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Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-graduação em Geografia
RENATA ROGOWSKI POZZO
MODERNIDADE CAPITALISTA
EM FLORIANÓPOLIS-SC E A DINÂMICA
DO CENTRO URBANO
FLORIANÓPOLIS
2010
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Renata Rogowski Pozzo
MODERNIDADE CAPITALISTA
EM FLORIANÓPOLIS-SC E A DINÂMICA
DO CENTRO URBANO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso
de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Regional e
Urbano.
Orientador: Prof. Marcos Aurélio da Silva, Dr.
Florianópolis, 2010.
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MODERNIDADE CAPITALISTA
EM FLORIANÓPOLIS-SC E A DINÂMICA
DO CENTRO URBANO
Renata Rogowski Pozzo
Coordenadora: Profª Magaly Mendonça, Dra.
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia, área de concentração
Desenvolvimento Regional e Urbano, do Centro de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Presidente: Prof. Marcos Aurélio da Silva, Dr. (GCN/UFSC)
___________________________________________________
Membro: Prof. Élson Manoel Pereira, Dr. (GCN/UFSC)
___________________________________________________
Membro: Prof. José Messias Bastos, Dr. (GCN/UFSC)
___________________________________________________
Membro: Prof. Reinaldo Lindolfo Lohn, Dr. (FAED/UDESC)
___________________________________________________
Florianópolis, 25 de agosto de 2010.
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Só o que é interno é perto; o mais, distante.
E esse interno é tão denso e a cada instante
mais denso ainda. Impossível descrevê-la.
A ilha é como uma pequena estrela
que o espaço esqueceu e, muda, so-
me em seu inconsciente horror de astro,
de modo que, sem luz, sem deixar rastro,
como ainda a buscar metas extremas,
obscura, em sua auto-inventada via,
prossegue, em rumo cego, à revelia
dos planetas, dos sóis e dos sistemas.
Rilke
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RESUMO
Nesta pesquisa buscamos apreender as especificidades da formação do
centro e a configuração da centralidade urbana em Florianópolis,
compreendendo a marcha das continuidades e descontinuidades de sua
história e como estas se arranjaram espacialmente dentro do processo de
transição para a modernidade capitalista da cidade. São identificados
três períodos desta transição, que se inicia no final do século XIX a
partir da acumulação de capital proveniente, por um lado, da drenagem
da renda da pequena produção açoriana, e, por outro, do grande
comércio import-export; tem seu ponto culminante nos anos 60 e entra
em sua fase contemporânea nos anos 90, quando os capitais extra-locais
(e notadamente internacionais), em forma de investimentos imobiliários
associados às bandeiras do turismo e da tecnologia, apropriam-se
definitivamente do espaço urbano. Dentro deste longo processo de
transição para a modernidade, demonstramos neste trabalho como o
centro adquire a cada período um significado novo em relação à cidade:
do centro moderno, ao centro decadente para o centro contra-
hegemônico.
Palavras-chave: Centro tradicional; Florianópolis; Modernidade;
Centralidade Urbana.
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ABSTRACT
In this research we seek to grasp the specifics of the training center and
configuration of urban centrality in Florianopolis, including the march
of the continuities and discontinuities in its history and how they are
spatially arranged within the process of transition to capitalist modernity
in the city. It identifies three periods of transition, which begins in the
late nineteenth century from the accumulation of capital from one hand,
the drainage of the income of small-scale production of the hinterlands,
and, secondly, the large import-export trade, has its peak in the 60s and
goes into its contemporary phase in the '90s, when the capital extra-local
(and especially international), in the form of real estate investments
associated with the flags of tourism and technology, definitely
appropriates urban space. Within this long transition to modernity, we
have demonstrated in this work as the center gets each time a new
meaning in relation to the city: the modern center, the inner city to the
center counter-hegemonic.
Key-words: Urban Tradicional Center; Florianópolis - Brasil;
Modernity; Urban Centrality.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Le Phalanstère Revê (1847) ................................................... 46
Figura 2 Condomínio fechado Pedra Branca (2009). ......................... 46
Figura 3 - Welwyn Garden City (1920) ................................................ 49
Figura 4 Capa da Revista de Divulgação do Condomínio Fechado
Pedra Branca, Grande Florianópolis (2008). ......................................... 50
Figura 5 Condomínio Fechado Essence, bairro Campeche em
Florianópolis (2009). ............................................................................. 51
Figura 6 - Vista da Villa de Desterro (1785). ........................................ 70
Figura 7 - Vista da Vila de Desterro (1803). ......................................... 70
Figura 8 Aterro da Praia do Menino Deus, por volta de 1880. ........... 79
Figura 9 Aterro do Cais da Figueira, final do século XIX. ................ 79
Figura 10 O Trapiche Miramar, que desapareceu com os aterros da
década de 70. ......................................................................................... 81
Figura 12 Antigo bairro central da Fonte Grande (1910). .................. 83
Figura 13 Antigo bairro da Toca, final do século XIX. ...................... 83
Figura 14 Primeiro Mercado Municipal (1851). ................................ 90
Figura 14 Mercado Público Municipal (1940). .................................. 92
Figura 15 O movimento no Mercado Municipal por volta de 1930. .. 92
Figura 16 - Réplica da Ponte Hercílio Luz, 1924. ............................... 118
Figura 17 - Paisagem do centro no final da década de 1950. .............. 123
Figura 18 - Uma passagem parisiense, século XIX. ............................ 124
Figura 19 - Palácio de Cristal, Londres (1851). .................................. 127
Figura 20 - Construção-montagem do Palácio de Cristal, Londres
(1851). ................................................................................................. 127
Figura 21 - Interior do Palácio de Cristal, re-montado em Sydenham
(1854). ................................................................................................. 127
Figura 22 - Implosão do antigo edifício do Hotel Laporta (1990). ..... 130
Figura 23 - A paisagem sem a ponte Hercílio Luz, fotomontagem
(1996). ................................................................................................. 131
Figura 24 Construção do aterro da baía sul (1970). ......................... 140
Figura 25 Foto aérea do centro de Florianópolis (1938). ................. 170
Figura 26 Foto aérea do centro de Florianópolis (1957). ................. 171
Figura 27 Foto aérea do centro de Florianópolis (1977). ................. 172
Figura 28 Foto aérea do centro de Florianópolis (1994). ................. 173
Figura 29 Foto aérea do centro de Florianópolis (2000). ................. 174
Figura 30 - Linha azul representando o perímetro central antes dos
aterros...................................................................................................206
Figura 31 - Linha pintada ao longo da Rua Antonio Luz.....................206
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Plano Urbano Inicial da Vila de Desterro e Elementos
Estruturadores ....................................................................................... 63
Mapa 3 Centro de Florianópolis (1920). ............................................ 84
Mapa 3 Expansão do centro ao longo da transição para a modernidade
capitalista na cidade. ........................................................................... 133
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Pessoal ocupado e salário médio por atividade econômica em
Florianópolis no ano de 2004. ............................................................. 158
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..................................................................................... 17
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 23
I - A TEORIA DE FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL NO ESTUDO DE UMA
CIDADE .................................................................................................. 23
II - IDEIAS SOBRE A CIDADE ................................................................... 41
PARTE 1: A FORMAÇÃO DA CIDADE 59
1 SÉCULO XVII: PRIMEIROS TEMPOS .................................................. 61
1.1 - Os relatos dos viajantes e a paisagem urbana da Ilha de Santa
Catarina ................................................................................................ 67
1.2 - A urbanização de Desterro no quadro geral do urbanismo dos
conquistadores portugueses .................................................................. 72
2 1750: A CHEGADA DOS AÇORIANOS ................................................. 76
3 1850: A PRIMEIRA VIRADA ............................................................... 78
3.1 - A drenagem da renda da pequena produção mercantil açoriana 85
3.2 A construção do mercado ............................................................. 88
3.3 - O porto e o grande comércio ........................................................ 93
3.4 - Velha indústria e suas marcas no centro da cidade...................... 96
PARTE 2: A TRANSIÇÃO PARA A MODERNIDADE 103
1 - A MODERNIDADE CAPITALISTA E O CENTRO ................................. 105
1.1 - A contradição da vida moderna .................................................. 109
2 - ANOS 20: ANUNCIAÇÃO DA MODERNIDADE .................................... 117
2.1 - A ponte e o cenário da modernidade .......................................... 124
2.1 Expansão para a área das chácaras centrais ............................ 132
2.2 Urbanismo sanitarista ................................................................ 134
2.3 A Revolução de 30 ...................................................................... 136
3 ANOS 60, O DESPERTAR DA CIDADE ............................................... 138
3.1 - Expansão da cidade para o eixo norte da ilha, anos 70 ............. 141
PARTE 3: A CIDADE CONTEMPORÂNEA 146
1 - OS ANOS 90 E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO EM FLORIANÓPOLIS
............................................................................................................. 147
1.1 - O Planejamento Estratégico ....................................................... 149
10
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1.2 - O discurso hegemônico sobre a cidade: do turismo à tecnologia.
............................................................................................................ 152
2 - SEGREGAÇÃO, MOBILIDADE E CENTRALIDADE NA CIDADE
CONTEMPORÂNEA ................................................................................ 162
2.1 - A composição social da população: segregação e mobilidade .. 162
2.2 Centralidade .............................................................................. 167
3 - O CENTRO - INCURSÃO ................................................................... 191
3.1 - O comércio do centro da cidade ................................................. 194
3.2 O compasso do centro: continuidade e descontinuidade temporal
............................................................................................................ 202
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 207
I - ESPAÇO PÚBLICO E CIDADE ............................................................ 207
II - CENTRO TRADICIONAL COMO LUGAR CONTRA-HEGEMÔNICO ....... 214
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 219
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Apresentação
A vontade de estudar o centro de Florianópolis vem desde o ano
de 2004, a partir de experiências pessoais como principalmente o fato de
residir neste espaço da cidade e perceber neste convívio as mudanças em
curso e as contradições presentes. Esta pesquisa, portanto, não se define
apenas por uma preocupação teórica; nasce de uma intenção prática
relacionada com a vida do centro da cidade no período atual, de uma
vontade de intervir nesta realidade.
As interpretações correntes sobre o centro de Florianópolis,
tanto trabalhos acadêmicos como matérias jornalísticas, apontam para
um processo de decadência que estaria sofrendo este espaço. A base
para esta interpretação é a observação de alguns edifícios abandonados,
falta de movimento noturno, popularização do comércio etc. Como
aponta Villaça (2001, p. 271), afirmações como “o centro deteriorou-se
ou “o centro está em decadência”:
“[...] aparecem com freqüência na imprensa, nos
meios imobiliários e entre empresários do
comércio varejista. No que diz respeito a essa
„decadência‟, parece haver consenso entre leigos
e especialistas. O que não é descrição e
interpretação sistemáticas quanto ao que seja este
processo”.
Após breves anos de observação (da janela do 8º andar do
Edifício Meridional, na Rua João Pinto) e reflexão diária sobre a
paisagem, muitas derivas e algumas leituras relacionadas a esta
problemática em outras capitais, chegou-se a seguinte hipótese: esta
suposta decadência do centro tradicional pode ser explicada pelo
abandono deste espaço pelas classes de alta renda a partir dos anos 70,
que pararam de investir e freqüentá-lo motivadas por investimentos
públicos que deslocaram o fluxo do comércio, dos serviços e dos
capitais imobiliários para outros lugares da cidade (vias expressas). Ou
seja, analisando-se mais a fundo este processo, a declarada decadência
do centro (expressão inocentemente utilizada por muitos na bem
intencionada vontade de “reavivar este espaço) é uma expressão
ideológica - pois é em grande medida propagada pela mídia que a
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relaciona com a violência, o que valoriza ainda mais a suposta segurança
que oferecem os novos espaços comerciais e residenciais da cidade,
obedecendo aos interesses do capital imobiliário - e preconceituosa, pois
não pode-se chamar de “degradação” a transição de uma classe social
mais alta para outra mais baixa em um mesmo espaço. Na verdade,
acreditamos, como se refere Lefrebvre (1991b, p.13), não sem um
sentido dialético, que:
“Na prática, o cleo urbano (parte essencial da
imagem e do conceito de cidade) está rachando, e
no entanto consegue se manter; transbordando,
frequentemente deteriorado, às vezes
apodrecendo, o núcleo urbano não desaparece”.
Esta dissertação está estruturada em três grandes partes. Na
primeira parte estudamos as origens, a formação da cidade (séculos
XVII e XIX); o assunto da transição para a modernidade (e suas duas
primeiras fases: da passagem do século XIX para o XX até os anos 20 e
destes aos anos 70) é estudado na segunda parte, para então, na terceira
parte, tecermos idéias sobre a cidade atual (ou, a última fase da transição
para a modernidade capitalista em Florianópolis). Observamos que o
processo de formação e desenvolvimento do espaço urbano se em
períodos determinados, por isso essa dissertação também contribui para
os estudos de periodização da evolução da cidade e da formação da
região litorânea de Santa Catarina.
O centro de uma cidade é um lugar de convergência dos
processos sociais, históricos e econômicos que se inter-relacionam em
diversas escalas (o mundo, a nação, o estado, a região, a cidade, a rua, o
citadino). Estes processos têm sua expressão percebida principalmente
na morfologia urbana da parte central, pois esta representa como que a
intersecção dos fenômenos da vida social.
A dinâmica das funções urbanas gerada pelos processos sócio-
econômicos nas mais variadas escalas espaciais e temporais é o motor
que movimenta, cria, adapta, destrói e transforma o espaço do centro.
Como constata Peluso Junior (1991, p. 312):
“A cidade não permanece a mesma através do
tempo. Muda incessantemente de acordo com as
variações econômicas e sociais do núcleo urbano
no exercício de suas funções, em consonância
19
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com as modificações que atingem a sociedade
nacional”.
Segundo Milton Santos (1959), o centro da cidade é um espaço
de síntese do passado e do presente, uma paisagem formada pela
contradição entre formas inertes (forças de inércia) e funções dinâmicas.
Marcado por funções preponderantes, cada momento histórico deixa sua
marca no espaço, criando e transformando a paisagem urbana - que é o
resultado desta soma dialética das forças do tempo e do espaço, da
relação dinâmica entre as funções e as formas.
A cidade de Florianópolis (antiga Desterro) é uma das mais
antigas de Santa Catarina. Foi criada para ser a capital da Província e
manteve-se como a cidade comercial mais importante do estado por dois
séculos, graças ao seu porto e às poderosas firmas comerciais que aqui
se estabeleceram, para quem a atividade industrial sempre foi
secundária.
Com a evolução do povoamento e o crescimento da
aglomeração a partir do século XIX, desenvolvem-se arrabaldes ligados
à Vila de Nossa Senhora do Desterro por caminhos primitivos: Nossa
Senhora da Conceição da Lagoa, Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão,
São Francisco de Paula de Canasvieiras etc. Assim, a Vila de Nossa
Senhora do Desterro, por centralizar as atividades administrativas e
portuárias da província, passa a desempenhar o papel de um centro local
e, com o desenvolvimento da região a partir do povoamento dos vales
atlânticos, um centro regional. No século XX, estes arrabaldes,
inicialmente freguesias e vilas, transformam-se em bairros da cidade e a
área dos antigos bairros que formavam a vila de Desterro (chamados
bairros centrais), passam a formar o centro de Florianópolis.
Desde a fundação da cidade, uma de suas funções mais
relevantes foi a portuária, que escoava a produção comercial do litoral
catarinense pelo menos até o momento em que as colônias atlânticas
desenvolveram sua própria estrutura portuária (no início do século XX)
que nos anos 1950 acaba superando a da capital. O porto fazia a ligação
da cidade com a economia regional, do pequeno com o grande
comércio. Por isso, a configuração do espaço central nos primeiros
tempos era ditada pelas necessidades desta função e sua paisagem era
marcada por edificações representativas da vida da cidade e da região:
barracões comerciais, depósitos, trapiches, estaleiros, o mercado
público, a alfândega. Na passagem do século XIX para o XX ensaia-se a
20
20
primeira fase de um longo processo de transição para a modernidade,
motivado justamente por estes capitais comerciais.
Assim como a portuária, cada uma das funções que a cidade
incorporou ao longo da história criou uma paisagem própria e está
ligada a uma fase diferente de desenvolvimento. O “grande comércio”
(movimentação portuária) construiu grandes armazéns e depósitos,
escritórios das firmas comerciais. O “pequeno comércio” (policultura
açoriana) construiu o mercado público.
Até os anos 50, a função comercial praticamente se concentrava
na região central da cidade. É fato que desde o princípio existiu uma
movimentação comercial nas freguesias, porém esta relação se dava
entre produtores-atravessadores ou produtores-comerciantes e não
chegava ao consumidor. Os atravessadores faziam a negociação e o
transporte do peixe e os comerciantes levavam a produção das
policulturas açorianas até o mercado central, onde estas produções eram
comercializadas. Outros produtores vinham diretamente ao mercado a
bordo de seus barcos.
No final do século XIX e principalmente após a Revolução de
30, a economia das nascentes indústrias do nordeste catarinense que
prosperaram a partir da acumulação de capital da pequena produção
mercantil dos imigrantes europeus instalados nos vales atlânticos se
dinamiza. Também começam a germinar atividades industriais em
outras regiões do estado, como o sul carbonífero e cerâmico, o oeste
agroindustrial e o planalto norte madeireiro. Nesta época se inicia uma
fase de estagnação para a cidade de Florianópolis, que não havia
desenvolvido sua indústria e onde as atividades comerciais e portuárias
entravam em decadência.
Porém, nos anos 60, após o fechamento do porto e a construção
dos aterros na área central, fatos que poderiam decretar a morte do
coração comercial da cidade, Florianópolis renasce com a expansão do
aparelho administrativo Estatal, o comércio varejista do centro se
mantém e se renova com força, e, nos anos seguintes, o turismo adentra
a ilha aliado à indústria da construção civil para movimentar a economia
citadina.
Para este segundo momento da transição para a modernidade da
cidade, os anos 60, o centro, espremido entre o mar e os morros, tornou-
se pequeno. Foram então construídos aterros que possibilitaram a
adaptação da cidade aos transportes modernos, a construção das duas
novas pontes e da avenida beira-mar que faz conexão entre a entrada da
cidade e as vias expressas que conduzem ao norte e ao sul da ilha. Aliás,
21
21
aos transportes modernos foi a que o centro menos se adaptou; as
artérias principais da cidade dos anos 20, Hercílio Luz e João Pinto, são
hoje calçadões para pedestres.
O centro, de palco da modernidade até os anos 60, converte-se
para a imagem de um lugar do passado dos anos 70 até hoje.
Essa relação entre a formação e desenvolvimento da cidade e o
papel do centro em cada fase histórica despertou nosso interesse de
interpretar e demonstrar a formação da configuração atual da região
central de Florianópolis. Analisando objetivamente os elementos que se
combinaram para a conformação do cenário atual percebemos logo que
o ponto crucial é a transição para a modernidade, que altera a
configuração da centralidade urbana em Florianópolis. Com as novas
centralidades que começam a se desenvolver nos anos 50, cada vez mais
pessoas suprem suas necessidades sem sair de seu bairro. E, mais tarde,
a partir dos anos 90 com a chegada dos shoppings o centro torna-se cada
vez mais o lugar do comércio popular. Neste terceiro momento da
transição para a modernidade, o centro tem cada vez posição menos
central em relação à cidade.
Todo esse movimento histórico do capital marcou a fisionomia
da cidade e se relacionou de forma diferente com região central. O
movimento do capital comercial até os anos 30 construiu os grandes
sobrados e casarões que sobrevivem ao tempo, protegidos pela cortina
do esquecimento e pela decadência dos anos posteriores. Muitos estão
atualmente vazios, outros foram ocupados por órgãos públicos ou lojas
populares. Já as grandes instalações das empresas comerciais do passado
são o local preferido das lojas de eletrodomésticos do centro. A
modernização dos anos 60 e 70, onde os vazios do centro começam a ser
preenchidos, gerou a construção de grandes edifícios de 10 a 15 andares
que hoje abrigam milhares de escritórios e consultórios. Alguns deles
viraram edifícios mistos, abrigando famílias ou estudantes em seus
kitinetes improvisados.
Entretanto, o quadro antigo dos anos 20, antes do longo período
de estagnação de 30 anos, não foi totalmente substituído quando nos
anos 60 a cidade retomou o crescimento. A virada dos anos 60 coloca
um ponto final numa fase histórica do centro, mas as construções
permanecem na paisagem, ocupadas por novas funções urbanas, isto
porque:
“A função pode criar uma paisagem, mas pode
também aproveitar-se de uma paisagem
22
22
preexistente. Por outro lado, a mesma paisagem
pode servir a funções diferentes, associadas ou
não no mesmo prédio. Ora, esse modo de
apropriação não é sempre o mesmo e não é
sempre feito integralmente” (Santos, 1959,
p.144).
A paisagem atual é formada por elementos originários de
períodos anteriores, mas, esta síntese do passado e do presente das
formas antigas e das funções atuais não é nada amigável. O que
acontece é uma guerra de rias tendências diferentes de transformação
e resistência. Por isso, procuramos investigar: como o centro responde a
toda essa atividade histórica? O que o centro da cidade representa hoje?
Qual a importância do centro em relação á cidade e em relação à região
no decorrer da história? Para a organização do espaço regional?
Nesta pesquisa procuramos enfatizar todas estas características
contraditórias do centro que se formam a partir da interação dialética
entre formas e funções novas e velhas, que são características de espaços
com grande passado histórico como este. Isto porque vemos o centro
como um ponto de ligação entre movimentos contraditórios. No século
XIX, por exemplo, era a ligação da região com o mundo, pois pelo seu
porto entravam todos os produtos importados da Europa. É também o
contato do estado com a nação, pois é um centro administrativo. Suas
feiras eram e ainda são a ligação entre o mundo urbano e o mundo da
produção rural. O centro é o contato do novo com o velho, do moderno
com o ultrapassado. Um lugar de encontro de pessoas de todos os
lugares, onde, como expõe Santos (1959, p. 188) sobre o centro da
cidade de Salvador, “esse papel de ponto de contato entre dois mundos
opostos, porém complementares, marca toda a vida urbana”.
23
23
Introdução
I - A teoria de formação sócio-espacial no estudo de uma cidade
O concreto é o concreto porque é a síntese de
muitas determinações, isto é, unidade do
diverso” (Marx, 1978, p. 116).
Em seu clássico ensaio de 1977, “Sociedade e Espaço: a
Formação social como teoria e como método”, Milton Santos define o
conceito de formação como as dinâmicas sociais que criam e
transformam as formas” (p. 81). Ainda mais distante de uma concepção
cristalizada do espaço, que leva em conta apenas a forma das coisas, a
teoria da formação sócio-espacial interpreta estas próprias formas como
formas-conteúdo. Ao compor as bases desta teoria, Milton Santos
retoma as duas dimensões fundamentais da formação econômico-social
de Marx e Lenin, e acrescenta aí a dimensão espacial, geográfica -
tratando não meramente de um espaço físico, mas de um espaço social.
Segundo Henry Lefebvre (1975)
1
, a teoria de formação
econômico-social, descrita por Marx no prefácio de O Capital e em
textos anteriores, foi retomada por Lênin com ênfase em seu sentido
complexo e duplo:
“Formação: trata-se duma realidade que se
transforma, que evolui e que muda duma
maneira histórica e objetiva [...]. Econômico
Social: significa que se trata de uma formação
com dois aspectos que não podemos separar nem
confundir [...]” (p. 188-189).
A dimensão espacial deste conceito não é menos complexa. No
centro do seu entendimento está a categoria de produção, “o trabalho do
homem para transformar o espaço (Santos, 1977, p. 82). Lefebvre
(1991)
2
, a partir das obras da juventude de Marx e alguns escritos de O
Capital, desenvolve um sentido amplo para o conceito de produção, que
1
Este livro, O Pensamento de Lênin, foi publicado pela primeira vez na França em 1957.
2
A Vida Cotidiana no Mundo Moderno, publicado na França em 1968.
24
24
não se reduz à fabricação de produtos e de materialidades, mas também
à produção espiritual, de tempos e espaços sociais:
“Ele designa também a produção do ser
humano‟ por si mesmo, no decorrer do seu
desenvolvimento histórico. Isso implica a
produção de relações sociais. Enfim, tomado em
toda sua amplitude, o termo envolve reprodução”
(1991, p, 37).
Duas outras idéias são fundamentais para se entender o espaço
geográfico a partir da concepção do materialismo histórico e dialético:
- O espaço é social
3
: envolve relações sociais (ai compreendidas
as relações de classe), e é produzido socialmente. Como coloca Lefebvre
(1991b)
4
:
“Se há uma produção da cidade, e das relações
sociais na cidade, é uma produção e reprodução de
seres humanos por seres humanos, mais do que uma
produção de objetos. A cidade tem uma historia; ela
é a obra de uma história, isto é, de pessoas e de
grupos bem determinados que realizam essa obra
nas condições históricas” (p. 47).
O espaço é entendido, como teorizado por Milton Santos em
Por uma geografia nova (1978), como uma totalidade social, ou seja,
estudar o espaço tem o significado de estudar a sociedade através desta
dimensão geográfica do espaço, considerando o conceito de luta de
classes, ou melhor, o espaço urbano como um lugar de lutas políticas.
3
Dizer que o espaço é social não significa que as dimensões social e espacial se sobrepõem.
Afirmações como a de Bernard Lepetit “[...] a cidade e a sociedade são duas realidades
coextensivas: a questão urbana e a questão social sucessivamente inventadas agora se
sobrepõe com perfeição” (2002, p. 60), caem no erro de reduzir a questão social, que é muito
mais ampla, à questão urbana e acaba gerando interpretações equivocadas como por exemplo
de que resolvendo-se os problemas urbanos estaria se resolvendo os sociais. Infelizmente, esta
visão é muito presente na ideologia do urbanismo contemporâneo, como expõe Souza (2001):
Ao eleger a racionalidade técnica urbanística como o único instrumento capaz de superar as
contradições capitalistas, inclusive a divisão da sociedade em classes, o urbanismo modernista
revelou-se utópico. A utopia de gerar uma igualdade social a partir do planejamento urbano,
sem necessidade de transformar o modo de produção, ou sequer mexer no regime da
propriedade privada, dinamizou, em muitos casos, uma engrenagem autoritária”.
4
O Direito à Cidade foi publicado na França em 1969.
25
25
Esta concepção também está próxima da idéia de cidade presente nos
textos situacionistas
5
:
“Al igual que éste [Lukács], los situacionistas
veían la ciudad como terreno concreto donde
cuestionar la concepción capitalista de la división
del trabajo y la fragmentación maquinista de la
vida en ámbitos segregados de existencia. […]
La concepción política de la ciudad se basada en
una comprensión histórica del espacio urbano
como lugar de creciente conflicto social y
político” (Andreotti, 1996, p. 15).
- Em segundo lugar, o espaço é construído a partir da interação
dialética entre escalas, envolve uma ordem distante e também uma
ordem próxima
6
:
“Os grandes movimentos, os vastos ritmos, as
densas ondas se chocam, interferem. Os
pequenos movimentos se interpenetram; cada
lugar social não se pode compreender então
senão numa dupla determinação: desencadeado,
levado, às vezes quebrado pelos grandes
movimentos - aqueles que produzirão
5
Dois importantes escritos situacionistas sobre a cidade são “Introdução a uma crítica da
Geografia Urbana” (1955) de Guy Debord e “Formulário para um novo Urbanismo” (1958) de
Gilles Ivain. Outros textos podem ser encontrados em tradução para o português em:
JACQUES, Paola B. (org.). Apologia da deriva escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de
Janeiro: Editora Casa da Palavra, 2003.
6
“Apenas hoje é que começamos a apreender a especificidade da cidade (dos fenômenos
urbanos). A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com sua
composição e seu funcionamento, com seus elementos constituintes (campo e agricultura,
poder ofensivo e defensivo, poderes políticos, Estados, etc.), com sua história. Portanto, ela
muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Entretanto, as transformações da cidade não
são resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade depende também
e o menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretas entre as pessoas
que compõem a sociedade (famílias, corpos organizados, profissões e corporações, etc.); ela
não se reduz mais à organização dessas relações imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se
reduzem às mudanças nessas relações. Ela se situa num meio termo, a meio caminho entre
aquilo que se chama de ordem próxima (relações dos indivíduos em grupos mais ou menos
amplos, mais ou menos organizados e estruturados, relações desses grupos entre eles) e a
ordem distante, a ordem da sociedade, regida por grandes e poderosas instituições (Igreja,
Estado), por um código jurídico formalizado ou o, por uma “cultura” e por conjuntos
significantes” (Lefebvre, 1991b, p. 46).
26
26
interferências - mas em contraposição
atravessado, penetrado pelos pequenos
movimentos, aqueles das redes e ramificações”
(Lefebvre, 2000).
Esta idéia de Lefebvre não se refere apenas às escalas
“territoriais” (o global, o local, o regional etc.), mas também à relação
entre a forma social (o modo de produção) e o cotidiano, a unidade e a
especificidade. Os processos globais (econômicos, sociais, políticos,
culturais) modelam o espaço urbano e a cidade, mas isto não decorre
imediatamente desses processos: se através de grupos que se
apropriam deles e os representam, renovando o modo de viver dos
citadinos (LEFEBVRE, 1991b). A partir desta compreensão, surge outro
princípio metodológico da Formação Sócio-Espacial: o estudo da
história.
A abordagem estrutural
O cotidiano da cidade não explica-se por si, mas como algo
dialeticamente integrado à forma social onde está inserido (e que nele se
insere). Como nos ensina Antonio Gramsci, a experiência
contemporânea somada ao estudo da história é a chave para
inteligibilidade do presente (Bianchi, 2009, p. 52).
Estudar a cidade a partir de uma abordagem estrutural não
significa portanto prestar atenção apenas nos processos longos e gerais,
envolve também o conhecimento das especificidades cotidianas, tendo
em vista que a história de um dia engloba a do mundo e da sociedade
(Lefebvre, 1991, p. 8).
Walter Benjamin, em seus escritos reunidos como a obra das
Passagens, definiu como problema central do marxismo justamente
isso: de que maneira seria possível conciliar uma plena visibilidade
com a aplicação do método marxista (2006, p. 15). A resposta
encontrada por Benjamin relacionava a pesquisa histórica com o método
da montagem cinematográfica
7
:
7
Segundo Benjamin, ao escrever sobre o passado estamos inevitavelmente relacionando
épocas diferentes: a época passada e a época em que estamos escrevendo. Seu método de
pesquisa utiliza uma técnica de fragmentação inspirada nas técnicas da montagem
cinematográfica que consiste na desmontagem e remontagem de textos com vistas a uma nova
constelação textual. Foi chamando de “historiografia alegórica”. Mas Benjamin assinalava
também que esta fragmentação era construtiva, pois acabava por formar uma constelação,
27
27
“A primeira etapa seria a de retomar na história
o princípio da montagem. Portanto, edificar as
grandes construções a partir de elementos
mínimos, confeccionados com agudeza e
precisão. Ou seja, a de descobrir na análise do
pequeno momento singular, o cristal do
acontecimento total” (Benjamin apud Rolf
Tiedemann. Introdução da edição alemã de 1982
da obra das Passagens, 2006, p.15).
Uma pesquisa que segue o princípio da totalidade deve buscar
localizar o encadeamento dos fatos, suas interações, as suas
contradições e, principalmente, a sua unidade” (Engels apud Netto,
2008, p. 29). Deve abstrair dos fatos particulares um sentido que revele
uma característica histórica da sociedade (LUCÁKS, 1981).
Estudando a cidade de Florianópolis a partir desta perspectiva,
buscou-se identificar primeiramente a origem da forma social atual, o
momento de transição onde a cidade que está aos nossos olhos começou
a se configurar - sem nunca perder a cidade presente a nossa volta
8
. A
forma social e a cotidianidade se significam mutuamente, mas a forma
social é o tempo que preside a historia como significante
9
. Mesmo uma
análise que se propõe a estudar a vida cotidiana implica (e conduz)
apreciações na escala do conjunto social:
“Sim, -se a cidade porque ela se escreve,
porque ela foi escrita. Entretanto, não basta
examinar esse texto sem recorrer ao contexto.
Escrever sobre essa escrita ou sobre essa
linguagem, elaborar a metalinguagem da cidade
não é conhecer a cidade e o urbano. O contexto,
aquilo que está sob o texto a ser decifrado (a vida
quotidiana, as relações imediatas, o inconsciente
onde o passado se junta como num relâmpago com o agora(Benjamin apud Bolle, 2000, p.
95).
8
Sobre o trabalho de pesquisa histórica da cidade, Pesavento (2008, p.9) expõe que: “é preciso
ter em conta que a morfologia da centralidade originária da urbe se apresenta como um
palimpsesto, acumulando tempos, formas, usos e significados. Camadas superpostas que se
insinuam, mas antepõem filtros ao olhar. É preciso desfolhar as camadas de uma cidade, descer
aos subterrâneos do tempo, ver o que se oculta sob a superfície do espaço”.
9
Segundo Lefebvre (1991, p. 9) “O tempo é o tempo da mudança. Não aquele de uma simples
modificação local, parcial, mas o tempo das transições e dos transitórios, o dos conflitos, da
dialética e do trágico”.
28
28
do “urbano”, aquilo que não se diz mais e que se
escreve menos ainda, aquilo que se esconde nos
espaços habitados a vida sexual e familiar e
que não se manifesta mais nos tête-à-tête), aquilo
que está acima desse texto urbano (as
instituições, as ideologias), isso não pode ser
esquecido na decifração” (Lefebvre, 1991b, p.
55-56).
Transições
Encontramos na história da cidade de Florianópolis duas
grandes transições, marcadas pelas décadas de 1850 e 1950. Dentro
destes grandes períodos, outros pequenos se desenharam: século XVII e
os primeiros povoadores, a década de 1750 e a chegada dos imigrantes
açorianos, o período do final do século XIX até a década de 1920 como
uma anunciação da modernidade e mais recentemente a partir dos anos
90, especialmente para o centro, a entrada definitiva do capital mundial
na cidade.
A transição de 1850, quando Desterro passa de vila à cidade,
começa em 1750 com a chegada dos imigrantes açorianos. Decorre de
um longo processo de drenagem da renda da pequena produção
mercantil que culmina com sua centralização através da construção do
Mercado Público em 1851. Além desta acumulação proveniente do
pequeno comércio, este período também é marcado pelo progresso do
grande comércio portuário (import-export) impulsionado pela produção
da pequena produção mercantil das colônias dos vales atlânticos
catarinenses.
a grande virada de 1950-60 é ponto culminante do processo
de transição iniciado na virada do século XIX para o XX e que apresenta
seus primeiros indícios nos anos 20 (como a construção da Ponte e do
Boulevard Hercílio Luz). Após quase duas décadas de estagnação pós-
Revolução de 30, a cidade ressurge com força graças à expansão da
função administrativa estatal e dos investimentos de capitais extra-locais
(associado com capitais remanescentes do grande comércio e oligarquias
políticas) na indústria da construção civil atrelada ao turismo.
Estes recortes espaço-temporais colocados aqui de maneira
resumida, pois são desenvolvidos ao longo do trabalho permitem
visualizar o desenvolvimento do centro urbano de Florianópolis ao
longo da história. Como escreve Milton Santos (1996), a intenção foi a
29
29
de “mapear os tempos de uma realidade em movimento”, e buscar
explica-la.
De fato, a evolução urbana de Florianópolis foi periodizada
por José Messias Bastos (2000), levando em conta principalmente as
atividades comerciais e a pequena produção mercantil açoriana, com
base na categoria de formação sócio-espacial. Esta periodização se
encontrava esboçada no trabalho de Armen Mamigonian sobre o habitat
urbano de Florianópolis publicado no Atlas Geográfico de Santa
Catarina, organizado por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro em
1959
10
. Segundo Bastos, a urbanização da Ilha de Santa Catarina deu-se
em três fases, resumidamente descritas neste parágrafo:
“A primeira urbanização está vinculada à
ascensão da pequena produção mercantil
açoriana que na virada do século XVIII para o
XIX tornara-se exportadora de gêneros
alimentícios como a farinha de mandioca, óleo de
peixe, peixe salgado, etc. Essa fase está
relacionada também ao estabelecimento das
milícias portuguesas do Brasil meridional e à
função administrativa de capital da Província. A
segunda, é iniciada a partir do último quartel do
século passado, quando, então, Florianópolis é
promovida à condição de praça comercial
importadora que vai abastecer as emergentes
colônias de alemães e italianos recém instaladas
nos vales atlânticos catarinenses. A última fase
está relacionada ao processo de inserção da
capital catarinense no contexto do capitalismo
industrial brasileiro e catarinense que ocorre com
mais vigor a partir da segunda metade dos anos
60 e transforma radicalmente a cidade.
Florianópolis, assim readquire funções de nível
estadual que havia perdido com a decadência da
pequena produção açoriana e após a Revolução
de 30 quando então as principais empresas
comerciais florianopolitanas teimam em
permanecer vinculadas ao esquema econômico-
territorial anterior à referida revolução” (Bastos,
2000, p.128).
10
MAMIGONIAN, Armen. O Habitat. In: Atlas Geográfico de Santa Catarina. Departamento
Estadual de Geografia e Cartografia. 1959, p.67-85.
30
30
Esta metodologia de periodizar - que constitui uma das
possíveis formas de análise da geografia histórica do centro da cidade -
não é entendida como algo rígido ou como o simples agrupamento de
fatos em períodos históricos. Pelo contrário. Observa-se que entre os
períodos, que são entendidos de forma dialética, ocorrem processos de
mudança, que transpassam qualquer periodização. Da mesma forma,
periodizar trata-se não apenas de caracterizar a evolução, mas tentar
compreender o processo e identificar os agentes (que apresentam-se
como forças internas e externas ao espaço físico central).
A questão da escala
A periodização intercala também, principalmente, a escala do
centro (nosso objeto inicial de estudo) com a escala da cidade,
entendendo que processo ocorridos no centro que tem visibilidade
e sentido em outra escala (a da cidade). Além disso, é preciso visualizar
que a cidade de Florianópolis está também relacionada dentro de escalas
maiores.
A escala é aqui compreendida com base nas idéias de Castro
(1995), para quem esta deve ultrapassar a simples proporção geométrica
entre o tamanho da geografia real em relação a geografia cartografada,
mapeada, mas também as formas de relação e apropriação das pessoas
para com o espaço. Isto porque a escala (mundo, região, cidade,
comunidade, país, bairro etc.) é uma construção social e sua produção é
um lugar de intensas lutas de poder intrínsecas também aos processos de
conquista e apropriação de territórios. Para Smith (2000), a escala é a
resolução geográfica dialética de processos sociais contraditórios de
competição e cooperação, e expressa a disputa pelo estabelecimento de
fronteiras entre os lugares (fronteiras fluidas, a curto ou longo prazo). O
mesmo autor ressalta que a conexão ativa entre escalas é vital:
“saltar escalas está precisamente nesta
conexão social e política ativa de escalas
aparentemente distintas, sua confusão e
anulação deliberadas” (Smith, 2000, p.
144.).
A escala é importante para a geografia na medida em que um
mesmo processo analisado do ponto de vista de escalas diferentes ganha
um sentido particular (CASTRO, 1995). Mas, segundo Castro (1995),
31
31
esta não pode ser confundida com nível de análise, pois a escala é nada
mais que uma medida capaz de dar visibilidade a um fenômeno.
A formação sócio-espacial além de uma teoria e um método
como expressou Milton Santos (1977), é uma categoria de análise e,
neste último caso, pressupõe uma determinada escala de realização da
totalidade social, que certamente se inscreve numa extensão maior que
um bairro, ou mesmo uma cidade. Na região sul do Brasil, vem sendo
desenvolvida por Raquel Maria F. do A. Pereira a idéia de uma
formação da fachada litorânea”, na qual a cidade de Florianópolis está
inserida
11
.
Unidade entre continuidade e descontinuidade
Para Lefebvre (1991b), as continuidades e descontinuidades do
espaço não existem em absoluto, mas articuladas entre si. Existe uma
unidade e uma totalidade no desenvolvimento histórico das várias
esferas da vida social, que, por este motivo, são sempre contemporâneas,
mesmo que não coetâneas (RANGEL, 2005c).
Apesar do mérito de muitos teóricos da cidade de reconhecerem
as descontinuidades históricas e as diversas temporalidades dos
elementos que compõe a cidade, essas interpretações, como a do
historiador francês Bernard Lepetit (2002), caem no vazio se levam a
descontinuidade como princípio absoluto, como na passagem seguinte:
“Nada indica que eles se ajustam continuamente
à conjuntura econômica, às variações de
população, às mudanças de hábitos dos citadinos.
A cidade (...) nunca é absolutamente sincrônica:
o tecido urbano, o comportamento dos citadinos,
as políticas de planificação urbanística,
econômica ou social desenvolvem-se segundo
cronologias diferentes”.
Como síntese de todas as continuidades e descontinuidades
históricas de uma cidade, podemos dizer, como o próprio Lepetit (2002)
11
Pereira, Raquel M. Fontes do A. Formação sócio-espacial do litoral de Santa Catarina
(Brasil): gênese e transformações recentes. In: Revista Geosul, v. 18, n. 35 jan/jun 2003.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2009.
32
32
afirma desta vez com sucesso, que a cidade está inteira no presente
12
. E,
o ponto de partida de uma pesquisa segundo o método dialético é, em
última análise, o presente. Apesar do princípio metodológico que preza
pelo estudo da história pois o presente está cheio de passado, ou seja,
elementos de períodos anteriores continuam, com mais ou menos força,
no período atual e a chave para desvendar um processo corrente pode
estar numa transição anterior também está contemplado no método da
formação sócio-espacial que o estudo da história do lugar não deveria
aparecer apenas como uma “mania arqueológica”, mas como uma
síntese do lugar (e expressa o que o pesquisador entende como sendo
este lugar) a qual se retorna a todo o momento, no desenvolvimento da
problemática da pesquisa: é o ir e vir do método dialético: “Eis a
viagem, do tempo presente até as „impressões matinais‟, ida e volta, que
constitui o trabalho do biógrafo, do artista e do historiador” (Benjamin,
2006, p. 363).
O processo de pesquisa é feito de idas e vindas no caminho que
conduz das categorias de análise simples às complexas. O jogo entre o
empírico e os conceitos é ainda mais dinâmico: não ponto de partida
definido, a construção das idéias nasce do ir e vir entre estas duas
dimensões de análise que neste processo também vão se reconstruindo
(MARX, 2003).
Como aponta a importante contribuição do historiador Carl
Schorske (2000, p. 13-14), pensar sobre a história é diferente de pensar
com história
13
:
“Pensar com a história, no primeiro sentido,
implica portanto a utilização de elementos do
passado na construção cultural do presente e do
futuro”.
Benjamin acreditava que apenas uma reflexão concreta,
materialista teria o poder de dissolver as mitologias no espaço da
historia” (Benjamin apud Rolf Tiedemann na introdução da edição
12
Isso também determinou nossa opção de tratar sempre o espaço que estamos estudando como
„centro tradicional‟ e não “centro histórico” ou “centro antigo”, como comumente aparece, pois
estas expressões nos parecem redundantes (existiria um centro não-histórico?) e sem sentido.
13
Essa percepção de que muitas vezes a história é tratada como fóssil é próxima do que
Baudrillard escreve em 1991 sobre o cinema histórico: “A história faz assim a sua entrada
triunfal no cinema a título póstumo (o termo „histórico‟ teve a mesma sorte: um momento, um
monumento, um congresso, uma figura „históricos‟ são com isso mesmo designados como
fósseis). A sua reinjecção não tem o valor de uma tomada de consciência mas de uma nostalgia
de um referencial perdido” (Baudrillard, 1991, p. 61).
33
33
alemã de 1982 da obra das Passagens, 2006, p. 19). Entretanto, o
caminho não seria mergulhar na história, mas permitir que o ocorrido
entre na sua vida, promovendo, segundo suas palavras, uma reviravolta
dialética no campo das pesquisas históricas.
Busca pela gênese dos processos
A teoria da formação sócio-espacial tem como um dos
pressupostos a busca pela gênese dos processos sociais, pois esta revela
as especificidades do lugar. Uma das formas de se apreender as
especificidades (de que tanto fala Milton Santos) de uma formação é
compreender a marcha das continuidades e descontinuidades de sua
história e como estas se arranjaram espacialmente. Segundo Milton
Santos (1977, p. 89), “o local torna-se assim, a cada momento
histórico, dotado de um significado particular”. Por isso, ao falarmos
do centro da cidade, em cada momento histórico estamos falando de um
espaço diferente, inclusive em termos de escala, mas principalmente em
termos de sociedade.
Neste caminho, a idéia da busca pela origem dos processos
ganha um novo sentido (é claro que não pode-se cair numa busca
infinitesimal). Esta origem a que se refere a formação sócio-espacial é o
momento onde o processo se inicia, a transição. Como pode-se ler na
concepção histórica de Benjamin, a origem dos fenômenos aparece ao
pesquisador como um momento de descoberta, um relâmpago, que
singularmente se relaciona com o reconhecido” (Benjamin apud Bolle,
2000 p. 362-363.).
Segundo Bolle (2000, p. 362), na concepção histórica de
Benjamin,
“A „origem‟ (Ursprung) é definida
explicitamente como categoria histórica‟. É o
„ritmo‟ próprio da história, ou seja a
transformação do mundo pelo homem: „o fluxo
do devir‟. É o ritmo que escapa aos que
registram fatos, aos que acumulam dados no
fluxo dos acontecimentos [...]. O registro
mnemônico por si [...] não tem valor [...]. O
desafio para o „animal histórico‟ está na
„rememoração‟ (anámnesis). „O ritmo do
originário apenas se revela a uma visão dupla‟:
34
34
restauração, por uma lado, inconclusão por
outro”.
A teoria da formação sócio espacial apresenta uma série de
noções fundamentais ao estudo de uma cidade: a unidade entre
continuidade e descontinuidade; a busca pela gênese dos processos; a
abordagem estrutural, entre outros. As grandes transições históricas
oferecem uma visão mais totalizante da questão urbana (SILVA, 2007)
mas no estudo estrutural também deverá estar contemplada a escala
cotidiana dos processos.
A parir do estudo da transição capitalista da cidade de
Florianópolis, percebemos continuidades e descontinuidade temporais
no desenvolvimento histórico do centro em relação à cidade. Ou seja,
houve processos de diferenciação que produziram uma heterogeneidade
espacial, embora ocorridos no seio de uma realidade, no sentido
histórico, homogênea. Interpretando as transformações do centro
tradicional de forma dialética, percebemos suas contradições e
heterogeneidades. Raciocinando em linhas gerais, compreende-se que o
centro é transformado pelos interesses capitalistas - transformado no
sentido de “negado”. Mas a negação é parcial, porque o centro
“permanece”, sob a forma de uma série de continuidades (sociais,
culturais, arquitetônicas, etc). Assim, o que estaria posto é uma realidade
complexa: o presente capitalista que nega o centro combinado com
determinações do passado histórico que insiste em permanecer como
rugosidade.
O ir e vir entre o objeto e o método
Muitos elementos poderiam ser escolhidos como protagonistas
da história urbana do centro de Florianópolis: o porto, o mercado...
Porém escolhe-se como protagonista o próprio espaço social e sua
evolução espaço-temporal, ressaltando entremeio aos escritos, elementos
decisivos participantes do processo, que entrecruzam períodos desta
história.
Raquel Glezer (2007) expõe que muitas podem ser as
referências para uma periodização: atividade econômica, modo de vida,
técnicas construtivas, regime político, estatuto legal e que estas são
tratadas por vezes de forma homogênea e outras vezes de forma cruzada.
