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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus de Rio Claro
Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy
Leda da Silva
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Mestrado Profissional em
Matemática Universitária do Departamento
de Matemática como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre
Orientadora
Profa. Dra. Alice Kimie Miwa Libardi
2010
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514.2
S586f
Silva, Leda da
Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy/ Leda da Silva- Rio
Claro: [s.n.], 2010.
89 f. : il., figs.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto
de Geociências e Ciências Exatas.
Orientadora: Alice Kimie Miwa Libardi
1. Análise Complexa. 2. Topologia Algébrica. 3. Teorema de
Cauchy. 4. Funções Holomorfas. 5. Primeiro Grupo de Cohomologia.
I. Título
Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP
Campus de Rio Claro/SP
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TERMO DE APROVAÇÃO
Leda da Silva
Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre no Curso de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Matemática
Universitária do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, pela seguinte banca examina-
dora:
Profa. Dra. Alice Kimie Miwa Libardi
Orientadora
Prof. Dr. João Peres Vieira
Departamento de Matemática - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Prof. Dr. Gerson Petronilho
Departamento de Matemática - Universidade Federal de São Carlos
Rio Claro, 04 de Maio de 2010
Dedico esta dissertação ao meu exemplo de vida, Maria Helena que sempre me
estimulou a dar este grande passo. Com muita sabedoria, discernimento, bom senso e
dedicação, esteve ao meu lado me encorajando nas horas difíceis e me aplaudindo nos
momentos de glória. Obrigada por ser minha mãe, fonte de inspiração, apoio e ensino
diário.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus. Obrigado pela oportunidade que me foi dada e
por estar presente em cada passo, cada detalhe e cada instante da minha vida. Faz-me
acreditar que tudo é possível na Tua presença.
À Profa. Dra. Alice Libardi, orientadora desta dissertação, por todo empenho,
sabedoria, compreensão e, acima de tudo, exigência. Obrigada por fazer dos nossos
encontros momentos prazerosos. Obrigada por me proporcionar a curiosidade e a von-
tade de uma nova descoberta. Exemplo de profissional que sabia fazer de uma simples
orientação um momento de reflexão. Obrigada por acreditar no meu trabalho.
Ao meu companheiro Juliano pelo incentivo e pela confiança em mim. Obrigada
pela compreensão e pelo carinho... és o meu mais fiel amigo... Obrigada por fazer dessa
caminhada a melhor que eu poderia ter...
Agradeço aos meus amigos da Primeira Turma de Pós-Graduação em Matemática
Universitária... vocês foram os melhores; cada qual com sua peculiaridade, mas in-
substituíveis. Em especial, Ana Claudia, Ricardo Batista, Fabrício Tofu e Robinson...
que prazer tê-los em minha vida... simplesmente os amo...não haveria palavras para
descrever quanta felicidade vocês me proporcionam!
Por fim, minha querida mãe e irmã Leila. Obrigada por vocês existirem. Obrigada
por depositarem em mim a confiança para todas as horas. Sei que vocês se orgulham
por eu ter atingido uma etapa que nenhum outro de nós tinha atingido antes. Mas este
orgulho que sentem por mim, converto numa obrigação de a cada dia ser mais digna
de representá-las.
Felizes aqueles que se divertem com problemas
que educam a alma e elevam o espírito.
Fenelon
Resumo
O objetivo desta dissertação é apresentar uma abordagem cohomológica do Teorema
de Cauchy e alguns resultados equivalentes a que um subconjunto aberto e conexo de
C seja simplesmente conexo.
Ressaltamos que um dos objetivos desta dissertação, inserida no Mestrado Profis-
sional, Matemática Universitária, é estabelecer uma conexão entre as diversas áreas da
Matemática, dando uma visão global da mesma, necessária ao professor universitário.
Desta forma, o tema escolhido "Teorema de Cauchy"é um assunto visto na graduação,
porém a abordagem usando grupos de cohomologia, números de voltas, espaços de re-
cobrimento, feixes de germes de funções holomorfas, contribuem para o enriquecimento
da formação da mestranda.
Palavras-chave: Análise Complexa, Topologia Algébrica, Teorema de Cauchy, Funções
Holomorfas, Primeiro Grupo de Cohomologia.
Abstract
In this work we present a cohomological approach of the Cauchy’s Theorem and
also present several characterizations of simply connected domains of C.
Keywords: Complex Analysis, Algebraic Topology, Cauchy’s Theorem, Holomorphic
Functions, First Cohomology Group.
Lista de Figuras
2.1 Triângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Domínios Estrelados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.3 Caminhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.1 Retângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.2 Retângulo Fechado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
3.3 a int (R) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.4 D(a, r) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.1 Continuação Analítica de f
a
ao longo de γ . . . . . . . . . . . . . . . . 71
4.2 Primitiva de f sobre γ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Sumário
1 Introdução 17
2 Teoria de Cauchy 19
2.1 Integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.2 Os Teoremas de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas 39
3.1 Definições e Propriedades Básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.2 Integração sobre curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.3 Propriedades Fundamentais de Funções Holomorfas . . . . . . . . . . . 61
4 Espaços de Recobrimento 67
4.1 Espaços de Recobrimento e Levantamento de Curvas . . . . . . . . . . 67
4.2 O Feixe de Germes de Funções Holomorfas . . . . . . . . . . . . . . . . 69
4.3 Espaços de Recobrimento e Integração ao longo de Curvas . . . . . . . 71
5 O Número de Voltas 75
5.1 O Número de Voltas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
5.2 O Teorema do Resíduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
6 A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy 81
6.1 A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy . . . . . . . . . . . . . 81
7 Aplicação 87
Referências 89
1 Introdução
O primeiro capítulo deste texto é dedicado a apresentar conceitos básicos e essenciais
da teoria de funções de uma variável complexa. Dessa forma, este estudo é visto
num curso de graduação de maneira elementar. Apresentaremos aqui esta versão e a
partir do capítulo seguinte, estaremos fazendo uma nova leitura desses resultados (que
são equivalentes) e apresentaremos uma abordagem usando cohomologia, que poderá
motivar futuros estudos para funções de várias variáveis complexas.
Denotaremos por H(Ω) o conjunto de todas as funções holomorfas em , o qual
munido de operações de adição, multiplicação de funções e multiplicação de funções
por constantes é uma álgebra sobre o corpo complexo C.
Inicialmente, utilizaremos a fórmula integral de Cauchy para estabelecer a equiva-
lência entre os conceitos de função holomorfa e função C-diferenciável.
Faremos um estudo sobre Espaços de Recobrimento definindo germes de funções
holomorfas. Com isso, apresentaremos uma relação entre integração sobre curvas e o
levantamento de curvas relativamente à derivada d : O O.
Faremos um estudo sobre o número de voltas de uma curva em relação a um ponto
a, com o objetivo de dar uma condição equivalente ao conceito de um subconjunto
aberto e conexo ser simplesmente conexo.
Definiremos o Primeiro Grupo de Cohomologia com o objetivo de dar uma condição
suficiente para a existência de primitivas para toda f H(Ω) e provaremos a Forma
Cohomológica do Teorema de Cauchy, cujo grupo de cohomologia é definido através
de uma cobertura e o enunciado é dado através de uma sequência exata. E como
consequência, teremos que toda função f H(Ω) tem uma primitiva se, e somente se,
H
1
(U, C) = 0 para algum recobrimento aberto de por subconjuntos simplesmente
conexos U
i
.
Como aplicação dos resultados estudados, provaremos um teorema que caracteriza
um subconjunto simplesmente conexo.
17
2 Teoria de Cauchy
Esse capítulo é dedicado a apresentar os resultados fundamentais sobre funções de
uma variável complexa. Diferentemente das funções reais, as holomorfas admitem uma
boa representação integral, isto é, elas podem ser dadas nos pontos interiores a um
disco fechado por uma integral ao longo de sua fronteira, nos permitindo obter vários
resultados.
Definição 2.1. Um caminho suave em C é uma aplicação
γ : J C
com derivada contínua em todos os pontos de J, onde J R é um intervalo da forma
J = [a, b] , a < b. A imagem γ(J) é uma curva no plano C.
Definição 2.2. Um caminho suave por partes em C é uma coleção finita de ca-
minhos suaves γ
1
: [a
1
, b
1
] C, γ
2
: [a
2
, b
2
] C, ..., γ
n
: [a
n
, b
n
] C, satisfazendo:
γ
i
(b
i
) = γ
i+1
(a
1+i
) para 1 i n 1. Denotaremos por γ
1
γ
2
··· γ
n
caminhos
suaves por partes. Quando γ
1
(a
1
) = γ
n
(b
n
), dizemos que o caminho suave é fechado.
Definição 2.3. Um subconjunto não vazio U C é chamado um domínio se U é
aberto e se, dados pontos quaisquer z
1
e z
2
em U, existe um caminho suave por partes,
inteiramente contido em U, cujos pontos inicial e final são, respectivamente, z
1
e z
2
.
Definição 2.4. Seja f : A C, A C aberto, uma função complexa. f é holomorfa
em A se f
(z) existe para todo ponto z A.
Definição 2.5. Uma função complexa f, definida em todo C e que é holomorfa em C
é chamada função inteira.
Proposição 2.1. (Condições de Cauchy-Riemann) Se uma função f(z) = u(x, y)+
iv(x, y) tem derivada no ponto z
0
= x
0
+ iy
0
então
u
x
(x
0
, y
0
) =
v
y
(x
0
, y
0
) e
v
x
(x
0
, y
0
) =
u
y
(x
0
, y
0
) .
19
20 Teoria de Cauchy
2.1 Integração
Antes de falar em integração, vamos exibir o seguinte resultado sobre diferenciação:
Lema 2.1. Sejam U C um domínio e f : U C uma função holomorfa. Se
f
(z) = 0 em todo ponto z U, então f é uma função constante.
Demonstração. Fixe um ponto qualquer z
0
U. Dado z U, seja γ : [0, 1] U um
caminho suave por partes tal que γ(0) = z
0
e γ(1) = z. O caminho γ é, digamos, a
justaposição dos caminhos γ = γ
1
γ
2
··· γ
n
. A função composta f γ : [0, 1] C
é o caminho suave por partes f γ = (f γ
1
) (f γ
2
) ··· (f γ
n
). Vamos estudar
cada (f γ
i
), para 1 i n. Escrevendo f = u(x, y) + iv(x, y) e γ
i
(t) = x
i
(t) + iy
i
(t)
temos que
(f γ
i
) (t) = f (γ
i
(t)) = u (x
i
(t), y
i
(t)) + iv (x
i
(t), y
i
(t)) .
Considere as funções F
i
(t) = u (x
i
(t), y
i
(t)) e G
i
(t) = v (x
i
(t), y
i
(t)). Essas são funções
reais da variável real t e, pela regra da cadeia
F
i
(t) =
u
x
(x
i
(t), y
i
(t)) · x
i
(t) +
u
y
(x
i
(t), y
i
(t)) · y
i
(t)
G
i
(t) =
v
x
(x
i
(t), y
i
(t)) · x
i
(t) +
v
y
(x
i
(t), y
i
(t)) · y
i
(t).
Agora, como f é holomorfa, vale que
f
=
u
x
+ i
v
x
bem como valem as condições de Cauchy-Riemann
u
x
=
v
y
e
v
x
=
u
y
.
que f
= 0, concluímos que
u
x
=
v
y
=
v
x
=
u
y
= 0
e portanto F
i
(t) = 0 e G
i
(t) = 0. Sabemos então, do cálculo de uma variável real, que
as funções F
i
e G
i
são constantes, ou seja, F
i
(t) = α
i
e G
i
(t) = β
i
. Mas como
(f γ
i
) (t) = F
i
(t) + iG
i
(t)
concluímos que f γ
i
é constante, f γ
i
(t) α
i
+
i
. Isso mostra que f γ
i
(t) é
constante para todo i e, como o ponto inicial de γ
i+1
é o ponto final de γ
i
, ficamos com
f(z
0
) = (f γ
1
) (0) = (f γ
n
) (1) = f(z). Uma vez que z é um ponto qualquer de U
obtemos f(z) = f(z
0
), z U.
Vamos agora integrar funções complexas. Considere inicialmente um caminho suave
γ : [a, b] C e seja f : U C uma função contínua, onde U C é um domínio.
Integração 21
Definição 2.6. A integral da função f ao longo do caminho γ é o número complexo
γ
f(z)dz =
b
a
f (γ(t)) γ
(t)dt.
Observação 2.1. A estrutura complexa desempenha um papel fundamental nessa
definição. De fato, escrevendo γ(t) = x(t) + iy(t) temos que γ
(t) = x
(t) + iy
(t). Por
outro lado, se f(z) = u(x, y) + iv(x, y) então
f (γ(t)) = u(x(t), y(t)) + iv(x(t), y(t))
e a expressão acima se torna
γ
f(z)dz =
b
a
f (γ(t)) γ
(t)dt
=
b
a
[u(x(t), y(t)) + iv(x(t), y(t))] [x
(t) + iy
(t)] dt.
Efetuando o produto,
[u(x(t), y(t)) + iv(x(t), y(t))] [x
(t) + iy
(t)]
= [u(x(t), y(t))x
(t) v(x(t), y(t))y
(t)] + i [u(x(t), y(t))y
(t) v(x(t), y(t))x
(t)]
concluímos que
γ
f(z)dz =
b
a
f (γ(t)) γ
(t)dt
=
b
a
[u(x(t), y(t))x
(t) v(x(t), y(t))y
(t)] dt
+ i
b
a
[u(x(t), y(t))y
(t) + v(x(t), y(t))x
(t)] dt
ou seja,
γ
f(z)dz é dada por duas integrais de linha ao longo do caminho γ:
γ
f(z)dz =
γ
udx vdy + i
γ
udy + vdx.
Esse mesmo procedimento, nos fornece que o comprimento do caminho suave γ é
definido por
l(γ) =
b
a
|γ
(t)|dt =
b
a
x
(t)
2
+ y
(t)
2
dt.
A partir de agora usaremos a seguinte notação para o comprimento de um caminho
suave γ:
l(γ) =
γ
|dz|
22 Teoria de Cauchy
Exemplo 2.1. Seja f(z) =
1
z
e seja o caminho suave γ um círculo de centro em 0 e
raio r > 0. γ se expressa por γ(θ) = r (cos θ + i sen θ), isto é, γ(θ) = re
, 0 θ 2π.
Temos então que γ
(θ) = rie
, ou seja, dz = rie
e
γ
f(z)dz =
γ
1
z
dz =
2π
0
1
re
rie
=
2π
0
idθ = i
2π
0
= 2πi.
Por outro lado, o comprimento de γ é dado por
γ
|dz| =
2π
0
rie
=
2π
0
r
ie
=
2π
0
r = r
2π
0
= 2πr.
Como a integral
γ
f(z)dz é dada através de integrais de linha, a sensibilidade ao
sentido de percurso do caminho está presente, isto é, se γ
1
denota o caminho inverso
de γ, então
γ
1
f(z)dz =
γ
f(z)dz.
De fato, se γ : [a, b] U é dado por γ(t) = (x(t), y(t)) temos que γ
1
(t) =
(x(a + b t), y(a + b t)) e daí
γ
1
f(z)dz =
b
a
[u(x(a + b t), y(a + b t))x
(a + b t) + v(x(a + b t), y(a + b t))y
(a + b t)] dt
+ i
b
a
[u(x(a + b t), y(a + b t))y
(a + b t) v(x(a + b t), y(a + b t))x
(a + b t)] dt
=
γ
f(z)dz.
Uma vez entendida a integral de f(z) ao longo de um caminho suave, estendemos
de modo natural essa definição a caminhos suaves por partes:
Definição 2.7. Sejam f : U C uma função contínua e U C um domínio. Seja
γ = γ
1
γ
2
··· γ
n
um caminho suave por partes em U. A integral de f ao longo de
γ é o número complexo
γ
f(z)dz =
γ
1
f(z)dz +
γ
2
f(z)dz + ··· +
γ
n
f(z)dz.
Analogamente, o comprimento do caminho suave por partes é dado por
l(γ) =
γ
|dz| = l(γ
1
) + l(γ
2
) + ··· + l(γ
n
)
=
γ
1
|dz| +
γ
2
|dz| + ··· +
γ
n
|dz|.
Integração 23
A integração de funções complexas contínuas goza das seguintes propriedades, que
seguem da definição:
c
γ
f(z)dz =
γ
cf(z)dz, c C
γ
[f(z) + g(z)] dz =
γ
f(z)dz +
γ
g(z)dz.
Como no caso de funções reais de uma variável, temos o seguinte conceito:
Definição 2.8. Seja f : U C uma função contínua, onde U C é um domínio.
Uma função F : U C é chamada uma primitiva de f se F é holomorfa em U e
F
(z) = f(z) para todo ponto z U.
Observe que se F é uma primitiva de f, então G(z) = F (z) + c também o é, pois
G
(z) = F
(z) = f (z). Mas essa falta de unicidade da primitiva não vai mais longe
do que isso pelo Lema 2.1. De fato, se F e G satisfazem F
= G
= f então a função
H : U C definida por H(z) = F(z) G(z) é tal que H
(z) = F
(z) G
(z) =
f(z) f (z) = 0 em todos os pontos de U, e pelo Lema 2.1 temos que H é uma função
constante, H c. Isso nos G(z) = F (z) + c.
Agora, apresentaremos uma versão do Teorema Fundamental do Cálculo para vari-
áveis complexas, que possibilita o cálculo rápido da integral de funções cuja primitiva
seja conhecida.
Teorema 2.1. Sejam U C um domínio, f : U C uma função contínua, F uma
primitiva de f em U e γ um caminho suave por partes em U unindo o ponto z
0
ao
ponto z
1
. Então
γ
f(z)dz = F (z
1
) F (z
0
).
Em particular, se o caminho é fechado, então
γ
f(z)dz = 0.
Demonstração. Vamos supor γ(t) = x(t) + iy(t) suave, a t b, γ(a) = z
0
, γ(b) = z
1
.
Ponha ξ(t) = f(γ(t))γ
(t) e ϑ(t) = F (γ(t)). Escrevendo ξ(t) = u(t) + iv(t) e ϑ(t) =
U(t) + iV (t), temos que F
= f fornece ϑ
(t) = U
(t) + iV
(t) = u(t) + iv(t) = ξ(t).
Pelo Teorema Fundamental do Cálculo,
γ
f(z)dz =
b
a
ξ(t)dt =
b
a
u(t)dt + i
b
a
v(t)dt
= U(b) U(a) + i (V (b) V (a))
= U(b) + iV (b) U(a) iV (a)
= ϑ(b) ϑ(a) = F (z
1
) F (z
0
).
24 Teoria de Cauchy
Um exemplo importante de funções que admitem primitiva é dado pelas funções
polinomiais. Usaremos o próximo Teorema para apresentar um exemplo mais geral.
Teorema 2.2. Seja f (z) =
n=0
a
n
z
n
uma série de potências com raio de convergên-
cia R > 0. Então
f
(z) =
n=1
na
n
z
n1
para todo z tal que |z| < R, isto é, podemos derivar termo a termo uma série de
potências no interior de seu disco de convergência.
