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Liana de Andrade Biar
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura: Uma
análise sociocognitiva do uso das repeticões no discurso de
Fernando Collor
Rio de Janeiro
2007
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Liana de Andrade Biar
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura: Uma
análise sociocognitiva do uso das repetições no discurso de
Fernando Collor
Dissertação apresentada como
exigência parcial para obtenção do
título de Mestre pelo Programa de
Pós-graduação em Letras—área de
concentração em Lingüística— do
Instituto de Letras da UERJ.
Orientação: Profa. Dra. Tânia Maria
Gastão Saliés.
Rio de Janeiro
2007
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
B579 Biar, Liana de Andrade.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura: uma análise
sociocognitiva do uso das repetições no discurso de Fernando Collor /
Liana de Andrade Biar. – 2007.
148 f. : il.
Orientador : Tânia Maria Gastão Saliés.
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Letras.
1. Análise do discurso – Aspectos políticos – Teses. 2. Semântica
– Teses. 3. Repetição (Retórica) - Teses. 4. Oratória política – Teses.
5. Collor, Fernando, 1949- - Discursos, alocuções, etc. I. Saliés, Tania
Maria Gastão. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto
de Letras. III. Título.
CDU 82.085
Liana de Andrade Biar
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura: Uma
análise sociocognitiva do uso das repetições no discurso de
Fernando Collor
Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Letras, área de concentração
em Lingüística, do Instituto de Letras da UERJ. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Professora Doutora Tânia Maria Gastão Saliés
Orientadora
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Professora Doutora Tânia Maria Granja Shepherd
Presidente da Banca
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Professora Doutora Valéria Coelho Chiavegatto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Professora Doutora Bárbara Wilcox Hemais
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Professora Doutora Anna Elizabeth Balocco
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo - suplente
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Ao meu querido Francisco, a quem devo
as próximas horas de ócio...
Agradecimentos
À minha querida orientadora Tânia Saliés, por despertar em mim o interesse pelos
Estudos da Linguagem, pela generosidade na condução desta orientação, e por
inspirar, graças a tanta competência e dedicação, o projeto do que quero ser.
Aos demais professores do mestrado em Lingüística da UERJ, em especial à prof.
Tânia Shepherd, pelo apoio e pela gentileza de presidir a banca.
À prof. Mônica Piccolo Almeida, por compartilhar seu acervo e me introduzir na
temática das ‘eleições’.
A todos os colegas que compartilharam comigo esta etapa, trocando idéias, dúvidas,
ansiedades e, claro, pelos momentos de diversão.
Ao Marcelo, pelo companheirismo de sempre.
À FAPERJ, pelo auxílio concedido.
Os assíndetos e as freqüentes repetições da
mesma palavra são justamente censurados no
discurso escrito, embora nos debates os próprios
oradores a eles recorram, pois são os meios
próprios da ação.
(Aristóteles. Arte Retórica)
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Ditado Popular
Resumo
Biar, Liana de Andrade. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura: Uma
análise sociocognitiva do uso das repetições no discurso de Fernando Collor. Rio de
Janeiro, 2007. 148 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Instituto de Letras,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Lançando um olhar sociocognitivista sobre um fenômeno geralmente estudado
sob outros pontos de vista (textual e interacional), este estudo descreve as funções
sociocognitivas das repetições lexicais e sintáticas em um contexto socialmente
situado: o discurso político de Fernando Collor datado das eleições de 1989. Tendo
em vista os fatores de ordem pragmática que emergem desse contexto, principalmente
o propósito comunicativo, combinamos bases teóricas em Processamento do Discurso
e Semântica Cognitiva para construir hipóteses que explicassem a saliência das
repetições no discurso político de Collor. A análise qualitativa dos dados aponta para
o uso da repetição enquanto estratégia lingüístico-discursiva útil na construção
argumentativa e na diminuição do custo de processamento do discurso, alinhando-se,
portanto, aos propósitos de convencimento e alcance das massas.
Palavras-chave: Repetições; Discurso político; Custo de processamento;
Processo de categorização; Projecão metafórica; Mesclagem; Perspectivacão
.
Abstract
Departing from traditional analyses of repetition (textual and interactional),
this study analyzes it within the light of Cognitive Linguistics. Its objective is to
describe the sociocognitive functions of lexical and syntactic repetitions in a situated
context: The political discourse of Fernando Collor de Melo, during the 1989
election campaign in Brazil. Given the pragmatic factors that emerge in such a
context, mainly its communicative purpose, the study combines literature in
Discourse Processing and in Cognitive Semantics to construe probable hypotheses
that can account for the salience of repetitions in the political discourse under
examination. Qualitative analysis renders repetition a linguistic-discursive strategy
useful for the construction of arguments and for decreasing the cost of discourse
processing. Therefore, a very useful strategy to reach, persuade, and convince the
masses.
Keywords: Repetition; political discourse; cost of processing;
categorization; blelnding; perspectivization; metaphorical projection.
Lista de Figuras
Figura 1 – Rede de elos entre as repetições de ‘político’ 26
Figura 2 – Organização “radial” das categorias 59
Figura 3 – Projeção entre espaços mentais 62
Figura 4 – Mescla ‘a escravidão do desemprego’ 63
Figura 5 – Mescla ‘eloqüência é mentira’ 99
Figura 6 – Mescla ‘sociedade de privilégios é sociedade de desenganos’ 100
Figura 7 – Mescla ‘ter privilégios é adoecer o país’ 102
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Comparação entre as taxonomias de coesão 24
Tabela 2 – Coeficientes de coesão lexical de um fragmento do corpus 26
Tabela 3 – Lista de adesões do exemplo (1) 27
Tabela 4 – Lista de adesões por período (centralidade) do exemplo (1) 28
Tabela 5 Perfil do estudo 67
Tabela 6 Perfil do corpus 70
Tabela 7 – Intenções de voto no primeiro turno 72
Tabela 8 – Distribuição de quadros no programa do PRN 74
Tabela 9 – Caracterização ‘escrito/falado’ para o discurso do corpus 78
Tabela 10 – Descrição dos movimentos retóricos e sua freqüência 81
Tabela 11 – Resumo dos procedimentos de análise 83
Sumário
1. Introdução 13
2. Construindo o objeto de investigação 19
2.1. As repetições na Retórica 19
2.2. As repetições na textualidade 20
2.3. As repetições na Estrutura da Informação 28
2.4. As repetições nas abordagens discursivas 36
2.5. As repetições no texto literário 40
2.6. As repetições nos estudos semânticos 42
2.7. Resumo 43
3. As repetição sob um olhar sociocognitivo 44
3.1. O processamento do discurso 44
3.1.1. Limitações da memória de trabalho 45
3.1.2 Perspectivas funcionais da frase 45
3.1.3. Processos cognitivos na distribuição da informação 47
3.1.4. Recursos cognitivos no processamento do discurso 49
3.1.5. A Relevância e o custo de processamento 51
3.2. A hipótese sociocognitiva 52
3.2.1. Premissas básicas 53
3.2.2. Mecanismos cognitivos de construção de sentido 54
3.2.2.1. A categorização na Semântica Cognitiva 56
3.2.2.2. Processos de re-categorização: mesclagem 60
3.2.3. A perspectivação 64
3.3. Resumo 65
4. Considerações metodológicas 68
4.1. O banco de dados 69
4.1.1. As eleições de 1989 enquanto prática social 70
4.1.2. O gênero ‘discurso político-eleitoral’ 74
4.2. Procedimentos de pesquisa 82
4.3. Procedimentos de análise 83
5. As repetições no discurso de Fernando Collor 85
5.1. Argumentação 86
5.2. Processamento do discurso 93
5.3. Processo de mesclagem 97
5.4. Resumo 103
6. Considerações finais 105
7. Referências bibliográficas 110
Anexo A 117
Anexo B 118
13
1. Introdução
A eleição presidencial de 1989 é comumente considerada uma das mais
importantes da história da política brasileira contemporânea. Além de marcar o
processo de redemocratização pós-ditadura militar, a campanha eleitoral
caracterizou-se de maneira particular, consolidando uma nova forma de se fazer
propaganda política no Brasil, protagonizada, agora, pelos meios de comunicação
em massa, agentes e veículos da disputa pelo poder
1
.
A comunicação para as massas pressupõe uma organização e,
conseqüentemente, uma linguagem facilmente assimilável a ponto de expandir seu
potencial de alcance ao máximo possível. De acordo com Lima (1969), a cultura
de massa se dicotomiza com a cultura escolarizada, ou de aprendizagem formal.
Historicamente, surge do esmaecimento da cultura folclórica rural das camadas
populares, que, urbanizando-se devido aos processos de industrialização, o fazem
sem que uma nova cultura oriunda dessas novas condições se funde. Por isso, está
atrelada à economia de mercado e à conseqüente formação de um público
consumidor emergente das novas condições de produção. A mass media, suporte
tecnológico para as novas formas de comunicação que surgem desse processo,
caracteriza-se pela multimodalidade, a diferença de nível entre produtores e
consumidores e uma certa onipresença que independe da procura pela informação.
Além disso, e principalmente por isso, a mass media estabelece quantidades, o que
força a linguagem a ajustar-se ao lema “seja simples” (“make it easy” [Lima:
1969: 32]). A propaganda política vem se ajustando a esse lema e, dialogicamente,
co-construindo essa demanda por recursos lingüístico-discursivos capazes de
make it easy. Essa é uma idéia central para a presente dissertação.
Foi a partir do ano de 1989 que a mídia tornou-se o grande palanque das
campanhas no Brasil, e a propaganda passou a fundamentar-se na veiculação de
imagens atraentes, construídas, em geral, por empresas especializadas em
1
Fenômeno conhecido como “espetacularização da política” (Albuquerque, 1996).
14
marketing político e no “make it easy”. Emergindo desse contexto, a figura de
Fernando Collor de Mello, lançado por uma legenda inexpressiva, meteoricamente
atinge os primeiros lugares de todas as pesquisas de intenção de voto, chegando à
presidência, que ocupou até 1992, quando renunciou após aprovação de um
processo de impeachment.
A relevância histórica da campanha de 89, aliada ao instigante fenômeno
Collor, fez disparar, na comunidade científica brasileira, até então sem tradição no
estudo de processos eleitorais, uma série de trabalhos nas áreas de comunicação e
ciências sociais dedicados a considerar as relações entre a propaganda política e o
fenômeno eleitoral (Albuquerque, 1996; Carvalho, 1994; Souza, 1993; Tavares,
1999).
Albuquerque (1996), por exemplo, analisa os programas de Collor, Lula e
Afif no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral na televisão, tendo em vista
todos os fatores que derivam do caráter fundamentalmente televisivo dos
programas. A proposta visa a considerar a discussão temática desenvolvida nos
programas, a construção da imagem dos candidatos e a representação de seus
adversários; mas não há categorias de análise específicas nem rigor metodológico
na condução do estudo. Não há também qualquer análise de discurso verbal. Na
conclusão, o autor destaca que os programas de Collor caracterizaram o candidato
como “dotado de atributos heróicos, de uma coragem excepcional” e descreve a
relação do candidato com os eleitores / telespectadores como estruturada “com
base na autoridade do primeiro com relação a estes últimos” (idem: 264).
De modo semelhante a Albuquerque (1996), Carvalho (1994) apresenta uma
análise do uso que os dez candidatos votados em 89 fazem da propaganda política,
tendo em vista suas plataformas e respectivas estratégias de campanha. A
investigação tem como corpus 25 dias de HGPE
2
, catalogados em fichas nas quais
foram registrados os discursos de campanha, e descritas as imagens
correspondentes. Apesar do material lingüístico-semiótico, a análise empreendida
se dá apenas ao nível de conteúdo. Os temas dos discursos são agrupados em
domínios temáticos, e são analisadas as estratégias de autopromoção, as
mecânicas de ataque e defesa bem como a influência das pesquisas apresentadas.
2
Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.
15
Sousa (1993), diferentemente dos autores mencionados anteriormente, não
foca seu trabalho especificamente no discurso do(s) candidato(s), mas realiza uma
análise genérica do uso do HGPE na campanha presidencial de 1989. O que a
autora apresenta de mais relevante para nosso estudo é a informação de que em
1989 houve uma mudança radical nas campanhas, que passaram a se utilizar de
novos formatos e referências a imagens televisuais. Os programas passaram a se
apropriar de formatos característicos da programação de horário nobre, como o
telejornalismo e a telenovela. A análise em si é uma comparação da campanha
brasileira de 89 com a americana de 1982. Como a comparação se dá em relação
ao conteúdo da propaganda política, foge ao escopo do presente trabalho.
Essas obras, referenciais para o tratamento do tema, inspiraram nossas
reflexões iniciais, mas se distanciam muito do tipo de análise que pretendemos
empreender neste estudo, especialmente porque não abordam o objeto lingüístico
em seus percursos metodológicos. Nesse sentido, o trabalho de Tavares (1999)
pode ser considerado o mais próximo do nosso, já que este efetivamente analisou
as pistas semiológicas na tentativa de explicar o fenômeno Collor. O estudo
descreveu o discurso visual da trajetória política do ex-presidente, desde a
campanha até o impeachment, a fim de apreender o que constitui marcadamente a
imagem de Collor. O objetivo da autora foi revelar como se constrói a aura
“mítico-heróica” que circundou Collor, tendo como corpus um conjunto
fotográfico, onde as “práticas significantes de ordem visual” (comportamentos,
gestos, posturas e expressões) foram analisadas. Tavares busca, com isso, também
descrever o percurso político de Fernando Collor como personagem de um
espetáculo, cujo bem de valor básico era a aparência, o que o transformava em um
“narciso moderno”.
Na tentativa de explorar, agora do ponto de vista lingüístico-discursivo,
estratégias presentes no discurso de Collor, nos debruçaremos sobre um recurso
lingüístico específico que nos pareceu saliente ao olhar qualitativo: a repetição.
Dada a sua saliência, parece-nos que tal recurso assume relativa importância
frente às estratégias que evidenciam a relação entre o discurso político e o
potencial de alcance às grandes massas no caso dos discursos analisados.
Acreditamos que estudos posteriores a este poderiam vir a explorá-la enquanto
característica de gênero, presente em discursos políticos em geral.
16
O corpus selecionado para a análise soma 7.471 palavras e consiste na
transcrição das falas do candidato nos três primeiros programas políticos levados
ao ar, em rede nacional, em 1989. Tais programas foram selecionados devido à
importância que exerceram no processo de ascensão de Collor. Entre a exibição
do primeiro e do terceiro programa, o então candidato passou de nove (9%) a
trinta e dois por cento (32%) das intenções de voto do eleitorado, posição em que
permaneceu até o fim da campanha.
Ao longo de nossos contatos iniciais com o corpus, como já dito, as
repetições apareceram como uma estratégia recorrente. A revisão de literatura
sobre o tema freqüentemente relaciona as repetições a recursos de coesão textual,
de retomada de referentes e recorrência (por exemplo, Halliday e Hasan, 1980;
Halliday, 1994; Hoey, 1991; Fávero, 2004; Koch & Travaglia, 1989; Koch, 2005).
Já as pesquisas de natureza interacional e discursiva, como as de Tannen (1989) e
Johnstone (1987; 1991), trabalham, respectivamente, com as hipóteses de as
repetições atuarem como estratégia de envolvimento e de retórica. Entretanto,
baseando-nos em estudos de ordem sociocognitivista, especialmente nas teorias
sobre organização da informação e processamento de discurso (Chafe, 1987;
Givón, 1995; Saliés, 1997), desenvolvemos a hipótese segundo a qual as
repetições lexicais e sintáticas funcionariam como um recurso discursivo que
diminui o custo de processamento, tornando, assim, o discurso bem mais acessível
às massas – função esta intimamente relacionada aos propósitos da
espetacularização política.
Assim sendo, a contribuição que este estudo pode vir a oferecer à área dos
Estudos da Linguagem em contextos socialmente situados pode estar nas funções
que a estratégia lingüística das repetições apresenta nos discursos aqui estudados,
uma vez que os trabalhos já existentes sobre repetição não a analisam
sistematicamente como uma característica recorrente nos discursos políticos, nem
prevêem a correlação existente entre esse recurso e teorias de custo de
processamento do discurso ou o fenômeno da comunicação de massa.
Dentre as formas que a repetição pode assumir, em um continuum que vai
da repetição lexical idêntica até a repetição apenas da estrutura sintática, chamou-
nos atenção certa configuração de paralelismos sintáticos, que, variando sobre
uma base comum, acionam processos de re-categorização, disparados pela pista
sintática. Esse processo, que parece gerar a inferenciação de certas construções
17
epistêmicas centrais na argumentação do candidato, nos fez recorrer, além dos
estudos sobre repetição e processamento do discurso, a uma revisão bibliográfica
em Semântica Cognitiva e processos de categorização (por exemplo, Lakoff,
1987, 1990; Taylor, 1991; Berlin & Kay, 1969; Rosch, 1973; Faucconier &
Turner, 2002). Tais estudos contribuíram para o desenvolvimento de uma
segunda hipótese de trabalho, segundo a qual as repetições sintáticas seriam pistas
que acionam mecanismos de re-categorização por mesclagem, pela associação de
elementos via posição similar na estrutura sintática. São essas as hipóteses que
vamos investigar.
A questão do custo de processamento torna-se central numa campanha que
se baseia na comunicação de massa. Desde os primórdios dos estudos retóricos
(Aristóteles s/d), “facilitar a compreensão” constitui-se como uma estratégia
retórica típica dos discursos públicos orais. Por essa razão, pelos efeitos
contextuais gerados a partir do uso das repetições, julgamos pertinente que toda a
análise destas fosse norteada por orientações de natureza pragmática, para que não
se perdesse de vista a relação íntima entre essas e as especificações decorrentes do
gênero e da situação comunicativa. Sendo assim, exploramos os elementos
retóricos dos quais se compõem os discursos político-eleitorais, o propósito
comunicativo, a identidade dos interlocutores, bem como o modo/suporte da
comunicação. Com isso, esperamos produzir uma análise compatível com o
arcabouço teórico selecionado, comumente alinhado à idéia de que a linguagem
não se dissocia de seus efeitos e produtos contextuais. A linguagem não só
materializa como produz os processos sociais e cognitivos que lhe dão substância.
Isso quer dizer que, do ponto de vista da produção, as escolhas lingüístico-
discursivas se dão em função das variáveis contextuais e situacionais.
Aparentemente, usar repetições é utilizar-se de uma estratégia situada para fins
específicos. Do ponto de vista da compreensão, as pistas lingüístico-discursivas
parecem instruir uma dada maneira de conceptualizar o mundo. Se essa hipótese
for confirmada, poderíamos dizer, por inferência, que processar as repetições é co-
construir uma ação política alinhada com a proposta do candidato.
Já com relação à construção das mesclas possivelmente engendradas pelos
paralelismos sintáticos, exploramos as variáveis contextuais a partir do conceito
de perspectivação (Langacker, 1991; Taylor, 1991). A perspectivização
corresponde à noção de ponto de vista, de subjetividade guiada pelos modelos
18
ideológicos. As mesclas constroem um ‘mundo possível’ perspectivado, sob a
égide daquele que detém a palavra, o “turno” no jogo político.
Portanto, o objetivo geral deste estudo é contribuir para as discussões acerca
da relação entre o domínio “micro”, eminentemente lingüístico-discursivo e o
domínio “macro”, contextual, mostrando a retro-alimentação entre estrutura e
superestrutura. O objetivo específico é investigar o papel das repetições no
contexto socialmente situado do discurso político-eleitoral de Fernando Collor, na
tentativa de teorizar sobre sua proeminência e de explicar como elas, as
repetições, alinham-se com as funções potenciais do discurso político em geral.
Acrescentando aos achados de Johnstone (1987; 1991), Tannen (1989),
Marcuschi (1990;1992) e Koch (2005), parece-nos que fatores como custo de
processamento, envolvimento e argumentação protagonizam a explicação
sociocognitivamente situada de um recurso comumente tratado na literatura
lingüística como mero recurso coesivo.
Para tal, organizamos esta dissertação conforme o percurso empreendido em
nossa investigação. No capítulo 2, revisamos os estudos existentes na literatura
sobre o fenômeno das repetições, desde a Retórica de Aristóteles até os mais
recentes, que abordam explicitamente funções coesivas, discursivas ou
interacionais como os Halliday & Hasan (1980); Fávero (2004); Tannen (1989),
Johnstone (1987; 1991), Marcuschi (1990;1992) e Koch (2005), entre outros.
Constatada a saliência dos aspectos formais sobre os funcionais em boa parte das
taxonomias existentes, bem como a necessidade de se sistematizar as funções
sociocognitivas do fenômeno, o capítulo 3 trata especificamente de princípios e
conceitos em processamento de discurso e semântica cognitiva, os quais nortearão
a análise do corpus. No capítulo 4, explicitamos os passos metodológicos que nos
permitiram responder a seguinte pergunta de pesquisa: qual o papel das repetições
no discurso político de Collor? Para isso, no entanto, ainda no capítulo 4, foi
necessária uma descrição do contexto das eleições de 1989, bem como do gênero
‘discurso político-eleitoral’, suas características e movimentos retóricos. No
capítulo 5, apresentamos os resultados da análise e a discussão desses à luz da
revisão empreendida nos capítulos 2 e 3, e, finalmente, no capítulo 6, tecemos as
considerações finais sobre a pesquisa, escolhas teórico-metodológicas,
contribuições e limitações.
19
2. Construindo o objeto de investigação
Na história dos estudos lingüísticos, as repetições no discurso falado e
escrito já foram descritas em termos de formas e funções por diferentes autores e
correntes lingüísticas. Este capítulo objetiva dar conta dessas abordagens e dos
diferentes tratamentos que as repetições enquanto fenômeno discursivo-textual
têm recebido, desde os estudos clássicos de Retórica aristotélica até as teorias
funcionalistas e cognitivistas que a concebem como um mecanismo básico de
estruturação do discurso. Com isso, pretende-se delimitar metodologicamente as
repetições enquanto objeto de investigação deste estudo.
2.1. As repetições na Retórica
As repetições nos discursos públicos já se apresentavam como um
fenômeno de interesse dos estudiosos desde a Antigüidade. Aristóteles
3
(s/d),
desde a Retórica, já tratava das repetições no discurso político/jurídico enquanto
um recurso oratório. Em tom prescritivo quanto às qualidades do estilo,
Aristóteles afirma que estas, as qualidades, se concentram na clareza: “se o
discurso não tornar manifesto seu objeto, não cumpre sua missão” (s/d:176).
Entretanto, o objeto do discurso só se torna claramente manifesto quando se
apresenta imbuído de certo potencial facilitador: “a arte deverá dissimular-se e
não parecer afetada, mas natural, só com esta condição se conseguirá persuadir, se
não, provoca-se o efeito contrário” (idem). Para isso, usam-se artifícios colhidos
da linguagem ordinária
4
, só devendo o orador servir-se de termos “estranhos” à
linguagem ordinária em raras ocasiões. Segundo Aristóteles, o uso exagerado de
3
Aristóteles. Arte retórica e poética: trad. Antonio P. de carvalho. Rio de Janeiro: Ediouro. s/d.
4
Essa observação acerca do uso consciente das repetições nos discursos preparados como que por
imitação da fala espontânea aparecerá no estudo de Deborah Tannen, 1989.
20
orações intercaladas, e outros complexificadores da sintaxe, causam ambigüidade
e dificultam a compreensão por parte do público.
A sonoridade é outro fator ressaltado por Aristóteles na prescrição acerca de
como devem realizar-se os discursos públicos. As frases curtas, além de
facilitarem a compreensão, imprimem ritmo ao discurso, condição indispensável
para comover a audiência (s/d: 190).
Quanto ao estilo que é próprio de cada gênero, Aristóteles distingue o que
ele chama de “estilo escrito” do estilo das “discussões” (Aristóteles, s/d:203). Ao
estilo escrito, “lhe é própria a exatidão, conquanto ao estilo oral, a dramaticidade”
(idem). Por essa razão, os discursos que se prestam à arte oratória, quando
tomados como textos escritos, parecem pobres, porque:
[...] os discursos que se prestam à ação oratória, quando
esta é suprimida, não surtem o mesmo efeito e parecem
demasiado simples. Por exemplo, os assíndetos e as
freqüentes repetições da mesma palavra são justamente
censurados no discurso escrito, embora nos debates os
próprios oradores a eles recorram, pois são os meios
próprios da ação (Aristóteles, s/d: 203).
Depreende-se, da leitura de Aristóteles, que as repetições, tanto lexicais
quanto sintáticas, enquadram-se no que esse autor chama de “meios próprios” da
oratória. Nota-se, nesse ponto, a necessidade de se distinguir textos falados e
escritos, bem como de se destacar noções como o propósito comunicativo na
análise das características de um e de outro. São essas as principais contribuições
que a leitura de Aristóteles deixou para a presente pesquisa. O tom prescritivo do
texto contribuiu para nossa concepção das repetições enquanto estratégia de
discursos públicos que, tais como o discurso político-eleitoral tratado nesta
dissertação, devem ser assimiláveis e revestidos de certa ‘naturalidade’ ao público
alvo.
2.2. As repetições na Textualidade
Recentemente, o fenômeno das repetições tem sido bastante discutido entre
as vertentes funcionalistas, especialmente no que diz respeito à textualidade.
21
Nesse âmbito, as repetições freqüentemente foram apontadas e estudadas
enquanto um recurso de coesão (Halliday e Hasan, 1980; Halliday, 1994; Hoey,
1991; Fávero, 2004; Koch & Travaglia, 1989; Koch, 2005). Apesar de não ser
nosso objetivo estudá-las enquanto fenômeno coesivo, entendemos que se faz
necessário revisar essa literatura para delimitar o fenômeno investigado no
discurso político de Fernando Collor e para elaborar nosso conhecimento do
mesmo.
De maneira geral, esses autores concordam que a coesão, aliada à
coerência
5
, apresenta-se como um dos mais importantes elementos da textualidade
– i.e., aquilo que faz com que uma seqüência lingüística não se apresente como
uma reunião aleatória de frases soltas, e sim como uma unidade significativa
global (Koch & Travaglia, 1995:26).
Especificamente, a coesão textual está intimamente relacionada aos
mecanismos lingüísticos que conferem unidade ou conexão formal das partes de
um texto, garantindo sua aceitabilidade. De acordo com Halliday & Hasan
(1980:4), porém, essa “conexão entre partes” não se dá apenas por aspectos
formais; a coesão é a edificação semântica de um texto, que ocorre quando há
interdependência entre os elementos do texto, que se pressupõem mutuamente.
Posteriormente, Halliday (1994:308) reforçará que a coesão é o elemento a partir
do qual se torna explícita a relação entre as orações, de forma semântica, não
simplesmente estrutural.
Diferentes autores estabelecem diferentes taxonomias para os mecanismos
que estabelecem coesão. A título de localizar e exemplificar o papel das repetições
nesses mecanismos, compararemos algumas dessas classificações.
Halliday e Hasan (1980) subdividem os elos coesivos em cinco:
(a) Referência: pode ser exofórica ou endofórica, e diz respeito à remissão
a itens sem os quais a interpretação não ocorreria (destacamos em
negrito os casos que exemplificam os tipos de repetição discutida em
todos os exemplos. No exemplo 1, a referência é o pronome relativo
‘que’, retomando ‘políticos’.
5
A coerência, fenômeno intrinsecamente relacionado à coesão, diz respeito às relações semânticas,
lógicas e cognitivas que se estabelecem entre os conhecimentos ativados pelos elementos textuais
(Beaugrande & Dressler, 1981:11).
22
(1)
Graças ao exemplo desses políticos
que entendem
chegar ao poder (...)
6
(b) Substituição: é a redefinição de um termo, no intuito de evitar a
repetição do mesmo (exemplo 2, em negrito).
(2)
Desde criança que nós aprendemos muito sobre a floresta amazônica,
sobre o seu tamanho,
sobre a sua grandeza (...).
Essa floresta nos pertence,
nós não podemos entregá-la por nada.
(c) Elipse: é a substituição de um termo por zero (exemplo 3).
(3)
Nós construímos essas casas por um preço um terço inferior ao preço
que o governo federal constrói (0).
(d) Conjunção: é a correlação entre os elementos já ditos e os que estão por
ser ditos (exemplo 4).
(4)
A impunidade é a certeza
que o corrupto tem de que,
praticada sua corrupção,
nada vai lhe acontecer,
porque haverá sempre alguém ligado ao poder
que vai protegê-lo (...)
(e) Léxico: reiteração idêntica ou de um mesmo referente (exemplo 5).
(5)
Graças ao exemplo desses políticos,
que entendem chegar ao poder como um processo de apropriação do
poder,
e não como uma doação ao poder,
como deve ser.
6
Todos os exemplos apresentados neste capítulo foram retirados do corpus (Anexo B).
23
A proposta da escola de Halliday (1994) é, no entanto, apenas uma das
propostas de taxonomia dos recursos de coesão. Outras correntes classificam a
coesão diferentemente; as repetições, em conseqüência, também são observadas
sob outro aspecto. A separação feita por Halliday, por exemplo, entre referência,
substituição e elipse não pareceu coerente a outros autores como Koch (1989;
2005) e Fávero (2004), já que tais categorias seriam, todas, diferentes formas de
se fazer referência. Há, portanto, uma sobreposição entre essas categorias. Outro
problema encontra-se nos critérios adotados por Halliday, especialmente no que
diz respeito à coesão lexical. Nessa categoria, privilegiou-se a forma, enquanto,
em termos de função, a repetição lexical apresenta-se como mais um tipo de
referenciação.
Na tentativa de resolver esse problema, Koch (2005:45) define a coesão
como o modo como os elementos lingüísticos da superfície textual encontram-se
interligados entre si, formando seqüências dotadas de sentido, e, em obra anterior
(1989), já havia classificado a coesão em dois grandes blocos:
(a) Referenciação e Remissão: ocorre quando uma forma referencial, de
forma anafórica ou catafórica, faz remissão a um referente textual, tal
como acontece nos exemplos (1), (2) e (3) já citados.
(b) Seqüenciação: ocorre quando se estabelecem relações semânticas
entre os segmentos do texto, fazendo o texto progredir. Tal progressão
pode se dar por meio do léxico ou dos conectores, como nos exemplos
(4) e (5), também já citados.
Já Fávero (2004), revendo essas e outras taxonomias existentes, como a de
Marcuschi
7
(apud Fávero, 2004:16) – que se baseia na natureza dos marcadores
lingüísticos e não em suas funções –, distingue três tipos básicos de coesão:
7
Repetidores, tais como a recorrência, o paralelismo e a definitivização, e Substituidores,
tais como as paráfrases, pro-formas, pronominalizações e elipses.
24
(a) Coesão Referencial: diz respeito aos fenômenos de substituição e
reiteração. Exemplos (1), (2) e (3).
(b) Coesão Recorrencial: diz respeito às retomadas de estruturas, itens e
sentenças com progressão de fluxo, articulando-se informação nova à
velha, como no exemplo (5).
(c) Seqüencial (stricto sensu): conecta segmentos fornecendo progressão,
como no caso específico do uso do conectivo no exemplo (4).
A tabela (1) resume as diferentes taxonomias, de acordo com os exemplos
retirados do corpus, demonstrando os pontos de contato e conflito das
classificações.
Tabela (1): comparação entre as taxonomias de coesão
Halliday & Hasan (1980) Koch (2005) Fávero (2004)
exemplo (1)
referência
exemplo (2)
substituição
exemplo (3)
elipse
referenciação e remissão
coesão referencial
exemplo (4)
conjunção coesão seqüencial
exemplo (5)
léxico
seqüenciação
coesão recorrencial
Para fins deste estudo, adotaremos a taxonomia de Fávero (2004), mais
simplificada e mais fiel às funções, pois admite (inferenciação nossa) que
diferentes formas de repetição podem atuar tanto como referência, porque
retomam um dado referente, quanto como recorrência, porque indicam progressão
e articulação entre informação nova e velha; a repetição figuraria em ambas as
categorias, estando tal definição dependente de análise nos diversos contextos de
uso.
Ainda no âmbito dos estudos da coesão, Hoey (1991) descreve e analisa as
repetições enquanto um elemento de organização textual. Sua taxonomia baseia-se
em aspectos formais, incluindo tipos de repetição lexical e outras “formas de
25
repetir” (cf. Hoey, 1991:70) que não serão tratadas neste estudo por não
constituírem as formas stricto sensu
8
de repetição. A saber:
(a) Repetição Lexical Simples: o item lexical é repetido sem alteração na
forma (exemplo 6).
(6)
Graças ao exemplo desses políticos,
que entendem
chegar ao poder
como um processo de apropriação do poder,
e não como uma doação ao poder,
como deve ser.
(b) Repetição Lexical Complexa: itens lexicais diferentes têm o mesmo
morfema lexical (exemplo 7).
(7):
(...) para corromper
e ser corrompido (...)
Hoey (apud Shepherd, 1993: 138) acredita ser possível descrever um “perfil
de coesão” (cohesion profile) dos textos, baseado na premissa de que quaisquer
sentenças que compartilhem um item lexical estão conectadas por um item de
repetição. A taxonomia de formas de repetições prevista por Hoey serve ao
primeiro passo da análise do perfil de coesão: reconhecer os elos entre as
sentenças (links) ou os laços de repetição.
Uma vez identificados os elos, a etapa seguinte consiste em identificar as
sentenças conectadas por um número significativo de repetições. Dessa forma,
chega-se ao perfil de coesão: sentenças fortemente conectadas apresentarão um
alto número de repetições. De acordo com Hoey (apud Shepherd, 1993:138) tais
sentenças, que compartilham três os mais elos (links), são formadoras de adesões
ou elos fortes (bonds).
