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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÉCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ROBERTA MONTEIRO ALVES
A LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA
PEDAGÓGICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SUJEITO CRÍTICO
SÃO CRISTÓVÃO(SE)
2010
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ROBERTA MONTEIRO ALVES
A LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA
PEDAGÓGICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SUJEITO CRÍTICO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal
de Sergipe, Núcleo de Pós-Graduação em
Letras, como exigência parcial para a
obtenção do Título de Mestre na área de
Estudos da Linguagem e Ensino, sob a
orientação da Prof.ª Drª. Denise Porto
Cardoso.
São Cristóvão (SE)
2010
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ROBERTA MONTEIRO ALVES
A LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA
PEDAGÓGICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SUJEITO CRÍTICO
Dissertação aprovada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre na área de
Estudos da Linguagem e Ensino, Núcleo de
Pós-Graduação em Letras, Universidade
Federal de Sergipe.
Aprovada em 05 de maio de 2010.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª.
Denise Porto Cardoso, Orientadora
Universidade Federal de Sergipe
Prof. Drª. Maria Francisca Oliveira Santos
Universidade Federal de Alagoas
Prof. Drª. Lêda Pires Corrêa
Universidade Federal de Sergipe
AGRADECIMENTOS
Trabalho árduo e muita dedicação são os fatores que dão um sabor especial
às vitórias, que nos dão a certeza do merecimento. Entretanto todo esse sacrifício
não pode ser feito sozinho, pois o se vive isolado do mundo. Ao contrário, ele
exige a cooperação e compreensão daqueles que nos cercam, seja no trabalho ou
na família. Sendo assim, agradeço a cada um que, em alguma ocasião, nesses dois
últimos anos, soube compreender o momento especial pelo que estava passando.
Acredito que os pilares da vida de uma pessoa o a religiosidade e a família,
uma vez que a crença em Deus serve de alicerce nos momentos em que o chão
parece faltar. a família é uma das mais evidentes manifestações da existência de
Deus.
Com base nesse pensamento é que manifesto minha gratidão por esses dois
pilares: Deus e família. Com relação ao último, gosto sempre de afirmar que os laços
sanguíneos são mera formalidade, porquanto entendo os amigos com verdadeiros
familiares, portanto merecedores de meu reconhecimento. Embora prefira não citar
nomes para evitar o risco da injustiça, não posso deixar de citar meus pais, Marcos e
Vanda, exemplos de dedicação incondicional; minha irmã Lucianna e minha
sobrinha Maria Eduarda, parceiras das lutas diárias; meus filhos Guilherme e Maria
de Lordes, minha razão de viver; e meu marido João Neto, meu norte, sul, leste e
oeste. A todos eles agradeço a compreensão para suportar minhas tantas ausências
necessárias à conclusão desta Dissertação.
RESUMO
O presente trabalho se constitui em uma proposta de abordagem da literatura
de cordel em salas de aula, mais especificamente, nas turmas do ano do Ensino
Fundamental, com o intuito de subsidiar a formação de sujeitos e discursos cientes
de sua identidade e cidadania. Como a educação contemporânea não pode mais
conviver com a exclusão da cultura popular e de seus sujeitos discursivos, torna-se
urgente a utilização de um processo de ensino-aprendizagem cada vez mais aliado
à diversidade e à identidade cultural, a fim de que haja uma diminuição de
preconceitos relativos não à literatura de cordel como também ao universo que a
cerca.
A metodologia de trabalho envolveu uma pesquisa bibliográfica em torno da
história e das características formais do cordel; entrevista com três cordelistas
sergipanos, sendo dois homens e uma mulher, a fim de que fosse possível identificar
pontos de vista diferentes; abordagem de alguns folhetos, sob a ótica da Análise do
Discurso; e, finalmente, uma proposta pedagógica de aplicação do cordel em sala de
aula. Na conclusão, foram expostas as impressões e expectativas acerca da
aplicabilidade do projeto, uma vez que a intenção, neste trabalho, não foi a de
comprovar os efeitos de sua aplicação, mas sim de incitar o trabalho com a literatura
de cordel em sala de aula.
Palavras-chave: literatura de cordel, leitura, educação, aprendizagem, sujeito.
ABSTRACT
The current work is based on the study of the “cordel literature” in High School
classrooms, mainly 9
th
grader, whose purpose is to subsidize the preparation of
subjects and discourses aware of their identity and citizenship. Since contemporary
education can no longer live along with the exclusion of popular culture as well as
their discursive subjects it is a must that an ever-growing alliance between the
teaching-learning process and diversity and cultural identity be utilized so that there
will be a decrease in prejudice, not only towards the so called “cordel literature”, but
also the universe that surrounds it. Our methodology consisted of a bibliographical
research on history and the formal characteristics of cordel literature; we interviewed
three cordel artists from the State of Sergipe two men and one woman so as to
make it possible to identify different points of view; we also studied some leaflets
under the light of the Discourse Analysis; and finally, we investigated the possibility of
its use in classrooms following a pedagogical proposal. In our Conclusion we present
our impressions and expectations towards the project’s feasibility as our aim in this
project was not that of finding flaws in its applicability but to encourage the study of
cordel literature in class.
Keywords: cordel literature, reading, education, learning, subject.
SUMÁRIO
1 PARA COMEÇO DE CONVERSA ........................................................................... 8
2 A ARTE NO BARBANTE ........................................................................................ 13
2.1. O QUE SE PODE CHAMAR DE INÍCIO .......................................................... 14
2.2. O CORDEL ENQUANTO ARTE ....................................................................... 24
2.3. QUEM É O CORDELISTA? ............................................................................. 34
3 CONVERSANDO SOBRE OS GÊNEROS TEXTUAIS .......................................... 45
3.1 O CORDEL COMO GÊNERO DO DISCURSO ................................................. 49
3.2 CORDEL E LEITURA: TEXTO E MUNDO ........................................................ 58
4 MEMÓRIA E HISTÓRIA NOS CORDÉIS ............................................................... 68
4.1 MEMÓRIA, HISTÓRIA E DISCURSO ............................................................... 72
4.2 MEMÓRIA, SENTIDO E SUJEITO .................................................................... 75
4.3 DO DOCUMENTO AO MONUMENTO ............................................................. 77
5 MÃOS À OBRA: UMA SUGESTÃO DE TRABALHO ............................................. 80
5.1 A SALA DE AULA ............................................................................................. 80
5.1.1 A textualidade .......................................................................................... 81
5.1.2 A literalidade ............................................................................................ 83
5.1.3 A finalidade .............................................................................................. 84
5.1.4 Trabalhando com o gênero cordel ........................................................... 85
6 ENCERRANDO O ASSUNTO OU COMEÇANDO A CANTORIA? ........................ 95
7 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 101
ANEXOS ................................................................................................................. 107
8
1 PARA COMEÇO DE CONVERSA
Entre os anos de 2005 e 2007, a Universidade Federal de Sergipe adotou,
como leitura obrigatória para o exame do vestibular seriado, o livro Feira de Versos,
uma compilação de textos de cordel de três grandes autores: Leandro Gomes de
Barros, José Melquíades Ferreira da Silva e Antônio Gonçalves da Silva, mais
conhecido como Patativa do Assaré. Estava dado o mote para uma conversa que,
por muito tempo, por conta dos desencontros entre currículos escolares e
regionalidades, foi adiada e se manteve como uma tarefa na educação sergipana e,
principalmente, nas escolas particulares, onde o cordel sempre foi visto como uma
atividade folclórica e não textual.
Nesse encontro entre a tradição disciplinar e suas prateleiras abarrotadas de
obras ditas clássicas, a cultura brasileira vê-se tomada, a bem da verdade, pelo
texto de cordel, de o ampla convivência com o público leitor do país desde o
século XIX. Nas escolas das redes pública e privada, nos cursinhos pré-vestibulares,
nas práticas literárias escolares, essa vertente literária acima mencionada adquire o
status de objeto de estudo, contrariando os olhares que fixavam o cordel muito mais
como um evento cultural, que como um gênero textual com finalidades, estruturas e
racionalidades bem constituídas e, principalmente, com sujeitos exercendo sua
representatividade através de textos.
A inserção da obra na citada lista de leituras proporcionou não uma nova
forma de ver a literatura de cordel em sala de aula, mas também um contato mais
substancioso com a semântica e o léxico, de um grupo de pouca visibilidade nos
currículos. Impôs uma nova leitura e um novo posicionamento da literatura de cordel
e, consequentemente, despertou alunos e professores para a sua importância, que
até então não havia sido despontada. Assustadoramente, ficou claro que o ensino
no país não dava conta das particularidades regionais, das necessidades
apresentadas pela diversidade cultural do Brasil e, o que é ainda mais alarmante,
que as autonomias e os sujeitos não encontram espaço, senão aquele que é
idealizado e modelizado a partir de experiências totalmente diferentes de ensino-
aprendizagem nos demais estados do país.
9
A hipótese defendida neste trabalho é a de que, através da inserção do
estudo da literatura de cordel, enquanto nero textual, no Ensino Fundamental, é
possível proporcionar não a revitalização desse gênero, como também subsidiar
a formação de sujeitos e discursos cientes de sua identidade e de sua cidadania. A
escola e a educação contemporânea não podem mais suportar a exclusão notória,
quando se fala em cordel e seus sujeitos discursivos. No Ensino dio as escolhas
dos alunos foram feitas, e, em sua maioria, pouca coisa vai mudar nesse universo
de proposições. As formas de leitura e composição foram abalizadas e, a
depender do evento, esse gênero pode ou não fazer parte do universo de leitura
desses indivíduos. E o que é ainda pior, estes podem não perceber a existência de
um grupo social que produz e emite sua opinião por meio desse veículo literário.
Para alunos que não tiveram contato com determinados gêneros textuais as
possibilidades de interação com o meio social podem ficar limitadas; restringindo,
assim, a exposição de idéias.
Dado o pensamento que direciona esta pesquisa, o objetivo principal que a
inspira é destacar a importância da inserção do gênero cordel em sala de aula,
precisamente em turmas do 9º ano do Ensino Fundamental das escolas particulares,
propondo um processo de ensino-aprendizagem cada vez mais aliado à diversidade
e identidade cultural.
A escolha da metodologia do trabalho envolveu três momentos distintos:
primeiramente, desenvolveu-se a pesquisa bibliográfica em torno da história e das
características formais do texto de cordel, destacando e avaliando sua relevância
social no processo de interação entre autores e leitores; num segundo momento foi
feita a pesquisa de campo, centrada nos cordelistas do estado de Sergipe, através
de uma amostragem baseada no tempo de trabalho com o cordel, sexo e idade,
buscando identificar os sujeitos e suas formações discursivas. Formações essas que
destacam a intencionalidade e o estilo próprio desses autores; na terceira fase,
depois das análises de dados, propõe-se a experimentação didática do trabalho com
a literatura de cordel, usando a teoria dos gêneros textuais. A aplicabilidade é muito
mais uma proposta, que deve ser particularizada por professores e instituições de
ensino, que uma diretriz a ser seguida cegamente.
10
O trabalho está estruturado em cinco momentos, distintos e interligados pela
problemática da utilização do cordel em sala de aula, que uma série de
contingências e preconceitos perfazem o discurso de exclusão do gênero dentro das
práticas curriculares. Por que a resistência? É uma pergunta que merece reflexão.
Que características definem o gênero e sua forma de interação social? Como defini-
lo mediante o universo de gêneros e como trabalhar com ele de maneira didático-
pedagógica na escola? E por que trabalhá-lo? São partes das questões refletidas
nesta pesquisa.
No primeiro capítulo, A arte no barbante, destacam-se as relevâncias
históricas da literatura de cordel no mundo e sua inserção no Brasil. O que se pode
chamar de início, trata das mais variadas manifestações do cordel, da formação de
seus autores e leitores, bem como dos processos de produção e comercialização do
mesmo. O cordel enquanto arte é o tópico em que se destacam os recursos
poéticos e estilísticos dos livretos, suas temáticas e suas manifestações de
interação. Na parte que traz a discussão sobre Quem é o cordelista, a partir de
entrevistas feitas com autores sergipanos, caracterizam-se o presente, a
contemporaneidade do gênero e os sujeitos envolvidos, destacando, não uma
evolução, mas as novas contingências que tornam viva a tradição do cordel.
Em Conversando sobre os gêneros textuais, o segundo capítulo,
relacionam-se conceitos baktinianos de gêneros do discurso e de outras propostas
que elucidam o trabalho com o cordel em sala de aula. O cordel como gênero de
discurso descreve as relações textuais que fazem do cordel um gênero discursivo
de suma importância para confrontar as desigualdades e o poder, dentro de um país
de dimensões continentais e, por isso mesmo, de discursos e veiculações variados.
Em Cordel e leitura: texto e mundo, são problematizados os fenômenos
enunciativos que registram as finalidades e circunstâncias de interação social,
decisivas para responder às indiferenças históricas e preconceitos visíveis até hoje.
A leitura do texto e a leitura do mundo são de suma importância para estabelecer os
vínculos ideológicos que são intrínsecos à concepção dos discursos em forma de
versos.
Memória e história nos cordéis é um capítulo que trata o gênero de cordel
em sua amplitude de temas e abordagens, perpassando o universo testemunhal de
11
interlocutores, constituindo a memória coletiva de grupos que tiveram seus discursos
silenciados na História, que, por muito tempo, denominou-se oficial. Vê-se que, além
do campo ficcional de entretenimento, o cordel se constitui em veículo de
manutenção de experiências vividas. Memória, história e discurso aborda,
justamente, o conflito História e Memória, pois a literatura de cordel, a partir da
concepção de fazer história, advinda da Nova História, serve como objeto de
pesquisa, validando o sujeito-cordelista com um papel cultural e sócio-histórico. Em
Memória, sentido e sujeito são abordadas a figura do sujeito, imerso na trama
histórica; a memória discursiva, sobre a qual não se tem controle; e, a construção de
sentidos ideologicamente definidos. Do Documento ao Monumento problematiza,
com base na obra de Foucault, o passado e suas camadas arqueológicas,
possibilitando uma forte crítica do presente.
Mãos à obra: uma sugestão de trabalho, o quinto capítulo, tem-se uma
proposta de aplicação da literatura de cordel em sala de aula, sob os pressupostos
do estudo de gêneros textuais. Nele, segundo a ideia das sequências didáticas de
Joaquim Dolz, Michèlle Noverraz e Bernard Scheuwly, faz-se uma previsão da
produção dos gêneros contextualizados e inseridos dentro do conjunto de atividades
escolares e do cotidiano da sala de aula. Todavia, o questionamento das relações
de poder, dentro dos procedimentos curriculares, tende a ser realizado neste
momento, pois mesmo tendo a favor uma série de ações que viabilizem a
aplicabilidade dos conteúdos, ainda persistem discursos tradicionalistas, que podem
barrar qualquer que sejam as ações de inclusão.
A literatura de cordel enquanto gênero textual é um contra-discurso às
diretrizes de ensino alheias às diferenças e, por isso, incapazes da experiência
ampla da cidadania.
Finalmente, no sexto e último capítulo, Encerrando o assunto ou
começando a cantoria?, serão expostas as impressões acerca de todo trabalho de
pesquisa realizado, e das expectativas no tocante à aplicabilidade desse estudo,
uma vez que aqui não será possível comprovar sua utilização e eventuais efeitos em
sala de aula. Apesar disso, vale destacar a intenção de despertar primeiramente as
instituições de ensino, para a devida inclusão da literatura de cordel como parte
12
integrante do currículo, como também estimular, os jovens, à leitura e produção de
cordéis, tornando cada vez mais vivo o esse gênero e o discurso de seus sujeitos.
13
2 A ARTE NO BARBANTE
O cordel, enquanto gênero textual e literário, constitui-se de três aspectos
básicos: sua história, seus sujeitos e sua experiência estética. No item
correspondente à história, serão elucidados, principalmente, os fatores decisivos, a
normatização do uso da linguagem que compõe o universo do cordel no território
brasileiro. Nesse primeiro momento é necessário desmitificar a ideia do cordel, como
evento necessariamente nascido no Brasil, de uma forma de literatura
especialmente produzida no Nordeste e de uma literatura desmerecidamente
popular.
Será visto, ainda, que a tradição do cordel é bem antiga e de origem europeia,
trazida pela colonização, mas não como símbolo português de cultura. O livreto tem
raízes fincadas muito mais na cultura espanhola e francesa. Por esse motivo é
encontrado em outros países da América do Sul, como é o caso da Argentina e do
Chile (SLATER, 1984). Suas características principais no processo de formação
cultural foi a de reunir tradição oral e escrita.
Por muito tempo, essa literatura manteve sua relação com o romanceiro
medieval e com as aventuras de cavalaria, entretanto, aos poucos foi tomado por um
gosto nacional, que ampliou suas áreas de atuação. O grande boom da história do
cordel brasileiro foi justamente no culo XIX, quando lançou mão do maquinário
obsoleto para os jornais, que se modernizavam. Foi iniciado, a partir daí, o grande
êxodo do cordel e de cordelistas, que tomou outras regiões do país e,
consequentemente, conquistou novos leitores.
Neste ponto do trabalho, a maior preocupação foi com os tabus criados pelas
instituições canônicas, através das quais pode-se atribuir a condição de todo um
fazer literário a uma situação de pouca ou nenhuma consideração.
O registro textual do cordel é mostrado, tanto como de profundo sentimento
estético, como em conformidade com as técnicas e métodos da escrita literária.
A arte é vista na confluência de desejos que vão além de seu comportamento
literário. Mais do que nunca, é preciso salientar a subjetividade com que a avaliação
do belo, como objeto da arte, está relacionada. O jogo metafórico definidor da
14
experiência artística é a base de toda a ficcionalidade que o texto de cordel vai
apresentar.
Outro papel definidor, para a relação entre arte e cordel, são os perfis de
objeto artístico (produto), e seu público (consumidor). Não é somente o texto que
seleciona o seu leitor, o inverso também acontece. No caso do cordel, a
reciprocidade, no primeiro momento, será responsável pela desvalorização do
gênero, enquanto obra; conjuntamente com a desvalorização do meio que ela
representa. A singularidade com a qual o cordel estrutura a sua escrita incomoda um
saber constituído, e que não suporta o embate nem os diversos contra-
argumentos. Seus elementos poético-narrativos apontam certa conformidade com os
modelos tradicionais de literatura; métrica, rima, estrofes são indicadores de uma
tradição clássica; seus personagens, uma representação de um tipo comum ao
sertanejo, seu espaço e seu tempo: o da memória.
Para finalizar, trata-se o cordelista como essa figura que transita pelo mundo
da leitura e da produção, como tipo particular de sujeito que, na experiência do
cordel, assume várias funções e a quem é dada a missão de resistência dessa
forma discursiva. Trata-se de indivíduos que sintetizam em palavras os anseios de
um estrato social do qual fazem parte, ou simplesmente com quem se identificam.
2.1. O QUE SE PODE CHAMAR DE INÍCIO
Determinar, no tempo, o ponto em que o cordel nasce no Brasil; descrever a
gênese dessa forma de escrita a pedra angular do gênero literário que exerce até
hoje grande fascínio por revelar traços de uma identidade brasileira, em especial
nordestina não é algo o fácil, preciso, tampouco objetivo. O trabalho de
levantamento de dados percorre itinerários diversos de gêneros que, em comum
com o cordel, foram mantidos na marginalidade, na qual os aspectos popular e
folclórico ainda são tratados. Sabe-se que a produção e a edição dos livretos, no
país, têm, em meados do século XIX, seu marco mais importante. E que também,
em decorrência das imigrações, o gênero foi considerado próprio do Nordeste,
mesmo sendo encontrado em todas as regiões do país. Pode-se dizer que o cordel
alcançou o status de uma instituição sócio-cultural, pela complexidade de elementos
15
que contribuem para sua existência e funcionamento. Ao construir uma história
particular do gênero no Brasil é preciso, em primeira instância, cruzar informações
com diversas modalidades de literatura popular, com as quais o cordel ora se
confunde, ora se distancia.
Qualquer que seja a abordagem, dadas as imprecisões das fontes, ou até
mesmo, o longo tempo de marginalidade a que esse tipo de produção esteve
fadada, a história do cordel se faz muito mais sobre suposições que de realidades
incontestáveis. A própria afinidade com as camadas mais populares leva a crer que
uma ligação muito forte entre literatura de cordel e sociedade pôde, durante o
tempo, renegar ao campo do folclórico a fala, a produção poética, o registro de
memória.
Graças a alguns admiradores confessos e ilustres como Mário de Andrade,
João Cabral de Mello Neto, Câmara Cascudo, Ariano Suassuna, Carlos Drummond
de Andrade, entre outros, foi-se aos poucos retirando o cordel do campo marginal da
chamada grande literatura. Contudo o que se observa na atualidade é que, enquanto
literatura, a poética sertaneja aos poucos tem tomado espaço nas salas de aulas,
como objeto de estudos acadêmicos dentro e fora do país.
É necessário, como primeiro passo da explanação, fazer aqui uma relevante
observação: o cordel brasileiro parte de duas tradições da literatura popular a oral
e a escrita que, embora distintas, sempre estiveram interligadas. Diz o ditado que
“um servo não pode servir a dois amos ao mesmo tempo”. Não querendo contrariar
o conhecimento sintetizado na afirmação milenar, mas supondo uma exceção a toda
regra, pode-se notar que o oral e o escrito determinaram o surgimento e a existência
do gênero cordel de sua gênese ao seu apogeu. Quando a relação de equilíbrio
entre eles se rompeu, a força espontânea que o mantinha foi limitada e fez recuar,
não a produção de cordéis, como também o surgimento de novos autores
cordelistas. Estes últimos constituem o principal argumento para esta afirmação.
Misto de poetas e trovadores figuram no imaginário folclórico sob a mesma
ambivalência que caracteriza o gênero.
Cantadores, este é o termo mais comum usado pelo povo para nomear os
poetas que cantavam seus versos em quermesses, nas feiras e em praças públicas,
enquanto vendiam suas literaturas. É também o mesmo com o qual Câmara
16
Cascudo (2006) denomina os autores dos até então livretos, que circulavam no país
e cujos nomes constituem a galeria dos imortais artífices dos cordéis. Homens que
construíram, com palavras, universos distintos, ricos em matéria criativa e,
sobretudo, mantenedores da imagem social de um Brasil nordestino; o cus onde
um mundo primitivo, cheio de medievalismo, encontra-se com a crônica, que nada
mais é do que o encontro literário com a realidade inspiradora, compondo assim o
conjunto de temas do qual fazem uso. A palavra cordelista é uma invenção recente,
como o é o vocábulo cordel, que caracterizava a forma em que eram vendidos os
livretos, pendurados em barbantes.
Com o passar dos tempos, observa-se que muitos dos textos orais se
perderam na vida e na memória das comunidades em que circulavam. Foi graças ao
cordel, enquanto registro escrito, que algumas produções se mantiveram animadas
em um emaranhado de sinais gráficos que não faziam sentido para seus usuários,
analfabetos, mas não incultos. É graças ao cordel que a memória e a história se
mantiveram ahoje. Na atual era da tecnologia, a oralidade vai, cada vez mais,
perdendo espaço para a escrita; e o que é dito tem valor muito reduzido nas
relações interpessoais cultivadas em na sociedade. Sem querer, mas com saber, o
cordel, a serviço dos dois senhores, conciliou o trabalho poético com as exigências
de ambos e se fez ponte, canal, levando de um lado para o outro a matéria
necessária para a subsistência. Contribuiu para a perpetuação da cultura de um
povo que não se permitia apagar frente às novas exigências do tempo e, por isso, foi
achando novas formas de atuação e resistência ao esquecimento.
Entender o cordel como ferramenta de um processo cultural, pelo seu
dinamismo e complexidade, é supor uma cadeia de influências. Os registros que se
articulam no interior das narrativas rimadas são vestígios de um tempo, de um
espaço com personagens próprios, mas que sempre dirão muito da comunidade da
qual emergem, numa relação sincrônica com a realidade. Com o objetivo de chegar
a um conceito atual do cordel, sedescrito ou, melhor dizendo, serão envidados
esforços em delinear um esboço da genealogia literária do gênero, explicando,
sempre que possível, os laços de proximidade, semelhanças e diferenças com os
outros gêneros textuais. Slater (1984, p. 4) lista tradições literárias que fomentaram
o surgimento do cordel como uma atividade artística autônoma, em suas palavras:
17
Dentre as mais importantes, acham-se as baladas orais, o livreto europeu,
mais precisamente o português (que incluem baladas escritas e
almanaques astrológicos), e os diálogos ou competições de versos
improvisados bem brasileiro (desafios ou pelejas), que remontam à tenzone
dos trovadores medievais. Outras fontes principais incluem material
religioso como estórias bíblicas e os exemplários, o conto folclórico
conhecido como trancoso, e uma diversidade de elementos africanos e
indígenas.
A pesquisadora também registra, na América Latina de língua espanhola, um
tipo de composição bem próxima do cordel, o corrido, mas com uma duração muito
curta e com forte tendência à oralidade, mesmo tendo sido comercializado em forma
de folhetos impressos (SLATER, 1984). Outra distinção curiosa é a relação de
abertura do canto: “Enquanto o cantor do corrido inicia com um chamado ao público,
no qual resume o assunto, o autor do folheto normalmente começa com uma
invocação nitidamente literária à musa, a um santo ou a Deus.” (SLATER,1984, p.
5).
Estudos indicam que as narrativas poéticas, editadas em forma de livretos e
distribuídas nas camadas menos abastadas da sociedade, advêm da idade média
europeia. Por volta dos séculos XII e XIII, segundo o estudo de Slater (1984, p. 15),
eram produzidos e distribuídos, naquela época, sob a denominação de exemplários
contos que reuniam, desde lendárias biografias de santos, até fábulas das mais
variadas origens e temáticas. Seriam, pois, os exemplários, a forma mais antiga de
um tipo de literatura que proporcionaria o surgimento, em terras do Novo Mundo,
precisamente no Brasil, do gênero cordel, como se conhece hoje. O teor pragmático
do primeiro pode ser visto no segundo, bem como os traços de humor com que se
apontavam os costumes.
As baladas orais têm uma ocorrência de grande valor no interior do Brasil e
eram popularmente conhecidas pelo nome de romance (romances velhos), devido à
composição poética clássica de seus versos e metro. Segundo Câmara Cascudo
“Todos os romances populares no Brasil vieram de Portugal” (2000, p. 225) e em
1952 ano da primeira edição da obra em continuação à citação, constata que
“cada ano diminui o número dos que sabem recordar algumas estrofes, cada vez
mais interrompidas pelos hiatos da memória”. Graças ao cordel, parte desse
patrimônio foi conservado em seus mais variados aspectos, mas sob a forma poética
dos livretos. Certa importância se dá, em muito, por seu temário, que abrange desde
as aventuras de Carlos Magno, as guerras de Saladino, até contos fabulosos de
18
personagens e mundos mágicos, assim como pelos espaços e festividades onde
eram cantados. Os romances estavam sempre relacionados a rituais sociais de
interação social, quermesses, feiras, casamentos, batizados, festividades
comunitárias dentre outros (CASCUDO, 2006). Essa literatura era a principal forma
de contato popular com a história. Diálogo de um povo com o tempo e a memória no
interstício poético e cultural das experiências e identidades compartilhadas.
Câmara Cascudo, em sua obra Vaqueiros e cantadores, afirma que as
composições narrativas “ficaram n’alma do povo como uma base cultural inamovível
e profunda” (2000, p. 22). No entanto, as diferenças são postas na difusão particular
de cada um: as baladas têm, na figura do cantador e no ato de ouvir, seus meios de
interação com o leitor; já o cordel tem a leitura como o veículo principal. Não
esquecendo de que, para muitos, durante longo tempo, a mediação entre obra e o
público, geralmente analfabeto, era feita por uma pessoa que detinha a leitura e que
por esse motivo, principalmente, gozava de forte prestígio no grupo.
Se a lusitanidade dos romances é tão defendida pelos estudiosos e,
particularmente, pelos que escreveram e escrevem a história, é preciso resenhar um
aspecto mencionado, de forma particular: a participação de negros e índios na
circulação e na reprodução dos textos ibéricos, sem falar nas narrativas étnicas que
não são nomeadas na construção antológica dos textos. “A literatura de cada povo é
um fim em si. É um limite que aquele povo pode atingir. o formas que ele
vai poder criar” (TAVARES, 2005, p. 104).
Num Brasil dito mestiço, certas posturas podem ser sustentadas sob a
ótica do preconceito. Não se pode deixar de fazer referência à influência negra e
indígena na literatura oral, fato que contribuiu para o surgimento do cordel. Em todo
caso, essas relevâncias se encontram veladas pelo preconceito e teorias
etnocêntricas que subvertem ou disfarçam a real função da participação dos
vencidos dentro da história dos vencedores. A transmissão dos valores negros e
indígenas e a utilização dos mesmos, no ideário popular, sempre passarão pelo
cerceio intelectual dos dominantes. Mesmo assim, Câmara Cascudo coloca que A
narrativa indígena, poranduba, repete-se, numa herança fixada pelo bito, em todo
o Brasil do interior.” (2006, p. 84). A moranduba e a poranduba são apenas duas
formas de transcrição de pensamentos e ideias, em forma de histórias, no mundo
19
indígena brasileiro, com um longo e bem estruturado cabedal de mitos e contos que
já foram gravados nas páginas dos cordéis.
