerundismo
( já vou estar explicando o que é isso...pronto, expliquei),
contribuição anglicista do telemarketing de São Paulo. (...) Por
muitos anos, os paulistas tiveram de aturar o falar carioca. É a
hora de sua forra.
No trecho em pauta, vê-se de maneira inequívoca a opção pela linguagem
formal. Por outro lado, comprova-se a existência dos falares sociais na afirmação de que
o articulista está atento aos textos orais, uma vez que por contingências da profissão,
dirige um olhar mais atento à linguagem usual do falante, referendando ou criticando
tal registro, o que caracteriza uma das funções de um jornal: interagir com a sociedade.
Verifica-se que o jornalista faz uma apreciação desfavorável aos usos da
linguagem, ao excesso de marcas da oralidade que os jovens utilizam – então que
acontece. Preti (2004:99) diz que jornalistas costumam realizar coletas de variantes
lingüísticas restritas a determinados grupos contribuindo para a difusão de grupos
jovens ligados à música e à dança popular, às diversões da vida noturna, aos pontos de
encontro nos shoppings e assim por diante.
4
Joaquim Pereira dos Santos – Colunista do Jornal O Globo
39
Na matéria em questão, observa-se que o autor critica a variedade lingüística das
jovens de sua convivência aos quais se refere como extraterrestres disfarçadas de
adolescentes, julgando-as deficientes na linguagem.
Dentro da diversidade dos usos lingüísticos, o autor faz considerações a respeito
da linguagem regional, chamada por Coseriu (2004:114) de sintópica, ao levantar a
questão do falar paulista reputado de menor prestígio social se confrontado com o
dialeto carioca. Manifestações da fala regional e urbana, ocorrências que obedecem às
necessidades do falante, do grupo e da situação do momento.
Detecta-se também no texto o comentário depreciativo ao gerundismo,
expressão que recebeu críticas à exaustão que está se tornando comum na linguagem
oral urbana, mas que foge ao que se denomina variedade. Seria um modismo, talvez.
Um típico caso de influência lingüística de um meio de comunicação (telemarketing)
sobre um determinado grupamento social.
Revela-se no texto jornalístico uma variante muito em voga nos últimos anos, a
linguagem politicamente correta que se poderia denominar dialeto sócio, político e
técnico (cf. Preti, 2000: 28). Essa opção lingüística gerou polêmica no início do mês de
maio de 2005, divulgada a Cartilha do Politicamente Correto, editada pela Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Um erro crasso. Não se
modifica uma língua oral por meio de decretos ou de quaisquer leis, uma vez que a
transformação lingüística é produzida pelos falantes.
A dita cartilha causou indignação em escritores, jornalistas, lingüistas, porque
sabem eles ser impossível regulamentar uma língua falada.
Expressões como negro de alma branca ou agora me deu um branco, e outras
que contenham teor discriminatório estão banidas pelo governo federal. Ironicamente, o
escritor João Ubaldo Ribeiro escreveu em sua coluna semanal (Jornal O Globo,
08/05/2005) que todo brasileiro deve evitar proferir palavras ou expressões não
constantes do Vocabulário Petista da Língua Portuguesa falada no Brasil. É de fato
hilária a pretensão do governo em legislar a linguagem.
Simões (2004:99), ao citar Amadeu Amaral, cuja teoria é de que documentos
vernáculos dos fins dos séculos XV e XVI apresentam profunda semelhança com a
linguagem dos nossos roceiros e com a linguagem tradicional dos paulistas de boa
família, que não é senão o mesmo dialeto um pouco mais polido, estaria incorrendo em
falha inaceitável por meio do uso da palavra roceiro, proscrita pela Cartilha; e ainda a
referência aos paulistas de boa família. Questionar-se-ia o sentido da expressão, o
40
preconceito subjacente, a razão da escolha da teoria... Configurariam elementos
ofensivos aos habitantes menos privilegiados.
Nesse caminho lingüístico do politicamente correto ou não, evidencia-se
também o contexto situacional (social e cultural), uma vez que exerce influência tanto
na produção quanto na interpretação do discurso. Isto é, algumas práticas linguageiras,
em dadas situações com determinados falantes, poderão ser vistas como preconceituosas
ou não; a opção pertence ao nativo falante, mediante as regras implícitas de
comunicação de cada grupamento social.
Assim, expressões populares como minha patroa, meu nego, minha neguinha
serão aceitas num certo grupo e não-aceitas em outro.
No mesmo itinerário e exemplo de linguagem informal culta, e que ilustra a
famigerada Cartilha é a composição de Chico César, intitulada Alma não tem cor:
Alma não tem cor/ Por que eu sou branco?/ Alma não tem cor/
Por que eu sou negro?/ Branco, branquinho, neguinho/ branco,
negão/ percebam que a alma não tem cor/ ela é colorida/ ela é
multicolor/ azul e amarelo/ verde, verdinho/ marrom.
Esta letra questiona e simplifica a diferença racial com a proposição da
mestiçagem, e ainda no campo metafísico e filosófico afirma que o indivíduo é alma e
não corpo, por isso a irrelevância do preconceito.
Assim, a língua com suas variantes permite as produções verbais em
consonância com a dimensão social do falante-produtor de um texto. Nessa perspectiva
a linguagem é uma prática que demanda diversas intenções de comunicação dos
inúmeros grupamentos sociais formadores de uma associação humana que por
circunstâncias necessitam de convivência.
Ponto de vista que Charaudeau & Maingueneau (2004:397) ratificam ao
afirmarem que a linguagem faz parte do conjunto de práticas sociais, sejam elas
práticas de produção, de transformação ou de reprodução. Infere-se de tal conceito a
capacidade do indivíduo de (re)criar formas já existentes na língua, mas que se adaptem
às finalidades de inter-relação e intercomunicação do usuário. Assim ocorrem as
práticas linguageiras, as variantes nos mais diversos aspectos da linguagem:
fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e lexicais, dependentes da situação
comunicativa, social e cultural do falante.
Coseriu (1980:110) aponta diferenças sintópicas, sintrásticas e sinfásicas no uso
de uma língua histórica. São os subsistemas – as variedades, língua funcional, que se
concretizam nos discursos dos indivíduos em diferentes realizações: espaciais, sociais e
41
individuais. Assim o falar de cada membro dos inúmeros grupos sociais, caracteriza o
indivíduo na sua na sua escolaridade, profissão, faixa etária, sexo, cultura, meio social e
assim por diante.
No campo dos sons, Simões (2005:15) analisa de forma minuciosa as variantes
fonológicas, como o apagamento do /s/ indicador de plural na pronúncia de alguns
grupos de falantes; além de descrever as diferentes prosódias, explicáveis através dos
metaplasmos, conforme esclarece com a palavra mulher com a vocalização da
consoante lateral palatal passando à pronúncia muié (cf. Simões, 2005: 75). Tais
variantes são estigmatizadas uma vez que fogem ao padrão determinado pela sociedade
letrada.
A variação morfossintática ocorre com maior freqüência por semelhança: alguns
indivíduos conjugam verbos irregulares como regulares, por exemplo, vareia
substituindo varia – uso que se popularizou na expressão Aí vareia, de um conhecido
humorista da tevê. Igualmente ocorre variedade no uso da regência: eu lhe vi em
substituição a eu o vi, comum no falante médio do Brasil. Tais variantes são as não-
padrão, estigmatizadas ou neutras, instrumentos de intercomunicação mais freqüente
em grande parte da população brasileira.
Assim, os usos lingüísticos vão identificar o falante e seus respectivos grupos
sociais. Por isso, as escolhas de vocabulário para revesti-lo de um novo sentido podem
funcionar como diferenciador de grupos. Sejam grupos profissionais, grupos juvenis ou
grupos de rua. Para corroborar essa reflexão, trazemos à tela Chiavegatto (1999:52):
o uso de gírias específicas em cada grupo funciona como símbolo de coesão grupal e,
conseqüentemente, de exclusão dos que a elas não têm acesso.
Para exemplificar as variedades lingüísticas cujo produtor-falante encontra-se
em situação de espaço escolar, transcrevemos alguns enunciados usuais característicos
do universo desses sujeitos falantes. Variedades comuns no português do Brasil,
populares, reiteradas no cotidiano do aluno. Vejam alguns processos comunicativos
distensos, pinçados de modo aleatório:
_ E aí, vacilão tu fugiu da aula e deu a mor bandêra! Qualé mermão?
A variação observada nesse trecho ocorre no nível sintático, as relações entre o
sujeito pronome e o verbo, na concordância: tu (2ª pessoa do singular) refere-se ao
verbo de 3ª pessoa do singular (fugiu). Essa ocorrência do pronome tu realiza-se igual
ao pronome você (tu/você foge), constatação de Sherre (2005:120).
42
Mattos e Silva (2004:99), ao cuidar do mesmo assunto, lista algumas variações
pronominais e os respectivos sistemas verbais que se concretizam de várias maneiras: eu
fujo/ você, ele, a gente, eles foge; eu fujo/ você, ele, a gente foge, eles fogem.
Em vacilão ocorre uma adjunção do deverbal vacilo + ão cujo significado é
desvio de conduta, erro, engano (intencional ou não). Acompanhado de aumentativo,
constitui um neologismo e gíria para designar o indivíduo que não cumpre com seus
deveres.
Com a expressão mor bandêra, a ocorrência é fonológica. Realiza-se um
metaplasmo por subtração (apócope), e na segunda há uma comutação do ditongo [ow]
em monotongo, processo usual nas variantes diastráticas.
Quanto ao sintagma interrogativo Qualé mermão trata-se de outra ocorrência
fonológica, prosódica; a consoante [l] funciona como alveolar, através da adjunção do
pronome qual ao sintagma verbal é, gerando um processo morfológico, assemelhando-
se a uma nova palavra na língua. A segunda ocorrência observa-se uma junção entre os
segmentos meu + irmão pela supressão de fonemas vocálicos, (cf. Simões, 2005: 75) o
fenômeno da apócope, um metaplasmo.
_Os pessoal já saíram.
_O pessoal já saíram.
_A gente saímos.
Nessas estruturas encontram-se a heterogeneidade do português brasileiro com
freqüência de uso e regularidade, conforme demonstra Votre (in Mollica, 2004: 52).