Proposição 2.2. Seja f(z) =
n=0
a
n
(z z
0
)
n
definida por uma série de potências
com raio de convergência R > 0. Então a função
F (z) =
n=0
a
n
n + 1
(z z
0
)
n+1
é uma primitiva de f e a série que a define converge para |z z
0
|< R.
Demonstração. Basta mostrar que a série que define F converge para |z z
0
|< R pois,
pelo Teorema 2.2 podemos derivá-la termo a termo e concluir que F
= f. Agora,
a
n
n + 1
(z z
0
)
n+1
=
|z z
0
|
n + 1
|a
n
(z z
0
)
n
|
e, para n suficientemente grande,
|zz
0
|
n+1
< 1. Portanto, se n é suficientemente grande
a
n
n + 1
(z z
0
)
n+1
< |a
n
(z z
0
)
n
|
e segue do critério de comparação de séries numéricas que
n=0
a
n
n+1
(z z
0
)
n+1
con-
verge para |z z
0
|< R.
Antes de darmos uma caracterização geral das funções que admitem primitiva num
domínio, exibimos um resultado de natureza técnica, porém de muita utilidade para o
que virá.
Lema 2.2. Sejam U C um domínio, f : U C uma função contínua e γ : [a, b] C
um caminho suave por partes em U, de comprimento l(γ). Seja K 0 um número
real tal que |f (γ(t))| K para todo a t b. Então
γ
f(z)dz
Kl(γ).
Integração 25
Demonstração. Inicialmente observamos que um tal número K sempre existe, pois é
simplesmente o valor máximo de |f| ao longo do caminho γ. Começamos mostrando a
seguinte desigualdade: se α e β são funções reais contínuas, então
b
a
(α(t) + (t)) dt
b
a
|α(t) + (t)|dt. (2.1)
Para ver isso, sejam A =
b
a
α(t)dt e B =
b
a
β(t)dt. Então
A + iB =
b
a
(α(t) + (t)) dt
e
A
2
+ B
2
= |A + iB| =
b
a
(α(t) + (t)) dt
.
Agora,
A
2
+ B
2
= (A + iB) (A iB) = (A iB)
b
a
(α(t) + (t)) dt
e como A e B são constantes,
A
2
+ B
2
=
b
a
(A iB) (α(t) + (t)) dt
=
b
a
[(t) + Bβ(t)] dt + i
b
a
[(t) Bα(t)] dt.
Mas A
2
+ B
2
é um número real e portanto sua parte imaginária é nula. Logo,
A
2
+ B
2
=
b
a
[(t) + Bβ(t)] dt. (2.2)
Agora, o integrando nessa expressão nada mais é que o produto escalar dos vetores
(A, B) · (α(t), β(t)) = (t) + Bβ(t)
e sabemos do Cálculo que
(t) + Bβ(t) |(A, B) · (α(t), β(t))| |(A, B)||(α(t), β(t))|.
Logo,
b
a
[(t) + Bβ(t)] dt
b
a
|(A, B)||(α(t), β(t))|dt
= |(A, B)|
b
a
|(α(t), β(t))|dt
=
A
2
+ B
2
b
a
|α(t) + (t)|dt
e, usando a igualdade 2.2,
A
2
+ B
2
A
2
+ B
2
b
a
|α(t) + (t)|dt
26 Teoria de Cauchy
o que fornece
A
2
+ B
2
b
a
|α(t) + (t)|dt
ou seja,
b
a
(α(t) + (t)) dt
=
A
2
+ B
2
b
a
|α(t) + (t)|dt
e a desigualdade 2.1 está demonstrada. Com isso em mãos, temos:
γ
f(z)dz
=
b
a
f(γ(t))γ
(t)dt
b
a
|f(γ(t))||γ
(t)|dt
b
a
K |γ
(t)|dt = Kl(γ)
provando o que queríamos.
Finalmente, podemos caracterizar funções que admitem primitivas em domínios.
Teorema 2.3. Seja f : U C uma função contínua definida no domínio U C. As
seguintes afirmativas são equivalentes:
(i) f tem uma primitiva em U.
(ii)
γ
f(z)dz = 0 para qualquer caminho fechado, suave por partes γ em U.
(iii)
γ
f(z)dz depende dos pontos inicial e final de qualquer caminho suave por
partes γ em U.
Demonstração. O Teorema 2.1 nos diz que (i) (ii) e (i) (iii). Para ver que (ii)
(iii), sejam γ
1
e γ
2
dois caminhos suaves por partes em U, ambos ligando o ponto
z
0
U ao ponto z
1
U. Olhe para o caminho γ
1
γ
1
2
. Esse é um caminho fechado
em U e portanto, como vale (ii),
γ
1
γ
1
2
f(z)dz = 0.
Mas então
0 =
γ
1
γ
1
2
f(z)dz =
γ
1
f(z)dz +
γ
1
2
f(z)dz =
γ
1
f(z)dz
γ
2
f(z)dz
e obtemos (iii), ou seja,
γ
f(z)dz independe do caminho. Resta mostrar que (iii)
(i). Para ver isso, fixe um ponto qualquer z
0
em U e, dado um ponto z U, seja γ um
caminho suave por partes em U ligando z
0
a z. Definimos uma função F : U C por
F (z) =
γ
f(w)dw.
F está bem definida pois, por hipótese,
γ
f(w)dw depende de z
0
e de z e não do
caminho γ. Para concluir a prova devemos mostrar que F é uma primitiva de f, ou
seja, F
= f.
Os Teoremas de Cauchy 27
Como U é aberto, se h C tem módulo |h| suficientemente pequeno então z+h U.
Considere o segmento de reta (um caminho em U) unindo z a z + h, σ(t) = z + th,
0 t 1.
Pela definição de F temos
F (z + h) =
γσ
f(w)dw =
γ
f(w)dw +
σ
f(w)dw
ou seja,
F (z + h) = F (z) +
σ
f(w)dw
e daí
F (z + h) F (z)
h
=
1
h
σ
f(w)dw.
Por outro lado,
σ
f(z)dw = f(z)
σ
dw = f(z)h
1
0
dt = f(z)h
e ficamos com
F (z + h) F (z)
h
f(z) =
1
h
σ
f(w)dw
1
h
σ
f(z)dw.
Mas essa última expressão é igual a
σ
f(w) f (z)
h
dw.
Agora, como f é contínua, dado > 0 temos que |f(w) f(z)| < para |w z|
suficientemente pequeno. Logo, tomando w ao longo de σ temos, pelo Lema Técnico
2.2, que
σ
f(w) f (z)
h
dw
|h|
l(σ) =
|h|
|h| = .
Como é arbitrário, concluímos que
lim
h0
σ
f(w) f (z)
h
dw = 0.
Mas isso é o mesmo que dizer que
lim
h0
F (z + h) F (z)
h
f(z) = 0
ou seja, F
(z) = f(z).
2.2 Os Teoremas de Cauchy
Nesta seção, apresentamos o resultado central da teoria de funções de uma variável
complexa (Fórmula Integral de Cauchy) e exploramos algumas de suas consequências.
28 Teoria de Cauchy
Teorema 2.4. (Teorema de Cauchy-Goursat) Sejam U um domínio em C e f :
U C uma função holomorfa. Suponhamos que U é um triângulo que limita
uma região inteiramente contida em U. Então
f(z)dz = 0.
U
ɤ
3 ɤ2
ɤ1
Figura 2.1: Triângulo
Definição 2.9. Seja U C um domínio. Dizemos que U é estrelado se existe um
ponto z
0
U satisfazendo a seguinte propriedade: dado qualquer ponto z U, o
segmento de reta unindo z
0
a z, z
0
z, está inteiramente contido em U. O ponto z
0
é
chamado um centro do domínio U.
Corolário 2.1. Sejam U C um domínio estrelado e f : U C uma função holo-
morfa. Então f admite uma primitiva em U.
Demonstração. Seja z
0
um centro de U e defina a função F : U C por
F (z) =
z
0
z
f(w)dw.
F está bem definida e nos resta mostrar que ela é derivável com F
(z) = f(z), z U.
Agora, tome h C com |h| suficientemente pequeno a fim de que z + h U e os pontos
z
0
, z e z + h sejam os vértices de um triângulo contido em U. Temos que
F (z + h) =
z
0
z+h
f(w)dw.
O Teorema de Cauchy-Goursat 2.4 nos diz que
f(w)dw = 0 e como
f(w)dw =
z
0
z
f(w)dw +
zz+h
f(w)dw
z
0
z+h
f(w)dw
ficamos com
F (z + h) F (z) =
zz+h
f(w)dw.
Os Teoremas de Cauchy 29
Portanto,
F (z + h) F (z)
h
f(z) =
1
h
zz+h
f(w)dw f(z)
mas, f(z) =
1
h
zz+h
f(z)dw e daí
F (z + h) F (z)
h
f(z) =
1
h
zz+h
f(w)dw
1
h
zz+h
f(z)dw
=
1
h
zz+h
[f(w) f (z)] dw.
Mas pela continuidade de f, dado > 0 podemos achar δ > 0 tal que 0 < |w z| <
δ |f(w) f(z)| < . Assim sendo, se 0 < |h| < δ temos, pelo Lema Técnico 2.2, que
1
h
zz+h
[f(w) f (z)] dw
1
|h|
zz+h
|f(w) f (z)||dw| <
|h|
|h|
e portanto
F (z+h)F (z)
h
f(z)
<
|h|
|h|
= ou seja, F
(z) = f(z) e F é uma primitiva
de f.
Corolário 2.2. (Teorema de Cauchy-Goursat 2a.versão) Sejam U C um
domínio estrelado e f : U C uma função holomorfa. Se γ é um caminho fechado
suave por partes em U, então
γ
f(z)dz = 0.
Demonstração. Pelo Corolário 2.1, f tem uma primitiva em U e, pelo Teorema 2.3,
γ
f(z)dz = 0.
O próximo resultado nos diz que, se conhecemos o comportamento de f ao longo
da fronteira do disco, então determinamos f em todos os pontos interiores a ele.
Teorema 2.5. (Fórmula Integral de Cauchy) Seja f : U C uma função holo-
morfa. Sejam D(z
0
, r
0
) um disco fechado inteiramente contido em U e Γ sua fronteira,
orientada compativelmente. Se z é um ponto qualquer no interior de D(z
0
, r
0
) então
f(z) =
1
2πi
Γ
f(w)
w z
dw.
Demonstração. Inicialmente observamos que, como U é aberto e D(z
0
, r
0
) U é
fechado, podemos encontrar um disco aberto D(z
0
, R) com R > r
0
e tal que D(z
0
, r
0
)
D(z
0
, R) U. A partir de agora, vamos considerar f apenas em D(z
0
, R). Fixe
z D(z
0
, r
0
) (o interior de D(z
0
, r
0
)) e olhe para a função g(w) =
f(w)
wz
. Essa é holo-
morfa em todos os pontos de D(z
0
, R) exceto z. Considere o diâmetro de D(z
0
, R)
que passa por z. Esse diâmetro determina dois segmentos de reta com extremo em z,
digamos L
1
e L
2
(veja figura).
Agora, D(z
0
, R) L
1
e D(z
0
, R) L
2
são domínios estrelados, nos quais g(w) é
holomorfa. Em seguida, isolamos o ponto z considerando um círculo γ nele centrado,
30 Teoria de Cauchy
L
L
D(
R)
D(
R)
Figura 2.2: Domínios Estrelados
de raio r > 0 suficientemente pequeno afim de que o disco D(z, r) esteja inteiramente
contido em D(z
0
, r
0
). Como Γ e D(z
0
, r
0
) tem orientação compatível, Γ deve ser per-
corrido no sentido anti-horário. Considere os caminhos, suaves por partes, σ
1
e σ
2
,
obtidos da seguinte maneira (veja figura):
d
U
Ƭ β β
c
ɤ
z
0
z
b
α
α
D(z
0,r0) a
Figura 2.3: Caminhos
σ
1
= α (porção de γ
1
entre os pontos b e c)β(porção de Γ entre os pontos d e a).
σ
2
= (porção de Γ entre os pontos a e d)β
1
(porção de γ
1
entre os pontos c e b)
α
1
.
Como σ
1
e σ
2
são caminhos fechados em domínios estrelados nos quais g(w) é
Os Teoremas de Cauchy 31
holomorfa temos, pelo Teorema de Cauchy-Goursat 2a.versão 2.2, que
σ
1
f(w)
w z
dw =
σ
2
f(w)
w z
dw = 0.
Logo,
σ
1
f(w)
w z
dw +
σ
2
f(w)
w z
dw = 0
mas,
σ
1
f(w)
w z
dw +
σ
2
f(w)
w z
dw =
Γ
f(w)
w z
dw +
γ
1
f(w)
w z
dw
e portanto,
Γ
f(w)
w z
dw +
γ
1
f(w)
w z
dw = 0
ou seja,
Γ
f(w)
w z
dw =
γ
f(w)
w z
dw. (2.3)
Vamos agora trabalhar a integral
γ
f(w)
wz
dw. Temos
γ
f(w)
w z
dw =
γ
f(w) f (z) + f(z)
w z
dw
=
γ
f(w) f (z)
w z
dw +
γ
f(z)
w z
dw
=
γ
f(w) f (z)
w z
dw + f(z)
γ
dw
w z
pois, como z está fixado, f(z) é uma constante. Ora, γ é dado por γ(t) = z + re
it
, 0
t 2π e então
f(z)
γ
dw
w z
= f(z)
2π
0
rie
it
re
it
dt = f(z)
2π
0
idt = 2πif(z).
Quanto a
γ
f(w)f(z)
wz
dw, procedemos usando a continuidade de f. Dado > 0, podemos
encontrar δ > 0 tal que 0 < |w z| < δ |f(w) f (z)| < . Escolhendo o raio r do
círculo γ menor do que δ e invocando o Lema Técnico 2.2, obtemos
γ
f(w) f (z)
w z
dw
γ
|f(w) f (z)|
|w z|
|dw| <
r
2πr = 2π
Como é arbitrário, concluímos que
γ
f(w)f(z)
wz
dw = 0 e, portanto,
γ
f(w)
w z
dw = 2πif (z).
Segue de 2.3 que
f(z) =
1
2πi
Γ
f(w)
w z
dw
e o teorema está demonstrado.
32 Teoria de Cauchy
Agora, com a Fórmula Integral de Cauchy, definimos função holomorfa como aquela
que admite derivada em todos os pontos de seu domínio, sem fazer quaisquer outras
hipóteses sobre a derivada.
Corolário 2.3. Seja f : U C uma função holomorfa, onde U é um domínio. Então
f tem derivadas de todas as ordens em todos os pontos de U e
f
(n)
(z) =
n!
2πi
γ
f(w)
(w z)
n+1
dw, z U
onde γ é qualquer círculo centrado em z, percorrido no sentido anti-horário e limitando
um disco fechado contido em U.
Demonstração. Seja r > 0 tal que o círculo γ(t) = z + re
it
, 0 t 2π limita um disco
fechado contido em U. Pelo Teorema 2.5, temos
f(z + h) f(z)
h
=
1
2πi
γ
1
h
f(w)
w (z + h)
f(w)
w z
dw.
Mas,
γ
1
h
f(w)
w (z + h)
f(w)
w z
dw =
γ
f(w)
(w z h)(w z)
dw.
Agora,
f(w)
(w z)
2
f(w)
(w z h)(w z)
=
hf(w)
(w z)
2
(w z h)
e, usando o Lema Técnico 2.2
γ
f(w)
(w z)
2
f(w)
(w z h)(w z)
dw
=
γ
hf(w)
(w z)
2
(w z h)
dw
γ
|h||f(w)|
|w z|
2
|w z h|
|dw|.
Se K é o valor máximo de |f| ao longo de γ e se |h| < r/2 então, |w z h|
|w z| |h| > r r/2 e obtemos
γ
|h||f(w)|
|w z|
2
|w z h|
|dw| <
|h|K
r
2
r
2
l(γ) =
|h|K
r
3
2
2πr =
|h|K
r
2
4π.
Tomando o limite com h 0, concluímos
lim
h0
γ
f(w)
(w z h)(w z)
dw =
γ
f(w)
(w z)
2
dw.
Como
2πi
f(z + h) f(z)
h
=
γ
f(w)
(w z h)(w z)
dw,
isso nos diz que
f
(z) = lim
h0
f(z + h) f(z)
h
=
1
2πi
γ
f(w)
(w z)
2
dw.
Para mostrar que f tem derivada segunda, repetimos exatamente o mesmo procedi-
mento utilizando a fórmula integral obtida acima para f
e assim sucessivamente con-
cluímos o Corolário.
Os Teoremas de Cauchy 33
Continuando o procedimento do resultado anterior, obtemos o seguinte resultado:
Corolário 2.4. (Estimativas de Cauchy) Seja f uma função holomorfa definida no
disco D(z
0
, R) e suponhamos que |f| K em D(z
0
, R). Então
f
(n)
(z
0
)
n!K
R
n
.
Corolário 2.5. (Teorema de Liouville) Seja f uma função inteira, isto é, f : C
C. Se existe um número K 0 tal que |f(z)| K então f é uma função constante.
Demonstração. Como f está definida em todo C, ela é holomorfa em qualquer disco
D(z, R), centrado em z C e de raio arbitrário. Pelo Corolário 2.4
|f
(z)|
1!K
R
.
Daí vem que, como R é arbitrário
|f
(z)| lim
R→∞
K
R
= 0
e portanto f
(z) = 0 para todo z C. Segue do Lema 2.1 que f é constante.
Apresentaremos em seguida um outro resultado importante que não tem paralelo
no caso real, o qual afirma que uma função holomorfa não constante f, definida num
domínio U, é tal que |f| não possui valor máximo em U. Para tanto, precisamos do
seguinte Lema:
Lema 2.3. Sejam D(a, r), r > 0 um disco e f : D(a, r) C uma função holomorfa.
Se a imagem f (D(a, r)) está contida numa circunferência |w| = α, então f é uma
função constante.
Demonstração. Se α = 0 não há o que mostrar. Suponha então α > 0 e escreva
f = u + iv. A função g(x, y) = |f(z)| =
u
2
(x, y) + v
2
(x, y) é constante, pois é igual
a α, tem derivadas parciais contínuas e
g
x
=
1
u
2
+ v
2
u
u
x
+ v
v
x
= 0,
g
y
=
1
u
2
+ v
2
u
u
y
+ v
v
y
= 0.
Como valem as condições de Cauchy-Riemann, ficamos com
u
u
x
+ v
v
x
= 0
v
u
x
u
v
x
= 0
o que fornece
u
x
=
v
x
= 0. Logo, f
(z) = 0 em todos os pontos de D(a, r). Segue do
Lema 2.1 que f é constante.
34 Teoria de Cauchy
Corolário 2.6. (Princípio do Máximo) Sejam U um domínio em C e f : U C
uma função holomorfa . Se existe um ponto a U tal que |f(a)| |f(z)| para todo
z U, então f é uma função constante.
