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LEX ASSUNÇÃO LAMOUNIER
ATMOSFERAS DE RUAS IDENTIFICAÇÃO DE
COMPONENTES E QUALIDADES EM LONDRINA-PR
Londrina
2006
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A
LEX ASSUNÇÃO LAMOUNIER
ATMOSFERAS DE RUAS IDENTIFICAÇÃO DE
COMPONENTES E QUALIDADES EM LONDRINA-PR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação, em Geografia, Meio Ambiente e
Desenvolvimento da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Geografia, Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
Orientador: Prof. Dr. Humberto Yamaki
Londrina
2006
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ALEX ASSUNÇÃO LAMOUNIER
ATMOSFERAS DE RUAS IDENTIFICAÇÃO DE
COMPONENTES E QUALIDADES EM LONDRINA-PR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação, em Geografia, Meio Ambiente e
Desenvolvimento da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Geografia, Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Humberto Yamaki (orientador)
Universidade Estadual de Londrina
__________________________________________
Profa. Dra. Yoshiya Ferreira
Universidade Estadual de Londrina
__________________________________________
Prof. Dr. Werther Holzer
Universidade Federal Fluminense
Londrina, 18 de outubro de 2006.
Quantas vezes voltarei aqui casa da infância depois de tanto
partir e voltar, estrangeiro a olhar a vida somente lembrada. Será
tão-só essa casa ou a tantas outras onde vivi transeunte,
confundidas todas no mistério de recordá-las?
[...] Não sei porque buscar imobilidade de fotografia antiga
através de lugares que passaram por mim, a vibração do
perdido...
João Luiz Pinaud
PINAUD, J. Tempo de Família. São Paulo: Global; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1986.
cap. 1, p. 11.
AGRADECIMENTOS
Ao prof. Dr. Humberto Yamaki, pela paciência e orientação desde a época da graduação em
Arquitetura e Urbanismo. A disponibilização de recursos, seu auxílio e os conselhos,
freqüentemente estendidos além da vida acadêmica, definiram alicerces ao meu
desenvolvimento profissional e tiveram grande importância no aprimoramento de minha
formação como cidadão.
À profa. Dr. Yoshiya Ferreira, pela preocupação constante e acompanhamento do trabalho
desde a banca examinadora da graduação.
Ao prof. Dr. Werther Holzer, da Universidade Federal Fluminense, por ter aceito o convite
para integrar a comissão examinadora desta dissertação.
Dedico esta dissertação a meu pai, Oswaldo Lamounier, e à minha avó Ilda, pessoas queridas
já ausentes, mas que permanecem através da saudade constante e dos valores e princípios que
definiram minha educação.
Dedico-a ainda à minha mãe, Maria de Fátima Assunção, e aos meus irmãos, Alan e Aden,
pela compreensão, dedicação e sacrifícios permanentes que permitiram a realização deste
mestrado, inicialmente tão além de nossas possibilidades.
Ao meu avô João “Pereira”, pelo companheirismo e complemento do caráter humanista de
minha educação paterna.
Ao grande amigo Reinaldo Félix, às tia Gislaine, madrinha Vanda, tia Vilma e tia Marilza,
pessoas sempre presentes e dispostas a ajudar. Ao tio Orlando e ao amigo Jorge pelo empenho
nas fotos sobre São Francisco de Sales. Aos meus padrinhos Gilka e Luís Carlos, cujo apoio e
atenção tornaram possíveis passos difíceis de se empreender. À “dona” Maria da Guia pelo
grande auxílio durante os anos da faculdade. Ao Andrey, ao Wolney, à Camila, ao Marcelo,
do laboratório de informática do CTU, e a todos os amigos que contribuíram, de alguma
forma, para a realização deste trabalho. À “dona Elídia”, ao “Rachid” e família, que me
acolheram nos primeiros meses da graduação.
À Susie Q. e ao Tadeu, pelos momentos de alegria nos últimos anos.
À memória de meu primo Fernando Alves, cuja partida recente já deixa muitas saudades. Sua
alegria fará grande falta em nossas reuniões. À memória do amigo Luiz de França, de meus
avós Maria e Antônio dos Passos e dos tios Maxuel e Arivaldo, e a todos os que ficaram em
algumas das curvas de minha história familiar.
À memória dos senhores Jair Valença, José Eis e Gentil Machado, amizades firmadas durante
os levantamentos da rua Guaranis, e de Valdir Torelli, que contribuiu com informações
importantes sobre a rua Icós. Aos senhores João Guerra, Ladislau Sanches, Adelaide
Cantagalli, Dirce Eis, famílias Wielganczuk e Morettini, Francisco Maresca, José Galo, Pedro
Bordin Jr., Lindolfo e Vilmar Pelinser, João Soares, Olga Santos, Maria Lisse e a todos os
demais moradores das ruas pesquisadas, cuja compreensão foi fundamental à realização deste
estudo.
Agradeço a profa. Dra. Maria Del Carmen, pela participação na banca de qualificação e
considerações importantes ao desenvolvimento da dissertação.
À profa. Dra. Milena Kanashiro, suplente da banca examinadora, que tem acompanhado e
contribuído para o desenvolvimento deste tema desde a graduação.
À Valdete e à Laurides, secretárias do LPUR e do LAU, respectivamente, e à Áurea, Célia,
Darci, Rosângela e Ruth, do Museu Pe. Carlos Weiss, pela paciência e atenção dispensada
durante os levantamentos.
À Regina e Joelma, da Secretaria de Pós-Graduação do CCE-UEL. À Vanda de Moraes,
Diretora de Patrimônio da Secretaria Municipal da Cultura – PML. À Coordenação do
Programa de Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento e à CAPES, pela
concessão de bolsa de estudos durante o segundo ano do curso.
Enfim, à pequena cidade mineira de São Francisco de Sales, minha tradução mais possível de
Pasárgada, por ter me ensinado a buscar sempre a beleza das coisas simples.
LAMOUNIER, Alex Assunção. Atmosferas de ruas: identificação de componentes e
qualidades em Londrina-PR. 2006. 274f. Dissertação (Mestrado em Geografia, Meio
Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2006.
RESUMO
Um passeio por certas ruas e bairros de Londrina-PR pode revelar lugares onde o tempo
parece sedimentado, com atmosferas que representam determinadas etapas de seu
desenvolvimento. Atmosfera urbana, aqui considerada, refere-se à personalidade de alguns
espaços urbanos. É definida por uma série de aspectos físico-espaciais e sócio-culturais. Pode
ser entendida como a “aura” do lugar, já que pressupõe, ainda, certo grau de envolvimento
entre observador e paisagem. Sua identificação depende da “educação do olhar”, algum
reconhecimento, “familiaridade” com os aspectos que compõem o espaço observado. O
trabalho visa a definição de alguns métodos para a identificação de atmosferas. Para tanto,
foram analisados estudos de vários autores que pesquisam as qualidades e os determinantes do
caráter dos espaços em geral – Allan Jacobs, Ian Bentley e equipe, Christian Norberg-Schulz,
Amos Rapoport, e o grupo PPS; além de Robert Gifford, que estuda as inter-relações entre
qualidades espaciais e comportamentos territoriais. Os estudos existentes e os levantamentos
de campo em ruas de Londrina-PR possibilitaram a organização de dois métodos de
identificação de atmosferas. O primeiro consiste num processo de identificação através das
possíveis qualidades do local a ser analisado. O segundo método permite a identificação de
atmosferas através dos elementos de composição da paisagem. Três tipos de atmosfera foram
reconhecidos neste trabalho: tradição, nova tradição e nova velha tradição. Tradição: uma
paisagem originada no desenvolvimento das primeiras áreas urbanas (durante os anos 1930),
definida por um conjunto de casas de madeira, associada a um forte senso de comunidade
resulta numa atmosfera específica. Nova Tradição: a implementação da Lei nº 133 (1951)
originou a atmosfera chamada nova tradição. Neste estudo é relacionada ao Jardim Shangri-lá,
com suas ruas curvas, vegetação e residências em estilo moderno. Nova Velha Tradição:
formas tradicionais de organização que, no entanto, foram retrabalhadas de acordo com novas
formas de se pensar os espaços originaram a chamada atmosfera de nova velha tradição. Por
fim, pode-se concluir que atmosfera é um resultado de fatores complexos e inter-relacionados.
Configuração espacial, tempo e senso de comunidade parecem ser, no entanto, três elementos
básicos à construção de uma atmosfera.
Palavras-chave: Atmosfera urbana. Qualidades urbanas. Ruas tradicionais. Paisagem urbana.
LAMOUNIER, Alex Assunção. Atmosferas de ruas: identificação de componentes e
qualidades em Londrina-PR. 2006. 274f. Dissertação (Mestrado em Geografia, Meio
Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2006.
ABSTRACT
A stroll along some streets and neighborhoods of Londrina-Paraná State, Brazil, can reveal
places where time seems to have stopped, with atmospheres which represents certain stages of
its development. Urban atmosphere, considered here, refers to the personality of some urban
spaces. It is defined by a series of physical-spatial and socio-cultural aspects. It can also be
understood as the “ aura” of places as it presupposes certain degree of involvement between
the observer and the townscape. Its identification depends on the “education of look”, some
recognition, and “familiarity” with the aspects that compose the observed space. This work
intends to define some methods to identify atmospheres. Thus, studies of various authors who
research the qualities and the spaces character determinants – Allan Jacobs, Ian Bentley and
his team, Christian Norberg-Schulz, Amos Rapoport, and the PPS group; and who studies the
inter-relations between spatial qualities and territorial behaviors, Robert Gifford. The existent
studies and the field surveys in the streets of Londrina, enable the organization of two
atmosphere identification methods. The first one consists on an identification process through
the possible qualities of the place to be analyzed. The second method permits the atmosphere
identification through the elements of townscape composition. Three types of atmosphere
were recognized in this study and were defined as: tradition, new tradition and new old
tradition. Tradition: a townscape originated in the early developed urban areas (during
1930s) defined by a groups of wooden houses associated with a strong sense of community
results in a specific atmosphere. New Tradition: the implementation of the Law nº 133 (1951)
originated the atmosphere called new tradition. In the case study, it is related with the
Shangri-lá area with its curved streets, vegetation and modern style houses. New Old
Tradition: rethinking of traditional spatial organization according to new development
schemes. Finally, it is possible to conclude that the atmosphere is a result of complex and
inter-related factors. Spatial configuration, time and sense of community are the three basic
elements for the construction of an atmospheres.
Keywords: Urban atmosphere. Urban qualities. Traditional streets. Townscape.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 São Francisco de Sales-MG: vista oeste, junho de 2006............................. 20
Figura 2 Necessidades à Qualidade de Vida nas Cidades e Conseqüências da
Não-Satisfação............................................................................................. 26
Figura I.1aAtmosfera de uma “Great Street”................................................................ 51
Figura I.1b Definição: relação de 1:4 entre altura dos prédios e largura da rua
num ângulo de observação de 30º para a direção da rua............................. 51
Figura I.1c Transparência: os galhos revelam um pouco do quintal além do muro ...... 52
Figura I.2aApropriação Visual: monotonia (acima) e homogeneidade que
desperta interesse (abaixo)........................................................................... 56
Figura I.2b Personalização: plantas nos muros, sem interferências nas
construções (acima); plantas nos muros e modificações nas
construções (abaixo).................................................................................... 57
Figura I.3a Sobreposição de Mapas para Análises com Vistas à Intervenções em
Bairros ......................................................................................................... 62
Figura I.3bIntervenções Propostas à Melhoria de Ruas................................................ 63
Figura I.4aQualidades que Configuram um “Great Place”........................................... 66
Figura I.4b“As Vantagens do Lugar”............................................................................ 67
Figura I.5aGenius loci: ruas irregulares e densidade de edificações sem recuos,
com mesma escala e telhados similares....................................................... 71
Figura I.5bGenius loci: conjunto de edificações que representam valores
culturais específicos..................................................................................... 71
Figura I.6aEsquema de Análise dos Sentimentos Evocados por um Local.................. 75
Figura I.6b Modelo para Análises de Psicologia Ambiental, Relacionadas a
Comunidades............................................................................................... 75
Figura I.6cPlantas Bem Cuidadas: expressões de territorialidade................................ 75
Figura I.6d Visibilidade a partir da Rua: a residência da esquerda, de maior
visibilidade, é mais segura que a casa do lado direito................................. 76
Figura I.7aDiferenças entre Espaços de Alta Velocidade e de Uso Pedestre ............... 80
Figura I.7bDiferenças Notáveis: aspectos que conferem complexidade aos
espaços......................................................................................................... 81
Figura I.8 Qualidades que Definem um “Lugar”......................................................... 83
Figura I.9 Qualidades que Definem uma Atmosfera.................................................... 84
Figura I.10a Definições das Qualidades Urbanas: 1. Aspectos Sócio-Culturais........... 85
Figura I.10bDefinições das Qualidades Urbanas: 2. Usos e Atividades....................... 85
Figura I.10cDefinições das Qualidades Urbanas: 3. Conforto e Imagem..................... 86
Figura I.10dDefinições das Qualidades Urbanas: 4. Acessos e Ligações..................... 87
Figura I.11aAspectos Comuns entre os Autores Estudados: 1. Sócio-Culturais.......... 88
Figura I.11bAspectos Comuns entre os Autores Estudados: 2. Usos e Atividades ...... 88
Figura I.11cAspectos Comuns entre os Autores Estudados: 3. Conforto e Imagem.... 89
Figura I.11d Aspectos Comuns entre os Autores Estudados: 4. Acessos e Ligações.... 90
Figura I.12 Componentes de Formação dos “Lugares” ............................................... 92
Figura I.13 Composição de Atmosferas: classes e categorias de elementos................ 93
Figura I.14 Classes e Categorias de Elementos............................................................ 94
Figura I.15 Conjunto de Edificações: ritmos horizontais e verticais ........................... 96
Figura I.16aVisuais: método de análise de paisagens................................................... 98
Figura I.16bVisuais: método de análise de paisagens................................................... 98
Figura I.16cVisuais: método de análise de paisagens................................................... 99
Figura I.17a Relação entre os Tipos de Território e os Domínios Público e Privado.. 100
Figura I.17bTipos de Território: critérios de classificação......................................... 100
Figura I.18 Qualidades e Elementos de Composição................................................. 105
Figura I.19a1.Aspectos Sócio-Culturais: subsídios à identificação de atmosferas..... 106
Figura I.19b2. Usos e Atividades: subsídios à identificação de atmosferas................ 107
Figura I.19c3. Conforto e Imagem: subsídios à identificação de atmosferas ............. 108
Figura I.19d 4. Acessos e Ligações: subsídios à identificação de atmosferas ............. 109
Figura I.20 Elementos de Composição: subsídios à identificação de atmosferas...... 109
Figura II.1 Localização das Ruas Estudadas ............................................................. 120
Figura II.2 Componentes da Paisagem em Ruas Tradicionais.................................. 121
Figura II.3aRua Guaranis: Planta Cadastral 1951...................................................... 125
Figura II.3bRua Guaranis: Planta Cadastral 1993...................................................... 125
Figura II.4 Figura-Fundo Rua Guaranis.................................................................... 128
Figura II.5 Rua Guaranis: tipologia de fachadas....................................................... 130
Figura II.6 Rua Guaranis: elementos de definição .................................................... 131
Figura II.7aRua Guaranis: vista do lado sul............................................................... 132
Figura II.7bRua Guaranis: vista do lado norte............................................................ 132
Figura II.8 Rua Guaranis: classificação de territórios............................................... 134
Figura II.9 Rua Guaranis: relações de vizinhança..................................................... 136
Figura II.10a Fotos Rua Guaranis ................................................................................. 137
Figura II.10bFotos Rua Guaranis ................................................................................. 138
Figura II.10cFotos Rua Guaranis ................................................................................. 139
Figura II.11aRua Icós: Planta Cadastral 1951.............................................................. 143
Figura II.11bRua Icós: Planta Cadastral 1993.............................................................. 143
Figura II.12Figura-Fundo Rua Icós............................................................................ 147
Figura II.13Rua Icós: tipologia de fachadas............................................................... 148
Figura II.14 Rua Icós: elementos de definição............................................................ 150
Figura II.15aRua Icós: vista do alto(lado leste)............................................................ 151
Figura II.15bRua Icós: vista de baixo (lado oeste)....................................................... 151
Figura II.16 Rua Icós: classificação de territórios....................................................... 153
Figura II.17Rua Icós: troca de mudas de plantas entre moradores reflete os laços
de vizinhança........................................................................................... 154
Figura II.18a Fotos Rua Icós......................................................................................... 155
Figura II.18bFotos Rua Icós......................................................................................... 156
Figura II.18cFotos Rua Icós......................................................................................... 157
Figura II.19a“Ladeiras”: Planta Cadastral 1951........................................................... 160
Figura II.19b“Ladeiras”: Planta Cadastral 1993........................................................... 160
Figura II.20Plantas “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas........................................... 162
Figura II.21Figura-Fundo “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas ................................ 166
Figura II.22“Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: tipologia de fachadas................... 168
Figura II.23“Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: elementos de definição................ 169
Figura II.24a“Ladeira” Espírito Santo: vista do alto(lado oeste)................................. 170
Figura II.24b“Ladeira” Espírito Santo: vista de baixo (lado leste) .............................. 171
Figura II.24c“Ladeira” Alagoas: vista do alto(lado oeste)........................................... 171
Figura II.24d“Ladeira” Alagoas: vista de baixo (lado leste)........................................ 172
Figura II.25 “Ladeiras”: classificação de territórios.................................................... 176
Figura II.26Utilização “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas...................................... 178
Figura II.27 “Ladeira” Espírito Santo: residências ocupadas por grupo de amigos.... 179
Figura II.28aFotos “Ladeira” Espírito Santo................................................................ 180
Figura II.28bFotos “Ladeira” Espírito Santo................................................................ 181
Figura II.28cFotos “Ladeira” Espírito Santo................................................................ 182
Figura II.29Foto Aérea Jardim Shangri-lá, década de 1960....................................... 188
Figura II.30Figura-Fundo Rua Guilherme da Mota Correia ...................................... 192
Figura II.31 Jardim Shangri-lá: tipologia de fachadas................................................. 193
Figura II.32 Jardim Shangri-lá: elementos de definição.............................................. 194
Figura II.33Jardim Shangri-lá: localização das praças............................................... 195
Figura II.34Jardim Shangri-lá: estruturação viária..................................................... 195
Figura II.35aJardim Shangri-lá: vista do lado oeste..................................................... 196
Figura II.35bJardim Shangri-lá: vista do lado leste...................................................... 197
Figura II.36Jardim Shangri-lá: classificação de territórios......................................... 198
Figura II.37Jardim Shangri-lá: integração entre praças e vielas................................. 199
Figura II.38aFotos Jardim Shangri-lá........................................................................... 200
Figura II.38bFotos Jardim Shangri-lá........................................................................... 201
Figura II.38cFotos Jardim Shangri-lá........................................................................... 202
Figura II.39Conjunto do Café: parte do mapa de 1974 sobreposição dos dois
parcelamentos.......................................................................................... 206
Figura II.40a Conjunto do Café: projeto inicial ............................................................ 207
Figura II.40b Conjunto do Café: versão executada (atual)............................................ 208
Figura II.41Figura-Fundo Conjunto do Café.............................................................. 212
Figura II.42 Conjunto do Café: organização espacial (praça central e módulo
rebatido)................................................................................................... 213
Figura II.43Conjunto do Café: elementos de definição.............................................. 214
Figura II.44Conjunto do Café: localização das praças e canteiros............................. 214
Figura II.45Conjunto do Café: estruturação viária..................................................... 215
Figura II.46Conjunto do Café: rede visual de praças................................................. 216
Figura II.47aConjunto do Café: vista externa .............................................................. 216
Figura II.47b Conjunto do Café: vista interna............................................................... 217
Figura II.48Conjunto do Café: classificação de territórios......................................... 218
Figura II.49 Utilização Conjunto do Café: ruas com largura variada denotam
intenção de distribuição do tráfego de acesso ao bairro.......................... 219
Figura II.50 Conjunto do Café: praça como jardim comunitário os moradores
zelam pela manutenção e plantam mudas nos canteiros próximos à
sua residência........................................................................................... 220
Figura II.51aFotos Conjunto do Café........................................................................... 221
Figura II.51bFotos Conjunto do Café........................................................................... 222
Figura II.51cFotos Conjunto do Café........................................................................... 223
Figura II.52 Rua Guaranis: mapa de transformações visíveis..................................... 228
Figura II.53 Rua Icós: mapa de transformações visíveis............................................. 229
Figura II.54 Jardim Shangri-lá: mapa de transformações visíveis .............................. 232
Figura II.55 Rua Guaranis: estágios de transformação................................................ 234
Figura II.56 Rua Icós: estágios de transformação ....................................................... 235
Figura II.57a“Ladeira” Espírito Santo: estágios de transformação.............................. 235
Figura II.57b “Ladeira” Alagoas: estágios de transformação........................................ 236
Figura II.58Jardim Shangri-lá: estágios de transformação......................................... 236
Figura II.59Rua Guaranis: zona de identificação de atmosfera.................................. 239
Figura II.60 Rua Icós: zona de identificação de atmosfera ......................................... 240
Figura II.61 “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: zona de identificação de
atmosfera ................................................................................................. 241
Figura II.62 Jardim Shangri-lá: zona de identificação de atmosfera........................... 242
Figura II.63Conjunto do Café: zona de identificação de atmosfera........................... 243
Figura C.1 Identificação de Qualidades: possibilidade de avaliação de
atmosferas................................................................................................ 251
Figura C.2aRua Guaranis: “camadas” da paisagem tradicional................................. 254
Figura C.2b Rua Icós: “camadas” da paisagem tradicional......................................... 254
Figura C.2c “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: “camadas” da paisagem
tradicional................................................................................................ 255
Figura C.3 Jardim Shangri-lá: “camadas” da paisagem de nova tradição................. 256
Figura C.4 Conjunto do Café: “camadas” da paisagem de nova velha tradição....... 256
Figura A.1aMapa “Villa” Mattos 1940 ...................................................................... 269
Figura A.1b Mapa Vila Mattos 1965 (incluindo extensão do loteamento) ................. 270
Figura A.2aMapa Vila Matarazzo 1937..................................................................... 271
Figura A.2bMapa Vila Matarazzo 1969 ..................................................................... 272
Figura A.3 Mapa Jardim Shangri-lá 1951 ................................................................. 273
Figura A.4 Mapa Conjunto do Café 1974 (COHAPAR)........................................... 274
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCE-UEL – Centro de Ciências Exatas da UEL
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CML – Câmara Municipal de Londrina
CNUCongress for New Urbanism
COPEL – Companhia Paranaense de Energia Elétrica
CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná
DER – Departamento de Estradas e Rodagem
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPPUL – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
LAU-UEL – Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da UEL
LPUR-UEL – Laboratório de Pesquisas Urbanas e Regionais da UEL
PAGONProgressive Architects Group Oslo Norway
PPSProject for Public Spaces
PML – Prefeitura do Município de Londrina
RVPSC – Rede Viária Paraná-Santa Catarina
UEL – Universidade Estadual de Londrina
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 18
A
TERRA NATAL SÃO FRANCISCO DE SALES-MG................................................................ 19
T
EMPOS DE GOIÂNIA-GO..................................................................................................... 21
T
EMPOS DE LONDRINA-PR................................................................................................... 22
OBJETIVO ........................................................................................................................ 24
OBJETIVOS ESPECÍFICOS....................................................................................................... 24
JUSTIFICATIVA.............................................................................................................. 25
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 30
E
STRUTURA DO TRABALHO .................................................................................................. 30
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 33
PARTE I – ATMOSFERA DE RUA/ BAIRRO............................................................. 35
CAPÍTULO 1..................................................................................................................... 36
I.1
DEFINIÇÃO DE ATMOSFERA............................................................................................. 36
I.1.1 Atmosfera Urbana ou a “Aura do Lugar” ................................................................... 41
CAPÍTULO 2..................................................................................................................... 44
I.2
ESTUDOS EXISTENTES ..................................................................................................... 44
I.2.1 Qualidades Consideradas pelos Autores..................................................................... 44
I.2.2 Autores Analisados ..................................................................................................... 45
I.2.2.1 Allan Jacobs – Construindo “great streets............................................................. 45
Estética ................................................................................................................................ 46
I.2.2.2 Ian Bentley e Equipe – Ambientes responsivos: um manual para designers........... 52
“Responsividade” ................................................................................................................ 52
I.2.2.3 Donald Appleyard – Ruas vivenciáveis e vizinhanças protegidas........................... 57
“Vivenciabilidade” .............................................................................................................. 58
I.2.2.4. PPS – O que constrói um local de sucesso?............................................................ 64
Usabilidade do Espaço Público........................................................................................... 65
I.2.2.5 Christian Norberg-Schulz – “Genius Loci”: para uma fenomenologia da
arquitetura.................................................................................................................. 67
Identificabilidade................................................................................................................. 69
I.2.2.6 Robert Gifford – Territorialidade............................................................................. 72
“Territorialidade”................................................................................................................. 72
I.2.2.7 Amos Rapoport – As características perceptivas de ruas de pedestres: as
hipóteses gerais e específicas .................................................................................... 76
“Complexidade”.................................................................................................................. 76
CAPÍTULO 3..................................................................................................................... 82
I.3
VARIÁVEIS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE ATMOSFERAS ..................................................... 82
I.3.1 Método I: a partir das qualidades urbanas................................................................... 82
I.3.1.1 Aspectos Comuns..................................................................................................... 87
I.3.2 Método II: a partir dos elementos de composição ...................................................... 91
I.3.2.1 Elementos de composição e qualidades definidas pelos autores............................ 104
I.3.3 Identificando a “Aura do Lugar”............................................................................... 106
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 111
SITES PESQUISADOS..................................................................................................... 114
OUTRAS PUBLICAÇÕES: DOCUMENTOS E PERIÓDICOS HISTÓRICOS DE
LONDRINA” ........................................................................................................ 116
PARTE II – ATMOSFERAS DE LONDRINA: PERMANÊNCIA E
TRANSFORMAÇÃO.......................................................................................... 117
CAPÍTULO 4................................................................................................................... 118
II.1
RUAS TRADICIONAIS ATÉ INÍCIO DOS ANOS 1950...................................................... 120
II.1.1 A Rua guaranis......................................................................................................... 122
II.1.1.1 O Início da rua ...................................................................................................... 122
II.1.1.2 O Estigma da vila mattos...................................................................................... 123
II.1.1.3 Processo de ocupação da rua................................................................................. 124
II.1.1.4 A Atmosfera da rua guaranis ................................................................................ 126
II.1.1.5 Considerações sobre a rua guaranis...................................................................... 140
II.1.2 A Rua Icós ............................................................................................................... 140
II.1.2.1 Processo de ocupação da rua................................................................................. 142
II.1.2.2 Os jardins da rua Icós............................................................................................ 144
II.1.2.3 A atmosfera da rua Icós ........................................................................................ 145
II.1.2.4 Considerações sobre a rua Icós............................................................................. 158
II.1.3 As “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas ................................................................... 159
II.1.3.1 O surgimento das ladeiras..................................................................................... 159
II.1.3.2 Uruguai – rua definidora das ladeiras................................................................... 161
II.1.3.3 Elementos de composição das ladeiras................................................................. 161
II.1.3.4 A atmosfera das ladeiras....................................................................................... 164
II.1.3.5 Considerações sobre as “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas.............................. 183
II.1.4 Ruas Tradicionais: conclusões preliminares............................................................ 183
CAPÍTULO 5................................................................................................................... 185
II.2
RUAS DE NOVA TRADIÇÃO PÓS 1950......................................................................... 185
II.2.1 O Jardim Shangri-lá................................................................................................. 186
II.2.1.1 O “Aristocrático bairro de Londrina”................................................................... 188
II.2.1.2 As residências modernas do Jardim Shangri-lá.................................................... 189
II.2.1.3 A Atmosfera do Jardim Shangri-lá: a rua Guilherme da Mota Correia................ 190
II.2.1.4 Considerações sobre o Jardim Shangri-lá............................................................. 203
CAPÍTULO 6................................................................................................................... 204
II.3
NOVA VELHA TRADIÇÃO ............................................................................................. 204
II.3.1 O conjunto do café................................................................................................... 205
II.3.1.1 Os dois conjuntos do café – a evolução do traçado do bairro............................... 206
II.3.1.2 O primeiro conjunto habitacional de londrina...................................................... 209
II.3.1.3 A construção da comunidade................................................................................ 210
II.3.1.4 A atmosfera do conjunto do café.......................................................................... 211
II.3.1.5 Considerações sobre o conjunto do café............................................................... 224
CAPÍTULO 7................................................................................................................... 225
II.4
TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM, RUPTURA E MANUTENÇÃO DE ATMOSFERAS ............ 225
II.4.1 Rua Guaranis: dissociação da vizinhança................................................................ 225
II.4.2 Rua Icós: mudança de proprietários......................................................................... 228
II.4.3 “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: adaptações necessárias................................. 230
II.4.4 Jardim shangri-lá: transformação do uso................................................................. 231
II.4.5 Conjunto do café: intervenções pulverizadas .......................................................... 233
II.4.6 Conclusões Preliminares.......................................................................................... 233
Estágios de transformação................................................................................................. 233
“Zonas de identificação de Atmosfera”............................................................................. 237
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 244
SITES PESQUISADOS..................................................................................................... 246
OUTRAS PUBLICAÇÕES: DOCUMENTOS E PERIÓDICOS HISTÓRICOS DE
LONDRINA” .......................................................................................................... 247
CONCLUSÃO: HÁ FUTURO PARA ATMOSFERAS? ............................................ 248
A
PREENDENDO ATMOSFERAS............................................................................................. 249
Q
UALIDADES URBANAS...................................................................................................... 249
A
TMOSFERAS DE LONDRINA............................................................................................... 252
C
OMPONENTES VISÍVEIS..................................................................................................... 253
P
ERMANÊNCIA DE ATMOSFERAS ........................................................................................ 257
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................. 259
SITES PESQUISADOS..................................................................................................... 264
OUTRAS PUBLICAÇÕES: DOCUMENTOS E PERIÓDICOS HISTÓRICOS DE
LONDRINA” .......................................................................................................... 267
ANEXO – MAPAS ANTIGOS DAS ÁREAS ESTUDADAS ........................................ 268
18
INTRODUÇÃO
19
INTRODUÇÃO
A
TERRA NATAL SÃO FRANCISCO DE SALES-MG
A cidade de São Francisco de Sales está localizada na região conhecida
como “Pontal do Triângulo Mineiro”, onde o estado de Minas Gerais encontra-se com os
estados de São Paulo (ao sul), Mato Grosso do Sul (a oeste) e Goiás (ao norte). Foi fundada a
partir de uma aldeia de índios caiapós, situada aproximadamente a seis quilômetros da
margem norte do Rio Grande – divisa com o estado de São Paulo – e a cerca de cem
quilômetros da então província de Mato Grosso.
Em 1819 esta aldeia contava com cerca de duzentos moradores. O nome
atual foi dado pelo padre português Jerônimo Gonçalves de Macedo em 1835, considerado o
fundador da cidade, por ter chegado ali no dia 29 de janeiro, data consagrada a São Francisco
de Sales pelo calendário católico (NUNES, 1996).
Quinze anos mais tarde, no dia 31 de maio de 1850, a aldeia era declarada
distrito do município de Prata, a cento e setenta quilômetros de distância, aproximadamente.
A emancipação, no entanto, ocorreria somente em 1962, no dia 30 de dezembro.
Retornando para o Rio de Janeiro, do episódio da Guerra do Paraguai
conhecido como “a Retirada da Laguna”, Visconde de Taunay passa por São Francisco de
Sales em 12 de julho de 1867. Sua obra “Céus e Terras do Brasil”, de 1882, traz a seguinte
descrição do local:
[...] povoação constante dumas quarenta casas, poucas de telhas, muitas em
ruínas, fundada em 1837 pouco mais ou menos, e que nenhum progresso
tem tido: definha lentamente, balda das esperanças que melhores condições
poderiam fazer nascer, entretanto o terreno é fértil, a posição bonita e a
índole dos habitantes boa. Na várzea que se percorre antes de subir a suave
encosta em que assentam as casas, vimos pela última vez os belíssimos
grupos de buritis (TAUNAY, 1948, p. 101).
Em obra anterior, o romance “Inocência” – publicado pela primeira vez em
1872, o autor já fazia referência à região de São Francisco de Sales. Logo no início há uma
descrição da paisagem de determinada estrada próxima “[...] ao vértice do ângulo em que
confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso [...]”. No capítulo
20
final do livro, o confronto entre “Cirino” e “Manecão” ocorre na “[...] estrada de São
Francisco de Sales [...]” (TAUNAY, 1991, p. 9 e 123). Sobre a passagem do Visconde pelo
então povoado, seu pouso na “igreja antiga” – uma edificação de madeira já demolida –
permanece ainda hoje no imaginário dos moradores da cidade.
Situada a meia encosta, São Francisco de Sales só pode ser vista como um
todo por quem chega do lado oeste, como se viesse do ponto onde se encontram os quatro
estados. Observadas de longe, suas construções são quase totalmente suprimidas pela
arborização densa das ruas e da área entorno da cidade (Figura 1). A torre da igreja matriz,
embora não seja muito alta, destaca-se em meio à paisagem predominantemente “verde” do
local.
Figura 1 – São Francisco de Sales-MG: vista oeste, junho de 2006
Fonte: Orlando Silva e Jorge Machado (Arts Foto)
Uma vez na cidade, não se nota construções que apontem tratar-se de um
dos povoados mais antigos da região. A chamada “rua dos velhacos” – em péssimo estado de
conservação, no limite oeste do perímetro urbano, o trecho de uma avenida com pequeno
conjunto de edificações aparentemente dos anos 1940/50 e algumas casas isoladas em outras
poucas ruas são os únicos remanescentes na paisagem da cidade como testemunhos de parte
da histórica local.
Nesta pequena cidade mineira passei os primeiros quinze anos de minha
vida. Sua área urbana, apesar de ter crescido um pouco desde então, mal ultrapassou a
dimensão de um quilômetro quadrado, com cerca de dez quarteirões de extensão em ambos os
lados.
Uma área tão pequena pode ser totalmente apreendida por qualquer criança
em idade de brincar nas ruas. Assim, São Francisco era inteiramente “minha”. Não importava
se com maior ou menor grau de intimidade, cada área da cidade era entendida como parte de
um território. Em algumas eu podia permanecer o dia todo, em outras passar de vez em
quando, mas não havia local verdadeiramente proibido à minha presença ou passagem.
Quando em viagem, notava diferenças entre as cidades, mas imaginava que
somente o poder econômico, o tempo e a localização eram responsáveis por tais diferenças.
Considerava minha cidade boa, mas por quê? Não havia os edifícios verticais dos grandes
21
centros urbanos, nem os monumentos e catedrais considerados imponentes por minha visão
“caipira”. Seriam o sossego e o fato de todos os moradores se conhecerem os únicos
responsáveis pelo ambiente agradável em que eu vivia? Na vida cotidiana as qualidades de
São Francisco me eram invisíveis. Podia senti-las, mas o “olhar acostumado” de morador não
permitia uma identificação mais clara.
T
EMPOS DE GOIÂNIA-GO
No décimo quinto ano mudei-me para Goiânia, para realizar os estudos de
2º Grau. No início a vida nesta cidade me parecia irreal. Apesar de já ter um cotidiano
estabelecido, faltavam-me espaços que pudessem ser chamados de “meus”. Conseguia me
orientar, mas como me identificar com ruas, praças e outras áreas divididas com tantas
pessoas às quais nem de vista eu conhecia? Agradava-me andar pela cidade, mas me parecia
mais estar “a passeio” do que realmente morando ali.
A insegurança sentida não se referia somente ao medo da criminalidade.
Percebi, então, que São Francisco de Sales era boa porque me era familiar. Gostava daquela
cidade por ser “minha” e era “minha” porque eu a conhecia em toda sua extensão e tinha uma
história para contar “de cada um de seus cantos”. Não sentia saudades somente das pessoas,
da casa de minha família ou de meu quintal, mas da cidade como um todo. Lembrar de São
Francisco não significava recordar apenas as duas praças bem cuidadas e freqüentemente
mencionadas com orgulho pelos moradores de lá, mas também pensar em ruas anteriormente
consideradas banais.
A falta de poder andar pelas matas ou nadar nos rios e córregos das
proximidades, e da visão do pôr do sol nas pastagens e matas ralas do oeste levaram-me a
entender a importância do entorno da cidade. Já sabia, portanto, que a área em volta e as
paisagens resultantes da mesma eram características boas que complementavam o espaço
urbano de São Francisco. Sem estas a cidade perderia muito de sua graça. Outras qualidades,
no entanto, me permaneciam obscuras, pois não poderia atribuí-las uma definição
satisfatoriamente clara.
Aos poucos começava a gostar de Goiânia e a me identificar com diversas
áreas da cidade. Sabia que sentiria saudades dali quando me mudasse. Quais seriam, no
entanto, as qualidades que me fariam recordar estes locais, garantindo sua permanência em
22
minhas lembranças? O que os tornava memoráveis? Não era só, por exemplo, a variedade de
lojas das ruas do centro, já que também me agradava caminhar por ali aos domingos. Nem
eram, tampouco, as palmeiras ritmadas dos canteiro s centrais da avenida Goiás, pois esta não
era a única rua de minha preferência. Entendia que estes locais eram importantes porque eu os
utilizava sempre e me traziam, portanto, algumas lembranças. Por outro lado, no entanto,
quais fatores teriam me motivado a escolhê-los, quando ainda não representavam qualquer
espécie de significado?
T
EMPOS DE LONDRINA-PR
A primeira impressão que tive de Londrina foi melhor que a de Goiânia.
Mais compacta, esta cidade parecia oferecer a diversidade de um grande centro urbano ao
mesmo tempo em que permitia, por exemplo, avistar o horizonte com a paisagem natural não
muito distante, a partir de algumas esquinas do centro.
Com o olhar mais atento, as diferenças entre as cidades em que havia
morado, e mesmo aquelas que eu somente visitara, se tornavam mais claras e suas qualidades
eram percebidas mais facilmente. O conhecimento adquirido em determinadas disciplinas da
faculdade de Arquitetura e Urbanismo aguçava o olhar, proporcionando uma leitura mais
objetiva do espaço urbano.
Estudar Londrina me permitia descobrir qualidades antes não identificadas
nas lembranças ou nas visitas feitas a São Francisco de Sales. Mais ainda, me permitia notar
que, apesar de resultantes de contextos diferentes, alguns aspectos eram comuns às duas
cidades, ou mesmo à Goiânia, e que outras características pareciam ser exclusivas, únicas a
cada uma destas cidades. Cada volta a São Francisco significava, agora, não somente o
retorno à cidade natal, mas uma espécie de redescoberta, pois determinadas características só
são inteiramente reveladas a olhos que, não comprometidos pela paisagem costumeira, a
observam como se pela primeira vez.
Já havia compreendido que, além de diferentes entre si, as cidades são
compostas por áreas também diferentes. Começava, então, a perceber que cada uma destas
áreas, sejam constituídas apenas por uma viela, uma pequena rua, um conjunto de casas em
volta de uma praça ou por um bairro inteiro, podem apresentar um caráter próprio, resultado
da conjugação de uma série de aspectos que incluem o processo de formação do local, suas
23
características físicas e organização espacial e o contexto social e cultural.
A combinação do caráter de cada uma destas áreas, mesmo sendo exclusivo,
pode resultar no caráter geral da cidade. Por outro lado, pode também originar uma cidade
sem um caráter propriamente definido. Neste caso, a cidade se caracterizaria pelo aspecto
singular de cada uma das diversas áreas que a constituem, suas diferenças e contrastes.
Consistiria numa forma de caráter diverso, sem possibilidade de unidade entre os espaços
urbanos locais.
Esta dissertação estuda o caráter ou atmosfera de ruas e bairros tradicionais
de Londrina. Atmosfera relaciona-se à nostalgia, a um sentimento de melancolia que
acompanha as recordações da terra natal ou de outros “lugares” dos quais se tenha saudades.
Neste sentido, a identificação de atmosferas passa, primeiro, pelo reconhecimento de aspectos
de um passado saudoso que, esquecidos ou não, são trazidos à mente quando encontrados em
locais muitas vezes inéditos, diferentes dos “lugares” que se tem guardados na memória. Num
segundo momento é que se inicia o processo de identificação dos elementos físicos e sua
organização espacial, bem como das qualidades encontradas, práticas sociais e valores
culturais associados ao espaço observado.
24
OBJETIVO
Este estudo tem como objetivo a identificação da atmosfera de ruas ou
bairros em Londrina. Busca definir as qualidades e elementos que compõem a atmosfera, bem
como os fatores que garantem permanências ou que desencadeiam transformações. Pretende
entender os aspectos que tornam determinadas ruas diferentes das outras. O porquê de
algumas serem familiares, reconhecíveis e outras não. São analisados, portanto, os subsídios
para a construção de uma cidade além das infra-estruturas tradicionalmente consideradas.
O
BJETIVOS ESPECÍFICOS
• Definição de métodos à identificação de atmosferas;
• Estudo do processo de formação e transformação de ruas em bairros
tradicionais de Londrina;
• Análise das relações entre paisagem e comunidade (configuração físico-
espacial e organização social);
• Identificação do processo de ruptura da comunidade e de desestruturação
da paisagem, bem como dos fatores de permanência de características tradicionais;
• Estudo dos mecanismos internos de conservação e manutenção da
comunidade como continuidade da atmosfera.
25
JUSTIFICATIVA
“A discussão sobre as cidades vem evoluindo para novas temáticas, onde
conforto, afetividade, atmosfera e senso de comunidade assumem fortes significados, frente a
um [dominante] pensar legalista” (LAMOUNIER; YAMAKI, 2003, p. 289).
O meio urbano se compõe de diversos ambientes menores. Conforme Tuan
(1980), as pessoas sentem possuir controle apenas sobre pequena parte da cidade. Suas
personalidades podem ser expressas através de seus próprios lares, ou mesmo da rua da
vizinhança, quando cena de encontros informais.
A cidade de Londrina possui ruas tradicionais, cujo processo de construção
se deu de forma continuada, com ativa participação dos moradores. Paisagem homogênea e
forte senso de comunidade são aspectos facilmente notados. A identificação com o local,
preocupação com a manutenção do espaço público e sua apropriação, atestada pelas
expressões e signos de territorialidade, são exemplos de conceitos comuns aos moradores que
definem o cotidiano da rua.
Altman (1975) identificou, como territorialidade, as propriedades de um
espaço, a personalização ou marcação de uma área, a defesa contra intrusos e funções
múltiplas como necessidade de satisfazer tópicos estéticos e cognitivos.
Nestas ruas, onde a história do local confunde-se com a história de grande
parte dos moradores, as relações entre paisagem e comunidade são estreitas e
interdependentes. O espaço da rua é tido como a extensão do território da própria casa. Assim,
os limites entre os domínios público e privado são geralmente tênues, frágeis, resultando em
domínios de transição. Jardins bem cuidados na frente dos lotes, varandas e trechos dos
quintais visíveis a partir da rua constituem espaços de caráter semi-público e semi- privado.
Apesar da permanência, transformações que interferem na paisagem e
promovem a dissociação das relações de vizinhança têm sido cada vez mais freqüentes. A
construção de edificações que fogem a escala e linguagem arquitetônica do bairro, a retirada
de elementos que demarcam territórios e a diminuição da população permanente são
exemplos de modificações recorrentes.
Um dos objetivos do trabalho é a identificação desses processos de
desestruturação da paisagem – que mecanismos poderiam ser desestimulados, as formas de
manutenção locais e as interferências externas possíveis.
O quadro apresentado a seguir foi formulado por Maderthaner (apud
SOUZA, 2002, p. 78). Aponta, resumidamente, necessidades e aspectos particulares à
26
qualidade de vida nas cidades e revela as conseqüências possíveis da não satisfação.
Insatisfação com a moradia, fraca topofilia, raiva e vandalismo são as conseqüências que mais
se repetem, relacionando-se a necessidades comuns (Figura 2).
Figura 2 – Necessidades à Qualidade de Vida nas Cidades e Conseqüências da
Não-Satisfação
Fonte: (SOUZA, 2002, p. 78)
Yamaki (2003a, p. 3) destaca a noção, ainda pouco conhecida, de
patrimônio como sustentabilidade. Neste contexto, conservar “[...] a existência simbólica de
sítios edificados e naturais e seus significados [...]” é considerada uma estratégia para que a
população sinta-se “[...] parte do lugar, bem como de marketing urbano, de modo a atrair
capitais na competição global”. Acselrad (2001, p. 44 e 50) afirma que esta noção não se
refere somente “[...] à materialidade das cidades, mas a seu caráter e suas identidades, a
valores e heranças construídos ao longo do tempo” e que a durabilidade da cidade não deve
desconsiderar “[...] a complexidade da trama social responsável tanto pela reprodução como
pela inovação na temporalidade histórica das cidades”. O mesmo autor defende que a inclusão
da “[...] memória via restauração e dos atores sociais via interação [...]” constitui um dos “[...]
procedimentos discursivos de expansão simlica da base de legitimação das políticas
urbanas” (ACSELRAD, 2001, p. 51).
