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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Augusto Neves Dal Pozzo
Aspectos Fundamentais do Serviço Público no Direito Brasileiro
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
Agosto de 2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Augusto Neves Dal Pozzo
Aspectos Fundamentais do Serviço Público no Direito Brasileiro
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de Mestre em Direito, área de concentração
Direito Administrativo, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação do Professor Doutor Celso Antônio
Bandeira de Melo.
São Paulo
Agosto de 2010
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BANCA EXAMINADORA
____________________________________
____________________________________
____________________________________
À minha esposa Gabriela, inspiração da minha vida,
e às minhas filhas Manuela e Marcella.
AGRADECIMENTOS
Antes de iniciar o mestrado, sempre pareceu que a parte mais fácil do
trabalho seria realizar os agradecimentos às pessoas que, de alguma forma,
auxiliaram em sua elaboração. Infeliz engano: exteriorizar sentimentos nunca é fácil,
especialmente quando isso é feito em público.
Todavia, não há como escusar-se do dever. Isso me conforta, e me encoraja,
sendo necessário, neste passo, colocar o coração na ponta dos dedos, deixando
fluir o sentimento, de forma a exprimir algo verdadeiro, que seja, efetivamente, do
fundo de minh’alma.
Agradeço aos meus pais Araldo e Stela, exemplos de retidão, amor,
segurança e que mostraram, desde tenra idade, a importância da família.
Aos meus queridos avós Araldo, Guida, Graziela e Agenor e minha avó do
coração, Diva, agradeço os ensinamentos de dedicação, perseverança e de amor
pela vida.
Às minhas irmãs e cunhados, Daniela, Luiz, Christiane, Luis Celso, Beatriz e
aos meus sobrinhos Isabella, Chiara, Guilherme e Pietra, que, na luz da infância,
serviram-me de grande estímulo.
Aos meus queridos familiares Sérgio, Sônia, Gabriel, Márcia, Sílvia, Luciano,
Mariana, Carlos Eduardo, Camilla, Cláudia e Guilherme San-Juan pelo inestimável
apoio.
Aos meus sócios e queridos amigos Percival José Bariani Junior e João
Negrini Neto, por suprirem, com excelência, minha falta por conta da elaboração do
presente trabalho, e principalmente, pela enorme irmandade e bem-querer que nos
une.
Ao meu amigo Rafael Valim, pelo auxílio inestimável, pelo incentivo nas horas
difíceis e pela fortíssima amizade que nos ata.
Agradeço, penhoradamente, ao Professor Márcio Cammarosano, jurista de
escol, pelo companheirismo e pela confiança depositada, abrindo-me as portas do
mundo acadêmico.
Aos amigos Renan Marcondes Facchinatto e Felipe Faiwichow Estefam pela
excepcional assistência e pela gigante amizade.
Aos amigos Bruno Francisco Cabral Aurélio, Felippe Nogueira Monteiro,
Bruno Ferreira, Eduardo Pereira de Souza, Luciano Silva Costa Ramos, agradeço
pela amizade e pelas enormes lições obtidas.
Aos amigos de escritório Rodrigo Felipe Cusciano, André Astur, Bruno Martins
Guerra, Gabriela Silvério Palhuca, Steban Saavedra Sandy Pinto Lizarazu, Milton
Alves dos Santos Júnior, agradeço o apoio incondicional e pela sempre aprazível
convivência diária.
Ao Professor Maurício Zockun e à Professora Carolina Zockun, agradeço pela
fecunda amizade, pelo constante apoio acadêmico e, principalmente pela
convivência pessoal, o que, para mim, é certamente motivo de grande honra.
À Professora Weida Zancaner, agradeço o apoio, os ensinamentos e a
confiança sempre depositada.
Finalmente, ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, inexcedível
Mestre, agradeço imensamente por me orientar e pelo exemplo de sabedoria,
amizade, seriedade, compromisso doutrinário e solidariedade. Escolher palavras
para demonstrar meu afeto e admiração pelo emérito Professor configura uma
daquelas tarefas que certamente já antecedem um insucesso, restando apenas uma
certeza, que sempre serei seu discípulo.
Le service public a été en effet érigé en France à la
hauteur d’un véritable mythe, c’est-à-dire une de ces
images fondatrices, polarisant les croyances et
condensant les affects, sur lesquelles prend appui
l’identité collective.(...)
Cette dimension mythique explique que la notion de
servic public soit aussi difficile à appréhender et à cerner:
utilisée dans des champs conceptuels très diversifiés,
elle est saturée de significations multiples qui se
superposent, s’entrecroisent, renvoient les unes aux
autres, et entre lesquelles le glissemente est constant.
Mais le service public est aussi une notion juridique: il
entraîne l’application de règles de droit spécifiques et
dérogatoires au droit comum; le régime de servic public
condense et resume ce qui fait le particularisme du droit
administratif.
(Jacques Chevallier, Le service public. 7ª Ed. Paris: Puf,
2008. PP. 3-4)
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo o exame de alguns dos principais
aspectos do instituto do serviço público no direito brasileiro.
Para realizar essa tarefa, sua abordagem foi dividida em duas partes: a
primeira, enfocando “o serviço público no contexto do Estado Social de Direito” e, a
segunda, examinando o “regime jurídico do serviço público no direito brasileiro”,
descartando-se a análise de aspectos relacionados a sua prestação.
Na primeira parte, promoveu-se uma digressão lógico-jurídica atinente ao
Estado de Direito e sua transformação em Estado Social de Direito, este consagrado
pela Constituição Federal de 1988, examinando-se a influência desse modelo nos
serviços públicos já existentes e, bem assim, em relação àqueles que foram
instituídos para dar concretude aos direitos sociais.
A segunda parte do trabalho busca conferir ao leitor um panorama completo
sobre o arquétipo normativo a que se encontra subsumido o serviço público no
direito brasileiro.
Para cumprir essa tarefa, imprescindível se tornou o exame das
características que nortearam o instituto tal como concebido originalmente em
França, identificando os “critérios” ou “requisitos” que a doutrina universal utilizou
para descrever essa realidade jurídica.
Após essa análise, examina-se o instituto no direito brasileiro, de forma a
identificar quais os requisitos constitutivos do serviço público no Brasil. O conceito
de serviço público passa a ser, então, o foco principal do estudo, a par dos princípios
que o informam. Na continuidade, investiga-se os serviços públicos que se
encontram compreendidos na Constituição Federal de 1988.
Finalmente, demonstra-se que é impróprio falar-se em “crise da noção de
serviço público”, porque não se pode afirmar que o seu regime jurídico tenha sofrido
alteração e, principalmente, por conta do Estado Social de Direito Brasileiro, que
tem, como aspecto fundante, a prestação dos serviços públicos responsáveis pela
efetivação dos direitos sociais, sem deixar de lado e implementar aqueles que
oferecem condições e comodidades para a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: serviço público – regime – jurídico – brasileiro
ABSTRACT
This study aims at furthering the understanding of some of the main aspects of
the public service institutes under Brazilian law.
To this end, a two-pronged approach was adopted firstly focusing on "public
service under the Social Rule of Law", and secondly on the "legal regime of the
public service under Brazilian law”; thus having to leave aside aspects related to the
rendering of said services.
In the first part of this study, we offer a legal logics-based digression
concerning the Rule of Law and it having become the Social Rule of Law as of the
Brazilian Constitution of 1988; therefore we examine the influence of this new model
over the preexisting public services as well as over those services created to
materialize the social rights under the 1988 Charter.
The second part of this study aims at providing the reader with a
comprehensive view of the normative archetype overreaching public service under
Brazilian law.
To achieve our goal, it was indispensible to address the features governing
public service institutes as originally conceived in France, and therefore identifying
the criteria or requisites that universal legal doctrine has adopted to describe the
legal phenomenon at issue.
Next, we examined the institutes under Brazilian law in order to identify which
requisites account for public services in Brazil. The definition of public service –
together with its governing principles – is therefore the main focus of this study.
Following this, we looked into the public services found under the text of the 1988
Constitution.
Lastly, we attempt to demonstrate that one cannot speak of a "crisis of the
notion of public services", because it is not possible to state that its legal regime has
undergone any change due to the constitutionally-enshrined Social Rule of Law,
which has as a fundamental aspect the rendering of public services responsible for
ensuring the social rights of citizens, without leaving aside and failing to implement
services offering the necessary conditions and means to ensure respect for the life of
individuals.
Keywords: public service – legal regime – Rule of Law – Brazilian law
SUMÁRIO
PARTE 1. O SERVIÇO PÚBLICO NO CONTEXTO DO ESTADO SOCIAL DE
DIREITO............................................................................................................................................10
1. Considerações Metodológicas.........................................................................................................10
2. Considerações Preambulares...........................................................................................................14
3. O Estado de Direito e sua base ideológica.....................................................................................17
4. Estado de Direito................................................................................................................................22
4.1 O Estado e o Direito................................................................................................................................22
4.2 O Estado de Direito e a Constituição....................................................................................................25
4.3 O Estado de Direito no Brasil: aspectos jurídico-positivos e conceito.............................................27
5. Estado Social de Direito....................................................................................................................32
6. Do princípio da solidariedade ou solidarismo................................................................................36
6.1 Breve intróito acerca dos princípios jurídicos......................................................................................36
6.2 O fundamento ideológico da solidariedade ou solidarismo, sua juridicidade e conteúdo............39
6.3 Dos aspectos jurídico-positivos do princípio do solidarismo em face da Constituição Federal de
1988..................................................................................................................................................................43
PARTE 2. O SERVIÇO PÚBLICO E SEU REGIME JURÍDICO.....................................45
1. Considerações iniciais.......................................................................................................................45
2. Serviço público à la française...........................................................................................................46
2.1 A Escola do Serviço Público..................................................................................................................46
2.1.1 O pensamento de León Duguit......................................................................................................47
2.1.1.1 A concepção teórica do Estado e do serviço público na visão de Duguit.......................47
2.1.2 O pensamento de Gaston Jèze.....................................................................................................51
2.2 A jurisprudência francesa.......................................................................................................................53
2.3 A concepção hodierna do serviço público à la française...................................................................56
3. Conceito de serviço público.............................................................................................................61
3.1. Critérios utilizados pela doutrina para definição de serviço público...............................................61
3.2. Considerações metodológicas acerca da conceituação de serviço público..................................65
3.3. Os requisitos para conceituação de serviço público no direito brasileiro.......................................69
3.4. O conceito de serviço público no direito brasileiro............................................................................74
3.4.1 Panorama geral das concepções doutrinárias do serviço público no direito brasileiro.........74
3.4.2 Conceito de serviço público adotado............................................................................................77
3.4.3 Requisito Subjetivo..........................................................................................................................78
3.4.4 Requisito Objetivo ou Material.......................................................................................................80
3.4.5 Requisito Formal..............................................................................................................................84
4. Princípios do serviço público...........................................................................................................88
4.1. Considerações iniciais...........................................................................................................................88
4.2 Princípio da Generalidade ou Universalidade.....................................................................................90
4.3 Princípio da Modicidade.........................................................................................................................91
4.4 Princípio da Continuidade......................................................................................................................93
4.5 Princípio da Transparência....................................................................................................................98
4.6 Princípio da Adaptabilidade, Mutabilidade ou Atualidade.................................................................99
4.7 Princípio da Cortesia.............................................................................................................................100
4.8 Princípio da Igualdade..........................................................................................................................101
4.9 Princípio da Regularidade....................................................................................................................103
4.10 Princípio do Controle (Interno e Externo) sobre as condições de sua prestação.....................104
5. Serviço público e atividade econômica.........................................................................................108
5.1 A formação da ordem social e da ordem econômica pela ótica do princípio do solidarismo.....108
5.2 Distinção entre serviços públicos e atividades econômicas...........................................................110
6. Os serviços públicos na constituição de 1988.............................................................................117
7. A suposta “crise” do serviço público............................................................................................125
8. À guisa de conclusão.......................................................................................................................133
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................... ....... 135
10
PARTE 1. O SERVIÇO PÚBLICO NO CONTEXTO DO ESTADO SOCIAL DE
DIREITO
1. Considerações Metodológicas
À guisa de noções introdutórias, como é curial em qualquer trabalho
científico, serão feitas algumas considerações metodológicas, que acabam por
influenciar, dogmaticamente, todas as noções a serem firmadas e, mais,
ensejam um percurso lógico-jurídico que permite coadunar as premissas
estatuídas com as conclusões materializadas ao final da exposição.
Tal desiderato não se mostra simples, como bem salienta Agustín
Gordillo, com fundamento nestas lições de Hospers:
[...] a linguagem natural (utilizada pelo cientista e operador do
direito) tem como característica o que se denominou textura
aberta, em razão da qual não se pode lograr uma precisão
absoluta nas definições, nas palavras, ou nos símbolos, a
menos que construamos uma linguagem nova e totalmente
artificial.
1
Diante dessa dificuldade, que transcende a vontade do cientista do
Direito
2
, naturalmente atingido e envolvido por essa realidade, é imprescindível
que se defina, de antemão, o significado que se pretende atribuir a uma dada
realidade jurídica, principalmente quando se aspira empregar uma palavra de
maneira diferente daquela utilizada em seu uso e senso comum, sob pena de

1
HOSPERS, John. Introducción al análisis filosófico. T. I. Buenos Aires. Apud Princípios gerais de
direito público. Trad. Marco Aurélio Grecco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. P. 02.
2
Essa problemática não é exclusiva da Ciência do Direito. Como salienta Ortega & Gasset “a filosofia
não se pode ler – é preciso deslê-la – quero dizer repensar cada frase, e isto supõe rompê-la em seus
vocábulos ingredientes, tomar cada um deles e, ao invés de contentar-se com olhar sua amena superfície
atirar-se de cabeça dentro dele, submergir-se nele, descer a sua entranha significativa, ver bem sua
anatomia e seus limites para sair de novo ao ar livre, de posse de seu segredo interior. Quando se faz isto
com os vocábulos todos de uma frase eles ficam unidos não por contato, mas subterraneamente, por suas
próprias raízes de idéias, e só então compõem verdadeiramente uma frase filosófica. À leitura deslizante
ou horizontal, ao simples patinar mental, é preciso substituir a leitura vertical, a imersão no pequeno
abismo que é cada palavra, fértil mergulho sem escafandro”. (¿Que es filosofia? 5ª. Reimpressão.Madrid:
Revista de occidente em Alianza Editorial, 2001. P. 60).
11
inviabilizar a compreensão do que se pretende expor, ou pior, favorecer uma
exegese completamente distinta daquela que se almejou construir.
3
Nesse sentido, vale o alerta de Carrió que, a despeito de enaltecer a
linguagem como sendo a mais rica ferramenta de comunicação entre os
homens, deixa claro que nem sempre essa ferramenta funciona
adequadamente, pois ela poderá restar frustrada se o seu destinatário se sentir
perplexo ante o alcance das expressões que acabou recebendo.
4
As palavras que compõem as normas jurídicas possuem, na expressão
de Carrió, uma "zona de penumbra", sendo necessário estabelecer seus
contornos específicos para se saber qual o âmbito de aplicação de um
determinado regime jurídico. É que:
[...] as palavras da linguagem têm uma zona central onde seu
significado é mais ou menos certo e um círculo exterior no qual
sua aplicação é menos usual e se faz cada vez mais duvidoso
saber se a palavra pode ser aplicada ou não.
5
De outra sorte, como enuncia o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:
[...] os conceitos jurídicos, em geral, (...), não são mais que
termos relacionadores de normas, pontos de aglutinação de
efeitos de direito. Cada bloco ou grupo de situações parificadas
pela unidade de tratamento legal recebe - para fins de
organização do pensamento - um nome, que é a rotulação de
um conceito; vale dizer, o simples enunciado da palavra evoca
no espírito uma noção complexa formada pelos diversos
elementos agregados em uma unidade, que deram margem ao
conceito jurídico.
6

3
KELSEN adverte: "qualquer tentativa de definição de um conceito deve adotar como ponto de partida o
uso comum da palavra, denotando o conteúdo em questão. Para definirmos o conceito de Direito,
devemos começar pelo exame da seguinte pergunta: os fenômenos geralmente chamados 'Direito'
apresentam uma característica comum que os distingue de outros fenômenos sociais do tipo similar?"
(Teoria geral do direito e do estado. 4ª Ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. P.
07).
4
Notas sobre derecho y lenguaje. 5ª. Ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2006. P. 17.
5
ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. P. 111. Apud. GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho
Administrativo, Tomo 1. P. I-17.
6
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. PP.
376-377.
12
Sendo cada conceito um conjunto ou ponto convergente de normas,
muitas vezes o próprio direito positivo, de antemão, já aglutina uma série delas
debaixo de um determinado conceito jurídico, deixando-o pronto para os
cientistas do Direito; outras vezes, quando tal não acontece, é o próprio
estudioso quem irá construí-lo e, para tanto, deverá voltar suas atenções para
o direito positivo e identificar as normas que possuam traços de similitude para
enquadrá-las sob um nomen iuris, havendo, nesse caso, certa liberdade em
sua composição.
No processo de formulação de um conceito pelo cientista do Direito é
necessário atentar para estas outras advertências de Hospers, mais uma vez
citado por Gordillo:
[...] possivelmente não há duas coisas no universo que sejam
exatamente iguais em todos os aspectos. Por conseguinte, por
mais semelhantes que sejam duas coisas, podemos usar as
características em que diferem como base para colocá-las em
classes distintas. De igual modo, provavelmente, não haja duas
coisas no Universo tão diferentes entre si que não tenham
algumas características comuns, de maneira que constituem
uma base para colocá-las dentro de uma mesma classe.
7
Conquanto seja extremamente árdua essa tarefa de formulação de
conceitos jurídicos a partir do direito positivo, não há dúvida acerca da utilidade
destes, pois acabam funcionando como um centro de referência de normas e
de conseqüentes efeitos de direito, tudo de forma a conferir maior segurança
aos utentes dessas "sínteses jurídicas".
Sabendo-se que a ferramenta do legislador e do cientista do Direito
sempre será a linguagem, para utilizarmos a expressão de Carrió, e que, como
visto, é aberta, torna-se inafastável a necessidade de ambos descreverem, da
forma mais precisa e clara possível, aquilo que pretendem comunicar, para
serem evitados os terríveis prejuízos que uma intelecção mal formulada possa
acarretar, principalmente em se tratando de um trabalho científico.

7
HOSPERS, John. Introducción al análisis filosófico. T. I. Buenos Aires. P. 25-7. Apud Tratado de
derecho administrativo. 7ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey-Fondación de Derecho Administrativo, 2003. P I-
21.
13
No tema serviço público, essas circunstâncias ganham especial
sobrelevo porque o instituto, trazendo consigo noções que se lhe agregaram
durante as mais diversas épocas, fontes e origens, deve receber um tratamento
jurídico próprio, específico do direito brasileiro, com os princípios e as regras
que aqui o norteiam (alguns espelhados em noções universais, mas adequados
à realidade nacional), merecendo toda acuidade possível nessa investigação,
individualização e na precisão de seus elementos.
Tendo em conta todos os problemas de linguagem especial atenção é
requerida quando tratamos de um tema de tamanha amplitude como os
serviços públicos
8
, principalmente no tocante a dois aspectos distintos: o
primeiro, concernente à identificação do serviço público tal como concebido em
França e suas posteriores transformações; o segundo, atinente à necessária
cautela na identificação de quais e como as características do instituto foram
recepcionadas pelo nosso direito positivo e mesmo na individualização dos
princípios e regras construídos internamente.
Nessa incursão será necessário, ainda, traçar os contornos dos modelos
estatais que se sucederam e que naturalmente exerceram influência sobre o
serviço público, para bem se compreender a sua concepção atual e a sua
importância hodierna como provedor de justiça social e de comodidades para o
cidadão.

8
Adiante-se que o serviço público chegou a ser considerado a pedra angular de todo o Direito
Administrativo, sendo tão aclamado por alguns autores que chegaram a defender a posição de que
somente haveria a presença do Estado quando e onde se estivesse diante de um serviço público.
14
2. Considerações Preambulares
Desde que a sociedade humana se organizou e pode receber a
qualificação de sociedade política, conheceu o exercício do poder que, ao
longo da História da Civilização, foi passando das mãos dos primitivos chefes
tribais aos faraós, aos príncipes, aos senhores feudais, aos monarcas, aos
imperadores e dentre outros.
Essa mesma sociedade política, desde os seus primórdios, conheceu
aquilo que modernamente denominamos de serviço público, ou seja, numa
acepção breve e por ora sem preocupação de aprofundamentos científicos,
serviço que era de responsabilidade desse poder político, muitas vezes
prestados por particulares mediante autorização daquele.
Jean-Paul Valette apresenta um interessante resumo a respeito desse
tema, indicando, na Antigüidade, serviços públicos prestados na Mesopotâmia
e no Egito.
9
Lembra o citado autor, que o décimo sexto rei mesopotâmico, Hamurabi,
foi o autor do primeiro Código onde é possível encontrar e se ter uma idéia a
respeito da variedade daqueles serviços, existentes na Babilônia.
Ainda na Antigüidade, dentre os hebreus, Salomão cria “um vasto
programa de construção e de trabalhos públicos realizados para satisfazer as
necessidades dos particulares”.
10
Na Grécia, Aristóteles preconizava que as instituições deviam ser postas
a serviço dos cidadãos.
Antonio Fernández de Buján, estudando o Direito Público Romano,
escreve:

9
Le service public à la française. Paris: Ellipses, 2000. PP. 10-11.
10
Op. cit. P. 12.
15
Sobre prestação de serviços públicos por sociedades de
particulares através da figura da concessão escreveu, em data
recente, Murga: ‘foi algo ordinário, dentro da variada
administração municipal romana, que o serviço público não era
oferecido diretamente pela Cúria Municipal, mas prestado
através de um contratado – redemptor – cuja atuação deveria
ser sempre conforme a lex locationis. Não é raro encontrar no
Digesto freqüentes referências aos mais variados serviços
públicos cedidos em arrendamento a um redemptor, devendo
em todo o caso o concessionário sujeitar-se ao contrato com
contorno absolutamente privatístico’.
11
Na Idade Média, com a atomização do poder na Europa continental, este
passou a ser exercido, principalmente, pelos diversos suseranos, que se
encarregaram dos serviços públicos então existentes.
O citado Jean-Paul Valette afirma que foi a partir do século X que a
referência à utilitas publica se torna corrente e se impõe definitivamente a partir
do século XII. A partir de então, nunca mais desaparece, embora seja
raramente utilizada nos textos escritos durante a alta Idade Média. Recorda,
ainda, que essa noção “sofreu um desenvolvimento a partir do século XIII sob a
influência de São Tomás de Aquino (...) que, na Suma Teológica se refere ao
bem comum a propósito da justiça”.
12
Dando um salto na História, chegamos ao absolutismo, que sucedeu o
regime feudal e concentrou o poder em mãos do monarca, ainda em terras da
Europa continental.
Avançando o relógio da História, chegamos à Revolução Francesa e ao
Estado de Direito.
Se o serviço público, portanto, praticamente sempre existiu – com
intensidade e qualidade que variaram muito – é a partir do século XIX que
começam a surgir os delineamentos da moderna teoria do serviço público, que
irá, inexoravelmente, sofrer as influências da própria configuração do Estado,

11
Derecho público romano: recepción, jurisdicción y arbitraje. 11ª Ed. Madrid: Thomson Civitas, 2008.
P. 233.
12
Le service public à la française. Paris: Ellipses, 2000. P. 18.
16
que, como veremos, irá se alterar a partir de sua formatação como Estado de
Direito.
Com efeito, salienta Jacques Chevallier:
A ênfase nova posta, no começo do século XX, pela doutrina e
pela jurisprudência administrativas sobre o conceito de serviço
público parece, à primeira vista, revelar debates puramente
internos ao campo jurídico.
Essa visão será, entretanto errada: os debates que se
desenrolaram no terreno do direito são, entretanto, de alcance
e implicações mais amplas. Neste caso essas questões são
amplificadas por um conjunto de mutações que afetam, agora,
a posição e o papel do Estado na vida social: a preocupação
dos juristas é de adaptar as categorias jurídicas a essas
mutações; o serviço público vai oferecer, notadamente através
da apresentação que lhe deu Duguit, um princípio explicativo
mais geral, adaptado ao novo contexto e respondendo ao
objetivo de recriação do Estado. Assim, se coloca uma
poderosa máquina conceitual, que servirá de motor de
transformações sociais e políticas.
13
Um dos objetivos do presente trabalho é precisamente delinear os
principais fundamentos e características da teoria do serviço público a partir do
Estado de Direito e mencionar, ainda que de passagem, aqueles serviços
públicos que foram instituídos ou profundamente modificados ao influxo de
novas ideologias que interferiram na própria concepção do Estado, tendo em
vista a sua finalidade principal, que é a de traçar os aspectos fundamentais do
serviço público no direito brasileiro.

13
Le service public. 7ª Ed. Paris: Puf, 2008. P. 09.
17
3. O Estado de Direito e sua base ideológica
O tema Estado de Direito é vasto e complexo, mas suas linhas mais
gerais precisam ser traçadas neste passo, eis que, como sublinha o mestre
Celso Antônio Bandeira de Mello:
[...] o Estado de Direito é exatamente um modelo de organização
social que absorve para o mundo das normas, para o mundo
jurídico, uma concepção política e a traduz em preceitos
concebidos expressamente para a montagem de um esquema
de controle do Poder.
14
A construção da teoria do Estado de Direito, na Europa continental,
ocorreu ao longo do século XIX com a teoria alemã do Rechtsstaat
15
, que,
segundo Otto Mayer, citado por Gustavo Zagrebelsky:
[...] caracteriza-se pela concepção da lei como ato deliberado
por um Parlamento representativo e se concretiza em: a) a
supremacia da lei sobre a Administração; b) a subordinação à
lei, e somente, à lei, dos direitos dos cidadãos, com exclusão,
portanto, de que poderes autônomos da Administração possam
incidir sobre eles; c) a presença de juízes independentes com
competência exclusiva para aplicar a lei, e somente a lei, às
controvérsias surgidas entre os cidadãos e entre estes e a
Administração do Estado.
16
Assinala Jacques Chevallier que a teoria alemã do Rechtsstaat ingressa
em França no começo do século XX, graças aos juristas franceses que
conheciam o pensamento germânico, especialmente Léon Duguit, Maurice
Hauriou e Léon Michoud.
Segundo o Professor da Universidade Panthéon-Assas, certos
elementos do pensamento alemão foram então desprezados pelos franceses –
embora mais tarde adotados – porque, segundo eles, demasiadamente
vinculados ao contexto político da Alemanha.