Demonstração. Seja D(a, r) um disco centrado em a cujo fecho D(a, r) U. A fron-
teira de D(a, r) é expressa por γ(t) = a + re
it
, 0 t 2π. Pela Fórmula Integral de
Cauchy
f(a) =
1
2πi
γ
f(w)
w a
dw
=
1
2πi
2π
0
f(a + re
it
)rie
it
re
it
dt =
1
2π
2π
0
f(a + re
it
)dt.
Portanto, usando o Lema Técnico 2.2 e a hipótese
|f(a)|
1
2π
2π
0
f(a + re
it
)
dt
1
2π
2π
0
|f(a)|dt = |f(a)|.
Mas isso nos diz que
1
2π
2π
0
|f(a)|
f(a + re
it
)
dt = 0.
Como o integrando é uma função contínua não-negativa, obtemos
|f(a)| =
f(a + re
it
)
, t [0, 2π] .
Agora, r é arbitrário e, fazendo-o variar, concluímos que a imagem de um disco D(a, R)
por f está contida no círculo |w| = |f(a)|. Pelo Lema anterior, f é constante.
Agora, fazendo uso da Fórmula Integral de Cauchy, estabeleceremos a equivalência
entre os conceitos de função holomorfa e de função analítica. Recordemos o conceito
de função analítica:
Definição 2.10. Sejam U C um domínio e f : U C uma função. f é analítica
em U se, para todo ponto z
0
U, f se expressa como uma série de potências de centro
z
0
com raio de convergência R
z
0
> 0.
Repetindo, f é analítica em U se, dado z
0
U temos
f(z) =
n=0
a
n
(z z
0
)
n
e a série converge absolutamente num disco D(z
0
, R
z
0
) U, R
z
0
> 0.
Teorema 2.6. Sejam f : U C uma função holomorfa, onde U é um domínio em C
e z
0
U um ponto qualquer. Então
f(z) =
n=0
f
(n)
(z
0
)
n!
(z z
0
)
n
Os Teoremas de Cauchy 35
ou seja, f é dada por sua série de Taylor de centro z
0
e portanto é uma função analítica.
Além disso, essa série converge em qualquer disco (aberto) D(z
0
, r) U, isto é, o raio
de convergência R da série acima é a menor entre as distâncias de z
0
aos pontos da
fronteira de U.
Demonstração. A Fórmula Integral de Cauchy nos diz que
f(z) =
1
2πi
γ
f(w)
w z
dw
onde γ(t) = z
0
+ re
it
, r > 0, 0 t 2π é qualquer círculo centrado em z
0
, limitando
um disco fechado contido em U e z é qualquer ponto satisfazendo |z z
0
| < r. Para
obter o resultado, vamos inicialmente trabalhar a expressão
1
wz
. Temos
1
w z
=
1
w z
0
+ z
0
z
=
1
(w z
0
)
1 +
z
0
z
wz
0
=
1
(w z
0
)
1
zz
0
wz
0
=
1
(w z
0
)
1
1
zz
0
wz
0
.
Usando a igualdade
1
1
zz
0
wz
0
= 1 +
z z
0
w z
0
+
z z
0
w z
0
2
+ ··· +
z z
0
w z
0
n
+
zz
0
wz
0
n+1
1
zz
0
wz
0
,
obtemos
1
w z
=
1
(w z
0
)
1
1
zz
0
wz
0
=
1
(w z
0
)
n
j=0
z z
0
w z
0
j
+
1
(w z
0
)
zz
0
wz
0
n+1
1
zz
0
wz
0
=
1
(w z
0
)
n
j=0
z z
0
w z
0
j
+
(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
=
n
j=0
1
(w z
0
)
j+1
(z z
0
)
j
+
(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
.
Multiplicando por f(w), obtemos o integrando da Fórmula Integral de Cauchy
f(w)
w z
=
n
j=0
f(w)
(w z
0
)
j+1
(z z
0
)
j
+
f(w)(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
e integrando ao longo de γ, ficamos com
f(z) =
1
2πi
γ
f(w)
w z
dw
=
n
j=0
1
2πi
γ
f(w)
(w z
0
)
j+1
dw
(z z
0
)
j
+
1
2πi
γ
f(w)(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
dw.
36 Teoria de Cauchy
Pelo Corolário 2.3, isso é o mesmo que
f(z) =
n
j=0
f
(j)
(z
0
)
j!
(z z
0
)
j
+
1
2πi
γ
f(w)(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
dw.
Ponha
R
n
(z) =
1
2πi
γ
f(w)(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
dw.
Para mostrar que a série
j=0
f
(j)
(z
0
)
j!
(z z
0
)
j
converge para f(z), é suficiente mostrar
que lim
n→∞
R
n
(z) = 0 qualquer que seja z satisfazendo z D(z
0
, r). Ora, seja K o
valor máximo de |f(w)| ao longo de w = γ(t) = z
0
+ re
it
, r > 0, 0 t 2π. Usando
o Lema Técnico 2.2, temos
|R
n
(z)| =
1
2πi
γ
f(w)(z z
0
)
n+1
(w z)(w z
0
)
n+1
dw
1
2π
γ
|f(w)||z z
0
|
n+1
|w z||w z
0
|
n+1
|dw|
1
2π
γ
K |z z
0
|
n+1
|w z||w z
0
|
n+1
|dw|.
Agora, |w z
0
| = r e como |w z
0
| |w z|+|z z
0
|, obtemos r|z z
0
| |w z|
e daí
1
|w z|
1
r |z z
0
|
.
Assim sendo,
|R
n
(z)|
1
2π
γ
K |z z
0
|
n+1
|w z||w z
0
|
n+1
|dw|
1
2π
γ
K |z z
0
|
n+1
(r |z z
0
|)r
n+1
|dw|
=
1
2π
K |z z
0
|
n+1
(r |z z
0
|)r
n+1
2πr
=
K |z z
0
|
n+1
(r |z z
0
|)r
n
.
Faça |z z
0
| = α e observe que α < r, pois z está no disco D(z
0
, r). A expressão acima
se transforma em
|R
n
(z)|
Kα
n+1
(r α)r
n
=
Kα
n+1
r
n+1
r
n
α
=
K
1
α
r
α
r
n+1
.
Logo
0 lim
n→∞
|R
n
(z)|
K
1
α
r
lim
n→∞
α
r
n+1
= 0
pois
α
r
< 1. Isso mostra que
f(z) =
j=0
f
(j)
(z
0
)
j!
(z z
0
)
j
.
Os Teoremas de Cauchy 37
que a única restrição imposta ao raio r do círculo γ é que γ limite um disco fechado
contido em U, concluímos que essa série representa f em qualquer disco de centro z
0
e
de raio que satisfaça essa propriedade.
Definição 2.11. Dizemos que um caminho suave por partes e fechado é simples, se
a aplicação γ : [0, 1] C que o define é injetiva, exceto pelos pontos 0 e 1, ou seja,
γ(0) = γ(1), γ(t) = γ(0), 0 < t < 1 e γ(t
1
) = γ(t
2
) se 0 < t
1
= t
2
< 1. Uma curva de
Jordan suave por partes é um caminho suave por partes, fechado e simples.
Teorema 2.7. (Teorema de Green) Sejam U R
2
um domínio e f : U R
2
uma
aplicação suave. Seja V U um subconjunto satisfazendo: (i) V é fechado e limitado,
(ii) a fronteira V de V consiste de um número finito de curvas de Jordan suaves por
partes, V = γ
1
γ
2
···γ
n
, e (iii) V V é um domínio. Suponhamos que V e V
têm orientação compatível. Então, escrevendo f(x, y) = (u(x, y), v(x, y)), temos que
V
f =
V
udx + vdy =
V
v
x
u
y
dxdy.
Teorema 2.8. (Teorema de Cauchy) Sejam U C um domínio e f : U C uma
função holomorfa. Seja V U um subconjunto fechado e limitado, cuja fronteira V
consiste de um número finito de curvas de Jordan suaves por partes, V = γ
1
···γ
n
,
e tal que V V é um domínio. Então
V
f(z)dz = 0.
Demonstração. Tome V e V com orientação compatível. sabemos que f tem
derivadas de todas as ordens em todos os pontos de U e, escrevendo f(z) = u(x, y) +
iv(x, y), concluímos que as funções u e v tem derivadas parciais de todas as ordens
em todos os pontos de U. Em particular, as derivadas parciais dessas funções são
contínuas. Podemos então usar o Teorema de Green 2.7 e argumentar como se segue:
V
f(z)dz =
V
(u + iv)(dx + idy)
=
V
udx vdy + i
V
udy + vdx.
Aplicando o Teorema de Green às duas integrais, obtemos
V
udx vdy =
V
v
x
u
y
dxdy =
V
v
x
+
u
y
dxdy
e
V
udy + vdx =
V
vdx + udy =
V
u
x
v
y
dxdy.
Mas, como f é holomorfa, as condições de Cauchy-Riemann são satisfeitas e isso
u
x
v
y
= 0 e
v
x
+
u
y
= 0. Portanto,
V
udx vdy = 0 e
V
udy + vdx = 0
38 Teoria de Cauchy
ou seja,
V
f(z)dz = 0.
O resultado final deste capítulo é uma recíproca do Teorema 2.8.
Teorema 2.9. (Teorema de Morera) Sejam U C um domínio e f : U C uma
função contínua. Se
f(z)dz = 0 para todo caminho triangular U, então f é
holomorfa em U.
Demonstração. Devemos mostrar que f possui derivada em todos os pontos de U.
Dado z
0
U, tome um disco D(z
0
, r) U, r > 0. Esse disco é um domínio estrelado e,
repetindo a demonstração do Corolário 2.1, utilizando
f(z)dz = 0 para D(z
0
, r)
ao invés do Teorema de Cauchy-Goursat, concluímos que f tem uma primitiva em
D(z
0
, r) e, portanto, é derivável em z
0
. Como z
0
é um ponto arbitrário de U, o teorema
está demonstrado.
3 Funções C-diferenciável e Funções
Holomorfas
Neste capítulo estudaremos a teoria clássica de funções holomorfas. O objetivo
central é estabelecer a equivalência entre os conceitos de função holomorfa e função
C-diferenciável. Em todo capítulo, será um conjunto aberto em C.
3.1 Definições e Propriedades Básicas
Definição 3.1. Sejam f : C e a . Dizemos que f é C-diferenciável em a
se
lim
ξ0
ξ=0
f(a + ξ) f(a)
ξ
existe. Quando esse limite existe, denotamos por f
(a) e chamamos de derivada de f
em a.
Dizemos que f é C-diferenciável em se, para qualquer a , f é C-diferenciável
em a.
Definição 3.2. Seja f : C. Dizemos que f é holomorfa em se, para todo
a , existe uma vizinhança U de a, U , e uma sequência {c
n
}, n = 0, 1, . . ., de
números complexos tais que, para qualquer z U, a série
n=0
c
n
(z a)
n
converge para f(z).
Posteriormente, provaremos que uma função é holomorfa em um aberto se, e
somente se, é C-diferenciável em .
Proposição 3.1. Seja f : Ω C. Se f é C-diferenciável em a , então as derivadas
parciais (f /∂x)(a) e (f/∂y)(a) existem e satisfazem
f
x
(a) = i
f
y
(a) = f
(a).
39
40 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Demonstração. Sejam a = α + , ξ R e ξ = 0. Então, pela definição de f
(a),
temos:
f
(a) = lim
ξ0
f(a + ξ) f(a)
ξ
= lim
ξ0
f(α + + ξ) f(α + )
ξ
= lim
ξ0
f(α + ξ, β) f(α, β)
ξ
=
f
x
(a).
Analogamente, se η R, (η = 0), temos:
f
(a) = lim
η0
f(a + ) f(a)
= lim
η0
f(α + + ) f(α + )
= lim
η0
f(α, β + η) f(α, β)
=
1
i
f
y
(a) = i
f
y
(a).
E assim, chegamos ao resultado esperado.
Definição 3.3. Seja f : C e suponhamos que f possui a derivada parcial de
primeira ordem em a. Definimos:
f
z
(a) =
1
2
f
x
(a) i
f
y
(a)
f
z
(a) =
1
2
f
x
(a) + i
f
y
(a)
Proposição 3.2. Se f é C-diferenciável em a , então
f
(a) =
f
z
(a) e
f
z
(a) = 0.
Demonstração. De fato, usando a proposição 3.1 e a definição 3.3 temos:
f
z
(a) =
1
2
f
x
(a) i
f
y
(a)
=
1
2
f
x
(a) +
f
x
(a)
=
1
2
· 2
f
x
(a) =
f
x
(a) = f
(a)
E,
f
z
(a) =
1
2
f
x
(a) + i
f
y
(a)
=
1
2
i
f
y
(a) + i
f
y
(a)
= 0.
Proposição 3.3. Seja f : Ω C e escrevamos f = u + iv onde u, v : Ω R. Se f é
C-diferenciável em a, então
u
x
(a) =
v
y
(a),
v
x
(a) =
u
y
(a).
Essas equações são chamadas equações de Cauchy-Riemann.
Definições e Propriedades Básicas 41
Demonstração. Como f(a) = f(x + iy) = u(x, y) + iv(x, y) e f é C-diferenciável em a,
temos que:
Se ξ R e ξ = 0, então
f
(a) = lim
ξ0
f(a + ξ) f(a)
ξ
= lim
ξ0
u(x + ξ, y) + iv(x + ξ, y) u(x, y) iv(x, y)
ξ
= lim
ξ0
u(x + ξ, y) u(x, y)
ξ
+ i
v(x + ξ, y) v(x, y)
ξ
= lim
ξ0
u(x + ξ, y) u(x, y)
ξ
+ i lim
ξ0
v(x + ξ, y) v(x, y)
ξ
=
u
x
(x, y) + i
v
x
(x, y)
Se η R e η = 0, então
f
(a) = lim
η0
f(a + ) f(a)
= lim
η0
u(x, y + η) + iv(x, y + η) u(x, y) iv(x, y)
= lim
η0
u(x, y + η) u(x, y)
+ i
v(x, y + η) v(x, y)
= lim
η0
u(x, y + η) u(x, y)
+ lim
η0
v(x, y + η) v(x, y)
η
=
1
i
u
y
(x, y) +
v
y
(x, y) = i
u
y
(x, y) +
v
y
(x, y)
Dessa forma, f
(a) =
u
x
(a) + i
v
x
(a) = i
u
y
(a) +
v
y
(a). Logo,
u
x
(a) =
v
y
(a),
v
x
(a) =
u
y
(a).
Corolário 3.1. Seja f : C e escrevamos f = u + iv onde u, v : R. As
equações
1.
f
x
= i
f
y
2.
f
z
= 0
3.
u
x
=
v
y
,
v
x
=
u
y
4.
f
x
=
f
z
são duas a duas equivalentes.
Demonstração. De fato, se
f
x
= i
f
y
, então
f
z
=
1
2
f
x
+ i
f
y
=
1
2
i
f
y
+ i
f
y
= 0.
42 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Se
f
z
= 0, então
1
2
f
x
+ i
f
y
= 0
f
x
+ i
f
y
= 0
f
x
= i
f
y
.
Logo,
u
x
+ i
v
x
= i
u
y
+ i
v
y
u
x
+ i
v
x
=
v
y
i
u
y
e, portanto,
u
x
=
v
y
e
v
x
=
u
y
.
Se
u
x
=
v
y
e
v
x
=
u
y
, então
f
z
=
1
2
f
x
i
f
y
=
1
2
f
x
i
u
y
+ i
v
y

=
1
2
f
x
i
u
y
+
v
y
=
1
2
f
x
+ i
v
x
+
u
x
=
1
2
f
x
+
f
x
=
f
x
.
Por fim, se
f
z
=
f
x
, então
f
x
=
1
2
f
x
i
f
y
2
f
x
=
f
x
i
f
y
f
x
= i
f
y
.
Essas equações podem ser vistas com uma outra interpretação mais importante
dentro do nosso contexto. Vejamos:
Sejam f : C , a e escrevamos f = u + iv onde u, v : R. Seja
µ : C R
2
a função µ(x + iy) = (x, y), x, y R; µ é um R-isomorfismo e µ
1
é a
função (x, y) − x + iy. Suponhamos que f tenha derivada primeira parcial em a.
Seja d(u, v) : R
2
R
2
a aplicação R-linear dada por:
d(u, v)(ξ, η) =
u
x
(a) · ξ +
u
y
(a) · η,
v
x
(a) · ξ +
v
y
(a) · η
.
d(u, v) é conhecida como aplicação tangente em a da função (u, v) : Ω R
2
. Definimos
a aplicação R-linear df : C C por df = µ
1
d(u, v)µ; df é simplesmente a aplicação
tangente após a identificação do R
2
com C (por meio de µ
1
) de forma que o seguinte
diagrama comuta:
C
µ
R
2
d(u,v)
R
2
µ
1
C

df
Definições e Propriedades Básicas 43
Proposição 3.4. Com a notação anterior, temos que f/∂z(a) = 0 se, e somente se,
a aplicação df : C C é C-linear, isto é, df(λ · ζ) = λdf(ζ) λ, ζ C. Se este é o
caso, então
df(ζ) =
f
z
(a) · ζ, ζ C.
Demonstração. Considere uma aplicação R-linear l : R
2
R
2
definida por l(ξ, η) =
( + Bη, Cξ + Dη) = (l
1
(ξ, η), l
2
(ξ, η)), onde A, B, C, D R. Seja L : C C a
aplicação R-linear dada por L = µ
1
l µ.
C
µ
R
2
l
R
2
µ
1
C

L
Então L é C-linear se, e somente se, L() = i L(ζ), ζ C. Segue da definição de L
que L() = i L(ζ) l(η, ξ) = (l
2
(ξ, η), l
1
(ξ, η)), isto é,
l
1
(η, ξ) = l
2
(ξ, η) e l
2
(η, ξ) = l
1
(ξ, η).
Isto simplesmente significa que
+ Bη = Cη + Dξ, ξ, η R,
ou seja,
A = D, B = C.
Se isto ocorre, então
L(ξ + ) =
µ
1
l µ
(ξ + )
= µ
1
(l(µ(ξ + )))
= µ
1
(l(ξ, η))
= µ
1
(l
1
(ξ, η), l
2
(ξ, η))
= l
1
(ξ, η) + il
2
(ξ, η)
= l
2
(η, ξ) il
1
(η, ξ)
= Cη + Dξ + iAη iBξ = Bη + + iAη iBξ
= (A iB) · (ξ + ).
Tomando l = d(u, v), tal que L = df, encontramos que df é C-linear se, e somente
se,
u
x
(a) =
v
y
(a) e
v
x
(a) =
u
y
(a),
isto é, se, e somente se, f/∂z(a) = 0. Se isso ocorre, então
df(ζ) =
u
x
(a) i
u
y
(a)
· ζ.
44 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
que as equações de Cauchy-Riemann e o Corolário 3.1 valem, então
df(ζ) =
u
x
(a) + i
v
x
(a)
· ζ =
f
x
(a) · ζ =
f
z
(a) · ζ.