8
Estamos chamando de repetições stricto sensu, nesta seção, aquelas em que se identifica uma
mesma lexia ocorrendo mais de uma vez. Não consideraremos repetição, por exemplo, aquelas
ocorrências em que a reincidência de um termo é identificada por critérios semânticos, como é o
caso das paráfrases, dos sinônimos, hipônimos, hiperônimos, entre outros fenômenos também
considerados por Hoey (1991).
26
Por fim, Hoey (1991) propõe a representação gráfica dessas inter-relações,
em que cada ocorrência ligar-se-á a todas as demais (figura1) formando redes
9
. A
partir disso, é possível proceder à contagem dos elos e extrair os coeficientes
provenientes dessa contagem. Esse coeficiente é formado de dois números
separados por vírgula: o primeiro indica quantas sentenças anteriores estão coesas,
e o segundo, quantas posteriores. Considerando as dez primeiras sentenças que
originalmente compõem o exemplo (1)
10
analisado anteriormente, poderíamos
extrair os co-eficientes ilustrados na tabela (2):
Tabela (2): Coeficientes de coesão lexical de um fragmento do corpus
(1) 0,3 (3) 0,3 (5) 1,0 (7) 2,1 (9) 3, 1
(2) 0,1 (4) 1,1 (6) 2,3 (8) 2, 1 (10) 4,0
1
8
32
22
10
7
32
Figura (1): Rede de elos entre as repetições de político
Não é propósito deste estudo realizar uma análise da coesão dos textos que
constituem o corpus; entretanto, a título de exemplificação, submetemos o mesmo
9
Hoey (1991) ainda propõe outras formas tabelares de representações dos elos de repetições (cf.
pp 86-90).
10
Cf. Anexo B, pp 124.
27
trecho do qual foi retirado o exemplo (1) a uma contagem de elos, usando o
Programa Analisador de Coesão Lexical do Lael
11
.
O procedimento identificou (tabelas 3 e 4) número significativo de adesões,
em proporção ao tamanho do fragmento. Os resultados apontam para uma coesão
“forte”, que emerge do alto índice de repetições lexicais.
Tanto o aspecto visual das representações em rede (figura 1) quanto os
coeficientes extraídos (tabelas 2, 3 e 4) nos informam acerca do perfil do texto,
especialmente no que diz respeito à centralidade das sentenças e ao modo como os
tópicos são abertos e fechados. Uma sentença de coeficiente 0,0 é uma sentença
que não teve seu tópico desenvolvido. Já uma de coeficiente 4.0, como é o caso da
sentença (10), na tabela 2, demonstra que há sentenças anteriores a ela
relacionadas, mas não posteriores, i.e., o tópico já foi fechado. Conseqüentemente,
a interpretação de coeficiente como 0.3, da sentença (1) da tabela indica abertura
de tópico (Shepherd, 1993:141).
A análise dos coeficientes aponta para três sentenças introdutoras de tópicos
(1), (2) e (3), a saber, “políticos”, “aquilo que os políticos entendem” e “poder”,
respectivamente. As sentenças (4), (6), (7), (8) e (9) indicam que os tópicos
iniciados nas sentenças iniciais estão sendo desenvolvidos, já que apresentam
sentenças anteriores e posteriores interconectadas. A sentença (5) fechou o tópico
aberto em (3) e a sentença (10) fechou os demais.
Tabela (3): Lista de adesões do exemplo (1):
Per. Per. ( total) Ligações
0001 0002 (5) entendem, função, maus, poder, políticos
0001 0004 (3) partidos, poder, políticos
0001 0005 (3) confiança, poder, vida
0002 0003 (4) família, função, maus, políticos
0002 0004 (4) função, maus, partidos, políticos
0002 0005 (5) confiança, função, maus, políticos, vida
0004 0005 (5) confiança, partidos, políticos, sistema, vida
11
PUC/SP, LAEL, CEPRIL >> http://lael.pucsp.br/corpora/links << Sun Sep 10 09:32:01 BRT
2006. Quantidade de ligações (links) para estabelecer uma adesão (bond): 3. Quantidade de
adesões (bonds) necessárias para um período ser central: 3. Stopwords retiradas? Sim, português.
Texto lematizado previamente? Não.
28
Tabela (4): Lista de adesões por períodos (centralidade) do exemplo (1):
Período Adesões
0002 4
0005 3
0004 3
0001 3
0003 1
Constatar os fortes laços de coesão via repetição nos discursos de Collor, no
entanto, não nos ajuda a explicar a função dessa característica no contexto. Dito
de outro modo, não nos parece que a coesão seja em si uma função, mas sim uma
característica textual que, aí sim, deve ser explicada à luz de determinações
pragmáticas. É a partir da relação entre as pistas de coesão e o contexto que
nossas hipóteses serão formuladas.
2.3. As repetições na Estrutura da Informação
De maneira semelhante a Hoey, Marcuschi (1992) analisa as repetições
como um elemento organizador do discurso. Em seu trabalho, Marcuschi
observou a relação funcional das repetições com o tópico discursivo a partir das
ocorrências de repetições em conversas espontâneas, em um corpus proveniente
do projeto Nurc.
Marcuschi (1992) começa por definir repetição como “a produção de
segmentos discursivos idênticos, ou semelhantes, duas ou mais vezes no âmbito
de um mesmo evento comunicativo”
12
. A primeira ocorrência do segmento a ser
repetido é chamada por Marcuschi de matriz (M). Esta operará como base para as
ocorrências seguintes, as repetições (R), no seguinte esquema: (M) (R).
Para Marcuschi, a repetição não deve ser vista como um mero
descontinuador textual, e sim como um mecanismo que contribui para a
12
Tomando-se “segmento discursivo” como qualquer produção lingüística de um texto oral, e
“evento comunicativo” como a interação (ou conversação) do início ao fim.
29
organização discursiva, conduzindo o tópico discursivo (idéia, portanto, alinhada
a de Hoey, 1991); além disso, as repetições consistiriam de uma “monitoração
rítmica da coerência”, que auxilia a coesão e a produção de seqüências mais
compreensíveis (idem).
Marcuschi considera a repetição em todos os níveis: fonológico,
morfológico, sintático, lexical, semântico e pragmático: “considerando que (R) é
sempre produzida com um certo objetivo, apresentará traços de seletividade em
relação a sua (M). Esta relação se dá na seleção e marcação de um foco (F),
localizado em algum ponto da cadeia dos constituintes em relação a (M). Com
isto, a (M) opera como uma proposta de composição textual-discursiva”
(Marcuschi, 1990).
As repetições lexicais, especificamente, segundo Marcuschi, apresentam a
função de coesão, do ponto de vista textual; no entanto, mantêm o tópico, do
ponto de vista discursivo e auxiliam a compreensão; enfatizam argumentos e
marcam colaboração entre falantes, do ponto de vista interacional. Pode-se dizer
que Marcuschi privilegia as funções discursivas e interacionais, em detrimento da
função coesiva, que apresentaria um caráter funcional secundário, se comparada
àquelas.
13
Segundo o autor, as repetições do tipo lexicais podem ocorrer nos seguintes
contextos:
(a) Retomada de referentes: fator de manutenção do tópico. Seria esse um
caso clássico de abordagem em termos de coesão, como em (8):
(8)
Milhares e milhares de brasileiros hoje se incorporam a essa luta,
Que não é de pessoas,
Que não é de partido,
Mas é a luta de uma sociedade e de uma cidadania (...)
13
Por acreditarmos que algumas funções se aplicam mesmo em discursos do tipo “preparado”, nos
deteremos, a exemplo do que foi feito quando da revisão do trabalho de Hoey, às formas e funções
que servem para nossos fins: discutir as funções que as repetições desempenham no discurso
político.
30
(b) Reduplicação: pode-se repetir o verbo, o adjetivo, o advérbio ou
substantivo para passar um elemento não-tópico para a posição de tópico.
É uma forma de intensificação (exemplo 9).
(9)
Só há corrupção porque há impunidade
A impunidade é a certeza
Que o corrupto tem (...)
(c) Reduplicação ecóica: aquelas que aparecem no início e no final de uma
unidade, função semelhante à das “tag questions” ou respostas curtas
(exemplo 10).
(10)
Existe carro, existe?
14
(d) Confirmação: repetição em um mesmo ambiente sintático com a
intercalação de pequenos comentários, como “sim”, “não”. Funciona como
uma avaliação positiva do que foi dito (exemplo 11).
(11)
É aquele desejo de se ver
É,
De se ver vingado por tudo.
Marcuschi (1992) também descreve as repetições de constituintes
oracionais, que podem ocorrer em qualquer ponto no interior das orações. Quanto
às suas funções, tais repetições podem se dar graças a um planejamento lingüístico
“titubeante” (como acontece no exemplo 13), a correções enfáticas (o caso do
exemplo 12) ou marcação de oposições (ilustrado no exemplo 14). Algumas
ocorrências têm como finalidade transformar o que fora um mero comentário em
tópico (exemplo 15).
(12)
Nós não podemos,
Minha Gente,
Sequer admitir discutir esse assunto.
Eu me recuso a discutir esse assunto.
14
Esse exemplo, diferentemente dos demais, foi retirado do próprio Marcuschi (1992), pois não
achamos ocorrência deste tipo de repetição em nosso corpus.
31
(13)
Eu até fiz uma pergunta,
mandei fazer uma pergunta ao então ministro da habitação e urbanismo
(...)
(14)
os que ganhavam menos,
financiavam casas para os mais ricos,
para aqueles que ganhavam mais.
(15)
Hoje,
O Pantanal corre um sério perigo.
O perigo está no entorno do pantanal.
As Repetições Oracionais ocorrem integralmente ou com variação. Nessa
categoria, de acordo com Marcuschi, enquadram-se o paralelismo sintático, ou a
repetição de padrões sintáticos:
15
(a) Repetição integral de orações: são orações em geral curtas, comuns em
momentos de dúvida, reafirmação ou concordância (exemplo 17), podendo
funcionar como um reforço (exemplo 16). Sua função é dar continuidade a
tópicos introduzidos, criar atos de fala diferentes do da Matriz (exemplo
18) e checar posições.
(16)
Vocês vão ver agora
O que significa o déficit público
Vocês vão ver
O que é um déficit público.
(17)
É isso mesmo, Rogério,
É isso mesmo.
(18)
Isso é justo?
No meu entender,
No entender do Partido da Reconstrução Nacional,
Isso não é justo.
15
Marcuschi também considera as repetições fonológicas, que fogem do escopo de nossa pesquisa.
32
(b) Repetição de padrões sintáticos: É comum a variação livre a partir de um
núcleo, como um recurso para “engatar” construções cada vez mais
complexas. Servem muitas vezes para engatar um processo de
seqüenciação próximo à figura retórica conhecida como anadiplose
(repetição de termos finais da frase anterior no início da frase ou verso
seguinte), como acontece no exemplo 19. Esse tipo de repetição, segundo
o autor, também sugere a construção on line do tópico:
(19)
Os países socialistas e comunistas,
eles se abrem ao capital externo,
eles se abrem a investimentos externos (...)
(c) Oposições: tipo de repetição de um padrão sintático para efeito de
contraste ou simplesmente diferença, como exemplificado em (20). Para
Blanche-Benveniste (apud Marcuschi, 1990), trata-se de um recurso
retórico:
(20)
a crise moral não se resolve com promessas;
a crise moral se resolve com exemplos,
com atitudes concretas.
(d) Parentetização: É a repetição após uma interrupção, opera como um
parêntese, com finalidade restritiva ou explicativa. Funcionalmente, é o
fim de uma “interrupção” no discurso (exemplo 21). Com relação ao
tópico discursivo, esta construção marca o fim de uma digressão para a
retomada do tópico:
(21)
Mas é preciso,
minha gente.
É preciso
Que nós confiemos no futuro deste país.
33
(e) Repetição enquadradora: é a repetição de um padrão no início e no fim
de uma unidade comunicativa. Marca o fim da contribuição do interlocutor
para com o tópico em desenvolvimento (exemplo 22):
(22)
A nossa sugestão é
que alguém pague por esse crime
Que alguém vá para a cadeia por esse crime
Essa é a nossa sugestão.
(f) Quiasmas sintáticos: inversão ou conversão, por vezes como um
trocadilho ou estrutura de reforço (exemplo 23):
(23)
porque a escravidão do povo brasileiro continua,
sob novas formas,
é verdade,
mas continua a escravidão do desemprego (...)
(g) Listagens: seqüências de repetições com variações, mas com manutenção
da estrutura sintática paralela. São casos especiais, que criam um ritmo
envolvente. O mais comum é que a base apareça uma ou duas vezes, e a
partir daí, novos elementos vão sendo acrescentados à direita do SV
nuclear. A base comum é o suporte, e a variação é o ‘novo’, que também
receberá uma entoação freqüente. As listagens são uma forma econômica
de manter um tópico em andamento, sem que se desvie dele. Há casos de
listagens nos exemplos (24) e (25), destacados em negrito:
(24)
após trinta anos de jejum,
nós temos um encontro marcado com as urnas,
temos um encontro marcado com a nossa cidadania,
com a nossa consciência
com o amor próprio,
com a nossa vontade,
e com o nosso desejo de transformar esse país.
(25)
(...) E ouvir dos políticos
o que eles têm a oferecer,
como por exemplo,
34
uma solução para a saúde,
para a educação,
para o transporte,
para a alimentação,
para a dívida externa,
para a dívida externa,
para a dívida interna,
para a corrupção,
para a impunidade...
Nota-se que o estudo de Marcuschi (1992) também apresenta uma
taxonomia que combina critérios formais e funcionais, e a descrição de cada
categoria não se atém a questões estritamente relativas ao tópico discursivo. Como
é comum em grande parte das taxonomias que encontramos, as descrições
combinam funções retóricas, textuais e interacionais.
Ingedore Koch (2005), por exemplo, também aborda alguns dos diferentes
tipos de repetição sob o ponto de vista da Lingüística Textual. À luz da estrutura
da informacão, Koch apresenta as repetições como elementos de progressão: “Não
existe texto que só apresente informação nova. Para que se ‘ancore’ a informação
nova, é necessário que a informação dada seja repetida no desenrolar do texto”
(Koch, 2005:126). Incluem-se aí as repetições sintáticas, os paralelismos, as
paráfrases.
Sendo assim, no exemplo (2), apresentado na página 21, teríamos, na
primeira oração, o item lexical floresta como um elemento novo que é repetido na
segunda oração, desta vez na posição sintática de informação dada, retomada, em
um caso típico de progressão, já que a informação nova da segunda oração só é
possível após a ancoragem na informação velha (dada), via repetição.
Ainda de acordo com a autora, a repetição pode ser vista como uma
estratégia lingüística e retórica, que tem a função de permitir ou facilitar o
processamento textual, em termos de produção e compreensão (2005:31).
Os tipos de repetição, como estratégias de processamento textual do texto
falado, apontados por Koch na análise de textos falados são (2005:88):
(a) Reformulação retórica: as repetições e parafraseamentos teriam
como principal função reforçar a argumentação (do tipo ‘água mole em
pedra dura’). Caracteriza-se pela sua função interacional e pela função
35
cognitiva de ‘desaceleração’ do ritmo da fala, dando aos interlocutores
um tempo maior para o processamento do que vai ser dito: “Repete-se
(reitera-se um item lexical, ou uma expressão, ou uma estrutura
sintática) como um meio de ‘martelar’ um elemento na mente do
interlocutor, até que esse se deixe persuadir. As reformulações
reajustam ao mesmo tempo em que reiteram” (Koch, 2005: 88). É o
que acontece nos exemplos (26) e (27), nos quais as expressões em
negrito retomam as idéias de ‘desesperança’ e ‘o que temos de mais
rico’ e as re-ajustam, buscando uma sintonia fina:
(26)
(...) porque as nossas elites dirigentes estão fazendo pairar sobre todo o
nosso país
esse clima de desesperança,
de desconfiança,
de descrédito.
(27)
(...) para que nós evitemos
que a juventude brasileira,
que aquilo que nós temos de mais rico,
de mais precioso,
abandone o nosso território,
abandone o nosso Brasil.
(b) Reformulação saneadora: repetições ou paráfrases decorrentes da
necessidade de o locutor solucionar dificuldades detectadas em um
dado segmento, conforme ilustrado em (28) e (29):
(28)
São milhares e milhares de brasileiros que,
diariamente,
mensalmente,
estão saindo de nosso país.
(29)
A mensagem que eu gostaria de dizer a vocês,
de dar a vocês,
é que esperem mais um pouco (...).
Koch (2005) reforça nossa compreensão desse tipo de repetição, dizendo que
Através do conhecimento metacomunicativo, o produtor do texto procura
evitar perturbações, previsíveis na comunicação, ou sanar (on line ou a
posteriori) conflitos efetivamente ocorridos, introduzindo no texto sinais
de articulações ou apoios textuais, e realizando atividades específicas de
36
formulação ou construção textual (repetições, parafraseamentos,
resumos, correções, complementações, explicações, etc). Trata-se de
ações lingüísticas com as quais se procura assegurar a compreensão do
texto e, conseqüentemente, a aceitação dos objetivos com que é
produzido, monitorando com elas o fluxo de verbal (Koch, 2005:22).
Como não era objetivo de Koch (2005) sistematizar as funções na forma de
uma taxonomia, citaremos algumas das demais funções que ganharam destaque no
texto da autora:
(a) ganhar tempo no planejamento;
(b) assegurar a posse do turno;
(c) simplificar a produção discursiva;
(d) garantir a compreensão (cf. Jefferson, 1972);
(e) garantir coerência e comunhão fática (cf. Maynard, 1983);
(f) criar envolvimento e identificação do self (cf. Tannen, 1989, Ochs et al,
1979);
(g) criar categorias, assimilando-se o que é novo ao que é velho (cf.
Johnstone, 1987).
Assim como Marcuschi (1992), Koch (2005) não se atém à coesão, e teoriza
sobre possíveis funções das repetições no texto falado. Enquanto as categorias
apontadas por Marcuschi mesclam aspectos formais detalhados e funções
interacionais diversas, Koch generaliza, criando dois grandes blocos funcionais,
relacionados ao processamento. Como, entretanto, nenhum dos dois autores
analisa discursos produzidos em contextos específicos, relacionando-os às funções
das repetições, cabe-nos verificar a aplicabilidade dessas descobertas em nosso
corpus.
2.4. As repetições nas abordagens discursivas
Autores como Johnstone (1987), Winter (1969) e Tannen (1989) ao invés de
se preocuparem em estabelecer taxonomias formais para as repetições, as
37
analisam em contextos situados, descrevendo seu comportamento na construção
de sentido e/ou suas funções discursivas.
Para Johnstone (1987:143), que parte de um corpus variado de discursos em
árabe, a repetição é uma estratégia freqüente tanto nas realizações planejadas, para
fins retóricos, quanto nas conversas cotidianas, com menor grau de consciência
16
de sua função. Nesse caso, uma das funções mais básicas desse recurso seria o
backchanneling (retorno comunicativo), a indicação de que os interlocutores
estão ouvindo, entendendo e concordando.
Focando especificamente os paralelismos sintáticos com diferença, i.e, as
“reformulações” de que fala Koch (2005), Johnstone (1991) pergunta-se acerca
da função que estas exercem nos discursos argumentativos em árabe por ela
investigados.
Segundo Johnstone (1991), os paralelismos são pistas para um modo
peculiar de se estruturar o texto, em que se enquadram novas informações em
velhos frames; em que se atribui, a partir da identidade sintática, o mesmo
propósito discursivo a diferentes porções de texto. Trata-se de um exercício de re-
categorização, de incluir em um mesmo paradigma os elementos que estão
sintaticamente paralelos. Ao mesmo tempo, de maneira indissociável, esta é
claramente uma estratégia retórica, que leva o interlocutor a fixar-se em um ponto
de vista definido ao qual vão sendo incorporados novos materiais.
A despeito de uma mera figura de discurso, Johnstone (1991) constata
serem as repetições o principal recurso retórico presente em seu corpus, e,
segundo a autora, de forma dessemelhante ao que ocorre nos discursos ocidentais,
o recurso às repetições é uma estratégia de persuasão consciente naquela cultura.
Essa idéia vai de encontro a uma tradição de estudos lingüísticos que,
freqüentemente, associou o uso das repetições a discursos espontâneos não-
planejados, como Tannen (1989), que olha para as repetições enquanto estratégias
de envolvimento interpessoal (1989:9), que surgem espontaneamente na
conversação.
16
Essa noção de “consciência” no uso das repetições nos textos escritos está diretamente
relacionada à hipótese de Tannen (1989), segundo a qual os discursos preparados tendem a re-
elaborar estratégias de envolvimento, dentre as quais incluem-se as repetições, que são
espontâneas nas interações conversacionais.
38
Envolvimento, para Tannen (1989), significa conexão interna e psicológica
entre indivíduos. “A conversação não é meramente um problema de alternância
entre falantes e ouvintes: todo uso lingüístico e dialógico na conversação é uma
produção em conjunto” (Tannen, 1989:12).
Tannen (1989) considera os diversos padrões, não só os paralelismos, como
estratégias de envolvimento. As repetições, para a autora obedecem a uma escala
de fixidez com relação à forma: vão da repetição exata (as mesmas palavras
enunciadas em um mesmo padrão rítmico) chegando até à paráfrase (idéias
similares em diferentes palavras). No meio da escala, há o tipo mais comum, que é
a repetição com variação (por exemplo, afirmativas repetidas como questões --
variação prosódica –; a repetição de estrutura com troca de uma palavra ou
sintagma; repetição com mudança de pessoa ou tempo – variação morfológica).
Tannen também inclui o ritmo padronizado, em que palavras completamente
diferentes são pronunciadas num mesmo paradigma rítmico com relação ao
precedente. Ela ainda aborda as repetições como uma estratégia que constrói
significado animando a voz do outro, e ou criando ritmo e som, estando, assim, no
coração da linguagem; já que a linguagem é gerada ou repetida de experiências
lingüísticas prévias (1989:46). Para dar conta da funcionalidade da repetição nas
conversações espontâneas, a autora subdivide as categorias de repetição em
quatro:
a) repetições de produção: permitem que se use a linguagem de
modo mais eficiente, fácil e fluente;
b) repetições de compreensão: diminuem a densidade semântica,
porque um menor número de informação nova é comunicada;
formam um “espaço morto” para que se absorva o que foi dito;
c) Repetições de conexão: são os elos coesivos. Halliday e
Hasan (1980) já haviam apontado que as repetições mostram
como novas locuções estão ligadas às anteriores no discurso, e
como as idéias estão relacionadas;
39
d) outras funções interacionais que remetem à criação de
significado na conversacão: fática, humorística, de ratificação.
É esse último aspecto interacional que Tannen (1989) enfatiza nas análises
subseqüentes: a repetição de palavras, frases ou sentenças de outros falantes tem
função fática na conversação, representando uma ‘resposta’, aceitação do
enunciado do outro, evidenciando ‘engajamento’. São metamensagens de
envolvimento, em que se cria um ‘universo’ compartilhado.
Especificando, então, as funções interacionais, a autora menciona algumas
possibilidades, tais como a repetição que funciona como sinal de audiência
participatória, aquela que funciona como ratificação por parte da audiência, a
repetição usada como humor, como nos trocadilhos, a repetição usada para
acrescer idéias, entre outras
17
.
Cabe notar que, apesar de neste ponto concentrar-se nas funções
conversacionais, Tannen (1989) corrobora Johnstone (1987, 1991, 1994) quando
tece algumas considerações acerca de gêneros de discursos públicos. Para a
autora, a literatura re-elabora e manipula as estratégias aparentemente espontâneas
na conversação para criar o envolvimento que é típico desta
18
. E, segundo ela
(1989:82), os discursos públicos são tipos de poesia pública oral, que também
materializam essa estratégia. Como exemplo, a autora cita o discurso “I have a
dream” de Martin Luther King, rico em frases repetidas e construções paralelas.
Tais estratégias propiciam envolvimento, como acontece nos gêneros
conversacionais, o que, hipoteticamente, alicerça o poder persuasivo da oratória
pública (1989:176).
Os trabalhos de Johnstone (1987, 1991, 1994) e Tannen (1989), então,
parecem dar suporte a um entendimento das repetições enquanto estratégia
persuasiva nos discursos públicos orais, como é o caso de nosso corpus, um
discurso político eleitoral. Enquanto Johnstone (1987; 1991) atribui à criação de
categorias o poder persuasivo, Tannen (1989) coloca o envolvimento na base do
convencimento.
17
Tais funções não foram identificadas no corpus de estudo deste trabalho, tendo em vista que não
se trata de uma interação face-a-face strictu sensu, colaborativa com relação à voz dos
interlocutores.
18
Novamente a questão do uso consciente das repetições aparece no texto de Tannen (1989) como
um elemento a se considerar analiticamente.
40
Além de Tannen (1989) e Johnstone (1987; 1991) outros autores abordam
os paralelismos sintáticos do ponto de vista discursivo. Hasan, Leech e Winter
(apud Shepherd, 1993: 117-19), por exemplo, caracterizaram e atribuíram funções
a essa configuração de repetição sintática.
Hasan (1984 apud Shepherd, 1993) aborda o paralelismo como um padrão
de linguagem que ajuda a criar um texto, descrevendo suas formas. Para a autora,
paralelismo significa identidade gramatical, e isso pode se dar em diferentes
graus: as estruturas paralelas podem ser postas em um continuum (dos mais
paralelos aos menos paralelos) dependendo da congruência dos itens lexicais. Já
para Leech (1969:65), qualquer paralelismo deve ter ao menos um elemento de
identidade e um de contraste. Alguns autores, como Marcuschi (1992), por
exemplo, admitem que um padrão sintático (que por sua vez é também um padrão
rítmico) pode ser suficiente para configurar um paralelismo. Para Shepherd
(1993), a função da repetição sintática é focar a atenção no que é adicionado ou
suprimido: o interlocutor compara os segmentos paralelos em termos de contraste
e compatibilidade (1993:120), tal como ocorre no já mencionado exemplo (20),
em que ‘promessas’ e ‘exemplos’ são ambas ações políticas (compatibilidade),
mas com aspectos contrastantes.
Da mesma forma, Winter (1969 apud Shepherd, 1993) preocupa-se com a
forma como os paralelismos assinalam relações semânticas no discurso, o que ele
chamou de “matching relations” ou relações de combinacão. Uma nova
informação encaminha-se para novos frames do discurso (Winter apud Shepherd,
1993:120). Esta idéia também se identifica com a teoria de Johnstone (1987), e
inspirou a nossa própria hipótese acerca dos paralelismos sintáticos, que, do ponto
de vista sociocognitivo, parecem acionar “compatibilidades” a partir de mesclas
conceptuais.
2.5. As repetições no texto literário
Em seu trabalho, Tannen (1989) menciona que os discursos políticos podem
configurar-se como uma espécie de “poesia pública oral”. De fato, muitos gêneros
literários têm se valido especialmente de paralelismos sintáticos para construir
41
sentido e são comuns as menções aos paralelismos e outras formas de repetições
nas análises desses gêneros, considerando-os enquanto recurso estilístico. Lopes
(2005), por exemplo, analisa as ocorrências de repetição no Sermão da Primeira
Sexta-feira da Quaresma, de Pe. Antonio Vieira. Lopes assume as definições de
repetição de Marcuschi (1992) e, quanto às funções, privilegia o seu tratamento
enquanto recurso poético, no uso literário.
Segundo Lopes, desde o Trovadorismo, as repetições são usadas
literariamente como recurso expressivo (2005:4). O objetivo desse uso seria
“sustentar uma idéia ou pensamento por um determinado tempo, imprimir uma
imagem na mente mediante o martelar constante de determinadas palavras ou
frases até persuadir o interlocutor, envolvendo-o emocionalmente. A repetição
traz uma carga afetiva, que modifica a prosódia, pronunciada com mais altura ou
ênfase” (2005:5).
Na análise do Sermão, Lopes (2005) privilegia a função poética: “vale
observar que o abuso de paralelismos em Vieira pode dar impressão de um certo
artificialismo retórico mas, segundo Martins (1989:181), provê um processo de
ordenação harmonioso, elegante e claro de idéias”(2005:8).
De qualquer forma, é interessante notar que tanto o Trovadorismo
mencionado por Lopes (2005) quanto os Sermões de Vieira, objetos de análise de
seu trabalho, constituem formas literárias eminentemente orais (escritas para se
realizarem oralmente), observação que nos leva novamente ao encontro da teoria
de Aristóteles, retomada por Tannen (1989), a saber, que as repetições
artificializam nos discursos preparados elementos comuns à linguagem
espontânea. Além disso, a análise dos paralelismos nos Sermões revelou tanto o
aspecto emocional (“carga afetiva”) quanto o cognitivo (“processo de ordenação
de idéias”), ambos anteriormente previstos por Tannen (1989) e Johnstone (1987),
reforçando o achado das mesmas, desta vez em outro contexto.
42
2.6. Repetições nos Estudos Semânticos
Resta-nos ainda, em nossa resenha histórica do tratamento das repetições
nos Estudos da Linguagem, iluminar certas abordagens semânticas,
especificamente as de Koch (1998) e Oliveira (1998). Em “Peculiaridades da
repetição no Português falado do Brasil”, Koch trata das repetições lexicais e
sintáticas e suas funções para o Português Brasileiro. Salientando a relação da
repetição com o fenômeno da iconicidade, a autora observa a extensão de sentido
no caso das repetições lexicais, por exemplo, como corre-corre; mexe-mexe; tico-
tico; face-a-face, em que a duplicação na forma significa intensificação no
conteúdo.
Dentre outros, Koch (1998) analisa, no âmbito sintático ou discursivo, os
casos de dupla negação (“não quero não”), típicas do Português falado, assim
como os casos de saliência semântica (por exemplo, “quero um café café). Koch
defende que a repetição pode ser uma prova do fenômeno da iconicidade (não
arbitrariedade na relação forma/conteúdo), já que a duplicação da forma gera a
intensificação do sentido.
Também Oliveira (1998) atribui às repetições, como uma de suas
propriedades gerais, a “configuração e expansão do significado em elaboração”.
Nota que elas são mais comuns nos discursos orais e que, assim como afirma
Koch (1998), podem ser uma “estratégia funcional reveladora e processadora da
conexão icônica forma-significado”. Por isso, a repetição é considerada uma
atividade gramatical, e não um mero vício lingüístico, conforme a abordagem
gramatical prescritivista convencionou chamá-la.
Acreditamos, no entanto, conforme apontado por Johnstone (1994), que as
funções das repetições estão sempre sujeitas à ocorrência contextualizada da
mesma, e são sempre hipóteses, nem sempre explícitas e concretas como tais
reduplicações.
43
2.7. Resumo
Muitos estudos resenhados neste capítulo tentaram estabelecer uma
taxonomia para as repetições (Halliday & Hasan, 1980; Fávero, 2004; Marcuschi,
1992; Koch, 2005). Em todos eles percebemos a dificuldade em fazê-lo, já que as
repetições, como todo recurso lingüístico, presta-se a funções de natureza
diferente em diferentes contextos de interação. Outros trabalhos, que comungam
desse pressuposto, como principalmente os de Tannen (1989) e Johnstone (1987),
debruçaram-se sobre contextos específicos a fim de delimitar o papel socialmente
situado das repetições nesses contextos.
Diante disso, é nossa tarefa de pesquisa verificar a aplicabilidade dessas
funções às repetições no discurso político-eleitoral de Fernando Collor para,
então, a partir disso, elaborar nossas próprias hipóteses delimitadas à
especificidade de nosso corpus.
Quanto às formas que as repetições podem assumir, tal como ressaltamos
quando da análise do trabalho de Hoey (1991), estudaremos apenas as repetições
stricto sensu, i.e., aquelas em que há de fato elementos repetidos, sejam eles
lexicais ou sintáticos. Ressaltamos que não faremos distinção analítica quanto a
essas duas formas de repetir, pois nos parece, com base nos trabalhos
desenvolvidos em contextos situados, que ambas comportam-se de maneira
semelhante. Com isso, estamos buscando simplificar taxonomias que se
mostraram problemáticas em todos os estudos analisados, pois acabam
acarretando sobreposição de categorias.
As hipóteses que construímos acerca das funções desses dois tipos de
repetição no discurso político, em princípio, referem-se às variáveis pragmáticas e
às funções sociocognitivas (desenvolvidas no capítulo 3 dessa dissertação) que
emergem a partir do contexto ‘campanha eleitoral em mídia televisiva’. A saber,
(i) as repetições diminuem o custo de processamento discursivo por manterem a
informação ativa na consciência dos interlocutores e (ii) certas configurações de
paralelismos sintáticos acionam compatibilidade entre seus elementos via re-
categorização por mesclagem.
44
3. As repetições sob um olhar sociocognitivo
Resumidamente, a proposta dessa dissertação é discutir as repetições
enquanto uma estratégia potencialmente típica de discursos públicos orais, como a
propaganda política televisionada, bem como refletir acerca das funções que elas
assumem no contexto da campanha de Fernando Collor, considerando-se fatores
de natureza pragmática, principalmente o propósito comunicativo. Dentro dessa
perspectiva, o presente capítulo introduz considerações teóricas alinhadas ao
paradigma sociocognitivista. Discutiremos, então, a relação entre pistas
lingüísticas e processamento do discurso, incluindo reflexões sobre memória de
trabalho, suas limitações e correlações com as teorias discursivas e,
posteriormente, as noções de categorização, perspectivação e mesclagem,
igualmente relevantes à análise que desenvolveremos no Capítulo 5.
3.1. O processamento do discurso
Uma das principais questões suscitadas pelos estudos discursivos que se
situam no âmbito do paradigma sociocognitivo é a relação entre a organização da
linguagem e os mecanismos de compreensão, isto é, o processamento discursivo.
Os trabalhos que refletem essa preocupação levam em conta a organização
lingüístico-discursiva em função do papel que esta desempenha na alocação,
agilização, diminuição ou inibição de processos cognitivos relacionados à
compreensão, atenção e à memória de trabalho
19
.
