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UNIVERSIDADE POSITIVO
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: INTERNACIONALIZAÇÃO E MUDANÇA EM
ORGANIZAÇÕES
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
RORTY NA ADMINISTRAÇÃO: A POSSIBILIDADE DA JUSTIÇA
DISTRIBUTIVA NO ÂMBITO DAS ORGANIZAÇÕES
CURITIBA
2008
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II
FABIO MELERO
RORTY NA ADMINISTRAÇÃO: A POSSIBILIDADE DA JUSTIÇA
DISTRIBUTIVA NO ÂMBITO DAS ORGANIZAÇÕES
Dissertação apresentada como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Administração, do Programa de
Mestrado e Doutorado em Administração da
Universidade Positivo.
Orientador: Prof. Dr. Ariston Azevêdo
CURITIBA
2008
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III
Dados Internacionais de catalogação na Publicação (CIP)
(Biblioteca da Universidade Positivo – Curitiba – PR)
Melero, Fabio
Rorty na Administração: A Possibilidade da Justiça Distributiva nas Organizações
Melero, Fabio. Curitiba, PR, 2008.
xi, 89 f.: il.. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Ariston Azedo
Dissertação (mestrado) – Universidade Positivo, Setor de Ciências
Sociais Aplicadas, Programa de Mestrado e Doutorado em Administração.
Defesa: 2008
1. Justiça Distributiva 2. Pragmatismo 3. Organizações 3.
4. Perceão 5. Administração – Dissertação. I. Azevêdo, Ariston. II. Universidade
Positivo, Setor de Ciencias Sociais Aplicadas,
Programa de Mestrado e Doutorado em Administração. III. Título
CDD 658.4012
IV
RORTY NA ADMINISTRAÇÃO: A POSSIBILIDADE DA JUSTIÇA
DISTRIBUTIVA NO ÂMBITO DAS ORGANIZAÇÕES
ESTA DISSERTAÇÃO FOI JULGADA ADEQUADA PARA A OBTENÇÃO DO
TÍTULO DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO (ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
INTERNACIONALIZAÇÃO E MUDANÇA EM ORGANIZAÇÕES), E APROVADA EM
SUA FORMA FINAL PELO PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM
ADMINISTRAÇÃO DA UNIVERSIDADE POSITIVO.
V
Ao meu irmão, Marcelo.
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os meus professores do Curso de Mestrado da Universidade
Positivo, da turma de 2006, pelo apoio incondicional. Em especial, agradeço aos
professores Paulo Grave, Ariston Azevêdo, Alexandre Reis Graeml e Clóvis Luiz
Machado-da-Silva, que contribuíram diretamente para que este trabalho se tornasse
possível.
VII
“Brazil is a remarkable example of
successful economic development,
but is an equally example of
inequality of opportunity”.
Richard Rorty
VIII
RESUMO
O Brasil é um país que sempre apresentou uma profunda desigualdade
salarial. Houve uma pequena melhora nos últimos anos, mas mesmo assim, o
problema continua. Este estudo mostrou que embora muitos dos pesquisados
percebam essa desigualdade, muitos também a aceitam como a realidade existente
que pouco deve ser mudada. Não coube a este estudo oferecer respostas quanto às
causas dos resultados da percepção de desigualdade, nem tampouco oferecer uma
solução para a questão. O estudo se limita a apresentar uma forma de pensar sobre
a questão baseada no pragmatismo do filósofo Richard Rorty para justificar a
epistemologia atual e sugerir que se pense numa nova epistemologia para
organizações.
IX
ABSTRACT
Brazil is a country that has always presented a deep salary inequality. There has
been a little improvement in the last years, nevertheless the problem remains. This
paper has shown that although many respondents perceive this inequality, many of
them accept it as a reality that has not to be changed. This paper did not have either
the intention to offer answers about the causes of the perception of inequality nor to
offer the solution for this matter. The paper is limited to present a new way of thinking
this matter based on Richard Rorty’s pragmatism in order to justify the present
epistemology and suggest that a new one should be thought for the organizations.
x
LISTA DE TABELA
TABELA 1 – PERCEPÇÕESGERAL......................................................................67
TABELA 2 – SETORES PÚBLICO E PRIVADO........................................................67
TABELA 3 – PERCEPÇÃO POR CARGOS...............................................................69
TABELA 4 – PERCEPÇÃO FAIXAS SALARIAIS ATÉ R$500,00..............................72
TABELA 5 – PERCEPÇÕES FAIXAS SALARIAIS DE R$500,00 A R$1000,00........73
TABELA 6 – PERCEPÇÕES FAIXAS SALARIAIS DE R$1000,00 A R$2000,00......74
TABELA 7 – PERCEPÇÕES FAIXAS SALARIAIS DE R$2000,00 A R$3000,00.....75
xi
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................14
2. PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA.....................................................................18
2.1 DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS DA PESQUISA...................................................18
2.2 JUSTIFICATIVAS TEMÁTICA, TEÓRICA E PRÁTICA........................................19
2.2.1 TEMÁTICA........................................................................................................19
2.2.2 TEÓRICA...........................................................................................................22
2.2.3 PRÁTICA...........................................................................................................23
2.3 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO.......................................................................23
3. BASE TEÓRICO-EMPÍRICA..................................................................................25
3.1 PRAGMATISMO...................................................................................................25
3.2 BIBLIOGRAFIA DE RICHARD RORTY................................................................33
3.3 PRAGMATISMO DE RICHARD RORTY..............................................................36
3.4 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA.....................................................................................43
3.5 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO UTILITARISMO....................................................51
3.6 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA DE RORTY.................................................................52
3.7 TEORIA DA LEALDADE AMPLIADA...................................................................53
xii
3.8 PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA.......................................................55
4. METODOLOGIA................................................…..............................................…61
4.1 PERGUNTAS DE PESQUISA...........................…............................................…61
4.2 HIPÓTESES.........................................................................................................62
4.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA............................................................................62
4.3.1 POPULAÇÃO E AMOSTRAGEM......................................................................63
4.3.2 INTRUMENTO DE COLETA DE DADOS.........................................................63
4.3.3 FORMA DE ANÁLISE DOS DADOS.................................................................63
5. ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA................................................................65
5.1. ANÁLISE DO RESULTADO GERAL...................................................................66
5.2 ANÁLISE DO RESULTADO POR SETORES PÚBLICO E PRIVADO.................67
5.3 ANÁLISE DA PESQUISA POR CARGOS....................……………………….…...68
5.4 ANÁLISE DA PESQUISA POR SALÁRIOS.........................................................71
5.4.1 ANÁLISE DA PESQUISA POR SALÁRIOS ATÉ R$ 500,00............................71
5.4.2 ANÁLISE DA PESQUISA POR SALÁRIOS ENTRE R$ 500,00 E R$
1.000,00.....................................................................................................................72
5.4.3 ANÁLISE DA PESQUISA POR SALÁRIOS ENTRE R$ 1.000,00 E R$
2.000,00......................................................................................................................73
xiii
5.4.4 ANÁLISE DA PESQUISA POR SALÁRIOS ENTRE R$ 2.000,00 E R$
5.000,00......................................................................................................................74
5.4.5 ANÁLISE COMPARATIVO DA PERCEPÇÃO ENTRE O RESULTADO GERAL
E CATEGORIAS.........................................................................................................76
6. CONCLUSÃO........................................................................................................79
7. REFERÊNCIAS......................................................................................................84
ANEXOS.....................................................................................................................88
1 INTRODUÇÃO
A distribuição de renda no Brasil é uma das mais desiguais do mundo.
Culturalmente, a responsabilidade dessa situação é creditada ao Poder Público,
enquanto o setor privado e o povo praticamente se eximem de qualquer parcela.
Assumir parte da responsabilidade parece ser outro problema a ser resolvido. Mas
independente da origem do problema, a solução para ele também recebe a mesma
resposta, ou seja, o setor público novamente é considerado como o responsável
pela solução do problema (SCALON, 2001).
Segundo informações veiculadas pela Agência Carta Maior, Fundação Getulio
Vargas (FGV) e os diários Folha de S. Paulo e O Popular, entre os dias 18 e 25 de
setembro de 2007, disponibilizados pelo Banco Mundial, a desigualdade no Brasil é
uma das maiores do mundo, embora o país tenha perdido posições entre 2001 e
2006, depois de se manter no mesmo patamar praticamente desde a década de
1970. Com isso, o Brasil deixou de ser o terceiro país mais desigual do planeta,
posição que ocupou até o início da década de 2000, para ser o décimo segundo.
De 2005 para 2006, cerca de 5,88 milhões de brasileiros cruzaram a fronteira
da miséria
1
, o que corresponde a uma queda de 14% no mero de miseráveis no
país, que, em 2006, passou a totalizar 19,3% da população, segundo dados da FGV
(JB on line, 2007). É a menor marca desde 1992 época em que os números
apontavam para 35,2% da população –, conforme indicavam os dados sicos da
1
Na definição da FGV, compõe a categoria miserável pessoas cujo rendimento per capita do
domicílio onde vivem é inferior a R$ 125,00/mês, considerando os valores de referência da
região metropolitana de São Paulo.
15
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo IBGE. Segundo
esta pesquisa, desde 2002, a desigualdade tem mantido uma trajetória de queda
expressiva. Enquanto o rendimento dos 10% mais ricos cresceu, em 2006, 7,9%, o
dos 50% da base da pirâmide teve um incremento de 12%. No entanto, a relação
entre a renda dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres ainda é muito alta
aproximadamente 44 vezes –, o que confere ao país uma posição entre os dez
piores paises do mundo neste quesito. A miséria assola 8,8% da população que vive
no sul do país, 12,2% dos que vivem no sudeste, 14,5% do centro-oeste, 22,3% do
norte e 36,6% do nordeste. Neste contexto, lastimável é a desigualdade que incide
sobre os negros.
Na opinião do diretor do Banco Mundial para o Brasil, Vinod Thomas (2005),
entre as razões fundamentais dessa desigualdade estão as transferências públicas
relativamente regressivas, ou seja, aquelas que beneficiam a classe mais rica, a
oportunidade e qualidade da educação proporcionada aos ricos, quando comparada
àquela que tem os pobres, e a grande disparidade na remuneração entre
trabalhadores, onde os mais qualificados (ou que possuem mais anos de estudos)
recebem melhores salários do que os menos qualificados (ou que possuem menos
anos de estudos): um trabalhador brasileiro que tenha concluído o ensino médio, por
exemplo, ganha em média 3,7 vezes mais do que aquele que possui apenas um a
quatro anos de escolaridade. Veja-se, tamm, como exemplo, o valor do coeficiente
16
Gimi
2
, que para a população em geral é de 0,80, mas que, quando se estratifica
essa população por renda, o valor cai para 0,70.
As pesquisas indicam que a queda na desigualdade social e de renda que se
verifica, no Brasil, nos últimos anos, é justificada pelo aumento de transferência de
renda do Governo Federal, através de programas sociais, e pela redução do
desemprego. Aproximadamente um quinto do PIB do Brasil é gasto em programas
sociais e de transferência de renda, incluindo aqui as aposentadorias públicas. No
entanto, convém destacar que muitos dos programas sociais que buscam beneficiar
os mais pobres nem sempre atingem esse objetivo de modo satisfatório. Este é o
caso das aposentadorias do setor público, que respondem por mais da metade dos
gastos sociais, beneficiando, desproporcionalmente, os mais ricos. Os números
indicam que os 20% mais ricos entre a população brasileira recebem 61% do total
destinado às aposentadorias, enquanto que os outros 80% da população ficam com
os 39% restantes (THOMAS, 2005). Comparado ao mesmo grupo nos Estados
Unidos, essa parcela mais rica fica com 26% a um custo que é cinco pontos
percentuais do PIB mais alto do que o dos Estados Unidos.
Estes dados fazem crer que, no Brasil, a contribuição dos programas
governamentais para melhorar a distribuição de renda e combate à pobreza é baixa,
principalmente quando se compara com outras regiões do globo. Enquanto por aqui
2
O coeficiente Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida, em 1912, pelo estastico
italiano Corrado Gini. É muito utilizado para calcular a concentração de renda de um país, mas,
também, pode ser usado para medir o grau de concentração de qualquer distribuição estatística
(concentração de posse de terra de uma região, por exemplo). Consiste em um índice entre 0 e
1, no qual o 0 corresponde à completa igualdade de renda (todos têm a mesma renda) e o 1 se
refere à total desigualdade (uma pessoa concentra toda a renda).
17
os impostos e as transferências sociais reduzem a desigualdade em 14%, na Europa,
por exemplo, essa redução chega a cerca de 50%. Segundo Thomas (2005), a
distribuição de renda influi no grau em que o crescimento econômico tira as pessoas
da pobreza, do mesmo modo como a sua influencia tamm se exerce sobre o
funcionamento das instituições e a eficiência do governo. Parece claro que uma
sociedade igualitária, na qual cada um de seus membros tem a mesma participação
na governança, tende a ser mais eficiente na promoção do crescimento e do bem
estar social do que uma sociedade na qual um pequeno segmento da população
controla o governo e utiliza as instituições públicas em beneficio próprio,
caracterizando o vinculo entre crescimento e desigualdade: uma maior equidade
ajuda a apoiar um crescimento mais elevado, e o crescimento econômico, se incluir
os pobres, promove uma maior igualdade.
Uma taxa de crescimento econômico de 1% reduz a pobreza em menos de
1% no Brasil. Na Índia e na China, países que apresentam menor desigualdade na
distribuição de renda, esse mesmo percentual de crescimento aponta um declínio da
pobreza acima de 3%. Ou seja, a taxa de crescimento econômico nesses países,
combinada à maior igualdade, resulta em maior redução na pobreza (THOMAS,
2005).
Uma maior distribuição de renda contribui diretamente para a estabilidade
social e aumenta as chances de um crescimento sustentado, por meio da inclusão
de mais pessoas nesse processo. Este é um tema evidente para um país como o
Brasil, com suas enormes desigualdades.
18
2 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA
A partir deste contexto, é pertinente questionar de que forma a administração
pode contribuir para a redução do desproporcional hiato existente nas instituições
privadas e blicas quanto à distribuição de renda no País. Seguindo este
questionamento, esta pesquisa procura explorar a aplicação do conceito de lealdade
ampliada, apresentada pelo filósofo norte americano do pragmatismo moderno
Richard Rorty, nas organizações.
