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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE ESUCAÇÃO E HUMANIDADES
INSTITUTO DE LETRAS
JAQUELINE DA SILVA BRITO
Clarice Lispector: a tematização
da mulher em Laços de família e alguns aspectos da vida de uma
escritora do século XX
RIO DE JANEIRO
2007
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1
JAQUELINE DA SILVA BRITO
Clarice Lispector: a tematização
da mulher em Laços de família e alguns aspectos da vida de uma
escritora do século XX
Dissertação apresentada como registro parcial
para obtenção do título de Mestre, no Programa
de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Literatura Brasileira.
Orientador: Profª Doutora Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba
Rio de Janeiro
2007
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
L771 Brito, Jaqueline da Silva.
Clarice Lispector: a tematização da mulher em Laços de família e
alguns aspectos da vida de uma escritora do século XX / Jaqueline da
Silva Brito. – 2007.
85 f.
Orientador : Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba.
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Letras.
1. Lispector, Clarice, 1925-1977 Crítica e interpretação. 2.
Mulheres na literatura – Teses. 3. Lispector, Clarice, 1925-1977.
Laços de família. I. Borba, Maria Antonieta Jordão de Oliveira. II.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. III.
Título.
CDU 869.0(81)-95
3
JAQUELINE DA SILVA BRITO
Clarice Lispector: a tematização
da mulher em Laços de família e alguns aspectos da vida de uma
escritora do século XX
Dissertação apresentada como registro parcial
para obtenção do título de Mestre, no Programa
de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Literatura Brasileira. Orientador: Profª Doutora
Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba.
RELAÇÃO DOS MEMBROS DA BANCA
Profª Drª Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba – UERJ
Profª Drª Maria José Cardoso Lemos – UERJ
Profª Drª Mirian Sütter Medeiros – PUC-RIO
Suplentes:
Profª Drª Sílvia Regina Pinto – UERJ
Profª Drª Elizabeth Muylaert Duque Estrada – PUC-RIO
Rio de Janeiro
2007
4
À minha mãe, que sempre
esteve a meu lado e me
ensinou a lutar por meus
sonhos.
5
Agradecimentos
A Deus, em primeiro lugar, pelo dom da vida, pela saúde e por me dar forças para
superar todas as adversidades.
À minha família, em especial ao meu esposo, pelo apoio, incentivo e compreensão.
Aos professores da Pós-graduação da UERJ, que contribuíram significativamente
para que eu conseguisse elaborar minha dissertação.
Aos amigos que estiveram a meu lado, me apoiando e me incentivando no período
em que cursei meu mestrado.
À minha orientadora, Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba, pela paciência,
dedicação, trabalho e talento como professora.
6
“Enquanto executasse um mundo clássico,
enquanto fosse impessoal, seria filha dos
deuses, e assistida pelo que tem que ser
feito. Mas, tendo visto o que os olhos, ao
verem, diminuem, arriscara-se a ser um
ela-mesma que a tradição não amparava.
Por um instante hesitou toda, perdida de
um rumo.”
Clarice Lispector
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RESUMO
BRITO, Jaqueline da Silva. Clarice Lispector: a tematização da mulher em Laços de
família e alguns aspectos da vida de uma escritora do século XX. 2007. 85 f.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
O objetivo desta dissertação é refletir sobre a construção de algumas
personagens femininas de Laços de família, examinando, em especial, os conflitos por
elas vivenciados, a ausência de definição para os embates vividos, o contraste entre
comportamento e imaginação, à luz da “Teoria do efeito estético”, de Wolfgang Iser, em
face dos vazios constituintes da narrativa de Clarice Lispector. Tais conflitos serão
também observados em relação aos fortes apelos do meio urbano no conturbado
contexto do século XX, espaço e momento em que se exacerbam sentimentos
diferenciados entre estar na cidade e viver em isolamento.
Palavras-chave: Literatura brasileira; Feminino; Vazios textuais.
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ABSTRACT
My purpose in writing this paper is to reflect upon the construction of some
female characters from Laços de família, examining, in special, the conflicts they live,
the absence of definition to their battles, the contrast between behavior and imagination,
in the light of the “Theory of the aesthetic effect”, by Wolfgang Iser, in face of the
emptiness which constitutes Clarice Lispector’s narrative. Such conflicts will also be
observed in relation to the strong appeals of urbanism in the troubled context of the 20
th
century, setting in which different feelings between being in the city and living in
isolation exacerbate.
Keywords: Brazilian literature; Feminine; Textual emptiness
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SUMÁRIO
1. Introdução ............................................................................................... p. 10
2. Pressupostos teóricos............................................................................... p. 15
3. Breves reflexões sobre o século XX ...................................................... p.21
3.1. O papel da mulher no século XX.......................................................... p.25
3.2. Clarice Lispector, uma mulher do século XX ...................................... p.29
3.3. O feminino em Clarice Lispector ..........................................................p.36
4. Interpretação do conto A imitação da rosa .............................................. p.39
5. Interpretação do conto Amor ....................................................................p.51
6. A correspondência entre a geografia externa e a geografia íntima de algumas
personagens femininas em Laços de família.................................................. p.60
6.1. Exílio doméstico versus cenário urbano ................................................ p.63
6.2. As transformações interiores ................................................................. p.66
6.3. A cidade: lugar de perdição ou encontro? ............................................. p.73
7. Considerações finais ................................................................................. p.80
8. Referências Bibliográficas ........................................................................ p. 83
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1. Introdução
Esta dissertação de mestrado resulta de uma pesquisa de natureza crítico-
comparativa sobre a literatura de Clarice Lispector, mais especificamente, o
corpus que compreende os contos “A imitação da rosa”, “Amor”, “Devaneio e
embriaguez duma rapariga” e “Preciosidade”, todos reunidos em Laços de família
(1998). Os dois primeiros – “A imitação da rosa” e “Amor” – serão interpretados,
em perspectiva comparada, ainda que apareçam em espaços distintos, nos
capítulos quatro e cinco. O critério de seleção desses dois contos deveu-se ao
fato de eles se constituírem como objetos que mais claramente demandam os
pressupostos da “Teoria do efeito estético”, de Wolfgang Iser, em função das
estratégias ficcionais pelas quais são elaborados. No capítulo seis, juntam-se a
eles, “Devaneio e embriaguez duma rapariga” e “Preciosidade”, em função de
serem, em conjunto, literaturas que nos permitem ver um aspecto particular que
os permeiam: a relação entre a geografia externa e a geografia interna de
personagens femininas.
Trata-se de um trabalho que tem por objetivo promover reflexões sobre
tais textos através de duas frentes: a primeira, no sentido de deixar que os contos
falem, em nossas interpretações, sobre as imagens provocadas ou que deles
emergem; a segunda, no sentido de descrever as relações que eles mantêm com
o contexto histórico em que foram produzidos. Ambos os caminhos dizem
respeito a um empreendimento, cuja justificativa reside na pertinência de se
debaterem as variantes pelas quais a própria forma de inserção social de Clarice
Lispector, tanto em sua vida, quanto em sua atuação profissional no Brasil,
contribuiu para que sua literatura fosse produzida por estratégias refratárias a
11
estilos de outras literaturas de escritores brasileiros da mesma época. É
importante ressaltar que o aproveitamento das informações contextuais feito
nesta dissertação não significa que entendemos ser a obra dessa escritora um
reflexo do momento em que surgiu. Contrariamente, nossa compreensão é a de
que a escrita clariceana, ao se alimentar das referências de um certo período do
perturbado contexto histórico do século XX, promove uma mimesis literária que
problematiza tais ocorrências sociais. Isto porque, ao invés de reproduzir as
convenções sociais, seus contos suspendem o julgamento sobre os códigos das
relações interpessoais dos contextos de ação, preferindo construir universos
ficcionais cujos enredos, personagens e ações não fecham, neles mesmos, uma
situação que ponha um ponto final nos embates das questões que as obras
abordam.
Clarice prefere mesmo deixar suas personagens em seus conflitos,
particularmente as personagens femininas, sem que tais conflitos se resolvam
nos universos em que vivem suas máscaras. Esses conflitos nos convidam a
pensar sobre eles, justamente porque o texto não apresenta uma definição clara
do rumo que tomaram. É pois o próprio fato de a escritora tratar artisticamente
das referências de mundo que sua literatura provoca a reflexão dos leitores sobre
os elementos que acabam por configurar, nesses universos ficcionais, um
conjunto variado de questões: o imaginário familiar, as formas de relações de
parentesco, as visões das personagens sobre os papéis femininos, os
julgamentos implícitos sobre os códigos sociais, além de irrupções de situações-
limite, propulsoras de comportamentos capazes de traduzir desejos, descobertas
e sentimentos potencialmente contidos em seus interiores.
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O exame dos modos pelos quais a escrita tematiza essas e outras
questões deverá revelar o próprio processo de uma literatura que provoca o leitor
para a vivência estética do que Wolfgang Iser (1978) denomina efeito, em forma
de construções de imagens que permanecem em estado de suspensão, ou seja,
uma narrativa em que as forças contraditórias não são resolvidas no nível do
enunciado dos textos ou nos planos das histórias. Se, por vezes, temos a
impressão de vislumbrar um destino para os contos que Clarice cria, não é raro
isto se desfazer no decorrer da leitura, o que nos impele ao preenchimento do
contraste dessas ocorrências. Suas narrativas, ainda que à primeira vista
pareçam construir um equilíbrio inicial, uma quebra deste estágio, para,
posteriormente, apresentar um outro modo de equilíbrio, elas, em sua grande
maioria, mantêm uma constante tensão, ou seja, um equilíbrio/desequilíbrio que
vai do início ao fim. Como a “Teoria do efeito estético” de Iser baseia-se no
próprio processo da leitura e, como este teórico valoriza a literatura que deixa os
conflitos com “vazios”, pensamos que as interpretações de dois contos,
orientados por esta teoria, serão pertinentes para esta dissertação.
Este trabalho tomará ainda como princípio a investigação de pontos de
semelhança, de diferença e de diferença na semelhança, de modo que passemos
a formular interpretações, construir significações e desenvolver discussões sobre
uma série de aspectos que nascem no próprio texto: variações de enredo; modos
como as urdiduras se relacionam com os diferentes perfis das personagens;
formas de estratégia narrativa; maneiras pelas quais se constroem os embates,
modos como os conflitos ocorrem no interior mesmo das personagens, formas de
relações entre o interior e o exterior etc.
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Como pretendemos desenvolver um trabalho que reflita as significações
derivadas de imagens e efeitos pelos quais passa o leitor, nos basearemos, em
alguns dos conceitos da “Teoria do efeito estético”, construída pelo alemão
Wolfgang Iser (1978), valendo-nos, em especial, do que Maria Antonieta Jordão
de Oliveira (2004) publicou sobre esta teoria, inter-relacionando tais noções de
Iser com o conceito de “interpretação” de Tzetvan Todorov (1979), conforme
descrição que faremos no segundo capítulo, sendo que, nos capítulos quatro e
cinco, os contos serão analisados à luz de tais pressupostos, dialogando ainda
com a leitura de Roberto Correa dos Santos (1986) e Martim Vicente da Cunha
Silva (2005). Antes, porém de tais interpretações virem no desenvolvimento desta
dissertação nestes espaços (quatro e cinco), julgamos ter sido importante abrir
um espaço, também teórico, para discutir algumas idéias sobre a história do
século XX, baseando-nos fundamentalmente nas reflexões de Eric Hobsbawm, o
que será feito no capítulo três.
No capítulo seis, discutiremos os contos “Amor”, “A imitação da rosa”,
“Devaneio e embriaguez duma rapariga” e “Preciosidade”, a partir de reflexões de
estudiosos sobre Clarice e sobre a geografia das cidades, entre eles: Benedito
Nunes (1976), Cláudia Nina (2003), Georg Simmel (1987), Lúcia Helena (1997),
Lucrecia D’Alessio Ferrara (2000) e Renato Cordeiro Gomes (1994), a fim de que
possamos desenvolver o que as literaturas aí comentadas sugerem: a relação
entre os mundos internos e externos de personagens femininas.
Com este nosso trabalho, esperamos, pois, estar contribuindo para
estender, por outro viés, as discussões sobre uma parte significativa da obra de
Clarice Lispector, que é o livro Laços de família, apresentando algumas de suas
potencialidades estéticas em interpretações, bem como reflexões entre os
14
mundos interno e externo de personagens femininas, com o objetivo de aí
verificar de que maneira a literatura de Clarice, através da criação ficcional de
personagens femininas, pôde retratar também um período das trajetórias de
mulheres do século XX.
15
2. Pressupostos teóricos
O primeiro pressuposto do qual partimos diz respeito à concepção de
interpretação, tal como o termo é entendido por Tzvetan Todorov (1979). Para o
teórico, interpretar implica a “substituição de um texto outro pelo texto presente”
(TODOROV:1979, p.253). Trata-se, portanto, de um processo pelo qual o analista
examina o modo pelo qual o escritor da literatura explora a cadeia sintagmática em
seu tecido textual aparente, objetivando revelar o subtexto guardado nas
profundezas de suas camadas. Assim entendida, a interpretação é uma tarefa que
pressupõe a existência de elementos em constelação sistêmica – em espécie de
rede –, que remetem para certos núcleos dominantes, ou seja, pontos focais que
se fazem valer por um caráter de maior relevância no conjunto das literaturas
investigadas. Embora tenha sido esta uma das práticas do estruturalismo, tal
concepção de interpretação permanece atual, conforme nos lembra Todorov
(1979), ao escrever que
“a interpretação dominou, como se sabe, a tradição ocidental, as exegeses
alegóricas e teológicas da Idade média, até a hermenêutica contemporânea”
(ibidem, p. 253).
Somente a título de ilustração, lembramos que, em nossa tradição crítica,
a “análise sistêmica” proposta por Luiz Costa Lima (1976) aproxima-se, em
aspectos fundamentais, da interpretação prevista por Todorov, mais
especificamente, no objetivo de busca de um segundo texto por detrás da
superfície. Trabalhando com as noções de “matriz”, “estrutura”, “plano da
implicitude”, “plano da implicação”, “significação”, “sentido”, Luiz Costa Lima faz
16
uma interpretação da obra A menina morta de Cornélio Penna, revelando o
palimpsesto construído pelo analista.
A aproximação que aqui fazemos entre a “análise sistêmica” de Luiz Costa
Lima e a interpretação segundo Todorov justifica-se não só pelo reconhecimento
do nome de nosso teórico – Costa Lima –, mas particularmente pelo fato de a
proposta por ele formulada se aproximar do segundo pressuposto no qual se
baseará a dissertação. Referimo-nos ao fato de as “significações despertadas” de
Luiz Costa Lima se assemelharem conceitualmente ao que Wolfgang Iser, em
sua obra O ato de leitura (1996) denomina por “efeito estético”. Segundo Iser, no
próprio processo de interação com o ficcional, o leitor, ao armazenar na memória
dados advindos das perspectivas textuais – narrador, enredo, personagens, leitor
fictício – projeta possíveis acontecimentos para a narrativa. A ratificação ou
retificação dessas ocorrências, provocadas pelo confronto de visões
diferenciadas das personagens, formam “vazios” por conta de uma não resolução
apresentada para tal confronto. Como os contos selecionados abordam
convenções diferenciadas de mundo não solucionadas nos universos ficcionais,
constata-se a adequação de um trabalho com as imagens, os vazios, os efeitos
(ou “significações despertadas”, conforme Luiz Costa Lima), bem como com as
interpretações ou as significações que impelem o leitor para construí-las. Para a
teoria de Iser, espera-se que o leitor preencha os pontos de indeterminação e,
nessa condição, construa um “sentido”, conforme Luiz Costa Lima, ou uma
“significação”, conforme Wolfgang Iser, ou ainda, uma “interpretação”, conforme
Todorov.