Nas periodizações frequentemente ocorre a continuidade de uma
referência e a descontinuidade de outra, ou seja, transformações e
35
35
permanências, por isso, nossa principal referência é a relação social que
comanda o todo nem sempre a mesma em diferentes períodos
históricos.
Por outro lado, no início da investigação sobre os períodos da
historia urbana da cidade de Florianópolis, percebemos que, ao final, os
escritos pareciam incoerentes, como se não seguissem o mesmo fio
condutor. Isso certamente se deve ao fato de que, utilizando materiais de
historiadores e geógrafos de épocas diferentes, transpareceu na
periodização as formas de entendimento e concepções sobre a cidade
destas duas ciências em diferentes épocas. É como se, como diria
Bernard Lepetit, as lógicas e as temporalidades não coincidissem: [na
paisagem] tudo muda, inclusive o ponto de vista de seu observador
(Lepetit, 2002, p. 34). Numa pesquisa histórica, lidamos então com duas
dinâmicas: a do objeto (cidade) e do método (da geografia como
ciência).
Por este motivo, esta pesquisa sobre centro da cidade de
Florianópolis caminhou ao lado de uma investigação sobre as teorias da
geografia urbana. Não iniciamos a pesquisa com conceitos e métodos
prontos, que a leitura das obras da geografia urbana que procuram
apresentar essas idéias prontas, sempre pareceu insuficiente.
Certos conceitos da geografia urbana brasileira, quando
trabalhados nas pesquisas de forma a-crítica, sem reflexão, acabam
transformando-se em idéias vazias. Além disso, muitos conceitos que
não são “atualizados” acabam envelhecidos, não dando mais conta da
realidade presente. Neste sentido, Leandro Konder (1992, p. 13) nos diz
que:
“[...] as teorias, mesmo as melhores, são
construções históricas, quer dizer, não
permanecem imunes à passagem do tempo, estão
sujeitas a envelhecer e podem tentar recuperar
a vitalidade quando ousam empreender as
autotransformações necessárias”.
Obviamente, não é por isso que estes vão deixar de ter sua
importância reconhecida, pois foram fundamentais para a interpretação
da realidade urbana de um tempo passado
14
.
14
Como explica Marx (1978, p. 120): “Esse exemplo mostra de maneira muito clara como a
as categorias mais abstratas precisamente por causa de sua natureza abstrata -, apesar de sua
validade para todas as épocas, são, contudo, na determinidade dessa abstração, igualmente
36
36
A construção da geografia urbana no Brasil
Foi somente no século XX, principalmente após a II Guerra
Mundial, que passaram a ter planos teóricos urbanos próprios regiões
como Ásia e América Latina, em virtude da percepção da inadequação
das interpretações tradicionais européias para esta realidade. Segundo
Reis Filho (1967, p.8):
“Essas experiências vieram alargar tanto as
possibilidades práticas quanto teóricas dos
estudos da urbanização e forçaram uma
exploração mais complexa em sentido espacial
como em sentido social de alguns de seus
problemas mais importantes”.
É exatamente nesta época que a Geografia Urbana brasileira se
estrutura, como expõe Nice Lecocq Muller, em seu artigo intitulado
“Evolução e estado atual dos estudos de geografia urbana no Brasil”, de
1969
15
.
ao fim do século XIX começam a aparecer estudos
geográficos sobre cidades brasileiras dentro de obras de geografia geral,
como na “Nouvelle Géographie Universelle” de Elisée Reclus (1894),
na “Kulturgeographie vom Brasilien” de B. Brandt (1926) e na
“Amérique du Sud” de Pierre Denis (parte da coleção “Geographie
Universelle de La Blasche e Gallois, 1927), que apresentam traços de
várias cidades brasileiras (MULLER, 1969). Mas é a partir da década de
1930 que o estudo da cidade desperta interesses de estudiosos que
viviam em território brasileiro, embora nesta fase pioneira, que acontece
até os anos 1940, as monografias urbanas brasileiras eram ainda feitas
por estrangeiros como Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines. Os
intelectuais brasileiros que se destacam nos anos 1930 são R. B. de
Moraes com “Contribuição para a história do povoamento em São Paulo
até fins do século XVIII (1935)” que explica a origem dos primeiros
núcleos espontâneos e de povoamento deliberado em São Paulo; e C.
produto de condições históricas, e não possuem validez senão para essas condições e dentro
dos limites destas”.
15
Este artigo contém uma extensa bibliografia sobre os estudos urbanos feitos sobre cidades
brasileiras até o ano de sua primeira publicação, 1966.
37
37
Prado Jr. com “O fator geográfico na formação e desenvolvimento da
cidade de São Paulo (1935)
16
”.
O período seguinte é correspondente aos anos entre 1940 e
1955, uma fase de desenvolvimento onde a geografia urbana brasileira
passa a ter existência real, sendo exercida de forma acadêmica, em
que se destacam os nomes da própria Nice Lecocq Muller e de Pasquale
Petrone. Os impulsos para este desenvolvimento foram a criação da
Faculdade de Filosofia de São Paulo e do Rio de Janeiro, a ação do
Conselho Nacional de Geografia e o desenvolvimento da AGB após
1945. Segundo Muller (1969), também foi de grande importância para o
desenvolvimento da geografia brasileira nos anos 1940 o artigo de
cunho metodológico “O estudo geográfico de cidades” de Pierre
Monbeig (1941), e o surgimento do primeiro grupo significativo de
trabalhos urbanos, apresentados por licenciados da Faculdade de São
Paulo orientados por Monbeig por ocasião do IX Congresso Brasileiro
de Geografia realizado em 1940 na cidade de Florianópolis. Não
poderíamos deixar de destacar aqui as obras pioneiras do geógrafo
catarinense Victor Antonio Peluso Junior: “A vila de Ituporanga (1948-
49)”, “Lages a rainha da Serra (1952), “Ponte Alta: uma vila no planalto
de Lages, no Estado de Santa Catarina (1952) e “Tradição e Plano
Urbano: cidades portuguesas e alemãs no estado de Santa Catarina
(1956)”.
O último período, 1956-1965, é de afirmação da geografia.
Surgem novos temas, notadamente o das funções, centralidade e redes
urbanas, este último introduzido no Brasil por Jean Tricart e Michel
Rochefort. Novamente, o impulso para a produção geográfica veio em
virtude de um Encontro, o XVIII Congresso Internacional de Geografia
realizado no Rio de Janeiro em 1956. Os nomes deste período são Pedro
Geiger, Roberto Lobato Corrêa, Milton Santos e o grande mestre Aroldo
de Azevedo.
Se alguns conceitos da geografia urbana parecem envelhecidos,
como tratamos anteriormente, por outro lado, muitos conceitos
importantes foram esquecidos. A pesquisa histórica encontra fonte e
inspiração metodológica na leitura de estudos clássicos sobre cidades
realizados por geógrafos brasileiros como Nice Lecoq Müller e a equipe
16
Outro trabalho importantíssimo de Caio Prado para a geografia urbano brasileira é “Nova
contribuição para o estudo geográfico da cidade de São Paulo”. In: Evolução política do Brasil
e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1953.
38
38
de Aroldo de Azevedo sobre Taubaté (1965)
17
e São Paulo (1958)
18
, a
coletânea de ensaios de Aziz Ab‟Saber
19
sobre São Paulo recentemente
organizada, os estudos de Pedro Pinchas Geiger
20
sobre o Rio de Janeiro
(1960), bem como os recentes escritos de Candido Malta Campos
21
sobre a formação do centro de São Paulo e o desenvolvimento de novas
centralidades. Também o trabalho pioneiro de Caio Prado Junior (1933)
sobre a geografia urbana da cidade de São Paulo, o estudo sobre o
Centro da Cidade de Salvador (1958) e sobre a urbanização da América
Latina de Milton Santos e em particular os estudos de Wilmar Dias
(1948), Armen Mamigonian (1959) e Peluso Jr. (1991) sobre
Florianópolis.
São temas freqüentes nestes estudos as relações entre sítio e
estrutura urbana (como na ecologia urbana de Ab‟Saber e nos
trabalhos de Caio Prado Jr
22
); a cidade e sua hinterlândia; o estudo do
espaço urbano como um fato histórico-social, definido em várias
escalas - local, regional, nacional, global, visto, por exemplo, que
grande parte do dinamismo de Florianópolis reflete o dinamismo
estadual, através de sua função de capital - e que segue as curvas
marcadas pela história econômica do modo de produção e da formação
espacial; o estudo da composição social, da dinâmica social que cria e
transforma as formas, e das funções urbanas
23
, que tem sua
17
MÜLLER, Nice Lecoq. Taubaté Ensaio de Geografia Urbana. Revista Brasileira de
Geografia. Ano XXVII, nº1. IBGE, 1965
18
MÜLLER, Nice Lecoq. A área central da cidade. In: AZEVEDO, Aroldo de. (dir). A
Cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. Vol III. São Paulo: Companhia Editora
Nacional: 1958.
19
AB‟SABER, Aziz Nacib. São Paulo: Ensaios Entreveros. São Paulo: EdUSP/Imprensa
Oficial, 2004.
20
GEIGER, Pedro Pinchas. Ensaio para a estrutura urbana do Rio de Janeiro. Revista
Brasileira de Geografia. Ano XXII, nº1. IBGE, 1960
21
CAMPOS, Candido Malta. Construção e Desconstrução do Centro paulistano.
www.cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v56n2/a18v56n2.pdf. Acesso em agosto de 2007.
22
“Concluindo, pode-se dizer que a estrutura da cidade de São Paulo foi grandemente
influenciada pelos fatores geográficos, sobretudo o relevo e os cursos d‟água, que lhe
marcaram profundamente a fisionomia (PRADO JUNIOR, 1971, p.131).
23
“A análise das antigas formas de vida urbana e das funções atuais é indispensável, quer à
compreensão da paisagem, quer à estrutura dos quarteirões do centro. A paisagem atual e seu
conteúdo humano, social e econômico exprimem, ao mesmo tempo, a evolução e o estado atual
das funções urbanas. As funções antigas, presentes ou desaparecidas, marcam a paisagem atual
pela presença de monumentos, velhas casas. Estas se degradam e, perdendo sua função de
residência rica, abrigam hoje uma população pobre. As novas funções ou a renovação das
antigas funções transformam o quadro antigo ou criam um quadro especial” (SANTOS, 1959,
p. 50).
39
39
diversificação ou intensificação refletida diretamente sobre a estrutura
urbana e a organização do espaço urbano.
De fato, a nova realidade urbana se apresenta como algo
paradoxal, e, como cita Yves Challas (2007), não pode mais ser pensada
a partir das dualidades clássicas como rural/urbano, misto/segregado,
cidade/não-cidade etc. Entretanto, o mesmo autor complementa que esta
nova realidade não exclui, mas recoloca essas dualidades de forma
dialética:
“A urbanidade que se desenha hoje não faz
tabula rasa de nenhum desses elementos. Ela os
integra todos, os reorganiza e os redistribui
segundo uma dinâmica não dualista do terceiro
incluído, dinâmica do „ao mesmo tempo‟ uma
coisa e seu contrário” (2007, p. 35).
Percebe-se que no Brasil este processo de transformação dos
centros das cidades na direção de uma desvalorização ou abandono, por
ser relativamente recente, está apenas começando a ser estudado e ainda
com pouca profundidade. Ao nos propormos a isso, estamos conscientes
da entrada em um grande labirinto cujos fios que poderiam nos ajudar
na travessia ainda não foram bem tecidos. Isso quer dizer que, além de
procurar, encontrar e pensar o problema do objeto de estudo, o centro da
cidade, têm de ser resolvidas também muitas lacunas teóricas
24
. Por isso,
os conceitos e as idéias sobre o centro e sobre a geografia urbana que
são aqui apresentadas foram construídos mútua e dialeticamente.
Somente ao final da pesquisa sentimos que finalmente havia sido
encontrado o objeto de estudo - e ele era muito diferente daquele de
onde partimos.
24
“Consideramos nosso trabalho como o de um pedestre, que vai caminhando lentamente pelos
espaços e territórios, observando o entorno, o meio ambiente, as marcas materiais e simbólicas,
e que depois, procura entender o que conseguiu ver, com as limitações existentes, buscando
ultrapassar o que é visível e atingir o estrutural” (Glezer, 2007, p. 15).
40
40
41
41
II - Ideias sobre a cidade
“O inferno dos vivos não é algo que ainda virá a ser;
existe, é o que já existe aqui, o inferno em que vivemos todos os
dias, que formamos por estarmos juntos. Existem duas maneiras
de escapar ao sofrimento deste inferno. A primeira é fácil para
muitas pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte integrante
dele, de tal modo que já não se consegue vê-lo. A segunda é
arriscada e exige uma vigilância e uma apreensão constantes:
procurar e aprender a reconhecer quem e o quê no meio do
inferno, não são inferno, e então faze-los resistir, dar-lhes
espaço”. (Ítalo Calvino apud Lynch, 1999, p. 74).
Em 1963, o historiador Carl Schorske (2000)
25
, trabalhando o
tema das idéias de cidade contidas no pensamento europeu moderno,
encontra três vertentes principais: a cidade como virtude (o século XVIII
e a filosofia do Iluminismo); a cidade como vício (o século XIX e a
imagem da industrialização); e por fim, a cidade para além de bem e do
mal (finais do século XIX e a nova cultura subjetivista)
26
.
A cidade como virtude
O Iluminismo, um pensamento histórico de transição entre o
mundo feudal e o capitalista, era otimista sobre o progresso e a riqueza
da civilização por meio da cidade e da indústria. Entre os pensadores
iluministas está Voltaire, que, por exemplo, acreditava que a somatória
de indústria e prazeres seria a fórmula para a civilização. A discussão
sobre a origem da cidade divergia entre os teóricos da época. Adam
25
Este conteúdo está concentrado no artigo “A idéia de cidade no pensamento europeu de
Voltaire a Spencer”, publicado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1963. Faz parte do
livro “Pensando com História” do mesmo autor, publicado no Brasil no ano 2000.
26
Nestor Goulart Reis Filho (1967), tratando mais especificamente de observações sobre
problemas urbanos ao longo da história, ao contrário de Schorske, que se concentra no
pensamento moderno onde simplesmente aparece a figura da cidade, cita que estas começam a
acontecer desde o terceiro milênio antes de Cristo, na Mesopotâmia e no Egito. Porém estudos
teóricos propriamente ditos surgem apenas com a civilização grega, com Platão, Aristóteles,
Hipodamos e, é claro, Vitruvius. Após alguns anos de baixa nos estudos urbanos durante o
período feudal (embora possamos destacar ai os geógrafos árabes que, segundo De Martone
(1953), mantiveram o fogo da geografia aceso durante a idade média, entre eles Edrisi, Ibn
Batuta e Massudi de Bagadá), o Renascimento vem revitalizar a tradição greco-romana,
racionalizando este pensamento e gerando uma série de modelos e planos urbanos. Para Reis
Filho (1967) este período foi de grande amadurecimento teórico e prático dos processos
tradicionais de organização urbana.
42
42
Smith, que Schorske classifica como um pensador empreendedor em
relação à formação da sociedade urbana, diz que a cidade é fruto do
trabalho dos monarcas. Fichte, outro dos grandes pensadores
iluministas da cidade, interpretava esta como uma criação do povo e
agente formador da cultura por excelência.
A Revolução Industrial amplia radicalmente a urbanização das
cidades. A nova condição urbana provoca o surgimento de pensamentos
de crítica e negação desta realidade.
A cidade como vício
Esta idéia de cidade é fundada pelos pensadores românticos do
século XIX, que viveram a decepção com a cidade industrial cuja
paisagem não condizia com a imagem criada pelos iluministas
27
. Em
linhas gerais, foi um pensamento anti-urbano.
Oliver Goldsmith, por exemplo, dizia que a acumulação de
riqueza provinda da industrialização geraria pessoas decadentes e
acreditava que a destruição do campesinato era algo extremamente
negativo. Compartilhavam desta idéia Mercier de la Riviére, Máximo
Gorki e Willian Blake. Este último falava do modo de vida urbano como
algemas forjadas pela mente”.
Entretanto, este pensamento sobre a cidade como vício não pode
ser resumido simplesmente pela característica romântica anti-cidade,
sendo um pouco mais complexo. Schorske o subdivide em duas
correntes: os arcaístas e os futuristas.
A grosso modo, os arcaístas propunham o abandono da cidade,
pois acreditavam ser impossível ter uma vida boa no espaço urbano.
Entre eles estão os românticos Coleridge e Ruskin, Dostoievski, Tolstoi
e Socialistas Utópicos como Fourier.
Próximo do que é descrito por Schorske sobre o arcaísmo
podemos localizar os culturalistas e progressistas identificados por
Françoise Choay (1994) quanto ao pensamento pré-urbanístico do
século XIX, ligado às origens do planejamento urbano. Os dois partem
da percepção dos efeitos da industrialização, do capitalismo ou
poderíamos dizer ainda, da modernidade sobre as cidades. Porém os
primeiros (representados por Morris e Ruskin) voltam seus esforços para
a criação de um novo modo de vida urbano frequentemente voltado para
o passado, enquanto os progressistas pensavam em soluções calcadas no
27
É neste período onde começa a busca por modos científicos de conhecimento do novo
mundo urbano (REIS FILHO, 1967); é quando a Geografia Urbana se estrutura como
disciplina científica.
43
43
progresso técnico alcançado pela Revolução Industrial (são estes Owen,
Fourier e Proudhon).
Também segundo Reis Filho (1967), durante as primeiras
décadas do século XIX destacaram-se duas correntes principais do
pensamento urbano, mais ou menos no mesmo caminho de Choay
(1994). De um lado estava a corrente influenciada pelo movimento
literário romântico, que rejeitava a industrialização, as condições de vida
urbana e o próprio sistema econômico. Segundo Reis Filho (1967, p. 4),
esta corrente:
“[...] não chagava a propor alternativas para a
organização urbana, limitando-se quase
exclusivamente, à condenação dos aspectos mais
frágeis da sociedade da época e à valorização do
passado”.
A outra corrente era representada pelos Utopistas (Owen e
Fourier), que além da crítica, propunham a construção de novos
modelos de organização sócio-espacial. Segundo Reis Filho (1967),
essas propostas, embora carecessem de objetividade e profundidade
teórica, acabaram servindo de inspiração para muitos projetos urbanos
do século XX. De fato, os culturalistas foram a grande inspiração para
urbanistas do início do século XX como Camillo Sitte e Ebenezer
Howard (que citaremos posteriormente como uma das principais
influências do New Urbanism, um pensamento urbano nascido dos
Estados Unidos em 1980 que chega a Florianópolis no final dos anos
90), enquanto os progressistas foram a fonte para os projetos de
urbanistas como Walter Gropius e Le Corbusier.
Mas o ponto que nos interessa é a segunda vertente deste
pensamento identificada por Schorske, os futuristas: os filhos do
iluminismo. Dentre eles estão Emile Zola, Émile Verhaeren e,
notadamente, Marx e Engels. Apesar de perceberem todos os problemas
da cidade, do trabalho industrial e da vida urbana, os futuristas não
pregavam seu abandono, mas um esforço no sentido da mudança desta
condição, uma reforma ou uma revolução. Aliás, para Marx e Engels
28
,
o proletário reunido nas grandes cidades é o próprio gérmen da
28
Engels, por exemplo, falava sobre a necessidade de se acabar com o contraste entre campo e
cidade, em levar as cidades para o campo e a natureza para a cidade (Kultur + Natur), e era
contrário ao desenvolvimento exagerado das cidades sob a forma de metrópoles (SCHORSKE,
2001).
44
44
revolução. Além disso, seguindo o materialismo histórico e dialético, os
futuristas rejeitavam esta condição urbana do ponto de vista ético, mas,
a “aceitavam do ponto de vista histórico. Segundo Choay (1976, p.
237), el horizonte de la ciudad es el telón de fondo sobre el cual se
dibuja el conjunto del pensamiento histórico y político de Marx”.
Choay (1976) chama a atenção para o fato de que esta vertente é
um urbanismo sem modelo”, ao contrário das vertentes culturalista e
progressista que trabalhavam na base de criações representáveis a priori.
Marx e Engels (e Choay acrescenta o geógrafo Pyotr Kropotikin), não
apenas não criam nenhum modelo como não acreditam e se mostram
contrários a este tipo de plano.
A cidade para além do bem e do mal
A partir de 1850 Schorske identifica outro segmento de idéias
sobre a cidade em que o principal ator é Baudelaire. Baudelaire
questiona “o que é moderno?”, e a cidade como base essencial da
existência moderna. Três das principais características desta vertente
(também formada pelos impressionistas, por Nietzsche e Richard Lê
Gallienne) é a idéia de transitoriedade, a contradição dialética multidão-
solidão e a análise do poder estético em substituição a visão social,
como demonstra a obra literária de Rilke, onde a cidade (e a
modernidade) tem conseqüências psicológicas, não sociais.
Por fim, Schorske chama uma atenção especial para Oswald
Spengler, que segundo ele faria uma síntese de todo o pensamento
anterior, mas transformando todas as afirmações de seus predecessores
em negações. A cidade para Spengler seria uma agência central
civilizadora, criação original do povo (como Fichte), consumadora da
civilização racional (como Voltaire) que suga a vida do campo (como
Verhaeren). Segundo ele, a humanidade moderna depende do
espetáculo da cena urbana sempre em transformação para preencher o
vazio de uma consciência dissocializada(como Baudelaire, Rilke e
Gallienne).
Uma idéia de cidade contra a cidade ideal.
Ao visualizar as atuais propagandas publicitárias de
empreendimentos imobiliários da grande Florianópolis (que são
massivas em qualquer meio de comunicação) percebemos uma idéia de
cidade semelhante a dos pensadores do século XIX que pregavam o
abandono dos centros urbanos, assustados com o avanço da
industrialização (Figuras 1 e 2). A idéia de viver em um condomínio
45
45
fechado, isolado, supostamente seguro e rodeado de amenidades
naturais, como muitos em Florianópolis, nos lembra as idéias da cidade-
jardim ou de outros arcaístas que acreditavam ser impossível ter uma
boa vida na cidade tradicional. Além do contato com a natureza, os
condomínios fechados promovem a auto-exclusão social, ou seja, a
separação de classes na cidade. Vejamos a auto-descrição de um dos
mais emblemáticos empreendimentos imobiliários do norte de
Florianópolis, o Costão Golf, da Costão do Santinho Empreendimentos
Imobiliários:
Costão Golf - Um condomínio diferente de tudo o
que você já viveu
O COSTÃO GOLF inaugura um novo conceito de
condomínio em Florianópolis.
Este belíssimo empreendimento representa um
novo conceito de morar, um novo estilo de viver.
A capital dos catarinenses agora se une ao seleto
grupo de cidades ao redor do mundo que possuem
um condomínio de casas de alto padrão integrado
a um campo de golfe e com infra-estrutura de
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arborizadas e os lagos formam um reduto de
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O Golf Club oferece toda a comodidade para os
praticantes do golfe e para quem quer apenas
desfrutar de excelentes momentos com amigos,
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entretenimento.
O Beach Club é um capítulo à parte. Conveniado
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DO SANTINHO RESORT o clube integra o
golfe com a praia. Através de um teleférico de
última geração em apenas 6 minutos você estará
literalmente com a praia aos seus pés.
46
46
Fonte: www.costaogolf.com.br Acesso em julho
de 2009.
Figura 1- Le Phalanstère Revê (1847)
Vue Générale dún Phalanstère
Litographie, Librarie Phalanstérienne
Ilustração de Victor Considérant, discípulo de Fourier.
Fonte: www.expositions.bnf.fr Acesso em outubro de 2009.
Figura 2 Condomínio fechado Pedra Branca (2009).
Localizado na Grande Florianópolis é o maior exemplo do New Urbanism
citado anteriormente. Nesta perspectiva, é interessante a semelhança com a
imagem anterior do falanstério de Fourier.
47
47
Fonte: www.cidadepedrabranca.com.br Acesso em outubro de 2009.
Segundo Almada (2006) o ideal de isolamento e segurança em
projetos de cidades aparece fora do âmbito militar pela primeira vez
com o falanstério de Fourier no século XIX. As comunidades modelo de
Robert Owen e Charles Fourier pretendiam a união entre campo e
cidade. O falanstério de Fourier foi pensado como um grande edifício
único para abrigar todas as atividades da colônia e que deveria estar
localizado numa rica região agrícola. Entretanto, Lynch (1999) coloca
que estas propostas prestavam pouca atenção no ambiente espacial,
voltando-se quase exclusivamente para as relações sociais:
“Tal como na maioria das propostas utópicas à
época de Fourier, o ambiente representava acima
de tudo um cenário um pano de fundo
agradável ou uma expressão simbólica da
perfeição da nova sociedade” (Lynch, 1999, p.
61).
Portanto, não é por acaso que Engels, em sua obra “A questão
da habitação (1872)” compara os modelos socialistas ao pensamento dos
capitalistas que exploram o proletariado. Segundo Choay (1976),
Engels, além de negar os modelos por não acreditar em construções a
priori, principalmente não concordava com a separação da questão da
habitação de seu contexto econômico e político. De fato, foi em sua obra
“Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845), em que pela
primeira vez a solução para a questão social deixou de ser a realização
de obras utópicas e idealistas, dependendo historicamente da supressão
do padrão social embasado na propriedade privada. Essa interpretação
decorre de uma nova forma de ver a classe operária, antes uma classe
sofredora e pacífica e, a partir da crítica de Marx e Engels, uma classe
revolucionária e dinâmica:
“Por outro lado, eles [os socialistas ingleses] não
se cansam de lamentar a degradação moral da
classe proletária, provocado pelo interesse
privado e pela hipocrisia, é bem pior e
permanecem cegos a todos os elementos
progressistas contidos nesta degradação da ordem
atual” (Engels, 2008, p. 270).
48
48
Outras “utopias” do século XIX que pregavam o abandono das
cidades industriais foram o News from Nowhere de William Morris e as
famosas Garden Cities of Tomorrow de Ebenezer Howard. Segundo
Lynch (1999, p. 61) estas duas propostas descrevem:
“o que em muitos aspectos é um mundo virado
para o passado, centrado numa comunidade
pequena, equilibrada e ordenada, cujos membros
se encontram em relação directa com o ambiente
natural e uns com os outros. A cidade é
dissolvida ou reduzida a uma pequena dimensão.
[...]”.
As primeiras cidades construídas seguindo os preceitos da
cidade-jardim de Howard foram Letchworth (1904) e Welwyn (1920),
na Inglaterra, que imediatamente se converteram em modelo a ser
seguido em toda Europa e nos Estados Unidos (Figura 3).
Ao que consta na história do pensamento urbano mundial, as
teorias sobre a cidade evoluem do século XIX para o XX seguindo
basicamente as vertentes pré-urbanistas utopistas “culturalista” e
“progressista” nomeadas por Choay (1976), ou a vertente anti-urbana
que Shorske chamou de “arcaísta”. Aparentemente, o pensamento sem
modelo não teria sido seguida por uma escola coesa no século XX.
Porém podemos citar alguns pensadores muito importantes deste século
em que aparece claramente uma crítica urbana com muitas
aproximações com as de Marx e Engels, como Jane Jacobs, e outros
puramente marxistas como Pierre George e Henry Lefebvre.
Não poderíamos deixar de ressaltar a referência em geografia
urbana que são os escritos de Pierre George, geógrafo francês. Data de
1952 o livro La Ville, le fait urbain à travers le mondee de 1961 o
“Précis de géographie urbaine”, lançado no Brasil em 1983 como
“Geografia Urbana”. Pierre George, a exemplo de Engels, ao resgatar a
história da formação das cidades, percebia a não-coincidência entre
desenvolvimento urbano e desenvolvimento social, resultado dos
processos de expropriação e apropriação do trabalho (DAMIANI, 2009;
GEORGE, 1983).
49
49
Figura 3 - Welwyn Garden City (1920)
Inspired on Howard´s Central City-garden Diagram (1898)
Fonte: www.myoops.org Acesso em outubro de 2009.
Jane Jacobs, ao contrário de Engels, defende o modo de vida
puramente urbano e inclusive as grandes metrópoles. Por outro lado, as
observações de Jacobs sobre o porquê do esvaziamento noturno dos
centros tradicionais segue semelhante argumento dos escritos de Engels
sobre o mesmo fato na cidade de Manchester um século atrás: a
monofuncionalidade. Mas a crítica que mais a aproxima de Engels e que
nos interessa muito neste trabalho é quanto à questão da habitação.
Jacobs faz uma crítica direta aos conjuntos habitacionais americanos
que, segundo ela, excluem o homem da vida pública pois desintegram o
circuito de comércio e lazer da cidade. Para Jacobs está claro que esta
idéia esta embasada nos modelos de garden-city, que em versão
renovada tornam-se a idéia mais funesta e destrutiva do urbanismo
praticado atualmente (JACOBS, 2009; CHOAY, 1976).
Uma grande diferença entre o modelo garden-city e sua
expressão contemporânea é que o primeiro pensava na escala de cidades
e sistemas de cidades. Howard, o criador das cidades-jardim, era
50
50
inclusive militante do movimento socialista inglês, e tinha como um dos
objetivos do modelo elevar el nível de salud e bienestar de todos los
verdaderos trabajadores, qualquiera que sea su posición (Howard
apud Choay, 1976, p. 343). Muito distante disso, os atuais projetos de
fuga da aglomeração urbana pensam na escala de apenas um bairro
(quando muito), auto-suficiente e socialmente homogêneo (Figura 4).
Figura 4 Capa da Revista de Divulgação do Condomínio Fechado Pedra
Branca, Grande Florianópolis (2008).
Aqui aparece o principal argumento do empreendimento: morar,
trabalhar, estudar e se divertir sem sair do seu bairro. A multi-
funcionalidade incorporado à ideologia urbanística da separação.
Fonte: Ribeiro, 2009, p. 189
51
51
A relação com a natureza também é muito distinta do impulso
romântico de outros tempos. Esse novo urbanismo promove uma
apropriação desigual (Figura 5) da natureza (muitas vezes uma natureza
criada artificialmente) e cria espaços de lazer que fazem com que seus
moradores não precisem se deslocar destas cápsulas para viver seu
tempo livre:
Figura 5 Condomínio Fechado Essence, bairro Campeche em
Florianópolis (2009).
O típico apelo à natureza e sua apropriação publicitária pelos
empreendimentos imobiliários de Florianópolis.
Fonte: www.essencecampeche.com.br - Acesso em outubro de 2009.
Como exposto na primeira parte desta introdução, duas grandes
transições históricas marcam a vida da cidade de Florianópolis, de
acordo com o novo pacto de poder (político e econômico) estabelecido:
1850 e 1950. Estes períodos não são simples divisões da história, são
processos que transformam radicalmente a paisagem e o modo de vida
da cidade. A última grande transição, a transição para o mundo
moderno, promoveu a definitiva apropriação capitalista do lugar. Neste
processo, os investimentos capitalistas antes localizados no centro foram
deslocados principalmente no sentido norte da cidade.
Além das transições históricas transformarem a paisagem da
cidade, as relações sociais e a vida econômica do centro urbano, também
a idéia de cidade de cada época, ou, o projeto de cidade que a sociedade
idealiza e põe em prática se converte. Analisamos as propagandas
publicitárias anteriores, que expressam esse novo projeto e os novos
52
52
valores da sociedade, na perspectiva descrita por Henry Lefebvre, em
que por um processo de substituição, a publicidade assume parte do
papel de uma ideologia, encobrindo e transpondo o real, ou seja, as
relações de produção
29
:
“Desse modo, a publicidade torna-se a poesia da
Modernidade, o motivo e o pretexto dos
espetáculos mais bem sucedidos.[...] A
publicidade ganha importância de uma ideologia.
É a ideologia da mercadoria. Ela substitui o que
foi filosofia, moral, religião, estética. [...] As
mais sutis fórmulas publicitárias de hoje em dia
ocultam uma concepção de mundo. Se você sabe
escolher, escolha esta marca.[...] Aquela
„essência‟ (com um vago jogo de palavras em
torno desse termo) combina melhor com você”
(Lefebvre, 1991, p. 117).
Nesta pesquisa, partimos da idéia de que o centro é fundamental
para o conceito de cidade; para a existência disso que chamamos de
cidade. O abandono do centro, este processo heterogêneo, revela uma
estratégia e uma visão antidemocrática sobre a vida urbana. A existência
de um centro forte é fundamental para a consciência dos habitantes de
que participam de fato de uma coletividade (GEORGE, 1983), para que
sintam sua vida na escala da cidade. Para Lefebvre (1991) as formas
contemporâneas de vida urbana vêm negando esta idéia de cidade: a
vida nos condomínios fechados, as novas centralidades, os novos
centros comerciais localizados nas periferias, a nova configuração
espacial da cidade moderna voltada para a circulação motorizada e o
enfraquecimento do centro fazem com que os citadinos não apreendam
mais a cidade em seu conjunto. Pierre George (1983, p. 186)
complementa:
“Perdido em um universo de concreto, labirinto
de vias organizadas que se ligam a anéis
rodoviários sobrecarregados de automóveis, ele
não se sente mais um habitante, no sentido de
29
Marx também tratou deste assunto nos Manuscritos de 1844: “Cada indivíduo especula sobre
o modo de criar no outro uma nova necessidade para obrigá-lo a um novo sacrifício, para levá-
lo a uma dependência, para desviá-lo para uma nova forma de gozo e com isso, da ruína
econômica. Cada qual trata de criar uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar
assim a satisfação para seu próprio crescimento egoísta” (Marx, 1978, p. 16).
53
53
que ele perdeu a idéia de que poderia participar
da posse da cidade, ser, de uma maneira ou de
outra, responsável pela sua administração e
manutenção”.
Os novos condomínios fechados e shoppings construídos em
Florianópolis (principalmente a partir dos anos 90) têm como premissa
máxima: faça tudo no mesmo lugar. Conviva com seus iguais, more,
trabalhe, consuma, passeie... sem precisar sair de seu bairro-condomínio,
sem precisar ir até o e sequer passar pelo, após a construção dos
aterros - centro da cidade.
Anos atrás, os especuladores imobiliários tiravam proveito da
ausência de uma coesão entre legislação e conhecimento urbano para
construírem nas cidades ao bel-prazer. Mas após anos de estudos e
crítica ao crescimento urbano desordenado, os mesmos especuladores se
apropriaram do pensamento urbanístico e o converteram em ideologia
para continuar construindo. É o caso do New Urbanism, que como teoria
envolve a participação de todas as classes sociais urbanas nos projetos,
mas que na prática está sendo usado para a construção de
empreendimentos de alto-padrão. Como coloca George (1983, p. 27), é
o laissez-faire dos teóricos da economia liberal aplicado ao
desenvolvimento urbano”. De fato, como veremos mais tarde, esta
estratégia tem tudo a ver com o neo-liberalismo que invadiu as cidades
brasileiras a partir dos anos 90.
Por isso, esta pesquisa tem como pano de fundo uma crítica a
esta nova forma de viver a cidade que se baseia simplesmente em não
vive-la. O centro é um lugar de encontros inevitáveis, convivência direta
com o diferente, expressão maior do significado de “espaço público” e
“cidade”. O enfraquecimento econômico (ainda uma suposição) e
principalmente o esvaziamento político do centro urbano representam
danos irreparáveis para a estrutura social da cidade.
Lefebvre (1991) aponta como explicação para esta opção de
vida “separada” na cidade, ou melhor, para essa mudança na cultura
urbana, o sentimento nostálgico, a ruptura do cotidiano, o abandono da
modernidade e o recurso ao passado. Segundo ele, é precisamente para
não cair nessas nostalgias e nesse passadismo que é preciso
compreender (p.86), e compreender implica um conhecimento da vida
cotidiana presa ao global em cada sociedade: as relações sociais, os
modos de produção (ai se inclui o estudo das transições) e as ideologias.
Se o sentimento nostálgico pela natureza pode por um lado
levar ao abandono do centro, sua outra face são os programas de
54
54
“revitalização” de centros históricos deteriorados. Visualizando casos
como o do Pelourinho de Salvador, restaurado entre 1992 e 1993
(ZANIRATO, 2007), podemos notar como esta restauração acabou
expulsando as classes populares (pois muitas vezes revitalizar significa
simplesmente embelezar ao padrão das classes altas e dos turistas,
priorizando o arquitetônico em detrimento do social), transformando o
centro, assim como um condomínio fechado, em uma riqueza suprema
dos privilegiados(Lefebvre, 1991, p. 86). Neste sentido, Sarlo (2005)
nos lembra que de nada adianta que o Estado proteja ou preserve o
patrimônio arquitetônico de uma cidade se não existir controle das
forças de mercado que atualmente encontram-se liberadas para
desenvolver a sua própria dinâmica. O Estado tem o papel de legitimar a
função básica da cidade, que é dar uma forma coletiva ao yo y tu
(CHOAY, 1976), e não contribuir para a separação e o isolamento.
Por isso Lefebvre (1991, p. 85) alerta:
“Não se trata de negar os „progressos‟ mas de
compreender a sua contrapartida, o preço que
custaram. [...]. Não devemos ceder às nostalgias,
mas explicá-las, e explicar como elas inspiram
uma „crítica de direita‟ da nossa sociedade, uma
consciência boa e uma consciência má, sempre
menosprezando as possibilidades”.
Em relação ao centro de Florianópolis, apesar da visão crítica
do que a transição para o mundo moderno ocasionou para neste espaço
(e consequentemente para a idéia do espaço público da cidade), não
desejamos um retorno aos velhos tempos gloriosos do centro tradicional.
Um pensamento nostálgico como este, embora seja válido como
impulso para a pesquisa, torna-se insuficiente para uma análise
embasada na realidade social do espaço do centro. Ou seja, trata-se de
pensar o espaço urbano a partir do que ele é e do que poderia ser, não do
que foi um dia, semelhante ao conceito de realismo popular de
Gramsci (apud Bianchi, 2009, p. 52):
“Aplicar a vontade à criação de um novo
equilibro de forças realmente existentes e
operantes, fundando-se sobre aquela determinada
força que se considera progressiva, e
potencializando-a para fazê-la triunfar é, sempre,
mover-se no terreno da realidade efetiva, mas
55
55
para dominá-la e supera-la (ou contribuir para
tal)”.
Como nos expõe Walter Benjamin (apud Buck-Morss, 2002,
p.89), em consonância com a visão que Marx teria do mundo moderno,
acreditamos que ao mesmo tempo em que a sociedade moderna brutaliza
e mutila o “eu” de cada um, também traz à tona, dialeticamente, o ser
humano rico e as necessidades humanas ricas”:
“Assim como a sociedade em vir-a-ser
(werdende) se encontra através do movimento
da propriedade privada, de sua riqueza e sua
miséria ou de sua riqueza e sua miséria
espiritual e material -, todo o material para esta
formação, do mesmo modo a sociedade que veio
a ser (gewordene) produz, como sua efetividade
permanente, o homem nesta plena riqueza de seu
ser, o homem rico e profundamente dotado de
todos os seus sentidos” (Marx, 1978, p. 13).
Nos Manuscritos de 1844, Marx também como no século
XVIII, apesar do conjunto social passar a representar simples meio para
alguns indivíduos isolados atingirem seus interesses privados,
dialeticamente foi a época em que as relações sociais atingiram seu mais
alto grau de desenvolvimento. Da mesma forma, para Benjamin, a
Modernidade é um mundo de sonho, e o despertar representa a
conscientização revolucionária de classe. A fonte desta fantasmagoria é
a cultura de massa, (Buck-Morss, 2002, p. 402), de onde também
deverá partir a energia coletiva capaz de superá-la. Berman (2001, p. 29)
complementa:
“Na realidade, não há momento que não traga
consigo sua própria possibilidade revolucionária
ele só quer ser definido como um momento
específico a saber, como a oportunidade para
uma resolução totalmente nova com vistas a uma
tarefa totalmente nova”.
Marx, assim como o socialista utópico Saint-Simon, admirava a
criatividade e o dinamismo da vida moderna. passagens da obra de
Marx onde fica clara sua percepção sobre o dinamismo inato do
56
56
capitalismo e da burguesia, passagens estas que, segundo Berman (2001,
p. 281):
“[...] não passaram despercebidas pelos
contemporâneos de Marx, e alguns de seus
companheiros radicais, como Proudhon e
Bakunin, entenderam seu elogio ao capitalismo
como uma traição às vítimas desse sistema. Essa
acusação pode ser ouvida ainda hoje e merece
uma resposta séria. Marx odeia o capitalismo,
mas também acredita que esse sistema trouxe
imensos benefícios reais, tanto materiais como
espirituais, e quer que os benefícios sejam
distribuídos e aproveitados por todos, em vez de
monopolizados por uma pequena classe
dominante. Isso é muito diferente da fúria
totalitária típica dos radicais que querem ver
tudo ir pelos ares. Às vezes, como acontece com
Proudhon, são simplesmente os tempos
modernos que eles odeiam. Sonham com uma
aldeia campesina da era dourada, em que cada
homem vivia feliz no seu lugar (ou cada mulher
vivia feliz atrás dele)”.
Ainda segundo Berman, Marx teria herdado os valores de
Goethe, Schiller e Humboldt e os unido com sua filosofia social radical
e democrática inspirada em Rousseau:
O discurso sobre as origens e os fundamentos da
desigualdade entre os homens (1755), de
Rousseau, delineava o paradoxo segundo o qual a
civilização moderna, ao mesmo tempo que aliena
as pessoas de si mesmas, também desenvolve e
aprofunda esses indivíduos alienados e lhes a
capacidade necessária para formar um contrato
social e criar uma sociedade radicalmente nova”
(Berman, 2001, p. 28).
Acreditamos que o estudo das cidades precisa avançar no
sentido de um urbanismo, uma geografia urbana ou um planejamento
urbano que pense nos valores sociais e políticos dos espaços. A idéia de
cidade presente nesta pesquisa segue portanto uma fusão do pensamento
57
57
de Marx e Engels (os futuristas de Schorske) com os flanares pela
cidade de Baudelaire - fusão presente sobretudo na obra de Walter
Benjamin, e também em outros autores como Henry Lefebvre e
Marschal Berman - seguindo um tipo de raciocínio que Berman (2001)
chama de imaginação dialética.
Tendo em mente nossa idéia de cidade, passamos agora para o
próximo capítulo, no caminho do estudo da origem da forma social
presente: os primeiros tempos da cidade.
58
58
59
59
Parte 1: A Formação da cidade
60
60
61
61
1 Século XVII: primeiros tempos
Quando os bandeirantes vicentistas sob comando de Dias Velho
chegaram a Ilha de Santa Catarina, construíram algumas choupanas na
planície imediata para se abrigarem e uma igreja na primeira colina
avistada da costa. Nesta estrutura urbana inicial o centro não encontrava
espaço para existir, apenas pode-se considerar a igreja, que não passava
nesta época de uma pequena capela, como o elemento central da
incipiente aglomeração. Até o século XVII
30
, Florianópolis (Desterro,
até 1894
31
) se resumia ao Largo da Catedral.
Com a elevação da Ilha de Santa Catarina à categoria de vila em
1726 e o posterior estabelecimento da pequena produção mercantil
açoriana é que a cidade começa a adquirir construções mais
significativas, tais como a Casa da Câmara e Cadeia
32
(1771), a Igreja
Matriz (1749) e, mais tarde, quando promovida a capital da província, o
Palácio do Governador. Todas estas localizadas no entorno da praça
central, que fazia frente à igreja matriz.
O elemento natural que influenciou a expansão inicial do plano
urbano para além da praça central foram as fontes e cursos d‟água ali
presentes (Mapa 1), atraindo para si caminhos que foram estruturando-
se como ruas:
“Nesta época (1720), o povoamento se fazia em
torno das quatro fontes de água existentes. A
primeira, „fonte da Palhoça‟, situava-se na atual
rua Vidal Ramos; a segunda, „fonte da Carioca‟,
situava-se na Praça Pio XII, local que foi
conhecido como Largo Fagundes e Largo
Bragança; a terceira, „fonte da Pedreira‟,
localizava-se na Saldanha Marinho, na altura do
antigo Instituto Estadual de Educação; a quarta e
30
A data da chegada dos primeiros bandeirantes varia conforme o autor, entre 1620 e 1670.
Segundo Pauli (in Melo, 1991), os primeiros bandeirantes (cerca de 100) aportaram na ilha por
volta de 1673, e eram chefiados na verdade pelo filho de Dias Velho, sendo que este veio a
conhecer estas paragens dois anos depois.
31
Desterro passa a se chamar Florianópolis a partir de 1894 (Lei Estadual 11 de de
Outubro de 1894).
32
“A única cadeia com alguma capacidade e segurança entre as da Província, é a da Capital;
ela porém, pelo sistema de sua construção dando pelas grades comunicação livre para fora,
torna difícil senão impossível, o exercício de alguma polícia sobre os presos [...]” (ESTADO
DE SANTA CATARINA, Fala de Nunes Pires, 1835, p. 9 ).
62
62
última, situava-se onde já foi campo do manejo,
atual Mauro Ramos e atual I.E.E.
A vila cresceu em torno da atual Praça XV de
Novembro; as casas ao redor e os caminhos
levando até as quatro fontes, sem qualquer
planejamento urbano” (Andrade, 1978, p. 8).
É interessante notar que por volta do inicio do século XVIII
Desterro era o mais precário dos 3 povoamentos instalados em Santa
Catarina (PELUSO, 1944). Possuía nesta época cerca de 130 habitantes,
enquanto Laguna, por exemplo, já contava com 300.
Até sua constituição como vila, estes locais podem ser
considerados como simples povoados. Também o fato de serem
promovidas a vilas não incrementava muito a população: observa-se que
nas vilas constituídas no Brasil colonial a população não era acrescida
em virtude da administração colonial, composta em geral por 3 ou 4
funcionários (PELUSO JUNIOR, 1944; REIS FILHO, 2005).
Para prejudicar ainda mais a situação populacional da Ilha,
registro de um ataque de Piratas que teria destruído totalmente o
povoamento inicial constituído por Dias Velho, acarretando em seu
abandono por alguns anos enquanto São Francisco e Laguna seguiam
seu curso.
Ainda assim, foi Desterro a cidade escolhida para sediar a
Capitania. Ao tentar compreender o motivo desta escolha, Peluso Junior
(1944, p. 114) aponta que:
“[...] o elemento potencial de diferenciação
intensa encontrava-se em Desterro, na baía capaz
de abrigar os navios que não entravam em
Laguna, e que naquele porto chegavam trazendo
os soldados atirados à guerra da Colônia de
Sacramento”.
Entretanto, a localidade dentro da Ilha onde seria instalado o
governo, parece ter sido inicialmente outro que não o centro atual (onde
foi fundada a Vila de Nossa Senhora do Desterro), segundo a dedução
de Silva (2007, p. 91):
63
63
Mapa 1 - Plano Urbano Inicial da Vila de Desterro e Elementos
Estruturadores
64
64
“A vila de Santo Antonio foi a primeira que
surgiu a partir de um planejamento criteriosos,
um fato raro à época. É a única com ruas
projetadas e quadras com o mesmo tamanho na
Ilha. Possivelmente, foi planejada para ser a sede
provisória da província, porém os portugueses
perceberam que o ponto onde ilha e continente
mais se aproximam seria estrategicamente mais
interessante para implantar uma vila com chances
de se expandir e assim a cidade cresce onde se
encontra hoje”.