Nesse contexto, o sintagma nominal pessoal carreia em seu bojo a idéia de plural, assim
realiza-se a concordância ideológica, o falante descura-se da forma singular de que a
palavra é possuidora. Fato análogo acontece com a locução a gente que se afigura
plural, permutável com o sintagma pronominal nós.
_Eu tô falano com você.
O uso da corruptela em substituição ao sintagma verbal estou constitui-se em
metaplasmo por subtração – aférese, variedade muito popular no português do Brasil.
Ocorre mutação fonêmica também em falano, embora o fenômeno seja outro,
assimilação nas formas de gerúndio por terem os fonemas dentais [n] e [d] pronúncia
em igual zona de articulação (cf. Simões, 2005:76).
A funcionalidade da língua e os processos lingüísticos de uso do falante,
correlacionam-se ao mundo contemporâneo, de renovação contínua que atinge todas as
classes sociais; os modismos lingüísticos se enquadram nessa transformação rápida e
43
incessante. Observem a irreverência dessas variedades, identidades do universo
masculino:
_ Tu puxa o renavam da mulhé e tá cheio de multa.
Verifica-se a variação sintática na concordância quanto ao emprego do sintagma
pronominal tu + verbo na 3ª pessoa morfológica, além da apócope do arquifonema
consonantal vibrante [r] nos vocábulos puxar e mulher. O uso da corruptela
configura aférese, metaplasmo por subtração. No que concerne ao sentido, entende-se
que a vida pregressa de um personagem feminino é repleta de percalços morais.
_ Vou dar um perdido.
Entende-se essa variante como gíria, tendo como fulcro gerador o telefone
celular. Uma ligação não é atendida e no visor do aparelho torna-se visível a palavra
perdido. De igual forma quando não se pretende comparecer a um compromisso, usa-se
tal expressão.
_ Viver com uma valsa no ouvido.
Variante popular, a gíria, (cf. Preti, 2005: 102) um dos recursos lingüísticos mais
adequados para transmitir sentimentos pessoais ou sinalizar atitudes grupais.É o caso da
construção transcrita; refere-se a indivíduos dramáticos, depressivos, melancólicos,
lastimosos, tomando-se o mote da construção frasal, a palavra valsa, gênero musical
lento, evocatório de drama.
São notáveis as variedades lingüísticas porque demonstram a evolução da língua
e a criatividade do falante nas inovações e nas reutilizações das palavras (cf. Simões,
2005:78) revitalizando a língua.
b) A Língua de Todos
A língua é vista como um sistema organizacional onde se insere a norma culta e
outras variedades lingüísticas. Segundo Coseriu (1980:123) a norma encerra fatos
lingüísticos concretizados, já o sistema encerra fatos ainda não realizados, mas
possíveis. Um exemplo é o processo de produção lexical, geradora da derivação sufixal,
um dos mais profícuos do sistema lingüístico.
A mídia impressa, não raras vezes, traz à tona esse tipo de produção com sufixo.
Assim o nome do atacante francês Zidane inspirou Ancelmo Góis, colunista do jornal
O Globo (julho/2006) ao criticar os bancos que por meio da publicidade nos meios de
comunicação antecipavam a vitória da seleção brasileira: O resultado foi uma zidaneada
44
desastrada. O sufixo –ada estabelece o sentido da ação, procedimento à maneira do
jogador Zidane , porém um movimento desastrado porque o Brasil perdeu a competição
para a França.
Essa matéria jornalística demonstra a funcionalidade da norma por meio da
formação de palavras que pertence ao sistema da língua à disposição do falante de
acordo com suas necessidades comunicativas.
Segundo Preti (2000:48) a norma contribui para a uniformidade de modo que a
língua seja comum a qualquer falante. Mas tal uso liga-se à condição social do usuário,
aos estratos sociais, por isso a variação diastrática, por espaço geográfico, a diatopia,
por espaço de tempo, a diacronia, a língua funcional de que trata Coseriu (1980:111)
nessa concepção uma língua usual de todos os falantes.
Em outra concepção, entende-se norma como um preceito do bom uso da língua
e, que alguns falantes sabem e outros, não; assim é a modalidade padrão, estabelecida
como desejável para os usuários da língua. Trata-se do bom uso da língua, da
modalidade de prestígio, considerada ideal não só pela sociedade como também pela
escola, transformada em guardiã da norma valorizada.
Esse bom uso liga-se ao aspecto social, uma vez que possibilita ascensão para
estratos mais elevados na escala socioeconômica, segundo o conceito subjacente nas
comunidades lingüísticas. Por isso, a língua culta ou padrão, ou ainda, norma padrão
torna-se para o falante um caminho para uma comunicação eficiente e um modo de
ocupar um lugar na sociedade.
A expressão norma padrão conduz ao sentido de padronização – reduzido a um
só tipo; é possível, então, pressupor que é uma variedade que segue um modelo
preestabelecido no qual todos devem aceitar, sob pena de incorrerem erro,
modernamente, em inadequação.
Assim sendo, os fatos lingüísticos prescritos na gramática normativa integram o
uso da norma culta. Tal prática deve pautar-se na leitura e compreensão de textos que
se expressam nessa modalidade, (cf. Preti, 2000:31) e no emprego da flexão de número
e pessoa em todos os casos, ao contrário do dialeto popular em que algumas pessoas
morfológicas não têm flexão. Também determina a língua padrão, que a regência do
verbo aspirar na acepção de sorver, respirar é transitivo direto, portanto não possui
preposição, ou que o verbo permanece no singular em orações como Precisa-se de
namorados e assim por diante.
45
Em contraponto, em uso não-padrão, troca-se detiver por deter, entreter-se por
enterter, supuser por supor; ignora-se a irregularidade dessas flexões verbais que
acompanham os verbos derivados de ter, pôr e vir.
Como se pode observar, o uso da norma padrão requer conhecimentos
gramaticais, prescritivos. Neste momento é que a escola desempenha a sua função de
mantenedora e difusora avançada da língua padrão.
A escola, então, constitui-se a base de sustentação da padronização, mormente
na língua escrita, uma vez que se entende a transgressão mais tolerável na modalidade
oral. Talvez esta discrepância deva-se ao fato de que numa situação interlocutiva as
marcas de transgressão lingüística sejam menos evidentes.
Já na língua escrita, as evidências não oferecem dúvida, estão patentes, seja na
concordância ou na regência, seja na flexão; fatos lingüísticos que terminam por
subverter a compreensão do que se pretende comunicar. É inegável que a língua escrita
requer padronização, essencial para o entendimento de qualquer mensagem.
Em decorrência de ser a detentora da preservação da forma de prestígio, a escola
carrega a pecha de perpetuar as diferenças sociais e estigmatizar as variedades
lingüísticas populares, privilegiando a norma padrão; porém, se assim não for, como
promover o crescimento social?
Simões (cf. 2001:7) afirma que a padronização é um mal necessário porque
enfraquece as estigmatizações lingüísticas, quanto mais o aprendiz apropriar-se da
língua de maior aceitabilidade, menos preconceito sofrerá. Além disso, é a forma de
expressão prestigiada, constante nas gramáticas normativas, nas obras literárias e não-
literárias, portanto, a escola acompanha a tendência da sociedade letrada que utiliza a
norma padrão na sua comunicação.
Para Monteiro (2005:228) norma culta e padrão são expressões semelhantes e
um falante escolarizado buscará recursos lingüísticos nessa variedade que lhe é mais
habitual. Caso contrário, terá outras variedades de que possa dispor de acordo com o
próprio nível de escolaridade e o contexto adequado ou não àquela estrutura
selecionada.
Alguns estudiosos, como Mattos e Silva (2004:72), pensam em norma padrão
como língua imposta, uma norma lingüística idealizada e que a escola reproduz os
preconceitos da sociedade através do ensino elitizado da língua. Mas que língua
ensinar? Cabe transmitir a língua dos sujeitos de escolaridade superior, a língua dos
46
documentos, da intercomunicação cada vez mais abrangente, (cf. Simões, 2001:7)
veículo de cultura.
Destaca-se ainda que a escola não promove mudanças, porém reflete as
transformações da sociedade daí o seu mérito, conforme Votre (in Mollica, 2004:56)
que atribui à escola a tarefa socializadora que o uso de uma língua de prestígio requer.
Tal pensamento sugere a necessidade da escola proporcionar meios para que o
aluno paulatinamente tome posse da língua de prestígio social, sem que o seu vernáculo
seja amesquinhado. Para ratificar essa visão, trazemos Cunha (1985:47):
(...) nas sociedades ocidentais, aqueles que não dominam
razoavelmente a língua culta, sofrem restrições na progressão
social.
Por isso, a escola deve munir a sua clientela de recursos da língua culta de modo
a propiciar para este grupo avanços sociais, contribuindo para a sua evolução na escala
socioeconômica.
47
CAPÍTULO III: ENSINANDO A LÍNGUA COM MÚSICA
a) Considerações sobre Ensino Comparativo entre Variantes e Uso Padrão
As variedades lingüísticas são inerentes a qualquer língua, são diferentes umas
das outras no aspecto cultural, mas não inferiores. Cada falante, consonante o seu nível
de escolarização e estrato social, escolherá o dialeto que lhe é familiar. Dentre as
variedades da língua portuguesa falada no Brasil, algumas carregam a fama da
imperfeição, os ditos estigmas, formas defeituosas nas gramáticas normativas; são os
barbarismos.
Logo, a escola se associa às teorias prescritivas, porque o ensino da língua pauta-
se nas regras da gramática, daí a questão do erro e acerto ao se tratar de expressões do
tipo Me dá um hambúrguer para mim comer? Nesse caso, a tradição gramatical defende
que a primeira pessoa do singular é o sujeito do verbo, portanto o pronome deveria estar
no caso reto; outro erro é o pronome oblíquo iniciar a construção frástica. Construções
pra mim fazer e me... são próprias da maioria dos falantes brasileiros.
Scherre (2005:85) aponta a variação de concordância no emprego do pronome se
em frases do tipo Vende-se casas por Vendem-se casas, porque o falante interpreta casa
como objeto direto, usual tanto na língua oral quanto na língua escrita. Tais fenômenos
demonstram a diversidade da língua e a fala popular.
Não se pretende com essas ilustrações defender o ponto de vista de que a escola
deve abonar as variantes lingüísticas e não ensinar a língua culta, senão justificar os
usos populares em concomitância com o padrão culto da língua habitual entre os
indivíduos, formadores de opinião e da mídia em geral.
