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RENATA DE OLIVEIRA FRANÇOSO FERREIRA
O EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS: A
TRAJETÓRIA DE UMA INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL
FILANTRÓPICA EM CAMPO GRANDE/MS (1943-1992)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Campo Grande/ MS
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Coordenadoria de Biblioteca Central UFMS, Campo Grande, MS, Brasil).
Ferreira, Renata de Oliveira Françoso.
O Educandário Getúlio Vargas: a trajetória de uma Instituição Educacional
filantrópica em Campo Grande/MS (1943-1992) / Renata de Oliveira Françoso
Ferreira. - Campo Grande, MS, 2010.
105f. ; 30 cm.
Orientadora: Silvia Helena Andrade de Brito.
Dissertação (mestrado)- Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,
CME.
Centro de Ciências Humanas e Sociais
1. Educandário Getulio Vargas. 2. Instituição Educacional. 3. Internato. I.
Brito, Silvia Helena Andrade de. II. Título.
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RENATA DE OLIVEIRA FRANÇOSO FERREIRA
O EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS: A
TRAJETÓRIA DE UMA INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL
FILANTRÓPICA EM CAMPO GRANDE/MS (1943-1992)
Dissertação apresentada como exigência final
para a obtenção do grau de Mestre em Educação
à Comissão Julgadora do Programa de s-
Graduação em Educação Curso de Mestrado-
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
sob a orientação da Profª. Drª. Silvia Helena
Andrade de Brito.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Campo Grande/MS
2010
A todas as crianças, adolescentes e demais
pessoas, que fizeram e ainda fazem parte da
história do Educandário Getúlio Vargas.
Aos meus familiares, que tornaram possível a
concretização deste sonho.
AGRADECIMENTOS
Certa vez me disseram que não podemos mudar o mundo com nossas
pesquisas. Isto é certo; porém, aprendi que podemos fazer e reconstruir histórias e
isso é possível com a colaboração de várias pessoas. Por isso, agradeço
carinhosamente a cada uma delas.
A minha orientadora, Profª Drª Sílvia Helena Andrade de Brito, pelos ricos
ensinamentos, atenção, confiança e paciência durante toda esta nossa trajetória.
A minha querida Profª Drª Mariete Felix Rosa, primeira a me incentivar e a
colaborar com seus ensinamentos para a minha caminhada na realização deste sonho.
Aos meus queridos e amados pais, Wanderley e Márcia, aos meus irmãos,
Mirella e Neto, que estiveram sempre presentes, trazendo alegria e força nos
momentos de cansaço, me incentivando e apoiando na continuidade dessa
caminhada.
Ao meu querido e amado, Thiago, pelo companheirismo, pelo incentivo,
pela confiança, e pela paciência nos vários momentos em que me ausentei para me
dedicar a pesquisa, e pelo conforto e encorajamento em todos os momentos em que o
desgaste chegava.
A todas as pessoas, funcionários e membros da diretoria do Educandário
Getúlio Vargas, que autorizaram e colaboraram com esta pesquisa, tornando-a
possível.
Às professoras, Mônica Kassar e Regina Cestari, pelas contribuições de
grande relevância para o enriquecimento desta dissertação.
A todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte desta caminhada.
E finalmente, como sempre agradeço, a Deus pela força e pela certeza de
que continuarei na busca por novos conhecimentos.
RESUMO
O objeto de estudo desta pesquisa é o Educandário Getúlio Vargas, instituição
filantrópica que visava atender, em regime de internato, os filhos sadios dos
portadores de hanseníase, e que se localizava em Campo Grande, no então estado de
Mato Grosso. O objetivo da pesquisa é analisar como foi produzido historicamente o
atendimento oferecido pela instituição, no período de 1943, ano de sua criação, até
1992. Para tal, foi levantado, além da bibliografia referente ao tema, o acervo
documental da instituição. Complementarmente, também foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com um membro da diretoria, um funcionário e um ex-
interno do Educandário. Traçando os caminhos desse atendimento e suas
transformações ao longo da história, e buscando entender como as mudanças
ocorridas no Educandário Getúlio Vargas foram determinadas pelas próprias
transformações ocorridas na sociedade capitalista, verificou-se que a construção do
Educandário esteve relacionada com a implementação da Política Nacional de
Combate à Lepra, no final dos anos 1930. Nesse contexto, era recomendado o
isolamento do hanseniano e o afastamento de sua família, sendo que o Estado
assumiu a assistência aos doentes e a filantropia assumiu a assistência às crianças e
adolescentes das famílias atingidas. Quando esse tratamento já não era recomendado,
o Educandário estendeu seu atendimento a crianças procedentes de outros grupos
sociais. Da mesma forma, o fim do atendimento em regime de internato foi
determinado por outro momento da ação pública, quando o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) determinou novos padrões de atendimento para essa população.
Palavras-chave: Educandário Getúlio Vargas; internato; filantropia.
ABSTRACT
The object of the research is Educandário Getúlio Vargas, a philanthropic institution
founded in 1943 to act as a boarding institution for the healthy children of parents
with Hansen’s disease, in the city of Campo Grande, state of Mato Grosso. The
objective of the research is to analyze how the assistance provided by the
Educandário as was historically produced during the period 1943-1992. Besides
considering the bibliography regarding the theme, the documents of the institution
were analyzed. Semi-structured interviews were conducted with a member of the
Board, an employee and an ex-resident of the Educandário. By tracing the paths
taken by the assistance and the changes that occurred along the history, by searching
to understand how the changes in Educandário Getúlio Vargas were determined by
the changes in capitalist society, the study concluded that the building of the
Educandário was related to the implementation of the National Policy of Fight
Against Hansen’s Disease, at the end of the 1930s. People with Hansen’s disease
were isolated and taken away from their family; the State was in charge of them and
philanthropic institutions were responsible to provide assistance to children and
adolescents of the families. When this treatment was no longer recommended, the
Educandário extended the assistance to children from other social groups. Likewise,
the end of the assistance as a boarding institution was determined by another moment
of public action, when the Child and Adolescent Statute (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA) established new assistance standards.
Keywords: Educandário Getúlio Vargas; boarding institution; philanthropy
LISTA DE TABELAS
TABELA 1- Preventórios criados entre 1936 a 1948.................................................
TABELA 2- Procedência e quantidade de internos atendidos no Educandário
Getúlio Vargas- 1943 a 1972......................................................................................
TABELA 3- Saída dos internos no Educandário Getúlio Vargas- 1943 a 1972........
TABELA 4- Procedência e quantidade de internos atendidos no Educandário
Getúlio Vargas- 1973 a 1992......................................................................................
TABELA 5- Saída dos internos no Educandário Getúlio Vargas- 1943 a 1972........
LISTA DE SIGLAS
Bird- Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente
Febem- Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
Funabem- Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
Ipai- Instituto de Proteção e Assistência a Infância do Brasil
LBA- Legião Brasileira de Assistência
Mesp- Ministério da Educação e Saúde Pública
PNBEM- Política de Bem-Estar do Menor
PPGEdu- Programa de Pós-Graduação em Educação
SAM- Serviço de Assistência ao Menor
Senai- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
UFMS- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................
11
CAPÍTULO I: O EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS (1943-1972).......
23
1.1 O combate à lepra no Brasil e a assistência aos leprosos e suas famílias.......
23
1.1.1 A Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra........................................................................................................
29
1.2 A criação e instalação do Educandário Getúlio Vargas..................................
34
1.2.1 Perfil dos internos atendidos no Educandário Getúlio Vargas..............
36
1.2.2 Perfil do atendimento oferecido pelo Educandário Getúlio Vargas......
40
1.2.3 Organização interna do Educandário Getúlio Vargas............................
45
1.2.4 Relação do Educandário Getúlio Vargas com a Federação das
Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra..........................
49
1.2.5 Relação do Educandário Getúlio Vargas com o Estado........................
52
CAPÍTULO II: O EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS (1973-1992).....
54
2.1 Os avanços no tratamento da lepra e a nova fase de atendimento no
Educandário Getúlio Vargas.................................................................................
54
2.1.1 Perfil dos internos atendidos no Educandário Getúlio Vargas..............
56
2.1.2 Perfil do atendimento oferecido pelo Educandário Getúlio Vargas......
59
2.1.3 A organização interna do Educandário Getúlio Vargas.........................
64
2.1.4 A relação do Educandário Getúlio Vargas com a Federação das
Sociedades Eunice Weaver...................................................................................
67
2.1.5 A relação do Educandário Getúlio Vargas com o Estado.....................
70
CAPÍTULO III: O EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA.............................................
77
3.1 O internato para crianças e adolescentes e as propostas do Educandário
Getúlio Vargas......................................................................................................
77
3.2 A relação entre as políticas públicas para a infância e o Educandário
Getúlio Vargas......................................................................................................
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................
91
ANEXOS.............................................................................................................
96
REFERÊNCIAS.................................................................................................
100
INTRODUÇÃO
O objeto da nossa pesquisa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
1
, é o Educandário Getúlio
Vargas, situado em Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul
2
. O
Educandário Getúlio Vargas foi fundado em 1943 para atender, em regime de
internato, os filhos sadios dos leprosos, sendo esse atendimento estendido a outras
crianças na década de 1970.
No entanto, a internação de crianças e adolescentes em instituições
especiais
3
é uma questão histórica que passou e passa por transformações em sua
forma de atendimento. De acordo com Rizzini (2004), o Brasil possui uma longa
tradição de internação de crianças e adolescentes. Desde o período colonial foram
sendo construídos, de acordo com as tendências assistenciais e educacionais de cada
época, colégios internos, seminários, orfanatos, internatos, asilos, educandários e
reformatórios. Muitas crianças foram educadas longe de suas famílias e de outros
grupos sociais.
No Brasil colonial (1500-1822) e durante o Império (1822- 1889), poucas
crianças foram atendidas por instituições especiais: a maioria delas dependia da
caridade de famílias que as criavam; ou então circulavam de casa em casa, fazendo
aumentar o número de crianças perambulando pelas ruas das cidades. Apesar do
número reduzido de instituições, segundo Marcílio (2006), o internato para crianças
começou com a colonização. Quando uma família não assumia a responsabilidade
por um filho, essa responsabilidade era transferida à Câmara Municipal que devia
encontrar um meio para criar essa criança sem família. Na legislação portuguesa,
essas Câmaras eram as únicas oficialmente responsáveis pela assistência a essas
crianças. Por meio de convênios, estas podiam delegar os serviços de proteção a
____________
1
No PPGEdu da UFMS a presente dissertação é parte da produção da linha de pesquisa “Estado e
políticas públicas de educação”.
2
Antes de 1977, Campo Grande pertencia ao Estado de Mato Grosso, situando-se na porção Sul deste
Estado. Somente pela Lei Complementar n. 31, de 11 de outubro de 1977, foi criado o Estado de Mato
Grosso do Sul, tendo como capital o município de Campo Grande.
3
Essas instituições receberam várias denominações ao longo da história como internato, orfanato,
asilo e abrigo. Nesta pesquisa optou-se pela denominação internato em razão de tal terminologia ter
sido utilizada nos documentos do Educandário Getúlio Vargas. No acervo em questão, a palavra
ganhou os sentidos citados em Houaiss e Villar (2009, p.1998): “1. estabelecimento escolar em que os
alunos residem na própria escola; 2 p.ext. instituição que provê asilo e educação aos necessitados
(...)”.
12
outras instituições, como as Santas Casas de Misericórdia. A Câmara Municipal tinha
um livro com o registro das crianças expostas sob sua responsabilidade, com
informações sobre a situação em que foi encontrada, seu nome, o nome da sua ama-
de-leite e a data de seu batismo. Somente eram atendidas pelas Câmaras as crianças
que não eram aceitas por nenhuma família.
Qualquer pessoa que recolhesse em sua casa uma criança deveria,
primeiramente, levá-la à Igreja para ser batizada e depois, então, poderia recorrer
a Câmara para solicitar o auxílio financeiro para sua criação. Visando esse auxilio
financeiro muitas famílias estabeleceram grandes sistemas de criação. Os gastos das
Câmaras com os expostos eram muito grandes, por isso a Câmara sempre que podia
se omitia da responsabilidade por esse atendimento (MARCÍLIO, 2006).
Em 1828 foi sancionada a Lei dos Municípios que trazia uma redação,
segundo Marcílio (2006), bastante ambígua referente às obrigações das Câmaras para
com as crianças abandonadas, que não deixava claras as obrigações das mesmas.
Sendo assim, algumas províncias passaram a responsabilidade do atendimento dessas
crianças para as Misericórdias locais, onde foram criadas as Rodas dos Expostos
4
.
As Rodas dos Expostos foram instaladas no Brasil com o intuito de impedir
o infanticídio e o aborto. Funcionavam da seguinte forma: os bebês abandonados
eram recolhidos na roda e no período da vida que era chamado de criação (até os três
anos de idade) eram mantidos nas casas das amas-de-leite. Posteriormente, no
período chamado de educação (até os sete anos de idade), as crianças voltavam para
a Casa dos Expostos e permaneciam por lá até serem colocados em uma família.
As casas das criadeiras, ou amas-de-leite, eram fiscalizadas, e no caso das
crianças estarem sofrendo maus tratos, eram reconduzidas à Casa da Roda. Segundo
Rizzini (2004), frequentemente médicos higienistas
5
e as misericórdias acusavam as
amas-de-leite de maltratar as crianças. No entanto, contrariando essas acusações, as
estatísticas que começaram a ser realizadas nessa época demonstravam que a criação
externa das crianças diminuía o índice de mortalidade. Nas casas de rodas habitavam
crianças doentes e sadias em más condições de vida, portanto as chances de
sobreviverem eram menores.
____________
4
Consistia em uma porta giratória com uma gaveta acoplada, onde as crianças eram deixadas
(MOTTI, 2001).
5
Os médicos higienistas passaram a se preocupar com a criança abandonada no século XIX,
discutindo várias questões como: a mortalidade infantil, estudos e campanhas para o combate as
doenças infantis, além de campanhas de higiene e de saúde pública, entre outras questões (RIZZINI,
2004).
13
As Rodas atendiam as crianças até os sete anos de idade. Posteriormente, se
elas não conseguissem uma família, eram encaminhadas para outras instituições
especiais de acordo com seu sexo. As meninas eram encaminhadas para as Casas de
Recolhimento, onde recebiam uma educação voltada para a religião, para o
casamento e para a manutenção da virtude. Segundo Marcílio (2006), no Estatuto do
Recolhimento das Órfãs da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, 1739,
constava que deveria ser evitada a ociosidade e todo o tempo das internas deveria ser
preenchido com atividades espirituais e atividades domésticas.
Recebendo esse tipo de educação, as meninas permaneciam nessas casas a
espera de uma colocação familiar ou um casamento. No caso do casamento, as
meninas recebiam um dote para se casar. O modo de vida dentro dessas instituições
era o conventual, sendo assim, o contato com o mundo exterior era extremamente
controlado. Os moços que se interessavam em casar com alguma interna deveriam
ser aceitos pela direção da instituição para depois escolher uma moça. Ainda segundo
Marcílio (2006), a preocupação com a educação elementar e profissional das
meninas aconteceu em meados do século XIX, quando as meninas passaram a ser
preparadas para o trabalho, para assim serem úteis à sociedade, como boas donas de
casa, criadas bem treinadas, dóceis e disciplinadas para o trabalho doméstico.
O caso dos meninos era mais complexo, que não havia a preocupação
com a honra e a virtude dos mesmos, como no caso das meninas. Pouquíssimas
instituições foram criadas para protegê-los antes de meados do século XIX. Com
isso, depois dos sete anos de idade, pouquíssimos meninos voltavam para sua família
biológica. Alguns conseguiam cativar suas amas-de-leite e ficavam morando com
elas. A grande maioria dos meninos virava escravo ou ficava vagando pelas ruas
(MARCÍLIO, 2006).
As instituições do século XVIII eram mantidas por religiosos, sendo assim,
o seu funcionamento seguia o modelo religioso dos conventos. Os internos eram
educados de acordo com as ordens religiosas. Já no século seguinte, esse modelo de
educação começa a ser questionado, conforme aponta Rizzini (2004):
No século XIX - o chamando “século das luzes”, que, por influência do
ideário da Revolução Francesa, progresso e civilização vão nortear os
programas educacionais do mundo ocidental - os asilos para crianças
pobres sofrem mudanças gradativas rumo à secularização da educação.
Questiona-se o domínio do ensino religioso em detrimento do ensino “útil
a si e a Pátria”, embora o primeiro nunca tenha deixado de fazer parte dos
programas das instituições públicas. Percebido como garantia da
transmissão dos preceitos morais, dos bons hábitos e das noções de ordem
14
e hierarquia, nunca se cogitou seriamente em excluí-lo dos asilos e das
escolas oficiais (p. 24).
Sendo assim, os internatos coloniais para crianças não respondiam mais as
exigências da sociedade. O ensino religioso não atendia mais a realidade da época,
fazia-se necessário educar para o trabalho, pois na lógica capitalista tudo deveria
gerar lucro e essa população precisava ser útil à sociedade.
Marcílio (2006) relata que com a extinção do tráfico de escravos (1850)
surge a preocupação, na classe dominante, com a falta de empregados domésticos.
Essa preocupação aumentara com a Lei do Ventre Livre (1871). Assim, como se
relatou anteriormente, as instituições para meninas começaram a se preocupar com a
educação profissional, as internas substituiriam os escravos domésticos. Também
foram criados os seminários para os meninos, para que eles se tornassem produtivos
para a sociedade.
Esses seminários eram organizados em companhia militar, conforme aponta
Moraes (2000):
[...] anexa ao corpo policial, de rígido caráter disciplinar, essa instituição
dispunha-se a “facilitar ao menino pobre e desvalido a sua educação
industrial, impedindo assim que por falta dela se desviem do amor ao
trabalho e se tornem maus e prejudiciais cidadãos (p. 74).
Como essa população era considerada uma ameaça à sociedade, a educação
dos meninos seguia o regime militar. Não eram todos os meninos, contudo, que eram
aceitos nessas instituições, havia uma série de critérios para a seleção, um deles era
que os internos deveriam permanecer na instituição até completarem vinte anos de
idade. Se saíssem antes, o estabelecimento deveria ser indenizado com dinheiro. O
diretor podia aplicar penas aos meninos que não obedeciam alguma ordem. Moraes
(2000) aponta que esses meninos, entre outros, compuseram os quadros das
companhias militares das forças armadas brasileiras que lutaram na Guerra do
Paraguai (1864-1870).
Tanto nas instituições femininas como nas masculinas, o regime disciplinar
era extremamente rígido e o trabalho era um importante recurso pedagógico. Essas
crianças sem famílias eram vistas como ameaça à ordem social, e consideradas caso
15
de polícia
6
, então precisavam ser isoladas, educadas para obedecerem a ordens e
depois, se possível, serem inseridas na sociedade.
A idéia de proteger a criança, visando sua educação para o trabalho,
começou lentamente a ser despertada e em 1899, no período republicano, foi
criado o Instituto de Proteção e Assistência a Infância do Brasil (Ipai) que tinha
como objetivos principais atender as crianças menores de oito anos e também atender
as crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e abandonadas. Segundo
Kramer (1992), o intuito do Ipai era preservar a infância, pois essas crianças seriam a
base e o progresso do Brasil.
Isso nos mostra que a preocupação com essas crianças surgiu porque a
questão do abandono interferia no desenvolvimento e na ordem da sociedade,
portanto era preciso educá-las para garantir o sucesso do futuro do país. Ainda sobre
isso, Londoño (1991) afirma que a criança só ganhou importância porque passou a
ser enxergada como força de trabalho que o capital precisava para se reproduzir.
Nesse sentido, apenas no século XX a questão da criança abandonada
deixou de ser um caso de polícia e passou a ser uma questão de assistência e
proteção, garantida pelo Estado por meio de instituições:
[...] A atenção à criança passou a ser proposta como um serviço
especializado, diferenciado, com objetivos específicos. Isso significava a
participação de saberes como os do higienista, que devia cuidar da sua
saúde, nutrição e higiene; os do educador, que devia cuidar da disciplina,
instruir, tornando o menor apto para se reintegrar à sociedade; e os do
jurista, que devia conseguir que a lei garantisse essa proteção e assistência
(LONDOÑO, 1991, p.142).
Sendo assim, meios legais começaram a ser criados para solucionar o
problema dessas crianças. Com o aumento demográfico, a urbanização crescente e a
construção de indústrias, houve um aumento da pobreza, as habitações precárias e as
favelas das grandes cidades multiplicaram-se e favoreceram a exploração da força de
trabalho barata, trabalho feminino, trabalho infantil e a disseminação de doenças
contagiosas. O grande número de crianças desamparadas nas ruas exigia políticas
públicas renovadas que dessem conta dessa situação. Então, para atender esse
público, começaram a surgir as entidades privadas, chamadas de entidades
____________
6
Segundo Londoño (1991), durante o século XIX, os menores eram tratados como casos de polícia,
sendo assim, eram presos como se fossem adultos, por vários motivos como: vagabundagem,
embriaguez, desordem e entre outros motivos.
16
filantrópicas
7
, dirigidas por médicos higienistas, além de outros membros das
camadas médias (funcionários públicos e profissionais liberais) e por parcelas da
burguesia, principalmente as mulheres.
Segundo Marcílio (2006), entre o final do século XIX e a primeira metade
do século XX, a filantropia atraía a emergente burguesia industrial, além dos
proprietários rurais, pois almejava uma sociedade harmônica, estável e feliz, sem
conflitos sociais; e por isso os meios para alcançá-la passavam pela ética e pela
educação, principalmente a religiosa. Visavam com isso preparar a criança atendida
para o trabalho, com o intuito de prevenir a ociosidade, a prostituição, o crime, o
abandono e a permanência das mesmas nas ruas. Para a filantropia, o Estado deveria
participar da assistência e proteção à criança, porém a ação maior deveria ser
privada. O Estado ficaria responsável pela função fiscalizadora e provedora de
auxílios complementares aos dessas instituições.
A partir dos anos de 1930, visando a ordem social e o desenvolvimento do
país no período pós-revolucionário, várias medidas passaram a ser tomadas com o
intuito de solucionar os problemas sociais que impediam tais intenções políticas
(NASCIMENTO, 2001). Sendo assim, foi intensificada a criação de instituições
especiais para atender os vários públicos que iam se formando e que eram
considerados ameaças à ordem social e ao desenvolvimento do Brasil, entre elas, as
instituições para o internamento dos portadores de doenças contagiosas e de seus
filhos, bem como o internamento de órfãos e abandonados, entre outras instituições.
No início da década de 1940, houve um aumento progressivo da ação do
Estado com a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), pela então primeira
dama Darcy Vargas. A LBA tinha como objetivo inicial prover as necessidades
básicas das famílias cujos chefes haviam sido enviados para a segunda guerra
mundial (1939-1945). Seu programa era fruto da articulação entre o poder público e
a iniciativa privada. Constava no artigo de seu estatuto que trabalharia em favor
do processo de serviço social no Brasil. Após o final da segunda guerra mundial, ela
estendeu sua assistência ás famílias necessitadas em geral e ampliou sua atuação
____________
7
No Brasil desde o século XVIII, a filantropia e a assistência social estavam ligadas às práticas de
caridade das instituições religiosas que ofereciam cuidados, abrigos, roupas e alimentos, em especial
às crianças abandonadas, aos velhos e aos doentes. No século XX, tendo em vista a separação entre o
estado e a igreja, começaram a surgir as formas laicas no campo da assistência social (ESCORSIM,
2008).
17
junto às entidades assistenciais de todo o país, entre elas os internatos para crianças
(FALEIROS, 2009).
A partir da década de 1960 o Estado se tornou o principal responsável pela
assistência à infância no Brasil. Com a criação, em 1964, da Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (Funabem) o Estado brasileiro se introduziu como interventor
na assistência a infância. A Funabem tinha como finalidade o planejamento e a
coordenação da ação assistencial, os estudos e pesquisas sobre o problema do menor
e as formas de atendimento aos mesmos, executando a Política Nacional do Bem-
Estar do Menor (PNBEM), bem como, orientando, coordenando e fiscalizando as
entidades executoras dessa política (RIZZINI, 2004).
Durante todo o período da ditadura militar (1964 1984), a política de
segurança nacional colocou a política da internação como medida para combater
todos que ameaçassem a ordem do país, inclusive as crianças e adolescentes. Com a
redemocratização do país nos anos 1980, a internação de crianças passou a ser
fortemente criticada
8
, sendo o direito a assistência social reconhecido na Constituição
Brasileira de 1988, passando, portanto a ser um dever do Estado.
Como se pode observar, o atendimento de crianças em instituições do tipo
internato é um processo histórico que foi, e é determinado pelas necessidades sociais
que vão sendo produzidas. Analisar esse processo a partir do caso do Educandário
Getúlio Vargas é o foco desta pesquisa. Portanto, o objetivo geral aqui presente, é
analisar como foi produzido historicamente o atendimento no Educandário Getúlio
Vargas na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no período de 1943 a
1992. E, nossos objetivos específicos são conhecer a trajetória do atendimento a
crianças e adolescentes no Educandário Getúlio Vargas; identificar as necessidades
da sociedade atendidas pelo Educandário ao longo dessa história; e, por fim, analisar
as relações entre as políticas públicas para a assistência a infância e o atendimento na
instituição.
Para melhor se evidenciar as transformações ocorridas no Educandário
Getúlio Vargas, dividiu-se a sua história em dois momentos. Sendo assim, coloca-se
como primeiro momento o período de 1943 a 1972, onde o atendimento na
instituição era específico para os filhos dos leprosos. E, como segundo momento de
funcionamento o período de 1973 a 1992, onde o Educandário estendeu seu
atendimento a outras crianças e adolescentes.
____________
8
Esse assunto será abordado no capítulo 3.
18
Para a definição do objeto, fez-se um levantamento prévio das instituições
que ofereciam atendimento nos moldes de internatos para crianças e adolescentes da
cidade de Campo Grande/MS. Optou-se pelo Educandário Getúlio Vargas por ser a
instituição mais antiga da cidade, com uma história singular, visto sua característica
de ter sido criada para atender os filhos dos leprosos. O recorte temporal foi definido
considerando o ano da criação da instituição, 1943, e as mudanças ocorridas na
instituição, principalmente após a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990. Dentre os vários direitos estabelecidos nessa legislação, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio regulamentar e fiscalizar todas as
instituições que oferecem atendimento à criança e ao adolescente.