Os dados populacionais desfavoráveis para Desterro em relação
a Laguna e São Francisco seriam compensados no momento em que a
vila foi escolhida como ponto de preparo dos materiais para construção
do forte de Sacramento pela coroa portuguesa e como base militar onde
chegavam as forças que se destinavam ao sul. Por isso, Peluso Junior
(1944) defende a tese de que foram motivos político-militares aliados
aos naturais e não econômicos propriamente que ocasionaram a criação
da Capitania da Ilha de Santa Catarina e a nomeação de Desterro como
sua capital:
“Em Desterro, o livre acesso à baía, aliado à sua
profundidade, constituía a mais importante
diferenciação ativa no litoral sul do Brasil, que
era necessário defender da esquadra inimiga,
requerendo forças que ocasionaram o Governo
militar do Brigadeiro da Silva Pais, com a
criação da Capitania da Ilha de Santa Catarina”
(Peluso Junior, 1944, p. 123).
A interpretação corrente entende que a ocupação da Ilha de
Santa Catarina era primordial para o governo colonial, por estar ela
localizada a meio caminho das duas maiores cidades da fachada
atlântica da época: Buenos Ayres e Rio de Janeiro. Desterro era local
estratégico para a defesa do território colonial português das investidas
dos espanhóis que exploravam a região do Estuário do Rio da Prata
33
.
Ao contrário do que afirmam muitos autores sobre a principal
motivação para a ocupação da Ilha ser de ordem militar, Bastos (2002,
33
“... llevan orden de hacer la conquista de la isla de Santa Catarina, puesto
importantíssimo...” (Grimaldi, ministro de Carlos III de Espanha. Advertência sobre os
portugueses, 1776 apud Marx, 1980).
65
65
p. 23) interpreta a questão a luz do momento histórico de debilidade
econômica pelo qual passavam os ibéricos. Segundo este autor, este
povoamento, bem como de todo Brasil meridional:
“deveu-se mais à necessidade do capital
comercial português encontrar novas
oportunidades de investimento para o
restabelecimento da lucratividade em baixa”.
Desta forma, o principal interesse dos ibéricos em ocupar estas
paragens seria explorar produtos como o couro e o óleo de baleia,
produtos muito valorizados no mercado mundial de então (BASTOS,
2002).
Por volta da segunda década do século XVIII o povoamento
semi-abandonado
34
é retomado com a vinda do Brigadeiro José da Silva
Paes. Em 23 de março de 1726 ocorrem as primeiras eleições para a
câmara municipal e a capitania
35
de Santa Catarina é criada em 11 de
agosto de 1738.
Silva Paes foi o responsável pela organização da função militar
da vila, que deixa sua marca na paisagem através dos vários fortes e
fortalezas, que sobreviveram ao tempo e são encontrados em vários
pontos ao longo da costa, tais como a Fortaleza de Santa Cruz (1738),
São José da Ponta Grossa (1740), Santo Antônio da Ilha de Ratones
Grande (1760) e de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Sul (1740)
e os Fortes de São Francisco Xavier, Sant‟Anna, São Luiz e Santa
Bárbara (VEIGA, 1993). O Brigadeiro José da Silva Paes, governador
34
Outro motivo de abandono do povoamento foi a morte de Dias Velho: “O curioso é que, em
virtude de haver sido abandonada temporariamente pela família a Ilha, desde a morte do Chefe,
não mais puderam os descendentes recuperar as terras. O Juiz, por ato de 1720, as concede aos
que sobre elas se estabelecerem. Desta sorte, apesar da morte de Dias Velho haver sido um
desastre para a povoa, de outra parte resultou na redivisão das terras em termos racionais”
(Pauli, in Melo, p. 31).
35
Peluso Junior (1944, p. 108) assim resume a questão da passagem da Capitania para
Província e, posteriormente, para Estado: “De São Vicente, fundado em 1532 por Martim
Afonso, vieram as bandeiras colonizadoras que fundaram, no século XVII, São Francisco,
Desterro e Laguna. Em 1738, a ilha de Santa Catarina foi desmembrada da Capitania de São
Paulo e elevada a Capitania subalterna, dependente do Rio de Janeiro, estendendo sua ação
sobre Laguna em 1742 e São Francisco em 1750. O planalto catarinense foi povoado em 1766,
quando outra bandeira colonizadora lançou os fundamentos de Lages, território anexado ao
Governo da Ilha em 1820. Com a independência, em 1822, foi essa unidade organizada como
Província, tornando-se Estado federado após a proclamação da República (Constituição de
1891).
66
66
da capitania nomeado em 1738, era engenheiro formado pela Academia
Militar de Lisboa. No Mapa 1, pode-se observar a estrutura da cidade
no ano de 1774 e os caminhos que conduziam aos fortes, pontos que
atraem e ampliam os caminhos da vila (observa-se também como
inicialmente a ocupação se orientou para o lado leste da planície).
Apesar da tese de Peluso Junior sobre a origem militar do
povoamento, percebe-se que as reais preocupações com esta função
surgem somente a partir do século XVIII
36
, como assinalam as
informações de Meirinho (in Melo, 1991):
“Ainda no século XVIII de que estamos nos
ocupando, um fato provocou retraimento no
progresso da vila. Foi a ocupação espanhola
ocorrida entre fevereiro de 1777 e julho de 1778.
Esta ocupação liga-se a luta entre Portugal e
Espanha pelo domínio do Sul do continente
americano. Ponto estratégico, a Ilha passou a ser
fortificada a partir de 1738, quando da criação da
Capitania. Fortificações expressivas cuja
arquitetura até hoje é conhecida, não estavam
devidamente municiadas para repelir um ataque
nas proporções do preparado pelos castelhanos.
A dimensão da esquadra espanhola causou
pânico na diminuta população da Vila do
Desterro, que refugiou-se nas matas e praias
distantes”.
O discurso sobre a expressividade do sistema de defesa da Ilha,
entretanto, não condiz com a facilidade que os Espanhóis parecem ter
encontrado para esta invasão, como também consta nos relatos dos
viajantes que passaram pela Ilha na época, que tecem várias críticas a
inferioridade de suas fortalezas. Seus relatos fornecem informações
valiosas sobre a situação da ilha nos séculos XVIII e início do século
XIX.
36
Quanto à empreitada de Dias Velho, o principal interesse parece ter sido mesmo a simples
ocupação do território. É uma questão a ser resolvida.
67
67
1.1 - Os relatos dos viajantes e a paisagem urbana da Ilha de Santa
Catarina
Nos relatos dos viajantes que passaram pela Ilha de Santa
Catarina em seus primeiros tempos de ocupação, poucas linhas são
dedicadas a descrição das manifestações urbanas - que neste período
eram muito escassas. Mesmo assim, alguns deles deixaram importantes
relatos sobre o cotidiano da cidade.
O Francês Amédée François Frézier aportou em Santa Catarina
no ano de 1712, produzindo alguns mapas e perfis da Ilha e trazendo um
relato interessante sobre a paisagem da cidade na época:
“É uma floresta contínua de árvores verdes o ano
inteiro, não se encontrando nela outros sítios
praticáveis a não ser os desbravados em torno das
habitações, isto é 12 ou 15 sítios dispersos aqui e
acolá à beira mar nas pequenas enseadas
fronteiras à terra firme; os moradores que as
ocupam são portugueses, uma parte europeus
fugitivos e alguns negros; vê-se também índios,
alguns servindo voluntariamente aos
portugueses, outros que são aprisionados em
guerra” (Berguer, 1984, p. 23).
Refletindo sobre as precárias condições de vida dos habitantes
da ilha, Frézier relata:
“Esta gente, a primeira vista, parece miserável,
mas eles são efetivamente mais felizes que os
europeus, ignorando as curiosidades e as
comodidades supérfluas que na Europa se
adquire com tanto trabalho; passam eles sem
pensar nelas [...]” (Berguer, 1984, p. 24).
Poucos anos mais tarde, em 1719, a ilha é visitada pela
expedição inglesa de Shervocke e Betagh. Estes chamam a atenção
também para a abundância de animais e a grande variedade da
vegetação.
George Anson comandou a esquadra inglesa que aportou em
Santa Catarina no ano de 1740. Produziu uma bela descrição, em que
é possível notar algumas diferenças na paisagem em relação às
descrições anteriores, e alguns perfis. Nesta época, estavam em
construção os primeiros fortes da Ilha, conforme o relato:
68
68
“O Brigadeiro Dom José da Silva Paes,
Governador desta Colônia, tem a reputação de
ser um hábil engenheiro; e não se pode negar que
ele entende de seu assunto, pelo menos em parte,
estando certo das vantagens que a construção de
algumas novas obras acarretam, porque, além da
contenda de que já falei, existem ainda três
outros fortes para defender a entrada do porto,
nos quais ainda trabalham, não estando nenhum
deles prontos” (Berguer, 1984, p. 64).
O viajante destaca o lugar privilegiado que consiste a baía
abrigada de Santa Catarina para descanso dos navios antes de seguirem
para os mares do sul. Conta que a Ilha, num passado recente, era uma
terra sem lei habitada por bandidos vindos de Portugal e de várias partes
do Brasil. Porém recentemente teria sido submetida ao governo da
Coroa Portuguesa, que enviou José da Silva Paes para impor ordem.
Somente em 1740 a Corte Portuguesa estabeleceu governo regular nesta
Ilha. Parte das novas leis regulamentava o comércio dos habitantes com
os viajantes que ali aportavam. Se antes este comércio consistia
basicamente em troca de alimentos por qualquer produto vindo da
Europa, já que o dinheiro não valia muito num lugar praticamente
desabitado, agora o governo impõe preços exorbitantes aos produtos
vendidos na ilha, o que causou má impressão entre os visitantes.
Em 1763 a expedição francesa de Dom Pernetty faz importantes
ilustrações dos fortes estruturados e algumas descrições de espanto
quanto às moradias dos citadinos:
“As casas [cerca de 150] de que falo, são as
construções ao rés-do-chão, como as casas dos
nosso paisanos franceses. São ordinariamente
cobertas de canas e folhas de bananeiras ou de
uma outra espécie de cana ou junco.
Normalmente não se vêem chaminés. Os negros
escravos aprontam suas comidas sobre um fogo
aceso ao meio do quarto e ali vivem sem se
incomodarem, no meio da fumaça” (Berguer,
1984, p. 80).
Data de 1785 uma das primeiras ilustrações propriamente ditas
da paisagem da Ilha de Santa Catarina. De autoria de Duché de Farney,
69
69
a estampa ilustra o “Atlas du Voyage de La Pérouse”, que acompanha a
edição “Voyage de La Pérouse autour du monde”, publicada em Paris
em 1797 (Figura 6).
La Perouse, quando visitou A Ilha de Desterro, indicou a
existência de cerca de 400 casas e 3.000 habitantes. Percebe-se aí, uma
transição entre a vila de pescadores dos primeiros relatos e o atual
aglomerado comercial, que mesmo insipiente estava minimamente
estruturado como um núcleo urbano. Isto se deve ao fato de que nesta
época havia ocorrido a imigração dos açorianos para a ilha, o que
movimentou a produção agrícola e o comércio da vila.
A primeira expedição a passar por Santa Catarina no século
XIX de que se tem registro data de 1803 e foi organizada pelo Czar
Alexander da Rússia, sendo formada por Krusenstern, Lisiansky e
Langsdorff. Krusenstern ilustra a “Veduta Della Citta di Nuestra
Senhora del Desterro Nell‟Isola di S. Caterina”, segundo edição italiana
(Figura 7).
Segundo suas percepções, a paisagem ainda não havia se
alterado muito em relação ao último relato sobre o local, o de La
Pérouse:
“A cidade, que está situada em local muito
agradável, consiste de cerca de 100 casas mal
construídas, e é habitada por 2.000 ou 3.000
pobres e escravos negros. A casa do Governador
e o quartel são as únicas construções que se
distinguem, por sua aparência, das outras. Eles
estavam, nessa época, construindo uma igreja,
que em muitos países católicos é considerada
muito mais importante que hospitais ou outras
edificações úteis” (Berguer, 1984, p. 139).
Em 1807, o viajante inglês John Mawe chega a Ilha se Santa
Catarina. Impressiona a evolução da paisagem urbana descrita por
Mawe em relação a recente expedição de Langsdorff:
70
70
Figura 6 - Vista da Villa de Desterro (1785).
Fonte: Reis Filho, 2001.
Figura 7 - Vista da Vila de Desterro (1803).
Fonte: Berguer, 1984.
71
71
“As casas são bem construídas, com dois ou três
andares, assoalhadas de madeira, jardins tratados,
apresentando excelente vegetação e flores. A
cidade possui várias ruas e conta de cinco a seis
mil habitantes” (Berguer, 1984, p. 190).
Data deste ano a expedição de Golovnin, que passou por
Desterro, lugar que lhe chamou atenção especial pelo seu aspecto
desabitado e desértico:
“Por curiosidade andei pelas principais ruas da
cidade. Basta meia hora para ver toda a cidade:
ao todo tem umas 400 ou 500 casas. Todas elas
são construídas de tijolos, pintadas de branco e
têm um ou dois andares com grandes janelas e
sem vidros. Não nada de notável na cidade
que merecesse atenção dos viajantes” (Berguer,
1984, p. 201).
A expedição do navegador francês Duperrey, a última de que
se tem notícia, passa por Santa Catarina em 1822, acompanhada pelo
naturalista Lesson. Estes fazem um extenso relato sobre a paisagem da
ilha, porém não deixando ilustrações. No relato constam inclusive
informações sobre os recentes fatos que resultaram na Independência do
Brasil, e as circunstâncias políticas atuais do país. São descritas também
as outras freguesias que compõe a Ilha e percebe-se também uma
evolução da urbanização da Vila de Nossa Senhora do Desterro, que,
segundo seu relato, apresentava cerca de 600 casas e uma população
de 6.000 almas. A população total da ilha seria de 10.000 pessoas.
Indica também a existência de alguns prédios administrativos ao redor
da praça central, 4 igrejas nos arredores desta região, e um hospital, o
Hospital de Caridade. Consta no relato de Lesson uma interessante
percepção sobre o olhar estrangeiro em relação à natureza brasileira:
“Sem querer tornar mais belos os quadros
imponentes que diversos viajantes têm feito do
Brasil, o naturalista que visita este litoral com os
olhos exclusivamente habituados à criação das
zonas temperadas da Europa, não se pode furtar,
à vista da produção brasileira, de uma emoção
tanto mais forte, que ela sobrepuja ainda à que
sua imaginação lhe prometia, após as relações de
72
72
viagem que ele tivesse lido. Nos primeiros dias
ele pode apenas se familiarizar com esta pompa e
esta grandeza que por toda parte se mostra ao
olhar. Somente algum tempo depois é que ele se
habitua a este luxo de vegetação e ao brilhante
adorno dos pássaros ou dos répteis que pululam
sobre este solo fecundo” (Berguer, 1984, p. 271).
Em todos os relatos é evidente o espanto dos viajantes com a
precariedade da vida urbana desterrense, que na verdade não era tão
extrema em relação ao Brasil colonial. Parte do abandono desta vila pelo
governo português deve-se ao fato desta estar localizada em zona sub-
tropical.
Sabe-se que nos primeiros tempos de colonização o interesse
era de se explorar produtos tropicais. Somado a isso, mesmo nas
maiores cidades brasileiras da época, como Salvador ou Rio de Janeiro,
o quadro urbano não era muito desenvolvido, principalmente em
comparação com as cidades coloniais espanholas na América, em
virtude das condições históricas das diferentes regiões do continente
americano e da desigual importância que tinha o espaço urbano para os
conquistadores portugueses e espanhóis.
1.2 - A urbanização de Desterro no quadro geral do
urbanismo dos conquistadores portugueses
O plano urbano inicial da Vila de Desterro, como observa-se no
Mapa 1 estruturou-se no entorno da Praça XV, a praça central, um
quadriforme irregular do qual parte uma quadratura de estreitas ruas.
Estas ruas, retilíneas mas não regulares, formaram uma espécie de
tabuleiro de xadrez deformado com o encontro com as outras ruas que
partem da igreja matriz em direção à praia, paralelas á praça. A
fisionomia da cidade teve como elemento determinante a praça central; a
irregularidade do formato desta, ocasionado pela influencia da linha de
costa diagonal a que se alinhava, foi predominante para o traçado do
plano urbano. Segundo Dias, (1948, p.27), Florianópolis:
“Cidade marítima, ponto de abastecimento e de
apoio das esquadras mercantes e de guerra
portuguesas, a linha de costa exerceu influência
decisiva no traçado urbano inicial, sendo,
73
73
juntamente com a colina onde se ergue a catedral
o elemento gerador do plano”.
Ao contrário das cidades espanholas da América colonial
fundadas prioritariamente nos Altiplanos andinos, as portuguesas, ou
seja, as brasileiras, desenvolveram-se na planície costeira
37
,
frequentemente em baías abrigadas (como é o caso de Florianópolis,
também do Rio de Janeiro, Salvador, São Luiz e de Belém) que
ofereciam boas condições para o estabelecimento de portos e
fortificações. É o que Milton Santos (1967) chama de a nossa
urbanização de fachada.
Segundo Peluso Junior (1991), Florianópolis é um exemplo
típico do urbanismo português, que tem além da praça, a linha de costa
como elemento determinante para o traçado do plano urbano. Também o
relevo recortado por colinas e serras do litoral brasileiro como um todo
sempre influenciou o traçado das cidades portuguesas neste território.
Muitas vezes, esta falta de rigorosidade geométrica do
urbanismo português (em comparação com o rígido Tabuleiro de Xadrez
dos espanhóis, determinado pela Lei das Índias, a primeira legislação
urbanística moderna instituída em 1573 por Felipe II, Rei da Espanha e
que regia genericamente a fundação das cidades castelhanas na
América) é confundida com a ausência de um regulamento urbano por
parte destes. Porém, assim como a espanhola, a colonização portuguesa
também foi orientada por regimentos que eram representados
inicialmente pelas chamadas Posturas fixadas pelas câmaras municipais.
Ao contrário do que se costuma pensar, com muito menos
refinamento do que os espanhóis, os portugueses também pensaram a
morfologia urbana das cidades que fundaram na colônia. Os modelos
adotados, por sua imperfeição geométrica e adaptação às condições do
terreno são equivocadamente confundidos com a ausência de um
pensamento urbano português.
O que se destaca no urbanismo português, é a estreita relação
entre a estrutura territorial e a urbana, motivo pelo qual, não se pode
classificá-lo utilizando conceitos absolutos de planejado, ou não
37
“A maior parte das cidades portuguesas, localizava-se junto ao mar ou nas margens dos rios.
Uma situação privilegiada que encontramos em muitas cidades portuguesas, insulares e
ultramarinas é a sua localização em baías abrigadas, com características de bom porto natural,
com encostas suaves e percorridas por cursos de água doce, e com boas possibilidades de
defesa através do aproveitamento de acidentes naturais localizados nos extremos da baía, onde
eventualmente se viriam a construir fortificações” (Teixeira, 2000).
74
74
planejado, racional ou não racional
38
. As cidades portuguesas na
América se moldam ao território, a custa de um menor rigor geométrico
em relação às espanholas. As ruas adaptavam-se as condições
topográficas, e tendiam a se organizar como ligação entre pontos, sem
intenção de ordenação geométrica
39
. Com o tempo, os traçados
desregulares e as ruas tipicamente estreitas iam se mostrando
inadequados, então um novo núcleo se fundava ao lado do antigo, o que
é atestado pela presença dos chamados centros históricos ou antigos nos
centros urbanos brasileiros
40
.
Verifica-se em geral no Brasil uma primeira etapa de
urbanização vernácula
41
, onde o traçado urbano realmente seguia
espontaneamente às exigência do território, e uma segunda etapa (séc.
XVIII), onde, após a publicação da Provisão Real de D. João V
(01/08/1747), a colonização é orientada por algumas normas
urbanísticas. A partir do início do século XVIII, a vida dos principais
centros urbanos adquire uma nova escala, suficiente para justificar o
emprego de padrões urbanísticos mais elevados. Segundo Peluso Junior
38
“Se as cidades portuguesas não apresentavam por vezes um carácter absolutamente
geométrico, isso não significa que não houvesse os conhecimentos técnicos suficientes para o
fazer, mas antes que da cultura urbana portuguesa fazem também parte outras tradições, outros
princípios e outras concepções urbanas que não tinham necessariamente uma base geométrica e
que ao longo dos tempos sempre permearam os seus traçados” (Teixeira, 2000).
39
“É verdade que o esquema retangular não deixava de manifestar-se no próprio Rio de
Janeiro surge um esboço quando encontrava poucos empecilhos naturais. Seria ilusório,
contudo, supor que sua presença resultasse da atração pelas formas fixas e preestabelecidas,
que exprimem uma enérgica vontade construtora, quando o certo é que precedem, em sua
generalidade, dos princípios racionais e estéticos de simetria que o Renascimento instaurou,
inspirando-se nos ideais da Antiguidade. Seja como for o traçado geométrico jamais pode
alcançar entre nós, a importância que veio a ter em terras da Coroa de Castela: não raro o
desenvolvimento ulterior dos centros urbanos repeliu aqui esse esquema inicial para obedecer
antes às sugestões topográficas” (Holanda, 1984. p.75-76).
40
Ainda sobre isso, coloca Marx (1980, p. 24-25): “Como as cidades medievais, acomodando-
se em terrenos acidentados e à imagem das portuguesas, as povoações brasileiras mais antigas
são marcadas pela irregularidade. [...] É constante a presença de ruas tortas, das esquinas de
ângulos diferente, da variação de largura nos logradouros de todo o tipo, do sobe-e-desce das
ladeiras. O sítio urbano, geralmente, decide e justifica esses traçados irregulares. [...] os
corações históricos das maiores e mais transformadas aglomerações atuais são exemplos desta
característica, nossa velha conhecida”.
41
“A componente vernácula corresponde, na maior parte dos casos, às primeiras fases de
implantação urbana, feitas sem técnicos especializados e em que se observa uma estreita
relação do traçado urbano com as características topográficas dos seus locais de implantação. A
componente erudita está geralmente presente em posteriores fases de desenvolvimento, quando
o crescimento urbano ou a importância da cidade justificavam a participação de técnicos
especializados, detentores de uma formação teórica” (Teixeira, 2000).
75
75
(1991), é provável que o plano urbano inicial da vila de Desterro tenha
sido traçado com base nesta provisão real.
O fato de se localizarem na costa litorânea, determinou outra
tendência das cidades brasileiras estabelecidas durante o período
colonial, a linearidade, como observa-se em Florianópolis:
“Saint‟Hilaire, em 1820, escreveu que a cidade
tinha grande extensão e pouca largura. Naquela
época, a atual Praça 15 de Novembro dividia a
cidade em duas partes desiguais, que iam da
ponta da Capitania do Porto à da Rita Maria. As
ruas extendiam-se somente pela parte baixa,
situando-se a igreja do Rosário na rua que
extremava a cidade ao Norte, atualmente a Rua
Marechal Guilherme” (Peluso Junior, 1951, p.
11).
Desterro, que esteve por muito tempo a margem no processo de
colonização portuguesa foi somente elevada a vila em 1726, quando
ainda possuía apenas 150 habitantes. Mais ou menos nessa época,
preocupado com o futuro da recém-nomeada Vila de Desterro, o Frei
Agostinho da Trindade viaja a Portugal a fim de atrair mais habitantes.
Somente em 1745 consegue permissão do Conselho Ultramarinho para
trazer um bom número de pessoas. A primeira leva chega em 1746, e é
formada por 461 açorianos. Até 1759, foram cerca de 5000
(ANDRADE, 1978).
76
76
2 1750: A chegada dos açorianos
A vila somente começa a ter alguma dinâmica econômica e
social significativa a partir de 1750, com a vinda dos casais açorianos
que se instalaram em pequenos lotes de terra nas freguesias da ilha, tais
como Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, Vila Nova, Nossa
Senhora das Necessidades e, mais tarde, no século XIX, Nossa
Senhora da Lapa do Ribeirão e Santíssima Trindade detrás do Morro.
Porém imediatamente ao chegarem, em 1748 e 1749, os açorianos são
localizados no perímetro da Vila de Nossa Senhora do Desterro,
principalmente na Rua dos Ilhéus. A partir de 1750 é que passam a se
estabelecer nas Freguesias, nos lugares que foram escolhidos por Silva
Paes.
Em 1740 a população contava de pouco mais de 900 habitantes,
empregados das repartições, tropas, pescadores e famílias da
guarnição de Dias Velho. Segundo Peluso Junior (1991, p. 325):
“Desterro desde sua fundação até a imigração
açoriana, foi agrupamento em que apenas os
funcionários da capitania e os soldados tinham
renda, como se deduz dos depoimentos dos
viajantes. Não havia exportação, e por
conseguinte não entrava outro recurso para
importação. Após a imigração açoriana, ocorrida
de 1748 e 1756, havia agricultores nas áreas
rurais, e Desterro passou a exportar excedentes e
teve recursos para realizar importação”.
Em suas propriedades, as famílias açorianas produziam gêneros
alimentícios, comercializando os excedentes desta pequena produção,
praticavam artesanato e a pesca. Segundo Mamigonian (1959), a
organização do espaço agrícola das freguesias da ilha é do tipo
Waldhufendörf, ou seja, lotes compridos e perpendicularmente
distribuídos ao longo do litoral ou dos vales, sendo que uma parcela da
terra deveria ficar na baixada, para, por exemplo, viabilizar a atividade
pesqueira da família, e outra na encosta, onde o solo possibilita a
policultura de gêneros alimentícios.
42
Além disso, ainda haviam as terras
42
“O povoamento rurícola, essencialmente linear entre os morros granitóides e as baixadas
arenosas, eram preciosas relíquias da ocupação açoriana, com o parcelamento para as lavouras
77
77
comunais, para criação de animais, agricultura, fornecimento de lenha,
madeira e frutos (CAMPOS, 1991).
Os pequenos produtores açorianos vinham das freguesias - a pé,
de carroça ou de canoa - até a praça do mercado central, antigamente
localizado em frente à Praça XV, para vender peixes e/ou gêneros
alimentícios excedentes, resultantes da prática da policultura para
subsistência, também para adquirir ali outros produtos de que
necessitavam. Logo, o núcleo de fundação, com o estabelecimento da
pequena produção mercantil açoriana, espalhada ao norte e sul da Ilha
em diversas freguesias, passa a se configurar efetivamente como centro
da cidade, mais correto dizer uma centralidade da ilha, tendo como
função polarizadora a atividade comercial.
Em 1803 havia apenas duas ruas plenamente traçadas, Augusta
e da Cadeia, calçadas em 1816. Por volta de 1820 existiam cerca de 34
caminhos, porém, as primeiras ruas propriamente ditas de Desterro
datam de 1841 (ANDRADE, 1978), quando o traçado urbano foi
organizado com base das ordenações portuguesas. Foram elas: Rua do
Livramento (atual Trajano), Rua dos Quartéis Novos (atual Deodoro),
Palhoça (depois Propósito e atual Jerônimo Coelho), do Vigário (atual
Fernando Machado), da Cadeia (Tiradentes), Augusta (João Pinto) e
Rua da Lapa (atual Saldanha Marinho).
Foram algumas décadas a partir da chegada dos orianos até
que pudessem ser percebidos grandes avanços na estrutura urbana da
vila. O marco desta primeira virada é a Independência do Brasil, que
antecede em um ano a elevação da vila a categoria de cidade.
morro acima e os campos comunitários para os pequenos rebanhos de gado, nas baixadas; os
arruados de casas açorianas, apartadas e dispostas em linhas, com pequenos cafezais ao lado,
leira de secagem à frente das casas, com pomares sobretudo os cítricos (bergamotas); os
maridos ausentes na praia ou no mar e as mulheres à frente das casas fazendo rendas e
bordados” (Monteiro, 2005, p.15).
78
78
3 1850: a primeira virada
Na segunda metade do século XIX, com o expressivo
desenvolvimento comercial da pequena produção açoriana, a
urbanização da cidade começa a se expandir em ritmo mais acelerado. O
primeiro conjunto de casarios construídos para abrigar os fundadores
(ranchos cobertos de palha) é renovado, sendo substituído por casas de
inspiração portuguesa. A ilha recebe as primeiras intervenções
urbanísticas
43
, aterros (Figuras 8 e 9), obras de saneamento e
iluminação pública, antigos caminhos são transformados em ruas e
novas vias são abertas para viabilizar o transporte coletivo de
passageiros, realizado por bondes de tração animal. Segundo Popini
(1991, p. 33):
“Após a Independência, no segundo período,
intensificou-se a exportação e a burguesia
comercial residente modificou a paisagem com
seus sobrados e chácaras. Surgem sinais claros de
uma nascente vida urbana, com as carruagens, os
bondes puxados a burros, com a iluminação
pública de lampiões e os calçamentos das ruas e
da praça, testemunhados por imagens
fotográficas do final do século”.
A área urbana de Florianópolis começa a se expandir a partir do
centro no sentido leste e posteriormente oeste (Mapa 2) e formam-se
pequenos bairros ao longo das ruas que cortam a planície costeira,
inicialmente como aglomerações de casas rudimentares. Para leste
(atuais Ruas João Pinto e Tiradentes), a planície era mais aberta e
distante das elevações cristalinas. Isto, somado a proximidade deste lado
com o Miramar e o Mercado Público, ocasionou uma ocupação anterior
a do lado oeste.
43
Sobre isso ver documento Plano de embelezamento da linha do mar de Desterro, 1846,
publicado em Mamigonian, Beatriz Galltti. Em nome de beleza, comodidade e benefício
público: um projeto de intervenção urbana para Desterro na metade do século XIX.
Geosul, Florianópolis, v. 14, n.28, p. 179-188, jul/dez. 1999.
79
79
Figura 8 Aterro da Praia do Menino Deus, por volta de 1880.
Nesta imagem vê-se esta obra que foi uma das primeiras grandes
intervenções urbanísticas feitas na cidade. Em primeiro plano, a residência
da Desembargadora Teresa Tang. Observa-se na descida do Hospital de
Caridade o movimento da Procissão do Senhor dos Passos.
Fonte: Acervo Fotográfico Edio R. Mello.
Figura 9 Aterro do Cais da Figueira, final do século XIX.
Fonte: Santos, 2009, 105.
80
80
Quando a estrutura comercial do porto (Trapiche do Miramar,
Figura 10)
44
e do Mercado foram transferidos para o local onde se
encontram atualmente (onde o porto se encontrava), a ocupação do lado
oeste passou a ser favorecida, e surgiram as ruas Conselheiro Mafra e
Felipe Schimidt, ruas estreitas hoje, porém artérias principais para esta
época
45
. A região a leste passa então a representar uma área comercial
atacadista de produtos importados, escritórios exportadores e
residências, enquanto do lado oeste se instala uma estrutura de
depósitos, trapiches e estaleiros ligada ao porto, juntamente com um
comércio varejista de armazéns.
“Esse tipo de traçado e essa organização urbana
correspondiam literalmente à maneira de viver,
de trabalhar e de se locomover da época, era um
reflexo fiel e perfeito da base econômica
existente organização do tipo agrário e
artesanal. O núcleo era de tamanho adequado e
funcional. Com o correr dos tempos, essa
sociedade evoluiu, porém as características
urbanas apontadas se mantiveram e se
reproduziram. A cidade cresceu ao longo dos
caminhos de acesso à praia Norte, e, pelo vale, na
direção do morro da Cruz” (FLORIANÓPOLIS,
Plano Diretor de 1952, p. 12).
Os bairros centrais de Florianópolis, segundo VÁRZEA (1985),
a exemplo do Bairro da Figueira, eram compostos por casas pequenas e
antigas, com os fundos voltados para o mar, e a frente voltada para a
catedral (Mapa 2).
44
Em dias de vento sul os barcos não atracavam no trapiche central, mas em um trapiche
existente na Praia de Fora (ANDRADE, 1978).
45
“A primeira fase de desenvolvimento da cidade baixa fazia-se através da estruturação e da
ocupação de um caminho ao longo do mar, ligando dois pólos localizados em posições
extremas da baía. Era ao longo deste percurso que, de um lado e outro, se construíam as
primeiras casas e se estruturava a primeira rua a rua Direita até hoje em muitos casos a
principal rua da cidade. Fases subseqüentes de desenvolvimento do núcleo urbano continuavam
a realizar-se estreitamente associadas às características físicas do território, através da
construção de sucessivas ruas longitudinais paralelas à primeira, e das transversais a ligá-las, e
através da escolha de sítios proeminentes para a localização de edifícios singulares, do
desenvolvimento de linhas estruturantes fundamentais de acordo com o território e da sujeição
do plano urbano a pré-existências naturais” (Teixeira, 2000).
81
81
Figura 10 O Trapiche Miramar, que desapareceu com os aterros da
década de 70.
Fonte: Acervo Fotográfico Edio R. Mello.
O centro de Florianópolis até o inicio do século XX, era lugar
de residência das classes baixas
46
, a isso encontramos exceção nos
antigos bairros da Praia de Fora e do Mato Grosso, onde se localizavam
as chácaras, áreas rurais que tornaram-se vetor de expansão urbana a
partir da virada do século XIX para XX. Esta área corresponde ao
perímetro no entorno das ruas Esteves Junior, Trompowsky e Bocaiúva,
zona residencial por excelência habitada pelas classes altas até os dias
atuais.
A expansão inicial do centro para além da planície imediata
deu-se através da abertura de ruas sobre antigos caminhos de
comunicação com os fortes. Por exemplo, a Rua Esteves Junior era
caminho para o Forte de São Francisco, a Almirante Lamego para o
Forte de São Luiz e a Conselheiro Mafra para o Forte de Sant‟anna.
46
A composição social da população de Florianópolis, segundo Peluso Jr (1991), no primeiro
império era composta pelas chamadas classes abastadas e as classes pobres. As primeiras eram
formadas por membros de firmas importadoras e exportadoras; agricultores que abasteciam o
mercado dos produtos exportáveis e de consumo da vila; armadores que mantinham as relações
entre a vila e o restante do país; funcionários públicos e militares. As classes pobres eram
representadas por artífices; pequenos empregados e por uma massa de população sem meio de
vida definido.
82
82
Localizadas em áreas colinosas
47
, acima da cota dos 10 metros de
altitude, as chácaras foram sendo hereditariamente partilhadas, loteadas
e incorporadas a região central de Florianópolis, mas ainda permanecem
na paisagem através das construções residenciais, casas geminadas, no
estilo de sobrados luso-brasileiros e chalés germânicos.
Os demais antigos bairros, Figueira, Pedreira, Tronqueira, Toca,
etc, eram bairros extremamente pobres (Figuras 11 e 12), habitados por
marinheiros, “mulheres perdidas”, lavadeiras, soldados, pescadores e
escravos (DIAS, 1948). O Bairro Rita Maria, localizado nos altos da
Conselheiro Mafra, era o local que abrigava o movimento portuário e
industrial da cidade, onde se localizavam as industrias das famílias
Hoepcke, Kroop e Freys Lebem. Segundo Pauli (apud Melo, 1991), os
primeiros imigrantes alemães chegaram a Desterro por volta de 1828.
Este período é marcado por várias mudanças na paisagem da
cidade.
Em 1837 a iluminação pública era feita por lampiões acendidos
a base de óleo de baleia. Apenas em 1868 passou-se a utilizar querosene
e posteriormente, em 1880, gás globo. Em 1860 inicia-se a distribuição
de água por carroças-pipas, que recolhiam a água bem cedo das fontes e
depois distribuíam pelo centro da cidade. A partir de 1840 iniciam as
preocupações com o calçamento e a nominação das ruas e com a
numeração dos prédios.
47
Segundo Peluso (in Melo, 1991), são sete as colinas centrais de Florianópolis. A colina que
mais se impõe na cidade é a da Catedral Metropolitana, que desce do sopé à praia, passando
pela Praça XV. Outra colina ao norte da catedral é ocupada pela Praça Pereira Oliveira e se
estende: “[...] na direção nordeste, pela rua Visconde de Ouro Preto, Praça Getúlio Vargas, Rua
Almirante Alvim, Praça Benjamim Constant, Rua Victor Konder e Praça Etelvina da Luz. A
influência dessa colina alongada no traçado da cidade foi de grande importância, visto que
desde cedo foi aberta, através dela, a via de acesso ao forte de São Luiz, localizado no extremo
da atual Mauro Ramos” (Peluso Junior in Melo, 1991, p. 10). A mais alta destas colinas é a da
Igreja do Rosário. As outras quatro são a do Colégio Coração de Jesus, a da Chácara Molenda
na atual Rua Barão de Botovi, a que vai da Rua São Francisco à chácara do Bispado e ao
Colégio Catarinense tendo a Rua Esteves Junior em sua margem leste e por último a Colina da
Ponte Hercílio Luz, onde antigamente localizava-se o cemitério municipal. Entre estes
elevações ocorrem pequenos rios, como o caso do Rio da Bulha que acabou servindo de guia
para o traçado da Rua Hercílio Luz.
83
83
Figura 11 Antigo bairro central da Fonte Grande (1910).
Esta área equivale hoje ao final da Avenida Mauro Ramos, próximo à
Praça dos Três Poderes. Observamos que os morros ao fundo ainda não
haviam sido ocupados.
Fonte: Santos, 2009, p. 95.
Figura 12 Antigo bairro da Toca, final do século XIX.
Fonte: Santos, 2009, p. 101.
84
84
Mapa 2 Centro de Florianópolis (1920).
85
85
O Forte de Santa Bárbara foi demolido em 1875 para construir-
se a Capitania dos Portos. O cemitério antes localizado detrás do prédio
da catedral foi transferido para o Morro do Vieira (cabeceira da Ponte
Hercílio Luz) em 1842. O Teatro Santa Isabel é inaugurado em 1875, e
logo em 1893 passa a chamar-se Álvaro de Carvalho.
Todas estas transformações ocorridas no período da transição
do século XIX para o XX são resultantes em parte de um longo processo
interno envolvendo a drenagem da renda da pequena produção açoriana
e, por outro lado, do desenvolvimento de grandes capitais comercias
como a Cia Hoepcke, que revertidos criaram espaço urbano.
3.1 - A drenagem da renda da pequena produção mercantil
açoriana
Apesar da percepção de que a cidade começa a ter um
movimento propriamente urbano a partir da imigração açoriana, é
preciso se complexificar esta idéia, que apresenta uma visão muito
simples e homogênea do processo. O que ocorreu foi a drenagem do
capital gerado pela pequena produção mercantil açoriana por
comerciantes que passaram a investir seus capitais no centro. Muitos
destes comerciantes têm a mesma origem dos produtores açorianos, o
que significa dizer que este capital comercial não é de grande porte nos
seus inícios, havendo diferenciação social a partir de estruturas bastante
igualitárias. Este tipo clássico de desenvolvimento conhecido como
norte-americano, como observou Dobb seguindo Marx e Lenin, é a via
realmente revolucionária de transição, onde os capitalistas emergem das
fileiras dos produtores nascidos por efeito de alguma acumulação de
capital no interior do próprio pequeno modo de produção(Dobb apud
Silva, 2003, p. 168)
48
.
Sabe-se que os núcleos urbanos brasileiros apropriaram-se de
maneiras diferentes do excedente da produção rural e assim
promoveram sua urbanização. Resta investigar como foi esta
apropriação em Florianópolis.
O centro de Florianópolis se desenvolve a partir dos
investimentos dos capitalistas comerciais, em grande parte através da
drenagem da riqueza da produção das freguesias. Esta drenagem da
48
Ao contrário da via prussiana, em que os capitalistas são oriundos das fileiras dos
comerciantes e intermediários.
86
86
renda agrária acabou por “proletarizar” os açorianos do interior,
enquanto enriquecia capitais que vão influir na política (inclusive
urbana) da cidade. Fato perceptível até os dias de hoje, são os
atravessadores que fazem o comércio do peixe que ainda é pescado em
Florianópolis. Bastos (2002) afirma que a grande dependência do
açoriano em relação ao comerciante foi um dos fatores que mais
determinaram a sua decadência.
Desta forma, mais do que simples evolução urbana, trata-se de
uma época de transformação social, pois nela se constrói o contexto
econômico que acabou por formar os capitalistas tradicionais da cidade.
Este foi o contexto da origem da proletarização dos açorianos, uma das
explicações para a não-ascenção de sua produção. Estamos então diante
de um problema de transição entre sociedades (a pré-capitalista dos
açorianos e a capitalista dos comerciantes) dentro da cidade.
Como assinala Harvey (1980, p. 253):
“Acompanhando Marx, o único caminho válido
para abordar a questão das origens urbanas é
descobrir as condições internas e externas
presentes na sociedade pré-urbana e mostrar
como essas contradições foram resolvidas através
da transformação em formas urbanas de
organização social. Essa transformação envolveu
uma restruturação e uma reconstituição dos
elementos prevalencentes na sociedade pré-
urbana em alguma configuração nova”.
A ocupação da área litorânea catarinense é empreendimento da
Coroa Portuguesa, que, através do Conselho Ultramarinho de Lisboa
vislumbrou três medidas principais: implementação de fortificações,
grandes manufaturas e estabelecimentos de casais açorianos. As
manufaturas eram representadas pelas armações baleeiras que visavam
abastecer o mercado interno português do óleo da baleia.
Os principais núcleos de povoamento açoriano foram São
Miguel, Enseada do Brito, São José, Paulo Lopes, Garopaba, Vila Nova
e mais os estabelecidos na Ilha de Santa Catarina: Trindade, Ribeirão,
Lagoa, Rio Tavares, Ratones, Santo Antonio e Rio Vermelho.
Segundo Silva (1986, p. 62), a população era formada por
produtores autônomos, agricultores e pescadores que dividiam o
trabalho da pesca com os trabalhos nas manufaturas durante a safra da
baleia (julho a outubro). Foi essa divisão do trabalho que permitiu a
87
87
diferenciação social interna entre os açorianos que vieram povoar a ilha,
pois os pescadores que trabalhavam nas manufaturas de baleia,
notadamente os que exerciam a função de arpoadores e timoneiros que
eram melhor remuneradas, recebiam como pagamento em produto ou
com escravos, o que colocava amplas possibilidades para estes
pequenos produtores” (Silva, 1986, p. 62).
Segundo Rangel (2005), na fase b do primeiro Kondratieff
(1815-1848), período em que o Brasil conquista sua independência,
fecha-se a nova aliança política e econômica entre os senhores de
escravo brasileiros (entre eles alguns desses produtores açorianos que
ascenderam) com os comerciantes portugueses. Segundo Silva (1986),
nota-se a partir daí um quadro de maior dinamismo na formação
litorânea catarinense, notadamente marcado pela estruturação das
propriedades e pela maior diversificação da produção agrícola. para
os pequenos policultores, esta transição marca a total subordinação dos
pescadores aos atravessadores (Silva, 1986).
Pode-se então concluir que neste período as condições internas
que levaram ao desenvolvimento urbano da cidade provinham do
pequeno capital mercantil. As externas, provavelmente do movimento
portuário ascendido com a colonização dos vales atlânticos que
movimentaram o comércio de cabotagem local
49
e o aumento do
marcado consumidor do sul do Brasil em geral.
Porém, os comerciantes somente passam a ter total poder e
segurança sobre a produção das freguesias com a construção do primeiro
Mercado Público de Desterro, em 1851. A partir daí, somente a parte
que não era comprada por estes comerciantes poderia ser vendida
diretamente pelos pescadores na praça do mercado. Isso se explica pelo
fato de que muitas vezes as licenças para a venda do peixe no mercado
eram concedidas apenas aos atravessadores, que tinham um bom
relacionamento com o governo municipal.
49
“O conceito básico-não básico das funções econômicas urbanas reconhece que as cidades
crescem como resultado das necessidades de outros lugares. A teoria da base econômica põe
em evidência dois tipos de funções das cidade: um relacionado a atividades exteriores aos seus
limites, outro a atividades que servem ao próprio quadro urbano. A população de qualquer
cidade não vive isolada. De maneira semelhante a uma nação, necessita de manter relações
com outras áreas, para elas exportando bens e serviços, e de tal mercado consumidor recebendo
o pagamento. Dessa forma, parte do esforço da cidade origina-se da demanda extra local. Mas
a população da própria cidade, por sua vez, precisa dos serviços locais, o que mostra o segundo
tipo de funções, o que atende às necessidades das populações urbanas. A s atividades de
exportação constituem as atividades „básicas‟, porque são a fonte de renda que sustenta a
cidade, em contraste, as atividades destinadas a manter as próprias populações urbanas são as
atividades não-básicas” (Peluso Junior, 1979, p. 176).
88
88
Além disso, segundo Silva e Schmitz (2007, p. 113):
“Aquela também era uma época em que as
estradas ruins beneficiavam o trabalho dos
atravessadores, que com canoas, botes e lanchas
entravam pelos cursos d‟água da Ilha e dos
municípios próximos para adquirir produtos para
revenda nos portos e no centro da capital”.
O peixe da Barra, por exemplo, era levado até a Lagoa, onde
moravam os atravessadores que o conduziam de carroça ou caminhonete
para o mercado.
Fato semelhante acontece com a produção das colônias do
estado, onde comerciantes como Carl Hoepcke, da mesma origem que
os produtores, antes responsável pelo comércio dos produtos de seus
conterrâneos, acaba acumulando capital suficiente para associar-se com
seu tio em um empreendimento comercial industrial financeiro no
centro da cidade de Florianópolis, fato tratado com mais detalhe a
frente.
3.2 A construção do mercado
Os primeiros aglomerados de mercadores começaram a ocorrer
no final do século XVIII em frente a Praça XV, onde montavam
precárias barraquinhas ou mesmo comercializavam diretamente das suas
canoas, no caso dos pescadores. Este mercado a céu aberto não era
formado apenas por pescadores, mas também por oleiros e mascates. A
localização em frente a catedral favorecia o comércio, pois o
desembarque era fácil e o ponto já se localizava próxima ao aglomerado
populacional do centro, nesta época, chamado de Freguesia de Nossa
Senhora do Desterro.
Segundo Silva (1996), a situação sanitária do local era péssima
até mesmo para os padrões da época. O discurso higienista em torno
deste assunto começou a se construir na primeira metade do século
XIX, onde lutava-se pela destruição das barraquinhas e discutia-se um
novo local onde poderia ser construído um edifício para o mercado,
como referido no Relatório dos Governadores da Província de 1838:
“Outro objeto, igualmente de grande interesse, e
que também é reclamado pelo público, é a ereção
89
89
de um Mercado: afora as comodidades que um
estabelecimento tal oferece aos compradores,
afora a facilidade de fiscalizar por meio deste a
qualidade dos comestíveis postos a venda, e o
aformoseamento que semelhante construção dará
a cidade: com ela terão argumento, como
acontece na Capital do Império as rendas
municipais [...] (ESTADO DE SANTA
CATARINA. Discurso pronunciado pelo
Brigadeiro João Carlos Pardal, 1º de março de
1838).
Na ocasião da visita de D. Pedro II a cidade, em 1845, as
barraquinhas foram retiradas e relocadas para as redondezas da Ponte do
Vinagre, próxima a antiga Capitania dos Portos
50
. Depois de acirradas
disputas políticas que envolveram toda a discussão sobre o local onde
deveria ser construído o mercado, este acabou se localizando em frente a
Praça XV. Os dois pólos desta discussão eram os chamados Barraquistas
(representados principalmente por João Pinto da Luz) e Vinagristas
(representados por Jerônimo Coelho)
51
. Acontece que nesta mesma
época, vagara a única cadeira que a província possuía na representação
nacional, e João Pinto, após conquistar este cargo, decide pela
construção no mercado próximo a rua que hoje leva seu nome (SILVA,
1996). O mercado antigo foi inaugurado em 1851, na Praça Fernando
Machado (Figura 13).
50
“Existia na praia uma pequena coisa a que se chamava banca do peixe contrastando com
tudo o mais que havia na praça, e sempre me incomodava quando, para ali lançando a vista, via
o peixe fresco de mistura com a carne, e tudo calcado aos pés dos pretos e pretas quitandeiras;
de sorte que todos aplaudimos a lembrança, que por um feliz acaso teve a Câmara Municipal
de a fazer demolir” (Relatório dos Governadores da Província de Santa Catarina. Fala do
Presidente Antero José Ferreira de Brito, 1847).
