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A ordem jurídica hierarquizada, em França, ainda nas palavras de
Jacques Chevallier:
[...] foi o produto histórico de uma luta contra o absolutismo
monárquico, visando a conter o poder real e o sujeitando às
normas superiores, dentre as quais deveria encontrar seu
fundamento e seus limites; esta construção passará à Revolução
pela concepção de uma nova figura, aquela da Nação
soberana.
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A Revolução Francesa foi, portanto, o movimento histórico fundamental
que possibilitou a consagração do Estado de Direito em França, como modelo
apto a encerrar o chamado Ancien Régime, que ignorava os direitos individuais
e concentrava em apenas uma pessoa, a figura do soberano, o desempenho
de todas as atividades estatais, exercendo um poder absoluto e colocando-se
acima do bem e do mal.
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17
L’État de droit. 4ª Ed. Paris: Montchrestien, 2003. P. 25.
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Importante registrar que o Estado de Direito da Europa Continental apresenta profunda diferença em
face do rule of law britânico. A propósito, vale a citação de Gustavo Zagrebelsky: “na tradição européia
continental, a impugnação do Absolutismo significou a pretensão de substituir o Rei por outro poder
absoluto, a Assembléia Soberana; na Inglaterra, a luta contra o Absolutismo consistiu em opor às
pretensões do rei ‘privilégios e liberdades’ tradicionais dos ingleses representados e definidos pelo
Parlamento. Não há modo mais categórico de indicar que este: o Absolutismo régio foi derrotado, num
caso, como poder régio; no outro, como poder absoluto.” (El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. 8ª
Ed. Trad. Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2008. P. 25). Mais adiante, o mesmo autor ainda
salienta que: “El rule of law – como se ha podido decir – se orienta originariamente por la dialéctica del
proceso judicial, aun cuando se desarrolle en el Parlamento; la ideia del Rechtsstaat, em cambio, se
reconduce a un soberano que decide unilateralmente. Para el rule of law, el desarrollo del derecho es un
proceso inacabado, históricamente siempre abierto. El Reechsstaat, por cuanto concebido desde un punto
de vista iusnaturalista, tiene em mente um derecho universal y atemporal. Para el rule of law, el derecho
se origina a partir de experiencias sociales concretas. Según el Rechtsstaat, por el contrario, el derecho
tiene la forma de um sistema en el que a partir de premisas se extraen consequencias, ex principiis
derivationes.” (Op. cit. p. 26).
Efetivamente, há um largo distanciamento entre o sistema continental europeu e o direito inglês, fundado
na common law. Consoante assevera Celso Antônio Bandeira de Mello: “Há, no Ocidente, duas famílias
jurídicas visceralmente distintas e que expressam culturas, ao menos nesta área, animadas por um
espírito muito diferente. A do Continente europeu, formada sob a influência do Direito Romano
justinianeu, do Corpus Juris Civilis, no qual se afirma uma preocupação sistemática e dedutiva, a ser
extraída de um Direito escrito, formalmente legislado. Outra, a do Direito inglês, avessa a esquemas
rígidos, baseada nos costumes, entendidos como a law of the land, na equity; nas decisões judiciais, na
força dos precedents, e onde, por isto mesmo, vigora o case law. Daí seu estudo acadêmico basear-se,
muito compreensivelmente, no case method. É o sistema da chamada common law.” (Curso de direito
administrativo. 27ª Ed. rev. e atual. até a EC nº. 64/10. São Paulo: Malheiros, 2010. PP. 42/43. Nota de
rodapé nº 23.). Mais especificamente em relação ao Direito Administrativo, Albert Ven Dicey, autor
inglês de renomado prestígio, entendia que essa seara do Direito era absolutamente incompatível com a
rule of law. Segundo Dicey, o “sistema chamado Droit Administratif é oposto às idéias jurídicas
inglesas, até o ponto de que a fraseologia inglesa não tinha equivalente para o termo.” (DICEY, Albert
van. Introduction..., PP. 303-304. Apud FALLA, Fernando Garrido; OLMEDA, Alberto Palomar;
GONZÁLEZ, Herminio Losada. Tratado de derecho administrativo. 14ª Ed. Madrid: Tecnos, 2005. P.
109). A despeito desse entendimento, que recebeu grande prestígio a época em que foi formulado, mas
que foi alterado alguns anos depois pelo autor, pode-se verificar que na evolução do direito inglês,