Empiracamente, este estudo recorreu à importância de investigar por meio de
pesquisa de campo, a percepção dos atores sociais quanto à justiça distributiva nas
organizações e como cada um posiciona a si mesmo e os outros nesse contexto.
Essa percepção é o componente-chave, acredita-se, para poder suscitar o conceito
de lealdade ampliada de Rorty nas organizações. Vale dizer que este estudo se
apoiou em outro trabalho empírico, no caso, a recente pesquisa (survey) sobre
percepção desenvolvida por Scalon (2007), esta que vem somar na compreensão do
fato aqui estudado.
O presente estudo buscou investigar o seguinte problema de pesquisa:
Qual é a percepção dos participantes organizacionais quanto à
justiça de distribuição salarial em suas organizações e como os
mesmo reagem à idéia de lealdade ampliada rortiana?
2.1 DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS DA PESQUISA
O objetivo geral desse trabalho consistiu em verificar a possibilidade, a partir
da percepção dos participantes organizacionais quanto à justiça de distribuição
19
salarial, de se estender o conceito de justiça distributiva e de lealdade ampliada de
Richard Rorty (2005) para o âmbito das organizações, os quais podem contribuir
para a redução das desigualdades percebidas pelos participantes organizacionais.
Os objetivos específicos são os seguintes:
Discutir a importância, para a área da administração, do conceito de
lealdade ampliada de Richard Rorty;
Identificar qual é a percepção dos participantes organizacionais quanto à
justiça de distribuição salarial, nas empresas onde trabalham; e
Analisar a reação dos participantes à noção de lealdade ampliada rortiano.
2.2 JUSTIFICATIVAS TEMÁTICA, TEÓRICA E PRÁTICA
2.2.1 Temática
Uma das atribuições da administração de empresas, e talvez a mais
importante, é a estratégia adotada para determinar um rumo e garantir a
sobrevivência e o crescimento das organizações. As estratégias são definidas
através de decisões, estas que, por sua vez, são determinadas pela interpretação da
realidade e dos fatos. A interpretação da realidade é condicionada a uma
determinada racionalidade. A racionalidade é formada por uma determinada
epistemologia. Uma epistemologia é baseada em discursos. Estes, por sua vez, são
construídos não baseados na verdade, mas na interpretação da verdade, ou seja, na
sua correspondência. É aí que entra a importância da filosofia na formação da
racionalidade do administrador.
20
No âmbito organizacional, pode-se afirmar que a racionalidade do
administrador está focada na maximização dos lucros por meio da obtenção do
maior retorno possível com o menor investimento. Isto implica em colocar todos os
esforços e conhecimentos nesse único propósito. Questões como a
responsabilidade social e princípios de justiça são utilizados como instrumentos de
gestão com o mesmo objetivo.
Essa racionalidade fica mais visível no processo de internacionalização das
empresas e na condução de uma política de globalização, ou seja, o lucro como
objetivo final (FRIEDMAN, 1962). Inovação em técnicas administrativas,
desenvolvimento tecnológico, internacionalização e obtenção de poder de influência
fazem parte desse processo. Ao falar em internacionalização, quer-se dizer redução
do custo de mão-de-obra e impostos, o que se traduz em maior lucro.
A rigidez das leis trabalhistas contribui para a maior valorização da
capacitação ao impor barreiras às contratações formais. O alto nível de impostos e
benefícios obrigatórios, inclusive as contribuições previdenciárias, desestimula o
aumento do emprego no setor formal e, quando combinados a políticas que facilitam
o investimento de capital, promovem um crescimento econômico com aplicação
intensiva de capital e não de trabalho (BANCO MUNDIAL, 2002). Assim, uma maior
produtividade é obtida pela combinação de altos níveis de capacitação com
melhores bens de capital, ao passo que, se o custo do trabalho fosse mais baixo, o
mesmo aumento na produção poderia ser alcançado com um número maior de
contratações (THOMAS, 2005).
21
No Brasil, ao que cabe ao Poder Público, a agenda de reformas precisa tratar
simultaneamente do crescimento e da distribuição de renda. Isso significa deixar de
lado os programas regressivos, ou seja, programas que prioritariamente beneficiam
a elite, e se concentrar naqueles que são mais progressivos (e eficazes). A questão
é como as instituições apoiarão essa mudança de perspectiva.
A garantia do ajuste fiscal, por meio do corte de gastos nas áreas que
aprofundam a desigualdade, evita a necessidade de um aumento de impostos ou
uma redução nas despesas com infra-estrutura, que desaceleram o crescimento
econômico.
Israel Klabin, presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável, e Roberto Young, diretor-presidente da Uniethos, falaram sobre o
crescente interesse do setor privado em promover não apenas lucros financeiros,
mas também dividendos sociais e ambientais (THOMAS, 2005). No entanto, um
longo caminho a ser trilhado aconseguir que esse interesse se transforme em um
comportamento generalizado.
Conciliar responsabilidade social com capitalismo não é uma questão simples.
A racionalidade do capitalismo está baseada no lucro e questões de acúmulo de
riqueza que são de natureza individualista. Questões voltadas para o bem comum
implicam em abrir mão de alguma coisa para o bem comum. Como praticar a justiça
distributiva se ninguém quer dividir aquilo que já conquistou?
A partir dessas considerações, é possível questionar se o administrador e o
mercado podem ter papel determinante na solução dos problemas gerados pelo alto
nível de desigualdade social. Este estudo, no entanto, não teve a pretensão de
22
responder esse questionamento, mas outro, o da percepção dos atores
organizacionais quanto ao reconhecimento ou não de si mesmos como agentes de
promoção de soluções para a questão da desigualdade.
2.2.2 Teórica
Richard Rorty afirma que devemos deixar de lado a busca pela verdade e
para buscar o bem comum. Não afirma que a verdade não existe, mas que não vale
a pena pensar em verdade se ela própria não pode ser definida por consenso.
Portanto, faz mais sentido pensar no que é mais útil para todos. Assim, questões
como a meritocracia não fazem sentido se não servem ao propósito da maioria.
Rorty dedicou grande parte do seu tempo pensando nas grandes questões
sociais, como a desigualdade entre pessoas e países e a democracia. Rorty afirmou
que antes de tudo sua filosofia é a “filosofia da esperança”, e sendo o pragmatismo
uma filosofia da ação, importa pensar e responder a essas grandes questões.
Portanto, ele se apresenta como um filósofo político contemporâneo merecedor de
apreço e consideração em função de suas proposições no sentido de “ajustar o
desequilíbrio” no que se refere à “justa distribuição de bens”.
“Most of us can no longer take either Christian or Marxixst postponements
and reassurances seriously. But this is not, and should not, prevent us from
finding inspiration and encouragement in the New Testament and the
Manifesto. For both documents are expressions of the same hope: that
some day we shall be willing and able to treat the needs of all human beings
with respect and consideration with which we treat the needs of those
closest to us, those whom we love.(…) We should raise our children to find it
intolerable that we who sit behind desks and punch keyboards are paid ten
times as much as people who get their hands dirty cleaning our toilets, and a
hundred times as much as those who fabricate our keyboards in the Third
World. We should ensure that they worry about the fact that the countries
which industrialized first have a hundred times the wealth of those which
have not yet industrialized. Our children need to learn, early on, to see the
inequalities between their own fortunes and those of other children as
neither de Will of God nor the necessary price for economic efficiency, but as
an evitable tragedy. They should start thinking, as early as possible, about
23
how the world might be changed so as to ensure that no one goes hungry
while others have a surfeit” (RORTY, 2005, pp. 202-204).
2.2.3 Prática
Esse estudo consiste em contribuir para a questão da justiça distributiva no
sentido de redistribuir dos recursos existentes nas organizações.
É possível que a percepção de desigualdade detectada possa prover os
administradores de considerações que deverão ser levadas em conta no momento
de definir estratégias salariais nas organizações, objetivando reduzir as
desigualdades existentes. A contribuição desse estudo possibilitará a análise de
uma amostra dessa percepção e, com tal análise, espera-se poder contribuir para
uma mudança da percepção do administrador, invocando sua participação e seu
papel social numa distribuição de renda mais justa. Além, espera-se com esta
pesquisa acrescentar elementos significativos a algumas outras pesquisas sobre o
tema.
24
2.3 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Esta dissertação está dividida em quatro partes. Nesta primeira parte tem-se
a introdução, as justificativas temática, teórica e prática, o problema e os objetivos
de pesquisa que conduziram o trabalho. Na segunda parte apresenta-se a base
teórico-empírica que fundamentou o projeto, subdividindo-se me quatro seções:
1) noções gerais do pragmatismo e o pragmatismo de Richard Rorty,
incluindo uma breve biografia do autor;
2) noções gerais de justiça distributiva e justiça distributiva de Rorty;
3) A idéia de “lealdade ampliada” de Rorty para possível redução de
desigualdades salariais; e
4) percepção de justiça distributiva.
Na terceira parte estão os procedimentos metodológicos que conduziram a
pesquisa e, na parte quatro, apresenta-se a análise dos resultados da pesquisa.
3 BASE TEÓRICO-EMPÍRICA
Na parte anterior foram apresentados o problema, os objetivos e a justificativa
da pesquisa. Nesta segunda parte, dividida em seis picos, serão apresentados o
conceito de pragmatismo, o pragmatismo de Rorty e uma breve biografia dele.
Depois, o conceito de justiça distributiva, a justiça distributiva na visão de Rorty e a
questão da lealdade ampliada. No fechamento desta parte temos como tópico a
questão da percepção de justiça distributiva.
3.1 PRAGMATISMO
A escolha pelo pragmatismo não se limita apenas em uma opção para a base
teórico-empírica deste estudo, mas principalmente porque o pragmatismo é uma
filosofia que busca o que é bom para todos, e não somente para o indivíduo, sendo,
portanto, uma filosofia de esperança. Nada mais adequado do que a esperança para
abordar o tema justiça distributiva no Brasil, especificamente nas organizações, onde
a instituição é colocada em primeiro plano e o fator humano depois.
Ao contrario do que se pensa, o pragmatismo não é uma filosofia pertencente
a um pequeno grupo, isto é, não é uma filosofia provinciana voltada apenas às
questões relativas aos EUA. O pragmatismo é uma filosofia universal como qualquer
outra, e tamm uma das poucas filosofias contemporâneas embasadas nos
clássicos, especialmente em Sócrates, Platão e Aristóteles, ainda que John Dewey
(1916) critique os gregos, cuja filosofia era contemplativa, enquanto o pragmatismo é,
de certo modo, uma filosofia de intervenção.
26
O pragmatismo é uma escola filosófica nascida nos Estados Unidos e que
tem como pioneiros: Charles S Pirce (1839-1914), William James (1841-1910) e
John Dewey (1859-1952). Estes filósofos representam o pragmatismo em seus
primeiros momentos enquanto corrente filosófica. Eles buscaram, na noção de
experiência, a ponte possível para romper com a metafísica, com suas dualidades
tradicionais, como realidade versus aparência, corpo versus mente, entre outras
(GHIRALDELLI, 2007). Na linha implementada pelo pragmatismo, estas dualidades
são dissolvidas – ou pelo menos intencionalmente levadas à dissolução – através da
noção de experiência.
A experiência exigia, na concepção de W. James, uma definição da verdade,
ou seja, o objetivo final da filosofia. Não se tratava de ir contra as concepções
correspondentistas ou coerentistas, caminho que seguiu depois. O que James
propunha era que o pragmatismo deveria ser um instrumento capaz de colaborar
com procedimentos de decisão diante de enunciados, onde qualquer pessoa poderia
optar por um enunciado verdadeiro ou falso, descartando o outro (GHIRALDELLI,
2005).
Dewey aperfeiçoou esse procedimento de James, dizendo que enunciados,
para serem chamados de verdadeiros ou falsos, deveriam passar por um crivo da
“assertividade garantida”, ou seja, as condições textuais e contextuais deveriam ser
levadas em consideração para garantir a assertividade (GHIRALDELLI, 2005). O
pragmatismo não queria definir a verdade. Filósofos europeus, como Bertrand
Russell (1872-1970) e Max Horkheimer (1895-1973) atacaram os pragmatistas
(James e Dewey), dizendo que aquilo não era filosofia, mas um engodo.
27
Era assim que se encontrava o pragmatismo da transição do século XIX para
o século XX, com James e Dewey pensando o pragmatismo de formas diferentes.
Em seguida surgiram Quine e Davidson que contribuíram para o pensamento de
Putnam e Rorty.
Os pragmatistas do século XX creram que a linguagem deveria substituir a
experiência, porque entenderam que a linguagem é uma experiência muito mais
palpável de ser analisada, possível de ser recortada. O pragmatismo tem a
linguagem como algo do âmbito do empírico, e portanto mais mensurável e fidedigno
do que a experncia. É assim que pensam os novos pragmatistas e é assim que
essa filosofia adentra o século XXI.
Nos anos 30, aportaram nos Estados Unidos, fugindo do nazismo,
representantes da filosofia analítica, os filósofos do Círculo de Viena - Rudolf Carnap
(1891-1970) à frente -, e dominaram os departamentos de filosofia do país. A
filosofia analítica, nesta época hegemonizada pelo positivismo lógico, argumentava
que todos os problemas filosóficos eram problemas de linguagem. Analisando a
linguagem poderia se chegar a enunciados elementares que espelharia o real.
Williard V. W. Quine (1883-1964), aluno de Carnap, defendeu a tese da
indeterminabilidade da tradução, desbancando o positivismo lógico. A idéia básica
do positivismo gico era de que a análise da linguagem teria mostrado qual
linguagem espelharia melhor a realidade e essa linguagem seria a da ciência física;
então, todas as outras linguagens poderiam ser traduzidas para a linguagem física,
identificando assim quais as que se sustentariam ou não. Quine defendeu que era
possível relacionar uma linguagem com a outra pela aproximação e o pela
28
tradução exata. E, que essa aproximação deveria ser feita considerando o uso da
linguagem. Era um retorno à característica do pragmatismo clássico: a experiência.
Então, a noção de experiência foi reformulada. No lugar de linguagem, deveria-se
usar o comportamento lingüístico, que é um objeto mais possível de ser observado e
mensurado. É desse ponto que Davidson partiu para elaborar a própria formulação,
que foi a base para Rorty.
