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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
COORDENADORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS, CULTURA E REGIONALIDADE
Ruas de minha cidade
Um estudo hodonímico
Tríssia Ordovás Sartori
Caxias do Sul, 2010.
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2
Tríssia Ordovás Sartori
Ruas de minha cidade
Um estudo hodonímico
Dissertação de Mestrado defendida
no Programa de Pós-Graduação em
Letras, Cultura e Regionalidade da
Universidade de Caxias do Sul,
como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do
título de Mestre.
Professor Orientador: Drª Vitalina Maria Frosi
Caxias do Sul, 2010.
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AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Vita, por compartilhar o conhecimento, pelo carinho, paciência,
por despertar minha paixão pela pesquisa e me fazer acreditar na possibilidade de realizá-la.
Aos meus pais, Nelson e Isamar, e a minha irmã, Cristine, pelo suporte emocional e
motivacional. Sempre.
Ao Rafa, meu marido, pela compreensão e amor incondicional.
À Ia, grande incentivadora de meu ingresso no programa.
Aos queridos colegas Tales, Daiane, Juliana e Tere, pelas conversas, cafés e,
especialmente, por terem tornado essa caminhada mais divertida.
À Grazi e ao Ale, pela ajuda e pelos livros.
Às professoras doutoras Aparecida Negri Isquierdo, Marília Conforto e Carmen
Faggion pelas preciosas contribuições sugeridas durante a banca de avaliação, que
tornaram o trabalho mais completo.
4
O nome é em certo sentido a própria coisa;
dar nome às coisas é conhecê-las e apropriar-se delas;
a denominação é o ato da posse espiritual.
Miguel de Unamuno
5
RESUMO
Este texto apresenta os resultados da análise de 18 hodônimos do centro urbano de Caxias do
Sul, a fim de descobrir os motivos que influenciaram na denominação das ruas desse lugar.
Na época da denominação, Caxias do Sul tinha população predominantemente italiana e os
italianos não foram contemplados com os nomes dos principais logradouros da cidade. O
objetivo foi descobrir por que o grupo majoritário não foi homenageado, levando em
considerações as relações de poder. Foi realizada uma pesquisa documental, levando-se em
consideração elementos linguísticos e extralinguísticos implícitos e explícitos nestes
hodônimos. Apoiada nos princípios teórico-metodológicos da toponímia, com Dauzat e
Rostaing, adaptados à realidade brasileira e adotados pela Universidade de São Paulo (USP),
especialmente por DICK, e por outras universidades públicas do Brasil, a análise teve como
tema investigar as razões que foram determinantes na escolha de nomes não-italianos para
designar o grupo de ruas centrais de Caxias do Sul e identificar as implicações sociais,
econômicas e, sobretudo, políticas que eles escondem. O poder político foi determinante para
a predominância de nomes luso-brasileiros nas ruas analisadas.
Palavras-chave: toponímia – hodonímia – nome – Caxias do Sul – motivação
6
ABSTRACT
This text presents the results of the analysis of 18 names of the city centre streets of Caxias do
Sul. The main aim of this study is to identify and give an explanation about the motives which
influenced in the denomination of the city centre streets. A documental research was
conducted and it took into consideration linguistic and extra linguistic elements implicit and
explicit in these denominations. Following methodological theoretical principles of toponymy
which are applied to the Brazilian reality and used by the University of São Paulo and other
public universities in Brazil, the analysis had as an objective to investigate the reasons which
determined the selection of the non-Italian names to designate the group of central streets in
Caxias do Sul and identify the social, economic, and especially political implications they
hide.
Keywords: toponymy – hodonymy – name – Caxias do Sul – motivation
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................
08
1. PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA TOPONÍMIA E DA ANTROPONÍMIA ...........
14
1.1 Aspectos lingüísticos, o signo, o léxico, a onomástica...................................
14
1.2 Nomes de lugares, a toponímia.......................................................................
17
1.3 Nomes de pessoas, a antroponímia na Itália ..................................................
21
1.4 Étimo e etimologia .........................................................................................
24
1.5 O signo toponímico: referenciais teóricos.......................................................
25
1.6 Categorias dos topônimos...............................................................................
29
1.6.1 Taxionomias de Natureza Física...........................................................
29
1.6.2 Taxionomias de Natureza Antropo-cultural..........................................
30
1.7 Hodonímia: microcosmo da toponímia...........................................................
32
1.8 Nome próprio: referência a um objeto particular específico...........................
33
2.
OS TOPÔNIMOS: SUAS INTERFACES NO CONTEXO
EXTRALINGUÍSTICO........................................................................................
37
2.1 Caxias do Sul, 1875 – 1930.............................................................................
37
2.2 Região, um espaço político constituído pelo nome.........................................
40
2.3 O nome e o outro: identidades regionais revelam diferenças..........................
45
3.
NOMES E SEUS PERCURSOS...........................................................................
49
3.1 As ruas de Caxias do Sul, dados gerais...........................................................
49
3.2 Categorização dos hodônimos.........................................................................
50
3.2.1.Hodônimos de Natureza Física..............................................................
50
3.2.2 Hodônimos de Natureza Antropo-cultural.............................................
51
3.3 A interrelação dos hodônimos com o contexto extralinguístico.....................
52
3.4 Hodônimos e motivações...............................................................................
59
3.5 Hodônimos do centro de Caxias do Sul, suas características.........................
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................
73
REFERÊNCIAS....................................................................................................
76
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve como proposta mostrar e, na medida do possível, descrever e
explicar elementos culturais, fatos históricos, tendências políticas e ideológicas que foram
determinantes na constituição do nome de ruas do município de Caxias do Sul, tendo como
objeto deste estudo 18 logradouros centrais da cidade.
Essas ruas foram escolhidas entre o conjunto de 3.664
1
denominações por terem sido
as primeiras a receber nomes oficiais, logo nas primeiras décadas do crescimento da cidade,
em 1897 (ADAMI, 1971, p.136), no começo da formação da Região de Colonização Italiana
(daqui por diante, RCI).
Embora os nomes das ruas sejam conhecidos e estejam legitimados, seu significado é
ignorado por muitos habitantes da área urbana selecionada para este trabalho. E não basta que
um indivíduo saiba o nome de uma rua ou avenida – por uma questão de cidadania é
importante que ele conheça a relação estabelecida entre o nome e a motivação do objeto
denominado.
O interesse por este estudo surgiu ao tomar conhecimento sobre o projeto
TOPONÍMIA, que está sendo desenvolvido na Universidade de Caxias do Sul (UCS),
vinculado ao Mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade. Dadas as características do
projeto, entendi que seria possível e importante abordar aspectos que ainda não tinham sido
1
Lista de ruas atualizada e fornecida pela Prefeitura Municipal de Caxias do Sul em janeiro de 2010.
9
contemplados com estudos específicos nesta área do conhecimento. Além disso, tais aspectos
eram pertinentes à área da linguística, linha de estudos pela qual eu havia optado.
Por ser nascida em Caxias do Sul e ter descendência paterna italiana, sempre tive
curiosidade pelos temas acerca da italianidade no contexto em que vivi. Partir dos nomes e,
mais especificamente, do nome das ruas, tendo a possibilidade de explorar a forma como os
imigrantes e seus descendentes participaram ou não na escolha dos nomes delas, pareceu-me
um desafio interessante.
Refletindo sobre os nomes das ruas que integram o corpus desta pesquisa percebe-se
que suas denominações, para muitas pessoas, em um primeiro momento, remetem apenas a
um destino, a uma direção, a um lugar de passagem. Os logradouros têm nomes específicos, é
verdade, mas que poderiam ser não esses, e sim quaisquer outros. O que os singulariza e
legitima são os usos e sentidos que estão por trás desses nomes.
Mas por que essas ruas não homenageiam com seus nomes expoentes italianos nem
ítalo-brasileiros, se eles constituíam a população mais numerosa na época? De que forma o
nome das ruas foi usado em relação a uma cultura/etnia em detrimento da outra? Quem
escolhia o denominativo da rua? Que significado tinham e ainda têm os nomes das ruas
centrais de Caxias do Sul? Quais as características do signo toponímico? Estas questões (e
mais outras que foram surgindo durante o processo do trabalho) careciam de respostas que só
a investigação poderia dar.
A pesquisa teve como tema investigar os motivos que foram determinantes na escolha
de nomes não-italianos para designar o grupo de ruas centrais de Caxias do Sul e identificar as
implicações sociais, políticas e econômicas que eles escondem.
Este estudo apóia-se nos princípios teórico-metodológicos da toponímia, adaptados à
realidade brasileira e adotados pela Universidade de São Paulo (USP) e por outras
universidades federais do Brasil que estão desenvolvendo projetos de Atlas Toponímicos e
outros estudos dentro dessa mesma área de pesquisas.
A toponímia, no sentido literal, quer dizer estudo dos nomes dos lugares. Nesta
pesquisa, além do estudo lexical e etimológico dos nomes de logradouros, entendidos em
10
sentido amplo, a atividade inclui a análise e elaboração de históricos de vida de personagens
cujos nomes integram o universo de denominações locais. Assim, políticos, jornalistas,
figuras ilustres e datas representativas serão referenciados com texto específico, em
conformidade com o caráter interdisciplinar que marca esta pesquisa.
Além disso, os aspectos extralinguísticos da RCI serão apontados, sem esquecer os
principais eventos históricos que se fizeram presentes e transformaram a vida dos moradores
da região.
Para um estudo mais apropriado dos nomes das ruas, os topônimos foram enquadrados
em categorias que pudessem auxiliar no entendimento da relação estabelecida entre
motivador, denominador e denominado, bem como na compreensão de elementos que
pudessem dar suporte à constituição de uma região centrada no sentido que um nome carrega.
Depois de uma leitura preliminar dos textos alusivos aos componentes do corpus,
foram estabelecidas as categorias dos hodônimos. Como subcategoria, elegeu-se a questão da
identidade – gaúcha e brasileira – para complementar a análise.
O trabalho foi desenvolvido de acordo com o método das áreas, adotado por Dauzat
(1926) e utilizado por estudiosos de vários países europeus. Foi adaptado à realidade
toponímica brasileira por Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick (1980, 1990, 1996). Esse
método propõe que o nome das localidades deveriam ser dados de acordo com os povos que
as habitavam. Paralelamente, foram feitas pesquisas em documentos, buscando informações
em fontes escritas como processos, leis, decretos e atos da administração oficial. Esses
dados serviram de suporte para a análise e produção de resultados.
O estudo levou em conta duas perspectivas de análise, a sincrônica e a diacrônica.
Muitos nomes próprios de ruas, que estão fossilizados graças ao tempo transcorrido, são
resultado de um processo histórico e cultural. Na RCI, um percurso de 135 anos.
O presente estudo apóia-se nos trabalhos de Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick
(daqui em diante Dick), idealizadora e coordenadora do Atlas Toponímico do Brasil ATB.
Fará uso também de estudos realizados nesta área por outros linguistas brasileiros,
11
particularmente, representados por coordenadores de Atlas Toponímicos de vários Estados do
Brasil.
Uma revisão dos dados pesquisados levou à sistematização e à realização da análise
etimológica, à classificação semântico-motivacional e à elaboração de textos descritivos.
O objetivo geral da pesquisa foi estudar 18 hodônimos da comunidade de Caxias do
Sul e explicar por que, em sua maioria, receberam nomes de expoentes luso-brasileiros.
Como objetivos específicos pretendeu-se conhecer o significado dos hodônimos
escolhidos; estabelecer relações entre estes hodônimos e os elementos que influenciaram em
sua denominação; explicitar relações políticas influentes no ato de denominar e constituir uma
ideia de região baseada no significado que o nome carrega.
Em conformidade com esses objetivos, o problema de pesquisa foi saber por que os
hodônimos do Centro de Caxias não homenageiam personagens italianos, que além de
representarem a maioria da população na época, são festejados como os colonizadores desta
terra. Este problema está ligado aos estudos interdisciplinares nas áreas de linguagem e
região.
Esta pesquisa pretende contribuir, ainda que modestamente, para o resgate de dados da
história e da cultura local. Por se tratar, nesta perspectiva, de assunto inédito na região, o
estudo mostrou-se relevante, do ponto de vista científico, pois a produção de conhecimento
nesta área serve como porta de entrada para a fixação de significados dos nomes que
denominam locais da cidade e que, muitas vezes, passam desapercebidos. Resgatá-los e dar
visibilidade a seus significados é uma forma de compreender o passado, sua gente e suas
relações sociais, políticas e econômicas. À universidade, como produtora de conhecimento,
cabe organizá-lo, sistematizá-lo e publicá-lo, possibilitando o acesso de todos ao verdadeiro
sentido que está por trás dos nomes próprios analisados.
A relevância social reside na possibilidade de que este conhecimento produzido seja
disponibilizado aos cidadãos em geral. De modo mais específico, ele pode ser aplicado na
educação formal, contribuindo, assim, numa adequada formação da cidadania de crianças e
jovens; sobretudo, a socialização reverterá em benefício porque o conhecimento se situa em
12
âmbito interdisciplinar. À medida que um nome é identificado e seu sentido se torna
transparente, ele permite que sejam ressaltados indicadores de identidade do local e de seus
habitantes. Removendo a opacidade que envolve o nome de uma rua, torna-se explícita e
transparente sua motivação, preservando o sentido do designativo para as gerações futuras.
Esclarecer e preservar o sentido dos hodônimos é também propiciar às pessoas um
melhor conhecimento dos espaços de circulação e da cultura de sua própria comunidade.
Embora os nomes mudem, ao estudá-los, garante-se por eles a preservação da história de vida
e da memória cultural dos antepassados.
A relevância do ponto de vista da educação consiste em que os resultados desta
pesquisa podem ser aproveitados no ensino fundamental e médio. Por seu caráter
multidisciplinar, favorecem o estabelecimento de inter-relações entre as várias matérias do
ensino/aprendizagem. Eles podem ser adaptados aos diferentes níveis de ensino e ajudarão a
disseminar a preservação do sentido e da história que os nomes, oficiais ou populares,
possuem.
O corpus selecionado para a realização deste trabalho é composto pelos nomes das
seguintes ruas: Avenida Júlio de Castilhos, Rua Pinheiro Machado, Rua Bento Gonçalves,
Rua Vinte de Setembro, Rua Ernesto Alves, Rua Sinimbu, Rua Os 18 do Forte, Rua Borges
de Medeiros, Rua Marquês do Herval, Rua Dr. Montauri, Rua Visconde de Pelotas, Rua
Garibaldi, Rua Marechal Floriano, Rua Moreira César, Rua Marquês do Herval, Rua Guia
Lopes, Rua Coronel Flores e Rua Feijó Júnior.
Quanto à estrutura deste trabalho, o primeiro capítulo “Princípios teóricos da
toponímia e da antroponímia” aborda os princípios teóricos fundamentais da toponímia que
dão suporte ao material analisado. São abordados aspectos de outras disciplinas, importantes
em vários sentidos, no conjunto do trabalho.
O segundo capítulo “Os topônimos: suas interfaces no contexto extralinguístico”
mostra as relações existentes entre os nomes das 18 ruas escolhidas e os fatos sócio-
econômicos e políticos nelas envolvidos
13
O terceiro capítulo “Nomes e seus percursos” faz a junção dos elementos
lingüísticos e extralinguísticos para obter uma solução do problema proposto.
Por fim, a Conclusão apresenta uma síntese dos resultados obtidos, acenando para a
importância em se dar continuidade à investigação ora desenvolvida.
14
1. PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA TOPONÍMIA E DA ANTROPONÍMIA
1.1 Aspectos linguísticos, o signo, o léxico, a onomástica
A linguística é a ciência que estuda a linguagem humana em todas as suas
manifestações vocais, entendidas essas como línguas naturais. Ela estuda a língua como um
sistema de signos, como uma estrutura, como um sistema que se manifesta na comunicação
entre os membros de uma coletividade humana.
Embora as pessoas estudem a linguagem desde a invenção da escrita, foi nas primeiras
décadas do século passado, com a visão estruturalista de Ferdinand de Saussure, que a
linguística adquiriu o status de ciência. O estudioso suíço centralizou seus estudos na língua
como sistema. Para ele, língua é um sistema cujas partes são solidárias entre si, regidas por
um conjunto de regras que determinam o emprego de sons e relações sintáticas necessárias à
produção de significados. A língua é, pois, coletiva, social e sistemática. Em contrapartida, a
fala é a execução da língua pelo individuo falante (SAUSSURE, 1967, p. 57-59).
Estudar a linguística também implica em se fazer a divisão entre sincronia e diacronia.
A linguística sincrônica ou descritiva faz um recorte da língua e estuda seu sistema como se
apresenta em determinado período de tempo, sem a preocupação de focar o processo
buscando entender e explicar sua evolução através do tempo. a linguística diacrônica ou
histórica estuda a evolução da língua através do tempo. Um estudo diacrônico compreende a
15
dimensão temporal da linguagem. A linguística diacrônica preocupa-se com as mudanças que
se processam na língua através do tempo, com a mutabilidade da língua no tempo.
Quando o indivíduo fala, ele produz sequências sonoras que, enquanto portadoras de
significado, são chamadas de signos. De acordo com Saussure (1967, p. 127-129), um signo
consiste numa relação entre significante (imagem acústica) e significado (conceito).
Um estudo linguístico pode ser feito em vários níveis da língua, como na Semântica
(estudo do sentido das palavras), na Sintaxe (estudo das funções e relações entre as palavras
em uma frase), na Fonética (estudo da produção e percepção dos sons da fala), na Fonologia
(estudo do sistema sonoro das línguas e das funções que os fonemas desempenham nesse
sistema) e a Lexicologia (estudo dos vocábulos da língua).
O presente trabalho insere-se na Lexicologia, um ramo da Linguística que estuda o
acervo lexical de uma língua, chamado léxico. Biderman (1978) diz que:
o léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e
indefinidos que abrange todo o universo conceptual dessa língua. Qualquer sistema
léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo
da sua cultura através das idades. (BIDERMAN, 1978, p. 139).