Para realizar nossa pesquisa optamos por uma abordagem histórica, pois
acreditando-se que a reconstituição histórica do objeto é necessária para a análise das
relações entre esse objeto e a sociedade capitalista. Nessa perspectiva, a história do
homem é a história das lutas de classes, cujo fundamento é o trabalho e as relações
sociais de produção. Por isso, o ponto de partida da pesquisa para Marx é a base real,
é a totalidade das relações de produção da sociedade:
[...] o resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me do
fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras:
na produção social da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas
relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base
real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social,
política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu
ser, mas, ao contrario é o seu ser social que determina sua consciência[...]
(MARX, 2003, p.5.).
Portanto, pesquisou-se como foi produzido historicamente o Educandário
Getúlio Vargas, utilizando a categoria totalidade, pois como vimos na afirmação
acima é na sociedade capitalista, repleta de contradições, que são encontradas as
informações necessárias para a compreensão do objeto de investigação.
Escolheu-se realizar esta pesquisa no Educandário Getúlio Vargas por ser a
instituição mais antiga da cidade, como foi dito, e pelo fato de que tal instituição
permaneceu mais tempo com esse tipo de atendimento. Sendo assim, discutiram-se
seus caminhos e suas transformações ao longo da história, buscando ir do singular ao
19
universal, do Educandário para a sociedade capitalista, buscando se entender como as
transformações ocorridas nessa instituição foram determinadas pelo universal.
Com esse intuito, realizou-se um levantamento bibliográfico e documental
sobre o tema, a fim de mapear o “Estado da Arte” sobre a temática “internato”, bem
como verificar sobre a produção existente nessas instituições em Campo Grande e
em Mato Grosso do Sul.
Assim, ao realizar-se o levantamento bibliográfico sobre o tema internato
para criança e adolescentes, verificou-se que uma parte da produção sobre o tema
(MONTES, 2006; RAMOS, 2004; SOUSA, 2006; SILVA, 1998; MARTINEZ,
2006) é voltada aos aspectos psicológicos e os impactos do internato sobre o
desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. O foco dessas pesquisas são os
internos. Nota-se que nelas os autores não contemplam os aspectos históricos e
também não questionam como a sociedade capitalista produziu a necessidade que
originou os internatos.
Outras pesquisas (SILVA e AQUINO, 2005; VICENTE, 2005) direcionam-
se ao internato em si, com o cotidiano e regras do funcionamento da instituição.
Nessas pesquisas encontra-se o histórico sobre esse atendimento, mas sem relações
com a sociedade capitalista e suas necessidades; apenas descrevem como ocorreu o
processo de internamento de crianças, como se a instituição em si sempre tivesse
existido.
Outro grupo de pesquisadores (RIZZINI 2004, RIZZINI, NAIFF e
BAPTISTA, 2006; NEGRÃO, 2002; OLIVA, 2004; SANTOS, 2006) se preocupou
em pesquisar o contexto social e político da internação de crianças em instituições
especiais. A questão das relações familiares e os direitos dos internos também foram
pesquisados nesses trabalhos. Esses autores demonstram profunda indignação com a
situação das crianças e adolescentes internados e reivindicam políticas
governamentais capazes de garantir seus direitos, porém os mesmos tratam as
questões do internato como se fosse algo desvinculado da sociedade capitalista,
capazes de explicar e serem resolvidas atentando-se e analisando-se apenas as
próprias instituições.
A partir desse levantamento percebe-se que a questão das relações entre o
internato e a sociedade capitalista carece de pesquisas, principalmente no que se
refere às instituições especiais, como o caso do Educandário Getúlio Vargas. Quanto
à cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, existe outra lacuna, pois não foram
20
encontradas pesquisas científicas sobre a produção histórica desse atendimento. O
que se encontra é material de caráter jornalístico, com poucas informações, falando
apenas sobre algumas instituições. Para a realização deste levantamento, na cidade de
Campo Grande/MS, recorreu-se às bibliotecas das Universidades da cidade, ao
Arquivo Histórico de Campo Grande/ ARCA; valeu-se também de consultas online
em outras Universidades Brasileiras. Com relação aos pesquisadores acima citados,
utilizou-se, ao longo desta pesquisa, apenas a obra de Rizzini (2004), A
Institucionalização de Crianças no Brasil, por trazer o percurso histórico deste
atendimento, os demais pesquisadores não foram aqui utilizados.
Acredita-se que esta pesquisa possa ajudar a preencher essa lacuna, uma vez
que a realização dessa pesquisa científica sobre a história do Educandário Getúlio
Vargas, que foi uma das instituições de Campo Grande que ofereceu internato para
crianças e adolescentes, deu-se justamente com tal propósito.
Com esse intuito, portanto, levantaram-se informações no acervo interno do
Educandário Getúlio Vargas, composto por livros de atas que contém informações
históricas sobre os acontecimentos da instituição e o livro de registro geral de todas
as crianças que foram atendidas pela instituição desde a sua fundação. É importante
ressaltar que ao início desta pesquisa pretendia-se analisar todo o período em que o
Educandário Getúlio Vargas ofereceu atendimento na modalidade de internato, que
foi de 1943 a 2006. A princípio foi dada autorização pela Presidente da diretoria do
Educandário para pesquisa no acervo interno do mesmo. Mas, passado certo tempo,
devido a fatos divulgados sobre a instituição pela dia local, a diretoria do
Educandário proibiu o acesso a esse acervo, sendo permitida apenas a consulta com a
presença de um funcionário do Educandário. Isso dificultou bastante a continuidade
da pesquisa, então o levantamento de dados foi até o ano de 1992. Apesar das
informações documentais irem até 1992, a instituição permaneceu oferecendo o
internato até o ano de 2006, quando então esse atendimento se inviabilizou por
completo e o Educandário deixou de oferecer o internamento.
Para complementar algumas questões que não ficaram esclarecidas com as
informações coletadas no acervo interno do Educandário, realizaram-se entrevistas
semi-estruturadas, com a atual Presidente da instituição (ENTREVISTA A), que está
à frente da diretoria do Educandário desde 1973; uma funcionária (ENTREVISTA B)
que trabalha na secretaria do educandário desde 2004, e que conhece toda a história
da instituição; e uma ex-interna (ENTREVISTA C), que morou no educandário de
21
1995 a 2006. As entrevistas trazem informações significativas para compor a
trajetória do educandário, sendo assim, apesar das duas últimas pessoas entrevistadas
terem iniciado seu contato com a instituição após o ano de 1992, forneceram dados
fundamentais para a pesquisa, pois o tipo de atendimento oferecido foi o mesmo dos
anos de 1990 a 2006. Estas foram as pessoas que aceitaram participar das entrevistas,
outras pessoas foram convidadas, mas se negaram a participar por motivos pessoais.
Optou-se por realizar uma entrevista semi-estruturada, pois a mesma nos permitiu
elaborar questões mais específicas para cada entrevistado, contando, também, com a
possibilidade de introduzir outras questões que surgiram no decorrer da entrevista
9
.
As entrevistas aconteceram em uma das salas do educandário, em um curto
período de tempo, que todos estavam trabalhando e tinham aquele momento
para responder as questões. Não foi permitida a utilização do gravador, pois os
entrevistados alegaram não se sentirem à vontade com a gravação; sendo assim, no
decorrer das entrevistas as respostas foram anotadas.
Nossa pesquisa foi estruturada em três capítulos. No capítulo 1, intitulado
“O Educandário Getúlio Vargas (1943 a 1972)” procurou-se analisar como foi
produzido historicamente o atendimento prestado pelo Educandário Getúlio Vargas.
Para isso resgataram-se aspectos do processo de combate à lepra e a assistência às
famílias dos doentes, a criação e instalação do Educandário, o perfil do público
atendido no primeiro momento de funcionamento (1943 a 1972), o perfil do
atendimento, a organização interna para oferecer esse atendimento, as relações dessa
instituição com a Federação das Sociedades de Assistência aos zaros e Defesa
10
à
qual é filiada, além da relação do educandário com o Estado.
No capítulo 2, denominado O Educandário Getúlio Vargas (1973 a 1992),
abordaram-se as mudanças ocorridas no Educandário nessa nova fase de
funcionamento e os fatores que geraram essa necessidade. Apresentou-se, assim
como no capítulo anterior, o perfil do blico atendido nesse período de
funcionamento (1973 a 1992), o perfil do atendimento, a organização interna para
oferecer esse atendimento, as relações dessa instituição com a Federação das
Sociedades Eunice Weaver, e a relação do Educandário com o Estado.
____________
9
São apresentados, em anexo, os roteiros das entrevistas.
10
No ano de 1970 o nome da Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a
Lepra mudou para Federação das Sociedades Eunice Weaver, ver capítulo I.
22
No capítulo 3, intitulado “O Educandário Getúlio Vargas e as políticas
públicas para a infância”, buscou-se analisar as relações entre as políticas públicas
para assistência à infância e o atendimento oferecido pelo Educandário. E,
finalmente, terminando o trabalho, aparecem as considerações finais.
CAPÍTULO I
O Educandário Getúlio Vargas (1943-1972)
Neste primeiro capítulo, intitulado “O Educandário Getúlio Vargas (1943-
1972)” trata-se, num primeiro momento, sobre o combate à lepra no Brasil ao longo
da história, enfatizando a assistência aos leprosos e suas famílias. Para tal, relata-se
como o governo federal e a Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e
Defesa contra a Lepra se organizaram para combater a doença no Brasil, culminando
na criação dos preventórios para atender, em regime de internato, os filhos sadios dos
doentes, observando-se que o Educandário Getúlio Vargas foi criado nesse processo.
Já, a segunda parte do capítulo traz informações históricas sobre a criação e
instalação do Educandário Getúlio Vargas na cidade de Campo Grande, então
localizada no Sul do Estado de Mato Grosso, e sobre o primeiro período de
funcionamento da instituição, entre os anos de 1943 e 1972. Para melhor
esclarecimento, sobre esse funcionamento apresentou-se o perfil dos internos, o
perfil do atendimento, a organização interna da instituição para oferecer o
atendimento, a relação entre o Educandário e a Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, além da relação do Educandário
com o Estado.
1.1 O combate à lepra no Brasil e a assistência aos leprosos e suas famílias
A lepra
11
é uma doença milenar, conhecida mundialmente que recebeu
inúmeras denominações ao longo da história da humanidade. Atualmente é chamada
de Hanseníase, em homenagem ao médico botânico norueguês Gerhard Henrik
Armauer Hansen, que descobriu no ano de 1874 que a doença era causada pelo
bacilo Mycobacterium leprae, provando assim que tal doença não era hereditária
como se acreditava (CUNHA, 2005).
____________
11
A lepra (também conhecida como hanseníase ou mal de Hansen) é uma doença infectocontagiosa,
que afeta os nervos e a pele provocando feridas, mutilações e forte odor nos doentes quando não
devidamente tratada (NASCIMENTO, 2001).
24
As primeiras notificações dos casos de lepra no Brasil foram feitas no
século XVI, no Rio de Janeiro; posteriormente, mais casos foram registrados em
outras regiões brasileiras. Como pouco se conhecia sobre a doença, que era
considerada incurável, a medida utilizada para combatê-la e evitar sua disseminação
era o isolamento dos doentes em colônias, conhecidas como leprosários. Seguindo o
exemplo de outros países, no século XVIII no Brasil foram criados os primeiros
leprosários. Estes eram casas de caridade e, portanto, eram mantidos por doações
feitas pela Igreja e pela sociedade em geral. Aos poucos, outros leprosários foram
sendo construídos, mas eram insuficientes e ineficazes, devido à falta de tratamento
adequado aos doentes. A lepra se espalhava rapidamente e no século XIX as
autoridades notificaram a epidemia da doença em várias regiões brasileiras, entre
elas, no estado de Mato Grosso.
O primeiro leprosário de Mato Grosso foi inaugurado em 1816, o Hospital
de São João dos Lázaros de Cuiabá, localizado ao norte do Estado, construído e
mantido com doações de particulares. Até o ano de 1941, esse foi o único leprosário
da região. Sendo assim, os doentes do interior do Estado, principalmente da região
sul, não tinham acesso a qualquer tipo de tratamento. Além da distância, o Hospital
de São João dos Lázaros de Cuiabá não tinha capacidade para atender a grande
número de doentes, oferecendo apenas 50 vagas (NASCIMENTO, 2001).
Como toda a população temia ser contaminada por tal doença, que era
considerada incurável, acreditava-se que a doação feita aos leprosários garantia a
manutenção do local onde seriam isolados os doentes, protegendo assim a população
sadia. Além disso, como a lepra era tida como hereditária, toda a família do doente
era isolada nos leprosários, onde permaneceriam até a sua morte. Durante o século
XIX e até as primeiras décadas do século XX os poucos leprosários e o tratamento
existente não foram suficientes para evitar a contaminação, sendo assim, os casos
continuaram aumentando. No caso do sul do Estado de Mato Grosso, o Delegado de
Saúde da cidade de Campo Grande, em 1937, alertava os representantes do Estado
que a lepra estava se espalhando rapidamente na região (NASCIMENTO, 2001).
Após a vitória da Revolução de 1930 e diante da crise econômica e política
em que vivia o Brasil, iniciou-se uma nova fase da sociedade brasileira, caracterizada
pela centralização do poder. Getúlio Vargas tomou posse como chefe do Governo
Provisório, em 3 de novembro de 1930, e no ano de 1937 instaurou no Brasil o
Estado Novo, que visava o desenvolvimento e a modernização do país. Para isso o
25
governo federal ampliou sua atuação e controle em todas as áreas, até mesmo na área
da saúde; sendo assim, o tratamento e o enfrentamento às doenças ganharam maior
importância. A partir de então, todo o setor público começou a passar por uma série
de reformas visando concretizar a formação de um Estado forte e centralizado e, para
tanto, seria necessário construir um “aparato governamental que atuasse em todo o
território nacional de forma a unificar as ações nas três esferas do poder: União,
Estado e Município” (CUNHA. 2005. p. 80).
Como a falta de instrução, de educação e de saneamento eram considerados
os grandes entraves do desenvolvimento do país, as questões sociais, entre elas a de
saúde, ganharam destaque nesse período e, em novembro de 1930, foi criado o
Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp). Segundo Cunha (2005), o Mesp
tinha como incumbência “educar e curar o Brasil, livrando-o de seus males e
propiciando-lhe um futuro promissor” (p. 80).
Gustavo Capanema assumiu o Mesp no ano de 1934, e visando a
centralização na administração pública, neste período foram reorganizados os
serviços de educação e saúde. Como o objetivo do Mesp era o de educar e curar o
Brasil, as doenças precisavam ser controladas para se alcançar o desenvolvimento.
Nesse momento histórico, a lepra era tida como um dos grandes problemas de saúde
pública, um entrave ao desenvolvimento, pois o aumento dos casos era corrente e
pouco se sabia sobre seu tratamento. Então o Mesp, por meio de estudos técnicos,
detectou que tal doença necessitava de maior atenção. Era preciso elaborar um plano
nacional para se obter uma uniformidade e continuidade de ação no enfrentamento e
combate à lepra. Para tal, em 1935 foi formulado o Plano Nacional de Combate à
Lepra.
O plano nacional de combate à lepra foi iniciado ainda em 1935, e apesar
da orientação ser federal, deveria ser implementado em cooperação com
os estados, através de acordos com a União. Esse plano visava,
inicialmente, a construção de leprosários em quase todos os estados. Do
ponto de vista profilático, o problema da lepra poderia ser solucionado
ao enquadrá-lo na órbita de ação dos estabelecimentos conhecidos por
leprosários [...] Além disso, a sua contagiosidade exigia a separação dos
doentes do convívio com as pessoas sãs. Essa convicção de que o
isolamento era a melhor medida sanitária para solucionar o problema da
lepra era reforçada pelo exemplo da Noruega, freqüentemente invocado
pelos políticos e especialistas. Lá, a endemia fora vencida com o
isolamento dos doentes (CUNHA, 2005, p. 91).
A implementação do Plano permitiu a construção de vários leprosários em
todo o país. E, apesar da prioridade ser a construção dos leprosários para o
26
isolamento dos doentes, esse plano era constituído pelo tripé: leprosário, dispensário
e preventório. Além disso, abrangia outros itens como a pesquisa, o censo, a
legislação e a administração.
Cada um desses itens, previstos no plano, era responsável por determinada
função, visando o combate à lepra. A pesquisa visava realizar estudos referentes à
lepra, às modalidades da doença, às formas de transmissão e ao processo de seu
tratamento, a fim de se chegar à sua cura. O censo referia-se ao levantamento
estatístico da quantidade de leprosos nas regiões brasileiras. A legislação era um dos
pontos fundamentais do plano, que, para combater a lepra, era necessário criar
normas para uniformizar a ação em todo o país e isso seria possível por meio da
lei. A administração referia-se aos serviços administrativos de caráter total, que
tratavam da doença, de seu tratamento, sua prevenção e sua cura; atuando sobre os
doentes (leprosários), os comunicantes suspeitos de terem a doença (dispensário), os
filhos dos leprosos (preventório), e a população em geral, por meio de propaganda e
educação sanitária, para esclarecer sobre as formas de contágio da doença.
Devido à necessidade de estabelecimentos especiais voltados para o
controle da endemia, o chamado plano de construção única parte do
plano geral que havia sido publicado tornou-se o elemento mais
importante para o projeto de controle da lepra. Referente às obras de
construção e manutenção de leprosários, esse plano pretendia dotar todo o
país com instituições deste tipo, tidas como fundamentais ao controle da
doença e, com isso, permitir que o isolamento dos doentes pudesse ser
praticado. Os Estados que recebessem o auxílio federal para a construção
de leprosários deveriam ceder o terreno para a construção dos mesmos,
além de contribuir com a metade das despesas calculadas para a
manutenção dos doentes internos. Além disso, era primordial que esses
Estados adotassem a legislação federal sobre a lepra em seus territórios,
através dos acordos com a União (CUNHA, 2005, p.93).
Pode-se observar na citação acima, que não foi publicado todo o texto do
Plano Nacional de Combate a Lepra, mas sim a parte que se referia à construção dos
leprosários, que naquele momento eram considerados mais importantes para o
combate à lepra, que somente assim seria possível isolar os doentes e proteger a
sociedade. Também podemos observar que era feito um acordo entre o Estado
escolhido para a construção do leprosário e o governo federal, onde era acordado que
o governo estatal deveria doar as terras para a construção, e, posteriormente, arcar
com a metade das despesas da manutenção da instituição. Toda a verba para a
construção do leprosário era responsabilidade do governo federal, bem como a outra
metade das despesas futuras para a manutenção da instituição.
27
Os leprosários foram construídos, portanto, nos estados que aceitaram esse
acordo; e as cidades foram escolhidas de acordo com o número de casos da doença.
Eram realizados pelo Departamento de Saúde de cada Estado pesquisas e censos para
verificar a quantidade de leprosos nas regiões brasileiras e suas formas de
atendimento; sendo assim, o plano de construção foi organizado de acordo com esses
dados que apontavam para a necessidade de se construírem os leprosários em
determinadas regiões do país. No caso do Estado de Mato Grosso, o governo
municipal de Campo Grande cedeu o terreno para a construção do leprosário e
aceitou o acordo proposto pelo Plano.
Com a construção dos leprosários, foi possível colocar em prática o
isolamento dos doentes, previsto na legislação sanitária federal de 1920. Essas
instituições deveriam oferecer uma estrutura eficiente para a separação social dos
doentes e dar condições de sobrevivência para aqueles que, provavelmente, ficariam
isolados pelo resto de suas vidas. Como a lepra se disseminava pelo contato pessoal e
por mordida de insetos, essas instituições eram construídas longe das cidades, sendo
assim, sua construção e manutenção exigiam bastante investimento.
Cada uma das instituições do tripé, previstas no plano, tinha uma função
diferente, visando alcançar o objetivo maior que era o de combater a lepra. Os
leprosários, como já dito anteriormente, tinham como objetivo isolar os doentes,
“protegendo” a sociedade dos mesmos, para conter a evolução da doença. Os
internos eram proibidos de saírem, e os que tentavam fugir eram presos em celas
dentro da instituição. Como o tratamento nesse momento era muito precário, os
doentes iam se decompondo até a morte. Muitas pessoas chegavam ainda jovens na
instituição e acabavam por constituir família na mesma, porém seus filhos, assim que
nasciam, eram rapidamente retiradas do convívio com os pais e encaminhadas para
os preventórios, caso não tivessem contraído a doença (CUNHA, 2005).
No caso do sul do Estado de Mato Grosso, foi construído o leprosário São
Julião no município de Campo Grande, em 1937, iniciando suas atividades de
atendimento aos doentes em 1941. Esse foi o único leprosário construído pelo plano
no Estado de Mato Grosso. Como mencionado anteriormente, o leprosário
localizado no norte do Estado de Mato Grosso, o Hospital de São João dos Lázaros
de Cuiabá, foi construído com doações, em 1816. Segundo Nascimento (2001), a
construção do leprosário São Julião significava um grande avanço e modernização
nas formas de tratamento e prevenção da doença, para as autoridades governamentais
28
do Estado de Mato Grosso. Atendia-se aos interesses da população, já que os doentes
seriam isolados na instituição. Além de atender aos doentes do sul do Estado, que
não tinham acesso a nenhuma forma de tratamento à doença, também seriam
transferidos para o leprosário São Julião os doentes que estavam internados no
Hospital de São João dos Lázaros de Cuiabá.
Os dispensários, instituições que também faziam parte do tripé, tinham
como função vigiar e controlar as famílias e outras pessoas que tinham contato direto
com os doentes isolados nos leprosários. Estas pessoas, denominadas de
comunicantes, eram suspeitas de terem contraído a doença, devido ao contato direto
com os leprosos, por isso ficavam sujeitas a exames freqüentes realizados nos
dispensários. Essa era considerada uma importante arma de defesa contra a lepra,
que possibilitava o diagnóstico precoce da doença. No início do tratamento o doente
não precisava ser internado no leprosário, já que ao iniciá-lo a doença era controlada,
impedindo assim o contágio. Nos casos do diagnóstico da doença em fases
avançadas, estes doentes infectados eram internados nos leprosários para não
oferecerem risco à sociedade.
Por fim, os preventórios, última instituição do tripé, tinham como objetivo
abrigar os filhos sadios dos portadores da lepra. Todos os preventórios tinham um
pavilhão de observação, onde as crianças ficavam por alguns dias e eram examinadas
por médicos. Após terem a certeza de que a criança não havia contraído nenhuma
doença, eram aceitas para a convivência com as demais crianças. Os filhos sadios dos
leprosos eram criados e educados nesses preventórios até retornarem para suas
famílias ou alcançarem a maioridade. Essa assistência ficou a cargo de sociedades
filantrópicas, congregadas na Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e
Defesa contra a Lepra, que ficaram responsáveis pela construção e manutenção dos
preventórios criados desde o início do plano contra a lepra. O governo federal
contribuía com a construção dos preventórios, mas a participação maior era das
sociedades filantrópicas (CUNHA, 2005).
Por ficarem responsáveis pelos preventórios, as Sociedades de Assistência
aos zaros e Defesa contra a Lepra tornaram-se fundamentais no combate à doença.
Portanto, será vista no próximo item a atuação dessas sociedades. Como vimos em
momentos anteriores, as entidades filantrópicas tiveram importante atuação no
combate à lepra. De acordo com Santos (2006), as entidades filantrópicas laicas
iniciaram suas atividades no início do culo XX, e se tornaram um importante
29
caminho para a participação política e social das mulheres. Também militavam
nessas entidades, médicos, funcionários públicos e profissionais liberais, mas a
participação das mulheres era preponderante. Elas ocupavam os cargos da diretoria
das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra espalhadas pelo
país. E eram as responsáveis pela arrecadação de verbas e manutenção dos
preventórios, que começaram a ser inaugurados nas regiões mais afetadas pela lepra.
No caso da Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a
Lepra, destacaram-se Alice Toledo Ribas Tibiriçá e Eunice Sousa Gabbi Weaver
nesse sentido, julga-se ser importante trazer alguns dados sobre a trajetória das
mesmas no combate á lepra no Brasil, assunto do próximo item.
1.1.1 Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a
Lepra
Alice Tibiriçá, filha do General José Florêncio de Toledo Ribas e de Maria
Augusta Rangel Ribas, nasceu no dia 9 de janeiro de 1886, em Ouro Preto,
posteriormente passou a morar em São Paulo com seus pais. Em 1912, casou-se com
o engenheiro João Tibiriçá Neto. Logo após seu casamento, João Tibiriçá foi
encarregado da construção de uma estrada de ferro no Maranhão, onde residiram por
dois anos. Durante esses dois anos Alice teve contato com as vítimas da doença lepra
e pode observar as péssimas condições em que viviam. Sendo assim, em meados da
década de 1920 se engajou na luta contra a doença lepra e, em 1926 fundou a
Sociedade de Assistência às Crianças Lázaras em São Paulo, e posteriormente
alterou o nome da instituição para Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra:
Os objetivos iniciais eram a propaganda da luta contra a lepra para
conseguir não apenas adeptos, como recursos e doações para a assistência
social aos doentes e suas famílias. Esta Sociedade inspirou a criação de
congêneres em diversas regiões do país (SANTOS, 2006, p. 57).
A princípio, as Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a
Lepra tinham como objetivo dar assistência aos leprosos e suas famílias. Uma das
formas de angariar fundos para a campanha eram os eventos sociais realizados pela
Sociedade. Esta entidade filantrópica deu origem à criação de outras, com os mesmos
objetivos, em várias regiões do país, lideradas sempre por mulheres.
30
Inicialmente Alice Tibiriçá tinha apoio político e conseguiu uma coluna no
jornal Correio Paulistano, onde divulgava informações sobre a lepra. Em 1927, com
a mudança no quadro político, o candidato vitorioso à presidência do Brasil, Júlio
Prestes, começou a restringir as atividades da Sociedade de Assistência aos Lázaros e
Defesa contra a Lepra, e isso levou Alice Tibiriçá a proclamar: “Com o governo, se
preciso; sem o governo, se possível; e até mesmo, contra o governo, se assim for
necessário” (SANTOS, 2006, p.59). Sem o apoio político que tinha antes, a
Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra intensificou as
campanhas acerca da lepra e estimulou a criação de outras Sociedades visando
ampliar e expandir a campanha em todo o território nacional. Então, em 1932, Alice
Tibiriçá reuniu os representantes das Sociedades existentes para fundar a
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, tendo
como objetivo orientar as atividades de todas as sociedades filiadas para a execução
de uma ação em âmbito nacional. Alice Tibiriçá foi eleita a presidente da Federação
e como vice-presidente foi eleita Eunice Weaver.