Davidson descartou a linguagem como sendo um arcabouço pronto de regras
cujas estruturas são aprendidas ou inatas e dizia que o entendimento mútuo é
realizado por meio do exercício da imaginação (GHIRALDELLI, 2005). Ele acreditava
num modelo de descrição para os fenômenos em pauta e que todo problema
filosófico deveria ser filtrado pela filosofia da linguagem. Davidson adotou o que os
filósofos atuais chamam de “a perspectiva da terceira pessoa”, ou seja, o que é para
ser investigado não está sob introspecção, pois o que é para ser investigado se
apresenta diante dos olhos como a atuação de alguém que se relaciona com o meio
ambiente e as conseqüências da ação ou interação. (GHIRALDELLI, 2005).
Davidson então desenvolveu duas teorias a partir daí: a da ação e da interpretação.
A teoria da ação está centrada na razão, que é a causa da ação. Essa razão
está justificada nas crenças e nos desejos. A escolha da crença e do desejo
depende de probabilidades que justificariam uma ação como razoável. A teoria da
decisão de Frank Ramsey (1903-1,930) forneceu uma base para Davidson, de onde
ele acreditava ser possível extrair, entre as probabilidades, crenças e desejos
corretos. Ele buscou um instrumento capaz de mostrar pesos de crenças e desejos
na decisão que determina a ação. E, que uma ação determina outra ação, levando-
se em consideração o valor das conseqüências da ação e a probabilidade de
29
acontecimento dessas conseqüências. Ainda seguindo Ramsey, a teoria da
probabilidade argumenta que as crenças e desejos possuem uma intensidade que
pode ser mensurável por um esquema que possibilita uma expectativa de
previsibilidade de uma ação. Davidson somou às teorias de Ramsey a necessidade
de se ter um conhecimento prévio sobre o conteúdo da crença-desejo e, para
argumentar, desenvolveu a teoria da interpretação.
A teoria da interpretação de Davidson foi criada a partir da teoria do
significado de Quine. A tese de Quine afirma que a linguagem é uma interação
social dentro de um grupo organizado, onde então são adquiridos os bitos
lingüísticos. Segundo Quine significado portanto, não é uma entidade psíquica, mas
uma propriedade do comportamento lingüístico social (GHIRALDELLI, 2005). Quine
advertiu que não é possível se fazer uma tradução correta da realidade através da
linguagem, uma vez que esta permite múltiplas traduções, sem ser possível traduzir
a correta. Essa indeterminação da tradução tem como conseqüência a
indeterminação do significado. Quine não apresentou uma solução.
Davidson não explicou o que é significado, mas que o significado em uma
linguagem específica depende dos componentes do contexto, onde deve-se
considerar a racionalidade e o holismo para possibilitar a interpretação. No entanto,
ele acreditava que mesmo que a interpretação leve a indeterminação, isso não faz
diferença. As teorias da ação e da interpretação servem de instrumentos que
contribuem para negar os dualismos metafísicos da doutrina representacionista e de
não validação do ceticismo. Ou seja, Davidson acreditava que é melhor abandonar a
idéia de significado e maximizar a verdade. Acreditava que a linguagem não pode
ser um meio representacional e por isso não é um meio autônomo. Não se pode
30
através dela traduzir a realidade. Acreditava ainda que a representação o tem a
capacidade de individuar os fatos, ou seja, não se pode dizer se ele é ou o
verdadeiro, “pois a noção de fato é o que é verdadeiro de um enunciado”
(GHIRALDELLI, 2005).
Davidson disse que por razões semânticas não se pode considerar, em todas
as conseqüências, a doutrina correspondentista. Se algo é para ser
representacionalmente correspondente a uma sentença, esse algo tem de ser
possível de ser individualizado, de outra forma não existe o que representar
(GHIRALDELLI, 2005).
Para Davidson, cada um tem um ponto de vista ou perspectiva diferente de ler
ou ver o mundo. Esse relativismo abre as portas não para o ceticismo, mas para o
fundacionismo (aquilo que é fundamental) filosófico. Ele defendeu a tese de que a
linguagem pode ser vista como um órgão especial da percepção, o que retorna, de
modo diferente, à tese de Dewey e Quine da linguagem como o que se faz na
interação.
A percepção da realidade como um órgão, difere de outros órgãos dos
sentidos, uma vez que sensações não podem ser razões. As razões são as crenças
que surgem da percepção e se articulam diretamente com a linguagem. Davidson
acreditava que a única base racional para uma crença são outras crenças, o que
implica novamente um relativismo: em que confiar se nunca se consegue sair de
uma cadeia de crenças? Para responder essa questão, a crença é relacionada à
sentença da percepção, a qual possui um conteúdo empírico das situações que as
provocam e possibilita a aceitação ou rejeição. As sentenças requerem um
31
conhecimento prévio para serem entendidas, uma vez que fazem parte da fala. E a
fala, no sentido de se possuir uma linguagem, são tutoradas pelos pais, amigos,
professores, etc. A fala é associada ao comportamento, sendo que no processo do
aprendizado não é ensinado a distinção entre correto e incorreto, apenas corrige
erros. O conceito de erro é apresentado por Davidson como a apreciação da
distinção entre crença e verdade. As relações são complexas e não se pode confiar
nas crenças empíricas, mesmo de percepção, do que em outras. A base razoável
para se dar crédito para uma crença são outras crenças. A linguagem, assim como a
percepção, não possuem intermedrios, mas não explica a origem dos conteúdos
adquiridos, nem o conteúdo das crenças da percepção. Cada um tem um repertório
único de coisas ou pessoas reconhecidos por um único olhar. As sentenças de
percepção possuem um conteúdo empírico que vem de situações que provocam e
levam a se aceitá-las ou rejeitá-las.
O ceticismo aparece para questionar a crença como verdadeira ou falsa,
chegando-se ao subjetivismo. Evitar o subjetivismo seria tornar-se adepto de alguma
forma de “externalismo”, ou seja, os pensamentos dependem da interação com os
outros seres que pensam, assim como uma conexão entre os conteúdos do
pensamento e as características do mundo que os tornam verdadeiros. Neste ponto,
Davidson concordava com Rorty de que a melhor maneira de se lidar com o cético é
mostrar quão implausível é a sua tese. Ao criticar o ceticismo, acaba por explicar o
pensamento, fazendo uma defesa do holismo (tanto em relação ao pensamento
quanto em relação à linguagem) como o melhor modo de se entender o pensamento
e afastar qualquer resquícios do ceticismo.
32
Toda a antropologia filosófica de Davidson e o programa davidsoniano foi
endossado por Rorty, o qual enxergou a possibilidade de abandonar a discussão
metafísica entre corpo e mente, sem ter que adotar reducionismo lingüístico. Viu
uma forma de descrever a linguagem como uma comunicação construída pela
imaginação e não por aparatos inatos ou aprendidos. Rorty adotou a idéia
davidsoniana de que a verdade é uma noção primitiva que não se pode descartar,
mas que não precisa ser atrelada à noção de representação, segundo as
concepções tradicionais. Ele tomou o tema da verdade como o campo no qual seu
descritivismo deveria seguir, mostrando como a noção de verdade não teria função
que pudesse justificar seu inflacionamento metafísico.
O pragmatismo vai contra a noção de correspondência da verdade, ou seja,
que existe uma “verdade” e que essa “verdade” deve ser correspondida por um
enunciado e, que esse enunciado corresponde ou deve corresponder à verdade. Um
exemplo apropriado para o tema em questão é a o valor” do indivíduo como ator no
sistema capitalista. Quanto “vale” o trabalho de uma pessoa ou quanto ela “vale” no
mercado? O mercado” determina esses valores baseados em quê? O pragmatismo
diria que é impossível fazer tal mensuração se adotado o discurso da meritocracia.
Não se pode mensurar o mérito por conquistas ou capacidades uma vez que não se
tem um parâmetro referencial confiável. Assim, o pragmatismo pode desbancar
facilmente o discurso da meritocracia, usado atualmente nas questões de mobilidade
social.
Richard Rorty afirma que devemos deixar de lado a busca pela verdade e
devemos buscar o bem comum. Não afirma que a verdade não existe, mas que não
vale a pena pensar em verdade se ela própria não pode ser definida por consenso.
33
Portanto, faz mais sentido pensar no que é mais útil para todos. Assim, questões
como a meritocracia não fazem sentido se não servem ao propósito da maioria.
Rorty desejou unir verdade com justiça em uma visão utilitária, levando-o a buscar o
redescrever a filosofia.
3.2 BIOGRAFIA DE RICHARD RORTY
Para melhor compreender o pragmatismo de Rirchard Rorty como filosofia, é
preciso conhecer um pouco sobre o próprio autor como filósofo e suas trajetórias
histórica e cognitiva. E, para tanto, será apresentado aqui uma breve biografia desse
filósofo que aceitou como verdade a frase: “que não havia nada mais de relevante a
se dizer, do ponto de vista filosófico, sobre a verdade", citada por Donald Davidson
(apud RORTY, 1999).
Richard Rorty nasceu em Nova York em 4 de outubro de 1931 e faleceu em
Palo Alto, em 8 de junho de 2007. Ele cresceu, como ele próprio narra em seu livro
Achieving Our Country (1998, p.59), “na Esquerda reformista e anticomunista no
meio do século”, dentro de um círculo que combinava antistalinismo com ativismo
social esquerdista. Naquele círculo”, diz Rorty, patriotismo americano, economia
redistribucionista, anticomunismo e pragmatismo deweyano se relacionavam de
forma fácil e natural.” (HAMBERG, pg.3).
Meu pai acompanhou algumas vezes John Dewey ao México como
relações públicas da Comissão de Investigação que Dewey presidia.
Ao romperem com o Partido Comunista Norte Americano em 1932,
meus pais foram classificados pelo Daily Worker como ‘trotskistas’, e
eles aceitaram mais ou menos a descrição. Quando Trotski foi
assassinado em 1940, um de seus secretários, John Frank, tinha a
esperança de que a GPU não pensaria em procurá-lo em um remoto
e pequeno vilarejo perto do rio Delaware, onde s estávamos
morando. Usando um pseudônimo, ele foi nosso hóspede em
Flatbrookville por alguns meses. Fui avisado para não revelar a sua
34
identidade real, embora eu duvidasse que meus colegas da Waapack
Elementary School se interessassem em minha indiscrição.
Cresci sabendo que todas as pessoas descentes eram, se não
trotskistas, ao menos socialistas. Eu também sabia que Stalin havia
ordenado não o assassinato de Trotski, mas também de Kirov,
Ehrlich, Alter e Carlo Tresca, (Tresca, baleado nas ruas de Nova
York, era um amigo da família). Eu sabia que as pessoas pobres
sempre seriam oprimidas até que o capitalismo fosse superado.
Trabalhando como office boy não remunerado durante meu décimo
segundo inverno, carreguei rascunhos de press releases do escritório
da Liga de Defesa dos Trabalhadores no Gramercy Park (onde meus
pais trabalhavam), à casa de esquina de Norman Tomas (candidato
à presidência do Partido Socialista), e também ao escritório de A.
Phillip Randolph na Brotherhood of Pullman Car Posters, na 125th
Street. No metrô, lia os documentos que levava. Eles me contavam
muito sobre o que o proprietário de indústrias fazia aos
organizadores de sindicato, o que os proprietários de fazendas
faziam aos arrendatários e o que o sindicado dos maquinistas
brancos de locomotivas faziam aos bombeiros de cor (cujos
empregos os brancos passaram a cobiçar quando as máquinas
diesel começaram a substituir as locomotivas movidas a carvão).
“Assim, aos 12 anos, eu sabia que a questão do ser humano era
passar a vida lutando contra a injustiça social” (RORTY, 2005, p. 33).
Depois de graduar-se na Universidade de Chicago, em 1949, Rorty fez
mestrado, em 1952, com uma dissertação sobre Whitehead supervisionado por
Hartshorne. Nos quatro anos seguintes, esteve em Yale, onde escreveu a tese
intitulada The Concept of Potentiality. com Ph.d., recebeu a primeira indicação
acadêmica para trabalhar em Wellesley College, onde ficou até 1961. Rorty lecionou
na Princeton University, depois foi a Universidade de Virginia, em 1982, como
professor Kenan de Humanidades, onde ficou até 1998, quando aceitou uma
indicação para o Departamento de Literatura Comparativa na Stanford University. No
curso de sua carreira, recebeu vários prêmios acadêmicos e homenagens, incluindo
um prêmio da Sociedade Guggenheim (1973-74) e um da Sociedade MacArthur
(1981-1986).
35
Rorty apresentou rias palestras: Northcliffe no University College em
Londres (1986), Clark no Trinity College em Cambridge (1987) e Massey em Harvard
(1997)
Foi influenciado, no início da carreira, pela filosofia analítica. Editou The
linguistic turn, em 1967. Afasta-se dessa corrente e se aproxima do pragmatismo,
com a atenção principalmente para John Dewey, Wilfrid Sellars e W. V. O. Quine.
Nos últimos anos de vida abandona a filosofia e passa a lecionar Literatura. Esta
postura é coerente com a maneira de ver a filosofia, como uma "conversação com e
entre os filósofos".
Rorty assumiu a posição de Donald Davidson que, em certo momento, disse
"que não havia nada mais de relevante a se dizer, do ponto de vista filosófico, sobre
a verdade" (DAVIDSON, 2001). Embora Davidson tenha voltado atrás, Rorty adotou
esse posicionamento, considerando que a filosofia seria apenas outra forma de
literatura, e não necessariamente a melhor.
A palavra "literatura" abrange atualmente mais ou menos qualquer
tipo de livro que se possa conceber ter relevância moral - que se
possa conceber que altere o sentido que cada um tem daquilo que é
possível e importante (RORTY, 1992).
Rorty criou uma figura, a que chama de "ironista", para indicar aquele autor ou
aquela pessoa que é "capaz de rir de si mesmo", que não se leva excessivamente a
sério, e que por isso mesmo é capaz de apresentar uma visão de mundo mais
próxima do real e menos dogmática.
Rorty atacou a velha esquerda, especialmente aquela ligada ao Partido
Comunista. Um dos ensaios (e auto-biografia) mais famosos é "Trotsky e as
36
orquídeas selvagens", onde relembra a infância, a militância trotskista dos pais e a
perseguição de que foram vítimas por parte da esquerda tradicional. Sua concepção
de política acaba convergindo para o campo da política cultural, como é possível ver
no último livro escrito por ele, Philosophy as cultural politics, v. 4 (2007).
É importante mencionar o debate que travou com Habermas, de quem se
tornou amigo. Essa "conversação" pode ser acompanhada no livro organizado por
José Crisóstomo de Souza, Filosofia, racionalidade, democracia. Rorty apontou em
Habermas a tendência a classificar como filosófico somente aquilo que se ocupaou
diretamente com o político. Habermas, aceitou a crítica e o debate, coerentes com o
próprio princípio de jamais entrar em uma discussão sem estar previamente disposto
a ser convencido no curso da argumentação.