Alguns setores educacionais desaprovam a aceitação das variantes talvez por
medo da degradação da língua nacional, porém os estilos e dialetos constituem-se e se
48
bastam independentemente de ações coercitivas da escola ou de qualquer outra instância
pelo fato de que são do interesse da sociedade que seleciona as melhores formas de
comunicação.
A dificuldade encontra-se ao ensinar gramática normativa como língua culta.
Na verdade, o emprego de fatos lingüísticos que a gramática preconiza é que
determinam se uma variedade pode ser culta ou não; a questão é não esclarecer as
razões de uma variante lingüística se apresentar de determinada forma. Por isso, Simões
(2005:78) ao indicar exemplos de metátese como taUba e pObrema em substituição a
tábua e problema, justifica expressões no plano da fonologia, na articulação dos sons,
mas caracterizadoras de uma variante estigmatizada, inaceitável para os falantes
letrados.
A norma culta é a mais aceitável por ser a variedade dos segmentos sociais
privilegiados e possui menos formas estigmatizadas, sendo, em decorrência,
considerada mais correta. Uma característica das sociedades mais complexas é a gama
de variantes com as quais os sujeitos interagem.
Já que a complexidade dos grupos sociais permite quantidade expressiva de
variantes, cabe à escola fazer o cotejo entre todas e, priorizar a variedade culta – dos
documentos, de obras em geral e da mídia, aquela que garantirá o acesso do indivíduo à
situação de inclusão no mundo da cultura. Essa inserção deve ser de tal modo que o
sujeito possa na língua escrita inferir fatos lingüísticos como Reinaldo Azevedo o faz
em matéria jornalística na revista Veja (dezembro/2006, nº 1988) ao analisar ações do
governo petista:
À diferença do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), até consigo antever o crescimento da economia com uns
seis meses de antecedência, embora, no meu ofício, o único
desafio fascinante seja entender a natureza dos verbos, dos
substantivos, dos advérbios. Há mais civilização contida na
regência de um verbo do que em qualquer porcaria produzida
por utopistas para nos “libertar”.
Assim, o articulista mostra o menosprezo pelas atuações governamentais
confrontando-as com o fascínio de descobrir a essência dos elementos gramaticais.
É desta maneira que a escola deve proceder, caso pretenda efetivamente modificar a
situação do ensino da língua materna. Mostrando uma língua que está nos meios de
comunicação, os quais têm um papel lingüístico preponderante, talvez maior que todos
os compêndios gramaticais porque utiliza a língua informal e formal culta, assim o
49
aluno percebe as distinções de uso da língua bem como as situações adequadas a este
uso.
Em face dessas reflexões, pensa-se no papel da música semelhante à função da
mídia no que concerne ao ensino da língua nacional. Tão fascinante quanto a descoberta
dos verbos, substantivos e advérbios é a percepção das relações entre texto e música.
Por que não levar este fascínio para a sala de aula?
Nessa perspectiva, estudos com letras-de-música se moldam perfeitamente como
alternativa de ensino uma vez que permitem visão fonográfica, são fronteiriças entre a
oralidade e a escrita, conforme teoria de Costa (in Dionísio, 2003:108).
A música é uma arte e como tal suscita emoções, sensações, estados de espírito
não só por meio da melodia, mas também empresta às palavras impressões simbólicas,
resultados estéticos e elegantes.
A palavra é tão importante que Aristóteles lhe conferia o poder da catarse, (in
Monteiro, 2005:12) afirmando que o indivíduo extravasava suas dores pela palavra.
Trazemos à cena essa teoria porque vem ao encontro das filosofias circundantes na
sociedade hodierna, principalmente no que diz respeito às religiões de que a palavra tem
o poder de concretizar desejos, aspirações na medida que reproduz os chamados
mantras do tipo: Jesus te ama, Eu sou feliz, Eu sou próspero e outros da mesma
categoria. Reitera-se que tais construções levam o indivíduo a uma existência melhor.
Com a inserção do verbo ser, a sentença torna-se mais eficaz devido à
significação desse verbo: denota estado permanente. Ao contrário do verbo estar, cujo
sentido é de efemeridade, aplicável em situações desfavoráveis que se pretende reverter,
do tipo: Estou infeliz. Já a expressão Jesus te ama confere ao sujeito-falante confiança
de que existe um ser maior e poderoso que não o deixará sem assistência.
Assim como os mantras citados, é possível considerar que a canção como
linguagem estilística propicia a reinvenção da palavra por meio de conexões semânticas,
grafêmicas, como também por semelhanças ou dessemelhanças fonológicas,
viabilizando o estudo das variantes lingüísticas. Ademais, compreende-se que as
palavras de um enunciado se associam por meio de identidades que lhes são próprias;
assim pode-se destacar alguns aspectos gramaticais – o fônico, o morfológico (ou
léxico) e o sintático.
O sintático refere-se à expressividade por intermédio da versatilidade das
construções frasais nos diversos planos sintáticos; o morfológico analisa as diferenças
entre denotação e conotação, o valor expressivo do campo semântico, e o fonológico
50
examina o mundo infinito de sons e sua organização na articulação de fonemas e seus
ajustes estilísticos, de onde surgem as onomatopéias, as aliterações, as assonâncias, as
pausas, as consonâncias, os vocábulos expressivos, a prolação, as sinestesias.
Por esses motivos, a letra-de-música se harmoniza com o ensino da língua
materna uma vez que é apetrechada com os requisitos enumerados. No aspecto
fonológico as sensações e visualizações provocadas tanto pelas vogais como pelas
consoantes encontram fecundidade nas canções.
São elas que demonstrarão de forma mais ampla o rendimento significativo dos
fonemas, as evocações trazidas à baila. Ora é a vogal /u/ denotando um grau de
fechamento e a cor escura, conforme Monteiro (2005: 213), ora é a plosiva /p/ sugerindo
ruídos abafados. Daí, as letras-de-música figurarem entre os gêneros mais úteis para
ilustrar as variações fonológicas e lingüísticas das falas das diversas camadas sociais do
Brasil.
Comparando as variantes lingüísticas, num ensino produtivo (cf. Votre, 2004:53)
focaliza modos de dizer e escrever pondo em destaque a variante culta e aponta ao
aprendiz estruturas morfossintáticas inerentes a esta variedade como a organização
gramatical cuidada da frase aliada à variedade da construção frásica (cf. Preti,
2000:31).
b) Demonstrativo de Trabalho com Música na Sala de Aula
Estruturas morfossintáticas caracterizadoras das variantes lingüísticas aparecem
com regularidade em letras-de-música. A variedade culta revela-se mais comum em
textos musicais de tempos mais remotos, quando se pretendia uma língua nos moldes da
falada em Portugal, embora modernamente surjam canções vazadas em dialeto social
culto, os dialetos sociais coexistem. Por isso as atividades com música relacionaram
diferentes letras-de-música de modo que o aluno percebesse as distinções e as variantes
usuais dos falantes brasileiros. Um exemplo de letra-de-música composta num período
mais distante intitula-se Felicidade, composta por Lupicínio Rodrigues:
Felicidade foi embora/ E a saudade no meu peito/ Ainda mora/
E é por isso que eu gosto/ Lá de fora/ Porque sei que a
falsidade/ Não vigora/ A minha casa fica lá detrás do mundo/
Onde eu vou em um segundo/ Quando começo a cantar/ O
pensamento parece uma coisa à toa,/ mas como é que a gente
voa/ quando começa a pensar/ Na minha casa tem um cavalo
tordilho/ que é irmão do que é filho/ daquele que o Juca tem/ E
51
quando eu pego meu cavalo e encilho/ sou pior que limpa-
trilho/ corro na frente do trem.
A variedade lingüística é o português informal culto, nomenclatura de Travaglia,
(1986:23) segundo o grau de formalismo na língua escrita, verificando-se na letra-de-
música em tela, estruturas populares como o uso da locução pronominal a gente na
função de sujeito, o uso da expressão gíria limpa-trilho – grade de ferro fixada à frente
das locomotivas para desviar da linha pedras ou outros corpos estranhos.
Demonstramos em aulas expositivas fatos lingüísticos comuns à formalidade e à
informalidade da língua. A regularidade da sintaxe de concordância em qualquer
variante, além do uso morfológico como acontece com a palavra Felicidade – ausência
de artigo – , que indica distância do sentimento em relação ao emissor do texto.
Apresentamos do mesmo autor, Lupicínio Rodrigues, as letras-de-música Volta,
Exemplo e Cadeira Vazia transcritas a seguir:
Quantas noites não durmo/ A rolar-me na cama/ A sentir tanta
coisa/ Que a gente não sabe explicar quando ama/ O calor das
cobertas/ Não me aquece direito/ Não há nada no mundo/ Que
possa afastar esse frio do meu peito/ Volta/ vem viver outra vez
ao meu lado/ Não consigo dormir sem seu braço/ Pois meu
corpo está acostumado.
A segunda Exemplo revela igual estrutura:
Deixa o sereno da noite/ Molhar teus cabelos/ Que eu quero
enxugar, amor/ Vou buscar água na fonte/ Lavar os teus pés/
Perfumar e beijar, amor/ É assim que começam os romances/ E
assim começamos nós dois/ Pouca gente repete estas frases/ Um
ano depois/ Dez anos estás ao meu lado/ Dez anos vivemos
brigando/ mas quando eu chego cansado/ Teus braços estão me
esperando/ Este é o exemplo que damos/ Aos jovens recém-
namorados/ Que é melhor brigar juntos/ Do que viver
separados.
E Cadeira Vazia completa esta coletânea:
Entra,/ Meu amor, fica à vontade/ E diz com sinceridade/ O que
desejas de mim/ Entra,/ Pode entrar a casa é tua/ Já te cansaste
de viver na rua/ E os teus sonhos chegaram ao fim/ Eu sofri
demais quando partiste/ Passei tantas horas triste/ Nem quero
lembrar esse dia/Mas de uma coisa podes ter certeza/ O teu
lugar aqui na minha mesa/ Tua cadeira ainda está vazia/ Tu és a
filha pródiga que volta/ Procurando em minha porta/ O que o
mundo não te deu/ E faz de conta que eu sou teu paizinho/Que
tanto tempo aqui ficou sozinho/ A esperar por um carinho teu/
Voltaste, estás bem, estou contente/ Só me encontraste muito
diferente/ Vou te falar de todo o coração/ Não te darei carinho
nem afeto/ Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto/ pra te
alimentar podes comer meu pão.