Em 1933, aconteceu a “Conferência para a Uniformização da Campanha
contra a lepra”, no Rio de Janeiro, organizado pela Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra. Dentre os assuntos discutidos,
pedia-se um maior envolvimento do governo federal e das administrações estaduais
na campanha de combate à lepra, bem como a padronização dos leprosários, censos
de lepra, legislação específica sobre a doença e a separação compulsória dos filhos
sadios dos doentes, entre outras. Os participantes da Conferência criticavam a ação
do governo em relação à doença até aquele momento, o que se buscava e se pretendia
era a centralização dessas campanhas. Sendo assim, após a posse de Gustavo
Capanema no Ministério da Educação e Saúde (1934), foi organizado o plano
nacional de combate à lepra, conforme mencionamos em momento anterior
(SANTOS, 2006).
No ano de 1935, Eunice Weaver assumiu a presidência da Federação das
Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, dando início a uma
nova fase de relações com o governo federal, conforme será visto adiante. Eunice
Sousa Gabbi Weaver se tornou conhecida por sua atuação nas campanhas de
assistência aos leprosos nos anos 1930. Filha de Henrique Gabbi e de Leopoldina
Gabbi, nasceu no dia 19 de setembro de 1904, na cidade de São Manoel (interior de
São Paulo). Cursou a Escola Normal em Piracicaba, posteriormente foi morar em
31
São Paulo, onde reencontrou Charles Anderson Weaver, que havia sido seu professor
de latim, e com ele se casou naquele mesmo ano. Logo após o casamento, Charles
Weaver foi convidado pela Universidade de Nova Iorque para percorrer 42 países
com um grupo de alunos, visando incrementar a formação acadêmica dos mesmos.
Eunice viajou com esse grupo de estudantes, quando pôde visitar vários leprosários
nas ilhas Sandwich, no Egito, na China, no Japão e na Índia. Ao retornar ao Brasil
Eunice Weaver fundou a Sociedade de Assistência aos Lázaros de Juiz de Fora
(SANTOS, 2006). Ela permaneceu na presidência da Federação até o ano de 1969,
quando veio a falecer. Então, no ano de 1970 o nome da Federação das Sociedades
de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra mudou para Federação das
Sociedades Eunice Weaver, em homenagem à mesma.
Após assumir a presidência da Federação, em 1935, Eunice Weaver foi se
afastando dos ideais de ação autônomos preconizados por Alice Tibiriçá e se
adequando ao modelo de saúde imposto pelo governo de Getúlio Vargas. Conforme
aponta Santos (2006), logo após a Revolução de 1930 a Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra passou por várias mudanças para se
adequar ao modelo de saúde imposto pelo governo. Eunice Weaver, diferentemente
de Alice Tibiriçá, buscou o apoio estatal para continuar as obras da entidade. Os
objetivos iniciais das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra,
que eram a propaganda da luta contra a lepra para conseguir recursos e doações para
a assistência social aos doentes e suas famílias, focaram-se, mais especificamente, na
assistência aos filhos sadios dos leprosos que seriam internados nos preventórios a
serem construídos. Os doentes e as suas famílias passaram a ser atendidos pelo
governo federal. Com o apoio político, a Federação começou uma intensa campanha
social, educativa e financeira por todo o país, com o objetivo de arrecadar fundos
para a construção dos preventórios (SANTOS, 2006).
O trabalho da Federação foi considerado, a partir de então, como um
componente fundamental no combate à lepra, uma vez que na gestão de Eunice
Weaver a Federação passou a ser responsável pela criação e manutenção dos
preventórios. A importância dessa atuação da Federação foi registrada no Tratado de
Leprologia (1950).
O Tratado de Leprologia foi organizado pelo Serviço Nacional de Lepra, em
1950. Esse documento contém as informações disponíveis sobre a doença até aquele
32
momento, bem como as informações de como os governantes estavam tratando a
lepra. Nas palavras de Gustavo Capanema:
O armamento antileproso está constituído e oferece, na sua já extensa
rêde de dispensários, leprosários e preventórios, os instrumentos que
tornam possível o levantamento de um censo geral e seguro, uma
vigilância sanitária satisfatória, o tratamento dos casos de doença
verificados, com internamento dos doentes contagiantes, o resguardo das
crianças s surpreendidas em convívio com leprosos, a assistência
material e moral às famílias de doentes internados.
Os govêrnos estaduais por um lado, e, por outro lado, as instituições
particulares, reunidas na Federação das Sociedades de Assistência aos
Lázaros e Defesa Contra a Lepra, prestam ao Governo Federal uma
cooperação tão constante, tão vigorosa, tão cheia de boa vontade, tão
fértil em resultados animadores, que a campanha antileprosa se tornou
verdadeiramente nacional (BRASIL, 1950, p 8).
Os preventórios faziam parte do “armamento antileproso”, conforme aponta
Capanema no trecho acima. Sendo assim, a partir do momento em que a Federação
das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra começou a se
preocupar com a construção e manutenção dos preventórios, dedicando sua atuação
aos filhos sadios dos leprosos, a Federação passou a ser considerada uma importante
aliada do governo federal na luta nacional contra a lepra. Por meio do Decreto
1.473, de 8 de março de 1937, a Federação passou a ser considerada de utilidade
pública, tendo como função coordenar as atividades das Sociedades filiadas, bem
como fazer a distribuição das verbas arrecadadas para a campanha. Com isso, a
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra,
centralizou as atividades filantrópicas de combate à doença. Até mesmo a verba do
governo federal destinada à construção dos preventórios era enviada para a
Federação, que ficava responsável por fazer a distribuição entre as sociedades
filiadas, espalhadas por todo o país. As entidades filantrópicas que não eram filiadas
à Federação não receberiam verba do governo federal. A Federação tinha total
autonomia para distribuir as verbas entre suas filiadas, conforme julgasse ser melhor
(SANTOS, 2006).
Com o apoio do Ministério da Educação e Saúde, Eunice Weaver passou a
viajar por todo o Brasil, lançando a campanha da Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, a fim de se criar, em várias cidades,
preventórios, para abrigar os filhos sadios dos leprosos. Segundo Santos (2006), a
presidente da Federação apresentava algumas palestras e encontros nas cidades
escolhidas, pedindo o auxílio para a campanha de combate a lepra. Eram procuradas
33
algumas pessoas, como por exemplo: a primeira dama municipal, médicos,
autoridades municipais, advogados, jornalistas, políticos, entre outras, consideradas
importantes para ajudar na obra. As propagandas das atividades da Federação eram
feitas por meio de boletins solicitando a contribuição de todos.
A Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a
Lepra enviava relatórios ao governo federal com informações sobre os preventórios
já construídos e se havia necessidade de se construir outras instituições. Em 1941, foi
elaborado pelo Departamento Nacional de Saúde o regulamento dos preventórios
para os filhos sadios dos leprosos. A presidente da Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra fazia parte da comissão
organizadora desse regulamento. Esse documento estabelecia as normas de
funcionamento dos preventórios.
Os preventórios construídos no Brasil, a partir de acordo entre Ministério da
Educação e Saúde e a Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra, mais especificamente na gestão de Eunice Weaver, foram os
seguintes:
Tabela 1- Preventórios criados entre 1936 e 1948.
PREVENTÓRIO
INÍCIO DA
CONSTRUÇÃO
INAUGURAÇÃO
Amparo Santa Cruz- Rio Grande do Sul
------------------
1942
Educandário Afrânio Azevedo- Goiás
1941
1943
Educandário Alzira Bley- Espírito Santo
1937
1940
Educandário Carlos Chagas - Minas Gerais
1941
1943
Educandário Curitiba- Paraná
-------------------
1943
Educandário Eunice Weaver-Pará
1939
1942
Educandário Eunice Weaver- Alagoas
1942
1943
Educandário Eunice Weaver- Bahia
1939
1943
Educandário Eunice Weaver- Ceará
1939
1942
Educandário Eunice Weaver- Paraíba
1936
1941
Educandário Getulio Vargas- Mato Grosso
1941
1943
Educandário Gustavo Capanema- Amazonas
1940
1942
Educandário Olegário Maciel- Minas Gerais
1938
1942
Educandário Oswaldo Cruz- Rio Grande do
Norte
1940
1942
Educandário Padre Damião- Piauí
1941
1944
Educandário Santa Catarina- Santa Catarina
1938
1941
Educandário Santa Cruz- Porto Alegre
1939
1940
Educandário Santa Margarida- Acre
----------------
1948
Educandário Santa Maria- Rio de Janeiro
1939
1942
Educandário Santa Tereza- São Paulo
----------------
1931
Educandário Santo Antonio- Maranhão
1939
1941
Educandário São José- Sergipe
1942
1945
Educandário Vista Alegre- Rio de janeiro
1939
1940
Instituto Guararapes- Pernambuco
1939
1941
Fonte: Brasil, 1950.
34
Como se pode observar na tabela acima, do ano de 1936 ao ano de 1948
foram construídos e inaugurados 24 preventórios por todo o país. Dentre eles, foi
construído o Educandário Getúlio Vargas na cidade de Campo Grande, sul do Estado
do Mato Grosso. O início da construção do preventório deu-se no ano de 1941, e sua
inauguração ocorreu no ano de 1943. Este foi o único preventório construído no
Estado de Mato Grosso pelo Plano Nacional de Combate a Lepra (BRASIL, 1950).
Sendo o Educandário Getúlio Vargas o objeto desta pesquisa, este será tratado
especificamente quanto à construção e instalação, no item seguinte.
1.2 A criação e instalação do Educandário Getúlio Vargas
Aos trinta e um dias do mês de outubro de 1943, numa das salas do
Educandário Getúlio Vargas, reuniram-se os sócios da Sociedade de Assistência aos
Lázaros e Defesa contra a Lepra de Campo Grande e convidados, que ali vieram
assistir a cerimônia de inauguração do preventório:
Depois da missa que foi rezada no edifício, foi deslaçada a fita áurea-
verde da entrada pelo Dr. Pessoa de Melo, representante do Ministro da
Educação, a que se seguiram orações pronunciadas pela presidente da
Sociedade de Defesa contra a Lepra, local; pelo Dr. Pessoa de Melo como
representante do Ministro Capanema, pelo Dr. Fragelli, presidente do
Conselho Deliberativo da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra, e por Dona Eunice Weaver, que inaugurou os retratos do
Presidente Getúlio Vargas, do Ministro Capanema e do Interventor Julio
ller. Foram os discursos muito aplaudidos. Logo depois o sacerdote
passou as dependências principais do estabelecimento, lançando-lhes
bênção. E em grupos percorreram todo o prédio, verificando-se
verdadeiro entusiasmo entre os mesmos por tudo que viram.
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1943, p.2)
Como referido anteriormente, a construção do Educandário Getúlio Vargas
fazia parte do Plano Nacional de Combate à Lepra. Era a última instituição prevista
no tripé do plano, para atendimento dos filhos sadios dos portadores da lepra. Assim
como a cidade de Campo Grande cedeu o terreno para a construção do leprosário São
Julião em 1937, para o isolamento dos leprosos, a cidade também cedeu o terreno
para a construção do preventório Educandário Getúlio Vargas, que atenderia em
regime de internato os filhos sadios desses doentes internados no leprosário.
Nesse ponto, observa-se que a cidade de Campo Grande foi fundada no fim
do século XIX e teve um rápido crescimento devido a sua localização geográfica. No
início do século XX a cidade tornou-se um centro de comercialização de gado, pois
35
era ponto de encontro entre os boiadeiros que iam para o Triângulo Mineiro e para o
Paraguai, e mais tarde, com a construção da estrada boiadeira, abriram-se novos
mercados para o Paraná e para São Paulo. Outro fato que propiciou o crescimento da
cidade foi a chegada dos trilhos da Noroeste do Brasil, em 1914, que ligou a cidade
às demais regiões do país e abriu novos caminhos para a imigração e oportunidade de
negócios. A ferrovia favoreceu a transferência do eixo econômico Cuiabá - Corumbá,
por meio do rio Paraguai, para Campo Grande - São Paulo.
Outro fato importante que contribuiu para o desenvolvimento da cidade foi a
transferência da Circunscrição Militar de Corumbá para Campo Grande, em 1921.
Com isso, a cidade passou a ser a capital militar do Estado de Mato Grosso. Segundo
Weingartner (1995), com a instalação da Circunscrição Militar em Campo Grande,
os militares vindos de outras regiões do país trouxeram novas idéias e experiências
políticas.
O intenso movimento na estação ferroviária, causado principalmente pela
exportação de gado, madeira e outros produtos, e a importação de produtos
industrializados, contribuiu para o crescimento da arrecadação tributária de Campo
Grande, que em 1930 era de 28% em relação à arrecadação do Estado de Mato
Grosso. Com isso, Campo Grande passou a ser a capital econômica do Estado. Com
todo esse desenvolvimento e crescimento e com a chegada de novos imigrantes, a
população não parava de crescer, aumentando assim as carências e as doenças,
principalmente as contagiosas, como a lepra (CORRÊA, 1999). E, para que a cidade
continuasse a crescer, era de interesse dos governantes do Estado criar meios para
proteger a população sadia dessas doenças. Por esse motivo, as autoridades da cidade
de Campo Grande aderiram ao Plano Nacional de Combate a Lepra, de 1935,
cedendo o terreno para a construção de um leprosário, no ano de 1937, para isolar os
doentes, e mais tarde, em 1941, cedeu terreno para a construção de um educandário,
para atender os filhos sadios dos leprosos.
O Educandário Getúlio Vargas ficou sob a responsabilidade da Sociedade
de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de Campo Grande, que era
subordinada a Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra
a Lepra. Sendo assim, o Educandário ficava sujeito às normas de funcionamento
previstas no regulamento dos preventórios para os filhos sadios dos leprosos,
formulado em 1941.
36
Nos tópicos seguintes será realizada investigação histórica sobre como o
Educandário Getúlio Vargas foi organizado a partir desse regulamento, para atender
os internos no seu primeiro período de funcionamento, que foi de 1943 a 1972.
1.2.1 Perfil dos internos atendidos no Educandário Getúlio Vargas
Neste item será apresentando o perfil das crianças e adolescentes atendidos
na instituição, nesse primeiro período de funcionamento (1943 a 1972). Como se
relatou, a construção do Educandário Getúlio Vargas fazia parte do Plano Nacional
de Combate à Lepra iniciado em 1935, e tinha como objetivo acolher, manter, educar
e instruir os filhos sadios dos leprosos, desde que não tivessem parentes que
dispusessem de recursos para educá-los e mantê-los sob a vigilância sanitária
(MONTEIRO, 1998).
O regulamento dos preventórios, de 1941, determinava os critérios para a
admissão nessas instituições: seriam, primeiramente, atendidas as crianças nascidas
nos leprosários e que eram imediatamente retiradas de seus pais e colocadas nos
berçários dos preventórios. Em segundo lugar, seriam admitidas as crianças que se
encontravam em locais onde havia maior perigo de contágio da lepra e, por fim, os
mais necessitados de assistência e que tinham menor idade (SANTOS, 2006).
Tendo em vista esses critérios, o Educandário Getúlio Vargas iniciou suas
atividades em 1943 com apenas 18 crianças, mas esse número foi aumentando
rapidamente, conforme se pode observar na tabela 2.
Tabela 2 - Procedência e quantidade de internos atendidos no Educandário Getúlio
Vargas -1943 a 1972
Período
São Julião
12
Campo
Grande
Interior
(MT)
Outros
N.D.¹
Quantidade
de atendidos
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
1943-1952
54
34,0
16
10,0
83
52,0
3
2,0
1
0,5
157
100
1953-1962
54
37,0
20
14,0
58
40,0
5
3,5
8
5,5
145
100
1963-1972
23
25,0
18
19,5
46
49,5
4
4,0
0
0
91
100
¹ N.D.- procedência não determinada.
Fonte: Educandário Getúlio Vargas. 1943.
____________
12
Leprosário localizado na cidade de Campo Grande, onde eram isolados os doentes contaminados
pela lepra.
37
Antes de se partir para a análise dos dados da tabela será realizada uma
explicação sobre os itens contidos na mesma. Na coluna São Julião estão os casos de
internos que eram encaminhados pelo leprosário São Julião, entre eles, os recém-
nascidos. O número de internos apontados na coluna Campo Grande eram os
encaminhados pela Secretaria de Saúde de Campo Grande. Como esse era o único
preventório do Estado de Mato Grosso, no item “interior” constam o número de
internos vindos do interior do Estado, encaminhados pelos órgãos de controle da
lepra. Na coluna seguinte (“outros”) estão os casos de internos que foram
encaminhados por outros Estados. Por último estão os casos cujas informações não
estavam disponíveis no livro de registros do Educandário.
No período de 1943 a 1952 foram atendidos, em regime de internato, 157
crianças e adolescentes, sendo 54 (34,0%) vindos do leprosário São Julião, 16
(10,0%) vindos da cidade de Campo Grande, 83 (52,0%) oriundos do interior de
Mato Grosso e 3 (2,0%) internos vindos de outros Estados. No período de 1953 a
1962, o Educandário atendeu 145 internos, sendo 54 (37,0%) encaminhados pelo
leprosário São Julião, 20 (14,0%) internos vindos da cidade de Campo Grande, 58
(40,0%) do interior do Estado de Mato Grosso e 5 (3,5%) internos vindos de outros
Estados. No período de 1963 a 1972, 91 internos foram atendidos, sendo 23 (25,0%)
encaminhados pelo leprosário São Julião, 18 (19,5%) vindos da cidade de Campo
Grande, 46 (49,0%) do interior do Estado de Mato Grosso e 4 (4,0%) internos vindos
de outros Estados.
Como o isolamento em leprosário foi proibido pelo Decreto 968, de 7 de
maio de 1962, o número de internos atendidos no Educandário diminuiu nos anos de
1963 a 1972, mas o fim do isolamento foi acontecendo aos poucos. Com os avanços
dos medicamentos, o paciente que começava a ser medicado não era mais
considerado um doente contagioso, portanto, não precisava mais ser isolado em
instituições especiais para se tratar. Sendo assim, as crianças não precisavam mais
serem retiradas do convívio com seus pais, e esse fato gerou a diminuição no número
de crianças internadas nos educandários (CUNHA, 2005).
Durante todo o período de sua inauguração até aqui, o Educandário atendeu
meninos e meninas, ao mesmo tempo, oferecendo algumas atividades diferenciadas.
Os dormitórios eram separados, um pavilhão para os meninos e outro para as
meninas, essas últimas juntamente com as crianças menores de 5 anos de idade. De
acordo com o regulamento dos preventórios de 1941, a idade máxima para dar
38
entrada na instituição seria de 15 anos de idade para os meninos e 18 anos de idade
para as meninas.
Os critérios para a saída do preventório também estavam previstos no
regulamento e seriam: o falecimento, a retirada por pessoa da família, ou pessoa
autorizada, o contágio da lepra, a maioridade (que seria 18 anos de idade para os
meninos e 21 anos de idade para as meninas), a colocação em um trabalho, o
casamento e a indisciplina do interno. Neste último caso, o interno seria expulso da
instituição se tivesse mais de 15 anos de idade, desde que tivesse parentes ou outras
pessoas que tivessem condições para cuidar do mesmo, mas este ainda ficaria sob a
vigilância das autoridades sanitárias. Segundo Santos (2006, p. 74), o conteúdo do
regulamento dos preventórios “tinha forte caráter pedagógico autoritário”. As normas
eram bastante rigorosas para os internos, principalmente para os que se
comportassem mal, os mesmos seriam repreendidos e impedidos de participarem de
passeios, festas, jogos e brincadeiras. A rotina dos internos era bem definida e devia
ser seguida por todos. Em relação à saída dos internos do Educandário Getúlio
Vargas, pode ser observada a tabela 3:
Tabela 3 - Saída dos internos do Educandário Getúlio Vargas - 1943 a 1972
Período
Retirado por
familiares
Retirado
pessoa
autorizada
Transfe-
rido
Maiori-
dade
Faleci-
mento
Fuga
N.D¹
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
1943-1952
64
41,0
37
23,5
10
6,0
18
11,5
25
16,0
1
0,5
2
1,0
1953-1962
74
51,0
20
14,0
6
4,0
14
9,5
29
20,0
2
1,0
0
0,0
1963-1972
51
56,0
6
6,5
5
5,5
21
23,0
3
3,0
0
0,0
5
5,5
¹ N.D- causa da saída não determinada.
Fonte: Educandário Getúlio Vargas. 1943.
No período de 1943 a 1952, retornaram para suas famílias 64 (41,0%)
internos; 37 (23,5%) internos foram retirados por pessoa autorizada, 10 (6,0%) foram
transferidos para outras instituições; 18 (11,5%) saíram ao completarem a
maioridade; 25 (16,0%) faleceram e apenas uma fuga (0,5%) foi registrada. No
período de 1953 a 1962, 74 (51,0%) internos foram retirados por seus familiares; 20
(14,0%) foram retirados por pessoa autorizada; 6 (4,0%) internos foram transferidos
para outras instituições; 14 (9,5%) saíram ao completarem a maioridade; 29 (20,0%)
faleceram e 2 (1,0%) internos fugiram. No período de 1963 a 1972, 51 (56,0%)
39
internos foram retirados por seus familiares; 6 (6,5%) foram retirados por pessoa
autorizada; 5 (5,5%) foram transferidos; 21 (23,0%) saíram ao completarem a
maioridade e 3 (3,0%) internos faleceram.
Como pode ser observado, durante os anos de 1943 a 1972, foram
registrados 189 casos de internos que retornaram para sua família de origem. As
crianças internadas na instituição, como já dito anteriormente, eram afastadas de seus
pais por motivo de doença, no entanto, assim que os familiares podiam, retornavam
ao Educandário para buscar suas crianças.
O alto número de casos de falecimentos, 57 casos, estava relacionado ao
período em que o leprosário São Julião encaminhava os filhos recém-nascidos dos
doentes ao preventório, principalmente entre os anos de 1943 a 1962, período que
antecedeu a proibição do isolamento dos leprosos e o afastamento dos filhos sadios.
Os recém-nascidos encaminhados pelo leprosário São Julião tinham pouca chance de
sobreviverem, devido à precária situação daquele momento
13
. Muitos deles morriam
antes mesmo de completarem um ano de vida, e os que não eram retirados por outros
membros da família que não portavam a doença, acabavam perdendo o contato com
seus familiares, permanecendo no Educandário até conseguirem uma colocação em
outra família, ou até alcançarem a maioridade.
Os casos de transferência de internos estavam relacionados à transferência
para outras instituições para fazerem tratamento de saúde, ou a transferência para as
Forças Armadas da cidade, no caso dos meninos.
Segundo Monteiro (1998), sair dos preventórios não era uma tarefa fácil,
mesmo para os internos que tinham alcançado a maioridade, que em muitos casos,
não tinham para onde ir. O distanciamento da família e de outros agrupamentos
sociais fazia com que os internos tivessem grandes dificuldades para viver fora dos
preventórios. Havia uma série de exigências para o interno conseguir sair do
preventório, mesmo quando eram os familiares que solicitavam o pedido de retirada,
pois estes deveriam provar que tinham condições para manter a criança, e, mesmo
assim, o Departamento de Profilaxia da Lepra, que era o responsável por dar a
autorização, poderia negar o pedido se assim julgasse melhor. A questão da saída dos
internos era bastante discutida devido à preocupação com o contágio da lepra.
____________
13
Os recém-nascidos eram enviados ao preventório assim que nasciam, independente do horário.
Então, muitas vezes chegavam no meio da noite, sem serem alimentados e sem terem tido os
primeiros cuidados básicos necessários para sobreviverem.
40
1.2.2 Perfil do atendimento oferecido pelo Educandário Getúlio Vargas
Em meados da década de 1930 começaram a ser construídos os preventórios
para o internamento dos filhos sadios dos leprosos em todo o país. Acreditava-se que
a criança que já tinha tido contato com um leproso teria maior chance de desenvolver
a doença, sendo assim, deveria ficar em uma instituição especial onde seriam
examinadas periodicamente. Essas crianças não poderiam ser atendidas em outros
internatos existentes, mas sim, receberiam atendimento nos preventórios, onde
seriam internados os filhos de leprosos. No próprio regulamento interno dos
preventórios era previsto que a criança não poderia sair do mesmo durante os seis
primeiros anos de internamento (MONTEIRO, 1998).
Como essas instituições tinham caráter preventivo, localizavam-se longe dos
centros das cidades, isolados, como era de se esperar em instituições dessa natureza.
Sendo assim, o atendimento às crianças era realizado no próprio local. Constava no
regulamento dos preventórios, de 1941, como deveria ser o atendimento nos
preventórios e quais profissionais atuariam no mesmo. Essas instituições contariam
com: um médico clínico pediatra, que seria o responsável por examinar
semanalmente os internos, orientando o seu desenvolvimento físico; um médico
dermato-leprólogo, que seria o responsável pela vigilância dos internos em relação
ao possível contágio da lepra, sendo que este médico deveria examinar mensalmente
o interno durante os três primeiros anos de internamento; um dentista; um
enfermeiro; um educador que seria o responsável pelo ensino dos internos e um
agrônomo para orientar o trabalho com o cultivo das terras (SANTOS, 2006).
Sobre o ensino dos internos estava previsto no regulamento que seria
constituído de jardim de infância, primário, escola doméstica em todas as atividades,
uma pequena lavoura, trabalho de campo, artes e ofícios. O trabalho era visto como
um importante instrumento disciplinador. Segundo Monteiro (1998), acreditava-se
que trabalhando os internos se tornavam mais dóceis e, conseqüentemente, mais
fáceis de serem administrados. O regulamento dos preventórios indicava que os
internos do sexo feminino se ocupariam com os trabalhos domésticos e os internos
do sexo masculino se ocupariam com os trabalhos de campo, jardinagem, horta e
pomar. Sobre a remuneração, era previsto que somente os internos maiores de 16
anos de idade receberiam em torno de 30% do salário de um empregado. Sendo
assim, a intenção era que o trabalho dos internos contribuiria para a manutenção do
41
Educandário, visto que a maior parte dos trabalhos seriam realizados pelos próprios
internos, diminuindo assim as despesas com a contratação de funcionários.