14
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
49
15
Para Jacques Chevallier a expressão foi criada por Johann Wilhelm Placidus, que utilizou esse
neologismo para qualificar a Escola Kantiana (L’État de droit. 4ª Ed. Paris: Montchrestien, 2003. P. 16).
16
MAYER, Otto. Derecho administrativo alemán (1904). Trad. De H. H. Heredia e E. Krotoschin.
Buenos Aires: Depalma, 1982. V. 1. PP. 72 e seguintes. Apud ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho
dúctil: ley, derechos, justicia. 8ª Ed. Trad. Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2008. P. 23.
18
A ordem jurídica hierarquizada, em França, ainda nas palavras de
Jacques Chevallier:
[...] foi o produto histórico de uma luta contra o absolutismo
monárquico, visando a conter o poder real e o sujeitando às
normas superiores, dentre as quais deveria encontrar seu
fundamento e seus limites; esta construção passará à Revolução
pela concepção de uma nova figura, aquela da Nação
soberana.
17
A Revolução Francesa foi, portanto, o movimento histórico fundamental
que possibilitou a consagração do Estado de Direito em França, como modelo
apto a encerrar o chamado Ancien Régime, que ignorava os direitos individuais
e concentrava em apenas uma pessoa, a figura do soberano, o desempenho
de todas as atividades estatais, exercendo um poder absoluto e colocando-se
acima do bem e do mal.
18

17
L’État de droit. 4ª Ed. Paris: Montchrestien, 2003. P. 25.
18
Importante registrar que o Estado de Direito da Europa Continental apresenta profunda diferença em
face do rule of law britânico. A propósito, vale a citação de Gustavo Zagrebelsky: “na tradição européia
continental, a impugnação do Absolutismo significou a pretensão de substituir o Rei por outro poder
absoluto, a Assembléia Soberana; na Inglaterra, a luta contra o Absolutismo consistiu em opor às
pretensões do rei ‘privilégios e liberdades’ tradicionais dos ingleses representados e definidos pelo
Parlamento. Não há modo mais categórico de indicar que este: o Absolutismo régio foi derrotado, num
caso, como poder régio; no outro, como poder absoluto.” (El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. 8ª
Ed. Trad. Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2008. P. 25). Mais adiante, o mesmo autor ainda
salienta que: “El rule of lawcomo se ha podido decir – se orienta originariamente por la dialéctica del
proceso judicial, aun cuando se desarrolle en el Parlamento; la ideia del Rechtsstaat, em cambio, se
reconduce a un soberano que decide unilateralmente. Para el rule of law, el desarrollo del derecho es un
proceso inacabado, históricamente siempre abierto. El Reechsstaat, por cuanto concebido desde un punto
de vista iusnaturalista, tiene em mente um derecho universal y atemporal. Para el rule of law, el derecho
se origina a partir de experiencias sociales concretas. Según el Rechtsstaat, por el contrario, el derecho
tiene la forma de um sistema en el que a partir de premisas se extraen consequencias, ex principiis
derivationes.” (Op. cit. p. 26).
Efetivamente, há um largo distanciamento entre o sistema continental europeu e o direito inglês, fundado
na common law. Consoante assevera Celso Antônio Bandeira de Mello: “Há, no Ocidente, duas famílias
jurídicas visceralmente distintas e que expressam culturas, ao menos nesta área, animadas por um
espírito muito diferente. A do Continente europeu, formada sob a influência do Direito Romano
justinianeu, do Corpus Juris Civilis, no qual se afirma uma preocupação sistemática e dedutiva, a ser
extraída de um Direito escrito, formalmente legislado. Outra, a do Direito inglês, avessa a esquemas
rígidos, baseada nos costumes, entendidos como a law of the land, na equity; nas decisões judiciais, na
força dos precedents, e onde, por isto mesmo, vigora o case law. Daí seu estudo acadêmico basear-se,
muito compreensivelmente, no case method. É o sistema da chamada common law.” (Curso de direito
administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. PP. 42/43. Nota de
rodapé nº 23.). Mais especificamente em relação ao Direito Administrativo, Albert Ven Dicey, autor
inglês de renomado prestígio, entendia que essa seara do Direito era absolutamente incompatível com a
rule of law. Segundo Dicey, o “sistema chamado Droit Administratif é oposto às idéias jurídicas
inglesas, até o ponto de que a fraseologia inglesa não tinha equivalente para o termo.” (DICEY, Albert
van. Introduction..., PP. 303-304. Apud FALLA, Fernando Garrido; OLMEDA, Alberto Palomar;
GONZÁLEZ, Herminio Losada. Tratado de derecho administrativo. 14ª Ed. Madrid: Tecnos, 2005. P.
109). A despeito desse entendimento, que recebeu grande prestígio a época em que foi formulado, mas
que foi alterado alguns anos depois pelo autor, pode-se verificar que na evolução do direito inglês,
19
Até esse momento, o Estado era irresponsável juridicamente, não
havendo mecanismos para se questionar as decisões do soberano (que se
confundia com a figura do Estado), estando os súditos a sua total mercê. Era
época em que vigiam os seguintes brocardos: "regis voluntas suprema lex" (a
vontade do rei é soberana), "quod principi plaucit legis habet vigorem" (aquilo
que agrada ao príncipe tem força de lei), "the king can do no wrong" (o rei não
erra) e “l’État c’est moi” (o Estado sou eu). O poder titularizado pelo soberano
era ilimitado, de origem divina e fonte exclusiva do Direito, inexistindo qualquer
força capaz de sobrepô-lo.
Inspirada nas idéias principalmente de Montesquieu e Rousseau, a
Revolução Francesa propiciou o surgimento do Estado de Direito, com a
submissão do Estado à ordem jurídica.
Montesquieu partiu, em verdade, de uma circunstância bastante simples,
resultado da análise de uma inclinação quase que comum a todo ser humano
no sentido de que todo indivíduo que detém o poder (seja ele qual for) tende a
dele abusar, devendo o poder, portanto, ser dividido entre distintos grupos para
evitar tiranias e desmandos.
19
Dessa forma, as atividades estatais deveriam ser divididas em três
blocos orgânicos denominados “poderes”, que exerceriam precipuamente
funções típicas, mas também, atipicamente, atividades próprias dos demais,

presenciou-se uma maior aproximação em relação ao direito continental europeu e também ao próprio
Direito Administrativo (Op. cit. P. 42. Nota de rodapé nº. 23.). No presente trabalho será enfatizado o
Estado de Direito tal como concebido em França, pois foi esse modelo que influenciou fortemente o
Estado brasileiro.
19
Imperioso mencionar que John Locke, ilustre filósofo inglês, também elaborou uma teoria para
contenção do poder. Todavia, ela não recebeu tanta consagração quanto à de Montesquieu, justamente por
faltar-lhe a percepção de que o poder, a despeito de ser uma virtude, pode corromper o ser humano. Nesse
sentido, vale a lição de Paulo Bonavides:o célebre livro de Locke, Tratado sobre o Governo Civil, ficou
longe de alcançar os efeitos do Espírito das Leis em matéria de contenção do poder. Em Locke, o poder
se limita pelo consentimento, pelo direito natural, pela virtude dos governantes, de maneira mais ou
menos utópica. Em Montesquieu, sobretudo pela técnica de sua organização, de forma menos abstrata. O
publicista inglês ainda não se capacitara daquele princípio sábio da experiência universal, referido por
Montesquieu, segundo o qual todo poder tende a corromper-se e todos os que o possuem tendem a ser
levados, mais cedo ou mais tarde, a abusar de seu emprego. Da doutrina de Locke emerge um otimismo
que ele não dissimula, despreocupação que quase ignora a natureza profundamente negativa do poder”.
(Do Estado liberal ao Estado social. 9ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 47)
20
estabelecendo-se, assim, um sistema de freios e contrapesos (checks and
balances).
As atividades de fazer as leis, executar as resoluções públicas e de
julgar as controvérsias deveriam ser distribuídas dentre esses Poderes, assim
evitando-se que ocorressem abusos. Daí a clássica formulação de
Montesquieu: aquele que faz as leis, não julga nem as executa; aquele que as
executa, não julga e nem as faz; e aquele que julga, nem as faz e nem as
executa.
Dessa forma, a separação de poderes se qualifica como uma das bases
ideológicas do modelo de Estado de Direito.
Outro pensamento que permeia a noção de Estado de Direito é o de
Rousseau que, em linhas gerais, defendia o princípio da igualdade de todos os
homens e, como decorrência disso, a soberania popular.
Dizia o ilustre pensador que a titularidade do poder não encontra
fundamento na religião e nem se apresenta como resultado de um mero fato,
mas, sim, tem seu fundamento no povo, responsável pela decisão sobre a
forma com que a sociedade deve ser regulada. Ninguém está obrigado a
receber ordens de outrem: os homens são iguais e nascem livres, por isso
devem tomar as rédeas do seu próprio destino e decidir o caminho a ser
trilhado.
Obviamente, essa concepção ideológica recebia uma limitação natural,
já que seria impossível, como ocorria em Atenas, reunir todos os habitantes
para estabelecerem as normas que deveriam disciplinar a vida social.
A despeito de Rousseau entender que a soberania jamais poderia ser
representada e que a manifestação de todos era o ideal, a verdade é que, para
conferir a necessária funcionalidade a sua teoria, encontrou-se uma fórmula
substitutiva, a chamada representação.
21
Por esse modelo, o povo, em eleições diretas, escolhe seus
representantes para, em seu nome, exercerem o poder e realizarem as opções
que entenderem mais adequadas para a coletividade. É a denominada
democracia representativa, rechaçada por Rousseau, mas que recebeu ampla
consagração na maioria dos países ocidentais.
O pensamento de Rousseau apóia-se fielmente na noção de
igualdade
20
e, por conseguinte, da supremacia da lei, já que ela é o resultado
da formulação da vontade do povo, único titular do poder, propondo-se a ser
geral e abstrata justamente para evitar o tratamento desigual entre os
cidadãos, perseguições ou favoritismos e para conferir o máximo de segurança
jurídica à coletividade.
Vem a calhar a notável citação de Groethuysen trazida por Eduardo
García de Enterria:
Lo que primero se exige – ésta es la primera reivindicación de
la conciencia del Derecho – es que el hombre, no dependa del
hombre, sino solamente de la Ley impersonal...Es en la
soberanía constante de la Ley ejerciéndose sobre todos sin
excepción en lo que primeramente parece que puede
conciliarse el ideal de la unidad del Estado y las
reivindicaciones que exigen que ningún hombre dependa de
outro y que todos los hombres sean iguales em Derecho. La
Ley em su estabilidad se opone a lo que la voluntad particular
tiene de cambio, de aleatorio. De una parte lo arbitrário, el
capricho, los saltos de humor del despotismo; de outra, la Ley
estable y equitativa.
21
A confluência dos pensamentos de Montesquieu e Rousseau resultou,
então, nas fontes inspiradoras do Estado de Direito, com a limitação do poder
estatal e a consagração da igualdade entre os homens.

20
Vale citar a literalidade do pensamento desse autor:“Terminarei este capítulo e este livro por uma
observação que deve servir de base a todo o sistema social: é que o pacto fundamental, ao invés de
destruir a igualdade natural, substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima a desigualdade
física que a Natureza pode por entre os homens, fazendo com que estes, conquanto possam ser desiguais
em força ou em talento, se tornem iguais por convenção e por direito” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do
contrato social. Trad. Rolando Roque da Silva. São Paulo: Ridendo Castigat Moraes, 2001. P. 20.)
21
GROETHUYSEN. Philosophie de la révolution française. Paris, 1956. PP. 252-253. Apud
ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. Revolución Francesa y Administración Contemporánea. 4ª edição, 1ª
reimpressão. Madrid: Civitas, 2005. P. 21-22. Nota de rodapé nº. 02.
22
4. Estado de Direito
4.1 O Estado e o Direito
A expressão “Estado de Direito” sugere uma investigação a respeito da
conexão entre os seus dois termos "Estado" e "Direito", tendo em vista as suas
origens e sua concepção atual.
Na Alemanha, segundo as lições de Jacques Chevallier, o liame
existente entre o Estado e o Direito foi concebido originalmente sob uma
perspectiva liberal
22
, sendo Kant o seu precursor.
23
Consoante o entendimento
do filósofo de Königsberg, o único e verdadeiro Direito, o chamado "direito
natural", precede à experiência do Estado. A ordem jurídica seria, portanto,
fundada a priori, encontrando-se o Estado submetido aos seus ditames.
Mais tarde, é no pensamento de Hegel que a doutrina alemã concebe a
chave da relação entre Estado e Direito, afirmando que o direito não é imposto
ao Estado por uma força externa (direito natural), mas algo que ele mesmo
produz. Por outro lado, é o próprio Direito que irá estabelecer as limitações da
atuação estatal. Como conseqüência disso, o Estado deve estar sujeito a um
direito especial e, não, regulado por normas que disciplinam as relações entre
particulares.
Nesse sentido é a lição de Carré de Malberg: “somente o Estado possui
o poder de conferir às regras destinadas a reger a conduta e as relações
humanas aquela força executória que caracteriza o direito”.
24
Em França, o Estado de Direito aparece, inicialmente, imbricado ao
pensamento alemão de Hegel, mas, rapidamente, os autores franceses já

22
L’État de droit. 4ª Ed. Paris: Montchrestien, 2003. PP. 53-59.
23
Apenas uma curiosidade: dizem que as donas de casa de Königsberg, na Prússia, acertavam seus
relógios pela passagem de KANT pelas ruas da cidade, tal a sua pontualidade e regramento.
24
Contribution à la théorie général de l’État. Paris: Sirey, 1920-1922. Apud L’État de droit. 4ª Ed. Paris:
Montchrestien, 2003. P. 34.
23
promovem sua adaptação tendo em vista, principalmente, os ideais defendidos
pela Revolução Francesa.
Para Duguit, o Estado é uma entidade abstrata que se encontra acima
das pessoas físicas exercentes do poder, cabendo ao direito positivo apenas
limitar o uso dessa força. O Estado existe porque o homem necessita viver em
sociedade, ele se consubstancia num “fato social”, inerente a qualquer grupo
social.
25
Já o pensamento de Hauriou é distinto: o Direito não se encontra
alocado externamente ao Estado, fruto da existência do grupo social. O Direito
é criado em nome do Estado e esse funciona como depositário de todo o poder
(puissance publique). O poder só é legítimo porque exercitado pelo Estado,
encontrando-se, todavia, limitado pelo Direito.
26
Kelsen, assim como Adolf Merkel, entende que entre o Estado e o
Direito existe uma identidade absoluta, encarando-o de um ponto de vista
estritamente positivista.
27
É a ordem jurídica que regula as condições de produção das normas
jurídicas e confere existência ao Estado, não havendo qualquer entidade
superior, que por detrás do Direito, determine a imposição de sua criação.
Portanto, para Kelsen, o ordenamento jurídico deve ser hierarquizado, sendo
que a validade de uma norma depende de sua conformidade com as normas
superiores que lhe conferem arrimo.
28
Muitas críticas foram tecidas ao modelo kelseniano, inclusive por
Jacques Chevallier, que, no entanto, aponta uma de suas qualidades:

25
Traité de droit constitutionnel. 2ª Ed. Paris: Acienne Librairie Fontemoing & Cie, 1924. V. 5. PP. 74-
85.
26
Précis de Droit Constitucionnel. 2ª Ed. Paris: Sirey, 1929. P. 47.
27
Teoria pura do direito. 7ª. Ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. PP. 316 e
seguintes.
28
Idem. Ibidem.
24
De modo mais geral, a análise kelseniana do Estado de Direito
reclama certo número de objeções de fundo. Sem dúvida ela
tem o mérito de demonstrar que Direito e Estado não podem
ser vistos independentemente um do outro, pois eles se
pressupõem mutuamente.
29
Também Recasens-Siches promove severas críticas ao modelo da
identidade absoluta preconizado por Kelsen:
[...] em termos gerais, o Estado não coincide exatamente com o
sistema normativo do ordenamento jurídico vigente. Em
primeiro lugar, repetirei que esta equivalência entre Estado e
Direito se produz tão somente dentro do âmbito doméstico da
esfera jurídica, é dizer, não se quer expressar que a existência
do Estado se esgote na ordem de Direito vigente, não se quer
sustentar que não haja um complexo de realidades estatais,
senão que pura e simplesmente denota que, para o Direito, não
há mais Estado que aquele que está determinado em suas
normas. Em segundo lugar, note-se que esta equação entre
Estado e sistema de Direito positivo se refere exclusivamente
ao ordenamento jurídico vigente. Há que se dizer que a
equiparação jurídica entre Estado e Direito não supõe de
nenhuma maneira que, por cima da positividade, não haja
requisitos valorativos e ideais políticos, para a crítica das
normas existentes e para proceder sua reelaboração e reforma
em um sentido mais justo.
30
Como se pode observar, inúmeras são as posições jurídicas adotadas a
respeito da relação entre Estado e Direito. Todavia, o que parece correto é que,
sob o ponto de vista estritamente jurídico, a atuação estatal estará sempre
condicionada às normas jurídicas, não somente para que o poder (ou melhor,
poder-dever, na expressão cunhada por Santi Romano
31
) conferido
instrumentalmente ao Estado possa ser contido, mas, principalmente, porque
as normas jurídicas configuram os modelos de conduta escolhidos por aqueles
que titularizam o poder (povo) acerca de como deverá ser regida aquela
sociedade.
Não se pode negar que, por detrás das normas jurídicas, encontram-se
compreendidos determinados valores ou ideais políticos, todavia, o que importa
aos olhos do jurista é que o Estado esteja efetivamente regulado pelo Direito

29
L’État de droit. 4ª Ed. Paris: Montchrestien, 2003. PP. 46-52.
30
Tratado general de filosofía del derecho. 19ª Ed. Ciudad de México: Porrúa, 2008. P. 349.
31
Frammenti di un dizionario giuridico. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1953.
25
positivo, que traça os contornos de sua atuação, a sua tipologia e,
principalmente, as finalidades públicas que deverão ser atendidas por meio de
sua atuação.
4.2 O Estado de Direito e a Constituição
Estabelecidas as principais relações entre o “Estado” e o “Direito”,
entende-se que a fonte normativa que deve consolidar o modelo estatal
escolhido é a Constituição, exatamente por ocupar o ápice do ordenamento
jurídico do país, subordinando as leis e atos a seus preceitos fundadores.
Todavia, é de se mencionar de plano, a advertência feita por Canotilho:
[...] as relações entre a constituição e o Estado não são, ainda
hoje, claras. Se alguns autores acentuam a constituição como
a dimensão básica do ‘Estado Constitucional’, outros
consideram o Estado como ‘dado’, como ‘pressuposto’, como
‘estrutura apriorística’, que precede a constituição.
32
A despeito dessa dificuldade, há verdadeiro consenso acerca do papel
fundamental que a Constituição exerce no ordenamento jurídico, cabendo aqui
citar as palavras do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, que bem
consegue sumular o espinhoso tema:
Além disto, a Constituição não é um mero feixe de leis, igual a
qualquer outro corpo de normas. A Constituição, sabidamente,
é um corpo de normas qualificado pela posição altaneira,
suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a Lei das Leis. É
a Lei Máxima, à qual todas as demais se subordinam e na qual
se fundam. É a lei de mais alta hierarquia. É a lei fundante. É a
fonte de todo o Direito. É a matriz última da validade de
qualquer ato jurídico.
33
Justamente por essa importância e por assumir a função de condição de
validade das demais normas e atos jurídicos, a Constituição deverá
contemplar, em seu bojo, as características que definirão a estrutura do

32
Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª Ed., 5ª reimpressão. Coimbra: Almedina, (2003). P.
87.
33
Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 12.
26
Estado, traçando seus limites de atuação e assegurando o respeito às
garantias individuais ali prescritas.
A partir dos preceitos consagrados na Constituição será possível
identificar o modelo adotado para determinado Estado: ele somente poderá ser
havido como Estado de Direito se naquela estiverem inseridas as
características que correspondem a esse tipo estatal.
Nos países que adotam a Constituição como fundamento de sua própria
ordem jurídica, por mais complexa que seja a tarefa de caracterizar a conexão
entre a Constituição e o Estado, em verdade ela se torna imprescindível para
juridicizar o conjunto de elementos que definem o Estado como sendo Estado
de Direito e que deverão ser obrigatoriamente obedecidos não só pela
coletividade, mas principalmente pelo próprio Estado, cuja atuação somente
poderá se desenvolver nos limites por ela fixados.
No Estado de Direito brasileiro, a Constituição Federal possui tanto
sobrelevo que a maioria dos doutrinadores, como José Afonso da Silva,
destaca que em nosso regime jurídico vige o “princípio da supremacia da
constituição”, não só por encabeçar o cume da pirâmide normativa e traçar as
competências estatais, mas também porque estabelece um rígido processo de
alteração dos seus próprios preceitos e, mesmo assim, desde que não se cuide
de matéria que seja considerada cláusula pétrea (rigidez constitucional).
34
Essas características são, talvez, as mais importantes do Estado de
Direito brasileiro que, após muitos anos de ditadura militar, finalmente
encontrou condições para escrever uma Constituição democrática por uma
Assembléia Nacional Constituinte eleita especialmente para essa finalidade.
35

34
Curso de direito constitucional positivo. 31ª Ed. rev. e atual. até a EC 56/07. São Paulo: Malheiros,
2008. P. 45.
35
Vale recordar que a última Constituição brasileira que foi elaborada por representantes do povo foi a
Carta de 1946, e antes dela apenas a de 1934 e 1891.
27
4.3 O Estado de Direito no Brasil: aspectos jurídico-positivos e conceito
Numa primeira abordagem, cumpre verificar como a Constituição
Federal de 1988 consagrou os principais elementos que caracterizam o Estado
brasileiro como Estado de Direito, conforme os principais delineamentos feitos
nestes estudos: a limitação do poder estatal e a consagração da titularidade do
poder pelo povo (igualdade entre os homens e supremacia da lei).
36
No que se refere à limitação do poder, resta claro, por conta do disposto
no artigo 2º da Constituição Federal, que o País adotou a separação dos
poderes, engenhosamente concebida por Montesquieu.
Nessa linha, dividiu o poder estatal em três blocos orgânicos: o Poder
Judiciário, encarnando a função jurisdicional; o Poder Legislativo, exercendo a
função legislativa; e o Poder Executivo, explicitando a função administrativa,
ou, como admitem alguns doutrinadores, a função executiva.
37
Todavia, consoante adverte Agustín Gordillo, o mais adequado seria
falar em separação de funções estatais em vez de separação de poderes, uma
vez que o poder é um só. São essas as palavras do eminente jurista argentino:
Surge así el germen de los conceptos de Legislación,
Administración y Justicia, conceptos que todavia se mantienen
en constante elaboración. Precisando el lenguaje se habla ya
más de ‘separación de funciones’, antes que de separación de
poderes ya que el poder es uno solo, pero se mantiene el
principio de que ella tiene por finalidad coordinar el ejercicio del
poder público y evitar que pueda ser fuente de despotismo o
arbitrariedad.
38

36
Conforme entendimento anteriormente firmado, não foi inserido como característica do Estado de
Direito a existência da Constituição porque ela é um pressuposto do Estado de Direito. Todas as
características ora aventadas deverão estar abarcadas na Constituição Federal, fonte normativa superior
que irradia seus efeitos para todo o direito positivo, sem a qual não existiria o Estado de Direito. Este
último é criatura da Constituição Federal, é a fonte de sua existência: não há Estado de Direito sem
Constituição, por isso não seria correto estabelecê-la como uma característica para sua formação.
37
Registre-se que o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello entende que no Brasil, existiria ainda
uma quarta função estatal, a chamada "função política" ou "de governo", uma vez que há certos atos não
se alocam "satisfatoriamente em nenhuma das clássicas três funções do Estado". (Curso de direito
administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P. 36).
38
Tratado de derecho administrativo. 7ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey-Fondación de Derecho
Administrativo, 2003. V.1. PP. IX-1-IX-2.
28
Com relação à titularidade do poder, que tem como conseqüência a
igualdade e a supremacia da lei, o parágrafo único do artigo 1º da Constituição
Federal é altissonante, afirmando que “todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”.
Outrossim, reforçando essa noção, a Constituição Federal, no caput do
artigo 5º prescreve que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza” e no inciso II desse mesmo dispositivo estabelece que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”.
Contudo, a Constituição de 1988 traz em seu bojo outras características
que completam o perfil do Estado de Direito brasileiro, merecendo especial
destaque os direitos e garantias individuais e a segurança jurídica.
O exame do extenso rol de direitos e garantias individuais do artigo 5º da
Carta Constitucional não deixa dúvida que consistem eles num dos pilares do
Estado de Direito brasileiro, configurando cláusulas que não podem ser
suprimidas, conforme o inciso IV do § 4º do seu artigo 60.
39
Essas garantias individuais têm aptidão para se transformarem em
direitos subjetivos públicos, ou seja, direitos que os particulares detêm,
verificadas certas condições, em face do Estado
40
. Nesse particular, vale a
lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
[...] será evidentemente descabido contestar que os indivíduos
têm direito subjetivo à defesa de seus interesses consagrados
em normas expedidas para a instauração de interesses
propriamente públicos, naqueles casos em que seu

39
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.
40
Antigamente, os indivíduos encarnavam apenas direitos subjetivos em face dos particulares, jamais em
face do Estado. Essa mudança de paradigma é extremamente importante para a evolução estatal e
representa uma das principais conquistas do Estado de Direito.
29
descumprimento pelo Estado acarreta ônus ou gravames
suportados individualmente por cada qual.
41
A segurança jurídica, por sua vez, permeia todo o direito positivo
brasileiro e seu conteúdo é de extrema importância para conferir imutabilidade
às relações jurídicas.
42
Ao mencionar o princípio da segurança jurídica, consoante afirma Rafael
Valim, se está “levando em conta os dois núcleos conceituais por ele
agasalhados, quais sejam: a certeza e a estabilidade”.
43
No que se refere a certeza, é imperioso que os indivíduos de uma dada
localidade conheçam antecipadamente as normas jurídicas que disciplinarão a
sua conduta. Todavia, isso não basta: é necessário que o Direito seja estável,
para assegurar aos indivíduos o respeito aos seus direitos subjetivos e,
principalmente, a fim de que os particulares tenham a convicção de que o
Estado promoverá suas atividades em perfeita consonância com os ditames da
boa-fé.
Eis a síntese do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
Esta segurança jurídica coincide com uma das mais profundas
aspirações do Homem: a segurança em si mesma, a da
certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma
busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade
de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou
relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma
previsibilidade o futuro; é ela, pois que enseja projetar e iniciar,
conseqüentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do
acaso -, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio
e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona
a ação humana. Esta é a normalidade das coisas.
44

41
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
62.
42
Muitos autores entendem que o princípio da segurança jurídica configura um sobredireito ou um
princípio geral inerente à construção do ordenamento jurídico. Realmente, pode-se dizer que esse
princípio exerce tais funções; todavia, a acepção que se pretende examinar refere-se a sua efetiva
aplicação como princípio juridicizado, integrante do ordenamento jurídico, cuja violação padecerá o ato
de legalidade, devendo, então ser fulminado.
43
O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010.
P. 46.
44
Op. cit. P 124.
30
É possível identificar, em nosso sistema positivo, uma série de normas
jurídicas que reforçam a segurança jurídica. Mais especificamente, é possível
identificá-la como presente e inspiradora do artigo 5º, inciso XXXVI, da
Constituição Federal, que protege as relações jurídicas por meio do direito
adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Outros institutos, tais
como a prescrição, a decadência, a preclusão e a irretroatividade da lei
também configuram expressões concretas da segurança jurídica.
Essas considerações, ainda que superficiais, dados os limites dos
presentes estudos, demonstram, indubitavelmente, que afastar a aplicação da
segurança jurídica significa negar o próprio Estado de Direito e aniquilar todas
as conquistas que culminaram com a submissão do poder estatal às normas
jurídicas.
Não é outra a conclusão do Ilustre Professor Rafael Valim, que cuidou
com profundidade do tema:
Afigura-se-nos que só a partir dessa díade (certeza e
estabilidade) se alcança a verdadeira dimensão do princípio da
segurança jurídica no sistema constitucional brasileiro. Certeza
sem estabilidade e estabilidade sem certeza resultam,
igualmente, em insegurança, e por essa razão devem ser
igualmente prezadas para fins de proteção do indivíduo contra
o uso desatado do poder estatal.
45
Vistas as características que informam o Estado de Direito no Brasil,
podemos, despretensiosamente, formular o conceito que se segue:
O Estado de Direito brasileiro é um modelo jurídico-estatal que
confere ao povo a titularidade do poder, prescreve a igualdade
entre os homens e a supremacia da lei como única forma de
disciplinar a sociedade, estabelece a separação das funções
estatais de maneira a contê-las reciprocamente,
salvaguardando os direitos e garantias dos indivíduos e
proporcionando-lhes segurança jurídica para a certeza e a
estabilidade das relações em face do próprio Estado.

45
O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
48.
31
Todavia, o Estado brasileiro vai além de um mero Estado de Direito para
se caracterizar como um Estado Social de Direito, como será visto nas
próximas linhas.
32
5. Estado Social de Direito
Conquanto representasse notável avanço, o dogma do Estado de Direito
acabou ensejando a defesa da liberdade individual no campo econômico,
político, religioso e intelectual de forma exacerbada, dando lugar a um
verdadeiro culto ao individualismo.
Esse fenômeno ocorreu, dentre outros fatores, pela concepção liberal do
Estado, formulada a partir de pensadores como John Locke (1632 - 1704) e
Adam Smith (1723-1790), que passou a ser a filosofia política (com forte
ideologia econômica, diga-se de passagem) vigente naquele momento
histórico, com seus principais ingredientes: manutenção do livre mercado, com
a livre concorrência; não intervenção do Estado na economia; ausência de
distribuição de riquezas e queda dos monopólios, dentre outros.
Esse modelo liberal era calcado no absenteísmo estatal, deixando que
as forças do mercado atuassem livremente, assegurando ampla liberdade para
os indivíduos. O Estado se mantinha distante e se preocupava somente em
garantir a ordem, a paz e a segurança da coletividade. Propugnava-se, então,
pelo modelo de "Estado Mínimo", com reduzidíssimas funções e que não
interferisse na vida econômica dos cidadãos.
Essa circunstância fez com que outro tipo de poder, em substituição ao
antigo poder político absoluto, passasse a subjugar os indivíduos: o poder
econômico. Agora, aqueles que detinham o poder econômico, em substituição
ao antigo rei absolutista detentor exclusivo do poder político, passaram a
explorar os homens, causando enormes desigualdades sociais e,
conseqüentemente, inúmeros distúrbios no seio da coletividade.
Era imprescindível, então, uma reação, isto é, que de alguma forma,
esse poder econômico fosse contido e que as imensas desigualdades sociais
por ele provocadas fossem diminuídas: surge, então, o Estado Social de
Direito, também chamado de Estado de Bem-Estar (Welfare State) ou Estado-
Providência consagrando os direitos sociais.
33
Nas judiciosas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Até um certo ponto da História havia nítida e correta impressão
de que os homens eram esmagados pelos detentores do Poder
político. A partir de um certo instante começou-se a perceber
que eram vergados, sacrificados ou espoliados não apenas
pelos detentores do Poder político, mas também pelos que o
manejavam: os detentores do Poder econômico. Incorporou-se,
então, ao idéario do Estado de Direito o ideário social, surgindo
o Estado Social de Direito, também conhecido como Estado de
Bem-Estar (Welfare State) e Estado-Providência. O
arrolamento de direitos sociais aparece pela primeira vez na
histórica constitucional na Constituição Mexicana de 1917,
vindo depois a encontrar-se estampado também na
Constituição de Weimar, de 1919. O Estado Social de Direito
representou, até a presente fase histórica, o modelo mais
avançado de progresso, a exibir a própria evolução espiritual
da espécie humana.
46
Por influência desse novo modelo, o Estado, que já havia incorporado os
fundamentos do Estado de Direito, passa a ter novas preocupações,
consubstanciadas no dever de promover prestações positivas aos indivíduos,
de forma a transformá-las em direitos oponíveis ao Estado.
A concretização dessas ações estatais positivas se dariam por meio de
importantes e profundas intervenções no campo econômico e também no
campo social, nesse último caso, com o aperfeiçoamento dos serviços públicos
já prestados, a instituição de novos serviços públicos específicos para
efetivação dos direitos sociais e a adoção de novas formas de intervenção
estatal na ordem social.
Não há dúvida que a necessidade de conter as desigualdades sociais
provocadas pelo fator econômico acabou levando o Estado a agir em novos
setores da vida, promovendo de forma mais efetiva os direitos sociais e seu
atendimento pelos serviços públicos. Neste passo, o Estado passa de um mero
espectador da vida social para um diligente ator.

