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“iam explicando como podiam essas coisas novas e complicadas que descobriam”,
(TREVISAN, 1982, p. 27) todas as questões relacionadas ao sexo e ao prazer
acabavam sendo tomadas por grandes Mistérios. E de acordo com o narrador-
entrevistado, naquele tempo os mistérios estavam em todos os lugares do
Seminário: Mistérios Gozozos
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, Mistérios Dolorososos e Mistérios Gloriosos:
Mistérios gozozos era quando se conseguia ficar um pouco junto do
próximo muito amado sem que ninguém notasse nem criticasse o
teor da paixão; era um mistério gozozo, também, andar ao lado dele
no campo de futebol (...)
Os mistérios dolorosos eram chatos, ruins: quando se sentia
saudades demais e não havia consolo possível (...) mas, o mistério
mais doloroso de todos era amar o próximo com toda a alma e, por
causa disso, cometer o pecado contra a castidade – como pensar no
próximo pelado ou pegar na mão do próximo disfarçadamente ou, já
enlouquecido de amor, apalpar o pinto do próximo amadíssimo,
durante uma projeção de filme...;
Os mistérios gloriosos aconteciam muito pouco. Era quando um
menino amava o próximo como a si mesmo e o próximo também o
amava como a si mesmo, e podiam guardar o segredo entre si, com
toda confiança, e amar-se incansavelmente, sem medo. (idem p. 28)
Redefinida nos seus pormenores na passagem acima, a trindade do Santo
Rosário
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é interpretada pelos seminaristas de modo todo próprio, afinal de contas,
“os mistérios eram coisas para além da imaginação dos eleitos” (idem, p.26). O jogo
ficcional criado por Trevisan leva a narrativa a se apropriar deste discurso religioso
de forma tão irreverente (ou seria melhor dizer sacrílega?) e serve para informar ao
leitor sobre toda a complexidade que movia estes meninos na busca de suas
satisfações (carnais ou não), e de como essa busca acaba sendo uma prática
rotineira e driblada com muita facilidade por eles. O sexo, deste modo, acaba por se
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Estamos reproduzindo a palavra conforme está escrita no romance e em alguns documentos da Igreja Católica.
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A oração do Santo Rosário surgiu mais ou menos no ano 800 à sombra dos mosteiros, como Saltério dos
leigos. Em 1365 fez-se uma combinação dos quatro saltérios, dividindo as 150 Ave Marias em 15 dezenas e
colocando um Pai nosso o início de cada uma delas. Em 1500 ficou estabelecido, para cada dezena a meditação
de um episódio da vida de Jesus ou Maria, e assim surgiu o Rosário de quinze mistérios. O Santo Rosário é
considerado a oração mais perfeita. Fonte:
http://www.acidigital.com/rosario/