Rorty era conhecedor profundo de línguas e literatura, lia em francês, alemão
e entendia o russo e tinha noções amplas de grego e latim. Rorty não tinha formação
analítica em filosofia dada na graduação, mas sim em história da filosofia. Ele seguiu
os analíticos após a graduação, como professor. Essa visão cosmopolita lhe deu
condições de se aproximar de europeus como Jacques Derrida e Jürgen Habermas.
(ROUANT, online, 2006)
3.3 PRAGMATISMO DE RICHARD RORTY
É a partir do pragmatismo de Richard Rorty, mais precisamente de seu
conceito de lealdade ampliada,
que o presente estudo pode ser desenvolvido, uma
vez que sugere mudança no modo de se compreender a distribuição salarial nas
organizações, assim como contribui para a efetivação de uma distribuição de renda
menos injusta, com iniciativa partindo da percepção dos atores sociais.
37
O pragmatismo de Rorty implica, por um lado, a constituição de uma nova
epistemologia e, por outro, uma postura de
abandono de um pragmatismo que
não cumpre os objetivos a que se propôs. Neste sentido, Rorty associa esta nova
filosofia à esperança social,
“(...) a solidariedade humana não é uma questão de partilhar uma
verdade comum ou um objetivo comum, mas sim uma questão de
partilhar uma esperança egoísta comum, a esperança de que o
mundo de cada um (...) não será destruído” (RORTY, 1994, p.126).
Para fazer avançar a filosofia, Rorty acreditava na necessidade de se
sair do
campo político, de se abandonar os termos “capitalismo” e “socialismo” do
vocabulário político de esquerda (que objetiva reduzir a miséria), bem como de se
parar de falar sobre luta anticapitalista, para se falar do que é, de fato, relevante, no
caso, a luta contra a miséria humana estável (RORTY, 1999). Não cabia mais, na
visão de Rorty, o uso do termo capitalismo para se indicar que a economia de
mercado é fonte de toda a injustiça contemporânea. Tornava-se urgente: encontrar
novos nomes, caracterizar a fonte da miséria humana como “cobiça”, ódio” e
“egoísmo”, banalizar o vocabulário inteiro de deliberação política de esquerda e
começar a falar em cobiça e egoísmo, em vez de falar de ideologia burguesa. Rorty
propôs então uma pós-filosofia na qual ele apelou para a solidariedade, a qual
implicaria numa mudança de racionalidade.
Neste sentido, acreditamos ser possível aplicar essa nova metanarrativa
proposta por Rorty, na questão da distribuição salarial em empresas tanto públicas
como privadas. A desigualdade de salários entre cargos hierárquicos nas empresas
é justificada pela qualificação que cada cargo exige, como forma de estimular a
38
competitividade. Mas essa qualificação não justifica a distancia abissal de valores
que se atribui entre um cargo e outro e, principalmente, entre uma pessoa e outra.
Rorty buscou romper com a “tradição epistemológica kantiana” (RORTY, 1982,
p. 231), assim como estabelecer um “antiessencialismo aplicado às noções de
‘verdade’, ‘conhecimento’, linguagem’, `moralidade` e objetivos semelhantes de
teorização filosófica” (idem, p. 233), e também estabelecer um postulado de não-
diferenciação epistemoléogica entre a verdade acerca do que deve ser e aquela
acerca do que é, a não-diferenciação metafísica entre fatos e valores e tamm
entre moralidade e ciência.
Ele procurou recuperar o ideal socrático da conversação contra o mito
platônico da razão enquanto um estado de consciência iluminado a que se chega
por via de determinados procedimentos (idem, p. 235). O Sócrates de
Rorty era um
indivíduo democrático, que andava pelas ruas de Atenas e fazia questões e usava
de ironia. O seu método de perguntas jamais chegava a uma verdade, o que se
contrapunha à figura de Platão, que condenava, e ao qual Rorty tinha uma série de
restrições.
Num texto de 1963, Davidson analisou as observações de Vlastos à respeito
dos elencos, o método de perguntas e refutação que Sócrates usava. É interessante
notar o resultado dessa análise de Davidson, pois nela observa-se uma figura de
Sócrates e uma figura de Platão que destoam das representações de Vlastos e,
tamm, das de Rorty. Davidson dizia que Platão, no final da vida, voltou a adotar os
métodos socráticos, ou seja, os elencos, e, portanto, desistiu de encontrar uma
verdade. Segundo Davidson, Platão se contentou em trabalhar os elencos de modo
39
a chegar a uma situação negativa, na qual, após analisar todas as possibilidades de
decidir sobre alguma entidade, algum ato, ou alguma virtude, o que se tem é apenas
um resultado negativo, não chegando à verdade alguma.
A figura deste Platão acima, descrito por Vlastos e Davidson era bastante
socrática e que no final da vida tentou reverter uma situação que não chegava à
verdade nenhuma. Platão parecia concordar com o Sócrates que a filosofia possível
não era a metafilosofia, mas aquela que ele, Sócrates fazia nas ruas, sem qualquer
discussão meta teórica (GHIRALDELLI, 2007). Essa era também a figura do Platão
de Davidson e de Rorty, e isso possibilitou um avanço na discussão de um
pragmatismo interessante para os tempos atuais.
O pragmatismo de Rorty é uma doutrina de combate ou de fuga em relação à
noção correspondentista de verdade. Rorty não concorda com idéia de que os
enunciados ou os pensamentos uma determinada realidade correspondem a essa
referida realidade de uma maneira exata, e que esta correspondência exata à
verdade pode ser alcançada por alguns, mas não por todos, e que portanto a meta
para o trabalho filosófico e cientifico seria de chegar nessa realidade através de
enunciados cada vez mais acurados e exatos.
Essas idéias são para o pragmatismo prejudiciais ao contexto social porque
se valoriza alguns dos princípios que criarão provavelmente duas espécies de
homens: aqueles que enxergam a realidade e aqueles que não a enxergam, aqueles
que a representam de maneira acurada e aqueles que não conseguem apresentá-la
de maneira acurada e que o conseguem entender a representação de maneira
acurada. Então esse tipo de metafísica, esse tipo de epistemologia, traz para o
40
âmbito da sociedade uma divisão entre os que sabem e os que não sabem e os que
podem alcançar algo real e os que não podem.
Então a filosofia passa a ser um elemento de distinção de grupos e de
hierarquias de grupos (RORTY, 1999). Uma filosofia portanto que caminha no
sentido da desigualdade e tamm no sentido de uma diferenciação não muito boa,
pois sobre essa diferença nascem aqueles que podem e aqueles que não podem, a
idéia da hierarquia como mando, aqueles que podem encontrar a realidade, e que
de fato encontram, deveriam mandar naqueles que não são capazes disso, ou seja,
começa-se a pensar numa hierarquia de pessoas inferiores e pessoas superiores.
Esta conclusão ético-política advém do fato de se privilegiar alguns pressupostos
epistemológicos e metafísicos (GHIRALDELLI, 2007).
O pragmatismo combate esses pressupostos para que não sejam carreados
para uma política de distinção hierárquica entre chefes e não chefes, como a que se
na maioria das sociedades ocidentais e como fruto de uma velha tradição
filosófica platônica (GHIRALDELLI, 2007).
Nessa hierarquia, alguém que fala de literatura ou mesmo de filosofia tomada
como literatura, deve ser alguém de menos prestígio e de menos capacidade de
mandar do que alguém que fala de física ou de química ou de filosofia em termos
científicos (GHIRALDELLI, 2007). Portanto, uma distribuição de verbas social e
política baseada em uma divisão filosófica, uma divisão metafísica, uma
epistemologia completa. É nesse sentido que o pragmatismo vai do campo do centro
da filosofia para o campo político. E se alia à democracia, porque a democracia é
justamente a organização social em que todos devem dar a sua opinião e ter o
41
direito de falar e se expor resguardados, sem que existam aqueles que mandam e
aqueles que obedecem de modo ilegítimo. Ilegítimo no sentido de que talvez essa
metafísica e essa epistemologia que distribui aqueles que sabem e aqueles que não
sabem nos cargos daqueles que mandam e daqueles que não mandam, sejam
exatamente o modo de garantir situações não democráticas no campo político.
Contrapor à noção de verdade como correspondência e à noção de
representação merece atenção porque existe uma mística por trás dessas idéias.
Quando se diz que é preciso fazer filosofia para chegar naquilo que é o real, de
modo que ao não fazer filosofia não faz ciência, é ficar no campo da ilusão daquilo
que é ou não real e que é preciso caminhar no sentido de encontrar a realidade e
fazer enunciados verdadeiros, que sejam a expressão exata dessa realidade
(GHIRALDELLI, 2007). Todos parecem concordar com isso, mas é que entra o
pragmatismo, aqui é que entra as idéias de Rorty. Por que é preciso concordar com
isso quando falar sobre realidade não significa estar falando sobre a mesma coisa?
Porque para uns a realidade é aquilo que vêem empiricamente, do âmbito da
percepção; para outros a realidade é aquilo que não vêem e ninguémporque está
além do que no empírico. A realidade para outros ainda é aquilo que ninguém
e ninguém podever nessa vida porque ela é transcendente à vida empírica. Ou
seja, utilizar a noção de representação de verdade como correspondência, a
realidade é tomada de maneira diferente por aqueles que estão debatendo a
questão. Ela própria está ao sabor de doutrinas muito pouco acuradas, doutrinas
que desconsideram o fato de estar chamando de realidade coisas muito distintas
(GHIRALDELLI, 2007).
42
Rorty argumentou que enquanto a “verdade” tem varios usos importantes, ela
mesma nao tem um objetivo pelo qual se possa lutar, acima e além de garantias ou
justificaçoes. Seu argumento nao é o de que a verdade é redutivel à garantia, mas
que o conceito o tem nenhum conteúdo cultural profundo ou com substância.
Quer dizer, existem explicaçoes semânticas a serem oferecidas para explicar o
porquê de uma dada sentença ser verdadeira somente quando suas condiçoes de
verdade são satisfeitas. Entao, buscar a verdade, em oposiçao à garantia, o
aponta para uma linha de ação possível, pois não tem medida alguma de estar se
aproximando da verdade, a não ser um aumento de garantia. De fato, para Rorty,
isso é o que faz o conceito tão útil, de modo não coincidentemente análogo à
verdade; ele garante que nenhuma sentença pode ser analiticamente certificada
como verdadeira em virtude de possuir alguma outra propriedade.
A posiçao de Rorty quanto ao relativismo e ao subjetivismo era a de que
ambos são produtos do paradigma representacionalista. Partindo da critica à
distinçao entre esquema e conteúdo feita por Davidson em On the Very Idea of
Conceptual Scheme, e da teoria da verdade como correspondência que encontra-se
em
The Structure and Content of Truth, Rorty suporte à sua rejeiçao de qualquer
posição ou projeto filosofico que tente traçar uma linha geral entre o que é feito e o
que é encontrado, o que é subjetivo e o que é objetivo, o que é mera aparência e o
que e real. Sua posiçao nao era a de que esses contrastes conceituais o tenham
aplicaçoes, mas que tais aplicaçoes estão sempre ligadas a contextos e interesses,
e que nao há, como no caso da mencionada noçao de verdade, nada a ser dito
sobre eles em geral.
43
Rorty não acreditava que metafísica ou epistemologia tinham de estar
articuladas necessariamente à filosofia política. Isso, para ele, era o grande defeito
do platonismo. No entanto, ele não via como não deixar de fazer conexão entre a
idéia minimalista em relação ao sujeito e à verdade e a forma de conceber a
democracia. Quanto menos se idolatrasse a Verdade, mais se estaría longe de
fundacionistas filosóficos e fundamentalistas religiosos, os que jamais conseguiriam
entender a democracia. A democracia não era o cultivo pelas decisões feitas na
base da vontade da maioria, mas fundamentalmente o respeito pelos direitos
individuais dos grupos minoritários e dos mais pobres.
Rorty pensava que a questão da verdade e da verdade como
correspondência da realidade é assunto para professores de filosofia, preferindo
falar sobre soluções praticas para o problema da desigualdade social. Então
abordou a questão da inteligência e das diferenças culturais para falar sobre a
tolerância, peça central da sua teoria da lealdade ampliada.
3.4 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
Justiça é um conceito de domínio público que permeia todas as atividades
humanas e, por isso mesmo, sempre foi preocupação de filósofos, que o definiram e
explicaram de acordo com os referenciais de que dispunham.
Raws (1997) generalizou e elevou a justiça a uma ordem mais alta de
abstração a teoria tradicional do contrato social. Ele pressupôs os relacionamentos e
interações sociais calçados em acordos econômicos ou políticos: a cooperação
social, seus direitos, deveres, vantagens e encargos; enfim, analisou e avaliou a
questão da justiça sob a ótica social.
44
Rawls define que a justiça é a estrutura básica da sociedade, a maneira como
as instituições distribuem os direitos e determinam a divisão das vantagens obtidas
com a cooperação social (RAWS, 1997). As instituições definem então os direitos e
deveres dos homens e influenciam seus projetos de vida.
Baseado nos pressupostos de HOMANS (1958), segundo os quais o
comportamento social é definido como uma troca de bens materiais e não-materiais,
ADANS (1965) elaborou a teoria da iniqüidade, a qual o indivíduo percebe
desigualdade entre os investimentos pessoais e os auferidos.
RAWS (1997) disse que uma distribuição de recompensas e retribuições
seria justa quando precedida por critérios de distribuição tamm justos. Assim,
Raws amplia o universo das investigações em percepção de justiça. Então, os
estudos sobre justiça distributiva dizem respeito à maneira como uma organização
distribui os recursos disponíveis entre os membros e a percepção de justiça relativa
aos meios utilizados na determinação do montante de compensações a ser recebido
por um indivíduo em função da contribuição, ou seja, estuda a percepção de justiça
do indivíduo, em relação aos procedimentos adotados na escolha do critério de
distribuição.
A teoria da justiça de John Rawls segue sendo a mais importante tentativa,
neste século, de acomodar as exigências que derivam dos valores centrais da
tradição política ocidental liberdade, igualdade, solidariedade e auto-respeito
em uma visão normativa que tem credenciais liberais genuínas. O exame detalhado
da justiça rawlsiana é proveitoso também por permitir evidenciar os problemas que
45
terão de ser enfrentados, neste mundo pós-socialista real, por qualquer visão política
igualitária plausível.