O fascínio que os povos ameríndios nutriam pela palavra ganha notoriedade
em Cascudo, no seu livro Literatura Oral no Brasil; contudo, o leitor atento
perceberá, diversas vezes, um conjunto de atitudes preconceituosas que tendem a
minorizar a participação efetiva desses povos sobre a cultura, dando-lhe sempre
status inferior.
Com a participação negra os fatos não são tão diferentes. A história apenas
será composta de certa amabilidade e condescendência para com os negros. Essa
estimação para com os escravos é vista claramente em uma extensa literatura. “No
Brasil, depressa a velha índia foi substituída pela velha negra talvez mais resignada
a ver entregue ao seu cuidado a ninhada branca do colonizador.”(CASCUDO, 2006,
p.165). O sentimentalismo vela o preconceito fazendo dos demais elementos
formadores do povo brasileiro personagens que, se não subalternos, pelo menos
carregados de uma aura emotiva sem precedentes. Os estudos e referências
glosam um ao outro e, por meio dessa disposição, destaca-se como exemplo, a
abordagem feita por Cascudo sobre a tradição oral africana no Brasil:
No Casa-Grande e Senzala, escreve Gilberto Freyre: “As histórias
portuguesas sofrem no Brasil consideráveis modificações na boca das
negras velhas ou amas-de-leite. Foram as negras que se tornaram entre
nós as grandes contadoras de histórias. Os africanos lembra Ellis, possuem
os seus contistas. ‘alguns indivíduos que fazem profissão de contar histórias
e andam de lugar em lugar recitando contos’. Há o akpalô fazedor de alô,
conto; e ao arokin, que é o narrador das crônicas do passado. O akpa é
uma instituição africana que floresceu no Brasil na pessoa de negras velhas
que faziam contar histórias... José Lins do Rego , no seu Menino do
Engenho, fala das velhas estranhas que apareciam pelos bangüês da
Paraíba, contavam histórias e iam embora. Exatamente a função e o gênero
do akpalô. (CASCUDO, 2006, p.165 )
Sabe-se que uma série de fábulas, contos, histórias e lendas cortaram os
mares nos porões dos navios negreiros, sob a memória dos mentores espirituais, a
qual detinha a mitologia e suas vivências. Outras, de origem autóctones,
sintetizariam um mundo natural das sociedades indígenas que povoavam as terras
brasileiras do Oiapoque ao Chuí. Ambos os povos legaram à tradição dos romances
seus corpos, suas vozes, suas peculiaridades, misturando, o quanto possível, não
só narrativas de origens continentais diversas, mas toda a forma de contá-las,
através de um gestuário próprio e definidor. Aliás, usavam da mesma indiferença
20
com que o conhecimento acadêmico tratou os demais que se localizavam fora de
seus domínios paradigmáticos. Não se esqueça de que a herança portuguesa, na
tradição oral e escrita, encontra-se perpassada pela cultura negra de alguma forma,
não sendo a recorrência ibérica atestado de pureza. A península ibérica foi, por
séculos, domínio mouro. Ao lado dos menestréis europeus, na tradição oral, existiam
os “medajs”, poetas cantores do islã. Eles se apresentavam em praça pública,
cantando contos de origem asiática, celebrando e divulgando os feitos heróicos de
seus guerreiros.
Em Portugal, Slater (1984) vai apontar Contos e histórias de proveito e
exemplo, de Gonçalo Fernandes Trancoso, como uma obra de grande importância
para a popularização de um fazer literário herdeiro da tradição do exemplário. Tão
grande é sua relevância que o nome do seu autor, aqui no Brasil, passou a
denominar, em todas as regiões, todo e qualquer conto de origem popular.
Mas como esse formato de texto foi implementado de forma definitiva no
Brasil e a que instante começou a circular e ser distribuído? Qual a principal
motivação para a produção destes livretos? Quais os primeiros temas a serem
produzidos no território nacional? Como estes receberam a denominação de cordel?
As repostas podem ser obtidas em um processo gradual de reconstituição
histórica. Porém, nem todos os fatos o conclusivos, o que dá às respostas um
caráter evasivo. É na segunda metade do século XIX que os livretos começam a ser
escritos no Brasil de maneira consistente e criteriosa. As primeiras histórias seguem
a linha evolutiva, traçada pela colonização. As pelejas, encontros entre cantadores
que geravam uma disputa poética, geralmente temperadas por trocas de insultos,
fazem parte de um momento importante para a história do cordel, que não
passavam de temas fictícios, tendo mais de uma versão, publicada por autores
distintos. Reis, príncipes, princesas, vaqueiros e coronéis vão emergir do canto e
das páginas dos folhetos brasileiros. Não se pode, de qualquer forma, falar no
crescimento do gênero sem tocar no “ambiente protocolar” de que fala Cascudo
(2006, p. 249), um espaço determinado no tempo e na geografia das comunidades
de onde procediam. Para o cordel, esse ambiente era a feira.
Tais feiras de consumo, a que escassa foi feita no século XIX pelos
viajantes, podiam ser encontradas no litoral desde bem cedo. No sertão
somente se tornou uma presença significativa em meados do século XIX,
21
quando os fazendeiros buscaram uma arena onde vender o excesso de
produtos agrícolas e comprar os bens necessários.
O surto de uma série de feiras realizadas em dias sucessivos, em diferentes
localidades, dentro de um dado raio, foi crucial para o sucesso dos folhetos.
(SLATER, 1984, p.25)
A literatura caminha juntamente com a sociedade na qual ela surge, e o
desenvolvimento humano registra passos conjuntos das diversas áreas de atuação
humana. Como a produção do cordel não se restringiu a uma região, de alguma
forma, na construção da imagem do todo desse tipo de literatura, nota-se que é no
Nordeste onde se fixa, na memória dos brasileiros, seu local de existência, mais
especificamente nas feiras-livres. Albuquerque Júnior (2001), em seu livro a
Invenção do Nordeste, tece importantes considerações sobre a construção da
identidade nordestina através de inúmeras imagens da região, criadas por
pensadores, escritores e pela mídia, que veicularam por muito tempo a face
dolorida, mestiça, incivilizada do homem nordestino. Seu objetivo, na obra, é
“entender alguns caminhos por meio dos quais se produziu, no âmbito da cultura
brasileira, o Nordeste.”(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 23).
No seu argumento, o cordel contribuiu para a formação histórica de um
preconceito. Por que motivo uma literatura tão popular, tão moralmente católica,
rústica e cheia de medievalismos deveria apenas ser pressentida no cenário
nordestino? A resposta merece um estudo exclusivo e aprofundado.
Quanto à afixação da denominação, Slater assim coloca, no prefácio de seu
livro:
No Brasil os poetas populares chamavam suas estórias de folhetos ou, mais
coloquialmente, folhetesaté uns dez anos atrás, quando a referência à
literatura de cordel por um número crescente de visitantes da classe média
impeliu os poetas a adotarem esse nome. ‘Levou algum tempo até eu
imaginar que cordel era apenas outro nome para as estórias que vivíamos
escrevendo”, diz um poeta,”mas comecei a usá-lo, pois é um nome bem
mais bonito.(SLATER, 1984, p. 14)
Nem sempre o gênero possuiu caracteres próprios. Sua identidade, assim
como suas propriedades, foi estabelecida durante o tempo e continua ahoje a
exercer tal aspecto dinâmico. O próprio cordel conta sua história, de determinadas
regiões e de todo o país. O cordelista é geralmente um cronista de tempos passados
e vindouros. Passeia pelos dias do descobrimento, vai até Canudos, perplexo o
suicídio de Getúlio Vargas, presencia os caras-pintadas nas ruas. Calamidades
22
públicas e fatos de grande comoção popular compõem um material extenso de
interesse histórico.
Nomes como o de João Melquíades Ferreira da Silva, Patativa do Assaré,
Manuel Camilo dos Santos, Rodolfo Coelho Cavalcante, entre outros, compõem a
galeria de autores consagrados na arte de fazer cordéis. Obras como A moça que
bateu na mãe e virou cachorro, de Rodolfo, alcançou a tiragem de 432.000
exemplares ou mesmo Vicente e o rei dos ladrões, de Manuel D’Almeida Filho,
com mais de seiscentos exemplares vendidos marcas não alcançadas pelo
mercado editorial com tanta facilidade e que atestam a difusão do gênero pelo
Brasil. Todavia um personagem destaca-se e merece particular atenção quando se
tenta reconstituir uma história do cordel: Leandro Gomes de Barros.
Leandro Gomes de Barros (1865-1918) foi o primeiro grande autor dos
livretos a adquirir notoriedade, tanto que, para muitos, é considerado o papa do
gênero. Natural de Pombal, no estado da Paraíba, somam-se vários fatores que o
tornam ilustre como, por exemplo, seu espírito empreendedor e seu histórico de
convivência com a poesia oral e a cultura folclórica nordestina, constituintes de seu
cabedal. Da infância até a adolescência viveu em Teixeira, cidade que se notabilizou
por sua tradição de cantadores, desde o século XVIII, terra natal do famoso
Francisco Romano. Simplesmente ali, naquela cidade, uma grande mudança
entrelaçaria os destinos da poesia repentista e do cordel, a escola de repentistas de
Teixeira, que substituiria a redondilha maior pela sextilha, estrutura métrica que
caracteriza o cordel. “Apesar de o padrão de seis passos não ser exclusivo do
Nordeste, sua clareza e aplicação coerente dentro do folheto brasileiro destacou
esta forma de literatura dos livretos de todas as demais” (SLATER, 1984, p. 74). Era
dado o primeiro passo para uma autonomia poética que tem, na produção de
Leandro Gomes de Barros, seu mais forte exemplo. Ele iniciou seus trabalhos ainda
cedo, aos vinte e quatro anos, em Pernambuco, e marcou o ponto inicial da
editoração mecânica dos livretos, antes copiados à mão.
Bráulio Tavares (2005), em seu Contando histórias em versos: poesia e
romanceiro popular, diz que as máquinas sucateadas das grandes gráficas foram
aproveitadas por Leandro, fato que revolucionou o mercado de consumo dos livretos
poéticos, tornando-se um marco de expansão do público leitor e das fronteiras
23
geográficas que limitavam o ímpeto cordelista no Nordeste. Naquele momento, os
livretos começaram a circular no Brasil, ligando Sul e Nordeste em um diálogo
cultural em versos. O contar e o cantar inscrevem o cordel como um remanescente
trovadoresco e como um ritual de confabulação social.
Avaliando os fatos que estão ligados intimamente com o desenvolvimento do
cordel verifica-se que, após a segunda metade do século XIX, quando a produção
dos folhetos aumentou consideravelmente, pelo reaproveitamento das antigas
impressoras do mercado jornalístico, há um verdadeiro pico na produção e no
consumo. Nos anos subsequentes, observa-se certo avanço e retraimento, num
movimento oscilatório explicado pelo uso ideológico do caráter regional, na década
de trinta: no afã da modernização, buscou-se redescobrir o nacional pelo que este
tinha de regional e, a partir daí, promover uma integração. O interior era o lugar a ser
explorado. em plena época da ditadura militar houve, por parte do governo, uma
exaltação do popular à forma do nacionalismo, sempre à procura do primitivo que o
revelasse; que mostrasse as raízes de uma nação coesa e feliz; sem dúvida um
comportamento muito romântico.
Firmar e difundir tradições, esses eram os objetivos ideológicos dos governos.
“Particularmente após 1968, período de extrema repressão, o governo militar buscou
provar seu espírito nacionalista através de um maciço programa de folclore”
(SLATER, 1984, p. 54). Certos usos tinham o poder de sugestionar um pensamento
que articula uma aproximação e domínio, na tentativa de passar a imagem de
igualdade, não entre as pessoas, mas até mesmo com relação à língua. Ou, por
outro lado, reafirmar identidades culturais como produção de bens de consumo.
Concluindo o pensamento, vê-se que o cordel brasileiro só pode ser analisado
dentro de uma série de especulações, que foge às limitações do próprio gênero,
sendo ele um encontro de diversas modalidades culturais das mais antigas às mais
recentes. Sua existência convive, desde o início, com preconceitos que margeiam e
rotulam a partir de uma localização geográfica, de procedimentos racistas, entre
outros. Observa-se que não a história pode contar sobre a poesia que se
dependura no barbante, como também os livretos dizem o falar da história em sua
modalidade de cronista do seu tempo.
24
As expectativas o são tão animadoras; o cordel enquanto arte não tem a
mesma aparição como antes; os cantadores o atraem mais pelo canto, nem
pelo encanto; seus nomes não são mais cotejados pelo blico, o qual não é tão
numeroso e interessado. No lugar deste, o cordel é valorizado pela universidade
como objeto de estudos; os poetas novos, herdeiros de uma tradição, não
encontram condições de produção que disputem com o mercado editorial, cada vez
mais variado em ofertas; os traços que fazem do cordel um patrimônio cultural
impõem um posicionamento que não condiz com as necessidades. Nesse sentido,
ganhar as salas de aula pode ser, para o cordel, um mote para continuar vivo.
Exercer seu papel de gênero pode, enfim, motivar a renovação de seus temas, de
seus artífices e de seus leitores.
2.2. O CORDEL ENQUANTO ARTE
Sob a base expressiva da palavra literatura, encontra-se um significado
determinante para o termo: “a arte das belas letras ou simplesmente a arte literária”
(MOISÉS, 1976, p. 17). De forma geral a mimesis compõe o fundamento primordial
da conceituação da arte como representação, como imitação da realidade com
afirmação do sentido estético, capaz de promover emoções. Contudo, o caráter
imitativo não será suficiente somente para determinar o significado do termo em
suas mais variadas modalidades. A expressão artística, em suas múltiplas formas,
possui argumentos próprios que se coadunam a um conjunto restrito de elementos,
que o comuns a todas as suas configurações. Ao definir o cordel como arte, será
feita uma breve exposição sobre a instituição literária, com seus critérios e
procedimentos de produção e avaliação. Seguindo o itinerário disciplinar, é preciso
que certas perguntas sejam respondidas, que certa postura seja adotada; a arte
literária o setratada em sua transcendência, mas em sua estrutura, na análise
de seus elementos formais, em seu modus operandi; terá, para o entendimento da
arte e do seu fazer artístico, toda uma construção ideológica, montada para sua
definição.
As discussões sobre “O que é arte?” são o cenário onde se desenvolve um
interminável jogo de poder, onde duelam teorias aliadas, ideologicamente, a grupos
25
e interesses distintos da sociedade. Nestes pressupostos teóricos se expressam
discursos com objetivos de dominação e exclusão. A literatura, como arte, comunga
das mesmas engrenagens que movem a máquina social. O Romantismo é um
exemplo de como determinado grupo social, nesse caso a burguesia, fez uso da
literatura para difundir sua gica e seu modo de vida; de forma que a produção
literária dessa época ajudou na ascensão e manutenção do pensamento burguês.
No estudo da produção poética batizada de cordel pela classe média, duas
vertentes, duas diretrizes são erguidas contrapondo a aparição e circulação desse
discurso em particular: a grande literatura, canônica, acadêmica, intelectualizada; e
a literatura popular. O cordel vai se desenvolver dentro de um universo excluído das
discussões por muito tempo; um universo de desconsiderações. Salvo o esforço de
alguns estudiosos, o preconceito acadêmico limitou, por muito tempo, a aparição do
gênero, contudo, felizmente, não determinou sua extinção. No meio da comunidade,
nos rituais cotidianos, a literatura de cordel manteve-se forte e atuante. Conservou-
se viva na memória do povo, sendo dela um dos maiores defensores.
A literatura que chamamos oficial, pela sua obediência aos modernos ou
antigos de escolas ou de predileções individuais, expressa uma ação
refletida e puramente intelectual. A sua irmã mais velha, a outra, bem velha
e tradicional, age falando, cantando, representando, dançando no meio do
povo, nos terreiros da fazenda, nos pátios das igrejas, nas noites de
“novena”, nas festas dos “padroeiros”, potirum, ajudas bebidas nos
barracões amazônicos, espera da missa do galo”; ar livre, solta, álacre,
sacudida, ao alcance de todas as críticas de uma assistência que entende
letra e música, todas as gradações e mudanças do folguedo.(CASCUDO,
2006, p. 25-26)
Atualmente existem muitos estudos sobre o gênero, que devem muito à
observação de intelectuais estrangeiros, apontando a inclusão dessa produção
artística, tão cheia dos mesmos valores que compõem a ideia da “grande arte”, da
“grande literatura”. Mas esse não é um ato de benevolência da teoria. Ou algo foi
alterado nos postulados, ou algo foi alterado nas fundações do cordel, ou,
simplesmente, este último foi tomado como propriedade do primeiro.
Passando aos objetos formais. Aristóteles, na antiguidade clássica,
sistematizou os critérios que norteiam até hoje o conceito literário. São eles: myto,
éthos, diánoia, lexis, ópsis e melopéia. Como myto, é entendida a história, a fábula,
o acontecimento fictício criado de forma coerente e coesa pelo poeta (autor); a
sucessão de fatos desencadeados pelas ações dos personagens. Estes são
26
construídos pelo éthos, conjunto de caracteres que define as personagens e suas
ações dentro da narrativa. Diánoia, segundo o pensador, seria o discurso que pesa,
que avalia, que constrói um sentido ou uma ideia a ser partilhada com os demais no
contato com o myto. Sobre ela pode-se ainda afirmar que se trata da reflexão sobre
os fatos narrados, feita pelo próprio fato, um fenômeno metalinguístico. Lexis define
a linguagem, o uso da palavra em comunhão com a situação em que se apresenta a
personagem, bem como suas relações com a lógica dos fatos desencadeados. A
lexis compõe os usos da linguagem, no que se pode entender por estilo e coerência.
a ópsis constitui o conjunto de imagens, sugeridas pelo texto através das
descrições do tempo e espaço presentes na história. A ópsis revela o poder de
sugestibilidade do texto literário, acionando os sentidos do leitor mediante a
descrição. Melopéia, a musicalidade, é a melodia, que caracteriza a poesia por sua
estrutura métrica e rítmica a propiciar a satisfação sonora e efeitos próprios da
escolha das palavras (MOISÉS, 1976). Diversas categorias foram a essas
acrescentadas, outras denominações ocultaram a procedência clássica, mas, de
uma forma ou de outra a ideia aristotélica se manteve por vários momentos na
história da arte, da literatura e da humanidade.
As considerações feitas pelo filósofo são os eixos delineadores do que é
literatura, até hoje; atestados ou contestados mediante o posicionamento da crítica,
a cada momento histórico. Segundo esses critérios, a afirmação literária do cordel
torna-se mais que aclamada. Entretanto é do mesmo pensamento modelador que
surge o juízo crítico que persegue e renega a uma situação subalterna a produção
do cordel. Existe uma engrenagem de poder que define o fenômeno literário, que
esses não são fixos, pois sua dinamicidade resulta de uma vigília constante que
argumenta sempre em favor das estruturas próximas do poder.
No capítulo “O que se pode chamar de início” foram expostos dados sobre a
evolução do gênero e seu caráter ambivalente que une a tradição oral à escrita. As
afirmações do tipo: “só podemos falar em Literatura quando possuímos documentos
escritos ou impressos, o que equivale a dizer que a chamada Literatura oral não
equivale a nada.” (MOISÉS, 1976, p.17) não conseguem explicar por que o gênero
passou pelo ostracismo durante tanto tempo na historiografia literária, que ele faz,
do âmbito da escrita, seu espaço de domínio? Decerto, essa postura bairrista aos
poucos foi sendo ultrapassada. Em seu lugar, outras denominações foram dadas ao
27
cordel, limitando sua circulação, sua produção e seu consumo. As definições em que
ele é enquadrado revelam estruturas ideológicas complexas que sustentam o
conceito de literatura. Tomando as palavras de Eagleton “a literatura não existe da
mesma maneira que os insetos, e que os juízos de valor que a constituem são
historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita
relação com as ideologias sociais” (2003, p. 22).
Não se pode esquecer outro fator decisivamente relevante para a questão: a
configuração econômica dos cordéis, enquanto objeto de consumo. Na sociedade
ocidental, a obra de arte que paira sob uma atmosfera sagrada a quem não se
podem estipular valores materiais pela ascensão do modo burguês capitalista
assumiu o posto de objeto de desejo material, estipulando uma grade de circulação
que envolve poeta, produtor e público consumidor. Ser arte é uma condição mantida
nessa relação econômica de mercado, na qual são estabelecidos padrões de
aceitação dessas obras e, consequentemente, de controle da sua produção e
circulação.
Chegou-se ao componente principal de validação do cordel como arte: a
poesia. O estranhamento cognoscível de articulação do referente; a subversão do
código pelo código, gerando sentidos sempre surpreendentes e inusitados ao gosto
dos formalistas. A poesia requer, para seu aparecimento, padrões próprios, quer na
disposição gráfica da frase, no caso o verso, quer na disposição conclusiva de um
pensamento, na forma de estrofes; quer na sua estrutura melódica pautada pela
métrica de seus versos, pelas rimas; quer pela ausência das mesmas, porém
centrada no uso incomum das palavras e no poder de criar imagens através delas.
Todavia não se pode generalizar o pensamento de que toda produção escrita
em versos é poesia. Para que ela aconteça faz-se necessária uma aproximação com
o sentido da poésis grega, da imaginação. A poesia requer do poeta a criação
subjetiva da realidade, o verossímil, antes sentido que constatado. Não é o mundo
ou a vida como ela é, o seu interesse, e sim o que poderia ser. Ao estilo clássico da
epopeia; em sua maioria, o cordel será composto de poesia narrativa. Os moldes
são variados, com predominância das sextilhas de seis versos e sete sílabas
implementadas no gênero de forma definitiva pelo grupo de cantadores de Teixeira
(SLATER, 1984).
28
A poesia do cordel brasileiro é rica em sua variedade de métricas, de rimas e
histórias. A linguagem, sempre beirando a oralidade, não deixa de surpreender pelo
seu virtuosismo. O cordelista, em sua maioria homens do povo, possui um
impressionante cabedal vocabular, com o qual tece suas narrativas; consegue
resgatar o uso de palavras não tão comuns ao labor da escrita. No passado, poucos
autores frequentaram o ambiente escolar, foram alfabetizados, tiveram a licença
oficial do saber.
Conta a história, que muitos autores tinham entre a criação e o papel a figura
mediadora de um terceiro elemento, aquele quem transcrevia a obra do registro oral
dos poetas analfabetos (SLATER, 1984). Subentende-se, aqui, que uma gramática
poética é domínio mental desses artistas. Muitas das regras que fazem pesar,
escolher, combinar cada palavra, são patrimônios imemoriais da tradição que passa
de pai para filho, da boca para o ouvido, como traço de uma interação social
construtora e difusora de conhecimento. O uso característico de determinada forma
contribuiu para individualizar o livreto brasileiro das demais tradições europeias.
Sua poesia é conhecida particularmente, em sua forma, pelo uso amplamente
difundido das sextilhas: estrofes de seis versos que obedecem ao esquema
ABCBDB de rima, onde só o segundo, o quarto e o sexto verso rimam entre si.
O uso das sextilhas foi um grande avanço em relação ao romance ibérico,
que muitas vezes torna-se monótono ao usar uma mesma rima do começo
ao fim, ou então com poucas mudanças. No cordel nordestino, à medida
que a narrativa avança e as sextilhas sucedem, sucedem-se também
pequenas e sutis surpresas sonoras trazidas pela rima nova de cada nova
estrofe. (TAVARES, 2005, p. 128)
Correspondendo à contagem de sete labas poéticas, a forma notabilizou
nesses homens o poder criativo, que é dinâmico por natureza e que, por este
motivo, está sujeito a modificações. Visualize-se um exemplo nesta estrofe retirada
do cordel Meninos de rua e a chacina da Candelária, do cordelista Gonçalo
Ferreira da Silva, membro da ABLC, Academia Brasileira de Literatura de Cordel.:
Hoje vivemos momento (A)
Nunca visto no passado (B)
O errado virou certo (C)
O certo virou errado (B)
E o Brasil num mar de lamas (D)
29
Infelizmente jogado. (B)(SILVA, 2005)
O poeta escreve principalmente na forma de sextilhas. Mas este não é e nem
sempre foi a única forma poética do gênero. Câmara Cascudo (2000, p. 15) chama a
atenção para o registro de quadras, sétimas, décimas, dentre outras formas:
Os mais antigos versos sertanejos eram em quadras. Diziam-se versos de
quatro. Subtendia-se “pés”, que para o sertanejo não é a acentuação
rítmica, mas a linha. Em quadras foram todos os velhos desafios. A métrica
se manteve coerentemente dentro das sete sílabas.
Pela tradição ibérica, também são facilmente achadas obras com estrofes de
dez versos, em decassílabos. É importante notar que no cordel brasileiro chamam-
se decassílabos as estrofes de dez versos, e não o verso de dez sílabas poéticas, o
qual o sistema português conta até a última sílaba tônica, descartando-se as
demais. Conforme se verificam nas duas estrofes do folheto Que será da
humanidade do ano dois mil pra frente?, de Pedro Amaro do Nascimento,
primeiro lugar do concurso de poesia de cordel realizado pela FUNCAJU, Fundação
Cultural Cidade de Aracaju, em 2002:
Ha/vi/a/ gen/te/ com/ me/do (A)
Da/ che/ga/da/ do/ mi/lê/nio (B)
Mu/dan/ça/, op/ção/ de/ gê/nio (B)
Quebra cabeça ou enredo (A)
Como se houvesse um segredo (A)
Ou um sinal diferente (C)
Uns pregando seriamente (C)
Que o mundo ia acabar (D)
Mas só deus pra revelar (D)
Do ano dois mil pra frente.(C) (p. 7)
Pre/ci/sa/ ha/ver um/ es/tu/do (A)
Sobre os discriminados (B)
Pobres, marginalizados (B)
Que na vida, falta tudo (A)
O cego, o surdo e o mudo (A)
30
O velho, o deficiente (C)
O menos inteligente (C)
Sem vez na sociedade (D)
Que será da humanidade (D)
Do ano dois mil pra frente? (C) ( p. 11)
Esta variação tem uma estreita ligação com os romances e com algumas das
pelejas clássicas nordestinas. Sua estrutura particular era ABBAACCDDC. Outra
estrutura marcante, na produção do cordel, é o martelo, sempre em decassílabos,
forma variante do martelo alexandrino da literatura clássica ibérica. Podia ser de seis
pés, de sete, oito, nove e dez.
Martelo de dez pés. É o tipo maior, a grande arma do desafio. Cantador que resiste
ao embate está consagrado. Pela sua imponência, é a sedução de todos os
cantadores. Não peleja em que o martelo-de-dez s não apareça, melhor ou
pior manejado(CASCUDO, 2000, p. 17).
Chamam de martelo agalopado, as sextilhas de sete sílabas ou mesmo a do
martelo-de-sete. Registra-se, também, a parcela com oito ou dez linhas na estrutura
ABBAACCDDC ou ABBCCDDC.
A literatura, em seu aspecto característico e singular, apresenta diferenças
que agrupam os textos em algumas categorias. Alguns estudiosos reúnem a
produção dos cordéis em “ciclos sociais” (amparado nos costumes), “ciclo do gado”
(tendo o vaqueiro e os contos do boi como focos principais), “cantoria” (composta
principalmente dos desafios) (CASCUDO, 2000). Slater afirma que, por mais bem
intencionadas, algumas categorizações, tais quais as feitas por nomes como Ariano
Suassuna, Roberto Benjamim, Carlos Alberto Azevedo, possuem em si uma
característica básica: a de “serem amorfas”. O problema, como aponta a estudiosa,
é da riqueza e variedade de abordagem que mesmo um único tema possa sugerir, o
que leva a resultados muitas vezes variados e peculiares.
Dividir os folhetos em tão diferentes categorias a entender que cada um
destes grupamentos possui seu próprio caráter, assaz, distinto [...] em suma
as divisões destinadas a trazer ordem a este corpo desconjuntado podem,
deveras, complicar sua aparente fragmentação. (SLATER, 1984, p. 69)
Nesta observação denominam-se, com objetivo didático, pelo seu conteúdo,
os textos: romances, pelejas e crônica (históricas ou de costumes).
31
Os romances, em sua maioria, são versões dos modelos ibéricos. Neles
aparecem textos antigos, trazidos pelo colonizador, mas reescritos à maneira
brasileira . Diz Câmara Cascudo: “Corre A Donzela Teodoraao lado da Imperatriz
Porcina’ e da Princesa Magalonasão romances que todo o sertão conhece” (2006,
p. 230) esses, como outros, foram reescritos nas cores locais por diversos autores.