46
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
50.
34
A respeito do tema, eis a percuciente análise procedida por Norberto
Bobbio:
É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos
sociais suscita, além do problema da proliferação dos direitos
do homem, problemas bem mais difíceis de resolver no que
concerne àquela ‘prática’ de que falei no início: é que a
proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do
Estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de
liberdade, produzindo aquela organização dos serviços
públicos de onde nasceu até mesmo uma nova forma de
Estado, o Estado social.
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder
do Estado [...], os direitos sociais exigem, para sua realização
prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente
verbal a sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é,
a ampliação dos poderes do Estado.
47
Pela ótica do Estado Social de Direito, os direitos sociais são concebidos
como parte integrante dos direitos fundamentais. Mesmo para aqueles que não
comungam dessa opinião, a diferença entre ambos torna-se tênue, como
demonstra Jorge Reis Novais:
De outro lado, mesmo não adoptando essa concepção radical,
a diferença entre os dois tipos de direitos também se esbate
quando, já numa concepção de direitos fundamentais própria
do Estado Social de Direito, se consideram as circunstâncias
fáticas, as condições materiais que contextualizam o exercício
dos direitos de liberdade, enquanto pressupostos
indispensáveis ao seu exercício e, logo, também enquanto
dimensão que invade o próprio conteúdo jurídico normativo
principal dos direitos de liberdade.
48
Nesse sentido, Carolina Zancaner Zockun:
Os direitos sociais são, pois, direitos fundamentais de segunda
geração e demandam uma interferência estatal para sua
concretização. Assim, o Estado sai de uma posição inercial e
passa a atuar positivamente visando a fornecer aos cidadãos
condições dignas de existência, para que, reduzindo-se as
desigualdades sociais, seja construída uma sociedade justa e
solidária.
49

47
Direitos do homem e sociedade. In: A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2004. PP. 66-
67.
48
Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra
Editora, 2010. P. 110.
49
Da intervenção do estado no domínio social. São Paulo: Malheiros-IDAP, 2009. P. 38.
35
Evidentemente, todos os serviços públicos que se prestam a tornar
efetivos os direitos sociais, ganham, então, importância transcendente. Com
efeito, na medida em que os direitos sociais são alçados à condição de direitos
fundamentais, cria-se paralelamente, para o Estado, o dever de concretizá-los,
por meio da prestação dos serviços públicos de educação, de saúde, de
previdência, de lazer, dentre outros.
Os demais serviços públicos preexistentes e que vieram a ser
consolidados nas legislações precedentes, a despeito de não guardarem
relação direta com a concretização dos direitos sociais, acabam recebendo, no
Estado Social de Direito, exponencial influência, justamente por
salvaguardarem um interesse coletivo e propiciarem aos cidadãos alguma
comodidade a ser utilmente usufruída.
36
6. Do princípio da solidariedade ou solidarismo
A reação ao Estado liberal, não intervencionista, ensejador de grandes
concentrações econômicas e de desigualdades gritantes, que culminou com a
instituição do Estado Social de Direito, veio se insinuando a partir dos ideais
solidaristas, que possibilitaram a construção do denominado princípio da
solidariedade ou, simplesmente, solidarismo.
6.1 Breve intróito acerca dos princípios jurídicos
Necessária, neste passo, breve incursão na teoria dos princípios
jurídicos.
A noção dos princípios jurídicos evoluiu sobremaneira nos últimos anos,
de modo que ela ultrapassou aquela sua função meramente residual de
preenchimento de lacunas da ordem jurídica para atingir o reconhecimento de
sua normatividade.
A normatividade dos princípios jurídicos os eleva à categoria de normas
jurídicas, tal como as regras jurídicas, conferindo-lhes especial sobrelevo no
direito positivo.
Reconheceu-se, ainda, que os princípios jurídicos encerram em si
mesmos um elevado vetor axiológico, que as regras jurídicas não possuem,
dado que seu núcleo de valores acaba se irradiando por todo ordenamento
jurídico, de forma a impor suas diretivas.
50
Justamente por possuírem essa força expansiva é que suas emanações
são propagadas para todo o sistema positivo, diferentemente das regras, que

50
Paulo de Barros Carvalhos encarece que: “toda vez que houver acordo, ou que um número expressivo
de pessoas reconhecerem que a norma ‘N’ conduz um vector axiológico forte, cumprindo papel de relevo
para a compreensão de segmentos importantes do sistema de proposições prescritivas, estaremos diante
de um ‘princípio’. Quer isto significar, por outros torneios, que ‘princípio’ é uma regra portadora de
núcleos significativos de grande magnitude influenciando visivelmente a orientação de cadeias
normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para outras
regras do ordenamento”. (Direito tributário: linguagem e método. 2ª Ed. rev. São Paulo: Noeses, 2008. P.
261)
37
disciplinam situações específicas, com espectro mais limitado e mais restrito e
que recebem, dos princípios, normalmente, a própria inspiração.
Não foi por outro motivo que o Professor Celso Antônio Bandeira de
Mello, em clássica lição, sublinha a importância dos princípios ao ministrar que
constitui o:
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo-lhes o espírito e servindo de requisito para
sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe
confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento
dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico
positivo.”
51
Por essas razões básicas, a violação a um princípio significa, em
realidade, infringência à significativa área da própria ordem jurídica; os efeitos
deletérios dessa transgressão são mais prejudiciais que os de uma regra
jurídica, pois se estará, no fundo, contrariando não apenas um, mas uma série
de preceitos, que naquele princípio se fundam.
52
Outro aspecto que deve ser analisado se refere à questão de se saber
se há ou não hierarquia entre um princípio jurídico e uma regra jurídica e, em
caso positivo, como deve ser resolvida a contradição para a aplicação do
direito ao caso concreto.
Justamente pelo acentuado caráter valorativo que possuem os
princípios, do qual decorre sua propagação em todo o ordenamento jurídico
(força expansiva), eles devem prevalecer em face das meras regras. Nesse

51
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010.
P. 958.
52
Consoante a notória lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello: “Violar um princípio é muito
mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais, contumélia irremissível a
seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” (Op. cit. P. 959).
38
sentido, parece, realmente, intuitivo concluir que os princípios configuram
norma jurídica de hierarquia superior à das regras.
Outra solução se impõe, porém, quando os princípios se contrapõem
mutuamente.
Nesse caso, Ronald Dworkin explica que a colisão entre princípios se
resolve por meio da sucumbência de um em favor do outro, sem que isso
importe a invalidação do princípio cedente.
53
Ainda segundo esse autor, tal ocorre porque os princípios “possuem
uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância
54
,
devendo prevalecer, diante de um caso concreto de colisão, o princípio de
maior peso (ou seja, com maior carga valorativa), sem que isso invalide o
princípio descartado.
Também não se podem olvidar as importantes funções que os princípios
desempenham no ordenamento jurídico, quais sejam, a função integrativa,
interpretativa, limitativa e sistematizadora.
55

53
Levando os direitos a sério. 2ª Ed. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 42. O
mesmo autor escreve que em caso de conflito entre regras este será sempre resolvido pela invalidação de
uma delas.
54
Op. cit. P. 42.
55
Para que não fique sem nota, vale uma rápida manifestação acerca das funções que os princípios
exercem. Em relação à função limitativa, preleciona Riccardo Guastini que “a formulação de um
princípio por parte de uma autoridade normativa cumpre em geral a função de circunscrever, sob o
perfil substancial ou material, a competência normativa de uma fonte subordinada, no sentido de que a
fonte subordinada, conforme o caso, não pode conter normas incompatíveis com aquele princípio; ou
deve limitar-se a desenvolver as implicações daquele princípio, sob pena de ambos os casos, de
invalidade por vício substancial ou material”. Pela função interpretativa deve-se entender que os
princípios configuram verdadeiros indicadores de como se deverá interpretar aquela determinado texto
normativo. Já pela função integrativa, os princípios recebem a incumbência de preencher as lacunas
normativas, tal como preconiza o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Por fim, justamente por
exercerem uma função sistematizadora, os princípios devem irradiar seu conteúdo sobre as demais
normas, de forma a promover um sistema único e coerente. (Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. P. 199 e seguintes)
39
6.2 O fundamento ideológico da solidariedade ou solidarismo, sua
juridicidade e conteúdo
A substituição do poder despótico pelo poder econômico, ocorrida em
razão do exacerbado individualismo apregoado pelo liberalismo estatal,
provocou enormes desigualdades sociais, que se agravaram substancial e
progressivamente, levando inúmeros pensadores a iniciar uma investida contra
tais ideais, de forma a estabelecer uma doutrina que conferisse ao indivíduo
melhores condições de vida na sociedade.
Era necessário encontrar alternativas ao modelo liberal para que se
tornasse juridicamente possível conter a exploração ilimitada do cidadão e
promover novas formas de se pensar a sociedade, o Estado e até mesmo o
Direito.
Consoante nos elucida José Fernandes de Castro Farias, naquele
momento histórico:
[...] o liberalismo econômico passava a agir contra ele mesmo a
partir do momento em que servia à concentração dos grandes
monopólios, negando os próprios mecanismos de livre
concorrência. A concentração dos bens nas mãos de uma
classe privilegiada contradizia a retórica do interesse geral, do
progresso e da felicidade. O liberalismo não pode mais salvar
as aparências e a ideologia liberal era desmascarada como
ilusão.
56
Esse cenário deu ensejo ao surgimento da denominada “doutrina
solidarista”, a qual não aparece de forma instantânea, como um produto pronto
e acabado. Os primeiros pensadores dessa ideologia, Charles Renouvier,
Charles Scrétan, Alfred Fouillé, Marion e Charles Gide, apesar de lançarem
algumas luzes preliminares sobre o tema, iniciando o processo de alumiação
das trevas do individualismo, não conseguiram estabelecer uma sistematização
logicamente precisa.
57

56
A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. P. 196.
57
Registre-se que a ideia de solidariedade é antiga. Tanto os filósofos gregos, como mais tarde os
romanos já se preocupavam com tais noções, diante da sempre existente tensão entre indivíduo e
sociedade. Todavia, foi justamente pelo trabalho dos autores ora destacados que se iniciou o pensamento
40
Aprofundando-se ainda mais na temática, merece menção o excepcional
trabalho do sociólogo Émile Durkheim
58
, que em sua obra “De la Division du
Travail Social”, estabeleceu as bases da chamada “consciência coletiva”,
buscando construir um sistema social onde o indivíduo pudesse se aprimorar
ao mesmo tempo em que as relações sociais pudessem ser desenvolvidas, de
forma a conciliar, gradual e ponderadamente, a relação existente entre o
indivíduo e a sociedade.
A efetiva sistematização da doutrina solidarista, porém, foi formulada por
Léon Bourgeois, em 1898, em sua obra intitulada La Solidarité. Segundo esse
excepcional doutrinador, a sociedade
[...] não é um ser isolado, tendo fora dos indivíduos que a
compõem uma existência real e podendo ser o sujeito de
direitos particulares e superiores ao direito dos homens. Não é,
então, entre o homem e o Estado ou a sociedade que se põe o
problema do direito e do dever; é entre os homens eles
mesmos, mas entre os homens concebidos como associados a
uma obra comum e obrigados uns com os outros pelos
elementos de um objetivo comum.
59
Consoante o pensamento do ilustre autor francês, pelo fato do homem
ser um herdeiro natural das conquistas da civilização, pesa sobre ele uma
dívida social”. Todavia, essa dívida não é igual para todos os homens, pois
nem todos retiram da sociedade humana vantagens idênticas, devendo,
portanto serem disponibilizados elementos para que essas desigualdades
possam ser niveladas.
Ainda segundo o ilustre pensador, o solidarismo é essencialmente
fundado no princípio da obrigação moral: “o homem vivendo em sociedade, e
não podendo viver sem ela, a todo instante é um devedor em relação à ela. Ali
está a base de seus deveres, a carga de sua liberdade”. Com efeito, “o homem
nasce devedor da associação humana”, ele não pode se considerar como

moderno acerca da temática, com as características específicas que se encontram vigentes até os dias
hodiernos.
58
De la division du travail social. Paris: Quadris-Presses Universitaires de France, 1986. P. 46.
59
La Solidarité. 7ª Ed. Paris: Armand Colin, 1911. P. 90.
41
gozando de sua legítima liberdade senão o quanto lhe é permitido pela
igualdade e a justiça em face dos outros membros, por um efeito solidário.
60
Na doutrina solidarista, o individualismo e a liberdade individual não são
proscritos, mas são sujeitos ao pagamento de uma dívida em favor da
igualdade, isto é, para o livre desenvolvimento da personalidade de todos os
membros da coletividade.
Conforme anota Jacques Chevallier, a partir de então o Estado se
apresenta menos sob a forma de manifestação de autoridade e mais como
propiciador de utilidades públicas, porque seu objetivo é o de satisfazer, o
melhor possível, as necessidades do público: esse é o novo paradigma para o
qual o Estado deve atentar – promover a justiça social para equilibrar as
condições sociais, rasgando-se esse processo de exacerbação do
individualismo.
61
Essa profusão de idéias, aliada a um movimento social de grandes
dimensões, ensejou a necessidade de adaptação dos instrumentos jurídicos
vigentes para que se pudesse conferir efetividade e aplicação prática a tais
noções: o solidarismo ideológico precisaria se tornar solidarismo jurídico para
que pudesse ultrapassar o plano meramente intelectual.
Surge, então, de forma paulatina, a imprescindível juridicização dessa
ideologia, transformando o Estado de Direito vigente e fazendo nascer o
Estado Social de Direito.

60
Consoante Olivier Amiel “A proposição jurídica de Léon Bourgeois reside na idéia de um quase
contrato. Esse termo provém do direito privado e define as ligações que se formam sem convenção. Léon
Bourgeois relativiza o consentimento dos indivíduos que encontramos no Contrato Social de Jean-Jacques
Rousseau, porque quem pode crer que os homens informados pudessem consentir num acordo injusto,
fundado sobre as desigualdades? Ele reconhece a utilidade da associação humana, mas considera que é
insuficiente para justificar o pacto social: ‘é por uma razão moral e mais rigorosamente ainda por uma
razão de direito, que é necessário que seja assim’. Associados, os homens serão mais fortes e protegidos
individualmente, e isso é um fato”. (Le Solidarism, une doctrine juridique et politique française de Leon
Bourgeois à la Ve République. P. 7. Disponível em:
http://www.cairn.info/resume.php?ID_ARTICLE=PARL_011_0149
. Acesso em: 15/07/2010)
61
Le service public. 7ª Ed. Paris: Puf, 2008. P. 10.
42
Nas palavras de Jacques Chevallier:
[...] esse Estado intervencionista e garantidor da solidariedade
social marca o Estado Liberal clássico profundamente:
abandonando sua posição de exterioridade e de superioridade,
o Estado não hesita mais em se lançar na arena e a intervir
ativamente no jogo social; sua intervenção é percebida tanto
como um fator de desenvolvimento quanto um meio de
preservar a paz civil
.
62
Em pouco tempo, as Constituições foram, de algum modo, adaptadas
para recepcionar os direitos sociais, iluminando um novo caminho para o
cidadão e fazendo nascer o verdadeiro Estado Social de Direito.
63
Nesse sentido, recebe especialíssimo sobrelevo o princípio jurídico da
solidariedade ou solidarismo, que representa justamente a tradução, para o
mundo do Direito, de todos aqueles ideais preconizados pelos solidaristas
(conter o poder econômico e promover, com ações positivas, a justiça social,
de forma a equilibrar as distorções existentes e melhorar as condições de vida
da população), de forma a conferir-lhes efetiva concreção jurídica.
E justamente por se tratar de um princípio jurídico, ele irá clarificar
extensa porção do ordenamento jurídico, com vistas a impedir que outros
princípios ou regras jurídicas que não estejam em consonância com suas
diretivas sejam aplicados ao caso concreto.

62
Le service public. 7ª Ed. Paris: Puf, 2008. P. 10.
63
Essa transformação passa a integrar o Direito positivo de inúmeros países. A Constituição do México
de 1917, elaborada em Querétaro, absorveu uma série de direitos sociais, especialmente aqueles de
proteção ao trabalhador. Registre-se que ela não foi produto do mero acaso, a Assembléia Constituinte
estava bem consciente da importância de sua obra, tanto que um dos seus membros assim se pronunciou:
“assim como a França, depois de sua revolução, teve a alta honra de consagrar na primeira de suas cartas
magnas os imortais direitos do homem, assim a Revolução Mexicana terá o orgulho legítimo de mostrar
ao mundo que é a primeira em consignar em uma Constituição os sagrados direitos dos trabalhadores”. A
Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919 concebe uma série de direitos sociais (educação, moradia
dentre outros) que antes não se encontravam salvaguardados pelas constituições de caráter liberal. Pode-
se citar também a Constituição soviética de 1918, que incorporava uma série de direitos veiculados na
“Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado” e a Constituição italiana de 1947, que abarca
uma ampla relação de direitos sociais, especialmente no que se refere aos direitos do trabalhador.
43
Ora, como não poderia deixar de ser, essas transformações acabaram
afetando o serviço público existente e determinando a instituição de outros,
precisamente para dar vida e concretude aos direitos sociais.
Com os serviços públicos de natureza social, o Estado deixa de ser
mero expectador: passa a intervir diretamente na vida da coletividade,
adequando-se para promover ações no sentido de garantir os direitos sociais e
também de reduzir as desigualdades sociais.
6.3 Dos aspectos jurídico-positivos do princípio do solidarismo em face
da Constituição Federal de 1988
O exame, ainda que breve da Constituição Federal brasileira, revela que
o princípio do solidarismo, juntamente com outras normas de proteção à justiça
social, foi por ela consagrado.
Nesse sentido, vale atentar para o disposto no inciso I do artigo 3º da
Constituição Federal que nos revela ser objetivo fundamental da República
Federativa do Brasil, dentre outros, a construção de uma sociedade solidária
64
:
Ora, se o texto constitucional impõe como fundamento do Estado
Brasileiro e, pois, como seu objetivo precípuo, a formação de uma sociedade
solidária (e não individualista, como poderia estar descrito) é porque,
efetivamente, almejou que se conferisse concreção ao princípio do solidarismo.
De conseqüência, o texto constitucional consagrou no seu art. 6º os
denominados “direitos sociais” (“a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”) sendo que, como
frisa Carolina Zancaner Zockun:

64
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
44
Os instrumentos indispensáveis para a realização dos direitos
sociais, como visto, são os serviços públicos, que podem
conjugar os elementos necessários para dar consistência à
prescrição constitucional garantidora desses direitos.
65
No momento em que se pretende conceber uma sociedade solidária, na
verdade se propõe que o próprio Estado promova uma série de ões
solidárias, mediante comportamentos positivos, que de alguma maneira
atendam aos referidos direitos sociais.
Além dos precitados dispositivos constitucionais, que consolidam, de
forma expressa, o princípio do solidarismo, vale registrar que a Constituição
Federal revela alguns mandamentos que ratificam as diretivas preconizadas
por esse princípio.
É o caso, por exemplo, do disposto no inciso IV do artigo 3º, que
estabelece como objetivo do Estado a promoção do bem de todos, sem
distinção, ou mesmo do inciso III do artigo 1º, que estabelece como
fundamento da República a “dignidade da pessoa humana”.
O presente quadro normativo demonstra, portanto, a incontestável
inclusão do princípio do solidarismo no sistema jurídico vigente, de forma a
enfatizar a sua conexão em relação exclusivamente aos serviços públicos de
caráter social, de forma a satisfazer adequadamente as necessidades da
coletividade e alcançar a redução de desigualdades sociais, a dignidade da
pessoa humana e principalmente a promoção do bem de todos os particulares.

65
Da intervenção do estado no domínio social. São Paulo: Malheiros-IDAP, 2009. P. 184.
45
PARTE 2. O SERVIÇO PÚBLICO E SEU REGIME JURÍDICO
1. Considerações iniciais
Para que se possa tracejar, com as linhas mais precisas possíveis os
principais aspectos do regime jurídico dos serviços públicos no direito
brasileiro, faz-se necessária, mesmo que brevemente, uma pequena incursão
acerca da origem do instituto, bem como de alguns elementos de sua evolução,
de forma a se compreender sua adequação ao sistema pátrio.
Para cumprir esse desiderato, o direito francês será o ponto de partida,
uma vez que a concepção moderna do instituto teve aquela nação como sua
terra natal, sendo necessário voltar os olhos ao pensamento de alguns juristas,
principalmente daqueles que formaram a chamada Escola do Serviço Público,
e também às decisões do Conselho de Estado, que conferiram os primeiros
contornos ao instituto.
66
Em seguida, para que não fiquem sem notícia, serão suscitados os
pensamentos de alguns doutrinadores mais modernos acerca do instituto, para
efeito de verificar suas características hodiernas e para que se possa
compreender, no bojo da Comunidade Européia, as necessárias
transformações perpassadas.
Na evolução dessas idéias, adentraremos o direito pátrio, para
verificarmos as características do instituto abarcadas pela legislação nacional,
bem como dos principais aspectos que congregam o regime jurídico dos
serviços públicos no atual direito brasileiro.

66
Para ressaltar a importância da França na construção do instituto do serviço público Jacques Chevallier
sublinha que “a noção francesa de serviço público comporta implicações bastante específicas. O serviço
público foi erigido em França à altura de um verdadeiro mito, o que significa dizer uma dessas imagens
fundadoras, polarizando as crenças e condensando o efeito sobre os quais se apóia a identidade coletiva”.
(Le service public. 7ª Ed. Paris: Puf, 2008. P. 05).
46
2. Serviço público à la française
2.1 A Escola do Serviço Público
Não houve país que tenha conferido à noção de serviço público maior
importância do que a França. O instituto, em dado tempo histórico, foi erigido
como a regra matriz, a noção-chave de todo o Direito Administrativo,
chegando-se a afirmar que o “serviço público é o fundamento e o limite do
poder governamental”
67
.
Toda essa importância conferida ao instituto teve, como grande
propulsor e idealizador, o ilustre Professor Léon Duguit. Esse percuciente
jurista francês, entusiasta absoluto dos valores sociais, nasceu em 04 de
fevereiro de 1859, em Libourne. No início de sua carreira foi lotado na
Faculdade de Direito de Caen e posteriormente, em 01 de novembro de 1886,
seguiu para a cidade de Bordeaux, onde, além de ministrar aulas de Direito
Constitucional, tornou-se o Ilustre Diretor da Faculdade de Direito de Bordeaux
(de 1919 a 1928).
Foi justamente na Faculdade de Direito de Bordeaux que Duguit fez
história e inaugurou, em conjunto com outros eminentes juristas, tais como
Gaston Jèze e Roger Bonnard, a chamada Escola do Serviço Público ou
Escola de Bordeaux.
Muito mais do que alocar o serviço público como idéia chave do Direito
Administrativo, concebeu-se por conta daquela Escola uma nova teoria do
Estado, que rechaçava o entendimento vigente e estabelecia novos elementos
informadores. Vejamos rapidamente o pensamento de Duguit e Jéze acerca do
Estado e da noção de serviço público.

67
DUGUIT, Léon. Traité de droit constitutionnel. 2ª Ed. Paris: Acienne Librairie Fontemoing & Cie,
1923. V. 2. P. 56.
47
2.1.1 O pensamento de León Duguit
Os relatos deixados na Faculdade de Direito de Bordeaux apontam que
Duguit era um professor militante, com elevada desenvoltura argumentativa,
norteando suas ações sempre com uma ativa participação social.
A convivência franca e contínua com os sociólogos Augusto Comte e
Émile Durkheim, indubitavelmente, influenciou o seu pensamento,
principalmente no tocante à necessidade de substituição do individualismo
exacerbado para uma participação solidária, de forma a promover a redução
das desigualdades sociais.
Essa influência se mostrou tão vigorosa que, em muitas construções
doutrinárias do ilustre mestre de Bordeaux, a sociologia aparece de maneira
muito forte, que chega mesmo a dominar a sua intelecção jurídica. Tal
circunstância, inclusive, foi objeto de inúmeras críticas daqueles que não se
coadunavam com seu pensamento.
2.1.1.1 A concepção teórica do Estado e do serviço público na visão de Duguit
A concepção de Duguit acerca do Estado e sua interdependência com o
Direito é inovadora em relação ao pensamento então vigente, que possuía
arrimo nas lições de Jellinek
68
e Jhering
69
, a chamada Escola de Direito Público
Alemã.
Esses autores preconizavam que o Estado seria o criador do Direito e
que a autoridade pública somente poderia ser exercida a partir das normas

68
O ilustre Jellinek nasceu em Leipzig, Áustria, em 1851 e faleceu em Heidelberg no ano de 1911.
Estudou na Universidade de Viena e na Universidade de Heidelberg. Dentre suas obras mais renomadas,
encontra-se a “Teoria General Del Estado” (Allgemeine Staatslehre), de 1905, leitura de caráter
relevantíssimo para aqueles que se dedicam ao Estudo do Direito Público.
69
O alemão Rudolf Von Jhering nasceu em 1818 na cidade de Aurich, Hanôver, doutorou-se em direito
pela Universidade de Berlim e foi professor universitário em Berlim, Basiléia, Kiel e Giessen, sendo as
suas principais obras “A Finalidade do Direito” (“Der Zweech im Recht”), “A Luta pelo Direito (“Der
Kampf ums Recht”) e “Geist des römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung”
(1852-1865), dentre outras.
48
jurídicas por ele expedidas, havendo um direito subjetivo dos particulares que
poderia ser contrastado em face de suas emanações.
Nesse sentido, a doutrina alemã concebia o Estado como um sujeito
jurídico autônomo, distinto dos governantes e da nação. Vale ilustrar essa
concepção com uma citação de Jellineck acerca da temática:
[...] si se atribuye al Estado como a la corporación jurídica el
carácter de personalidad, no se hace uso de uma hipóstasis o
ficción, pues personalidad no es otra cosa que sujeto de
derecho, y significa, como hemos dicho, relación de uma
individualidad particular o colectiva con el orden jurídico. Gran
parte de los errores de la doctrina de la persona jurídica
descansan em la idenficiación ingenua de la persona com el
hombre, no obstante bastar a todo jurista uma ojeada rápida a
la historia de la servidumbre para darse cuenta fácilmente de
que ambos conceptos no coinciden.
70
Não se reconhecia autoridade superior ao Estado e, dessa forma, o
poder estatal se encontrava imbricado às normas jurídicas por ele positivadas,
inexistindo qualquer força interna que pudesse superar a sua vontade. Nesse
sentido, o Estado era concebido como a única fonte do direito.
A concepção estatal de Léon Duguit retratou um fenômeno
absolutamente diferente, alocando o Direito não como produto do Estado, mas
como uma realidade concebida internamente na sociedade, apresentando-se
como um verdadeiro dado objetivo, inerente à vontade dos governantes e que
se impõe ao Estado tal como obriga os indivíduos.
71
Segundo o iluminado jurista de Bordeaux:
[...] je suis convaincu que le droit n’est pas une création de
l’État, qu’il existe em dehors de l’État, que la notion de droit est

70
Teoría general del estado. Trad. e prólogo de Fernando de los Ríos. México: FCE, 2000. P. 196.
71
Consoante magistral ponderação do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do pensamento
de Duguit, “os governantes, isto é, os detentores do monopólio da força, de acordo com sua concepção,
estão submetidos a ‘regra de direito’, não por motivo de alguma qualidade transcendente que possua,
nem por autolimitação, mas porque ela se impõe irrefragavelmente como o resultado concreto e
inafastável produzido pelo equilíbrio social. É uma derivada das condições sociais. Neste sentido, sua
violação implicaria na derrocada dos governantes” (Natureza e regime jurídico das autarquias. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. P. 142).
49
tout à fait indépendante de la notion d’État et que la règle de
droit s’impose à l’État comme elle s’impose aux individus.
72
O Direito é formulado a partir das inúmeras relações sociais travadas no
seio da coletividade, de forma objetiva, e acaba se impondo, naturalmente,
como regra formal à sociedade, não havendo que se obter a aquiescência dos
governantes, que já se encontram envolvidos por sua flagrante realidade.
73
A origem do Direito, portanto, repousaria na vida social, apresentando-se
como norma jurídica que se impõe de forma indistinta ao Estado, aos
governantes e aos particulares.
É justamente desse pensamento que advém toda a percuciente obra
deixada por Duguit, demonstrando de maneira cabal e consciente, a sua efetiva
preocupação com o solidarismo. Ora, ao se erigir como regra jurídica aquelas
emanações vindas diretamente do meio social cria-se um liame imediato entre
as necessidades sociais e as regras que irão disciplinar uma dada sociedade.
Não há meio mais direto de se estabelecer a relação entre as prioridades
sociais e a imediata transformação dessas em regra jurídica, a ser imposta
tanto aos governantes como ao próprio meio social que as criou.
É justamente nesse contexto que se identifica a forte influência que os
renomados sociólogos que conviveram ao lado de Duguit exerceram sobre seu
pensamento, transformando, de imediato, aquelas carências sociais em regras
jurídicas, como situações objetivas coletadas diretamente no meio social.
Nesse sentido, vale a transcrição do ilustre Mestre de Bordeaux:
Les hommes sont unit em société et restant units,
particulièrment aujourd’hui, ils son unis ete restent unis en
société nationale, parce quíls ont des besoins communs et

72
Traité de droit constitutionnel. 2ª Ed. Paris: Acienne Librairie Fontemoing & Cie, 1921. V. I. P. 33.
73
Consoante observa Jean-Paul Valette: “Duguit s’oppose aux théoriciens allemands du XIX
e
siècle que
défendant une conception subjective de la puissance étatique. Por eux, l’État ne se confond pas avec la
nation. Il est une persone juridique titulaire unique de la souveraineté et de la puissance publique,
distincte du Prince, des individus ou de la nation. Au couros de l’histoire, il a récupéré graduellement la
puissance du Prince et détient désormais un pouvoir de domination. (Droit des services publics. Paris:
Ellipses, 2006. P. 41).
50
parce quíls ont aussi des besoins différents en méme temps
que des aptitudes différentes. Les homes ont des besoins
communs qui ne peuvent recevoir leur satisfaction que par la
vie en commun. Les homes se prêtent un mutuel secours por la
realizations de leurs biens communs par la mise en commun de
leurs aptitudes semblables. (…)
D’autre part, les homes ont des aptitudes différentes et des
besoins divers. Ils assurent la satisfaction de ces besoins par
um échange de services, chacun apportant sés aptitudes
propres pour donner satisfaction aux besoins dês autres, em
retour de quoi Il reçoit d’eux un apport de services. Il se produit
ainsi dans les sociétés humaines une vaste division du travail,
qui constitue par excellence la cohésion sociale.
74
Assim, o autor acaba substituindo a idéia de soberania estatal (única
fonte normativa até então concebida capaz de impor comportamentos ao
próprio Estado e aos cidadãos) pela noção de serviço público, por configurar o
meio mais adequado de satisfazer as necessidades sociais e, com isso,
promover-se a redução das desigualdades existente em seu seio.
Tal concepção altera o eixo metodológico de todo o direito público e
representa uma guinada radical no âmbito da Teoria do Estado e
especificamente no direito administrativo.
Ressalte-se, nesse particular, a efetiva influência que o pensamento de
Duguit insculpiu na maioria das constituições modernas que, como no Brasil,
inserem o serviço público dentro do contexto do Estado Social de Direito, como
meio efetivo e importantíssimo de atuação estatal.
Por meio do pensamento de Duguit o serviço público, então, é erigido
como a atividade central da atuação estatal, e com isso, o direito administrativo
passa a ser o direito dos serviços públicos.
Após toda essa digressão, sem a qual não seria possível compreender
com nitidez o pensamento de Duguit, vale apresentar o conceito de serviço
público formulado por ele:

74
Traité de droit constitutionnel. 2ª Ed. Paris: Acienne Librairie Fontemoing & Cie, 1921. V. 1. PP. 22-
23.
51
C’est toute activité don l’accomplissemente doit être assuré,
réglé et contrôlé par les gouvernantes, parce que
l’acomplissement de cette activité est indispensable à la
réalisation et au développement de l’interdépendance sociale, e
qu’elle est de telle nature qu’elle ne peu être réalisée
complètement que par l’intervention de la force gouvernante.
75
E arremata:
En même temps, les pouvoirs des gouvernants sont limités à
cette activité de service public, e tout acte des gouvernants est
sans valeur quand il poursuit un but autre qu’un but de service
public. Le service public est le fondement e la limite du pouvoir
gouvernemental. Et par là ma théorie de l’État se trouve
achevée.
76
Verifica-se, então, que o serviço público, para o fundador da Escola do
Serviço Público, configuraria o fundamento e o limite de atuação estatal, não
havendo a possibilidade do Estado se imiscuir em assuntos que não o tivessem
como referência, encontrando-se todo o direito administrativo adstrito a sua
formulação, oferecendo a cada partícipe da sociedade aquilo que necessita.
2.1.2 O pensamento de Gaston Jèze
Gaston Jèze, que foi reitor da Faculdade de Direito de Bordeaux,
entendia, tal como Duguit, que o serviço público compreendia a noção
fundamental do direito administrativo. Todavia, seu pensamento se diferenciava
em relação ao daquele autor por enveredar por uma concepção mais jurídica
do que sociológica do instituto. Tanto é assim que, em sua magnífica obra “Les
Principes Généraux du Droit Administratif”, afirma, categoricamente, que
“estudo aqui a questão somente do ponto de vista jurídico”.
77

75
Traité de droit constitutionnel. 2ª Ed. Paris: Acienne Librairie Fontemoing & Cie, 1923. V. 2. P. 55. Em
tradução realizada pelo Ilustre Professor Celso Antônio Bandeira de Mello: serviço público “é toda
atividade cujo cumprimento é assegurado, regulado e controlado pelos governantes por ser indispensável
à realização da interdependência social e de tal natureza que não pode ser assumido senão pela
intervenção da força governante” (Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968. P. 141.)
76
Op. cit. P. 56.
77
Principios generales del derecho administrativo. Trad. da 3ª Edição Francesa por Julio N. San Millán
Almagro. Buenos Aires: Editorial De Palma, (1948). V. 1. P. 18.
52
Realmente, admitindo como premissa de seu pensamento que a
administração tem como “principal missão a de fazer funcionar os serviços
públicos”, era necessário que para atendimento dessa finalidade, utilizasse-se
outro tipo de regras jurídicas conformadas num regime especial. Nesse
particular, observa que “é preciso assegurar que o interesse geral prevalecerá
sobre os interesses particulares: o governo e a administração representam o
interesse geral”.
78
Estabeleceu-se, assim, um liame entre o serviço público e as regras de
direito público, especialmente concebidas para favorecer o interesse geral em
relação ao interesse particular e possibilitar, destarte, a consecução e
desenvolvimento das atividades estatais de oferecimento de serviços públicos.
Nesse contexto, arquitetou a sua noção de serviço público:
Dizer que em determinada hipótese existe serviço público,
equivale a afirmar que os agentes públicos, para dar satisfação
regular e contínua a certa categoria de necessidades de
interesse geral, podem aplicar os procedimentos de direito
público, isto é, um regime jurídico especial, e que as leis e
regulamentos podem modificar a qualquer momento a
organização do serviço público, sem que a isto se possa opor
nenhum obstáculo insuperável de ordem jurídica.
79
Outra afirmação importante de Jèze, e que deve ser analisada com
resguardo e parcimônia, refere-se à possibilidade de o Estado promover a
prestação de serviços públicos sob o regime de direito privado. O sobrecitado
autor, a despeito de admitir essa hipótese, a realiza de forma a qualificá-la
como algo excepcional, objeto de situações isoladas.
A despeito dessa especial interpretação, que reduz ao máximo a
possibilidade da incidência do regime privado na prestação dos serviços
públicos, uma decorrência importante pode ser retirada: o regime jurídico
aplicável pode servir de requisito de definição da jurisdição no caso de litígio.

78
Principios generales del derecho administrativo. Trad. da 3ª Edição Francesa por Julio N. San Millán
Almagro. Buenos Aires: Editorial De Palma, (1948). V. 1. P. 19.
79
Principios generales del derecho administrativo. Trad. da 3ª Edição Francesa por Julio N. San Millán
Almagro. Buenos Aires: Editorial De Palma, (1948). V. 2. P. 4.
53
Nessa linha argumentativa, pontifica o ilustre jurista francês que, em
dadas situações isoladas e excepcionais, em que o regime de direito privado é
incidente, o tribunal competente para solucionar os conflitos decorrentes são os
tribunais judiciais, encontrando-se os tribunais administrativos encarregados de
conhecer os litígios regidos apenas pelas normas do direito público,
independentemente da pessoa do litigante.
Em que pese à logi-juridicidade do pensamento de Jèze, é claro que tais
apontamentos geraram certa perplexidade dentre os próprios autores que
formavam a Escola do Serviço Público, que tinham opiniões diferentes acerca
da matéria, especialmente no que tange ao regime jurídico aplicável.
A despeito disso, todos eram uníssonos ao erigirem o serviço público
como a pedra angular da atuação estatal, especialmente para que se
pudesse propiciar uma melhor distribuição social, concedendo ao particular
uma efetiva e positiva prestação estatal.
2.2 A jurisprudência francesa
Além das referências às fecundas construções doutrinárias acerca do
serviço público pelos doutrinadores franceses, para que se possa bem
compreender a origem do instituto não há como deixar de analisar, mesmo que
rapidamente, a jurisprudência do Conselho de Estado, que, de forma
precursora, estabeleceu os primeiros contornos dessa noção.
Impende notar que, naquela época em França, uma das principais
controvérsias existentes se referia ao exato pressuposto que seria utilizado
para definir o Tribunal competente para solucionar determinado litígio: se a
Jurisdição Comum ou a Jurisdição Administrativa.
Naquele momento, vigia a chamada teoria da dualidade da ação do
Estado para determinar a competência da jurisdição. Segundo entendimentos,
o Estado se comportava em algumas situações como pessoa civil (Estado-
pessoa civil) e em outras circunstâncias como pessoa pública (Estado-
54
autoridade), encontrando-se, no primeiro caso, sob regime de direito privado, e,
em decorrência, submetido à Corte de Cassação, e na situação seguinte, sob
regime de direito público, no exercício da chamada puissance publique, sob o
crivo do Conselho de Estado.
Essa concepção, por não ser clara e objetiva, gerava inúmeras dúvidas,
propiciando intensos debates acerca do assunto, sem contar a natural
inclinação de cada uma das aludidas Cortes em acreditar que sua jurisdição
deveria sempre prevalecer em relação à outra.
Foi justamente no bojo dessa discussão que, em 24 de maio de 1872, foi
criado o Tribunal de Conflitos, órgão jurisdicional responsável por solucionar as
questões de competência de Jurisdição. Esse Colegiado, de forma inovadora,
conferiu especial importância ao instituto do serviço público por entender que
seria esse o melhor traço distintivo para definição das competências
jurisdicionais. Vejamos como isso ocorreu.
Em 08 de fevereiro de 1873, foi submetida à apreciação do Tribunal de
Conflitos, precisamente para que fosse definida a competência jurisdicional, o
caso concernente a um pedido de indenização formulado pelo pai da menina
Agnès Blanco, que fora atropelada por uma vagonete da Companhia Nacional
de Manufatura do Fumo, integrante da Administração Pública Indireta.
A decisão exarada pelo Tribunal de Conflitos ficou conhecida como
“arret Blanco” e se tornou uma das mais importantes decisões da
jurisprudência francesa, pois acabou erigindo o instituto do serviço público
como circunstância determinativa da Jurisdição competente.
Consoante as lições contidas no aludido aresto, era preciso definir se as
regras a serem utilizadas no caso concreto seriam aquelas encontradiças no
Código Civil (responsabilidade civil) ou se seriam aplicadas regras especiais,
por se estar diante de uma atuação estatal concernente à prestação de um
serviço público (responsabilidade administrativa).
55
Como resultado do julgamento, definiu-se que, por se estar diante de um
serviço público, as regras que teriam incidência seriam aquelas especiais,
relativas à responsabilidade estatal, adotando-se, destarte, o serviço público,
como critério para definição da jurisdição administrativa (Conselho de
Estado).
80
Para ilustrar, vale a transcrição literal do comissário de Governo David,
responsável por elaborar as conclusões do referido acórdão: “os tribunais
judiciários são radicalmente incompetentes para conhecer todas as demandas
formadas contra a Administração em razão de serviços públicos, qual seja seu
objeto”.
81
Consoante as noções ora expendidas, pode-se afirmar que a
importância do aludido julgamento residiu em duas circunstâncias específicas:
primeiro, introduziu a noção de serviço público, firmando-o sob um regime
jurídico especial, derrogatório daquele que disciplina as relações privadas; em
segundo lugar, como conseqüência dessa primeira assertiva, elegeu o serviço
público como critério determinativo da Jurisdição competente.
82
A partir daquele momento, foi colocado sob a esfera da jurisdição
administrativa todo e qualquer litígio envolvendo o instituto do serviço público,
influenciando inteiramente a jurisprudência francesa do final do século XIX e
início do século XX, o que enseja evidenciar outra curial importância do aludido

80
O Conselho de Estado da França comenta o aludido aresto nos seguintes termos: “L’arrêt Blanco
consacre ainsi la responsabilité de l’État, mettant fin à une longue tradition d’irresponsabilité, qui ne
trouvait d’exceptions qu’en cas de responsabilité contractuelle ou d’intervention législative, telle la loi du
28 pluviôse an VIII pour les dommages de travaux publics. Il soumet toutefois cette responsabilité à un
régime spécifique, en considérant que la responsabilité qui peut incomber à l’État du fait du service public
ne peut être régie par les principes qui sont établis dans le code civil pour les rapports de particulier à
particulier. La nécessité d’appliquer un régime spécial, justifié par les besoins du service public, est ainsi
affirmée. Le corollaire de l’existence de règles spéciales réside dans la compétence de la juridiction
administrative pour connaître de cette responsabilité, en application de la loi des 16 et 24 août 1790, qui
interdit aux tribunaux judiciaires de “troubler, de quelque manière que ce soit, les opérations des corps
administratifs”. Au-delà même de la responsabilité, l’arrêt reconnaît le service public comme le critère de
la compétence de la juridiction administrative, affirme la spécificité des règles applicables aux services
publics et établit un lien entre le fond du droit applicable et la compétence de la juridiction administrative.
(Disponível em: http://www.conseil-etat.fr/cde/node.php?articleid=1268
. Acesso em: 15/07/2010).
81
DEVOLVÉ, Pierre. Les grands arrêts de la Jurisprudence administrative. 12ª Ed. Paris: Dalloz, 1999.
82
Registre-se que alguns autores, como Benoit, não conferiram ao arret Blanco a importância que a
maioria esmagadora dos doutrinadores acabou conferindo.
56
aresto, um dos vetores da transição do Estado de Direito para o Estado Social
de Direito.
83
Com o engrandecimento da noção do serviço público pela jurisprudência
francesa, inicia-se um movimento de oferecimento aos particulares de
prestações estatais positivas, situação que se opunha ao pensamento da
maioria, que referendava uma completa inação estatal, mediante um
individualismo exacerbado.
Todo esse arcabouço fático e jurídico marcado pela excepcional
apologia ao serviço público contido no aresto Blanco, acaba tornando-se a
semente que irá propagar uma idéia de Estado prestacional, a ser acometido
por inúmeros juristas que perpassaram esse momento histórico. Neste passo,
interessante notar a transformação radical que um mero acórdão bem
formulado pode propiciar no pensamento jurídico vigente, transformando toda
uma realidade posterior, concebida a partir da evolução de suas emanações.
2.3 A concepção hodierna do serviço público à la française
Conforme visto, a noção de serviço público na França recebeu efusivo
tratamento pela doutrina e também pela jurisprudência durante o final do século
XIX e início do século XX. Pode-se concluir que durante esse período, o
serviço público serviu a dois propósitos fundamentais: servir como critério de
delimitação da competência da Jurisdição Administrativa e constituir a noção
principal do direito administrativo, tornando-se o elemento essencial de atuação
estatal.
Todavia, com a evolução dos tempos, essas duas premissas acabaram
sendo superadas por outras realidades jurídicas. Identificaram-se outros
critérios para subsunção de litígios à Jurisdição Administrativa e se percebeu
que as atividades estatais eram mais amplas, não se cingindo, unicamente, à

83
Posteriormente, o serviço público deixa de ser um requisito absoluto para a definição da competência
da Justiça Administrativa, principalmente considerando os litígios relativos aos serviços públicos
industriais e comerciais cuja competência acabou sendo delegada à Jurisdição Comum.
57
prestação de serviços públicos. Nesse período ocorria um intervencionismo
crescente do Estado francês na economia, passando a ocupar espaços que
eram afetos exclusivamente à iniciativa privada.
A jurisprudência francesa inicia, então, um processo de flexibilização
do regime jurídico do serviço público, mediante a criação do chamado serviço
público industrial e comercial. O primeiro aresto a tratar sobre o tema, sem
mencionar expressamente essa nova categoria de serviço público, foi aquele
proferido pelo Tribunal de Conflitos em 22 de janeiro de 1921: o Sté
commerciale de l’ouest africain.
Na continuidade, foi o acórdão Bac d’Eloka e as conclusões do
comissário Matter que, ainda sem pronunciar a expressão, efetivamente
reconheceram que o Estado além de prestar serviços essenciais, também
desempenhava outras atividades de natureza econômica, tipicamente privada.
Surge, então, com o aresto Sté générale d’armement, proferido pelo
Conselho de Estado, a expressa menção ao serviço público industrial e
comercial (SPIC), encarados como serviços cuja titularidade é pública, mas que
por possuir uma característica econômica, não estariam subsumidos à
jurisdição administrativa e nem ao regime público.
Consubstancia-se, então, em França, duas categorias de serviços
públicos: os serviços públicos administrativos, submetidos ao regime jurídico de
direito público e à jurisdição administrativa e o serviços públicos de caráter
industrial e comercial, afetos ao regime jurídico de direito privado e à jurisdição
comum.
Vale a citação de Pierre Esplugas acerca da temática:
Ce dernier distingue em effet de manière nette les services
publics admnistratifs des services publics industriels et
commerciaux em admettant pour chacune de ces catégories
des conséquences juridiques. Il résulte ainsi du doit positif que
les rapports indivuduels d’un service administratif avec son
58
personnel, sés usagers et lês tiers sont, em príncipe, régis par
le droit public alors que, pour les services publics industriels et
commerciaux, ces rapports son normalement définis par le droit
privé. Ces situations juridiques différents impliquent em outre
naturellment une compétence des jurisdictions administratives
pour les services publics administratifs e judiciaires pour les
services publics industriels et commerciaux.
84
Se pudéssemos comparar essa situação com a disciplina dos serviços
públicos no direito positivo brasileiro, verificaríamos que a expressão “serviços
públicos industriais ou comerciais” não seria cabível, pois tais serviços
poderiam ser considerados, no máximo, atividades econômicas, a serem
explorados pelo Estado em situações em que fosse necessária aos imperativos
da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, à luz do disposto no
artigo 173 da Constituição de 1988.
Na evolução dessas idéias, vale consignar que o derradeiro impacto que
a noção de serviço público à la française viria sofrer não se referia,
propriamente, à instituição dos serviços públicos industriais e comerciais, mas
na celebração do Tratado de Roma, que estabeleceu as bases da atual União
Européia.
85
Realmente, o aludido Tratado, bem como os que se sucederam (Tratado
de Bruxelas, Ato Único Europeu, Tratado de Maastricht, Tratado de Amsterdã,
Tratado de Nice e Tratado de Lisboa), preconizavam a livre circulação de bens,
serviços, capitais e pessoas, instituindo a livre concorrência como princípio
basilar de suas emanações. Nesse sentido, os serviços públicos, que tinham
por excelência assegurar uma efetiva atuação estatal num regime jurídico
próprio, representavam difíceis barreiras a serem transpostas pelo direito
comunitário.

84
Le service public. 2ª Ed. Paris: Dalloz, 2002. P. 58.
85
Registre-se que a formação da União Européia não ocorreu pela formalização de apenas um acordo ou
tratado. Nesse sentido, já em 1951, foi assinado o Tratado de Paris para instituir a CECA (Comunidade
Européia do Carvão do Aço), composta por seis países, que recomendava a livre circulação de carvão,
ferro e aço. Em 1957, os países subscritores do Tratado de Paris, celebraram o Tratado de Roma, criando
a CEE (Comunidade Econômica Européia). Outros importantes tratados foram celebrados (Tratado de
Bruxelas, Ato Único Europeu, Tratado de Maastricht, Tratado de Amsterdã, Tratado de Nice e Tratado de
Lisboa) até a concepção daquilo que hodiernamente chamamos de União Européia.
59
Foi nessa perspectiva que o Tratado de Roma, em seu artigo 90 (hoje
artigo 86, § 2º), concebeu os chamados “serviços de interesse econômico
geral”, submetendo-os às regras da concorrência, na medida em que a
aplicação delas não constituísse obstáculo ao cumprimento, de direito ou de
fato, da missão particular que lhes foi confiada.
A instauração desses “serviços” colocaram em cheque a noção clássica
de serviço público, posto que os sujeitavam não mais a um regime de direito
público, mas à livre iniciativa, campo próprio das normas de direito privado.
Além dessa noção, foi introduzido pelo Ato Único de 1986 o conceito de
serviço universal”, que procurou assegurar o oferecimento de prestações
mínimas de qualidade e de preço acessível à coletividade.
Em que pese certa similitude entre o serviço universal e o serviço
público à la française, a verdade é que sua visão é mais restrita, referindo-se
apenas a uma parcela da coletividade e não a todos os membros do meio
social, como o serviço público.
Não é preciso dizer que os franceses se insurgiram radicalmente contra
tais inovações (serviço universal e serviços de interesse econômico geral), de
forma a tentar manter inalterada a sua noção clássica de serviço público, num
contra-ataque rápido e eloqüente em face às emanações do direito
comunitário.
Como bem lembra Monica Spezia Justen:
Dentre os documentos mais relevantes produzidos na década
de 90 está o Rapport au Premierer Ministre, realizado por
Denoix de Saint Marc no ano de 1996, que parece ter servido
para influenciar os membros da Comissão Européia acerca da
importância da noção de serviço público não só para os
franceses mas para os demais Estados-membros.
86

86
A noção de serviço público no direito europeu. São Paulo: Dialética, 2003. P. 190.
60
A despeito desses embates, a verdade é que a discussão na França
acerca dos serviços públicos encontra-se pujante e viva, sendo necessário
observar, durante os próximos anos, como a noção tipicamente francesa do
instituto, que impõe ao Estado a sobranceiro encargo de salvaguardar
comodidades à coletividade em regime obrigacional, irá se amoldar ao quadro
comunitário, que impõe ao instituto as regras da livre concorrência, em regime
de direito privado.
61
3. Conceito de serviço público
3.1. Critérios utilizados pela doutrina para definição de serviço público
A noção de serviço público não é unívoca. Os doutrinadores que, de
alguma forma, procuraram formular o seu conceito, utilizaram-se dos mais
diferentes critérios para estabelecer a sua compostura.
De uma maneira geral e no intuito de conferir didatismo à presente
explanação, é possível classificar os critérios adotados pela doutrina para
conceituar o serviço público, basicamente em três: critério subjetivo, critério
objetivo ou material e critério formal.
O critério subjetivo define o serviço público a partir da entidade que
presta a atividade. Nas palavras do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
Em sentido subjetivo o serviço público é concebido como um
organismo público, ou seja, uma parte do aparelho estatal.
Nesta acepção, falar em serviço público é o mesmo que se
referir a um complexo de órgãos, agentes e meios do Poder
Público. É uma organização pública de poderes e
competências.
87
Consoante se verifica, o critério subjetivo parte da premissa que o
Estado, por ele mesmo ou por entidade sua, figure como titular da prestação do
serviço, além, obviamente, de funcionar como titular do próprio serviço,
posições estas que não podem ser confundidas.
Cabe aqui um breve esclarecimento, que a posteriori será melhor
detalhado: não se pode confundir a titularidade do serviço público com a
titularidade da prestação do serviço. São realidades absolutamente distintas,
juridicamente. O titular do serviço será o ente federativo que a Constituição ou
a lei infraconstitucional estabelece como “senhor” daquele determinado serviço;
já o titular da prestação do serviço será aquela entidade, estatal ou particular,
que exerce a atividade material respectiva. No caso da titularidade ser

87
Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. P. 151.
62
transferida para um particular, deverá haver um ato formal de delegação,
mediante o instrumento jurídico apto para tanto.
Realmente, num primeiro momento, e em França isso ocorreu durante
muitos anos, o critério subjetivo era adotado de forma irrestrita, uma vez que,
naquela época, o Estado era o único que promovia a prestação dos serviços
públicos, seja diretamente, seja por entidade sua, criada para essa finalidade.
Todavia, com o passar dos anos, o Estado acabou assumindo uma série
de outras atividades e se verificou a necessidade de transferir ao particular a
prestação de alguns serviços públicos.
Nesse sentido, os institutos da concessão e da permissão do serviço
público viabilizavam, juridicamente, que esses serviços fossem prestados pelos
particulares, de forma a auxiliar o Estado no cumprimento de seus desideratos.
Nesse modelo, todavia, mantinha-se a titularidade do serviço com o Estado,
que detinha a obrigação de fiscalizar e regular as atividades do particular,
assegurando que os usuários gozassem de um serviço de qualidade.
No momento em que isso ocorreu, o critério subjetivo que, como visto,
pressupunha o Estado como exclusivo titular da prestação do serviço, acabou
sofrendo inevitável abalo, restando impossível utilizá-lo, de forma isolada, para
compor a noção do serviço público.
Na esteira dessas considerações, procurou-se, então, um novo requisito
que, de alguma forma, pudesse balizar os contornos do instituto. Inicia-se,
então, um processo de investigação acerca da natureza da atividade, ou seja,
procura-se saber se o que justifica a qualificação daquele serviço como público
é alguma qualidade intrínseca daquele serviço, que o tornaria imprescindível
para a coletividade.
Alinhava-se, então, o argumento que veio a se chamar de critério
objetivo ou material do serviço público, segundo o qual somente se estaria
63
diante de um serviço público se a atividade material a ser exercida fosse de
interesse ou necessidade geral.
Nesse sentido, é a lição precisa do Professor Celso Antônio Bandeira de
Mello:
Pode-se, em conclusão, firmar que, na acepção objetiva, o
serviço público se define em razão da natureza da atividade ou
tarefa. É o fato de corresponder a uma necessidade de
interesse geral, é a circunstância de se impor como uma
exigência da coletividade, cuja satisfação incumbe ao Poder
Público prover, ainda quando não o faça diretamente, o
elemento que se encontra por detrás de todas as noções
objetivas de serviço público.
88
Vale também transcrever a percuciente observação da Professora
Dinorá Grotti:
A concepção objetiva de serviço público pretende assinalar que
uma atividade é serviço público não porque prestada através
de um complexo de meios públicos, mas em razão da natureza
da atividade ou tarefa. Assim, é o fato de, num dado momento
histórico corresponder a uma necessidade de interesse geral,
se constituir em uma exigência da coletividade,
independentemente da organização que exercer esta atividade,
o elemento que se encontra por detrás de todas as noções
objetivas de serviço público.
89
Registre-se que esse critério foi utilizado de forma absoluta por Duguit,
que, como já visto, estabelecia um liame direto entre a noção de serviço
público e aquelas atividades que o meio social entendia como imprescindíveis
ao convívio social, transformando em serviço público e, portanto, em comandos
obrigatórios, todas as necessidades surgidas no seio da coletividade.
Logicamente, a utilização desse critério de forma absoluta, como fez
Duguit, chega a certos exageros que, certamente, devem ser evitados, sob
pena de se transformar qualquer atividade estatal em serviço público. Todavia,
uma reflexão mais profunda revela que seria inadequado, para não dizer

88
Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. PP. 153-154.
89
O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 46.
64
impossível, extirpar completamente a aplicação do requisito ao conceito de
serviço público.
Ora, ao se qualificar, em determinada norma jurídica, uma dada
atividade como serviço público, certamente uma das justificativas que serão
aventadas reside, invariavelmente, no interesse geral que aquela atividade
satisfaz, de forma a legitimar a sua inclusão no manto de proteção estatal.
Dificilmente uma atividade será qualificada como serviço público sem que
exista, mesmo que minimamente, um interesse geral a ser salvaguardado.
Sem se admitir a possibilidade de se valer do aludido requisito, mesmo
que minimamente, estar-se-á legitimando a qualificação de qualquer serviço
prestado pelo Estado como sendo serviço público: mas será isso desejável?
Se, então, o legislador viesse a dizer que o serviço de “tinturaria” (e aqui
não há nenhum demérito à profissão) deve ser qualificado como serviço público
poderia, jurídica e legitimamente, fazê-lo? Ou será que aquele requisito acaba
sendo útil e operativo, constituindo-se em verdadeira barreira de contenção aos
possíveis e impensados desmandos do legislador?
Atento a tais questionamentos é que se pode compreender a
necessidade de se utilizar o aludido requisito na formulação do conceito de
serviço público, como, inclusive, fazem alguns juristas, sempre aliando, todavia,
a outros requisitos também imprescindíveis.
Na continuidade, outro critério importante de que alguns juristas se
valeram para delimitar a noção de serviço público é o chamado critério formal.
Em relação a esse tema, não há como deixarmos de suscitar novamente as
lições de Gaston Jèze, que, de maneira inédita, encarece a relação entre o
regime jurídico de direito público e o serviço público.
Consoante observado anteriormente, em seu conceito de serviço público
o ilustre jurista de Bordeaux condiciona o serviço público a um regime jurídico
especial, derrogatório do direito privado. Nesse sentido, somente se estará
65
diante de um serviço público se, efetivamente, as normas que o disciplinarem
forem normas de direito público, estando submetido, destarte, a uma série de
procedimentos especiais, que inexistem na seara do direito privado.
Consoante observado por Chenot, ilustre defensor da acepção formal:
“dizer que uma atividade é serviço público é dizer que está submetida ao
regime de serviço público. O serviço público não é mais uma instituição, é um
regime, é a aplicação de serviço público a certos atos”
90
. Ressalte-se que a
formulação de Chenot é estritamente formal, levada à sua pureza mais
extrema, pois acaba confundindo o próprio regime jurídico com o instituto.
Apesar de alguns exageros, pacificou-se em doutrina que, pelo critério
formal, o serviço público estaria submetido a um regime jurídico de direito
público, porque apenas normas dessa seara do direito teriam incidência.
Nesse sentido também foi a jurisprudência francesa do final do século XIX e
início do século XX, ratificando esse entendimento, o qual, foi alterado, após o
advento dos chamados serviços industriais e comerciais que se desenvolveram
no país, como assinalado alhures.
Pondera-se, desde já, que a incidência ou não do regime de direito
público nos serviços públicos é a questão que mais tem despertado
controvérsias hodiernamente. Essa questão será minudenciada mais à frente.
3.2. Considerações metodológicas acerca da conceituação de serviço
público
Vistos os requisitos utilizados pela doutrina publicista para delimitação
da noção de serviço público, urge que se analise, em seguida, os requisitos
adotados na sua conceituação em face do direito brasileiro, de forma a
finalmente ser possível oferecer o conceito de serviço público em nosso País.
Antes, porém, há considerações metodológicas acerca da conceituação
de serviço público que devem ser abordadas.

90
Organisation economique de l’etat. Paris: Dalloz, 1951. P. 78.
66
Consoante clássica lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello,
quando estamos diante de um instituto jurídico que não possui conceito legal,
cumpre ao cientista do direito tentar formulá-lo.
91
Obviamente, nesse processo de formulação, os diferentes juristas
partirão de elementos diferentes para estabelecer o seu conceito, não havendo
nenhuma circunstância que possa obrigar a uma coincidência de opiniões
acerca dos traços de similitude que devem ser encontrados.
Tudo isso porque não se trata de buscar um conceito verdadeiro ou
falso, mas um conceito operativo, que possa aglutinar sob uma mesma
titularidade jurídica elementos que possuam alguma similaridade entre si, de
forma a se destacarem, em bloco distinto, dos demais institutos.
Como alerta Carrió:
[...] las clasificaciones no son verdaderas ni falsas, so
serviciales o inútiles: sus ventajas o desventajas están
supeditadas al interés que guia a quien las formula y a su
fecundidad para presentar um campo de conocimiento de una
manera más fácilmente comprensible o más rica em
consecuencias prácticas deseables.
92
A despeito das palavras nem sempre serem unívocas, elas possuem um
conteúdo mínimo, sem o qual não seria possível externar qualquer idéia. Ao
utilizá-las, portanto, o jurista inevitavelmente se encontra até certo ponto livre
para formular seu conceito, embora deva sempre ter, como referência e pano
de fundo, o direito posto, sem o qual não formularia um conceito jurídico, mas
sociológico, matemático ou de qualquer outra área de conhecimento humano.
Nesse particular, cumpre ao cientista do direito analisar as emanações
contidas no Direito Positivo acerca do instituto e, a partir daí, consolidar sob o
mesmo nomen iuris realidades que possuam alguma semelhança entre si, de
forma a compor uma unidade sistêmica e lógica.

