Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
CAROLINA LANNER FOSSATTI
CATEGORIAS DE NARRATIVIDADE NO CINEMA DE ANIMAÇÃO:
ATUALIZAÇÃO DOS VALORES ÉTICOS DE ARISTÓTELES SEGUNDO
EDGAR MORIN
V. I
Porto Alegre
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
CAROLINA LANNER FOSSATTI
CATEGORIAS DE NARRATIVIDADE NO CINEMA DE ANIMAÇÃO:
ATUALIZAÇÃO DOS VALORES ÉTICOS DE ARISTÓTELES SEGUNDO
EDGAR MORIN
Tese apresentada como requisito para obtenção do
grau de Doutora, pelo Programa de Pós-graduação
da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Hohlfeldt
Porto Alegre
2010
ads:
3
CAROLINA LANNER FOSSATTI
CATEGORIAS DE NARRATIVIDADE NO CINEMA DE ANIMAÇÃO:
ATUALIZAÇÃO DOS VALORES ÉTICOS DE ARISTÓTELES SEGUNDO
EDGAR MORIN
Tese apresentada como requisito para obtenção do
grau de Doutora, pelo Programa de Pós-graduação
da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Tese defendida em 30 de setembro de 2010.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Hohlfeldt (PUCRS)
____________________________________________________
Profa. Dra. Cristiane Freitas Gutfreind (PUCRS)
____________________________________________________
Prof. Dr. Draiton Gonzaga de Souza (PUCRS)
____________________________________________________
Profa. Dra. Márcia Ivana Lima e Silva (UFRGS)
____________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Moreno (UFF)
PORTO ALEGRE
2010
4
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Nelson e Marta, que, mais uma vez, desempenharam com
louvor seus papéis, através do incentivo, apoio e carinho, que sempre dispensaram
em meus maiores desafios.
Ao meu estimado orientador, Prof. Dr. Antônio Carlos Hohlfeldt, por sua
paciência, compreensão, disponibilidade e aprendizado, orientando-me em minhas
dificuldades e participando de minhas inquietações.
Aos professores que se fizeram presentes nesta minha trajetória, instigando-
me com suas aulas e colocações, dando destaque especial à Prof. Drª. Cristiane
Gutfreind e ao Prof. Dr. Draiton Gonzaga de Souza.
À Lúcia, pela atenção e disponibilidade sempre manifestadas.
Aos meus irmãos e sobrinhas, Letícia, Rodrigo, Felipe, Mônica, Ana Carolina
e Giana que, de maneira particular, fizeram a diferença nesta caminhada.
Ao Christian, pelo companheirismo, compreensão e torcida.
5
Como eu vou saber da terra, se eu nunca me
sujar?Como eu vou saber das gentes, sem
aprender a gostar? Quero ver com meus olhos,
quero a vida até o fundo. Quero ter barros nos
pés, eu quero aprender o mundo.
Pedro Bandeira
6
RESUMO
O potencial comunicativo das produções cinematográficas de animação
incita questionamentos acerca do conteúdo vigente em suas narrativas.
Apoiando-se nas contribuições de Vladimir Propp acerca da estrutura do conto,
a presente pesquisa identifica e discute o discurso ético presente nas
produções de animações fílmicas norte-americanas e brasileiras recentes,
considerando os conceitos desenvolvidos por Aristóteles e Edgar Morin.
Colocando em diálogo ambas as perspectivas, submete-se o corpus formado
por um conjunto de obras à análise, buscando-se verificar como tais valores
morais e éticos são transmitidos através das narrativas..
Elementos particulares às produções nacionais e norte-americanas
ganham visibilidade na pesquisa, permitindo a identificação de contrastes e
aproximações que incidem na repercussão das animações perante suas
platéias. A partir da fragmentação e análise das narrativas em funções,
apresenta-se um quadro de valores morais para cada produção animada,
associando-as a sua formação discursiva. Sob um cenário mágico e
enriquecido pelo simbólico, o cinema de animação apresenta personagens com
trajetórias particulares, capazes de dar visibilidade a temáticas emergentes no
entorno social, fator importante sobretudo se considerarmos que é o público
infantil e juvenil o seu receptor ideal.
Palavras-chave: comunicação, cinema de animação, ética, narratividade, Edgar
Morin, Aristóteles
7
ABSTRACT
The communicative potential of animation productions instigates
questions about the current content in its narratives. Relying on the
contributions of Vladimir Propp about the structure of the tale, the current
research identifies and discusses the ethical discourse present in the current
North American and Brazilian’s animations, considering the concept developed
by Aristotle and Edgar Morin. Making a dialogue with both perspectives, we put
the corpus formed by a group of works for analysis, trying to verify how such
moral and ethical values are transmitted through the narratives.
Particular elements of the national and North American’s productions get
more visibility in the research, allowing the identification of contrasts and
approaches that focus on the impact of animation before its audiences. After
fragmentation and analysis of the narratives in functions, a framework of moral
values is presented for each animated production, linking them to their
discursive formation. Under a magical scenery and enriched by the symbolic,
the animated film presents characters with particular pathways, capable of
giving visibility to emerging themes in the social environment, an important
factor especially if we consider that its ideal receiver is the children and young
people.
Keywords: communication, animation film, ethics, narrativity, Edgar Morin,
Aristóteles.
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Categorias aristotélicas 32
QUADRO 2: Esferas de ação 118
QUADRO 3: Conceitos 134
QUADRO 4: Auto-ética 191
QUADRO 5: Branca de Neve e os sete anões 329
QUADRO 6: Procurando Nemo 331
QUADRO 7: Anastasia 332
QUADRO 8: A era do gelo 333
QUADRO 9: Formiguinhaz 334
QUADRO 10: Shrek 335
QUADRO 11: Cassiopéia 336
QUADRO 12: O grilo Feliz 336
QUADRO 13:Em busca do nariz de Isabelle 337
QUADRO 14: Mônica em: Concurso de beleza 338
QUADRO 15: Mônica em: Amor dentuço 338
QUADRO 16: O caça Sansão 338
QUADRO 17: Cascão em: Um cenário para meus brinquedinhos 339
QUADRO 18: Cebolinha em: Irmão Cascão 339
QUADRO 19: Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço 340
QUADRO 20: Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo 341
QUADRO 21: Garoto cósmico 342
9
SUMÁRIO
RESUMO 06
ABSTRACT 07
1 INTRODUÇÃO 11
2 CINEMA DE ANIMAÇÃO 36
2.1 Os primórdios da animação e o marco Disney 43
2.2 Novos estúdios e a era da televisão: uma ameaça a Disney? 53
2.3 O cinema de animação digital 60
2.4 A animação no Brasil 68
2.5 Enredos dos longa-metragens de animação 73
2.5.1 Branca de Neve e os sete anões 73
2.5.2 Procurando Nemo 76
2.5.3 Anastasia 78
2.5.4 A era do gelo 79
2.5.5 Shrek 81
2.5.6 Formiguinhaz 83
2.5.7 Cassiopéia 85
2.5.8 O grilo Feliz 86
2.5.9 Cinegibi, o filme: Turma da Mônica 88
2.5.10 Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço 91
2.5.11 Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo 92
2.5.12 Garoto cósmico 93
3 CARACTERÍSTICAS DA NARRATIVIDADE NO CINEMA DE ANIMAÇÃO 98
3.1 Elementos da estrutura narrativa 112
3.1.1 Os personagens e suas caracterizações: distintas
possibilidades na formação narrativa 117
3.1.2 A figura do narrador 123
3.1.3 Tempo 125
3.1.4 Espaço 128
3.2 A análise narratica: descrição das funções de Vladimir Propp 130
3.3 A representação fílmica: possibilidades para a significação 136
4 A ATUALIDADE ÉTICA: DE ARISTÓTELES A MORIN 150
4.1 Predecessores e sucessores de Aristóteles 155
4.2 O caminho para o justo meio 163
4.3 Morin: uma tessitura da ética contemporânea 178
5 ANÁLISE DA NARRATIVA NO CINEMA DE ANIMAÇÃO: APROPRIAÇÃO
DA ESTRUTURA FÍLMICA SOB UMA PERSPECTIVA ÉTICA 199
5.1 Branca de Neve e os sete anões 199
5.2 Procurando Nemo 212
5.3 Anastasia 224
10
5.4 A era do gelo 231
5.5 Formiguinhaz 242
5.6 Shrek 252
5.7 Cassiopéia 260
5.8 O grilo Feliz 268
5.9 Cinegibi, o filme: Turma da Mônica 276
5.10 Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço 289
5.11 Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo 296
5.12 Garoto cósmico 301
CONSIDERAÇÕES FINAIS 315
REFERÊNCIAS 354
ANEXOS 364
ANEXO 1 - Quadro comparativo das virtudes aristotélicas 365
ANEXO 2 - Quadro esquemático das produções cinematográficas 376
Branca de Neve e os sete anões 376
Procurando Nemo 382
Anastasia 384
A era do gelo 387
Formiguinhaz 390
Shrek 393
Cassiopéia 395
O grilo Feliz 398
Cinegibi, o filme: Turma da Mônica 400
Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço 404
Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo 406
Garoto cósmico 409
11
1 INTRODUÇÃO
Os contos de fadas, muito, integram o universo infantil. Referenciais
históricos indicam a oralidade como a primeira forma de difusão destes contos,
para posteriormente ganharem espaço junto a obras literárias e, mais adiante,
serem apresentados no formato lmico, envoltos por uma nova visualidade
narrativa. A rápida evolução das tecnologias de comunicação, evidenciada
notadamente a partir do século XX, viabilizou novas possibilidades de
veiculação destes contos, destacando-se o viés cinematográfico. Branca de
Neve e os sete anões, produzido por Disney, em 1937, caracteriza-se pelo
longa-metragem de desenho de animação que, primeiro, alcançou repercusão
mundial, representando um marco nas transposições fílmicas. Após este,
outros desenhos de animação, como Fantasia (1940), Bambi (1942),
Cinderela (1950), A Bela Adormecida (1959) e Robin Hood (1973), foram
lançados, integrando uma significativa lista de produções dos Estúdios Disney.
Paralelamente, outros estúdios foram emergindo e contribuindo de forma
crescente com o mercado de animação, entre eles a 20th Century Fox
Animation e o DreamWorks Animation SKG, fomentando a indústria do
entretenimento. Em vista desta perspectiva, os contos clássicos foram
ganhando outra visualidade, a partir de criações e releituras de narrativas
previamente divulgadas, podendo ser enriquecidos nos aspectos lúdico, onírico
e fantasioso, transportando o espectador a mundos mágicos e encantados. A
inspiração de diretores e animadores amplia continuamente, a lista das
produções cinematográficas de animação, mobilizando o imaginário do público
que as contata. Recentemente, tem-se verificado uma tendência à sátira e à
desconstrução da linearidade e previsibilidade destes contos. Shrek
(DREAMWORKS ANIMATION SKG, 2001), é um exemplo, aparecendo como o
precursor bem sucedido desta vertente. Distintas possibilidades estéticas e
12
narrativas se interpõem ao momento vivenciado pelo cinema de animação,
perseverando com intensidade, a raiz dos contos maravilhosos.
Com características que dão universalidade ao encantamento, como o
desprezo pela lógica, o ocultamento de interesses, de crenças e de desejos
sob imagens brilhantes, salientadas por Bettelheim (2002), tais narrativas
apresentam uma gama de personagens cujas características estendem-se do
puro ao híbrido, do perfeito ao falho, do submisso ao transgressor. Colasanti
(2004) afirma que a essência dos contos de fadas encontra-se nas duas
disposições naturais e opostas do ser humano, identificadas por ela como o
amor pelo real e a atração pelo fantástico. Acrescenta que os elementos
constituintes dos contos de fadas, aparentemente gratuitos, instituem um
diálogo com o inconsciente, permitindo a vivência de experiências só possíveis
no imaginário.
O ambiente dos contos de fadas continua permeando o imaginário
social. Contemplando uma forma de comunicar e educar, contribui para o
processo de desenvolvimento e de constituição do sujeito (WARNER, 1999).
Corso (2006) destaca que freqüentar as histórias imaginadas pelo outro,
escutando, lendo ou assistindo filmes, inclina o sujeito a pensar na existência
sob distintos pontos de vista. Simultaneamente, sugere que habitar essas
histórias, cujas vidas o repletas de fantasias, favorece a reflexão sobre a
virtualidade de destinos possíveis.
Grande parte dos estudos acerca do cinema de animação relaciona-se
ao mundo infantil, a interpretações freudianas ou junguianas, que discorrem
acerca das emoções, dos sentimentos, da moral, do consciente e do
inconsciente, compondo um importante bloco referencial. Ciente que,
anualmente, são lançados novos longa-metragens de animação
(www.filmeb.com.br 04/05/2007), imediatamente apropriados pela indústria
cultural, denota-se a possibilidade de ampliar-se a temática relacionada a tais
produtos, que muito se assemelham ao percurso dos contos de fadas.
A partir de estudos focados na mídia televisiva, a Associação Médica
Americana criou o Guia médico sobre a violência na mídia (Physician Guide
13
to Media Violence, 1996). Composto por reflexões e conclusões sobre a
temática, ajuda a sustentar investigações acerca das contribuições midiáticas,
reunindo descrições de profissionais das áreas da pediatria, da psiquiatria e da
psicologia. Sua tradução publicada em Televisão e violência: Impacto sobre
a criança e o adolescente (1998), foi uma iniciativa conjunta do Governo do
Estado do Rio Grande do Sul, através do Comitê de Estudos da Violência da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, do Departamento de Psiquiatria e
Medicina Legal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, do Serviço de
Psiquiatria da Infância e da Adolescência, do Ministério Público, do Centro de
Apoio Operacional das Promotorias da Infância e Juventude, do Conselho
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDICA), com o apoio do
Departamento de Psiquiatria Infantil da Associação Brasileira de Psiquiatria. A
publicação nacional ampliou o estudo, agregando percepções e resultados de
investigações locais promovidas pelo IBOPE e pela Retrato - consultoria e
marketing no capítulo Valores Sociais e Meios de Comunicação de Massa
(Rio Grande do Sul, 1998). O Guia sustenta que a influência da mídia
televisiva, na formação da criança, é orientada pelo mecanismo através do qual
a criança apropria-se do conhecimento pelo viés da observação e do exemplo
que lhe são representados. É por este canal que as habilidades são
desenvolvidas e os valores o incorporados pelo público infanto-juvenil. A
criança absorve, desde o nascimento, informações e conhecimentos ofertados
pelo objeto a que é exposta. Sua experiência limitada lhe restringe a variável
de modelos, na qual se apóia, para aprender a agir no mundo. A família, a
religião e a escola são apontadas como instituições que desempenharam
grande influência junto ao desenvolvimento intelectual, emocional e moral da
criança, mas que vêm perdendo esta tradição referencial.
Doutor em Ciências da Comunicação, Claudemir Edson Viana
compreende a criança como um ser que produz cultura, reelaborando e
interpretando os estímulos que a cercam. Descreve a criança como um sujeito
ativo, que responde aos conteúdos apresentados conforme sua história, seu
contexto familiar e social. Ampliando sua concepção, afirma que nem todo o
conteúdo apresentado sob o viés da erotização suscita identificações, pois
estas vão depender daquilo que é socialmente fomentado. Reforça também o
14
compromisso da família e da escola para com a formação crítica da criança
perante os conteúdos disponibilizados. Sua proposta integra um processo
educativo dialógico, não restrito a um discurso moralizante. Neste mesmo
artigo, a psicanalista Ana Olmos reitera que valores, padrões e estereótipos
são apropriados pelo espectador, através de um intercâmbio entre os estímulos
midiáticos e culturais (SALLES, 2008).
Mesmo atentando para os efeitos negativos da exposição prolongada à
mídia eletrônica (televisor, vídeo, computador e jogos eletrônicos), o Guia lhe
confere um potencial formativo, habilitado a participar efetivamente daquilo que
diz respeito à saúde física, psíquica, mental e moral do sujeito. O Guia não se
atém somente aos efeitos negativos, apesar de mais evidentes, mas enumera
alguns itens que podem ser trabalhados com apoio de recursos midiáticos. Seu
uso benéfico e construtivo possibilita que se promova o desenvolvimento,
estimulando habilidades cognitivas, comportamento pró-social, saúde,
questões sociais e políticas (Rio Grande do Sul, 1998).
Frente à oferta midiática, o estudo apresentado expõe os principais
efeitos de uma produção tocada por estímulos agressivos: a imitação de
comportamento; a referenciação a heróis violentos; a glamurização e a
internalização da violência como uma atitude recompensada; a justificação de
atos violentos; a dessensibilização perante ações agressivas; o aumento do
medo, também conhecido como a síndrome do mundo cruel; o
desenvolvimento de apetite por situações de violência; a indistinção entre a
violência fictícia e a violência realista e, por fim, a estimulação da cultura do
desrespeito. Sem um referencial ético completo, a entrega irracional e ilimitada
aos prazeres do audiovisual são pensados como hábeis na cristalização do
comportamento infantil, bem como na deformação de seu caráter moral. A
criança, absorta nesta esfera, é afetada por distintos sentimentos que operam
sobre a dimensão afetiva. Estando ela em formação, apresenta-se como
incapaz de discernir o que lhe é apresentado, tendo sua propriedade de volição
invadida e restando-lhe internalizar referenciais ofertados para seu deleite.
Rosemberg (2008), criadora de programas infantis como Castelo Rá-
Tim-Bum, Cocóricó, X-Tudo e Glub-Glub, aborda, em seu livro, observações
15
e pesquisas que envolvem a programação televisiva. Revelando-se ciente do
tempo que as crianças estão expostas a seu conteúdo, alerta para a
incapacidade de avaliação do que lhes é apresentado. Mesmo que voltadas
para o público infantil, algumas apresentações requerem um segundo parecer,
apto a enriquecer a criança, oferecendo-lhe bagagem capaz de comportar um
aparato crítico. Em outros momentos, programações inadequadas à idade são
impeditivas de elaborações positivas, visto os escassos recursos
interpretativos.
Sem posicionar-se contra a televisão, a autora reconhece a importância
de que pais e educadores comprometam-se em transmitir a seus filhos valores
pessoais, independentemente da qualidade do programa assistido. Esta
postura deve ultrapassar os limites televisivos, envolvendo as demais
ferramentas da mídia eletrônica, como as produções cinematográficas de
animação, também recheadas por uma vitalidade dinâmica e complexa.
Valoriza os potenciais e benéficos atributos da dia, o sendo determinista,
nem os responsabilizando por incitar atitudes violentas, pois concebe que o
meio no qual se está inserido e os aspectos da personalidade participam desta
construção. Aponta para o fato do caráter moral encontrar-se presente em
todas as produções, ainda que implicitamente. Ao avaliar aquelas
cinematografias oriundas dos estúdios Disney, verifica que, além do prazer e
do entretenimento, o aspecto moral se faz presente no pacote final da obra,
abrindo espaço para uma série de outras categorias de valores. Questiona o
fato de algumas crianças terem sua experiência reduzida à televisão,
reforçando a importância do brincar, do ler e do convívio com o outro, mas
apóia que o potencial televisivo interaja com a educação. Insistentemente,
responsabiliza o adulto do compromisso de atravessar por valores tudo aquilo a
que a criança assiste (ROSEMBERG, 2008).
A análise crítica da cultura infantil, envolvida pelo entretenimento, defesa
de idéias políticas e prazer, oferece à criança um espaço merecedor de
destaque na teoria social (GIROUX, 1995). Estendendo a proposta para além
da fantasia, da imaginação e do entretenimento, o autor reconhece a
necessidade de questionar e repensar a autoridade cultural legitimada pelos
16
filmes animados. A crítica de Giroux (1995) recai sobre as representações e as
mensagens que culminam na preservação de uma ótica conservadora do
mundo, disseminada pelas produções Disney e por todo o seu complexo.
Acredita o autor que a criança aprende a partir da exposição às formas
culturais e populares que vivencia. Rompendo com a fronteira Disney,
concebe-se que outros estúdios, também produtores de significados,
divertimento e prazer, merecem ser discutidos junto ao panorama cultural.
Theodor Adorno e Max Horkheimer ([1903-1969]; [1895 -1973]), fazem-
se referência obrigatória ao transitar-se pela temática da hegemonia cultural.
Na obra Dialética do esclarecimento: Fragmentos filosóficos (1985), os
teóricos permitem que o leitor vislumbre uma crítica e um aprofundamento do
espectro tomado pela racionalidade técnica e pela indústria cultural. Para tanto,
apontam para a dominação civilizatória imposta pela coerção econômica da
indústria cultural, cujo poderio ideológico abafa a liberdade de escolha,
conduzindo a sociedade a uma padronização normativa de necessidades e
satisfações. A racionalidade técnica
1
, suporte do capitalismo cultural, submete
a experiência do espectador a um filtro, impondo a reprodução e a
disseminação de seu produto. Direcionam uma crítica à restrição que tais
produtos fazem ao intelecto, à imaginação e à espontaneidade do espectador,
visto a constituição objetiva dos mesmos. A indústria cultural continua
promovendo a diversão; no entanto, despiu a diversão de sua ingenuidade
espontânea. Se a especificidade dos filmes de animação era a fantasia contra
o racionalismo, sua verdade sucumbiu à razão tecnológica, determinando o
esmagamento da resistência individual (ADORNO E HORKHEIMER, 1985). O
espetáculo projetado na tela é tomado pelo espectador, que se conforma com
aquilo que lhe é dito acerca de seu destino, ao mesmo tempo em que se
integra e se mistura com a sociedade, convertendo-se num ser genérico
submetido à ordem totalitária da publicidade.
1
Caracterizada pela racionalidade da própria dominação, marcada pelo caráter compulsivo da
sociedade alienada em si mesma, que conduz à disseminação de bens padronizados e de
iguais necessidades; sob a força da ordem econômica, a indústria cultural - cinema, rádio
destina-se à legitimação daquilo que produz, ratificando seus interesses através da cultura de
massas.
17
Niceto Blásquez (1999) complementa o panorama da indústria cultural e
da racionalidade técnica, quando lança seu olhar aos problemas éticos.
Incitado pela questão, o autor propõe-se a discorrer acerca da imitação, da
perda da liberdade e da alienação, para onde as imagens representadas
podem conduzir o sujeito. Um amplo espectro de posicionamentos acerca de
valores vem emergindo junto ao contexto vigente. Maffesoli (1995) afirma que a
saturação dos valores da modernidade tende a dar lugar a valores alternativos
e de contornos ainda imprecisos. O pós-moderno não compreende apenas o
aspecto inexorável do progressismo, mas dá mais importância à sabedoria
progressiva, que busca a realização do eu e o desabrochar pessoal no instante
e no presente, vivido com toda a intensidade (MAFFESOLI, 2000). Silva (1991)
compreende que a condição pós-moderna viabiliza o surgimento de valores
secundários. Lipovetsky sugere vigorar socialmente uma moral à la carte,
própria de uma fase pós-moralista, na qual a cultura não é mais submetida a
imperativos, mas “adaptada a novos valores de autonomia individualista”
(LIPOVETSKY, 2004, p.30).
A atual conjuntura ética incita um despertar para a forma como os longa-
metragens de animação enfatizam os valores neles implicados. Lançando um
olhar aos picos elencados, estende-se para além da família, da religião, da
escola e da classe social, o espaço de produção de sentido. A mídia, a ciência
e as migrações emergem, constituindo novas práticas de significação.
Aumont (1995) aponta para a identificação como mecanismo-base da
constituição imaginária do Eu, bem como o protótipo de um certo número de
instâncias e de sucessivos processos psicológicos. Pressupõe, também, o
cinema como a arte da memória e da imaginação, posto que é capaz de
justificar a compreensão do tempo, a noção do ritmo, a possibilidade do
flashback, a representação dos sonhos e a arte das emoções, que
correspondem à complexidade das experiências humanas.
Paralelamente, recorrendo a Jacques Lacan (1966) que, ao descrever o
Estádio do Espelho, destaca a constituição do Eu a partir de identificações e
desidentificações com o Outro, faz-se possível estabelecer analogias entre o
Outro e as produções cinematográficas. Assim, o Sujeito encontra-se em um
18
processo constante de construção do Eu, concretizado por meio de
experiências significativas. Maffesoli (1996) solidariza-se com essa idéia,
demarcando o Eu como uma construção temporal, frágil, fruto de situações e
vivências, de modo que o indivíduo pode ser definido na multiplicidade de
interferências com o mundo circundante, fundamentando o efeito de
composição. Considerando que o Eu é composto pelo Outro, o Eu é múltiplo,
compreendido pelas modulações desta alteridade.
Concebe-se que as produções cinematográficas de animação,
envolvidas pela ficção, por elementos ilógicos e atemporais, dão transparência
a narrativas que, quando individualmente analisadas, refletem os elementos
que deram propriedade à obra final. Estendendo o olhar ao discurso contido
nas narrativas destas animações, intervenções analíticas acerca de seu caráter
axiológico dão completude ao conjunto das produções. Para tanto, ciente da
crescente veiculação dos longa-metragens de animação, bem como, de seus
elevados índices de audiência, a pesquisa intenta uma reflexão presidida pelos
valores éticos que transitam por tais produções. Tais valores, uma vez imersos
no social e representados pela filmografia, presentificam-se na constituição do
sujeito, através de determinadas narrativas, cujas técnicas e estruturas
precisam ser melhor compreendidas, entendidas e analisadas.
No campo da comunicação, as produções cinematográficas de
animação, com seus recursos técnicos, estéticos e com suas estratégias
narrativas, atraem e cativam uma audiência crescente. Tais histórias,
caracterizadas pela ação, são permeadas por temáticas como a busca pela
autonomia, o desenvolvimento de angústias, ansiedades, medos e
inseguranças, próprios do cotidiano de cada um. Enquanto os Estados Unidos
mantém-se como uma sólida potência no mercado das animações, outros
estúdios, em distintos espaços geográficos, ascendem, disputando a
hegemonia norte-americana, muito conquistada. O Brasil, mesmo sendo
berço de animadores mundialmente reconhecidos, ainda avança acanhado
rumo aos longa-metragens de animação.
Assim, atentando-se para o discurso das produções cinematográficas de
animação, propõe-se a análise das categorias de narratividade presentes e da
19
representatividade dada aos valores éticos abordados por Aristóteles. O corpus
da pesquisa será integrado por longa-metragens de animação que marcaram
os estúdios norte-americanos e nacionais. Alcançando um vasto público, não
só infantil, mas também adolescente e adulto, a animação cinematográfica vem
favorecendo a expressividade de múltiplos conteúdos. Tais narrativas ocupam
um lugar de destaque na imaginação, apropriando-se de temáticas que se
fazem vigentes na cultura e na sociedade.
Esta abordagem visa reconhecer alguns pontos específicos da
construção das narrativas, intencionando, por fim, um posicionamento teórico
crítico. Apropriando-se das narrativas, alvo de análise, pretende-se: a)
Identificar, descrever e analisar as técnicas narrativas empregadas pela
indústria cultural, visando compreender como eles concretizam sua influência
efetiva junto às diferentes platéias; b) Identificar os valores éticos presentes
nas produções cinematográficas de animação, segundo o referencial ético de
Aristóteles; c) Desenvolver uma análise relativa às categorias de valores
constatadas nas produções, a partir de uma atualização da ética em Edgar
Morin; d) Mapear um elenco de categorias de valores morais para o cinema de
animação, considerando as categorias de narratividade presentes.
A análise fílmica transcodifica o conteúdo visual, sonoro e audiovisual.
Pelo visual, entende-se a descrição dos objetos filmados, a montagem das
imagens; através do sonoro, verifica-se a música, os ruídos e os tons; no
audiovisual, transpõe-se a relação entre imagens e sons. Analisar um filme não
é descrevê-lo, mas a diretriz de uma análise é orientada pelos limites impostos
pelos objetivos. Neste processo, o analista distancia-se do papel de espectador
“comum”, acionando redes de observação em função dos eixos selecionados.
As produções revelam-se a base das projeções que, originadas de um
processo espontâneo entre espectador e o conteúdo fílmico, não devem ser
extintas do repertório do analista, mas em estado latente, podem reforçar
evidências, no final da análise. A partir das suas observações e impressões,
Francis Vanoye (1994) reflete sobre a relação entre a função de um filme em
provocar emoções e a atitude em analisá-lo, desmontá-lo e examiná-lo
tecnicamente. O analista é posto diante de suas hipóteses, confrontando-se
20
com suas primeiras impressões e percepções. Ao mesmo tempo, analisar um
filme é amplificar seu registro perceptivo, permitindo seu melhor desfrute.
Aumont (1993) complementa, acrescentando que o analista não é
completamente imparcial perante a escolha de seu objeto, nem mesmo,
naquilo que se refere a suas impressões.
O estudo constituiu-se de etapas determinadas: a primeira envolveu
delimitação do corpus a ser analisado. A segunda etapa compreendida pela
revisão da literatura, na qual se desenvolveu a temática pertinente à
cinematografia de animação, sua história, aspectos da construção da
narratividade, perspectivas da ética aristotélica e pressupostos de Aristóteles e
de Edgar Morin sobre a ética.
O terceiro momento da pesquisa corresponde a uma primeira análise
acerca das produções cinematográficas de animação, com base na morfologia
do conto desenvolvida por Vladimir Propp (1984), integrada à análise de texto
descrita por Aumont (1993). A quarta fase delinea-se por uma segunda análise,
na qual se propõe uma atualização das categorias éticas desenvolvidas por
Aristóteles, a partir da perspectiva de Edgar Morin e, finalmente, inter-
relaciona-se os resultados obtidos nas duas análises, a fim de evidenciar a
maneira como as narrativas da cinematografia de animação apropriam-se e
desenvolvem os pressupostos referentes aos valores morais. Uma produção
fílmica possui sua forma atrelada a um enredo, não é isolada, mas está
vinculada a uma tradição e sujeita à complexidade dos destinos civilizacionais.
Valendo-se de uma base teórica que enlaça Vladimir Propp, Aristóteles e
Edgar Morin, as análises ganham sustentação através das contribuições da
análise de discurso apresentada por Michel Pêcheux. Sabendo-se que a
pesquisa qualitativa preocupa-se, nas ciências sociais, com um nível de
realidade que não pode ser apenas quantificado, tal método adéqua-se àquilo
que se pretende no corrente estudo, visto que permite verificar o significado do
que está intrínseco no fenômeno a que se atenta. Minayo (1992) salienta que
tal metodologia de pesquisa é capaz de responder a questões muito
particulares, pois trabalha com o universo de significados, motivações,
aspirações, crenças, valores e atitudes, correspondendo a um espaço mais
21
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis quantificáveis. Alvez-Mazzotti
(1998) pondera que a pesquisa qualitativa é, por tradição, compreensiva ou
interpretativa, dividindo-se em três características básicas: visão holística
(global), abordagem indutiva (observações livres) e investigação naturalística
(onde a intervenção do investigador é mínima). Assim, alcança-se a
capacidade de penetrar nos fenômenos, compreendendo-os e interpretando-
os.
A análise do discurso, fundada por Michel Pêcheux, servirá de base
norteadora para o procedimento analítico da pesquisa. Sabendo-se que a
análise do discurso da Escola Francesa procura estabelecer ligações entre as
condições de produção do discurso e sua estrutura, considerou-se sua
relevância para a proposta do presente estudo. Pinto (1999) compreende a
análise do discurso como um método que intenta descrever, explicar e avaliar
criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos
vinculados àqueles produtos na sociedade” (1999, p.112). Orlandi (1988)
conceitua a análise do discurso como condições de produção, o que
caracteriza e constitui o discurso, revelando-se o objeto da análise. A análise
do discurso formata-se como um modelo metodológico que, segundo
Maingueneau (1989), surgiu na década de 1960, associada a uma tradicional
prática escolar francesa: a explicação de textos. Trata-se de uma metodologia
que privilegia a interdisciplinariedade, articulando pressupostos teóricos da
lingüística, do materialismo histórico e da psicanálise. Os fundamentos teóricos
das disciplinas elencadas possibilitaram que Pêcheux e Funchs (1975)
elaborassem um quadro epistemológico da análise do discurso, no qual se
articularam a concepção de discurso foucaultiano e a teoria materialista do
discurso, englobando três dimensões do conhecimento científico:
a) o conhecimento do materialismo histórico, que compreende a teoria
das formações sociais e de suas transformações, de onde se verifica a teoria
das ideologias;
22
b) o conhecimento sobre a lingüística, que compreende a teoria dos
mecanismos sintáticos e da determinação histórica dos processos de
enunciação;
c) o conhecimento sobre o discurso, que compreende a teoria da
determinação histórica dos processos semânticos.
Tais dimensões abarcam conceitos fundamentais como o de formação
social, o de língua e o de discurso, estando todos eles atravessados por uma
teoria da subjetividade, de natureza psicanalítica. A dimensão do
conhecimento, representada pela teoria do discurso, como a teoria da
determinação histórica dos processos semânticos, atende à proposta da
pesquisa. “A semântica discursiva é a análise científica dos processos
característicos de uma formação discursiva, que deve dar conta da articulação
entre o processo de produção de um discurso e as condições em que ele é
produzido” (ORLANDI, 1988, p.109). Para o autor, a formação discursiva é
caracterizada
pelas marcas estilísticas e tipológicas que se constituem na relação
da linguagem com as condições de produção. De outro lado,
podemos dizer que o que define a formação discursiva é sua relação
com a formação ideológica. Assim, podemos perceber como se faz a
relação das marcas formais (discurso político/ religioso/ pedagógico)
com o ideológico. Podemos fazer o percurso nos dois sentidos: o que
vai do ideológico para as marcas formais ou destas para aquele. Isso
é possível, entretanto, mantendo-se o conceito de formação
discursiva como mediador (ORLANDI, 1988, p.132).
As marcas são definidas na análise do discurso por sua relação com a
ideologia ou originam-se das condições de produção do discurso. A tipologia,
por sua vez, tem uma relação de interlocução (falante-ouvinte). A análise de
discurso francesa enfoque ao assujeitamento do emissor, que
expressividade a conteúdos sociais por ele incorporados. Para uma efetiva
análise do discurso, requer-se a desconstrução do texto em discursos, ação
que permitirá a identificação dos discursos instituídos e apropriados pelo
sujeito (MANHÃES, 2005). Ao discorrer sobre a análise do discurso,
Maingueneau (1989) opta pela ênfase à instância de enunciação, através da
consideração de lugares. Assim, observa a preeminência e a preexistência da
23
topografia social sobre os que falam. Desta maneira, o espaço de onde se
emite a palavra remete o interlocutor a um espaço similar. Ao mesmo tempo,
através do mecanismo de antecipação, Orlandi (1988) afirma que o locutor é
capaz de colocar-se no lugar de seu interlocutor, experimentando aquilo por ele
a ser vivido. Esta atitude participa da constituição do discurso, “a nível das
formações imaginárias” (p.126, 1988).
Orlandi (1988), complementa, destacando que a análise do discurso de
linha francesa privilegia, em seus estudos, os conceitos de sujeito e de
interdiscursividade, acrescentando a ambos as noções de história e de
ideologia. Assim, o sujeito é concebido como essencialmente histórico, razão
porque sua fala é sempre produzida a partir de um determinado lugar e de um
determinado tempo e, desse modo, à noção de sujeito histórico articula-se a de
sujeito ideológico. Por conseguinte, o quê este sujeito fala sempre
compreende um recorte das representações de um tempo histórico e de um
espaço social, tratando-se de um sujeito descentrado entre o eu e o outro: um
ser projetado num espaço e num tempo. Tal projeção faz com que esse sujeito
situe o seu discurso em relação aos discursos do outro. Para a autora, o outro
compreende não só o destinatário aquele para quem o sujeito planeja e
ajusta a sua fala no plano intradiscursivo – mas é também envolvido por outros
discursos historicamente costurados (interdiscurso) e que emergem em sua
fala. Tal concepção de sujeito conduz à noção de alteridade, onde o sujeito
perde sua unicidade na materialidade discursiva, ganhando o caráter de sujeito
polifônico. Orlandi (1988) entende este processo, no qual se constrói a
produção de um discurso heterogêneo, como dispersão, pois incorpora e
assume, pelo diálogo, distintas vozes sociais, reconhecendo a coexistência de
várias linguagens em uma única.
Conforme Manhães (2005), o discurso deve ser percebido como uma
prática lingüístico-social. O discurso é demarcado por um movimento, que se
configura na apropriação da linguagem (código, formal, abstrato e impessoal)
por um emissor, que assume o papel de sujeito da ação social. Ferreira (2001)
entende o discurso (objeto histórico-ideológico) como uma prática social que
ganha materialidade através da língua e que só pode ser apreendida a partir da
24
análise dos processos de sua produção. O discurso configura-se, também, na
dispersão de textos, com cuja linguagem marcada pelo conceito de social e
histórico ocupa-se a análise do discurso.
As produções cinematográficas de animação, dotadas de discursos, vêm
a integrar práticas cotidianas, produzindo uma multiplicidade de sentidos.
Capazes de formar discursos, encontram-se submetidas às condições de sua
produção e a seus atravessadores sociais, culturais e políticos. Maingueneau
(2002) discorre acerca das características fundamentais do discurso,
considerando que é uma organização situada para além da frase; é orientado;
é uma forma de ação; é interativo; é contextualizado; é assumido por um
sujeito; é regido por normas, e é considerado um interdiscurso. Faz referência
também aos conceitos de enunciado e texto. Enquanto o enunciado refere-se a
“uma seqüência verbal que forma uma unidade de comunicação completa no
âmbito de um determinado gênero de discurso (2002, p.58); texto é utilizado
“quando se trata de apreender o enunciado como um todo, como constituinte
de uma unidade coerente” (p.59, 2002). Os textos inserem-se em um gênero
de discurso, no caso do estudo, narrativa, pois revela um modo de organização
textual, que será analisado a partir das filmografias selecionadas. Os filmes
elencados para análise, considerados também como produtos culturais devem
ser compreendidos como textos.
A noção de intertextualidade, relacionada com a análise do discurso, faz-
se pertinente quando se considera a relação de um texto com outros textos.
Destes textos, alguns são seus inspiradores, sua matéria-prima, enquanto
outros são aqueles para onde aponta o seu futuro discursivo (ORLANDI, 1988).
Desta intertextualidade, derivam alguns implícitos que edificam a incompletude
do texto. A condição de incompletude do texto deriva da intersubjetividade que
o discurso inaugura no texto. O texto é observado como um produto inacabado,
constituído pela relação de interação por ele fomentada.
Pêcheux (1988) afirma que o sentido de uma palavra, de uma expressão
ou de uma proposição depende das posições ideológicas atuantes no processo
sócio-histórico onde são produzidas e reproduzidas. O autor reforça sua tese,
marcando o fato de que o sentido pode ser alterado conforme o
25
posicionamento ou referência das formações ideológicas daqueles que lhes
dão visibilidade e que lhes interpretam, distanciando-se da literalidade do
significante. Chama de formação discursiva aquilo que, numa formação
ideológica concretizada a partir de elementos conjunturais, determina o que
pode e deve ser dito” (PÊCHEUX, p.160, 1988).
Brandão (1991) afirma que os discursos são orientados pela formação
ideológica, caracterizada como um elemento capaz de intervir sob forma de
uma força em confronto com outras, na configuração ideológica de uma
construção social, em um determinado momento. A formação discursiva é
representada, então, por uma dada formação ideológica; neste processo, as
palavras, as proposições e as expressões recebem o sentido em referência às
formações ideológicas nas quais se inscrevem. Orlandi (1988) defende que a
formação discursiva se constitui na remissão que pode ser feita de todo texto a
uma formação ideológica, de tal modo que o sentido do texto se define por esta
relação. Na proposta da pesquisa, atribui-se aos estúdios o papel de
enunciadores das formações discursivas e ideológicas que, marcadas por
posicionamentos, ganham materialidade através do écran cinematográfico.
Atentando para a indústria cultural, o autor ressalta que o texto apresenta
sentidos que o além da informação bruta, produzindo efeitos “como a
persuasão, o nivelamento de opinião, a ideologia de sucesso, a
homogeneização, etc.” (1988, p.119).
A origem da análise lmica parte de seu texto, que desmembra em
partes seus elementos que, inter-relacionadas, compreendem o todo da
produção. A partir da desconstrução, o analista foca seu olhar no conjunto da
obra, buscando compreender a relação entre seus elementos, bem como, sua
inclinação para produzir significantes. O analista reintegra as categorias do
filme, para então, reconstruí-lo, sem que, no entanto, dele se independize.
Contrariamente, recorre a sua matéria-prima e apresenta suas impressões,
legitimadas por análise criteriosa. A desconstrução referida equivale à
descrição, ao passo que a reconstrução corresponde à interpretação, sem que
para isso submeta-se à linearidade da produção. O analista suplanta o
espectador na sua relação com a imagem, interagindo diferentemente com o
26
todo que lhe é apresentado. Com objetivos distintos, analista e espectador
afastam-se. O trabalho do analista, não está na vivência irracional e hipnótica
que lhe é apresentada mas, numa postura ativa, racional e estruturada; numa
atividade que procura indícios, que examina tecnicamente o filme, submetendo-
o a seus instrumentos de análise. Então, seu comprometimento está
intimamente vinculado a uma produção reflexiva e intelectual (VANOYE, 1994).
Ao apresentar a análise do texto fílmico, Aumont (1993) desenvolve a
técnica da segmentação, caracterizada pela seleção de planos significantes
para a compreensão da narrativa. Aumont (1993) considera o filme como uma
obra autônoma, que comporta um texto (análise textual) que fundamenta suas
significações sobre estruturas narrativas (análise narratológica) e também
sobre as bases visuais e sonoras (análise icônica). Este conjunto é capaz de
produzir efeitos sobre o espectador, sejam eles, sensoriais, afetivos ou
cognitivos, comportando assim, uma análise psicanalítica. Finalmente, o autor
conclui que não existe um método universal para interpretar um filme.
Mesmo tendo como foco a análise da narrativa, faz-se possível recorrer
a aspectos da análise textual desenvolvida por Aumont (1993), que entende o
filme como uma unidade de discurso. Para tanto, propõe inicialmente a
transcrição do texto fílmico, para sua subseqüente análise. Complementa,
acrescentando aspectos pertinentes à técnica de análise, dentre as quais
destaca a da segmentação. A segmentação é reconhecida pelas seqüências
de um filme narrativo, perante as quais se elencam aquelas pertinentes aos
objetivos almejados. Seguindo o vocabulário técnico, uma seqüência é “a
sucessão de planos relacionados a uma unidade narrativa” (AUMONT, p.62,
1993). A lógica da sucessão de segmentos abarca os aspectos narratológicos,
que podem ser de caráter temporal, quando assinalam uma sucessão
cronológica ou de simultaneidade; de caráter causal, quando um segmento é
causa do seguinte. Entende que a grade sintagmática emerge da segmentação
do filme, envolto por uma multiplicidade de códigos narrativos que são postos à
disposição do espectador. As cenas escolhidas pelo processo de segmentação
são primeiramente descritas para que, posteriormente se de à apreciação das
estruturas narrativas presentes.
27
As produções cinematográficas de animação, constituintes do corpus
deste estudo, convertem-se em formações discursivas constituídas a partir de
uma variedade de elementos a serem marcados por sentidos e funções sociais.
Atentando para as categorias de narratividade em que os discursos encontram-
se inscritos, descreve-se o processo de construção destes produtos culturais,
através de um olhar crítico orientado para a maneira como o sentido ético é
inserido.
Originária do latim, a palavra corpus significa conjunto, corpo.
Geralmente, quando utilizada no meio acadêmico, é compreendida como um
conjunto temático de dados, informações textuais e documentos. Para Barthes
(2000), um corpus é uma coleção finita de diversos materiais (sons, imagens,
escritos, entre outros) reunidos arbitrariamente por um pesquisador. Bardin
(1977) conceitualiza corpus como o universo de documentos habilitados ao
processo de análise, capazes de viabilizar informações sobre o problema
levantado. O corpus da presente pesquisa é constituído pelos longa-metragens
de animação, selecionados segundo critérios específicos, devendo atender,
portanto, à regra da exaustividade, da representatividade, da homogeneidade e
de pertinência.
Ciente da grande quantidade de longa-metragens de animação
veiculados, fez-se necessário estabelecer um recorte. Intentando viabilizar a
proposta da pesquisa, elencou-se para a análise, produções cinematográficas
de animação norte-americanas e brasileiras. A cinematografia norte-americana
estará limitada ao período de 1992 até 2006, intervalo de tempo cujos rankings
de audiência foram registrados pelo Portal Filme B www.filmeb.com.br -, que
tem como foco o mercado cinematográfico brasileiro.
Elegeram-se os três estúdios americanos cujas animações tiveram
maiores bilheterias (www.filmeb.com.br; 04/05/2007): Disney-Pixar,
DreamWorks Animation SKG e 20th Century Fox Animation. De cada um
destes estúdios, definiu-se como objeto de análise aqueles filmes com maior
ranking de audiência, ou seja, aqueles com maior repercussão junto ao público.
Por outro lado, buscando um olhar sobre os precursores no formato de
28
animação, determinou-se, também, a análise das primeiras produções
cinematográficas de animação de cada um destes estúdios selecionados.
Ciente do escasso número de longa-metragens de animação lançados
no Brasil e da ausência de registro de audiência das produções originárias do
circuito nacional, selecionou-se para análise seis obras direcionadas ao público
infantil lançadas entre os anos de 1996 a 2007. Sendo 1996, ano em que foi
lançado Cassiopéia, primeiro longa-metragem de animação nacional,
totalmente produzido em formato digital e 2007, ano em de lançamento de
Garoto cósmico, o mais recente longa-metragem de animação nacional
submetido à análise.
Atendidos os critérios para a delimitação do corpus, elencou-se dois
blocos de produções cinematográficas de animação, o primeiro composto pelas
animações norte-americanas e o segundo pelas brasileiras. Faz-se relevante
destacar que, nas situações em que a obra selecionada para análise compõe
uma série, optou-se por limitar a primeira produção ao corpus da pesquisa.
As Produções Cinematográficas de Animação reconhecidas pela sigla
PCA - oriundas do mercado norte-americano, são representadas por:
PCA1 - Branca de Neve e os sete anões (DISNEY, 1937), sem
registros de público;
PCA2 - Procurando Nemo (DISNEY/ PIXAR, 2003), público registrado
de 4.946.650 espectadores;
PCA3 - Anastasia
2
(20TH CENTURY FOX ANIMATION, 1997), público
registrado de 708.925 espectadores;
PCA4 - A era do gelo (20TH CENTURY FOX ANIMATION, 2002),
público registrado de 2.495.665 espectadores;
PCA5 - Formiguinhaz (DREAMWORKS ANIMATION SKG, 1998),
público registrado de 606.831 espectadores;
2
“Anastasia” (20TH CENTURY FOX ANIMATION, 1997), “Formiguinhaz” (DREAMWORKS
ANIMATION SKG, 1998), e “Branca de Neve e os sete anões” (DISNEY, 1937), marcaram as
produções precursoras de cada um desses estúdios.
29
PCA6 - Shrek (DREAMWORKS ANIMATION SKG, 2001), público
registrado de 2.058.320 espectadores;
As Produções Cinematográficas de Animação brasileiras são
representadas por:
PCA7 - Cassiopéia (NDR, 1996)
3
, sem registro de público;
PCA8 O grilo Feliz (START DESENHOS ANIMADOS, 2001), público
registrado de 216.311;
PCA9 Cinegibi, o filme: Turma da Mônica (PARAMOUNT; UIP,
2004), público registrado de 303.493 espectadores;
PCA10 - Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço (WARNER
BROSS, 2005), público registrado de 596.218 espectadores;
PCA11 - Turma da Mônica – Uma aventura no tempo (BUENA VISTA,
2007), sem registro de público espectador;
PCA12 - Garoto cósmico (ESTÚDIO ELÉTRICO, 2007) sem registro de
público espectador.
A narrativa fílmica e literária, mesmo que possuindo traços de
similaridade, preservam aspectos particulares de suas naturezas, sustentando
uma expressividade original. Da mesma forma, o espectador do cinema difere-
se do leitor de um romance, pois as narrativas fílmicas, a partir de suas
referências visuais, encadeiam espaço e tempo de maneira lógica (VANOYE,
1994). Saraiva (2003) refere-se à narratividade como a propriedade que
fornece orientação à concepção e à recepção do discurso, sugerindo que uma
vasta gama de possibilidades narrativas são instaladas em diferentes suportes
– pintura, escultura, tapeçaria, mímica, dança, representação cênica, entre
outros. “O ato comunicativo sobre o qual a narrativa literária e a fílmica se
fundam, a finalidade que as orienta e técnicas discursivas aproximam uma e
outra” (2003, p.10).
Em se tratando de um texto fílmico, observam-se signos visuais e
auditivos que marcam o início e o término narrativo. O formalismo russo
3
O longa-metragem de animação “Cassiopéia” (NDR, 1996) configura-se como o primeiro
longa-metragem de animação brasileiro integralmente digital, marcando um novo momento da
cinematografia.
30
demarcou os primeiros estudos sobre literaridade. Todorov (1973) afirma que
sua aplicação intenta projetar a obra sobre o discurso literário, possibilitando
um olhar para as virtualidades do discurso literário que a tornaram possível,
formatando a ciência da literatura. É importante que se considere a
possibilidade de múltiplos sentidos de um mesmo elemento literário. Assim,
cada sentido pode relacionar-se com outros elementos da obra. Em
contrapartida, a interpretação de um mesmo elemento da obra depende das
características do crítico, sua ideologia e época. Então, para se efetivar a
interpretação, os elementos são inseridos no sistema da crítica, não no da
obra. Uma obra literária compreende dois aspectos: o da história e o do
discurso. Fala-se em história quando se “evoca uma certa realidade,
acontecimentos que teriam ocorrido, personagens que, deste ponto de vista, se
confundem com os da vida real. Mas, a obra é ao mesmo tempo discurso:
existe um narrador que relata a história; há diante dele um leitor que o percebe”
(TODOROV, 1973, P.211). Os formalistas russos, através de Tomachevski,
foram os primeiros a propor esta diferenciação, através dos termos fábula e
assunto. Enquanto o primeiro refere-se àquilo que propriamente ocorreu, o
segundo se caracteriza pela maneira com que o leitor conhece aquilo que
ocorreu.
O formalismo russo intentou sustentar um caráter bem definido à crítica
literária, atrelando-a ao estudo da literalidade, qualificando seus elementos
constitutivos. O método do formalismo russo converteu-se num caráter
marcadamente descritivo e morfológico. Vladimir Propp, referência entre os
teóricos do formalismo russo, consagrou-se como especialista do folclore e da
etnologia, tendo analisado a morfologia dos contos fantásticos (SILVA, 1967).
O método aplicado por Propp (1984), na análise dos contos populares,
presidirá a análise da narratividade que se sucederá. Apoiando-se nas 31
funções descritas pelo autor, submeteu-se o corpus da pesquisa a uma
rigorosa análise, considerando o conteúdo ético nele inserido.
Propp (1984) demonstrou, a partir da análise dos contos populares, que
os elementos de seus enredos apresentavam-se de maneira constante e
permanente; em número limitado de funções, numa seqüência de funções
31
idênticas e numa base comum. Propp (1971) destaca que os contos estão
sujeitos a 20 variações viabilizadas através dos mecanismos de: redução;
amplificação; deformação; inversão; substituição interna; substituição realista;
substituição religiosa; substituição por superstição; substituição arcaica;
substituição literária; modificações e assimilação interna. A análise de Propp
(1984) enfatizou as funções do personagem, tendo desenvolvido suas funções,
circundando-as, entre outras, pelas temáticas: afastamento; proibição;
transgressão; interrogatório; informação; cumplicidade; dano; carência; reação;
partida; prova; ataque; um auxiliar mágico; reação do herói; combate; vitória;
reparação de dano; perseguição; tarefa difícil; reconhecimento;
desmascaramento; casamento.
Propp (1984) desenvolveu, a partir da análise dos contos, uma base
comum à narratividade destes materiais. Através de uma perspectiva
perpassada pela linearidade de cada produção, intenta-se uma compreensão
da estrutura narrativa, inter-relacionando-a à análise dos valores éticos.
Garantindo a análise da narratividade das produções cinematográficas de
animação, transpôs-se a tais obras a morfologia dos contos, identificada por
Vladimir Propp, e que atendem ao modelo matricial das formas simples, no
dizer de André Jolles (1930). Estudioso da literatura, o autor pretendeu em seu
livro Formas simples investir seu olhar às formas não
apreendidas pela estilística, nem pela retórica, nem pela poética,
nem mesmo pela escrita, talvez; que não se tornam verdadeiramente
obras de arte, embora façam parte da arte; que não constituem
poemas, embora sejam poesia; em suma, aquelas formas a que se
dão comumente nomes de legenda, saga, mito, adivinha, ditado,
caso, memorável, conto ou chiste (JOLLES, p.20, 1930).
Tecendo considerações acerca da forma simples do conto, Propp
investigou a vigência de uma disposição mental na história. Partiu da forma em
sua atualização para então alcançar a forma simples propriamente dita. Mesmo
atualizadas, as formas simples podem ser reconhecidas pelo caráter identitário.
“Sob o domínio de uma disposição mental determinada, fenômenos da mesma
espécie abandonam a diversidade do ser e do acontecimento para se
cristalizarem” (JOLLES, p.220, 1930). Tais elementos são combinados e
reconfigurados pela via da linguagem e investidos por uma disposição mental,
32
também reconhecida por gestos verbais elementares que permitem diferenciar
as formas simples entre si. As particularidades entre as formas ganham
destaque no capítulo 3, mas aqui, apresenta-se rapidamente o terreno sobre o
qual Jolles (1930) desenvolve a forma do conto:
O conto se encontra em oposição ao acontecimento real que
habitualmente se observa no universo, seu universo próprio es
separado do da realidade de modo mais radical que em qualquer
outra forma; logo, é bem mais difícil encontrar nele objetos que,
investidos do poder do Conto, possam representá-lo no universo
concebido como real (JOLLES, 1930).
Atentando para a morfologia das produções submetidas à análise,
estabeleceu-se uma investigação temática das produções cinematográficas de
animação, referenciada pelos valores éticos abordados em Ética a Nicômaco
(ARISTÓTELES, 2001), objetivando revelar como as formações discursivas
ganham notoriedade.
As categorias éticas que serão incluídas na análise o descritas no
quadro:
Deficiência Moral
Vício por Excesso
Deficiência Moral
Vício por Deficiência
Excelência Moral -
Virtude
Temeridade (p.61) Covardia (p.62) Coragem (p.62)
Concupiscência (p.66) Insensibilidade (p.68) Moderação (p. 66)
Prodigalidade (p.71) Avareza (p.73) Liberalidade (p.72)
Vulgaridade (p.76) Mesquinhez (p. 76) Magnificência (p.75)
Pretensão (p.78) Pusilânime (p.79) Magnanimidade (p.78)
Irascibilidade (p.83) Apatia (p.83) Amabilidade (p.83)
Jactância (p.85) Falsa modéstia (p.86) Sinceridade (p.86)
Bufão vulgar (p.87) Enfadonho (p.87) Espirituosidade (p.87)
Amizade por interesse
(p. 155)
Amizade por prazer
(p.155)
Amizade (p.153)
Ganância (p. 181) Ególatra (p. 184) Condignidade (p.174)
Quadro 1: Categorias aristotélicas
33
A partir do elenco de categorias da ética aristotélica, identificado a partir
da análise das PCAs, propôs-se uma atualização dos valores, significados e
símbolos, abordados e representados pela ação comunicativa, sob o viés de
Edgar Morin. Com base no minucioso exame da forma pela qual o conjunto de
valores da ética aristotélica, vigente nas produções cinematográficas de
animação, ganha visibilidade, propõe-se sua reapropriação e atualização a
partir de Edgar Morin, considerando-se as categorias de sua ética: auto-ética,
sócio-ética e antropoética.
A referência à ética de Aristóteles, neste estudo, justifica-se, uma vez
que elencou e discorreu acerca da excelência ética e da moralidade. Aristóteles
faz um exame das faculdades humanas, discorrendo sobre temáticas como
ambição, vergonha, amizade, coragem, temperança, malevolência, respeito
próprio ou avareza. A obra que aqui se faz referência, menciona a pólis grega;
portanto, uma ética circusnscrita a um espaço e a um tempo históricos.
Contudo, apropriando-se do atual contexto social, pretende-se concretizar a
análise dos longa-metragens de animação a partir de uma releitura da ética
aristotélica através de Edgar Morin, num outro momento, graças a diferentes
tecnologias. A perspectiva aristotélica viabiliza um exame acerca das
constatações éticas emergentes junto a este tipo de produção comunicacional,
bem como, um panorama do percurso ético por ela expresso.
O intervalo de tempo que separa ambos os filósofos é preenchido por
manifestações culturais, sociais e reformulações ideológicas. Dentre estas,
categorias como o bem, o fim, a virtude, a justiça, a liberdade e a consciência
moral continuam despertando o interesse e desacomodando modelos éticos.
Se Aristóteles dividiu os valores éticos nas categorias de excelência moral e
deficiência moral, Morin desenvolveu uma ética que, inacabada, funda-se em
outras fontes. Não é mais o “justo meio termo de Aristóteles, mas o diálogo dos
contrários em circuito” (MORIN, p.141, 2005
b
). Mesmo explicando aquilo que
entende pelo bem e pelo mal, Morin (2005
b
) não apresenta seus conceitos sob
categorias deterministas, mas atribui ao mal, à separação, e ao bem, a
religação. Pensando na complexidade da ética, Morin apresentou reflexões
sobre uma auto-ética, sócio-ética e antropoética, detalhando seus elementos.
34
Mas a sócio-ética e a antropoética devem submeter-se ao filtro pessoal da
auto-ética.
Os escritos sobre a moral, de Tugendhat (2003), parecem traduzir a
preocupação do autor em apresentar uma resposta válida para o problema da
sociedade moderna da “desorientação ética que resulta do declínio da
fundamentação religiosa”. A justificação está em mostrar que existe uma razão
para se submeter à norma. Estabelece três diferentes sentidos para o conceito
moral: o primeiro é definido por um sistema de obrigações intersubjetivas; o
segundo refere-se a um comportamento altruísta; o terceiro diz respeito ao que
se crê como deve fazer e viver, onde se usa a palavra ética. Neste sentido, o
dever pode carregar o sentido intersubjetivo, bem como o sentido da pergunta
acerca do caminho para o bem viver.
Tugendhat compreende que a moral de uma sociedade apóia-se em um
contrato de exigências recíprocas, tomadas pelo afetivo. Assim, a transgressão
às normas, inspira afetos morais. Define como moralmente bom, um homem
que, inserido em uma sociedade moral, age em conformidade com aquilo que,
se faz exigência mútua. A moral impõe limites à liberdade dos membros de
uma sociedade. Apresenta dois tipos de justificação recíproca de normas o
religioso e aquele oriundo dos interesses do sujeito social. As normas são
aceitas e respeitadas, quando creditadas de justificativas recíprocas. A
justificação recíproca das normas pode ser do tipo religioso, ou do decorrente
dos interesses daqueles que integram o social. O interesse próprio é uma das
fontes da disposição para a moral. Assim, é oportuno aceitar normas morais, a
partir do momento em que um interesse egoísta submete-se, antes ao
reconhecimento do Outro enquanto ser também dotado de interesses
individuais. Destaca, portanto, a base de reciprocidade da ão moral, apesar
desta nem sempre ser respeitada. O aceite de normas depende do
consentimento de ambas as partes, refletindo-se no aspecto contratualista da
moral: então, o que é moralmente bom, recai no bom para todos. A moral
justificada reciprocamente é possível quando os membros de uma
sociedade moral
35
podem ter os mesmos sentimentos morais em relação às mesmas
normas e podem louvar e repreender os mesmos comportamentos.
Isso significa que a origem da igualdade na moral se encontra no fato
de os sentimentos morais serem sentimentos compartilhados”
(TUNGENDTHAT, p.22, 2003).
O autor incorpora a sua análise moral o conceito de justiça igualitária, no
qual, para o sistema ser justo precisa ser bom para todos. Discorre sobre a
compaixão, no entanto, entende que esta pode participar da moral
contratualista, quando generalizada. Como elemento da moral, a compaio é
um motivo para o compartilhamento altruísta (TUNGENDTHAT, 2003).
Na obra Diálogo em Letícia, Tungendthat (2002), desenvolve que todo
o homem tem uma disposição para a moral, sendo capaz de internalizar
comportamentos morais sustentados por justificações recíprocas, que
permitam a práxis intersubjetiva. Em uma moral tradicional, dificilmente pode-
se pensar em questionar sua justificativa, mas, um dever moral sempre pode
ser questionado, motivo pelo qual se reforça a importância de sua justificativa.
No dizer de Morin (2005
b
), o ato moral promove uma religação com o
Outro, que se estende aos campos da comunidade, da sociedade e da espécie,
compondo o espaço da ética. Comportando o princípio de inclusão, o indivíduo
faz-se um ser social que, inserido na sociedade, move-se a favor do altruísmo,
pela via da amizade e do amor. Sustentando este sistema, vigora uma fonte de
normas, o contrato que conduz o indivíduo a um comportamento solidário,
regido pelo valor da religação (MORIN, 2005
b
).
Remetendo-se a Aristóteles, filósofo que deu à ética o caráter de
ciência, o estudo objetiva uma atualização dos valores elencados no livro Ética
a Nicômacos e representados no cinema de animação, a partir das reflexões
de Edgar Morin. Intentando revelar como o caráter ético encontra
representação nas produções cinematográficas de animação, propõe-se um
mapeamento das categorias de valores que comparecem nos longa-metragens
submetidos à análise. Limitando-se às produções americanas e brasileiras, a
pesquisa permite um vislumbre sobre a maneira como cada espaço cultural
apropria-se dos valores em suas narrativas.
36
2 O CINEMA DE ANIMAÇÃO
A trajetória do cinema de animação revela uma história que abarca
importantes progressos técnicos. Se, inicialmente, tinha como foco o público
infantil, atualmente observa-se a crescente adesão por parte de um público
heterogêneo, estendendo-se do infantil, ao jovem e ao adulto. Eliot (1993)
expressa sua impressão sobre os desenhos animados de Disney, ressaltando
que eles atendem às expectativas de todas as idades. Para os jovens,
possibilita um entretenimento seguro, destituído da sugestão e da
personalização, enquanto, para os adultos, permite o retorno à inocência da
juventude perdida, acrescida por uma profundidade temática, abstratamente
representada. Guillén (1997) reforça esta impressão, afirmando que o conteúdo
das películas possibilita uma segunda leitura ao público adulto, distinta daquela
presidida pelo público infantil, dotada pela identificação e pela projeção. O
gênero animação ainda tem Walt Disney como referência, mesmo após
décadas de sua morte (1966). O estilo Walt Disney continua a inspirar a
animação mundial, consolidando suas obras como marcos referenciais. Sua
técnica, estética e sensibilidade para dar vida a suas criações perpetuam-se
por gerações, abrindo espaço para a vivência individual de fantasias inusitadas,
sob um corpo comum. O percurso do desenho de animação vai sendo
mundialmente delineado, sua história vem sendo edificada por novos
animadores, estúdios, filmes e personagens, que juntos vão dando
consolidação ao gênero.
O gênero de animação, conforme o exposto por Meckee (2006),
sustenta-se pelas leis do metamorfismo universal, a partir das quais tudo pode
ser criado e transformado, independentemente de normativas físicas.
Atendendo a estes pressupostos, a animação inclina-se para os gêneros de
37
ação e farsa, de alta aventura ou para as tramas de maturação cuja
visualização pode se dar através de filmes como Rei Leão (DISNEY, 1994) ou
Pequena Sereia (DISNEY, 1989) (MECKEE, 2006). Na introdução do livro Le
dessin animé: Histoire, esthétique, technique, de Duca (1948), Disney
refere-se ao desenho animado como pertencente ao mundo feérico, de fantasia
e magia, um universo que convida insistentemente à poesia. Antecipa o
potencial educativo do desenho animado, cujo caráter onírico, regulamentado,
converter-se-ia numa doce e branda ferramenta de estímulo para o ensino.
Halas e Manvel (1979), voltados para a técnica da animação, refletem
sobre a relação entre os desenhos. Concebem que o prazer em debruçar-se
sobre o gênero atrela-se à interdependência entre um desenho e outro, bem
como a sua reprodução seqüencial, predicativos que, se ausentes,
descaracterizam a animação. A apropriação sucessiva dos fotogramas, capaz
de proporcionar a impressão de movimento, é percebida por Solomon (1987)
como o cerne da animação. Acrescenta ser esta arte capaz de dotar de
movimento o desenhado, envolvendo de uma diferente expressividade aquilo
que acontece entre cada frame. Jacques Aumont e Michel Marie (2006)
compreendem que a animação é derivada da tomada de cenas analógicas
recheadas de movimento. Lucena Júnior (2001, p.29), ao recorrer à origem da
palavra animação, identifica sua gênese latina animare, que significa dar vida.