Têm em si um aspecto medieval de suas ações, remetem a um cavalaria, a uma
eterna cruzada contra o mal. João Firmino Cabral, por exemplo, cria uma obra com o
herói da floresta e a princesa encantada que, no mínimo, faz referências diretas a
um tempo e à história, num resultado de intertextualidade, indo além dos que foram
criados em terras brasileiras.
Nas pelejas encontram-se os desafios poéticos perpetrados por cantadores
nordestinos, muitos sendo verídicos, outros apenas fictícios. Nesses cordéis, o
cordelista é personagem central da trama e a metalinguagem faz com que se
percebam caminhos de reflexão artística sobre os mesmos. A obra carrega, dentro
de si, a notoriedade de seus artistas. Em nenhuma outra forma de fazer artístico seu
ator principal passa a ser seu maior personagem.
Um dos personagens centrais do cordel é ele mesmo. No exercício da função
metalinguística o gênero acaba sendo revisitado por si. A tomada de consciência,
através da linguagem de uma existência marcada com traços, processos e
mecanismos próprios, eleva o gênero a graus ontológicos irrefutáveis. Ao reunir sua
poética e uma história com nomes, locais e obras, o cordel se imortaliza. Dessa
modalidade são exemplos: A história da literatura de cordel, de Abdias Santos; Os
mestres da literatura de cordel, de Antonio Américo de Medeiros; A história
comentada da literatura de cordel e A história da literatura de cordel, de
Antônio. Em todas elas, a literatura de cordel assume status de instituição literária.
Nas crônicas, palavra que vem do grego krónos, que significa tempo, pode-se
observar o olhar sobre os fatos sociais e históricos, glosando os acontecimentos e
chamando, ao debate popular, as atitudes da lei, do governo, dos homens e das
religiões: “a crônica literária é produzida por poetas e ficcionistas que, embora
possam apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a realidade do dia-a-dia pela
força criadora da fantasia” (D’ONOFRIO, 2002, p. 123).
32
Temas como a transposição do rio São Francisco encontram, nas páginas
dos livretos, o local perfeito para se adentrarem. O choro do velho Chico devido à
transposição, de José Ivo; Os corruptos do Brasil: o mensalão, de Juraci
Medeiros ambos autores sergipanos; são demonstrações da relação de
proximidade entre os poetas, o povo e seu tempo. Eles encontram, em suas
comunidades, a função de arauto. Através de sua literatura estabelecem o veículo
de debates e discussão da realidade. Registram o fato e a emoção popular
desencadeada por ele. Os textos, mesmo recorrendo a um objetivo informativo, são,
antes de tudo, exemplo de criação, no qual, as metáforas, as catacreses, as
onomatopeias e personificações, dentre outras figuras de linguagem, estão sempre
presentes, não permitindo que o exercício artístico se afaste.
As crônicas também, quando escritas no mesmo período de observação do
cronista, tendem a ser um forte documento histórico. O que são hoje simples
comentários, se conservados, tendem a revelar processos históricos, saindo do
campo meramente social. Slater conta que o suicídio de Getúlio Vargas gerou uma
série de folhetos em todo o país. (SLATER, 1984, p. 21). Crimes e catástrofes eram
e são até hoje grandes temas desenvolvidos pelos cordelistas de plantão.
Novamente insiste-se em dizer que esse ineditismo que os temas abordam não tira
o valor literário das obras. Todavia encontram-se os bons e maus poetas.
Há, dentro do universo de temas do cordel, um vasto número de obras que
abordam a vida de Lampião e Maria Bonita e as demais histórias do cangaço
nordestino. O cangaceiro surpreende como herói e vilão. O dilema, criado pela
História nos versos do cordel, não é resolvido; a ambivalência deste é fruto de uma
consciência ainda em formação; alguns autores destacam-no como um dos
principais, no ciclo de produção dos folhetos. Neste caso, não são somente os fatos
históricos que importam em sua veracidade. O livreto A chegada de lampião no
inferno expõe as relações com o personagem histórico: “Leitores, vou terminar/
Tratando de Lampião/ Muito embora que não possa/ Vou dar a explicação/ No
inferno não ficou/ No céu também não chegou/ Por certo está no sertão. Lampião,
herói ou bandido?” É este o caráter dual que os nordestinos travam com o
personagem, situado entre o bem, o céu, e o mal, o inferno. Outro folheto, O
nascimento, vida e morte do cangaceiro Baiano, de João Firmino Cabral,
33
mostra o cordelista na função de regente deste diálogo social sobre a história, que
não permite cessar a memória.
Quem é nordestino sabe
Como surgiu o cangaço
A causa foi o atraso
A injustiça, o fracasso,
A falta de educação
No sertão seco e escasso.
Foi a falta de justiça
Que reinava no sertão
O rico era protegido
Tinha toda proteção
Porém a favor do pobre
Ninguém levantava a mão. (CABRAL, 2007, p. 1)
O campo semântico se insere no intervalo que vai do poeta ao leitor, em um
acordo ativo de interesses. O mesmo aspecto é visto em Zumbi dos palmares: O
herói negro, de Fernando Paixão, assim como em Antonio Conselheiro, a arte de
um sertanejo místico, de Gonçalo Ferreira da Silva. Não se pode deixar de falar,
ainda, na modalidade de crônicas das obras de costume: críticas, satíricas e muito
bem humoradas; elas falam dos costumes sociais, vícios e virtudes observados no
cotidiano. fazem recair sobre eles a moral cristã, numa expressão de
conservadorismo de valores que vê na modernidade motivo de desconfiança.
O espaço sempre foi o Nordeste: o sonho e o pesadelo. O espaço doméstico
com seus dramas pessoais, sua moral e a evolução desses sentimentos. Mesmo
que tentem limitar seu acontecimento, o cordel representa o mundo. E muitas vezes
o mundo interno de suas próprias vivências. As produções fora do eixo norte-
nordeste implicam uma diferença de postura, quanto aos temas mais utilizados.
Chama a atenção, na autoria, que os nomes de cordelistas mulheres tenham
surgido apenas recentemente. A produção dos livretos esteve, por muito tempo,
dentro das atribuições masculinas no nordeste patriarcal brasileiro (SLATER, 1984).
34
Enquanto personagem fictício, a mulher surge como a donzela, que precisa ser
salva, a tentação que deve ser afastada, a fraqueza moral, consecutivamente
castigada. Salvo a aparição curiosa da mulher geniosa, cheia de inteligência e
astuciosa que faz e desfaz da trama.
O negro também vai ter uma aparição muitas vezes inferiorizada. Sua
participação revela uma mentalidade nacional cheia de preconceitos que, mesmo
com o posicionamento contrário de alguns poetas, vez ou outra surge em versos de
maneira reveladora. Slater (1984, p. 20) chama a atenção para a prática racista, pelo
fato de que, numa peleja entre cantadores, os brancos o sempre vencedores.
Curiosamente ela ressalta o fato de que, pelas fotografias, todos tinham pele parda
ou mista. No cordel, como na vida, é muito mais simpático assemelhar-se aos
dominantes e vencedores que aos dominados e vencidos. Dentro dos livretos são os
negros os personagens do malefício, os vilões, os monstros que perturbam a paz e
promovem a morte.
O padrão léxico aponta na estrutura do texto o analogismo que verte em
poesia pela inovação e estranhamento de determinadas formas; o regionalismo de
expressões notadamente nordestinas transcritas de uma oralidade; seu caráter
conservador visível no medievalismo das formas e dos vocábulos usados. Contudo,
os novos espaços alcançados pelo cordel, nos grandes centros urbanos, forçaram
uma renovação das palavras usadas para compor as histórias. “Os textos revelam
novas influências. Em alguns casos, um vocabulário densamente regional foi
ampliado de modo a incluir vários termos novos, até mesmo a gíria urbana”
(SLATER, 1984, p. 63). Assim sendo, todo o cordel teve de se adaptar aos gostos
de sua nova classe consumidora. Um desejo de consumir e ser consumido, uma
relação de servilismo, um espelhar-se narcisístico fazem do cordel uma arte.
2.3. QUEM É O CORDELISTA?
Por trás de uma pergunta que se pode considerar o simples, esconde-se
uma rede emaranhada de ideias e posturas que levam geralmente a construções
inconsistentes e superficiais do problema. Neste momento, para o entendimento do
cordelista, enquanto sujeito que se coloca no mundo, torna-se necessária a
35
desconstrução da pergunta formulada num eixo de proposições regulares e o
estabelecimento de sua relação com outras interrogações, feitas a partir do mesmo
eixo, contrariando ou afirmando seu conjunto de respostas. Antes que estas últimas
sejam aceitas como verdade, é necessário, então, um passeio por outras questões,
antes do objetivo final. Primeiramente indaga-se: O quê? Antes de quem?
Muitas poderiam ser as respostas dadas à pergunta “O que é o cordelista?”
contrariando o desejo racionalista de soluções, dada a singularidade das
significações e usos linguísticos do termo. O substantivo estaria a designar uma
atividade humana. Assim, definir a ocupação ou mesmo a profissão de cordelista
levanta, paralelamente, outras questões, de difícil solução e síntese, pelo fato de
confundirem-se em meio a uma pluralidade de conceitos subjetivados e validados
pelas experiências do leitor do cordel. É fácil confundir, nos relatos leigos, uma série
de palavras correlatas ao cordelista. Poeta? Cantador? Repentista? Violeiro? Autor?
Sábio?
Decerto, as definições são calcadas na tradição e nos costumes, num
universo de significações cômodas aos que delas se utilizam. A mesma tradição que
orientou as entrevistas no início e foi desmascarada pela realidade constatada.
Nesse jogo de categorização, os grupos vão atribuir imagens ao léxico compondo,
sob as mais diversas matizes temporais e espaciais, seu conceito, que nada mais é
que um mosaico, fragmentado, e não uma totalidade consistente. O vocábulo e seu
significado popular ou dicionarizado constituirão a base fixa com a qual foi definido,
a priori, o cordelista: resultado de uma estrutura simbólica que é sempre a inferência
de uma forma particular de ver o mundo e de construí-lo.
O cordelista é, portanto, na primeira incursão ao problema, uma ideia, uma
função desempenhada pelo indivíduo na sociedade. Porém, mais que uma
profissão, mais que um título, como um primeiro conceito, conjuntamente vão sendo
anexados vários outros aspectos e funções. Por trás da pergunta há sempre a
perspectiva de se chegar a um axioma, uma imagem definidora, mas sem rosto; uma
estrutura sólida, porém uma estátua sem feições, ou mesmo, um tipo cheio de
clichês, um estereótipo.
Depois de concluir que o social constrói, num átimo de tempo e espaço, a
significação para o cordelista, passa-se a outro problema, ora ligado a um papel
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social, ora a sujeitos identificados que foram desenvolvidos aqui. Passa-se à
seguinte pergunta: Quem é o cordelista? Quando se usa o pronome quem força-se
que uma resposta bem mais ampla e conclusiva comece a ser exigida.
O interlocutor, provavelmente, terá que trafegar pelo conjunto de
considerações, formado a esse respeito, em meio às significações mencionadas
acima. Neste caso estaria se estabelecendo uma definição do cordelista sobre
paradigmas, construídos para ditar os limites de sua atuação, alguém a quem se
permite a revolta. A solução para a questão aqui proposta perpassa uma série de
categorias e recortes num vasto campo de caracteres sociais de indivíduos que se
quer imutáveis e niveladores. Está plantada a semente da desconfiança na
totalidade dos conceitos. As respostas são cobradas em um corpus social, no qual,
cada indivíduo surge e ganha aspecto subjetivo, diante de suas escolhas ora
determinadas, ora preteridas. O cordelista representa uma aparição do sujeito
discursivo e, se “não discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia” (ORLANDI,
1996, p. 13), cada um proporciona singularidades capazes de expandir o
conhecimento sobre sua própria categoria.
A principal preocupação aqui é descrever esse sujeito, no jogo verbal mantido
pelo cordel em suas singularidades e confluências. A ideia de que os significados
difundidos no meio social são modificados e expandidos pelas conjunturas históricas
e pessoais de cada cordelista, fundamentou este item do trabalho. Para isso foi
aplicado um questionário, com uma parte introdutória que identifica os dados
pessoais de cada entrevistado, tais como: nome, residência ,localidade de origem,
estado civil, profissão, naturalidade, escolaridade. Essas perguntas ajudaram a
nomear os sujeitos, fazendo deles recortes de conhecimento importantíssimos para
a investigação. Para a captação dos dados recorreu-se à gravação dos
depoimentos, depois de certo tempo de contato, para que os entrevistados fossem o
mais espontâneo possível.
Na segunda parte do questionário, realizaram-se sete perguntas a uma
amostragem de três cordelistas, todos localizados no estado de Sergipe. Dois
cordelistas homens, com idade entre cinquenta e sessenta anos; e uma cordelista
mulher, na faixa dos quarenta anos. Os gêneros são explorados para a
demonstração de diferenças conceituais no trato com o cordel. Foram levadas em
37
consideração, na escolha do corpus da pesquisa, as singularidades que cada
elemento em si ofereceu à diversidade das experiências com o cordel e sua
completitude entre eles. Destacou-se a atuação de cada sujeito ora pela postura
política, que faz do cordel um instrumento de luta por igualdade sócio-econômica e
de gênero, no caso feminino; ora pela dupla atividade como cordelista e repentista;
ora pela mais clássica das posturas de poeta fazedor de livretos e do comerciante
de suas próprias obras.
A primeira pergunta tem por objetivo cruzar as narrativas dos sujeitos com a
narrativa do gênero. Os encontros são decisivos na formação de ambos. As
experiências vividas pelos entrevistados mostram como leitores são influenciados
pela coerção de textos. Como descobriu o cordel? Como o cordel entrou em sua
vida? São perguntas que em si requerem duas variações para um mesmo fato: a
primeira, de uma ação ativa de um leitor e sua descoberta; a segunda, como
paciente da ação de tomada de espaço. Insiste-se que a história do cordel e a
história dos homens e mulheres que o escrevem não são meras coincidências, e sim
fruto do encontro de narrativas. Em “Por que escrever cordel?” as relevâncias das
escolhas que podem ser feitas por um sujeito atuante são pressentidas. Nem
todos os leitores se tornaram escritores ou, melhor dizendo, dedicaram um
determinado tempo de sua existência para a atividade poética do cordel. As razões
podem não ser elucidadas, completamente, com as resposta dadas, contudo, um em
si, elas ajudam a compor o perfil humano do cordelismo.
Quando indagados quanto ao conteúdo dos discursos perpetrados, a
identidade do cordelista assume de vez uma posição ideológica. Em “E hoje quais
os temas que você escolhe para falar?” aponta-se nova confluência entre as
relações propostas pelo grupo social e as dos indivíduos.
Na quarta pergunta “Que objetivo você, poeta e cordelista, pretende alcançar
com seus cordéis?” beira-se o sentido funcionalista do gênero. Seria o cordel um
veículo de atuação mediante seu grupo? As repostas contribuíram para o
entendimento. E complementa-se com a próxima pergunta “A sua obra e o social, o
cordel e o povo sergipano. Como você vê isto?” que fomenta a discussão da
inserção do acontecimento verbal num recorte maior com as demais experiências.
38
Na sociedade atual, a literatura é considerada como uma arte, o cordel se
destaca como tal. Para os entrevistados, a poesia é muito mais uma expressão de
ócio que de trabalho. A arte em geral é tida como prática de desocupados; muitas
vezes, na história social do Brasil, foram comuns as designações pejorativas para os
artistas populares, muitas vezes considerados vagabundos, aventureiros. Sob estas
considerações avaliam-se as condições econômicas, vividas pelos artistas, e suas
produções com a sexta pergunta: “Que outras atividades profissionais você
desenvolveu e desenvolve?” e esse foi mais um dos mitos quebrados pelas
entrevistas e pela pesquisa bibliográfica.
Ao final o interesse foi despertado pela definição que surge de dentro do
mundo do cordel, por seus participantes e não por observadores, empíricos ou não
do gênero. A sétima e última questão “Oque é o cordel? E o que é ser um
cordelista?” tem o cuidado de avaliar os conceitos internos no processo de
produção, mesmo que as convenções e o preconceito ajam para dar significado
impossível de ser sustentado por seu aspecto imutável.
Alguns estereótipos começam a ser quebrados. Em contato com os
entrevistados, percebeu-se que a baixa escolaridade ou o analfabetismo são
deixados para trás. Quando se repete que o cordel é uma expressão de um grupo
desprovido de educação escolar, reafirma-se um mito. Os entrevistados, todos
alfabetizados, tiveram formação educacional e profissional, alguns também com
registro de curso superior. O fato é que o letramento e a formação acadêmica não
foram suficientes para criar um assujeitamento desses indivíduos. O popular
manteve-se vivo e operante na sua memória, fazendo-os identificarem-se e se
classificarem como seus membros.
Aposentados, funcionários públicos, professores, agentes de saúde,
comerciantes compõem as diversas atividades profissionais de sustentação
econômica dos entrevistados e dos demais cordelistas que moram na capital ou nos
outros municípios do estado, segundo dados colhidos nas conversas preliminares
com os entrevistados. Poucos são os que tiram seu sustento exclusivamente do
cordel. Porém, as atividades financeiramente remuneradas, relacionadas ao cordel,
não passam somente pela produção e vendagem. Oficinas e palestras também
39
compõem o campo de ação dos cordelistas e, na maioria das vezes, representam
fonte de renda dos poetas.
A produção, segundo eles, tem sido incentivada pelo poder público, na
execução de prêmios e apoio direto aos cordéis. Os que não conseguem esse
incentivo investem suas economias, ou são amparados pelo auxílio de amigos e, vez
ou outra, de personalidades dos poderes privado e público, empresários e políticos.
Os entrevistados possuem, em sua maioria, casa própria, que dizem ter sido
adquirida como a de milhões de brasileiros: um sonho que realizaram com muito
trabalho e, algumas das vezes, sob o apoio de projetos de habitação assistidos pelo
governo. Sonho e poesia andam juntos, é o que se observa nas palavras de João
Firmino, e concretizam sonhos através das palavras:
E o sonho de muitos poetas é ter seu nome na Academia que hoje é
reconhecida internacionalmente. E meu segundo plano, e meu sonho que
eu tinha na minha vida é de um dia por literatura de cordel eu ter uma casa,
que desse para ter uma casa, que desse pra eu ir morar com minha família.
E hoje eu tenho uma casa muito boa em ordem de pobre, em ordem...
Graças a Deus eu vejo meus filhos todos realizados, cada um tem seu
emprego, tem sua, casa, tem sua vida. Então meu grande sonho foi
realizado e tudo isso foi feito com a literatura de cordel, me ajudou. Tudo
isso abaixo de Deus, a literatura de cordel. Com minha casa eu gastei mais
de dez mil reais agora pra fazer uma reforma, que foi tirado daqui dessa
banca. Então meu ramo é esse. E não fiquei devendo nenhum centavo em
nenhuma madeireira, tudo que foi posto na casa foi tirado daqui. Muitas
vezes eu tentei mudar nas épocas difíceis da vida. Ainda mudei, tentei
vender outras mercadorias, ainda cheguei a passar tipo de um ano
vendendo outros tipos de comércio. Ainda tentei empregado, mas não deu
certo e todos esses lugares que eu ia, voltava pra casa paterna que era a
poesia, onde eu disse: eu volto agora à poesia com a mente aperfeiçoada.
Toda uma vida que voltava, eu dizia: agora eu vou voltar melhor do que eu
era. Então de todos os ramos que eu enfrentei na vida, a poesia estava no
sangue e voltava pro cordel, e continuo com o cordel até quando Deus me
chamar pros outros lados.
Os papéis sociais são fonte de orgulho para esses homens e mulheres
cordelistas. A vendagem dos cordéis não é feita por eles nas feiras livres da
capital; a forma de distribuição geralmente é feita sob encomenda de leitores das
mais variadas regiões do estado e do país, os quais buscam pelos cordelistas, ou
em bancas específicas de cordel e artesanato, no mercado Tales Ferraz, localizado
no centro da cidade. A associação dos Cordelsitas de Sergipe monta barraca no
Centro de Cultura, localizado na orla de Atalaia, e os cordelistas revezam entre si a
sua administração. Sob a organização de alguns, realizam-se saraus, onde as obras
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podem ser ouvidas, onde a oralidade se mantém viva como antes na ação
desenvolvida, principalmente, nas feiras.
Todos eles afirmam a importância de um mestre e do próprio livreto para a
sua formação, enquanto cordelistas. Em todas as entrevistas o período da infância
até a adolescência foi decisivo para a materialização desses poetas. O cordel, como
gênero textual, se fez presente numa das fases mais importantes para a formação
dos leitores e dos indivíduos, conforme se pode observar na fala de Pedro Amaro,
um dos cordelistas entrevistados:
Aos seis anos de idade eu gostava muito, e meus pais liam cordel pra gente
e compravam cordel na feira. Admirava, e admirava os repentistas cantando
nas casas, nas fazendas, e fui tomando gosto, e meu pai comprou o
primeiro livro, e eu comecei a ler. A Intriga do cachorro com o gato é um
livro que até ainda hoje existe. E eu aprendi a ler com esse livro. Ajudou
muito a ler porque o cordel tem muita propriedade, muitos assuntos...
muito... é um nível que o tem... é como uma faculdade e a gente aprende
muito com o cordel.
O cordelista afirma que, enquanto leitor, a experiência com o cordel esteve
presente substantivamente na sua formação, agindo de forma mediadora em seu
desenvolvimento cognitivo e humano. Além disso, o cordel se torna presente na voz
do entrevistado, como forma de participação no convívio social e este é, sem duvida,
um ponto de confluência. A memória dos entrevistados diz muito da natureza
documental que suas experiências podem elucidar, narrativas que ficam emudecidas
na escrita da história. Em muitas vezes essa consciência desponta por outros
caminhos. Ao falar da construção do verso, Pedro Amaro revela contingências de
fatos históricos, sem uma intencionalidade premeditada:
Por isso só eu vou recitar uma estrofe de um cego que cantava em
Pernambuco, chegou na época uns soldados da polícia e o cego estava,
naquela época da revolução de 64 e os escoteiros, os secretas do exército,
os investigadores, ninguém podia estar conversando, duas pessoas, se não
comparecesse um ali para ouvir. Então o cego estava cantando e chegou
uns soldados do exército, o guia disse pra ele: “Chegou aí uns rapazes lá do
exército”. Então o cego criou, veja que criação rápida de pensamento. O
cego disse: “Agora vem se aproximando/ esses moços corajosos/ tenho
certeza que eles fazem/ pagamentos valiosos”. Mas os soldados do exército
não têm dinheiro. O guia disse: “Eles correram”. E ele emendou:”Eles
correram de um cego/ muito mais dos revoltosos.”
O relato está aberto à discussão, a interpretações antes não possíveis pelo
academicismo, que fingia não ver as arestas na construção do passado. É com as
idéias do Materialismo Histórico e da Nova História, que a arquitetura da história e
suas testemunhas puderam ser resgatadas. A função de contar a história sem
41
excluir os fatos retidos na memória desses cordelistas e de seu povo, que muitas
vezes o ouvidos, traz considerações relevantes. A mudança dos paradigmas
disciplinares revela arquivos impressionantes e chama a atenção pela sua vitalidade
e pela sua função prática no corpo social.
Eu tenho vários livros na minha casa contando as histórias de Sergipe, as
histórias dos rios de Sergipe, a história assim fabulosa de pessoas
fabulosas. A história da professora Neildes, que é ...A professora Neilza, a
historiadora que atentou os estudantes para os índios que estavam
perdendo suas terras na década de 70 e 80. Eu tenho a história dessa
mulher que pode até as pessoas não querer respeitar, que fez com que as
pessoas entendessem que tinham tribos de índios, né? Que levou os
estudantes da universidade pra ver mais os Xocós, pra ver essa realidade.
Eu tenho a história dessa mulher. A história da professora Tânia Magno,
uma das fundadoras do PT. A primeira mulher que puxou uma greve geral
no Brasil, do estado que eu estava do lado. É importante que as pessoas
absorvam a história de Virgínia Lúcia. A história de Ilma Fontes que eu
escrevo detalhadamente. Quem foi Ilma Fontes? aí. A história de Gilda
Costa, Vera Vilar, a história de Clemilda, de Valmir Sandes, de Valquíria, a
história de Tetê Narraes, a história de Amororsa, a história dessas
personalidades que eu conheço. Que eu peço desculpas a todas elas, que
eu falo em meu livro Mulheres Guerreiras decantadas em versos, a história
das mulheres em Sergipe... como eu falo de homens também.
Os nomes brotam da memória, os conflitos são revividos, os sujeitos surgem
com uma materialidade e uma ação bem definidas. o se pode prosseguir por
essas especulações sem que, pela história do próprio gênero se possa entender o
que eram e o que são. Mas a falta de documentos impede que se possa identificar
um grupo de homens, em sua maioria, e algumas mulheres, que contribuíram para a
implementação do cordelista no meio social do Nordeste e do Brasil. Não se fala de
nomes ligados à explosão da produção do final do século XIX e início do XX, que
aparecem nos tópicos anteriores deste trabalho. O que se observa é que muitos
deles perderam seu nome na construção de próprio cordel e hoje podem ser
representados pelos próprios personagens criados por eles.
Há também um posicionamento, enquanto democratização da informação
através do texto. Os cordelistas compreendem que o acesso à informação, ao livro e
à leitura são precários em todo o país. Para eles, escrever cordel é ir de encontro a
essas condições, é buscar soluções difundindo a informação. Mas também é óbvio
que o cordel não inveja a posição das grandes obras da literatura e o tratamento que
lhes é dado nas livrarias, bancas e lojas de conveniência. Para o cordelista, esse
não é seu alvo: os que têm acesso à leitura e se dão ao luxo de não ler. Essa
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situação se mostra visível na fala dos entrevistados. Como destacado no
depoimento da cordelista Gigi:
Veja bem, quem tem acesso aos livros de poesia ? Aos contos, à literatura
brasileira? Quem é que tem acesso a esses livros? São os intelectuais
liberais, são os estudantes, são os professores, os intelectos que se dão o
pseudônimo de intelectuais que têm acesso a esses livros que estão nas
prateleiras das livrarias conceituadas, e o que eu escrevo eu quero
realmente que o povo entenda. Eu quero que o povão leia, que o povo
absorva.
O povo é sempre o ponto de partida e de chegada nas experiências dos
cordelistas. São eles os leitores para quem os cordéis são verdadeiramente feitos.
Nas entrevistas concedidas todos mostram um engajamento com o povo, as
minorias e os excluídos. Sobre a importância de exercer a função de cordelista
assim se expressa João Firmino, poeta cantador sergipano e único integrante da
Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
O cordel é a vida, o cordel é a história. Você olha pra ali e Luiz Gonzaga,
o Rei do Baião, descrito em cordel. Então o cordel leva a história ao povo
que não tem acesso à história. Por exemplo, ali está o Guerreiro Che
Guevara escrito em cordel, também o Guerrilheiro Che Guevara. E tinha
sido escrito em outras línguas num outro povo de uma cultura mais alta, se
o nosso povo[...] a nossa gente não conhecia. Se hoje o homem da roça
pode ler a história de Che Guevara em cordel, na sua linguagem , na
linguagem simples [...] como Olga Benário, como Luis Carlos Prestes, Karl
Marx e Engels que foram os fundadores do socialismo estão ali. Então
literatura de cordel traz a história na linguagem do povo.
As mulheres dão ao cordel uma abordagem especial. Na história do cordel a
escrita feminina ostensiva é muito recente e surge tomada de militância e
consciência política. Nos cordéis femininos a mulher é o tema central, mesmo que
determinados setores da vida social sejam focalizados. Elas se fazem mais que
personagens. A cordelista acaba assumindo um papel de afirmação do gênero,
diante do patriarcalismo que domina as estruturas.
Então se eu coloco essas mulheres em versos e vou colocar esse livro
numa prateleira[...] não é mais gratificante eu pendurar no meio da feira e as
pessoas entendam esta história [...] que a comunidade não sabe a Lei Maria
da Penha. E eu escrevo a Lei Maria da Penha em versos, história de Olga
Benário, cara! Que as pessoas veem nos livros, nos filmes, mas que o povo
de Sergipe, o povão cordel não sabe quem foi Olga Benário, Negra Lia,
prostituta. Então eu quero que a população do mundo, do Brasil veja essa
história e que o povão que não tem acesso às grandes livrarias tenha
acesso a essas histórias. (GIGI)
Percebe-se, na fala de Gigi, que a causa feminina esamplamente ligada a
direitos como a leitura, o acesso ao pensamento jurídico, que atravessa a cidadania.
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É como se a militância não estivesse fechada em uma exigência. E novamente
ter acesso não à história, mas às histórias, que foram silenciadas e que ganham voz
nos versos do cordel. O que ficou marcado na imagem do cordel, difundida em
várias esferas da comunicação, é que ele persiste na manutenção de uma tradição e
da imagem que retrata um Nordeste muitas vezes reacionário e tradicional. Com
frequência o servilismo e o coronelismo de outrora são aliados ao cordel.