Na realidade, a justiça distributiva busca discutir a questão de uma
distribuição de bens que seja eqüitativa e justa. Este problema diz respeito à divisão
dos recursos que serão produzidos na sociedade. A teoria da justiça distributiva diz
respeito a como a sociedade ou um grupo deveria alocar seus recursos escassos ou
produtos entre indivíduos (ROEMER, 1998).
A justiça distributiva é uma das mais controversas áreas da reflexão
econômica. O ponto crucial é definir qual é a estrutura de repartição da renda e da
riqueza que melhor reflete as capacidades e os esforços individuais. Mas uma
sociedade sem classes sócio-econômicas diferenciadas é justa? E, ainda que justa,
não traria dificuldades para se alcançar a eficiência produtiva? E, ainda que pudesse
ser eficiente, não seria conflitante com as diferentes aspirações individuais quanto
aos produtos resultantes da alocação de recursos?
A igualdade é vista por alguns como sendo um objetivo distributivo
inquestionável; por outros, como a cristalização de injustiças (NOZICK, 1974), dado
que esforços diferenciados não seriam distintamente premiados. Embora os ideais
da perfeita igualdade ou da construção de uma sociedade sem classes encontrem
atraentes apelos éticos, sua consecução poderia implicar, segundo a abordagem
liberal ortodoxa, desestímulo ao esforço individual e acarretar o rebaixamento dos
níveis efetivos de produção. No longo prazo, poderia mesmo convergir para um
generalizado estado de empobrecimento (NOZICK, 1974).
46
As controvérsias em torno desta questão decorrem de uma multiplicidade de
fatores. Alguns resultam das dificuldades para se definir formalmente, se dada
estrutura de repartição de renda agregada se revela equânime com dada avaliação
de capacitações, esforços e contribuições. outros fatores têm a ver com
diferentes posições político-ideológicas, muitas das quais formatadas a partir de
inconformismos com as estruturas de repartição resultantes da operação dos
sistemas econômicos.
Pela natureza desses fatores, a desradicalização no equacionamento desta
questão tem sido uma tendência que tem prevalecido. Segundo essa tendência, a
justiça distributiva implica a satisfação das duas seguintes condições de acordo com
GENSLER (1998):
1) Eqüidade e igualdade absoluta não são expressões sinônimas. Igualdade
significa que todos se encontram rigorosamente em uma mesma linha.
Eqüidade admite posições abaixo e acima de determinada linha de riqueza
média, desde que as distâncias entre as posições individuais sejam
equiparáveis aos níveis das respectivas capacidades postas a serviço do
esforço social de produção.
2) Adoção de princípios e critérios distributivos que não impliquem perdas de
estímulos socialmente úteis.
As formas como a sociedade se organiza para buscar eficiência econômica,
alocar recursos com eficácia e repartir o resultado do esforço social de produção,
são outra questão tamm controversa, pois não uma única possibilidade de
ordenamento institucional, mas, teoricamente, pelo menos três (GENSLER, 1998):
47
1) ordenamento do processo econômico por meio da liberdade de
empreendimento e da livre manifestação das chamadas forças de
mercado neste caso, os agentes econômicos desfrutam de ampla
liberdade, quer quanto à destinação dos recursos de sua propriedade ou
domínio, quer quanto à escolha dos bens e serviços cuja produção será
priorizada. A estrutura de repartição é um vetor resultante da livre
interação dos agentes econômicos: prevalecem as forças da competição.
2) ordenamento do processo econômico por meio de um sistema de
comando centralizado neste caso, os agentes econômicos não são
guiados pela "mão invisível" das forças do mercado livre, mas por ordens
expressas, emitidas por comandos centralizados autoritários ou por
centrais de planificação. A escolha dos bens e serviços que serão
produzidos e a própria estrutura da repartição do produto social resultam
de decisões de um organismo central que exerce autoridade de comando
e controla a economia como um todo.
3) ordenamento do processo econômico por meio de sistemas mistos, em
que as forças de mercado coexistem com mecanismos específicos de
comando e regulação, exercidos pela autoridade pública. Neste caso,
restrições à plena liberdade. As escolhas sociais resultam tanto de
influências originárias do mercado quanto de determinações de órgãos de
comando. Dada parcela dos recursos disponíveis ou dos resultados do
esforço social de produção é apropriada pela autoridade pública, que a
redistribui, direta ou indiretamente, segundo escalas de de prioridades
politicamente decididas.
48
4) Existem três tipos de bens que são relevantes para uma teoria da justiça
distributiva:
5) Bens que são passíveis de distribuição, tais como renda, a riqueza, o
acesso a oportunidades educacionais e ocupacionais e a provisão de
serviços;
6) Bens que não podem ser distribuídos diretamente, mas que são afetados
pela distribuição dos primeiros, tais como o conhecimento e o auto-
respeito; e
7) Bens que não podem ser afetados pela distribuição de outros bens, tais
como as capacidades físicas e mentais de cada pessoa. A teoria de Rawls
tem implicações claras para os dois primeiros tipos de bens, que
constituem o distribuendum (a que Rawls se refere como os "bens
primários") desse enfoque sobre a justiça.
Uma sociedade liberal-democrática justa, para Rawls, é aquela cujos arranjos
institucionais básicos a "estrutura básica da sociedade" dão existência, ainda
que de forma aproximada, aos seguintes princípios de justiça:
1) Cada pessoa tem o mesmo direito a um esquema plenamente apropriado
de liberdades básicas iguais, desde que seja compatível com a garantia de
um esquema idêntico para todos; e
2) As desigualdades sociais e econômicas somente se justificam se duas
condições forem satisfeitas:
49
se estiverem vinculadas a posições e cargos abertos a todos em
condições de igualdade eqüitativa de oportunidade; e
se forem estabelecidas para o máximo benefício possível dos
membros da sociedade que se encontrarem na posição mais
desfavorável (princípio da diferença).
O desenvolvimento econômico da fase industrial da sociedade ocidental
esteve centrado nos progressos da tecnologia e na organização social do processo
produtivo, através do modelo burocrático. O advento da modernidade testemunhou a
invasão da burocrácia, cuja difusão tornou-se inevitável em face da superioridade
técnica, por comparação com as restantes formas de organização. A difusão da
burocracia, tanto particular quanto publica, tem sido um sinal distintivo da ultima fase
de modernização” (PARSONS, 1974, p.127).
Este modelo tomou proporções exageradas, principalmente a partir da
segunda Guerra Mundial, por causa da associação entre a racionalidade e a
eficiência. Através de um número restrito e delimitado de formas organizacionais,
CLEGG (1998) mostra que o mundo moderno era, por definição, uma época de
incerteza quer o sistema político fosse totalitário ou democrático, quer a economia
fosse socialista ou capitalista. Tal incerteza seria limitada pelo cálculo racional,
princípio intensificado pelo modelo burocrático.
Weber (1974) analisou a burocracia na obra Wirtschaft und Gesellschaft
(Economia e Sociedade), destacando as seguintes características:
50
Princípio das atribuições oficiais: Compreende alto grau de especialização e
uma bem definida divisão do trabalho entre funcionários. As atribuições são
estabelecidas e ordenadas por meio de normas e regulamentos;
Princípio da hierarquia funcional: É um sistema racionalmente organizado de
mando e subordinação, mediante um controle dos inferiores pelos superiores;
Uniformidade na organização das tarefas: A administração baseia-se num
conjunto especifico de regras para a tomada de decisões. A administração utiliza-se
de documentos escritos e de um corpo de funcionários;
Formação profissional: A atividade burocrática exige uma formação
profissional consciente. O recrutamento de funcionários efetiva-se com base no
conhecimento técnico e perícia, estabelecendo um plano de carreira;
Eficiência dos funcionários: A organização exige eficiência dos funcionários,
estando determinado tamm o tempo que eles estão obrigados a permanecer no
local de trabalho cumprindo com os deveres;
Essas características fazem da burocracia, segundo CASTRO (2002. p.124),
“o mais eficiente método para realização de importantes tarefas coordenadas e
realizadas”. Diversos autores destacam a importância da formação profissional na
sociedade moderna. PARSONS (1974, p.36) diz que “o desenvolvimento da
organização burocrática exige que a forma significativa do cargo seja um papel
profissional, e que o ocupante seja indicado por algum tipo de “contrato de emprego”,
Weber (1971, p.277), por sua vez, acredita que a burocratização de todo o domínio
promove, de forma muito intensa, o desenvolvimento de uma ‘objetividade racional’ e
51
do tipo de personalidade do perito profissional”, afetando a natureza do treinamento
e a educação.
CLEGG (1998) destaca outro ponto importante, relativo aos processos de
burocratização, caracterizando-os como mecanismos condutores a meritocratização.
Dentro deste processo, o autor destaca como uma das tendências da burocracia, a
credencialização: como os funcionários são selecionados com base num contrato
que especifica as qualidades exigidas pelo trabalho, há uma tendência para a
especificação das qualidades em termos de qualificações medidas por diplomas
formais: as organizações apresentam, assim, uma tendência para a credencialização
(CLEGG, 1998, p. 45).
Percebe-se, portanto, que a questão educacional e as credenciais possuem
destacada Importância no contexto moderno, meritocrático. “A educação é um fator
muito importante no sistema geral de estratificação, tanto nas sociedades socialistas
quanto nas sociedades de livre empresa do sistema moderno”. (PARSONS, 1974,
p.120). WEBER, (1971, p. 277) diz que:
As instituições educacionais do continente europeu, especialmente
as de instrução superior (...) são dominadas e influenciadas pela
necessidade de tipo de educação que produz um sistema de exames
especiais e a especialização que e, cada vez mais, indispensável à
burocracia moderna.
3.5 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO UTILITARISMO
O utilitarismo clássico diz que se deve maximizar o prazer em detrimento da
dor (MILL, 1861). Se a ação maximiza o bem, não importa se a distribuição do bem é
igual ou desigual. Logo, o utilitarismo justifica em princípio um grande fosso entre
ricos e pobres.
52
Todavia, os utilitaristas afirmam que na prática a sua perspectiva prefere uma
distribuição mais igual. Exemplificando, considere-se uma pequena sociedade
constituída por duas famílias. A família rica ganha 50 000 reais por ano e tem bens
em abundância; a família pobre ganha 500 e confronta-se com a possibilidade de
passar fome. Suponha-se que 500 reais da família rica vão para a família pobre. A
família pobre se beneficia enormemente e a família rica dificilmente sente a falta
desse dinheiro. A razão para isto é a diminuição da utilidade marginal do dinheiro
(GENSLER, 1998). À medida que se enriquece, cada real extra faz menos diferença
no bem-estar. Passar de 50.000 reais para 49.500 não faz diferença, mas passar de
500 para 1000 reais faz uma grande diferença. Assim, argumentam os utilitaristas:
“uma certa quantidade de riqueza tende a produzir mais felicidade total se for
repartida mais imparcialmente”. Nessa sociedade provavelmente seria maximizada a
felicidade total se ambas as famílias partilhassem equitativamente a riqueza.
Essa idéia do utilitarismo associada à idéia de lealdade ampliada de Rorty
focadas para o âmbito das organizações seria uma maneira de o pragmatismo se
realizar plenamente na prática. Essa ação em escala nacional, acredita-se, poderia
consistir numa contribuição significativa na redução da desigualdade social.
3.6 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA DE RORTY
RORTY (1999) acreditava na possibilidade de se criar uma sociedade mais
eqüitativa e justa, mas que a solução teria que passar por políticas públicas.
Também desenvolveu a teoria da justiça pela lealdade ampliada, em que defende a
idéia de uma progressão da lealdade que inicia com as pessoas mais próximas, e
avança até chegar à humanidade toda. Contudo, Rorty considerou que inicialmente
53
a lealdade deveria ser paroquial, ou seja, a justiça distributiva aconteceria a partir do
momento em que tal lealdade fosse praticada às pessoas próximas do individuo.
Rorty afirmou que a busca platônica pela verdade é inútil e que se pode fazer
mais pela humanidade ao abandonar essa busca filosófica da verdade e concentrar
a busca pela “filosofia da esperança”.
Essa filosofia da esperança” trataria do que é possível fazer para alcaçar
uma sociedade melhor e mais justa, ao invés de lidar com questões que adentram a
metafísica e não chegam a lugar nenhum (RORTY, 1999).
Apesar de discorrer sobre a “esperança” (RORTY 1999) no livro Philosophy
and Social Hope, Rorty admitiu que, no sistema capitalista atual do mundo ocidental,
esperar que uma distribuição de riquezas parta da iniciativa privada, seria minar o
próprio capitalismo, tirando o estímulo empreendedor e a ambição de progredir das
pessoas (RORTY, 1999).
Não havendo nenhuma lealdade para com o semelhante, tal distribuição de
riquezas seria impossível. Rorty então afirmou que a única solução para o problema
seria os governos tributarem o suficiente para que eles (os governos) promovam a
distribuição de riquezas nas sociedades.
3.7 TEORIA DA LEALDADE AMPLIADA
Este estudo identifica na lealdade ampliada de Rorty a possibilidade de
suscitar o pragmatismo moderno, associado ao utilitarismo, nas organizações, tanto
públicas quanto privadas, como uma forma de minimizar o fosso da desigualdade na
distribuição de renda no país.
54
Rorty acreditava que é possível estender a lealdade natural, que já existe no
âmbito da família, numa esfera maior dentro da sociedade. Para a maioria das
pessoas, responder às necessidades da família, mulher, filhos, pode ser algo natural,
logo, obrigação moral” não parece ser o termo certo para classificar esta situação.
Pois fazer o que é uma obrigação contrasta com o que parece ser algo natural.
Assim sendo, alguém o desejar se alimentar quando os filhos estão passando
fome parece ser algo natural, uma vez que não se pode ficar feliz se os filhos o
estejam também felizes. Porém, trata-se de obrigação moral alimentar alguma
pessoa faminta que bata à porta. Portanto, nessa situação, o termo “obrigação
moralparece ser apropriado. Assim, alguém define o sentimento que tem para com
a família como “lealdade” e o sentimento que ela têm por pessoas fora do âmbito
familiar, a qual ela se identifica, como “obrigação moral”.