A partir do século XX, este termo começa a ser usado para a descrição de
imagens em movimento. Guillén (1997) afirma que o desenho de animação
revela-se apenas como uma das possíveis técnicas do gênero, estendendo-se
às películas com figuras recortadas, às sombras chinesas, às marionetes, ao
cinema de bonecos, bem como aos efeitos especiais daquelas películas
interpretadas por atores. A hábil faculdade de gerar encanto, cuja fonte
encontra-se na possibilidade de recobrir de vida objetos inanimados, é descrita
pelo autor como o grande milagre da animação. Moreno (1978) disserta acerca
das modalidades do cinema de animação, abordando a animação de bonecos
e marionetes, animação de pessoas, animação de objetos, animação com
carvão, animação com massa de modelar, animação de recortes, animação
direta na película e desenho animado com filme ao vivo.
38
No intuito de aprimorar o efeito phi, ou seja, aquele que promove a
impressão de movimento, novas técnicas são propostas. Evidenciando uma
constante, o desenvolvimento da animação começa a instigar cientistas a partir
de 1645, ano em que Athanasius Kircher expôs ao blico a lanterna mágica.
Esta invenção consistia em uma caixa portadora de uma fonte de luz e de um
espelho curvo, através do qual se projetavam imagens derivadas de slides
pintados em lâminas de vidro. Posteriormente, no século XVIII, Pieter Van
Musschenbroek dava continuidade aos estudos de Kircher, conseguindo
produzir a ilusão de movimento, em 1736, ano da primeira exibição animada.
Este mecanismo foi se popularizando como veículo de entretenimento para
exibições itinerantes. Em 1794, Etienne Gaspard Robert, em Paris, explorou de
forma comercial o potencial da lanterna mágica, com o espetáculo
Fantasmagorie. Esta técnica importava aspectos do teatro de sombras
chinesas. Inspirado neste espetáculo, os Estados Unidos e os demais espaços
da Europa apropriavam-se de suas possibilidades, aplicando-as em outros
shows (LUCENA JR, 2001, p.30).
Estudos incessantes de ilusão de ótica continuavam a desenvolver-se,
permitindo inovações e aprimoramentos no formato. Peter Mark Roget definiu
que o olho humano percebia imagens seqüenciais como um único movimento,
vindo a publicar, em 1826, um artigo detalhando suas conclusões. Suas
elucidações impeliram uma série de invenções direcionadas à impressão de
movimento. No ano de 1825, o taumatroscópio foi apresentado como
ferramenta para a animação. Composto de um disco suspenso por cordões
munidos de imagens na parte frontal e no verso, permitia, quando girados, a
fusão das imagens, dando a impressão de mobilidade. Entre 1828 e 1832,
Joseph Plateau criou o fenaquistoscópio, mecanismo capaz de apresentar a
animação de desenhos. Este aparelho consistia em dois discos com
seqüências de imagens pintadas que, quando simultaneamente girados,
sugeriam movimento. Similar a este, mas dotado de um único disco, Simon
von Stampfer trouxe a público o estroboscópio (MORRISON, 1994).
Em 1834, com William Horner, surgia o zootroscópio; mecanismo
derivado dos mesmos princípios das criações anteriores. No zootroscópio, os
39
desenhos eram dispostos em um tambor, espaçados por pequenas frestas que
permitiam a sensação de movimento. O flipbook (livro mágico), criado em 1868,
teve grande repercussão, tendo sido considerado pelos primeiros animadores
como um instrumento inspirador de seqüências narrativas. Desenhos dispostos
em cada página do livro davam a impressão de uma ação fílmica, quando
rapidamente transpostas. Emile Reynaud, em 1877, criou o praxinoscópio,
através do qual se projetavam pantomimes lumineuses filmes. Constituído
por um sistema de espelhos e lentes, as figuras eram projetadas sobre a tela,
criando a base da tecnologia do cinema. Foi através deste recurso que, em
1892, Reynaud criou seu Teatro Óptico. (LUCENA JR, 2001). A animação
revela-se mais antiga que o próprio cinema, criado pelos irmãos Lumière em
1895, ano de que data sua primeira apresentação, com o cinematógrafo. Este
amplo aparato de invenções, envoltas por estudos e experimentações,
contribuiu para a sustentação da magia cinematográfica.
A invenção da fotografia, associada à técnica do praxinoscópio, bem
como os estudos de fisiologia dos movimentos humanos e animais do dico
francês Etiènne Jules Marey, tornaram-se referência para animadores. Etiènne
Marey desenvolveu e aprimorou uma câmera para o registro de movimentos
rápidos. A tudo isso, foram sendo acrescentadas novas descobertas, que
atingiram o cume com os Lumière, através do cinematógrafo, que servia tanto
para filmar quanto para projetar. Baseando-se nas tiras dos quadrinhos do
francês Christophe de 1889, transpuseram suas piadas e histórias para a forma
cinematográfica em Arroseur et arro. Georges Méliès, ilusionista francês,
faz-se também referência na história da animação, pois a projeção ofertada por
ele, envolta por efeitos e ilusões, convertia-se em espetáculo. Seu grande
segredo reservou-se a manipulação do tempo. A criação artística, promovida
pelos trickfilms, filmes de efeitos, contribuía, dando conteúdo à animação. A
técnica frame a frame reconhecida como verdadeira animação, apoiava-se nas
conquistas anteriormente descritas, desenvolvendo-se gradualmente.
(LUCENA JR, 2001). O cinema, enquanto ferramenta, fundava um espaço
favorável à fantasia e à imaginação.
40
Guillén (1997) acrescenta que o primeiro momento do cinema de
animação esteve ligado aos quadrinhos satíricos da imprensa diária. Dados
históricos revelam que Emile Cohl, influenciado pelas histórias em quadrinhos,
produziu em 1908, para a Gaumont, a animação Fantasmagorie, alcançando o
mercado internacional. Esta produção foi a precursora dentre os desenhos
animados que se valeram integralmente da técnica frame a frame,
apresentando movimentos dotados de fluidez. Paralelamente, Winsor McCay,
criador de histórias em quadrinhos, voltava-se para o mundo da animação,
transpondo para o cinema os personagens de seus quadrinhos Little Nemo in
Slumberland. Litlle Nemo (1911) marcou o ingresso de McCay no mundo da
animação. Em 1912 com The story of mosquito, apresentou ao público um
novo personagem, envolto por características de personalidade, incitando
identificações e promovendo o desenvolvimento da indústria do desenho de
animação (LUCENA JR, 2001, p.30). Em 1914, concluía a produção do curta-
metragem Gertie, the Dinosaur, marco na história da animação, para o qual
foram utilizados aproximadamente 10 mil desenhos
(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG67820-5856,00.html,
acesso: 25/05/2006).
Depois do personagem Gertie, marco da animação e sucesso junto a
seu público, observa-se um salto no gênero, graças a artistas como Dave
Fleischer, Dick Huemer e Walter Lantz, criador de Pica-Pau. O início do século
XX demarcou o nascimento das salas de cinema, em cujas telas o Gato Félix,
Betty Boop e Mickey, através de seus criadores, ganhavam visibilidade
(GUILLÉN, 1997). A animação passava por um intenso processo de
industrialização, tendo seu boom entre 1910 e 1940. A exigência de prazos e
os altos custos das produções estimulavam os artistas a desenvolverem
incessantemente novas técnicas. A rotoscopia e o acetato, caracterizado pelo
desenho sobre o celulóide transparente, emergiam como novos recursos ao
formato, oferecendo novas possibilidades à animação tradicional. O acetato,
apresentado por Earl Hurd, abria a possibilidade de independizar o
personagem de seu cenário, para o qual poderia destinar maior atenção
plástica, expandindo o potencial da fotografia, que passava a ser utilizada
como cenário. A rotoscopia foi criada em 1915, por Max e Dave Fleischer,
41
idealizadores de Popeye, Betty Boop e o palhaço Koko. Estas invenções, mais
uma vez, buscavam aprimorar os movimentos, recobrindo-lhes de realismo e
oportunizando novas possibilidades à animação, ampliando seu mercado.
“Uma seqüência de imagens reais, pré-filmadas, era projetada frame a frame
(como um projetor de slides) numa chapa de vidro, permitindo que se
decalcasse para o papel ou acetato a parte da imagem que se desejasse”
(LUCENA JR, p.69, 2001).
Em 1921, os irmãos Fleischer fundaram seu próprio estúdio, valendo-se
de todas as possibilidades da rotoscopia, combinando, por vezes, o mundo real
com o mundo animado e incorporando a suas produções outras técnicas. A
animação elástica emergia como novo procedimento estético. Este recurso
libertava o artista da aplicação dos limites humanos a seus personagens, que
podiam importar as propriedades e potencialidades dos elementos elásticos.
Os personagens eram capazes de esticar e encolher, adaptando-se a inúmeras
formas, sempre atendendo à imaginação do artista. Neste mesmo espaço
temporal, o Gato Félix, criado por Otto Messmer, em 1900, ganhava
popularidade junto a seu público. Personagem inspirado em Carlitos e muito
comparado a este, ganhou, então, o formato de desenho animado, mudo, em
preto e branco
(http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=6394&AUT_ID
=24, acesso: 22/05/2007).
A animação continuava a desenvolver-se, buscando uma solidez em
suas produções e na recepção. Uma convergência de atributos envoltos por
características de personalidade, pela plástica, pelo temperamento, pelo humor
e pelo ambiente, refletia a percepção do artista sobre a história do mundo pós
Primeira Guerra Mundial. Otto Messmer era “um romântico numa era de
extremos, cuja obra testemunharia a vitalidade e delicadeza de um espírito que
jamais se afastou de seus princípios” (LUCENA JR, 2001, p.76). Todas as
formas do Gato Félix foram pensadas junto à teoria da forma a gestalt. Ao
mesmo tempo em que a cor preta simplificava cuidados estéticos, cobria-lhe
com a simpatia do público, que rapidamente conquistava. Paralelamente,
42
animadores independentes iam ganhando visibilidade, à medida em que
concretizavam suas produções.
A ampliação das possibilidades de animação permitia a veiculação de
desenhos junto ao cinema. Winsor McCay é considerado, por muitos
historiadores, o responsável pela realização do primeiro desenho animado em
longa-metragem do cinema: Sinking of the Lusitania, datado de 1918. Tal
informação é contestada por outros pesquisadores, que encontraram registros
de um desenho animado argentino, de 60 minutos, El Apostol, datado do ano
de 1917, dirigido por Quirino Cristiani, uma sátira à política local (LUCENA JR,
2001). De qualquer forma, ambos tiveram pouca repercussão, não trazendo
acréscimos à técnica da animação. Mas Die Abenteuer des Prinzen Achmed
(1926), mesmo com pequena repercussão, foi o que melhor apresentou a
técnica de animação.
Walther Ruttmann, animador da década de 1920, envolveu-se com
formas geométricas e abstratas, cuja série de animações intitulou-se Opus.
Oskar Fichinger destacou-se na década de 1930, na Alemanha, por ter
associado imagens abstratas à sonoridade. Suas criações surrealistas
inspiraram o curioso longa-metragem de Walt Disney, Fantasia (1940). Nesta
época, a Alemanha consolidava-se como importante berço de vanguardas da
animação, através da disseminação de suas descobertas no ramo. A técnica
de animação das silhuetas, semelhante à das sombras chinesas,
caracterizava-se por recortes em cartolinas preta, capazes de explorar a
expressividade dos movimentos. Sendo esta uma técnica de animação, o filme
Die Abenteuer des Prinzen Achmed, produzido pela artista alemã Lotte
Reiniger, lançado em 1926, disputa o reconhecimento pelo título de primeiro
longa-metragem de animação (RUSSETT; STARR, 1988). Verifica-se que a
literatura reconhece as contradições quanto à obra que inaugura os longa-
metragens animados.
Segundo o observado por Russet e Starr (1988), os Estados Unidos, a
partir da década de 1930, apresentaram ao mundo respeitáveis animadores.
Deste período, destacam-se animadores como Mary Elle Butte, Douglas
Crockwell e George Pal, que participou deste momento, valendo-se da
43
animação de bonecos. Paralelamente, o canadense Norman McLaren ganhava
visibilidade neste período, apropriando-se das mais variadas técnicas, sendo o
precursor dos filmes em três dimensões, utilizando, para tanto, uma ferramenta
de sua invenção o estereoscópio. Nesta técnica, os desenhos eram
fotografados quadro a quadro e exibidos alternadamente por dois projetores.
Sem impor limites a sua capacidade criativa, essa técnica inicialmente gerou
grande frenesi, mas logo sucumbiu-a por outras possibilidades (RICHARD,
1982). Encorajados por McLaren, métodos em celulóides, areia, óleo em vidro,
pincel e outros eram amplamente utilizados e experimentados pelos
animadores. Simultaneamente, Walt Disney começava a ganhar destaque,
tornando-se um fenômeno mundial e determinando o caminho para o qual a
animação dirigir-se-ia, estabelecendo importantes conceitos para o gênero
imaginação e fantasia - ainda hoje observados. Independente da técnica de
animação, tradicional ou digital, os paradigmas de Disney preservam-se como
importantes referenciais das produções atuais.
2.1 Os primórdios da animação e o marco Disney
Primeiro grande gênio da animação mundial, ainda hoje, Walt Disney
faz-se referência constante na animação mundial. A experiência de sua
infância, vivenciada na fazenda de sua família, exerceu importante influência
no seu caráter artístico, que mais adiante veio somar-se aos conhecimentos
técnicos provenientes da escola de artes, onde estudou (SOLOMON, 1987).
Sua maturidade artística foi sendo delineada pela harmônica combinação entre
estrutura narrativa, enredo, espaço e tempo.
Na década de 1920, Walt Disney começava a ganhar notoriedade.
Atento às animações que vinham sendo apresentadas, desejava imbuir de vida
suas criações. Observava atentamente as produções ofertadas ao público,
envoltas pela piada visual e pela simplicidade dos movimentos. Seu projeto de
perfeição e expressividade requereu dedicação e envolvimento com novas
descobertas, cuidados estes exigidos de sua equipe de animadores.
Inicialmente, propôs uma barra de pinos na base das pranchetas, o que
44
permitia melhor manuseio e movimento, concedendo ao animador a idéia do
resultado final do movimento pretendido. Outra inovação complementar foi o
teste a lápis, ou pencil test. Esta ferramenta, por meio dos esboços, também
apresentava o resultado do movimento. Um a um, os esboços de uma
seqüência eram fotografados para, posteriormente, serem projetados
(THOMAS; JOHNSTON, 1995). A finalidade de todo este processo era uma
arte impecável, pura e dotada de vida. O império de Walt Disney, na época
ainda incipiente, enraizava-se apoiando em sua atitude de persistência,
dedicação e determinação.
A companhia Disney Brothers Studio foi fundada por Walter Elias Disney
(Walt Disney), seu irmão Roy O. Disney e pelo animador Ub Iwerks, em 1923.
Renomeada em 1924, por sugestão de Roy, como Walt Disney Studios, focou-
se inicialmente na produção de curta-metragens de animação (THOMAS,
1969). Perspicaz, Walt Disney verificou que seus animadores, preocupados
com a arte final de suas produções, enrigeciam suas figuras, que iam perdendo
a espontaneidade e aquele espírito de vida tão desejado. Para tanto, ampliou
sua equipe de animadores, agregando a seu estúdio auxiliares de animação
responsáveis em assumir a arte final dos desenhos (THOMAS; JOHNSTON,
1995). Ub Iwerks, motivado por divergências com Walt Disney, afastou-se dos
estúdios, retornando em 1940 como animador. Ub Iwerks desenhou a quase
totalidade dos filmes da década de 1920. Especulava-se, com sua saída, a
possível desintegração dos estúdios Disney. Contudo, os mesmos continuaram
a desenvolver-se, ganhando concretude e solidez (SOLOMON, 1987).
O personagem “Oswald” comercializado pela Universal Studios, foi o
personagem precursor das animações de Disney. Entre 1927 a 1928, foram
produzidos aproximadamente 28 curta-metragens animados para o estúdio.
Simultaneamente às produções de Oswald - The lucky rabbit, Disney
desenvolvia uma série de outras animações, entre elas Alice. Em Alice,
Disney filmou uma personagem real sobre um extenso cenário desenhado,
invertendo a técnica dos irmãos Fleischer, na qual os personagens eram
apresentados sobre fundos reais, encarecendo a produção (ELIOT, 1993).
Muito cedo, Disney começou a perceber a riqueza das animações adaptadas
45
das narrativas dos contos. Tendo perdido os direitos sobre o personagem
Oswald para a Universal Studios, Walt Disney retomou seu antigo projeto com
o personagem Mickey Mouse, criado por Ub Iwerks (THOMAS, 1969).
Inicialmente Disney produziu Mickey a partir do reflexo de seu próprio rosto. No
entanto, Ub Iwerks alterou os esboços originais, finalizando o personagem e
atribuindo-lhe formas arredondadas (ELIOT, 1993).
Mickey, no entanto, não teve a mesma aceitação pública que o coelho
Oswald - The lucky rabbit. Tendo produzido em 1928 a animação Louco por
aviões, Disney precisou enfrentar a negação daqueles a quem ofereceu a
produção. Havia dois agravantes nesta recusa: além de Mickey não ter boa
aceitação do blico, a Warner Brothers divulgava seu primeiro filme falado
(1927), no qual a boca do personagem era sincronizada com a sonoridade. Tal
inovação imediatamente conquistou o público, lançando um novo desafio a
Disney, que começava a idealizar um desenho de animação sonoro. Ao fazê-lo,
em 1928, com a animação Mickey, o navegador, alcançou notoriedade,
ficando reconhecido como o precursor da animação sonora, tamanha a
perfeição alcançada (THOMAS, 1969). Inicialmente, Mickey foi alvo de
comparações negativas com o Gato Félix, mas a inserção da sonoridade e a
sofisticação técnica que lhe envolvia logo permitiu que fosse lançado um novo
olhar para o personagem que, gradualmente, conquistava sucesso mundial.
Logo as produções de Disney ganharam cores e, rompendo fronteiras,
obtiveram visibilidade no México, na Rússia, na França e no Japão (THOMAS,
1969). Incansável, Walt Disney acupava-se com novos estudos, sempre com a
intenção de aperfeiçoar sua meta, envolver com vida aquilo que produzia,
aplicando novas técnicas de sincronização sonora na sua série Silly
symphonies.
O público era surpreendido com a sonoridade no cinema. A dança
macabra inaugurou suas famosas sinfonias que, originais, incorporavam os
recursos técnicos da época. O primeiro desenho de animação colorido,
produzido por Disney, foi Flowers and Trees, datado de 1932. Ao mesmo
tempo em que proporcionava uma nova visualidade, o elemento cor desafiava
os animadores, que tiveram que lidar com a problemática figura e fundo
46
(LUCENA JR, 2001). Em 1933, Disney produziu os Três Porquinhos, película
incluída na sua série Silly Symphonies. Esta animação foi comercializada no
período da depressão americana, momento no qual o povo, esperançoso por
melhores tempos, renovava suas esperanças junto à melodia Quem tem medo
do lobo mau... (THOMAS, 1969). O conteúdo musical daquelas fitas converteu-
se num hino extra-oficial da era da depressão. Exaltando as virtudes do
trabalho árduo, tematizava acerca da coragem e da moral, atendendo o
imaginário de um povo, em face dos infortúnios da época. Os Três
porquinhos surpreenderam Disney ao adquirirem uma perspectiva emocional:
os três personagens fisicamente semelhantes revelavam uma profunda pureza,
firmando uma individualidade (ELIOT, 1993). Além de ser considerada um
formato de laboratório figurativo, através da qual as possibilidades de imagem
podiam ser amplamente experimentadas, a animação também era cogitada
como um importante apoiador ideológico (AUMONT; MARIE, 2006, p.19).
Os subseqüentes sucessos de Walt Disney não o acomodavam. Ao
contrário, desacomodavam ainda mais o artista que, permanentemente,
inovava com técnicas capazes de garantir às suas produções um acabamento
mais cuidadoso e refinado. A partir de Três porquinhos, os animadores do
estúdio começaram a valer-se da ferramenta storyboard, caracterizada por uma
série de desenhos que tornavam visíveis as seqüências fílmicas. Através deste
recurso, ainda hoje utilizado, as seqüências das ações-chave do filme e suas
legendas eram fixadas a um quadro, permitindo uma antecipação do resultado
final ao animador (THOMAS, 1969). Disney logo criou novos personagens,
entre eles o Pato Donald e, em 1934, lançou-se a seu novo desafio: a
adaptação da história de Branca de Neve, versão dos Irmãos Grimm, em um
longa-metragem (DISNEY, 2001).
A câmara de múltiplos planos foi outra invenção que rapidamente veio
viabilizar o aprimoramento das imagens. Assim, o detalhista Disney, atento a
tonalidades, perspectivas e noções de profundidade, ia gradualmente
oferecendo maior realismo a seus personagens e à totalidade das cenas
(THOMAS, 1969). Em 1937, com as possibilidades da câmera multiplano,
conseguiu efeitos tridimensionais, representados em O velho moinho,
47
vencedor do Oscar – pelo filme e pela inovação técnica – e, posteriormente, em
Branca de Neve e os sete anões onde explorou todas as possibilidades desta
nova ferramenta (GUILLÉN, 1997). Este sistema, caracterizado, também, por
sua complexidade e alto custo, permitiu que o conceito Disney subisse algumas
marcas. A técnica de animação com a mera multiplano revelava-se
trabalhosa, visto que cada fase do movimento dos personagens envolvidos na
cena devia ser desenhada em cinco lâminas transparentes, representantes de
planos distintos. Na seqüência, tais lâminas eram sobrepostas, respeitando
uma distância máxima de trinta e cinco centímetros entre uma e outra. Tais
lâminas eram filmadas simultaneamente com uma câmera capaz de abarcar,
de uma única vez, os cinco níveis de profundidade. A sensação de
profundidade e de tridimensionalidade obtidas comparavam-se àquela
conquistada através de filmes com imagens reais. Guillén (1997) destaca que o
alcance do formato realístico e convincente na animação dependia, ainda, do
respeito ao número de vinte e quatro slides por segundo. Tal regra revelava-se
válida tanto para a animação tridimensional, como para aquela com bonecos,
pois favorecia a impressão de expressividade do movimento (GUILLÉN, 1997).
Até 1937, o foco das produções de desenho de animação esteve focada
nos curta-metragens, que serviam de traillers para os longa-metragens, que
também eram precedidos por notícias. Aentão, era este o envolvimento de
Walt Disney com a animação. No entanto, não conseguindo rentabilidade com
estas pequenas produções, redirecionou seus esforços a projetos maiores.
Desta forma, canalizou os lucros resultantes de suas conquistas à produção de
seu primeiro longa-metragem, Branca de Neve e os sete anões, desenhado
integralmente, quadro a quadro. Representando um marco do ponto de vista
técnico e artístico, tal obra revolucionou a história do cinema mundial
(GUILLÉN, 1997).
O grande desafio de Disney era manter o interesse da platéia. No
entanto, Disney, munido de seu talento como contador de histórias, delimitou
uma narrativa ritmada, mesclada por canções e dotada de uma perfeição
estética (LUCENA JR, 2001, p.30). Ward Kimball, um dos ilustradores da
48
animação, afirmou, em entrevista, que muitos duvidavam do potencial de
Branca de Neve e os sete anões:
Diziam que as pessoas não conseguiriam ficar uma hora
sentadas para assistir a uma animação, e que o colorido incomodaria
a visão do público. Contudo, aquilo que, para muitos, não passaria
de um simples desenho, emocionou platéias em todo o mundo.
Assim, Branca de Neve e os sete anões (1937) criou um padrão,
através do qual os filmes de animação ainda são julgados (DISNEY,
2001).
Segundo Disney, essa história era adequada, uma vez que era
interpenetrada pelo amor, pelo príncipe, pela princesa, pela vilã e, finalmente,
pelo alívio cômico oferecido pelos anões - elementos priorizados ao longo da
narrativa (DISNEY, 2001). A transformação desta notória história dos Grimm
em um filme de animação revelou-se pioneira, abrindo caminho para uma nova
era – a de contos de fadas animados (CASHDAN, 2000). No intuito de oferecer
ao público um estilo familiar, Disney contratou ilustradores ingleses, hábeis em
contos de fada. Assim, não distanciou o público daquilo inserido e
familiarizado em seu imaginário (DISNEY, 2001). Seja em seus personagens
humanos ou nos animais, Disney conseguiu, com sucesso, dar representação
aos diferentes arquétipos humanos (GUILLÉN, 1997). Atentando de forma
individualizada a cada um dos personagens, representados com grande
naturalismo, Disney e sua equipe formataram aquilo que se converteu no seu
primeiro longa-metragem, tornando-se rapidamente um sucesso mundial.
Como reflexos, observou-se a expansão da fronteira artística da animação, que
firmava o apelo ao emocional, universalizando-se através da sofisticação e da
profundidade com a qual tratava todos seus detalhes. Branca de neve e os
sete anões convencia Hollywood que Disney era seu melhor símbolo moral
(ELIOT, 1993). Através desta produção, Disney obteve recursos para que suas
dívidas fossem quitadas (THOMAS, 1969). Diferentemente do esperado, esta
grande obra converteu-se na maior bilheteria dos Estados Unidos até 1939,
quando foi superada por E o vento levou (GUILLÉN, 1997).
Branca de Neve e os sete anões ficou consolidada como uma
referência para além da arte, através de seus conceitos de animação e
estética, capazes de ultrapassar gerações, participando do imaginário e de
49
brincadeiras infantis. A bruxa se transformou no ícone da maldade,
ultrapassando as fronteiras da sala escura de projeção (LUCENA, 2001).
Woolie Reitherman, refletindo acerca do caráter do vilão, afirma que este não
precisa ser sempre perverso, mas desonesto naquilo a que se presta fazer
(WALT DISNEY, 2007). Com o sucesso comercial da produção, Disney
reafirmava seu interesse no cinema de animação, desenvolvendo novos e
potenciais projetos. Os sucessivos longa-metragens de animação
consolidavam-se como carros-chefe de Disney, responsabilizando-se pelo
sucesso financeiro do estúdio. Walt Disney continuou produzindo centenas de
curta-metragens, valendo-se dos personagens Mickey, Pato Donald, Pluto e Pateta,
mas eram os longa-metragens os que geravam grandes expectativas junto ao
público. Entre 1937 e 1970, os Estúdios Walt Disney lançaram quinze filmes de
animação em longa-metragem. A periodicidade de seus lançamentos não era
rígida, pois dependia diretamente da questão financeira. Cada nova produção
atreleva-se à rentabilidade das produções precedentes, visto que os recursos
obtidos eram reinvestidos junto às próximas produções. Não havendo intervalo
de tempo exato entre uma produção e outra, observou-se períodos, como
1940-1942, e 1950-1953, com quatro lançamentos de longas-metragens em
cada um, e os intervalos 1942-1950, 1963-1968 e 1970-1977 como períodos
de longos recessos, sem lançamentos.
É inquestionável a participação de Walt Disney na animação mundial.
Para ele, a animação objetivava o entretenimento, via pela qual intentava dar
expressividade a seus personagens, proporcionando prazer e divertimento às
pessoas. Seu desenho valia-se de técnicas inovadoras que influenciavam de
forma massiva novas produções. Disney almejava envolver seus personagens
do espírito de vida, dotando-lhes de movimentos semelhantes aos humanos,
imbuindo-os de uma capacidade sugestiva de pensar e respirar, convencendo
o espectador desta completude (LUCENA JR, 2001, p.99).
Disney continuou lançando filmes Pinóquio, em 1940, foi considerado
por muitos críticos o melhor filme do animador; no entanto, em função da
Segunda Guerra Mundial, observou-se o fechamento dos mercados
estrangeiros, afetando negativamente seus rendimentos (GUILLÉN, 1997). Em
50
Fantasia (1940), trouxe ao público, novamente, o personagem Mickey, com
Aprendiz de feiticeiro. Para esta película, Disney propôs ao maestro Leopold
Stokowski uma adequação da partitura aos desenhos, formatando um longa-
metragem baseado em diferentes peças musicais, repletas de uma sonoridade
expressiva. Esta cinematografia combinava, pela primeira vez, música erudita
com desenhos animados, numa sinfonia de cores, formas e sons. No entanto, o
fracasso da produção junto ao público, colocou Disney em uma difícil situação
financeira. Em 1941, com Dumbo, valeu-se de alguns princípios surrealistas.
Marcado por absurdos ilógicos, aplicou uma combinação estética capaz de
comunicar diferentes estilos, influenciados pelo humor surrealista dos irmãos
Fleischer e pelo estilo UPA (United Productions of America) temática a ser
desenvolvida no próximo capítulo. Estimulado pelo sucesso de Branca de
Neve e os sete anões, lançou-se em 1942 a um novo desafio, com a produção
de Bambi. Envolvendo cinco anos de trabalho, desenvolveu-se de maneira
diferente das demais produções. O pouco diálogo e o ritmo pausado
associavam cenas idílicas com outras de impressionante impacto dramático.
Depois do precursor Branca de Neve e os sete anões, Bambi convertia-se
num dos clássicos mais respeitados de Disney (LUCENA JR, 2001).
O detalhismo das obras de Disney contava com a dedicação de toda a
equipe, que se valia, para tanto, de modelos vivos, conhecimentos de
anatomia, análise psicológica da cor e dos princípios de representação que, em
conjunto, permitiam o alcance do objetivo maior: expressividade plástica e
cinética (LUCENA JR, 2001). Branca de Neve e os sete anões, Bambi,
Pinóchio, Dumbo e Fantasia são classificados por Eliot (1993) como obras
representantes do período áureo da animação Disney, que se estendeu de
1936 até 1941. Eliot (1993) destaca aspectos comuns a estas produções: a
narrativa de seus heróis começa revelando grandes problemas existenciais a
cada um, externalizados pela perda, ou pela ausência de um dos pais. A
trajetória de cada personagem-herói culmina com a conquista da integridade
espiritual. O drama e a conquista heróica foram representados através da maçã
envenenada, do nariz de Pinóchio, do incêndio na floresta ou das grandes
orelhas de Dumbo. A recusa de Disney a análises psicológicas autorizava-o a
51
pincelar as produções com suas fantasias instintivas. Ao serem externalizadas
ao grande público, tais obras ganhavam apelo universal.
A Segunda Guerra Mundial acabou determinando a restrição do público
às animações, impossibilitando que Walt Disney conseguisse arcar com suas
despesas. Após a entrada dos Estados Unidos na guerra, em 7 dezembro de
1941, com o bombardeio a Pearl Harbor, os Estúdios Disney foram incumbidos
de produzir materiais de cunho publicitário e moral para o governo. Disney,
então, precisou impor um intervalo aos projetos que desenvolvia, intensificando
suas atividades junto às exigências demandadas pelo governo. Desta forma,
voltou-se à produção de propaganda e curta-metragens de cunho ideológico,
que foram densamente veiculados junto à mídia (THOMAS, 1969).
Atendendo às propostas governamentais, Disney foi convidado a atrair o
público da América Latina, através de suas produções. Unindo seus interesses
profissionais aos do governo, desenvolveu algumas animações. Em 1943,
lançou Saludos, Amigos (DISNEY, 1943), película na qual apresentou ao
público o personagem Carioca (MIRANDA, 1971). Esta animação intentava
a integração entre Brasil, Argentina, Peru e Chile. Da mesma forma, através de
Los tres caballeros (DISNEY, 1945), animação em que foram combinados
desenhos animados a personagens reais, visava fomentar laços de amizade
entre os Estados Unidos e os países sul-americanos. Nestas animações,
personagens representantes de diferentes países interagiam amigavelmente.
Assim, Pato Donald figurava o povo americano; Zé Carioca, o simpático
papagaio, simbolizava o povo brasileiro e o galo Panchito traduzia o público
mexicano. A integração das diferenças culturais levava aos continentes do sul
a possibilidade de aproximação. Esta iniciativa estava atrelada a uma intenção
política e econômica, simbolizada por mensagens que davam visibilidade ao
estreitamento das relações entre o norte e o sul-americano. Os interesses
mercadológicos de Disney uniam-se aos do governo. Ao mesmo tempo em que
Disney conquistava um novo blico, o governo expandia sua ideologia junto a
estes países (GUILLÉN, 1997). Com o final da guerra, em 1945, Walt Disney
retomou seus projetos, reinvestindo recursos nos estúdios (MIRANDA, 1971).
52
Em 1950, trouxe a público Cinderela, seguido de Alice no país das
maravilhas (1951) e Peter Pan (1953), todos adaptações de contos e
histórias. Enquanto a adaptação de Lewis Carroll Alice no país das
maravilhas decepcionou seu público, Cinderela e Peter Pan tiveram grande
aceitação e sucesso, explicados pela combinação de sólidos elementos
mágicos - fadas, piratas e vilão - capazes de mobilizar aqueles que assistiam
aos projetos (THOMAS, 1969). Produziu, ainda, A Dama e o Vagabundo
(1955), primeiro filme a fazer uso do cinemascope, fato que o obrigou a
construir uma miniatura detalhada de todos os cenários do filme. Como pode
ser observado, cada produção Disney é circunscrita por uma história de
desafio, mas, acima de tudo, pela crença na superação e no sucesso. Em A
bela adormecida (1959) não foi diferente; na época, novamente, foi
caracterizada por ser um dos projetos mais ambiciosos de Disney, envolvendo
seis anos de muita dedicação e trabalho. A inovação estava no fato de ser o
primeiro desenho de animação realizado em setenta milímetros, da mesma
maneira que as superproduções com atores. Para A bela adormecida, Disney
adaptou o ballet original de Tchaikovsky, sob interpretação da Orquestra
Sinfônica de Berlim, combinando romantismo, humor e terror. Caracterizou-se
por ser a última película desenhada inteiramente à mão (GUILLÉN, 1997).
O primeiro filme a usar fotocopiadora foi 101 Dálmatas (1961). Marcado
por relatos mais modernos, refletiu um misto entre humor e tensão. Mogli, o
menino lobo (1967) consagrou-se como a última grande produção agraciada
pela participação de Walt Disney (1901-1966). O filme foi lançado 10 meses
após sua morte, despertando críticas positivas e quebrando recordes de
bilheteria. Seu sucesso desmistificou crenças acerca do fechamento dos
estúdios. Baseado no Livro da selva, de Kipling, a história cativou crianças e
adultos através do espírito desenvolto e jovial presente nas seqüências. Esta
obra cinematográfica não objetivava o cumprimento da literalidade apresentada
na narrativa original, mas seu fim era o prazer e o entretenimento. De fato,
Mogli, o menino lobo (1967) foi uma produção revestida por imagens
divertidas e por personagens capazes de envolver o público (WALT DISNEY,
2007). Brad Bird, diretor da Pixar Animation Studios, destaca que Mogli não
possuía a história mais vistosa, nem a mais grandiosa artisticamente, mas foi a
53
que melhor desenvolveu e demonstrou a animação de personagens. O design
de cada personagem, segundo Kim Anderson, refletia sua personalidade. Foi o
primeiro filme de animação a valer-se da voz de atores conhecidos do público
(WALT DISNEY, 2007).
Finalmente, com Aristogatos (1970), os Estúdios Disney encerraram
uma importante etapa do cinema de animação. A popularização da televisão
trouxe, também, algumas conseqüências para os Estúdios Disney, que
começaram a direcionar-se a novas propostas, canalizando recursos ao
cinema com atores reais e, posteriormente, com a construção da Disneylândia
(THOMAS, 1969). Conduzidos à diminuição do ritmo das animações,
retomaram a liderança com as mesmas, na década de 1980, quando o
investimento nestas produções novamente revela-se lucrativo e promissor
(GUILLÉN, 1997).
2.2 Novos estúdios e a era da televisão: Uma ameaça a Disney?
O sucesso das produções Disney, com seu estilo artístico único e bem
definido, acirrava a competição entre animadores, alavancando o surgimento
de novos estúdios e ameaçando a hegemonia técnica e estética de Disney.
Comprometendo-se com a fidelidade da história do cinema de animação, não
se pode deixar de mencionar as influências artísticas trazidas pela televisão -
introduzida no mercado entre as décadas de 1930 e 1940 - e pela maneira
como os novos estúdios e animadores vieram a desenvolver suas animações.
A eclosão desta nova tecnologia e dos nascentes estúdios exigiu a
apresentação de novas possibilidades estéticas que desacomodaram o antigo
formato das animações, explorando seus novos potenciais, demarcados pela
dinamicidade e ação.
Concorrendo com Pato Donald e Mickey Mouse, personagens como
Betty Boop, Popeye e Olivia Palito, produzidos pelos irmãos Fleischer,
satirizavam o romantismo da época (MIRANDA, 1971). A concepção gráfica, o
enredo das histórias e a dinâmica do gênero, agora evidenciados, compunham
54
o novo quadro da animação. Betty Boop, definida por suas curvas acentuadas,
por uma sensualidade repleta de caras e bocas, por seu vestido curto,
contrastou com a pureza virginal da princesa Branca de Neve. A personagem
de Max Fleischer sofreu a censura americana, acusada de apelo sexual. Em
contrapartida, Popeye, Olívia e Brutus, marcados pela caricatura, pelo
descomprometimento com a sofisticação e minuciosidade das narrativas
Disney, estimularam novas práticas na animação (LUCENA JR, 2001). Os
Estúdios Disney ainda desacomodavam os outros estúdios de animação. Na
expectativa de superar o sucesso de suas produções, a Paramount,
distribuidora das produções dos irmãos Fleischer, encomendou-lhes um longa-
metragem envolto por personagens expressivos e dramáticos, capazes de
envolver emocionalmente os espectadores e concorrer com aqueles
produzidos por Disney.
Atendendo a esta proposta, em 1939, efetivou-se o lançamento do
primeiro longa-metragem dos irmãos Fleischer, As viagens de Gulliver.
Através deste, animadores e distribuidora intentavam que o público fosse
tomado pelo mesmo envolvimento emocional ofertado por Disney, mas a
simplificação técnica não conseguiu igualá-lo a nenhum daqueles sucessos
(SOLOMON, 1994). Tendo nascido em resposta a Branca de Neve e os sete
anões, As viagens de Gulliver baseou-se nas histórias de Jonathan Swift, de
mesmo título, que retratavam uma tira aos vícios morais da Inglaterra do
período de 1726.
Partindo do tempo despendido para ser concluído, Solomon (1994) lança
um olhar diferente a Gulliver. Se Branca de Neve e os sete anões foi
desenvolvido em quatro anos, As viagens de Gulliver envolveu um ano e
meio de dedicação dos animadores, refletindo-se realisticamente nos
resultados da produção, afastando-a da qualidade e da meticulosidade dos
pressupostos de Disney. O resultado desta animação determinou a direção
técnica que os irmãos Fleischer fixaram como suas bases de trabalho, firmando
um estilo próprio de animação, através da rotoscopia.
Foi com Superman personagem afamado pelas histórias em
quadrinhos, capaz de fantasticamente reassegurar ao povo novas esperanças
55
em um mundo atribulado pelos reflexos da guerra - que os irmãos Fleischer
alcançaram a popularidade, a expressividade e a solidez técnica. Como define
Rahde (2002), Superman foi um herói necessário naqueles anos marcados
pela Segunda Guerra Mundial. Belo, bondoso, invulnerável e eternamente
jovem, atendia ao imaginário de uma época, suscitando identificações e
resgatando esperanças frente ao futuro vindouro.
O advento da televisão influenciou o campo do desenho animado,
determinando, também, o retorno dos cartoons primitivos (MIRANDA, 1971).
Paralelamente, estúdios como a Warner Brothers - fundado em 1923, pelos
irmãos Albert, Sam, Harry e Jack L. Warner e MGM lançaram-se no mercado
da animação, através de uma proposta diferente da apresentada por Disney.
Apresentaram uma animação marcada por distorções e exageros, cujos efeitos
ilógicos e descompromissados produziam resultados cômicos e surrealísticos,
ao mesmo tempo em que burlavam as leis da física. A Warner Brothers e a
MGM, contrariamente aos irmãos Fleischer, propunham a comédia alucinada,
marcada pelo cômico e pelo ilógico, cujo desapego por normas desafiava,
através de seqüências animadas às leis da física. Os personagens Pernalonga,
Patolino, Frajola, Piu-Piu, Papa-Léguas, Coiote, Pepe Lepew, Diabo da
Tasmânia e Tom & Jerry deram visibilidade a esta possibilidade, valendo-se
dos princípios Disney, no entanto, direcionados ao extremismo cômico
(LUCENA JR., 2001).
A piada reflexiva, o narrador off-screen, o design atípico e personagens
artisticamente desconstruídos, naquilo que se referia à arte, à estética e à
personalidade, referenciaram o perfil anti-herói que começava a ganhar
destaque. Elaborados a partir deste outro enfoque, com um design o tão
refinado quanto aquele proposto por Disney, novos personagens iam ganhando
a simpatia do público, ávido por novidades (ADAMSON, 1985).
O interesse do público voltava-se a estes novos heróis, que
contrastavam com aqueles personagens consagrados por Disney. Através
destes inusitados ícones, a técnica empregada nas criações de Mickey, Pato
Donald e seus demais companheiros era revista e recoberta por novos
significados. Narratividade, piadas visuais e tempo deviam estar em harmonia,
56
a fim de que não se perdesse a essência e o conteúdo das animações,
configurando os traços da comédia alucinada. O humor, marca de Bill Hanna e
Joe Barbera (MGM), foi aplicado aos princípios de Disney, redesenhando,
assim, diferentes personalidades, como se verifica em Tom e Jerry. As figuras
criadas por Disney, ainda muito ligadas ao período histórico americano,
identificado pela Depressão, denotavam resistência do público que despertava
à nascente e alucinada animação (LUCENA JR, 2001). Hanna e Barbera
(MGM), mais tarde, investiram também nos longa-metragens de animação,
produzindo Uma estrela no circo (1964) e Um homem chamado Flintstone
(1966) mas, estando o mercado voltado às séries televisivas, não insistiram no
ramo (GUILLÉN, 1997).
A televisão exigia uma maior velocidade entre a produção de uma
animação e outra, impingindo àqueles envolvidos com esta nova tecnologia
retomarem estilos estéticos arcaicos. O escasso uso de tons, linhas e a
simplificação dos movimentos foi o resultado deste novo momento. A United
Productions of America (UPA), criada na década de 1940, demarcada por uma
expressividade distante daquela sugerida por Disney, revolucionou a arte da
animação. A proposta da UPA caracterizava-se pela economia do traço, pela
concisão e por um conteúdo satírico, diferenciando-se das primeiras propostas
de Disney era a animação limitada, plena em expressividade (GUILLÉN,
1997). O intuito de seus criadores era impor-se ao estilo Disney, bem como ao
da Warner e MGM, desenvolvendo o estilo UPA de animação. Esta nova
tendência inspirava-se na estética cubista, com referências em Picasso,
Matisse, Modigliani e Klee. Os animadores que fundaram a UPA haviam
integrado o grupo Disney, fato que lhes dava uma sólida base artística
(LUCENA JR, 2001). Assim, sedentos de novas possibilidades estéticas e
gráficas, permitiam-se a experimentação de formas, cores, texturas, som e
enredo.
Os estúdios UPA produziram o filme Gerald McBoing-Boing, vencedor
do Oscar em 1951. Tal produção revelou-se inovadora, tendo combinado o
estilo gráfico geométrico com uma acelerada dinâmica narrativa. Sempre
atento às oportunidades mercadológicas, o sucesso do estilo UPA fez com que
57
Disney aderisse imediatamente a algumas de suas propostas. Thomas e
Johnston (1995) afirmam que Disney experimentou estas possibilidades em
filmes dos anos de 1940, como Fantasia (1940), Dumbo (1941) e The three
caballeros (1945). Em Fantasia, Lucena Jr. (2001) observa que Walt Disney
antecipou as perspectivas da UPA, pincelando a produção com uma estética
psicodélica; em Dumbo, combinou vários estilos, exibindo desde uma
alucinação surrealista até o humor absurdo, inspirado nos irmãos Fleischer e,
em The three caballeros, ofertou ao espectador a magia harmoniosa
proporcionada pela composição do desenho animado com personagens reais
(GUILLÉN, 1997). Esta última produção teve, ainda, segundo Lucena Jr.
(2001), uma seqüência desenvolvida por Walt Disney e Salvador Dali. No
entanto, desgostosos com os resultados, não a incluíram na animação. Disney
valeu-se integralmente da qualidade artística do estilo UPA na criação de Toot,
Whistle, Plunk and Boom (1953), marcada por traços angulares, pela
sofisticação gráfica e pela intenção da tridimensionalidade. Esta produção foi
vencedora do Oscar daquele ano.
A grande popularidade da televisão (1940-1950) continuou desafiando a
animação. A proposta e os interesses alavancados por esta tecnologia
estimularam diferentes formatos, motivados pela necessidade em atender a
uma demanda crescente. O estilo UPA serviu às necessidades da televisão,
permitindo produções de baixo custo. No entanto, derivações deste traçado,
marcado pela simplificação, interferiam na qualidade das animações, refletindo-
se negativamente no conceito UPA. O maior receptor destas produções foi o
público infantil, fato que contribuiu para o reconhecimento da televisão pela
nomenclatura babá eletrônica, visto o grande período de tempo que as crianças
ficavam entregues a seus encantos. Lucena Jr. (2001) salienta que as novas
produções, caracterizadas pela animação limitada, ganhavam popularidade
frente às reprises dos antigos curta-metragens Disney, MGM e Warner -
caracterizados pela animação total e direcionados para o cinema. Assim,
personagens, antes consagrados pelos estúdios Disney, perdiam espaço para
este novo formato de animação.
58
Reagindo ao rumo que a animação seguia, os estúdios continuavam
buscando alternativas para baratear seus custos, preservando alguns critérios
de qualidade estética. Ciente da demanda televisiva, a técnica Hanna-Barbera
era a mais popular e possibilitava o desenvolvimento de novas séries de
animação. Tal técnica caracterizava-se pela simplificação, valendo-se de
poses-chave demarcadas pelo movimento das extremidades de seus
personagens. Assim, tais quadros podiam ser aproveitados em animações
subseqüentes, simplificando o trabalho dos animadores, baixando os custos e
favorecendo o lançamento contínuo de novas animações para a televisão, no
período que se estendeu de 1950 e 1960. Colméia e sua turma, Manda-
Chuva, Os Flintstones e Os Jetsons de Hanna-Barbera; Scooby-Doo (1969)
e A Pantera Cor-de-Rosa (1969), de Fritz Freleng (Warner) e, Charlie Brown
(1965) ainda respeitavam o ideal estilístico UPA. Contudo, se estas animações
caracterizavam-se pela intenção de qualidade e sofisticação, não foi este o
caráter que ficou impresso para o público, mas, contrariamente, a marca deste
período ficou sinalizada por uma animação em que a baixa qualidade dos
movimentos predominou (LUCENA JR, 2001).
Mesmo que em menor proporção, Disney continuou investindo no
cinema de animação, inovando e aprimorando os efeitos expressivos,
buscando atender, sempre, sua proposta de dar efeito de vida a seus
personagens (THOMAS, 1997). Na década de 1960, Disney começava a
perder a inabalável soberania para outros estúdios direcionados para a
televisão. Persistente, continuou investindo no desenvolvimento de pesquisas
na área, produzindo outros longa-metragens, ainda que em menor escala.
Guillén (1997) apresenta, em sua obra, a cronologia das animações dos
Estúdios Disney, destacando o ano de 1989 como aquele que marcou a
retomada do gênero de animação pelos estúdios. Tal êxito foi conquistado com
o longa-metragem A pequena sereia, através do qual apresentou-se ao
público Ariel, personagem comparada analogamente a Aladim a versão
feminina deste personagem. No entanto, o ápice do renascimento Disney,
também conhecida como a Era de Ouro, firmou-se com o lançamento de A
bela e a fera (1991), filmografia que deu um importante passo na direção da
59
animação 3D, além de ser primeiro filme a ser indicado ao Oscar na categoria
de Melhor Filme. A bela e a fera conquistou o Globo de Ouro de melhor
comédia musical e de melhor canção. Baseada no clássico de Madame
Leprince de Beaumont, esta película combinou a técnica clássica das
animações Disney com as mais modernas conquistas da tecnologia digital
existentes na época. A bela e a fera reuniu, no mesmo clássico, romantismo e
comicidade, o que dava um novo tom à animação.
Na seqüência, grandes sucessos foram lançados, mas O Rei Leão
(1994), envolto por um conteúdo denso, elevou a beleza estética e a emoção.
Esta animação ganhou visualidade, após quatro anos de trabalho intenso. Seus
personagens, cuidadosamente caracterizados, conseguiram expressar aquilo
que Disney sempre ambicionou em suas produções, a ilusão de vida.
Novamente, as técnicas tradicionais combinavam-se com aquelas advindas da
tecnologia digital. A repercussão positiva desta produção fomentou um
importante campo de investimentos, suscitando o surgimento de novas
produções, marcadas pela precisão técnica e inserção massiva da técnologia
digital. Sua bilheteria evidenciou uma nova tendência na animação, agora,
reconhecida pelo público adulto. Atentos a esta nova fatia do mercado,
estúdios como a Fox e Warner Brothers abriram seus departamentos de
animação. Rapidamente, diversos filmes animados vieram a lotar salas de
cinema, mas poucos alcançaram sucesso de crítica.
Envolvidos por temas clássicos e por propostas de vanguarda, os
Estúdios Disney continuaram se preocupando com inovações e originalidade
técnicas, sem que, com isso, descuidassem de seus conceitos artísticos. Toy
Story (1995), uniu a precisão técnica aos paradigmas estéticos Disney,
valendo-se para tanto, da tecnologia de animação desenvolvida pela Pixar.
Esta produção representou um marco na animação mundial, sendo a primeira
produção do gênero totalmente digitalizada (GUILLÉN, 1997). Na seqüência
desta animação, novas e sucessivas produções foram sendo desenvolvidas e
lançadas, recheadas pelas crescentes possibilidades digitais.
60
2.3 O cinema de animação digital
Paulatinamente, a computação gráfica foi sendo inserida no segmento
da cinematografia. Revelando-se um importante divisor de águas, promoveu
grandes possibilidades, capazes de revolver de verossimilhança a magia
projetada. Assim, mais uma vez, uma tecnologia participava da reafirmação de
um sólido mercado do entretenimento – o cinema de animação.
A partir da década de 1980, as técnicas de computação apresentadas
pelos irmãos Whitney fizeram-se determinantes para o futuro da animação. A
experiência com novas possibilidades técnicas e com formas gráficas traçava o
caminho para era a digital. A animação, desde seus primórdios, foi sustentada
pela pesquisa, viabilizando novas possibilidades expressivas e firmando seu
viés comercial (LUCENA JR, 2001). A animação apropriava-se das novas
técnicas digitais, incorporando-as gradualmente a suas produções. A crescente
adesão frente à nova tecnologia possibilitou resultados semelhantes ou
melhores àqueles obtidos pela via tradicional, despendendo menor tempo e
investimento financeiro (GUILLÉN, 1997).
Os avanços computacionais não podiam alcançar de imediato o estilo
Disney de produção. A expressão artística, as particularidades dos desenhos e
os trejeitos de seus personagens, marcas de Bernardo e Bianca (1977), não
se concretizariam na época de sua produção, com os recursos da tecnologia
digital até então existentes. As possibilidades digitais foram sendo
gradualmente apropriadas pelos estúdios, conduzindo sua arte final a um
resultado expressivo e guarnecido pela ilusão 3D. As tecnologias digitais
tiveram influência de cineastas como Steven Spielberg e George Lucas, uma
vez que se valeram de suas potencialidades para o desenvolvimento dos
efeitos especiais de suas produções.
Em 1982, o longa-metragem Tron foi apresentado como o primeiro filme
dos Estúdios Disney a apropriar-se da computação gráfica em seqüências
completas. Para tanto, integrou animação a personagens reais. Rapidamente,
novas possibilidades técnicas foram apresentadas pela era digital, dando
visualidade a emergentes sistemas de pintura, de animação 2D, Photoshop e
61
Caps. Tais contribuições, e outras mais, tiveram a participação de estúdios
como Lucasfilm, Disney e Pixar. Em 1980, um dos departamentos da
Lucasfilm, envolvido com a divisão de efeitos especiais, o ILM – Industrial Light
and Magic -, criou a Pixar Image Computer. A Pixar envolveu-se desde o
princípio com o projeto de especialização artística, preocupando-se com a
manipulação, com o processamento gráfico, bem como com o aprimoramento
de técnicas de digitalização para efeitos especiais de suas películas e de
outras filmografias. Em 1984, a presença de John Lasseter, na Lucasfilm,
determinou uma importante etapa da computação gráfica. O ano de 1985
marcou um significativo avanço junto à animação digital com o controle de
figuras articuladas (LUCENA JR, 2001).
A ascensão da computação gráfica contribuiu para o desenvolvimento
do cinema de animação, presenteando-lhe com a precisão técnica. Novas
perspectivas foram viabilizadas, entre elas, a possibilidade de proporcionar as
três dimensões (3D) a personagens e cenas. Em 1986, a Pixar produziu o
primeiro curta-metragem de animação inteiramente computadorizado, Luxo Jr,
seguido, em 1989, por Tin toy (PIXAR, 1989), primeiro a vencer o Oscar da
categoria Melhor curta-metragem animado. Esta produção representou um
divisor no gênero cinema de animação, pois, a partir de então, a computação
gráfica passou a participar incisivamente das produções, contribuindo com a
formação de personagens complexos, envoltos por valores emocionais e
dotados da mesma naturalidade observada nas produções anteriores. A partir
deste momento, passaram a ser privilégio dos recursos computacionais,
oriundos de HDs. Marionette, Ringmaster e RenderMan configuraram alguns
dos softwares desenvolvidos pela Pixar, que viabilizaram importantes
resultados no mundo da animação (COELHO, 2004).
Na primeira metade da década de 1990, a técnica digital mostrava-se
bem definida, mas ainda tímida (LUCENA JR, 2001). No filme Uma cilada para
Roger Rabbit (DISNEY, 1988), verificou-se, mais uma vez, a coexistência do
animado com o real. Esta película trouxe às telas os últimos ensaios em
animação digital dos Estúdios Disney, introduzindo as possibilidades tri-
dimensionais disponíveis.
62
Após muitos ensaios com a animação digital, o ano de 1995 consolidou-
se como uma importante etapa da história das tecnologias digitais para o
cinema de animação. Em parceria com a Pixar Animation, a Disney apresentou
o primeiro longa-metragem de animação totalmente digitalizado, Toy story
(DISNEY; PIXAR, 1995). Esta frutífera parceria entre Pixar e Disney fez com
que o mundo se encantasse com os brinquedos repletos de vida do quarto do
menino Andy. Toy story rendeu ao diretor Lasseter um Oscar especial por sua
contribuição às Artes Cinematográficas (GUILLÉN, 1997). A iniciativa por esta
parceria partiu da Pixar, comprada por Steve Jobs, um dos fundadores da
Apple. Se, inicialmente, a computação gráfica encontrava-se inserida apenas
em fragmentos fílmicos, através da especialização técnica, tal recurso teve
uma penetração massiva nas animações, apresentando inovadoras
possibilidades. George Lucas (Disney; Pixar, 1995) constatou que a animação
digital tornara-se um padrão na indústria, sendo capaz de garantir qualidade às
produções. O cineasta comparou Toy story (1995) a Branca de Neve e os
sete anões (1937) visto que, assim como este, o primeiro inaugurava uma
nova fase da animação. Toy story rompeu com convencionalismos da época -
não musical, mas dotado de personagens originais e com uma história
moderna. Seus personagens transpareciam verossimilhança e profundidade.
Roy E. Disney, sobrinho de Walt Disney, acrescentou que os personagens
eram repletos de insinuações irônicas (DISNEY; PIXAR, 1995). Paralelamente
a Toy story, no Brasil finalizava-se a produção de Cassiopéia (NDR), também
totalmente digitalizada. Sem recursos para distribuição contudo, coube a esta
animação o segundo lugar no ranking de pioneirismo das produções
digitalizadas.
Em Toy story (DISNEY; PIXAR, 1995), os animadores primeiramente
traçaram rascunhos dos personagens; posteriormente, manipularam
digitalmente polígonos, preenchendo-os e detalhando-os quadro a quadro com
texturas, cores e reflexos. A fim de viabilizar as curvas orgânicas, seus
personagens foram esculpidos em barro e escaneados com digitalizador
tridimensional; na seqüência, a informação era traduzida para o computador.
Na busca pela expressividade plena, cada brinquedo do filme era dotado por
centenas de movimentos que lhes sugeriam emoção e vontade própria
63
(www.pixar.com, acesso: 20/05/2007). Os Estúdios Disney e Pixar, através de
suas animações, tornaram-se referência na animação 3D. No entanto,
gradualmente, essa hegemonia passou a ser ameaçada por outros estúdios,
como a DreamWorks Animation SKG e a 20th Century Fox Animation,
evidenciando-se uma nova e acirrada disputa entre estúdios.
Os Estúdios de Animação Pixar caracterizaram-se inicialmente como
uma empresa de animação, cujo foco era o desenvolvimento da computação
gráfica de alta tecnologia, responsável pelo software de renderização que
compromete-se com o tratamento digital dado à imagem e ao som -, o
RenderMan, muito usado para geração de imagens de realismo fotográfico. Os
principais filmes da Pixar foram concretizados com colaboração da Walt Disney
Pictures – Toy story (1995); Vida de inseto (1998); Toy story 2 (1999);
Monstros S.A. (2001); Procurando Nemo (2003); Os incríveis (2004);
Carros (2006); Ratatouille (2007). Destes, Procurando Nemo, Os incríveis e
Ratatouille foram vencedores do Oscar de Melhor Animação. Enquanto a
Pixar comprometia-se com os aspectos de produção, a Disney cuidava daquilo
que tangencionava sua distribuição. O contrato, datado de 1991, acordou entre
ambas as empresas um compromisso de parceria para o desenvolvimento de
Toy story (DISNEY; PIXAR, 1995). Em 1997, revisto o acordo, ficou contratada
uma relação de produção e distribuição pelo período de dez anos ou, cinco
filmes, entre a Pixar e a Disney. Assim, as companhias deveriam dividir os
custos e os lucros das produções. Os cinco filmes de longa-metragem
desenvolvidos pela Pixar e pela Disney tornaram a Pixar a mais bem-sucedida
produtora de filmes dos últimos anos. Em função de algumas discordâncias
entre a Disney e a Pixar, o filme Carros (2006) marcaria o fim do contrato entre
ambas companhias. No entanto, neste mesmo ano, chegou-se a um novo
acordo, através do qual a Disney comprou a Pixar por US$ 7,4 bilhões. O
notório resultado da parceria entre Disney e Pixar tem sido caracterizado pelo
sucesso de suas animações. Apresentando uma nova concepção de
entretenimento, Pixar e Disney uniram as técnicas mais avançadas da
computação gráfica à mais elevada perfeição naturalística, antes,
alcançada pela antiga e dispendiosa técnica da animação tradicional
(COELHO, 2004).
64
A DreamWorks Animation SKG, criada em 1994, pela associação entre
Steven Spielberg, David Geffen e o ex-Disney Jeffrey Katzemberg, também
inaugurou uma nova etapa do cinema de animação. Investindo nas novas
possibilidades de animação, o estúdio reservou uma área para aquelas
computadorizadas. Desde 1998, com o lançamento do pioneiro Formiguinhaz
e Príncipe do Egito, os estúdios comprometeram-se com a animação digital,
bem como com a técnica de massa de modelar em Fuga das galinhas
(DREAMWORKS ANIMATION SKG, 2000). A DreamWorks Animation SKG,
um dos maiores estúdios de animação norte-americano, emergiu como o
principal competidor da Pixar/Disney na era da animação computadorizada. O
grande sucesso do estúdio firmou-se com Shrek (DREAMWORKS
ANIMATION SKG, 2001), marcado pelo enredo, pelos personagens e pelo
estilo inovador. A fórmula DreamWorks Animation SKG de animação repercutiu
positivamente junto a platéias do mundo inteiro. O conjunto criatividade e
técnica aliaram-se ao talento de consagrados atores, que emprestaram suas
vozes aos personagens animados (COELHO, 2004).
A DreamWorks Animation SKG co-financiou e co-distribuiu produções
com companhias como a Universal Pictures, a Sony Pictures, Paramount
Pictures e 20th Century Fox Animation. Em dezembro de 2005, uma operação
avaliada em mais de €1,3 mil milhões, registrou a compra da divisão de cinema
da DreamWorks Animation SKG pela Viacom. A partir de então, a Viacom,
juntamente com os estúdios Paramount, passou a controlar as cadeias de
televisão CBS e MTV, num processo nítido de concentração de propriedade na
indústria do entretenimento. Esta concentração se configurou em dois blocos:
1) Paramount, MTV e Dreamworks Animation SKG, 2) CBS e rede de rádio
Infinity (http://dragaodepapel.wordpress.com/2005/12/18/viacom-compra-os-
estudios-de-cinema-da-dreamworks; acesso em 10/03/2008).
Mais tarde, somente a Fox experimentou o sucesso com o gênero
animação. Em 1997, a Blue Sky passou a integrar a 20th Century Fox
Animation. A Blue Sky Studios, fundada em 1987, por Chris Wedge, também
desempenhou um papel central na animação computadorizada para a indústria
audiovisual a exemplo das baratinhas cantoras e dançarinas de Joe’s
65
Apartment, da MTV. Os dois primeiros longa-metragens de animação da Fox,
Anastasia (FOX, 1997) e Titan (FOX, 2000), produzidos através do método
tradicional, não tiveram o mesmo sucesso de bilheteria alcançado com A era
do gelo, co-dirigido pelo animador brasileiro Carlos Saldanha. A era do gelo
(FOX; BLUE SKY, 2002) permitiu a visualização de importantes avanços na
computação gráfica. Caracterizada pela terceira investida do estúdio junto aos
longa-metragens animados, após A era do gelo, os investimentos neste
gênero foram intensificados (COELHO, 2004).
Gradualmente, os filmes de animação apropriaram-se das tecnologias
digitais. Em 2000, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas criou uma
nova categoria do Oscar, especialmente voltada à premiação dos filmes de
animação. O primeiro vencedor desta categoria foi Shrek (DREAMWORKS
ANIMATION SKG, 2001), caracterizado pela sátira, pelo humor e pela
desconstrução do herói. Outros importantes filmes de animação ganharam a
aceitação do público, dentre eles Procurando Nemo (DISNEY; PIXAR, 2003) e
Os incríveis (DISNEY; PIXAR, 2004), primeiro filme da Pixar com personagens
humanos. O conteúdo destas produções, muitas vezes, remete o espectador a
dilemas existenciais, amenizados pelo onírico e pela fantasia que os envolvem.
O diretor de Os incríveis (DISNEY; PIXAR, 2004), Brad Bird, salienta que o
importante, em uma animação, não é o quão realista os personagens pareçam,
mas, sim, que possam proporcionar uma interpretação convincente de suas
essências. John Walker destaca que, com sutileza, os personagens refletem
características do público espectador (DISNEY; PIXAR, 2005). Assim,
personagens, simples, confusos, complexos e/ou ambivalentes, conquistam a
simpatia dos espectadores que com eles se identificam. Shrek 2 (2004)
converteu-se num filme capaz de elevar o nível da animação computadorizada,
favorecendo um maior realismo dos personagens humanos. Simultaneamente
ao avanço técnico, os animadores puderam enriquecer a produção com
nuvens, água, fogo, fumaça, cabelos e pêlos, dando noções de hiper-realidade
(DREAMWORKS ANIMATION SKG, 2004). Outro formato de animação
também ganhou visualidade através de Final fantasy (CHRIS LEE
PRODUCTIONS; SQUARE COMPANY, 2001) e de O expresso polar
66
(WARNER BROS, 2004). Nestes, no lugar de atores, utilizou-se personagens
animados, transmitindo um efeito realístico.
O cinema mundial vivencia um momento de mudanças de paradigmas.
O público médio diminui, as tecnologias digitais favorecem novas
possibilidades de apropriação enquanto produtores e distribuidores buscam
novas e lucrativas estratégias. Os estúdios Disney, Pixar e Dreamworks
Animation SKG perceberam que a animação em 3D permitia a estruturação de
um público fiel ao formato. Cientes do sucesso das animações, os produtores
reinvestem constantemente na categoria, sendo desafiados por festivais e
premiações, ao mesmo tempo em que sustentam pesquisas na área da
animação (www.universiabrasil.net/materia/materia.jsp?materia=11671; acesso
14/02/2008).
James Cameron afirma que Hollywood está engajada em uma "luta pela
sobrevivência". Entende que o caminho para a indústria cinematográfica está
em oferecer filmes digitais em 3D para contrabalançar a queda nas vendas e a
pirataria crescente. Acredita que o cinema digital é capaz de responder
positivamente às ameaças, uma vez que promove a tecnologia digital 3D.
Dentre os projetos estratégicos dos cineastas, está o relançamento de alguns
clássicos em 3D, apostando neste formato como a tendência para novos
lançamentos. Cameron salienta que as pessoas ainda associam o 3D à
animação ou projeção, mas destaca que existem vários processos
estereográficos que podem ser introduzidos durante as filmagens, a pós-
produção ou mesmo depois de o filme estar pronto. Apesar das grandes
revisões emergentes no cinema, insiste na magia da experiência grandiosa e
visionária do cinema, anunciando que não desenvolverá projetos para serem
vistos através de celulares
(http://www.loucosporcinema.com.br/noticia_250406_01.shtml; acesso:
12/06/2009).