Yamaki (2003a) ainda ressalta que a discussão do patrimônio em Cidades
Novas deve voltar-se não somente a monumentos ou edifícios isolados, mas centralizar-se
27
principalmente na importância de conjuntos de edifícios como relatos de épocas do
desenvolvimento e construção da cidade. Assim, em detrimento à valorização unicamente de
edifícios monumentais ou com aspectos singulares, busca-se características comuns
verificadas
em conjuntos como edificações residenciais em madeira tipologicamente
homogêneas, paisagens de telhados (em bairros antigos), ruas com arquitetura
predominantemente proto-modernista e tipologia arquitetônica de esquinas tradicionais da
cidade.
Estas considerações foram levadas em conta nos levantamentos para o Plano
Diretor de Preservação do Patrimônio Cultural de Londrina (2003a), projeto coordenado pelo
arquiteto Humberto Yamaki, em parceria com a Secretaria Municipal da Cultura.
Tiveram grande atenção, ainda, edificações de madeira remanescentes em
áreas da cidade de crescente verticalização ou com tendência à substituição por novas
construções em alvenaria, e áreas ou elementos considerados como parte do patrimônio
cultural e afetivo de Londrina. A composição da paisagem e cotidiano em ruas tradicionais
também foi considerada. Neste processo não se tem como objetivo principal o tombamento
dos elementos importantes para a história da cidade, mas sim sua conservação por meio da
permanência dos usos originais e estímulo à manutenção da comunidade.
A conservação de atmosferas é importante não somente por tratar-se da
permanência de aspectos históricos da cidade, mas principalmente por trazer lições à
construção de ruas e bairros, conduzindo à idéia do senso de comunidade como fator
responsável por condições importantes que, no entanto, estão perdidas nas cidades. O
processo de construção e reconstrução, com forte participação da comunidade, e a
manutenção e permanência de características representativas ao longo do tempo remetem ao
conceito de durabilidade como qualidade urbana (LAMOUNIER; YAMAKI, 2003).
O interesse pelo tema desta dissertação iniciou-se através do contato com o
Prof. Dr. Humberto Yamaki, no penúltimo ano do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Londrina. No ano seguinte, sob orientação do mesmo professor,
desenvolveu-se um estudo sobre o processo de construção e reconstrução da Rua Guaranis,
tradicional em Londrina, como Trabalho de Graduação Interdisciplinar, apresentado em
março de 2003. Foram abordados aspectos como a atmosfera da rua e sua composição, onde
foram verificadas características físico-espaciais com tendência à homogeneidade,
interdependência entre as relações de paisagem e comunidade, intenso relacionamento entre
vizinhos e forte identificação com o local, levando a expressões e demarcação de territórios.
Remetem ao conceito de “Topofilia”, segundo o qual “o espaço transforma-
28
se em lugar na medida em que adquire definição, significado e determinada carga emocional
para o observador [...]” (TUAN apud DEL RIO, 1990, p. 96). O apego a determinado local,
por ser familiar, ter o significado de lar e representar o passado, evocar o orgulho de posse ou
criação consiste num dos aspectos deste conceito (TUAN, 1980).
De uma perspectiva sócio-psicológica, identidades de lugar correspondem a
locais determinados, imbuídos de sentidos culturais, sociais e pessoais e providenciam uma
estrutura de significados onde a identidade é construída, mant ida e transformada (CUBA;
HUMON, apud ENTRIKIN, 1994). Desta forma, lugares são parte integral do mundo social
da vida cotidiana, tornando-se mecanismos importantes na definição da identidade.
A interdependência das relações entre paisagem e comunidade é reforçada
por Chartier, quando considera “os esquemas geradores das classificações e das percepções,
próprios de cada grupo ou meio [...]” como “[...]verdadeiras instituições sociais que
incorporam sob a forma de categorias mentais e de representações coletivas as demarcações
da própria organização social” (apud ACSELRAD, 2001, p. 48).
Transformações ocorridas na paisagem de ruas tradicionais de Londrina não
ocorrem sem que haja um certo grau de resistência por parte da comunidade. Tal resistência
se dá por meio dos chamados mecanismos internos de manutenção.
Este trabalho visa a compreensão de atmosferas em ruas tradicionais de
Londrina – que representam etapas do processo de desenvolvimento da cidade – e a
identificação dos aspectos que as caracterizam, tais como componentes paisagísticos e
conceitos comuns aos moradores.
Tuan (1980) atenta para a necessidade de se conhecer os tipos de atividades
que ocorrem no lar, nos locais de trabalho e de diversão e nas ruas para que se possa avaliar
como as pessoas respondem aos seus ambientes urbanos. Em vista de tal necessidade, o
processo de apreensão de valores e conceitos comuns entre os moradores, através de
entrevistas e observação cotidiana será de grande importância para este estudo, levando - se
sempre em conta suas relações com a paisagem e organização espacial da rua.
Francis (1987, p. 23-24) afirma que as ruas podem contribuir para a
formação de uma “cultura pública”, já que “grande parte da vida social e aprendizado ocorre
ao longo das ruas”. São consideradas, então, “[...] uma parte importante da paisagem da vida
cotidiana”.
De acordo com Eichner e Tobey (1987, p. 276), entre todos os elementos
projetados do espaço urbano, a rua destaca-se como o que “[...] mais reflete a qualidade de
vida da cidade”.
29
Os mesmos autores afirmam que “muitas cidades têm bairros cujas ruas
apresentam qualidades especiais óbvias – caráter étnico, usos historicamente interessantes, ou
uma concentração de usos institucionais”. O caráter originado a partir do uso pode, no
entanto, ser mais sutil. Embora estas características não sejam mostradas em mapas de
zoneamento, “[...] é crucial que o design da paisagem de rua seja guiado por questões de
pequena escala [relacionadas ao] contexto local”. Deste modo, a apreensão do “[...] caráter
dos bairros, seu espaço público e suas ruas” vai além das “[...] categorias gerais dos códigos
de zoneamento” (EICHNER; TOBEY, 1987, p. 277).
A Carta de Washington – Carta internacional para a salvaguarda das cidades
históricas, elaborada em 1986 pelo ICOMOS – Conselho de Monumentos e Sítios, afirma que
o processo de salvaguarda das cidades e bairros deve integrar-se a “[...] uma política coerente
de desenvolvimento econômico e social, e ser considerada no planejamento físico-territorial e
nos planos urbanos em todos os seus níveis”. O “[...] caráter histórico da cidade e o conjunto
de elementos materiais e espirituais que expressam sua imagem [...]” são considerados valores
a se preservar. São citados em particular:
a) a forma urbana definida pelo traçado e pelo parcelamento; b) as relações
entre os diversos espaços urbanos, espaços construídos, espaços abertos e
espaços verdes; c) a forma e o aspecto das edificações (interior e exterior),
tais como são definidos por sua estrutura, volume, estilo, escala, materiais,
cor e decoração; d) as relações da cidade com seu entorno natural ou
criado pelo homem; e) as diversas vocações da cidade, adquiridas ao longo
de sua história (In: CURY, 2000, p. 282).
“A participação e o comprometimento dos habitantes da cidade [...]” devem
ser estimulados, já que são indispensáveis ao êxito do processo de salvaguarda. A
continuidade, evitando a formação de “ilhas urbanas”, é outra qualidade importante de um
plano eficiente de salvaguarda. A Carta de Washington denota tal preocupação quando
afirma que deve-se empenhar na definição de “[...] uma articulação harmoniosa entre os
bairros históricos e o conjunto da cidade”. (In: CURY, 2000, p. 283).
O documento citado e os demais estudos analisados ao longo desta
dissertação denotam que o “caráter das cidades” tem sido um assunto de grande importância
nas discussões contemporâneas sobre as cidades. O estudo de atmosferas em tecidos urbanos
tradicionais possui papel importante nestas discussões. O processo de definição ou de
compreensão do caráter das cidades envolve necessariamente a identificação de atmosferas.
30
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos metodológicos adotados durante a elaboração do presente
trabalho foram os seguintes:
pesquisa bibliográfica referente ao tema principal;
identificação preliminar das ruas e bairros a serem estudados, durante
“passeios” por áreas antigas da cidade de Londrina;
levantamento de dados cadastrais (IPPUL, PML e LAU-UEL) das áreas a
serem estudadas;
levantamento em campo dos locais de estudo (questionários, croquis,
mapeamento e fotografias);
apresentação dos dados levantados e discussões com vistas ao
desenvolvimento da dissertação em atendimentos com o orientador;
organização de quadros para sistematização dos dados levantados;
correção e complementação do trabalho com base nos comentários
realizados pelos membros da banca de qualificação.
E
STRUTURA DO TRABALHO
Esta dissertação divide-se em duas partes – I. Atmosfera de Rua/Bairro e II.
Atmosferas de Londrina: Permanência e Transformação, além da Introdução e Conclusão.
A Introdução trata da história pessoal do autor, as experiências que
contribuíram para o desenvolvimento do processo de identificação de “lugares” e atmosferas.
Tenta, através do relato de fatos vividos pelo autor, delinear alguns aspectos importantes à
constituição de atmosferas – tratados ao longo da dissertação, questionando sobre os fatores
que determinam a atratividade de certos locais, que tornam alguns familiares, as
características mais lembradas quando ausente da terra natal, e assim por diante. São
mencionados três períodos, relacionados, cada um, a uma cidade diferente: São Francisco de
Sales-MG, Goiânia-GO e Londrina-PR. Esta parte conta ainda com os objetivos (geral e
específicos), justificativa, procedimentos metodológicos, estrutura do trabalho e referências.
31
A parte I. Atmosfera de Rua/ Bairro divide-se em três capítulos.
O capítulo 1 é dedicado à definição de atmosfera. Cita a forma como é
entendida por alguns autores e documentos, bem como os termos mais utilizados como
sinônimos da palavra atmosfera. Conclui com a apresentação do significado de atmosfera para
o presente trabalho. Um sub-capítulo explica o significado de atmosfera urbana e justifica a
denominação de “aura do lugar”.
O capítulo 2 trata de estudos existentes sobre o assunto da dissertação. São
analisados sete autores. Entre os estudos analisados, seis consistem de obras de difícil acesso,
que não podem ser facilmente encontrados em bibliotecas ou livrarias (sua leitura somente
foi possível graças ao empréstimo dos mesmos pelo prof. Yamaki, que os
possui em acervo particular), e um trata-se de site disponível na internet. No primeiro sub-
capítulo é feito breve comentário sobre os autores estudados no sentido de definir qualidades
principais – uma para cada autor – conforme os aspectos tratados pelos mesmos. No outro
sub-capítulo é apresentado um resumo sobre a obra de cada um dos autores. Todos tratam
sobre os aspectos necessários à qualificação dos espaços urbanos e definem os elementos que
compõem atmosferas ou que foram considerados importantes para o desenvolvimento da
dissertação, por se relacionarem, de uma forma ou de outra, com seu tema. Devido à
dificuldade de acesso aos livros e ao fato de todos, inclusive o site, terem sido editados em
língua inglesa, optou-se pela elaboração de uma síntese mais detalhada destes estudos, de
modo que esta dissertação possa providenciar, a estudantes e outros pesquisadores que não
tenham como conseguir estas obras, o acesso a tal conhecimento.
O capítulo 3, no final da primeira parte, dedica-se à definição de dois
métodos para a identificação de atmosferas, ambos desenvolvidos a partir de sistemas que
identificam a composição de “lugares”. No primeiro sub-capítulo é desenvolvido um método
de identificação através das possíveis qualidades do local a ser analisado. Termina com a
identificação de preocupações comuns entre os estudos existentes. O segundo sub- capítulo
apresenta um método que consiste de processo inverso. Trata-se de uma forma de
identificação de atmosferas através dos elementos de composição da paisagem. Conclui com o
relacionamento entre as categorias de elementos de composição e as qualidades principais
definidas a partir dos autores considerados. O último sub-capítulo apresenta tabelas que
permitem a aplicação de cada um dos métodos desenvolvidos na identificação de atmosferas
dos diversos espaços urbanos e ressalta a importância e aplicabilidade de cada um destes
processos.
Em seguida, estão as referências, incluindos sites pesquisados, sobre a parte
32
I.
A parte II. Atmosferas de Londrina: Permanência e Transformação é
dividida em quatro capítulos. Destina-se à compreensão de atmosferas em determinadas ruas e
bairros de Londrina.
O capítulo 4 estuda as ruas Guaranis, Icós e as “ladeiras” Espírito Santo e
Alagoas. São consideradas “ruas tradicionais”, cujo processo de construção se iniciou bem
antes dos anos 1950, durante a expansão do plano de Londrina e loteamento das áreas em seu
entorno. Divide-se, portanto, em quatro sub-capítulos – um para cada espaço analisado e outro
para as conclusões preliminares sobre ruas tradicionais.
O capítulo 5 volta-se às chamadas “ruas de nova tradição” surgidas a partir
da década de 1950. São resultantes das novas formas de se pensar e construir espaços urbanos
definidas, em Londrina, principalmente após a aprovação da moderna Lei 133/51. Neste
capítulo estuda-se a rua Guilherme da Mota Correia, no Jardim Shangri-lá.
O capítulo 6 estuda a aqui denominada “nova velha tradição”. Analisa-se o
Conjunto do Café, que apresenta características resultantes de conceitos antigos retrabalhados,
relacionados à construção de espaços urbanos, bem como de exigências legais e aspectos
permitidos pela 133 de 1951.
O capítulo 7, último da dissertação, discute a permanência, transformação e
anulação de atmosferas nas ruas pesquisadas. Identifica trechos conservados da paisagem
inicial e as “invasões” ocorridas nestes locais, bem como os fatores que determinam seu
surgimento. É dividido em cinco sub-capítulos (um para cada rua estudada), além das
conclusões preliminares.
Em seguida, estão as referências, incluindo sites pesquisados e documentos
e periódicos históricos de Londrina, citados na parte II.
A Conclusão, finalmente, tem como subtítulo “Há Futuro para
Atmosferas?”. Direciona-se às possibilidades de análise e à importância da conservação de
atmosferas.
É dividida nos seguintes temas, apresentados nos capítulos da dissertação:
Apreendendo Atmosferas, Qualidades Espaciais, Atmosferas de Londrina, Componentes
Visíveis, e Permanência de Atmosferas.
A bibliografia geral, por fim, também inclui sites pesquisados e documentos
e periódicos históricos de Londrina.
O anexo, no final da dissertação, contém alguns mapas antigos das áreas
estudadas.
33
REFERÊNCIAS
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Duração das Cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A,
2001. p. 27-55.
ALTMAN, I. Environment and Social Behavior. Monterey: Ed. Brooks, 1975.
CURY, I. (org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Edições do Patrimônio, IPHAN, 2000.
DEL RIO, V. Introdução ao Desenho Urbano no Processo de Planejamento. São Paulo:
PINI, 1990.
EICHNER, R.; TOBEY, H. Beyond Zoning. In: MOUDON, A. (org.). Public Streets for
Public Use. New York: Anne Vernez Moudon, Van Nostrand Reinhold Company, 1987. parte
4, cap. 22, p. 276-283.
ENTRIKIN, N. Place and Region. In: Progress in Human Geography. Los Angeles: 1994.
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for Public Use. New York: Anne Vernez Moudon, Van Nostrand Reinhold Company, 1987.
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LAMOUNIER, A. Construção e Reconstrução de uma Rua Tradicional: a Guaranis em
Londrina. Trabalho de Graduação Interdisciplinar DAU/UEL, orientador Prof. Dr. Humberto
Yamaki. Londrina, 2003.
LAMOUNIER, A.; YAMAKI, H. Rua Guaranis em Londrina: construção e reconstrução
de uma rua. In: Anais da 11a SBPN. Campo Grande: 2003. p. 289-292.
NUNES, J. História Religiosa e Política de São Francisco de Sales-MG: Triângulo
Mineiro. Divinópolis: Sidil, 1996.
SOUZA, M. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 1991.
34
TAUNAY, Visconde de. Céus e Terras do Brasil. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 1948.
TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São
Paulo: DIFEL, 1980.
YAMAKI, H. (coord.). Plano Diretor de Preservação do Patrimônio Cultural de
Londrina: documento para discussão. Londrina: Lei Municipal de Incentivo à Cultura,
PML, 2003a.
35
PARTE I
ATMOSFERA DE RUA/BAIRRO
36
CAPÍTULO 1
I.1
DEFINIÇÃO DE ATMOSFERA
Atmosfera pode ser entendida, sinteticamente, como a personalidade de
determinados espaços. Popularmente, comentários como “rua agradável”, “lugar simpático”,
“acolhedor” são algumas expressões freqüentemente utilizadas pelas pessoas quando tentam
descrever a atmosfera de espaços visitados. Referem-se às impressões transmitidas pelas
características de certo ambiente.
O Jornal Paraná Norte de 04 de novembro de 1934 (p. 1) afirma que a
atmosphera reinante” no início do desenvolvimento de Londrina empolgava as pessoas que
chegavam na cidade, incentivando-as a trabalhar “[...] alegremente na construcção de seu bem
estar próprio, sem olvidar-se da collectividade”. Três anos mais tarde a expressão
atmosphera acre de fumo e álcool” descrevia negativamente o ambiente das zonas de
prostituição de Londrina (JORNAL PARANÁ NORTE, 12/12/1937, p. 1).
Entre os autores e documentos pesquisados neste trabalho é bem mais
comum o emprego da palavra caráter. Ambiência também é um termo utilizado algumas
vezes.
O site de pesquisas <
http://www.google.com> apresenta 261 milhões de
referências para o termo atmosphere, 656 milhões para character, e 32,3 milhões para
ambiance. Character consiste, portanto, num termo bem mais utilizado que atmosphere. Entre
os milhões de citações, foram encontradas as seguintes definições para cada uma das palavras
pesquisadas:
Atmosfera – “um ambiente particular ou influência do entorno”; “a atmosfera de um
ambiente”; e caráter – “uma propriedade característica que define a natureza individual de
algo”; “cada cidade tem uma qualidade própria”
I.1
.
Ambiência – “sentimento ou humor de uma cena ou assentamento particular”
I.2
; “o
sentimento ou humor evocado por um ambiente”
I.3
.
O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986, p. 82) dá uma
I.1
Fonte: <http://wordnet.princeton.edu/perl/webwn>.
I.2
Fonte: <http://www.scriptsales.com/DDFundTerms.html>.
I.3
Fonte: <http://stereophile.com/reference/50/index1.html>.
37
definição de ambiência estreitamente relacionada ao conceito de atmosfera aqui trabalhado:
“espaço, arquitetonicamente organizado e animado, que constitui um meio físico e, ao mesmo
tempo, meio estético e/ ou meio psicológico, especialmente preparado para o exercício de
atividades humanas”. Quase duas décadas depois, sua versão revisada mantém a mesma
definição (NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2004, p. 116).
O conceito de caráter não é, provavelmente, muito considerado no Brasil,
tendo pouca utilização. O livro “Cartas Patrimoniais” (CURY, 2004) reúne os principais
documentos, cartas e recomendações sobre a proteção do patrimônio, elaborados ao longo dos
anos a partir de congressos e reuniões em diversos países. Embora apresente vários
documentos que tratam do caráter e ambiência dos espaços, não traz nenhum destes termos –
nem tampouco atmosfera – no índice remissivo.
Já em 1931 a Carta de Atenas – elaborada pelo Escritório Internacional dos
Museus – afirmava que “o caráter e a fisionomia das cidades” (p. 14) deveriam ser respeitados
na construção dos edifícios.
Três décadas depois, em 1976, a Recomendação de Nairóbi – recomendação
relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, elaborada
durante a 19ª sessão da Conferência Geral da Unesco – citaria a expressão “ambiência dos
conjuntos históricos ou tradicionais”, explicando-a como “[...] o quadro natural ou construído
que influi na percepção estática ou dinâmica desses conjuntos, ou a eles se vincula de maneira
imediata no espaço, ou por laços sociais, econômicos ou culturais” (p. 220). O mesmo
documento utiliza o termo “caráter particular” como resultado “[...] da conexão ou do
contraste entre os diferentes elementos que compõem os conjuntos” (p. 221).
No ano seguinte, em 1977, o Encontro Internacional de Arquitetos elaborava
a Carta de Machu Pichu, voltada à atualização e complementação da Carta de Atenas. A
identidade e o caráter das cidades são então considerados não só como resultado de “[...] sua
estrutura física, mas também [das] características sociológicas” (p. 241). A Carta de Machu
Pichu recomenda, portanto que, além da preservação e conservação do patrimônio histórico,
devem ser conservados os valores importantes à afirmação da personalidade comunitária e os
que possuem significado cultural autêntico. Condena o isolamento dos edifícios, defendendo
que a integração de cada um destes com outros elementos completa sua própria imagem.
Neste sentido, “a temporalidade do espaço” e “a reintegração edifício-cidade-paisagem” são
fatores de fundamental importância.
Considerações sobre autenticidade encontradas em outras duas cartas
também relacionam claramente elementos que compõem ou definem atmosferas.
38
A Conferência de Nara – conferência sobre autenticidade em relação à
convenção do Patrimônio Mundial, de 1994, afirma que são necessários à verificação da
autenticidade do patrimônio cultural, pesquisas e levantamentos que incluam “[...] aspectos de
forma e desenho, materiais e substância, uso e função, tradições e técnicas, localização e
espaço, espírito e sentimento, e outros fatores internos e externos” (p. 322).
A Carta de Brasília – documento regional do Cone Sul sobre autenticidade,
elaborada em 1995, coloca que autenticidade envolve identidade “[...] que é mutável e
dinâmica e que pode adaptar, valorizar, desvalorizar e revalorizar os aspectos formais e os
conteúdos simbólicos de nossos patrimônios” (p. 325). Considera, portanto, que algo é “[...]
autêntico quando há correspondência entre o objeto material e seu significado” (p.326).
A utilização do termo character é comum em grande parte dos Design
Guides – ou Guias de Design. Tendo surgido na Inglaterra, durante os anos 1970, consistem
em “[...] fortes ferramentas na descoberta e conservação do caráter das cidades e regiões
através da identificação de paisagens, morfologias, tipologias de edificação e materiais
construtivos tradicionais” (YAMAKI et al, 2005, p. 76).
O Essex Design Guide for Residential and Mixed Use Areas – Guia de
Design para Áreas de Uso Residencial e Misto de Essex – publicado em 1973, é citado pelos
mesmos autores como pioneiro e exemplo para diversos guias posteriores. “Considerava os
critérios físicos e visuais da cidade, propondo diretrizes que visavam preservar a harmonia do
conjunto e o caráter do lugar”.
A versão revisada do Residential Design Guidelines of San Francisco
Diretrizes de Design Residencial de São Francisco – (SFCPC, 2003) afirma que o “caráter de
vizinhança – neighbourhood character de uma determinada área se dá em função do
respeito ao contexto visual da mesma, através de padrões, como escala e forma, e
características arquitetônicas similares entre as edificações, assim como de aspectos
relacionados à implantação, tais como as dimensões do lote e recuos dos edifícios.
De acordo com o Rincon Hill Plan – Plano de Rincon Hill – esboço para
discussão pública (SFPD, 2003), também referente à cidade de São Francisco-Califórnia, a
combinação de atributos como “assentamento físico, ruas, edifícios, espaços abertos, história,
cultura e os moradores locais” resulta no caráter próprio e especial de cada bairro.
Contrariando conceitos comuns referentes à preferência por projetos
monumentais, ainda hoje vigentes em algumas escolas, Thomas Sharp já considerava, em
1946, como qualidade essencial de bons edifícios, o reconhecimento e respeito ao entorno em
que se inserem. Analisando a “anatomia” de vilarejos britânicos, este autor afirma que, para a
39
definição de um “caráter arquitetônico” local, a altura das construções, sua posição em relação
às linhas de recuo existentes, o tipo e cor dos materiais utilizados, entre outros aspectos, “[...]
devem ser cuidadosamente considerados em relação ao restante do vilarejo” (SHARP, 1946).
Yamaki e equipe (2005, p. 76) definem caráter das cidades como “[...] o
amálgama de vários elementos que lhes conferem personalidade”.
O arquiteto japonês Kisho Kurokawa (2002) acredita que atmosfera
relaciona-se ao humor e que tem a ver com um sentimento de envolvimento, de “amor à
cidade”. “[...] Pode ser descrita como uma ordem simbólica sem uma estrutura estabelecida”
(cap. 14).
É criada por meio de uma variedade de inter-relacionamentos e
justaposições dinâmicas – relações entre significados e elementos; as maneiras como o
conteúdo simbólico de um elemento pode se modificar; a existência de espaços intermediários
entre elementos diferentes; as conotações de um signo; e as relações das partes com o todo.
Entre os autores analisados no presente trabalho, alguns não chegam a usar
os termos caráter ou atmosfera, mas defendem a necessidade de determinados aspectos que
qualificam uma boa rua ou ambiente. Rapoport (1990), por exemplo, aponta características
físicas e culturais como fatores que estimulam a percepção do espaço através de sua
complexidade (“complexity”). As descrições de Appleyard (1981) sobre como devem ser ruas
de qualidade, as chamadas “livable streets”, remetem diretamente à ambientes com
determinadas atmosferas – vivenciáveis, agradáveis, seguras e saudáveis são alguns entre
vários exemplos. Outra referência seria o termo “familiar”, que remete ao caráter das
chamadas “ruas de tráfego leve”. Jacobs (1999) lista atributos físicos obrigatórios e outros que
contribuem à configuração de “great streets”. Ao afirmar que, junto a este conjunto de
características, ainda é imprescindível um aspecto denominado por ele como “mágica”, o
autor transmite a idéia de uma atmosfera completa de uma rua de qualidade. Deve-se destacar
quando o mesmo fala sobre a importância da “pátina” que, conseguida com o passar do
tempo, confere à rua um senso de história (referência clara à “atmosfera de rua antiga”).
Bentley e equipe (1985), ao definir as propriedades de um espaço responsivo (“responsive
environment”) também se aproximam da idéia de uma atmosfera própria. Seus componentes
poderiam ser, por exemplo, as qualidades de legibilidade – relacionada aos visíveis e que
denota, ainda, a preocupação com um certo caráter de conjunto – e de riqueza – que por ser
multi- sensorial pode se associar aos componentes invisíveis. Para Gifford (1997) a definição
clara de territórios pode levar a uma atmosfera – embora o autor não empregue esta palavra –
de segurança e identidade ou familiaridade com o espaço, implicando em responsabilidades
40
para com este. O senso de territorialidade ou “territoriality” pode ser influenciado, portanto,
por determinadas configurações espaciais. O grupo Project for Public Spaces (PPS, 2003a)
refere-se à idéia de uma atmosfera confortável quando identifica suas quatro qualidades-chave
ao sucesso dos chamados “great places”.
Entre os autores pesquisados, Norberg-Schulz (1980) é o único que utiliza
realmente o termo atmosfera e dá uma clara definição do mesmo. Para este autor, “lugar” é
um espaço repleto de significados e com um caráter distinto – denominado como “caráter
ambiental” (“environmental character”). Este caráter também é chamado de “atmosfera”
(“atmosphere”). Consiste na “essência do lugar” e é determinada pelo “conjunto de coisas
concretas de um local” e suas relações espaciais, além dos símbolos e significados. O mesmo
autor ressalta a importância da identificação de atmosferas no estudo de “lugares” quando
afirma que estas constituem uma de suas “formas mais compreensíveis”.
O PDPC – Plano Diretor de Preservação do Patrimônio Cultural de
Londrina (YAMAKI, 2003a) aproxima-se do conceito de Genius Loci (NORBERG-
SCHULZ, 1980) ao afirmar que “algumas edificações marcam fortemente o lugar em que
estão inseridas, dando-lhes significado ao entorno” (p. 31). A identificação de linguagens
arquitetônicas, caracterizadas por “elementos de expressão” como “implantação, telhado,
ornamentos, jardim, varanda, interior e escala” (p. 33), é um importante fator neste sentido. O
Plano define, como componentes de atmosferas, “ritmo, aberturas, volumes, cor, recuos e
elementos invisíveis intra-quadra” (p. 39).
Um dos mais importantes aspectos considerados por este documento é a
manutenção de atmosferas. São listadas como a primeira categoria de “elementos
componentes do Patrimônio Cultural”. No Plano são freqüentes expressões como “atmosfera
de rua tradicional” – estreitamente relacionada à paisagem homogênea e senso de
comunidade, “atmosfera de rua tradicional comercial de bairro” e “atmosferas de épocas de
desenvolvimento da cidade”.
A utilização deste termo no PDPC resultou em maior difusão deste conceito,
ao menos na cidade de Londrina. Tal fato foi um dos motivos determinantes a aplicação deste
substantivo no presente trabalho. Sua difusão torna-o mais facilmente reconhecido e, portanto,
mais compreensível que caráter ou ambiência. Atmosfera tem sido utilizada em conjunto com
o orientador desta dissertação desde o trabalho final de graduação “Construção e
Reconstrução de uma Rua Tradicional: a Guaranis em Londrina-PR” (LAMOUNIER, 2003) e
nos artigos publicados nos últimos três anos. Esta familiaridade com o termo também foi
outro fator decisivo a sua escolha. Po r fim, e principalmente estas, foram determinantes as
41
definições elaboradas por Norberg-Schulz (1980) e Kurokawa (2002). Baseando-se
primariamente nestas e, num segundo momento, nos fatores apontados pelos demais autores e
documentos pesquisados, as discussões durante o desenvolvimento desta dissertação
permitiram definir atmosfera como a personalidade ou mesmo o caráter de um determinado
espaço. Pode ser dividida em aspectos visíveis – tais como elementos físicos de composição e
suas relações espaciais, além dos signos e demarcadores de territórios – e invisíveis – como
relações de vizinhança, senso de comunidade e apego ao “lugar”.
I.1.1 Atmosfera urbana ou a “aura do lugar”
A literatura tem sido pródiga quanto à descrição de atmosferas. Paisagens,
naturais ou construídas, com seus significados têm sido representadas com êxito, mesmo que
somente através de palavras, por romancistas brasileiros e de diversos países. Interessam a
esta pesquisa, no entanto, apenas descrições de espaços urbanos.
O escritor colombiano Gabriel García Márquez, por exemplo, embora seja
reconhecido pelo realismo fantástico de suas narrativas, costuma descrever de forma bastante
precisa as cidades ou locais onde se passam suas histórias. O trecho a seguir foi retirado do
romance “O Outono do Patriarca” e descreve parte das imagens, odores, sons e cotidiano de
uma fictícia cidade sul-americana.
[...] a catedral arrogante de pedra doirada que ele [o general, patriarca]
havia declarado por decreto a mais bela do mundo, [...] as antigas mansões
de alvenaria com portais de tempos passados e girassóis voltados para o
mar, as ruas empedradas cheirando a pavio apagado do bairro dos vice-
reis, as lívidas senhoritas que faziam renda de bilro [...] entre os vasos de
cravos e os pendurados de amor-perfeito da luz das sacadas, [...] o labirinto
babélico do comércio, sua música mortífera, [...] os carrinhos de garapa,
[...] os baratilhos dos turcos descoloridos pelo sol, [...] o beco de miséria
das mulheres sem homens [...], a roupa [que] secava nas sacadas de
madeira bordada, [...] o vento de mariscos apodrecidos, a luz cotidiana dos
postes à volta da esquina, a desordem do colorido das barracas dos negros
nos promontórios da baía (MÁRQUEZ, 1975, p. 19-20).
Em seu romance autobiográfico “Tempo de Família”, o escritor fluminense
João Luiz Pinaud, através do narrador-personagem “Marcelo”, descreve a atmosfera da rua
42
Bom Jardim, no Rio de Janeiro-RJ. É notável a forma como Pinaud identifica os aspectos que
compunham a atmosfera da rua, por meio de uma narrativa repleta de nostalgia. Constatando
a supressão dos elementos que configuravam a paisagem recordada, devido às transformações
ocorridas ao longo do tempo, o narrador consegue reconhecer saudosamente os aspectos que
determinavam a atmosfera da rua. A atmosfera, para Pinaud, é considerada a própria rua, e
sua descaracterização significa o fim da rua Bom Jardim.
Da janela vejo a rua Bom Jardim estendida entre poucas árvores secas, sem antigas
copas verdes, e as velhas casas, escassas, recolhidas. Prédios altos, cinzentos,
retangulares, nos exatos lugares onde eram casas, e senhoras, à janela,
conversavam as tardes calmas. Ruídos de serras elétricas, britadeiras, fumaça de
ônibus e carros fustigam pessoas apressadas passando. Tudo abafa, pesa, distancia.
Descubro: a rua Bom Jardim partiu! Levou a brisa, tufo das árvores, luzes baças
dos postes, ressonâncias de piano, programas das rádios, calçadas largas, jardins.
Entre as poucas casas que resolveram ficar após a partida da rua, restou a velha
morada da infância, cinzenta, gradil ponteagudo, fortaleza inútil e menor entre
edifícios cortantes, manchada de óleo das máquinas e poeira suja. Aos poucos,
fechou-se em silêncios, encolhida entre folhagens e sombras, defrontando-se com
o casarão vizinho na outra margem do turvo rio de asfalto.
Da janela da sala, posso ver suas paredes amareladas, uma paisagem pertencente
que eu nunca havia percebido antes. O tão familiar escapa. Ainda há, no alpendre,
o vizinho gordo sentado entre samambaias choronas e tinhorões, olhando a rua
transfigurada. [...] Sua saudação leve, com a cabeça, torna-me reconhecível. [...]
Olha indiferente as pessoas serpenteando entre buracos, montes de areia e carros
estacionados sobre as calçadas (PINAUD, 1986, p. 138).
Em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, Afonso Lima Barreto, escritor
carioca precursor do movimento modernista na literatura brasileira, descreve as diferenças
que um mesmo local pode apresentar em dias diversos, ressaltando a importância das pessoas,
atores sociais, quanto à composição da paisagem. Afirma que “[...] nos dias de descanso [...] a
cidade é como um esqueleto, faltam-lhe as carnes, que são a agitação, o movimento de carros,
de carroças e gente” (BARRETO, 1983, p. 60).
Uma única cidade pode apresentar setores, bairros ou mesmo ruas que
possuem um caráter determinado, que os destaca ou, por outro lado, os insere ainda mais no
contexto geral da área em que se localizam. “Atmosfera urbana” refere-se a esta
personalidade, própria de determinado espaço de uma cidade.
“Aura” pode ser definida como o “clima” do lugar, dado pelo conjunto de
sensações que o mesmo transmite ao observador, determinadas pelo conteúdo do espaço.
“Lugar”, por sua vez, é entendido como o espaço que “[...] adquire definição e significado” ou
“[...] qualquer objeto que capta nossa atenção” – os pontos de interesse nos quais os olhos se
43
detêm quando se admira determinada cena (TUAN, 1983, p. 151 e 179).
Atmosfera pode ser entendida como a “aura do lugar” por compreender a
persona lidade, o caráter do mesmo. Tal denominação implica no fato de que, além de
significado para os moradores locais, a atmosfera de um “lugar” também remete a
sentimentos específicos para um observador externo. Seus significados consistem, de um
certo modo, em significados universais que, geralmente, remetem a sentimentos de nostalgia.
Uma certa melancolia frente à recordação de elementos ou valores considerados “de um
passado melhor”, esquecidos ao longo do tempo ou de importância reconhecida apenas depois
de perdidos.
Certa subjetividade é, portanto, indispensável à identificação de atmosferas.
Tal processo envolve uma série de fatores, desde os elementos de composição e sua
organização espacial, os valores e cotidiano da vida local, até a formação cultural e o “estado
de espírito” do observador e mesmo as condições climáticas do dia.
Identificar atmosferas implica apreender os significados que o “lugar”
representa para os moradores e para um eventual observador externo, um “turista”.
44
CAPÍTULO
2
I.2
ESTUDOS EXISTENTES
Os aspectos que conferem qualidades aos espaços vêm sendo
sistematicamente pesquisados por diversos autores. Este capítulo analisa obras de sete autores
ou grupos relacionados ao tema do presente trabalho.
Os arquitetos Jacobs, Bentley e equipe, Appleyard, Norberg-Schulz e
Rapoport, e o grupo Project for Public Spaces (PPS), formado por uma equipe
multidisciplinar, preocupam-se com os fatores que definem o caráter e garantem atratividade
aos espaços, configurando-os como locais de qualidade.
O psicólogo Gifford dedica-se à definição de territorialidade, estudando as
inter- relações entre os comportamentos territoriais e qualidades espaciais.
I.2.1 Qualidades Consideradas pelos Autores
A análise dos autores possibilitou a identificação de sete qualidades que
compõem uma atmosfera, conforme os elementos considerados por cada um dos estudos. A
denominação destas qualidades se deu segundo termos utilizados pelos próprios autores –
“Responsividade” (Bentley e equipe), “Vivenciabilidade” (Appleyard), “Territorialidade”
(Gifford) e “Complexidade” (Rapoport); ou de acordo com os elementos abordados pelos
mesmos – de modo que a qualidade referente às características apontadas por Jacobs foi
denominada Estética; a que se relaciona aos aspectos considerados por Norberg-Schulz,
Identificabilidade; e, a qualidade definida a partir do grupo PPS, Usabilidade do Espaço
Público.
Entre estas qualidades, somente “Territorialidade” não possui subdivisões.
Todas as demais compreendem outras qualidades, também definidas pelos próprios autores.
Estética é compreendida por características físicas necessárias e características físicas que
contribuem à configuração das chamadas “great streets”. “Responsividade” depende da
combinação das qualidades de permeabilidade, variedade, legibilidade, robustez, apropriação
45
visual, riqueza e personalização. “Vivenciabilidade” resulta de sete qualidades denominadas
como segurança, tranqüilidade, comunidade, vizinhança, brincadeiras e aprendizado,
vegetação, e identidade. Usabilidade do Espaço Público divide-se em acessibilidade, imagem,
usos e atividades, e sociabilidade. Identificabilidade baseia-se em aspectos ligados às
qualidades de orientação e identificação, classificados como os componentes “concretos” do
espaço, incluindo a forma como se relacionam entre si, e os significados associados ao
mesmo. “Complexidade” envolve variedade e “ambigüidade” e consiste de diferenças
notáveis, “curiosidade” e significados atados aos elementos.
Por tratar principalmente dos aspectos físicos e visuais que compõem os
espaços, a qualidade Estética (Jacobs) é mostrada antes das demais. Em seguida, podendo ser
classificadas num mesmo grupo, são tratadas as qualidades “Responsividade”,
“Vivenciabilidade” e Usabilidade do Espaço Público (Bentley e equipe, Appleyard, e grupo
PPS, respectivamente), pois, embora predomine a preocupação com as características físicas e
visuais dos espaços, dispensam atenção considerável a aspectos como cultura, uso e
sociabilidade. Identificabilidade (Norberg-Schulz) e “Territorialidade” (Gifford) estão num
outro grupo, já que se referem às influências da configuração dos espaços em funções
psíquicas como orientação, identidade e senso de pertencimento ao local. “Complexidade”
(Rapoport), por fim, trata as influências dos elementos de composição e organização dos
espaços e da carga cultural do observador no processo de percepção. A qualidade apontada
por Rapoport é apresentada por último, por destinar atenção balanceada aos dois grupos de
variáveis (configuração físico - espacial e aspectos culturais).
I.2.2 Autores Analisados
I.2.2.1 Allan Jacobs – Construindo “Great Streets
I.4a
Allan Jacobs é arquiteto e professor do Departamento de Planejamento da
Cidade e Regional da Universidade da Califórnia em Berkeley, desde 1975. Participou de
I.4a
Making Great Streets”. O termo “great streets” foi mantido na tradução por significar algo mais que
“grandes ruas”. Na utilização deste termo, o autor se refere a ruas excelentes, de qualidades excepcionais. A não
tradução, no presente trabalho, visa evitar interpretações equivocadas, bem como possíveis restrições de
significado.
46
diversas atividades profissionais de planejamento e atuou como consultor de planejamento e
design urbano em várias cidades, inclusive em Curitiba-PR. Com interesses voltados à área de
design urbano, tem se dedicado à observação de ruas conhecidas do mundo todo, buscando a
identificação dos fatores que as qualificam como “great streets”. Sua pesquisa envolve
também parques e outros tipos de espaços públicos
I.4b
Estética
Jacobs (1999) utiliza o termo “great streets” para designar ruas de
qualidade. Afirma que algumas qualidades físicas são necessárias a uma “great street
enquanto que outras contribuem fortemente para sua constituição, mas não são requisitos
obrigatórios.
A maior parte das
qualidades necessárias relaciona-se à “construção de boas
cidades”, envolvendo aspectos como “acessibilidade, capacidade de reunir as pessoas, caráter
público, vivenciabilidade
I.4c
, segurança, conforto, participação e responsabilidade” (p. 270).
São oito: “lugares para caminhar agradavelmente, conforto físico, definição, qualidades que
atraem o olhar, transparência, complementaridade, manutenção e qualidade de construção e
design”.
Lugares para caminhar agradavelmente compreendem características que
tornam o passeio confortável e seguro e, ainda, esclarecedor “[...] em termos da experiência
que eles oferecem da cidade” (p. 271). Árvores próximas entre si e alinhadas ao meio -fio
aumentam a separação, dada pela calçada, entre o tráfego de automóveis e pedestres. “Criam
uma zona de pedestres, onde estes se sentem seguros” (p. 273). São necessidades óbvias e
fáceis de se conseguir, mas permanecem ausentes em grande parte das ruas das cidades.
Conforto físico é um aspecto que deve ser levado em conta já no
planejamento da rua. “As melhores ruas são confortáveis, pelo menos tão confortáveis quanto
podem ser em seus assentamentos”. Uma boa rua deve oferecer “[...] proteção razoável dos
elementos sem tentar evitar ou negar o ambiente natural” (p. 275). Esta proteção pode ser
tanto através da arborização quanto dos toldos ou marquises dos edifícios. Áreas ensolaradas,
I.4b
Fonte: <http://www.pps.org/info/placemakingtools/placemakers/ajacobs>.
I.4c
Termo aplicado com o significado de rua em que se possa viver bem, ou seja, que proporciona uma vida
agradável aos moradores.
47
para quando o sol é preferível, também devem, no entanto, serem levadas em conta.
Definição diz respeito à delimitação do espaço de uma rua. Seus limites,
freqüentemente muros ou paredes devem deixar claro onde a rua começa e termina. Devem,
ainda, “manter os olhos das pessoas” na rua e sobre a rua, configurando-a como um lugar. As
ruas são definidas de duas formas: verticalmente, através da altura dos edifícios, muros ou
árvores que a margeiam, e horizontalmente, por meio da largura e o espaçamento entre os
elementos que a definem. A proporção entre a altura e a distância horizontal dos edifícios que
proporciona um melhor sentido de definição é de 1:4, considerando -se um observador
olhando para a direção da rua num ângulo de 30 graus.
Qualidades que atraem o olhar são características que estimulam a atenção,
fazendo “os olhos se mover”. “Complexidade visual é o que é necessário” (p. 282), mas sem
que o ambiente se torne caótico ou desorientador. Signos de habitação, tais como janelas
abertas, com plantas e floreiras em seus peitoris ou nas sacadas, e edifícios com detalhes e
superfícies variadas, podem garantir esta qualidade. Nestes últimos o movimento de luz e
sombra, tal como ocorre com os galhos das árvores, consiste num fator de atratividade durante
o dia. À noite os signos de habitação (que então compreendem também luzes acesas nas
janelas), as luzes da rua (incluindo semáforos e luminosos de propaganda), e as janelas
iluminadas das lojas é que são responsáveis por esta qualidade.
Transparência é uma característica de ruas cujos limites entre os domínios
público e privado são visualmente permeáveis, o que leva a espaços de gradação (nem
públicos nem privados) entre estes domínios. Janelas ou outros elementos que permitem a
visualização, mesmo que parcialmente, do interior do lote e da edificação são importantes por
que denotam se o local é habitado, transmitindo um sentimento de conforto e segurança.
Permitem, ainda, o controle do espaço da rua sem que se necessite sair da casa. Outra forma
de transparência são galhos e arbustos que, pendendo por cima de um muro, são agradáveis
porque podem levar as pessoas ao jardim ou quintal além do muro, mesmo que somente
através da imaginação.
Complementaridade numa rua se dá quando os edifícios, embora não sejam
idênticos, “[...] expressam respeito um pelo outro, mais particularmente na altura e aparência”
(p. 287).
Manutenção é uma qualidade de ruas cujo espaço é limpo e bem cuidado,
assim como as edificações e demais elementos que o delimitam. “É mais que uma questão de
manter as coisas limpas e em bom estado” (p. 291). Envolve, ainda, o uso de materiais
relativamente fáceis de se manter e “[...] elementos de rua com os quais haja certo histórico de
48
cuidados”.
Qualidade de construção e design trata-se de uma característica que não
implica, necessariamente, em grandes gastos. É mais uma questão de escolha certa que de
dinheiro. Implica, na verdade, além de um design de qualidade, no uso dos materiais corretos
e mão-de-obra eficiente. Com o devido conhecimento, materiais mais caros podem ser
substituídos por outros mais baratos, mas com o mesmo grau de qualidade e eficiência.
As chamadas
qualidades que contribuem podem ser tão importantes quanto
as qualidades necessárias ou, simplesmente, consistirem no “algo mais”, a diferença que faz
de uma boa rua uma “great street”. “Alguns fatores, como acessibilidade e topografia, estão
sempre presentes” (p. 293). Densidade e usos do solo também são considerados importantes
porque, embora não estejam diretamente ligados ao design da rua, relacionam-se
estreitamente ao lugar físico, à locação. “Árvores, começos e fins de rua, maior quantidade de
edifícios/ diversidade, características especiais de design: detalhes, lugares, acessibilidade,
diversidade, comprimento, declive, estacionamento, contraste e tempo” compõem as doze
qualidades apontadas por Jacobs que contribuem a uma “great street”.