Esta seção revisará estudos em processamento do discurso, especialmente a
relação deste com recursos de memória e atenção, visando a discutir o papel das
repetições, enquanto atributo lingüístico-discursivo, no custo de processamento.
19
Baseando-nos em trabalhos de Psicologia Cognitiva como os de Baddeley (1986; 1990),
podemos definir memória de trabalho como aquela que mantém e manipula a informação que está
no foco de atenção. É aquela que está ativa no momento da execução de uma tarefa específica,
como a produção e a compreensão de enunciados.
45
Nosso objetivo é embasar a hipótese principal do presente estudo, segundo a qual
a proeminência das repetições no discurso político apresenta-se como uma
estratégia discursiva relevante na medida em que, ao diminuir o custo do
processamento, alinha-se com o propósito comunicativo dos discursos públicos
em geral, a saber, atingir e convencer grandes massas.
3.1.1. Limitações da memória de trabalho
Um dos pressupostos mais centrais nos estudos de processamento discursivo
é a limitação da memória de trabalho. Se esta, segundo Linassi et al. (1999), é um
arquivo temporário para as informações, isto é, um sistema de memória de curto
prazo (Baddeley & Hitch, 1974, apud Linassi et al, 1999), a sua capacidade de
armazenamento é limitada – não sendo possível se manter muitos itens por muito
tempo em seu sistema
20
. Tal limitação afeta tanto as escolhas discursivas, no
âmbito da produção do discurso, quanto o processamento destas, no âmbito da
compreensão. Isso porque, de acordo com Bloor & Bloor (1995:65), ao produzir
textos
21
orais ou escritos, preparados ou espontâneos, buscamos, mais ou menos
inconscientemente, organizar o conteúdo de modo a tornar o entendimento mais
fácil. As formas de organizarmos a informação foram sistematicamente
abordadas pela Gramática Funcional, e delas nos ocuparemos na subseção 3.1.2, a
fim de melhor situar a posterior discussão acerca da relação entre estrutura da
informação e processamento do discurso.
3.1.2. Perspectivas funcionais da frase
Segundo Moura Neves (1997), desde a Escola de Praga (Thèses, 1929 apud
Moura Neves, 1997), a frase vem sendo estudada de uma perspectiva funcional,
isto é, de uma perspectiva que busca explicar a organização de seus elementos
20
Segundo Reed (1996 apud Saliés, 1997), o tempo em que um item ativo na memória de trabalho
costuma “enfraquecer” varia de 20 a 30 segundos.
21
Alinhados à definição de Chimombo e Rosemberry (1998), e combinando-a ao paradigma
sociocognitivista, entendemos por “texto” a materialização de processos discursivos que o
precedem na mente.
46
lingüísticos, considerando-se como princípio sua função comunicativa. Tal função
bipartiria a frase em (a) tema: elemento comunicativamente estático, de baixa
informatividade e de referência facilmente recuperável e (b) rema (ou
comentário): elemento comunicativamente dinâmico e de maior informatividade
(Moura Neves, 1997: 18).
De outra perspectiva, a frase poderia ser analisada, de acordo com Moura
Neves (1997: 29), segundo duas noções pragmáticas, a saber: (a) tópico:
constituinte acerca do qual se constrói a oração, e (b) foco: constituinte que
carrega a informação mais saliente. Até aqui, o paradigma funcional levou em
conta o dinamismo da comunicação, a qual, como dito anteriormente, tinha o
status de principal função da linguagem.
Já Chafe (1987) incorporou ao estudo da organização da informação os
processos mentais, considerando que o “fluxo da atenção” organiza o “fluxo da
informação”. Isso quer dizer que, na produção dos discursos, o modo como o
conteúdo de um enunciado é “empacotado” e apresentado ao leitor/ouvinte se dá
em função de aspectos sociocognitivos
22
. Sendo assim, uma dicotomia inicial
acerca da distribuição da informação, que distinguia a informação “dada” (aquela
informação compartilhada, já conhecida do interlocutor) da informação “nova
(aquela ainda desconhecida do interlocutor no momento da comunicação)
23
, passa
a ser vinculada a processos mentais que envolvem recursos de memória e atenção.
Essa vinculação, central para nossa hipótese principal sobre o papel das repetições
na alocação de tais recursos, é tema de trabalhos subseqüentes de Chafe (1987;
2001), dos quais trataremos a seguir.
22
Na seção 3.1.5 trataremos especificamente das orientações de ordem pragmática envolvidas
nesse processo.
23
Segundo Bloor & Bloor (1995: 70-9), costuma haver equivalência entre o tema e a informação
dada, de um lado, e o rema e a informação nova, do outro. Mas essa não é uma condição
necessária, já que se tratam de diferentes ferramentas de análise, e há casos complexos em que a
ordem se subverte, ou se multiplica, havendo, nesses casos, marcação entonacional.
47
3.1.3. Processos cognitivos na distribuição da informação
Para Chafe (2001: 673), cabe à análise de discurso identificar as forças
psicológicas que orientam o fluxo do pensamento, ou seja, o que acontece na
mente das pessoas quando elas manipulam informações “dadas e novas”, “tópicos
e comentários”, “sujeitos e predicados” (Chafe, 1987:21). Segundo o autor, a
mente possui muita informação estocada e muito pouco dessa informação pode ser
focada ou estar ativa ao mesmo tempo. A capacidade de armazenar informação
em estado ativo, como mostra a psicologia cognitiva (cf. item 3.1.1), é muito
limitada. Então, Chafe (2001) postula uma análise de discurso que leve em conta
as limitações da memória e a estruturação que se dá em vista disso.
Para analisar os discursos, Chafe (1987) introduz os conceitos de unidade
entoacional e estados de ativação. A unidade entoacional é uma seqüência de
palavras, ou um “jorro” de fala, sob um único e coerente contorno entoacional,
usualmente precedido de uma pausa, que mantêm na consciência uma única
informação no momento da enunciação. Já os estados de ativação correspondem
ao status que as informações que vão se sucedendo no fluxo discursivo adquirem,
conforme sua presença ou ausência no foco da atenção dos interlocutores. Cada
peça de informação é expressa em uma unidade entoacional, e o fluxo discursivo
trata de substituir uma informação por outra no foco de atenção, linearmente – os
períodos de vocalização ativam uma informação para os ouvintes, ao passo que a
informação anterior vai mudando seu estado de ativação. O discurso teria assim,
uma função “narrativa” de modificar os estados de ativação da informação na
mente do interlocutor. Chafe (1987) descreve três estados de ativação da
informação na mente do interlocutor, a saber:
a) Informação ativa: relativa aos conceitos que estão no foco de atenção do
indivíduo. Os conceitos ativos correspondem à informação dada. São
conceitos já ativos para o falante e que este julga também estarem ativos
para o interlocutor. Para o falante, as pausas iniciais das unidades
entoacionais são ocupadas por mudanças nos estados de ativação de um ou
mais conceitos. Uma informação inativa ou semi-ativa pode tornar-se
ativa, o que demanda custo e tempo de processamento (chamamos a essa
48
ação de recuperacão de memória, em que a informação é trazida da
memória de longo-prazo).
b) Informação semi-ativa: relativa aos conceitos que estão na consciência
periférica, no pano de fundo, mas não diretamente no foco de atenção dos
indivíduos. Também recebe o nome de informação acessível. Os
conceitos que já estiveram ativos tornam-se semi-ativos por dois
caminhos: pela desativação de um estado prévio ativo, a partir da
linearidade típica do discurso e da impossibilidade de um conceito
permanecer ativo por muito tempo sob o foco de atenção. Quando isso
acontece, a desativação do conceito não é imediata, antes, este passa por
um estágio intermediário, de semi-atividade, onde ficam sujeitos à
reativação. Para ilustrar, Chafe (1987:29) dá um exemplo de um conceito
que fica em semi-atividade por 30 unidades entoacionais até que seja
reativado. Outra forma de tornar um conceito semi-ativo é pela ativação
de um esquema, que traz consigo expectativas que ficam em semi-
atividade, por exemplo, para o conceito ‘sala-de-aula’, teríamos o
esquema:
- professor
- alunos
- classe
- livros
Esses elementos ficam em semi-atividade por relações associativas,
esperando que sejam acessados a qualquer momento no discurso.
c) Informação inativa: relativa aos conceitos que estão na memória de
longo-prazo, i.e., não estão no foco de atenção nem na periferia da
consciência. Correspondem à informação nova. Durante a pausa inicial da
unidade entoacional, um conceito em estado ativo passa para o estado
inativo, e um conceito inativo (ou semi-ativo) passa para o estado ativo.
Recuperar tal conceito da memória de longo-prazo exige custo cognitivo e
evidentemente toma tempo.
49
Importante destacar que, segundo Chafe (1987), apenas um conceito de cada
vez pode ser recuperado da memória de longo-prazo e trazido para o estado ativo,
durante uma pausa inicial. É o que ele chama de “one new concept at time
constraint” (Chafe, 1987:35): a unidade entoacional não expressa mais que um
novo conceito por vez. O autor ressalta ainda que não se deve confundir unidades
conceituais com unidades sintáticas, ou número de palavras.
3.1.4. Recursos lingüísticos no processamento do discurso
As idéias de Chafe (1987; 2001) relacionam-se diretamente com nossa
hipótese acerca da possível função “facilitadora” exercida pelas repetições no
processamento do discurso. Isso porque, segundo Bloor & Bloor (1995), ao usar a
linguagem, nós intuitivamente tentamos organizar o que dizemos para tornar o
discurso mais acessível (Bloor & Bloor, 1995:65). No nosso corpus, a repetição é
uma informação ativa ou no mínimo semi-ativa com potencial de tornar o discurso
político mais acessível às massas. Contudo, nos chama a atenção especialmente a
discussão de Chafe sobre pronominalização.
Segundo Chafe (1987), se o falante assumir que o conceito já estava ativo na
mente do interlocutor, ele vai verbalizar o conceito de uma maneira atenuada,
muitas vezes o pronominalizando
24
. Isso nos faz pensar que as repetições podem
ser uma espécie de ratificação do estado de atividade do conceito que está no foco
de atenção. Em outras palavras, se um falante, em uma situação comunicativa,
presume o estado de atividade de um dado conceito, sentindo-se, guiado pela
intuição de que o conceito já fora ativado, à vontade para pronominalizá-lo ou
mesmo omiti-lo, no discurso político, devido à necessidade de facilitar ao máximo
o processamento para garantir o acesso às grandes massas, o conceito é reforçado
lexicalmente por meio da repetição, de forma a reduzir ao máximo a possibilidade
de mal-entendidos. Isso se dá a partir da reiteração de um conceito que
presumidamente não está suficientemente “reforçado” no horizonte de consciência
24
Bollinger (1979 apud Moura Neves, 1997) considera que a pronominalização foi
equivocadamente tratada como um processo de substituição motivado apenas pela presença do
nome em uma outra localização. Ao contrário, para o autor, a pronominalização deve ser vista
como uma escolha pragmática, guiada por aspectos de natureza extralingüística. Da mesma forma,
as repetições são assim consideradas neste estudo.
50
do interlocutor. Colocando de outro modo, a reiteração evitaria o esmaecimento
dos conceitos no foco da consciência, aparentemente alinhando-se ao propósito
comunicativo (“make it easy”) do discurso político.
É nesse sentido que julgamos possível referir-nos às repetições enquanto
uma estratégia, pois, considerando o discurso político como um tipo de discurso
planejado, ainda que apresente essa condição camuflada por meio de traços da
linguagem espontânea,
25
alguns recursos lingüístico-discursivos parecem ser
usados conscientemente, de modo a adequar-se ao princípio da acessibildade
acima destacado na referência a Bloor & Bloor (1995).
Outros estudos já se dedicaram a mostrar como pistas lingüísticas
relacionam-se a aspectos cognitivos, especialmente como as pistas referenciais se
relacionam com a ativação, re-ativação ou eliminação das conexões entre
informações na mente dos interlocutores. Givón (1995), por exemplo, assume o
discurso como uma grande rede informacional, formada de nódulos, cada qual
correspondente a um domínio conceitual. Nessa perspectiva, a gramática –
morfemas e construções sintáticas – é um conjunto de instruções mentais de
processamento para operações mentais específicas, como ativação de nódulos e
construção do texto como uma rede de nós conectados. Esses nódulos podem ser
conectados seqüencialmente ou hierarquicamente a outros nódulos presentes na
estrutura do texto, e quanto maior o número de conexões, mais reforçado e mais
acessível é o nódulo. Os recursos lingüísticos podem acelerar ou retardar a
compreensão
26
.
Dentre esses recursos, a catáfora, por exemplo, funcionaria como um sinal
para a ativação continuada no mesmo nódulo na rede informacional, enquanto as
anáforas seriam atributos que economizariam tempo/custo no processamento, já
que reforçam um nódulo já existente na rede, “escorando” a informação que chega
a algum item pré-existente no texto.
Também discutindo o papel dos recursos lingüísticos no processamento da
informação, Saliés (1997) concorda, baseada na psicologia cognitiva, que tanto a
produção quanto a compreensão dos discursos estão sujeitas a limitações. Os
25
Maiores detalhes acerca do hibridismo modal que caracteriza o discurso político encontram-se
no Capítulo 4, item, 4.1.3.
26
O trabalho de Hoey (1991) – cf. capítulo 2 –, apesar de não adotar o paradigma cognitivista,
parece ter muitos pontos em comum com as idéias de Givón, especialmente no que diz respeito à
formação de redes e ao fortalecimento dos links a partir das pistas coesivas.
51
atributos lingüísticos, então, funcionam como pistas que ou facilitam e aceleram,
ou diminuem e inibem os processos cognitivos, dependendo do tipo de conexão
que estabelecem na rede de informações e na sua relação com as limitações da
memória de trabalho. Alinhando-se a Givón (1995), a pesquisadora mostra que a
morfologia anafórica e catafórica assinala ativação continuada do mesmo nódulo
da rede, economizando tempo e custo de processamento no Português Brasileiro,
ao analisar o discurso institucional da indústria de petróleo. Por outro lado, as
conexões lexicais, genuinamente novas, porque não-referenciais, complexificam a
rede, já que exigem a criação de um novo nódulo, demandando custo e tempo.
Se as repetições, apesar de instruções lexicais, funcionam como pista
anafórica, isso quer dizer que, de acordo com as hipóteses de Givón (1995) e
Saliés (1997), elas reforçam nódulos na rede informacional, aumentando seu grau
de acessibilidade, isto é, tornando-o mais compreensível
27
.
3.1.5. A Relevância e o custo de processamento
Sperber & Wilson (1986) corroboram Chafe (2001) e Givón (1995) ao
proporem a Teoria da Relevância a partir da releitura das “máximas” de Grice
(1978) e à luz da psicologia e da pragmática. A Teoria da Relevância considera
não apenas aspectos relativos ao processamento cognitivo, mas também fatores
como o propósito comunicativo, a articulação com conhecimentos prévios dos
interlocutores e as referências contextuais.. Sperber & Wilson consideram que a
comunicação humana é regida pela busca por relevância, e isso significa produzir
implicaturas que permitam a compreensão de um enunciado em tempo otimizado.
Em outras palavras, o discurso deve estar alinhado com as variáveis pragmáticas
para gerar efeitos contextuais que, não apenas agilizem o processamento da
informacão, mas não gerem ambigüidades ou mal-entendidos.
27
Dois trabalhos de psicologia cognitiva descritos por Saliés (1997) parecem constituir-se como evidência
para essa hipótese. Um experimento realizado por Smith e Swinney (1992) expôs sujeitos adultos a textos de
conteúdo vago, metade deles com um título que ativava esquemas relevantes, e outra metade que não ativava
esquema algum. Os resultados apontaram para a centralidade dos esquemas na compreensão, pois a leitura foi
mais rápida nestes casos. Contudo, os pesquisadores observaram que a segunda metade, exposta a nenhum
esquema, foi rápida nas sentenças com mais conceitos repetidos (repetições idêntica, sinônimos e anáforas).
Já estudos de Anderson (1995) e Anderson & Pirolli (1985) mostram que, quanto mais se repete uma
informação, mais forte fica o elo que ela cria na memória, donde se infere que a repetição é uma
forma de
manter uma pista constantemente ativa na memória de trabalho, acelerando sua recuperação.
52
A relevância, então, está relacionada ao baixo custo de processamento, ou
de acordo com Saliés (2001), à prática de não sobrecarregar o interlocutor com
informações que não se relacionem com o propósito comunicativo ou que não
gerem efeitos contextuais máximos.
Sob essa ótica, apesar de a repetição parecer irrelevante à primeira vista, ela
contribui com a minimização do custo de processamento, pois reforça um nódulo
já ativado no discurso anteriormente, além de ratificar um nódulo já acessível na
rede informacional. Além disso, há fatores pragmáticos que também podem gerar
efeitos contextuais: no caso da propaganda política, precisamos considerar o
propósito comunicativo; se, como já discutimos, o propósito é atingir às massas e
convencê-las a doar o voto para o candidato, então a repetição pode ser vista como
uma estratégia relevante, i.e., alinhada ao Princípio da Relevância, pois minimiza
o custo e tempo de processamento e agrega valor ao propósito comunicativo
gerando implicaturas como “votem em mim pois vou cumprir minhas promessas”.
Ao considerarmos as repetições como uma estratégia de relevância, estamos
ampliando um tratamento que, especialmente em concepções formalistas ou
normativistas, a concebem como um mero recurso à coesão por substituição, ou,
como possivelmente constaria em manuais de redação, algo a ser evitado em
modalidades discursivas elaboradas. Concepções de linguagem como a aqui
adotada, que remetem à motivação do uso da repetição a fatores de ordem social
ou cognitivos, obrigatoriamente derrubam barreiras entre a pragmática e os
demais níveis de descrição. Em nossa abordagem, atrelamos o social ao cognitivo
de forma intrínseca – daí a especificação terminológica sociocognitvismo –, pois
entendemos que a cognição humana é socialmente situada.
3.2. A hipótese sociocognitiva
Se, na seção anterior, as questões acerca do processamento do discurso nos
serviram para re-elaborar o olhar sobre as repetições no contexto socialmente
situado das campanhas eleitorais televisivas, agora, a hipótese sociocognitiva
sobre a construção de sentido (Salomão, 1999) nos servirá de base para a
formulação da segunda hipótese desta dissertação, que versa sobre o caso
53
específico dos paralelismos sintáticos: acreditamos que estes funcionem, nos
discursos políticos de Collor, como pista lingüístico-discursiva que acionam
processos de re-categorização por mescla (Faucconnier & Turner, 2002). A partir
da sub-secão 3.2.1, passamos a elaborar essa idéia, resenhando estudos que
desenvolvem a hipótese sociocognitiva.
3.2.1. Premissas básicas
O sociocognitivismo
28
(Salomão, 1999) aparece, de um lado, como crítica
ao Positivismo e ao Estruturalismo, especialmente em função de certos princípios
relacionados a tais abordagens, como a desconstrução do sujeito, a segmentação
dos níveis de descrição lingüística e o tratamento do significado em termos de
suas relações formais com a suposta realidade que eles designam. Por outro lado,
o sociocognitivismo também se contrapõe ao cognitivismo chomskyano, que
separa sujeito e linguagem derrubando a ponte entre o sentido e a subjetividade.
Sendo assim, trata-se de uma corrente que visa a explorar, de forma
interdisciplinar, as múltiplas possibilidades de construção do sentido, articulando-
se sujeitolínguaaspectos sócio-culturais e cognição.
Ao recusar a autonomia da linguagem, esta passa a ser vista como, ao
mesmo tempo, reflexo de nossa interação com o mundo e instrumento usado para
conceptualizá-lo (Saliés, 2002:12), ressaltando-se o papel da experiência e da
percepção nessa construção. Depreende-se, dessa visão, duas premissas básicas,
denominadas por Salomão (1999) escassez da forma lingüística e dinamismo da
determinação contextual.
A escassez da forma lingüística diz respeito à propriedade de o significante
abarcar múltiplos sentidos de acordo com seu uso, sem que isso corresponda a
qualquer sutileza estrutural contida em sua forma.
De modo geral, a Semântica Cognitiva, braço dos preceitos filosóficos do
realismo experencialista kantiano, acredita nos esquemas corpóreos enquanto
âncora para o significado de nossas expressões lingüísticas: alinhada com a
descrença na relação biunívoca entre forma e referente, o significado, na vertente
28
Em sua origem, Cognitive Linguistics (Lakoff, 1990; Langacker, 1987; Taylor, 1991; Turner,
1996) ou Lingüística Cognitiva.
54
sociocognitivista, é concebido como algo experencial; não sendo exclusivo nem
propriamente lingüístico (Oliveira, 2001:34). É a memória da experiência, algo
eminentemente subjetivo e social, que dá sentido ao mundo. Em outras palavras,
para a Semântica Cognitiva, a linguagem é vista como parte inerente da cognição
humana, ou seja, a linguagem manifesta, ao mesmo tempo em que recria (já que a
linguagem é sempre interativa e dialógica), metaforicamente, a estruturação
cognitiva do mundo.
Já a determinação contextual refere-se à importância que o contexto recebe
na explicação do fenômeno lingüístico. Para Salomão (1999), enquanto a
linguagem consiste em configurações cognitivas instauradas em instruções
verbais, o contexto é um conjunto de outras instruções semiológicas que podem
variar desde conhecimentos pressupostos do tipo “senso-comum”, até informações
situadas no evento comunicativo.
A hipótese sociocognitiva (Salomão, 1999), gerada a partir de tais
premissas, postula a linguagem como operadora da conceptualização socialmente
situada, através da atuação de um sujeito cognitivo que produz significados como
construções mentais a serem sancionadas no fluxo interativo. Isso quer dizer que o
sinal lingüístico guia o processo de significação diretamente no contexto de uso
(Salomão 1999: 12).
3.2.2. Mecanismos cognitivos de construção de sentido
Sendo a experiência e a percepção os principais responsáveis pela
construção de sentido, depreende-se que alguns mecanismos de ordem cognitiva
se articulam para tal processo (Salomão, 1999:32), pois a construção de sentido é
entendida como um processo dinâmico, que conjuga no contexto situacional os
fatos lingüísticos, pragmáticos, cognitivos, perceptuais e retóricos, refletindo
categorias que estão presentes na mente humana (Saliés, 2002). Dentre esses
mecanismos, destacamos os Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs), o processo
de categorizacão e as operações de projeção, ligação, mesclagem e integracão de
múltiplos espaços conceituais (cf. Turner, 1996: 57). Nesta seção, descreveremos
brevemente esses mecanismos assim como sua relevância para os processos de
construção de sentido.
55
Modelos Cognitivos Idealizados – MCIs – (Lakoff, 1987) são bases de
conhecimento estruturado que constituem-se como condição indispensável a
qualquer processamento de informação, especialmente para as inferenciações
(suprimento de informação implícita). No caso do discurso de Collor, por
exemplo, são freqüentes as evocações de MCIs como ‘política’, ‘ética’,
‘corrupção’, espaços de referenciação compartilhados. A evocação dessas bases é
idealizada, porque representam eventos que fazem parte do acervo de bens
simbólicos que definem culturas e sociedades (Salomão, 1999: 29-30).
Dentre os MCIs mais relevantes para a (re)construção situada do sentidos
encontram-se as molduras comunicativas, que são rotinas sobre como executar
situações interativas, como ir a um restaurante ou participar de uma aula. Tais
molduras presumem a definição das identidades dos participantes, inclusive seus
papéis sociais e a simetria das relações entre eles (Salomão, 1999:30).
Também os esquemas imagéticos (Lakoff & Johnson, 1980; Lakoff, 1990)
são MCIs, mas que emergem das experiências sensório-motoras, servindo de
modelo para a categorização do mundo social e psicológico. De acordo com
Saliés (1997), como exemplos de esquemas imagéticos, temos as noções de
TRAJETÓRIA, MOVIMENTO, CONTÊINER, VERTICALIDADE,
HORIZONTALIDADE E PARTE-TODO. Essas noções, nascidas de nossa
interação com o meio, formam gestalts, blocos estruturados da experiência, estão
na base da extensão dos significados, pois nesse processo elas se associam de
maneira múltipla, como múltiplas são nossas experiências. Podemos ilustrar esses
processos de associação com o esquema TRAJETÓRIA, que é usado
cotidianamente no reconhecimento de diversas situações e atividades como algo
com início, meio e fim. Entendemos a ‘vida’, por exemplo, como uma trajatória, o
que se manifesta em expressões do tipo “seu fim está próximo” ou “me sinto
andando para trás”.
Faucconier (1994) descreveu ainda certas bases de conhecimento que, ao
contrário dos MCIs, são de natureza episódica, denominadas espaços mentais
(EMs). Esses espaços são sustentados interativamente dentro de um propósito
específico, construído no fluxo discursivo. Tanto os MCIs quanto os EMs
constituem-se como bases de conhecimento (domínios) que se articulam para a
construção de sentido a partir da pista lingüística.
56
Além disso, no processo de construção de sentido, as projeções
metafóricas (Johnson, 1987; Lakoff, 1990) assumem um papel central. Metáforas
nesse contexto teórico são processos cognitivos que põem em correspondência
diferentes domínios conceptuais. Assim, domínios de experiência abstrata
(domínio alvo) são entendidos em termos de experiências concretas (domínio
fonte), isto é, os domínios-fonte motivam o entendimento dos domínios-alvo, e
pistas lexicais permitem acessar tal correspondência por iconicidade. Chiavegatto
e Ferrari (2002), por exemplo, usam a metáfora “o amor é uma viagem” para
ilustrar como o domínio fonte ‘viagem’ motiva o reconhecimento do domínio alvo
‘amor’ em expressões como “começamos em janeiro”, “nós seguimos caminhos
diferentes ou “estamos no mesmo barco”
Se as múltiplas possibilidades semânticas, isto é, a polissemia, derivam das
projeções metafóricas, e essas são centrais na construção cognitiva do mundo,
chegamos à conclusão de que todo significado é metafórico. É com essa hipótese
que as concepções sociocognitivistas do significado se opõem à idéia logicista
(Frege, 1978) segundo a qual a linguagem estaria em correspondência direta e
biunívoca com o mundo.
Foi a crença nessa possibilidade de extensão que nos permitiu pensar os
paralelismos como um dos dispositivos sociocognitivos que, no discurso político
de Collor, parecem estar acionando re-negociações de sentido para conceitos já
arraigados em nossos MCIs, através de um processo de re-categorizacão.
3.2.2.1. A categorização na semântica cognitiva
Para a perspectiva sociocognitiva, o mundo, a realidade é um continuum que
pode ser recortado de várias maneiras segundo o olhar dos sujeitos
experienciadores das situações comunicativas. As coisas do mundo, e, mais
especificamente, os temas abordados pelos políticos em campanha eleitoral,
também são recortados e relacionados da maneira que convém aos objetivos dos
participantes. Ou seja, se conhecimento e linguagem são duas faces da mesma
moeda, construímos nosso mundo à medida que desenvolvemos e usamos a
linguagem. Nesse processo, assinalamos categorias para o que nos circunda e
para o que aprendemos.
57
Esse entendimento sobre categorização que adotamos, no entanto, não é o
único. Há questões críticas que deram lugar a visões opostas do processo. Por
exemplo, seriam as categorias construídas deterministicamente com base em uma
realidade estável e externa aos processos discursivos ou seriam elas construtos da
mente humana baseados em experiências intersubjetivas? Revisamos nessa seção
algumas dessas discussões sobre categorização que desembocaram na posição que
assumimos.
Para as abordagens representacionais, geradoras da Semântica Formal de
orientação logicista (Frege, 1978), os elementos e fatos do mundo constituem-se
enquanto verdades, representadas objetivamente pela linguagem em uma relação
em geral biunívoca entre forma e referente. Dessa forma, a linguagem nada
constrói; é apenas um veículo que nos permite chegar ao que já há disponível no
mundo. Em tal paradigma formalista, a formação de categorias depende de
critérios necessários e suficientes que permitam a inclusão ou exclusão de um
exemplar em um dado conjunto, baseando-se em um termo genérico que conteria
todas as propriedades essenciais dessa categoria. Dessa forma, a categoria
“homem”, por exemplo, conteria todos os elementos que compartilhassem as
condições necessárias e suficientes que a caracterizam. “Ser bípede”, “não possuir
penas” ou “ser mamífero”, são propriedades que poderiam figurar dentre as
caracterizadoras da categoria. Esse critério de formação de categorias, entretanto,
deixa de observar que muitos membros da categoria ‘homem’, por exemplo, não
compartilham algumas dessas condições ditas necessárias. Um homem que teve
sua perna amputada, por exemplo, deixaria de fazer parte da categoria?
Pensando acerca dessas relações determinísticas e da problemática em torno
da dificuldade em se determinar tais propriedades, Wittgenstein (1953) propõe
que as categorias organizam-se por semelhanças de famílias, e não por um
compartilhamento obrigatório de conjunto de traços. Um exemplo clássico
utilizado por Wittgenstein (1953) em suas Investigações Filosóficas, é a categoria
Jogo. Ao buscarmos uma única propriedade que seja comum (suficiente ou
necessária) a todas as manifestações daquilo que entendemos por ‘jogo’, nos
deparamos com a impossibilidade da tarefa. Jogos como ‘roleta russa’ ou
‘paciência’ apresentam-se como contraprovas para os traços mais evidentemente
apontados, tais como ‘diversão’ ou ‘competição’, respectivamente. Dessa forma,
nenhum atributo é suficiente ou necessário para delimitar uma categoria; logo, o
58
enunciador tem liberdade, para categorizar seus “temas” de acordo com as
negociações interativas ou “jogos de linguagem” instaurados por ele e seus
interlocutores.
Inspirada pelo trabalho de Wittgenstein (1953), a Semântica Cognitiva
também defende que as categorias são classes de fenômenos que se agrupam
mentalmente com base em algum tipo de similaridade saliente, de natureza
perceptual ou funcional. Essas similaridades advêm de julgamentos
intersubjetivos, não de características inerentes às entidades (Taylor, 1991;
Lakoff, 1990 apud Saliés, 1997). Tal proposta se materializa no entendimento do
processo de categorização por protótipo (Lakoff, 1990), segundo o qual os
elementos de uma dada categoria apresentam-se de forma heterogênea, e
organizam-se em torno de um protótipo, ou núcleo categorial nocional
(Chiavegatto & Ferrari, 1997:72). Quando classificamos algo, estamos nos
ancorando em casos mais prototípicos, isto é, mais reveladores de uma categoria,
e estes se relacionam, via semelhança, com outros membros mais periféricos
porque se afastam gradualmente (em termos de número de atributos
compartilhados) do núcleo central. Mas essas associações se estendem a tal ponto
ao infinito que somente alguns dos atributos são compartilhados pelos membros
mais afastados do núcleo. Se, por exemplo, retornássemos à noção de ‘Jogo’,
teríamos como exemplares mais prototípicos algo como ‘xadrez’ e ‘buraco’; e a
“roleta russa” ou “paciência” como membros mais periféricos.
Outro exemplo clássico citado por Almeida (1996 apud Ferrari &
Chiavegatto, 1997) é a categoria ‘ave’. Teríamos, nessa categoria, o ‘pardal’ como
um membro prototípico, já que este possui diversos traços da categoria, tais como:
presença de penas, dois pés, bico, asas e capacidade de voar, de cantar. Já
membros como ‘galinha’ – por não voar – , ‘papagaio’ – por não cantar -- e
‘pingüim’ – por não voar, nem cantar -- seriam exemplos menos prototípicos,
porém, ainda pertencentes à categoria. A figura (2) adaptada de Ferrari &
Chiavegatto (1997:73), nos auxilia a visualizar o comportamento “radial” das
categorias. Na imagem, vemos um centro nocional prototípico que expande
categorias radiais, que, ainda que ligadas ao núcleo, afastam-se gradualmente
deste, por “perder” alguns dos atributos prototípicos, mas ainda assim continuam
membros da categoria.
59
{z}
{y,z}
{x, y, z}
{
n
,
x
,
y,
z
}
Figura (2): Organização “radial” das categorias.
(adaptada de Ferrari & Chiavegatto (1997:73)
Tal reflexão acerca da categorização humana amparou-se nos estudos sobre
cores (Berlin & Kay, 1969; Rosch, 1973) realizados pela Psicologia Cognitiva.
Segundo esses estudos, a realidade, assim como as cores, apresenta-se em um
continuum difuso, e não há bases realísticas ou físicas para as demarcações que se
impõem na materialização discursiva. Constituem-se enquanto produto da
atividade lingüística.
Berlin & Kay (1969) mostram que os termos para cores podem variar: as
comunidades podem apresentar de dois a 11 nomes básicos para as cores. Vemos
por exemplo a comunidade Dani, que apresenta apenas dois nomes básicos para
recortar todo o espectro de cores, e o Inglês, que apresenta 11 cores básicas. Essa
variação, que poderia apresentar-se como uma evidência para a relatividade
lingüística, na verdade, tomada com mais acuidade, nos leva para a direção
oposta, pois os mesmos estudos nos mostram que todas as sociedades investigadas
percebem ou têm a capacidade de perceber todas as cores do espectro, mas as
recortam diferentemente (cf. Rosch, 1973) e escolhem diferentes exemplares
como o mais prototípico. Isso quer dizer que as comunidades lingüísticas têm a
mesma percepção, apenas variam na forma como categorizam o espectro. Os
estudos de Berlin & Kay (1969) e de Rosch (1973) acabaram por fundamentar
essa tese, antitética com relação ao estruturalismo relativista.
Portanto, reforçando a idéia de Wittgenstein (1959), Rosch (1973) propõe
que os membros de uma categoria se estruturam de tal forma, que há membros
centrais ou típicos e membros menos típicos ou periféricos, e a fronteira entre os
membros fica difusa quanto mais nos afastamos do centro prototípico. O protótipo
60
central é, então, uma abstração que partilha todos os atributos dos membros da
categoria e é mais fácil de se processar.