Para De Luca o uso da tecnologia 3D na exibição de filmes tem
garantido um bom retorno para as exibidoras. Cita o filme Viagem ao centro
da Terra que foi lançado com 185 cópias em 35 mm e apenas 9 em digital 3D,
que representaram 4% das salas, mas atingiram mais de 20% da arrecadação
67
total. No gênero animação, talvez a grande estratégia encontre-se justamente
na tecnologia 3D, marca importante de recentes animações, cujo atrativo pode
sobrepor-se a trama narrativa. Bolt (DISNEY; PIXAR, 2008) representa um
exemplo deste tipo de produção, primeiro filme animado criado pela Disney
inteiramente em tecnologia digital 3D. Mais recentemente, Up (DISNEY;
PIXAR, 2009) encontrou resposta positiva nas bilheterias. Esta animação ficou
reconhecida por ser a pioneira do gênero a abrir o Festival de Cinema de
Cannes 2009, em sua 62
a
edição. Os estúdios apostam nas animações em 3D,
como se observa por via dos recentes lançamentos Era do gelo 3 (Fox, 2009),
Toy story 3 (DISNEY/PIXAR, 2010) e Shrek para sempre (Dreamworks,
2010). Outro ponto a seu favor vem a ser a sedução pelo novo apresentada
pela animação digital 3D. O óculos ou “brinquedo tecnológico” é posto na
produção como um instrumento narrativo para além do efeito especial. O
formato em 3D reflete uma aposta da indústria frente ao momento de revisão
que passa o cinema. Assim, independentemente dos DVDs, Blue ray e dos
downloads tal tecnologia pode estar apontando para o futuro do cinema. Em
entrevista coletiva no 62
o
Festival de Cannes, Lasseter, fazendo menção a Up
(DISNEY; PIXAR, 2009) esclareceu o interesse da companhia naquilo que diz
respeito à tecnologia:
Queríamos que a tecnologia ajudasse a contar a história, que
colocasse o público dentro da história (...). Nós fizemos um filme em
terceira dimensão lá atrás, Knick Knack, mas não havia cinema para
exibí-lo. Pete Docter sempre disse que fazíamos filmes em 3D,
porque é assim que os vemos no computador, o problema é que eles
eram exibidos em 2D. Agora finalmente todos vão ver como eles
foram pensados e são vistos por nós no computador
(http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/cadernog/conteudo.phtml?tl=1
&id=886311&tit=O-comovente-Up-faz-Cannes-flutuar-em-3D; acesso:
04/06/2009).
São inquestionáveis as possibilidades cinematográficas viabilizadas
pelas tecnologias digitais, no entanto, depara-se com os obstáculos impostos
por seu ainda não mensurável potencial. Se, por um lado, permitiu que novas e
menos custosas produções pudessem ganhar as grandes telas, por outro,
verifica-se também que produções milionárias continuam sendo investidas,
alcançando significativos números de bilheteria. O ano de 2009 aparece como
um marco para a animação digital. Além de ter sido uma produção do gênero a
68
escolhida para a abertura do Festival de Cannes, também incorpora a
tecnologia de animação digital 3D ao todo narrativo, permitindo ao espectador
uma diferente experiência perante o écran.
2.4 A animação no Brasil
O quadro do desenvolvimento da animação no Brasil pode ainda ser
considerado tímido. Em função da escassa documentação da história do
cinema de animação no Brasil, tem-se dificuldade em fazer uma exposição
precisa de sua constituição. Atualmente, a professora Cláudia Bolshaw (PUC-
RJ), juntamente com a Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA),
tem pesquisado dados históricos da animações no Brasil. Sabe-se que Kaiser
de Álvaro Seth Marins (1917), foi o primeiro curta-metragem de animação
brasileiro exibido nos cinemas. Naquele mesmo ano, Chiquinho e o jagunço,
da Kirs Films, com personagens da revista Tico-tico, também foi lançado
(RAMOS, 2000).
Em 1953, foi lançado o primeiro longa-metragem de animação produzido
no país e idealizado por Anélio Lattini Filho, Sinfonia amazônica. Esta
produção contou apenas com a dedicação de Anélio Lattini, envolvendo seis
anos de trabalho, até ser concluída. Apesar de desafiadora, a técnica da
animação pouco se desenvolvia, naquela época, no Brasil. Alega-se ter sido o
baixo investimento financeiro o maior empecilho à animação brasileira. Em
1977, ao tentar relança-lo, deparou-se com a lei brasileira que proibe o
relançamento de filmes nacionais depois da primeira censura de cinco anos.
Contraditóriamente, filmes norte-amercicanos podem ser relançados
anualmente, como foi o caso de “Branca de Neve e os sete anões” que, desde
1937, foi várias vezes exibido (MORENO, 1978).
Na década de 1950, outros artistas passaram a integrar o grupo de
animadores brasileiros, dedicados à produção de longa-metragens, curtas
experimentais e filmes animados destinados à educação. Influenciado pelo
canadense Norman McLaren, Roberto Miller passou a realizar filmes
69
experimentais com animação em película. Rubens Francisco Lucchetti e
Bassano Vaccarini, primeiro com a colaboração de Miller, depois com
produções independentes, destacaram-se com Abstrações (1959) e
Rinocerontes (1961) (RAMOS, 2000, p. 25). Durante os anos da década de
1960, a animação gradualmente passou a ser incluída na publicidade, incitando
a formação dos primeiros profissionais da área.
Intitulado Presente de Natal, o segundo longa-metragem de animação
brasileiro foi apresentado ao público em 1971. Desenvolvido por Álvaro
Henriques Gonçalves, ficou reconhecido como a primeira animação brasileira
em cores. Anteriormente, o animador havia produzido alguns curta-
metragens de animação como A cigarra e a formiga (1956) e Índio alado
(1967), que, em decorrência de empecilhos na distribuição, acabaram por ficar
no anonimato. Na cada de 1970, após a lei do curta-metragem, observou-se
uma explosão nas produções dos curta-metragens de animação
(http://www.quadroaquadro.ufmg.br/panorama, acesso: 20/05/2008).
Ypê Nakashima, japonês radicado no Brasil, desenvolveu também
experimentos no curta-metragem de animação, entre eles A lenda da vitória-
régia (1956), O reino dos botos (1956) e O gorila (1958), mas foi em 1972,
após seis anos de trabalho intenso, lançou seu primeiro longa-metragem,
Piconzé. O cenário desta filmografia era composto por colagens que sugeriam
noções de profundidade. A partir de 1975, Wilson Lazaretti e Maurício Squarisi,
juntamente com o Núcleo de cinema de animação de Campinas, passaram a
se dedicar a produções de cunho educativo (RAMOS, 2000).
Maurício de Sousa, criador das histórias em quadrinhos da Turma da
Mônica, lançar-se-ia em direção à animação. De 1983 a 1988, produziu alguns
desenhos animados com seus personagens. Neste peodo, criou o Estúdio
Black & White, através do qual lançou oito longa-metragens: As aventuras da
turma da Mônica, A princesa e o robô, Chico Bento, Óia a onça!, Mônica e
a sereia do rio, As novas aventuras da turma da Mônica, O bicho-Papão e
outras histórias e Turma da Mônica e a estrelinha mágica (RAMOS, 2000).
A técnica de animação utilizada na produção destes desenhos foi a tradicional,
70
própria dos tempos áureos da animação, caracterizada por desenhos a lápis,
com pequenas diferenças entre um e outro, e filmados quadro a quadro.
O movimento a favor do desenvolvimento do cinema de animação era
freado pela inflação, pela falta de controle das bilheterias, pela inexistência de
financiamento e pelo escasso apoio à filmografia de animação. A tudo isso,
acrescente-se a lei de reserva do mercado da informática, imperativa na época,
que obstaculizava o acesso à tecnologia de ponta, necessária para a animação
moderna. Como conseqüência de tais impeditivos, Mauricio de Sousa
interrompeu sua investida junto aos desenhos animados, concentrando
novamente seus esforços nas histórias em quadrinhos. Seu estúdio de
animação foi desativado, interrompendo um projeto promissor, mas naquele
momento, inviável (http://www.monica.com.br/mauricio/cronicas/cron54.htm;
acesso: 14/03/2008).
Após um longo período de intervalo, Maurício de Sousa retomou suas
produções cinematográficas com Cinegibi, o filme: A turma da Mônica,
lançado em 2004. Em parceria com dois grandes estúdios internacionais, a
Paramount International Pictures e a United International Pictures (UIP), esta
produção caracterizou-se pela expressividade estética. Gradualmente, as
produções brasileiras vêm se apropriando das novas tecnologias, aprimorando
continuamente o grafismo técnico e estético, e expandindo a participação no
mercado cinematográfico. Dando continuidade a esse novo momento da
animação brasileira, em 2005 foi lançado o longa-metragem Xuxinha e Guto
contra os monstros do espaço (WARNER BROSS, 2005), fruto da parceria
entre Xuxa Produções, Diler & Associados, Warner Bros., Labo Cine e Globo
Filmes. A produção valeu-se de técnicas em 2D e 3D. Despertando
encantamento em Maurício de Sousa, sua próxima investida, no cinema de
animação, também foi resultado de um acordo entre a Labo Cine, os estúdios
Buena Vista Internacional e o produtor brasileiro Diler Trindade. Se,
anteriormente, Mauricio de Sousa mantinha e concentrava toda a produção
animada sob uma mesma estrutura, A turma da Mônica em: Uma aventura
no tempo (2007) inaugurou uma nova fase, na qual as etapas da produção
foram terceirizadas. “Fazer animação é caro e exige constante investimento em
71
arte e tecnologia. Tive que encontrar um caminho mais rápido e viável para
aumentar a produção”. Maurício de Sousa continuou responsável pela arte,
criação e conteúdo, enquanto os estúdios contratados, capacitados
tecnologicamente e habilitados na animação tradicional e em 3D, dedicaram-se
à animação propriamente dita. Esta produção de Maurício de Sousa tornou-se
a quarta maior bilheteria entre as produções nacionais
(http://www.telaviva.com.br/revista/178/anima%C3%A7%C3%A3o.htm; acesso
em 09/03/2008).
Em 1995, o paulistano Clóvis Vieira conclui Cassiopéia (NDR, 1996),
primeira animação brasileira totalmente em formato digital, gerada na
plataforma PC. Cassiopéia levou quatro anos para ser concluída, tendo início
em janeiro de 1992, com o modelamento dos ambientes, dos personagens, a
criação da história e do roteiro. Em 1993, começou o processo de animação,
concluído em agosto de 1995, com o processo de geração de imagens. Em
janeiro de 1996, a primeira cópia de Cassiopéia ficou pronta. A produção foi
orçada em aproximadamente US$ 1,5 milhão. O enredo, bastante simples, se
comparado com as produções dos estúdios americanos, traz a história de um
grupo de robôs e sua luta para defender seu planeta de um malfeitor. De todo o
processo, os maiores desafios revelaram-se nas dificuldades orçamentárias e
na dificuldade de encaixar o filme na programação das redes de cinema no
Brasil, tendo sido escassamente exibido na época, concorrendo com as
transmissões das Olimpíadas de Los Angeles. O período das Olimpíadas é
conhecido como um momento no qual se verifica uma diminuição de público às
salas de cinema. A pequena distribuição no mercado cinematográfico refletiu a
negligência governamental e os incentivos para com o cinema brasileiro,
notadamente no nero da animação
(http://www.mci.org.br/historia/cassiopeia/cassiopeia.html; acesso 14/03/2008).
Outros animadores vinham se destacando junto ao mercado nacional.
Entre eles, Cao Hamburger que se dedicou à animação com bonecos.
Ganharam notabilidadae através dele, programas como Castelo Rá-Tim-Bum
e Frankestein punk (1987) (http://www.caohamburger.com/curtas.html; acesso
15/06/2008). Otto Guerra foi ganhando visibilidade. Produtor de Rocky &
72
Hudson: Dois caubóis gays (1994), filme ainda praticamente inédito no
mercado nacional, na seqüência, desenvolveu Wood & Stock: Sexo, orégano
e rock’n’roll (2006), produção que se inseriu na retomada do cinema nacional.
Vencedor do concurso do Ministério da Cultura para filmes de baixo orçamento,
a produção revisita o mundo do cartunista Angeli, transpondo para a tela uma
aventura composta por personagens consagrados por milhares de leitores,
pelo menos vinte anos (http://www.ottodesenhos.com.br/; acesso, 14/02/2008).
Wood & Stock: Sexo, orégano e rock’n’roll (2006) foi a primeira animação
brasileira classificada pelo Ministério da Justiça como não indicada para
menores de 18 anos. Mas uma reconsideração viabilizou sua projeção para
maiores de 16 anos e menores, se acompanhados por seus responsáveis.
Antes, Guerra já havia produzido Natal do burrinho (1984), As cobras (1985),
Treiler (1986), Reino azul (1989), Novela (1992), O arraial (1997), Nave mãe
(2004) animação 3d (www.woodstock.etc.br; 16/09/2007). Diferentemente de
Otto Guerra, que privilegia a animação tradicional, Cao Hamburger trabalha
com a animação de bonecos, tanto em seus curtas como nos trabalhos para a
TV.
Do premiado publicitário Walbercy Ribas, O grilo Feliz (Start Desenhos
Animados, 2001) é outra animação nacional que merece destaque. A produção
da Start Desenhos Animados levou vinte anos para ser concluída, tendo um
custo de US$ 3 milhões e conta a história de um grilo compositor. Permeada
por valores e ensinamentos, a história dá lições de cidadania. Mesmo envolvida
por uma magia comparada àquela apresentada pela Disney, o longo tempo de
produção deixou reflexos na construção narrativa.
Em 2007, Alê Abreu finalizou o longa-metragem de animação Garoto
cósmico. Idealizado desde 1999, esta animação foi concluída após sete anos
de trabalho. Sozinho, Alê Abreu produziu cerca de quinze minutos dos 77 que
compõem o filme, fato que contribuiu para a redução de custos. Tendência nas
animações, o talento de conhecidos artistas brasileiros deu voz aos
personagens de Garoto cósmico. Assim, o cantor Belchior, Vanessa da Mata,
Arnaldo Antunes e Raul Cortez tiveram participação neste projeto
(http://www.aleabreu.com.br; acesso: 13/04/2008). Com importante presença
73
no Anima Mundi (2007), festival nacional de cinema de animação, esta
produção foi lançada no circuito comercial em fevereiro de 2008. No
entanto, sua distribuição e veiculação restringiu-se a algumas cidades. A
magia, o colorido e a musicalidade presentificam-se nesta obra que apresenta
contrastes entre uma vivência marcada pela rotina e uma outra, construída
constantemente através das diferenças.
No mercado nacional, em função dos custos orçametários, observa-se
uma expressividade maior dos curta-metragens animados. Participando de
peças publicitárias, tais animações alcançam sucesso junto a seu público,
tornando visível o potencial criativo de seus animadores.
Ainda com elevados custos, a animação brasileira continua atendendo
massivamente peças publicitárias. Assim, o sonho de uma indústria de longa-
metragens de animação nacional é adiada por mais um período. Mas
animadores talentosos e corajosos continuam desafiando os obstáculos
técnicos e financeiros, para darem vida a novos enredos, ao mesmo tempo em
que contribuem para aprimorar a arte da animação no Brasil.
2.5 Enredos dos longa-metragens de animação
Para fins da análise, segue na sequência, o delineamento dos enredos
dos longa-metragens de animação nacionais e norte-americanos analisados.
2.5.1 Branca de Neve e os sete anões
Branca de Neve e os sete anões, primeiro longa-metragem animado de
Walt Disney, lançado em 1937, baseou-se no conto Branca de Neve, dos
Irmãos Grimm, datado de 1812, quando da publicação de Contos para a
infância e para o lar. Com restaurações em 1987, 1994 e em 2001, através
das técnologias digitais.Tratava-se de uma história capaz de dar origem a um
bom filme, uma vez que seu conteúdo era composto pelo pathos, pela cena de
74
amor, pela piada e pela perseguição. A rainha, a princesa, o príncipe, os anões
e o caçador, acrescidos dos pequenos animais da floresta e do espelho
mágico, contribuem para dar encantamento à história. O humor físico dos
personagens era notadamente incentivado por Disney, que pagava a seus
animadores por cada piada apresentada. Como resultado, observa-se a
comicidade das cenas, principalmente aquelas envoltas pelos sete anões.
Branca de Neve e os sete anões apresenta a história de uma linda
princesa cuja beleza ameaçava a rainha, sua malvada madrasta. Ao perceber
que Branca de Neve tornar-se-ia mais bela, a madrasta cobre a moça de
andrajos, obrigando-a a ser criada do castelo. Enquanto cumpria com suas
obrigações, Branca de Neve cantava. O príncipe, guiado pelo som de sua
melodia, encontra a princesa, com quem sempre sonhou.
Comunicada pelo espelho mágico sobre a perda do posto de mais bela
do reino para Branca de Neve, a rainha assiste à cena enraivecida. O espelho
caracteriza a menina como encantadora, suave, lábios cor de rosa, cabelos
pretos como ébano e pele branca como a neve. Incomodada com tal revelação,
a madrasta ordena que o caçador do castelo leve a princesa para colher flores,
em algum lugar distante, onde deverá matá-la. O caçador aproxima-se da
menina com um punhal, enquanto colhe flores, no entanto, desencorajado,
pede que ela fuja para longe, para a floresta. Na floresta, as árvores ganham
rostos, os troncos transformam-se em garras e o escuro da noite reflete os
olhos dos animais que a assustam. Ao amanhecer, pequenos animais da
floresta aproximam-se dela e, conversando com eles, Branca de Neve culpa
seu medo pelo ocorrido, sentindo-se envergonhada. É conduzida pelos
bichinhos à casa dos sete anões.
Ao chegar à casa dos anões, e ao verificar a ausência de moradores,
Branca de Neve decide entrar. Observa os pequenos móveis, a louça por lavar,
as teias de aranha, e faz algumas suposições acerca daqueles que ali
moravam. Supõe que se tratem de crianças órfãs. Juntamente com os
bichinhos da floresta, Branca de Neve limpa a casa, entoando melodias.
Finalizada as atividades, recolhe-se aos aposentos dos anões, onde decide
descansar, enquanto deixa a sopa cozinhando. Neste período, os anões
75
encontram-se trabalhando numa mina, da qual retornam à tarde. A
musicalidade envolve todas as partes do conto.
Ao avistarem o chalé, os anões assustam-se, pois percebem a porta
aberta, as luzes acesas e a fumaça na chaminé. Atrapalhados, aproximam-se
da casa. Em seguida, verificam a louça lavada, o chão varrido, enfim, tudo
limpo e organizado. Ao descobrirem que era Branca de Neve, decidem acolhê-
la, com exceção de Zangado, que concebia as mulheres como falsas e cheias
de sortilégios. Mas a princesa acaba ficando com eles.
Branca de Neve percebe que não são crianças, mas homenzinhos,
Mestre, Dengoso, Soneca, Atchim, Feliz, Dunga e Zangado. Ao explicar-lhes
que era a princesa Branca de Neve, implora-lhes abrigo, pois a madrasta
desejava matá-la. Compromete-se com os afazeres do lar – lavar, varrer,
cozinhar, fazer tortas e pudins. Na casa dos anões, Branca de Neve teve
momentos alegres, cantou, dançou e contou sua história de amor para eles.
Em seu castelo, a rainha descobre que Branca de Neve continua viva e
que o caçador havia lhe entregue o coração de um bicho. Assim, decide ela
mesma matar a menina. Transforma-se em uma velha mendiga e prepara uma
maçã envenenada para sua vítima, que entraria em um sono de morte,
podendo ser despertada por um beijo de amor.
Ao amanhecer, antes de irem trabalhar, os anões fazem algumas
recomendações a Branca de Neve e pedem que ela não abra a porta para
ninguém. Após receberem um beijo da princesa, dirigem-se para a mina. A
velha bruxa aparece na janela e, ardilosamente, provoca o desejo de Branca
de Neve pelas maçãs de seu cesto, argumentando que as tortas de maçã são
capazes de deixar os homens com água na boca. A bruxa presenteia a
princesa com uma maçã, afirmando ser miraculosa. Bastava prová-la que seus
desejos tornar-se-iam realidade. Cientes de que se tratava da bruxa, os
animais dirigem-se para a mina, em busca dos anões. Branca de Neve rende-
se à tentação e morde a fruta, pedindo que seu príncipe a encontrasse e a
levasse para junto de seu castelo, onde viveriam felizes para sempre, mas logo
cai no sono de morte.
76
Enquanto os anões se aproximam, a bruxa foge, sob a chuva e a
escuridão da floresta. Atrás dela, estavam os anões que a encurralam, caindo
ela no penhasco. Branca de Neve, em seu sono de morte, é velada pelos
anões e pelos animais da floresta. Sua beleza o permitiu que os anões a
enterrassem, de modo que lhe ofereceram, um esquife de ouro e cristal. O
príncipe, que a procurava, ao deparar-se com sua beleza, dá-lhe um beijo de
amor que a desperta para a vida. O príncipe a leva nos braços. Assim, Branca
de Neve despede-se dos pequenos anões e parte para seu novo reino, onde
viverá feliz para sempre.
2.5.2 Procurando Nemo
O filme Procurando Nemo (2003) inicia com um casal de peixes
admirando suas ovas. A mãe faz algumas projeções sobre o futuro de seus
filhos e antecipa outras preocupações. O pai, neste período, não demonstra
tais anseios, mas evidencia força e confiança no mundo que seus rebentos
estão por encontrar. A mãe, Coral, expõe um olhar individualizado a cada vida
que ali se desenvolve, considerando que, apesar de muitas ovas, cada um
seria único. Atacados por um tubarão, apenas o pai Marlin - e um dos filhos
– Nemo - sobrevivem. O ocorrido com sua família reflete-se de maneira
marcante no comportamento de Nemo e de seu pai. Marlin revela-se um pai
super-protetor, exageradamente preocupado com a segurança de Nemo,
subestimando as potencialidades do filho, tolhendo-o e privando-o de sua
autonomia.
Nemo possui uma nadadeira mais curta que a outra, fato que intensifica
as inseguranças de seu pai. Marlin adiou o quanto pode o ingresso de Nemo à
escola, reforçando a inferioridade de seu filho com expressões do tipo: “você
não consegue”, “você não pode”, “você não é igual aos outros”. No entanto,
após algumas tentativas frustradas de coagir Nemo a desistir do ingresso na
escola, as aulas do menino começam. Inquieto, Marlin acompanha Nemo,
mantendo-se presente até a partida do filho. Preocupado com a atividade da
aula, Marlin segue o grupo de alunos, fato que incita Nemo a desafiá-lo.
77
Incomodado com as atitudes de seu pai, Nemo afronta-o, dando-lhe
demonstrações de coragem e valentia, o que culmina na sua captura por um
mergulhador humano. A partir de então, Marlin inicia uma longa jornada para
tentar resgatar seu filho.
Mesmo com medo do mar aberto, Marlin enfrenta-o, seguindo a direção
para a qual seu filho partiu. Nesta trajetória, encontra Dory, que se torna sua
companheira durante todo o percurso de busca. Dory sofre de perda de
memória recente, mas tem importantes habilidades sabe ler – fato que se faz
decisivo para que o encontro com Nemo viesse a se efetivar. Nesta trajetória,
cruzam-se com diferentes e complexos personagens: tubarões que lutam
contra o próprio instinto carnívoro; cardumes de peixes, baleias, bandos de
tartarugas e pelicanos.
Enquanto seu pai enfrenta os desafios do mar para encontrá-lo, Nemo
acha-se preso no aquário de um dentista, juntamente com outros peixes. Após
um ritual de batismo, Nemo é aceito neste novo grupo de peixes. Nemo sente
falta de seu pai e preocupa-se com seu próprio futuro, pois descobre que será
ofertado à sobrinha do dentista, Darla, que até então se mostrava incapaz de
cuidar de peixes.
Gil é um outro peixe do aquário que não aceita sua condição de vida,
desejando liberdade. Anseia um dia conseguir sair dali e que Nemo pode
tornar seu sonho realidade. Após traçada a estratégia, Gil incumbe Nemo, por
seu pequeno tamanho, de percorrer, no aquário, um caminho que poderia
permitir a conquista da liberdade. A primeira tentativa de Nemo, além de
fracassada, coloca-o em risco. Gil, o peixe mentor da idéia, sente-se culpado
pelo ocorrido, pedindo desculpas a Nemo pela situação que havia criado. Por
sua vez, Nemo surpreende seus companheiros de aquário, ao decidir lançar-se
novamente a tentativa. Mas, a fuga do aquário, não pôde ser viabilizada.
A história de Nemo e seu pai torna-se conhecida por todos aqueles que
vivem nos arredores do oceano. Marlin e Dory contam, também, com o auxílio
de um pelicano, que os leva até Nemo. No entanto, Nemo finge-se de morto
para não ser presenteado a Darla. Ao vê-lo daquele modo, seu pai acredita ter
78
perdido seu filho para sempre, retornando para o oceano e, frustrado, afasta-se
de Dory.
Após arriscar sua vida, Gil consegue fazer com que Nemo encontre um
caminho para o oceano, a fim de ir em busca de seu pai. Lá, encontra Dory,
que o leva ao encontro de Marlin. Após o reencontro, Nemo é posto diante de
um desafio final e, desta vez, Marlin confia na capacidade do filho que, através
de suas instruções, consegue salvar um cardume de peixes. De volta ao lar, e
apoiado por seu pai, Nemo reingressa definitivamente na escola, partindo
confiante e feliz para novas descobertas.
2.5.3 Anastasia
Seu enredo narra a história da princesa Anastasia que, quando criança,
teve sua família destruída por Rasputin, um antigo confidente de seu pai, o
Czar. Sentindo-se traído, Rasputin vingou-se do Czar, lançando uma maldição
sobre sua família. Desde então, São Petersburgo, na Rússia, vive tempos
ruins. Sabe-se que a princesa havia desaparecido, mas o povo continuava
esperando seu retorno, mesmo sem o conhecimento de seu paradeiro.
Anastasia passa os últimos anos de sua vida em um orfanato, onde é
conhecida por Anea. Desconhecendo seu passado, decide partir em busca de
sua história e descobrir suas origens. A única pista que possui é um colar com
os dizeres “juntas em Paris”, para onde decide viajar. Com o visto de saída do
país negado, é aconselhada a encontrar Dimitri, único que poderá auxiliá-la.
Dimitri estava em busca de uma moça que poderia passar-se pela Princesa
Anastasia, a fim de levá-la a Paris, ao encontro de sua avó, a Imperatriz. Sua
avó estava disposta a entregar uma recompensa àquele que encontrasse sua
neta e Dimitri estava em busca dessa recompensa.
Dimitri, juntamente com seu companheiro Vlad, convence Anea da
possibilidade de ser, de fato, Anastasia. Disposta a encontrar o referencial de
sua vida, aceita a proposta, acreditando que, se não fosse a princesa
Anastasia, sua avó logo perceberia. Juntos, partem em direção a Paris, na
79
esperança do encontro. Anastasia não está disposta a mentir, mas
desconhecendo seu passado, percebe que, de fato, poderia ser a princesa
desaparecida. Vlad e Dimitri ensinam-lhe sobre a vida da realeza. Antes do
encontro com a Imperatriz, falam com Sofia, sua prima, que seria quem
prepararia um encontro com a Imperatriz.
Rasputin, ao descobrir que Anastasia encontrava-se viva, retoma sua
vingança. Colocada em risco, Dimitri salva a princesa corajosamente.
Apresentada para Sofia, Anastasia a surpreende, pois acerta todas as
perguntas, que lhe são feitas, até mesmo aquelas que não havia estudado com
Vlad e Dimitri. Assim, vai se firmando a idéia de que Anea é de fato, a Princesa
da Rússia Imperial. Muito sofrida porém, sua avó rejeita a possibilidade de
encontrar-se com ela, pois muitas farsantes haviam alimentado suas
esperanças em reencontrar sua neta. Anastasia frustra-se, desentendendo-se
com Dimitri, ao descobrir que sua real intenção era a recompensa. No entanto,
Dimitri não desiste em apresentar a real Anastasia à Imperatriz, seqüestrando-
a e levando-a ao encontro da princesa.
Anastasia reencontra a avó, com quem passa momentos importantes,
nos quais relembram o passado em comum. A Imperatriz expõe a Anastasia
algumas dúvidas, autorizando-a a seguir seu destino, onde quer que este
estivesse, pois nada mais as separaria. Dimitri parte sem aceitar a
recompensa. No entanto, na estação ferroviária, decide retornar para junto
de Anastasia. Juntos, enfrentam Rasputin, salvando um a vida do outro e
destruindo o vilão. Após deixar uma carta para sua avó, Anastasia parte com
Dimitri para a viagem que marcaria o início de um romance.
2.5.4 A era do gelo
A era do gelo traz a história de um grupo formado por um mamute, um
bicho preguiça e um tigre dente-de-sabre, que se unem no intuito de devolver
um bebê humano a seu pai. Em alguns momentos, ao longo da narrativa,
aparece um esquilo, que sempre está atrás de uma noz, tenta avisá-los de que
80
estão sendo perseguidos por um bando de tigres, dando um tom cômico ao
enredo. Cada personagem é marcado por características que revelam seus
conteúdos existenciais.
O enredo se desenvolve no período da era glacial, em uma época de
migrações. Neste processo, um mamute solitário ruma para uma direção
diferente e tem seu caminho cruzado por um bicho preguiça, que havia sido
deixado para trás por seu grupo. Manfred, o mamute, salva Sid, o bicho
preguiça, de alguns apuros. Insistente, Sid pede para acompanhar Manfred
que, mesmo contrariado, cede. Sid caracteriza Manfred como um mamute
melancólico e mal-humorado.
Neste mesmo território, vivem os tigres dente-de-sabre que, intentando
vingar-se de um grupo de humanos, decidem capturar um bebê. Na tentativa
de salvá-lo, sua mãe foge com ele em seus braços, mas enfraquecida, é
encontrada por Manfred e Sid, para quem entrega o bebê, desfalecendo em
seguida. Diego, um tigre dente-de-sabre, está incumbido de encontrar o bebê
para o chefe de seu bando.
Manfred resiste ao compromisso de encontrar a família do bebê, pois
afirma estar querendo livrar-se do último ser que havia salvo o bicho
preguiça. Diego aproxima-se deles, dispondo-se a encontrar os pais do bebê,
mas Manfred e Sid não aceitam a proposta. Insistente, Diego ardilosamente
propõe-se a mostrar-lhes o caminho pelo qual os humanos seguiram – a
Passagem Glacial. O mamute e o bicho preguiça rendem-se e decidem levar o
bebê até seu grupo. Inicia-se então, o percurso para a Passagem Glacial que
logo se fecharia com a neve. Manfred e Sid, no entanto, não sabem que Diego
armou uma emboscada junto com os outros tigres, para pegá-los.
Enquanto percorrem a trajetória, protegem o bebê e encantam-se com
suas conquistas e descobertas. Ao entrarem em uma caverna, deparam-se
com pinturas em suas paredes. Sid faz sua própria interpretação de uma das
pinturas para o bebê, amenizando o conteúdo de caça sugerido.
Posteriormente, convoca o mamute, que se remete a tristes lembranças de seu
passado.
81
Em suas conversas, Diego tenta convencer Sid e Manfred de que o
bebê, um dia, tornar-se-ia um caçador, mas eles não cedem e não cessam os
cuidados com o bebê. No caminho, Diego depara-se com uma situação na qual
sua vida é colocada em risco, mas Manfred arrisca-se, salvando-o. Tal atitude
incita o tigre a algumas reflexões, o que lhe faz questionar Manfred sobre o
motivo de ter arriscado sua vida para salvá-lo. Manfred lhe responde,
explicando-lhe que “é isso que se faz em bando, um cuida do outro”. Diego
agradece a atitude do mamute. Sid entende aquele bando, formado por um
tigre dente-de-sabre, um mamute, um bicho preguiça e um bebê humano,
como o mais estranho que já vira.
Manfred e Sid desconhecem o fato de estarem sendo seguidos pelos
tigres dente-de-sabre, traídos por Diego. Este, arrependido, confessa tê-los
conduzido para uma cilada, o que deixa o mamute e o bicho-preguiça
decepcionados. Mas, confiando em Diego, que se dispõe em ajudá-los na fuga
ao bando de tigres que os persegue, decidem dar mais uma oportunidade a
Diego. Traçam então, um plano para que possam escapar do bando que os
persegue. Na seqüência, observa-se um combate entre os tigres e Manfred,
Sid e Diego, resultando na morte do tigre chefe. Diego, após salvar Manfred,
pronuncia as mesmas palavras utilizadas antes, pelo mamute: “Em bando, um
protege o outro”. Finalmente, conseguem devolver o bebê para seu pai, que
lhes retribui com uma lembrança – um colar. Com a missão cumprida, Manfred,
Sid e Diego – disposto a salvar sua dignidade - continuam unidos suas
caminhadas.
2.5.5 Formiguinhaz
Esta produção traz a história de um formigueiro dividido em castas
marcadamente hierárquicas. O enredo desenvolve-se com foco na história de
Z, uma formiga operária e insatisfeita com sua condição. Formiguinhaz inicia
com Z falando acerca de si e de seus sentimentos, fazendo uma catarse no
consultório de seu psicanalista. Revela-se inadequado para o desempenho das
atividades de operário. Desejoso de novas possibilidades, mostra-se
82
ambicioso. Ser operário está muito distante daquilo que um dia havia projetado
para si, almejando uma carreira promissora. Z questiona o rumo que sua vida
segue: “Será que tenho que fazer tudo pela colônia?”; “Eu tenho que acreditar
que um lugar melhor fora daqui, senão, devo me recolher a minha posição
larval e chorar”. Todas essas emoções reforçam a consciência acerca da
condição insignificante em que sobrevive. A rotina de trabalho o sufoca, seus
sentimentos, suas idéias e desejos não são reconhecidos como relevantes
pois, naquele sistema de organização, o importante era a equipe e a colônia.
Além de Z, nenhum dos outros operários questiona suas funções, nem pensa
na possibilidade da vida poder ser diferente.
No castelo, em uma subdivio do formigueiro, mora a princesa Bala.
Em breve, por determinação de sua mãe, a Rainha, Bala deverá casar-se com
o General do formigueiro. Mesmo em diferentes níveis hierárquicos dentro do
formigueiro, Z e Bala possuem um aspecto comum: não aceitam, nem se
submetem a todas as imposições do reino. Bala importa-se e preocupa-se com
sua condição de princesa, com o fato de ter que um dia assumir a missão da
mãe. Bala considera o General um homem rude e dominador, diferente daquilo
que um dia desejou para si. O General, por sua vez, está interessado no status,
no poder que conquistará casando-se com Bala. Para tanto, pensa em uma
forma de extinguir o fiel exército da rainha e, também, poder derrotá-la.
Bala, em um rápido passeio para fora das imediações de seu castelo,
conhece Z, com quem dança. Bala e Z inquietavam-se com o tipo de vida a que
deviam se submeter. Este rápido encontro é suficiente para que Z descubra a
real identidade de Bala.
No intuito de reencontrar Bala, Z troca de papel com um soldado que
estava indo para uma apresentação junto à Rainha. Sem saber, toda a tropa de
soldados é convocada para uma batalha. Z torna-se o único sobrevivente da
batalha. No retorno para o castelo, Z é reconhecido como herói de guerra, mas
tem guardadas para si as palavras de um soldado ferido, que lhe pede para
“não cometer o mesmo erro que ele, nem cumprir ordens a vida inteira”,
aconselhando o amigo a pensar com sua cabeça.
83
Z é apresentado à Rainha e reconhecido por Bala, que relata o encontro
que haviam tido fora do castelo. General, que estava presente, revolta-se com
Z. Sentindo-se ameaçado, Z foge para fora do formigueiro, levando consigo a
princesa Bala. Fora do formigueiro, Z e Bala deparam-se com um novo mundo,
com situações perigosas e diferentes daquelas que usualmente vivenciavam. Z
diz a Bala que o segredo é não se apavorar, devem manter a calma. Bala
demonstra irritação com Z, por ele a ter levado para aquele lugar. Z, por sua
vez, deixa a princesa livre para voltar ao castelo, pois estava decido a rumar
para Insetopéia. Bala segue rumo à cidade com Z, mas é resgatada por um
soldado que a leva para o castelo. Z, preocupado com Bala, dirige-se para a
colônia, contando com a ajuda do zangão Chip.
Preocupado com o rumo que a colônia seguia, o General decide
exterminar todas as formigas e reiniciar uma nova era. Mas, com o apoio de um
soldado rebelado, as formigas conseguem impedir a concretização do plano do
General. Reunidos, envolvem-se com a construção de uma nova proposta de
colônia, mais solidária.
2.5.6 Shrek
Shrek conta a história de um ogro cujos hábitos diferem daqueles
esperados para um cavalheiro ou um príncipe dos tradicionais contos de fadas.
A história começa mesclando caracteres dos famosos contos, mas aos poucos
vai ganhando marcas diferenciais.
Shrek vive solitário e satisfeito em seu pântano que, ao ser invadido por
personagens de contos de fadas, tem sua tranqüilidade suspensa. Shrek salva
a vida do Burro, personagem que o acompanha por toda a seqüência narrativa.
Inicialmente, o ogro, objetivando reaver o sossego de sua vida, tenta livrar-se
de todos aqueles personagens, inclusive do Burro. Disposto a recuperar seu
estado de vida anterior, encontra Lord Farquaad, o responsável pela invasão a
seu pântano. Entre ambos é estabelecido um trato, através do qual Shrek
compromete-se em libertar a princesa Fiona do castelo no qual se encontra sob
84
a guarda de um dragão. Tal acordo deve-se ao desejo de Lord Farquaad em
casar-se com a princesa e tornar-se rei. Covarde, o Lord não se encoraja a
enfrentar o dragão.
Shrek e o Burro partem em direção do castelo onde se encontra a
princesa Fiona. Shrek revela-se diferente daquilo que era esperado para um
cavaleiro, mas, mesmo assim, salva a princesa, partindo com ela e com o
Burro. Juntos, enfrentam a fúria do dragão que, na seqüência, apaixona-se
pelo Burro. O Burro, no momento da fuga do castelo, assume seus medos, mas
encontra justificativa para os mesmos, argumentando que tal sentimento
caracteriza-se por “uma resposta natural a uma situação estranha e perigosa, o
que não significava covardia”. Shrek revela-se destemido diante dos perigos
com os quais vai se deparando.
Juntos, Shrek, Fiona e Burro partem em direção ao castelo de Lord
Farquaad, para quem Fiona deverá ser entregue. Shrek, em um momento de
crise existencial, expressa alguns de seus sentimentos a Burro: “o mundo
parece ter problemas comigo; eles me julgam antes de me conhecer; por isso,
é melhor ficar sozinho”. Assim, mostra que, às vezes, as coisas são mais do
que parecem ser.
O Burro descobre que a princesa Fiona também é uma ogra. Fiona vive
sob duas formas: durante o dia é uma princesa mas após o pôr-do-sol, torna-se
uma ogra. O sentimento de amor recíproco passa a ser sentido por Shrek e
Fiona. No entanto, acreditando que Fiona o despreza, Shrek cumpre com o
acordo, entregando a princesa a Lord Farquaad e resgata a posse de seu
pântano, para onde parte.
Tendo ajudado a libertar a princesa, Burro entende ter direito a uma
parte do pântano, impondo ao ogro uma linha divisória. Burro conta a Shrek
que Fiona tinha uma coisa a lhe dizer e que havia interpretado mal aquilo que
escutou. Então, novamente com o auxílio do dragão, Shrek e Burro partem em
busca de Fiona, que está prestes a casar-se com o Lord Farquaad. Na
cerimônia de casamento e, já na presença de Shrek, todos descobrem que
Fiona, na realidade, é uma ogra, fato que provoca repúdio no Lord, preocupado
85
apenas com seu título de príncipe. Fiona declara-se para Shrek, e beijam-se.
Rompendo com o esperado, Fiona tem preservada sua forma de ogra. o que a
decepciona, mas, Shrek, contrariamente, aceita e elogia sua beleza. Ambos
voltam para o pântano, casam-se e finalmente partem em lua-de-mel.
2.5.7 Cassiopéia
O enredo da produção gira em torno do planeta Atenéia, da constelação
de Cassiopéia. Quando em perigo, o planeta conta com o apoio do Conselho
Galáctico Central. Invadido por inimigos, Atenéia tem sua energia vital
diminuída, colocando em risco a vida de seus habitantes. Os habitantes de
Atenéia, enfraquecidos pela falta de energia, contam com a ajuda da Dra. Lisa,
que consegue enviar cápsulas com o pedido de socorro para a galáxia inter-
planetária. Os habitantes do planeta, sem fonte de energia, entram em estado
de hibernação, requerendo auxílio externo. Chip e Job, integrantes do
Conselho Galáctico Central, percebem algo de diferente na galáxia e decidem
prestar auxílio aos habitantes de Atenéia. No entanto, para localizar o planeta,
devem, antes, encontrar as quatro cápsulas enviadas pela Dra. Lisa. Partem
então, em busca das quatro cápsulas, únicas capazes de identificar a
localização de Atenéia.
Intrusos estão desviando toda a energia do planeta Atenéia, impedindo
que seus habitantes retomassem o ritmo vital. Incumbido de localizar as
cápsulas, o capitão da nave inimiga fracassa, omitindo esse fato do
comandante, receando perder seu cargo de confiança. A fim de assegurar que
o comandante não tome conhecimento do que havia acontecido, ameaça seu
subalterno. Ambicioso, este delata seu capitão ao comandante, que o afasta e
o pune pelo crime de omissão. O soldado delator, contudo, não recebe
qualquer honraria, pois sua postura em relação ao capitão é considerada
inadequada, ironicamente, soando como traição.
Chip e Job continuam na busca das cápsulas, arriscando-se a cada nova
travessia. Localizadas as quatro cápsulas, conseguem reunir os dados das
86
mesmas e localizar o planeta Atenéia. Em uma das buscas, conhecem Galileu
e Leonardo, que participam de forma decisiva do duelo final. Job e Chip
conseguem proteger estrategicamente Atenéia, recobrindo de energia alguns
pontos centrais do planeta e retirando alguns habitantes do estado de
hibernação.
Dra. Lisa, no entanto, não consegue reaver sua energia, transmutando-
se em uma Lua, que reflete a energia da luz para Atenéia. Assim, sacrifica sua
forma e vida pelo bem maior do planeta. Esta transformação assegura a
reposição permanente da energia para o planeta. Os invasores abandonam a
missão e o planeta Atenéia sai vitorioso da batalha. Contando com o apoio de
diferentes personagens, cada um, com suas particularidades, colabora para o
sucesso final da trama.
2.5.8 O grilo Feliz
O grilo Feliz traz a história de habitantes de uma floresta que se
encontra sob a ameaça do lagarto Maledeto e que chega impondo suas
ordens. Ambicioso, deseja construir seu castelo nas imediações da floresta,
estando disposto a destruir tudo aquilo que pudesse lhe desafiar.
O grilo Feliz, juntamente com sua viola e a estrela Linda, a mais bela
entre todas as estrelas do firmamento, compõe músicas. Após cair em terra,
Linda encontra-se sob risco de ser capturada por Maledeto, que deseja
encontrá-la, a fim de construir um castelo com muita riqueza e luz. Sempre
submissos às normas de Maledeto, seus fiéis servos, Faz-Tudo e o Bando do
Brejo, vão destruindo a floresta. Faz-Tudo é um louva-deus que, covarde, serve
ao rei e o Bando do Brejo é composto por três sapos atrapalhados.
O grilo Feliz parte em busca da estrela, juntamente com seus amigos
Juliana, uma meiga e medrosa borboleta; Moreninha, uma vaidosa e valente
joaninha; Rafael, um gafanhoto destemido e crente em sua força; Bacaninha,
uma maternal centopéia, que adotou Caracolino, um órfão caracol; e
Bituquinho, um bezouro criativo, que está sempre inventando máquinas.
87
Incapazes de chegar ao lago dos espinhos, os amigos contam com o auxilio do
Tucano Mágico, que os conduz ao destino. No entanto, sob o risco de encostar
em um espinho e perder seus poderes mágicos, o Tucano não pode ir além na
caminhada, ficando acompanhado das meninas. Feliz e Bituquinho continuam
sozinhos esta nova etapa da jornada. São orientados pelo Tucano a tocarem a
viola em caso de perigo, pois os espinhos não gostam de música porque a
música traz luz. Assim, no momento de perigo, o grilo consegue tocar a viola
que, através da música, enche o lugar de luz, e assim resgatam a estrela.
De volta ao povoado, na floresta, comemoram a conquista. A festividade
logo é interrompida com a chegada de Faz-Tudo e o Bando do Brejo, que
capturam Caracolino, com Linda e a viola de Feliz. No castelo, de posse da
estrela Linda, Maledeto sonha com o seu futuro reino, mas não conseguindo
fazer com que a estrela brilhasse, ordena a completa destruição da floresta.
Tamanha foi sua ira, que seu grito foi escutado em toda a floresta, permitindo
que seus habitantes armassem uma armadilha para os soldados de Maledeto.
Conseguindo prender os soldados, direcionam-se para o castelo, a fim de
libertarem Linda, Caracolino e resgatar a viola de Feliz. Lá chegando, assustam
os covardes servos de Maledeto – Faz-Tudo e o Bando do Brejo – encontram a
estrela, a viola e libertam, juntamente com Caracolino, outros bichos da
floresta.
Inconformado com a perda da estrela para o grilo, Maledeto entra em
confronto com ele, mas cai em um penhasco. Sob a melodia da música de
Feliz, Linda retorna para o céu, onde continuará a brilhar. Contente, Faz-Tudo
sente-se livre das ordens do rei, podendo, agora, mostrar aquilo que realmente
é e gosta, como a música. Com a ordem retomada, a floresta volta a ter vida e
cor.
88
2.5.9 Cinegibi, o filme: Turma da Mônica
Cinegibi é uma produção que traz a “Turma da Mônica” ao cinema,
assistindo aos filmes da própria “Turma da Mônica”. Esta filmografia marca a
presença de alguns personagens reais, como Maurício de Sousa, Wanessa
Camargo, Luciano Huck, Fernanda Lima, Pedro e Thiago, mesclando animação
com realismo. Inicia com os personagens da “Turma da Mônica” indo para o
cinema, sob o som de uma música que fala sobre o espírito do cinema, onde
se encontra alegria, tristeza, drama, aventura, romance e para o qual se pode ir
com a família, com os amigos ou sozinho.
Acomodados nas poltronas da sala de cinema, o filme inicia. Franjinha
inventou uma máquina que projeta na tela, sob forma cinematográfica, os gibis
da “Turma da Mônica”. Na seqüência, são projetadas algumas histórias. A
primeira é Em busca do nariz de Isabelle, na qual Mônica deve encontrar a
única peça faltante de seu quebra-cabeça. Assim, juntamente com Cebolinha,
recorre ao antigo mestre Shing Ling, que lhes informa o único caminho para
completar o quebra-cabeça: uma caverna. Na caverna, deparam-se com
alguns obstáculos, mas conseguem recuperar a peça. O pai de Mônica, ao
reconhecer a peça, informa-lhes que aquela era sua tia, Isabelle. Isabelle não
ficava satisfeita com a imagem de seu nariz naquele quebra-cabeça, que seu
marido, o mestre Shing Ling, havia lhe presenteado. Então ordenou a seu
marido, o tio Shing Ling, a retirar todas as peças que contivessem a
representação de seu nariz. Mônica, por sua vez, vai novamente ao encontro
deste tio, que confessa a ela que lhes contou uma mentirinha, pois não resistiu
à brincadeira, pedindo desculpas a nica e Cebolinha. Mônica desculpa-o
com a condição de que o tio Shing-Ling fizesse um quebra-cabeça com sua
imagem. Cebolinha sugere, ironicamente, que esta história terminará com a
“Busca pelos dentes de Mônica”.
Antes da segunda seqüência, há um intervalo no filme que está sendo
projetado para os personagens. Neste, Mônica encontra-se com Wanessa
Camargo, que lhe fala da beleza característica de todas as crianças, pois a
alegria, a espontaneidade, o respeito à natureza e o fato de terem amigos,
compõem a beleza de cada criança.
89
A segunda narrativa é Mônica em: Concurso de beleza. Nesta história,
Cebolinha e Cascão propõem um falso concurso de beleza com o intuito de
induzir Mônica a mudar seus hábitos. Assim, não poderá mais bater em seus
amigos com o coelho Sansão. Mônica fica empolgada com o concurso, mas
não acredita que possa vencer a candidata Carminha Frufru. Mônica,
encorajada por Cebolinha e por Cascão, decide participar, juntamente com
outras amigas. No entanto, nenhuma delas sabia que se tratava de uma farsa
para que nica mudasse seu comportamento, pois uma miss deve ter os
quesitos de beleza e educação. Caso se portasse mal, Mônica poderia perder o
título de miss. Concorrentes, as meninas se afastam, não brincando mais entre
si. Apesar de terem combinado votar na Mônica, todos os meninos acabam
votando em Carminha Frufru que, finalmente, vence o concurso. Os meninos
traíram um ao outro pois nenhum votou em Mônica. Descoberta a farsa, as
meninas voltaram a brincar entre si e Mônica também retoma seus antigos
modos.
A terceira história é Mônica em: Um amor dentuço. Nesta história, o
vampiro Ivan Piro apaixona-se pelos dentes de Mônica, vendo nela a
companheira perfeita. Aproximando-se dela, o vampiro a protege de seus
amigos Cebolinha e Cascão, acompanhando-a até sua casa. Em casa, Mônica
se sente diferente, estava começando a se transformar em vampira. No dia
seguinte, Cebolinha e Cascão o ao seu encontro, a fim de alertá-la e
protegê-la do vampiro, mas Mônica é uma vampira. Os meninos não
desistem de afastá-la de Ivan Piro, que percebe Mônica pertencer a um mundo
diferente.
Na próxima história, O caça Sansão, o coelho Sansão é encontrado por
um cientista que o submete a uma experiência, através da qual vem a crescer
em grandes proporções. Tal transformação gera um caos na cidade. Todos
sentem medo do gigante coelho Sansão, inclusive guardas e prefeito, aqueles
de quem a população esperava uma ação. Esta omissão faz com que
Cebolinha tome a frente do caso, uma vez que Mônica estava presa pelo
coelho. Não conseguindo atingir Sansão com o raio que o traria à forma
original, Cebolinha também é capturado por ele, mas Mônica consegue libertar-
90
se. Mônica, então, acerta o raio em Sansão, que retoma seu tamanho original.
Com tudo resolvido, nica agradece a atitude corajosa de Cebolinha com um
beijo, mas este finge não gostar.
A quinta história é Cascão em: Um cenário para meus bonequinhos.
Mostra Cascão brincando com seus brinquedos. Para isso, ocupa importante
espaço de sua casa valendo-se de objetos pessoais de seu pai. Seu pai
desaprova a atitude de Cascão, que decide ir em busca de um novo espaço
para brincar com seus bonecos. Disposto a fazer um novo cenário, usando sua
imaginação, ruma com Cebolinha para o jardim da casa, onde planejam o
espaço. Mônica e Magali aparecem dispostas a ajudá-los e participam da
construção, dando características femininas a tudo aquilo que faziam.
Cebolinha e Cascão ficam desgostosos com as contribuições de Magali e
Mônica. Os meninos decidem assustá-las com Reginaldo, o hamster de
Cascão, que as assusta, fazendo com que retornem para suas casas. Assim,
os meninos concluem o cenário, que atende ao idealizado por eles, mas não
conseguem aproveitá-lo, pois a chuva o destrói.
A última história é Cebolinha em: Irmão Cascão. A narrativa inicia com
a insatisfação de Cebolinha diante de sua pequena irmã, de quem deve cuidar
na ausência de sua mãe. Assim, sentindo-se solitário, convida Cascão para ser
seu irmão, que imediatamente aceita a proposta. Para Cascão, irmão é aquele
com quem tudo se divide, mas Cebolinha não se mostra disposto a
compartilhar tudo com Cascão. Iniciam-se os problemas, pois Cascão ocupa o
lugar de Cebolinha, mexe nos seus objetos pessoais, dorme na sua cama e
mostra grande afinidade com a sua irmã Maria Cebolinha. Finalmente, Cascão
mostra para Cebolinha que cada pessoa é dotada de características que as
diferenciam uma das outras e que poderia gostar de sua irmã do jeito que ela
se mostrava para ele, pois ela é a Maria Cebolinha. Por outro lado, Cebolinha e
Cascão, mesmo não sendo irmãos, podiam ser grandes amigos e irmãos de
coração.
91
2.5.10 Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço
Este filme conta a história do menino Guto e de seu anjo da guarda
Xuxinha que, juntos, passam por algumas aventuras. Guto é um garoto muito
ativo, que exige muita atenção de Xuxinha. Jonas, grande amigo de Guto,
muita preocupação para seu anjo da guarda, Biel. Assim, Xuxinha e Biel
acompanham todos os caminhos dos meninos, pois seguidamente eles se
colocam em situações de risco.
Alguns monstros haviam fugido do planeta Xyz e rumaram para o
planeta Terra, em busca de lixo, fonte de suas vidas. Os monstros queriam o
planeta para eles. Assim, estavam se preparando para uma invasão. A
população é alertada acerca da invasão eminente. Para desvendar o mistério
desta invasão, recorre-se aos serviços de Txutxucão, um detetive. Além dele,
Guto, Jonas, Xuxinha, Biel e Arquimedes um morador de rua e catador de
lixo participam da busca destes monstros. Xuxinha havia feito algumas
descobertas. No entanto, sua condição de anjo não permitia contato com os
humanos. Então, sacrifica suas energias e consegue transmitir suas
descobertas sobre os monstros.
A população da cidade une-se para construir um robô capaz de destruir
os monstros. A falta de um coração se faz empecilho para que ele viesse a
funcionar. Guto, Jonas, Xuxinha e Biel partem para a fábrica onde os monstros
estavam escondidos. Lá, conseguem libertar aqueles que haviam sido
aprisionados e encontram um coração para o robô. Em funcionamento, o robô
captura todos os monstros. No entanto, Guto foi atingido por materiais
contaminados, adoecendo gravemente.
Com poucas esperanças para a sobrevivência de Guto, seu anjo da
guarda, Xuxinha sentindo-se muito enfraquecida e culpada pelo ocorrido,
recorre a São Pedro, que, intercede junto ao Pai do Céu, impedindo que Guto
perdesse a vida. Para tanto, Xuxinha sacrifica sua condição de anjo, tornando-
se uma menina real. Xuxinha é adotada pela família de Guto, com quem
constrói uma grande amizade, juntamente com Jonas.
92
2.5.11 Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo
Esta animação traz a história da “Turma da Mônica” em uma busca dos
quarto elementos do universo – terra, ar, água e fogo. Franjinha tinha concluído
seu último projeto - uma máquina do tempo - através da qual poderia rumar
para diferentes espaços e tempos. A máquina ainda não havia sido testada,
mas precisou ser colocada em funcionamento, pois os quatro elementos da
natureza deviam ser recuperados para que o mundo não terminasse. Se esses
elementos não fossem localizados, o mundo congelaria. Assim, Cebolinha,
juntamente com Cascão, Mônica e Magali, partem em busca dos quatro
elementos.
Com pouco tempo para recuperar os elementos, os amigos são
encaminhados para lugares diferentes. O paradeiro de Mônica é o tempo pré-
histórico. Cebolinha é enviado para o século XXX, Cascão para o século XVII e
Magali para o passado recente da turma – quando eram bebês.
Cada um deve superar alguns obstáculos até que consigam reunir os
elementos. Mônica auxilia uma comunidade pré-histórica a superar o temor do
falso deus do fogo, mostrando-lhes que devem ter cautela frente à crença em
falsos deuses e ídolos. Cascão, por sua vez, precisa regular as fontes de água
em uma tribo indígena, enfrentando seu maior medo a água. Para conseguir
alcançar sua meta final, conta com o auxílio de Mônica, que precisou ser
transportada para junto de Cascão. Juntos descobrem que aquele que estava
com o elemento água ambicionava promover o garimpo onde antes era água
cristalina. Finalmente, conseguem cumprir a missão, devolvendo a vida para a
aldeia.
Cebolinha, no espaço, tem que enfrentar, juntamente com um astronauta
e com Cascão, a ambição de Cabeleira Negra, uma pirata do espaço. Após
alguns percalços, superam os poderes da pirata e enviam o elemento ar para
Franjinha. O astronauta apaixona-se por Cabeleira Negra, propondo-se a ficar
com ela, se a mesma se dispuser a passar para o lado da justiça.
93
Finalmente, a presença de todos faz-se indispensável para a
recuperação do elemento terra, pois este está no tempo passado e nas mãos
de Mônica-bebê. Após muitas tentativas e, já no limite do tempo, o elemento é
trocado com ela pelo coelho Sansão.
Em função de uma explosão em seu laboratório, Franjinha precisa do
auxilio de Dorinha, uma menina deficiente visual que, com sua sensibilidade,
auxilia-o no teclado do computador a trazer a turma de volta. Com a posse de
todos os quatro elementos, o efeito negativo do desmembramento deles
continua – o congelamento do planeta. É então que Mônica percebe que
Sansão, que também partiu na missão, não havia retornado. Regressa mais
uma vez no tempo e recupera seu coelho. De posse de Sansão, e já no
laboratório de Franjinha, a missão é finalizada.
2.5.12 Garoto cósmico
O enredo de Garoto cósmico traz a história de três meninos Cósmico,
Maninho e Luna, que vivem no ano 2973, no Universo, Galáxia Sétima,
Sistema Solar Cinqüenta e Quatro, composto pelos planetas: Planeta dos
Cartórios, Planeta das Fábricas de Robô, Planeta da Quarta Idade, Planeta das
Crianças Adultas, Planeta da Cirurgia Plástica e Planeta das Crianças, entre
outros. O Planeta das Crianças, assim como os demais, era todo subdividido
em áreas e setores. Neste planeta futurista, todos possuem suas vidas pré-
programadas, com horários determinados para todas as atividades diárias,
como ilustra a letra de uma das músicas da animação: “hora pra escovar os
dentes, hora de ficar contente, hora pra gritar baixinho, hora pra fazer carinho,
hora de usar a cabeça; hora pra não dar moleza; hora de xixi, de banho (...)
hora de estudar tabelas, decorando todas elas; hora da geometria, um
quadrado a cada dia; hora de olhar pra lua, hora de comê-la crua; hora de
contar estrelas, desenhando todas elas; hora disso, hora daquilo (...) hora de
se perguntar, quando é hora de acabar”. Todos os dias são iguais.
94
No Planeta das Crianças, todas elas possuem relógios que as auxiliam a
controlar suas tarefas, lembrando-as de irem para seus dormitórios ou de
escovarem os dentes, cumprindo assim, todos os deveres previstos para o dia.
Neste planeta, as crianças deviam atender a um modelo pré-existente e não
humano, mas oriundo de uma programação digital. Este formato as tornava
iguais, diferenciadas apenas por suas características físicas, cabelo, cor da
pele e altura, pois, suas roupas também eram iguais: um uniforme branco com
detalhes pretos. O momento em que demonstram maior interesse e prazer era
na hora de irem para seus dormitórios, onde podiam assistir à programação da
“space tv”, canal que, além de atualizá-las acerca daquilo que estava
acontecendo nos outros planetas, oferecia um programa com o Capitão
Programação, herói idolatrado pelas crianças. O Capitão Programação havia
informado que a criança que completasse dez mil pontos seria convocada para
a nova fase da programação, o Planeta das Crianças Adultas, mas antes,
precisaria passar por um treinamento na “nave super complexa” e, finalmente,
seria recompensada com um relógio de programação e o certificado de criança
adulta. Essas conquistas eram apresentadas como uma recompensa à criança
que seguisse “sempre” a sua programação.
Cósmico e Maninho estão ansiosos para atingir a pontuação e sonham
em tornarem-se crianças adultas. Pela tubulação, Luna, amiga dos meninos,
chega até o quarto de seus dormitórios, alegando estar novamente sem sono.
Cósmico lhe explica que, no Planeta das Crianças Adultas, não existe hora
para dormir e isso é bom, pois quando estivessem sem sono, poderiam
continuar trabalhando, a fim de aumentar a pontuação. No intuito de ganharem
mais pontos, decidem ir até a central de dados da escola, pela tubulação. No
entanto, Maninho alerta que esta decisão não está na programação, mas,
mesmo assim, acompanha os amigos.
Acabam perdendo-se no caminho e saindo de um dos prédios. Seus
relógios soam um alarme, informando que estão fora da programação, e
começam a perder pontos. Então, rapidamente, retornam para dentro da
tubulação. Caem em uma nave que os leva para a estação espacial. Neste
lugar, coexistem diferentes personagens, que falam distintas línguas. Com
95
dificuldades de compreender aquilo que diziam, decidem pegar um táxi em
direção ao Planeta das Crianças. Sem saber que o táxi estava sendo guiado
por Bicho, um ser diferente, que fugia de um habitante brabo da Estação,
partem. Sob o comando de Bicho, o táxi desorienta-se, perdem-se no universo
e pousam em um lugar desconhecido, onde são recepcionados por
Giramundos, pelo palhaço Já-Já e pelo mágico Záz-Tráz.
Neste lugar, tudo é colorido, desregrado, contrastando com o ritmo de
horários a que estavam acostumados até então. A programação é outra.
Giramundos é o dono de um circo que passeia entre os planetas. Sua
aparência sugere às crianças uma idade avançada, de modo que lhe
questionam sobre o fato de não estar no Planeta da Quarta Idade. Quando
questionado sobre a programação, Giramundos lhes apresenta aquilo que está
previsto para o dia no circo, destacando que tem brincadeiras para todas as
pessoas. Convidados para irem até o circo, Maninho, Cósmico e Luna, apesar
de desconfiados, aceitam o convite, com a esperança de conseguirem uma
carona para o Planeta das Crianças. No caminho, a espontaneidade, a alegria
e as brincadeiras dos habitantes do circo são estranhas a Cósmico, Luna e
Maninho. Acham tudo muito diferente. Além de Giramundos, o palhaço Já-Já,
que tudo pode ser, e o mágico atrapalhado Zaz-Tráz, encontram-se entre os
integrantes do circo, além da flor bailarina que se chamava Bailarina; o Papão,
um chiclet; Bola, o elefante em forma de bola; o Perna de Pau, uma pipa; e a
Azul e o Rosa, um conjunto de balões. Girmundos é um circo muito diferente.
Cada um tem uma forma, nenhum personagem é igual ao outro e todos têm um
lugar. Habita também no circo um peixe conhecido pelo nome de Bocuda,
muito perigoso quando com fome, ou quando dominado por Massaroca, um
monstro fumacento, que se alimenta das coisas mais terríveis e vigia o mundo
para que tudo seja bem chato; mesmo sem braços, ele prende, engole e
sufoca. Sem que se perceba, já se está dentro dele.
As crianças demonstram muita preocupação com o retorno a seu
planeta. Inquietas, perguntam a Giramundos se havia previsão para a partida
do trem. Recebem uma resposta bastante imprecisa: “hoje mesmo, amanhã,
quando der na telha”. Giramundos não dá a mesma importância ao desejo das
96
crianças retornarem e começa a mostrar-lhes outras possibilidades de viver a
vida. Cientes da demora para saírem do circo, decidem tentar sozinhos partir
com o trem do circo.No entanto, mesmo com todo o conhecimento formal, não
conseguem dar a partida, os seus comandos eram outros.
Com o palhaço Já-Já experimentam outras possibilidades de ser,
vestindo várias roupas e acessórios, dispensando seus uniformes. Passeiam
entre os vagões das nuvens, das cócegas e do hortifrutigranjeiro, onde comem
frutas e plantam girassóis. Neste circo tudo têm vida, cor e alegria.
O Capitão Programação encontra os meninos e pretende levá-los de
volta para o Planeta das Crianças. Localizado na Galáxia Sétima, os meninos
são questionados por Giramundos sobre o fato desta Galáxia ter sido
dominada por Massaróca, mas negam. Capitão Programação interpõe-se,
esclarecendo a Giramundos que “os habitantes da Galáxia Sétima nunca têm
problemas, todos seguem a programação. A programação é a maior invenção
do universo, é muito fácil viver na programação. É olhar o seu relógio e
seguir as instruções! Não precisa nem pensar”. Impressionado e desconfiado
com as informações, Giramundos vai em busca de seu diário para confirmar
suas suposições. Enquanto isso, o Capitão Programação leva consigo os
meninos, dizendo-lhes que vão para o Planeta das Crianças.
Na nave, os relógios voltam a funcionar e são submetidas a um “game”,
um teste para as crianças que saíram da programação. Neste, cada criança
tem um inimigo que deve ser derrotado, ficando ao lado do capitão. Nele, se
deparam com seus amigos do circo, que lhes são apresentados como seres
ameaçadores. O capitão ordena que atirem em Giramundos e em toda a sua
trupe, mas as crianças se negam, rejeitando o jogo. Brabo, o capitão lhes
informa que fracassaram, e toda criança que falha deve ser desativada e
enviada para o espaço sideral. No espaço, decepcionadas consigo mesmas,
sentindo-se fracassadas e frustradas por não poderem vir a tornar-se um adulto
super-complexo, são resgatadas por. Bicho, juntamente com Bola que os
conduzem novamente para o circo onde, entristecidos, explicam o que
aconteceu. Giramundos os consola, dizendo que um dia, também foi
97
desativado, mas mostrou-lhes o quanto é ativo e desconfia da verdadeira face
do Capitão Programação.