As próximas propriedades de funções C-diferenciáveis são consequências fáceis da
definição:
1. Se f e g são C-diferenciáveis em e λ C, então f + g, f ·g e λ ·f também são
C-diferenciáveis.
2. Se U, V são conjuntos abertos em C e f : U C, g : V C são C-diferenciáveis,
e se f(U) V , então g f : U C é C-diferenciável em U. Além disso, se a U,
temos
(g f)
(a) = g
(f(a)) · f
(a).
Proposição 3.5. Seja f : C e suponhamos que f/∂x, f /∂y existam e são
contínuas em . Se
f
x
= i
f
y
em
então f é C-diferenciável em .
Demonstração. Seja ζ = ξ + C, ξ, η R e escrevamos f = u + iv, onde
u, v : R. Seja a = α + , α, β R. Então
f(a + ζ) f (a) = u(a + ζ) + iv(a + ζ) u(a) iv(a)
= u(α + + ξ + ) + iv(α + + ξ + ) u(α + ) iv(α + )
= u(α + ξ, β + η) u(α, β) + i [v(α + ξ, β + η) v(α, β)] .
que f/∂x, f/∂y são contínuas, pelo Teorema de Taylor,
u(α + ξ, β + η) u(α, β) =
u
x
(α, β) · ξ +
u
y
(α, β) · η +
1
(ξ, η)
e
v(α + ξ, β + η) v(α, β) =
v
x
(α, β) · ξ +
v
y
(α, β) · η +
2
(ξ, η)
onde
i
(ξ, η)/(|ξ| + |η|) 0, i = 1, 2, quando ξ, η 0. Assim,
f(a + ζ) f (a) =
u
x
(α, β) · ξ + i
v
x
(α, β) · ξ
+
u
y
(α, β) · η + i
v
y
(α, β) · η
+ (ζ)
=
f
x
(a) · ξ +
f
y
(a) · η + (ζ)
Definições e Propriedades Básicas 45
onde (ζ)/ |ζ| 0 quando ζ 0. Como f/∂y = i(f/∂x), obtemos
lim
ζ0
ζ=0
f(a + ζ) f (a)
ζ
=
f
x
(a) + lim
ζ0
(ζ)
ζ
=
f
x
(a) = f
(a).
Na verdade, a hipótese da continuidade das derivadas parciais não é necessária.
Isso foi provado por Looman e Menchoff. A prova deste teorema que iremos enunciar
encontra-se na referência [4].
Teorema 3.1. (O teorema de Loomann-Menchoff) Seja f uma função contínua
em C. Suponhamos que as derivadas parciais f/∂x e f/∂y existam em to-
dos os pontos de e satisfaçam f/∂x = i (f/∂y). Então f é C-diferenciável (e
holomorfa) em .
Lema 3.1. (Lema de Abel) Dada uma sequência {c
n
}
n0
de números complexos,
existe um R 0 (R pode ser igual a ) tal que a série
n=0
c
n
z
n
converge para |z| < R e diverge para |z| > R.
Além disso, a série converge uniformemente em quaisquer subconjuntos compactos
do disco {z C/ |z| < R}.
Demonstração. Seja R = sup {r/r 0, M = M
r
tal que |c
n
|r
n
M, n 0}. Se
|z| > R, a sequência |c
n
||z|
n
não é limitada, de forma que a série
c
n
z
n
não con-
verge.
Seja K um subconjunto compacto de D(0, R) = {z C/ |z| < R}. Escolhemos
ρ < R tal que K {z C/ |z| ρ} e seja r tal que ρ < r < R. Existe M > 0 tal que
|c
n
|r
n
M. Então temos que, para z K,
|c
n
z
n
| = |c
n
||z
n
| |c
n
|ρ
n
M
r
n
ρ
n
= M
ρ
r
n
.
que ρ < r, a série M
ρ
r
n
< , e assim a série
c
n
z
n
converge uniformemente
em K.
Corolário 3.2. Uma função holomorfa em é contínua em .
Demonstração. De fato, sendo f holomorfa em , a série
n=0
c
n
z
n
converge uni-
formemente para f(z). Logo f (z) é contínua para todo z .
Definição 3.4. Dada uma sequência {c
n
}
n0
de números complexos, o R cuja existên-
cia é garantida pelo Lema de Abel é chamado de raio de convergência da série de
potências
n=0
c
n
z
n
.
46 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Lema 3.2. O raio de convergência da série de potências
n=1
nc
n
z
n1
é o mesmo da série
n=0
c
n
z
n
.
Demonstração. Dado um número z verificando |z| < R, escolha um número ρ satisfa-
zendo |z| < ρ < R. Como
n=0
c
n
z
n
converge absolutamente para |z| < R, a sequência
c
n
ρ
n
é limitada e podemos achar K > 0 tal que
|c
n
ρ
n
| = |c
n
|ρ
n
< K |c
n
| <
K
ρ
n
para todo n. Agora,
nc
n
z
n1
= n |c
n
|
z
ρ
n1
ρ
n1
< n
K
ρ
n
z
ρ
n1
ρ
n1
= n
K
ρ
z
ρ
n1
.
Logo,
nc
n
z
n1
< n
K
ρ
z
ρ
n1
n=1
n
c
n
z
n1
K
ρ
n=1
n
z
ρ
n1
e, como z < ρ, a série
n=1
n
z
ρ
n1
é convergente. Portanto,
n=1
nc
n
z
n1
converge
absolutamente para |z| < R.
O próximo lema será usado para mostrar que séries de potências podem ser derivadas
termo a termo.
Lema 3.3. Sejam α, β C. Então
|(α + β)
n
α
n
| n |β|(|α| + |β|)
n1
para n 1.
Demonstração. Podemos supor que α = 0. Então, se t = β,
|(α + β)
n
α
n
| =
α
n
1 +
β
α
n
α
n
= |α
n
{(1 + t)
n
1}|
=
α
n
n
ν=1
n
ν
t
ν
= |α
n
|
n
ν=1
n
ν
t
ν
|α|
n
n
ν=1
n
ν
|t|
ν
= |α|
n
[(1 + |t|)
n
1] .
Agora, fazendo uso da Desigualdade do Valor Médio para Integrais, se τ 0, temos
que
(1 + τ)
n
1 = n
τ
0
(1 + u)
n1
du (1 + τ)
n1
Definições e Propriedades Básicas 47
Com isso, para n 1, segue que
|(α + β)
n
α
n
| |α|
n
· n ·
β
α
1 +
β
α
n1
= n ·
α
n
β
α
·
1 +
β
α
n1
= n · |β| · |α|
n1
·
1 +
β
α
n1
= n · |β| ·
|α| + |α| ·
β
α
n1
= n · |β| · (|α| + |β|)
n1
.
Proposição 3.6. Seja R > 0 e suponhamos que a série de potências
n=0
c
n
(z a)
n
converge para f (z), com z D(a, R) = {w C/ |w a| < R}. Então f é C-diferenciável
em D(a, R) e
f
(z) =
n=1
nc
n
(z a)
n1
, z D(a, R).
Demonstração. Seja z D(a, R) e seja ζ C, 0 < |ζ| <
1
2
(R |z a|) . Então
1
ζ
(f(z + ζ) f(z)) =
n=1
c
n
(z + ζ a)
n
(z a)
n
ζ
.
Tome N > 0. Pelo Lema 3.3,
n>N
c
n
(z + ζ a)
n
(z a)
n
ζ
n>N
c
n
((z a) + ζ)
n
(z a)
n
ζ
=
n>N
|c
n
|
|((z a) + ζ)
n
(z a)
n
|
|ζ|
n>N
|c
n
|
|ζ|
n |ζ|(|z a| + |ζ|)
n1
=
n>N
n |c
n
|(|z a| + |ζ|)
n1
n>N
n |c
n
|ρ
n1
onde ρ =
1
2
(R + |z a|). que |z a| < R, temos que ρ < R e |z a| < ρ. Logo,
1
ζ
(f(z + ζ) f(z))
n=1
nc
n
(z a)
n1
N
n=1
|c
n
|
(z + ζ a)
n
(z a)
n
ζ
n(z a)
n1
+ 2
n>N
n |c
n
|ρ
n1
.
48 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Agora, dado > 0, podemos escolher N (dependendo de , z, R) tal que
n>N
n |c
n
|ρ
n1
<
1
2
(Lema 3.2). Além disso,
1
ζ
((z + ζ a)
n
(z a)
n
) n (z a)
n1
quando ζ 0.
Portanto, podemos escolher δ > 0 (dependendo de N, z e {c
n
}, n N), onde
δ <
1
2
(R |z a|), tal que
nN
|c
n
|
1
ζ
((z + ζ a)
n
(z a)
n
) n (z a)
n1
< para 0 < |ζ| < δ.
Logo, para 0 < |ζ| < δ,
1
ζ
(f(z + ζ) f(z))
n=1
nc
n
(z a)
n1
< 2.
Corolário 3.3. Qualquer função holomorfa no aberto é C-diferenciável em .
Demonstração. Basta usar a definição de função holomorfa tomando U = D(a, R).
Consequentemente, pela Proposição 3.6, obteremos o resultado.
Corolário 3.4. Se f é holomorfa em , então f é infinitamente diferenciável em .
Demonstração. De fato, se f é holomorfa em , pelo Corolário 3.3, f é C-diferenciável
em . Como f(z) =
n=0
c
n
(z a)
n
, pela Proposição 3.6, temos que f
(z) =
n=1
nc
n
(z a)
n1
que é holomorfa em com o mesmo raio de convergência de f(z).
Usando o Corolário 3.2, obtemos a continuidade de f
em . Mas, pela Proposição 3.2,
f
=
f
z
e
f
z
= 0, ou seja,
f
z
é contínua. Finalmente, a Proposição 3.1 e a Proposição
3.5 nos que f
é C-diferenciável em . Para obter a infinidade da diferenciabilidade
de f, basta iterar esses fatos.
3.2 Integração sobre curvas
Na seção anterior, provamos que qualquer função holomorfa é C-diferenciável. Mostraremos
aqui a recíproca, provando a equivalência. Para tal resultado, faz-se necessário o estudo
de integração ao longo de curvas.
Definição 3.5. Seja X um espaço topológico. Uma curva em X é uma função con-
tínua
γ : [a, b] X
onde [a, b] é o intervalo fechado {t R/a t b}, a, b R, a < b. O ponto γ(a) é
chamado de ponto inicial e γ(b) de ponto final da curva γ.
Definição 3.6. Uma curva γ : [a, b] X é chamada de curva fechada se γ(a) = γ(b)
(= x
0
X por exemplo). Nesse caso, dizemos que γ é um laço em x
0
.
Definição 3.7. Se γ : [a, b] X é uma curva, denotamos por (γ) a imagem de γ,
isto é, (γ) = {γ(t) : t [a, b]}.
Integração sobre curvas 49
Definição 3.8. Se X é um espaço topológico e γ : [a, b] X é uma curva em X,
definimos a curva γ
1
(chamada de inversa de γ) por:
γ
1
: [a, b] X, γ
1
(t) = γ(b + a t).
Note que γ
1
é descrita no sentido oposto da curva γ (γ
1
(a) = γ(b) e γ
1
(b) = γ(a))
e que (γ
1
) = (γ).
Definição 3.9. Sejam X um espaço topológico e γ
1
: [a
1
, b
1
] X, γ
2
: [a
2
, b
2
] X
curvas em X tais que γ
1
(b
1
) = γ
2
(a
2
). Definimos a curva γ = γ
1
· γ
2
por:
γ : [a, b] X, a = a
1
, b = b
1
+ b
2
a
2
,
e
γ(t) =
γ
1
(t) para a
1
t b
1
γ
2
(t + a
2
b
1
) para b
1
t b
1
+ b
2
a
2
.
que γ
2
(b
1
+ a
2
b
1
) = γ
2
(a
2
) = γ
1
(b
1
), a curva γ = γ
1
· γ
2
está bem definida e,
portanto, γ é contínua.
Observação 3.1. Ao usarmos a notação γ
1
· γ
2
, estaremos considerando que o ponto
inicial de γ
2
é igual ao ponto final de γ
1
.
Definição 3.10. Sejam um conjunto aberto em C e γ : [a, b] uma curva em
. Dizemos que γ é diferenciável por partes se existe uma partição a = a
0
< a
1
<
··· < a
k
= b de [a, b] tal que γ/
[a
j
,a
j+1
]
é continuamente diferenciável (γ C
1
) para
j = 0, 1, . . . , k 1 (ou seja, é a restrição para [a
j
, a
j+1
] de uma função definida e
continuamente diferenciável em um aberto de R contendo [a
j
, a
j+1
]).
Note que existe um subconjunto finito S [a, b] tal que /dt existe e é contínua
em [a, b] S; /dt é também limitada neste conjunto.
Observação 3.2. Se γ, γ
1
e γ
2
são curvas em diferenciáveis por partes, então γ
1
e
γ
1
· γ
2
também são curvas diferenciáveis por partes em .
Definição 3.11. Sejam γ
j
: [a
j
, b
j
] X, j = 1, 2 duas curvas no espaço topológico X.
Dizemos que γ
2
é obtida de γ
1
por reparametrização (ou que γ
2
é uma reparametriza-
ção de γ
1
) se existe uma função φ : [a
2
, b
2
] [a
1
, b
1
] sobrejetora, contínua e estrita-
mente crescente tal que γ
1
φ = γ
2
.
Observe que, neste caso, (γ
1
) = (γ
2
). Outro fato a ser observado é que, se
X = é um aberto em C e se γ
1
e γ
2
são diferenciáveis por partes, usaremos a
reparametrização somente se pudermos escolher φ diferenciável por partes.
Definição 3.12. Sejam um subconjunto aberto de C, γ : [a, b] uma curva
diferenciável por partes em e f : Ω C uma função contínua. Definimos a integral
de f sobre γ pela fórmula
50 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
γ
fdz =
b
a
f (γ (t)) γ
(t) dt.
Note que
γ
fdz =
γ
f (z) dz.
Observação 3.3. O valor da integral de f sobre γ não depende da partição usada na
definição de diferenciável por partes que γ
(t) está intrinsicamente definida exceto
em um conjunto finito.
Lema 3.4. Sejam γ
1
e γ
2
duas curvas diferenciáveis por partes em . Se γ
2
é uma
reparametrização de γ
1
, então
γ
2
fdz =
γ
1
fdz
Demonstração. Dadas as curvas γ
1
: [a
1
, b
1
] e γ
2
: [a
2
, b
2
] diferenciáveis por
partes, temos:
γ
1
fdz =
b
1
a
1
f (γ
1
(t)) γ
1
(t) dt
γ
2
fdz =
b
2
a
2
f (γ
2
(t)) γ
2
(t) dt
e γ
2
= γ
1
φ, onde φ : [a
2
, b
2
] [a
1
, b
1
]. Logo,
γ
2
fdz =
b
2
a
2
f ((γ
1
φ) (t)) (γ
1
φ)
(t) dt
=
b
2
a
2
f (γ
1
(φ (t))) γ
1
(φ (t)) φ
(t) dt
Fazendo a mudança φ (t) = ϕ e usando o fato de que φ é estritamente crescente e
sobrejetora, temos
γ
2
fdz =
b
1
a
1
f (γ
1
(ϕ)) γ
1
(ϕ)
=
γ
1
fdz.
Definição 3.13. Seja γ : [a, b] uma curva diferenciável por partes no aberto .
O comprimento L (γ) de γ é dado por
L (γ) =
b
a
γ
(t)
dt.
Lema 3.5. Sejam f uma função contínua em e γ : [a, b] uma curva diferenciável
por partes em . Se M = sup
z∈(γ)
|f(z)|, então
γ
fdz
M · L (γ) .
Integração sobre curvas 51
Demonstração.
γ
fdz
=
b
a
f (γ (t)) γ
(t) dt
b
a
|f (γ (t)) γ
(t)|dt
b
a
M · |γ
(t)|dt = M ·
b
a
|γ
(t)|dt
= M · L (γ) .
Lema 3.6. Sejam γ, γ
1
e γ
2
curvas diferenciáveis por partes em e seja f contínua
em . Se γ
1
· γ
2
está definida, então
γ
1
·γ
2
fdz =
γ
1
fdz +
γ
2
fdz,
γ
1
fdz =
γ
fdz.
Além disso, L (γ
1
· γ
2
) = L (γ
1
) + L (γ
2
) e L (γ
1
) = L (γ) .
Demonstração. Sejam γ
1
: [a
1
, b
1
] e γ
2
: [a
2
, b
2
] tais que γ
1
(b
1
) = γ
2
(a
2
). Seja
γ = γ
1
· γ
2
dada por:
γ : [a, b] , a = a
1
, b = b
1
+ b
2
a
2
,
e
γ(t) =
γ
1
(t) para a
1
t b
1
γ
2
(t + a
2
b
1
) para b
1
t b
1
+ b
2
a
2
.
Então
γ
1
·γ
2
fdz =
γ
fdz =
b
a
f (γ (t)) γ
(t) dt =
b
1
+b
2
a
2
a
1
f (γ (t)) γ
(t) dt
=
b
1
a
1
f (γ
1
(t)) γ
1
(t) dt +
b
1
+b
2
a
2
b
1
f (γ
2
(t)) γ
2
(t) dt
=
γ
1
fdz +
γ
2
fdz
L (γ
1
· γ
2
) = L (γ) =
b
a
|γ
(t)|dt =
b
1
+b
2
a
2
a
1
|γ
(t)|dt
=
b
1
a
1
|γ
1
(t)|dt +
b
1
+b
2
a
2
b
1
|γ
2
(t)|dt
= L (γ
1
) + L (γ
2
)
52 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Agora, considere γ
1
como na Definição 3.8. Então temos:
γ
1
fdz =
b
a
f
γ
1
(t)
(γ
1
)
(t) dt
=
b
a
f (γ (a + b t)) γ
(a + b t) dt
=
a
b
f (γ (v)) γ
(v) (dv) =
b
a
f (γ (v)) γ
(v) dv
=
γ
f (dz) =
γ
fdz.
E,
L
γ
1
=
b
a
(γ
1
)
(t)
dt
=
b
a
|γ
(a + b t)|dt =
a
b
|γ
(v)|(dv)
=
b
a
|γ
(v)|dv = L (γ) .
Definição 3.14. Sejam a < b, c < d números reais. O conjunto R = [a, b] × [c, d] =
{z C/a Re(z) b, c Im(z) d} é chamado de retângulo fechado. O inte-
rior de R (dado por {z C/a < Re(z) < b, c < Im(z) < d}) é chamado de retângulo
aberto. Os pontos V
1
= a + ic, V
2
= b + ic, V
3
= b + id e V
4
= a + id são os vértices
de R.