Para Rorty (1999) seria melhor pensar que o progresso moral é uma questão
de ampliação da sensibilidade e da capacidade de resposta às necessidades de
uma variedade cada vez maior de pessoas e coisas. Ou seja, a idéia de uma
obrigação moral universal de respeito à dignidade humana é substituída pela idéia
de lealdade para com um grupo muito mais amplo a espécie humana (RORTY,
2005). Rorty (1999) define a questão da lealdade ampliada quando a obrigação
moral se tornaria o natural que a expressão obrigação moralpoderia ser retirada
de nosso vocabulário.
A idéia de lealdade ampliada depende de um grau de tolerância com o que
parece diferente ou estranho ao sujeito, seja diferenças sociais, raciais, culturais ou
quaisquer outras que normalmente geram a intolerância com o outro. Assim,
superada a intolerância, a lealdade com quem ocorre a identificação pode ser
55
ampliada para aqueles que a identificação se limita à categoria de ser humano, ou
seja, outro ser da mesma espécie.
Para Rorty, a tolerância para com o outro é tanto mais assimilada quanto mais
inteligência existir. Traduz-se aqui a inteligência como a quantidade de
conhecimento adquirido. Pois o conhecimento determina o grau de percepção do
indivíduo com o meio. A tolerância exige uma necessidade para se justificar, então a
percepção é quem vai possibilitar a identificação dessa necessidade. A
desigualdade social, o fosso existente na distribuição de renda no pais, então nesse
caso, seria a justificativa para a tolerância, que abre caminho para a possibilidade de
uma lealdade ampliada.
Contudo, é importante salientar que a lealdade ampliada no âmbito das
organizações teria como objetivo distribuir melhor os recursos existentes e
destinados à remuneração dos funcionários e não implicaria necessariamente num
ônus para o administrador. Porém, implica numa mudança de racionalidade, o que
depende ainda da percepção quanto à justiça distributiva, tanto do administrador
quanto do funcionário.
3.8 PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
É importante a existência de objetos de estudo para identificar a percepção de
justiça distributiva num país cuja desigualdade é uma das maiores do mundo.
Mesmo os economistas, entre eles especialistas da distribuição de renda como
Piketty na França, Aktison no Reino Unido ou Krugman nos Estados Unidos –
demonstram, em seus trabalhos recentes, explicações econômicas para explicar as
56
desigualdades existentes em certos paises ocidentais. Esses economistas acreditam
que a tolerância à desigualdade desempenha um importante papel nesse processo.
No Brasil, existem dois grandes estudos que apresentam a percepção tanto
da elite como do povo sobre as desigualdades sociais no país. Uma realizada por
REIS (2000) e outra por SCALON (2007). O primeiro, focado na percepção das elites
brasileiras, faz parte de um trabalho que busca fazer comparações internacionais
com a França e os Estados Unidos, cuja coordenação geral está a cargo de
Christian Baudelot, pesquisador do Laboratoire de Sciences Sociales da École
Normale de Paris (BAUDELOT, 2003; 2001; 2000). O segundo, como parte do
International Social Survey Programme (ISSP)
3
, com o objetivo de captar valores de
igualdade e justiça distributiva, bem como percepções sobre os critérios de
estratificação vigentes na sociedade. Esses estudos procuram captar os aspectos
objetivos e subjetivos relacionados à existência de altos índices de desigualdade,
assim como à tolerância à desigualdade.
O estudo desenvolvido por REIS (2000) mostra que as elites brasileiras
possuem a percepção sobre a desigualdade abismal na distribuição de renda no
país, assim como os problemas de pobreza e deficiência na educação. Mas as elites,
ao apresentarem soluções para o problema, apontam para a educação
(responsabilidade do Estado) e apostam na possibilidade de melhoria para os
pobres sem custos diretos para os não-pobres. Ou seja, a educação criaria
3
O ISSP é um programa de colaboração entre países que tem como objetivo realizar surveys
sobre picos relevantes na área de Ciências Sociais.
57
oportunidades de mobilidade social, gerando novas posições estruturais, novas
ocupações sociais que viriam a ser preenchidas pelas novas gerações. Dessa forma,
haveria a ascensão social sem ocasionar a mobilidade descendente de outros
setores (REIS, 2000).
Para acentuar ainda mais essa posição, as elites brasileiras se apresentam
contra programas de redistribuição de renda, principalmente aqueles que
representam políticas de discriminação positiva, como as cotas para negros nas
universidades, ainda que concordem que existe o preconceito racial no Brasil (REIS,
2000).
Na visão das elites, o Estado é o grande culpado pela desigualdade, sendo os
empresários os que mais enfatizam essa culpa. Os empresários acreditam que as
coisas poderiam mudar se houvesse vontade política e se o Estado cumprisse o
papel que lhe cabe. Porém, em momento algum as elites cogitam a possibilidade de
possuírem elas próprias parte da responsabilidade pelo problema ou mesmo pela
solução do problema (REIS, 2000).
o estudo de SCALON (2007) permite identificar os pontos de encontro e
desencontro, as percepções, crenças e valores da elite e do povo que m posições
sociais bastante distantes, considerando um profundo fosso de desigualdade
presente na sociedade brasileira.
O resultado mostra que os dois atores em questão reconhecem a sociedade
brasileira como extremamente desigual e desejam viver numa sociedade mais justa,
mas mesmo assim se conformam com a disparidade de renda e aceitam a atribuição
dos valores determinados pelo mercado, reproduzindo assim a desigualdade em que
58
vivem. A elite mostra-se cética quanto à recompensa pelo esforço individual ou pela
inteligência e qualificação, enquanto o povo ainda acredita mais na recompensa pela
inteligência e qualificação.
Na visão de SCALON (2007), o ceticismo da elite induz a falta de interesse
em se investir na educação, enquanto a visão do povo demonstra manter a crença
na superação de sua condição social pela educação. Como no estudo de REIS
(2000), a elite também insiste em creditar ao governo a responsabilidade pela
solução para a desigualdade, mas não admite o aumento de impostos com vistas à
aplicação em benefícios sociais, ou seja, política de transferência de renda.
Segundo o estudo de SCALON (2007), 96,5% da elite concorda que as
diferenças de renda no Brasil o muito grandes, e 96% do povo tamm concorda.
Mas Scalon alerta para o fato de que o discurso em defesa da igualdade e a
aceitação de elevados níveis de desigualdade não são necessariamente
incompatíveis. Uma vez que existe uma distância entre as dimensões cognitiva e
normativa na avaliação das desigualdades.
“(...) Tanto a elite como o povo reconhecem a sociedade brasileira
como extremamente desigual e desejam viver numa estrutura social
com um desenho mais humano, que incorpore grande parte da
população em suas camadas medias” (2007, p. 145).
Ao se deparar com uma lista de ocupações, com diferentes níveis de status e
prestígio, os entrevistados indicaram o quanto deveria ganhar cada profissional
relativo às ocupações. A elite conferiu valores mais altos para os salários das
ocupações de mais prestígio, em comparação aos valores indicados pelo povo. Mas
os valores para os salários das ocupações de menos prestígio foram iguais. Para
59
Scalon, o resultado nesta questão demonstra que a elite aceita uma desigualdade
maior que o povo, ou seja, na concepção da elite, a diferença deveria ser ainda
maior.
“Segundo a elite, o presidente de uma grande empresa deveria
ganhar 16 vezes mais que de um balconista de loja, a profissão
indicada como o menor salário; para o povo, essa diferença cairia
para aproximadamente 12 vezes, o que ainda é uma distancia
salarial muito grande” (2007, p. 133)
Os juízes, sócios-gerentes, médicos e advogados deveriam ganhar mais na
visão da elite do que na visão do povo. Contudo, a visão tanto da elite quanto do
povo se iguala quando se trata dos salários dos operários, qualificados ou não.
Uma das questões mais relevantes nos estudos sobre desigualdade,
desenvolvido por SCALON (2007), é uma análise da estrutura social, que é possível
identificar a imagem da desigualdade. Foram apresentados diagramas com cinco
diferentes tipos de sociedades, onde deveria se responder qual deles melhor
descreve o Brasil hoje. O diagrama com forma de pirâmide foi apontado por 48% da
elite e por 42% do povo como sendo o melhor tipo de sociedade e 41% da elite e
38% do povo indicaram uma sociedade formada por uma pirâmide onde concentra
muitas pessoas na base, poucas no meio e uma pequena elite no topo. Mais uma
vez é confirmado que elite e povo têm vies semelhantes da estrutura social
brasileira, a qual é formada pela massa da população na base e uma elite ocupando
o topo da hierarquia.
Mas 64% da elite e 54% do povo afirmam que o Brasil deveria ter uma
sociedade composta por uma maioria de classe media. O restante, 25% do povo
25% - uma proporção maior que os 21% da elite - desejaria uma sociedade formada
60
por uma pimide invertida, ou seja, muitas pessoas no topo e poucas pessoas na
base. Esse dois tipo de sociedades almejadas revela que tanto a elite como o povo
considera a que a sociedade está ainda muito distante do modelo que consideram
como o de uma sociedade justa.
Outra questão interessante apresentada pelo estudo de SCALON (2007) foi a
abordagem sobre a meritocracia da distribuição de renda, ou seja, os critérios
defendidos para se definir a remuneração, considerando-se o grau de escolaridade,
a hierarquia das posições de emprego e a situação familiar. Mostrou-se uma
convergência entre elite e povo que deram mais peso às necessidades de
manutenção da família, que seriam objeto de compensação e assistência, ou seja,
alvo de políticas distributivas. Apontam, dessa forma, a prioridade do social sobre o
individual. Concluiu-se que elite e povo aderiram à perspectiva da igualdade.
Quanto à responsabilidade de combate à desigualdade, tanto o povo como a
elite (74% de ambos) atribuem isso ao governo. Apenas 6% da elite e 4% do povo
consideram-se responsáveis. Porém, quando se trata de apontar os problemas que
mais preocupam, existem diferenças. Para o povo, o desemprego e a pobreza
consistem no maior problema, enquanto para a elite, a segurança e a corrupção são
os problemas mais agravantes. Essa diferença também aparece no momento de
eleger políticas para o combate à desigualdade. Embora ambos apontem a
importância de se melhorar os serviços públicos, diferem na preferência quanto à
reforma agrária (mais indicada pelo povo) e ao controle populacional (mais apontado
pela elite).
4 METODOLOGIA
A elaboração desta dissertação consistiu, basicamente, em dois momentos:
primeiro, a pesquisa teórica, onde procurou-se apropriar-se do pragmatismo, mais
especificamente do pensamento de Richard Rorty; no segundo momento, realizou-
se uma pesquisa empírica onde foi aplicado um questionário com perguntas
objetivas na qual procurou-se saber sobre a percepção de justiça dos atores
organizacionais, bem como a aceitabilidade da noção rortiana de lealdade ampliada.
Essa pesquisa tomou como problema a percepção da distribuição salarial (justiça
distributiva) que tem os atores organizacionais e a aceitação dos mesmos à noção
de lealdade ampliada rortiana.
4.1 PERGUNTAS DE PESQUISA
Compreender o conceito de justiça distributiva, a partir de uma epistemologia
baseada no pragmatismo, implica em discutir a distância abismal de salários entre
os diferentes níveis hierárquicos nas organizações. Assim sendo, a pesquisa teve
como objetivo responder às seguintes perguntas:
Qual a percepção que tem os atores organizacionais da justiça distributiva
em suas respectivas organizações e no Brasil?
Qual a percepção dos atores organizacionais em relação à questão da
desigualdade salarial em suas respectivas organizações?
Qual a diferença de percepção com relação a desigualdade salarial entre
os níveis hierárquicos da organização em que trabalha?
62
Qual o grau de tolerância e solidariedade em relação aos outros
funcionários da mesma organização em que trabalham e ao povo
brasileiro?
Qual a intensidade de responsabilidade na causa e na solução para o
problema de desigualdade social no país?
4.2 HIPÓTESES
Levando-se em consideração estudos anteriores do mesmo gênero, embora
com focos mais generalizados, as hipóteses quanto à percepção de justiça
distributiva na organização eram de que:
1) O nível de desigualdade salarial percebida seja maior nos veis
operacionais do que nos níveis superiores da organização.
2) Os indícios e/ou evidências de insatisfação sejam latentes nos
participantes quanto à compensação do trabalho.
3) Possibilidade de interpretar a presença de eqüidade nas relações entre os
participantes organizacionais.
4.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa buscou preencher, ainda que parcialmente, a ausência de
informações sobre aspectos subjetivos das desigualdades, retratando a visão de
atores sociais nas organizações, acerca dos diferentes fatores que contribuem para
a manutenção ou superação destas. Buscou tamm identificar as divisões na
estrutura social e na cultura política que produzem variações nas opiniões e valores
63
em relação à desigualdade social, permitindo verificar a que ponto é possível
apontarem-se conexões entre as posições social e ideológica do indivíduo nas
organizações e sua atitude perante a igualdade e justiças sociais.
4.3.1 População e amostragem
A pesquisa sobre justiça distributiva nas organizações tem cobertura local, na
cidade de Curitiba, capital do Paraná, com 55 participantes, sendo 39 do setor
privado e 16 do setor público. A pesquisa no setor privado foi realizada em uma
empresa de médio porte e duas de pequeno porte, localizadas na Região
Metropolitana de Curitiba; e no setor público, em órgão do Poder Judiciário. A
amostra é representativa de funcionários da base ao topo operacional e
administrativo de organizações de médio e grande porte, (privadas e públicas), entre
homens e mulheres, com faixa etária acima de 16 anos de idade, com grau de
escolaridade até o nível de cursos de especialização ou de aperfeiçoamento, e
renda entre R$ 500,00 e R$ 5.000,00. O critério de seleção é de que o respondente
este ativo no mercado de trabalho e a seleção dos respondentes mediante cotas
aleatórias de acordo com as variáveis já citadas.
4.3.2 Instrumento de coleta de dados
Dadas as finalidades visadas pela questão, o instrumento de coleta de dados
mais adequado é o questionário, conforme apresentado em anexo.
4.3.3 Forma de Análise dos Dados
A análise dos dados esteve voltada, principalmente, para a comparação das
divergências e convergências das percepções dos respondentes no que se refere à
justiça distributiva em suas respectivas organizações e no Brasil, bem como da
64
aceitação da noção de lealdade ampliada de Rorty, identificando, ainda, variações
de tal percepção entre diferentes níveis hierárquicos nas organizações dos setores
público e privado, de modo a responder às questões da pesquisa.