Quando se preparam para uma apresentação, Massaróca aparece,
atingindo Giramundos e capturando Cósmico. Dentro de Massaróca, Cósmico
começa a reagir, buscando alternativas para dele escapar e reavivar toda a
vida que ele tinha anestesiado, retomando o espetáculo desde onde se tinha
interrompido. Finalmente, todos seguem suas vidas, sem programação,
partindo da cidade das Estrelas, da rua dos Planetas e do ano dos sem
números.
98
3 CARACTERÍSTICAS DA NARRATIVIDADE NO
CINEMA DE ANIMAÇÃO
As narrativas das produções animadas se assemelham em muito
àquelas dos contos maravilhosos. o, basicamente, formas simples, na
concepção original de André Jolles (1930). Assim, dadas as particularidades de
cada formatação literária, o autor, analisa a natureza, os atributos e suas
formas históricas de atualização. Narrativas de origem anônima, ganharam
repercussão junto aos povos da Antiguidade, sendo incorporadas com o tempo,
pela tradição popular (COELHO, 2000) e preenchidas pelo humano, que
projeta nelas seus medos e anseios.
Envoltas por personagens, lugares misteriosos, percursos e provações,
estas histórias possuem elementos em comum. Vogler (1992) entende que os
elementos comuns às histórias são encontrados em mitos, contos de fadas,
sonhos e filmes, ofertando experiências vivenciais àqueles que nelas
mergulham. Atribui a estas narrativas um caráter universal, pois o real e o
fantástico apresentados se articulam com o inconsciente universalmente
compartilhado. Também Chlovski (1971), formalista russo, ao refletir acerca
dos contos fantásticos, ressalta que essas narrativas fazem uma releitura da
realidade, apresentada sob uma forma secundária. Considerando seus
aspectos religiosos e práticos, pressupõe-se que um conto deva ser olhado a
partir do momento histórico no qual foi criado, apropriando-se dos aspectos
sócio-culturais prevalentes.
D’Onofrio (2007) define uma variedade de narrativas possíveis: o mito, a
lenda, o conto popular ou maravilhoso, a saga, a adivinhação, a anedota, os
provérbios, a poesia épica, a novela, o romance, o conto erudito e a crônica.
99
Para os fins do presente estudo, propõe-se uma diferenciação entre o mito, a
lenda e o conto maravilhoso. O termo latino fábula, enquanto elemento
estrutural da narrativa, foi empregado pelos formalistas russos como
correspondente à palavra grega mito. Assim, designa um conjunto de ações.
Tomachevski (1971) compreende que o tema de uma história apresenta-se sob
a junção de elementos temáticos ordenados. Para tanto, subdividiu o tema em
trama e fábula. A fábula contempla o caráter temporal e de causalidade,
caracterizando-se por motivos associados entre si e comunicados na
seqüência da obra. Sua exposição pode se dar de acordo com uma ordem
natural dos acontecimentos, podendo ser cronológica e casual, sem ater-se à
forma em que estão dispostos ou são introduzidos na obra. Modificando-se o
fio condutor de uma obra, permanece-se com a mesma fábula. No entanto, a
trama modifica-se. A trama é marcada pela maneira pela qual o leitor apropria-
se da fábula. É o arranjo estético do material (TOMACHEVSKI, 1971). O
desenvolvimento de uma fábula é permeado por partículas que participam da
formação sintagmática. Estas partes são compostas por motivos livres ou
associados. Os motivos livres podem ser eliminados ou substituídos, não
comprometendo o todo da fábula; os motivos associados não podem ser
excluídos, sob o ônus de arruinar a seqüência narrativa e o ciclo de causa-
efeito. Estes elementos vão configurando o todo narrativo, motivado por uma
intriga ou por um conjunto de inquietações que desacomodam a harmonia
inicial, uma conflitiva envolta por momentos de tensão e, pelo desfecho final,
marcado pela reconciliação, pela retomada da estabilidade e pela supressão
dos conflitos.
Na literatura infantil, destaca-se a fábula como gênero literário,
caracterizada por “uma composição em versos de caráter moralizante, cujas
personagens são animais falantes” (D’ONOFRIO, p.29, 2007). Tem-se a
participação de Fedro, no século I da era cristã, ao reescrever as Fábulas de
Esopo; La Fontaine no século XVII; Perrault, no século XVII; os Irmãos Grimm,
no século XIX. Os contos advindos de épocas particulares, o reescritos e
readaptados, preservando “valores de mundo, os valores sicos do momento
em que surgiram” (COELHO, p.94, 2000). Estas narrativas primordiais,
ilustradas pelos textos: A gralha e o pavão, Esopo; A moça do pote de leite
100
La Fontaine; As fadas, Perrault; Moedas de estrelas, Irmãos Grimm e A
rainha da neve, Andersen; podem dar representação a três mundos diferentes.
Dentre essas possibilidades, destaca-se a representação do mundo real e
cotidiano, circundado pelo simbolismo animal, dando origem às fábulas; a do
mundo das metamorfoses, combinando o real ao trans-real ou espiritual,
apresentando uma realidade mágica rodeada por seres maravilhosos,
superiores e inferiores; a do mundo religioso cristão, que demarca a vida
terrena como uma experiência de passagem para o céu ou inferno, destacando
os vícios e as virtudes (COELHO, 2000).
Aristóteles (1998) concebia a fábula em três partes: princípio, meio e fim,
analogamente ritmados com a introdução, desenvolvimento e conclusão.
Retomando a definição de mito, D’Onofrio (2007) caracteriza-o por uma história
fantástico-religiosa, sem delimitação das origens geográficas e cronológicas,
estando relacionado a seres sobrenaturais e circundado por deuses
antropomorfizados. Essas histórias retratam medos, desejos, valores e crenças
de uma época original, representando suas verdades e dando significado aos
fenômenos da natureza. Ao resgatar o conceito de mito, Jolles (1930) recorre à
relação entre o homem e o universo. Logo, quando o universo se cria para o
homem por pergunta e resposta, a forma mito toma seu lugar. Nesse contexto,
o pensamento religioso, o pensamento mágico e a gênese do mundo imbricam-
se em uma narrativa sobrenatural. Tais narrativas são focadas no principio do
universo. Desprovidas de autoria, Jolles (1930) classifica-o como formas
simples, opostas às formas artísticas. Enquanto as formas artísticas são
oriundas de um trabalho dedicado de um artista, as formas simples são
resultado de um inconsciente coletivo. Vanoye (1994) relaciona a análise do
dispositivo narrativo fílmico à análise das formas simples que o estruturam,
sugerindo que esta associação aponta para o sentido da obra. A forma, por
seus aspectos surrealista, cômico ou fantasioso convidam o espectador a
construir hipóteses interpretativas acerca do sentido simbólico daquilo que é
apresentado.
A lenda, originária do latim (legenda, legere = ler), é permeada pelo
relato de um fato histórico não comprovado, situado em um espaço-temporal,
101
cujos heróis o seres humanos. Nela o maravilhoso e o imaginário superam o
histórico e o verdadeiro. Esses personagens, com valores cívicos e espirituais,
acabam por estimular a imitação (D’ONOFRIO, 2007). Sob o caráter de forma
simples, a legenda, como definida por Jolles (1930), inicialmente reunia as
vidas dos santos ignorando suas realidades históricas. Tal concepção ampliou-
se, passando a designar fatos históricos transmitidos oralmente e concebidos
como verdadeiros. Envolta pela virtude, pelo milagre e por personagens
famosos, a legenda resiste na imaginação popular, onde fato e fantasia
dialogam.
As outras formas simples desenvolvidas por Jolles (1930) ganharão uma
breve descrição, a fim de melhor diferenciar e representar cada uma. A saga se
aplica às narrativas nórdicas primitivas e a algumas formas do romance
moderno, encontradas em manuscritos desde o século XII ao século XV,
compondo-se por relatos familiares ou reais. A disposição mental que permite a
interpretação da saga depende das chaves: “família, clã, vínculos de sangue”
(JOLLES, p.70, 1930). O adivinha possui uma natureza verbal apresentada por
enigmas, onde o “feixe de significados ata-se na confluência pergunta e da
resposta (JOLLES, p.112, 1930). No adivinha a relação se estabelece entre
homem/homem, não entre homem/universo e aquele que sabe, decifra a
questão converte-se em sábio. O ditado ou provérbio, notadamente presente
na linguagem popular, é impregnado por caracteres didáticos. Wilhem Grimm
entende que o ditado não intenta um ensinamento, mas pela verdade encontra
sua expressão elevada. O caso caracteriza-se pela impossibilidade de resposta
sendo envolto por um conjunto de partes que se contradizem. O memorável
objetiva apresentar uma seqüência de acontecimentos enrijecidos no tempo.
Finalmente, a última forma simples desenvolvida é o chiste, em que o cômico
que recorre a inconveniência é a disposição mental (JOLLES, 1930).
Dada esta diferenciação, passamos para a compreensão do conto
maravilhoso ou popular, conto de fadas ou da carochinha. Estas histórias
universais costumam ser permeadas por conteúdos que expressam as
“inclinações do ser humano para o maravilhoso visto como natural, para a
bondade, a justiça, a verdade, a beleza sica e espiritual, o amor
102
sentimentalmente vivido” (D’ONOFRIO, 2007, p.92). Impondo-se à lógica do
real, esses contos apresentam possibilidades próprias de um mundo
encantado, onde a vida vence a morte e a tristeza, reinando, finalmente, a paz,
a ordem e a felicidade eterna.
Atendendo aos critérios da forma simples, a partir das narrativas dos
irmãos Grimm intituladas Kinder-und hausmärchen, (1812) Contos para
crianças e famílias o conto passou a impregnar o sentido de forma. Termos
como conto de fadas, contos de magia e fantasmagoria, contos e narrativas
para pequenos e grandes, histórias, contos e anedotas, e contos populares
alemães foram empregados na busca de caracterizar as narrativas. Foi, no
entanto, a coletânea dos irmãos Grimm que viabilizou a reunião de toda
essa diversidade num conceito unificado e passou a ser, como tal, a
base das coletâneas ulteriores do século XIX; finalmente sublinhe-se
ser à maneira dos irmãos Grimm que as verdadeiras pesquisas sobre
o conto continuam sendo realizadas, apesar da diversidade de
concepções científicas (JOLLES, p182, 1930).
Achim Arnim, cujas narrativas populares eram investidas do lirismo e da
música que viviam no povo, revelava um discurso desprovido das concepções
fundamentais dos Grimm. As correspondências trocadas entre Arnim e Jacob
Grimm permitiram a ampliação da discussão, refletindo conceitos de poesia da
natureza e poesia artística. Enquanto Arnim desconsiderava as particularidades
de cada uma, rejeitando a oposição entre a poesia erudita e a poesia popular,
Jacob Grimm era paradigmático, definiu a poesia artística como uma
elaboração, enquanto a poesia natural uma criação espontânea. O conto é
uma forma de arte em que se reúnem e podem ser satisfeitas em conjunto
duas tendências opostas da natureza humana, que são a tendência para o
maravilhoso e o amor verdadeiro e natural (JOLLES, p.191, 1930).
Azevedo Filho (1973) aborda outros elementos de um conto,
caracterizando-o como um conglomerado de unidades mínimas diferenciais. Os
elementos são subsidiários às funções descritas por Propp. Estes elementos
apresentam um amplo sistema de informações, destinado à ligação entre
funções, à triplicação e à motivação. Os elementos que objetivam a ligação
entre funções pretendem sustentar a linearidade do conto. Para que esta
103
ordem possa ser preservada, permitindo o reconhecimento de uma função
primeira pela subseqüente, insere-se um terceiro elemento narrativo – por
exemplo, a fala de um animal capaz de assegurar a unidade do todo
estrutural. A triplicação é um recurso que tem por finalidade diferenciar
situações de fracasso de outras vitoriosas, podendo também estar a serviço da
ligação entre as funções. Na triplicação, observa-se a repetição de partes,
seqüências, pares ou grupos de funções. As motivações são elementos que
dão ânimo às ações dos personagens, sendo o dano ou o mal-feito as únicas
funções de um conto que requerem motivação adicional. O autor enfatiza que o
conto pode ser integrado por mais de uma seqüência, sempre introduzida por
uma falta, complementada pelas funções intermediárias e finalizada por um
casamento. A inserção de cada nova seqüência se dá antes que a anterior seja
concluída. Os contos podem ter início a partir de mais de um dano, cada um
com distintos momentos de reparação.
O conto se funda em unidades mínimas diferenciais e a
verificação das relações destas partes entre si e com o todo do conto
é o seu projeto. Cada frase do conto marca um motivo (AZEVEDO
FILHO et al; 1973, p.61).
À medida que são delineados, os contos atendem a um modelo em que
os acontecimentos e seu percurso satisfazem as exigências da moral ingênua,
assim, a partir do juízo sentimental absoluto os personagens e fatos ganham a
conotação de bons e justos, opondo-se a maneira como os acontecimentos são
observados no universo real. Essas narrativas são também caracterizadas pelo
anonimato dos personagens, geralmente sem nomes, identificados pelos
papéis e características exercidos - Caçador, Chapeuzinho Vermelho,
Malévola, Lobo, Rei, Princesa e Bruxa, etc. O tempo e o espaço revelam esta
mesma indeterminação, representados pelo reino distante e pelo famoso era
uma vez..., fórmula que transpõe todos os tempos (D’ONOFRIO, 2007).
O conto, com seus elementos do maravilhoso permitem a satisfação
moral e a segurança barrada pela imoralidade da realidade, logo, o conto não
pode ser compreendido sem o maravilhoso. Objetos reais preenchidos pelo
maravilhoso adéquam-se a moral ingênua interpondo-se a realidade dos
mesmos.
104
Lançando reflexões sobre o conteúdo dos contos maravilhosos, Rodari
(1982) evidencia um amplo repertório de caracteres e destinos possíveis. A
criança, quando aproximada destes enredos de caráter fictício e imaginário, é
convidada a experienciar vivências ainda não pensadas, nem presenciadas.
Estés (1999) destaca que o sujeito, diante do conteúdo destes contos, é capaz
de rever significados e reinterpretá-los, passando a lê-los através do coração,
pela via afetiva.
Os contos de fadas, estudados por Warner (1999), tais como Cinderela,
Branca de Neve e Rapunzel, são referenciados como histórias munidas de um
conteúdo notadamente moralizante e assustador. Suas narrativas transmitem
significados manifestos e encobertos acerca de padrões e manifestações
comportamentais reconhecidos como legais ou não, a partir de um contexto
sócio-cultural (BETTELHEIM, 2002).
A forma conto é uma das três possibilidades de estrutura do gênero
narrativo ficção, as outras duas são novela e romance. O conto visibilidade
a uma experiência significativa e condensada da vida dos personagens através
da efabulação. Nelly Novaes Coelho (2000) define como efabulação a maneira
pela qual os fatos são ligados na narrativa, impondo o ritmo a ação. Através
deste recurso, as informações contidas em um conto são condensadas
caracterização dos personagens, do espaço e do tempo. A autora exemplifica
com O Chapeuzinho Vermelho no qual se efabula acerca de uma vivência
significativa na vida do personagem, no caso: a visita a vovó, a desobediência
e o encontro com o lobo.
Marie Louise Von Franz (1985), salienta que até aproximadamente o
século XVII , os contos de fadas eram destinado a um amplo público. Além de
crianças, adultos das classes mais baixas divertiam-se com eles. Seu olhar aos
contos de fadas, aproxima-os das estruturas básicas do comportamento
psicológico humano, refletindo seus traços. Tais narrativas em sua perspectiva,
dão visibilidade a diferentes sombras, conteúdo que faz parte da pessoa, no
entanto lhe é desconhecido. “A sombra se constrói a partir dessas qualidades
reprimidas, não aceitas ou não admitidas porque incompatíveis com as que
foram escolhidas” (VON FRANZ, p.12, 1985). O encantamento e a magia das
105
construções fílmicas convida o sujeito ao fantástico, libertando-o para o
encontro com suas sombras e com seus duplos, dotados do caráter afetivo,
ilógico e psíquico, respondendo ao que está latente no seu espectador.
Bettelheim (2002) complementa, afirmando que nos contos de fadas, os
processos internos externalizam-se e permitem que sejam compreendidos
enquanto representados pelas figuras da história. Assim, os diferentes
espectros e sombras do homem estão sempre em cena, sendo constantemente
despertos pelos estímulos que, juntamente com a imagem, demovem do sujeito
emoções, prazer ou devaneio. Enquanto a imagem comporta a qualidade
subjetiva e mágica do duplo, este, por sua vez, detém a qualidade alienada e
afetiva da imagem. Como motor da narrativa fílmica, a imagem potencializa
suas representações, traduz a realidade da vida, imprimindo truques, que
permitem metamorfoses ilógicas e amplificam as potencialidades do duplo, ao
mesmo tempo em que transmutam elementos como tempo e espaço.
As metamorfoses permaneceram vivas e ativas nas histórias
de fadas e para crianças, nos contos e narrativas fantásticas da
infância e, por outro lado, na prestidigitação (...) que é precisamente,
a arte mágica não apenas das transferências do visível para o
invisível, e reciprocamente (aparições, desaparições), mas também,
e sobretudo, das transmutações e transformações (MORIN, p.74,
1997).
Apesar de freqüentemente identificadas por uma mesma forma, pela
narrativa maravilhosa, os contos de fadas e os contos maravilhosos dão
expressão a problemáticas diferentes. Enquanto os contos de fadas exploram
uma problemática social, a busca da realização interior pelo amor, os contos
maravilhosos interessam-se pela problemática social, a busca de realização da
personagem pela fortuna material” (COELHO, p.109, 2000). Revelam-se
idênticas quanto ao modelo narrativo de Propp. Os contos de fadas, com ou
sem fadas têm seus argumentos desenvolvidos
dentro da magia feérica (reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas,
gênios, bruxas, gigantes, anões, objetos mágicos, metamorfoses,
tempo e espaço fora da realidade conhecida etc.) e tem como eixo
gerador uma problemática existencial. Ou melhor, m como cleo
problemático a realização essencial do herói ou da heroína,
realização que via de regra, está visceralmente ligada à união
homem-mulher (COELHO, p.13,1987).
106
Os contos maravilhosos isentam-se da participação de fadas, mas
desenvolvem-se
no cotidiano mágico (animais falantes, tempo e espaço reconhecíveis
e familiares, objetos mágicos, gênios, duendes etc.) e têm como eixo
gerador uma problemática social (ou ligada a vida prática, concreta).
Ou melhor, trata-se do desejo de auto-realização do herói (ou anti-
herói) no âmbito socioeconômico, através da conquista de bens,
riquezas, poder material etc. Geralmente a miséria ou a necessidade
de sobrevivência física é o ponto de partida para as aventuras de
busca (COELHO, p.14, 1987).
Os contos de fadas apresentam obstáculos ou provas que precisam
ser vencidos, cujo fim é a auto-realização do herói, seja através do encontro
com a princesa ou pelo encontro com seu verdadeiro eu. Os contos
maravilhosos dão visibilidade “a parte material/sensorial/ ética do ser humano,
suas necessidades básicas, suas paixões do corpo” (COELHO, p.14, 1987). O
maravilhoso presente em ambas as formas é aquilo que sustenta o caráter
imaginativo. A narrativa integrada pela imagem, desperta pela via do afetivo
sentimentos latentes e percepções, sugerindo a participação do espectador,
que se apropria da intensidade do que lhe é apresentado. Coelho (2000)
observou elementos constantes na estruturação dos contos maravilhosos e dos
contos de fadas: onipresença da metamorfose; uso de talismãs; a força do
destino; o desafio do mistério ou do interdito; a reiteração dos números; magia
e divindade. Também, destaque a valores ético-ideológicos incidentes nas
narrativas: predomínio de valores humanistas; oscilação entre uma ética
maniqueísta e uma ética relativista; ambigüidade da natureza feminina e
exigência de qualidades estereotipadas para a mulher.
Apesar das particularidades, pouco se diferem quanto ao modelo
narrativo de Vladimir Propp (1984), tanto que ao estudar a estrutura dos
contos, não separou os contos de fadas dos contos maravilhosos, mas incluiu-
os na categoria deste último, pois abrange a riqueza de elementos contidos
nestas histórias. O encanto, a magia e a fantasia envolvem reinos, bosques e
personagens, dando completude às narrativas e conduzindo aqueles que com
elas atingem um mundo onírico, capaz de suscitar devaneios profundos. A
estrutura destes contos, cravejada por particularidades, imbrica a pluralidade
de ideologias, de etnias, de tradições e de religiões, revelando-se hábil em
107
despertar medo e fascínio naqueles que os contatam (CORSO; CORSO,
2006).
Da narrativa maravilhosa começou a inserir-se no contexto literário as
narrativas realistas, entre o século XVII e o século XIX. Dentre estes
Aventuras de Robinson Crusué, de Daniel Defoe; Viagens de Guliver, de
Jonathan Swift; Alice no país das maravilhas Lewis Carroll; Vinte e mil
léguas submarinas, de Júlio Verne e Aventuras de Pinóquio, de Collodi
(COELHO, 2000). Precursores do individualismo romântico preocupavam-se
com o realismo, matendo o caráter aventureiro e maravilhoso, na realidade
cotidiana.
Distintas personalidades vão compondo o enredo das narrativas.
Integrados por um lastro de valores próprio a cada um, os personagens
permitem que o espectador contemple distintas possibilidades do humano.
Impregnado de percepções, reações e sentimentos, o receptor participa, dando
significados às imagens encarnadas por valores e simbolismos. O conjunto
cênico favorece uma variedade de possibilidades interpretativas que se atrelam
às impressões ódio, simpatia, repugnância, aprovação, desaprovação e
ternura - daquele que aprecia. A maneira como os acontecimentos são
apresentados nas histórias interfere no sentido e na significação emocional
emergentes.
Trabalhando como consultor de histórias para os Estúdios Disney, na
Divisão de Animação de Desenhos, Christopher Vogler apoiou-se na obra de
Joseph Campbell, O herói de mil faces (1949). Este material lhe serviu de
fonte orientadora para o desenvolvimento de histórias baseadas em contos de
fadas, mitologia, ficção científica, revistas em quadrinhos e aventuras
históricas. Em A pequena sereia (1989) e A bela e a fera (1991), Vogler pode
colocar em prática alguns dos pressupostos desenvolvidos por Campbell. As
descobertas de Campbell expressam a similaridade entre diferentes narrativas
que, dotadas de uma base comum e envoltas por padrões mágico-demoníacos,
podem ser contadas e recontadas infinitas vezes, perpassando por inúmeras
variações (VOGLER, 1992).
108
Joseph Campbell compreendia o mito como uma metáfora de um
mistério que se estende para além da compreensão humana e que finalmente
permite que se alcance uma verdade profunda. Envolta por deuses e outras
forças que ganham um caráter animado, tais histórias, com seus padrões
estruturais e seus personagens arquetípicos dão a base das narrativas
modernas. Segundo Vogler (1992) todas as histórias mitos, contos de fadas,
sonhos e filmes - possuem elementos estruturais comuns que refletem padrões
universalmente satisfatórios. O cinema como arte e indústria, fenômeno social
e estético reúne elementos arcaicos do espírito do homem. Então, o Outro
projetado nos écrans, incorporado pelo duplo dos universos míticos, habilmente
registra histórias munidas de sonhos, desejos e experiências vividas ou
aspiradas, nutrindo imaginários (MORIN, 1997).
Chamado a aventurar-se no mundo, o herói deixa seu ambiente seguro
e dirige-se para o desconhecido, tendo que enfrentar forças até então
desconhecidas. Este herói começa a passar por transformações através de sua
jornada emocional que seduzem a platéia, conquistando sua atenção. Assim,
as narrativas dos contos de fadas, envoltas por heróis, príncipes e princesas,
apropriam-se de novas possibilidades do Ser envolvendo o emocional do
leitor/espectador em suas jornadas.
Inicialmente, as narrativas européias retratavam o mundo de maneira
crua, mas, gradativamente, foram sendo recobertas pela riqueza e pelo
simbolismo, tornando-se, individualmente, depositárias “de significações
inconscientes abertas a interpretações psicanalíticas” (KEHL, 2006, p.16). A
tudo isso, soma-se o poder destas narrativas encantadas em permitir a
simbolização e a resolução dos conflitos psíquicos, através da subjetivação.
Capazes de despertar identificações na criança, tanto os tradicionais contos
maravilhosos, quanto as atuais histórias cinematográficas, estão impregnados
pelo “repertório imaginário de que ela necessita para abordar os enigmas do
mundo” (KEHL, 2006, p.17). Ao dar representatividade a representações
plenas em vitalidade, Morin (1997) entende que o cinema evoca reflexões
sobre a “realidade do imaginário e sobre o imaginário da realidade” que
apresentam pela via da imagem, representações de representações vivas. “O
109
imaginário traduz-se na prática mágica e espontânea do espírito que cria”
(MORIN, p.98, 1997). O arsenal mitológico e onírico preenchido por desejos e
terrores converte-se em fontes para a ficção. O cinema recorre então, a raízes
do sócio-cultural, que ao serem nele refletidas, lhe proporcionam uma relativa
autonomia. Relativa porque a realidade incide na indústria do cinema, que
desenha o mundo imaginário, espelhando mutuamente, o real e o fantástico.
Nesse processo, imaginário e realidade fundem-se, confundem-se e mesclam-
se através de uma relação de complementaridade. Mergulhado na magia da
imagem que seduz, o espectador, num estado de dupla consciência, é tomado
por sensações e sentimentos que intensos, o conduzem ao espanto, ao
sofrimento, ao êxtase, a exaltação e finalmente ao sonho. Nesta complexa rede
de representações, a ilusão da realidade funde-se com a consciência de
representação imagética.
Bravo (2006) entende que a leitura de uma obra permite que o sujeito
contate e se aproxime dos caracteres das figuras ficcionais, mesclando o real
com os aspectos da ficção. Tais elementos, num processo de inter-relação,
incitam o leitor-espectador a novas identificações. A imagem cinematográfica,
capaz de resgatar o imaginário mítico, hipnotiza seu espectador, que se rende
àquilo que lhe é apresentado através do écran, envolvendo-se pelo conteúdo
ofertado. A relação entre o Outro cinematográfico e o espectador permite, a
este último, uma experiência pluralizada, tomada por diferentes sombras. Hábil
em despertar empatia, o cinema, através de seu simbolismo, continua
emocionando, fascinando, despertando nostalgia, reações, identificações e, em
alguns momentos, desorganizando seu espectador. Sem regras para os
processos identificatórios, cada ser que contata com as possibilidades
narrativas está apto a viver, através da experiência da imagem
cinematográfica, distintos personagens. O espectador pode experienciar o gozo
do final feliz do herói, as ardilosas e vingativas ações do vilão ou
desassossegar-se com as situações postas à princesa, sendo invadido por
diferentes sentimentos. Vogler (1992) enfatiza o papel desempenhado pelos
personagens, pois entende que eles se repetem de uma narrativa para outra,
integrando sonhos e fantasias de um ser social, marcando-os pelo tom da
110
verdade psicológica. O cinema cria uma verdade surreal, rompendo com o
destino prosaico, mobilizando reações, comovendo e emocionado.
As histórias de ficção ganham vida através de um espírito criador. Esses
enredos são próprios do universo ficcional e, por isso, autônomos em relação
ao mundo real. Elementos não ficcionais emanam destas narrativas sob novos
códigos e regimentos, apresentando suas verdades. Entre outros, casas de
chocolate, vassouras voadoras, animais falantes, monstros e príncipes sapos
participam destas histórias, edificando possibilidades do faz-de-conta. O real e
a fantasia se imbricam. O real, o social e o ideológico inspiram a fantasia,
construindo um mundo ficcional representado pela transformação de
significações sociais inconscientes do autor. Carregada por presenças, as
produções injetam no espectador acontecimentos belos, extraordinários e
intensos, resgatando vivências e dando um novo tom ao espetáculo.
D’Onofrio (2007) amplia sua reflexão acerca da esfera fictícia,
desenvolvendo a temática da verossimilhança, interna ou externa. A
verossimilhança interna define-se “pela conformidade com postulados
hipotéticos e pela coerência de seus elementos estruturais: a motivação e a
causalidade das seqüências narrativas, a equivalência dos atributos e das
ações dos personagens” (D’ONOFRIO, 2007, p.22). A aplicação de regras e
códigos do real dá à obra uma verossimilhança externa. Um conto maravilhoso,
lançando-se para o fantástico, não dispensa a verossimilhança interna, pois é
esta que proporciona a coerência estrutural.
A crescente e atual oferta cultural desafia e inquieta pesquisadores que,
incansáveis, dedicam-se aos sistemas narrativos. As particularidades de cada
constructo tradicional ou contemporâneo provocam reflexões acerca das
estruturas morfológicas. Neste contexto, recorre-se a Vladimir Propp (1984),
formalista russo, que apresentou contribuições à análise narrativa, orientada
pela trajetória dos personagens. Tzvetan Todorov, por sua vez, tornou-se
conhecido ao desenvolver o campo da narratologia como uma valiosa área de
estudo da teoria da literatura. Estudou as categorias da narrativa, detalhando a
dicotomia entre história e discurso. Enquanto a análise da estrutura narrativa
restringe-se à lógica das ações dos personagens, o discurso formata-se em
111
torno das unidades de tempo, aspectos e modos da narrativa. Suas
contribuições influenciaram decisivamente a teoria estruturalista, cujo
procedimento metodológico atém-se à análise dos elementos que compõem a
narrativa. Tais elementos ganham representação através dos personagens, da
ação, do espaço, do tempo e do narrador.
A análise de vários produtos narrativos permitiu o desenvolvimento de
um modelo teórico. Sendo a forma um todo orgânico e a estrutura um modelo
elaborado a partir da análise de elementos invariáveis, tais conceitos, aplicados
a estudos literários, poderiam condicionar a uma mudança na nomenclatura da
morfologia do conto, de Vladimir Propp, para uma estrutura do conto fantástico.
Os estruturalistas, orientados pelas contribuições proppianas estenderam as
possibilidades de análise para além dos contos populares (D’ONOFRIO, 2007).
As contribuições de Propp forneceram importantes conceitos para os estudos
literários. Seus pressupostos permitiram um novo olhar aos contos,
direcionando-o para a análise dos seus elementos constituintes.
É importante expôr as impressões de Aumont (1993) acerca da
trasnposição do modelo de análise narrativa de Vladimir Propp para a
cinematografia. Rejeita esta possibilidade, apoia-se portanto, nos resultados
analíticos de John Fell, que encontrou seqüências proppianas em filmes
americanos, mas observou que a aplicação das esferas de ação nos
personagens de ficção, denotam certa estereotipia. Petter Wollen também
apropriou-se das funções do formalista para seus estudos, no entanto,
questionou sua aplicabilidade ao deparar-se com limitações perante a ficção
selecionada. William Wright valeu-se da concepção western como relato mítico,
definido por Lévi-Strauss, bem como das funções de Propp, a fim de
transcrever um roteiro para os filmes que analizou. Examinando as narrativas
fílmicas e seus personagens, descreveu-as sob a perspectiva das funções,
incluindo a possibilidade de repetí-las, desprendendo-as de uma seqüência fixa
e pré-determinada. Sua análise permitiu a elaboração de quatro tipos
particulares do gênero western. O olhar de Aumont (1993) para este estudo,
afasta Wright de Propp, que segundo ele, lhe serve unicamente como fonte de
inspiração para a análise. No entanto, tais narrativas distanciam-se do caráter
112
maravilhoso estudado por Propp, forma que, em sua complexidade fílmica, esta
analise está dedicada.
3.1 Elementos da estrutura narrativa
Vanoye (1994) resgata a tripartição operacional de Gérard Genette, na
qual diferencia narrativa, narração e história-diegese para aplicabilidade em
formatos fílmicos. História é definida como “o significado, o conteúdo narrativo”.
História e diegese relacionam a uma narrativa, independentemente do meio
que a detém, pois sua essência está no conteúdo que porta. Nas produções
cinematográficas, a diegese adere-se a materialidade do filme, relacionando-se
estreitamente com um conjunto de imagens, palavras e som. A diegese
aproxima-se da conceituação de história, mas amplifica seu alcance, pois inclui
“a história e seus circuitos, a história e o universo fictício que pressupõe”
(VANOYE, p.40, 1994). Caracteriza-se pelo representado no filme, incluindo a
narrativa, o tempo, o espaço ficcional, os personagens, a paisagem e
acontecimentos, compreendendo a denotação fílmica. A narrativa é a
associação entre o conteúdo e a expressão, inclui um roteiro, uma sinopse ou
um resumo, encarrega-se da história a ser contada, atribuindo-lhe forma
(VANOYE, 1994).
Aumont (1995) compreende que nas narrativas fílmicas o enunciado
apresenta-se como discurso, implicando um enunciador ou foco da enunciação
e um leitor-espectador. A enunciação refere-se às estratégias que fundam um
discurso, então, no cinema, é aquilo que forma o corpo. A teoria da enunciação
fílmica revela três momentos da produção de seu texto: momento de sua
constituição, de sua destinação e de seu caráter auto-referencial. Aumont
(1995) contrasta as características da narrativa fílmica e textual:
A narrativa é o texto em sua materialidade, o texto narrativo
que se encarrega da história a ser contada. Porém, esse enunciado
que, no romance, é formado apenas pela língua, no cinema,
compreende imagens, palavras, menções escritas, ruídos e música,
o que torna a narrativa lmica mais complexa. Por exemplo, a
música, que não tem em si valor narrativo (ela não significa eventos),
torna-se um elemento narrativo do texto apenas pela sua co-
113
presença com elementos, como a imagem colocada em seqüência
ou os diálogos portanto, seria necessário levar em conta sua
participação na estrutura da narrativa lmica (AUMONT, p.106,
1995).
Os códigos sonoros estão em relação à imagem, completando a
composição audiovisual. A análise das possibilidades musicais conduzem a
uma interpretação que se orienta para o feérico. Então, além de toda a trilha
sonora, os ruídos e a sonoridade ambiental são inseridos no todo narrativo,
sugerindo verossimilhança. O caráter da imagem em relação à narratividade,
participam um da definição do outro. Uma análise fílmica ultrapassa a pureza
do cinematográfico, assentando-se sobre o simbólico (AUMONT, 1993).
O enquadre da imagem, a montagem, o espaço narrativo e a
figuratividade da imagem fílmica compõem os parâmetros visuais de uma
produção cinematográfica. Um determinado enquadre representa, também, um
significante, se avaliado do ponto de vista da narrativa e da enunciação. Os
planos intentando dar conta da totalidade do sistema visual, estabelecem
relações semânticas. Ao mesmo tempo, a montagem exerce uma importante
participação na função de produtora de sentido, não podendo escapar do que é
representado. Inclui-se, portanto nesta rede de análise aspectos referentes à
iluminação, à profundidade, ao tamanho e ao tipo - realista ou alegórico. A
figuração é produto de códigos pictóricos específicos que produzem o efeito de
realidade (AUMONT, 2006).
Christian Metz não confere similaridade entre a enunciação fílmica e a
literária, com a enunciação da conversa, visto as marcas dêiticas - indicadores
presentes na situação, incluindo advérbios, pronomes e adjetivos. Em um filme,
seus dêiticos participam da enunciação interna, que se contrapõe a fonte de
enunciação. O discurso de um filme e romance o previamente definidos, ao
passo que o discurso da conversa é construído, incluindo reversibilidade
dêitica. Finalmente, diferencia o romance inteiramente verbal, do filme,
caracterizado pela matéria extra-lingüística. O aparelho enunciativo do filme
incorpora outros elementos que não, somente os dêiticos, mas principalmente,
por tudo aquilo que conduz a reflexão. Essa última construção aproxima o
dispositivo enunciativo da posição do espectador. Entende que a enunciação é
114
mais abrangente que a narração, aplicando-se a qualquer tipo de enunciado,
enquanto a narração, somente aquilo que é narrativo, inclusive a filmes
narrativos (VANOYE, 1994).
Bremond entende a narrativa como independente do seu formato oral,
escrito, cinematográfico focalizando sua atenção sobre o acontecimento
(AUMONT, 2006). Incorporando caracteres das produções literárias, o cinema
passou a assumir uma função narrativa. Inicialmente, o foco das produções
cinematográficas não se destinava à narrativa. Seu objetivo era mais amplo,
agia como instrumento de reportagem, de documentário, de extensão da
pintura, de investigação científica ou de divertimento (AUMONT, 1995, p.89).
Eco (1986) compreende semelhanças e aproximações entre as categorias de
análise fílmica e narrativa. Como arte da ão, cinema e literatura fundam-se
um pela representação e outro pela narração.
O alcance imitativo das narrativas, há muito, já faziam parte de discursos
filosóficos. A tragédia grega, com seu poder de surpreender, despertava
distintas emoções junto a seu público. Da mesma forma, na atualidade, outros
formatos vêm tomando as emoções do público. Assim, a crescente audiência
das produções cinematográficas de animação, que magicamente dão
representação a realidades possíveis, suscitando a catarse das
emoções.Aristóteles, após a análise das tragédias gregas, apresentou seis
níveis de possibilidades textuais, independentemente do gênero literário. Tais
elementos podem ser encontrados nos textos literários, dando estrutura aos
mesmos (D’ONOFRIO, 2007):
nível fabular (mito): estudo da estrutura da história ficcional, do
enredo ou trama, a determinação e a interligação das várias
seqüências narrativas, a diferença entre situações e ações,
núcleos e catálises, índices e informações;
nível atorial: análise da personagem, quer no que diz respeito ao
seu fazer (...), quer ao seu ser (...);
nível reflexivo: os comentários tecidos pelas personagens sobre o
sentido dos fatos que estão acontecendo ou considerações gerais
sobre a vida humana ou os fenômenos da natureza;
115
nível discursivo: além de estudar os vários sujeitos do discurso
que aparecem ao longo do texto literário (...), analisam-se
também as figuras de estilo, os desvios que a linguagem poética
opera em relação à linguagem comum, em nível lexical, sintático
e semântico;
nível descritivo: a apresentação do cenário no qual as
personagens realizam suas ões. As descrições podem ser de
ordem exterior (paisagens, ambientes...) ou interior
(características psicológicas). Nesse nível, o estudo das
categorias do tempo e do espaço do plano de enunciação e do
enunciado é de suma importância para a compreensão do texto;
nível fônico: é o estudo dos elementos sonoros que podem
aparecer no texto literário. Esse nível é importante nas obras
compostas para serem representadas (teatro de ópera) ou
cantadas (as letras das canções populares) e nas formas
poemáticas consagradas (soneto)” (D’Onofrio, p.31, 2007)
Os níveis descritos, com ênfase na análise textual, podem ser revistos e
adaptados a uma análise fílmica. Assim, da mesma forma que algumas
categorias prevalecem em determinadas produções textuais, o mesmo pode
ser verificado junto às transposições cinematográficas.
Vanoye (1994) acrescenta que as cenas e passagens de um filme
ampliam-se para além do sintagmático, caracterizado pela linearidade. Grande
parte das narrativas filmograficas correspondem a cenas e elementos
sucessivos, confirmando um todo de significação, que refletem aspectos da
grande trama fílmica.
O alcance da unidade estética em uma obra temática, na opinião de
Tomachevski (1971), deve apresentar um sistema de motivos coordenados.
Contrariamente, a obra dissolve-se em sua fragilidade estrutural. O conjunto de
motivos pode ser categorizado pela: a) motivação composicional; b) motivação
realista e c) motivação estética. A motivação composicional tende a agregar a
utilidade de motivos, fundamentando-se no princípio da economia. Desta
maneira, reaproveitam-se elementos de composições cênicas anteriores em
116
inserções futuras. A motivação realista é aquela capaz de inspirar a percepção
de verossimilhança. Mesmo fictícia, o leitor/espectador demanda da obra uma
certa correspondência com a realidade e o valor da obra nesta
correspondência” (TOMACHEVSKI, 1971, p.187). Finalmente, a motivação
estética, demarcada pelo verossímil, abarca o procedimento de singularização,
através do qual temáticas de ordem usual, política, religiosa ou moral, ganham
visibilidade.
A contínua veiculação de produções cinematográficas no mercado, com
suas narrativas contemporâneas, capazes de divertir e sustentar
entretenimento, faz um convite a novas análises e interpretações. Não mais tão
lineares como aquelas dos contos tradicionais, são hábeis no alcance de
recordes de audiências, incitando reflexões acerca de novas possibilidades
narrativas e discursivas, repletas de significações. Rosenfeld, analisando obras
literárias, verifica que o “mundo fictício ou mimético, freqüentemente reflete
momentos selecionados e transfigurados da realidade empírica exterior à obra,
tornando-se, portanto, representativo para algo além dele, principalmente além
da realidade empírica, mas imanente à obra” (ROSENFELD, 1981, p.15). Tal
referência pode ser transferida à perspectiva da ficção filmográfica, em que o
espectador, exposto à oferta lúdica, participa do entretenimento, aceitando os
juízos inseridos no faz-de-conta apresentado. Mesmo fazendo menção a fatos
e experiências reais, a denúncias explícitas ou veladas, as produções
animadas correspondem a um mundo fictício, partindo de um cenário e de
personagens impregnados pela essência fantasiosa e fantástica. Através de
manifestações ilógicas e quiméricas, as narrativas vão explorando conceitos e
regras sociais.
Tolkien (apud BETTELHEIM, 2002) caracteriza um bom conto de fadas
lembrando alguns atributos que considera indispensáveis: a fantasia, a
recuperação, o escape e o consolo. A estes quatro elementos enumerados,
Bettelheim adiciona a ameaça, à qual concerne uma grande relevância, pois é
ela que rompe com o equilíbrio narrativo. Em suas análises, pode-se verificar a
aceitação resignada por parte do herói às ameaças sofridas, sejam elas físicas
ou morais. O consolo, evidenciado pela felicidade e realização, é representado
117
em muitos contos pela união do príncipe com a princesa, simbolizando a
harmonia entre tendências antagônicas dos princípios masculino e feminino,
ou, sob o enfoque psicanalítico, simboliza a integração de estruturas egóicas.
Por outro lado, a partir de um olhar ético, “esta união simboliza, através do
castigo e da eliminação do mal, a unidade moral no plano mais alto”
(BETTELHEIM, 2002, p.179). O final feliz é enfatizado por Tolkien, que lhe
confere a responsabilidade pela completude de uma história apta a ofertar o
alívio a seu ouvinte, leitor ou espectador.
3.1.1 Os personagens e suas caracterizações: Distintas possibilidades na
formação narrativa
A figura ficcional atrai o olhar de diversos estudiosos da narratologia
que, apoiados em seus caracteres, descrevem novos modelos para sua
compreensão. Propp enfoca o personagem através de suas ações;
Tomachevski afirma que o personagem é um suporte de motivos temáticos;
entre os funcionalistas, o personagem é considerado uma unidade funcional;
para os estruturalistas e para Roland Barthes, o personagem é aquele que
participa de uma estrutura narrativa (BRAVO 2006). No écran a função de cada
personagem autentica-se, localizando-se na intersecção entre a sombra e a
realidade. Na espetacularidade cênica, a eficácia funcional do personagem é
capaz de submeter o real a seu duplo afetivo. No écran, um rosto é tomado
pelo formato de paisagem, então é alma. Alma esta que traduz o
cosmomórfico, onde “o rosto da terra é continuamente expresso pelo lavrador
e, reciprocamente, a alma do camponês é-nos dada pelo trigo que o vento
agita” (MORIN, p.92, 1997).
Vanoye (1994) discorre acerca da narração fílmica clássica, atenta à
coerência da narrativa, à linearidade e à homogeneidade. Esta perspectiva
estreita a relação entre cenas/seqüências e dinâmica de causas/efeitos.
Usualmente, é uma narrativa centrada em um personagem principal, que vai
indicando seu desenvolvimento, respeitando a dinâmica das causas e efeitos.
Já, as narrativas fílmicas modernas, apresentam questões não resolvidas,
118
personagens psicológicos, manipulações temporais que geram confusões e
descrições da sociedade. O visual e o sonoro mesclam-se com o subjetivo,
indiferenciando-os.
Vladimir Propp (1984) ao descrever as 31 funções dos contos
maravilhosos, agrupou as funções de maneira lógica, distribuindo-as nas sete
esferas de ação correspondentes ao que cada personagem realiza na
narrativa, não se atendo a personagens específicos. Propp (1984) identifica as
esferas de ação inseridas nos contos maravilhosos por: 1) o antagonista (ou
malfeitor); 2) o doador (ou provedor); 3) o auxiliar; 4) a princesa (personagem
procurado) e seu pai; 5) o mandante; 6) o herói e 7) o falso herói. Mesclam-se,
assim, atributos do guardador de valores sociais, do transgressor e do
mediador.
Personagem Esfera de ação
Antagonista ou malfeitor Compreende e dano, combate e
outras formas de luta contra o herói e
a perseguição;
Doador ou provedor Compreende a preparação para a
transmissão do objeto mágico e o
fornecimento do mesmo ao herói;
Auxiliar Compreende o deslocamento do herói
no espaço, a reparação do dano ou
carência, o salvamento durante a
perseguição, a resolução de tarefas
difíceis, a transfiguração do herói;
Princesa (objeto procurado e seu pai) Compreende a transposição de
tarefas difíceis, a imposição de um
estigma, o desmascaramento, o
reconhecimento, o castigo do
malfeitor e o casamento;
Mandante Compreende o envio do herói;
Herói Compreende a partida para realizar a
procura, a reação perante as
exigências do doador, casamento
Falso herói Compreende a partida para realizar a
procura, a reação perante as
exigências do doador, sempre
negativa e com pretensões
enganosas.
Quadro 2: Esferas de ação (PROPP, 1984)
119
Além destes, observa-se, hoje, que uma outra configuração de
personagem vem ganhado inserção, principalmente junto às animações e
outras produções filmográficas, o comic relief. Este personagem, através de
suas atribuições hilariantes e divertidas, oferece alívio cômico às cenas. Assim,
o denso conteúdo afetivo-emocional das histórias, o impacto dramático e as
cenas de suspense são suavizados por este personagem picaresco, descrito e
valorizado por Vogler (1992). Apresentando-se sob distintas nuances,
personagem e narrativa retroalimentam-se, povoando de vida e dinamismo as
histórias.
Distintas variáveis vão dando forma aos personagens que,
compreendidos por uma complexa rede de contrariedades, podem ser simples
ou complexos, explorando com desenvoltura as possibilidades do romance. Os
personagens podem assumir mais de uma função e, ao mesmo tempo, uma
mesma função pode ser representada por mais de um personagem. A gama de
funções vivenciadas vai compondo o status psicológico dos personagens.
Vladimir Propp (1984) percebeu que os personagens o constituídos por
elementos variáveis e invariáveis. Enquanto o nome, o sexo, a idade,
características psicológicas e outros traços dão unidade às características
variáveis; os sujeitos das sete esferas de ação figuram a parte invariável.
Greimas (1973) propõe o modelo actancial do personagem de ficção, sendo o
actante a função exercida pelo personagem.
Cândido (1981) concentra-se no papel do personagem nos romances
literários. Estes atores, grandes responsáveis pela organização narrativa,
recheiam de vida o enredo, dando realismo às idéias, exprimindo valores e
significados. O conjunto formado pelo enredo, personagens e idéias revela-se
indispensável ao todo novelístico. O enredo ficcional apropria-se de vivências
reais, preenchendo-as, posteriormente, pelo caráter mágico, simbólico e
imaginário, tendo, no personagem, o principal ator.
Sob o formato cinematográfico do gênero da animação, novas
narrativas, marcadas pelo caráter efêmero e transitório, têm sido
incessantemente ofertadas pela indústria cultural. Nas produções
cinematográficas, o personagem fornece vigor ao enredo, contribuindo para o
120
caráter expressivo e existencial intencionado. A ficção ou mimesis são
revolvidas por atributos que permitem uma superposição ao real, dotando de
credibilidade um cenário dominado por um tempo e espaço específicos. A
impressão, sugerida pela imagem e pela representação fílmica, participam
como recursos da narratividade (ROSENFELD, 1981). D’Onofrio (2007)
salienta que o estudo do personagem apresenta uma estreita ligação com o
estudo da fábula, pois se configura no elemento que vida às ações,
restringindo os personagens a seres humanos ou antropomorfizados.
A fim de cumprir com as pretensões do enredo, os personagens podem
ser colocados a serviço de uma denúncia ou de uma aprovação. Recobertas
por possibilidades narrativas, as histórias de ficção, idealizadas pelos
animadores, são hábeis em reconstruir experiências cotidianas, contando com
os recursos do gênero. Estas produções, mesmo que distanciadas das
possibilidades reais, convocam com maestria o espectador a reflexões acerca
da complexidade das experiências cotidianas. Atentando-se à oferta narrativa,
proporcionada pela literatura e pela cinematografia, Simões (2006) observa que
tais formatos ativam reações do público, podendo ser interpretados e
processados na intimidade da leitura ou no recolhimento fílmico.
Campbell (1949), em O herói de mil faces, discorre acerca da trajetória
do herói, apontando para as infindáveis possibilidades do personagem, que
pode ter adaptada o padrão mítico a seus propósitos ou às necessidades de
sua cultura (VOGLER, 1992). Vogler (1992) amplia seu estudo, dando
destaque às figuras simbólicas e enfatizando a trajetória do herói, ao discutir
histórias contemporâneas e temas comuns ao cinema, construindo sua
estrutura de acordo com as necessidades da história. Sob a junção de
diferentes arquétipos, como o velho, o sábio, o herói e o antagonista,
personagens repetem-se nas formações narrativas, refletindo a forma mito e
ofertando o sinal de verdade psicológica, independente do fantástico, do
impossível ou irreal. Envoltas por questões universais, podem ser aplicadas à
análise dos problemas humanos, cada história pode apropriar-se dos padrões
míticos que se adéqüem a sua proposta. “Quem sou eu? De onde vim? Para
onde vou quando morrer? O que é bom e o que é mal? Como devo agir com o
121
bem e com o mal? Como será o amanhã? Para onde foi o ontem? Será que
tem alguém em cima?” (VOGLER, p.26, 1992). Descreve diferentes tipos
heróicos que, inseridos em seus contextos e dotados por suas particularidades,
singularizam-se perante os demais heróis apresentados. Análises propostas
por Tomachevski (1971) reforçam a constatação de que as narrativas orientam-
se apoiadas no destino do herói, que pode ser apolíneo, dionisíaco, titânico ou
realístico. Perfeitos, falhos, transgressores ou emocionais, uma rede de
personagens faz com que suas características entrecruzem-se, aproximem-se
e distanciem-se, para que, finalmente, sejam tomados por uma identidade e por
uma história que lhes individualiza. A combinação e a intercomunicação entre
os personagens vai mostrando o rumo que as estruturas narrativas vão
tomando. Outras histórias, desenvolvidas para o cinema de animação, rendem-
se à mesma estrutura da fábula, que coloca em jogo personagens e situação:
“a calma no início, perturbada por uma entidade maléfica: em seguida, a
intervenção do herói que, após dar todas as provas de coragem e poder, vence
o adversário em luta renhida; e, finalmente, o retorno à calma, sempre
ameaçada pela possibilidade de uma ação maléfica” (MIRANDA, 1971, p.42).
Apropriando-se da obra de Propp, Vogler (1992) repensa a maneira pela
qual Campbell valeu-se da teoria arquetípica de Carl G. Jung. Os arquétipos
são padrões de personalidade presentes em símbolos, relações e em
personagens, dando representatividade à linguagem universal. São
componentes pertencentes a todo ser humano, cuja expressão ressoa de
forma familiar àqueles por eles tocados. Nesta inter-relação entre personagens
e arquétipos, o narrador recria enredos amplamente reconhecidos. Se, antes,
Vogler (1992) atribuía a cada personagem um arquétipo, posteriormente
atrelou os arquétipos ao transcurso da história, convocando-os distintamente,
no intuito de provocarem reações. Neste sentido, um mesmo personagem pode
dar representação a mais de um arquétipo, permitindo a continuidade da
história.
Jung sugeriu que pode existir um inconsciente coletivo no
inconsciente pessoal. Os contos de fadas e os mitos seriam como os
sonhos de uma cultura inteira, brotando desse inconsciente coletivo.
Os mesmos tipos de personagens parecem ocorrer, tanto na escala
pessoal como na coletiva. Os arquétipos são impressionantemente
122
constantes através dos tempos e das mais variadas culturas, nos
sonhos e nas personalidades dos indivíduos, assim como na
imaginação mítica do mundo inteiro (VOGLER, 1992, p.48).
Os arquétipos mais comumente verificados e valorados por Vogler
(1992), junto às funções dos personagens, na seqüência narrativa, são: o herói/
anti-herói, o mentor, o guardião do limiar, o arauto, o camaleão, a sombra e o
pícaro. Dentre as figuras arquetípicas encontradas nos contos maravilhosos,
estão: o lobo, o caçador, a boa mãe, a madrasta, a fada madrinha, a bruxa, o
príncipe e a princesa, cada um desempenhando funções especializadas. Um
único personagem pode dar ressonância a mais de um arquétipo, capaz de
simbolizar diferentes qualidades humanas, dando visibilidade a suas
propriedades de forma temporária ou transitória.
Como o vilão, o anti-herói é errado, talvez feio e (um pouco)
mau. Mas, como o herói, é personagem pelo qual narrador e
espectador torcem, com quem se emocionam, se identificam e
querem ver vitorioso, feliz e eventualmente perdoado (CAMPOS,
2007, p.155).
Cada arquétipo possui uma descrição coerente com a função de seu
personagem. O Mentor é aquele personagem que orienta e protege o herói,
exemplificado pela Fada Madrinha, em Cinderela; o Guardião do Limiar são
aqueles que se prestam às aspirações; o Arauto pode ser encarnado por uma
figura positiva, negativa ou neutra, mas que faz uma convocatória do herói para
a aventura; o Camaleão é o personagem mutante, capaz de transfigurar-se; a
Sombra demarca qualidades negativas, segredos obscuros e aspectos
positivos, ocultados ou rejeitados do espectador, incorporados pelo Mentor ou
pelo Camaleão, tendo como função desafiar o herói; o caro é aquele capaz
de produzir o alívio cômico (VOGLER, 1992).
Envoltos por qualidades, emoções e motivações, os personagens
experimentam distintos sentimentos, como vingança, raiva, competição,
insegurança e outros. Assim, distanciam-se da perfeição estereotipada e
aproximam-se de seu público. A ação narrativa explicitada por Eco (2000)
caracteriza-se pela mimese, mecanismo capaz de recriar e simular as
realidades dotadas de emoções e paixões, próprias do humano, refletindo um
123
processo de projeção-identificação, como enfatiza Morin (2007
a
). De
endeusados, passam a humanizados, refletindo fraqueza, imperfeição,
ambivalência e traumas, atraindo platéias.
A figura do herói é arquitetada por duas vias, podendo constituir-se pelo
conjunto de poderes superiores e pelo conjunto de virtudes, encontrando
potencial de realização junto ao humano, com a astúcia, a velocidade, a
inteligência e o espírito de observação. Estes traços, que compõem o quadro
estrutural dos personagens, são alvos de identificações e projeções do
espectador, motivados por uma base moral. Carregados por uma carga
emocional, os personagens inspiram a simpatia e a antipatia do público que os
contata. Dentre todos os personagens, o herói é aquele que desperta maior
atração, provocando compaixão, simpatia, alegria, dor ou tristeza (ECO 2000).
3.1.2 A figura do narrador
Observam-se particularidades quanto ao elemento do narrador, de uma
história para outra. O narrador é uma figura criada para a ficção, compondo-se
por traços que diferenciam uma tipificação da outra. Alguns emitem
posicionamentos, enquanto outros permanecem imparciais por toda a narrativa.
Em outras narrativas, este agente pode tomar a forma de um personagem,
mergulhando no todo da história. Independente de ser literária, teatral ou
fílmica confia-se a personagens fragmentos da narração.
Nas produções cinematográficas de animação, a figura do narrador não
se revela predominante, mas por vezes, faz-se presente. D’Onofrio (2007)
descreve dois tipos de narrador: o narrador pressuposto e o narrador
personagem. Subdivide cada tipologia em modalidades que diferenciam um
narrador do outro:
a) Narrador pressuposto
Narrador onisciente neutro: caracteriza-se por aquele agente que
apresenta a história, descrevendo personagens e cenários. A
124
intenção de neutralidade do narrador, em alguns momentos, é
burlada por seus posicionamentos e julgamentos;
Narrador onisciente intruso: caracteriza-se pelo narrador que
interrompe a seqüência, destacando suas impressões;
Narrador onisciente seletivo: caracteriza-se pelo narrador que
informa aquilo que o personagem sente e pensa, a partir de sua
interpretação;
Narrador-câmera: caracteriza-se pelo narrador que descreve o
transcurso da história, mas não possui a onisciência.
b) Narrador-personagem
Narrador-protagonista: identifica o personagem principal como o
responsável pela narração, apresentando suas impressões e
lembranças;
Narrador-personagem secundário: mesmo não sendo o
protagonista, narra uma história sob seu ponto de vista;
Narrador-testemunha: a narração se por um personagem
observador, mas que não participa da história;
Narrador dramático: caracteriza-se pela narração feita pelos
personagens.
Metz (apud VANOYE, 1994) sintetiza os tipos narradores em três:
Extra-diegético: comenta o filme independente de ser identificado.
À beira da diegese: o narrador não intervém diretamente no
desenvolvimento da história, mas, mesmo não identificado, está
presente no todo diegético.
Personagem: distintos personagens podem assumir a função de
narrador, tornando-se ativos ao acompanharem a história e a
direcionarem. Oriundos dos personagens, os recursos de flashbacks
são descritos, por suas funções narrativas.
Percorrida e envolta por um amplo leque de significantes, a figura do
narrador contribui com a visualidade do todo apresentado. A compreensão
deste elemento, na filmografia, não se limita a sua presença empírica, mas
125
exatamente à sua função. Assim, antes do espectador entregar-se às
subseqüentes imagens, existiu um elemento narrador-ordenador que
determinou a seqüência das mesmas. Diferindo da literatura, nas narrativas
cinematográficas a imagem pode ser compreendida como um enunciado
completo, facultando, a cada um, a internalização de uma quantidade de
informações indefinidas e constantemente atualizadas (METZ,1977).
3.1.3 Tempo
A categoria tempo, assim como a de espaço, associa-se com outros
elementos da narrativa. Tais unidades podem situar a história/ ficção num
momento ou circunscrevê-la no mundo do faz-de-conta. Assim, espaço e
tempo real o brevemente suspensos. Elemento filmográfico, facilmente o
tempo metamorfoseia-se, refletindo na qualidade do fantástico ou do real.
Conjuga-se a outras técnicas do cinema, como a diferenciação de planos,
movimentos da câmera e efeitos especiais dando um sentido a todo o aparato
final, a montagem.
O tempo do cinema impõe-se ao tempo real e a sucessão cronológica
das ações, é falsificado. Submetido a montagem, o tempo é ordenado ao ritmo
cênico. O tempo não é mais rígido, mas fluído, amplia o poder representativo
da imagem, podendo ser comprimido, alongado e revertido dependendo
daquilo que se intenta sugerir (MORIN, 1997). Através do manuseio da variável
tempo, pode-se dar um diferente significado ao universo fílmico, conduzindo o
espectador a impressões sobre a imagem. O flaschback integra-se à marcha
temporal da produção, inserindo o passado no tempo presente,
presentificando-o. O passado destaca-se enquanto recordação e rememoração
de um imaginário, perfazendo-se num tempo equívoco, em que subjetivo, este
tempo, reúne passado, presente futuro, indiferenciadamente.
Em suas avaliações acerca do aspecto temporal, Metz (1977) descreve
um duplo aspecto. A duplicidade da seqüência temporal abarca o tempo do
narrado e o tempo da narração, fixados respectivamente no tempo do
126
significado e no tempo do significante. O alcance da narração a difere da
descrição, pois consegue dar representatividade a uma instância, através da
transposição de um tempo a outro. D’Onofrio (2007) acrescenta, em suas
análises, a temática do tempo do leitor, aqui entendido pelo tempo do
espectador.
Todorov (1973) desenvolveu estudos acerca do tema da temporalidade
nas narrativas, apresentando diferenciações entre o tempo do discurso, ou
enunciação, e o tempo da história, diegético, ou do enunciado. Enquanto o
tempo do discurso revela uma linearidade, o da história é considerado
pluridimensional. Na história, uma quantidade variável de eventos pode
realizar-se simultaneamente; no discurso, os acontecimentos devem ser
orientados seqüencialmente. Visando fins estéticos, o recurso da deformação
temporal é recorrentemente utilizado pelos autores. Esta estratégia era
considerada pelos formalistas russos como o traço capaz de distinguir o
discurso, da história.
O tempo discursivo ou da enunciação diz respeito à representação do
tempo dentro da obra - é o tempo de quem fala e de quem escuta. “A
relatividade do tempo do narrador e do tempo do leitor deriva do fato de que
um pressupõe o outro e os dois tempos se complementam na instância do
presente contínuo da enunciação” (D’ONOFRIO, 2007, p.85). O tempo
discursivo pode ter duas características: linear e invertido. O linear apresenta
os fatos da história respeitando sua cronologia; o invertido pode ser de dois
tipos: propelepse (antecipa a ordem cronológica de um fato) e analepse (a
história inicia pelo meio ou fim, apresentando seu início mais adiante, através
do flashback.
O tempo diegético ou do enunciado é descrito pelo tempo dos
acontecimentos, podendo ser seccionado em cronológico e psicológico. A
seqüencialidade marcada por elementos da natureza, pelo ciclo da vida, pelo
calendário ou pelo relógio, integra o tempo cronológico. Intentando
proporcionar a ilusão de realidade, vale-se do princípio da verossimilhança e
das relações de causalidade. Por outro lado, a flexibilidade do tempo
psicológico é evidenciada nas narrativas. Este tempo não compreende marcos
127
absolutos, quantificáveis ou padronizados, mas relaciona-se à percepção
temporal do personagem. Nele, a impressão de um passado e a sugestão de
um futuro fundem-se num único tempo. As narrativas que focam seus enredos
no tempo psicológico são denominadas como de fluxo de consciência e focam-
se no transcurso pquico de um ou mais personagens (D’ONOFRIO, 2007). O
tempo da leitura, por sua vez, é um tempo irreversível, que determina nossa
percepção do conjunto (TODOROV, 1973, p.235). A reflexão sobre o tempo,
apresentada por Jean Epstein, destaca que “o cinema cria uma apercepção
inteiramente original do tempo”, produzindo um tempo sui generis, diferente do
tempo humano (AUMONT, 2006, p.288). O tempo, considerando o “ponto de
vista psicológico, caracteriza-se pela duração experimentada” (AUMONT,
p.160, 1995).
Tomachevski (1971), ao reconhecer o papel do tempo e do espaço,
ratifica a relevância de um olhar atento a tais elementos da narrativa. Distingue
o tempo da fábula - tempo no qual ocorrem os acontecimentos descritos do
tempo da narração limitado à duração da produção. Descreve as maneiras
pelas quais o tempo da fábula pode ser desenvolvido: a) pela descrição do
período, situando a ação no tempo; ou de forma relativa, através de uma
conexão temporal da ação dramática; b) pela indicação temporal dos
acontecimentos; c) pela criação da impressão de duração, seja através de
longos discursos ou da seqüência rápida de ações, marcando uma composição
que se diferencia de história para história, conformando seu ritmo.
Greimas, Bremond e Todorov analisam o tempo de maneira similar a
Claude Lévi-Strauss, que compreende a ordem da sucessão cronológica a
partir de uma representação atemporal (BARTHES, 1973). Mesmo enraizado
em um tempo histórico, o tempo dos contos maravilhosos apresentam-se de
maneira a-histórica, revelando-se indeterminado. Esta acepção de tempo,
segundo Coelho (2000) é derivada da consciência mítica do homem do início
dos tempos.
128
3.1.4 Espaço
O espaço, elemento da estrutura narrativa, ajuda a caracterizar o cenário
do enredo. Sua função é descrever o lugar onde a história se passa e onde os
personagens se movem, estabelecendo diferenciações com o real. Seu
conteúdo, seja ele pictórico ou descritivo, informa ao leitor/espectador algo
sobre a história, contribuindo para a impressão de seu todo. O espaço
diegético atrela-se a um contexto que organizam o todo fílmico ao espectador.
Alternando-se entre o espaço representado e o não representado,
complementam-se. Quando não representado visualmente, é construído
imaginariamente pelo espectador, que se remete à narrativa e o deduz. O
espaço representado ilustrado pela imagem e o espaço representante
significante são inseparáveis e dão origem ao espaço narrativo que articula o
conteúdo à expressão. O espaço narrativo pode ser descrito pelo cenário,
arquitetura, montagem, iluminação, profundidade, entre outros (VANOYE,
1994).