Exemplo 3.1. Seja R = [a, b] ×[c, d] um retângulo fechado com vértices V
1
, V
2
, V
3
e V
4
como na definição anterior. A fronteira R de R é a curva γ
1
·γ
2
·γ
3
·γ
4
, onde γ
1
=
V
1
· V
2
,
γ
2
=
V
2
· V
3
, γ
3
=
V
3
· V
4
e γ
4
=
V
4
· V
1
. Os segmentos γ
1
, γ
2
, γ
3
, γ
4
são chamados lados
do retângulo (Veja Figura 3.1). O comprimento de R é 2 (b a) + 2 (d c) .
De fato, os segmentos de reta
V
1
· V
2
,
V
2
· V
3
,
V
3
· V
4
,
V
4
· V
1
são as curvas γ
i
: [0, 1]
C, i = 1, 2, 3, 4 respectivamente, definidas por
γ
1
(t) = (1 t)V
1
+ tV
2
γ
2
(t) = (1 t)V
2
+ tV
3
γ
3
(t) = (1 t)V
3
+ tV
4
γ
4
(t) = (1 t)V
4
+ tV
1
Logo,
L (R) = L (γ
1
· γ
2
· γ
3
· γ
4
) = L (γ
1
) + L (γ
2
) + L (γ
3
) + L (γ
4
)
=
1
0
|−V
1
+ V
2
|dt +
1
0
|−V
2
+ V
3
|dt +
1
0
|−V
3
+ V
4
|dt +
1
0
|−V
4
+ V
1
|dt
= |−a ic + b + ic| + |−b ic + b + id| + |−b id + a + id| + |−a id + a + ic|
= |b a| + |i(d c)| + |a b| + |i(c d)|
= 2 (b a) + 2 (d c) .
Integração sobre curvas 53
V4 = a + id V3 = b + id
V1 = a + ic V2 = b + ic
R
γ
2
γ
3
γ
4
γ
1
Figura 3.1: Retângulo
Proposição 3.7. Sejam um aberto em C e f C
1
(Ω). Se R é um retângulo fechado,
R , então
R
f
z
dxdy =
1
2i
R
fdz.
Demonstração. Seja R = [a, b] × [c, d] e sejam V
1
, V
2
, V
3
, V
4
os vértices de R como na
definição 3.14 e γ
1
, γ
2
, γ
3
, γ
4
os lados de R. A curva x − x + ic, a x b é uma
reparametrização de γ
1
; a curva x − x + id, a x b é uma reparametrização de
γ
1
3
. Logo,
R
f
y
dxdy =
d
c
b
a
f
y
dxdy =
b
a
d
c
f
y
dy
dx
=
fC
1
(Ω)
b
a
[f(x, y)]
d
c
dx =
b
a
(f(x, d) f(x, c)) dx
=
γ
1
3
fdz
γ
1
fdz =
γ
1
fdz +
γ
3
fdz
Analogamente, usando a reparametrização y − b + iy, c y d de γ
2
e a
reparametrização y − a + iy, c y d de γ
1
4
, encontramos
R
f
x
dxdy = i
γ
2
fdz +
γ
4
fdz
.
Portanto, usando a definição 3.3, temos
R
f
z
dxdy =
1
2
R
f
x
+ i
f
y
dxdy
=
1
2

i
γ
2
fdz i
γ
4
fdz
+
i
γ
1
fdz i
γ
3
fdz

=
i
2
4
n=1
γ
n
fdz
=
1
2i
R
fdz.
54 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Corolário 3.5. Se f C
1
(Ω) e f é C-diferenciável em , então para qualquer retân-
gulo fechado R , temos que
R
fdz = 0.
Demonstração. Pela proposição anterior, temos que
R
fdz = 2i
R
f
z
dxdy.
Como f é C-diferenciável, pela proposição 3.2,
R
fdz = 2i
R
0dxdy = 0.
Note que, pelo Corolário 3.3, se f é holomorfa em , o resultado também segue.
Lema 3.7. Seja f : C contínua. Suponhamos que exista uma função F , C-
diferenciável em tal que F
= f. Então, para qualquer curva γ em fechada e
diferenciável por partes
γ
fdz = 0.
Demonstração. Seja γ : [a, b] uma curva fechada e diferenciável por partes. Então
γ
fdz =
b
a
f (γ (t)) γ
(t) dt =
b
a
F
(γ (t)) γ
(t) dt
=
b
a
d
dt
F (γ (t)) dt = F (γ (b)) F (γ (a)) = 0
que γ(a) = γ(b).
Corolário 3.6. Se f é um polinômio em z e γ é uma curva fechada diferenciável por
partes em C, então
γ
fdz = 0.
Demonstração. Se f(z) =
d
n=0
a
n
z
n
e F (z) =
d
n=0
a
n
n+1
z
n+1
, então F
= f e aplica-se
o lema anterior.
O próximo resultado traz uma ferramenta para a prova de que funções C-diferenciáveis
são holomorfas. É um teorema mais forte, que é central para o resto deste capítulo.
Posteriormente, a fim de usá-lo, apresentaremos uma forma mais geral desse resultado.
Teorema 3.2. (O Teorema de Cauchy-Goursat) Sejam um aberto em C e f
uma função C-diferenciável em . Então, para qualquer retângulo fechado R ,
temos que
R
fdz = 0.
Integração sobre curvas 55
Demonstração. Considere os vértices V
1
, V
2
, V
3
, V
4
de R como na definição 3.14. Vamos
dividir R em 4 retângulos R
1
, R
2
, R
3
, R
4
como mostra a Figura 3.2. Os vértices W
1
=
1
2
(V
1
+ V
2
), W
2
=
1
2
(V
2
+ V
3
), W
3
=
1
2
(V
3
+ V
4
), W
4
=
1
2
(V
4
+ V
1
) são os pontos
médios das curvas γ
1
, γ
2
, γ
3
, γ
4
respectivamente e o ponto V
0
=
1
4
(V
1
+ V
2
+ V
3
+ V
4
) é
o centro de R. Portanto, R
1
tem vértices V
1
, W
1
, V
0
, W
4
, R
2
tem vértices W
1
, V
2
, W
2
, V
0
,
R
3
tem vértices V
0
, W
2
, V
3
, W
3
e R
4
tem vértices W
4
, V
0
, W
3
, V
4
. Então, temos que
R
fdz =
4
ν=1
R
ν
fdz
V0
V2
V3
W2
V1
W4
V4
W1
R4 R3
R2R1
W3
Figura 3.2: Retângulo Fechado
Observe que o segmento de reta
W
1
V
0
ocorre na fronteira de R
1
;
V
0
W
1
ocorre em
R
2
e a soma das integrais sobre esses dois segmentos é nula.
Seja A =
R
fdz
. que A =
4
ν=1
R
ν
fdz
4
ν=1
R
ν
fdz
, existe um
ν
1
, (1 ν
1
4) tal que
R
ν
1
fdz
1
4
A.
Agora, dividimos R
ν
1
em quatro retângulos R
ν
1
µ
, µ = 1, . . . , 4 como anteriormente.
O retângulo R
ν
1
terá um novo centro e os pontos médios de seus lados serão novos
vértices de R
ν
1
µ
. Novamente,
R
ν
1
fdz =
4
µ=1
R
ν
1
µ
fdz
de modo que existe um ν
2
, (1 ν
2
4) tal que
R
ν
1
ν
2
fdz
1
4
R
ν
1
fdz
1
4
2
A.
Note que L (R
ν
1
) =
1
2
L (R), L (R
ν
1
ν
2
) =
1
4
L (R), diâmetro(R
ν
1
) =
1
2
diâmetro(R)
e diâmetro(R
ν
1
ν
2
) =
1
4
diâmetro(R).
Iterando este processo, encontramos uma sequência de retângulos {R
ν
1
...ν
k
}
k1
, 1
ν
j
4 com as seguintes propriedades:
1. R
ν
1
...ν
k
ν
k+1
R
ν
1
...ν
k
,
2. L (R
ν
1
...ν
k
) = 2
k
L (R) ,
3. diâmetro(R
ν
1
...ν
k
) = 2
k
diâmetro(R) e
56 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
4.
R
ν
1
...ν
k
fdz
4
k
A.
Visto que cada R
ν
1
...ν
k
é compacto, os fatos 1 e 3 implicam que a intersecção de todos
os R
ν
1
...ν
k
consiste de um único ponto, ou seja,
k1
R
ν
1
...ν
k
= {a}.
Definimos, então, a função (z) por
f(z) = f(a) + (z a) · f
(a) + (z) ;
como f é C-diferenciável em a, temos que lim
za
z=a
(z)
|za|
= 0. Assim, pela definição de
limite, dado δ > 0, existe η > 0 tal que | (z)| δ |z a| para |z a| η. Além disso,
pelo Corolário 3.6 temos que
R
ν
1
...ν
k
fdz =
R
ν
1
...ν
k
f(a) + (z a) · f
(a)

polinômio em z
dz +
R
ν
1
...ν
k
dz
= 0 +
R
ν
1
...ν
k
dz =
R
ν
1
...ν
k
dz.
Agora, escolhemos k suficientemente grande de forma que o diâmetro(R
ν
1
...ν
k
) < η;
então |z a| < η para qualquer z R
ν
1
...ν
k
. Com isso,
4
k
A
R
ν
1
...ν
k
fdz
=
R
ν
1
...ν
k
dz
ML (R
ν
1
...ν
k
)
onde M = sup
z∈
(
R
ν
1
...ν
k
)
|(z)| (Lema 3.5). Logo,
ML (R
ν
1
...ν
k
) δ diâmetro (R
ν
1
...ν
k
) · L (R
ν
1
...ν
k
)
= δ 2
k
diâmetro (R) · 2
k
L (R) .
Portanto, A δ · diâmetro (R) · L (R) . Como δ > 0 é arbitrário, segue que A = 0
provando o teorema.
Teorema 3.3. Sejam um aberto em C e f uma função contínua em . Seja a e
suponhamos que f/
−{a}
é C-diferenciável em {a}. Então, para qualquer retângulo
fechado R , temos que
R
fdz = 0.
Demonstração. Se a / R, o resultado segue do Teorema 3.2 (aplicado à f /
−{a}
).
Agora, suponhamos que a R. Escolhemos um retângulo fechado R
contido
no interior de R e cujo vértices convergem para os vértices de R quando 0. (Se
Integração sobre curvas 57
V4 V3
V1 V2
R1 R2
a = α + i β
Figura 3.3: a int (R)
R = [a, b] × [c, d], podemos, por exemplo, pegar R
= [a + , b ] × [c + , d ].)
Então, que f é contínua e, portanto, uniformemente contínua em R, temos que
R
fdz
R
fdz quando 0.
Mas, pelo Teorema 3.2,
R
fdz = 0; logo,
R
fdz = 0.
Por fim, suponhamos que a está no interior de R (a = α+). Sejam R
1
o retângulo
de vértices V
1
, α + iIm(V
1
), α + iIm(V
3
), V
4
e R
2
o retângulo de vértices α + iIm(V
1
),
V
2
, V
3
, α + iIm(V
3
) (veja figura 3.3). Então,
R
fdz =
R
1
fdz +
R
2
fdz.
Mas a R
1
e a R
2
, o que implica que as duas últimas integrais são nulas, devido
ao caso tratado acima.
Lema 3.8. Se R um retângulo fechado em C e a int (R), então
R
1
z a
dz = 2πi.
Demonstração. Seja 0 t 1. Então existe um único número ρ > 0 tal que a+ρe
2πit
(R); denotamos o número ρ por ρ(t) e r(t) = a + ρ(t)e
2πit
. A função t − ρ(t) é
diferenciável por partes diferenciável exceto nos quatro valores de t para os quais
r(t) é um vértice de R). Além disso, a função t − r(t) é uma reparametrização de
R. Logo,
R
1
z a
dz =
1
0
1
a + ρ(t)e
2πit
a
d
dt
a + ρ(t)e
2πit
dt
=
1
0
ρ
(t)
ρ(t)
+ 2πi
dt
= log
ρ(1)
ρ(0)
+ 2πi.
Como ρ(0) = ρ(1), log (ρ(1)(0)) = 0 e o lema está provado.
58 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Teorema 3.4. (Fórmula de Cauchy para um Retângulo) Sejam um aberto em
C e f uma função C-diferenciável em . Seja R um retângulo fechado. Então,
para qualquer a int(R),
f(a) =
1
2πi
R
f(z)
z a
dz.
Demonstração. Defina a função g da seguinte forma:
g(z) =
f(z)f (a)
za
se z , z = a
f
(a) se z = a.
Como f é C-diferenciável em , a função g é contínua em e g/
−{a}
é C-diferenciável.
Logo, pelo Teorema 3.3
0 =
R
g(z)dz =
R
f(z)
z a
dz f(a)
R
1
z a
dz
=
R
f(z)
z a
dz 2πif(a)
f(a) =
1
2πi
R
f(z)
z a
dz.
O próximo teorema completa a proposta desta seção que é mostrar a equivalência
entre funções holomorfas e funções C-diferenciáveis. A prova desse resultado não o
melhor valor possível de r; isso será feito na próxima seção.
Teorema 3.5. Sejam um aberto em C e f uma função C-diferenciável em . Então
f é holomorfa. Mais precisamente, se a , então existe r > 0 dependendo somente
de a e , e uma sequência {c
n
}
n0
de números complexos tais que
n=0
c
n
(z a)
n
converge para f(z), z D(a, r).
Demonstração. Seja a . Escolha um retângulo fechado R com a int(R) e
r > 0 tal que D(a, r) int(R). Se w D(a, r), pelo Teorema 3.4,
f(w) =
1
2πi
R
f(z)
z w
dz.
Agora,
1
z w
=
1
z a
1
w a
z a
1
=
1
z a
n=0
w a
z a
n
se |w a| < |z a|.
Claramente, se w D(a, r) e z (R), podemos tomar 0 < θ < 1 (θ dependendo
somente de r e R) de forma que |w a| θ |z a|. Logo,
f(w) =
1
2πi
R
f(z)
n=0
(w a)
n
(z a)
n+1
dz
Integração sobre curvas 59
e a série converge uniformemente para w D(a, r) e z (R). Podemos, portanto,
permutar a ordem do somatório e da integral e obter
f(w) =
n=0
c
n
(w a)
n
para w D(a, r)
onde
c
n
=
1
2πi
R
f(z)
(z a)
n+1
dz.
Corolário 3.7. Se f C
1
(Ω) e
f
z
= 0 em , então f é holomorfa.
Demonstração. A Proposição 3.5 e o Corolário 3.1 implicam que f é C-diferenciável
em . Portanto, com o Teorema 3.5, chegamos à prova do nosso Corolário.
Corolário 3.8. Qualquer função C-diferenciável em é infinitamente diferenciável.
Demonstração. De fato, pelo Teorema 3.5, f é holomorfa em . Assim, tendo em vista
o Corolário 3.4, f é infinitamente diferenciável em .
Teorema 3.6. (Teorema de Morera) Seja um aberto em C e seja f uma função
contínua em . Suponhamos que para qualquer retângulo fechado R , temos
R
fdz = 0.
Então f é holomorfa em .
Demonstração. É suficiente provar este teorema quando é um disco. Então, seja
a = α + o centro do disco.
Para z , z = x + iy (x, y R), seja z
= x + e γ
z
a curva
az
·
z
z. Definimos
uma função F em por
F (z) =
γ
z
f(w)dw.
Seja h = 0 um número real suficientemente pequeno. Então,
F (z + ih) F (z)
h
=
1
h
L
f(w)dw
onde L é o segmento de reta
z · z + ih (Veja figura 3.4).
Logo,
F (z + ih) F (z)
h
=
i
h
y+h
y
f(x + it)dt.
Portanto, F/∂y existe e é igual a if em .
Agora, seja z

o ponto z

= α + iy e seja τ
z
a curva
az

·
z

z. Afirmamos que
γ
z
f(w)dw =
τ
z
f(w)dw. (3.1)
60 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
z
''
z
az'
x
γz
z + ih
τz
y + h
y
β
α
Figura 3.4: D(a, r)
De fato, se z é tal que x = α e y = β, então
γ
z
f(w)dw
τ
z
f(w)dw =
R
f(w)dw,
onde R é o retângulo de vértices a, z
, z, z

e
R
f(w)dw = 0 por hipótese.
Suponhamos que x = α. Então z
= a e z

= z, de modo que
γ
z
f(w)dw =
z
z
f(w)dw =
az
f(w)dw
que
az
foi reduzido a um ponto e
az
f(w)dw = 0. Analogamente,
τ
z
f(w)dw =
az
f(w)dw (
z

z reduziu a um ponto). E, neste caso, (3.1) está provado.
O caso em que y = β decorre da mesma forma e assim, também prova (3.1).
Agora, seja h = 0 um número real suficientemente pequeno. Segue de (3.1) que
1
h
(F (z + h) F (z)) =
1
h
z(z+h)
f(w)dw =
1
h
x+h
x
f(t + iy)dt.
Com isso, segue que F/∂x existe e é igual a f em . Portanto F/∂x, F/∂y são
contínuas e F/∂x = f = i(if) = i (F/∂y) . Logo, pela Proposição 3.5, F é C-
diferenciável em e, pelo Teorema 3.5, holomorfa, com F
= f. A Proposição 3.6
conclui que F
= f é holomorfa.
Proposição 3.8. Seja um aberto conexo e seja f uma função contínua em . Então
existe uma função holomorfa F em tal que F
= f se e somente se
γ
fdz = 0
para toda curva γ fechada e diferenciável por partes em . Em particular, f é então
holomorfa.
Propriedades Fundamentais de Funções Holomorfas 61
Demonstração. vimos no Lema 3.7 que se F é holomorfa em e F
= f, então
γ
fdz = 0 para qualquer curva γ fechada e diferenciável por partes em .
Agora, vamos supor que f satisfaz a condição
γ
fdz = 0, para toda curva γ fechada
e diferenciável por partes em . O Teorema 3.6 implica que f é holomorfa.
Fixe a . Para w , escolhemos uma curva λ
w
diferenciável por partes ligando
a a w, e definimos
F (w) =
λ
w
fdz.
Devido ao fato de ser conexo, isto depende somente de w e não da curva que liga a
a w.
Sejam w
0
e D(w
0
, r) um disco centrado em w
0
tal que D(w
0
, r) . Para
w D(w
0
, r), sejam w
= Re(w) + iIm(w
0
) e γ
w
a curva
w
0
w
·
w
w. Se λ
w
0
é uma
curva ligando a a w
0
, então λ
w
0
· γ
w
é a curva de a a w e é diferenciável por partes se
γ
w
também é diferenciável por partes. Logo
F (w) F (w
0
) =
γ
w
fdz.
Esta última integral é exatamente a função considerada na prova do Teorema de Mo-
rera. Disso, segue que
dF (w)
dw
=
d
dw
(F (w) F (w
0
)) = f(w) em .
3.3 Propriedades Fundamentais de Funções Holomor-
fas
Definição 3.15. Seja um conjunto aberto em C. Denotaremos por H(Ω) o conjunto
de todas as funções holomorfas em . Sob a adição e multiplicação de funções e
multiplicação de funções por constantes, H(Ω) é uma álgebra sobre o corpo C dos
números complexos.