Complementando o estudo, Biderman (1981) assim se refere ao léxico de um idioma:
O acervo verbal de um idioma é o resultado de um processo de categorização secular
e até milenar, através do conhecimento das semelhanças e das diferenças entre os
elementos da experiência humana, tanto a experiência resultante da interação com
ambiente físico como com o meio cultural. (BIDERMAN, 1981, p. 134).
Do léxico fazem parte todas as palavras, substantivos, verbos, adjetivos, pronomes,
preposições, conjunções ou interjeições, etc., tanto no vocabulário comum quanto na norma
técnica, nos neologismos, regionalismos ou terminologias, passando pelas gírias, expressões
idiomáticas ou palavrões.
No entanto, para se estudar a língua de uma comunidade, é imprescindível levar em
consideração na análise aspectos da cultura, a fim de compreender como se estabelecem as
relações entre o homem e o meio em que vive e nomeia.
16
Duranti (2003) pondera que:
Os signos lingüísticos, como representações do mundo e conexões com o mundo,
nunca são neutros: são constantemente usados para a construção de afinidades e
diferenciações culturais (...). Os falantes, dentro desta perspectiva, são vistos como
atores sociais, e a linguagem como um recurso para um produto de interação social.
E as comunidades de fala são ao, mesmo tempo reais e imaginárias, pois suas
fronteiras são constantemente redesenhadas e negociadas através de milhões de atos
de fala (...). A linguagem é o mais flexível e o mais poderoso instrumento intelectual
desenvolvido por seres humanos. (DURANTI, 2003, p. 5-7).
Compreende-se, desse modo, que uma língua veicula, além do significado denotativo,
a cultura de que faz parte e pode também transmitir nuances de sentido próprias do indivíduo
que a usa. De qualquer forma, é importante enfatizar que, ao menos até hoje, a faculdade de
desenvolver linguagem verbal como sistemas de signos de significado é privilégio do ser
humano.
Para Biderman (1998, p. 89), “os critérios de classificação usados para classificar os
objetos são muito diferenciados e variados”. Segundo a autora, eles podem ser designados
pelo uso, por um aspecto do objeto ou ainda por algum aspecto emocional que o objeto
referido pode provocar. A linguista completa que, ao mesmo tempo em que nomeia, também
classifica os referentes (BIDERMAN, 1998, p. 91).
Essa classificação, que implica uma relação de poder, não pode excluir a presença do
outro. Foucault (1995) explica que a relação de poder está articulada com base em dois
elementos: o outro como sujeito de ação e da possibilidade que se abra, “diante da relação de
poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis” (FOUCAULT,
1995, p.243).
É no conjunto de palavras de uma língua natural, isto é, por meio do acervo lexical de
uma determinada língua que se constrói a visão de mundo dos seus falantes. No léxico de uma
língua, estão projetadas as experiências vividas por determinado grupo sócio-lingüístico-
cultural. No dizer de Oliveira e Isquerdo (2001):
Na medida em que o léxico configura-se como a primeira via de acesso a um texto,
representa a janela através da qual uma comunidade pode ver o mundo, uma vez que
esse nível da língua é o que mais deixa transparecer os valores, as crenças, os
hábitos e costumes de uma comunidade, como também as inovações tecnológicas,
transformações sócio-econômicas e políticas ocorridas numa sociedade. Em vista
17
disso, o léxico de uma língua conserva estreita relação com a história cultural da
comunidade. (OLIVEIRA E ISQUERDO, 2001, p. 09)
Dessa forma, segundo essas linguistas, a análise do conjunto lexical presente na língua
de um grupo revela o seu modo de ver a realidade e a forma como seus membros organizam o
mundo em que vivem, por exemplo, quando nomeiam pessoas e lugares.
Uma das disciplinas que integram a Lexicologia é a Onomástica, ramo da linguística
que, em sentido restrito, se ocupa do estudo da etimologia, evolução, transformação,
explicação dos nomes. Na prática, é mais comum o uso desse termo numa concepção mais
ampla para indicar o estudo de todos os nomes próprios, isto é, de pessoas e de lugares. A
Onomástica compreende, pois, a Antroponímia e a Toponímia. A Antroponímia ocupa-se do
estudo de nomes próprios de pessoas e a Toponímia estuda os nomes próprios de lugares, sua
origem, sua evolução, suas alterações, seu sentido.
1.2 Nomes de lugares, a toponímia
Um nome próprio contém bem mais do que o significado etimológico: ele traz
informações sobre o passado e o presente e ajuda a reconstituir a memória relacionada aos
acontecimentos sociais, políticos e econômicos de uma época específica. Assim, torna-se,
também, uma marca identitária.
Dick (2001, p. 79) afirma que “é o simbolismo das formas linguísticas que transforma
nomes em lugares existenciais e indivíduos em personalidades sociais”. Acrescenta que o
nome “dimensiona a pessoa e caracteriza o humano e o animado, polarizando sua atividade
sociolinguística”.
A Toponímia tem sua origem no grego, tòpos, "lugar", e ònoma, "nome". Para o
estudo dos nomes, faz-se necessário levar em conta sua etimologia e os fatores linguísticos e
extralinguísticos, como aspectos geo-históricos, socioeconômicos e antropolinguísticos.
Assim, parte-se da premissa de que, ao se desvendar o sentido de um determinando nome,
18
lança-se luz sobre outros fatores importantes, como as relações entre o homem e o local onde
vive, sua língua, etnia e cultura.
O eixo central dos estudos da Toponímia é o signo toponímico, que é o signo
lingüístico na função de identificador de um espaço geográfico. Nessa função, segundo Dick
(1980, p. 290), o topônimo representa “uma projeção aproximativa do real, tornando clara a
natureza semântica (ou transparência) de seu significado”.
Como disciplina autônoma, a Toponímia é bastante recente. Os primeiros estudos
surgiram na Europa, sob investigação de Auguste Longnon, nas décadas finais do século XIX,
no período de estudos comparados das línguas indo-europeias. O estudioso levou em
consideração a etimologia dos nomes antigos do território francês, para demonstrar as
transformações desses topônimos. A etapa seguinte é marcada pelos estudos de Albert
Dauzat, que impulsionou o estudo dos nomes de lugares, especialmente pelo desenvolvimento
do “método das áreas” empregado por ele.
Também se destacam obras produzidas na Bélgica, na Suíça, na Itália, na Alemanha.
Dentre outros, destacam-se aqui os que se relacionam diretamente com a toponímia italiana:
Battisti, Bertoldi, Bertoni, Olivieri, Pieri, Serra (apud DAUZAT, 1926). Nesse mesmo
período, o filólogo português Leite de Vasconcelos (1931) desenvolveu estudos de
Onomástica, abrangendo os dois ramos, isto é, a Antroponímia e a Toponímia. Ele dividiu
essa ciência em três ramos: “estudo dos nomes geográficos ou Toponímia; estudo de nomes
de pessoas, ou Antroponímia; e estudo de nomes vários, isto é, de deuses, ventos, astros,
sinos, embarcações e outros” (VASCONCELLOS, 1931, p. 460). O autor realizou um estudo
aprofundado e exaustivo dos três segmentos citados, com análise de inúmeros nomes próprios
e generosas abonações. De acordo com ele (1931, p. 460), “estudar nomes próprios é
classificá-los segundo as fontes de que provêm, e explicar, quanto possível, a origem de cada
um”.
Na América do Sul, sobressaiu-se o antropólogo venezuelano Adolfo Salazar-Quijada.
É dele a obra La Toponímia em Venezuela (1985). Décadas mais cedo, no Brasil, Teodoro
Sampaio desenvolveu o estudo Tupi na Geografia Nacional (1901). Inicialmente, foi
privilegiado o estudo dos nomes de origem indígena com pesquisas desenvolvidas sobre o
tupi (MAEDA, 2006).
19
Em 1990 (PELLEGRINI, 1990, p. VIII), um grupo de estudiosos de três universidades
italianas (QUEIRAZZA; MARCATO; PELLEGRINI; SICARDI; ROSSEBASTIANO)
publicaram o Dizionario di toponomastica; storia e significato dei nomi geografici italiani. É
considerado, na Itália, o primeiro dicionário de Toponomástica de grande envergadura,
porque compreende e estuda todos os nomes dos municípios e comunidades da Itália, mais
ainda, os principais nomes dos rios, lagos, mares, montes, ilhas e regiões.
Também italiano, o linguista Mário Alinei também dedica-se aos estudos de toponímia
e realização de Atlas Toponímico Italiano. Para ele, todo o signo é motivado no momento de
sua criação (ALINEI, 1994, apud ISQUERDO).
No Brasil, a toponímia ganhou autonomia a partir da década de 1960, depois da
reformulação do curso de Letras da USP (DICK, 1994). Na instituição, o professor Carlos
Drumond (1965) desenvolveu a tese de livre-docência Contribuição do Bororo à Toponímia
Brasílica. Na universidade, privilegiou os nomes de origem indígena através do estímulo a
pesquisas sobre o Tupi e a Toponímia Brasileira. A continuidade e progressivo
desenvolvimento acontecem com a professora e pesquisadora dessa área, Maria Vicentina de
Paula do Amaral Dick.
Seguindo a orientação de Drumond, Dick usa a fundamentação teórica de Dauzat. Sua
obra Princípios Teóricos e Modelos Taxionômicos recebeu do próprio Drumond excelente
apreciação. Em 1989, os estudos dos nomes começam a ser feitos de forma mais frequente,
entrando como opção de pós-graduação, “visando à formação de um corpo próprio de
pesquisadores, à semelhança do que ocorre em outras instituições europeias e americanas”
(DICK, 1994).
Com apoio no que foi apresentado no V Congresso Internacional da Associação
Brasileira de Linguística (2007, p. 826-829) pelos componentes da mesa-redonda intitulada
Atlas Toponímico do Brasil: recortes regionais, e, mais, com aproveitamento dos textos de
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra, de Aparecida Negri Isquerdo e, sobretudo, de
Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick, todos de 2007, elaborou-se a síntese abaixo, com
especificação dos principais trabalhos, em operacionalização, atualmente, no Brasil.
O Atlas Toponímico do Brasil (ATB), que desenvolve estudos do léxico sob enfoques
etnolinguísticos e antropoculturais, contemplando as diversidades próprias de cada região. O
20
ATB é coordenado por Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick na USP. De acordo com
Dick (2007, p. 829), o Projeto do ATB “foi proposto com objetivos definidos: dar visibilidade
aos conceitos teóricos da Toponímia, frutos das novas concepções linguísticas que propomos
para a matéria.” Além disso, com o ATB procura-se “restabelecer o papel da ciência
onomástica como eixo condutor das disciplinas dos nomes, no seu duplo enfoque, o homem e
o lugar, respeitada a sua inserção temporal” (DICK, 2007, p. 829).
O Atlas Toponímico do Estado de São Paulo (ATESP), em desenvolvimento na USP,
também é coordenado pela mesma pesquisadora do ATB.
O Atlas Toponímico do Estado de Minas Gerais (ATEMIG), que se caracteriza pelo
estudo dos nomes dos 853 municípios mineiros, é coordenado por Maria Cândida Trindade
Costa de Seabra. Esse Atlas tem como objetivos básicos catalogar e reconhecer remanescentes
lexicais na rede toponímica mineira cuja origem remonta a nomes portugueses, africanos,
indígenas, dentre outros. Além disso, propõe-se a classificar e analisar o “padrão motivador
dos nomes”. Inclui também a análise da influência das línguas em contato no território e
pretende cartografar os nomes dos acidentes físicos e humanos do Estado de Minas Gerais
(SEABRA, 2007, p. 827).
O Atlas Toponímico do Estado de Mato Grosso (ATEMT) foi iniciado pela
pesquisadora Maria Aparecida de Carvalho, que, na tese de doutoramento, pesquisou a
mesorregião do sudeste mato-grossense.
O Atlas Toponímico do Estado do Mato Grosso do Sul (ATEMS), em desenvolvimento
na UFMS é coordenado por Aparecida Negri Isquierdo. Esse Atlas é uma variante do ATB e
“visa a catalogar, classificar, analisar e cartografar os nomes dos acidentes físicos e humanos do
Estado do Mato Grosso do Sul” (NEGRI, 2007, p. 828).
O Atlas Toponímico de Origem Indígena do Tocantins (ATITO) foi elaborado como
tese de doutoramento de Karylleila dos Santos Andrade. O ATITO estudou a toponímia
indígena do Estado de Tocantins, pluridisciplinarmente, compreendendo aspectos históricos,
etnológicos e lingüísticos e evidenciando a presença, nos topônimos, de elementos indígenas
de origem tupi.
O Atlas Toponímico do Estado do Tocantins (ATT) tem como coordenadora
Karylleila dos Santos Andrade. O objetivo é de produzir um novo mapeamento do Estado, do
ponto de vista da motivação das indicações coletadas nos documentos municipais. Na
21
perspectiva da linguística, a atividade focaliza a análise etimológica dos topônimos, no estudo
dialetológico, na estrutura gramatical e fonética.
O Atlas Toponímico da Amazônia Ocidental Brasileira (ATAOB), em
operacionalização na Universidade Federal do Acre, (UFAC), é coordenado por Alexandre
Melo de Sousa. O objetivo do trabalho é a catalogação, a classificação taxionômica, a
descrição e a análise dos eventos físicos e humanos do Estado do Acre. Estuda a relação
existente entre língua/cultura/sociedade, através da análise dos topônimos.
O projeto Atlas Toponímico do Estado do Ceará (ATEC) também é coordenado por
Alexandre Melo de Sousa.
No Rio Grande do Sul, dentro do que se sabe, os estudos toponímicos estão apenas
sendo iniciados, pode-se dizer, são embrionários; mesmo assim, mencionamos o Projeto
Toponímia de Caxias do Sul, em desenvolvimento na UCS, sob a coordenação de Vitalina
Maria Frosi.
Outros estudos, não menos importantes, vêm sendo desenvolvidos como, por exemplo
o Projeto do Atlas Toponímico de Portugal (ATP
OR
), coordenado por Patrícia de Jesus
Carvalhinhos, na Universidade de São Paulo (USP). Os primeiros resultados desse estudo
foram apresentados no XII Simpósio Nacional de Letras e Linguística e II Simpósio
Internacional de Letras e Linguística, realizado em Uberlândia, Minas Gerais, em 2009.
1.3 Nomes de pessoas, a antroponímia
O estudo do nome próprio de pessoa também é muito envolvente. Dentre as múltiplas
considerações constantes na obra I nomi di persona in Italia; dizionario storico etimologico,
de Rossebastiano e Papa destaca-se a questão emocional que envolve uma denominação:
I nomi di persona possiedono per loro natura caratteri di attrattiva emozionale
altamente coinvolgenti: il nome è di fatto il primo ritratto di una persona che non si
sa ancora come sarà, racchiusa tra il passato da cui proviene attraverso la famiglia, e
il futuro verso il quale si proietta in una promessa di vita. Lo si confessi o no, la
scelta di chi ha il privilegio, l’onore e la responsabilità di attribuire un nome non è
facile: entrano in gioco, da una parte, la cultura, le tradizioni locali, i legami
parentali, le esperienze personali, vale a dire gli affetti (per il territorio, per la
famiglia, per se stessi), dall’altra, la paura del futuro, oscuro per tutti e quindi
generatore di ansie, più o meno consciamente esorcizzate attraverso proposte
22
augurali che investono la bellezza, la bontà, la ricchezza, la felicità del neonato ed
anche dei genitori
2
. (ROSSEBASTIANO; PAPA, 2005, p. IX).
Talvez isso explique por que muitos estudiosos têm se dedicado à análise dessa
questão. As obras sobre nomes próprios de pessoas são, na Itália do passado, muito
numerosas, mas, embora interessantes, carecem de caráter rigorosamente científico. A
dificuldade maior provavelmente residiu na carência de documentações sem as quais tornava-
se difícil efetuar o percurso diacrônico que deveria levar ao étimo do nome.
(ROSSEBASTIANO; PAPA, 2005, p. IX-X). Na introdução dessa obra, encontra-se uma
relação bastante exaustiva dos estudos realizados no passado, com uma caracterização sucinta
dos principais pontos positivos e das carências desses estudos. Destaca-se, de modo especial,
a expressiva produção ocorrida na década de 50, em sua grande maioria de caráter
divulgativo.
Nessa época, constitui um marco importante a obra de Carlo Tagliavini, intitulada Un
nome al giorno: origine e storia dei nomi di persona italiani (1956 e 1957). O estudo
considerado de caráter rigorosamente científico guarda sua validade até os dias de hoje.
Outro trabalho de grande valor é o de Emilio De Felice que, utilizando a lista dos
assinantes telefônicos desenvolveu um estudo que abrangia toda a Itália. Desse estudo
resultaram dois volumes publicados em Veneza, um em 1982, o outro em 1987. Muitos outros
estudos de onomástica foram realizados na Itália, do passado ao presente. Sempre analisando
obras nesse campo do conhecimento, Alda Rossebastiano (2005, p. XIV-XXI.) passa à análise
das produções ocorridas em tempo mais recente. As referências são inúmeras e os autores
citados e resenhados pela estudiosa chegam a mais de oitenta.
2
Os nomes de pessoa possuem por sua natureza caracteres de sedução emocional altamente envolventes: o nome
é de fato o primeiro retrato de uma pessoa a qual não se sabe ainda como será, circunscrita entre o passado de
que provém através da família, e o futuro para o qual se projeta numa promessa de vida. Confesse a gente ou
não, a escolha de quem tem o privilégio, a honra e a responsabilidade de atribuir um nome não é fácil: entram em
jogo, por um lado, a cultura, as tradições locais, os liames de parentesco, as experiências pessoais, vale dizer, os
afetos (pela terra, pela família, por si próprios), por outro lado, o medo do futuro, obscuro para todos e, portanto,
gerador ânsias, mais ou menos conscientemente exorcizadas através de propostas augurais que elegem a beleza,
a bondade, a riqueza, a felicidade do recém-nascido e também dos pais.” (ROSSEBASTIANO; PAPA, 2005, p.
IX). [Trad. De Vitalina Maria Frosi].