O espaço fílmico é descrito por Aumont (2006) através de considerações
acerca do plano, da cena e da seqüência. O plano refere-se ao campo, ao
pictórico; a cena atrela-se a um espaço coerente e homogêneo frente aos
planos; a seqüência e outras formas complexas de montagem apresentam um
espaço abstrato, no qual se combinam percepções e considerações psíquicas.
Nesta representação, Aumont enfatiza a narrativa, pois o espaço é definido
através dos acontecimentos nele suscitados. Kunz (2003) destaca que o
tratamento dado ao espaço e ao tempo implica em distintas possibilidades de
significação narrativa (KUNZ, 2003). Simbioticamente, tempo e espaço
incorporam-se um no outro, reluzindo a matéria e o espírito.
O espaço filmográfico é ofertado a partir de planos contínuos e
descontínuos. A câmera passeia por distintos campos, rapidamente, transita do
objeto total para o detalhe do mesmo, sendo capaz da ubiqüidade temporal e
espacial, ultrapassando o estático. Como no elemento tempo, o espaço pode
dilatar-se, encolher e mover-se, metamorfizando-se da microscopia a
macroscopia. O plano define-se parcela do filme delimitada pelo início e o
término de uma tomada; o plano do filme finalizado se caracteriza pela
129
totalidade das colagens que interligam planos subseqüentes (VONOYE, 1994).
Perante o écran imóvel, o espectador imerge no fantástico da imagem que
hipnotiza. A metamorfose da imagem oscila entra a latente e a manifesta, com
suas particularidades, a primeira refere-se a uma produção fílmica com
enfoque realístico, enquanto segunda no fantástico (MORIN, 1997).
Vanoye (1994) discorre acerca da narração fílmica clássica, atenta à
coerência da narrativa, à linearidade e à homogeneidade. Esta perspectiva
estreita a relação entre cenas/seqüências e dinâmica de causas/efeitos.
Usualmente, é uma narrativa centrada em um personagem principal, que vai
indicando seu desenvolvimento, respeitando a dinâmica das causas e efeitos.
Já, as narrativas fílmicas modernas, apresentam questões não resolvidas,
personagens psicológicos, manipulações temporais que geram confusões,
descrições da sociedade.
O nível no qual os contos se passam pode ser o dimensional ou o não-
dimensional. O primeiro divide-se no horizontal e no vertical; o vertical
relaciona-se ao sobrenatural, enquanto o horizontal é demarcado pelo espaço
humano. O sobrenatural pode estar relacionado com os aspectos do alto
seres superiores, anjos - ou com o baixo demônios, seres malignos. O
humano pode ser tópico, atópico ou utópico cada um com suas
especificidades. O espaço tópico é o lugar conhecido e seguro; o atópico
demarca um lugar estranho, hostil; e o utópico é aquele lugar que não existe na
realidade, mas se idealiza. Inspirada em aspectos do espaço real, a ficção
possui o seu próprio espaço que, oriundo do imaginário de seu criador, pode
ser mágico e livre das regras do cotidiano (D’ONOFRIO, 2007).
No que tange à variável lugar e espaço da ação, Propp atém seu foco a
duas situações: a) o caso estático, em que os personagens se encontram em
um mesmo lugar, espaço onde se constrói o desenvolvimento da ação; b) o
caso cinético, no qual a narrativa é descrita em diferentes espaços.
Indistintamente, as narrativas desenvolvem-se sobre o tempo e/ou espaço.
Enquanto um destes elementos pode ser estático, o outro deve ser dinâmico no
conjunto da obra.
130
3.2 Análise narrativa: Descrição das funções de Vladimir Propp
Na obra Morfologia do conto maravilhoso, Vladimir Propp (1984)
apresenta um modelo da forma/estrutura das narrativas. Seu estudo apoiou-se
na análise de cem narrativas de contos maravilhosos em que destacou 31
sintagmas narrativos. Sob a denominação de funções, estes sintagmas
relacionam-se uns aos outros pela causalidade, caracterizando a ação de um
personagem. Logo, cada função deve estar submetida à ão de um
personagem pela relação de causalidade.
Vladimir Propp (1984), no entanto, demonstra que, munido por
grandezas constantes e variáveis, os enredos constroem-se a partir de uma
base comum. As funções ou ações compreendem a parte invariável dos
contos, ilustradas pelo comportamento dos personagens; o meio, o nome dos
personagens e seus atributos, por sua vez, correspondem à parcela de
elementos sujeita a variações. Propp (1984) verifica que a seqüência de tais
funções atende a uma ordem, respeitando também uma mesma estrutura.
Independentemente da função iniciadora da narrativa, quanto mais antigo e
tradicional for o conto, menor a probabilidade de retornar a uma função prévia e
romper com a sucessão de funções (RODARI, 1982). Hohlfeldt (2006), em
análise acerca das variações narrativas do conto O Chapeuzinho Vermelho,
demonstra que as narrativas não tradicionais apresentam um distanciamento
da estrutura delineada por Propp.
Observações acerca da similaridade entre as funções haviam sido
verificadas por historiadores de religiões, em mitos e crenças. No entanto, é
Vladimir Propp (1984) quem descreve um grupo de pressupostos do conto
maravilhoso:
1) as funções são os elementos constantes e permanentes de um conto
maravilhoso, formando as partes constituintes básicas do conto;
2) o número de funções do conto maravilhoso é limitado;
3) a seqüência das funções é sempre idêntica;
4) os contos desenvolvem-se a partir de uma mesma base.
131
Mesmo possuindo um significado singular, cada uma das funções
delineadas por Propp encontra-se aberta a uma diversidade de novos
significados (RODARI, 1982, p.68). As narrativas dos contos, conforme destaca
Barbero (2003), desenvolvem-se a partir do percurso traçado pelo herói. Em
sua análise, Propp (1984) não se deteve à figura do herói, mas enfatizou as
funções dos diversos personagens, descrevendo as 31 funções que participam
da estrutura morfológica do conto. Tais funções erguem-se no conto após a
situação inicial. As sete primeiras funções participam introduzindo a intriga,
enquanto as funções sucessivas correspondem à ação propriamente dita:
01) um dos membros da família sai de casa (afastamento/ ausência);
02) impõe-se ao herói uma proibição (proibição);
03) proibição é transgredida (transgressão);
04) o antagonista procura obter uma informação (interrogatório);
05) o antagonista recebe informações sobre a sua vítima (informação);
06) o antagonista tenta ludibriar sua vítima para apoderar-se dela ou de
seus bens (ardil/ logro);
07) a vítima se deixa enganar, ajudando assim, involuntariamente, seu
inimigo (cumplicidade);
08) o antagonista causa dano ou prejuízo a um dos membros da família
(dano/ mal-feito);
8.1) falta alguma coisa a um membro da família, ele deseja obter algo
(carência);
09) é divulgada a notícia do dano ou da carência, faz-se um pedido ao
herói ou lhe é dada uma ordem, mandam-no embora ou deixam-no ir
(mediação, momento de conexão, apelo);
10) o herói-buscador aceita ou decide reagir (início da reação);
11) o herói deixa a casa (partida);
12) o herói é submetido a uma prova; a um questionário; a um ataque;
que o preparam para receber um meio ou um auxiliar mágico
(primeira função do doador);
13) o herói reage diante das funções do futuro doador (reação do herói);
132
14) o meio mágico passa às mãos do herói (fornecimento, recepção do
meio mágico, transmissão);
15) o herói é transportado, levado ou conduzido ao lugar onde se
encontra o objeto que procura (deslocamento no espaço entre dois
reinos);
16) o herói e seu antagonista se defrontam em combate direto
(combate);
17) o herói é marcado (marca, estigma);
18) o antagonista é vencido (vitória);
19) o dano inicial ou a carência são reparados (reparação de dano ou
carência);
20) regresso do herói (regresso);
21) o herói sofre perseguição (perseguição);
22) o herói é salvo da perseguição (salvamento, resgate);
23) o herói chega incógnito à sua casa ou a outro país (chegada
incógnito);
24) um falso herói apresenta pretensões infundadas (pretensões
infundadas, impostura);
25) é proposta ao herói uma tarefa difícil (tarefa difícil);
26) a tarefa é realizada (realização);
27) o herói é reconhecido (reconhecimento);
28) falso herói ou antagonista ou malfeitor é desmascarado
(desmascaramento);
29) o herói recebe nova aparência (transfiguração);
30) o inimigo é castigado (castigo punição);
31) o herói se casa e sobe ao trono (casamento).
A seqüência sintagmática, proposta por Propp, entre o início, meio e fim
do conto, é em parte reiterada por Barbero (2003), quando pensa na
complexidade da narrativa originada pela trajetória do herói e do vilão,
finalizada por revelações que garantem a estabilidade perdida na cena
primitiva, ou pelo restabelecimento da falta. Bettelheim (2002) acrescenta que,
no conto de fadas tradicional, o herói é recompensado, enquanto o vilão é
submetido a uma experiência que, sob o julgamento do autor, apresenta-se
133
como a mais adequada para puni-lo por suas atitudes desprezíveis. Coelho
(2000) verifica que independente do tipo de conto, maravilhoso ou de fadas,
pode-se sempre extrair cinco invariantes que se imbricam com as variantes:
“aspiração (desígnio), viagem, obstáculos (ou desafios), mediação auxiliar e
conquista do objetivo (final feliz)” (COELHO, p.109, 2000).
Vogler (1992), atento ao percurso do protagonista da história, delineia
um modelo da jornada deste personagem. Apesar de independentes, pode-se
traçar algumas relações entre esta estrutura e o modelo de Vladimir Propp.
Divididos em três atos, Vogler (1992) propõe os estágios da jornada do herói. O
primeiro ato compõe-se pelo mundo comum, pelo chamado à aventura, pela
recusa do chamado, pelo encontro com o Mentor e pela travessia do primeiro
limiar; o segundo ato abrange testes, aliados e inimigos, a aproximação da
caverna oculta, a provação suprema e a recompensa; o terceiro ato
caracteriza-se pelo caminho de volta, pela ressurreição e pelo retorno com o
elixir. Cada um destes atos adapta-se ao contexto da narrativa. A jornada do
herói pode representar, além de um caminho, uma transformação no seu
íntimo, caracterizando as histórias emocionais, hábeis em atrair a atenção do
público. Apresentando heróis, vilões e importantes figuras coadjuvantes, além
de diferentes ambientes, como florestas, castelos, labirintos e cavernas, tais
narrativas apresentam personagens fortes, valentes, inseguros, preguiçosos,
perspicazes, ardilosos ou vingativos.
A seqüência da jornada do herói é recapitulada por Vogler (1992) da
seguinte maneira:
1. os heróis são apresentados no mundo comum, onde
2. recebem um chamado à aventura
3. primeiro, ficam relutantes ou recusam o chamado mas,
4. num encontro com o mentor, são encorajados a fazer a
5. travessia do primeiro limiar e entrar no mundo especial, onde
6. encontram testes, aliados e inimigos,
7. na aproximação da caverna oculta, cruzam um segundo limiar
8. onde enfrentam a provação suprema.
9. ganham sua recompensa e
134
10. são perseguidos no caminho de volta ao mundo comum.
11.cruzam então com o terceiro limiar, experimentam uma ressurreição e
são transformados pela experiência.
12. chega enfim o momento do retorno com o elixir, a benção ou o
tesouro que beneficia o mundo comum (VOGLER, 1992, p. 44).
Estas etapas são preenchidas com dados que diferenciam uma narrativa
da outra. Tal estrutura, com suas particularidades e variações atende também
às formações de romances, comédias, dramas contemporâneos e aventuras de
ação, necessitando apenas da substituição das figuras simbólicas e demais
elementos por outros, equivalentes e adequados ao contexto descrito. Sujeita a
variações, importa que esta ordem esteja invadida pelos valores da jornada do
herói como “jovens heróis em busca de espadas mágicas de velhos magos,
donzelas arriscando a vida para salvar entes queridos, cavaleiros partindo para
combater dragões cruéis em cavernas profundas” (VOGLER, 1992). Atrelando-
se às funções elencadas por Propp (1984) aos elementos pertinentes à jornada
do herói, observa-se uma relação de complementaridade entre elas, onde as
funções dos personagens participam das situações que constituem o enredo da
história. As diferenciações entre os níveis descritos por ambos os estudiosos
contribuem para as análises estruturais das produções cinematográficas de
animação, permitindo criativas compreensões acerca daquilo a que dão
representação.
135
Conceitos
Personagem “constituem os suportes vivos da ação
e veículos das idéias que povoam
uma narrativa” (D’ONOFRIO, p.75,
2007)
Formas narrativas maneira pela qual se dispõem os
elementos estruturais de uma obra.
Dividem-se em formas simples e
formas cultas de narratividade.
Formas simples: o mito, a lenda, o
conto popular, a saga, a adivinhação,
o causo, a anedota, o provérbio;
Formas cultas: poesia épica, novela,
romance, conto erudito, crônica
(D’ONOFRIO, 2007).
Fábula termo utilizado pelos formalistas
russos, integra a gama de incidentes
potenciais a constituir uma narrativa
(CAMPOS, 2007). “história na ordem
cronológica dos acontecimentos
(D’ONOFRIO, p.108, 2007)
Trama “história artisticamente apresentada”
(D’ONOFRIO, p.108, 2007)
Conto maravilhoso aborda uma “problemática social, a
busca de realização da personagem
pela fortuna material” (COELHO,
p.109, 2000)
Conto de fadas desenvolve um “problema existencial,
a busca de realização interior pelo
amor”(COELHO, p.109, 2000)
Fantástico “texto literário de conteúdo fabular,
além de não poder acontecer porque
infringe as leis físicas da realidade em
que vivemos e os padrões normais de
nossa razão” (D’ONOFRIO, p.125,
2007)
Roteiro “esboço de uma narrativa que será
realizada através de imagens e sons
numa tela de cinema ou TV”
(CAMPOS, p.328, 2007).
Trilha “percurso que um personagem, ação,
objeto ou som traça dentro de uma
estória” (CAMPOS, p. 100, 2007)
Trama “reunião das trilhas que compõe um
incidente ou uma seqüência de
incidentes” (CAMPOS, p.100, 2007);
a “trama principal é o fio de estória
que o narrador selecionou como
principal (CAMPOS, p.102, 2007)
136
Peripécia “mudança na qual uma ação toma
rumo inverso ao que vinha tomando”
(ARISTÓTELES, p. 255, 1998)
Quadro 3: Conceitos
3.3 A representação fílmica: Possibilidades para a significação
Uma produção pode ser analisada a partir de um enfoque posto, através
do qual, os elementos do texto fílmico ou literário, relacionam-se com o objetivo
temático que se pretende verificar. No entanto, a análise, propriamente dita,
apóia-se no conjunto do texto.
Os sentidos produzidos pela análise podem ser múltiplos, pois cada
texto abre um leque de possibilidades interpretativas. Somam-se as intenções
do autor, os aspectos de coerência textual e o sentido efetivado pelo leitor. A
unidade de cada posição interfere na ação interpretativa, a partir do sistema
afetivo daquele que sobre o texto debruça-se. Um texto fílmico ultrapassa o
limite da mera narração, mas apropria-se de aspectos sócio-históricos em que
é produzido. Identificando-se ou recusando os ditames do período, cada filme
remete-se direta ou indiretamente a sociedade na qual se inscreve. Sua
narrativa pode refletir em um passado ou em um futuro, mas faz alusão ao
presente. No filme representa-se parte do real e do social , constrói-se nele, um
mundo possível e imaginário, mas dotado de coerência interna (VANOYE,
1994).
A complexidade da interpretação fílmica inclui o processo simbólico.
Como produção representativa, o cinema é hábil em despertar o simbólico,
independente do fato, desta intenção estar explicitada. Vanoye (1994) esboça,
em três classes, a diferenciação das produções, conforme as possibilidades
simbólicas legitimadas e suas particularidades:
1) Filmes que impõem ao espectador a leitura simbólica, afastada da
literalidade, desta forma, elementos presentes na narrativa fílmica,
possuem um sentido não revelado. Freqüentemente, tais formatos
rompem com o realismo, ao serem atravessados por elementos
heterogêneos ou gicos, dotados de simbolismos. Por vezes, o
137
ideológico, o político, o espiritual e o poético invadem as produções
exigindo a interpretação simbólica.
2) Filmes que, na medida em que se desenvolvem vão sendo preenchidos
pelo simbólico. Estas produções o se desatam de sua qualidade de
sugerir o real, no entanto, não se prendem a coerência nem a
verossimilhança. A construção da personalidade dos personagens, os
desvios estéticos e o tratamento dado ao conjunto estrutural do filme
convidam a interpretações simbólicas.
3) Filmes que não requerem uma interpretação além da literal. Nestes, as
observações simbólicas estão submetidas ao olhar do analista ou do
espectador, negligenciando o simbólico.
Analisando a estrutura dos roteiros, Vanoye (1994) demonstra a
presença do simbólico. Desprendido, muitas vezes, da verossimilhança,
verifica-se reflexos no conjunto estrutural, no percurso narrativo e no
tratamento dos personagens. Similarmente, a imagem, elemento central do
cinema, produz sentidos que ultrapassam o sentido literal, assim, sua
seqüência permite configurações metamórficas. São as repetições, insistências
em planos, amplificações de aspectos visuais, incongruências entre imagens e
condensações que compõem as redes metafóricas.
A análise estrutural da narrativa herdou da lingüística o conceito de nível
de descrição. Podendo ser fonético, fonológico, gramatical ou contextual, para
que possa produzir significação, deve integrar-se a outro nível. “Um fonema,
embora perfeitamente descritível, em si não quer dizer nada; participa da
significação integrado em uma palavra; e a própria palavra deve-se integrar a
uma frase” (BARTHES, 1973, p.25). Barthes (1973) enumera, na obra
narrativa, três níveis de descrição interligados: o das funções (Propp e
Bremond); o das ações (Greimas) e o da narração (Todorov). “Uma função não
tem sentido se não tiver lugar na ação geral de um actante; e a própria ação
recebe sua significação última pelo fato de ser narrada, confiada a um discurso
que tem seu próprio código” (BARTHES, 1973, p.27).
Apoiado na teoria de Louis Hjemslev, D’Onofrio (2007) apresenta a
linguagem literária como um sistema de significação, formado pelo plano da
138
expressão (significante) e pelo plano do conteúdo (significado). O significado
pode ser conceptual ou referencial. Enquanto o significado conceptual
caracteriza-se pelo conteúdo denotativo, o significado referencial, o é pelo
conotativo, podendo ambos estarem inseridos em uma mesma estrutura
narrativa. A fim de ilustrar a concepção de sistema de significação, o autor
vale-se da palavra rosa, cujo significante é composto pelos fonemas /r/o/z/a/ e
cujo significado faz referência ao mundo real, como uma flor. A dupla
significante/significado, na linguagem literária, converte-se em significante “de
outro significado, o poético, que pode sugerir a idéia de amor, delicadeza,
perfume, efemeridade etc., dependendo do contexto e da sensibilidade do
leitor” (D’ONOFRIO, 2007, p.14). Os traços das narrativas entrecruzam-se com
os do leitor/espectador, estabelecendo com ele uma relação análoga e
favorecendo o reconhecimento de algumas situações inconscientemente
familiares.
A estrutura da narrativa literária e da narrativa filmográfica revelam
algumas propriedades similares. Aproximando-se dos aspectos que dão
unidade à obra literária, a narrativa fílmica é invadida pelo movimento,
revestida pela duração e pela transformação, submetendo-se a um mesmo
sistema de significação. Falar do cinema imprescinde que se discorra sobre a
imagem, elemento que carrega o valor da verdade extrema ou da ilusão. A
imagem, como espectro de uma realidade, intensifica sua sugestão de
verossimilhança e da imortalidade. A imagem presentifica-se como um duplo
ou como um reflexo do ausente, onde subjetividade e objetividade encontram-
se. Ao alcance de todos, o duplo permite uma experiência mágica, que
potencializa o encontro do sujeito com seu reino de duplos secreto, que
gradualmente vai sendo desvelado. O duplo é projetado sobre imagens,
abstrações ou outras formações, permitindo ao sujeito, distintos graus de
alienação, até o extremo da fusão ao duplo. O dulpo se perfaz através da
imagem do homem, anterior à íntima consciência de si próprio,
imagem reconhecida no reflexo ou na sombra, projetada no sonho,
na alucinação, assim como representação pintada ou esculpida,
imagem fetichizada e magnificada nas crenças duma outra vida, nos
cultos e nas religiões (MORIN, p.44, 1997).
139
Habilmente as produções cinematográficas induzem o espectador ao
encontro com suas sombras, com seus duplos, através da manipulação dos
elementos formativos, potencializando as cenas do caráter afetivo. O
espectador, então identifica e projeta conteúdos internos que são evocados
pela imagem, misturando seu Eu a diferentes narrativas e encontrando-se
nelas. De maneira particular o espectador reage ao que no écran,
espantado, envergonhado, admirado é interpenetrado pela imagem que lhe
mobiliza, particularmente, em função daquilo que lhe toca e como lhe comove.
A forma como a imagem reflete atitudes ou comportamentos comunica,
fornecendo substrato pata que se construa julgamentos acerca dos valores e
impressões da vida.
O espectador projeta-se na totalidade daquilo que lhe é ofertado,
focando-se naquilo que diz respeito a suas aspirações, receios e desejos do
próprio espectro, podendo converter-se em uma experiência alucinatória.
Paralelamente a este fenômeno, tem-se a identificação, através da qual o
espectador absorve o mundo que lhe é apresentado. Como no sonho, a
imagem fílmica, invadidos pela subjetividade, convoca a dupla de projeção-
identificação. O homem participa afetivamente do mundo que o cerca, daquilo
que lhe é ofertado, incitando distintas reações, mediadas pela magia de um
inconsciente ilógico que confere uma alma aos menos significantes objetos.
Este mesmo processo cotidiano de projeção-identificação desenvolve-se no
cinema, onde através da emoção, participa-se afetivamente do espetáculo que
da alma às histórias. Concorda-se com Morin (1997) ao afirmar que na origem
da percepção cinematográfica existe o mecanismo de projeção-identificação. A
experiência cinematográfica permite que se vivifique pela via da emoção, em
sua cinestesia psíquica, aquilo que lhe é ofertado. O espectador é capturado
intensamente pela representação cinematográfica, podendo indentificar-se com
os personagens estranhos, ou rejeitados.
Verifica-se que a imagem, a sonoridade, os conceitos e a história, ao se
encontrarem com o conjunto de significados do espectador, dão
representatividade a outros significantes. O tratamento dado a imagem -
artifícios como a elipse, a câmera lenta, a fusão de imagens, a sonoridade, o
140
jogo de alusões, a montagem, as referências diretas e indiretas - intenta
seduzir e fascinar o espectador, que é atraído por toda a combinatória que
caracteriza e qualifica o conteúdo apresentado. A manipulação de tais
elementos, mobiliza e convoca o sujeito que se entrega ao todo da imagem,
provocando, acelerando e intensificando o mecanismo de projeção-
identificação. Corresponde a necessidade de fuga e de devaneio próprias do
imaginário, portanto, mergulha-se no duplo que o imaginário oferece, distancia-
se do seu Eu que, posteriormente, é reencontrado e renovado pela satisfação
afetiva. Imaginário e psíquico nutrem o cinema, retralimentando-se.
O diferencial da imagem cinematográfica encontra-se na habilidade em
dotar de vida, dar alma e presença subjetiva a objetos seqüestrados da
realidade do cotidiano. O close up em um detalhe, o movimento da câmera, a
ênfase no sopro de um vento, o jogo de luzes ou o sombreamento participam
do jogo cênico, dando voz e autonomia ao inanimado. Absorto na imagem
cinematográfica, o espectador parte em busca do animismo. Este animismo é
acionado pelo desenho animado, que insufla de alma o mais bruto dos objetos,
naturalizando o antropomorfismo (MORIN, 1997). O processo de integração
dos elementos de uma narrativa constitui uma importante etapa do processo de
significação. Todorov (1973) destaca que os elementos da obra podem
produzir mais de um sentido, mas não infinitos sentidos. a interpretação dos
elementos está atrelada a posicionamentos do receptor, a sua ideologia e a
sua época. “Objetos ou rostos podem dar representação a aspectos de uma
civilização e cultura pelo fenômeno do cosmomorfismo, que, é a tendência para
carregar o homem da presença cósmica” (MORIN, p.91, 1997). Transferências
entre o homem microcosmo e macroscosmo inserem-se nas transposições
fílmicas, logo, homens cosmomórficos e objetos antropomórficos espelham
simbolicamente o micro e o macrocosmo (MORIN, 1997).
A relação entre os elementos postos nas produções fazem-nas
conquistar o formato de uma narrativa linear. O princípio da homogeneização
do significante visual, do significado narrativo e do significante audiovisual
participam das narrativas, sugerem a impressão de continuidade. O princípio
da linearização compromete-se com a intercomunicação entre os planos
141
subseqüentes. Tal processo envolve a forma como é comunicado ao
espectador a totalidade fílmica, seja através das reações dos personagens, da
sonoridade que acompanha cada plano e/ou os diálogos. Combinados, tais
recursos impõem-se a descontinuidade do significante fílmico, formatado por
imagens coladas, próprias da técnica da montagem.
Em um estudo focado na análise narrativa, emergem hipóteses e
interpretações acerca da relação entre o conjunto de significantes e seus
significados. Aumont (1995) descreve três tipos de semiologia que permitem
dar representatividade para um sistema de significação. A primeira semiologia
baseia-se na lingüística estrutural, lastro da grade sintagmática, na qual
distintas formas de representar uma ação são analisadas. A segunda
semiologia, apoiada na metapsicologia da psicanálise freudiana estados e
operações psíquicas comuns entre os indivíduos - tenta esclarecer a conexão
entre a imagem narrativa em movimento e o espectador. Esta proposta
preocupa-se em verificar aquilo que aproxima e distancia o estado fílmico do
sonho, da fantasia e da alucinação experienciados pelo espectador. O terceiro
objetivo do estudo narrativo, decorrente dos anteriormente citados, visa dar
sustentabilidade ao funcionamento social da instituição cinematográfica,
diferenciada pela representação social e pela ideologia (AUMONT, 1995). A
representação do social reflete uma sociedade e suas articulações, de modo
que o enredo proposto atende a situações pertinentes à época retratada. A
análise ideológica abriga manifestações oriundas das relações entre a
ideologia e uma escrita fílmica.
O espectador, frente ao conteúdo inserido nas representações fílmicas,
documentários ou não, é apresentado a um espetáculo. Caracterizado pela
ficção, pelos objetos, pelos atores e pela história contada, cada produção é
envolta por signos demarcados por um imaginário social. Em uma construção
representativa, a teoria lingüística participa do quadro fílmico através do
significado e do significante (AUMONT, 1995). “No cinema, o significante é
composto de sons e de imagens visuais, cujo significado não é exatamente da
mesma natureza do significado da linguagem verbal”; “a significação de um
filme é, com freqüência, assimilada a sua apreciação e a sua interpretação”
142
(AUMONT, p.269, 2006). Vanoye (1994), observando a lacunar e enigmática
organização narrativa, concerne ao filme a possibilidade de distintas
interpretações. “A narrativa é definida muito estritamente pela narratologia
recente como conjunto organizado de significantes, cujos significados
constituem uma história” (AUMONT, p.244, 1995). A narratologia dedica-se a
leis da narração, intentando assim, abranger o significado e as implicâncias do
contar. Da literatura, foi transposta para o cinema, distinguindo-se duas
vertentes:
1) Dedicada a “narrativa, pela camada de narratividade independente
do significante ou da linguagem, descritas pela análise estrutural e
pela lógica actancial (Greimas). Trata-se da narrativa do ponte de
vista de seu conteúdo;
2) Voltada para o ato narrativo e para a enunciação. Ela analisa os
diversos procedimentos que o ato de narração mobiliza, levando em
conta a materialidade do significante (icônico-sonoro para o filme,
escritográfico para o romance, etc)” (AUMONT, p.210, 2006).
Conforme o elucidado por Barthes (2000), a pesquisa semiológica
intenta reconstruir o funcionamento dos diversos sistemas de significação, que
incluem os componentes do signo o significado e o significante -, pela
concepção saussariana. Entre o significado e o significante, existe a
significação, caracterizada pelo processo de união destes elementos, cujo
produto é o signo. A investigação semiológica, amplamente abrangente, faz-se
capaz de responder aos questionamentos acerca de como se a recepção
das mensagens impressas na diversidade de materiais disponibilizados ao
público.
O cinema, como linguagem, visibilidade à semiologia do filme.
Aqueles sistemas destinados à comunicação humana podem ser considerados
uma linguagem. Definida por um conjunto de signos submetidos a regras,
torna-se hábil em expressar modelos de mundo, visões ideológicas,
sentimentos e normas de vida (D’ONOFRIO, 2007). Metz compreende que a
semiologia do cinema pode ser compreendida através das significações
oriundas do sistema de conotação e de denotação. Enquanto a produção de
143
sentido denotado prende-se às determinações espaço-temporais da
montagem; a produção de sentido conotado é envolta por um amplo leque de
possibilidades e está relacionada com uma combinação entre diferentes
elementos, capazes de produzir efeitos de causalidade, paralelismo e
comparação, reativando compreensões acerca do significado conceptual e
referencial (AUMONT, 1995). Metz (1977) destaca que a conotação fílmica
ultrapassa a significação denotada, mas não a contradiz, espelhando sua
natureza simbólica; a denotação, por sua vez, reflete a semelhança análoga e
perceptiva entre um significante e um significado a imagem de cachorro se
parece com um cachorro. Enquanto o significante se caracteriza pela imagem,
o significado é o que a imagem representa (METZ, 1977). O todo fílmico
constitui-se do conteúdo e de sua configuração expressiva, que combinados
incitam significações. Seu sentido fundamenta-se no diálogo entre os
personagens, o cenário e outros elementos, ganhando sentido pelo diálogo
(VANOYE, 1994).
A imagem figurativa em movimento e a expressão filmográfica,
ultrapassam a intenção de ilustrar o objeto tocado, pois são invadidas por um
conteúdo implícito e recoberto de significação. Distintas nuances de um conto
podem ser percebidas na medida em que o espectador apropria-se de seu
conteúdo e relaciona-o com seus referenciais interiores. Observa-se, assim,
que o momento existencial do sujeito participa do processo de significação de
um conto maravilhoso ou de uma filmografia. Logo, cada vez que o sujeito se
oferece a uma mesma história, novas e originais possibilidades de significação
são permitidas, demarcando o potencial simbólico das narrativas e de suas
imagens (ESTÉS, 1999). Assim, as características simbólicas dos personagens
e das situações por eles vivenciadas, ilustradas por obstáculos, pela busca da
felicidade e da transcendência, pelas experiências de perda, de abandono, de
morte e de separações, favorecem projeções e identificações junto à
permeável estrutura inconsciente. Estas filmografias contemporâneas de
animação, ainda que não seculares, nem perpetuadas através de gerações,
são hábeis em contrapor o mundo real com o mundo fantasmagórico,
permitindo que vivências passadas, presentes e futuras possam ser
experienciadas, revividas e elaboradas. Todos aqueles seres mitológicos,
144
gigantes, faunos, anões e fadas madrinhas, somados ao ambiente mágico e
encantador dos contos maravilhosos, convertem-se em uma senha de entrada
para o mundo do era uma vez... .
Na ficção, o plano real e lógico o preteridos; por outro lado, a fantasia
assume um papel decisivo, desenvolvendo possibilidades simbólicas,
devaneios e dando sustentação a narrativas complexas. É esta a marca
imprescindível de um conto maravilhoso, pois este deve permitir que seu
leitor/espectador mergulhe em seu conteúdo, através de um diálogo interno e
simbólico, estranhamente regido pelo estado de vigília. Corso (2006) reforça a
importância da marca onírica nas narrativas apresentadas ao público infantil,
concebendo ser através desta a via pela qual se o as significações e a
internalização de outras possibilidades vitais que fortalecem sentimentos de
superação.
Muitas vezes, certos adultos querem dar aula até no recreio, e
isso as crianças sentem quando lhes são oferecidas histórias
marcadamente educativas, repletas de bons princípios morais,
mesmo que sejam pautadas por ideais modernos, como a tolerância
e o respeito à natureza. Se esses princípios fizerem parte da vida do
autor, provavelmente encontrarão eco em suas histórias e, por essa
via, serão construídas as personagens boas e éticas com os quais
elas gostam de se identificar, mas se elas farejarem que estão diante
de um Cavalo de Tróia repleto de pedagogia, não terão dúvidas em
incendiar o engodo (CORSO; CORSO, 2006, p.304).
Aumont (1995) sugere que a imagem - em movimento ou fotográfica -
atende a uma amostra social que funda uma narrativa simples ou complexa,
recriando o contexto ao qual pertence. Detendo-se na imagem em movimento,
o autor acredita que a representação cinematográfica é permanentemente
construída, suscitando identificações, projeções, significações, e configurando
um processo de permanente devir. A impressão de realidade, promovida pela
filmografia, vem implicada por uma atividade afetiva, perceptiva e intelectiva
(METZ,1977). A gama de elementos envolvidos nas narrativas integra as
diferentes produções filmográficas, ao mesmo tempo em que respeita as
particularidades de cada história. O espectador, ao deparar-se fantasticamente
com perspectivas de sua realidade, é convocado a apropriar-se delas,
ressignificando seu conteúdo. O espectador é aquele sujeito que percebe a
145
imagem valendo-se de suas percepções, alucinações e de todo seu aparato
psíquico.
No cinema, a narratividade incorpora imagens, palavras, menções
escritas, ruídos e música, conjunto que lhe oferece um tom complexo
(AUMONT, 1995). Os discursos dos filmes, contos, romances e, mesmo da
pintura, quando vistos do ponto de vista semiológico, são dotados de
heterogeneidade (PINTO, 1973). Combinados entre si, tais elementos
participam da estrutura da narrativa fílmica, oferecendo significação. Um
grande filme possui o potencial de “revelar a universalidade da condição
humana, ao mergulhar na singularidade de destinos individuais localizados no
espaço e no tempo” (MORIN, 2000
b
).
Ferro (1992), ao remeter-se a Eisenstein destaca que as imagens
ofertadas pelo cinema são diretamente dependentes da cultura, estando a
serviço da mesma. Análises fílmicas demonstram o potencial do filme em
transpor alegoricamente a dimensão de seu conteúdo. Leon Trotski
salientava, em 1923, o poder do cinema em funcionar como instrumento de
propaganda, acreditando na sua capacidade de educar massas (FERRO,
1992). A tudo isso, Morin (2001
b
) acrescentou o potencial do cinema em refletir
realidades possíveis, cobrindo-as pelo caráter onírico e adaptando-as à
experiência cinematográfica através de um espetáculo coletivo, onde o afetivo
e o mágico, latentes, se presentificam. Mesmo quando marcadas por
conclusões evasivas e projetadas no infinito, habilmente a qualidade
imaginativa daquele que acompanha as narrativas é conclamada, identificando
uma semelhança com outros processos narrativos, delimitados pelo início e
pelo fim. Em outras produções com final em aberto, os diferentes elementos
tomados pelo fantástico, pela moral, pelo sentimental e pelo ideológico
combinam-se, fazendo um convite à resolução do conto (RODARI, 1982).
Barthes reconhece que a experiência cinematográfica conduz o sujeito a
um certo estado de hipnose e entorpecimento. É ainda sob esta mesma
condição que o espectador sai da sala de cinema, salvo quando possui uma
busca específica, submetida a um olhar pré-determinado. O espectador, em
sua ociosidade, entrega-se àquela imagem e a todo o conteúdo que lhe é
146
apresentado. O escurecer da sala o convida e o prepara para uma situação
pré-hipnótica que demarca a imersão na ficção projetada. Para Barthes (1988),
a imagem fílmica, atrelada à sonoridade, participa da fundação do imaginário.
O significado e o significante são fundidos pela imagem fílmica que,
coalescente, analógica (hipnose do verossimilhante) e global, resume-se a um
engodo. Pela via da representação, a imagem é capaz de despertar encanto,
cativar o espectador e gerar identificação, instituindo, com suas técnicas, a
naturalidade da cena filmada.
O cinema narrativo possui alguns elementos visuais não representativos,
tais como “escurecimentos e aberturas, a panorâmica da corrida, os jogos
estéticos de cor e de composição” (AUMONT, 1995, p.92). Para que um filme
converta-se em sua totalidade no status de não-narrativo, deve, também, ser
não-representativo, alheio ao processo de significação, ausente de relações de
tempo, de sucessão, de causa e de conseqüência. No entanto, mesmo que se
deparando com este estilo fílmico, o espectador é ironicamente convocado a
encontrar uma origem para a narrativa. Gradualmente, certifica-se que a
narratividade estende-se para além do cinema, revelando uma origem anterior
a ele, seja no teatro, no romance ou na conversa cotidiana. Tais peculiaridades
impõem uma interação entre as estruturas, viabilizando a formação de um
modelo narrativo cinematográfico.
A análise narrativa de um filme requer um caminho amplo, não se
restringe a sua linearidade, mas agrega anúncios, lembranças,
correspondências, deslocamentos e saltos vão compondo um quadro
significante. Então, em vista dos elementos que se entrecruzam, Aumont
(1995) dispensa o termo “narrativa” que incide notadamente sobre a linearidade
do discurso, enfatizando o “texto narrativo”. A diegese ou a história,
caracterizadas pelo significado ou pelo conteúdo narrativo, ilustram contextos,
a partir de um universo fictício. A diegese atende a uma interpretação narrativa
própria a cada espectador, através da qual se relacionam experiências
anteriores com os elementos desenvolvidos na cinematografia. “A diegese é
uma construção imaginária, um mundo fictício que tem leis próprias mais ou
menos parecidas com as leis do mundo natural, ou pelo menos com a
147
concepção, variável que dele se tem” (AUMONT, p.248, 1995). Observa-se,
portanto, no cinema um espaço e um tempo diegéticos. Aumont (1995),
refletindo sobre o ato de entrega do espectador a uma ficção, compreende que
este se depara, simultaneamente, com o mesmo filme e com um filme
diferente. Justifica tal afirmação com base na conclusão de que os filmes,
apesar de suas peculiaridades, descrevem repetidamente, uma história
emaranhada pelo confronto entre o desejo e a lei, permeada pelo inesperado.
Para Barbero (2003), as considerações acerca do contexto literário são
estendidas ao cinematográfico, entrelaçando reflexões morais e políticas de um
universo cultural. Distintamente dispostas, as estratégias inseridas no texto do
folhetim reincidem na filmografia, construindo uma narrativa e sustentando o
envolvimento com a mesma, através do dispositivo de sedução e dos efeitos
decorrentes do suspense. Quando permeadas por elementos do imaginário
urbano-massivo, as histórias caracterizam-se por narrativas de gênero,
perpassadas pela antropologia e sociologia da cultura, intervindo nas práticas
de produção e de consumo.
A organização das produções cinematográficas permite que o
espectador vivencie o desejo de assistir à seqüência fílmica, arriscando-se a
previsões acerca do desenrolar da história. No entanto, eventos-surpresa e
imprevisíveis são postos diante desta relação paradoxal. Um filme de ficção
conduz o espectador a uma verdade final, sempre almejada, mas
permanentemente protelada. Esta última revelação se conquista após uma
sucessão de códigos narrativos. A intriga de predestinação e a frase
hermenêutica participam das narrativas, dando formato à trajetória
cinematográfica e permitindo uma dinâmica entre o espectador e o filme. A
intriga de predestinação desperta inquietação frente à produção, envolvendo-a
pelo suspense que desenhará o esquema narrativo. A frase hermenêutica,
descrita por Roland Barthes, age no momento posterior, sendo envolta por
seqüências de etapas-paradas, por suspenses, por falsas pistas, desvios,
emoções, avanços e recuos (AUMONT, 1995). Este sistema de combinações
configura uma sintaxe que organiza o desenvolvimento da história.
148
Tomachevscki (1970) delineia um estudo acerca da temática na
literatura. Sua proposta, contudo, faz-se adaptável a questões pertinentes à
cinematografia. A escolha do tema, daquilo que se fala, e sua elaboração, são
processos determinantes na aceitação da produção. Assim, envolvido com o
desenvolvimento da história, o autor deve buscar constantemente em si o olhar
do leitor/ espectador (no caso do cinema) perante aquilo que produz. Tal
exercício converte-se em uma estratégia para que sua obra desperte o
interesse de seu receptor. Questões culturais, revolvidas por temáticas atuais e
contemporâneas, atrelam-se à maneira pela qual o espectador envolve-se com
a produção. Neste circuito, os personagens assumem importantes papéis,
provocando reações junto àquele que acompanha a obra. A simpatia e a
antipatia do espectador fazem-se atuantes, ao mesmo tempo em que são
aproximadas ao quadro de valores do autor, que orienta o leitor e suas
emoções. Este conjunto formatador da produção convida o espectador a
participar, interpretando e ressignificando o conteúdo revelado. Rodari (1982),
a partir de um olhar direcionado às estruturas narrativas, conclui que a entrega
às funções dos contos maravilhosos permite à criança um contato com seu Eu,
através da transposição de experiências já passadas, ou na iminência de
serem vivenciadas duelos, provações e desilusões. Analogamente às
narrativas literárias, as representações fílmicas são passíveis de uma leitura
que carrega parcelas de distintas histórias vitais. Seduzido por seu conteúdo, o
espectador entrega-se a ela, permitindo-se vivificar a narrativa proposta.
O conjunto de elementos de uma produção, seus arranjos e sua
organização completam a construção do todo cinematográfico, denotando
sentido. Este processo complexo instaura a linearidade e continuidade dos
fragmentos fílmicos. Aumont (1995), apoiado na semiologia, descreve que o
texto fílmico é um objeto significante e uma unidade de discurso. Barthes (apud
AUMONT, 1995, p.208) complementa, afirmando que as obras são produtos
inacabados, cujos significantes devem ser desdobrados junto a reflexões
oriundas do sujeito. O conteúdo cinematográfico é refletido por mecanismos
internos do sujeito que dele participa, dando representação a emoções e
fantasias, através de um quadro de seqüências organizadas. Metz (1977)
propõe que a imagem cinematográfica corresponde a frases e a seqüência de
149
imagens do discurso fílmico. A montagem de uma representação é incorporada
pela análise, pois a sucessão proposta é envolta por intenções capazes de
sustentar um discurso no mundo. É perante o écran cinematográfico que o
público sente-se só, sob a forma de uma aposta. Uma produção
cinematográfica revela-se hábil em despertar reações, perturbações e empatia
junto ao seu público, seduzindo-o, raptando-o e transportando-o a outras
realidades, envoltas pelos aspectos da subjetividade. Através destas
contribuições teóricas, enfatiza-se a assertiva de Régis Debray (1994): a obra
cinematográfica comunica.
150
4. ATUALIDADE ÉTICA – DE ARISTÓTELES A EDGAR
MORIN
Considerando o importante referencial histórico do cinema de animação,
desenvolvem-se reflexões acerca da representatividade do conteúdo e das
imagens que se propõe tematizar. A imagem, carregada pela magia da
narrativa, representa, através da animação, possibilidades reais; cria novos
mundos ficcionais, sob a inspiração do real. Blazquez (1999) propõe reflexões
acerca da imagem: se, por um lado, confirma sua necessidade, por outro,
questiona seu caráter ético em desconectar a imaginação e a fantasia dos
sentimentos e da razão. A influência hipnotizadora, creditada ao mundo da
imagem, conduz o autor a elencar princípios norteadores para a atividade da
comunicação artística. Valoriza a apropriação do conteúdo explícito, latente,
sua forma de representação e intenção dos emissores, bem como a
preparação dos espectadores, para uma abordagem ética.
Desde a Antigüidade, reflexões tangenciadas pela temática da ética
inspiram diferentes considerações. Intermediada pela trajetória sócio-histórica e
pelo entrecruzamento da política, da cultura e da moral, o delinear de seu
estudo aponta para um universo complexo. Se, por muito tempo, a natureza, a
tradição, a autoridade e a religião foram procedimentos para a sustentação das
normativas, atualmente elevam-se novas perspectivas, que procuram dar
respostas a inquietações acerca da ética, bem como fundamentá-la.
Aristóteles foi o primeiro a desenvolver e definir o conceito de ética
ethike. Descrita por Höffe (2008) como uma disciplina normativa, uma filosofia
do agir moral, distingue de sua origem, êthos, três conceitos: “o lugar
costumeiro da vida; os costumes que são vividos nesse lugar e, finalmente, o
151
modo de pensar e o modo de sentir, o caráter” (HÖFFE, p.169, 2008). A
primeira definição importa para Aristóteles determinando seu interesse para as
instituições políticas e sociais. Seu segundo conceito aproxima-se da doutrina
do ethos (habito, costume), atrelada ao êthos. Aristóteles ocupa-se do último
significado de êthos, desenvolvendo uma ética normativa, que transcende o
princípio moral.
O ethos aristotélico é analisado sob a perspectiva da práxis, qualificando
a natureza racional do hábito e da virtude humana, para tanto, valeu-se da
expressão ethike pragmateia caracterizada pelo exercício das virtudes morais.
Na filosofia grega, ethike deriva-se do substantivo ethos cujas grafias diferem-
se conforme as designações da realidade sócio-histórica dos costumes e da
sua repercussão no comportamento humano: ethos (com eta inicial) e ethos
(com épsilon). O primeiro “refere-se aos costumes normativos da vida de um
grupo social, a sua práxis; o segundo diz respeito à constância do
comportamento do indivíduo cuja vida é regida pelo ethos-costume” (Vaz,
p.15,1999).
O objeto da Ética converte-se em uma realidade apresentada aos seres
da natureza, à experiência histórica, individual e social. Vaz (1999) explora
aspectos da fenomenologia ética, ressaltando seus traços constitutivos.
Fundado em sólidos referenciais da tradição, o ethos (eta) advém do grego
morada, covil ou abrigo dos animais. Sua transposição aponta para as
condições do agir humano, “ao qual ficariam confiadas a edificação e
preservação de nossa verdadeira residência no mundo como seres inteligentes
e livres” (VAZ, p.13, 1999).
A codificação do costume em leis repercutiu positivamente para aquilo
que se consolidaria na disciplina Ética, na passagem do ethos grego arcaico
para o ethos clássico. O ethos na forma de costume estabelece uma relação
direta com a “interioriação e permanência no indivíduo na forma de hábito
(VAZ, p.41, 1999). A ciência do ethos é regida pela explicação e justificação
racional dos costumes, delineando as normativas.
152
As primeiras formações sociais estavam atreladas a um saber intrínseco
do ethos. Ligado aos costumes tal saber era reconhecido pelo saber ético,
conservado e transmitido pela comunidade ou, mediante relações
intersubjetivas. Este saber ético era mediado por cada cultura e cristalizado na
tradição, por suas manifestações. As formas culturais deste saber,
evidenciados pela expressão cultural, constituía a vida ética da sociedade,
compreendendo a base daquilo que, mais tarde, denominar-se-ia Ética. Assim,
entende-se que os movimentos na cultura grega, entre os séculos V e IV, estão
implicados profundamente naquilo que veio a constituir o campo da Ética. O
saber ético inicialmente mostrava-se excessivamente imbricado com valores da
cultura religiosa que, rica em mensagens ideológicas, incitava a criação de
formas éticas de vida. O enfraquecimento dos ditames da religião participa da
crise do ethos, contribuindo para a formatação dos preceitos éticos que
emergem. No entanto, apesar da Ética ambicionar o universal, o ethos é
particular a uma cultura histórica e, como práxis, determinado pela liberdade de
escolha. O universal, o particular, o livre e o necessário ganham repercussão
junto às especulações acerca da ciência do ethos (VAZ, 1999).
Uma discussão que percorre aspectos da ciência ética revela uma
amplitude tal, que tangenciona elementos do valor e da moral, bem como
algumas reflexões. Boni (1999) relaciona o valor ao conceito de liberdade e de
razão, resultando em uma posição do ser. A liberdade é regida pela concepção
dos fins humanos, descobertos pela via da razão que direciona uma ação
conforme o apelo dos fins, revelados à liberdade como bens desejáveis pelo
apetite volitivo. Os fins humanos, descobertos pela razão, convertem-se nos
bens e pela via da liberdade, conformam tendências, apetites e pulsões com os
destinos humanos. Esta liberdade insere-se em uma natureza, estando pré-
inclinada aos fins relativos e absolutos, logo, conjuga a liberdade com a
exigência, com o desejo da vontade que quer o bem e clama pela sua
realização. Fundada na experiência metafísica, a ética indica o caminho para a
comunhão do Valor Absoluto. O valor revela-se no posicionamento perfectivo
do ser direcionado para a ordem, ordem esta realizável no âmbito da ética, do
social e do jurídico.
153
A palavra Moral é traduzida do latim, moralis, sua raiz é o substantivo
mos (mores), correspondente ao grego ethos, acrescido de uma ampla
polissemia (vontade, desejo, conduta, costume, hábito, modo de ser, lei).
Ambos os termos dirigem-se a um mesmo objeto, podendo este ser o costume
socialmente reconhecido ou o hábito legitimado. No entanto, na linguagem
semântica especializada, difere-se Ética de Filosofia Moral. Este processo de
detalhar e diferenciar Ética de Moral é atribuído à complexidade que emanou
na sociedade e no indivíduo, a partir de um processo de retro-alimentação. A
Ética incide notadamente, sobre a realidade histórica e social dos costumes,
enquanto a Moral atenta à subjetividade do agir (VAZ, p.14-15, 1999).
O intervalo de tempo que separa Aristóteles de Edgar Morin é
preenchido por manifestações culturais, sociais e reformulações ideológicas,
mas sempre presentes, estiveram às discussões tangencionadas pelas
considerações éticas. Dentre estas, categorias como o bem, o fim, a virtude, a
justiça, a liberdade e a consciência moral continuam despertando o interesse e
desacomodando modelos éticos. Se Aristóteles dividiu os valores éticos nas
categorias de excelência moral e deficiência moral, Morin desenvolveu uma
ética que, inacabada, funda-se em outras fontes. “Não é mais o justo meio
termo de Aristóteles, mas o diálogo dos contrários em circuito” (MORIN, p.141,
2005
b
). Mesmo explicando aquilo que entende pelo bem e pelo mal, Morin
(2005
b
) não apresenta seus conceitos sob categorias deterministas, mas atribui
ao mal, à separação, e ao bem, a religação. Pensando na complexidade da
ética, Morin apresentou reflexões sobre uma auto-ética, sócio-ética e
antropoética, detalhando seus elementos. Mas a sócio-ética e a antropoética
devem submeter-se ao filtro pessoal da auto-ética. Com base nos atributos de
cada vertente, desenvolvem-se categorias éticas que ganham destaque junto
às estruturas narrativas cinematográficas.
Suas impressões acerca da ética, desenvolvidas cada uma a seu tempo,
apesar de contrastantes, possuem pontos de intersecção a serem pensados.
Aristóteles ao delimitar as categorias éticas morais, pensou-as em relação aos
costumes. A atitude virtuosa depende da práxis do individuo, na medida em
que cumpre com os costumes legitimados pela polis. O objeto da ética
154
corresponde a um dever-ser historicamente situado. Assim, o bem é parte do
mundo, estando impresso nos costumes relacionando-se com o contexto
histórico-social. Cada ação humana tende para um fim, cujo objetivo final é o
bem supremo, a felicidade, a eudaimonia. A atividade do homem segundo a
razão é reconhecida por Aristóteles como uma virtude da alma. É através da
razão que o homem encontra a felicidade, o bem; a virtude tende para a
felicidade. Livre para decidir por sua ão, o homem revela suas disposições
de caráter. Faz-se importante destacar que as convicções do imaginário da
antiga sociedade grega, incidem sobre os pressupostos aristotélicos,
influenciando suas impressões acerca das virtudes (REALE, 1985). Aristóteles
aproxima o conceito de virtude ao de justiça, mas não se abstém de diferenciá-
los. Enquanto o primeiro relaciona-se a uma disposição da alma; o segundo diz
respeito a uma disposição da alma relacionada ao próximo, referindo-se então,
ao caráter social, implícito a virtude moral. Assim, o justo é o correto, é a práxis
conforme a lei.
Dadas as diferenciações entre a teoria das virtudes aristotélicas e da
ética de Edgar Morin, aproxima-se o fim das mesmas, o bem supremo, a
eudaimonia. Para Aristóteles o bem é alcançado pela ão do homem
conforme a atividade da razão, meio pelo qual se atinge virtude. Morin, não
categorizou virtudes éticas, mas também desenvolveu suas reflexões conforme
a ação do homem para com o outro, dissertando acerca da ética para o outro, a
religação, estendendo o ato moral ao campo da comunidade, da sociedade e
da espécie. A comunidade e o social compõem ambas as construções teóricas,
o que viabiliza a apropriação das categorias aristotélicas, formatadas em um
tempo sócio-histórico, pelos pressupostos de Morin, em outro momento,
ampliando a compreensão e aplicabilidade das virtudes éticas descritas por
Aristóteles.
155
4.1 Da teoria socrático-platônica à aristotélica: pressupostos éticos
A trajetória do pensamento ético tem seus primeiros registros na
Antiguidade, evidenciando-se um amplo e dinâmico panorama teórico. Desde
as contribuições socráticas, perseveram-se as reflexões acerca das
experiências constitutivas da vida humana e da experiência moral,
considerando a realidade histórica e social, o ethos e costumes. Distinguindo-
se da moral moderna, a ética da Antigüidade reside na direta relação entre a
virtude e a felicidade. Por sua vez, a ética moderna faz um recorte no campo
da Antigüidade, que diz respeito à obediência do homem virtuoso à lei da
cidade. Sócrates, Platão e Aristóteles vivem no momento de maior
desagregação interna da sociedade grega, da decadência dos velhos modos
de vida e superação do intelectual pelo material. Dedicam suas reflexões aquilo
que tangencia a temática das virtudes humanas, aproximando as três noções
de ética ao ligarem a felicidade à bondade.
Presenciava-se uma crescente desigualdade social, fonte de conflitos e
reações entre império e dominados. Os sofistas ganham visibilidade neste
período de transição, ao inserirem suas concepções permeadas pelo
relativismo moral. Apresentam então, perspectivas que independizam a
felicidade individual do bem comum da sociedade grega, relativizando-os ao
extrair deles o critério da universalidade e da inspiração divina. O pensamento
sofista ascende então como uma crítica a hipocrisia ateniense, assim, os
valores eram evocados para justificar a dominação de Atenas sobre outros
Estados. Neste contexto, Sócrates ganha visibilidade, sistematizando os
aspectos da essência ética, trabalhando as relações entre o bem comum e a
felicidade individual.
A virtude, para os filósofos gregos e romanos, anunciava uma qualidade
natural, uma disposição do homem. A excelência moral estava atrelada à
maestria de si, à temperança e à autonomia, ao passo que uma inclinação
contrária à natureza virtuosa justificava-se por uma falha moral ou intelectual
(CAILLÉ, 2004). A felicidade (eudaimonia - apesar das divergências entre os
significados) permeava as tessituras éticas dos filósofos. Platão relacionava a
felicidade com a virtude justiça, temperança, bondade e beleza -
156
caracterizada pela capacidade da alma em cumprir seu dever, a justiça
(PLATÃO, 2007). Aristóteles compreendia a felicidade como o bem mais
elevado e o fim de toda a ão, a atividade conforme a excelência
(ARISTÓTELES, 2001).
O primeiro a elaborar uma teoria racional da ética, através da qual
buscou definir as virtudes morais, foi Sócrates. Para tanto, construiu um
método para o conhecimento racional a dialética -, dando início à inquisição
ética pelo “conhece-te a ti mesmo”. Esta catarse permitia que o sujeito
desfizesse sua falsa imagem, elevando-se a ignorância sobre si, que incidiria
na verdadeira sabedoria. O reconhecimento da ignorância marcou o primeiro
momento da ciência socrática, possibilitando o aprendizado da verdadeira areté
(VAZ, 1999). A conduta ética, para Sócrates era recompensada através da
felicidade. Por meio da razão, o homem poderia agir justamente, praticando a
virtude; a ignorância e a irracionalidade eram reconhecidas como as causas da
violência. Quando tomado pelas paixões, o homem torna-se heterônomo e,
portanto, desprovido da razão.
Em seu diálogo com Glauco, Sócrates justifica a importância atribuída ao
conhecimento do bem e do mal, pois, através deste, a vida poderia ser
direcionada a favor da conduta ética (PLATÃO, 2007). Ao mesmo tempo, o
filósofo compreendia a igualdade entre os interesses individuais e os
comunitários, única forma para o alcance da eudaimonia individual e social. A
dissociação entre ambas as noções era refutada por Sócrates, pois esta
incoerência era explicada pela ignorância do homem acerca do bem.
Platão é o grande seguidor da doutrina socrática. Em Górgias, Platão faz
uma crítica aos sofistas, acusando-os de despertarem as paixões,
despreocupando-se com a verdade e com a justiça. Em Fedro, Sócrates e
Platão deslegitimam a retórica, o poder de afastar o homem da verdade, da
justiça, do belo e do justo. Ao atribuir à felicidade o principal objetivo da ética,
Platão propunha que o homem pudesse construir leis próprias através do saber
autônomo. Seus diálogos foram estruturados através da dialética,
transformando a verdade em uma atividade da razão. Pela via da reflexão,
provocava a construção de valores éticos e políticos (PLATÃO, 1999).
157
Primeiramente, a Ética de Platão atrela-se à teoria das Idéias,
apontando para uma fundamentação nas questões da Metafísica. Sua ética
presa a normativas submetia-se ao ordenamento “da vida humana individual e
política sob a norma suprema do Bem contemplado pela Razão” (VAZ, p. 20,
1999). As reflexões de Aristóteles superam a univocidade de Bem encontrada
em Platão, mas partem da pluralidade dos bens relacionados à praxis, desde
que, sujeitados ao fim da excelência (eudaimonia), a justa medida.
Em A República, Platão (2007) discorre sobre a ética das virtudes e as
funções da alma, determinadas por sua natureza e pela divisão de suas partes.
Para ele, o ser humano deve inspirar-se no funcionamento harmonioso do
universo, alcançando assim a excelência (BRISSON, 2003). Compreende a
justiça como a maior de todas as virtudes. Sua vigência deve ser reconhecida
junto ao cumprimento das funções particulares. Somente aquele que pratica a
razão pode ser virtuoso, capaz de uma vida ética. Contrariamente, a ignorância
revela-se determinante do vício (PLATÃO, 2007). Mesmo não sendo um dom
da natureza, a vida ética submete-se ao seu condicionamento.
Em Filebo (PLATÃO, 1980), o bem é definido como uma forma de vida
que mescla equilibradamente a inteligência ao prazer. Platão atribui ao bem, a
ordem, a medida, a proporção, a reta combinação, a mistura de elementos e,
por fim, a harmonia. A práxis, orientada para o Bem, eleva a postura de
independência do homem grego. Ao atingir este fim ético, entende-se pelas
contribuições socráticas e platônicas, que o homem está submetido a
faculdade da razão, sendo um homem sábio, portanto bom. Através do mito da
caverna, Platão (2007) reconhece, no bem, o prinpio da filosofia, que
sustentação ao conhecimento da verdade. A teoria das idéias de Platão conduz
ao paradigma ideonômico, uma vez que universal, a norma está sob a forma de
idéia. A verdade é o juízo correto, capaz de compreender a idéia na sua
plenitude. As idéias conhecidas pela via da verdade são aspiradas pelo homem
como um fim intelectual e ético. Tal capacidade da alma, caracterizada por
Platão como uma faculdade do conhecimento, abrange a função racional da
alma (CHAUÍ, 1994).
158
A felicidade é concebida como o fim último da ão moral, dependente,
portanto, do bem e do mal. Por isso, Platão descreve a virtude como uma
ciência. Seu alcance é decorrente de um treinamento resultante da
desagregação frente ao sensível e um direcionamento ao inteligível. A
sociedade ideal e a prática do bem são reconhecidas como o único caminho,
visto a extensão das instituições que se impõem a vida privada. Suas
revelações sobre a justa medida fomentam o embrião da ética aristotélica.
Impondo-se a teoria platônica das Idéias, Aristóteles concebeu a
pluralidade do objeto da inteligência, propondo uma divisão do objeto da
ciência, apontando para várias razões. Seus escritos defendem que a Lei deve
compreender as limitações do sujeito, suas paixões e instintos, fortalecendo
instituições que promovam o bem. Aristóteles criticou a identificação proposta
por Platão entre a virtude e o saber, através da qual o homem sábio
caracterizava-se por ser um homem bom. Relacionava a sabedoria com a
liberdade e, finalmente com a práxis. Aristóteles impunha à ética um caráter
prático, assim, unificava-se à política pelo saber prático. Criticava a visão
platônica, pois ela não respeitava os apetites, as paixões e os impulsos do
homem.
Aristóteles relaciona a ética com as virtudes, correspondentes à parte
apetitiva da alma. No entanto, elas devem estar guiadas pela razão, dado que
determina sua marca socrática, e inaugura a história da Ética como ciência do
ethos. Diferentemente de seus mestres, Aristóteles propõe um controle sobre
as paixões, das quais derivam tanto as virtudes quanto os vícios, ao mesmo
tempo preocupa-se em encontrar regras para sua ética. Procura delinear uma
teoria ética que seja capaz de atender a maioria, uma vez ter dividido a
sociedade de maneira aristocrática em senhores e escravos. A ética
corresponde, então, a uma busca constitutiva da forma política, devendo estar
comprometida com a educação do homem para com a areté, virtude ou,
conforme Vaz (1999), com a excelência. Entre os gregos, a areté possuía um
vínculo direto com o bom uso da razão, caracterizado pela sabedoria
(phoronesis), portanto, o exercício de uma prática perfeita, comportava o bem
objetivado pelo sábio.
159
O estado ético para Aristóteles situa-se entre dois extremos - o vício por
excesso e o vício por deficiência - caracterizando-se pelo justo meio,
demarcado pela sabedoria. A ética deve comprometer-se em educar o apetite-
desejo individual a favor da virtude, evitando o vício. A ação, direcionada ao
bem comum e à felicidade pública, revela-se uma disposição ética. Para
Aristóteles, tanto a política quanto a ética compreendem práticas definidas pela
ação. Identifica, entre as virtudes éticas, a coragem, a temperança, a
liberalidade, a magnanimidde, a mansidão e a justiça (ARISTÓTELES, 2001).
Sua ciência ética volta-se para a ação do homem, determinando os princípios
racionais da ação virtuosa, cujo fim (télos) define-se pelo bem e pela
eudaimonía. Diferentemente de seus predecessores, sua finalidade ética não é
o bem em si mesmo, mas, enquanto o Bem que leva à felicidade. Aristóteles
reconhece as virtudes como uma condição para a felicidade. Silveira (2001)
salienta, a partir de seu olhar sobre a Ética a Nicômacos, que o alcance da
virude ética deve apoiar-se na ação e no sentimento. Então, a ética é
observada na relação com o outro, através da ação social. Também, entende a
retórica para além da arte de um discurso que convence, pois compromete o
discurso com a perspectiva prática do fim último, a felicidade. Uma retórica
envolvida com um discurso moralmente bom é positiva, confiando a ela o poder
de fortalecer uma virtude (HÖFFE, 2008).
Aristóteles (1988) observa que, além de estar subordinado à política, o
objetivo da ética volta-se para a felicidade, identificando o melhor governo
como aquele capaz de atender aos requisitos desta. A felicidade (eudaimonía)
aparece em Aristóteles como o fim de todos os meios, caracterizando o bem
como o elemento mais elevado que a ação humana é capaz de alcançar.
Propõe que a determinação do bem soberano, mas não absoluto -
correspondente ao melhor para o homem (CAILLÉ, 2004). Para ele, a
felicidade se define pela atividade da alma voltada para a virtude suprema do
homem (ARISTÓTELES, 2001).
Aristóteles situa a ética como um sistema regulador e mediador do
princípio e do fim de uma conduta, sendo ela pertinente à vida coletiva e
160
individual. A virtude ética, pressuposta pela prudência, prolonga-se na virtude
política, representada pela continuidade entre o homem natural e o político.
Se, na tradição socrática e platônica, o conhecimento do bem se revela
suficiente para garantir o direcionamento à ação justa; a virtude, como
excelência moral, apresentada por Aristóteles, corresponde à idéia de uma
razão reta, relativa às questões da conduta. O exercício da virtude está
condicionado ao exercício do conhecer, do julgar, do ponderar, do calcular e do
deliberar. A razão, precedente à escolha dos atos a serem praticados, e dos
hábitos firmados pela repetição, supõe o caráter humano. Enquanto a ética
platônica prima pela noção de justiça submetida à Idéia de Bem, a aristotélica
concerne à justiça a primeira virtude ética (VAZ, 1999)
Na Antigüidade, a tradição e o coletivo emergiam absolutos, enquanto os
ofícios técnicos e mercantis eram desprezados. Ao mesmo tempo, a religião
comandava a vida das pessoas, do nascimento até a morte, dominando o
espaço familiar e o das cidades, inspirando uma conjuntura social. Tinha-se, no
patriarca da família, a representação do sacerdote, a quem todos daquele clã
deviam submeter-se. Com o apogeu da democracia, a assembléia dos
cidadãos passou a comprometer-se com a decisão frente a questões religiosas.
