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Bom Jardim, no Rio de Janeiro-RJ. É notável a forma como Pinaud identifica os aspectos que
compunham a atmosfera da rua, por meio de uma narrativa repleta de nostalgia. Constatando
a supressão dos elementos que configuravam a paisagem recordada, devido às transformações
ocorridas ao longo do tempo, o narrador consegue reconhecer saudosamente os aspectos que
determinavam a atmosfera da rua. A atmosfera, para Pinaud, é considerada a própria rua, e
sua descaracterização significa o fim da rua Bom Jardim.
Da janela vejo a rua Bom Jardim estendida entre poucas árvores secas, sem antigas
copas verdes, e as velhas casas, escassas, recolhidas. Prédios altos, cinzentos,
retangulares, nos exatos lugares onde eram casas, e senhoras, à janela,
conversavam as tardes calmas. Ruídos de serras elétricas, britadeiras, fumaça de
ônibus e carros fustigam pessoas apressadas passando. Tudo abafa, pesa, distancia.
Descubro: a rua Bom Jardim partiu! Levou a brisa, tufo das árvores, luzes baças
dos postes, ressonâncias de piano, programas das rádios, calçadas largas, jardins.
Entre as poucas casas que resolveram ficar após a partida da rua, restou a velha
morada da infância, cinzenta, gradil ponteagudo, fortaleza inútil e menor entre
edifícios cortantes, manchada de óleo das máquinas e poeira suja. Aos poucos,
fechou-se em silêncios, encolhida entre folhagens e sombras, defrontando-se com
o casarão vizinho na outra margem do turvo rio de asfalto.
Da janela da sala, posso ver suas paredes amareladas, uma paisagem pertencente
que eu nunca havia percebido antes. O tão familiar escapa. Ainda há, no alpendre,
o vizinho gordo sentado entre samambaias choronas e tinhorões, olhando a rua
transfigurada. [...] Sua saudação leve, com a cabeça, torna-me reconhecível. [...]
Olha indiferente as pessoas serpenteando entre buracos, montes de areia e carros
estacionados sobre as calçadas (PINAUD, 1986, p. 138).
Em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, Afonso Lima Barreto, escritor
carioca precursor do movimento modernista na literatura brasileira, descreve as diferenças
que um mesmo local pode apresentar em dias diversos, ressaltando a importância das pessoas,
atores sociais, quanto à composição da paisagem. Afirma que “[...] nos dias de descanso [...] a
cidade é como um esqueleto, faltam-lhe as carnes, que são a agitação, o movimento de carros,
de carroças e gente” (BARRETO, 1983, p. 60).
Uma única cidade pode apresentar setores, bairros ou mesmo ruas que
possuem um caráter determinado, que os destaca ou, por outro lado, os insere ainda mais no
contexto geral da área em que se localizam. “Atmosfera urbana” refere-se a esta
personalidade, própria de determinado espaço de uma cidade.
“Aura” pode ser definida como o “clima” do lugar, dado pelo conjunto de
sensações que o mesmo transmite ao observador, determinadas pelo conteúdo do espaço.
“Lugar”, por sua vez, é entendido como o espaço que “[...] adquire definição e significado” ou
“[...] qualquer objeto que capta nossa atenção” – os pontos de interesse nos quais os olhos se