23
Mais recentemente, foi publicada a obra monumental I nomi di persona in Itália;
dizionario storico ed etimologico de Alda Rossebastiano e Elena Papa (2005). De rigor
científico, esta produção tornou-se logo conhecida em toda a Itália e fora dela em muitos
outros países.
Outra obra de caráter rigorosamente científico intitula-se I cognomi d’Italia.
Dizionario storico ed etimologico. Os autores Enzo Caffarelli e Carla Marcato (2008)
desenvolvem um abrangente e aprofundado estudo etimológico, com dados estatísticos, de
60.000 sobrenomes. Além da análise etimológica, o dicionário contém um estudo da
motivação das denominações. Esta atividade foi feita através de cuidadosa pesquisa
lexicográfica e dialetológica, na perspectiva diacrônica, buscando obter a compreensão
correta do sentido, particularmente em se tratando de alguns apelidos (FROSI, 2009).
No que diz respeito à produção de obras de caráter científico por estudiosos
brasileiros, na área da onomástica, foi possível ter acesso ao Dicionário Etimológico de
Nomes e Sobrenomes de Rosário Farani Mansur Guérios (1973). Seu estudo foi de grande
valia para este trabalho, principalmente, porque o recorte desta pesquisa contém nomes e
sobrenomes de origem lusitana.
Registram-se, ainda, duas obras específicas referentes a sobrenomes italianos do
Brasil. Embora os denominativos analisados no presente estudo não registrem antropônimos
italianos, trata-se de estudo de caráter científico de grande interesse para a análise dos demais
logradouros de Caxias do Sul. O autor faz uma pesquisa histórica do significado dos
sobrenomes. Além disso, aborda a composição morfológica, prefixos e/ou sufixos de todos os
sobrenomes apresentados. Os livros intitulam-se, respectivamente: Dicionário dos
sobrenomes italianos (mais de 25.000 sobrenomes) e Filius Quondam; a origem e o
significado dos sobrenomes italianos. Com acréscimos à primeira edição ocorrida em 1996,
nesta uma descrição e análise do “processo histórico que possibilitou o surgimento e a
fixação dos sobrenomes italianos durante o período medieval”. (MIORANZA, 2009, p. 11).
Numa perspectiva genealógica, é digno de nota o Dicionário das Famílias Brasileiras
(1999), editado em dois volumes, de autoria de Carlos Eduardo de Almeida Barata e Antônio
Henrique da Cunha Bueno. Trata-se de uma extensa obra com 17.000 verbetes, acumulados,
classificados e estudados ao longo de muitos anos.
24
1.4 Étimo e etimologia
Étimo (do grego etymos, vero) é o fragmento documentado que pode fornecer pistas
para a reconstituição de uma palavra, a partir de um percurso histórico. Etimologia (do grego
etymon, “verdadeiro significado de uma palavra” e lógos, “estudo”. Portanto, é o estudo do
verdadeiro significado, aquele originário das palavras (MORETTI; CONSONNI, 1995, p. 80)
e se refere ao agrupamento, muitas vezes espontâneo, dos étimos, a fim de reconstruir o
sentido de uma palavra.
Alterna o rigor científico a processos associativos naturais, levando em consideração,
também, as formações populares espontâneas.
Cortelazzo e Zolli (1980, p. 406) apontam a etimologia como “significado íntimo da
palavra”. Para Bárbara Colonna (1997, p. 117), ela é a ciência que estuda não a formação
das palavras, mas também a ligação que elas têm com outras mais antigas da qual se
originam.
A etimologia assume dois significados diferentes. Pode referir-se tanto à disciplina que
se ocupa de compreender a origem e interpretação das palavras, quanto à forma original que a
palavra possui.
David Crystal (1988, p. 101), em seu dicionário de Linguística e Fonética, cunha o
termo etimologia como sendo “tradicionalmente usado para o estudo das origens e a história
da FORMA e da SIGNIFICAÇÃO das PALAVRAS”. Insere a etimologia como uma
ramificação da linguística histórica, atribuindo-lhe método semelhante ao da semântica.
Segundo Dauzat (1926, p. 225), “os nomes de ruas apresentam um grande interesse
linguístico pelas alterações que sofreram na época em que eram quase exclusivamente orais: é
o reino da etimologia popular”.
25
1.5 O signo toponímico: referenciais teóricos
Diferentemente do signo linguístico, que é arbitrário, o signo toponímico é um signo
linguístico motivado. De acordo com Dick (1990):
Muito embora o topônimo seja, em sua estrutura, uma forma de língua, ou um
significante, animado por uma substância de conteúdo, da mesma forma que todo e
qualquer outro elemento do código em questão, a funcionalidade de seu emprego
adquire uma dimensão maior, marcando-o duplamente: o que era arbitrário, em
termos de língua, transforma-se no ato do batismo de um lugar, em essencialmente
motivado, não sendo exagero afirmar ser essa uma das principais características do
topônimo. (DICK, 1990, p.18)
Consegue-se perceber essa motivação de maneira mais explícita, por exemplo, quando
o nome do acidente geográfico em questão é constituído por um termo que faz referência à
sua “cor, forma, tamanho, constituição natural, enfim, o que ocorre em rio Grande, rio
Pequeno, Ribeirão Preto (...) entre tantos outros semelhantes” (DICK, 1990, p. 19).
O estudioso francês Pierre Guiraud (1986) também se ocupou da problemática que
envolve o signo lingüístico. Para ele, existem três noções ao se tratar do assunto:
arbitrariedade, motivação e a convencionalidade. Ele afirma que “arbitrário se opõe a
motivado, e tem como corolário convencional, visto que, na ausência de qualquer motivação
apenas a convenção fundamenta a significação. Convencional, entretanto, não exclui
motivado” (GUIRAUD, 1986, p.27-28).
Assim como Dick, o francês não aponta a ideia de arbitrariedade como item principal
para se buscar a essência de um signo lingüístico, reitera a importância da convencionalidade
e coloca a motivação em segundo plano. Para o autor, “todas as palavras são
etimologicamente motivadas” (GUIRAUD, 1986, p.27-28).
A transparência dos nomes fica mais distante quando se tomam nomes próprios de
lugares como os da Avenida Júlio de Castilhos ou da Rua Bento Gonçalves, por exemplo. Em
ambos os casos, sem um estudo mais aprofundado, o que se sabe sobre eles é que os dois
personagens foram expoentes políticos do Rio Grande do Sul e, assim, homenageados com as
denominações de ruas de diversas cidades gaúchas, como é o caso de Caxias do Sul.
26
O estudo dos topônimos pode ser feito levando-se em consideração dois aspectos: as
características externas ou semânticas (motivações) e internas (filiação linguística), ou seja, a
ligação com o grupo étnico que o originou (DICK, 1990, p. 17). Como observa Dick (1990,
p.81) “essa origem heterogênea [do Brasil] deixou reflexos diferenciados na língua, nos usos e
costumes, nas tradições regionais e, conseqüentemente, na toponímia do país”.
A motivação nos topônimos revela-se, no momento de sua designação, o que, com o
decorrer dos anos, distancia a intencionalidade do ato denominador do nome em si. O
significado da denominação que, na época, era claro e transparente, torna-se, com o passar do
tempo, opaco em decorrência dessa distância temporal e espacial. Ainda assim, mantêm-se
esses designativos, o que tornam o topônimo um “fóssil lingüístico”
3
(DICK, 1990, p. 20).
Isquerdo (1997) diz que a busca da motivação no signo toponímico é complexa. A
pesquisadora reconhece essa característica afirmando que:
[...] a diversidade de influências culturais na formação étnica da população, como
também, as especificidades físicas de cada região tornam dificultosa toda tentativa
de explicação das fontes geradoras dos nomes de lugares e de acidentes geográficos.
Em vista disso, o esclarecimento da origem de determinados topônimos fica na
dependência da recuperação, não raras vezes, de fatores extralinguísticos como as
características geo-sócio-econômicas de uma região e, conseqüentemente, as marcas
étnicas e sociais da população habitante em tal espaço físico-cultural. (ISQUERDO,
1997, p. 33).
Sendo assim, um estudo toponímico implica um entendimento que transcende o nome
em si. Faz-se necessário buscar elementos em outras áreas, como na antropologia, na história
e na sociologia, por exemplo, para construir um conhecimento sobre o porquê de uma
denominação em detrimento à outra. São os aspectos extralinguísticos que irão dar pistas
sobre o nome.
Dick (1990, p. 36) afirma que Toponímia é “um imenso complexo línguo-cultural, em
que dados das demais ciências se interseccionam necessariamente e não exclusivamente”.
Para Dick (1990), apesar desse caráter eclético da disciplina, que parece inicialmente se
3
Na linguística, o termo fossilização é uma expressão do geógrafo francês Jean Brunhes, para quem o topônimo
era um fóssil da geografia humana, já que, mesmo com o desaparecimento dos fatores motivacionais, eles ainda
podem permanecer cristalizados e intactos em um topônimo: nom de lieu est tout à fait comparable, comme
document, à un fossile, à une médaille, à une monnaie”. (BRUNHES, J. La Geographie Humaine. Paris, 1925.)
27
chocar com o pensamento de Charles Rostaing, que via na Linguística o “princípio essencial
da Toponímia”, não há contradição entre as duas posições.
Segundo Rostaing (1945):
A toponímia sempre fez estudos apaixonados e, de outra forma, sérios. Todavia
somente no século XIX são atribuídos à linguística os fundamentos essenciais de seu
estudo. Dentre os primeiros estudiosos, Auguste Longnon destaca-se nos estudos
metódicos e sistemáticos da toponímia francesa. (p.6). Sua obra intitulada Noms de
lieux de la France apareceu em 1920, após sua morte e, assim, foi precedido por
outro, o de H. Groehlex (ROSTAING, 1945, p.7).
Ernest Muret, em sua obra Les Noms de lieux dans les langues romanes (apud
ROSTAING, 1945, p. 9), referindo-se aos topônimos, diz que:
Un nom de lieu (c’est évident, mais on n’y prend pas garde) est une forme de
langue, un mot formé, comme tous les autres, de voyelles et de consonnes, de
phonèmes articulés par les organes de la parole et transmis par l’oreille au cerveau.
Il ne saurait donc être étudié autrement qu’un autre mot quelconque, en dehors de la
langue dont il fait partie e dont il porte l’empreinte.
4
(MURET, apud ROSTAING,
1945, p. 9).
Em outras palavras, completa Rostaing (1945, p. 9), o topônimo é uma palavra como
as outras, sujeita às leis da fonética. A Toponímia, em sua feição intrínseca, “deve ser
considerada como um fato do sistema das línguas humanas”.
Dick (1996) acrescenta:
Uma análise toponímica pressupõe a busca de particularidades que não podem ficar
apenas nas características mais evidentes apresentadas pelo nome, deve-se procurar,
tanto quanto possível, ou seja, tanto quanto as fontes ou a documentação o
permitirem, as origens mais remotas do denominativo, objetivando as eventuais
substituições experimentadas, e a sua razão determinante, de modo que se possa
tentar um equacionamento da nomenclatura em períodos ou estágios onomásticos
senão de toda ela, pelo menos em alguns nomes que talvez reflitam momentos
distintivos do pensar da época analisada. (DICK, 1996, p. 15-16)
4
“Um nome de lugar evidente, mas a gente não presta a atenção) é uma forma da língua, uma palavra
formada, como todas as outras, de vogais e de consoantes, de fonemas articulados pelos órgãos fonadores da fala
e transmitidos pelo ouvido ao cérebro. Ele não
será, portanto, estudado, senão como um outro nome qualquer,
fora da língua da qual faz parte e da qual carrega a marca.” [Tradução de Carmen Faggion].
28
De acordo com Carvalhinhos e Antunes (2007), existe uma tendência de constituir um
topônimo de substantivos ou substantivos + adjetivos, embora não contemple apenas uma
classe gramatical.
O topônimo apresenta-se em formas e funções variadas. Estruturalmente, de acordo
com Dick (1990, p. 10), o topônimo compreende dois elementos: o termo (elemento)
genérico e o termo (elemento) específico, ao que chama de ‘sintagma toponímico’”. O
primeiro corresponde ao nome do próprio acidente geográfico que será denominado; e o
segundo, corresponde ao elemento que identifica, singulariza o acidente. Por exemplo, no
sintagma Rio das Antas: Rio é o termo genérico e das Antas, o específico.
No caso do corpus do presente estudo, o termo genérico refere-se sempre à rua (ou
avenida). Os termos específicos correspondem aos nomes dos homenageados com sua
denominação. Exemplificando, na Rua Bento Gonçalves, “rua” é o termo genérico e “Bento
Gonçalves” o termo específico.
A principal característica do topônimo é a sua função. Dick (1990, p. 367), apresenta
os princípios teóricos da análise toponímica e propõe uma discussão sobre dois planos de
investigação o diacrônico e o sincrônico. No plano sincrônico, a investigação possibilita “o
exame das séries motivadoras, que conduziram à elaboração das taxes toponímicas,
vinculadas, de modo genérico, aos campos físico e antropo-cultural”. Assim, faz-se um
recorte no tempo, para analisar determinado nome, mas também se busca na história
elementos que possam explicá-lo.
Dick (1996, p. 145) diz que “a toponímia concorre para o entendimento entre os
moradores locais, facilitando a identificação dos lugares e, conseqüentemente, permitindo a
movimentação e o deslocamento dos indivíduos, de maneira ampla e objetiva”.
A motivação toponímica – e, por conseguinte, pode-se estender essa afirmação à
hodonímia possui um duplo aspecto que, segundo Dick (1990,) transparece na
intencionalidade do denominador ao selecionar o nome na qual concorreriam circunstâncias
de ordem objetiva ou subjetiva – e, em seguida, na origem semântica da nomeação, no
significado intrínseco a ela. Souza (2007, p.36) complementa a ideia:
29
(...) o estudo toponomástico servirá como fonte de conhecimento da língua falada
numa dada região e como recuperação de fatos físico-geográficos e/ou sócio-
histórico-culturais, em parte ou em sua totalidade, por que passaram os povos que
habitaram, temporária ou definitivamente, a região pesquisada (SOUSA, 2007, p.
36).
Partindo das teorias de Dauzat e Vasconcelos, Dick propôs um modelo de
classificação para os topônimos. O modelo contempla 27 taxes: 11 relacionadas com o
ambiente físico e 16 relacionadas com os aspectos sócio-histórico-culturais que envolvem o
homem.
De acordo com a autora:
Com efeito, um topônimo aparece em um determinado lugar, às vezes não se sabe
dado por quem, fruto da população anônima, entranha-se de tal forma ao lugar que
passa a incorporar o significado do local, como se um e outro fossem a mesma coisa,
verdadeira imagem mimética do referente, reprodução de suas características, por
mais de uma geração, o nome pode permanecer definindo a área até que fatos
posteriores, aleatoriamente ou não, acabem por imprimir novo rumo ao
chamamento. (DICK, 1996, p. 22)
As referidas categorias taxonômicas são descritas e exemplificadas a seguir. Os
exemplos e explicações apresentados foram retirados de Dick (1990):
1.6 Categorias dos topônimos
1.6.1 Taxionomias de Natureza Física
Astrotopônimos: topônimos relativos aos corpos celestes em geral. Ex. Estrela (BA);
Cardinotopônimos: topônimos relativos às posições geográficas em geral. Ex. praia do
Leste (PR);
Cromotopônimos: topônimos relativos à escala cromática. Ex. Rio Negro (AM);
Dimensiotopônimos: topônimos relativos às dimensões dos acidentes geográficos,
como extensão, comprimento, largura, grossura, espessura, profundidade. Ex. Ilha
Comprida (AM);
Fitotopônimos: topônimos de índole vegetal, em sua individualidade ou em conjuntos
da mesma espécie ou de espécies diferentes, além de formações espontâneas não
individuais e em conjunto. Ex. Pinheiral (RJ), Cafezal (PA);
30
Geomorfotopônimos: topônimos relativos às formas topográficas. Ex. Coxilha (RS);
Hidrotopônimos: topônimos relativos a acidentes hidrográficos em geral. Ex. Água
Boa (MG);
Litotopônimos: topônimos relativos aos minerais ao à constituição do solo. Ex. Arroio
do Ouro (RS);
Meteorotopônimos: topônimos relativos a fenômenos atmosféricos. Ex. Ventania (SP);
Morfotopônimos: topônimos que refletem o sentido de formas geométricas. Ex.
Triângulo (MT);
Zootopônimos: topônimos referentes aos animais, representados por indivíduos
domésticos e não domésticos e de mesma espécie em grupos. Ex. Vacaria (RS), Lagoa
da Onça (RJ).
1.6.2 Taxionomias de Natureza Antropo-cultural
Animotopônimos (ou Nootopônimos): topônimos relativos à vida psíquica, à cultura
espiritual, abrangendo todos os produtos do psiquismo humano. Ex. Vitória (ES);
Antropotopônimos: topônimos relativos aos nomes próprios individuais. Ex. Arroio
Barbosa (RS);
Axiotopônimos: topônimos relativos aos títulos e dignidades que acompanham nomes
próprios individuais. Ex. Doutor Pedrinho (SC);
Corotopônimos: topônimos relativos a nomes de cidades, países, estados, regiões e
continentes. Ex. Uruguai (MG);
Cronotopônimos: topônimos relativos aos indicadores cronológicos representados
pelos adjetivos novo(a), velho(a). Ex. Velha Boipeba (BA);
Ecotopônimos: topônimos relativos às habitações em geral. Ex. Casa da Telha (BA);
Ergotopônimos: topônimos relativos aos elementos da cultura material. Ex. Jangada
(MT);
Etnotopônimos: topônimos relativos aos elementos étnicos isolados ou não (povos,
tribos, castas). Ex. Guarani (PE);
Dirrematopônimos: topônimos constituídos de frases ou enunciados lingüísticos. Ex.
Há Mais Tempo (MA);
Hierotopônimos: topônimos relativos a nomes sagrados de crenças diversas, a
efemérides religiosas, às associações religiosas e aos locais de culto. Ex. Capela (AL).