Foi por estes motivos que se condenou Sócrates, uma vez acusado de
introduzir novos deuses na pólis. Sócrates havia reagido aos mitos antigos,
questionando sua veracidade (PLATÃO, 2007).
Aristóteles (1988) sustenta que a tradição é impregnada pela
sacralidade, demarcando a perpetuação de costumes ancestrais sobre o
conjunto de leis. O surgimento invasor de leis escritas reforça o caráter do
controle legislativo, desvanecendo a participação centralizadora dos costumes
e da tradição. Aristóteles e Platão (1999) condenaram as atividades
comerciais; o primeiro as confronta com os princípios virtuosos, enquanto o
segundo as define como sendo uma prática capaz de corromper os costumes.
Distintas concepções éticas vigoraram na Antigüidade, produzindo
efeitos na relação dialética do mundo moderno. Visões reducionistas de um
sistema social, atrelado a valores e ideais coletivos, ou a um conjunto de
161
instituições de poder, eram determinadas por excludentes doutrinas que
apresentavam interpretações particulares da vida social (COMPARATO, 2006).
Se as civilizações antigas tendiam ao respeito frente a tradições e costumes de
seus antepassados, a marca da modernidade é oposta, visto seu
direcionamento para o futuro, esculpindo novas possibilidades e, por sua vez,
um novo padrão ético.
Em suas reflexões, Comparato (2006) insinua que os detentores do
poder, através de digos éticos, justificam suas proposições, valendo-se de
argumentos baseados na realização dos interesses pessoais, demarcando uma
concepção utilitarista. Esta tendência, se, por um lado, distancia a ética da
ciência da felicidade humana desenvolvida por Aristóteles, por outro, aproxima-
a de sua retórica, sentenciando-a à técnica da persuasão, almejada pelos
sofistas. Os sofistas sicilianos, valendo-se da arte da retórica, transformaram
as questões morais e de justiça em argumentos para o debate político,
desprezando a preocupação com a verdade e fundando o relativismo da ética.
Conseqüentemente, concentram-se na relatividade de valores morais e da
verdade, tendo suas determinações sujeitas ao espaço e ao tempo
(COMPARATO, 2006). Compreendiam que tudo era objeto de controvérsias.
Através da arte da retórica, um contra-argumento podia ser aceito. A assertiva
de Protágoras - o homem é a medida de todas as coisas marcada pela
subjetividade, complementa a perspectiva dos sofistas. Se o bem, para uma
cidade, podia o ser o bem para outra, o pensamento uníssono inexistia,
apregoando-se que as idéias sobre a justiça, o bem e o útil fossem herdeiros
de convenções postas graças apenas à persuasão retórica (PLATÃO, 1980).
Blazquez (1999) caracteriza a ética dos sofistas gregos como frívola e
inconsistente, identificando-a com os pressupostos da pós-modernidade.
Sócrates fazia uma separação entre opinião e conhecimento verdadeiro.
O problema que concerne ao pensamento sofista é determinado pela negação
da doutrina frente a definições universais, que desestabilizam os tradicionais
alicerces, recobrindo-os com critérios subjetivos de validade e, finalmente,
desconfigurando as conclusões gerais da ética. Platão também se antepõe à
medida relativa, responsável por avaliar os fatos a partir de uma percepção
162
individualizada. O filósofo não dota de credibilidade medidas subjetivas nem
revisáveis. Contrariamente, acredita em uma medida constitutiva interna e
única. Através da justa medida, conquista-se uma vida boa. Sem ela, a vida
passa a ser desregrada e indeterminada. O bem da alma configura-se na
virtude fundada na razão (CAILLÉ, 2004).
A organização social do Mundo Antigo continua fornecendo bases para a
compreensão da transformação de um padrão ético posterior, para aquele que
vem se configurando. As sociedades contemporâneas, através de distintas
mídias dio, televisão, cinema e internet comparecem, difundindo uma
axiologia renovada, que, autentica valores, organizações de poder e práticas
de vida econômica e cultural, dando-lhes um caráter global e homogêneo
(COMPARATO, 2006). Em Protágoras, Platão (1980) já erigia um diálogo
permeado pelas atribuições e benefícios da técnica. No entanto, reconhecia
que o sentimento de justiça e de respeito ao outro eram indispensáveis à
subsistência da sociedade, demarcando a relevância da ética.
O sistema ético que rege uma sociedade exerce a função de lhe
organizar ou ordenar. São escolhas e decisões de poder, definidas a partir de
valores vigentes no contexto social, que visam manter a harmonia. Quando se
a introdução de novos valores, é requerida uma justificação ética,
geralmente assumida por aqueles que estão no poder. No entanto, para que
sejam preservados, tais valores devem estar em reciprocidade com crenças e
mitos sociais que vigoram no ideário coletivo. O sistema ético, atuante em uma
estrutura social, funciona como ordenador e mediador, delimitando-se por uma
finalidade específica.
Se Sócrates introduz a discussão sobre o homem na filosofia de forma
sistemática, cuja essência é o poder libertador do verdadeiro conhecimento,
através do qual poderia chegar-se à compreensão do bem, Platão propõe-se a
criar uma ética ideal, hábil em moldar os homens em uma vida virtuosa.
Aristóteles, por sua vez, pretende uma ética em que o Bem equivale à
moderação das paixões humanas destinadas à Ética do Possível, que oriente à
maturidade racional.
163
4.2 O caminho para o justo meio
Em Ética a Nicômacos (2001), Aristóteles dissertou acerca da justiça,
das virtudes, dos cios, do justo-meio e da eudaimonía. Tais critérios
interpenetraram-se na edificação de sua construção ética, solidificando um
importante e inspirador referencial teórico. Ética a Eudemo, Ética a Nicômaco
e Grande ética são livros que compõe o corpus de textos sobre filosofia e Ética
de Aristóteles (HÖFFE, 2008).
Aristóteles entende que a ética constitui-se na relação com o outro e
compreende a justiça como uma virtude superior, capaz de viabilizar esta inter-
relação. Para ele, a justiça é marcada por normas legais, flexibilizadas
conforme as condições sociais. A virtude ou a excelência moral não são
características naturais do homem, mas conquistas que se dão pela práxis,
educação e pelo hábito, cujo fim é a felicidade (SILVEIRA, 2001). O objetivo
da ética é delimitar o bem supremo, a eudaimonia felicidade viabilizada
pela vigência de um bom governo à cidade. Assim, Aristóteles foi preparando a
transição para a Política, obra em que discorre acerca do melhor formato de
governo, capaz de assegurar esta meta.
As boas e justas ações, investigadas pela ciência política, são
concebidas como variadas e não naturais, sendo constituídas pela via das
convenções. Tanto a ética como a filosofia política aristotélica ocupam-se com
a praxis, Aristóteles busca a intenção prática por via do conceito, argumento e
determinação de princípios. Considera a felicidade como o fim de toda a ão
humana, a excelência. Seu alcance se dá por meio do exercício da virtude, cujo
fim é o bem supremo. Contudo, observam-se divergências incompatíveis com o
significado de felicidade. Alguns a relacionam à riqueza, às honrarias e ao
prazer; outros, lhe conferem diferentes graus de variância, dependendo da
situação posta. A vida de prazer converte-se numa vida de entrega a paixões
humanas, própria dos escravos e da grande massa humana, bens que,
segundo Aristóteles, facilmente podem ser desapropriados (ARISTÓTELES,
2001). Os bens da vida humana são aqueles que incidem na eudaimonia, da
mesma forma, o mais perfeito bem na mais perfeita eudaimonia. A eudaimonia
é a atividade da alma segundo a virtude perfeita. Aristóteles entende que a vida
164
de prazer identifica-se com a vida política e de contemplação (VAZ, 1999). A
ligação entre o bem e a eudaimonia recai sobre o tema da liberdade.
Aristóteles entende que o critério para avaliar a medida da liberdade presente
na praxis é o conhecimento do Bem e o agir conforme este Bem.
Analisando o bem universal, o Estagirita observa que não se configura
em uma generalidade universal, pois cada bem encontra-se atrelado a uma
ciência. Cada ciência adere a um bem revestido por finalidades na medicina
é a saúde; na estratégia, é a vitória. Destas finalidades, o fim último
corresponde ao bem supremo. É no bem supremo, na finalidade última, que se
encontra a felicidade. A felicidade deve ser escolhida pelo que é, não por
formas de excelência honrarias, prazer, inteligência. A felicidade auto-
suficiente denota o fim visado pelas ações, não cabendo estabelecer
correlações ou comparações, pois se assim fosse, não seria auto-suficiente.
Os bens eram divididos em exteriores e da alma ou do corpo. Os bens
da alma correspondem aos mais verdadeiros, pois é ela quem ordena as ações
e as atividades da alma ao encontro da felicidade. A atividade, conforme a
excelência, é a marca da felicidade. Estas ações presentificam-se, no mais
elevado grau, nos atributos do belo e do bom. Os bens exteriores,
complementares e indispensáveis à felicidade, agem como mediadores das
belas ações. Em alguns momentos, estes bens podem ser incorporados pelos
amigos, pelas riquezas e pelo poder político; em outros, pela beleza, pelos
filhos, pela aparência ou pela condição de nascimento. A felicidade vai se
revelando como um híbrido entre a ventura e a excelência (ARISTÓTELES,
2001).
Aristóteles questiona os critérios para a aquisição da felicidade,
afastando-os de uma simples relação com a sorte e sugerindo serem fruto de
um esforço, próprio do homem, com capacidade para a excelência. Assim, a
felicidade converte-se em uma atividade da alma, conforme a excelência. A
ciência política, que formata o Estado, participa deste objetivo final, pois
compete a ela determinar aos cidadãos quais o as boas ações, trabalhando
o caráter e os tornando bons. As atividades por excelência diferem-se das
demais, pela permanência e durabilidade. O homem feliz, por sua estabilidade,
165
sempre suporta dignamente as vicissitudes da vida e jamais pratica ações
ignóbeis (ARISTÓTELES, 2001). Silveira (2001) interpreta o estudo da
felicidade, desenvolvido por Aristóteles, definindo-a como um fim que é
alcançado através da prática das virtudes, na relação entre homem e
sociedade, essência que funda a ética.
Aristóteles compreende a ética a partir do éthos - descrito como a ação
pertinente ao homem e às estruturas histórico-sociais determinadas - dos
costumes, da vida em sociedade, estendendo-se às instituições que dão
sustentação aos modos de viver. A partir desta perspectiva, o cidadão torna-se
eticamente virtuoso, quando sua conduta corresponde ao proposto pela pólis
que, por conter a vida social, transforma-se em espo privilegiado para o bem
supremo (SILVEIRA, 2001). Concebe o homem como um animal dotado de
linguagem e razão – logos - assim como de inclinações e paixões (VAZ, 1999).
A razão do homem o conduz acertadamente, através da antecipação do bem
ao qual se move, a práxis. Esta atitude racional o leva ao encontro da
excelência, também lida como virtude (aretê).
Atribuindo a cada homem a responsabilidade por seus atos, Aristóteles
(2001) subdivide as ações em voluntárias e involuntárias. Tudo o que for
realizado pela via da coerção ou ignorância é contemplado pela
involuntariedade; quando a ação é originária de uma vontade espontânea,
compreende-se pela voluntariedade.
Aristóteles (2001) diferencia dois tipos de excelência, aquela
caracterizada pelas virtudes intelectuais e as determinadas pelas virtudes
morais, ou, como acrescenta Silveira (2001), as virtudes dianoéticas e as
virtudes éticas. Nenhuma destas virtudes é natural, pois aquilo que é natural
não muda com o hábito e, as virtudes são firmadas pelo costume. Assim,
analisando os vícios por excesso e por deficiência, Aristóteles (2001) enumera
as virtudes, demarcando-as como o meio termo entre dois extremos. O meio
termo, ou justo meio, revela uma condição de excelência entre os vícios ou
deficiências morais. No entanto, não faz referência a critérios quantitativos, pois
visa uma situação intermediária.
166
As virtudes éticas, foco da análise que se segue, são oriundas do
costume. Desta forma, através de ações justas, o sujeito torna-se justo.
Observa-se que tais virtudes encontram-se envoltas pelo sentimento e pela
conduta.
A excelência moral submete-se à reta razão, que depende de cada
indivíduo, por sua singularidade. Logo, as virtudes éticas correspondem aos
costumes. Quando excesso ou vício, inexiste a virtude. Aristóteles discute
uma série de virtudes éticas, dissertando acerca das possibilidades de
excelência ou deficiência.
Com base na apropriação das virtudes éticas aristotélicas, propõe-se o
detalhamento das diferentes disposições morais categorizadas pela excelência
moral ou pela deficiência moral. A deficiência moral é caracterizável pelo vício
por excelência ou por deficiência, enquanto a excelência moral pela virtude. O
resultado do exercício da virtude em sua totalidade é na perspectiva de
Aristóteles a justiça, que reflete na forma perfeita de virtude. A justiça se
relaciona ao próximo, devendo ser orientada pelo que é vantajoso ao outro,
seja ele um governante, um companheiro ou uma comunidade.
O fim é caracterizado pela perfeição do agente pelo conhecimento da
natureza e das condições que tornam melhor o seu agir. A práxis se enquadra
no objeto de um saber, da Ética, “que expõe a natureza e as condições de seu
operar segundo o critério do melhor, da razão” (VAZ, 1999)
Deficiência moral – Vício por excesso
Temeridade
É uma característica envolta pelo excesso, própria das pessoas
excessivamente confiantes em relação ao que é temível” (ARISTÓTELES,
2001, p.61). Aristóteles (2001) estabelece uma relação entre os temerários, os
jactanciosos e os meros simuladores de coragem. Os temerários, desejosos do
status da coragem, encarnam um misto entre a temeridade e a covardia, pois
167
não mantêm uma postura firme frente à sucessão de fatos, a menos que
estejam confiantes em si. Se, por um lado, anseiam pelo perigo, quando
deparados com o perigo real, recuam. Os temerários convertem-se em
jactanciosos e simuladores de coragem, visto que desejam se aproximar dos
caracteres referentes à coragem.
Concupiscência
Relaciona-se ao excesso perante aquilo que é prazeroso
(ARISTÓTELES, 2001, p.68). Diz respeito àquelas pessoas que se deleitam
com sensações que lhes inspiram desejos. Aristóteles (2001, p.66) cita o
deleite com o odor dos alimentos ansiados. Neste ciclo de desejos, os
concupiscentes, independente do ônus, são conduzidos na direção de suas
pretensões, sofrendo frente a frustrações. Ao mesmo tempo, destaca que
existem desejos particulares e outros generalizados, como os naturais comer
e beber. Nestes, o desvio possível, para além da moderação, caracteriza-se
pelo excesso. Desejosos de tudo o que possa reverter-se em prazer, os
concupiscentes sofrem enquanto não o atingem.
Prodigalidade
Esta característica denota pessoas incontinentes, que esbanjam suas
posses, arruinando-se (ARISTÓTELES, 2001, p. 71). A prodigalidade se
configura no excesso em relação ao uso da riqueza. São chamados de
pródigos, também, aqueles que gastam suas posses a favor da própria
concupiscência. Logo, são autores de sua falência, fruto das dispendiosas
aplicações de seus recursos.
168
Vulgaridade
É a disposição daquele cuja tendência é evidenciada pelo excesso,
permeada pelo exibicionismo. Estas pessoas, focadas nos objetivos, não se
preocupam com os gastos, mas com a ostentação viabilizada pelos mesmos.
Pretensão
Conhecidas pela insensatez e pela ignorância, as pessoas com tal
disposição moral revelam uma inclinação para pretensões desproporcionais,
ultrapassando suas reais possibilidades. No entanto, mesmo ambicionando
grandes aquisições e inclinadas ao excesso, suas aspirações não superam as
de uma pessoa magnânima. Tais pessoas são exibicionistas, desejam que sua
prosperidade seja avistada e reconhecida por todos.
Irascibilidade
São pessoas que se encolerizam facilmente, sendo consideradas
insensatas. Distintas situações podem ser palco para esta deficiência, marcada
pelo excesso. “As pessoas irascíveis se encolerizam rapidamente com as
pessoas erradas, e mais que o razoável, mas sua cólera cessa prontamente”
(ARISTÓTELES, 2001, p.83).
Jactância
É a marca das pessoas que se dirigem ao alcance da glória e do
reconhecimento. Revelam-se sempre desejosas de mais notoriedade e glória.
Assim, se já a possuem, desejam mais (ARISTÓTELES, 2001, p.86).
169
Bufão vulgar
As pessoas dotadas desta deficiência moral “desejam, independente da
qualidade de suas palavras, despertar o riso” (ARISTÓTELES, 2001, p.87).
Desta forma, revelam-se inconvenientes. Não contendo o desejo de gracejar e
de provocar risos, valem-se de si ou dos outros.
Amizade por interesse
As pessoas com disposição para a amizade por interesse não possuem
uma afeição natural para o amor em relação ao outro, que tal afinidade é
motivada apenas pelo proveito que o outro poderá lhe proporcionar. Estas
pessoas amam em função do retorno decorrente desta relação, e não pela
pessoa que está no elo desta relação. Tais amizades o ocasionais e
mantidas pelo benefício do resultado, sendo então edificadas sobre uma base
frágil, facilmente desfeita, bastando um rompimento entre os interesses,
correlacionando-se, portanto, com a prática utilitarista. Da mesma forma que as
pessoas mudam, os interesses também o reformulados, o que reafirma a
fragilidade destas estruturas de amizade. A duração da amizade interesseira
depende daquilo que cada um dos envolvidos recebe, pressupondo que estes
não são o amigos quanto aqueles movidos pelo prazer, pois quando o
interesse acaba, a amizade também finda. Na amizade por interesse, a pessoa
não necessita ser boa para vivenciá-la, pode ser má, pois o que está em jogo é
o proveito recíproco. Este tipo de amizade é característico dos mercenários. As
queixas, recriminações e desentendimentos fazem-se vistas com maior
freqüência neste tipo de amizade, pois os benefícios nem sempre são
recíprocos. Como exemplo, Aristóteles (2001, p.169) cita o caso daquele que
sempre deseja maiores vantagens e acredita estar recebendo menos que o
devido, suscitando divergências. Quando esta situação configura-se, observa-
se uma situação de superioridade de um dos envolvidos (ARISTÓTELES,
2001, p.171). A amizade por interesses pode fundamentar-se em aspectos
morais ou legais. Enquanto o tipo legal é baseado em condições pré-
determinadas, como normas e códigos a serem respeitados; o tipo moral não
170
determina regras, no entanto, cada uma das partes deseja obter vantagem em
relação à outra.
Ganância
Esta é uma disposição das pessoas más, aquelas que não podem
exercer a amizade perfeita. Sempre desejando obter para si um proveito além
do condigno, criticam o próximo, interpondo-se em seu caminho.
Incoerentemente, coagem o outro a agir conforme o justo, sem que, no entanto,
predisponham-se à justiça. “Reservam a si, sempre a maior parte das riquezas;
honrarias e os prazeres do corpo” (ARISTÓTELES, 2001, p.183), estando na
maioria das vezes entregues a suas paixões elemento irracional da alma.
Tais atitudes correspondem àquelas que podem ser esperadas de uma pessoa
ególatra.
Deficiência moral – Vício por deficiência
Covardia
Esta disposição, motivada pelo sofrimento (ARISTÓTELES, 2001, p.68),
configura-se em um temor excessivo a diversas situações, de forma
inapropriada. Esta disposição denota-se junto àquelas pessoas notadamente
temerosas, deficientes dos caracteres pertinentes à coragem, anteriormente
descritos. Temendo tudo, o covarde configura-se como um homem sem
esperanças.
Insensibilidade
Difícil de encontrar pessoas isentas de sensibilidade. Esta deficiência
moral caracteriza-se pela indiferença frente a conquistas ou derrotas,
demonstrando a ausência de desejos prazerosos.
171
Avareza
Segundo Aristóteles (2001), tal disposição moral é incurável, pois se
encontra notadamente atrelada à natureza humana. A avareza caracteriza-se
pela inclinação do homem em acumular riquezas e por sua dificuldade em
desprender-se de suas posses. Tais posições podem aparecer combinadas ou
individualizadas.
Mesquinhez
A mesquinhez se caracteriza por uma disposição reprovável da alma.
Aquele que se comporta conforme seus desígnios é tendencionado à redução
de custos insignificantes, determinando a falta e comprometendo o bom
resultado final da proposta (ARISTÓTELES, 2001, p.78). O mesquinho
acredita estar sempre gastando além daquilo que era previsto. Faz, portanto,
inúmeros cálculos para que possa controlar suas despesas. No entanto,
lamenta todos seus gastos.
Pusilânime
Característica que determina as pessoas que aspiram aquém de suas
potencialidades ou, ainda, desenvolvem comparações nas quais se subjugam
frente ao magnânimo. As pessoas pusilânimes desconsideram seu potencial
para aquilo que lhe é digno, privando-se do que lhe pode ser favorável, fato
que faz inferir um desconhecimento de si. Denotam retração frente a ações e
propósitos nobilitantes por se julgarem indignas deles, privando-se até dos
bens materiais” (ARISTÓTLES, 2001, p.82).
172
Apatia
Característica determinada pela falta, própria das pessoas que não se
encolerizam. Confere-se a estas pessoas uma inexistência da sensibilidade,
uma vez que não se impõem, nem mesmo sofrem frente a uma ofensa e, por
não se encolerizarem, supõe-se uma incapacidade para se defenderem.
Falsa modéstia
Característica das pessoas que minimizam suas qualidades,
pretendendo o reconhecimento e o apreço do outro (ARISTÓTELES, 2001,
p.86).
Enfadonho
São pessoas com dificuldade em conviver socialmente, manifestando-se
constantemente insatisfeitas. “Não conseguem fazer gracejo e não suportam
aqueles que o fazem” (ARISTÓTELES, 2001, p.87).
Amizade por prazer
A amizade baseada no prazer é mantida pela sensação que o outro
possibilita. Assim, o mesmo raciocínio aplicado à amizade por interesse
mantém-se na amizade por prazer. Aristóteles (2001, p.155) exemplifica,
ilustrando que aqueles que amam por prazer, comprazem-se na sensação
agradável com que o agraciados. Logo, não é pelo caráter que se gosta de
uma pessoa espirituosa, mas por aquilo que ela propicia. Da mesma forma que
a amizade por interesses, a amizade sustentada pelo prazer também é frágil e,
sabendo-se que as pessoas transformam-se com o tempo, podem deixar de
ser úteis e também de ser agradáveis, rompendo o sentimento. Tais amizades
são notadamente vivenciadas por jovens, pois agem sob a força das emoções,
173
direcionando-se aquilo que lhes proporciona prazer, caracterizando sua
efemeridade. Este tipo de amizade revela semelhança com a amizade perfeita,
pois pessoas boas também são agradáveis e generosas. Contudo, como na
amizade por interesses, a amizade por prazer pode se dar entre diferentes
combinações de sujeitos pessoa boa-pessoa boa; pessoa boa-pessoa má;
pessoa má-pessoa má – pois seu valor encontra-se no resultado almejado.
Ególatra
Diz-se daquele que ama mais a si que os outros. Tais pessoas
costumam conduzir suas ões conforme aquilo que lhe é nobilitante,
buscando melhor satisfazer seu lado dominante, rendendo-se a ele.
(ARISTÓTELES, 2001, p. 184).
Excelência moral – Virtude
Coragem
É compreendida como o meio termo entre a covardia e a temeridade. O
homem porta-se de maneira corajosa em diferentes circunstâncias. O homem
corajoso é habilitado a temer aquilo que se encontra além da resistência
humana. No entanto, reage apoiado na razão, que lhe assegura a honra, um
dos fins da excelência moral. Tendo uma disposição para a esperança, revela-
se confiante. Uma morte decorrente de situações nas quais o perigo é
eminente, como em uma guerra, adquire um caráter nobilitante. O homem
corajoso pode temer e enfrentar determinadas ocorrências. No entanto, suas
inclinações são guiadas pela razão e em conformidade com a disposição moral
correspondente. Assim, nos momentos que antecedem uma ação, revelam
tranqüilidade e no momento da ação, excitação (ARISTÓTELES, 2001, p.61).
174
Moderação
Esta virtude caracteriza-se pelo meio termo daquilo que tangencia os
prazeres do corpo. A visão e a audição não correspondem aos prazeres do
corpo; o mesmo ocorre com o odor, quando casualmente apresentado.
A pessoa que age conforme esta disposição moral é capaz de abdicar daquilo
que lhe é agradável, convivendo com sua falta.
Liberalidade
A pessoa liberal é aquela que gasta conforme suas verdadeiras posses,
sem exceder, cumprindo com objetivos moderados. Tais pessoas dispõem de
valores certos, sem que isso lhes incite sofrimento, sendo marcadas pela
excelência moral, uma vez a observância para com o justo meio. A pessoa
liberal o atribui uma superestima à riqueza. Aristóteles (2001, p.72) ressalta
que o homem liberal não deseja ser rico. Age, então, generosamente para com
suas posses, fazendo ofertas coerentes, direcionando-as a quem merece e no
momento propício. A liberalidade se configura na excelência moral cuja
disposição encontra-se no meio termo entre o dar e o obter.
Magnificência
Apesar de semelhante à liberalidade, relaciona-se àquilo que
corresponde aos gastos. Esta disposição relaciona-se a um “dispêndio
consentâneo com seus objetivos em grande escala” (ARISTÓTELES, 2001, p.
75). O magnificente investe grandes valores em objetos que visam resultados
equiparados ao que foi dispendido. Assim, o título de magnificente é atribuído a
quem possui grandes bens e seus investimentos são proporcionais e
compatíveis. Uma pessoa com poucos recursos não contempla os requisitos
para a magnificência, visto não possuir recursos para grandes feitos.
175
Magnanimidade
As pessoas magnânimas aspiram grandes conquistas e atributos. Tais
pretensões encontram-se na medida de suas potencialidades, demarcando a
excelência moral e o meio termo justo em relação ao pretensioso e ao
pusilânime (ARISTÓTELES, 2001, p.78).
Amabilidade
“É o estado intermediário em relação à cólera” (ARISTÓTELES, 2001,
p.83). Aqueles que são naturalmente agradáveis, isentos de intenções futuras,
são amáveis. No entanto, as pessoas amáveis podem se encolerizar
justamente, quando, orientadas pela razão, pois se revelam dignas de louvor.
Sinceridade
Característica dotada de excelência moral. As pessoas sinceras o são
com suas ações e com suas palavras. No entanto, podem divergir de uma
verdade, no sentido de atenuá-la, compatibilizando-a com a conveniência
(ARISTÓTELES, 2001, p.86).
Espirituosidade
As pessoas espirituosas são aquelas que gracejam com bom gosto,
denotam presença de espírito, fazendo verbalizações pertinentes e oportunas.
Amizade perfeita
A amizade é descrita por Aristóteles (2001) como uma das formas de
excelência moral. A disposição amistosa revela-se na mais autêntica forma de
176
justiça, portanto, caracteriza-se por sua notabilidade. A amizade aplica-se a
pessoas, pois requer a reciprocidade de afeição, ou a boa vontade recíproca,
estando imune a calúnias. A amizade perfeita se estabelece entre pessoas
boas e semelhantes; elas o igualmente agradáveis e úteis, desejam o bem
uma da outra irrestritamente pelo que são, ao mesmo tempo em que se
beneficiam mutuamente, firmando uma relação duradoura e sincera. Em tais
amizades, inexistem queixas e desentendimentos, pois predomina o desejo de
fazer o bem um ao outro. Aristóteles (2001) supõe que a amizade é uma
disposição de caráter e, quando fundada nela, é duradoura. Mas para que esta
se confirme, requer-se tempo e intimidade, elementos que proporcionam a
conquista da confiança.
Condignidade
A condignidade se refere à retribuição de um serviço. Para que seja
condigna, deve ser equivalente ao benefício promovido. As pessoas condignas
desejam aquilo que é justo e proveitoso. Tal atitude encontra respaldo junto às
características daquele que possui disposição para a amizade perfeita.
Aristóteles (2001, p.175) complementa a idéia, destacando que “as pessoas
que recebem uma coisa devem atribuir-lhe, não o valor que ela parece ter,
quando já a possuem, e sim o valor que lhe atribuíam antes de tê-la”. Cada
pessoa requer um merecimento diferenciado, no entanto, apropriado e
conveniente.
Atentando-se para as considerações éticas desenvolvidas por
Aristóteles (2001), o cidadão é responsável por seus atos. Assim, a excelência
moral é ofertada ao homem, que pode ou não assumi-la e aperfeiçoá-la,
estando subjugada à prática. Contrapõe-se à crença de Sócrates e de Platão,
que retiravam do homem a responsabilidade para com sua natureza. Enfim, em
sua ética, Aristóteles estabeleceu uma relação direta entre as disposições
morais e o comportamento, sendo o hábito determinante das virtudes ou das
177
deficiências. Contudo, as ações derivadas da compulsão, da ignorância ou da
coerção são consideradas involuntárias. Nem todas as ações cuja origem é
externa ao agente o nobres. Em algumas circunstâncias, faz-se preferível
enfrentar a morte que ceder à prática de atos ignóbeis. aquele ato derivado
da compulsão, cujo fim é o prazer, não deriva da coerção, visto que a ação é
incitada pelo próprio prazer. Algo praticado pela ignorância pode ou não ser
uma ação involuntária. Configura-se como involuntária, quando seguida pelo
arrependimento e pelo pesar. No entanto, se a origem da ignorância encontra-
se no próprio cidadão, como a cólera e o desejo, a ação perde seu caráter
involuntário.
Em suas análises, Blazquez (1999) reafirma o pressuposto aristotélico
de que a experiência social é possibilitada através da arte e da literatura,
instigando a catarse emocional daqueles que são seus espectadores. O
conteúdo destas obras, vivenciado de forma singular por aqueles que delas se
apropriam, permite um reencontro com questões pessoais e um alívio
emocional, realizável através da “evasão momentânea e prazerosa para o
campo da imaginação”, configurando-se nos efeitos morais da arte (p.541). O
autor fala, também, em influência por ensinamento e por sugestão. A influência
por ensinamento é compreendida pela entrega às figuras representadas,
conduzindo o espectador à reprodução do que observa. A influência por
sugestão é produzida quando o espectador submete-se ao mundo da imagem,
sendo induzido a apropriar-se acriticamente de julgamentos postos. O autor
levantou duas questões éticas: enquanto a influência por ensinamento tem o
problema da imitação, a influência por sugestão é permeada pelo problema
ético da perda da própria liberdade. No entanto, quando o grau de sugestão é
potencializado, depara-se com a influência hipnotizante (BLAZQUEZ, 1999).
Nesta, o espectador mostra-se alienado do real e envolto pelo atrativo mundo
da imagem, distancia-se da razão, através de uma dependência mental.
Na Poética Aristóteles estendeu seu olhar para o teatro e para literatura.
Nesta obra, desenvolveu os conceitos de mimesis e de catarse, a partir da
tragédia e da comédia grega. A tragédia caracteriza-se pela imitação de uma
ação de caráter elevado, própria de homens superiores; a comédia,
178
diferentemente, atende a imitação de homens inferiores, pertinente aquilo que
é torpe, que tende ao ridículo.
Como uma arte mimética, a tragédia apresenta-se como um todo
organizado com princípio, meio e fim. A tragédia comporta além da imitação de
uma ação completa, a imitação de casos que suscitam sentimentos e emoções
- terror e piedade - sobre os quais incidem a virtude catártica. Admite-se que o
sentido da catarse seja o de purificação, e que o terror e a piedade venham a
resultar da função catártica da tragédia. Se a piedade é o sentimento de
infelicidade não merecido, o terror refere-se ao sentimento perante um
semelhante desditoso. Enquanto a piedade atrai, através da simpatia ou
comiseração; o terror repulsa, pela via do medo e da angústia (ARISTÓTELES,
1998) (Ver ANEXO 1).
4.3 Morin: Uma tessitura da ética contemporânea
Após um olhar aos valores éticos aristotéticos, dá-se um salto no tempo,
para encontrar os escritos de Edgar Morin, teórico dedicado à temática da
complexidade, do imaginário, da compreensão e de uma sociologia do
cotidiano e do presente, que desenvolve reflexões comprometidas com a
atualidade. Morin constrói seus ensaios teóricos apoiado na dialógica,
articulando o simples com o complexo, a ordem com a desordem, o separável
com o não-separável. Sua reforma do pensamento propõe a superação do
fragmentado para a permanente intercomunicação entre as partes, formada por
uma totalidade aberta, sustentada pela dialógica complexa. A complexidade
envolve-se com as incertezas, questionando verdades, fundando uma evolução
paradigmática e convivendo com a reincidência contínua da dúvida (SILVA,
2007). Morin (2000
c
) define o complexo como um modelo integrado por
distintos elementos, mas que, inseparáveis, marcam uma relação entre a
unidade e a multiplicidade.
Atribuindo relevância às particularidades culturais, entende que cada
cultura possui suas verdades, conhecimentos, sabedoria, como também, suas
179
ilusões e contradições. Faz-se coerente então, a concepção do todo para além
das partes, contextualizando-as (MORIN, 2007
b
).
Antes de direcionar o texto à ética de Edgar Morin, apresentar-se-á
brevemente sua trajetória científica, destacando suas contribuições no campo
da filosofia, sociologia e comunicação, deixando desde cedo sua marca naquilo
que diz respeito à complexidade. Morin desenvolve, para além de suas
numerosas publicações, a série de seis livros de O método. Nestes volumes
discorre suas concepções acerca dos fenômenos, propondo uma maneira
polissêmica de apreender o mundo. É então que se consagra como o teórico
da complexidade. Sistemas e elementos precisam ser analisados no tocante de
suas inter-relações, desprovidos da forma pura e eterna, encontram-se na
eminência de reformarem-se e reconstruírem-se.
Seus primeiros ensaios de método foram apresentados em 1977, com O
medo 1: A natureza da natureza. Nele, aborda o circuito das inter-relações,
recusando a simplificação, as certezas e a ordem, propondo uma analogia com
o universo. Assim, as desacomodações, desordens e turbulências agem como
motores que instigam o eterno renascimento. Todo sistema deve ser concebido
no seu todo, pois seu valor ultrapassa seus elementos. Os elementos
isoladamente perdem a riqueza significante da unidade dos mesmos, enquanto
um todo. As derivações suscitadas pela intercomunicação dos elementos são
reconhecidas como emergências. Logo, as emergências são diretamente
dependentes do circuito no qual o sistema atua. Indivíduo, espécie e sociedade
participam de um eterno ciclo de regeneração. Ao inserir o conhecimento nesta
trajetória cíclica, repudia a idéia de simplificá-lo em conceitos totalizantes,
defendendo que este caminho de retorno deve ser espiral, promovendo uma
verdadeira transformação: “o retorno ao começo é precisamente o que o afasta
do começo” (MORIN, p.36, 2008
b
). Propôs uma compreensão da natureza
humana a partir da consideração da ciência da natureza. A agitação,
desigualdades e outras formas de desordem são enquadradas como
motivadoras de uma nova ordem.
No O método 2: A vida da vida, Morin (2005
a
) continuidade a suas
reflexões. Ao mesmo tempo em que particulariza seu olhar sobre os
180
fenômenos, agrega novos conceitos. Destaca a eco-organização do humano e
das demais espécies, determinada por uma organização espontânea e
ininterrupta cujo objetivo é resistir ao fim. A autodeterminação impõe-se a
forças externas, regulando sua existência através de uma atitude autônoma.
Articula a linguagem, a cultura e a herança genética na complexa organização
antroposocial.
No O método 3: O conhecimento do conhecimento, amplia sua
discussão, instigando o leitor a uma reflexão acerca do caráter bio-antropo-
sócio-cultural do conhecimento:
O conhecimento não é insular, mas peninsular, e, para conhecê-
lo temos que ligá-lo ao continente do qual faz parte. O ato do
conhecimento, ao mesmo tempo biológico, cerebral, espiritual, lógico,
lingüístico, cultural, social, histórico, faz com que o conhecimento não
possa ser dissociado da vida humana e da relação social (MORIN,
p.26, 2008
a
).
No O método 4: As idéias, habitat, vida, costumes, organização
aponta para as condições sócio-culturais-históricas que dão corpo à ecologia
do conhecimento. Amplia suas percepções para o caráter da noosfera que diz
respeito ao
universo de signos, símbolos, mensagens, figurações, idéias que nos
designam coisas, situações, fenômenos, problemas, mas que, por
isso mesmo, são os mediadores necessários nas relações dos
homens entre si, com a sociedade e com o mundo (MORIN, p.146,
1998).
Descreve as relações da cultura e da sociedade, suas interações com o
indivíduo e permanente regeneração do social, perante as normas/regras
circundantes, aprofundando as marcas deixadas pelo imprinting e pela
normalização.
No O método 5: A humanidade da humanidade, a identidade
humana, Morin (2007
a
) pensa na participação da cultura e seu papel para a
espécie humana. Agregando conquistas, reorganizações, revisando mitos e
costumes, a cultura se refaz e se reproduz em cada indivíduo. Transmitida por
gerações, a cultura torna viável a evolução humana. Normas, códigos, regras e
interdições culturalmente herdados somam-se à identidade humana, dando-lhe
181
forma. Repensados e transformados através de gerações, uma cultura
reformada ganha voz. Morin (2007
a
) afirma que o homem continua o mesmo
enquanto organismo. No entanto, sua mudança está no fato de apropriar-se da
cultura, sempre renovada, de seu contexto social.
Morin finaliza a série com O método 6: Ética (2005
b
), cujo estudo
ganhará profundidade na seqüência do capítulo.
Dentre outras publicações, os trabalhos de Morin também tiveram
destaque com Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000
c
).
Esta obra foi adotada por uma significativa parcela da comunidade de
educadores brasileiros, servindo de fonte para as políticas educacionais. Morin
(2000
c
) aprofundou reflexões acerca das cegueiras do conhecimento; dos
princípios do conhecimento pertinente; do ensino da condição humana; do
ensino sobre a identidade terrena; do enfrentamento das incertezas; do
aprendizado da compreensão e da ética do gênero humano. Em A cabeça
bem-feita: Repensar a reforma, reformar o pensamento, Morin (2000
b
)
reforça a proposta de ensinar a pensar o mundo, a enfrentar as incertezas, a
compreender os fenômenos organizando o conhecimento e viabilizando a
existência humana. Desenvolvendo tópicos tangenciados ao longo da série do
método, discorre acerca da complexidade, apoiando-se no princípio de Pascal,
em que a parte e o todo não podem ser concebidos separadamente, pois, se
assim for, não se conhece nem o todo, nem as partes. Em Terra-Pátria
(2001
a
), apresenta um conjunto de ensaios no qual expõe reflexões
atravessadas pelas alterações do sistema mundial, apontando para o destino
humano, dando ênfase, finalmente, ao amor, à compreensão e à fraternidade
Morin (2007
b
, p.53) discorre acerca da violência, retomando casos nos
quais matar pode ser justificado - como em situações de opressão, de ditadura,
de ocupação por um país estrangeiro. Contudo, observa que, estando
agudamente presente em diferentes situações, inclusive naquelas não
justificadas, requer-se a gestação de uma ética da pacificação das almas - da
não violência. Acrescenta que falta uma consciência ética e política que
sustentem o sentido de pertencimento. Em conseqüência, faz uma relação com
o sentido de comunhão existente na palavra pátria, que ressoa no coletivo, no
182
conjunto de uma comunidade e de uma diversidade, refletindo sobre o
desenvolvimento dos sentidos ético e político e da reforma epistemológica
(MORIN, 2007
b
, p.58).
Compreendendo a complexidade da ética, Morin (2005
b
, p.15) conduz a
uma reflexão em que faz dialogar a ética com a ciência, com a política e com a
economia. Ciente da crise de valores vivenciada pela sociedade, retoma o
bem, o possível e o necessário, repensando a ética que vem se fundando. Sua
discussão sobre a ética, em O Método 6: Ética se inicia esclarecendo a
interdependência entre moral e ética. Enquanto a ética designa um ponto de
vista supra ou meta-individual, a moral atrela-se à decisão e à ação dos
indivíduos. Contudo, a moral individual depende de maneira direta de uma
concepção ética, que se torna oca sem as morais individuais. Ética e moral não
são separáveis e, recobrindo-se de sentido, são usadas indiscriminadamente
por Morin (2005
b
). A partir de fundamentos e princípios da moral, ele assim
desenvolve a ética complexa.
A ética se apresenta como imperativa, refletindo uma exigência moral.
Envolvida pela cultura, pelas crenças e pelas normas de uma comunidade, é
também acrescida pelo fator originário geneticamente herdado e por um
movimento interno do indivíduo, que age em conformidade com normativas
interiores. Presentes na constituição do sujeito, o biológico, o individual e o
social não podem ser dissociados, apesar de diferenciados. Morin (2005
b
)
entende o sujeito como um ser em pleno processo de auto-afirmação, expresso
através do direcionamento ao egocentrismo. Na auto-afirmação, encontra-se
presente o fator exclusão e o fator inclusão. Enquanto o primeiro
correlacionaria a expressão do Eu a um espaço egocêntrico, garantindo a
identidade do sujeito; o segundo, contraditoriamente, coexiste com o primeiro,
mas incluiria o Eu num laço social, manifestando-se como uma tendência
instintiva. Morin estabelece um diálogo entre o sujeito e os princípios da
inclusão e de exclusão, descrevendo um duplo vínculo que deve ser
preservado equilibradamente junto ao sujeito. Sem este equilíbrio, pode-se
verificar uma dupla reação quando o egocentrismo sobrepõe-se ao altruísmo,
observa-se o fechamento ao outro; por outro lado, uma vivência antagônica a
183
esta promove uma imersão indiferenciada no outro país, família, religião.
Defende que, agregado à concepção ética, deve confluir o caráter vital do
egocentrismo, bem como o potencial altruísta. Ao mesmo tempo, destaca que a
ética precisa encarnar uma exigência/dever de ordem subjetiva, relacionando-
se ao fator sagrado, à herança religiosa, ou ainda a uma força bio-antropo-
sociológica.
O ato moral promove uma religação com o outro, que se estende aos
campos da comunidade, da sociedade e da espécie, compondo o espaço da
ética. Comportando o princípio de inclusão, o indivíduo faz-se um ser social
que, inserido na sociedade, move-se a favor do altruísmo, pela via da amizade
e do amor. Sustentando este sistema, vigora uma fonte de normas que
conduzem o indivíduo a um comportamento solidário, regido pelo valor da
religação (MORIN, 2005
b
).
Sendo o homem dotado pelo impulso egocêntrico, destacam-se
incompatibilidades frente às considerações morais, fruto da rivalidade entre
distintos Eus egocêntricos que emergem, únicos, em cada ser. As exigências
egoístas confrontam-se com o regimento ético socialmente imposto.
Remetendo-se à origem da humanidade, Morin (2005
b
) reconhece à ética uma
raiz natural, justificada pelo princípio da inclusão, presente na sócio-auto-
organização biológica do indivíduo e perpassada pela genética. Conserva-se
no cerne do indivíduo social uma conflitiva entre o impulso egocêntrico e
aquele voltado à sociedade. Deste modo, a ética encontra fundamentos junto à
competência da responsabilidade e da solidariedade, que servem de fonte para
sua solidez, junto ao sentimento de comunidade.
Distintas técnicas embasam as normativas éticas ao longo da história.
Notadamente na Antigüidade, o homem era coagido a agir conforme um
embasamento nacionalista ou divino. Diferentes forças presentificavam-se
através de marcas que prescreviam o bem, o mal, o justo e o injusto, povoando
o imaginário de angústias persecutórias. O caminho para uma autonomia moral
dependia de uma evolução da individualidade, fato observado em Atenas, no
século V a.c., com a manifestação da democracia, forma de governo na qual os
cidadãos podiam participar daquilo que se referia às decisões direcionadas à
184
sociedade. Paralelamente, a consciência moral individual induzia a uma
intercomunicação entre as normas imperativas e aquilo que dizia respeito à
vida privada, complexizando e fortalecendo a relação
indivíduo/espécie/sociedade, haja vista suas possibilidades e autonomia-
individuais. Num momento em que éticas de grupos confrontavam-se com a
ética da comunidade, a superação destas digressões devia convergir para uma
ética universal da comunidade humana. Tal tendência à universalização ética
irrompe paralelamente junto às grandes religiões, contrapondo-se a esta
construção, verifica-se, com a modernidade, um movimento de laicização da
ética, em que cada pátria impõe seu culto e suas normativas (MORIN, 2005
b
).
A ética vai perdendo seu caráter universal. Fruto da laicização, o
individualismo ético vai se sobressaindo e esmorecendo a responsabilidade e a
solidariedade atuantes, próprios da complementaridade entre a ética individual
e a da cidade. O individualismo traz instabilidades àquela moral imperativa,
cujas normativas, inseridas no âmago do sujeito, eram concebidas como justas
e inquestionáveis. Contudo, o reconhecimento de novas possibilidades fomenta
a emancipação do sujeito, atualizando possibilidades e posicionamentos. A
tendência ao individualismo egocêntrico e o rompimento com a solidariedade
suscitam uma nova formatação social e um retraimento daquelas fontes
tradicionais (MORIN, 2005
b
, p.26). Esta crise de fundamentos éticos submete o
compromisso com a família e com a comunidade ao prazer individual,
corrompendo a tradição, dessacralizando códigos categóricos e fundando uma
reestruturação da base ética, antes prescrita. Uma vasta oferta de valores é
apresentada e ofertada, cabendo a cada um acolher aqueles com os quais
houver identificação. Contudo, tais valores não fundamentam a ética, pois não
lhe dão justificativas.
No seu Método 6: Ética, Morin (2005
b
) repensa a crise dos
fundamentos que fomenta a deterioração do tecido social. Nessa perspectiva,
incide a reflexão:
As fontes da ética quase não irrigam mais; a fonte individual é
asfixiada pelo egocentrismo; a fonte comunitária é desidratada pela
degradação da solidariedade; a fonte social é alterada pela
compartimentação, burocratização, atomização da realidade social e,
185
além disso, é atingida por diversos tipos de corrupção; a fonte
bioantropológica é enfraquecida pelo primado do indivíduo sobre a
espécie (MORIN, 2005
b
, p.28).
Esse movimento ao individualismo, cujas frágeis referências colocam o
conjunto no plano secundário, incita inseguranças e ansiedades no sujeito, que
clama pelo retorno dos antigos fundamentos nacionais, éticos ou religiosos
que instauravam a segurança pquica e a religação ética. Intimamente ligada
ao contexto sócio-histórico, a ética oferece ao indivíduo o sentimento de dever
e obrigação moral. O ato moral é concebido por Morin (2005
b
) como um ato de
religação, seja com o outro, com a comunidade, com a sociedade ou com a
espécie humana. É esta religação que se encontra em crise. Regenerar as
fontes éticas de responsabilidade e solidariedade refundaria a ética, assim
como o ato de religação indivíduo/sociedade/espécie. Cabe dar à ética novas
fontes para regenerar o circuito de religação. O bem é caracterizado pela
religação na separação, enquanto o mal é a separação sem a religação. A
religação converte-se em um imperativo ético, que atua hegemonicamente
sobre a relação com o outro, com a comunidade, com a sociedade e com a
humanidade (MORIN, 2005
b
).
Desde o início do universo, existiria um conflito entre as forças de
dispersão e as de atração, que constroem um sistema inter-relacionado e
cíclico, caracterizado pela ordem-desordem-interações-organização.
Estabelecendo uma analogia com o sistema do universo, Morin (2005
b
)
sustenta uma complexa rede, tecida junto às fontes fundantes da ética. Esta
teia surge da dialógica criação-destruição que, nutrida por rupturas imersas, faz
um clamor à religação. Os elementos que compõem este sistema de retro-
alimentação, marcados por suas incompatibilidades, caracterizam-se
estranhamente por sua inseparabilidade e complementaridade. Morte e
nascimento ilustram este ciclo, segundo o qual o fim de uma formação incita
uma nova. Conformando-se com estas considerações, as sociedades
desdobram-se em novas gerações, na proporção em que as antigas tradições
vão desaparecendo.
A capacidade de uma instituição em superar-se depende da virtude de
religar-se a uma autonomia, que se protege do meio; e da virtude da
186
organização viva, que liga sua autonomia ao meio. “A organização viva
necessita de energia exterior para se regenerar e de informação externa para
sobreviver” (MORIN, p. 34, 2005
b
) Por isso, pode-se conceber a organização
viva como uma auto-eco-organização, que opera uma ligação vital com seu
meio ambiente. Morin (2000ª), ao desenvolver questões sobre a dialógica,
concebe sua presença contraditória no universo, visto que une dois princípios
excludentes e indissociáveis.
Diferentes tipos de religação regem o contexto social. Cada final atende
a uma busca individual em torno de uma religião, política ou ideologia. Morin
(2005
b
, p.36) compreende que o ato ético é um ato de religação com a
comunidade e com a humanidade. Em um mundo no qual diferentes
autonomias se dividem, orientadas a favor de ideais egocêntricos, vigora a
necessidade de uma base humanitária que favoreça a harmonia entre os seres.
Por sua vez, quando a autonomia conflui com o meio exterior, salvaguardando-
o e protegendo-o, observa-se um circuito de auto-eco-organização, que religa o
sujeito a seu ambiente, reforçando o elo com a cultura e com a sociedade. Os
laços de amizade, afeição e amor dão recursos para a preservação da vida, da
sociedade e da ética, uma vez que se prestam à preservação do ser, frente à
hostilidade e à agressividade. A harmonia, para Morin, revela uma relação
direta com estas disposições humanas. A religação cósmica é alcançada
através da religação biológica; a religação biológica, pela religação
antropológica; já a religação antropológica caracteriza-se pela solidariedade,
fraternidade, amizade e amor (MORIN, 2005
b
, p.37).
Morin (2005
b
) atém-se ao caráter do amor, tomando-o como a forma
suprema de religação entre os seres humanos. Repensa o descontrole
amoroso frente a alguns elementos como ídolos, deuses e idéias. Este tipo de
obsessão, dissociada da razão, planta as sementes da intolerância, impedindo
a efetivação de muitos atos de religação do mundo.
Atendo-se à ética, Morin (2005
b
) se coloca frente a questões da
qualidade da ação, observando algumas incertezas perante a intenção e a
ação. Intenção e ação encontram-se entre aqueles elementos complementares,
cuja interação sentido ao ato. Desta forma, atos morais podem ser
187
revertidos, moldando um cenário imoral, e atos imorais podem ter
conseqüências morais. Nesta perspectiva, propõe uma compreensão das
conseqüências das ões, a partir das pontuações que se faz acerca de sua
ecologia - ecologia da ação situando a incerteza e a contradição ética. “Os
efeitos da ação dependem não apenas das intenções do ator, mas também das
condições próprias ao meio onde se esconde” (MORIN, p.40, 2005
b
). Cada
sujeito possui e esconde certas intenções com seus atos, que suscitam inter-
retro-ações, capazes de despertarem reações inesperadas e não previstas,
impondo reorganizações estruturais. Além das intenções, o resultado revela-se
atrelado ao meio, através do qual a ação se sucedeu, demarcando, junto à
ecologia da ação, a incerteza, a contradição e a ilusão éticas, engendradas por
desvios de sua linearidade (MORIN, 2005
b
, p.42).
A dinâmica da ecologia da ação impõe ao ser humano limitações diante
da previsibilidade do resultado intencionado com as ações. Envolta por esta
dinâmica, coexistem a ousadia e a precaução, bem como a inconsciência ou a
negligência dos efeitos secundários de uma ação originalmente salutar. A
relação entre os fins e os meios ganham visibilidade, através do deontológico –
obediência a uma regra - e do teleológico - obediência a uma finalidade. Os
fins, por vezes morais, perdem a qualidade virtuosa ao emaranharem-se aos
meios ignóbeis. Morin (2005
b
) antepõe a finalidade a longo prazo à finalidade a
curto prazo. Neste jogo complexo, observa que existem necessidades cujas
urgências determinarão a ação. Complementando sua teoria sobre a incerteza
da ética, Morin (2005
b
) discorre sobre as derivações e os desvios presenciados
pela história, que se entremesclam com a moralidade dos atos, mencionada,
a partir do teleológico e do deontológico.
A ética de Morin (2005
b
) é ampla e exemplificada por fatos históricos que
asseguram maior sustentabilidade às suas análises. Dando sequência às suas
considerações, elenca alguns vetores éticos que, contraditórios, confrontam
ordens antagônicas. Imperativos universais impõem-se a imperativos éticos
particulares - envoltos pela pluralidade de valores e inquietam a ética, que se
manifesta frágil e complexa.
188
Morin considera que a dialógica entre ética e política é marcada por
incertezas e contradições; mas não deixa de ater-se à questão da ética na
ciência. Incertezas, desejo de poder, busca por conquistas tecnológicas e pelo
progresso da biologia molecular e genética, são fomentadores das discussões
e contradições éticas. Nestas, coloca-se o humano em foco, redefinindo-se as
fronteiras de vida e morte. Temáticas como o aborto e a eutanásia são
vislumbradas sob o olhar da ciência, da religião e das ideologias, multiplicando-
se contradições. Acompanha-se hoje comissões de bioética, agrupamentos
que enlaçam os indivíduos em torno de uma temática capaz de abrir espaço
para a análise e a revisão de múltiplos imperativos, reformando o absoluto. O
grande desenvolvimento científico coloca em discussão novas questões, que
apresentam diversas possibilidades e desacomodam uma estrutura antes
imperativa, visto sua natureza ambivalente. O vínculo entre a ciência, a técnica,
a sociedade e a política são influenciados pelos juízos de valor, que ampliam o
leque de possibilidades interpretativas, fundadas a partir de diferentes crenças.
Como prescrever o correto, se a ética é tomada por incertezas? É preciso
aceitar suas incertezas e antagonismos, repensando-a com base nos
paradigmas. A ética, presente na ciência e na política, é residual. Sua reforma
depende da reforma do pensamento entre cientistas e cidadãos (MORIN,
2005
b
). Mas as crises semeiam novas possibilidades, dando esperanças à
regeneração ética. Ultrapassando o campo científico, a ética encontra uma
origem na barbárie humana, cuja fenda a favor da civilização depende de uma
política capaz de confluir “a incógnita do futuro do mundo; a aposta; a
estratégia; um conhecimento pertinente que visasse a reformar as relações
entre os seres humanos” (MORIN, 2005
b
, p.87). Como resultado, o sucesso
viabilizador da regeneração está no encontro com a diversidade, adversidade,
religação, compreensão, consciência, solidariedade e responsabilidade. As
distintas concepções religiosas confrontam-se com pressupostos da ciência,
impulsionando inquietações éticas acerca da vida. A ética ganha destaque
quando Morin (2005
b
) questiona a submissão perante um quadro ético
paradigmático e, por sua vez, reducionista. É preciso que a ética seja vista e
compreendida como um conjunto, em permanentes jogos de ajuste, ante a
189
eminência de um desajuste, no qual as peças se amoldam conforme as novas
posições suscitadas, contrapondo-se aos costumes da moralina
4
.
Sendo as conseqüências de um ato ético, incerto, a intenção ética deve
ser absorvida por uma estratégia capaz de atender às ilusões, às incertezas, à
ecologia da ação e da reflexão. Reconhecido o risco, a ação estratégica funda-
se numa aposta ética. Paralelamente a uma variedade de finalidades éticas
nutridas por valores, requer-se um incremento da complexidade das
estratégias. A complexidade estende-se para além do código binário bem/mal e
justo/injusto, já que o bem pode ser contido pelo mal, assim como o inverso. A
incerteza compromete o imperativo ético, nutrindo a ética de pluralidades e
questionamentos. A ecologia da ação atua juntamente com a auto-ética, com a
sócio-ética e com a antropoética. A crença nos valores éticos e na boa
vontade, contudo, não é capaz de garantir a certeza de seus resultados. Para
tanto, Morin (2005
b
) acredita na relação intrínseca entre a moral verdade
subjetiva – e o saber verdade objetiva, que devem ser constantemente
renovados, marcando a vigência da ética do conhecimento, que se impõe à
ilusão determinista.
Atendendo à ética do pensamento, Morin (2005
b
) descreve princípios do
pensar mal e do pensar bem. Enquanto o primeiro possui uma visão simplista
do contexto, apegando-se a determinismos cartesianos e limitando a
compreensão; o segundo reconhece a multiplicidade, atendo-se à dialógica,
revisitando uma racionalidade aberta, alimentada por incertezas e
contradições, relacionando indivíduo/sociedade/espécie. Reconhece o
indivíduo em seu potencial antagônico, vislumbrando o sapiens/demens,
faber/mitologicus, economicus/ludens, prosaico/poético e uno/múltiplo, etc.
Pensar bem favorece a tomada de consciência sobre degradações
éticas produzidas pelas histerias coletivas; paralelamente, nutre a regeneração
de um humanismo e da idéia de Terra-Pátria. Do pensar bem emana a
complexidade, que promove a ética da solidariedade (MORIN, 2005
b
). Esta
4
Morin recorre à distinção entre moral e moralina, apresentada por Nietzsche: “A moralina julga
e condena com base em critérios superficiais de moralidade, apropria-se do Bem e transforma
em oposição entre bem e mal aquilo que, na realidade não passa de um conflito de valores. (...)
A moralina sempre transforma o erro do outro em falta moral” (MORIN, 2005, p. 98).
190
perspectiva busca compreender tanto o imprinting quanto as normalizações
inscritas na cultura.
Distintas tradições continuam regendo determinações éticas através de
imperativos sustentados pela família, pela religião e por ideologias orientadas
por exigências de solidariedade, de hospitalidade e de honra. Com o
questionamento sobre uma simples submissão a estas prescrições, vai-se
originando uma auto-ética, capaz de desconstruir o primado dos costumes e a
moral cívica, fortalecendo o aspecto individual, que coloca cada sujeito como
autor responsável por seus atos, dando origem a emergências.
Auto-ética
Ética individualizada
A auto-ética apresentada por Morin (2005
b
) constrói-se a partir de uma
revisão das éticas tradicionais, é uma emergência. A auto-ética, ou ética
individualizada favorece a autonomia individual, nutrida por aspectos
psicoafetivos antropológicos, sociológicos e culturais. Abstendo-se dos
fundamentos exteriores, a auto-ética deve ser tocada pela consciência e pela
decisão pessoal, componentes da sócio-ética (ética cívica) e da antropoética
(ética do gênero humano). A decisão e a reflexão motivadas pela auto-ética
submetem-se a uma exigência moral desarraigada das imposições
paradigmáticas. A aplicação da auto-ética requisita exigências que se conciliam
com a ética, para si e para o outro. Através de um quadro esquemático, Morin
apresenta uma série de atributos que integram a auto-ética:
191
1. A ética de si para si comporta
- auto-análise
- autocrítica
- honra
- tolerância
- prática da recursão ética
- luta contra a moralina
- resistência à lei de talião e ao sacrifício do outro
- tomada de responsabilidade
2. Uma ética da compreensão
- com a consciência da complexidade e dos desvios humanos
- com a abertura à magnanimidade e ao perdão
3. Uma ética da cordialidade (com cortesia, civilidade)
4. Uma ética da amizade
Quadro 4: Auto-ética (MORIN, 2005
b
, p.93)
A auto-análise é uma ética marcada pelo olhar para si e para o outro,
que favorece a autocompreensão, através da tomada de consciência de si.
Neste processo, as fraquezas ou as carências seriam reconhecidas, através de
um exercício de introspecção e vigilância sobre si. Auto-análise e autocrítica
são marcadas por uma interdependência. A primeira ergue uma reflexão
introspectiva, enquanto a segunda ativa mecanismos limitadores da ilusão
egocêntrica, abrindo um olhar para o outro e resistindo à autojustificação
legitimadora. A autocrítica viabiliza a auto-análise. É através dela que se efetua
o combate ao egocentrismo e uma valorização do altruísmo. No entanto, o
egocentrismo resiste, protegendo o sujeito do excesso de mobilização para
com o mundo. “A luta fundamental da autocrítica é contra a autojustificação”
(MORIN, p.96, 2005
b
).Trazendo à consciência forças internas, o exercício da
autocrítica constrói uma cultura psíquica que se interpõe à self-deception (auto-
engano) e à autojustificação, mas permite que se perceba também no outro
estas unidades. Tecendo um diálogo entre as instâncias interiores, a cultura
psíquica permite um olhar ao mundo descentrado da pretenciosidade humana,
habilitado a assumir uma postura convicta entrelaçada pela reflexão. A cultura
psíquica sustenta-se por três meios éticos – a prática da recursão, a oposição à
192
moralina e a resistência à estrutura mental da lei do talião e do sacrifício do
outro (MORIN, 2005
b
, p.97).
A recursão ética consiste em uma revisão das próprias impressões, cujo
resultado depende da atividade de auto-análise, autocrítica e cultura psíquica.
Uma participação constante do intelecto e da ética compartilham a decisão
perante posicionamentos antagônicos, respondendo ao sistema inter-retro-
ativo. Aliada à reflexão, esta atitude convoca o sujeito a uma prévia e coerente
ponderação, preservando o outro do impulso irracional em culpar um terceiro. A
resistência à moralina, que em função da falta de fundamentos éticos permite a
entrada de uma avalanche de juízos morais, deve emergir sólida, desta
conjuntura, abrindo espaço para o conhecimento e para a compreensão do
outro.
Enquanto nas morais tradicionais a honra é referenciada pelas
normativas sociais, a ética da honra é coberta pela moral do egocentrismo,
resumindo-se em uma postura coerente com as regras assumidas. Mas a
honra constrói-se sobre a exigência da congruência entre o pensamento e a
ação. Uma posição de honra é conquistada quando a ação é comprometida
com as normativas pessoais e quando se respeita a honra do outro. A auto-
ética, com suas qualidades preservadas, viabiliza uma ética para o outro.
Simultaneamente, o olhar aos amores, à família e à comunidade são revolvidos
pelo caráter da honra, encontrando-se com as verdades, amizades e regras da
vida. A ética da honra se faz vigente quando pensamentos e crenças
particulares são assumidos, reservando sempre o respeito individual e ao
outro. A dignidade, a lealdade e a honestidade correspondem a uma dupla
função ética – para si e para o outro.
A ética de responsabilidade é própria daquele ser dotado de autonomia.
Para tanto, nutre-se da solidariedade, ou seja, do sentimento de pertencimento
a uma comunidade. Cada um deve assumir a responsabilidade perante aquilo
que lhe diz respeito e em relação aos outros, sem permitir que forças externas
e anônimas determinem seu destino. Dependendo do meio, a ética da
responsabilidade em inter-relação com a ecologia da ação pode favorecer que
o sentido das atitudes éticas seja desviado. Mas o indivíduo que consegue
193
desprender-se das marcas do imprinting e das normatizações comporta uma
autonomia. Portanto, deve ser cobrado pela responsabilidade de seus atos.
Morin (2005
b
) opõe-se à ética aristotélica. Acredita que a ética não deve
limitar-se ao exercício da virtude, mas, também, em não negligenciá-la.
Compreendendo a complexidade do homem, vislumbra distintas virtudes
diferentes momentos de seu ciclo vital, sugerindo que as virtudes morais são
responsáveis pela humanização do homem. Dependendo da percepção que se
tenha do outro, orientada pela similitude ou alteridade, emanam sentimentos
carregados pelo potencial de fraternidade ou de hostilidade, que a incitam
diferentes condutas.
Ética da religação
Impregnada pela atitude altruísta, a ética da religação sustenta o
reconhecimento de uma identidade comum. É uma ética para o outro, que
reconhece o outro. É comprometida em “manter a abertura ao outro,
salvaguardar o sentimento de identidade comum, consolidar e tonificar a
compreensão do outro” (MORIN, p.103, 2005
b
). A religação é vital e sustenta-
se sobre a amizade, o amor e a fraternidade, “comanda os demais imperativos
em relação ao outro, à comunidade, à sociedade, à humanidade” (MORIN,
p.104, 2005
b
). Atitudes derivadas da ética da religação fomentam a civilidade.
Na seqüência, completando a Ética da religação, Morin apresenta a
Ética da tolerância, a Ética de liberdade, a Ética de fidelidade à amizade e a
Ética do amor.
A Ética da tolerância abarca uma aceitação de distintas concepções, não
equivalendo necessariamente à submissão a estas, nem mesmo a uma
homogeneização ética. A Ética de liberdade se desenha junto à possibilidade
da delineação das próprias escolhas, a partir de uma racionalidade coerente.
Por sua vez, a Ética de fidelidade à amizade corresponde a uma ética da
fraternidade, fundada pelo sólido vínculo entre amigos, desapegada de
interesses, que transcende a ideologias, firmando-se sobre o território subjetivo
194
das identificações. A Ética do amor atende àquilo que o amor pressupõe,
ligando e unindo os seres, correlacionando-se com o princípio altruísta. Envolto
pela plenitude, a ética do amor ilumina a razão, mas, dependendo das
circunstâncias, o amor é tomado por outras possibilidades que lhe retiram o
caráter sublime - através da insuficiência de amor, do amor possessivo, das
cegueiras de amor, das perversões do amor ou do aviltamento do amor
(MORIN, 2005
b
).