Concluindo, a partir das considerações feitas pelos entrevistados, o cordelista
acaba compondo um universo de possibilidades com as quais a pergunta “Quem é o
cordelista?” não seria capaz de abarcar, levando em consideração os mais habituais
conceitos sobre ele. Também se percebe que a ideia de povo sofre de
inconsistências na fala dos entrevistados. O povo, que é em sua maioria seu leitor,
não participa do mesmo convívio urbano com os cordelistas e o campo que, em
muitas vezes, é marcado nos depoimentos, resume um espaço que não sofreu
modificações, que ficou inerte à história. Daí a imagem tradicionalista com que se
desenha o cordel. Mas, não sendo crédulo o bastante para afirmar que a
modernização e os processos de avanços sociais e históricos foram feitos de modo
extensivo.
em ritmo final de definição do cordelista, é revelado, pelas entrevistas o
quanto esses sujeitos são formados a partir do trabalho e da dedicação à linguagem.
Ao se tornarem escritores, esses homens e mulheres escrevem sua própria vida,
ganham autonomia e, o que é mais intrigante, relacionam a teoria dos gêneros
textuais, que confere autonomia a esses indivíduos, a práticas que fazem parte
das suas vidas. Nada melhor que a declaração de Pedro Firmino, para elucidar essa
reflexão:
Mostrei ao mestre e ele disse: Quando você for escrever ou publicar uma
obra sua, você peça um rascunho na tipografia, na gráfica, pra você fazer a
revisão.” Eu nem sabia o que era isso. Olhe, são vários erros que não são
seus, são erros da gráfica. Aí a próxima obra que eu fiz eu já melhorei mais.
A terceira veio pra o mestre fazer a revisão. Ele fez a revisão, mostrou como
era e, da quarta obra pra frente, eu não precisei mais da revisão. Ele disse:
“Você já ta andando com seus pés, já pode caminhar muito bem.”
O termo “caminhar” é uma metáfora bem construída da vida, enquanto
percurso poético e ideológico. Ter certeza de suas escolhas é algo que aproxima o
autor de seus iguais. O cordelista sabe que as desigualdades constroem índices de
desenvolvimento muitas vezes medievais, com altas taxas de mortalidade infantil,
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analfabetismo, fome, miséria e exploração. É preciso que toda pesquisa use da
sinceridade para perceber que o discurso do cordel acaba sendo proposto por
milhões de sujeitos que o podem ser automaticamente definidos em uma única
proposição. O cordel torna-se uma atividade plurissignificativa da qual não um
modelo definido, um corpus humano totalmente descritível. Essa suposição pode
ser aceita se for levado em conta todo o conjunto de estereótipos e tabus com os
quais eliminam-se as singularidades propostas. O cordelista a que se chegou não
pelo uso do quem é, mas do quem são é um conjunto de pessoas tomadas pelo
espírito transformador da sociedade que, para muitos, não passam de anônimos.
Usuários da língua que, por meio dela, perpetram sua luta diária. Para findar este
capítulo, recorre-se ao relato de uma leitora à cordelista, onde se pode perceber a
fusão entre leitores a autores:
Bacana, Gigi! Você foi a poetisa que escreveu aquele cordel? Poxa, mudou
a minha vida, mulheres que trabalham, que catam caranguejo, mulheres
que[...] Eu conheço uma senhora que leu Homem moderno e a revolução da
mulher, ela é empregada doméstica, é de São Paulo, Aninha. Uma pessoa
do povo, uma empregada doméstica que leu o cordel e disse assim, que foi
uma amiga que deu xerocado o cordel, e ela mudou a vida dela. E que ela
disse que quando leu a vida dela mudou, que deu vontade de voltar a
estudar, de querer crescer, de aprender a ler, então a importância da obra
do folheto de cordel é você surtir esse efeito na vida das pessoas. Das
pessoas refletirem na palavra que leram, e fazer uma reflexão, dizer: “Puxa
vida, quanto tempo eu perdi! Se não tivesse lido esse cordel talvez eu não
me atentasse para minha realidade. Que em vez de eu pilotar um fogão eu
quero na realidade é aprender para eu pilotar um avião.” Como eu falo no
meu cordel[...] enquanto eu estou lavando a cueca do meu marido eu
deveria estar estudando e me aperfeiçoando[...] e crescer na minha vida.
45
3 CONVERSANDO SOBRE OS GÊNEROS TEXTUAIS
algum tempo existe um consenso sobre a importância de se tomar o
texto como base do ensino-aprendizagem de língua portuguesa, fato que pôde ser
notado desde a década de 80, a partir de diversos programas e propostas
curriculares que surgiram em diferentes regiões do Brasil.
Como ensina Rojo (2007), num primeiro momento o texto foi tomado como
um material empírico que, em sala de aula, favorecia atos de leitura, produção e
análise linguística, o que levou à sua tomada como simples objeto de uso, e não de
ensino. Isso significa dizer que o ensino era visto em uma abordagem cognitiva e
textual, passando o texto a ser “pretexto” para, não somente o ensino da gramática
normativa, mas também da gramática textual. Além disso, essa abordagem
propunha uma leitura de extração de informações, buscando abstrair as
circunstâncias ou a situação de produção e decodificação desses textos, sem dar a
devida importância à leitura interpretativa, reflexiva e crítica. Nesse ponto, o texto
ainda não se constitui propriamente num objeto de estudo, mas apenas num suporte
para o desenvolvimento de estratégias necessárias ao seu processamento.
Foi somente num segundo momento que o texto passou a servir de suporte
para o desenvolvimento de estratégias e habilidades de leitura e redação. Com a
industrialização e modernização do país, ele passou a ser visto, não apenas como
objeto de ensino de conceitos e conteúdos, mas como um eixo procedimental para o
desenvolvimento das capacidades de leitura e produção de textos escritos. A partir
daquele instante, não se tomava mais apenas o texto literário do cânone, recolhido
em antologias, para funcionar como modelo do bem falar e do bem escrever, ao
contrário, os textos das mais variadas mídias passaram a dividir espaço com
aqueles. Foi nesse ponto que os achados da linguística textual, dos estudos do texto
e da tipologia textual adentraram nas salas de aula sob uma roupagem didatizada.
(ROJO, 2006)
Com a reconfiguração dos objetivos da disciplina “Língua Portuguesa” e dos
novos perfis dos corpos docente e discente, diminui o beletrismo do ensino de
português e surge um ensino mais preocupado com a realidade prática, sendo a
língua valorizada como instrumento de comunicação. (ROJO, 2006)
46
Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), uma virada
discursiva e enunciativa, com relação aos trabalhos com o texto em sala de aula,
ocorre com mais força: ele passa a ser visto em seu funcionamento e em seu
contexto de produção/leitura, enfatizando mais as significações gerais do que as
propriedades formais, que dão subsídios aos funcionamentos cognitivos. A partir de
então, convoca-se a noção de gêneros discursivos ou textuais
1
, como um
instrumento para favorecer o ensino de leitura e produção de textos não escritos,
como também orais. (ROJO, 2007)
Os currículos de língua materna redefiniram seus conteúdos, deixando de
enfocar apenas a gramática e a história da literatura, para trabalhar com eixos de
uso da língua e da linguagem leitura, compreensão e produção de textos, além
da sua análise – a gramática passa a ser subordinada ao eixo de uso. (ROJO, 2006)
Contudo, a maior evolução proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
é a formação de novos sujeitos, plenos de sua cidadania e capazes de desenvolver
seus papéis sociais dentro das comunidades em que vivem. Essa disposição é
discorrida logo em seus objetivos gerais:
Compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia,
atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças; posicionar-se de
maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando
o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas. Saber
utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e
construir conhecimentos; questionar a realidade formulando-se problemas e tratando
de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição , a
capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua
adequação. (BRASIL, 1998)
Quando os PCNs focam o ensino da Língua Portuguesa, a ampliação e a
importância da linguagem passam a ser definitivas, na efetuação das demais ações
pedagógicas; pois, segundo esses parâmetros, o ensino de língua deve “expandir o
uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia em instâncias
1
Alguns autores fazem distinção entre os gêneros do discurso e os neros textuais; entretanto,
neste trabalho trataremos as duas expressões como sinônimas.
47
públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos tanto orais como escritos
coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem
e aos assuntos tratados.” (BRASIL, 1998). Existe aí uma disposição contrária a um
pensamento educacional, vigente por muitos anos na tradição de
ensino/aprendizagem centrada na decodificação, na aquisição instrumental da
língua que não privilegiava as escolhas do sujeito em dado ato de enunciação.
Segundo Marcuschi (2008), os autores mais estruturalistas e muitos manuais
escolares entendem a língua simplesmente como um digo ou sistema de sinais
autônomo, transparente, sem história e fora da realidade social dos falantes.
Todavia, esse autor ressalta que ela vai muito além de um sistema de estruturas
lexicais, fonológicas e sintáticas, que está estruturada simultaneamente em vários
planos, tais como o fonológico, o sintático, o semântico e o cognitivo, os quais se
organizam no processo de enunciação. Por ser um fenômeno cultural, social,
histórico, social e cognitivo, ela se manifesta em seu funcionamento e é sensível ao
contexto. Isso significa dizer que é heterogênea e funciona numa relação dialógica,
não podendo ser vista simplesmente como um código.
Pode-se concluir que a produção textual e a leitura não são uma atividade de
mera decodificação. Isso significa dizer que a linguagem resulta, em si, no ponto de
partida para a aquisição e construção de conhecimento como da mais proveitosa
funcionalidade comunitária. A consolidação dessa visão foi importante na elaboração
dos sistemas de avaliação SAEB e ENEM. É importante ressaltar que o uso do
cordel, em sala de aula, enquanto gênero discursivo, constitui uma motivação além
dos conteúdos programáticos, que “A história das nossas disciplinas escolares
mostra que muitas vezes a instituição escolar rejeita o que é estranho a seu próprio
funcionamento.” (OLIVEIRA; CORRÊA, 2008, p. 181). Os efetivos usuários do
sistema são desconhecidos ou silenciados dentro das metodologias e pedagogias
vigentes no país.
Logo, a utilização dos gêneros textuais como prática pedagógica tornou-se
essencial para o sistema educacional nacional, que na formação da cidadania
pré-requisitos para a compreensão dos sentidos da educação no país. Neste caso,
os conteúdos de ensino de língua materna devem representar uma coletividade e
48
sua diversidade cultural, como também as mais variadas formas de participação dos
indivíduos nesse espaço.
Não se pode esquecer que subjaz uma abrangência maior dos meios onde a
educação ocorre, sendo “na convivência humana e, principalmente, nos movimentos
sociais e nas organizações da sociedade, incluindo as manifestações culturais.”
(p.177), tal como destacam Oliveira e Corrêa, quando refletem sobre o artigo
primeiro da LDB/1996. Aliada a essas práticas vê-se que a finalidade e a
significação da leitura, paralelamente, contribuem para essas novas posturas, diante
da missão do ensino e das atribuições dos sujeitos, dentro dessa nova sociedade.
Segundo eles, os PCN articulam o ensino da língua portuguesa a duas vertentes:
“em prática de escuta e de leitura de textos, orais e escritos, ambas articuladas no
eixo do USO; por outro, em prática de análise linguística, organizada no eixo
REFLEXÃO. (OLIVEIRA; CORRÊA, 2008, p. 180).
Dessa forma, justamente por se dar mais importância não às situações de
produção e circulação dos textos como também à significação nelas forjadas, torna-
se imprescindível a noção de gêneros discursivos ou textuais. Torna-se possível
utilizar o texto como objeto didático-pedagógico, não para o ensino de língua
materna, mas também de qualquer outra disciplina, sem perder de vista a
interdisciplinaridade. Isso se faz claro, ao se adotar trechos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998)
Ainda que a unidade de trabalho seja o texto, é necessário que se possa
dispor tanto de uma descrição dos elementos regulares e constitutivos do
gênero, quanto das particularidades do texto selecionado[...] (PCN e
ciclos do ensino fundamental, p. 48)
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza
temática, composicional e estilística, que os caracterizam como
pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero,
constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (PCN e
4º ciclos do ensino fundamental, p. 23)
Sabe-se que estudos e pesquisas que abordam a necessidade de se
trabalhar os gêneros textuais, em sala de aula, existem à exaustão. Aliás, o tema,
num primeiro momento, pode parecer esgotado e prescindível de novas
abordagens, entretanto não se pode esquecer que, a cada dia que passa, a
sociedade exige um sujeito mais crítico, criativo e dotado de capacidade de
49
compreensão e aceitação do outro, o que demanda uma preparação que não fique
limitada ao contato superficial com culturas e conceitos diversos.
Conscientes disso, cabe aos professores que trabalham com alunos pouco
acostumados ao contato com a cultura popular, apresentar-lhes opções, dentre os
diversos gêneros textuais, para que ele possa ampliar sua visão de mundo e, dessa
forma, preparar-se melhor para as necessidades exigidas pela contemporaneidade.
Isso significa dizer que a introdução de um gênero na escola deve ser o resultado de
uma cuidadosa decisão didática, que visa a objetivos precisos, previamente
estabelecidos.
Segundo Koch (2006), a abordagem de determinado gênero textual deve
possuir dois objetivos: o primeiro deles deve ser levar o estudante a dominá-lo, a fim
de que, a partir daí, ele possa desenvolver capacidades que ultrapassem o gênero e
sejam transferíveis a outras modalidades textuais; o segundo objetivo consiste em
colocar os alunos em situações de comunicação, que se aproximem o máximo
possível das verdadeiras, para que elas tenham um sentido e, dessa forma, levem a
dominá-las, pois o gênero, ao funcionar em um lugar social diferente daquele que
está em sua origem, sofre necessariamente uma transformação, passando a ser não
mais somente um texto para comunicar, mas também para se aprender. E é nesse
ponto, com foco nesses dois objetivos, que se deve ater neste capítulo.
3.1 O CORDEL COMO GÊNERO DO DISCURSO
A ngua é uma atividade social, histórica e cognitiva, por isso torna-se
impossível haver comunicação verbal sem que se faça uso de algum gênero textual.
Eles se situam e se integram funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem,
o que leva a contemplá-los como práticas sócio-discursivas. (MARCUSCHI, 2005)
Na realidade, seu estudo é hoje uma fértil área interdisciplinar, com atenção especial
para a linguagem em funcionamento e para as atividades sociais e culturais.
O que desperta nos falantes/ouvintes a percepção do que é adequado ou
inadequado, em cada uma das práticas sociais, é a sua competência sócio-
comunicativa, a qual conduz, ainda, à distinção entre os diferentes gêneros de
textos, como, por exemplo, uma piada, um conto, uma poesia, dentre outras. Isso
50
significa dizer que um conhecimento, ainda que intuitivo, de estratégias de
construção e interpretação de um texto, conforme informa Bakhtin (2003):
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter
e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas
da atividade humana , o que não contradiz a unidade nacional de uma
língua. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de
cada uma dessas esferas, não por seu conteúdo temático e por seu
estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais mas também, e sobretudo,
por sua construção composicional. (p. 179)
Dessa forma, pode-se concluir que todos os enunciados estão baseados em
formas-padrão e relativamente estáveis de estruturação de um todo, o que vem a
constituir os gêneros textuais: tipos relativamente estáveis de enunciados, marcados
historicamente, uma vez que estão intimamente relacionados às mais diversas
situações sociais, as quais irão determinar as características desses gêneros, tais
como temática, composição e estilística próprias. Justamente por serem fenômenos
sócio-históricos e sensíveis à cultura, não é possível fazer uma lista fechada de
todos eles, pois, ao se dominar um gênero textual, está-se dominando uma forma de
realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares, não
há o domínio de uma forma linguística necessariamente. (BAKHTIN, 2003)
Fundamentada em Bakhtin, Koch (2006) defende a ideia segundo a qual os
indivíduos desenvolvem uma competência metagenérica que lhes possibilita
interagir, de forma conveniente, na medida em que se envolvem nas diversas
práticas sociais. Acrescenta, ainda, que é essa competência que possibilita a
produção e compreensão de gêneros textuais e, até mesmo, que eles sejam
dominados. Isso significa dizer que, se por um lado essa competência orienta a
produção das práticas comunicativas, por outro norteia a compreensão sobre
gêneros textuais efetivamente produzidos.
Maingueneau (2001) alerta que os gêneros do discurso não podem ser
considerados como formas que se encontram à disposição do locutor, para que este
molde seu enunciado dentro delas; ao contrário, tratam-se de atividades sociais que,
por esse motivo, são submetidas a um critério de êxito, que envolvem elementos de
ordens diversas, tais como uma finalidade reconhecida, o estatuto de parceiros
legítimos, o lugar e o momento legítimos, um suporte material e, finalmente, uma
organização textual.
51
Diante do exposto, pode-se perceber que os gêneros do discurso são de
determinado modo, em certa função, em dadas esferas de atuação humana, o que
possibilita reconhecê-los e produzi-los sempre que se fizer necessário. Caso não
fosse dessa forma, acabaria por ter a primazia de uma produção individual e
individualizante, desprovida de traços de um trabalho construído socialmente, o que
dificultaria a leitura e compreensão de textos. (KOCH, 2006)
Com relação a isso, deve-se observar que o domínio da situação
comunicativa passa pelo domínio do gênero, já que ele será escolhido em função do
momento de produção do discurso, estabelecendo uma relação entre o meio e a
finalidade a que se destina. Isso expõe a necessidade de conhecer o maior número
possível deles, a fim de haver maior facilidade de expressão, bem como de
compreensão de mundo, características tão necessárias às exigências dos tempos
atuais.
É preciso deixar claro que, nas escolhas que realiza, o autor de um texto
imprime sua marca individual; todavia não pode ignorar a relativa estabilidade dos
gêneros textuais, o que não o caracteriza como um sujeito inteiramente livre, que
tudo pode dizer em descaso com as regulamentações sociais, nem como sujeito
totalmente submisso, que nada pode dizer, sem fugir das prescrições sociais.
Realmente, a noção de gênero é respaldada em práticas sociais e em saberes
socioculturais, porém, eles podem sofrer variações em sua unidade temática, forma
composicional e estilo, o que leva a concluir que não são instrumentos rígidos e
estanques, ao contrário, possuem uma plasticidade e uma dinamicidade decorrentes
da própria dinâmica da vida social e cultural, assim como do trabalho dos autores.
(KOCH, 2007)
Nesse ponto, a escola se articula como o veículo capaz de levar os alunos a
entrar em contato com o maior número possível de gêneros textuais, fazendo com
que eles sejam não somente ferramenta de comunicação, mas também objeto de
ensino-aprendizagem, mantendo-os sempre atualizados com a dinâmica desse
assunto.
Deve-se ressaltar que, na sua missão de ensinar os alunos a ler, escrever e
falar, a instituição escolar sempre trabalhou com os gêneros, que toda forma de
comunicação cristaliza-se em formas de linguagem específicas. A particularidade
52
reside no fato de que ocorre um desdobramento no qual o gênero deixa de ser
apenas um instrumento de comunicação e passa a ser também objeto de ensino-
aprendizagem. O cuidado que se deve ter é de apenas não tornar esse trabalho, na
escola, como mero pretexto para a gramaticalização e normatização da língua,
deixando de lado uma gama de informações que podem ser extraídas do texto.
Como as esferas de utilização da língua são bastante heterogêneas e
diversificadas, os gêneros também apresentam uma grande heterogeneidade,
incluindo-se desde o mais banal diálogo cotidiano até a mais sofisticada tese
científica, passando pela poesia, narrativa ou qualquer outro tipo de texto. É
justamente por esse motivo que Bakhtin (2003) distingue os gêneros em duas
categorias: a primeira diz respeito aos gêneros primários, que são constituídos em
esferas sociais cotidianas das relações humanas; os gêneros secundários se
relacionam a outras esferas, mais complexas, de interação social, as quais são,
muitas vezes, mediadas pela escrita e apresentam uma forma composicional que
absorve e transmuta os gêneros primários. Além disso, não se pode deixar de
observar que alguns gêneros possuem maior facilidade de refletir a individualidade
da língua, enquanto outros, por possuírem um formato padronizado, não o permitem.
No primeiro caso, pode-se encontrar como exemplo os gêneros literários.
Schneuwly (2007) define algumas dimensões para os gêneros primários:
troca, interação, controle mútuo pela situação; funcionamento imediato do gênero
como entidade global que controla todo o processo como uma unidade; pouco ou
nenhum controle metalinguístico da ação linguística em curso. para os
secundários, define-os como o controlados diretamente pela situação, o que não
equivale a dizer que são descontextualizados, mas apenas sem contexto imediato.
Esse mesmo autor esclarece ainda três particularidades dos gêneros
secundários: a primeira é que são modos diversificados de referência a um contexto
linguisticamente criado, o que significa que, por conta do aumento na complexidade
do texto, há necessidade de se lhe criar uma coesão interna; a particularidade
seguinte se detém nos modos de desdobramento do gênero, uma vez que, quanto
mais autônomo em relação a uma situação imediata, mais o aparelho lingüístico,
criado na ngua para falar dele, se enriquece e, consequentemente, se torna
complexo; a terceira especificidade estabelece que a gestão eficaz dos gêneros
53
secundários pressupõe a existência e a construção de um aparelho psíquico de
produção da linguagem que não se baseia pelo imediatismo, mas sim pela
existência de níveis de decisão, de operações discursivas transversais.
(SCHNEUWLY, 2007)
Para o pesquisador, é fundamental distinguir em qual categoria seu objeto de
estudo deve se encaixar, a fim de que se torne mais fácil extrair o material linguístico
de que necessita. No caso do presente trabalho, é perfeitamente clara a
classificação da literatura de cordel nos gêneros secundários, baseada no fato de
que toda uma estrutura complexa e elaborada, a qual deverá funcionar como
meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, mais
particularmente, no domínio do ensino da produção e compreensão de textos orais e
escritos.
Vale lembrar que a concepção de gênero proposta por Bakhtin (2003) não é
estática, mas sim está sujeita a mudanças não decorrentes das transformações
sociais, advindas de novos procedimentos de organização e acabamento da
arquitetura verbal, como também de modificações do lugar atribuído ao ouvinte, o
que significa dizer que as mudanças que ocorram no gênero jamais podem ser
separadas das transformações históricas dos estilos da língua. Para ilustrar esse
fato pode-se tomar como base a linguagem e mesmo a temática que vêm sendo
utilizadas em muitos folhetos de cordel produzidos mais recentemente.
É importante que se chame a atenção para o fato de que, se a literatura
recorre às camadas correspondentes da literatura popular para atender às suas
necessidades, ela faz uso obrigatoriamente dos gêneros do discurso, através dos
quais essas camadas se atualizaram (BAKHTIN, 2003). Isso leva a concluir que o
popular e o erudito possuem uma relação de dupla articulação, ou seja, um sempre
toma conhecimento do outro, mais cedo ou mais tarde.
No que diz respeito à literatura de cordel, percebe-se com nitidez esse
entrecruzamento que envolve o popular e o erudito, uma vez que todo um cuidado
com as construções composicionais convive com uma linguagem que, na maioria
das vezes, se aproxima da oralidade e do coloquial.
É importante esclarecer que o termo “gênero textual” costuma designar os
textos materializados que podem ser encontrados no dia-a-dia e que apresentam
54
características sócio-comunicativas, definidas através de conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característicos. Além disso, é fundamental a noção
de que eles não se definem por aspectos formais, quer se trate de elementos
estruturais ou linguísticos. Muitas vezes é o próprio ambiente ou suporte em que os
textos aparecem que determina o gênero, enquanto que em outros serão as
funções. (MARCCUSHI, 2005)
Ora, que o desenvolvimento é considerado como um processo de
apropriação das experiências acumuladas pela sociedade no curso de sua história,
as noções de prática social e de atividade, assim como as de práticas e atividades
da linguagem, são fundamentais, uma vez que a primeira fornece uma visão
contextual e social das experiências humanas; enquanto a segunda adota um ponto
de vista psicológico com a finalidade de abarcar os mecanismos de construção
interna dessas experiências, isto é, as capacidades necessárias para produzir e
compreender a linguagem. (SCHENEUWLY, 2007)
Sobre as práticas de linguagem, Scheneuwly (2007) esclarece:
As práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos
grupos sociais no curso da história. Numa perspectiva interacionista, são, a
uma vez, o reflexo e o principal instrumento de interação social. É devido
a essas mediações comunicativas, que se cristalizam na forma de gêneros,
que as significações sociais são progressivamente construídas. (p. 51)
O mesmo autor segue alertando para o fato de que as práticas implicam
tanto em dimensões sociais, como cognitivas e linguísticas do funcionamento da
linguagem, numa situação de comunicação particular. A fim de analisá-las, as
interpretações feitas pelos agentes da situação são essenciais e dependem da
identidade social dos atores, das representações que têm dos usos possíveis da
linguagem e das funções que eles privilegiam, em consonância com sua trajetória.
Nesse sentido, as práticas sociais são o lugar de manifestações do individual e do
social na linguagem.
Ao analisar essa questão das práticas de linguagem, percebeu-se o quão rico
pode ser o texto da literatura de cordel, na medida em que muitas informações terá a
fornecer aos alunos, principalmente se pertencerem a uma classe social que não
costuma ter um contato mais próximo com a cultura popular e, consequentemente,
com camadas sociais muito diferentes da sua, dentro de uma perspectiva que preze
pela exposição e reflexão das reais condições de vida de seus integrantes.
55
Aliás, entende-se que, quanto mais precisa for a definição das dimensões
ensináveis de um gênero, mais fácil se tornará a apropriação deste como
instrumento, o que possibilitará o desenvolvimento de capacidades de linguagem
diversas que a ele estão associadas, isto é, quando se tem um objeto de trabalho
devidamente descrito e explicitado, consequentemente ele se tornará acessível a
todos nas práticas de linguagem e aprendizagem. (SCHNEUWLY, 2007)
Ao tomarem contato com um determinado gênero na sala de aula, neste caso
especificamente, o texto de cordel, os alunos aprendem a falar sobre esse gênero e,
mais do que isso, constroem progressivamente conhecimentos sobre ele. Ao mesmo
tempo, pelo fato de que a linguagem toma a forma de palavras características
daquela modalidade textual, assim como apresenta regras específicas, os alunos
são levados a uma atitude reflexiva, o com relação à linguagem, mas também
no que diz respeito à realidade social, histórica e cultural em que ela é originada.
Entretanto, a escolha de um gênero discursivo, como ferramenta e objeto de
ensino, deve ser cuidadosamente analisada, pois a maturidade dos alunos, seja ela
psicológica ou cognitiva, deve ser observada de forma criteriosa. Não se deve
encarar a aprendizagem da expressão como um procedimento único e isolado, mas
sim como uma série que deve ir se aprofundando aos poucos, numa evolução
gradativa, sem que haja rompimentos radicais e desnecessários, uma vez que não é
possível classificar os gêneros de maneira absoluta. Quanto a isso, o próprio Bakhtin
(2003) já chama a atenção:
Ficaríamos tentados a pensar que a diversidade dos gêneros do discurso é
tamanha que não há e não poderia haver um terreno comum para seu
estudo: com efeito, como colocar no mesmo terreno de estudo fenômenos
tão díspares como a réplica cotidiana (que pode reduzir-se a uma única
palavra) e o romance (em vários tomos), a ordem padronizada que é
imperativa por sua entonação e a obra lírica profundamente individual, etc.?
A diversidade funcional parece tornar os traços comuns a todos os gêneros
do discurso abstratos e inoperantes. (p. 280)
Quando se fala em literatura de cordel, de se questionar qual seria a
melhor série para ser trabalhada em sala de aula, uma vez que, por possuir um
leque de opções sobre os mais variados temas, uma visão precipitada pode levar à
sensação de poder abordá-la em qualquer rie, o que, com base no que foi dito,
não deixa de ser uma verdade, desde que se respeite a maturidade e o
desenvolvimento intelectual dos alunos, sob pena de não se alcançar o efeito
56
desejado no contato com mais um gênero textual, principalmente porque essa
literatura faz parte da cultura popular, produção artística, muitas vezes, colocada à
margem, especialmente nas classes sociais mais privilegiadas.
Contudo, como esta proposta visa a construção de um sujeito crítico, o
trabalho com o cordel deve ir além do contato frio com mais um gênero textual e
buscar fazer uma reflexão, que leve os alunos, principalmente aqueles de classes
sociais mais privilegiadas e que não costumam valorizar a cultura popular, a
perceber uma realidade social e cultural diferente da sua, a fim de desenvolver o
respeito e a tolerância, não com relação às diversas manifestações artísticas,
mas também no acatamento da maneira de viver e pensar do outro.