51
Diziam os vinagristas, contra a construção do mercado em frente a praça: “Se uma
barraquinha que mal aparecia tanto nos incomodava, quanto pior efeito nos produzirão os três
projetados barracões” (Relatório dos Governadores da Província de Santa Catarina. Fala do
Presidente José Antero Ferreira de Brito, 1847).
90
90
Figura 13 Primeiro Mercado Municipal (1851).
Nas proximidades da Praça XV, o local era conhecido como Porto
Municipal.
Fonte: Acervo Fotográfico Edio R. Mello.
Nos anos que se seguem, as preocupações sanitárias e
urbanísticas com a cidade aumentam. Em 1909 são construídas as
primeiras redes de água encanada, um ano depois a rede de energia
elétrica e de 1913 a 1917 foram canalizados os esgotos. O crescimento
da cidade e do centro durante o final do século XIX logo tornaram o
edifício dedicado ao mercado obsoleto e mal localizado, pois não tinha
possibilidades de expansão:
“O mercado construído na década de 1850
rapidamente de tornou insuficiente para a cidade.
Começaram então a ser ouvidos os reclames da
população com relação ao apertado espaço do
Mercado Municipal” (Silva, 1996, p. 35).
Mesmo assim, numa tentativa de contornar os problemas, em
1891 é construída mais uma ala, conhecida como Galpão do Peixe.
Porém, este esforço não foi suficiente: em 1899 o edifício foi demolido.
A primeira ala do novo (e atual) mercado público, que faz frente
com a Rua Conselheiro Mafra, foi inaugurada em 1899. Somente em
1931, após um pequeno aterro, é que a segunda ala começou a
funcionar. Segundo Silva e Schmitz (2007, p. 16) Nesta época [anos
91
91
20], o mercado era a terceira maior fonte de receita da Prefeitura de
Florianópolis”.
Por volta de década de 1950, ainda eram avistadas canoas e
baleeiras chegando de Santo Amaro, Rancho Queimado, Antonio
Carlos, Angelina, Ribeirão, Campeche, Santo Antonio de Lisboa,
Sambaqui e Ratones bem como mercadores do Saco dos Limões,
Pantanal, Carvoeira, Córrego e Agronômica vindo por terra para
comercializar seus pescados e seus produtos no mercado (Figuras 14 e
15). O vão central do mercado servia de passagem para os veículos que
vinham da Ponte Hercílio Luz (SILVA, 2007).
Na época da construção do mercado velho, e até próximo a data
de construção do novo mercado, a área onde se localiza este último era
considerada fora do centro comercial da cidade, que, como dito
anteriormente, desenvolveu-se primeiramente para leste.
Outro mercado foi inaugurado em 1959 na Avenida Mauro
Ramos. Como as linhas de ônibus passaram a atender o movimento de
trabalhadores e clientes que por ali transitavam diariamente, o edifício
acabou virando também uma espécie de terminal rodoviário. Duas
outras tentativas de mercado aconteceram nesta década e na seguinte:
um na Trindade que, após construído, funcionou por apenas 2 anos e
hoje é ocupado pela Universidade Federal de Santa Catarina e um no
Saco dos Limões, que não chegou a ser construído, apenas projetado.
Na década de 70, após o aterro e a construção das novas pontes,
começam a surgir em Florianópolis as grandes redes de supermercados.
Os hábitos de consumo da sociedade estão bem mudados, e o
mercado começa a se caracterizar mais como um ponto turístico do que
comercial. O prédio do mercado foi tombado pelo IPHAN em 1984.
Segundo Oreste Mello, ex-administrador do mercado público, a
decadência de sua função comercial deve-se ao aterro, que isolou o
edifício do mar (assim como toda a face sul do centro da cidade):
92
92
Figura 14 Mercado Público Municipal (1940).
Os barcos trazendo as mais variadas espécies de peixes.
Fonte: Acervo Fotográfico Edio R. Mello.
Figura 15 O movimento no Mercado Municipal por volta de 1930.
Fonte: Acervo Fotográfico Edio R. Mello.
“Essa época era muito mais bonita em
Florianópolis. Nos anos 70, com o aterro, acabou
93
93
esse romantismo, essa glória toda construída pela
natureza em milhares de anos. Deviam ter
deixado um canal ligando o Mercado Público ao
mar. O próprio Miramar52 [construído nos anos
20] não precisava ter sido jogado ao chão. Era
abrir uma entrada de água e fazer uma abóboda,
isolando aquele verdadeiro símbolo da cidade. Se
alguém tivesse pensado nisso, o romantismo
seria preservado” (apud Silva, 2007 p. 23).
3.3 - O porto e o grande comércio
Florianópolis se caracterizou durante todo século XIX e início
do século XX como centro exportador de gêneros alimentícios (tanto os
produtos da policultura açoriana quanto a produção das colônias do
norte e sul do estado que saiam pelo porto da capital) e importador de
produtos diversos, principalmente provindos do Rio de Janeiro, mas
também de fora do país. Essa função comercial que se encontrava em
decadência do início do século XIX, teve seu progresso retomado
devido a colonização européia do estado, a qual voltou a movimentar o
porto e a praça de Florianópolis. Porém, quando estas colônias
desenvolveram sua própria pequena produção e foram construindo sua
própria infra-estrutura portuária, adquiram certa auto-suficiência em
relação à capital, que voltou a decair economicamente
(MAMIGONIAN, 1959).
Segundo Hübener (1981), o comércio de Florianópolis no
século XIX estava dividido entre atacadistas e comissários (recebiam os
produtos de Rio de Janeiro e distribuíam pelo comércio local, assim
como efetuavam a exportação), comerciantes varejistas ou retalhistas e
artesãos que comercializavam sua própria produção. A importância do
porto estava em ser o escoadouro da maior parte da produção da
província, principalmente litorânea, por navegação de cabotagem.
Nesta época, todo o transporte de mercadorias era realizado por
via marítima. Até o final do século XIX eram utilizadas balsas, mas
com o desenvolvimento da pequena produção mercantil açoriana e dos
52
O Miramar foi desativado em função da construção do aterro da baía sul, e demolido em 24
de outubro de 1974.
94
94
meios de transporte no início do século XX começaram a ser utilizadas
lanchas motorizadas, canoas, baleeiras à vela e botes.
No decorrer da história da cidade o porto ocupou lugares
diferentes: de pontos sem qualquer infra-estrutura espalhados pela costa,
para o local próximo ao Miramar até o seu ponto final, próximo ao atual
mercado público.
Figueiredo (2005, p. 13) ao falar sobre o Porto do Rio de
Janeiro, nos expõe que:
“Muito antes que a primeira ferramenta fosse
usada sobre a primeira prancha de madeira, antes
que a natureza fosse alterada, mesmo que no
mínimo, para receber o primeiro navio, a palavra
„porto‟ já era mencionada em repetidos
documentos portugueses da época, revelando a
convicção de que, graças às características
geográficas da região, ao seu litoral recortado e
às suas enseadas, a própria baía, por natureza,
nada mais era do que um grande porto”.
Tal era a situação também na Ilha de Santa Catarina
53
. Porém,
tal vantagem natural - que também não era tão relevante em comparação
a situação física do porto de Porto Alegre, por exemplo, localizado em
terrenos sedimentares pouco movimentados, ao contrário de
Florianópolis, que se localiza em área cristalina muito erodida
(PELUSO JUNIOR, 1979) - não demorou muito a ser superada pela
técnica.
Antes da construção da Ponte Hercílio Luz, a cidade era
totalmente dependente do porto, ou melhor, do transporte marítimo. Nos
anos 40, com a clara opção nacional pelo rodoviarismo, o porto entra em
franco declínio
54
, em decorrência também da crise pós revolução de 30
53
“A situação geográfica deste porto é uma das suas vantagens principais: está no caminho
tanto dos navios que navegam em direção ao Pacífico pela rota ocidental, quanto pela oriental.
As costas vizinhas não têm bancos de areia e escolhos; é fácil e seguro chegar ao porto em
qualquer estação e com qualquer vento; a sonda sempre marcará a distância exata. A entrada do
porto está completamente livre, não apresenta nenhum perigo e acha-la, vindo do alto do mar,
não é difícil” Berguer (1984, p. 204).
54
O movimento de navios no porto de Florianópolis em 1940 foi de 643 navios carregando
cerca de 299 mil toneladas, constituindo-se ainda como o segundo maior movimento portuário
do estado, com cerca da metade do movimento do Porto de São Francisco. Nos anos 50 a
movimentação portuária catarinense, com exceção de Itajaí, decresce tanto em número de
navios como em tonelagem. Nos anos 1960 o movimento de navios em Florianópolis é de 194,
92 mil toneladas. Em 1970, época dos aterros, ainda passaram pelo porto de Florianópolis 15
95
95
dos grandes comerciantes que o movimentavam, como é o caso em
Florianópolis das empresas Hoepcke. Segundo Mamigonian, (1986 p.
55-56):
“[...] nas cidades portuárias brasileiras surgiram
indústrias ligadas ao capital-comercial, com
grandes dimensões desde o início, como em
Salvador, Recife e principalmente no Rio de
Janeiro. Também no Sul do Brasil surgiu uma
geração precoce de indústrias ligadas ao capital
comercial (Rio Grande, Porto Alegre,
Florianópolis, Itajaí, etc.), sendo que na capital
catarinense a poderosa firma comercial Hoepcke
investiu em fábrica de pregos, de bordados e
estaleiro naval. Estas fábricas, em geral, sofreram
mais fortemente as crises e muitas
desapareceram”.
Um dos grandes responsáveis pela estruturação do porto e
grande parte das movimentações foi a Cia Comercial Hoepcke. Esta, em
processo de expansão, fundou em 1855 a Empresa de Navegação
Hoepcke com o objetivo de facilitar o comércio de cabotagem. A
empresa articulava a produção do litoral catarinense entre si, com a
região sul, com o país (Rio de Janeiro principalmente) e com o
estrangeiro (principalmente Londres, Hamburgo e New York). Operava
com navios a vapor trazendo as mercadorias que atracavam em Ratones,
Paranaguá, Laguna, São Francisco e Rio de Janeiro para Desterro,
desembarcando em trapiches construídos pela empresa no antigo Bairro
Rita Maria e sendo conduzidas depois aos depósitos da empresa
localizados nas proximidades:
“O porto congregava uma zona comercial,
composta da Alfândega; casas comerciais de
importação exportação, varejistas e atacadistas;
lojas de fazendas, secos e molhados; e atividades
navais” (Czesnat, 1980, p. 38).
Fazia parte desta infra-estrutura o Estaleiro Arataca, construído
em 1907 também no bairro Rita Maria, que equipava, aparelhava,
navios, carregando 16 toneladas; número que caiu em mais da metade em 1971 (PELUSO
JUNIOR, 1979).
96
96
consertava e construía navios de até 1.100 toneladas. O Morro do
Parque da Luz chamava-se nesta época Morro do Wenceslau, porque
existiu antes do Estaleiro Arataca dos Hoepcke, um outro pequeno
estaleiro pertencente a Wenceslau Martins da Costa (REIS, 1999).
Segundo Bastos (2002), os comerciantes import/export de
origem alemã (Hoepcke, Wendhauser, etc) substituem a classe dos
antigos grandes comerciantes portugueses que perdem força na transição
do século XIX para o XX em virtude da decadência da pequena
produção mercantil açoriana. Estes comerciantes de Florianópolis
atingiram prestígio nacional com a projeção do comércio de cabotagem
decorrente do desenvolvimento da pequena produção dos vales
atlânticos, que gerou grandes demandas. Porém, com a evolução destas
colônias, passaram a construir sua própria estrutura portuária, que
acabou superando a desterrense.
Na época de ascensão, os grandes comerciantes passaram a
investir seus capitais também em ouros ramos, como o financeiro e o
industrial.
3.4 - Velha indústria e suas marcas no centro da cidade
Havia por volta do final do século XIX e início do século XX
em Florianópolis uma incipiente indústria de bens de consumo, que
produzia móveis, telhas, bebidas, sabão, cigarros etc. - as únicas
representativas eram a Fábrica de Pregos e a Fábrica de Rendas e
Bordados, de propriedade de Carl Hoepcke - todas elas localizadas no
então centro urbano, que hoje conhecemos como centro antigo. Como
nos conta Czesnat (1980, p. 39):
“Possuindo em 1913 algumas indústrias,
Florianópolis somava: duas fábricas de cerveja,
duas de massas alimentícias, três refinarias de
açúcar, outras de camisas, de telas, de sabão, de
fogos e de pregos”.
A localização destas fábricas ficava no antigo Bairro Rita
Maria, que compreende os altos das ruas Felipe Schmidt e Conselheiro
Mafra e mais uma parte a beira-mar, que hoje faz frente à Rodoviária.
Neste local, a presença de rugosidades desta época é marcante, desde
97
97
grandes edifícios que abrigavam as fábricas, até vilas operárias
instaladas nos arredores.
Ao que se pode concluir da leitura do Relatório do Governador
da Província João José Coutinho, do ano de 1857, a primeira indústria a
se instalar na cidade foi uma fábrica de chapéus:
“Além dos raros teares de tecidos grossos que se
ainda encontram em algumas casas de lavradores,
temos apenas da colônia D. Francisca pequenas
fábricas de cerveja, licores, de vinagre e de
charutos, e nesta capital, de chapéus” (ESTADO
DE SANTA CATARINA. Fala de João José
Coutinho, 1º de março de 1857).
Pelo fato de que a maior parte da memória industrial da cidade
está restrita as empresas Carl Hoepcke (principalmente a Fábrica de
Pontas), utilizamos estes estudos como base para entender as
especificidades locais, tendo como pano de fundo o olhar sobre o
contexto nacional disso que chamamos de Velha Indústria: uma primeira
fase da industrialização brasileira.
Em Santa Catarina, nesta primeira fase, o grande capital
comercial financiou a industrialização. Assim como na maioria das
indústrias surgidas no século XIX no Brasil, a matriz das primeiras
indústrias de Florianópolis é o grande comércio. Os comerciantes
passaram a investir seu capital em outros ramos, diversificar, num
momento em que o contexto nacional de mostrou propício. Para a firma
import-export Hoepcke, que fundou a Fábrica de Pregos em 1896, as
funções industriais eram complementares. Segundo Czesnat (1980, p.
25):
“O desenvolvimento da indústria catarinense
surgiu a partir da um mercado constituído de
agricultores independentes. Alguns imigrantes
transformados em industriais necessitavam
importar máquinas e matérias-primas do
estrangeiro. Nessa situação localizava-se a
empresa comercial Carl Hoepcke Cia.,
importadora e exportadora, a serviço do mercado
catarinense. Esta empresa representou alguns
fabricantes europeus, além de atuar como agente
de bancos internacionais e nacionais, suprindo
assim o falho do sistema financeiro nacional”.
98
98
A “Empresa de Comercialização Carl Hoepcke e Cia.” se
estabeleceu oficialmente em Desterro em de agosto de 1882,
inicialmente como uma casa de importação-exportação, mas com o
tempo se constituindo como uma empresa fundamentalmente
exportadora. Como aponta Czesnat (1980):
“Carl Hoepcke gozou desta situação, de
fornecedor, abastecedor, distribuidor, agenciador,
financiador e atacadista de grande quantidade de
produtos importados, para todo o litoral
catarinense”.
Carl Hoepcke, além de ser favorecido por investimento de
capitais alemães nas zonas de imigração, era também agente de bancos
alemães, ingleses e norte-americanos, no estado. Era comum os
imigrantes comerciantes de importação-exportação estabelecerem
vínculo entre os demais imigrantes e seus paises de origem, fornecendo
capitais (bancos) e artigos industriais.
A empresa Hoepcke passou de estritamente comercial para
financeira e posteriormente, com a acumulação de capital, diversificou
no ramo industrial. Como muitas vezes as empresas de importação-
exportação acabavam executando também serviços complementares
como manutenção de máquinas importadas, montagem e pequenas
transformações industriais, não era de se estranhar que algumas destas
passassem a investir no ramo industrial.
A fundação da primeira indústria Hoepcke, a Fábrica de Pontas,
foi em 1896; a Fábrica de Gelo foi fundada em 1903, (segundo REIS,
em 1897) e a Fábrica de Rendas e Bordados foi adquirida de Ricardo
Ebel em 1917. Estavam todas localizadas no Bairro Rita Maria, o bairro
industrial de Desterro no início do século XX. Neste bairro localizavam-
se inclusive vilas operárias onde residiam os trabalhadores locais. A
estrutura das vilas persiste até hoje, sendo habitadas por diversas
famílias. A Rua Hoepcke, existente nesta região, era ocupada em geral
por funcionários da companhia. A residência dos Hoepcke era a
chamada Chácara Molenda, na atual Rua Bocaiúva. A Casa da
Bocaiúva, como ficou conhecida a edificação, virou posteriormente
Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina e hoje seu espaço é
ocupado pelo Exército.
Segundo Piazza (1981, p. 36):
99
99
“Através da localização da fábrica, pode-se
estudar a sua importância dentro do espaço
urbano da época. O prédio foi localizado junto ao
porto da antiga Cidade de Nossa Senhora do
Desterro, onde a firma Carl Hoepcke mantinha
seus armazéns e seu estaleiro. Um antigo trilho
de ferra fazia a ligação fábrica-Porto, permitindo
a circulação mais rápida do produto quando do
embarque e desembarque”.
A fábrica de pregos esteve inicialmente sob direção de Max
Boheme, sendo fundada durante o governo Hercílio Luz. Segundo
Piazza (1981), a década de 1890 marca o “surgimento” das fábricas de
pontas-paris no Brasil, ocorrendo em várias localidades: Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais, etc.
“A exportação de pregos atendia o mercado
nacional. Até o porto do Rio de Janeiro a
mercadoria viajava nos próprios navios da Firma
Hoepcke. Do porto do Rio seguiam em navios do
Lloyd e da Costeira” (Piazza, 1981, p. 52).
Durante a Guerra Mundial as atividades da fábrica de pontas
Rita Maria foram suspensas em virtude da escassez de matéria-prima e
do boicote às empresas alemãs, voltando depois a funcionar (REIS,
1999). A empresa Hoepcke estava na “lista negra” da Guerra, sendo
neste período impedida de contrair empréstimos, sofrendo corte no
fornecimento de produtos importados (maquinaria) e suspensão das
representações, além de ter que atender as exigências da substituição nas
diretorias por cidadãos brasileiros. Após este período, diversas firmas
brasileiras pertencentes à alemães tiveram grandes prejuízos, muitas
chegando a fechar. A Fábrica de Pontas Rita Maria conseguiu manter-se
aberta até os anos 80. Segundo Cruz (2008, p. 95):
“É preciso entender que o aparecimento as
fábricas preveio das facilidades de financiar a
importação de máquinas para a diversificação
econômica que, a partir daí [1930], passou a
sofrer restrições”.
100
100
Os edifícios da fábrica de pontas Hoepcke foram abandonados
devido ao fechamento das portas, não à ampliação da fábrica ou da
expansão da área urbana. A Fábrica de Rendas, ao longo da década de
80, passou por forte renovação para conseguir sobreviver; transferindo
seu parque fabril para o município de São José. Dentre todas as fábricas
Hoepcke, esta é que chama mais atenção na paisagem contemporânea,
não somente por ser a que possui maior estrutura, mas por ser a que
ficou (e fica até hoje) com os edifícios completamente abandonados no
centro da cidade de Florianópolis.
Este processo ocorrido em Desterro é comum a várias outras
cidades litorâneas brasileiras. A primeira fase da industrialização
brasileira (até 1930) foi liderada pelo Rio de Janeiro. Pela
movimentação do porto de Desterro, entre outras coisas, percebemos
que os capitais catarinenses estiveram mais atrelados ao Rio de Janeiro
do que a São Paulo nesta época. Ao mesmo tempo em que era líder
industrial, a cidade do Rio de Janeiro era também a mais populosa - era
a cidade mais importante do país. Como demonstra Mamigonian (1976,
p. 11).
“Há cem anos, quando se iniciou a
industrialização brasileira, nossas maiores
cidades eram Rio de Janeiro, Salvador e Recife
com 275.000, 129.000 e 117.000 habitantes
respectivamente, conforme o recenseamento de
1872. Além disso, o Rio de Janeiro liderou a
industrialização nacional até a 1ª Guerra
Mundial: em 1907 contribuiu com 33,1% da
produção industrial brasileira, quando todo o
Estado de São Paulo participou com apenas
16,5%”.
Milton Santos (1967) nos mostra como o quadro populacional
do Rio e de São Paulo vai se invertendo desde o final do século XIX até
que, em 1940, São Paulo ultrapassa a cidade carioca. Segundo Milton
Santos, todos os processos econômicos antes da década de 30 foram
somente antecedentes da rede urbana nacional, que somente se
configuraria a partir desta década, com o começo da integração nacional
e de nossa urbanização interior
55
(voltada para dentro), impulsionados
pelo crescimento industrial do país:
55
Até a década de 30, segundo Milton Santos (1967), a organização urbana brasileira era
herança direta da colonização, com exceção das cidades criadas (Belo Horizonte, Goiânia e
101
101
“A nova organização brasileira apoiou-se
fundamentalmente, sobre a industrialização do
país, mas suas nuances são devidas, ao peso da
história, ao desempenho persistente da função
político-administrativa, às diferentes estruturas
agrárias. É o que explica as diferenças regionais
do processo e dos resultados, com tantas outras
variantes intra-regionais” (Santos, 1967, p. 80).
Este deslocamento geográfico da industrialização (e da
população) do Rio de Janeiro para São Paulo
56
e a decadência das
primeiras indústrias cariocas ligadas ao capital comercial em
contrapartida a ascensão das indústrias paulistas originárias do capital
mercantil dos novos imigrantes (pós-1870), são processos que podem
também ser percebidos em Santa Catarina, entre as cidades de
Florianópolis e Joinville, por exemplo.
Num quadro mais geral, em Santa Catarina a indústria saiu das
cidades portuárias e re-surgiu nos vales atlânticos, no planalto e no oeste
(da fachada ao interior).
Aracaju). A formação de cidades no Brasil estaria ligada aos ciclos econômicos que viveu
cada região (cana-de-açúcar, ouro, gado, café, borracha), porém estas cidades, no período
colonial, tinham razão de ser apenas enquanto locais de onde era despachada a produção para o
exterior (estando voltadas para fora, não-integradas nacionalmente, o que causaria a
inexistência de uma rede urbana nacional). A ruptura com esta urbanização de fachada
significou o rompimento com o subdesenvolvimento e com o “imobilismo”, quando a vida das
cidades passou a depender menos do estrangeiro e mais do mercado interno.
56
Antes disso ainda houve outro deslocamento, do nordeste para o sul do país, impulsionado
pela mudança da capital nacional, entre outras coisas.
102
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Parte 2: A Transição para a Modernidade
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1 - A Modernidade Capitalista e o Centro
“Os que se tornam antiquados são os que mais duram.
Se não dura, nunca será antiquado. É lógico, não?”
57
.
O estudo da transição de Florianópolis para a modernidade é
chave para desvendar as relações presentes no centro da cidade nos dias
de hoje. Como conclui Schorske (2000), a cidade é a entidade social
mais visivelmente afetada pelo processo de transição para a
modernidade, logo, a cidade também é campo privilegiado para
entendermos o próprio fenômeno da modernidade. Segundo Marx e
Engels (1998, p. 16) a revolução burguesa que conduziu ao capitalismo
redefiniu o papel da cidade na sociedade. A burguesia subjugou o país
às leis das cidades, tornou os países dependentes das cidades, ou seja, a
cidade é o grande palco da modernidade capitalista.
Foi no século XIX em que começa a ficar clara a nova paisagem
urbana na qual tem lugar a vida moderna. Entretanto, teria sido
Rousseau (1712-1778), segundo Berman (1986), o primeiro a usar a
palavra “moderniste” no sentido em que os séculos XIX e XX a usaram.
Berman (1986) define inicialmente o fenômeno da modernidade
como um conjunto de experiências e encontra nesse processo três fases
de realização no mundo europeu:
- Século XVI até XVIII. Experimentando a vida moderna.
- 1790: Revolução Francesa. Mundo moderno, mas não por inteiro.
- Século XX. Expansão global em uma “uma multidão de fragmentos”.
Em Florianópolis, percebemos que o sentido da modernidade se
expressa de maneira diferente ao longo do eixo da história, a cada
momento causando “efeitos” especiais para a região central. Podem ser
identificados três períodos desta transição - que ainda está em processo:
- Final do século XIX até década de 20 (momento anterior). Uma época
de “pré-modernidade” que emerge do capital comercial e industrial
(ainda que depois se mostrasse incipiente) e por força de personalidades
políticas. Seu palco é a área do centro
- Os anos 50/60 (grande transição). A modernidade se concretiza como
projeto de sociedade. Seu palco é o centro, mas começa a escapar por
eixos, notadamente o norte da ilha, comandada por agentes frutos de
alianças político-empresariais. Neste período ocorre a transição para o
57
Diálogo de Alain Moreau, um cantor romântico interpretado por Gérard Depardieu no filme
“Quand j'étais chanteur”, de Xavier Giannoli, Europa Filmes, 2006.
106
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capitalismo que vem sendo preparada desde o final do século XIX, que
representa a passagem de uma cidade que se transforma em tempo lento,
para uma cidade que se modifica em tempo rápido, fruto da
consolidação das relações capitalistas na sociedade.
- Os anos 90 e o período atual (momento posterior). A partir dos anos
70 começa a ocorrer um fenômeno de exclusão do centro do processo de
modernização de Florianópolis, que vai culminar nos anos 90. Um novo
projeto de cidade é posto em prática, desta vez aparecendo como atores
capitais extra-locais associados aos locais e o capital turístico-
imobiliário tenta se sobrepor ao comercial.
Para Bolle (2000, p. 24) a modernidade é a expressão artística e
intelectual da modernização, um processo histórico contraditório,
inacabado e mal resolvido. Além disso, Schorske (2000) chama atenção
para que a modernidade não é somente a antítese do antigo, mas um
conceito que serve para diferenciar nossas vidas, nosso tempo, de tudo
que os precedeu.
Porém, uma conceituação mais precisa do fenômeno da
modernidade vamos encontrar na obra de Marshal Berman, que a trata
como uma totalidade formada por duas esferas principais inseparáveis: a
da modernização e a do modernismo.
Segundo Berman (2001), o grande teórico da esfera da
modernização foi Karl Marx. O Manifesto Comunista, por exemplo,
expõe claramente a visão de Marx e Engels sobre a modernidade; não é
à toa que Berman adota uma frase deste livro para intitular sua célebre
obra: tudo que é sólido desmancha no ar:
“A revolução constante da produção, os
distúrbios ininterruptos de todas as condições
sociais, as incertezas e agitações permanentes
distinguiram a época burguesa de todas as
anteriores. Todas as relações firmes, sólidas, com
sua série de preconceitos e opiniões antigas e
veneráveis foram varridas, todas as novas
tornaram-se antigas antes que pudessem
ossificar. Tudo que é sólido desmanda-se no ar,
tudo que é sagrado é profano, e os homens são
por fim compelidos a enfrentar de modo sensato
suas condições reais de vida e suas relações com
seus semelhantes” (Marx e Engels, 1998, p. 14).
107
107
Já os grandes pensadores da esfera do modernismo (arte, cultura
e sensibilidade) são representados pela “Geração de 1840”: Baudelaire,
Flaubert, Wagner, Kierkegaard, Dostoievski...
Ao se estudar a cidade de Florianópolis, uma questão seria,
portanto, qual a relação entre a cultura modernista e a sociedade e a
economia burguesas o mundo da modernização - na formação da
cidade moderna. É importante ressaltar que esta relação está presente
nestes escritos pioneiros sobre a modernidade, ou seja, nos pensadores
do século XIX os conceitos de modernização e modernismo, mesmo
quando um se sobressalta ao outro, aparecem unidos dialeticamente para
formar a idéia da modernidade.
Na obra de Engels, por exemplo, principalmente na “Situação
da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845)”, percebe-se a fusão
marxismo-modernismo, ou modernização-modernismo. Essa fusão
também está presente na obras das vanguardas dos anos 20/30/40
(surrealistas, expressionistas, futuristas, dadaístas e construtivistas) e
dos anos 60 (situacionistas e várias outras iniciativas radicais em Praga,
Paris e nos EUA) - ambos os momentos muito inspirados na “Geração
de 1840” (BERMAN, 2001).
Em Florianópolis, esta relação é clara e inevitável quando
pensamos, por exemplo, que o nosso movimento modernista iniciou-se
nos anos 50-60 com o Grupo Sul, justamente a época em que se tornou
decisiva a transição da cidade para o capitalismo, enquanto o
movimento modernista brasileiro em geral é identificado com os anos
20-30:
“Imagine-se viver numa cidade como
Florianópolis, há 30 anos, com uma população
ultraconservadora e provinciana não
ultrapassando a casa dos 80 mil habitantes.
Naquele tempo ainda havia carrinhos-de-cavalo,
os carrões dos playboys, o Miramar, o porto e
uns poucos arranha-céus. As moças ainda faziam
o 'footing' em torno da Praça 15 e usavam
vestidos que lhes escondiam os joelhos. Rapazes
e senhores envergavam seus ternos de linho,
usados de preferência com uma camisa branca e
com uma gravata preta, fininha capazes de
causas 'ohs' de admiração nas moças. A cidade
era pacata e, até, recatada: parecia parada no
tempo, avessa a mudanças.
108
108
Esta seria, é claro, a primeira impressão de algum
incauto observador que enxergasse apenas a
superfície da cidade. Sim, pois nem tudo era
pacato e nem tudo cheirava a atraso e monotonia:
havia o Grupo Sul e uma inquietação anormal.
Havia o Sul, um grupo que, em fins da década de
1940, empurrara o ranço parnasiano da Ilha para
o purgatório, trazendo, para a antiga
“Exiliópolis” do século 19, um movimento que
transformara a arte e a cultura brasileira no
princípio do século (20): o modernismo” (Jornal
da Semana, 1980 Entrevista com Eglê
Malheros).
Walter Benjamin, outra grande inspiração para Berman,
também pensou a modernidade como uma totalidade (modernização e
modernismo). Ao abordar o surgimento das grandes Exposições
Universais do século XIX, Benjamin explica como estas exposições,
inicialmente criadas para entreter os trabalhadores, transformaram seu
público em “consumidores de mercadoriase tornaram-se um centro de
peregrinação ao fetiche. O universo destas Exposições Universais foi
criado a partir de um processo de modernização representada pela
expansão da indústria (SILVA, 2009), como veremos no capítulo a
seguir.
Novamente fazendo a ligação entre estes dois termos
inseparáveis, modernização e modernismo, Benjamin traça o caminho
da obra de arte até sua transformação em mercadoria através do estudo
dos Panoramas, que tem seu surgimento ligado às Exposições
Universais:
“O autor percebe que a expansão da indústria
favorece a emancipação da arquitetura sobre a
arte, assim como, a pintura também se emancipa
da arte através dos panoramas: os panoramas
anunciam uma revolução no relacionamento da
arte com a técnica e são, ao mesmo tempo, a
expressão de um novo sentimento de vida. Do
lado dos panoramas surge também uma literatura
panorâmica. O surgimento desses novos tipos de
arte, o panorama que origem posteriormente a
fotografia, estão intimamente ligado ao
surgimento das galerias, os centros comerciais de
109
109
mercadorias de luxo, e agora também dos objetos
de arte” (Silva, 2009, p. 6).
Por exemplos como estes, acreditamos que é preciso ter em
mente que a análise do modernismo é inseparável da análise da
modernização, ou seja, compreender que acima de tudo a transição para
a modernidade representa a entrada da sociedade no mundo capitalista.
Transição para a modernidade e transição para o capitalismo são
sinônimos, visto que esta última não representa apenas uma virada
econômica, mas envolve transformações profundas na sociedade como
um todo, na política, na cultura, nas artes, no pensamento.
1.1 - A contradição da vida moderna
Na obra literária de Charles Baudelaire, a cena moderna
primordial era o pedestre lançado no turbilhão do tráfego da cidade
moderna(Berman, 1986, p. 154). Citamos aqui o emblemático poema
em prosa do “Spleen de Paris”, publicado postumamente em 1869, em
que transparece a sensação de Baudelaire (2009, p. 69) ao viver a
modernidade nas ruas:
“AS MASSAS
Não é dado a qualquer um tomar banho de
multidão. Desfrutar da massa é uma arte e só
poderá fazer, às custas do gênero humano, uma
orgia de vitalidade, aquele a quem uma fada terá
insuflado no berço o gosto pelo disfarce e a
máscara, o ódio do domicílio e a paixão pela
viagem.
Multidão, solidão: termos iguais e
permutáveis, para o poeta ativo e fecundo. Quem
não sabe povoar sua solidão tampouco sabe estar
só em meio a uma massa azafamada.
[...]
O andarilho solitário e pensativo tira uma
embriaguez singular desta universal comunhão.
Quem desposa facilmente a massa conhece gozos
febris, dos quais serão eternamente privados o
egoísta, trancado como um cofre, e o preguiçoso,
internado como um molusco. Ele adota como
110
110
suas todas as profissões, todas as alegrias e todas
as misérias que a circunstância lhe apresenta.
O que os homens denominam amor é bem
pequeno, restrito e frágil, se comparado a esta
inefável orgia, a esta santa prostituição da alma
que se por inteiro, poesia e caridade, ao
improviso que se mostra, ao desconhecido que
passa”.
O próprio Baudelaire, em carta ao amigo Arsène Houssaye,
conta que seus poemas em prosa objetivavam descrever a vida
moderna”, e sua motivação para escrever nasceu da frequentação das
cidades imensas, do cruzamento de suas inumeráveis relações
(Baudelaire, 2009, p. 29). Interessante perceber como essa percepção da
contradição dialética multidão-solidão tão presente na obra de
Baudelaire é também descrita em uma experiência que Engels teve em
Londres por volta de 1840:
“Até mesmo a multidão que se movimenta pelas
ruas tem qualquer coisa de repugnante, que
revolta a natureza humana. Esses milhares de
indivíduos, de todos os lugares e todas as classes,
que se apressam e se empurram, não serão todos
eles seres humanos com as mesmas qualidades e
capacidades e com o mesmo desejo de serem
felizes? E não deverão todos eles, enfim,
procurar a felicidade pelos mesmos caminhos e
com os mesmos meios? Entretanto, essas pessoas
se cruzam como se nada tivessem em comum,
como se nada tivessem a realizar uma com a
outra e entre elas só existe o tácito acordo pelo
qual cada um só utiliza uma parte do passeio para
que as duas correntes da multidão que caminham
em direções opostas não impeçam seu
movimento mútuo e ninguém pensa em
conceder ao outro sequer um olhar. Essa
indiferença brutal, esse insensível isolamento de
cada um no terreno de seu interesse pessoal é
tanto mais repugnante e chocante quanto maior é
o número desses indivíduos confinados nesse
espaço limitado; e mesmo que saibamos que esse
isolamento do indivíduo, esse mesquinho
egoísmo, constitui em toda parte o princípio
111
111
fundamental da nossa sociedade moderna, em
nenhum lugar ele se manifesta de modo tão
repugnante e claro como na confusão da grande
cidade” (Engels, 2008, p. 68).
Porém, claramente a modernidade que vivemos hoje em dia é
muito diferente e em certos termos até nega a “modernidade de
Baudelaire”. Como nos fala Berman, se pensarmos nas estruturas
urbanas implementadas a partir dos anos 50 em várias partes do mundo,
seria difícil de ali se imaginar os fantásticos encontros descritos por
Baudelaire na cidade moderna do século XIX. Aliás, estes novos
espaços parecem ser criados, estranhamente, para evitar estes encontros:
“O signo distintivo do urbanismo oitocentista foi
o bulevar, uma maneira de reunir explosivas
formas materiais e humanas; o traço marcante do
urbanismo do século XX tem sido a rodovia, uma
forma de manter separadas essas mesmas forças.
Deparamo-nos aqui com uma estranha dialética,
em que um tipo de modernismo ao mesmo tempo
encontra energia e se exaure a si mesmo,
tentando aniquilar o outro, tudo em nome do
modernismo” (Berman, 1986, 159).
Tomando como marco a Guerra Mundial, Berman (1986)
coloca que a partir daí a expressão da modernidade caiu na dualidade
entre modernismo (espírito) e modernização (material), justamente nesta
época em que é fato marcante a “fusão de forças materiais e espirituais,
a interdependência entre o indivíduo e o ambiente moderno(1986, p.
129).
Citando sua experiência particular, pois no bairro onde viveu
sua juventude, o Bronx de Nova York, as ruas passaram de
passivamente abandonas à ativamente destruídas, Berman nos expõe que
o movimento moderno do pós-guerra marchou contra uma das principais
fantasias modernas: a rua. Inclusive, foi esta contradição que o motivou
a pensar sobre a ambigüidade da vida moderna, como ele próprio
explica (2001, p. 184):
“O South Bronx da minha juventude, um gueto
cheio de árvores e ar fresco habitado pela
segunda geração de uma leva de imigrantes,
celebrado como um ambiente ultramoderno nos
112
112
anos 20 e 30, foi considerado como obsoleto pelo
capital nos anos 60”.
A maior parte dos investimentos urbanos das cidades modernas
do pós-guerra foram destinados às auto-pistas, estreitamente ligadas à
outras estruturas como por exemplo a dos shoppings. Em poucas
décadas, a rua, que sempre servira à expressão da modernidade
dinâmica e progressista, nas palavras de Berman (1986, p. 301) passa
agora a simbolizar “tudo que havia de encardido, desordenado, apático,
estagnado, gasto e obsoleto tudo aquilo que o dinamismo e o
progresso deviam deixar para trás.
Esta contradição podemos observar também em Florianópolis,
onde o processo de modernização acelerado nos anos 70 e culminante
nos anos 90 (a modernidade das vias expressas) nega o espaço do centro
tradicional, palco da modernidade da fase anterior (a modernidade da
Ponte e do Boulevard Hercílio Luz). A partir de então, o centro passou a
ser identificado como o lugar de tudo que há de contrário aos valores do
“bem viver” dos novos investidores imobiliários da ilha: insegurança,
barulho, sujeira e o transito problemático se contrapõe à segurança,
tranqüilidade, planejamento e às amenidades dos novos condomínios
residenciais; até a exposição ao sol e às chuvas é desvalorizada em
contraposição ao “conforto climático” dos shoppings. Resta desvendar e
entender os valores que motivaram tal reviravolta, como investigaremos
nos capítulos seguintes.
Esta pesquisa sobre o centro de Florianópolis tem como pano de
fundo esta desconcertante contradição salientada por Berman (1986, p.
301), e que havia sido desvendada por Jane Jacobs (2009) nos anos
60, de que o movimento moderno do pós-guerra (no caso desta cidade,
isso se deu a partir dos anos 70) impulsionou uma onerosa renovação
das estruturas urbanas cujo resultado paradoxal foi a destruição do
único tipo de ambiente na qual os valores modernos podem ser
realizados”, e acrescenta:
“O corolário prático de tudo isso (que à primeira
vista pode parecer paradoxal, mas na verdade faz
pleno sentido) é que na nossa vida urbana, em
benefício do moderno, precisamos preservar o
velho e resistir ao novo. Com tal dialética, o
modernismo assume uma nova complexidade e
profundidade” (Berman, 1986, 301).
113
113
Foram principalmente nos centros das cidades onde restaram
estes velhos espaços (das ruas cheias de olhosde Jane Jacobs, 2009,
ou os boulevards povoados pela cada vez mais tímida “família de olhos
de Baudelaire, 2009) que ainda hoje alimentam os “antigos” valores
modernos. No centro de Florianópolis, perseguindo detalhes
aparentemente irrelevantes, desmascaram-se feições desta “antiga
modernidade” que brinca de esconder com a “nova época” moderna da
cidade.
Nos capítulos seguintes nos esforçaremos para desvendar a
longa transição para a modernidade em Florianópolis, que teve seu
ponto alto na escala da cidade nos anos 60. Como o centro se relaciona
neste processo? Porque, com quais valores, como, a partir dos anos 70, o
centro passou a ser excluído do processo de modernização da cidade?
Poderíamos dizer que este novo processo inaugura uma modernidade
sem modernismo, ou seja, uma modernização alheia aos valores sociais
e políticos da modernidade? Uma modernização sem sensibilidade
moderna?
Benjamin nos fala de como o fenômeno da modernidade tenta
apagar nossas memórias: um critério para decidir se a cidade é
moderna: a ausência de memórias (apud Buck-Mors, 2002, p. 129).
Mas, neste mundo moderno dinâmico e efêmero tal como Benjamin e
Berman o descreveram, de onde as formas e as relações presentes no
centro tradicional tiram força para se manter?
“E, no entanto, a verdade tal como Marx a
percebe, é que tudo é construído para ser
demolido. „Tudo que é sólido‟ desde as roupas
que nos vestem até os teares e as fiações que as
fabricam, os homens e as mulheres que operam
as máquinas, as casas e os bairros em que os
trabalhadores moram, as firmas e as corporações
que exploram os trabalhadores, os distritos, as
cidades, as regiões inteiras e até as nações que
abarcam eles todos -, tudo é feito para ser
quebrado amanhã, para ser despedaçado,
esmigalhado, pulverizado ou dissolvido, para
poder ser reciclado ou substituído na semana que
vem, e todo o processo poder seguir, espera-se
que para sempre, de formas cada vez mais
lucrativas” (Berman, 2001, p. 130).
114
114
Nesta fase do capitalismo exigente por novas formas e novas
configurações territoriais porque estas antigas formas se mantêm? Elas
realmente resistem ou foram simplesmente esquecidas?
Um dos motivos para esta desvalorização do centro tradicional
pode ser explicado com base na teoria de desenvolvimento desigual e
combinado de Trotsky, como observa Gottdiener (1997) sobre o
processo de incorporação capitalista do espaço:
“[...] a zona de transição é, na verdade, um caso
de um fenômeno que Harvey (1976) chama de
desvalorização do ambiente construído,
considerada parte necessária do processo
capitalista de crescimento urbano. Isto é, junto
com o crescimento emerge uma produção interna
de desenvolvimento desigual nos padrões
espaciais do ambiente construído”.
Ou seja, para algum lugar se valorizar (neste caso
primeiramente o eixo norte da ilha, incluindo a parte norte da região
central da cidade) outros precisam ser desvalorizados (o centro
tradicional). Porém, o centro, um lugar de grande importância histórica e
política, além de econômica, para a cidade, não está assim tão disposto
ao movimento do mercado para ser valorizado (ou desvalorizado). O
que parece ocorrer, é que o movimento atual do capital, comandado pela
indústria da construção e do turismo na cidade, simplesmente não
consegue se apropriar do centro. O turismo lançou para a cidade uma
proposta de consenso (homogeneidade) que, contudo, não consegue
converter o centro tradicional. E não é pelo fato deste espaço parecer aos
olhos de hoje uma paisagem velha e deteriorada que perdeu sua força
política. Nessa resistência à incorporação ao movimento moderno do
capital da Ilha de Santa Catarina, é a vivacidade do centro que se impõe.
Milton Santos entende que o mundo globalizado só existe como
metáfora, pois o espaço é formado por uma mediação entre a razão
local” e a “razão global” que é feita primeiramente pela formação social
nacional segundo cada momento histórico. Também com base no
conceito de desenvolvimento desigual e combinado conclui:
“Num dado momento, o „Mundo‟ escolhe alguns
lugares e rejeita outros e, nesse movimento,
modifica o conjunto dos lugares, o espaço como
115
115
um todo. É o lugar que oferece ao movimento do
mundo a possibilidade de sua realização mais
eficaz. Para se tornar espaço, o Mundo depende
das virtualidades do Lugar" (Santos, 1996, p.
271).
De fato, como escreve Benjamin (2006, p. 908) no Passagem-
werk, o moderno é a dialética do novo em conexão com àquilo que
sempre esteve lá”. Ao contrário do que tentam nos fazer acreditar os
teóricos da globalização, os espaços não caminham para a
homogeneidade total. Como bem explicou Milton Santos (1996),
existem cada vez mais lugares de resistência inspiradas na “velha
modernidade” dos autores do século XIX e nas vanguardas dos anos 60,
que faziam da realidade a fonte para seus estudos e práticas porém
esforçando-se para nunca perder de vista a fantasia tal qual o grito
situacionista que dizia que enquanto o capitalismo exige novas formas,
devemos pensar em novas situações
58
para as formas existentes
(INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2003).
Em cada período da história desenham-se formas de
apropriação diferentes do espaço do centro, as cidades antigas se
sobrepõem formando lugares cheios de tempo. Este movimento contra-
hegemônico do centro de Florianópolis que estamos tratando, representa
de certa forma uma tensão entre o local e o global, entendendo que estas
duas dimensões têm suas faces interna e externa, como conduz o
raciocínio dialético de Ignácio Rangel (2005, p. 286):
“Meus estudos levaram-me a conclusão de que
nossa peculiaridade por excelência é a dualidade,
no sentido que atribuo a esse termo, isto é, o fato
de que todos os nossos institutos, todas as nossa
categorias o latifúndio, a indústria, o comércio,
o capital, o trabalho e nossa própria economia
nacional são mistos, têm dupla natureza, e se
nos configuram coisas diversas de vistos do
interior ou do exterior, respectivamente”.
58
Como conclui Benjamin (1997, p. 148): “A arquitetura é porosa como essas rochas.
Construção e ação se entrelaçam uma à outra em pátios, arcadas e escadas. Em todos os lugares
se preservam espaços capazes de se tornar cenários de novas e inéditas constelações de
eventos. Evita-se cunhar o definitivo. Nenhuma situação aparece, como é, destinada para todo
o sempre; nenhuma forma declara e seu „desta maneira e não de outra‟.”
116
116
Por isso, em se tratando de um estudo sobre a modernidade,
procuramos nesta pesquisa retomar um pouco do espírito dos
modernistas do século XIX que, como conseqüência da contradição
própria a qualquer processo de transição, tinham uma visão dupla e
aberta da modernidade, eram simultaneamente entusiastas e inimigos da
vida moderna, semelhantemente ao que expõe esta observação sobre a
visão de Benjamin:
“Seu coração e sua sensibilidade o
encaminharam de maneira irresistível para as
luzes brilhantes da cidade, as belas mulheres, a
moda, o luxo, seu jogo de superfícies
deslumbrantes e cenas grandiosas; enquanto isso,
sua consciência marxista esforçou-se por mantê-
lo a distância dessas tentações, mostrou-lhe que
todo esse mundo luminoso é decadente, oco,
viciado, espiritualmente vazio, opressivo em
relação ao proletariado, condenado pela história”
(Berman, 1986, 142).
Isto para tentar revelar este centro que não se deixa modelar
pelo atual movimento do capital turístico-imobiliário da cidade de
Florianópolis, mas que também não pode desejar voltar aos seus tempos
gloriosos do início do século XX.
Em uma passagem pelo centro tradicional de Florianópolis,
encontramos vários elementos de um espaço desleixado para o turismo,
desagradável para os acostumados aos acépticos espaços do lazer
moderno, uma cidade despreparada em parecer perfeita: mendigos,
moscas, pombos, sujeira. Ambulantes que gritam, crianças que choram,
cachorros vira-lata machucados a procura de comida. Correria, barulho,
poças de água em dias de chuva. Buzinas, sorrisos, xingamentos, vida.
Este é o centro que descobrimos nesta pesquisa, que é uma
tentativa de conhecê-lo e explicá-lo.
117
117
2 - Anos 20: anunciação da modernidade
“De todos os prédios, os que mais gosto são as ruínas.
