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(p. 33, grifo do autor). Ecoando o texto clássico de Schleiermacher
(1813/2007)
1
, afirma ser um dos princípios da tradução etnocêntrica que
“a tradução deve oferecer um texto que o autor estrangeiro teria escrito
se tivesse escrito na língua da tradução” (BERMAN, 2007, p. 33).
Para se opor à tradução etnocêntrica dominante, o autor propõe a
prática de uma tradução ética, cujo objetivo estaria em “reconhecer e em
receber o Outro enquanto Outro” (BERMAN, 2007, p. 68), em lugar de
esconder o elemento estrangeiro da obra traduzida
2
. Para esse propósito
defende uma tradução literal
3
, fiel à “letra” do original, o que para ele
representaria a “essência última e definitiva da tradução”: “Partimos do
seguinte axioma: a tradução é tradução-da-letra, do texto enquanto
letra” (BERMAN, 2007, p. 25, grifo do autor). Assim, para o autor, não
teria cabimento uma fidelidade ao sentido ou ao “espírito” da obra.
O objetivo ético do traduzir, por se propor acolher
o Estrangeiro na sua corporeidade carnal, só pode
estar ligado à letra da obra. Se a forma do objetivo
é a fidelidade, é necessário dizer que só há
fidelidade — em todas as áreas — à letra. Ser
‘fiel’ a um contrato significa respeitar suas
cláusulas, não o ‘espírito’ do contrato. Ser fiel ao
‘espírito’ de um texto é uma contradição em si
(BERMAN, 2007, p.70).
1
Ueber die verschiedenen Methoden des Uebersetzens, de 1813. Em nossa bibliografia consta
a tradução de 2007 para o português, Dos diferentes métodos de traduzir, realizada pelo Prof.
Dr. Mauri Furlan, ainda não publicada. Berman (1985/1999/2007) cita em sua bibliografia a
tradução ao francês realizada por ele mesmo: “Des différentes méthodes du traduire”.
2
Posteriormente, Berman ameniza essas afirmações. Em seu último livro, Pour une critique
des traductions: John Donne, publicado postumamente, Berman (1995) passa a associar a ética
do tradutor à transparência deste em relação à forma como realizou sua tradução e a condenar
como antiético apenas o ato de esconder as manipulações realizadas no texto traduzido:
“Não dizer aquilo que se vai fazer — por exemplo adaptar em vez de traduzir — ou fazer algo
diferente daquilo que se disse é o que valeu à corporação o adágio italiano traduttore traditore,
e que a crítica deve denunciar duramente. O tradutor tem todos os direitos, desde que jogue
abertamente”.
“Ne pas dire ce qu’on va faire — par exemple adapter plutôt que traduire — ou faire autre
chose que ce qu’on a dit, voilà ce qui a valu à la corporation l’adage italien traduttore
traditore, et ce que le critique doit dénoncer durement. Le traducteur a tout les droits dès lors
qu’il joue franc jeu” (BERMAN, 1995, p. 93, grifos do autor).
3
Apesar de Berman (2007) utilizar algumas vezes a palavra “literal”, é fácil notar que essa
literalidade é bastante diferente daquela tratada por Xatara, por exemplo (ver abaixo). Por esse
motivo, preferimos adotar “tradução da letra”, também utilizada pelo autor, de modo que a
distinção fique mais clara. A tradução da letra de um texto, para esse autor, não deve ser
confundida com uma tradução “palavra por palavra”, pois não se restringe às palavras; envolve
também, como ele exemplifica ao tratar da tradução de provérbios, ritmo, comprimento,
possíveis aliterações, rimas, etc. (BERMAN, 2007, p. 16).