91
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010.
PP. 176-177.
92
Notas sobre derecho y lenguaje. 5ª. Ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2006. P. 72.
67
Vale, a respeito do tema, o alerta do Professor Celso Antônio Bandeira
de Mello:
Deveras, o pior erro em que se pode incidir um cultor de
qualquer ciência é o de desencontrar-se com o próprio objeto
de estudo, é de distrair-se daquilo sobre o qual seu espírito
imaginava e pretendia estar focalizado. Assim, um conceito
extrajurídico produz nos estudiosos do Direito menos atentos a
suposição de que estão a tratar com algo juridicamente
relevante os conduz a produzir especulações que não abicam
em nada de aproveitável para o Direito, do mesmo passo em
que tal absorção os leva a deixar de lado a tarefa de arrecadar
e organizar mentalmente os dados que permitiriam enfrentar os
tópicos e questões dos quis teriam que se ocupar.
93
Essas considerações iniciais são necessárias para destacar que, em não
havendo, ao menos na legislação brasileira, o conceito de serviço público,
enseja-se, por parte da doutrina, a possibilidade de estabelecer sua noção com
base nas características, que de forma esparsa, a legislação estabelece
relativamente a esse instituto.
No caso do serviço público, o trabalho de formulação de seu conceito é
ainda mais rigoroso porque, em se tratando de um instituto que teve origem em
outro País e recebeu uma feição própria em cada nação que o absorveu, é
preciso estabelecer, com rigor metodológico ainda mais exato, as
características universais que efetivamente foram abarcadas pelo direito
interno, de forma a evitar a inclusão de traços alienígenas, que, certamente, o
tornaria desconforme ao modo como foi tracejado pelo direito nacional.
Justamente por se estar diante de um instituto jurídico multifacetado, faz-
se imprescindível que se estabeleça o conceito de serviço público de forma
mais precisa possível, para que o interlocutor possa compreender seu exato
conteúdo, evitando interpretações dissonantes, e, com isso, a própria
ilogicidade do texto elaborado.

93
Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil. In Grandes temas de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009. P. 272.
68
Na doutrina brasileira, podem ser encontrados inúmeros conceitos de
serviço público. Alguns receberam maior consagração porque, de alguma
forma, encontravam-se mais completos, ou seja, aglutinaram de forma mais
ampla o conjunto de elementos arrecadados nas indicações do direito positivo.
Isso não quer dizer que foi encontrado o conceito "correto" ou "verdadeiro",
mas aquele que se mostra mais útil (operativo) para os fins a que se propõe o
estudioso.
A par disso, posições doutrinárias dissonantes também são comuns na
seara jurídica. Todavia, para efeito de lealdade intelectual, caso o cientista do
direito deixe de formular o seu conceito e adote o estabelecido por outro jurista,
ele deve se perfilhar à noção que tenha um maior número de coincidências
com o seu próprio pensamento.
Outra preocupação que deve nortear o cientista do direito que irá tratar
acerca do serviço público se refere à delimitação das atividades que se
encontram insculpidas sob o seu manto. É preciso que seja esclarecido, desde
logo, se, na acepção conferida ao serviço público, encontram-se insertas todas
as atividades administrativas titularizadas pela Administração, ou se está se
referindo a uma atividade específica, com características que lhe são próprias.
Nesse sentido, é preciso deixar remansoso se existe distinção entre serviço
público e outras atividades estatais como fomento, polícia administrativa, obra
pública, dentre outras.
Também é necessário que o cientista do direito formule o seu conceito
de serviço público em absoluta consonância com o tipo estatal que entenda
vigente em determinado tempo e local. Não há como fugir dessa lógica.
Dependendo do modelo estatal em análise, há que se estabelecer uma
flagrante correspondência em relação ao conceito que se esteja formulando.
No presente trabalho, o modelo que se entende vigente no Brasil é o do
Estado Social de Direito, sendo ínsita a esse sistema, a concretização dos
direitos sociais pelo Estado, por meio da prestação de serviços públicos,
promovendo a redução das desigualdades sociais, à luz do quanto preconizado
69
pelo princípio do solidarismo. No que atina aos demais serviços públicos
titularizados pelo Estado brasileiro, o modelo social adotado confere especial
relevo a atividades que procuram oferecer comodidades úteis ao cidadão, de
forma a inseri-los num contexto digno.
Diante dessas rápidas considerações, procurou-se demonstrar alguns
cuidados que são necessários para se formular o conceito de serviço público (e
de qualquer outro instituto jurídico, diga-se de passagem).
3.3. Os requisitos para conceituação de serviço público no direito
brasileiro
Preambularmente, é preciso apenas um pequeno registro: alguns
autores brasileiros quando formulam o conceito de serviço público se utilizam,
indistintamente, das expressões “requisito”, “pressuposto” ou “elemento" para
estabelecer suas características informadoras.
94
A doutrina estrangeira, como
visto, utiliza largamente a expressão "critérios".
Em que pese essa discussão taxonômica, para efeitos do presente
trabalho, os “critérios” a que alude a maior parte da doutrina serão aqui
considerados como “requisitos”, porque se entende que este termo expressa
melhor as condições necessárias sem as quais não se poderia afirmar que se
está diante de um serviço público.
Assim, para que se possa conceituar o serviço público no direito
brasileiro, é imprescindível que os três critérios suscitados pela doutrina, para
nós requisitos, estejam presentes: o requisito subjetivo, o requisito objetivo ou
material e o requisito formal.
95

94
O professor Almiro do Couto Silva, por exemplo, utiliza num primeiro momento a expressão
“requisito” e posteriormente, em nota de rodapé, a palavra “elementos” para tratar dessa mesma realidade.
Confira em seu artigo intitulado “Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por
particulares. Serviço público ‘à brasileira’?”, publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado do
Rio Grande Do Sul, p. 211.
95
Consoante as preciosas lições da Professora Dinorá Grotti, em sua notável monografia acerca do tema
dos serviços públicos, “a utilização isolada dos critérios apresentados não oferece condições para
solucionar o problema da noção de serviço público, porque, ressaltando apenas um requisito, vê-se tão-
somente parte da realidade.” Mais a frente conclui: “Por isso, os doutrinadores, em sua maioria,
70
No que se refere ao requisito subjetivo, ele deve ser interpretado não da
forma como foi concebido originalmente, quando então se presumia que
somente o Estado poderia figurar como titular do serviço e titular da prestação
do serviço, mas a partir de uma nova perspectiva: entendendo-se que a
titularidade do serviço público fica mantida em mãos estatais e admitindo-se a
possibilidade de promover a delegação de seu exercício a particulares.
A norma jurídica, ao estatuir dada atividade como serviço público,
automaticamente a coloca sob a titularidade estatal, extirpando-a das mãos dos
particulares e, conseqüentemente, do regime de direito privado.
A titularidade do serviço público, pois, será sempre estatal, sendo essa
uma condição sem qual não há serviço público.
Dessa forma, a novel leitura que se impõe ao requisito subjetivo não
impede que os serviços públicos postos como competências do Estado (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios) possam ser delegados aos particulares
por meio dos institutos jurídicos competentes.
Para arrematar essa noção, vale suscitar os ensinamentos de Almiro do
Couto e Silva, que estabelece ser “indispensável a existência de um vínculo
orgânico entre ele (serviço público) e o Estado. Este é o titular do serviço, muito
embora sua gestão possa ser transferida a particulares.”
96
No direito brasileiro, o requisito objetivo ou material, além de exigir (i) a
presença de um interesse geral ou coletivo em relação àquela especifica
atividade a ser desenvolvida sob o título de “serviço público”, como preconiza a
doutrina estrangeira, também demanda, para seu preenchimento: (ii) que a
atividade em referência ofereça uma utilidade ou comodidade à coletividade e
que (iii) essa atividade seja fruível singularmente pelo administrado.

consideram imperiosa a união de dois ou três dos elementos enunciados na conceituação da atividade
estatal analisada, como mais adiante será verificado”. (O serviço público e a constituição brasileira de
1988. São Paulo: Malheiros, 2003. PP. 47 e 48)
96
Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares: serviço público à
brasileira? Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul. V. 27. Nº. 57, 2003. P. 210.
71
Essas duas últimas exigências são também condições necessárias para
que se esteja diante de um serviço público e, por guardarem estreita relação
com a “atividade material” desempenhada, acabam integrando o requisito
objetivo ou material do conceito de serviço público no direito brasileiro.
Atribui-se, destarte, um qualificativo à “atividade material” desenvolvida
a título de serviços públicos, que não se encontra adjacente à toda e qualquer
atividade prestacional do Estado: caso fosse oferecida uma excessiva
amplitude à atividade desenvolvida por meio dos serviços públicos, a noção
perderia seu préstimo, uma vez que seria confundida com outras atividades
das quais também se encontra incumbido o Estado.
Há breves ponderações a serem feitas acerca das condições impostas
para preenchimento do requisito objetivo ou material.
No tocante à primeira condição, registre-se que o Estado somente irá
qualificar uma atividade como serviço público se entender que tal atividade
possui elevada relevância social, caso contrário não se justificaria a sua
assunção. A Constituição Federal, bem como a legislação infraconstitucional
competente, ao qualificarem certas atividades como serviço público, entendeu-
as como atividades imprescindíveis para a satisfação do interesse coletivo.
Não havendo o requisito da essencialidade, jamais o Estado estaria
agindo legitimamente ao classificar determinada atividade como serviço
público, funcionando, portanto, o requisito objetivo, como uma das condições
necessárias para solucionar o problema da conceituação do instituto.
97
Obviamente a identificação de uma dada atividade como essencial ou
não é circunstância que comporta uma certa apreciação subjetiva,
principalmente em situações localizadas numa zona de incerteza.

97
É claro que existe uma série de atividades que também possuem o requisito da essencialidade intrínseco
aos seus objetivos (como as atividades de benemerência, por exemplo), todavia, por uma questão de
opção legislativa, somente algumas são qualificadas como serviço público.
72
Todavia, essa questão em nada difere de algo que a doutrina
administrativista está acostumada a enfrentar: a existência de termos com
conteúdo plurissignificativo, vago ou impreciso. Qualquer impasse, então,
acerca da aplicação do designativo à uma atividade que não pareça
salvaguardar um interesse coletivo, deverá ser resolvida pela aplicação da
teoria geral do direito administrativo.
Há hipóteses que deixam evidente não caracterizarem uma atividade
que resguarde um interesse geral ou coletivo (zona de certeza negativa) e
outros em que restará absolutamente claro que o designativo é apropriado
(zona de certeza positiva).
Diante de tais considerações, não resta dúvida que é possível exercer
um controle acerca de atividades que podem ou não serem qualificadas como
serviço público, sendo absolutamente legítimo impugnar uma norma jurídica
que tenha qualificado determinado serviço como “público”, mas que não tenha,
em flagrante zona de certeza negativa, qualquer relevância social.
Nessa linha de considerações, admitindo-se que existe um liame
necessário entre o serviço público e sua destinação como atividade de
interesse geral, se está autorizando impugnar diplomas normativos que de
alguma maneira não apresentem essa correlação.
A outra condição imposta para a conformação do requisito se refere à
necessidade de se tratar de uma atividade que ofereça uma utilidade ou
comodidade material. Assim, em primeiro lugar, o serviço público deve se
encontrar vinculado à prestação de uma atividade e não se referir a algo pronto
e acabado.
Essa atividade é dinâmica: refere-se à própria operação que se está
executando e não um produto estático e inamovível. Além disso, essa atividade
deve prover um benefício à coletividade, de forma a lhe oferecer um conforto,
uma vantagem, algo proveitoso, sem o que, não se está diante de um serviço
público.
73
Para arrematar, a última condição necessária para se preencher o
requisito objetivo no direito brasileiro concerne à sua fruição singular pelos
administrados. Nesse particular, os serviços, para serem considerados
públicos, devem ser utilizados de forma individual pela coletividade (uti singuli),
estando fora de seus limites aqueles serviços prestados à generalidade da
população (uti universi). Tais considerações serão mais bem aprofundadas, no
momento em que se tratar do conceito de serviço público no direito brasileiro.
Passa-se, então, ao exame do último requisito que, cumulativamente
com os demais, afigura-se como uma condição necessária para se qualificar
uma atividade como serviço público: o requisito formal.
É justamente pela importância que se confere à atividade no meio social,
qualificando-a como serviço público, que o Estado a coloca sob a égide de um
regime jurídico especial, caracterizado pela existência de prerrogativas e
sujeições peculiares, instituídas especificamente para a proteção dos
interesses coletivos: o regime jurídico de direito público.
Conforme já asseverado, a incidência ou não do regime de direito
público nos serviços públicos é questão que tem despertado inúmeras
controvérsias. Infelizmente, alguns autores acabam entendendo que é possível
se falar, no Brasil, em prestação de serviços públicos sob regime de direito
privado, principalmente por conta de alteração constitucional que estabeleceu a
autorização como uma forma de delegação de serviço público.
A despeito do respeito intelectual que merece qualquer idéia ou
pensamento jurídico, por mais distantes de nosso modo de pensar que
estejam, não resta dúvida que um aspecto fundamental do instituto do
serviço público no direito brasileiro é justamente estar submetido a um
regime jurídico de direito público, que irá salvaguardar o interesse
coletivo nele inserido.
74
Basta uma breve análise dos princípios e regras insertos em nossa
Carta Constitucional, que disciplinam o serviço público (artigo 175,
principalmente) e do próprio regime jurídico-administrativo para se verificar que
é o direito público que deverá disciplinar sua prestação.
Além desses, como será minudenciado à frente, ao serviço público
foram destinados alguns princípios jurídicos específicos, como o princípio da
universalização e da modicidade das tarifas, que lhe conferem um específico
regime de Direito Público e que deve ser observado durante sua prestação.
Interessante que, mesmo com a incidência de todos esses princípios afetos ao
serviço público, doutrinadores renomados insistem na idéia de que os serviços
públicos possam ser prestados sob regime jurídico de direito privado.
Dessa maneira, certo é que o requisito subjetivo, o requisito objetivo e o
requisito formal, tais como vistos, são condições necessárias para que se
esteja diante de um serviço público no direito brasileiro.
3.4. O conceito de serviço público no direito brasileiro
3.4.1 Panorama geral das concepções doutrinárias do serviço público no direito
brasileiro
De uma forma geral, os doutrinadores brasileiros procuram estabelecer o
seu conceito de serviço público aglutinando certo número de realidades
debaixo de seu título jurídico e com isso, estabelecendo conceitos que podem
ser classificados em sentido amplo e restrito.
98
Aqueles que aglutinam mais elementos acabam, normalmente,
restringindo o conceito, porque estabelecem mais requisitos para que se esteja
diante de um serviço público, já os que estipulam menos elementos, ampliam a

98
Alexandre dos Santos Aragão consegue estabelecer uma gradação ainda mais detalhada dos conceitos
de serviço público, entendo haver uma concepção amplíssima de serviço público, uma concepção ampla
de serviço público, uma concepção restrita de serviço público e uma concepção restritíssima de serviço
público, apontando para cada uma dessas concepções, características específicas. (Direito dos serviços
públicos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. PP. 144-149).
75
sua irradiação, generalizando a atividade e, com isso, permitindo a inclusão de
mais realidades sob seu nomen iuris.
Para que se possa ilustrar o quanto dito, vale a pena exemplificar,
trazendo conceitos formulados por juristas que evidenciam tais qualificativos,
para, posteriormente, adotar-se aquele que melhor retrata a realidade do
serviço público, em consonância com os requisitos acima destacados.
Importante mencionar que a maioria dos doutrinadores que serão
mencionados, a despeito de pormenorizarem menos ou mais as atividades
materiais que podem ser incluídas na noção de serviço público, utilizam-se,
com algumas adaptações, é verdade, dos requisitos de delimitação do conceito
de serviço público acima estudados.
Para José Cretella Júnior, que adota o conceito em sua acepção ampla,
serviço público é “toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente,
para a satisfação do interesse público, mediante procedimento de direito
público”.
99
Consoante se deduz do aludido conceito, não há a especificação de que
tipo de atividade se está falando, sendo possível intuir que se estaria diante de
um serviço público mesmo em face de atividades jurisdicionais e legislativas
desenvolvidas pelo Estado (as quais também têm o intuito de satisfazer o
interesse público). Esse é o obstáculo que muitas vezes se coloca aos
conceitos amplos, pois acabam incluindo em seu âmago uma série de
disposições que não são adequados ao instituto.
Outro conceito em acepção ampla é aquele formulado por Hely Lopes
Meirelles:
Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou
por seus delegados, sob normas e controles estatais, para

99
Curso de direito administrativo. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. P. 409.
76
satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da
coletividade ou simples conveniências do Estado.
100
Hely Lopes Meirelles, embora reduza o espectro de atividades estatais
ao incluir a expressão “Administração”, não deixa assente que tipo de atividade
desenvolvida pela Administração se está referindo no conceito emitido. Diante
do elevado número de atividades relegadas à Administração, fica realmente
difícil saber se todas elas estariam abrangidas pelo conceito (o que não é
provável) ou se, eventualmente, ele se refere a uma atividade específica.
Almiro do Couto e Silva, por sua vez, estabelece o conceito de serviço
público nas seguintes bases: “aquele serviço que é prestado por órgão estatal,
visando fim de utilidade pública, ou executado por particular, mas, neste caso,
sempre por delegação do Estado.”
101
O Ilustre jurista também confere uma perspectiva ampla a seu conceito
de serviço público, dando ênfase, inclusive, ao requisito subjetivo, de forma a
prescrever que o órgão estatal se encontra vinculado à atividade
desempenhada. O autor também dá ênfase à finalidade da prestação do
serviço, que deverá se nortear pela sua utilidade pública.
No tocante a concepção restrita, pode se encontrar no pensamento da
Ilustre Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que
a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o
objetivo de satisfazer concretamente às necessidades
coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
102
Vê-se que a ilustre Professora do Largo São Francisco, ao qualificar a
expressão “atividade” como “material”, busca excluir outras atividades estatais
que não considera serviço público, como a de polícia, fomento e intervenção,

100
Direito administrativo brasileiro. 34ª Ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero
Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 333.
101
Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares: serviço público à
brasileira? Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul. V. 27. Nº. 57, 2003. P. 209.
102
Direito administrativo. 23ª Ed, atualizada até EC 62/10. São Paulo: Atlas, 2010. P. 102.
77
tal como assinala a Professora Dinorá Grotti, para quem Lucia Valle Figueiredo
também emite conceito restrito.
103
Observe-se que Maria Sylvia Zanella Di Pietro acaba admitindo que o
serviço público pode ser prestado sob um regime jurídico parcialmente público,
o que não se coaduna com o requisito formal, que exige a incidência do regime
de direito público sem qualquer tipo de modulação em sua aplicação.
3.4.2 Conceito de serviço público adotado
Perpassadas essas rápidas pinceladas acerca das várias concepções
doutrinárias do serviço público no direito brasileiro, vale, então, suscitar o
conceito formulado pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, cuja
enunciação é adotada para efeitos do presente trabalho, por se entender que,
indubitavelmente, é o conceito que, de forma mais acurada e precisa,
consegue amalgamar todas as especiais características que detêm os serviços
públicos.
Passa-se, então, a transcrever seu conceito:
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade
ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade
em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o
Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si
mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de
Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de
supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos
interesses definidos como públicos no sistema normativo.
104
Vejamos as principais características do conceito expendido, de forma a
compreender sua exata compostura, examinando, principalmente, se os
requisitos que funcionam como condições necessárias para estar presente um
serviço caracterizável como público encontram-se cumulativamente atendidos.

103
O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 144.
104
Curso de direito administrativo. 27ª Ed., rev. e atual. até EC 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
671.
78
3.4.3 Requisito Subjetivo
O requisito subjetivo se encontra sufragado pelo conceito no momento
em que o ilustre Professor Celso Antônio Bandeira de Mello sintetiza que: “o
Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por
quem lhe faça as vezes”.
105
Como ele próprio preleciona:
[...] trata-se de atividade assumida pelo Estado como própria,
na qualidade de titular dela, ou seja, por ele considerada como
interna a seu campo de ação típico, isto é, à esfera pública.
Quando outorga concessão, autorização ou permissão (que é a
linguagem constitucional brasileira) para que seja prestada por
terceiros, o que transfere é o exercício da atividade, não a
titularidade sobre ela, que sempre retém para si; por isso pode
retomar o serviço, se o interesse público o demandar.
106
Nessa linha, verifica-se que o requisito subjetivo se encontra atendido
pelo conceito formulado, uma vez que estabelece, de maneira bastante clara,
que o Estado assume a titularidade do serviço público, possibilitando a
delegação de sua prestação, num liame clarividente entre atuação estatal e
serviço público.
Na seqüência de suas considerações, como matéria conexa à presente,
o Ilustre Professor encampa a idéia de que há certos casos nos quais, embora
a Constituição imponha ao Estado o dever de prestar o serviço, não lhe reserva
a titularidade exclusiva sobre ele, pois também o libera à iniciativa privada,
como é o caso, por exemplo, do serviço de saúde e educação.
107
Todavia, em que pesem tais judiciosos argumentos, o que nos parece é
que, em verdade, ao se admitir a hipótese dos particulares também prestarem
aludidas atividades, eles o fazem, mas num regime jurídico diferente daquele

105
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010.
P. 671.
106
Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil. In Grandes temas de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009. P. 280.
107
Idem. Ibidem.
79
próprio do serviço público. Isso porque, como visto, a titularidade do serviço
público é sempre exclusiva do Estado, não sendo possível compartilhá-la
com os particulares. Nesse sentido, não haveria que se falar em exclusividade
ou não da titularidade, pois se estamos diante de um serviço público, a
titularidade será sempre exclusiva do Estado, podendo, no máximo, delegar
a prestação do serviço a particulares, pelos meios juridicamente postos à
disposição do Poder Público.
Esse é justamente o conteúdo do requisito subjetivo: estabelecer um
escorreito liame entre o serviço público e o Estado, de forma que a titularidade
do serviço público esteja sempre em mãos deste.
Não poderia ser diferente, pois tais serviços, aos olhos dos particulares,
são atividades econômicas muito lucrativas, que devem, indubitavelmente, ser
controladas por meio de poder de polícia estatal, mas que não se encontram
subordinadas ao regime jurídico de direito público: a escola privada não precisa
fazer licitação para construção de sua sede, não precisa promover concursos
públicos para contratação de pessoal.
O que as empresas privadas, autorizadas, por exemplo, pelo artigo 209
da Constituição Federal estão realizando são serviços de educação, mas não
serviço público de educação. As atividades desempenhadas pelos
particulares se assemelham a tudo quanto é realizado pelo Estado, todavia,
para efeitos jurídicos, elas não podem receber o designativo “público”,
justamente por não se encontrarem sob a titularidade estatal e, sim, dos
particulares, que se encontram efetivamente prestando o serviço, inseridas
num regime jurídico de direito privado.
A distinção que se pretende aludir procura estabelecer uma diferença
entre a natureza jurídica dos serviços considerado “públicos” de outros serviços
análogos, mas que não são “públicos”, deixando que o legislador defina, num
determinado caso concreto, se efetivamente aquela atividade deverá ser
alocada num regime de serviço público, ou se tal atividade configura um
80
serviço que é posto à disposição dos particulares, mediante algumas regras
específicas de sua prestação estabelecidas pelo poder de polícia estatal.
Se o serviço em questão, por expressa autorização legal, permitir que o
serviço seja exercido pelo Estado e pelo particular, quando submetido ao
Estado receberá o designativo serviço público e quando pelo particular
continuará sendo um serviço, todavia sem aquela qualificação. No primeiro
caso, o serviço estará sob o regime de direito público e no segundo, sob a
incidência do regime de direito privado.
Verifica-se, então, que o requisito subjetivo encontra guarida no conceito
de serviço público adotado no presente trabalho, sendo necessário continuar
essa investigação em relação aos demais requisitos.
3.4.4 Requisito Objetivo ou Material
De plano, pode-se afirmar que o conceito de serviço público formulado
pelo Professor Celso Antônio a) a atividade desempenhada a título de serviço
público deve salvaguardar algum interesse geral ou coletivo; b) essa atividade
deve oferecer uma utilidade ou comodidade material e c) que a atividade
oferecida seja singularmente fruível pelos administrados.
No tocante à primeira condição, imposta pelo critério objetivo, é possível
averiguar que foi devidamente abrangida no conceito ora adotado. Consoante
assevera o Ilustre Professor, o serviço público encontra-se destinado “à
satisfação da coletividade em geral”: é justamente essa a condição imposta,
que os serviços públicos somente poderão ser assim qualificados quando a
atividade salvaguardar um interesse coletivo.
Consoante nos alumia o Emérito Professor:
81
[...] a atividade material em apreço, pois, é aquela destinada a
atender a conveniências, necessidades, da coletividade em
geral, pois se assim não fosse é bem de ver que o serviço não
seria público, não seria voltado a satisfazer a coletividade, mas
apenas interesses privados. Este traço está na própria origem
da noção. Se não fora pela relevância para o todo social, o
Estado não teria por que assumir tal atividade.
108
Por isso, não são públicos os serviços de telecomunicações
denominados “interfones” que interligam apenas os particulares que possuem
seu serviço próprio de conexão, assim como os radioamadores, que apenas se
comunicam de forma restrita, entre aqueles que possuem o aparelho próprio e
se propõem a ingressar nesse pequeno círculo de intercomunicadores.
Em relação à segunda condição imposta pelo requisito objetivo,
concernente à conformação de uma atividade que deve oferecer uma utilidade
ou comodidade material à coletividade, é possível denotá-la de maneira
expressa no conceito adotado no presente trabalho, logo em seu início.
Tais diretivas exigem que o serviço público se encontre vinculado à
prestação de uma atividade, ou seja,
[...] que se constitua no desenvolver de um comportamento
contínuo, que se apresenta como uma fluência, seguidamente
disponibilizado, e não como uma obra, um produto no qual se
haja cristalizado dada atividade, como fruto acabado dela.
109
Para facilitar a compreensão do quanto se assevera, basta promover a
comparação entre serviço público e obra pública, nos moldes preconizados
pelo Mestre: a obra é um produto estático, o serviço é uma atividade, algo
dinâmico; a obra produz uma coisa, no serviço, é a própria operação que
ocasiona uma vantagem; a obra não presume a existência de um serviço, o
serviço para ser prestado, normalmente pressupõe uma obra, que lhe
constituiu o suporte material.
Consoante tais aspirações, resta evidente que a atividade material
desempenhada sob a titulação de serviço público deve ser desenvolvida de

108
Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil. In Grandes temas de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009. P. 278.
109
Idem. Ibidem. P. 276.
82
forma contínua e que tal comportamento tenha como conseqüência uma
utilidade ou comodidade material para aquele que se encontra usufruindo do
serviço.
Repare-se que essa utilidade ou comodidade poderá proporcionar
qualquer benefício que o usuário venha a receber pela prestação dos serviços
públicos (água, esgoto, gás, transporte coletivo, dentre outros). Não seria
possível conceber um serviço público que não ofereça, minimamente, algum
proveito, alguma benfeitoria à coletividade.
No tocante à última condição imposta pelo requisito objetivo ou material,
a fruição singular do serviço pelo usuário, tal posição foi também adotada
no conceito formulado pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
restringiu-se a noção de serviço público àqueles denominados uti singuli, ou
seja, aqueles serviços individualmente fruíveis pelo usuário.
A doutrina pátria sempre preconizou a distinção entre os serviços uti
singuli, aqueles prestados diretamente a usuários determinados e os serviços
uti universi, serviços prestados à generalidade da população.
Consoante preconiza César Guimarães:
[...] a noção de serviços uti universi vem perdendo a relevância
no âmbito da teoria do serviço público. Remete-se a sua
prestação às atividades gerais do Estado, reservando-se o
conceito de serviço público aquelas atividades de prestação de
utilidades dirigidas a usuários determináveis.
110
Realmente, o serviço público é colocado à disposição do público em
geral, com foco no usuário, que deve se beneficiar daquela comodidade
material a ele destinada. O interesse coletivo a ser salvaguardado pela
consecução dos serviços públicos é justamente o interesse que cada usuário
do serviço possui em receber aquela prestação estatal e desfrutá-la
plenamente.

