voltavam, prioritariamente, para o ensino superior
32
. É, portanto, dentro desse quadro que
veremos a continuidade e a exclusividade dos fundamentos educacionais
33
implementados
no país, desde a época da colonização, pela Companhia de Jesus:
Foi ela, a educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de
classe, com as características que tão bem distinguiam a aristocracia rural
brasileira, que atravessou todo o período colonial e imperial e atingiu o
período republicano, sem ter sofrido, em suas bases, qualquer
modificação estrutural, mesmo quando a demanda social de educação
começou a aumentar, atingindo as camadas mais baixas da população e
obrigando a sociedade a ampliar sua oferta escolar (Romanelli, 2002, p.
35).
Dessa forma, com a República recém-implantada, o sistema de ensino do país
permanece praticamente o mesmo, deixando, assim, bastante visíveis as distorções sociais,
econômicas e culturais geradas pela antiga ordem: no período pós-abolição, a maioria da
população, às voltas com problemas relacionados à saúde, trabalho e moradia, não era
sequer alfabetizada
34
.
Assim, o escritor apontava para a ausência de medidas educacionais efetivas para
combater o mal do analfabetismo, um dos muitos efeitos do sistema escravocrata sobre a
32
Importa aqui ressaltar aquilo que, nesse momento, estamos convencionando como ensino superior.
Certamente, não é o que experimentamos nos dias atuais, o qual tem suas origens, como veremos no decorrer
desse trabalho, na criação em 1934, da Universidade de São Paulo. Aqui estamos tratando de um ensino
voltado para a formação de bacharéis que se alicerçava no culto à retórica e na importação e apropriação de
saberes europeus. Nesse contexto, mais uma vez, vemos a incrível dissonância, apontada brilhantemente por
Roberto Schwarz, entre a aspiração, pela sociedade da época, do ideário burguês moderno e a completa
incompatibilidade dessas idéias com o contexto brasileiro definido pela escravidão, pela arbitrariedade e pela
prática do favor (cf. Schwarz, 1977). Assim, numa sociedade marcada pelo clientelismo, pela auditividade,
pelo verbalismo utilitário de políticos e bacharéis e pelo caráter ornamental do saber e da cultura,
encontramos, conseqüentemente, a esterilidade do pensamento desses indivíduos – que, além de
numericamente escassos, eram meros reprodutores de ideologias impróprias – pois não recebiam qualquer
educação de tipo reflexivo. Será, portanto, nesse bojo que se perpetuará entre nós o êxito de obras que, como
veremos ainda nesse capítulo, exploravam o nacionalismo ou que moderavam a visão do passado.
33
Sobre tais fundamentos, recorremos ao estudo de Roberto Acízelo de Souza sobre o papel exercido pela
retórica e pela poética no Brasil oitocentista, no qual o autor chama a atenção para a importância, entre nós,
do ensino de caráter humanístico realizado pelos jesuítas: “[...] o conceito de humanismo é de extração
pedagógica, designando um ideal de educação voltado para a formação integral do homem, distinto, assim, do
propósito de preparar os indivíduos para o exercício de tarefas especializadas” (Souza, 1999, pp. 22-23).
Nesse sentido, por meio desse estudo, podemos verificar que o “sistema de ensino do período imperial
conserva os fundamentos instituídos antes da independência, sem embargo do surgimento das primeiras
escolas superiores profissionalizantes” (op. cit., p. 25).
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Já vimos que o fato de a ordem escravocrata no Brasil ter se estendido sobre todas as camadas sociais, fez
com que toda a vida do país girasse em torno de uma legislação discriminatória: escravos e libertos não
tinham direito à cidadania, portanto, eram destituídos de todo e qualquer direito à escolarização. Assim, essa
parcela da população formará no século XX um enorme contingente de analfabetos.
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