Fundamentado nesse regulamento que estabelecia como tripé para a
assistência a ser oferecida pelo preventório, a questão sanitária, a escolarização e a
educação para o trabalho, o Educandário Getúlio Vargas iniciou seu atendimento em
1943, contando com um diretor interno e uma assistente geral que moravam na
instituição.
Para o atendimento sanitário, nos primeiros anos, alguns médicos faziam os
exames mensalmente
14
. No início da década de 1950 os internos passaram a ser
atendidos diariamente por uma enfermeira e o médico pediatra passou a atendê-las
duas vezes por semana. Posteriormente, passaram a receber atendimento
odontológico, sendo instalada no início dos anos 1960 uma sala para esses
procedimentos.
Eventualmente, no ano de 1962, devido a uma forte epidemia de sarampo,
foram realizadas visitas aos médicos pediatras da cidade, pedindo-lhes uma maior
assistência às crianças do Educandário. Com isso, o preventório passou a contar com
três médicos pediatras. Em conseqüência desse aumento no número de médicos, foi
organizado novo fichário clínico, e instalação de uma sala apropriada para o
atendimento. O mesmo se deu com a Associação dos Dentistas de Campo Grande,
que enviou três dentistas para fazerem um levantamento do serviço dentário das
crianças do Educandário, no ano de 1968. Conforme o resultado dessas medidas
passou a ser necessário mais um dentista para atender as crianças.
Além disso, seguindo o protocolo de 1941, todas as crianças que chegavam
ao Educandário eram sujeitas a exames médicos e educacionais, e se apresentassem
algum problema de saúde eram tratadas em instituições especializadas. O protocolo,
apesar das mudanças no tratamento da lepra, ainda era seguido no final dos anos de
1960. Mesmo com a proibição do isolamento dos doentes pelo Decreto 968, de
1962, muitos deles continuaram a morar nos leprosários, pois não tinham condições
de conseguir moradia em outro local. Sendo assim, os doentes viviam em regime
semi-aberto nos leprosários, podendo visitar seus filhos nos preventórios. Não eram
todas as crianças que recebiam a visita de seus pais, algumas delas nem conheceram
suas famílias, ou tiveram seus laços encerrados com a internação no Educandário.
____________
14
Não existem informações mais precisas sobre a origem desses profissionais, mas, dado o caráter
filantrópico da instituição, tudo indica que se tratava de serviço voluntário.
42
Ainda em 1971, contudo, era fortemente debatida a questão das visitas dos pais
leprosos aos seus filhos internados no preventório e, também, da visita dos filhos aos
seus pais no leprosário São Julião
15
. Temia-se que essas visitas contribuíssem para a
disseminação da doença, mas as visitas não eram proibidas, e, apesar das discussões,
estas continuaram acontecendo. (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1965 a
1971).
No que diz respeito à escolarização, apenas em 1956, o Educandário Getúlio
Vargas conseguiu autorização da Federação para reformar um compartimento isolado
da instituição para ser utilizada como sala de aula para os internos. A instrução
primária era realizada no próprio Educandário, como estava previsto no regulamento
dos preventórios de 1941. Nos anos anteriores a essa reforma os internos recebiam a
instrução primária dentro do próprio pavilhão em que moravam, não tendo uma sala
própria para tal atividade. Alguns meninos maiores, contudo, eram matriculados em
cursos profissionalizantes no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
Nesse mesmo período uma menina foi matriculada no Curso de Auxiliar de
Enfermagem, em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, vaga esta conseguida pela
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra; as
demais meninas realizavam os serviços domésticos e ajudavam a cuidar das crianças
menores.
No dia 10 de outubro de 1957, na sede do Educandário, realizou-se a
inauguração do Jardim de Infância “Adelina Ponce de Arruda”. Neste dia a
professora Maria Constança de Barros Machado saudou em nome da diretoria as
senhoras Eunice Weaver e Adelina Ponce de Arruda, lembrando suas obras na
profilaxia da lepra no Brasil e no Estado de Mato Grosso. A creche era atendida por
duas professoras e pelas internas mais velhas (EDUCANDÁRIO GETÚLIO
VARGAS, 1941 a 1963).
Quanto ao lazer, em 1961 foi inaugurada a Praça dos Esportes do
Educandário Getúlio Vargas, para incentivo aos internos. O campo de esportes foi
construído com verbas angariadas em campanhas especiais para tal fim. Segundo
____________
15
Desde o início da construção dos preventórios a questão das visitas era fortemente discutida. O
regulamento dos preventórios estabelecia que qualquer comunicação com os internos seria
realizada mediante autorização da Sociedade mantenedora do preventório, devendo ser evitadas ao
máximo o contato do interno com o leproso, para se evitar a contaminação, e todas as pessoas que
realizassem visitas aos internos seriam enquadradas na categoria de comunicantes tendo que se
submeter a exames periódicos realizadas pelos dispensários. As visitas tinham dias e horas
previamente fixados e os visitantes eram obrigados a apresentar a carteira, provando estar em dia com
os exames feitos nos dispensários (MONTEIRO. 1998).
43
Santos (2006), nos preventórios os internos poderiam ter acesso aos esportes, áreas
de lazer e podiam formar grupo de escoteiros, além do ensino formal. Além disso, os
alunos que se destacavam nos esportes ganhavam bolsas de estudos dos colégios da
cidade.
O grande campo educativo, contudo, como frisado anteriormente, seria o
trabalho, por isso, a maior parte das iniciativas da administração do Educandário
relacionava-se a isso. Complementarmente era sempre enfatizado o auxílio
financeiro dessas atividades para a manutenção da instituição. Nesse sentido, ainda
na década de 1950 foi instalada uma oficina de carpintaria, cujas máquinas e
acessórios haviam sido adquiridos para ensinar tal oficio aos meninos maiores.
Visando a ocupação do tempo dos internos, e, também para contribuir com a despesa
interna da instituição, foi mandado arar o terreno do preventório para o plantio de
feijão e mandioca.
Outros adolescentes eram encaminhados para o aprendizado de sapataria,
colchoaria e corte e costura. Algumas empresas de Campo Grande ofereciam vagas
aos internos para aprendizado de ofícios. Os professores especializados para ensinar
atividades industriais e agrícolas eram encaminhados pelas administrações públicas
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963).
No mesmo sentido, em 1962, duas moças internas no Educandário foram
matriculadas no curso de enfermagem, patrocinado pela Clínica Campo Grande.
Igualmente, em 1963, uma moça interna, maior de idade, pediu permissão para
deixar o Educandário e se empregar. A diretoria aceitou o pedido de permissão,
arranjado-lhe um emprego no corpo de enfermagem da Clínica Campo Grande e uma
residência para morar temporariamente até conseguir se estabilizar. Visando o
encaminhamento para a vida fora da instituição, a diretoria do Educandário buscava
conseguir vagas para os adolescentes internos aprenderem alguma profissão, e para
isso contavam com a colaboração dos empresários da cidade, como visto acima.
Sempre que algum interno maior de idade manifestasse sua vontade de sair
do educandário, a diretoria discutia a possibilidade e organizava essa saída. Se
julgassem que o interno não tinha capacidade para sair naquele momento, não
permitiam que o mesmo deixasse a instituição. O mesmo acontecia com as crianças
quando alguém da família, ou outra pessoa, pedia para retirá-las do Educandário.
Essa permissão era dada quando a diretoria considerasse que tal criança ou
44
adolescente estaria bem acomodada fora do preventório (EDUCANDÁRIO
GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963).
Atuando ainda no mesmo sentido da formação para o trabalho, a horta do
preventório, em 1967, estava obtendo resultados, produzindo de 20 a 25 quilos de
tomate por mês, usados para o consumo das crianças, bem como alface, cenoura,
chuchu e beterraba. O aviário também produzia uma média de 2 ovos semanais para
cada criança interna. A carpintaria estava funcionando graças ao trabalho de um
interno do Educandário que havia feito curso no Senai, fazendo reformas de móveis.
No ano seguinte, esse mesmo interno saiu do Educandário e foi morar em Cuiabá,
onde havia encontrado um emprego. A diretoria do Educandário procurava
colocação em emprego para mais três internos formados em técnico de manutenção,
torneiro mecânico e mecânico de motor, cursos esses oferecidos pelo Senai.
Na perspectiva do regulamento dos preventórios de 1941, que pressupunha a
assistência integral à criança e ao adolescente no internato, a direção do Educandário
Getúlio Vargas também dava especial atenção à formação moral, por meio do
atendimento religioso. Desde a fundação do Educandário Getúlio Vargas, contudo,
até meados dos anos de 1950, havia uma disparidade de cultos religiosos permitidos
na instituição e isso afetou alguns membros da diretoria que se viam contrários a tal
situação, pedindo para que apenas a religião católica fosse permitida dentro do
Educandário. A orientação religiosa sempre existiu, mas intensificou-se na década de
1970 com o curso de preparação religiosa para os internos. Exemplo disso é que
sempre que uma moça se casava a diretoria do Educandário preparava seu enxoval e
realizava a cerimônia religiosa na instituição. No decorrer da história da instituição
ficou clara a escolha pela religião católica, pelos membros da diretoria, para ser
ministrada para os internos. A questão religiosa era muito forte entre as mulheres que
faziam parte da diretoria do Educandário, pois acreditavam que era através da que
conseguiriam educar as crianças internas e continuar desenvolvendo suas obras de
caridade.
Da mesma forma, a modalidade de atendimento prestado nesse primeiro
momento, de 1943 a 1972, redundou no isolamento efetivo dos internos. Seu contato
com a sociedade campo-grandense dava-se quando os adolescentes saiam para
estudar ou para aprender alguma atividade lucrativa. No caso das crianças era mais
complicado, pois estudavam no próprio Educandário e todos os demais atendimentos
45
eram realizados dentro do mesmo, então o contato com a sociedade era quase
inexistente (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963).
1.2.3 A organização interna do Educandário Getúlio Vargas
O Educandário Getúlio Vargas, fruto das campanhas desenvolvidas pela
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra para o
atendimento aos filhos sadios dos portadores da doença, tinha caráter filantrópico e
sua diretoria prestava serviço voluntário. A presidência das Sociedades de
Assistência aos Lázaros das cidades era responsável por orientar o trabalho nos
preventórios de sua responsabilidade. A diretoria dessas Sociedades firmava acordos
com os Serviços Estaduais de Profilaxia da Lepra para obter os médicos leprólogos-
dermatologistas, que ficariam responsáveis pela vigilância sanitária dos internos. As
recomendações dos médicos deveriam ser seguidas rigorosamente pelos
administradores dos preventórios. Também era de responsabilidade da diretoria das
Sociedades solicitar aos poderes públicos os funcionários necessários para atuarem
nos educandários. A manutenção da instituição provinha de contribuições
particulares e dos governos federal, estadual e municipal (SANTOS, 2006).
A diretoria da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra
de Campo Grande era composta pela Presidência, vice-presidência, secretaria e
tesouraria; e todos os cargos eram ocupados por voluntárias. Ocupavam os cargos da
diretoria: mulheres da sociedade campo-grandense, em sua maioria, ligadas aos
representantes políticos da cidade, sobretudo à burguesia agrária e comercial, além
daquelas relacionadas às camadas médias (funcionalismo público, profissionais
liberais etc). De acordo com Bittar (1999), enquanto essas entidades filantrópicas
eram dirigidas por essas mulheres, o Estado se sentia desobrigado de intervir nessa
área da assistência, pois essas atividades representavam maiores encargos financeiros
para o poder público.
No Estado do Mato Grosso, assim como em outras regiões brasileiras, até os
primeiros anos do século XX o Estado não assumia a questão social, em todas as
suas facetas, como uma política que precisava ser definida e elaborada, como
assumiu em outras áreas da educação e da saúde. Sendo assim, os governantes viam
aspectos da questão social como o combate à lepra como um mal que a própria
sociedade civil precisava atender. Apenas a partir dos anos de 1930, visando o
46
progresso e o desenvolvimento do país, o Estado começou a intervir paulatinamente
nas questões sociais como, por exemplo, regulamentando as leis trabalhistas
(BITTAR, 1999). No caso do combate à lepra, contudo, parte da assistência tornou-
se pública os leprosários e dispensários e parte dela continuou a depender da
filantropia os preventórios.
Por isso, a diretoria da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra tinha como função arrecadar fundos para a manutenção do
Educandário Getúlio Vargas, bem como encaminhar o trabalho no mesmo.
Inicialmente a diretoria tinha pouco contato com os internos no Educandário, que
as reuniões eram realizadas nos clubes da cidade ou nas casas dos membros da
mesma. A eleição para a diretoria da Sociedade da Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra de Campo Grande acontecia de dois em dois anos e era comum que as
mesmas integrantes permanecessem por vários anos na diretoria.
Exemplificando o tipo de trabalho organizado pela direção da entidade, em
1950 a diretoria dividiu-se em pequenos grupos para realizarem visitas ao
preventório com o intuito de organizarem o cardápio dos internos para cada dia da
semana, bem como para estabelecer as regras de convívio. Para solucionar os
problemas mais urgentes do Educandário foram organizadas três comissões: uma
para orientação da alimentação e cozinha; outra para a fiscalização dos serviços de
rouparia; e a última para a direção e fiscalização da horta (EDUCANDÁRIO
GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963).
Para melhorar essa organização, foram realizadas algumas reformas e
instalações no prédio, tais como: instalação de luz no pavilhão dos internos maiores;
instalação de auto-falante para entretenimento das crianças; calçamento da entrada
do edifício e do pátio interno; conserto da geladeira, que não estava funcionando.
Também foram angariados donativos para as crianças, como brinquedos usados,
velocípedes e bicicletas para os adolescentes que faziam curso no Senai. Diariamente
um membro da diretoria, em companhia da Presidente, fazia uma visita ao
Educandário para verificar o andamento dos trabalhos e providenciar o que fosse
necessário.
Ainda nos anos de 1950, o rigor do frio que se abateu na cidade fez com que
a diretoria do Educandário promovesse uma campanha imediata para arrecadar
agasalhos para os internos. Todas as campanhas realizadas eram discutidas entre os
membros da diretoria e, posteriormente ao evento, era realizada uma reunião para
47
apresentação dos resultados e discussão da melhor forma de se empregar o que havia
sido arrecadado. Nesse período, era muito comum a realização de promoções como
festas, bingos e rifas, para angariar fundos para a manutenção do preventório.
Também era comum a doação em dinheiro feita por pessoas da sociedade campo-
grandense, bem como heranças deixadas para a instituição. Outra fonte de
arrecadação do Educandário Getúlio Vargas era os selos de São Damião que eram
vendidos junto ao comércio, às escolas e aos quartéis da cidade (EDUCANDÁRIO
GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963).
Todas as festividades, tais como dia das crianças, Natal, entre outras,
realizadas no Educandário para as crianças internas, eram feitas com donativos
arrecadados junto à sociedade. A verba enviada pela Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra não era suficiente para realizar todas
as atividades do Educandário, portanto, as promoções e doações eram necessárias
para compor essas atividades. Muitas pessoas físicas e jurídicas da sociedade campo-
grandense faziam doações em dinheiro ou em objetos para o preventório. Por várias
vezes, a diretoria do Educandário fez registros agradecendo as contribuições:
[...] queremos deixar fixado nesta página (para que no futuro seja sempre
lembrado com reconhecimento) o nome do Snr. Tarcísio Dal Farra que,
com essa valiosa oferta, propiciou as crianças do Educandário, uma série
de benefícios. Que Deus o abençoe! Que toda sua bondade em favor dos
meninos do preventório, se reverta em graças para a felicidade dos seus.
E, que seu nome aqui deixado seja uma homenagem que perpetuará para
os vindouros, a lembrança do seu ato humanitário (EDUCANDÁRIO
GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963. p.50).
A citação acima é um exemplo de agradecimento que era registrado. Sempre
que recebia uma grande doação fazia-se um oficio de agradecimento. As doações,
como dito anteriormente, eram de fundamental importância para a manutenção do
Educandário, visto que as verbas públicas e da Federação não eram suficientes para
manter a instituição.
Como exemplo da importância dos donativos, no fim do ano de 1962 foi
realizada uma campanha entre estabelecimentos bancários, comerciais e de outros
setores em Campo Grande, visando obter materiais como colchões e lençóis para a
creche; agasalhos para os internos mais velhos e pijamas para as crianças da creche;
além de roupas brancas para as meninas internas maiores e saias de mescla com
blusas, para todas as meninas. Também foi formada uma comissão que percorreu os
açougues e padarias da cidade solicitando auxílio na alimentação dos internos no
48
Educandário. Com os resultados das doações, em 1963 o Educandário teve seus
pavilhões reformados. Ainda no ano de 1963, a diretoria do Educandário Getúlio
Vargas passou a ser composta por membros do Rotary Club de Campo Grande
16
. No
ano de 1965, o gabinete dentário do Educandário foi reformado e ampliado com
compressor, estante esterilizada, motor de alta rotação, para melhorar o atendimento
no setor, o que foi possível graças a donativos recebidos.
A presidência da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a
Lepra de Campo Grande fiscalizava o trabalho dos funcionários internos do
preventório, e sempre que algum deles não desempenhava suas funções de acordo
com o encaminhamento da diretoria, tal funcionário era substituído, após ser enviado
um comunicado a Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra. As Sociedades locais escolhiam os funcionários para realizarem os
trabalhos internos nos preventórios, mas deviam informar a situação para a
Federação.
Com o intuito de aumentar a comunicação da diretoria com os funcionários
foi instalada uma linha telefônica no prédio do Educandário no ano de 1960. Como já
nos referimos em momentos anteriores, o contato da diretoria com os funcionários e
com os internos era escasso. Ainda nessa década, para melhorar a disciplina dos
internos no Educandário, foi elaborado um regulamento para reger as normas de
procedimentos de todos os funcionários e internos. Reforçando a postura da
instituição, a Presidente da Federação, em visita ao Educandário, recomenda a
prática de esportes entre os internos, o exercício da boa leitura, o aprendizado de
artes e ofícios, principalmente o incentivo à lavoura e horticultura, bem como o
aprendizado dos trabalhos manuais por parte das mulheres. Após os anos de 1970
esse contato aumentou, pois as reuniões da diretoria passaram a ser, salvo algumas
exceções, no prédio do Educandário (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1941
a 1963).
Em 1970, visando melhorar o atendimento no Educandário, foram formadas
comissões para sua administração, tais como comissão de estudos, comissão de
trabalhos manuais, comissão de palestras e ensino religioso, comissão de higiene e
____________
16
O Rotary Club é uma instituição filantrópica que atende as pessoas carentes, com aparelhos
ortopédicos, cadeiras de rodas, entre outras (BITTAR, 1999). O Educandário ficou sob sua
responsabilidade por dez anos, finalizando esse período no ano de 1973. Durante esses anos a diretoria
do Educandário era a mesma diretoria do Rotary Club, sendo as campanhas de arrecadação realizadas
em benefício das duas instituições (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1965 a 1971).
49
primeiros socorros, comissão do jardim de infância e comissão de culinária. As
responsáveis por cada comissão faziam parte da diretoria do Educandário, e tinham
como objetivo cuidar mais especificamente das tarefas que lhe foram confiadas.
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1965 a 1971).
A maior complexidade e a maior organização das tarefas administrativas
levaram à elaboração do regimento interno do Educandário Getúlio Vargas, aprovado
em 1968. Constava, em seu artigo 4°, que o diretor interno deveria ser de preferência
homem e professor, sendo suas atribuições citadas no artigo 6°, tais como manter a
administração interna e a disciplina dos internos maiores de 12 anos, incentivar entre
os meninos o gosto pelas atividades da terra e manter sob seu controle a dispensa e o
almoxarifado da instituição. No parágrafo único do artigo 8°, a assistente geral
deveria ser do sexo feminino e ligada ao magistério, com conhecimentos gerais sobre
psicologia infantil, pois seria de sua responsabilidade as crianças menores de 12 anos
e as moças, bem como deveria dirigir os serviços de cozinha, lavanderia, berçário,
corte e costura. Foi previsto no artigo 14° que os horários de aulas e atividades
escolares seriam determinadas pela diretoria do Educandário, e no artigo 15° consta
que os programas extra-curriculares seriam organizados pelo diretor interno e pela
assistente geral, para que todo o tempo dos internos fosse preenchido, evitando-se
assim a ociosidade. No artigo 18 consta que, se necessário, o educandário poderia
firmar convênio com o Poder Público (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS,
1965 a 1971).
Nota-se, assim, que a organização interna do Educandário Getúlio Vargas
foi se tornando mais complexa; e passou a exigir, por um lado, uma dedicação maior
da diretoria, para além do voluntariado; e por outro, maior consolidação entre os
funcionários, técnicos, dedicados exclusivamente às tarefas envolvidas na
administração da instituição.
1.2.4 A relação do Educandário Getúlio Vargas com a Federação das Sociedades
de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra
Como observado, a Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros
e Defesa contra a Lepra foi fundada em 1932, por Alice Tibiriçá, e tinha como
objetivo inicial coordenar as atividades das Sociedades existentes e estimular a
criação de mais Sociedades em outras regiões, visando ampliar a campanha em todo
50
o território nacional, conforme já se relatou anteriormente. O objetivo da Federação e
de suas filiadas era angariar fundos para a assistência aos leprosos e suas famílias,
mas esse objetivo modificou-se a partir de 1935, com a posse da nova presidente da
Federação, Eunice Weaver.
Durante sua gestão, Eunice Weaver buscou apoio governamental firmando
um acordo entre a Federação e o governo federal, onde a Federação ficaria
responsável, especificamente, pela criação e instalação dos preventórios para os
filhos sadios dos leprosos e o governo ficaria com a responsabilidade de atender os
doentes e os comunicantes. Com esse acordo, a Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra passou a ser considerada parte
fundamental do Plano Nacional de Combate à Lepra, de 1935; e a única instituição
filantrópica autorizada a angariar fundos para a campanha de combate a lepra. Todas
as sociedades filantrópicas do país que quisessem continuar nessa campanha
deveriam se filiar a Federação. Até mesmo a verba do governo federal destinada aos
filhos sadios dos leprosos era enviada à Federação, que era a responsável por fazer o
repasse entre suas filiadas (SANTOS, 2006).
As Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra eram
subordinadas à Federação e eram responsáveis por manter e orientar os trabalhos nos
preventórios de sua cidade. Era a Federação que definia o regulamento dos
preventórios e as Sociedades filiadas tinham como objetivo a manutenção do
preventório de sua responsabilidade, que deveria funcionar de acordo com esse
regulamento, além de manter a Federação sempre informada sobre o andamento de
suas atividades. Ainda com o intuito de orientar o trabalho de suas filiadas, a
presidente da Federação fazia visitas a todos os preventórios do país.
O Educandário Getúlio Vargas ficou sob a responsabilidade da Sociedade
de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de Campo Grande. Portanto, o
Educandário seguia as normas previstas no regulamento dos preventórios e recebia
uma verba anual para a sua manutenção. Com relação a Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, nos foi relatado em entrevista, por
um membro da diretoria, tanto em relação ao passado da instituição como ao seu
presente:
Somos filiados a Federação, enviamos relatórios anuais contendo todas as
atividades desenvolvidas no Educandário. Seguimos o regulamento
formulado pela Federação e recebemos uma verba anual para ajudar na
manutenção da instituição (ENTREVISTA A, 2009).
51
Sendo assim, eram freqüentes as visitas de representantes da Federação ao
Educandário para verificar a situação de funcionamento do mesmo e orientar seus
trabalhos, conforme se verá a seguir.
Após a primeira visita por ocasião de sua inauguração, em 1943, o
Educandário Getúlio Vargas recebeu a visita da Presidente da Federação das
Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, Eunice Weaver, em
1950. Durante todo o período em que ocupou o cargo de Presidente da federação,
Eunice Weaver realizava visitas a todos os educandários do país, periodicamente,
para verificar qual era a situação dos mesmos. Durante essas visitas, os responsáveis
pelo Educandário faziam uma explanação da situação do preventório deixando-a a
par de todas as atividades realizadas, bem como dos problemas mais urgentes. Os
assuntos relacionados ao cotidiano do Educandário eram sempre discutidos e
resolvidos pelos membros da diretoria da Sociedade de Assistência aos zaros e
Defesa contra a Lepra de Campo Grande, porém quando algo era muito grave ou
quando havia uma discordância entre os membros, tais assuntos eram levados ao
conhecimento da presidente da Federação para serem resolvidos por ela.
Novamente em visita ao Educandário, em 1952, Eunice Weaver expôs a
necessidade da visita do médico pediatra pelo menos duas vezes por semana, devido
ao grande número de crianças internadas no preventório. Também solicitou a
vacinação com BCG, principalmente nos recém-nascidos que para eram levados.
Outra dificuldade evidenciada por Eunice Weaver era que as crianças que nasciam
no leprosário eram imediatamente encaminhadas para o preventório, independente do
horário de seu nascimento e muitas vezes chegavam sem nenhuma identificação,
cabendo ao Educandário ter que ir ao leprosário para saber a origem da criança. Por
esse motivo, a Presidente da Federação decidiu organizar esse encaminhamento para
os preventórios, colocando algumas regras para tal.
Naqueles anos muitos recém-nascidos morriam após alguns dias ou meses
de vida, devido à precariedade da situação em que viviam. Frente a isso, Eunice
Weaver pediu para ser informado ao Diretor do leprosário São Julião que daquele
momento em diante a instituição não receberia mais os recém nascidos no período da
noite, e somente poderiam ser internados no Educandário aqueles que viessem
acompanhados da guia e da ficha de identidade, quer viessem do leprosário ou do
dispensário (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1941 a 1963).
52
Frente ao papel mediador da Federação junto aos poderes públicos, durante
esse primeiro período de funcionamento do Educandário Getúlio Vargas (1943-
1972), a relação com a Federação era constante. Por isso, periodicamente, a
presidente da Federação fazia visitas ao Educandário para verificar sua situação e
orientar os trabalhos internos no preventório.