Árvores possibilitam “[...] transformar uma rua mais facilmente que
qualquer outra melhoria física” (p. 293), além de ser a maneira mais barata de se fazer isto.
Garantem conforto visual e físico e atuam como barreiras na separação entre o tráfego e os
pedestres, além de contribuírem para outras qualidades, mencionadas anteriormente, presentes
nas “great streets”. O autor afirma que as árvores devem ser preferencialmente caducas, por
permitirem que a luz do sol alcance a rua no inverno, e plantadas bem próximas umas das
outras. Um espaçamento entre 4,5 e 7 metros é considerado ideal para árvores alinhadas numa
rua.
Começos e fins de rua podem ser locais de encontro ou pontos de referência.
Dizem respeito aos elementos que demarcam os limites de uma rua. Não precisam, no
entanto, constituírem-se de marcos extraordinários, ou mesmo necessariamente bons. Basta
que sejam notáveis. O começo e o fim de uma rua podem ser marcados, inclusive, pelo fato de
que nestes pontos terminam suas características. Neste caso, a mudança de aspecto físico é
que determina os espaços.
Maior quantidade de edifícios/ diversidade contribui para a definição da rua
e remete a sua continuidade em vários sentidos. A simples linha vertical entre os edifícios,
apontando “onde um começa e outro termina” adiciona interesse ao espaço e dá um
importante senso de escala. Uma rua com muitas construções também tende a ter um maior
grau de diversidade, tanto física quanto social. Um número considerável de edifícios torna
49
maior a probabilidade de proprietários morando na rua, o que garante um bom número de
pessoas que se responsabilizam pela mesma, assim como menores mudanças nos edifícios
com o passar do tempo. Estas tendem, então, a vir de modo a incrementar e não de uma só
vez, garantindo a continuidade da paisagem.
Características especiais de design: detalhes são fortes contribuições às
great streets”. As pessoas se interessam por características especiais de design em certas
ruas. Fazem com que estas sejam memoráveis, “lembradas para sempre”. Algumas idéias de
design podem realmente contribuir para uma “great street”, mas não se deve depender
somente delas. Isoladamente, fontes, bancos, portões, pavimentação ou luminárias não são o
bastante. “Detalhes são os „temperos especiais” (p. 301) à qualificação de uma rua.
Lugares consistem de quebras ao longo da rua que, mais que simples
intersecções, providenciam locais de parada, pausas ou pontos de referência. Podem ser
pequenas praças ou parques, largos ou espaços abertos. Sua importância é ressaltada em ruas
estreitas e longas, bem como em ruas curvas.
Acessibilidade implica tanto na localização da rua (no sentido de facilidade
desta ser encontrada e acessada), quanto na possibilidade de acesso a seu espaço por pessoas
que possuem qualquer tipo de deficiência física (principalmente os que sofrem restrições de
locomoção).
Diversidade é uma característica presente na maior parte das “great streets”.
Nestas há muitos tipos diferentes de edifícios, projetados para seu uso atual, ou para usos aos
quais já não são mais destinados – foram adaptados por seus atuais ocupantes. Tanto os
primeiros, quanto os demais despertam interesse e geram atividade. A diversidade de usos
enriquece a vida de uma área ou rua, por atrair “diferentes pessoas para diferentes
propósitos”. “Variedade, atividade, vivacidade do lugar físico são efeitos prováveis da
diversidade de usos” (p. 304).
Comprimento de uma “great street” pode ser variado. Não há regras sobre
quão curta ou extensa uma rua deve ser para que se torne uma rua de qualidade. Ruas muito
longas, no entanto, precisam de alguns elementos que se destaquem, mudanças que despertem
o interesse.
Declive também é um aspecto presente nas “great streets”. Estas possuem,
quase sempre, graus notáveis de declive não sendo, no entanto, muito íngremes. “Topografia e
declive ajudam por aumentar as vistas e adicionar drama” (p. 305).
Estacionamento não chega a ser uma característica essencial a uma rua de
qualidade, embora esteja presente na maioria destas.
50
Contraste é o que destaca uma rua em relação à outra, ou ao seu entorno. É o
que transforma uma rua numa “great street” e outras em ruas simplesmente boas. O tamanho,
formato, comprimento, ou a regularidade de uma determinada rua pode diferenciá-la do
padrão de seu entorno, tornando-a notável. Isto, no entanto, não é o suficiente à determinação
de uma “great street”. “É o design da rua em si que faz a diferença” (p. 307).
Tempo é citado como uma característica essencial para que a rua adquira
diversidade e “um senso de história que vem com os anos – uma pátina” (p. 307). Neste
sentido, os edifícios destacam-se em relação aos espaços públicos.Great streets”, no
entanto, não precisam ser centenárias, sequer possuir uma idade mínima, mas elementos que
denotam a passagem do tempo são qualidades que contribuem.
Finalmente, Jacobs (1999) lembra que as qualidades citadas em seu
trabalho, mesmo reunidas, não irão garantir uma “great street”, mas são, porém, necessárias.
Um ingrediente final, talvez o mais importante, seria ainda necessário. O autor chama este
ingrediente de “mágica”, “a
mágica do design” e ressalta que “[...] um conhecimento do que
foi feito no passado pode ajudar a trazer esta mágica” para os espaços que estão sendo criados
atualmente (p. 313). Embora aponte basicamente qualidades físicas, o autor afirma que as ruas
devem transcender seus propósitos funcionais, como de circulação e acesso a diferentes
locais, por exemplo. Assim, devem ser ambientes que encorajem a socialização e a
participação das pessoas na comunidade. Conforto e segurança são qualidades fundamentais
para tanto. Conclui afirmando que as melhores ruas possuem vida longa, já que deixam
impressões fortes e positivas em quem as visita.
Prendem os olhos e a imaginação, incentivando um possível desejo de volta
ao local.
51
Figura I.1a – Atmosfera de uma “Great Street
Fonte: Jacobs (1999, p. 309)
Figura I.1b – Definição: relação de 1:4 entre altura dos prédios e largura da rua
num ângulo de observação de 30º para a direção da rua.
Fonte: Jacobs (1999, p. 279)
52
Figura I.1c – Transparência: os galhos revelam um pouco do quintal além do muro.
Fonte: Jacobs (1999, p. 287)
I.2.2.2 Ian Bentley e equipe – Ambientes Responsivos: um manual para designers
I.5a
Ian Bentley é arquiteto e professor co-fundador do Centro Integrado para
Design Urbano da Universidade de Oxford Brookes, onde também atua como diretor do
Projeto Consultoria de Regeneração Urbana. Sua área de atuação inclui estratégias de
desenvolvimento relacionadas ao design urbano, envolvendo estudos de percepção
espacial.
I.5b
Seu livro “Responsive Environments: a manual for designers” foi desenvolvido
em conjunto com os pesquisadores Alan Alcock, Paul Murrain, Sue McGlynn e Graham
Smith.
“Responsividade”
Preocupados com “[...] aquelas áreas de design que mais freqüentemente
parecem dar errado”, Bentley et al (1985, p. 09) defendem a idéia de que o ambiente
I.5a
Responsive Environments: a manual for designers”.
I.5b
Fonte: <http://www.brookes.ac.uk/schools/planning/jcud/bentley.html!>.
53
construído deve ser “responsivo”, ou seja, “[...] providenciar a seus usuários um espaço
essencialmente democrático”, disponibilizando diversos níveis de opções. “Responsividade”,
segundo o mesmo grupo, pode se dar através de sete qualidades, descritas como
“permeabilidade, variedade, legibilidade, robustez, apropriação visual, riqueza e
personalização”.
Permeabilidade consiste na possibilidade ou não de acesso a determinadas
áreas. Pode também ser de caráter exclusivamente visual, permitindo a visualização de locais
onde pode e não se pode entrar. Uma definição clara e a complementaridade entre espaços
públicos e privados são importantes neste sentido. Assim, a permeabilidade visual nas áreas
de interface (público/privado) pode enriquecer o domínio público, mas não deve atrapalhar a
distinção vital entre os espaços. A permeabilidade física nestas áreas de interface se dá nos
jardins e entradas dos edifícios e aumenta o nível de atividade nos limites entre o espaço
público e o privado.
Um sistema de espaços públicos deve ter um número razoável de rotas
alternativas visíveis. Além disso, a maneira como a rede de espaços públicos divide o
ambiente em quarteirões também possui grande influência quanto à permeabilidade física e
visual de um local. Os pequenos quarteirões são, desta forma, preferíveis aos grandes, por
permitirem mais opções de trajeto. Quanto menor o quarteirão, mais fácil pode se ver as
junções das ruas, olhando-se para qualquer direção.
Os autores afirmam que três problemas de design podem prejudicar a
permeabilidade dos espaços públicos: o aumento da escala de desenvolvimento, que tende a
produzir quarteirões muito grandes; o uso de arranjos hierárquicos, por gerar culs-de-sac e
becos sem saída em excesso, além de menor número de trajetos possíveis; e, por fim, a
segregação entre pedestres e veículos, confinando-os a um sistema separado de rotas.
Variedade consiste na diversidade de usos possíveis de um determinado espaço. Tal qualidade
leva à variedade também de formas, usuários e, conseqüentemente, de significados.
“Variedade de uso é, portanto, a chave para variedade como um todo” e possui grande
importância no processo de design (BENTLEY et al, 1985, p. 27).
Pessoas com mais capacidade de mobilidade, proprietários de automóvel,
por exemplo, podem se beneficiar de variedade de atividades mesmo quando estas estão
distribuídas numa grande área. A maioria das pessoas, no entanto, não dispõem de alta
capacidade de mobilidade. Estas necessitam da concentração de variedade em pequenas áreas,
como ruas e bairros.
Legibilidade é a qualidade que torna um ambiente compreensível, ou seja,
54
de fácil entendimento como um todo, para as pessoas que o utilizam. “É importante em dois
níveis: forma física e padrões de atividade” (p. 42). Para que seja considerado legível um
determinado local deve, portanto, ter sua forma física complementada pelos padrões de uso e
vice-versa. De tal modo, locais e edifícios importantes devem parecer importantes e os de
relevância pública facilmente identificados, podendo ser, por exemplo, ressaltados pelos
espaços abertos maiores de uma cidade. Tal característica é fundamental à boa compreensão
de um espaço, principalmente para as pessoas que o estejam visitando pela primeira vez, sem
conhecimento prévio do local.
Robustez é a característica que permite a utilização do espaço para
diferentes propósitos. Envolve implicações diversas para edifícios e áreas externas, embora
seja igualmente importante para ambos.
Nas cidades, os locais externos são fortemente influenciados pelas
edificações que os delimitam. Assim, trabalhar a aparência dos prédios adjacentes pode ser a
principal forma de influenciar as atividades que ocorrem na área exterior próxima aos
mesmos.
Quanto aos edifícios, a robustez pode ser dividida em pequena e larga
escala. Robustez em pequena escala refere-se à capacidade de se usar de diferentes maneiras
os diversos espaços internos de um edifício. Já a robustez em larga escala diz respeito à
capacidade do edifício propriamente dito, ou partes consideráveis do mesmo, terem o uso
modificado. Trata-se de um aspecto a ser considerado previamente, durante o projeto do
edifício, pois, ao contrário da pequena escala, possui implicações de design.
Os autores afirmam que robustez em larga escala pode ser conseguida de
formas diferentes conforme a classificação do edifício em “casas familiares” ou “outros tipos
de construção”. Nas “casas familiares” “[...] robustez é suportada pelas oportunidades de
aumentar a casa como um todo” (p. 57). O que importa neste caso, portanto, é a área do piso
da construção.
Para os “outros tipos de construção” a robustez em larga escala depende de
três fatores: profundidade da construção, que não deve ser extensa a ponto de prejudicar a
incidência de luz natural e ventilação necessária à maioria dos usos possíveis de um edifício;
o acesso (quanto maior o número de pontos de acesso a um edifício, maior será sua
capacidade de adaptação à variedade de usos); e altura, que não pode ser tão elevada, já que
os andares mais altos de um prédio têm menos ligações com o lado de fora, o que restringe a
possibilidade de variedade de usos. Deste modo a configuração preferível de um edifício,
visando a robustez em larga escala, deve ser a de uma construção rasa na planta, ou seja, sem
55
medidas extensas na profundidade, com muitos pontos de acesso e altura limitada.
Apropriação Visual trata da aparência do local de forma mais detalhada, e
sua capacidade de estimular a atenção das pessoas. Afeta as interpretações (quanto aos
significados, por exemplo) que cada indivíduo atribui ao espaço. Tais interpret ações podem
reforçar a responsividade do espaço em três diferentes níveis, todos relacionados à aparência
detalhada do local: legibilidade (em termos de forma e uso), variedade e robustez – em grande
e pequena escala. Assim, legibilidade de forma significa a integração de um edifício com seu
entorno não somente pelas características gerais, mas também através de detalhes similares
como janelas, portas e texturas na fachada, entre outros; já legibilidade de uso ocorre quando
a aparência detalhada do edifício ajuda a indicar o padrão de atividades que ocorrem no
mesmo, ou no local em que este se situa. Variedade implica no estímulo a usos diversos
através da aparência apropriada de determinada área. Quando o potencial de acomodar usos
diversos é reforçado pela aparência detalhada de uma construção e de cada um de seus
espaços internos em particular, ou ainda, de um local aberto e de suas sub-áreas, tem-se a
qualidade de robustez em grande e pequena escala.
Apropriação Visual é apontada como importante pelos autores por
considerarem que pessoas de um mesmo grupo tendem a interpretar de modo similar as
“sugestões visuais” de um local, o que resulta em significados compartilhados. Devido, no
entanto, a diferenças de experiência ambiental ou de objetivos, pessoas de grupos diversos
terão, provavelmente, interpretações diferentes de um mesmo local. A experiência e o
objetivo dos usuários de um dado local devem, portanto, ser tomados como determinantes no
projeto de lugares visualmente apropriados.
Riqueza é a variedade de experiências sensoriais transmitidas às pessoas
pelo ambiente. Embora o sentido da visão seja dominante em termos de informação, há ainda
os sentidos de movimento, olfato, audição e tato. Num ambiente rico, as “[...] pessoas podem
escolher experiências sensoriais diferentes em diferentes ocasiões” (BENTLEY et al, 1985, p.
11), o que pode ocorrer quando se fixa a atenção em diferentes fontes de experiência, ou se
movendo de uma fonte a outra.
Riqueza de movimento implica em diversas possibilidades de se mover
através de um local, sendo mais relevante em grandes espaços; riqueza olfativa pode ser
adquirida somente com o movimento entre fontes diversas, o que a torna possível apenas em
espaço extensos; riqueza auditiva pode ser conseguida em pequenos espaços, mas somente
por meio da imposição de um tipo de som a outro, o que leva à preferência de espaços
maiores para que as pessoas possam se distanciar de alguns sons e se aproximar de outros;
56
riqueza de tato envolve desde o contato físico, onde interessa a textura da superfície em
questão (o que inclui espaços muito pequenos), até a variação do movimento do ar e da
temperatura (o que só pode ser percebido em grandes espaços); riqueza visual, por fim, é
considerada a de maior importância, já que basta a mudança de direção do olhar para que se
alterne o campo visual.
Personalização é considerada importante porque explicita os padrões de uso
de cada lugar. Trata-se da possibilidade dos usuários de personalizar determinado espaço,
deixando ali sua própria marca, denotando seus “próprios gostos e valores” – a chamada
“personalização afirmativa”. Pode ser motivada também pela intenção de melhorar a imagem
do ambiente, quando esta é considerada inapropriada – “personalização reparadora” (p. 99).
Como forma de se evit ar a competição entre preferências individuais, a personalização dos
lugares deve, no entanto, ocorrer de forma controlada, que não prejudique o esquema geral de
integração entre os elementos que compõem o espaço.
Figura I.2a – Apropriação Visual: monotonia (acima) e homogeneidade que desperta interesse
(abaixo).
Fonte: Bentley e equipe (1985, p. 76)
57
Figura I.2b – Personalização: plantas nos muros, sem interferências nas construções (acima); plantas
nos muros e modificações nas construções (abaixo).
Fonte: Bentley e equipe (1985, p. 99)
I.2.2.3 D
ONALD APPLEYARD – Ruas Vivenciáveis e Vizinhanças Protegidas
I.6a
Donald Appleyard era arquiteto e foi professor de Design Urbano na
Universidade da Califórnia em Berkeley, onde fundou o Laboratório de Simulação Ambiental.
Foi membro do Departamento de Planejamento da Cidade e Regional e do Departamento de
Arquitetura da Paisagem, ambos na universidade onde lecionava. Possuía um forte interesse
no planejamento baseado em comunidades e percepção ambiental, tendo definido ferramentas
importantes à análise de percepções ambientais. Estudou os efeitos sociais e psicológicos do
tráfego sobre a vida de residentes locais, as características físicas das cidades como bons
lugares para se viver, além de formas de se administrar o tráfego em áreas residenciais e
conservação de vizinhanças. Appleyard faleceu em 1982, vítima de um acidente de trânsito
I.6b
.
I.6a
Livable Streets and Protected Neighborhoods”.
I.6b
Fonte: <http://www.pps.org/info/placemakingtools/placemakers/dappleyard>.
58
“Vivenciabilidade”
I.6c
Voltando-se para a questão do tráfego de automóveis, Appleyard (1981)
elabora princípios para “ruas vivenciáveis”. Aponta estratégias para avaliação e proteção de
bairros, além de dispositivos para o controle do tráfego.
O autor afirma que, embora não haja uma rua simplesmente perfeita, alguns
aspectos ajudam a defini-la como uma rua ideal ao bem estar de seus moradores. Para tanto,
aponta sete características: “a rua como um santuário seguro, a rua como um ambiente
vivenciável e saudável, a rua como uma comunidade, a rua como um território de vizinhança,
a rua como um lugar para brincar e aprender, a rua como uma área verde e agradável, e, por
fim, a rua como um lugar histórico único” (p. 243).
Para ser
como um santuário seguro a rua deve oferecer segurança em
relação ao tráfego para seus moradores. Consistir num local onde as crianças possam
caminhar o u andar de bicicleta tranqüilamente mesmo através das ruas vizinhas, seja para
brincar ou para chegar “[...] a escolas locais, pontos de ônibus escolares, lojas, playgrounds e
parques que elas queiram visitar”. Motoristas de quaisquer veículos “[...] devem entender que
estão num território pedestre” e dirigir numa velocidade baixa, cuidadosa e atenciosamente.
“Acesso para veículos de emergência, ambulâncias, viaturas policiais e serviço de bombeiros
deve, no entanto, ser providenciado para problemas ocasionais” (p. 243).
Uma
rua vivenciável e saudável significa um ambiente sem problemas com
barulho excessivo ou vibração relacionados ao tráfego. Uma rua onde as pessoas possam
conversar em tons normais nas calçadas, sem interrupções. Poeira e fuligem não devem
penetrar nas casas através das portas e janelas. O ambiente de uma rua assim “[...] deve ter
lugares onde as pessoas possam se sentar, conversar e brincar” (p. 244).
Ruas comunitárias “[...] devem ser lugares onde a vida comum é possível”,
que ofereçam possibilidades à vizinhança de participar da vida da rua. Um ambiente “[...]
agradável o bastante para que as pessoas [também] possam se sentar e conversar facilmente,
onde não haja muitos estranhos”. As comunidades podem incentivar atividades que reúnam os
vizinhos, manter a limpeza “[...] e zelar pelo design detalhado da rua, as calçadas, bancos,
mobiliários e locais de recreação” (p. 244).
A rua que se torna um território simbólico, ao qual os moradores se sentem
I.6c
Qualidade de um espaço em que se pode viver bem, ou seja, que proporciona uma vida saudável e agradável
aos moradores.
59
pertencer e “[...] pelo qual têm um sentimento de orgulho e responsabilidade”, é considerada
território de vizinhança. Nestes casos, é mais comum que os moradores cuidem da
manutenção de suas ruas, “[...] plantem árvores e flores ao longo das mesmas, monitorem o
comportamento da rua e providenciem outros tipos de amenidades” (p. 244).
O que qualifica uma rua como
um lugar para brincar e aprender é seu
“caráter diverso, com diferentes tipos de superfícies” e espaços adequados às diversas
brincadeiras e jogos infantis. Este tipo de rua é considerado como um “ambiente de
aprendizado” por permitir às crianças “aprender muito sobre a natureza”, através da vegetação
e elementos como o sol e o vento, e “sobre a vida social, se há pessoas na rua” com quem elas
“possam conversar em segurança”. Tais aprendizados levam ao aprendizado sobre a cidade
como um todo e dependem “[...] da liberdade [das crianças] de passear com segurança por
toda sua vizinhança” (p. 244).
Árvores, plantas e flores providenciam sombra no verão e alívio frente à
“robustez e ao cinza da cidade”. Remetem ao “[...] ambiente natural que freqüentemente está
distante, marcam as estações e simbolizam, através do crescimento, floração e queda, os
ciclos da própria vida” (p. 244). Uma
rua como uma área verde e agradável é desejada pela
maioria das pessoas que vivem nas cidades.
“Todas as ruas têm uma história”, embora esta possa ser mais evidente em
algumas que em outras. Alguns aspectos como “uma vista, um pequeno córrego, uma velha
árvore ou um jardim”, assim como fatos ocorridos na rua podem lhe garantir uma identidade
especial, “motivo de orgulho” para seus moradores, caracterizando-a
como um lugar histórico
único
. Para serem vistas como um “lugar”, no entanto as “ruas residenciais devem ser
destinos, e não passagens” (p. 244).
O autor defende que “ruas e vizinhanças devem ser os lugares onde os
cidadãos têm controle sobre seus ambientes” (p. 263) e que a realização de “[...] esquemas de
controle de tráfego podem tornar as vizinhanças mais atrativas” (p.275). Tais programas não
devem simplesmente melhorar a aparência física da rua, mas também “[...] reduzir as tensões
da vida familiar tornando as vizinhanças mais seguras e tranqüilas, e ainda encorajar a
estabilidade” (p.275). O controle do tráfego pode ser concomitante ao “melhoramento da
aparência da rua, a oferta de lugares de recreação e repouso, aumento de estacionamentos e
melhoramento das condições para o ciclismo e caminhadas” (p. 277).
Appleyard (1981, p. 278 a 285) ainda define, em relação ao tráfego de
automóveis, três tipos de rua – “Ruas de Tráfego Leve (Light Streets) ou Ruas Familiares,
Ruas de Tráfego Médio (Medium Streets) e Ruas de Tráfego Pesado (Heavy Streets)”, e lista
60
estratégias que possam lhes garantir atratividade ou, ao menos, amenizar os problemas
enfrentados por seus moradores.
Para as
Ruas de Tráfego Leve ou “Familiares” as estratégias apontadas são:
1. Diminuição do tráfego: “sinais convencionais ou feitos pela vizinhança,
semáforos, marcas na pavimentação e mudanças de superfície”.
2. Manter o tráfego fora da rua (exceto veículos de emergência e serviços):
“ruas de sentido único, desvios e barreiras, cancelas e ruas de recreação para pedestres,
permanentes ou temporárias”.
3. Plantio de árvores: plantar e manter as árvores é uma forma de encorajar
os moradores a se responsabilizarem pela rua onde vivem.
4. Grupos na rua ou quarteirão, amenidades sociais e manutenção:
“amenidades sociais como bancos e a organização de grupos na rua podem aumentar o senso
de comunidade e segurança”.
5. Agrupamento dos carros: “pode economizar espaço e reduzir ao mínimo a
intrusão causada pelo estacionamento”. A utilização da rua como estacionamento deve ser
exclusiva aos moradores.
6. Espaço de recreação: “lotes recreativos, áreas para idosos sentarem-se e
aproveitar os amigos, o tempo e a cena de rua, canteiros com vegetação, jardins
comunitários”, etc.
No caso das
Ruas de Tráfego Médio, há somente duas possibilidades:
A. Revertê-las a Ruas de Tráfego Leve: “solução preferível quando as ruas
de tráfego mais pesado podem absorver o tráfego adicional que lhes é imposto”.
B. Tratá-las como Ruas de Tráfego Pesado: envolve as estratégias listadas a
seguir.
1. Controle de velocidade: “semáforos sincronizados, como nas Ruas de
Tráfego Pesado”.
2. Limpeza da rua: cuidado dos motoristas em não sujar a rua e maior
atenção da cidade à “manutenção e limpeza destas ruas”.
3. Proteção Policial: “melhor proteção policial” e “melhor iluminação da rua
e situação dos edifícios de modo que as pessoas possam ter uma visão geral mais ampla de
suas propriedades”.
4. Mitigação e Compensação: nos mesmos moldes que para as Ruas de
61
Tráfego Pesado.
5. Mantê-las como Ruas de Tráfego Médio: solução menos satisfatória,
preferível, no entanto, ao aumento do tráfego.
Quanto às
Ruas de Tráfego Pesado, as estratégias são mitigação,
compensação e tributação:
A. Mitigação: envolve quatro possíveis medidas para melhoramento.
1. Segurança:
a) controle mais estreito de rotas de caminhões e ônibus;
b) controle de velocidade;
c) barreiras de segurança;
d) passarelas ou túneis para pedestres;
e) sinais de cruzamentos de tráfego.
2. Ruído e vibração:
a) controle das emissões de caminhões e ônibus;
b) controle das emissões de motocicletas;
c) barreiras de ruídos;
d) mudanças de nível.
3. Aumento da atratividade:
a) manutenção;
b) plantio de vegetação.
4. Recuos e espaço aberto:
a) residências bem recuadas ou em diagonal nas ruas principais;
b) encontrar espaços abertos, lotes entre os edifícios, por exemplo.
B. Compensação e tributação: utilizados quando não há forma de evitar a
piora das condições de determinado local. Os moradores de ruas que tiveram o tráfego
diminuído podem pagar tributos pelos benefícios e os moradores das ruas cujo tráfego foi
aumentado podem ser compensados.
62
Figura I.3a – Sobreposição de Mapas para Análises com Vistas à Intervenções em Bairros
Fonte: Appleyard (1981, p. 269)
63
64
Figura I.3b – Intervenções Propostas à Melhoria de Ruas
Fonte: Appleyard (1981, p. 280 e 281)
I.2.2.4 PPS – P
ROJECT FOR PUBLIC SPACE
I.7a
O Que Constrói um Local de Sucesso?
I.7b
O grupo PPS – Project For Public Spaces, fundado em 1975, é uma
organização sem fins lucrativos, sediada em Nova Iorque, que se dedica à criação e
manutenção de espaços públicos, enfocando sempre as relações entre estes e as comunidades
locais. Com programas voltados à melhoria de ruas, parques, mercados e outros espaços
públicos, o grupo oferece assistência técnica, pesquisa e educação no sentido de garantir a
vitalidade destes locais. Atuou em vários estados norte-americanos e em mais de vinte países.
Seu corpo técnico é treinado em design ambiental, planejamento urbano, geografia urbana,
psicologia ambiental e arquitetura da paisagem, entre outras áreas, sempre voltando-se à
questões relacionadas à comunidades. O grupo conta com um site na Internet onde
disponibiliza suas pesquisas e através do qual permite contato com a organização. Através
deste site, qualquer pessoa pode se associar ao PPS e ter acesso ou mesmo adquirir as
publicações (livros e periódicos) sobre a criação e manutenção de espaços públicos de
I.7a
Projeto para Espaços Públicos.
I.7b
What Makes a Successful Place?”.
65
qualidade.
I.7c
Usabilidade
I.7d
do espaço público
Baseado na avaliação dos diferentes espaços públicos em diversos países, o
grupo Project for Public Spaces (PPS) define quatro qualidades-chave, existentes nos de
maior sucesso. Tratam-se de espaços acessíveis, onde as pessoas executam certas atividades,
confortáveis e com uma boa imagem, e finalmente, lugares sociáveis
I.7e
.
Acessos e ligações são as conexões físicas e visuais de determinado espaço
com seu entorno. Um bom espaço público precisa ter fácil acesso e ser facilmente enco
ntrado. “É visível tanto de longe quanto de perto”. “Uma carreira de lojas ao longo de uma rua
é mais interessante e geralmente mais segura para se caminhar que muros cegos ou lotes
vagos”. Neste caso a combinação de uma definição clara do espaço e a variedade de opções,
garantindo sua utilização, confere atratividade ao local.
Conforto e imagem são obrigatoriamente características de lugares de
qualidade. “Percepções relacionadas a segurança, limpeza e a disponibilidade de lugares para
se sentar” são aspectos envolvidos por esta qualidade-chave.
Usos e atividades constituem as peças básicas à construção de um lugar.
“Ter algo para se fazer dá às pessoas uma razão para vir a um lugar – e retornar”. Espaços que
não oferecem possibilidade de atividades tendem a se tornar vazios. De acordo com o grupo,
os seguintes princípios são necessários à avaliação dos usos e atividades de um lugar:
• quantidade de atividades e possibilidade de participação do maior número
de pessoas;
• presença equilibrada de homens e mulheres;
• uso do espaço por pessoas de diferentes idades (aposentados e pessoas
com crianças podem usá-lo durante o dia, enquanto outras pessoas estão
trabalhando);
• uso do espaço no decorrer do dia;
• uso do espaço por pessoas sozinhas ou em grupos (significa que há
I.7c
Fonte: <http://www.pps.org/info/aboutpps/about/?referrer=aboutpps_contents>.
I.7d
Qualidade que propicia o uso do espaço, que incentiva as pessoas à utilização do mesmo.
I.7e
Fonte: <http://www.pps.org/topics/gps/gr_place_feat>.
66
lugares para se sentar com os amigos, maior socialização e divertimento);
• boa administração do espaço.
Sociabilidade é considerada a característica mais difícil de ser adquirida. É,
no entanto, de grande eficiência à constituição de um lugar de qualidade. Encontrando-se com
amigos ou vizinhos e sentindo-se confortável mesmo ao interagir com estranhos, as pessoas
tendem a desenvolver um senso mais forte de lugar, sentindo-se mais estreitamente ligadas a
este e a sua comunidade.
Cada uma destas qualidades-chave vem acompanhada por questões a serem
consideradas em análises de casos. Um quadro com estes atributos-chave, seus aspectos
intangíveis (“intuitivos ou qualitativos”) e formas de medida (“aspectos quantitativos”) –
através de pesquisas ou estatísticas – também é apresentado como uma maneira de auxílio à
avaliação de lugares específicos (Figura I.4a).
Figura I.4a – Qualidades que Configuram um “Great Place
Fonte: PPS (2003a)
67
Outro gráfico apresentado no site do grupo aponta as “vantagens do lugar”,
classificando-as em seis categorias de ação: “construir e suportar a economia local, criar
acessibilidade melhorada, promover o senso de conforto, atrair uma população diversa,
promover contato freqüente e significativo, criar e definir a ident idade da comunidade”
I.7f
(Figura I.4b).
Figura I.4b – “As Vantagens do Lugar”
Fonte: PPS (2003b)
I.2.2.5 Christian Norberg-Schulz – Genius Loci: para uma fenomenologia da
arquitetura
I.8a
Christian Norberg-Schulz era um arquiteto norueguês, formado pelo
Politécnico de Zurique, no final da década de 1940. Sob solicitação de Sigfried Giedion
I.7f
Fonte: <http://www.pps.org/pdf/The_Benefits_of_Place.pdf>.
I.8a
Genius Loci: towards a phenomenology of architecture”.
68
fundou, com outros arquitetos noruegueses, o grupo PAGON – Progressive Architects Group
Oslo Norway. O grupo tratava-se de uma delegação do CIAM – Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna – na Noruega. Seus demais membros fundadores eram Arne Korsmo,
Sverre Fehn, Odd Ostbye, Peter Mellbye, Hakon Mjelva, Geir Grung, Robert Esdaile e Jorn
Utzon (este último um arquiteto dinamarquês). Korsmo, aliás, foi parceiro de Norberg-Schulz
no projeto de três casas, entre 1953 e 1955, consideradas muito importantes por introduzir os
princípios do uso do aço e do vidro na Noruega, além de representar um tipo de manifesto de
uma nova maneira de se viver. Já no primeiro ano após a fundação do PAGON Norberg-
Schulz tornou-se membro do CIAM
na Inglaterra e, em seguida, ingressa como bolsista na Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos. No começo dos anos 1960, após um estágio em Roma, retorna
para Oslo e inicia sua carreira acadêmica como professor da Escola de Arquitetura da cidade.
Sua tese de Ph.D. (publicada originalmente em 1963, no volume intitulado “Intenções
na Arquitetura”) defendia uma base humanística da arquitetura, cuja teoria
deveria ser integrada a ponto de envolver, além de todas as “categorias vitruvianas”, tamm
suas inter-relações. Ocupou os cargos de editor do Byggekunst – jornal norueguês sobre
arquitetura – e de diretor da Associação dos Arquitetos de Oslo. Atuou como professor
visitante nas Universidades de Yale e de Cambridge, nos Estados Unidos, e retornou a Roma
como bolsista, entre 1973 e 1974. Teve trabalhos traduzidos para diversos idiomas e foi
convidado para conferências em muitos países. Voltando-se ao estudo da sociologia,
psicologia da percepção e teoria da Gestalt buscava explicar os problemas da arquitetura
contemporânea. Sua obra “Genius Loci”, originalmente publicada em 1979, enfoca a
dimensão existencial da arquitetura. A partir de então, cresce seu interesse pelo significado da
forma e linguagem histórica como principais determinantes projetuais. Norberg-Schulz
faleceu em 2000, na cidade de Oslo
I.8b
.
I.8b
Fontes: <http://www.meamnet.polimi.it/archive/037/037.html>;
<
http://www.24pm-affiliation.com/encyclopedia/P/PAGON/>.
69
Identificabilidade
I.8c
Baseando-se em conceitos “[...] onde sobressaem as funções psíquicas
básicas de orientação e identidade e no pensamento de Heidegger[...]” – segundo o qual o
espaço se origina no lugar, não encontrando fundamento em si mesmo (DEL RIO, 1990, p.
191), Norberg-Schulz defende que a configuração de um determinado espaço deve representar
o espírito do lugar, ou “Genius Loci”. Este conceito trata-se de uma crença dos antigos
romanos, segundo a qual “[...] cada ser „independente tinha seu genius”, um espírito
guardião que “dá vida às pessoas e lugares”, determinando “seu caráter e essência”
(NORBERG-SCHULZ, 1980, p. 18).
O autor defende a idéia de arquitetura como uma forma de suporte
existencial para o homem, uma vez que há um inter-relacionamento entre as “aplicações
psíquicas” e o “lado prático” da mesma. Afirma que, como o “ambiente influencia os seres
humanos”, a arquitetura transcende a definição dada pelo funcionalismo. É algo mais que um
simples abrigo. Assim, os diversos “tipos” de arquitetura seriam, na verdade, “[...] apenas
situações diferentes que requerem diferentes soluções” às necessidades físicas e psíquicas do
homem. A arquitetura é vista, portanto, como “uma concretização do espaço existencial” que,
por sua vez, “[...] compreende os relacionamentos entre o homem e seu ambiente” (p. 05).
“Visualização, complementação e simbolização são aspectos do processo geral de
assentamentos, e moradia, no sentido existencial da palavra, depende destas funções” (p. 18).
Espaço existencial é dividido nos termos complementares de espaço e
caráter, de acordo com as funções de orientação e identificação: “o homem mora onde pode se
orientar” e, principalmente, onde se identifica com o ambiente (p. 05). Este, por sua vez, é
repleto de significados. Seguindo esta linha, o autor conceitua
lugar como um espaço que
possui um caráter distinto e ainda, o local “onde a vida ocorre”, “parte integral da existência”,
podendo ser utilizado como “um termo concreto para ambiente” (p. 06).
As cidades e as casas são constituídas por vários “lugares”. Estes, em geral,
possuem um certo caráter ou “atmosfera”. O conjunto de “coisas concretas”, com “substância
material, forma, textura e cor” determina um “
caráter ambiental”, tido como a “essência do
lugar” (p. 06 e 08). A compreensão de um “lugar”, no entanto, não pode ser reduzida
simplesmente a estas propriedades ou a suas relações espaciais, por exemplo. “A estrutura do
„lugar pode ser descrita em termos de paisagem (landscape) e assentamento (settlement) e
70
analisada por meio das categorias de espaço e caráter” (p.10).
Assentamentos relacionados organicamente com seu ambiente possuem
“caráter ambiental condensado” e claro. O ambiente construído pelo homem consiste, antes de
tudo, “[...] em assentamentos de diferentes escalas, de casas e fazendas a vilarejos e,
secundariamente, caminhos” que os conectam, além dos diversos elementos que transformam
a natureza em “paisagem cultural” (p. 10).
Espaço é entendido como a “organização tridimensional dos elementos que
compõem um lugar”, e,
caráter, como a “atmosfera geral”, “propriedade mais compreensiva
de qualquer lugar” (p. 11). Caracteres diferentes podem ser encontrados mesmo em
organizações espaciais similares, conforme o tratamento dos elementos que definem o espaço.
“Centralização, direção e ritmo” são citados como importantes propriedades do “espaço
concreto” (p. 12).
Enquanto que os limites de um espaço construído são conhecidos como
“piso, muro e teto”, os limites de uma paisagem consistem de “chão, horizonte e céu”. “Esta
similaridade estruturalmente simples é de importância básica para o relacionamento entre
lugares naturais e construídos” (p.13). Os limites permitem classificar a estrutura espacial
visível em “extensão contínua ou descontínua, direção e ritmo”.
Caráter é considerado um conceito mais geral e, ao mesmo tempo, mais
concreto que espaço. Se por um lado denota a atmosfera de um local, por outro relac iona-se à
“forma concreta e substância dos elementos definidores do espaço”, ou seja, “[...] é
determinado pelo material e a constituição formal de um lugar” (p. 14). Pode, ainda, estar
relacionado ao tempo: mudar com as estações, ao longo do dia e com as mudanças do clima,
sobretudo com fatores que determinam diferentes condições de luz.
O tipo do piso de uma determinada área, os elementos que a definem ou
mesmo o céu sobre este dado local são citados como determinantes de seu caráter. O autor
ainda afirma que a ocorrência de aspectos comuns, tais como tipos de janelas, portas e
telhados num conjunto de edifícios é, em grande parte, responsável pela configuração do
caráter do local onde os prédios se situam. A observação destas características comuns,
denominadas como “
elementos convencionais”, permitiria a transposição do caráter de uma
área para outra.
Nos limites, caráter e espaço se misturam, o que leva à definição de Venturi
sobre arquitetura como “o muro entre o lado de dentro e o de fora” (apud NORBERG-
SCHULZ, 1980, p. 15).
Norberg-Schulz ressalta a importância de um ambiente que não tenha,
71
somente, “[...] uma estrutura espacial que facilite a orientação, mas que consista de objetos
concretos de identificação” (p. 21). Afinal, alguém pode se orientar perfeitamente em certos
espaços, sem se sentir “em casa”, mas identificação remete a uma ligação íntima com o
“lugar”, sendo que a “identidade humana pressupõe a identidade do lugar”, um sentido de
pertencimento (p. 22).
Figura I.5aGenius loci: ruas irregulares e densidade de edificações sem recuos, com
mesma escala e telhados similares.
Fonte: Norberg-Schulz (1980, p. 174)
Figura I.5bGenius loci: conjunto de edificações que representam valores culturais
específicos.
Fonte: Norberg-Schulz (1980, p. 70)
72
I.2.2.6 Robert Gifford – Territorialidade
I.9a
Robert Gifford graduou-se em psicologia pela Universidade da Califórnia,
Davis, e tornou-se Ph.D. pela Universidade Simon Fraser. Atua como professor do
Departamento de Psicologia e da Escola de Estudos Ambientais da Universidade de Victoria,
no Canadá, onde leciona psicologia ambiental e psicologia do consumidor em cursos de
graduação e pós-graduação. É editor do Jornal de Psicologia Ambiental desde 2002 e compõe
o quadro editorial do jornal internacional Architectural Science Review. Membro fundador da
Sociedade para Teoria e Pesquisa Interpessoal e presidente da Divisão Ambiental da
Associação Internacional para Psicologia Aplicada, participa também da Sociedade para
Psicologia da Personalidade e Social, da Associação Psicológica Americana e da Associação
Psicológica Canadense, inclusive da Seção sobre Psicologia Ambiental. Seu interesse de
pesquisa é a interface entre a psicologia ambiental, social e da personalidade. Dentro desta
área conduz estudos sobre administração de recursos, julgamento social e ferramentas para
medir cognição individual, comportamento não verbal e a percepção da arquitetura, voltando -
se ao avanço teórico e melhoria dos ambientes construídos e naturais
I.9b
.
“Territorialidade”
Segundo Gifford (1997), a maioria das definições, na área da psicologia,
aponta que territorialidade envolve comportamento e cognição relacionados a um lugar.
Territórios consistem de espaços físicos e podem ser controlados por indivíduos ou grupos.
Não se referem apenas a grandes áreas, pois pequenos grupos podem apresentar
comportamento definindo territórios mesmo em locais pequenos.
Comum a todas as culturas humanas,
territorialidade é um padrão de
comportamento, geralmente passivo, e atitudes expresso de forma individual ou coletiva, “[...]
baseado no controle real, percebido ou intencional” de determinado espaço físico, que possa
envolver “ocupação habitual, defesa, personalização e demarcação” (p. 120).
Demarcar
I.9a
Territoriality”.
I.9b
Fontes: <http://web.uvic.ca/psyc/gifford.html>;
<
http://web.uvic.ca/psyc/gifford/about_me.html>.
73
significa colocar determinado elemento num espaço, indicando intenções territoriais; já
personalização é um tipo de demarcação que indica identidade. Personalização e demarcação
“[...] parecem ofertar benefícios psicológicos ao dono do território, além de simplesmente
informar o mundo a quem pertence este território” (p. 134).
Altman (apud GIFFORD, 1997, p. 120) classifica os territórios em três,
conforme graus de privacidade, associação ou acessibilidade permitida. São eles: território
primário, secundário e público. Além destes, o mesmo autor cita objetos e idéias como outros
tipos de território. Estes, embora possam ser demarcados e defendidos, não são, no entanto,
universalmente aceitos como territórios.
O
território primário, classificado como o tipo mais privativo, consiste de
espaços pertencentes a indivíduos ou grupos primários, como uma família, por exemplo. De
controle rígido e permanente, tem papel central na vida cotidiana de seus donos. A casa de
uma família ou quarto de alguém exemplificam este tipo de território.
O controle do
território secundário é menos essencial para seus ocupantes e
seu espaço pode ser compartilhado com estranhos. Seu significado, no entanto, costuma ser
restrito aos ocupantes. Trata-se de um tipo de território mais comumente mudado ou trocado
que o primário. Uma mesa pessoal de trabalho ou o lugar preferido no quintal de casa podem
constituir territórios secundários.
Territórios públicos são as ruas, praças, calçadas, enfim, “[...] áreas abertas a
qualquer pessoa de acordo com as regras da comunidade” (p. 120). Ou seja, territórios
públicos, diferentemente dos primários, são abertos a qualquer pessoa não especificamente
excluída. Na medida em que territórios públicos podem ser restritos a determinados
indivíduos, seja por discriminação ou comportamento desapropriado, agentes de segurança
também podem ser considerados uma forma de controle territorial.
Gifford cita, ainda, os tipos de território apontados por Lyman e Scott:
interacional e corpo. O primeiro refere-se a espaços de controle temporário por um grupo de
indivíduos que interagem entre si naquela área (sala de aula, área de piquenique familiar e um
jogo de futebol no parque, por exemplo). Nestes, podem ocorrer pequenas demarcações ou
personalizações que são, no entanto, geralmente censuradas como formas de interferência. Já
o outro tipo de território é considerado pelo fato de que todas as pessoas sempre defendem e
tentam controlar o acesso a seu próprio corpo. Maquiagem, jóias, tatuagens e roupas são
formas de demarcação e personalização do corpo.
Limites territoriais vagos propiciam a ocorrência de agressões a seu espaço.
Territórios “[...] podem ser infringidos de três formas gerais: invasão, violação e
74
contaminação” (p. 123).
Invasão ocorre quando um estranho entra no território de alguém,
com a intenção de tomar seu controle. Violação é um tipo de incursão mais temporária no
território alheio, geralmente com o objetivo de importunar ou prejudicar (como no caso do
vandalismo). Pode ser de forma não intencional (música alta tocada por vizinhos, por
exemplo). Já a
contaminação ocorre quando alguém coloca algo indesejado ou desagradável
no território de outra pessoa (lixo jogado em áreas residenciais é um bom exemplo).
Os tipos de defesa utilizados na proteção dos territórios são classificados em
preventiva, de reação ou de limite social. Signos de ocupação e elementos delimitadores de
espaços consistem numa forma de
defesa preventiva. Protegem o território por antecipação,
antes que a infração ocorra.
Defesa de reação, por outro lado, consiste numa resposta direta a
infrações já ocorridas. A
defesa de limite social ocorre por meio da interação, separando
visitantes desejados dos não desejados.
