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desenvolve (Entwicklung - são termos hegelianos, mas a terminologia
não é, neste particular, uniforme). O movimento, no último caso, se de
modernidade se trata, não é um reflexo, nem meramente uma transição,
mas um processo que não depende de comandos externos para se
realizar. O exemplo hegeliano para o desenvolvimento é a planta: a
planta não se desenvolve por uma força externa, mas a partir de seu
germe, que a contém de modo ideal (neste passo tem sentido o que se diz
no prefácio da edição de O capital de 1867: a pista da lei natural do
desenvolvimento - a planta, para se desenvolver, se tivesse consciência,
perceberia que se desenvolveria de acordo com o germe, jamais contra
ele). O conceito e o exemplo mostram que não é a força externa, uma
direção superior, um enxerto, o que desenvolve a planta, que, com o
crescimento, apenas muda de forma. Para transpor a idéia hegeliana à
nossa hipótese, deve-se dizer que a modernização não vai além da
modernidade: além da modernidade só existem os espectros e as ruínas
do dies irae. Fora daí só existem convulsões, espasmos e quedas. O
desenvolvimento é uma realização (é a palavra usada na tradução
Bourgeois da Enciclopédia: Paris, 1970, 84). A progressão, que a
modernização é capaz de fazer, é uma passagem de um para outro,
enquanto o desenvolvimento é o aparecimento de algo adequado ou que
o ser comporta, que estava na essência do ser. O conceito de
desenvolvimento aproxima-se do conceito de energia - a exterioridade
da energia (André Leonard. Commentaire littéred de la logique de
Hegel. Paris, 1974, pp. 242 e 244). (E verdade que, em outro momento,
Hegel usa a palavra Fortschritt para o que seria desenvolvimento:" a
história universal é o progresso (Fortschritt) da consciência da
liberdade.)" ( Uma outra terminologia para a mesma idéia: processo por
necessidade interior seria o desenvolvimento e processo por necessidade
exterior corresponderia à progressão: Jacques D'Hondt. Hegel. Filósofo
de la historia viviente. B. Aires, 1971: "Um fim exterior não se apresenta
senão como um acidente que interrompe ou perturba a realização ativa
da finalidade interna, como um acontecimento que não obedece à
necessidade interior ao ser ao qual afeta". p. 238.) O processo por
necessidade externa, a progressão, impulsionado por uma vontade
tecnocrática não é mais do que um fim subjetivo de um grupo de
pessoas, incapaz, por não se irradiar como força interna, de se incorporar
à história. Por isso, em certos casos, as modernizações, depois que
chegam ao fim, que é quando a elite, como a encarna Simão Bacamarte,
muda de objetivos, parecem nunca ter existido. Elas se circunscrevem ao
tempo circular, com uma memória condicionada ao tempo precário, que
duram enquanto outra onda se sobrepõe à atual, desfazendo-se ambas. A
história que daí resulta será uma crônica de déspotas, de governos, de
elites, de castas, de estamentos, nunca a história que realiza, aperfeiçoa e
desenvolve. A história, assim fossilizada, é um cemitério de projetos, de
ilusões e de espectros.
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Faoro, Raymundo. “A questão nacional: a modernização.” SciELO - Scientific Electronic Library
Online
FAPESP 1992, v. 6, n. 14, p. 8. http://www.scielo.br (última consulta em 27/01/2009).