1.2.5 A relação do Educandário Getúlio Vargas com o Estado
O Plano Nacional de Combate a Lepra, de 1935, baseava-se no tripé:
leprosário, dispensário e preventório, como já vimos anteriormente. Ficou sob a
responsabilidade do Governo Federal a construção e manutenção dos leprosários, os
dispensários ficaram sob a responsabilidade dos serviços sanitários estaduais e os
preventórios ficaram sob a responsabilidade das Sociedades de Assistência aos
Lázaros e Defesa contra a Lepra congregadas na Federação (SANTOS, 2006).
Sendo assim, nesse primeiro período de funcionamento do Educandário
Getúlio Vargas a participação do Estado foi pequena. Apenas em alguns momentos o
governo estadual e municipal contribuiu com a instituição. Como relatado
anteriormente, a verba federal destinada aos preventórios era enviada para a
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, e esta
fazia o repasse para as suas filiadas. Já as contribuições dos governos estaduais e
municipais, de caráter eventual, eram feitas diretamente à Sociedade de Assistência
aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de Campo Grande, conforme será visto a seguir.
Nos primeiros anos de funcionamento do preventório, em meados da década
de 1940, o Educandário Getúlio Vargas enfrentava dificuldades com relação ao
abastecimento de água do prédio, então foi solicitado ao prefeito da cidade auxílio
para tal problema. Este contribuiu cedendo o carro de água diariamente, porém a
gasolina deveria ser custeada pela Sociedade de Assistência aos Lázaros. Apesar
dessa providência ter sido de caráter provisório, esse problema no abastecimento da
água foi solucionado no início dos anos 1950. Num outro exemplo da relação do
Educandário com o governo local, em 1966 o prefeito da cidade doou ao
Educandário 100 mudas de árvores para serem plantadas no preventório e mais uma
quantia em dinheiro.
Dois anos depois, em 1968, uma equipe formada por psicólogas aplicou um
teste para verificar o desenvolvimento intelectual das crianças do Educandário.
53
Segundo as psicólogas o resultado foi insatisfatório, sendo assim, sugeriram a
reorganização e atualização do ensino, a contratação de professores especializados no
jardim de infância, uma recreação melhor orientada e a nomeação de uma
coordenadora para supervisionar ou suplementar o trabalho da diretora da escola do
Educandário. Então a supervisora chefe da Secretaria de Educação da Prefeitura
Municipal de Campo Grande passou a orientar os professores do Educandário,
quinzenalmente; a prefeitura também doou 20 carteiras individuais para a escola da
instituição.
Com a aprovação do regimento interno do Educandário, em 1968, começou
uma nova relação do Educandário com o Estado, que foi previsto no artigo 18 do
regimento que, se fosse necessário, o Educandário poderia firmar convênio com o
poder público. Sendo assim, no ano seguinte, o Educandário firmou convênio com a
Prefeitura para dar assistência educacional para o mesmo. Em seguida a Secretaria de
Ensino pediu para o Educandário legalizar a parte jurídica da escola para a mesma
ser municipalizada, respeitando-se o patrimônio do Educandário. Com a
municipalização da Escola, o Educandário contratou duas professoras que ficaram
responsáveis pelo acompanhamento das tarefas escolares com as crianças, no contra
turno do horário escolar (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1965 a 1971).
Como se pôde observar nesse primeiro capítulo, o Educandário Getúlio
Vargas foi fundado para atender os filhos sadios dos leprosos, em regime de
internato. A manutenção do Educandário ficou dependente da verba anual enviada
pela Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra e
das verbas angariadas com as campanhas, junto aos munícipes de Campo Grande. A
participação governamental foi pequena. Durante todo esse primeiro período, de
1943 a 1972, as doações da população da cidade de Campo Grande, foram
fundamentais para manter o preventório. Todas as festas realizadas na instituição,
os presentes que as crianças recebiam nas épocas de Natal e dia das crianças, bem
como as reformas no prédio do Educandário foram feitas com as verbas de doações.
Da mesma forma, durante todo o período, a administração da entidade esteve a cargo
de voluntárias, pertencentes a extratos sociais direta ou indiretamente ligados às
classes dominantes de Campo Grande.
CAPÍTULO II
O Educandário Getúlio Vargas (1973 1992)
Viu-se no capítulo anterior que ao longo da história da assistência aos
leprosos surgiu a necessidade de se criar instituições preventoriais para atender os
filhos sadios dos doentes que eram retirados da convivência com seus pais. Neste
segundo capítulo o trabalho investigativo continua sobre os aspectos históricos. Ao
longo desse segundo capítulo, serão relatados como os avanços no tratamento da
lepra influenciaram diretamente no atendimento oferecido pelos preventórios,
principalmente no caso do Educandário Getúlio Vargas, no período de 1973 a 1992.
Será realizado um histórico sobre o funcionamento do Educandário ao longo desse
período, apresentando o perfil dos internos, o perfil do atendimento, a organização
interna da instituição, a relação entre o Educandário Getúlio Vargas e a Federação
das Sociedades Eunice Weaver
17
; e também a relação do Educandário com o Estado.
2.1 Os avanços no tratamento da lepra e a nova fase de atendimento do
Educandário Getúlio Vargas (1973 1992)
A falta de conhecimentos sobre a lepra e suas formas de tratamento resultou
no isolamento compulsório dos doentes, que foi intensificado com o Plano Nacional
de Combate a Lepra, de 1935, assim como o controle dos comunicantes que eram
obrigados a fazer exames periódicos. Os filhos sadios dos leprosos, além de terem
que viver nos preventórios, eram ainda considerados comunicantes, o que os levava a
serem submetidos a exames e ficar sob constante controle do Estado, conforme
relatado no capítulo anterior.
Desde o início do século XX, já aparecia nas discussões internacionais sobre
a lepra a orientação de se retirar as crianças sadias do convívio com os doentes como
forma de se prevenir o contágio. Como a lepra era considerada incurável, o
____________
17
Conforme relatado no primeiro capítulo, o nome da Federação das Sociedades de Assistência aos
Lázaros e Defesa contra a Lepra mudou para Federação das Sociedades Eunice Weaver no ano de
1970. A Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de Campo Grande passou a se
chamar Sociedade Eunice Weaver de Campo Grande.
55
afastamento era a forma utilizada para se evitar a disseminação. Na busca de
tratamentos mais eficazes para a doença, muitas foram às tentativas de se chegar à
sua cura. Foram utilizadas ao longo da história várias plantas, veneno de cobras,
todos sem resultados positivos (NASCIMENTO, 2001).
Após muitas pesquisas, na década de 1970 chegou-se à cura da lepra, mas
para o doente ser curado deveria seguir um tratamento rigoroso, durante mais ou
menos cinco anos. Já na década de 1980 chegou-se a um tratamento mais rápido para
se curar a lepra, denominado "poliquimioterápico”
18
, que é utilizado até os dias
atuais. Com esse avanço no tratamento da lepra, o Educandário perdeu parte de seu
público original e expandiu seu atendimento a outras crianças, continuando, contudo,
com o regime de internato e colocando como seu objetivo maior a profissionalização
dos internos.
Dessa forma, assim como a construção dos preventórios estava ligada ao
combate à lepra, foi também o avanço no tratamento de tal doença que determinou a
mudança no público atendido nessas instituições. A partir de meados dos anos 1970,
o Educandário passou a atender outras crianças que não eram filhas de leprosos,
oferecendo, nos mesmos moldes de atendimento do período anterior, assistência
educacional, médica, odontológica, atividades recreativas e iniciação profissional.
Ao mesmo tempo, em 1970, Campo Grande foi considerada a cidade com
maior índice populacional do Estado de Mato Grosso, superando a capital, Cuiabá.
Vários bairros foram se formando nas periferias de Campo Grande, contribuindo
para a formação de várias favelas (MENEZES, 2007). Muitas pessoas vinham de
outros Estados em busca de emprego, mas muitas vezes não conseguiam e acabavam
buscando alternativas para conseguirem sustentar sua família; e uma delas era
solicitar vaga para seus filhos em internatos como o Educandário Getúlio Vargas.
No ano de 1977 o Congresso Nacional aprovou a divisão do Estado de Mato
Grosso. De acordo com Bittar (2004), desde o início do século XX, os sulistas
lutavam pela divisão do Estado e criação do Estado de Mato Grosso do Sul, tendo
Campo Grande como sua capital. Sendo assim, Campo Grande tornou-se a capital do
novo Estado e após a divisão um número de imigrantes, ainda maior que nos anos
anteriores, vieram para a cidade em busca de emprego, sendo que no ano de 1980,
____________
18
Tratamento composto pelas drogas: dapsona, descoberto nos fins da década de 1940; clofasimina,
que passou a ser utilizado no tratamento da lepra na década de 1970; ripanficina, que é considerado o
medicamento mais efetivo para a doença, já que uma dose mata 99,9% da bacteria M. Leprae
(CUNHA. 2005).
56
30% da população era composta por imigrantes; e o crescimento desordenado trouxe
a formação de favelas, na proporção que crescia a cidade. Com relação ao
Educandário Getúlio Vargas, a divisão do Estado contribuiu para melhorar o diálogo
com as autoridades governamentais, que ficaram mais próximas da instituição, sendo
possível firmar convênios que ajudaram na manutenção do Educandário. Conforme
os convênios foram se tornando mais necessários para a instituição, o Estado
aumentou a interferência nas atividades do Educandário, conforme se tratará adiante.
2.1.1 Perfil dos internos atendidos no Educandário Getúlio Vargas
Conforme referido, o Educandário Getúlio Vargas tinha como objetivo,
quando foi fundado em 1943, atender apenas os filhos dos leprosos. Mas, com o
avanço no tratamento da doença, os leprosos não eram mais obrigados a viverem
isolados; não precisavam mais de uma instituição para cuidar de seus filhos. E, para
continuar com o atendimento em regime de internato, o Educandário expandiu seu
atendimento para outras crianças, de ambos os sexos, não filhas de leprosos, nos anos
de 1970.
Segundo a presidente da Sociedade Eunice Weaver de Campo Grande, a
partir do ano de 1969 o Educandário passou a receber crianças vítimas de violência,
abandono e miséria social.
O Educandário não recebe as crianças de forma aleatória. Antes de tudo
elas são submetidas a uma triagem que envolve psicólogos, médicos,
dentistas, para o levantamento da identidade (se são filhos de hansenianos
ou de pais carentes) e das condições físicas e mentais (ROSA, 1999, p.
73).
Como se pode observar na citação, não seria qualquer criança atendida no
educandário, havia previsão no estatuto da Sociedade Eunice Weaver de Campo
Grande, com critérios seletivos voltados à escolha das crianças. Constava no estatuto,
que seriam atendidas pela instituição primeiramente os filhos sadios dos leprosos, em
segundo lugar os filhos de portadores de outras doenças contagiosas, e, por fim,
menores desamparados, sem distinção de sexo, nacionalidade, cor ou religião. Além
disso, constava que a instituição prestaria atendimento especializado aos internos
portadores de alguma deficiência (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a
1988).
57
Quanto à procedência dos internos, em entrevista relatou-se que: “As
crianças eram encaminhadas pelos leprosários e pela secretaria de saúde. A partir da
década de 1970 as próprias famílias solicitavam vaga no Educandário. No fim da
década de 1980 o juizado de menores começou a encaminhar as crianças”
(ENTREVISTA A, 2009). Pode-se observar na tabela 4:
Tabela 4 Procedência e quantidade de internos atendidas no Educandário
Getúlio Vargas 1973 a 1992
19
Período
São Julião
Campo
Grande
Interior
(MS)
Outros
N.D.¹
Quantidade
de atendidos
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
1973-1982
0
0,0
109
55,0
68
31,5
39
18,0
0
0,0
216
100
1983-1992
0
0,0
139
62,0
37
16,5
44
19,5
5
2,0
225
100
¹ N.D- procedência não determinada.
Fonte: Educandário Getúlio Vargas. 1943.
Como inicialmente o Educandário Getúlio Vargas estava ligado ao
leprosário São Julião, os recém nascidos eram retirados de suas mães ao nascer e
encaminhados ao preventório. Mas esta dinâmica mudou com os avanços no
tratamento da doença, pois os portadores da doença não eram mais obrigados a
viverem isolados, desde o ano de 1962, com o decreto 968, que proibiu o
isolamento dos doentes. Como observado, o isolamento foi acabando aos poucos,
que alguns doentes não tinham onde morar e acabavam permanecendo nos
leprosários. Assim sendo, apenas a partir do início dos anos de 1970 que o leprosário
São Julião não encaminhou mais crianças para o Educandário. Essa situação era
bastante diferente do período de 1943 a 1972, onde 139 internos foram
encaminhados pelo leprosário.
No período de 1973 a 1982, foram atendidos 216 internos, sendo 109
(55,0%) internos oriundos da cidade de Campo Grande; 68 (31,5%) vindos do
interior do Estado de Mato Grosso do Sul e 39 (18,0%) internos vindos de outros
Estados. No período seguinte que foi de 1983 a 1992, o Educandário atendeu 225
internos, sendo 139 (62,0%) da cidade de Campo Grande; 37 (16,5%) oriundos do
interior do Estado de Mato Grosso do Sul e 44 (19,5) internos vindos de outros
Estados.
____________
19
Todas as tabelas seguem os mesmo padrões das tabelas anteriores.
58
Pode-se observar que com a expansão do atendimento a outras crianças, não
filhas de leprosos, o número de atendidos por período aumentou. Em comparação, o
número de internos atendidos no período de 1963 a 1972 da tabela 1, com os
períodos seguintes da tabela 4, revela que no período de 1963 a 1972 o Educandário
atendeu 91 internos, todos filhos de portadores da doença lepra. Já no período
seguinte, de 1973 a 1982, o Educandário atendeu 216 internos, alguns filhos sadios
de leprosos que estavam internados na instituição, e também outras crianças. No
período seguinte, 1983 a 1992, o número de internos aumentou um pouco mais,
sendo atendidos ao longo desses anos 225 internos. Somados os dois últimos,
aumentou em 50,5% o número de atendimento entre 1973 a 1992, quando
comparado com os atendimentos do período anterior (1943 1972).
Com a expansão do atendimento a outras crianças, a procura por vagas
aumentou. Como o Educandário, além do internato, oferecia ensino
profissionalizante, algumas famílias da cidade de Campo Grande se dirigiam ao
Educandário com interesse em vagas para seus filhos; então era comum que esses
internos, depois de alguns anos, retornassem para seus familiares. A exemplo dessa
situação, onde a família solicitava a vaga, em entrevista com uma ex-interna da
instituição, deu-se o relato de que seu pai fez a solicitação da vaga no Educandário.
Sendo assim, a mesma morou na instituição entre os anos de 1995 a 2006
20
, durante
esse período recebeu visita de seus pais nos finais de semana e passava as férias com
eles. (ENTREVISTA C, 2009).
A mesma dinâmica continuou sendo utilizada no que se refere à saída dos
internos que haviam alcançado a maioridade. Continuou não permitida a saída do
abrigado para viver na rua; este recebia a permissão para deixar o Educandário
quando tinha um emprego ou um lar seguro para viver. “As meninas deixam o
internato quando se casam ou quando vão assumir um emprego. Os meninos, após o
serviço militar” (ROSA, p. 74. 1999). Confirmando essa informação, em entrevista
com um membro da diretoria, explicou-se que:
A diretoria do Educandário tinha autonomia para autorizar a saída do
interno, mas comunicava ao juizado de menores a saída. As crianças
saíam quando a família solicitava, quando eram adotadas, quando
____________
20
Embora a ex-interna tenha vivido no Educandário em período posterior ao considerado na pesquisa,
sua experiência foi relatada visto que a instituição continuou atuando na mesma dinâmica até o
fechamento do internato, em 2006.
59
alcançavam a maioridade e estavam empregadas, e no caso das meninas,
quando se casavam (ENTREVISTA A, 2009).
Quanto à saída dos internos do Educandário, podemos observar na tabela 5.
Tabela 5 Saída dos internos no Educandário Getúlio Vargas 1973 a 1992
Período
Retirado
por
familiares
Retirado
pessoa
autorizada
Transferido
Maioridade
Faleci-
mento
Fuga
N.D¹
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
1973-1982
163
75,5
9
4,0
2
1
33
15,0
2
1,0
0
0,0
7
3,0
1983-1992
181
80,0
12
5,0
0
0
24
10,5
1
0,5
1
0,5
6
2,5
¹ N.D. causa da saída não determinada.
Fonte: Educandário Getúlio Vargas, 1943.
Assim como no período anterior, de 1943 a 1972, os familiares continuaram
sendo quem mais retirava os internos do Educandário. Durante o período de 1973 a
1982, 163 (75,5%) internos retornaram para suas famílias de origem; apenas 9
(4,0%) foram retirados por pessoa autorizada, 2 (1,0%) internos foram transferidos
para outras instituições; 33 (15,0%) internos saíram ao alcançar a maioridade e 2
(1,0%) casos de falecimento foram registrados. No período seguinte, de 1983 a 1992,
foram retirados por familiares 181 (80,0%) internos; 12 (5,0%) foram retirados por
pessoa autorizada; 24 (10,5%) saíram após alcançar a maioridade, e apenas um caso
de falecimento e um de fuga foram registrados.
Comparado o período de 1973 a 1992 ao período de 1943 a 1972, pode-se
observar que o número de falecimentos diminuiu, que o leprosário São Julião, no
final da década de 1960 e início da década de 1970, não encaminhou mais os recém-
nascidos para o Educandário, sendo estes os casos que aumentavam o índice de
falecimento dos internos.
Durante todo esse período de 1973 a 1992 o Educandário Getulio Vargas
continuou atendendo meninos e meninas, assim como no período de 1943 a 1972,
com dormitórios separados e algumas atividades específicas para cada sexo e idade.
2.1.2 Perfil do atendimento oferecido pelo Educandário Getúlio Vargas
Apesar da expansão do atendimento a outras crianças, os internos
continuaram recebendo os mesmos atendimentos médico, odontológico e religioso
60
no próprio Educandário, como no período anterior, com algumas mudanças,
conforme será observado a seguir.
No campo sanitário, os internos continuaram recebendo atendimento médico
e odontológico na instituição. A preocupação com a prevenção da lepra, contudo, não
era mais a principal razão desse atendimento.
Com relação à escolarização, essa se dava, cada vez mais, fora da
instituição, sendo realizado pelo educandário o acompanhamento escolar dos
internos. Para tal, duas assistentes sociais começaram a trabalhar no Educandário no
ano de 1975, com organização de uma biblioteca, atividades recreativas com as
crianças da creche, uma hora de educação física diária com os internos e a criação de
um coral. Ainda nesse ano, a responsável pelo acompanhamento escolar dos internos
relatou a necessidade de uma nova orientação na recreação da creche e as professoras
de acompanhamento escolar reclamaram da dificuldade que estavam tendo em
atender os internos que tinham necessidades educativas especiais junto às demais
crianças. Visando resolver o problema, no próximo ano foi criada uma sala separada
para atender esses internos (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Nesse mesmo ano, as psicólogas que atendiam as crianças internas relataram
que alguns pontos precisavam ser trabalhados para melhorar o relacionamento e o
desempenho escolar dos internos. Um deles se referia à falta de contato com pessoas
fora do Educandário; segundo as psicólogas, as crianças precisavam ter esse contato,
pois ao saírem da instituição teriam que conviver em sociedade. Outro ponto
questionado foi a diferença no tratamento das crianças da creche e das demais, pois,
para as psicólogas, as crianças da creche recebiam muita atenção dos funcionários
que as atendiam e quando passavam para a série essa relação mudava
completamente, prejudicando o desenvolvimento desses internos. Também foi
solicitado pelas psicólogas que os internos começassem a ter orientação sexual, tanto
para instruí-las, como para deixar a diretoria e as psicólogas a par das dúvidas dos
internos com relação à sexualidade (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a
1988).
Os internos continuaram a ter todo o tempo ocupado com alguma atividade.
Como observado, quando retornavam da escola onde estudavam, realizavam suas
tarefas com a orientação de uma professora. Depois se dirigiam às oficinas que eram
oferecidas, além de realizarem suas tarefas domésticas. Cada interno tinha suas
61
ocupações estabelecidas. Sobre a rotina dentro do educandário relatou-se em
entrevista com uma ex-interna:
Eu acordava, arrumava minha cama, tomava café da manhã, fazia minhas
tarefas da escola, ia para a oficina de biscoito, almoçava e ia para a
escola. Depois da escola eu jantava e ia brincar no pátio até dar a hora de
dormir. No sábado todos nós lavávamos o prédio (ENTREVISTA C,
2009).
Quando perguntamos sobre como era mantida a disciplina dentro da
instituição, nessa mesma entrevista nos foi relatado: “nós tínhamos que obedecer as
regras. O diretor e a diretora cuidavam disso e quem não cumpria as regras não podia
brincar depois do jantar. E não podia ir para casa dos pais no fim de semana”
(ENTREVISTA C, 2009).
Com o intuito de educar pelo trabalho, nos anos de 1970, as meninas mais
velhas internadas no Educandário aprenderam a fazer flores artificiais, que eram
comercializadas na cidade. Quando não estavam ocupadas com os estudos, as
meninas se dedicavam à confecção das flores e os meninos ajudavam na conservação
da limpeza da instituição, bem como na plantação do café
21
e da horta, que era por
eles cultivada. A Secretaria da Agricultura dava as orientações de como cuidar do
café, as demais despesas com a plantação ficaram por conta do Educandário.
No mesmo sentido, em 1977, as internas do Educandário aprenderam a fazer
balas de coco, que estavam sendo comercializadas na cidade, além das flores
artificiais. No entanto foi necessário organizar um lugar apropriado para a oficina das
balas de coco, com o intuito de aumentar sua produção e, também, para ter uma
maior higiene na produção das balas, sem atrapalhar o trabalho da cozinha. Assim
sendo, foi realizada uma reforma em um dos pavilhões do Educandário para ser
estruturada a oficina. Foram angariados donativos para essa reforma, e dos outros
pavilhões que necessitavam de reparos urgentes. O fogão e os móveis da oficina de
balas foram comprados com a renda da venda das próprias balas, bem como a
____________
21
Seguindo a mesma orientação de educar pelo trabalho e visando também trazer recursos financeiros
para a instituição, foram plantadas no Educandário mudas de café, sob a orientação de três agrônomos,
e o cultivo seria feito pelos internos maiores com a orientação de profissionais. Segundo a diretoria do
Educandário, naquele momento, essa atividade, além de ser uma nova ocupação para os internos e
despertar o gosto pela arte de plantar, ainda traria recursos financeiros que auxiliariam na manutenção
do estabelecimento. Essa atividade foi realizada com doações, assim como as festividades dentro do
Educandário continuaram sendo realizadas com donativos e promoções realizadas pela Sociedade
Eunice Weaver de Campo Grande (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
62
compra de roupas íntimas para os internos. Também foram realizados passeios para o
cinema e futebol (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Em setembro do ano de 1978, o Educandário recebeu a oferta de vagas para
um curso de doméstica
22
, porém as vagas não foram aceitas uma vez que as internas
estavam ocupadas nas oficinas de flores artificiais e balas de coco, e as outras
meninas ainda não tinham idade para freqüentar o curso.
Como desse trabalho dependia parte da manutenção da entidade, outras
iniciativas da mesma natureza se deram nos anos seguintes. Em 1980 chegou
material para ser utilizado na oficina de sacolas de papel, possibilitando assim o
início da nova oficina, que teria como objetivo ocupar o tempo dos meninos
adolescentes. Visando essa ocupação para os meninos, foi debatida a possibilidade de
se montar uma oficina de caixas de papelão, para além de ensinar os meninos tal
ofício, as caixas seriam oferecidas nos mercados da cidade. Como existia dúvida se
haveria ou não lucros com tal atividade, um dono de livraria da cidade ofereceu ao
Educandário a utilização de suas instalações e máquinas pelo prazo de 90 dias, a fim
de testarem se geraria o lucro esperado.
Nesse momento, surgiu a necessidade de se construir um espaço coberto
para os internos brincarem nos dias de chuva, que a sala de televisão e de jogos
não comportava todos, além do problema da diferença de idade, o que gerava vários
tumultos e atrapalhava as atividades dirigidas (EDUCANDÁRIO GETÚLIO
VARGAS, 1973 a 1988).
No ano seguinte, 1981, os internos mais velhos foram transferidos para
estudar no período noturno, em uma escola municipal de Campo Grande,
possibilitando assim que produzissem mais nas oficinas em que estavam, já que
trabalhariam o dia inteiro. Naquele momento o Educandário contava com as oficinas
de balas de cocos, biscoitos e flores artificiais para as moças e oficinas de sacolas e
de sabão caseiro para os moços. Todos esses produtos eram comercializados na
cidade. Embora os internos e internas que trabalhavam nas oficinas do Educandário
____________
22
Algumas pessoas da cidade estavam questionando se o Educandário tinha meninas para serem
empregadas domésticas em casas de família. As meninas eram engajadas nas oficinas de balas,
biscoitos, flores e ajudavam na boutique, portanto não eram preparadas para serem empregadas
domésticas. Além disso, poderiam deixar o Educandário para morarem com suas famílias, ou
quando casavam, não sendo permitida a saída do Educandário para serem empregadas domésticas,
pois uma vez que saíssem da instituição não podiam mais voltar. Uma das integrantes da diretoria
declarava que por mais que não fosse objetivo do Educandário formar empregadas domésticas, as
meninas deviam aprender tais atividades, pois ao saírem da instituição também seriam donas de casa e
se, por opção, quisessem trabalhar como empregadas domésticas teriam os conhecimentos necessários
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
63
tivessem, em 1985, cadernetas de poupança, a boutique que vendia os produtos feitos
por eles estava com as vendas fracas, seus lucros estavam dando para sua própria
manutenção.
Por isso em 1989 foi inaugurada uma padaria no Educandário, atividade
tempos sonhada pela diretoria, que teria como objetivos: profissionalizar os internos,
suprir o consumo próprio do Educandário e, por fim, a comercialização do produto.
A diretoria do Educandário esperava que tal atividade possibilitasse a tão almejada
auto-suficiência financeira da instituição. Ainda nesse mesmo ano, pela primeira vez,
os internos maiores de 16 anos participaram das eleições para a presidência da
República (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS. 1988 a 2007).