A importância que vemos em nos valer de algumas noções de Iser –
particularmente as de “imagem”, “efeito”, “vazio” – deve-se, em parte, ao fato
17
de o teórico alemão conceber a idéia de mimesis, na mesma linha de um grupo
de intérpretes da Poética de Aristóteles. Quando dizemos grupo de intérpretes,
é porque amesis, traduzida comumente pela palavra “imitação e sendo o
denominador comum que unifica as diversas formas artísticas – a literatura, a
música, a pintura e a dança –, foi objeto de controvérsias ao longo dos séculos.
Por exemplo, no texto “A Poética de Aristóteles”, Roberto Oliveira Brandão
(1976) informa-nos sobre as diferentes posições a respeito da mímesis
aristotélica, ora compreendida como uma forma de “reprodução da realidade”,
ora compreendida como “um ato criativo cujo produto se mantém inteiramente
autônomo em relação às realidades fenomênicas.” (ibidem, p. 49). Para o
autor, a segunda posição, que reúne maior número de adeptos, “sustenta que a
mímesis aristotélica não implica em reprodução realista dos objetos; pelo
contrário, compreende um processo idealizante. (ibidem,1976, p. 50).
Na realidade, “Aristóteles não rejeita a possibilidade de traduzir a palavra mímesis
através do conceito “imitação” como reprodução da realidade. O que é necessário
acentuar, entretanto, é que, para ele, nem sempre a realidade reúne condições para
captar ou provocar a adesão do espectador,” (BRANDÃO: 1976, p.51).
No entanto, pensamos que o argumento de maior peso reside na íntima
ligação do conceito aristotélico de mimesis com duas noções básicas: a de
“efeito”, esta implicada na noção de “persuasão” que incide no receptor; e na
íntima relação que mimesis mantém com verossimilhança. Isso é possível de
ser constatado em Aristóteles, mais especificamente, no capítulo XXV da
Poética: “Com efeito, na poesia é preferível o impossível que persuade, ao
possível que não persuade.” (Poética, XXV, 1461b, 11). Esta é uma das
passagens reveladoras da concepção de mimesis que retira a necessidade de
haver algo anterior, na realidade, para que ela mimesis exista, já que pintura,
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literatura, tragédia podem representar o “impossível”. Em outras palavras, a
“imitação” aristotélica prevê o descolamento da mimesis de qualquer
referencialidade.
Além disso, pelo conceito de verossimilhança em Aristóteles, a mimesis
ou “imitação”, como aparece nos escritos do filósofo grego, independe de algo
externo. A costumeira tradução de verossimilhança pela expressão
semelhante ao “verdadeiro” deve ser compreendida como semelhante ao
“verdadeiro interno”. Isto porque Aristóteles foi claro quando escreveu que
cada parte da tragédia, por exemplo, deve manter relações com todas as
outras, sendo que, se uma delas pode ser retirada sem nada alterar a obra, é
porque ela não deve ser mantida. Este dado diz respeito a um “erro essencial”
– e não “erro acidental” –, o que significa que, para Aristóteles, o erro é “não
desculpável”. Tanto é que, quando Aristóteles trata da relação “princípio”,
“meio” e “fim”, fez uma crítica a Homero, ao escrever que o autor
Não poetou todos os sucessos da vida de Ulisses, por exemplo, o ter sido ferido no
Parnaso e o simular-se louco no momento em que se reuniu o Exército. Porque, de
haver acontecido uma dessas coisas, não se seguia necessária e verossimilmente que
a outra houvesse de acontecer. (BRANDÃO: 1976, p.55)
Deduz-se portanto que mais importante que o fator realista ou idealista
da representação é seu caráter verossímil. “Os princípios de verossimilhança e
necessidade concorrem para estabelecer a lógica interna das personagens,
que consiste, em última instância, na adequação entre sua ‘natureza’ e seu ‘
comportamento.’”(BRANDÃO: 1976, p.52). Enfim, Aristóteles afirma que a
noção de mesis, inseparável das noções de verossimilhança e de
necessidade, devem ser entendidas enquanto organizadoras da lógica interna
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à obra. Isso nos permite dizer que a noção de mimesis deve ser compreendida
em sua lógica interna.
Dialogando com a noção de mímesis aristotélica enquanto processo
idealizante e não-reprodução da realidade, Wolfgang Iser propõe uma nova
teoria que caracteriza o discurso ficcional por uma dimensão imagística (ou
imagética), pela qual o leitor passa a preencher os vazios do texto. Estudiosa
da “Teoria do efeito estético” de Iser, Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba,
em Tópicos de teoria para a investigação do discurso literário (BORBA: 2004),
nos explica que “o caráter próprio do significado imagético é não ter um lugar
em que se encontra, mesmo porque a idéia de imagem supõe algo que ao
mesmo tempo é dado e retirado” (ibidem, p. 141). É portanto comparável a uma
“sombra que se desloca sempre para um outro lugar”, quando dela se aproxima
a figura que lhe dá origem. Dessa forma, a dimensão imaginária pensada para
a configuração da ficcionalidade acarreta uma noção de significado adequada a
tal dimensão:
o significado é polimorfo porque depende das múltiplas possibilidades de imagem
passíveis de serem formuladas pelo leitor; o significado não é algo resgatável, no
sentido da interpretação pautada em pressupostos clássicos já que não tem lugar
garantido pelo texto.” (ibidem, p.142).
Delineados os pressupostos teóricos nos quais nos basearemos para ler
os contos de Laços de família, pensamos ser importante reservar um espaço
próprio para que possamos delinear algumas informações do contexto histórico
da produção literária de Clarice e de sua vida, como mulher do século XX que
de fato foi. Acreditamos que, por este caminho, estaremos subsidiando nosso
texto com as ocorrências históricas que sempre se articulam ao repertório de
qualquer escritor. Se já defendemos a idéia de que a literatura deve ser
investigada em seu caráter de mimesis como criação – e não como imitação de
20
realidade – daí também não se pode deduzir que concebamos a escrita como
algo que surge do “zero”, este nada que é o inconsciente do autor, como se
fosse possível a um sujeito social desprender-se das formações discursivas
que o atravessam como sujeito social. Lembramos, ainda, que, por esta noção
de sujeito, nunca poderemos negar as relações entre forma e conteúdo, entre
sujeito e sociedade, enfim entre texto e contexto .
21
3. Breves reflexões sobre o século XX
Eric Hobsbawn (HOBSBAWN: 1995) escreveu um livro intitulado Era dos
Extremos: o breve século XX: 1914-1991, em que faz uma importante
avaliação acerca dos acontecimentos ocorridos no século XX. Esta obra é de
reconhecido valor, sendo que a importância da discussão que ele aí trava já se
revela na escolha do título. Se há uma era de paradoxos, quando conquistas
espetaculares se misturaram a frustrações francamente escandalosas, é esta –
tão brilhante quanto medíocre – a “era dos extremos”. De um início de século
catastrófico, com duas grandes guerras e sucessivas revoluções, passamos,
nos anos 50, a um período de ouro sem precedentes em toda a história da
humanidade, só interrompido em meados da década de 70, em razão da crise
mundial do petróleo. Daí para frente, iniciamos nova fase de crises e
turbulências que, após a melancolia típica de fin-de-siècle, trouxe de volta
outros instantes de puro desenvolvimento e glórias. Não é por acaso que o
fenômeno da globalização, preconizado por Mcluhan (MCLUHAN: 1972) surge,
já na década de sessenta, como vedete de uma era de conquistas cibernéticas
e tecnológicas. A queda do muro de Berlim foi um claro sinalizador do início da
abertura de mercados, quando fronteiras começaram a se dissipar e as
economias foram se tornando cada vez mais interdependentes.
Ao mesmo tempo que o fenômeno internet ou os avanços científicos
estão transformando e elevando o mundo a uma ordem de grandeza jamais
alcançada, também o estão obrigando a enfrentar desafios de toda ordem,
como a crônica onda de desempregos, o terrorismo da aids, a avalanche do
22
crash, as aberrações do El Niño ou a tragicômica condição dos sem-terra e dos
sem-teto em países de dimensões continentais, como o Brasil por exemplo.
Alguma dúvida de que o novo milênio será também uma “era de extremos”?
Resta encontrar o ponto de equilíbrio, que nos manterá e o mundo em
movimento, muito embora estejamos falando de um equilíbrio precário e
instável, tal como o de um surfista em cima da prancha. Como ele, ora
estaremos na crista da onda, ora comendo areia em centenas de socas
gloriosas.
A respeito ainda de A Era dos Extremos, o renomado historiador inglês
Eric Hobsbawn afirma, logo no início da obra, que durante muito tempo relutou
em escrevê-la, já que, sendo testemunha e participante dos eventos, sentia sua
própria objetividade em xeque. Mesmo assim, chegou a hora em que a
serpente histórica o venceu e se materializou sua interpretação do que ele
chamou de o "breve século XX". A contribuição do autor como um todo é
bastante relevante, pois, por mais que seja possível fazer algumas
contestações atrás de cada página, ainda permanece o Eric Hobsbawn com o
peso de seu nome e de sua extrema capacidade de reflexão. A descrição dos
eventos e dos fatos econômicos e sociais, a cultura do século XX, o surgimento
de novos grupos sociais, o culto à personalidade, o imperialismo, o comunismo
etc, tudo isso nos é apresentado pela habilidade de quem realmente estudou a
história do século XX. O autor mostra aí seu brilhantismo e o incrível fôlego que
lhe permite transitar pelas principais atividades humanas no século abordado,
nas mais diversas regiões do planeta. Aqui nos interessam dois frutos do
balanço feito do historiador: o extremo e o saldo humano.
23
A princípio, a tentação pode levar o leitor a imaginar que os "extremos"
referidos por Hobsbawn são os dois lados da bipolarização pela qual o mundo
passou durante grande parte do século. A divisão do mundo em dois blocos,
liderados pelas superpotências (EUA e URSS), entretanto, vale muito menos
do que se imagina como metáfora dos extremos. Representa, antes de tudo,
mais uma das faces extremadas que se colocaram à mostra no “breve” século.
Acima dessa possibilidade, residem diversas máscaras que o autor chama de
"extremo", e talvez a mais potente delas seja a violenta contraposição entre
riqueza e miséria, progresso científico e barbárie humana. O mesmo século
que produziu riquezas enormes tratou de agrupá-las em estritos campos do
globo, e mesmo nestes, em poucas mãos. Por exemplo, vê-se a riqueza norte-
americana contrastando com a pobreza localizada na maioria das vezes ao sul
do Equador. É igualmente válida a tentativa do autor em desmistificar o poderio
dos Estados Unidos, ao lembrar que nada é eterno, e que a participação dos
EUA no total da produção mundial vem sendo gradualmente reduzida. Por
outro lado, isto não se reflete em uma visão otimista do futuro por parte do
autor. A argumentação do historiador indica que o progresso científico e
tecnológico não significou necessariamente a melhoria das relações humanas.
Pelo contrário, instaurou profundas contradições, sentimentos extremamente
individualistas, conflitos de diferentes ordens enfim. O século da corrida
espacial, da engenharia genética e de tantas outras maravilhas criadas pelo
homem foi também o século da invenção das fórmulas da destruição em
massa, do genocídio e da completa intolerância. Mesmo com tantos meios de
comunicação para aproximar os homens, nunca estivemos tão distantes e
impessoais: o outro se tornou um estranho. Ciência e tecnologia não produzem
24
necessariamente bem-estar e fraternidade. O desenvolvimento destes campos
não foi sequer capaz de erradicar a fome e a miséria, mesmo tendo sido
produzido o suficiente para o triplo da população humana. Logo, a constatação
do crime, por mais vergonhoso e duro que possa ser, recai sobre as relações
entre os homens e não sobre sua capacidade produtiva.
Talvez Hobsbawn engrosse o coro do filósofo alemão Schopenhauer, ao
afirmar que o homem nada tem a se orgulhar, pois sua concepção do mundo é
um pecado, sua vida é somente trabalho e a morte é a redenção. O saldo final
é irônico: hoje somos muitos mais, vivemos muito mais e em lugares mais
inóspitos, controlamos e somos capazes de prever os cataclismas. Mas
ninguém responde: para que vivemos mais? Possivelmente para produzir mais
riquezas que obviamente irão parar em mãos alheias às nossas. Enquanto o
trabalho de Hobsbawn transita pela descrição se torna impecável; contudo, é
necessário resistir à tentação de repetir, aos quatro ventos, a bestialidade do
século XX. Apesar da força da argumentação de Hobsbawn, ainda é possível
acreditar que, como sabe todo bom historiador, a história não é uma peça que
está completa, mas é escrita cena a cena, a cada dia, por cada um e por todos.
O final só se saberá no derradeiro dia da espécie humana e com ele o sentido
de nossa trajetória.
Tudo indica que o inexorável das transformações sociais encontra, na
intervenção da mulher em sociedade, um dos fenômenos que bem ilustra a
capacidade de o sujeito sempre querer mudar o rumo da história. É nessa
diretriz que as reflexões de Eric Hobsbawn revelam sua importância para que
pensemos de que forma Clarice Lispector, em seu modo de inserção na
sociedade do século XX, produziu obras que constituem hoje objeto de estudo
25
de pesquisadores de diferentes saberes, em especial, aqueles que, no campo
da literatura, se dedicam aos estudos sobre gênero, ou melhor, o que se
costumou denominar gender, o termo que melhor designa a perspectiva
teórico-conceitual da qual as pesquisadoras femininas tratam as mais diversas
questões relativas à mulher, inclusive suas produções literárias.
3.1 O papel da mulher no século XX
Período de inúmeras e velozes transformações, o século XX também
será lembrado como um marco na mudança do papel das mulheres na
sociedade. Ele registra, de forma inequívoca, a passagem de uma condição
quase que exclusivamente caracterizada por termos como reclusão e exclusão,
resultantes de um vínculo extremo com a vida privada, para uma presença
mais abrangente e diversificada das mulheres em vários processos sociais,
quer produtivos, quer públicos. E não é insignificante o alcance dessa guinada.
Ela desencadeou, por exemplo, o surgimento de novas possibilidades de
aproveitamento da força de trabalho de mais da metade da população do
planeta, até então restrita ao universo doméstico. Acrescente-se que o impacto
na sociedade moderna desse novo leque de funções assumido pelas mulheres
reconfigurou antigas estruturas e ainda está longe de se esgotar. A conquista
de inúmeros direitos, ampliando os conceitos de participação e cidadania, é
outro ponto importante a ser realçado. A vitória do acesso ao voto, nesse
ponto, é emblemática. Foi também no século XX que, por absurdo que pareça
26
às cidadãs de fim de milênio, foi “descoberta” a questão da saúde da mulher,
evidentemente associada a um contexto de avanços na medicina em geral.
Muitos movimentos de mulheres também impuseram a politização de
temas relacionados à vida privada, anteriormente considerados irrelevantes no
conjunto de itens da pauta de debates sociais. Como conseqüência dessa
imposição, algumas discussões assumiram um tom mais humano e próximo do
dia-a-dia das pessoas. Em alguns casos, destaque-se que a presença de
mulheres em outras formas de mobilização social alterou a maneira de a
sociedade em geral encarar a relação com os governos locais. Foram,
portanto, relevantes as mudanças sofridas e provocadas pelas mulheres ao
longo do século XX, cuja escala passou a ganhar amplitude a partir da
atividade econômica exercida nos anos da Segunda Guerra Mundial. Mas,
apesar dos avanços e transformações, ainda é preciso avaliar esse saldo com
parcimônia.
Quando não é regra, a discriminação ainda é um forte fator de exclusão.
E não são apenas os salários, normalmente mais baixos do que os dos
homens, que pesam nesse balanço. Também há a violência. Ela vigora em
grande parte do mundo como forma de infligir às mulheres um comportamento
alienado e submisso. As agressões em suas diversas facetas podem estar
explícitas ou camufladas em "eufemismos" de comportamento. Podem ocorrer
de forma episódica ou como uma espécie de norma coletiva. E, em todos os
casos, ainda configuram (as agressões) como uma das preocupações mais
emergentes para o conjunto das mulheres.