Ética da compreensão
O autor reconhece, também, a necessidade de que a incompreensão
seja admitida, visto as diferenças que envolvem os povos, as religiões e a
família. A incompreensão é permeada pelo excesso de amor, pelo ódio, pelo
egocentrismo, pela lei do talião, pela vingança, com origens no fanatismo,
dogmatismos e normas culturais. Por razões de crenças e dogmas, as
divergências fomentam o caos, acirrando as oposições. Nem sempre a
compreensão é possível, pois a lei do talião e mecanismos como a
autojustificação
5
e a self-deception
6
elevam-se como sólidos obstáculos.
A compreensão favorece a evolução, o desenvolvimento e o progresso,
enquanto a incompreensão amplifica a desordem, devastando sistemas e
estruturas. A compreensão pode ser subjetiva, caracterizada pela projeção-
identificação; objetiva, que requer uma explicação; do outro, descrita pela
dialógica objetivo/subjetivo, e complexa, demarcada pela explicação, pela
compreensão objetiva e subjetiva. A compreensão complexa situa-se na
compreensão do ser humano e no seu potencial à multipersonalidade,
identificada no cinema. Ora contraditórias, ora ambivalentes, diferentes
impressões são observadas junto ao conteúdo apresentado nas distintas
mídias, sendo apropriadas e reinterpretadas conforme situações contextuais. A
compreensão das complexidades reconhece o aparato contextual e cultural
5
Derivada da self-deception, a autojustificação sustenta justificativas para as ações, resistindo
a compreensão da alteridade: etnia, nação, religião, gangues, indivíduo (MORIN, 2005).
6
Termo que, segundo o vocabulário de Morin (2005), diz respeito a uma mentira sincera ou
inconsciente para si mesmo.
195
apto a ressignificar acontecimentos. A indiferença, a negação do imprinting
7
, a
possessão por deuses, mitos e idéias, o egocentrismo, e o autocentrismo
atuam como obstáculos na atividade de compreensão, única capaz de formar o
ser ético.
Compreender não significa justificar. A compreensão não
desculpa nem acusa. Favorece o juízo intelectual, mas não impede a
condenação moral. Não leva à impossibilidade de julgar, mas à
necessidade de complexizar o nosso julgamento (MORIN, 2005
b
,
p.121).
A magnanimidade e o perdão agem diretamente sobre a lei do talião.
Assim, sua resistência a essa lei decorre diretamente de uma ética da
compreensão. A capacidade de regeneração deve estar perpassada pela
aposta no perdão, que despreza a vingança e faz uma convocatória à
conversão, embora sujeita ao risco. A auto-análise permite a vivência da ética o
perdão. A auto-ética se relaciona com tudo isso, engajando-se com a
comunidade, através da compreensão de sua complexidade, dos desvios
humanos e das ilusões, incitando um olhar ao diálogo (MORIN, 2005
b
). A ética
da compreensão é revolvida por um fenômeno atípico, que demanda
importante dispêndio de energia, pois recai na compreensão do
incompreensível. O bem pensar e a introspecção são estratégias que se aliam
à ética da compreensão. O primeiro permite uma compreensão tomada pelo
contexto, que elucida o multidimensional, sob o enfoque do objetivo e do
subjetivo. A introspecção, por sua vez, consiste num auto-exame cujo resultado
se reflete no entendimento do outro (MORIN, 2000
c
).
Dando continuidade a sua construção sobre a ética, Morin (2005
b
)
repensa o viver, reconhecendo a importância do bem viver. Recorrendo à
dialógica razão-paixão, mergulhada no circuito de retro-alimentação, verifica
que ambas as instâncias coexistem em equilíbrio e impulsionadas à harmonia.
Desconsidera a riqueza de uma vivência em que a razão ou a paixão exeam
predomínio sobre a outra. Se, no passado, a razão era exaltada, Morin (2005
b
)
refletidamente integra a razão e a emoção à sabedoria. A vida, se unicamente
7
Terminologia aplicada por Morin em referência a uma marca imposta pela cultura.
Inicialmente familiar, depois social e perdura na adultez. Tais marcas inscrevem-se no sujeito,
refletindo no seu modo de conhecer e agir (MORIN, 1998).
196
racional, nega o afeto, a paixão e o gozo, perdendo sua qualidade. Nesta luta
de aptidões, paixão e razão confrontam-se e completam-se, coibindo os
excessos de cada uma e canalizando-as a favor da sabedoria. A identidade
humana atende a um jogo complexo e contraditório afeto/razão;
temperança/excesso; economia/gasto; poesia/prosa. A sabedoria deve estar
aliada à “auto-ética, autocrítica, a auto-análise, a ética da honra, a ética da
religação, a luta contra a self-deception, a recusa da vingança e da lei do
talião”, favorecendo a compreensão do outro (MORIN, 2005
b
).
Sócio-ética
O contexto social requer uma vivência ética - ética da comunidade
oriunda das normas de solidariedade fundadas historicamente. Os imperativos
éticos universais, quando contextualmente particularizados a seus espaços
comunitários, podem contrapor-se no agir moral. Assim, as prescrições de uma
ética comunitária dependem das crenças, necessidades, fés, ritos e tradições
em vigor. Os egocentrismos individuais acirraram uma questão ética, fazendo-
se indispensável a vigência da auto-ética, capaz de tornar efetiva a
solidariedade e a responsabilidade. A complexidade das sociedades abstém os
limites da rigidez, mas o excesso da complexidade recai na desordem. A
complexização deve ser proporcional à auto-ética. Assim, além das leis justas,
a responsabilidade, a solidariedade, a inteligência, a iniciativa, a consciência
dos seus cidadãos” devem ser atuantes (MORIN, 2005
b
, p.149). As éticas
comunitárias são particulares a sua abrangência. A solidariedade e a
responsabilidade, o recomendadas no interior das éticas comunitárias,
possuem particularidades ao romper com as fronteiras de cada comunidade,
visto suas especificidades morais. No intuito de construir uma ética
universalista, deve-se invocar a integração das diferentes éticas comunitárias,
tendo como alvo a Terra-Pátria.
Antropoética
197
Ética universalista
A ética universalista efetiva-se pela antropoética, guiando-se pelo
circuito trinitário indivíduo/espécie/sociedade que, em vias de uma era
planetária, converge para uma comunidade de destino. É mediada pela
dialógica egocêntrica/altruísta, razão/paixão e animus/anima, reconhecendo no
outro “a diferença e a identidade” (MORIN, p.159, 2005
b
). Comprometida com o
destino humano, a antropo-ética vai formando uma base consistente para a
ética universalista, destinada com à unidade planetária, na diversidade, que
respeite e integre as éticas nacionais. Em busca do progresso ético, pensa no
bem como a ética da religação, capaz de comportar, em sua complexidade, a
natureza dialógica do uno/múltiplo; a capacidade de auto-regenerar-se e gerar-
se. Em constante processo de construção, inacabada, a ética é frágil, mas
participa do recursivo circuito religação/compreensão/compaixão (Morin,
2005
b
). Demandando a completude da humanidade, a antropoética visa a
consciência e a cidadania planetárias, a partir de uma missão antropológica do
milênio:
Trabalhar para a humanização da humanidade; efetuar a dupla
pilotagem do planeta: obedecer à vida, guiar a vida; alcançar a
unidade planetária na diversidade; respeitar no outro, ao mesmo
tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo; desenvolver a
ética da solidariedade; desenvolver a ética da compreensão; ensinar
a ética do gênero humano (MORIN, 2000
c
, p.106).
O fim ético descrito por Morin (2000
c
) propõe-se à resistência à
crueldade/barbárie e a realização do humano na sua concepção vital:
identidade individual, identidade social e identidade antropológica.
Compreender o ser humano envolve uma observação junto aos elementos que
o constituem e interagem com a língua, com a cultura e/ou com a sociedade,
compondo uma circularidade retroativa. A esta idéia, pode-se somar o
pensamento sistêmico, demarcado pelo princípio de Pascal - é impossível
conhecer o todo sem conhecer as partes; e as partes, sem conhecer o todo
(MORIN, 2000ª). Religação converte-se na palavra-chave de uma ética
complexa. “Religar-se aos nossos, aos outros, à Terra-Patria” (MORIN, p.95,
2000
c
). A ética inacabada deve inserir-se num processo de permanente
regeneração. Então, Morin (2005
b
) sugere que,
198
para conceber uma ética universalista que supere as éticas
comunitárias particulares, não se pode nem deve desejar o
desaparecimento dessas comunidades. Pode-se/deve-se desejar a
abertura e a integração delas numa comunidade mais ampla, a da
Terra-Pátria; comunidade de fraternidade ainda não consumada, mas
que se tornou necessária na e para a comunidade de destino da
humanidade planetária (MORIN, p.151, 2005
b
).
199
5 ANÁLISE DA NARRATIVA NO CINEMA DE
ANIMAÇÃO: APROPRIAÇÃO DA ESTRUTURA FÍLMICA
SOB UMA PERSPECTIVA ÉTICA
O conteúdo apresentado sobre a estrutura narrativa fornece elementos
para uma análise aprofundada daquelas produções cinematográficas,
selecionadas como constituintes do corpus desta pesquisa. Tomando como
suporte teórico as considerações de Vladimir Propp, caracterizado pelas
funções dos personagens, bem como pelos demais atributos constituintes da
narrativa, como espaço, tempo e narrador, lança-se à apreciação das obras.
De posse das formações narrativas, submete-se o conteúdo discursivo das
histórias de animação cinematográficas a uma apreciação dos valores éticos.
Assim, através da complexidade ética apresentada por Edgar Morin (2005),
repensa-se os juízos morais apresentados por Aristóteles. Contemplando o
plano das possibilidades significativas imersas nestas produções, concretiza-se
a análise das mesmas sob o crivo da auto-ética, sócio-ética e antropoética de
Morin.
5.1 Branca de Neve e os sete anões
A animação Branca de Neve e os sete anões desenvolve-se em torno
do percurso da personagem principal - a jovem princesa - e dos coadjuvantes -
os sete anões, a madrasta e o príncipe. A magia, o mistério e a fantasia
ganham visibilidade nesta narrativa, juntamente com a realidade apresentada
por seus personagens. Temáticas como a inveja, o amor, a vingança, a
amizade, a generosidade, o medo e a solidariedade vão sendo encadeadas
pela narrativa, revelando distintas inclinações de seus personagens. A
200
visualidade cênica comparece paralelamente, completando o todo
representativo.
A análise da narrativa de Branca de Neve e os sete anões, quando
apoiada nas funções de Propp (1984), indica novas possibilidades
combinatórias das ações dos personagens. Ainda que presentificando muitas
das funções desenvolvidas por Propp (1984), a ordem aleatória de
comparecimento das mesmas respeita a coerência rítmica da história, como
pode-se observar:
21. Rainha ordena que seu fiel caçador mate Branca de Neve e traga-lhe
o seu coração
22. O caçador vacila, desencorajado, não conseguindo matar Branca de
Neve
01. Branca de Neve foge para o bosque onde, com medo e assustada,
pernoita
12. Branca de Neve dorme no bosque e acorda chorando, rodeada por
animais que fogem, mas logo BN chama-os de volta
10. Branca de Neve desamparada, pergunta onde pode ficar
15. Branca de Neve é conduzida à cabana dos sete anões. Chega à
casa, bate na porta. Abre e, juntamente com os animais, limpa a
casa. Faz suposições sobre aqueles que ali moram.
18. Branca de Neve sobrevive aos anseios da madrasta
23. Os anões chegam em casa e logo percebem que alguém entrou ali.
A sopa está no fogo.
12. Quando descobrem que é uma mulher, Zangado diz que a mulher é
cheia de sortilégios. Querem saber quem é
13. Branca de Neve pede que não a mandem embora, pois se assim for,
a madrasta vai matá-la. Propõe-se a cuidar da casa e a cozinhar
14. Os anões aceitam que Branca de Neve fique na casa
18. Madrasta descobre que Branca de Neve está viva, compreendendo
que foi traída
09. Na cabana dos anões, todos estão felizes, cantam, dançam e
contam suas histórias. Branca de Neve revela que ama o príncipe
201
02. Os anões acordam, voltam para a mina para trabalhar e orientam
Branca de Neve a não abrir a porta.
21. Branca de Neve é perseguida pela madrasta
24. Branca de Neve depara-se com a madrasta transformada em velha
03. Branca de Neve abre a porta para a madrasta
04. Madrasta faz algumas insinuações para Branca de Neve, que lhe
informações
05. Branca de Neve fala para a Madrasta sobre o príncipe
06. Madrasta tenta convencer Branca de Neve a morder a maçã
07. Branca de Neve cede à convocação da madrasta e morde a maçã
08. Branca de Neve desmaia
28. Os animais vão em busca dos anões. Os anões retornam correndo,
mas quando chegam até Branca de Neve, ela já está desmaiada
30. Correm atrás da madrasta, que foge. Ela tenta impedi-los de
alcançá-la, mas cai no precipício
8.1Branca de Neve é velada pelos anões e animais do bosque, pois os
anões não tiveram coragem de enterrá-la
27. O príncipe, que procurava em toda parte, chega à princesa que
dormia
29. Príncipe beija Branca de Neve, que acorda
31. Príncipe leva Branca de Neve até o cavalo e despede-se dos anões
A grande narrativa de Branca de Neve e os sete anões é motivada pelo
sentimento de inveja e pelo desejo de vingança que a rainha, madrasta de
Branca de Neve, move em relação à princesa. Como antagonista, a madrasta é
a responsável pelos danos e mal feitos vislumbrados, sendo determinante na
composição do cerne da trama. Submetida às ambições da rainha, Branca de
Neve é obrigada a dar um novo rumo a sua vida, deparando-se com um mundo
inesperado e imprevisível. Frágil e desprotegida, precisa superar seus temores,
enfrentando momentos de insegurança e desamparo. Toda esta trajetória
dramática integra o conjunto de ações motivadas pela antagonista, sendo
também enriquecida pela participação de outros personagens, que em
diferentes níveis participativos, ajudam a delinear e direcionar a ação da jovem.
202
Os sete anões ganham visibilidade na trama, atuando como auxiliares.
Assim, acolhem a princesa em sua cabana, oferecendo-lhe conforto e
proteção. A identidade de cada anão encontra-se atrelada a seus traços
distintivos fundamentais, ajudando a determiná-los ao longo da trama, na
medida em que dão representatividade ao nome que carregam: Dengoso,
Zangado, Mestre, Dunga, Atchim, Soneca e Feliz. As especificidades de cada
personagem imprimem no espectador conceitos de Disney que, quando
aleatoriamente combinadas, são capazes de refletir aspectos de distintos Eus.
A estrutura da morfologia narrativa e as esferas de ação dos
personagens, ambas delineadas por Vladimir Propp (1984), destacam-se na
animação, que vai ganhando proximidade ao formato proppiano. Dentre as
esferas de ação, a filmografia explora a figura do malfeitor, da princesa, do
auxiliar e do doador. A grande vilã, a madrasta, assume um papel decisivo
naquilo que anima a linearidade da narrativa. Enquanto a madrasta mantém
uma conduta estável no que se refere a sua malignidade, o caçador, que
inicialmente aceitara obedecer à ordem da madrasta, de matar Branca de
Neve, recusa-se e, finalmente, age conforme a sua verdade, protegendo a vida
da princesa. Ao incitar a fuga da jovem para a floresta, transgride as perversas
ordens da rainha, convertendo-se em benfeitor. Na floresta, a princesa é
acolhida pelos animais, que a conduzem à cabana dos anões, e a
acompanham, assegurando-lhe do novo lar. Os anões, ao oferecerem moradia
à princesa e zelarem por seu bem estar, desempenham a função de auxiliares,
reparando o dano causado e amparando suas necessidades. Da mesma forma,
o príncipe se torna representante da esfera de ação de auxiliar pois, no final da
narrativa, encontra e salva Branca de Neve, preservando-a para sempre de
todos os maus feitos e garantindo a felicidade eterna.
A dramaticidade da narrativa é permeada por cenas dotadas de
comicidade, nas quais se encontram inseridos os animais da floresta e,
principalmente, os sete anões. Além de auxiliares, são reconhecidos como
comic relief, pois participam com inserções que provocam gracejos visuais, em
momentos indeterminados.
203
Branca de Neve e os sete anões aproxima-se do formato do conto de
fadas literário, ao incluir a figura do narrador em alguns fragmentos da trama.
Este narrador pressuposto, onisciente e neutro, participa da produção,
notadamente, no início e no final, introduzindo e concluindo o todo da narrativa.
Os elementos espaço e tempo ficcionais podem ser avaliados nesta obra
cinematográfica, ao interporem-se ao espaço e tempo reais. O introdutório era
uma vez indetermina o tempo, conduzindo o espectador a um momento
longínquo e impreciso, ainda que a seqüência narrativa respeite uma
linearidade temporal. O critério espaço oscila entre três ambientes, marcados
por suas particularidades - o castelo, a floresta e a cabana dos anões. O
castelo remete ao personagem da madrasta, a seus sortilégios e às
conspirações contra a princesa; a floresta representa o desconhecido, a
possibilidade de transformação e a mudança de um destino; a cabana dos
anões inspira proteção, segurança, generosidade e afetividade. Combinando
imagens e sonoridade, a narrativa apresenta-se ao espectador sob a
combinação de códigos e convida-o a interpretá-los a partir de mecanismos
particulares, sem, contudo, perder de vista a sugestão de verossimilhança da
narrativa. Estes espaços completam o conto de fadas, sendo permeados pelos
atributos fantasia, recuperação, escape e conforto, indispensáveis.
Observando o desenvolvimento do todo da trama, e enfatizando a
trajetória dos personagens, verificam-se importantes identificações com as
categorias de valores éticos aristotélicos. Tais elementos vão sendo
apropriados pelos personagens e enlaçando-se na rede de acontecimentos,
através de uma abordagem enriquecida pelo simbolismo. O formato fantasioso
permite sequências ilógicas, mas críveis naquilo a que se propõem,
preenchendo o imaginário pela magia lúdica. Neste contexto misturam-se
personalidades e caracteres que elevam reflexões que, a seu modo, permitem
aproximações com a realidade sócio-cultural vigente.
Desde o princípio, a animação apresenta uma rainha impregnada por
características de uma natureza descompromissada com a moral. Seu
personagem, caracterizado pela vaidade, ganância e avareza, instaura a
desordem, desacomodando o reino, na medida em que suas atitudes e desejos
204
desmedidos colocam em risco aqueles que obstaculizam seus projetos.
Obcecada pela beleza, não aceita ser privada da posição de mais bela, sendo,
por isso, capaz de atos hediondos, como os observados na trama. Desde o
início da narrativa, fica claro que a rainha move um sentimento negativo para
com Branca de Neve. Pressentindo a possibilidade da princesa tomar seu
lugar, decide cobri-la de andrajos, determinando-lhe tarefas domésticas no
castelo. Pacificamente, Branca de Neve coloca-se a limpar o castelo, revelando
toda sua resignação para com a rainha. Contudo, se inicialmente Branca de
Neve representava uma ameaça, logo a princesa toma o lugar da rainha e
torna-se a mais bela, acirrando-lhe rivalidade e repulsão. Vigiada pela rainha, a
presença de Branca de Neve importuna, o que leva a rainha a percorrer um
longo caminho para matar a jovem. Sentindo-se afrontada com a beleza da
princesa, a madrasta decide vingar-se, punido-a com a morte.
A postura da rainha deve-se à sua avareza, caráter que carrega em sua
essência. Decidida a acumular riquezas, no caso a beleza, sua disposição para
a avareza lhe impede de desprender-se de suas posses, sendo forçada a
perseguir seus ideais com tamanha força e insensatez. Pretenciosa, deseja
aquilo que está além de suas reais possibilidades, revelando contradições
entre sua beleza exterior e a superficialidade de sua essência. Seu principal
servo, o escravo do espelho, tortura-a com seus anúncios, escravizando-a com
os ditames da ditadura da beleza. Para tanto, determinada por sua meta,
coloca o outro em situações de perigo iminente, ao mesmo tempo em que,
cega por suas ambições, arrisca-se de maneira desmedida, até seu trágico fim.
Rejeitando a natureza do ciclo vital, revela sua irascibilidade, entregando-se a
suas paixões ou a parte irracional de sua alma. Facilmente encolerizável,
observa-se sua insensatez ao voltar-se contra Branca de Neve e todos aqueles
que possam a protegê-la. Assim, manifesta sua agressividade para com os
sete anões e com o príncipe, ignorando suas necessidades, sendo incapaz de
demonstrar empatia, virtude que ignora.
Tomada pela cólera, ordena que seu fiel caçador mate Branca de Neve
e, como prova do feito, entregue-lhe o coração da jovem. Como órgão vital, seu
funcionamento demarca a vida, transcendendo-a, visto que também simboliza
205
o amor e a pureza de sentimentos, elementos que a madrasta não dirigia a
ninguém para além dela mesma. Suas atitudes jactanciosas movem na em
busca de notoriedade, manifestando-se insaciável com o que possui.
Inicialmente, a fim de atender à rainha, o caçador se aproxima de
Branca de Neve pela via da amizade por interesse, mas logo, incapaz de
satisfazer a ordem da madrasta, age em coerência com seus sentimentos e,
com sinceridade, manifesta a real amizade, através do sentimento de afeição e
de uma atitude despretensiosa. No seu íntimo, confrontam-se o dever para com
a rainha e o compromisso para com seus sentimentos, sendo que este último
suplanta o primeiro, mesmo que para isso coloque sua vida à prova. Então,
demonstra toda sua condignidade ao desejar e comprometer-se com aquilo
que é justo, ou seja, preservar a vida de Branca de Neve. Incapaz de causar
prejuízos à vida de alguém, a amabilidade conduz as ações da princesa que,
naturalmente agradável, é isenta de interesses futuros. Em oposição, a
madrasta age conforme seus vícios. Não conseguindo desprender-se de seus
interesses pessoais, busca sempre sua satisfação, revelando sua egolatria.
Logo, a maneira com que a rainha reage, ao tomar conhecimento de que
Branca de Neve é a mais bela, e ao descobrir que fôra enganada pelo caçador,
refletem sua egolatria, ou seja, sua incapacidade para olhar e respeitar a
necessidade e a diferença do outro.
Após ter sido compelida a fugir para a floresta, Branca de Neve depara-
se com a noite e seus perigos, mas, neste novo espaço que lhe é apresentado,
consegue vencer seus receios e enfrentar sua nova jornada. Mesmo que
vitimizada pela narrativa, a princesa demonstra sua coragem, quando encontra
forças no seu âmago e supera o desamparo na floresta. Os pequenos animais
da floresta ajudam a confortá-la e, percebendo suas necessidades, conduzem
a princesa à casa dos anões. Desinteressadamente, dispõem-se, pela boa
vontade, a apoiar a princesa; desejam gratuitamente seu bem, sentimento
fundado na disposição natural para a forma mais autêntica da justiça, a
amizade. Assim, Branca de Neve acredita estar salva da ganância da
madrasta, livre de suas interposições no seu caminho e apta a viver uma vida
tranqüila e feliz.
206
Ainda desconhecendo o fato de terem sua casa invadida por Branca de
Neve, quando chegam à cabana, os anões percebem algo estranho, sendo
tomados pelo medo e pela insegurança. Mas, assim como a princesa, que
vencera seu temor da desconhecida floresta, os anões encontram coragem e
descobrem que o invasor era Branca de Neve. Os anões decidem recebê-la,
agindo com condignidade, visto que se comprometem com a justiça e
consideram a princesa merecedora de proteção. Contudo, mesmo longe de
Branca de Neve, ao descobrir que a princesa encontra-se viva na cabana dos
anões, a madrasta revela mais uma vez sua irascibilidade, propondo-se a
executar, sozinha, Branca de Neve. Então, incapaz de agir conforme os
princípios da amizade, a rainha entrega-se mais uma vez às suas paixões e,
agindo conforme a parte irracional de sua alma, parte para a floresta, a fim de
dar fim à vida e aos projetos de Branca de Neve, valendo-se, portanto, de sua
disposição para a ganância.
Na cabana dos anões, todos convivem em harmonia, conforme os
princípios da amizade e da amabilidade. Preservando suas características
individualidades, respeitam cada um as características do outro, agindo com
coerência e sinceridade. Zangado, que inicialmente havia rejeitado a
possibilidade de Branca de Neve dividir com eles a cabana, revelado-se o anão
mais insatisfeito e enfadonho, encontra seu potencial para a amizade,
aceitando e protegendo a princesa.
Ao deparar-se com Branca de Neve, a madrasta tenta seduzi-la e
ludibriá-la com suas palavras. Interesseiramente, falsifica sua personalidade,
conduzindo a princesa para uma armadilha, tirando proveito do potencial
afetivo e empático de Branca de Neve. Ingênua, Branca de Neve conta-lhe
acerca do príncipe e de seus sonhos, demonstrando sinceridade para com a
velha senhora pela qual a rainha fazia-se passar. Ciente do papel que o
príncipe desempenhava em sua vida, a madrasta estrategicamente oferece-lhe
uma maçã, garantindo à moça a realização de seu desejo. Tentada pela
proposta, Branca de Neve rende-se à oferta da madrasta e ao morder a maçã,
desmaia, encerrando ali, a vitalidade de seus sonhos. Simbolicamente ligada
ao fruto proibido, a maçã representa a tentação, o pecado e, finalmente, a
207
desgraça. A madrasta, se comparada à serpente do livro do Gênese, age
ardilosamente, tentando e convencendo Branca de Neve a morder o fruto.
Entregue a promessa da madrasta, e desejosa pelo encontro com o príncipe, a
princesa age concupiscentemente, o que, como caracteriza Aristóteles (2001),
conduz suas ações na direção de suas pretensões. Mas a paixão lhe traz a
morte, assim como o fruto proibido a Adão e Eva. A insensatez da rainha, suas
pretensões e aspirações desproporcionais, colocam-na perante seus reais
limites e, finalmente, seu fracasso. Fiéis à amizade para com Branca de Neve,
os animais, que presenciam toda a cena, buscam o auxílio dos anões para o
combate final com a madrasta. Corajosos, os anões arriscam-se na
perseguição à madrasta que, temerária, desafia-os, até, finalmente cair no
despenhadeiro, encerrando ali suas crueldades, sendo com sua morte, punida
e castigada pelas mesmas.
Os anões, desencorajados de enterrar Branca de Neve, mantém-na em
um esquife de cristal até ser encontrada pelo príncipe que, magnânimo e
incansável, há muito procurava por Branca de Neve. A persistência do príncipe,
seu amor e verdade para com Branca de Neve, são cruciais no renascimento
da princesa para a vida. Sinceros com seus sentimentos e com suas ações,
anões e animais da floresta comemoram a justiça com a vida da princesa,
revelando afeição e boa vontade mútua, através da amizade perfeita.
Estendendo a análise, faz-se referência a ética de Morin, a partir da qual
se pode também identificar sua aplicação à animação Branca de Neve e os
sete anões. A trama e seus personagens vão refletindo aspectos de uma ética
complexa, cujos princípios abordam a comunhão, o pertencimento e a
diversidade. Dialogam o fator inclusão e o fator exclusão, elementos que, em
harmonia, garantem a inclusão do sujeito num laço social.
Na narrativa, a personagem Branca de Neve revela uma tendência para
a religação, voltando-se para o outro, a partir do sentimento de comunidade e
sua competência para a responsabilidade e solidariedade. Com facilidade, a
princesa envolve-se com o outro, reforçando a relação entre indivíduo, espécie
e sociedade. Dessa forma, demonstra um compromisso com a vida,
respeitando as particularidades de cada um e sustentando a religação através
208
do ato moral. Pela via do diálogo e da abertura para o outro, Branca de Neve
apresenta suas verdades e seus sentimentos, ao mesmo tempo em que faz a
inclusão dos demais personagens em sua trajetória. No início da animação,
enquanto serve à madrasta, lavando as escadas do castelo, canta e conversa
com os animais que a circulam, respeitando cada um com suas
particularidades e expressando seus desejos. Assim, firmando laços de
amizade, afeição e amor, que se prestam à preservação do ser, repudia a
hostilidade e agressividade. Em contrapartida, a rainha afasta-se dos princípios
éticos idealizados e desenvolvidos por Morin, uma vez que está focada em
seus desejos egoístas e de sua postura agressivizante para com a princesa,
exclui o regimento ético social. As situações de risco enfrentadas por Branca
de Neve conservam sua preocupação com os princípios da religação,
promovendo a religação com o outro, na medida em que age em conformidade
com a moral.
A madrasta de Branca de Neve age egoisticamente conforme aquilo que
representa o seu bem, mas este bem converte-se no mal para a princesa.
Desprezando o princípio da inclusão, é incapaz de promover a religação.
Portanto, remetendo-se àquilo que Morin desenvolveu acerca dos princípios do
pensar bem e do pensar mal, verifica-se que a madrasta adequa-se ao
segundo, pois se prende a determinismos, limitando sua compreensão e sua
possibilidade de reflexão. Diferentemente, os anões e Branca de Neve
conseguem ter uma impressão menos cartesiana, compreendendo as
particularidades e as diferenças, respeitando-se e agindo conforme os atributos
de uma ética da fraternidade e da solidariedade, reconhecendo a multiplicidade
de um mesmo eu. Então, ao acolherem Branca de Neve, os anões agem
acordo com o princípio de inclusão, atendendo a uma conduta altruísta e
desprovida de segundas intenções. Reconhecendo uma identidade comum,
responsabilizam-se pelas necessidades de Branca de Neve, fomentando a
civilidade e a religação, fruto da amizade, do amor e da comunidade. O
compromisso com a religação destes personagens, sustenta o caráter do ato
moral.
209
Em sua pureza de sentimentos, Branca de Neve tende à religação,
estabelecendo vínculos com aqueles que a cercam, pela via da identificação.
Aqueles que cruzam seus caminhos o incluídos na sua vida e respeitados
em suas honras. Sem fazer diferença de valores entre os personagens,
demonstra sua compreensão e fidelidade a todos, valendo-se dos mecanismos
de auto-análise e autocrítica. Tais situações podem ser observadas em
distintos fragmentos fílmicos. Antes de sua fuga para a floresta, ao deparar-se
com o passarinho perdido de sua família, desprendida de qualquer interesse,
acolhe-o e o ajuda a reencontrar sua família. Igualmente, quando perdida na
floresta, ganha a atenção dos animais que ali vivem e logo lhe orientam e a
conduzem a um abrigo seguro. A responsabilidade e a solidariedade são
atuantes nestes personagens que preservam e religam indivíduos, sociedade e
espécies, na medida em que enlaçam o respeito próprio e o outro, assumindo
uma postura de dignidade, lealdade e honestidade. Assim, independente das
particularidades e diferenças, fomentam uma comunidade maior, tomada pela
força da religação. Essa força de religação busca a harmonia através de um
processo incessante, onde a ordem se intercala com o caos e vice-versa.
Branca de Neve, ao imputar crença a seus valores éticos, confiando na
natureza do ato de religação, ignora os possíveis imprintings e normalizações
que possam ser atuantes no outro. Então, pronta para compreender no outro
uma identidade comum, rejeita a vigência, neste outro, do sentimento de
incompreensão e de intolerância, cedendo ingenuamente à oferta da madrasta.
Entregar-se à proposta daquela velha senhora, aparentemente em perigo,
suscitou em Branca de Neve seu compromisso com a auto-ética e com a
autocrítica, agindo em coerência com o princípio da honra. Atenta à
necessidade e à fragilidade da falsa senhora que a ela se apresentava, aponta
o olhar para si e para a idosa. No entanto, a princesa não estava preparada
para os imprintings e o self-deception de sua madrasta. Esta perspectiva busca
compreender os imprintings e as normalizações, alcançando atitudes que se
conformam com a auto-ética. Apesar da incerteza perante um ato ético, o
mesmo deve estar orientado pela intenção ética. Agir conforme suas crenças
nem sempre é garantia dos resultados. Logo, a ética deve ser compreendida
como um conjunto de ações em permanente reajuste. A fixação no imperativo
210
da beleza, presente no âmago da rainha, adequa-se aos prinpios do self-
deception, justificando suas ações sem que, para isso, precise compreender
outras perspectivas. Os anões conseguem compreender que as atitudes da
rainha se submetem a sua natureza invejosa, mas não justificam suas
inclinações dominadoras - seus imprintings. A incompreensão é reconhecida
por Morin. O egocentrismo da madrasta, sua crença no espelho, seu
autocentrismo e sua indiferença representam os impeditivos para a formação
de um ser ético. O espelho representa um falso Deus, revelador de idéias e
preconceitos. A dominância desta entidade desperta na rainha fanatismos
irracionais, fomentando o caos.
A solidariedade é valorizada pela animação, que retrata a boa-
aventurança daqueles que assim conduzem suas ações. Prescrições da ética
moriniana, suas peculiaridades orientadas pela auto-ética e autocrítica,
garantidoras da religação, apóiam uma existência harmônica, embebida nos
princípios da honra, tolerância e respeito. Além de Branca de Neve, os anões e
os habitantes da floresta vivenciam uma ética fundada na solidariedade,
revelando-se responsáveis uns para com os outros, preservando a harmonia
de suas comunidades. Mas esta ética comunitária se estende àqueles que
adentram em seu espaço, regida pelo viés universalista intenta sustentar o
princípio trinitário indivíduo/espécie/sociedade, idealizando a convergência para
a comunidade de destino.
Em Branca de Neve, verifica-se ainda a força da tradição, da
religiosidade e da submissão às exigências de solidariedade e hospitalidade.
Branca ora pelos anões, pedindo proteção a eles, entregando a sorte dos
mesmos a um ser superior e poderoso. Sob o imperativo da hospitalidade, não
consegue rejeitar a oferta da madrasta, transgredindo a orientação que lhe
havia sido dada pelos anões de não abrir a porta. Logo, a submissão às
prescrições do costume devem abrir espaço ao questionamento dos mesmos,
fomentando uma auto-ética que coloca o sujeito como responsável pelos seus
atos, fortalecendo a autonomia individual e a religação, dialogando o caráter da
inclusão com o da exclusão, visando a preservação do ser.
211
Branca de Neve, ao abrir a porta para a rainha, deveria agir
racionalmente, valendo-se de sua autonomia, sua reflexão e, finalmente, sua
decisão. Mas, antes disso, Branca de Neve estava profundamente envolvida
por seus imprintings de solidariedade e submissão às necessidades do outro.
Antes de olhar para si, Branca de Neve prioriza o outro, como quando atende à
sua mal intencionada madrasta. As crises semeiam novas possibilidades,
fomentado à regulação ética.
A ética da honra é vigente quando pensamentos e/ou crenças
particulares são assumidas. A ética da responsabilidade é marcante no filme,
pois nutrida pela solidariedade, converge com o sentimento de pertencimento a
uma comunidade. A amizade, vislumbrada em Branca de Neve e os sete
anões, a simpatia, a afeição e o amor, cercam o sentimento de identidade
comum, que viabiliza uma abertura para o outro, configurando a ética altruísta.
O resultado da compreensão é o desenvolvimento e o progresso. Deste modo,
verifica-se o fortalecimento da comunidade dos anões com Branca de Neve e
os animais, enquanto uma unidade. Logo, entre eles, observa-se a
compreensão subjetiva, em que uns identificam-se com os outros, como
quando Branca de Neve pede abrigo, ou conta a sua história de amor.
Observa-se uma grande mudança na postura de Zangado, anão que
inicialmente rejeitara a princesa, mas que vai se revelando tolerante e fiel a
Branca de Neve, à medida que a ação avança.
A ética da fidelidade à amizade faz-se notável quando os anões
arriscam-se com a finalidade de salvar a princesa. Fundada no vínculo de
fraternidade, essa atitude é desprovida de interesses pessoais. Suas atitudes
coadunam-se com uma aposta na civilização, na relação com os seres
humanos. Aceitam as diferenças individuais, respeitam-nas e procuram formas
para atender à fragilidade de Branca de Neve. Assim, reorganizam-se e
adaptam-se a mudanças, a fim de melhor alcançarem a religação. Conseguem
potencializar a combinação religação, compreensão, consciência, solidariedade
e comunidade.
A animação demonstra que razão e paixão devem estar em sintonia,
pois se convertem em sabedoria, também representada pela auto-ética,
212
autocrítica, auto-análise e ética da honra. Verifica-se, em Branca de Neve e os
sete anões, que o contexto social da floresta respeita uma vivência da ética da
comunidade, fundada em normas de solidariedade, em que, mesmo diante dos
egocentrismos individuais, graças à auto-ética,faz-se efetiva. A hegemonia de
tais princípios entre estes personagens sugere a garantia de uma religação que
transcende os elementos espaço e tempo. Assim, a partida de Branca de Neve
não marca uma ruptura, mas um vínculo comprometido com a abertura para o
outro, salvaguardando o sentimento de identidade comum. A solidariedade e a
responsabilidade ampliam as fronteiras da ética da comunidade, invocando
uma ética universalista. Assim, os indivíduos colocam-se numa posição de
interdependência na suas diversidades.
5.2 Procurando Nemo
A narrativa de Procurando Nemo desenvolve-se sob o formato do
gênero da fábula. Com características antropomorfizadas, os personagens, do
meio marinho, o dando o tom à narrativa. Peixes, arraias, tartarugas,
tubarões e cavalo-marinho inserem-se na trama, abordando temáticas que
tangenciam o contexto social vigente. Os conflitos emocionais da trama
traduzem vivências e sentimentos do espectador, conduzindo-o a um processo
de identificação, reforçando aspectos da verossimilhança externa. A trama é
habilmente organizada, apresentando coerência e lógica na seqüência dos
fatos. A fantasia e o caráter maravilhoso engendram-se em Procurando
Nemo, dando visibilidade a um herói que, com sonhos e experiências,
transforma-se e provoca transformações, tanto no nível da narrativa, quanto do
espectador. Personagens em crise ganham visualidade em Procurando
Nemo. Postos à prova, são desafiados e convocados a uma superação,
essencial para a transfiguração. Desta forma, sentimentos como desejos,
medos, inseguranças e determinação participam do todo narrativo,
direcionando a trama. Nemo, seu pai Marlin e Dory, amiga de seu pai,
centralizam o percurso narrativo. Seus planos são cruzados por outros
personagens que, com suas peculiaridades, incitam reflexões e
questionamentos.
213
Procurando Nemo é capaz de desacomodar o espectador que se
entrega a seu conteúdo narrativo. Trata-se de uma história marcada por
separações, o que o tom de conflito à trama. Resgatando vivências próprias
do ciclo vital, como o desenvolvimento, a maturidade e a independência, é
capaz de seduzir uma platéia que se envolva emocionalmente através de suas
identificações e significações.
A animação inicia com os pais de Nemo idealizando, desejando e
fazendo projeções acerca das ovas que se desenvolviam, convocando-se o
repertório emocional do espectador. Na seqüência, o pai de Nemo constata a
perda de sua companheira e de suas ovas, exceto uma, que seria Nemo. Um
primeiro trauma marca, então, um salto temporal, a partir de onde se
desenvolve a narrativa. Se, em um primeiro momento, tinha-se a família de
Nemo completa, no plano seguinte, Nemo é apresentado a seu público, em
fase escolar, o que indica a passagem do tempo. A partir desse momento,
acompanha-se a saga de Nemo e de seu pai, em uma trajetória que respeita a
linearidade temporal e causal da narrativa. Sob a forma do maravilhoso,
situações ilógicas o legitimadas, ganhando representatividade e significação,
na medida em que enriquecem a história, possibilitando o contato com
temáticas vigentes no atual contexto social. Então, independentemente da
veracidade do conteúdo apresentado, Procurando Nemo desenvolve-se,
sustentando a verossimilhança interna, garantindo pela coerência entre a
motivação dos fatos e a causalidade das sequências narrativas.
Os planos da narrativa apresentam diferentes problemáticas que
fomentam juízos morais. O conjunto cênico sugere avaliações implícitas na
narrativa, carregadas pela carga emocional. Assim, além de convocar o lado
emocional do espectador, a seqüência de ações possui uma conotação moral.
Ao longo da trama, são inseridos novos personagens que, com suas
peculiaridades, permitem que sejam desenvolvidas observações acerca dos
elos firmados com os personagens centrais, propiciando outras abordagens
dos códigos e regimentos presentes na sociedade, a partir de um diálogo entre
ficção e realidade.
214
Procurando Nemo apresenta uma pseudo determinação dos espaços
onde transcorre a animação, gerando fascinação ao pulverizar a ficção com
traços do real. O ponto impreciso do oceano contrasta com as coordenadas
para onde Nemo foi conduzido ao distanciar-se de seu pai, Marlin. Dois
mundos contrastantes: o oceano e a terra firme, em Sidney, Austrália.
Enquanto o oceano representa o espaço familiar, apesar de seu potencial
hostil, Sidney indica o flagelo, a prisão e a reclusão para uma futura
transformação. Nemo vive a intensidade de suas emoções em um longínquo
aquário; Marlin é posto à prova no percurso de um longo e desconhecido
oceano. Distanciados do familiar, Nemo e seu pai, solitários, refletem sobre
suas vidas e suas relações. Finalmente, cada um, a seu modo, ganha
maturidade e consegue compreender as diferenças, sem que para isso precise
submeter-se um às aspirações do Outro, mas fortalecem seus Eus em relação
ao Eu do Outro. Tudo isso, entre dois mundos, nos quais se aventuram e
partem para o desconhecido.
A narrativa de Procurando Nemo é motivada pela temática da busca
de autonomia, da independência e pelo desejo de novas conquistas do
personagem central, Nemo. Desencorajado por seu pai, Nemo comporta-se de
maneira opositiva, buscando desconstruir pré-conceitos e direcionando-se a
metas. Ansioso por novas experiências, Nemo ansia pelo tão esperado e ao
mesmo tempo tão adiado, por seu pai, ingresso na escola. Tendo sido o único
sobrevivente da família de Marlin, Nemo sofre com a super proteção de seu
pai, que teme um novo acidente e uma nova perda. Contudo, Nemo não
consegue compreender a postura de Marlin e sentindo-se sufocado, insiste que
lhe autorize novas experiências.
Nemo e seu pai são os únicos sobreviventes de um ataque de tubarão
que desmembrou sua família. A partir de então, Marlin passou a dedicar seu
tempo com os cuidados de seu filho. O extermínio da família de Nemo
representa o primeiro grande dano da narrativa. Sem sua companheira e seus
demais filhos, Marlin acovardou-se diante da vida, super protegendo seu filho,
privando-o e assombrando-o com sua própria caminhada. Apesar de provocar
efeitos adversos, a postura de Marlin não o caracteriza pela esfera de ação do
215
antagonista, uma vez que intentava, com suas ações, o resguardo de seu filho.
Inversamente, conforme as esferas de ação desenvolvidas por Vladimir Propp
(1984), pode-se relacioná-lo à figura do auxiliar e do herói. Auxiliar em função
de ter motivado a partida de Nemo para a aventura de sua vida; e herói, porque
conseguiu superar seus medos e finalmente alcançou a meta de encontrar seu
filho. Como antagonista, tem-se a figura dos tubarões, primeiros a
desestruturarem a crescente família de Nemo, mas contraditoriamente, na
seqüência, ilustra-se uma batalha entre estes personagens, contra a sua
natureza carnívora.
A partida em busca de Nemo, a determinação em resolver o dano e
reencontrar seu filho, aproximam Marlin da figura de auxiliar. Sua persistência
em reparar o dano por ele motivado, imediatamente, encoraja-o a enfrentar
seus medos e, como herói, parte em busca de seu filho. Nemo, caracterizado
enquanto personagem procurado, revela-se grandioso em sua coragem,
impondo-se ao estigma de fragilidade, que até então o perseguia. Vence os
obstáculos e finalmente transforma-se, reafirmando seu autêntico Eu. Dory
encarna a esfera de ação de provedor, uma vez que, hábil na leitura, traduz
para Marlin o endereço em que Nemo se encontrava. Tais personagens, em
diferentes situações, assumem o papel de heróis, participando do fim narrativo,
transpondo o caos com o retorno de Nemo.
Marlin revela-se um personagem demasiadamente preocupado e
tensionado, características que bloqueiam sua espontaneidade. Seu
comportamento modulado reflete-se negativamente na percepção dos demais
personagens. Por outro lado, Dory mostra-se natural e verdadeira em suas
atitudes, despreocupada com os julgamentos que possa suscitar. É agradável,
despertando simpatia e funcionando muitas vezes na narrativa como comic
relief. Atrapalhada e esquecida, faz confusões que interrompem o ritmo da
trama, através de inserções cômicas. Este formato narrativo permite que o
espectador, mobilizado pela dramaticidade representada, atenue a ansiedade
despertada pelo tom proposto pelo enredo. A separação, o desencontro, o risco
do não reencontro e a solidão vão dando conta da narrativa, atravessada por
situações enlaçadas por uma abordagem de cunho moral.
216
O tempo da fábula pode ser transposto para a atualidade, onde
angústias do desenvolvimento engendram conflitos familiares. Paralelamente,
verifica-se uma ambivalência entre o desejo de crescer e a necessidade de
proteção. As famílias perdem seu caráter nuclear e fragmentam-se, adquirindo
novas configurações. Observa-se, em Procurando Nemo, a simbolização
destas outras formatações: o filho único, o pai solitário, uma figura materna
não-original, os amigos-irmãos, o pedido de independência, a necessidade de
apoio, o rompimento e o reencontro com as origens, temáticas estas que dão
densidade à trama, misturando real e fantástico.
A análise da estrutura narrativa de Procurando Nemo reflete as funções
da ação narrativa desenvolvidas por Propp (1984). A seqüência narrativa é
desencadeada por danos àqueles que representam o cerne da trama, gerando
desequilíbrio em uma estrutura vigente:
01. e e irmãos de Nemo morrem, sobrevivendo apenas Nemo e seu
pai
17. Nemo é considerado diferente dos demais peixes, por seu pai
01. Nemo vai para a escola
02. Seu pai pede para não afastar-se dos corais
03. Nemo afasta-se de seu grupo
08. Nemo é então capturado por humanos
8.1. Nemo e seu pai desejam reencontrar-se
09. Marlin, pai de Nemo, decide partir, juntamente com Dory, em busca
de seu filho
10. Marlin enfrenta vários desafios no mar, juntamente com Dory
11. Marlin parte para Sidney, na Austrália
12. Marlin enfrenta em alto mar tubarões e mães-da-água
14. Marlin localiza no mar os óculos do mergulhador, onde constava o
endereço para onde Nemo havia sido conduzido
15. Dory ajuda Marlin a encontrar o caminho para Sidney, local para
onde Nemo havia sido transportado
23. Nemo é conduzido a um aquário, onde ninguém o conhece
25. No aquário, impõe-se a Nemo uma tarefa arriscada
217
26. Nemo consegue realizá-la
27. Nemo é reconhecido por seus novos amigos do aquário
25. Nemo é posto frente a mais um desafio
16. Nemo consegue escapar do aquário
25. Nemo depara-se com um novo desafio em alto mar
26. Realiza a tarefa, salvando vários peixes
27. Nemo é valorizado por seu pai
27. Nemo é novamente reconhecido
19. Nemo reencontra seu pai
20. Nemo regressa a sua casa
29. Marlin aceita as escolhas de Nemo, que é autorizado a seguir seus
próprios caminhos.
A seqüência das funções de Propp (1984) permite consolidar a estrutura
narrativa. Uma ordem inespecífica é enriquecida por situações nas quais se
identificam pressupostos da ética aristotélica e os de Edgar Morin.
A trajetória de um pai que superprotege e desautoriza o
desenvolvimento normal de um filho ajuda a direcionar a narrativa. Marlin e
Nemo, um pai que sufoca e um filho que deseja crescer. Evitar a exposição ao
mundo real é impedir o encontro com sua verdade, limitando a formação de um
sujeito autônomo na sua individualidade. Ávido por contatar com novas
possibilidades, Nemo convence seu pai, mesmo que contrariado, autorizá-lo a
ingressar na escola. No entanto, Marlin acompanha-o em seu primeiro dia,
buscando transferir para ele todo seu medo, incentivando-lhe a covardia. De
fato, Nemo possui uma diferença em relação aos demais peixes de sua
espécie, pois o tamanho de uma de suas nadadeiras é menor que o da outra.
Mas isso o se mostra impecilho para que Nemo buscasse sua superação e
acreditasse na sua capacidade. Sua força interna suplantava o desejo de seu
pai, que lhe reforçava uma auto-imagem negativa, ao fomentar que Nemo
assumisse uma postura pusilânime para consigo. Então, pretendia que Nemo
aspirasse aquém de suas reais possibilidades, privando-se daquilo que lhe
poderia ser favorável, como as novas experiências de vida. Não aceitando os
218
impulsos naturais de seu filho, seu desejo de independência e de liberdade, a
amizade por interesse condiciona a relação de Marlin para com Nemo.
Almejando um ganho secundário, as palavras de Marlin tentam desautorizar
Nemo a alcançar suas ambições, instigando-lhe a crença em uma auto-estima
negativa.
Ao analisar o contexto da narrativa, é possível encontrar justificativas
para a conduta de Marlin, pois tendo ele perdido a companheira e todas as
suas ovas, sente medo de perder Nemo, o único que lhe restou. Um primeiro
dano e uma ruptura na estabilidade cotidiana condicionam Marlin a zelar
excessivamente por seu filho, evitando sua exposição. Este dano é
caracterizado pela destruição de uma família em formação e justificado pelo
primário instinto irracional de um tubarão. Sua dificuldade em desligar-se de
Nemo e permitir que vivencie novas experiências e conviva com outros
encontra respaldo no sentimento de culpa que o move em relação à grande
fatalidade de sua vida. Sente-se responsável pelo acontecimento, uma vez que
não se encontrava presente, no momento em que sua família fora atacada.
Assim, não consegue autorizar seu filho a independizar-se, pois não lida com a
possibilidade de afastar-se de Nemo. Seu zelo e culpa excessivos fazem com
que Marlin acredite que, ao permitir que Nemo freqüente a escola, esteja
entregando seu filho ao inimigo.
O ingresso na fase escolar representa um marco no desenvolvimento do
sujeito, uma vez que significa o primeiro espaço de transição entre o familiar e
o que condiz com a realidade social. É um momento que desacomoda uma
estrutura antes vigente e prepara para os primeiros passos rumo à
independência. É um momento que incita transformações, tanto naquele que
caminhará por novas trilhas quanto para quem antes sempre conduziu esta
caminhada. No caso da animação, Marlin é o que mais sofre com essa
mudança, pois para Nemo ela representa uma necessidade natural do seu ciclo
vital e o princípio de uma nova fase.
Nemo sente-se incomodado com os excessos do pai que, traumatizado,
impedia-o de vivenciar suas próprias experiências. Numa atitude autêntica,
rompe com sua passividade e temerariamente impõe-se às antigas
219
determinações. Na escola, é acompanhado por seu pai, que se revela
enfadonho, cansativo e insistente com as antigas recomendações. Nemo é
tomado por sua vontade própria, desafiando as prescrições de Marlin. Marlin
interfere na proposta do professor de Nemo, que então desacata as
orientações de seu pai, mostrando-se destemido e irascível. Tomado pelo lado
irracional de sua alma, Nemo tenta mostrar a seu pai que é capaz de merecer
autonomia para com sua vida. No entanto, a forma impulsiva que sustenta sua
ação coloca-o em perigo, revelando-se esta uma atitude irresponsável.
A maneira pela qual Nemo conduz sua ação incide em conseqüências
que o obrigam a mudar o rumo de sua vida. Então, se antes pretendia
freqüentar regularmente a escola, é forçado a viver nos limites de um aquário
longínquo e desconhecido. Como efeito, a ação de Nemo acarreta em uma
punição, pois além de ser afastado de seu pai e de seu lugar seguro, é forçado
a enfrentar problemas de outra dimensão, que colocam à prova sua maturidade
e sua determinação. Submeter-se ou impor-se ao desejo do outro revela-se o
dilema deste plano. No entanto, antes dessa questão, importa considerar a
forma pela qual Nemo optou em contrapor-se a uma ordem. Assim, a animação
enfatiza o meio termo e critica aquilo que Aristóteles questionou em sua ética: o
excesso. Logo, impor-se requer cautela, determinação e razão.
Marlin prima pelo sossego, pela tranqüilidade e pela estabilidade,
evitando situações nas quais a ordem vigente possa ser colocada em risco.
Contido, mostra-se enfadonho no seu contato com o outro. Contudo, mesmo
com todo o zelo e excesso de proteção, quando Marlin perde seu filho para o
mundo, a animação mostra a impossibilidade de deter o controle dos desígnios
da vida. Perante esta situação, desprende-se de sua posição, mune-se de
coragem e, enfrentando seus medos, parte para o desconhecido, em busca de
Nemo.
A preocupação exacerbada de Marlin, seu discurso redundante e
pessimista ganham um novo tom com a espirituosidade de Dory, personagem
que voluntariamente o acompanha em sua trajetória. Entre eles, firma-se uma
amizade verdadeira, isenta de interesses pessoais. Unem-se pelo mesmo fim.
220
Outros personagens cruzam a narrativa de Procurando Nemo, dando
repertório aos planos de ação. Ao depararem-se com tubarões, Marlin e Dory
confiam na promessa de moderação dos mesmos, mas, prazerosamente
tentados, os tubarões descontrolam-se, agindo de forma concupiscente,
perseguindo-os. Medo e coragem imbricam-se. Assim, se por um lado temem o
poder destruidor da espécie, por outro confiam na capacidade de regeneração
do mesmo. Diferentemente dos tubarões, vencidos por sua natureza instintiva,
participam da trama personagens que, mesmo com uma intervenção menor,
contribuem com Marlin e Dory, ajudando-os a aproximarem-se do destino final:
Sidney. Com suas particularidades, diferentes grupos sustentam a amizade e
guiam suas atitudes conforme a amabilidade, isentando-se de intenções
futuras, revelando a verdadeira amizade. Quando desorientados e em perigo
em alto mar, Nemo e Dory contam com o apoio de tartarugas marinhas que,
em processo de migração, auxiliam-nos a chegar mais próximos de seu
destino.
Nemo, por sua vez, aprisionado em um aquário, consegue demonstrar
sua coragem e fazer-se respeitado. Desejoso pelo reencontro com o pai,revela-
se magnânimo. Assim, ao resgatar sua coragem, aceita os desafios que lhe
são propostos no aquário e demonstra magnanimidade ao enfrentar seus
próprios limites, em função do fim almejado. Desenvolve entre os demais
peixes do aquário a amizade verdadeira. Assim, todos se aliam a Nemo, em
seu objetivo e caminho de fuga. Para o humano que o capturou, Nemo reduz-
se a um peixe, objeto a ser presenteado para a garota Darla. Desse modo,
Nemo precisa fugir e, assim, proteger-se das intenções egocêntricas da
menina, que havia perdido vários peixes. Enquanto grupo, os habitantes do
aquário desejavam pretenciosamente a fuga. No entanto, considerando a
inviabilidade e dimensão desta missão, cedem a vez a Nemo, o mais novo
dentre aqueles, mas o único que possuía uma vida no oceano. Assim,
novamente tem-se uma demonstração da verdadeira amizade. Alcançando
êxito na sua meta final e ao retornar ao oceano, Nemo depara-se com um
cardume de peixes em risco, envolvendo-se gratuitamente com aquela situação
e, com amabilidade e coragem, consegue ajudá-los a reencontrar a liberdade.
221
Esta é uma narrativa em que o egoísmo é frequentemente posto à prova e a
amizade engrandecida, na medida em que se reforça seu aspecto nobilitante.
O regresso de Nemo para o lar, o reencontro com seu pai e o retorno à
escola registram marcos do desenvolvimento em que, para crescer, primeiro é
preciso afastar-se, testar-se e independizar-se. O lar, contudo, sempre vai
representar a segurança e o acolhimento, enquanto o desconhecido será
aquele espaço que, munido de experiências e provações, permitirá que se
efetive uma mudança na essência do ser. A animação permite que se pense
para além das categorias da ética aristotélica. Logo, Procurando Nemo
engendra uma rede vinculada à ética de Edgar Morin, que permite enlaçar
elementos da auto-ética, da sócio-ética e da antropoética, abrindo-se para um
outro e complementar entendimento.
Determinado por seus medos e crenças, Marlin impedia o real
desenvolvimento de Nemo. Marcado por uma atitude fundamentada no fator
exclusão, não conseguia compreender o interesse do outro, condicionando seu
filho a suas tendências egoísticas. Seus imprintings o impedem de agir
conforme a ética da religação, dispensando, então, seu compromisso com a
moral. Ao invés de ligar, sua postura institui a separação. Nemo, por sua vez,
não consegue compreender os limites que seu pai determinava, pois possui
uma tendência para o fator inclusão, em que a religação participa como
elemento que une, vinculando distintos Eus. Enquanto as vivências de Marlin
lhe foram limitantes e regidas por seu impulso egoísta, Nemo buscou um
equilíbrio entre o seu espaço e o espaço do outro, desejando o laço social. Sua
expectativa em relação a seu primeiro dia de escola reflete sua intenção de
religação, capaz de amplificar o espaço para a moral. Rapidamente estabelece
um diálogo entre aqueles outros que se apresentam a ele, realizando-se, na
medida em que pode ensaiar novos vínculos. Espécie, comunidade e
sociedade imbricam-se. O espaço escolar dava visibilidade a tudo isso. Nele,
diferentes espécies ganhavam unidade, formando um único grupo, apesar de
sua heterogeneidade, sustentado pelo princípio da inclusão. A grande arraia,
professor de Nemo, zelava pelos fundamentos da ética da solidariedade e da
responsabilidade, orientando e fomentando o respeito à classe de alunos. No
222
entanto, uma atitude egoísta de Marlin provocou o caos. Ao desrespeitar a
individualidade de seu filho e não compreender sua necessidade para com sua
autonomia, faz com que Nemo seja tocado por sua consciência e tomado por
sua autocompreensão olhe para si e para o outro. Sua abertura para esse outro
demove-lhe a autojustificação legitimadora.
A desobediência de Nemo impõe um desafio a seu pai, desestrutura a
ordem vigente e incita-o a um processo que culminará com a recursão ética.
Dory é participante ativa desta busca. Através de um ato ético, religa-se ao
outro, entregando-se de forma altruísta ao ideal de Marlin. Ambos partem
intentando resgatar a religação, equilibrando fatores do egocentrismo com os
do altruísmo.
A posição questionadora de Nemo favorece a consolidação de uma
auto-ética através da qual descredencia-se o primado dos costumes, dando
vazão a seus aspectos particulares, fomentados por sua autonomia. Verifica-se
seus reflexos quando se lança ao oceano hostil, bem como quando aceita
correr riscos no aquário, por si e por seus novos amigos. Seu aspecto
emocional é aberto para o próximo, sendo conduzido pelo seu psicoafetivo.
Pratica a recursão ética, rejeitando os imprintings de seu pai. O exercício da
auto-ética coloca Nemo perante si mesmo, fazendo com que se conscientize
de suas fraquezas e limitações. Uma auto-crítica elevada deixara-o inseguro
quanto a sua real posição. Assim, luta por uma autonomia e principalmente
para desconstruir a frágil imagem de si, que seu pai insistia em transferir-lhe.
Dory navega com Marlin, orientada pela ética da honra. Assim,
considera aquilo que é importante para o outro, comprometendo-se com as
suas normativas sociais, o que envolve um olhar para a família, os amores e a
comunidade. Complementando, Dory revela-se honesta, desinteressada,
altruísta e digna para com seus princípios, respeitando a individualidade e a
honra do outro. Tomada pela ética da responsabilidade, age solidariamente
conforme um fim maior, a comunidade. No entanto, nem todos os personagens
conseguem ter essa postura. Os tubarões seguem apenas a própria honra:
partem em perseguição a Marlin e a Dory, focados em suas paixões. Apesar de
tentarem a recursão ética, seus imprintings são mais atuantes, impedindo-lhes
223
o reconhecimento por uma identidade comum e a ética da compreensão.
Contudo, Marlin e Dory são presenteados por novos contatos ao longo de suas
trajetórias. Dentre as mais diversas individualidades, deparam-se com
personagens que primam pela ética da religação. Suas atitudes são
condicionadas por princípios comprometidos com a vivência ética destacada
por Morin, na qual valoriza a auto-análise e a autocrítica como ferramentas
para a ética da religação, conduzindo para a efetiva atitude solidária. Esta
solidariedade entre diferentes grupos reforça os princípios de uma ética
universalista, habilitada à integração das diferentes éticas comunitárias,
comprometendo-se com a Terra-Pátria.
Procurando Nemo reforça atributos de uma ética da tolerância. Ilustra
diferentes comunidades e suas formas de vida, bem como a possível harmonia
entre as mesmas. A temática da liberdade também é desenvolvida, mas
sempre enlaçada à ética da responsabilidade. Conforme sua liberdade, Nemo
pode afastar-se de seu grupo e desafiar seu pai. No entanto, a ausência de
uma reflexão, tomada com responsabilidade, submete-o a um sofrimento. Em
seu novo espaço, Nemo consegue firmar outros vínculos, pela via da
fraternidade. Assim, ganha respaldo diante de suas angústias e inseguranças,
bem como recebe apoio para um plano de fuga. No grupo heterogêneo
formado no aquário, luta-se pelo fim ético e pelo combate à barbárie,
sustentados pelo princípio da religação. Mesmo tendo sido o único a conseguir
libertar-se daquele aquário, a ética da solidariedade e da fraternidade incidiu
sobre aquele grupo que se uniu, dedicando-se a uma ação altruísta.
Finalmente, Nemo resgata sua auto-estima, vence suas inseguranças e
convoca seu pai à recursão ética.
Nemo transforma-se. O retorno para o oceano apresenta um Nemo mais
confiante e seguro de suas decisões. Consegue encontrar o equilíbrio entre a
razão e a emoção. Age de forma solidária e responsável para com a
comunidade e, por sua vez, para com a sociedade. Seus interesses unem-se à
ética universal. Por fim, a impulsividade de Nemo demove seu pai do
comodismo perante os acontecimentos e possibilidades da vida. Marlin foi
224
forçado a uma auto-análise e a uma auto-crítica que o fizeram rever e transpor
suas autojustificações, através da recursão ética.
5.3 Anastasia
A história de Anastasia, assim como a de outras princesas, inicia-se
apresentando a contextualização espaço-temporal. A narração da Imperatriz,
avó de Anastasia, introduz a trama, sugerindo um tempo e um lugar distantes,
apesar de determinados. Como personagem, a Imperatriz introduz a trama da
história. Sua narração mescla suas impressões com planos de ação,
apresentados sob a forma de flaschbacks. Envolto pela magia, pelo sonho,
pelo surreal e pela confluência de aspectos fantasiosos, Anastasia
representação a uma trama tomada por elementos da subjetividade, em que
escolhas, comportamentos e sentimentos são postos em evidência. Com
características bem definidas, os personagens moldam o todo narrativo.
Anastasia é a heroína que, perseguida, é posta em situações de risco e
finalmente salva por seu futuro par romântico. Seu herói, Dimitri, é aquele que
participa do percurso de busca com Anastasia. Conta, para tanto, com seu
amigo Vlad, cuja sabedoria mescla-se com traços hilários. Ambos
desempenham os papéis de auxiliares: acompanham Anastasia no trajeto de
busca por seu passado e, finalmente, no processo de transformação. Rasputin
é o grande vilão da obra, aquele que guarda rancores e desejos de vingança
para com a família de Anastasia. A avó da princesa, a Imperatriz, ganha
visualidade na narrativa e representa a grande busca da princesa, sendo ela
quem vai permitir o encontro com suas origens. A complexidade de seus
personagens, dominados por suas características centrais, são postas a
serviço do todo da ficção.
O tempo passado, que é retratado no início da produção, alcança um
outro tempo, o tempo da diegese e, finalmente, a narrativa aposta em
mecanismos que se projetam para o futuro dos personagens. Pode-se
pressupor que Anastasia será finalmente feliz com Dimitri, Vlad encontrará seu
par romântico em Sofia, e a imperatriz jamais será afastada de sua neta,
225
Anastasia. Então, passado, presente e futuro confluem, dando completude à
narrativa. O elemento espaço situa o contexto de Anastasia: o castelo em
tempos de glória contrasta com o castelo de um império arruinado; o orfanato
representa o desconhecido, o abandono e a partida; o percurso seguido por
Anastasia, Vlad e Dimitri é tomado por surpresas, descobertas e perigos; Paris
representa a transformação, a mudança, a possibilidade de crescimento e o
reencontro com as origens; as trevas, o lugar onde se trabalha para o caos. A
ação narrativa movimenta-se em torno destes espaços, oferecendo dinamismo
à trama.
Identifica-se em Anastasia as funções da morfologia do conto,
desenvolvidas por Propp (1984), favorecendo o caráter maravilhoso da
animação. Mesmo que a seqüência das funções seja variável, sua combinação
linearidade à trama. Abaixo, apresenta a estrutura narrativa com as
respectivas funções identificadas:
08.Família de Anastasia é destruída por Rasputin
01.Princesa perde a memória, separa-se de sua avó e é encaminhada
para um orfanato, onde vive sob a identidade de Ane
08.1; 09; 11. Todos na Rússia esperam o retorno de Anastasia.