52
Utilizamos exercícios relacionados à diversidade lingüística de modo que o
aluno pudesse associá-la à gramática normativa, para exemplificar a concordância do
verbo com o sujeito num estudo comparativo entre a variante padrão e as variantes não-
padrão.
1. Que variedade lingüística o autor utiliza? Explique a sua resposta.
2. No aspecto sintático da concordância verbal existe regularidade? Explique.
3. Que expressões denotam a variedade informal culta?
4. Tais expressões circulam na sociedade?
5. Produza frases diferentes usando as formas tu/ você/ a gente.
6. Apresente palavras ou expressões indicativas do uso popular da linguagem.
Essas etapas referentes ao estudo de letras-de-música aplicaram-se às
composições de Wilson Batista, letrista contemporâneo de Lupicínio Rodrigues; títulos
como Mãe Solteira, Emília e Mundo de Zinco, abaixo reproduzidas:
Hoje não tem ensaio, não/ Na escola de samba/ O morro está
triste/ E o pandeiro calado/ Maria da Penha/ A porta-bandeira/
ateou fogo às vestes/ Por causa do namorado/ O seu desespero/
Foi por causa de um véu/ Dizem que essas marias/ Não têm
entrada no céu/ Parecia uma tocha humana/ Rolando pela
ribanceira/ A pobre infeliz/ Teve vergonha de ser mãe solteira.
Nessa letra-de-música reportamo-nos ao tema- a vergonha de ser mãe solteira,
tendo em vista os hábitos sociais e culturais que se modificam tanto quanto os usos
lingüísticos.
Emília é uma composição que reflete também a sociedade da época:
Quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar/ Que de manhã
cedo me acorde na hora de trabalhar/ Só existe uma/ E sem ela
eu não vivo em paz/ Emília, Emília, Emília/ Não posso mais/
Ninguém sabe igual a ela preparar o meu café/ Não desfazendo
das outras/ Emília é mulher/ Papai do céu é quem sabe a falta
que ela me faz.
Mundo de Zinco traduz, como as canções anteriores, o pensamento de uma
época com igual variante lingüística.
Aquele mundo de zinco que é a Mangueira/ Desperta com o
apito do trem/ Uma cabrocha, uma esteira/ Um barracão de
madeira/ Qualquer malandro em Mangueira tem/ Mangueira
fica pertinho do céu/ Mangueira vai assistir o meu fim/ Mas
deixo o nome na História/ O samba foi minha glória/ E sei que
muita cabrocha vai chorar por mim.
Com essa letra-de-música, procuramos levar o aluno a perceber a língua e sua
expressividade, destacando a metonímia em Mundo de zinco, além do aspecto
gramatical da sintaxe, inalterável em qualquer variedade lingüística. Essa concepção de
53
língua pautou todo o trabalho em sala de aula, visando à leitura e à escrita, bastante
precária conforme poderá ser observado nas atividades transcritas nessa dissertação.
Nessa perspectiva, cada canção proporcionou a ênfase em determinado assunto
lingüístico e o contraponto entre os estilos distintos entre letras-de-música
contemporâneas e aquelas mais distantes da atualidade. Assim, o aluno percebeu a
modificação do uso da língua através do tempo e, simultaneamente, passou a
compreender as diferenças lingüísticas, o foco dessa pesquisa. Ao fim do projeto, o
aprendiz pôde selecionar dentre as canções analisadas, duas com as quais pudesse
comprovar a aprendizagem, tendo algumas questões norteadoras para o seu estudo
crítico.
Assim, as letras-de-música contemporâneas são representativas do dialeto social
popular, a linguagem do povo em geral, como Skap:
Quando você pinta tinta nessa tela cinza/ quando você passa
doce dessa fruta passa/ quando você entra mãe-benta amor aos
pedaços/ quando você chega nega fulô boneca de piche flor de
azeviche/ você me faz parecer menos só menos sozinho/ você
me faz parecer menos só menos sozinho/ quando você fala bala
no meu velho oeste/ quando você dança lança flecha
estilingue/ quando você olha molha meu olho que não crê/
quando você pousa mariposa morna lisa o sangue encharca a
camisa/ quando você diz o que ninguém diz/ quando você quer
o que ninguém quis/ quando você alardeia sua teia cheia de
ardis/ quando você faz a minha carne triste quase feliz.
Esta canção se faz mais propensa ao ensino da fonologia e seus desdobramentos
na linguagem usual do falante. Logo, conduzimos o aluno à percepção dos sons nasais,
na reiteração dos versos – quando você... ao longo da canção, de modo a observar a
sugestão de melancolia, monotonia, idéia reforçada pela consoante fricativa aliterada /s/
e em relação ao critério acústico, sibilante nas palavras nessa / passa / doce / passa
indicando a sensação de deslizamento. Além da homonímia do vocábulo passa, no
verso quando você passa doce dessa fruta passa, o qual muda a classe gramatical: verbo
e adjetivo, respectivamente, configurando modificação morfológica.
Demonstramos que as palavras entra / mãe-benta / amor / pedaços suavizam o
tom monocórdio por meio das consoantes /t/, /m/; esta última é labial nasal e sugere
prolongamento sinestésico de bem-estar, aquela é plosiva surda, provoca um ruído seco.
Já a consoante explosiva, sonora /d/ na palavra pedaços, conduz à percepção auditiva de
bulício repentino. Em chega / piche / azeviche mostramos os sons aliterados e chiantes
com a consoante /S/ fonema denotador de lentidão e morosidade.
54
Procuramos mostrar para o discente que os sons movem diversos elementos
lingüísticos como as rimas que contribuem para a ênfase na correlação de sugestões, por
exemplo, o homeoteleuto presente em arde / alardeia realçando a noção de intensidade
de sentimentos e sensação auditiva.
Em ousa / lousa no verso 13 encontra-se rima toante, perfeita e rica; o traço
distintivo entre os vocábulos está no acréscimo da palatal /l/ a qual forma outra palavra,
conferindo leveza e fluência ao enunciado. Assim analisamos todas as palavras que
compõem a canção. Evidenciamos também a criatividade do título Skap, que em
princípio evoca uma outra língua: a inglesa, porém ao observar a camada fônica, chega-
se à leitura de que a palavra se constitui de fonemas imitativos da fala corrente, assim
sendo é verificável a realidade fonológica: /isk’api/[escape] a qual o autor transcreveu
de forma distinta da realidade gráfica. As duas consoantes /k/ e /p/, oclusivas, rompem
barreiras, porque explodem a tristeza.
Em vista disso, pode-se inferir que há o desejo de livrar-se de uma situação
incômoda, desagradável, quer pelo significado da palavra escapar, quer pelas sensações
que envolvem os sons.
Destaca-se também o contexto da subordinação presente em grande parte dessa
letra-de-música quando você... caracterizador de simultaneidade e habitualidade
temporal (cf. Neves, 2000:787).
Fizemos ver ao aluno a significativa ausência de pontuação, fator de auxílio para
a compreensão da entoação e do sentido de um texto, porém, no contexto da canção,
sugere a monotonia dos pensamentos depressivos, tristes. Enfatizamos que a supressão
de sinais permite várias leituras de um texto, de acordo com Martins (2003:63).
Outrossim, através do emprego dos sons e da combinação destes, atenta-se para o uso
do dialeto social culto da linguagem, a variante de prestígio, utilizada pelos sujeitos-
falantes escolarizados.
Outra letra-de-música apresentada aos alunos é Semba, do mesmo autor, Zeca
Baleiro vazada em dialeto social popular próprio do linguajar de parcela da população
brasileira:
Que mais que tu quer/ que mais que tu quer/ cachaça, semba,
viola/ mariola, gaita, fumo e mulher/ que mais que tu quer/ que
mais que tu quer/ nada te contenta/ nem ouro nem prata/ nada te
contenta/ cafuné nem tapa/ nada te contenta/
nada te contenta,
mano/ mano, vê se tu te toca/ que mais que tu quer/ se tu
quer nós troca.
55
Apresentamos ao aluno a distinção entre o dialeto culto e o dialeto popular no
primeiro verso, que mais que tu quer, através da ausência de concordância entre o
sujeito e o verbo, a construção que a gramática preconiza seria – que mais que você
quer – forma mais usual no português falado no Brasil; ou a construção – que mais
queres, mas com tais modificações se perderia o estilo, a peculiaridade do autor que
deseja representar o falar de determinado grupamento social. Concepção que Câmara Jr.
(2004:21) corrobora quando afirma que o estilo comanda o uso lingüístico, este se põe a
serviço daquele, o chamado desvio da norma lingüística. A mesma falha ocorre no
verso se tu quer nós troca – em que se focaliza igual afastamento da concordância
preconizada pela gramática normativa, contudo é paradigmático do grupo que se
tenciona representar.
Dando continuidade à análise da canção junto ao discente, explanamos a respeito
dos sons vocálicos e consonantais em que se verifica a incidência da consoante oclusiva
/k/ apoiada na vogal /e/. cujo som expressa objetividade e traduz a idéia quase de
impaciência, caracterizadores da leitura que se pode fazer dessa letra-de-música: alguém
indaga de maneira áspera sobre as insatisfações existenciais de outrem possuidor de
bens prazerosos, o que leva a uma proposta de troca. Os ícones desse prazer encontram-
se nas palavras cachaça / semba / viola / mariola / gaita / fumo e mulher evocativos de
alegria por meio das vogais /a/ e /i/ segundo Martins (1989:29).
No mesmo caminho acha-se a palavra quer representativa da pronúncia popular
em algumas comunidades, com o apagamento da vibrante /r/ (cf. Simões, 2005:125),
substituído pela tônica /e/ denota som claro, vibrante que evoca dança, alegria. Por isso,
Semba, título da canção, variante de samba, já anuncia o tom festivo, de alegria
circundante na letra, uma vez que a palavra em questão significa dança evidenciando a
felicidade presente. Merece atenção o som nasal, indício de dolência, marca das danças
de fulcro africano, de acordo com Martins (1989: 33), a plosiva sonora /b/ sugere
explosão, sinaliza movimento conforme acontece na referida dança.