Ao chegarem ao ano do Ensino Fundamental, os alunos, atualmente,
apresentam um interesse acerca dos conteúdos que serão abordados no vestibular
seriado, que se inicia a partir do ano do Ensino Médio. Por conta disso, como
forma de estruturar uma base de conhecimentos em direta ligação com o conteúdo
programático exigido nas provas de admissão pra ingresso na Universidade Federal
de Sergipe, faz-se necessária a abordagem acerca dos gêneros literários, além de
noções de metrificação e rima em aulas de Literatura, as quais, embora não sejam
exigidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, são uma realidade nas
escolas particulares de grande porte de Aracaju.
Aproveitando-se o mote (para usar um termo bem característico da cantoria
popular) das necessidades do alunado dessa rie, em somatório com os objetivos
propostos neste trabalho, entende-se ser, o último ano do Ensino Fundamental, o
mais indicado para uma abordagem que além do conteudismo e busque um
enfoque mais profundo, capaz de levantar amplas discussões e reflexões, ainda que
não se possa, neste momento, garantir a eficácia e real mudança de postura que
essa proposta possa provocar.
A intenção primordial é que os traços associados ao gênero não se restrinjam
às aparências formais, porquanto essas são apenas as maneiras pelas quais as
relações e as interações mais fundamentais são realizadas no ato de comunicação.
Ao reconhecer e trabalhar com o cordel, mobilizam-se conjuntos multidimensionais
tanto da própria compreensão da situação, das próprias metas e atividades, quanto
das dos outros.
57
Ter clara a compreensão de gênero com o qual se está tendo contato é
perceber o decoro, no sentido mais fundamental, isto é, que atitude e posição são
apropriadas para o mundo no qual se está engajado naquele momento.
O gênero textual é uma categoria multidimensional e fluida que ganha
significado através de seu uso como ferramenta interpretativa e construtiva, por isso
a sua redução a alguns poucos itens formais que devem ser seguidos por razões de
propriedade deixa escapar a vida que está incorporada no momento genericamente
formado. Na condição de professores, se forem proporcinados aos alunos apenas os
elementos formais de qualquer gênero com o qual precisam trabalhar, será oferecida
apenas uma escravidão irrefletida às práticas correntes e nenhum meio para que
possam estar prontos a enfrentar as mudanças advindas da evolução do mundo.
(BAZERMAN, 2006)
Aos profissionais da educação seria muito mais proveitoso dar, não a si
mesmo como também aos alunos, meios para entender as formas de vida
incorporadas à prática simbólica corrente, para avaliar as consequências da retórica
recebida e, a partir daí, tentar transformar tanto o mundo retórico, quando tal
transformação é aconselhável, quanto aos próprios indivíduos. (BAZERMAN, 2006)
Isso se torna possível porque o texto muito tem a informar acerca da estrutura
social, política, cultural e econômica em que foi gerado, principalmente no que diz
respeito ao autor, conforme ensina Bakhtin (2003):
O enunciado oral e escrito, primário e secundário, em qualquer esfera da
comunicação verbal é individual, e por isso pode refletir a individualidade
de quem fala (ou escreve). Em outras palavras, possui um estilo individual.
Mas nem todos os gêneros são propícios ao estilo individual. Os gêneros
mais propícios são os literários - neles o estilo individual faz parte do
empreendimento enunciativo enquanto tal e constitui uma de suas diretrizes
–; se bem que, no âmbito da literatura, a diversidade dos gêneros ofereça
uma ampla gama de possibilidades variadas de expressão à
individualidade, provendo à diversidade de suas necessidades. (p. 283)
É preciso apenas o cuidado para que não se concebam os gêneros como
modelos estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e
cognitivas de ação social corporificadas na linguagem, o que leva a percebê-los
como entidades dinâmicas, cujos limites e demarcações se tornam fluidos.
Na medida em que se reconhece isso, pode-se arriscar dizer que boa parte
dessas atividades discursivas serve para atividades de controle social e cognitivo,
58
que, quando se quer exercer qualquer tipo de poder ou influência, recorre-se ao
discurso. Na verdade, o meio em que o ser humano vive e se acha imerso vai muito
além de seu ambiente físico e contorno imediato, pois está envolto também por sua
história, pela sociedade e pelo discurso. A linguagem sempre envolve a vivência
cultural humana e todos os textos utilizados situam-se nessas vivências,
estabilizadas em gêneros. Dentro desse contexto, a noção de que a língua é uma
atividade sociointerativa de caráter cognitivo, sistemática e instauradora de ordens
diversas na sociedade, é central. (MARCUSCHI, 2008)
É justamente para resgatar a história, o discurso e a sociedade em que o
texto de cordel está inserido que se propõe um planejamento de trabalho com esse
tipo de texto em sala de aula. O que se busca não é apenas colocar o aluno em
contato com a literatura de cordel, como se fosse mais um gênero textual dentro de
uma cadeia de vários outros, mas desenvolver, nos alunos, uma capacidade de
reflexão que os deixe aptos a exercerem sua capacidade de ação diante da
realidade que deve se desnudar.
3.2 CORDEL E LEITURA: TEXTO E MUNDO
Neste momento, faz-se importante salientar a importância do cordel como
gênero textual, possuindo um grupo determinado de leitores com o qual se identifica
e se expressa. As ansiedades e expectativas sociais, quanto aos folhetos, provocam
resultados que vão além do simples ato de leitura por diversão e informação. O
cordel promove um conhecimento de mundo nascido da ideologia com a qual
comungam os indivíduos, autores e leitores, participantes de sua tessitura. Soares
(2005) faz importantes considerações sobre tais condições no âmbito social quando
indaga sobre a relação entre eles: seria a leitura enunciação, diálogo? Essa
pergunta gera aqui boa parte da reflexão que envolve meio, produção e circulação
do cordel no processo de criação de sentidos e de difusão de um discurso legitimado
por determinado grupo. Os conceitos envolvidos auxiliam numa postura que se quer
longe dos preconceitos. Fala a autora:
Enunciação é, portanto, processo de natureza social, não individual,
vinculado às condições que, por sua vez, vinculam-se as estruturas sociais
o social determinando a leitura e constituindo seu significado. Pode-se
aplicar aqui o que, mais amplamente, da língua disse Bakhtin (1979):
59
“Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui
apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta que
constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas
as direções, de um grupo social determinado. Um importante problema
decorre daí; o estudo das relações entre a interação concreta e a situação
extralinguística não só a situação imediata, mas também, através dela, o
contexto social mais amplo”. Leitura –enunciação- é também uma fração de
uma corrente verbal ininterrupta[...] (SOARES, 2005, p. 18-19)
Como se pode observar, o texto de cordel enquanto ato enunciativo, resulta
numa ação ideologicamente construída, na qual sujeitos se localizam e impõem sua
visão de mundo previamente, ou melhor, paralelamente construída. O reducionismo
ao tratamento do cordel, no processo de leitura, pode levar a uma falsa, para não
dizer inconsistente, avaliação de seu papel, o que significa afirmar que existe uma
tentativa de esvaziar seu discurso, que certa relatividade está associada a um
campo vasto de interesse. Defende-se que todas as formas de depreciação do
gênero, enquanto formação discursiva, é um índice de exclusão. O conjunto de
valores utilizados para analisar sua aparição condiz, em sua maioria, com
convencionalismos que têm por objetivo a interdição. Quando leitores e autores,
sujeitos do discurso, expressam, pela linguagem, sua visão de mundo, estão
trazendo ao âmbito linguístico os fatores extralinguísticos que compõem seu
universo ideológico. Entender a leitura como forma de resistência é afirmar que: se
há textos, há sempre, por trás deles, esses sujeitos discursivos e uma luta constante
pelo direito de dizer.
A compreensão para o termo “leitura” o é de fato algo simples de
conceituação. As teorias que abordam o tema são divididas, segundo Koch (2007, p.
9-10), em três vertentes básicas de procedimento: a primeira focada no autor; a
segunda focada no texto; e, a última, na interação autor-texto-leitor. A vertente
centrada no autor revela uma postura de passividade do leitor, no processo de
construção do pensamento e dos sentidos almejados pelo texto, cabendo a ele
apenas a ação de apreender as intenções do autor no exercício da leitura. Quando o
deslocamento promove o texto como circunstância primordial para o exercício da
leitura, o leitor é considerado como todo aquele que compreende o código linguístico
e é capaz de aferir o sentido que o texto propõe, que este tem em si um forte
apelo ontológico, deixando nele todas as possibilidades de interpretações expostas
e não permitindo fugas à sua infalível edificação. O autor é um mero índice; o leitor,
um selecionador de sentidos que pré-existem no texto. E, por fim, quando da
60
interação autor-texto-leitor, a leitura setomada amplamente, como um processo
de produção de sentidos. Neste último caso, a participação ativa do leitor é
ressaltada como ponto de partida e ponto final de qualquer autor e de qualquer
escrita. Quem vai ler? Essa é uma pergunta que está antes de “o que se lê?” e é
anterior também a “quem escreverá o texto?”. Porém se pode admitir a existência
de cada um dentro desta equação autor-texto-leitor e não fora dela.
Todavia não se pode deixar de ratificar que “Não teoria hegemônica ou
que seja a mais correta e definitiva. Ler é um ato de produção e apropriação de
sentido que nunca é definitivo e completo.” (MARCUSCHI, 2008, p. 228) Sua ação é
sempre parte de um complexo sistema social, de uma vasta rede de interesses.
Entender o funcionamento do processo de leitura pode ajudar, mas não ilustra o
suficientemente o porquê da longa tradição cordelista no país. Ficar estáticos
mediante a engrenagem psíquica cognoscível da leitura não explicará o valor
cultural e a resistência do cordel por tanto tempo: sua existência, como reflexo
cultural de um povo, não passa pela ideologia como é essencialmente construído
por ela. O mundo onde ele surge é modificado por ele e a partir dele também se
modifica.
Neste sentido, pode-se compor uma trajetória da leitura do cordel em três
modalidades para o seu melhor entendimento e desenvolvimento: a fase oral, a fase
de expansão e a atualidade. Há, entre as proposições, um fluxo contínuo, um
movimento progressivo e paralelo entre as partes. A divisão, porém, não é um índice
temporal ou histórico do gênero, busca-se aqui relacionar estágios de emissão e
recepção destes enquanto enunciados. o limites temporais entre eles, pois
podem acontecer em um mesmo momento. Mas ações distintas que impulsionam
a transformação do cordel e consequentemente sua existência em meio aos
avanços da sociedade, sobretudo os tecnológicos. A técnica é uma forma de
conservar discursos e poderes. Essas ações, como se pode ver, comunicam-se e
interagem entre si como engrenagem de um mesmo sistema discursivo.
Na primeira proposição registra-se o período em que o cordel tem seu
principal contato com seu público leitor através da cantoria, realizada, em sua
maioria, pelos cantadores, geralmente autores dos livretos e da leitura em voz alta
por um indivíduo alfabetizado, ora extra-grupo, ora integrante do grupo. Nessa fase,
61
as principais características do gênero são definidas como também o é seu caráter
de elo de identificação social. A transmissão oral de conhecimento é uma das
formas mais conhecidas de interação na história do homem como ser social.
Contudo, na história da literatura e seus leitores um fato particular que não está
eximido de intenção: levados por uma primícia, pode-se confundir na relação com
um tempo, um lugar determinado para este momento, mas acredita-se que ele ainda
não cessou e está em contínuo desenvolvimento. Galvão coloca que:
Sabe-se, por exemplo, que, na época em que sobretudo os folhetos mais
antigos foram escritos, a sociedade era ainda muito marcada pela presença
da oralidade e sobretudo a poesia era considerada um gênero oral, escrita
para ser lida ou em voz alta, mesmo nos gêneros eruditos, a ponto de
Antonio Cândido(1980) ter caracterizado o público leitor brasileiro da época
inclusive a elite como um “público de auditores”- de qualquer tipo de
literatura.(2001, p. 58)
O que autora constata como uma característica da época é a ocorrência do
alto índice de analfabetismo. É preciso dizer que a literatura, à qual Cândido se
refere, é a que era consumida pelas classes mais abastadas, porém não se deixa de
perceber que essas condições de leitura estarão presentes na construção
panorâmica da experiência com o cordel, mas que as circunstâncias sociais
configuram uma outra relação com os ouvintes. Decerto não se pode retirar, do
campo de considerações a esse respeito, a comunidade de leitores e suas
condições de leitura. Esses saraus públicos e particulares constituíam uma
ocorrência regular, mas provavelmente não é o principal motivo e tampouco se
encontra isolado em determinada fase da história do gênero. Se é que se pode
concordar que esse é o elemento caracterizador de uma primícia, deve-se perguntar
por que até a década de 80 esta forma de leitura pode ser constatada, sobretudo, no
interior do Brasil? (SLATER, 1984) Com o advento do rádio, por exemplo, ser um
ouvinte das pelejas e das aventuras constituía um novo procedimento para um
mesmo contato textual. Daí uma nova pergunta: haveria uma linha de evolução da
leitura, distinguindo regiões e comunidades no país e nos tempos atuais geridos pela
comunicação? que são fortes os indícios da oralidade na essência do cordel e
disso não há a menor dúvida o se pode deixar de indagar como seria a ação de
ler se acaso os números de privilegiados pelo sistema meritocrático da educação
brasileira indicassem uma população de leitores bem perto do ideal, para um padrão
62
de país desenvolvido? Se o sistema educacional fosse mais democrático e
abrangente ao invés de exclusivista?
Antes de se tentar responder às perguntas é preciso que se repita que o
cordel é uma forma de resistência popular, mas não uma expressão de ignorância
da qual o popular sempre foi marcado. Os mais politicamente corretos podem
sustentar opiniões, mesmo que bem intencionadas, excludentes. Nessa luta, os
caracteres da segunda fase se revelam e, aos poucos, o cordel vai aferindo novas
modalidades de insurgência e expansão de sua realidade, sua segunda proposição.
O fascínio do livro, enquanto objeto e escrita, não tirou dele seu caráter identificador.
Posicionamentos tais como o da crítica literária, que por muito tempo desconsiderou
o cordel, enquanto literatura, são reflexos dos mecanismos do poder. Manifestações
como essas geram uma série de ações que podem causar certas confusões. Que o
código escrito normatizado é um domínio de determinado grupo da sociedade os
que geralmente ditam as regras aqui o se discorda, porém esse é sempre um
objeto de desejo, na luta dialógica, e não possui um caráter único. Várias são as
formas que geram o indivíduo inapto enquanto conceito de exclusão.
Da língua escrita apropriam-se as classes dominantes, fazendo dela o
discurso de verdade, repositório de um saber de classe, apresentado como
saber legítimo. O acesso à escrita pelas camadas populares pode, por isso,
significar a renúncia a seu próprio saber e a seu próprio discurso, a sujeição
ao saber do dominante[...](SOARES, 2005, p. 22)
O que se deve analisar, neste caso, é que esse domínio não é vitalício, como
também não o é o lugar ocupado por essas classes. A instabilidade é um princípio
que fere o conceito estático de linearidade de poder. Quando se legitima
determinados usos, como é o caso de Soares, acima, está-se contribuindo para este
preceito de conservação. Deve-se lembrar sempre que a “leitura é também
contrapoder e resistência” (CHIAPPINI, 2005, p. 179). Tanto a língua oral quanto a
escrita constituem-se em objetos de poder que são disputados a todo o momento
pelos indivíduos pertencentes a qualquer organização social. Chiappini dá um
exemplo ao citar como os nativos colonizados da América Hispânica usaram a
escrita dos vencedores para manter sua identidade e resistir culturalmente à
colonização.
Existe uma estrutura, é certo, que inventa e reinventa meios e tecnologias
capazes de regular o avanço dos menos privilegiados. Os avanços tecnológicos
63
quando implantados em uma comunidade são realentados na sua evolução, quando
se adota como segmento orientador a sua distribuição, que vai do topo da pirâmide
social até sua base. Quando o cordel transita pelas duas modalidades da língua,
enquanto construto social, ele demonstra a afirmação de um grupo que lança o a
direitos sobre o exercício de igualdade na busca pelo poder. Se tais adventos
tecnológicos constituem propriedade confessa da classe dominante em batalha,
caberá ao povo sua apropriação. É interessante notar que, nas comunidades onde
os cordéis são elaborados por poetas analfabetos, a figura de um mediador, aquele
que faz o registro escrito entre o oral e o papel, põe sob o serviço do cantador o
código dito averso a essa experiência poética.
Todos os indivíduos plenos em suas faculdades de utilização do código
linguístico são capazes de dominar a escrita. E essa não é uma ação alienadora,
mas sim dialógica. Sentindo a necessidade de atingir, não apenas um público
letrado, mas também o analfabeto, os cordelistas se apropriaram não do registro
escrito como também da oralidade, o que leva a concluir que as classes que
dominavam o código escrito não fincaram sua bandeira de posse sob o gênero. Na
verdade, viraram-se as costas para aquele tipo de literatura vendida nas praças e
feiras sempre acompanhada de pandeiros, violas e violões, chamando a atenção,
mais tarde, das populações urbanas proletárias por natureza. O livreto é uma
demonstração fiel de luta. Não é a leitura proporcionada diretamente aos
dominantes, mas um artigo de consumo popular e coletivo.
O livro ainda é um objeto de luxo dados os padrões econômicos do país.
Mesmo com a demonstração de crescimento do hábito de leitura, hoje ainda o poder
de compra de milhões de brasileiros limita o mero de leitores, o que não deixa de
ser mais uma arma em favor da exclusão. Contudo o que se nota é que as
publicações cordelistas ultrapassaram as barreiras de acesso à leitura e à posse de
textos impressos. Arrisca-se a dizer que onde o livro o chegou; o cordel, no
mínimo, visitou. Baratos? Por que não? Mas o menor custo não significa um menor
valor cultural. Cabe aqui dizer que a didática e a pedagogia são representantes
disciplinares de um poder, que contribuem para materialização de preconceitos,
deixando sob vigília ou fora das atividades escolares a poesia do cordel. Os índices
de analfabetismo diminuíram em todo o território nacional, mas ainda é alarmante
64
sua aparição. Contudo não é a solução deste problema que ditará a identificação de
leitores, conforme Soares esclarece:
a alfabetização- passo primeiro nesse processo- tem o caráter de um “rito
de passagem” que, conduzindo as camadas populares ao limiar de um
mundo discursivo novo, ao mesmo tempo pode destituí-las de seu próprio
discurso, resguardando assim a hegemonia do discurso dominante.
(SOARES, 2005, p.24)
Nos cordéis, o mundo dos populares encontra outro veículo para se
expressar. o são eles descritos por outro, suas falas o são imaginadas de fora
de uma realidade, ele nasce e se espalha em um espaço e, como o efeito de uma
onda, atinge novas instâncias.
Ser uma expressão cultural faz do cordel um elemento constitutivo da
identidade de um povo, reverbera em si a memória e o discurso de verdade para
uma comunidade. Ao deparar-se com o cordel, qualquer estudioso irá apontar a
vitalidade com que o gênero resiste, através do tempo, como um fenômeno cultural
e textual ímpar. As condições de produção mudaram, a organização editorial mudou,
seus temas e personagens são cada vez mais atuais, sua forma já não é tão
artesanal como antes e, mesmo assim, os livretos mantêm uma forte ocorrência em
todo o território brasileiro como uma tipologia textual forte. Os autores, hoje, se
organizam em associações e academias, num sistema de rede onde a Academia
Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) tem papel similar ao da Academia
Brasileira de Letras e, coincidentemente, ambas situadas no Rio de Janeiro. As
produções dos cordelistas ganharam de vez as salas de aula universitárias; autores
como Patativa do Assasão cada vez mais estudados em sua produção literária. O
tardio reconhecimento acadêmico não impediu a progressão dos textos, fruto da
persistência de um gênero literário que se firmou com o tempo em suas regras e
peculiaridades. As implicações que envolvem o cordel e suas leituras não são
passíveis de uma conceituação fácil ou de métodos bem determinados.
Eles não são vendidos comumente dependurados em barbantes, em feiras
e praças públicas, aumentaram os espaços de atuação. Encontram-se hoje, em
algumas livrarias, cordéis para todos os gostos, ainda que não tenha mudado muito
o interesse das editoras pela literatura popular. Mas ter um ambiente, mesmo que
reduzido, nas prateleiras onde figuram os best-sellers, é uma prova de que a
literatura de cordel mantém um grupo de leitores que transitam nos salões de
65
consumo das grandes letras e dos mais vendidos. Contudo, existe, por trás dessa
aceitação, uma vigília constante de um saber que limita a atuação do cordel nos
seus domínios. Esses censores se produzem nas câmaras de editoração. Galvão
(2005, p.169) chama a atenção à perseguição da ditadura militar a alguns livretos:
“os depoimentos e os estudos sobre o tema revelam que muitos poemas foram
censurados, apreendidos e queimados, principalmente no período pós-64. As razões
para a censura eram, sobretudo, de ordem moral e política.”. Essa prática faz parte
de um conjunto maior que delimita a atuação do texto sob o caráter discursivo. O
que Galvão chama de “leituras proibidas” tem relação direta com a ideia de Foucault
(2007) de interdição do discurso.
Para entender esta, mesmo tímida, porém lida, instituição textual com a
qual se caracteriza o cordel, é necessário que se compreendam os processos de
formação de sentido e leitura, que eles provocam, ou melhor, a que eles estão
explícita ou implicitamente envolvidos. É preciso primeiro definir, se possível, o que
é leitura. Pode-se afirmar que ler é uma ação em que o indivíduo, leitor, em contato
com o texto, gera significados e apreende daí conhecimentos, desenvolvendo um
pensamento. Afirma-se que ler é uma capacidade de ser atingido pela informação
produzida por um emissor, autor, no processo de comunicação.
os que defendem a leitura como um processo de interação, no qual se
a construção e manutenção do social. O texto, nessas concepções de leitura, é visto
sob pontos referenciais de observação: autor, texto e leitor, cada um com suas
limitações de abordagem, dada a complexidade do processo. Mas, em todas as
formas destaca-se a participação da escola ainda a aprovar, ou reprovar,
determinados discursos. Esse posicionamento, nas palavras de Silva e Zilberman
(2005, p. 114), reflete:
uma escola que responde positivamente a um sistema vigente, sem querer alterá-
lo e expandi-lo, assume a leitura enquanto reprodução valorizando a paráfrase do
texto lido, duplicando a visão hierarquizada e autoritária da cultura, incentivando a
recepção passiva e mecânica[...]
Daí a importância de que a literatura de cordel deixe de ser, nos parâmetros
curriculares, uma representação folclórica, para passar a ser estudada como gênero
literário e textual. Mas esse procedimento, de certa forma, não é algo tão fácil de
implementar, pois são necessárias reformas que vão, desde o pensamento
66
disciplinar da Literatura e de seus protocolos, até a ação pedagógica que rege a
escola enquanto instituição. A ingenuidade, o desconhecimento ou mesmo a
suposta nulidade política são discursos que sempre viabilizam outros discursos: o do
preconceito e o da exclusão.
Nesta perspectiva, o que se pode entender por ensino de literatura na
escola talvez tenha como produto final a substituição de certos protocolos
por outros, sendo os mais desejáveis os que mais próximos estiverem dos
protocolos que emanam dos pontos centrais da comunidade interpretativa
oficial. (LAJOLO, 2001, p. 96)
A literatura de cordel, por mais vigiada e limitada dentro dos meios
constitutivos do saber, aponta sempre para um embate com um conhecimento,
responsável .pela criação de uma realidade que se quer diferente e traz em si a
confirmação de uma sociedade estratificada e conservadora. Mas a circulação
desses textos nas universidades e escolas demonstra também os esforços de
apropriação definitiva do discurso do outro como forma de manutenção do poder .
E hoje? Qual a atuação do cordel na construção diária de realidade e na luta
contra as diferenças na mesma? Alguns afirmam que o cordel é um tipo de literatura,
uma expressão cultural que está fadada ao desaparecimento e, por esta razão, deve
ser estudado e catalogado como gênero em extinção. Alegam também, os
ignorantes que, pela crescente urbanização das cidades, pela evolução tecnológica
dos meios de comunicação, pela modernização do mercado editorial, os livretos
deixarão de ser produzidos ou serão absorvidos pelos modelos convencionais
vigentes. Seus argumentos baseiam-se na novidade da técnica e no gosto pelos
novos objetos de leitura. Porém, deve-se afirmar que o cordel, como qualquer
atividade cultural, é tão dinâmico quanto essas novidades. Desconhecem, alguns,
que esse gênero é sustentado pela desigualdade social e econômica e, enquanto
essa não cessar, sua criação também não cessará. As modificações não serão
evitadas, pois nelas reside o princípio ativo que regula sua aparição. Não se pode
esquecer que os livretos fazem parte de uma intrínseca rede de referenciações de
comunidades a elas aliadas. Neste sentido, a memória é uma das formas que
preservam a ligação entre os indivíduos de uma sociedade. E o cordel, como
produção cultural e textual, falará de memórias, mas ele mesmo se constituirá como
tal.
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foi mencionada, no capítulo anterior, a grande vendagem de cópias de
alguns livretos. A comercialização em grande escala exibe, sob a forma das
tiragens, a importante relevância do gênero para determinado grupo de leitores
confessos, dos cordéis na sociedade. Galvão (2001, p. 184) dá este respaldo,
revelando o depoimento de Ariano Suassuna, na sua pesquisa. Nele, o escritor
afirma que o cordel A lamentável morte do Presidente Getúlio Vargas, de Firmino
de Paula, alcançou o número de 70.000 exemplares, vendidos num período de
quarenta e oito horas. Para Suassuna, grande estudioso e apreciador da cultura
popular, “se 70 mil pessoas compraram os folhetos, era porque eles tinham o
interesse em ver aquele acontecimento que tinha causado uma impressão tão
grande a eles, que eles queriam ver tratados nos termos da literatura que é a deles.”
(apud GALVÃO, 2001, p. 184). Na lógica defendida e constatada por ela, esses
leitores poderiam buscar outros meios de comunicação para o contato com a
informação, contudo, não é a descrição do fato em si que colabora para a procura e
vendagem, e sim a forma textual com que ele é exposto. A materialidade do leitor
constrói e é construída pela materialidade do gênero textual cordel. Mais que um
jogo de comunicação, o cordel é uma atividade literária que não admite servir ao
processo mecânico de leitura. Esta relação entre veículo, informação, leitor e
linguagem faz parte de instâncias maiores de formação de sentidos. Os textos,
enfim, não podem ser desligados de uma relação de contingência e de construção
de uma realidade. Os textos procuram sujeitos, estes tecem textos e com eles
cobrem seus corpos sociais, que o suportam mais as intempéries do tempo e do
meio.
68
4 MEMÓRIA E HISTÓRIA NOS CORDÉIS
“O cordel é a vida, o cordel é a história.” É dessa forma que o cordelista João
Firmino responde ao ser questionado, na entrevista deste trabalho, sobre o motivo
pelo qual escreve cordel. A amplitude e as ambivalências que a palavra história
consegue imprimir servem de reflexão sobre o texto de cordel em suas finalidades
sociais. Quais as delimitações da palavra história e sua relação com a memória?
Para o gênero parece não existir uma separação. São elas palavras indissociáveis,
até porque, como visto na fala dos entrevistados, outra palavra é colocada em
contraposição, como oposto tanto de uma como da outra: esquecimento.
Tanto a memória quanto a história estariam lado a lado na batalha contra o
esquecimento. Isso significa, em instâncias maiores, o apagamento de identidades e
o processo de aculturação das classes populares, frente a uma cultura dominante,
que impõe a todo instante sua própria história, sua própria memória. Não como
contestar tal evidência bélica, no campo da linguagem, numa referência bakhtiniana.
Porém, as malhas que tecem os discursos são bem mais conflitantes. É necessário
que a análise, de imediato, rompa com o sentido arraigado no senso comum, indo
em busca do não-dito.
Existem estruturas de funcionamento dos discursos da memória e da história,
semelhantes entre si. Ambas fazem parte do esquecimento num mecanismo de
unidade de suas narrativas. Ambas são seletivas quanto aos fatos e aos dados
disponibilizados pelas mesmas. Nem uma nem outra são capazes de um
distanciamento e de uma nulidade diante da construção de suas materialidades.
Existem, pois, esquecimentos; existem silenciamentos, discursos submersos que
precisam vir à tona na aplicação didática do cordel enquanto gênero textual.
Abordar a literatura de cordel sem adentrar nos conceitos de memória e
história é tarefa superficial, senão quase impossível, uma vez que são
frequentemente requisitadas nesses tipos de texto. Como os discursos do cordel
fornecem muito da memória coletiva e individual, o sujeito-cordelista resgata
algumas formações discursivas que retomam o dizer da história.
69
Embora não se confundam, memória e história estão interligadas e são
fatores cruciais na leitura e compreensão de um texto, que, como ensina Orlandi
(1993, p. 9), “A leitura é uma questão de natureza, de condições, de modos de
relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade.”
Isso significa dizer que leitura e sentido ou até mesmo pode-se falar em sujeitos e
sentidos constituem-se, simultaneamente, num mesmo ponto, formando o que a
autora entende por processo de significação.