Teorema 3.7. (O Princípio da Continuação Analítica) Seja um aberto conexo
de C e seja f H(Ω). Se existe um conjunto aberto U não-vazio de tal que f/
U
0,
então f 0 em .
Demonstração. Sejam f
(0)
= f e f
(n)
a n-ésima derivada de f. Seja
E
n
=
z /f
(n)
(z) = 0
e E =
n0
E
n
.
Como f
(n)
é contínua, E
n
é fechado em para cada n; logo, E também é fechado
em .
62 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Seja a . Já que f H(Ω), existe um disco D com centro em a tal que
f(z) =
n=0
c
n
(z a)
n
para z D. Em z = a, temos que f(a) = c
0
. Agora, pela
Proposição 3.6, f
(z) =
n=1
nc
n
(z a)
n1
e
f
(k)
(z) =
n=k
n (n 1) ···(n k + 1) c
n
(z a)
nk
.
Fazendo z = a nesta última equação, temos
c
k
=
1
k!
f
(k)
(a).
Suponhamos agora que a E. Então f
(k)
(a) = 0 para todo k 0; assim c
k
= 0, k 0.
Logo, f(z) =
0
c
k
(z a)
k
= 0 para todo z D. Segue que f
(n)
(z) = 0, z D;
consequentemente D E. E isso prova que E é aberto.
Portanto E é aberto e fechado. Se f/
U
0, claramente temos que U E impli-
cando que E = . Agora, que é conexo, então E = e, portanto, f 0 em
.
Definição 3.16. Sejam f H(Ω) e a . A série
n=0
1
n!
f
(n)
(a) (z a)
n
é chamada de série de Taylor de f em a.
Lema 3.9. Sejam f H(Ω) e a . Então, a série de Taylor de f em a converge para
f em alguma vizinhança de a. A série
n=0
c
n
(z a)
n
é a única com esta propriedade.
Demonstração. Note que no decorrer da prova do Teorema 3.7 provamos este fato.
Teorema 3.8. Sejam um aberto conexo em C e f H(Ω). Seja
Z
f
= {z /f(z) = 0}.
Então Z
f
é discreto se f = 0.
Demonstração. Primeiramente, como f é contínua, Z
f
é fechado. Agora, considere
a Z
f
. Então, existe uma vizinhança U de a e uma expansão
f(z) =
n=0
c
n
(z a)
n
, z U.
Temos que c
0
= f(a) = 0. Como f = 0, pelo Teorema 3.7, f/
U
= 0 e então existe
n > 0 tal que c
n
= 0. Seja k o menor inteiro n > 0 tal que c
n
= 0. Temos
f(z) = (z a)
k
n=k
c
n
(z a)
nk
= (z a)
k
g(z).
Claramente g(a) = c
k
= 0, de forma que existe uma vizinhança V U de a tal que
g(z) = 0, z V. Então
Z
f
V = {a};
assim a é um ponto isolado de Z
f
.
Propriedades Fundamentais de Funções Holomorfas 63
Corolário 3.9. Sejam um aberto conexo em C e f, g H(Ω). Se o conjunto
{z /f(z) = g(z)}
tem um ponto de acumulação em , então f g.
Demonstração. Suponhamos que f g = 0. Pelo Teorema 3.8, temos que Z
f
=
{z /f(z) g(z) = 0} é discreto, o que contradiz a hipótese de que o conjunto
{z /f(z) = g(z)} tem um ponto de acumulação em .
Definição 3.17. Seja f H(Ω). Uma primitiva de f em é uma função F H(Ω)
cuja derivada é f, ou seja, F
= f.
Lema 3.10. (a) Seja a série
n=0
c
n
(z a)
n
que converge para f(z) com z D(a, r).
Então f tem uma primitiva em D(a, r).
(b) Seja um aberto conexo e sejam F, G duas primitivas de f H(Ω) em . Então
F G é constante.
Demonstração. (a) A série
n=0
c
n
n+1
(z a)
n+1
é uma primitiva de f em D(a, r)
(Proposição 3.6).
(b) Defina H = F G. Então H
= 0 em . Logo, H
(n)
= 0 em para n 1. Se
a e U é uma vizinhança de a tal que a série de Taylor de H converge para H
em U (Lema 3.9), então, pela Definição 3.16,
H(z) =
n=0
1
n!
H
(n)
(a) (z a)
n
= H(a), z U.
Logo H/
U
é constante e, fazendo f(z) = H(z) H(a), pelo Teorema 3.7, H é
constante em .
O próximo teorema foi provado na demonstração do Teorema 3.6 de Morera. O
que faremos agora é apresentar uma outra maneira que passa do local para o global.
Teorema 3.9. (Teorema de Cauchy para um Disco) Se D = D(a, r) é um disco
(a C e r > 0; podendo r = ), então qualquer f H(D) tem uma primitiva.
Demonstração. Pelo Lema 3.10(a), se f H(D), então f tem uma primitiva em D(a, ρ)
para algum ρ > 0. Defina
r
0
= sup {ρ/0 < ρ < r, f tem uma primitiva em D(a, ρ)}.
Primeiro, f tem uma primitiva em D(a, r
0
). De fato, sejam ρ < r
0
e G qualquer
primitiva de f em D(a, ρ). Defina F
ρ
= G G(a). Se ρ < ρ
< r
0
, definimos F
ρ
=
H H(a), onde H é uma primitiva de f em D(a, ρ
). Como F
ρ
e F
ρ
são primitivas
64 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
de f em D(a, ρ), pelo Lema 3.10(b), segue que F
ρ
F
ρ
é constante em D(a, ρ). Mas
F
ρ
(a) = 0 = F
ρ
(a) e, portanto, F
ρ
/
D(a,ρ)
= F
ρ
. Se definimos F H (D(a, r
0
)) exigindo
que F/
D(a,ρ)
= F
ρ
para ρ < r
0
, então F será uma primitiva de f em D(a, r
0
).
Agora, mostraremos que r
0
= r. Suponhamos que r
0
< r. Para cada w, com
|w a| = r
0
, tomamos um disco D
w
centrado em w no qual f tem uma primitiva G
w
,
e escolhemos um ponto a
w
D
w
D(a, r
0
). Seja F uma primitiva da f em D(a, r
0
).
Adicionando uma constante à G
w
, podemos supor que G
w
(a
w
) = F (a
w
). Afirmamos
que F = G
w
em D
w
D(a, r
0
); de fato, como D
w
e D(a, r
0
) são conexos, a inter-
secção é conexa e assim, F G
w
é constante em D
w
D(a, r
0
) (Lema 3.10(b)). Como
F (a
w
) G
w
(a
w
) = 0, temos que F = G
w
em D
w
D(a, r
0
).
Afirmamos que se D
w
D
w
= , então G
w
= G
w
em U = D
w
D
w
. De fato,
U é conexo e, portanto, G
w
G
w
é constante em U (Lema 3.10(b)). Agora, se U é
não-vazio, então U D(a, r
0
) = . Logo G
w
= F = G
w
em U D(a, r
0
) e, que
G
w
G
w
é constante em U, G
w
G
w
= 0.
Se V = D(a, r
0
)
|wa|=r
0
D
w
, podemos definir H H(V ) exigindo que H/
D(a,r
0
)
=
F, F/
D
w
= G
w
para |w a| = r
0
. Claramente, H é uma primitiva de f; além disso,
existe ρ, r
0
< ρ < r, tal que D(a, ρ) V . Isso contradiz a definição de r
0
. Logo, r
0
= r
e, portanto, o teorema está provado.
Teorema 3.10. Seja D = D(a, r) um disco aberto e f H(D). Então, para qualquer
curva γ em D fechada e diferenciável por partes,
γ
fdz = 0.
Demonstração. Pelo Teorema 3.9, f H(D) tem uma primitiva F , ou seja, F
= f em
D. Com isso, usando o Lema 3.7, para qualquer curva γ em D fechada e diferenciável
por partes, temos que
γ
fdz = 0.
Teorema 3.11. (Fórmula de Cauchy para um Disco) Seja um aberto em C.
Sejam a e r > 0 tais que D(a, r) . Então, para qualquer f H(Ω) e
w D(a, r) temos que
f(w) =
1
2πi
γ
f(z)
z w
dz.
Demonstração. Definimos uma função g em por
g(z) =
f(z)f (w)
zw
, z , z = w
f
(w), z = w.
Então g H(Ω). Para verificar este fato, temos que mostrar que g é holomorfa em
uma vizinhança de w. Se f(z) =
n=0
c
n
(z w)
n
para z próximo de w, temos que
g(z) =
n=1
c
n
(z w)
n1
para estes valores de z.
Agora, para z em γ, z = w, pelo Teorema 3.10 temos que
γ
gdz = 0
γ
f(z)
z w
dz = f(w)
γ
dz
z w
Propriedades Fundamentais de Funções Holomorfas 65
Reparametrizando γ na forma τ w + ρ(τ)e
2π
(0 τ 1) como na prova do Lema
3.8 (w D(a, r)), encontramos, mais uma vez na prova citada, que
γ
dz
zw
= 2πi, w
D(a, r).
Mas, f(w)
γ
dz
zw
= f(w) · 2πi f (w) =
1
2πi
γ
f(z)
zw
dz.
Teorema 3.12. Sejam a C, r > 0 e D = D(a, r). Então, para qualquer f H(D),
a série de Taylor
n=0
1
n!
f
(n)
(a) (z a)
n
converge para f(z), z D.
Demonstração. Sejam 0 < ρ < r e w D(a, ρ). Temos
f(w) =
1
2πi
γ
f(z)
z w
dz,
γ sendo a curva t a + ρe
2πit
, 0 t 1. Agora
1
z w
=
1
z a
1
w a
z a
1
=
n=0
(w a)
n
(z a)
n+1
,
a série converge uniformemente para |z a| = ρ se |w a| < ρ (w está fixado). Con-
sequentemente, para w D(a, ρ), temos
f(w) =
n=0
c
n
(w a)
n
onde c
n
=
1
2πi
γ
f(z)
(z a)
n+1
dz.
Segue do Lema 3.9 que c
n
=
f
(n)
(a)
n!
. Assim, a série de Taylor de f em a converge para
f em D(a, ρ). Como ρ < r é arbitrário, isto prova o resultado.
Corolário 3.10. Seja a . Então, para qualquer f H(Ω), a série de Taylor de
f em a converge para f no maior disco D(a, r) contido em (r é a distância de a a
).
Teorema 3.13. (Desigualdade de Cauchy) Sejam f uma função holomorfa em
D(a, r), 0 < ρ < r e M(ρ) = sup
|za|=ρ
|f(z)|. Então
f
(n)
(a)
n!M(ρ) ·ρ
n
, para n 0.
Equivalentemente, se
n=0
c
n
(z a)
n
é a série de Taylor de f em a, temos
|c
n
| M(ρ) · ρ
n
, para n 0.
Demonstração. Vimos na prova do Teorema 3.12 que
c
n
=
1
2πi
γ
f(z)
(z a)
n+1
dz, γ(t) = a + ρe
2πit
, 0 t 1
=
1
2πi
1
0
f
a + ρe
2πit
·
ρe
2πit
n1
·
d
dt
ρe
2πit
· dt
= ρ
n
1
0
f
a + ρe
2πit
· e
2πint
dt, n 0.
66 Funções C-diferenciável e Funções Holomorfas
Logo,
|c
n
| ρ
n
1
0
f
a + ρe
2πit
dt M(ρ)ρ
n
.
Teorema 3.14. (Teorema de Liouville) Seja f holomorfa em C. Se f é limitada,
então f é constante.
Demonstração. Seja M(r) = sup
|z|=r
|f(z)|. Se f é limitada, então existe M > 0 tal
que M(r) M, r > 0. Seja
0
c
n
z
n
a série de Taylor de f em 0. Logo, pelo
Teorema 3.13,
|c
n
| M(r)r
n
M
r
n
, para n 0.
Fixando n 1 e fazendo r , segue que c
n
= 0, n > 0. Portanto, f(z) = c
0
.
4 Espaços de Recobrimento
4.1 Espaços de Recobrimento e Levantamento de Cur-
vas
Definição 4.1. Um espaço topológico X é dito um espaço de Hausdorff se para cada
par de pontos x e y distintos em X, existe uma vizinhança U de x e V de y tais que
U V = .
Definição 4.2. (Homeomorfismo) Sejam X e Y espaços topológicos e seja f : X
Y uma função bijetora. Se f e f
1
são contínuas, dizemos que f é um homeomorfismo.
Definição 4.3. Seja X um espaço topológico. Uma separação de X é um par de
subconjuntos abertos, não-vazios e disjuntos de X tais que U V = X. O espaço X é
dito ser conexo se não existe uma separação de X.
Definição 4.4. Seja X um espaço topológico de Hausdorff. Dizemos que X é uma
variedade de dimensão n se todo ponto a X tem uma vizinhança aberta U que é
homeomorfa a um conjunto aberto do R
n
. Também dizemos que X é uma variedade.
Se φ : U é um homeomorfismo, onde R
n
é um aberto, então (U, φ), ou
apenas U, é chamado de uma carta.
Definição 4.5. Sejam X e X
variedades de dimensão n e seja p : X
X um
homeomorfismo local (isto é, a
X
, existe um conjunto aberto U
X
, a
U
, tal
que p(U
) = U é aberto e p/
U
é um homeomorfismo sobre U).
Seja Y um espaço topológico e f : Y X uma aplicação contínua.
Um levantamento f
de f (para X
ou com relação a p) é uma aplicação contínua
f
: Y X
tal que p f
= f.
Se um levantamento f
existe, dizemos que a aplicação f pode ser levantada.
Observação 4.1. Dado um homeomorfismo local p : X
X e uma aplicação contínua
f : Y X, nem sempre existe um levantamento de f; mesmo que exista, em geral, ele
não é único.
Lema 4.1. Sejam p : X
X um homeomorfismo local e Y um espaço de Hausdorff
conexo. Seja f : Y X uma aplicação contínua e, suponhamos que são dados dois
67
68 Espaços de Recobrimento
levantamentos f
1
e f
2
de f. Se existe um ponto y
0
Y tal que f
1
(y
0
) = f
2
(y
0
), então
f
1
f
2
.
Demonstração. Seja E = {y Y /f
1
(y) = f
2
(y)}. Então y
0
E e, como Y é Hausdorff,
E é fechado.
Sejam y E e a
X
, a
= f
1
(y) = f
2
(y). Por hipótese, existe uma vizinhança
U
de a
tal que p(U
) = U é aberto e p/
U
é um homeomorfismo sobre U. que
f
1
, f
2
são contínuas, existe uma vizinhança aberta V de y tal que f
ν
(V ) U
para
ν = 1, 2. Agora, para qualquer v V , temos que f
1
(v), f
2
(v) U
e, como f
1
, f
2
são levantamentos, p (f
1
(v)) = f (v) = p (f
2
(v)). Assim, sendo p/
U
injetiva, temos que
f
1
(v) = f
2
(v). Logo, V E. Isto prova que E é aberto.
Como Y é conexo e E = é simultaneamente aberto e fechado, temos que E =
Y .
Definição 4.6. Sejam X e X
variedades e p : X
X uma aplicação contínua. Dize-
mos que p é uma aplicação de recobrimento (e chamamos X
de um recobrimento
de X) se todo a X tem uma vizinhança U com a seguinte propriedade:
p
1
(U) é uma união disjunta, p
1
(U) =
jJ
U
j
, de conjuntos abertos U
j
em X
tais que p/
U
j
é um homeomorfismo sobre U para cada j J.
Tal conjunto aberto U é dito ser propriamente coberto por p. Se U é conexo, os
U
j
são simplesmente as componentes conexas de p
1
(U).
Observação 4.2. Uma aplicação de recobrimento é necessariamente um homeomor-
fismo local. Se U X é propriamente coberto por p e V U é aberto, então V
também é propriamente coberto por p.
Proposição 4.1. Sejam p : X
X uma aplicação de recobrimento e a
X
,
p(a
) = a. Seja I = [0, 1] o intervalo unitário fechado e seja γ : I X uma curva com
γ(0) = a. Então existe um levantamento γ
: I X
de γ com γ
(0) = a
.
Demonstração. Para qualquer x X, existe uma vizinhança aberta U
x
de x pro-
priamente coberta por p. Como I é compacto, podemos encontrar pontos 0 = t
0
<
t
1
< ··· < t
p+1
= 1 tais que γ ([t
v
, t
v+1
]) está contida em U
x
para algum x e para
v = 0, 1, . . . , p. Escolhemos x
v
X, v = 0, . . . , p, tal que
γ(t) U
x
v
para t
v
t t
v+1
, v = 0, 1, . . . , p.
Por hipótese, U
x
0
está propriamente coberto; então, seja p
1
(U
x
0
) =
jJ
0
U
0,j
onde a
união é disjunta e p
0,j
= p/
U
0,j
é um homeomorfismo sobre U
x
0
. Definimos γ
em [t
0
, t
1
]
por
γ
(t) = p
1
0,j
0
γ(t), t
0
t t
1
,
onde j
0
está indexado para o qual a
U
0,j
0
. Suponhamos que γ
foi definido em [t
0
, t
v
]
e seja
p
1
(U
x
v
) =
jJ
v
U
v,j
,
O Feixe de Germes de Funções Holomorfas 69
onde a união é disjunta, e p
v,j
= p/
U
v,j
é um homeomorfismo sobre U
x
v
. Definimos γ
em [t
v
, t
v+1
] por
γ
(t) = p
1
v,j
v
γ(t), t
v
t t
v+1
,
onde j
v
está indexado em J
v
para o qual γ
(t
v
) U
v,j
v
. Isto indutivamente define γ
(t)
para t t
p+1
= 1.
4.2 O Feixe de Germes de Funções Holomorfas
Seja a C. Considere o conjunto de pares (U, f), onde U é um aberto contendo a
e f H(U). Definimos uma relação neste conjunto por
(U, f) (V, g)
se existe uma vizinhança aberta W de a, W U V , tal que f/
W
= g/
W
.
Essa relação é de equivalência. Uma classe de equivalência f
a
é chamada um germe
de uma função holomorfa em a. Se (U, f ) é um representante do germe f
a
, dizemos
que f
a
é o germe de f em a.
Denotamos por O
a
o conjunto de todos os germes em a.
Se f
a
O
a
, definimos o valor f
a
(a) do germe f
a
em a da seguinte forma: Para
qualquer representante (U, f) de f
a
, temos que f
a
(a) = f (a). Por definição de relação
de equivalência, isto independe do representante (U, f) de f
a
.
Definimos da mesma maneira o valor em a das derivadas de f
a
: f
(k)
a
(a) = f
(k)
(a)
onde (U, f) é um representante de f
a
.
Proposição 4.2. A multiplicação e a adição de funções induzem a estrutura de anel
comutativo em O
a
. O
a
é um espaço vetorial complexo. Além disso, os elementos
distintos da unidade de O
a
formam um ideal m
a
em O
a
que é um ideal maximal.