110
Usuários de serviços públicos: usuários, consumidores e os aspectos econômicos dos serviços
públicos. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 24.
83
Tal orientação tem fundamento nas lições de Renato Alessi, conforme
nos alerta o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, que pressupõe a
concretização de uma relação jurídica entre a Administração e o particular
destinatário da prestação. Para o renomado jurista italiano, não seria possível
falar em relação jurídica concreta tendo por base o oferecimento de serviços
públicos, se esses não forem singularmente fruíveis pelo administrado.
111
Nesse contexto, não se coadunam com a exata noção de serviço público
os serviços uti universi, devendo ser estabelecida, de forma concreta, uma
relação jurídica entre a Administração e o usuário, reafirmando o interesse
coletivo que determinou aquela atividade como legítimo serviço público.
112
Registre-se que o presente tema guarda absoluta conexão com a
questão da remuneração dos serviços públicos, restando claro que, ao se optar
por uma noção de serviço público cuja atividade seja singularmente desfrutada
pelo usuário, está-se também prescrevendo que a remuneração pelo serviço
prestado deverá ser também divisível e individual para cada um dos seus
utentes.
Os reflexos mais sensíveis dessa questão se encontram afetos à
concessão de serviços públicos, já que, como regra geral, os usuários serão os
responsáveis pela remuneração do prestador do serviço, com a possibilidade
de algum subsídio estatal.
Dessa forma, constata-se a necessidade de que as atividades que se
encontram afetas à materialização dos serviços públicos encontrem supedâneo

111
Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil. In Grandes temas de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009. P. 273.
112
Nesse sentido, valem as considerações bem articuladas de César Guimarães a respeito do tema: “Ao
mesmo tempo em que se afirma o caráter coletivo do serviço público (que torna instrumental a posição do
usuário), destaca-se o papel individual do usuário na relação concreto de serviço. Essa afirmação não
nega que o serviço público seja dirigida ao público em geral, a uma pluralidade indeterminada de usuários
em potencial. Mas, se baseia em que o usuário efetivo é determinado e integra uma relação jurídica
concreta. Por isso é que somente os serviços fruíveis singularmente é que podem ser caracterizados como
serviços públicos. (Usuários de serviços públicos: usuários, consumidores e os aspectos econômicos dos
serviços públicos. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 34).
84
nesses requisitos estabelecidos no conceito adotado, seja no que se refere ao
oferecimento de utilidade ou comodidade material aos destinatários do serviço,
seja na fruição singular da atividade pelo usuário.
3.4.5 Requisito Formal
Resta, então, examinar se o requisito formal se encontra compreendido
no conceito de serviço público adotado.
Nesse particular, verifica-se na parte final do conceito formulado pelo
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello que o serviço público encontra-se
afeto a “um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas
de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses
definidos como públicos no sistema normativo”.
113
Esse é justamente o ponto principal, do qual discordam alguns juristas,
que reputam que o regime jurídico de direito público não mais satisfaz as
necessidades atuais de prestação dos serviços e por isso, encontra-se
autorizada sua prestação sob regime de direito privado ou sob regime jurídico
parcial de direito público.
Apesar de tal posicionamento jurídico, a verdade é que a Constituição
Federal de 1988, ao incumbir à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios a senhoria de alguns serviços, imediatamente os submete ao
regime próprio que disciplinam as relações travadas entre essas entidades: o
regime jurídico de direito público.
Não teria qualquer sentido lógico ou jurídico atribuir determinado serviço
à incumbência dos entes federativos e, na sequência, admitir a possibilidade de
que sejam desenvolvidos sob a incidência de um regime de direito privado. O

113
Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil. In Grandes temas de direito administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009. P. 275.
85
regime próprio da Administração é o regime jurídico-administrativo, trata-se de
noção basilar, que não se pode negar.
114
Nesse sentido, se houver um serviço que esteja sendo realizado por
meio de outro regime que não o de direito público, pode-se dizer que tal serviço
não possui o qualificativo “público”, encontrando-se, destarte, sob outro regime,
próprio das atividades econômicas, em que impera a livre iniciativa.
Vale a citação do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello acerca da
inequívoca aplicação do regime de direito público aos serviços público:
[...] em suma: o que se deseja encarecer é que de nada
adiantaria qualificar como serviço público determinadas
atividades se algumas fossem regidas por princípios de Direito
Público e outras prestadas em regime de economia privada.
Posto que o jurista só tem interesse em localizar quis as regras
e princípios que presidem seu desempenho, ver-se-ia a braços
com noção inútil, imprestável para indicar-lhe o único objeto
que tinha em mira.
115
Além dessas considerações, que já bastariam para justificar a incidência
do regime especial, não resta dúvida que faz parte integrante desse regime
jurídico uma série de princípios e regras específicas que disciplinam o serviço
público, tais como a universalidade, continuidade e modicidade das tarifas,
dentre outros a serem pormenorizados nas linhas que seguem.
Adiante-se, todavia, que tais diretivas se encontram insculpidas em
norma infraconstitucional expressa, como ocorre no § 1º, do artigo 6º da Lei nº
8.987/95, diploma legal que regula a concessão dos serviços públicos.

114
Infelizmente, para justificar a incidência do regime de direito privado, alguns doutrinadores pincelam
algumas lições alienígenas, as quais, todavia, não possuem ressonância em nosso ordenamento jurídico, o
que infelizmente desprestigia a logicidade do seu pensamento. É o caso, por exemplo, da França, onde se
admite a prestação dos chamados serviços públicos industrias e comerciais em franco regime de direito
privado.
115
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010.
P. 680.
86
Não é demais afirmar, outrossim, que, se uma legislação
infraconstitucional estabeleceu, eventualmente, a possibilidade da prestação de
um serviço público em regime de direito privado temos duas possibilidade para
resolver o impasse: ou o dispositivo legal em questão é inconstitucional e,
dessa feita, deve ser expurgado do sistema mediante o procedimento jurídico
correto, alternativa que acaba sendo sempre criticada, pois se busca sempre a
adequação da norma ao sistema, ou aquele determinado serviço deixou de ser
público e, portanto, encontra-se, agora, sob a tutela da economia privada,
relegando-se, ao Estado, apenas, as funções de fiscalizá-lo e regulá-lo, em
flagrante desempenho de atividade de polícia administrativa.
A sustentar essa posição, não se entende retroceder no tempo, de forma
a defender algo que não encontra ressonância com os avanços tecnológicos
observados nos últimos anos, principalmente no que se refere à modernidade a
que os serviços públicos se encontram submetidos.
Não há dúvida que, em se tratando de serviço público, muitas
tecnologias surgiram e proporcionaram uma melhor prestação do serviço. Esse
é um fenômeno do mundo atual que não se pode negar: os meios de
telecomunicação são melhores do que outrora, os ônibus e trens são mais
avançados tecnicamente do que os de antigamente, as novas técnicas de
tratamento de esgoto e de resíduos sólidos configuram uma realidade pujante.
Todo esse quadro tecnológico, porém, jamais tem o condão de justificar
a alteração do regime jurídico de prestação dos serviços, e isso ocorre,
justamente, porque sua relevância social continua subsistindo. Com o advento
dessas novas tecnologias, pode-se dizer que a importância social do serviço
recebeu ainda maior sobrelevo, de forma a exigir do Estado uma superior
acuidade em seu tratamento.
Se os reclamos sociais se tornaram mais exigentes, cumpre ao Estado
oferecer serviços públicos que possam corresponder a tais expectativas,
servindo tais exigências como verdadeiras molas propulsoras de
desenvolvimento estatal.
87
Nesse sentido, o problema não será resolvido pela transferência da
titularidade do serviço aos particulares, e sua conseqüente inclusão ao regime
jurídico de direito privado e, sim, aparelhando o Estado para que se desenvolva
na mesma escala de exigência tecnológica requerida pelo meio social.
Saliente-se apenas que, para cumprir com tais desideratos, o Estado
tem ao seu dispor importantes instrumentos jurídicos que podem auxiliá-lo
nesse desenvolvimento, como é o caso, por exemplo, das concessões de
serviços públicos, em que os particulares, em perfeita colaboração com o
Poder Público, podem dispor dessas novas tecnologias, sem suprimir essa
atividade da titularidade estatal.
Nesse particular, o Estado ainda se encontrará marchando rumo aos
ditames do Estado Social de Direito, uma vez que poderá subsidiar, de forma
parcial ou integral, tais serviços aos usuários que não detenham condições
para tanto, de forma a inseri-los nesse contexto moderno.
Conclui-se, destarte, que o requisito formal se encontra devidamente
delineado no conceito de serviço público adotado, tal como ocorreu em relação
ao requisito subjetivo e o requisito objetivo ou material.
88
4. Princípios do serviço público
4.1. Considerações iniciais
Como visto anteriormente, os princípios jurídicos, hodiernamente, são
reconhecidos por sua efetiva normatividade, o que lhes confere o status de
normas jurídicas, tais como as regras. Todavia, a relevância dos princípios
jurídicos no direito se sobreleva em relação às meras regras, uma vez que eles
possuem um vetor axiológico que as regras não possuem, irradiando, com isso,
seus efeitos para todo o ordenamento jurídico e impondo suas diretivas.
Nesse sentido, a violação a qualquer princípio significa a violação de
porção significativa da própria ordem jurídica e os efeitos dessa violação são
extremamente prejudiciais, uma vez que, pela força expansiva dos princípios,
estar-se-á infringindo uma série ilimitada de preceitos já enraizados no sistema
positivo.
De outro lado, os princípios jurídicos afetos ao serviço público criam uma
série de preceitos obrigatórios que devem ser necessariamente respeitados
sempre que se tratar do instituto.
Esses preceitos consubstanciam um regime jurídico próprio do serviço
público, conformado não somente pelos princípios que compõem o regime
jurídico-administrativo, mas, também, por princípios específicos que lhe
conferem identidade.
Tais princípios foram concebidos originalmente pela doutrina francesa,
especialmente por Louis Rolland que, de forma precursora, estabeleceu os
seguintes princípios que deveriam nortear o instituto dos serviços públicos: a)
continuidade; b) adaptação; e c) igualdade.
À época, esses princípios denominavam-se “Leis de Rolland”, em justa
homenagem a seu idealizador, e, na evolução dos tempos, foram sendo
89
incluídos vários outros, tanto pelo esforço da jurisprudência francesa, quanto
pela doutrina mais abalizada.
116
No Brasil, o modelo principiológico concebido a partir da doutrina e
jurisprudência francesas acabou sendo absorvido, com algumas adaptações,
pelo nosso direito positivo, de forma a consolidar um regime especial, que tem
por finalidade última a prestação de um serviço adequado, tal como
previsto no inciso IV, do artigo 175 da Carta Constitucional de 1988.
Os princípios introduzidos no sistema, a partir daqueles de envergadura
constitucional, configuraram-se verdadeiras especificidades desse preceito
mais genérico, encontrando com ele consonância absoluta.
Assim, em que pesem esses princípios terem sido consolidados na
legislação infraconstitucional, especialmente na Lei nº 8.987/95, isso não quer
dizer que não irradiem seus efeitos para todo o direito positivo, como se
estivessem expressos na Constituição Federal. Isso porque o veículo que
introduziu determinado princípio no sistema jurídico não pode servir como
limitação à sua aplicação, sendo imprescindível valorá-los em perspectiva
sistemática.
117
Não é demais ressaltar, tendo em vista a própria evolução tecnológica
dos serviços públicos, que é possível que alguns princípios estejam voltados a
disciplinar apenas um específico serviço público. É claro que suas emanações
não incidirão sobre os demais serviços públicos, todavia, em relação a ele,
obviamente sua incidência é absoluta e fará parte integrante de seu regime
jurídico.
118

116
Consoante as lições de Stéphane Braconnier: “tous les services publics sont soumis, quels que soient
leur nature ou leur mode de gestion, à un corps de principes appelés ‘lois du service public’ ou ‘lois de
Rolland’, que leur sont applicables, même sans texte. L’égalité, la continuité e la mutabilité constituent
ainsi les piliers traditionnels de l’organisation de outo service public, les ‘lois réelles’ du service public.”
(Droit des services publics. 2ª Ed. atual. Paris: Puf, 2003. P. 299.)
117
O Professor Rafael Valim encarece como prova dessa circunstância, o que ocorre com o princípio da
segurança jurídica, “ao qual ninguém hesita em atribuir dignidade constitucional, não obstante sua
consagração expressa, conforme veremos, seja obra do legislador infranconstitucional.” (O princípio da
segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010. P. 37).
118
A chamada Lei de Saneamento (Lei Federal nº 11.445/07) estabelece em seu artigo 2º, uma série de
princípios fundamentais a serem observados na prestação dos serviços públicos de saneamento básico.
90
Passa-se, então, a uma rápida digressão acerca do conteúdo dos
princípios do serviço público que o direito brasileiro devidamente encampou, de
forma a reafirmar a noção de que o regime próprio dos instituto é o regime de
direto público, em perfeita consonância com o requisito formal adotado no
presente trabalho.
4.2 Princípio da Generalidade ou Universalidade
O princípio da generalidade ou universalidade prescreve que o serviço
público deve ser disponibilizado para toda a coletividade: trata-se de uma
decorrência do próprio princípio da igualdade.
Hodiernamente, pode-se dizer mais, que o conteúdo efetivo do princípio
da universalidade reside na imposição, ao Estado, de fazer com que todos os
usuários de uma dada coletividade recebam efetivamente o serviço público por
ele titularizado, não sendo mais suficiente sua mera disponibilização.
De nada adiantaria o Estado disponibilizar o serviço se ele não garantir
que todos sejam efetivamente atendidos por aquele serviço. O interesse
coletivo a ser protegido pela prestação do serviço não é satisfeito com a sua
mera disposição, mas sim, como o atendimento universal da sociedade.
Retira-se o fundamento jurídico do aludido princípio, de forma implícita,
da Constituição Federal, ao incumbir o Poder Público, em seu § 4º, do artigo
175 a manter serviço público adequado e, de maneira expressa, do disposto no
§ 1º, do artigo 6º da Lei nº 8.987/95.

Dentre eles, dispõe o inciso XII, do aludido preceptivo legal: “integração das infra-estruturas e serviços
com a gestão eficiente dos recursos hídricos”. Ora, é claro que tal princípio faz todo sentido em relação ao
serviço de saneamento básico, todavia, no tocante ao serviço público de transporte coletivo não é possível
se inferir qualquer aplicação, pois não há sentido lógico ou jurídico na integração da infra-estrutura do
transporte com a gestão eficiente de recursos hídricos!!!
91
4.3 Princípio da Modicidade
Aspecto que sempre suscita polêmicas acerca dos serviços públicos se
refere a sua remuneração. Realmente, por se tratar de atividade essencial à
coletividade, seria desnecessário afirmar que sua acessibilidade deve ser
garantida, mediante o pagamento de valores baixos ou mesmo subsidiados,
uma vez que, no Brasil, grande parte da população vive em estado de
miserabilidade ou muito próximo dele.
Não há dúvida que dificilmente o Estado teria condões de arcar, com
exclusividade, os serviços públicos para a coletividade, já que não é só a
população que sofre com a falta de recursos. É claro que a situação econômica
do País se encontra melhorando nos últimos anos, mas não é possível
generalizar, principalmente no Brasil, que possui dimensões continentais,
existindo entes federativos que sofrem intensamente com a falta de recursos
diante da enormidade de atribuições que lhe são incumbidas.
O que fazer, então? Como conciliar realidades tão distintas social e
economicamente e estabelecer um requisito jurídico que possa privilegiar a
modicidade tarifária, permitindo uma redução das desigualdades sociais?
Ora, a solução é antiga: é justamente por conta das diretivas
encabeçadas pelo princípio da modicidade tarifária que o Estado deve se
nortear sua atuação, sempre atento ao modelo social que se encontra
tracejado na Carta Constitucional de 1988.
Esse norte da modicidade tarifária, que tem status de princípio jurídico,
deve guiar o administrador para, em casos em que se esteja diante de
condições econômicas favoráveis, promover gratuitamente a prestação de tais
serviços para as camadas mais pobres da população ou, caso não seja
possível, estabelecer tarifas sociais, subsidiadas em parte pelo Poder Público,
de forma que o serviço público seja efetivamente prestado.
92
No caso de entes federativos mais carentes, algumas alternativas
podem ser aventadas, já que a única que deve ser descartada é a omissão
estatal em deixar de prestar os serviços públicos. Por outro lado, não se pode
olvidar que a infra-estrutura necessária para o desenvolvimento dos serviços
públicos, na maioria dos casos, demanda um elevado volume de
investimentos.
119
Nesses casos, em que o ente federativo não disponha de recursos para
investir em serviços públicos ou não tenha índice de liquidez necessário para
obter financiamento, a alternativa que se coloca é, muitas vezes, estabelecer
uma parceria com o ente privado, que de alguma forma irá propiciar que tais
serviços públicos sejam colocados à disposição do particular.
Nem se diga que essa possibilidade é inadequada, porque o empresário
que irá funcionar como prestador do serviço visa ao lucro e, portanto, a
população será inevitavelmente explorada.
Essa é uma visão antiga e inadequada do instituto, pois a despeito do
empresário realmente visar ao lucro, esse acréscimo patrimonial não precisa
ser extorsivo, de forma a sacrificar demasiadamente o cidadão. Ao se manter
nas mãos do Estado a titularidade do serviço, e com isso, o efetivo controle da
remuneração do particular, é possível adequá-la à realidade econômica da
população. Alternativa nociva e altamente prejudicial seria submeter essa
lucratividade às regras de mercado, como muitos pretendem por meio das
privatizações
120
.
No caso da concessão, a amortização do capital investido pelo
empresário pode ser bastante alongada, não sendo necessário que todo o
montante seja revertido nos primeiros anos da execução contratual,

119
Não resta dúvida que pior alternativa para a coletividade do que a impossibilidade do Estado não
possuir recursos para prestação de serviços públicos é deixar de prestá-los. Dessa forma, por mais que um
processo de concessão de serviços públicos possa ser criticado (corrente à qual não me filio),
indubitavelmente é mais salutar do que a inação estatal em relação aos serviços públicos.
120
Privatização no sentido de venda dos ativos públicos aos particulares, em regime de livre iniciativa,
conforme estabelecido na Lei Federal que veiculou o Programa Nacional de Desestatização.
93
observando-se o nível de capacidade financeira da população, sem qualquer
trauma.
Além disso, para os mais carentes, que não podem remunerar a
prestação dos serviços públicos, pode ainda o Estado subsidiar os custos,
permitindo que aquele cidadão recupere, finalmente, a sua dignidade.
Veja-se, pois, a importância do princípio da modicidade das tarifas: é ele
que, indubitavelmente, obrigará que o Estado promova a prestação dos
serviços públicos em valores que possam ser suportados pela população, em
flagrante harmonia com o princípio do solidarismo e da dignidade da pessoa
humana.
A Constituição Federal prescreveu em seu inciso III, do parágrafo único,
do artigo 175 que o legislador infraconstitucional deverá disciplinar a política
tarifária dos serviços públicos. Em cumprimento à determinação constitucional,
a Lei nº 8.987/95 além de prescrever em seu § 1º, de forma expressa, que
serviço adequado é aquele que satisfaz a modicidade das tarifas, inclui em seu
Capítulo IV o Título “DA POLÍTICA TARIFÁRIA” de forma a disciplinar
adequadamente a questão. Nesse particular, ressalve-se que o artigo 11 da Lei
de Concessão prevê a possibilidade de se instaurarem receitas alternativas
para favorecer a modicidade das tarifas.
4.4 Princípio da Continuidade
Ao tratar das raízes do princípio da continuidade, a Ilustre Professora
Dinorá Grotti encarece que:
Para a Escola do Serviço Público, o princípio da continuidade é
um requisito qualificador do serviço público. Jèze chega a
fundamentar seu regime jurídico especial na exigência
prestacional contínua e regular, pois todas as regras jurídicas
especiais ‘têm por objeto facilitar o funcionamento regular e
contínuo do serviço público, satisfazendo, de forma mais rápida
e completa que seja possível, as necessidades de interesse
geral.’ Na França, o princípio da continuidade tem valor
94
constitucional pelo Conselho Constitucional e é considerado
princípio geral de direito pelo Conselho de Estado.
121
E continua a preclara Professora:
[...] o princípio da continuidade dos serviços públicos deriva de
sua indispensabilidade, do seu caráter essencial e do interesse
geral que o serviço satisfaz. Destarte, seu funcionamento há de
ser contínuo, sem interrupções, a não ser em hipóteses
estritas, previstas em lei.
122
Diante da ressalva feita ao final do trecho transcrito acima, cumpre
verificar, num primeiro momento, se se trata, aqui, efetivamente, de um
princípio ou de uma regra jurídica.
Sem nos aprofundarmos demasiadamente no espinhoso tema, quer nos
parecer que, quando se trata de um verdadeiro princípio jurídico não há que se
falar em exceções: sua aplicabilidade é absoluta, em dada área do direito.
O acerto dessa conclusão talvez se possa demonstrar de forma indireta
pela análise dos conceitos expendidos por Robert Alexy na sua conhecida
“Teoria dos Direitos Fundamentais” quando analisa o fenômeno da colisão
entre regras jurídicas e princípios jurídicos.
123
Escrevendo sobre o conflito de regras, Robert Alexy afirma que “um
conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma
regra, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma
das regras for declarada inválida” (sublinhamos)
124
.

121
A ordem econômica na Constituição de 1988. 13ª. Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
P. 260.
122
Idem. Ibidem. P. 260.
123
Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 92.
124
Idem. Ibidem. P. 92. De se observar, porém, que Ronald Dworkin entende que essa regra de exceção
deva se conter na enunciação completa da própria norma – mas esta afirmação apenas reforça o
argumento do texto. (Levando os direitos a sério. 2ª Ed. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2007. P. 40)
95
Portanto, essas considerações deixam claro que uma regra pode ter
uma exceção – seja na formulação dela própria (Dworkin), seja mediante
formulação autônoma, em outra norma jurídica (Alexy).
Porém, ao analisar a colisão entre princípios, diz Alexy:
As colisões entre princípios deve ser solucionadas de forma
completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que
ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um
princípio e, de acordo com o outro, permitido – um dos
princípios terá de ceder.
125
Ora, isso significa que o princípio, além de não ter exceção, deve se
aplicar por inteiro a dada área de regramento jurídico e, caso venha a colidir
com outro, há que se valer da chamada lei da colisão enunciada por Alexy:
“A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de
uma relação de precedência
entre os princípios, com base nas
circunstâncias do caso concreto. Levando-se em consideração
o caso concreto, o estabelecimento de relações de
precedências condicionadas consiste na fixação de condições
sob as quais um princípio tem precedência em face do outro.
Sob outras condições, é possível que a questão de
precedência seja resolvida de forma contrária”.
126
Assim, da afirmação feita pela Professora Dinorá Grotti – “Destarte, seu
funcionamento há de ser contínuo, sem interrupções, a não ser em hipóteses
estreitas, previstas em lei”
127
– no que tange às exceções, segundo
entendemos, deve ser interpretada como exceções à fruição individual do
serviço e não quanto à paralisação do serviço como um todo.
Portanto, há que se distinguir o princípio geral da continuidade das
regras especiais de fruição do serviço.
Dessa forma, se uma estação de tratamento de água precisa de energia
elétrica para funcionar e por algum motivo o prestador do serviço deixou de

125
Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 93.
126
Idem. Ibidem. P. 96.
127
O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 261.
96
adimplir o fornecedor, não poderá esse último interromper o serviço, pois o
bem maior a ser salvaguardado é o interesse público que há no fornecimento
de água para a população, devendo o prestador dos serviços de energia
elétrica promover as medidas judiciais cabíveis no sentido de ver seu crédito
satisfeito, sem qualquer sacrifício da população.
128
Tais considerações, polêmicas é verdade, não nos impede de enfatizar
que, malgrado essas circunstâncias especiais rigorosamente tratadas na
legislação, o princípio deve possuir aplicação absoluta e é extremamente
importante que assim o seja, para que o Estado não tenha como,
legitimamente, justificar sua inação em relação à paralisação da prestação dos
serviços, de forma a assumir todas as responsabilidades que dessa situação
advierem.
129
Imagine-se se a concessionária que promove a prestação dos serviços
de transporte ferroviário resolver paralisar o serviço sponte propria:
indubitavelmente prejudicará um número ilimitado de pessoas, encontrando-se
sua conduta absolutamente vetada por conta do aludido princípio.
Registre-se, outrossim, que o princípio da continuidade tem estreita
relação com um princípio geral de direito administrativo, qual seja, o princípio
da indisponibilidade do interesse público.
Assim como, por conta desse princípio geral, o Estado se encontra
investido em determinadas funções, encarnando interesses que não lhe são
próprios, mas tendo o dever de curá-los, nos termos da finalidade a que estão
adstritos: na prestação dos serviços públicos o Estado, por conta do princípio

128
Nesse particular, anota-se que existem acórdãos proferidos pelos mais diversos Tribunais do Brasil
(TJSP, TJRS, TJRO, TJPR, STJ) admitindo a impossibilidade do corte de energia elétrica, por constituir
serviço público indispensável à população, obediente ao princípio da continuidade, tanto no que se refere
aos particulares como às entidades estatais e também decisões no sentido contrário, em face inclusive, da
inadimplência do usuário.
129
A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem enfrentado essa polêmica questão há muito tempo,
sendo possível identificar decisões favoráveis e desfavoráveis acerca da possibilidade de interrupção do
serviço. No mesmo sentido é a doutrina, que ora admite a possibilidade de interrupção, ora não admite.
Existem ainda aqueles que estabelecem uma terceira opção, admitindo a interrupção em alguns casos
(como no dos serviços facultativos) e inadmitindo nos chamados serviços obrigatórios.
97
da continuidade, tem o dever de prestá-los uma vez que não se encontram sob
sua livre disposição.
Do princípio da indisponibilidade do interesse público decorre o chamado
princípio da obrigatoriedade do desempenho de atividade pública e seu
cognato, o princípio da continuidade do serviço público.
Acerca do tema, eis a transcrição literal das lições do Professor Celso
Antônio Bandeira de Mello:
[...] o princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade
pública traduz a situação de ‘dever’ em que se encontra a
Administração – direta ou indireta – em face da lei. Como
efeito, uma vez que a Administração é curadora de
determinados interesses que a lei define como públicos e
considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para
ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade
administrativa é princípio que se impõe e prevalece em
quaisquer circunstancias.
130
Continua o Emérito Jurista:
Outrossim, em face do princípio da obrigatoriedade do
desempenho da atividade pública, típico do regime
administrativo, como vimos vendo, a Administração sujeita-se
ao dever de continuidade no desempenho de sua ação. O
princípio da continuidade do serviço público é um subprincípio,
ou, se se quiser, princípio derivado, que decorre da
obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa.
Esta última, na conformidade do que se vem expondo, é, por
sua vez, oriunda do princípio fundamental da ‘indisponibilidade,
para a Administração dos interesses públicos’, noção que bem
se aclara ao se ter presente o significado fundamental já
exposto da ‘relação da Administração’.
131
Vê-se, portanto, que o princípio em referência decorre diretamente do
regime jurídico-administrativo. Todavia, é possível se encontrar anotação
legislativa expressa ao princípio no § 1º, do artigo 6º da Lei nº 8.987/95, a
chamada Lei de Concessões e também no próprio Código de Defesa do
Consumidor (Lei Federal nº 8078/90) no caput, do seu artigo 22.

130
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
80.
131
Idem. Ibidem. P. 81.
98
Registre-se, finalmente, que existem diplomas legais, cujo objeto é a
disciplina de determinados serviços públicos, os quais fazem referência
expressa ao aludido princípio e também estabelecem as hipóteses em que não
possui aplicação. Para exemplificar o quanto exposto é possível citar os
serviços públicos de saneamento básico, em relação ao qual a Lei 11.445/07,
em seu artigo 43, estabelece que “a prestação dos serviços atenderá a
requisitos mínimos de qualidade, incluindo a regularidade, a continuidade” e
ainda, em preceptivo precedente, isto é, no artigo 40, há o registro das
hipóteses em que a fruição dos serviços pode ser interrompida.
4.5 Princípio da Transparência
O princípio da transparência reclama que, em sede de prestação de
serviços públicos, sejam conferidas à coletividade, da forma mais ampla
possível, todas as informações concernentes aos serviços, para que os
usuários tenham efetiva ciência de como anda a sua prestação.
Se os serviços públicos prestigiam um interesse coletivo, não resta
dúvida que os titulares desse interesse devam ter conhecimento da situação
em que se encontra a prestação desses serviços.
No intuito de dar cumprimento ao referido princípio é que se encontram
previstas as audiências e consultas públicas, tão salutares para permitir que a
coletividade participe efetivamente de decisões administrativas que tenham por
objeto a prestação de serviços públicos.
Tão somente para ilustrar, verifica-se que a nova Lei de Saneamento
Básico veio estabelecer uma série de atividades nesse sentido: prevê a
realização de audiência e de consultas públicas sobre o edital de licitação e
contrato, no caso de concessão dos serviços (inciso IV, do artigo 11); assegura
ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico mediante a
realização de audiências ou consultas públicas (§ 5º, inciso V, do artigo 19);
garante, no processo de elaboração e revisão dos planos de saneamento
básico, a realização de consulta e audiências públicas para oferecimento de
99
críticas e sugestões (artigo 51); determina a oitiva dos usuários de serviço
público no caso do Poder Público promover revisão tarifária (§ 1º, do artigo 38),
dentre outras.
A obrigatoriedade que se impõe, pelo princípio da transparência, permite
uma participação direta da coletividade na promoção dos serviços públicos,
diminuindo o tradicional distanciamento que normalmente se apresenta entre
os agentes públicos e a coletividade, de forma a inserir o particular no processo
de decisão administrativa, uma vez que produzirá efeitos imediatos em sua
esfera jurídica. Em certos casos, certamente a participação popular irá
demonstrar que o caminho intentado pela Administração pode ser desastroso
se ouvido o usuário.
Para arrematar, registre-se que o aludido princípio é corolário do
princípio da publicidade, que consagra o dever da Administração Pública de
manter plena transparência em seus comportamentos. Tal princípio, a despeito
de sua especial feição em relação aos serviços públicos, acaba irradiando seus
efeitos para toda a Administração, por fazer parte integrante do regime jurídico-
administrativo, à luz do disposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
4.6 Princípio da Adaptabilidade, Mutabilidade ou Atualidade
Ausente de dúvida que o serviço público deva ser prestado de acordo
com os padrões tecnológicos mais atuais possíveis, devendo se adaptar às
modernidades para que não fique obsoleto.
Consoante asseverado, requer-se um serviço público moderno, atual,
que disponha das melhores tecnologias disponíveis no mercado. Não se
admite mais um serviço precário, ultrapassado, antiquado. Deve o Estado se
encontrar preparado para promover, sempre que necessário, as adaptações
que sejam necessárias.
Em casos em que o serviço público tenha sido delegado ao particular, a
exigência deve ser inquestionavelmente mantida, devendo o prestador do
100
serviço oferecer aos usuários um serviço moderno, que disponha de
tecnologias avançadas, de forma a atender os anseios da coletividade.
Por isso, em contratos que tenham essa natureza e que normalmente
são celebrados por períodos longos (20, 30 até mesmo 40 anos), é preciso que
o instrumento convocatório seja muito bem elaborado para possibilitar que,
mesmo após alguns anos de execução contratual, as novas tecnologias
surgidas possam ser incorporadas, de forma a promover uma adaptação
contínua e gradual.
Não é por outro motivo que a Lei de Concessão, no § 1º, do artigo 6º,
agasalhou o aludido princípio de maneira expressa, obrigando o concessionário
a oferecer um serviço adequado, que satisfaça as condições de atualidade.
4.7 Princípio da Cortesia
A Professora Dinorá Grotti sintetiza bem o princípio da cortesia ao
asseverar que:
[...] traduz-se em bom acolhimento ao público. Impõe-se a
quem presta um serviço público um tratamento urbano,
civilizado, sem o menosprezo daquele que se considera dono
da coisa pública, prevalecendo-se do poder que lhe foi
atribuído, tal como se estivesse prestando um favor aos
usuários.
132
O serviço público tem como destinatário o usuário: não seria lógico
construir todo um regime próprio para os serviços públicos, guardião do
interesse coletivo, se fosse autorizado que os prestadores do serviço agissem
de forma a aviltar os que dele se utilizam. Trata-se de uma peculiaridade
importante e que terá o condão de impor aos agentes faltantes severas
sanções pelo descumprimento desse dever.