Em geral,
proprietários exercem um controle maior sobre seu território que
pessoas que moram em casas alugadas. Tendem a personalizá-lo mais e a ter um maior
sentimento de responsabilidade para com o mesmo. Independente deste fato, a teoria do
espaço defensável, elaborada por Jacobs e Newman, defende que determinados
arranjos
físicos podem aumentar o senso de territorialidade, incentivando o comportamento territorial
e incrementando a segurança do espaço. Tais arranjos podem ser feitos no nível do quarteirão
ou da vizinhança (alterações de fluxo no tráfego), ou no nível da casa (cercas e plantas).
Plantas bem cuidadas denotam que a casa é habitada, enquanto que a diminuição do tráfego
de automóveis permite aos moradores reconhecer estranhos que passem por ali. Deve-se,
portanto, buscar a eliminação dos espaços pelos quais ninguém se sente responsável e
aumentar as áreas facilmente observadas pelos moradores.
Gifford recomenda observar como as pessoas demarcam ou personalizam
seus territórios quando se pretende pesquisar assuntos relacionados a comportamentos
territoriais. Já para questões concernentes a cognições territoriais, o método preferível é a
aplicação de questionários.
Por fim, o autor afirma que a
familiaridade com o espaço onde se vive
resulta em comportamentos melhor ordenados e organizados, levando a definições claras de
territórios. “Maior senso de auto-determinação, identidade, e talvez mesmo de segurança” (p.
138) são citados como benefícios de tal aspecto.
75
Figura I.6a – Esquema de Análise dos Sentimentos Evocados por um Local
Fonte: Gifford (1997, p. 63)
Figura I.6b – Modelo para Análises de Psicologia Ambiental, Relacionadas a Comunidades
Fonte: Gifford (1997, p. 219)
Figura I.6c – Plantas Bem Cuidadas: expressões de territorialidade:
Fonte: Gifford (1997, p. 126)
76
Figura I.6d – Visibilidade a partir da Rua: a residência da esquerda, de maior
visibilidade, é mais segura que a casa do lado direito.
Fonte: Gifford (1997, p. 128)
I.2.2.7 Amos Rapoport – As Características Perceptivas de Ruas de Pedestres: as
hipóteses gerais e específicas
I.10a
Amos Rapoport é arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura da
Universidade de Wisconsin-Milwaukee. É membro do International Committee of
Architectural Critics Fellow, do Royal Australia Institute of Architects Associate e do Royal
Institute of British Architects. Atuou como professor visitante em diversos países, incluindo o
Brasil. Seus interesses de pesquisa envolvem estudos interculturais e comparativos de
relações entre comportamento e ambiente; design urbano, moradia, design vernacular e os
ambientes construídos de países em desenvolvimento
I.10b
.
“Complexidade”
Rapoport (1990) afirma que um ambiente precisa ter um certo grau de
“complexidade” para ser atrativo. “Complexidade” (p. 262) pode ser entendida em termos de
equilíbrio entre caos e monotonia, necessário ao bem estar do ser humano, que instiga sem
exceder a capacidade de percepção. Tal necessidade é explicada, em partes, pelo fato de que a
percepção consiste num processo, por si só, dinâmico. Em ambientes físicos ou sociais, as
I.10a
The Perceptual Characteristics of Pedestrian Streets: the general and specific hypotheses”.
I.10b
Fonte: <http://www.uwm.edu/SARUP/faculty/rapoport.htm>.
77
pessoas tendem a buscar informação, que pode ser dada através de graus de novidade ou
incerteza. Um ambiente complexo possui qualidades como “visão serial, desdobramento ou
mistério” (p. 263).
Embora dependa de fatores culturais (individuais ou coletivos) e do
contexto ou situação em que se encontram, a percepção dos seres humanos pode também ser
influenciada por características físicas, de modo a garantir maior atratividade a determinado
espaço. Ambientes vívidos e ricos (diversificados, mas não em excesso) tendem a ser
considerados mais agradáveis que os monótonos ou caóticos. Um ambiente mais complexo,
portanto, será melhor apreendido por qualquer pessoa, independente da cultura, uma vez que
as diferenças entre os ambientes são maiores que as diferenças entre as pessoas.
Complexidade é perceptiva e multi-sensorial e relaciona-se à diversidade de
elementos e relações entre estes, sendo que a tais relações é dada maior importância que aos
elementos em si. Associa-se, ainda, a “usos múltiplos, escolha e diversidade de atividades
num mesmo período e ao longo do tempo”, além de variação de “materiais, superfícies,
formas, texturas, alturas, cores, luz e sombra, cheiros, sons e assim por diante” (p. 267).
“Diversidade de caminhos possíveis, justaposição de diversos elementos e áreas, locação,
mistura (mix) e mudanças de atividades”, bem como projetos que “permitam modificações no
decorrer do tempo” são listados como “[...] suficientes para superar os efeitos do hábito e da
adaptação”, resultando em “complexidade” (p. 269). Esta envolve, portanto, qualidades
ligadas à variedade e um fator denominado pelo autor como “ambigüidade”.
Variedade refere-se às chamadas “qualidades perceptivas”, características
físicas que estimulam a percepção. Compreende as chamadas diferenças notáveis e um
aspecto denominado pelo autor como “curiosidade”.
Ambigüidade” relaciona-se a “qualidades associativas”, estando ligada a
aspectos culturais. Trata-se do estímulo à percepção por meio dos significados atados aos
elementos, que podem ser valores, hierarquias, símbolos ou identidade. Desta forma,
determinado espaço pode chamar a atenção pela capacidade de remeter a sentimentos
específicos, por exemplo. Outro tipo de “ambigüidade” se dá quando a configuração física do
ambiente interrompe o campo visual de possíveis observadores, não permitindo sua total
apreensão de uma só vez.
Diferenças notáveis e “curiosidade” são aspectos também inerentes à
“ambigüidade”, pois mesmo características físicas dependem de determinada carga cultural
para serem percebidas. Caso não sejam notadas, não irão contribuir para a “complexidade” do
espaço, pois será como se não existissem. Além de associarem-se tanto à variedade quanto à
78
“ambigüidade”, estes dois aspectos possuem papel de destaque quanto à complexidade por
serem mais facilmente notados que os significados atribuídos aos elementos.
Diferenças notáveis caracterizam-se por “variações dentro de uma ordem”,
ou seja, diferenças encontradas apesar da existência de um determinado padrão. Tais
diferenças são ressaltadas pela organização que garante as relações entre os elementos
diversos. Assim, um espaço ordenado pode ser atrativo por conter algumas variações e
permitir associações diversas, chamando a atenção de um provável observador. Dividem-se
em “diferenças físicas” – subdivididas em aspectos tais como visão, cinestésicos
(movimento), som, cheiros e tátil, “diferenças sociais” e “diferenças temporais”.
Diferenças físicas
Visão
Objetos: forma, tamanho, altura, cor, materiais, textura, detalhes.
Qualidade do espaço: tamanho, forma, barreiras e articulações – fusão, transições, etc. Luz e sombra,
qualidade e níveis de luz, mudanças temporais na luz.
Aspectos visuais de densidade percebida. Novo versus velho.
Ordem versus variedade.
Boa manutenção versus manutenção ruim ou negligenciado. Escala e textura urbana.
Padrão de estradas.
Topografia: natural ou feita pelo homem.
Locação: proeminente, em pontos de decisão, em colinas, etc.
Cinestésicos (movimento)
Mudanças de nível, curvas, velocidade do movimento, etc.
Som
Ruidoso versus calmo.
Sons feitos pelo homem (indústria, tráfego, música, conversas e risadas) versus sons naturais (vento,
árvores, pássaros, água, etc.).
“Morto” versus reverberante.
Mudanças temporais no som.
Cheiros
Feitos pelo homem (comida) versus naturais (plantas, flores, mar, etc.).
Movimento do ar.
Temperatura.
Tátil
Principalmente a textura do piso
Diferenças sociais
Pessoas: línguas faladas, comportamento, roupa, tipos físicos.
Atividades: tipo e intensidade, clubes, restaurantes, igrejas, feiras, mercados, etc. Usos: comercial,
residencial, industrial, etc.; uniforme versus misto.
Carros versus pedestres, outros meios de transporte; movimento versus quietude.
Objetos: signos, propagandas, comidas, objetos usados, cercas, plantas e jardins, decorações, etc.
Como a cidade é usada: uso da rua versus não uso; distinções entre frente e fundos;
distinções entre público e privado, etc.; introvertido versus extrovertido. Todos estão relacionados a
barreiras culturais e regras de comportamento.
Hierarquia e simbolismo, sentido, signos de identidade social e status.
Diferenças temporais
Longo prazo: mudanças ao longo do tempo de um determinado estado para outro (mudanças nas
79
pessoas, na manutenção, nos usos, etc.). Conjunto de fatores que indicam mudança versus
continuidade e estabilidade, e esta mudança pode ser vista como positiva ou negativa. Muitas das
potenciais diferenças notáveis listadas podem ser lidas e interpretadas como indicadores sociais de
bom ou ruim, deteriorando ou qualificando áreas. São culturalmente específicas.
Curto prazo: tipo de usos durante o dia e à noite, durante os dias da semana, finais de semana,
intensidade de uso ao longo do tempo. Tempos e ritmos de atividades (RAPOPORT, 1990, p. 273 e
274).
O autor, no entanto, destaca que sua atenção está voltada para as
características que possam ser visualizadas, embora as demais não sejam menos importantes.
Curiosidade” consiste no estímulo à exploração do espaço pela não
revelação do mesmo numa única olhada. Envolve certos graus de mistério e surpresa,
qualidades de espaços cuja apreensão se dá somente através da visão serial, ou seja, que são
descobertos pouco a pouco durante o percurso, conforme se transita pelos mesmos. Neste tipo
de ambiente, o predomínio da curiosidade sobre a incerteza e o medo garante a atratividade,
tornando-o complexo.
O autor ainda diferencia tipos de ambiente quanto às velocidades de
movimento, afirmando que espaços-pedestre devem ser mais complexos que, por exemplo,
ruas de tráfego intenso e rodovias (Figura I.7a). Deste modo, ambientes ricos permitem longas
caminhadas sem que se fique cansado. Elementos naturais, como vegetação, são de
grande importância neste sentido.
80
Figura I.7a – Diferenças entre Espaços de Alta Velocidade e de Uso Pedestre
Fonte: Rapoport (1990, p. 283)
Segundo Rapoport um ambiente pode ser pouco complexo por três razões:
se há baixa variedade de elementos (o que torna baixa a quantidade de relações entre estes); se
há muita variedade, mas todos os elementos podem ser previstos (não há variações,
impossibilitando a surpresa e novidade da revelação gradual do espaço), o que diminui a taxa
de informação; e, por fim, se os elementos são tão numerosos e variados que não se
relacionam, sobrecarregando o sistema perceptivo (não resultando daí nenhuma informação
útil), por não haver qualquer tipo de ordem.
“Ordem e regras consistentes” que ressaltam pequenas diferenças e grande
variedade de atividades no espaço, são alguns dos fatores que, segundo o autor, garantem o
alto nível de “complexidade” nos ambientes vernaculares, que tendem a permanecer mais
ricos que outros tipos de ambiente.
81
No final do capítulo, o autor apresenta nove páginas (288 a 296) com
ilustrações apontando características que contribuem para a “complexidade” dos espaços
(Figura I.7b).
Figura I.7b – Diferenças Notáveis: aspectos que conferem complexidade aos espaços.
Fonte: Rapoport (1990, p. 288-296)
82
CAPÍTULO
3
I.3
VARIÁVEIS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE ATMOSFERAS
Assumir atmosfera como a “aura do lugar” implica em aceitar que o
processo de identificação de atmosferas passa, necessariamente, pela identificação dos
componentes dos “lugares” aos quais se associam.
A partir dos autores estudados, dos levantamentos e observações em campo
e baseando -se em dois modelos de estruturação de “lugares” – gráfico apresentado pelo
grupo PPS (2003a) e sistema de Canter (1977, p. 158) – pôde-se elaborar dois métodos de
identificação de atmosferas.
O primeiro visa a identificação de atmosferas a partir das qualidades
encontradas no espaço que se pretende analisar. Já o segundo destina-se à identificação dos
elementos e relações presentes na organização de tal espaço.
I.3.1 Método I: a partir das qualidades urbanas
O gráfico apresentado pelo grupo PPS (Figura I.4a) aponta quatro atributos
chave como responsáveis pela qualificação de um dado local no chamado “great place”:
“Sociabilidade – Sociability, Usos e Atividades – Uses & Activities, Conforto e Imagem –
Comfort & Image, e Acessos e Ligações – Access & Linkages”. Cada um dos atributos é
composto por uma série de aspectos intangíveis que, por sua, vez associam-se a formas
diversas de mensuração. Uma tradução deste gráfico é apresentada a seguir (Figura I.8).
83
Figura I.8 – Qualidades que Definem um “Lugar”
Fonte: PPS (2003a)
Baseando-se neste modelo, foi definido um método que permite a
identificação de atmosferas a partir das qualidades encontradas no local (Figura I.9). Tais
qualidades foram definidas a partir do estudo dos autores, dos levantamentos e observações de
campo e dos atendimentos com o professor Yamaki.
De acordo com o método I, atmosfera é composta por quatro classes de
qualidades: 1. ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS (considerado um termo mais amplo que
84
“Sociabilidade”), 2. USOS E ATIVIDADES, 3. CONFORTO E IMAGEM, e 4. ACESSOS E
LIGAÇÕES.
As classes 1, 2 e 3 agrupam quatro qualidades cada e a classe 4 agrupa cinco
qualidades. É importante mencionar que algumas qualidades são compostas por uma série de
outras qualidades. É o caso, por exemplo, de 3.1. Características Físicas e Visuais
Apropriadas, composta por 3.1.1. legibilidade, 3.1.2. complementaridade, 3.1.3. “definição”,
3.1.4. diversidade, 3.1.5. “agradabilidade”, 3.1.6. transparência e 3.1.7. arborização; e de 3.4.
Qualidades Perceptivas, que se compõem de 3.4.1. historicidade, 3.4.2. riqueza
sensorial, 3.4.3. características notáveis, 3.4.4. contrastes/ diferenças e 3.4.5. detalhes.
Figura I.9 – Qualidades que Definem uma Atmosfera
Fonte: Lamounier e Yamaki (2006)
Os quadros a seguir (Figura I.10a,b,c,d) explicam o significado de cada uma
das qualidades apresentadas neste método.
85
Figura I.10a – Definições das Qualidades Urbanas: 1. Aspectos Sócio-Culturais
Org.: Lamounier (2006)
Figura I.10b – Definições das Qualidades Urbanas: 2. Usos e Atividades
Org.: Lamounier (2006)
86
Figura I.10c – Definições das Qualidades Urbanas: 3. Conforto e Imagem
Org.: Lamounier (2006)
87
Figura I.10d – Definições das Qualidades Urbanas: 4. Acessos e Ligações
Org.: Lamounier (2006)
I.3.1.1 Aspectos comuns
Os sete autores estudados apresentam algumas preocupações comuns quanto
às qualidades que definem atmosferas. Embora possam aparecer com classificação ou
denominação diversa em alguns estudos, a recorrência de certos aspectos é facilmente notada.
Deve-se ressaltar, no entanto, que o número de citações de cada qualidade
não implica em maior ou menor importância da mesma. Na verdade algumas destas
qualidades são mesmo interdependentes, de forma que a existência de umas determina
também a ocorrência de outras. Alguns aspectos que são menos citados, por exemplo, podem
refletir uma preocupação mais significativa e detalhada pelos autores que os consideram. Da
mesma forma, o fato de determinados autores citarem um número menor de qualidades pode
significar a preocupação com uma área mais específica, o que exigiria certo detalhamento e,
portanto, uma abordagem mais pontual.
88
A Figura I.11 (a,b,c,d) mostra quais qualidades foram consideradas por
quais autores e identifica o número de citações das mesmas.
Figura I.11a – Aspectos Comuns entre os Autores Estudados: 1. Sócio-Culturais
Fonte: Lamounier (2006)
Figura I.11b – Aspectos Comuns entre os Autores Estudados: 2. Usos e Atividades
Fonte: Lamounier (2006)
89
Figura I.11c – Aspectos Comuns entre os Autores Estudados: 3. Conforto e Imagem
Fonte: Lamounier (2006)
90
Figura I.11d – Aspectos Comuns entre os Autores Estudados: 4. Acessos e Ligações
Fonte: Lamounier (2006)
Todos os autores (sete) citam 2.3. Grau de Interação (2.3.1. entre as pessoas
e 2.3.2. entre as pessoas e local); 3.4.5. detalhes (referente a 3.4. Qualidades Perceptivas); e
4.1. Ordem e Organização Espacial.
Seis autores tratam de 1.4. Personalização; 3.1.3. “definição” (referente a
3.1. Características Físicas e Visuais Apropriadas); e 3.4.3. características notáveis (que
pertence a 3.4. Qualidades Perceptivas).
Cinco autores preocupam-se com 1.1. Cultura; 1.2. Sociabilidade; 2.4.
Segurança; 3.3. Manutenção; 3.4.1. historicidade (relacionada a 3.4. Qualidades Perceptivas);
e 4.2. Acessibilidade e Permeabilidade.
Quatro autores mencionam 2.1. Formas de Uso (2.1.1. ao longo do dia,
2.1.2. ao longo da semana e 2.1.3. ao longo do tempo); 2.2. Variedade; 3.1.1. legibilidade,
3.1.2. complementaridade e 3.1.5. “agradabilidade” (as três pertencentes a 3.1. Características
Físicas e Visuais Apropriadas); 4.3. Continuidade; 4.4. Velocidades de Movimento; e 4.5.
Topografia e Características Naturais.
Três autores (o menor número de citações encontrado) falam sobre 1.3.
Relações de Vizinhança; 3.1.4. diversidade, 3.1.6. transparência e 3.1.7. arborização (as três
referentes a 3.1. Características Físicas e Visuais Apropriadas); 3.2.1. clima e temperatura e
91
3.2.2. sombreamento e área ensolarada (3.2. Variáveis Climáticas); e, por fim, 3.4.2. riqueza
sensorial e 3.4.4. contrastes/ diferenças (3.4. Qualidades Perceptivas).
A contagem das qualidades consideradas por cada autor permite concluir
que, de uma maneira geral, há um equilíbrio entre as preocupações com os aspectos
relacionados à organização físico-espacial e com os aspectos sócio-culturais. Embora haja
alguma diferenciação no sentido de que determinado autor considere um destes aspectos mais
do que o outro, qualidades “visíveis”, relacionadas à configuração do espaço, e “invisíveis”,
associadas a fatores sociais e culturais, aparecem em todos os grupos quantitativos (de três,
quatro, cinco, seis e sete citações).
Tal fato conduz à idéia de atmosfera como resultado das interações entre a
constituição física e organização dos elementos que compõem o espaço, e os valores culturais
e práticas sociais existentes e mantidos no local. Consistem em aspectos indissociáveis entre
si e são os determinantes à composição de atmosferas.
I.3.2 Método II: A partir dos elementos de composição
Outra forma de se definir a atmosfera ou personalidade de um lugar é
através do conjunto de elementos que a compõem. Visualmente, pode ser compreendida em
termos de “camadas” na paisagem. A primeira consiste no espaço livre da rua. Em seguida,
vem a fachada das edificações, sua altura e volumetria. Somente após estas camadas é que se
começa, numa observação mais demorada, a perceber os detalhes que, em ruas tradicionais,
geralmente consistem de personalizações e formas de apropriação do espaço.
A partir da definição de “lugar” como “[...] o resultado dos relacionamentos
entre ações, concepções e atributos físicos”, o psicólogo ambiental David Canter (1977, p.
158) elabora um modelo de identificação de “lugares” com três componentes básicos:
“atividades, atributos físicos e concepções” (Figura I.12).
92
Figura I.12 – Componentes de Formação dos “Lugares”
Fonte: Canter (1977, p. 158)
Segundo Canter (1977) a identificação completa de um “lugar” somente será
possível após o conhecimento dos comportamentos associados a um dado local, dos
parâmetros físicos do assentamento, e das concepções ou descrições que as pessoas fazem ou
mantêm destes comportamentos naquele ambiente físico. Tal processo pode se iniciar por
qualquer uma das três variáveis – preferencialmente pela mais facilmente notada, dependendo
dos critérios de pesquisa e do local a ser analisado.
Baseando-se no sistema de Canter (1977) pôde-se desenvolver um método
que possibilita a identificação de atmosferas urbanas a partir dos elementos de composição do
espaço.
Inicialmente, através da observação das características físicas e organização
espacial dos locais estudados, bem como do comportamento de seus moradores, foram
definidas oito categorias de elementos, estreitamente relacionadas entre si: 1. Implantação, 2.
Fachadas, 3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios, 7. Utilização e 8. Senso de
Comunidade. Referem-se, portanto, a aspectos notados através de análises de plantas ou
mapas das áreas estudadas, vistas – visita aos locais e fotografias, e comportamento –
entrevistas e conversas informais com os moradores, além de observação do cotidiano das
ruas.
As categorias de elementos agrupam-se em três grandes classes: I. FÍSICA,
II. VISUAL e III. ATIVIDADES/ COMPORTAMENTO AMBIENTAL, que também
93
apresentam inter-relacionamento entre si.
Atmosfera consiste, então, na área onde as três classes se sobrepõem, já que
ali é que ocorrem as relações entre as mesmas (Figura I.13).
Figura I.13 – Composição de Atmosferas: classes e categorias de elementos
Fonte: Lamounier e Yamaki (2006)
A categoria 1. Implantação pertence somente à classe I. FÍSICA; 3. Ritmo e
5. Visuais pertencem apenas à classe II. VISUAL; enquanto que 7. Utilização e 8. Senso de
Comunidade referem-se à III. ATIVIDADES/ COMPORTAMENTO AMBIENTAL.
Algumas categorias, no entanto, associam-se a mais de uma classe, ou melhor, situam- se na
interface entre estas. É o caso de 2. Fachadas e 4. “Definição”, localizadas na área comum
94
entre as classes I. FÍSICA e II. VISUAL; bem como da categoria 6. Territórios, que pertence,
além da I. FÍSICA e II. VISUAL, também à classe III. ATIVIDADES/ COMPORTAMENTO
AMBIENTAL – daí o fato de ter sido colocada na “sombra” do gráfico, envolvida por todas
as classes (Figura I.14).
Figura I.14 – Classes e Categorias de Elementos
Fonte: Lamounier (2006)
95
1. Implantação
Compreende características como o sítio natural (relevo), localização,
formato e dimensões da rua, esquinas, vielas, praças e quadras. Quanto às quadras considera-
se, ainda, a quantidade, formato e dimensões dos lotes originados de seu parcelamento. Os
elementos de composição do lote – jardim, edificação e quintal, e a hierarquização de seus
espaços constituem o principal objeto de análise desta categoria pois, se considerados em
conjunto, suas relações com os demais aspectos citados definem a paisagem da rua.
A tipologia das construções de um local, os ritmos percebidos, os elementos
de definição do espaço, as vistas, e mesmo aspectos como a definição de territórios, a
utilização e a formação de um senso de comunidade dependem de como e onde este local é
implantado. Assim, Implantação pode ser considerada uma categoria chave de elementos, pois
determina a configuração de todas as outras sete.
2. Fachadas
Trata-se da categoria de elementos mais facilmente notada na composição
da paisagem de uma rua, fato este confirmado pela afirmação de Relph de que “os edifícios
[...] são os artefatos humanos mais evidentes nas paisagens urbanas” (apud KANASHIRO;
YAMAKI, 2001, p. 212). Refere-se ao estudo de elementos como o material utilizado na parte
frontal das casas – madeira ou alvenaria, existência ou não de varandas, detalhes de
ornamentação, elevação do telhado e localização do acesso frontal.
Fatores como aspectos culturais e o convívio de muitos anos entre vizinhos
podem levar à constituição de valores e conceitos estéticos comuns, que determinam uma
paisagem essencialmente homogênea não sendo, no entanto, monótona. A identificação de
tipos e subtipos de fachada, levando à homogeneidade da paisagem, e a verificação de
possíveis linguagens arquitetônicas são os principais objetivos da análise desta categoria.
3. Ritmo
O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2004, p. 1764) define
ritmo como “movimento regrado e medido [...] que se repete, no tempo, a intervalos
regulares, com acentos fortes e fracos”. O mesmo dicionário traz a seguinte definição,
referente ao campo das artes: “[...] a disposição ou o desenvolvimento harmonioso, no espaço
96
e/ ou no tempo, de elementos expressivos e estéticos, com alternância de valores de diferente
intensidade”.
O ritmo de um determinado espaço é definido pela conjugação de vários
aspectos. Depende da disposição dos componentes físicos – tendo grande importância o
espaçamento entre os mesmos, da forma, volume e altura dos elementos e da freqüência de
detalhes similares.
As relações que se destacam no campo visual ou na “cena” é que
determinam o ritmo local. Geralmente, é dado pela relação entre a largura dos lotes, volume
das edificações e recuos frontais e laterais; pela seqüência – com ou sem interrupções – de
edificações que seguem uma mesma linguagem ou estilo arquitetônico, de varandas e telhados
recortados, freqüência de detalhes construtivos e número de aberturas na fachada; pela
ocorrência de jardins na frente dos lotes, de limites que permitem ou impedem a visibilidade
do espaço intra-lote e assim por diante. O relevo também pode ser um importante fator na
definição de ritmos. Um conjunto de casas com a mesma altura, por exemplo, situado numa
área de topografia acentuada pode transmitir a impressão de um escalonamento de alturas.
Estudos de configuração espacial devem levar em conta os ritmos verticais e
horizontais, dados pela altura, largura e espaçamento entre os elementos que estruturam a
paisagem do local. A ilustração a seguir (Figura I.15) foi retirada do Residential Design
Guidelines of San Francisco (SFCPC, 2003) – versão revisada – e mostra o ritmo de
composição de um conjunto de quatro edificações que, numa primeira observação,
apresentam fachadas totalmente diversas entre si.
Figura I.15 – Conjunto de Edificações: ritmos horizontais e verticais
Fonte: SFCPC – San Francisco City Planning Commission (2003, p. 16)
O ritmo horizontal do conjunto é definido pela largura das construções e
recuos laterais similares entre as mesmas, presença de escadaria no lado direito das fachadas,
tipologia de aberturas – linha de portas e janelas, e pela vegetação demarcando a entrada
97
principal. A combinação entre relevo acentuado e altura aproximada entre as edificações,
ocasionando o escalonamento das mesmas, é responsável pela definição do ritmo vertical.
4. “Definição”
Relaciona-se ao conjunto de elementos que delimitam o espaço estudado.
Podem ser características únicas ao espaço, destacando-o de seu entorno, bem como
edificações, praças ou ruas transversais significativas que indiquem o começo e o fim da rua
analisada, tornando clara sua localização.
“Definição” refere-se também à delimitação do espaço livre da rua pelas
edificações e demais elementos que o margeiam. Determinar linhas de recuo frontal permite
“[...] fixar a locação das fachadas da rua para adquirir o senso de amplidão ou de
estreitamento desejado, bem como da continuidade da forma da rua” (EICHNER; TOBEY,
p.279).
Neste sentido, deve-se considerar dois tipos de definição: horizontal –
espaçamento entre os elementos nas margens de uma rua (recuos frontais e laterais,
homogêneos e diversos, por exemplo), e vertical – altura dos elementos que definem a rua
(diferença de níveis devido à topografia acentuada, altura das árvores, dos muros e das
edificações, por exemplo).
5. Visuais
São as perspectivas e abrangência do campo de visão, determinadas pela
declividade do terreno, forma e largura das ruas, distribuição de espaços livres, além da
arborização, altura e alinhamento das edificações.
Para o morador de um local cada componente tem seu peso de significado,
não importando muito a visão de conjunto. As coisas podem até não combinar entre si. O
“turista” é que tem melhor percepção de conjunto, embora determinados aspectos possam
chamar mais a atenção num primeiro momento.
O Plano Diretor de Londrina de 1995 (YAMAKI; FERREIRA; LIMA;
MENDONÇA) afirma que panoramas e vistas têm grande importância à definição de um
senso de “lugar”.
Métodos baseados no estudo de estruturação da paisagem através de campos
visuais são utilizados por diversos autores. A análise desta categoria nas ruas estudadas
98
baseia-se nos modelos apresentados por alguns periódicos japoneses – Rekishiteki Shuraku
Gairo Keikan
I.11a
(s/ d), Space Design – SD 7802 (1978), Rekishiteki Machinami Jiten
I.11b
(NATIONAL TRUST JAPAN, 1981) e Toshi Jutaku: urban housing 8301 (1983), pelo
Design Guide for Residential Areas de Essex (COUNTY COUNCIL OF ESSEX, 1973) e
pelo arquiteto alemão Dieter Prinz (1984). A Figura I.16 (a,b,c) a seguir traz alguns destes
modelos.
Figura I.16a – Visuais: método de análise de paisagens
Fonte: National Trust Japan (1981, p. 42)
Figura I.16b – Visuais: método de análise de paisagens
Fonte: County Council of Essex (1973, p. 67)
I.11a
Paisagens de Rua em Vilarejos Históricos (Trad.: Yamaki).
I.11b
Dicionário de Casario Histórico (Trad.: Yamaki).
99
Figura I.16c – Visuais: método de análise de paisagens
Fonte: Prinz (1984, p. 45)
6. Territórios
Consiste na categoria em que se busca identificar os elementos que indicam
demarcação e personalização do espaço. A partir dos territórios “primário, secundário e
público” definidos por Altman (apud GIFFORD, 1997, p. 120), e do relacionamento de
diferentes áreas das ruas estudadas aos domínios público, privado e espaços de gradação entre
ambos, foram definidos cinco tipos de território, além de uma classificação que se refere à não
definição de territórios. São os Territórios Íntimo, Privado, Semi-Privado, Semi-
Público, Público e “Espaço Desterritorializado”.
A Figura I.17 (a,b) a seguir, mostra o relacionamento dos tipos de território
aos domínios público e privado e os diferencia em relação à aspectos como privacidade
visual, personalização, manutenção e controle (sendo este último dividido em exclusivo e
compartilhado, e classificado em alto, médio e baixo).
100
Figura I.17a – Relação entre os Tipos de Território e os
Domínios Público e Privado
Fonte: Lamounier (2006)
Figura I.17b – Tipos de Território: critérios de classificação
Fonte: Lamounier (2006)
101
O Território Íntimo é uma forma mais particular de território privado. Trata-
se da área mais restrita deste, de acesso por um número menor de pessoas – freqüentemente
membros de uma mesma família ou convidados. Um Território Íntimo não pode ser visto por
estranhos. Sua visualização a partir do domínio público é mínima e, quando ocorre, se dá
somente através de pequenos recortes de visão.
O Território Privado consiste num espaço controlado de forma rígida por
um indivíduo ou pequeno grupo. O “dono” ou os “donos” deste tipo de território podem
personalizá-lo e controlar seu acesso da maneira e intensidade como desejarem. Algumas
intervenções, embora situadas em territórios privados, são visíveis a partir do domínio
público. Refletem intenções de demarcação clara, preocupação com o embelezamento do
espaço externo, ou as duas coisas, como em grande parte destes casos.
O Território Semi-Privado pode ser de maior ou menor intensidade.
O Território Semi-Privado de maior intensidade trata-se de um espaço
pertencente ao domínio privado que é compartilhado por “donos” diferentes (duas famílias
num mesmo lote sem divisão física, por exemplo). Não deixa de receber, no entanto, os
mesmos cuidados e personalizações que o Território Privado.
Já o Território Semi-Privado de menor intensidade constitui-se num espaço
de caráter legalmente público, mas que sofre “apropriações” pelos moradores locais, que o
personalizam e zelam pelo mesmo. É entendido como parte ou extensão do domínio privado
sem que haja, no entanto, restrições de acesso ao espaço. Há, no máximo, formas mais
amenas de controle tais como observação relativamente constante e indagação sobre a
permanência de pessoas estranhas no local.
O Território Semi-Público também consiste num espaço de caráter
legalmente público, de acesso irrestrito, mas que sofre algum tipo de controle, embora de
maneira um pouco menos intensa que no Território Semi-Privado de menor intensidade. No
Território Semi-Público não se verifica personalizações ou outro tipo de demarcações físicas.
Seu controle é comportamental, ou seja, ocorre por meio das atitudes de seus “donos”,
restringindo-se à observação do espaço ao longo do dia e indagação sobre a permanência de
pessoas estranhas no local.
Território Público pertence, como o próprio nome indica, ao domínio
público. Sua observação é motivada por preocupações com a segurança do local. Aspectos, no
entanto, como grande movimento de tráfego – de automóveis e pedestres – e quantidade O
Território Íntimo é uma forma mais particular de território privado. Trata-se da área mais
restrita deste, de acesso por um número menor de pessoas – freqüentemente membros de uma
102
mesma família ou convidados. Um Território Íntimo não pode ser visto por estranhos. Sua
visualização a partir do domínio público é mínima e, quando ocorre, se dá somente através de
pequenos recortes de visão.
O Território Privado consiste num espaço controlado de forma rígida por
um indivíduo ou pequeno grupo. O “dono” ou os “donos” deste tipo de território podem
personalizá-lo e controlar seu acesso da maneira e intensidade como desejarem. Algumas
intervenções, embora situadas em territórios privados, são visíveis a partir do domínio
público. Refletem intenções de demarcação clara, preocupação com o embelezamento do
espaço externo, ou as duas coisas, como em grande parte destes casos.
O Território Semi-Privado pode ser de maior ou menor intensidade.
O Território Semi-Privado de maior intensidade trata-se de um espaço
pertencente ao domínio privado que é compartilhado por “donos” diferentes (duas famílias
num mesmo lote sem divisão física, por exemplo). Não deixa de receber, no entanto, os
mesmos cuidados e personalizações que o Território Privado.
Já o Território Semi-Privado de menor intensidade constitui-se num espaço
de caráter legalmente público, mas que sofre “apropriações” pelos moradores locais, que o
personalizam e zelam pelo mesmo. É entendido como parte ou extensão do domínio privado
sem que haja, no entanto, restrições de acesso ao espaço. Há, no máximo, formas mais
amenas de controle tais como observação relativamente constante e indagação sobre a
permanência de pessoas estranhas no local.
O Território Semi-Público também consiste num espaço de caráter
legalmente público, de acesso irrestrito, mas que sofre algum tipo de controle, embora de
maneira um pouco menos intensa que no Território Semi-Privado de menor intensidade. No
Território Semi-Público não se verifica personalizações ou outro tipo de demarcações físicas.
Seu controle é comportamental, ou seja, ocorre por meio das atitudes de seus “donos”,
restringindo-se à observação do espaço ao longo do dia e indagação sobre a permanência de
pessoas estranhas no local.
Território Público pertence, como o próprio nome indica, ao domínio
público. Sua observação é motivada por preocupações com a segurança do local. Aspectos, no
entanto, como grande movimento de tráfego – de automóveis e pedestres – e quantidade.
103
8. Senso de Comunidade
O convívio entre moradores de um local ao longo dos anos pode resultar na
construção de um cotidiano comum, repleto de valores e conceitos compartilhados. O espaço
acaba por representar os mesmos significados para os moradores, que passam a realizar
intervenções neste e sentem-se responsáveis por sua manutenção. A constituição de
comunidades entre vizinhos reforça os vínculos com o “lugar”, aumenta o “apego ao chão”, o
que contribui à continuidade da paisagem.
Pode ser expresso simplesmente pelas relações de vizinhança – laços de
amizade entre vizinhos (muros baixos nos limites com a rua e entre os lotes exemplificam tal
aspecto), ou troca de mudas de plantas entre estes (o que se nota pela recorrência de certas
espécies nos jardins de uma mesma rua); ou ainda pela organização dos moradores quanto à
manutenção e qualificação do espaço onde vivem (limpeza e plantio de árvores, por exemplo).
O estabelecimento de laços entre moradores e sua organização de forma a
melhorar o espaço onde vivem parece ser uma característica também associada ao nível social
das pessoas. Em bairros ou ruas onde predominam famílias de classe média e baixa as pessoas
costumam permanecer mais tempo na rua, seja conversando ou simplesmente “observando o
movimento”. Neste contexto, a falta de automóveis, por exemplo, pode tornar a rua onde se
mora o principal local de lazer, onde se permanece durante a maior parte do tempo livre.
Bairros mais antigos também apresentam maior senso de comunidade.
Nestes locais, os moradores participaram ativamente do processo de construção do espaço,
chegando a construir uma história em comum com o mesmo. Já idosos, muitos ainda insistem
em varrer a frente da casa e sair à rua para conversar com os vizinhos.
Em ambos os casos, as dificuldades comuns surgidas no início da
construção do espaço parecem ter sido o motivo chave, o “gatilho” a desencadear o processo
de constituição e organização da comunidade.
Senso de Comunidade também parece estar associado à homogeneidade da
paisagem. Valores estéticos comuns e práticas compartilhadas levam a construções e formas
de organização do lote bastante parecidas. Tuan (1983, p. 116) afirma que a comunidade
tradicional “[...] pode ter maior conhecimento sobre as formas de construção e de espaço” do
que a moderna e que “seus abrigos mostram pouca mudança com o passar do tempo”. Além
de conduzir, portanto, à maior segurança e utilização do espaço, pela observação e interação
entre os moradores na rua, um forte senso de comunidade é essencial à permanência de
104
atmosferas, uma vez que implica em mecanismos de manutenção da paisagem e da própria
comunidade.
I.3.2.1 Elementos de composição e qualidades definidas pelos autores
Anteriormente foram definidas sete qualidades a partir dos autores
estudados: 1. Estética (Jacobs), 2a. “Responsividade” (Bentley e equipe), 2b.
“Vivenciabilidade” (Appleyard), 2c. Usabilidade do Espaço Público (grupo PPS), 3a.
Identificabilidade (Norberg-Schulz), 3b. “Territorialidade” (Gifford) e 4. “Complexidade”
(Rapoport). Tendo-se definido as oito categorias de elementos – 1. Implantação, 2. Fachadas,
3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios, 7. Utilização e 8. Senso de Comunidade,
pôde-se relacioná-las às qualidades citadas conforme os elementos envolvidos por cada uma
destas (Figura I.18). Como muitos aspectos são preocupações comuns aos diversos autores
(como mostrado na Figura I.11a,b,c,d), todas as qualidades acabam por se relacionar a
categorias também comuns.
Constatou-se que 1. Estética, 2a. Responsividade, 2b. Vivenciabilidade e 4.
Complexidade associam-se a todas as categorias pois, mesmo que de forma geral, envolvem
aspectos referentes à 1. Implantação, 2. Fachadas, 3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6.
Territórios, 7. Utilização e 8. Senso de Comunidade.
3a. Identificabilidade relaciona-se a sete categorias de elementos,
desconsiderando somente a categoria 7. Utilização.
2c. Usabilidade do Espaço Público envolve elementos de seis categorias. As
categorias não associadas por esta qualidade são 3. Ritmo e 6. Territórios.
3b. “Territorialidade”, por fim, associa-se a apenas cinco categorias.
Desconsidera as categorias 2. Fachadas, 3. Ritmo e 4. “Definição”.
105
Figura I.18 – Qualidades e Elementos de Composição
Fonte: Lamounier (2006)
106
I.3.3 Identificando a “Aura do lugar”
Os métodos definidos neste trabalho permitem duas formas diferentes de se
identificar atmosferas.
O método I – baseado em quatro componentes chave, permite apontar
diretamente as possíveis qualidades encontradas nos diferentes espaços urbanos a serem
analisados (Figura I.19a,b,c,d). A identificação dos elementos responsáveis pelas mesmas
seria realizada, então, num momento posterior, com o aprofundamento da análise. Pode ser
considerado um eficiente mecanismo de valorização e reconhecimento de atmosferas já que
permite aos próprios moradores uma listagem fácil e clara das qualidades do local onde
vivem.
Figura I.19a – 1.Aspectos Sócio-Culturais: subsídios à identificação de atmosferas
Fonte: Lamounier (2006)
107
Figura I.19b – 2. Usos e Atividades: subsídios à identificação de atmosferas
Fonte: Lamounier (2006)
108
Figura I.19c – 3. Conforto e Imagem: subsídios à identificação de atmosferas
Fonte: Lamounier (2006)
109
Figura I.19d – 4. Acessos e Ligações: subsídios à identificação de atmosferas
Fonte: Lamounier (2006)
Com o método II – baseado em três componentes principais, ocorre o
processo inverso, ou seja, objetiva-se inicialmente a identificação dos elementos que
compõem atmosferas (Figura I.19). Sua aplicação é útil a estudos onde se pretende uma
identificação com maior exatidão dos componentes da atmosfera, pois exige um levantamento
mais detalhado de aspectos morfológicos e sócio-culturais. Uma análise aprofundada dos
mesmos leva às qualidades pelas quais são responsáveis.
Figura I.20 – Elementos de Composição: subsídios à identificação de atmosferas
Fonte: Lamounier (2006)
110
Os dois sistemas consistem em formas possíveis de metodologia ao
desenvolvimento de um processo que tende a variar de acordo com cada observador. Sua
aplicação ajuda a evitar os perigos do “gosto ou não gosto”, por permitir uma leitura mais
eficiente.
Facilitam a identificação de aspectos da paisagem – sejam eles qualidades
ou elementos de composição – nem sempre notados pelos moradores locais, cuja percepção é
comprometida pelo longo tempo de residência no local.
Deve-se ressaltar, no entanto, que ao processo de compreensão das
atmosferas das ruas e bairros estudados neste trabalho, foi de grande importância a percepção
pessoal e subjetiva do autor. Um certo “faro” que, com algum treinamento, permitiu leituras e
identificação de aspectos significativos nos espaços analisados. A própria aplicação de ambos
os métodos é influenciada por essas formas subjetivas de análise. Busca-se um processo de
percepção que envolva inicialmente a visão de um observador externo, um “turista” eventual
cuja curiosidade permite um olhar mais aguçado, atento aos detalhes da configuração físico-
espacial, embora muitos valores e significados locais lhe permaneçam alheios, e que, num
segundo momento, deve se aproximar mais da visão de um morador local, “acostumado” com
a paisagem cotidiana, mas para quem o espaço é repleto de significados.
Na próxima parte da dissertação, a atmosfera de algumas ruas de Londrina é
identificada a partir dos elementos de composição e qualidades associadas aos mesmos.
111
REFERÊNCIAS
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116
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dezembro de 1937. p. 1. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
JORNAL Paraná Norte. Milagre numa Cidade Ponta de Trilhos. In: Paraná Norte.
Londrina: 04 de novembro de 1934. p. 1. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
117
PARTE II
ATMOSFERAS DE LONDRINA:
PERMANÊNCIA E TRANSFORMAÇÃO
118
CAPÍTULO 4
II ATMOSFERAS DE LONDRINA: PERMANÊNCIA E TRANSFORMAÇÃO
Londrina se localiza no norte do Paraná, próximo à divisa com o estado de
São Paulo. Com pouco mais de 70 anos, pode ser considerada uma cidade nova. Seu
crescimento, no entanto, se deu de forma relativamente rápida. O “Censo 2000 com Divisão
Territorial 2001” realizado pelo IBGE
II.1
contabiliza 447.065 habitantes no município.
Yamaki (2006, p. 18) considera que “a região de Londrina chegou a ser
conhecida entre alguns grupos de imigrantes como „Colônia Internacional” e que, já em
1934 “[...] haviam sido registrados compradores de terras de 20 diferentes nacionalidades”.
Esse número chegaria, na mesma década, entre 31 e 36 nacionalidades. O mesmo autor afirma
que “[...] os migrantes e imigrantes definiriam uma densa paisagem multicultural”.
A cidade foi projetada pela CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná
(a Planta Inicial é de autoria do engenheiro agrimensor russo Alexandre Razgulaeff) – no
início dos anos 1930, num processo que levava em conta um detalhado levantamento do
relevo e da hidrografia local. A divisão de terras ocorria, portanto, somente após a
identificação de rios e espigões. A adequação à topografia e a localização em lugar “alto e
simbólico” foram parâmetros adotados em todas as cidades projetadas pela Companhia. A
construção de cidades em locais de boa drenagem e de bons ventos já era recomendada por
Vitruvius (1999), no século I a.C. Ainda sob o mesmo enfoque, a Lei das Índias, de 1576,
considerava que se devia encontrar “lugares de média elevação, que recebem bons ventos”.
Em relação ao traçado urbano, foi adotado o sistema de malha xadrez que,
segundo Moudon e Untermann (1987), significa intenção definida, ao contrário da malha
orgânica que representaria necessidade. Como forma de facilitar a implantação da cidade o
ponto mais alto do espigão, onde viria a se localizar a catedral, coincidia com a área central do
traçado inicial. A melhor parte da cidade, em relação à topografia, foi loteada neste primeiro
momento.
O rápido crescimento urbano determinou a expansão do plano inicial de
Londrina já no final da década de 1930. Nesta mesma época as chácaras próximas aos limites
II.1
Fonte: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>.
119
do centro também eram loteadas pelos proprietários, sob autorização da Companhia de Terras.
Vila Casoni, Vila Matarazzo e Vila Agari são alguns dos novos loteamentos
cujo memorial fora publicado no Edital de Loteamento de Imóveis pelo Jornal Paraná Norte,
em 3 de julho de 1938. Os novos bairros foram ocupados por grupos mais ou menos
homogêneos de moradores, com condições iniciais quase idênticas, o que determinou a
formação de um forte senso de comunidade concomitantemente ao processo de construção
das ruas. São estudadas, neste trabalho, como “ruas tradicionais”.