Essa categoria subdivide-se em: (i) Hagiotopônimos: nomes de santos ou santas do
hagiológio católico romano. Ex. Santa Tereza (GO) (ii) Mitotopônimos: entidades
mitológicas. Ex. Ribeirão do Saci (ES);
Historiotopônimos: topônimos relativos aos movimentos de cunho histórico, a seus
membros e às datas comemorativas. Ex. Vinte e Um de Abril (SP);
31
Hodotopônimos: topônimos relativos às vias de comunicação urbana ou rural. Ex.
Córrego do Atalho (GO);
Numerotopônimos: topônimos relativos aos adjetivos numerais. Ex. Duas Barras
(BA);
Poliotopônimos: topônimos constituídos pelos vocábulos vila, aldeia, cidade,
povoação, arraial. Ex. Rio da Cidade (RJ);
Sociotopônimos: topônimos relativos às atividades profissionais, aos locais de trabalho
e aos pontos de encontro dos membros de uma comunidade. Ex. Córrego Engenho
Novo (MG);
Somatopônimos: topônimos empregados em relação metafórica a partes do corpo
humano ou animal. Ex. Igarapé do Dedo (RR).
Faz-se necessário ter claro os principais conceitos elaborados e explicitados por
Rostaing, Dauzat e Dick para a compreensão da Toponímia e do trabalho que segue. Rostaing
(1945, p. 5) diz que “a Toponímia propõe-se estudar a significação e a origem dos nomes de
lugares e também de estudar suas transformações”.
Como se trata de um estudo interdisciplinar, recapitula-se que a Toponímia é a
disciplina que estuda os nomes próprios de lugares e tem como objeto de estudo o signo
toponímico, que é o signo linguístico motivado.
Essa motivação pode aparecer de forma transparente ou opaca. Dauzat (1926, p. 1-2)
afirma que:
As sucessivas camadas históricas, sobrepostas verdadeiramente análogas às
camadas geológicas dos terrenos sedimentares –, são bem mais numerosas e
mergulham bem mais longe, no passado, do que os nomes de pessoas. (DAUZAT, p.
1-2)
O signo toponímico pode apresentar alguns fenômenos como o esvaziamento do
significado que leva à opacidade, bem como a fossilização ou cristalização do nome. Deve-se
considerar o topônimo como um produto cultural, que mostra a organização de uma região e
de seus ocupantes.
32
Se a língua reflete a cultura, seu léxico e, consequentemente, sua toponímia ajudam
nessa compreensão. O estudo toponímico, por sua vez, traz contribuições a diversas áreas do
saber, transcendendo à Linguística.
1.7 Hodonímia: microcosmo da toponímia
Assim como a Onomástica, a toponímia também apresenta subdivisões. Nela, um
estudo específico cabe à Hodonímia, ramo no qual se insere o presente estudo. A hodonímia
(do grego, hodós ‘via, estrada’ e ònoma, ‘nome’) compreende o conjunto dos nomes das ruas
e praças e de todas as áreas de circulação de um centro urbano. Um hodônimo, do mesmo
modo que um topônimo, traz consigo a sua possibilidade de descrição: ele possui traços
culturais que são compartilhados por todas as pessoas que constituem esse específico grupo
social, mesmo que, às vezes, tal sentido seja ignorado por alguns.
As ruas são bem mais do que designativos de orientação em uma cidade: seus nomes
dão pistas do passado e do presente, dos ocupantes, das figuras ilustres homenageadas e dos
interesses que estão por trás de sua nomeação.
Para Dick (1996), são microcosmos:
A rua é um ponto singular de atração da cidade, um verdadeiro microcosmo dentro
do organismo maior do aglomerado urbano. Para ela tudo converge, desde o fato
corriqueiro do dia-a-dia, o simples entra e sai das casas até as grandes
comemorações solenes ou festivas. (DICK, 1996, p. 133)
Conhecer o significado desses nomes é prestar uma reverência à memória e à história,
além de revelar aos moradores fatos relevantes sobre o passado do local em que eles vivem.
Um passeio pelas ruas do Centro de Caxias do Sul, por exemplo, mostra a influência luso-
brasileira e/ou gaúcha nos nomes que recortam o espaço central de circulação dessa cidade.
33
1.8 Nome próprio: referência a um objeto particular específico
De acordo com Brito (2003, p. 27), com os nomes próprios designam-se certos objetos
“para a eles nos referirmos simplesmente pela menção de seus nomes”. No presente trabalho,
os termos Júlio, Ernesto e Alfredo, cujos sobrenomes são, respectivamente, de Castilhos,
Alves e Chaves, servem de exemplos a essa afirmação. Ainda, em consonância com esse
autor, um nome próprio não designa qualquer objeto de um certo tipo, “mas um objeto
singularmente determinado; (...) nomes próprios servem para referir inequivocamente um
objeto particular específico” (idem, p. 27).
Pulgram (1954) analisa a implicação da significação do conceito nome próprio: o
onoma grego, traduzido para o latim como nomen proprium, não teria aqui apenas o
significado de “próprio” no sentido de propriedade, mas também possuiria o sentido de
peculiar, característico, em oposição à comum, ordinário (apud Dick, 1990).
Pensando-se nos nomes das ruas que integram o corpus deste trabalho, por exemplo,
percebe-se que as denominações, em um primeiro momento, remetem apenas a um destino,
um lugar de passagem. Os logradouros carregam nomes específicos, é verdade, mas que
poderiam ser não esses, mas quaisquer outros. O que singulariza e legitima esses nomes são
os usos e significados que estão por trás deles.
O dinamismo da língua faz com que o nome perca, rapidamente, seu verdadeiro
significado. Ele é ocultado por uma forma opaca, que deixa apenas uma espécie de
embalagem, que em nada ajuda a se conhecer o que está dentro dela.
Na questão dos nomes próprios, Dick (2001) esclarece que:
os nomes próprios, principalmente os mais antigos e conservadores, podem
incorporar o característico de dêiticos, na acepção que lhes confere o sistema. São
apontadores de referências individuais e sociais, trazendo a característica de grupos
sintáticos estáveis, no conjunto de seus elementos formadores (prenome + apelido de
família). (DICK, 2001, p. 85).
34
Mas, para que esses significados sejam revelados, faz-se necessário ir além do aspecto
lingüístico que o explica é preciso clarear o sentido que existe por trás de tais nomes, que
signos toponímicos, bem como hodonímicos, podem ser opacos. Para Dauzat (1926, p.1),
assim como os nomes de pessoas, os nomes de lugares se apresentam a nós como palavras
antigas, de significado preciso, cristalizadas e esterilizadas de modo mais ou menos rápido,
esvaziadas de sentido original.
Carvalhinhos e Antunes (2007) reiteram a ideia, explicando que um nome pode ser
opaco, “pela sobreposição de camadas linguísticas, no sentido de várias etapas evolutivas de
uma mesma língua”.
Dick (2001) explicita a questão:
Nomes próprios de pessoas são obscurecidos em seu conteúdo léxico-semântico pela
opacidade do próprio signo que os conforma, distanciados, da maioria das
ocorrências, do foco original. (...) Determinadas expressões ainda são significativas,
etimologicamente, para a população, mesmo a mais leiga, que acaba assimilando seu
significado e transmitindo-o, em cadeia, pela repetição habitual. Mas são poucas as
que, ainda hoje, são escolhidas pelo conteúdo semântico, a maioria delas responde,
apenas, a uma percepção fônica mais sensível ou mais sonora ao gosto dos pais, à
moda difundida pela mídia em geral e, principalmente, ao fato de serem ‘nomes’ de
ídolos populares, personagens famosas ou pessoas importantes. O que significa, sem
dúvida, um culto ou um respeito, ainda que inconsciente, à concepção mágica que os
nomes pessoais continuam carregando (DICK, 2001, p. 85).
Antes da chegada dos europeus, os lugares no Brasil não tinham uma denominação
oficial. Dick (1996, p. 13), referindo-se a terras de Piratininga, cita como elementos
integrantes do contexto geofísico, a aldeia, a colina e a presença de poucos rios. A área
territorial da serra paulista foi vista como um enorme “descampado, gerador de um grande
vazio toponomástico”.
Assim, o grande desencadeador de denominações oficiais foi o português que se
deslocou para o Brasil, tendo influência, inclusive, em locais onde sua população não era
majoritária, como em Caxias do Sul. Dos 18 hodônimos do centro de Caxias do Sul que serão
analisados, apenas um deles faz referência a um italiano, isto é, a Rua Garibaldi. Ainda assim,
Giuseppe Garibaldi é considerado um herói de dois mundos. A estudiosa explica:
35
O denominador é apenas um elemento da cultura nacional, da qual é projeção e em
que se manifesta, de modo particularizante. O sistema denominativo que aciona é,
assim, um reflexo de tudo aquilo que representa, cumulativamente, hábitos, usos,
costumes, moral, ética, religião. (DICK, 1996, p. 13)
Desse modo, no ato de nomeação, um mecanismo, influenciado externamente ou
subjetivamente, deixa transparecer nos topônimos significados das mais diferentes
procedências, tornando perceptível um estreito vínculo entre o objeto denominado e seu
denominador. Exemplificam o que se acaba de expor algumas ruas de Caxias do Sul,
chamadas, respectivamente, Avenida Itália, Rua Cremona, Rua Fonzaso. O denominador,
nesse caso, pode ter sido influenciado, e até impelido, por sentimentos de saudade da terra de
origem. O mecanismo que atuou no ato de nomeação tem caráter subjetivo.
Dick (1990, p. 107) afirma que:
Um nome pode fixar-se localmente, e nunca ultrapassar, na prática, os limites
geográficos de sua região; nem por isso deixará de revestir a feição histórica que se
aponta. Nascem esses denominativos como topônimos meramente locais, refletem
dados e pessoas desconhecidas, em geral, do grande público, apesar de terem
realizados feitos de realce em seu meio, o que lhes deu “condição toponímica”
propriamente dita para serem rememorados, de uma forma ou de outra, Continuam,
porém, sendo elementos “despersonalizados” para a maioria da população. (DICK,
1990, p. 107)
A denominação, assim, poderia ser percebida como uma decorrência natural, que,
em certo sentido, as coisas passam a existir para o ser humano, quando ele as conhece e as
nomeia. Neste caso, deveriam ter sido conservados os designativos atribuídos pelo povo que,
então, constituía a cidade de Caxias do Sul. Mas muitos nomes espontâneos de ruas do Centro
de Caxias do Sul, por sua vez, cederam lugar aos nomes oficiais, normatizados.
A Avenida Júlio de Castilhos, que era chamada pelo povo Rua Grande e Rua dos
Caiporas, antes do designativo atual, também foi denominada oficialmente de Rua Silveira
Martins
5
.
5
Segundo Giron e Bergamaschi (2001, p. 64), a Rua Grande foi denominada em 1880 de Silveira Martins e,
desde 1897 chama-se Júlio de Castilhos.
36
A denominação oficial que, neste caso, não levou em consideração a motivação
espontânea, fez com que os hodônimos em questão distanciem-se desta motivação e se tornem
neutros para a comunidade de Caxias do Sul, “até se construir um novo uso para o mesmo
objeto, tornado remotivado ou ressemantizado” (DICK, 2004).
A autora (2004) amplia a ideia:
A substituição dos significados ocorre, portanto, no nível do discurso, no enunciado
concreto produzido pelo enunciatário e, não, no plano do sistema, no qual a lexia
continua operando, em sua potencialidade sígnica. Nas descrições onomásticas,
muito de emotividade e experimentação nelas colocadas. (...) Quanto mais distante
se estiver do objeto, maior será a neutralidade conceitual acerca do fato e o
desinteresse em recuperar-lhe aspectos ou os seus contornos. Muitas vezes, é o
designativo o único registro do próprio traçado do acidente no terreno ou das
circunstâncias motivadoras do batismo. (DICK, 2004, p. 125)
Para que esses nomes e suas respectivas intenções não sejam esquecidos, leva-se em
conta que o estudo da hodonímia, tanto quanto o da toponímia, não se limita à etimologia dos
nomes. Retomando a classificação de Dick (1990), percebe-se claramente que todo o nome
carrega aspectos extralinguísticos como aqueles geográficos, históricos, sociais, econômicos e
antropológicos de cada lugar.
A autora afirma que não é possível dissociar o nome da história e da cultura
envolvidas com o que ele nomeia:
(...) a história dos nomes de lugares, em qualquer espaço físico considerado,
apresenta-se como um repositório dos mais ricos e sugestivos, face à complexidade
dos fatores envolventes. Diante desse quadro considerável dos elementos atuantes,
que se entrecruzam sob formas as mais diversas, descortina-se a própria panorâmica
regional, seja em seus aspectos naturais ou antropo-culturais. (DICK, 1990, p. 19)
37
2. OS TOPÔNIMOS:
SUAS INTERFACES NO CONTEXTO EXTRALINGUÍSTICO
2.1 Caxias do Sul, 1875-1930
A leva de imigrantes italianos que chegou à Colônia dos fundos de Nova Palmira
6
em
1875 assentou-se em terras desocupadas demarcadas e destinadas aos estrangeiros vindos da
Itália. O governo, previamente, dividiu essa área em várias colônias.
Como outros pesquisadores da área, Giron e Bergamaschi (1996, p. 10) explicam que
esse “sistema de colônias, implantado pelo governo imperial no Rio Grande do Sul, obedecia
ao regime de glebas contínuas que caracterizou a maior parte do empreendimento colonial na
província”. Assim, os imigrantes apostaram a sorte às condições da terra brasileira. As autoras
dizem ainda que:
Os colonos agricultores pobres, casados e não tão jovens carregaram suas famílias
para uma aventura sem retorno. A busca de terras das quais poderiam ser
proprietários e a esperança de uma vida melhor do que a que levavam em sua terra
natal mergulhou-os em terras brasileiras. (GIRON E BERGAMASCHI, 1996, p. 10)
Resumidamente, essas terras devolutas que foram ocupadas pelos imigrantes podem
ser agrupadas em Antiga Colônia e Nova Colônia, compreendendo a primeira a Antiga
Colônia I e Antiga Colônia II, fundadas na época do Império; a Nova Colônia, fundada
6
MACHADO, op. cit., p.25. Em 1877, recebeu o nome de Colônia Caxias. ADAMI, op. cit., p.130. Depois,
Caxias passou a se chamar Campo dos Bugres e, mais tarde, Sede Dante.
38
durante a República, compreende Guaporé e Encantado. Considera-se ainda a existência de
uma Novíssima Colônia decorrente das migrações internas da RCI, resultante das expansões
das demais Colônias. Estudos realizados (cf. FROSI; MIORANZA, 1975 e FROSI;
MIORANZA, 2009) apresentam a história econômica e lingüístico-dialetológica da RCI
dividida em quatro períodos, contendo cada um deles características definidoras que lhes dão
fisionomia própria.
Machado (2001, p. 66) explica que o núcleo central da Sede Dante foi “demarcada
entre as atuais ruas Marechal Floriano, Ernesto Alves, Vereador Mário Pezzi e uma rua de 13
metros de largura aos fundos das meias quadras, lado sul, da Rua Os 18 do Forte, que se
destinava a separar o povoado dos lotes rurais 21 e 42”.
No que diz respeito à formação política de Caxias do Sul, Rela (2004, p. 34), explica
que a administração passou por três períodos distintos. O primeiro foi de 1875 a 1884, o
segundo de 1884 a 1890 e o terceiro de 1890 até os dias atuais. Segundo a autora (2004):
No primeiro período administrativo (de 1875 a 1884), era denominada colônia e
estava ligada diretamente ao governo imperial. Sua administração era feita pela
comissão de terras, aqui centralizada na pessoa do diretor da colônia. O segundo
período (de 1884 a 1890) foi caracterizado pela fase de distrito vinculado ao
município de São Sebastião do Caí passando a se chamar Freguesia de Santa Teresa.
O terceiro período (inicia em 1890) quando o distrito passa à categoria de município
autônomo. Nesse período passou a denominação de Vila de Caxias. (RELA, 2004, p.
34)
Os hodônimos aqui analisados receberam suas denominações oficiais, em sua
maioria, no primeiro período. Integram esse grupo as ruas Visconde de Pelotas, Vinte de
Setembro, Pinheiro Machado, Os 18 do Forte, Moreira César, Garibaldi, Ernesto Alves, Dr.
Montauri, Borges de Medeiros e Alfredo Chaves. O segundo período é representado pelo
hodônimo Marquês do Herval. No terceiro período, foram denominadas as ruas Guia Lopes,
Feijó Júnior, Júlio de Castilhos, Bento Gonçalves, Marechal Floriano, Coronel Flores e
Sinimbu.
Reflexo desses nomes nas ruas é que, durante um longo tempo, existiram
intendentes de origem luso-brasileira. Aos italianos era facultada a vice-intendência e, em
39
casos excepcionais (substituição por afastamento temporário ou morte) é que chegavam a
cargo de intendente. Somente em 1924, um italiano foi eleito para o cargo: Celeste Gobatto.
Nos dois primeiros períodos, não houve eleições e, mesmo se fosse realizada alguma,
não seria permitido aos imigrantes participar delas. Quem administrava Caxias eram
funcionários públicos indicados pelo governo da província. Eram eles que coordenavam a
distribuição de terras não se pode esquecer que Caxias foi planejada desde o início,
contando com administração para a acomodação de imigrantes e cobravam os impostos e as
dívidas dos italianos recém-chegados.
Nascimento (2009) explica que a presença do governo brasileiro se dava pelos
representantes de origem não-italiana:
Os funcionários do Estado imperial foram o rosto do colonizador, que não era eles,
era o governo brasileiro. Os imigrantes sabiam que acima de tudo havia um poder, o
do Imperador, a autoridade máxima do Brasil (...) A empresa colonizadora imperial
pode preparar com detalhes a ocupação de terras devolutas do país.
(NASCIMENTO, 2009, p. 87)
Foi só em 1890, com a emancipação, que os italianos passaram a constituir a Junta
Administrativa e participar ativamente das decisões políticas da localidade. Ângelo Chittolina,
italiano de Mânova que era maçom, Ernesto Marsiaj, de Feltre, e Salvador Sartori, de
Vicenza, compunham a administração, que tinha vinculação ao PRR. O grupo ficou no poder
até 1892.