É a ruína que dá sentido à cidade”
Paulo Leminsky
59
Em 1951, em um artigo publicado na Revista da Associação
Filatélica de Florianópolis (p. 13), Peluso Junior constata:
“Após a construção da ponte Hercílio Luz, o
geógrafo, que trata de Florianópolis, parece
referir-se a outra cidade, que não aquela de que
trataram os escritores que até então a
descreveram”.
Podemos considerar este como o grande marco urbanístico
deste novo período em que a sociedade de Florianópolis e da região
entram a partir das décadas de 1920 e 1930. Andrade (1978) aponta a
construção da Ponte Hercílio Luz - iniciada em 1922 e inaugurada em
1926, dois anos após a morte de seu idealizado (Figura 16) também
como um marco do desenvolvimento econômico da Ilha de Santa
Catarina.
A idéia da construção de uma ponte para unir a ilha ao
continente é antiga, presente nos relatos de muitos dos governadores da
província. Mas somente nos anos 20, com a chegada do automóvel é que
esta se tornou “materializável”. Segundo Peluso Junior (1951, p. 13):
“A idéia de construção de uma ponte era mais
antiga, porém não se impunha com a força que
possui após o aparecimento do automóvel e do
caminhão. Antes, somente a elite mais
esclarecida podia aspirar a esse melhoramento;
depois que abriram estradas, e os resfolegantes
motores a gasolina encurtaram as distâncias, a
necessidade da ponte sobre o estreito era sentida
por todos”.
59
Publicado no Jornal de Curitiba. Citado por Coelho, 1997, p. 21.
118
118
Figura 16 - Réplica da Ponte Hercílio Luz, 1924.
Construída em madeira próximo ao Miramar para que Hercílio Luz
inaugurasse simbolicamente, pois, estava muito doente. Esse curioso fato
aconteceu 12 dias antes da morte do governador ocorrida em 20 de outubro
de 1924. Após sua conclusão a ponte foi inaugurada oficialmente em 13 de
maior de 1926.
Fonte: Acervo Fotográfico Édio R. Mello.
Apesar da necessidade da ponte começar a ser absolutamente
sentida, o caixa do Estado não tinha sequer 1/5 do valor necessário para
sua construção. Também haviam as dificuldades de ordem técnica,
como expõe o relatório do governador Hercílio Luz:
“É pensamento do Governo resolver a questão da
passagem do Estreito, afim de facilitar as
comunicações entre o Continente e a Ilha,
permitindo ao mesmo tempo que o transporte dos
productos da lavoura dos municípios vizinhos,
que abastecem a capital, seja intensificado.
A solução do problema não é tão fácil como
poderá parecer à primeira vista, pois, ao lado de
questões de ordem econômica, outras de
ordem technica, que até hoje não foram
estudadas com a minúcia que o problema requer.
119
119
As dificuldades decorrentes da guerra, na parte
relativa á confecção de peças metallicas, muito
contribuem para dificultar a resolução immediata
deste melhoramento que, incontestavelmente,
seria um forte elemento de progresso.
Cumpre, porém, notar que o Governo não recua
em presença das dificuldades apontadas e, com o
fim de melhor estudar e resolver a questão,
tem iniciados os estudos das zonas onde se julga
mais conveniente firmar os encontros da ponte
metallica” (Estado de Santa Catarina. Mensagem
de Hercílio Pedro da Luz, 22 de julho de 1919, p.
62).
O montante foi conseguido através de empréstimo de capital
estrangeiro, no valor aproximado de 5 milhões de dólares. Silva
complementa que (1951, p. 8):
“Esse empréstimo, entretanto, não foi somente
aplicado na construção da ponte, mas também
nas obras do saneamento da Capital e,
conseqüentemente, na construção do canal,
retificado em vários pontos, na abertura da
Avenida do Saneamento, depois denominada
“Avenida Hercílio Luz”. A construção dessa
grande artéria determinou a recuperação de
grande área, antes internamente inundada pelos
temporais e onde a malária era endêmica”.
A ponte proporcionou mais mobilidade para a população, o que
contribui para a valorização do centro da cidade (isso somado às
reformas sanitaristas em várias áreas centrais, como veremos a seguir),
consequentemente fazendo com que as classes populares fossem
deixando partes desta área e ocupando as periferias (morros e cidades
vizinhas). Com a valorização do solo do centro da cidade, operários e
outros assalariados procuraram terras em lugares mais distantes.
Inaugurada em 1926, teve papel central durante os conflitos da
Revolução de 30, atestando ainda mais sua importância para aquele
período. Durante a revolução, o assoalho de madeira da cabeceira
continental foi retirado para impedir a entrada de tropas revolucionárias
na ilha. Segundo Coelho (1997, p. 67):
120
120
“A Ponte Hercílio Luz foi o palco da guerra na
Revolução de 1930, quando serviu de barreira
física por se tratar da única ligação viária Ilha-
Continente na época. Foram cavadas trincheiras
em sua cabeceira insular, trançados fios de arame
farpado, e arrancados 30 metros de assoalho na
tentativa de impedir a passagem das tropas. A
cidade estava um caos. A energia elétrica da
cidade, fornecida a partir do continente, foi
cortada pelos revolucionários, não havia mais
suprimentos nos armazéns. Aviões sobrevoavam
a cidade distribuindo panfletos em busca de
adesão, o que aumentava ainda mais o pânico.
Em meio aos bombardeios e combates das tropas,
grande parte da população se isolou no interior
da ilha”.
Com a ponte, o intercambio regional de mercadorias também
foi facilitado:
“Os problemas de abastecimento da capital, com
gêneros alimentícios e outras mercadorias, e o
transporte entre a Ilha e o Continente, por meio
de balsas de duvidosa qualidade e, acima de tudo,
a chegada da era automobilística em Santa
Catarina, militavam uma solução maior do que
simples melhoramentos nos serviços de balsas e
acordos com outros grandes homens. Uma
solução que surgiu foi a construção de uma
ponte, e o homem que empurrou o projeto da
referida ponte foi Hercílio Pedro da Luz”
(Andrade, 1978, p. 38).
A partir de sua construção, crescem os vínculos e a influência
da capital sobre o continente imediato e sobre a rede urbana estadual em
geral
60
. Tanto que, em 1945, o bairro Estreito é anexado a capital
61
.
60
“A ponte Hercílio Luz é um grande melhoramento material, que beneficia
extraordinariamente a vida da Capital do Estado, como já se verifica no curto espaço de tempo
subseqüente á inauguração” (Estado de Santa Catarina. Mensagem de Antonio Vicente Bulcão
Vianna, 21 de agosto de 1926, p. 9).
61
Segundo Melo (1991), no ano de 1943 o governo estadual constituiu uma comissão para
revisar a configuração territorial do estado. Nesta constatou-se a inferioridade de Florianópolis
frente as outras capitais nacionais, a ligação íntima do distrito de João Pessoa, representados
por Estreito e Coqueiros, com a Ilha de Santa Catarina mais que com São José e o descaso de
121
121
“Ao mesmo tempo em que se expandia a
população urbana, crescia também a influência
da cidade sobre os agrupamentos situados
próximos a ela, e sobre a zona rural do
continente. A zona rural passou, da condição de
fornecedora de gêneros alimentícios,
apresentados em feiras semanais, à mantenedora
de sítios que produziam verduras, transportadas
diariamente para o mercado” (Andrade, 1978, p.
118).
Mesmo assim, persistiram por algumas décadas os rumores da
mudança da capital estadual para o planalto, rumores estes que, segundo
Peluso Junior (1947), vêm desde o século XVIII, quando a idéia era
transferir a sede da capitania para o continente. O curioso é que o
mandante do projeto datado de 1920 para construção da nova capital nas
margens do Rio Canoas foi Hercílio Luz, o mesmo que idealizou e
construiu a ponte que viria a reafirmar a condição de capital para
Florianópolis.
Florianópolis, após confirmar definitivamente seu posto de
capital estadual, até então ameaçado em virtude das dificuldades de
acesso, passa a crescer em ritmo mais acelerado que os municípios
vizinhos. O centro de Florianópolis começa então a se apresentar nos
anos 20 como centro regional do que posteriormente, com a construção
da BR 101
62
nos anos 50-60, veio a se configurar como a “Região
Metropolitana da Grande Florianópolis”. Como explica Peluso Junior
(1951, p. 15):
“A ponte Hercílio Luz fez desaparecer a
baldeação de produtos coloniais, que se
realizavam em Palhoça e São José. Os caminhões
de comerciantes das colônias agrícolas vêm
diretamente à capital, suprimindo os
intermediários, os hotéis e todo o movimento que
nessas cidades estavam ligados a esse comércio.
A própria população urbana não recorre às casas
São José com este distrito. Por tudo isso se conclui que a anexação da parte continental a ilha
seria positiva.
62
A partir da construção da BR 101, começa a se configurar a região chamada de grande
Florianópolis, que representa a área de influencia econômica da capital, sendo composta pelos
municípios de Palhoça, Biguaçú, Santo Amaro da Imperatriz e Paulo Lopes.
122
122
comerciais locais, preferindo realizar suas
compras em Florianópolis. A estrada que liga a
capital à São José vai sendo ocupada por
operários que trabalham na ilha, e em São José
e Palhoça são numerosas as famílias que vivem
de trabalhos executados na capital”.
A construção da ponte alterou a paisagem urbana e o
funcionamento da cidade. Antes disso, o Morro do Wenceslau
(cabeceira da ponte) era uma área extremamente desvalorizada próxima
ao centro da cidade. Nas suas proximidades localizavam-se o cemitério,
fábricas, vilas operárias e depósito de lixo municipal. Logo o cemitério
tornou-se absurdo em tal lugar, que era entrada da cidade, e foi
transferido para o Itacorubi, demonstrando a incorporação desta área ao
perímetro urbano central. A Alameda Adolfo Konder foi construída para
embelezar este espaço, aproveitando as ruínas do antigo forte Santana;
um jardim também foi criado.
A ponte alterou também o traçado urbano da cidade. Em
Florianópolis e principalmente no Estreito, este passa a se orientar para
as vias terrestres de ligação com a ponte. No continente, as ruas que
conduzem à ponte tornaram-se os principais eixos de expansão urbana.
Segundo Peluso Junior (1951), em virtude do adensamento
populacional (anos 20/30) os bairros de veraneio (a exemplo de
Coqueiros, no continente) se transformaram em zonas de habitação
permanente, e as linhas de ônibus aos poucos foram alcançando estes
lugares
63
. Nesta época o centro de Florianópolis era passagem
obrigatória para qualquer localidade onde se desejava chegar:
“O transporte coletivo era executado por
empresas independentes que estavam
centralizadas na área comercial, de onde se
dirigiam para os diversos bairros. Não existiam
ligações diretas entre os bairros, portanto se um
passageiro quisesse deslocar-se de um bairro para
outro deveria passar pelo centro da cidade”
(Andrade, 1978, p. 125).
63
Além disso, o mesmo autor nos explica que: “Devido à sua posição na pequena península
entre o Morro do Antão e o mar, na Ilha se Santa Catarina, que não oferece espaço para
expansão, cresceu no continente, sobre os municípios vizinhos. São José, Biguaçú e Palhoça
que na década de 1950-1960 tiveram respectivamente, crescimentos médios anuais a taxas de
2,79%, 2,15% e 3,39%, registraram de 1960 a 1970, as taxas de 17,17%, 10,26% e 11,44%,
passando a subúrbios da capital” (1979, p. 163).
123
123
Antes da construção, as principais ruas comerciais do centro de
Florianópolis eram a Conselheiro Mafra e a João Pinto, esta última na
parte leste do centro antigo. Depois, a Rua Felipe Schimidt (Figura 17)
é alargada e passa a ser a principal via de acesso para o continente,
atraindo o comércio e grande fluxo diário de pessoas
64
. A Avenida Rio
Branco (construída em 1900), também é posteriormente alargada para
escoar este movimento de entrada na cidade.
Segundo Coelho (1997) o centro tradicional da cidade, além de
lugar privilegiado para a troca de experiências, é também um lugar cheio
de memória, impregnado de passado. A ponte Hercílio Luz na paisagem
da cidade é traço de um novo cenário técnico e cultural que aparece em
Florianópolis nos anos 20 e que estava em consonância com o
movimento moderno mundial.
Figura 17 - Paisagem do centro no final da década de 1950.
-se o edifício do Hotel Laporta, os trapiches, o mercado e, ao fundo, a
ponte. Percebe-se o movimento da artéria principal da época, a Rua Felipe
Schimidt e início do processo de verticalização do centro com edifícios de 8
e 10 andares.
Fonte: Acervo Fotográfico Édio R. Mello.
64
Esta condição é reforçada quando da transferência do Terminal Urbano antigamente
localizado na parte leste para o oeste, em frente ao novo Mercado Público, no final dos anos
90.
124
124
2.1 - A ponte e o cenário da modernidade
No Brasil, as primeiras construções em ferro datam do inicio do
século XX, sendo principalmente representadas por mercados públicos e
estações. No início toda matéria-prima vinha da Grã-Bretanha, pois o
país não possuía indústrias de Base.
Segundo Araújo (1989), a ponte é o monumento máximo que
representa o empenho e os anseios pela instalação de uma modernidade
burguesa em Florianópolis. Tal como Benjamin (2006), que identificou
esse monumento com as passagens parisienses, em Florianópolis temos
a ponte Hercílio Luz, uma passagem entre a ilha e o continente.
Benjamin (2006) nos fala também de como as passagens
(arcadas, ruas transformadas em galerias a partir do século XIX, com
uma cobertura estruturada em ferro e vidro) serviam de moldura para as
mercadorias, envolvendo-as com uma alegoria (Figura 18). Por isso, as
passagens contribuíram para o processo de fetichização da mercadoria,
ou seja, para que, a partir da modernidade, o valor de uso das
mercadorias fosse colocado em segundo plano.
Figura 18 - Uma passagem parisiense, século XIX.
Fonte: www.wbenjamin.org Acesso em setembro de 2009.
125
125
Na modernidade, as próprias construções urbanísticas passaram
a ser vistas como obras de arte: o interior da casa burguesa sai às ruas,
está nas passagens, no luxo dos cafés (BENJAMIN, 1997).
Ironicamente, nos relatórios dos governadores de Santa Catarina do
início do século XX, no mesmo contexto da época em que a ponte foi
construída, estradas, pontes e edifícios eram chamados de “obras de
arte”:
“As obras de arte, projetadas dentro de maior
rigor técnico, orientam-se no sentido da
padronização dos tipos, visando economia de
tempo despesas. [...] A intensificação do
movimento nas nossas principais rodovias tem
forçado a reconstrução imediata de inúmeras
obras de arte, visto que as primitivas haviam sido
calculadas para o tráfego de carretas e não para
caminhões com toneladas de peso. As obras mais
importantes tem sido executadas em concreto
armado, bem assim a infra-estrutura das demais,
o que, quanto a estas e quando conveniente,
permitirá a substituição, por material mais
resistente e durável, da respectiva super
estrutura” (Estado de Santa Catarina. Mensagem
apresentada á Assembléia Legislativa de Santa
Catarina em 16 de Julho de 1937 pelo
Governador Nereu Ramos).
A Hercílio Luz é uma ponte metálica do tipo Pênsil Rígida, e
foi desenhada pelos engenheiros Holton D. Robinson e D. R. Steiman,
este último, autor do trabalho “A Practical Treatise on Suspension
Bridge”, que foi editado em 1922. Neste se encontra a referência ao
projeto elaborado para Florianópolis (Estado de Santa Catarina.
Mensagem de Hercílio Pedro da Luz de 22 de julho de 1923, p. 36).
Como se refere Coelho (1997, p. 2), o projeto da ponte Hercílio Luz nos
anos 20, era representativo “[...] de uma linguagem moderna do que
estava sendo produzido nos grandes centros no início do século”.
A ponte faz parte do contexto das grandes obras de engenharia
(urbanísticas) que apareceram a partir do século XIX, da arquitetura de
ferro e dos pré-fabricados. Misturando arte e técnica, algumas obras
tornaram-se verdadeiros ícones da modernidade européia e norte-
americana, como o Palácio de Cristal, a Torre Eiffel e a Ponte do
126
126
Brooklyn. Disso estavam conscientes os responsáveis por sua
construção em Santa Catarina:
“Esses dois engenheiros foram incumbidos pela
firma contratante, Byington & Sundstrom, de
acompanhar o preparo da estrutura metálica em
Nova York.
Das pontes já construídas e do mesmo typo
podemos citar, para termo de comparação, as três
seguintes com a indicação dos cumprimentos dos
vãos livres: Brooklyn Bridge 486 metros;
Williamsburg Bridge 488 metros; Manhattam
Bridge 448 metros, pontes essas que
atravessam o East River em Nova York.
Existindo atualmente em construção entre Nova
York e o Brooklyn mais uma ponte idêntica com
vão central de 995 metros, fica a de Florianópolis
em 5º lugar, em relação ao vão central, nesse
typo de construção” (Estado de Santa Catarina.
Mensagem de Hercílio Pedro da Luz de 22 de
julho de 1923, p. 97).
A construção mais emblemática da nova engenharia do século
XIX é o Palácio de Cristal, projetado por Joseph Paxton. Construído
para abrigar a Exposição Universal de Londres de 1851 (Figura 19) foi
a primeira edificação pré-fabricada (Figura 20) em ferro fundido dos
tempos modernos (COELHO, 1997). Após a exposição, o Palácio foi
desmontado e recolocado em Sydenham (Figura 21), mas acabou
incendiado em 1936. Sua réplica construída em Nova York teve o
mesmo fim, o que é uma ironia, porque o ferro na arquitetura começou a
ser aplicado por volta de 1780 nos teatros franceses e nas fábricas
inglesas com a intenção de que estas construções fossem justamente à
prova de fogo. Somente uma geração depois é que vieram a ponte do
Brooklyn e a Torre Eiffel, que foi um monumento também inaugurado
em homenagem à indústria na Exposição Internacional Paris, em 1889.
127
127
Figura 19 - Palácio de Cristal, Londres (1851).
A primeira grande Exposição Internacional foi realizada em Londres, em
1851. Logo após, feiras semelhantes aconteceram em Dublin (1853), Nova
York (1853) e Paris (1889), que teve a Torre Eiffel como símbolo. Aberto
por apenas cinco meses, mais de seis milhões de pessoas o visitaram, graças
ao transporte ferroviário.
Fonte: www.spencer.lib.ku.edu Acesso em setembro de 2009.
Figura 20 - Construção-montagem do Palácio de Cristal, Londres (1851).
A ilustração à esquerda mostra as grandes peças pré-fabricadas sendo
encaixadas no processo de construção do palácio.
Fonte: www.victorianweb.org Acesso em setembro de 2009.
Figura 21 - Interior do Palácio de Cristal, re-montado em Sydenham
(1854).
À direita, a imagem nos a noção do desenho da estrutura de arcos e a
dimensão do palácio.
Fonte: www.architecture.com Acesso em setembro de 2009.
128
128
A primeira ponte de ferro que se tem notícia foi construída
sobre o Rio Severn, próximo a Coolbrookdate, Inglaterra, entre 1775 e
1779. Seu construtor foi Abraham Darby, neto de Agraham Darby
(1678-1717), que foi quem adaptou a fornalha de carvão à lenha para
uso do carvão mineral sob forma de coque, produzindo ferro fundido.
Seu filho, Abraham Darby (1711-1763), foi quem criou o moderno
processo de fundição de ferro em escala industrial, permitindo a
utilização desse material em grandes construções da engenharia. Mais
tarde, em 1784, foi descoberta por Henry Cort o sistema de pudlagem-
fundição e forja do ferro, malha e laminação, segundo Coelho (1997),
tornando o ferro um material de fácil fabricação. Mais tarde, em 1856
Henry Bessener transforma o ferro fundido em aço, completando a
Revolução Industrial da Metalurgia.
2.1.2 - A ponte: monumento ou ruína?
Através dos monumentos de uma cidade casas, pontes,
estátuas ou até a própria cidade podemos perceber o jogo de funções
sócio-econômicas impresso numa paisagem. Em certos casos, o
monumento chega a representar a cidade ou o país para o mundo, como
um cartão-postal. Impossível não pensar em Paris quando vemos a torre
Eiffel, no Egito, quando vemos as pirâmides, no Rio de Janeiro quando
vemos o Cristo Redentor ou em Florianópolis quando vemos a Ponte
Hercílio Luz
65
.
Para Goff (1990), desde a antiguidade o monumentum tende
a especializar-se em dois sentidos. Pode ser uma obra comemorativa de
arquitetura ou escultura, como, por exemplo, a Ponte Hercílio Luz (que
perde sua função econômica na segunda fase da transição), ou um
monumento funerário destinado a perpetuação da memória de uma
pessoa, como o Monumento da Campanha do Paraguai localizado na
Praça XV, feito em homenagem a militares catarinenses mortos na
Guerra do Paraguai.
A cidade, através de seus monumentos, pode contar sua história.
Por outro lado, os monumentos são eleitos por decisão da sociedade,
65
Esta reflexão foi desenvolvida pela autora em um artigo apresentado no SINPEC:
COELHO, Maria Cecília de Miranda Nogueira; CZARNOBAI, Aline Fernanda; POZZO,
Renata Rogowski. O Humano Monumento: o urbanismo unitário deriva pelo centro de
Florianópolis. Anais no 1º SINPEC, Londrina, 2005.
129
129
com maior ou menor peso de decisão do Estado, e neste caso impõem
ideais estéticos e políticos.
A palavra monumento vem do latim monere (advertir, lembrar),
portanto, é uma edificação que visa tocar a memória viva de um povo.
Invenção do mundo ocidental, tempos os monumentos são erguidos
para fundamentar a identidade e conservar as idéias de determinada
comunidade. Estes valores, que podem ser educativos, econômicos,
históricos ou artísticos, normalmente correspondem à ideologia do
grupo social que detém o poder em determinado momento.
Na Roma Antiga os monumentos eram erguidos em períodos de
transição entre imperadores, para minimizar a idéia de mudança e
expressar a inexistência de riscos entre o passado e o futuro. A
arquitetura, como sugere Richard Sennett (2003) quanto às relações
entre carne e pedra na Roma de Adriano, educa-nos no sentido do
“olhar-crença-obediência”. Nesta época, os monumentos eram
educadores do olhar, sua aparência convencia o observador dos valores
do império e levavam este a obedecer às leis da ordem e da moral
definidas pelo imperador. Crer no que se vê, é crer nas aparências, e
quem tem o poder de organizar a paisagem, neste caso o imperador, usa
esta como base material, sólida e segura para seus domínios.
No Brasil, a exemplo de Roma, na oportunidade da passagem
do Império para República foram erguidos muitos monumentos com a
intenção de passar a idéia de segurança quanto ao novo sistema político
para a população (CARVALHO, 1990). Essa alteração política também
provocou a retirada de muitos monumentos que não eram
significativos para os novos valores. A simbologia do herói republicano
participou da implantação do regime e foi manipulada na tentativa de
criar um imaginário popular republicano. Sobre um pedestal, sempre
mais alto do que quem os observa, com postura e olhar altivos, esses
“grandes homens” tentam perpetuar uma imagem de si e de seus valores
para a sociedade futura.
A partir dos anos 60, o dinamismo dos anos 20 que havia sido
interrompido principalmente pelos acontecimentos da Revolução de 30,
foi retomado. Mas a ponte e todo prematuro projeto moderno dos anos
20 não serviam mais aos interesses do capital da ilha, porque o
movimento econômico e social que representavam mudou de direção. A
modernização da cidade ficou germinando até que esse “velho” projeto
moderno passou a não servir mais para os novos caminhos que a história
tomou a partir dos anos 60.
130
130
Neste processo, de símbolo da modernidade dos anos 20, a
ponte passa à ruína da modernidade hoje. Representa uma modernidade
que está enferrujada; como conclui Coelho (1997), paradoxalmente, um
moderno que envelheceu. Segundo Berman (2001, p. 130), essa é uma
característica própria da modernidade, onde tudo “é construído para ser
demolido”. Na modernidade, o envelhecer faz parte do processo de
produção material.
Se hoje em dia, apesar de enferrujada e envelhecida, a ponte,
interditada desde 1982, não deixa de ser um dos principais cartões
postais da cidade, é difícil acreditar que nos anos 70 especulava-se sobre
sua destruição. Isto porque, a partir desta década, o novo discurso
ufanista queria botar abaixo indiscriminadamente tudo o que
representava o velho, o antigo, o decadente (Figura 22).
Figura 22 - Implosão do antigo edifício do Hotel Laporta (1990).
O edifício nesta época abrigava uma agência da Caixa Econômica Federal.
Após a implosão, o terreno, ao lado da Praça XV, ficou sem ocupação, as
vezes serve como estacionamento, e assim está até hoje.
Fonte: Coelho, 1997, p. 23.
131
131
Apesar de sua importância como “monumento” de representar a
cidade de Florianópolis, a ponte ficou praticamente abandonada por 20
anos, entre sua interdição nos anos 80
66
até o início das reformas para
reabilitação em meados do ano 2000 (Figura 23). Neste meio tempo,
outros elementos foram ganhando o poder de representar a cidade para o
mundo. O movimento capitalista dos anos 70 na cidade imprimiu seus
novos monumentos; hoje Florianópolis é famosa por seus balneários,
por seus luxuosos resorts e condomínios.
Figura 23 - A paisagem sem a ponte Hercílio Luz, fotomontagem (1996).
Publicada no Diário Catarinense, esta imagem foi intitulada “memória
ameaçada” e fez parte de uma campanha iniciada nos anos 90 para
recuperação da estrutura da ponte que, extremamente degradada,
ameaçava cair a qualquer momento.
Fonte: Coelho, 1997, p. 152.
A ponte é ao mesmo tempo um monumento e uma ruína de um
projeto inacabado, a modernização de Florianópolis que deu seus
primeiros passos nos anos 20, mas teve que esperar as condições
66
Isso também se deve em certa medida a crise econômica brasileira do pós-ditadura, que
submeteu, como explica Rangel (2005b), as finanças do Estado a uma tensão acima de suas
forças em virtude da baixa arrecadação de impostos, implicando, logo, em uma escassez de
recursos públicos para este tipo de melhoria.
132
132
materiais e históricas para que a profunda transição da cidade antiga
para a cidade moderna, da cidade do tempo lento para a cidade das
transformações rápidas, pudesse acontecer. E isso só aconteceu três
décadas depois. Por isso, hoje, este que foi o símbolo do primeiro
movimento da modernidade de Florianópolis, aos nossos olhos,
representa um tempo passado, o centro antigo, uma cidade que foi
deixada para trás.
2.1 Expansão para a área das chácaras centrais
Em virtude da pressão populacional exercida pelos novos
contingentes populacionais atraídos para a capital, a área urbana começa
a se expandir para as áreas rurais ocupadas pelas chácaras (Mapa 3),
seguindo os caminhos abertos pelas ruas Mauro Ramos, Hercílio Luz e
Esteves Junior, que logo são retificadas e alargadas. Porém, segundo
Dias (1948), nos anos 40, a quarta parte da porção central de
Florianópolis ainda é composta por terras vagas, onde especuladores
estavam à espera das necessidades urbanas para vendê-las a altos preços.
Ainda segundo Dias (1948, p. 71), apesar dos investimentos em infra-
estrutura rodoviária, o deslocamento do interior para o centro da cidade
ainda era predominantemente marítimo:
“O interior da ilha é alcançado, com dificuldade,
através de duas estradas de rodagem, de mínima
capacidade, orientadas no sentido Norte-Sul e
acompanhando a Costa Oeste, tendo maior
tráfego a que põe a Capital em contato com a
planície arenosa de Canasvieiras ao Norte, mais
habitada, de onde pescadores suplementando a
sua atividade extrativa com uma pequena
produção agrícola de cebolas, café, frutas e
hortaliças fazem chagar à cidade, para seu
consumo, pela estrada menos que por via
marítima, a coleta das suas rêdes e a colheita das
suas roças”.
As chácaras começaram a ser loteadas no final do século XIX,
principalmente sendo transferidas para famílias de origem alemã, mas é
a partir da década de 30 que essa área torna-se um vetor definitivo de
expansão da área urbana da cidade. Tudo leva a crer, com base nos
133
133
registros dos imóveis, que seus primeiros proprietários eram
comerciantes portugueses que ascenderam desde o século XIX.
Nesta região, porém, devido a estrutura fundiária imposta pelas
propriedades das classes dominantes, não foi possível manter o padrão
retilíneo das primeiras ruas que partiam da praça central, como coloca
Peluso Junior (1991, p. 316-17):
“O plano urbano inicial, de quadras irregulares,
foi abandonado quando a cidade de expandiu.
[...] As ruas paravam ou mudavam de direção
quando encontravam uma chácara de pessoa
influente na comunidade”.
Mapa 3 Expansão do centro ao longo da transição para a modernidade
capitalista na cidade.
134
134
O aspecto da estrutura agrária da cidade, ou seja, dos espaços
rurais (pré-urbanos) que margeiam o centro antigo e para onde se
direciona sua expansão, é determinante para a configuração dos novos
espaços construídos. Tanto no caso das chácaras nas colinas centrais de
Florianópolis, como dos lotes açorianos, percebemos que o traçado
primitivo se manteve na paisagem; mesmo que subdividido, mantém
traços da estrutura inicial
67
.
A fachada litorânea da área das chácaras, antigos bairros do
Mato Grosso e Praia de Fora, equivalentes atualmente a Rua Bocaiúva,
possuía um relativamente movimentado comércio que após a construção
da ponte entra em declínio em relação a parte sul da planície central, que
beneficiou-se, pois era para que conduzia-se o acesso à ponte. Além
disso, os acessos da área central para o outro lado da planície eram ainda
muito dificultosos nesta época (SUGAI, 1994), o que reafirmou a área
do centro antigo como predominantemente comercial e a área das
chácaras como residencial.
2.2 Urbanismo sanitarista
Foi nos anos 20 em que começam a ser percebidos os primeiros
indícios do desejo de modernizar Florianópolis, e com eles as primeiras
intervenções urbanas neste sentido. Além da Ponte Hercílio Luz, outro
marco deste período foi a Avenida do Saneamento inaugurada em 1922.
Seguindo o modelo em voga no Brasil, principalmente no Rio de
Janeiro, (o Urbanismo Sanitarista), a avenida foi construída a custa da
demolição de vários cortiços que margeavam o insalubre Rio da Bulha,
onde antigamente se localizavam os bairros da Toca e da Pedreira.
Consta na Mensagem do Governador Hercílio Luz, de 1923 a
seguinte observação:
“Durante o ano de 1922 continuou o Governo do
Estado a execução de obras que muito tem
contribuído para melhorar a cidade de
67
Outras estruturas que influenciam diretamente a formação da paisagem urbana, segundo
Tricart (1956), são a condição natural (principalmente o relevo, que é a síntese geomorfológica
da natureza) e a estrutura social (como que o conteúdo das formas que habitam o espaço).
Quanto a idéia da influência da estrutura fundiária sobre o plano urbano (o chamado fator
fundiário, em Marx, 1980), esta foi ineditamente utilizada em estudos urbanos de Santa
Catarina por Mamigonian, (1959), onde encontramos a seguinte afirmativa: “a antiga estrutura
agrária orienta os loteamentos: veja-se não somente as chácaras centrais, como também aquelas
situadas em Capoeiras, Coqueiros, Barreiros, etc. Vão se esboçando assim, planos decalcados
no parcelamento agrário”. O mesmo se aplica para o habitat rural açoriano.
135
135
Florianópolis, não quanto a estética como
também quanto a salubridade, e que também
visavam preparar a capital do Estado para, com
mostras de progresso, comemorar o centenário da
independência nacional” (ESTADO DE SANTA
CATARINA, Mensagem de Hercílio Pedro da
Luz, 22 de julho de 1923).
Com as reformas sanitaristas, as classes pobres que habitavam o
entorno do centro urbano, foram sendo marginalizadas, deslocadas para
as encostas dos morros
68
ou mesmo bairros continentais da capital e
cidades da grande Florianópolis. A antiga área destes bairros é
incorporada à área do centro da cidade, formando o que identificamos
hoje como o centro antigo, com função predominantemente comercial
69
.
Este processo de mudança da estrutura social dos bairros centrais de
Florianópolis foi propiciado pela construção da Ponte Hercílio Luz. A
construção da ponte permitiu o deslocamento da população da ilha para
o continente, onde o preço da terra era mais baixo (DIAS, 1948).
Processo semelhante aconteceu em várias outras cidades
brasileiras. Segundo Maricato (2001, p. 17):
“As reformas urbanas, realizadas em diversas
cidades brasileiras entre o final do século XIX e
o início do século XX, lançaram as bases de um
urbanismo moderno „a moda‟ da periferia.
Realizavam-se obras de saneamento básico para
eliminação das epidemias, ao mesmo tempo em
que se promovia o embelezamento paisagístico e
eram implantados as bases legais para um
mercado imobiliário de corte capitalista. A
população excluída desse processo era expulsa
para os morros e franjas da cidade. Manaus,
68
“Opera-se também, em face da valorização imobiliária, uma sucessão, deslocando-se os
antigos moradores, de condição econômica inferior, para outras ruas, a maior parte deles para
as novas ruas que, abertas recentemente, começam a subir os “gradientes” mais suaves do
Morro do Antão” (Dias, 1948, p.37).
69
“A análise da elaboração da atual fisionomia dos bairros centrais da cidade sua evolução
através de quatro séculos e o estudo das funções que abriga seu dinamismo atual, - revelam
uma certa interdependência entre o aspecto e as funções, entre paisagem e conteúdo.
Atividades capazes de criarem um quadro, atividades que aproveitam de um quadro
preexistente e o adaptam às suas necessidades atividades que diretamente ou indiretamente
destroem ou acabam de destruir um quadro preexistente são, todas elas, bem significativas
dessa verdadeira relação de causa e efeito e entre forma e função” (Santos, 1959, p. 150).
136
136
Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife e
especialmente o Rio de Janeiro são cidades que
passaram por mudanças que conjugaram
saneamento ambiental, embelezamento e
segregação territorial nesse período”.
Entre os investimentos em saneamento na época, data de 1910 a
construção do sistema de canalização da água e construção de bicas
públicas (ainda presentes como rugosidades na área do Terminal Antigo,
Praça Celso Ramos...). Também em 1910 foi criado um sistema de
recolhimento dos esgotos através de carroças que os despejavam nas
praias um pouco mais distantes do centro (GAYA, 2007). Antes da
construção do sistema de esgoto, os dejetos em geral eram despejados
na praia próxima ao Mercado Público. Para as famílias mais abastadas,
quem fazia este serviço eram os escravos
70
. Segundo CABRAL (1990,
p.175):
“A praia, no século XIX não desfrutava o menor
prestigio e não em Santa Catarina, mas em
toda parte. [...] Praia era lugar de despejo, de
cachorro morto, de lixo, lugar onde se
derramavam as vasilhas de matéria fecal, para
que tudo fosse diluído na maré, para que tudo
desaparecesse no refluxo”.
2.3 A Revolução de 30
Verifica-se que em Florianópolis os poderes econômicos e
políticos sempre estiveram imbricados nas intervenções que
modificavam o espaço urbano, no sentido de que os investimentos
públicos e privados se confundiam, pois eram muitas vezes realizados
por uma mesma pessoa. Segundo Lohn, 2007:
“Essas relações de poder mostravam-se através
de redes de políticos e de empresários que, em
meados do século XX, tinham atuação decisiva
70
Segundo Walter Piazza (in Melo, 1991, p. 123): “O ingresso de negros na Ilha de Santa
Catarina está anotado desde os primeiros estabelecimentos de náufragos. Depois, eles vêm para
o empreendimento agrícola-pastoril de Dias Velho”.
137
137
em Santa Catarina. Articulando suas ações nas
esferas blicas com seus negócios privados,
personagens como Aderbal Ramos da Silva ou
Irineu Bornhausen estavam no cerne de um bem
montado sistema de alianças políticas,
investimentos de capital e controle eleitoral”.
A revolução de 30 resulta na formação de um novo pacto de
poder onde os comerciantes import-export do pacto anterior são
depostos e quem assume a liderança são os latifundiários ligados ao
mercado interno e a burguesia nacional. Em Florianópolis (que nesta
época tinha base econômica comercial), o dinamismo deste capital
comercial que movia a cidade (produzia espaço urbano) se interrompe, e
se adiam os sonhos da modernidade urbana até os anos 60, quando
novos investimentos estatais (Universidade Federal, Eletreosul, etc.) vão
refuncionalizar o centro.
Como posto anteriormente, após a Revolução de 30 os
centros produtores dos vales atlânticos catarinenses, que antes
utilizavam o porto de Florianópolis para escoar sua produção, passam a
ter ligações diretas com o mercado nacional e internacional. A cidade
perde assim um dos pilares de sua economia, o porto. Teve-se de esperar
até os anos 60 até que se decidisse uma nova atividade que substituísse o
comércio de importação e exportação, onde os capitais comerciais
pudessem ser reinvestidos. Após 30 anos de indecisão, com o porto
fechado, a cidade renasce a partir de investimentos do governo federal e
da inauguração da indústria do turismo, atrelada ao capital imobiliário.
138
138
3 Anos 60, o despertar da cidade
Nos anos 60 é iniciada uma nova leva de reformas urbanas, bem
mais significativas que a primeira leva dos anos 20. O discurso
urbanístico se converte do “sanitarismo” dos anos 20 para o da
modernidade e do desenvolvimento do Brasil dos anos 50 (LOHN,
2007). Pode-se dizer que neste período, em Florianópolis, o processo de
transição para a modernidade assume uma nova direção.
Este ideal de desenvolvimento é facilmente percebido no
conteúdo do Plano Diretor elaborado em 1952 pela equipe porto-
alegrense dos arquitetos Demétrio Ribeiro e Edgar Graeff, e do
urbanista Edvaldo Pereira Paiva. A crença clássica que tem a
industrialização como o principal motor da urbanização, levou a equipe
a apostar todas as fichas no Porto de Florianópolis como elemento
fundamental para o desenvolvimento da cidade. O problema é que nesta
época o Porto estava na fase final de sua decadência e a atividade
turística começava a se delinear como o novo impulso para a
urbanização de Florianópolis.
Segundo Lohn (2007), para a equipe de Demétrio Ribeiro:
“Só com o Porto seria assegurado o
desenvolvimento, uma decorrência da
industrialização. Toda a concepção do plano é
perpassada pela necessidade de criar condições
para o desenvolvimento industrial, única via
possível para promover a renovação urbana e
alcançar a modernidade”.
Em relação ao Turismo, os arquitetos e urbanistas de Porto
Alegre eram descrentes, conforme recorte do documento do plano (apud
Lohn, 2007):
“[...] a função turística de um lugar depende,
também, da existência de um fluxo regular de
turistas provindos de lugares próximos. O turista
estrangeiro ou que viajava longas distâncias pelo
Brasil para conhecer as praias da Ilha de Santa
Catarina não poderia constituir uma esperança
séria e, muito menos, uma garantia de mercado
turístico para Florianópolis‟. As regiões vizinhas
139
139
não teriam nível econômico‟ suficiente para
suprir a cidade com um tipo de turista, tanto em
número quanto em poder aquisitivo, que viesse a
ser uma fonte econômica única e capaz de
determinar o progresso de uma cidade de mais de
cinqüenta mil habitantes”.
Contrariando as idéias e expectativas da equipe contratada para
elaboração do novo plano diretor da cidade, o turismo tornou-se uma
das principais bandeiras de lideres partidário-empresariais como
Aderbal Ramos da Silva, que, segundo Lohn (2007), desde os anos 50
anunciava investimentos imobiliários no norte da Ilha, enquanto os
mesmo terrenos valorizavam-se intensamente.
Assim começa a se formar em Florianópolis a classe dos
especuladores imobiliários modernos, oriundos das famílias que
realizavam especulação nas suas chácaras do centro da cidade desde o
final do século XIX em associação com capitais de fora da cidade.
Nos anos 70, a morte do porto de Florianópolis - e a decadência
da pequena produção mercantil açoriana - é definitivamente efetivada
pela construção dos aterros da baia norte e sul (Figura 24). Os aterros
indicam uma nova fase para a vida do centro, antes tão ligada a condição
marítima e comercial. A partir dos anos 60 os navios deixam de entrar
no porto de Florianópolis, devido a melhorias nas rodovias e
modificações da rede exportadora - também devido a modernização das
embarcações, para as quais as baías não tinham profundidade suficiente
Os capitais comerciais são agora investidos no comercio de imóveis,
seguros e capitalização imobiliária e Florianópolis se transforma numa
cidade de serviços.
Foi a expansão dos acessos do centro para as praias do norte e
do sul que proporcionou o florescimento da indústria do turismo. A
partir do momento em que as margens destes acessos foram sendo
ocupadas, a cidade se expandiu e o perímetro urbano foi sendo
ampliando.
140
140
Figura 24 Construção do aterro da baía sul (1970).
A obra iniciada pelo Governador e Engenheiro Colombo Machado Salles
entre os anos 1970 e 1974.
Fonte: Acervo Fotográfico Edio R. Mello.
Segundo Sugai (1994, p. 1) a partir dos anos 60 a ampliação da
política rodoviarista nas cidades brasileiras acarretou no desprestígio
dos demais meios de transporte até então utilizados a nível urbano e
regional e em evidentes transformações urbanas”. A transformação na
paisagem urbana se pelo aparecimento da infra-estrutura necessária
ao automóvel: avenidas, pontes e viadutos, túneis, anéis viários etc.
Em Florianópolis, assim como em todo Brasil:
“Estas obras viárias, que garantiam
acessibilidade, facilitavam os deslocamentos dos
veículos automotores e dinamizavam a produção
e o fluxo de mercadorias, foram difundidas como
representações máximas ao progresso e a
modernidade” (Sugai, 1994, p. 2).
No plano estadual foi o modal rodoviário que proporcionou
uma integração coesa entre as regiões e o adensamento das redes
urbanas em várias escalas, até então muito precárias.
Nos anos 50 o centro transborda para a baía norte, sobre as
antigas áreas rurais colinosas onde se localizavam as chácaras,
141
141
circunscrevendo-se dentro da estrutura triangular da Rua Mauro Ramos
e da Avenida Beira Mar, que tangenciam respectivamente o Maciço
Central e a costa. Nos anos 60, os limites urbanos na cidade são
ampliados para além da planície central para os bairros da Agronômica
ao norte e José Mendes ao sul, embora nesta mesma década o norte
comece a crescer em velocidade muito mais rápida que o sul da ilha.
Em 1970 é criado o “Plano de Desenvolvimento Integrado da
Área Metropolitana de Florianópolis”, pelo Conselho de Engenharia,
Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura Municipal de Florianópolis
(CEAU). Este plano reavalia as proposição do Plano Diretor dos anos
50, a grande maioria delas não realizadas. Suas prioridades eram a BR
101, que veio a ser construída em 1971, as SC 401, 402 e 403 e a Via-
Expressa Beira Mar Norte, que viria a ser a primeira via-expressa intra-
urbana de Santa Catarina (SUGAI, 1994).
Grande parte do financiamento destas obras, que se encaixavam
no programa nacional de desenvolvimento e investimento em infra-
estruturas, veio do Governo Federal, que criou em 1972 o PROGRES,
Programa Especial de Vias Expressas.
3.1 - Expansão da cidade para o eixo norte da ilha, anos 70
Outro agente de intensa intervenção na paisagem foi o Estado,
que além da forma de investimento em infra-estrutura, transformava a
paisagem da cidade através da construção de edifícios para abrigar seu
aparelho administrativo que se encontrava em expansão. Neste período,
enquanto o porto decrescia, a estrutura da administração pública se
desenvolvia e tornava-se novamente o elemento de maior destaque na
paisagem do centro urbano de Florianópolis.
Segundo Vaz (1991, 50):
“Ao crescer e modernizar-se os serviços blicos
exigiram também uma reorganização de seu
espaço, através de uma clara tendência ao
agrupamento em áreas especializadas nos moldes
dos „centros administrativos‟ construídos em
metrópoles do País e do Exterior. Os antigos
edifícios do Centro Histórico que os abrigavam
foram julgados inadequados aos novos moldes e
transferidos para bairros vizinhos formando
aglomerados de instituições públicas, alojadas
142
142
em prédios novos e especialmente planejados
para suas funções remodeladas, alocados em
áreas bem mais extensas que as anteriores,
permitindo futuras extensões e o abrigo a funções
complementares decorrentes do salto de escala,
como estacionamentos amplos, instalações de
lazer para funcionários, serviços subsidiários,
etc”.
Os novos bairros que surgem com a expansão da área urbana
nos anos 60 ocupam as chamadas áreas detrás do morro, local onde se
instalam definitivamente a UFSC e a Eletrosul. No centro, quando
não há mais lugares vagos, espaços para expansão horizontal, inicia-se o
processo de verticalização, sendo que os primeiros edifícios com mais
de 10 andares foram construídos nos arredores da praça central como os
edifícios Meridional na Rua João Pinto e Cidade de Florianópolis da
Rua Arcipreste Paiva. Estes primeiros edifícios, porém, ainda não
continham garagens, algo imprescindível nos “tempos modernos”. O
processo de verticalização do centro foi inaugurado com a elevação do
Hotel La Porta em 1932, um edifício de 4 andares. Porém passam a se
destacar na paisagem edifícios 8, 10 e 12 andares somente a partir dos
anos 50, quando tem início o processo de demolição das residências uni-
familiares para dar lugar a edifícios.
A partir dos anos 80, toda a área das chácaras, que continuou
sendo majoritariamente residencial, urbanizou-se no padrão vertical,
com edifícios de em média 12 andares. A Trindade e o Saco dos
Limões, distritos de Florianópolis, passaram a fazer parte da cidade em
1950.
As elites, que já haviam escolhido a área norte da planície
central como residência, após duas décadas de indecisão causada pela
instabilidade geral pós-revolução de 30, elegem o mesmo eixo para
expandir seus investimentos imobiliários, ou seja: o norte da ilha. A
partir daí uma série de investimentos estatais em infra-estrutura são
executados para permitir este desejo: as Avenidas Gama D‟eça e Osmar
Cunha são reestruturadas em 1928 e a Avenida Beira Mar Norte é
executada em 1960, para facilitar o fluxo entre esta área e o centro
(ligação com a ponte). Esta Avenida ainda não constituía uma via
expressa como a conhecemos hoje, pois o aterro não havia sido
construído.
Como colocado anteriormente, bastou uma decisão das elites
locais, em conformidade com a modernização brasileira que se acelera a
143
143
partir dos anos 50, para que o Estado decidisse também onde realizar
seus investimentos urbanos, em conformidade com estas. Mesmo tendo
o Plano Diretor dos anos 70 definido o sul da ilha como vetor prioritário
de expansão, foi o norte-nordeste o privilegiado pelos investimentos
estatais a partir desta década, quando diversos aparelhos passam a ser
instalados nesta área: Palácio da Agronômica, a residência oficial do
governador do estado (1954), O Hospital Celso Ramos (1966), o
Hospital Nereu Ramos (1943), A Maternidade Carmela Dutra (1955) e,
mas tarde o Hospital Joana de Gusmão e o Hospital Universitário
(1970).
Até os anos 50, o distrito da Trindade possuía ocupação muito
esparsa, constituindo-se de algumas poucas casas ao longo dos
caminhos que a ligavam ao centro e a Lagoa da Conceição (SUGAI,
1994). A partir desta década, inúmeros loteamentos começam a ser
aprovados na Trindade. O ponto culminante e um dos maiores atrativos
para o fluxo e a ocupação em direção a esta área foi a instalação da
Universidade Federal de Santa Catarina em 1965.
