empreitada é deixada para o leitor. O mal é entregue de bandeja, e o bem só pode
estar do lado oposto, geralmente o que nomeia o mal. É simples, até demais. Tudo é
uma questão de trilhar o caminho do bem.
A questão é que não há como qualificar essa simplicidade a não ser usando termos
precisos. Todo aquele que propõe pensar seriamente um problema sob os
parâmetros simplórios da oposição-estanque bem versus mal, em 100% dos casos,
ou o faz por limitações emocionais e intelectuais ou por má-fé. Não há outras
opções.
Malevolência da TV estatal
Para o editorial, a gestão da televisão pública "deve ser autônoma e independente,
sempre voltada à prestação de serviços educativos no seu sentido mais amplo". Um
bom exemplo, segundo o texto, seria a BBC inglesa. Marcelo Tas assina um artigo
sobre o tema no caderno "Mais!" da Folha de S. Paulo do mesmo dia, no qual retira
a BBC do mundo real e relaciona-a a uma beatitude que nenhum veículo, seja ele
público, estatal ou comercial pode almejar. Lendo o artigo, pode-se ter a tentação de
comprar uma passagem para o articulista ir a Londres tentar um emprego na
hierática BBC, mas voltando à realidade, a certeza é que somente um tíquete para o
País das Maravilhas seria adequado, pois a emissora "pública" tão louvada serve,
também, de veículo de propaganda para políticos, como o foi, e aparentemente
continua sendo, no caso da invasão do Iraque.
Voltando ao editorial, lemos que a televisão estatal, ao contrário, "caracteriza-se
pelo financiamento exclusivo do Erário e pelo férreo controle imposto pelas
estruturas governamentais de propaganda – comprometidas, portanto, com o fim de
promover os feitos, de defender as posições políticas e de cultuar a personalidade
dos que momentaneamente detêm o poder". Para melhor caracterizar a
malevolência oculta por detrás da televisão estatal, o editorialista lembra Hitler, o
stalinismo, Fidel Castro, Hugo Chávez e outros porta-vozes de um certo poder
maligno. "Clara está", diz o editorial, "a diferença (...) entre o que é o bem e o que é
o mal." Nada contra o financiamento do Estado a TVs comerciais, nada a opor ao
férreo controle feito pelos anunciantes, é claro. A promoção de feitos, a defesa de
posições políticas ou o culto de personalidade dos que momentaneamente ocupam o
poder não foram atitudes maléficas quando, por exemplo, se relacionaram ao
governo FHC ou ao governo Jaime Lerner.
Versão única versus o outro lado
A fórmula ignóbil de separar o bem e o mal foi usada pelo mesmo Hitler e por Stalin
– ambos citados no editorial como maus. Logo, há alguma identidade entre o
editorialista e seus maus exemplos. Mas também foi utilizada por presidentes
estadunidenses, entre os quais o neoliberal Ronald Reagan, e ainda o é pelo
"trombadinha eleitoral" Bush Júnior (o excelente termo é de José Arbex Jr.). Estes
bons exemplos não ocorreram ao editorialista. Por algum motivo, escaparam à sua
atenção. Já os "malvados" Hugo Chávez, Fidel Castro e o alvo direto do editorial,
Roberto Requião, todos opositores do "bem" da pax estadunidense, não costumam
usar essa fórmula de modo tão papalvo, mas são lembrados em menções
desonrosas.
Se tivermos que pôr a questão em dois pólos, bem podemos afirmar que há uma
oposição entre a "versão única", ditada pela grande imprensa, que responde, por
sua vez, à elite estadunidense – aquela que invade países e mata civis, incluindo
crianças, para lhes roubar o petróleo – e uma outra versão dos fatos – defendida por
Castro, Chávez e Requião – que, até o momento, não cometeram nenhum ato