132
O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 299.
101
Registre-se que o princípio não deve nortear simplesmente aqueles que
de, alguma forma, se relacionam mais diretamente com o usuário, mas de
todos quantos desempenham as atividades materiais específicas concernentes
àquele serviço.
Por outras palavras, os destinatários de suas diretivas são, portanto,
todos os prestadores do serviço, desde a autoridade máxima da entidade até
um simples operador material do serviço em referência. A reciprocidade deve
também existir em relação aos usuários, diga-se de passagem.
O mínimo que se espera daquele que venha a prestar o serviço é um
comportamento afável, educado e cortês, em perfeita sintonia com os mais
comezinhos deveres de urbanidade. Não foi por acaso que o princípio da
cortesia recebeu expressa menção no § 1º, do artigo 6º, da Lei de Concessão.
4.8 Princípio da Igualdade
O princípio da igualdade, aplicável, indistintamente, a toda atividade da
Administração Pública, tem especial incidência no regime jurídico dos serviços
públicos. A noção que nele se encerra é bastante simples: a Administração
Pública deve tratar todos os administrados de forma igualitária, desprovida de
qualquer discriminação injustificada. Encontra previsão expressa no artigo 37,
caput da Constituição Federal, além de estar mencionado no caput, do artigo 5º
da Carta de 1988 (“todos são iguais perante a lei”).
Aplicando essas noções ao serviço público, tem-se que os seus usuários
devem ser tratados de forma juridicamente igual, sem qualquer tipo de
discriminação.
Obviamente, aqueles que merecerem tratamento diferenciado ou
especial, por alguma condição pessoal específica, devem recebê-lo, pois
somente assim serão tratados de forma igual aos que não apresentam essas
deficiências.
102
O que se exige é uma relação de pertinência entre a circunstância
específica em que se encontra o usuário e o dever de fornecimento do serviço,
sendo legítimo, portanto, que sejam realizadas adaptações para prestação do
serviço em relação aos usuários que ostentem tal discrímen.
Parafraseando o célebre ensinamento de Celso Antônio Bandeira de
Melo, o critério discriminatório para estabelecimento de diferentes regimes
jurídicos a beneficiar determinadas categorias (nunca usuários individualmente
identificados) sempre deve guardar relação de pertinência lógica para com o
motivo de fato escolhido, sempre à vista de racional fundamento para tanto
133
.
É claro que se o tratamento que é conferido ao usuário não guardar
qualquer pertinência com a sua situação especial, mesmo que seja para
conferir-lhe benefícios, tal comportamento é juridicamente inadequado, sendo
possível a responsabilização do prestador.
O transporte coletivo especial, utilizado por pessoas com algum tipo de
deficiência, reclama uma série de especificidades que o transporte ordinário
não apresenta, sendo uma obrigação estatal adaptar o serviço para que todos
possam acessá-lo e, com isso, eliminar qualquer tipo de obstáculo.
Nesse sentido também são justificadas as chamadas “tarifas sociais”,
que são oferecidas a determinada categoria de usuários, que contemplam
valores mais baixos para prestação de um determinado serviço público. É
justamente em função de uma dada situação de vida real (como a condição
econômica do cidadão) que se proporcionam condições específicas para que
aquele usuário possa usufruir, como qualquer outro cidadão, do serviço púbico.
Essa é uma faceta importantíssima do regime jurídico do serviço público,
sendo absolutamente necessárias todas as ações estatais que possam, de
alguma forma, proporcionar um tratamento especial aos usuários que dele
precisam, a fim de inseri-lo no contexto social: esse é o verdadeiro espírito que

133
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª Ed. 13ª Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 21.
103
deve nortear a prestação dos serviços públicos; essa é a filosofia que deve
balizar a atividade administrativa no seio do Estado Social.
4.9 Princípio da Regularidade
No que se refere ao princípio da regularidade, alguns autores o
estabelecem como corolário do princípio da continuidade. Todavia,
examinando-se de forma mais detida o conteúdo de cada um deles, percebe-se
que são diferentes.
Essa posição tem supedâneo na própria legislação de regência, que
aponta de maneira expressa tanto a “continuidade” quanto a “regularidade”,
conforme se infere no § 1º, do artigo 6º da Lei nº 8.987/95. Caso pretendesse
falar da mesma realidade jurídica, não teria o legislador expressamente
registrado os dois princípios, bastaria falar em continuidade ou em
regularidade.
Dessa forma, o conteúdo do princípio da regularidade se refere à
necessidade do serviço público ser prestado de acordo com as normas que o
disciplinam, de forma a atender às condições específicas em que foram
concebidos.
No momento em que o prestador de serviço público deixa de atender às
normativas que o individualizam, acaba descumprindo o princípio da
regularidade, a exigir a fiel observância, durante toda a prestação do serviço,
das condições e regras preestabelecidas.
Esse conteúdo, a despeito de ser um complemento à continuidade, com
ela não se confunde. Pode ocorrer, então, uma situação em que o serviço
público esteja sendo prestado de forma contínua, todavia, sem regularidade.
104
4.10 Princípio do Controle (Interno e Externo) sobre as condições de sua
prestação
O princípio em referência foi expressamente consignado pelo Professor
Celso Antônio Bandeira de Mello como parte integrante do regime jurídico dos
serviços públicos
134
.
Essa posição doutrinária, que nos parece absolutamente acertada, tem
fundamento justamente na importância que os serviços públicos possuem para
coletividade, devendo sua prestação receber uma rígida fiscalização por parte
dos órgãos de controle, de forma a evitar quaisquer prejuízos aos usuários.
Nesse sentido, a efetiva fiscalização do cumprimento do especial regime
jurídico dos serviços públicos deve ser realizada não só pelos órgãos da
própria Administração que integram o chamado “controle interno”, mas
também por entidades alheias à Administração, que detêm competência
legislativa para prover o “controle externo”.
Consoante anota Gabriela Dal Pozzo, em sua monografia acerca das
funções do Tribunal de Contas e o Estado de Direito, o controle interno:
[...] é aquele que se realiza em cada um dos órgãos ou
entidades do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, sobre
seus próprios atos e agentes. Pode ser também o controle que
se exerce sobre as atividades descentralizadas que lhe estão
vinculadas.
135
Mais à frente, a mesma autora revela o que se deva entender por
controle externo:
[...] trata-se de controle realizado por um poder ou órgão
distinto, apartado da estrutura do órgão fiscalizado. Em sentido
amplo, é externo o controle desempenhado pelo Poder
Judiciário sobre os demais poderes, bem como o cumprido
pela Administração indireta. Em sentido estrito, o controle

134
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
679.
135
As funções do tribunal de contas e o estado de direito. Belo Horizonte: Fórum, 2010. P. 54.
105
externo, nos termos do que dispõe o artigo 70 da Constituição,
é tão só aquele exercido pelo Poder Legislativo (controle
político) e pelo Tribunal de Contas (controle financeiro) sobre a
Administração direta e indireta dos demais poderes.
136
Assim, tanto os órgãos internos que realizam a atividade de controle,
como as entidades externas à Administração Pública, tais como, o Congresso
Nacional (no caso de serviços públicos de titularidade da União e as demais
casas legislativas respectivas no caso de Distrito Federal, Estados e
Municípios), os Tribunais de Contas e o Poder Judiciário, devem exercer um
preciso controle sobre a prestação dos serviços públicos, de forma a
verificar se as atividades que estão sendo desenvolvidas se encontram
realizadas sob o regime jurídico aplicável.
Nessa linha de considerações, deve-se destacar que se configuraria um
total despautério reservar aos serviços públicos uma série de princípios e
regras especiais, sem se conferir a algumas entidades o dever de fiscalizá-los.
A forma com que tais entidades desempenharão tal desiderato, seja no
controle interno como no externo, poderá ser múltipla, a depender das normas
que a disciplinam.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por exemplo,
estabeleceu forma bastante interessante de promover o controle da prestação
de serviços públicos, especialmente quando desempenhados por entidades
privadas, mediante concessão (comum, administrativa ou patrocinada) e
permissão.
Trata-se da Instrução nº 01/2008 e da Instrução nº 02/2008 daquela
Egrégia Corte de Contas, em vigência a partir de 01 de janeiro de 2009, a
primeira no âmbito do controle realizado nos atos e contratos entabulados pelo
Estado de São Paulo e a segunda nos Municípios paulistas, em que os
referidos entes públicos encontram-se obrigados a oferecer ao Tribunal, 30
(trinta) dias após a data de aniversário de cada vigência contratual, uma série
de documentos para proceder à fiscalização e o acompanhamento das

136
Idem. Ibidem. P. 60.
106
atividades desenvolvidas pelas entidades prestadoras de serviço público sob
regime de concessão e permissão.
137
Ainda no tocante ao controle da prestação de serviços públicos pelos
particulares, é possível destacar outra interessante situação: é possível que
determinados serviços necessitem de um sistema de controle ainda mais
minucioso por parte da Administração Pública, como é o caso de atividades
que demandam uma elevada expertise técnica em sua consecução.
Nesses casos, além do controle realizado pela própria Administração
Direta (Secretaria, Departamento ou qualquer órgão competente), impende
como necessária a constituição de uma entidade estatal (autarquia ou
autarquia especial, as chamadas agências reguladoras) específica para
realizar, de forma mais minuciosa ainda, a fiscalização das entidades
particulares na prestação dos serviços.
A título de exemplo dessa situação jurídica, pode-se citar a Lei Federal
nº 11.445/07, a chamada Lei de Saneamento Básico, que em seu artigo 11,
inciso III, estabelece como condição de validade de contratos que tenham por
objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico adesignação
da entidade de regulação e de fiscalização”.
O legislador infraconstitucional, diante da magnitude do serviço de
saneamento básico, optou por um sistema mais rígido para promover sua
regulação e fiscalização, obrigando a constituição de uma entidade, “com
independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e
financeira” (artigo 21, I, da referida Lei) que possa se incumbir da consecução
de tais tarefas.

137
Inúmeros são os dispositivos normativos compreendidos nas aludidas Instruções acerca do controle
dos serviços públicos. Apenas a título exemplificativo, salienta-se o artigo 23, da Instrução nº 01/2008
(Área Estadual) que assim prescreve: “Artigo 23. Para fins de fiscalização e acompanhamento das
atividades desenvolvidas pelas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, a Secretaria
outorgante da concessão deverá encaminhar a este Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias após a data de
aniversário de cada vigência contratual, cópia dos seguintes documentos, retratando o respectivo
período anual encerrado: (...)”.
107
A atividade de controle é, indubitavelmente, de curial importância, tal
como o serviço público; os agentes faltosos devem ser devidamente
responsabilizados por qualquer tipo de atividade envolvendo o serviço público
que, de alguma forma, venha a ofendê-lo ou desrespeitá-lo.
Registre-se, nesse cenário, que o regime dos serviços públicos permite,
inclusive, a aplicação da própria Lei Federal nº 8.429/92, a chamada Lei de
Improbidade Administrativa, para efeito de responsabilizar aqueles que, de
alguma forma, tenham praticado comportamento qualificado pelo aludido
diploma legal, como “ato de improbidade administrativa”. Basta lembrar que as
penalidades previstas nesta Lei são extremamente gravosas, motivo pelo qual,
resguarda-se, ainda mais, a adequada prestação do serviço público.
Por fim, para que não fique sem registro, hodiernamente, uma das
maiores preocupações que pode acometer o Estado na prestação de serviços
públicos é o aspecto ambiental envolvido. Não há dúvida que a construção da
infra-estrutura necessária para prestação dos serviços públicos exige uma série
de intervenções físicas nas localidades de sua realização.
Nesse desiderato, a preocupação com o meio ambiente, deve ser
incisiva, não somente em razão da conatural consciência ecológica que todos
devem albergar, mas também pelas rígidas sanções que podem ser impostas
pelos órgãos de controle ambiental no caso de descumprimento das normas
aplicáveis. Esse é também um viés importante a ser considerado na atividade
de controle da prestação de serviços públicos: o viés ambiental.
108
5. Serviço público e atividade econômica
5.1 A formação da ordem social e da ordem econômica pela ótica do
princípio do solidarismo
Consoante asseverado no início do presente trabalho, perante a crise do
modelo liberal, esculpiu-se uma nova forma de se enxergar a relação indivíduo-
sociedade. O individualismo jurídico, proveniente do liberalismo clássico,
revelava-se fonte de injustiças e desigualdades, rendendo ensejo ao
aparecimento de ideários solidaristas, preconizadores da superioridade de
valores sociais sobre ele.
138
Pela lógica solidarista, o Estado não poderia ficar no imobilismo, sendo-
lhe imperioso assegurar o equilíbrio do sistema social, mediante
comportamentos positivos, com vistas à redução das desigualdades sociais,
dentre os quais se alvitrava a prestação de serviços públicos.
Nessa esteira, Almiro do Couto e Silva
139
anota que, desde o advento do
Welfare State, a intervenção no plano econômico e no campo social era a nota
distintiva por excelência da nova conformação do Estado.
A ordem econômica
140
, após a morte do modelo liberal clássico e
advento da ideologia do Estado Social de Direito, conduz-se a viabilizar a
fruição de bens e interesses de ordem social que repercutam na existência
digna de todos.
É nessa dialética, fundada em discurso solidarista
141
, que a atual
Constituição prevê a ordem econômica com fundamento em valores sociais.

138
FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar,
1998. PP. 187-196.
139
Os indivíduos e o Estado na realização de tarefas públicas. Revista da Procuradoria Geral do Estado do
Rio Grande do Sul. V. 27. Nº. 57, 2003. P. 195.
140
Está-se a se referir a esse designativo “ordem econômica” como se fosse uma parcela da ordem
jurídica, como preconiza Eros Grau. (A ordem econômica na Constituição de 1988. 13ª. Ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2008. P. 68 e seguintes)
141
“O discurso do direito de solidariedade se inscreve numa experiência jurídica imanente, onde se busca
a articulação entre o coletivo e o individual. A justiça social aparece como um parâmetro da experiência
109
Deseja-se, aqui, sublinhar que a relação entre a ordem econômica e a ordem
social – como bem anota Carolina Zancaner Zockun – é constitucionalmente
umbilical, já que aquela, fundada na valorização do trabalho, tem por finalidade
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social.
142
Nesse sentido, o caput do artigo 170 da Constituição Federal, que
inaugura o capítulo acerca dos princípios gerais da atividade econômica,
enuncia que a ordem econômica deve se encontrar fundada na “valorização do
trabalho” e tem por fim “assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social”. Por sua vez, o inciso VII do precitado artigo
estabelece que a ordem econômica deverá observar o princípio da “redução
das desigualdades regionais e sociais”, expressão máxima do conteúdo
solidarista.
Por outro lado, a ordem social, consoante o disposto no artigo 193, que
funda em nossa Constituição o Título da “Ordem Social”, tem como base o
primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais, anseios
também correlatos à teoria do solidarismo.
Da leitura dos aludidos dispositivos, resta inconteste que o
constitucionalismo do Estado Social Brasileiro encareceu, tanto para o domínio
econômico quanto para a ordem social, o pleno atendimento às diretivas
preconizadas pelo princípio do solidarismo, de forma a edificar uma sociedade
que propicie condições favoráveis de vida para todos os seus partícipes,
erradicando a pobreza, a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais.

jurídica. Esta, por conseqüência, passa a ter como referência valores éticos, morais e sociais que não são
criados por uma transcendência, nem procurados numa instância exterior, mas sim neste mundo onde
vivemos, inscrevendo-se numa lógica de imanência dos valores morais e sociais. Os fundamentos e
conteúdos dos valores morais e sociais, assim como a legitimidade política, não são procurados num
além, numa vontade divina ou racional; eles se encontram nos seres , homens e mulheres situados nas
relações sociais diferenciados no tempo e no espaço. Esse espaço de imanência, que não procura algures a
liberdade, mas neste mundo finito onde vivemos, constitui a condição de autonomização do espaço social
e o exercício da liberdade dos grupos e dos indivíduos na sociedade. Sem abolir a metafísica, o direito de
solidariedade busca o fundamento dos valores sociais a partir de relações de imanência. ” (FARIAS,
José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. P. 279-
280).
142
“Isto quer dizer que a ordem econômica está plenamente adequada aos desideratos de um Estado
social, pois a liberdade de iniciativa tem claros limites à sua atuação, na medida em que o capital está
indiscutivelmente a serviço do bem-estar da população” (Da intervenção do estado no domínio social. São
Paulo: Malheiros-IDAP, 2009. P. 37).
110
O serviço público, a despeito de se encontrar inserto, em nossa
Constituição, na ordem econômica, afilia-se muito mais à ordem social, pois
apesar de ambos domínios (econômico e social) almejarem a melhoria das
condições de vida do cidadão, esse aspecto teleológico é alcançado de forma
mais plena e direta pela prestação de serviços públicos.
Fixadas essas premissas, passa-se a confrontar os serviços públicos
com as atividades econômicas, para, ao final, enquadrá-los dentro desse
contexto constitucional.
5.2 Distinção entre serviços públicos e atividades econômicas
Preleciona a Ilustre Professora Weida Zancaner que a Constituição
Federal de 1988 desenhou o divisor de águas entre o público e o privado,
prevendo, de um lado, os serviços públicos, a serem prestados pelo Estado ou
por intermédio de outorga a terceiros e, de outro, as atividades econômicas,
campo próprio de atuação dos particulares.
143
Nesse sentido é também a lição do Professor Celso Antônio Bandeira de
Mello, ao afirmar que a Constituição “estabeleceu uma grande divisão: de um
lado, atividades que são da alçada dos particulares – as econômicas; e, de
outro, atividades que são da alçada do Estado, logo, implicitamente
qualificadas como juridicamente não-econômicas – os serviços públicos. De
par com elas, contemplou, ainda, atividades que podem ser da alçada de uns
ou de outro.”
144
Conforme será melhor examinado adiante, as atividades econômicas
somente podem ser desempenhadas pelo Estado em caráter excepcional, em
casos específicos, dentre eles: ou quando for necessário por imperativo da
segurança nacional ou quando demandado por relevante interesse público,

143
Limites e confrontações entre público e o privado. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe (Coord.).
Direito administrativo contemporâneo: estudos em memória ao professor Manoel de Oliveria Franco
Sobrinho. Belo Horizonte: Fórum, 2004. P. 343.
144
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P.
794.
111
consoante prescreve o artigo 173 da Constituição da República. Já os serviços
públicos somente podem ser prestados pelos particulares se o Estado delegá-
los (artigo 175 da Constituição Federal), não obstante conservar-lhe a
titularidade.
Infere-se desses apontamentos uma verdadeira antinomia entre esses
setores plasmados na Constituição da República (atividade econômica versus
serviços públicos), sendo possível perscrutar, no sistema normativo brasileiro,
reservas suficientes para delimitar cada instituto.
Registre-se, ademais, que alguns doutrinadores não estabelecem essa
dicotomia de forma rigorosa, como é o caso, por exemplo, de Eros Grau, que
preleciona que o gênero atividade econômica em sentido amplo (assim
considerada aquelas dispostas no artigo 174 da Constituição Federal)
compreende três espécies: atividade econômica em sentido estrito
(atividades econômicas exploradas diretamente pelo Estado quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
público – artigo 173 da Constituição), serviços públicos (que podem ser
privativos ou não privativos, dependendo de sua exclusividade em relação ao
Estado) e ainda uma última e derradeira espécie, as atividades ilícitas
(atividades econômicas em sentido amplo, cujo exercício é vedado pela lei, tal
como a produção e comércio de drogas).
145
Parece que a presente classificação parte da ontologia da atividade, o
que, contudo, não se coaduna com o sentido jurídico conferido à expressão.
Com efeito, à luz da Constituição Federal, serviço público e atividade
econômica não se confundem, constituem noções antitéticas insuscetíveis,
portanto, de uma categorização conjunta, como se fossem espécies de um
mesmo gênero.
146

145
A ordem econômica na Constituição de 1988. 13ª. Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
PP. 90-128.
146
Merecem menção os ensinamentos do Professor Geraldo Ataliba a respeito das classificações no
direito: as definições jurídicas devem tomar por ponto de partida o dado jurídico supremo: a lei
constitucional. A partir do desenho constitucional dos tributos é que o jurista deve construir o seu
conceito; deve ater-se exclusivamente aos aspectos normativos, constitucionalmente prestigiados. Por isso
procuramos evitar postura não dogmática, informada por critérios pré-jurídicos, de grande valia para o
112
Nesse sentido, a observação de Emerson Gabardo:
Fala-se em atividade econômica em ‘sentido estrito’, pois o
serviço público também possui a ontologia de uma atividade
econômica, apesar de o sistema constitucional não reconhecer,
do ponto de vista jurídico, tal nomenclatura.
147
A despeito dessas inferências, os serviços públicos e as atividades
econômicas se apartam frontalmente uns dos outros.
Conforme antevisto, os requisitos para demarcar os serviços públicos,
em contraste com as atividades econômicas podem ser reduzidos a três, a
saber: o subjetivo, o objetivo ou material e o formal.
Deveras, a eleição de certa atividade como serviço público significa que
ela ficou incorporada ao Estado e excluída da esfera de ação livre dos
particulares. Aqui se está defronte a uma operação em que determinada
atividade resulta primordial para a satisfação das necessidades sociais, não
sendo possível oferecê-la sob a égide das leis de mercado.
148
Em rigor – escreve Juan Carlos Cassagne – a incorporação de uma
atividade ao sistema de direito público tão-só expressa a decisão estatal que
determinada atividade se sujeita às potestades administrativas mediante um
regime especial, conforme já minuciosamente visto.
149
Como bem leciona Weida Zancaner, a Constituição Brasileira, como
projeto político defensivo dos cidadãos, tem um:
[...] bem elaborado leque de direitos e garantias individuais e
sociais e para satisfazê-los reservou a si a titularidade de
serviços públicos – e dentre eles alguns – para que ele próprio,

legislador, mas secundários para o jurista, que tem como ponto de partida de sua tarefa exegética o texto
normativo. (Hipótese de incidência tributária. 6ª Ed., 10ª Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2009. PP. 37-
40.
147
Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo
Horizonte: Fórum, 2009. P. 131.
148
CASSAGNE, Juan Carlos; ORTIZ, Gaspar Oriño. Servicios públicos, regulación y renegeociación.
Buenos Aires: Abeledo-Perrot – Lexis-Nexis, 2005. PP. 58-59.
149
Op. cit. PP. 62-63.
113
ou pessoa de sua administração indireta, executasse as
prestações positivas devidas aos administrados.
150
Deixou-se, ademais, que os particulares adentrem a esfera de atividades
estatais concernentes ao serviço público, mas tão-só como titulares da sua
prestação, nunca como titulares do próprio serviço público.
Residualmente, as atividades econômicas seriam, destarte, aquelas de
índole comercial ou industrial, abertas ao particular (salvo os casos de
monopólio, constitucionalmente previstos no artigo 177, I-V) e regidas
basicamente pelas normas de direito privado, sempre com a finalidade de
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Como atividade econômica, profissional, organizada e privada, a
empresa é o núcleo conceitual do direito empresarial e sua “marca essencial é
a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços,
gerados estes mediante a organização dos fatores de produção.”
151
Agregue-se que, com a aprovação do Código Civil de 2002, inspirado no
Codice Civile, adotou-se expressamente a teoria da empresa, quer dizer,
incorporou-se o modelo italiano de disciplina privada da atividade econômica,
sintonizando o texto normativo com o desenvolvimento dos sistemas de
tratamento de economia, pelo ângulo das relações privadas.
152
Entretanto, foram proclamados elementos que podem ser tomados como
condicionantes do exercício das liberdades oriundas da teoria da empresa,
quer dizer: como a ordem econômica está voltada a viabilizar a fruição de bens
e interesses de ordem social que repercutam na existência digna de todos, os
lucros intentados pelo particular, a busca pelo oferecimento de bens ou
serviços não podem ser descabidos.

150
Limites e confrontações entre público e o privado. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe (Coord.).
Direito administrativo contemporâneo: estudos em memória ao professor Manoel de Oliveria Franco
Sobrinho. Belo Horizonte: Fórum, 2004. P. 342.
151
Curso de direito comercial. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 18.
152
Idem. Ibidem. P. 24.
114
Noutros termos: as atividades econômicas se regem por princípios que
vedam o “capitalismo selvagem”, tais quais os da: função social da
propriedade; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das
desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
No que toca às atividades econômicas, Alexandre Santos de Aragão
preleciona que elas se submetem ao “princípio da livre iniciativa, com
interferência estatal justificada apenas para garantir as condições saudáveis de
mercado e da concorrência, inclusive mediante a aplicação da legislação de
proteção da concorrência”.
153
Na realidade, porém, a ordem econômica, plasmada na própria
Constituição, garante o exercício da livre iniciativa visando à produção de
riquezas, jungida, no entanto, a limitações que não advêm do mercado, mas da
atuação destinada a garantir o exercício de certas liberdades com atenção a
fins sociais.
Essas limitações advêm não apenas dos objetivos mediatos das
atividades econômicas, que são de ordem social, mas também da possibilidade
que a Constituição Federal ensejou quanto à intervenção estatal direta, em
casos excepcionais em que o Estado se imiscui na ordem econômica para
assegurar os imperativos da segurança nacional ou o relevante interesse
coletivo (artigo 173 da Carta Magna).
154
e
155

153
ARAGÃO, Alexandre Santos de. O serviço público e suas crises. In: Direito administrativo e seus
novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. P. 435.
154
Celso Antônio Bandeira de Mello preleciona que a intervenção estatal pode ocorrer de três modos,
quais sejam: “(a) ora dar-se-á através de seu “poder de polícia”, isto é, mediante leis e atos
administrativos expedidos para executá-las, como “agente normativo e regulador da atividade econômica”
– caso no qual exercerá funções de “fiscalização” e em que o “planejamento” que conceber será
meramente “indicativo para o setor privado” e “determinante para o setor público”, tudo conforme prevê
o artigo 174; (b) ora ele próprio, em casos excepcionais, como foi dito, atuará empresarialmente,
mediante pessoas que cria com tal objetivo; e (c) ora o fará mediante incentivos à iniciativa privada
(também supostos no artigo 174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a
fundo perdido” (Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo:
Malheiros, 2010. P. 795).
115
Pela oportunidade, é de se ponderar que são inerentes ao próprio direito
constitucional as hipóteses e formas pelas quais o Estado pode legitimamente
atuar no domínio econômico.
Nessa conjuntura, mencione-se que não parece plausível e nem
adequada, por destoante da realidade constitucional, a doutrina que propugna
que as atividades previstas no artigo 173 da Constituição são, na verdade,
serviços públicos industriais, explorados diretamente pelo Poder Público.
156e157
Afinal, a nomenclatura “serviço público comercial e industrial” aglutina
em um mesmo rótulo figuras antitéticas: serviços públicos e atividade
econômica e, por isso, deve ser rechaçada.
Interessante notar que uma parte da doutrina vem defendendo a idéia de
que, hodiernamente, por conta de mudanças na ordem econômica e no modelo
de Estado, há uma efetiva aproximação entre o regime de prestação de
serviços públicos com aquele próprio das atividades econômicas. Nesse
sentido, fala-se em regime de competição, liberdade de preços, livre
concorrência, regulação estatal desprovida de titularidade, na prestação de
serviços públicos.
Ora, entender que tais características informam o regime
constitucionalmente traçado para prestação de serviços públicos é, no mínimo,
inadequado juridicamente, não sendo legítimo se evadir de um regime próprio,
para outro, absolutamente desconforme.
Vê-se, destarte, que o público, representado pelos serviços públicos, e
o privado, concebido para as atividades econômicas, estão perfeitamente

155
Oportuno assinalar que a primeira parte da dicção do artigo sub examine (“Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição”) refere-se às atividades econômicas exercidas pelo Estado como
monopólios. (Idem. Ibidem. P 788).
156
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34ª Ed. atual. por Eurico de Andrade
Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 336.
157
Imperioso notar, por oportuno, que Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que sob o rótulo “serviços
públicos comerciais e industriais” o Estado desenvolve atividade econômica, mas como se serviço
público fosse, prestando-o direta ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão. (Direito
administrativo. 23ª Ed., atual. até EC nº. 62/09. São Paulo: Atlas, 2010. PP. 110-111).
116
delineados em sede constitucional, muito embora eles se interliguem e se
complementem, mas sem se interpenetrarem.
117
6. Os serviços públicos na constituição de 1988
Percorrendo-se o Texto Constitucional, é possível vislumbrar uma série
de atividades que são incumbidas ao Poder Público e que se encontram
destinadas à satisfação da coletividade em geral, em regime de direito público.
Tais atividades são obrigatoriamente serviços públicos, e se encontram
acometidas, pela Constituição Federal, aos respectivos entes federativos, que
serão seus titulares. Dessa forma, é possível antever serviços públicos de
incumbência da União, dos Estados, do Distrito Federal e também dos
Municípios.
Aqui, uma questão correlata deve ser encarada. Conforme já afirmado, a
titularidade do serviço público será sempre do Estado, pois esse é o conteúdo
adequado que preenche o requisito subjetivo. Nesse sentido, não seria próprio
se falar em titularidade exclusiva ou não exclusiva do Estado em relação ao
serviço público, uma vez que sua titularidade será sempre exclusiva do
Estado.
Todavia, é possível se falar em titularidade exclusiva do serviço público
no que se refere ao respectivo ente federativo que promoverá sua prestação.
Para clarificar essa ordem de idéias, basta suscitar o serviço público de
educação. A despeito do Poder Público deter a sua titularidade, ela não é
exclusiva da União, dos Estados ou dos Municípios, sendo-lhes comuns
consoante prescreve o disposto no artigo 211 da Constituição Federal.
Assim, o tema da exclusividade da titularidade do serviço público
somente pode vir à tona em serviços públicos que o legislador constitucional ou
infraconstitucional incumbiu a dois ou mais entes federativos, mas tal
compreensão em nada resvala no requisito subjetivo, que permanece intocado.
Deve-se também ressaltar que, a despeito da Constituição Federal
encabeçar um rol, até extenso, de serviços públicos, destinando-os à
incumbência de seus respectivos titulares, é absolutamente legítimo que a
118
legislação infraconstitucional atribua a outras atividades, que não aquelas
constantes do Texto Maior, a qualificação de serviço público, desde que os
requisitos de definição encontrem-se devidamente preenchidos. Esse
panorama nos faz concluir que a enumeração dos serviços públicos não é
exaustiva na Constituição Federal.
158
Passa-se, então, a examinar os serviços públicos alocados no Texto
Maior de forma a compreender a exata dimensão a eles conferida.
Os serviços públicos de competência da União encontram-se, em sua
maioria, alocados no artigo 21 da Carta Constitucional, são eles: serviço postal
e o correio aéreo nacional (inciso X); os serviços de telecomunicações (XI);
serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens (alínea “a”, do inciso XII);
serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos
cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais
hidroenergéticos (alínea b, do inciso XII); navegação aérea, aeroespacial e a
infra-estrutura aeroportuária (alínea c, do inciso XII); os serviços de transporte
ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que
transponham os limites de Estado ou Território (alínea d, do inciso XII);
serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros
(alínea e, do inciso XII); os portos marítimos, fluviais e lacustres (alínea f, do
inciso XII); e os serviços e instalações nucleares (inciso XXIII).
Impende notar, à primeira vista, que o Texto Constitucional não
denominou aqueles serviços com o designativo “público”. É que tal providência
seria realmente desnecessária em face do especial regime jurídico que a União
se encontra submetida. Dessa feita, no momento em que a Constituição
incumbiu a União da prestação daqueles serviços, automaticamente os inseriu
no regime próprio daquela entidade federativa, alocando-os como “serviços
públicos”.