Logo após, várias outras estatais instalam-se região da Trindade
(e bairros vizinhos como Agronômica, Itacorubi, Carvoeira, Pantanal e
Santa Mônica): TELESC (1975), EMPASC (1977), Centro de
Treinamento do BESC (1979), CCA UFSC (1977) e finalmente a
ELETROSUL (1978). A construção da UFSC na Trindade também
contou com investimentos federais (porém muito reduzidos em relação
ao investimento em estradas), através do PROMESU, Programa de
Expansão e Melhoramentos das Instalações de Ensino Superior, do
MEC (SUGAI, 1994).
Sugai (1994, p. 182) nos aponta que:
“Os interesses do capital imobiliário em investir
na área norte e nordeste da península central e
também na região da Trindade e nos balneários
situados ao norte e leste da ilha, foram
impulsionados com os investimentos do Estado.
Os investimentos estatais em infra-estrutura, a
permissividade da legislação na época e a
transferência das instituições blicas para a
região da Trindade, foram importantes fatores de
incentivo ao desenvolvimento imobiliário
naquela parte da cidade. No entanto, a
acessibilidade criada pela Via de Contorno Norte
garantiu o processo de expansão e ocupação
urbana e de valorização imobiliária”.
144
144
Conclui-se que todo norte da Ilha, começando pela região ao
norte do centro, é uma área extremamente privilegiada pelos
investimentos estatais a partir dos anos 60. Entretanto, enquanto a
avenida beira mar representou integração para a parte norte do centro,
para o centro antigo, ela representou o isolamento.
145
145
146
146
Parte 3: A Cidade Contemporânea
147
147
1 - Os anos 90 e o Planejamento Estratégico em Florianópolis
Na década de 90 forma-se o espaço da modernização
contemporânea na cidade de Florianópolis, em terrenos que vêm sendo
preparados desde os anos 60. Neste período da história, o período atual,
como explica Santos (1996, p. 105) lembrando a definição de
Berman
71
(1986) para a última fase da modernidade capitalista as
novidades se espalham celeremente em escala mundial, o novo aparece
simultaneamente em um grande número de lugares”.
Esta modernização, em que o circuito moderno da economia
citadina é incorporado ao mercado mundial e recorre também ao
capital estrangeiro(Santos, 1981, p. 42), formou as novas condições
materiais e as novas relações sociais que permitiram a urbanização
corporativano processo de expansão da cidade de Florianópolis. Ou
seja, o capital turístico-imobiliário, que foi “eleito” como a principal
atividade componente deste circuito moderno da economia, é a grande
força que orienta a urbanização nesta última fase. Neste contexto é que o
planejamento estratégico adentra a cidade como ideologia da
administração pública, entre o final da década de 80 e início dos anos
90.
O espaço da cidade com suas construções, enquanto esfera de
materialidade dos processos sócio-históricos, é testemunho das ideias de
sociedade, do pensamento de cada época. Neste sentido, o espaço
construído em Florianópolis nas duas últimas décadas pode ser encarado
como a concretização de uma ideologia comandada pelo capital
turístico-imobiliário. Como nos aponta Santos (1993), na cidade
corporativa a urbanização obedece à racionalidade capitalista das
empresas hegemônicas e está muito mais preocupada com a eliminação
das “deseconomias urbanas” do que com a produção de serviços sociais
e com o bem-estar coletivo.
No processo de criação do espaço urbano baseado nos
interesses corporativos, aparecem atores dominantes que se apropriam
deste “direito de criar” e buscam construir um mundo a sua imagem. Na
modernidade contemporânea a linguagem política é espacializada,
71
Segundo Berman (1986), no Século XX há uma expansão global da modernidade em uma
uma multidão de fragmentos”.
148
148
habita lugares e territórios retóricos que são identificados com seus
representantes.
Segundo a lógica da urbanização corporativa, é necessária a
criação de uma imagem hegemônica da cidade convincente tanto para a
população quanto para os investidores externos. Para tanto, os
urbanistas-capitalistas incorporam o pensamento, o conhecimento e a
própria ciência urbanística e transvestem estas ideias segundo seus
interesses. Ora o Planejamento Estratégico, ora o Novo Urbanismo, ou
simplesmente o Urbanismo Modernista... na boca dos capitalistas de
Florianópolis todos estes discursos sobre o urbanismo “são mentiras tão
evidentes quanto o espaço organizado pelo urbanismo é o próprio
espaço da mentira social” (Internacional Situacionista, 2003). Desta
forma, discursos modernos e inovadores em relação à cidade escondem
uma noção primitiva de urbanismo, que é exercido como a simples
prática da organização de prédios e espaços de acordo com princípios
estéticos e utilitários noção, esta, que precisa ser superada pela visão
do habitat como um espaço para a vida integral e espontânea, de criação
verdadeiramente coletiva.
Em recente artigo publicado no Diário Catarinense de 27 de
março de 2010 sobre a obra LTI: A Linguagem do Terceiro Reich, de
Victor Klemperer, Silva (2010) demonstra como o nazismo encontra
suas raízes no romantismo alemão, que resistia a transformação
capitalista impulsionada do exterior recusando tudo que é externo e
glorificando tudo que é alemão, mas ainda sem qualquer sentimento de
superioridade racial, e como este, utilizando-se das artimanhas da
retórica criou uma história da civilização completamente falsificada
onde o povo alemão aparecia como superior. Da mesma forma, em
Florianópolis, o discurso do capital imobiliário que tem como principal
bandeira a exaltação à natureza, frequentemente se apropria de valores e
conceitos românticos em seu discurso e desemboca em uma prática de
urbanismo onde, como em tal regime, tudo é propaganda, discurso, ou
para dizer com mais rigor, retórica” (Silva, 2010, p. 2).
Consequência desse processo, as cidades modernas acabam
sendo o próprio retrato da tendência totalitária da organização do mundo
capitalista, reproduzindo o isolamento, a separação e a alienação, como
já apontavam nos anos 60 os Situacionistas
72
, que:
72
A Internacional Situacionista surge na Europa em 1957, fundada por Guy Debord, como um
movimento de teoria e prática revolucionárias, a partir da dissolução de grupos que
contestavam o novo meio cultural e político modernista do pós-guerra: Internacional Letrista,
Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginista (MIBI), movimento Cobra (uma
149
149
“Al igual que Lefebvre, denunciaban el
urbanismo moderno como técnica de
separación‟ basada en la reducción y la
extrapolación arbitrarias de un aspecto de la
ciudad (circulación, comunicación e las distintas
categorías funcionalistas de la planificación
urbanística) y su re-presentación como dogma o
verdad absoluta” (Andreotti, 1996, p. 14).
1.1 - O Planejamento Estratégico
Com uma linguagem renovada, que articula expressões como
cidade-empresa, marketing urbano, cidade-global e usuários urbanos, o
planejamento estratégico surge primeiramente nos Estados Unidos, nos
anos 80, logo depois na Espanha e, recentemente, nos anos 90, na
América Latina, como explica Villaça (2005, p. 22):
“Trazido pela ideologia neo-liberal, o chamado
Planejamento Estratégico desenvolveu-se no
início dos anos 90, tendo se expandido
razoavelmente pelo menos no campo da
retórica na América Latina, principalmente por
influência de um grupo de ditos urbanistas
catalães que se empenharam bastante na difusão
da experiência por que passou a cidade de
Barcelona, por ocasião das Olimpíadas de 1992.
Coerentemente com o ideário neo-liberal, este
planejamento parte da ideia de concorrência ou
competição entre cidades a competitividade
urbana no mundo globalizado e informatizado.
referência as capitais Copenhague, Bruxelas e Amsterdã) e a Associação Psicogeográfica de
Londres (APL). Logo após sua fundação publica a revista Internattionale Situacioniste, que
tratava inicialmente sobre arte, passando a se concentrar posteriormente em questões políticas e
no urbanismo. Os situacionistas apontavam o Urbanismo, o Amor e a Economia Política como
os principais meios para solucionar os problemas da sociedade. Neste projeto surge um dos
primeiros conceitos situacionistas: o Urbanismo Unitário (UU), definido como a própria crítica
ao urbanismo, a teoria do emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem para a
construção integral de um ambiente em ligação dinâmica com experiências de
comportamento” (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2003).
150
150
Diz que é necessário vender as cidades e para
isso evidentemente, necessita da propaganda, do
marketing, da iniciativa privada e da visão
empresarial. A ideologia neo-liberal, rapidamente
passou a difundir a ideia de que esse era o
planejamento moderno”.
A ideia de competição entre cidades pela atração de
investimentos e turistas transpôs as estratégias do planejamento
empresarial para o planejamento urbano. O primeiro plano estratégico
desenvolvido foi o da cidade de São Francisco-EUA, em 1982; chegou à
Espanha em 1987 e foi aplicado pela primeira vez em Barcelona com o
motivo da celebração dos Jogos Olímpicos de 1992. A força da
experiência de re-estruturação urbana de Barcelona viabilizada pelos
Jogos Olímpicos, transformou a cidade em paradigma, apresentada
como modelo a ser seguido pelas cidades que procuram uma inserção
competitiva na nova ordem econômica mundial. A partir dessa iniciativa
foi produzida uma primeira geração de planos na Espanha: Bilbao,
Madri, Jerez e Cádiz.
A partir da década de 90, diversas cidades latino-americanas
também desenvolveram planos estratégicos
73
: Bogotá e Medellín
(Colômbia), Rio de Janeiro, Salvador e Recife (Brasil), Santiago (Chile),
Córdoba e Rosário (Argentina), Assunção (Paraguai), Caracas
(Venezuela), Quito (Equador) etc. (SANCHEZ, 1999). Neste grupo a
cidade de Florianópolis foi incluída a partir do governo Ângela Amin
(1997-2004), quando passou-se a propagar a imagem de Florianópolis
como “cidade-paraíso” em nível nacional, a se especular e
gradativamente vender espaços urbanos aos capitalistas extra-locais.
Com efeito, é possível verificar em todas as ações praticadas
nestas cidades dois traços comuns: uma ênfase na forma mais que na
função e nos projetos pontuais mais que nos planos gerais, buscando
melhorar a imagem urbana mediante a criação de novos espaços ou pela
revitalização de espaços antigos. também sempre um grande
investimento em marketing urbano objetivando a criação de um
73
Seguindo a matriz do Planejamento Estratégico norte-americano, o modelo urbanístico de
maior difusão na América Latina é o Modelo-Barcelona: cidade-empresa-cultural, inaugurado
a partir do acontecimento das Olimpíadas de 1992. Segundo Maricato (2001, p. 57): “Não
faltam aqueles que oferecem, a preços não tão módicos, fórmulas capazes de conduzir qualquer
cidade ao pódio restrito das cidades globais. Os clientes, muitos prefeitos latino-americanos,
buscavam salvar suas municipalidades da insolvência promovida pela crise fiscal, seguindo o
modelo mais vendido no continente: Plano Estratégico, à la Barcelona”.
151
151
consenso em relação ao planejamento praticado. Através de um discurso
quase que educativo, cria-se uma imagem positiva e homogênea a ponto
de formar nos cidadãos um sentimento alienado de orgulho e um
patriotismo da cidade, condição esta que Arantes (2001) denomina de
a cidade do pensamento único”. Vemos o quanto esta imagem, mesmo
sendo destinada aos investidores externos, convence também os
moradores da cidade. Por exemplo, em uma pesquisa sobre a demanda
de Habitações de Interesse Social
74
em Florianópolis divulgada em 2006
revelou-se que a região norte da ilha é a de maior preferência dos
interessados, com 38% (Prefeitura Municipal de Florianópolis /
Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento Ambiental, 2006).
Como coloca Souza (2004, p. 303):
“O marketing urbano deformado deve ser
considerado como o resultado de uma tentativa
de influenciar não apenas investidores e turistas
em potencial, mas toda uma opinião pública,
formando uma imagem de cidade conforme aos
interesses e à visão dos grupos dominantes”.
O Planejamento Estratégico representa a ação em nível local
das diretrizes neo-liberais do Consenso de Washington
75
. Suas
propostas, que enfatizam a autonomia das cidades e as disputas entre
elas, contribuem para o enfraquecimento do Estado-Nação, como
comenta Maricato (2001, p. 59-60):
“Em nível local, o Plano Estratégico‟,
mencionado, cumpre o papel de desregular,
privatizar, fragmentar e dar ao mercado um
espaço absoluto. Ele incorpora a noção da
cidade/universo autônomo, a qual necessita
instrumentalizar-se para competir com as demais
74
Em segundo lugar vem o continente com 28% e em seguida a região sul com 22%. O centro
aparece em último lugar com apenas 2% dos interessados. Atualmente na cidade habitam 65
mil pessoas em Área de Interesse Social, o que corresponde a 16% da população. Além disso, o
déficit habitacional é de 12.500 unidades e o déficit de habitação popular de 7.500 unidades.
Fonte: Prefeitura Municipal de Florianópolis / Secretaria Municipal de Habitação e
Saneamento Ambiental, 2006.
75
Encontro realizado em 1989 em Washington, entre representantes do governo norte-
americano, do FMI, BID, Banco Mundial etc., onde foram definidas intervenções nos países
asiáticos e latino-americanos, baseadas em: disciplina fiscal, racionalização de gastos públicos,
reforma tributária, liberalização financeira e comercial, investimento direto estrangeiro,
privatização e desregulamentação da economia nacional.
152
152
na disputa por investimentos, tornando-se uma
„máquina urbana de produzir renda‟. A cidade
como ator público deve agir corporativamente
com esse fim (leia-se, minimizando os conflitos
internos) para sobreviver e vencer. Trata-se da
„cidade corporativa‟ ou da „cidade pátria‟ que
cobra o esforço e o „consenso‟ de todos em torno
dessa visão generalizante de futuro. Para tanto,
ela deve preparar-se, e apresentar alguns serviços
e equipamentos exigidos de todas as cidades
globais, tais como hotéis cinco estrelas, centros
de convenções, polos de pesquisa tecnológica,
aeroportos internacionais, megaprojetos culturais
etc., para vender-se com competência. Trata-se
agora da cidade mercadoria‟ (deve vender-se) e
da „cidade empresa‟ (que deve ser gerenciada
como uma empresa privada competente)”.
1.2 - O discurso hegemônico sobre a cidade: do turismo à
tecnologia.
Baudrillard (1991), utilizando uma fábula de Jorge Luiz Borges
que narra um episódio em que certos cartógrafos desenharam um mapa
tão detalhado do império que acabou por cobrir todo o território, nos
explica como as artimanhas do discurso e da simulação invertem a
fábula, fazem com que o mapa preceda o território e a imagem preceda a
realidade.
Neste mapa criado para vender a cidade para o capital mundial,
não espaço para contradições; estas simulações mercadológicas de
cidade-turística, cidade-ecológica, cidade-tecnológica são criadoras de
amenidades, pois passam a imagem de uma cidade em total harmonia
(Sanchéz, 2001, p. 31). A cidade, para ser vendida turisticamente tenta
esconder seus conflitos; mas, a vida cotidiana e a paisagem urbana
explicitam cada vez mais os conflitos destes espaços falsamente
homogêneos e destas ideias forçosamente consensuais.
Florianópolis vive desde os anos 60, e sobretudo nos anos 90,
um boom imobiliário. Nesta década, uma campanha maciça da cidade na
mídia nacional encabeçada pela Prefeitura, pelo Governo Estadual e por
grandes empresas do ramo turístico-imobiliário vem proclamando
Florianópolis como a melhor cidade para se viver”, a capital com
153
153
melhor qualidade de vida do país”, projetando uma imagem
paradisíaca. Todo esse marketing urbano aqueceu o mercado imobiliário
de empreendimentos de alto padrão focados na região do eixo norte da
ilha. Segundo Henrique (2005, p. 4):
“Toda essa campanha que se intensificou a partir
dos anos 90, resultou numa explosão da
especulação imobiliária na ilha, com a atração de
pessoal, principalmente paulistas, gaúchos e
fluminenses, de alto poder aquisitivo. Estima-se
que a participação na população das classes mais
altas cresceu 10% nos últimos anos em função
dessa „migração‟ para a cidade. Esse crescimento
da procura por moradias levou a um grande
aumento dos preços dos imóveis na ilha, tanto
para a sua aquisição quanto para os alugueis”.
O apelo à natureza é a principal artimanha dos empreendedores
imobiliários da cidade, que se utilizam de discursos científicos e
ambientalistas para convencer os compradores. Todo um pensamento de
crítica social, como o dos socialistas utópicos que propunham a
construção dos falanstérios e todo um pensamento ambientalista de
preservação da natureza foi incorporado por este discurso capitalistas.
Como nos aponta Santos (apud Henrique, 2005):
“No princípio tudo eram coisas, enquanto hoje
tudo tende a ser objeto, que a partir de um
conjunto de intenções sociais, passam, também, a
ser objetos. Assim a natureza se transforma em
um verdadeiro sistema de objetos e não mais de
coisas e, ironicamente, é o próprio movimento
ecológico que completa o processo de
desnaturalização da natureza, dando a esta última
um valor”.
Neste cenário, slogans como este do condomínio Beach Village,
da Habitasul Empreendimentos Imobiliários, “as areias brancas da
praia como a extensão do seu jardim”, são comuns e podem ser
encontrados em qualquer jornal de circulação diária no Estado de Santa
Catarina, como aponta Henrique (2005). Aliás, foi esta mesma
empreiteira a responsável pelo emblemático loteamento de Jurerê
Internacional, onde as casas custam em média 5 milhões e seguem
154
154
padrões arquitetônicos rígidos para construção, como a obrigatoriedade
de possuírem no mínimo 400 m
2
. Ironicamente, este empreendimento,
verdadeiro símbolo da segregação espacial na cidade, foi apontado em
2004 pelo então presidente do IPUF, Carlos Alberto Riederer, em
entrevista ao Jornal Diário Catarinense (27/04/2004), como um aspecto
positivo do planejamento e que deveria ser estendido para toda a
cidade” (apud Henrique, 2005).
Um consenso da vocação turística de Florianópolis foi
construído no imaginário social como se esta fosse um caminho
inevitável a ser seguida por toda cidade, mas ao qual o centro
tradicional resiste e se contrapõe.
Questionamos, portanto, até que ponto essa vocação é
verdadeira, ou não é apenas mais uma falsa representação”, como as
tantas que vemos todos os dias por parte das classes dominantes com o
intuito de ampliar seu poder econômico, ou em busca dele. Como nos
falam Marx e Engels (em A Sagrada Família, citado por Benjamin no
Passagem-werk, in Buck-Morss, p. 156):
“É fácil entender que todo o grande interesse,
quando pisa pela primeira vez o palco do mundo,
sente-se em forma de ideia‟ ou „imaginação‟
muito além de seus limites reais, e se considera
equivocadamente a si mesmo como o interesse da
humanidade em geral. Essa ilusão é o que
Fourier chama de tom de cada época histórica”.
Neste sentido, a pesquisa histórica, como ensina Benjamin
(2006), nos ajuda a desvendar o mito, voltando no tempo em busca de
um sentido perdido para romper com as fantasmagorias do presente:
“Benjamin descreveu o seu trabalho como uma
„revolução copernicana‟ na prática de escrever
história. Seu objetivo era destruir a imediatidade
mítica do presente, não por inseri-lo num
continuum cultural que afirmasse o presente
como culminância, senão descobrindo aquela
constelação de origens históricas que tem o poder
de fazer explodir o „continuum‟ da história. Na
era da indústria cultural a consciência existe em
um estado mítico, de sonho, contra o qual o saber
histórico é o único antídoto. Mas o topo
específico de saber histórico que é necessário
155
155
para libertar o presente do mito não é facilmente
desvelado. Descartado e esquecido, ele jaz
enterrado no interior da cultura sobrevivente,
sendo invisível justamente por ser de tão pouca
utilidade para aqueles no poder” (Buck-Morss,
2002, p.20).
Percebemos que na Florianópolis contemporânea, dois mitos,
duas imagens hegemônicas estão colocadas: a cidade-tecnológica e a
cidade-turística. E a cidade-cidade, onde fica?
Ao longo das últimas três décadas, além de territorializar as
áreas dos antigos bairros de veraneio das famílias que residiam no
centro da cidade, a atividade turística vem se sobrepondo violentamente
aos antigos espaços da pequena produção mercantil açoriana, como
defende Ouriques (2007, p. 75):
“Sinteticamente, a incidência da elevação do
preço da terra ocorre quase que simultaneamente
à decadência das atividades econômicas
tradicionais, implicando, via de regra, a
transferência da posse da terra e a expulsão das
áreas de marinha de muitas famílias de
agricultores e pescadores, em benefício das
classes mais abastadas de Florianópolis e outros
lugares”.
Além disso, muitas pesquisas comprovaram que o turismo,
que desde os anos 80 foi encampado como a tábua da salvação da
economia de Florianópolis, nunca foi uma atividade que trouxesse
tamanho dinamismo econômico para a cidade. É claro que esta indústria
acaba movimentando o capital imobiliário, poderosíssimo, mas a mais-
valia gerada não fica na cidade, pois grande parte dos investidores são
capitalistas extra-locais - e a que fica concentra-se cada vez mais.
Uma destas pesquisas é a de Lins (2006), que apresenta algo de
que pouco se houve falar, o “pólo confeccionista da Grande
Florianópolis”. Se observarmos o centro da cidade, não são poucas as
lojas de marca única cujas fábricas se localizam na Grande
Florianópolis. Há, inclusive, na Rua Deodoro o Shopping das Fábricas,
com mais de 20 lojas que comercializam estas mercadorias juntamente
com produtos do litoral-norte catarinense. Lins (2006), com base em
Dados do IPUF (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis),
cita que, no final da década de 80, 510 novas empresas deste tipo se
156
156
instalaram na região, gerando 7.260 novos empregos (em 1986 foi,
inclusive, criada a ASSINVEST, Associação das Industrias do Vestuário
da Grande Florianópolis), e acrescenta:
“Em termos históricos, a base econômica dessa
área [Grande Florianópolis] mostra-se estreita e
estribada na condição de sede da administração
pública estadual exibida pelo principal
município. Todavia as últimas décadas registram
a expansão do setor de turismo e o florescimento,
seguido de um certo adensamento, de atividades
de alta tecnologia ligadas tanto a equipamentos
como a software. Mas foram, igualmente
testemunhadas, desde os anos 80, medidas de
organização e encorajamento de atividades de
produção de artigos do vestuário, objetivando
aumentar as possibilidades de geração de
emprego e renda e contribuir para o
desenvolvimento local” (Lins, 2006, p. 05).
Outra pesquisa, esta encomendada ao Instituto CERTI sobre o
quadro da Indústria Eletrônica e Microeletrônica em Florianópolis,
comprova que as atividades ligadas à condição de Capital
Administrativa ainda são as principais movimentadoras da economia
urbana:
“Destacam-se como atividades econômicas mais
expressivas: distribuição de energia elétrica,
serviços de telefonia fixa comutada, telefonia
móvel celular, captação e distribuição de água,
outros serviços de telecomunicações, transportes
e outros. Este perfil econômico é, sobretudo,
ocasionado pela condição de capital do Estado, o
que faz com que centralize a maioria destes
serviços” (Fundação CERTI / Governo do Estado
de Santa Catarina, 2005).
Ao turismo, esta atividade tão avassaladora urbanisticamente,
foi atribuído uma poder e uma importância muito maiores do que lhe
cabe. O principal argumento em sua defesa acaba sempre caindo no
discurso da geração de emprego e renda e da necessidade de uma
atividade econômica forte, como fora o comércio na virada do século
157
157
XIX para o XX, já que em Florianópolis a atividade industrial não
prosperou. Como nos aponta Ouriques (2007), apresenta-se o turismo
como a vocação natural de uma cidade eminentemente administrativa,
para que a população em geral tenha mais chances de obter um posto de
trabalho.
Se observarmos os números da Tabela 1, veremos que 29% dos
postos de trabalho ocupados em Florianópolis correspondem à
administração do Estado, 13% a serviços prestados pelo Estado e cerca
de 8% ao comércio, enquanto apenas 5% a hotéis e restaurantes, que são
atividades normalmente ligadas ao turismo e, ainda assim, não
somente a este.
Mesmo considerando que esta porcentagem é na realidade
muito maior, sendo a informalidade uma característica estrutural da
atividade turística
76
, a mesma tabela demonstra que os empregos
relacionados ao turismo são os que pagam os salários mais baixos do
mercado, além de serem sazonais e não garantirem qualquer direito
trabalhista ao empregado. Por este motivo, Ouriques (2007, p. 81)
defende que:
“Enfim, o turismo consolida-se como a uma
prática econômica e uma ideologia social
poderosíssima, a ponto de ser vista socialmente
como vendedora daquilo que não pode entregar:
desenvolvimento econômico e sustentabilidade
ambiental, pois na sua curta história nas
periferias do capitalismo, em geral, e em
Florianópolis, em particular, evidenciam que se
trata de uma atividade que contribui para a
exclusão social e para a degradação dos
elementos de sustentação natural”.
76
Um dado difícil de se quantificar, por exemplo, são os
rendimentos com alugueis de casas para veraneio, atividade comum
inclusive entre os pescadores da ilha que, por não conseguirem mais
sobreviver somente da pesca, acabam investindo nesta atividade.
158
158
Tabela 1 - Pessoal ocupado e salário médio por atividade econômica
em Florianópolis no ano de 2004.
Atividade (2004)
Pessoal
%
Salário médio
Construção de edifícios e obras
2.992
1,52
R$ 940,12
Comércio varejista não especializado
5.773
2,94
R$ 710,28
Comércio varejista de outros produtos
8.754
4,45
R$ 804,82
Estabelecimentos hoteleiros e similares
2.489
1,27
R$ 596,93
Restaurantes e similares
7.840
3,99
R$ 490,54
Intermediação monetária
3.297
1,68
R$ 3.281,92
Condomínios prediais
4.910
2,5
R$ 704,17
Investigação, vigilância e segurança
3.374
1,72
R$ 754,33
Imunização, higienização e limpeza
3.693
1,88
R$ 398,74
Administração do Estado
56.875
28,93
R$ 2.075,34
Serviços coletivos prestados pela Adm.
Pública
26.988
13,73
R$ 3.289,20
Atividade de atenção à saúde
4.054
2,06
R$ 962,76
Limpeza urbana e esgoto
1.331
0,68
R$ 1.325,97
Fonte: Adaptado de Ouriques (2007, p. 75). O autor baseou-se nas informações
do RAIS Relação Anual de Informações do Minstério do Trabalho e
Emprego. Foram selecionadas as atividades que ocupavam mais de 1.000
trabalhadores.
Percebendo a fragilidade desta atividade econômica, a partir do
ano 2000, o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal passaram a
apostar todas suas fichas na marca Florianópolis: Capital da
Inovação”, lançada no último dia 18 de março:
"A marca deve representar uma estratégia
conjunta de todos os interessados em desenvolver
Florianópolis como a Capital da Inovação, numa
gestão cooperada. Não no segmento de
tecnologia, mas também em áreas como
gastronomia, na recepção ao turista, entre outros
segmentos", afirma Carlos Roberto De Rolt,
secretário municipal de Ciência e Tecnologia”.
Fonte: http://portal.pmf.sc.gov.br Acesso em
maio de 2010.
159
159
Esta nova empreitada tecnológica é mais uma tentativa do
Estado de romper com a imagem que Florianópolis teve por muitos anos
de ser uma cidade provinciana, uma pequena capital entre duas
metrópoles (Porto Alegre e Curitiba). Na página inicial do site da
Prefeitura Municipal é a marca Florianópolis: Capital da Inovação
que encontramos com destaque, e o próprio site do Governo Estadual
anuncia:
“A capital do Estado é moderna e cosmopolita,
onde o novo e o antigo convivem
harmoniosamente, quer nos balneários agitados,
quer nas pacatas vilas de pescadores. Tem mais
de 100 praias, inúmeros parques, reservas
naturais, praças, lagoas, dunas”.
Fonte: http://www.sc.gov.br/portalturismo
Acesso em maio de 2010.
Este discurso não parte somente Estado; a esfera privada está
aliada à construção desta ideia, como podemos notar, por exemplo, nas
declarações contidas no flyer virtual publicitário do empreendimento
Floripa Shopping:
“Investir em Florianópolis hoje é investir na
cidade mais desejada do momento. A capital
brasileira com os melhores índices de qualidade
de vida e uma das maiores rendas per capita do
Brasil. A segunda melhor cidade do País para se
viver e uma das cinco melhores para se realizar
negócios. Não é à toa que gente de todas as
partes do Brasil e do mundo está vindo morar
aqui.
• População de Florianópolis: 396.778 hab.
65% da população economicamente ativa
pertence às classes A e B.
• População da Grande Florianópolis: 803.151
hab.
• Taxa de alfabetização de adultos: 96,44%.
• Excelente infra-estrutura urbana.
Cidade turística, cuja população praticamente
dobra no verão.
O Floripa Shopping possui uma localização
privilegiada. Situado às margens da SC 401,
rodovia que liga o Centro ao Norte da Ilha de
160
160
Santa Catarina, o empreendimento está na
principal rota de desenvolvimento da cidade, no
caminho que leva às praias mais badaladas e aos
bairros de maior poder aquisitivo, como João
Paulo, Jurerê Internacional, Praia Brava,
Ingleses, Cachoeira do Bom Jesus e Santinho.
Boom imobiliário: nos últimos anos, a Região
Norte da Ilha tem recebido grandes
empreendimentos como o Sapiens Parque, além
de shoppings de decoração, condomínios
empresariais e residenciais.
Os bairros do Norte da Ilha têm crescido cerca
de 10% ao ano.
Circulam diariamente pela SC 401 cerca de 80
mil veículos.
Nas redondezas do Floripa Shopping estão
ainda o Centro Administrativo do Governo do
Estado, diversos centros empresariais e os
principais shoppings de decoração de
Florianópolis.
Inaugurado em novembro de 2006, o Floripa
Shopping nasceu para ser um empreendimento à
imagem e semelhança de Florianópolis, uma
cidade moderna e despojada”.
Fonte: www.floripashopping.com.br Acesso
em julho de 2009.
Existe na verdade uma aliança sólida entre os interesses do
Estado e do Capital Imobiliário, como comprovou, em 2007, o
escândalo conhecido como “Moeda Verde”. Este se tratou da divulgação
de um esquema de compra e liberação de licenças ambientais para a
construção de grandes empreendimentos imobiliários em Florianópolis
que acabou resultando na prisão de empresários e funcionários públicos.
Nesta ocasião, o Governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira, fez
uma ressalva, afirmando publicamente que as ações da polícia e da
justiça iriam afastar os investimentos em turismo em Santa Cataria e
relegar Florianópolis ao atraso” (Ouriques, 2007, p. 81).
Constatamos a partir deste quadro o quanto a inserção das
ideologias do planejamento estratégico nas práticas de planejamento da
cidade entra em contradição com o novo discurso nacional em termos de
urbanismo, o Plano Diretor Participativo. Afinal, de quem é a função de
planejar a cidade? Para quem a cidade é planejada? Sendo o
planejamento urbano uma competência do Estado, em uma cidade como
161
161
Florianópolis, onde o poder público demonstra a cada dia mais estar a
serviço do capital, um planejamento democrático, igualitário e
participativo torna-se improvável.
Cabe ressaltar que recentemente as discussões do Plano Diretor
de Florianópolis voltaram a ordem do dia, após a Prefeitura Municipal
ter destinado sua elaboração a uma empresa privada argentina de
planejamento, depois de três anos de trabalho das comunidades para
construção democrática e participativa do plano diretor (entre 2006 e
2008). Esta postura foi questionada e por pressão popular o plano diretor
voltou para a etapa de discussão comunitária. A participação popular
adquiriu mais força e coesão como própria consequência das tentativas
da prefeitura e dos grupos empresariais de instaurar esse urbanismo
totalitário na cidade.
Por fim, percebemos que Florianópolis hoje representa duas
cidades coexistentes; opostas mas complementares: a citye a polis”,
como demonstra Maricato (2001). São complementares porque não
existe uma separação entre elas, no sentido de que estas são duas faces
de um mesmo processo. Neste contexto, o centro da cidade passa a
representar a polis, os espaços públicos que contestam e desafiam,
mesmo que passivamente, este novo modelo de cidade imposto na
contemporaneidade, espaços onde estão despontando os primeiros
elementos de uma alternativa que, por não estar ainda modelada e
consolidada, nem por isso é menos promissora (Maricato, 2001, p.
101).
162
162
2 - Segregação, mobilidade e centralidade na cidade
contemporânea
Quando a urbanização corporativa e o planejamento estratégico
estão atuando, podemos identificar algumas categorias espaciais
interdependentes que marcam o espaço urbano, alterando a estrutura e a
relação entre centro e periferia na cidade: o modelo rodoviário, a
especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte,
extroversão e periferização da população, entre outras (SANTOS 1996).
Desta forma, algumas questões relacionadas a este quadro tornam-se
centrais ao entendimento da Florianópolis contemporânea: segregação
espacial, mobilidade e centralidade urbana.
2.1 - A composição social da população: segregação e
mobilidade
Em 1959 Milton Santos já apontava um conceito que no período
histórico atual é indispensável para se entender a formação e a
estruturação da cidade de Florianópolis; dizia ele que a composição
social da população reflete diretamente na organização do espaço
urbano. Isso significa que não se pode omitir a questão de classe em um
estudo urbano e, consequentemente, a formação histórica do quadro da
segregação espacial das classes na cidade.
Como expõe Bolle (2000, p. 179), em relação ao pensamento de
Walter Benjamin:
“Existe uma estreita relação entre a mentalidade
das Classes sociais e a fisionomia das grandes
cidades a leitura e compreensão dessas
correspondências desafiou o crítico Walter
Benjamin durante a vida inteira, constituindo-se
em constelação-guia de sua obra”.
A história da segregação espacial em Florianópolis poderia
perfeitamente servir como guia para uma periodização de sua formação,
pois percebemos que ao longo da história da cidade um jogo destas
163
163
segregações: de um espaço para outro, por diferentes motivos,
planejadas ou não, impostas ou aceitas. A dinâmica deste jogo de
segregações se apresenta como um importante elemento da combinação
que formou o espaço urbano desta cidade. É verdade que para analisar
qualquer espaço urbano é fundamental desvendar sua história,
“desfolhar as camadas da cidade, ver o que se oculta sob a superfície
do espaço” (Pesavento, 2008). Mas também é importante compreender
como se o controle e a apropriação dos espaços no tempo, ou seja,
desvendar a dimensão política da localização das classes sociais na
cidade ao longo da história. Neste sentido, Villaça (2001, p. 327)
acrescenta que a segregação espacial, como buscamos demonstrar nesta
pesquisa:
“É um processo que está longe de ser uma
particularidade das décadas recentes e de uma
eventual atuação do capital imobiliário ou das
leis de zoneamento contemporâneo. Ele vem se
constituindo no Brasil há mais de um século”.
A chave para compreender a dinâmica urbana atual de
Florianópolis é o momento da segunda fase da transição para a
modernidade capitalista (na verdade, grande transição dos anos 60),
quando as “classes altas” de então (o capital comercial que se converteu
na última fase, anos 90, em imobiliário) “rompem” com o centro
tradicional, que nesta época era o centro da cidade. Isso representa uma
descontinuidade histórica para o centro com conseqüências visíveis nos
tempos atuais. Entretanto, existe uma segregação que remonta ainda da
transição do século XIX para o XX e que se mantém como
continuidade.
A área do centro urbano de Florianópolis compreendida pelas
chácaras centrais é historicamente ocupada pelas classes altas -
comerciantes portugueses e posteriormente alemães (antigos bairros do
Mato Grosso e Praia de Fora e que hoje costuma-se chamar de “centro
novo”, envolvendo a região das Avenidas Gama D‟eça, Esteves Junior,
Rio Branco, Trompowsky, Bocaiúva e a Avenida Beira Mar Norte). Da
mesma forma, a área dos antigos bairros centrais (Toca, Figueira,
Tronqueira, etc) também é historicamente ocupada pelas classes
populares pelo menos até as reformas sanitarista dos anos 20, quando
foram expulsos para os morros centrais ou para o continente.
Neste processo, a formação do quadro comercial do centro
tradicional, voltado para as classes populares a partir dos anos 70,
164
164
representa a retomada por parte destas de alguns espaços que lhes foram
expropriados em tempos anteriores. A partir desta transição, as novas
centralidades (tanto esta área chamada de centro novo quanto as
posteriores novas centralidades pontuais representadas pelos shoppings)
passam a assumir o papel de atender as necessidades comerciais de
classe média e alta, que quiseram se afastar do centro mas permanecer
na centralidade.
Partindo então da hipótese de que o problema da “decadência”
do centro é na verdade o problema do abandono por determinada classe
social de um novo pacto de poder estabelecido nos anos 60/70 onde a
classe dominante não mais o habita ; ou seja, simplesmente da
popularização do centro, é que abordamos o tema da segregação
espacial das classes. Segundo Villaça (2001, p. 14):
“A segregação espacial das camadas de alta
renda surge como o elemento interno mais
poderoso no jogo de forças que determina a
estruturação do espaço intra-urbano de nossas
metrópoles”.
Em Florianópolis, as “classes altas” passaram a segregar-se em
determinados bairros localizados em uma região geral da cidade (eixo
norte da ilha), construindo uma macro-segregação que foi motivada
pela construção, na década de 70, de toda uma estrutura viária que
valorizou esta região. Desde esta época está explicita a aliança existente
entre o Governo Estadual e certos grupos da sociedade na definição do
“projeto de cidade” para o futuro. Nos anos 30, com a decadência dos
capitais comerciais urbanos, a burguesia passa a reverter suas intenções
aos investimentos imobiliários em associação com capitais extra-locais,
e, nos anos 70, a construção das vias expressas para o norte da ilha
permitiram a materialização deste desejo. Assim foi definido um novo
foco de investimentos, fora do centro tradicional da cidade. Por fim, nos
anos 90 com a entrada do capitalismo mundial na cidade, esse quadro se
completa.
No entanto, ao mesmo tempo que explicitamos esta macro-
segregação, temos que demonstrar como ela não é homogênea. Como
comentamos anteriormente, o “Norte da Ilha” é famoso nacionalmente
por seus bairros e comércios luxuosos. Neste ponto, a existência de uma
segregação espacial entre classes é motivo de proveito por parte da
mídia que se utiliza desta falsa ideia de homogeneidade (e harmonia)
para promover ainda mais esta região. Mas o norte da ilha é também um
165
165
espaço marcadamente de residência das classes populares, vide o caso
dos Bairros Saco Grande e Monte Verde (nas margens da SC 401) ou
mesmo da Favela do Siri, nos Ingleses, que são localidades encravadas
no grande projeto de tornar o norte da ilha o “lugar das elites de
Florianópolis” (projeto, este, que atualmente tenta se estender para toda
a cidade).
Em Florianópolis, apesar deste processo de separação ou
segregação, existe um cenário contrário daquela clássica descrição de
Engels da cidade moderna do século XIX
77
. Aqui, a miséria não
abriga-se em vielas escondidas”, está nos morros, ao longo das
estradas, à vista de todos. De seu automóvel, qualquer morador ou
turista pode vê-la, mesmo que não queira percebê-la ou senti-la.
Um ponto a ser discutido é o papel do Estado na formação da
segregação espacial na cidade. Neste aspecto, assinalamos que a tese
corrente sobre a “decadência” do centro das cidades brasileiras estar
relacionada à ausência de investimentos públicos precisa ser repensada.
Em Florianópolis, o Estado não virou as costas para o centro, não está
alheio a este processo, sua participação é ativa e vem sendo planejada de
acordo com um projeto bem definido. O exemplo mais claro em relação
a isso é a construção dos aterros, um investimento localizado no centro
da cidade, que acabou se configurando como um dos grandes motivos
de sua desvalorização imobiliária. É por isso que Villaça (2001) aponta
que a segregação espacial é um processo necessário à dominação social,
econômica e política por meio do espaço; um traço presente em todas as
metrópoles brasileiras e um aspecto fundamental para sua compreensão.
Com a construção da Avenida Beira Mar Norte sobre o aterro
que contorna a planície central (ao longo da qual se desenvolve uma
área residencial de alto padrão), o fluxo de veículos é desviado do
centro, e várias ruas tornaram-se exclusivas para pedestres (Conselheiro
Mafra, João Pinto, Felipe Schmidt, Trajano, Deodoro etc.). Em
contrapartida, outras avenidas menores que estas, porém mais largas que
as do centro antigo são pavimentadas e retificadas em virtude da
necessidade do desvio do tráfego central, tais como as Avenidas Mauro
Ramos, Esteves Junior e Rio Branco, todas dando acesso as vias
77
“Manchester é construída de um modo tão peculiar que podemos residir nelas durante anos,
ou entrar e sair diariamente dela, sem jamais ver um bairro operário ou até mesmo encontrar
um operário isso se nos limitarmos a cuidar de nossos negócios ou a passear. A razão é que
seja por um acordo inconsciente e tácito, seja por uma consciente e expressa intenção os
bairros operários estão rigorosamente separados das partes da cidade reservadas à classe média
ou, quando essa separação não foi possível, dissimulados sob o manto da caridade” (Engels,
2008, p. 88-89).
166
166
expressas. Este desvio do trânsito do centro antigo pelas novas portas de
entrada da cidade, desvalorizam comercialmente as ruas do centro
tradicional. Esta infra-estrutura moderna de transportes (composta
principalmente pelas vias expressas da Avenida Beira Mar construídas
entre 1977 e 1981), que impôs como condição de realização a
construção dos aterros norte e sul, isolou o centro antigo do processo de
modernização e deu início a um processo de estagnação econômica e
obsolência das formas
78
.
Por fim, como a questão da composição social, ou da
segregação espacial liga-se com a questão da mobilidade?
A condição material para que esta segregação moderna
ocorresse era a construção das vias expressas; com elas as pessoas
poderiam viver em seus bairros escolhidos, mas ao mesmo tempo se
locomover facilmente para o trabalho. Por isso a questão da liberdade de
circulação é um fator de estratificação social: “O direito à mobilidade é
o novo direito à cidade” (Chalas, 2007, p. 37).
Chalas (2007, p. 36-37) nos fala que quanto mais subimos na
escala social, mais os indivíduos e os grupos sociais de deslocam” e que
a mobilidade é, hoje em dia, a própria base da relação social e
espacial; a mobilidade nos liga agora uns aos outros e aos lugares”,
surgindo como fundadora de redes de pertencimento, de modos de
apropriação dos territórios e dos modos de representá-los”.
A partir da percepção deste processo de formação de um modo
de vida fragmentado, unido pelas vias expressas (de cidades
contraditórias, segregadas-integradas), Chalas (2007) desenvolveu o
conceito de Cidade-móvel, um tipo de cidade contemporânea que
apresenta uma mobilidade crescente dos modos de vida urbanos,
formada por pessoas que cotidianamente efetuam idas e voltas de sua
residência para o local de trabalho. Em Florianópolis, diariamente
milhares de trabalhadores em Florianópolis cruzam a Ilha de norte a sul,
do continente ao centro, enfrentando horas de congestionamento para
trabalhar ou estudar.
78
O que a construção dos aterros acarretou para o centro (o isolamento) é o mesmo que
podemos observar no Bairro José Mendes, localizado na Baía Centro-Sul da ilha. Antes da
construção do túnel que liga a Beira Mar Norte à Sul e aos Bairros do Pantanal e da Trindade,
este bairro era passagem obrigatória para qualquer pessoa que quisesse acessar a parte sul da
cidade. Era inclusive área de moradia de classes abastadas; nele registra-se a ocorrência de
chácaras e, inclusive, alguns dos casarões ainda permanecem na paisagem. Porém hoje, o José
Mendes é uma cápsula de isolamento, um lugar estagnado, com ar de passado e quase
totalmente residencial.
167
167
2.2 Centralidade
O centro de cidade no sentido próprio do termo indica um lugar
ao mesmo tempo geográfico, econômico, simbólico, identitário e
integrador; por isso a questão da mobilidade, da circulação ou da
integração estão intimamente atreladas à questão da centralidade.
A cidade de Florianópolis, em seu processo de formação,
acabou se constituindo como uma cidade bi-nuclear, tendo outro centro
urbano localizado no continente, no bairro Estreito (que foi anexado a
Capital nos anos 50). Observamos que desde a década de 50 se inicia
o processo de dissipação da centralidade urbana, como atesta esta
citação de Dias (1948, p. 71):
“O mercado publico não atende mais, pela sua
localização, às necessidades de toda população.
A descentralização, visível, manifesta-se pela
existência de numerosos mercadinhos populares,
distribuídos por quase toda a cidade.”
Nesta cidade, o relevo compartimentou naturalmente a
ocupação
79
, formando um território de bairros plurais, que tendem a
desenvolver seus próprios sub-centros, núcleos ou ruas comerciais. Os
comércios de bairro eram montados por pessoas que tinham melhores
meios de transporte para ir até o centro e posteriormente revender certas
mercadorias para seus vizinhos. Outra questão interessante e que
também está relacionada à configuração geomorfológica da Ilha é que
aqui, os bairros são naturalmente valorizados, pois grande parte deles
são balneários belíssimos onde as pessoas escolhem morar mesmo
estando distantes do centro, do seu trabalho ou da universidade.
Santos (1993) observa que o espraiamento é uma
característica comum às cidades brasileiras modernas; na modernidade,
estas passam a se configurar, nas palavras de Chalas (2007), como
cidades-arquipélago”.
Observamos que foi a partir dos anos 50 quando as condições
materiais para a estruturação de novas centralidades se desenvolveram
79
Caso semelhante com o que escreve Cario Prado Jr (1971, p. 112-113) referente ao território
paulista: “Quem observa a carta paulista, verificará desde logo que o povoamento, e com ele
todos os fatos que acompanham o estabelecimento humano (aparelhamento econômico e
urbano, vias de comunicação etc.) aparece nitidamente compartimentado. [...] São as
configurações do território paulista e a ação de outros fatores naturais os grandes responsáveis
por tão curiosa estrutura demográfica”.
168
168
(época em que começou a se formar o centro novo); chegando aos anos
anos 70 (a partir do incremento populacional e da instalação de órgãos
estatais em lugares fora do centro tradicional) quando começam a ser
formar os sub-centros. Mas é notadamente na década de 90 que a
independência dos bairros de Florianópolis se acentua, quando estes
passaram a se configurar como fortes áreas de influência, centros
secundários, motivados por grandes investimentos coletivos, que
alteraram os fluxos e re-configuraram a composição do tecido urbano.
Quando a cidade passa a ser polinucleada, alteram-se os trajetos
dos habitantes dentro desta. Frequentemente, uma pessoa pode em seu
cotidiano deslocar-se entre várias cidades para trabalhar, estudar, fazer
compras e voltar para sua casa. Por vezes, este deslocamento sequer
passa pelo centro tradicional, pois ele compreende atualmente o
percurso entre a “zona industrial”, o “campus acadêmico”, a “zona
comercial” ou o “shopping”:
“O habitante das periferias atuais, mesmo as mais
longínquas, tornou-se plenamente urbano, vive
na e da urbanidade como todo habitante do
centro da cidade, porque ele tem a possibilidade
de acessar rapidamente e comodamente, apesar
das distâncias, qualquer ponto do território onde
se estabelece a cidade, mas igualmente porque
esta última, pela diversidade de suas funções e de
suas potencialidades, se relocaliza na periferia
onde ele vive e até mesmo no interior de sua
própria casa” (Chalas, 2007, p. 40).
A nova escala da vida do habitante na cidade a partir da
agregação de novas centralidades, que representa claramente um novo
modo de vida, provoca uma mudança no papel do “centro tradicional”.
Na cidade contemporânea, torna-se até mesmo difícil identificar seus
centros de gravidade”, que não se confundem mais necessariamente
com os centros antigos” (Chalas, 2007, p. 40). A priori, o surgimento de
novos centros é quase proporcional ao enfraquecimento dos centros
tradicionais. Entretanto, não é simplesmente existência da poli-
centralidade o motivo da decadência do poder de atração do centro
tradicional, estando este processo ligado à um contexto social muito
mais amplo. Em Florianópolis, apesar do desenvolvimento de novas
centralidades, a decadência do centro não é tão acentuada como em
169
169
outras cidades brasileiras. O centro se mantém pois adquire um novo
papel, um novo sentido de centralidade.
