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“Os homens jamais espirituosos, pressupondo-se que eles são também os
mais corajosos, são aqueles que melhor e mais amplamente vivenciam
as tragédias mais dolorosas: mesmo por isso, contudo, eles honram a
vida; porque ela lhes contrapõe o seu maior antagonismo.”
177
Ora, se essa potência da vontade de poder atravessa o indivíduo (e
qualquer vivente) e instaura nela a possibilidade de novas conotações, essa vontade,
portanto, age como uma força plasmadora e, não obstante, criadora. Pois por sua ação, o
vivente “intensificaria sua potência ao moldar e organizar o caos.”
178
Aí reside o sentido
da superação de si como ação da vontade de poder, isto é, um efetivar-se enquanto
assegurar-se do si mesmo, do qual diz Nietzsche: “amo aquele que deseja criar para além
de si e, consequentemente, perece.”
179
Nesse mesmo sentido parece apontar Heidegger
quando trata da vontade de poder em Nietzsche: “a vontade só é vontade como querer para
além-de-si-mesmo, como querer-mais.”
180
Considera-se, assim, que se em Nietzsche há a
exigência de concepção de um indivíduo suficientemente forte, que seja capaz de afirmar-
se na totalidade da existência, esse indivíduo modelo passa, necessariamente, pela
compreensão da criação como fenômeno em seu plano filosófico. Esse princípio
acompanhará Zaratustra de modo visceral na construção das figurações de Nietzsche,
sobretudo na concepção de suas tipologias do humano: no caráter salvífico-transformador
que circunscreve o herói trágico, alcançando o espírito livre, ao revelar-se forte e senhor
de si mesmo. A noção do filósofo que cria estará, ainda, em Além do bem e do mal, na
percepção desta como característica da condição humana: “No homem estão unidos criador
e criatura, no homem há matéria fragmento, abundância, lodo, argila, caos, absurdo; mas
177
NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos. “Incursões de um extemporâneo”, § 17.
178
ARALDI, Claudemir Luís. Niilismo, criação, aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos extremos. São
Paulo: Discurso / Unijuí, 2004. p. 414.
179
NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra, “Do caminho do criador”.
180
HEIDEGGER, Martin. Nietzsche. Tradução de Marco Antônio Casanova. vol. I. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007. p. 46.