Machado (2001, p. 28) afirma que essa convivência entre grupos étnicos diferentes
“foram relações muitas vezes de confronto”:
O cargo de intendente era exercido por homens estranhos à comunidade caxiense, de
origem luso-brasileira, nomeados e/ou indicados pelo governador do Estado e
pertencente ao partido político no poder. Essa era uma prática que deixava os líderes
locais numa situação incômoda, de subserviência. (MACHADO, 2001, p. 28)
O crescimento econômico e o aumento da representatividade empresarial foram
determinantes para o início das mudanças nesse sentido, que se realizariam anos mais tarde.
Um ano antes, o poder municipal foi tomado por uma “Junta Revolucionária Municipal”
40
(BERGAMASCHI e GIRON, 1992, p. 80), liderada pelo italiano Francisco Salerno. Meses
mais tarde, foram nomeados pelo governo provisório dois membros da Junta Revolucionária,
colocando-os ao lado de conselheiros eleitos. Instaurou-se uma crise política e, como tentativa
de amenizá-la, o governo estadual nomeou o primeiro intendente, Antonio Xavier da Luz. Foi
justamente ele que assinou a denominação da rua principal de Caxias como Júlio de Castilhos,
em 1893.
2.2 Região, um espaço político constituído pelo nome
Ao se pensar uma região, é preciso levar em conta as representações de regionalidade
presentes nela, as características regionais que as diferem, as aproximam e as legitimam como
tal.
As características que estabelecem a relação de proximidade ou afastamento são
diversas: língua, cultura, colonização, vocação econômica, história, política, entre outros.
Assim, faz-se necessário buscar referências em estudos interdisciplinares para tentar explicá-
la.
Neste caso, foram utilizados preceitos da linguística, antropologia, história, sociologia
e literatura para definir uma região específica, situada nas principais ruas de Caxias do Sul, e
que foram agrupadas por serem as primeiras a receberem denominação.
A noção de região, no entanto, transcende a ideia de espaço geográfico. Espaço
geográfico, tal qual o geógrafo Milton Santos faz referência, também não se constitui de um
conceito estático. Em sua obra, ele distingue o espaço em três etapas de suas pesquisas.
Inicialmente, baseado na Geografia, ele leva em conta o espaço como um conjunto de
fixos – sendo isso tudo aquilo que está fixado no lugar, e fluxos – o produto das ações que são
realizadas no espaço. Em uma segunda abordagem, leva em conta as relações sociais
presentes em um território configurado. No terceiro momento, diz que o espaço não pode ser
separado de uma combinação de elementos constituídos por objetos e ações.
41
Segundo Santos, “a interdependência universal dos lugares é a nova realidade do
território” (SANTOS, 1996, p. 15). Além disso, diz que vive-se em uma “dialética do
território” (1996, p. 17).
Ao fazer essa observação, Santos (1982) considera o espaço como uma organização
caracterizada pelo dinamismo:
O espaço, entretanto, não é usualmente considerado como uma das estruturas da
sociedade, mas um mero reflexo. E, se concluímos que a organização do espaço é
também uma forma, um resultado objetivo de uma multiplicidade de variáveis
atuando através da história, sua inércia passa a ser dinâmica. (SANTOS, 1982, p. 29
e 30)
Andrade complementa o pensamento de Santos, ao afirmar que “deve-se ligar sempre
a ideia de território à ideia de poder, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao
poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais,
ignorando as fronteiras políticas” (ANDRADE, 1996, p. 213).
Se é preciso usar da linguagem para conceituar um espaço, um lugar e uma região,
podemos fazer uso da linguística para reivindicar a função fundamental do nome
7
nesse
processo de denominação. O nome das ruas revela bem mais do que aspectos históricos ou
econômicos da cidade – ele delimita uma região, a partir do ato denominador.
Se “é o nome que revela as fronteiras internas da cidade” (ZOPPI-FONTANA, 1999,
p. 214) ele é tomado como ponto de partida para a delimitação dos espaços e constituição de
uma região – neste caso, a do centro de Caxias do Sul.
A denominação, por natureza ou convenção, acaba estipulando uma relação simbólica
de poder. E é essa relação, embutida de força, que ajudará a explicar a origem do nome de um
hodônimo, bem como a intencionalidade e o poder que está por trás do ato de nomeação.
7
No caso específico deste trabalho, ao se fazer referência a “nomes”, subentende-se “nomes de ruas”, sempre
que o contexto ensejar esta interpretação.
42
E o ato de nomear vem carregado de intencionalidade, dada a motivação do signo
toponímico
8
, tal qual o estabelecimento de uma região. Segundo Bourdieu (2001, p. 113) uma
região se estabelece através de um ato mágico de poder. Se a constituição de uma região não
se por acaso, que precisa de identidades regionais que a legitimem, pode-se dizer que o
conjunto das 18 ruas centrais desta cidade, que homenageiam em sua maioria vultos e
acontecimentos políticos sul-rio-grandenses, deem pistas e se agrupem em uma região sem
fronteiras visíveis e, necessariamente, delimitadas em um espaço geográfico.
A ideia de “rede de relações” apresentada por Pozenato (2003), aparece como conceito
fundamental para entender a distinção que se estabelece entre região e regionalidade. Assim,
para esse autor, a regionalidade seria expressa através das redes de relações presentes em uma
região específica. Nesse caso, consideraremos o centro de Caxias do Sul.
Ressalta-se, no entanto, que a referência ao centro faz-se necessária por causa do
corpus deste trabalho, pois se entende que, nos estudos atuais sobre região e/ou regionalidade,
“as ideias de centro e de fronteiras perdem cada vez mais o seu sentido” (POZENATO, 2003,
p. 157), uma vez que o advento da tecnologia nos permite repensar os parâmetros territoriais.
Para o autor:
A região não é pois, na sua origem, uma realidade natural, mas uma divisão do
mundo social estabelecida por um ato de vontade. Tal divisão não é totalmente
arbitrária porque, por trás do ato de delimitar um território, certamente critérios,
entre os quais o mais importante é o do alcance e da eficácia do poder de que se
reveste o auctor (grifo do autor) da região. Enquanto esse poder é reconhecido, a
região por ele regida existe. Em suma, a região, sem deixar de ser em algum grau um
espaço natural, com fronteiras naturais, é antes de tudo um espaço construído por
decisão, seja política, seja da ordem das representações, entre as quais as de
diferentes ciências. (POZENATO, 2003, p. 150)
Além da intenção política que existe para a sua constituição, Bourdieu afirma (2001, p.
115) que a região é mais um produto do tempo do que do espaço. Ou seja, não é a delimitação
geográfica que a constitui exclusivamente, mas a junção de elementos históricos, políticos,
econômicos, entre outros, tal quais os estudos linguísticos e extralinguísticos presentes na
toponímia e na hodonímia.
8
Como foi referido, diferentemente do signo lingüístico, que é arbitrário, o signo toponímico, usado para
designar um lugar, é “motivado”.
43
Pozenato (2003, p. 152) afirma, ainda, que “uma determinada região é constituída,
portanto, de acordo com o tipo, o número e a extensão das relações adotadas para defini-la”.
O autor destaca, no entanto, que região, neste caso, entende-se sempre por “redes de
relações”, contraponto o conceito ao de “realidade natural (grifo do autor)”.
O conceito de região é bastante complexo e permite diferentes interpretações.
Tomaremos, aqui, a ideia de “rede de relações” apresentada por Pozenato (2003), entendendo
esse feixe como conceito fundamental para entender a distinção que se estabelece entre região
e regionalidade. Assim, para o autor a regionalidade seria expressa através das redes de
relações presentes em uma região específica. Nesse caso, consideraremos o centro de Caxias
do Sul.
Para Mayol (1996, p.14), o espaço urbano é “o lugar de conhecimento”:
o bairro surge onde a relação espaço/tempo é a mais favorável para um usuário que
deseja deslocar-se por ele a pé saindo da sua casa. Por conseguinte, é o pedaço de
cidade atravessado por um limite distinguindo o espaço privado do espaço público: é
o que resulta de uma caminhada, da sucessão de passos numa calçada, pouco a
pouco significada pelo seu vínculo orgânico com a residência.
Nessa abordagem, o Centro de Caxias do Sul precisa ser pensado levando-se em
consideração o caráter histórico de denominação das ruas e as relações que foram produzidas
através do ato de nomear. Essas relações remetem-nos à Antiguidade, período em que o
homem se preocupava em nomear as coisas.
Desde a Grécia antiga, o homem preocupava-se em dar nomes às coisas. Num período
bem antigo, entretanto, não havia a distinção entre nome comum e nome próprio a
referência designativa era a palavra onoma (nome).
Lyons (1979) explica que é necessário rever o que se pensava sobre o significado
existente entre um objeto e seu nome:
Os filósofos gregos do tempo de Sócrates, e, em seguida, Platão, propuseram a
questão nos termos em que ela geralmente se propõe até hoje. Para eles a relação
semântica que liga as palavras às coisas é a de "denominar"; e a questão que daí
decorre é a de saber se os "nomes" dados às "coisas" eram de origem "natural" ou
"convencional". (LYONS, 1979, p. 429)
44
A denominação, por natureza ou convenção, acaba estipulando uma relação de poder.
E é essa relação, embutida de força, que ajudará a explicar a origem do nome de um
hodônimo, bem como a intencionalidade e o poder que está por trás do ato de nomeação.
Foucault (2007) recusa análises que se referem ao campo simbólico ou ao campo das
estruturas significantes. Ele acredita que “aquilo que se deve ter como referência não é o
grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que
nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística. Relação de poder, não relação de
sentido.” (FOUCAULT, 2007, p.6)
Região é “um encontro entre programas de ação. A ‘região’ vem a ser, portanto o
espaço criado por uma interação. Daí segue que num mesmo lugar tantas regiões quantas
interações ou encontros entre programas” (CERTEAU, 2002, p. 212).
Em A Invenção do Cotidiano, Certeau (2002) estabelece a dicotomia lugar/espaço,
sendo o lugar estável, frio e estático. Dadas essas características, duas coisas não podem
ocupar o mesmo lugar, mas, quando as coisas conseguem comunicar-se, acabam
transformando o lugar em espaço. Segundo ele, “o espaço é um lugar praticado” (CERTEAU,
2002, p. 202).
Sendo configuração de posições, o lugar é inerte, estável e, ao contrário, o espaço é
vivo de interações e poderes.
Certeau (2002) complementa que:
Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de
velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo
modo animado pelo conjunto dos movimentos que se desdobram. Espaço é o
efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam
e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de
proximidades contratuais. (CERTEAU, 2002, p. 202).
O núcleo da Colônia italiana constitui-se numa região denominada através das
relações políticas de poder, onde a população majoritária sequer estava representada. Foucault
(1995) centra a análise na importância do poder nas relações. Ele defende que a estrutura
social é atravessada por várias relações de poder, que se configura quando existe ação sobre
45
as ações e afirma também que essas relações não estão localizadas em um local específico,
como no Estado. Diz, ainda, que a sociedade sem relações de poder é uma abstração.
Segundo ele, “não devemos nos enganar: se falamos do poder das leis, das instituições
ou das ideologias, se falamos de estruturas ou mecanismos de poder, é apenas na medida em
que supomos que ‘alguns’ exercem um poder sobre os outros” (FOUCAULT, 1995, p.40).
O Centro de Caxias do Sul, portanto, deve ser ressignificado através de seu caráter
histórico e em relação aos procedimentos que o estabeleceram, somados à visão da realidade
em que foi produzida para nomear.
É a interação que distingue, também, região do espaço e a caracteriza. Se o espaço
pressupõe mobilidade, a região pressupõe intercâmbio, troca, como também afirmam
Bourdieu (2001) e Pozenato (2001). O Centro de Caxias do Sul passa a ter traços de região
quando as forças políticas e produtivas interagem entre si, criando “redes de relações
(POZENATO, 2001, p. 587). Como é a partir do centro que a cidade passa a se desenvolver, é
também a partir dele que se constitui em uma região delimitada pelo ato de nomear.
Santos (1982) considera o espaço como um reflexo da sociedade. Se levarmos em
consideração os hodônimos luso-brasileiros que mapeiam o Centro de Caxias do Sul,
podemos enxergar a relação estreita entre os espaços compreendidos pela simbologia das
denominações das 18 ruas, e a delimitação de uma região a partir de uma análise política da
denominação do território.
A partir deste ponto de vista, fica claro entender quão determinante era o poder
político para legitimar seus expoentes com nomes de ruas.
2.3 O nome e o outro: identidades regionais revelam diferenças
Se a cultura, a história, a antropologia, a geografia e a linguística são fundamentais no
processo de construção de uma região, é importante ressaltar, também, que ela constitui-se em
um espaço de mediação de identidades.
46
Paviani (2004) defende que, apesar de os conceitos de região serem diversos e de
encerrarem em si mesmo uma determinada vertente de pensamento (como a geografia e a
literatura, para citar algumas delas), eles têm algo em comum: “a necessidade de a região
referir-se a uma experiência antes de ser determinada cientificamente” (PAVIANI, 2004, p.
83).
Normalmente, toma-se o regional em oposição ao nacional ou ao global, sendo que os
conceitos são complementares. O universal existe por causa do particular, bem como o
nacional existe graças ao regional. O regional é a mediação entre o particular (individual) e
o universal. No Brasil, por exemplo, os movimentos regionais serviram como inspiração a
modelos de integração nacional.
Para Paviani (2004, p.84), “a região, portanto, é o elo (ponte) de ligação entre as
experiências individuais, de cada lugar, e as manifestações da cultura universal”.
No caso do Centro de Caxias do Sul, os nomes não-italianos opõem identidades
gaúchas e brasileiras à italiana, ao mesmo tempo em que demarcam relações estabelecidas
pelo poder político. Ao escolher nomes de vultos da política sul-riograndense para nomear as
principais ruas do núcleo urbano, os denominadores, possivelmente, tentavam afirmar uma
nacionalidade através da prática regional.
Woodward (2005) revela que é a alteridade uma das principais responsáveis pela
demarcação da diferença:
As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da
diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos (grifo do autor) de
representação quanto por meio de formas de exclusão social (grifo do autor). A
identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende (grifo do autor)
da diferença. Nas relações sociais, essas formas de diferença a simbólica e a social
são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios
9
(grifo
do autor) (WOODWARD, 2005, p. 39-40).
Percebe-se isso pelo fato de os nomes mencionados anteriormente terem ligação aos
principais acontecimentos políticos do Rio Grande do Sul. Segundo Bourdieu (2001, p.113),
9
Segundo Woodward (2005), um sistema classificatório pressupõe a divisão de uma população, bem como de
suas características, em dois grupos opostos: nós/eles, eu/outro.
47
“o mundo social é também representação e vontade, e existir socialmente é também ser
percebido como distinto”.
Essa poderia ser uma tentativa de aproximação do estrangeiro às figuras
representativas do local que os acolheu, bem como uma maneira de subjugar a etnia daqueles
que constituíam população majoritária na colônia.
Aproveitando o conceito de Woodward (2005, p. 9) “a identidade se demarca pela
diferença”. Júlio de Castilhos não é apenas um gaúcho ou um brasileiro: ele é um não italiano.
Essa exclusão é o que caracteriza, fundamentalmente, a identidade.
Ela diz ainda que:
(...) a afirmação das identidades nacionais é historicamente específica. Embora se
possa remontar as raízes das identidades nacionais em jogo na antiga Iuguslávia à
história das comunidades que existiam no interior daquele território, o conflito entre
eles surge em um momento particular. Nesse sentido, a emergência dessas diferentes
identidades é histórica; ela está localizada em um ponto específico do tempo. Uma
das formas pelas quais as identidades estabelecem suas reivindicações é por meio do
apelo a antecedentes históricos. (WOODWARD, 2005, p.11).
A pesquisadora toma o exemplo europeu de um país que foi dissolvido para evidenciar
que a identidade está estritamente ligada à história e ao que precede a necessidade de seu
reconhecimento uma vez que ela é conhecida a partir do contraste. Não se pode deixar de
mencionar, também, a cultura como elemento constitutivo de uma identidade. Woodward
(2005) complementa a afirmação:
Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de
poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. A cultura
molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as
várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade.
(WOODWARD, 2005, p.18-19)
Não se possui um elemento objetivo para definir a identidade de um grupo étnico. Ela
será percebida por um agrupamento de elementos constitutivos que vão de encontro a outros
elementos de grupos diversos.
48
Segundo Frosi, Faggion e Dal Corno (2006, p. 99) nas primeiras décadas da RCI os
imigrantes italianos “se reconheciam como cidadãos pertencentes a um mesmo grupo étnico,
enquadrados num mesmo nível socioeconômico-cultural, irmanados na luta pela
sobrevivência na terra de adoção”.
De acordo com as pesquisadoras, a imagem que o italiano que veio para o Brasil e,
neste caso específico, para Caxias do Sul, tem dele mesmo é responsável pela construção de
sua identidade ítalo-brasileira. E o trabalho é o principal item que serve para caracterizá-lo e,
assim, distingui-lo dos não-italianos.
Woodward (2005, p.38) afirma que “as identidades são produzidas em momentos
particulares no tempo”. Assim, no final do Século XIX, quando a população era
majoritariamente italiana, fazia mais sentido questionar sua representatividade nos nomes de
ruas do que se a pergunta fosse feita atualmente. Ainda assim, hoje existem 62% de nomes
italianos representados nos hodônimos de Caxias.
49
3. NOMES E SEUS PERCURSOS
3.1 As ruas de Caxias do Sul, dados gerais
Em termos precisos, este trabalho busca entender por que apenas uma das 18 ruas do
centro de Caxias do Sul foi contemplada com nome italiano. Do total de nomes de
logradouros desse município, 3.664, conforme lista atualizada pela prefeitura em 12 de janeiro
de 2010, 62% são italianos, 38% são não italianos
10
. Considere-se que, nas primeiras décadas
da colonização, a comunidade caxiense era formada, predominantemente, por italianos e
respectivos descendentes.