A heterogeneidade das categorias e sua organização radial traduzem-se na
verten
.2.2.2. Processos de re-categorização: mesclagem
utros teóricos como Faucconier & Turner (2002) também se alinham à
propo
emonstrar essa tese é o
‘casam
te sociocognitivista na tese de que a polissemia é inerente à linguagem, ou
seja, a linguagem não está em correspondência direta com o mundo, já que este,
ainda que percebido pelos sentidos de forma universal em todas as comunidades,
pode ser recortado e nomeado diferentemente, não apenas de língua para língua,
mas também em função de outros fatores de ordem pragmática. Essa idéia é
central para a segunda hipótese do presente estudo: se o processo de categorização
é parte das atividades lingüístico-discursivas, parece-nos que algumas repetições
sintáticas paralelas estabelecem relações entre os membros, marcando certa
solidariedade entre eles. Isso implica dizer que, discursivamente, podemos incluir
ou excluir elementos em uma dada categoria, pela aproximação de alguns de seus
atributos, trazidas à baila por diferentes processos sociocognitivos. Ao olhar o
corpus que se destina a esse estudo, pareceu-nos que o discurso aproximava
termos que pareciam remotos, se considerássemos as estruturas de conhecimento
do senso comum, revelando a imaginação intrínseca aos processos discursivos e
negando toda a relação bem delineada entre sentido e representação. Essa
hipótese será devidamente investigada no capítulo de análise.
3
O
sta das categorizações radiais quando admitem que as categorias podem
estender-se à medida que incorporam novos materiais.
Um dos exemplos usados pelos autores para d
ento entre homossexuais’. Se o casamento enquanto categoria pressupunha
a união de pessoas de sexo diferente, o que dizer de uma expressão como essa? A
categoria se modifica fundamentalmente, se expandindo de modo a abarcar
condições dessemelhantes àquilo que originalmente parecia necessário. Também
a noção usual de ‘vírus de computador’ pode ser utilizada para demonstrar a
extensão da categoria ‘vida’. Se retornássemos à discussão formalista acerca dos
traços suficientes e necessários, concordaríamos que o aspecto biológico é central
61
na delimitação categorial. No entanto, os avanços tecnológicos impõem uma
projeção metafórica que dá ‘vida’ a elementos artificiais ao ponto de geramos
produtivamente várias expressões como ‘vírus’, ‘vacina’, ‘quarentena’, entre
outras. Novamente, estamos diante de uma extensão categorial.
Esse processo de aproximação por associação só é possível diante de uma
visão
lagem é uma projeção entre os já mencionados espaços mentais.
Faucc
exemplo (30). Nele observamos a abertura de espaços mentais
a par
não-nomenclaturista
29
do significado, mais aproximada, portanto, dos
Jogos de Linguagem Wittgensteinianos
30
. A esse processo, que evidencia a
capacidade imaginativa do homem, Faucconnier & Turner (2002) chamaram
mesclagem.
A mesc
onier & Turner (2002) os definem como “pequenos pacotes conceituais que
construímos para os propósitos locais de entendimento e ação. Em termos de
processamento, os espaços mentais são as redes neuronais ativadas”. De maneira
menos específica, os espaços mentais são estruturas necessárias para organizar as
informações sobre o mundo. Neles, criam-se os mundos possíveis
interativamente.
Tomemos o
tir do sintagma adverbial ‘nessa nossa caminhada’. Esse sintagma aciona
uma projeção segundo a qual a informação “estar sozinho” só pode ser
interpretada dentro do espaço que a delimita. Ilustramos o mecanismo na figura
(3), onde visualizamos o modo como a referência “nós” pôde ser manipulada
dentro de espaços cognitivos diferentes, um projetado no outro. O espaço mental
aberto (EM 1) representa uma situação localizada no tempo e no espaço – uma
caminhada. Esse espaço precisou ser acionado para que todo o resto do
enunciado fosse interpretado segundo ele (EM 2). Nesse sentido, “nós não
29
Segundo Martins (2001), a visão nomenclaturista ou agostiniana do significado é aquela que
concebe o significado como uma entidade estável, já que a linguagem, segundo essa abordagem, é
um fenômeno que se deixa governar por algo que lhe é anterior e exterior.
30
De acordo com Wittgeinstein (apud Martins, 2001), as palavras são essencialmente
polissêmicas, e a dificuldade de se circunscrever os limites de um significado faz-se sentir em
qualquer expressão. Guiadas pela leitura de Martins (2001), observamos que esse seria um
aspecto central no funcionamento da linguagem em uma visão wittgensteiniana: forma- práxis-
significado-práxis. As conexões entre nome e objeto não são em si franqueadoras dos
significados, que emergem do contexto das atividades humanas nas quais se engendram de forma
indissociável. Por isso, usa-se a língua em variados contextos sem que haja uma entidade anterior
e exterior que a governe.
62
estamos tão sozinhos” (a) se modifica (a’) e passa a ser manipulado dentro do
espaço introduzido por “nessa nossa caminhada”.
(30)
Nessa nossa caminhada, nós não estamos tão sozinhos,
a
a’
EM 1 EM 2
Figura (3): Projeção entre espaços mentais.
A partir da noção de espaços mentais, Faucconier & Turner (2002) definem
o espaço-mescla
31
como um espaço criado a partir de estruturas parciais de outros
domínios que lhe servem de fonte, e que possui uma estrutura emergente própria.
Mesclar domínios é relacioná-los de maneira parcial, criando-se um novo espaço
que, longe de pretender refletir a realidade, porque é produto do poder dinâmico
da imaginação, serve a propósitos específicos, derivados da necessidade de
associação entre elementos que pertencem a diferentes inputs.
No processo de mesclagem, entram em associação os diferentes inputs e
ainda um espaço genérico, que abarca a comunalidade dos inputs. Os espaços-
inputs têm suas contra-partes associáveis projetadas no espaço mescla. A mescla,
então, apresentará uma estrutura emergente (Faucconier & Turner, 2002:42), que
é uma composição dos elementos selecionados do input.
31
Nesta dissertação, chamaremos de ‘mesclagem’ ao processo que relaciona diferentes inputs e
‘mescla ao produto conceptual derivado desse processo.
63
Salomão (1999) denomina mesclagem ao processo que conecta domínios-
fonte “cuja estrutura é parcialmente projetada no espaço mescla imaginado”
(1999:53). Um esquema genérico relaciona os domínios-fonte. A mescla aparece
como um novo conhecimento, em que elementos de diferentes domínios integram-
se em um único enquadre. Por exemplo, em (31), a expressão “a escravidão do
desemprego” aciona um domínio-mescla em que parece evidente sua configuração
parcial. A expressão aciona a projeção entre o domínio-fonte “escravidão”, que
agrupa os atributos ‘trabalho forçado’, ‘economia colonial’, subserviêcia e maus-
tratos; e o domínio-alvo “desemprego”, que agrupa os atributos ’economia de
mercado’, subdesenvolvimento’, ‘crise’, ‘falta de oportunidade’. No espaço
genérico estão atributos comuns tanto ao domínio-fonte quanto ao domínio-alvo,
possibilitando a mescla que focará apenas alguns dos atributos da fonte e do alvo,
associando-os imaginativamente.
(31)
Mas continua .. a escravidão do desemprego (...)
trabalho forçado
economia colonial
subserviência
maus-tratos
economia de mercado
subdesenvolvimento
crise
falta de oportunidade
-relações de trabalho
-relações econômicas
-hierarquias sociais
Escravidão do desemprego
Subserviência + crise; falta
de oportunidade
Input 1
Input 2
Mescla
Espaço Genérico
Figura (4): Mescla “a escravidão do desemprego”
Para Fauconnier & Turner (2002: 157), “uma vez que a mescla encontra-se
estabelecida, podemos operar cognitivamente dentro desse espaço, o que nos
permite manipular os diversos eventos como se esses fossem uma unidade
64
integrada”. Isso porque, em termos de processamento do discurso, a mescla cria
construções epistêmicas que guiam todo o processo de interpretação. Trata-se de
um tipo de construção que privilegia dados aspectos em detrimento de outros. São
os propósitos comunicativos, ou a orientação ideológico-discursiva, que orientam
tal seleção, o desencadeamento e o compartilhamento da mescla.
Tendo demarcado a mesclagem como um processo de re-categorização
guiado por variáveis de natureza pragmática, como os já mencionados propósitos
comunicativos e orientação ideológico-discursiva, concordamos com Saliés
(1997) quando afirma que a (re) construção de categorias é um fenômeno
histórico e cultural (vide os exemplos de Faucconier & Turner (2002) sobre
‘casamento entre homossexuais’ e ‘vírus de computador’), e que a principal razão
da incorporação de novos elementos em uma categoria é o sucesso na
comunicação. Ou seja, acreditamos que as relações intersubjetivas calcadas em
orientações discursivo-ideológicas de ordem pragmática podem influir na
extensão das categorias.
Elaborando essa idéia, MacLaury (1995 apud Saliés 1997) sugere que a
criação de categorias coincide com a criação de “pontos de vista” relativos à
compreensão do mundo, estabelecidos ou alterados em função de motivações
externas. Em outras palavras, de acordo com McLaury, nós formamos categorias
para estabelecer uma visão de mundo; para agrupar entidades que poderiam estar
postas como variações; refinar os pontos de vista: “every one sees the same world,
but different people emphasize or supress their awareness of differents parts of it
(McLaury, 1995 apud Saliés, 1997:269).
Em nossa análise dos paralelismos encontrados no corpus, focaremos essas
visões de mundo, evidenciadas, acreditamos, em muitos casos pelos processos de
mesclagem conceptual, os quais evidenciam a dimensão polissêmica e
sociocognitiva da linguagem pela re-categorização socialmente situada que se
observa nos discursos.
3.2.3. A perspectivação
65
Para recortar o mundo, e mais especificamente, na hora de se estabelecer
uma associação entre elementos de domínios, a princípio, estanques, tal como
sugere nossa hipótese acerca dos paralelismos sintáticos, o falante realiza escolhas
sobre o que tornará saliente ou não, i.e., o que ficará no foco de atenção. Isso se dá
graças à perspectivação (Langacker, 1991; Taylor, 1991). Acreditamos que a
perspectivização corresponda à noção de ponto de vista mencionada anteriormente
(Mac Laury, 1995); pois consiste no exercício da subjetividade ao se “recortar” o
mundo, considerando-se que o mundo é criado/recortado de uma perspectiva
particular, motivado por fatores de ordem pragmática e perceptiva, isto é,
associados à situação comunicativa na qual o falante se engaja.
De acordo com Taylor (1989), os diferentes usos semânticos de uma palavra
tendem a iluminar diferentes componentes do conhecimento idealizado que se têm
sobre ela. O contexto é o guia para essa tarefa de seleção. Nas palavras de Taylor,
se dizemos, por exemplo, algo como “Meu aniversário cai na segunda-feira”,
“iluminaremos” na palavra ‘segunda-feira’ simplesmente sua posição entre os dias
da semana. Se, no entanto, dizemos a mesma palavra em outro contexto, como
“Eu não gosto de segunda-feira”, estaremos privilegiando o fato de este dia da
semana suceder o fim de semana, representando o fim do descanso. Essas são
tarefas de perspectivação. É a perspectivação que, em meio ao espaço genérico,
permite a seleção dos atributos que constarão no espaço-mescla.
Se no paradigma teórico que adotamos, o sujeito e sua construção de mundo
são centrais para a construção do sentido, então o conceito de perspectivação
torna-se igualmente central para a nossa análise que pretende observar do papel
das repetições sintáticas nos programas televisivos da Campanha de Collor de
Melo em 1989. Os mundos possíveis construídos no discurso político são
perspectivados de acordo com fatores como: orientação ideológica e
posicionamento do candidato na conjuntura política, além de fatores mais gerais,
como identidades e contexto sócio-histórico do momento na comunicação. De
acordo com Turner (1991), a linguagem apenas guia sentidos que são construídos
em nossas estruturas de conhecimento. Parece-nos que, no caso do discurso de
Collor, há processos semelhantes aos descritos neste capítulo que interagem nessa
re-categorização perspectivada do mundo. Esses processos serão devidamente
investigados no Capítulo 5.
66
3.3. Resumo
De acordo com Saliés (2002:24), processos comunicativos eficientes
apresentam atributos lingüísticos que demandam menor esforço na memória de
trabalho. A anáfora é o recurso mais comumente apontado como aquele que
mantém ativo o mesmo referente no discurso. Em nosso estudo, pleiteamos um
lugar para as repetições lexicais nessa categoria, já que, no contexto estudado, ela
parece apresentar função semelhante, senão mais eficaz que a própria anáfora de
outra natureza. Se os recursos lingüísticos funcionam como instruções de
processamento que podem acelerar ou retardar a compreensão (Givón apud Saliés,
1997), então a repetição parece comportar-se como atenuadora do esforço
demandado pela busca de uma informação semi-ativa.
Em adição a isso, adotamos o modelo teórico avançado pela Semântica
Cognitiva para tentar explicar casos específicos de paralelismo sintático, em que
nos parece ocorrer re-categorização por mescla. As hipóteses de trabalho, assim
como as bases teóricas do estudo encontram-se resumidas na tabela (5).
67
Tabela (5): Perfil do estudo
Assunções Cognitivas Assuncões Pragmáticas Hipóteses
A limitação da memória
de trabalho afeta as
escolhas discursivas e o
processamento destas.
O propósito comunicativo do discurso
político é atingir e convencer as
massas.
Ao produzirmos textos,
organizamos o conteúdo
de modo a facilitar o
entendimento.
As repetições ratificam a
ativação de um nódulo na
rede informacional,
aumentando a acessibili-
dade deste.
+
O acesso às massas depende da
facilitação do processamento
Hipótese (1)
As repetições são
estratégias de
diminuição do custo
de processamento
que agregam valor ao
propósito
comunicativo.
A categorização por
protótipo permite a
extensão dos significados
no uso.
Os paralelismos acionam
re-categorizações e solida-
riedade entre os membros.
A mesclagem é o
mecanismo cognitivo que
permite tal re-
categorização.
Toda projeção é
perspectivada.
+
O discurso político alavanca
construções de mundo possíveis que
se dão de acordo com o
posicionamento do
candidato/enunciador frente ao jogo
eleitoral.
Hipótese (2)
Paralelismos são
pistas lingüístico-
discursivas que
acionam re-
categorizações por
mescla, servindo às
orientações
ideológicas.
68
4. Considerações metodológicas
Repetition is pattern, and pattern is repetition.
(B. Johnstone, 1994)
A presente dissertação objetiva analisar o discurso de Fernando Collor,
abordando o recurso às repetições, lexicais e sintáticas, sob um aparato teórico
que permita explicá-las a partir de suas funções sociocognitivas. Sendo assim,
delimitamos nosso escopo em função da seguinte pergunta de pesquisa:
Qual o papel das repetições no discurso político de Fernando Collor?
A pergunta emergiu de nossos contatos iniciais com o corpus, a partir dos
quais nos chamou atenção a alta proeminência desse recurso lingüístico,
freqüentemente estigmatizado nos manuais de produção textual enquanto ‘vício de
linguagem’. A busca pela identificação e explicação dos elementos capazes de
transformar um elemento comum à linguagem dita ordinária em uma estratégia
lingüístico-discursiva alinhada aos propósitos comunicativos de um texto
preparado motivou o presente estudo.
Conforme o trajeto percorrido no capítulo 2, as repetições são
principalmente tratadas na literatura como (i) recurso de coesão lexical
recorrencial e referencial; (ii) estratégia interacional de envolvimento; (iii)
estratégia retórica de “facilitação” da compreensão; (iv) reformulações retóricas e
saneadoras. Em nosso estudo, tentaremos explicá-las à luz de teorias sobre o custo
de processamento do discurso e segundo a re-categorização por mescla (Capítulo
3), empreendendo um olhar sociocognitivo a esse fenômeno. Especificamente,
olharemos um corpus de discursos políticos proferidos por Fernando Collor no
curso da campanha presidencial de 1989. Para tanto, procederemos a uma análise
qualitativa do fenômeno, que, do ponto de vista discursivo, objetiva investigar o
papel das repetições em seu contexto socialmente situado.
69
Tal objetivo desdobra-se em (i) verificar a aplicabilidade das hipóteses já
construídas (cf. capítulo 2) em nosso corpus, e (ii) verificar nossas duas hipóteses
de trabalho desenvolvidas no capítulo 3. Primeiro, verificaremos se as repetições
funcionam como recurso minimizador do custo de processamento do discurso, por
manter por mais tempo um dado conceito no estado ativo ou no foco de atenção.
Segundo, verificaremos se os paralelismos sintáticos sinalizam re-categorizações
que, em um processo de mesclagem cognitiva, contribuem para a argumentação e
o convencimento das massas, já que induzem a uma visão perspectivada do
mundo.
Além de tratar da descrição e caracterização do corpus de pesquisa,
incluindo-se o contexto e o gênero, este capítulo aborda a natureza e os
procedimentos metodológicos de investigação utilizados .
4.1. O Banco de Dados
Para investigar as formas e funções das repetições nos discursos do ex-
presidente Fernando Collor, selecionamos três programas eleitorais apresentados
pelo próprio, enquanto candidato, pela televisão em cadeia nacional, ao longo do
primeiro semestre do ano de 1989,
32
para constituir nosso corpus. Esses
programas foram gravados caseiramente em VHS à época da campanha e
recentemente digitalizados em DVD, por mim, para fins desta pesquisa.
A escolha desses programas justifica-se pela sua importância na ascensão do
candidato, que, segundo fontes (pesquisa IBOPE, divulgada em Abril de 1989;
pesquisa IBOPE, divulgada em Maio de 1989, Pesquisa Datafolha, IBOPE e
Gallup, divulgadas em Junho de 1989), dispara nas pesquisas de intenção de voto
exatamente a partir dos programas mencionados, atingindo o grau de projeção que
o levou à eleição. Selecionamos os programas, portanto, baseando-nos em sua
relevância para o contexto das eleições de 1989.
Os referidos programas, que têm uma hora de duração, foram produzidos
pelos partidos da coligação (PRN-PTR-PSC-PST), e apresentam o candidato
Fernando Collor como protagonista. Para fins desta pesquisa, todas as falas do
32
Os programas são provenientes do arquivo pessoal da profª Mônica Piccolo Almeida.
70
candidato foram transcritas de acordo com convenções de transcrição presentes no
Anexo B, e delas se compõe o corpus de investigação, que apresenta um total de
7.471 palavras. A tabela (6) descreve o perfil do corpus, indicando data de
exibição, partido responsável e número de palavras para cada programa.
Tabela (6): Perfil do corpus
PROGRAMAS PARTIDOS DATA DE EXIBIÇÃO Nº DE PALAVRAS
PRN 30 de Março de 1989 2.279
PSC 27 de Abril de 1989 2.823
PTR 18 de maio de 1989 2.369
Total: 7.471
4.1.1. As eleições de 1989 enquanto prática social
O contexto tem recebido crescente atenção em todos os estudos lingüísticos
que optam por teorizar sobre a linguagem situadamente, e não pela abstração de
um sistema superestrutural. De acordo com Koch (2005:07), os participantes
constroem seus discursos na inter-relação com outros participantes,
(...) sob a influência de uma complexa rede de fatores,
entre os quais a especificidade da situação, o jogo de
imagens recíprocas, as crenças, as convicções, as atitudes
dos interactantes, os conhecimentos (supostamente)
partilhados, as expectativas mútuas, as normas e
convenções sócio-culturais. Isso significa que a
construção do texto exige a realização de uma série de
atividades cognitivo-discursivas que vão dotá-lo de certos
elementos, propriedades ou marcas, os quais, em seu
inter-relacionamento, serão responsáveis pela produção
de sentidos.
No capítulo 3, observamos como as situações comunicativas são
experiências estruturadoras da construção de sentidos múltiplos. De acordo com o
sociocognitivismo, a linguagem constrói um mundo tal como percebido e
experenciado pelos indivíduos, e os sentidos se constroem nos jogos interativos
ancorados em construções mentais e atualizados no discurso. “O sinal lingüístico
guia o processo de significação diretamente no contexto de uso” (Salomão,
71
1999:12). Para descrever o contexto de uso do presente estudo, lançaremos mão
da revisão de alguns trabalhos da área de Comunicação Social (Albuquerque,
1996; Singer, 2000; Soares, 1993; Conti, 1999) que se ocuparam de descrever e
contextualizar a campanha de Fernando Collor em 1989 com a observação dos
programas constituintes do corpus.
Segundo André Singer (2000:51), o pano de fundo das eleições de 1989 foi a
forte rejeição ao governo Sarney. Após mais de duas décadas de ditadura militar,
além do desgaste do governo vigente que se acentuou com o fracasso do Plano
Cruzado, candidatos associados ao centro, e conhecidos da política brasileira da
época, como Ulysses Guimarães (PMDB) e Mário Covas (PSDB), enfraquecem-
se, cedendo lugar a candidatos que explicitamente se mantinham na “oposição”,
como Fernando Collor (animador dos discursos aqui apresentados) e Luís Inácio
Lula da Silva, candidatos que chegaram ao segundo turno.
De acordo com Singer, ainda antes das eleições, Collor já era apontado na
mídia como um político jovem, moderno e “impetuoso” (Singer, 2000:56). Collor
já havia, à época de sua candidatura ao governo de Alagoas, construído a imagem
de “caçador de marajás”, que mais tarde usaria como um mote de sua campanha à
presidência.
Esta se iniciou em Março de 1989, com o lançamento de sua candidatura.
Alicerçado em uma imagem “composta pelas associações do indivíduo com
idéias-força do tipo: energia, coragem, iniciativa, ousadia, independência,
persistência, potência, êxito, agilidade” (Soares, 1993:151), Collor estréia seus
índices de intenção de voto na marca de 9%.
Alguns trabalhos da década de 90 dedicaram-se a tentar explicar o
crescimento da candidatura de Collor a partir daí (Albuquerque, 1996; Conti,
1999; Singer, 2000; Soares, 1993), e, segundo Figueiredo et al (1998), as eleições
de Collor despertaram efetivamente a comunidade científica brasileira para a
importância de se estudar as campanhas eleitorais como uma variável para os
resultados políticos.
Segundo Conti, (1999:14), Collor tinha mesmo consciência acerca da
importância de sua campanha, tinha o senso da política do espetáculo, “queria
emocionar o povo e garantir imagens emocionadas na televisão” (idem).
72
Conti (1999) explica a arrancada de Collor com duas palavras: propaganda e
dinheiro. E, de fato, a expansão de Collor nos índices de intenção de voto é
extraordinária, e coincide com a ida ao ar de seus primeiros programas eleitorais.
É bom lembrar que a candidatura de Collor havia sido lançada por quatro
pequenos partidos, de muito baixa representação no Congresso, a saber, o PRN
(Partido da Renovação Nacional), o PSC (Partido Social Cristão), o PST (Partido
Social Trabalhista) e PTR (Partido Trabalhista Renovador). A legislação eleitoral
da época permitia que cada um desses partidos ocupasse uma hora do horário
eleitoral no 1º Semestre de 1989. De acordo com André Singer (2000: 57), após
realizar o primeiro programa, o do PRN, em 30 de Março de 1989, Collor dá um
salto nas pesquisas de intenção de voto, passando a ocupar o índice de 20%. Após
mais dois programas, o PTR, em 27 de abril de 1989, e PSC em 18 de Maio de
1989
33
, Collor continua subindo, respectivamente para 32% e 43% das intenções
de voto, atingindo ao primeiro lugar das pesquisas, lugar esse onde permanece até
o fim das eleições, em Novembro de 1989. A tabela (7) mostra os índices de
intenção de voto dos candidatos à presidência no curso da campanha de 1989.
Tabela (7): Intenções de Voto do 1º turno (em %)
Collor
Lula
Brizola
Covas
Maluf
Afif
Indecisos
Março
9 16 19 6 6 1 17
Abril 20 15 17 6 6 1 17
Maio 32 11 19 5 6 1 13
Junho 43 8 15 5 5 1 12
Julho 39 7 11 5 5 2 16
Agosto 42 6 13 6 6 2 14
Setembro 39 6 14 4 6 3 14
Outubro 32 9 14 6 8 7 12
Novembro 28 14 15 8 7 4 8
Fonte: Ibope
34
Os três primeiros programas eleitorais que Collor levou ao ar compõem-se
da “articulação de pequenas mensagens independentes” (Albuquerque, 1996:134).
33
O programa do PST não foi ao ar.
34
Adaptado de Singer (2000:62).
73
De acordo com Albuquerque (1996:134), essas mensagens independentes podem
receber diferentes “modos de tratamento”, ou seja, podem configurar-se enquanto
“atração televisiva/quadros” de formas diferentes, a saber:
(a) modo campanha: consiste na discussão dos problemas políticos,
as possibilidades de resolução desses problemas e na exposição da
capacidade do candidato na resolução de problemas. Nesse modo,
discutem-se temas, propostas, a capacidade do candidato e seu
grupo político e a incapacidade de seus adversários;
(b) modo metacampanha: consiste na exploração do andamento da
campanha, bem como o envolvimento do eleitorado nela;
(c) modo auxiliar: consiste na apresentação de vídeos-clipe, vinhetas,
mini-novelas, etc. Nesse modo, revela-se a preocupação em se
adequar a propaganda política à lógica do entretenimento
televisivo.
A campanha de Collor durante as eleições presidenciais de 1989 explorou os
três modos de tratamento estabelecidos por Albuquerque. A tabela (8), a título de
exemplificação, mostra o seqüenciamento das mensagens independentes no
programa do PRN (Partido da Renovação Nacional), o primeiro do nosso banco
de dados.
Além da forma como as “mensagens” dos programas são organizadas, os
programas apresentavam outras características, como a presença freqüente de
bordões populares, tanto na auto-referência (“caçador de marajás”) quanto na
referência ao público (“minha gente”). O candidato também explorava a presença
de artistas, e dirigia-se, freqüentemente, a um interlocutor supostamente jovem e
enquadrado como quem necessita de liderança e renovação (Albuquerque,
1996:221). O temperamento “destemido” também é explorado (idem:227), e está
associado à imagem de jovem herói moderno e impetuoso, salvador de uma
geração anti-patriota. Resta-nos ainda mencionar que o próprio candidato, outros
políticos da coligação e o “povo”, a partir de depoimentos de populares nas ruas,
constituem os participantes dos programas.
74
Tabela (8): Distribuição de quadros no programa do PRN
1. Vinheta do partido 29. Apelo a jovens
2. Fala do candidato em estúdio 30. Vinheta do partido
3. Vinheta do partido 31. Fala de ator famoso
4. Fala de atores famosos 32. Vinheta do partido
5. Vinheta do partido 33. Fala de atriz famosa
6. Depoimento de cantora famosa 34. Entrevistas com populares
7. Vinheta do partido 35. Discurso do candidato (arquivo)
8. Reportagem (simulando telejornal) 36. Reportagem (simulando telejornal)
9. Entrevista com populares 37. Fala de político aliado em estúdio
10. Fala do candidato em estúdio 38. Fala do candidato em estúdio
11. Vinheta do partido 39. Vinheta do partido
12. Vídeo-clipe do Jingle de campanha 40. Fala de atriz famosa
13. Fala de ator famoso 41. Entrevistas com populares
14. Apelo aos jovens 42. Fala de atores famosos
15. Vinheta do partido 43. Reportagem (simulando telejornal)
16. Depoimento de cantora famosa 44. Fala do candidato em estúdio
17. Fala de atriz famosa 45. Vinheta do partido
18. Entrevistas com populares 46. Fala de atores famosos
19. Discurso do candidato (arquivo) 47. Dramatização
20. Discurso do candidato (arquivo) 48. Vinheta do partido
21. Discurso do candidato (arquivo) 49. fala de atriz famosa
22. Reportagem (simulando telejornal) 50. Entrevistas com populares
23. Discurso do candidato (arquivo) 51. Discurso do candidato (arquivo)
24. Reportagem (simulando telejornal) 52. Fala de político aliado em estúdio
25. Animações 53. Vinheta do partido
26. Fala do candidato em estúdio 54. Fala de políticos aliados
27. Vinheta do partido 55. fala do candidato em estúdio
28. Fala de atores famosos 56. Vídeo-clipe do jingle de camapanha
Legenda: Modo Campanha; Modo Meta-campanha; Modo Auxiliar
.
4.1.2. O gênero ‘discurso político-eleitoral’ enquanto prática
discursiva
Parafraseando Bakhtin (1979), só é possível dar conta das funções dos padrões
lingüísticos de um discurso se levarmos em consideração as convenções sociais e
discursivas que circundam o gênero. Sendo esse o espírito dessa pesquisa,
descrevo agora o que futuras investigações que se debrucem especialmente sobre
esse viés podem vir a chamar de gênero ‘discurso político-eleitoral’.
Serviu-me como inspiração e ponto de partida para essa reflexão sobre o gênero, o
artigo de Figueiredo et al (1998), que sugere bases metodológicas para estudos
que têm como objeto as campanhas eleitorais brasileiras. Nesse estudo,
Figueiredo apresenta o que ele chama de “estratégias de comunicação eleitoral”,
na verdade, um mapa dos propósitos comunicativos que circunscrevem as
campanhas eleitorais. O trabalho de Figueiredo não está situado na área de
Estudos da Linguagem, e nem de longe oferece, ou pretende oferecer, uma
descrição dos padrões lingüístico-discursivos do discurso político brasileiro; esta
lacuna, aliás, é apontada e lamentada no curso de seu texto. De acordo com o
75
autor, nos debates eleitorais observa-se a construção de uma “retórica”
35
de
natureza ficcional, que está na base dos discursos de campanha: entidades como
um “mundo atual” e um “mundo possível” são construídas em um complexo
processo de construção da argumentação política, por “inferências interpretativas
das condições físicas ou sociais de uma sociedade” (Figueiredo, 1998: 7).
As inferências de que fala Figueiredo, se dão de acordo com a lógica da
“metáfora do copo com água pela metade”: diante de um copo pela metade, pode-
se dizer que ele está quase cheio ou quase vazio. No jogo da argumentação
política, um candidato da “situação” diria que o mundo atual está bom – o copo
está quase cheio –, e o mundo futuro, graças ao seu mandato, será ainda melhor –
o copo ficará efetivamente cheio. Já um candidato da “oposição” diria que o
mundo atual está ruim – ou seja, o copo está quase vazio – , mas há esperanças de
um mundo possível melhor – o copo pode ficar cheio.
O caminho, então, que os candidatos percorrem entre esses mundos
construídos discursivamente se dá em função de suas posições no jogo eleitoral
(oposição ou situação) e de suas estratégias de campanha, e esta se estruturará
segundo os seguintes passos:
1. descreve-se um mundo atual, dentre todos os possíveis, que melhor
represente as condições sociais. Nesta etapa, o importante é convencer os
eleitores de que o “copo” está quase cheio ou quase vazio;
2. descreve-se um mundo possível desejável, convencendo o eleitor de que o
“copo de água” não ficará mais quase cheio ou quase vazio;
3. apresenta-se uma solução x, para que esse mundo desejável torne-se
possível;
4. apresenta-se como única garantia de que a solução x seja realizada, a
eleição do candidato em questão.
Iluminando pontos em comum entre as idéias de Figueiredo e as teorias de gênero
do escopo dos estudos lingüísticos, a análise de uma amostragem do corpus
36
revelou que os passos indicados por Figueiredo parecem concretizar-se em
movimentos retóricos conforme a proposta de Swales (1990).
De acordo com Swales (1990), os gêneros textuais são formas de
comportamento social (Swales, 1990: 21). Parte do conhecimento cultural de
35
Notar que o termo “retórica” utilizado pelo autor não necessariamente condiz com estudos de
Retórica do âmbito dos Estudos da Linguagem.
36
Foram escolhidos aleatoriamente sete fragmentos completos dentre os vários que compõem
nosso corpus.
76
determinado grupo, os gêneros constituem e são constituídos por atividades
comunicativas, apresentando-se, portanto, de maneira razoavelmente padronizada
e relacionada a propósitos específicos. Sua proposta sócio-retórica aponta para
necessidade de se relacionar descrição lingüística de gêneros com propósitos
comunicativos e contexto social (Hemais & Biasi-Rodrigues, 2005:109).
Segundo Hemais & Biasi-Rodrigues, Swales acredita que os gêneros representem
eventos comunicativos, servindo a propósitos sociais reconhecidos que restringem
seu conteúdo e formas. Esses propósitos sociais aos quais os gêneros servem
devem ser reconhecidos por uma determinada comunidade discursiva – conceito
fundamental para a teoria de gêneros de Swales: um gênero só pode existir dentro
um grupo que com ele tem familiaridade, pelas práticas sociais a eles
relacionados.
A teoria de Swales (1990) aplica-se no conhecido modelo CARS, que
descreve introduções de artigos científicos, trabalhando com duas unidades de
análise hierarquicamente organizadas: os movimentos retóricos e as etapas desses.
Essas unidades são definidas pelo propósito comunicativo, sendo cada etapa uma
contribuição retórica mínima que compõe o todo do movimento retórico.
Acreditamos ser o trabalho de Figueiredo compatível com a teoria dos
gêneros acima delineada, na medida em que a campanha eleitoral, tal como esse
autor a descreve, é compreendida como um evento comunicativo, no qual há
papéis instanciados entre os participantes, propósitos e objetivos bem definidos,
além de estágios que se somam para alcançar um objetivo mais geral. Tais
estágios nos discursos analisados parecem corresponder às etapas de campanha
descritas por Figueiredo et al (1998).
A propaganda eleitoral, enquanto um contexto situacional de propósitos
específicos, apresenta determinadas características em função da sociedade e da
cultura dos usuários do gênero, e apresenta certas combinações de variáveis
contextuais com certos traços lingüísticos.