2.2.1 - Os sub-centros
O centro de Florianópolis expandiu-se para além do centro
tradicional a partir dos anos 50, avançando sobre a área das chácaras,
residência das classes altas de Florianópolis. Esta área é denominada de
centro novo e representa uma expansão contínua do perímetro
central. A área do centro tradicional e do centro novo são muito
distintas, tanto em termos comerciais quanto residenciais.
Após esta expansão inicial começou a ocorrer a formação de
novas centralidades em outras partes da cidade (os sub-centros), que não
representam uma expansão contínua do centro e sua dinâmica é muita
distinta deste (Observar Figuras 25, 26, 27, 28 e 29).
O ícone da transformação do centro de Florianópolis neste
período foi o automóvel, que provocou uma necessidade de re-adaptação
da velha estrutura urbana. No centro tradicional estão as ruas mais
antigas e estreitas da cidade, o que traz o agravamento do conflito
entre as formas antigas de organização urbana e as exigências do
tráfego moderno (Santos, 1959, p.120). As formas modernas de
mobilidade exigem um tipo de espaço apropriado, denominado por
Chalas (2007, p. 38) de “espaço-transporte”, que envolve tanto as auto-
estradas quanto os estacionamentos, pontos de ônibus e etc.; para os
quais o centro tradicional de Florianópolis era pequeno.
Estas novas estruturas criadas para atender as demandas da
modernização da cidade foram as duas novas pontes, os aterros e as vias
expressas. Como aponta Padilha (2006, p. 59):
170
170
Figura 25 Foto aérea do centro de Florianópolis (1938).
Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Universidade do Estado de
Santa Catarina.
171
171
Figura 26 Foto aérea do centro de Florianópolis (1957).
Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Universidade do Estado de
Santa Catarina.
172
172
Figura 27 Foto aérea do centro de Florianópolis (1977).
Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Universidade do Estado de
Santa Catarina.
173
173
Figura 28 Foto aérea do centro de Florianópolis (1994).
Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Universidade do Estado de
Santa Catarina.
174
174
Figura 29 Foto aérea do centro de Florianópolis (2000).
Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Universidade do Estado de
Santa Catarina.
“Rybczynski (1996) relacionava o declínio do
centro da cidade [norte-americana]
primeiramente com a invenção do supermercado,
depois com o sucesso do shopping center. Sem
dúvida, a popularização do automóvel provocou
175
175
mudanças na vida da cidade. O automóvel
mudou a forma de locomoção das pessoas e, ao
lado da geladeira e do freezer, possibilitou às
donas de casa fazer compras maiores, que
poderiam ser estocadas em casa. Assim, a
invenção do supermercado com seus
estacionamentos e a popularização do automóvel
mudaram os hábitos de compras das pessoas. Os
grandes supermercados, onde era possível
encontrar praticamente de tudo, não eram
adequados para o centro das cidades, pois era
necessário mais espaço, o que empurrou a
construção dos supermercados para as periferias”
(Padilha, 2006, p.59).
Na mesma época, são transferidas para as terras “detrás do
morroa Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade do
Estado de Santa Catarina, além de várias outras instituições e serviços.
Com o aumento da população e das atividades sociais fora da região
central tradicional da cidade, ocorre uma desconcentração”, o centro
torna-se transterritorial(GOTTDIENER, 1997). Portanto, além desta
questão da inadaptação do espaço central ao automóvel e as estruturas
modernas ligadas a ele pois, como diz Baudrillard (1991), o hiper-
mercado é inseparável das auto-estradas e dos parques de
estacionamento vemos que a questão da policentralidade está ligada ao
próprio desenvolvimento das periferias, ao aumento da população que
gerou uma demanda por serviços. Como comenta Peluso Junior (1991a,
p.343):
“O plano urbano criado por seus fundadores
expandiu-se pela transformação de terras rurais
em terrenos urbanos, geralmente obedecendo aos
interesses dos proprietários, raramente as da
urbanização, à medida que a orla urbana
avançava sobre o campo, impulsionada pelo
crescimento da população”.
A instalação destas grandes estruturas inicialmente isoladas
provocou a intensificação do povoamento e o crescimento em direção ao
centro da cidade, de modo que a área dos bairros do Itacorubi, Trindade,
Agronômica, Carvoeira (chamada de centro expandido”) e Centro
hoje são consideradas oficialmente pela prefeitura como Distrito
176
176
Central. Isso é um grande problema em termos de planejamento urbano,
pois, como comentamos anteriormente, o centro tradicional, o centro
novo e os sub-centros tem formação e dinâmica de funcionamento muito
diferentes.
Uma das diferenças notáveis entre o centro e estas novas
centralidades é que os serviços presentes no primeiro visam atender toda
a cidade (como pressuposto), enquanto os outros visam atender um
mercado mais específico, a população residente em seus arredores e
são estrategicamente localizados para isso. Por outro lado, estas
centralidades se afirmam no momento em que populações de outras
localidades se deslocam até elas em busca de algum comércio ou
serviço. Neste contexto, bairros como Trindade, Lagoa da Conceição e
Estreito, conquistam uma certa autonomia em relação ao centro da
cidade, pois dispõem de um sistema de serviços bancários, de saúde,
escolas, comércio etc. muito completo, ou seja, tem um poder de
centralidade, podendo ser consideradas como sub-centros.
Desta maneira, em Florianópolis aparecem dois tipos de novas
centralidades: as representadas por outros bairros que se desenvolveram
historicamente a partir dos anos 60 (segunda fase de nossa transição
para a modernidade capitalista) como o caso da Trindade; e outras (mais
pontuais) que passam a se desenvolver atreladas ao novo projeto de
cidade posto em prática nos anos 90 e cujos pontos centrais são os
shopping centers.
2.2.2 - Uma estadia no shopping
Os primeiros shoppings
80
surgiram nos EUA no pós guerra e
foram planejados por arquitetos vienenses (como Victor Gruen)
inspirados nas lojas de departamentos e galerias européias de Paris e
Londres. O shopping center, essa mitologia moderna, encontra então sua
origem mais remota nas Passagens, que são as precursoras das lojas de
departamentos que mais tarde viriam a originar os shoppings que
conhecemos hoje em dia. Nesta descrição das Passagens do século XIX,
por exemplo, Benjamin parece estar escrevendo sobre qualquer um dos
shoppings que habitam as cidades brasileiras atualmente:
80
Os shoppings são chamados nos EUA de mall, ou shopping mall; na Inglaterra de shopping
centre; na França de centre commercial; a expressão shopping center é uma invenção brasileira
(PADILHA, 2006).
177
177
“As passagens, uma recente invenção do luxo
industrial, são galerias cobertas de vidro, com
paredes em mármore, atravessando blocos
inteiros de prédios, cujos proprietários se
associaram para este tipo de especulação. Dos
dois lados dessas galerias, que recebem sua luz
de cima, alinham-se as lojas mais elegantes, de
modo que uma tal passagem é uma cidade, um
mundo em miniatura, onde o comprador pode
encontrar tudo o que precisa.” (Benjamin apud
Bolle, 2000, p. 62).
Não foi por acaso, portanto, que Benjamin, ao interpretar as
Passagens como uma alegoria, enxergou como central a questão do
fetichismo da mercadoria. As vitrines dos shoppings, assim como as
passagens parisienses, com sua exposição panorâmica dão a ilusão de
luxo à acesso público. Mas, como o turismo em castelos medievais, o
acesso ao shopping é um acesso de exibição, não necessariamente de
consumo ou de participação.
Na Europa, os shoppings surgem na Grã-Bretanha, na França e
na Alemanha, entre os anos 50 e 60. Em outros países, como Itália e
Grécia, por exemplo, haviam leis urbanísticas que priorizavam os
pequenos comércios do centro da cidade (PADILHA, 2006).
O primeiro shopping brasileiro foi construído na cidade de São
Paulo em 1966, mas a expansão efetiva deste comércio no país ocorre a
partir dos anos 80. A construção de shoppings no Brasil foi, em grande
medida, possibilitado pelo Estado através dos financiamentos da Caixa
Econômica Federal (PADILHA, 2006).
O primeiro shopping de Florianópolis foi o Shopping Beira
Mar, inaugurado em 1993. Este shopping se localiza na área central da
cidade, e desde que os shoppings seguintes passaram a se instalar em
lugares mais distantes do centro, utiliza isso como propaganda através
do slogan: “Beiramar shopping. O único no coração da cidade”.
Com base em informações que constam no site do shopping,
nele circulam por dia 27 mil pessoas. Na alta temporada (dezembro,
janeiro e fevereiro) esse número passa para 33 mil pessoas/dia. A
quantidade de empregos diretos é de 1956 pessoas.
178
178
O site deste shopping é uma janela de onde podemos perceber
alguns dos seus objetivos e algumas das tendências deste mercado,
como por exemplo pelos textos
81
:
“Pesquisas recentes indicam que 80% do público
freqüentador do Beiramar Shopping possui entre
15 e 40 anos - sendo 57% do sexo feminino e
43% masculino. Aproximadamente 93% dessas
pessoas são das classes socioeconômicas A e B.
O florianopolitano é o maior freqüentador do
shopping - 88% dos visitantes são moradores da
Ilha. As cidades vizinhas são responsáveis por
12% do público”.
“Localizado em um ponto privilegiado da cidade,
de frente para a Beira-Mar Norte, é o melhor
lugar para se fazer compras em Florianópolis -
mas também uma excelente opção de lazer e
entretenimento”.
No primeiro texto a administração do shopping objetiva deixar
claro que pelo shopping circulam tanto homens quanto mulheres, e em
idade jovem: 15 a 40 anos. Mas o mais importante é informar aos
leitores que a grande maioria desses homens e mulheres fazem parte das
classes A e B, o que um breve passeio pelo lugar logo contraria.
Na segunda passagem aparece a tendência do shopping de
tornar-se um lugar de lazer para a cidade. O shopping Beira Mar possui
em suas instalações caixas eletrônicos, uma agência bancária do
Unibanco, Lotéricas e farmácias. A idéia é fazer com que os
consumidores encontrem neste espaço tudo o que precisam o que
representa um ganho para os lojistas, pois uma pessoa que vai ao
shopping para utilizar a casa lotérica ou a farmácia tem evidentemente
que passar por várias vitrines. Em relação a isso, segundo pesquisa da
Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRESCE)
82
, entre os
fatores que mais se destacam na avaliação do consumidor como
principais motivos para visitar um shopping center estão: compras, 42%;
passeio, 15%, serviços, 13%; alimentação, 11% e lazer, 3%.
A circulação dentro dos shopping centers é controlada,
despercebidamente, de forma estratégica. As lojas-âncora, que são as
81
Fonte: http://www.shoppingbeiramar.com.br - Acesso em junho de 2009.
82
Fonte: www.abrasce.com.br - Acesso em junho de 2009.
179
179
lojas maiores e com maior poder de atração, são distribuídas pelo
shopping sempre em pontos opostos, para que quando o frequentador
caminhe de uma âncora a outra passe por várias lojas menores,
chamadas lojas-satélite. Interessante notar como esta ideia de que as
âncoras atraem público para as outras lojas lembra a teoria das
economias de aglomeração (BENKO, 1996), que expõe como a
proximidade das lojas pode gerar cooperação e não a competição.
Entretanto, no caso do shopping essa aglomeração não se por um
mesmo ramo (mesmo que grande parte das lojas seja do ramo do
vestuário), mas de forma diversificada (com cinemas, restaurantes,
supermercados etc.).
A existência de âncoras poderosas são parte da garantia de
sucesso de um shopping center. Inclusive, grande parte destas são lojas
que visam os chamados clientes de corredor, ou seja, que só existem em
shoppings. A Loja Renner, por exemplo, uma das âncoras do Beira-mar
shopping, possui 108 das suas 115 filiais localizadas em shoppings
(apenas 7 em pontos centrais de cidades)
83
.
Apesar de serem lojas de grande porte, as âncoras não se
caracterizam por empregar uma quantidade muito grande de pessoas,
pois seguem padrões de organização para as mercadorias onde os
compradores atendem-se a si próprios, o self-service.
É notável também como grande parte das âncoras dos shopping
de Florianópolis são formadas por capital estrangeiro. A citada
Renner, por exemplo, era capital nacional, mas foi recentemente vendida
para o grupo norte-americano J.C. Penney. A C&A, outra âncora deste
shopping, é uma franquia holandesa (Clemens e August) que tem lojas
no Brasil desde 1976
84
.
Outra âncora são as Lojas Americanas, que desde 1994 pertence
ao grupo Wal-Mart do Brasil. As Lojas Americanas foram inauguradas
em 1929 no Rio de Janeiro por quatro norte-americanos com o slogan de
Nada além de dois mil réis”. Trabalha hoje com vários seguimentos
(Lojas Americanas, Americanas Express, Americanas.com) e é
proprietária do canal de TV Shoptime, do site de compras Submarino e
da rede Blockbuster no Brasil
85
.
O Supermercado Imperatriz é outra forte âncora do shopping
Beira Mar. Fruto da pequena produção mercantil alemã dos vales
centrais de Santa Catarina, esta rede surge em 1974 inicialmente com
83
Fonte: www.lojasrenner.com.br - Acesso em junho de 2009.
84
Fonte: www.cea.com.br / www.c-and-a.com - Acesso em junho de 2009.
85
Fonte: www.americanas.com - Acesso em setembro de 2009.
180
180
apenas 100m
2
, onde o casal Vidal Procópio e Vilza Maria Lohn
comercializava a produção dos pequenos agricultores da região.
Portanto, ao contrário das anteriores
86
, o Supermercados Imperatriz é
uma empresa de capital nacional que ainda mantém as características de
uma organização familiar
87
.
O Floripa Shopping foi o segundo shopping a ser inaugurado
na cidade, após um intervalo de 13 anos da inauguração do Beira Mar.
Sob administração da empresa Aliansce Shopping Centers, resultou de
um investimento de 120 milhões de reais e tem com sócio majoritário a
família Detemerco de Curitiba, ex-proprietária do Mercadorama.
Trabalham neste shopping 1,5 mil pessoas, além de mais 3 mil
empregos gerados indiretamente
88
. Novamente, as informações que
constam no site demonstram claramente a ideologia dos investidores,
como nos textos que seguem:
“Aberto ao público em 9 de novembro de 2006, o
Floripa Shopping possui localização privilegiada,
arquitetura moderna e o melhor mix de lojas da
região. Às margens da SC 401 rodovia que liga
o Centro ao Norte da Ilha de Santa Catarina, o
empreendimento está na rota de desenvolvimento
da cidade, no caminho que leva aos bairros de
maior poder aquisitivo, como Jurerê
Internacional, Praia Brava e Costão do Santinho.
A poucos metros do Floripa Shopping estão o
Centro Administrativo do Governo do Estado,
condomínios de escritórios e os principais
shoppings de decoração de Florianópolis”.
“Pensado e construído para ser uma homenagem
às características da Capital catarinense, o
Floripa Shopping é um centro de compras
regional, com âncoras inéditas em Santa
Catarina. Apesar de localizado na principal via
de acesso às praias mais procuradas por turistas
de alto poder aquisitivo, o Floripa Shopping
86
As duas outras âncoras do Shopping Beira-mar são o Mc Donalds e o BOB‟s, que dispensam
qualquer apresentação; são grande representação do modo de vida norte-americano no Brasil e
no mundo.
87
Fonte: http://www.superimperatriz.com.br - Acesso em junho de 2009.
88
Fonte: www.floripashopping.com.br Acesso em julho de 2009.
181
181
conta com um fluxo não só de visitantes, mas
principalmente de moradores da Capital.
Circulam pela rodovia SC 401 cerca de 70 mil
veículos diariamente”.
“Os principais diferenciais do Floripa Shopping
são a inovação, pioneirismo em eventos e a
responsabilidade sócio-ambiental. Será o
primeiro Shopping do Estado a contar com uma
rede de cinemas multiplex e a financiar um
programa sócio-ambiental vencedor do prêmio
Empresa Cidadã da ADVB/SC, com
investimentos estimados em R$ 4 milhões”.
Os investidores novamente desejam deixar claro que trata-se de
um investimento voltado para as classes altas, por estar localizado no
caminho que leva aos bairros de maior poder aquisitivo da cidade”.
Outro apelativo presente no terceiro texto é em relação ao financiamento
de um programa ambiental, que na verdade se trata de um “ajuste de
conduta” referente às varias irregularidades na construção do shopping,
principalmente quanto às normas sanitárias, como, por exemplo, o fato
de seu projeto não ter previsto um sistema de tratamento de esgoto.
Em entrevistas realizadas em algumas lojas deste shopping no
dia 10/10/2009 (Quadro 1) os comerciantes declararam que o principal
objetivo de instalar uma filial ali foi atingir um público novo. Como
antigamente o shopping Beira Mar estava com todas as lojas alugadas, a
primeira oportunidade para isso surgiu com o shopping Floripa.
Acreditava-se que o público principal deste shopping seriam a classes A
e B residentes nos bairros Jurerê, Centro, Agronômica, Itacorubi e os
turistas de temporada que comumente são de São Paulo e do Paraná,
mas hoje este público é formado principalmente pelas classes B e C e
moradores dos arredores (norte da ilha em geral). Isto porque o
shopping Iguatemi, que trataremos mais adiante, acabou configurando-
se como o shopping mais elitizado da cidade.
Os lojistas e comerciários entrevistados citaram como as
principais vantagens de se ter um comércio em shopping o conforto (ar
condicionado e proteção contra chuva), o horário diferenciado, a
aglomeração de muitas lojas no mesmo lugar, as opções de lazer
89
e
89
O shopping possui em suas instalações, por exemplo, uma filial do Playland: “Os Playlands
são FEC (Family Entertainment Centers), localizados nos principais shoppings do Brasil.
Unem conforto, comodidade, segurança e infra-estrutura para toda a família, oferecendo o que
182
182
principalmente o estacionamento, que no centro é muito difícil
conseguir vaga para estacionar”. Segundo um dos comerciários que
cedeu entrevista, no shopping você pode comer, se divertir, comprar...
tudo no mesmo lugar!”.
1 Nome do estabelecimento comercial
2 Em qual shopping se localiza?
3 Qual a origem étnica do proprietário (portuguesa, alemã, italiana, grega,
etc), qual sua cidade de nascimento e desde quando vive em Florianópolis?
4 Em que bairro da cidade reside o proprietário?
5 O estabelecimento comercial sempre funcionou neste endereço? Quais os
endereços anteriores? Porque mudou de endereço?
6 O imóvel onde está instalado este estabelecimento é próprio ou alugado? Se
alugado, desde a sua instalação o valor do aluguel aumentou ou diminuiu? (Se
possível, informe o valor pago pelo aluguel no passado e atualmente)
7 Quais as vantagens de se instalar um estabelecimento comercial neste
shopping? Você acredita que este shopping é o melhor ponto para seu
estabelecimento? Melhor que outros shoppings, o centro da cidade ou outros
bairros? Por que?
8 O estabelecimento tem um público-alvo? Qual seria? (Classe social,
moradores de que localidade, etc.)
9 Quais você acredita serem os principais motivos que levam as pessoas a
fazerem suas compras nos shopping centers e não mais no comércio de rua?
10 Quais as principais dificuldades enfrentadas pelo estabelecimento nos
últimos anos/meses (se houver)?
11 Você pretende mudar seu estabelecimento de endereço futuramente? Por
qual motivo?
12 Quantos funcionários estão empregados neste momento?
13 Cite o bairro onde residem alguns dos funcionários
14 Cite a cidade de origem de alguns dos funcionários
15 Se possível, informe o salário médio dos funcionários
Quadro 1 - Questionário para entrevista semi-estruturada com
comerciantes e comerciários de shopping center em Florianópolis.
O movimento do shopping, segundo os entrevistados, ainda
não é o que se esperava, mas está crescendo”. Dado interessante é que
cerca de 1 para cada 5 funcionários reside nos Bairros Saco Grande e
Monte Verde, que ficam às margens da SC 401, nas costas do
de mais moderno em equipamentos para diversão. Dezenas de atrações que incentivam a
competição e propiciam momentos de total descontração fazem parte deste cenário”. Fonte:
www.playland.com.br - Acesso em setembro de 2009.
183
183
empreendimento
90
. Vale dizer, que o Floripa Shopping vem sendo muito
frequentado pelos moradores dos citados bairros, que encontram
caixas bancários, lotéricas, cinemas e vários outros serviços que antes
eram de difícil acesso apesar de obviamente não ter sido construído
com esta intenção. Constatamos em recente pesquisa
91
que em virtude
da escassez dos espaços públicos nos referidos bairros, o shopping
acabou, contraditoriamente, delineando-se como uma centralidade. Tem
destaque neste contexto o Supermercado Nacional (uma de suas âncoras,
do grupo Wal-Mart) localizado na porta dos fundos do edifício, sendo
muito utilizado pelos moradores.
O shopping Floripa caracteriza-se como um shopping sazonal,
na temporada o movimento quadruplica”, segundo uma comerciária,
compensando, inclusive, a baixa do inverno. Em todas as lojas visitadas,
ouvimos reclamações dos funcionários em relação ao ritmo de trabalho
do shopping, nós não temos sábado, nem domingo, nem feriado”.
Grande parte deles declara que trabalhar no comércio de rua é muito
melhor, inclusive quanto aos salários.
No Floripa Shopping está instalado o Cinemark, uma de suas
principais âncoras. Maior rede de cinemas do Brasil e da América
Latina, esta multinacional com sede nos EUA é também a segunda
maior exibidora de filmes do mundo. Está presente em mais 12 outros
países e é a precursora do modelo Multiplex de salas de cinema, onde
as salas possuem telas gigantes, de parede a parede, sistema de som
digital, isolamento acústico, poltronas reclináveis com braços móveis e
suporte para copos nos assentos
92
. A principal característica deste tipo
de sala é a prioridade pelo conforto físico do espectador, e não pela
“qualidade” do filme que está sendo exibido. Esta rede foi a primeira a
instalar uma sala 3D na América do Sul e hoje segue os padrões dos
grandes estúdios americanos de exibição. Além disso, todas as salas da
Cinemark no Brasil estão instaladas em shoppings ou centros
comerciais.
Constatamos nesta pesquisa que a formatação do comércio de
shopping gerou um novo tipo de modelo de varejo, as chamadas lojas
90
Bairros tradicionalmente de classes populares, esta pequena área abriga 10% da população
que vive em Área de Interesse Social na cidade de Florianópolis, cerca de 6.500 pessoas, quase
metade da sua população total (PMF, 2006). O Monte Verde, que hoje tem status de bairro,
surgiu inicialmente como um conjunto habitacional.
91
Pozzo, Renata Rogowski; Souza, Felipe Silveira. Leitura e Planejamento dos Bairros Saco
Grande e Monte Verde Florianópolis: Espaços Públicos e Centralidade. Artigo em fase de
finalização ainda não publicado.
92
Fonte: http://www.cinemark.com.br/cinemark/brasil/mundo.html - Acesso em julho de 2009.
184
184
Mega-Store. Hoje, desde as magazines, os salões de beleza
93
, até as
livrarias seguem este padrão de instalação dentro destes espaços. Outro
fato interessante é que muitas das lojas instaladas nos shoppings têm seu
processo de crescimento historicamente ligado à expansão destes
estabelecimentos.
Uma delas é a Centauro, fundada em 1981 e hoje a maior rede
de lojas de produtos esportivos da América Latina, que tem todas as
suas filiais brasileiras instaladas em shoppings e foi uma das pioneiras
deste modelo de super e mega store
94
. Dentre as mega stores do
Shopping Floripa temos apenas duas com origem no capital nacional: a
Lojas Marisa e a Riachuelo. Além destas temos as âncoras C&A e a
Americanas, multinacionais de fama destacada no mercado nacional.
A Marisa abriu sua primeira loja em 1948 na cidade de Porto
Alegre, voltada sempre ao público feminino. Hoje são mais de 200 lojas
em todo Brasil, sendo que a primeira inaugurada em shopping center
data de 1990, em São Paulo. Por ser uma marca muito popular, ainda
tem várias lojas de comércio de rua. Como muitas destas grandes
varejistas, a Marisa ingressou recentemente no ramo de serviços de
crédito pessoal. A Marisa também segue o modelo de varejo baseado em
mega-lojas (que podem ser comparadas as antigas lojas de
departamentos), prezando pela padronização e priorizando a exposição
das roupas em detrimento do atendimento, como observamos a seguir
95
:
Em 1999, a partir da larga experiência da
Companhia ratificada por meio de pesquisas de
mercado conduzidas pela InterScience, uma das
empresas de pesquisa mais bem conceituadas em
consumo de varejo, a Marisa verificou a
necessidade de um novo modelo de loja que
aumentasse a variedade de produtos oferecidos
para toda a família, criando maior conveniência
de compra para suas clientes em um mesmo local
. Foi então que a Companhia desenvolveu um
novo conceito de lojas com área de vendas
superior a 1.200 m², oferecendo, além de moda
feminina, moda masculina, moda infantil e cama,
mesa e banho.
93
“Seja bem-vinda(o) ao endereço eletrônico do Lady & Lord Cabeleireiros e Estética, a maior
rede de salões do Sul do País, que possui também o maior salão instalado em shopping centers
da América Latina”. Fonte: www.ladyelord.com.br Acesso em julho de 2009.
94
Fonte: www.centauro.com.br Acesso em julho de 2009.
95
Fonte: http://www.marisa.com.br/ri/index.htm - Acesso em julho de 2009.
185
185
A Riachuelo foi fundada em 1947 e inicialmente comercializava
tecidos a preços baixos. Em 1979, foi comprada pelo Grupo Guararapes
de Natal-RN (atualmente o maior grupo de confecção de roupas da
América Latina), que iniciou o processo de re-estruturação e mudança
para a venda de roupas prontas. No ano 2000, em concordância com este
novo modelo de varejo, desenvolveu um conceito de moda chamado
fast-fashion
96
.
O terceiro e último grande shopping center construído na cidade
é o emblemático Shopping Iguatemi:
"O primeiro e maior grupo de shopping centers
do Brasil foi a Iguatemi Empresa de Shopping
Centers S.A., pertencente ao grupo Jereissat , do
estado do Ceará. A entrada dp grupo Jereissat no
ramo de shopping centers se deu em 1974, com a
construção do Shopping Center Um, em
Fortaleza. Posteriormente, em 1979, o
grupo passou a administrar o Shopping Center
Iguatemi São Paulo. Deste então, a Iguatemi
Empresa de Shopping Centers expandiu suas
atividades com empreendimentos em vária
capitais e cidades do país, alcançando sua atual
posição de liderança no setor.
A Iguatemi Empresa de Shopping Centers S.A.
investe em imóveis que geram renda, e suas
atividades emglobam compra, concepção,
planejamento e administração de shoppings
centers regionais e complexos imobiliários de
uso misto. Em 2002, o grupo possuía uma área
locável total de 297.384 metros quadrados, exibia
15 mil metros de vitrines e recebia, em média,
8,5 milhões de consumidores por mês. Seus
empreendimentos figuram entre os mais rentáveis
do Brasil. A empresa controla e administra seis
dos mais lucrativos shopping brasileiros: os
Shopping Iguatemi das cidades de São Paulo, Rio
de Janeiro, Campinas, Ribeirão Preto, Porto
Alegre e São Carlos" (Padilha, 2006, p. 75).
96
Fonte: www.riachuelo.com.br/ - Acesso em setembro de 2009.
186
186
São quatro os principais grupos capitalistas empreendedores
97
:
- Santa Fé Engenharia (parte técnica);
- Pronta S.A. (administradora);
- WMS Supermercados do Brasil Ltda, representada pelo
Hipermercado BIG
98
;
- Iguatemi Empresa de Shopping Center AS (com 30%).
No site do empreendimento de Florianópolis, as informações
destacam sua localização, a praticidade dos fluxos e o perfil dos
visitantes (classes A e B)
99
:
“A construção do shopping foi planejada de
modo a tornar simples e rápido o acesso das
pessoas vindas de qualquer direção, garantindo
um fluxo contínuo de veículos e o confortável
acesso de pedestres trazendo a melhoria de
acessos e incremento a segurança e o conforto
das áreas vizinhas ao empreendimento. O
Iguatemi Florianópolis promoveu a revitalização
da área, com urbanização e projeto paisagístico
que garantirá preservação ambiental e beleza ao
local.
A área de influência do empreendimento abrange
mais de 400 mil habitantes e está localizado na
área com maior renda mensal da cidade. Está
num dos principais pólos turísticos do Brasil e do
Mercosul, recebendo mais de 500 mil turistas no
verão, 15,4% estrangeiros. O shopping fica a 5
minutos do centro da cidade e a 10 minutos da
Lagoa da Conceição, uma das principais atrações
turísticas da ilha”.
“Como chegar:
Na melhor localização da cidade, o Iguatemi
Florianópolis situa-se estrategicamente na
confluência das avenidas Beira Mar Norte e
Madre Benvenuta, um importante entroncamento
viário e centro geográfico e econômico da Ilha,
onde o fluxo diário de veículos ultrapassa 40 mil
carros. Situado a 5 minutos do Centro de
97
Fonte: www.iguatemi.com.br Acesso em julho de 2009.
98
A norte-americana Wal Mart adquiriu em 2005 a Sonae Distribuição do Brasil (BIG,
Nacional, Mercadorama). A empresa surgiu nos Estados Unidos em 1960 e desde 1995 começa
a se instalar no Brasil. Fonte: www.walmart.com Acesso em julho de 2009.
99
Fonte: www.iguatemiflorianopolis.com.br - Acesso em junho 2009.
187
187
Florianópolis e a 10 minutos da Lagoa da
Conceição, o Iguatemi Florianópolis atenderá
todos os clientes da Ilha através de inúmeros
acessos rápidos e fáceis”.
Entre as âncoras do shopping Iguatemi estão a Renner, a
multinacional Zara (do Grupo Inditex, fundado em 1963 na Espanha e
que é hoje o primeiro grupo europeu e segundo mundial em confecção
de roupas
100
), as Lojas Colombo, a Paquetá Sports, a Ponto Frio
101
(outra varejista que entrou fortemente no ramo dos serviços financeiros),
as Livrarias Saraiva, o Cinesystem Cinemas e o Hipermercado BIG.
Através da pesquisa, percebemos que pode-se trabalhar com a
temática do shopping center a partir de duas escalas: a do shopping-
cidade e outra que relaciona shopping-indivíduo. Estas duas escalas se
processam de maneira muito distinta. Mesmo proporcionando uma certa
diversidade de pessoas em sua estrutura interna, observando mais
profundamente, em uma escala maior a escala da cidade o modelo
shopping center está estreitamente ligado ao urbanismo convertido
como ideologia da separação.
Os shoppings, ao se propagandearem como um mundo em
miniatura, auto-suficiente, apelando ao conforto climático e à segurança
em detrimento do “perigo das ruas” da cidade contemporânea, acabam
criando uma competição “comércio de rua” versus “comercio de
corredor”, como observamos nesta passagem retirada do site da
ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers):
“No Brasil, os shopping centers apresentam
outros atrativos além da concentração de lojas e
100
Fonte: http://www.zara.com Acesso em julho de 2009.
101
Nesta passagem encontramos outro exemplo da padronização do varejo que foi impulsionada
pela estrutura do shopping center: “As lojas físicas da Globex seguem padrões de tamanho,
layout e mix de produtos que variam de acordo com o formato e a localização. A Companhia
disponibiliza, quatro formatos de lojas: Lojas de Rua, com área de vendas de 200 a 3,5 mil m2,
situadas em ruas comerciais, onde exposição de parte do mix de produtos da Companhia,
abrangendo todas as categorias; Lojas de Shopping Centers, com área de vendas de 120 a 2,0
mil m2, onde também exposição de parte do mix dos produtos da Companhia, abrangendo
todas as categorias; Megastores, com área de vendas superior a 1,0 mil m2, onde a Globex
expõe o mix completo dos produtos da Companhia, e utiliza parte do espaço para estabelecer
parcerias com os fornecedores da Companhia para demonstração de suas linhas de produtos; e
“Ponto Frio Digital”, com áreas de vendas entre 70 e 300 m2, com foco em produtos de
tecnologia, tais como cine-foto, áudio, vídeo, informática e aparelhos celulares”. Fonte:
http://www.pontofrio.com.br/ - Acesso em julho de 2009.
188
188
serviços diversificados em um local, a
disponibilidade de estacionamentos e a
climatização dos ambientes. A sensação de
segurança proporcionada e o abrigo contra as
chuvas tropicais que irrompem justamente no
período das festas natalinas, momento de maior
concentração de vendas do ano, são os fatores
que levam as vendas de shopping centers a
crescer em níveis bem superiores aos do varejo
em geral”.
No Brasil, um dos principais atrativos dos shoppings em relação
ao comércio do centro das cidades é a segurança. Um mito encarnado
em outro, a segurança aparece intimamente ligada ao espaço do
shopping no imaginário da população. Como se a questão da
diferenciação social fosse uma simples questão de poder de consumo, os
frequentadores dos shoppings sentem-se seguros pois acreditam que
neste espaço estão entre seus iguais. Uma identificação entre os
freqüentadores é criada, poiseles notam a rara presença de um „outro‟,
de alguém que não compartilha os mesmos princípios e condições do
grupo ao qual pertencem (Padilha, 2006, p. 48). Entretanto, mesmo
sendo estritamente planejado para a não-participação, com seus trajetos
induzidos, e para o uso de uma determinada classe social, a função
social do shopping, teoricamente tão estrita, é cotidianamente subvertida
pela população:
“Os praticantes ordinários das cidades atualizam
os projetos urbanos e o próprio urbanismo,
através da prática, vivência ou experiência dos
espaços urbanos. Os urbanistas indicam usos
possíveis para o espaço projetado, mas são
aqueles que o experimentam no cotidiano que os
atualizam. São as apropriações e improvisações
dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi
projetado, ou seja, são essas experiências do
espaço pelos habitantes, passantes ou errantes
que reinventam esses espaços no seu cotidiano”
(Jacques, 2008, p. 3).
Em Florianópolis, temos o interessante caso do shopping Beira
Mar que se converteu em lugar de passeio para as comunidades do
Morro da Cruz que perderam sua praia em decorrência da construção
189
189
dos aterros. Portanto, longe de serem os não-lugares proclamados pela
sociologia contemporânea, os shoppings hoje em dia são um lugar de
mistura social:
“Mais espetaculares do que bonitos ou feios, eles
são primeiramente e sem contestação os espaços
periféricos preferidos pelos consumidores. A
presença em multidões ou em massa desses
lugares é reveladora da vocação centralizadora de
tais lugares. A sociologia observou, que esse tipo
de ajuntamento humano destacava formas
„normais‟, não patológicas, comuns à
sociabilidade, equivalentes a outras, como o
público, a comunidade, a comunhão, a sociedade,
o individualismo, a família ou o casal. Ela
evidenciou também que esse tipo de aglomeração
ou esse estar-junto humano, por sua própria
dinâmica centrípeta, fundava em todo lugar, sítio
ou espaço que a acolhia, uma centralidade cada
fez mais afirmada, tornando-se um ritual, ou seja,
repetitiva ou regular” (Chalas, 2007, p. 48).
Em relação a esta nova visão do shopping como um possível
local de encontro social, podemos relacionar a interessante interpretação
de Coutinho (2000) sobre os dois momentos da escola de Frankfurt” no
Brasil. Seguindo sua ideia, podemos dizer que desqualificando
totalmente a vivencia social do espaço dos shoppings, estaríamos caindo
em uma interpretação irracionalista deste espaço, tal qual a postura de
Adorno em relação à industria cultural:
“Além dos explícitos motivos de crítica
tendencialmente marxista, creio que não é difícil
perceber na radical oposição de Adorno à
industria cultural também uma posição elitista,
ou seja, um indisfarçável mal-estar diante do
„agradável‟, do mero divertimento”. (Coutinho,
2000, p. 93)
Com esta re-interpretação não estamos, evidentemente, saindo
em defesa destes espaços que vêm enfraquecendo a vivência social
dos espaços públicos da cidade, mas, como comentamos anteriormente,
procurando ressaltar que pode-se interpretar os shoppings a partir de
190
190
duas escalas distintas: shopping-cidade e shopping-indivíduo. Os
shoppings de Florianópolis hoje se convertem em lugar de encontro
inter-classe, não a partir de uma proposta própria, mas por um processo
de subversão acionado pela população. Ao interpretá-los, buscamos
exercitar a prática descrita por Velho (1978, p. 12) em seu estudo de
antropologia social do bairro de Copacabana-RJ: vigiar nossos
preconceitos”. Neste trabalho o autor comenta que as pessoas que
supervalorizam Copacabana não são, como se supõe, passivas ou
alienadas. Ao justificarem sua moradia com adjetivos de segurança, ao
comércio, aos divertimentos e comparações com outras localidades,
revelam uma consciência da precariedade ou da instabilidade desses
outros lugares.
Estudar o fenômeno “shopping centers” é importante na medida
em que percebemos que estes, enquanto novas centralidades pontuais,
participam de forma decisiva da construção de uma nova cultura urbana,
se constituindo como um importante fenômeno da sociedade capitalista
mundializada (como comprovamos pelo fato da maioria de suas âncoras
serem constituídas por capital estrangeiro), uma manifestação da ultima
fase da transição capitalista na cidade de Florianópolis. Espaços
privados que se transvestem e se propagandeiam como públicos, os
shoppings atuam de forma decisiva na transformação do papel do centro
tradicional da cidade.
Sabemos que uma das características básicas de um centro
urbano é a diversidade. Neste sentido estes empreendimentos vêm nos
últimos anos apelando para isso, instalando em seu interior uma gama
completa de serviços e lazeres. Tal como os novos bairros e
condomínios fechados da Grande Florianópolis, estão hoje entre os
principais atrativos dos shopping centers as opções de lazer e
entretenimento. Os primeiros shoppings brasileiros eram estritamente
comerciais, mas a partir do momento que passaram a introduzir a
estratégia de incorporar serviços e lazeres (os chamados Shopping
Centers Híbridos), converteram-se também em centros urbanos.
191
191
3 - O Centro - Incursão
“La rue... seul champ d‟expérience valable”
André Breton
102
Durante toda a pesquisa, procuramos nunca perder de vista a
vida cotidiana da cidade, através do hábito de caminhar pelas ruas do
centro, que nos conduzia a uma nova indagação e algumas descobertas a
cada dia. Como o “detetive” de Um Homem na Multidão de Edgar Alan
Poe, percorremos o centro da cidade juntando fatos, lampejos. E este
espaço, com sua forma labiríntica, favorece este tipo de experiência; a
cada mudança súbita de uma rua para outra sentimos as características e
ambiências diversas dos lugares.
No cotidiano do centro percebemos situações cheias de
significado entre as aparentemente mais triviais. Dialeticamente,
buscamos fazer uma análise destes sinais das ruassempre ligados a
forma social da cidade, que compreendemos como o contexto histórico
da transição para a modernidade e o período de sua última fase que se
inicia nos anos 90, ou seja, submeter os fatos a um tratamento histórico-
dialético (LUCÁKS, 1981)
Como comenta Berman, (1986, p. 189), a forma social da
cidade também compreende batalhas e encontros públicos, diálogos e
confrontos nas ruas”. Desta forma, as ruas manifestam símbolos
primordiais da vida moderna. Além disso, podemos afirmar, a partir de
nossa própria experiência durante a pesquisa, que não como proceder
com uma investigação que se propõe como dialética, de acordo com as
teorias que compartilhamos, sem caminhar pelas ruas e deixar que seus
sinais cheguem aos nossos olhos, muitas vezes como um alerta que pode
vir a alterar completamente os rumos da pesquisa, já que:
“Uma investigação dialética significa que o
argumento estará completo quando o livro
chegar ao final. Não se pode expor
imediatamente a „teoria‟ e estende-la, como um
mapa sobre o terreno histórico” (Sennett, 1998,
p. 19).
Uma pesquisa dialética, portanto, não pode temer imprevistos e
novidades, ter preguiça de re-começar a qualquer instante, de qualquer
102
“A rua... único campo de experiência legítimo”. Apud Benjamin (1997, p. 198).
192
192
ponto. Como expõe Benjamin (2006), existem momentos em que tem-se
que interromper o trabalho para tomar notas, escrever ou gravar e
momentos em que o livro deve ficar cerrado para que o pesquisador se
dedique a observação, reflexão e rememoração. Concordamos com
Sennett (1998, p. 310), portanto, quando expõe que:
“Assim, uma consciência dialética parece
requerer uma força quase humanamente
impossível. Esta é uma ideologia de apaixonada
preocupação com o mundo, de um apaixonado
compromisso contra suas injustiças, e ainda
assim uma ideologia que exige que quando as
situações mudam, a natureza desses
compromissos precisa ser posta em suspenso,
repensada e re-formada. A crença deve ser
imediatamente adotada com intensidade e, assim
mesmo, se situar a uma certa distância do eu, de
modo que a crença possa ser mudada sem levar
consigo perdas pessoais ou um senso de risco
íntimo. Quando a questão é posta dessa maneira,
percebemos que aquilo que Marx concebera
como imaginação dialética está próximo de um
conceito que explorávamos nos termos da vida
da cidade: o conceito de comportamento público.
Para ser dialética em suas percepções, uma
pessoa deve estar fora, em público, longe da
simbolização da personalidade através da crença
ou da ação social”.
No Brasil, este processo de transformação dos centros das
cidades na direção de uma desvalorização ou abandono, por ser
relativamente recente, está apenas começando a ser estudado e ainda
com pouca profundidade. Ao nos propormos a isso, estávamos
conscientes da entrada em um grande labirinto cujos fios que poderiam
nos ajudar na travessia ainda não foram bem tecidos. Porém, como o
próprio método dialético supõe, o processo de pesquisa é feito de idas e
vindas no caminho que conduz das categorias de análise simples às
complexas. O jogo entre o empírico e os conceitos é ainda mais
dinâmico: não há ponto de partida definido, a construção das ideias
nasce do ir e vir entre estas duas dimensões de análise que neste
processo também vão se reconstruindo (MARX, 2003).
193
193
Uma forma de relação com o cotidiano da cidade do “tempo
presente” que tivemos, além das derivas, foram as 30 entrevistas
realizadas no mês de outubro de 2009 com trabalhadores e comerciantes
do centro (Quadro 2), além das infinitas conversas com moradores e
passantes. Acreditamos que, apesar de ser o centro um lugar muito
heterogêneo, as entrevistas apresentaram muitas experiências, ou
representações comuns deste espaço. Como uma “memória topográfica
(BENJAMIN, 2006), elas são reveladoras de experiências sociais e de
um imaginário social sobre o centro da cidade que buscamos traduzir,
sintetizar, em termos de relações sociais, tomando o cuidado de abordar
o conceito de imaginário social de uma forma que não o empobreça,
pois, como escreve Konder, (1992, p. 51), neste:
“se manifestam os preconceitos, as
sobrevivências do arcaico, os traços de todos os
compromissos com a ordem e com a estabilidade,
mas também as inquietações, os sonhos, as
aspirações e os traços dos inconformismos.
Como escreveu Baczko: „A imaginação social,
além de fator regulador e estabilizador, também é
faculdade que permite que os modos de
sociabilidade existentes não sejam considerados
como definitivos e como os únicos possíveis, e
que possam ser concebidos outros modelos de
formatos‟.”
Depois de tantas idas e vindas nos tempos da cidade, neste
capítulo final procuramos trabalhar o tempo do agora”, que
obviamente, esta repleto de traços mnemônicos (BENJAMIN apud
BUCK-MORSS, 2002) fruto de toda história urbana e, notadamente, do
processo de transição para a modernidade capitalista. Concebendo o
tempo presente como um ponto de fuga e a interpretação da história
como uma perspectiva, procuramos apresentar neste capítulo algumas
imagens dialéticas do centro de Florianópolis, que são objetos
históricos construídos a partir da interação entre o universo empírico e o
teórico.
194
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1 Nome do estabelecimento comercial
2 Endereço completo
3 Qual a origem étnica do proprietário (portuguesa, alemã, italiana, grega,
etc), qual sua cidade de nascimento e desde quando vive em Florianópolis?
4 Em que bairro da cidade reside o proprietário?
5 Há quanto tempo o estabelecimento comercial funciona neste endereço?
6 Quais os endereços anteriores? Porque mudou de endereço?
7 O imóvel onde está instalado este estabelecimento é próprio ou alugado? Se
alugado, desde a sua instalação o valor do aluguel aumentou ou diminuiu? (Se
possível, informe o valor pago pelo aluguel no passado e atualmente)
8 Seu estabelecimento está localizado em uma galeria ou edifício comercial
do centro? Qual? Quais as vantagens destes lugares?
9 Desde a abertura do estabelecimento quais as principais mudanças que você
percebe no centro da cidade e como explicaria estas mudanças?
10 O estabelecimento tem um blico-alvo? Qual seria? (Classe social,
moradores de que localidade, etc.)
11 Quais as principais dificuldades enfrentadas pelo estabelecimento nos
últimos anos (se houver)?
12 Você acredita que o desenvolvimento do comércio em outros bairros da
cidade ou mesmo os novos shopping centers influenciam no movimento do seu
estabelecimento? De que maneira?
13 Você pretende mudar seu estabelecimento de endereço futuramente? Por
que motivo?
14 Você acredita que o centro da cidade é o melhor ponto para o seu
estabelecimento comercial? Por que?
15 Quantos funcionários estão empregados neste momento?
16 Cite o bairro onde residem alguns dos funcionários
17 Cite a cidade de origem de alguns dos funcionários
18 Se possível, informe o salário médio dos funcionários
Quadro 2 Questionário da entrevista semi-estruturada realizada com
comerciantes e trabalhadores do centro de Florianópolis.
3.1 - O comércio do centro da cidade
Aplicar os questionários foi uma oportunidade de percorrer o
centro, ter uma experiência de contato com seu interior, onde
encontramos muitos lugares escondidos e fatos inesperados, como
modos de fazer comércio muito antigos, por exemplo, lojas tradicionais
onde o proprietário é quem fica no caixa, e onde ainda existem rolos de
papel pardo para embrulhar as compras.
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Uma das lojas mais antigas do centro é a Loja Busch, localizada
na Rua Conselheiro Mafra; seu fundador nasceu na Alemanha e a loja
existe neste endereço mais de 120 anos. Entretanto, o grande grupo
das lojas mais antigas do centro tem cerca de 40 anos, ou seja, sua
fundação data das décadas de 60 e 70.
Um exemplo interessante é a Casa Gianne, localizada na Rua
Tenente Silveira 42 anos e cujo proprietário também é de origem
alemã. Como muitas das Casas” que existiam tradicionalmente em
Florianópolis (das quais poucas sobreviveram em virtude da
modernização das formas de comércio), esta loja antigamente
comercializava artigos para toda a família”, mas, segundo a
entrevistada (proprietária da loja), “hoje em dia é preciso se especializar
em alguma coisa”, por isso passaram a vender apenas artigos femininos.
Os comerciantes em geral acreditam que o centro da cidade
ainda é o melhor ponto para seus comércios, mas visualizam que o
desenvolvimento do comércio em outros bairros e o surgimento dos
shoppings afetaram seu movimento. A proprietária da Casa Gianne
acredita que hoje em dias as pessoas vão cada vez mais resolvendo
suas compras em seus bairros”. Mesmo assim não pretende mudar seu
estabelecimento de lugar, pois acredita que o centro ainda é o melhor
lugar para se ter uma loja”, pois aqui tem-se menores custos com
aluguel e funcionários”.