Encontramos expressões características da variante popular e usual na fala
cotidiana do aluno: mano e toca; a primeira é forma hipocorística de irmão, utilizada no
texto em referência a alguém muito próximo, a quem se considera irmão, prova de
intimidade. A segunda é uso gírio no aspecto semântico conotativo de sensibilizar-se,
comover-se com alguém ou algo.
A letra-de-música Nega, tu dá no couro, segue no mesmo rumo das composições
anteriores de Zeca Baleiro, próxima da oralidade, dialeto popular:
56
Nega tu dá no couro/ ô nega tu num dá/ quando cai no samba
bamba/ quando cai no samba ba/ quando entra na macumba/
estremece a tumba/ de tutankamon oh amon-rá /ginga com seu
belo par de coxas/ e a moçada em slow motion grita saravá/ -
aleluia shalom shalom meu bom alá/ nega do molejo mole/ nega
malemolente chega/ vai ser boa assim na caixa-prego/ mas um
dia ainda te pego/ nega neném sem negacear/ juro pelos dois
chifres da vaca mocha/ juro por deus e oxalá/ - eu juro até pelas
barbas do aiatolá/ quando ela dança mansa/ quando ela balança
oba/ fico de juízo fraco/ toco fogo no barraco/ troco as pernas
dano a gaguejar/ ne-neguinha inven-venção do de-demo/
queimo mais que pimenta no vatapá/ - acarajé xinxim moqueca
e abará.
Nessa letra-de-música predominam expressões populares que enaltecem a
feminilidade da mulher negra por meio do uso das expressões hipocorísticas, nesse
contexto, nega / neguinha – comuns nos falantes brasileiros, mormente em grupos
socioeconômicos desfavorecidos. Todo o léxico utilizado na canção é uma louvação à
musa negra; os cultos e os deuses homenageiam a beleza da deusa negra simbolizadas
nas palavras aleluia / shalom /saravá / deus / oxalá / alá /tutankamon / amon-rá; a letra
minúscula em palavras que a gramática normativa exige maiúscula valida o uso extra-
religioso. A exaltação à musa continua por meio da expressão pelas barbas do aiatolá,
alusão ao dito popular barbas do profeta equivalente a uma assinatura.
As ocorrências de vocábulos de uso oral do povo referendam o dialeto social
popular como os versos tu dá no couro / tu num dá peculiares do falar do brasileiro não-
escolarizado; bamba / malemolente / demo pertencentes ao universo lingüístico desses
falantes concorrem para enfatizar a representatividade de tal uso lingüístico.
No plano fonológico observam-se as consoantes nasais /m/, /n/, /N/ que ratificam
a idéia de gingado mole de /dança / /mansa / balança associadas à sonoridade das
vogais /a/, /i/ recorrentes em várias palavras denotam alegria, animação (cf. Martins,
1989: 30) próprias do samba e de cultos afro-brasileiros aos quais o compositor alude.
No que concerne às rimas, há coincidência de sons em dá / bamba / macumba/ tumba /
sarava / alá / oxalá / aiatolá / vatapá / abará configurando aliteração e assonância,
elementos que desempenham a função de realçar as idéias contidas na canção.
Detectamos, por outro lado, na sintaxe a incidência maior de termos
coordenados que contribuem para sugerir a dinamicidade proporcionada pela dança.
Tais fenômenos demonstraram para o aluno a diversidade da língua funcional patentes
na canção em foco.
57
Com a finalidade de fazer ver ao aluno as transformações por que passa o léxico
por intermédio da criatividade do falante, selecionamos a letra-de-música A prosa
impúrpura do caicó, de Chico César:
Ah! Caicó arcaico/ em meu peito catolaico/ tudo é descrença e
fé/ ah! Caicó arcaico/ meu cashcoeur mallarmaico / tudo rejeita
e quer/ é com é sem/ milhão e vintém/ todo mundo ninguém/
pé de xique-xique/ pé de flor/ relabucho velório/ videogame
oratório/ high cult simplório/ amor sem fim desamor/ sexo no-
iê/ oxente oh! shit/ cego aderaldo olhando pra mim/
moonwalkman.
Nessa canção apresentamos ao aluno as possibilidades morfológicas e
semânticas da língua à disposição do falante. O aspecto semântico-morfológico é visível
por meio da mescla de vocábulos estrangeiros e variantes regionais, talvez para marcar
as contradições do mundo hodierno. Em conseqüência, pode-se demarcar a composição
em duas vertentes: uma filosófica cujo final corresponde ao verso milhão e vintém; a
outra, inicia-se no verso todo mundo e ninguém, reporta-se à simplicidade da vida.
Inúmeras são as palavras dessa letra-de-música que se constituem em produtivos
processos morfológicos, dentre elas catolaico, formação denominada palavra-valize,
cruzamento vocabular, palavra portmanteau, segundo Alves (2004:69). A fusão das
bases substantivas católico / laico resulta em catolaico que por sua vez expressa a idéia
simultânea e contraditória da religião e do profano.
Com a palavra mallarmaico não é diferente, o processo se reitera por meio do
substantivo próprio Mallarmé – escritor francês da escola simbolista, (considerado o
poeta das inquietações, das dúvidas), adjunto a outra base substantiva, Maico
alteração morfológica de Malcon -, norte-americano, liderança negra na luta contra o
segregacionismo nas décadas de 60 e 70. Outro caso de cruzamento vocabular. O
significado da palavra indica oposição, implica incertezas, cepticismo.
Outros processos morfológicos ocorrem em cashcouer x high-cult, videogame e
moonwalkman, estrangeirismos, chamados também de neologismos por empréstimo,
conforme nomenclatura de Alves (2004:73). A funcionalidade da palavra videogame é
maior, inserta na linguagem usual do falante médio. Menos comum é shit, expressão de
baixo calão, incomum na linguagem do brasileiro.
Já o processo de formação da palavra relabucho é a composição, estrutura
sintática com duas bases distintas relar + bucho, variante de rala-bucho, expressão
58
popular do repertório lingüístico do falante da região norte do país, refere-se a baile
cujos pares dançam de forma mais aconchegada, quase libidinosa.
Esse tipo de produtividade relaciona-se à linguagem cotidiana por ser casual,
enquanto a derivação é mais longeva, estável porque se liga à linguagem formal. A esse
propósito afirma Basílio (2003:34) que a composição se situa mais no nível coloquial,
regional e esporádica que a derivação, mais freqüente na língua formal e mais estável.
No verso 18 encontra-se uma criação que remete à palavra preexistente, não-
dicionarizada, um neologismo aparente – o sexo no-iê, sexo infinito, alusão à Seicho
no-iê, filosofia japonesa cujo significado é lar do progredir infinito, conforme esclarece
Taniguchi (1979:94).
Os casos de criação morfológica não esgotam as possibilidades de
produtividade, uma vez que tais processos surgem de acordo com a motivação do
falante para as situações comunicativas nas quais se insere.
Assim, com o estudo dessa letra-de-música, procuramos mostrar a competência
lexical do falante, além de demonstrar a morfologia produtiva e atuante.
Em Debaixo do meu chapéu, de Nei Lopes priorizamos a expressividade do
léxico:
Debaixo do meu chapéu você pode se abrigar/ Tanto faz dar na
cabeça quanto na cabeça dar/ Numa reunião de bacana, em
Copacabana, um chapéu gelot/ Achou que a cartola estava
dando bola/ Então entrou de sola e se machucou/ Aí, nesse
exato momento, lá no Juramento, um gorro de crochet/ Gritou
pr’uma touca de meia: “hoje é lua cheia, vou pro Jacaré”/ Teve
um dia lá em Realengo, que quase do quengo me cai o chapéu/
Eu vi o Bibico bater continência/ Pro quepe de um velho
porteiro de hotel/ Ouvi no domingo passado, um papo de samba
e suingue/ “Do you speak english” e “cumequiés”/ Esta agora
eu te conto e te aprovo, lá em S. Cristóvão teve um bololô/ A
bolsa elegante, toda extravagante, falou pro turbante que ele
rebolou/ Aí foi que um chapéu de couro, que tinha um namoro
com um solidéu/ Puxou de uma peixeira/ Mas levou uma
rasteira, aqui do meu chapéu.
Procuramos nessa letra-de-música tornar claro para o aluno que o emprego de
algumas gírias – rasteira / suingue / bacana / quengo / bater continência / entrar de
sola / dando bola / bololô – conferem ao texto irreverência, humor e coloquialismo.
Outrossim, são peculiares ao dialeto social popular do ponto de vista do português
falado no Brasil.
59
Em razão do coloquialismo do texto, verificam-se expressões típicas da camada
fônica (cf. Simões, 2005:82) da língua, por exemplo, [cuméquiés] em substituição a
Como é que é da modalidade escrita. Nesse campo fonológico realizam-se assonâncias
por meio das semelhanças vocálicas reiteradas nas palavras abrigar / dar / bacana /
Copacabana / bola / sola / bololô / rebolou / solidéu / chapéu além da presença da
aliteração. Outros usos orais se apresentam: então / aí/ lá denominados de marcadores
conversacionais por Koch (2001:106).
A originalidade da canção consiste em atribuir ao objeto chapéu ações e atitudes
características do ser humano, sendo assim denota personificação, um sema inanimado
que se torna animado (cf. Garcia, 2004:85). A partir desse mote observam-se recursos
sintáticos que se ajustam à informalidade da letra-de-música, exemplifica-se com o
conectivo que, introdutor de subordinação e forma constante na comunicação do falante
brasileiro. É nesse sentido que se assenta o verso Tanto faz dar na cabeça quanto na
cabeça dar.
Como se vê, demonstramos ao aluno que a combinação e seleção do léxico
propiciam entendimento maior da língua através das variantes lingüísticas inseridas nas
letras-de-música, mostrando a dinamicidade da língua no processo criativo.
60
CAPÍTULO IV: CONCLUSÕES DIDÁTICAS
Esta pesquisa teve como objetivo geral ensinar a língua padrão, cotejando-a com
as variantes não-padrão presentes em letras-de-música, a fim de que o aluno percebesse
as diferenças lingüísticas e pudesse compreender os mecanismos da língua.
Sendo assim, demonstramos por meio do quadro seguinte a forma como
trabalhamos em classe as letras-de-música.