Os 62% de hodônimos representados por nomes italianos indicam, ainda hoje,
vantagem numérica para o grupo étnico italiano; contudo, um olhar mais atento à realidade
caxiense leva a entender que quantidade nem sempre representa poder e prestígio. Interesses
políticos do país acolhedor tiveram papel relevante nas denominações das ruas mais
importantes e centrais da cidade. Talvez tenha havido da parte dos administradores e líderes
políticos brasileiros o desejo de promover personagens importantes visando à aculturação do
grupo estrangeiro inserido em terras brasileiras.
10
FROSI, 2010, cálculos constantes no texto a ser apresentado no Congresso Internacional di Linguística e
Filologia Romàniques València 2010, realizado em Valência.
50
3.2 Categorização dos hodônimos
Tendo em conta o modelo taxionômico proposto por Dick (1980), procurou-se dele
fazer uso com o intuito de enriquecer o trabalho, aplicando os termos de sua classificação às
ruas de Caxias do Sul. Embora a hodonímia não tenha autonomia em relação à toponímia, ela
possibilita que se faça uma classificação similar.
Como não foram encontrados, na literatura a que se teve acesso, uma classificação
específica para os hodônimos, permitiu-se, partindo da categorização dos topônimos proposta
por Dick (1980) e seguida pelos estudiosos brasileiros, em geral, efetuar a sua aplicação
também aos hodônimos – fazendo, quando for o caso, as adaptações necessárias.
Essa classificação, consagrada em muitos trabalhos de caráter científico, encontra
preciosas e abundantes abonações em estudos, dentre outros, de Maria Vicentina de Paula do
Amaral Dick (1975, 1980, 1986, 1990, 2001, 2007); de Aparecida Negri Isquerdo (1996,
2001, 2007); e de Alexandre Melo de Sousa, no seu Estudo Toponímico dos Lagos Acreanos.
No caso de Caxias do Sul, que possui 3.664 hodônimos, não se conseguiu contemplar
todas as categorias de topônimos propostas Dick. No corpus aqui estudado, subtraem-se
quatro taxes de natureza física: cromo-hodônimos, lito-hodônimos, meteoro-hodônimos e
morfo-hodônimos; bem como dois taxes de natureza antropo-cultural: dirrema-hodônimos e
soma-hodônimos. A taxonomia urbana proposta, assim, constitui-se de 21 taxes, a seguir
exemplificados:
3.2. 1 Hodônimos de Natureza Física
Astro-hodônimos: hodônimos representados por nomes dos corpos celestes em geral.
Ex: Rua Júpiter, Avenida Sírius, Rua Estrela;
Cardino-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos às posições
geográficas em geral. Ex. Perimetral Norte;
Dimensio-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos às dimensões dos
acidentes geográficos. Ex. Rua Grande;
51
Fito-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos vegetais. Ex. Rua
das Rosas;
Geomorfo-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos às formas
topográficas. Ex. Rua Monte Castelo;
Hidro-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos a acidentes
hidrográficos em geral. Ex. Rua Rio Grande;
Zoo-hodônimo: hodônimos representados por nomes referentes aos animais. Ex. Rua
das Águias, Rua dos Rouxinóis, Rua do Camaleão.
3.2.2 Hodônimos de Natureza Antropo-cultural
Animo-hodônimos (ou Noo-odônimos): hodônimos representados por nomes relativos
à vida psíquica, à cultura espiritual. Ex. Rua da Felicidade;
Antropo-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos nomes
próprios individuais. Ex. Rua Garibaldi;
Axio-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos títulos e
dignidades que acompanham nomes próprios individuais. Ex. Rua Coronel Flores, Rua
Duque de Caxias;
Coro-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos a nomes de cidades,
países, estados, regiões e continentes. Ex. Rua Colômbia, Rua Maranhão;
Crono-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos indicadores
cronológicos representados pelos adjetivos novo(a), velho(a). Ex. Estrada Velha, Rua
Nova Araçá;
Eco-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos às habitações em geral.
Ex. Estrada Vila Floria A. Formigheri;
Ergo-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos elementos da
cultura material. Ex. Estrada Municipal da Uva;
Etno-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos elementos étnicos
isolados ou não (povos, tribos, castas). Ex. Rua Aimoré; Rua Tupi;
Hiero-hodônimos: hodônimos relativos a nomes sagrados, de crenças diversas, a
efemérides religiosas, às associações religiosas e aos locais de culto. Ex. Avenida
Santa Fé. Essa categoria subdivide-se em:
Hagio-hodônimos: hodônimos representados por nomes de santos ou santas do
hagiológio católico romano. Ex. Rua Santo Antônio;
Mito-hodônimos: hodônimos representados por nomes de entidades
mitológicas. Sem exemplo contemplado nas ruas de Caxias do Sul.
Historio-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos movimentos
de cunho histórico, a seus membros e às datas comemorativas. Ex. Rua Vinte de
Setembro;
52
Hodo-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos às vias de
comunicação urbana ou rural. Ex. Caminho das Colônias;
Número-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos aos adjetivos
numerais. Ex. Primeira Légua, Estrada Quinto Slomp;
Polio-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos à vila, aldeia, cidade,
povoação, ao arraial. Ex. Rua Colômbia;
Socio-hodônimos: hodônimos representados por nomes relativos às atividades
profissionais, aos locais de trabalho e aos pontos de encontro da comunidade,
aglomerados humanos. Ex. Rua das Bordadeiras.
3.3 A interrelação dos hodônimos com o contexto extralingüístico
Para este estudo, os 18 nomes analisados, baseados nesta classificação, enquadram-se
na divisão de natureza antropo-cultural, em três categorias específicas: antropo-hodônimos
Rua Garibaldi, Avenida Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado, Moreira César, Bento
Gonçalves, Ernesto Alves, Borges de Medeiros, Dr. Montauri, Feijó Júnior, Guia Lopes,
Sinimbu, Alfredo Chaves; axio-hodônimos Rua Coronel Flores, Marechal Floriano,
Marquês do Herval, Visconde de Pelotas; e historio-hodônimos Rua 20 de Setembro, Rua
Os 18 do Forte. Em alguns deles, é possível, ainda, contar com mais de uma categoria
classificatória como, por exemplo, a Rua Bento Gonçalves, que pode ser antropo-hodônimo e
historio-hodônimo.
Os hodônimos analisados neste trabalho deixam claro que as principais vias de Caxias
do Sul homenageiam, em sua maioria, heróis de guerras, seja a do Paraguai, seja a Revolução
Farroupilha ou Federalista, e principalmente integrantes do Partido Republicano Rio-
Grandense (PRR). apenas um italiano citado: Giuseppe Garibaldi, o “herói de dois
mundos”.
Nota-se a predominância, também, dos nomes não-italianos nos logradouros,
principalmente com influência luso-brasileira. Mesmo que a maioria dessas vias tenha tido
seus nomes substituídos por outros, foi mantida a origem do grupo étnico a que eles
pertenciam.
53
A Avenida Júlio de Castilhos era chamada de Rua Grande, depois Rua dos Caiporas e,
mais tarde, Rua Silveira Martins. O nome atual da rua, tal qual se conhece, foi oficializado em
de março de 1893, conforme documento assinado pelo intendente municipal de Santa
Teresa de Caxias, Antônio Xavier da Luz (ADAMI, 1971, p. 136-137).
A Rua Os 18 do Forte era a Rua Andrade Pinto, a Rua Pinheiro Machado era a Rua
Lafayette, a Dr. Montauri era a Villa Bella, a Rua Borges de Medeiros era a Leôncio de
Carvalho e depois Rua Xaxá Pereira (MACHADO, 2001, p. 83), as ruas centrais que
permanecem com seus nomes originais são a Rua Sinimbu, a Vinte de Setembro, a Garibaldi,
a Visconde de Pelotas, a Andrade Neves e a Rua Marquês do Herval.
Com exceção das ruas Marquês do Herval e Guia Lopes, os demais logradouros aqui
analisados foram nomeados ou no período da colonização
11
ou em 1897. Ao dizer período da
colonização, entende-se a primeira década, isto é, a partir de 1875, estendendo-se,
provavelmente, até 1897. Não se conseguiu encontrar nenhum documento escrito que
precisasse o ano. Esta lacuna foi creditada à queima de muitos documentos, quando, em 1992,
ocorreu o incêndio que destruiu grande parte do principal pavilhão da prefeitura municipal de
Caxias do Sul.
Nas últimas décadas do século XIX, era maciça a presença italiana na cidade. Mas esse
grupo étnico não gozava de poder político. E, como foi referido anteriormente, o ato de
nomear quase sempre implica em uma relação de poder.
Era preciso que os imigrantes italianos sentissem que tinham saído de seu país de
origem e, uma das formas mais rápidas de fazer isso, foi mostrando a falta de prestígio que
seus integrantes tinham na hora de batizar coisas e lugares. Todavia, a probabilidade maior
teria sido, sem dúvida, a do grande interesse do governo brasileiro na aculturação do
imigrante italiano à pátria adotiva, já nas primeiras décadas da colonização.
A presença do elemento étnico português estava intrinsecamente ligada à minimização
do prestígio do grupo étnico italiano estabelecido na RCI. E essa relação é exemplificada por
Nascimento (2009, p. 57):
11
Por período da colonização compreendem-se as primeiras décadas da chegada dos imigrantes italianos, que
aportaram na região em 1875, em que não há data precisa registrada para a denominação das ruas.
54
Os funcionários do Estado imperial brasileiro eram o elo entre os imigrantes e a terra
no Brasil, seja urbana ou rural. Eram eles que também mediavam a velha forma de
vida dos imigrantes e a nova forma de organização social, que, como colonos,
desenvolveram no Nordeste do Rio Grande do Sul. Eram também os funcionários do
Estado imperial brasileiro que estavam entre a natureza, sem intervenção humana, e
o território organizado para a ocupação do imigrante italiano. (NASCIMENTO,
2009, p. 57)
Assim, o imigrante italiano era apenas o ocupante da terra, a mão de obra que construía
cidade. Ele não tinha direitos políticos nem representatividade social. Durante a República
Velha, os imigrantes italianos não tinham qualquer expressão política. Conforme Pesavento
(1980, p. 180), eles eram “massa eleitoral de manobra”
12
.
Os portugueses foram o primeiro grupo de imigrantes no Brasil. De acordo com Giron
e Bergamaschi (2004, p. 56), “nada menos que 712.835 portugueses entraram no Brasil entre
1884 e 1913, número que corresponde a 27% do total de estrangeiros entrado no Brasil”.
Depois, vieram os italianos:
No período considerado, é o mais numeroso, representando nada menos que 43,8%
do total. Os italianos têm sua entrada no Brasil quando a colonização sofre uma
aceleração em relação aos períodos anteriores. No período compreendido entre 1884
e 1913, entram cerca de um milhão e meio de imigrantes italianos. (GIRON E
BERGAMASCHI, 2004, p. 56)
A negação de seus nomes pode ter sido o início de um processo de aculturação
forçada, que visava a integrar o imigrante à pátria brasileira. Mas, para perceber como um
hodônimo pode determinar a expressão de uma época, através do tempo, é preciso levar em
conta os princípios teóricos de Dauzat sobre a sobreposição de camadas históricas que um
nome pode conter.
Os hodônimos, assim, representam uma via para a busca de parte da história, como se
fossem percorridos caminhos de volta aos primeiros anos de ocupação da cidade. Em cada
movimento, curva ou observação mais atenta, pode-se desvelar a opacidade do signo
hodonímico.
12
Pesavento, Sandra J. O imigrante na política rio-grandense, In: Dacanal, J.H (org). RS: imigração &
colonização. Porto Alegre. Mercado Aberto: 1980.
55
É importante ressaltar que, a partir da terceira década do Século XIX, a economia
gaúcha, que era baseada no trigo e nas charqueadas, entra em crise. A economia em baixa
acaba refletindo a insatisfação também na política, quando têm início as guerras platinas e a
Revolução Farroupilha. Esses conflitos mostram “a fragilidade dos laços que unem a
província ao Império brasileiro” (GIRON E BERGAMASCHI, 2004, p. 181).
Segundo as autoras, os conflitos diminuíram significativamente a população e, assim, a
capacidade de produção agrícola. A solução para o problema é o assentamento de imigrantes
que, inicialmente, são alemães, nas regiões dos rios Caí e dos Sinos e, posteriormente,
italianos. Giron e Bergamaschi (2004) afirmam que:
o aumento de delitos criminais , e a rebeldia da ‘nação gaúcha’, no dizer de Dreys,
exigem providências do governo imperial, e a principal é a introdução de imigrantes
italianos, que além de garantir a posse do território gaúcho para o Império, aumenta
a produtividade agrícola cultivando terras até então devolutas. (GIRON E
BERGAMASCHI, 2004, p. 181)
De certa forma, esta dependência que o morador luso-brasileiro tinha em relação ao
imigrante italiano, aparece como relação inversa anos mais tarde, na escolha dos personagens
que serão homenageados com suas denominações.
E a observação indica que esses nomes, dados, em sua maioria, no final do Século
XIX, antecipam, de certo modo, o que aconteceria na RCI em período anterior à Segunda
Guerra Mundial, quando, em 1937, o ensino escolar em língua portuguesa foi padronizado
nacionalmente
13
e teve impacto político, social e histórico. Na denominação das ruas, essa
força existia, mas talvez fosse percebida de forma menos contundente. Depois, com a
entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, intensificou-se a proibição de falar o dialeto
italiano e isso contribuiu para a desvalorização do grupo étnico italiano da região Sul do
Brasil. Mais uma vez, segundo o que afirma Dick (1996), é preciso contextualizar os nomes,
para tirá-los do esquecimento:
a toponímia é a disciplina que caminha ao lado da história, servindo-se de seus
dados para dar legitimidade a topônimos de um determinado contexto regional,
inteirando-se de sua origem para estabelecer as causas motivadoras, num espaço de
tempo preciso, procurando relacionar um nome ao outro (...). (DICK, 1996, p.12)
13
Oficializado por meio de dois decretos-lei do período do Estado Novo: o de número 406, de maio de 1938, e o
1545 de 25 de agosto de 1939.
56
No caso dos hodônimos aqui analisados, é possível identificar elementos do universo
cultural luso-brasileiro, inclusive, pode-se determinar o período histórico do Brasil ao qual
esses hodônimos fazem referência. Neste caso, a cultura majoritária, diferente daquela do
grupo étnico minoritário, foi determinante, por seu prestígio político, na escolha dos
denominativos das ruas.
A denominação da Rua Dr. Montauri, por exemplo, substitui a da Rua Villa Bella e,
assim, tenta-se colocar no esquecimento o traço cultural italiano responsável pelo primeiro
nome, que fora espontâneo, dado pela boca do povo que, predominantemente, formava a
comunidade naquela época.
Enquanto homenageia o Doutor José Montauri de Aguiar Leitão, engenheiro e político
brasileiro pertencente ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), que se destacou como
funcionário da Comissão de Terras
14
, a via encobre um significado escolhido pelo povo.
Doutor Montauri foi diretor da colônia entre 1891 e 1893, na fase de consolidação do
município.
Villa, na Itália, é um palácio ou uma mansão que inclui um terreno com árvores,
fontes, estátuas, entre outros, e pertence a uma abastada família italiana (Villa Borghese, Villa
Palladio etc.). Aqui, imigrantes italianos avistaram uma casa bonita, localizada na referida
rua, e deram a ela o nome de Villa. Além disso, o adjetivo foi motivado também pelas moças
bonitas que viviam nessa casa suntuosa. A poética da Rua Villa Bella foi substituída pela
materialidade da influência política na cidade, homenageando um de seus funcionários
“ilustres”.
A Avenida Júlio de Castilhos era chamada Rua dos Caiporas nas proximidades do
atual bairro Nossa Senhora de Lourdes
15
e de Rua Grande antes do designativo oficial.
Segundo Machado (2001, p. 73), ela foi a primeira rua a ser povoada em Caxias, com a
chegada dos primeiros imigrantes.
14
Vale lembrar que, até 1890, os imigrantes italianos ficavam à mercê dos integrantes de Comissão de Terras e,
depois da emancipação, continuavam subjugados para que a paz e a ordem fossem mantidas na região.
15
Palavra indígena, segundo Lermen (1996) significa “o que vive no mato”; Dicionário Toponímico Tupi-
Guarani Português. Machado (2001, p. 137) diz que, na memória popular, caipora significava também “infeliz e
coitado”, fazendo com que os moradores tivessem vergonha deste nome.
57
A autora explica:
A primeira rua, cuja data de abertura não foi possível precisar, denominava-se
Silveira Martins, chamada pela população de Rua Grande por ser a mais larga e mais
longa da Villa, constituindo-se no eixo central que fazia a ligação da Sede Dante
(grifo da autora) com a estrada Rio Branco, principal saída de Caxias até 1910 para
o município de São Sebastião do Caí (...) Posteriormente seu nome foi alterado para
Rua Júlio de Castilhos. (MACHADO, 2001, p. 73)
O ícone do castilhismo deixou para trás o nome carinhoso pelo qual os habitantes
reconheciam a via que atravessava a praça principal da localidade e que era a maior de todas:
a Rua Grande. Antes dele, foi Silveira Martins quem homenageou, brevemente, o hodônimo.
Político e membro do Partido Republicano Riograndense (PRR), Castilhos não venceu
apenas a disputa com Silveira Martins pelo nome da principal rua da cidade ele se tornou
um dos principais expoentes da política gaúcha, tanto que o castilhismo se consolidou como
uma corrente política que governou por mais de 40 anos.
Castilhos dirigiu o jornal A Federação entre 1884 e 1889, onde propagandeou as ideias
republicanas. Em 1891, elegeu-se deputado para a Assembleia. Em 15 de julho de 1891, foi
eleito presidente do estado do Rio Grande do Sul. No entanto, com a queda de Deodoro da
Fonseca, foi deposto no mesmo ano. Pouco mais de um ano depois, Júlio de Castilhos
disputou uma eleição (sem concorrentes) e voltou a ocupar o antigo posto. Sua posse ocorreu
em 25 de janeiro de 1893. Neste mesmo ano, também ocorreu a Revolução Federalista,
liderada por Gaspar Silveira Martins.