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA
A pesquisa deste Estudo foi realizada em 2008, com o objetivo de verificar os
graus de percepção de desigualdade salarial e a possibilidade de ampliação de
lealdade, com amostragem na cidade de Curitiba. Na pesquisa foram enfocados
valores dos funcionários ocupantes de cargos operacionais, técnicos, chefia,
gerência e diretoria de organizações públicas e privadas. Nesta análise, foram
examinadas as principais dimensões da pesquisa, comparando as divergências e
convergências entre atitudes dos atores sociais conforme cargos e salários.
Assim como a sociologia tradicionalmente analisa a estrutura social a partir de
estudos demográficos, nível educacional, acesso a bens e serviços e renda de forma
objetiva, também dessa forma normalmente é esperado que a percepção seja
classificada por idade, religião, sexo, classes sociais, escolaridade, raça, etc. Neste
trabalho, no entanto, por abordar o âmbito organizacional, não houve a pretensão de
abranger essas diferenças, uma vez que a intenção foi limitar o foco nos cargos
ocupacionais e nos sarios.
As informações sobre as características da pesquisa, número de participantes,
critérios de seleção dos respondentes e do local da aplicação e amostragem foram
descritas neste trabalho no capítulo Metodologia. O objetivo da pesquisa foi
apreender valores de percepções sobre a desigualdade salarial nas organizações,
sendo a igualdade aqui entendida como critério último de justiça social, no sentido
rawsiano (RAWS, 1971).
A pesquisa apresentou um questionário com 22 perguntas objetivas e uma
onde é apresentada uma lista de ocupações, com diferentes níveis de status e
prestígio, para que o respondente indicasse quanto deveria ganhar o profissional de
cada uma delas. As questões objetivas foram divididas em cinco grupos:
1) Percepção sobre justiça distributiva,
2) Percepção sobre desigualdade social,
3) Percepção sobre desigualdade salarial,
4) Lealdade ampliada, e
5) Responsabilidade pela desigualdade
5.1 ANÁLISE DO RESULTADO GERAL
A análise começou por apresentar e comentar os diferentes graus de
percepções dos respondentes de forma geral, para em seguida confrontar os
mesmos dados, porém separados os respondentes entre setores: blico e privado.
Foi analisado ainda os dados considerando as categorias: cargos e salários, e cada
uma delas por setor (público e privado). Por último, foi analisada a questão
específica apresentada na lista de ocupações profissionais.
O resultado geral demonstrou que menos da metade dos respondentes
possui baixo grau de percepção sobre os temas específicos abordados no
questionário: Justiça Distributiva (43%), Desigualdade Salarial (45%),
Responsabilidade Social pela Desigualdade (26%) e Lealdade Ampliada (42%), com
67
exceção do tema Desigualdade Social, no qual a maioria (62%) demonstrou maior
grau de percepção. Confira na Tabela1.
Tabela 1 – Percepções - Geral
TABELA DE PERCEPÇÃO - GERAL
Percentual de respondentes que
apresentaram percepção quanto aos temas
Justiça Distributiva
43%
Desigualdade Salarial
45%
Desigualdade Social
65%
Lealdade Ampliada
42%
Responsabilidade pela Desigualdade
26%
Fonte: dados da pesquisa
5.2 ANÁLISE DO RESULTADO POR SETORES PÚBLICO E PRIVADO
O resultado da pesquisa, ao ser desmembrado em setores público e privado
apontou algumas diferenças sensíveis quanto ao grau de percepção, quando
comparado com o resultado geral. Na questão da Desigualdade Salarial, por
exemplo, a maioria dos respondentes do setor público demonstrou um maior grau de
percepção (54%), se comparado com o resultado geral (45%). Acompanhe pela
Tabela 2, abaixo.
Tabela 2 – Setores Público e Privado
TABELA DE PERCEPÇÃO – POR SETOR
Percentual de respondentes que
apresentaram percepção quanto aos temas
SETOR PRIVADO SETOR PÚBLICO
Justiça Distributiva 42% 44%
Desigualdade Salarial 44% 54%
Desigualdade Social 73% 61%
Lealdade Ampliada 37% 46%
Responsabilidade pela Desigualdade 29% 21%
Fonte: dados da pesquisa
68
A comparação do resultado da pesquisa, entre os setores público e privado,
aponta um grau mais elevado de percepção pelo primeiro, na maioria dos temas
abordados. Mesmo assim, menos de 50% dos respondentes do setor público
possuem percepção sobre Justiça Distributiva (44%), Lealdade Ampliada (46%) e
Responsabilidade pela Desigualdade (21%). Neste último, a percepção demonstrada
pelo setor público foi menor que àquela apresentada pelo setor privado (29%). Em
outras palavras, quem trabalha no setor público possui maior grau de percepção dos
problemas de desigualdade salarial e de justiça distributiva, mas, ao mesmo tempo,
eximem-se mais da responsabilidade pela falta de uma distribuição de renda mais
justa. Paradoxalmente, a percepção de Lealdade Ampliada ficou bem acima (46%)
do setor privado (37%). O setor público, no entanto, apresentou menor grau de
percepção no tocante à Desigualdade Social (61%), com diferença de -12 pontos
percentuais comparado com o setor privado (73%).
De modo geral, a maioria dos respondentes não percebe o fosso existente na
distribuição de renda. Acredita que cada um merece o salário que tem, pelo esforço
ou pela falta dele, e pela qualificação que possui. Os salários o justificados pelo
mérito, ou seja, quem ganha pouco merece ganhar pouco e quem ganha muito
tamm é porque merece.
5.3 ANÁLISE DA PESQUISA POR CARGOS
A diferença de percentuais de percepção cresce ao fragmentar mais a análise.
Ao fazer a análise da pesquisa focando somente o fator cargos de comando e
técnico/operacional, foi possível observar um distanciamento ainda mais sensível,
não somente entre os cargos, mas também entre os setores público e privado.
69
Na questão sobre Justiça Distributiva, por exemplo, a análise apontou uma
diferença de percepção inversa entre os dois setores, conforme os cargos. Nos
cargos de comando, o setor público (65%) apresentou um percentual maior de
percepção do que o setor privado (32%); nos cargos técnico/operacional, foi o
setor privado (49%) que apresentou maior percentual de percepção, comparado ao
setor público (36%). Ou seja, a Justiça Distributiva é percebida pela maioria somente
por aqueles com cargos de comando do setor público.
Tabela 3 – Tabela de Percepção - Cargos
TABELA DE PERCEPÇÕES - CARGOS
Percentual de respondentes que apresentaram
percepção quanto aos temas
CHEFIA/GERÊNCIA/DIRETORIA TÉCNICO/OPERACIONAL
SETOR
PRIVADO
SETOR
PÚBLICO
SETOR
PRIVADO
SETOR
PÚBLICO
Justiça Distributiva 32% 65% 49% 36%
Desigualdade Salarial 41% 71% 53% 39%
Desigualdade Social 63% 49% 76% 66%
Lealdade Ampliada 44% 50% 31% 44%
Responsabilidade pela Desigualdade
21% 25% 39% 16%
Fonte: dados da pesquisa
Resultado semelhante ao da questão sobre Justiça Distributiva apareceu na
análise da questão sobre Desigualdade Salarial. Nos cargos de comando, o setor
público (71%) apresentou um percentual tamm maior de percepção comparado ao
setor privado (41%); nos cargos técnico/operacional, o setor privado (53%)
apresentou maior percepção, comparado ao setor blico (39%). Mas aqui, a
Desigualdade Salarial é percebida pela maioria não somente por aqueles com
cargos de comando do setor blico (71%), como também com cargos de
técnico/operacional do setor privado (53%).
70
Na questão sobre Desigualdade Social, a única das cinco questões
abordadas na pesquisa que é percebida pela maioria na analise geral, é a que
menos sofre variação, com destaque para os cargos de comando do setor público,
que o atingiu a maioria (49%). Os cargos de comando do setor privado (63%),
embora sendo a maioria, apareceu com percentual menor comparado aos
apresentados em cargos técnicos/operacional em ambos os setores: privado (76%)
e público (66%).
Na questão da Lealdade Ampliada, ou seja, aceitação da idéia de abrir mão
de uma pequena parte do salário para outras pessoas que tem salários mais baixos,
observou-se uma maior aquiescência por parte daqueles em cargos de comando,
sendo ainda com maior admissão (50%) no setor privado, comparado ao do setor
público (44%). Quanto ao cargos técnico/operacional, houve maior aceitação no
setor privado, apresentado o mesmo resultado mostrado em cargos de comando do
setor público (44%); e nos cargos técnico/operacional do setor público (31%) é o que
menos abriria mão de parte do salário para outros que ganham menos.
Quanto ao assumir a Responsabilidade pela Desigualdade, a diferença entre
setores e cargos é expressiva, embora em todos a percepção seja baixa. Aqueles
em cargos de técnico/operacional do setor privado são os que demonstram maior
percepção (39%); e aqueles do setor público os que demonstram menos percepção
(16%), com uma distancia de 21 pontos percentuais. Aqueles em cargos de
comando apresentam uma diferença de 6 pontos percentuais, sendo o setor público
(25%) superando o privado (21%).
71
5.4 ANÁLISE DA PESQUISA POR SALÁRIOS
A análise da pesquisa conta ainda com uma perspectiva a partir dos níveis
salariais, que foram divididos em quatro categorias: àqueles que ganham até
R$500,00, os que ganham de R$500,00 a R$1000,00, os que ganham de
R$1000,00 a 2000,00 e àqueles que ganham de R$2000,00 a R$5000,00. Todas as
categorias divididas também em setores público e privado.
Destaca-se no resultado a percepção entre aqueles que possuem os salários
mais elevados. A percepção é maior no setor blico (57%) entre àqueles que ficam
na faixa salarial entre R$1000,00 e R$2000,00. Estes também são os que possuem
menos percepção de responsabilidade na solução dos problemas de desigualdade
social e salarial.
5.4.1 Análise da pesquisa por salários até R$ 500,00.
As duas primeiras questões abordadas na pesquisa (Justiça Distributiva e
Desigualdade Salarial) apresentaram resultados singulares, quando observados pela
fragmentação da análise na categoria Salários. O setor privado apresentou maior
percepção em praticamente todas as questões. Aqueles que trabalham no setor
privado e ganham até R$ 500,00 por mês demonstraram sensivelmente maior
percepção comparados com o setor público. A diferença do setor privado (63%) para
o blico (20%) foi de 43 pontos percentuais quanto à questão da Justiça
Distributiva e 68 pontos na questão da Desigualdade Salarial (privado 83% e público
15%).
A questão da Desigualdade Social é percebida pela maioria em ambos os
setores, porém mais pelo setor privado (84%) comparado com o setor público (60%).
72
a questão sobre a Lealdade Ampliada nesta categoria, os resultados são
bem diferentes. Tanto o setor privado (33%) o público (27%), apresentaram baixo
grau de adesão.
Quanto à Responsabilidade pela Desigualdade, poucos reconhecem a si
mesmos como agentes, tanto no setor privado (17%), quanto no público (15%).
Tabela 4 – Percepção por faixas salariais até R$500,00
TABELA DE PERCEPÇÕES – SALÁRIOS - ATÉ R$500,00
Percentual de respondentes que apresentaram
percepção quanto aos temas
SETOR PRIVADO SETOR PÚBLICO
Justiça Distributiva 63% 20%
Desigualdade Salarial 83% 15%
Desigualdade Social 84% 60%
Lealdade Ampliada 33% 27%
Responsabilidade pela Desigualdade
17% 15%
Fonte: dados da pesquisa
5.4.2 Análise da pesquisa por salários entre R$ 500,00 e R$ 1.000,00
Na análise por salários entre R$ 500,00 e R$1000,00 mensal, houve uma
redução no grau de percepção comparado com os que ganham abaixo desse valor.
Mas o setor privado permanece com o maior grau de percepção.
Na questão da Justiça Distributiva, a maioria do setor privado (50%) percebeu
o problema, enquanto o setor público (25%) apresentou baixo grau de percepção. Já
da questão da Desigualdade salarial, o setor blico (45%) demonstrou maior
percepção que na questão anterior, mas ainda menor que o setor privado (55%),
que contou com a maioria.
Na questão da Desigualdade Social, normalmente com alto grau de
percepção na análise geral da pesquisa, o setor público (40%) dessa categoria
73
demonstrou resultado abaixo da média, enquanto o setor privado (80%) apresentou
alto grau de percepção.
Tabela 5 – Percepção por faixas salariais de R$500,00 a R$1000,00
TABELA DE PERCEPÇÕES – SALÁRIOS – ENTRE R$ 500,00 E R$ 1000,00
Percentual de respondentes que
apresentaram percepção quanto aos temas
SETOR PRIVADO SETOR PÚBLICO
Justiça Distributiva
50% 25%
Desigualdade Salarial
55% 45%
Desigualdade Social
80% 40%
Lealdade Ampliada
34% 67%
Responsabilidade pela Desigualdade
45% 20%
Fonte: dados da pesquisa
A tendência à aceitação da idéia de Lealdade Ampliada, paradoxalmente às
questões anteriores, apareceu alta no setor público (67%), ou seja, pela maioria,
comparado com o do setor privado (34%), que apresentou maior percepção nas
questões sobre desigualdades. Esse resultado contrasta ainda mais quando
comparado ao resultado da questão sobre a Responsabilidade pela Desigualdade.
Poucos do setor público (20%) nesta categoria se reconhecem como agentes do
problema, enquanto quase a maioria do setor privado (45%) tem essa percepção,
esta última sendo a maior demonstrada pela pesquisa, comparada com os
percentuais geral e pelas categorias Cargos e Salários, assim como por setores.
5.4.3 Análise da pesquisa por salários entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00
Nesta categoria analisada, dos que ganham entre R$1000,00 e R$2000,00, o
resulto foi inverso da categoria anterior. O setor público, em maioria, demonstrou
maior percepção nas três primeiras questões (Justiça Distributiva 69%,
Desigualdade Salarial 71% e Desigualdade Social 100%), que o setor privado (32%,
74
25% e 57% respectivamente). Outro destaque foi a consciência do total dos
respondentes pela questão da desigualdade social.
Tabela 6 – Percepção por faixas salariais de R$1000,00 a R$2000,00
TABELA DE PERCEPÇÕES – SALÁRIOS - DE R$1000,00 A R$2000,00
Percentual de respondentes que
apresentaram percepção quanto aos temas
SETOR PRIVADO SETOR PÚBLICO
Justiça Distributiva
32% 69%
Desigualdade Salarial
25% 71%
Desigualdade Social
57% 100%
Lealdade Ampliada
43% 33%
Responsabilidade pela
Desigualdade
22% 13%
Fonte: dados da pesquisa
Inversamente à categoria anterior, nesta a tendência de adesão à Lealdade
Ampliada ficou maior no setor privado (43%) do que no setor público (33%), assim
como tamm em nenhuma das categorias chegou a atingir a maioria.