Apesar de a relação entre os interlocutores se constituir em um dos
componentes do contexto, da situação de leitura, ela não é o único, já que outros
de igual importância, tais como os modos de leitura, os quais destacarão o contexto
e seus objetivos, ou seja, as condições de produção. Afinal de contas, ao ler um
texto é preciso considerar, o apenas o que está dito, mas também o que está
implícito. Na realidade, isso ocorre porque as relações de sentido se estabelecem
levando em conta o que o texto diz e o que poderia dizer; entre o que ele diz e o que
os outros textos também dizem, formando a intertextualidade. (ORLANDI, 1993)
Além da situação de leitura, a autora reconhece também a importância do
lugar social dos interlocutores, o que remete ao contexto sócio-histórico de que tanto
falam Bakhtin e Vygotsky. Porém, ao enveredar pelos conceitos da Análise do
Discurso, opta-se por falar em formações ideológicas, como molas propulsoras de
diferentes leituras. Aliás, neste ponto, um debate ao tentar conciliar os conceitos
dos dois autores sociointeracionistas e os preceitos que a Análise do Discurso de
linha francesa apresenta. Entende-se que não somente o contexto social e histórico
de produção e leitura de um texto é fundamental para a sua compreensão, como
também os conceitos de memória, incluindo-se a memória discursiva, e história,
principalmente na perspectiva da Nova História, fazem-se indispensáveis para a
interpretação do tipo de texto a que se propõe estudar, isto é, da literatura de cordel.
Sendo assim, propõe-se, neste texto, não a adoção cega e incondicional de
apenas uma linha de pensamento (os conceitos da Análise do Discurso ou as ideias
sociointeracionistas), mas sim o uso conciliatório, sempre que possível, que ao
professor que pretende trabalhar o cordel em sala de aula cabe a escolha por uma
ou outra linha ou mesmo a junção delas quando houver essa possibilidade.
70
Na realidade, quando se fala em contar uma história, pode-se estar referindo
a um relato de fatos ou a uma narração do mundo ficcional. Assim, em se tratando
de literatura de cordel, a narrativa que se apresenta pode estar em qualquer um
desses dois universos, porém, independente de estar baseada em realidade ou
imaginação, trata-se de um produto de uma memória, seja individual, seja coletiva,
que um sujeito retoma para recontá-la em forma de versos.
Contudo, esta proposta pedagógica, que tem o uso do cordel como matéria e
material de ensino, não deve se prender única e exclusivamente aos seus aspectos
formais. Deve ir além, ao vê-lo como poesia que é e a qual não deve ser vista como
de menor valor em relação, à poesia “acadêmica”, aquela que aparece nos livros
didáticos. Nesta proposta, o cordel deve servir como espaço de resgate de memória
e de história, que subjazem ao texto e que podem ser reveladas por meio do
discurso.
É fundamental ressaltar a importância do gênero cordel para um conjunto de
formações discursivas que nele se apresentam. Enquanto elemento enunciativo, ele
é perpassado pelas falas de sujeitos históricos e socialmente constituídos. Sua
formação discursiva é, enfim, o lugar da constituição de sentido e da identificação
do sujeito. É nela que todo sujeito se reconhece (em sua relação consigo mesmo e
com outros sujeitos)” (ORLANDI, 1993, p. 58). Isto quer dizer que, mesmo sobre
pertenças de regularidade e certificação, ambos os discursos, histórico e
memorialista, estão sujeitos à desconfiança, tal a forte carga ideológica apresentada
por eles.
Assim, nesse passo, a relação memória, história e discurso remete ao
binômio documento/monumento, de que trata Foucault (2007) quando aborda e põe
em xeque tal relação, mostrando que a História oficial sempre se baseou nos
documentos para a sua construção. Posteriormente, torna-os monumentos, levando
em conta apenas os grandes feitos, os grandes heróis, sem, no entanto, se debruçar
sobre a micro-história, que, de fato, é o que faz a história de um povo, de uma
nação.
Em suma, a história do pensamento, dos conhecimentos, da filosofia, da
literatura, parece multiplicar as rupturas e buscar todas as perturbações da
continuidade, enquanto que a história propriamente dita, a história pura e
simplesmente, parece apagar, em benefício de estruturas fixas, a irrupção
dos acontecimentos. (FOUCAULT, 2007, p.06)
71
Dentro dessa nova proposta de fazer da história, a “Nova História”, Gregolin
(2007) aponta os principais pontos que a diferenciam do modo tradicional de fazer
história. Diz a autora, que a “Nova História” assegurou um acesso diferente ao saber
histórico, a partir de várias problematizações, que levaram ao conceito de
“descontinuidade”, central em Foucault, já que é a partir dessa concepção de história
que ele vai montar o seu sistema metodológico: a arqueologia do saber. Dentro
dessa proposta, o filósofo alerta que se deve evitar “as continuidades irrefletidas
pelas quais se organizam, de antemão, os discursos que se pretende analisar”
(FOUCAULT, 2007, p.27).
A literatura de cordel, dentro dessa nova concepção de fazer história, advinda
da Nova História, pode servir como objeto de pesquisa, pode ser tomada como
documento sobre o qual o pesquisador pode se debruçar. Isso porque, como afirma
Le Goff (1996, p. 8) “a ideia da história como história do homem foi substituída pela
ideia da história como história dos homens em sociedade.” Nessa perspectiva, o
cordel pode ser tomado como registro dos fatos ocorridos em determinada época,
principalmente no Nordeste brasileiro, ao relatar, em versos ritmados, muitos fatos
da vida política e social, o que remete ao contexto sócio-histórico tão ressaltado por
Bakhtin e Vygoyky.
Sendo assim, o cordel também pode servir como registro da memória de um
povo na medida em que se utiliza dos relatos que são parte do folclore desse povo.
É um bem cultural pertencente à cultura popular e serve como forma de guardar
essa memória coletiva por meio de um registro escrito, via memória individual, que
seria a do sujeito-cordelista. Como observa Le Goff (1996), a história começou como
um relato, como uma narração daquele que viu, presenciou os fatos:
Este aspecto da história-relato, da história-testemunho, jamais deixou de
estar presente no desenvolvimento da ciência histórica. Paradoxalmente,
hoje se assiste à crítica deste tipo de história pela vontade de colocar a
explicação no lugar da narração, mas também, ao mesmo tempo,
presencia-se o renascimento da história-testemunho através do retorno do
evento (Nora) ligado aos novos media, ao surgimento de jornalistas entre os
historiadores e ao desenvolvimento da “história imediata”. (LE GOFF, 1996,
p. 9)
Esse sujeito-cordelista, portanto, assume o papel de cronista do seu tempo,
do sujeito-historiador, que é testemunha e faz história-testemunho observando,
72
registrando e criticando os fatos e acontecimentos da vida social, política e
econômica que ficaram na sua memória.
4.1 MEMÓRIA, HISTÓRIA E DISCURSO
Uma das questões que se põe em pauta, entre os historiadores, é a diferença
entre memória e história e as implicações que essa discussão provoca, além das
indefinições que suscita e que estão longe de chegarem a um consenso. Para
Davallon (2007), só há memória quando o acontecimento sai da indiferença, ou seja,
deixa o domínio da insignificância.
Entretanto, ressalva ser necessário que o acontecimento lembrado reencontre
sua vivacidade e, sobretudo, “seja reconstruído a partir de dados e de noções
comuns aos diferentes membros da comunidade social” (p. 25) para que se
considere que houve mobilização da memória social. O autor acrescenta que a
memória coletiva não ultrapassa o limite do grupo, o que lhe confere um caráter
paradoxal, uma vez que é capaz de conservar o passado, mas é frágil quanto ao
fato de que desaparecerá com os membros desse grupo.
Ainda no mesmo texto, expõe o conceito de memória dado por Halbwachs
como “o que ainda é vivo na consciência do grupo para o indivíduo e a comunidade.”
(apud DAVALLON, 2007, p. 25). Citando ainda Halbwachs, distingue memória
coletiva e história, ao considerar a primeira como foco da tradição, a lembrança;
enquanto a segunda seria o quadro dos acontecimentos, o conhecimento
descontínuo e exterior ao próprio grupo. Nesse ponto, chama a atenção para o fato
de que a história resiste ao tempo, ao passo que a memória, não.
Ao se falar em memória coletiva, torna-se necessário explicitar o pensamento
de Meihy (2005), que faz uma distinção entre a memória pessoal biológica e
psicológica e a coletiva essencialmente cultural e transcendente. O autor se
refere a esse ponto para esclarecer que toda narrativa possui um conteúdo de
passado, ou seja, nasce na memória e se projeta na imaginação para depois se
materializar na representação verbal.
73
Nesse ponto, é importante destacar que os objetos culturais tornam possível o
controle da memória social, o que os torna um fato social que não pode ser
desprezado (ACHARD, 2007). Nesse ponto, percebe-se o quanto a Literatura de
Cordel é importante e precisa ser reconhecida como tal, na sociedade, uma vez que,
aparentemente, já se encontra esse reconhecimento na comunidade acadêmica.
Para que se chegasse a uma nova análise sobre o discurso histórico foi
preciso que houvesse uma mudança radical na forma como os fatos históricos eram
analisados. Assim, era preciso articular melhor discurso e história para que a
memória histórico-discursiva que subjazia ao documento histórico oficial e não oficial
viesse à tona. Sobre isso, esclarece muito bem Sargentini (2004, p.80)
Os estudos pautados nesta articulação Discurso e História surgem com o
nascimento da Análise do Discurso, baseada nos trabalhos de Pêcheux.
Para esse autor, o se tratava de aliança de disciplinas, mas de pensar o
discurso entre o real da língua e o real da história.
Essa heterogeneidade do discurso ocorre porque as práticas de textualização
acontecem em lugares sociais organizados e conhecidos como portadores da fala: o
campo literário, o campo científico, o campo político, entre outros. As regras do
“modo de dizer” condicionam todos os atos de fala sociais. Assim, toda produção de
sentidos deve dar-se no interior desses campos institucionalmente constituídos
como lugares de onde se fala. Falar do interior desses campos significa inserir-se
em uma formação discursiva que determina os modos de dizer e aquilo que se pode
e deve dizer em certa época (FOUCAULT, 2007).
Gregolin (2007) esclarece que Foucault rejeita a ideia de buscar, no discurso,
uma origem visível dos sentidos, preferindo buscá-la escondida atrás da
materialidade das palavras. Além disso, ela acrescenta que, pelo método
arqueológico, Foucault propõe analisar o acontecimento discursivo, isto é, tratar os
enunciados na sua própria irrupção de acontecimento, com a finalidade de
compreender as condições que possibilitaram a sua emergência em certo momento
histórico.
A mesma autora afirma que essa irrupção do acontecimento discursivo,
embora seja abrupta, obedece a uma combinação de regras “o arquivo” que
determinam as condições de possibilidades de sua aparição. Com relação a esse
conceito de arquivo, Foucault esclarece:
74
O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o
aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o
arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas não se
acumulem indefinidamente como massa amorfa, não se inscrevam,
tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples
acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se
componham umas com as outras segundo relações múltiplas. (FOUCAULT,
2007, p. 149)
A articulação das práticas discursivas sobre as não-discursivas no interior de
uma formação social é do interesse dos historiadores, que a ideologia incluída
no conceito de discurso, o que atende aos questionamentos ocorridos no interior da
linguística e passa a levar em conta a História no interior do estudo da língua
(SARGENTINI, 2004).
Considerar, dessa forma, o discurso como acontecimento, dentro desta
perspectiva, significa abordá-lo na sua irrupção, no seu surgimento em uma
formação discursiva, e no seu acaso, ou seja, privá-lo de toda e qualquer referência
a uma origem supostamente determinável ou a qualquer sistema de causalidade
entre as palavras e as coisas. Afinal, o é o objetivo da análise do discurso chegar
à origem do discurso analisado.
Como lembra Dosse, a rejeição à noção de origem tem respaldo na filosofia
proposta por Nietzsche, segundo a qual interpretar não é o mesmo que
buscar um suposto significado original, uma vez que é o discurso que
instaura a interpretação. (NAVARRO-BARBOSA, 2004, p. 108)
Isso quer dizer que é o discurso que funda a interpretação, dá uma face às
coisas, constrói uma verdade, o que leva a concluir que se trata de uma forma de
poder, sendo talvez esse o motivo que o leva a ser, muitas vezes, objeto de disputa.
Quando se aplica o uso do cordel como gênero textual na sala de aula, os
interesses são bem maiores e interdisciplinares entre si. A escolha do gênero cordel
para tecer narrativas revela uma intenção didática não só de difusão da História e da
escrita, bem como de relacionar a memória coletiva como fundamento de
identificação. O real e o imaginário, neste momento, são contrapostos. Porém mais
que o desejo de veracidade, os cordéis são exemplo da autoridade de um discurso,
e seu jogo de significados almeja, a todo momento, cunhar uma identidade histórica,
neste caso, a do povo sergipano.
Todos os textos de cordel que os professores poderão utilizar em sala de
aula, segundo a proposta deste trabalho, têm uma característica em comum quanto
75
aos efeitos almejados e consequentemente alcançados: eles colocam a cultura
como ponto de socialização e de manutenção da comunidade.
As composições ou, melhor dizendo, os discursos de intenção reguladora de
um corpus social vão dialogar entre si, compondo um sujeito discursivo singular. As
narrativas dos cordéis disseminam um desejo de temporalidade contínuo à defesa
de uma identificação social padronizada, sob critérios e normas implícitas nos
discursos. Combinam-se nelas os estratos do interdiscurso e do intradiscurso,
compondo os sentidos do que é dito.
A base que compõe as afirmações é significativamente recolhida de um
complexo preexistente para tomar novo entendimento mediante as novas
formulações. A memória compõe, assim, um importante substrato da construção
discursiva, partindo de um saber partilhado por uma comunidade para o uso. Neste
ponto é importante lembrar, nas palavras de Orlandi, que “O sujeito diz, pensa que
sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos
se constituem nele.” (ORLANDI, 2007, p. 71). Por trás deste existe um sujeito que se
constitui ao mesmo tempo em que desempenha a ação discursiva. É a esse ser, a
essa materialidade ideológica, a esse desejo que se propõe a aplicação de um
projeto pedagógico que faça jus às especificidades de ensino nas escolas de
Sergipe.
4.2 MEMÓRIA, SENTIDO E SUJEITO
Para compreender como a linguagem produz sentido é preciso relacioná-la à
sua exterioridade, ou seja, trabalhar na relação entre a língua, o discurso e a
ideologia. Isso significa considerar o sujeito como sendo interpelado pela ideologia,
que é através das marcas ideológicas que a língua faz sentido e é através dessa
que ele produz sentido. (ORLANDI, 2007)
A ideologia é um elemento constitutivo da materialidade do discurso e função
necessária entre linguagem e mundo, o que leva a concluir que pensar ideologia é
pensar interpretação, pois esta última realiza a relação do sujeito com a língua, a
história e os sentidos. Desse modo, interpretar não é um mero gesto de
76
decodificação ou apreensão de sentido, mas sim uma garantia dada pela memória.
(ORLANDI, 2007)
Nesse ponto, faz-se mister distinguir a memória institucionalizada (o arquivo)
um trabalho social de interpretação no qual se separa quem tem ou não direito a
ela e a memória discursiva (o interdiscurso) o trabalho histórico da constituição
do sentido -, uma vez que o gesto de interpretação se faz entre as duas, o que leva
a perceber que tanto pode estabilizar como deslocar sentidos. (ORLANDI, 2007)
Com relação à memória discursiva, Pêcheux (2007, p. 52) fornece a definição
[...] seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler,
vem estabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-
constituídos, elementos citados e relatados, discursos transversos, etc.) de
que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio
legível.
Vale lembrar que é sobre a memória discursiva, cujo controle não é possível,
que os sentidos se constroem, deixando transparecer a impressão de que o sujeito é
a origem do que diz. Esse apagamento, do qual ele não tem consciência, é
necessário, a fim de poder se instalar em lugar possível no movimento da identidade
e dos sentidos, pois estes não somente retornam como também se projetam em
outros sentidos, o que faz surgirem outras possibilidades de os sujeitos se
subjetivarem. (ORLANDI, 2007)
Achard (2005) esclarece que a representação habitual dos implícitos está
baseada no fato de que esses são sintagmas (de materialidade linguística) que
possuem, não um conteúdo memorizado, como também uma explicitação
(inserção) constituída de uma paráfrase controlada por essa memorização. Isso
implica dizer que a explicitação desses implícitos, em geral, não é necessária a
princípio, e não existe qualquer referência clara em um texto anterior que alguma
indicação disso. Essa ausência, portanto, não se faz sentir, tendo em vista que a
paráfrase de explicitação não surge como uma pré-condição, mas sim como um
trabalho posterior sobre o explícito.
Sob uma ótica discursiva, um imaginário que representa o implícito como
memorizado e é justamente sobre essa base que este último trabalha, ao passo que
cada discurso, quando o pressupõe, apela a sua (re)construção, dentro da restrição
de que sejam respeitadas as formas que permitam sua inserção através da
77
paráfrase. Todavia torna-se impossível provar ou sequer supor que esse implícito
tenha existido como discurso independente. (ACHARD, 2005)
Ora, esse implícito, que Orlandi (2007) chama de esquecimento ideológico, é
da instância do inconsciente e resulta do modo como a ideologia afeta. É por esse
esquecimento que se tem a ilusão de ser a origem do que se diz, quando, na
realidade, o que se faz é retomar sentidos preexistentes. O que ocorre realmente é
que, conquanto se realizem, os sentidos apenas se apresentam de tal forma, não
pela vontade, mas determinados pela forma como se inscreve na língua e na
história.
É com base nesse pensamento que se diz que os sujeitos não estão na
origem de seus discursos, tampouco se manifestam como unidades na cadeia
discursiva. Eles são, na realidade, construções discursivas. O discurso determina
aquilo que o sujeito deve falar, pois é ele que estipula as modalidades enunciativas.
“Logo, o sujeito não preexiste ao discurso, ele é uma construção no discurso, sendo
este um feixe de relações que irá determinar o que dizer, quando e de que modo”
(NAVARRO-BARBOSA, 2004, p. 113)
Com o objetivo de chegar à figura do sujeito imerso na trama histórica, faz-se
necessário abandonar a ideia do sujeito constituinte, porque o propósito da análise
foucaultiana é desconstruir a ideia de sujeito como origem e fundamento de
sentidos. É justamente pensando o sujeito como uma figura discursiva que Foucault
trata do efeito-autoria, conforme informa Gregolin (2007), entendendo-o como uma
instalação, no discurso, da objetividade de um sujeito submetido às múltiplas
determinações que organizam o espaço social da produção dos sentidos.
4.3 DO DOCUMENTO AO MONUMENTO
Quando se fala em História, é comum tomar-se como princípio a
problematização do objeto que sempre foi a matéria-prima do historiador: o
documento. Esse objeto, tradicionalmente funciona como uma voz distante que
reconstitui o passado, tornando-o ponto pacífico e plenamente decifrável. Dessa
forma, o texto histórico costuma ser definido como um tipo de narração, interessada
em reorganizar o passado a partir da análise documental do contexto. De acordo
com Gregolin (2007), essa concepção tradicional de história reflete os anseios do
78
historiador positivista, os quais consistem em assistir passivamente à produção
objetiva da história pelos documentos.
No entanto, é ilusório pensar o contexto histórico como concreto e acessível,
pois os milhares de documentos são lidos e interpretados pelo olhar dos
historiadores, que, na visão da mesma autora, um mesmo fato pode ser contado
de diversas formas e com variados pontos-de-vista, pois, assim como na literatura
ou no texto científico, o discurso se constrói pelo autor do texto. Ela mesma cita
Foucault, para elucidar a crítica que esse autor faz à História tradicional, pelo fato de
ela manter sua atenção apenas nos longos períodos, acentuando a alternância entre
os equilíbrios, a regulação e a continuidade, esquecendo os acidentes, a dispersão,
a descontinuidade.
Ainda com base em Foucault, ela se refere à proposta dele para que haja
uma história genealógica, a fim de que o passado seja problematizado e, assim,
suas camadas arqueológicas sejam desveladas, possibilitando uma forte crítica de
presente. Essa nova concepção de história rejeita a noção de causalidade linear,
bem como a concepção de tempo contínuo para buscar uma história fundamentada
nas múltiplas causalidades imbricadas.
Como objeto de interpretação, a História é uma narrativa cuja natureza é
provisória e eventual, o que a torna suscetível a revisões e novas interpretações.
Dessa forma, o campo do documento histórico é ampliado, passando a ser
reconhecido em uma multiplicidade de documentos, o que leva a uma revolução no
seu conceito, deixando de ser visto como um texto escrito, uma voz silenciosa do
passado, e passa a ser considerado como tudo o que serve ao homem e expressa
suas atividades (GREGOLIN, 2007).
Gregolin (2004), tecendo comentários sobre a posição de Le Goff, frente o
novo modo de fazer história, diz que essas revoluções levaram à crítica do conceito
de documento e da sua distinção daquilo que é considerado monumento, que
distinguir um do outro seria acreditar na neutralidade do primeiro e na
intencionalidade do segundo, uma vez que aquele foi gerado espontaneamente.
Todavia, o trabalho do historiador gera sentidos, na medida em que “monumentaliza”
o documento, seja ou não essa a sua intenção, uma vez que ele o contextualiza,
buscando sua intencionalidade na produção histórica.
79
É no exercício de interpretação, quando se lê o documento como monumento,
que se passa da memória coletiva para a memória histórica. Ao desenvolver seu
trabalho, o historiador faz escolhas, organiza, enaltece o que julga melhor e
despreza o que não lhe serve. Nesse ponto é que a cultura política de uma época é
refletida, pois o que se conserva é aquilo considerado essencial para a
compreensão da própria sociedade (GREGOLIN, 2007).
80
5 MÃOS À OBRA: UMA SUGESTÃO DE TRABALHO
5.1 A SALA DE AULA
A caminhada está chegando ao ponto crucial para este trabalho, ao objetivo
máximo desta pesquisa: a sala de aula. É onde os indivíduos são preparados
institucionalmente para exercerem seus papéis na sociedade, onde as opiniões são
formadas e democratizadas a partir de um conjunto de possibilidades referendadas
pelo meio, onde sujeitos e discursos são disseminados. Entre as paredes que
abrigam o conhecimento se estabelece o domínio dos gêneros textuais que, em
função direta de continuidade, preparam leitores para se tornarem cidadãos plenos
em seus direitos e deveres e, sobretudo, os auxilia a tomar conhecimento de sua
existência de forma mais ampla.
E levados pelas engrenagens da literatura de cordel, é o fim. Todavia o
percurso até a linha de chegada, pelos muitos percalços, assume dimensões de
uma epopeia. Ainda cerceado por diversos mecanismos de poder e construtos
discursivos, o ambiente escolar pode ser um afã para os que militam pela inclusão
verdadeira do cordel nos currículos disciplinares. Anteriormente à sala de aula,
prescrevem-se conceitos, materializam-se exclusões. A crítica que se faz aqui é
fundamentada na aparição e na utilização do cordel em praticamente todos os
planos curriculares que se tem em uso neste país. Por descuido ou persistência,
muitas vezes o gênero cordel é classificado como apenas oral, é recomendado
como suporte cultural, é desconsiderado em sua ambivalência oral/escrita e em sua
dinamicidade de promover a produção de expressões de alto valor crítico. São
insuficientes as propostas de trabalho com a literatura de cordel na sala de aula e,
diante dessa constatação, é que se busca uma nova postura, outra relevância que
não a que parece ter se cristalizado no pensamento educacional.
Então, barganhar brechas nos currículos das instituições escolares; vencer o
preconceito da alta leitura; tomar professores, alunos, funcionários e colaboradores;
chegar às ruas, às suas casas, se tornar familiar de uma vez por todas, esses são
os trabalhos que o cordel, enquanto proposta de ensino-aprendizagem, terá de
vencer para se afirmar como gênero e enquanto memória e cultura de determinado
81
povo. Aliás, as manifestações folclóricas e populares estiveram, por muito tempo,
fora do ambiente escolar, sendo frequentemente tratadas como exóticas.
Não ter um pensamento fixo ou estar sujeito a novas considerações ajuda nas
ideias de experimentação e recolocação aqui propostas. Por diversos momentos,
neste texto, foi dito como o cordel é de suma importância para a identidade de certo
grupo social, que sempre esteve à margem da vida pública e política na nação, o
que ajudou a mantê-los longe do exercício da cidadania e do gozo de seus direitos
mais elementares. Tudo isso reafirma a posição em defesa do fim dos preconceitos
e por uma sociedade mais justa e igualitária. Se vai surtir efeito ou não? Isto não se
pode prever por uma simples análise metodológica, mas é um primeiro passo. No
entanto, com certeza, a persistência pode trazer mudanças de posturas por parte
das instituições que coordenam as atividades de ensino; dos professores-sujeitos,
imprescindíveis para a implementação de mudanças, e finalmente, por parte dos
alunos, a quem todos os esforços são direcionados.
Para a autenticação do cordel como atividade pedagógica, é necessário
elencar e criticar os principais argumentos contrários a essa prática, os quais se
colocam como entraves a esta ação.
5.1.1 A textualidade
O primeiro argumento destaca o artifício da alta linguagem, em detrimento de
usos ditos subversivos ou desviantes da norma culta. Mesmo com todas as
orientações e um rico conjunto de considerações favoráveis ao ensino das variáveis
linguísticas, a prática ainda lança olhares de reprovação sobre tais referências. O
ensino de língua materna, no Brasil, revela a intolerância aos usos e costumes
locais, sob o sonho massacrante e massivo da ação uniformizadora do ensino. Os
significados parecem cada vez mais restritivos dentro do jogo comunicativo
referendado.
Analisando as práticas educacionais percebe-se quase impossível a interação
entre as instituições de ensino, conservadoras por natureza, e a cultura popular,
cotidiana e dinâmica. A escola fixa sua imagem numa região inóspita ao movimento
contínuo de uma sociedade. É ainda agente formador de critérios que norteiam não
82
o andamento das atividades de ensino, como o comportamento teórico sobre os
saberes por ela montados. Marcuschi, em seu livro Produção textual, análise de
gêneros e compreensão, ajuda a entender essa dinâmica. Ele vai afirmar:
A escola trata do texto como um produto acabado funcionando como um
container, onde se “entra” para pegar coisas. Mas o texto não é um puro
produto nem um simples artefato pronto; ele é um processo e pode ser visto
como um evento comunicativo sempre emergente. (MARCUSCHI, 2008, p.
242)
Nessa situação o código é elevado ao ponto máximo da comunicação. A
textualidade é vista num sistema fechado de sua estrutura gramatical; a
interpretação é, muitas vezes, presumida e fixada como se o tempo não passasse,
como se novos significados não surgissem, como se as leituras devessem ser as
mesmas através dos tempos, e os leitores, de forma igual, acompanhassem esse
movimento ou, melhor dizendo, essa inércia. Os critérios levantados colaboram com
a desumanização do ensino de língua materna.
O pensamento de Marcuschi, glosando Beaugrande e Dressler “não se deve
concentrar a visão de texto na primazia do código nem na primazia da forma.”(2008,
p. 93). Certos de que a norma culta é o padrão que melhor expressa a única variante
que realmente é capaz de sustentar uma comunicação entre indivíduos sociais,
encontra-se a barreira da exclusão e do silêncio das camadas mais populares,
historicamente sem acesso efetivo à educação. Através desse pensamento, os
desavisados são levados a construir uma imagem de incapacitação de determinados
grupos em desenvolver frases lógicas, de se fazerem entender por meio de seus
interlocutores, de constituírem sujeitos no ato da enunciação. Todo esse
pensamento é dito de maneira velada; as instituições não declaram abertamente tais
posições, o que é facilmente percebido através de ações que preconizam o certo e o
errado. O cordel é, nessas circunstâncias, devido à forte ligação com a oralidade,
um exemplo do erro, do mal articulado, do incoerente.
A chegada aos livros didáticos, aos paradidáticos, aos programas de ensino
vendidos em grande escala em todo o Brasil, é feita sobre formas e vivências
educacionais que ignoram a cultura e as necessidades particulares de cada região.
Idealizados para chegarem a uma totalidade homogênea, essas propostas passam
por cima de todas as diferenças, de todas as histórias, de todas as memórias,
produzindo indivíduos que olham com maus olhos para as tradições e singularidades
83
de comunidades que o aquelas onde nasceram. Por isso, este último capítulo,
será denominado proposta, sabendo que terão que ser negociados modos de
aplicação e de sustentação desses textos, como recursos pedagógicos para a
aprendizagem.
Segue conjuntamente o mito de que são os cordelistas, em sua maioria,
analfabetos. A tradição que se desenvolveu, a partir da história do gênero, idealizou
o cordel como um feito admirável por parte de sujeitos instrumentalmente
incapacitados de construir tamanha diversidade de textos. Como disse uma lenda,
quando o ensino não chegava a todos os cantos do país, quando o próprio se
fundamentava no seu secundarismo, sim, podiam localizar casos isolados de um
grande autor oral e um copista que registrava suas palavras e melodias em negros
símbolos sobre o papel branco.