No fim do ano de 1990 a situação financeira do Educandário era bastante
grave, e para conter algumas despesas, todos os internos que estudavam em escolas
distantes foram matriculadas na escola construída ao lado do Educandário. E,
também para diminuírem os gastos, alguns internos saíram para passar as férias na
casa de seus familiares e outros saíram definitivamente por solicitação da própria
família. O restante dos internos que não foram procurados por sua família, ou que
não as tinham, permaneceram na instituição. Foram encaminhados projetos para
vários órgãos governamentais da cidade pedindo ajuda financeira.
Em 1991, além disso, o Educandário contava com o trabalho de voluntárias
que davam assistência na parte recreativa nos finais de semana para os internos. A
assistência religiosa estava sendo oferecida por catequistas. A educação religiosa
continuou presente no atendimento dado aos internos no Educandário Getúlio Vargas
no período de 1973 a 1992. Em 1973 as crianças recebiam educação religiosa e eram
preparadas para a comunhão. Todas as reuniões da diretoria, bem como as
festividades dentro da instituição, eram iniciadas com uma oração ou com uma missa
Nesse mesmo período a Congregação Salesiana enviou uma religiosa destinada a
completar a educação dos internos no Educandário (EDUCANDÁRIO GETÚLIO
VARGAS, 1988 a 2007). Em entrevista com um membro da diretoria relatou-se que:
“O educandário segue a religião católica. Sempre foi oferecido ensino religioso,
missa aos domingos na própria instituição, crisma e cerimônia de casamento quando
algum interno se casava” (ENTREVISTA A, 2009). Também foi relatado, em
entrevista, que moradores da cidade participavam dessas missas, além de
participarem de outros eventos que aconteciam no Educandário.
64
2.1.3 A organização interna do Educandário Getúlio Vargas
Em 1973, foi apresentada pela Federação das Sociedades Eunice Weaver a
nova organização funcional da entidade, cuja proposta era abrir as portas dos
educandários para a sociedade, desvinculando-se de qualquer outra entidade
filantrópica
23
. Com a nova organização funcional, a diretoria do Educandário deveria
ser composta por pessoas que não estivessem ligadas a nenhuma outra entidade
filantrópica e deveriam permanecer no mínimo dois anos na diretoria a fim de dar
continuidade aos trabalhos, que com apenas um ano isso não era possível, pois
com a troca da diretoria ocorriam novas mudanças na administração interna da
instituição. Dentro do plano de ação imediata ficou estabelecido que a Federação
enviaria um técnico do Rio de Janeiro, de sua confiança, para permanecer alguns dias
no Educandário, a fim de orientar seus trabalhos (EDUCANDÁRIO GETÚLIO
VARGAS, 1973 a 1988).
Também foi aberta a possibilidade de desmembramento do terreno do
Educandário a fim de torná-lo rentável. A Federação julgava não ser necessário que
os preventórios ficassem com tantas terras sem produzir, pois havia sido provado
que lavoura ou aviário de grande porte não davam resultados positivos para a
entidade. O que se deveria ter na instituição era, segundo a federação, uma horta ou
uma pequena granja apenas para o consumo interno do preventório. Na ocasião
também foram discutidas a precária situação financeira do Educandário e a frustração
dos membros da diretoria por não conseguirem dar maior atenção às crianças
internas, devido à necessidade de arrecadar verbas, o que acabava demandando a
maior parte do tempo. Sendo assim, as representantes do Educandário fizeram um
apelo para que a Federação enviasse uma verba para a reforma da instituição, que
estava em péssimas condições; e uma verba mensal para que se formasse a nova
diretoria da Sociedade Eunice Weaver de Campo Grande, desvinculada do Rotary
Club. Nesta mesma reunião, foi formada a nova diretoria, já sem vínculo com a outra
instituição. Esta diretoria permaneceria apenas cinco meses para procurar soluções
para os problemas daquele momento, deixando o Educandário em condições de ser
entregue à nova diretoria, que deveria permanecer por no mínimo dois anos
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
____________
23
O Educandário Getúlio Vargas esteve sob a responsabilidade do Rotary Club Centro de Campo
Grande, dos anos de 1963 a 1973, conforme relatamos no capítulo 1.
65
Dois meses após essa reunião com a Federação, chegou ao Educandário um
técnico vindo do Rio de Janeiro para verificar as necessidades mais urgentes da
instituição. Observando as necessidades institucionais, o técnico sugeriu o aumento
do número de funcionários. Como a diretoria do Educandário não estava satisfeita
com a direção interna do Educandário, foi anunciado em jornal a procura de um
administrador ou administradora, uma enfermeira e uma assistente social para
atender os meninos de 7 a 10 anos de idade que necessitavam de uma orientação
mais direta. Em virtude das péssimas condições do pavilhão dos meninos, ficou
decidido que os meninos de 7 a 10 anos passariam para um dormitório anexo ao
pavilhão das meninas. Essa mudança exigiu a contratação de mais uma assistente
para morar no Educandário.
Em 1974 foi reeleita a diretoria da Sociedade Eunice Weaver de Campo
Grande, porém nenhuma integrante aceitou assumir por dois anos conforme
combinado com a presidente da Federação, sendo assim assumiram por apenas um
ano. Um dos prováveis motivos para isso era devido a instável situação da
instituição. A cozinha, por exemplo, necessitava de reformas urgentes e ficou
decidido que se realizaria uma promoção para angariar fundos para tal reforma, bem
como para a construção de um pavilhão para os meninos. Foi realizada uma rifa de
um carro para a construção do pavilhão dos meninos, que o mesmo exigia maiores
recursos. Em novembro deste ano o aviário do Educandário foi reformado e foi
preparada a terra para o plantio de uma horta visando complementação da
alimentação dos internos (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Visando um maior contato com os internos e também um maior controle das
atividades dentro do Educandário, foi formada uma comissão pela diretoria da
Sociedade, no ano de 1976, com a colaboração de algumas voluntárias, para atuarem
diretamente com os internos, ensinando-lhes diversos trabalhos e intensificando o
diálogo com os mesmos, a fim de melhorar a comunicação. Estas voluntárias
ajudavam a diretoria a solucionar os problemas cotidianos de relacionamento entre os
internos (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Em 1977, a diretora da escola
24
que ficava dentro do terreno do Educandário
relatou que as condições do prédio eram precárias, necessitando de reformas para
continuar funcionando e pediu ainda que a entrada da escola mudasse para o outro
____________
24
No ano de 1968 a escola que pertencia ao Educandário Getúlio Vargas foi municipalizada,
conforme já relatado no capítulo anterior.
66
lado da rua, o que não foi permitido uma vez que a entrada solicitada ficaria dentro
da área do Educandário que estava sendo preparada para a lavoura. Apesar de a
Federação ter feito o apelo em reunião para não serem mais plantadas lavouras nos
Educandários, a diretoria do mesmo insistia em tal atividade. Quanto à reforma do
prédio, como a escola estava sob a responsabilidade municipal e não da Sociedade
Eunice Weaver, a mesma nada poderia fazer ao ser matricular os alunos do
Educandário em outras escolas da cidade. Para o transporte dos internos seria usada a
Kombi da instituição.
Para ajudar na manutenção, no ano de 1981 o Educandário estava contando
com dois convênios com a Legião Brasileira de Assistência (LBA); com a renda da
oficina de balas e biscoitos; com a oficina de sacolas e sabão, que não geravam tanto
lucro como a oficina de balas e biscoitos, mas contribuía; e contava ainda com
algumas doações de particulares. Particulares e empresas faziam contribuições
mensais à Sociedade Eunice Weaver de Campo Grande. As doações continuaram
sendo a grande fonte de manutenção do Educandário Getúlio Vargas nesse período,
assim como no período anterior (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a
1988).
Em 1982, foi locado um salão para ser a boutique “Com Açúcar e Com
Afeto”, nome escolhido pela diretoria para serem comercializados produtos do
Educandário, tais como sabão, balas, biscoitos, sacolas e panos de prato bordados.
Para esse último produto foi organizado um grupo de voluntárias para ensinarem as
meninas a bordarem nos panos. O resultado da boutique era satisfatório e contribuía
para a manutenção do Educandário. Muitas voluntárias ajudavam a confeccionar os
produtos junto aos internos. O Educandário firmou outro convênio com a LBA em
1986 que beneficiou financeiramente as oficinas de balas, sacolas e flores. A oficina
de sacolas foi ampliada para aumentar e facilitar sua produção.
Ainda no ano de 1990 a diretoria da Sociedade Eunice Weaver de Campo
Grande colocava como principal objetivo do Educandário a profissionalização dos
internos. Nesse mesmo ano, as máquinas de sacolas de plásticos que eram usadas na
oficina foram vendidas, que tal oficina não estava dando lucro. O dinheiro da
venda das máquinas foi usado na padaria do Educandário que estava funcionando
bem, atingindo os objetivos iniciais que eram de profissionalizar os internos e suprir
o consumo da instituição. A comercialização ainda não era possível naquele
momento, mas quatro meninos internos que foram profissionalizados na padaria do
67
Educandário estavam empregados em outras padarias. O Educandário tentou
comercializar o produto da padaria em 1992, mas, devido à crise financeira que o
país enfrentava, todos pediam prazo para o pagamento; sendo assim ficou decidido
adiar essa experiência para um momento mais oportuno (EDUCANDÁRIO
GETÚLIO VARGAS. 1988 a 2007).
No final desse período, portanto, a manutenção da instituição e,
principalmente, o regime de internato, eram cada vez mais dispendiosos, sendo
difícil a sua permanência.
2.1.4 A relação do Educandário Getúlio Vargas com a Federação das Sociedades
Eunice Weaver
A partir da década de 1970 a relação da Federação com a Sociedade Eunice
Weaver de Campo Grande, mantenedora do Educandário Getúlio Vargas, deixou de
ser tão freqüente como no período anterior, quando a presidente da Federação
realizava visitas de dois em dois anos ao Educandário. Sendo assim, a diretoria do
Educandário Getúlio Vargas ganhou maior autonomia para administrar as atividades
dentro da instituição nessa nova fase de atendimento.
A presidente da Federação das Sociedades Eunice Weaver fez nova visita ao
Educandário no ano de 1978, para verificar a situação do mesmo e discutir algumas
questões tais como a distribuição das verbas da Federação e a idade determinada para
o fim do internamento nos educandários. Sobre as verbas, a Federação explicou à
diretoria do Educandário que existiam 27 educandários carentes filiados, sendo assim
as verbas deveriam ser igualmente distribuídas entre essas instituições. A única
maneira para se arrecadar mais verbas para o Educandário Getúlio Vargas, além da
realização das campanhas de arrecadação, era a venda de parte de suas terras. O
espaço onde estava localizada a escola deveria ser vendido para o Estado; caso ele
não quisesse comprar, o terreno deveria ser oferecido para um particular
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Na visita, a presidente da Federação elogiou o trabalho da diretoria do
Educandário, dizendo que há quatro anos e meio atrás ficou muito preocupada com a
situação do preventório, mas que neste momento estava muito satisfeita em ver as
mudanças, portanto entregaria à presidente do preventório um título de Sócia
68
Benemérita da Federação
25
. Outra questão discutida foi se todos os internos no
Educandário precisavam mesmo de internamento e se havia uma triagem para a
verificação, que de acordo com a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
(Funabem) não era admitido que se abrigasse maior de 16 anos nos educandários
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988). Apesar da Federação dizer
que a Funabem não admitia maiores de 16 anos nos educandários, a diretoria do
Educandário Getúlio Vargas continuava atendendo a esses adolescentes, como
sempre o fez, apenas deixando sair da instituição aqueles que já estavam
empregados.
Novamente o Educandário recebeu a visita da presidente da Federação, em
novembro de 1980. Daquele momento em diante todos os educandários deveriam
enviar uma ata mensal para a Federação, comunicando a situação de cada
educandário. Devido à inflação que o país enfrentava, o Educandário Getúlio Vargas
pedia um apoio financeiro maior da Federação. A Federação prometeu ajudar no que
fosse possível, mas relatou as vantagens de se firmar convênio com a Funabem para
as reformas, compra de equipamentos e manutenção, o que não implicaria no
recebimento de mais crianças. O outro convênio da Funabem, que implicava na
aceitação de mais crianças, também apresentava vantagens, mas a presidente da
Federação recomendava que o Educandário aceitasse crianças de até seis anos de
idade, pois a seu ver as mais velhas chegavam com hábitos e vícios difíceis de
serem corrigidos, que o Educandário não era uma casa correcional. Apesar da
fiscalização feita pela Funabem, existiam vantagens nos convênios.
A grande preocupação da diretoria do Educandário em firmar convênio com
a Funabem era que essa fiscalização implicaria em mudanças na maneira de conduzir
os trabalhos dentro do Educandário. Firmar esse convênio implicava abrir as portas
da administração para a Funabem e aceitar as mudanças propostas. Ou seja, as
decisões administrativas internas do Educandário não seriam mais exclusivas da
diretoria da Sociedade Eunice Weaver de Campo Grande, implicando assim em
menor autonomia (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
No ano de 1981, o Educandário recebeu uma carta da Federação sobre a
nova orientação adotada pelo governo em relação aos educandários, sugerindo a
____________
25
O título de Sócio Benemérito são concedidos aos que tenham prestado relevantes serviços à
Federação das Sociedades Eunice Weaver (ESTATUTO DA SOCIEDADE EUNICE WEAVER DE
CAMPO GRANDE, 1998).
69
entrega dos mesmos para a Funabem, bem como a entrega das crianças internas para
o convívio com os familiares, pois o governo não aprovava que os filhos fossem
mantidos afastados de seus pais. O Educandário passava novamente por uma crise
financeira. As promoções realizadas para angariar recursos financeiros estavam
comprometidas, as pessoas alegavam que estavam contribuindo com outras
entidades filantrópicas. Nesse momento, pela primeira vez em todos os anos de
existência do Educandário, não foi alcançada a meta com a realização de uma
atividade para arrecadar fundos financeiros para a manutenção da entidade. O
resultado insatisfatório das promoções realizadas era o reflexo da crise financeira que
o país estava atravessando (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Por isso, no ano de 1983, a diretoria do Educandário vendeu um hectare
de terra que ficava no loteamento do bairro Coronel Antonino. Com essa venda, a
Federação das Sociedades Eunice Weaver convocou o Educandário, juntamente com
os outros Educandários do país, para discutirem sobre algumas modificações no
Estatuto da Federação, incluindo uma cláusula onde os valores obtidos com as
vendas das terras deveriam ser divididos em duas partes: 50% ficaria para o
Educandário e 50% para a Federação, que seria utilizado para fundar um ambulatório
para os doentes leprosos. A diretoria do Educandário Getúlio Vargas não concordou
com a Federação em ter que dividir o dinheiro da venda de parte das terras, pois
segundo a presidente do Educandário, a luta para manter a instituição era grande e
sempre conseguiram isso graças ao apoio da cidade e não da Federação. E se fosse
necessário vender uma parte do terreno do Educandário isso seria feito visando a
continuidade do trabalho de educação e instrução profissional aos internos. Sendo
assim, a diretoria julgou ser melhor enviar uma carta pedindo a desvinculação do
Educandário Getúlio Vargas da Federação das Sociedades Eunice Weaver. Tal carta
foi enviada em março de 1984 e em junho desse mesmo ano recebeu a resposta,
dizendo que a presidente da Federação faria uma visita ao Educandário Getúlio
Vargas para discutir pessoalmente o pedido de desvinculação.
Em setembro de 1984 a presidente da Federação fez uma visita ao
Educandário para discutir o pedido de desvinculação. A Federação não era a favor do
pedido, pois naquele momento existia uma corrente que dizia que não existiam mais
leprosos, devido ao tratamento da doença. Sendo assim, não seria mais necessário
existirem os preventórios, então, o governo federal queria tirar os educandários da
Federação, bem como desativar os leprosários. Os prédios que eram Educandários
70
seriam ocupados pela Funabem para dar atendimento às crianças abandonadas. Para
continuar oferecendo atendimento e não perder seus prédios, a Federação pensou em
uma saída que seria fundar ambulatórios, pois quando o governo quisesse acabar com
a obra da Federação das Sociedades Eunice Weaver, a mesma teria essa justificativa
de continuar com os ambulatórios. Para alcançar esse objetivo era preciso arrecadar
verbas, e o dinheiro da venda das terras dos educandários que possuíam muitos
hectares seria utilizado para esse fim, além de serem utilizados os juros do dinheiro
para a manutenção dos educandários.
Segundo a Federação, esse não era o caso do Educandário Getúlio Vargas
que não possuía tantas terras quanto outros do país, e se ocorresse a venda das terras
e a diretoria do Educandário quisesse contribuir com a Federação seria ótimo, mas se
não quisessem tudo bem,que o dinheiro estava sendo empregado para o bem estar
das crianças internas (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988). A
presidente da Federação agiu dessa maneira com a Sociedade Eunice Weaver de
Campo Grande, pois não queria que acontecesse a desvinculação da Federação.
Sendo assim, o Educandário continuou vinculado à Federação.
2.1.5 A relação do Educandário Getúlio Vargas com o Estado
No período de 1973 a 1992, a participação do Estado foi maior do que no
período de 1943 a 1972. Alguns convênios foram firmados com o Educandário,
porém as doações continuaram sendo a grande fonte de manutenção da instituição.
Conforme relatado anteriormente, com a divisão do Estado de Mato Grosso, em
1977, Campo Grande tornou-se a capital do novo estado, Mato Grosso do Sul, e isso
contribuiu para melhorar o diálogo entre o Educandário e as autoridades
governamentais, tornando-se possível firmar mais convênios com o Estado. Porém,
esses convênios foram se tornando cada vez mais necessários para a manutenção do
Educandário, resultando assim, em maior intervenção governamental nas atividades
da instituição.
Em 1975, foi feito um requerimento ao governo estadual, pedindo a
nomeação da dentista que estava atendendo diariamente as crianças no
Educandário; e em 1976 o governo estadual cedeu uma professora para fazer o
acompanhamento escolar das crianças internas (EDUCANDÁRIO GETÚLIO
VARGAS, 1973 a 1988).
71
No ano de 1979 ocorreu uma reunião da diretoria, com a presença do
representante da Secretaria Estadual de Recursos Humanos; a diretoria havia
solicitado a contribuição da Secretaria para a manutenção do Educandário. Porém, o
representante disse que a contribuição que a secretaria poderia dar não resolveria os
problemas da instituição, e sugeriu que o Educandário fizesse um convênio com a
Funabem e a Legião Brasileira de Assistência (LBA); observando que tal convênio
implicaria na aceitação de mais crianças. Sendo assim, a diretoria ficou de discutir
melhor a questão. A condição de ter que aumentar o número de internos gerava
receios na diretoria, pois se considerava que o tempo dispensado às atividades era
escasso considerando apenas os que estavam na instituição. A diretoria também
temia distúrbios futuros que poderiam ser gerados a partir do comportamento dos que
iam chegar, com geração de insuportável carga de trabalho dentro do Educandário.
Passados três meses, a diretoria resolveu firmar um convênio apenas com a LBA, que
beneficiou 20 crianças de 0 a 6 anos de idade, com um valor fixo pago por mês
durante um ano (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Ainda em 1979, devido a falta de recursos financeiros, algumas crianças
estavam sem cama, mal acomodadas; faltava materiais e agasalhos e havia problemas
com os estudos dos internos, que estavam contando com a orientação de uma
professora. Ainda existia excesso de pedidos de internamento de outras crianças não
filhas de hansenianos. A diretoria do educandário temia não poder continuar
oferecendo o internato se algo não fosse feito para aumentar a arrecadação para a
manutenção da instituição. Segundo a diretoria, chegou-se a essa situação porque o
dinheiro de uma herança deixada para a instituição, que ficava em um banco da
cidade rendendo juros, foi utilizado para reformas e outras construções na instituição.
Outro fato que contribuiu para tal situação foi que a festa de arraial que era realizada
nos anos anteriores no mês de junho, não foi realizado no ano em questão. Sendo
assim, foi solicitado recurso financeiro do governo do Estado, mas essa ajuda
aconteceria se o Educandário aceitasse um número maior de crianças não filhas de
hansenianos, que o tratamento para a doença não exigia mais o isolamento, e era
cada vez mais crescente o número de famílias carentes que solicitavam vagas no
Educandário.
Também foi solicitado à Secretaria de Promoção Social certidões de
nascimento das crianças que não as possuíam, titulo de eleitor, carteira de identidade
e de trabalho para os internos que possuíam idade suficiente para obtenção de tais
72
documentos. Nesse momento, foi contratado um funcionário para cuidar da limpeza
exterior do Educandário, que todos os meninos mais velhos estavam empregados,
trabalhando fora da instituição (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a
1988).
Em 1980, foram firmados alguns convênios para ajudar na manutenção do
Educandário, tais como: convênio com a Secretaria de Saúde do Estado, que se
comprometeu a fornecer os medicamentos para as crianças que os necessitavam, bem
como três médicos para dar assistência aos internos; convênio com a Secretaria de
Planejamento do Governo Estadual, para recebimento de uma quantia mensal para as
reformas; convênio com o Governo Estadual para o recebimento do aluguel do
terreno do educandário onde estava localizada a escola; e convênio com a Secretaria
de Educação para ceder duas professoras visando o acompanhamento escolar das
crianças internas. Além dessas duas professoras do convênio, o Educandário contava
com mais uma professora para acompanhar e orientar as crianças com deficiências
no ano de 1987 o secretário de Educação do Estado procurou a diretoria
do Educandário Getúlio Vargas para solicitar a compra de um hectare de terra do
Educandário para ser construída uma escola estadual, já que a escola localizada
dentro do Educandário e que ficava sob os cuidados do município estava em situação
precária e sem condições de reforma. O secretário explicou que contaria com o
projeto do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) para a
construção da nova escola, mas tal projeto destinava verbas para construções em
terrenos do Estado. Após dois anos de muitas negociações, ocorreu a venda do
terreno para a construção da escola (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS. 1973 a
1988).
Da mesma forma, em 1988, a representante do Funabem e a representante
da Secretaria de Ação Social e Comunitária visitaram o Educandário para obter
algumas informações sobre o seu funcionamento. Perguntaram quais eram os
critérios do Educandário para a admissão das crianças. A resposta a essa perguntou
foi que em primeiro lugar eram aceitos os filhos dos hansenianos; em segundo lugar
as crianças encaminhadas pela Secretaria de Assistência ou outra Secretaria e em
terceiro lugar filhos de pais extremamente carentes, pais presos, e outros casos
extremos que batiam na porta do Educandário e sensibilizavam a diretoria.
Perguntaram qual era a capacidade de atendimento do prédio, se havia um regimento
interno e quem fazia a triagem. Naquele momento o Educandário atendia 150
73
crianças mal acomodadas, quanto ao regimento interno ele existia e era seguido, e
quanto à triagem o Educandário não contava com assistente social para fazê-la. A
representante da Funabem disse que era muito importante fazer essa triagem para
saber realmente quem precisava ser internado. Quanto ao desligamento dos internos,
quiseram saber qual era o percentual de crianças que retornavam para suas famílias.
A diretoria do Educandário respondeu que muitas crianças retornavam para suas
famílias, mas que naquele momento 40,0% das crianças abrigadas eram órfãs
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS. 1988 a 2007).
A Secretaria de Ação Social e Comunitária criticou o Educandário, dizendo
que os internos deveriam procurar emprego fora da instituição. E, se o preventório
queria ser auto-suficiente, os internos que ali trabalhavam deveriam ser
recompensados. Questionou ainda, se a unidade de produção do Educandário era
para gerar renda para os internos ou para a manutenção da instituição. Respondendo
a questão, a diretoria relatou que o objetivo era a profissionalização dos internos e
que todos os que trabalhavam no Educandário eram remunerados e tinham uma
caderneta de poupança para depositar seu dinheiro. Aqueles que produziam mais
eram incluídos em folha de pagamento como funcionários, para que tivessem os
direitos trabalhistas garantidos. Muitos estavam trabalhando fora do Educandário
porque no mesmo não havia emprego para todos. Todos os internos estudavam em
escolas fora do Educandário, os que tinham mais de 14 anos estudavam no período
noturno. Estes podiam optar em trabalhar em outros locais, naquele momento 14
meninos e 4 meninas estavam trabalhando fora do Educandário. Com isso afirmava-
se que os internos tinham contato freqüente com a cidade. Desta forma, as
representantes da Funabem e da Secretaria de Ação Social e Comunitária concluíram
que a instituição estava de acordo com os requisitos legais em vigor
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Em 1990, contudo, o Educandário Getúlio Vargas recebeu uma intimação
para dentro de 90 dias adequar a instituição às normas do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Essa adequação seria fazer o registro do Educandário junto à Secretaria
de Ação Social e Comunitária, bem como transformar o Educandário em uma casa
provisória, ou seja, que atendesse as crianças por pequenos períodos, e não por
longos anos, como acontecia desde a fundação da instituição. Esse tempo de
permanência da criança seria determinado pelo juizado de infância e não mais pela
74
diretoria do educandário (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1988 a 2007).
Em entrevista com membro da diretoria relatou-se que:
Antes do ECA nós tínhamos autonomia para receber os internos e
conduzir nossos trabalhos. Após a aprovação do Estatuto somente o poder
judicial pode encaminhar as crianças, além de estabelecer que o
Educandário poderia atender no máximo 40 crianças por vez, e por um
período curto de internação. Isso influenciaria na educação dos internos,
pois com pouco tempo não conseguiríamos realizar o trabalho que sempre
realizamos com eles. Para continuarmos oferecendo o internato teríamos
que aceitar receber crianças infratoras, mas isso nós não aceitamos, pois
nosso trabalho sempre foi o de promoção, prevenção e proteção
(ENTREVISTA A, 2009).
A diretoria do Educandário não concordava com tal situação e recorreu
contra essa intimação, ganhando mais um tempo para se adequar ao Estatuto. Esse
assunto gerou muita polêmica, pois a diretoria não queria mudar a forma de
atendimento às crianças. De acordo com a diretoria, o Educandário fazia um trabalho
de prevenção da marginalidade e não de correção. Assim, a diretoria julgou ser
necessário contratar uma assistente social para representá-la nos programas ligados
ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ainda sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em entrevista realizada
por Rosa (1999), a presidente do Educandário relatou que:
O Estatuto da Criança e do Adolescente insiste em que a criança não deve
ser separada dos pais. Eu pergunto às autoridades: onde está o projeto que
ajuda os pais a manter consigo as crianças? Se as famílias tivessem
condição de tomar conta das crianças, o Educandário nem precisaria
existir. Mas estamos num País de terceiro mundo, onde a miséria, a
desigualdade social, a indiferença dos poderosos para com os
desfavorecidos da sorte geram revoltas cada vez maiores. Como querem
mandar as crianças para as casas de onde foram rejeitadas? Onde está o
projeto de ajuda familiar, que possa substituir os educandários? Outra
solução aventada seria colocar as crianças numa família substituta, mas eu
pergunto: para que tirá-los do local onde usufruem de um clima de
família, cercado de amor e entregá-los a estranhos desinteressados de sua
sorte? (p. 79).