Silveira Martins lutou pela aprovação da Lei Saraiva
16
, que mudou a relação entre a
elite rio-grandense e os grupos mais representativos de imigrantes alemães, que começavam a
eleger seus representantes políticos. Tornou-se, com isso, a autoridade máxima e isolada dos
liberais rio-grandenses.
Pesavento (1997) explica que era o Partido Liberal quem representava os interesses
dos pecuaristas locais, com suas reivindicações federalistas e descentralização. Para a autora,
“deve ser entendida, antes de tudo, como uma ação política destinada a permitir que, pelo
16
Lei de 1881, que concedia votos aos não-católicos e estrangeiros.
58
apoio do poder central, parte da oligarquia regional pudesse tornar-se governo e usufruir de
benefícios resultantes.” (PESAVENTO, 1997, p. 51)
A tônica principal do discurso republicano e do discurso federalista foi a afirmação de
uma disputa. Os republicanos garantiam que estavam defendendo a República. Os
federalistas, por sua vez, contra-atacavam apresentando-se como defensores dos ideais da
democracia, das vantagens do parlamentarismo e da liberdade individual. Não havia meio
termo. A questão era colocada como se estivesse em curso uma batalha entre o bem e o mal:
ou Júlio de Castilhos ou Silveira Martins.
Na vila de Caxias do Sul, os liberais não tiveram vez. Silveira Martins emprestou o
nome durante apenas 13 anos. Júlio de Castilhos ainda é lembrado como o nome designativo
da principal rua da cidade. Hoje, o valor histórico é sobreposto pelo valor de localização.
Mais do que um expoente da política Rio-Grandense, Júlio de Castilhos, quando assumiu
nome de rua, tornou-se um referente – e não um personagem histórico.
As camadas histórico-culturais sobrepõem-se umas às outras, na passagem do tempo,
tornando o signo toponímico/hodonímico opaco. (DAUZAT, 1926; DICK, 1990;
CARVALHINHOS e ANTUNES, 2007).
Em 11 de março de 1897, Júlio de Castilhos visitou a Vila de Santa Teresa de Caxias e
que, segundo Gardelin (2003)
17
, “o tributou uma acolhida apoteótica”. E, nessa visita, o
político distinguiu Caxias com o título de “Pérola das Colônias”, que se tornou uma referência
até os dias de hoje.
3.4 Hodônimos e motivações
Ao se analisar a hodonímia de Caxias do Sul, percebe-se claramente que as
denominações colocam em confronto duas culturas: a italiana e a não-italiana (essa última
17
Gardelin, Mário. Os Topônimos da Cidade de Caxias do Sul: Avenida Júlio de Castilhos. Texto divulgado
enquanto assessor para assuntos de Povoamento, Imigração e Colonização da UCS, em 10 de maio de 2003, com
o número 267.
59
aqui compreendida e distinta em duas subdivisões pra fins de análise, a dos brasileiros e a dos
gaúchos). Exemplificam essa afirmação nomes como: Rua Cremona e Avenida Itália, em que
os hodônimos têm relação com o grupo étnico italiano; Avenida Júlio de Castilhos e Rua
Ernesto Alves, relacionados ao grupo étnico luso-brasileiro; Rua Vinte de Setembro,
relacionada com o grupo étnico brasileiro do Rio Grande do Sul, isto é, com o gaúcho.
Os 18 hodônimos foram analisados levando-se em conta sua atuação, etimologia e
grupo étnico. O quadro que segue baseia-se no modelo apresentado por Frosi
18
.
18
FROSI, Vitalina Maria. Nomi italiani per strade e piazze brasiliane. In: MARCATO, Gianna. Dialetto, Uso,
Funzioni, Form. Padova: unipress, 2008, p. 341-346
3.5 Hodônimos do centro de Caxias do Sul, suas características
Nome da
rua
Nome da pessoa
Função da pessoa
homenageada
Etimologia Taxionomia *
Avenida
Júlio de
Castilhos
Júlio Prates de
Castilhos
Jornalista, político,
gaúcho. Foi presidente
do Rio Grande do Sul e
defensor do Partido
Republicano
Riograndense (PRR).
Castilhos é sobrenome
português de procedência
espanhola. De origem
geográfica, deriva de castillo
(castelo), freqüente na
toponímia.
(GUÉRIOS, 1973, p.78)
Antropo-
hodônimo
Historio-
hodônimo
Rua Alfredo
Chaves
Alfredo
Rodrigues
Fernandes Chaves
Foi engenheiro e
político, um dos
ministros da
Colonização do Império.
Inspetor geral de terras e
colonização
Chaves é sobrenome
português geográfico, do
latim (Aquas) Flavias “águas
flavianas, de Flávio”. O
português arcaico Chávias
sofreu influxo de Chaves.
(GUÉRIOS, 1973, p. 80)
Antropo-
hodônimo
Rua Bento
Gonçalves
Bento Gonçalves
da Silva
Militar, comandante da
Revolução Farroupilha
nascido em Triunfo, Rio
Grande do Sul, maçom e
defensor de idéias
liberais, pelas quais
lutou.
Gonçalves é sobrenome
português, em vez de
Gonçálvez, patronímico de
Gonçalo. No espanhol,
Gonzáles. (GUÉRIOS, 1973,
p. 118). Machado (2003, p.
727) diz que aparece sob
várias formas nos textos
medievais, formando duas
séries de derivados de
radicais distintos: Gundi- e
Gon-.
Antropo-
hodônimo
Historio-
hodônimo
Rua Borges
de Medeiros
Antônio Augusto
Borges de
Medeiros
Foi político, governador
do Rio Grande do Sul de
1908 a 1913.
Borges é sobrenome
português geográfico, do
francês Bourges. Medeiros é
sobrenome geográfico
“lugares onde há moedas (ou
feixes de trigo, palha, etc.)”
(GUÉRIOS, 1973, p. 155
Antropo-
hodônimo
Rua Dr.
Montauri
José Montauri de
Aguiar Leitão
Foi engenheiro e político
brasileiro, também
funcionário da Comissão
de Terras. Governou
Porto Alegre por 27
anos, pertenceu ao
partido Republicano
Rio-grandense (PRR).
Leitão é “sobrenome
português, primitiva
alcunha”. “Há em Portugal
dois ramos dessa família,
ambos de fidalgia”.
(GUÉRIOS, 1973, p. 143)
Antropo-
hodônimo
Rua Ernesto
Alves
Ernesto Alves de
Oliveira
Foi jornalista e político
brasileiro, diretor da
instrução pública.
Alves é sobrenome português
abreviação do patronímico
Álvares. (GUÉRIOS, 1973,
p. 52). Oliveira é sobrenome
português de origem
geográfica, com significado
de “árvore de azeitonas”
(GUÉRIOS, 1973, p. 170)
Antropo-
hodônimo
Rua
Garibaldi
Giuseppe
Garibaldi
Foi um político e militar
revolucionário italiano,
1807-1882.
Garibaldi é sobrenome de
“origem italiana ou de origem
Lombardo-bávara: ousado,
intrépido (bald) como uma
lança, venábulo (gari) ou
lança intrépida” (GUÉRIOS,
173, p.114)
Antropo-
hodônimo
Historio-
hodônimo
61
Rua Guia
Lopes
José Francisco
Lopes
Como militar consagrou-
se herói da Guerra do
Paraguai, mineiro de
nascimento.
Sobrenome português, vem
de lopo, forma arcaica e
erudita do latim Lupus
(lobo). Machado (2003, p.
894) diz que é um
patronímico do antropônimo
Lopo.
Antropo-
hodônimo
Historio-
hodônimo
Rua
Marechal
Floriano
Floriano Peixoto
Foi um grande militar,
marechal do Exército e
político brasileiro, vice-
presidente e segundo
presidente do Brasil, de
1891 a 1894, no período
da República Velha.
Peixoto é sobren. português
“primitivo, diminutivo de
peixe”. No arcaico, peixota:
“pescada”. (GUÉRIOS, 1973,
p. 176; MACHADO, 2003,
p.1151)
Axio-
hodônimos
Rua
Marquês do
Herval
Manuel Luiz
Osório
Foi político e militar,
dirigiu as operações do
combate de Tuiuti, onde
o exército paraguaio foi
dizimado. Foi também
Ministro da Guerra.
Osório é nome e sobrenome
português geográfico, como
consta em documentos
portugueses do século X:
Osorius Lucidi. Para Dauzat
(apud Guérios), o nome é
basco “caçador de lobos”.
(GUÉRIOS, 1973, p. 171).
Osório é documentado em
galego em muitos textos
(MACHADO, 2003, p. 1352)
Axio-
hodônimos
Rua
Moreira
César
Antônio Moreira
César
Foi um militar brasileiro.
Atingiu o posto de
coronel do Exército
Brasileiro, na arma de
infantaria.
Moreira é “sobrenome
português geográfico
derivado de amoreira árvore
de amora’’”. (GUÉRIOS,
1973, p. 160) César é
sobrenome português que
descende do latim Caesare.
(GUÉRIOS, 1973, p. 80)
Antropo-
hodônimo
Rua
Pinheiro
Machado
José Gomes
Pinheiro
Machado.
Militar, gaúcho, general
do exército.
Pinheiro é sobrenome
português geográfico: “lugar
onde há pinhos; ou da árvore
assim chamada”. (GUÉRIOS,
1973, p. 179). Machado é
português talvez primitivo, “o
vendedor ou fazedor de
machados” ou alcunha de
quem sempre andava com
machados. (GUÉRIOS, 1973,
p. 149).
Antropo-
hodônimo
Rua
Sinimbu
João Lino Vieira
da Cansação de
Sinimbu
Foi Presidente da
província de São Pedro
do Rio Grande do Sul,
político.
Sinimbu é sobrenome
brasileiro, do tupi um
camaleão, iguana. Foi
adotado no Brasil na fase de
nacionalismo dos tempos da
Independência.
(MACHADO, 2003, p.1352)
Antropo-
hodônimo
62
Rua
Visconde de
Pelotas
José Antônio
Correia da
Câmara
Foi um militar, general e
político brasileiro.
Machado (2003, p. 454)
afirma que o sobrenome
Correia está difundido em
várias cidades do Brasil e
Portugal. O topônimo Correia
é derivado do sobrenome
Correia. Guérios (1973, p.85)
atribui a esse sobrenome
origem geográfica e
acrescenta ‘lugar onde há
carriolas, carrijolas e correlas
(plantas). Câmara é
sobrenome português que
pode ser de origem
geográfica ou da expressão
homem da câmara d’el-rey,
abreviação da Câmara.
Axio-
hodônimos
Rua Feijó
Jr.
Luis Antônio
Feijó Jr.
Foi um desbravador da
colônia, proprietário de
uma sesmaria ao norte
das 1ª e 2ª Léguas e ao
oeste da 5ª Légua, que
sugeriu a transferência
de Nova Milano para o
local conhecido como
Campo dos Bugres.
Feijó é sobrenome de origem
galega. O galego Feijó é
paralelo ao minhoto feijó
(feijão), ambos derivados do
latim phaseolu. (GUÉRIOS,
1973, p. 106)
(MACHADO, 2003, p. 628)
Antropo-
hodônimo
Historio-
hodônimo
Rua
Coronel
Flores
Thomas
Thompson Flores
Militar gaúcho que
morreu na Guerra de
Canudos
Flores é sobrenome
português, talvez patronímico
de Flolus, derivado de flos:
“flor” (GUÉRIOS, 1973, p.
109). Machado (2003, p. 650)
acrescenta que é uma
adaptação do francês Fleur.
Axio-
hodônimos
Rua 20 de
Setembro
Homenageia
Bento Gonçalves
da Silva
É o dia da proclamação
da República do Piratini.
Bento Gonçalves da
Silva foi militar e
revolucionário brasileiro.
------------------------------------
---
Historio-
hodônimo
Rua Os 18
do Forte
Era um grupo
revolucionário
Os 18 do Forte foi assim
denominado o grupo de
18 chefes militares
revolucionários,
movimento ocorrido em
1922 no Forte de
Copacabana.
------------------------------------
---
Historio-
hodônimo
* Todas as ruas acima listadas são de natureza antropo-cultural e receberam seus nomes entre e época da
colonização e o ano de 1939.
63
Para a elaboração dos dados constantes no quadro acima, foram consultadas e
utilizadas as seguintes obras: VASCONCELLOS (1931); GUÉRIOS (1973); MACHADO
(2003); BARATA; BUENO (1999); FERNANDES (1941); SOUSA, [s/d].
Conforme o quadro explicita, entre os 18 hodônimos analisados sendo 16 deles com
nomes de pessoas um predomínio de sobrenomes de origem portuguesa (75%), e uma
única menção para um italiano (Garibaldi), um brasileiro (Sinimbu), um galego (Feijó) e um
espanhol (Castilhos).
A predominância de famílias portuguesas é analisada por Dick (2001, p. 83):
nomes próprios de pessoas são obscurecidos em seu conteúdo léxico-semântico pela
opacidade do próprio signo que os conforma, distanciados, na maioria das
ocorrências, do foco original. Integram o inventário mais fechado da linguagem,
cuja origem remonta, no Brasil, aos primeiros nomes de famílias portuguesas para
aqui imigradas (apud DICK, 1990, p.112-128).
Além da etimologia, retomando-se a classificação das taxes propostas por Dick
(1975), todos os hodônimos aqui apresentados enquadram-se na divisão de natureza antropo-
cultural. Podem ser agrupados em três categorias específicas: antropo-hodônimos, aqueles
representados por nomes relativos aos nomes próprios individuais: Rua Garibaldi, Avenida
Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado, Moreira César, Bento Gonçalves, Ernesto Alves,
Borges de Medeiros, Dr. Montauri, Feijó Júnior, Guia Lopes, Sinimbu e Alfredo Chaves;
axio-hodônimos, aqueles representados por nomes relativos aos títulos e dignidades que
acompanham nomes próprios individuais: Rua Coronel Flores, Marechal Floriano, Marquês
do Herval, Visconde de Pelotas; e historio-hodônimos, aqueles representados por nomes
relativos aos movimentos de cunho histórico, a seus membros e às datas comemorativas: Rua
20 de Setembro e Rua Os 18 do Forte.
Sendo assim, é possível classificar os hodônimos referidos em mais de uma categoria.
Com a exceção das ruas Alfredo Chaves, Dr. Montauri e Feijó Junior, as demais também são
historio-hodônimos.
64
O grupo de ruas centrais de Caxias do Sul com nomes não-italianos analisado neste
trabalho pode ser reagrupado em dois blocos: heróis brasileiros e heróis gaúchos. Desses,
serão distintos, ainda, aqueles com maior afinidade com a cidade ou com o poder imperial.
Para fazer essa divisão, toma-se a diferenciação feita por Oliven (1992, p. 11 e 12), ao
falar sobre o nacional e o regional. Segundo ele, “para os gaúchos se chega ao nacional
através do regional, ou seja, para eles só é possível ser brasileiro sendo gaúcho antes”.
Essa identidade (do latim idem, refere-se à igualdade e continuidade) regional gaúcha,
assim como a brasileira, é inventada. Hall (2006, p. 48) afirma que a identidade nacional é
constituída pela cultura nacional, e essa identidade seria “transformada no interior da
representação”. O autor diz, ainda, que ela é uma forma de dar sentido às ações. “Uma cultura
nacional é um discurso um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos
(HALL, 2006, p. 48).
A cultura nacional funciona, portanto, como um sistema de representação que pode ser
significado e ressignificado ao longo dos acontecimentos sociais. A hodonímia, neste caso,
pode ser apontada como uma das várias produções culturais que fornecem (HALL, 2006, p.
52) “uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e
rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os
triunfos e os desastres que dão sentido à nação”.
Mas essas narrativas não são capazes de minimizar a diferença que uma cultura
comporta. Dick (2001, p. 79) afirma que “a fixação das bases lexicais para definir lugares ou
identificar pessoas dispensa, muitas vezes, a necessidade de se situar o objeto em um plano
efetivo de representação, em que o designado corresponde, no plano do parecer, ao que
significa, no nível do ser”.
Hall conclui que as nações como uma identidade cultural unificada não existe. As
identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres
do jogo do poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e diferenças sobrepostas.
65
Assim, ao se discutir se as identidades nacionais estão sendo deslocadas, deve-se ter
em mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para unir as diferenças em uma
única identidade. Segundo Oliven:
Se a construção dessa identidade tende a exaltar a figura do gaúcho em detrimento
dos descendentes dos colonos alemães e italianos, ela o faz de modo mais
excludente ainda em relação ao negro e ao índio que comparecem no nível das
representações de uma forma extremamente pálida. (OLIVEN, (1992, p.100)
Na República Velha, marcada pela descentralização política e administrativa, cresce a
necessidade de se pensar a organização social do país, bem como de pensar sobre a questão do
regional e do nacional. É durante esse período histórico que se desenvolvem os conflitos que
originaram heróis que, posteriormente, viraram nomes de ruas de Caxias do Sul.
Para facilitar o entendimento, foram divididos hodônimos e personagens
homenageados por eles de acordo com o movimento histórico e/ou político ao qual eles mais
se identificam: Revolução Farroupilha, Revolução Federalista, Guerra do Paraguai, Revolta
da Armada e pertencentes à época da colonização de Caxias do Sul.
Os hodônimos que homenageiam expoentes da Revolução Farroupilha são Bento
Gonçalves, Garibaldi e 20 de Setembro. A Revolução Farroupilha costuma ser mais festejada
do que a Revolução Federalista, visto que o primeiro conflito, entre 1835 e 1845, serviu para
legitimar a “brasilidade dos gaúchos”
19
, enquanto o segundo é associado à “guerra civil mais
sanguinolenta da história do Brasil
20
.
Esses três hodônimos são um caso curioso de denominação, que os envolvidos
estiveram em um conflito que por quase uma década separou o Rio Grande do Sul do resto do
Império. Eles explicitam a força política do ato de nominação. Nascimento (2009, p. 117) tem
uma explicação para essa escolha: “é possível que essas denominações sejam escolhas
pessoais de Luiz Manoel
21
, um rio-grandense que poderia estar influenciado pelas ideias de
Proclamação da República no Brasil”.