Ficou menor tamm, comparado com a categoria anterior, a percepção de
agente quanto à Responsabilidade pela Desigualdade em ambos os setores privado
(22%) e público (13%). Com a inversão de percentual entre os dois setores. Ou seja,
nesta categoria, o setor público se apresentou mais consciente dos problemas de
desigualdade e de justiça distributiva, mas também se omitiu mais quanto à posição
de agente e da tendência de contribuir para a redução do problema.
5.4.4 Análise da pesquisa por salários entre R$ 2.000,00 e R$ 5.000,00
A análise da pesquisa na categoria Salários, entre R$ 2.000,00 e R$ 5.000,00,
demonstrou que a maioria o setor público (57%) tem percepção dos problemas
nacionais de Justiça Distributiva e Desigualdade Salarial. Maior que o demonstrado
75
pelo setor privado (20% e 25% respectivamente). Na questão Justiça Distributiva, o
setor privado desta categoria apresentou percepção menor comparado com a
categoria anterior (32%), e teve resultado igual na questão da Desigualdade Salarial.
Na questão da Desigualdade Social, em ambos os setores a percepção foi
demonstrada pela maioria, ainda que o setor privado (56%) tenha ficado com 6
pontos percentuais a mais que o setor público (50%), sendo que este apresentou a
metade do percentual da categoria anterior (de R$1000,00 a R$2000,00).
Tabela 7 – Percepção por faixas salariais de R$2000,00 A R$5000,00
TABELA DE PERCEPÇÕES – SALÁRIOS - DE R$2000,00 A R$5000,00
Percentual de respondentes que
apresentaram percepção quanto aos temas
SETOR PRIVADO SETOR PÚBLICO
Justiça Distributiva
20% 57%
Desigualdade Salarial
25% 57%
Desigualdade Social
56% 50%
Lealdade Ampliada
52% 44%
Responsabilidade pela Desigualdade
32% 25%
Fonte: dados da pesquisa
Esta categoria dentro da fragmentação da análise da pesquisa, foi a que
maior demonstrou tendência a adesão para a Lealdade Ampliada, primeiro o setor
privado (52%) com a maioria e depois o público (44%), embora não sendo a maioria,
mas com alto grau de aceitação.
A Responsabilidade pela Desigualdade ficou acima da média (com exceção
daquela apresentada pelo setor privado [45%] da categoria salários entre R$ 500,00
e R$1000,00), sendo que o setor privado (32%) com percepção maior que o do setor
público (25%).
76
5.4.5 Análise comparativa da percepção entre o resultado geral e categorias
A Justiça Distributiva foi percebida pela maioria por aqueles que ganham
entre R$1000,00 e R$2000,00 do setor público (69%), seguido pela categoria cargos
de comando (65%) também do setor público e pela categoria Salários até R$500,00
do setor privado (63%), comparados com o resultado geral (43%). A pesquisa
demonstra que o problema foi percebido principalmente pelo setor público, nem por
quem ganha mais nem por quem ganha menos; e por quem ganha menos do setor
privado.
Na questão Desigualdade Salarial, destacou-se como percepção da maioria
as categorias Salários até R$500,00 do setor privado (83%), de R$1000,00 a
R$2000,00 do setor público (71%), Cargos de comando do setor público (71%),
Salários de R$2000,00 a R$5000,00 do setor público (57%), Salários de R$500,00 a
R$1000,00 do setor privado (55%), o setor público (54%) e Cargos
técnico/operacional do setor privado (53%), comparados com o resultado geral
(45%). Nesta questão, a pesquisa demonstrou que a percepção da maioria não está
necessariamente relacionada aos maiores salários e abrange os dois setores,
principalmente o público.
A Desigualdade Social, excepcionalmente, é a única questão percebida pela
maioria no resultado geral da pesquisa (67%). Na fragmentação da análise, somente
duas categorias não somaram a maioria: Cargos de comando do setor público (49%)
e Salários de R$500,00 a R$1000,00 também do setor público (40%). Os que
apresentaram pontos percentuais acima do resultado geral foram: Salários de
R$1000,00 a R$2000,00 do setor público (100%), Salários até R$500,00 do setor
privado (84%), Salários de R$500,00 a R$1000,00 do setor privado (80%), Cargos
77
técnico/operacional do setor privado (76%), o setor privado (73%) e Cargos
técnico/operacional do setor público (66%). Nesta questão, foi demonstrado que a
percepção não foi necessariamente maior em relação aos salários de forma
crescente, mas principalmente de acordo com o setor (privado) e inversamente à
questão da Desigualdade Salarial (público).
A Lealdade Ampliada teve aceitabilidade pela maioria daqueles em Cargos de
comando no setor público (65%), seguidos por àqueles que ganham entre R$500,00
e R$1000,00 tamm do setor público (67%) e por àqueles que ganham mais no
setor privado (52%). Percentuais maiores que o resultado geral, que não
representou a maioria (42%).
A responsabilidade pelo problema de desigualdade social no país o foi
percebida pela maioria, sendo que a maior percepção foi demonstrada por àqueles
que ganham entre R$500,00 e R$1000,00 do setor privado (45%) e menos por quem
ganha entre R$1000,00 e R$2000,00 do setor público (13%). A maioria do resultado
da análise fragmentada por cargos e salários ficou abaixo do resultado geral (26%).
A análise da questão na qual é apresentada uma lista de ocupações, com
diferentes níveis de status e prestígio, para que o respondente indicasse quanto ele
acredita que ganha e quanto deveria ganhar o profissional de cada uma delas,
demonstrou a intenção de reduzir o fosso existente na distribuição de renda no
Brasil. Nessa pergunta, foram listadas as seguintes profissões: Operário não-
qualificado, Sócio-gerente da empresa, Diretor, Analista financeiro, Operário
qualificado, Chefe de seção, Supervisor, Gerente. Assistente administrativo,
Advogado, engenheiro.
78
O menor salário apontado como o praticado pelo mercado foi de R$380,00 e
o maior foi de R$40.000,00. A média ficou assim: R$501,00 o menor salário
praticado e R$9630,00 o maior salário praticado pelo mercado. A distância entre o
menor e o maior salários foi de 19 vezes.
O menor salário como desejado foi de R$380,00 e o maior R$60.000,00. A
média ficou: R$780,00 o menor salário desejado e R$11.210,00 o maior salário
desejado. A distância da média entre os dois salários desejados foi de 14,3 vezes,
ou seja, foi desejado reduzir a distância existente entre o menor e o maior salários
praticados.
79
6 CONCLUSÃO
Considerando que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo,
segundo relatórios do Banco Mundial, este trabalho teve como objetivo propor uma
alternativa para a redução dessa desigualdade através da Administração. Uma das
atribuições da administração de empresas é a estratégia para determinar um rumo e
garantir a sobrevivência e o crescimento das organizações. As estratégias são
definidas por decisões, estas pela interpretação da realidade e dos fatos. A
interpretação da realidade é condicionada a determinada racionalidade. Esta é
formada por determinada epistemologia, que é baseada em discursos, construídos
na interpretação da verdade, ou seja, na correspondência da verdade. Esta
determina a importância da filosofia na formação da racionalidade do administrador.
O pragmatismo vai contra a noção de correspondência da verdade. Questiona
o “valor” do indivíduo como ator no sistema capitalista. Quanto “vale” o trabalho de
uma pessoa no mercado? O pragmatismo diz que é impossível fazer essa
mensuração a partir do discurso da meritocracia.
Richard Rorty afirma que se deve deixar de lado a busca pela verdade e
buscar o bem comum. Não afirma que a verdade não existe, mas que o vale a
pena pensar em verdade se ela própria não pode ser definida por consenso.
Portanto, faz mais sentido pensar no que é mais útil para todos. Assim, questões
como a meritocracia não fazem sentido se não servem ao propósito da maioria.
Rorty acredita na possibilidade de se criar uma sociedade mais eqüitativa e
justa, mas que a solução teria que passar por políticas públicas. Desenvolveu a
teoria da justiça pela lealdade ampliada, defendendo a idéia de uma progressão da
80
lealdade, que inicia com as pessoas mais próximas e avança até chegar à
humanidade toda.
Rorty abandona a busca filosófica da verdade e se concentrar na busca pela
“filosofia da esperança”. Esta busca alcaçar uma sociedade melhor e mais justa, ao
invés de lidar com questões da metafísica e não chegam a lugar nenhum.
Não havendo nenhuma lealdade para com o semelhante, a distribuição de
riquezas seria impossível. Rorty afirmou que a única solução para o problema seria
os governos tributarem o suficiente para que eles (os governos) promovam a
distribuição de riquezas nas sociedades.
Então, foi possível questionar se o administrador e o mercado podem ter
papel determinante na solução dos problemas gerados pelo alto nível de
desigualdade social. Este estudo, no entanto, não teve a pretensão de responder
esse questionamento, mas outro, o da percepção dos atores organizacionais quanto
ao reconhecimento ou não de si mesmos como agentes de promoção de soluções
para a questão da desigualdade.
Para tanto, este trabalho propôs um estudo da percepção, por meio de
pesquisa de campo, dos participantes organizacionais, quanto à justiça de
distribuição salarial, nas empresas privadas e públicas. A pesquisa foi realizada em
Curitiba, capital do Paraná, e região metropolitana, com 55 respondentes, entre setor
público e privado, de empresas de pequeno e médio porte.
Essa pesquisa teve como referencial outras duas pesquisas, uma realizada
por Scalon e outra por Reis. A primeira, focada na percepção das elites brasileiras; a
segunda, com o objetivo de captar valores de igualdade e justiça distributiva, bem
como percepções sobre os critérios de estratificação vigentes na sociedade. Esses
81
estudos procuram captar os aspectos objetivos e subjetivos relacionados à
existência de altos índices de desigualdade, assim como à tolerância à desigualdade.
O estudo desenvolvido por Reis mostra que as elites brasileiras possuem a
percepção sobre a desigualdade abismal na distribuição de renda no país. Mas as
elites, apontam o Estado como responsável pelo problema e pelas soluções.
Para acentuar ainda mais essa posição, as elites brasileiras se apresentam
contra programas de redistribuição de renda, principalmente aqueles que
representam políticas de discriminação positiva, como as cotas para negros nas
universidades, ainda que concordem que existe o preconceito racial no Brasil.
o estudo de Scalon permite identificar os pontos de encontro e
desencontro, as percepções, crenças e valores da elite e do povo que m posições
sociais bastante distantes, considerando um profundo fosso de desigualdade
presente na sociedade brasileira.
O resultado mostra que os dois atores em questão reconhecem a sociedade
brasileira como extremamente desigual e desejam viver numa sociedade mais justa,
mas mesmo assim se conformam com a disparidade de renda e aceitam a atribuição
dos valores determinados pelo mercado, reproduzindo assim a desigualdade em que
vivem. A elite mostra-se cética quanto à recompensa pelo esforço individual ou pela
inteligência e qualificação, enquanto o povo ainda acredita mais na recompensa pela
inteligência e qualificação.
Levando-se em consideração esses estudos anteriores, as hipóteses quanto
à percepção de justiça distributiva na organização eram de que:
82
1) O grau de desigualdade salarial percebida seja maior nos níveis
operacionais do que nos níveis superiores da organização.
2) Os indícios e/ou evidências de insatisfação sejam latentes nos
participantes quanto à compensação do trabalho.
3) Possibilidade de interpretar a presença de eqüidade nas relações entre os
participantes organizacionais.
O resultado geral demonstrou que a maioria dos respondentes possui pouca
percepção sobre os problemas de desigualdade no país e, os que a possuem, não
assumem a posição de agentes desse problema. Assim também como a maioria não
possui tendências a abrir mão de parte do salário (lealdade ampliada) para promover
uma redistribuição de salários mais justa. No entanto, ao ser fragmentada a análise,
os resultados se apresentam mais otimistas.
O resultado da pesquisa foi ainda desmembrado em setores publico e privado,
em cargos de comando e técnico/operacional, e por faixas salariais. Dessa forma foi
possível identificar diferentes graus de percepção em cada uma das categorias.
Assim, pode-se observar que, por exemplo, a maioria daqueles que trabalham no
setor privado e ganham abaixo de mil reais possuem percepção da desigualdade
abissal no Brasil, enquanto menos de daqueles com a mesma faixa salarial do
setor público tem essa percepção. Inversamente, a maioria daqueles que ganham
acima de mil reais no setor público demonstram percepção do problema da
desigualdade. Essa diferença acontece também quando a análise focou o resultado
a partir de cargos dentro das organizações. Os cargos de comando do setor público
83
demonstraram percepção em sua maioria, enquanto ocorre o inverso nos cargos
técnico/operacionais.
A pesquisa demonstrou que a maioria o se identifica como responsável
pelos problemas de desigualdade e nem como parte da solução para estes. O setor
privado, assim como aqueles que com sarios mais elevados, demonstraram maior
percepção dessa questão.
E finalmente, quanto a Lealdade Ampliada nas organizações, apesar do
resultado geral da pesquisa apontar que a maioria não possui tendência a adesão, a
análise demonstrou que houve maioria a essa tendência crescente para salários
mais elevados, principalmente no setor público.
Assim, todas as hipótese apresentadas foram respondidas de forma positiva,
embora não no resultado geral da pesquisa, mas em rias categorias
desmembradas da pesquisa.
Acredita-se que este estudo serviu de amostra, ainda que limitada, para se
apontar valores de percepções de desigualdades de salários, os quais suscitam a
possibilidade de aplicação da lealdade ampliada de Rorty nas organizações, ainda
que com resultados que não representam a maioria. Este estudo sugere outros
estudos, mais abrangentes quanto a faixas salariais mais elevadas e levando-se em
consideração o nível educacional. Acredita-se que nesses futuros estudos os
resultados demonstrarão um índice maior de aceitabilidade à idéia de uma lealdade
ampliada nas organizações.
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THOMAS, Vinod. O Brasil visto por dentro. RJ. Editora José Olympio Ltda, 2005
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Zahar Editoras, 1974.
88
ANEXOS
Questionário da Pesquisa de Percepção – Folha 1
89
Questionário da Pesquisa de Percepção – Folha 2
90
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