Para Swales (apud Hemais & Biasi-Rodrigues, 2005:112), os gêneros
combinam as variáveis de campo (atividade social levada a cabo pelo gênero e
seu propósito comunicativo), relação (participantes do gênero e papéis sociais e
relações hierárquicas desempenhadas por eles) e modo (forma a partir da qual o
gênero se realiza: falado ou escrito, com ou sem contato visual, etc). As variáveis
77
de campo são as eleições no Brasil, em geral, e as eleições de 1989, em particular,
com seu propósito comunicativo de persuadir o público eleitor de que o candidato
é a melhor opção para, nas palavras de Figueiredo, “tornar o mundo melhor”.
Com relação às variáveis de relação, é importante considerar que Collor
apresenta-se como um candidato de oposição, e coloca-se como a única opção de
fato renovadora e “salvadora” de uma geração.
Para caracterizar a variável de modo no discurso político do corpus,
recorreremos a Koch (2005) e seu estudo acerca das diferenças (e semelhanças)
entre fala e escrita. Ela inicia sua reflexão afirmando que fala e escrita
representam duas modalidades com características próprias, mas que não podem
ser vistas de forma dicotômica, pois as diferenças entre elas inscrevem-se dentro
de um continuum, e os critérios diferenciadores muitas vezes se embaralham,
existindo entre essas duas formas tipos mistos e intermediários (Koch, 2005:77).
Koch passa a descrever, então, os critérios utilizados para diferenciar as
duas modalidades, e percebe-se que a aplicação desses critérios ao corpus de
nossa pesquisa revela um tipo de discurso difícil de se classificar, estando assim,
em algum ponto intermediário do continuum. Sugere-se, por exemplo, que os
primeiros traços a serem identificados digam respeito ao meio, falado ou escrito, e
à distância dos interlocutores. Tão logo os problemas de definição se apresentam:
o discurso político televisionado é falado, mas provavelmente preparado com
antecedência por meio escrito. Da mesma forma, pode-se dizer que, no momento
da produção do discurso, há distância entre os interlocutores, porém, a
proximidade é forjada pela televisão, que cria um efeito de interação face-a-face.
Acompanhando Koch (2005) na observação dos critérios definidores, a
autora menciona, em seguida, o critério do ‘envolvimento’, proposto por Chafe
(apud Koch, 2005: 77). O texto falado seria mais rico em estratégias de
envolvimento, o que de fato ocorre nos discursos analisados neste trabalho. Na
tabela (9), caracterizamos o discurso de Collor aplicando as supostas diferenças
entre fala e escrita
37
propostas por Koch. A tabela baseia-se em exemplares
“ideais” da já comentada visão dicotômica que se pretende combater. Os
sombreamentos apontam o lugar dos discursos de Collor nessa caracterização.
37
Foram excluídas do quadro original as categorias desconhecidas por mim e não explicitadas pela
autora.
78
Tabela (9): Caracterização ‘escrito/falado’ para o discurso do corpus
Fala Escrita
contextualizada descontextualizada
implícita explícita
redundante condensada
não-planejada planejada
fragmentada não-fragmentada
incompleta completa
pouco elaborada elaborada
pouca densidade informacional densidade informacional
frases curtas, simples e coordenadas frases complexas com subordinação abundante
pequena freqüência de passivas Emprego freqüente de passivas
poucas nominalizações abundância de nominalizações
menor densidade lexical maior densidade lexical
Adaptado de Koch (2005:78).
Apesar de a maior parte dos sombreamentos concentrarem-se na coluna da escrita,
nota-se uma grande incidência de marcações também na coluna da fala, o que
indica o hibridismo fala/escrita do gênero. O que se sugere, é que os discursos
políticos sejam textos escritos, planejados para que pareçam falados. Sendo
assim, é um discurso que se apresenta de forma planejada, elaborada, com
completude, i.e., começo, meio e fim, com densidade informacional e emprego de
construções típicas da comunicação escrita. Por outro lado, um discurso que se
pretende falado, precisa apresentar-se de forma espontânea, o que explica as
fragmentações, as frases curtas e de estruturas simples e as repetições e
redundâncias, que implicam em uma menor densidade lexical com relação ao
texto escrito.
Quanto aos movimentos retóricos dos discursos de campanha, a análise dos
discursos de Collor revelou a presença de seis movimentos retóricos com
recorrências mais ou menos freqüentes, além de funções bem definidas, a saber
38
:
(1) Saudação
(2) Elogio ao interlocutor
(3) Auto-elogio
(4) Construção do “mundo atual” / construção de inimigos a serem
combatidos
(5) Apelo e/ou promessa
(6) Construção de um “mundo possível”
38
Os movimentos retóricos, tal como foram nomeados e descritos, minimizaram a necessidade de
se estabelecer “etapas” tal como feito por Swales (1990).
79
Passo agora a descrever e exemplificar cada um desses movimentos – os três
primeiros movimentos foram encontrados em mais de 50% dos segmentos
analisados. Já o quarto, o quinto e o sexto estão presentes em todo o corpus
tomado para esta análise:
O Movimento Retórico de saudação, quando presente, encontra-se na
“abertura” do discurso. Nele, o candidato apresenta a si e ao partido, e
cumprimenta seus ouvintes. O exemplo (32)
39
ilustra esse primeiro movimento:
(32)
Boa noite, .. Juca Colagrossi, ..
Boa noite, .. membros .. do PTR aqui presentes.
Boa noite, .. minhas senhoras e meus senhores...
Elogio ao interlocutor é um movimento retórico que sucede a saudação, ou
a substitui. Nele, o interlocutor, nesse caso o público eleitor, é “agraciado” com
atributos positivos; o procedimento óbvio de “bajular” quem se pretende
convencer de algo. O exemplo (33) demonstra esse movimento:
(33)
(...) aquele Brasil .. de
cada um de nós brasileiros,..
que
ousa, ..
apesar das dificuldades, ..
sonhar .. com um país próspero, ..
digno, ..
e sobretudo .. solidário.
Tão óbvio quanto o elogio ao interlocutor, o terceiro movimento
encontrado, o auto-elogio (exemplo 34) consiste na “propaganda” que o candidato
faz de si mesmo, aqui, o “agraciado” é o próprio candidato, que fala de suas
qualidades, seu preparo e seus projetos (ou de seu partido), projetando seu self:
(34)
O Partido da Reconstrução Nacional,
o PRN,
tem um compromisso fundamental..,
que é o compromisso..
de reavivar as esperanças
que cada um de nós
tem no fundo de nossos corações.
39
Ainda que não seja propósito comunicativo do presente capítulo, vale ressaltar a proeminência
das repetições lexicais e paralelismos também nos exemplos selecionados para a descrição do
gênero, ratificando, assim, a validade teórica de nossa escolha.
80
O quarto movimento encontrado, construção do mundo atual e/ou dos
inimigos a serem combatidos, descreve o mundo, a sociedade ou as pessoas, que,
no caso de um candidato da oposição, devem ser construídos de maneira
depreciativa, de modo a deixar claro o que precisa ser modificado (exemplo 35).
Esse movimento, assim como os dois próximos, parecem estar sempre presentes
nos discursos de Collor, e liga-se diretamente ao propósito comunicativo:
(35)
(...)porque a escravidão do povo brasileiro .. continua, ..
sob novas formas, ..
é verdade,
mas continua .. a escravidão do desemprego,
da fome e da desigualdade de renda, ..
O movimento de apelo e/ou promessa (exemplo 36) consiste no ato
previsível de pleitear voto aos interlocutores; é a busca explícita por
alinhamento
40
, que pode vir acompanhada ou não de promessas e soluções para a
construção do mundo:
(36)
Não aban
donem o Brasil, ..
não
abandonem a fronteira,
não aban
donem a trincheira de luta...
Vamos
todos nos dar as mãos .. com os corações unidos .. num sentimento .. e
num só objetivo...
O sexto e último movimento retórico encontrado no corpus, denominado
construção do mundo possível, é a descrição, repleta de atributos positivos, de
um mundo utópico, condicionado à eleição do candidato. O exemplo (37) ilustra
esse movimento:
(37)
[...] na busca
constante na construção de uma sociedade mais justa,
mais solidária,
mais fraterna,
sem
tantos desencontros e desajustes.
40
Segundo Goffman (1980), alinhamento é o posicionamento dos participantes em uma situação
interacional (apud Pereira, 2002:15).
81
Nota-se nessa descrição a presença de padrões textuais associados a funções
bastante próximas daquelas estabelecidas por Figueiredo et al (1998). As
construções de “mundos” previstas por Figueiredo – no caso de um candidato de
oposição, ele deveria desconstruir o ‘mundo atual’, para em seguida redimi-lo –
concretizam-se nas manifestações discursivas da campanha de Collor na forma de,
como vimos, movimentos retóricos. Se a partir da descrição contextual é possível
prever um padrão lingüístico-discursivo, então, a descrição da forma como o
‘argumento’ político é construído nos levou aos movimentos retóricos presentes
nas manifestações verbais da campanha. A tabela (10) resume os movimentos
retóricos e a freqüência destes dentre os fragmentos que tomamos como corpus.
Com relação à freqüência de cada um dos movimentos, o número parece
revelar uma estrutura genérica potencial, a ser confirmada em estudos futuros
com um número mais significativo de discursos políticos além do de Collor, que
deverão ser comparados entre si. Sugere-se que os movimentos retóricos
obrigatórios sejam os de número 4, 5 e 6, provavelmente por serem aqueles mais
diretamente relacionados ao propósito comunicativo da propaganda político-
eleitoral.
Tabela (10): descrição dos movimentos retóricos e sua freqüência
Movimento Retórico Função no Discurso Ocorrências no
Corpus
Saudação Cumprimentar e identificar os interlocutores
(diretos ou indiretos).
4 de 7
Elogio ao interlocutor Salvar a face positiva dos interlocutores,
conferindo-lhes atributos positivos.
4 de 7
Auto-elogio Construir o self, atribuindo-lhes qualificações
ou atributos positivos.
5 de 7
Construção do mundo atual
e/ou de inimigos a serem
combatidos
Revelar uma imagem de mundo negativa (no
caso de um candidato de oposição); criar a
“lacuna” que precisa ser preenchida.
7 de 7
Apelo e/ou promessa Pleitear, explicitamente, um alinhamento por
parte dos eleitores e/ou prometer soluções para
a “reconstrução” do mundo.
7 de 7
6º Construção do mundo
possível
Apresentar ao eleitor o mundo (repleto de
atributos positivos) que será possível caso a
escolha seja acertada.
7 de 7
Não seguimos, nesta descrição, os procedimentos metodológicos prescritos
pela RGT Analysis, pois isso implicaria em uma detalhada descrição semântico
funcional da gramática do discurso (Eggins & Martins, 1997:41); contudo, o
82
diálogo pretendido entre uma teoria política e uma teoria de gêneros, já reflete, em
si, a preocupação com a inter-relação de padrões lingüísticos e contextos
situacionais.
Os resultados, então, de nossa análise de gênero, apontam para uma
estrutura retórica padronizada e coerente com o ‘mapa’ apresentado por
Figueiredo et al (1998), e podem servir de contribuição para futuras investigações
acerca da natureza e especificidade dos discursos político-eleitorais produzidos no
Brasil.
4.2. Procedimentos de pesquisa
Para desenvolvermos a análise qualitativa das ocorrências de repetições
lexicais e sintáticas, recorreremos ao arcabouço teórico delineado tanto no
capítulo 2 quanto no capítulo 3.
A nossa pergunta de pesquisa desdobra-se, então em sub-questionamentos,
dentre os quais:
Como o uso das repetições no discurso de Collor alinham-se às
expectativas do gênero, principalmente ao propósito comunicativo,
de atingir e convencer grandes massas, levado a cabo por este?
Como as funções previamente estabelecidas por outros
pesquisadores (cf. capítulo 3) se aplicam ao nosso contexto
socialmente situado?
Como o uso das repetições no discurso de Collor alinham-se à
Teoria da Relevância?
Para respondê-las, elaboramos os procedimentos de pesquisa resumidos
conforme na tabela (11) e apresentados em ordem cronológica de execução. Na
tabela, vemos que após revisar os estudos pré-existentes sobre repetições, ainda
sentimos necessidade de buscar um arcabouço que, conjugando diferentes níveis
de análise, inclusive e principalmente o pragmático, nos levasse à formulação de
hipóteses que se ajustassem às nossas reflexões contextuais acerca do corpus.
Dessa forma, a teoria de processamento do discurso e a hipótese sociocognitiva
83
para a construção de sentido ocuparam centralidade em nossa explicação situada
do objeto de investigação.
Tabela (11): Procedimentos de pesquisa
PROCEDIMENTOS MOTIVAÇÕES
Revisão bibliográfica de estudos sobre Fernando
Collor em 1989.
Seleção e transcrição dos dados.
Indagação inicial: que estratégias são relevantes e recorrentes no
discurso de Collor?
Descrição do contexto e do gênero e definição de
suas características.
Constatação, via olhar qualitativo, de que as repetições são
estratégias recorrentes e relevantes no discurso de Collor.
Revisão bibliográfica sobre repetições. Pergunta de pesquisa: qual seria a função das repetições neste
contexto socialmente situado?
Estabelecimento do Arcabouço Teórico gerador de
nossas hipóteses, abdutivamente.
1ª hipótese: as repetições podem estar atuando na diminuição do
custo de processamento da informação.
2ª hipótese: os paralelismos sintáticos acionam processos de re-
categorização por mescla sinalizadas pelo discurso de Collor.
Análise qualitativa Procedimento de verificação das hipóteses
4.3. Procedimentos de análise
A análise empreendida para responder à nossa pergunta de pesquisa é de
natureza qualitativa, e inspirada no princípio sociocognitivo segundo o qual “a
construção de sentido é um processo dinâmico que se dá pela conjunção situada
de fatos lingüísticos, pragmáticos, cognitivos, perceptuais e retóricos” (Saliés,
2002).
Neste trabalho, ao refletirmos acerca do uso das repetições, estaremos
necessariamente conjugando as práticas sociais, a identidade dos participantes, a
moldura comunicativa, as características do gênero, as orientações ideológicas, e
especialmente o propósito comunicativo para tentar explicar as funções que as
repetições desempenham nesse contexto socialmente situado.
Constatada a proeminência das repetições no discurso de Collor, nos coube
delimitar aquelas que seriam contempladas em nosso estudo. Conforme
discutimos no capítulo 2, são vários os tipos de repetição comumente estudados,
num continuum que vai da retomada idêntica de uma estrutura até a mera
conservação de um “sentido” (paráfrase) ou de uma estrutura sintática
(paralelismo). No presente estudo, nos detivemos na análise de três tipos de
repetição:
(a) repetição lexical simples: itens lexicais repetidos sem alteração da forma
(por exemplo, os itens lexicais ‘cadeia’ e ‘impunidade’ em 38).
(b) repetição lexical complexa: repetição do morfema lexical (por exemplo, o
par ‘corrupção/corrupto’ também em 38).
84
(38)
cadeia.
Os corruptos tem que estar na cadeia
E a impunidade,
Ela- só há corrupção porque há impunidade.
A impunidade é a certeza que o corrupto tem
De que,
Praticada a sua corrupção,
Nada vai lhe acontecer.
(c) paralelismo sintático: repetição de todo um padrão sintático idêntico ou
com diferença como aparece em (39).
(39)
(...) e que queiram nos auxiliar neste trabalho de reconstruir o Brasil
dentro dos preceitos da eficiência,
da moralidade,
da austeridade,
da justiça social
Essas formas de repetição foram analisadas, em um primeiro momento, à
luz das teorias prévias ao nosso estudo (cf, capítulo 2), como dito antes, que
privilegiaram as funções: (i) recurso de coesão lexical recorrencial e referencial;
(ii) estratégia interacional de envolvimento; (iii) estratégia retórica de
“facilitação” da compreensão; (iv) reformulações retóricas e saneadoras.
Conjugamos essas funções sobre a denominação “argumentação”, por entender
que, em nosso contexto, todas elas são estratégias argumentativas de persuasão.
No segundo momento da análise, diretamente relacionado à verificação de nossa
primeira hipótese, as repetições foram analisadas à luz dos conceitos
desenvolvidos no capítulo 3 de custo de processamento, estados de ativação e
relevância, de modo a verificar nossa primeira hipótese. Em um terceiro
momento, de modo a verificar nossa segunda hipótese, voltamos nossa atenção
especificamente para os paralelismos sintáticos e suas funções sociocognitivas,
lançando mão dos conceitos de re-categorização, projeções metafóricas,
mesclagem e perspectivacão..
85
5. As repetições no discurso de Fernando Collor
You never just say ‘no’ to a child, it’s ‘no no no no no’
(Piada de Bill Cosby transcrita por Johnstone, 1994)
Neste capítulo, nosso objetivo é apresentar e discutir os resultados
encontrados durante o processo de análise. Procedemos à análise qualitativa
inspiradas na proposta sociocognitiva segundo a qual a construção de sentido se
dá pela conjunção situada dos diferentes níveis descritíveis, inclusive o
pragmático. Assim sendo, remetemos o leitor ao capítulo 4, onde discutimos
acerca da moldura comunicativa ‘propaganda política’, definimos o gênero
‘discurso político-eleitoral’ e outras variáveis contextuais relevantes, como a
identidade do enunciador e o propósito comunicativo do corpus analisado. Tendo
essas informações como pano de fundo, procedemos à análise das repetições no
discurso de Collor, tendo em vista suas configurações e funções no contexto sobre
o qual nos debruçamos neste estudo.
Para isso, sistematizamos nossas descobertas em blocos que tratam,
respectivamente, das repetições na argumentação, a relação entre as repetições e o
processamento de informação e as repetições nos processos de mesclagem. Dada
à variedade de formas as quais a repetição pode assumir (cf. capítulo 2), optamos
por não separar a análise das repetições lexicais das sintáticas, bem como não
subdividir as sintáticas nos diferentes tipos encontrados no corpus. Sendo assim,
esta análise prioriza aspetos funcionais, visando a atender os objetivos específicos
por nós formulados na metodologia: (i) confirmar ou refutar aplicabilidade de
estudos já existentes acerca do uso e funções da repetição (cf. capítulo 2) em
nosso contexto de pesquisa e (ii) confirmar ou refutar as hipóteses de trabalho por
nós formuladas, a saber:
a) As repetições parecem funcionar como instrução lingüístico-discursiva
que otimiza o custo de processamento do discurso ;
86
b) Paralelismos sintáticos parecem acionar processos de re-categorização
por mesclagem a partir da aproximação de conceitos que ocupam a
mesma posição no sintagma repetido.
Portanto, enquanto os itens 5.1 e 5.2 dedicam-se à análise das repetições, tal
como estas foram definidas nas considerações sobre os procedimentos de análise
(cf. capítulo 4), o item 5.3 tratará especificamente de um aspecto interessante que
emergiu da análise dos paralelismos e que parece central na argumentação de
Collor: a re-categorizacão construída pelas mesclas.
5.1. Argumentação
Corroboramos com estudos que apontam a conexão como a mais primária
das funções das repetições lexicais (Halliday & Hasan,1980, 1994; Fávero, 2004;
Koch, 2005). De acordo com Halliday (1994:309), as repetições simples e
complexas, tais como aparecem nos exemplos (40), (41) são os tipos mais comuns
de coesão lexical, e, somadas aos paralelismos sintáticos (exemplo 42),
constituem-se como as formas mais recorrentes de se tornar explícitas as relações
referenciais e recorrenciais entre as orações. Repetições dessa natureza, como as
grifadas nesses três exemplos, são altamente freqüentes em todo nosso corpus.
(40)
O primeiro deles,..
o
primeiro problema,
é a crise
moral...
É a
raiz de todas as outras crises.
Nós temos
que equacionar a crise moral, (...)
(41)
Nós,
bem entendida,
a sociedade brasileira,
que repudia,
que
renega a existência do marajá do serviço público (...),
exterminamos com o vírus do marajaísmo do serviço público de Alagoas...
87
(42)
Nós acreditamos no Brasil..,
o
Brasil é muito superior.. às suas elites inteligentes.
Nós haveremos de vencer os desafios,
minha gente, ..
Nós have
remos de nos orgulhar do Brasil.
No exemplo (40), temos três itens lexicais repetidos em um pequeno trecho
de quatro orações. No exemplo (41), quisemos dar destaque à repetição do tipo
complexa, isto é, a repetição do mesmo item lexical com alteração morfológica,
mas ainda encontraríamos um par de construções paralelas (“que repudia/que
renega”) e a repetição de “serviço público”. No exemplo (42), os paralelismos
grifados representam a repetição que chamamos sintática, em sua forma mais
comum, que é manutenção de uma base que serve de suporte para variações
múltiplas.
Assim sendo, categorizamos, sem recorrer a contagens, o texto de Collor
como um discurso de coesão forte, com um alto número de sentenças relacionadas
por algum laço de repetição. Os exemplos já apresentados na revisão de literatura
(capítulo 2) e na caracterização do gênero (capítulo 4) reforçam essa amostragem
e essa forma de estruturação, que pareceu-nos bastante típica do discurso político
de Collor. Tal como sugerido por Hoey (1991), foi possível descrever o perfil de
coesão do discurso do corpus sem, no entanto, recorrer ao modelo de contagem de
elos por ele previsto. Porém, conectar fragmentos de texto, apesar de primária,
parece não ser a função mais diretamente relacionada aos propósitos
comunicativos do gênero discurso político no corpus. Buscando ir além da função
coesiva, agora priorizaremos aspectos das repetições mais relacionados às funções
pragmáticas e interacionais, como ‘manter o tópico’, ‘facilitar a compreensão’ e
‘criar envolvimento’ e ‘insistir’ (“martelar” uma idéia). Nesta seção,
especificamente, trataremos, a partir das amostras do corpus, dessas funções
enquanto parte da estratégia argumentativa do discurso, tendo como pano de
fundo o propósito de convencimento do mesmo. Para ilustrar como as repetições
podem extrapolar a mera função coesiva, compararemos os exemplos (43) e (44).
No exemplo (43), vemos uma repetição idêntica de sintagma oracional com
a função de manter o tópico (‘Pantanal’) na consciência do interlocutor. Há uma
retomada recorrencial tipicamente utilizada como recurso coesivo. Por contraste,
88
se observarmos o exemplo (44), a mesma estratégia deixa simplesmente de ser um
recurso coesivo, e torna-se um importante elemento argumentativo de reforço, não
apenas de recorrência.
(43)
Lá, ((corte para o estúdio, como no princípio))
esse Pantanal,
para vocês terem uma idéia, ...
esse Pantanal tem uma área de vinte e três
mil quilômetros quadrados .
Essa área representa uma área total dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio
Grande do Norte e Alagoas em
conjunto.
Outras formas de repetições, especialmente aquelas em que se repetem toda
uma estrutura sintática, apresentam-se também como um recurso argumentativo
pelo reforço de idéias. Ainda no exemplo (44), temos uma estrutura composta por
uma matriz e duas repetições oracionais idênticas (M) – (R) – (R’).
Nessas repetições oracionais, não apenas marca-se enfaticamente a posição
do enunciador, como se cria um jogo rítmico de “marteladas” que mantém tal
posição como tópico no discurso. Isso confere uma carga de dramaticidade
própria ao texto, típico da poesia pública oral.
(44)
E,
desde o primeiro momento .. em que assumi o governo,
assumi ((mexe nos cabelos)) dando um tom de independência .. a nossa
administração.
Eu não
aceito, ..
eu não aceito, ((gesto de “não” com o dedo))
porque isso é uma demonstração de um subdesenvolvimento político desse país...
Eu não aceito ((dedo em riste)) o tratamento paternalista,
nem clientelista,
com
o que .. os presidentes da reblica,
de modo geral,
sempre trataram os governadores (...)
Algo parecido pode ser observado no exemplo (45), outra ocorrência de
repetição oracional idêntica. Também nesse exemplo vemos a criação de certa
dramaticidade típica das construções orais. Novamente parece-nos empobrecedor
quanto à natureza do corpus falar aqui de mera coesão recorrencial (Fávero,
2004), i.e., retomada de estruturas para fins de coesão articulando-se informações
novas a velhas.
89
Além disso, notamos uma desaceleração do ritmo do discurso, já que a
retomada da matriz, a partir do esquema (M) – (R), ao invés de dar continuidade
ao fluxo discursivo, introduzindo um elemento novo, dá sustentação por mais
tempo à idéia inicial, como que “fechando” o tópico aberto.
(45)
não podemos,
aceitar investimentos na pastagem,
porque devasta sem ne- nenhuma resposta econômica à floresta amazônica, ..
e muito menos side
rúrgicas,
que são alimentadas pelo carvão vegetal,
e carvão vegetal,
como todos nós sabemos,
são- são os troncos das
árvores da floresta amazônica.
Isso realmente nós não podemos aceitar.
Apesar de não termos analisado as repetições e sua relação com o tópico
discursivo conforme sugerido por Marcuschi (1992), já que o corpus não
enquadra-se no gênero conversações espontâneas, consideramos a repetição como
um mecanismo de organização textual, que possibilita a criação de sentenças mais
compreensíveis a exemplo de Marcuschi.
No exemplo (46), não há repetição idêntica. Temos na matriz (M) apenas a
posição de sujeito, preenchida, na repetição sintática paralela (R), por outro
lexema que retoma a matriz numa relação hiperonímica.
41
Vemos uma
reformulação pela repetição da estruturação sintática, mas que, pela própria
natureza hiperonímica de seu complemento, ao mesmo tempo em que reajusta a
informação, a reitera, já que as informações não são substitutivas, mas sim
expandidas. O fenômeno, que poderia enquadrar-se no que Koch (2005) chamaria
de reformulação saneadora, não parece estar servindo apenas ao saneamento de
perturbações comunicativas potenciais, mas parece funcionar principalmente
como uma estratégia argumentativa que introduz uma informação nova de
maneira “disfarçada” (a expansão semântica do sujeito para além de
“brasileiros”), como se essa já fizesse parte da informação dada, compartilhada
com seus interlocutores.
41
Vale ressaltar que em nosso estudo optamos por não considerar as paráfrases como fenômenos
de repetição (cf. Capítulo 2), e,, sendo assim, o que está sendo chamado de repetição no exemplo
(46) é a estrutura sintática (paralela à primeira ocorrência).
90
(46)
É triste nós ouvirmos,.. ((começa a tocar o hino nacional ao fundo))
mas não sem justificadas razões,..
brasileiros,..
pessoas,
afirmarem
que têm vergonha
de serem brasileiros.
Algo parecido acontece no exemplo (47), em que o argumento verbal da
matriz (M) é repetido com acréscimo de predicados, i.e, mais uma repetição com
diferença. O acréscimo de informação presente na repetição do sintagma nominal
reformula-o por expansão de idéias, novamente enquadrando seus acréscimos
como informação ‘dada’.
(47)
Em nenhum momento, .. ((gesticula))
eu pude abrir
mão desse nosso ideal,
esse nosso ideal,
que congrega essa geração,
como eu disse anteriormente,
essa enorme geração de
afinidades, ..
porque eu sabia
que eu tinha um papel a cumprir.
Outro recurso muitíssimo utilizado nos discursos de Collor são as listagens,
conforme verificado nos exemplos (48), (49) e (50). Listagens (Marcuschi, 1992)
são repetições sintáticas paralelas com variações, na quais a base comum é o
suporte informacional, e a variação é a informação nova. No exemplo (48), a
estrutura que configura a listagem é uma matriz (M), da qual uma parte
permanecerá como base comum, e as repetições (R) como variações sobre essa
base comum, que mantêm o paralelismo sintático. Essa estrutura pode ser
representada no seguinte esquema: (M) – (R) – (R’) – (R’’). As listagens
geralmente, segundo Marcuschi (1992), criam um ritmo envolvente no discurso.
Além disso, configuram-se como uma forma econômica de se manter o tópico em
andamento. O efeito aqui é a reiteração, já que os elementos permanecem
semanticamente relacionados. Além disso, organiza o texto, ancora as
informações novas, desacelera o fluxo do discurso – porque também diminui a
densidade semântica --, fazendo uma idéia sustentar-se por mais tempo.
91
(48)
Nós temos
que equacionar a crise moral,
e,
posterior
mente,
a crise econômica,
a crise política,
a crise da convivência social.
É interessante notar, no exemplo (49), a distribuição rítmica dos predicados
atribuídos a ‘Estado’: { [ (M1) – (R1) – (R1’) ] – [ (M2 – (R2’) – (R2’) ] }, em
que as três primeiras construções paralelas grifadas servem de matriz ao segundo
trio de construções paralelas, que se opõem semanticamente às primeiras. A
distribuição sintática repetida é ritmada conferindo uma carga afetiva,
dramaticidade ou envolvimento. De acordo com Aristóteles, é justamente esse
efeito o que caracteriza o estilo. Aqui, vemos o quão próximo o discurso político
pode estar das formas do discurso oral.
(49)
O estado brasileiro, ((Collor olha para a câmera, que o focaliza em close))
como todos nós sabemos, ..
é gigantesco, ..
é irracional
e é ineficiente.
O Estado que todos nós buscamos ..
é um Estado moderno,
ágil, ..
austero, ..
eficiente. ..
No exemplo (50), a estrutura de listagem é semelhante à do exemplo (49):
[(M) – (R) – (R’) – (R’’) ...]. A relação estabelecida entre ‘desemprego’ e
‘escravidão’ é constantemente reforçada com acréscimo de outros elementos. As
formas repetidas vão reajustando a informação (“marginalidade”, “injustiça”,
“bens de produção”) ao passo que reafirmam a base semântica comum
“escravidão”.
Esse é um exemplo típico daquilo que foi nomeado por Koch (2005) de
reformulação retórica. Nota-se aqui o mesmo efeito “água mole em pedra dura”
proposto pela autora, de convencimento por insistência e insistência apoiada na
92
desaceleração do ritmo da fala, fornecendo ao receptor o tempo necessário ao
processamento das idéias novas, que estão sempre apoiadas em uma base ‘dada’ e
constantemente retomada. De acordo com Tannen (1989), do ponto de vista da
produção, as repetições permitem que se use a linguagem de modo mais eficiente,
fácil e fluente; e, do ponto de vista da compreensão, a repetição, por reduzir a
quantidade de informação nova, fornece mais tempo ao processamento. Tais
idéias são congruentes com as teorias de Processamento de Discurso e Relevância,
revisadas no capítulo 3 e retomadas na seção 5.2.
(50)
mas continua .. a escravidão do desemprego,
da fome e da desigualdade de renda, ..
a escravidão da marginalidade,
da periferia dos grandes centros..
ou no abandono dos campos
A escravidão da inj
ustiça ..
que acoberta os poderosos ..
e massacra os desprotegidos..
A escravidão dos bens de produção,
que alijam o homem do acesso aos bens de consumo,
a escravidão do meio ambiente,
sujeito ao interesse .. dos grandes senhores,
a escravidão do analfa
betismo, ..
que embrutece as gentes.
Enfim, ..
a escravidão dos cos
tumes, ..
em que a esperteza .. é o valor supremo do homem, ..
a desonestidade é instrumento de sucesso, ..
a co
rrupção é atributo de poder, ..
e a desf
açatez é a medida da aferição do caráter dos homens...
A análise dos exemplos acima parece reforçar a idéia de que a repetição
pode, por um lado, nos discursos preparados, ser usada conscientemente como
estratégia de envolvimento e que alicerça o poder persuasivo da oratória pública
(Aristóteles, s/d), e parece negligenciar, por outro lado, em nosso contexto, as
teses que defendem a mera função coesiva (Halliday & Hasan, 1980; Fávero,
2004; Koch, 2005) ou a função saneadora (Koch, 2005).
Os paralelismos sintáticos imprimem ritmo ao discurso, reforçando o
aspecto mnemônico. Acresce-se ainda a esse tipo de repetição, uma força
argumentativa significativa, que gera um efeito de convencimento por insistência
e por envolvimento do interlocutor, bem como o efeito de dramaticidade que
parece caracterizar o gênero.
93
Aristóteles já tratava as repetições como estratégia retórica. Segundo ele, a
boa retórica estaria intrinsecamente relacionada à clareza e organização do
discurso, que, quanto mais se aproximasse da “linguagem ordinária”, mais
cumpriria sua função de persuasão. A arte oratória, então, dissimula-se para
parecer natural; os complexificadores sintáticos (devidamente ausentes no
discurso de Collor), como as inversões, desdobramentos à esquerda e as
pronominalizações causam ambigüidade e dificultam a compreensão. De forma
semelhante, Tannen (1989) afirma que estratégias discursivas espontâneas na
conversação são pensadas e elaboradas no discurso escrito para criar
envolvimento interpessoal. E o envolvimento está na base do convencimento,
finalidade indiscutível da propaganda político-eleitoral.
Sobre essa re-elaboração no discurso escrito, é importante retornar, aqui, à
discussão introduzida entre fala e escrita. A fala e escrita são comumente
consideradas duas modalidades com características próprias, entretanto, na análise
de diferentes gêneros discursivos, observamos que tais características se
interpenetram, formando um continuum difícil de recortar. Nosso corpus deve
encontrar-se em qualquer ponto intermediário desse continuum, pois se trata de
um tipo de discurso falado, porém monológico (i.e., livre de interação explícita);
parece discurso espontâneo, mas é preparado; há distância entre os interlocutores,
forjada pela televisão, o que cria paradoxicalmente um efeito de conversa face-a-
face. Por essas razões, parece-nos natural que o gênero discurso político
representado pelo corpus analisado apresente freqüentemente a repetição, como é
comum também na conversação espontânea (cf. Tannen, 1989), recurso
fundamental na preparação de discursos com propósito de convencimento.
5.2. Processamento do discurso
Nossos dados corroboram também a proposta de Givón (1995) e Chafe
(2001). Givón propõe que as repetições são pistas coesivas, porque anafóricas,
i.e., remetem a um co-referente do discurso (c.f. capítulo 3). Os recursos
anafóricos remetem a um frame informacional que já estava ativo no horizonte de
consciência do interlocutor sendo, portanto, uma informação dada. Em geral,
informações dadas demandam menor esforço cognitivo de processamento, porque
94
já estão no foco de atenção ou na memória de trabalho (Chafe, 1987). Ou seja,
elas aceleram o tempo de compreensão, em comparação a uma informação nova,
que necessitaria de um maior tempo para ser ativada e posteriormente processada,
já que estaria inativa na consciência do interlocutor. É o que acontece no
exemplo (51).