Não deixam de ser tacanhos e tímidos também os limites ainda
delimitados para a participação feminina na vida pública. Não raro, em uma
27
série de países, a atuação das mulheres na política ainda é vista como uma
“quase extravagância”. E são inúmeros os caminhos que devem ser
percorridos pelas mulheres para manter um ritmo crescente da participação na
vida social. Um deles, no entanto, parece bastante interessante e tem
produzido trabalhos curiosos na Europa e nos Estados Unidos. Trata-se, na
verdade, de uma pergunta que leva à seguinte discussão: por que, muitas
vezes, as mulheres ainda resistem a assumir responsabilidades e demandas
fora do núcleo familiar, reforçando o laço com a vida privada? É esse tipo de
comportamento e a ausência de respostas mais precisas que têm desafiado e
fomentado vários debates.
Fundamental destacar que este tema também traz à tona outros que
estão ligados à sociedade moderna e às maneiras de viver que esperamos
encontrar no século XXI. Isso porque só será possível quebrar essa resistência,
quando a carreira profissional puder ser conciliada à vida doméstica. Ou seja,
só será viável romper esse laço quando a vida privada for concebida de uma
nova maneira. Para tanto, as mulheres precisam perder o complexo de culpa
que, em muitas ocasiões, acompanha a ascensão social ou a diversificação de
atividades. Um complexo, aliás, estritamente relacionado à sensação (ou quase
crença) de estar relegando a segundo plano a família, os filhos, o lar. Um
mundo igualitário, não só entre homens e mulheres mas também entre classes
sociais, deve ser um mundo em que a vida pública e a econômica possam a
harmonizar-se com a privada. Um mundo em que a profissão, o trabalho e a
família mantenham uma relação de complementaridade.
Assim, a citada resistência só será rompida com o avanço da igualdade
de oportunidades, para que todos possam engajar-se com a mesma força
28
nessas esferas sociais. Mas, observe-se, é essencial que a mentalidade das
mulheres também se adapte a esse conceito. Uma mudança nesse sentido
pode resultar em mais uma enorme contribuição das mulheres no século XXI.
Além de levar à consolidação dos avanços esboçados e realizados no século
XX, essa nova visão e conceito estariam fincados sob um modelo ligado a um
mundo mais democrático e igualitário, onde o trabalho, algo extremamente
importante e do qual a sociedade depende, seria visto também como um
complemento da vida individual. O fato é que uma verdadeira revolução da
mulher teve seu nascedouro visível no final do século XIX para desenvolver-se
plenamente durante a segunda guerra mundial. As mulheres passaram a
exercer ofícios dos homens nas fábricas, nos escritórios, nas universidades,
enfim, as mulheres foram à luta. Rápidas no aprendizado, estimuladas pela
competição, assumiram os mais sofisticados ofícios, apesar da desconfiança,
apesar do preconceito mais visível nos países do Terceiro Mundo.
Mais recentemente, nos anos sessenta do século XX, o movimento
feminista trouxe o impulso necessário para despertar o interesse das ciências
humanas pelos assuntos relacionados à mulher. E a mulher surgiu como novo
objeto de estudos de sociólogos, antropólogos, historiadores etc. E a
historiografia respondeu com uma crescente produção, nos anos 70 e 80, de
estudos sobre a família, a maternidade, a sexualidade, o casamento, o amor, o
trabalho feminino, integrando-se na corrente da história das mentalidades.
Os preconceitos que historicamente marcaram a mulher foram sendo
derrubados: a participação da mulher nas ações e movimentos políticos, os
movimentos das mulheres trabalhadoras, o alcance aos direitos sociais, o
combate à marginalização da mulher, a discriminação de gênero nas relações
29
econômicas, culturais e sociais; o processo de mobilização da mulher
envolvendo atores coletivos, com poder de mediação e arbitragem social se
desenvolveram. Além disso, os sindicatos, as centrais sindicais, as ONGs
(Organizações Não Governamentais) e o próprio Estado ganharam o apoio de
interlocutores influentes sobre a opinião pública, através dos meios de
comunicação, centros de pesquisa, universidades, grupos feministas,
representantes parlamentares, entidades associativas e confessionais etc. O
destino natural das mulheres, ser mãe, esposa, e dona de casa, marcado pela
maternidade, casamento e dedicação ao lar, foi profundamente revolucionado
no século XX.
3.2. Clarice Lispector, uma mulher do século XX
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, no ano de 1925, numa aldeia
denominada Tchetchenillk. Os Lispector emigraram da Rússia para o Brasil no
ano seguinte, sendo que Clarice nunca mais voltou à pequena aldeia. Fixaram-
se em Recife, onde a escritora passou a infância. Clarice tinha 12 anos e já era
órfã de mãe quando a família mudou-se para o Rio de Janeiro. Entre muitas
leituras, ingressou no curso de direito, formou-se e começou a colaborar em
jornais cariocas. Casou-se com um colega de faculdade em 1943. No ano
seguinte, publicava sua primeira obra: Perto do coração selvagem (1944). A
moça de 19 anos assistiu à perplexidade nos leitores e na crítica: quem era
30
aquela jovem que escrevia "tão diferente"? Seguindo o marido, diplomata de
carreira, viveu fora do Brasil por quinze anos.
Dedicava-se exclusivamente a escrever. Separada do marido e de volta
ao Brasil, passou a morar no Rio de Janeiro. Em 1976 foi convidada para
representar o Brasil no Congresso Mundial de Bruxaria, na Colômbia. Claro
que aceitou: afinal, sempre fora mística, supersticiosa, curiosa a respeito do
sobrenatural. Em novembro de 1977, soube que sofria de câncer generalizado.
No mês seguinte, na véspera de seu aniversário, morria em plena atividade
literária e gozando do prestígio de ser uma das mais importantes vozes da
literatura brasileira.
O primeiro romance de Clarice, Perto do coração Selvagem, foi bem
acolhido pela crítica, embora a escritora tenha ficado contrariada com as notas
de descrédito expostas por Álvaro Lins, então poderoso formador de opinião
dos leitores dos principais centros urbanos brasileiros, na década de 40. Na
mesma década, lançou dois outros romances, O Lustre e A Cidade Sitiada; foi,
porém, com os contos de Laços de Família (1960), que recuperou o prestígio
inicial.
Desde então, nunca mais sua maestria e sua originalidade foram postas
em dúvida. Hábil no manejo da língua portuguesa, ela destacou-se por
estabelecer determinados paradigmas de escrita que provocaram grande
impacto na literatura nacional, sendo revisitados por inúmeros autores a partir
da década de 70. é como se o processo de narrar adotado desde o primeiro
livro e aprofundado após os anos 50, com ênfase em obras dos 60, como A
Maçã no Escuro (1961) e A Paixão Segundo G.H. (1964), fosse transmitido a
31
seus sucessores, que, encantados com a qualidade dele, passaram a
empregá-lo.
O procedimento narrativo de Clarice supõe algumas manhas próprias à
autora, que se pode identificar em seus livros.
Como boa escritora do século XX, Clarice aprendeu que é aconselhável
começar as narrativas sem se preocupar com o que aconteceu antes às
personagens. Em vez de o narrador apresentar uma retorspectiva e expor o
ocorrido no passado, ele joga o leitor dentro da ação. A Imitação da Rosa, um
dos contos de Laços de Família, inicia-se com a transcrição de um pensamento
de Laura, a protagonista:
“Antes que Armando voltasse do trabalho a casa deveria estar arrumada e ela própria
já no vestido marrom para que pudesse atender o marido enquanto ele se vestia, e
então sairiam com calma, de braço dado como antigamente.” (p. 34)
Outro conto célebre da mesma obra é Amor, que igualmente principia ex
abrupto ou, para se usar a expressão técnica, in media res, isto é, no meio dos
acontecimentos. O narrador informa na primeira linha:
“Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no
bonde.” (p. 19)
A escolha de um início dessa natureza pode parecer costumeiro em
nossos dias, habituados que fomos pela própria Clarice a entrar no assunto da
trama sem qualquer mediação e sem instruções que um narrador mais
amigável transmitiria ao leitor. Antes dela, porém, os escritores não pareciam
muito à vontade para agir com tanta segurança, no momento de encetar o
relato de uma história, mesmo porque uma tal forma de abertura supõe que o
narrador sabe, de antemão, onde vai dar a intriga. Não há tempo, nem lugar
para improvisação, já que cabe levar a condensação do princípio até as últimas
frases do texto.
32
Para quem contra-argumentar que essa técnica é típica do conto
moderno, cabe advertir que a autora utilizou o mesmo processo nos romances.
A Maçã no Escuro, obra que soma mais de quatrocentas páginas, abre de
modo similar.
A técnica de abertura se transforma, na continuidade da narrativa, em
outro procedimento próprio a Clarice Lispector: a escrita lacunar. Técnica
narrativa que consiste em ocultar ao leitor determinadas características das
personagens, exaltando outras. Clarice usou essa técnica narrativa ao máximo,
sem perder a habilidade e o controle sobre a recepção do leitor. A habilidade
depende de o escritor saber o que deseja para as suas personagens e o
enredo, sem que o narrador transfira essas informações para seu texto. Em A
Imitação da Rosa, a Laura que aguarda o marido “estava de novo ‘bem’”,
segundo o narrador; esse, porém, em nenhum momento revela qual era o “mal”
da personagem, condição a que ela aparentemente retorna ao final da trama.
Os contos são, por natureza, textos curtos, que requerem grande
economia verbal, alcançada graças à manipulação bem acabada das lacunas e
ao apelo à imaginação do leitor, capaz de preenchê-las adequadamente com
os dados propostos. O romance, gênero mais generoso em termos de
dimensão física, poderia dispensar o tratamento contido dado, em um conto à
narração. No entanto, é nos textos longos que Clarice exerce com mais
intensidade sua capacidade de semear lacunas e ocultar informações,
dificilmente esclarecendo o significado das situações apresentadas ou
definindo as personagens.
Embora apresente seres tão carentes de informações e de passado,
Clarice cria pessoas fictícias bastante complexas. Nos contos e nos romances,
33
a escritora fixa um momento fundamental de suas existências, a partir do qual
desenrola o fio da narração.
O texto de Clarice parece querer tematizar as regiões mais profundas da
mente das personagens para aí sondar complexos mecanismos psicológicos. É
essa procura que determina uma das características de seu estilo. O enredo
tem importância secundária. As ações, quando ocorrem, destinam-se a ilustrar
características psicológicas das personagens. São comuns em Clarice histórias
sem começo, meio ou fim. Por isso, ela se dizia, mais que uma escritora, uma
"sentidora", porque registrava em palavras aquilo que sentia. Mais que
histórias, seus livros apresentam impressões. Daí ser comum dizer que
predomina em suas obras o tempo psicológico, visto que o narrador segue o
fluxo do pensamento das personagens. Neste sentido, o enredo pode
fragmentar-se. O espaço exterior também tem importância secundária, uma
vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. No
entanto, este exterior ganha dimensões importantes, quando o objetivo é
compreender o interior das personagens. Comentando ainda sua obra num
plano bem genérico, diríamos que as características físicas das personagens
só deixam de ficar em segundo plano, quando servem para ilustrar suas
mentes, suas personalidades. Muitas personagens não apresentam sequer
nome. As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo
absurdo; esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado –
pelo menos inusitado para a personagem. Esse fato provoca um desequilíbrio
interior que mudará a vida da personagem para sempre.
Para Clarice, “não é fácil escrever. É duro quebrar rochas. Mas voam
faíscas e lascas como aços espelhados. Mas já que se há de escrever, que ao
34
menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas". "Minha liberdade é
escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo."
Razão tinha, pois, Alceu de amoroso Lima: “Clarice Lispector não
escreve como ninguém, e ninguém escreve como Clarice Lispector.” Afirmava
assim, uma verdade simples: a literatura de Clarice vem de dentro dela mesma,
sem explicações, assim como não se explica por que uma fonte aparece de
repente em determinado lugar e não em outro. O que não significa isolá-la de
sua época, ignorando que, como qualquer escritor, ela respira o ar de um
tempo que, imperceptível, é, no entanto, vital à sua obra.
Clarice escreve quando o romance moderno, sob o impacto de Joyce,
Virgínia e Proust, derrubara as fronteiras entre realidade e construção do real,
entre fato e versão do fato, entre mundo interno e mundo externo.
Escreve Clarice quando a linguagem perdera sua naturalidade,
desvendada sua natureza ambígua. Linguagem faca de dois gumes: liberdade
que constitui o humano e clausura que estabelece os limites de sua expressão.
Sua escrita é encenação desse drama, busca inventiva das portas secretas
dessa clausura, exploração de um labirinto que, no entanto, fatalmente se
fecha.
A linguagem em Clarice não é um instrumento submisso de descrição do
mundo, mas um espaço de invenção, já que mundo não há além daquele que
intuímos, sentimos e, pensando, dizemos. Talvez por isso Clarice seja uma
escritora considerada “difícil”, devido à sua linguagem perturbadora que mais
parecia confundir o leitor desacostumado de lidar com as artimanhas de um
discurso que, embora simples, baseado em fatos corriqueiros e banais, quase
35
sempre centralizados em mulheres da classe média alta urbana, apresentava
um mundo novo e perturbador, desestabilizador da ordem aparente.
Clarice é, sem dúvida, uma das escritoras brasileiras que mais exerce
atração sobre leitores e críticos brasileiros e estrangeiros, e esta realidade
certamente é fruto de sua escrita inovadora e sensitiva, capaz de arrastar o
leitor a um percurso no qual se vai deixando o sentido à deriva, vagando sem
porto ou âncora.
“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra
pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha –
morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha,
poder-se-ía com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-
palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva é escrever
distraidamente.” (Água Viva, p.21)
O centro de suas narrativas é ocupado não por aventuras
extraordinárias, por peripécias, mas pelos pensamentos e pela angústia das
personagens que se debatem com as palavras sempre insuficientes, com a
falta de sentido ou de possibilidade de apreensão de sentido pela linguagem.
Não raro, os seus textos nos lançam em um mundo de incomunicabilidade
(contraditório e questionável, pois mostrado pela linguagem), em que as
palavras só dizem que não é possível dizer.
36
3.3. O Feminino em Clarice Lispector
Segundo Lúcia Helena, em Nem Musa, Nem Medusa – Itinerários da
escrita em Clarice Llispector, a obra de Clarice tem alcançado grande prestígio
internacional devido ao questionamento clariceano a respeito do mundo
patriarcal em que os limites estão culturalizados e “genderizados”, cabendo à
mulher o espaço interno e ao homem o espaço público.
Se na década de 1970, a crítica enfatizava de modo insistente a
tendência existencialista e universalizante da trama e das epifanias na obra de
Clarice, quase sempre seguindo a direção lançada no belo O dorso do tigre, de
Benedito Nunes, na década de 1980, os estudos sobre a produção literária
clariceana passam a despertar outros interesses.
Depois de sua obra ter sido traduzida para vários idiomas, mas
principalmente para o francês e o inglês, e depois de Hélène Cixous (1983) tê-
la tornado internacionalmente conhecida, Clarice passou a despertar o
interesse da crítica voltada para os estudos da “Mulher na Literatura”.
Lúcia Helena afirma que o texto de Clarice “promove a emergência e a
inscrição do sujeito feminino na história, pela agudíssima crítica feita pela
Autora do sistema de genderização da cultura”. (p.101)
Em Nem Musa, Nem Medusa, Lúcia Helena traça um panorama dos
estudos sobre o feminino e sobre a crítica feminista atuais, destacando duas
correntes dominantes no desenvolvimento de uma estética feminista: “a
posição anglo-americana – que usualmente procura tornar o texto literário
instrumental de uma reflexão com vistas a um pragmatismo político feminista –
37
e a posição francesa, mais voltada a uma teoria da textualização, que
engendra o conceito de ecriture féminine e pressupõe a existência de marcas
do feminino no texto literário, seja ele de autoria feminina ou masculina”.