Em 1951, visando evitar o crescimento descontrolado da cidade, a Prefeitura
Municipal de Londrina contrata o engenheiro Francisco Prestes Maia, considerado um dos
maiores urbanistas brasileiros, para elaborar a Lei 133/51. De acordo com o prefeito Hugo
Cabral era necessário “proporcionar um crescimento metódico e ordenado, sem o perigo de
futuros tropeços e dificuldades que estão sujeitas as cidades que se expandem às cegas”. A lei
recomendava “soluções e certo caráter formal em que se previa tipos de bairros” e
evidenciava as “primeiras preocupações com a paisagem” (YAMAKI, 2004, p. 6). Os espaços
projetados sob as diretrizes desta nova lei são aqui considerados “ruas de nova tradição”.
No período em que vigorava a moderna lei, foi projetado pela COHAPAR –
Companhia de Habitação do Paraná, o primeiro conjunto de residências populares de
Londrina – o Conjunto do Café. É classificado como “nova velha tradição” por reunir, em sua
configuração, aspectos referentes à construção de espaços tradicionais e preocupações
surgidas somente após a elaboração da 133/51.
Dentro do contexto de classificação de ruas apresentado, os condomínios
residenciais fechados, constantes nas médias e grandes cidades contemporâneas, poderiam ser
chamados de “ruas de novíssima tradição”. Estes espaços não são, no entanto, estudados nesta
dissertação, uma vez que o trabalho volta-se somente à identificação de atmosferas em áreas
que mantêm valores e qualidades dificilmente encontrados nos espaços urbanos mais recentes.
A figura II.1 mostra as ruas analisadas neste estudo:
1 • Guaranis, Icós e “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas – tradicionais;
2 • Guilherme da Mota Correia, no Jardim Shangri-lá – nova tradição;
3 • e, por fim, o Conjunto do Café – nova velha tradição.
O mapa dos anos 1950, elaborado a partir de levantamento
aerofotogramétrico, foi escolhido para indicar a localização das ruas por demonstrar a
existência destes espaços já no início do desenvolvimento de Londrina. Entre construídas, em
construção, ou ainda por sofrer modificações quanto ao traçado e estruturação geral do
120
loteamento – como no caso do Conjunto do Café, todas as ruas analisadas já aparecem nesta
época.
Figura II.1 Localização das Ruas Estudadas anotações do autor sobre “Planta da Cidade de
Londrina, 1957-1958”
Fonte: Yamaki (2003b, p. 43)
II.1
RUAS TRADICIONAIS ATÉ INÍCIO DOS ANOS 1950
Um passeio por áreas históricas de Londrina permite reconhecer algumas
ruas que mantêm atmosferas tradicionais. Trechos onde a história parece estar sedimentada,
quadras onde o tempo parece passar muito devagar. Remetem à idéia de que “lugar é uma
pausa no movimento” (TUAN, 1983, p. 153). A atenção para a cena é dirigida com o vagar
que a atmosfera propicia.
Caracterizam-se por algumas quadras cujo formato visava o ajuste da malha
xadrez às áreas de maior declividade nos limites do centro antigo de Londrina, pelas casas
térreas isoladas, em madeira – resultado da abundância e conseqüentemente baixo custo desse
material no início da formação da cidade, densos jardins na frente da casa e muros baixos,
121
transponíveis, com altura de pouco mais de um metro. O predomínio de lotes com estes
elementos integra uma paisagem com forte tendência à homogeneidade e que geralmente
apresenta similaridade quanto aos componentes, entre os dois lados da rua.
Demarcações e personalizações do espaço, denotando forte identidade com
o mesmo, revelam a existência de um senso de comunidade local. Implica em estreitas
relações de vizinhança e responsabilidade para com a proteção e manutenção do “lugar”.
Neste trabalho são estudadas, como ruas tradicionais, a Guaranis, a Icós e as
“ladeiras” Espírito Santo e Alagoas, cujo processo de construção iniciou-se bem antes dos
anos 1950, durante o primeiro momento de expansão da área urbana de Londrina.
Figura II.2 – Componentes da Paisagem em Ruas Tradicionais
Fonte: Lamounier (2006)
122
II.1.1 A Rua Guaranis
A Vila Casoni foi o primeiro bairro de Londrina projetado pela iniciativa
privada, fora do núcleo central da CTNP (YAMAKI; FERREIRA; LIMA; MENDONÇA,
1995). Parte da rua Guaranis surgiu durante o loteamento deste bairro. Possuía, na época, o
nome de rua Ingá e estendia-se até a rua Mauá (atual Caraíbas), no limite sul do bairro. Nesta
época, Guarani, no singular, era o nome de uma das ruas perpendiculares à rua Ingá.
Por volta de 1940 surge a Vila Mattos, um loteamento com apenas três
quadras de dimensões variadas, localizado ao sul da Vila Casoni. A João Carlos, rua central
do novo bairro, consistia na continuação da rua Ingá até a área onde atualmente situa-se a
Estação Rodoviária de Londrina.
As ruas Ingá e João Carlos diferiam em relação à morfologia e processo de
ocupação. A rua Ingá seguia a malha xadrez da área central de Londrina. A João Carlos, em
contraste, era disposta de forma inclinada, dividida em dois segmentos com direções
levemente variadas – o que se deve, provavelmente, ao melhor aproveitamento do relevo. A
rua Ingá logo foi ocupada por casas de madeira e alvenaria, de uso comercial e residencial – a
Sorveteria Londrina (em alvenaria) e o Bar Caraíbas (em madeira, na esquina com a rua de
mesmo nome) são edificações remanescentes que atestam tal fato.
A sorveteria já foi desativada, mas o bar continua em funcionamento, apesar
de suas condições precárias de conservação. A rua João Carlos era inicialmente ocupada
somente por edificações de madeira, de uso exclusivamente residencial. Possuía apenas uma
residência em alvenaria, ainda existente, que não foge à tipologia das casas de madeira da rua,
em relação à escala, fachada e volumetria.
II.1.1.1 O início da rua
A partir dos anos 1960 é que as ruas Ingá e João Carlos passam a ser
consideradas legalmente uma só: a Guaranis. Esta então, estende-se da avenida Jorge Casoni
(ao norte da Vila Casoni), até a rua Potiguares (limite sul da Vila Mattos), passando, portanto,
pela rua Caraíbas.
123
O trecho da rua Guaranis estudado neste trabalho compreende a extensão
entre as ruas Potiguares e Caraíbas. Envolve a maior parte dos lotes da Vila Mattos (todos os
que se voltam para a Guaranis) e três da Vila Casoni (dois lotes situados na esquina com a rua
Caraíbas e a subdivisão de um destes). A escolha se justifica por tratar-se da parte da rua onde
predominam casas antigas de madeira, e um forte sentimento de comunidade, que leva a
manutenção e personalizações do espaço, bem como à permanência das relações de
vizinhança. Trata-se, deste modo, do trecho da rua Guaranis que melhor mantém a atmosfera
de rua tradicional londrinense.
Do início da Vila Mattos, a dificuldade de acesso ao centro da cidade,
devido ao mato e ao barro (nos dias de chuva) é lembrada com freqüência pelos moradores
mais antigos. Recordações saudosas da época em que os lotes eram demarcados somente com
cercas de arame ou madeira e em que se construía bancos de madeira sob as árvores na
calçada para o descanso e conversa entre os vizinhos também são comuns.
II.1.1.2 O estigma da Vila Mattos
Em 1949, a mudança da zona de meretrício da rua Rio Grande do Sul para
as proximidades da Vila Mattos – mais exatamente para o local da atual Estação Rodoviária
de Londrina – trouxe o estigma de bairro da zona. Alguns moradores contam que a única
modificação ocorrida foi certo descontentamento entre as esposas, que também não deixavam
os filhos brincarem próximos à área da zona. Outros afirmam que algumas senhoras da rua
lavavam as roupas das prostitutas, recebendo por isso. Não havia, no entanto, contato entre
estas senhoras e as “damas da noite”. O dinheiro e as roupas eram trazidos e levados por
intermédio de um carroceiro. Ressaltam, por fim, que as prostitutas nunca moraram na rua
Guaranis, contradizendo o que parece senso comum entre grande parte dos habitantes de
Londrina.
A zona é descrita como se fosse localizada na Vila Mattos mesmo em
publicações sobre o assunto. Marinósio Trigueiros Filho, em seu relato “Dos Porões da
Delegacia de Polícia” (1979), e Edson Holtz Leme, no livro “Noites Ilícitas – histórias e
memórias da prostituição” (2005), consideram que a Vila Mattos sediou uma das mais
famosas zonas de meretrício do país, na época do grande desenvolvimento de Londrina em
virtude do café.
124
Nos arquivos da PML consta um mapa com o projeto de uma pequena
expansão da Vila Mattos até a área da zona. Não há, no entanto, indicações de que tenha sido
realizada.
De acordo com os moradores da rua Guaranis, o bairro da zona chamava-se,
na verdade, Vila Velha. A extinção deste bairro junto com a própria zona de meretrício pode
ter levado ao esquecimento da existência da Vila Velha. A “má fama” coube, então, à Vila
Mattos, talvez por ter sido o bairro mais próximo que continuou a existir após a saída das
“messalinas do amor”.
O estigma de “bairro da zona” persistiu mesmo depois da transferência e
demolição das “casas de tolerância” para a construção da Rodoviária. O “sepultamento”
destas não apagou suas recordações no imaginário urbano de Londrina. A presença da zona
pode ainda ter afetado o processo de ocupação do bairro. Nos anos 1950, a área mais próxima
da antiga zona era bem menos ocupada.
II.1.1.3 Processo de ocupação da rua
A formação da rua Guaranis se deu de forma lenta e gradual. Através das
plantas cadastrais de 1951 e 1993, pode-se analisar seu processo de ocupação.
A planta cadastral de 1951 mostra a ocupação por edificações isoladas e de
pequena escala, e grande diferença de ocupação entre os lados leste e oeste da rua. Percebe-se
também maior ocupação na parte mais ao norte da rua Guaranis, fato que se deve à presença
da zona próxima ao outro lado do bairro.
Somente as quadras do lado oeste apresentam ocupação em todos os lotes.
Apenas os lotes de esquina de uma dessas quadras permanecem vazios. A quadra mais
extensa deste lado da rua é a única com um ritmo mais nítido e constante de ocupação e
implantação de edificações.
Na quadra do lado leste da rua há a predominância de lotes vazios.
Em toda a rua, alguns lotes já apresentam indícios de fragmentação, devido
à ocupação dos mesmos por mais de uma edificação. Pode-se verificar ainda a subdivisão
legal de lotes nas duas quadras maiores do loteamento.
Em 1993 nota-se o predomínio de edificações isoladas e de pequena escala
em meio ao surgimento de grandes manchas, formadas por construções fora da escala do
125
bairro.A diferença de ocupação é bem mais amena e destaca-se em relação às partes norte
(mais ocupada) e sul (menos ocupada) da rua.
Paralelamente ao adensamento das quadras, percebe-se a intensificação do
recorte dos lotes, ocasionando a fragmentação dos vazios entre as edificações.
Há apenas alguns lotes vagos na parte sul do bairro. A subdivisão dos lotes
aumentou o número de lotes mais estreitos.
Figura II.3a –Rua Guaranis: Planta
Cadastral 1951
Fonte: Yamaki (2003b, p. 34)
Figura II.3b – Rua Guaranis: Planta
Cadastral 1993
Fon
te
:
LAU-UEL
126
É clara a predominância do vazio da rua como espaço aberto e sua
delimitação pelas edificações com mesmo recuo.
A instalação da nova Rodoviária próxima ao bairro, no final da década de
1980, impulsionou a rápida ocupação da extremidade sul da rua.
II.1.1.4 A atmosfera da Rua Guaranis
Paisagem com forte tendência à homogeneidade, valores e conceitos
comuns levando a apropriações e personalizações do espaço são características claramente
perceptíveis na atmosfera da rua Guaranis. Tais aspectos são aqui estudados conforme seu
relacionamento a cada uma das oito categorias de elementos definidas na primeira parte deste
trabalho: 1. Implantação, 2. Fachadas, 3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios, 7.
Utilização e 8. Senso de Comunidade.
1. Implantação
Alguns aspectos relativos à implantação da rua Guaranis transmitem a
sensação de um espaço seguro, protegido e agradável, propiciando a utilização pelos
moradores e incentivando interações entre os mesmos, como conversas nas calçadas, e
brincadeiras entre as crianças em todo o espaço da rua.
A Guaranis foi construída num sítio plano, sem graus significativos de
declividade. Junto ao fato de não constituir uma rua de passagem, contribui para sua
utilização como um espaço para permanência dos moradores e agradável a caminhadas.
A rua possui 457,35 metros de comprimento (referindo-se ao trecho
estudado) e apenas 12 metros de largura, sendo 4 metros destinados às calçadas. O fato de ser
relativamente estreita transmite maior sensação de proteção e segurança ao seu espaço, devido
à maior proximidade entre as casas de lados opostos. Contrasta com a avenida Dez de
Dezembro, paralela a Guaranis, que possui duas pistas mais largas, separadas por um canteiro
central.
Aliada à pequena largura da rua, a densa arborização, principalmente no
trecho central, oferece sombreamento satisfatório, tornando o ambiente agradável mesmo em
horários de maior incidência solar. Em alguns pontos, o encontro das copas de árvores dos
127
lados opostos da rua chega a formar “túneis” de sombreamento.
A rua Guaranis apresenta dois tipos de cruzamento: em “+” e em “T”.
O cruzamento em “+” é o tipo de esquina padrão de assentamentos com
traçado em malha xadrez. De ocorrência somente no cruzamento com a rua Caraíbas, foi
construído antes da Vila Mattos. Marca a saída da rua Guaranis para a Vila Casoni.
No projeto da Vila Mattos foram elaborados somente cruzamentos em “T”,
de modo que a parte da rua Guaranis localizada neste bairro não é atravessada por nenhuma
das três ruas perpendiculares à esta extensão. Tal fato contribui à segurança dos pedestres em
relação ao movimento de automóveis, já que diminui o tráfego de passagem na rua.
Três quadras da Vila Mattos delimitam o trecho analisado da rua – duas do
lado oeste e uma do lado leste – além de dois lotes idênticos que pertencem a quadras
diferentes da Vila Casoni.
As três quadras têm formato trapezoidal, contrapondo-se à regularidade dos
quarteirões dos bairros vizinhos.
A menor tem 130,46 metros de largura e comprimento em torno de 50
metros. Foi dividida em 10 lotes, todos voltados para a rua Guaranis. Somente os dois lotes de
esquina sofreram subdivisões. Estas, no entanto, não se voltam para a rua em questão.
A quadra de tamanho médio tem 231,40 metros de largura e comprimento
variando entre 82,81 metros e 57 metros. Foi dividida em 24 lotes dos quais 12 voltam-se para
a rua Guaranis (estes são os considerados neste trabalho). Após subdivisões tornaram-se 22.
A quadra mais extensa, a única do lado leste da rua Guaranis, possui 386,73
metros de largura e comprimento entre 48,20 metros e 32 metros. Divide-se em 29 lotes
voltados para a rua. Após as subdivisões tornaram-se 32.
Quadras extensas como estas resultam em menos cruzamentos de ruas,
diminuindo o fluxo de automóveis.
Apesar da variedade de dimensões, nota-se dois tipos básicos de lote na rua
Guaranis: o de meio de quadra, com formato, mesmo que aproximadamente, retangular, e o
de esquina, com formato trapezoidal.
Quanto à ocupação dos lotes, pode-se identificar três tipos. O tipo 1 possui
jardim no recuo frontal, uma edificação em madeira na frente e quintal nos fundos. O tipo 2,
além destes componentes, também conta com mais uma edificação, a edícula, que pode ser
em madeira ou alvenaria. O tipo 3 consiste na chamada vila, constituída pela construção em
madeira ou alvenaria, de duas ou mais edificações nos fundos do lote, diminuindo ou
excluindo o espaço do quintal.
128
Figura II.4 – Figura-Fundo Rua Guaranis: desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
A construção de mais de uma edificação no mesmo terreno pode ocorrer
pela necessidade de mais uma casa para a moradia de pessoas da mesma família (quando os
filhos crescem e se casam, por exemplo) ou pela construção de edificações destinadas ao
aluguel (nestes casos, é mais comum que o proprietário continue morando na casa da frente e
os locatários ocupem as casas dos fundos). Ocasiona a socialização do espaço intra-lote e a
formação de vazios intensamente recortados e territorializados.
129
2. Fachadas
As edificações remanescentes de madeira integram um conjunto homogêneo
em cuja composição pode-se identificar elementos de ordem como escala, volume, proporção
e material.
Através da combinação de elementos comuns como telhado, fachada,
varanda e localização do acesso principal, este conjunto pode ser dividido em três tipos e
alguns subtipos.
A maioria das casas no trecho estudado apresenta varandas frontais,
importantes como elemento simbólico da fachada e espaço de gradação entre os domínios
público e privado (MAGALHÃES, 1995). É através da permanência na varanda que se pode
observar a rua, mesmo estando em casa, ou seja, vivenciar o espaço público através do
domínio privado. A varanda é, geralmente, o espaço externo da casa que recebe maior
ornamentação. Detalhes construtivos, como lambrequins, e plantas colocadas em vasos,
xaxins ou latas de óleo enfeitam e destacam seu espaço.
Os telhados são, em sua maioria, bastante recortados, com formato e
inclinação variados, denunciando técnicas diversas de carpintaria – há, inclusive, uma
residência com telhado em estilo irimoiya. A homogeneidade se dá pelo predomínio de
telhados de pequena escala com telha francesa.
3. Ritmo
A combinação do parcelamento das quadras com a escala e a forma de
implantação das casas, resultando em edificações isoladas, com recuos laterais entre si, e em
conjuntos de lotes com a mesma largura, leva à configuração de um ritmo claramente
definido.
O ritmo também se dá pela seqüência de residências com fachadas
homogêneas, com algumas variações quanto à tipologia de varandas, janelas frontais e
localização dos acessos principais.
130
Figura II.5 – Rua Guaranis: tipologia de fachadas
Fonte: Lamounier (2006)
Com a altura aproximada entre as edificações, os telhados ritmados de
“águas” variadas sobressaem na paisagem de casario da rua Guaranis. Em conjunto, resultam
em aspecto agradável e de fácil apreensão visual, a chamada paisagem de telhados ou
roofscape (KANASHIRO, 1999).
131
4. “Definição”
A Estação Rodoviária e a praça com árvores de copas densas, na
extremidade sul da Vila Mattos é um bom ponto de referência da localização da rua.
Seus melhores elementos de definição situam-se, no entanto, em sua
extremidade norte, na esquina com a rua Caraíbas. As duas edificações de madeira alinhadas à
calçada, sem recuos frontais, demarcam de forma significativa a entrada da rua a partir da
Vila Casoni. São edificações cujo valor ainda permanece na memória dos pioneiros da
Guaranis. Já estavam ali quando se construiu a Vila Mattos. Uma delas é o bar Caraíbas,
ponto de reunião dos moradores locais no final da tarde. A outra foi, antigamente, utilizada
como uma das primeiras escolas da região. O material, a escala e o t elhado de ambas
transmitem a idéia do que se vai encontrar na rua Guaranis. Consistem no “portal” à
atmosfera da rua.
Figura II.6 – Rua Guaranis: elementos de definição
Fonte: Lamounier (2006)
5. Visuais
As copas densas das árvores dos dois lados da Guaranis destacam-se nas
perspectivas da rua. As edificações de madeira com mesma escala, seu conjunto de telhados e
os recuos frontais idênticos determinam a paisagem homogênea do local. Uma vez na rua, seu
comprimento e o terreno quase plano do local determinam visuais basicamente compostos
132
pelos dois lados da Guaranis – elementos externos não podem ser vistos.
A predominância de limites tênues, quase simbólicos, como gradis
espaçados ou muros baixos, entre a rua e os lotes, aliada à freqüência de recuos laterais entre
as construções, permite avistar grande parte do interior dos lotes.
A presença de jardins bem cuidados na parte frontal dos lotes, idealizados
conforme uma estética popular, repleta de citações e recordações, resulta numa paisagem d e
conjunto de jardins que simultaneamente define a própria paisagem de rua.
Os quintais, embora localizados no fundo dos lotes, são notados através da
vegetação de porte composta por árvores frutíferas visíveis entre as frestas das edificações.
Uma vez no quintal, pode-se observar plantas medicinais e uma pequena horta para consumo
próprio. Um cotidiano com forte ligação com o chão.
Figura II.7a – Rua Guaranis: vista do lado sul
Fonte: Lamounier (2006)
Figura II.7b – Rua Guaranis: vista do lado norte
Fonte: Lamounier (2006)
133
6. Territórios
Há forte sentimento de identificação entre os moradores e o espaço na rua
Guaranis. Tal aspecto direciona a sua apropriação como local para convívio e lazer e à
preocupação com a manutenção e melhoria de sua aparência.
Foram identificados três tipos de territórios na rua Guaranis: Íntimo,
Privado, e Semi- Privado.
O Território Íntimo compreende o interior das casas e os lotes não visíveis a
partir da rua (cercados por muros altos, por exemplo). Território Íntimo tamm ocorre em
casos de subdivisão pela existência de mais de uma residência, quando a parte dos fundos do
lote não pode ser vista da rua. Os muros dos lotes e as paredes das casas são os elementos de
demarcação deste território. As personalizações ali ocorridas só podem ser notadas por
pessoas externas quando convidadas pelos proprietários.
O Território Privado corresponde aos lotes demarcados por meio de muros
baixos ou gradis que permitem sua visualização a partir da rua. Lateralmente, possuem limites
mais expressivos, predominando os muros altos que impossibilitam o contato visual. Tal
quadro é reforçado por algumas construções de alvenaria que se estendem de uma a outra
lateral do lote, demarcando os limites do mesmo com suas paredes. Em lotes com mais de
uma edificação, mas com clara divisão interna (mesmo que por pequenos muros), o Território
Privado é dividido conforme o número de residências.
A pintura da própria casa, elementos que indicam crença religiosa (como
santos nas fachadas, por exemplo) e o cuidado com os jardins na parte frontal dos lotes são
formas de personalização do Território Privado que, no entanto, voltam-se para o espaço da
rua, garantindo seu embelezamento.
Quanto ao Território Semi-Privado, foram identificados os dois sub-tipos na
rua Guaranis: de maior e menor intensidade.
Territórios Semi-Privados de maior intensidade são os corredores internos,
que constituem o espaço comum aos donos dos diferentes Territórios Privados. Estes
corredores são necessários quando não há acessos independentes a cada uma das residências
de um mesmo lote.
Alguns lotes apresentam ocupação por mais de uma casa sem que haja, no
entanto, quaisquer divisões de áreas. Como seu espaço é compartilhado por moradores de
casas diferentes, às vezes pertencentes até a famílias diversas, também são considerados
Territórios Semi-Privados de maior intensidade.
134
O espaço da rua propriamente dito, na Guaranis, é visto como um local de
lazer e permanência que deve ser mantido e cuidado pelos próprios moradores que, por sua
vez, realizam intervenções no mesmo. Uma espécie de extensão do jardim ou quintal de cada
um. Trata-se de um tipo de apropriação de um espaço legalmente público que acaba por
permitir a classificação da rua em Território Semi-Privado de menor intensidade – já que a
permanência de pessoas desconhecidas no local não é proibida.
Deste modo, pode-se verificar aros de bicicleta fixados nas árvores das
calçadas, improvisando cestas de basquete, bem como desenhos no leito da rua, demarcando
lugares. O costume de se varrer a calçada na frente do lote reafirma o conceito de coisa
comum, exemplificando a preocupação com a manutenção do espaço público. Conduz à idéia
dos moradores como “co-proprietários de um espaço comum”, em detrimento de simples
“usuários do espaço urbano” (NETTO; CARVALHO, 1996).
Figura II.8 – Rua Guaranis: classificação de territórios
Fonte: Lamounier (2006)
135
7. Utilização
A rua Guaranis é um espaço utilizado tanto por pedestres quanto por auto
móveis. Certas características físicas, como a largura da rua, o comprimento das quadras e a
quantidade e o formato dos cruzamentos, junto ao fato de tratar-se de uma rua de “mão
única”, determinam a não utilização como rua de passagem. Diminui o tráfego de automóveis,
garantindo maior segurança aos pedestres. Assim, estes não se sentem presos às calçadas,
podendo andar ou brincar com certa segurança também no leito da rua.
O trecho central da rua é a parte mais segura. Consistindo no local de menor
tráfego , é também a parte mais sombreada, onde é mais freqüente a permanência de pessoas e
há maior quantidade de demarcações de espaços destinados às brincadeiras das crianças.
8. Senso de Comunidade
Existe forte senso de comunidade na Rua Guaranis. Através de entrevista e
questionário, pôde-se identificar as relações sociais da rua. As relações de vizinhança incluem
encontros religiosos, laços de parentesco e vínculos de amizade. Eventos como terços e
novenas ainda são comuns no cotidiano dos moradores e constit uem meios de
estabelecimento de laços. Pessoas da mesma família em lotes vizinhos ou em casas diversas
num único lote integram micro-comunidades dentro da comunidade maior da vizinhança.
Nesta rua, onde grande parte dos moradores reside desde o início de sua
formação, mais tempo de permanência parece interferir num maior grau de relações. Estas
relações estendem-se, via de regra, por toda a rua, não se limitando apenas entre vizinhos
mais próximos.
As interações entre vizinhos na rua Guaranis ocorrem mais no espaço da
própria rua ou nos limites entre esta e os lotes que através dos limites laterais entre lotes. A
configuração física dos limites entre lotes (geralmente muros altos) e entre estes e a rua
(muros baixos e gradis) denota claramente a preferência do espaço da rua para interações
entre vizinhos. Comprova a identificação com o mesmo, através de sua apropriação e
despreocupação com a proteção visual do interior do lote.
136
Figura II.9 Rua Guaranis: relações de vizinhança: desenho do autor
sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
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Figura II.10c – Fotos Rua Guarani
140
II.1.1.5 Considerações sobre a Rua Guaranis
A Rua Guaranis, originada nos anos 1940, apresenta ainda hoje parte
significativa das características representativas de uma época do desenvolvimento da cidade.
Sua atmosfera compõe-se de características físico-espaciais, resultado de construção
continuada ao longo do tempo, e de conceitos comuns aos moradores que acabam por definir
o cotidiano da rua.
A combinação de fatores como topografia favorável (a rua é quase plana),
segurança viária, sombreamento satisfatório e proximidade entre as casas de ambos os lados
da rua, junto ao considerável número de moradores permanentes, propiciam a sensação de
proteção e agradabilidade responsável pela intensa identificação com o espaço e utilização da
rua.
Casas de madeira, jardins bem cuidados, o zelo com o espaço da rua e o
senso de vizinhança remetem ao conceito de durabilidade como qualidade urbana. A
paisagem resultante de edificações simples em madeira e os elementos definidores de
territorialidade trazem lições à construção de ruas e bairros. O senso de comunidade conduz
ao incremento na segurança e ao bem estar na vizinhança, condições importantes e que estão
perdidas nas cidades.
Guaranis, uma rua simples, mas com qualidades que, adquiridas em seu
processo de construção, configuram sua atmosfera tradicional, implementam seu espaço e
conceituam-na como “lugar ideal” entre seus moradores. Concepção esta de “rua simples e
boa para se viver”.
II.1.2 A Rua Icós
A rua Icós surgiu com o loteamento da Vila Matarazzo, no final dos anos
1930, época em que Londrina se expandia rapidamente. Está situada a meia encosta, no então
limite norte da cidade.
Diz-se que o nome Matarazzo foi sugerido ao proprietário da chácara,
Ângelo Casoni, pelo italiano Segundo Morettini. Seria uma homenagem ao conde Francisco
141
Matarazzo que desenvolvia a cultura do bicho da seda na região. De fato, o sr.Morettini, que
havia vindo a Londrina à procura de emprego, foi um dos primeiros compradores de lotes da
recém criada Vila Matarazzo.
A família do pioneiro do bairro possui papel de destaque no processo de
construção e composição da paisagem da rua, iniciada através da construção de um rancho de
madeira na esquina da Icós com a Duque de Caxias (antiga rua Heimtal, uma das saídas da
cidade). Três casas de madeira, remanescentes de um conjunto de quatro, incluindo um
barracão – antiga fábrica de colchões transformada em moradia, continuam no local sem
mudanças significativas. Ruínas da casa já demolida permanecem como marcas no pomar.
Da construção inicial, simples, até a última, rica em ornamentos, nota-se a
evolução econômica da região. Reflete a mudança no pensar a moradia.
Ao todo, três gerações continuam morando na rua Icós, mostrando forte
apego ao local.
De acordo com Tuan (1983), o espaço se transforma em lugar conforme
adquire definição e significado. Para alguns moradores, a casa representa o local de
nascimento e único significado de lar durante toda a vida.
O bairro foi construído na margem leste da rua Heimtal (mais tarde
denominada Marechal Deodoro e, atualmente, Duque de Caxias), que ligava a cidade aos
distritos de Heimtal e Warta. Um antigo casarão em alvenaria, com árvores de copas
frondosas no quintal, permanece como testemunho da presença de chácaras nesta região.
Situa-se no outro lado da Duque de Caxias, a uma quadra de distância da rua Icós.
Como forma de melhor se adequar à forte declividade do terreno, as quadras
e ruas da Vila Matarazzo foram dispostas diagonalmente em relação ao traçado da área central
de Londrina. A rua Icós compõe-se de dois trechos que diferem quanto ao período de
construção. O primeiro a ser construído estende-se da rua Caetés até a Duque de Caxias, e
segue o padrão em diagonal. Já o segundo trecho, fora da Vila Matarazzo, alinha-se à
ortogonalidade das ruas vizinhas mais próximas do centro.
Este trabalho estuda a primeira parte da rua a ser construída. Foi
considerada importante por apresentar, numa extensão que não chega a 100 metros, aspectos
que sintetizam a atmosfera de ruas tradicionais de Londrina: casas de madeira com recuo
frontal homogêneo (4 metros) ou alinhadas à calçada, ocupadas ou abandonadas; edificações
de madeira adaptadas à moradia, anteriormente destinadas a outros usos (igreja e fábrica de
colchões de palha); lotes ocupados por várias residências, caracterizando a chamada vila;
jardins bem cuidados no recuo frontal; pessoas da mesma família morando em lotes vizinhos
142
e predomínio de moradores proprietários que permanecem no bairro desde seu início; e as
“invasões” das novas casas de alvenaria que contrastam com os padrões construtivos da rua.
Sua análise volta-se principalmente à composição dos jardins que, se considerados em
conjunto, constituem a primeira paisagem do lote e possíveis elementos à conservação da
atmosfera.
II.1.2.1 Processo de ocupação da rua
A comparação entre as plantas cadastrais de 1951 e 1993 permite uma
análise do processo de ocupação e construção da rua Icós.
Em 1951 o trecho em diagonal já encontra-se totalmente definido, com
todos os lotes ocupados. A extensão da rua além da Duque de Caxias começa a ser definida,
principalmente pelo lado norte, onde quase todos os lotes já apresentam edificações.
Todas as construções são de pequena escala e implantadas de forma
espaçada no lote (lateralmente recuadas entre si). No trecho inicial da Icós o predomínio é de
construções alinhadas à calçada, embora casas com recuo frontal de 4 metros já comecem a
aparecer.
Pode-se notar recortes no interior dos lotes, inclusive a presença da vila –
com edificações que seriam substituídas mais tarde. A igreja também já existia neste período.
No lado sul da rua o lote dos Morettini está ocupado pela primeira
residência da família, voltada para a Duque de Caxias, e pelo barracão da fábrica de colchões
de palha, nos fundos, voltado para a Icós. As outras casas da família ainda não tinham sido
construídas.
O casarão antigo de alvenaria permanece isolado, sem construções vizinhas.
A rua Rio Grande do Sul ainda não tinha se estendido até a Caetés,
configurando um grande vazio entre a Vila Matarazzo e os loteamentos mais próximos do
centro de Londrina.
A cadastral de 1993 já mostra a definição total do trecho da rua Icós além da
Duque de Caxias, com a ocupação de todos os lotes.
No trecho inicial, as edificações com recuo frontal de 4 metros substituíram
quase completamente as casas alinhadas à calçada. Destas, restam apenas duas, próximas a
uma das extremidades da rua.
143
Surgem grandes manchas, devido a edificações que desrespeitam os padrões
locais. A partir da Duque de Caxias, ocupam quase metade do lado norte da rua. Em todo o
restante do trecho estudado, no entanto, permanecem as construções de pequena escala e
isoladas no lote.
A presença da vila se mantêm, agora com as construções atuais, e
intensifica-se o recorte dos demais lotes, de forma geral. A igreja, agora não mais
funcionando como tal, permanece nos fundos de uma das casas alinhadas à calçada.
O lote da família Morettini foi subdividido e já apresenta a ocupação atual.
A primeira residência foi demolida e, vizinhas ao barracão da fábrica de colchões, foram
construídas as outras duas casas da família, ambas voltadas para a rua Icós. Destas, a mais
distante da rua Duque de Caxias situa-se num lote vizinho ao da primeira ocupação.
A área do antigo casarão de alvenaria foi loteada e este se encontra cercado
de edificações por todos os lados. Seu grande quintal, no entanto, destaca-se como vazio na
quadra em que se situa.
A extensão da rua Rio Grande do Sul até a Caetés e o loteamento da área
anteriormente vazia garante a continuidade, em termos de ocupação, da Vila Matarazzo até o
centro da cidade.
Figura II.11a – Rua Icós: Planta
Cadastral 1951
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Figura II.11b – Rua Icós: Planta
Cadastral 1993
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144
II.1.2.2 Os jardins da Rua Icós
Jardins tradicionais ou vernaculares são construídos conforme um gosto
popular, de maneira aparentemente “não projetada”, onde a carga simbólica das plantas possui
tanta importância quanto seu valor estético. A Carta de Florença de 1981, afirma tratarem-se
de uma forma de “expressão de relações estreitas entre a civilização e a
natureza”. Tomam assim, “[...] o sentido de uma imagem idealizada do mundo, [...] mas que
dá testemunho de uma cultura, [...] de uma época” (CURY, 2000, p. 254).
Na rua Icós a maioria das casas possui jardim. As que não contam com tal
espaço enfeitam a varanda e a frente do lote com plantas em vasos e em latas de óleo.
A presença de jardins bem cuidados permite, sem conhecimento prévio, a
identificação dos moradores tradicionais. Implica em preocupação, mesmo que não
intencional, com a manutenção da própria paisagem da rua.
O conceito comum de estética de jardim entre os moradores da rua Icós
aponta a diversidade de plantas e o cuidado como qualidades essenciais. A composição
aparentemente confusa pode revelar, a um observador mais atento, a preocupação com uma
certa padronização, assim como a setorização de espécies de plantas, de acordo com mitos e
crenças.
A existência de valores comuns entre os moradores faz com que plantas
relacionadas à “proteção” sejam colocadas, geralmente, próximas à entrada do lote ou da casa.
Espada- de-são jorge e comigo-ninguém-pode são algumas espécies que podem ser citadas
como exemplo. Esperam evitar assim, a inveja e o “mau-olhado”.
Por outro lado, modismos de determinadas épocas garantem a presença de
certas plantas, como algumas espécies de cactos, samambaias e roseiras. A identificação
destas plantas num determinado jardim pode revelar sua época de construção.
Também são comuns plantas que simbolizam laços afetivos, por terem sido
recebidas de vizinhos ou plantadas por pessoas da família. Trata-se de um aspecto importante
por reforçar o caráter simbólico dos elementos do jardim e renovar seu significado, garantindo
assim, sua permanência e manutenção pela carga afetiva atribuída.
145
II.1.2.3 A atmosfera da rua Icós
Rua de Cidade Nova, para onde os moradores traziam, junto às dificuldades
da vida anterior, o ideal comum de uma vida melhor, a Icós teve construção paralela à
construção da comunidade, através de conceitos comuns e laços de amizade entre os
moradores. Sua paisagem resulta das determinantes físicas do terreno, tendo na topografia um
importante fator, e de um processo de construção que reflete valores comuns entre os
moradores. Como componentes de sua atmosfera, são significativos aspectos relacionados às
categorias de 1.Implantação, 2. Fachadas, 3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios e
8. Senso de Comunidade.
1. Implantação
Por estar situada a meia encosta, a rua Icós é bastante íngreme. Há também
uma diferença transversal de níveis. Deste modo, os lotes do lado sul são mais elevados que
os do outro lado da rua. A simbologia da altura aí complementa a atmosfera, elevando os
jardins ao nível dos olhos de quem passa pela rua e destacando as casas antigas de madeira.
A rua Icós possui 93,2 metros de comprimento e 12 metros de largura,
incluindo 4 metros das calçadas. Suas pequenas dimensões destacam ainda mais a declividade
do local e os lotes elevados em relação ao nível da rua. Colaboram, ainda, ao senso de
comunidade local, por configurar uma área compacta de vizinhança.
Apresenta dois cruzamentos diferentes: um em “+” e outro em “T”.
Localizado na esquina da rua com a Duque de Caxias, o cruzamento em “+” configura, na
verdade, o formato emX”, devido à inclinação da Icós em relação à sua própria continuação.
O cruzamento em “T” situa-se na extremidade leste da rua, e se deve à
presença de uma praça canteiro, resíduo do parcelamento daquela região. Determina a
diminuição da velocidade de quem chega a Icós pela rua Rio Grande do Sul.
A rua Icós possui arborização mais densa em sua parte mais alta (lado leste).
As árvores alinhadas no limite lateral do lote onde se localiza a vila contribuem para a
demarcação de seu espaço.
O trecho analisado da rua é ladeado por duas quadras que possuem a mesma
largura frontal e comprimentos diferentes, determinados conforme melhor ajuste ao relevo.
A do lado norte tem 93,2 metros de largura e 91 metros de comprimento, e
146
divide-se em 20 lotes, 7 dos quais delimitando a rua Icós.
A outra quadra, no lado sul, tem formato trapezoidal, resultado da união da
Vila Matarazzo, em diagonal, com as ruas ortogonais mais próximas ao centro da cidade.
Também possui 93,2 metros de largura, mas tem comprimento variado
(entre 5,95 metros, na rua Caetés, e 48,52 metros, na rua Duque de Caxias). Os fundos desta
quadra demarcam o limite sul da Vila Matarazzo. Assim, todos os lotes voltados para a rua
Tembés surgiram posteriormente e pertencem ao bairro vizinho. Desta quadra, 3 lotes
delimitavam a rua Icós. Após a subdivisão de um destes, tornaram-se 6.
Apesar da diferença de formato entre as duas quadras, ambas possuem o
mesmo padrão de lotes retangulares, incluindo os de esquina que se voltam para a rua Duque
de Caxias. Na esquina com a rua Caetés, os lotes das duas quadras voltam-se para a Icós.
Destes, um tem formato trapezoidal, resultado do formato da quadra em que se situa.
Quanto à ocupação, pode-se identificar três tipos e algumas variações.
O tipo 1 consiste na divisão dos espaços do lote em jardim frontal, casa de
madeira e quintal nos fundos. Apresenta uma variação – quintal lateral, num lote voltado para
a rua Duque de Caxias, cuja casa situa-se de frente para a Icós.
O tipo 2 possui jardim frontal, edificação de madeira e edícula, em madeira
ou alvenaria, junto ao quintal nos fundos. Varia quanto à posição da edícula, que pode se
localizar lateralmente à casa principal, sobrando mais espaço para o quintal nos fundos.
O tipo 3 de ocupação do lote caracteriza-se pelo sistema de vila, com
intenso recorte e socialização devido à existência de três ou mais edificações.
A vila da rua Icós iniciou-se com uma casa de madeira na parte frontal do
lote, nos anos 1950, estendendo-se para os fundos com a construção de duas casas de
alvenaria, no início da década de 1960. As três casas estão alinhadas entre si. A residência da
frente possui acesso direto para a rua Icós. Já o acesso às duas edificações do fundo se dá por
um corredor lateral, independente da casa frontal. As três edificações são destinadas ao
aluguel e encontram-se, atualmente, ocupadas.
147
Figura II.12 – Figura-Fundo Rua Icós: desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
2. Fachadas
A rua Icós é ladeada, em sua maior parte, por casas antigas de madeira, cuja
construção adequava-se a dois padrões: o tamanho do lote e o padrão estético-construtivo da
cidade. Apesar da diversidade de detalhes das fachadas, denunciando o repertório e a origem
variada dos construtores, elementos de ordem como escala, volume e proporção nas
edificações faz com que integrem um conjunto homogêneo, dominante e característico de ruas
tradicionais em Londrina. Reforçam o caráter de paisagem tradicional os muros baixos,
também antigos, em concreto pré-moldado que conferem certa continuidade de lote para lote.
A presença exclusiva de casas de madeira num dos lados da rua lhe traz maior continuidade
visual que o outro, onde mais da metade da quadra já foi ocupada por construções mais
recentes em alvenaria.
No conjunto homogêneo de casario da rua Icós, os recortes diversos dos
telhados, a presença ou não de varanda, bem como sua tipologia e os detalhes na fachada são
os elementos que destacam cada casa, afirmando sua individualidade.
Do lado mais elevado os telhados são notados somente através de seus front
ões, e a utilização da varanda como local de observação da rua é reforçada pela ampliação do
campo visual.
A variedade de detalhes resulta do fato de cada casa ter sido construída por
um carpinteiro diferente, com repertório e técnicas próprias. Nota-se, na rua Icós, desde
lambrequins (franjas) na parte da varanda, até a utilização de elementos que imitam
construções em alvenaria, como o arco na entrada de uma casa e a platibanda na igreja.
Elemento simbólico da fachada, onde os moradores costumam gastar parte de suas horas de
descanso, observando a rua ou mesmo conversando com quem passe por ali, a varanda tem
148
sua importância destacada pela utilização de detalhes construtivos que a ressaltam em relação
ao restante da casa.
Figura II.13 – Rua Icós: tipologia de fachadas
Fonte
Lamounier
(
2003)
A presença da igreja de madeira surpreende em meio ao predomínio de
edificações residenciais. Foi construída antes da década de 1950, nos fundos de um lote
próximo à extremidade leste da rua, onde já havia uma casa de madeira. Dizeres já quase
apagados em sua fachada – “Igreja Evangélica Avivamento Bíblico” – denotam que tratava-se
de uma religião protestante. Após ter sido desativada, a propriedade foi vendida pelo pastor a
149
uma família católica. Como a casa é pequena, a atual dona do lote informou que usa a antiga
igreja como depósito ou, eventualmente, como espaço para refeições quando a família se
reúne. A utilização de um espaço religioso para estes fins e a presença de varais pendurados
logo na frente do prédio indicam a perda de sua nobreza, embora constituam fatores de
permanência através de seu re-uso adaptativo.
3. Ritmo
A largura dos lotes e o recuo frontal de 4 metros da maioria das edificações
contribuem para a homogeneidade da paisagem na rua Icós. O predomínio de edificações de
pequena escala, implantadas de forma isolada no lote, leva a repetição dos recuos laterais que,
apesar de variados, conferem um ritmo composto pelos trechos recortados de visão do interior
do lote.
Os muros baixos e a presença dos jardins frontais reforçam a continuidade
de lote para lote. Junto à seqüência de casas de madeira com varandas e casas também de
madeira que não possuem tal espaço, e ao conjunto de telhados recortados definem ritmos
facilmente notados na paisagem da rua.
Nota-se também ritmos definidos pela declividade do terreno, que transmite
a impressão de alturas diferentes entre casas no mesmo lado e entre os dois lados da rua.
Assim, há um escalonamento descendente entre casas de um mesmo lado quando se observa a
rua a partir de sua extremidade mais alta (leste). Esta característica é reforçada pelas
diferentes alturas dos muros que delimitam os lotes. No sentido transversal, as casas do lado
sul parecem mais altas que as do lado norte.
4. “Definição”
A curva da rua Duque de Caxias e um mercado situado neste local são
pontos de referência importantes da rua Icós. Um pouco mais distante é notável o casarão em
alvenaria da antiga chácara.
Na outra extremidade da rua (lado leste), seu início é demarcado pela praça
entre as ruas Caetés e Rio Grande do Sul. A presença de casas de madeira nas duas esquinas
deste lado dá idéia do tipo de construção que se irá encontrar na Icós.
Os lotes elevados de um lado da rua ressaltam a divisão entre público e
privado. O relevo atua como reforço aos muros tradicionais de pequena altura.
150
Figura II.14 – Rua Icós: elementos de definição
Fonte
Lamounier
(
2003)
5. Visuais
A declividade acentuada do terreno confere visuais à rua Icós, importantes à
atratividade do espaço.
A partir de sua extremidade mais baixa, na esquina com a Duque de Caxias,
o conjunto de casas de madeira não pode ser totalmente visualizado. É escondido pela copa
das árvores na calçada. Assim, os diferentes detalhes de fachadas e telhados, bem como os
jardins frontais vão sendo descobertos conforme se caminha pela rua.
Do alto, no entanto, tem-se uma vista geral da Icós, onde se destaca a
diferença de altura entre suas duas quadras e as copas densas das árvores no vale além da rua
Duque de Caxias.