A diretora da Casa Busch, por exemplo, assinala que o
comércio dos bairros cresceu em virtude das dificuldades encontradas
no centro tradicional, como para a descarga de mercadorias, falta de
estacionamento para os clientes e falta de segurança”. Aliás, a principal
dificuldade apontada pelos comerciantes do centro foi quanto ao
trânsito, notadamente a falta de estacionamentos.
Outro comércio visitado foi a tradicional loja de tecidos
Huddersfield, localizada a mais de 30 anos da Rua Felipe Schmidt. A
principal mudança percebida no centro, segundo a entrevista, foi o
aumento da população e suas consequências, ou seja, muita circulação
de carros”. O gerente do estabelecimento acredita que o
desenvolvimento do comércio em outros bairros transferiu parte do
público”, mas que, apesar disso, o centro é o melhor lugar para seu
estabelecimento por estar “perto de tudo”. Esta é uma das lojas que
citamos anteriormente, onde os tecidos ainda são embrulhados, pelo
próprio gerente, em papeis pardos que ficam em grandes rolos no
balcão, ao lado da caixa registradora.
196
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Os estabelecimento que apontaram especialmente o comércio
de shopping como um grande concorrente foram os que estão instaladas
no centro visando um público de classe A ou B, principalmente os
moradores do centro novo. O que acontece na verdade é que as demais
lojas se adaptaram para acompanhar as transformações da cidade.
Muitos comerciantes apontaram o deslocamento de vários
órgãos públicos para outros bairros como um fator prejudicial ao
comércio do centro, que o público é formado em grande parte pelos
próprios trabalhadores da região, que é “um lugar de escritórios,
clínicas, bancos, lojas... onde temos um público que tem necessidade de
vestuário para trabalho e tem urgência de compra”, diz a gerente de
uma das lojas entrevistadas.
Observamos também que, em muitos casos, os estabelecimentos
existem ao exato mesmo tempo em que o proprietário reside em
Florianópolis, o que pode indicar que estas pessoas vieram para esta
cidade com a intenção de montar um comércio. Outra coisa que não
poderia passar despercebida é a dinâmica da abertura e fechamento de
lojas no centro tradicional. Existe um grande número de salas que
mudam constantemente de estabelecimento, notadamente na parte leste
do centro tradicional, que vive um momento de transformação (uma loja
de roupas lugar a uma lan house, que lugar a uma farmácia que
posteriormente pode ser substituída por um sebo, tudo isso no intervalo
de um ano...). Entretanto, o que não verificamos foi a existência de salas
vagas, para alugar.
Todos os comerciantes localizados ao leste da Praça XV
apontaram como a maior mudança ocorrida no centro nos últimos anos a
transferência das linhas do Terminal Urbano Cidade de Florianópolis
para o novo terminal localizado em área de aterro, no outro lado do
centro, em frente ao Mercado Público. O comércio das Ruas Tiradentes
e João Pinto foi profundamente prejudicado por este fato. A loja popular
A Barateira, por exemplo, que tem frente dupla para as Ruas João Pinto
e Antonio Luz, possuía 120 funcionários antes da mudança e hoje são
apenas 10, segundo a gerente entrevistada. Este também é um
estabelecimento muito tradicional, cujo proprietário é de origem alemã,
vindo de Ituporanga, e existe mais de 30 anos. Segundo a gerente, as
principais mudanças percebidas no centro são a diminuição do
movimento, a chegada de muitas lojas, shoppings e lojas nos bairros”.
O público alvo são as classes médias e baixas, funcionários públicos,
uma clientela fiel, antiga outra característica apontada por muitas
lojas. A atual situação é motivo de revolta para a gerente, que afirma
197
197
incisiva: “O centro é péssimo para estacionar, segurança, calçamento
péssimo e é um centro muito feio. Sem segurança, só tem trombadinha”.
Mesmo os comércios localizados mais distante do terminal
sofreram com esta mudança. A proprietária da Papelaria Barriga Verde,
localizada há 20 anos na Rua Saldanha Marinho, diz que são percebidas
várias mudanças no centro nos últimos anos, as quais uma foi péssima
para o nosso comércio, que foi a mudança do terminal de ônibus”.
Outro exemplo, a proprietária da Sapataria Rápida, localizada na Rua
Tiradentes, diz que seu movimento caiu 50 % após a mudança do
terminal. Observamos que os comerciantes ainda se mantêm neste lado
da cidade porque, apesar de tudo, a queda do fluxo de pessoas causada
pela transferência do terminal acarretou uma desvalorização imobiliária
que deixou os preços dos aluguéis bem mais acessíveis à pequenos
comércios como os muitos sebos, lanchonetes e brechós instalados nesta
área.
Muitos dos comerciantes do lado leste declararam que sentem-
se abandonados pela Prefeitura, sendo que no último ano inúmeras
manifestações ocorreram a este respeito. Alguns lojistas chegaram a
fechar suas portas por uma tarde em forma de protesto. Isso levou com
que a prefeitura pensasse na possibilidade da reativação de algumas
linhas do terminal antigo
103
e um projeto de “revitalização” desta área
está sendo anunciado:
“A situação levou a CDL de Florianópolis a criar
o Núcleo Terminal Cidade de Florianópolis, que
reúne os lojistas de ruas como Antônio Luz, João
Pinto e Tiradentes. O comércio local ainda
sobrevive devido à presença de escolas e
cursinhos, que ainda geram algum movimento
para as lojas de confecção, sebos, livrarias,
galerias de arte, bares e lanchonetes que
funcionam naquela região”.
Fonte: http://floripamanha.org Acesso em
junho de 2010.
103
“Atualmente o Terminal Cidade de Florianópolis possui uma ocupação de 42 linhas das
empresas Biguaçú, Imperatriz, Santa Terezinha e Jotur. No novo Terminal de Integração do
Centro (TICEN) são 83 linhas intermunicipais, operadas pelas empresas Biguaçú, Santa
Terezinha e Jotur, mais 72 municipais das empresas de Florianópolis (Emflotur, Canasvieiras,
Insular, Transol e Estrela), totalizando 155 linhas. Com as mudanças serão 125 linhas
intermunicipais operando no Terminal Cidade de Florianópolis”. Fonte:
http://portal.pmf.sc.gov.br Acesso em junho de 2010.
198
198
Dentre as entrevistas nesta região do centro, uma das que mais
chamou nossa atenção foi aquela realizada com o proprietário da Casa
Elias, um senhor de origem libanesa que vive em Florianópolis 40
anos. A loja, que também possui 40 anos, começou em Santo Amaro da
Imperatriz, depois instalou-se em um imóvel próprio na Rua
Conselheiro Mafra, e 13 anos está na Rua João Pinto. O imóvel na
Rua Conselheiro Mafra foi alugado, que depois da mudança do
terminal urbano tornou-se vantajoso para o proprietário receber aluguel
por seu imóvel e alugar uma sala para seu estabelecimento na Rua João
Pinto. Na entrevista, Sr. Elias nos falou que é claro que este lado da
cidade precisa de melhorias, todos veem isso”. Mesmo assim não faz
protesto junto com os outros comerciantes porque acredita que isso
forma uma imagem ainda mais negativa para o lugar. Apesar deste local
ter perdido movimento de pessoas após a mudança do terminal, o
proprietário acredita que a loja se mantém porque é muito tradicional na
cidade.
No lado oeste do centro, o comércio é bem mais dinâmico e as
lojas em geral são mais modernas. É nesta parte que estão localizadas as
mega-lojas populares e as lojas de eletrodomésticos que ocupam os
espaços de grandes casarões e antigos barracões comerciais do centro.
Nesta região estão localizadas as Ruas Conselheiro Mafra e
Francisco Tolentino, local do comércio super popular e informal da
cidade. Em alguns momentos tornou-se até difícil realizar as entrevistas
em virtude da quantidade de pessoas, do movimento e do barulho nas
lojas e nas calçadas. Nestas ruas encontramos inúmeras lojas de roupas,
calçados, lojas de 1,99 e afins. Em especial no da colina que conduz
ao Parque da Luz existe uma grande concentração de lojas de ferragens,
embalagens e material de informática. Esta parte da cidade capta todo o
movimento de pessoas que desce as ladeiras das Ruas Bento Gonçalves
e Pedro Ivo, bem como das Ruas Sete de Setembro e Álvaro de
Carvalho em direção ao terminal.
Entre a Conselheiro Mafra e a Francisco Tolentino, existem
vários estabelecimentos que ocupam edifícios do início do século XX
com frente dupla para as duas ruas, cujo público-alvo apontado pelos
comerciantes é formado pelas classes C e D e são passagem obrigatória
de toda a população que vem e vai do trabalho em direção ao terminal
urbano do centro da cidade.
199
199
3.1.1 - Galerias
O centro é repleto de galerias e pequenos centros comerciais
que apresentam vantagens como maior segurança e aluguéis mais
baixos, segundo os comerciantes. Nestes lugares, o comércio em geral é
misto, mas existem também centros comerciais especializados no ramo
do vestuário, como o Shopping Trajano (na Rua Trajano) e a Central das
Fábricas na Rua Deodoro. O principal centro comercial da região central
é o ARS que se localiza entre as ruas Felipe Schmidt e Conselheiro
Mafra.
O movimento nas galerias é grande, pois muitas delas são
utilizadas como passagem de uma rua para a outra, como a existente
entre a Rua dos Ilhéus e a Rua Saldanha Marinho (Edifício Adolfo
Zigelli) ou a tradicional Galeria Jaqueline, que liga as Ruas Felipe
Schmidt e a Conselheiro Mafra. Esta última fica ainda de frente para
outra galeria, a Comasa, na Felipe Schmidt e próxima a Galeria do
Edifício Desembargador Antero Diniz, na Rua Conselheiro Mafra.
3.1.2 - Mercado Público
O Mercado Público de Florianópolis tempos não abriga
mais somente gêneros alimentícios, sendo que atualmente toda uma ala
está voltada ao comércio de roupas e calçados e a outra a peixarias. No
vão central localizam-se inúmeros bares e restaurantes, além de um
comércio diversificado (lojas de embalagens, aviamentos, e até uma loja
de animais).
Nos últimos anos algumas medidas estão sendo tomadas para
tornar o mercado um lugar mais atrativo ao turista, através da abertura
de cervejarias elitizadas a exemplo do Box 32. Entretanto, em relação à
dinâmica do mercado público na cidade contemporânea, fato
interessante é a recepção da população negra que este realiza todos os
sábados a tarde. Florianópolis tem grande parte de sua população
formada por afro-descendentes, cuja vida faz parte do capítulo da
história do centro quando, nos anos 20, foram expropriados de suas
casas e forçados a subir os morros ou migrar para o continente. Mas, no
sábado à tarde, ela aparece para retomar o espaço do centro. Esta
200
200
ocupação se através do samba, no Mercado Público, que assume o
papel de uma célula de vida em meio ao marasmo que toma conta do
centro nos finais de semana.
3.1.3 - Camelódromo
O embrião do camelódromo surge nos anos 70, quando os
comerciantes que hoje ali se estabeleceram começaram a montar
pequenas barraquinhas no Largo da Alfândega
104
. Nos anos 90, com o
intuito de “limpar as ruas”, a prefeitura municipal doou um terreno
próximo a esta área para que fosse construído o edifício do
camelódromo. Quem arcou com todas as despesas da construção foram
os próprios comerciantes. Da mesma forma, a administração deste
sempre foi interna, através da ASSOPECOM (Associação dos Pequenos
Comerciantes do Camelódromo Municipal de Florianópolis). Segundo
informações constantes no site do camelódromo
105
, este tipo de
organização foi pioneira no país, recebendo visitas de prefeitos,
vereadores e particulares de outros estados e municípios para
implantar o mesmo sistema do camelódromo em suas cidades”. Mesmo
depois de tanta luta dos comerciantes para construção do mercado, a
Prefeitura cogitou retirá-lo deste local após a construção do Terminal de
Integração do Centro (TICEN), com a justificativa de permitir maior
visibilidade aos prédios históricos do centro.
O centro conta ainda com outro Camelódromo, o Centro Sul,
localizado no aterro central, em frente ao Terminal Cidade de
Florianópolis. O movimento desde camelódromo é bem menor que o do
anterior, entretanto possui como diferencial um mix de produtos mais
especializado, principalmente no ramo de eletro-eletrônicos e
informática, enquanto o primeiro comercializa principalmente bens de
consumo semi-duráveis, como roupas e cosméticos.
104
O Largo da Alfândega é atualmente ocupado pela feira de produtos coloniais que
periodicamente monta suas barracas coloridas e comercializa desde frutas e verduras, até
carnes, queijos, biscoitos e flores. Estas feiras são muito comuns em toda cidade, sendo que
praticamente todos os bairros possuem pelo menos um local onde são montadas uma ou mais
vezes por semana.
105
Fonte: www.camelodromofpolis.com.br Acesso em outubro de 2009.
201
201
3.1.4 - Os trabalhadores do centro
O centro tradicional de Florianópolis é hoje lugar de residência,
emprego e consumo das classes populares embora os novos centros,
mesmo orientados para as classes média e alta, ofereçam muitos postos
de emprego para as camadas de baixa renda. Isso é relevante se
pensarmos que até 1960 a maioria dos empregos para as classes média e
alta localizavam-se no centro, principalmente nas instituições públicas
que cada vez mais se deslocam para outras áreas da cidade, seguindo o
modelo dos “centros administrativos” em voga desde então.
Durante as entrevistas, constatamos que a grande maioria dos
funcionários do comércio do centro reside no continente, com destaque
para as localidades de Barreiros, Estreito, Coqueiros, Campinas,
Palhoça, Forquilinhas e Kobrasol.
3.1.5 - Os moradores do centro
O centro tradicional é um lugar comercial, seu movimento é
formado por pessoas de outros bairros que se deslocam até ele para
trabalhar ou fazer compras. não existe ali uma grande área
residencial, e até mesmo os edifícios construídos com este fim, a
maioria datando dos anos 70, hoje constituem-se como prédios mistos
onde encontramos a mais variada gama de comercio e serviços.
As principais faixas residenciais do centro tradicional são a
Avenida Hercílio luz e a Mauro Ramos, que formam uma densa área de
classe média, e os autos das Ruas Felipe Schmidt e Tenente Silveira (no
entorno do Parque da Luz) que aparecem mais como uma expansão da
área residencial da Beira Mar.
Conforme nos afastamos do centro tradicional, subindo as
ladeiras em direção ao norte, encontramos a região das antigas chácaras
centrais, hoje uma grande área residencial cujo alto padrão se mantém
um século e que atraiu a instalação de comércios e serviços para
servi-la. Entre estes uma grande concentração de clínicas médicas (num
extenso raio a partir do Hospital Celso Ramos), além de padarias,
lavanderias e assistências técnicas, serviços que tradicionalmente as
pessoas procuram perto de suas casas.
Os alugueis de apartamentos residenciais no centro tradicional
estão entre os mais baratos da cidade. Como grande parte destes
edifícios não tem garagem, o condomínio também torna-se mais barato.
202
202
Mesmo o valor de um imóvel no centro tradicional é muito mais barato
em comparação com outros bairros como a Agronômica, Trindade etc.
na área compreendida pelo centro novo o valor dos imóveis é
altíssimo e tende a aumentar, segundo pesquisa sobre a Demanda por
Apartamentos realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina em
2004
106
. Além disso, temos a região das Avenidas Gama Deça, Rio
Branco e Esteves Junior e suas perpendiculares, onde estão concentrados
os escritórios do centro existe uma área de edifícios residenciais que são
uma expansão da Beira-Mar, constituindo uma área residencial de
classes altas.
3.2 O compasso do centro: continuidade e descontinuidade
temporal
Como comentamos em outro capítulo, existe uma relação
conflituosa entre o espaço do centro e o contexto da cidade
contemporânea. Um dos sinais desse fato é a persistência no centro de
Florianópolis de um compasso antigo do modo de vida urbano, aquele
que acorda e adormece seguindo os horários do comércio. De fato,
sabemos que é característica de qualquer formação social a imbricação
entre continuidades e descontinuidades históricas. Por isso, não
podemos interpretar que o “centro parou no tempo”, que esta
condição de “assincroniados espaços dentro da cidade contemporânea
é fruto de um mesmo processo de transição para a modernidade que se
desenhou de formas distintas no espaço urbano. Como coloca Lefebvre
(1991b, p. 9) sobre a relação entre a “realidade urbana” e a “realidade
industrial”, temos a nossa frente um “duplo processo”, ou um processo
com dois aspectos” que são inseparáveis, têm uma unidade, e no
entanto o processo é conflitante”, ou seja, é um processo dialético.
Segundo Challas, a cidade contemporânea caracteriza-se por ser
uma cidade de “tempo contínuo”, uma cidade 24 horas. Ao contrário, as
cidades tradicionais, despertam pela manhã e dormem à noite;
engarrafava-se nos momentos de deslocamento e esvaziava-se junto
com os comércios, as fábricas e os escritórios. No domingo, quando
nenhum comércio estava aberto, era quando cada um e todos
repousavam, as cidades pareciam um deserto (Challas, 2007, p.60).
106
Fonte: Investir na Capital é bom negócio: centro de Florianópolis seduz compradores e
apartamentos na região vão ficar bem mais caros. Disponível em:
http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense - Acesso em outubro de 2009.
203
203
Estas características podem variar dentro de uma mesma cidade. No
centro de Florianópolis é esta dinâmica antiga que persiste,
principalmente em relação aos domingos, quando este adquire o aspecto
de uma cidade fantasma. nos dias da semana, com seus inúmeros
calçadões (Conselheiro Mafra, Felipe Schmidt, Trajano, Deodoro, João
Pinto etc.), o centro tradicional assemelha-se a um imenso centro de
compras.
Insistimos que a questão da imagem de insegurança que o
centro possui está justamente relacionada a esse caráter de tempo não
contínuo e que este é formado pelo quadro de mono-funcionalidade
desta área
107
.
A medida tomada pela Prefeitura de Florianópolis no intuito de
tornar o espaço do centro tradicional mais seguro, foi a instalação de
inúmeras câmeras de vigilância em suas esquinas. Entretanto, todos
sabemos que a melhor forma de tornar um lugar seguro, é garantir que
este lugar seja movimentado. Como coloca Jacobs (2009), os melhores
vigilantes são os “olhos das ruas”. E Chalas (2007, p. 63) acrescenta:
“Na Inglaterra, enfim, a cidade a tempo contínuo
se tornou um meio de reabilitar os centros das
cidades fragilizados fisicamente e socialmente
após a desindustrialização maciça dos anos
oitenta. Numerosas cidades nesse país aplicam a
estratégia da night time economy, que consiste
em tornar o tempo da noite ativo, atrativo e
seguro nos centros históricos para uma população
diversificada”.
Porém, como também expõe Jacobs (2009, p. 169), motivar esta
movimentação noturna não é tarefa simples; “a existência permanente
dessa movimentação (que traz segurança à rua) depende de um alicerce
econômico de usos principais combinados”. Neste sentido, ao abordar o
tema da mono-funcionalidade dos centros tradicionais a partir do
exemplo do distrito central de Manhattan, que após as 17:30 e nos
finais de semana caia em profunda monotonia, Jacobs (2009) assinala
107
Quadro este que a própria Prefeitura se empenha em construir, criando, por exemplo,
inúmeros empecilhos para o funcionamento dos bares que ainda existem na região e que
induzem a um pequeno movimento central noturno. Paradoxalmente, a área que tem maior
movimentação noturna é o lado leste do centro, que abriga muitos bares, alguns deles muito
tradicionais (como o Petit e a Kibelândia), a área menos movimentada comercialmente durante
o dia.
204
204
como um projeto para romper com este quadro a retomada da vida
marítima, que é o primeiro patrimônio desperdiçado capaz de atrair
pessoas nas horas vagas”.
Em Florianópolis, onde o aterro isolou o centro do mar,
elemento causador de algumas de suas principais características, esta
condição de descaso histórico com centro vem sendo muito questiona
pela população. No ano de 2009 ocorreram duas manifestações artísticas
que chamaram a atenção para este abandono da vida marítima do centro.
No dia 4 de dezembro, vários alunos do mestrado em Antropologia da
Universidade Federal de Santa Catarina levaram cadeiras de praia e
guarda-sóis para o Largo da Alfândega e simularam uma tarde à beira-
mar, buscando discutir a utilização dos espaços blicos da cidade
108
.
Mais ou menos na mesma época, por iniciativa de um artista anônimo,
várias pessoas juntaram-se e pintaram de tinta azul o perímetro antigo
do centro, antes dos aterros (Figuras 30 e 31).
Figura 30 À esquerda, a linha azul representando o perímetro central
antes dos aterros.
Figura 31 À direita, linha pintada ao longo da Rua Antonio Luz.
Estas ações indicam que existe um processo de resistência
política por parte da população, e que, de alguma forma, este último
período da modernidade, apesar de todas as perdas em termos de
108
Fonte: O Mercado Virou Praia. Diário Catarinense, domingo, 6 de dezembro de 2009.
205
205
sociabilidade que acarretou para a cidade, também acabou gerando uma
reação e um avanço democrático.
Além disso, Pesavento (2008) indica que o patrimônio histórico
característico dos centros urbanos pode ser mais um artifício para
recuperar o movimento dos centros:
“Muita coisa já foi feita, é certo, recuperando
prédios e transformando seu uso, a maior parte
deles convertidos em centros culturais.
Redescobrir, conservar, preservar este patrimônio
torna-se tarefa capaz de reverter o movimento de
fuga do centro, no sentido de gerar uma força
contrária, centrípeta. O desejo seria de fazer a
população retornar ao centro, consumindo os
bens culturais que ele agrega, exercitando a
memória, recuperando a história”.
No caso do centro tradicional de Florianópolis, portanto, deve-
se incluir novos usos atraentes para a população da cidade, rompendo
com a mono-funcionalidade e fazendo com que este seja freqüentado
para além do horário comercial.
Além dos investimentos em Patrimônio Histórico e na retomada
de sua vida marítima, outra atividade que ajudaria muito neste empenho
são as salas de cinema
109
, que garantiam o movimento do centro nos
anos 40 e 50 mas que nos dias de hoje o abandonaram:
“Na década de 1940 e 1950, o programa cultural
da sociedade florianopolitana eram as sessões de
cinema, e o Centro de Florianópolis era uma
espaço de sociabilidade. As pequenas salas
atraíam multidões, desde os fãs da sétima arte até
os adeptos do modismo, todos fascinados com a
nova opção de lazer e entretenimento. A indústria
da diversão era muito lucrativa na época. […] As
filas ficaram menores, diminuiu o fluxo de
espectadores e as salas começaram a fechar. No
final dos anos 1970 e início de 1980 o setor
109
Existiam no centro o Cecomtur e o Cine Rex/Ritz na Rua Arcipreste Paiva, o Cine São José
na Rua Padre Miguelinho, o Cine Odeon/Royal no atual edifício do Teatro Álvaro de Carvalho
que foi sucedido pelo Cine Roxy, o Cine Art 7 que exibia seus filmes em uma sala cedida pela
prefeitura no edifício que hoje abriga o BADESC e o Cine Imperial Coral Carlito na Rua João
Pinto.
206
206
estava enfraquecido. Os cinemas não resistiram a
crescimento imobiliário, as mudanças de
comportamento da população e as
transformações tecnológicas. Aos poucos foram
fechando, um à um. Para Depizzolatti, a
decadência começou com o abandono do centro
histórico e o crescimento da cidade que tornou-se
polinucleada. As ruas foram asfaltadas e o Centro
virou um lugar de passagem, abrigando bancos e
comércio, carente de equipamentos culturais”.
Fonte:
http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense -
Acesso em maio de 2010.
Por fim, o que este quadro revela de positivo é a conclusão de
que realmente são as pessoas que dão vida para o centro. Basta
comparar a ambiência do centro durante o meio-dia em um dia da
semana, com as noites ou mais extremamente com os finais de semana.
O centro continua sendo um espaço único, apesar de enfraquecido
enquanto aglutinador do movimento urbano pelo surgimento de novos
centros. Obviamente, um nível de poli-nucleação onde as “novas
centralidadesteriam importância comparável ao centro principal ainda
não ocorre nas cidades brasileiras (VILLAÇA, 2001). Apesar de suas
decadências, os centros tradicionais ainda atendem a população urbana
mais efetivamente do que qualquer outra centralidade:
“Aquilo a que se chama ideologicamente de
„decadência‟ do centro é tão-somente sua tomada
pelas camadas populares, justamente sua tomada
pela maioria da população. Nessas condições,
sendo o centro realmente da maioria, ele é o
centro da cidade” (Villaça, 2001, p. 283).
207
207
Considerações Finais
I - Espaço Público e Cidade
“As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é
uma essência eternamente agitada, eternamente
em movimento que, entre as fachadas dos
edifícios suporta (erlebt), experimenta (erfärt),
aprende e sente tanto como o indivíduo na
proteção de suas quatro paredes. Para este
coletivo, as placas deslumbrantes e esmaltadas
do comércio são um adorno de parede tão bom e
talvez melhor que um óleo de salão é para a
burguesia. Os muros com o „défeme d‟afficher‟
são sua escrivaninha, as bancas de jornais são
suas bibliotecas, as caixas de correio seus
bronzes, os bancos seu dormitório, e os terraços
de cafés, os balcões a partir dos quais contempla
seus assuntos domésticos” (Benjamin, 1996, p.
994).
Na cidade em tempos de valores extremamente individualistas,
uma questão que vem à tona é: o que significa ser cidadão? Nesta nova
cultura urbana da cidade moderna “zoneada” onde a pessoa estranha é
ameaçadora ao contrário do sentimento moderno do flâneur expresso
por Baudelaire muito poucos podem sentir um grande prazer nesse
mundo de estranhos: a cidade cosmopolita” (Sennett, 1998, p. 16). Este
modo de vida individualista (acima de tudo segregado espacialmente) é
impulsionado na medida em que o domínio público é esvaziado. Ao
mesmo tempo ocorre o oposto, os espaços públicos são abandonados na
proporção em que a vida separada é intensificada.
Segundo Sennett (1998, p. 29) existem hoje três sentidos
principais para o fenômeno urbano do isolamento:
- os habitantes de uma cidade densamente povoada são inibidos a
sentirem qualquer relacionamento com o meio no qual está colocada
esta estrutura;
- as pessoas isoladas em automóveis para ter liberdade de
movimento deixam de acreditar que o que a circunda tenha
208
208
qualquer significado além de ser um meio de chegar à finalidade da
própria locomoção;
- isolamento social em locais públicos: um isolamento
produzido diretamente pela nossa visibilidade para os outros.
O hábito de conviver em espaços públicos é, explica Sennett
(1998), historicamente associado ao cosmopolita: um homem que se
movimenta despreocupado em meio à diversidade. Sennett (1998, p. 32)
cita como exemplo o registro das Cartas de Howell (1645): Entrei no
mundo aos tropeções, um puro cadete, um verdadeiro cosmopolita,
nascido sem terras, rendas, casa ou cargoe complementa:
“Sem riqueza nem obrigação feudal herdada, o
cosmopolita, seja qual for seu gosto pela
diversidade mundana, necessariamente tem que
abrir caminho dentro dela. Dessa maneira,
„público‟ veio a significar uma vida que se passa
fora da vida da família e dos amigos íntimos; na
região pública, grupos sociais complexos e
díspares teriam que entrar em contato
inelutavelmente. E o centro dessa vida pública
era a capital”.
Na cultura urbana correspondente à última fase da transição
para a modernidade capitalista na cidade de Florianópolis o espaço
público perdeu sua vez. O novo modelo de urbanização dominante nas
cidades brasileiras é o urbanismo dos shoppings, do campus
universitário, do parque industrial ou empresarial, das auto-pistas e dos
condomínios fechados que apelam cada vez mais para a questão do
espaço privado, interno, de lazer como um atrativo. Proporcionalmente
ao fato dos espaços públicos da cidade serem cada vez mais
frequentados pelas classes populares, estes passaram a ser vistos como
lugares perigosos, sujos, desconfortáveis. As praças do centro de
Florianópolis, por exemplo, são vistas pela maior parte da população
como o lugar dos bêbados e dos mendigos.
Como prova disso, no início deste ano a Prefeitura Municipal
lançou um projeto que previa o cercamento e fechamento durante a noite
do símbolo da vida pública” na cidade, a Praça XV, projeto este que
está incluído dentro do plano maior de Revitalização do Centro
Histórico da capital. Na ocasião, o vice-prefeito alegou: “De que adianta
manter a praça aberta se quem usa não são os moradores, as famílias
209
209
que querem visitar o local?
110
, como se simplesmente fechando a praça
durante a noite o (falso) problema seria resolvido.
Atualmente, é política comum a “revitalização” dos centros
históricos das cidades
111
. Mas, estas revitalizações captam o centro
apenas em seu caráter arquitetônico, fazendo com que este represente
uma versão apagada e mutilada daquilo que foi o núcleo da antiga
cidade, ao mesmo tempo comercial, religiosos, intelectual, político,
econômico (produtivo)” (Lefebvre, 1991b, p. 13). Em Florianópolis,
podemos vislumbrar como a vida pública pulsava no centro tradicional
até os anos 60, através desta passagem:
“A praça XV de novembro era o núcleo vivo da
cidade marco da sua vida social: era o centro
das práticas religiosas, da administração da vida
política, do lazer, da elegância. No Jardim
Oliveira Belo, parte central da Praça, desfilava a
elegância feminina, que depois passou a exibir-se
na calçada do Palácio do Governo e Rua Felipe
Schmidt; em seu coreto, bandas de música
realizavam concertos quase todos os domingos.
Era na Praça que os políticos recebiam os
aplausos por seus acertos e as vaias pelos seus
erros; ainda na Praça se resolviam as questões
pessoais, com socos, pontapés e bengaladas,
raramente com armas. Os viajantes chegados
pelos vapores fudeados na baía desembarcavam
no cais Miramar, na face da Praça junto à praia.
110
Fonte: “Prefeitura quer cercar praça 15 Notícias do Dia, quinta-feira, 25 de fevereiro de
2010.
111
“Assim, os centros urbanos sofrem os desgastes físicos inerentes à passagem do tempo e ao
uso social de tais espaços; sofrem ainda alterações de uso, que modificam, apagam ou destroem
a função dos mesmos; e, por último, a centralidade pode ser acometida de uma perda de
significado e de memória, sofrendo pelo esquecimento e pela falta de sentido histórico, que foi
perdido através das gerações. Muitas de nossas cidades sofrem deste mal, é a constatação atual.
As pessoas, a rigor, tendem a fugir dos centros, seja no que toca à questão residencial ou de
consumo, seja mesmo à de utilização dos serviços urbanos. Historicamente, as populações
menos favorecidas, que haviam sido expulsas dos centros das cidades, nos primórdios da
modernização urbana, retornaram progressivamente a tais espaços. Temos centros urbanos
muitas vezes degradados, é a penosa constatação. Perigosos, dizem alguns, vazios nos fins de
semana, afirmam outros tantos. Estudiosos da história, da cultura e da memória, ao tomar a
cidade como seu objeto de análise e preocupação, tendem a se defrontar com o problema da
centralidade. É preciso humanizar o centro, é a palavra de ordem. Revitalizar o coração do
urbano, afirma-se nas academias. Intervir, preservar, revalorizar o patrimônio que ele encerra,
concordam todos” (Pesavento, 2008).
210
210
Muito da importância da Praça XV de Novembro
desapareceu quando a Ponte Hercílio Luz fez
cessar o tráfego de lanchas da baía com destino
ao Estreito, que na Ilha tinha seu ponto terminal
no cais Miramar” (Peluso Junior, 1991, p. 13).
Uma expressão desta última face da modernidade no espaço do
centro, na tentativa de abocanhá-lo ao movimento turístico é o
“preservacionismo histórico-arquitetônico”. A fraqueza desta ação é
demonstrada quando percebemos que são preservadas apenas partes
elegidas do centro tradicional enquanto outras caem aos pedaços. Isto
porque seus edifícios antigos são conservados na medida em que são
úteis para a formação desta imagem de cidade turística: cada vez están
más seleccionados y situados em perspectiva según lo que convenga al
espetáculo(Agamben in Andreotti, 1996, p. 75). Os valores históricos
mascaram por vezes o interesse turístico e comercial.
Nota-se, portanto, que esta tensão existente entre publico e
privado na cidade ultrapassa muito a tensão entre o espaço da casa e o
espaço das ruas. É um problema que envolve a escala de apropriação da
cidade pelos citadinos e pelos grupos sociais; em última análise, uma
questão de cidadania.
Como explica Sennett (1998), de uma maneira geral, a transição
para a modernidade capitalista e o processo de secularização da
sociedade alteraram profundamente a vida pública da cidade. O autor
coloca que no período iluminista exista um equilíbrio entre a geografia
pública e privada e, contra este equilíbrio:
“toma grande relevo a mudança fundamental nas
idéias de público e privado que se seguiram às
grandes revoluções no final do século, e a
ascensão de um capitalismo industrial nacional
em tempos mais modernos” (Sennett, 1998, p.
34).
Este período de transição, mesmo sendo revolucionário, não
origina uma outra cidade, pela existência de uma herança histórico-
social que faz com que uma condição de vida vai se infiltrando na
outra (Sennett, 1998 p. 38). Entretanto, a entrada do capitalismo
mundial na cidade tem um impacto tão forte que conseguiu fragmentar,
dilacerar seus espaços de convívio público.
211
211
Todo esse processo de perda do valor dos espaços públicos e a
transferência de sua função para os espaços de consumo privado
(fantasiados de públicos) está plenamente de acordo com o modelo de
planejamento urbano em voga, que converteu o espaço público da
cidade em uma derivação do espaço de passagem. As ruas são pensadas,
feitas e adaptadas para permitir a movimentação motorizada de um setor
para outro da cidade, não o passeio, sendo mesmo inviáveis para esta
prática. Neste contexto, a complexidade física das ruas do centro
tradicional, que formam um estreito labirinto, é um obstáculo para a
instalação de grandes complexos comerciais que atraíssem muitos
trabalhadores e compradores. A estruturação do sistema de transporte
urbano, um transporte que não é destinado ao lazer e cujos itinerários e
linhas não contribuem para o encontro entre classes na cidade, visa
possibilitar o transporte dos trabalhadores entre os vários complexos da
cidade (residencial, comercial, empresarial, universitário).
A partir do momento em que as ruas são vistas apenas como
lugar de passagem, muda toda a ideia do “público” dentro da cidade.
Neste momento, o público passa a se concentrar em polígonos
delimitados (praças e parques) e a cidade se converte em um grande
mosaico de espaços públicos e privados.
O que desejamos salientar nesta pesquisa é a interpretação do
espaço público para além do lugar do lazer, das horas vagas, mas como
parte fundamental do próprio conceito de cidade, cidadão e cidadania
(Diagrama 1), como nos expõe Gomes (2002, p. 134-135):
“Isso demonstra que ser cidadão é, em certa
medida, uma localização espacial. Nada mais
significativo do que o fato de polis ser não o
nome dessa estrutura espacial, „a cidade‟, mas
também ao mesmo tempo, um feixe de relações
sociais formais que originou a palavra „política‟.”
212
212
O conceito de espaço público segundo Gomes (2002) pressupõe
a relação entre três elementos fundamentais:
- normalizações, leis e ordens;
- co-presença de pessoas diferentes num mesmo lugar;
- diálogo e visibilidade.
Diagrama 1 A cidade como um espaço público.
Este espaço público oferece como possibilidade o acesso e
participação de qualquer tipo de pessoa, ou seja, a mistura social. Ao
contrário, os espaços privados (mesmo os de uso público como os
shoppings) selecionam seus ocupantes pelo critério do poder de
consumo e, enfim, por classe social.
O espaço público representa acima de tudo o vínculo de um
povo, de uma multidão organizada, de uma sociedade com a cidade e o
indivíduo (GOMES, 2002). Faz, neste sentido, a ponte direta entre a
vida privada e vida pública, o citadino e a cidade um espaço de
relações entrecruzadas, de conteúdo material e simbólico.
Desta forma, procuramos pensar o espaço público não apenas
por evidência, como as ruas, praças ou parques; mas um espaço público
entendido como uma esfera de ações”, como conceitua Gomes (2002).
Neste caminho, o espaço público transcende o espaço físico,
organizacional, e passa a envolver as práticas e os valores sociais. Ele
213
213
representa o convívio cidadão dentro da cidade, ou, a cidadania
transportada para uma dimensão física (GOMES, 2002).
A partir desta análise, interpretamos o espaço da cidade como
um todo como um espaço público, e o centro tradicional, como seu
coração por excelência. Como observa Jacobs (2009, p. 181):
“Quando o coração urbano para ou se deteriora, a
cidade, enquanto conjunto de relações sociais,
começa a sofrer: as pessoas que deveriam se
encontrar deixam de faze-lo, em virtude da falta
das atividades do centro. As idéias e o dinheiro
que deveriam se complementar o que ocorre
naturalmente num lugar cujo centro tenha
vitalidade - deixam de faze-lo. A rede de vida
pública urbana sofre rupturas insustentáveis. Sem
um coração central forte e abrangente, a cidade
tende a tornar-se um amontoado de interesses
isolados. Ela fracassa na geração de algo social,
cultual e economicamente maior do que a soma
de suas partes constitutivas”.
Neste sentido, em nosso trabalho procuramos enfatizar uma
forma de modernidade”, a partir da história, que possa tomar ou
refazer o espaço públicodo centro que foi desfeito como efeito desta
mesma modernidade; que se aproprie deste para transforma-lo em
nome das pessoas que constituem o seu público (Berman, 2001, p.
189).
II - Centro tradicional como lugar contra-hegemônico
“A história, em tudo que desde o início ela tem de
extemporâneo,
sofrido, malogrado, se expressa num rosto não numa
caveira”
(Benjamin apud Bolle, 2000, p. 111).
Nesta pesquisa buscamos apreender as especificidades da
formação do centro de Florianópolis, compreendendo a marcha das
continuidades e descontinuidades de sua história e como estas se
arranjaram espacialmente dentro do processo de transição para a
modernidade capitalista. Percebemos que o centro, como nos fala Milton
Santos (1977, p. 89), tornou-se, a a cada momento histórico, dotado de
um significado particular”, ou seja, ao falarmos do centro da cidade em
cada fase da transição estamos falando de um espaço diferente, inclusive
em termos de escala, mas principalmente em termos de sociedade.
Nossa intenção inicial era estudar as transformações recentes do
centro da cidade, mas, no decorrer da pesquisa percebemos que este
período da história urbana era apenas um momento de uma totalidade
totalidade, esta, que identificamos como o processo de transição para a
modernidade capitalista da cidade, repleto de contradições. Portanto,
partimos de um momento e um espaço particular (o centro da cidade no
período atual) para alcançar a totalidade: a modernidade capitalista em
Florianópolis e a dinâmica da centralidade urbana.
A transição para a modernidade em Florianópolis é um longo
processo desenhado em três momentos, ou movimentos principais,
como demonstramos ao longo do trabalho. Em cada um destes
momentos e centro representa um papel diferente.
A partir da acumulação de capital proveniente, por um lado, da
drenagem da renda da pequena produção açoriana, e, por outro, do
grande comércio import-export encabeçado por firmas como a Hoepcke,
é que a cidade inicia seu processo de modernização. Isso por volta de
1870, época em que as primeiras grandes intervenções urbanísticas são
realizadas no centro da cidade, que, nesta época, resumia-se ao Largo da
Catedral e as primeiras ruas a partir da linha do mar onde estavam
localizados o porto, a alfândega e o mercado municipal, e era rodeado
por pequenos bairros habitados, em grande medida, por classes
populares. Esta primeira fase encontra seu ponto culminante na década
215
de 20, quando a construção da ponte Hercílio Luz vem representar a
passagem do patamar do centro de Florianópolis de uma centralidade
local para uma centralidade regional. Com isso, a área dos bairros
centrais é englobada a área geral do centro, perímetro que hoje
identificamos como o centro tradicional de Florianópolis.
Nesta época o discurso urbanístico dominante é o do
sanitarismo, e, em nome do embelezamento urbano e em resposta às
necessidades do aumento da população (que valorizou o preço da terra),
um grande contingente de populações de baixa renda que habitavam o
perímetro desta primeira expansão do centro fora expulso para os
morros e para o continente.
Em virtude dos acontecimentos da Revolução de 30 e da
decadência dos capitais comerciais urbanos, a cidade passa por um
longo período de estagnação da década de 30 até próximo aos anos 60,
quando retoma toda sua vida, seguindo o plano desenvolvimentista
brasileiro e a expansão da administração pública. É quando o centro
começa a se expandir por sobre as áreas colinosas ocupadas pelas
chácaras das famílias mais abastadas da Ilha até então (grandes
comerciantes portugueses e alemães), mas, nesse desenvolvimento,
apresenta características bem distintas do núcleo primário. Esta área é
conhecida atualmente como centro novo.
Nesta segunda fase (que, como percebemos, é o ponto alto de
toda transição), começa a despontar na cidade o interesse pela
exploração do turismo e, com ele, a germinar um grande capital
imobiliário. O sentido da modernização da cidade, em consonância com
os interesses destes capitais emergentes, passa a se voltar para o eixo-
norte da Ilha a partir nos anos 70. Isso somado à construção dos aterros
que desviaram os fluxos do centro tradicional e o isolaram do mar,
iniciou um processo de estagnação das formas neste espaço.
Também nesta época começa a se desenhar o que hoje
conhecemos como centro expandido, que compreende uma grande área
envolvente ao maciço central e que teve sua formação impulsionada
pelo crescimento populacional causado pela instalação nestas áreas de
grandes instituições públicas estaduais e federais.
De fato, a partir dos anos 90 percebemos que começa a se
desenhar um novo movimento da transição para a modernidade
capitalista na cidade. É nesta época que o capital extra-local (e
notadamente internacional), em forma de investimentos imobiliários
associados às bandeiras do turismo e da tecnologia, apropria-se
definitivamente do espaço urbano. O discurso urbanístico
216
contemporâneo vem, desde então, trabalhando no sentido de romper
com a idéia de cidade como uma totalidade social (e com isso com o
próprio sentido de centro urbano), dedicando-se a construção de núcleos
residenciais (condomínios), comerciais (os shoppings) e empresariais
(parques empresariais e tecnológicos), que passam a representar a
modernidade para a cidade enquanto ao centro tradicional é
relacionado a tudo que há de atrasado e ultrapassado.
Convivemos na cidade com dois sistemas de fluxo econômico,
o inferior (ou tradicional) e o superior (ou moderno), que, apesar de
serem antagônicos, desenvolveram-se a partir de um mesmo processo: a
modernização (Santos, 1982). Santos (1982) demonstra como o
consumo de tipo tradicional é mais próprio das classes baixas, enquanto
o de tipo moderno o é das classes altas. Ou seja, em Florianópolis,
podemos identificar as formas de comércio realizadas no centro
tradicional como componentes deste sistema inferior da economia
citadina (cujas características são o trabalho intensivo, a organização
rudimentar, os preços negociáveis e as relações diretas com a clientela),
e o comércios dos grandes centros comerciais (de capital intensivo,
organização burocrática, preços fixados e relações impessoais com a
clientela), bem como a movimentação do capital imobiliário como os
componentes do sistema superior.
Entretanto, neste momento, confirmando a afirmativa de Lucáks
(1981), que nos alerta que a forma fenomênica e a essência das coisas
não coincidem, o centro tradicional adquire um novo sentido político de
luta e resistência pela afirmação da cidade, enquanto escala primordial
da vida em sociedade, como nos referimos na primeira parte destas
considerações finais. O centro da cidade, apesar de aparentemente
degradado e enfraquecido, politicamente demonstra todo seu poder
revolucionário ao conseguir resistir à incorporação turística-imobiliária
do novo projeto de cidade colocado a todo vapor nos anos 90 (mas
iniciado nos anos 60-70). O centro, seguindo a reviravolta dialética de
Engels, não é um lugar passivo e adormecido, é um lugar contra-
hegemônico, pode-se dizer.
Contra o falso-consenso da Florianópolis contemporânea, a vida
pública do centro tradicional se mantém com intensidade. É visível a
tentativa de incorporação dos espaços públicos pelo capital turístico-
imobiliário, que a cada dia constrói mais espaços vazios de política e
alimenta uma imagem homogênea e mentirosa da cidade. Muitos dos
espaços do centro, neste processo, tentam ser pacificados através do
controle e policiamento. Quaisquer manifestações de liberdade no
217
espaço central atualmente estão sendo reprimidas. E, este controle não é
tanto contra a violência real quanto contra a violência imaginária, ao
imaginário social do centro como um “lugar perigoso”, que vem sendo
criado pela mídia há muitos anos.
Tudo isso faz parte do processo de criação de consensos que
tenta sempre esconder os conflitos urbanos para que a cidade seja mais
vendável no mercado mundial, o mercado do turismo, dos grandes
eventos, etc. Mas o centro de Florianópolis, pelo contrário, explicita
estes conflitos. A partir da última fase da transição para a modernidade
na cidade, o espaço público da cidade se converte em um campo de
batalha sem possibilidade de consenso, que desvenda a cidade que existe
e resiste por traz do processo de homogeneização que a apropriação
capitalista do espaço tenta efetivar.
Sabemos que quando a urbanização é dominada pela
mentalidade corporativa, predominam os interesses particulares aos
coletivos: “o cidadão é não raro empobrecido pelo usuário e pelo
consumidor, afastando para muito depois a construção do homem
público (Santos 1996, p. 109). Por isso, essa força capitalista
impulsionada por alianças políticas formadas desde a década de 60 na
cidade, consegue prevalecer frente aos interesses sociais de uma
população e às formas precedentes de economia urbana, mesmo quando
esta população e este “modo de vida” estão estabelecidos
tradicionalmente, em número muito maior e em áreas muito mais vastas
(SANTOS, 1996). É neste contexto que o centro tradicional de
Florianópolis passa a se apresentar como um espaço contra-hegemônico,
pois sua organização e funcionamento baseiam-se nestas formas prévias,
em um modo de vida que se relaciona conflituosamente com a
modernidade contemporânea, mas que, ao mesmo tempo, está carregado
de valores modernos, de vida pública, de força popular e política.
Parafraseando Shorske (2000), um grande conflito jaz escondido e
solidificado em seus velhos prédios.
Esse sentido político que o centro tradicional assume a partir da
ultima fase da modernidade capitalista na cidade é o próprio vínculo
dialético existente entre “tradição” e “modernidade”. Os dois só existem
graças às interações e misturas entre si; um não pára de se reverter em
outro, de capturar o outro. A priori, não é o atraso uma premissa para o
desenvolvimento? Sua face envelhecida esconde uma grande vitalidade
política.
Benjamin nos fala que nenhum rosto é tão surrealista como a
fisionomia autêntica de uma cidade e conta que foram os próprios
218
surrealistas os primeiros a perceber as energias revolucionáriasque se
revelam nas coisas antiquadas e a pensar “de que maneira essas coisas se
relacionam com a Revolução”:
“De que modo a miséria não apenas social, mas
também a arquitetônica, a miséria dos interiores,
as coisas escravizadas e escravizantes revertem
em niilismo revolucionário - os videntes e
visionários surrealistas foram os primeiros a
percebe-lo” (Benjamim apud Bolle, 2000, p.
135).
Portanto, as mesmas constatações sobre o tempo presente do
centro poderiam nos levar a uma avaliação reacionária ou revolucionária
deste espaço. Seguindo nossas bases teóricas, construímos nesta
pesquisa uma interpretação revolucionária (no sentido que nos referimos
anteriormente) do centro tradicional. Dentro do longo processo de
transição para a modernidade o centro vai e vem à vida com um
significado novo: do centro moderno, ao centro decadente para o centro
contra-hegemônico.
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