Em (51), observamos que a repetição lexical idêntica da lexia poder acarreta
potencialmente uma economia no processamento da informação, pois ela
permanece ativa desde sua primeira menção, eliminando a necessidade de se
ativar uma nova lexia ou de se buscar o co-referente.
(51)
graças ao mau exemplo desses políticos,
que entendem
chegar ao poder como um processo de apropriação do poder,
e não como uma doação ao poder,
como deve ser.
Para contrastar com o exemplo (51) a fim de checar nossa hipótese com
relação ao papel privilegiado das repetições com relação ao custo de
processamento, analisamos um caso de anáfora por pronominalização no exemplo
(52), em que a primeira menção ‘floresta amazônica’ permanece ativa ou pelo
menos semi-ativa através das retomadas pronominais (“seu” e “sua”), de uma
repetição explícita e de uma retomada pelo clítico “la”:
(52)
Desde criança que nós aprendemos muito sobre a floresta amazônica,
sobre o seu tamanho,
sobre a sua grandeza (...).
Essa floresta nos pertence,
nós não podemos entregá-la por nada.
Devido às limitações da memória de trabalho, o simples uso de uma co-
referência pode não ser suficiente, em certos contextos, para otimizar o custo de
processamento do discurso, se a informação não tiver sido habilmente mantida
ativa no horizonte de consciência do interlocutor (Chafe, 1987). A busca pela co-
referência já representa per si, algum custo de processamento e, se na busca pela
eficiência da comunicação, atributos que demandam maior esforço são
substituídos por outros atributos, que a otimizam, então a repetição parece ser esse
95
atributo, facilitador, já que permite que uma menção mantenha-se no foco de
atenção, sem demandar quaisquer tipos de ‘recuperação’. No próprio exemplo em
questão notamos uma segunda menção explícita ao referente ‘floresta amazônica’,
o que parece ratificar a nossa tese de que de fato no discurso de Collor há uma
preocupação com clarificar e otimizar a recuperação dos conceitos em foco.
Construções repetitivas tais como as observadas em (51) e (52) parecem organizar
as peças de informação de modo a torná-las mais acessíveis, potencialmente
acelerando a compreensão, conforme notado por Pirolli & Anderson (1985).
O uso das repetições, então, gera efeitos contextuais (Sperber & Wilson,
1987), especialmente na medida em que agrega valor ao propósito comunicativo.
O propósito comunicativo do discurso de Collor é atingir a grandes massas, e
persuadi-las quanto à sua intenção de voto. Desde Aristóteles, postula-se que
facilitar a compreensão das oratórias públicas seja a chave para o envolvimento do
público. Ora, envolver está intimamente relacionado à alocação da atenção, e
repetir emerge dos dados do corpus como um dos principais mecanismos dessa
alocação. Dessa forma, gera efeitos contextuais tais como “os outros candidatos
vão entregar essa riqueza, eu não. Votem portanto em mim”, no caso do exemplo
(52) – contribuindo para o propósito comunicativo. São, portanto, estratégias
relevantes (Sperber & Wilson, 1987), que contribuem para a otimização do custo
de processamento.
O exemplo (53) reforça nosso argumento, se considerarmos que a primeira
ocorrência de ‘cadeia’ poderia ser, em outros contextos e gêneros, dispensada,
pois não faria falta à compreensão global do texto, e apenas “alargaria” a
produção de fala de forma irrelevante, se não considerássemos os efeitos
contextuais que gera, tais como “eu vou colocar todos os corruptos na cadeia ao
contrário dos outros candidatos”, “eu vou me doar ao poder”. Esses efeitos são
maximizados pela dupla ocorrência da lexia, tornando a repeticão extremamente
relevante ao alinhá-la ao propósito comunicativo e conseqüentemente, facilitar a
compreensão (cf. Sperber & Wilson, 1986).
(53)
Cadeia.
Os corruptos tem que estar na cadeia
E a impunidade,
Ela- só há corrupção porque há impunidade.
A impunidade é a certeza que o corrupto tem
96
De que,
Praticada a sua corrupção,
Nada vai lhe acontecer.
Ainda no exemplo (53), temos repetições de ‘impunidade’, o que vem a
reforçar a alta freqüência do fenômeno que vimos analisando assim como temos
ocorrências de repetições lexicais complexas (‘corrupto’; ‘corrupção’), conforme
descrito por Hoey (1983). Acreditamos também que essa forma de repetir, tal
como as ocorrências ‘corromper’;’corrompido’, no exemplo (54) geram
comportamento semelhante ao observado nos demais exemplos na cognição
humana, já que a entrada lexical, a despeito das variações morfológicas, é uma só,
i.e, um mesmo nódulo está sendo ativado na rede informacional, conforme
descrito por Givón (1995).
(54)
para intermediar favores,
para corromper
e ser corrompido.
Sendo assim, parece provável que a repetição funcione como um recurso
“ratificador” do estado de atividade dos conceitos na mente, porque como já
observado acerca das morfologia anafórica e catafórica (Saliés, 1997), representa
uma ativação continuada de um mesmo nódulo que compõe a rede informacional.
Se um número maior de conexões levam ao mesmo nódulo, mais forte ele se torna
e mais acessíveis tornam-se os conceitos a ele relacionados (Givón, 1995). Em
outras palavras, a acessibilidade está relacionada diretamente às repetições e
quanto mais acessível a informacão, mais fácil de se processar. Ou ainda, as
construções repetitivas adquirem status relevante por maximizarem os efeitos
contextuais e estarem diretamente relacionadas ao propósito comunicativo de
convencimento das massas, agregando valor à linha tomada pelo enunciador no
jogo discursivo tanto no que diz respeito ao seu papel político, daquele deve
arrebanhar votos via persuasão, quanto no que diz respeito à própria lógica
argumentativa baseada no envolvimento e na insistência, conforme observamos
no item 5.1.
97
5.3. Processo de mesclagem
Na análise do discurso de Collor, chamou-nos atenção a recorrência de
paralelismos sintáticos que, além das funções apresentadas nos itens 5.1 e 5.2,
apresentam um outro aspecto central dentro de uma visão sociocognitivista. Os
paralelismos acionam processos de re-categorização que formam um novo
domínio conceptual, o que parece explicar porque as massas acabam se
convencendo ou o sucesso do argumento.
Neste processo, a troca de uma palavra pela outra (no eixo, portanto,
paradigmático) dentro de uma mesma estrutura sinaliza aproximação semântica
entre ambas, especialmente se estivermos raciocinando dentro de uma teoria de
linguagem que atribui sentido a escolhas sintáticas (Lakoff, 1990; Langaker,
1987; Taylor, 1989; Turner, 1996). Conceitos, então, que não figurariam, em
termos logicistas, dentro de uma mesma categoria, aproximam-se,
discursivamente, via o processo conceptual de mesclagem (Faucconier & Turner,
2002). Outra forma de colocar a mesma idéia é dizer que os participantes
inferem, a partir de projeções metafóricas guiadas pelos paralelismos, a presença
desse novo domínio abstrato.
No exemplo (55), temos uma mesma estrutura sintática [Sprep Sadv N] e
uma troca paradigmática na posição N (eloqüência/ mentira). Este exemplo ilustra
um dos muitos casos que encontramos no corpus.
(55)
enquanto nós não tivermos partidos políticos
consolidados, ..
partidos políticos de
vergonha ((ênfase no gesto)),
que
façam ..((ênfase no gesto)),
que exercitem .. ((ênfase no gesto))o discurso,
que nas épocas das
campanhas eleitorais,
com
tanta eloqüência,
com
tanta mentira, ((ênfase no gesto))
costumam colocar.
Se perguntássemos a um falante o que significa ‘eloqüência’, ele
provavelmente não fará menção à ‘mentira’, pois os domínios cognitivos ativados
por ele nesse contexto, não acionarão correspondências. É importante ressaltar
esse aspecto porque essa é uma condição indispensável para o tipo de paralelismo
que gostaríamos de destacar nesta seção. Essa configuração específica não se
apressenta como um reforço de idéias – já que a associação entre ambos os
98
conceitos não faz parte de nosso conhecimento compartilhado – nem como um
contraste – porque ‘eloqüência’ e ‘mentira’ não necessariamente se contrapõem
no contexto em que estão sendo usadas.
No entanto, discursivamente, essas palavras foram associadas pelo
enunciador em nosso corpus, levando os participantes à re-categorização dos dois
itens. A partir da re-categorização, as fronteiras que poderiam existir entre duas
categorias distintas foram derrubadas: alguns atributos pertencentes ao domínio
‘eloqüência(argumentação, beleza, clareza, comoção, estratégia, convencimento)
entraram em correspondência com alguns atributos pertencentes ao domínio
mentira (falsidade, manipulação, beneficiamento, invenção, criatividade).
Esse processo de re-categorizacão que observamos no corpus, acontece
dentro da moldura comunicativa ‘propaganda política no Brasil’, na qual há um
sujeito enunciador que perspectiva a realidade, imprimindo na co-construção dela
o seu ponto de vista. Como vimos no capítulo 4, tal ponto de vista é coerente com
o posicionamento da “oposição” no jogo eleitoral, a quem cabe desqualificar os
adversários e o mundo construído por estes.
Em função dessas variáveis pragmáticas é que as partes dos dois inputs
acionados (o de eloqüência e o de mentira) são projetadas no espaço mescla. Os
espaços mentais envolvidos nessa mescla são estruturados pelos Modelos
Cognitivos Idealizados (MCIs) ‘política’, ‘retórica’ e ‘ética’.
Então, podemos dizer que os paralelismos sintáticos sinalizam para o
espaço-mescla imaginado, onde eloqüência e mentira encontram-se re-
categorizados, por meio de associacões inferenciadas. Tal conclusão alinha-se
com Faucconier (2002), para quem mesclagem pressupõe o intercruzamento de
atributos presentes em dois ou mais inputs.
A mesclagem de elementos dos inputs acionados por eloqüência e mentira
só é possível graças à existência de um espaço genérico com estruturas mais
abstratas, as quais os inputs compartilham. Nesse espaço, estão atributos mais
abstratos tais como ‘moral’, ‘honestidade’, ‘políticos’ e ‘debates’ que refratam
todos os espaços envolvidos no processo de mesclagem. A figura (5) ilustra o
processo de mesclagem, integrando os diferentes domínios no âmbito da moldura
comunicativa. Na figura, vemos quatro elipses que representam o espaço genérico,
os inputs, e o espaço mescla. Dentro deles, podemos ler os atributos que os
99
compõem, e as setas indicam as projeções. O símbolo
na parte inferior direita
indica a presença do enunciador, em função do qual a projeções se realizarão.
Moldura Comunicativa: Propaganda política no Brasil
Figura (5): Mescla ‘eloqüência é mentira’
A:beleza
B:clareza
C:argumento
D:comoção
E:convencimento
F:estratégia
G:falsidade
H:manipulação
I:beneficiamento
J:invenção
L:criatividade
-políticos
-debates
-moral
-honestidade
...
A’ E’ H’
B’ F’ G’
I’
Input 1
Input 2
Mescla
Espaço Genérico
-Política
-Retórica
-Ética
...
MCIs:
Nesse espaço mescla, uma construção epistêmica emerge, co-construindo
um mundo possível, onde eloqüência está em relação sinonímica com mentira,
isto é, onde eloqüência é mentira. Essa construção, central para a argumentação do
candidato (na medida em que desconstrói a retórica adversária), não é apresentada
com saliência perceptual, mas aparece como compartilhada, criando uma ilusão de
consenso que pode vir a anular potenciais contra-argumentações. Dessa forma,
podemos dizer também que essas estruturas paralelas têm o potencial de
manipular a opinião que afetará o voto das massas.
O exemplo (56) também ilustra o processo de mesclagem. Nele observamos
que o paralelismo sintático dispara projeções metafóricas entre os domínios
‘desenganos’ (input 1) e ‘privilégios’ (input 2). Todos os atributos que ativamos
cognitivamente diante do input 1 (a saber: benefício, mordomia, individualismo,
aproveitamento, tranqüilidade) e diante do input 2 (erro, mentira, desilusão,
sofrimento, decepção) se sobrepõem na mescla “sociedade de privilégios é
sociedade de desenganos”.
100
(56)
temos que buscar a
solidariedade,
temos que buscar a justiça social,
como pressupostos básico da construção de uma nova sociedade,
de uma sociedade onde não haja tantos privilégios,
de uma sociedade onde não haja tantos desenganos,
de uma sociedade onde todos nós possamos conviver fraternalmente,
dentro do espírito solidário do cristianismo e do Partido Social Cristão.
A figura (6) ilustra o processo e as entidades envolvidas, a exemplo do que foi
feito na figura (5). Dentro da moldura “propaganda política no Brasil”, o espaço
genérico, mais abstrato, que permite a mesclagem, é composto por ações políticas,
efeitos sociais, ética, moral, dentre outros. Dentre os MCIs ativados, neste caso,
encontram-se política, sociedade e corrupção.
Moldura Comunicativa: Propaganda política no Brasil
Figura (6): Mescla ‘Sociedade de privilégios é sociedade de desenganos’
A:benefício
B:mordomia
C:individualismo
D:aproveitamento
E:tranquilidade
F:erro
G:mentira
H:desilusão
I:sofrimento
J:decepção
-ações políticas
-efeitos sociais
-ética
-moral ...
A’ F’
B’ G’
C’ J’
Input 1
Input 2
Mescla
Espaço Genérico
-Política
- Sociedade
-Corrupção
...
MCIs:
Como diz Langacker (1991) e Chiavegatto (2006), os sujeitos-enunciadores,
em suas produções discursivas, tomam um ponto de vista particular a respeito da
realidade referenciada. Emitem uma opinião. Como a reconstrução de categorias,
produto do processo de mesclagem, é um fenômeno histórico e cultural,
determinado por relações intersubjetivas e orientações ideológico-discursivas,
fruto de determinada visão de mundo (cf, capítulo 3), temos a perspectivação
101
(Langacker, 1991; Taylor, 1991) como conceito central na análise que
empreendemos. Sempre que os elementos dos inputs são projetados
metaforicamente no espaço-mescla, o novo significado que emerge é
perspectivizado. É a visão de quem enunciou os paralelismos. Portanto, marcado
pragmaticamente segundo o propósito comunicativo do evento de fala e do
gênero.
Na caracterização do gênero presente no capítulo 4, vimos que o candidato
de oposição – como é o caso de Collor – constrói um mundo possível, no qual a
realidade do “mundo atual” está insatisfatória e precisa ser “melhorada”. Essa
melhora fica condicionada, na construção discursiva, à eleição do candidato. É
justamente a visão de mundo deste candidato que emerge do espaço-mescla.
Da mesma forma que, no exemplo (55), a associação entre a bela retórica de
alguns políticos e a “manipulação” dos eleitores tornou-se uma construção
epistêmica de um sujeito-enunciador – tendo sua validade, portanto, restrita a ele
– o mesmo é verdadeiro para outros casos de paralelismo presentes no corpus.
Todos se constroem a partir de uma dada perspectiva, pois os atributos a serem
nele projetados foram filtrados, por um enunciador.
Vale lembrar que apenas essa configuração específica dos paralelismos –
aquelas em que as variações sobre a base comum paralela não se encontram
previamente associadas por domínios compartilhados pelos interlocutores –
aciona mesclas tais quais as exploradas em (55) e (56) a título de exemplificação.
Em (56), há um outro par de paralelismos (“temos que buscar solidariedade/temos
que buscar justiça social”) e uma terceira construção paralela a essa (“de uma
sociedade onde todos nós possamos conviver fraternalmente”) que apenas
reforçam por “marteladas” (cf. item 5.1) o conceito ativado, contribuindo para o
sucesso do argumento.
Outro caso dessa configuração específica dos paralelismos é o exemplo (57)
onde observamos dois conceitos que são associados com base em uma
similaridade saliente, acionados pelo paralelismo sintático. A construção
epistêmica presente na mescla já presente em (56) é reforçada, desta vez por um
novo input. Na nova mescla, regida pelos MCIs ‘política’ e ‘serviço público’, o
input 1, acionado por ‘quisto’, é formado pelos atributos doença, mal, corpo
estranho, entrave; já o input 2, novamente acionado por ‘privilégio’, mantém os
atributos benefícios, mordomias, aproveitamento e tranqüilidade.
102
(57)
e cada sigla dessa representa uma
repartição,
e cada repartição dessa significa um quisto,
significa um privilégio,
significa um cartório entre aspas,
significa uma propriedade de algum político.
O espaço-mescla gerado, ao integrar conceptualmente as contrapartes dos
inputs, produz novamente uma construção complexa e perspectivada, em função
das variáveis pragmáticas. Nesse caso, a mescla “ter privilégios é adoecer o país”.
A figura (7) ilustra e detalha a mesclagem que emerge do exemplo (57).
Moldura Comunicativa: Propaganda política no Brasil
A:doença
B:mal
C:corpo
estranho
D:entrave
F:benefícios
G:mordomias
H:aproveitamen
to
I:tranqüilidade
- trabalho
-saúde
-burocracia
-corrupção ...
B’ F’
G’
D’ H’
Input 1
Input 2
Mescla
Espaço Genérico
MCIs:
-Política
-Serviço Público
...
Figura (7): Mescla “ter privilégios é adoecer o país”
A perspectiva que orienta a mescla instrui a direção da interpretação do
enunciado, em função da argumentação pretendida pelo sujeito-enunciador.
Como nos exemplos anteriores, a construção epistêmica, cuja inferenciação
resulta desse processo, só foi possível graças a uma atividade de re-categorização,
acionada pela pista lingüística dos paralelismos sintáticos.
Esse exemplo e os anteriores confirmam nossa segunda hipótese de trabalho:
os paralelismos sintáticos funcionam não meramente como recursos coesivos ou
103
estratégias de envolvimento, mas como instruções sintáticas ativas na construção
da argumentação e centrais na construção de mundos possíveis. São construções
típicas e altamente freqüentes no discurso de Collor e possivelmente típicas do
gênero discurso político-eleitoral. Essa última tendência deixamos em aberto para
que futuros estudos possam investigar.
5.4. Resumo
O presente capítulo dedicou-se a analisar e discutir o uso das repetições no
discurso político de Collor datado das eleições de 1989. No item 5.1, nosso
objetivo foi testar a aplicabilidade das hipóteses historicamente desenvolvidas
acerca das repetições em nosso caso específico, sob a hiperonímia
‘Argumentação’. Dentre os principais achados desta investigacão, destacamos a
diferença que se estabeleceu entre reforço e recorrência, a dramaticidade
propiciada pelo jogo rítmico, que por sua vez reforça o aspecto menemônico, e,
principalmente, o que podemos chamar de jogo argumentativo baseado no
convencimento por insistência.
Assim sendo, confirmamos as pesquisas de Johnstone (1987; 1990), Tannen
(1989), Marcuschi (1992) e Koch (2005), e avançamos conhecimento sobre nosso
contexto socialmente situado, inovando ao contemplar as repetições dentro do
prisma sociocognitivo, e, principalmente, ao propor a re-categorizacão sinalizada
pelos paralelismos sintáticos que projetam associações entre categorias formais
distintas, sem nenhum atributo em comum, mas que dentro da perspectiva do
enunciador e da moldura comunicativa, se mesclam de forma única.
Portanto, os resultados parecem confirmar as duas hipóteses de trabalho.
As repetições atuam discursivamente como um recurso que diminui o custo de
processamento, pois retomam recorrencialmente informações já ativas no
horizonte de consciência do interlocutor, atuando de maneira facilitadora quanto
aos esforços da memória e da atenção; e a associação entre estruturas paralelas
pode gerar processos de re-categorização por mesclagem cognitiva de diferentes
domínios.
Ressaltamos ainda que as duas hipóteses estão intimamente relacionadas a
fatores pragmáticos, como a atividade social e discursiva, a identidade dos
104
interlocutores e, principalmente, o propósito comunicativo de atingir e convencer
as massas.
105
6. Considerações finais
(Andy Warhol. 100 Cans)
Iniciamos esta pesquisa refletindo acerca da comunicação de massa e de
como esta vinha protagonizando os novos modos de fazer política no Brasil e no
mundo. Interessadas em investigar a forma como o discurso político vinha
materializando tais tendências de massificação, tomamos a performance de Collor,
cuja campanha em 1989 representa a estréia brasileira nesse cenário, como corpus
de nosso estudo, a fim de identificar seus principais mecanismos de construção de
sentido.
Logo em nossos primeiros procedimentos de pesquisa, quando da
transcrição do material, chamou-nos atenção a forma de estruturação,
marcadamente repetitiva desses discursos. Um breve “passar de olhos” sobre o
corpus é suficiente para constatar a saliência das repetições, tanto na forma lexical
quanto sintática.
Constatada a saliência das repetições, e guiadas pelo princípio que co-
relaciona as escolhas lingüístico-discursivas ao contexto das quais estas emergem,
fomos procurar na literatura explicações para o fenômeno. A essa tarefa,
denominamos construção do objeto de investigação, pois foi a partir dessa etapa
que alavancamos o entendimento das repetições enquanto pista lingüística, e
construímos um acervo de potencias formas e funções que esta pista poderia
assumir.
Por estarmos fortemente arraigadas à idéia de que os recursos lingüísticos
apresentam funções diferentes nos diferentes contextos socialmente situados nos
quais se apresentam, o entendimento das repetições como pista meramente
106
coesiva não satisfez nossa busca por explicações, e foi nas teorias emergentes de
análises de discurso-em-uso que encontramos hipóteses possíveis para o nosso
caso específico. Dentre essas hipóteses, as repetições como estratégia de
envolvimento (Tannen, 1989), como mecanismo de construir categorias
(Johnstone, 1987; 1991), e como estratégia argumentativa de convencimento por
insistência (Koch, 2005), chamaram especialmente a nossa atenção.
Ainda assim, tais hipóteses não satisfaziam nossa intuição inicial segundo a
qual as repetições constituíam-se como recurso lingüístico-discursivo que
materializava a íntima relação entre a propaganda política e a lógica quantitativa
da comunicação de massa – que se evidencia a partir do lema ‘make it easy’.
Partimos, então, para a construção de um olhar sociocognitivo que, lançado sobre
nosso objeto, nos permitiu construir nossas duas próprias hipóteses de trabalho. É
nisso que o presente trabalho difere tanto daqueles que, por diversas vias,
tentaram explicar o fenômeno Collor, quanto daqueles que, também sob diferentes
olhares, buscaram abordar o fenômeno das repetições.
Na primeira hipótese, baseando-nos em trabalhos como os de Chafe (1987;
1994), Givón (1995) e Saliés (1997) vimos que a repetições evidenciam a relação
entre o discurso e seu potencial de alcance especialmente porque otimizam o custo
de processamento daquele, tornando-o bem mais assimilável às grandes massas,
em geral, no contexto brasileiro, desacostumadas aos complexos processos de
referência e recorrência que caracterizam os textos escritos. Aliás, neste ponto da
reflexão, tocamos em um aspecto desde a Antiguidade notado por Aristóteles, e
retomado posteriormente por Tannen (1989): discursos preparados tendem a re-
elaborar características que são próprias dos gêneros espontâneos. Esta é uma das
principais estratégias para recriação da espontaneidade sem a qual a persuasão
estaria dificultada.
Sobre esse aspecto, as repetições no discurso de Collor, então,
apresentaram-se, em todo nosso processo de análise, como uma estratégia de
persuasão. Uma relevante estratégia de persuasão que gera efeitos contextuais, ao
alinhar-se inquestionavelmente aos propósitos comunicativos de convencimento
que são próprios dos discursos políticos.
Por considerar as repetições lexicais e sintáticas duas faces de um mesmo
processo, não fizemos distinções analíticas entre as repetições idênticas e os
paralelismos sintáticos. Porém, da observação de uma configuração específica de
107
paralelismos que, mantendo uma base comum, apresentam diferenças no eixo
paradigmático, nasceu nossa segunda hipótese de trabalho, específica a esse tipo
de repetição.
Também à luz de um arcabouço sociocognitivo, especialmente alinhado aos
princípios de categorização da Semântica Cognitiva (Lakoff & Johson, 1980;
Taylor, 1991; Rosch, 1973; Berlim & Kay, 1969) e aos processos de mesclagem
(Faucconier & Turner, 2002), concebemos os paralelismos como pista lingüística
para re-categorizações semânticas que se dão via inferenciação situada de um
espaço-mescla, donde emergem construções epistêmicas reveladoras do mundo
construído pelo candidato: seus valores e orientações ideológicas. É importante
ressaltar que também Johnstone (1987; 1991) apontou a reconstrução de
categorias via paralelismo, mas o fez sem descrever o mecanismo sociocognitivo
que engendra tal categorização.
Enquanto a diminuição do custo de processamento relaciona-se
pragmaticamente ao propósito comunicativo, a re-categorização por mescla é
parte dos processos de construção de identidades e atividades sociais no âmbito do
discurso político, estando intimamente relacionadas à argumentação política que
se baseia na posição do candidato-enunciador no jogo eleitoral.
De todo o exposto até aqui, podemos depreender que nossa pesquisa
corrobora, de alguma forma, as teorias sobre gênero discursivo. Conforme já dizia
Aristóteles, as repetições e reformulações que emocionam e geram comoção na
oratória, podem empobrecer e fatigar os gêneros escritos. A grande maioria dos
trabalhos que olharam para as repetições em uso as relacionou aos gêneros
conversacionais. Dos trabalhos de que tivemos notícia, apenas os que trataram de
gêneros literários (Shepherd 1993; Lopes, 2005) e os de Johnstone (1987; 1991)
abordaram a funcionalidade das repetições na escrita.
No texto literário, as repetições recriam o envolvimento e a espontaneidade
da fala, por um lado, e conferem ritmo e dramaticidade ao texto, por outro lado –
sem falar no aspecto mnemônico fundamental para as antigas formas de poesia
oral. Quanto aos textos escritos em árabe, de natureza argumentativa, a
explicação de Johnstone (1994) toca, novamente, em fatores culturais: segundo a
autora, as repetições que reforçam uma idéia relacionam-se a uma característica
inerente à argumentação em sociedades fortemente hierarquizadas, marcadas
tradicionalmente por fundamentos religiosos. Para Johnstone, o que essas culturas
108
apresentam de peculiar em sua argumentação é a retórica baseada em
apresentação de idéias – que recorrem com modificações apenas formais – , ao
contrário da retórica típica das sociedades ditas “democráticas”, baseadas em
apresentações de provas e inferências lógicas. Na cultura analisada por Johnstone,
dizer de novo, e de novo, e de novo seria suficiente para produzir efeito de
verdade.
Mas, voltando-nos novamente à questão do gênero, subentende-se do texto
de Johnstone (1994) uma suposta diferença entre textos árabes e ocidentais, a qual
não parece corresponder aos nossos achados. A explicação para tal discrepância
pode estar no hibridismo fala/escrita que caracteriza o gênero ‘discurso político-
eleitoral’, e no apelo messiânico que certos discursos políticos apresentam,
identificando-se com aqueles de natureza religiosa.
Os discursos de Collor mesclam aspectos de oralidade e escrita, já que,
apesar de falados, são previamente preparados, e, apesar de recriarem a interação
face a face via suporte televisivo, há uma grande distância espaço-temporal entre
os participantes. Com isso, parecem buscar o ritmo e a espontaneidade que são
típicos da oralidade bem como a dramaticidade e a retórica circular típicas do
discurso religioso. Essa busca, presume-se, tem nas repetições seu principal
suporte. Vale lembrar que muitos estudiosos da área de comunicação política vêm
apontando que Collor construía de fato a imagem de “salvador” ou “messias”,
numa espécie de sebastianismo pós-moderno. De qualquer forma, acreditamos que
essas possam ser características do gênero ‘discurso político-eleitoral’, e não
apenas do discurso de Collor especificamente.
Todas essas reflexões fundamentam-se em análises interpretativas,
conduzidas abdutivamente, segundo o paradigma qualitativo que primeiro estuda
o banco de dados do discurso em uso e depois monta as bases teóricas da análise.
Portanto, nossos resultados são sinalizados pelo discurso e representam
indiretamente o que acontece com os participantes ao interagirem na situação
comunicativa.
Aqueles interessados em paradigmas experimentais poderiam reforçar
nossos achados e a eles acrescentar através de pesquisas diretas, no âmbito da
Psicologia Cognitiva ou do Processamento de Discurso, que examinassem os
efeitos da repetição na compreensão. Sugerimos também pesquisas quantitativas
que permitam a contagem das repetições em suas diferentes formas de
109
apresentação, de modo a evidenciar quantitativamente a saliência destas no
discurso político, bem como possibilitar a comparação dos índices obtidos em
outros gêneros. Finalmente, estudos futuros poderiam analisar qualitativamente o
uso das repetições em outros discursos políticos e em outros gêneros, de modo a
ratificar ou refutar nossas intuições sobre a tipicidade que elas assumem no gênero
campanha político-eleitoral televisiva.
Resta-nos ainda, a fim de concluir acerca do objetivo geral exposto na
introdução desta dissertação, refletir sobre a íntima relação que se tentou
demonstrar no presente trabalho entre os níveis “macro” e “micro” da
descrição lingüística. Acreditamos que nossos achados acerca das funções das
repetições no contexto socialmente situado corroboram algumas das principais
teses sobre o comportamento da linguagem. Como ressaltado por Johnstone
(1994), a linguagem produz o discurso, ao mesmo tempo em que o discurso
produz estruturas lingüísticas. Nessa relação dialética, as repetições refletem
fatores sociocognitivos enquanto produzem efeitos contextuais, evidenciando o
modo como discurso, cultura e cognição encontram-se inter-relacionados.
110
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117
Anexo A
CONVENÇÕES DE TRANSCRIÇÃO ADOTADAS
42
:
SÍMBOLO ESPECIFICAÇÃO
. Descida leve sinalizando final de enunciado
? Subida rápida sinalizando uma interrogação
, Descida leve na entonação
:: Alongamento de som
- Corte abrupto no enunciado
PALAVRA Intensidade alta de emissão
Palavra Ênfase em uma sílaba ou palavra
.. Pausa com menos de um segundo
... Pausa maior que um segundo
( ) Segmento de fala não compreensível
(palavra) Suposição na transcrição
ºpalavraº Volume baixo
>palavra<
Fala rápida
<palavra>
Fala lenta
((comentário)) Comentários do transcritor
/.../ Corte na transcrição
42
Convenções adaptadas de Marcuschi (1986) e Research on Language and Social Interaction
(2000).
118
Anexo B
Transcrições
Programa PRN, exibido em 30/03/1989
Cena I-
((Abertura do programa. Collor está sentado. Em close. Terno e gravata. Olhando para a câmera.
Cenário tipo escritório))
1. O partido da Reconstrução Nacional,
2. o PRN...
3. deseja levar a vocês,
4. nos próximos sessenta minutos,
5. uma mensagem de
esperança..,
6. de crença no futuro des- deste país.
7.
Nós acreditamos no Brasil..,
8. o Brasil é muito superior.. às suas elites dirigentes.
9. Nós haveremos de vencer os desafios,
10.
minha gente, ..
11. Nós have
remos de nos orgulhar do Brasil.
12. E o PRN entende
13. que,
14.
para isso,
15. é fundamental
16. nós equacionarmos
quatro grandes problemas
17. que afligem,
18. a todos nós,
19. nessa quadra particularmente
difícil da vida nacional.
20. O primeiro deles,..
21. o
primeiro problema,
22. é a crise moral...
23. É a raiz de todas as outras crises.
24. Nós temos
25. que equacionar a crise moral,
26. e,
27. posterior
mente,
28. a crise econômica,
29. a crise política,
30. a crise da convivência social.
31. O PRN se pro
põe a realizar esse trabalho.. com destemor,
32. com
decisão,
33. e,
34. sobre
tudo,
35. com a crença de que,
119
36.
juntos,
37. nós haveremos
todos .. de reconstruir o nosso país.
Cena II-
((Collor está sentado. Em close. Terno e gravata. Olhando para a câmera. Cenário tipo escritório))
1. O Partido da Reconstrução Nacional,
2. o PRN,
3. tem um compromisso fundamental,..
4. que é o compromisso..
5. de reavivar as esperanças
6. que cada um de nós
tem no fundo de nossos corações.
7. É triste nós ouvirmos,.. ((começa a tocar o hino nacional ao fundo))
8. mas não sem justificadas razões,..
9. brasileiros,..
10. pessoas,
11. afirmarem
12. que têm vergonha
13. de serem brasileiros.
14. Isso .. pelas frustrações .. ((balança a cabeça)) que governos sucessivos trouxeram à alma
nacional.
15. O partido da Reconstrução Nacional, ..
16. o PRN, ..
17. se compr
omete .. a
18. reavivando essas esperanças,
19. fazer
20. com que o Brasil .. seja orgulho de todos nós,
21. e que não nos envergonhemos nunca mais
dele nem da sua gente.
Cena III-
((Plenária do partido. De pé. Olhando para o público à sua frente. Calça social e camisa.
Gesticulando animadamente os braços.))
1. A crise moral,
2. portanto, ..
3. não se resolve com
discursos;
4. a crise moral
não se resolve com promessas;
5. a crise moral se resolve com exemplos,
6. com ATITUDES CONCRETAS ((gesticula com as mãos))
7. /.../ ((corte na fita original))
Cena IV-
((De pé no parapeito da sacada de algum prédio público. Calça e camisa esporte. Molhado de
chuva. Segura o microfone e olha para o público embaixo da sacada. Grita e gesticula muito.))
1. Porque
hoje ..