(p.103)
A autora constata que, apesar de Clarice recusar o rótulo de feminista, o
conjunto de sua obra promove uma importante reflexão sobre alguns impasses
hoje vividos pela teoria feminista que procura elaborar uma estética feminista.
“Sua ficção apresenta uma série de insights que fazem dessa escritora
brasileira uma intuitiva precursora, na crítica que sua obra veicula sobre a
genderização da cultura, dos melhores resultados obtidos pelos estudos de
gender anglo-americanos ou da ecriture féminine francesa. Além disso, a ficção
de Lispector é fértil e instigante também ao indicar os impasses com que se
defrontam os estudiosos cujos trabalhos se desenvolvem tanto no campo da
crítica feminista quanto da do feminino na literatura, colocando-se,
inteligentemente, para além do binarismo de conteudistas e formalistas”.
(p.107)
De fato, a escrita de Clarice aborda a questão da repressão da inscrição
do sujeito feminino na história muito antes da denominação de genderização da
cultura por Evelyn Fox Keller e Teresa de Lauretis, na década de 1980, e vai
além da corrente francesa na questão do sujeito feminino na articulação com a
textualidade e seus modelos de representação e produção literárias. Em
Clarice Lispector, a figuração do feminino é uma forma de inscrever a
transgressão necessária ao modelo dominante e paternalista, suas
personagens femininas “encarnam essa alegoria do feminino como inscrição de
um outro tipo de texto e de textualização”.(p.102)
38
Sem dúvida, a narrativa clariceana cumpre seu papel de refletir e fazer
refletir sobre o sentido de estar no mundo, sendo assim, a figuração do
feminino em sua obra desperta a consciência crítica no leitor a respeito do
questionamento das relações entre a literatura e a realidade. Trata-se de uma
proposta de reflexão e reinterpretação dos papéis reservados aos homens e às
mulheres, no imaginário cultural, por meio da linguagem.
39
4. Interpretação do conto A imitação da rosa
Se para Clarice é difícil escrever como uma vez declarou, pensamos que
isso possivelmente se deva à própria maneira pela qual ela nos apresenta sua
obra. É a complexidade de seu estilo, manifesta em frases cujas vozes se
misturam em embates de visões de mundo, em imaginações da mente
semelhantes à fragmentação do pensamento onírico, ao modo como o fluxo da
consciência se deixa fazer na escrita, ainda que esta escrita seja
extremamente cuidadosa, que faz com que sua literatura se revele sempre
como um produto de esmeradas estratégias ficcionais. Deve ser mesmo difícil
escrever assim. O que não é difícil é perceber que Clarice tematiza,
literariamente, as complexas intermitências da mente humana, as formas
confusas pelas quais se constroem suas personagens, em especial, as
femininas, quando se deparam com o lado mais profundo de seu interior, na
tensão de desejos e contenções, em face de um mundo que espera sempre
atitudes comportamentais de coerência para fazer jus à convenções da
sociedade.
Uma de suas produções literárias em que melhor lemos a
problematização dessas tensões é o conto “A imitação da rosa”. De fato, “A
imitação da rosa” ilustra bem a noção de mímesis como “criação imagética”. A
simplicidade dessa história é só aparente, ou seja, quando nos limitamos a ver
que o fluxo narrativo refere-se a uma mulher, no interior de sua casa, ocupando
apenas três dos cômodos: a sala, o quarto, a cozinha. Ficam muito claras,
neste conto, as transformações que a literatura promove ao incorporar
referências e valores aceitos entre sujeitos da realidade da vida cotidiana. O
40
texto se alimenta das convenções dos contextos referenciais e, quando delas
trata, chega a promover, por vezes, até mesmo inversões de sentido.
Um exemplo dessa estratégia, que não é rara em Clarice, é o fato de
Laura, personagem central do conto, associar à idéia de seguimento dos
tradicionais comportamentos da vida de Cristo, um valor de perdição, de
tentação, de risco ou infortúnio. O leitor surpreende-se diante de tal sentimento
de Laura, uma vez que sabe que o verdadeiro caminho em direção a Cristo,
segundo o código religioso do cristianismo, é aquele pelo qual o ser humano só
estará com Cristo, caso se encontre com ele, ou seja, se estiver percorrendo o
caminho da luz, da liberdade, da salvação. No entanto, em “A imitação da
rosa”, a oposição luz x treva se inverte, opondo-se assim aos dados da
referencialidade.
Quando lhe haviam dado para ler a “Imitação de Cristo”, com um ardor de burra ela
lera sem entender mas, que Deus a perdoasse, ela sentira que quem imitasse Cristo
estaria perdido – perdido na luz, mas perigosamente perdido. Cristo era a pior
tentação.” (LISPECTOR: 1998, p.36).
Já pela leitura da passagem acima, verifica-se que, na imaginação de
Laura, a imitação de Cristo significaria o caminho da perdição. Inversamente ao
código religioso, permanecer nas trevas de sua humanidade era tudo o que
significasse estar segura, encontrada e firme em si mesma. A luminosidade de
Cristo constituía uma ameaça para Laura. Conforme escreveu Roberto Corrêa
dos Santos (SANTOS: 1986), é pelo traço que relaciona a idéia de
“negatividade” à de “luminosidade” que se instaura, no conto, uma ruptura com
o campo semântico da religiosidade: para Laura, imitar Cristo constituía sempre
uma ameaça. Ao invés de se sentir confortável na idéia de se ver luminosa
junto a Cristo – uma noção que regula o comportamento religioso em
sociedade –, Laura sentia medo desse estado sublime e pleno que a ligaria à
41
luz e a Cristo. Para ela, imitá-lo implicaria ser independente e, em tal estado,
ela trazia o peso de se sentir culpada, doente, criminosa. Estar na luz
significava estar perdida.
Curiosamente, é nas formas de compreender o papel feminino que ela
exerce no cotidiano de sua vida que reside o motivo de Laura instaurar esse
modo de inversão. Se ela se percebesse imitando Cristo, isso traria uma dura
conseqüência para o que habituara a ser: um afastamento do papel que
exercia como esposa de Armando. Tornando-se luminosa, se distanciaria da
figura ideal de esposa, de mulher discreta, dedicada aos afazeres domésticos e
nada mais. Também se afastaria de algo comum para se tornar uma outra
mulher, uma mulher que estaria dando margem a seus impulsos internos,
deixando de corresponder às expectativas que vinham da exterioridade de seu
“eu”, a daqueles que a rodeavam. Laura cobrava de si mesma corresponder ao
modelo que dela faziam o marido Armando, a amiga Carlota, a família que a
criara. Afinal, ela tinha sido uma moça da Tijuca que havia passado das mãos
de um pai para as mãos de um marido através das mãos de um padre. Daí ser
Cristo “a pior tentação”.
Interessante observar que este sentimento em relação a Cristo é
semelhante a um outro, aquilo que dela se apoderava diante da contemplação
das rosas. Como o signo Cristo, também o signo rosas é assinalado pelo
significado de “perfeição”. Sua admiração pelas rosas, compradas pela manhã
por insistência do feirante, era de uma grandiosidade tão extremada que o
contato com elas, na disposição do jarro, é revelador do fascínio acarretado
pelos breves movimentos dos cabos das flores em botão, conforme pode ser
visto na passagem abaixo:
42
Eram algumas rosas perfeitas, várias no mesmo talo. Em algum momento tinham
trepado com ligeira avidez umas sobre as outras mas depois, o jogo feito, haviam se
imobilizado tranqüilas. Eram algumas rosas perfeitas na sua miudez, não de todo
desabrochadas, e o tom rosa era quase branco. Parecem até artificiais! disse em
surpresa. Poderiam dar a impressão de brancas se estivessem totalmente abertas
mas, com as pétalas centrais enrodilhadas em botão, a cor se concentrava e, como
num lóbulo de orelha, sentia-se o rubor circular dentro delas. Como são lindas, pensou
Laura surpreendida.”(LISPECTOR: 1998, p.43).
O signo “rosas”, do mesmo modo que tudo o que se relaciona a “Cristo”,
representa para Laura perigo ou advertência. Elas significam a atualização de
um sentimento potencialmente nela inscrito: o sentimento de rejeição – um
sentimento que traz em si o seu duplo: a tentação de livrar-se da rejeição. A
tentação das rosas, assim como o de sentir iluminada como Cristo, ao mesmo
tempo que a atrai, a intimida. É um sentimento que contém em si os extremos,
em que se debate a personagem. Daí a hesitação (e o desejo) “entre dar e não
dar as rosas.”(SANTOS: 1986, p. 28).
Se por um lado a inversão dos signos “rosa” e “ Cristo” que “A imitação
da rosa” promove nos conduz à idéia de mimesis como “criação imagética”, e
não como reprodução de realidade, por outro, os embates vividos por Laura,
sem que se solucionem no nível do enunciado, indicam uma característica da
ficção, tal como a caracterizou Wolfgang Iser (1999), em seu livro O ato de
leitura. Referimo-nos ao conceito de “vazio” da literatura. Ao mesmo tempo em
que Laura deseja ficar com as rosas – nunca tinha ficado com algo de que
gostasse tanto –, ela sente o impulso de delas se desfazer. Ficar com as rosas
implicaria dar margem a um impulso interno; enviá-las para Carlota, conforme
as regras de cerimônia de quem é convidada para jantar com a amiga,
significaria agir de acordo com as expectativas sociais. É justamente neste
ponto que o conflito interno chega ao estado do insuportável. Não que a tensão
de Laura só ocorra aí. Desde o começo, há vários trechos que ora traduzem
43
uma Laura “obediente”, ora uma mulher que, um dia, rompeu com as
expectativas de todos, tendo sido, por isso, merecedora dos olhares de
surpresa que vinham de Carlota e de Armando, enquanto esteve no hospital.
De fato, o conto “A imitação da rosa” resiste à leitura pautada no tradicional
modelo formalista em que as seqüências do enredo são divididas em
“equilíbrio”, “desequilíbrio”, “novo equilíbrio”. Embora pudéssemos dividi-lo nos
momentos anterior, posterior e simultâneo ao aparecimento das rosas, muito
da riqueza do conto se perderia. Conforme nos alerta Roberto Corrêa (ibidem),
o melhor rendimento do conto reside em seus “elementos mínimos”, ou seja,
aqueles significantes que, independente de seqüências textuais, se alternam e
se imiscuem tanto em momentos de obediência externa, quanto de impulsos
que, por serem de lembranças íntimas de um passado um dia rebelde, são
contrários à sua figura de mulher doméstica.
Importante observar que o momento de maior conflito de Laura – dar ou
não as rosas – ocorre em um certo momento do dia, quando aqueles minutos
da tarde ainda não se foram totalmente e a noite também ainda não começou.
É quando a tarde começa a cair que se intensifica o insuportável da tensão
entre uma mulher que vive para os outros e aquela que sente impulsos de
ruptura com este dado de sua personalidade. O que dá início a este estágio é a
estranheza que sente no interior de seu próprio espaço: a sala de sua casa. Ao
olhar para a cortina encolhida pela lavagem, Laura tem a sensação de que o
mundo, metonimicamente tematizado pela cortina, parece rir dela, em função
do sentido “cômico” que este objeto lhe passa.
Abriu os olhos, e como se fosse a sala que tivesse tirado um cochilo e não ela, a sala
parecia renovada e repousada com suas poltronas escovadas e as cortinas que
haviam encolhido na última lavagem, como calças curtas demais e a pessoa olhando
cômica para as próprias pernas.
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Quando dizemos que o início da expressão máxima do conflito ocorre
neste episódio, é porque coincide, neste momento, o elemento cômico com um
“olhar” que se volta para as rosas, ainda apenas um “olhar”, e não um “ver” as
rosas. A passagem abaixo encontra-se no mesmo parágrafo que citamos
acima:
Oh! Como era bom rever tudo arrumado e sem poeira, tudo limpo pelas suas próprias
mãos destras, e tão silencioso, e como um jarro de flores, como uma sala de espera.
Sempre achara lindo uma sala de espera, tão respeitoso, tão impessoal. Como era
rica a vida em comum, ela enfim que voltara da extravagância. Até um jarro de flores.
Olhou-o”. (grifo meu).
Esta estranheza provocada pela cortina, paralelamente a uma falsa
tranqüilidade de um “olhar” ainda para as rosas, justifica-se como início do
conflito em seu ápice páginas adiante, quando o insuportável se revela no
verbo “ver”, quando o olhar de Laura se volta mais fixamente para as rosas.
Quando reuniu as rosinhas úmidas em buquê, afastou a mão que as segurava, olhou-
as à distância, entortando a cabeça e entrefechando os olhos para um julgamento
imparcial e severo. E quando olhou-as,
viu as rosas . ( grifo meu).
Tudo indica que, neste encontro com o desejo de imitar a beleza das
rosas, Laura se percebe na impossibilidade da tensão entre ser o que não é e
se exigir ser o que pensa que deve ser. Tanto é que, após o encontro com as
rosas, ela já pode delas se desfazer e começa a retardar, contrariamente a
seus hábitos, sua ação de estar pronta para esperar Armando. Trata-se de uma
espécie de epifania, uma descoberta de si, que ocorre justamente num
momento intermediário entre o dia e a noite.
Quando estivesse pronta ouviria o barulho da chave de Armando na porta. Precisava
se vestir. Mas ainda era cedo. Com a dificuldade de condução ele demorava. Ainda
era de tarde. Uma tarde muito bonita. Aliás já não era mais de tarde. Era de noite. Da
rua subiam os primeiros ruídos da escuridão e as primeiras luzes.
Roberto Corrêa dos Santos, em seu ensaio intitulado “Leitura do conto A
imitação da rosa” (ibidem), afirma que “por processos comuns aos atos de fingir
45
da ficção (efeito de uma seleção e de uma combinação próprias de sua lógica
imaginária), diversos níveis de realidade, dispersos nos acontecimentos do
cotidiano, passam a ser expostos de modo até então não visto.”(SANTOS:
1986, p.15). A leitura que o autor propõe de “A imitação da rosa”, de Laços de
família, encontra-se na faixa de interesse que tem o texto como um jogo de
significações potenciais e não almeja estancar-lhe a dinâmica, fixando-a num
conteúdo final, tido como adequado para compreender o que diz um texto por
inteiro. Trata-se de uma possível leitura dentre tantas outras. O autor parte de
uma situação mais geral para fazer sua análise, isto é, parte do fato de o texto
deter-se sobre a personagem Laura e seus valores dentro do espaço fechado
de sua casa. Na narrativa não se processam grandes ações e movimentos.
Esta gira em torno de um jogo de rememorações e reflexões, instantâneas e
cortadas, de certas situações que compõem o universo íntimo da personagem,
como no exemplo a seguir:
Mas agora que ela estava de novo “bem”, tomariam o ônibus, ela olhando como uma
esposa pela janela, o braço no dele, e depois jantariam com Carlota e João,
recostados na cadeira com intimidade.” (LISPECTOR: 1998, p.34).