O predomínio de recuos frontais e a definição quase simbólica do início do
lote, por meio de pequenos muros, possibilitam visualizar os jardins na frente das casas. Os
recuos laterais permitem vislumbrar trechos do interior do lote. Assim, a presença de vila e
árvores nos fundos dos quintais, bem como recortes de casas de madeira por trás de
construções em alvenaria são aspectos que podem ser notados por meio destes trechos de
visão.
151
Figura II.15a – Rua Icós: vista do alto (lado leste)
Fonte
Lamounier
(
2006)
Figura II.15b – Rua Icós: vista de baixo (lado oeste)
Fonte
Lamounier
(
2006)
6. Territórios
Os territórios na rua Icós podem ser classificados em: Íntimo, Privado,
Semi-Privado de maior intensidade e Semi-Público.
Territórios Íntimos são definidos pelo interior das residências e pelos lotes
cujo interior não é visível a partir da rua. Na Icós, são lotes com novas construções, cercados
por muros altos, e um lote, na esquina com a rua Caetés, ocupado por uma residência de
madeira, mas que tem a altura do muro aumentada pela declividade da rua.
Território Privado compreende o interior do lote, nos casos onde os limites
152
com a rua são tênues, permitindo acesso visual. Na rua há alguns lotes que possuem duas
residências sem divisão de áreas. Como somente uma das casas é ocupada (a outra é utilizada
como depósito, por exemplo, pelo proprietário) também são Territórios Privados. No caso da
vila, a área da residência frontal é classificada como Território Privado, por ter acesso
independente e exclusivo.
A principal forma de personalização do Território Privado consiste nos
jardins bem cuidados, cuja manutenção aponta a preocupação, mesmo que não intencional,
com a manutenção da própria paisagem da rua. Tal fato é justificado pelo predomínio de
muros baixos nos limites frontais, que garantem a visualização do domínio privado por quem
passa pela rua.
A área correspondente às duas casas dos fundos da vila, junto ao corredor
lateral interno, que dá acesso a ambas, constitui um Território Semi-Privado de maior
intensidade. Esta classificação se deve ao fato de serem visíveis a partir da rua e de não haver
divisão de áreas entre as duas residências. Um lote vizinho à vila também configura este tipo
de território, pois possui duas residências ocupadas por famílias diferentes sem nenhuma
divisão de áreas.
Um caso de excepcionalidade é determinado pelos lotes da família
Morettini. São lotes legalmente divididos, mas que não possuem limites entre si – salvo um
pequeno muro instalado somente para ajuste à declividade do terreno. Cada um destes lotes é,
portanto, um Território Semi-Privado de maior intensidade, compartilhado pela micro-
comunidade constituída pela família.
A limpeza do espaço da rua e calçadas pelos moradores denota identificação
com o local. A observação cotidiana através das janelas ou varandas das casas implica em
preocupação com o controle da rua. Seu espaço é classificado como Território Semi- Público,
pois é zelado e mantido sob certo nível de controle pelos moradores, mas não sofre
intervenções como demarcações ou personalizações, nem é muito usado como local de
permanência ou lazer – o que se deve à forte declividade do terreno.
153
Figura II.16 – Rua Icós: classificação de territórios
Fonte
Lamounier
(
2006)
7. Utilização
Categoria não analisada na rua Icós.
8. Senso de Comunidade
Na rua Icós, a permanência dos moradores na rua costuma se restringir a
paradas para conversar, na frente das casas dos vizinhos, quando passam por ali.
A presença de plantas comuns em jardins de lotes diferentes na rua indica,
no entanto, a existência de um forte senso de comunidade local. Os moradores contam que é
freqüente a troca de plantas de diversas espécies entre vizinhos. Tal prática garante a
continuidade da paisagem ao longo do tempo através da manutenção dos laços afetivos entre
os moradores, do aumento do número de espécies recorrentes e da conservação de certos
componentes dos jardins, já que a troca garante a permanência de determinadas espécies nos
lotes vizinhos, após sua extinção no lote de origem. Reforça a homogeneidade da paisagem de
154
rua, uma das importantes características de uma atmosfera tradicional.
Além da declividade, a presença exclusiva de casas de madeira no lado mais
alto da rua é garantida também pelo predomínio de proprietários morando deste lado. A
permanência de moradores ao longo do tempo denota um sentimento de forte apego ao chão.
A família Morettini forma uma micro-comunidade dentro de um contexto
maior, a vizinhança da rua. Os laços familiares transparecem também na paisagem, na medida
em que os muros e cercas que dividem os lotes vizinhos são substituídos por pequenas
muretas ou simplesmente por aterros somente para ajuste à declividade do bairro.
A morte recente de duas pessoas desta família determinou o retorno dos
filhos que haviam se mudado do bairro. Preocupados com os outros familiares, voltaram a
morar em sua rua de origem. Seu retorno evita a demolição das casas, que contribu iria de
forma significativa à anulação da atmosfera da Icós.
Idéias, memórias e sentimentos constituem importante componente na
leitura de paisagem de rua. A permanência de gerações seguidas no mesmo local constrói o
“espaço familiar”, repleto de carga simbólica, ausente na maioria das ruas da cidade.
Figura II.17 Rua Icós: troca de mudas de plantas entre moradores reflete os laços de
vizinhança:
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
155
Rua Icós: vista do alto
Fonte
Lamounier
(
2006)
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Figura II.18a – Fotos Rua Icós
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Figura II.18b – Fotos rua Icós
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Fonte
Yamaki
(
2004)
Figura II.18c – Fotos rua Icós
158
II.1.2.4 Considerações sobre a rua Icós
A permanência de moradores que residem no mesmo lote ou ainda, na
mesma casa por várias décadas é uma característica importante de ruas tradicionais, na
medida em que, com o passar do tempo, seu ambiente adquire cada vez mais significado. A
identificação com o espaço da rua, devido à existência de uma história no lugar, junto aos
fortes laços de vizinhança mantém o senso de comunidade e garante o caráter homogêneo da
paisagem por meio de padrões e conceitos comuns.
A carga emocional e o caráter simbólico são importantes para a
permanência da atmosfera tradicional da rua Icós, por não permitirem transformações que
possam romper com os significados de seu espaço e dos componentes de sua paisagem. A
presença exclusiva de casas de madeira num dos lados da rua, onde quase todos os moradores
são proprietários e moram a mais de cinqüenta anos, remete à permanência da paisagem
tradicional através do valor afetivo e simbólico atribuído aos seus componentes ao longo da
história da rua.
Embora criados individualmente, de acordo com os valores e preferências
do próprio dono, a influência de uma estética popular e a existência de conceitos comuns faz
com que os jardins da Icós integrem uma paisagem de conjunto de jardins bem cuidados, que
compõe e define a própria paisagem da rua, contribuindo para sua continuidade visual.
Constituem, portanto, elementos de grande importância para a preservação de atmosferas em
ruas tradicionais, uma vez que a presença dos mesmos pode assegurar a permanência da
paisagem, mesmo após a demolição e substituição das casas de madeira às quais pertencem.
Numa cidade de setenta anos como Londrina, a presença de paisagens
tradicionais, construídas ao longo do tempo, e a existência de conceitos comuns, propiciando
a identificação com o lugar, são características que compõem a atmosfera de ruas antigas e
atestam sua permanência, remetendo à idéia de durabilidade como qualidade urbana.
As relações de vizinhança, a paisagem do casario antigo de madeira e a
presença de jardins cuidados são elementos que qualificam a rua Icós como rua tradicional e
denotam a conotação de “lugar” entre seus moradores, onde os laços afetivos e a atribuição de
significados são fortes condicionantes à conservação da atmosfera.
159
II.1.3 As “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas
Se num primeiro momento facilitou a implantação da cidade, o plano de
Londrina encontraria, em sua expansão, barreiras na declividade acentuada das áreas dos
córregos e ribeirões que o delimitavam. A extensão do traçado xadrez até estes pontos
resultou em ruas sem saída e ladeiras muito íngremes (“remendos” ou ajustes na
implantação). A partir dos anos 1950, algumas foram solucionadas através da construção de
escadarias.
Entre as escadarias, duas destacam-se como exemplos significativos.
Situam-se margeando uma mesma quadra, na parte leste do chamado centro histórico, nas
extremidades das ruas Espírito Santo e Alagoas. Neste trabalho optou-se por chamá-las de
ladeiras.
Pouco conhecidas entre a população da cidade, as ladeiras não possuem
denominação oficial como tal. O próprio guia de endereços e lista telefônica de Londrina
informa como se o início das ruas Espírito Santo e Alagoas fosse a partir da rua Uruguai,
suprimindo o espaço das ladeiras e incluindo o nome dos assinantes que ali residem na
próxima quadra. São, no entanto, marcos significativos na paisagem delimitadora do antigo
centro e constituem importante patrimônio ambiental dos anos 1950.
II.1.3.1 O surgimento das ladeiras
A planta cadastral de 1951 mostra que o início do processo de ocupação da
rua Amazonas, atual Uruguai, (pontilhada no mapa) coincide com o começo da extensão das
ruas perpendiculares, Espírito Santo e Alagoas.
A não definição da continuidade destas ruas, mesmo após a subdivisão de
várias datas próximas, pode ter significado a intenção de se estendê-las normalmente num
momento futuro. A ocupação de um dos lados da rua Espírito Santo e o início do traçado da
Alagoas (ainda não ocupada), nos trechos além da rua Amazonas, conduzem a esta idéia.
Restaria, no entanto, saber se a continuidade das ruas se direcionaria ao fundo de vale, onde
havia uma estação distribuidora de água ou à transposição deste, como ampliação da malha
urbana.
160
Em 1993, as ladeiras encontravam-se ocupadas pelas pequenas edificações
de madeira na parte mais alta, pelas instalações da COPEL na parte baixa e do DER num dos
lados da Alagoas.
Figura II.19a – “Ladeiras”: Planta
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Cadastral 1993
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O declive acentuado em direção ao fundo de vale, nascente do Córrego das
Pombas, foi o fator que ocasionou a interrupção das duas ruas, dando origem às ladeiras.
De acordo com alguns dos moradores mais antigos, a “ladeira” Espírito
Santo era percorrida por crianças que iam brincar na mata que havia logo abaixo, e pelas
pessoas que moravam nas quatro casas de madeira, no lado sul da ladeira. O trecho mais
percorrido era, portanto, o trajeto até a última casa do conjunto. Passavam por ali, também,
algumas pessoas que trabalhavam na estação distribuidora de água, próxima à nascente do
córrego. A ladeira da rua Alagoas era bem menos movimentada.
Havia uma “luta” constante dos moradores contra o matagal que insistia em
crescer nas ladeiras não pavimentadas. Em dias de chuva, a lama dificultava ainda mais a
circulação no terreno de declive acentuado. Acidentes com carros e caminhões que
derraparam na rua Espírito Santo e foram parar quase no final da ladeira ainda são lembrados
pelos moradores mais antigos.
Com o tempo, a Espírito Santo e a Alagoas sofreram um grave processo de
erosão em seu leito, dificultando ainda mais a caminhada pelo local. A pavimentação,
reclamada pelos moradores, veio no início da década de 1980 sob a for ma de escadaria como
161
solução ao forte declive. Até então, os moradores imaginavam que as ladeiras seriam
pavimentadas como ruas, onde trafegariam automóveis. A transformação em rua
propriamente dita ainda é comentada por alguns moradores como tênue possibilidade de
“melhoria” do espaço.
II.1.3.2 Uruguai – rua definidora das ladeiras
O trecho da rua Uruguai entre as duas ladeiras sofreu rápida ocupação. Suas
construções sofreram poucas alterações no decorrer do tempo e constituem, portanto, parte
significativa do patrimônio histórico edificado de Londrina. O predomínio de casas de
madeira, a pequena escala das edificações e o conjunto de telhados recortados são
características marcantes neste trecho da rua. O sombreamento de árvores na calçada torna a
porta da casa um local agradável para interações entre vizinhos, propiciando a permanência
no domínio da rua. A composição de sua paisagem define uma atmosfera tradicional que
envolve também as duas ladeiras.
II.1.3.3 Elementos de composição das ladeiras
As ladeiras compõem-se de escadarias, com um canteiro lateral na
extremidade mais alta. São ocupadas por edificações em madeira, cercadas por muros
relativamente baixos que permitem a visualização do interior dos lotes. Como são legalmente
consideradas ruas, suas construções apresentam recuos laterais e de frente eqüidistantes, como
ocorre nas esquinas em ruas propriamente ditas.
162
“Ladeira” Espírito Santo
“Ladeira” Alagoas
Figura II.20 – Plantas “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: desenhos do autor sobre Planta Cadastral de
1993 – PML
A “ladeira” Espírito Santo foi a primeira a ser ocupada. Logo em 1950 foi
construído, no lado sul, um conjunto de quatro casas idênticas de madeira num mesmo lote.
São casas térreas com área de aproximadamente quarenta metros quadrados. Com fachada
simples, sem varanda, possuem telhado de quatro “águas”. Diferem, portanto, das casas da
região. Todas voltam-se para a ladeira, por onde se dá seu acesso.
No início dos levantamentos as quatro casas encontravam-se em estado
precário de conservação. A intenção dos proprietários (que moravam na única casa habitada
do conjunto) de vender o lote preocupava por tornar a demolição das edificações uma grande
possibilidade. Após a venda, no entanto, as quatro residências foram alugadas e algumas
chegaram mesmo a passar por melhorias. O aumento do número de moradores e o
163
melhoramento de algumas edificações e da porção do lote em que se situam resultou no
resgate de parte, ao menos, da vitalidade do local e conduz à conservação de sua atmosfera.
Este aspecto é tratado no último capítulo desta dissertação.
Do outro lado da ladeira, há duas casas de madeira, também ocupando uma
única data. Apresentam fachadas com varanda, mais elaboradas. Ambas voltam-se para a rua
principal. A primeira a ser construída foi a residência dos fundos, na parte mais baixa do
terreno, em 1957. Possui o telhado bem recortado, como as casas da rua Uruguai. Em meados
da década de 1960 foi construída a casa na parte frontal do lote, com telhado dividido em
apenas duas “águas”. Por estar na parte mais alta do terreno, apresenta pavimento inferior
voltado para os fundos do lote. Tendo comprado o lote com as casas já construídas, os atuais
proprietários optaram por morar nesta última, mais nova e próxima à rua. A primeira casa foi,
então, destinada ao aluguel.
A ladeira da rua Alagoas foi ocupada por edificações residenciais apenas em
seu lado norte. A primeira foi construída nos fundos em 1951, e a segunda na frente do lote,
dois anos depois. As duas são de madeira, com varanda e telhado recortado, e voltam-se para
a rua Uruguai. Destas, só a segunda, localizada na parte mais alta da data, possui outro
pavimento. Em seguida construiu-se uma terceira casa, agora em alvenaria, no meio do lote,
com a frente voltada para a ladeira. Diferente do caso anterior, neste não houve mudança de
proprietários. Assim, a dona do lote preferiu continuar morando na primeira casa a ser
construída, nos fundos, deixando as outras para o aluguel.
O fato de se começar a ocupação pelos fundos, nos lotes das duas ladeiras,
pode ter ocorrido por ser esta parte do terreno menos acidentada, já que a frente apresenta
abrupto desnível em relação à rua. Assim, com a necessidade de uma residência, construía-se
primeiro na parte mais fácil e, em momento propício, na área mais acidentada, onde haveria
necessidade de aterro e de um pavimento inferior em alvenaria para a edificação.
Na parte mais baixa das duas ladeiras não há edificações residenciais. Este
trecho consiste num corredor cego, cercado por muros altos e contínuos que delimitam
instalações da COPEL – Companhia Paranaense de Energia Elétrica – nos dois lados da
“ladeira” Espírito Santo e no lado norte da Alagoas. O outro lado da “ladeira” Alagoas é
cercado por um muro do DER – Departamento de Estradas e Rodagem, em toda sua extensão.
Durante os levantamentos foram instalados, nesta ladeira, dois muros de madeira pelo pessoal
do DER, impedindo o trajeto em sua parte mais baixa (metade leste). A justificativa
encontrada foi o perigo de acidentes com pedestres causados por possíveis desabamentos do
muro na época de chuvas. Tal fato, no entanto, anulava a possibilidade de circulação na
164
ladeira, podendo representar o início de sua desconstituição.
De fato, após a retirada dos muros de madeira, verificou-se intervenções
agressivas à atmosfera do local. A substituição de parte do muro do DER por um muro de
gabião (construído com pedras envolvidas por tela metálica) e a quebra dos degraus,
possivelmente para permitir o tráfego de caminhões pela ladeira podem até ser consideradas
modificações que garantem maior segurança, impedindo o desabamento do muro antigo, e
que permitem o uso de um espaço supostamente abandonado. Por outro lado, no entanto,
consistem em transformações bruscas na paisagem que podem acelerar o processo de ruptura
e anulação da atmosfera, apontando para o fim próximo da “ladeira” Alagoas.
II.1.3.4 A atmosfera das ladeiras
Numa primeira análise, nota-se claramente a diferença, quanto à ocupação e
variedade de elementos, entre os dois trechos (leste e oeste) em cada uma das ladeiras. A parte
mais alta (oeste) é bem variada, com canteiro num dos lados, e uma boa quantidade de
edificações residenciais (seis na Espírito Santo, distribuídas entre os dois lados, e três na
Alagoas, localizadas somente no lado do canteiro). A parte mais baixa (leste), cercada por
muros altos e contínuos, é caracterizada pela monotonia.
Além do contraste entre trechos variados e monótonos as ladeiras possuem
outras características que compõem sua atmosfera. São analisadas de acordo com as seguintes
categorias: 1. Implantação, 2. Fachadas, 3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios, 7.
Utilização e 8. Senso de Comunidade.
1. Implantação
O plano de Londrina reflete um tipo de pensamento. A escolha do local para
implantação da cidade e o tipo de traçado urbano adotado foram imbuídos de determinadas
influências ideológicas e culturais. A extensão do traçado ortogonal até áreas de declividade
acentuada resultou no surgimento das ladeiras, adaptações necessárias à continuidade da
rígida malha xadrez frente às características naturais do sítio.
Espaços de uso exclusivamente pedestre, as ladeiras configuram uma quebra
no padrão definido pelo plano de Londrina. Contrastam com as ruas em seu entorno, por
165
apresentarem degraus e serem mais íngremes e estreitas que estas.
Apesar de próximas à rua Uruguai, as “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas
consistem em ambientes calmos, tranqüilos, quase desertos. A impossibilidade do uso de
automóveis resulta na segurança dos pedestres em relação ao tráfego, permitindo maior
atenção à apreensão do espaço. Os degraus, por sua vez, determinam uma velocidade de
caminhar específica, mais baixa que em outros espaços pedestre, que também favorece a
percepção.
As ladeiras possuem 5,5 metros de largura e aproximadamente 115 metros
de comprimento. Cada uma possui, na parte mais alta, um canteiro lateral que mede 9,5
metros de largura e 40 metros de comprimento. Apresentam um único padrão de lote (11,5 x
40 metros). Quanto à ocupação, no entanto, este padrão pode ser dividido em dois tipos.
Ambos apresentam subdivisões e conseqüente recorte, mas também variações quanto à
composição em relação à maioria dos lotes de ruas tradicionais.
O tipo 1 é encontrado na margem norte de cada uma das ladeiras, ao lado do
canteiro. É ocupado por casas com dimensões variadas, mas que, de uma forma geral, seguem
a mesma escala. A diferença entre as áreas ocupadas por cada casa resulta em recortes de
dimensões também diferentes do interior do lote. As edificações constituem-se de uma
residência mista (em madeira e alvenaria) na parte frontal e uma de madeira nos fundos – na
“ladeira” Alagoas há ainda uma casa de alvenaria, construída no meio do lote.
Os canteiros contíguos aos lotes do tipo 1 permitiram a transposição de
alguns elementos para fora de seu espaço. Assim, nestes canteiros encontram-se algumas
plantas ornamentais e árvores frutíferas que constituiriam, na maioria das ruas tradicionais, os
jardins frontais e os pomares nos fundos dos lotes. Tais canteiros consistem, então, nos
“quintais” dos lotes do tipo 1 das “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas.
Os acessos aos lotes do tipo 1 se dão pela rua Uruguai (somente para a casa
frontal) e por corredores laterais externos (para todas as casas do lote, inclusive a da frente),
localizados entre o lote e o canteiro. Na “ladeira” Espírito Santo o corredor é uma estreita
faixa pavimentada com cerca de um metro de largura, que se inicia com pequenos degraus e
termina como rampa. Na Alagoas é uma rampa pavimentada de três metros de largura, como
se fosse uma calçada normal.
A ocupação do tipo 2 ocorre somente na “ladeira” Espírito Santo. Trata-se
do lote com quatro casas de mesmo tamanho e idênticas. As diferenças de dimensões entre as
quatro porções deste lote, ocupadas por cada casa, são mínimas. Visualmente pode-se, então,
considerar a existência de um padrão, um único tipo de recorte.
166
Devido à intensa subdivisão e por não situar-se ao lado de um canteiro, este
lote não possui jardim nem quintal. O acesso a cada uma de suas casas se dá de forma
independente pela escadaria da ladeira, para onde todas estas estão voltadas. A casa na parte
mais alta também possui acesso pela rua Uruguai.
O contraste entre a vegetação dos “quintais” e as edificações, bem como as
diferenças entre os materiais destas (casa de madeira e de alvenaria, pavimento superior em
madeira e inferior em alvenaria) são importantes por que atraem a atenção do pedestre.
A diferença entre elementos naturais e construídos pelo homem, bem como
materiais diversos, são apontados como importantes por vários autores entre os que foram
pesquisados neste trabalho. Tipos diversos de piso apontando locais onde se pode ou não
passar também constitui um aspecto importante. A diferença entre a escadaria e o corredor de
acesso, espaços pavimentados, e o gramado e terra do “quintal” é responsável por esta
qualidade nas duas ladeiras.
A forma de implantação das ladeiras também contém significados
associados. São importantes como testemunho histórico, pois sua composição consiste de
elementos e práticas que refletem diferentes épocas do desenvolvimento de Londrina. A
permanência de sua paisagem ao longo do tempo classifica-as como espaços que
possuem a qualidade de durabilidade.
Figura II.21 – Figura-Fundo “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas:
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
167
2. Fachadas
Os tipos de lote (1 e 2) definidos quanto à forma de ocupação, também
apresentam diferenças em relação à tipologia das fachadas das edificações.
Os dois lotes do tipo 1 são ocupados por casas com fachadas variadas, que
divergem também quanto ao número e caimento de “águas” dos telhados. São homogêneas,
no entanto, se considerados escala e recuos, presença de varanda, material e orientação da
fachada principal (em madeira, voltada para a rua Uruguai), além da existência do pavimento
inferior em alvenaria nas casas situadas na parte frontal dos lotes.
Quanto ao material e orientação da fachada principal, a edícula em alvenaria
no meio do lote, voltada para a “ladeira” Alagoas é a única exceção.
A ocorrência ou não do pavimento inferior divide as edificações em dois
subtipos: com dois pavimentos, na frente do lote (casa mista: de madeira no nível da rua e
com a parte inferior em alvenaria); e com um pavimento, nos fundos (casa de madeira ou
alvenaria).
A presença de dois pavimentos foge aos padrões da maioria das residências
em madeira e é uma característica determinada exclusivamente pelo grande desnível do
terreno.
As residências nos fundos do lote de tipo 1 em cada uma das “ladeiras”
possuem fachadas idênticas e recorte de telhados similares. Embora possua menor área, a que
situa-se na “ladeira” Espírito Santo tem maior número de recortes no telhado.
O lote de tipo 2 (existente apenas na “ladeira” Espírito Santo), ocupado por
quatro casas idênticas, apresenta somente edificações de madeira, com a mesma fachada
(embora rebatida, reflexo da planta, de casa para casa) e telhados recortados em quatro
“águas”. Desta forma, este tipo conta somente com edificações de um pavimento, embora
implantadas em níveis diferentes do terreno. Todas estas casas têm a fachada principal voltada
para a ladeira, inclusive a que se situa mais próximo da rua Uruguai.
As casas de madeira são importantes por tratarem-se de elementos de
pequena escala e com muitos detalhes, o que facilita a apreensão do espaço. O conjunto de
telhados com quatro “águas” é destacado pela diferença de nível entre as edificações, que
possuem a mesma altura. Configura uma característica significativa à definição da paisagem
como identidade urbana.
168
Figura II.22 – “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: tipologia de fachadas
Fonte
Lamounier (
2006)
3. Ritmo
A presença de elementos de pequena escala, junto a aspectos ocasionados
pela declividade acentuada confere às ladeiras ritmos diversos que contribuem para a
atratividade de seu espaço. Os degraus com patamares de comprimentos variados configuram
ritmos irregulares, tanto verticais quanto horizontais.
O conjunto com quatro casas idênticas de madeira, na “ladeira” Espírito
Santo conduz à unidade da paisagem. Enquanto em outros casos o aspecto comum em
diversas casas num mesmo lote pode ser a ocupação por membros de uma única família, a
unidade deste conjunto se deve à semelhança física entre as edificações. A implantação em
patamares diferentes ocasiona o escalonamento destas casas. Tal fato determina o tipo de
ritmo mais facilmente notado na ladeira. Aliado às fachadas rebatidas, onde portas e janelas
169
têm posições alternadas, contrasta com o ritmo regular dado pela homogeneidade das
residências, presente mesmo em detalhes, como na verticalidade das tábuas de revestimento.
O escalonamento também destaca os telhados destas edificações, atuando como fator de
diferenciação e facilitando a visualização dos mesmos como conjunto, de qualquer uma das
extremidades da ladeira.
Quanto ao significado, a implantação das quatro casas escalonadas define
uma hierarquia, cujo maior grau de importância é dado ao nível mais alto do lote, e o menor à
casa na parte mais baixa do terreno.
4. “Definição”
Inseridas na malha urbana do centro de Londrina, as ladeiras só são
percebidas quando se chega bem próximo das mesmas. Uma vez em seu espaço, os degraus, a
declividade acentuada, os canteiros laterais e mesmo os extensos muros definem, claramente,
seu espaço.
Outra forma de definição é dada pela interrupção das ruas Espírito Santo e
Alagoas, que se transformam em espaços de uso exclusivo para pedestres.
Com características marcantes, que contrastam com o entorno, as duas
ladeiras podem ser consideradas elementos importantes na definição do limite leste do centro
histórico de Londrina.
À distância, a praça da COPEL e a avenida Dez de Dezembro são pontos de
referência importantes à sua localização.
Figura II.23 – “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: elementos de definição
Fonte
Lamounier (
2006)
170
5. Visuais
Nenhuma das ladeiras é facilmente notada a partir da rua Uruguai. Revelam-
se de repente, somente quando se passa pela calçada. Deste ponto tem-se um campo visual
amplo, de onde se pode ver toda sua extensão, além da arborização na encosta da avenida Dez
de Dezembro. Possuem então, a qualidade do inesperado, surpreendente. Moudon (apud
RAPOPORT, 1990, p. 269) considera áreas de declividade acentuada como complexas, por
haver um aumento do número de elementos ao nível dos olhos.
As escadarias estreitas, bem delimitadas, despertam o interesse de descobrir
para onde conduzem, de qualquer dos seus lados. Os degraus constituem barreiras verticais ao
campo visual, não permitindo a apreensão total do espaço a partir do lado mais baixo. A visão
serial, com o aumento do campo visual conforme se transita pelas ladeiras, subindo cada
degrau, confere certo grau de mistério ao espaço e instiga a curiosidade, convidando à sua
exploração.
O nível de variedade de elementos que cada espaço deve apresentar é
inversamente proporcional à velocidade. Assim, espaços pedestre, por possuírem baixas
velocidades, devem apresentar mais elementos que despertem a atenção (RAPOPORT, 1990).
A “ladeira” Espírito Santo, com seus dois lados ocupados por lotes com residências, apresenta
maior variedade de elementos (e conseqüentemente mais relações entre estes) que a Alagoas,
que tem apenas um dos lados ocupado por construções residenciais.
Figura II.24a – “Ladeira” Espírito Santo: vista do alto (lado oeste)
Fonte
Lamounier (
2006)
171
Figura II.24b – “Ladeira” Espírito Santo: vista de baixo (lado leste)
Fonte
Lamounier (
2006)
Figura II.24c – “Ladeira” Alagoas: vista do alto (lado oeste)
Fonte
Lamounier (
2006)
172
Figura II.24d – “Ladeira” Espírito Santo: vista de baixo (lado leste)
Fonte
Lamounier (
2006)
Nenhuma das duas ladeiras é, no entanto, atrativa em toda sua extensão. As
duas possuem maior variedade na parte mais alta, onde situam-se as casas de madeira e os
“quintais”. Os muros altos e contínuos que delimitam a parte baixa, tornam este trecho
monótono em ambas. O arame farpado nos muros do lado norte, provavelmente instalado com
a intenção de proteger os equipamentos de alta tensão da COPEL, dá a impressão de um local
com falta de segurança para quem passa por este trecho das ladeiras. Constitui uma forma de
ataque externo, tornando o espaço agressivo e propiciando o sentimento de medo, que pode
levar as pessoas a evitar o trajeto por ali.
O menor número de degraus, no entanto, e o fato de serem mais compridos
que na parte mais alta das ladeiras permitem uma velocidade maior na transposição deste
trecho. Tal fato pode ser considerado uma qualidade já que para um ambiente monótono ou
hostil, um tempo de percurso menos prolongado é desejável. Esta análise também cabe à
“ladeira” Alagoas, com menor variedade e menos degraus, em relação à Espírito Santo.
Apesar disso, a presença de um muro alto que se estende por todo o lado sul desta ladeira
confere-lhe um tipo de atrativo não encontrado na Espírito Santo. Trata-se do muro que cerca
a área pertencente ao DER. A atratividade se deve às plantas ornamentais e copas de árvores
frutíferas que pendem de toda sua extensão, derramando-se do quintal cercado e chegando,
em alguns pontos, a quase alcançar o chão. Galhos e folhagens por cima de um muro são
agradáveis e estimulam a percepção porque levam o observador ao jardim por trás deste,
mesmo que somente por meio do pensamento (JACOBS, 1999, p. 285).
173
6. Territórios
A interrupção da circulação de automóveis, caracterizando as “ladeiras”
Espírito Santo e Alagoas como espaços de uso exclusivo para pedestres, proporciona maior
privacidade aos moradores. Por tratar-se de um antigo limite da cidade, tais aspectos podem
também ter efeito inverso, contribuindo para um sentimento de aversão ao espaço, levando às
sensações de medo e abandono. Lixo e entulho deixados nos jardins e nas escadarias; pisos
quebrados com mato crescendo nas escadarias; encanamento da rua e dos lotes na “ladeira”
Espírito Santo desaguando em seu espaço transmitem realmente esta impressão. A observação
de comportamentos e o contato com os moradores, além da verificação de demarcadores reais
e simbólicos, no entanto, revelam um forte senso de territorialidade no local.
A permanência de moradores durante longo tempo num mesmo local, pode
ir atribuindo significados ao espaço. Para Tuan (1983, p. 155) trata-se de “um elemento
importante na idéia de lugar”. O caráter relativamente privativo das ladeiras reforça a relação
com seu espaço, fundamental ao conceito de territorialidade. O pouco movimento permite aos
“donos” maior controle de quem passa por ali.
Foram identificados os seguintes tipos de território: Íntimo, Privado, Semi-
Privado de menor intensidade e Semi-Público, além de áreas caracterizadas como “Espaços
Desterritorializados”.
Como todos os lotes são visíveis a partir da rua, delimitados por gradis e
muros baixos, o Território Íntimo é constituído, nas ladeiras, somente pelo interior das
residências.
O Território Privado consiste na área do lote. A entrada de pessoas estranhas
nestes espaços só é aceita quando acompanhadas por algum morador. A privacidade, nestes
casos, não implica em impermeabilidade visual. Embora permitam a visibilidade do interior
dos lotes, os muros relativamente baixos que os delimitam cumprem com efeito seu papel de
demarcadores.
Com a subdivisão pela presença de mais de uma casa no lote, o Território
Privado seria compartilhado por famílias diferentes que vivem no mesmo terreno,
ocasionando a socialização de seu espaço. Nas “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas, no
entanto, a presença de acessos independentes e exclusivos às áreas correspondentes a cada
casa do lote evita este tipo de socialização. Há, portanto, uma maior definição das
subdivisões. Morando num mesmo lote, cada família tem acesso somente à área pertencente à
sua residência. Pode-se notar assim, nas ladeiras, a clara definição de tantos Territórios
174
Privados num mesmo lote, quanto o número de casas que o ocupam.
O Território Semi-Privado de menor intensidade é representado, nas
ladeiras, pelos corredores laterais externos e pelos canteiros ou “quintais”.
Cada um dos corredores é um espaço de acesso compartilhado pelos
moradores do lote próximo aos mesmos. Atuam como um dos elementos de demarcação dos
canteiros e tratam-se da apropriação de uma faixa pública para circulação praticamente
exclusiva dos “donos” do Território Privado ao lado. Tal fato só foi possível devido à
interrupção das ruas Espírito Santo e Alagoas. Caso contrário, os corredores acabariam por
situar –se na área interna dos lotes.
Os moradores dos lotes junto aos canteiros “quintais” nas duas ladeiras
mencionaram ter tentado, sem êxito, a anexação destes espaços ao lote. Este fato indica que o
“quintal” é realmente percebido como território. Sua demarcação – de certo modo,
privatização de um espaço público – consiste num tipo de apropriação mesmo sem concessão
legal, que reforça tal afirmação e remete ao sentimento de identidade com o espaço. Assim,
embora possam ser compartilhados com outros, os “quintais” são territórios controlados pelos
moradores dos lotes contíguos a estes. Como os corredores externos, são Territórios Semi-
Privados de menor intensidade, associados a Territórios Privados determinados. As plantas
ornamentais e árvores frutíferas são elementos de personalização, denotando identidade. O
lote no lado sul da “ladeira” Espírito Santo não possui um Território Semi-Privado associado,
por situar-se imediatamente próximo à escadaria, sem espaços livres que permitissem
apropriações neste nível.
O Território Semi-Público é constituído pela “ladeira” Espírito Santo
propriamente dita, ou seja, a escadaria pavimentada utilizada como espaço de circulação. É
assim chamado por constituir um espaço público, cujo acesso não pode ser controlado, mas
que possui circulação relativamente restrita. A ausência da circulação de automóveis e o fato
de ser mais utilizada pelos moradores, confere à ladeira uma certa exclusividade, com maior
privacidade do que o espaço da rua e da calçada. Trata-se, então, de uma forma de
privatização bem mais amena que no caso do Território Semi-Privado. Embora não possua
demarcações visíveis, reclamações dos moradores quanto à permanência na escadaria, durante
a noite, de pessoas consideradas ameaça à sua segurança; a preocupação sobre o interesse do
trabalho naquele espaço e a razão da presença prolongada de uma pessoa estranha ao local,
durante os levantamentos, consistem em tentativas de controle e denotam realmente a
percepção da ladeira como território. Os moradores do lote mais próximo à escadaria
mostraram-se mais preocupados que os outros com a permanência de um estranho neste
175
espaço. O controle do Território Semi- Público, neste caso, está associado à preocupação com
a segurança do Território Privado.
A ausência de edificações residenciais e os elementos que tornam o espaço
agressivo transmitem impressões de abandono e falta de segurança à parte mais baixa das
duas ladeiras. Não apontados como territórios por nenhum dos moradores, estes trechos são
áreas monótonas e refratárias, o que leva à classificação como “Espaços Desterritorializados”.
A permanência de uma caçamba para depósito de lixo, colocada pelos
funcionários da COPEL, na extremidade leste da “ladeira” Espírito Santo, atesta a não
definição de territórios neste trecho.
A “ladeira” Alagoas pode ser considerada um “Espaço Desterritorializado”,
na verdade, em toda sua extensão, já que quase não é utilizada, nem como local de passagem.
Talvez por possuir poucas residências (e todas de um lado só e isoladas pelo canteiro), a
ladeira é vista como um local inseguro, principalmente à noite, quando praticamente não há
iluminação. As pessoas parecem preferir atravessar a vizinha “ladeira” Espírito Santo do que
transpor a Alagoas.
As áreas das ladeiras que apresentam definição de territórios coincidem com
as mais complexas, onde há maior variedade de elementos e relações entre estes. Reforça a
idéia de que determinadas configurações espaciais podem estimular a definição e a
manutenção de territórios.
176
Figura II.25 – “Ladeiras”: classificação de territórios
Fonte
Lamounier (
2006)
7. Utilização
Os lotes das duas ladeiras apresentam maior número de acessos pela lateral.
No lote com as quatro casas, na “ladeira” Espírito Santo, estes acessos podem, no entanto,
serem considerados frontais em relação à orientação das edificações. A casa na parte mais alta
do terreno também possui um outro acesso (pela rua Uruguai). No início dos levantamentos
encontrava-se vetado por um muro de alvenaria, mas foi reaberto recentemente com a
ocupação da casa. Trata-se de um pequeno portão seguido por um conjunto de degraus que
descem da rua ao nível do lote.
O predomínio de acessos pela lateral legal do lote consiste num elemento de
excepcionalidade. Garante certa variedade em relação à maioria das ruas tradicionais.
A presença de construções residenciais é importante porque remete à
segurança no espaço. Os acessos aos lotes podem representar possíveis caminhos de refúgio
em caso de qualquer ameaça. Nas ladeiras, onde a utilização se dá principalmente pela
177
circulação dos próprios moradores, a variedade de pontos de acesso aos lotes garante maior
movimentação, denotando que o espaço continua “vivo”.
A “ladeira” Espírito Santo possui edificações dos dois lados, totalizando seis
residências, todas ocupadas atualmente. É, portanto, mais utilizada que a Alagoas, que possui
apenas três residências, localizadas num único lado.
O conjunto das quatro casas consiste num dos principais determinantes à
utilização da “ladeira” Espírito Santo. Seus moradores passam, necessariamente, pela ladeira
para entrar em casa. Assim, o trajeto mais percorrido é o trecho até a primeira casa,
diminuindo gradualmente até a última do conjunto e apresentando um fluxo bem menor no
final da ladeira, já que passam por ali poucas pessoas que não moram no local.
No lado próximo ao canteiro da “ladeira” Espírito Santo foram construídas
pequenas rampas entre os degraus que possibilitam a circulação de motos e bicicletas. Este
tipo de adaptação reforça a idéia de “vida” do espaço, pois denota a intenção de melhorá-lo.
Indica preferência de utilização daquele lado, o que se deve em grande parte aos canos que
escoam a água do lote do lado oposto diretamente nos degraus.
Possuindo apenas um lote com edificações residenciais, a “ladeira” Alagoas
é bem menos percorrida. Os moradores dali usam o corredor ao lado do lote como acesso à
suas casas mais freqüentemente que a escadaria.
178
“Ladeira” Espírito Santo
“Ladeira” Alagoas
Figura II.26 – Utilização “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas
desenhos do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
8. Senso de Comunidade
Por se tratarem de espaços pequenos, nas ladeiras o conhecimento entre os
moradores não depende de um forte senso de comunidade. Relações mais estreitas, no
entanto, configurando micro-comunidades, foram identificadas nestes locais. Sua ocorrência
coincide com os tipos 1 e 2 de ocupação dos lotes, definidos na categoria 1. Implantação.
Nos lotes do tipo 1, presentes nas duas ladeiras, estes vínculos são
estabelecidos pelas relações entre proprietário e inquilino que ocupam um mesmo lote.
No lote do tipo 2, presente apenas na “ladeira” Espírito Santo, um grupo de
amigos resolveu alugar três das quatro casas do conjunto. Suas relações tratam-se de laços de
amizade estabelecidos bem antes da mudança para o local. A casa restante foi alugada
posteriormente, para uma pessoa que não participava deste grupo. A pequena comunidade
179
influenciou no melhoramento da atmosfera da “ladeira” Espírito Santo. As casas ocupadas
pelo grupo de amigos receberam nova pintura e plantas em vasos improvisaram jardins nos
espaços livres do lote. A manutenção parece ser motivo de orgulho para estes moradores. Na
quarta casa, que não pertence a esta micro - comunidade, não há intervenções visíveis que
denotem sua manutenção.
Figura II.27 – “Ladeira” Espírito Santo: residências ocupadas por grupo de amigos
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
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Figura II.28c – Fotos “Ladeira” Alagoas
183
II.1.3.5 Considerações sobre as “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas
As ladeiras constituem “micro-paisagens” definidoras dos antigos limites do
plano de Londrina e importante patrimônio ambiental dos anos 1950. Representam um padrão
na solução de determinados espaços na cidade, tentativas, numa determinada época, de ajustes
da rigidez do traçado ortogonal sobre terrenos muito acidentados. Seu processo formativo,
como solução à forte declividade junto às nascentes, reflete um processo incremental de
construção de espaço em condições não favoráveis.
A declividade acentuada do terreno lhes confere um caráter único,
particular, que as destaca em relação a outras ruas da cidade. Junto a elementos característicos
de uma atmosfera tradicional, garante certa atratividade a seu espaço. As casas de madeira
com os telhados característicos, o tipo de ocupação do lote, acessos, ritmos e visuais são
responsáveis pela variedade de elementos e relações que podem estimular a percepção.
A presença de territórios bem definidos denota forte sentimento de
identidade com o “lugar”, importante à cognição da paisagem. A apropriação dos canteiros
como “quintais” é um dos exemplos mais facilmente notados neste sentido. A permanência
dos mesmos moradores durante longo tempo no local atribui cada vez mais significado ao
espaço.
A presença de uma micro-comunidade na “ladeira” Espírito Santo,
estabelecida antes da mudança para o local, garantiu a ocupação de um lote com edificações
aparentemente condenadas à demolição e iniciou intervenções que denotam a preocupação
com a manutenção do espaço, contribuindo para a conservação de sua atmosfera.
As “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas apresentam o que se pode chamar de
“micro - atmosfera”, uma zona compacta e com algumas variações em relação à composição
de atmosferas tradicionais, mas cuja permanência guarda lições tão importantes quanto a
durabilidade de ruas como Guaranis e Icós.
II.1.4 Ruas tradicionais: conclusões preliminares
As chamadas ruas tradicionais surgiram durante a expansão do plano inicial
de Londrina, com o loteamento das áreas de seu entorno. Sua atmosfera compõe-se de uma
184
paisagem com forte tendência à homogeneidade – onde predominam o casario de madeira
com telhados recortados, pequenos jardins voltados para a rua e árvores frondosas nas
calçadas – e de valores e práticas comuns entre os moradores que definem um cotidiano
bastante ligado ao “chão”.
Apesar da semelhança entre ruas tradicionais, a implantação em sítios com
declividades diferentes parece ter determinado aspectos específicos a cada local.
A rua Guaranis, praticamente plana, é utilizada como principal local de
interações entre vizinhos. Junto à densa arborização, propicia maior permanência de pessoas e
até mesmo intervenções que demarcam áreas preferidas pelas crianças.
Na Icós, consideravelmente íngreme, os moradores não costumam
permanecer ou caminhar na rua. É mais comum que a observem dos jardins frontais, varandas
ou janelas de suas casas. A elevação de um dos lados da rua reforça a divisão entre domínios e
amplia o campo visual.
Nas “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas, de declividade ainda mais
acentuada, a não passagem de veículos resultou em espaços de uso exclusivo para pedestres e
a configuração da chamada “micro-atmosfera”. Com a escassez de área livre nos lotes, os
canteiros foram apropriados como jardins pelos moradores, que mantêm e personalizam seu
espaço.
Pode-se considerar, portanto, que combinações específicas de elementos
comuns à todas estas ruas determinaram algumas variações na paisagem e cotidiano de uma
mesma atmosfera, a tradicional.
185
CAPÍTULO
5
II.2
RUAS DE NOVA TRADIÇÃO PÓS 1950
Frente aos problemas enfrentados pela cidade que crescia rapidamente
(“cerca de 43 loteamentos se espalhavam de maneira desordenada” por seus arredores), o
prefeito Hugo Cabral contrata em 1951, Prestes Maia, urbanista de renome, para a elaboração
de uma proposta de zoneamento e arruamento para Londrina. Esta se tornaria, dias depois, a
Lei 133/51. Visava evitar ou minimizar os problemas conseqüentes do “desenvolvimento
arbitrário dos centros urbanos”, possibilitando a Londrina suportar “os males irremediáveis de
uma cidade-labirinto”. Tratava-se de uma lei, segundo o próprio Prestes Maia, “moderna e
bastante elást ica, inclusive com algumas indeterminações” (YAMAKI, 2004, p. 6).
Por exigir a provisão de infra-estrutura nos loteamentos, sob pena de não
serem aprovados em caso de não cumprimento, a Lei foi intensamente criticada e questionada
pela população, principalmente vereadores e loteadores – estes não concordavam em assumir
a responsabilidade pelos gastos com as necessidades básicas como água encanada, luz
elétrica, esgoto, etc.
Em manuscrito enviado ao prefeito Milton Menezes, em 1952, como
resposta às críticas feitas à 133/51, Prestes Maia afirma que a lei anterior, 159/39, dava grande
vazão a projetos de loteamentos irregulares, já que não trazia qualquer alusão a zoneamento –
a verdadeira medida organizadora das cidades e a “mais característica de sua civilização e
mentalidade, mais reveladora dos seus costumes e capacidade de vida” (MANUSCRITOS DE
PRESTES MAIA, 1952. p. 8).
O autor da 133/51 a defendia como a lei mais conveniente para Londrina,
cuja aplicação deveria se dar antes que se agravasse o “surto urbanístico já previsível” (p. 17).