2. Ao chegar na entrada dessa cidade, ..
3. fui avisado,
4. por companheiros
nossos, ..
5. de que nós não faríamos uma passeata pelas ruas desse município,..
6. e,
7. disso ...
8. fomos
informados ..
9. de que eu
corria risco de vida, ..
10. porque capangas assalariados daqueles
11. que acham
12. que isso
aqui é um terreno de sua propriedade,..
120
13.
estariam ...
14. estariam preparados
15. para
atentar contra minha vida..
16. Faço questão de aqui me postar..
17. para ser,
18. talvez,
19. um alvo mais f
ácil para as balas assassinas
20.
daqueles que deixarão o estado de Alagoas em paz,
21. a partir de março do ano que vem.
Cena V-
((Plenária do partido. Collor está sentado, em close, olhando para a platéia à sua frente.))
1. Em nenhum momento, .. ((gesticula))
2. eu pude abrir
mão desse nosso ideal,
3. esse nosso ideal,
4. que congrega essa geração,
5. como eu disse anteriormente,
6. essa enorme geração de
afinidades, ..
7. porque eu sabia
8. que eu tinha um papel a cumprir.
Cena VI-
((Continuação da situação anterior: plenária do partido. Collor está sentado, em close, olhando
para a platéia à sua frente))
1. E,
2. desde o primeiro momento .. em que assumi o governo,
3.
assumi ((mexe nos cabelos)) dando um tom de independência .. a nossa administração.
4. Eu não aceito, ..
5. eu não aceito, ((gesto de “não” com o dedo))
6. porque isso é uma demonstração de um subdesenvolvimento
político desse país...
7. Eu não aceito ((dedo em riste)) o tratamento paternalista,
8. nem clientelista,
9. com o que .. os presidentes da reblica,
10. de modo geral,
11. sempre trataram os governadores,
12.
sobretudo os governadores do Nordeste...
13. A política econômica extremamente centrali
zadora .. fazia
14. com que os recursos,
15. nas mãos do Governo Federal,
16. só fossem redistribuídos na medida .. da proximidade .. dos governadores de Estado à
política do Governo Federal.
17. E isso eu não poderia aceitar.
Cena VII-
((Exibição de uma reportagem sobre os feitos de Collor em Alagoas. Collor responde ao
entrevistador, sentado, em close.))
1. Eu não disponho de recursos para tal,
2. nós estamos atravessando uma
seríssima cri::se no Estado,
3. que o Brasil inteiro
conhece,
4. e eu não posso tirar a comida da boca do sertanejo
5. para pagar esses salários imorai::s aos marajás.
121
Cena VIII-
((Continuação da reportagem anterior. Collor dá uma entrevista de pé, em frente ao que parece ser
um estabelecimento público.))
1. Eu vou dar uma demonstração
2. de que não fujo às minhas responsabilidades,
3. até o último dia em que estiver à frente do governo de Alagoas,
4. e tomo as medidas impopulares ou não, ..
5. mas em favor do bem comum,
6. em favor das necessidades do Estado.
Cena IX-
((Volta ao estúdio. Collor está sentado, sem o terno, em close, olhando para a câmera. As mãos
estão sobre a mesa.))
1. O que nós acabamos de assistir
2. foi a ação administrativa
3. que empreendi como governador das Alagoas,
4. dando um combate
sem trégua .. aos chamados marajás do serviço público.
5. Todos vocês que estão em casa,
6. neste momento,
7. acompanharam...
8. e verificaram ..
9. que essa luta encontrou muitas resistências
10. para que,
11. afinal,
12. nós chegássemos à vitória.
13. Nós,
14. bem entendida,
15. a sociedade brasileira,
16. que repudia,
17. que
renega a existência do marajá do serviço público,
18. graças a Deus, .. ((a câmera amplia o plano))
19. graças ao esforço de um grupo de companheiros,
20. nós,
21. hoje,
22. exterminamos com o vírus do marajaísmo do serviço público de Alagoas...
23. Mas vocês que estão nos ouvindo, ((a câmera volta a focalizar Collor em close))
24. nesta noite,
25.
aí no seu município,
26.
no seu povoado,
27. no seu estado,..
28. vocês
sabem
29. que ainda existe um marajá.
30. Em
cada um dos municípios brasileiros, ..
31. ainda tem um marajá.
32. Em cada um dos Estados brasileiros,
33. com exceção naturalmente das nossas
Alagoas,..
34. vocês todos sabem
35. que ainda existem muitos marajás.
36. Nós precisamos
acabar com essa República, ..
37.
república dos privilégios, ..
38.
república dos marajás.
39. E o
exemplo que nós podemos hoje oferecer a todos vocês,
40. com base no que realizamos em Alagoas,..
41. nós queremos
poder realizar dentro do Programa do Partido da Reconstrução Nacional,
42. que tem o compromisso muito claro
43. de combate a este estigma,
122
44. de combate a este
quisto,
45. que humilha .. a todos nós,
46. que faz
47. com que todos nós percamos
inclusive a perspectiva de uma vida saudável,
48. de uma vida
49. onde se possa conviver a justiça
50. com a solidariedade humana.
Cena X-
((Volta á situação de plenária. De frente para o auditório, Collor está de camisa e calça,
gesticulando com os braços.))
1. Nós não podemos mais
admitir
2. que,
3. nos dias de hoje,..
4. o Brasil tenha (toda)- toda a sua soma de recursos .. canalizada .. no setor improdutivo da
economia,
5. que é a
especulação mais desavergonhada,
6. e mais desenfreada,
7. que nós já vimos ..
8. Hoje,
9. minha gente,
10. tiram do over
night,
11. o chamado overnight,
12. diariamente, ..
13. o equivalente em
cruzados a setenta bilhões de dólares,
14. Setenta bilhões de dólares
esses,
15. que deveriam estar no setor produtivo da economia,
16. gerando emprego,
17. gerando
desenvolvimento,
18. gerando melhores condições de saúde,
19. de educação, ...
20. gerando condições
21. para que nosso parque industrial não se sucateasse rapidamente,
22. a olhos
vistos,
23. como hoje nós assistimos.
24. Mas esse .. dinheiro,
25. essa enorme soma de recursos,
26. mercê de uma política econômica,
27. de um modelo econômico
vesgo e injusto,.. ((a câmera passa a focalizar Collor em close))
28. faz
29. com que nós estejamos a cada dia ºmais empobrecidosº.
Cena XI-
((De volta ao estúdio, Collor está sentado, sem o terno, com um jornal nas mãos, olhando para o
jornal e para a câmera alternadamente.))
1. Bom,
2. minha gente,
3. eu tenho,
4. aqui, .. ((aponta para o jornal))
5. na minha frente,..
6. a edição de um jornal diário de grande circulação nacional, ..
7. que traz a seguinte informação,
8. numa coluna especializada...
9. Esse jornal é do dia .. vinte e um de março,
10. portanto,
11. muito recente,
123
12. e os dados,
13. sem dúvida,
14. ºatualizadosº.
15. Diz o seguinte:
16. juros de cento e quatro
bilhões de dólares,.. ((close no jornal))
17. começa,
18. segurem-se nas cadeiras:
19. o Brasil deve fechar o ano com dívida externa de cento e doze
bilhões,..
20. depois do pico de cento e vinte e um bilhões de dólares,
21. em .. oitenta e sete, ..
22. acontece,
23. que a remessa de juros nos anos oitenta .. vai totalizar nada menos de cento e quatro
vírgula seis
bilhões de dólares, ..
24. ou seja, ..
25. nos últimos dez anos,
26. >quer dizer<
27. nós vamos fechar a década de oitenta- de oitenta a noventa
28. tendo pago ao exterior juros de cento e quatro ..
bilhões e seiscentos milhões de dólares.
29. >Continua aqui a notícia<..
30. em mil novecentos e oitenta e nove, ((Collor é focalizado rapidamente pela câmera
lateral))
31. a dívida era de
cinqüenta e três bilhões e oitocentos milhões de dólares.
32. Ela mais que
dobrou...
33. enquanto se pagava juros de cento e quatro bilhões e seiscentos milhões de dólares...
34. Quer dizer, .. ((Collor solta o jornal, e a câmera aproxima o seu rosto))
35. Esse é o retrato da situação .. da dívida .. externa brasileira...
36. Você,
37. que está em casa, ...
38. eu não tenho a menor dúvida disso,...
39. você ..
concorda que essa dívida não pode ser paga, ((rosto muito aproximado))
40. ela é absolutamente impagável... ((a câmera volta a abrir))
41. Em oitenta,
42. em mil novecentos e oitenta,
43. o Brasil devia cinqüenta e três bilhões de dólares...
44. Hoje,
45. o Brasil deve cento e doze
bilhões,..
46. e já pagou cento e quatro bilhões de dólares de juros...
47. Até quando nós poderemos continuar com essa situação?..
48. Isso é justo?...
49. O pessoal fala,
50. não,
51. porque esse negócio de não pagar a dívida,
52. e::, e::,
53. isso- isso não pode,
54. tem de se cumprir por acordos.
55. Muito bem,
56. mas cumprir acordos
imorais como esses?... ((aponta para o jornal))
57. Será que
você aceita continuar trabalhando trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
58. pagando os seus impostos,..
59. para que todo esse fruto do seu trabalho .. seja remetido para o exterior,
60. para pagar a dívida,
61. juros dessa dívida,
62. volto a frizar,
63. imoral, ..
64. enquanto a grande maioria da nossa população passa fome,..
65. sem ter
casa para morar,
66. sem ter
transporte .. condigno .. para levá-lo ao trabalho,..
67. sem ter .. saúde,
68. sem ter educação,
69. sem ter direito à
vida...
124
70. Isso é justo?...
71. No meu entender,
72. no entender do Partido da Reconstrução Nacional, ..
73. >isso não é justo<,..
74. e
haveremos de .. lutar
75. para que a questão da dívida externa seja tratada com a seriedade, .. ((close nas mãos, que
remexem em uma caneta sobre o jornal))
76. e com os
pés na realidade,
77. na nossa realidade,
78. como ela já deveria estar sendo .. tratada.
79. Todas essas negociações que foram promovidas .. com esses organismos internacionais,
80. com
bancos, ..
81. sempre foram passíveis de muitas
dúvidas sobre a forma
82. que essa dívida foi contratada...
83. E essa dívida
ilegítima,..
84. porque ela está,
85. exatamente,
86.
cercada de erros por todos os lados.
87. Primeiro,
88. ela foi mal contratada,
89. minha gente, ...
90. nós não podíamos contratar uma dívida com os chamados juros flutuantes.
91. >Eu vou tentar<,
92. Para aqueles que não sabem,
93. vou tentar explicar:
94. juros flutuantes é o seguinte:
95. é você assinar um papel pra pagar num banco. ((faz mímica de “assinar”))
96. Você vai lá
97. tomar cinqüenta mil cruzados num banco,
98. (vamos dizer)
99. ou dez mil cruzados,
100. ou seja lá a quantia que for.
101. Você vai
102. e toma lá esse dinheiro,
103. e,
104. você sabe
105. que vai ser cobrado de você um juro “x”,
106. e,
107. mais ou menos,
108. você tem idéia que,
109. dali a noventa dias,
110. você vai ter que pagar
tanto”...
111. Pois bem,
112. você assina um papel,
113. sabendo o que de juros você vai pagar.
114. O Brasil não,.. ((aponta pata trás))
115. o Brasil contratou grande parte da sua dívida com juros
flutuantes,
116. ou seja,
117. assinou com a cláusula de juros em branco.
118. O juros tanto podiam ser de dois,
119. de cinco,
120. de dez,
121. de doze,
122. de quinze,..
123. variava .. ao
sabor .. dos mecanismos do sistema financeiro internacional,
124. que colocava os juros no patamar que desejasse.
125. Então,
126. ela foi
mal contratada.
127. Os prazos que- que nos foram concedidos também foram mal escalonados...
128. Depois disso,
125
129. segundo erro:
130. a dívida foi mal
gasta, ((close nas mãos, que gesticulam))
131. porque gasta em atividades que não produziram,
132. que não deram o retorno necessário,
133. seja do ponto de vista econômico,
134. seja do ponto de vista social...
135. Além disso,
136. ainda paira no ar uma das promessas da nova República, ..
137. a chamada auditoria da dívida externa...
138. Todos nós sabemos ..
139. como essa auditoria é importante..
140. para nós sabermos,
141. para a sociedade inteira tomar conhecimento,
142. do que signi
ficam esses cento e doze bilhões de dólares,
143. que é hoje o montante total da nossa dívida,
144. depois de termos pago,
145. nos últimos dez anos,
146. cento e quatro bilhões e seiscentos milhões de dólares de juros...
147. Nós é que estamos pagando essa dívida,
148. não é?,
149. não é você que está pagando?
150. Não sou eu?
151. Então,
152. nós temos o direito de saber
153. o que que nós estamos pagando...
154. Essa auditoria, ((close nas mãos, que guardam a caneta em um porta-lápis))
155. até hoje,
156. não foi realizada,
157. e o PRN entende
158. que isso é fundamental
159. para nós darmos transparência a nossa dívida externa.
Cena XII-
((Estúdio. Mesmo contexto da cena I. Sem terno. Cotovelo apoiado na cadeira. Olhando para a
câmera.))
1. É,
2. minha gente,
3. O que nós acabamos de ver ... ((cruza os braços))
4. foram cenas que retratam, ..
5. com muita nitidez,
6. o nosso Brasil de hoje..
7. É
lamentável ((descruza os braços e apóia o esquerdo no braço da cadeira))
8. que a situação tenha chegado a esse nível.
9. A fome, ..
10. a miséria, .. ((a câmera aproxima o rosto de Collor))
11. a mortalidade infantil, ..
12. o analfabetismo, ..
13. enfim, ..
14. essas
mazelas .. de um processo econômico .. que não privilegia os mais necessitados.
15. O Partido da Reconstrução Nacional .. entende
16. que para resolver .. esses problemas,
17. para estabelecer uma convivência social
solidária entre todos os brasileiros,
18. é fundamental
19. que nós retomemos o nosso processo de desenvolvimento. ((close nas mãos de Collor,
que estão sobre a mesa, segurando uma caneta))
20. Nós precisamos de um modelo de desenvolvimento ..
21. que tenha um
rigoroso .. programa social.
22. Não esse que estamos acostumados já a ouvir,
126
23. e que fica,
24. como sempre,
25. nas palavras,
26. que pela pouca responsabilidade daqueles que enunciam essas promessas,
27. que
enunciam essas palavras.
28. Um programa social sem o clientelismo .. que hoje nós estamos assistindo na distribuição
de gênero.
29. O que gera a
corrupção
30. e a intermediação sempre nefasta,
31. sempre ruim, ((vira para outra câmera, que aproxima seu rosto))
32. para o beneficiário final,
33. que deveria ser a população carente e mais necessitada.
34. O
PRN,
35. oh o nosso partido,
36. o Partido da Reconstrução Nacional,
37.
entende que a educação,
38. a saúde
39. e a habitação
40. são deveres .. inalienáveis do Estado.
41. Ao Estado
compete esse atributo maior,
42. de gerir
43. e de
prover em educação,
44. em saúde,
45. em habitação,
46. toda a população brasileira. ((close nas mãos por um instante))
47. E,
48. finalmente,
49. minha gente,
50. um modelo que tenha uma preocupação fundamental com o meio ambiente.
51. Nós não podemos,
52. em instante nenhum,
53. nos desvincular dessa questão,
54. que hoje <nos traz> .. a nossa realidade da devastação da nossa
Amazônia,
55. da devastação do nosso
Pantanal,
56. da- da destruição de nossos
rios,
57. das nossas matas,
58. enfim,
59. nós temos
60. que ter nesse modelo de desenvolvimento uma preocupação fundamental com a questão
ecológica.
Cena XIII-
((Reunião partidária. Bancada com vários políticos do partido. Collor está sentado ao centro da
mesa. Bandeiras nacional, regional e do partido ao fundo. Collor está de terno e gravata. Dirige-se
à platéia, à frente, não mostrada pela câmera. Gesticula e vira o rosto todo o tempo.))
1. Graças ao mau
exemplo desses políticos,
2. que entendem ..
3.
chegar ao poder ..
4. como um processo de apropriação do poder,
5. e não como uma doação ao poder,
6. como deve ser.
7. Em
função dos políticos, ..
8. em função dos maus políticos,
9. que nós sabemos que não são (todos),
10. os maus políticos que
entendem ... ((a câmera fecha em Collor, que passa a mão no
cabelo))
11. que
ter um mandato eletivo ..
12. é o primeiro passo ..
127
13. para enriquecer a si e a sua família, ... ((a câmera aproxima o rosto de Collor))
14. para e
mpregar .. até a quarta geração de sua família,
15. para intermediar favores, ..
16. para corromper
17. e ser corrompido.
18. É chegado o momento
19. de nós
resgatarmos esses valores,
20.
até .. em benefício do próprio sistema democrático,
21. que não sobreviverá, ((gesto de “não”))
22. minha gente, ..
23. enquanto nós não tivermos partidos políticos
consolidados, ..
24. partidos políticos de vergonha ((ênfase no gesto)),
25. que façam ..((ênfase no gesto)),
26. que
exercitem .. ((ênfase no gesto))o discurso,
27. que nas épocas das campanhas eleitorais,
28. com tanta eloqüência,
29. com tanta mentira, ((ênfase no gesto))
30. costumam colocar.
31. Precisamos
resgatar os ideais republicanos exercidos na vida pública com honradez,
32. com
dignidade,
33. com caráter,
34. e, ..
35. a partir daí, ..
36. recuperando a confiança no sistema partidário,
37. recon- reconquistando a confiança na classe política,
38. a quem cabe
levar ao centro do poder as expectativas da comunidade, ..
39. nós teremos,
40. sem dúvida nenhuma,
41. melhores condições para o exercício de uma vida
democrática, ..
42. na busca constante na construção de uma sociedade mais justa,
43. mais solidária,
44. mais fraterna,
45. sem
tantos desencontros e desajustes.
Cena XIV-
((De volta ao estúdio, Collor tem seu rosto muito aproximado, e olha fixamente para a câmera.))
1. Quantos somos nessa caminhada?
2. Seremos milhares e milhares e milhares de brasileiros,
3. todos nós irmanados
neste único propósito ..
4. de fazer do Brasil uma nação digna de seus filhos, ..
5. e
orgulho de toda uma geração.
PROGRAMA PTR – EXIBIDO EM 27/04/1989
Cena I-
((Estética de programa de auditório. Apresentador: Juca Colagrossi [presidente nacional do
partido]. JC se dirige aos demais membros do partido que estão na platéia. Collor é chamado ao
auditório, como um convidado. De terno e gravata, senta-se ao lado de JC e dirige-se à câmera,
que o focaliza em close.))
1. Boa noite, .. Juca Colagrossi, ..
2. Boa noite, .. membros .. do PTR aqui presentes.
3. Boa noite, .. minhas senhoras e meus senhores...
4. É com alegria
5. que verifico
128
6. que o PTR atendeu ao chamamento
7. que fizemos recentemente,
8. para que juntos participássemos dessa luta de reconstrução nacional...
9. A esse chamamento, ..
10. cada dia mais .. centenas e centenas de pesso::as atendem,
11. e isso faz
12. com que nós estejamos hoje muito confiantes
13. de que,
14. nessa nossa caminhada,
15. nós não estamos tão sozinhos .. quanto no início delas.
16. Milhares e milhares de brasileiros hoje se
incorporam a essa luta,
17. que não é de pessoas, ..
18. que não é de partido, ..
19. mas é a luta de uma sociedade .. e de uma cidadania ..
20. que se encontram
indignadas .. com tudo isso
21. que está acontecendo com nosso Brasil..
22. A convocação é para todos,
23. para todos os brasileiros de reta inten
ção,
24. e que queiram nos auxiliar .. neste trabalho de reconstruir o Brasil dentro dos preceitos ..
da efici
ência,
25. da moralidade,
26. da auste
ridade,
27. da justiça social.
28. Um Brasil digno e soberano para todos nós.
Cena II-
((Bloco destinado a tratar de assuntos acerca do meio-ambiente. Collor está em um barco em
movimento, acompanhado por esposa e filhos. Está de roupa esportiva, sentado, segurando o
microfone, a câmera está a sua frente. A câmera faz um movimento de subida lenta, dos pés à
cabeça de Collor, até abrir e focalizar toda a “tripulação”.))
1. Desde criança que nós aprendemos muito sobre a floresta amazônica.
2. sobre o seu tamanho,
3. sobre a sua grandeza,
4. sobre a sua potencialidade,
5. sobre as variedades que existem nesta floresta,
6. sobre os seus rios, ..
7. sobre as con
dições de navegabilidade dos seus rios, ..
8. sobre as vitórias-régias,
9. por exemplo,
10. como estas que aqui estão.. ((imagens da Amazônia))
11. E::,
12. infelizmente,
13. eu só vim a conhecer .. essa beleza,
14. essa
riqueza do nosso país .. depo::is de adolescente...
15. Vindo aqui à Amazônia .. nesta oportunidade,
16. eu quis traze::r os meus filhos, .. ((imagens de Collor remando))
17. os meus filhos...
18. O mais velho, ..
19. com doze anos,
20. o menor, ..
21. com dez anos,
22. para que eles,
23. desde
agora, ..
24. começassem a se sentir respon
sáveis .. pelo futuro da Amazônia. ((volta a focalizar o
barco com toda a “tripulação”))
25. Para que eles conhecessem de perto isso ..
26. que o seu pai só depois de adolescente veio a conhecer,
27. e para que eles assumam um compromisso com a vida,
129
28. um compromisso com- com a defesa intran
sigente da Amazônia .. e do nosso
ecossistema, ..
29. para que eles tenham a cons
ciência
30. de que é fundamental ..
31. nós lutarmos pela preservação do nosso meio-ambiente.
Cena III-
((Volta ao “auditório”. Collor responde a três perguntas sobre a possibilidade de se pagar a dívida
externa com a floresta amazônica. A Câmera o focaliza em close.))
1. Nós não podemos,
2. minha gente,
3. sequer
admitir .. discutir esse assunto.
4. E::u me recuso a discutir esse assunto.
5. Essa floresta nos pertence...
6. Nós não podemos entregá-la por nada ..
7. e estes que estão hoje vindo
aqui ao Brasil, ((a câmera abra para toda a tripulação))
8. ou mesmo fora do nosso país, ..
9. desejando
10. que nós paguemos essa
dívida,
11. que nós temos aí ilegítima e imoral,
12. que é nossa dívida externa,
13. com essa
riqueza que hoje nós possuímos, ((imagens da Amazônia))
14. que sempre possuímos,
15. que é a floresta amazônica,
16. só merece da nossa parte .. uma resposta indignada, ((a câmera volta a focalizar toda a
tripulação))
17. e uma resposta pe
remptória,
18. e uma resposta dura. ((ênfase gestual com as mãos))
19. Dizer a eles: NÃO. ((ênfase gestual com as mãos))
Cena IV-
((Collor responde, ainda no estúdio, a perguntas sobre suas propostas de recuperação do meio-
ambiente.))
1. O que nós temos
2. que
fazer é casar, ..
3. conciliar, ..
4. os investimentos econômicos .. com a preservação .. das nossas matas.
5. Isso significa dizer..
6. que só podemos aprovar projetos .. na Amazônia
7. que digam respeito ao turismo, ..
8. à agricultura nacional ..
9. ou à indústria fina,
10. indústria .. não poluente..
11. E nós ..
12. rigorosamente ...
13. não podemos,
14. aceitar investimentos na pastagem,
15. porque devasta sem ne- nenhuma resposta econômica à floresta amazônica, ..
16. e muito menos side
rúrgicas,
17. que são alimentadas pelo carvão vegetal,
18. e carvão vegetal,
19. como todos nós sabemos,
20. são- são os troncos das
árvores da floresta amazônica.
21. Isso realmente nós não podemos aceitar.
130
Cena V-
((Collor responde, em close, a perguntas sobre o meio-ambiente.))
1. É por isso
2. que nós temos .. um compromisso muito firme .. com a preservação do meio-ambiente,
3. porque
compromisso .. com o meio ambiente é compromisso,
4. minha gente, ..
5. com a própria vida...
6. Se comprometer com a preservação .. dos nossos rios, ..
7. das nossas lagoas, ..
8. dos nossos mares, ..
9. do nosso pantanal, ..
10. da nossa mata
atlântica, ..
11. é se comprometer .. com nossa própria vida e com o futuro de gerações
12. que virão depois de nós.
Cena VI-
((Bloco sobre agricultura. Collor está no município de Petrolina, ao ar livre. Está de calça e camisa
e a câmera o focaliza em close.))
1. Nós estamos aqui .. no alto do sertão nordestino,
2. uma região até pouco tempo considerada ..
inóspita,
3. onde nada poderia ser
plantado, ..
4. uma região dita problemática...
5. Hoje, ((imagens de Collor colhendo com agricultores))
6. graças à iniciativa .. de:: bons patriotas,
7. que acreditam nessa região, ..
8. e
graças .. à água que chega aqui do São Francisco, ..
9. nós hoje estamos vivendo uma nova era, ..
10. ou seja, ..
11. com a chegada .. da irrigação .. destes projetos privados, ..
12. estamos demonstrando ..
13. que
aqui o que o nordeste precisa é unicamente de água..
14. Que nos dêem água, ((a câmera volta para imagens de Collor em estúdio. Close))
15. e,
16. o restante, ..
17. todos nós nordestinos .. saberemos como fazer, ..
18. e criaremos a riqueza .. ((olha para os lados))
19. que vai alimentar não somente a toda essa região, ..
20. mas vai suportar também ..
21. o desenvolvimento nacional.
Cena VII-
((De volta ao estúdio, a mesa inteira é focalizada. Collor fala olhando para a câmera.))
1. Cenas como esta realmente nos deixam cheios de alegria e cheios de
esperanças nesse
país..
2. Até alguns anos atrás, ((a câmera fecha em Collor))
3. ninguém poderia imaginar
4. que no sertão seco, ..
5. como do nosso nordeste, ..
6. ou nos cerrados .. do centro-oeste, ...
7. nós pudéssemos plantar e colher alguma coisa.
8. Hoje,
9. nós temos
soja no cerrado..
10. Hoje nós temos uva,
11. temos melão,
131
12. temos ce
bola,
13. temos milho,
14. temos
feijão ... no sertão do nosso nordeste.
15. E para que tudo isso pudesse ser realizado, ..
16. bastou que nos déssemos .. água...
17. investíssemos um pouco de dinheiro,
18. e não foi tanto,
19. para que nós pudéssemos ter essa produção gerando emprego,
20. gerando renda,
21. gerando educação,
22. gerando saúde,
23. gerando bem estar para essas regiões.
24. É por
isso
25. que nós precisamos
26. con
tinuar acreditando no nosso Brasil.
27. O Brasil é viável, ..
28. o Brasil é possível..
29. O Brasil precisa apenas .. de seriedade ((ênfase gestual com as mãos)) de- do governo.
Cena VIII-
((Em homenagem a Lindolfo Collor, avô de Collor, este fala a um público grande em um
auditório. Lê o discurso que está sobre a mesa, olha para a platéia.))
1. A revolução que foi a legislação trabalhista,
2. introduzida no Brasil .. em 1930, ..
3. apesar de conquista
antiga,
4. em países modernos, ..
5. representou avanço admirável .. em sociedade muito recentemente .. escravagista...
6. Lindolfo Collor,
7. pois,
8. continua avançado no tempo,
9. e sua revolução ainda se acha em marcha, ...
10. porque a escravidão do povo brasileiro .. continua, ..
11. sob novas formas, ..
12. é verdade,
13. mas continua .. a escravidão do desemprego,
14. da fome e da desigualdade de renda, ..
15. a escravidão da marginalidade,
16. da periferia dos grandes centros..
17. ou no abandono dos campos
18. A escravidão da inj
ustiça ..
19. que acoberta os poderosos ..
20. e massacra os desprotegidos..
21. A escravidão dos bens de produção,
22. que alijam o homem do acesso aos bens de consumo,
23. a escravidão do meio ambiente,
24. sujeito ao interesse .. dos grandes senhores,
25. a escravidão do analfa
betismo, ..
26. que embrutece as gentes.
27. Enfim, ..
28. a escravidão dos cos
tumes, ..
29. em que a esperteza .. é o valor supremo do homem, ..
30. a desones
tidade é instrumento de sucesso, ..
31. a co
rrupção é atributo de poder, ..
32. e a desf
açatez é a medida da aferição do caráter dos homens...
33. Sim,
34. a escravidão continua, ...
35. a escravidão do mascaramento, ..
36. da sem-vergonhice, ..
132
37. e é preciso manter vivos os ideais,
38. Lindolfo Collor, ..
39. única forma .. de desa
correntar o povo brasileiro desse novo julgo, ..
40. o julgo da imoralidade civilizada.
Cena IX-
((Volta ao estúdio. Rosto muito aproximado, responde a Juca Colagrossi sobre seu embate com o
governo Sarney.))
1. É,
2. eu sempre entendi ..
3. que conceder mais um ano .. ao atual presidente da república ..
4. seria prolongar o nosso sofrimento.. desnecessariamente ..
5. Eu entendia
6. que .. todos nós desejávamos rapidamente recuperar a nossa cidadania, ..
7. escolhendo,
8. pelo voto, ..
9. o presidente da república
10. que .. viesse promover as reformas
11. que todos estamos desejando...
12. Naquela época,
13. é verdade, ..
14. como primeiro governador .. e único .. no início dessa nossa luta,
15. sofri muito ..
16. e venho
sofrendo .. ((Collor vira o rosto para Juca Colagrossi)) ao longo desses dois anos.
Cena X-
((Estúdio, torna a responder a perguntas sobre seu embate com o governo Sarney. Câmera fecha
em seu rosto.))
1. Foram .. terríveis.
2. Logo após nós termos iniciado a nossa
luta por um mandato de quatro anos, ..
3. nós tivemos a incorporação de novos companheiros, .. ((Collor olha para Juca))
4. que se associaram a nós nesse nosso sentimento..
5. Isso fez com que o meu estado,
6. e o meu governo, ..
7. particularmente, ..
8. sofresse ((Collor olha para Juca)) uma enorme represália .. por parte do presidente da
república, ...
9. e isso é uma
prova da falta de amadurecimento político,
10. não dele ..
somente,
11. mas,
12. acredito,
13. de- .. de vários que hoje participam da vida pública.
14. Que entendem ..
15. que pod- não pode haver discordância.
16. O governo federal .. sempre se utilizou de uma prática muito danosa,...
17. que era de somente atender aos pedidos dos governadores ..
18. desde que os governadores .. estivessem batendo a cabeça,
19. dizendo sim, ..
20. e apoiando incondicionalmente .. à política do governo federal,
21. fosse ela qual fosse, ..
22. mesmo sendo uma política ..
23. que .. nos colocasse numa inflação insurportável, .. ((Collor olha para Juca Colagrossi))
24. seja uma política
25. que privilegiasse aqueles ..
26. que estão se valendo da especulação para enriquecer e ser cada vez mais /?/
133
27. Seja para apoiar uma política
28. que privilegiava a fome,
29. a miséria,
30. a mortalidade infantil,
31. o analfabetismo.
32. Eu me coloquei ((olha para Juca Colagrossi)) contra o governo federal,
33. e,
34. quando eu me coloquei,
35. passei a ser persona non grata no palácio do planalto..
36. Mesmo assim,
37. com todas as dificuldades, ..
38. não somente o meu governo,
39. mas o povo alagoano entendeu ..
40. que a sua dignidade e a sua independência não tinha preço, ..
41. e eu chegava a afirmar ..
42. de que o planalto .. e o presidente da república .. poderiam fazer
todo o tipo de pressão, ..
43. poderiam exercer todo o tipo de .. retaliação, ((faz cara de sofrimento))
44. de perseguição, ..
45. mas Alagoas não abriria mão
46. de se trans
formar
47. e de ser
48. o que hoje ela é: ...
49. um pedaço de chão limpo deste Brasil.
Cena XI-
((Estúdio. Responde em close á pergunta de Juca Colagrossi a respeito de construção de casas
populares em Alagoas.))
1. O governo federal,
2. via caixa econômica, ..
3. o concedeu ao Estado .. a possibilidade de nenhum financiamento ..
4. para construir casa populares, ...
5. e todos nós sabemos
6. que há um déficit habitacional enorme...
7. Todos nós sabemos
8. que a política habitacional .. cabe ao governo federal .. em noventa por cento dos casos;
9. Somente alguns estados maiores têm também as suas iniciativas próprias,
10. e,
11. portanto,
12. nós aguardávamos
13. que não houvesse também essa discriminação odiosa..
14. Mas nós,
15. mesmo assim,
16. construímos, ((imagens das casas construídas))
17. ao longo desses dois anos,
18. cerca de
três mil casas populares ..
19. e,
20. o que é mais importante:
21. Nós construímos essas casas .. por um preço um terço inferior .. ao preço
22. que o governo federal constrói.
23. Eu até fiz uma pergunta, ((Corta para o estúdio; Collor em close))
24. mandei fazer uma pergunta ao então ministro da habitação e urbanismo,
25. de para onde ia aquela diferença,
26. porque se eu consegui construir uma casa por um terço do valor
27. do que a caixa econômica construía, ..
28. aonde estava essa diferença.
29. até hoje estou sem resposta,
30. mas eu acredito
31. que todos nós
saibamos
134
32. qual é. ((Collor vira-se para a câmera lateral))
Cena XII-
((Perguntado sobre a dívida externa, Collor responde em close, olhando para a câmera.))
1. Todos nós sabemos
2. que estes bancos todos,
3. eles que emprestaram dinheiro ao Brasil,
4. se juntam em um único bloco, ..
5. e fazem,
6. em bloco, ..
7.
pressão,
8. fazendo exigências
absurdas ..
9. que somente um governo ilegítimo como este
10. que nós temos
11. poderia .. ceder,
12. poderia atender.
