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desaparecendo, ou seja, as inovações técnicas e científicas influenciaram na vida da
população mudando certos hábitos e costumes. No entanto, não podemos atribuir o
desaparecimento de certas tradições unicamente às influências da modernidade, já
que a população tem capacidade de resistir às mudanças. Mesmo modificados em
certos aspectos muitos costumes e tradições permanecem.
Contudo, as manifestações culturais, as formas de diversão, ativas ou não
mantêm-se vivas nas memórias dos narradores, constituindo um elo vivo com o
presente. As lembranças das festas e diversões emergem nas falas dos
entrevistados quase sempre como um momento de grande alegria e, como enfatizou
Benjamin (1993, p. 222-223), ―a felicidade capaz de suscitar nossa inveja está toda
no ar que já respiramos‖. Assim, as reminiscências são reelaboradas e revividas de
uma forma capaz de dar as suas vidas certo sentido, atenuando insatisfações,
conflitos e tristezas experimentados no passado.
Nas reminiscências sobre as festas e diversões, as mais lembradas
foram a burrinha, o brinquedo de roda, o bumba-meu-boi, as rezas, os sambas, as
―cantorias‖, o quebra-pote, o pau de sebo
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, as reuniões nas vendas ou nas suas
portas, a festa junina, as festas da escola e os passeios dominicais, quando
percorriam os caminhos da roça para visitarem amigos ou parentes. Nesses
momentos a comunidade se reunia abrindo um espaço privilegiado de sociabilização
e afirmação de valores e práticas construídas socialmente por aquele grupo. Esses
aspectos foram lembrados por Sr. Pedro:
Tinha muita diversão naquele tempo. Cantava brinquedo de roda,
chamado brinquedo de roda, aquelas música contava pra dizer
verso, sabe? A pessoa desfiava os versos, pra maltratar, tanto pra
agradar como pra maltratar as pessoas, entendeu? Entrava o
desafio. O brinquedo de roda. Tinha sala de dança, entendeu. Existia
a cantoria de tirania, cantar coco, tirania, essa coisa toda. Tudo era
diversão do povo. Naquele tempo, parece que o pessoal era mais
alegre do que hoje. Era um pobre, mais pobre, que era um pobre
mesmo! Mas a alegria era grande, naquela época, a alegria era muito
grande. Eu cansei de fazer em adjunto pra manocar fumo, vinha
aquele grupo todo de gente pra quando terminar a manocação de
fumo cantar roda até o dia amanhecer. Cantando e dançando, sabe
na sala. Fazia reunião pra pilar café, pra depois fazer algum samba.
Já não era dança, era samba, entendeu. Sempre quando rezava uma
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Segundo os entrevistados, o quebra-pote consiste em quebrar vasos de barro recheados de doces
ou dinheiro com um porrete, por algum participante que tem os olhos vendados. Já o pau de sebo é
tronco de árvore besuntado com sebo, que tem no cume uma premiação, aquele que conseguir subir
até o alto fica com o prêmio.