Demonstração. Sejam f
a
, g
a
O
a
e λ C. Sejam (U, f), (V, g) respectivamente,
representantes de f
a
, g
a
. Definimos f
a
+ g
a
, f
a
· g
a
e λ · f
a
respectivamente, como os
germes em a definidos por
(U V, f + g) , (U V, f · g) , (U, λf) .
Seja m
a
o conjunto dos elementos diferentes da unidade de O
a
. Afirmamos que
f
a
m
a
se, e somente se, f
a
(a) = 0. De fato, se f(a) = 0 e V = {z U/f(z) = 0} e se
g
a
é o germe em a de
V,
1
f
, claramente temos que f
a
·g
a
= 1, de modo que f
a
é uma
unidade. Reciprocamente, se f
a
é uma unidade e se f
a
·g
a
= 1 com g
a
O
a
, considere
(U, f), (V, g) representantes de f
a
, g
a
respectivamente. Então, temos que f (z)·g(z) = 1
para todo z em uma vizinhança de a, de modo que, em particular, f(a) = 0.
Logo, m
a
= {f
a
O
a
/f
a
(a) = 0}; obviamente este conjunto é um ideal. Além disso,
qualquer ideal próprio (= {0} e = O
a
) de O
a
deve consistir de elementos diferentes da
unidade e assim deve estar contido em m
a
.
70 Espaços de Recobrimento
Lema 4.2. O
a
/m
a
=
C.
Demonstração. De fato, a aplicação f
a
→ f
a
(a) é um homomorfismo sobre C, ou seja,
ϕ : O
a
C , ϕ(f
a
) = f
a
(a) é tal que ϕ(f
a
+ g
a
) = (f
a
+ g
a
)(a) = f
a
(a) + g
a
(a) =
ϕ(f
a
) + ϕ(g
a
) e, pela Proposição 4.2, Kerϕ = {f
a
O
a
/f
a
(a) = 0} = m
a
. Como ϕ é
sobrejetora, temos que O
a
/m
a
=
ϕ O
a
/m
a
=
C.
Considere o conjunto O =
aC
O
a
sendo uma união disjunta. Introduzimos uma
topologia em O da seguinte forma:
Sejam f
a
O
a
e (U, f) um representante de f
a
. Denotamos por N (U, f) o conjunto
de germes em diferentes pontos de U definidos por (U, f ), isto é,
N (U, f) = {f
z
O
z
/f
z
é o germe em z U definido por (U, f)}. (4.1)
A topologia em O é definida exigindo que quando (U, f) percorre todos os represen-
tantes de f
a
, os conjuntos {N (U, f)} formam um sistema fundamental de vizinhanças
de f
a
.
Definimos uma aplicação p : O C por p(f
a
) = a se f
a
O
a
( isto é, p leva um
germe em a sobre o ponto a).
Definição 4.7. O espaço O junto com a aplicação p : O C é chamado de feixe
de germes de funções holomorfas sobre C. Usaremos frequentemente este termo
apenas para o espaço O.
Proposição 4.3. O é um espaço de Hausdorff.
Demonstração. Sejam f
a
O
a
e g
b
O
b
, (a, b C) e suponhamos que f
a
= g
b
.
(Caso a = b). Sejam (U, f), (V, g) representantes de f
a
e g
b
respectivamente.
Escolha vizinhanças U
U, V
V de a, b respectivamente tais que U
V
= .
Então N (U
, f), N (V
, g) são vizinhanças disjuntas de f
a
, g
b
.
(Caso a = b). Sejam (U, f), (V, g) representantes de f
a
e g
b
(= g
a
) como no caso
anterior. Seja D um disco com centro a, D U V . Afirmamos que se f
a
= g
a
,
então N (D, f) N (D, g) = ; de fato, se h
z
N (D, f ) N (D, g), então f e g
ambas definem o germe h
z
de z; assim, por definição, existe uma vizinhança W
de z, W D tal que f /
W
= g/
W
. E, pelo Teorema 3.7, f g em D (conexo),
em particular f
a
= g
a
.
Proposição 4.4. A aplicação p : O C, p(O
a
) = a, é contínua e um homeomorfismo
local.
Espaços de Recobrimento e Integração ao longo de Curvas 71
Demonstração. Sejam f
a
O
a
e (U, f) um representante de f
a
. Então p (N (U, f)) =
U; se V é um aberto em C contendo a, então p (N (U V, f)) = U V V , de
modo que p é contínua. Além disso, a equação p (N (U, f)) = U implica que p é uma
aplicação aberta. Finalmente p/
N(U,f)
é injetiva tendo a inversa z → f
z
igual o germe
em z definida por (U, f). Portanto, para qualquer conjunto da forma N (U, f), p/
N(U,f)
é um homeomorfismo sobre U.
Corolário 4.1. O é uma variedade de dimensão 2.
Demonstração. A aplicação p : O C é homeomorfismo local, isto é, para cada O
a
de
O, existe um aberto W contendo O
a
tal que p(W ) é aberto e p/
W
é homeomorfismo
sobre um aberto de C; isto equivale a definição de variedade de dimensão 2.
Definição 4.8. Seja f
a
O
a
e seja γ : [0, 1] C uma curva com γ(0) = a. Uma
continuação analítica de f
a
ao longo de γ é um levantamento γ de γ para O (com
relação a aplicação p) tal que γ(0) = f
a
. Também chamamos γ(t) o germe de γ(t)
obtido pela continuação analítica de f
a
ao longo de γ.
fa
O
p
~
ɤ
ɤ
aC
[0,1]
ɤ
Figura 4.1: Continuação Analítica de f
a
ao longo de γ
4.3 Espaços de Recobrimento e Integração ao longo
de Curvas
Antes de estabelecer a relação entre levantamento de curvas e integração sobre
curvas diferenciáveis por partes, daremos alguns exemplos.
72 Espaços de Recobrimento
Exemplo 4.1. Seja C
= C {0}. A aplicação exp : C C
dada por exp(z) = e
z
é
uma aplicação de recobrimento. De fato, se V C é da forma τ < z < τ + 2π onde
τ R, temos exp
1
(exp(V )) =
nZ
V
n
com V
n
= V +2πin = {z + 2πin/z V }. Logo
exp(V ) é propriamente coberto. (exp(V ) é o complemento em C
do raio {ρe
ir
> 0}).
Exemplo 4.2. Se n Z, n > 0, a aplicação C
C
dada por z → z
n
é uma aplicação
de recobrimento.
Definição 4.9. Definimos a derivada d como uma aplicação d : O O dada por: se
f
a
O
a
e (U, f) é representante de f
a
, definimos d(f
a
) = (df)
a
sendo o germe em a
de (U, f
) onde f
=
df
dz
é a derivada de f.
Proposição 4.5. d : O O é uma aplicação de recobrimento.
Demonstração. Sejam f
a
O e (U, f) um representante de f
a
. Seja D um disco
centrado em a tal que D U.
Sejam F uma primitiva de f em D e D = N (D, f). Para qualquer c C, seja
U
c
= N (D, F + c). Afirmamos que d
1
(D) =
cC
U
c
.
Para provar isso, sejam z D e g
z
O
z
cuja (dg)
z
= f
z
. Seja (W, g) um rep-
resentante de g
z
onde W é uma vizinhança conexa de z, W D. Então g
= f em
uma vizinhança de z; logo, g
= f em W de modo que
d
dz
(g F ) = 0 em W . Logo,
g = F + c em W e g
z
U
c
. Reciprocamente, temos que d (U
c
) = N (D, f) = D.
Agora vamos verificar que d/
U
c
é um homeomorfismo sobre D para qualquer c C.
Temos somente que checar que d/
U
c
é injetiva, o que é óbvio que d leva elementos
distintos de U
c
para germes em diferentes pontos de D. Como os U
c
com valores
distintos de c são mutuamente disjuntos, D é propriamente coberto por d.
Agora, mostraremos que existe uma conexão próxima entre integração sobre curvas
e o levantamento de curvas relativamente à derivada d : O O.
Definição 4.10. Sejam um aberto em C, f H(Ω) e seja γ : [0, 1] uma curva
em . Uma primitiva de f sobre γ é um levantamento, em relação à d : O O,
da aplicação (contínua) τ : [0, 1] O dada por τ(t) = germe de (Ω, f) em γ(t). (Isto
existe porque d : O O é uma aplicação de recobrimento).
Se F
1
e F
2
são duas primitivas de f sobre γ, então existe uma constante c tal que
F
1
(t) = F
2
(t) + c, t [0, 1] .
De fato, que F
1
(0) e F
2
(0) são ambas primitivas de f em uma vizinhança de
γ(0), temos que F
1
(0) = F
2
(0) + c para algum c C. Então F
1
(t), F
2
(t) + c são ambas
levantamentos de τ que coincidem em t = 0 e são idênticas pelo Lema 4.1.
Lema 4.3. Seja f H(Ω) e seja γ : [0, 1] uma curva diferenciável por partes.
Se F : [0, 1] O é uma primitiva de f sobre γ e φ(t) é o valor de F (t) em γ(t), então
φ(1) φ(0) =
γ
fdz.
Espaços de Recobrimento e Integração ao longo de Curvas 73
O
F
d
[0,1]
Ƭ
O
Figura 4.2: Primitiva de f sobre γ
Demonstração. Definimos um aplicação G : [0, 1] O da seguinte forma: sejam 0
t
0
1 e D um disco com centro γ(t
0
), D . Seja h a primitiva de f em D para o
qual
h (γ(t
0
)) =
t
0
0
f (γ(t)) γ
(t)dt =
t
0
0
(h γ)
(t)dt.
Então definimos G(t
0
) como sendo o germe de h em γ(t
0
). Claramente dG(t
0
) =
germe em γ(t
0
) de h
= germe de f em γ(t
0
). Afirmamos que G é um levantamento de
τ, isto é, que G é contínua.
Para ver isto, seja 0 t
0
1 e seja D o menor disco com centro em γ(t
0
). Seja
h H(D) tal que (D, h) é um representante do germe F (γ(t
0
)). Tome > 0 tal que
γ(t) D para |t t
0
| < . Por hipótese, h (γ(t
0
)) =
t
0
0
f (γ(s)) γ
(s)ds.
Agora, para |t t
0
| < ,
h (γ(t)) h (γ(t
0
)) =
t
t
0
d
ds
h (γ(s)) ds =
t
t
0
f (γ(s)) γ
(s)ds
que h
= f em D. Logo, h (γ(t)) =
t
0
f (γ(s)) γ
(s)ds, de modo que G(t) = germe de
h em γ(t) para |t t
0
| < ; em particular, G(t) N (D, h), de forma que G é contínua.
Agora, se F é qualquer primitiva de f sobre γ, existe uma constante c tal que
F (t) = G(t) + c, t [0, 1]. Logo
F (1) (γ(1)) F (0) (γ(0)) = G(1) (γ(1)) G(0) (γ(0))
=
1
0
f (γ(s)) γ
(s)ds =
γ
fdz.
Este Lema nos sugere como podemos definir integração sobre curvas que não são
necessariamente diferenciáveis por partes.
74 Espaços de Recobrimento
Definição 4.11. Seja f H(Ω) e seja γ : [0, 1] uma curva contínua. Definimos
γ
fdz = φ(1) φ(0)
onde φ(t) (0 t 1) é o valor em t de F (t), F : [0, 1] O sendo uma primitiva de
f sobre γ.
(Como duas primitivas sobre γ diferem por uma constante, isto independe da escolha
de F.)
Lema 4.4. Seja f H(Ω). Se f tem uma primitiva em , então, para qualquer curva
fechada γ : [0, 1] , temos que
γ
fdz = 0.
Demonstração. Se H é uma primitiva de f em , então F : [0, 1] O definida por
F (t) = germe de H em γ(t)
é uma primitiva de f sobre γ. Logo,
γ
fdz = H (γ(1)) H (γ(0)) = 0
desde que γ(0) = γ(1).
5 O Número de Voltas
5.1 O Número de Voltas
Definição 5.1. Sejam γ : [0, 1] C uma curva fechada em C e a C, a / (γ) =
γ ([0, 1]). De modo análogo ao Exemplo 4.1, a aplicação
C C {a}
z → a + e
z
é uma aplicação de recobrimento.
Então, seja γ um levantamento de γ (com relação a esta aplicação). Definimos o
número de voltas n(γ, a) de γ em relação a a por
n(γ, a) =
1
2πi
[γ(1) γ(0)] .
n(γ, a) é às vezes chamado de índice de γ em relação a a.
Lema 5.1. Se γ : [0, 1] C é uma curva, a C (γ), e se γ
1
, γ
2
são dois
levantamentos de γ com relação a aplicação z → a + e
z
, então γ
2
(1) γ
2
(0) = γ
1
(1)
γ
1
(0). Portanto, n(γ, a) depende somente de γ e de a (não do levantamento).
Demonstração. Como γ
1
, γ
2
são dois levantamentos de γ, a + e
γ
1
(0)
= γ(0) = a + e
γ
2
(0)
.
Logo, existe n Z tal que γ
2
(0) = γ
1
(0) + 2πin. Agora, t → γ
1
(t) + 2πin e γ
2
são dois
levantamentos de γ que coincidem em t = 0. Logo, γ
2
(t) = γ
1
(t) + 2πin, t (Lema 4.1)
e segue o resultado.
Lema 5.2. Com a notação e a hipótese da Definição 5.1, n(γ, a) é um número inteiro.
Demonstração. Se γ é um levantamento de γ com relação a aplicação C C {a}
dada por z → a + e
z
, então
γ(1) = a + e
γ(1)
e γ(0) = a + e
γ(0)
.
Como a curva γ é fechada,
a + e
γ(1)
= a + e
γ(0)
75
76 O Número de Voltas
Logo, γ(1) = γ(0) + 2πin, n Z. E, portanto,
n(γ, a) =
1
2πi
[γ(1) γ(0)]
=
1
2πi
[γ(0) + 2πin γ(0)]
= n, n Z.
Lema 5.3. Com a notação anterior, temos
n(γ, a) =
1
2πi
γ
dz
z a
.
Demonstração. Seja d : O O a derivada da Definição 4.9. Seja η : C {a} O a
aplicação η(w) = germe em w da função z → 1/(z a). Seja γ : [0, 1] C {a} uma
curva fechada e seja τ = η γ. Seja τ um levantamento de τ com relação a d. Sejam
w = γ(t), t [0, 1] e F
w
o germe τ(t); seja (D, F ) um representante de F
w
onde D é
um disco centrado em w.
Por definição da aplicação d, temos F
(z) = 1/(za), z D. Logo,
d
dz
(z a)e
F (z)
=
(1 (z a)F
(z)) e
F (z)
= 0, z D.
Seja γ
1
(t) = valor do germe τ(t) em γ(t). Agora (γ(t
) a) e
γ
1
(t
)
= (γ(t
) a) e
F (γ(t
))
para t
suficientemente próximo de t (porque τ(t
) é o germe induzido por F em γ(t
)
perto de t). que (z a)e
F (z)
é constante em D, segue que t → (γ(t) a) e
γ
1
(t)
é
localmente constante, logo constante, em [0, 1]. Se α = (γ(0) a) e
γ
1
(0)
e c C é tal
que e
c
= α, então a aplicação
t → γ(t) = γ
1
(t) + c
é um levantamento de γ (com relação a z → a + e
z
). Logo, pela Definição 5.1,
2πi · n(γ, a) = γ(1) γ(0) = (γ
1
(1) + c) (γ
1
(0) + c)
= τ(1) (γ(1)) τ(0) (γ(0))
= F
γ(1)
F
γ(0)
.
Como F é uma primitiva da função 1/(z a), segue da Definição 4.11 que
2πi · n(γ, a) =
γ
dz
z a
.
Teorema 5.1. Sejam X, X
variedades e p : X
X uma aplicação de recobrimento.
Seja Y uma variedade simplesmente conexa. Seja a
X
, a = p(a
). Suponhamos que
f : Y X é uma aplicação contínua e que exista y
0
Y tal que f(y
0
) = a. Então,
existe um levantamento f
: Y X
tal que f
(y
0
) = a
.
O Número de Voltas 77
Lema 5.4. Se γ é uma curva fechada em C, a aplicação a → n(γ, a) é localmente
constante em C (γ).
Demonstração. Seja γ : [0, 1] C uma curva fechada. Para a C (γ), denotamos
por γ
a
a curva γ
a
(t) = γ(t) a; γ
a
é uma curva fechada em C
= C {0}. Se γ
a
é um
levantamento de γ
a
com relação a aplicação z → e
z
de C sobre C
, então
n(γ, a) =
1
2πi
(γ
a
(1) γ
a
(0)) .
Seja > 0 tal que o disco D
= {w/ |w a| < } é disjunto de (γ), e consideremos a
aplicação
I × D
C
, (t, w) → γ(t) w.
Agora, I × D
é simplesmente conexo (Π
1
(I × D
) = Π
1
(I) Π
1
(D
)). Logo, pelo
Teorema 5.1, existe uma aplicação contínua λ : I ×D
C tal que e
λ(t,w)
= γ(t) w,
(t, w) I × D
. Em particular, a aplicação t → λ(t, w) (t I, w fixado) é um
levantamento de γ
w
com relação a z → e
z
. Logo, para w D
,
n(γ, w) =
1
2πi
(λ(1, w) λ(0, w)) .
Segue que a aplicação w → n(γ, w) é uma aplicação contínua de D
em C. que
n(γ, w) Z para todo w D
, segue que n(γ, w) = n(γ, a) para w D
.
Definição 5.2. Dizemos que duas curvas γ
0
e γ
1
em um conjunto aberto de C são
homotópicas fixando os pontos iniciais e finais a, b, se existe uma função contínua
H : I × I tal que H(t, 0) = γ
0
(t), H(t, 1) = γ
1
(t) e H(0, s) = a, H(1, s) = b.
Teorema 5.2. (A Forma Homotópica do Teorema de Cauchy) Seja um con-
junto aberto em C. Sejam γ
0
e γ
1
duas curvas em com os mesmo pontos finais a, b
(isto é, dadas γ
0
, γ
1
: [0, 1] , temos que γ
0
(0) = γ
1
(0) = a e γ
0
(1) = γ
1
(1) = b). Se
existe uma homotopia entre γ
0
e γ
1
em fixando estes pontos, então, para qualquer
f H(Ω), temos que
γ
0
fdz =
γ
1
fdz.
Demonstração. A prova desse Teorema encontra-se no texto [4].
Lema 5.5. Seja a C e sejam γ
1
, γ
2
dois laços em z
0
C {a}. Se γ
1
e γ
2
são
homotópicas em C {a} (por uma homotopia fixando z
0
), então
n(γ
1
, a) = n(γ
2
, a).
Demonstração. Usando um caso especial do Teorema de Cauchy (Teorema 5.2) apli-
cado à função g em {a} definida por g(z) = f(z)/ (z a), temos que
γ
1
gdz =
γ
2
gdz. Logo, com o Lema 5.3, concluímos a prova.