Reconhecia que algumas de suas diretrizes, como a redução da largura de ruas e das
dimensões de lotes em casos específicos, poderiam surpreender as pessoas que acreditavam
que a “tendência moderna” era “sempre para as maiores larguras das ruas”. Explicava, no
entanto, que o critério superior consistia, na verdade, na especialização e diversificação das
vias, sendo preferível o estabelecimento de “[...] uma malha racional, concedendo algum
excesso [...] às artérias mestras e [...] reduzindo um pouco as mais secundárias” (p. 46-47). A
186
redução da “largura das ruas residenciais a de interesse puramente local” resultaria numa
“economia sensível de terreno e calçamento, e mesmo, em proporção menor de canalizações”
(p. 39).
Prestes Maia continua sua explicação considerando que espaços “de simples
passagem para pedestres” não têm qualquer obrigatoriedade, mas são admitidos por
respeitáveis urbanistas e “pelos melhores regulamentos”, que muitas vezes até insistem em
seu uso (MANUSCRITOS DE PRESTES MAIA, 1952, p. 47).
Schwartz (1996, p. 8) afirma que Prestes Maia aplicaria, em seu segundo
mandato na Prefeitura de São Paulo, concepções muito semelhantes às realizadas uma década
antes na cidade de Londrina.
A Lei 133/51 era considerada bastante avançada para a época de sua
elaboração. Em vez de simplesmente voltar-se à regularização dos problemas da cidade,
consistia numa forma de planejamento de longo prazo, preocupando-se em equiparar
Londrina para os problemas que viessem a surgir com seu crescimento acelerado. Evidenciava
as primeiras preocupações da cidade com a paisagem e teve reflexos em loteamentos surgidos
mesmo após duas décadas de sua elaboração.
O Jardim Shangri-lá foi construído logo após a aprovação desta lei. Sua
configuração reflete aspectos que consistiam em aspectos legais impostos pela mesma, além
de outras características que conferem qualidades a seu espaço. Composto exclusivamente por
edificações em alvenaria, originalmente modernistas, este bairro é aqui estudado como rua de
nova tradição, cujo processo de formação se inicia a partir dos anos 1950.
II.2.1 O jardim Shangri-lá
Projetado em 1951, pelo arquiteto paulista Leo Ribeiro de Moraes, o Jardim
Shangri-lá foi o primeiro loteamento aprovado sob as diretrizes da nova Lei 133/51. Sua
concepção visava um traçado que se adaptasse ao terreno natural o máximo possível, “[...]
quadras longas sem cruzamentos [...], avenidas densamente arborizadas e faixa de 15 metros
com sebes vivas” separando o bairro dos trilhos da RVPSC (onde atualmente está situada a
avenida Leste-Oeste). Seu traçado orgânico, em “bairro-jardim”, repleto de ruas e quadras
curvas, contrastava com a rigidez dos loteamentos até então construídos em Londrina
(YAMAKI, 2004, p. 6).
187
O panfleto de propaganda publicado na década de 1950 pela Imobiliária
Ypiranga, responsável pelo empreendimento, denominava o Jardim Shangri-lá como “o
aristocrático bairro residencial da cidade de Londrina” e já na capa afirmava utilizar, para o
“máximo conforto” dos futuros moradores, “todos os recursos da técnica urbanística”.
Em mais de uma página se falava do emprego de “máquinas
revolucionárias”, algumas sem similares na América do Sul, para que se pudesse entregar o
bairro “no mais curto espaço de tempo”.
A escolha de um local com “altitude ideal”, que resultava no “melhor clima
de Londrina” e a ausência de cruzamentos, apesar das diversas quadras do bairro, que evita o
“perigo do tráfego” são citadas como qualidades do “orgulho urbanístico” da cidade.
O Guia Geral de Londrina de 1954 ressaltava os visuais que se tinha do
bairro e o fato deste já contar com infra-estrutura completa. Trazia a seguinte propaganda: “a
par da vista panorâmica belíssima que se descortina, água em abundância, ruas e avenidas
asfaltadas, esgoto de águas pluviais, arborização estética, abundância de luz e energia
elétrica”.
Consistia, portanto, no primeiro loteamento da cidade a contar, desde o
início, com infra-estrutura completa e preocupações com aspectos paisagísticos, como
arborização e perspectivas visuais. Embora a infra-estrutura, assim como a provisão de praças
e jardins, tratasse de exigências da Lei 133/51, o projeto do bairro excedia todas as
percentagens previstas nas novas diretrizes.
Yamaki
II.2a
considera que a principal forma de propaganda in loco consistia
num mirante de madeira, construído como suporte a uma das caixas dágua provisórias, de
onde o comprador podia vislumbrar todo o loteamento. A paisagem da “sala de visitasda
cidade” devia, preferencialmente, ser observada do alto.
A intensa propaganda e os investimentos da Imobiliária Ypiranga surtiram
efeito. O Jardim Shangri-lá foi ocupado por famílias que possuíam poder aquisitivo
considerável, com certo destaque ou prestígio comercial na ainda jovem sociedade
londrinense. Assim, consistia no segundo momento de deslocamento da “aristocracia” de
Londrina do centro inicial. O primeiro havia ocorrido com a construção da avenida
Higienópolis.
II.2a
Referência oral.
188
Figura II. 29 – Foto Aérea Jardim Shangri-lá, década de 1960
Acervo: Museu Histórico de Londrina
II.2.1.1 O “Aristocrático bairro de Londrina”
O Jardim Shangri-lá está localizado próximo e a oeste do centro de
Londrina, numa das saídas para as cidades de Cambé e Rolândia. É delimitado pela avenida
Leste-Oeste (onde antigamente situavam-se os trilhos da RVPSC) ao norte, avenida Rio
Branco ao leste, avenida Tiradentes ao sul, e avenida Universo a oeste. Todas são
consideradas vias de tráfego intenso e possuem duas pistas, divididas por um canteiro central.
O bairro é composto por 16 quadras extensas, de dimensões e formatos
variados, seccionadas por vielas que facilitam a circulação de pedestres. A única quadra que
não possui viela conta com uma pequena praça, contígua ao mercado público do bairro, numa
de suas extremidades.
Entre as diversas praças do Shangri-lá predomina o formato em “crescente”.
Apenas duas fogem deste padrão – uma é triangular e a outra retangular.
As ruas do bairro, em sua maioria, são curvas, com cruzamentos em “T” e
em “Y”. Há duas ruas internas mais largas, com pista dupla e canteiro central, destinadas ao
tráfego mais intenso de veículos.
O Mercado Shangri-lá é um ponto de referência importante. Sua localização
189
estratégica, na entrada do bairro a partir do centro da cidade e próximo às avenidas Rio
Branco, Tiradentes e Leste-Oeste, faz com que seja utilizado, para compras domésticas ou
lazer, tanto pelos moradores locais, quanto de outras áreas de Londrina.
O Plano Diretor de Londrina de 1995 (YAMAKI; FERREIRA; LIMA;
MENDONÇA) considera que conceitos urbanísticos de cidades e bairros jardins podem ter
sido idealizados na configuração do Jardim Shangri-lá. As praças junto às ferrovias e as vielas
foram determinadas de acordo com as exigências da 133/51.
O mesmo Plano afirma que a estrutura interior do Shangri-lá apresenta “[...]
qualidades sedimentadas, que influenciaram vários outros bairros na cidade”. A configuração
do Jardim do Sol – bairro próximo e de construção posterior ao Shangri-lá, por exemplo,
denota tal fato.
II.2.1.2 As residências modernas do Jardim Shangri-lá
O Jardim Shangri-lá possui grande concentração de casas modernistas ou,
ao menos, que possuem características relacionadas à arquitetura moderna.
Guadanhim (2002) explica que as perspectivas de desenvolvimento
apresentadas pela forte economia cafeicultora e o fato da arquitetura brasileira estar vivendo
seu ápice pré- Brasília – o que implica em grande divulgação de seus conceitos e tipologias
por publicações diversas, especializadas ou não – levaram ao surgimento, no final dos
anos1940, de um desejo de “imagem modernizadora” entre a elite londrinense. Entre as
principais manifestações deste desejo estão a contratação de Prestes Maia para a realização do
Plano Urbanístico, e a contratação do renomado arquiteto Vilanova
Artigas, bem como de Carlos Cascaldi, para a elaboração de projetos
públicos e privados na cidade de Londrina.
Entre 1950 e 1953 Artigas e Cascaldi elaboraram projetos de vários
edifícios na cidade.
A antiga Estação Rodoviária de Londrina (atual Museu de Arte), o Edifício
Autolon e o Cine Ouro Verde, todos no centro da cidade, e a Residência Milton Menezes
estão entre os projetos que foram construídos.
Além destas obras, a estreita relação que a cidade mantinha com a capital de
São Paulo e, principalmente, a divulgação de periódicos especializados ou mesmo de
190
publicações de interesse geral que traziam fotografias de construções modernas influenciaram
a construção de casas com telhado em “V” ou borboleta, revestimento de pastilhas, pilares
delgados e grandes vidraças na sala de visita, além de outras características modernistas, em
diversas áreas de Londrina.
Com processo de construção iniciado nesta mesma época, o Shangri-lá não
deixaria de sofrer tal influência, tornando-se uma das áreas mais significativas da cidade
quanto ao número de residências modernistas, ou que possuem elementos da arquitetura
moderna.
A própria imobiliária do loteamento oferecia um padrão claramente
moderno de edificação aos compradores de lotes. Por iniciativas particulares, várias outras
residências modernistas foram construídas no Shangri-lá. Grande parte ainda se mantém
conservada, ou sofreu pequenas alterações. Denotam a passagem por Londrina de um estilo
arquitetônico internacional – que se estende do início até aproximadamente meados do século
20 – amplamente divulgado no Brasil. Compõem, portanto, importante patrimônio como
testemunho desta etapa do desenvolvimento da cidade.
II.2.1.3 A atmosfera do jardim Shangri-lá: a rua Guilherme da Mota Correia
Como estudo de caso no Jardim Shangri-lá foi escolhida a rua Guilherme da
Mota Correia. A escolha se justifica por tratar-se de uma das ruas com praças em “crescente”,
construídas entre o bairro e a então linha-férrea (atual avenida Leste-Oeste). Sua paisagem era
uma das principais imagens que se tinha do bairro ao se passar de trem por ali. Consiste numa
das ruas onde as casas padrão da Imobiliária Ypiranga foram construídas em maior
quantidade. Em relação à atmosfera da rua, foram considerados elementos das categorias de 1.
Implantação, 2. Fachadas, 3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios e 7. Utilização.
1. Implantação
A rua Guilherme da Mota Correia é praticamente plana, resultado da
atenção dispensada à escolha do sítio e adaptação da malha ao terreno, na implantação do
bairro. Está localizada ao lado da avenida Leste-Oeste, entre a avenida Rio Branco e a rua Eça
de Queiroz.
191
Compõe-se de dois módulos, cada um com uma praça em “crescente”
arborizada, separada dos lotes com edificações por um trecho curvo de rua – definido pelo
formato da praça. Com apenas 6 metros de largura – pouco mais que a largura de 4 metros da
calçada, ou de 5 metros das vielas – é a rua mais estreita do Shangri-lá. Em contrapartida, é
bastante longa, com comprimento em torno de 800 metros. Sua pequena largura deve-se,
provavelmente, ao fato de situar-se na área mais desvalorizada do bairro, limítrofe à linha
férrea. Determinou, no entanto, um baixo fluxo de automóveis no local, contribuindo para a
segurança em relação ao tráfego.
Possui seis cruzamentos, quatro em “Y” e dois em “T”. Os cruzamentos em
“Y” ocorrem nas extremidades das duas praças que separam a rua da avenida Leste-Oeste. O
formato em “T” ocorre nas esquinas com a rua Eça de Queiroz e com a travessa Euclides da
Cunha, perpendicular à rua Guilherme da Mota Correia. As duas configurações também são
usadas em todas as demais ruas do Shangri-lá. Ocorrem devido à disposição e formato das
quadras e a conseqüente ausência de ruas internas que atravessem, longitudinalmente, toda a
extensão do bairro. Impedem, portanto, a utilização de uma única rua no trajeto do Shangri-lá,
o que delimita a velocidade dos automóveis, aumentando a segurança viária.
Duas praças separam a rua da avenida Leste-Oeste. O distanciamento
garantido pelas praças e o rebaixamento de nível da Leste-Oeste em relação a Guilherme da
Mota Correia proporcionam certo isolamento quanto ao grande fluxo e velocidade de
automóveis desta avenida vizinha. No intervalo entre as praças, no entanto, a rua funde- se à
avenida. Configuram um único espaço com denominações legais distintas e pouca segurança
em relação ao intenso tráfego local. Tal fato também ocorre nas duas extremidades da rua.
As praças possuem formato em “crescente” e ora distanciam ora aproximam
a Guilherme Correia da Leste-Oeste. Constituem uma resposta positiva à exigência da Lei
133/51 de afastar da então ferrovia as ruas residenciais do bairro. Contam com bancos de
concreto, cuja distribuição destina-se aparentemente ao impedimento da prática de futebol, e
caminhos pavimentados para pedestres em meio ao grande gramado.
Do outro lado, a rua possui duas extensas quadras cujo formato acompanha
sua sinuosidade. A quadra maior tem cerca de 440 metros de largura e comprimento variando
entre 40 metros e 80 metros. É seccionada por duas vielas e dividida em 57 lotes, 29 dos quais
voltados para a rua Guilherme da Mota Correia. A quadra menor tem largura aproximada de
340 metros e comprimento variando entre 80 metros e 90 metros. Possui uma viela quase ao
centro e divide-se em 43 lotes, sendo que 22 destes voltam-se para a rua Guilherme da Mota
Correia.
192
Exigência legal à implantação do bairro, as vielas refletem a preocupação
com a mobilidade pedestre. Permitem uma movimentação relativamente rápida e menos
cansativa em meio às extensas quadras do Jardim Shangri-lá.
A intenção de ajustar lotes regulares ao formato orgânico das quadras
resultou em lotes trapezoidais de dois tipos: o tipo 1 apresenta largura frontal maior que a
largura dos fundos e o tipo 2, ao contrário, possui a largura dos fundos maior que a largura
frontal. Quanto ao tipo de ocupação, também pode-se identificar duas formas básicas de
ocorrência. A primeira consiste de uma única casa, com jardim no recuo frontal e quintal nos
fundos. A outra inclui uma edícula que divide com o quintal o espaço dos fundos do terreno.
Quanto às construções, são todas de alvenaria e ainda predominam as de
pequena escala, de um só pavimento e isoladas no lote pelos recuos laterais. Têm sido
substituídas, no entanto, por edificações fora da escala original da rua, com dois ou mais
pavimentos. A rua apresenta certa densidade de ocupação, com apenas três lotes vazios.
Figura II.30 – Figura-Fundo Rua Guilherme da Mota Correia
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
2. Fachadas
Além da morfologia única, o Jardim Shangri-lá destaca-se pela concentração
de casas modernistas e sua conservação ao longo do tempo. Com a rua Guilherme da Mota
Correia não é diferente. Nesta, são mais comuns fachadas com varanda frontal, onde se pode
notar o uso de pilares delgados e grandes vidraças, bem como os telhados borboleta
(platibanda em “V”). Blocos retangulares com lajes retas ou construções que misturam os dois
tipos de platibanda – metade inclinada e metade reta – também são encontrados na rua. Em
todos os casos, telhados recortados em quatro ou mais “águas” situam-se na parte não visível
a partir da rua, escondidos pela platibanda frontal. Algumas edificações são destacadas por
193
situarem-se em lotes elevados em relação ao nível da rua. Determina a ocorrência de
trabalhadas rampas ou escadarias de acesso.
Figura II.31 – Jardim Shangri-lá: tipologia de fachadas
Fonte: Lamounier (2006)
3. Ritmo
Devido à declividade do terreno, os lotes de esquina são mais elevados que
os lotes de meio de quadra. Com o predomínio de edificações com a mesma altura e recuo
frontal de 4 metros, configura um ritmo vertical mais ou menos homogêneo, resultando em
trechos que apresentam uma diminuição gradual de alturas da extremidade até o centro da
quadra, seguido pelo aumento também gradual até a outra extremidade.
O predomínio de construções isoladas nos lotes leva à repetição de recuos
laterais que, embora não idênticos, definem um ritmo geral quanto à localização das
edificações, determinando intervalos aproximados entre casas vizinhas, e possibilidade de
visualização de trechos recortados dos fundos dos lotes.
O espaçamento legal entre as vielas, variando entre 120 e 180 metros,
194
resulta em ritmos no sentido de transposições possíveis das extensas quadras.
A “arborização estética” inicial define um ritmo facilmente percebido na
paisagem da rua Guilherme da Mota Correia. O formato curvo da rua é reforçado e destacado
pela regularidade do espaçamento das árvores.
4. “Definição”
A rua Guilherme da Mota Correia compõe-se de dois módulos bem
definidos pelas praças arborizadas que os margeiam. O espaço entre-praças, no entanto,
funde-se à avenida Leste-Oeste. Do outro lado da rua, são as quadras acompanhando seu
formato que definem seu espaço.
A rua como um todo é bem definida, primariamente pelas extremidades das
praças, que marcam seu início e fim, e, numa escala um pouco maior, pela rotatória da
avenida Rio Branco, a leste, e pela praça D. Pedro II, da rua Eça de Queiroz, a Oeste.
Se o formato sinuoso da rua a distingue das ruas retas de loteamentos
próximos,
sua pequena largura a destaca em relação às demais ruas curvas do Jardim Shangri-
lá.
A configuração das praças em “crescente” só pode ser encontrada, em
Londrina, neste bairro. A morfologia única do Jardim Shangri-lá é, portanto, seu principal
fator de identidade e definição.
Figura II.32 – Jardim Shangri-lá: elementos de definição
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
195
Figura II.33 – Jardim Shangri-lá: localização das praças
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
Figura II.34 – Jardim Shangri-lá: estruturação viária
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
5. Visuais
A combinação entre a tipologia das casas, o formato da rua, a arborização,
as quadras extensas e as vielas conferem visuais importantes à atmosfera da rua Guilherme da
Mota Correia.
O formato curvo da rua interrompe e amplia o campo visual, levando ao
interesse pela descoberta do espaço, conforme se caminha pelo mesmo. A visão do horizonte,
além da avenida Leste-Oeste, é constante de qualquer ponto da rua.
A configuração em “crescente” das praças confere certo dinamismo à
paisagem da rua pela alternância de seu distanciamento em relação a Leste-Oeste. Ora
aproximando-se, ora se distanciando de quem passa pela avenida, acaba por consistir num tipo
de paisagem para ser vista em movimento. Numa cidade onde predominava o traçado em
malha xadrez, esta paisagem dinâmica, resultante de uma rua sinuosa constituía, com certeza,
um fator de atratividade à atenção de quem passava por ali de trem, no tempo dos trilhos da
196
RVPSC (YAMAKI
II.2b
).
Tanto as praças quanto a rua são densamente arborizadas. As árvores
regularmente dispostas nas calçadas acentuam o formato curvilíneo da rua. O encontro de
suas copas forma túneis sombreados garantindo conforto e proteção quanto à incidência solar.
Garantem certo isolamento da rua Guilherme da Mota Correia em relação ao tráfego intenso
da avenida Leste-Oeste.
O conjunto de jardins bem cuidados destaca-se como primeira paisagem dos
lotes. Possuem, de um modo geral, menos espécies de plantas e maior distribuição no espaço.
Alguns contam com as chamadas plantas simlicas, como espada-de-são jorge, próximas à
entrada do lote e da casa.
Os jardins, bem como a parte frontal dos lotes de uma maneira geral, podem
ser visualizados devido ao predomínio de gradis e muros baixos nos limites com a rua.
Trechos dos fundos, revelando recortes do quintal ou de uma edícula, podem ser vistos graças
aos intervalos entre as edificações.
Figura II.35a – Jardim Shangri-lá: vista do lado oeste
Fonte: Lamounier (2006)
II.2b
Referência oral.
197
Figura II.35b – Jardim Shangri-lá: vista do lado leste
Fonte: Lamounier (2006)
6. Territórios
Foram identificados territórios do tipo Íntimo, Privado e Público, além de
áreas consideradas “Espaços Desterritorializados”, na rua estudada.
O interior das casas e os lotes cujo interior não pode ser visto a partir da rua
constituem os Territórios Íntimos. Em alguns lotes, a não visibilidade se dá pela diferença de
nível entre o lote e a rua. A altura do muro frontal é, então, aumentada pela declividade do
terreno.
O Território Privado consiste na área interna do lote, que pode ser
visualizada graças aos limites tênues, simbólicos, na divisa com a rua. Apesar da freqüência
de lotes com duas edificações, não é comum a socialização dos Territórios Privados desta rua.
As edificações nos fundos dos lotes geralmente são utilizadas pela mesma família da casa
principal.
O Território Público é formado pela rua e pelas duas praças, cujos espaços
são observados pelos moradores, mas não sofrem demarcações ou personalizações. Um tipo
de demarcação, aliás, foi encontrado na rua Guilherme Correia. Trata-se de equipamentos de
baliza, utilizados por uma auto-escola que usa o espaço da rua para as aulas práticas de
direção. Tal fato, no entanto, serve mais como afirmação da tranqüilidade e segurança da rua
em relação ao tráfego que como um exemplo de intervenção territorial. Quanto às praças, um
dos moradores da rua costuma praticar golfe na que fica mais próxima da avenida Rio Branco.
198
Trata-se, no entanto, de um caso excepcional, já que não parece ser freqüente a permanência
de outras pessoas ali.
A percepção das vielas, pelos moradores, como espaços que ameaçam a
segurança da rua, e a prática de se depositar lixo e entulho nestes locais são os fatores que as
classificam como “Espaço Desterritorializado”. São utilizadas somente como rotas de
passagem para pedestres, elementos de transposição às extensas quadras do Jardim Shangri-lá.
Durante a noite, no entanto, são evitadas, consideradas inseguras pelas pessoas que transitam
por ali. Alguns lotes possuem um dos acessos voltados para as vielas, provavelmente
destinados à retirada do lixo das casas. Estavam sempre fechados durante os levantamentos.
Os muros que se voltam para estes espaços também são bastante altos.
Figura II.36 – Jardim Shangri-lá: classificação de territórios
Fonte: Lamounier (2006)
7. Utilização
A rua Guilherme da Mota Correia é mais utilizada como estacionamento
para automóveis e área de passagem de pessoas que espaço de permanência dos moradores.
199
Tal fato se deve ao grande número de edificações comerciais na rua que vêm,
sistematicamente, transformando seu uso original.
Por outro lado, a disposição das praças e das vielas resulta numa
interligação de espaços pedestre que facilita o acesso e caminhadas, não só pela rua estudada,
mas por todo o Jardim Shangri-lá. Reflete a preocupação com a segurança e certo conforto
quanto à locomoção de pedestres no bairro. As vielas e praças são espaços exclusivos, onde as
pessoas não correm riscos de atropelamento, por exemplo. Permitem caminhar por todo o
bairro sem a necessidade de se dividir o espaço com os automóveis, o que ocorre somente nos
momentos de atravessar as ruas.
Esta característica estende-se também para os bairros próximos, de modo
que as vielas e caminhos nas praças do Jardim Shangri-lá interligam-se aos caminhos nos
canteiros da avenida Leste-Oeste que, por sua vez, direcionam-se aos espaços pedestre de
bairros vizinhos como o Jardim Shangri-lá B e o Jardim do Sol.
Figura II.37 – Jardim Shangri-lá: integração entre praças e vielas
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
8. Senso de Comunidade
Categoria não analisada na rua Guilherme da Mota Correia.
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Fonte: Lamounier (2005)
Figura II.38a – Fotos Jardim Shangri-lá
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Fonte: Lamounier (2005)
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Fonte: Lamounier (2005)
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Fonte: Lamounier (2005)
Figura II.38b – Fotos Jardim Shangri-lá
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Fonte
: Yamaki
(
2006)
Figura II.38c – Fotos Jardim Shangri-lá
203
II.2.1.4 Considerações sobre o jardim Shangri-lá
O Jardim Shangri-lá foi o primeiro loteamento de Londrina projetado sob as
diretrizes da nova Lei 133/51. Sua concepção envolvia a provisão de infra-estrutura básica
desde o início da construção, e preocupações paisagísticas, aspectos inéditos nos projetos de
loteamentos realizados até então. A idéia de “bairro aristocrático”, intensamente divulgada
pelas propagandas da imobiliária loteadora, permanece no imaginário dos moradores de
Londrina.
Seu traçado orgânico, repleto de ruas curvas, remete ao conceito de bairros e
cidades jardins e destacava-se em meio à rigidez da malha dos loteamentos anteriores da
cidade.
As ruas são pensadas para o tráfego de automóveis e, para os pedestres, são
disponibilizados espaços exclusivos, como praças e vielas. A quantidade destes espaços e seu
inter-relacionamento, inclusive com espaços-pedestre já fora do Shangri-lá, garantem rapidez
e segurança à mobilidade das pessoas.
A densa arborização do bairro garante proteção quanto à incidência solar,
possibilitando passeios agradáveis por toda sua área. Seu espaçamento regular acentua o
formato curvilíneo das ruas e consiste numa barreira de segurança para quem passa pelas
calçadas. Junto às praças em “crescente” e à declividade do terreno, confere certo isolamento
à rua Guilherme da Mota Correia em relação ao tráfego intenso da avenida Leste-Oeste.
Transmite maior sensação de tranqüilidade ao espaço da rua.
A pequena largura da rua estudada, quase a de uma viela ou calçada do
bairro, e seu formato curvilíneo, configurado por dois módulos em “crescente”, determinam a
alternância de amplidão visual, escondendo e revelando o espaço, conforme se caminha pela
rua.
O traçado do bairro e o estilo arquitetônico de suas edificações, emolduradas
por conjuntos de jardins bem cuidados, dão testemunho de um período específico de
determinada época do desenvolvimento de Londrina, quando a arquitetura moderna e os
conceitos urbanísticos associados à mesma pareciam representar a melhor forma de ordenação
dos espaços. Configuram uma paisagem única ao Jardim Shangri-lá e são elementos
importantes à definição de sua atmosfera de nova tradição.
204
CAPÍTULO 6
II.3
NOVA VELHA TRADIÇÃO
Esta parte do trabalho estuda o Conjunto Habitacional do Café, como rua de
nova velha tradição. Esta expressão significa que a construção do bairro se deu a partir de
aspectos considerados tradicionais, bem como através da nova forma de se projetar espaços,
surgida principalmente com o Plano de Prestes Maia e, conseqüentemente, a Lei 133 de 1951.
A partir do final do século XIX a utilização crescente dos automóveis
determinou a valorização de ruas largas na forma de se pensar as cidades. “O tradicional
espaço do pedestre foi relegado ao segundo plano, frente ao domínio da circulação e do
estacionamento para os automóveis” (VIEIRA, 2003, p. 1). O mesmo autor afirma que em
meados do século XX, no entanto, houve um retorno à preocupação com a função social dos
espaços públicos e, conseqüentemente, ao projeto de ruas que valorizassem a escala pedestre.
Em Londrina, a compensação permitida pela Lei 133/51, por exemplo, possibilitou uma
permuta de áreas, determinando maior número de praças enquanto se restringia a largura das
ruas.
A organização do espaço em torno de uma praça central remete à prática
antiga de definição do traçado de cidades ou bairros. No Conjunto do Café, a modificação foi
quanto às dimensões desta praça. Sua importância é revelada mais pela localização central, já
que, se analisada fora do contexto geral de configuração do bairro, pode ser considerada
apenas o canteiro de uma rua de duas pistas.
A provisão de uma série de pequenas praças também trata-se de uma forma
repensada de um conceito tradicional. A importância da praça como espaço livre
predominante e, portanto, elemento de centralidade, é então substituída pela força do conjunto
de praças como fator determinante à identidade do bairro. As micro-praças definem, portanto,
pequenas centralidades, baseadas em comunidades em torno das mesmas, dentro do contexto
geral do bairro. De espaço central único, definitivamente público, a praça, no Conjunto do
Café, passa a ter um caráter de espaço público privatizado, mais intimista.
O bairro conta, então, com uma série de “praças quintais”, utilizadas por um
número bem menor de pessoas que vivem em torno das mesmas. Cidades mais antigas que
Londrina, como Ribeirão Preto e São Paulo também possuem praças que “[...] são extensões
205
de jardins caseiros bem triviais, onde o plantio pretende apenas decorar, mas nunca criar
planos diferenciados e configurar ambientes” (SAKATA et al, apud HÜLLSMEYER, 2004,
p. 40).
A comparação de Saldanha (apud HÜLLSMEYER, 2004, p. 28) entre a
praça e o jardim privado, afirmando que o primeiro espaço é aberto e encerra a “história”,
enquanto o segundo é fechado e encerra a “biografia”, e que na praça as árvores e
monumentos são colocadas “em função do espaço”, enquanto no jardim é o espaço que “se
põe em função das plantas”, não se aplica às praças de ruas de nova velha tradição. Nestas,
público e privado, coletivo e pessoal, bem como funcionalidade e simbolismo se fundem, de
modo a serem valorizados sempre os aspectos mais subjetivos.
As ruas estreitas, o fechamento do bairro para estranhos e as praças como
elementos de estruturação do traçado consistem em formas tradicionais de se projetar
comunidades que, no entanto, foram retrabalhadas no projeto do Conjunto Café,
caracterizando -o como rua de nova velha tradição.
II.3.1 O conjunto do café
Os conjuntos habitacionais de Londrina parecem todos iguais, no traçado e
em relação à distribuição de praças. O Conjunto do Café, na zona leste da cidade, apresenta-
se, no entanto, como uma pequena exceção.
Surgido no início dos anos 1960, o loteamento possui características que
denotam influências das diretrizes da Lei 133/51, ainda em vigor naquela época. “[...]
Respeito ao sítio, localização das praças, dimensão das ruas e passeios, visuais, orientação
sobre arborização, área mínima de lote [...] e recuos frontais” são alguns aspectos tratados
pela avançada lei (KODA, 2004, p. 19).
Embora ortogonal, o traçado do Conjunto do Café é mais compartimentado,
apresentando maior “porosidade” que outras áreas de Londrina. Possui quadras retangulares
dispostas em torno de pequenas praças e ruas bastante estreitas. Uma rua larga e de pequena
extensão marca o centro do loteamento.
A quantidade das praças e a especialização das ruas, levando à diminuição
de suas dimensões, são exigências da 133/51 que, junto ao traçado único do bairro, conferem
206
forte identidade ao local. Destacam-no frente à monotonia da maioria dos conjuntos
habitacionais de Londrina, todos construídos posteriormente ao Conjunto do Café.
II.3.1.1 Os dois conjuntos do café – A evolução do traçado do bairro
Um mapa de 1974, encontrado na PML e no escritório da COHAPAR de
Londrina mostra que o projeto do Conjunto do Café teve duas versões de loteamento.
Figura II.39 Conjunto do Café: parte do Mapa de 1974 – COHAPAR
sobreposição dos dois parcelamentos
Fonte: PML
O projeto inicial possuía um traçado tradicional, definido por seis quadras
retangulares. Possuíam comprimento de 57 metros e dividiam-se, em relação à largura, em
dois tipos: 135 metros nas três quadras do lado oeste e 162 metros nas outras três quadras, do
lado leste.
Uma rua central de 12 metros de largura e 187 metros de comprimento, no
sentido norte-sul, dividia o loteamento, que também contava com outras duas ruas internas
mais estreitas, no sentido leste-oeste, cada uma com 8 metros de largura.
207
O bairro era delimitado por uma rua bastante larga (18 metros) a leste, outra
de aproximadamente 10 metros de largura ao sul, e duas ruas com cerca de 8 metros de
largura a oeste e ao norte, respectivamente.
A “Planta da Cidade de Londrina de 1957-1958”, baseada em levantamento
aerofotogramétrico (YAMAKI, 2003b, p. 43), mostra a implantação parcial desta primeira
versão de loteamento do Conjunto do Café. As quadras menores já aparecem totalmente
definidas. Das quadras maiores encontram-se traçadas somente as extremidades mais
próximas da rua central do bairro.
Figura II.40a – Conjunto do Café: projeto inicial
desenho do autor sobre Mapa de 1974 – PML
O projeto de substituição, responsável pela configuração atual do bairro,
previa um traçado mais compartimentado, com um número bem maior de quadras, ruas e a
inclusão de uma série de pequenas praças e canteiros no loteamento. Apesar de todas estas
modificações, o rearranjo do loteamento não envolveu a ampliação da área inicial do terreno.
Tal fato deve ter influenciado na definição da pequena escala dos lotes e dos espaços livres.
São 14 quadras com comprimento de 36 metros e largura variada: 54, 63 e
108 metros. Desenvolvem-se em torno de seis pequenas praças de 29x36 metros e uma praça
central estreita de 6x50 metros, localizada numa rua larga de duas pistas (cada uma com 10
metros de largura, incluindo as calçadas). Esta rua central, agora, direciona-se de leste para
oeste.
208
As demais ruas internas são bastante estreitas, com largura total de 6 metros.
Restringem o tráfego de automóveis praticamente aos moradores do bairro. Ruas periféricas
mais largas (com 10 e 20 metros) comportam o tráfego mais intenso de automóveis, bem
como o transporte coletivo.
Figura II.40b – Conj
desenho do autor sobre Mapa de 1974 – PML
do e construção de espaços públicos e privados (praças, ruas e lotes) de pequena
escala.
unto do Café: versão executada (atual)
A ocupação prevista de 1140 habitantes, ou seja, 228 famílias de cinco
pessoas, em média, denota a importância dos problemas com habitação, sofridos pela cidade
já no final da década de 1950. A substituição do projeto do loteamento reflete um aumento da
preocupação com a segurança dos moradores em relação ao tráfego de automóveis e
circulação de pessoas desconhecidas, além da provisão de um espaço que estimulasse a
participação dos moradores, propiciando a construção de um senso de comunidade local.
Reflexo da Lei 133/51, a resposta a este tipo de preocupação se deu através da sedimentação
do traça
209
II.3.1.2 O primeiro conjunto habitacional de Londrina
AR, o único documento encontrado sobre o loteamento foi o mencionado
mapa de 1974.
a, neste órgão não foram encontrados registros ou informações sobre o
loteamento.
e
aparentemente co
COHAPAR, no entanto, informa que
o Conjunto do Ca
uadras, inserindo as praças
e o canteiro centr
á que esta planta foi elaborada a partir de
levantamentos ae
Projetado pela COHAPAR – Cooperativa Habitacional do Paraná, o
Conjunto do Café é o primeiro conjunto habitacional de Londrina. Há algumas dificuldades,
no ent anto, de se estabelecer com exatidão a data do projeto. Tanto na PML quanto na
própria COHAP
Como o Conjunto do Café antecede a COHAB – Companhia de Habitação –
em Londrin
No mapa geral de conjuntos habitacionais da COHAB, o Conjunto do Café
está simplesmente desenhado, sem nomeação ou qualquer outra informação associada a sua
área. Quando perguntados sobre o loteamento, os funcionários referiam-se ao Residencial do
Café, pequeno condomínio de edifícios verticais a oeste do bairro pesquisado. Acreditavam
que a área do Conjunto do Café pertencia ao Conjunto Vitória Régia, construído em 1971,
nsiderado pela COHAB como o primeiro conjunto habitacional da cidade.
Em artigo publicado pela Folha de Londrina, Ubiratan (1999, p. 6) afirma
que o processo de ocupação do bairro iniciou-se em fevereiro de 1961, durante a
administração do prefeito Hosken de Novaes. O site da
fé data de 30 de novembro de 1968
II.3
.
Considerando-se as duas versões do parcelamento do bairro, pode-se
concluir que a ocupação iniciou-se já na primeira divisão do loteamento, a de seis quadras.
Foram ocupados, provavelmente, somente os lotes periféricos, nas áreas coincidentes com a
divisão atual. A segunda versão, que dividiu o loteamento em 14 q
al, deve ter substituído o projeto inicial em 1968.
A presença do Conjunto do Café, implantado parcialmente em sua versão
inicial, na Planta de 1957-1958 (mostrada nas Figuras II.1 e II.3.1) denota, no entanto, que o
bairro já existia no final dos anos 1950, j
rofotogramétricos da cidade.
Assim, embora possa se dizer que o Conjunto do Café consiste de fato no
primeiro conjunto habitacional de Londrina, que sua ocupação pode ter se iniciado em 1961 e
II.3
Fonte: < http://200.189.113.88/cohapar/consultas/consulta_municipio2.php>.
210
que sua configuração atual data provavelmente de 1968, tratando-se de uma segunda forma de
parcelamento
do bairro, permanece desconhecida a data exata do projeto original do
loteamento.
II.3.1.3 A construção da comunidade
só foram realizadas após
muitas reclamaçõ
mo algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos primeiros habitantes
do conjunto.
ortanto, inadequadas aos
padrões considera
s de
permanência e laz
áveis que
encorajam cidadãos a tornarem-se responsáveis” por sua “manutenção e evolução”.
Os moradores mais antigos comentam que as praças do conjunto, no início,
eram somente terrenos sem pavimentação. Foram os próprios moradores que começaram a
plantar árvores, gramados, plantas ornamentais e até mesmo algumas espécies frutíferas. A
pavimentação e provisão de bancos e iluminação das praças e ruas
es dos moradores perante a Prefeitura Municipal.
A falta de encanamento de água e esgoto, a escassez de ônibus, que passava
somente de hora em hora, e a ausência de escolas e estabelecimentos comerciais na região são
recordados co
Os moradores ainda relatam que o médico Dalton Paranaguá, prefeito
sucessor de Hosken de Novaes, chegou a tentar impedir que as casas do Conjunto do Café
fossem habitadas, alegando não serem arejadas o suficiente e, p
dos pela saúde pública (UBIRATAN, 1999, p. 6).
Uma vez permitida a ocupação, as dificuldades enfrentadas pelos moradores
parecem ter sido determinantes à construção de um forte senso de comunidade e apego ao
bairro. Bem cuidadas, as praças são mantidas pelos vizinhos e utilizadas como locai
er pelos moradores, além de espaços para as brincadeiras das crianças.
A Carta do Novo Urbanismo (EUA, anos 1980) – elaborada através do
chamado movimento do Novo Urbanismo – destaca a importância de praças pequenas e
acessíveis, além de ruas na escala do pedestre que incentivem o caminhar e o conhecimento
mútuo entre vizinhos. Considera a vizinhança um dos “elementos essenciais ao
desenvolvimento” das cidades, por contribuir para a formação de “áreas identific
211
II.3.1.4 A atmosfera do conjunto do café
3. Ritmo, 4. “Definição”, 5. Visuais, 6. Territórios, 7. Utilização e
8. Senso de Comunidade.
1. Implantação
Conjunto do Café foi implantado num terreno relativamente plano, de
pouca declividade
es de 162
metros quadrados
outra rua, próxima à praça central, dividida em 2 trechos de largura variada: 10 e 6
metros.
das ruas, pôde-se destinar mais espaço e, por conseguinte, construir maior
número de praças
O primeiro conjunto habitacional de Londrina mantém qualidades que
permitem aos moradores considerá-lo um bom bairro para se viver, incentivando-os a zelar
pela manutenção e a utilizar cotidianamente seu espaço. Por sua vez, o traçado exclusivo, com
as ruas estreitas e a quantidade considerável de praças são fortes elementos de identidade
urbana. A atmosfera do Conjunto do Café resulta da justaposição de práticas e valores
tradicionais e da nova forma de se pensar a construção dos espaços surgida em Londrina
principalmente a partir da Lei 133/51. É analisada a seguir de acordo com as categorias de 1.
Implantação, 2. Fachadas,
O
.
Das 14 quadras do loteamento, 4 são maiores (108x36 metros) e possuem
um canteiro de 12x36 metros na extremidade interna ao bairro, 6 são médias (63x36 metros) e
4 são pequenas (54x36 metros). Dividem-se, respectivamente, em 24, 14 e 12 lot
(9x18 metros), totalizando 228 lotes, todos ocupados atualmente.
O loteamento é estruturado em 2 módulos em “L”, com distribuição
equilibrada de quadras, ruas e praças. Ambos interceptam-se através da praça central (de 6x50
metros), na rua com duas pistas. Cada módulo possui 2 quadras maiores, 3 quadras médias, 2
quadras menores, 3 praças distribuídas internamente e 7 ruas internas de 6 metros de largura,
além de
A diminuição da largura das ruas para 6 metros – apenas 3,5 metros de leito,
1,5 e 1 metro em cada calçada – trata-se de uma compensação permitida pela 133/51.
Restringindo a área
.
A configuração do bairro faz com que a maioria dos lotes se volte
diretamente para uma das praças. Tal característica, junto às dimensões mínimas dos lotes e à
quase exclusividade de ruas estreitas, com grande número de cruzamentos em “T”, contribui
212
para o senso de comunidade local e estimula a utilização do espaço, por diminuir as distâncias
entre as casas e, principalmente, restringir o tráfego de automóveis e circulação de pessoas
estranhas. Este hermetismo aumenta a segurança viária e a possibilidade de vigilância pelos
moradores.
Figura II.41 – Figura-Fu
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
2. Fachadas
ário, muitas das características originais ainda permanecem
na paisagem de c
ão
espacial e a densa
ndo Conjunto do Café
O Conjunto do Café foi ocupado por residências térreas em alvenaria e com
telhado de duas “águas”, conforme padrão da COHAPAR. Apesar de modificações efetuadas
individualmente por cada propriet
asario do bairro.
Devido à pequena largura dos lotes, quase não há intervalo entre as
edificações. A paisagem resultante é basicamente composta por muros e telhados. A restriç
vegetação das praças dificultam a visualização das casas como conjunto.
Pode-se afirmar, portanto, que no Conjunto do Café o traçado é o principal
213
elemento de identidade. Ali a atmosfera do bairro não depende da tipologia das edificações,
poderia er a mesma frente a qualquer padrão de construções, desde que respeitada a pequena
ltura destas.
3. Ritmo
deste ritmo, conferindo certa complexidade ao espaço, e aumentando a
sensação de labirinto.
a
A diversificação do tamanho e disposição das quadras, a diferença de
comprimento entre as ruas internas (duas interrompidas para cada uma que atravessa o bairro,
em qualquer direção) e a distribuição das praças resultam num ritmo que acaba configurando
o Conjunto do Café praticamente como um labirinto. O rebatimento dos 2 módulos
proporciona a inversão
Figura II.42 – Conjunto do Café: organização espacial (praça central e módulo rebatido)
desenho do autor sobre Mapa de 1974 – PML
4. “Definição”
e a rua de duas pistas onde se situa constituem um ponto de
referência import
as praças são fatores importantes que, uma
vez já conhecido
A praça central
ante no bairro.
Frente aos lotes idênticos e construções parecidas, a diferenciação entre as
quadras, a rua central mais larga e a localização d
o espaço, facilitam a orientação.
Bem delimitado pelas ruas periféricas mais largas, o traçado exclusivo do
214
Conjunto do Café, com suas ruas internas estreitas e forma de distribuição dos espaços é o
principal elemento de definição do local em relação ao seu entorno e à cidade de Londrina
como um todo.
ertical, e o prédio da Receita Federal são referências
importantes à localização do bairro.
A avenida do Café e os três cemitérios de um de seus lados, o Residencial
do Café – pequeno condomínio v
Figura II.43 – Conjunto do Café: elementos de definição
Fonte: Lamounier (2006)
Figura II.44 – Conjunto
desenho do autor sobre Pl ta Cadastral de 1993 – PML
do Café: local ças e canteiros ização das pra
an
215
Figura II.45 – Conjunto do Café: estruturação viária
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
5. Visuais
A vasta arborização das praças do bairro pode ser vista a certa distância,
destacando –se em meio à densidade de edificações idênticas. A Lei 133/51 considerava os
visuais mais importantes que a própria continuidade do traçado. Uma de suas diretrizes
recomendava que “os planos de arruamento deverão [...] preservar ou criar pontos de vista e
perspectivas interessantes, mantendo os bosques e exemplares vegetais notáveis, mesmo à
custa de pequenas irregularidades de traçado” (artigo 14º, g, p. 8).
As praças são elementos importantes na definição da paisagem de rua do
Conjunto do Café. Sua disposição permite avistar pelo menos outra praça de uma de suas
esquinas. Além de facilitar a orientação de quem não conhece o local, esta seqüência
conforma uma rede visual que tem grande importância à definição do caráter do bairro.
216
Figura II.46 – Conjunto do Café: rede visual de praças
desenho do autor sobre Mapa de 1974 – PML
A pequena escala e a ausência de barreiras visuais permite a apreensão total
das praças numa única visada. De uma rua a outra, através da praça, a pequena distância
permite identificar as feições das pessoas. As perspectivas refletem o hermetismo do bairro, já
que o campo visual é interrompido pela série de edificações. Tais características conduzem a
maior segurança e controle do espaço, resultando num uso intenso pelos moradores da
comunidade praça.
Figura II.47a – Conjunto do Café: vista externa
Fonte: Lamounier (2006)
217
Figura II.47b – Conjunto do Café: vista interna
Fonte: Lamounier (2006)
6. Territórios
Pôde-se identificar claramente quatro tipos de território: Íntimo, Privado,
Semi-Privado de menor intensidade e Público.
O interior das residências e alguns lotes que não podem ser vistos a partir da
rua são Territórios Íntimos.