VOLTA (Lupicínio Rodrigues) SEMBA (Zeca Baleiro)
Quantas noites não durmo Que mais que tu quer
A rolar-me na cama Que mais que tu quer
A sentir tanta coisa Cachaça, semba, viola
Que a gente não sabe explicar Mariola, gaita, fumo e mulher
quando ama Que mais que tu quer
O calor das cobertas Que mais que tu quer
Não me aquece direito Nada te contenta
Não há nada no mundo Nem ouro nem prata
Que possa afastar esse frio Nada te contenta
do meu peito Cafuné nem tapa
Volta Nada te contenta
Vem viver outra vez ao meu lado Nada te contenta, mano
Não consigo dormir sem seu braço Mano, vê se tu toca
Pois meu corpo está acostumado Que mais que tu quer
Se tu quer nós troca
Na condução das aulas com música discutimos a estrutura das letras-de música.
Mostramos aqui alguns comentários sobre a sintaxe. Em Volta, por exemplo, verifica-se
o uso preponderante da subordinação e da redução oracional. Pontos exibidos aos
alunos com os primeiros três versos - Quantas noites não durmo/ A rolar-me na cama /
61
A sentir tanta coisa - que se constituem, respectivamente em oração principal seguida
de duas estruturas organizadas com formas no infinitivo, portanto reduzidos.
Estabelecem-se duas vertentes de significação: porque rolo na cama/ enquanto rolo na
cama; porque sinto tanta coisa /quando sinto tanta coisa; desse modo, indicam a
possibilidade causal e a probabilidade temporal, um amálgama semântico. A
continuidade se faz nos versos Que a gente não sabe explicar / quando ama - que se
pode traduzir por- tanta coisa que não se explica quando se ama – seqüências
subordinadas. Com os versos O calor das cobertas/Não me aquece direito/ Não há nada
no mundo/ Que possa afastar esse frio/ do meu peito, outra série de subordinadas.
Subordinados são também os versos – Volta/ Vem viver outra vez ao meu lado/
Não consigo dormir sem seu braço- idéia de fim e causa – para viver outra vez ao meu
lado / porque não consigo dormir sem seu braço, assim transformados para que o aluno
entenda a disposição das partes constitutivas de um período, as maneiras de se escrever
a mesma concepção de idéias. Ou ainda, em outra visão, Não consigo dormir sem seu
braço/ Pois meu corpo está acostumado-, estruturas coordenadas. Estudar com o aluno,
a letra-de-música Semba, no aspecto sintático foi bem mais simples por se tratar de
construções conhecidas e utilizadas pelos alunos, além do estudo fonológico explicitado
no capítulo III.
Assim, os primeiros versos Que mais que tu quer / Que mais que tu quer/
Cachaça, semba, viola / Mariola, gaita, fumo e mulher – seqüências coordenadas, que
podem ser alteradas para: Há (existe) algo mais que você quer? Em outros versos
ocorrem outros segmentos coordenados: Nada te contenta / nem ouro nem prata/ Nada
te contenta / Cafuné nem tapa / Nada te contenta – coordenadas assindéticas
entremeadas por coordenadas aditivas, denotando acréscimo.
Ao lado das séries coordenadas aparece no último verso uma subordinação que
exprime condição – Se tu quer nós troca - Caso você queira, nós trocamos – a
percepção da mudança de estruturas sintáticas que conduzimos o aluno, desse modo
terá condições de alcançar as alternativas da língua tanto na modalidade escrita quanto
na modalidade oral.
Quanto ao léxico, encontramos na letra-de-música Volta, vocabulário mais
apurado com o uso, por exemplo, do pronome indefinido adjetivo no primeiro verso
Quantas noites não durmo que pode ser entendido por Muitas noites não durmo; no
segundo e terceiro versos, o emprego do verbo na forma infinitiva, comum no português
lusitano, o que revela a tendência ao lusitanismo de acordo com a época em que se
62
elaborou a letra-de-música, uma vez que é comum no português brasileiro o gerúndio. A
utilização da locução pronominal a gente no quinto verso parece uma concessão do
compositor ao coloquialismo da língua falada no Brasil, fugindo às normas vigentes
daquele período. Examinamos a aplicação dos substantivos calor no sexto verso em
oposição a frio no verso nove, reafirmando o sofrimento causado pela ausência do ser
amado. Ratifica a carência no verso onze por meio do imperativo volta e da locução
verbal vem viver cujo verbo principal encontra-se no modo imperativo, a fim de
comprovar a angústia que sente. O presente do indicativo do verbo acompanhado da
negativa, no décimo terceiro verso arremata a dor: Não consigo e o substantivo braço
no mesmo verso completa a privação explícita no último verso com a expressão meu
corpo está acostumado, o pronome possessivo adjetivo reforça a condição de falta.
A camada fônica complementa a idéia de perda por meio de sons nasais como em
Quantas/ sentir tanta/ gente / quando/ mundo / vem / sem / consigo; a consoante labial
/m/ nas palavras durmo/me/ ama / meu / dormir /acostumado / também concorrem para
a noção de tristeza que provoca a ausência do ser amado. Constatamos igual ocorrência
com o emprego das vogais posteriores /u/ e /o/ em parte das palavras noites / durmo /
mundo /calor / frio / peito / outra /lado / braço / corpo / acostumado (cf. Monteiro,
2005: 182). Buscamos, assim, comprovar junto ao alunado que os aspectos da língua se
completam para concretizar a comunicação.
Por isso, em face da dificuldade do aluno em compreender as relações entre
sons, letras e significados, selecionamos letras-de-música que os levassem à curiosidade
de conhecer a língua portuguesa e suas relações culturais. Aproveitamos o contato que o
aluno mantém com a música para apontar as distinções pertinentes ao que é denominado
padrão (uso da escola) e ao não-padrão, falado pelo aluno e estigmatizado no ensino da
língua materna.
Como ensinar um único padrão lingüístico se a própria população é diversa na
sua etnia e cultura? Não se trata de apologia para ignorar os fatos lingüísticos abonados
pela gramática normativa, mas mostrar a existência de outras variedades, ainda que
estigmatizadas, a fim de não marginalizar o aluno-falante dessas variantes.
Por isso, o conservadorismo gramatical constitui anomalia, é quase sempre
resultante do desconhecimento dos recentes estudos a respeito de variação. Uma das
razões para esse conservadorismo é o receio de aviltamento da língua; outra causa seria
a marginalização a que o falante estaria exposto, sem o domínio da norma padrão.
63
Dois pontos de vista equivocados. Ambos os raciocínios carecem de
embasamento, uma vez que vão de encontro ao conceito de unidade e diversidade de
uma língua – reflexos da organização social e econômica de uma sociedade, na forma
com que se estabelece a divisão de bens materiais e valores. Efetivamente a
funcionalidade de uma língua independe de coerções normativas ou de ordenação
social.
Assim, a norma padrão reflete as camadas mais favorecidas, ao passo que o
português não-padrão corresponde às classes menos favorecidas; portanto, não é o uso
de uma determinada variedade que define o nível social do indivíduo; ao contrário, a
classe social é a demarcadora da variante usual do falante. Além disso, há os registros
especiais identificadores de grupos profissionais ou marginalizados, valorizados ou
estigmatizados – linguagem jurídica, médica, gíria de malandros e assim por diante.
Em decorrência desses estudos, verifica-se a inutilidade do preconceito
lingüístico contra os grupos que utilizam expressões e modalidades populares, ou
determinam que a ascensão social se faz por intermédio do uso de uma linguagem
supostamente superior. O ideal é a qualidade do ensino para toda a sociedade de modo
que o sujeito-falante domine as várias linguagens circulantes de acordo com as próprias
necessidades de comunicação.
Elia (1995:2) em artigo intitulado Sobre a gramática, entende que existe uma
gramática da expressão verbal em que o falante de qualquer camada social utiliza em
conformidade com a variedade que lhe é própria. Para comprovar tal assertiva, oferece
um exemplo de fala do sujeito não-escolarizado: Os ratos morreu, construção muito
comum no Brasil, onde há centenas de indivíduos que se comunicam dessa forma e
dialogam entre si, mantendo perfeita sintonia lingüística. Conseqüentemente não errou
(o erro resultaria de ruído na comunicação), apenas empregou a sua variante
característica.
Sustenta o autor que a gramática é a sistematização do código lingüístico de uma
dada comunidade, e deve ser restrita no tempo (sincronia) devido à evolução da língua.
Por exemplo, a língua portuguesa moderna não é a mesma do período clássico. Por isso,
prossegue Elia, a descrição gramatical estará atrelada ao momento em que os falantes,
conforme sua faixa sociocultural, valem-se da gramática verbal que a língua dispõe.
Mediante estas afirmações, percebe-se que a abordagem da gramática normativa
deve ter um enfoque diferente ao ensinar-se a língua: apresentá-la com regras porque as
possui, contudo mostrar que todo idioma se organiza por meio dos usos, que tanto o uso
64
padrão quanto os usos não-padrão são variedades e que este último é empregado pela
maioria da população.
Opinião partilhada por Simões (2005:17) ao propor o ensino da língua materna e
os elementos a ela concernentes através da música, por constituir recurso didático farto
e abundante. Num primeiro momento há o incentivo da leitura, uma das atividades mais
importantes para o crescimento intelectual humano, por ser um processo que suscita no
sujeito-falante o desejo de prolongar ou de renovar as experiências já vivenciadas, além
do prazer de compartilhá-las com o outro. Cada texto lido conduz o leitor a associações
diversas, as quais levam o possível leitor a perceber os implícitos, os pressupostos, os
subentendidos, de acordo com Iser (in Micheletti, 1997:19).
Num segundo momento, proporciona ao aluno a descoberta da escrita, a
conversão de palavras em sons, distribuídos nas melodias que contribuirão para a
compreensão da música, além de permitir o (re)conhecimento das variedades
lingüísticas presentes no meio social e informações socioculturais emergentes dos textos
(cf. Simões, 2005:16).
A essencialidade da leitura está na própria convivência social e no consumo de
bens que exigem do indivíduo a leitura de jornais, outdoors, contratos de trabalho,
documentos oficiais; por isso, Lajolo (2005: 106) afirma que a leitura e,
conseqüentemente, a escrita, são os códigos oficiais da sociedade moderna. Constituem
a senha para a inserção do indivíduo nos grupamentos mais letrados. Somente assim
obterá conhecimento que o transformará num sujeito capaz de ocupar um lugar social
como agente da ação cultural, pronto a influenciar o meio a que pertence.