78 O Número de Voltas
5.2 O Teorema do Resíduo
Definição 5.3. Sejam um aberto em C e E um subconjunto discreto de . Seja
f H(Ω E). Definimos o resíduo de f em a E da seguinte forma:
Escolha r > 0 tal que D(a, r) , D(a, r) E = a. Então f tem uma expansão de
Laurent
f(z) =
n=−∞
c
n
(z a)
n
, 0 < |z a| < r.
Definimos
res
f
(a) = c
1
e chamamos de resíduo de f em a.
Definição 5.4. Seja f holomorfa em D
(a, r) = {z C : 0 < |z a| < r}, e seja
f(z) =
n=−∞
c
n
(z a)
n
sua expansão de Laurent. A série
1
n=−∞
c
n
(z a)
n
define uma função g, holomorfa em C {a}. Dizemos que g é a parte principal de
f em a.
Teorema 5.3. (O Teorema do Resíduo) Seja um conjunto aberto em C e seja E
um conjunto discreto em . Seja γ uma curva fechada em E homotópica a uma
constante como uma curva em .
Então, para qualquer f H(Ω E), o conjunto {a E|n(γ, a) = 0} é finito, e
1
2πi
γ
fdz =
aE
res
f
(a) · n(γ, a).
Demonstração. Seja γ : [0, 1] E e seja F : I × I uma homotopia de γ a
uma constante (a homotopia fixando γ(0) = γ(1)). Seja K = F (I × I). Como K é
compacto, K E é finito. Se a E e a / K, então F é uma homotopia de γ a uma
constante em C{a}, de modo que n(γ, a) = 0 (Lema 5.5). Logo, {a E : n(γ, a) = 0}
está contido em K E, e portanto é finito. Seja K E = {a
1
, . . . , a
p
}, e seja g
j
a
parte principal de f em a
j
. Então f g
1
···g
p
é holomorfa em um conjunto aberto
U K, e γ é homotópica a uma constante em U. Logo, pelo Teorema de Cauchy 5.2,
γ
fdz =
p
j=1
γ
g
j
dz.
O Teorema do Resíduo 79
Seja g
j
(z) =
1
n=−∞
c
(j)
n
(z a
j
)
n
, z = a
j
. A série converge uniformemente em (γ),
de modo que
γ
g
j
dz =
1
n=−∞
c
(j)
n
γ
(z a
j
)
n
dz = 2πic
(j)
1
· n(γ, a
j
)
que (z a
j
)
n
tem a primitiva (z a
j
)
n+1
/(n+1) em C {a
j
} para n = 1. Portanto
1
2πi
γ
fdz =
p
j=1
n(γ, a
j
)c
(j)
1
=
p
j=1
n(γ, a
j
)res
f
(a
j
)
=
aE
n(γ, a)res
f
(a),
que n(γ, a) = 0 se a E, a = a
j
.
Teorema 5.4. (Fórmula de Cauchy) Seja um conjunto aberto em C e seja γ uma
curva fechada em , homotópica a uma constante. Sejam f H(Ω) e a (γ).
Então,
n(γ, a)f(a) =
1
2πi
γ
f(z)
z a
dz.
Demonstração. Como a função g em {a} definida por g(z) = f(z)/ (z a) é
holomorfa em {a} e res
g
(a) = f(a) temos, pelo Teorema 5.3, que
1
2πi
γ
g(z)dz = n(γ, a)f(a).
6 A Forma Cohomológica do Teorema
de Cauchy
6.1 A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy
O objetivo deste capítulo é dar uma condição necessária e suficiente para a existên-
cia de primitivas para toda f H(Ω). Para este fato, definiremos o Primeiro Grupo
de Cohomologia, com o qual relacionaremos com primitivas e chamaremos essa re-
lação de Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy. Começaremos com as definições
necessárias.
Sejam um conjunto aberto em C e U = {U
i
}
iI
uma cobertura aberta de , isto
é, {U
i
}
iI
é uma família de conjuntos abertos tais que Ω =
iI
U
i
.
Seja J I × I o conjunto dos pares (i, j) tais que U
i
U
j
= .
Para qualquer conjunto aberto V C, seja C(V ) o conjunto das funções f : V C
que são localmente constantes, ou seja, para cada x V , existe uma vizinhança W V
de x tal que f/
W
é constante; se V é conexo, então f é constante.
Seja C
1
(U, C) =
(i,j)J
C (U
i
U
j
). Um elemento de C
1
(U, C) é chamado uma
1 - cocadeia da cobertura U com valores em C.
Seja Z
1
(U, C) o subconjunto de C
1
(U, C) definido do seguinte modo:
(c
ij
)
(i,j)J
C
1
(U, C) /c
ij
+ c
jk
+ c
ki
= 0 em U
i
U
j
U
k
com U
i
U
j
U
k
=
.
Um elemento de Z
1
(U, C) é chamado um 1 - cociclo da cobertura Ucom valores
em C.
Agora, seja C
0
(U, C) =
iI
C (U
i
). Definimos a aplicação
δ : C
0
(U, C) Z
1
(U, C)
da seguinte forma: se (c
i
)
iI
C
0
(U, C), c
i
C (U
i
), fazemos
(δc)
ij
= (c
i
/U
i
U
j
) (c
j
/U
i
U
j
) = c
i
c
j
em U
i
U
j
81
82 A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy
para (i, j) J. Denotamos por B
1
(U, C) a imagem de δ. Os conjuntos Z
1
(U, C) e
B
1
(U, C) são grupos aditivos e, mais do que isso, são espaços vetoriais complexos e
B
1
(U, C) é um subespaço de Z
1
(U, C) e δ é uma aplicação C-linear.
Definição 6.1. Com a notação acima, o espaço vetorial quociente
H
1
(U, C) = Z
1
(U, C) /B
1
(U, C)
é chamado de Primeiro Grupo de Cohomologia de U com coeficientes complexos.
Teorema 6.1. Seja U = {U
i
}
iI
uma cobertura aberta de por discos (isto é, cada
U
i
é um disco). Se H
1
(U, C) = 0, então qualquer f H(Ω) tem uma primitiva em .
Demonstração. que cada U
i
é um disco, pelo Teorema 3.9, f tem uma primitiva F
i
em U
i
. Se (i, j) J, definimos c
ij
= F
i
F
j
em U
i
U
j
; como U
i
U
j
é conexo, c
ij
é
constante (Lema 3.10(b)). Se i, j, k I são tais que U
i
U
j
U
k
= , temos que
c
ij
+ c
jk
+ c
ki
= (F
i
F
j
) + (F
j
F
k
) + (F
k
F
i
) = 0.
Logo, a família
ξ =
(c
ij
)
(i,j)J
Z
1
(U, C) .
Como H
1
(U, C) = 0, existe c = (c
i
)
iI
C
0
(U, C) tal que (δc) = ξ, isto é, existe uma
família (c
i
)
iI
iI
C (U
i
) com
F
i
F
j
= c
i
c
j
em U
i
U
j
, (i, j) J.
Definimos F em por F/
U
i
= F
i
c
i
; que F
i
c
i
= F
j
c
j
em U
i
U
j
(sempre
que essa intersecção é não vazia), F/
U
i
está bem definida. Portanto, como c
i
é uma
constante para todo i I e F
i
é uma primitiva de f em U
i
, temos que F
= F
i
= f
em U
i
, i I; ou seja, F é uma primitiva de f em .
Agora, recordemos que um conjunto X é simplesmente conexo se X é um espaço de
Hausdorff conexo por caminho e qualquer laço em X é homotópico a uma constante.
Também vamos precisar do próximo Teorema que nos auxiliará na prova do principal
resultado deste capítulo. A prova deste fato encontra-se na referência [4].
Teorema 6.2. Seja um aberto em C e seja U = {U
i
}
iI
uma cobertura aberta de
. Para qualquer i, j I, suponhamos dado f
ij
H(U
i
U
j
) (usamos a convenção
de que H() = {0}). Suponhamos que a família {f
ij
} satisfaça a condição
f
ij
+ f
jk
= f
ik
em U
i
U
j
U
k
para todo i, j, k I.
Então, existe uma família {f
i
}
iI
, onde f
i
H(U
i
), tal que
f
i
f
j
= f
ij
em U
i
U
j
para todo i, j I.
A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy 83
Sejam um aberto em C e U = {U
i
}
iI
uma cobertura aberta de por conjuntos
abertos U
i
que são simplesmente conexos.
Definimos um homomorfismo (de C-espaços vetoriais)
δ = δ
U
: H(Ω) H
1
(U, C)
da seguinte forma:
Seja f H(Ω). que cada U
i
é simplesmente conexo, f/
U
i
tem uma primitiva F
i
em U
i
(Forma Homotópica do Teorema de Cauchy). Agora,
d
dz
(F
i
F
j
) = f f = 0
em U
i
U
j
, de forma que c
ij
= F
i
F
j
é localmente constante em U
i
U
j
. Claramente,
a família {c
ij
}
(i,j)J
(onde J = {(i, j) I × I/U
i
U
j
= ∅}) pertence a Z
1
(U, C) (já
que c
ij
+ c
jk
= (F
i
F
j
) + (F
j
F
k
) = F
i
F
k
= c
ik
em U
i
U
j
U
k
).
Definimos δ(f) = δ
U
(f) sendo a classe em H
1
(U, C) = Z
1
(U, C) /B
1
(U, C) de
{c
ij
}. Para verificar que δ
U
(f) está bem definida, seja {G
i
}
iI
uma outra família tal
que G
i
H(U
i
) e G
i
= f
em U
i
. Então
d
dz
(G
i
F
i
) = 0 em U
i
, e U
i
sendo conexo,
c
i
= G
i
F
i
é uma constante. Se denotamos o elemento de Z
1
(U, C) obtido de {G
i
}
por γ = {γ
ij
}
(i,j)J
(de modo que γ
ij
= G
i
G
j
em U
i
U
j
), temos que
γ
ij
c
ij
= c
i
c
j
em U
i
U
j
assim, {γ
ij
c
ij
} B
1
(U, C) (B
1
(U, C) é a imagem de δ). Portanto δ
U
(f) não
depende da escolha da primitiva {F
i
}.
Seja d = d
: H(Ω) H(Ω) denotando a derivada f → f
= df/dz. Então, a
equação d(F ) = f simplesmente significa que F é uma primitiva de f em .
Teorema 6.3. (A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy) Seja um
conjunto aberto conexo em C e seja U = {U
i
}
iI
uma cobertura aberta de por
conjuntos abertos simplesmente conexos U
i
. Então a seguinte sequência é exata:
0 C
i
H(Ω)
d
H(Ω)
δ
U
H
1
(U, C) 0,
onde a aplicação i
simplesmente leva um número c C para a função constante z → c
em .
Observação 6.1. Relembramos que uma sequência
0 E
0
d
0
E
1
d
1
···
d
p
E
p+1
0,
onde os E
j
são C-espaços vetoriais e os d
j
são aplicações C-lineares, é chamada exata
se d
0
é injetiva, d
p
é sobrejetora e ker(d
j
) = (d
j1
) para 1 j p.
84 A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy
Demonstração. A aplicação i
obviamente é injetiva: se uma constante c, considerada
como uma função, é 0, então c = 0.
Considere ker(d
). Como é conexo, d
(f) =
df
dz
= 0 se, e somente se, f é uma
constante. Logo, (i
) = ker(d
).
Portanto, para concluirmos a prova deste teorema, temos que provar as seguintes
afirmações:
1. ker(δ
U
) = (d
).
2. δ
U
(H(Ω)) = H
1
(U, C) .
Prova:
1. Se d
(F ) = f, então podemos definir δ
U
(f) tomando a família (F
i
) de primitivas
como sendo F
i
= F/
U
i
. Então δ
U
(f) é a classe de F
i
F
j
= 0 em U
i
U
j
, de
modo que δ
U
(f) = 0. Logo, (d
) ker(δ
U
).
Inversamente, seja f ker(δ
U
). Seja F
i
H(U
i
) uma primitiva de f em U
i
e
seja c
ij
= F
i
F
j
em U
i
U
j
. Já que δ
U
(f) = 0, temos que δ
U
(f) B
1
(U, C)
e, pela definição de B
1
(U, C), existe uma família {c
i
}
iI
, onde c
i
é uma função
localmente constante (logo constante) em U
i
tal que c
i
c
j
= c
ij
em U
i
U
j
.
Logo, c
ij
= F
i
F
j
= c
i
c
j
, ou F
i
c
i
= F
j
c
j
em U
i
U
j
. Portanto,
existe uma função F em com F/
U
i
= F
i
c
i
; claramente F H(Ω) e temos
que d
(F/
U
i
) =
d
dz
(F
i
c
i
) = f/
U
i
que c
i
é localmente constante. Logo,
f (d
). Portanto, ker(δ
U
) (d
).
2. Seja ξ H
1
(U, C) e seja {c
ij
} Z
1
(U, C) um representante de ξ em H
1
(U, C).
Agora, c
ij
é localmente constante, logo c
ij
H(U
i
U
j
). O Teorema 6.2 nos
garante que existe uma família {F
i
}
iI
, com F
i
H(U
i
), tal que F
i
F
j
= c
ij
em U
i
U
j
. que
dF
i
dz
dF
j
dz
=
dc
ij
dz
= 0 em U
i
U
j
(c
ij
sendo localmente
constante), existe f H(Ω) tal que f/
U
i
=
dF
i
dz
.
Considere δ
U
(f). Podemos definir δ
U
(f) escolhendo como primitiva de f em U
i
a função F
i
acima. Assim, δ
U
(f) é a classe em H
1
(U, C) de {(F
i
F
j
) |U
i
U
j
},
isto é, de {c
ij
}. Logo, δ
U
(f) = ξ.
E o teorema está provado.
Corolário 6.1. Seja um conjunto aberto conexo em C. Então, toda função f H(Ω)
tem uma primitiva se, e somente se, H
1
(U, C) = 0 para alguma cobertura U de por
conjuntos abertos simplesmente conexos. Se esta condição é satisfeita para uma tal
cobertura U, então é satisfeita para toda cobertura U.
Demonstração. Fixe uma cobertura U por conjuntos abertos simplesmente conexos.
que δ
U
é sobrejetota, H
1
(U, C) = 0 se, e somente se, ker(δ
U
) = H(Ω). Pelo
Teorema 6.3, isto ocorre se, e somente se, H(Ω) = (d
).
A Forma Cohomológica do Teorema de Cauchy 85
Para apresentarmos o último fato deste capítulo, enunciaremos o seguinte Teorema
o qual a prova será feita no último capítulo.
Teorema 6.4. Seja C um conjunto aberto simplesmente conexo. Então qualquer
f H(Ω) tem uma primitiva em .
Corolário 6.2. Seja um conjunto aberto simplesmente conexo em C. Então, para
qualquer cobertura U de por conjuntos abertos simplesmente conexos, temos que
H
1
(U, C) = 0.
Demonstração. Se é simplesmente conexo, então qualquer f H(Ω) tem uma
primitiva (Teorema 6.4). Logo, d
(H(Ω)) = H(Ω) e, pelo Teorema 6.3, temos que
ker(δ
U
) = H(Ω). Portanto {0} = δ
U
(H(Ω)) = H
1
(U, C) .
7 Aplicação
Para apresentarmos o teorema que caracteriza domínios simplesmente conexos em
C, usaremos os seguintes resultados:
Teorema 7.1. (A Forma Homológica do Teorema de Cauchy) Sejam um
conjunto aberto conexo em C e γ : [0, 1] uma curva fechada em C. Se γ
0,
então, para qualquer f H(Ω), temos que
γ
fdz = 0.
Teorema 7.2. Seja um subconjunto aberto e conexo de C, = C. Suponhamos que
para qualquer f H(Ω), que nunca se anula, exista g H(Ω) tal que g
2
= f. Então
é analiticamente isomorfo ao disco D.
A prova desses dois fatos encontra-se na referência [4].
Definição 7.1. Seja um subconjunto aberto e conexo de C e seja γ : [0, 1]
uma curva fechada em . Dizemos de γ é homóloga a zero em e escrevemos γ
0
se valer:
"Se S = {a C Im(γ)/n(γ, a) = 0}, então S ."
Teorema 7.3. Seja um subconjunto aberto e conexo de C. São equivalentes:
1. é simplesmente conexo.
2. Para qualquer a C e qualquer curva fechada γ em , o número de voltas
n(γ, a) = 0, isto é, qualquer curva fechada é homóloga a zero.
3. Para qualquer cobertura aberta de , U = {U
i
}
iI
, por abertos simplesmente
conexos, tem-se que H
1
(U, C) = 0.
4. Qualquer f H(Ω) tem uma primitiva.
5. Se f H(Ω) nunca se anula, existe g H(Ω) com e
g
= f.
6. Se f H(Ω) nunca se anula, existe g H(Ω) com g
2
= f.
87
88 Aplicação
Demonstração. (1 4) Seja φ : O a aplicação z → germe de (Ω, f) em z.
que d : O O é uma aplicação de recobrimento, existe uma aplicação contínua
Φ : O tal que d Φ = φ (Teorema 5.1). Definimos uma função F em por
F (z) = valor em z de Φ(z).
Afirmamos que F H(Ω). Se z
0
e (U, ψ) é um representante de Φ(z
0
), então a
continuidade de Φ significa que Φ(z) = germe em z de (U, ψ) para z em uma vizinhança
V de z
0
. Logo, F/
V
= ψ/
V
, e assim, F H(Ω).
Como d Φ = φ, temos que F
= f em .
(4 5) Se f H(Ω) nunca se anula e F é uma primitiva de f
/f, então x
, (f(x).e
F (x)
)
= 0. Logo f.e
F
é constante.
(5 6) Se f H(Ω) nunca se anula e f = e
φ
, φ H(Ω), então g
2
= f , onde
g = e
φ/2
.
(6 1) Se = C, então é simplesmente conexo. Se = C, então é analiti-
camente isomorfo ao disco D = D(0, 1), pelo Teorema 7.2. Como D é simplesmente
conexo, então também o será.
(2 4) que a curva γ é homóloga a zero, segue do Teorema 7.1 que
γ
fdz = 0
para qualquer f H(Ω) e qualquer curva fechada γ em .
(4 2) Por hipótese, a função z → 1/za tem uma primitiva. Logo, para qualquer
curva fechada γ em , temos que
γ
dz
za
= 0. Assim, pelo Lema 5.3, temos que
n(γ, a) =
1
2πi
γ
dz
z a
= 0.
(3 4) Este fato decorre do Corolário 6.1 onde a sequência exata da forma coho-
mológica do teorema de Cauchy afirma que a derivada é sobrejetiva exatamente quando
o último termo H
1
(U, C) é 0.
Referências
[1] Fulton, W. Algebraic Topology - A first course, GTM, Springer Verlag, 1995.
[2] Massey, W. S. Algebraic Topology: an introducion, GTM, Springer Verlag, 1977.
[3] Munkres, J. R. Topology, Prentice Hall Inc., Upper Saddle River, 2000.
[4] Narasimhan, R. Complex Analysis in One Variable, Birkhausee, Boston Inc., 1985.
[5] Soares, M. G. Cálculo em uma Variável Complexa, Coleção Matemática Univer-
sitária, IMPA, Rio de Janeiro, 2006.
89
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