Lotes delimitados por gradis ou muros baixos, permitindo a visão de seu
interior são Territórios Privados. A pequena dimensão dos lotes determina, em geral, a
ocupação por somente uma edificação.
Espaços públicos que são mantidos e sofrem apropriações e personalizações
por parte dos moradores, as praças são Territórios Semi-Privados de menor intensidade. As
ruas que as delimitam, bastante estreitas, também são classificadas como este tipo de
território. Pouco movimentadas, são praticamente extensões das praças, dos “quintais” do
bairro, onde as crianças também podem brincar e os adultos podem permanecer enquanto
conversam. A pequena escala determina grande integração entre os espaços livres do bairro.
Assim, no Conjunto do Café, estar na praça é estar na rua e vice-versa.
As cadeiras improvisadas numa das praças são demarcadores de
territorialidade também da rua, pois foram colocadas de modo que se possa permanecer na
praça enquanto se observa a rua para a qual estão voltadas. O cuidado com os canteiros
estende-se até as ruas em volta da praça, através do costume de se varrer a calçada na frente
do lote.
O Espaço Público é formado pelas ruas periféricas do bairro. Mais largas e,
218
principalmente, com maior movimentação de pessoas e automóveis, estas ruas até podem ser
observadas pelos moradores, mas estão sob controle bem menos rígido e não sofrem
intervenções, nem são utilizadas como locais de permanência. Afastam-se mais da idéia de
extensão da casa ou do quintal.
Figura II.48 – Conjunto do Café: classificação de territórios
Fonte: Lamounier (2006)
7. Utilização
A configuração do Conjunto do Café determina um tráfego de automóveis
praticamente exclusivo aos moradores locais. As ruas estreitas e a estruturação espacial
hermética (o bairro é voltado para sua área interna) evitam a circulação de automóveis e
mesmo de pessoas estranhas no conjunto. Conduzem à qualidade apontada por Appleyard
(1981) que define ruas residenciais como pontos de destino e não locais de passagem.
219
A rua central larga, dividida em duas pistas, articula-se com duas ruas de
larguras variadas. O trecho mais largo destas liga-se às ruas externas. Reflete a intenção com a
distribuição gradual do fluxo de veículos das ruas periféricas (Avenida do Café, ao norte, e
Avenida Dom João VI, ao sul) para as ruas internas do loteamento.
Figura II.49 – Utilização Conjunto do Café: ruas com largura variada denotam intenção de
distribuição do tráfego de acesso ao bairro:
desenho do autor sobre Mapa de 1974 – PML
8. Senso de Comunidade
A escassez de espaço e a orientação geral dos lotes, com a frente sempre
voltada para uma das pequenas praças, acabaram por determinar sua apropriação e utilização
como quintais pela comunidade.
Assim, pode-se notar cadeiras e bancos improvisados fixados nas praças,
alguns moradores varrendo os canteiros e a área pavimentada, crianças brincando nas ruas
próximas e até mesmo um fabricante de vassouras que usa, como local de trabalho, a esquina
da praça que fica em frente à sua casa. A prática de levar o lixo para fora somente no horário
de passagem do caminhão também reflete a preocupação com a limpeza e não degradação das
ruas e praças. É possível devido às ruas estreitas – que determinam a baixa velocidade do
caminhão de lixo, e a certa homogeneidade de nível social dos moradores – pois este costume
depende da permanência de ao menos uma pessoa em cada residência, o que exige pessoas já
aposentadas ou donas de casa que não trabalham fora.
Nos canteiros há árvores de copas densas, algumas frutíferas co mo
jaqueiras e pés de café, e espécies de plantas menores, simplesmente ornamentais, como
220
samambaias e tipos de flores diversos, ou simbólicas, como espadas-de-são jorge. O cuidado e
a carga afetiva atribuída a estas plantas garantem a manutenção dos canteiros das praças.
Algumas têm significado pelo fato dos moradores terem presenciado seu desenvolvimento,
outras são consideradas importantes por terem sido plantadas por pessoas já ausentes.
De acordo com os moradores, há uma organização informal quanto à
manutenção das plantas e dos canteiros, de modo que cada grupo de vizinhos cuida do
canteiro mais próximo à sua casa. De fato, as pessoas que plantaram alguma árvore ou flores
na praça afirmavam, em geral, que o fizeram no canteiro localizado na frente de seu lote. Os
canteiros, então, substituem os jardins, não existentes devido à escassez de área livre dos
lotes.
Por ser mais comum a permanência de pessoas que moram em volta das
“praças quintais” e por serem estas as responsáveis pela manutenção, pode-se afirmar que
cada praça determinou a formação de uma pequena comunidade em seu entorno, a
“comunidade praça”. Há, portanto, dentro do contexto geral da comunidade do bairro, micro-
comunidades, com vínculos mais fortes e práticas cotidianas comuns entre vizinhos.
Figura II.50 Conjunto do Café: praça como jardim comunitário os
moradores zelam pela manutenção e plantam mudas nos
canteiros próximos à sua residência
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
221
Vista externa do Conjunto do Café (a
vegetação das praças destaca-se em meio à
densidade de construções iguais)
Fonte: Lamounier (2006)
Vista interna do bairro (os carros ficam nas
calçadas por falta de espaço nas ruas)
Fonte: Lamounier (2006)
A pequena escala do bairro e a densa
arborização das praças dificultam
a visualização das casas
Fonte: Lamounier (2006)
As ruas estreitas permitem a passagem de
apenas um automóvel por vez
Fonte: Lamounier (2006)
Praça periférica (próxima a uma rua mais larga)
Fonte: Lamounier (2006)
Praça interna (definida apenas por ruas
estreitas)
Fonte: Lamounier (2006)
Figura II.51a – Fotos Conjunto do Café
222
As praças e as ruas estreitas são freqüentemente
utilizadas para as brincadeiras das crianças...
Fonte: Lamounier
(
2006
)
...ou como local de trabalho de um dos
moradores, fabricante de vassouras
Fonte: Lamounier (2006)
A pequena rampa adapta a calçada da praça
para o estacionamento de carros e a rasura
na placa mostra uma reclamação dos
moradores
Fonte: Lamounier (2006)
Os moradores podam, capinam e varrem
freqüentemente os canteiros das praças
Fonte: Lamounier (2006)
...e até mesmo espécies comestíveis, como
jaqueiras ou o pé de café da foto
Fonte: Lamounier
(
2006
)
Nos canteiros das praças são plantadas
árvores de porte, flores, arbustos...
Fonte: La
m
ounier
(
2006
)
Figura II.51b – Fotos Conjunto do Café
223
Um dos bancos simples que compõem o
mobiliário mínimo das praças
Fonte: Lamounier (2006)
Cadeiras adaptadas na praça mostram sua
apropriação como uma extensão da casa: é
vista como o jardim e o quintal dos
moradores
Fonte: Lamounier (2006)
Além dos canteiros das praças e das quadras,
plantas simbólicas ainda são colocadas em
vasos na frente de lotes, na calçada
Fonte: Lamounier (2006)
Alguns canteiros das quadras também são
apropriados: neste pode-se ver plantas
simbólicas como espada de são Jorge, além
de bancos para permanência, ao fundo
Fonte: Lamounier (2006)
Casa padrão COHAPAR
Fonte: Lamounier (2006)
Figura II.51c – Fotos Conjunto do Café
224
II.3.1.5 Considerações sobre o conjunto do café
O Conjunto do Café mantém qualidades não mais encontradas na maioria
dos conjuntos habitacionais de Londrina.
O traçado exclusivo, com a distribuição das ruas internas estreitas e
pequenas praças, é o principal elemento de identidade do bairro. Se num primeiro momento
pode parecer confuso, elementos ordenadores como a praça central e a rua de duas pistas, bem
como os módulos rebatidos de organização espacial e a visibilidade das praças, destacadas a
partir de qualquer uma das ruas pela densa arborização, facilitam a orientação no bairro.
Ruas pensadas para o pedestre, a escassez de espaço do lote, o design
simples e a pequena escala das praças parecem ter sido fundamentais à adoção dos seus
espaços pela comunidade. A longa permanência dos moradores também favorece a
organização da comunidade e a manutenção das praças e seus jardins comunitários.
As praças possuem grande importância quanto à composição da atmosfera
de rua de nova velha tradição no Conjunto do Café. Assim, enquanto a praça tem seu
significado modificado – de espaço central único para o de componente de uma série de
“praças quintais”, utilizadas por número bem menor de pessoas, que vivem próximo dali, a
rua também não é mais um simples espaço de circulação, recebe um caráter mais íntimo,
tornando-se a extensão entre a casa e o “quintal”.
Algumas intervenções demarcam ao mesmo tempo a praça e a rua,
denotando sua percepção como um território único. As pequenas praças acabaram por definir
micro - comunidades, com relações mais constantes e vínculos mais estreitos, dentro do
contexto maior da comunidade do bairro.
A conservação da atmosfera do Conjunto do Café é importante por trazer
lições à construção de bairros e ruas baseados na participação comunitária, conduzindo a
espaços mais seguros e agradáveis.
225
CAPÍTULO
7
II.4
TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM, RUPTURA E MANUTENÇÃO DE ATMOSFERAS
As ruas analisadas têm sofrido transformações que podem resultar na
desestruturação de sua paisagem e anulação da atmosfera.
Em ruas tradicionais (Guaranis, Icós e “ladeiras” Espírito Santo e
Alagoas), este processo é refletido pela demolição da casa original de madeira em virtude de
uma nova construção em alvenaria, não condizente com a escala, volume e composição das
edificações tradicionais. Envolve, também, a substituição de moradores antigos do bairro por
novos moradores. A não permanência enfraquece o senso de comunidade, responsável por
uma série de qualidades da atmosfera tradicional, tais como segurança, manutenção,
identificação com o espaço, relações de vizinhança e personalização.
Na rua de nova tradição (Jardim Shangri-lá) o processo de transformação
da paisagem também se inicia com a venda ou aluguel das casas. A substituição das
edificações, no entanto, não visa à mudança de material para melhor valorização do imóvel,
pois as casas originais já são de alvenaria. É determinada, de uma forma geral, pela
transformação do uso da rua. As residências são substituídas por construções comerciais que
desrespeitam os padrões locais. A permanência de pessoas na rua é diminuída, enquanto
aumenta sua utilização como estacionamento de automóveis.
Na rua de nova velha tradição (Conjunto do Café) as modificações da
residência ocorrem conforme as possibilidades do proprietário. A escala das transformações
não afeta a atmosfera do local.
II.4.1 Rua Guaranis: dissociação da vizinhança
Na Guaranis, o tempo de permanência na rua parece ser o principal
determinante do grau de confiança entre vizinhos. As transformações da paisagem ocorridas
na rua são prejudiciais à sua atmosfera não somente pela substituição das casas originais por
construções que fogem ao padrão da rua, mas principalmente por estas virem acompanhadas
226
da mudança de moradores antigos. O aumento do número de pessoas com pouco tempo de
moradia na rua, geralmente residentes de casas alugadas, que podem se mudar facilmente,
acelera o processo de dissociação da vizinhança. Diminui a utilização da rua como local de
interação entre moradores e, conseqüentemente, anula valores comuns, como o senso de
responsabilidade pela manutenção do espaço.
A venda de uma das casas de madeira da rua, em 2003, desencadeou um
processo significativo ao enfraquecimento da atmosfera tradicional. Integrava um par, em
termos de composição, com uma das edificações vizinhas, construída na mesma época, no
início dos anos 1950. Apresentavam em comum detalhes construtivos da arquitetura japonesa
em madeira, como desenhos no forro e em suas juntas (estrela e losangos nos pontos de
lâmpadas, por exemplo), além de paredes exclusivas para vedação, onde a transferência de
cargas se dá através de pilares que delimitam as janelas.
Alguns moradores reclamaram da substituição desta casa por uma nova
construção em alvenaria, fora da tipologia do bairro. Acentuando esta situação, o novo
proprietário exigiu a verificação das dimensões do lote e a correção legal de uma pequena
defasagem (aproximadamente 60 cm de largura frontal). Aos problemas surgidos com a
discussão pela correção de um muro construído há mais de cinqüenta anos, somaram-se os
aterros do terreno realizados para a nova edificação. Foram executados de modo que o
escoamento de águas se destinasse aos lotes vizinhos, gerando mais desconforto entre os
moradores. Além disso, o comprador da casa não residia na rua e destinaria a nova construção
ao aluguel, o que era visto como um fator incômodo pelos moradores tradicionais.
A partir de estudo inicial em 2003, o acompanhamento da rua Guaranis per
mitiu identificar as transformações ocorridas num período de três anos. A substituição
mencionada ocorreu no trecho da rua onde havia maior concentração de casas de madeira e
parece ter influenciado, com o tempo, a transformação de uma série de outras residências
próximas. Teve, portanto, papel significativo na desestruturação da paisagem da rua Guaranis.
No final do primeiro ano, havia 33 lotes com casas de madeira visíveis a
partir da rua. Em três anos, seis lotes sofreram transformações, restando, então, 27 com
construções de madeira visíveis. Entre as seis transformações, quatro parecem ter sido
influenciadas pela substituição da casa de madeira citada, pois ocorreram em lotes próximos
da mesma.
Dois destes casos tratam-se da substituição completa de uma edificação de
madeira por outra de alvenaria, que não respeita a tipologia das construções mais antigas. Em
um caso o proprietário continua morando na residência e, no outro, a casa foi substituída
227
visando valor mais alto de aluguel.
Outros dois casos correspondem à mudança de material sem prejudicar o
volume ou a tipologia geral das construções – foram mantidos a escala, os telhados, varandas,
janelas frontais e acessos principais. Um consistiu da mudança para alvenaria de todas as
paredes externas de uma casa e o outro da mudança para alvenaria somente da fachada
principal.
As duas transformações restantes não apresentam relação com a primeira
substituição de 2003. Uma trata-se de um lote com casa de madeira onde o morador resolveu
aumentar a altura do muro. Como a edificação não pode mais ser vista a partir da rua, é como
se não existisse. O alto e extenso muro acaba reforçando o conjunto de grandes construções
em alvenaria. O outro caso, por fim, ocorreu devido ao incêndio, iniciado por problemas na
fiação elétrica, de uma casa de madeira. Sua fachada principal, no entanto, permanece como
testemunho da casa antiga, emoldurada por um pequeno jardim mantido pelos proprietários,
que possuem uma fábrica de velas nos fundos do lote. No caso de uma nova construção, esta
deveria situar-se atrás das ruínas da antiga residência. A preservação da fachada de madeira e
do pequeno jardim seria uma estratégia de conservação de atmosferas, frente a transformações
inevitáveis (como os incêndios comuns em casas de madeira), que poderia ser aplicada
também em casos de modificações realizadas pelo proprietário.
228
Figura II.52 – Rua Guaranis: mapa de transformações visíveis
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
II.4.2 Rua Icós: mudança de proprietários
As transformações na rua Icós ocorreram somente no lado mais baixo da
rua. Tratam-se de barracões e grandes residências em alvenaria, fora do padrão das
construções tradicionais do bairro, numa seqüência que se estende aproximadamente do meio
da quadra até a rua Duque de Caxias. São, em geral, casas ocupadas por novos proprietários
229
(em relação aos moradores antigos, com mais de 40 anos na rua) que resolveram substituir a
edificação original quando se mudaram para o local.
Nesta rua, a preservação das casas de madeira parece relacionar-se a dois
fatores interligados: a forte declividade do terreno e a permanência de moradores antigos. De
fato, no lado mais alto, onde os lotes são elevados, quase todas as casas são ocupadas por
proprietários antigos.
A forte declividade do terreno dificulta transformações como a instalação de
garagens ou de novas construções. Leva à desvalorização dos lotes deste lado da rua,
dificultando sua venda e propiciando, portanto, a permanência dos mesmos moradores durante
vários anos.
A permanência de uma família na mesma casa ao longo dos anos vai
associando cada vez mais significados ao local. Através das gerações, simbolizações diversas
vão sendo atribuídas à moradia. A casa que era importante por ser o primeiro lar, às vezes
construída pelo próprio dono, pode ter importância para os filhos deste por representar o local
de nascimento e única moradia, enquanto que para os netos trata-se de um testemunho físico
da história da família, um ambiente imbuído de recordações dos parentes já ausentes.
Na Icós, caso fossem demolidas as casas antigas de madeira, as novas
edificações seriam ressaltadas pela diferença de altura em relação à rua. A construção de
garagens, por exemplo, levaria à definição de uma paisagem de rua composta praticamente
apenas por garagens, já que estes espaços situariam-se obrigatoriamente na frente das casas,
para possibilitar o acesso de automóveis no nível da rua.
Figura II.53 – Rua Icós: mapa de transformações visíveis
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
230
II.4.3 “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: adaptações necessárias
Recentemente, pequenas intervenções revelaram que a atmosfera das
ladeiras pode ser melhorada ou consideravelmente prejudicada através de modificações
pontuais.
A ocupação das quatro edificações num dos lados da Espírito Santo levou a
melhorias em sua na atmosfera. Intervenções individuais, como a pintura de três casas do
conjunto e a colocação de vasos com plantas, simbolizando pequenos jardins na área livre do
lote, denotam a preocupação dos moradores com o melhoramento do espaço. Por serem
cuidados visíveis, conduzem à possibilidade de modificar positivamente os “ares” de um
determinado local sem grandes custos, através da manutenção cotidiana.
Modificações como o fechamento de uma varanda improvisada na casa da
parte mais alta deste lote, ou a troca de uma janela lateral de outra das casas, são adaptações
necessárias que visam aumentar a segurança ou adequar melhor a edificação ao gosto do
morador. As paredes treliçadas de madeira, por exemplo, transformaram a varanda
improvisada em mais um cômodo (um “puxadinho” no volume da edificação) e
interromperam a seqüência visível de rebatimento das fachadas das edificações. A utilização
de grandes vasos para a colocação das plantas, em outra destas casas, remete mais à idéia de
decoração que de tradição, já que em ruas tradicionais as plantas são colocadas em vasos
menores, xaxins e latas de óleo. Tratam-se, no entanto, de um tipo de mudança reversível e
que não interfere na atmosfera tradicional da ladeira. Indicam, por outro lado, a preocupação
com sua manutenção.
Na “ladeira” Alagoas, a instalação do gabião, substituindo parte do muro
antigo, embora possa ser vista como uma forma de garantir a segurança estrutural, evitando
desabamentos, consiste, por outro lado, na desestruturação de uma paisagem moldada há
muito tempo, acomodada no local e com a qual os usuários do espaço já estariam,
provavelmente, acostumados. Frente aos trechos do antigo muro de onde pendem plantas e
parte das copas de algumas árvores, o gabião revela-se um elemento de pouco interesse
visual.
Os lotes pequenos e o terreno acidentado foram determinantes à preservação
das casas de madeira nas duas ladeiras. Dificultam a ocorrência de reformas e a substituição
por novas construções e, como não possibilitam o acesso a automóveis, impedem
transformações de uso no local.
231
II.4.4 Jardim Shangri-lá: transformação do uso
Talvez pela proximidade com a movimentada avenida Leste-Oeste, a rua
Guilherme da Mota Correia tem passado por uma transformação de uso. Na rua inicialmente
residencial, a maioria das edificações destina-se, atualmente, ao uso comercial –
predominantemente empresas de segurança. O espaço da rua acaba, então, sendo mais
utilizado como estacionamento para automóveis. A transformação do uso é acompanhada por
reformas e pelo surgimento de grandes construções que não respeitam a escala nem a
tipologia das casas modernistas originais do Jardim Shangri-lá. Novos prédios sem muros
frontais quebram o ritmo dos recuos homogêneos estabelecido pelos limites visualmente
transponíveis dos lotes de construções mais antigas.
A declividade do terreno também parece ter determinado a preservação das
casas, já que as poucas edificações modernas remanescentes concentram-se, de uma forma
geral, nas extremidades da rua, onde os lotes são mais altos. Entre estas, as que mantêm o uso
residencial permanecem sem alterações. As demais, transformadas em edificações comerciais,
sofreram modificações como a textura da fachada (aplicação de grafiato, por exemplo) e
substituição das janelas e portas frontais.
Nos trechos onde não há mais construções originais, no entanto, a
arborização, a rua curva e as praças em “crescente” garantem a permanência da atmosfera de
nova tradição. Constituem, então, os principais definidores da atmosfera do local.
A aprovação, em 2005, das Leis Municipais 9705 e 9873 abriu espaço para
transformações que podem levar à perda de uma das principais características da estrutura do
Jardim Shangri-lá: as vielas. Tendo como justificativa a insegurança quanto
à criminalidade, a Lei prevê a anexação aos lotes vizinhos de 14 das 17
vielas do bairro. Retrocede em relação à provisão de espaços pedestre, uma das principais
concepções de projeto do Jardim Shangri-lá, determinada por diretrizes da Lei 133 de 1951.
Diminuiria a segurança das pessoas em relação aos automóveis, qualidade importante e
dificilmente observada em outras áreas da cidade, e desestimularia as caminhadas pelas ruas,
já que as quadras se tornariam extensas demais para se transpor a pé.
232
Figura II.54 – Jardim Shangri-lá: mapa de transformações visíveis
desenho do autor sobre Planta Cadastral de 1993 – PML
233
II.4.5 Conjunto do café: intervenções pulverizadas
No Conjunto do Café as dimensões reduzidas dos lotes restringem as
possibilidades de modificação das casas. Assim, as intervenções acabam sendo pulverizadas
devido à pequena escala dos lotes, não interferindo na atmosfera do bairro como um todo. Tal
fato também determina a preservação de elementos simbólicos, como gradis e muros baixos,
nos limites com a rua (muros altos restringiriam a circulação de ar e transmitiram a impressão
de menos espaço no lote, “enclausurando” a casa). A vegetação das praças, por sua vez,
esconde as poucas alterações mais significativas na s edificações.
O predomínio de moradores com aproximadamente o mesmo poder
financeiro e a existência de certos conceitos comuns, como a idéia de que o telhado com o
caimento de uma das “águas” para a frente da casa confere mais status à edificação, pode
levar a uma tipologia de modificações.
A estrutura e a morfologia do bairro não sofreram transformações. A
configuração hermética mantém a privacidade dos moradores. Preserva o senso de
comunidade e garante certa exclusividade quanto ao uso das praças, incentivando sua
apropriação e manutenção. Junto ao fato de ser uma área desvalorizada (conjunto habitacional
de baixa renda, localizado próximo a três cemitérios), o traçado e a organização dos espaços
livres pode ter assegurado a conservação da atmosfera no Conjunto do Café.
II.4.6 Conclusões Preliminares
Estágios de Transformação
A transformação da paisagem de uma rua é um processo que ocorre
continuadamente. Cortes transversais nas ruas estudadas (Figuras II.41, II.42, II.43a,b e II.44)
possibilitam a leitura de três estágios definidos pela transformação das construções originais
na frente do lote: trechos com as características preservadas dos dois lados da rua, trechos
com as características preservadas apenas de um lado da rua e trechos onde estas
características não foram preservadas.
234
A rua Guaranis apresenta os três estágios. A proximidade com o centro da
cidade tem aumentado o interesse de imobiliárias na região. Assim, apesar da conservação de
número significativo de casas de madeira, a rua possui trechos onde há preservação dos dois
lados e de apenas um lado da rua, além de trechos onde as características originais não foram
preservadas.
preservação preservação
preservação transformação
transformação transformação
Figura II.55 – Rua Guaranis: estágios de transformação
Fonte: Lamounier (2006)
Na rua Icós nota-se apenas dois estágios. Correspondem, respectivamente, a
trechos com preservação dos dois lados e de apenas um lado da rua.
235
preservação preservação
transformação preservação
Figura II.56 – Rua Icós: estágios de transformação
Fonte: Lamounier (2006)
Nas ladeiras há trechos correspondentes aos três estágios (um somente na
Espírito Santo, outro somente na Alagoas, e o último nos dois locais). São definidos pela
preservação das edificações de madeira, e pela instalação de empresas cercadas por grandes
muros. Na parte mais alta, a Espírito Santo apresenta casas de madeira preservadas dos dois
lados. Já na Alagoas, as casas preservadas situam-se apenas de um lado – o outro é delimitado
por um alto e extenso muro. Na parte baixa, as duas ladeiras são cercadas, de ambos os lados,
por grandes muros de alvenaria.
preservação preservação
transformação transformação
Figura II.57a – “Ladeira” Espírito Santo: estágios de transformação
Fonte: Lamounier (2006)
236
preservação transformação
transformação transformação
Figura II.57b – “Ladeira” Alagoas: estágios de transformação
Fonte: Lamounier (2006)
Na rua do Jardim Shangri-lá pode haver apenas dois estágios quanto à
transformação das edificações. Por ser composta por edificações de um lado e praças do
outro, há apenas trechos com a preservação das características originais e onde não houve
preservação.
preservação
transformação
Figura II.58 – Jardim Shangri-lá: estágios de transformação
Fonte: Lamounier (2006)
237
Cortes referentes às transformações de edificações no Conjunto do Café não
são mostrados, já que as
“Zonas de Identificação de Atmosfera”
mosfera é difícil de se construir, mas, uma vez estabelecida, possui certa
originais em alguns trechos das ruas
, a “zona de identificação” localiza-se no trecho central da rua,
terreno. Localiza-se na m
na parte mais alta.
principal quanto à definição da identidade do bairro. Destaca-se como atrativo frente às casas
quase idênticas.
alterações nas casas não interferem na atmosfera das ruas.
At
resistência quanto à sua anulação. A análise das transformações nas ruas estudadas permite
concluir que há um certo grau de modificações que cada local pode suportar sem perder sua
atmosfera. Este grau pode variar de rua para rua.
A concentração maior de características
delimita as chamadas “zonas de identificação de atmosfera”. São áreas que melhor
representam a atmosfera do local, por apresentarem menor ocorrência de transformações ou
por terem sofrido apenas modificações leves, sem grandes interferências na paisagem ou
perda significativa dos valores locais. Podem ser determinadas pela configuração físico-
espacial do local.
Na Guaranis
onde se pode notar maior preservação de características tradicionais.
Na rua Icós, a “zona de identificação” foi determinada pela declividade do
etade mais alta da rua e no lado onde os lotes são elevados em
relação à calçada.
Nas “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas, a “zona de identificação” situa-se
Os lotes pequenos e o terreno acidentado garantiram a preservação das
primeiras edificações.
No Shangri-lá, o relevo também parece ter influenciado a localização da
“zona de identificação”. Situa-se nas extremidades da rua, onde os lotes são mais altos que os
do meio das quadras. Embora seja a rua que mais sofreu transformações entre os locais
pesquisados, o formato e a organização dos espaços livres e a arborização mantêm a
atmosfera nos trechos onde não houve preservação das características originais.
No Conjunto do Café, as “zonas de identificação” localizam-se nas ruas em
volta das praças. O conjunto de pequenas praças bastante arborizadas consiste no fator
238
A importância das praças, ruas e arborização na composição das atmosferas
do Jardim Shan
gri-lá e do Conjunto do Café mostram que determinadas morfologias e
estruturas são m
mínios público e
privado à compo
ais resistentes a transformações. Podem assegurar a permanência da
atmosfera de um local mesmo após a substituição das edificações originais.
Em todas as ruas estudadas, sejam tradicionais, de nova tradição ou nova
velha tradição, pôde-se notar a importância da visibilidade entre os do
sição de atmosferas. Nas “zonas de identificação” o predomínio de muros
baixos permite observar os jardins e o casario homogêneo, visualizar as pessoas à distância e
facilita a percepção de conjunto quanto à configuração do espaço. Se a cidade torna-se tão
insegura, a construção de muros altos causa cisão entre os espaços da rua e do lote, acabando
com a continuidade visual. Além de uma paisagem monótona, tal fato pode resultar na
diminuição da tolerância entre vizinhos, essencial ao senso de comunidade.
239
Figura II.59 – Rua Guaranis: zona de identificação de atmosfera
Fonte: Lamounier (2006)
240
Figura II.60 – Rua Icós: zona de identificação de atmosfera
Fonte: Lamounier (2006)
241
Espírito Santo Alagoas
Figura II.61 – “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: zona de identificação de atmosfera
242
Figura II.62 – Jardim Shangri-lá: zona de identificação de atmosfera
Fonte: Lamounier (2006)
243
Figura II.63 – Conjunto do Café: zona de identificação de atmosfera
Fonte: Lamounier (2006)
244
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248
CONCLUSÃO:
HÁ FUTURO PARA ATMOSFERAS?
249
CONCLUSÃO: HÁ FUTURO PARA ATMOSFERAS?
A
PREENDENDO ATMOSFERAS
Atmosfera pode ser entendida como a personalidade ou o caráter de
determinadas ruas. Seus componentes e qualidades tornam estas ruas agradáveis, familiares.
Transmitem a impressão de ruas paradas no tempo. É composta por aspectos visíveis
(elementos físicos de composição e suas relações espaciais) e invisíveis (senso de comunidade
e apego ao “lugar”). Na paisagem, muitas das coisas que se percebe são, na verdade,
depreendidas e não realmente vistas. A compreensão de valores e práticas locais, após o
contato com os moradores e observação de seu cotidiano, permite enxergar alguns aspectos
invisíveis à primeira leitura (espécies de plantas, por exemplo, que se repetem em jardins de
uma mesma rua – aspectos visíveis, podem indicar relações mais estreitas entre os vizinhos –
aspectos invisíveis).
A apreensão de atmosferas exige certo envolvimento do observador.
Inicialmente, depende de uma visão externa, como a de um “turista” eventual, capaz de
enxergar mais detalhadamente os aspectos visíveis. Num segundo momento, deve se
aproximar mais da forma de percepção de um morador do local, para a compreensão das
práticas e valores que mantêm os significados associados ao espaço.
As ruas foram analisadas de acordo com dois métodos que se baseiam,
respectivamente, nas qualidades urbanas e nos elementos de composição da atmosfera.
Q
UALIDADES URBANAS
Os sete autores estudados direcionam-se a linhas diferentes de pesquisa
sobre qualidades de espaços urbanos. O arquiteto Allan Jacobs (estética) preocupa-se mais
com os aspectos físicos e visuais de ruas de qualidade. Ian Bentley e sua equipe
(“responsividade”), Donald Appleyard (“vivenciabilidade”), também arquitetos, e o grupo
multidisciplinar PPS (usabilidade do espaço público), embora se dediquem
predominantemente às características físicas e visuais dos espaços, dispensam atenção
250
considerável a aspectos como cultura, uso e sociabilidade. O arquiteto Christian Norberg-
Schulz (identificabilidade) e o psicólogo ambiental Robert Gifford (“territorialidade”)
pesquisam as influências da configuração espacial em funções psíquicas como orientação,
identidade e senso de pertencimento ao local. Por fim, o arquiteto Amos Rapoport
(“complexidade”) trata das influências dos elementos de composição e organização dos
espaços e da carga cultural do observador no processo de percepção.
Apesar das diferentes formações e interesses de pesquisa, a análise dos
estudos existentes revela que alguns conceitos são preocupações comuns entre estes autores.
Nota-se que há um equilíbrio entre as preocupações com as características físico- espaciais e
com os valores culturais e práticas sociais mantidas nos espaços urbanos. As qualidades mais
consideradas foram:
1 (sete autores) – ordem e organização espacial, detalhes e grau de interação
entre as pessoas e entre estas e o local;
2 (seis autores) – “definição”, características notáveis e personalização;
3 (cinco autores) – acessibilidade e permeabilidade, historicidade,
segurança, manutenção, cultura e sociabilidade.
Uma forma possível de avaliação de atmosferas seria a identificação, numa
determinada rua, das qualidades mais consideradas pelos autores estudados e sua classificação
em três níveis, num gabarito, conforme o grau de intensidade (bom, regular ou ruim). O
aumento estratégico da intensidade de qualidades que podem ser melhoradas, como grau de
interação entre as pessoas e entre estas e o local, personalização, cultura, sociabilidade,
segurança e manutenção, resultaria, talvez, em melhorias na atmosfera da rua.
251
Figura C.1 – Identificação de Qualidades: possibilidade de avaliação de atmosferas
Fonte: Lamounier (2006)
252
As possibilidades de análise não precisam se restringir somente às
qualidades mais consideradas pelos autores estudados. Entre todas as qualidades definidas,
considera-se de grande importância as que se relacionam a um forte senso de comunidade e
identificação com o “lugar”. Conduzem, por exemplo, à qualidade de segurança, uma das
maiores preocupações contemporâneas das cidades.
Junto a algumas das chamadas características físicas e visuais apropriadas,
qualidades consideradas perceptivas e a preservação de elementos naturais, bem como o
respeito ao relevo na implantação, são importantes definidores de uma identidade local.
Neste sentido, cultura, sociabilidade, relações de vizinhança, grau de
interação, manutenção e personalização, complementaridade entre os componentes da
paisagem, cercas ou muros com permeabilidade visual entre os domínios público e privado,
segurança satisfatória em relação ao tráfego de automóveis e a disposição da arborização de
modo a oferecer áreas sombreadas e ensolaradas, tornando o espaço agradável à permanência
e caminhadas, além da presença de elementos que denotam a passagem do tempo no local ou
fatos memoráveis ocorridos ali, características notáveis, contrastes em relação à área do
entorno e detalhes que atraem a atenção das pessoas, a topografia do terreno e a preservação
de determinadas características naturais são qualidades consideradas importantes à
composição de atmosferas.
Além destas qualidades, o espaço em questão deve apresentar as qualidades
de acessibilidade e permeabilidade. O fácil acesso e a quantidade razoável de trajetos
possíveis estimularia sua utilização pelas pessoas. A possibilidade de caminhos diversos
poderia evitar a monotonia resultante do costume com a paisagem.
A
TMOSFERAS DE LONDRINA
As atmosferas identificadas nas ruas analisadas de Londrina podem ser
divididas em três tipos: tradicional, de nova tradição e de nova velha tradição.
A de rua tradicional (Guaranis, Icós e “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas)
pode ser encontrada em ruas nos antigos limites da cidade, cuja construção iniciou-se a partir
do final dos anos 1930. Caracteriza-se pelo casario homogêneo de madeira, jardins bem
cuidados, limites tênues entre os domínios público e privado e árvores de copas densas nas
calçadas. É ainda comum a presença de pessoas conversando na rua, o que se deve a um forte
253
senso de comunidade. Algumas demarcações visíveis de territórios atestam a identificação
com o “lugar”.
A de rua de nova tradição resulta da nova forma de se pensar os espaços
da cidade, surgida em Londrina principalmente com a Lei 133/51. É representada pelo Jardim
Shangri-lá, projetado no início dos anos 1950. Sua definição se dá principalmente pela
morfologia e estrutura espacial do local, onde o formato e a disposição das ruas e praças, a
arborização e a integração entre os espaços pedestre são elementos de destaque. As
edificações de alvenaria em estilo modernista complementam esta atmosfera.
Por fim, a de rua de nova velha tradição é identificável no Conjunto do
Café, primeiro conjunto habitacional de Londrina, iniciado entre as décadas de 1950 e 1960.
A configuração do bairro em volta de praças reflete práticas tradicionais repensadas,
resultando em novas formas e significados de organização espacial. Esta atmosfera também é
definida pela morfologia e estruturação do bairro, além de envolver um forte senso de
comunidade entre os moradores. O difícil acesso, as ruas estreitas e a série de pequenas praças
bastante arborizadas têm papel fundamental nesta definição.
C
OMPONENTES VISÍVEIS
Diferentes atmosferas são resultantes das diversas articulações dos
elementos que as compõem. Estudadas visualmente, revelam a existência de “camadas” na
paisagem, definidas a partir da rua. Um corte transversal permite maior precisão na leitura
destas “camadas”.
Em ruas tradicionais, estas “camadas” tendem a apresentar simetria entre
os dois lados visíveis da rua, definindo uma paisagem homogênea, com algumas variações.
Entre as ruas Guaranis, Icós e as “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas, a organização dos
mesmos componentes em terrenos com diferentes declividades resultaram em paisagens com
pequenas diferenças que correspondem, no entanto, ao mesmo tipo de atmosfera.
Na Guaranis, os cortes revelam a seqüência, em cada um dos lados da rua,
de árvore na calçada, muro baixo, jardim no recuo frontal, casa de madeira, quintal e edícula,
ou a formação de vila no lote.
254
Figura C.2a – Rua Guaranis: “camadas” da paisagem tradicional
Fonte: Lamounier (2006)
A diferença encontrada no corte da rua Icós é a elevação de um dos lados da
rua em relação à calçada. Apesar desta diferença de altura, os dois lados possuem,
basicamente, os mesmos elementos de composição.
Figura C.2b – Rua Icós: “camadas” da paisagem tradicional
Fonte: Lamounier (2006)
Nas “ladeiras” Espírito Santo e Alagoas, a orientação dos lotes impede que a
ocupação por mais de uma edificação apareça no corte transversal.
De um lado, a seqüência de camadas da “ladeira” Espírito Santo, a partir da
escadaria, é formada pelo canteiro “quintal”, corredor externo de acesso ao lote, muro baixo,
recuo de 4 metros e casa de madeira de dois andares (com pavimento inferior em alvenaria)
255
voltada para a frente do lote. Do outro lado, aparece apenas o muro baixo seguido pelo recuo
de 4 metros e uma pequena casa de madeira voltada para a lateral do lote. Um corte nos
fundos do lote revela a mesma composição, com a exceção do pavimento adicional de
alvenaria numa das edificações.
Na “ladeira” Alagoas também aparece, de um lado, a seqüência de canteiro
“quintal”, corredor externo de acesso ao lote, muro baixo, recuo de 4 metros e casa de
madeira de dois andares na frente do lote, ou, nos fundos, sem o pavimento inferior. Do outro
lado, no entanto, o lote com edificações é substituído por um muro alto.
Espírito Santo (frente) Alagoas (frente)
Espírito Santo (fundos) Alagoas (fundos)
Figura C.2c – “Ladeiras” Espírito Santo e Alagoas: “camadas” da paisagem tradicional
Fonte: Lamounier (2006)
Na rua de nova tradição (Jardim Shangri-lá), o corte mostra, de um lado da
rua, a praça delimitada por uma linha de árvores, seguida pela avenida Leste-Oeste e a visão
do horizonte. Do outro, a seqüência de árvore na calçada, muro baixo com gradil espaçado,
jardim no recuo frontal, casa em alvenaria, quintal e edícula. Nas extremidades, o lote deste
lado da rua é elevado, devido à declividade do terreno.
256
Figura C.3 – Jardim Shangri-lá: “camadas” da paisagem de nova tradição
Fonte: Lamounier (2006)
O corte em ruas de nova velha tradição (Conjunto do Café), representadas
principalmente pelas ruas em torno das praças, mostra uma seqüência simétrica entre os dois
lados, definida pela arborização da praça, uma rua estreita, muro baixo, recuo frontal e uma
pequena edificação de alvenaria voltada para a praça. Um dos lados pode apresentar variação
em relação à orientação da casa, cuja frente não se volta para a praça. A pequena escala da
praça e a largura reduzida das ruas permitem avistar as feições das pessoas de uma rua a
outra.
Figura C.4 – Conjunto do Café: “camadas” da paisagem de nova velha tradição
Fonte: Lamounier (2006)
257
P
ERMANÊNCIA DE ATMOSFERAS
Apesar da importância do caráter nas discussões sobre as cidades, a
legislação urbanística desconsidera a existência de “atmosferas”. Tem contribuído, pelo
contrário, para a padronização dos espaços urbanos, tornando-os todos iguais. Anula, muitas
vezes, as características que denotam o amadurecimento do local, qualidade importante na
definição de atmosferas.
Em ruas tradicionais a preservação das casas de madeira é dificultada pelo
alto custo do material e escassez de mão-de-obra. Formas de apoio financeiro, como
descontos ou isenções de IPTU, podem não ser suficientes nem para garantir a manutenção da
pintura. Reformas que mantenham as características originais das edificações acabam, então,
sendo preteridas em virtude de grandes transformações. Geralmente, estão ligadas à mudança
de proprietários e dissociação dos laços de vizinhança. A idéia de casa de “material” como
sinônimo de melhoria de vida também contribui para a substituição das casas de madeira por
construções de alvenaria.
Na rua de nova tradição, onde as casas originais já foram construídas em
alvenaria, as transformações vêm acompanhadas pela mudança dos moradores e
transformação do uso residencial em comercial.
Na rua de nova velha tradição, por outro lado, as modificações ocorridas
nas edificações não interferem na atmosfera como um todo.
A ocorrência considerável de transformações pode levar ao surgimento de
outras atmosferas, que substituem as anteriores. Neste processo, ferramentas de controle e
orientação da paisagem, como os Guias de Design, por exemplo, são importantes no sentido
de assegurar a atratividade dos espaços. Em Londrina, o Plano Diretor de Preservação do
Patrimônio Cultural (YAMAKI, 2003a) lista áreas a serem preservadas e outras cuja evolução
da paisagem deve ser orientada.
Embora atmosfera seja difícil de se construir, uma vez moldada, é bastante
resistente a transformações. Parece haver um limite, estabelecido pelo grau de transformações
que cada rua pode suportar, sem que sua atmosfera seja anulada. Este grau pode variar de rua
para rua.
As análises das ruas revelaram o equilíbrio instável da atmosfera
tradicional, onde pequenas alterações podem garantir sua conservação ou direcionar para a
anulação. Já nas atmosferas de nova tradição e de nova velha tradição, pôde-se perceber
258
que determinadas estruturas e morfologias conferem maior resistência às transformações.
De uma forma geral, a declividade pode ser considerada um determinante à
co nservação de atmosferas, na medida em que dificulta a transformação das edificações. O
senso de comunidade também parece ser um eficiente mecanismo no processo de
conservação. A permanência de uma atmosfera depende diretamente da quantidade e
intensidade de significados associados ao espaço. Relaciona-se à auto-estima, ao orgulho dos
moradores. Sua manutenção depende mais de cuidados cotidianos, através de intervenções
individuais dos moradores, que dos grandes projetos de revitalização nos moldes atuais.
259
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PRINCETON UNIVERSITY. Dicionário Eletrônico da Língua Inglesa. s/d. Disponível em
<
http://wordnet.princeton.edu/perl/webwn>. Acesso em: 17/11/2005.
SFCPC – SAN FRANCISCO CITY PLANNING COMMISSION. Residential Design
Guidelines of San Francisco. 2003. Disponível em
<
http://www.sfgov.org/site/uploadfiles/planning/projects_reports/resdesfinal.pdf>. Acesso
em: 04/06/2005.
SFPD – SAN FRANCISCO PLANNING DEPARTMENT. Rincon Hill Plan. 2003.
Disponível em <
http://sfgov.org/site/planning_index.asp?id=25076#RHplan>. Acesso em:
15/11/2005.
Site de Pesquisas Google. s/d. Disponível em <
http://www.google.com>. Acesso em:
17/11/2005.
UNIVERSITY OF VICTORIA-CANADA. Robert Gifford. s/d. Disponível em
<
http://web.uvic.ca/psyc/gifford.html>. Acesso em: 12/01/2006.
266
UNIVERSITY OF VICTORIA-CANADA. Robert Gifford, Professor. s/d. Disponível em
<
http://web.uvic.ca/psyc/gifford/about_me.html>. Acesso em: 12/01/2006.
UNIVERSITY OF WISCONSIN-MILWAUKEE. Amos Rapoport. 2005. Disponível em
<
http://www.uwm.edu/SARUP/faculty/rapoport.htm>. Acesso em: 25/11/2005.
267
OUTRAS PUBLICAÇÕES:
DOCUMENTOS E PERIÓDICOS HISTÓRICOS DE LONDRINA
Guia Geral de Londrina: edição especial de 1954. Londrina: Empresa Propagandista do
Norte do Paraná, 1954. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
Imobiliária Ypiranga. Jardim Shangri-lá – o aristocrático bairro residencial da cidade de
Londrina. Marília: Organização Fotográfica Mariliense, [1950]. Panfleto de Propaganda do
Loteamento. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
Jornal Paraná Norte. Edital – Loteamento de Imóveis. In: Paraná Norte. Londrina: 03 de
julho de 1938. p. 2-3. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
Jornal Paraná Norte. Fechamento das Espeluncas. In: Paraná Norte. Londrina: 12 de
dezembro de 1937. p. 1. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
Jornal Paraná Norte. Milagre numa Cidade Ponta de Trilhos. In: Paraná Norte. Londrina:
04 de novembro de 1934. p. 1. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
Manuscritos de Prestes Maia, 1952. Acervo: Museu Histórico de Londrina.
PML – Departamento de Planejamento e Urbanismo. Lei No. 133/51: dispõe sobre
loteamento, arruamento, zoneamento e dá outras providências. Aprovação em 07 de
dezembro de 1951. Londrina: Tipografia Oliveira. Acervo: Humberto Yamaki.
268
ANEXO
MAPAS ANTIGOS DAS ÁREAS ESTUDADAS
269
Figura A.1a – Mapa “Villa” Mattos 1940
Fonte: PML
270
Figura A.1b – Mapa Vila Mattos 1965 (incluindo extensão do loteamento)
Fonte: PML
271
Figura A.2a – Mapa Vila Matarazzo 1937
Fonte: PML
272
Figura A.2b – Mapa Vila Matarazzo 1969
Fonte: PML
273
Figura A.3 – Mapa Jardim Shangri-lá 1951
Fonte: PML
274
Figura A.4 – Mapa Conjunto do Café 1974 (COHAPAR)
Fonte: PML
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