É importante notar que estas ações não se processam na realidade; só
ocorrem no pensamento de Laura, como uma espécie de planejamento de
ações, apenas uma intenção. A narrativa se realiza “através de uma falsa
terceira pessoa, simulacro da primeira, o que permite a construção dos fatos
quase que inteiramente produzidos na consciência de Laura” (SANTOS: 1986,
p.16). Trata-se de uma tensão entre um suposto narrador de fora, como se
tudo ocorresse a partir de uma visão exterior, e um real narrador no interior da
história, o que provoca a sensação de que é impossível tais fatos ocorrerem
fora das percepções de Laura. Por esta estratégia, estabelece-se “um duplo
46
olhar numa espécie de visão que não é de dentro nem de fora, mas “com”
(ibidem, p. 16). Para o ensaísta, trata-se de uma estratégia de construção
narrativa que se relaciona à própria divisão da personagem entre duas atitudes:
“a de mulher “impessoal”, obediente os padrões estabelecidos de esposa, e a
de mulher “pessoal”, a que rompe com os contratos e os códigos de
expectativas sociais.” (ibidem, p.16). Tal estratégia vale-se do discurso indireto
livre, através do qual a voz do falso narrador em terceira pessoa – narrador de
fora – se mistura, sem qualquer sinal de pontuação, à voz interna da própria
personagem. Dessa combinação, resulta uma escrita em que o leitor percebe a
cumplicidade do narrador em relação à mulher, possibilitando também ao leitor
que ele participe do que se passa na imaginação de Laura. A passagem abaixo
do texto de Clarice é capaz de ilustrar a o modo de construção ficcional de
nossa escritora:
Por que dá-las, então? Lindas e dá-las? Pois quando você descobre uma coisa boa,
então você vai e dá? Pois se eram suas, insinuava-se ela persuasiva sem encontrar
outro argumento além do mesmo que, repetido, lhe parecia cada vez mais convincente
e simples. (...) O fato de não durarem muito parecia tirar-lhe a culpa de ficar com elas,
numa obscura lógica de mulher que peca.” (LISPECTOR: 1998, p.46).
Todo o discurso narrativo desenvolve-se na zona de tensão entre o
pessoal e o impessoal, entre o positivo e o negativo, entre o sim e o não,
revelando o quanto atitudes individuais podem afetar a coletividade. As
escolhas de Laura são pensadas e repensadas com o objetivo de não frustrar
os outros, aqueles com quem convive socialmente. A preocupação com a
opinião alheia é o que mais a atormenta. É o que percebemos pela voz do
narrador de “fora”, misturando-se ao pensamento de Laura:
E Carlota se surpreenderia com a delicadeza de sentimentos de Laura, ninguém
imaginaria que Laura tivesse também suas ideiazinhas. (...) Carlota surpreendida com
aquela Laura que não era inteligente nem boa mas que tinha também seus
47
sentimentos secretos. E Armando? Armando a olharia com um pouco de bom espanto
– pois é essencial não esquecer que de forma alguma ele está sabendo que a
empregada levou de tarde as rosas!
Armando encararia com benevolência os
impulsos de sua pequena mulher, e de noite eles dormiriam juntos
.” (LISPECTOR:
1998, p.44-45).
O autor traça uma divisão temporal em que o momento presente da
narrativa se apresenta como um tempo de tensão entre um passado estável, o
tempo da obediência, e um passado instável, tempo de ruptura. No entanto, a
questão da temporalidade no texto não se verifica pela forma tradicional
pautada nas habituais marcações seqüenciais e cronológicas, empregadas
para guiar o leitor no reconhecimento das situações tidas por antecedentes,
atuais e conseqüentes. Por outro lado, essa temporalidade também não se
realiza segundo os recursos mais modernos de cortes temporais. Em “A
imitação da rosa”, o processo de construção é predominantemente elaborado
no presente (...), o desenrolar narrativo faz-se pelo recurso a uma certa
“imobilidade”. De “evolutivo”, apenas Laura “aguardando o marido na maior
parte do tempo e a chegada deste.” (SANTOS: 1986, p.22).
Na proposta crítica do conto, o dado de cumprimento do dever burguês
feminino se atualiza na relação que se estabelece com o cerco masculino,
representado pelas figuras do marido, do pai, do padre e do médico, aos quais
Laura deveria prestar obediência, em sua condição frágil e submissa de
mulher.
Antes que Armando voltasse do trabalho a casa deveria estar arrumada e ela própria
já no vestido marrom para que pudesse atender o marido enquanto ele se vestia, e
então sairiam com calma, de braço dado como antigamente.(LISPECTOR: 1998,
p.34).
Esta submissão de Laura estende-se também ao momento em que se
recupera, no hospital, de uma atitude transgressiva, embora o enredo não
deixe claras as ocorrências. Só sabemos que houve este tempo em que Laura
48
rompeu com tudo pelas atenções de surpresa que passa a receber de
Armando e de Carlota, bem como por breves situações que se referem à
estada em “hospital”, às “enfermeiras” das quais não gostava, à recomendação
do “médico” para “tomar leite”, ao emprego de palavras como “super-humana”,
“Cristo”, “perfeição”. Num esforço de voltar a seu passado de obediência, e até
mesmo pesarosa com o que tinha causado aos outros, tenta seguir
religiosamente o que outra figura masculina ordena.
Se o médico dissera: “Tome leite entre as refeições, nunca fique de estômago vazio
pois isso dá ansiedade” – então , mesmo sem ameaça de ansiedade, ela tomava sem
discutir gole por gole, dia após dia, não falhara nunca, obedecendo de olhos fechados,
com um ligeiro ardor para que não pudesse enxergar em si a menor incredulidade”.
(LISPECTOR: 1998, p.36).
Parece que o sentimento de Laura em atender às expectativas de
Armando constitui, metonimicamente, um modo de o conto representar a
extensão deste fenômeno ao pai, ao padre, ao médico, enfim, a elementos
masculinos, típicos representantes dos códigos de uma sociedade patriarcal,
homogênea e hierárquica. Se Carlota entra neste grupo masculino, é porque,
pelas percepções de Laura, a amiga, apesar de mulher, sempre foi o oposto
dela, Laura. Carlota já infringia normas, desde a adolescência das duas no
Colégio Sacre-Couer. Enquanto Laura havia lido “A imitação de Cristo”, “com
ardor de burra”, Carlota não se incomodava com as ordens das freiras.
uma passagem em que a palavra “super-humana” sinaliza,
implicitamente, para um dos momentos em que Laura vivencia a tensão entre o
tempo de aceitação dos códigos e a ruptura com eles. No trecho abaixo,
enquanto a narrativa que descreve a forma como chegou a se casar com
Armando indica o lado da Laura exteriorizada, a expressão “super-humana”
49
indicia a Laura em seus impulsos interiores. Isto porque “super-humana” faz
parte do campo semântico de “perfeita”, perfeita como Cristo e como as rosas.
Ele que a recebera de um pai e de um padre, e que não sabia o que fazer com essa
moça da Tijuca que inesperadamente, como um barco tranqüilo se empluma nas
águas, se tornara super-humana”. (LISPECTOR: 1998, p.38).
Enquanto Laura desempenha o papel social que dela esperam, a vida
segue tranqüila para os que estão a seu redor. No entanto, a partir do momento
em que deixa de agir conforme os padrões sociais para ela estabelecidos, tudo
se abala, tudo se desestrutura. É isto o que bem analisa Roberto Corrêa, em
sua bela análise dos “elementos mínimos”: “A paz resulta, então, da aceitação
por ambos – masculino e feminino – de seu papel num quadro social
previamente dado” (ibidem, p.26).
Desse modo, estar bem” recebeu aspas que, na verdade, apenas
reduplicam o que o leitor já percebe. Estar “bem” significaria estar vivendo de
acordo com normas pré-estabelecidas para uma esposa, ou seja, estar a
serviço de seu marido, amando-o e respeitando-o, cuidando dos afazeres
domésticos, enquanto estar “mal” corresponderia ao não cumprimento de seu
papel, ter atitudes que desestabilizassem a convivência familiar: “A ficção, em
suas artimanhas, inverte o jogo. Pela linguagem, o texto de Clarice penetra,
abalando, nas estruturas ideológicas”.(ibidem, p.27). O significado de “bem” e
de “mal” para Laura não são necessariamente os mesmos das demais pessoas
com as quais ela se relaciona.
Alguns significantes do conto assumem, por vezes, significados opostos
entre si. É o caso da palavra “perfeição”. Ela configura tanto a domesticidade –
“Laura tinha tal prazer em fazer de sua casa uma coisa impessoal; de certo
modo perfeita por ser impessoal” (LISPECTOR: 1998, p.37) – quanto a ruptura
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– “mesmo dentro de sua perfeição acordada, a piedade e o amor, ela super-
humana e tranqüila no seu isolamento brilhante”.(LISPECTOR:1998, p.37).
A perfeição desejada pelos personagens de “A imitação da rosa” é a
perfeição da domesticidade, enquanto que a temida é a perfeição de que ela
retornara. “Como uma espécie de termo indecidível, passa a consistir em
elemento referenciador de duas relações tidas por oponentes”.
(SANTOS:1986,p.27).
Segundo o autor, a noção de interpretação que orienta esta leitura
supõe que os elementos todos se encontram em sua superfície textual. A
leitura, por esta perspectiva, pressupõe, passo a passo, a disseminação
significante, o toque de concretude do corpo do texto, sua degustação enfim.
Cabe à leitura, segundo Roberto Corrêa, fazer falar os “elementos mínimos”,
sem atribuir um sentido para o conto.
O que o crítico destaca, por meio de seu criterioso ensaio, é o fato de
“importar à interpretação não apenas o que no texto se critica – o alvo para que
se mira – mas, principalmente, a forma como isso se dá, verificável mesmo a
partir do exame de sua feitura e do da própria arma que o possa atingir”.
(ibidem p.31, grifo meu). E é isto que exige do leitor a árdua tarefa não só de
ler, mas também de preencher os vazios textuais que lhe são ofertados.
51
5. Interpretação do conto Amor
No conto “Amor de Laços de família, deparamo-nos com a dona de
casa Ana em seu cotidiano familiar: marido, filhos, e tudo o que dizia respeito a
tarefas domésticas. A princípio, as tarefas do dia-a-dia transcorrem
normalmente, inclusive com os problemas típicos do cotidiano: filhos
crescendo, fogão enguiçado, pagamento da prestação da casa. Ana colocava
este seu mundo para funcionar mecanicamente e, desse modo, criara uma vida
ordenada para si e para os seus. O lar, com seus afazeres domésticos, a
mantinha ocupada, sem tempo pois para contemplar a vida que pulsava lá fora.
O problema era a tarde, quando os membros da família estavam em
suas funções e ela se deparava consigo mesma. Tanto é que o final da tarde
era vivido como um alívio para Ana. Isto nos faz lembrar o conto “A imitação da
rosa”, em que, conforme discutimos no capítulo anterior, também para Laura a
tarde significou um momento de maior intensidade do conflito por ela vivido,
sendo que foi justamente numa tarde que “viu” as rosas, as rosas através das
quais ela chega a se defrontar mais fortemente com seu interior. É só no
anoitecer que ela se mantém mais tranqüila, com seu vestidinho de casa,
esperando a chegada do marido.
No conto “Amor”, também à tarde ocorre um acontecimento causador de
estranheza. Um dia, como outro qualquer, Ana estava voltando das compras no
bonde, como sempre fazia, quando se deparou com um cego mascando
chicles. A partir deste encontro insólito, ela começa a vivenciar profundas
transformações em sua existência interior e exterior, vivendo em meio a um
turbilhão de emoções.
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O olhar insistente que Ana dirige para o cego despertou-lhe piedade.
Junto a este sentimento, veio-lhe também à mente a vida interior, algo sempre
evitado: uma emoção que fluía dolorosamente. Ela se perturba com a liberdade
do cego e com o sentimento de piedade que a envolve e sufoca. A compra
esparrama-se, diante de sua distração e, com o solavanco do bonde, os ovos
se quebram: o mal estava feito. Ana começa a se perceber numa outra forma
de vida, que só ocorria na potencialidade de seus pensamentos.
a rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. (...) E
como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por
quê? Teria esquecido que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava
pesadamente.(...) O mundo se tornara de novo um mal-estar.. Vários anos ruíam, as
gemas amarelas escorriam.” (LISPECTOR: 1979, p. 22).
Por conta deste episódio, Ana perde a direção de casa e chega, sem
saber, ao Jardim Botânico. É neste lugar que ela comprova mais ainda sua
fraqueza e pequenez diante da imponência e da grandeza do lugar que a
acolhe e, ao mesmo tempo, amedronta
Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde.(...) Tudo era
estranho, suave demais, grande demais.(...) As árvores estavam carregadas, o mundo
era tão rico que apodrecia. (...) O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.
(ibidem, p. 24-25).
Tivesse ela permanecido no exílio a que sua casa se assemelhava, não
teria se deparado com a dura realidade, ou seja, sua intensa fragilidade. Ana
retorna para casa para um jantar com sua família. Chega e o seu mundo lhe
parece estranho. Ao voltar para casa, percebe não ser tão forte como
aparentava, já que “por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-
lhe um modo moralmente louco de viver.” (ibidem: p.26). A experiência do
encontro com a rua e seus apelos à liberdade, a uma vida desregrada, cheia de
prazeres, e sem obrigações fez com que Ana se permitisse, meio que
53
mecanicamente, receber um abraço do filho. Fez ainda com que ela se
permitisse também ser conduzida pelas mãos do marido para o quarto, sentir
medo e ser cuidada por não estar podendo exercer o controle que antes lhe era
familiar.
Uma vez acabada a “vertigem de bondade” e soprada “a pequena flama
do dia”, Ana vai se deitar com o desejo de voltar a ser o que era antes da visão
com o cego – justamente aquele que não a vê – e antes também do encontro
com o Jardim Botânico. No entanto, “a hora perigosa da tarde” voltará no dia
seguinte e sabe lá Deus o que mais a cidade, as ruas, o bonde lhe reservariam.
O que se sabe é que a opção de Ana pela vida doméstica diante dos apelos da
vida lá fora já está feita, pois “sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme
das coisas”, certamente como a as fortes raízes das árvores do Jardim
Botânico. E isso um lar perplexamente lhe dera; pelo menos era a sensação
que tinha. Sua juventude, lá no passado, parecia-lhe estranha como uma
doença de vida. Dela havia “aos poucos emergido para descobrir que também
sem felicidade se vivia.” (ibidem:p. 20).
Como já dissemos, o período de manifestação mais expressiva dos
conflitos de Ana é justamente o da tarde. Curioso notar que, embora este
momento seja aquele que mais diretamente diz do mundo interior da
personagem, é também a ocasião percebida como a hora “perigosa” para ela
(ibidem, p.19). É possível que isto ocorra em correspondência com alguns
dados de que se reveste a própria personalidade de Ana. Do mesmo modo que
a personagem se caracteriza por uma mulher dividida, ou seja, entre o mundo
de sua casa e o mundo do lado de fora, o período da tarde define-se por uma
espécie de precária indecisão. Tal divisão de personalidade revelou-se no
54
encontro com o Jardim Botânico. É aí que ela se vê entre a mulher que ela
tenta ser como provedora de seu lar e, ao mesmo tempo, necessita da ajuda
daquele mundo de esplendor, em que a mãe natureza tudo provê, em que as
árvores deixam seus frutos florescerem por si sós, tudo em completo e
magnânimo. É por isso que Ana, aí, já não se sentia dominando as coisas do
cotidiano. Pelo contrário, precisava nutrir-se da essência da vida da natureza.
No início do conto, o leitor se depara com uma personagem que se
encontra com “as compras deformando o novo saco de tricô.” (ibidem: p. 19).
Esta imagem, nos conduz ao ponto de observação de uma tensão que já vai se
formando desde o princípio da história; as tarefas diárias de Ana estão em
processo de deformação de seu interior. Isto pode ser percebido nas compras
que metaforizam o cotidiano doméstico do papel social de uma mulher no
Brasil de meados do século XX. Como escreve Martim Vicente da Cunha Silva
(2005) “o saco de tricô que foi cosido por ela é algo que saiu do senso criativo
de Ana - logo, em outra leitura, a deformação gerada pelas compras no saco
exprimem a tensão de Ana que começa a sentir-se desconfortável com sua
vida” (SILVA: 2005, p. 3).
A passagem do texto em que Ana, instalando-se no bonde, exala um
“suspiro de meia satisfação” (LISPECTOR: 1979, p.19), é ilustrativa da idéia de
que o elemento feminino não é capaz de sentir nada em sua totalidade. Não é
por acaso que, no processo em busca de uma tarefa criativa, o “desejo é
vagamente artístico” (ibidem, p. 20). Essa ausência de concretude relacionado
ao artístico diz bem de uma mulher, meio que paralisada em seu estreito limite
de mundo, em contraste com as emoções e as pulsações que sente virem da
vida lá fora.
55
Há trechos do conto que, embora curtos, constituem fortes indícios
acerca de qual é o sentido de “amor” para Ana. Do mesmo modo que a noção
de criatividade, o amor que tem por seus filhos reveste-se de traços de divisão,
no sentido de faltar algo a este sentimento. Seus filhos são o seu amor; a
maternidade é algo valorizado por ela. Esta é a verdade para Ana. No entanto,
como tal noção relaciona-se a “uma coisa verdadeira e sumarenta” (ibidem,
p.19), habita aí uma espécie de incompletude, de coisa pelo meio, incapaz,
portanto, de significar algo por inteiro, algo mais intenso. Era impossível para
Ana, prover essa falta, e isso lhe punha em estado de intensos conflitos. O
vazio de que trata o teórico Wolfgang Iser é o conceito que nos permite deduzir
a incompletude de sua vida. O texto mesmo só nos traz trechos com
informações contrárias: se por um lado, a personagem se coloca por inteiro, na
dedicação aos filhos, casa e marido, por outro, ela mesma se sente dividida.
Tal embate não é resolvido no conto e é justamente por isso que o leitor se
sente provocado a interpretar o que significa, para a personagem, a verdade, o
amor, a idéia de incompletude. Os conflitos se manifestam, no nível da ficção,
sob a forma de um “fogão enguiçado que dava estouros” (ibidem, p. 19), mas
que era assim mesmo que permanecia.
Interessante observar que, justamente do signo “Jardim Botânico”, nome
do lugar em que as emoções se intensificam, decorrem vários outros vocábulos
do campo semântico relacionado a trabalho doméstico por ela realizado.
“Como um lavrador”, ela “plantara as sementes”, e “ as “ sementes cresciam
(ibidem, p.19). E todo este trabalho, feito com a maior dedicação. vinha das
mãos de Ana, as mãos, sua “corrente de vida” (ibidem, p.19).
56
Ana parecia necessitar da relação com algo que lhe fosse externo, de
modo a se desviar de seus conflitos internos. Era assim que ela suplantava “a
íntima desordem” (ibidem, p.20). Como não era possível enfraquecer a
intensidade dos conflitos, fortalecia o tronco que a mantinha ligada à sua
posição de mãe, a mãe que havia conseguido dar belos frutos. “Por caminhos
tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como
se o tivesse inventado” (ibidem, p.20).
Difícil foi para Ana entender que, neste previsível destino de mulher,
nada havia de diferente. Sua insistência em repetir sobre sua escolha – a de
ser mãe e dona de casa –, algo que aparece na frase “assim ela o quisera e
escolhera” (ibidem, p.21) – é evidência de que essa necessidade de ter que se
lembrar sempre de sua opção, constitui, na verdade, uma afirmação com o
sinal invertido: o sinal de “menos”. Se isso por vezes pudesse lhe parecer uma
felicidade insuportável, era porque a única forma da contradição, expressa no
oximoro, é que daria conta de definir o que essa mulher percebeu, em sua
juventude, como “doença de vida” para, mais tarde, como mulher, esposa e
mãe, descobrir que era possível viver também sem a felicidade.
De forma semelhante à Laura de “A imitação da rosa”, a personagem
Ana precisa se manter ocupada com a limpeza e a ordem das coisas em casa.
E se as coisas estavam ordenadas, a vida arrumada era vista com espanto.
Para sufocar este sentimento, se confortava na idéia de que depois,
encontraria, “os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem
arrependidos” (ibidem, p. 23). Era esta sensação de ordem, simultaneamente
calma e avassaladora, era o que lhe permitia cobrar de tudo e de todos, já que
ela estaria sempre à disposição de sua casa e de sua família.
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Há um determinado momento do conto em que as coisas parecem
conduzir Ana para percorrer a repetição em diferença, provocada pela
atmosfera da narrativa do conto: “Logo um vento úmido soprava anunciando,
mais que o fim da tarde, o fim da hora instável” (ibidem, p. 19). Era um
momento da tarde. Como já se podia esperar, este instante traz uma
instabilidade para Ana e, na vã tentativa de se aliviar da tensão, ela respira
fundo e “uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher” (ibidem, p.
19). Como bem observa e escreve Martim Silva (2005),
Ana tem a face de mulher adulta apta a viver a vida que “escolhera”, exatamente
quando aceita seu papel como tal. Além da mudança da cronologia do conto –nos
deslocamos de um momento da tarde em direção à noite – temos a presença de um
“vento úmido” que denota uma leve previsão do torvelinho íntimo que se avizinha de
Ana.É então que, de volta ao momento do início do conto, Ana avista o homem cego
mascando chiclete que está parado na calçada, enquanto ela se encontra no bonde.
Esse elemento lhe detona a seguinte sensação: “o coração batia-lhe violento,
espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê.”
Vendo o bonde arrancar e suas compras caírem no chão, Ana revela
“uma expressão de rosto, há muito não usada”, que lhe ressurgira “com
dificuldade, ainda incerta, incompreensível”(ibidem p.22). Os ovos no chão
quebrados e, diferentemente deles que simbolizam vida, Ana percebe que algo
em seu interior estava se desfazendo, tal era o estado de crise que havia se
apoderado dela. Agora, “o mundo se tornara de novo um mal estar” (ibidem,
p.22).
Tudo o que ocorre a partir daí é uma sucessão de fatos que dizem da
desestruturação instaurada no cotidiano de Ana. Ela não mais consegue
descer no ponto certo. Perde a descida, como perde o controle de si. Lá no
Jardim Botânico, no contato assustador com a outra “vida que descobrira”
(ibidem, p. 24), o silêncio adormecia dentro dela. A percepção que tem do
58
ambiente, contudo, se aguçara. Havia ali sendo realizado um trabalho bem
diferente daquele que ela tinha em sua casa. Era um trabalho silencioso, era
um “trabalho secreto” (ibidem, p.24) da mãe natureza que deixava seus filhos
se alimentarem tranqüilos, sem estouros de fogão, sem fazer alarde da
realização.
Quando chega em casa, ela abraça seu filho de forma estranha. Tudo
agora para ela parecia “um modo moralmente louco de viver” (ibidem, p.26),
pois a vida poderia, a qualquer instante, se abalar, perder a harmonia, em face
de ocorrências simples, como a de um cego que a vê e faz com que ela se
veja, quando ela o vê mascando chicletes. O que resta aos leitores é buscar
compreender a imagem de vazio que a escrita de Clarice provoca, sem dar a
resposta: se Ana, antes de deitar, apaga “a pequena flama do dia” (ibidem,
p.30), como será sua vida dali em diante? Explosiva nos afazeres e silenciosa
nos desejos ou com a aparência discreta, mesmo que, em seu interior, os
conflitos voltem em plena turbulência? Esta é uma situação que não se
soluciona no conto. Trata-se de uma forma de vazio diante do qual o leitor se
vê impelido a refletir.
Este vazio da Teoria de efeito de Iser só resulta em “sentido” na acepção
de Luiz Costa Lima, ou em “ interpretação, conforme entendimento de Todorov,
quando articulamos a situação da personagem Ana, no conto “Amor”, com a de
Laura, no conto “A imitação da rosa”. Ambas são personagens que parecem
estar em busca de compreensão para o que o exterior de suas atitudes ajudem
a revelar o interior que seus desejos provocam ou os sentimentos que
envolvem sua mentes. É na intertextualidade dessas duas ficções que
podemos verificar a tematização de situações do feminino, sempre em conflito
59
com o que fazem e o que deixam de fazer, ou com o que se obrigam a fazer e
o que desejam realizar.
60
6. A correspondência entre a geografia externa e a geografia
íntima de algumas personagens femininas em Laços de família
Buscando estabelecer um paralelo entre o cenário urbano e a geografia
íntima das personagens de alguns contos de Laços de família, e considerando
a escrita intimista de Clarice Lispector, pudemos constatar que muitas vezes
este cenário urbano estabelece correspondência com as transformações que
se passam no interior das personagens femininas no universo clariceano.
Trata-se de um diálogo profundo entre a geografia íntima e a paisagem
exterior. Partindo da leitura de alguns contos deste livro, podemos observar
que, dos treze que constituem a obra, a maioria apresenta protagonistas
femininas, das quais selecionamos quatro para destacar a influência do meio
na transformação interior e, conseqüentemente, a transformação do meio após
o processo de revelação, de encontro consigo mesmas.
A cidade do Rio de Janeiro, no conto “Amor” funciona como cenário das
transformações ocorridas no que há de mais íntimo de Ana. É o cenário urbano
que apresenta a ela, no caminho das compras até sua casa, no Humaitá, o
cego mascando chicles “sem sofrimento, com os olhos abertos.”
(LISPECTOR:1998), o que a faz sentir que “o mundo se tornara de novo um
mal-estar; assim como oferta o Jardim Botânico para acolhê-la em meio a seu
devaneio, cenário este que, com sua vastidão, “parecia acalmá-la. De fato, a
Ana que retorna ao lar não é a mesma que saiu às compras na “hora perigosa
da tarde”. No contato com a grandeza e a diversidade da cidade, Ana se
modifica, “alguma coisa tranqüila se rebentara.
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“Devaneio e embriaguez duma rapariga” e “A imitação da rosa” são
outros dois contos em que a vida doméstica é vista como exílio em confronto
com a paisagem externa, do mesmo modo que ocorre no conto “Amor”. Em
“Preciosidade”, os elementos urbanos também se correspondem com as
mudanças vivenciadas pela jovem de quinze anos em seu trajeto de casa para
a escola e da escola para casa, pelas ruas do Rio de Janeiro. O ônibus, o
bonde, a rua, a avenida, o Largo da Lapa configuram o cenário por onde a
jovem transita, com seu ar rígido e grave que a preserva de algo ameaçador.
Em casa, já não precisava tomar cuidado. A rua da cidade silenciosa e quase
despovoada pela manhã é a cúmplice da grande transformação em que a
menina deixa de ser preciosa.
Esses contos narram a experiência da angústia dessas personagens em
confronto com o meio urbano e tudo aquilo que o configura.
Abandonado a si mesmo, livre, o homem que vê diluir-se a firmeza do mundo. O que
era familiar torna-se-lhe estranho, inóspito (...) (NUNES, 1976: 95)
Eis o processo pelo qual tais personagens passam. Definitivamente, o
encontro com essa angústia causa transformação no interno e no externo, uma
vez que, não sendo mais as mesmas, se relacionam de modo diverso com o
meio. Cada uma, em seu ambiente natural, se depara com o estranhamento de
um elemento novo. O que parece comum, corriqueiro é, para essas
personagens, elemento desencadeador de uma tomada de consciência,
traduzida somente para os leitores como uma falta de correspondência com as
coisas.
É esse choque nauseante que queremos aqui apresentar, já que, em
Clarice, o cotidiano urbano assume um papel de personagem interagindo com
62
o outro e desconstruindo-o para, então, reconstruí-lo, através do ato de
reconstruir-se, mesmo que para isso sejam necessárias a dor, a ruptura, a
angústia, a náusea.
É notório o posicionamento dado à mulher pela sociedade: deve
respeitar seu marido, cuidar dos filhos, resguardar-se, não se insinuar, ser
amável, dócil, discreta, caridosa, servil, satisfeita com sua condição. No
entanto, na narrativa de Clarice, podemos notar que suas personagens têm
desejos escondidos, sentimentos proibidos, uma vontade de ser elas mesmas,
desnudas de toda e qualquer expectativa alheia. É essa liberdade, ou a
ausência dela, que gera o conflito interno no instante em que o encontro com
algo externo como as ruas, as avenidas, os meios de transporte coletivos,
enfim, com o que é público e habitado por diversos indivíduos desconhecidos,
desperta aquilo que estivera até então sufocado, adormecido, aprisionado.
Desse despertar surge o questionamento, a angústia, a falta de clareza, de
domínio de si mesma.
A angústia nos desnuda, reduzindo-nos àquilo que somos: consciências indigentes,
com a maldição e o privilégio que a liberdade nos dá. No extremo de nossas
possibilidades, ao qual esse sentimento nos transporta, ela intensifica a grandeza e a
miséria do homem. Da liberdade que engrandece, e que nos torna responsáveis de
um modo absoluto, deriva a razão de nossa miséria. Vivemos, afinal, num mundo
puramente humano, onde a consciência é a única realidade transcendente. (...)
(NUNES, 1976: 95)
A tomada de consciência de sua própria existência é o que causa
choque, o que desconcerta. Por tudo isso, torna-se necessária uma análise
sobre a correspondência da cidade e seus desafios, sua diversidade, com o
que se passa no íntimo dessas personagens femininas, aparentemente tão
frágeis, mas, ao mesmo tempo, tão fortes, mulheres que, em sua aparente
63
singeleza, trazem em si uma complexidade tamanha como, certamente, todas
nós mulheres.
6.1. Exílio doméstico versus cenário urbano
A geografia em Clarice é sempre transitória. Relembrando alguns
poucos dados de sua vida, sabemos que, desde pequena, ela não tem lugar, é
uma peregrina. Nascida na Ucrânia, chegou ao Brasil aos dois meses de idade,
naturalizando-se brasileira posteriormente. Criou-se em Maceió e Recife,
mudando-se para o Rio de Janeiro aos doze anos. Mais tarde, em função do
casamento com um diplomata brasileiro, passa a viver no exterior por muito
anos.
Este período é classificado por Cláudia Nina (2003), em A palavra
usurpada, como período de exílio, visto não como punição, mas como
“referência ao sentimento de saudade, ou melhor, de nostalgia, que expressa a
separação de um indivíduo de sua pátria, e ainda o desejo de retornar a ela
algum dia.” (NINA: 2003, p.11)
Neste livro de Cláudia Nina, a autora classifica como escritos de exílio a
produção literária da época em que Clarice Lispector esteve morando no
exterior, como se pode ver na seguinte passagem: “os anos de isolamento
deram a Clarice Lispector a possibilidade de aproximar-se de si mesma, longe
que estava de ambientes conhecidos, dos amigos e da língua portuguesa
falada nas barulhentas ruas brasileiras ou nas rádios.” (NINA:2003, p.12).
64
Segundo a ensaísta, os escritos deste período têm em comum a escrita
em terceira pessoa, num clima de nostalgia e imobilização. Existe uma
inegável sensação de desconforto que percorre a mente das personagens,
que, silentes e melancólicas, mal se movem para além de seus domínios.”
(NINA: 2003, p. 12).
A respeito de Laços de família, Cláudia Nina afirma que:
muitos dos contos dessa antologia poderiam perfeitamente encaixar-se na idéia que
ora defendo sob o rótulo de escritos de exílio, uma vez que apresentam personagens
(principalmente mulheres) aprisionadas em suas esferas exílicas dominadas pelo
ambiente doméstico, do qual sonham escapar de algum modo.” (NINA:2003, p. 15).
Assim como Clarice, suas personagens femininas parecem viver um
determinado exílio, não de sua pátria, mas de si mesmas, um exílio doméstico
que se contrapõe à vida fora do lar. Na rua, na geografia externa, parecem
experimentar uma liberdade que as desnorteia devido à “intensificação dos
estímulos nervosos. (SIMMEL:1979, p. 13)
De acordo com Georg Simmel, em A metrópole e a vida mental, “a vida
metropolitana, assim, implica uma consciência elevada e uma predominância
da inteligência no homem metropolitano.” (SIMMEL:1979, p.13). Devido ao
ritmo acelerado da vida nas cidades, a vida psíquica metropolitana se
contrapõe ao ambiente doméstico em que os relacionamentos são mais
profundamente emocionais. Na cidade, os relacionamentos são mais fugazes.
Nese livro de Georg Simmel, o autor desenvolve a idéia de que “a luta
que o homem primitivo tem de travar com a natureza pela sua existência física
alcança sob esta forma moderna sua transformação mais recente
(SIMMEL:1979, p.11), isto é, Simmel defende a teoria de que a luta pela
preservação da individualidade constitui um dos maiores problemas da vida
moderna. A racionalidade da vida moderna somada à agilidade dos
65
acontecimentos resultam numa auto-preservação do indivíduo. Deste modo,
criam-se as reservas de um indivíduo para com os demais
Como resultado dessa reserva, freqüentemente nem sequer conhecemos de vista
aqueles que foram nossos vizinhos durante anos (...) o que nos faz parecer frios e
desalmados.
(SIMMEL:1979, p. 17).
A liberdade que as personagens femininas dos contos de Clarice
almejam é a possibilidade de viverem suas vidas livres das imposições dos
outros, das expectativas que os outros criam a respeito delas. No entanto, uma
vez mergulhadas na multidão da metrópole, o que sentem é o vazio da solidão
e da perdição. Como escreve Renato Cordeiro Gomes, elas experimentam o
vazio do nivelamento da vida metropolitana, onde nada é pessoal, singular,
pois “o progresso e seus correlatos nivelam cidades, almas, gostos, costumes,
moda.” (GOMES, 1994: 113).
Renato Cordeiro Gomes, em Todas as cidades, a cidade (1994) procura
ler a cidade, “que para os modernos é um problema, uma paisagem inevitável,
uma utopia e um inferno – como disse Beatriz Sarlo.” (GOMES, 1994: 16). O
texto do autor constitui-se, como ele mesmo escreve, de “tentativas, ensaios,
sobre outros textos que lêem a cidade moderna, entendida como aquela
engendrada pelo capitalismo burguês, a partir da Revolução industrial” (ibidem,
p. 15). O autor faz uma investigação objetiva de “textos que estão em busca da
legibilidade da metrópole(ibidem, p.15-16). Através dessas leituras múltiplas,
ele busca depreender essa legibilidade. As leituras múltiplas de diferentes
cidades vão construindo esboços teóricos da legibilidade urbana” (ibidem, p.
17). E constitui um debate pós-moderno da perspectiva da cidade grande em
crise. Crise pela qual passa a cidade e quem nela vive, como, por exemplo, as
personagens conflituosas de Clarice Lispector.
66
6.2. As transformações interiores
Clarice, em seu processo de criação, lida com o intocável, tocando-o,
penetrando no universo cristalizado cotidiano e banal, fazendo surgir os
estilhaços pela ruptura, na quebra do externo que se lança para o interno,
gerando um estranhamento pelo conflito gerado entre os dois mundos. É este
interno que permanece, singularizando e universalizando sua criação. O
choque chega pelo inesperado, pelo susto da vida que pulsa no subconsciente,
com características diferenciadas do mundo conhecido.
A construção lispectoriana é elaborada a partir da desconstrução do real
que se reconstrói no inconsciente, em busca da verdade que habita o sentir da
existência. A descoberta da sensibilidade vem pelo sensorial, utilizando-se de
uma linguagem marcada pela sugestão, abrindo caminho para o fluxo da
consciência. Desta forma, as sensações são doloridas, verdadeiros ritos de
passagem, misturando sentimentos, desvendando um ser no universo do
próprio ser.
Os contos selecionados no presente capítulo – “Amor”, “A imitação da
rosa”, “Devaneio e embriaguez duma rapariga” e “Preciosidade” – têm em
comum personagens femininas que parecem se debater numa espécie de
prisão domiciliar e emocional, diante das quais a cidade se apresenta como um
convite, uma possibilidade de experiências novas, de se libertarem do exílio
que as aprisiona. No entanto, uma vez imersas no contexto urbano, ou mesmo
diante da simples hipótese de encontro com o que está fora de suas casas,
como Laura, em “A imitação da rosa”, o que constatamos é uma angústia, um
não saber lidar com a liberdade tão sonhada.
67
O conto “Devaneio e embriaguez duma raparigafocaliza o cotidiano de
uma jovem esposa e mãe em seu exílio doméstico. Deparamo-nos com uma
personagem que se “descobre” filtrando as suas diversas facetas, geradas a
partir do conflito entre mundo exterior e mundo interior.
No início, o conto relata os devaneios da rapariga na ausência dos
filhos, que “estavam na quinta das titias em Jacarepaguá”, e do marido, que
saíra para trabalhar. Sozinha em casa, abandona o externo e prostra-se no
mundo interno, deixando de lado os afazeres domésticos e se abandonando ao
capricho de ficar o dia inteiro na cama a pensar e a fantasiar.
Ela ainda à cama, tranqüila, improvisada. Ela amava... Estava previamente a amar o
homem que um dia ela ia amar (...) A pensar, a pensar. O quê? Ora, lá ela sabia.
Assim deixou-se ficar (...) Acordou com o dia atrasado, as batatas por descascar, os
miúdos voltariam à tarde das titias, ai que até me faltei ao respeito!
(LISPECTOR:1998,p.11-12)
Os sentimentos da jovem esposa no contexto familiar são de tédio, de
melancolia, “Ela ouvia curiosa e entediada o estremecimento do guarda-louça
na sala de visitas...” (p. 10, grifo nosso).
Num segundo momento, a cena se desloca para a rua. A rapariga sai do
seu exílio doméstico para ir à tasca da Praça Tiradentes, acompanhada do
marido, num sábado à noite. Foram ao encontro de um próspero negociante.
Na tasca, ela se embriaga e experimenta a liberdade de pensar e de dizer
coisas que só a embriaguez permitiria. Todas as sensações lhe são permitidas,
até mesmo a inveja do chapéu duma rapariga loira, assim como o “desprezo
pelas pessoas secas do restaurante.” (p. 14).
De volta ao lar, “dentro da realidade familiar de seu quarto”, os
sentimentos de tédio e melancolia a revisitam:
Aborrecimento, aborrecimento, ai que chatura. Que maçada. Enfim, ai de mim, seja lá
o que Deus bem quiser. Que é que se havia de fazer. Ai, é uma tal cousa que se me
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dá que nem bem sei dizer. Enfim, seja lá bem o que Deus quiser. E dizer que se
divertira tanto esta noite! e dizer que fora tão bom...” (p. 17).
Podemos perceber o quanto a rua, a cidade, o restaurante lhe permitem
ser diferente daquilo que habitualmente é dentro de casa. Percebemos também
o quanto a embriaguez a liberta da responsabilidade de ser mãe, esposa, dona
de casa. E é fora do exílio doméstico que essas sensações são
experimentadas; é a rua, a geografia externa, que lhe oferece tais prazeres.
Mas, de volta ao exílio, reassume os seus papéis e experimenta novamente a
prisão, a proteção de si mesma que o cotidiano lhe oferece.
Havia certas coisas boas porque eram quase nauseantes: o ruído como de elevador
no sangue, enquanto o homem roncava ao lado, os filhos gorditos empilhados no outro
quarto a dormirem, os desgraçaditos” (p. 17
)
Antes a náusea da rotina do que a liberdade de uma vida sem o marido,
os filhos, as obrigações domésticas, é o que parece sentir a jovem rapariga; o
que a vida lá fora oferece é devaneio e embriaguez.
Em “A imitação da rosa, conto narrado em terceira pessoa, deparamo-
nos com Laura, mulher frágil, insegura, sem filhos, tentando buscar a perfeição
e segurança por meio de um distanciamento da vida, com baixa auto-estima,
preocupada com a visão que os outros têm dela. Laura é casada com
Armando, um típico marido dentro dos moldes sociais.
A personagem parece-nos sair de uma doença, que a deixou mais
insegura. Agora, segundo todos que com ela convivem, ela está “bem” e
retorna para sua vida normal. Diante disto, um jantar com o casal de amigos
Carlota e João foi marcado para a noite. Todo o conto gira em torno dos
conflitos vividos pela personagem nos momentos do dia que antecedem a
chegada do marido para irem ao jantar.
69
E assim, sentou-se no sofá como se fosse uma visita na sua própria casa que,
tão recentemente recuperada, arrumada e fria, lembrava a tranqüilidade de uma casa
alheia. O que era tão satisfatório: ao contrário de Carlota, que fizera do seu lar algo
parecido com ela própria, Laura tinha tal prazer em fazer de sua casa uma coisa
impessoal. (LISPECTOR: 1998, p. 37).
A expectativa de sair às ruas, de braços dados com o marido, e de se
comportar como uma digna esposa povoa os pensamentos de Laura,
“tomariam o ônibus, ela olhando como uma esposa pela janela, o braço no
dele, e depois jantariam com Carlota e João, recostados na cadeira com
intimidade.” (p. 34).
Como afirma Lúcia Helena (1997), em Nem musa, nem medusa
Laura é a imagem em espelho de uma sociedade patriarcal, pois todos os seus atos
são um reflexo da tentativa de não se contrapor a Armando, o marido, e
subservientemente, respeitar as convenções patriarcais instituídas pelo casamento,
pela educação e pela religião católica em que foi criada. Por outro lado, durante todo o
tempo em que ela faz este movimento de aceitação e passividade, desenvolve-se no
texto o movimento contrário
. (HELENA,1997: 45).
A partir do contato com as rosas, “que ela comprara de manhã na feira”,
um sentimento de desejo, de anseio por libertar-se das amarras que a
aprisionam vai crescendo dentro dela, independente de sua vontade.
Conscientemente, Laura decide-se por aprontar-se para ir ao jantar, mas as
rosas a convidam ao prazer da contemplação, de se deixar ali admirando-as e
de retê-las para si. Nunca vi rosas tão bonitas, pensou com curiosidade. (...)
Oh! Nada demais, apenas acontecia que a beleza extrema incomodava.” (p.
43). Desta forma, Laura decide enviar por meio da empregada, as rosas para a
amiga Carlota. E, a partir deste momento, Laura viu-se diante de um conflito:
enviar ou não as rosas para a amiga, como se fosse pecado sentir prazer em
ter algo que lhe pertencesse: porque uma coisa bonita era para se dar ou para
se receber, não apenas para se ter. E, sobretudo, nunca para se “ser”.
Sobretudo nunca se deveria ser a coisa bonita. A uma coisa bonita faltava o
70
gesto de dar.” (p. 47). Uma vez enviadas as rosas à Carlota por meio da
empregada, Laura sente um grande vazio, uma enorme falta, não
simplesmente das rosas, mas “uma falta maior.”
As rosas haviam deixado um lugar sem poeira e sem sono dentro dela. (...) Uma
ausência que entrava nela como uma claridade. (...) Mas, com os lábios secos,
procurou um instante imitar por dentro de si as rosas. Não era sequer difícil
.” (p. 50).
Se não tivesse ido à feira e comprado aquelas rosas, o mal não se
desencadearia, mas diante do apelo do vendedor, da cidade e seus prazeres,
ela não pôde resistir. Laura desfaz-se das rosas, mas não consegue desfazer-
se do principal, daquilo que as rosas despertaram: o seu desejo, as suas
vontades escondidas, reprimidas, o grito de liberdade há tempos sufocado.
Laura se vê novamente alheia ao mundo, absorta em sua aparente loucura,
que no fundo constitui seu refúgio.
Este refúgio, porém, não implica em um estado de libertação de seus
medos, daquilo que a aprisionava, mas em uma alienação da realidade
circundante. O que ocorre é apenas uma substituição da prisão social pela
prisão da loucura.
Laura não se torna luminosa porque tivesse atingido o autoconhecimento e
conseguido se libertar de um casamento pouco enriquecedor. A luminosidade dela se
deve, no quadro de referências constituído pelo conto, ao seu confinamento em uma
outra instância, também aprisionante, que a aliena de si mesma e do mundo: a de sua
entrada no universo da loucura, pela dissociação do próprio ego
. (HELENA, 1997:
57).
Também no conto “Preciosidade, a oposição exílio doméstico x cenário
urbano se faz presente de modo bastante intenso. Encontramos uma
personagem adolescente às voltas com seus conflitos: “tinha quinze anos e
não era bonita” (p. 82). Em sua vida banal, levantava-se cedo, tinha contato só
com a empregada, partia para a escola, o dia ainda escuro, fechava a cara
para não ser notada ou importunada pelos operários no ônibus. A menina
71
enfrentava a batalha de pegar um ônibus e um bonde, e de atravessar o Largo
da Lapa, entre outras ruas, para ir e vir da escola todos os dias. Este trajeto,
ela o fazia rígida como quem desejava se proteger de alguma coisa
ameaçadora.
Até que, enfim, a classe de aula. Onde de repente tudo se tornava sem importância e
mais rápido e leve, onde seu rosto tinha algumas sardas, os cabelos caíam nos olhos,
e onde ela era tratada como um rapaz. Onde era inteligente.(...) Aprendera a pensar.
O sacrifício necessário: assim “ninguém tinha coragem
(p. 85).
E assim seguia a garota imaculada, protegida em si mesma. Enquanto
sentia medo nas ruas e andava com “andar de soldado”, em casa “já não
andava como um soldado, já não precisava tomar cuidado. Mas sentia falta da
batalha das ruas. Melancolia da liberdade, com o horizonte ainda tão longe...”
(p. 86). Ao passo que sentia medo das ruas, de ser olhada pelos homens,
sentia também a náusea da falta de algum acontecimento novo, o tédio da
rotina, sentia “o aprendizado da paciência, o juramento da espera.” (p. 86). Porém,
em uma certa manhã mais fria e escura, a personagem se depara com um fato
novo, inesperado, a partir do qual uma transformação é desencadeada.
“foi andando para o imprevisível da rua. As casas dormiam nas portas fechadas. Os
jardins endurecidos de frio. No ar escuro, mais que no céu, no meio da rua uma
estrela. Uma grande estrela de gelo que não voltara ainda, incerta no ar, úmida,
informe.” (p. 87).
Neste universo, no fim longínquo de sua rua, surgem dois rapazes. O
desespero dela é grande, o conflito imenso, eles não a tocariam, seriam só
alguns instantes e havia a esperança de que não olhariam para ela, mas
olharam tocando-a. A cidade, então, é palco e testemunha da mudança,
daquilo que ela tanto temia e esperava que acontecesse. Fora tocada, poderia
ter voltado atrás, ter corrido, ter gritado, mas preferiu viver aquilo que a ela
estava reservado, o que a cidade, naquela manhã, lhe preparara.
72
Chegou com duas horas de atraso na escola. Toda ela estava mudada e
percebeu:Preciso cuidar mais de mim(p. 92). Em casa brada por um sapato
novo, que não faça tanto barulho, reclamando que ninguém lhe dá nada.
Até que, assim como uma pessoa engorda, ela deixou, sem saber por que
processo, de ser preciosa. Há uma obscura lei que faz com que se proteja o ovo até
que nasça o pinto, pássaro de fogo.(p. 93).
Fora preciso perder algo precioso para ganhar voz e vez. Talvez no dia
seguinte a menina-mulher já não andasse tão rígida pelas ruas da cidade com
seus sapatos novos.
Em “Amor, deparamo-nos com a dona de casa Ana em seu cotidiano
familiar. Também neste conto, a personagem em contato com o meio externo:
a rua, o bonde, o Jardim Botânico; sofre profunda transformação. Em contato
com o mundo exterior, com a natureza do Jardim Botânico, Ana percebe-se
mais sensível, desnorteada, sem o controle das coisas ao seu redor.
Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde.(...) Tudo
era estranho, suave demais, grande demais.(...) As árvores estavam carregadas, o
mundo era tão rico que apodrecia. (...) O Jardim era tão bonito que ela teve
medo do
Inferno
.” (LISPECTOR:1998, p. 24-25).
Tivesse ela permanecido em casa, no exílio, não se teria deparado com
a dura realidade, com sua fragilidade. Ana retorna para casa e o seu mundo
parece-lhe estranho. A experiência do encontro com a cidade e seus apelos à
liberdade, a uma vida desregrada, cheia de prazeres, sem obrigações, faz com
que Ana se permita agir de um modo diferente: por um instante Ana não está
no controle de tudo, torna-se humana, sente medo ao ouvir um barulho na
cozinha, recebe o carinho do marido que “espiou-a com maior atenção. Depois
atraiu-a a si, em rápido afago.” (ibidem: p.29), permite ser cuidada ao invés de
cuidar.
73
Sabe-se que a opção de Ana pelo exílio doméstico diante dos apelos da
vida na cidade já está feita, pois “sempre tivera necessidade de sentir a raiz
firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera”(ibidem: p. 20). Diante
dos apelos da cidade a um novo modo de vida, Ana opta por continuar vivendo
para sua família, pois a liberdade do cego, das ruas, a amedronta. Ainda que
para isso seja necessário viver sem felicidade.
6.3. A cidade: lugar de perdição ou de encontro?
A cidade do Rio de Janeiro é um elemento comum que aparece nos
quatros contos aqui selecionados; elemento este que serve não só de cenário
para as ações das personagens, mas que se relaciona com cada uma delas,
interagindo no processo de choque, estranhamento, descoberta de si mesmas
e transformações interiores.
Em Devaneio e embriaguez duma rapariga, a contextualização ocorre
bem no início do conto, anunciando ser a cidade do Rio de Janeiro o lugar em
que vive a personagem com seus conflitos.
“ ‘A Noite!’, gritou o jornaleiro ao vento brando da Rua do Riachuelo, e
alguma coisa arrepiou-se pressagiada.” (p. 9). O vento da rua, o que vem de
fora para dentro do quarto da rapariga de “Devaneio e embriaguez duma
rapariga” provoca sensações diversas: “Jogou o pente à penteadeira, cantou!”-
mas colérica, fechou-se dura como um leque.” (p. 9). A sensação dentro de
casa é de tédio e impaciência, afinal, as ruas da cidade são um convite ao
74
prazer, à novidade. Lá fora, tudo se movimenta: A Rua do Riachuelo sacudia-
se ao peso arquejante dos elétricos que vinham da Rua Mem de Sá.”(ibidem:
p.10)
E é na tasca da Praça Tiradentes que a rapariga se embriaga e se
permite as sensações mais reprováveis para uma senhora casada: desdenho
por tudo, gargalhadas, uma certa maldadezita, desprezo pelas pessoas, inveja,
a malícia ao sentir a mosca pousar na pele nua. De volta ao lar, ao ambiente
familiar, os sentimentos mudam: “desiludida, resignada, empanturrada, casada,
contente, a vaga náusea.” (ibidem: p. 17).Era a tristeza.” (ibidem: p. 18).
Em Cidade: Imagem e Imaginário, de Lucrecia D’Alessio Ferrara (2000),
a autora afirma que “a cidade é cenário e atriz de uma relação social que
contracena com o homem, usuário ou cidadão urbano (FERRARA, 2000:
p.118). Enquanto cenário, a cidade é imagem, que decorre de um referencial
contextualizado”
(Ibidem, p. 119), enquanto atriz, a cidade é imaginário, pois
“refere-se à capacidade associativa de produzir imagens a partir da imagem
concreta(Ibidem: p.119).
Lucrecia D’Alessio Ferrara desenvolve a idéia de que “se a imagem
urbana é uma fruição coletiva, o imaginário é desencadeado pela solidão
agasalhada na imobilidade da reclusão doméstica, na qual o ver não é
constatar, mas produzir/criar a informação urbana e, com ela, a própria
experiência. Esse ver é um pensar, refletir”.
(Ibidem: p.121)
Das palavras da autora merece destaque o desencadeamento do
imaginário urbano a partir da solidão vivenciada na reclusão doméstica. É este
sentimento de imobilidade, de exílio, que se contrapõe à experiência com a
cidade enquanto imagem. As personagens abordadas no presente estudo têm
75
em comum o choque, a perdição, o descontrole, a partir de um encontro com
um elemento da geografia externa.
Ao mesmo tempo em que a imagem da cidade serve como referencial
de contextualização das histórias narradas, enquanto imaginário urbano, a
cidade assume valor de personagem.
O que chamara de crise viera afinal. E sua marca registrada era o prazer
intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais
abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria
parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar
empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão.
(LISPECTOR: 1998, p. 23).
Se Ana, no conto “Amor, não tivesse saído de sua casa, se não tivesse
se aventurado a experimentar o encontro com a cidade, estaria livre do choque
ao avistar o cego. É a rua que lhe proporciona sentir prazer e espanto. Em
casa, nem espanto, nem prazer, tudo estava sob controle. No labirinto da
cidade ela perde o controle de tudo.
Como afirma Renato Cordeiro Gomes (1994), em Todas as cidades, a
cidade:
O homem citadino é presa dessa cidade, está enredado em suas malhas. Não
consegue sair desse espaço denso, uma vez que a civilização urbana espraiou-se
para além dos centros metropolitanos e continua a preencher grandes áreas que
gravitam em torno desses centros.(...) Assim, o citadino – homem à deriva – está na
cidade como em labirinto... (GOMES:1994, p. 64).
Sensação de liberdade de escolha e aprisionamento são
experimentadas por quem mergulha no labirinto urbano. “O labirinto é a pátria
do hesitante. O caminho daquele que teme chegar ao fim, facilmente
desenhará um labirinto”, já dissera Benjamim. E acrescenta: “A cidade é a
realização do antigo sonho humano do labirinto.” (ibidem: 1994, p. 64).
76
É essa vertigem de estar enredada nas malhas de um labirinto que Ana
vivencia, ela se choca com a indiferença dos indivíduos para com o cego, justo
ela, tão acostumada a cuidar do marido e dos filhos, tão protetora. No Jardim
Botânico, se depara com sua pequenez diante da grandeza do lugar, vê-se
envolvida com o prazer de se deixar ficar ali, sem fazer nada e se apavora com
a solidão em que se encontra. Sua volta para casa, amedrontada, demonstra
um encontro com sua fragilidade.
No capítulo III – “Gradus ad Labyrinthum”, de Todas as cidades, a
cidade, Renato Cordeiro Gomes, dialogando com Georg Simmel, desenvolve a
idéia da cidade como “labirinto da indiferença”, lugar em que as pessoas se
relacionam sem uma reação emocional devido ao excesso de estímulos
psíquicos, como Simmel o chama.
A maneira indiferenciada na qual as relações sociais interferem e para as quais
convergem, configura em Simmel a imagem do labirinto, que simboliza não só a
cidade, mas toda a sociedade. Labirinto,“teia de filiações grupais” ou “interseção de
círculos sociais”, mostra os trabalhos da sociedade no nível das contínuas interações
cotidianas.”(
ibidem, p. 70).
A sensação de desencontro, de perdição, vivenciada pelas personagens
femininas de Clarice, é perfeitamente associada à imagem de cidade
labiríntica. Sendo mulheres, são extremamente dotadas de sentimentos, de
sensibilidade, de afeição e, uma vez que não podem relacionar-se de modo
intenso com os elementos externos, mas apenas superficialmente, entram em
conflito interior.
Por outro lado, no ambiente doméstico sentem-se seguras para
relacionar-se com maior intensidade com o próximo, no entanto, experimentam
o vazio da falta de experiência com o novo, que a geografia externa oferece.
77
A cidade, afinal, é lugar de encontro ou de perdição? Depende do ponto
de vista. Se analisarmos, por exemplo, a personagem do conto “Preciosidade”,
notaremos que a jovem preciosa enfrenta as ruas como quem enfrenta um
inimigo, a rua, a avenida, o ônibus, o bonde, o Largo da Lapa, tudo parece
fazer parte de uma grande batalha que ela trava todos os dias, a fim de
preservar algo que a faz sentir preciosa. No entanto, em casa o que
experimenta é a “nostalgia do presente. O medo das ruas esconde por trás de
si um grande anseio por novidades.
E é na solidão das ruas vazias, no “imprevisível da rua(LISPECTOR:
1998, p. 87), quando “as casas dormiam nas portas fechadas(ibidem: p. 87) e
os jardins estavam ‘endurecidos de frio(ibidem: p. 87), que se dá o encontro
com os dois rapazes que a tocaram com “quatro mãos difíceis(ibidem: p. 90),
que se dá a perdição de sua preciosidade e o encontro como novo.
A cidade desempenha o papel de cenário, mas também de personagem
que propicia a estas personagens o encontro consigo mesmas, com seus
vazios, seus medos, suas fraquezas e, ao mesmo tempo, com suas vontades
mais escondidas, com sua verdade. Trata-se de um misto de muitos encontros
e tantas perdições. Afinal, “na metrópole labiríntica, as coletividades indefinidas
reúnem-se e dissolvem-se. A multidão e outras configurações do acaso na vida
dos indivíduos só ganham sentido através de seu confinamento ou de sua
dispersão no espaço social.” (GOMES:1994, p. 70).
Partindo da leitura sobre a questão das geografias dos contos “Amor”,
“A imitação da rosa”, “Devaneio e embriaguez duma rapariga” e “Preciosidade”,
da obra Laços de Família, de Clarice Lispector, é possível observar que duas
forças distintas governam as personagens femininas clariceanas: a restrição do
78
exílio e o sentimento de liberdade. Entre essas duas forças se instala a náusea,
forma emocional violenta da angústia. As personagens dos contos analisados
experimentam a aflição de uma falta de correspondência de seus desejos
escondidos com a realidade em que vivem, com o ambiente doméstico. No
entanto, uma vez inseridas na cidade, mergulhadas no cenário urbano,
enfrentam o choque do convite à liberdade.
A respeito da obra de Clarice, Benedito Nunes afirma que
no universo da romancista o ambiente é Espaço, e o Espaço meio de inserção da
existência. As paisagens naturais e urbanas, que não adquirem importância por si
mesmas, mas pela maior ou menor carga de coisas que encerram, são situações
equivalentes. Traduzem aspectos parciais de uma só situação global. Exteriorizam,
integralmente, em cada caso, o ser-no-mundo da existência humana. (NUNES:1976,
p. 114)
É no contato com esse Espaço ao qual se refere Benedito Nunes, em O
dorso do tigre, que as personagens clariceanas experimentam a angústia que
é o risco inerente à liberdade reconhecida e assumida(ibidem, p.95).
É a náusea que suspende a vida cotidiana de Ana, de Laura, da rapariga
e da jovem preciosa em meio às suas crises de consciência da falta de
liberdade no confinamento de seus exílios domésticos e da possibilidade de
uma vida nova, livre de tantas amarras sociais.
Para Clarice Lispector a náusea apossa-se da liberdade e a destrói. É um estado
excepcional e passageiro que para a romancista, se transforma numa via de acesso à
existência imemorial do Ser sem nome, que as relações sociais, a cultura e o
pensamento apenas recobrem. Interessa-lhe o outro lado da náusea: o reverso da
existência humana, ilimitado, caótico, originário
. (ibidem, p. 101- 102).
Podemos observar que as personagens clariceanas se afugentam dessa
liberdade na família, em suas tarefas domésticas, mas não experimentam uma
felicidade completa. Não deixam vir à tona este reverso da existência, sua
verdade mais profunda, e mantêm-se num mundo de aparências, de
superficialidade. A correspondência entre a geografia externa e a geografia
79
íntima de algumas personagens femininas em Laços de família refere-se à
relação entre os apelos do cenário urbano à liberdade e a angústia dessas
personagens diante das inúmeras possibilidades que a cidade lhes oferece,
levando-as a fazer escolhas: lançar-se ou enclausurar-se. A cidade, de fato, é
este aglomerado de pessoas, de possibilidades, de prazeres e perigos, diante
do qual a alma feminina se encanta e, ao mesmo tempo, se espanta. Lançar-se
aos apelos da geografia externa ameaça a estabilidade da vida familiar já
constituída, na qual estas personagens se sentem resguardadas, ainda que
entediadas. Não lançar-se ao convite à liberdade significa dar continuidade ao
cotidiano como ele é: repetitivo, mas com algumas compensações. Seja qual
for a escolha pessoal de cada personagem, o sentimento de angústia estará
sempre presente na geografia íntima da alma feminina, pois esta deseja
abraçar o mundo, ser tudo: esposa, mãe, conselheira, amiga, amante, devassa,
aventureira, mártir. E como não pode ter tudo, nem ser tudo, os sentimentos de
mal-estar, de insatisfação estarão sempre presentes nas personagens
femininas de Clarice, que retratam, na verdade, um pouco de todas as
mulheres da modernidade.
80
7. Considerações finais
Com o presente trabalho, esperamos contribuir, de algum modo, para o
aprofundamento da compreensão da obra da escritora Clarice Lispector e da
relação que esta obra estabelece com seu tempo: o conturbado século XX e a
tematização de algumas de suas personagens femininas de Laços de família.
A discussão que permeou a configuração deste período como um momento de
intensa ebulição, de que foi testemunha a escritora Clarice Lispector, serviu-
nos para melhor observar por que o próprio repertório que ela internalizou ao
longo de sua vida entra em sintonia com um momento em que as mulheres de
seu tempo se viram diante de tantas transformações sociais: suas conquistas,
os frutos muitas vezes desastrosos dessas conquistas, assim como os conflitos
entre o ambiente familiar e o meio urbano.
No entanto, o que quisemos, de fato, acrescentar à fortuna crítica a
respeito da escrita clariceana dirigiu-se, mais especificamente, para o diálogo
de sua obra com a “Teoria do efeito estético”, de Wolfgang Iser.
Um dos aspectos primordiais dessa teoria de Iser diz respeito à
concepção que formula sobre a literatura. Trata-se de uma noção semelhante
àqueles que entenderam o conceito de imitação da Poética de Aristóteles pela
variante de criação, e não de cópia da realidade. Se, conforme escrevemos em
“Pressupostos teóricos”, para Aristóteles, “na poesia é preferível o impossível
que persuade, ao possível que não persuade.” (Poética, XXV, 1461b, 11), é
porque o grande pensador grego até hoje estudado valoriza mais o que
impulsiona o leitor (ou o espectador) a passar por uma experiência estética da
81
obra de arte, do que aquilo que este receptor logo reconhece como parte de
sua referencialidade. Não é raro ser da estranheza provocada pela criação no
fruidor da obra a experiência (Aristóteles) que vivencia ou o efeito (Iser)
percebido.
Pudemos constatar que, de fato, os contos de Clarice, por relatar
histórias sem que se fechem num sentido, provocam o leitor a preencher os
vazios textuais, suas lacunas, uma vez que os embates experimentados por
suas personagens não são claramente solucionados nos limites da narrativa.
Podemos afirmar que Ana, após soprar a chama, será a mesma no dia
seguinte? Podemos afirmar que Laura, mesmo na descoberta de seus desejos,
não mais se veja entre a submissão e a ruptura? Cabe ao leitor participar
ativamente do texto por meio da interpretação e imaginação a fim de perceber
as profundas transformações interiores experimentadas pelas personagens
femininas dos contos, embora cada conto, por si só, só nos traga suposições
sobre tais mudanças. Sendo assim, se a “interpretação” que por vezes
atribuímos, conforme Todorov – ou o “sentido”, conforme Luiz Costa Lima – ela
só pôde ser construída pelas relações intertextuais que a leitura nos permitiu
verificar entre os contos. Foram as observações acerca das relações entre as
personagens dos contos selecionados, ou seja, suas dúvidas em cumprir ou
não uma função previamente estabelecida, seus conflitos entre o exílio
doméstico e a cidade, que nos permitiram resgatar algo comum entre os
contos, ou seja, construir uma possível interpretação, quando escrevemos
sobre os entendimentos que as personagens passam a ter de si.
Em Clarice, saímos da leitura movidos pela provocação que sua
literatura promove, ou seja, pensar nas questões que ela nos apresenta. O
82
universo da ficção de nossa escritora inspira-se na realidade conturbada do
século XX, mas não a reproduz numa história em que os conflitos possuem um
começo, um meio e um fim. Tal como a mimesis, os enredos são sempre um
“vir- a - ser”.
83
8. Referências Bibliográficas
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