Cegos pelo preconceito, sua relevância, enquanto texto, é despercebida pela
maioria, restando apenas seu registro como fenômeno cultural, como acontece nos
demais argumentos de oposição à sua utilização em sala de aula. Como gênero
textual surgido do povo, aqueles a que foi convencionada uma não produção de
conhecimento considerável levam a crer que há muito mais por trás de certas
afirmações como “Certos gêneros interessam mais à escola” (SCHENEUWLY;
DOLZ, 2007, p. 97). Se há interesses por trás da educação, que eles estejam
sempre muito bem definidos, que sejam claros, que sejam desmitificados, que não
lhes seja permitido mascarar a realidade ou vendar a sociedade.
5.1.2 A literalidade
Nesta segunda argumentação são expostas ideias que sustentam o valor
negativo que, supostamente, assumiria a literatura de cordel, em comparação com a
literatura canônica. A sala de aula foi convencionada como o templo dos grandes
clássicos da poesia e das narrativas, sobretudo os grandes romances nacionais e,
vez ou outra, os exemplares da literatura mundial. O cordel não tem, neste
argumento, como competir com uma produção hegemônica socialmente e
economicamente identificada com um estrato social. Nestes termos são
consideráveis as palavras de Chiappinni:
84
Concordo que os valores que os textos do repertório escolar transmitem, em
sua maior parte, são os da classe dominante. Concordo que, no espaço da
escola, a regra é mitificar a letra impressa, mas acho que a escola tem
contradições suficientes para viabilizar conhecimento da cultura dominante
pelas classes populares sem mitifição, possibilitando assimilar crítica e
antropofagicamente, valores literários e outros. E que é possível, por meio
da própria escola, chegar a uma valorização da cultura e dos valores dos
dominados sem considerá-los coisa menor. (CHIAPPINNI, 2005, p.167)
A pesquisadora fala de uma espécie de fetiche, desenvolvido em torno do
livro, da palavra escrita e de espaços economicamente ocupados. Em todos esses
aspectos, o discurso modalizante do sistema educacional rejeita a aparição dos
livretos em seus domínios, ferindo a mística em torno da literatura e de seu ritual
público de manifestação. Como foi dito anteriormente, foi dado o caráter oral à
existência do cordel, como maneira de barrar sua aparição como gênero de escrita
por um conjunto de valores que pregam a variedade, no entanto, não sabem
conviver com ela.
Para a reflexão que aqui se busca é preciso salientar a importância que tem o
meio, onde os textos são produzidos em sua literalidade. Observar o quanto as
relações de produção afetam, de modo considerável, o poder de criação de
imagens, a ficcionalização da realidade, a evocação de novos significantes e,
consequentemente, de novos significados. Será que realmente o texto de cordel não
oferece mais nada além de rimas pobres e palavras, deformadas por sua oralidade?
Os mecanismos que validam os grandes nomes da literatura nacional não são
suficientes para desenvolver uma análise do texto de cordel. É ele uma literatura
marginal, mediante esses pressupostos, um texto deficiente em recurso estético e
estilístico, incompatibilizando qualquer iniciativa crítica que queira se debruçar sobre
tais objetos. Essa é outra lenda que, pouco a pouco, começa a ser derrubada pelos
estudos acadêmicos nacionais e pela diversidade de pesquisas feitas por estudiosos
estrangeiros sobre o fenômeno textual do cordel.
5.1.3 A finalidade
A terceira proposição diz respeito à finalidade do gênero cordel em meio aos
demais gêneros ditos escolares. O que são refutadas aqui é justamente a utilidade
do cordel e sua capacidade de aferir ações economicamente viáveis, dentro do
85
sistema de educação, aliado confesso do capitalismo e gerador, não de seres
humanos conscientes, mas de consumidores aptos a desenvolverem ações de
consumo. Mas não é isso, o fato de ser escrito em forma de poesia, o que, na
história ocidental, eleva sua improdutividade e acaba gerando mais preconceitos e o
afastando das salas de aula. A poesia é, muitas vezes, um tabu, pois boa parte dos
professores não trabalha com ela em sala de aula, por não dominar suas
especificidades textuais ou por não estar preparada para o abstracionismo da
realidade proposta pela literatura. Nesse pensamento, o cordel não encontraria
espaço no universo prático do qual fazem parte as chamadas redações escolares.
A importância econômica da educação, como sustentáculo do sistema,
considera irrelevante o ensino de práticas, gêneros e linguagens que não venham
particularmente a entrar em conformidade com o mercado de consumo ou que
desempenhem uma função dita como artesanal e, por isso, só vistas em um
conjunto maior de objetos e comercializações que amparem outros setores e outros
investimentos.
Além destas, deve-se analisar a dificuldade de categorização que o cordel
encontra nas abordagens mais relevantes com o trabalho com gêneros em sala de
aula, até mesmo pela sua sistematização, proposta pelos PCN, como um gênero
estritamente oral literário. Sua natureza escrita não é mencionada, nem sequer
cogitada. Dificultando o desenvolvimento de metodologias e a sua aplicação, pode-
se detectar uma inconsistência da natureza do objeto de estudo. o para por aí,
pois, quando os PCN centram a ação do cordel como gênero textual literário, eles
também estão ignorando o valor histórico e informativo que esses textos evocam no
seu estágio comum de produção e recepção. Sua formidável capacidade de
engendrar variados campos discursivos e circunstâncias comunicativas em ocasiões
distintas de interação ficam esquecidas, desperdiçando, assim, um grande conteúdo
inexplorado.
5.1.4 Trabalhando com o gênero cordel
Cientes das dificuldades pelas quais a instituição e os professores terão que
passar para desenvolverem trabalho sistemático na sala de aula com o cordel.
86
Alertados dos princípios de desdém, desenvolvidos anteriormente, que cerceiam
uma prática de ensino que realmente valorize o cordel enquanto texto, literatura com
objetivos práticos, passa-se à metodologia e aplicação do trabalho. É bom salientar
que a intenção aqui não é a do manual, pois entende-se que os procedimentos
educativos, que se fecham às peculiaridades das condições materiais, pessoais e de
instrumentos teóricos, não podem ser levados a sério, não são adequados à
aprendizagem humana. A adequação às condições reais de ensino-aprendizagem
tem de ser sempre levada em conta, caso contrário estará se colocando as fórmulas
e os manuais como verdades indiscutíveis e, além disso, descartando a
possibilidade de inovação, de questionamento e criatividade dos alunos, diante das
atividades propostas.
Os procedimentos sugeridos seguem a linha de raciocínio das sequências
didáticas que “são um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”(SCHENEUWLY; DOLZ,
2007, p. 97). A atividade proposta por Joaquim Dolz, Michèlle Noverraz e Bernard
Scheuwly prevê uma produção dos gêneros contextualizados e inseridos no
conjunto de atividades escolares e do cotidiano da sala de aula. Ainda, leva em
conta saberes e aptidões dos alunos, os quais nunca começam do zero, que a
mente não é uma tábula rasa, dentro de uma ação de aprendizagem. Esse aluno é
dotado de um aparato cultural que, de forma insuficiente ou não, está preparado
para dar algumas respostas.
Todas as práticas vêm sendo construídas contra a corrente da variedade
cultural, sob o caráter heterogêneo do Brasil, continental em todas as suas
dimensões. Sob tais aspectos afirma Marcuschi: “Creio que se deveria oferecer um
ensino culturalmente sensível tendo em vista a pluralidade cultural. Não se devia
privilegiar o urbanismo elitizado, mas frisar a variação linguística, social, temática, de
costumes, crenças, valores, etc. (MARCUSCHI, 2008, p. 172) Na situação deste
trabalho, o aluno é nordestino ou mora no Nordeste, cursa o 9° ano do ensino
fundamental e tem certa bagagem de informação; pois, se perguntado sobre o
que é o cordel, no mínimo terá respostas condizentes com a sua realidade cultural e
social. O ensino de gêneros textuais promove uma adequação dos conhecimentos
adquiridos fora da sala de aula, no meio social, às exigências comunicativas a que
87
eles estão sujeitos. Tem-se a particularidade desta forma de trabalhar com
gênero:
Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades de interesses
múltiplos e variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se de
noções , das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento
de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de
comunicação diversas. (SCHENEUWLY; DOLZ, 2007, p. 96)
O que é importante também salientar, neste método, é que ele se preocupa
com as condições reais de ensino, o que está à margem do processo de
aprendizagem faz parte ativamente dos resultados almejados e adquiridos. E,
sobretudo, vê-se centrar na formação de sujeitos, com suas vontades e diferenças.
Ele pode ser composto de vários momentos com o intuito de “realizar tarefas e
etapas para a produção de um gênero”(MARCUSCHI, 2008, p. 214). Basicamente
sua estrutura se divide em: apresentação da situação, produção inicial, módulos de
desenvolvimento e produção final.
A. Apresentação da situação
a) Problema de comunicação: Feira de literatura de cordel. Neste momento
o professor apresentará como projeto a ser realizado, evidenciando o gênero
trabalhado. A ideia da feira cumpre com a ambientação tradicionalizada de sua
aparição. Para sua realização, os alunos terão que produzir cordéis, os quais serão
expostos na feira, que tanto pode ter caráter interno, somente envolvendo a sala de
aula, como também externo, caso a escola queira estender a atividade entre as
turmas ou até mesmo envolvendo visitantes da instituição.
O que tem de ser frisado, neste item, é a criação de circunstâncias reais de
utilização desses gêneros como ponto de partida para seu entendimento. O
momento é importante para que a ideia seja validada pelos alunos, através de suas
contribuições para a organização da tarefa. Todavia, é recomendado que certos
estereótipos não venham fazer parte da atividade. Qualquer imagem que possa
relacionar o gênero de forma negativa deve ser evitada. O cordel deve ser
configurado como um modo de expressão como outro qualquer, com usos e
finalidades próprias e vivas até hoje. Se o professor não estiver atento poderá repetir
o discurso do exótico, o discurso da exclusão.
88
A feira de cordel quer antes demonstrar afinidades culturais, mais que
estabelecer valores distantes de apreciação.
b) O conteúdo: Este trabalho tem um objetivo secundário, mas não menos
importante na formação de sujeitos. Memória e história são, para o mesmo,
elementos de trabalho de suma importância, por isso alude-se ao desenvolvimento
de conteúdos, próximos à localização e valorização da cultura sergipana, não
mencionada em grande parte da formação dos alunos. Não se quer, com este
direcionamento, evocar sentimentalismo regionalista ou um movimento de exaltação
vazio e cheio de proselitismo da cultura local versus as demais, tão retardadas ao
longo das histórias escolares destes indivíduos. As demais referências são
extremamente fortes nos livros didáticos, manuais de ensino, nos paradidáticos
entre outros. Este trabalho de identidade é, no fundo, uma maneira de situar os
estudantes dentro de um quadro macro de diferenças e peculiaridades com que é
vista a comunidade da qual fazem parte. O andamento requer um lançar-se à ideia
do texto, sua natureza oral e escrita, seus elementos distintivos. Fazem-se algumas
considerações sobre ele, nada muito aprofundado, para que o aluno possa, através
da leitura e da pesquisa, ter uma visão mais abrangente sobre as especificidades da
literatura de cordel.
É importante delinear um formato, em que a relação poética é descrita, bem
como o papel sócio-histórico que ele desempenha. Pode-se, neste momento,
destacar os livretos que trabalham com fatos e nomes da história de Sergipe e da
região Nordeste. Consecutivamente, é importante que o professor tenha em mente
que tipos de abordagens podem ser trabalhadas. O universo rico de temas do cordel
pode fornecer caminhos variados para os professores que se dispuserem ao
trabalho. É importante ter sempre informações prévias sobre os assuntos e
abordagens possíveis em sala de aula.
O professor deve ter consciência dos limites e desafios que a classe está apta
a desenvolver. Os conteúdos, respectivamente, dizem respeito a que tipos de
informações a turma terá que expor em suas obras. Destaca-se nesta atividade a
leitura. É também importante para esse momento que os alunos tenham contato
com o maior número possível de cordéis. O professor deve sugerir, desde uma
pesquisa exaustiva dos variados livretos em circulação no Estado e no Brasil, aos
89
mais mencionados, porém difíceis de ser encontrados. Os alunos podem tomar a
busca como elemento importante para a conceituação do gênero. Perceberem que,
embora alguns números sejam encontrados em livrarias conceituadas da cidade,
muitos exemplares podem ser comprados via Internet, como qualquer livro,
principalmente no site da ABLC. É na feira, precisamente no mercado Tales Ferraz,
que encontrarão o maior acervo de livretos nordestinos e sergipanos. A cada passo
rumo aos livretos, observarão que a diversidade característica do gênero vai, desde
a impressão, aos temas sugeridos. Feita a catalogação e aquisição dos exemplares,
é importante que os mais variados aspectos da escritura do cordel possam ser
abarcados. Feito isso, os alunos, a partir de suas escolhas pessoais, constituirão
suas afinidades com as atividades sobre um determinado grupo de textos e dele
farão uma breve leitura de pequenos trechos, até mesmo porque alguns cordéis não
possuem um corpo extenso de estrofes. A leitura rápida pode até sugerir mais de um
livreto, o que é importante para que o professor possa visualizar grupos temáticos,
desde as narrações fantásticas até acontecimentos históricos e da atualidade
regional, como a transposição do Rio São Francisco, além de biografias de grandes
nomes da história e fatos locais e mundiais escritos sob forma de cordel. Após a
leitura os alunos terão em mãos uma primeira classificação do cordel a partir de todo
o material lido.
Para facilitar o trabalho foram separadas e classificadas algumas obras de
cordel, segundo a temática. Esta classificação segue critérios próprios de memória e
história, mas podem servir para inúmeros trabalhos e inúmeras abordagens
.
Crônicas sociais e políticas:
Os corruptos do Brasil: o mensalão. Autor: Juraci Medeiros, ampliado por
João Firmino Cabral;
Vida e morte de Pipita, o “Lampião” que se apagou. Autor João Firmino
Cabral e Ronaldo Dorea Dantas;
O choro do Velho Chico devido à transposição. Autor José Ivo de Souza
reelaborado por João Firmino Cabral.
História e memória:
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João Bebe-água: o rebelde de São Cristóvão. Autor: Chiquinho do Além
Mar;
A saga dos guerreiros tupinambás: a invasão portuguesa e a conquista
de Sergipe em 1590. Autor: Chiquinho do Além Mar;
Mar Vermelho: os ataques do submarino alemão no litoral de Sergipe em
1942. Autor: Chiquinho do Além Mar;
O folclore sergipano. Autor: Zé Antônio;
História da mulher ou a costela Adão. Autor: Zé Antônio;
O pistoleiro vingador. Autor João Firmino Cabral;
Luiz Gonzaga, o rei do baião. Autor João Firmino Cabral;
A revolta de um escravo. Autor João Firmino Cabral;
A história comentada da literatura e cordel. Autor: Zé Antônio;
Antônio Conselheiro. África de um sertanejo Místico. Autor: Gonçalo
Ferreira da Silva;
Meninos de rua e a chacina da Candelária. Autor: Gonçalo Ferreira da
Silva;
A história de Patativa do Assaré. Autor: Pedro Amaro do Nascimento;
Que será da humanidade do ano dois mil pra frente? Autor: Pedro Amaro
do Nascimento;
Zumbi dos Palmares. Herói negro do Brasil. Autor. Fernando Paixão;
A história da literatura de cordel. Autor: José Antônio dos Santos;
Os mestres da literatura de cordel. Autor: Antônio Américo de Medeiros.
Cangaço:
Nascimento, vida e morte do cangaceiro Baiano. Autor João Firmino
Cabral;
O encontro de Lampião com o coronel Pinga-Fogo. Autor João Firmino
Cabral;
A chegada de Lampião no inferno. Autor: José Pacheco;
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Lampião, o rei do cangaço. Autor: Antônio Teodoro dos Santos
B. A primeira produção
Depois de ter lido variados títulos, de ter fixado os elementos principais dos
textos, suas particularidades formais e seus campos temáticos, o aluno deverá
produzir um cordel,, que será avaliado pelo professor. Essa é uma das mais
importantes fases do trabalho, levando em conta a autonomia do aluno e sua
formação discursiva. A autoria e o labor com as palavras constitui um dos momentos
mais ricos na tomada de consciência, por parte do aluno, de suas necessidades de
expressão, da constatação de um meio social e de sua participação e importância.
Outro fator de grande relevância é a percepção da alteridade, mediante o
processo de produção dos textos. Cada um é levado a pressentir a existência do
outro e, consequentemente, a necessidade de interação com o mesmo. A
construção inicial do cordel fará com que a participação dos indivíduos na história da
comunidade seja envolvida de uma materialidade que se estrutura com a redação do
gênero textual. A informação passa a ser experimentada como modo de ação e de
contribuição para com a comunidade da qual fazem parte. Daí sua importância na
formação dos sujeitos e da cidadania. A produção inicial efetuará um texto que,
mesmo longe do final, norteará esta última.
O professor deve participar efetivamente, sem impor posturas e padrões,
deixando que o aluno use de toda a sua criatividade para desenvolver um cordel,
finalizando esta que vai ser o que se pode chamar de esqueleto da produção final. A
forma e os padrões da literatura de cordel têm de ser tomados pelo aluno no
processo de emissão da mensagem aos seu interlocutores. As noções da escrita
poética, da estruturação das orações em estrofes divididas em versos, a
estruturação das rimas o modos peculiares da comunicação proposta pelo cordel.
Todo o maquinário responsável pelo o que vai ser dito pelo aluno e como isso será
feito é apresentado como problemas técnicos, com os quais eles terão que operar.
Nesse ponto, é de extrema importância que o professor leve os alunos a um
contato direto com cordelistas, a fim de que esse encontro possa esclarecer dúvidas
na confecção do texto e derrubar preconceitos que possam existir entre os alunos
acerca da pessoa do cordelista. É importante que esse encontro ocorra somente
92
quando as dificuldades em escrever o texto surgirem, pois assim torna-se mais fácil
a valorização da profissão de autor de cordel. Além disso, é preferível que ocorra, no
local de venda do cordel, no caso, o Mercado Tales Ferraz, a fim de que os alunos
testemunhem um pouco da realidade desse profissional.
C. Os módulos
Os módulos constituem as etapas de revisão. É a lapidação do cordel. O
professor deve estar atento às especificidades que devem ser alcançadas pelas
produções dos alunos. Os critérios de comunicação avaliaram se os textos
produzidos chegam aos seus interlocutores sem interferências lógicas, se os
conteúdos são bem articulados, no decorrer da obra, se o planejamento do texto é
visível, não somente por uma sequência de começo, meio e fim, mas de correlação
entre as partes.
As possibilidades de trabalho com esse texto,, que ainda não é o final, devem
ser passadas ao aluno nesse momento. A palavra reescrita deve ser entendida
como o aprimoramento de uma situação de comunicação, mostrando como são
maleáveis as estruturas por trás delas. A linguagem deve ser entendida como uma
forma de liberdade e automação e não como uma prisão ou labirinto, cheio de
corredores confusos e grades que impedem uma livre circulação pelos seus
domínios. A formatação do que quer ser dito deve ter a mesma função de
ferramenta.
D Produção final
Enfim, depois de ter somado todas as observações a respeito do cordel, de
ter dominado as instâncias de produção, o aluno se debruça sobre o esqueleto,
revisado várias vezes, e monta o texto final, o que será apresentado. É claro que
esse texto ainda deverá passar por revisões; mas agora, devido aos inúmeros
acertos, essas adequações vão ser em menor número. A montagem do gênero é
dada de forma gradativa, em interação constante entre professor e aluno, e entre
aluno e os demais colegas. O cordel construído é um resultado de uma coletividade
da qual o aluno toma a informação e se insere em seus limites.
93
E CONCLUSÃO
Dentro de um processo mais abrangente e responsável verifica-se que o
texto passou a servir de apoio para o incremento de táticas e aptidões de leitura e
redação. A estratégia passou a não se tomar mais apenas o texto literário do
cânone, recolhido em antologias, para funcionar como exemplar do bem falar e do
bem escrever, ao contrário, os textos das mais variadas mídias passaram a dividir
espaço com aqueles antes excluídos do ensino de língua materna.
A linguística textual, os estudos do texto e da tipologia textual adentraram
nas salas de aula sob uma roupagem didatizada. Com a reconfiguração das
finalidades da disciplina Língua Portuguesa e dos novos perfis dos corpos
docente e discente, diminui o beletrismo do ensino, surgindo um ensino mais
preocupado com a realidade prática, sendo a língua valorizada como instrumento
de comunicação no dia-a-dia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) foram
responsáveis importantes para essa virada discursiva e enunciativa. Estava
finalmente implantada uma nova forma de ver o mundo da comunicação verbal e
suas variantes.
E, nessa perspectiva, coube aos professores que trabalham com alunos
pouco acostumados ao contato com a cultura popular, apresentar-lhes opções
dentre os diversos tipos de texto, para que o estudante pudesse ampliar sua visão
de mundo e, dessa forma, preparar-se melhor para as necessidades exigidas pela
contemporaneidade. Isso significa dizer que a introdução de um gênero na escola
é o resultado de uma cuidadosa decisão didática, que visa a objetivos precisos,
previamente estabelecidos.
Os objetivos dessa nova maneira de trabalhar com a língua materna se
desdobram em dois: o primeiro deles deve ser levar o estudante a dominár o gênero,
a fim de que, a partir daí, ele possa desenvolver capacidades que ultrapassem esse
gênero e sejam transferíveis a outras modalidades textuais; o segundo objetivo
consiste em colocar os alunos em situações de comunicação que se aproximem o
máximo possível das verdadeiras, para que elas tenham um sentido e, dessa forma,
levem a dominá-las, pois o gênero, ao funcionar em um lugar social diferente
daquele que está em sua origem, sofre, necessariamente, uma transformação,
94
passando a ser não mais somente um texto para comunicar, mas também para se
aprender. E é nesse ponto, com foco nesses dois objetivos, que se deve ater.
95
6 ENCERRANDO O ASSUNTO OU COMEÇANDO A CANTORIA?
A cantoria é um acontecimento que se registra, não nas narrativas
pessoais dos seus ouvintes e cantadores, como também na memória social de uma
coletividade da qual fazem parte. E quando soam as primeiras notas das violas,
quando vibram melodicamente as palavras, nas bocas dos cantadores, o mundo em
sua volta, como há vários anos na humanidade, para. Contar e ouvir são, desde
então, uma coisa, o ponto de interação e de troca de experiências, organizadas
pela e na linguagem. Tomada pelo desejo de encontro, esta pesquisa pensou mais
que isto, redefinindo os papéis de educador e cidadão a priori determinados.
O encontro do cordel com a realidade escolar pode não ser um fato inusitado,
mas, costuma resultar de uma técnica de caráter basicamente esporádico e
substancialmente preconceituoso. Ao cordel sempre foi dado um tratamento
marginalizado, dentro da cultura escolar, esta, firmada no conhecimento elitizado e
ideologicamente comprometida com as classes dominantes. Certos de que seja
impossível anulação dos poderes que se subscrevem no âmbito da educação,
trabalhar o cordel é uma tomada de postura diante do conhecimento tuo das
identidades e alteridades. Isso faz parte de uma fixação da ideia de sujeito que
motivou este trabalho.
Com a gradativa especialização da sociedade, algumas narrativas foram tidas
como boas e outras s, assim como as formas de narrar com as quais estavam
imbricadas. Essa engrenagem de controle do discursivo é a responsável por
contingências sociais e pela padronização de pensamentos e, no estudo aqui
desenvolvido, é apontado como principal fomentador das práticas de ensino de
língua materna, nas quais até hoje conceitos normativos estão gerindo limites de
exclusão.
Através dos capítulos desta dissertação, defendendo a utilização do cordel
nas salas de aula, enquanto gênero oral e escrito, principalmente para trabalhar a
memória e a história. Procurou-se adequar os discursos institucionais ao
conhecimento da cultura popular, mantida a distância pela escola, que esta
persiste em silenciar sujeitos que têm como meio de veiculação de seus ideais
gêneros textuais específicos.
96
Neles se materializam as recorrências identitárias de individuação perigosa ao
“discurso de verdade”, que define os saberes e competências que a escola deve
propiciar. O cordel não faz parte do currículo oficial de ensino, sendo condicionado a
um pequeno espaço nas atividades extracurriculares. Essas atividades alegorizavam
as alteridades, espetacularizando-as, forçando o esvaziamento de seus sentidos
ideológicos. As práticas mostram, em suas entrelinhas, que o gênero cordel, que
tem no povo o seu lugar de origem, precisa fincar suas raízes no dia-a-dia da
educação, como memória e saber desprestigiados pelo conjunto institucional de
projetos pedagógicos .
Dentro de um processo mais abrangente e responsável, o texto passou a
servir de apoio para o incremento de táticas e aptidões de leitura e redação. Era
preciso reinventar as fronteiras, reinventar o cânone para que se pudesse fazer
justiça a elementos de agrupamento, com os quais se identificam os excluídos do
ensino de língua materna.
A linguística textual, os estudos do texto e da tipologia textual adentraram nas
salas de aula num cortejo de cantorias, forçando a aplicação de novas finalidades da
disciplina Língua Portuguesa como instrumento de transição nas relações cotidianas
da sociedade. Os recursos usados em sala de aula passaram a visar a comunicação
em suas bases mais concretas, nas relações entre locutores e interlocutores. Isso
significa dizer que a introdução de um gênero na escola é um trabalho de
democratização e justiça igualitárias.
Os objetivos dessa nova maneira de trabalhar com a língua materna se
desdobra em dois módulos. No primeiro deles, deve-se levar o estudante a dominar
o gênero trabalhado, a fim de que, a partir daí, ele possa desenvolver capacidades
que o ultrapassem e sejam transferíveis a outras modalidades textuais. O segundo
objetivo consiste em colocar os alunos em situações de comunicação que se
aproximem o máximo possível das verdadeiras, para que elas tenham um sentido
prático de uso e, dessa forma, levem a dominá-las, pois o gênero, ao funcionar em
um lugar social diferente daquele que está em sua origem, sofre necessariamente
uma transformação, passando a ser não mais somente um texto para comunicar,
mas também, para se aprender. E é nesse ponto, com foco nesses dois objetivos,
que a pesquisa procura se ater.
97
A escolha do gênero cordel, para tecer as narrativas que conectam sujeitos
em participação efetiva em sua comunidade, revela uma intenção didática de difusão
da História e de escrita da mesma, como também, as dos sujeitos que, com ela, se
identificam. Porém, mais que o desejo de veracidade, os cordéis são exemplo da
autoridade de um discurso, e seu jogo de significados almeja a todo o momento
cunhar uma identidade histórica do povo; e, como se parte de uma localização entre
os discursos, o povo sergipano passa a ser alvo do recorte cultural.
As composições, explicitamente, demonstram a intenção reguladora de um
corpus social, e vão dialogar entre si, compondo um sujeito discursivo singular. As
narrativas disseminam um desejo de temporalidade contíguo, à defesa de uma
identificação social, padronizada sob critérios e normas implícitas no discurso. Há,
na tessitura dos enunciados, a combinação entre um interdiscurso e o intradiscurso
compondo os sentidos do que é dito.
Os traços que fazem do cordel um patrimônio cultural impõem um
posicionamento que não condiz com as necessidades. Ganhar as salas de aula
pode ser, para o cordel, um mote para continuar vivo. Exercer seu papel de gênero
textual pode, enfim, motivar a renovação de seus temas, de seus artífices e de seus
leitores.
O cordel brasileiro pode ser analisado dentro de uma série de
especulações que fogem às limitações do próprio gênero, sendo ele um encontro de
diversas modalidades culturais, das mais antigas às mais recentes. Sua existência
convive, desde o início, com preconceitos que margeiam e rotulam a partir de uma
localização geográfica, de tipos de procedimentos racistas, entre outros. Observa-se
que não a história pode contar sobre a poesia que se dependura no barbante,
como os livretos dizem, na modalidade de cronista do seu tempo, o falar da história
sendo, ao mesmo tempo, observadora.
Dispôs-se, à maneira dos antigos cordelistas, a arte no barbante. Arte que em
seus significados mais profundos relaciona capacidades e cnicas de produção
textual milenares e contemporâneas, ao mesmo tempo. O que se denomina de início
não foi uma referência histórica e genealógica do gênero cordel, mas, do
nascimento de uma nova relação com os dados históricos e com os sujeitos
constituídos. A partir dessa nova relação com as práticas discursivas “elas
98
constituem o conjunto das condições segundo as quais se exerce uma prática,
segundo as quais essa prática lugar a enunciados parcial ou totalmente novos,
segundo as quais, enfim, ela pode ser modificada.”(FOUCAULT, 2007, p. 243).
Desafiar as continuidades, que separam cada indivíduo de si mesmo e dos
outros, na história do ensino de língua portuguesa e na educação nordestina, parece
de suma importância. Contrariar o pensamento que persiste em dar ao cordel uma
propriedade imutável é matar a importância do trabalho enunciativo de homens e
mulheres à procura de interlocutores. A história do cordel deve ser refeita e
plurisignificada com base na formação de seus autores e leitores.