19
ALVES, Francisco da Neves. Revolução Federalista: história & historiografia. Rio Grande: Editora da
FURG, 2002, p. 47
20
LOVE, Joseph L. O regionalismo Gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 77
21
Luiz Manoel de Azevedo era diretor interino da colônia Campo dos Bugres, que assumiu em 1878, e
organizou o plano urbano da sede da Colônia Caxias. (NASCIMENTO, 2009)
66
O conflito, por si só, é uma marca identitária gaúcha, como observa Oliven (1992, p.
65):
O Rio Grande do Sul pode ser visto como um estado onde o regionalismo é
constantemente reposto em situações históricas, econômicas e políticas novas. Mas
embora as conjunturas sejam novas e a roupagem dos discursos se modernize, o
substrato básico sobre o qual esses discursos repousam é surpreendentemente
semelhante. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o gauchismo é um caso bem
sucedido de regionalismo, na medida em que veicular reivindicações políticas que
seriam comuns a todo um estado. A continuidade e vigência desse discurso
regionalista indicam que as significações produzidas por ele têm uma forte
adequação às representações da identidade gaúcha. (OLIVEN, 1992, p. 65).
Essas representações tais quais o autor se refere são percebidas nos nomes das ruas.
Outros expoentes gaúchos homenageados são os da Revolução Federalista. Os hodônimos que
os homenageiam são os principais personagens do Estado durante a República Velha:
Pinheiro Machado, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Marechal Floriano e Moreira
César.
A Revolução Federalista aconteceu entre 1893 e 1895, como forma de contestação ao
governo gaúcho que era liderado por Júlio de Castilhos. Ele recém havia elaborado a
Constituição Estadual de 14 de julho de 1891, inspirado no positivismo de Augusto Comte.
Segundo Pesavento (1997), entre as leis estabelecidas estavam:
A presença de um legislativo estadual com poderes limitados a questões
orçamentárias e um executivo forte com poderes de legislar por decreto sobre
matérias não financeiras. Além disso, a Constituição postulava que o vice-presidente
seria nomeado pelo presidente estadual e que este podia continuamente reeleger-se,
uma vez obtidos ¾ partes dos votos. (PESAVENTO, 1997, p. 77)
Descontente com essa postura, o grupo liderado por Gaspar Silveira Martins, fundador
do Partido Federalista Brasileiro, opôs-se a Júlio de Castilhos regionalmente e a Floriano
Peixoto nacionalmente, já que ambas as lideranças eram aliadas politicamente.
O Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), tendo seus integrantes conhecidos como
pica-paus, consolidou seu domínio sobre os maragatos federalistas. Nas ruas de Caxias do
Sul, Silveira Martins também perdeu o nome para Júlio de Castilhos. Na disputa, foi Castilhos
quem virou um referente.
67
Borges de Medeiros sucedeu Castilhos no cargo. E Marechal Floriano foi o
responsável pelo envio de Moreira César à batalha. Pinheiro Machado chefiou a divisão do
norte, poderoso contingente da região das Missões. Além disso, esteve à frente da política
brasileira por mais de 20 anos.
Antes de se chamar Pinheiro Machado, a rua era conhecida como Lafayette.
Possivelmente, a referência seja ao ministro de Justiça do gabinete de Sinimbu, quando
presidente da província do RS, Lafayette Rodrigues Pereira, que teve seu nome de rua
substituído pelo de um político mais expressivo. Os nomes dos aliados de Sinimbu, dados às
ruas de Caxias do Sul, aqui analisadas, foram substituídos. O ministro do império Leôncio de
Carvalho deu lugar a Borges de Medeiros e o ministro da marinha Eduardo Andrade Pinto ao
grupo revolucionário Os 18 do Forte.
Em Caxias do Sul, a Rua Borges de Medeiros foi uma das que tiveram outros nomes
antes desse designativo oficial como se conhece atualmente. Sua primeira denominação foi
Leôncio de Carvalho, conforme foi referido anteriormente neste trabalho.
Leôncio de Carvalho também foi personagem de um conflito, mas com bem menor
repercussão e gravidade. Em 1875, alunos e professores da Escola Politécnica voltaram-se
contra o então ministro Leôncio de Carvalho, que queria dar seguimento a uma reforma no
ensino. De acordo com Nascimento (2009, p. 117), o ministro demitiu-se, e o ministério do
qual ele fazia parte caiu. Foi uma vitória da “Politécnica”.
Nomes exaltados às custas de sangue de batalhas são os mais numerosos entre os
grupo de hodônimos analisados. Isso não significa, no entanto, que ao se transitar entre as
ruas, seja evidente o porquê delas se chamarem com esses designativos. Se os primeiros
nomes, não-oficiais, estavam mais próximos de seus moradores, nota-se que a vontade do
povo não foi respeitada quando a troca foi feita.
Dick (2004) diz que
a substituição dos significados ocorre, portanto, no nível do discurso, no enunciado
concreto produzido pelo enunciatário e, não, no plano do sistema, no qual a lexia
continua operando, em sua potencialidade sígnica (...) Quanto mais distante se
estiver do objeto, maior será a neutralidade conceitual acerca do fato e o desinteresse
em recuperar-lhe aspectos ou os seus contornos. (DICK, 2004, p. 125)
68
Assim, é bastante provável que a população local não associe as ruas Pinheiro
Machado, Visconde de Pelotas, Marquês do Herval e Guia Lopes à Guerra do Paraguai,
mesmo tendo sido um dos principais acontecimentos do século XIX no país. Iniciou em 1864
e terminou em 1870, com a morte de Solano López e a ocupação militar do Paraguai.
Nesse conflito, Pinheiro Machado integrou o Corpo de Caçadores a Cavalo, tropa
brasileira que combatia contra Solano Lopes na Guerra do Paraguai. Na época, tinha 15 anos e
ficou dois anos na guerra. Depois da Batalha de Tuiuti, foi proclamado primeiro cadete.
O Visconde de Pelotas defendeu o império na Revolução Farroupilha. Foi Voluntário
no cerco de Paissandu, no Uruguai, e se tornou herói da Guerra do Paraguai, que as tropas
comandadas por ele atacaram o último acampamento paraguaio onde Solano López foi ferido.
Foi ministro da guerra, senador e o primeiro governador do Rio Grande do Sul depois da
Proclamação da República.
O Marquês do Herval iniciou a carreira militar aos 15 anos, durante a Independência
do Brasil. Participou da Guerra da Cisplatina, da Revolução Farroupilha nesse conflito, ele
defendia os interesses do império –, também participou nas campanhas platinas contra Oribe e
Rosas (1851-1852). Ao eclodir a Guerra do Paraguai recebeu o comando do 1º. Corpo do
Exército Imperial.
José Francisco Lopes, o Guia Lopes, alistou-se voluntariamente no Exército brasileiro
para guiar as tropas que iniciavam uma ofensiva por terra ao território paraguaio. Foi
reconhecido pela habilidade de conduzir a tropa no episódio que ficou conhecido como a
Retirada de Laguna.
Marquês do Herval e Visconde de Pelotas estiveram contra o Rio Grande do Sul em
favor do império e, mesmo assim, foram homenageados no Estado. Oliven (1992) observa
que:
É interessante que os termos da federação e república compareçam de forma
ambígua nesses conflitos internos. Assim, os membros do antigo Partido Liberal,
que dominou a política gaúcha até a Proclamação da República, vão, a partir dela, se
abrigar no Partido Federalista. (OLIVEN, 1992, p. 59)
69
Assim, o gauchismo é uma forma bem sucedida de regionalismo. Dick (2001, p. 79)
explica que “a configuração de um local acontece a partir de um nome, o antecedente
sendo o não-lugar, o não simbólico, o inativo”. O ato de nomear, desta forma, auxilia a
reconstituir o período em que as ruas receberam suas denominações oficiais, para explicá-las,
a exclusão de nomes também ajuda a decifrar essa incógnita. Se a “mágica” de Bourdieu
serve para denominar uma região, pode-se dizer que a negação deste direito adquira a mesma
força.
Para se ter uma ideia, as principais ruas da cidade, objeto deste estudo, receberam seus
nomes oficiais na penúltima década do Século XIX (ADAMI, 1971, p. 136-138). Os
imigrantes italianos começaram a colonizar e a povoar a Região a contar de 1875. Em 1897,
ano da denominação das ruas aqui estudadas, havia população numerosa, sendo o grupo
étnico italiano o componente mais expressivo em todas as localidades do Nordeste do Rio
Grande do Sul.
Na década de 1970, a composição étnica da população da RCI, apontava que Caxias
do Sul era formada em 75,1% de ítalo-descendentes e 24,9% de outras etnias (afro-brasileiros,
teuto-brasileiros, indígenas, luso-brasileiros, polono-brasileiros e outras)
22
.
O sociólogo francês, ao tratar desse jogo, aponta formas com as quais a identidade
étnica e o poder que ela possui servem como formas de “impor a definição legítima das
divisões do mundo social e, por esse meio, de fazer e desfazer os grupos” (BOURDIEU,
2001). Ele diz ainda:
Com efeito, o que neles está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social
através dos princípios de di-visão
23
que, quando se impõem ao conjunto do grupo,
realizam o sentido e o consenso sobre o sentido (...). (BOURDIEU, 2001, p. 113)
Ao falar sobre a importância do grupo, é preciso ter claro o conceito de identidade e de
cultura para poder entendê-lo. Geertz (1989, p. 4), assume a cultura “como sendo essas teias
24
22
FROSI; MIORANZA, 1983, p. 65
23
Segundo Bourdieu (2001, p.113), “a etimologia da palavra região leva ao princípio da di-visão, ato mágico,
propriamente social, de diacrisis que introduz por decreto uma descontinuidade decisória na continuidade natural
(não só entre regiões do espaço, mas entre as idades, os sexos, etc.)”
24
Geertz apropria-se do conceito disseminado por Max Weber, de “que o homem é um animal amarrado a teias
de que ele mesmo teceu”
70
e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa em busca de significado”. Para entender o porquê dos nomes, é
necessário elucidar o que parece obscuro.
Ao se pensar em grupos e no que a não denominação refere, pode-se também
aproveitar o conceito de não-lugar
25
, trabalhado pelo antropólogo francês Marc Augè.
Enquanto Certeau, ao defini-lo, faz uma crítica à “ausência do lugar em si mesmo que lhe
impõe o nome que lhe é dado” (apud Augé, 1994, p. 79), para Augé é a interação dos
indivíduos com esses espaços que acaba por criar (ou não) um vínculo entre denominador e
denominado.
Para o antropólogo:
A mediação que estabelece o vínculo dos indivíduos com seu círculo no espaço do
não-lugar passa por palavras, até mesmo por textos. Sabemos, antes de mais nada,
que existem palavras que fazem imagem, ou melhor, imagens: a imaginação de cada
um daqueles que nunca foram ao Taiti ou Marrakesh pode se dar livre curso apenas
ao ler ou ouvir esses nomes. (AUGÈ, 1994, p. 87-88)
Para nomear é preciso fazer uso da língua e é também através dela que se revelam as
facetas do poder. Segundo Trask (2004, p. 164), “a língua pode ser usada como um
instrumento de pressão política, e esse uso está longe de ser raro. Visivelmente, a ngua pode
ser usada quer para validar um grupo social ou entidade política, quer para negar sua
validade”.
Desse modo, no ato de nomeação, mecanismo influenciado externamente ou
subjetivamente, deixa transparecer nos hodônimos pistas semânticas das mais diferentes
procedências, tornando perceptível um estreito vínculo entre o nome (ou a falta dele) e a
constituição de uma região.
Dos nomes analisados, apenas dois têm ligação direta com Caxias do Sul: Dr.
Montauri e Feijó Júnior. Segundo Nascimento (2009, p. 111), foi Feijó Júnior, proprietário de
terras, quem sugeriu ao governo a transferência da sede da direção da Colônia Caxias de Nova
25
Os não-lugares, produtos da contemporaneidade, opõem-se à noção de lugar antropológico, designado desde
Mauss por uma tradição fundada na ideia de totalidade.
71
Milano para o local conhecido como Campo dos Bugres. Essa mudança foi decisiva para o
processo de ocupação de terras que ainda receberiam colonos. Dr. Montauri foi chefe da
Comissão de Terras da colônia, entre 1891 e 1893.
Machado (2001) afirma que:
A administração municipal, até 1924, esteve sempre nas mãos de intendentes
‘brasileiros’ (grifo do autor), sendo que os primeiros foram nomeados pelo governo
do estado. Os intendentes eleitos pelo voto, no entanto, eram sempre indicados
anteriormente pelo presidente do estado, como representantes do Partido
Republicano Riograndense, que estava no poder desde a Proclamação da República.
(MACHADO, 2001, p. 147).
Alfredo Chaves era inspetor geral de terras e colonização na mesma época em que
Sinimbu era presidente do conselho de ministros e ministro da agricultura. Cabia a eles, em
1878, receber indicações para possíveis nomeados a diretor da Colônia Caxias, que contou
com mais de 15 homens (ADAMI, 1971, p. 152).
Ernesto Alves era jornalista, advogado e político gaúcho, membro do Partido
Republicano Riograndense, diretor do jornal A Federação e inspetor geral da instrução
pública no Rio Grande do Sul.
Apesar de o Brasil ser um país jovem, os nomes de ruas aqui analisados não são
transparentes, são opacos. Essa opacidade pode se dar por dois motivos principais.
O primeiro é o desconhecimento do contexto em que a nomeação foi produzida,
acarretando que o percurso de decodificação do hodônimo não seja completado.
O segundo é a sobreposição de camadas, não linguísticas, mas históricas, que
escondem e revelam interesses inerentes ao ato de nomear. Dada a mágica que os nomes
evocam, sobre o vazio hodonímico é possível recuperar vestígios e completar o caminho da
decodificação.
Pode-se concordar com Dauzat quando afirma que “a toponímia, conjugada com a
história, indica ou precisa os movimentos iniciais dos povos, suas migrações, áreas de
colonização, e regiões nas quais determinado grupo linguístico deixa suas marcas.”
72
A língua, as palavras e os nomes podem ser um ponto de partida para uma viagem ao
passado, em busca do autoconhecimento de uma civilização.
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nada pertence mais a uma pessoa do que o próprio nome. É ele que fica gravado na
lápide depois da morte e é ele que pode dar perenidade ao personagem que o carrega, caso
vire nome de lugar.
Aqui, neste estudo, nomes não italianos, de pessoas que vieram para Caxias do Sul
promover a ocupação da terra recém colonizada, bem como representantes do império ou da
pátria gaúcha, deixaram suas inscrições em algumas das principais artérias da cidade.
Na maioria dos casos, no entanto, não se pode dizer que a homenagem prestada no ato
de denominação da rua esteja presente na atmosfera que os circundam. Vultos da pátria, seja
ela gaúcha ou brasileira, viraram meros referentes de localização.
As próprias disputas políticas que encobriram seus significados e suas trocas de nomes
não são disseminadas. Chama a atenção a presença dos chamados heróis de guerra,
pertencentes ao grupo étnico luso-brasileiro.
O estudo, que tinha como objetivo específico conhecer o significado dos hodônimos
escolhidos e estabelecer relações entre estes hodônimos e os elementos que influenciaram em
sua denominação, foi fundamental para chegar à conclusão do trabalho. Para a análise, levou-
se em consideração a etimologia, mas também os aspectos extralingüísticos.
As conclusões aqui apresentadas, no entanto, referem-se a uma amostra de 18 ruas do
Centro urbano de Caxias do Sul. Se um universo maior de hodônimos fossem pesquisados,
poder-se-ia ter chegado a conclusões diferentes dessas aqui apresentadas.
74
A partir dessas relações, foi possível entender que os italianos foram forçados a se
acostumar com a nova terra brasileira e, além de não ter expressão política, também não se
veriam representados ao longo dos caminhos que utilizassem, se estivessem em passagem
pelas ruas centrais de Caxias do Sul.
A negação do nome revela uma relação de poder que tem no hodônimo, também, um
significado escondido.
Confirmaram-se as hipóteses de que, na denominação das ruas deste estudo, não foram
prestigiadas figuras ligadas à pátria italiana. Os nomes italianos e alguns não-italianos foram
substituídos de acordo com acontecimentos de caráter histórico e político que afetaram as
comunidades locais evidenciando-se uma relação de poder entre o denominador e o objeto
denominado.
Não se confirmaram as hipóteses de que homenageiam figuras ilustres do país que
acolheu os imigrantes, porque em alguns dos casos os homenageados não tinham grande
expressão para a comunidade alguns ainda não têm notório reconhecimento por parte da
população. Esses homenageados também não foram fundamentais para promover a integração
entre os dois povos (italianos e brasileiros/gaúchos).
Levando-se em consideração o número de ruas totais de Caxias do Sul, esse estudo é
apenas uma pequena amostra do que pode ser realizado. Dando-se seguimento, poderia,
juntamente com muitos outros que deverão ser feitos, ser parte integrante do Atlas
Toponímico do Rio Grande do Sul.
No decorrer deste trabalho, o projeto inicial sofreu algumas alterações, visto que a
própria pesquisa proporcionou a abertura de novas janelas de investigação. Por se tratar de um
estudo inédito nesta universidade, pessoalmente representou um interessante desafio de
desvendar os motivos que se ocultavam por trás dos nomes. Como propôs o estudo do signo
hodonímico, os nomes, que eram opacos, ficaram transparentes.
Com a consciência de que esse é um processo apenas iniciado, concluído, aqui, a partir
de um recorte específico, tem-se a perspectiva de poder continuar iluminando, a partir do
deslocamento de camadas sobrepostas, os nomes de ruas. Pode-se afirmar, no entanto, que as
75
mudanças hodonímicas testemunham as transformações culturais de um povo. Continuar a
estudá-las, em todas as suas interfaces, é resgatar um patrimônio cultural, lingüístico e
histórico de toda uma região.
76
REFERÊNCIAS
ADAMI, João Spadari. História de Caxias do Sul. I Tomo. ed. Caxias do Sul: EDIÇÕES
PAULINAS, 1971.
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