13. Então, ..
14. na comissão da dívida externa do Senado, ..
15. e,
16. baseado nestes fatos que eu aqui relatei, ..
17. nós propusemos .. o equacionamento da dívida externa ..
18. e,
19. com base nisso,
20. um projeto econômico .. que privilegiasse o crescimento econômico,
21. que fortalecesse o nosso mercado interno,
22. que garantisse o emprego,
23. que melhorasse o nível dos salários ..
24. e que,
25. sobretudo, ..
26. que mantivesse a nossa soberania.
Cena XIII-
((Perguntado sobre para onde iriam os corruptos do país em seu governo, Collor responde em
discurso no pregão da Bolsa de Valores de SP, sentado, olhando para a platéia a sua frente.))
1. Cadeia..
2. Os corruptos tem que estar na cadeia.
3. E a impunidade, ...
4. ela-
5. Só há corrupção
6. porque há impunidade..
7. A impunidade é a certeza
8. que o corrupto tem ..
9. de que,
10. praticada sua corrupção,
11. nada vai lhe acontecer,
12. porque haverá sempre alguém ligado ao poder
13. que:: vai protegê-lo,
14. e impedir
15. que ele seja levado ... à garra,
16. ou à barra.
17. Então,
18. uma coisa anda associada a outra..
19. No momento em que você tiver uma sociedade,
20. um governo,
21. que não ande de braços dados com a
impunidade,
22. esse é o primeiro passo
135
23. para que nós .. aca
bemos com a corrupção.
24. Mas isso só não é suficiente.
25. É necessário também
26. que nós retiremos do Brasil hoje essa idéia ((ênfase gestual com as mãos))
27. que cada um de nós eh::
28. de que,
29. no Brasil,
30. vai para a prisão
31. é ladrão de galinha.
32. Porque os grandes assaltantes,
33. aqueles que deram os grandes golpes .. nessa nação,
34. aqueles que saíram do Brasil como
ministros de governo indiciados ((gesto com as
mãos)) por corrupção, ...
35. com provas
cabais .. de roubo,
36. esses estão por aí ainda,
37. soltos,
38. quer dizer,
39. o que há hoje na sociedade .. brasileira,
40. além da
indignação .. que cada um de nós tem uns mais,
41. outros menos, ..
42. é o desejo de
vingança. ((ênfase))
43. É aquele desejo de se ver,
44. é::,
45. de se ver vingado ((ênfase)) por tudo
46. que estão fazendo com a gente...
47. E se ver vingado
48. significa levar para a cadeia ESSES
49. que levaram o Brasil à situação
50. em que hoje nós nos encontramos, ..
51. patrocinando os maiores,
52. atos de corrupção
53. que já se teve história,
54. desde que a república foi instaurada no nosso país.
Cena XIV-
((Perguntado sobre sua “guerra” contra os marajás em Alagoas, Collor responde, em estúdio, a
câmera fechada em seu rosto.))
1. Veja bem,
2. o Brasil não somente torceu, ..
3. mas
participou diretamente dessa luta, ..
4. não fosse o:: apoio .. de toda a população deste país, .. ((Collor olha para outra câmera))
5. né,
6. que se mobilizou, ..
7. né,
8. dando um grito .. de dor e de revolta ..
9. ao que estava acontecendo em Alagoas,
10. que é
11. o que de fato acontece no Brasil, ..
12. nós não tivéssemos chegado à vitória, ((corta rapidamente para Juca Colagrossi))
13. que também contou com outro grande parceiro, ...
14. que foi o relator .. da Assembléia da nova Constituição, ..
15. o:: da Assembléia Nacional Constituinte,
16. o deputado federal Bernardo Cabral..
17. Ele,
18. atendendo a uma solicitação
19. que lhe levei, ..
20. ele fez inserir no texto constitucional .. alguns artigos .. ((corta rapidamente para Juca))
21. que:: exterminam,
136
22. de uma vez por todas,
23. com o vírus do marajaísmo no serviço público de um modo geral.
24. E,
25. lá em Alagoas,
26. os marajás não existem,
27. desde o primeiro dia em que eu tomei posse, .. ((Collor olha para Juca))
28. primeiro dia do meu governo,
29. no dia quinze de Março de 1987.
30. E::,
31. graças a deus,
32. nós chegamos a esta vitória,
33. como eu disse,
34. a::licerçado no apoio
35. que obtivemos da sociedade como um todo.
36. Para vocês terem uma idéia, ..
37. se nós tivéssemos ainda marajás .. lá em Alagoas, ..
38. eles estariam ganhando,
39. hoje,
40. o equivalente a vinte e cinco
milhões de cruzados, ..
41. agora vinte e cinco mil cruzados
novos, ((olha para Juca))
42. e:: trabalhando muito pouco,
43. e,
44. eles,
45. hoje,
46. eles estão recebendo mil e trezentos cruzados novos por mês, ..
47. é a prova insofismável ((olha para Juca))
48. de que esta:: batalha:: de todo o Brasil foi finalmente vitoriosa.. ((olha para Juca))
49. E,
50. no que diz respeito aos Marajás que ainda estão por aí, ..
51. naturalmente fora das Alagoas,
52. nós temos que:: ... continuar com essa luta. ((Collor olha para a outra câmera))
53. Nós temos aí os marajás da dívida externa, ..
54. os marajás da dívida interna, ..
55. os marajás da especulação financeira, ..
56. os marajás do palácio do planalto, ..
57. e esses .. nós haveremos
58. de retirá-los a todos com a força do nosso ideal .. e com o instrumento de luta de que nós
dispomos,
59. que é o nosso voto..
60. No próximo dia quinze de novembro,
61. todos nós estaremos chamados .. a comparecer às urnas, ..
62. e colocar nas urnas o nosso protesto, ..
63. o protesto contra um país ..
64. que vem perdendo,
65. a cada dia,
66. a esperança no seu futuro, ..
67. o protesto contra a fome,
68. contra a miséria, ..
69. contra o analfabetismo, ..
70. contra às más condições de saúde, ..
71. contra a corrupção, ..
72. contra a impunidade, ..
73. contra a falta de vergonha..
74. Nós,
75. agindo desta maneira, ..
76. utilizando o único instrumento de luta .. que esta sociedade democrática nos concede,
77. eu não tenho a menor dúvida,
78. Juca, ((corta rapidamente para Juca))
79. nós estaremos contribuindo,
80. decididamente,
137
81. para a construção de um Brasil melhor.
Cena XV-
((Collor está em Goiás, frente a um estoque de alimentos agrícolas amontoados, de calça jeans e
camisa, de pé, segurando o microfone, a blusa molhada de suor.))
1. Nós estamos .. no norte do antigo estado de Goiás, ..
2. hoje .. conhecido como estado .. de Tocantins,
3. esta região é a região centro-oeste do país..
4. E aqui se pro
duz muitos alimentos, ..
5. alimentos que deveriam estar na mesa do
povo ..
6. para matar .. a fome do trabalhador.
7. Infelizmente,
8. não é isso
9. que acontece ..
10. quando o governo federal .. coloca a mão
11. e interfere.
12. Aqui neste- /.../
PROGRAMA PSC – EXIBIDO EM 18/05/1989
Cena I-
((Simulação de mesa redonda. Collor e políticos aliados sentam ao redor de uma mesa com o
símbolo do partido. Collor está de terno e gravata.))
1. Boa noite, presidente Vitor Nósseis, ((a câmera aproxima o rosto de Collor))
2. boa noite, companheiros do Partido Social Cristão ((a câmera focaliza toda a mesa)).
3. É com satisfação e alegria que recebi este convite, Vitor ((a câmera volta a aproximar o
rosto de Collor, que se vira para Vitor Nósseis)),
4. para participar deste debate .. do Partido Social Cristão ((a Câmera volta a focalizar toda a
mesa)),
5. que traz,
6. na
sua denominação ..,
7. dois nomes de fundamental impor
tância .. para os dias de hoje:
8. o social .. e o cristão...
9. Como cristão, ..
10. como homem de profundas convicções religiosas,
11. eu me sinto .. muito feliz de poder, ..
12. com vocês,
13. nesta noite, ..
14. tratar de assuntos da maior relevância para o momento político .. nacional. ((a Câmera
aproxima o rosto de Collor, que vira-se momentaneamente para Vitor Nósseis))
15. Acredito .. que:: a solidariedade
16. seja também uma palavra
17. que esteja também associada ao espírito cristão
18. que nos irmana nesta noite, ..
19. e,
20. temos que buscar a
solidariedade, ..
21. temos que buscar .. a justiça social,
22. como pressupostos ((a câmera focaliza toda a mesa)) básicos da construção de uma nova
sociedade, ..
23. de uma sociedade onde não haja tantos privilégios, ..
24. de uma sociedade onde não haja .. tantos desenganos, ..
138
25. uma sociedade onde todos nós possamos conviver ((a Câmera fecha em close em Collor,
que olha para a câmera)) fraternalmente, ..
26. dentro do espírito solidário .. do cristianismo .. e do Partido Social Cristão.
Cena II-
((Os políticos aliados [a saber: Vitor Nósseis, Sérgio Bueno, Rogério Peret] dirigem perguntas à
Collor. Collor responde a questões acerca da recessão econômica e da política econômica. No
momento da resposta, a câmera fecha em Collor, que olha para a câmera.))
1. Realmente,
2. presidente Vitor Nósseis
3. a situação hoje do Brasil,
4. ela se complica pelo afasta
mento do nosso país do contexto,
5. do
novo contexto mundial,
6. que está se formando.
7. Hoje, ..
8. nós verificamos
9. que Estados Unidos e Canadá,
10. por exemplo,
11. colocaram .. abaixo as suas barreiras comerciais, ..
12. eles estão unificando as suas economias, ..
13. estão compatibilizando as suas indústrias, .. ((Collor vira-se para a outra câmera))
14. da mesma maneira que a Europa em 1992,
15. ela estará também se unifi
cando .. ((ênfase gestual com as mãos)) na sua economia,
16. ou seja,
17. as barreiras comerciais deixaram de existir, ..
18. visando o fortaleci
mento ((ênfase gestual com as mãos)) do continente Europeu...
19. De outro lado,
20. nós verificamos
21. que os países socialistas e comunistas,
22. eles se
abrem .. ao capital externo, ..
23. eles se abrem a investimentos externos...
24. Temos de outro lado o crescimento extraordinário do Japão, ..
25. um país sem recursos naturais, ((gesto de enumeração))
26. um país sem petróleo,
27. sem ferro, ..
28. um país que é uma
ilha, ..
29. um país que tem uma enorme população,
30. mas uma enorme população motivada para o
trabalho,
31. para eficiência
32. e para
competência. ((a câmera aproxima mais o rosto de Collor))
33. E temos aqui o nosso Brasil...
34. Então,
35. a pergunta .. que nós temos que fazer
36. é como inserir, ..
37. soberanamente, ((ênfase gestual com as mãos))
38. o
Brasil dentro desse novo contexto. ((a câmera focaliza os demais participantes da mesa,
que sorriem))
39. Nós temos que nos relacionar,
40. e temos que nos
inserir nesse contexto,
41. não abdicando da nossa soberania, ..
42. mas não podemos esquecer
também
43. de que o nosso desenvolvimento
44. e o nosso crescimento econômico ..
45. estão intimamente atrelados a esse intercâmbio
46. que nós possamos manter com o resto do Mundo.
139
Cena III-
((Collor continua a responder a perguntas dos demais participantes da “mesa”. Perguntado sobre a
questão da modernização do Estado Brasileiro, ele responde.))
1. O estado brasileiro, ((Collor olha para a câmera, que o focaliza em close))
2. como todos nós sabemos, ..
3. é gigantesco, ..
4. é irracional
5. e é ineficiente.
6. O Estado que todos nós buscamos ..
7. é um Estado moderno,
8. ágil, ..
9. austero, ..
10. eficiente. ..
11. Um Estado que realmente
preste serviços a nossa comunidade
12. e a nossa população.
13. Um Estado que não seja interventor,
14. que não seja paternalista,
15. que não seja clientelista, ..
16. um Estado que deixe as forças de mercado trabalharem,
17. sem que a sua interferência,
18. muitas vezes indevida,
19. atra
palhe os mecanismos de uma economia de mercado .. na livre iniciativa.
20. Chega de nós verificarmos,
21. em Brasília e outros estados,
22. aqueles carros pretos conduzindo funcio
nários do Governo,
23.
Ministros de Estados.
24. Chega de nós vermos esses apartamentos
25. e essas casas ..
26. pagas pelo Estado,
27. pagas pelo Governo,
28. quer dizer,
29. paga pelo nosso
bolso,
30. para acolher funcionários privilegiados.
31. Chega dessas mordomias.
32. Nós não agüentamos mais isso,
33. nós temos
34. que
acabar com esse estado de coisas,
35. nós temos
36. que
acabar com essas diretorias de órgãos
37. que foram criadas
38. para pagar compromissos eleitorais.
39. Temos
40. que acabar com esses órgãos..
41. em que cada um tem uma sigla diferente,
42. e ninguém mais sabe
43. o que elas significam...
44. Quando nós vamos a uma repartição pública,
45. quantas vezes nós não che
gamos nela
46. e diz
47. não- não é nesse,
48. não é nessa repartição,
49. é na outra,
50. e dão uma outra sigla...
51. Na realidade,
52. você fica- ... todos nós ficamos às voltas com siglas,
53. siglas,
54. e mais siglas
55. e cada sigla dessa representa uma
repartição,
140
56. e cada repartição dessa significa um quisto,
57. significa um privilégio,
58. significa um cartório entre aspas,
59. significa uma propriedade de algum político.
60.
Chega. ((ênfase gestual com as mãos))
61. Nós não agüentamos mais isso.
62. Está na hora
63. de darmos um
basta, ((ênfase gestual com as mãos))
64. e de fazermos o estado e:: do Estado e:: do Estado uma máquina burocrática ágil,
65. austera, ((tom de voz exautado))
66.
honesta,
67. moderna
68. e que preste serviços públicos à nossa comunidade.
Cena IV-
((Perguntado sobre a questão do “marajaísmo”, Collor responde em close, olhando para a
câmera.))
1. Marajás .. nunca mais...
2. Essa foi a expressão de alívio
3. que toda a população brasileira pronunciou ..,
4. quando verificou ..
5. que a nova Constituição .. do nosso país .. havia aprovado artigos ..
6. que ..,
7. de uma vez por
todas, ..
8. exterminava .. com o chamado marajarismo do serviço público...
9. Essa
luta foi de todos nós...
10. Essa luta iniciada .. nas nossas Alagoas,
11. contou com o apoio de bravos .. e valorosos companheiros,
12. dentre eles ..
13. O PSC
14. gostaria de destacar,
15. nessa noite, ..
16. a participação decisiva .. do relator da Assembléia Nacional Constituinte, ..
17. o deputado Ber
nardo Cabral,
18. que,
19. acolhendo .. sugestões que lhes foram encaminhadas .. por mim e por outros amigos,
20. entendeu
21. que poderia tratar
22. de incluir .. estes artigos no texto constitucional...
23. Os constituintes .. aprovaram, ..
24. e,
25. hoje, ..
26. nós podemos dizer .. marajás nunca mais.
27. mas ninguém melhor que o próprio deputado Bernardo Cabral
28. para nos contar um pouco deste episódio, ..
29. que ficou marcado .. nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte .. como um dos
pontos mais relevantes.
Cena V-
((Pergunta: como resolver o problema da habitação? Collor, em close, olha para a câmera.))
1. Perfeito, Sérgio ..
2. a:: sua afirmação é:: absolutamente correta
3. Hoje nós temos um déficit habitacional de 14 milhões de moradias.
4. O FGTS,
5. que é o fundo ..
6. que financia a construção dessas casas, ..
141
7. ele:: ele em cerca de sessenta por cento,
8. é recolhido de assalariados
9. que ganham de 1 a 5 salários mínimos...
10. e,
11. no entanto,
12. essa faixa de um a cinco salários mínimos é exatamente a faixa
13. que não era contemplada por esse financiamento.
14. Ou seja, ..
15. os que ganhavam menos,
16. financiavam casas para os mais ricos,
17. Para aqueles que ganhavam mais
18. Essa é uma política inteiramente distorcida,
19. essa é uma política de concentração de rendas
20. e de concentração de
privilégios, ((ênfase gestual com a cabeça))
21. e nós temos
22. que tomar o caminho exatamente ao contrário. ((gesto com as mãos))
23. Esse é o caminho
24. que você,
25. é:: Sérgio,
26. e:: o PSC,
27. vêm defendendo.
Cena VI-
((Perguntado sobre como resolver o problema dos aposentados, Collor responde, em close,
olhando para a câmera.))
1. Os aposentados,
2. no nosso país,
3. sempre foram relegados ao segundo plano...
4. Lamentavelmente, ..
5. isso continua a acontecer, ..
6. sobretudo,
7. porque não é reconhe
cido,
8. depois de tantos e tantos anos de trabalho, ...
9. a dedicação .. que o aposentado teve ... para o desenvolvimento de nosso país...
10. Nós temos uma proposta, ..
11. que é uma proposta
12. que também vem embasada no programa do PSC, ...
13. e que visa melhorar um pouco as dificuldades
14. por que passa- ou por que passam esses aposentados no nosso país..:
15. É a isenção do pagamento do imposto de renda .. sobre os proventos
16. que recebem,
17. hoje,
18. essa
enorme massa de aposentados aqui no país...
19. Naturalmente,
20. o
imposto deve ser pago sobre a renda, ..
21. e o provento de um aposentado não pode,
22. nunca,
23. ser considerado uma renda, ..
24. até porque,
25. ao longo de trinta, trinta e cinco, quarenta anos de trabalho, ..
26. eles,
27. mensalmente, ..
28. descontaram de seu salário uma quantia
29. que visava .. fornecer
fundos para que,
30. quando ele se aposentasse,
31. pudesse ter uma aposentadoria tranqüila.
142
Cena VII-
((Perguntado sobre os problemas ecológicos, Collor responde em close, olhando para a câmera.))
1. Fico feliz, Rogério, por verificar
2. que .. não somente o:: seu partido,
3. o PSC, ..
4. mas você,
5. pessoalmente, ..
6. tem também .. um compromisso com a vida .. tão .. definido.
7. Realmente,
8. a questão do meio ambiente deve ser ..
9. entendida,
10. hoje,
11. por todos nós brasileiros,
12. como um ponto que merece a nossa reflexão,
13. mais do que isso,
14. que merece a nossa posição de defesa ..
franca, ..
15. aberta .. do nosso ecossistema...
16. Eu estive ..
17. há poucos dias ..
18. no Mato Grosso do Sul .. e no Mato Grosso, ((imagens de Collor brincando com uma
arara))
19. e tive oportunidade de,
20. mais uma vez,
21. entrar em contato com o Pantanal Mato-Grossense.
22. Lá, ((corte para o estúdio, como no princípio))
23. esse Pantanal,
24. para vocês terem uma idéia, ...
25. esse Pantanal tem uma área de vinte e três
mil quilômetros quadrados .
26. Essa área representa uma área total dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Alagoas em
conjunto.
27. Para tomar conta .. de toda esta área, .. ((imagens do Pantanal))
28. o Governo Federal dispõe apenas .. de 70 pessoas...
29. Absurdos vêm sendo cometidos aí no Pantanal, ...
30. estão sendo dizimadas várias e várias espécies...
31. A ação nefasta dos coureiros,
32. por exemplo, ..
33. aqueles que matam os jacarés,
34. para vender o seu couro .. na fronteira, ..
35. é uma ação .. nefasta, ((corta para o estúdio novamente))
36. e que vem sendo .. praticada ..
37. sem que haja nenhuma possibilidade de fiscalização,
38. e,
39. nem
40. muito menos,
41. de punição...
42. E,
43. nessas imagens .. que nós .. pudemos agora verificar .. dessa ida lá, ((imagens do
Pantanal))
44. por sabermos
45. que este era um compromisso também do PSC, ..
46. nós verificamos ainda a existência dos jacarés, ..
47. das anhumas, ..
48. dos tuiuiús, .. ((imagens desses bichos))
49. de uma flora .. exuberante.
50. Mas,
51. Hoje,
52. o Pantanal .. corre um sério perigo... ((corta para o estúdio))
53. O perigo está no entorno ((ênfase gestual com as mãos)) do Pantanal...
143
54. Estão realizando .. agriculturas .. de larga escala, ...
55. estão aterrando o entorno do Pantanal ... com uma .. profundidade, ..
56. com uma altura .. de até 3 metros de aterro, ..
57. e este aterro está assorando o Pantanal mato-grossense.
58. Nós temos que lutar ..
59. para evitar .. que o nosso Pantanal acabe,
60. minha gente, ..
61. Ali, ..
62. tradicionalmente,
63. aquela região,
64. a região do Pantanal,
65. é uma região .. da pecuária ..
66. e não dessa agricultura nos moldes que vem sendo desenvolvida.
Cena VIII-
((Collor está como uma “esportiva” em um barco em movimento. Sentado, olhando para câmera,
segurando o microfone. Punhos cerrados, gesticulando todo o tempo.))
1. Vamos assumir o compromisso com a vida, ..
2. vamos assumir o compromisso .. na defesa de nossa riqueza, ..
3. na defesa .. do nosso ecossistema, ..
4. na defesa do Pantanal .. mato-grossense.
Cena IX-
((Vitor Nósseis anuncia que Collor fará uma denúncia. Collor fala em close, olhando para a
câmera.))
1. Vocês vão ver .. agora ..
2. o que significa o déficit público...
3. Vocês vão ver..
4. o que
é um déficit público...
5. Todos nós ouvimos falar .. pelas televisões,
6. pelos jornais,
7. pelas rádios
8. e,
9. muitas vezes,
10. não sabemos como detectar exatamente
11. o que
é.
12. Na realidade,
13. o déficit pú
blico é o prejuízo .. do poder público...
14. E um pre
juízo,
15. ele se dá,
16. tanto no poder pú
blico, ..
17. quanto na nossa vida particular, ..
18. quando nós .. gastamos mais ..
19. do que .. nós .. ganhamos.
20. No caso, .. ((imagens aéreas do Estado do Mato Grosso))
21. nós estamos vendo .. o déficit público representado por um investimento
22. que foi feito pelo Governo Federal...
23. E investimento esse que não foi dado continuidade...
24. O estado do Mato Grosso tem .. a sua energia ..baseada na
queima do óleo diesel.
25. Noventa e cinco por cento da energia do estado do Mato Grosso .. provém de usinas
termoelétricas.
26. Isso significa
27. que a energia provém da
queima do óleo diesel ..
28. e todos nós sabemos
29. que,
30. também nessa região,
144
31. existem vários rios, ((imagens de hidroelétricas))
32. não com grandes
quedas,
33. mas com saltos,
34. como estes .. o salto dos (Apicais).
35. Esse
rio fica quase na fronteira com o estado do Pará...
36. Estamos vendo .. cenas .. de dentro do município de Alta Floresta...
37. Alta Floresta, ((corta para o estúdio))
38. por exemplo,
39. tem uma usina .. termoelétrica...
40. Ela gasta,
41.
por ano,
42. 2 milhões e 500 mil dólares de óleo diesel
43. que é queimado
44. para abastecer .. com energia elétrica .. o seu/ a sua comunidade...
45. E já foram investidos nessa- nessa usina 40 milhões de dólares...
46. E essa usina está hoje .. parada, ((imagens da usina))
47. as obras interrom
pidas...
48. Nós tivemos lá para verificar isso...
49. Clube, ..
50. igreja, ..
51. hospital, ..
52. escola, .. ((imagens dessas construções))
53. alojamento para mais de dois mil trabalhadores, ...
54. laboratórios inteiros ...
55. tudo abandonado,
56. tudo relegado .. ao acaso ... tudo no abandono, ... ((imagens de Collor nos lugares
abandonados))
57. criminosamente,
58. no abandono.
Cena X-
((Collor, de calça e camisa, está na frente de um prédio aparentemente abandonado no município
de Alta Floresta, PA. Como um repórter, segura o microfone e comenta.))
1. O que nós temos
2. não é..
2. não se (fecha) a presentes sugestões, ..
3. nós já poderíamos deixar a nossa sugestão:..
4. de que os responsáveis por isso não fiquem impunes...
5. Nós
temos que cobrar a responsabilidade disso de alguém.
6. A nossa sugestão .. é
7. que alguém pague por esse crime..
8. Que alguém vá para
cadeia por esse crime...
9. Essa é a nossa sugestão.
Cena XI-
((Continuação da “reportagem” anterior.))
1. Tudo isso aqui ... são explosivos..
2. Pólvora
3. são cartuchos ... telefone ... dinheiro .. de todos nós ((imagens de Collor em um galpão
abandonado))
4. Telefones novos, ..
5. Olha aqui ...
6. dinheiro do povo,
7. olha aqui ...
8. telefones novos jogados aqui
9. tanto explosivos como ..
10. que coisa ...
145
11. como vocês estão vendo... ((corta para o estúdio. Collor, em close, olha para a câmera))
12. Como cidadão brasileiro, ...
13. eu exijo, ..
14. eu desejo, ..
15. em nome de todos, ..
16. que o governo dê uma resposta .. a essa denúncia...
17. Diga porque as obras foram paradas, ...
18. diga
quantos dólares,
19. quantos cruzados,
20. foram investidos ...
21. justifique o porquê do abandono de equipamentos tão caros ...
22. e que já foram
pagos com nosso dinheiro...
Cena XII-
((Volta à simulação de “mesa redonda”. Perguntado sobre a questão da ética nas campanhas
eleitorais, Collor responde, em close, olhando para a câmera.))
1. É isso mesmo, Rogério ..
2. é isso mesmo.
3. E você deve estar sentindo isso ..
4. na sua cidade de Ouro Preto ..
5. na nossa querida .. Minas Gerais ...
6. A classe política brasileira deve
entender .. rapidamente ..
7. que um processo político não pode caminhar .. dentro .. da tônica dos ataques pessoais,
8. das ca
nias, ..
9. das inmias, ..
10. das difamações .. as mais cruéis...
11. Porque eu sei
12. que o que interessa à
senhora,
13. que está hoje nos assistindo, ..
14. ao senhor, ..
15. à juventude,
16. a todos os brasileiros, ..
17. não é ficar escutando ..
18. políticos caluniando
19. ou falando mal de outros...
20. O que interessa a todos nós, ..
21. e,
22. eu tenho convicção pro
funda, ...
23. de que é dessa maneira que também
24. vocês que estão nos assistindo pensam, ..
25. é nós sabermos o que .. os políticos,
26. de um modo geral, ..
27. têm a
oferecer ... à população brasileira...
28. A sociedade nacional .. como solu
ção .. para os problemas
29. que estão nos angustiando no momento...
30. Vamos debater
sempre .. num nível elevado, ..
31. vamos de
bater .. sobre essas questões nacionais, ..
32. vamos debater como resolver a crise habitacional, ..
33. vamos debater
34. e
ouvir dos políticos
35. o que eles tem a ofere
cer, ..
36. como por exemplo, ..
37. uma
solução para a saúde,
38. para a educação,
39. para o transporte,
40. para alimenta
ção,
41. para dívida externa,
42. para dívida interna,
146
43. para corrup
ção,
44. para impuni
dade...
45. Está na hora .. da classe política .. brasileira amadurecer,
46. e amadurecer no sentido de não ofender .. os ouvidos, ..
47. o
ofender .. os lares .. de milhares e milhares de brasileiros ..
48. que quando ligam .. a televisão, ..
49. quando ligam o rádio.
50. Não agüentam mais
ouvir ... esses ataques, ...
51. nem essas calúnias, ...
52. que alguns políticos vem fazendo em relação aos outros...
53. É por isso
54. que todos nós precisamos estar
muito conscientes ..
55. e exigir .. daqueles
56. que hoje estão fazendo
parte desse processo político ...
57. que eles não nos ofendam, ...
58. mas que eles tragam .. realmente .. a possibilidade
59. de nós acreditarmos um pouco mais nesse país ..
60. porque estão trazendo um programa de governo consistente, ..
61. um programa de governo coerente, ..
62. e de
acordo .. com as nossas expectativas.
Cena XIII-
((Após assistir à reportagem com pessoas que dizem estar saindo do país, Collor comenta, em
close, olhando para a câmera.))
1. Veja .. companheiro Rogério Peret ..
2. que cena .. terrível nós acabamos de assistir ...
3. São milhares e milhares de brasileiros .. que,
4. diariamente, ..
5. que mensalmente, ..
6. estão saindo de nosso país...
7. Abando
nando .. o nosso Brasil ... pela desesperança, ..
8. pela falta de con
fiança no futuro .. desta nação...
9. Não porque .. o nosso Brasil não tenha condições
10. de acolher a todos, ..
11. sempre com generosidade, ...
12. mas porque .. as nossas elites dirigentes .. estão fazendo pairar .. sobre todo o nosso país ..
esse clima de desesperança, ...
13. de desconfiança, ..
14. de descrédito...
15. Mas é preciso,
16. minha gente, ..
17. É preciso
18. que
nós .. confiemos no futuro deste país...
19. O Brasil é muito maior, muito melhor, do que suas elites dirigentes...
20. E isso haverá de mudar...
21. Haverá de mudar com
você, Rogério, ..
22. que hoje .. enfrenta uma luta .. em Ouro Preto
23. e que,
24. partici
pando do PSC, ..
25. comungando de seus princípios, ..
26. haverá de estar na linha de frente, ..
27. para que nós evit
emos ..
28. que a juventude brasileira ..
29. que aquilo que
30. nós temos de mais rico, ..
31. de mais precioso,
32. abandone .. o nosso território, ..
33. abandone o nosso Brasil...
147
34. Eu gostaria de dirigir .. uma mensagem a esses .. (( a câmera aproxima muito o rosto de
Collor))
35. que .. estiveram nessa fila ..
36. e não conseguiram ser .. atendidos, ..
37. e que estão querendo voltar a
manhã ou no dia seguinte...
38. Eu queria deixar uma mensagem
39. para aqueles que,
40. eventualmente,
41. estejam
pensando .. em agir da mesma maneira .. que esses companheiros ..
42. que nós acabamos de assistir...
43. A mensagem que eu gostaria .. de dizer a vocês, ..
44. de
dar a vocês, ..
45. é que esperem mais um pouco, ..
46. não se desesperem...
47.
Aguardem mais um pouco, ..
48. participem do processo político brasileiro...
49. Da decisão de vocês, ..
50. no próximo dia
quinze de novembro, ..
51. vai depender .. o futuro, ..
52. aí sim,
53. rigorosamente,
54. desse país...
55. Porque,
56. após de trinta anos
de jejum, ..
57. nós temos um encontro marcado com as urnas,
58. temos um encontro marcado com a nossa cidadania, ..
59. com a nossa consci
ência, ..
60. com o amor
próprio, ..
61. com a nossa vontade ..
62. e com o nosso desejo de transformar esse país...
63. Não aban
donem o Brasil, ..
64. não abandonem a fronteira,
65. não abandonem a trincheira de luta...
66. Vamos
todos nos dar as mãos .. com os corações unidos .. num só sentimento .. e num
objetivo...
67. Resgatar esse Brasil das mãos daqueles ..
68. que já ludibriaram tantas infelicidades ..
69. e tantas dificuldades.
70. O Brasil é
maior do que tudo isso...
71. Nós somos brasileiros,
72. se
jamos patriotas,
73. sejamos nacionalistas,
74. vamos lutar aqui dentro, ..
75. para que o Brasil reencontre o seu futuro
76. e retome a trilha de seu crescimento econômico
com a justiça social.
Cena XIV-
((Perguntado sobre como será o Brasil do futuro, Collor responde em close, olhando para a
câmera.))
1. Vitor .. ((a câmera aproxima o rosto de Collor))
2. eu diria a você, ..
3. que .. será um Brasil mais
justo...
4. Será um Brasil que vai
manter .. intacta a sua soberania...
5. Um país que vai
dignificar .. o seu povo..
6. Um país .. dos sonhos .. do Presidente Juscelino Kubitschek,
7. que você ((a câmera focaliza por um instante Vitor Nósseis)) em tão boa hora .. cita ..
8. e traz .. a nossa lembrança...
9. Esse .. será o nosso Brasil.
148
10. Este é o Brasil
11. que
todos nós desejamos criar.
12. Esse é o nosso Brasil ..
13. Este é o Brasil
14. que todos nós queremos cri
ar...
15. Um Brasil a que não mais faltem esperanças .. em seu futuro..
16. Um Brasil .. em que não falte
17. mais o
desejo de promover o bem estar social..
18. Somente um país .. sem tanta::s mazelas, ..
19. sem tantas .. dificuldades, ..
20. sem tantas
injustiças,
21. como essas que vem sendo cometidas, ..
22. é que nós .. teremos.
23. Aquele Brasil de JK, ..
24. aquele Brasil .. de
cada um de nós brasileiros,..
25. que ousa, ..
26. apesar das dificuldades, ..
27.
sonhar .. com um país próspero, ..
28. digno, ..
29. e sobretudo .. solidário.
Cena XV-
((Encerramento do programa. Collor agradece, olhando para os demais.))
1. Obrigado, presidente Vitor Nósseis .. pela oportunidade ..
2. que me deu de participar .. do programa do Partido Social Cristão, ..
3. de um debate tão impor
tante para todos nós,
4. para o futuro deste Brasil..
5. Estamos animados pelo mesmo espírito de cristandade,..
6. que nos
anima neste momento..
7. Confiamos no Brasil,..
8. confiamos no futuro desta nação.. ((a câmera também para a imagem de Vitor Nósseis))
9. Temos
certeza de que
10. haveremos,
11. juntos,
12. de promover as mudanças, ((a Câmera abre o enquadre devagar, até focalizar toda a
mesa))
13. de fazer com que seja estabelecida,
14. em
nosso território, ..
15. uma sociedade mais livre,
16. mais justa,
17. mais
digna do povo brasileiro.
18. Boa noite.
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