Os gêneros textuais aqui, devem relacionar o trabalho com o cordel em sala
de aula, o cordel como gênero de discurso, confrontando as desigualdades e o
poder dentro de um país de dimensões continentais e, por isso mesmo, de discursos
e veiculações variados. Configurando a participação de autores, educadores e
leitores diz-se que “O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou
controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele” (ORLANDI, 2007,
p. 71). Por trás desse, existe um sujeito que se constitui, ao mesmo tempo em que
desempenha a ação discursiva.
Citando Foucault, Orlandi acrescenta: “Devemos ainda lembrar que o sujeito
discursivo é pensado como “posição” entre outras. Não é uma forma de
subjetividade, mas um “lugar” que ocupa para ser sujeito do que diz “(ORLANDI,
2007, p. 49). Situá-lo é o mesmo que descrever o processo de formação de sentidos
que as obras exercem em sua interatividade com o meio social de onde surgem. É
dissecar as relações de poder com as quais se relacionam. É a revelação das
múltiplas vozes que se impõem e se silenciam. A leitura do texto e a leitura do
mundo são de suma importância para estabelecer os vínculos ideológicos que estão
intrínsecos à formação dos discursos em forma de versos.
Vê-se que, além do campo ficcional de entretenimento, o cordel se constitui
como veículo de manutenção de experiências vividas, nas quais os limites entre
memória e história se misturam, gerando conflitos epistemológicos. A literatura de
cordel, a partir da concepção de fazer história, advinda da Nova História, serve como
objeto de pesquisa, validando o sujeito-cordelista com um papel cultural e sócio-
histórico; sujeito imerso na trama histórica e da memória discursiva, sobre a qual não
99
se tem controle, e onde se a construção de sentidos. Daí, o passado e suas
camadas arqueológicas carecem que sejam desveladas, possibilitando uma forte
crítica do presente e sua transformação. Burilam segredos que, aos poucos, vão
quebrando os tabus, sendo o silêncio o maior deles, e:
Falar dos silêncios da historiografia tradicional não basta; penso que é
preciso ir mais longe: questionar a documentação histórica sobre as
lacunas, interrogar-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços
brancos da história. Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio, e
fazer a história a partir dos documentos e das ausências de
documentos.(LE GOFF,1990, p. 109)
O processo de escrita da literatura de cordel é libertador, promove assim a
fala dos sujeitos. Compôs-se, por final, uma proposta de aplicação da literatura de
cordel em sala de aula, sob os pressupostos do estudo de gêneros textuais. Tentou-
se sair definitivamente da teoria e ir direto para a aplicação. Seguiu-se a ideia das
sequências didáticas de Joaquim Dolz, Michèlle Noverraz e Bernard Scheuwly, que
preveem uma produção dos gêneros contextualizados e inseridos dentro do conjunto
de atividades escolares e do cotidiano da sala de aula. As relações de poder dentro
dos procedimentos curriculares não cessam, mas precisam ser contrariadas, pois,
mesmo tendo a favor uma série de ações que viabilizam a aplicabilidade dos
conteúdos, ainda persistem discursos tradicionalistas que barraram ações como a
que aqui é defendida. A literatura de cordel, enquanto gênero textual, é um contra-
discurso a diretrizes de ensino alheias às diferenças e, por isso, incapazes da
experiência ampla da cidadania. Nenhum conhecimento pedagógico e cognoscível
pode negar afirmações como esta do cordelista Pedro Firmino, colhida em
entrevista:
Com dois anos que eu vendia cordel com o grande mestre, Manoel de
Almeida Filho, tive a ideia de fazer o meu primeiro folheto 1956, eu tinha
dezesseis anos, escrevi a minha primeira obra, uma profecia do Padre
Cícero do Juazeiro, e com esta profecia eu dei a continuidade. Mostrei ao
mestre, e ele disse “Quando você for escrever ou publicar uma obra sua
você peça um rascunho na tipografia, na gráfica pra você fazer a revisão.
(eu nem sabia o que era isso). Olhe, são vários erros aqui não são seus ,
são erros da gráfica”. a próxima obra que eu fiz, eu já melhorei mais. A
terceira veio pra o mestre fazer a revisão, ele fez a revisão, mostrou como
era. E da quarta obra pra frente eu o precisei mais da revisão. Ele disse
“Você andando com seus pés, já pode caminhar muito bem. Daí pra
frente são cinquenta, vai fazer esse ano, são cinquenta e três anos de
carreira. Minhas obras hoje estão nas universidade, nas faculdades por aí,
na Unicamp, na Universidade de Campinas tem várias obras minhas na
sala de aula. Na França, num lugar chamado Quatier também tem minhas
obras, traduzidas para o francês.
100
A proposta deste trabalho norteou a aplicação do cordel, enquanto gênero
textual e literário, na formação de sujeitos autores do ensino fundamental. A
aplicabilidade seguiu o modelo das sequências didáticas propostas. Com o
desenrolar da pesquisa muitas indagações foram formuladas, algumas respondidas,
entretanto, infelizmente, ou felizmente, muitas das questões que foram aparecendo
com a coleta e análise dos dados deixaram lacunas que precisam ser preenchidas.
O enfoque deu importância à memória e à história com as quais foram
desenvolvidas algumas reflexões teóricas, cruzando-as com o universo da A.D.,
porém não foi desenvolvida, especificamente, apreciação de textos do gênero. As
entrevistas mostraram o quanto os cordelistas sergipanos podem ser objetos de
pesquisa, dada a grande consciência de um dever, de uma missão de narrar e
informar um grupo expressivo de leitores.
Esses sujeitos vão além da norma culta ensinada nas escolas.
Comprometidos com a interação, muitas vezes eles se utilizam da linguagem usual,
sabendo que ela deve estabelecer a comunicação entre os indivíduos de sua
comunidade e rejeitando a formal com a qual, sabem eles, não alcançariam sua
meta, podendo tornar-se hermética e dispensável.
A pesquisa também mostra quando a cultura pode fazer seguir por outros
caminhos metodológicos com o mesmo objeto. O cordel assume papel de
resistência linguística de uma parcela da população que não é representada, ouvida,
considerada, de dentro de si mesma. Uma parcela de sujeitos que foram, muitas
vezes, representados na literatura por outros, que impuseram identidades e
preconceitos através dos discursos de poder. Cabem, neste ponto, consideráveis
trabalhos.
Insistindo que o ensino de língua materna deve estabelecer padrões de
socialização condizentes com um estado de democracia e com a justiça social é que
foram feitas as considerações. Chega ao fim a cantoria deste trabalho, mas não o
cordel. A voz do pesquisador, que busca um mundo mais justo, cala-se para que
ecoem outras vozes. Utilizando as palavras de João Firmino, conclui-se, por ora, as
inquietações que visam a mudar os rumos: “E assim a literatura do cordel nasceu na
minha vida e ficou plantada como uma árvore, uma árvore plantada junto da água
que dá frutos todo o tempo.”
101
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106
107
ANEXOS
108
Entrevista: “Quem é o cordelista?”
Entrevistado: João Firmino Cabral, (membro da Academia Brasileira de
Literatura de Cordel)
Data de nascimento: 01 de janeiro de 1940. Profissão: cordelista;
Aposentado, casado, pai de 7 filhos, residente em Aracaju-Se.
1ª Pergunta: Como descobriu o cordel ? Como o cordel entrou em sua vida?
Resposta: A literatura de cordel na minha vida entrou em 1954. Eu tinha
quatorze anos sai da minha terra Itabaiana, aqui para Aracaju, aqui eu encontrava,
ainda adolescente, um grande mestre Manoel de Almeida Filho que foi sem sombra
de dúvida o maior poeta brasileiro radicalizado aqui em Aracaju. Ele era paraibano
mas desde os seus anos quarenta ele morava aqui e vendia cordel tanto só
pagando como vendia também para os demais cordelistas. Ele era o representante
do cordel aqui em Sergipe. E já nessa época, já ele fazia livro para Editora
Prelúdio, que hoje é a Editora Cruzeiro em o Paulo. Eu comecei a ter contado
com ele. Eu ainda criança ele me colocou no ramo de vender folhetos de cordel.
Com dois anos que eu vendia cordel com o grande mestre, Manoel de Almeida
Filho, tive a idéia de fazer o meu primeiro folheto 1956, eu tinha dezesseis anos,
escrevi a minha primeira obra, uma profecia do Padre Cícero do Juazeiro, e com
esta profecia eu dei a continuidade. Mostrei ao mestre, e ele disse “Quando você
for escrever ou publicar uma obra sua você peça um rascunho na tipografia, na
gráfica pra você fazer a revisão. (eu nem sabia o que era isso). Oi são vários erros
aqui não são seu , são erros da gráfica”. Ai a próxima obra que eu fiz, eu
melhorei mais. A terceira veio pra o mestre fazer a revisão, ele fez a revisão,
mostrou como era. E da quarta obra pra frente eu o precisei mais da revisão. Ele
disse “Vo ta andando com seu pés, pode caminhar muito bem. Daí pra
frente são cinqüenta, vai fazer esse ano, são cinquenta e três anos de carreira.
Minhas obras hoje estão nas universidade, nas faculdades por ai, na Unicamp, na
Universidade de Campinas tem várias obras minhas na sala de aula. Na França,
num lugar chamado Quatier também tem minhas obras, traduzidas para o francês.
Um professor ‘Avelar”(?) E me pediu obras minhas. E assim a literatura do cordel
109
nasceu na minha vida e ficou plantada como uma árvore, uma árvore plantada junto
da água que dá frutos todo tempo.
2ª Pergunta: Por que escrever cordel?
Resposta: O cordel, é porque... o cordel é a vida, o cordel é a historia. Você
olha pra li e vê Luiz Gonzaga o Rei do Baião descrito em cordel. Então o cordel leva
a história ao povo que não tem acesso a história. Por exemplo ali está o Guerreiro
Che Guevara escrito em cordel também o Guerrilheiro Che Guevara. E tinha tido
escrito em outras línguas num outro povo de uma cultura mais alta, se o nosso
povo... a nossa gente não conhecia se hoje o homem da roça pode ler a história de
Che Guevara em cordel na sua linguagem , na linguagem simples como Olga
Benário, como Luis Carlos Prestes, Karl Marx e Engels que foram os fundadores do
socialismo estão ali. Então literatura de cordel traz a história na linguagem do povo.
Por isto a literatura de cordel esta ai trazendo ainda hoje, ainda tem um público
assíduo dela que lê, ainda tem um público que agente não tem mais o que vender
pra ele porque ele leu tudo. E tem aqueles que ainda o gostam mas é assim
mesmo. Todo ramo é assim mesmo. Mas tem um publico aqui do Brasil fiel a essa
banca que vem de qualquer parte e chega a esta banca e Ah! Graças Deus
cheguei nun canto que a tem o que eu leio!” . e quando vem outra vez, que esta
aqui de novo “Quero mais cordel, a gostei daquele.” Por isto a entrega dos cordeis
esta na boca do povo. Como você esta vendo Lampião, existe mais de mil livros do
cordel contando partes da vida de Lampião. Agora vai ser lançado o meu, o meu pai
Manoel de Almeida Filho, era pai de criação, escreveu OS CABRAS DE
LAMPIÃO, a historia mais completa de Lampião desde quando os bandidos... eu
agora aproveitei o gancho e fiz: Lampião herói ou bandido? Ai eu deixe uma
interrogação para que o povo julgasse. É o que vai ser lançado para o mês aqui na
banca. E a literatura de cordel tem que existir, porque a literatura de cordel é a
própria historia é contada na linguagem do povo.
3ª Pergunta: E hoje quais os temas que você escolhe para falar?
110
Resposta: Nós passamos uma época que o livro que mais agente vendia era
história de amor, aventura, encantamento, entertia o público que lia este tipo de
livro. Mas nós temos um publico atual que gosta mais da história engraçada, história
de... por exemplo: A discurção do macumbeiro com o crentre, A propaganda do
matuto com balaio de maxixe, e o nosso publico gosta da descrição dos cornos, O
abc dos cornos, O valor que o peido tem, O poder que a bunda tem. É um público
que não tem mais tempo de ler muita coisa. Porque a fama do João (?) aqui.
Entretanto no meio desse mesmo público tem um público que gosta da história
mais séria, da história com mais aventura. Então a literatura de cordel ainda hoje
tem os dois públicos,. O público que coisa pra se diverti e o público que ainda o
tradicional.
4ª Pergunta: Que objetivos você, poeta e cordelista pretende alcançar com
seus cordeis?
Resposta: O meu principal objetivo para escrever o cordel é trazer para o meu
povo uma história que agrade o meu povo. Se eu escrever um cordel que não
agrade a mim que escrevi, eu sei que não vai agradar a meu público que vai lê.
Eu penso mais em meu público do que em mim mesmo. A poucos tempos atrás eu
escrevi um livro, um desafio. O dono dessa editora que também é poeta e
cartunista em Fortaleza, a Editora Tupinanquin, ele disse “você fez mais de 80
livros de princesa e de heroi, mas eu quero que se você for poeta aracajuano,
com o nome que você tem faça um livro que o pareça com nenhum desses aqui.
É um desafio”. Ai eu fiz o Heroi da floresta e a princesa encantada e mandei e
mandei e mandei o original. Ele mandou o livro impresso, publicado e mandou
dizer Sua obra de dez a zero nas que tem aqui de princesa e príncipe” . Então
eu digo “Oxente, não apareceu com as outras não?” Ele disse: “A sua é a sua,. Você
se enveredou por um caminho que ninguém tinha dado” Esse o meu objetivo é fazer
um livro que agrade meu público.eu tento trabalhar visando o meu freguês, visando
o meu público que vai lê.
5 ª Pergunta: A sua obra e o social, o cordel e o povo sergipano como você
isto?
111
Resposta: Eu vou lhe ser sincero. Eu não quero generalizar, mas vou falar :
os meus conterrâneos sergipanos 99% não valorizam nosso tipo de cultura. Eles
valorizam bandas: Calcinha preta, Lapada na rachada, Mulher perdida e outras
coisas que pra mim não são cultura, para eles é. Cada qual com sua maneira. Mas
mesmo no meio dessa sociedade que gosta do lado podre ainda tem um pequeno
público que gosta do que é bom. Esse público ainda chegar aqui e me compra
muito. Principalmente cerca disciplinar de Sergipe o único publico que me compra
aqui é o intelectual professores, alunos. Várias escolas traz os seu alunos aqui, e
eu posso lhe garantir que ainda tem no meio desse público tão grande o pequeno
público que ainda é ligado a literatura de cordel.
Pergunta: Que outras atividade profissionais você desenvolveu e
desenvolve?
Resposta: O meu maior sonho que eu tinha em minha vida era pertencer a
Academia Brasileira de Literatura de Cordel, da qual o atual presidente da
republica é patrono dela, o Lula. No dia primeiro de agosto ele empossou um
membro secretário de cultura do Rio Grande do Norte, Cristiniano Neto. Então Lula
se considera o pai, o patrono da Academia Brasileira. E o sonhos de muitos poetas
é ter seu nome na Academia que hoje é reconhecido internacional. E meu segundo
plano , e meu outro sonho que eu tinha na minha vida é de um dia por literatura de
cordel eu ter uma casa que desse pra ter uma casa que desse pra eu ir morar com
minha família. E hoje eu tenho uma casa muito boa em ordem de pobre, em ordem...
Graças a Deus eu vejo meus filhos todos realizados cada um tem o seus
empregos, tem suas casas, tem suas vidas. Então meu grande sonho foi realizado
e tudo isso foi feito com a literatura de cordel, me ajudou. Tudo isso abaixo de
Deus, a literatura de cordel. Com minha casa eu gastei mais de 10 mil reais, agora
pra fazer uma reforma, que foi tirado aqui dessa banca, Então meu ramo é esse. E
não fiquei devendo nenhum centavo em nenhuma madeireira, tudo que foi posto na
casa foi tirado daqui. Muitas vezes eu tentei mudar nas épocas difíceis da vida
ainda mudei tentei vender outras mercadorias, ainda cheguei a passar tipos de um
ano vendendo outros tipos de comércio. Ainda tentei empregado mas não deu certo
112
e todos esses lugares que eu ia voltava pra casa paterna que era a poesia onde eu
disse “eu volto agora a poesia com a mente aperfeiçoada”. Toda uma vida que eu
voltava a eu dizia “Agora eu vou voltar melhor do que eu era”. Então de todos os
ramos que eu enfrentei na vida, a poesia estava no sangue e voltava pro cordel e
continuo com o cordel ate quando Deus me chamar pra outros lados.
7ª Pergunta: O que é o cordel? e o que é ser um cordelista?
Resposta: O cordel pra mim faz parte de minha vida de meu dia-a-dia. O
cordel pra mim e para muita gente que chega nesta banca e diz: “cheguei na banca
que tem o que gosto”, pra um público que eu vi chegar aqui dois ônibus de
primeiro andar lá do Recife com alunos pra o Del Mar Hotel comprar cordel. E eu fui
daqui direcionado para a convite do Delmar, pra vender mais de mil livros pra os
alunos das escolas do Recife, das grandes escolas do Recife isso pra mim é uma
honra saber que mesmo quando Sergipe o valoriza, mas também tem outros
estados por ai que não valoriza o Ceará e outros estados, e pra mim o cordel
representa minha vida e me sinto muito feliz de ser um cordelista. É ser um
admirador da natureza um criador do que pode fazer contador das histórias que o
povo não ouviu. Cordelista é o homem que leva ao público as histórias que o público
ainda não conhece.
113
Entrevista: “Quem é o cordelista?”
Entrevistado: Pedro Amaro do Nascimento
Data de nascimento: junho de 1937. Profissão: professor de relações
humanas;
Aposentado, casado, residente em Aracaju-Se.
1ª Pergunta: Como descobriu o cordel ? Como o cordel entrou em sua vida?
Resposta: Aos seis anos de idades eu gostava muito, e meu pais lia cordel
para gente e comprava cordel na feira. Admirava, e admirava os repentistas
cantando lá nas casas, nas fazendas e ai fui tomando gosto e ai meu pai comprou o
primeiro livro e eu comecei a ler a Intriga do cachorro com o gato é um livro que
até ainda hoje existe. E eu aprendi a ler com esse livro. Ajudou muito a ler porque o
cordel tem muita propriedade, muitos assunto muito é um nível que não tem.. é
como uma faculdade e agente aprende muito com o cordel. E então, dai aos
quatorze anos eu fiz o meu primeiro cordel de um assunto de uma filha d meu
patrão que fugiu com o motorista e ai foi aquela briga toda, existiam velhos brabos
naquele tempo e o velho não queria o casamento e lês fugiram. Foram de
Pernambuco pra Vitória da Conquista e eu escrevi o livro, meu primeiro livro de
cordel e agora eu tenho 86 livros escritos de cordeis. Diversos tipos, tenho de
João... escrevi um livro pra João Paulo II e mandei pra Bento XVI.ele mandou a
resposta daqui a pouco eu lhe mostro a mensagem de Bento XVI que ele mandou.
Escrevi também um livro aqui num concurso aqui em Aracaju num concurso, que
me deu o primeiro lugar com o título: O que será da humanidade do ano dois mil pra
frente? Então tem um bom conteúdo, uma boa imagem... uma bela leitura, e boas...
e bons livros, boas estrofes pra gente ler.
2ª Pergunta: Por que escrever cordel?
Resposta: Escrever cordel na minha época que agente começou a escrever já
faz mais de 50 anos fazia um papel como se fosse um jornalista, agente transcrevia
e via historia e acontecimento. Eu ainda escrrevia a morte da princesa Diana, a
114
morte de Airton Sena então é uma base como jornalista. O campo, o trabalhador,
a roça, , o sertanejo tudo isso agente envolvia no cordel.
3 ª Pergunta: E hoje quais os temas que você escolhe para falar?
Hoje se tornou mais fácil. O governo está dando certo apoio, ao s cordelistas
, aos repentistas. Nós temos dado oficinas de cordeis pela rede publica: a Biblioteca
Epifanio Dória na Clodomir Silva no Siqueira Campos agente tem dado oficinas
de cordeis. Mas que O movimento de cordel hoje são outros assuntos, são outros
assuntos. Hoje eu tenho cordel também do futebol, e agente falou sobre os
jogadores, o tipo, a bola, o campo. Agente fez tudo na , no livro que fiz para o
futebol. Nós temos escritos também, escrevi um livro Você sabia? É um que tem
sido a maior novidade hoje. Escrevi um livro muito para agente rir: O cego tarado é
uma briga enorme, é uma confusão enorme. São coisas da atualidade que agente
escreve e junto com outros colegas que também escreve em Aracaju.
4 ª Pergunta: Que objetivos você, poeta e cordelista pretende alcançar com
seus cordeis?
Resposta: Eu acredito que, o somente eu, mais qualquer cordelista
escreve mais pela boa vontade, pela alegria que tem, pelo dom que tem de
escrever. Que venda ou que não venda mais ele escreve porque é um dom que ele
tem e quem não tem esse dom tenta escrever mais não faz. Então, a alegria que a
gente tem escrever de se comunicar de transmitir aquilo que acontece, as novidades
seja qual for agente introduz em estrofes e faz o livro.
5 ª Pergunta: A sua obra e o social, o cordel e o povo sergipano como vo
isto?
Resposta: Nós que escrevemos cordeis, não somente eu, eu falo por mim por
mais alguns que nós temos uma irmandade muito grande, um coleguismo muito
grande com os amigos que escrevem cordeis. Mas agente no cordel a
necessidade que os jovens têm nos colégios, que a nós já fizemos um pedido e não
115
valeu para que houvesse cordeis em sala de aula. Que o cordel é uma tradição que
veio de Portugal para o Brasil pelo século XVII e XVIII trazido por Leandro Gomes de
Barros e Tristão de Ataíde. Chegou aqui no Brasil e principalmente no nordeste
então algumas pessoas aproveitaram e levaram a rio o cordel. Por isto que
agente em qualquer assunto. eu tenho livros sobre as plantas, eu tenho livros sobre
teologia, eu tenho livro escrito sobre conceito, história de Aracaju; eu tenho livros
escrito sobre Patativa do Assaré . então a gente pega qualquer história e
transmite... o turismo sergipano nós temos. Então eu tenho uma série, uma gama
de livros escritos em diversos assuntos para propor a sociedade, até mesmo o
português, na linguagem. Escrevi uma estrofe que diz assim, algumas estrofes vou
dizer uma, que diz um assim:
Antigamente se escrevia
Diretoria com c
Inácio se escrito com g
Ph em filosofia
Th em Atalia
Baruc com ch
Capila escrito com k
Pha em fotografia
Escrver mitologia
Com y e th
Que hoje não se está escrevendo mais, não é? Então agente tem esse
cuidado de ir buscar no antigo para trazer para sala de aula. Nós temos dado
entrevistas, palestras, ainda esta semana, anteontem, eu dei uma palestra no
colégio Olino, aqui da Zaqueu Brandão a um grupo de mais ou menos 200 e
poucos jovens. Foi uma alegria. Nunca vi um acolhimento daquele, a professora... A
diretora com todas as professoras, os meninos, todos educadíssimos. O colégio
tem nota dez para mim. Então agente se expressa da melhor maneira que possível
pra que o jovem goste d cordel, entenda o que é o cordel aprenda a fazer cordel
porque na maioria das pessoas que estão escrevendo cordeis hoje o de 60, 70
setenta e tantos anos de idade. Se não houver a juventude com interesse, com
garra com vontade com opção para o cordel vai se acabar o cordel. E a gente não
quer que isto aconteça. Então s damos oficinas, nós damos palestra aonde for
116
solicitado. Eu dei palestra com o professor João Emanuel na Universidade
Federal (UFS) sobre poesia para as professoras de lá. Então a gente esse cuidado
para que a poesia não caia.
6 ª Pergunta: Pergunta: Que outras atividade profissionais você desenvolveu e
desenvolve?
Resposta: Eu comecei trabalhar na roça, desde jovem e depois fui para a
capital, Recife, e de eu fiz alguns cursos no SENAI de refrigeração industrial e
chegando aqui em Aracaju eu passei a lecionar no SENAI refrigeração industrial,
passei cinco anos. E depois eu fiz o curso de relações humanas então passei a
lecionar no SENAC por dez anos no curso de relações humanas. Trabalhei como
coordenador no Juizado de menores. Trabalhei... fui presidente na associação
de moradores, trabalhei no GBarbosa, vinte anos, como técnico de refrigeração
industrial. Na Ave Pesca, em Pirambu Pesca tudo sobre refrigeração industrial e
agente... eu recebi a poucos tempos... e fiz muitos cursos, eu tenho 68 títulos de
cursos profissionalizantes entre poesia, poesia e ministério do trabalho sobre
trabalho. Então agente tem esse cuidado e daí eu passei, depois de aposentado
meu me dediquei, tenho mais de dezesseis anos de aposentado, me dediquei
mais ao cordel com mais afinco, com mais força, com mais talento.
7 ª Pergunta: Pergunta: O que é o cordel? e o que é ser um cordelista?
Resposta: Muito bem, o cordel são livros escritos com quatro estrofes, com 5
estrofes, com 6 estrofes, com 8 estrofes e com dez estrofes. Agente quando faz de
quatro , auma quadrazinha é quatro, quatro estrofes. Atirei o pau no gato, mas o
gato não morreu é quatro estrofes. Quando agente passa pra seis estrofes, eu
recito aqui uma estrofe que não é minha mas foi uma das melhores que ouvi,
porque a poesia precisa da métrica, da rima e da oração. A métrica significa a gente
num escrever uma palavra, uma frase muito longa e as dez outras que são menores.
A oração é você não fugir do assunto, escrever dento do assunto justamente é esse
verso que vou recitar daqui a pouco. E a rima é agente obedecer, você escreve
com João, mão, pão, coração são rimas bem comparadas, mas a estrofe que eu
quero te dizer que tem rima, oração e tem métrica sem fugir foi de um grande poeta
117
que eu conheci em Pernambuco com ele disse: O meu verso é um pinhão/ Que
quando sai da ponteira/ Bate com o bico no chão/ Chega levanta poeira/ Com tanta
velocidade/Que muda a cor da madeira. Ele não saiu do pião, não saiu da ponteira,
não saiu do bico, não saiu... o pião também é feito de madeira, então esse é um dos
versos mais dignos que a gente pode ter. então... Tudo isto na rima na poesia na
métrica quando agente escreve. Escrevi uma beira mar em numero que diz
assim: 8+8/ soma 16/ seu botar 11 Soma 27/ se eu tira dez fica dezessete/ butando
mais nove soma 26/ seu dividir pra 2/ é dez e mais três/ que pra um tem que
tocar/ porque seis mais seis uma dúzia dá/ seu butar mais dois sobe pra catorze/
eu tirando os dois/ volta pro mesmo doze/ tudo isso é galope/ na beira do mar.
Então são também matemática, que agente ataca todas as estruturas, a terra sobre
o cordel. Enquanto o repentista, a grande diferença, até mesmo a diferença do
repentista pro cordelista que é uma pergunta que sempre é feita: o cordelista é
aquele que memoriza, que ele capita que ele vai a em alguns lugares, observa e
conversa com alguém, é o mesmo papel do jornalista. Então daí ele começa a fazer
a sua história. Ele começa , ele tem tempo para isso, ele medita ele escreve, ele faz
o rascunho, ele lê, ele observa e ele pede opinião, e ai ele lança o livro. O repentista
tem outra finalidade. Eu também já fui repentista, e estou sendo cordelista, o
repentista tem outra finalidade ele diz as coisa daquilo que acontece na hora que
acontece, ele aproveita o ensejo, ele diz aquilo na hora, o que esta acontecendo,
tem o pensamento rápido e tem o grande cuidado também pra o errar. Porque
o cordelista é mais difícil errar, porque ele está meditando, senão ele apaga e faz
outra coisa. O repentista não tem como cortar as estrofes , o que ele está cantando,
e mudar pra outra coisa. Por isto eu vou recitar um estrofe de um cego que
cantava em Pernambuco, chegou na época uns soldados da polícia eo cego
estava, naquela época da revolução de 64 e os escoteiros, os secretas do exercito,
os investigadores ninguém podia estar conversando duas pessoas se não
comparecesse um ali para ouvir. Então o cego estava cantando e chegou uns
soldados do exército, o guia disse para ele “Chegou ai uns rapazes do exército”,
então o cego criou, veja que criação rápida do pensamento. O cego disse: “Agora
vem se aproximando/ esses moços corajosos/ tenho certeza que ele fazem/
pagamentos valiosos(mas os soldados do exercito não tem dinheiro). O guia disse
“Eles correram”. E ele emendou no verso “lês correram de um cego/ muito mais
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dos revoltosos”’. Isso é criar muito, ? É um a coisa que agente cadmira porque é
uma coisa que está na história esta no livro dos recordes , muito bonita a ação da
criatividade do repentista, e o cordelista escreve tudo que for possível.
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