158
Nesse sentido é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo.
27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. P. 687). Em sentido contrário,
Fernando Herren Aguillar (Controle social dos serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999. PP.
133-134).
119
Outra particularidade digna de nota se refere à enormidade de atividades
que se encontram compreendidas sob o rótulo de um determinado serviço
público. Assim, quando falamos em “serviços de saneamento básico", por
exemplo, estamos diante de uma série de atividades compreendidas debaixo
dessa titulação, tal como "serviço de abastecimento de água potável", "serviço
de esgotamento sanitário", "serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos", "serviço de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas", devendo
a legislação infraconstitucional conferir os contornos jurídicos mais específicos
acerca dessas atividades.
Ainda em relação aos serviços de incumbência da União, é possível
verificar que, em alguns deles, a despeito da Constituição Federal deixar de
inseri-los sob sua senhoria, atribui-lhe competência para a instituição de
diretrizes, como é o caso dos serviços de saneamento básico e transportes
urbanos (inciso XX, do artigo 21). A pergunta que advém dessa constatação é
a seguinte: o que se entende por “instituir diretrizes”? Quais são os limites
dessas imposições?
Apenas para não deixar sem resposta a indagação, embora o tema não
seja objeto do presente trabalho, vale dizer que a instituição de diretrizes tem
como finalidade estabelecer linhas gerais para que a matéria seja tratada de
maneira uniforme em todo o território nacional.
Essas diretrizes encontram limites no princípio da autonomia dos entes
federativos, insculpido no artigo 18 da Carta Constitucional, legitimando o titular
a disciplinar as especificidades e particularidades do serviço sempre em
harmonia com as diretrizes nacionais impostas pela União.
A respeito da autonomia municipal, vale os ensinamentos do Ilustre
Professor Maurício Zockun:
Logo, a autonomia municipal (art. 34, VII, ‘c’ da Constituição da
República) tem como elemento característico a possibilidade
de gestão dos próprios interesses. Vale dizer, lei municipal
pode dispor sobre temas de interesse local e suplementar a
120
legislação estadual e federal quando elas se revelem
insuficientes para satisfação dos interesses municipais. Eis a
tônica nuclear da denominada autonomia municipal.
159
No que concerne aos Estados, o dispositivo constitucional que trata da
temática é o artigo 25, § 2º, que assenta, sob sua autoridade, os serviços locais
de gás canalizado, além daqueles comuns a outros entes federativos.
Por derradeiro, aos Municípios se reservam a organização e a
prestação, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, dos
serviços públicos de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem
caráter essencial, consoante prescreve o inciso V, do artigo 30 da Constituição
Federal.
Note-se que alguns serviços públicos não possuem definição legislativa
expressa acerca do seu titular. É o caso, por exemplo, dos serviços de
saneamento básico, em que a Constituição Federal e a própria Lei de
Saneamento (Lei 11.445/07) não definiram o titular do serviço. A construção
acerca de sua titularidade acaba sendo relegada à doutrina, que no caso do
saneamento, em sua maioria, defende a titularidade municipal. Todavia, não há
indicação expressa na legislação acerca dessa questão.
Para ultimar as considerações acerca dos serviços públicos na
Constituição Federal de 1988, impende trazer rápidas considerações acerca
dos serviços públicos de saúde, educação, previdência social e assistência
social, principalmente, em face de algumas de suas particularidades.
Em primeiro lugar, deve-se perquirir a natureza jurídica de tais atividades
estatais para que se possa compreender o regime jurídico em que elas se
encontram inseridas. Nesse particular, é possível encontrar algumas posições
doutrinárias acerca da temática.

159
Competência legislativa municipal e o interesse local. P. 09. Disponível em:
http://www.idap.org.br/Artigos/Competencia%20legislativa%20municipal.pdf. Acesso em 29 de agosto
de 2010.
121
Consoante nos ensina a Professora Carolina Zancaner Zockun, em seu
excelente trabalho sobre os direitos sociais, os serviços de previdência social,
assistência social, seguridade social, educação e saúde configuram serviços
públicos e que, por ostentarem tal característica, consistem na forma mais
importante de intervenção estatal na ordem social. Nesse sentido, manifesta a
autora que uma das maneiras para efetivação dos direitos sociais é a
instituição de seus correlatos serviços públicos.
160
Carlos Ari Sundfeld prefere classificar essas atividades como serviços
sociais e não como serviços públicos. Diferencia-os porque os primeiros são de
titularidade estatal, desenvolvendo-se em setores não reservados ao Estado,
mas livres aos particulares, independentemente de qualquer delegação estatal
e, os segundos porque não se encontram suscetíveis à atuação dos
particulares enquanto tais, mas sempre através de delegação que instaura
vínculo especial entre Administração e administrado. Dessa forma, os serviços
sociais constituem, ao mesmo tempo, atividade estatal – quando prestados
pelo Poder Público sob um regime de direito público – e atividade privada –
quando prestados pelos particulares sujeitos ao regime de direito privado.
161
Nessa mesma linha é o pensamento Fernando Herren Aguillar, que não
considera os serviços de saúde e educação como serviços públicos,
enquadrando-os como funções estatais irrenunciáveis pelo Estado, ainda que
não em regime de exclusividade. É de sua autoria o seguinte excerto:
[...] os serviços de saúde e de educação são necessariamente
desenvolvidos pelo Estado, que não pode deixar de fazê-lo.
Porém, na atual sistemática constitucional, saúde e educação
são atividades livres aos particulares que desejarem explorá-
las. No sentido adotado neste trabalho, portanto, não são
serviços públicos, nem atividades econômicas desempenhadas
pelo Estado, mas funções estatais irrenunciáveis pelo Estado,
ainda que não em regime de exclusividade.
162

160
Da intervenção do estado no domínio social. São Paulo: Malheiros-IDAP, 2009. PP. 177 e 185.
161
Fundamentos de direito público. 4ª Ed., 9ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008. PP. 83-84.
162
Controle social dos serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999. P. 152.
122
O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello os entende como serviços
públicos. Todavia, sustenta que em relação a esses serviços (saúde,
educação, previdência social e assistência social), o Estado não detém
titularidade exclusiva, ao contrário do que ocorre com os demais serviços
públicos previstos na Constituição. Isso ocorre porque em relação a tais
serviços, a própria Constituição, conquanto os tenha colocado a cargo estatal,
simultaneamente, deixou-as liberadas à iniciativa privada.
163
Finalmente, repisando o que já se aventou no presente trabalho, parece-
nos que, em verdade, a Constituição, ao admitir a hipótese dos serviços de
saúde, educação, assistência e previdência social se encontrarem livres à
iniciativa privada, ela acaba alocando-os num regime jurídico diferente daquele
próprio do serviço público
164
.
Isso porque, como visto, o serviço somente se qualifica como “público”
quando sua titularidade for do Estado; caso o ordenamento jurídico permita
que o mesmo serviço seja prestado por particular ele deixa de ser um serviço
“público”. Portanto, a mesma realidade, ontologicamente considerada, não
poderá ser havida como sendo um serviço público se aquele que o exerce for o
particular.
Nesse sentido, não há como se falar em exclusividade ou não da
titularidade do serviço público por parte do Estado, pois se estamos diante de
um serviço público, a sua titularidade somente pode ser do Estado (é
exclusiva). O que o Estado pode fazer, desde que permitido pelo ordenamento
jurídico, é, no máximo, delegar a prestação do serviço público, o que não
ocorre no caso sob exame, pois estamos cuidando de serviços abertos aos
particulares – mas, insista-se: nesta hipótese o serviço prestado pelo particular
– de educação, por exemplo – deixa de ser público.

163
Curso de direito administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010.
P. 687.
164
Os dispositivos constitucionais que submetem tais serviços à livre iniciativa são os seguintes: em
relação ao serviço de saúde, o artigo 199, no tocante ao serviço de educação, o artigo 209, no que se
refere à previdência social, o artigo 202, ao pressupor uma atuação “complementar da iniciativa privada”
e a assistência social no artigo 204, I e II, que expressamente contemplam a presença de particulares no
setor, independentemente de concessão ou permissão.
123
Tais serviços, aos olhos dos particulares, são atividades econômicas e
lucrativas, mas que devem, indubitavelmente, ser controladas por meio de
poder de polícia estatal, embora não se encontrem incluídos no regime
jurídico de direito público afeto indistintamente ao serviço público: o hospital
privado não precisa fazer licitação para construção de sua sede, não precisa
promover concursos públicos para contratação de pessoal, não se encontra
submetido ao princípio da modicidade, da continuidade etc.
O que as empresas privadas estão realizando são serviços de saúde
,
mas não serviço público de saúde
. As atividades desempenhadas pelos
particulares se assemelham a tudo quanto é realizado pelo Estado, todavia,
para efeitos jurídicos elas não podem receber o designativo “público”,
justamente por não se encontrarem sobre a titularidade estatal e, sim, dos
particulares e nem subordinados ao regime de direito público.
Essa distinção permite que se estabeleça uma diferença entre a
natureza jurídica dos serviços públicos e dos mesmos serviços sem esse
qualificativo, deixando que o legislador defina, num determinado caso concreto,
se efetivamente aquela atividade deverá ser alocada num regime de serviço
público, ou se tal atividade configura um serviço que se encontra à disposição
dos particulares, mediante algumas regras específicas de sua prestação
estabelecidas pelo poder de polícia estatal.
Portanto, os serviços de saúde, educação, assistência social e
previdência social serão serviços públicos quando titularizados pelo Estado e
não configurarão serviços públicos se explorados sob o enfoque da atividade
econômica pelos particulares.
Basta agora investigar os dispositivos constitucionais específicos de
cada serviço para finalizar o presente tópico.
No tocante aos serviços públicos de saúde (artigo 23, II; artigo 196,
artigo 197, artigo 198), verifica-se pelo seu regime constitucional, tratar-se de
124
um “dever do Estado” e de um serviço cuja titularidade é comum à União, aos
Estados e aos Municípios, que devem prestá-los sob um regime único, com
recursos orçamentários advindos de todos os entes federativos.
Em relação aos serviços públicos de educação (artigo 23, V, artigo 205,
208, 211, 213 da Constituição Federal), a orientação constitucional é no sentido
de também encarecê-los como um “dever do Estado”, mediante regime de
colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, cada
qual enfatizando uma dada parcela da evolução educacional, assegurando a
sua universalização e gratuidade.
Os serviços públicos de previdência social (artigo 201 e 202) e de
assistência social (artigo 203, 204) serão oferecidos à coletividade em caráter
obrigatório. Todavia, é expressamente admitida a possibilidade de previdência
privada em caráter complementar ao regime geral de previdência social,
consoante o disposto no artigo 202 da Constituição Federal. Nesse caso, os
serviços perdem sua qualificação pública e passam a integrar a atividade
econômica, devendo ser regulados por lei complementar, por expresso
comando constitucional.
Registre-se que, em relação à assistência social, o inciso I do artigo 204,
atribui a titularidade do serviço público a todos os entes federativos, da
seguinte forma: a coordenação e as normas gerais são de competência da
esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às
esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de
assistência social.
125
7. A suposta “crise” do serviço público
Atualmente é muito comum encontrar nos manuais jurídicos e em
escritos específicos a alusão à “crise do serviço público”: expressão certamente
emblemática, mas que, felizmente, não subsiste no sistema brasileiro.
Mesmo em tese, é possível falar-se em crise do serviço público como
preconizam alguns autores?
Esse, o tema a ser desenvolvido nas próximas linhas.
A primeira investigação a se fazer é saber se é possível cogitar de crise
de um instituto jurídico ou se o termo é mais apropriado para enfatizar
realidades de outras ciências que não as jurídicas.
Com efeito, a despeito do vocábulo “crise” encerrar, em sua acepção
comum, a idéia de declínio
165
, de falta de prosperidade em relação ao momento
anterior, sua utilização foi concebida, inicialmente, pelas ciências médicas,
indicando a “transformação decisiva que ocorre no ponto culminante de uma
doença e orienta o seu curso em sentido favorável ou não”.
166
Posteriormente, sua utilização acabou sendo incorporada pela ciência
social, política e econômica, que também se valeram tecnicamente do termo.
No caso da ciência social, a expressão é utilizada para significar
transformações decisivas em qualquer aspecto da vida em sociedade, inclusive
nas relações de produção, na distribuição da propriedade e na estrutura
familiar; na ciência política adota-se o termo para situações em que há uma
ruptura no funcionamento do sistema que implique mudança do regime político

165
José Ortega & Gasset, a respeito da noção de “crise”, enfatiza: “não sei por que costumamos entender
a palavra ‘crise’ com uma significação triste; crise não é senão mudança intensa e profunda; pode ser
mudança para pior, mas também mudança para melhor, como acontece com a crise atual da física, não
há melhor sintoma de maturidade numa ciência que a crise de princípios”. (¿Que es filosofia?. 5ª.
Reimpressão.Madrid: Revista de occidente em Alianza Editorial, 2001. P. 40.)
166
Verbete crise. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4ª Ed. Trad. da 1ª Ed. Brasileira.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. P. 222.
126
e, finalmente, na ciência econômica, a palavra é utilizada para indicar a fase
crítica da economia de um País.
167
Na lógica dessas idéias, verifica-se, então, que o termo não é próprio do
Direito, oferecendo, nessa medida, dificuldades quando empregado para
explicar uma determinada realidade jurídica.
168
Certo é que as categorias jurídicas sofrem a influência do contexto
histórico em que estão inseridas.
169
Diante disso, para que se possa pelo
menos conjecturar a respeito da expressão, sob o ponto de vista estritamente
jurídico, num esforço exegético, poder-se-ia entrevê-la sob dois aspectos
distintos: (i) num primeiro, para indicar o completo desaparecimento do instituto
do serviço público que não mais subsistiria na ordem jurídica e, (ii) num
segundo, para indicar a sua alteração conceitual, decorrente de uma mudança
profunda no direito positivo, apto a justificá-la.
170
Em relação ao primeiro aspecto, seria realmente uma teratologia
entender-se que no Brasil os serviços públicos não mais subsistem, por tudo
quanto vimos até aqui.
Seria inconcebível, falar em crise expressando uma idéia de extinção do
serviço público, pois tal pensamento se equivale a negar os ditames

167
Sabino Cassese dedica uma obra inteira acerca da “crise” do Estado, utilizando o termo em sua
acepção política, para expressar “la pérdida de unidad del mayor poder publico, internamente, y la
perdida de soberania em relación com el exterior”. (La crisis del Estado. Buenos Aires: Abeledo Perrot.,
2003. P. 32.)
168
Théodore Forstsakis destaca que: “Dire que le droit administratif est en crise, c’est Porter um
jugemente doctrinal: ce jugement, émis par la doctrine, se refere avant tout à celle-ci même. En effet, le
Conseil d’Etat, comme les autres jurisdictions administratives, continuant à fonctionner normalement et
à émetre dês arrêts aussi valablres que par le passe, la notion de crise ne peut s’appliquer qu’à la seule
systématisation et par conséquent à la seule doctrine du droit administratif.” (Conceptualisme et
empirisme em droit administratif français. Paris: Librarie Genérale de Droit et Jurisprudence, 1987.P.
126).
169
CASSAGNE, Juan Carlos. La intervencion administrativa. 2ª. Ed. atual. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1994. P. 33
170
Miguel S. Marienhoff, após questionar a existência de uma crise em face do serviço público enuncia:
Ante todo corresponde aclarar qué es lo que se entiende aquí por ‘crisis’. Si por tal se entendiere la
quiebra o bancarrota del concepto, tal crisis no existe; pero si por tal se entendiere una ‘evolución’
conceptual de los elementos que integran la noción de servicio público, paréceme evidente que tal crisis
existiria. Pero em definitiva trataríase de um término mal empleado: en lugar de ‘crisis’ de la noción de
servicio público, solo corresponde hablar de ‘evolución’ de dicho concepto”. (Tratado de derecho
administrativo. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2005. V. 2. P. 55).
127
constitucionais em que se funda o País; seria o mesmo que negar a própria
existência do Estado Brasileiro!
Mesmo em sua segunda acepção, não se pode divisar uma crise no
serviço público brasileiro.
Nesse caso, é preciso um pouco mais de cuidado, pois é necessária
especial atenção para que não se confundam as transformações políticas e
sociais eventualmente ocorridas no País, com as noções jurídicas informadoras
do instituto do serviço público. Assim, exemplificativamente, a possível
transferência de execução dos serviços públicos aos particulares não importa
mudança do conceito de serviço público enraizado em nosso direito positivo.
Por conta de ventos neoliberais que sopraram no Brasil, tentou-se,
debalde, transferir para as mãos da iniciativa privada alguns serviços públicos
propriamente ditos; mas, mesmo que isso tivesse ocorrido, essa circunstância
não teria alterado a noção jurídica do instituto. Transferir ou não para a
iniciativa privada os serviços públicos é uma decisão política, que em nada
altera o regime jurídico que norteia o serviço público, pois que, ante tal
transferência, o serviço deixa de ser público, como já assinalado acima.
171
Juan Carlos Cassagne, em lição digna de nota, registra:
Por de pronto, no puede hablarse de crisis del fin que persigue
el servicio ya que este – por más que se limite a la satisfacción
de las necessidades primordiales colectivas – será siempre um
elemento susceptible de ampliación o restricción conforme a
los requerimientos de cada momento histórico.
172
Se examinarmos as normas constitucionais que disciplinam os serviços
públicos, verificaremos que não houve qualquer alteração, apta a transfigurar o
seu conceito. O artigo 175 da Carta Federal, preceptivo fundante dos serviços

171
Não é objeto do presente trabalho tratar de questões políticas, nem tampouco adotar uma posição
política, o objetivo é tentar descrever, da forma mais fiel possível, a realidade ocorrida no País, ausente de
opiniões pessoais. Quando se fala em “ventos neoliberais” está se tratando de uma realidade que
acometeu o País durante um período, mas que rapidamente, como um vento, passou.
172
La intervencion administrativa. 2ª. Ed. atual. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994. P. 33.
128
públicos na ordem constitucional, não sofreu qualquer alteração em sua
redação original, o que nos possibilita inferir que seu regime jurídico-
constitucional encontra-se plenamente vigente e inalterado.
Ora, como falar-se em crise de uma noção jurídica se a própria
Constituição Federal não alterou seu regime jurídico? Trata-se, então, de uma
crise infraconstitucional? Ora, se a legislação infraconstitucional está alterando
o regime jurídico de um instituto que tem assento constitucional, seria possível
atestar a legitimidade dessa alteração?
Todas essas perguntas nos fazem observar quão inadequado seja
admitir-se que, no direito brasileiro, os serviços públicos possam ter sofrido
qualquer declínio em relação à sua concepção original fundada com a Carta de
1988.
A fomentar a idéia de crise do serviço público veio à luz a Emenda
Constitucional nº 08, de 18 de agosto de 1995, que incluiu no sistema
constitucional o chamado instituto da “autorização”.
Para agravar esse cenário, a Lei Geral de Telecomunicações, Lei
Federal nº. 9.472, de 16 de julho de 1997, estabeleceu dois sistemas para a
autorização: aquele que independe de qualquer procedimento licitatório e o que
passa a depender da realização deste último (artigo 164), nos mesmos termos
da licitação a ser realizada em caso de concessão (artigo 88 a 90).
O artigo 89 daquele Diploma Legal, por seu turno, é taxativo ao dizer
que o serviço licitado será exercido “no regime público” (inciso I).
Diante dessas imprecisões legislativas, ter-se-iam serviços autorizados
que não estariam sujeitos ao “regime público”, porque independentes do
processo licitatório e outros, idênticos, que deste dependem, sujeitos àquele
regime?
129
A doutrina vacila a respeito, havendo autores que, em razão dessa
dicotomia, acabam concluindo que o serviço público pode ser exercido em
regime de direito privado.
173
Por outro lado, administrativistas de elevado calibre, entendem que a
autorização, nesse caso, é um instituto jurídico a ser manejado pelo Estado no
desempenho de outra atividade administrativa: o exercício do poder de
polícia, destinado a estabelecer limitações administrativas à liberdade e à
propriedade, mediante a produção de atos fiscalizadores, preventivos e
repressivos.
Ainda há uma terceira posição, a sustentar que, por conta dos
dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações acima citados, não se pode
falar em prestação desses serviços sob regime de direito privado, uma vez que
em sua substância, estariam sempre subordinados ao regime público.
A despeito do fecundo debate doutrinário, apenas esboçado
rapidamente, não se pode entrever uma crise de natureza jurídica do instituto
do serviço público, porque entendemos deva prevalecer sempre a regra geral
de que seu titular é o Estado e seu regime jurídico é o do direito público.
Registre-se que algumas legislações setoriais estabelecem, de forma
expressa, que soluções individuais eventualmente adotadas pelo administrado
não serão consideradas serviços públicos. Isso é correto, por faltar o requisito
objetivo concernente ao interesse geral que aquela atividade salvaguarda. É o
caso, por exemplo, do artigo 5º, da Lei de Saneamento que prescreve que “não
constitui serviço público a ação de saneamento executada por meio de
soluções individuais, desde que o usuário não dependa de terceiros para
operar os serviços”.

173
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Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico. 1ª. Ed., 2ª Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2002. PP.
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130
Nesses casos também não há que se falar em crise, uma vez que tais
soluções individuais, de caráter excepcional, não guardam qualquer correlação
com a necessidade geral intrínseca aos serviços públicos: referem-se a
soluções promovidas por grandes usuários que independem de uma atuação
estatal.
Outra circunstância apontada por alguns doutrinadores para se ventilar
uma possível “crise da noção do serviço público” é por conta dos
acontecimentos ocorridos desde o advento da União Européia, onde se instituiu
o chamado “serviço de interesse econômico geral” e o “serviço universal”,
categorias de serviços que, consigne-se desde já, nada têm a ver com a
realidade brasileira.
Sem aprofundar muito no tema, mas já fazendo uma pequena
referência, no continente europeu, após a formação da União Européia,
entabulou-se uma grande discussão jurídica acerca do instituto do serviço
público.
Isso porque os países-membros, ao preconizarem como objetivo a ser
perseguido pela União Européia a livre circulação de bens, serviços, capitais e
pessoas, ao defenderem a quebra dos monopólios estatais, ao sustentarem a
redução da intervenção do Estado, ao elegerem a livre concorrência como
princípio geral de mercado, estabeleceram, em verdade, uma série de
preceitos contrários à noção de serviços públicos enraizada em seus
ordenamentos jurídicos.
Foi nessa perspectiva que o Tratado de Roma (documento que inaugura
a Comunidade Econômica), em seu artigo 90 (hoje artigo 86, § 2º), concebeu
os chamados “serviços de interesse econômico geral”, submetendo-os às
regras da concorrência, na medida em que a aplicação delas não constitua
obstáculo ao cumprimento, de direito ou de fato, da missão particular que lhes
foi confiada.
131
A instauração desses “serviços” colocava em cheque a noção clássica
de serviço público, posto que os sujeitavam não mais a um regime próprio, mas
à livre iniciativa, como se atividade econômica fosse. Essa concepção, caso
fosse entendida como equivalente à noção de serviço público vigente, alterava
profundamente suas características, principalmente por transferir a titularidade
dos serviços para a iniciativa privada, em regime de livre concorrência, sem
qualquer participação estatal.
Em França, esse enfoque liberalizante foi absolutamente rechaçado,
sendo arquitetada uma verdadeira mobilização nacional em face dessas
diretivas defendidas pelo direito comunitário. Não devemos nos esquecer que
um aspecto essencial dos serviços públicos em França e que não recebe
qualquer guarida na Comunidade Européia, refere-se, justamente, ao caráter
solidário e de coesão social que os serviços públicos representam.
Além da noção de “serviço de interesse econômico geral”, foi introduzido
na União Européia, pelo Ato Único de 1986, o conceito de “serviço universal”,
que objetivou assegurar o oferecimento de prestações mínimas de qualidade e
de preço acessível à coletividade.
A despeito da noção de serviço universal guardar certa relação com a
concepção francesa de serviço público, com ela não se confunde, uma vez que
é mais restrita, ocupando-se apenas de uma parcela da coletividade e não com
o interesse geral, inerente ao regime dos serviços públicos.
Além do mais, relembre-se que nesse mesmo Ato Único foram
ratificados os objetivos da Comunidade Européia, em promover a liberação da
concorrência do mercado interno, ideal que se encontrava subjacente e que
jamais foi arrefecida pela noção de “serviço universal”.
É importante notar que na Europa as adequações realizadas no instituto
dos serviços públicos tiveram assento normativo, sendo, portanto, possível
falar em “crise” de sua noção: não somente em relação às específicas
alterações em seu regime jurídico, mas pela necessária adaptação que deverá
132
ocorrer em cada país-membro, no sentido de se harmonizar com os ditames do
direito comunitário.
Em que pesem tais considerações, a verdade é que essa possível “crise”
que se manifesta em terras alienígenas não chegou ao direito pátrio, sendo
impossível mencioná-la para o fim de se preconizar um declínio do instituto no
direito brasileiro, à luz do seu regime descrito no presente trabalho.
A tentativa de absorver tais idéias para o direito brasileiro, talvez faça
parte de um servilismo que ainda se encontra imbricado nas entranhas de um
País em desenvolvimento. O pior ocorre quando tal fenômeno acontece para
importar não as virtudes enraizadas em tais países, mas as vicissitudes que
lhes afetam: nesse caso, o servilismo é tão exacerbado que se inveja até
mesmo as mazelas que acometem as nações mais desenvolvidas.
Com essas singelas considerações buscou-se reafirmar que, no direito
brasileiro, o serviço público continua mais vivo e pulsante do que nunca,
funcionando como verdadeira tábua de salvação para milhões e milhões de
pessoas, que vivem em estado de miserabilidade ou muito próximo dele e que
necessitam, impostergavelmente, dessas comodidades para que possam ter o
mínimo de decência e dignidade, em estreita consonância com os deveres do
Estado Social de Direito Brasileiro.
133
8. À guisa de conclusão
Apesar de o serviço público ser uma realidade que acompanhou o
nascimento do próprio poder político, seu conceito e abrangência evoluíram
com o passar do tempo não apenas pela complexidade cada vez maior da
sociedade humana, mas principalmente pelo influxo de transformações pelas
quais passaram as organizações políticas, reflexos de movimentos filosóficos,
sociais e ideológicos.
A partir da instituição do Estado de Direito é que nasce a teoria do
serviço público, especialmente por obra da doutrina alemã do Rechtsstaat, logo
introduzida, com modificações, em França.
Porém, o Estado de Direito liberal clássico, que representara notável
avanço na Europa Continental em relação ao regime absolutista anterior,
acabou por exacerbar demasiadamente o individualismo e a ideologia não
intervencionista e absenteísta do Estado, resultando em tremendas
desigualdades sociais, especialmente pela concentração do poder econômico.
A reação veio inspirada nas idéias do solidarismo, que acabou se
introduzindo nos ordenamentos jurídicos e dando à luz ao Estado de Direito
Social, o que nos ensejou buscar nos seus ideários alguns dos delineamentos
do serviço público, tendo em vista principalmente, aqueles que vieram a dar
concretude aos direitos sociais.
O exame do regime jurídico dos serviços públicos partiu da análise do
instituto tal como concebido em França, onde foi objeto de estudos por
excepcionais juristas e pensadores, dentre os quais destacamos, com maior
detalhe, os pensamentos de León Duguit e Gaston Jèze, a par do exame da
jurisprudência francesa.
Com tais premissas, estruturou-se o conceito de serviço público à luz do
direito positivo brasileiro, pelo estudo dos seus requisitos constitutivos e das
diversas concepções oferecidas pela doutrina.
134
O regime jurídico do serviço público é informado, de maneira precípua,
por princípios jurídicos que, ganhando o status de normas jurídicas, acabam
indicando os valores que necessariamente devem inspirar as regras jurídicas
que compõem, com eles, aquele regime jurídico.
Estabelecidas essas bases doutrinárias, foi possível estabelecer a
distinção entre serviços públicos e atividades econômicas, para, em seguida,
se apontar os serviços que se encontram inseridos na Constituição Federal de
1988.
Por fim, superada a idéia de crise (no sentido jurídico do termo) do
serviço público, concluiu-se que Estado Social de Direito Brasileiro tem
prestigiado não apenas os serviços públicos com maior conotação social, mas
também aqueles que visam a proporcionar conforto, comodidade e, em
especial, propiciar a realização da pessoa humana.
Num país continental como o Brasil, repleto de contrastes e de
carências, o serviço público tem concorrido para amenizar as desigualdades e
oferecer oportunidades àqueles que, sem ele, jamais alcançariam qualquer
inclusão social.
135
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