A citação da entrevista traz claramente o descontentamento da Diretoria do
Educandário com as determinações do Estatuto e com as atitudes governamentais,
que, segundo a presidente da instituição, eram negativas e exibiam descaso para com
as obras sociais. Ainda nessa mesma entrevista, a presidente do Educandário relatou
que no início dos anos 1970 o Ministério da Saúde cortou as verbas destinadas à
doença lepra e isso acarretou grandes problemas na manutenção da instituição, já que
75
essa verba fazia parte do orçamento. Com isso, as doações de particulares e os
eventos para arrecadar verbas continuaram sendo cada vez mais determinantes para a
manutenção do Educandário.
Como o Educandário localizava-se em uma área cada vez mais urbana, a
diretoria estava sendo pressionada, inclusive pela prefeitura, para vender algumas de
suas terras, para serem abertas ruas de ligação à Avenida Rodoviária. Nesse mesmo
período a padaria estava sendo desativada devido à falta de recursos para mantê-la.
Em 1993 o Educandário solicitou ajuda ao Banco do Brasil para fazer as reformas
nos pavilhões do Educandário, e o banco colaborou com a instituição, doando uma
verba para as reformas.
Ainda no ano de 1993 foram comemorados os cinqüenta anos de
funcionamento do Educandário Getúlio Vargas. Algumas palavras ficaram
registradas sobre o trabalho na instituição:
[...] levamos adiante o desafio que nos propusemos desde o longínquo ano
de 1973, que é dar aos 140 menores que aqui vivem, estudando e
trabalhando, em ambiente que possa se aproximar o mais possível de um
lar, não tem sido fácil por vários motivos, dentre eles a dificuldade maior
para obter recursos não oficiais, mas também de empresas privadas e
de pessoas sensíveis, que infelizmente, também se vêem atingidas pela
crise econômica e moral que afeta nosso país. Porém esse desafio maior
que nos estimula a continuar lutando, porque, acima de tudo acreditamos
no que fazemos, e o fazemos pela vontade imensa de acolher o outro,
descobrindo assim a beleza de amar. Nada mais gratificante que
encontrar, ao longo desses anos, aqueles que por aqui passaram e que hoje
são cidadãos que produzem e colaboram para o crescimento de nossa
cidade. Nada mais gratificante do que rever aqueles rostos que vimos
meninos, e vimos crescer e que hoje possuem suas próprias famílias,
aqui retornarem para passear, matar a saudade sim, já que aqui formamos
uma família, verdadeira comunidade. Passamos no momento por uma
adaptação com as novas leis do ECA, que é contrário ao regime de
internato. Até concordamos em muitos pontos, mas, no nosso caso, em
que tudo é feito com muita seriedade, nos questionamos: como estariam
esses menores sem o porto seguro que é esta casa? Sim, senhoras e
senhores, porque a inexistência do internato requer um ambiente sadio
para acolher a volta do menor após o dia que passou na creche ou na
instituição ocupacional. Espero que chegue o dia em que não seja preciso
haver creches ou abrigos para receberem desprotegidos nesse Brasil
(EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1988 a 2007, p. 40 e 41)
26
.
Os integrantes dessa diretoria do ano de 1993 tomaram posse no ano de
1973 e continuaram, em sua maioria, durante os anos de 1990. Essa citação retrata
bem o pensamento da diretoria em relação a seus trabalhos no Educandário e as
____________
26
Essa diretoria assumiu a direção do Educandário no ano de 1973, por esse motivo relataram o início
de seus trabalhos até aquele momento da comemoração dos cinquenta anos da instituição.
76
mudanças exigidas para a adequação da instituição ao Estatuto da Criança e do
Adolescente. A diretoria do Educandário acreditava na modalidade do trabalho
desenvolvido junto às crianças, por isso não queria mudar seu atendimento. Para ela,
se o Educandário se transformasse em uma casa provisória não seria possível
continuar educando e profissionalizando as crianças internas, nos moldes até então
realizados.
Segundo a diretoria do Educandário, o Estado deveria se interessar em
auxiliar na manutenção da instituição, pois a mesma abrigava as crianças que
estariam perambulando pelas ruas se não fosse a existência do internato. Além disso,
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, as crianças têm direito à saúde, à
educação, a um lar, à alimentação e ao lazer; e tudo isso, segundo a diretoria,
recebiam no Educandário. Para a diretoria, isso justificava o trabalho e a contribuição
da instituição para a sociedade campo-grandense (EDUCANDÁRIO GETÚLIO
VARGAS. 1988 a 2007).
Concluindo: pode-se verificar, nesse segundo capítulo, que assim como o
tratamento da lepra determinou a criação dos preventórios, os avanços no tratamento
da doença também determinaram a expansão do atendimento a outras crianças nessa
nova fase.
O educandário continuou oferecendo internato com atendimento médico,
odontológico e religioso, assim como no período inicial. E colocou como objetivo
principal da instituição a profissionalização dos internos. Em entrevista com um
funcionário do Educandário relatou-se: O Educandário sempre ofereceu a educação
profissional e todos os demais ensinamento necessários à vida, para que os internos
aprendessem a conduzir suas vidas quando fossem morar sozinhos, ou quando
retornassem às suas famílias”(ENTREVISTA B, 2009).
Dadas as novas configurações da sociedade capitalista e do Estado, no
entanto, no final dos anos 1980 o trabalho dos internos passou a ser fortemente
criticado pelos órgãos estaduais e com a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em 1990, essa crítica foi intensificada, que esse documento proibiu o
trabalho das crianças, permitindo apenas aos adolescentes, maiores de 14 anos de
idade, participarem das oficinas profissionalizantes.
CAPÍTULO III
O Educandário Getúlio Vargas e as Políticas Públicas para a Infância
Nos capítulos anteriores verificou-se como foi produzido historicamente o
atendimento no Educandário Getúlio Vargas desde a sua fundação, em 1943, até o
ano de 1992. Nesse capítulo será apresentada a relação entre o internato para crianças
e as propostas do Educandário Getúlio Vargas, bem como a relação entre as políticas
públicas para a infância e o atendimento no Educandário Getúlio Vargas.
Para atingir o objetivo, foram historicizadas essas políticas e as suas
determinações no processo de internação de crianças e adolescentes em instituições
especiais, e analisou-se a implicação de tais políticas no caso específico do
Educandário Getúlio Vargas.
3.1 O internato para crianças e adolescentes e as propostas do Educandário
Getúlio Vargas
Observou-se, no decorrer dessa pesquisa que a prática de se internar
crianças e adolescentes em instituições especiais é uma questão histórica que passou
e ainda passa por diversas transformações em sua forma de atendimento. Muitas
instituições foram formadas para atender os vários públicos que foram se formando e
a participação do Estado nessa questão foi se fortalecendo com o passar do tempo,
determinando novas formas de se atender essas crianças, conforme se verá a seguir.
No Brasil, de acordo com Rizzini (2004), a internação de crianças em
instituições especiais, do tipo internato, virou tradição. Ao longo da história
brasileira, desde o período colonial (1500-1822), muitos filhos, tanto de famílias
ricas, como de famílias pobres, passaram pela experiência de viverem em internatos.
Em meados do século XIX, os filhos de famílias de baixa renda passaram a ser alvo
da intervenção do Estado e de instituições religiosas e filantrópicas. Já, o internato
para os filhos de famílias com rendimentos elevados deixou de existir após a metade
do século XX. Sendo assim, o internato foi o principal instrumento de assistência às
crianças, principalmente as advindas de famílias de baixa renda.
78
O termo internato era utilizado para designar todas as instituições de
acolhimento voltadas ao atendimento de órfãos, carentes ou jovens delinqüentes e
sobre isso Abdala e Cruz (2001), colocam que os críticos descreviam os internatos
como prisões onde a infância não encontrava espaço para a sua expressão e
desenvolvimento. As crianças dos internatos eram privadas de viver sua própria
singularidade, já que o trabalho era coletivo, institucional, homogeneizado.
Dando seus primeiros passos na direção da proteção à criança, o Estado
criou, em 1919, o Departamento Nacional da Criança, que seria o órgão supremo de
controle de todas as atividades de assistência àqueles que necessitavam de
internamento em instituições. Esse Departamento organizou o I Congresso Brasileiro
de Proteção à Infância. Conforme Kramer, o Congresso tinha por objetivo:
[...] tratar de todos os assuntos que, direta ou indiretamente, se referiam à
criança, tanto do ponto de vista social, médico, pedagógico e higiênico,
em geral, como, particularmente em suas relações com a Família, a
Sociedade e o Estado (1992, p.54).
A idéia de que a criança é a renovação da sociedade era reforçada, por isso o
investimento no seu atendimento foi reconhecido como importante. Esse
departamento deveria desenvolver estudos sobre a situação das crianças para levantar
a necessidade de serem estabelecidas soluções para os problemas que atrapalhavam o
desenvolvimento do país. Sendo assim, a partir da década de 1920, a intervenção do
Estado na assistência à infância passou a ser crescente.
Com a instauração do Estado Novo (1937), a assistência à infância passou a
ser uma questão de defesa nacional. Segundo Faleiros (2009), o governo Getúlio
Vargas tinha um projeto centralizador e intervencionista, sendo assim, foram
nomeados interventores federais em todos os estados e municípios. E para
desestruturar os poderes regionais, as questões econômicas e sociais passaram a ser
questões nacionais. O governo Vargas buscou se articular com o setor privado para
resolver as questões sociais, destinando verbas para as instituições particulares.
Com relação a essa articulação entre o Estado e o setor privado, no capítulo
1, apresentou-se como isso aconteceu no caso do combate a lepra, com o Plano
Nacional de Combate a Lepra (1935), culminando na construção dos preventórios
para os filhos dos leprosos, dentre eles, o Educandário Getúlio Vargas (1943). A
construção dos preventórios foi fruto da articulação entre o governo federal e a
Federação das Sociedades Eunice Weaver.
79
Visando a centralização da assistência à infância, foi criado pelo governo
Getúlio Vargas, em 1941, o Serviço de Assistência aos Menores (SAM). Tal órgão
foi fortemente criticado na época, pois sua finalidade de atender as crianças
abandonadas não estava acontecendo de fato. O que acontecia era que as crianças
advindas de famílias que tinham recursos financeiros é que estavam sendo internadas
nos melhores educandários do órgão. Com a expansão nacional, em 1954, havia 300
estabelecimentos articulados ao SAM, porém os mesmos não tinham nenhum vínculo
contratual com o serviço. Tais estabelecimentos recebiam uma verba per capita por
cada interno, e eram livres de qualquer fiscalização por parte do SAM. Com essas
facilidades para receber a verba, muitas pessoas se interessavam em manter um
internato (RIZZINI, 2004).
As instituições criadas pelo SAM deveriam ter como foco as crianças órfãs,
abandonadas, e as que cometiam infrações penais, oferecendo educação moral,
cívica, física e profissional. De acordo com Müller (2006), estava estabelecido que as
crianças assim que chegavam ao SAM deveriam passar pelo Setor de Triagem e
permanecer por um determinado período, para, a partir do resultado dessa
observação, serem encaminhadas para a internação em uma das instituições do SAM.
Cada instituição deveria ser destinada a um tipo de público, de acordo com a idade, o
sexo e o motivo da internação. Porém, muitas eram as irregularidades que
aconteciam. No Setor de Triagem, estas não eram feitas e as crianças eram
encaminhadas diretamente às instituições, sem critérios pré-estabelecidos, nem
mesmo de idade; e em qualquer horário do dia ou da noite. Sendo assim, as
instituições ficavam superlotadas e sem condições de funcionamento adequado.
A exemplo dessa situação das instituições, Müller (2006) aponta que no
Instituto Profissional Quinze de Novembro, que fazia parte da rede oficial do SAM:
Foram várias as deficiências encontradas no espaço físico, tais como:
infiltração nos prédios, salas e refeitórios; interdição da piscina e da praça
de esportes; fechamento da lavanderia; entupimento da rede de esgoto e
fossas abertas; fiação da rede elétrica exposta nas salas; não existência de
bebedouros, banheiros nas oficinas, nem armários individuais; a irrigação
da plantação era feita com água da fossa e do esgoto desviados do
Hospital Geral; e o maquinário das oficinas não garantia proteção aos
meninos: as serras elétricas não guardavam distância mínima regular; as
polias e correias das máquinas e as chaves elétricas estavam
desprotegidas (p. 179).
Além desses problemas na estrutura física do prédio, existiam problemas
referentes ao ensino e a aprendizagem dos internos, como por exemplo, o trabalho
80
era colocado em primeiro lugar em relação à formação profissional, sendo assim, ao
serem desligados da instituição, os internos não tinham nenhuma profissão. Outra
grande crítica à instituição era a realização de severos castigos aos internos. Assim
como o Instituto Profissional Quinze de Novembro, outras instituições do SAM
apresentavam sérios problemas no espaço físico, superlotação de internos, entre
outros. Segundo Müller (2006), as condições precárias dos internatos do SAM,
permitiu o caracterizar “como um espaço meramente repressivo, segregador,
punitivo, de permanente desrespeito à dignidade e aos direitos humanos” (p. 190).
Segundo Abdala e Cruz (2001), após a criação do SAM (1941), as
estatísticas apontaram um avanço significativo no número de delinqüentes. Então,
com esses resultados negativos, o Estado propôs a criação de uma nova instituição
que buscasse superar o atendimento oferecido pelo SAM. Assim, em 1964, foi criado
a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Funabem) que tinha como objetivo
formular e implantar a Política de Bem-Estar do Menor (PNBEM), cujo foco era a
valorização da família e a “integração” da criança na sociedade. As práticas de
internação, propostas pelo SAM, deveriam ser minimizadas.
Apesar do SAM ter atuado até o ano de 1963, período em que o
Educandário Getúlio Vargas estava funcionando, não houve qualquer registro de
uma ligação entre tais instituições. Possivelmente, o Educandário Getúlio Vargas não
recebeu nenhuma renda per capita do SAM, devido a sua especificidade naquele
momento ser de atendimento aos filhos sadios dos leprosos.
Com relação à atuação da Funabem, por ser um órgão normativo, sua
finalidade era o planejamento e a coordenação de ações assistenciais voltadas para a
infância, e não o atendimento direto às crianças em instituições especiais do tipo
internato. Porém, como a Funabem foi criada para substituir o SAM, a rede oficial,
composta por 13 internatos, mais a rede financiada, composta por outros 46
internatos, passaram a ser responsabilidade da Funabem. Os internatos da rede oficial
passaram a ser utilizados para a experimentação de novos modelos de internato, que
seriam criados nos estados brasileiros (RIZZINI, 2004).
Além disso, a Funabem tinha como finalidade realizar estudos e pesquisas
sobre os menores e as formas de atendimento nos internatos. Segundo Rizzini
(2004), para isso foram criados 18 centros de triagem, 10 centros de reeducação e 30
centros de prevenção, além de oferecer diversos convênios para os internatos, bem
como a capacitação e treinamento para os dirigentes das instituições. Apesar do novo
81
discurso, de acordo com pesquisas da época, a internação continuou sendo o recurso
mais usado.
Com relação aos convênios, no ano de 1979, o Educandário Getúlio Vargas
solicitou a contribuição da Secretaria Estadual de Recursos Humanos de Mato
Grosso do Sul para a manutenção da instituição. Sendo assim, o representante da
Secretaria sugeriu que o Educandário fizesse um convênio com a Funabem para
receber ajuda financeira. Porém, a diretoria do Educandário não aceitou firmar
nenhum convênio com o órgão, que para isso teria que aceitar as orientações e a
fiscalização da Funabem (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS, 1973 a 1988).
Com o aumento no número de internos atendidos pelo Educandário Getúlio
Vargas, a partir da década de 1970, quando a instituição passou a receber outras
crianças, não filhas de hansenianos, era cada vez mais freqüente a solicitação de
ajuda financeira da diretoria do Educandário ao Estado. Como o Educandário Getúlio
Vargas não aceitava firmar convênio com a Funabem, para não ficar sujeito à sua
fiscalização e orientação, ficava cada vez mais difícil a sua manutenção.
No início dos anos de 1980, o governo federal queria ocupar os
educandários filiados à Federação das Sociedades Eunice Weaver, bem como,
desativar os leprosários, uma vez que essas instituições não tinham mais função, pois
a doença lepra tinha cura. Os prédios que eram os educandários seriam ocupados
pela Funabem para dar atendimento às crianças abandonadas. Por se tratar de uma
instituição filantrópica, o governo federal não conseguiu tomar os prédios filiados à
Federação das Sociedades Eunice Weaver (EDUCANDÁRIO GETÚLIO VARGAS,
1973 a 1988).
A prática de internar crianças começou a ser fortemente questionada a partir
de meados da década de 1980. No auge do período da ditadura militar (1964 1984),
onde a política de segurança nacional adotara a medida de internação como forma de
combater todos que ameaçassem a ordem do país, esse questionamento não seria
aceito; com isso muitas foram as instituições criadas para atender os diferentes
públicos, tidos como ameaça. No entanto, com o processo de redemocratização do
país, na cada de 1980, o questionamento a essa prática da internação tornou-se
possível. Nesse contexto, tanto os movimentos sociais como os próprios internos
começaram a demonstrar insatisfação com tal situação (RIZZINI, 2004).
Segundo Mendonça (2002):
82
A redemocratização dos anos 80 implicou na redefinição das políticas
sociais que reordenaram o sistema de proteção social a partir de princípios
como descentralização, participação social e a universalização da atenção,
visando reduzir a exclusão social e garantir a equidade, no plano dos
direitos (p. 115).
Para atender a essas mudanças, a Funabem desenvolveu um projeto que
visou rever sua atuação e promover a sua reestruturação no ano de 1987, seguindo as
novas diretrizes do Ministério da Previdência e Assistência Social. Atendendo a essa
reestruturação do órgão, no final da década 1980 a Funabem transformou-se no
Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), tendo como finalidade
apoiar a nova legislação para a infância que seria aprovada no ano de 1990, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (RIZZINI, 2004).
Apesar de algumas especificidades no atendimento às crianças, de uma
maneira geral, os internatos mantinham muitas características em comum, como por
exemplo, oferecer atendimento médico, educacional e profissional na própria
instituição, dificultando assim, o contato com a sociedade. Tanto as instituições do
tipo internato criadas pelo Estado, como nas criadas pela iniciativa privada (como no
caso do Educandário Getúlio Vargas) o trabalho dos internos era visto como
instrumento para torná-los indivíduos úteis a sociedade. Segundo Rizzini (2009), o
trabalho era um poderoso meio para disciplinar os internos. No caso do Educandário
Getúlio Vargas, foram apresentados no capítulo 1 e 2, fatos históricos que
demonstraram como foi se configurando o ensino profissional dos internos, sempre
em conformidade com as necessidades da sociedade em cada momento.
3.2 A relação entre as políticas públicas para a infância e o Educandário Getúlio
Vargas.
No tópico anterior observou-se como foram criadas as instituições do tipo
internato ao longo do século XX. Neste tópico será verificado como a intervenção do
Estado, por meio das legislações voltadas para a assistência à infância, foi se
configurando ao longo da história. No caso do Educandário Getúlio Vargas, desde a
sua fundação em 1943 até por volta do final da década de 1980, a intervenção do
Estado foi bastante pequena, sendo assim a diretoria da instituição tinha autonomia
para desenvolver suas atividades. Não existia a interferência direta do Estado nas
entidades filantrópicas, pois as mesmas seriam submetidas às diretrizes se aceitassem
83
as ofertas dos órgãos públicos. Caso não concordassem com algumas imposições de
tais órgãos, porém, poderiam recusar a ajuda financeira e seguir com seus trabalhos.
Sendo assim, cada instituição tinha uma forma específica de trabalho. Com a
aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, a interferência do
Estado passou a ser mais direta em todas as instituições que ofereciam internato para
crianças e adolescentes, uma vez que tal legislação regularizou e padronizou esse
tipo de atendimento, conforme será observado.
No momento histórico de fundação do Educandário Getúlio Vargas, em
1943, a legislação vigente em relação à criança e ao adolescente era o Código de
Menores, chamado Código Mello Mattos, aprovado em 1927, em referência ao autor
que criou a lei
27
. Não seria qualquer criança atendida pelo código, mas sim os
menores
28
, abandonados e delinqüentes. O código definia como abandonado e
delinqüente os filhos de pessoas que moravam em cortiços e subúrbios, crianças mal
alimentadas e privadas de escolaridade, vivendo em situações de carências sociais e
econômicas, que as levavam a ganhar a vida nas ruas, em contato com a
criminalidade, tornando-se, segundo o código (1927), em pouco tempo, delinqüentes.
Entre outras preocupações, o capítulo terceiro da parte especial do código
Mello Mattos (1927) era destinado aos internatos para menores:
Art. 189. Subordinado ao Juiz de Menores haverá um Abrigo, destinado a
receber provisoriamente, até que tenham destino definitivo, os menores
abandonados e delinqüentes;
Art. 190. O Abrigo compor-se-ha de duas divisões, uma masculina e outra
feminina; ambas subdividir-se-hão em seções de abandonados e
delinqüentes; e os menores serão distribuídos em turmas, conforme o
motivo do recolhimento, sua idade e grao de perversão;
Art. 191. Os menores se ocuparão em exercícios de leitura, escrita,
contas, lições de cousas e desenho, em trabalhos manuais, ginástica e
jogos desportivos;
Art. 192. Qualquer menor, que de entrada no Abrigo será recolhido a um
pavilhão de observação, com aposentos do isolamento, depois de inscrito
na secretaria, fotografado, submetido á identificação, e examinado pelo
medico e por um professor; e ali será conservado em observação durante
o tempo necessário (BRASIL, 1927).
____________
27
José Cândido de Albuquerque Mello Mattos foi o primeiro juiz de menores da América Latina.
Nasceu em Salvador/BA, em 19 de março de 1864 e faleceu em 3 de janeiro de 1934, na Cidade do
Rio de Janeiro. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Recife em novembro de 1887 e
atuou como promotor, advogado criminal e professor (ARAUJO; COUTINHO, 2009).
28
O Código de Menores (1927) definia como menores as crianças que tinham idade inferior a 18 anos,
e que estavam em situação de abandono ou delinqüência.
84
Segundo Motti (2001), o código tinha uma visão higienista e repressora,
acreditando que o isolamento social era necessário, pois a criança precisava ser
reeducada para, posteriormente, ser reintegrada na sociedade. Os internos, portanto,
eram privados de sua liberdade. As crianças consideradas pelo código abandonadas
ou delinqüentes passaram a ser objeto da ação do Estado, colocando o Juiz com
poder absoluto em relação à família. Dessa forma, o Estado podia intervir na família
que fosse considerada incapaz de cuidar de seus filhos.
O pressuposto da política de tutela era que se a família não tivesse
condições de criar seus filhos, o Estado devia criá-los em instituições especiais.
Estava previsto no artigo 36 do Código de Menores (1927) que a família que não
tinha condições de criar seus filhos deveria se comprometer a interná-los em
instituições educacionais, caso contrário, perderiam a guarda dos seus filhos. Sendo
assim, muitos pais recorriam aos internatos existentes, para não perderem a guarda
dos filhos e por acreditarem que assim estariam garantindo uma boa educação para
os mesmos (MOTTI, 2001).
Os pais que contraíam doenças contagiosas perdiam a guarda de seus filhos,
pois eram considerados uma ameaça a saúde, tanto dos seus filhos, quanto a de
outras pessoas. No caso da doença lepra, a partir dos anos de 1935, com o Plano
Nacional de Combate à Lepra, foi possível colocar em prática o isolamento dos
doentes previsto na legislação sanitária federal de 1920. Ao serem isolados nos
leprosários, os doentes eram separados de seus filhos que não tinham sido
contaminados. Dessa forma essas crianças passavam a ser consideradas abandonadas.
Buscando solucionar esse problema, começaram a ser criados os preventórios,
também conhecidos como educandários, para atender especificamente os filhos dos
leprosos, conforme relatamos no capítulo 1.
Sendo assim, o Educandário Getúlio Vargas seguiu as determinações do
Código Mello Mattos (1927). Por ser uma instituição filantrópica, no entanto, e seu
atendimento ser específico para os filhos sadios dos leprosos, e não para outras
crianças, o Educandário seguia as orientações da Federação das Sociedades Eunice
Weaver, conforme também relatado no capítulo 1. Como inicialmente a instituição
tinha caráter preventivo em relação à lepra, as crianças que chegavam a mesma, eram
recolhidas ao pavilhão de observação (previsto no art. 192 do Código de Menores),
onde permaneciam em isolamento por alguns dias até serem examinadas por um
médico, e se não tivessem contraído a doença, eram inseridas junto aos demais
85
internos. Caso contrário, eram encaminhadas ao Leprosário São Julião para receber
tratamento (medida de higienização/quarentena).
Com relação ao trabalho infantil, o código Mello Mattos (1927) proibia o
trabalho das crianças menores de 12 anos de idade e dos menores de 14 anos de
idade que não tinham completado a instrução primária. Sobre a questão do ensino
profissional, o código colocava que esse ensino o poderia passar de três horas
diárias para as crianças menores de 14 anos de idade, e todas as oficinas dos
internatos deveriam ter um quadro onde seriam registradas as condições de trabalho
de cada criança: horário de início e término dos trabalhos, assim como as horas de
descanso.
Reafirmando a incapacidade da família pobre em educar seus filhos, em
1979 foi aprovado o novo Código de Menores. Esse código, assim como o primeiro
Código de Menores (1927) também não era destinado a todas as crianças, mas sim
para os menores em situação irregular que, não muito diferente do antigo código,
colocou o Estado como interventor nas famílias por sua condição de pobreza. As
condições precárias de vida das famílias caracterizavam a situação irregular e as
mesmas eram vistas como responsáveis pelas suas irregularidades, principalmente as
financeiras (RIZZINI, 2004).