Por isso, ler qualifica o indivíduo em instâncias de interação social. A entidade
que melhor se engajaria no papel de promotora dessa qualificação é a escola – um braço
originário da sociedade, por incorporar o local em que o ser humano passa parte da vida.
É função da escola demonstrar a língua na sua funcionalidade, no entanto, passa
ao largo de tais realizações, não evidencia a relação existente entre o signo lingüístico e
o usuário deste. Assim, o falante percebe uma língua distante do seu mundo, uma
entidade exigente, subsistente naquele espaço; por outro lado, fora do ambiente escolar
inexistem dificuldades com o idioma, o uso para a situação trivial de comunicação
preenche as lacunas comunicativas para a convivência social.
Com efeito, em geral ensina-se a norma culta, a variedade de prestígio e,
ignoram-se as demais variedades circulantes no meio social do falante-aprendiz. Até
chegar à escola, esse aprendiz é proprietário das palavras, dono de um conhecimento
65
lingüístico parcialmente inato e parcialmente adquirido que lhe permite falar e
compreender a sua língua. Por que na escola essa competência lingüística se esvai?
A resposta é a ausência de compreensão da língua culta que o professor teima
em afirmar ser a forma correta de falar. O aprendiz passa a ter conhecimento de que a
gramática é a construtora do seu discurso e sua ausência fará dos enunciados com os
quais se comunica um arrazoado de frases incompreensíveis. Na verdade o aluno
assistiu às aulas de cunho teórico, porém não assimilou os fatos da língua na
modalidade culta, ou tomou conhecimento desses fatos de forma inadequada.
O resultado é a repetição de regras sem a compreensão dos fenômenos lingüísticos,
vistos de maneira compartimentada, sem que o falante vislumbre a necessidade de
aprender regras e conceitos que ele julga desnecessários.
Desenvolveu-se essa dissertação, embasada nas teorias de variação lingüística e
o projeto de Simões (2005:1) A música e o ensino da língua portuguesa, citadas ao
longo dessa pesquisa e o trabalho empírico necessário para comprovação dos resultados
dessa estratégia de ensino.
Em virtude da realização das aulas com música, pudemos observar a distância da
aprendizagem do aluno e a comunicação escrita e as dificuldades inerentes a esse
afastamento. Constatamos a precariedade da modalidade escrita, a falta de clareza,
principalmente no que diz respeito à coesão e à coerência, transformando o texto em
algo de difícil entendimento ou dúbio.
Ao lado dos impedimentos motivados pelo desconhecimento dos alunos
referentes aos fatos lingüísticos, ficou evidente o estímulo gerado por aulas
diferenciadas, as quais mostraram uma dimensão da língua até então ausente das salas
de aula. A partir das letras-de-música, o estudante passou a entender a língua de forma
mais lúdica, compreendendo-a como o mais perfeito recurso de integração e
comunicação entre os seres humanos.
Procuramos demonstrar as possibilidades variacionais nas músicas, tendo em
vista a importância da língua não só como instrumento de comunicação social, mas
também caminho que perpassa todas as áreas do conhecimento humano.
Verificamos nas turmas em que se fez o experimento, desempenho sofrível na
forma de expressar idéias, salvo algumas poucas exceções. Apesar dos obstáculos
iniciais, acompanhamos a evolução do aluno no que concerne à escrita e ao interesse
crescente para compreender melhor a língua – o objetivo da nossa pesquisa.
Compreenderam que os fatos gramaticais são a língua e que não estão em
66
compartimentos isolados; ora estuda-se a gramática, ora a interpretação de textos, em
outro momento produção de redação – o discente não assimilava que redação e
produção de textos constituem sinônimos, e que todos estes elementos citados estão
imbricados numa língua histórica e de cultura: a língua portuguesa, a língua falada no
Brasil.
Assim, paulatinamente conquistamos o aluno para uma nova visão de língua, em
conseqüência de uma aprendizagem distinta daquela em que se habituou: pautada em
decorar assuntos gramaticais, um simulacro de aprendizado, uma vez que não se
apropriou da gramática na sua aplicabilidade.
Pensamos que um ensino produtivo deve induzir o aluno a relacionar fatos,
analisá-los, sintetizá-los, deduzir, inferir, concluir e saber aplicá-los em situações
diversas de comunicação.
O estudo com letras-de-música propicia essa descoberta que envolve a relação
entre fatos, idéias e valores que emergem das canções, conforme ratifica Simões
(2005:121) ao afirmar que as aulas com música são oportunas porque a partir dos usos
lingüísticos conduzem a discussões das diferenças culturais. É uma demonstração da
aplicabilidade dos fenômenos gramaticais na perspectiva sincrônica, no momento
presente, próximo do aluno.
Procuramos demonstrar por meio das letras-de-música que a língua não se
aprende por automatização, mas por análise crítica, observando a arrumação das
palavras no contexto em todos os aspectos lingüísticos interferentes num texto que
garanta o entendimento do receptor. A ausência de normas ao escrever só pode
representar contestação caso o usuário as conheça.
Mostramos que o processo de aprendizagem apela para a reflexão e o raciocínio,
adapta-se aos estudos lingüísticos e fatos gramaticais, além do desenvolvimento da
apreciação estética a fim de que o aluno veja a beleza da expressão escrita vazada em
letras-de-música.
Trouxemos para o aluno a necessidade de usar a linguagem de modo reflexivo,
tornando-o capaz de analisar as próprias expressões, integrando-o nas resoluções
gramaticais, encaminhando-o na posse da língua.
Em nossa análise, as limitações do conhecimento do aluno não constituíram
obstáculo para o desenvolvimento e conclusão do projeto, uma vez que uma parcela do
alunado mostrou-se favorável a essa estratégia didático-pedagógica de se trabalhar
textos musicais de épocas diferentes.
67
Em razão dessas reflexões, consideramos a pesquisa de relevância para o aluno
compreender a língua na sua diversidade e aprender a usá-la tal qual selecionaria
vestuário para esta ou aquela ocasião, sabendo adequar o uso lingüístico a cada
circunstância que se lhe apresente. Neves (2004:59) valida essas considerações ao
ressaltar que a prática relaciona a linguagem às condições de uso.
Apesar das deficiências lingüísticas observáveis na escrita do discente,
consideramos atingir o propósito dessa pesquisa ao reformular o pensamento
equivocado do aluno relacionado à língua.
Reiteramos que não defendemos um ensino em que se ausente a gramática
normativa, porém um ensino que explicite as variedades lingüísticas com as suas
respectivas gramáticas (cf. Scherre, 2005:138), esclarecendo as distinções entre a
gramática normativa e a língua natural na qual todos se comunicam.
Além das questões discutidas sobre aprendizagem da língua, destaca-se também
o conflito na maneira em que se apresentam os conteúdos gramaticais, não havendo
seqüência lógica, como exemplifica Geraldi (2002:130) que a uma lição sobre
substantivos compostos segue-se uma lição de análise sintática; faltou então uma visão
geral da língua, não houve reflexão a respeito do conteúdo. De fato ocorreu a ausência
da aplicabilidade da teoria gramatical, daí a dificuldade do aluno em aprender a língua.
Por isso, a análise de letras-de-música para a presente pesquisa resultou em
sucesso, porque o aprendiz percebeu a funcionalidade da língua e razões para gostar de
aprender o seu próprio idioma em conformidade com o foco desse trabalho dissertativo.
Isto posto, é possível afirmar que o aluno possui competência lingüística; o
fiasco da aprendizagem deve-se aos equívocos no modo de transmissão dos
conhecimentos lingüísticos, com a idéia de que só o dialeto padrão pode ser ministrado,
excluindo-se os dialetos não-padrão, ao invés de expor as variantes, comparando-as e
mostrando a necessidade de aquisição do primeiro a fim de que o estudante adapte-se às
exigências da sociedade letrada.
É esta a proposta pedagógica em que se fundamentou a dissertação ora em
questão – a teoria das diferenças lingüísticas, (cf. Soares, 1989:70) o bidialetalismo
funcional, norteador desse projeto tendo como base letras-de-música. Atestamos
efetivamente a possibilidade de inverter um ineficiente desempenho do aluno na língua
escrita para uma atuação lingüística mais eficiente.
68
BIBLIOGRAFIA
ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. 2ª ed. 3ª imp. S. Paulo: Ática, 2004.
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da gramática do português. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
AZEVEDO, Ricardo. Meu livro de folclore. 7ª ed. 6ª imp. S. Paulo: Ática, 2003.
BASÍLIO, Margarida. Teoria lexical. 7ª ed. 6ª imp. S. Paulo: Ática, 2003.
BRANDÃO, Helena. MICHELLETI, Guaraciaba (coordenadoras)Aprender e ensinar
com textos didáticos e paradidáticos (vol. 2). S. Paulo: Cortez, (1997).
BECHARA, Evanildo.Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 1ª ed. S. Paulo:
Ática, 1985.
____________ Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2001.
CÂMARA JR. J. Mattoso. UCHÕA, Carlos Eduardo Falcão (org.) Dispersos. ed. rev. e
ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
____________Estrutura da língua portuguesa. 10ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1980.
____________Contribuição à estilística da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ao livro
técnico, 2004.
CARNEIRO, Marísia (org.) Pistas e travessias: bases para estudos da linguagem. Rio
de Janeiro: EDUERJ, 1999.
CARVALHO, Nelly. Publicidade: a linguagem da sedução.3ª ed. 5ª imp. S. Paulo:
Ática, 2003.
____________O que é neologismo. S. Paulo: Brasiliense, 1984.
CALLOU, Dinah & LEITE, Yonne. Como falam os brasileiros. 3ª ed. Rio de Janeiro:
69
Jorge Zahar Editor, 2005.
____________Iniciação à fonética e à fonologia. 9ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2003.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português. 4ª ed. S.
Paulo: Contexto, 2002.
CHIAVEGATTO, Valéria Coelho (org.) Pistas e travessias II: bases para o estudo da
Gramática, da cognição e da interação. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002.
COSERIU, Eugenio. Lições de lingüística geral. Trad. do prof. Evanildo Bechara. Rio
de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2004.
CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português
contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
____________A questão da norma brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
____________Que é um brasileirismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.
DIONÍSIO, Ângela Paiva. MACHADO, Anna Rachel. BEZERRA, Maria Auxiliadora
(orgs.) Gêneros textuais & Ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
FÁVERO, Leonor Lopes. ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O . AQUINO,Zilda G. O .
Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 2ª ed. S.
Paulo: Cortez, 2000.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 24ª ed. Rio de Janeiro: FGV,
2004.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios de militância e
divulgação. 3ª reimp. Campinas, S. Paulo: Mercado das Letras, 2002.
GIBRAN, Khalil Gibran. O profeta. Trad. Mansour Challita. Rio de Janeiro: Record,
s/d
HENRIQUES, Cláudio Cezar. Morfologia portuguesa em perspectiva sincrônica:
teoria e prática. Rio de Janeiro: s / ed. 2003.
HENRIQUES, Cláudio Cezar. PEREIRA Maria Teresa Gonçalves Pereira (orgs)
Língua e transdisciplinaridade: rumos, conexões, sentidos. S. Paulo: Contexto,
2002.
HENRIQUES, Cláudio Cezar. SIMÕES, Darcilia (orgs.) Língua portuguesa: reflexões
sobre descrição, pesquisa e ensino. Rio de Janeiro: Europa, 2005.
____________Língua e cidadania: novas Perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro:
Europa, 2004.
HOUAISS, Antônio. A crise de nossa língua de cultura. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1983.
70
______ O português no Brasil: pequena enciclopédia da cultura brasileira. Rio de
Janeiro: Unibrade, 1985.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo
Paes. S. Paulo: Cultrix, 1989.
KATO, Mary A . No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. 7ª ed. 4ª imp.
S. Paulo: Ática, 2002.
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. 7ª ed. S. Paulo: Contexto,
2001.
KOCH, Ingedore Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual.12ª ed. S.
Paulo: Contexto, 2001.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6ª ed. 10ª imp.
S.Paulo: Ática, 2005.
LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. 4ª ed. S. Paulo: Martins
Fontes, 1998.
LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática da língua portuguesa. 43ª ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2003.
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade. 8ª ed. 7ª imp. S. Paulo: Ática, 2003.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4ª
Ed. S. Paulo: Cortez, 2003.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 19ª ed. 12ª reimp. S. Paulo: Brasiliense,
2005.
MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à estilística: a expressividade na língua
portuguesa. S. Paulo: T. A . Queiroz, 1989.
MOLLICA, Maria Cecília. BRAGA, Maria Luiza (orgs.) Introdução à Sociolingüística:
o tratamento da variação. 2ª ed. S. Paulo: Contexto, 2004.
MONTEIRO, José Lemos. A estilística: manual de análise e criação do estilo literário.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
NEVES, Maria Helena de Moura.
Gramática de usos do português. S. Paulo: UNESP,
2000.
____________Que gramática estudar na escola? 2ª ed. S. Paulo: Contexto, 2004.
OBEID, César. Minhas rias de cordel. 1ª ed. S. Paulo: Moderna, 2005.
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. GAVAZZI, Sigrid (orgs.) Da língua ao
discurso: reflexões para o ensino . Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves (org.) De textos sedutores e de suas possíveis
leituras. Rio de Janeiro: UERJ / Dialogarts, 2000.
71
PRETTI, Dino. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
____________Sociolingüística: os níveis da fala – um estudo sociolingüístico do
diálogo na Literatura Brasileira. 9ª ed. S. Paulo: UNESP, 2000.
RECTOR, Mônica. A fala dos jovens. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
RONCARATI, Cláudia & ABRAÇADO, Jussara. Português brasileiro: contato
lingüístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003.
SANDMANN, Antônio José. Morfologia geral. S. Paulo: Contexto, 1991.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística,
mídia e preconceito. S. Paulo: Parábola Editorial, 2005.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 7ª ed. S. Paulo: Ática,
1989.
SIMÕES, Darcilia. Fonologia em nova chave: considerações metodológicas sobre a
fala e a escrita. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: H. P. Comunicação, 2005.
SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. O português são dois: novas fronteiras, velhos
problemas. S. Paulo: Parábola Editorial, 2004.
TANIGUCHI, Masaharu. Seimei no jisso (A verdade da vida) Gênesis. S. Paulo: s /ed.
1977.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: ensino plural. S. Paulo: Cortez, 2003.
______ et alii. Metodologia e prática de ensino da língua portuguesa. 2ª ed. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1986.
VALENTE, André Crim (org.) Língua, lingüística e literatura: uma integração para o
ensino. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.
YAGUELLO, Marina. Alice no país da linguagem: para compreender a lingüística.
Trad. Maria José Figueiredo. Rio de Janeiro: Estampa Editorial, 1997.
ZILBERMAN, Regina (org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor.
2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
DICIONÁRIOS
CÂMARA JR, J. Mattoso. Filologia e gramática: referente à língua portuguesa. ed.
Rio de Janeiro: J. Ozon Editor, 1973.
____________Lingüística e gramática: referente à língua portuguesa. 24ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
72
CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Análise do discurso.
Coordenação da tradução: Fabiana Komesu. S. Paulo: Contexto, 2004.
CRYSTAL, David. Lingüística e fonética. Trad. Maria Carmelita Pádua Dias. ed.
rev.e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio eletrônico século XXI, versão 3.0.
Rio de Janeiro: Lexicon Informática e Nova Fronteira, 1999.
HOUAISS, Antônio. Dicionário da língua portuguesa. ed. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.
NASCENTES, Antenor. Dicionário de sinônimos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira,1981.
OUTRAS FONTES
JORNAL, O GLOBO: segundo caderno: Língua – Quem pode fala, quem não pode
repete. 1º de abril de 2005.
____________Opinião: o programa Fala Zero. 08 de maio de 2005.
PROJETO A música e o ensino da língua portuguesa. SIMÕES, Darcilia. Rio de
Janeiro: UERJ, 2005. (disponível em www.darcilia.simoes.com)
REVISTA MPB. Compositores, nº 23 e 36. Rio de Janeiro: Globo, 1997.
CD. Lupicínio Rodrigues. MPB Compositores, 1997.
____________Wilson Batista. MPB, Compositores, 1997.
____________Chico César – Aos vivos, 1995.
____________Zeca Pagodinho. Deixa a vida me levar, 2002.
____________Zeca Baleiro. Por onde andará Stephen Fry? 1997.
____________Zeca Baleiro. Vô imbolá. 1999.
73
SILVA, Virginia Candido. A música popular brasileira: instrumento de compreensão
das diferenças lingüísticas. Aplicação didático-pedagógica das variações presentes
nas letras-de-música de diferentes períodos. Dissertação de mestrado orientada pela
Prof.ª Dr.ª Darcilia M. P. Simões. UERJ, 2007/1.
RESUMO
Esta dissertação desenvolve considerações a respeito da
língua portuguesa falada no Brasil, tendo como base a
teoria das diferenças lingüísticas. Em nossa pesquisa,
escolhemos usar letras-de-música para corpus de trabalho,
por considerá-las um gênero de ampla circulação social,
no qual as variações lingüísticas se manifestam.
Verificamos que este procedimento facilita o ensino da
língua materna, estimulando no aluno a construção do
conhecimento de maneira consciente e participativa, além
de suscitar a reflexão e o raciocínio. A aprendizagem
através de letras-de-música mostrou-se, ademais,
adequada aos estudos lingüísticos – os fônicos, os
semânticos e a gramática em geral – como fenômenos
presentes em todas as variantes, com as distinções
pertinentes ao que é denominado padrão e não-padrão.
procuramos no decorrer de nossa exposição, ressaltar a
importância de um trabalho docente que conduza o aluno à
percepção das diferenças lingüísticas, de maneira que
saiba utilizá-las em situações diversas de comunicação.
Palavras-chave: língua – variação lingüística – letras-de-música
74
SILVA, Virginia Candido. La musique populaire brésilienne: un instrument
pour la compréhension des différences linguistiques?
. Aplicação didático-
pedagógica das variações presentes nas letras-de-música de diferentes períodos.
Dissertação de mestrado orientada pela Prof.ª Dr.ª Darcilia M. P. Simões. UERJ,
2007/1.
RÉSUMÉ
Cette dissertation à l’étude de la langue portuguaise parlée
au Brésil, em pernat pour base la théorie des différences
linguistiques. Pendant notre recherche, nous avons choisi
d’ utiliser, comme corpus de travail, des textes de
chansons populaires, pour les considérer un genre d’ample
circulation sociale, où se manifestent les variations
linguistiques. Nous avons verifié que ce processus
facilitait l’enseigment de la langue maternelle, en
stimulant chez l’elève la construction du savoir de maniére
consciente et participative, tout en dèveloppant la
réflection et le raisonnement. L’apprentissage par le
moyen de textes de chansons c’est montré, en outre,
adéquat aux études linguistiques – phonétiques,
sémantiques et grammaticales en général – comme
phénoménes présents dans toutes les variantes, avec les
distinctions pertinentes à ce qui est dénommé language
cultive et non-cultivé. Dans les cours de cet exposé, nous
avons cherché à souligner l’importance du travail du
professeur dans le sens de conduire l’éléve à percevoir les
différences linguistiques, pour qu’il sache les utiliser dans
diverses situations de communication.
Mots-clé: langue – variation linguistique – musique populaire
75
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Darcilia Simões
Orientadora
UERJ
Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Gonçalves Pereira
Titular
UERJ
Prof.ª Dr.ª Rosane dos Santos Mauro Monnerat
Titular
UFF
Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu
Suplente
UERJ
Prof. Dr. Manuel Ferreira da Costa
Suplente
Colégio Pedro II
Data: 8 de março de 2007
Horário: 14 horas
Local: Instituto de Letras – 11.º andar
Nota obtida:
Situação Final:
76
ANEXOS
A seguir, estão dispostas as atividades da forma em que foram realizadas
pelos alunos.
Selecionamos trinta e cinco trabalhos coletados em períodos diferentes:
2005 e 2006. Os primeiros como textos opinativos concernentes às aulas com música;
os segundos organizados como redacionais com inserção de fatos lingüísticos e
gramaticais analisados ao longo do ano letivo.
Observem o uso sofrível da língua escrita sobre a qual vimos inferindo no
decurso desse trabalho dissertativo. Apesar da dificuldade na modalidade escrita da
língua, notamos a vontade de aprender e o capricho com que cumpriram as tarefas.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo