Florbela deveria purificar “os lábios com carvão ardente” (DAL FARRA, 2002, p.
13). Em 7 de fevereiro de 1931, no Correio de Coimbra, Herculano de Carvalho
critica seu comportamento de pouca fé: “O pensamento é, por vezes, para certas
almas vibráteis, abandonadas em si mesmas, sem o esteio da Fé, que guarda e salva,
um subtil veneno, que mata o corpo, depois de apagar ou de fazer esmorecer a razão
e, conseqüentemente, a vontade” (DAL FARRA, 2002, p. 14). Dal Farra comenta tais
críticas em Afinado desconcerto de forma peremptória:
Se leio claramente a implicitação aí contida, concluo que a tal alma
vibrátil é prerrogativa feminina; que estar abandonada a si mesma
se traduz por ausência de tutor, terreno ou divino. Logo se vê como
fica claro o preconceito subliminar a tais assertivas: se é proibido à
mulher pensar, quanto mais poetar...Pensando e versejando, ela
pode descobrir no amor (pobre indefesa!) uma corrosão que a
destina à morte (ao suicídio) (2002, p.14).
Em Freud e a religião, Nazar aborda o tema apontando para as três funções
que a religião visa preencher: “a de satisfazer a sede de conhecimento do homem; a
de garantir conforto na desventura; a de estabelecer preceitos, proibições e
restrições”(2003, p. 39). Farta bibliografia religiosa era indicada para as moças, no
sentido de orientá-las para que dessa forma sua vida em sociedade fosse
irrepreensível, modelo baseado, muitas vezes, nas vidas das santas.
Seguem algumas citações de um livro católico, escrito por um abade italiano,
de título bastante sugestivo: Maria falando ao coração das donzelas, no início do
século XX. Tal livro servia como guia para o comportamento das jovens da época.
Percebe-se, nitidamente, a intenção de moldar o comportamento feminino:
Tu, minha filha, acaricias o corpo, nutrel-o, saisfazel-o, em tudo, e não
reflectes que, tratando-o d’essa sorte, o tornas mais apto de ser presa dos
fogos do inferno. Oh! Se conhecesses o que no outro mundo está
preparado ás almas sensuaes, e que atrozes tormentos n’elle sofrem,
repellirias n’um momento tudo o que póde pôr em perigo tua salvação
eterna,.não olharias mais o teu corpo senão como um servo inimigo a
quem é preciso vigiar sempre severamente ( BAYLE,1912, p. 61).