Este documento não especificou como deveria ser o atendimento nos
abrigos como o Código de 1927, mas colocou que essas instituições seriam criadas
pelo Poder Público e deveriam estar de acordo com a Política Nacional do Bem-Estar
do Menor, oferecendo obrigatoriamente escolarização e profissionalização para os
internos. Além disso, determinava que todas as instituições particulares de
assistência à criança poderiam funcionar depois de serem registradas no órgão
responsável pelos programas de bem-estar do menor. Esse código não provocou
mudanças no atendimento prestado pelo Educandário Getúlio Vargas, uma vez que o
mesmo já oferecia escolarização e profissionalização aos internos.
De acordo com Rizzini (2004), no final dos anos de 1970 e início dos anos
de 1980, as críticas a esse tipo de instituição ficavam cada vez mais fortes. Nesse
momento histórico, foram realizados muitos seminários, publicações e discussões, na
tentativa de serem encontradas novas formas, que não o internato, para serem
utilizadas na assistência à infância que necessitava da intervenção do Estado. Nesse
contexto de discussões à respeito da infância, foi introduzido na Constituição
86
brasileira o artigo 227 que se refere à Doutrina de Proteção Integral e o Princípio da
Prioridade Absoluta no atendimento aos direitos da criança e do adolescente.
Os movimentos sociais que reivindicavam uma melhor atenção à população
infantil se fortaleceram e a pressão para o fechamento dos internatos ficou cada vez
maior. Todo esse processo resultou em uma legislação em defesa dos direitos da
criança e do adolescente, aprovado no processo de redemocratização do país, na
segunda metade dos anos de 1980: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Segundo Bazílio (2006), diferentemente do
Código de Menores de 1979, o texto do novo Estatuto (1990) incorporou a ação dos
movimentos sociais. Além disso, pelo menos na teoria, o ECA rompeu com o
princípio da infância em situação irregular e colocou como princípio a proteção
integral
29
à infância. O texto do Estatuto descreve todos os direitos do conjunto de
crianças e adolescentes menores de 18 anos de idade, e não apenas aos chamados
menores abandonados ou delinqüentes, como nos códigos anteriores. Além disso,
determina os deveres tanto do Estado como da família e da sociedade, para promover
esses direitos.
Ainda segundo Bazílio (2006), na redação do Estatuto houve um esforço no
sentido de diminuir o poder e a interferência do juiz da infância, que havia sido
aumentado no código de 1979. Muitas das medidas protetivas (descritas no artigo
101 do ECA, como encaminhamento a pais e responsáveis; orientação, apoio e
acompanhamento temporário; inclusão em programas comunitários, em abrigos,
entre outras) que antes eram competência apenas do juiz, passaram a ser também
competência dos conselhos tutelares, que são compostos por cinco membros
escolhidos pela comunidade local, para mandato de três anos, sendo possível uma
recondução, tendo como objetivo zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes
(artigo 132).
Dentre os vários direitos estabelecidos nessa legislação, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) instituiu mudanças em relação às instituições do
tipo internato. Como referido no tópico anterior, o termo internato se referia a
____________
29
A doutrina de proteção integral admitida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente visa assegurar todos os
direitos fundamentais da criança e do adolescente, proporcionando-lhes o seu pleno desenvolvimento. Conforme
aponta Motti (2001), as crianças e adolescentes não são mais consideradas como menores incapazes, mas sim
como pessoas em desenvolvimento, como sujeitos de direitos. Nessa legislação todas as crianças e adolescentes
têm direitos assegurados, independente de sua situação. A família não é mais a única responsável pelas crianças e
adolescentes, o estatuto determina em seu artigo que, com absoluta prioridade, a família, a comunidade, a
sociedade em geral e o Poder Público tem o dever de assegurar a efetivação dos direitos das crianças e dos
adolescentes previstos no estatuto (BRASIL, 1990).
87
todas as instituições de acolhimento voltadas ao atendimento de órfãos, carentes ou
delinqüentes. O ECA, no seu texto legal, mudou essa denominação geral,
estabelecendo 7 modalidades de atendimento, referentes a cada situação em que a
criança se encontra:
Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção
das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de
programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e
adolescentes, em regime de:
I - orientação e apoio sócio-familiar;
II - apoio sócio-educativo em meio aberto;
III - colocação familiar;
IV - abrigo;
V - liberdade assistida;
VI - semi-liberdade;
VII - internação.
Parágrafo único. As entidades governamentais e não-governamentais
deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes
de atendimento, na forma definida neste artigo, junto ao Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá
registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao
Conselho Tutelar e à autoridade judiciária (BRASIL, 2005, p. 18).
Para que tenham autorização para funcionar, as instituições precisam fazer
sua inscrição no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
definindo qual seria o seu regime de atendimento, dentre esses elencados no artigo
90. As instituições que antes da aprovação do ECA prestavam atendimento às
crianças e adolescentes nos moldes de internato tiveram que se adequar as novas
normas vigentes, para obterem a autorização de funcionamento e receberem ajuda
financeira do Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente dividiu as modalidades de
atendimento à criança em: medidas de proteção, voltadas para as crianças e
adolescentes órfãos, abandonados, vítimas de violência física, sexual e psicológica e
que, portanto, não estão sob a guarda de seus pais; e medidas cio-educativas
voltadas para os adolescentes que se encontram em conflito com a lei, antes
chamados de delinqüentes.
Para a compreensão sobre quais foram as mudanças provocadas no
Educandário Getúlio Vargas após a aprovação do ECA, será tratado o antigo regime
de abrigo previsto no Estatuto, por ser o regime que está voltado para crianças não
infratoras, já que este foi o público atendido pelo Educandário, durante o período em
que ofereceu tal atendimento. Sendo assim, o abrigo é uma das medidas de proteção
integral, prevista no artigo 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para atender
88
crianças e adolescentes órfãos, abandonados, vítimas de violência física, sexual e
psicológica:
Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão
adotar os seguintes princípios:
I - preservação dos vínculos familiares;
II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de
manutenção na família de origem;
III - atendimento personalizado e em pequenos grupos;
IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
V - não desmembramento de grupos de irmãos;
VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de
crianças e adolescentes abrigados;
VII - participação na vida da comunidade local;
VIII - preparação gradativa para o desligamento;
IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo.
Parágrafo único. O dirigente de entidade de abrigo é equiparado ao
guardião, para todos os efeitos de direito. (BRASIL, 2005, p.19).
A partir desse artigo 92, as instituições que se inscrevessem como abrigo, no
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, deveriam seguir os
princípios acima citados. Caso contrário, perderiam a autorização para o
funcionamento. Sobre a fiscalização, no artigo 95 do ECA consta que tanto as
entidades governamentais, quanto as não-governamentais, referidas no artigo 90,
serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos
Tutelares. Sendo assim, todas as instituições que ofereciam internato para crianças e
adolescentes tiveram que se adequar as normas, pois ficaram sujeitas a essa
fiscalização. Assim como os demais internatos existentes naquele momento, o
Educandário Getúlio Vargas tinha que se adequar a essas normas e, não poderia mais
internar as crianças por longos anos, a não ser que aceitassem mudar a modalidade de
atendimento para crianças e adolescentes que cometeram ato infracional.
Como o Educandário Getúlio Vargas tinha tradição na internação de
crianças e adolescentes, essa questão de não poder mais mantê-los por longos anos
morando na instituição, constituiu-se em um dos grandes entraves para a adequação
às normas do ECA. Mesmo que tivessem alcançado a maioridade, a diretoria do
Educandário não permitia a saída dos internos para viverem na rua, nesse caso
continuavam vivendo na instituição até arrumarem um emprego, então era muito
comum as crianças e adolescentes ficarem longos anos morando na instituição.
Como o ECA colocou o atendimento às crianças e adolescentes que não cometeram
ato infracionário como uma medida de proteção provisória e excepcional, sendo
utilizada apenas como forma de transição para a colocação em família substituta, não
89
implicando privação de liberdade (parágrafo único do artigo 101), o período de
internamento deveria ser curto. Isso significa que as crianças e adolescentes não
deveriam mais ficar longos anos morando nas instituições, nem tampouco serem
colocadas nas mesmas se tivessem familiares para cuidá-las. A direção do
Educandário não aceitava essa imposição por acreditar que em pouco tempo não
seria possível manter os internos nos mesmos moldes que sempre o fizeram desde a
sua fundação, em 1943.
A questão do encaminhamento das crianças também foi outro entrave à
regulamentação do Educandário. Desde a abertura das vagas do Educandário a outras
crianças, no início dos anos 1970, quem autorizava a internação era a própria direção
da instituição. Muitas famílias se dirigiam ao Educandário para internar seus filhos e
cabia a diretoria aceitar ou não a criança. Com a aprovação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, no entanto, essa autorização poderia ser dada pelo juizado da
infância e da adolescência. Além de que, como já observado anteriormente, o ECA
colocou como direito da criança, a convivência familiar e comunitária, desaprovando
assim a internação de crianças que tem familiares em condições de cuidá-las. A
prática das próprias famílias internarem suas crianças foi proibida, uma vez que
apenas o juizado tem a autorização para encaminhar as crianças.
Com relação ao trabalho dos internos, o ECA proibiu qualquer trabalho
infantil (crianças menores de 11 anos de idade). Os menores entre 12 e 14 anos de
idade podem trabalhar na condição de aprendiz (art. 60), devendo receber uma
auxílio financeiro pelos seus trabalhos (art. 64). O adolescente que tiver mais de 14
anos de idade poderá trabalhar, mas seus direitos trabalhistas e previdenciários
deverão ser assegurados (art. 65). Como no Educandário Getúlio Vargas todas as
crianças e adolescentes tinham suas obrigações, seja na organização e limpeza dos
prédios, seja nas oficinas profissionalizantes, que geravam lucro e contribuíam na
manutenção da instituição, esse foi um ponto que precisou de algumas mudanças
para se adequar as normas do ECA, acima citados.
De acordo com Rizzini (2004), de modo geral, o Estatuto da Criança e do
Adolescente teve vários avanços na sua implementação, assim como apresentou
vários entraves. Com relação à normatização das instituições de atendimento, pela
falta de pesquisas científicas, segundo a autora, fica difícil avaliar as transformações
promovidas pelo ECA.
90
No caso do Educandário Getúlio Vargas, foi possível averiguar e apresentar,
em momentos anteriores, essas transformações. Como observado ao longo desse
capítulo, em relação aos dois Códigos de Menores anteriores (de 1927 e de 1979), o
Estatuto da Criança e do Adolescente foi a legislação que provocou grandes
mudanças no atendimento oferecido pelo Educandário Getúlio Vargas. Viu-se que
apesar de existirem legislações voltadas para a assistência à infância antes de 1990,
as instituições particulares tinham certa autonomia para promover suas atividades,
como por exemplo, no caso do Educandário Getúlio Vargas, era a diretoria da
instituição que autorizava a entrada e saída de internos; determinava o número de
vagas; os dias e os horários de visitas dos pais, entre outras questões, conforme
relatado no capítulo 2. Essa situação era possível uma vez que a instituição se
mantinha com verbas particulares, arrecadadas por campanhas. Assim, não precisava
firmar convênio com os órgãos públicos, pois estes implicavam em aceitar a
orientação e fiscalização de tais órgãos.
À medida que as doações foram ficando cada vez menores, sobretudo a
partir dos anos 1980 em diante, o Educandário Getúlio Vargas precisou cada vez
mais da participação do Estado na manutenção da instituição, passando a firmar
convênios, que implicavam em maior controle por parte do poder público,
principalmente dos governos locais.
Após a aprovação do ECA, para receberem ajuda financeira do Estado as
instituições deveriam estar de acordo com a legislação, e no caso específico do
Educandário Getúlio Vargas, a diretoria não aceitou algumas mudanças impostas
pelo Estatuto, como por exemplo, mudar o atendimento para casa provisória
(atendendo crianças por um curto período de tempo, determinado pelo juizado da
infância e não mais pela diretoria do Educandário). E, também não aceitou mudar o
regime de atendimento para crianças e adolescentes que cometeram ato infracional,
sendo o único caso previsto pelo ECA em que poderia haver internação por um
período mais prolongado.
Desta forma, após vários anos buscando alternativas para dar continuidade
ao atendimento que era oferecido pela instituição, no ano de 2006 o Educandário
Getúlio Vargas encerrou o atendimento em regime de internato. Atualmente o
Educandário oferece creche e acompanhamento escolar às crianças e aos
adolescentes no período contrário ao que estão na escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do objeto e objetivos da dissertação, ao longo desta pesquisa foi
analisada a história do atendimento prestado pelo Educandário Getúlio Vargas, desde
a sua fundação, em 1943 até o ano de 1992. Para isso, constatou-se que a partir da
década de 1930, com o governo Getúlio Vargas, foi efetivado o planejamento e a
execução de uma política nacional para o combate à lepra, que gerou a necessidade
de se criarem instituições específicas para atender a esse público, como o leprosário,
para isolamento dos doentes e a partir dessa instituição, surgiu a questão de como
atender os filhos sadios dos leprosos, pois os cuidados sanitários executados naquele
momento histórico recomendavam separá-los de seus pais para não contraírem tal
doença, evitando assim a sua disseminação. Para que essas crianças não
permanecessem nas ruas das cidades foram criados os preventórios, também
conhecidos como educandários, que tinham como função abrigar essas crianças.
Com o surgimento do Plano Nacional de Combate a Lepra, em 1935, o
Estado assumiu a manutenção dos leprosários e o cuidado com a transmissão da
doença (dispensários), enquanto uma entidade filantrópica, a Federação das
Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, ficou responsável
pela criação e manutenção dos preventórios, para atender os filhos dos leprosos, que
foram sendo construídos em todo o Brasil. A Federação, sendo a única entidade
autorizada a angariar fundos para a campanha, foi reconhecida como de utilidade
pública, e passou a ser fundamental no combate à doença.
No caso do Educandário Getúlio Vargas, portanto, a justificativa de sua
existência foi o atendimento que se deu a partir dessa necessidade de oferecer abrigo
aos filhos sadios dos leprosos em Campo Grande, cidade então pertencente ao estado
de Mato Grosso, tendo sido instalado em 1943. Sendo assim, na primeira fase de
funcionamento da instituição (1943 a 1972), o atendimento se destinou a essa
população. Como o Educandário tinha caráter preventivo em relação à lepra, sua
localização era afastada do centro da cidade, e todos os atendimentos eram
oferecidos aos internos dentro da própria instituição, reforçando ainda mais o caráter
de isolamento. O contato dos internos com a sociedade campo-grandense acontecia
apenas quando os adolescentes saiam para estudar ou para fazer algum curso
92
profissionalizante. as crianças menores recebiam todo o atendimento na própria
instituição, o que tornava quase inexistente o contato com a sociedade.
Desde o ano de fundação do Educandário, em 1943, até por volta de 1972,
as doações foram fundamentais para a manutenção da instituição, uma vez que a
participação do Estado era mínima em suas receitas. Apenas em alguns momentos o
governo estadual e municipal contribuiu com a instituição. Com isso, a diretoria do
Educandário, embora com relativa subordinação à Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, tinha autonomia em relação ao
Estado, principalmente considerando os governos locais, para prestar seus serviços.
Cada instituição tinha uma forma específica de trabalho, pois eram submetidas
diretamente às exigências dos governos locais quem aceitasse as ofertas de ajuda dos
mesmos. Caso não concordassem com algumas imposições, era recusar a ajuda e
seguirem com seus trabalhos.
Por outro lado, no entanto, era por meio da Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra que o governo federal auxiliava os
preventórios, e isso estabelecia certa relação de dependência das instituições frente à
Federação e, por conseguinte, face ao Estado que as financiava. Nesse caso havia
controle por parte da Federação sobre o tipo de atendimento e sobre a organização
interna das suas filiadas, entre elas a de Campo Grande. Como se viu no decorrer
dessa pesquisa, no primeiro momento de funcionamento do Educandário Getúlio
Vargas (1943 a 1972) as visitas de representantes da Federação eram freqüentes, e o
atendimento oferecido pela instituição seguia as orientações previstas no
regulamento dos preventórios, elaborado pela própria Federação.
À medida que as doações foram diminuindo, no decorrer, sobretudo dos
anos 1980 em diante, o Educandário precisou cada vez mais da participação do
Estado na manutenção da instituição, passando a firmar convênios que implicavam
em maior controle estatal, principalmente dos governos locais, implicando isso em
menor autonomia da instituição.
Além disso, com relação à organização interna da instituição, quando a
necessidade de atendimento aos filhos dos leprosos foi suprida, devido aos avanços
no tratamento da doença, por volta dos anos de 1970, para continuar funcionando, o
Educandário abriu suas portas para outras crianças que não estavam sob os cuidados
de suas famílias, e que, portanto, necessitariam de abrigo, oferecendo os mesmos
tipos de atendimento do período anterior. No segundo período de funcionamento do
93
Educandário (1973 a 1992), mudanças significativas aconteceram. Com a expansão
do atendimento a outras crianças, a procura por vagas aumentou, que a instituição,
além do internato, oferecia ensino profissionalizante e isso fazia com que as famílias
solicitassem as vagas. Ao mesmo tempo, como a preocupação com a prevenção da
doença lepra não era a razão principal da existência da instituição, a relação do
Educandário com a Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra deixou de ser tão intensa, o que deu mais espaço para a diretoria do
Educandário conduzir seus trabalhos que, simultaneamente, passaram a sofrer maior
intervenção do Estado, visto que aumentaram os convênios com o poder público
local.
Se o objetivo inicial da instituição foi a prevenção da doença lepra, voltou-
se com mais intensidade para a profissionalização dos internos, no segundo período
de funcionamento (1973 a 1992). No caso da profissionalização, num primeiro
momento, os internos se voltaram para a aprendizagem de prática agrícolas.
Considerando o surgimento de atividades industriais na cidade, começaram a ser
realizadas oficinas de diversos trabalhos no Educandário, para profissionalização dos
internos. Além disso, o trabalho sempre foi visto como um importante instrumento
disciplinador, e também utilizado como uma das fontes de renda para a manutenção
da instituição, desta forma, sempre se pensava em oficinas que gerassem algum
lucro.
Era fundamental, além disso, que as crianças e adolescentes tivessem todo o
seu tempo ocupado. Quando não estavam voltados para os estudos escolares estavam
participando de alguma atividade profissionalizante, pois se acreditava que a
educação deveria ser voltada para o trabalho e para a religião, a ociosidade era vista
como caminho para a criminalidade. O ensino religioso sempre foi oferecido no
Educandário.
Percebe-se também a importância que as atividades profissionalizantes
foram assumindo à medida que o Ministério da Saúde cortou as verbas destinadas à
doença lepra no início dos anos de 1970, junto com a escassez também de verbas
antes acessadas por meio da filantropia, o que obrigou a instituição a lançar mão de
seus próprios meios para a sua manutenção. Assim, no final do segundo período de
funcionamento do Educandário (1973 a 1992), a manutenção da instituição e o
regime de internato eram cada vez mais dispendiosos e as doações, que foram
fundamentais para a manutenção no primeiro período de funcionamento (1943 a
94
1972) eram cada vez mais escassas. Por volta da década de 1980, para evitar firmar
convênio com o Estado e, consequentemente, impedir uma maior intervenção na
condução dos trabalhos do Educandário, suas terras começaram a ser desmembradas
para serem vendidas e levantar fundos para a manutenção do prédio. Essa foi,
contudo, uma solução temporária e a instituição teve que firmar mais convênios com
o Estado, além de serem cada vez mais significativos os lucros vindos do trabalho
dos internos nas oficinas.
Por volta do fim da década de 1980, o trabalho dos internos passou a ser
fortemente criticado pelos órgãos estaduais e com a aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, em 1990, essa realidade começou a mudar, que esse
documento proibiu o trabalho das crianças, permitindo apenas aos adolescentes
maiores de 14 anos de idade participar do ensino profissionalizante.
Também nesse período o Estado passou a interferir de forma mais direta em
todas as instituições de atendimento à infância, pondo fim em grande parte da
autonomia na condução de seus trabalhos, antes existentes. E assim como outras
instituições, o Educandário Getúlio Vargas teve que se adequar as novas exigências
legais contidas no ECA. O Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou o
atendimento em todas as instituições de internato para crianças e adolescentes,
proibindo a internação de crianças que não cometeram nenhum ato infracional. Além
disso, uma dessas exigências era a não internação de crianças por longos anos, como
era comum no Educandário. As instituições que não se regularizassem seriam
impedidas de oferecer atendimento às crianças.
É importante lembrar que apesar de terem existido outras legislações
voltadas para a assistência à infância, anteriores ao ECA, como o Código de Menores
de 1927 e o Código de Menores de 1979, somente com o Estatuto o Estado passou a
interferir de forma mais direta em todas as instituições voltadas para a infância.
No caso específico do Educandário Getúlio Vargas, a diretoria não aceitou
mudar o atendimento para casa provisória (abrigando crianças por um curto período
de tempo, determinado pelo juizado da infância e não mais pela diretoria do
Educandário). E, também, não aceitou mudar o regime de atendimento às crianças e
adolescentes que cometeram ato infracional o único caso previsto pelo ECA em
que poderia haver internação por um período mais prolongado. Sendo assim, após
vários anos procurando dar continuidade à organização até então sustentada pela
95
instituição, não puderam mais oferecer o atendimento em regime de internato,
encerrando esse tipo de serviço no ano de 2006.
Concluindo, observa-se que ao início desta pesquisa ao realizar o
levantamento bibliográfico referente ao tema em questão, constatou-se que a
abordagem que parte das relações entre as instituições de internato para crianças e
adolescentes e as necessidades da sociedade, principalmente partindo do
conhecimento da história dessas instituições, carece de pesquisas. Além disso, ainda
existe uma lacuna no que se refere à cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul,
pois não se encontrou pesquisas sobre o tema.
Portanto, ao desenvolver esta pesquisa sobre a histórica de uma dessas
instituições de Campo Grande, o Educandário Getúlio Vargas, acredita-se ter
contribuído para ajudar a preencher essa lacuna. No entanto, a questão da internação
de crianças e adolescentes em instituições especiais é um tema amplo e que ainda
necessita de muitas pesquisas, principalmente no que se refere a outras questões que
não foram respondidas nesta. Embora o trabalho tenha apontado pontos importantes,
muito ainda há que se pesquisar sobre essas instituições e suas relações com o
Estado, sobretudo o financiamento das mesmas, apontando principalmente os
impactos do Estatuto da Criança e do Adolescentes no atendimento oferecido, tanto
pelas instituições governamentais, como pelas não governamentais. Além de
carecerem de pesquisas sobre a trajetória de outras instituições semelhantes de
Campo Grande/MS, não esquecendo o tema que leva à relação entre filantropia e
Estado.
Outro tema que mereceria uma abordagem mais aprofundada relaciona-se à
organização interna dessas instituições, considerando sua proposta de atendimento
em tempo integral aos seus internos. Esse tema, inclusive, remete-nos
necessariamente à crença na redenção pelo trabalho, questão comum às instituições
que, na sociedade capitalista, trataram do atendimento à criança, sobretudo aquela
vinda da classe trabalhadora.
ANEXOS
Roteiro para entrevista A (membros da direção)
Questões específicas
1. Como era a relação do Educandário com o governo, nas decisões, no
financiamento e na prestação de serviços (escola e creche)?
2. A educação escolar era oferecida pelo próprio Educandário, ou as crianças
freqüentavam as escolas?
3. Quem encaminhava as crianças para o Educandário, além da diretoria do
Hospital São Julião?
4. Quem autorizava a saída do Educandário (juiz de menores, pais, etc)?
Quando e por que as crianças/adolescentes saíam?
5. Que tipo de atendimento era oferecido aos internos, nos vários momentos em
que esteve em contato com a instituição? (quando recebia os filhos dos
hansenianos; quando passou a receber outras crianças).
6. O que você entende por educação dos internos e como a relação entre
educação e trabalho no atendimento prestado pelo Educandário?
7. Como era e como ainda é a relação com a Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra/Sociedade Eunice Weaver?
8. Como era a relação do Educandário com a religião, com a educação religiosa
para os internos?
9. Como era a relação dos internos com suas famílias e da diretoria com as
famílias?
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10. O Educandário prestava uma assistência diferenciada de outras instituições?
Que diferença era essa?
11. - O que mudou com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), nos anos 1990?
Roteiro para entrevista B (funcionários)
Questões específicas
1. O que você entende por educação dos internos e como a relação entre
educação e trabalho no atendimento prestado pelo Educandário?
2. Como era a relação dos internos com suas famílias?
3. O Educandário prestava uma assistência diferenciada de outras instituições?
Que diferença era essa?
4. Como era a organização interna do Educandário para receber as crianças e
adolescentes? Que profissionais as atendiam?
5. Como era a relação entre os internos, os funcionários e a “comunidade
local”?
6. Como eram reguladas as atividades dos funcionários? Havia um regimento
interno ou um conjunto de normas que dizia como o funcionário deveria atuar?
7. Como funcionavam as oficinas? Como os internos eram escolhidos para
participar?
8. Qual era a rotina dos internos? O que era feito durante um dia de atividades?
Existia uma divisão por idade e sexo?
9. Como era mantida a disciplina dentro da instituição? Existiam normas a
serem seguidas pelos internos? Como tomavam conhecimento dessas normas
(oralmente, por outros internos, por escrito)?
Roteiro para entrevista C (ex-internos)
Questões específicas
1. Que tipo de atendimento era recebido pelos internos, nos momentos em que
você viveu na instituição?
2. Como era a educação que você recebeu no Educandário? Você estudou em
escolas fora do Educandário? Recebeu educação profissional e religiosa?
3. Como era sua relação com seus familiares? E a relação dos outros internos
com suas famílias?
4. O Educandário prestava uma assistência diferenciada de outras instituições?
Que diferença era essa?
5. Como era a organização interna do Educandário para atender as crianças e
adolescentes? Que profissionais atendiam os internos?
6. Como era a sua relação com os outros internos, os funcionários e a
“comunidade local”?
7. Como era a sua rotina no Educandário? Que atividades você realizava?
8. Como era mantida a disciplina dentro da instituição? Existiam normas a
serem seguidas? Existiam pessoas encarregadas de cuidar da disciplina?
9. Como você resumiria esses anos em que viveu no Educandário?
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