Anastasia deixa o orfanato e decide ir em busca de sua história.
Possui uma pista: o colar com os dizeres Juntas em Paris
12.Objetivando ir a Paris, recorre a Dimitri e Vlad
15.Dimitri, sem saber da verdadeira identidade da princesa, decide levá-
la como Anastasia até a Imperatriz, sua avó
16.Rasputin tenta matá-la
18; 19; 20; 21 Dimitri salva a vida de Anastasia, vencendo Rasputin, que
decide ir pessoalmente em busca da princesa
23; 25. Em Paris, Anastasia fala com Sofia, prima da Imperatriz,
acertando todas as questões acerca de seu passado
26. Dimitri seqüestra a Imperatriz e a confronta com Anastasia
27. As duas se reencontram e relembram o passado
226
21. Rasputin ruma para o baile, no intuito de matar Anastasia. Bartoc, o
morcego que acompanha Rasputin, tenta convencê-lo a não matar
Anastasia, mas Raputin está decidido
29. A Imperatriz autoriza Anastasia a seguir seu destino, mesmo que
este seja ficar junto com Dimitri, pois independente da sua escolha,
ficarão juntas para sempre
28; 30. Rasputin encontra Anastasia que o enfrenta, mas Dimitri
regressa e batalham juntos contra Rasputin
31. Anastasia e Dimitri decidem ficar juntos, e partem em um passeio
romântico de navio
A rede de funções que sustenta a unidade da narrativa apresenta traços
particularidades que permitem uma associação com os valores éticos
desenvolvidos por Aristóteles e por Edgar Morin. Primeiramente, propõe-se a
apropriação dos elementos da ética de Aristóteles e sua transposição para a
animação em foco. Assim, deficiência, excelência e vício moral mesclam-se em
Anastasia, participando da edificação da trama.
Em Anastasia, o personagem Rasputin, antigo conselheiro da corte,
aparece como o grande responsável pelas adversidades, apontando a direção
da trama. O sentimento de ter sido traído pelo Czar Nicolau Romanov e seu
desejo de vingança mobilizam as ações do personagem que, tomado por sua
ira, intenta extinguir a realeza da Rússia Imperial. Ganancioso, Rasputin luta
para desintegrar a corte, desagregando a família imperial e deixando Anastasia
desamparada. Incapaz de exercer a amizade perfeita, deseja alcançar
notoriedade. Suas pretensões desproporcionais são movidas pela insensatez e
pela ignorância. Incapaz de agir com moderação, excede suas ações, valendo-
se, para tanto, de seu lado irascível e desmedido, em que os excessos e o
compromisso com seus devaneios sobrepujam a virtude da moderação. Capaz
de interpor-se no caminho daquele que imponha obstáculos a seus planos, age
de forma egoísta, entregando-se a suas paixões e a seu objetivo de vingança.
Logo, revela-se toda sua egolatria, quando prioriza seus desejos, independente
das necessidades do outro. Ao descobrir que Anastasia não havia sido atingida
227
por sua maldição, Rasputin decide concluir sua vingança. Excessivamente
confiante em si, age com temeridade, expondo-se irracionalmente a situações
que também o colocam em risco. Insensato, deseja além daquilo que é capaz,
lutando insistentemente pelo fim de Anastasia.
Se, conforme o desenvolvido por Aristóteles, a concupiscência relaciona-
se ao excesso perante o que é prazeroso, Rasputin deleita-se ao imaginar e
planejar seus reproveis desejos para com a princesa, frustrando-se perante
as limitações e os fracassos. Observa-se, por fim, que o desejo de Rasputin vai
além de suas reais possibilidades, conduzindo suas ações pretenciosamente.
O vilão ignora os conselhos de seu servo que, ao prever o trágico fim de
Rasputin, sugere-lhe, moderadamente, desistir de Anastasia. A motivação da
narrativa é sustentada pelo desejo de poder e pela ganância do homem. Tem-
se, por um lado, Rasputin, que busca reafirmar seu poder através de uma ação
vingativa e, por outro lado, Dimitri, que deseja avidamente a recompensa
oferecida pela imperatriz. Contudo, Dimitri reorganiza-se, revendo seus
princípios passando agir despretensiosamente com Anastasia, pela simples e
verdadeira amizade. A postura de Dimitri é valorizada e reforçada na trama, a
partir do momento em que é recompensado com o amor de Anastasia.
Contrariamente, as reprováveis atitudes de Rasputin são motivos para sua
punição e sua tragédia final.
Apesar de se ter revelado uma das vítimas da maldição de Rasputin,
Anastasia consegue impor-se a sua condição e buscar sua verdade, seu
passado e sua história. Sua coragem permite que deixe o orfanato, onde viveu
desde o infortúnio do império russo e a fragmentação de sua família, para
transpor o seu grande desafio, o desconhecimento de seu Eu. Ainda que
insegura e receosa do caminho a seguir, toma-se pela razão e levada pela
confiança, decide enfrentar o mundo que a espera. Sem consciência, possui
uma vivência primária, na qual experienciou a perfeita amizade com sua avó,
aquela desinteressada, autêntica, gratuita e, por tudo isso, recíproca e justa.
Impressa em seu âmago, esta marca a move, impulsionando Anastasia a
transpor as fronteiras do conhecido e do previsível. Sem pretensão, mas com
magnanimidade, aspira uma grande conquista.
228
O fato de ter seu visto a Paris negado, conduz Anastasia até Dimitri e
Vlad, plebeus que procuravam uma moça que pudesse ser apresentada à
Imperatriz como a princesa Anastasia. Assim, observa-se que uma falsa
reciprocidade de interesses funda a relação entre ambas as partes, pois
enquanto Dimitri desejava levar uma suposta princesa a Paris, Anastasia
deseja ir a Paris. Logo, Anastasia, com seu passado incógnito poderia ser a
princesa desaparecida, enquanto Vlad e Dimitri poderiam lhe proporcionar a
tão esperada viagem para Paris. Independente da afeição entre um e outro, o
elo de ligação entre Anastasia, Dimitri e Vlad, nesse momento da narrativa, é
sustentado pela amizade por interesses. Esta disposição encontra-se fundada
no jogo de interesses entre os personagens, sustentado nos retornos
almejados por cada um dos envolvidos na ação.
Impondo-se aos interesses, a amizade entre Anastasia, Dimitri e Vlad
gradualmente se transforma, passando a formatar-se perante os moldes da
amizade perfeita, como aquela consolidada, no passado, entre ela e sua avó.
Desta forma, sob perigo iminente, Dimitri protege a princesa, salvando-a
corajosamente, mesmo que, para isso, precise arriscar-se, mas certo de seus
ideais. Quando em Paris, Anastasia consegue mostrar sua verdadeira
identidade, ao conduzir com sinceridade as respostas do questionário com a
prima da Imperatriz. Assim, antes de desejar provar que era a princesa
Anastasia desaparecida, aspira conhecer sua identidade. Portanto, sintoniza
ação e palavra.
Rejeitada pela Imperatriz, Dimitri decide proteger e zelar pela verdade de
Anastasia. Antes, porém, a princesa demonstra sua sinceridade, frustrando-se
com Dimitri e desprezando-o, ao sentir-se enganada. Condignamente, ele,
desejando aquilo que é justo, decide raptar a Imperatriz e confrontá-la com
Anastasia. Este fragmento da narrativa expõe aspectos que combinam a
coragem com a amizade. Apoiado na razão, e zelando pela honra de
Anastasia, Dimitri promove o reencontro entre a e neta que resgata uma
história, num momento tocado pela amabilidade entre ambas as partes. A
amizade sincera é reafirmada neste momento e, também, a mesma amizade
229
ganha solidez entre Anastasia e Dimitri, dada sua atitude despretensiosa, mas
em congruência com seus sentimentos.
Dimitri revê sua postura inicial, desistindo da recompensa oferecida
àquele que encontrasse a princesa Anastasia. A fonte de seus atos encontra-
se na amizade gratuita que se instituiu, permitindo-lhe ser sincero e condigno.
Neste momento pós-reflexão, para Dimitri, condignidade corresponde ao
desejo da harmonia entre Anastasia e sua avó, sendo este sua grande meta e,
portanto, o fim para o qual dirige suas ações. Sua primeira aspiração perdeu
espaço para uma maior conquista, que foi poder participar do reencontro entre
avó e neta. Com justeza de caráter, enquadra-se na perspectiva da
magnanimidade. Sem imposições, a Imperatriz aceita o destino de Dimitri junto
a Anastasia, que o perdoa e, finalmente, juntos vencem corajosamente
Rasputin, seguindo seus percursos, na companhia um do outro.
Os pressupostos de Edgar Morin também podem ser identificados em
Anastasia, contribuindo para uma compreensão da construção narrativa com
ênfase nos aspectos referentes ao caráter ético moral. Regido pelo fator
exclusão, Rasputin ignora o laço social, revelando-se intolerante ao primar por
seus interesses egoísticos. Obcecado pela vingança, sua conduta anula
perspectivas altruístas, sendo regido por tendências egocêntricas. Ignora a
relevância da vida de Anastasia, mostrando-se incapaz de compreender
perspectivas diferentes das suas, impondo-se à religação e confrontando com
os princípios que perpetuam a sociedade, a comunidade e a espécie.
No início, Dimitri desconsidera o regimento ético socialmente imposto,
ao mesmo tempo em que se entrega a seu impulso egocêntrico dominante.
Este fato é observado quando Dimitri aceita a aproximação de Anastasia, não
pelo que é, enquanto essência, mas por aquilo que poderá proporcionar-lhe. A
preocupação com a recompensa ainda lhe importa mais que a mobilização com
a referência ética para a religação.
Para a realização do homem, Morin reconhece a necessidade da
amizade, da afeição e do amor, vivências estas que enriquecem a relação com
o outro. No orfanato onde vivia, Anastasia não possuía relações vinculares, era
230
tratada de maneira desprezível e cobrada pela tutora. Insatisfeita com a
maneira com que estava conduzindo sua vida, decidiu partir em busca da auto-
realização, manifestando uma tendência para a religação. Regida por sua auto-
ética, é guiada por sua autonomia individual, que se nutre do psicoafetivo, do
antropológico, do sociológico e do cultural. Rompe com as normalizações de
sua vida, agindo conforme a ética da liberdade, determinando suas próprias
escolhas.
O grande vilão da narrativa mantém sua diretriz de conduta até o final da
trama. No entanto, Dimitri passa por uma íntima transformação. Olhando para
si e para Anastasia, faz uso da auto-análise, reconhecendo suas fraquezas.
Um processo lento, mas visível, na animação. O sentimento de Dimitri para
com Anastasia vai se reformulando. Primeiramente, autojustifica sua tendência
interesseira para com Anastasia. No entanto, sua vivência incita em Dimitri a
auto-análise e a autocrítica, que se impõem ao self-deception, até a recursão
ética, quando revê seus pressupostos. Dimitri rende-se à cultura psíquica,
voltando-se para o mundo de maneira despretensiosa e, conforme a ética de
fidelidade à amizade, manifestando fraternidade e priorizando os laços afetivos.
É capaz de regenerar as fontes éticas, resgatando a responsabilidade e a
solidariedade. Assim, desprende-se de seus interesses pessoais e aproxima-se
de Anastasia, que conduz suas ações por este vértice. Agora, indiferente à
recompensa, auxilia Anastasia a encontrar sua avó, a imperatriz, assumindo
suas crenças pessoais, agindo com lealdade e honestidade, ou seja, a partir do
fundamento da ética da honra.
Ao salvar Anastasia das perseguições de Rasputin, Dimitri não age mais
conforme sua moral egocêntrica, mas conforme a ética da responsabilidade,
que se sustenta sobre o lastro do social. Proteger Anastasia não está mais
unicamente ligado à recompensa prometida, mas ao sentimento de
solidariedade, fato que os une, enquanto seres de uma mesma comunidade.
Como motivação para a transcendência de seus imprintings, Dimitri abre-se à
amizade, à simpatia e à afeição, entregando-se ao princípio altruísta e
fomentando a religação. Fiel à amizade que construíra com Anastasia, Dimitri
desapega-se de seus interesses particulares e, conforme a ética do amor,
231
reúne Anastasia a sua avó. A imperatriz, sublimemente, permite que sua neta
viva sua liberdade, a partir da ética da compreensão.
Verifica-se o crescimento pessoal dos personagens. Anastasia aceita as
boas intenções de Dimitri; a Imperatriz reconhece a verdade da princesa e
Dimitri percebe o valor de uma ética aberta à compreensão. Estes que
delinearam um percurso que culminou na ética da religação, tiveram um
crescimento e uma conquista pessoal, que reforça, no espectador, aspectos
positivos de seus seres, respeitando a complexidade das vivências de cada
um.
Rasputin, incapaz de valer-se da compreensão, é também incapaz de
perdoar e desapegar-se de seus imprintings. É avesso ao fim ético definido por
Morin (2000), como a resistência à crueldade e à barbárie. A concepção acerca
da ecologia da ação é desafiada por Rasputin, que reage barbaramente,
desprendendo-se da ética universalista e entregando-se ao egocentrismo e às
suas paixões. Este personagem ilustra um trágico destino. Já, aqueles que se
transformaram, aceitaram novas possibilidades e atenderam os pressupostos
da auto-ética, da sócio-ética e da antropoética tiveram importantes ganhos nas
suas vidas, o que indiretamente reforça positivamente tais posturas.
5.4 A era do gelo
Esta animação centraliza sua narrativa em três personagens cujas
propriedades são antropomorfizadas: um mamute, um bicho preguiça e um
tigre dente-de-sabre. Através de temáticas socialmente vigentes, seu enredo
fantástico e fictício oferece a seu blico conteúdos que remetem à
verossimilhança externa. Envolta por motivos mais realísticos, tal produção
desenvolve tópicos que se aproximam das vivências e angústias
contemporâneas que, por meio de uma motivação estética, ganham
visibilidade.
A trama vai sendo desenvolvida através das subseqüentes ações de
seus personagens, que convidam o espectador a vivenciar o suspense, o
232
drama e o desfecho final. Com suas particularidades, os personagens de A
era do gelo inserem-se nas sete esferas de ação de Propp (1984), permitindo
que se efetive uma narrativa coerente, atenta simultaneamente ao caráter
temporal e de causalidade, destacados por Tomachevski (1971).
Considerando os pressupostos de Propp (1984), a narrativa de um conto de
magia ou maravilhoso tem no dano ou na carência seus desencadeadores,
finalizando com o casamento ou outro desenlace. A riqueza do conto é
mediada por algumas das funções identificadas por Propp (1984):
08. destruição do acampamento dos humanos pelos tigres dente-de-
sabre;
01. fuga da mãe com o bebê humano;
8.1. pai humano sente falta de sua família;
9. a mãe entrega o bebê humano para Manfred e Sid, morrendo na
seqüência, estando implícito o pedido de cuidado;
25. Sid propõe a Manfred que partam em direção à família do bebê;
10. Diego decide aproximar-se de Manfred e Sid, capturar o bebê;
04. Diego e os tigres procuram informações acerca do objetivo de
Manfred e Sid com o bebê
05. Sid informa que partirão em busca da família;
06. Diego propõe levá-los até a passagem glacial, para onde partem
os humanos;
07. Manfred e Sid deixam-se enganar pelas intenções de Diego;
11. Sid, Manfred e Diego partem em direção à família do bebê;
12. Manfred e Sid são tentados por Diego a desistirem da tarefa;
13. Manfred e Sid estão decididos a conduzir o be para junto de
sua família;
15. com auxílio de Diego, seguem o percurso em direção à passagem
glacial para onde se dirigem os humanos;
21. Manfred, Sid, o bebê e Diego são perseguidos pelo bando de
tigres dente-de-sabre;
24. os tigres pretendem capturar Manfred, Sid e o bebê;
233
28. Diego conta a Manfred e Sid a verdade;
16. Manfred, Sid e Diego combatem os tigres dente-de-sabre;
17. Diego se fere;
18. o bando de tigres dente-de-sabre é vencido;
30. o bando de tigres dente-de-sabre é desfeito;
29. Diego torna-se um dos heróis;
19. Manfred e Sid conseguem chegar à passagem glacial e entregam
o bebê humano a seu pai;
26. a missão dos heróis é cumprida;
27. Manfred e Sid ganham um colar dos humanos, como forma de
reconhecimento;
20. Manfred, Sid e Manfred regressam da missão.
A grande narrativa de A era do gelo é motivada primeiramente pelo
intenso desejo de vingança dos tigres dente-de-sabre para com o grupo de
humanos. Sob o caráter de antagonista, os tigres responsabilizam-se pelos
danos e combates sucedentes. A destruição do acampamento dos
humanos, a fuga da mãe com o bebê, a morte da e e o afastamento do
bebê e de seu pai, convertem-se em mal-feitos provocados pelas figuras
dos antagonistas. O momento em que a mãe entrega seu bebê humano ao
mamute Manfred e ao bicho preguiça Sid permite-lhe a assumir a função de
doadora, ofertando elementos para que a história ganhe continuidade e
dando pistas daquilo que será seu tema central. Implícito na entrega do
bebê, existe um apelo da mãe para que Manfred e Sid cuidem de seu filho.
Apesar da resistência do mamute, este é convencido por Sid a devolver o
bebê a seus semelhantes. Tais personagens, com seus atributos,
desempenham a função de heróis, ao assumirem o bebê humano e se
comprometerem com seu destino. Sid assume a função de auxiliar, ao
participar com Manfred de toda a trajetória rumo à passagem glacial.
A rigidez emocional de Manfred é desestabilizada ao sensibilizar-se
com o desfecho final. Sid, entregue a seu emocional, percebe construções
234
que fizeram ao longo da trajetória. O percurso do herói, como propôs Vogler
(1992), transcende a objetividade da história, apresentando ao espectador
transformações vislumbradas no âmago de cada personagem.
Ao longo da narrativa, Sid apropria-se das características do herói
auxiliar e, finalmente, comic relief. Suas participações presenteiam as cenas
de uma peculiar comicidade. Sob esta mesma função, um atrapalhado
esquilo em busca de uma noz cruza a história em momentos inespecíficos.
De maneira singular, Manfred e Sid guardam ao longo da história,
uma conduta reta, conservando suas essências morais; Diego,
diferentemente, revê sua moral, abrindo-se a uma transformação pessoal.
Se Manfred e Sid mantêm-se como guardadores de valores sociais e
mediadores; Diego, primeiramente, assume o papel de transgressor, para
posteriormente descobrir atributos positivos.
Situando a ação no tempo, a linearidade da história é composta por
marcos temporais que caracterizam a seqüência das ações. A trama da
narrativa remete ao período glacial. O discurso de A era do gelo indica
preocupação com o transcorrer do tempo, pois a Passagem Glacial, para
onde se dirige o grupo de humanos, estava na eminência de fechar-se. As
questões postas no tempo narrado, mesmo distante da atualidade
cronológica, suscitam questionamentos e reflexões, ao serem transpostas
ao tempo presente do espectador. Temáticas como o grupo, a amizade, o
respeito, a lealdade, a diversidade, a compreensão e outras, de ordem
moral, são postas à percepção do espectador.
Na estrutura narrativa, o espaço, com suas peculiaridades,
singulariza-se, diferindo do espaço concreto. Apesar de algumas
proximidades com a realidade, o caráter fantástico da narrativa faz um corte
com o real, convocando o imaginário do espectador ao mundo mágico da
ficção.
235
De maneira indeterminada, as funções da morfologia narrativa,
desenvolvidas por Vladmir Propp, ganham visibilidade. De cada função,
emerge um ou mais códigos oriundos da ética aristotélica ou da ética de
Morin.
As disputas de interesses entre os tigres dente-de-sabre e os humanos
conduzem a narrativa a uma batalha, movida pela vingança dos tigres.
Ameaçados, os humanos têm seu acampamento destruído. Entre os humanos,
uma mulher toma sem seus braços seu bebê e parte em busca de segurança.
A mãe depara-se com Manfred e Sid, em quem confia os cuidados de seu
bebê. Logo desfalece, sacrificando sua vida pela segurança de seu filho.
Movida pelo amor incondicional a seu filho, age conforme uma ética individual,
seu objetivo primeiro é assegurar a integridade de seu bebê. Encontra em Sid e
Manfred a esperança de salvação de seu filho. Rompendo fronteiras, diferentes
espécies aproximam-se, traçando um destino comum.
A narrativa desenvolve-se sob caracteres de uma fábula social,
abordando a temática da diversidade cultural. Em A era do gelo, aspectos
sócio-culturais são refletidos, representados e moldados sob o formato do
gênero animação.
A decisão de acolher o bebê é antecedida por alguns questionamentos,
mas a ameaça de Diego, o tigre dente-de-sabre, que ardilosamente tenta fazê-
los desistir do projeto de conduzir o bebê a sua família, é determinante.
Movidos pela coragem, Manfred e Sid decidem levar o bebê a sua família,
reconhecendo os riscos desta honrada decisão que, ao longo da história,
assume a conotação da amizade perfeita. A temeridade ganha notabilidade em
Sid, através de suas atitudes, que mesclam valentia e covardia. No entanto,
falsamente destemido, quando ameaçado, vale-se da figura de Manfred para
proteger-se. Com seus valores definidos, o mamute faz uma crítica à
concupiscência, ao proteger o bicho preguiça de dois rinocerontes que desejam
matá-lo por simples prazer. Também o bando de tigres dente-de-sabre
conduzem suas ações pela concupiscência, deleitando-se com as previsões
acerca da captura do bebê.
236
Sid vangloria-se de seus feitos, supervalorizando-se, como no momento
em que consegue fazer fogo, revelando sua tendência para a vulgaridade e
para a pretensão, pois deseja que suas conquistas sejam reconhecidas pelo
outro. Age com prodigalidade, quando leva o bebê ao encontro das fêmeas
preguiça, utilizando-o como recurso para alcançar sua meta concupiscente.
Diego revela sua ganância, ao tentar convencer Manfred e Sid a
pensarem conforme o justo, sem, no entanto, predispor-se a tal atitude. Ou
seja, ao mesmo tempo em que se dispõe a conduzir o bebê aos humanos, sua
intenção para com ele é outra, entregá-lo a seu bando de trigres dente-de-
sabre. Diego e Manfred apresentam-se irascíveis, encolerizando-se facilmente
com Sid, mas conseguem retomar o controle de seus primeiros impulsos.
Enquanto Manfred demonstra uma maior impaciência com as verbalizações do
bicho preguiça, Diego tende à ação, mas é contido, ao ouvir as considerações
do mamute.
Manfred acusa Sid de estar sustentando uma amizade por interesse,
pois acredita que o objetivo desta proximidade não está na relação de afeição
natural, mas é motivada pelo seu desejo de preservação, valendo-se da força e
da coragem do mamute. A virtude moral da coragem, observada em Manfred, é
regida pela razão, conseguindo reconhecer o perigo em situações-limite. A
coragem é mobilizada por Manfred, quando salva Diego de um acidente no
percurso e, pelos amigos, quando elaboram um plano para enfrentar os tigres
dente-de-sabre e entregar o bebê. Como retribuição, Diego mostra-se condigno
quando, posteriormente, arrisca-se para salvar Manfred dos tigres dente-de-
sabre. Finalmente, a amizade perfeita institui-se entre Manfred, Sid e Diego,
pois nada se desejam em troca da mesma, apenas o bem irrestrito de cada um.
A magnanimidade é verificada em Manfred, através de sua reserva e
discrição. A amabilidade parece ser uma qualidade natural do bebê que, afável,
é despretensioso, espontâneo e despreocupado com os retornos futuros.
Também Sid pode ser categorizado neste caráter, pois é amável e sem
intenções futuras, sentindo-se comprometido em entregar o bebê a seu pai.
Mas tal característica não o impede de encolerizar-se, quando descobre as
insinuações de Diego sobre o bebê e sua traição, impondo-se às mesmas.
237
Manfred e Sid revelam-se sinceros em suas ações e palavras, de modo
que tais elementos encontram-se em congruência. Também em Sid verifica-se
uma tendência para a espirituosidade, demarcada pelos gracejos dirigidos ao
bebê. Se, inicialmente, Manfred revela-se enfadonho, tendo partido
solitariamente na direção oposta à da migração, este juízo é revertido quando é
tomado pela espiritualidade de Sid.
Deslocando tais considerações para a perspectiva de Morin, emerge
uma diferente maneira de encarar as situações postas na animação. O sentido
das palavras comunhão, pertencimento e diversidade, conferidos à Pátria,
alavancam reflexões acerca de uma ética, paralelamente com outras
categorias que se propõe a desenvolver. A era do gelo apresenta um espaço-
temporal em que coexistem distintas espécies animais, cujos interesses
particulares são capazes de suscitar múltiplas condutas, submetidas a um
código particular.
Considerando a auto-ética e suas fontes psicoafetivas, antropológicas,
sociológicas e culturais, sua efetivação se quando o sujeito sente a
vitalidade do princípio altruísta de inclusão e o apelo à solidariedade em
relação aos seus, à comunidade” (MORIN, p.92, 2005). Com suas
particularidades, os personagens-heróis vão desenvolvendo a excelência da
auto-ética, ao mesmo tempo em que combatem suas barbáries interiores.
Manfred revela-se um herói que decide suas ações através de uma postura
auto-crítica. Fundamentando-se na introspecção, combate seu egocentrismo e
fomenta um caminho de abertura para o outro. Em permanente ação reflexiva,
impõe-se à autojustificação e ao self-deception. Suas verbalizações
externalizam seus constructos, resultados de sua auto-análise. Quando se
impõe aos rinocerontes, que desejavam egoisticamente matar Sid, por simples
prazer, Manfred revela seus princípios. Age em conformidade com sua auto-
ética sem, no entanto, impô-la ao outro. Impedir que os rinocerontes matem Sid
não é o mesmo que obrigá-los a reconhecer como certa sua ética, mas faz um
convite à reflexão acerca da autojustificação e da self-deception necessária à
cultura psíquica. “A cultura pquica faz com que enxerguemos no adversário
não a má-fé, mas o produto dessa força de autoconvicção pela qual cada um
238
se auto-engana (self-deception)” (MORIN, p.97, 2005). A cultura psíquica
rejeita a intimidação e a submissão passiva, mas pretende o exercício
autônomo do pensamento e sua conversão em ações.
Manfred apresenta convicções particulares, que ora ganham
transparência pela ação, ora pela palavra. Quando salva Diego, recorre à auto-
análise, pois age conforme seus princípios e recorre à ética da honra, que
prima pela atitude de lealdade, de devoção à família, amores e comunidade,
“sem trair nossas verdades, amizades, regras da vida” (MORIN, 2005). Da
mesma maneira, expõe sua crença na lealdade para com o parceiro. A
recursão-ética habilita, através da auto-análise e da autocrítica, que seja
avaliada, julgada e criticada, à base daquilo que forma as concepções
pessoais.
Honrar o pensamento é assumí-lo em ações. Se a imagem de si é
coerente com aquela semeada pelas ações, paira a dignidade, caracterizada
pela obediência à própria honra e pelo respeito à honra do outro. A dignidade
conduz à ética para o outro. A entrega do bebê a Manfred abarca a auto-ética,
que também permite a ética para o outro, denotando a atitude altruísta de sua
mãe. Manfred demonstra, através de sua postura de acolhimento, o
reconhecimento da honra do outro. Além de seu compromisso com o bebê,
salva a vida de Sid e de Diego. Neste sentido, assume a responsabilidade pela
própria vida e em relação à vida do outro, expressando, juntamente com Sid, a
ética da cordialidade e da fraternidade, voltando-se à ética da religação. Diego
questiona o motivo pelo qual Manfred o salvou, suscitando o compromisso com
a ética da responsabilidade, nutrida pela solidadariedade e pelo sentimento de
pertencimento a uma comunidade.
Ao submeter-se às ordens do chefe do bando de tigres dente-de-sabre,
Diego está cegado por seus imprintings e autojustificação, impedido de agir
conforme as bases de uma auto-ética. Da mesma maneira, desprovidos do
perfil dos que agem em conformidade com a auto-ética, estão os rinocerontes,
que rejeitam a reflexão e a análise, transformando o erro do outro em uma falta
moral.
239
Cegados pela ira, pelo desprezo e pela raiva, tais personagens,
analisados sob a esfera dos vilões, rejeitam o princípio da identidade humana e
da fraternidade, elevando o estado hostil que rege seus comportamentos.
Entregues a seus imprintings, autojustificações e self-deception, tais
personagens são impedidos de elaborar uma recursão ética. Diferentemente,
Sid e Manfred, guiados pelo sentimento de uma identidade comum,
posicionam-se ao lado do imperativo da ética altruísta ou da ética de religação,
que se converte numa ética para o outro. Com civilidade, desprezam a
exclusão, manifestando apreço, identificando as necessidades do outro e
sensibilizando-se com as mesmas. Incorporados pela ética da tolerância, Sid,
Manfred, o bebê e, na seqüência da trama, Diego, aceitam as particularidades
de cada um, sem tentarem mudar suas verdades. Em alguns momentos,
manifestam discordâncias pessoais, mas estas não são impeditivas de uma
convivência pacífica. Refletida no caráter sagrado da amizade, a ética da
fraternidade prioriza as qualidades particulares aos interesses ou ideologias. A
relação que vai sendo estruturada entre os heróis transcende as diferenças
entre suas opiniões, instituindo-se através das afinidades subjetivas e do amor,
independentemente de considerações hierárquicas.
Avessos a uma ética da compreensão, o bando de tigres dente-de-sabre
age em conformidade com suas paixões. Rejeitando a vigência e a
coexistência de diferentes códigos, bitos e crenças, submetidos à lei do
talião, partem para a vingança contra o grupo de humanos. Como condição
para a resistência à lei do talião, importa a ética da compreensão e da
magnanimidade, que aposta no perdão e na possibilidade de regeneração.
Manfred e Sid exemplificam este princípio ético, ao aceitarem o arrependimento
de Diego e o acolherem no grupo. A regeneração moral de Diego está imersa
na auto-ética, através da qual consegue reativar as “potencialidades altruístas
e comunitárias” (MORIN, p.174, 2005).
Isentando a análise de uma concepção hierárquica da cadeia alimentar,
pode-se também atribuir aos humanos caçadores uma atitude egoísta,
centrada exclusivamente em seus interesses. Suas ações estão normalizadas
e impressas em seus contextos culturais como lícitas, mas rompem com os
240
princípios da auto-ética. Também a batalha final, travada entre o bando de
tigres dente-de-sabre e o grupo composto por Manfred, Sid e Diego, é envolta
pela perspicácia, agressividade e violência dos oponentes. Morin afirma que
“os atos terroristas são praticados por indivíduos alucinados, presos nas
ilusões de uma ideologia de guerra em tempos de paz” (p.116, 2005).
Segundo Morin, a crescente complexidade de uma sociedade é
diretamente proporcional à necessidade de uma auto-ética. A ética comunitária,
cuja base é a fraternidade e a responsabilidade, diz respeito a uma
comunidade, não tendo validade fora desta. As normas e hábitos que valem
dentro da comunidade dos tigres diferenciam-se daqueles preexistentes na dos
humanos ou na do conjunto formado pelo mamute, o bicho-preguiça e o tigre.
Ao deixar seu bando, Diego volta-se a uma ética universalista, capaz de
superar as éticas comunitárias. A ética universalista conduz à integração das
comunidades individuais, na grande comunidade: a comunidade da Terra-
Pátria. A concepção de Terra-Pátria conclama uma ética universalista que,
através da antropoética, coloca os indivíduos em interdependência, assumindo
o destino humano.
As tendências morais contraditórias - egoísmo e altruísmo, razão e
paixão, diferença e identidade, animus e anima - coexistentes em Diego, Sid,
Manfred e o bebê, encontram o equilíbrio pela via da auto-ética. Se o bando de
tigres dente-de-sabre age conforme seus imprintings, de acordo com uma ética
internalizada como verdadeira e imperativa, desprovida da reflexão e auto-
análise, estão impedidos de uma atitude voltada para a auto-ética, portanto,
para a antropoética e a sócio-ética. Assim, são submetidos à contradição ética,
segundo de Morin: “não posso escamotear a irresponsabilidade dos seres
humanos marcados por seus imprintings, passíveis de erro, arrastados pelos
turbilhões históricos, nem a responsabilidade dos seus maus atos” (MORIN,
p.100, 2005).
A era do gelo também reflete, através das funções narrativas e de seus
personagens, alguns dos valores éticos trabalhados por Aristóteles. Códigos
pertinentes à excelência e à deficiência moral emergem ao longo da seqüência
dos fatos. Observa-se que os valores éticos de Aristóteles inserem-se no
241
discurso narrativo desta obra, qualificando os personagens, segundo seus
juízos, na seqüência das cenas. Um mesmo personagem pode reformular sua
postura ética. No entanto, diferentemente da ética de Morin, a ética de
Aristóteles não incorpora o percurso da construção ética. Mesmo que, sob o
enfoque de Morin, surjam alguns valores morais semelhantes aos aristotélicos,
a compreensão que se tem dos mesmos é particularizada. Assim, a ética de
Morin adquire um caráter de construção, não determinista (Ver ANEXO 2).
A proposta ética de Morin reflete-se em um ética coletiva, capaz de
atender e respeitar à condição do outro social, bem como à diversidade
inerente ao contexto apresentado. Esta perspectiva é ilustrada, na produção,
através de Manfred, Sid e, finalmente, por Diego. Por outro lado, invadidos pelo
imprinting e autojustificações, o bando de tigres dente-de-sabre resistem à
ética da religação, atendendo egoisticamente a pressupostos de uma ética
individual. O transcorrer da narrativa evidencia a mudança na postura ética
moral de Diego. O amoldamento de suas condutas reflete a possibilidade de
reconstrução e revisão do comportamento, como também uma identificação
com a ética da religação. Se, na trama, o tempo transcorria para a era do gelo,
caracterizada pelo estado de solidificação, paradoxalmente, observa-se a
fluidez e a complexidade traduzidas pela narrativa, através da rendição final de
Diego, para uma ética desapegada das normativas culturais.
Fundada no conjunto destacado da auto-ética, sócio-ética e
antropoética, a ética de Morin participa da narrativa, direcionando-a. Assim,
diferentemente da estrutura dos contos tradicionais, que respeitavam a ordem
das funções de Propp, verifica-se, em A era do Gelo, uma transgressão ao
padrão apresentado, burlando a seqüência rígida das funções, ao antepor uma
a outra. Deste modo, pode-se fazer uma analogia entre a forma pela qual esta
narrativa vai se formatando e a proposta de construção ética de Morin. Partindo
da intriga principal, a história desenvolve-se permeada por suas categorias,
ilustrando uma série de transformações no âmago dos personagens e
culminando no fim ético de Morin. Assim, a narrativa é orientada pela
apresentação de questões morais que transgridem a ordem proppiana,
submetendo-se a uma construção ético-moral.
242
5.5 Formiguinhaz
Sob a forma de fábula, a animação Formiguinhaz apresenta a história
dos habitantes de um formigueiro, prestes a entrar em crise. A divisão de uma
sociedade em castas, agregada pelas disputas do poder, ganha visibilidade na
narrativa. Um poder monárquico é desestabilizado por desejos individuais,
desacomodando uma ordem anteriormente vigente. A função da Rainha é
posta em risco, ameaçando a tranqüilidade vigente nos domínios de seu
formigueiro.
Um de seus súditos, o operário Z, é apresentado ao espectador como o
personagem central da trama, conduzindo a narrativa. Revela-se um sujeito
questionador, insatisfeito com sua condição de vida, atravessado por traumas e
problemas pessoais. Com um tom melancólico, demonstra auto-crítica elevada,
o que se soma a uma visão negativa de si. Lutando por manter sua
individualidade naquela colônia em que formigas operárias são indiferenciadas,
Z impõe-se ao trabalho de escavação, ao qual é diariamente obrigado, e
indaga-se sobre o autoritarismo e a divisão de tarefas que regulamentam o
formigueiro. Rotulados desde o nascimento, os habitantes do formigueiro
aceitavam passivamente suas funções. A possibilidade de pensar lhes era
negada. Assim, seguiam regras pré-determinadas. Z é o personagem que se
opõe a isso. Sua insatisfação e melancolia servem como alicerce para o
conflito apresentado na animação.
Z deseja trilhar novos caminhos e experimentar outras vivências,
afastando-se do formato gido que sempre conduziu sua vida. Reflete acerca
da organização vigente em sua colônia, rejeitando o fato de ter que submeter-
se à função de operário e de precisar abdicar de seus desejos em prol da
colônia. Sua postura questionadora traz reflexões acerca de ter sua vida
limitada às imediações do formigueiro, privando-se daquilo que poderia ser
oferecido fora dele. Sentindo-se ameaçado pelo general Mandíbula,
personagem que deseja assumir o controle do formigueiro, Z parte com a
princesa Bala, em busca de Insetopia, um lugar lendário e mágico, pleno de
liberdade. Contudo, precisam retornar à colônia para salvá-la dos planos de
destruição do general.
243
Enquanto sujeito individual, seu ser é de uma importância desprezível na
colônia, mas quando observado no todo da equipe da qual fazia parte, Z
possuía outro reconhecimento. Na filosofia da colônia, o individual é
depreciado. Como em uma instituição fundamentalmente capitalista, nutre em
seus operários o aspecto servil, valorizando neles a entrega para o coletivo da
colônia. Verifica-se, na animação, aspectos do atual contexto social que,
transpostos para a narrativa Formiguinhaz, são enriquecidos pelo caráter
fabulístico. Ilustrando o confronto entre diferentes tendências humanas:
autonomia, passividade, reflexão, tolerância, respeito à diferença, egoísmo,
solidariedade e tirania, observados no cerne do indivíduo, da sociedade e da
comunidade, esta animação dá representação a uma fábula da modernidade.
Formiguinhaz oferece conteúdo para reflexões acerca de aspectos
pertinentes ao sujeito. A produção une imagem e conteúdo em uma narrativa
que permite a análise estrutural de seus elementos e a avaliação das
categorias éticas pretendidas. Um encadeamento de motivos associam-se,
conduzindo à formação sintagmática, enlaçando realidade à composição
cênica, inspirando verossimilhança. A animação apropria-se da magia ficcional
do conto de fadas, abordando ludicamente temáticas polêmicas e, com
habilidade e sutileza, carrega-as de denúncias, convocando o sujeito à
reflexão, na medida em que discute as competências, o reconhecimento da
diferença, a tolerância perante crenças, as estruturas hierárquicas de poder e o
valor de uma organização cooperativa capaz de trabalhar em grupo e equalizar
seus interesses. Valores emancipatórios são defendidos, o que dando conta de
uma tensão entre os processos de dominação e emancipação dentro da
indústria cultural de massa.
Dentre os personagens de Formiguinhaz, destaca-se Z,
anteriormente descrito e reconhecido como o herói da trama. Um herói falho e
imperfeito, mas que parte numa trajetória de busca, protege uma princesa e
finalmente une-se à mesma pela causa da colônia em que vivem e pelo amor
que constroem um pelo outro. Z, emerge do anonimato e vence a estrutura
dominante vigente, colocando-se a favor de um novo poder dominante. A
princesa, chamada Bala, integra uma casta diferente da sua, fazendo parte da
244
realeza. Deseja a liberdade e a autonomia, voltando-se para seus interesses e
opondo-se a ditames ditatoriais. Mas, assim como Z, Bala é questionadora e
deseja experienciar outras possibilidades. Vive o impasse perante a submissão
às funções de princesa que lhe foram destinadas, contra suas curiosidades e
desejos. Rejeita o destino programado por sua mãe: casar com Mandíbula e
ser a progenitora da colônia. Weaver, amigo de Z, é apresentado na narrativa
sob a forma de auxiliar. Como soldado, pertence a uma casta superior à de Z,
mas em uma troca de papéis, permite que Z parta para uma experiência
diferente, como soldado. Weaver traduzido do inglês para o português: “tecer”;
encontra significado, simbolizando a possibilidade transformar a maneira de
existir naquela colônia. Seu papel é determinante, interferindo na forma pela
qual Z reage aos ordenamentos do general. Nesta aventura, Z acaba sendo
alvo de uma armadilha do General Mandíbula, quando se depara com um lado
cruel e perverso da vida, fato que influencia na maneira pela qual passa a
dirigir sua conduta. Desejando centralizar em si o poder da colônia, o General,
falso herói, conduz suas ações na trama. A fim de exterminar os soldados da
Rainha, expõe-nos a uma batalha fatídica. Ardilosamente, passa-se por aliado
da Rainha, convencendo-a em lhe conceder a mão de Bala em casamento. No
entanto, sua meta final é destituí-la do trono e alcançar o poder. Juntamente
com seus aliados, o General Mandíbula compõe a esfera de antagonista.
General Mandíbula porta-se como um ditador, revelando-se autoritário e
dominador. Reforçava a importância da colônia, valorizando a condição do
coletivo, do anonimato, o que inconforma Z. A colônia reduz-se a um, assim,
ninguém pensa ou sente por si mesmo, retratando a consciência de massa,
alvo de totalitarismos. O personagem Z presta-se a reivindicar por interesses
individuais e por outros que coincidem com as aspirações sociais da colônia. A
animação presta-se a denunciar o frágil modelo monárquico, em que o
conformismo dos ditos abre caminho a poderes ditatoriais de que alienam a
massa. Z revela-se um herói que determina suas ões para o bem comum.
Lutando pelo povo adquire uma autoridade que advém do prestígio e
credibilidade que suscita na colônia. Enquanto o general Mandíbula
determinava-se para a utopia socialista, Z impunha-se a esta ideologia,
desejando a superação deste modelo e o caminho para o desenvolvimento. Z
245
finalmente realiza um sonho coletivo, liberta a colônia do poder do ditador
Mandíbula. Suas conquistas são valorizadas e destacadas como fruto de seu
espírito crítico, de seu inconformismo e sua capacidade indagar. A animação
faz referência ao desenvolvimento fomentado pelo capitalismo, reforçando
através da visualidade, onde criando cenários que fazem clara remissão ao
Word Trade Center e ao Central Park, símbolos da liberdade e do
desenvolvimento.
Centralizada em um formigueiro, Formiguinhaz apresenta a
transitoriedade entre os espaços. A trama é dividida por diferentes núcleos: o
dos operários, o dos soldados e o da realeza. Para além do formigueiro, existe
Insetopia, paraíso almejado por Z. Em Insetopia, diferentes animais convivem
sob um regramento que se distancia daquele que regimenta a colônia das
formigas. As relações desenvolvidas em cada um destes ambientes incita
compreensões acerca dos pressupostos ideológicos adotados e apropriados
pela animação. Os caracteres particularizam-se no enredo, fundamentando e
embasando a trama. Formiguinhaz estrutura-se conforme as funções
descritas por Vladimir Propp (1984), como se verifica:
01; 02; 03. Mesmo impedida de sair de seu castelo, a princesa Bala,
transgride a norma e afasta-se, decidindo conhecer a maneira de
viver das demais castas do reino
06. General deseja casar-se com Bala e dominar o formigueiro
07. General convence a Rainha acerca de suas falsas intenções
8.1 Bala deseja ser feliz, mas não quer casar-se com o General
09. Z faz-se passar por um soldado da Rainha e, sem saber, é
encaminhado para a batalha
12. Z é o único sobrevivente
13. Z é apresentado à Rainha; Bala diz já o ter conhecido e o General se
revolta
14. Z é ameaçado e decide fugir, raptando Bala
15. Z e Bala saem do formigueiro
16. Z entra em confronto com o General
17. Z é definido como um traidor que abandonou sua colônia
246
20. Z e Bala decidem retornar ao formigueiro
21. Z e Bala sofrem perseguição e se afastam
22. Z retorna ao formigueiro atrás de Bala. Não é reconhecido
24. Z e Bala descobrem as intenções do General: exterminar aqueles
que são aliados à Rainha
25. Decidem lutar contra a intenção do General
26. Z e Bala alertam o formigueiro sobre as reais intenções do general
27. O formigueiro atende às orientações de Z
28. Z desmascara o General para o formigueiro
29. Z é posto em risco mas, com o auxílio da colônia, é salvo
30. O General sofre punição, caindo na armadilha que havia pensado
para o formigueiro
31. Z une-se a Bala.
A narrativa de Formiguinhaz é marcada por um tom de aventura,
motivado pela recusa em aceitar um destino pré-determinado. Medos,
inseguranças, conflitos pessoais, são postos para o espectador, através de
personagens caricatos que incorporam as diferentes funções. Convocados a
provações, conduzem a narrativa ao clímax e, do encontro com as limitações,
surge uma transformação. Considerando a problemática existencial ofertada
sob a forma do maravilhoso, acompanha-se uma série de peripécias
assentadas nos juízos pessoais dos personagens, mas que refletem as
perspectivas éticas abordadas por Aristóteles e Edgar Morin.
Seguindo primeiramente aquilo que se refere às disposições da ética de
Aristóteles, parte-se das inclinações do personagem e herói Z. Inicialmente,
desgostoso e desassossegado com o rumo que sua vida tomava, o
personagem é apresentado ao espectador de maneira enfadonha. Seus
discursos cansativos alocavam barreiras no seu relacionamento com os demais
da sua espécie. Desta forma, as outras formigas operárias, que habitavam
aquela colônia, evitavam-no e rotulavam-no. Sob um formato estereotipado, Z
revela-se fracassado e suas ambições de vida são frustradas. Apesar de
submisso às normas impostas a sua casta, questiona-as e reflete sobre elas,
não conseguindo compreender sua função de operário. O medo de mudar e o
247
desejo de enfrentar seus temores confundem-se. No entanto, vai se
percebendo inadequado a tudo aquilo que fazia parte dos costumes de sua
colônia. Novas experiências vão colocando à prova sua passividade e
desacomodando Z de seu status de operário.
Em um encontro casual com a princesa Bala, fora das imediações do
espaço destinado à realeza, é posto em uma situação corriqueira de
relacionamento igualitário. Neste lugar, reservado ao encontro das formigas
depois de um dia de serviço, Bala e Z, além dos demais que ali se
encontravam, põem-se a dançar. Contudo, Z surpreende, pois enquanto todos
respeitavam uma mesma coreografia, ele rompe com a estereotipia e inova. Tal
atitude gera sentimentos ambíguos: ao mesmo tempo em que agrada, causa
desconforto e estranhamento entre a espécie. Z decide, então, encontrar
estratégias para superar o sentimento de inadequação àquele grupo. Ao vencer
seus medos, mostra aspectos de seu Eu e, com coragem, age em congruência
com seus princípios. Apesar de pertencentes a diferentes castas, rapidamente
Z e Bala identificam-se. Assim como Z, Bala questionava as divisões sociais
impostas ao formigueiro; acreditava na ética sustentada pela amizade, através
da qual o justo estaria na reciprocidade da afeição. Rejeitava a posição
ególatra, pois apostava no potencial de uma sociedade orientada pela
amabilidade. Em contrapartida, as demais formigas operárias da colônia
respondiam com apatia às exigências da colônia, conformando-se
irrefletidamente com suas designações. Portanto, se lhes cabia cavar ou
batalhar, assim o faziam.
Tendo convencido seu amigo Weaver, um soldado da guarda da Rainha,
ao inverter seus papeis, Z passa-se por um soldado da colônia e é conduzido
para a batalha. A relação que predominava entre Z e Weaver era a amizade
verdadeira. Em relação ao outro, não desejavam nada além do bem. Apesar de
recear pela integridade do amigo, Weaver cede aos desejos de Z. De outro
modo, o General, que estava por trás de toda a missão da batalha, age incitado
por questões de cunho pessoal, orientado pela ganância. Disposto a assumir o
controle da colônia, o General Mandíbula ignora o outro, rejeitando a
possibilidade de condignidade, mas egolatramente conduz suas ações.
248
Despreza a fidelidade com que cada agrupamento do formigueiro
comprometia-se com suas designações. Formiguinhaz traz um personagem
antagonista ardiloso que, com falsidade, finge ser aliado da Rainha, mas
intenta destroná-la. Consegue então, ludibriá-la, convencendo-a a conceder a
mão de sua filha em casamento e a colocar seu fiel exército em risco. Revela,
então, uma falsa fidelidade, fingindo preocupação com o bem estar da Rainha
e de sua filha Bala. Firma uma relação ocasional, nutrida por segundas
intenções individualistas, identificadas pelo aspecto utilitarista, caracterizando
uma amizade por interesse. Logo, a manutenção deste elo de amizade
depende do retorno que a mesma promova, marcando assim, sua fragilidade.
De fato, o único sobrevivente da batalha foi Z que, ao retornar ao
formigueiro, é apresentado como herói de guerra. Com moderação, tenta
esclarecer a experiência nada heróica, uma vez que havia se perdido muitos
soldados. É condecorado pela rainha, numa cerimônia que termina de forma
inesperada pois Bala reconhece Z, fala que dançou com ele, o que leva
Mandíbula a ordenar sua prisão. Tal fato perturba o General que, desejoso de
sua glória, revela sua jactância, orientada por uma postura egocêntrica. A
busca pelo poder e o desejo de notoriedade suplantava no General Mandíbula
qualquer possibilidade de moderação. O mesmo observa-se em relação a sua
guarda fiel, visto que dela não pretendia nada além que uma via para o alcance
de suas ambições tirânicas. Em seu discurso, ganancioso, o General declara a
importância de uma sociedade onde todos ajam em prol de sua colônia. No
entanto, negligenciava tal ideologia e determinava suas ações conforme suas
ambições.
Insatisfeito com a postura de Z, o General decide puni-lo. O herói Z,
pensando em si e decidido a proteger-se, enfrenta o General e faz da princesa
Bala sua refém. Coragem e egolatria mesclam-se nesta atitude. Ao enfrentar o
General, detentor do poderio bélico, e ao dar prioridade a seus interesses e
suas crenças, negligencia a resistência de Bala e a envolve em sua fuga. Neste
momento da narrativa, Bala ainda desconhece as terríveis intenções de
Mandíbula. Quando resgatada pelos soldados do General, Z decide ir ao
encontro da princesa, para reencontrá-la e libertá-la daquele poderio. Entre
249
eles, solidificava-se uma relação sustentada pela amizade perfeita. Juntos e,
agora, cientes da intenção do General em destruir o formigueiro, ambos
determinam-se, com magnanimidade, a uma grande conquista: salvar a
colônia. Corajosamente, todo o formigueiro, excetuando os aliados do General,
unem-se em uma arriscada missão, mas que também representa a única via
capaz de salvá-los. Vencem a avareza do General e destinam-se à formação
de uma colônia alicerçada pela amizade perfeita e determinada pela
sinceridade, na qual os egocentrismos e a ganância são suplantados,
ultrapassando as castas anteriores.
Concluída a análise das categorias aristotélicas presentes na animação,
direciona-se o foco do estudo para os pressupostos desenvolvidos por Edgar
Morin acerca da ética. Ao considerar sua exposição, emergem os aspectos que
combinam uma perspectiva que atende ao circuito de auto-eco-organização,
determinada a ligar o sujeito a seu ambiente. Dentre tudo, o vértice que a
direção de sua ética é a religação, que vincula a comunidade, a sociedade e a
espécie, convertendo-se em ato moral. Formiguinhaz coloca em cena conflitos
entre os interesses individuais e aqueles que atendem ao bem comum, entre o
fator exclusão e o fator inclusão, tomados pelo laço social. Na animação, pode-
se observar tanto o equilíbrio entre tais fatores, quanto a separação antagônica
entre os mesmos. Enquanto a harmonia entre eles configura um sentido de
coletividade, o inverso fomenta o caos, representado pela tendência
egocêntrica. A política de Morin ocupa-se com o destino, com a liberdade dos
indivíduos, com a coletividade e com a complexidade da humanidade. No
âmago do político inserem-se os fanatismos que, sustentados por imprintings e
autojustificações, iludem o humano impedindo a religação. O desejo obcecado
pelo de poder, faz com que o General Mandíbula manipule e iluda a colônia,
prometendo grandes avanços e conquistas. Integrantes de diferentes castas
creditam no General a esperança de um novo tempo na colônia.
O General Mandíbula definia-se pelo fator exclusão, com o intuito de
garantir seus interesses egocêntricos. A grande colônia de formigas, que se
submetia às determinações daquele formigueiro, caracterizava-se pelo fator
inclusão, aceitando seus desígnios e inserindo-se no todo daquela sociedade,
250
acriticamente. Por outro lado, Z buscava o equilíbrio entre essas duas
tendências, pois ao mesmo tempo em que desejava sua inserção naquela
sociedade, pretendia firmar um vínculo moderado entre seus interesses
pessoais e aqueles que se referiam ao bem da comunidade.
A organização social, apresentada na produção, ilustra uma colônia de
formigas, subdividida em castas, conforme suas semelhanças e estereotipias.
Platão dissertou acerca da divisão social em castas, notadamente em duas
classes: a dos homens livres, caracterizada pelos cidadãos e possuidores; a
dos escravos, trabalhadores sem direitos políticos. Tal formato adapta-se e
encontra adequação à colônia representada em Formiguinhaz. Estando
fragmentada em castas, a colônia defendia-se através dos operários, a classe
que menos se fazia ouvida. A importância da colônia salientava-se em
detrimento do Eu. Z inicia a narrativa questionando a ideologia então
apregoada, colocando em discussão o jogo de normalizações e imprintings
daquela colônia. Entregues às suas crenças, os integrantes da comunidade, da
qual Z fazia parte, estranham o comportamento diferente que o herói revela,
descredenciando sua razão. Os habitantes da colônia consideravam suas
funções naturais. Então, se lhes cabia ser soldado, realeza ou operário, assim
o faziam, manifestando tendências internalizadas a cada uma das castas.
Aristóteles e Platão entendem que o comprometimento maior do estado deva
ser educação, que precisa estar focada no desenvolvimento das faculdades
espirituais e intelectuais, antes das materiais.
No entanto, a postura de Z passa a demarcar seu processo de auto-
análise, através do qual desenvolve um olhar sobre si e o Outro, orientando-se
pela via da liberdade, dada a autonomia conquistada. Pode, então, reconhecer-
se, enfrentando suas carências e angústias, valendo-se da introspecção. A
animação ilustra este processo de insight do personagem, através de um
momento psicoterápico, no qual Z verbaliza todas seus sentimentos,
inquietações e desejos a seu terapeuta, também tomado pelas normalizações
de uma cultura dominante. Mesmo assim, Z consegue romper com o quadro de
submissão decretado, uma vez que a transformação era fundamentada em um
processo reflexivo e crítico do personagem, sua auto-crítica e auto-avaliação.
251
Deparando-se com seus processos internos, Z consegue construir uma cultura
psíquica e impor-se ao self-deception. Por outro lado, a realeza, o General e os
oficiais da Rainha ainda estão dominados por seus imprintings, autojustificando
suas condutas.
Diferentemente de Z, a Rainha e o General são fortemente tomados por
normalizações e tentam transmitir à princesa Bala as mesmas crenças. Então,
deparam-se com limites na compreensão do outro, de suas particularidades e
de suas diferenças. A experiência fora do formigueiro e das imediações do
espaço destinado à realeza incitam Bala a refletir sobre seus imprintings. O
regresso de Bala para perto de sua mãe também a condiciona a uma outra
compreensão para com seus semelhantes.
Z apresenta um ideal compromissado com a honra do outro. Quando é
enviado para a batalha, Z depara-se com um soldado que, em seu leito de
morte, aconselha-o a não seguir ordens durante toda a sua vida. Este soldado,
em seu momento fatídico, percebeu a dimensão do ser na sua sociedade,
conseguindo libertar-se de suas normalizações. Conforme a ética da
responsabilidade, Z determina-se a agir com solidariedade, atendendo ao
contexto de sua colônia, comprometendo-se com aquela comunidade e com
sua preservação. Concebe a dimensão daquela colônia, destaca a importância
da solidariedade, da lealdade, da honestidade e da dignidade, comprometendo-
se com a ética da honra, através da qual assume seus pensamentos e crenças,
reservando respeito individual e ao outro. A simpatia, a afeição e a amizade
são valores atuantes em Z, que alicerçam o sentimento de identidade comum.
Logo, Z determina-se a salvar sua colônia, concretizando a religação através
de uma ética altruísta. Apesar de ter alcançado sua meta, chegar em Insetopia,
regressa a sua sociedade para salvar a princesa e toda a sua espécie.
Consegue agir com tolerância, intentando proteger a colônia, que não estava
envolvida com o General. É valorizado por amigos que se unem por um
objetivo comum, salvar o formigueiro dos interesses do General Mandíbula. A
partir de então, aquela sociedade, antes fragmentada em castas e funções,
começa a romper com os imprintings e a questionar as antigas crenças que a
colocava num plano de insignificância.
252
Finalmente, um soldado da tropa inimiga alia-se a Z e a seu grupo,
participando dos últimos momentos da narrativa. Assim, esse soldado é
perdoado, mostrando que sempre tempo para reverter uma crença e impor-
se aos imprintings e autojustificações, através da recursão ética. O grupo
consegue independizar-se do General e conformar-se a uma ética planetária e
universalista, focada em um destino comum.
5.6 Shrek
Shrek é a animação que inaugura uma nova possibilidade narrativa,
ainda que embebida nos caracteres do maravilhoso. Desconstruindo elementos
validados como naturais dos contos de fadas, a produção impõe-se a eles,
inovando, mas respeita sua magia. Apresenta-se uma princesa que se divide
entre o protótipo das famosas e consagradas princesas dos contos de fadas e
uma nova possibilidade, uma feia ogra. Ainda que preservando as funções
desenvolvidas por Propp (1984), dos tradicionais contos maravilhosos, a
animação renova, apresentando o imprevisível, através de elementos que
podem ser confrontados e comparados com as legitimadas estereotipias
daqueles.
Motivada por uma variável de desafios, a animação resgata dilemas
atuais que, investidos pelo ilógico, convidam à reflexão. O famoso era uma vez,
hábil em provocar um distanciamento espaço-temporal no espectador, em
Shrek, equivocamente, afasta-se e aproxima-se do tempo e da realidade
contemporânea. Os personagens e suas motivações vão conduzindo o
percurso narrativo através de uma linearidade dinâmica de causa e efeitos, que
dá o tom da trama.
Princesa, vilão e herói sucedem-se em Shrek, subvertendo os
tradicionais e recorrentes padrões. A princesa Fionna vive em crise com seu
ser. Rejeita sua verdade, em função de prescrições e imperativos externos.
Submete-se ao ideal de beleza socialmente difundido, mesmo que, para isso,
prescinda de sua origem, de sua história e de sua essência. Aguarda anos para
253
ser libertada da torre do castelo no qual se encontrava reclusa, para, assim,
desprender-se de seu íntimo e submeter-se à verdade de um outro. Contudo,
seu herói frustra suas expectativas, pois assim como Fionna, Shrek é um ogro,
e ao rejeitá-lo, a princesa rejeita sua própria imagem e condição. Dividida entre
a forma de ogra e a de princesa, que remete aos contos de fadas tradicionais,
Fionna rompe com alguns estereótipos, notadamente com aquele que faz
referência ao iconográfico. O herói Shrek, também um ogro, é uma figura que
imaginariamente liga-se ao medo. Mas valente e destemido, lança-se aos
desafios que lhe são impostos. Personagem central da trama, inaugura, junto
com Fionna, um novo formato dos heróis. Fiel a seus princípios, exige que
tratativas sejam cumpridas, mesmo que para isso precise valer-se da força. O
Burro assume o papel de auxiliar, participando com Shrek de todo o seu
percurso, sendo responsável pelo encontro final entre Fionna e Shrek. Assim,
também integra a função de doador, pois é o primeiro a descobrir que Fionna é
uma ogra, não permitindo que Shrek abra mão da princesa. O Dragão insere-
se na narrativa, primeiramente como guardião de Fionna, mas apaixonado pelo
Burro, auxilia na batalha final contra o Lord Farquadd, que mantinha uma
relação de interesse com ela. Lord Farquadd intentava casar-se com Fionna
para agregar o tulo de príncipe. É responsável pelo caos no pântano de
Shrek, bem como pelo encaminhamento do mesmo para o castelo em que
Fionna se localizava. Fraco e temeroso, delegava a terceiros as tarefas
desafiadoras. Um falso herói, com pretensões enganosas, desconsiderava o
interesse do outro, fingindo possuir características que lhe estavam ausentes.
A complexidade temática abordada na trama é suavizada pelos elementos
cômicos presentes nos fragmentos cênicos e nos personagens que,
independentemente de suas índoles, são hábeis em despertar o riso.
Apesar de focada na trajetória dos personagens, Shrek inicia com um
narrador onisciente que, por vezes, introduz comentários na breve abertura da
temática. Complementam-se oralmente as imagens, ora inanimadas, ora
animadas de um livro, até focar-se no aspecto da animação.
Os elementos tempo e espaço conduzem a contextos distantes e irreais.
Indeterminados, afastam-se da realidade, permitindo uma variável de
254
possibilidades ilógicas e mágicas. Um pântano invadido por personagens dos
contos de fadas divide espaço na narrativa com um castelo onde um dragão
guarda uma princesa, castelo onde um ambicioso Lord tenta governar o reino
e, ainda, um espaço de transição entre os dois castelos. No tempo do era uma
vez, personagens deste mesmo tempo encontram-se, como ainda não haviam
feito, gerando confusão naquele convívio. Linearmente, a animação vai sendo
apresentada a seu espectador, respeitando relações de causalidade, ainda que
não se passe em um mesmo espaço, mas em diferentes contextos. A trajetória
percorrida por Shrek, Fionna e o Burro representa um espaço transicional, que
ultrapassa o caráter físico, mas convoca mudanças no âmago dos
personagens que dela participam. É um percurso que transforma.
Além destes elementos, a narrativa de Shrek, apesar de contrastar com
a previsibilidade daquelas marcadas pelo tradicional, responde às funções da
morfologia do conto de Vladimir Propp (1984):
01.Fionna está presa na torre do castelo, guardada por um dragão
02. Shrek é privado da propriedade de seu pântano
03. Shrek reage àqueles que invadiram seu pântano
09, 10, 11. Shrek é informado de que Fionna se encontra presa na torre.
Então, faz um trato com Lord Farquaad, que deseja casar por
interesse com Fionna e, parte, juntamente com o Burro, em busca
de Fionna
12. Shrek e o Burro chegam à torre, salvam Fionna e enfrentam a fúria
do dragão
13. Shrek desentende-se com o Burro, que se sente no direito de possuir
parte do pântano
15. Fionna é entregue a Lord Farquadd, enquanto Shrek regressa a seu
pântano
16. Shrek e o Burro partem para combater Lord Farquadd, que pretende-
se casar com Fionna, por interesse
17. Sob o estereótipo de ogro, Shrek e Fionna são rejeitados por Lord
Farquadd
18. Com o auxílio do Burro e do Dragão, Shrek vence Lord Farquadd
255
19. Fionna é salva das intenções de Lord Farquadd
20. Shrek, Fionna, o Burro e o Dragão rumam juntos para o pântano
27. Os personagens dos contos de fadas reconhecem Shrek. Assim,
eles podem regressar para seus habitats
29. 31Sob a forma de ogra, Fionna casa-se com Shrek.
Mesmo com características que desconstróem o formato estereotipado
dos contos de fadas, encontram-se, nesta produção, elementos claramente
neles inspirados. Assim, o príncipe, o vilão e a princesa presentificam-se
enlaçando a narrativa, através de uma ação conflitiva.
Aspectos da moral erguem-se na animação, incitando interpretações
acerca de juízos hábeis em imprimir avaliações às ações da narrativa. O bem e
o mal entrecruzam-se entre os personagens, que são incitados por suas
motivações a agir conforme uma ou outra inclinação.
Agindo conforme seus interesses, Lord Farquadd atua
egocentricamente, ignorando as necessidades do outro, expulsando todos
aqueles que viviam nas imediações de seu castelo. Preocupado com a
promoção de seu título de nobreza, deposita suas expectativas no casamento
com uma princesa. Dentre as princesas, escolhe Fionna, mas para tanto,
necessita libertá-la da torre de um castelo, onde é guardada por um dragão.
Lord Farquadd fingia coragem, mas possuía um temor exagerado por situações
nas quais observava o perigo. Assim, covarde, estimulava a temeridade do
outro, notadamente em situações em que poderia ser favorecido. Ciente dos
riscos presentes nos eventos, desconsiderava os possíveis prejuízos dos
mesmos para com o outro.
Ao sentir-se desrespeitado, ao ter seu território invadido, Shrek decide
impor-se a Lord Farquadd e, sem receio vai a seu encontro. Observa-se em
Shrek a força capaz de salvar sua princesa. Então, impõe-se-lhe esta ação,
como condição para reaver a tranqüilidade de seu ntano. Disposto a lutar
contra todos que interviessem em seu caminho e a resgatar o sossego de seu
pântano, aceita o desafio de Lord Farquadd. Juntamente com o Burro,
256
personagem salvo por Shrek, parte rumo à princesa. Ao salvar o Burro, Shrek
age novamente de forma temerária, pois combate os soldados de Lord
Farquadd e assume os riscos de sua decisão. O Burro, por sua vez, sente-se
na obrigação de retribuir ao ogro por seu feito, revelando condignidade. Com
espirituosidade, o Burro acompanha Shrek em todo o seu percurso. Sua figura
liga-se a piadas e gracejos ao longo da trama, contrastando com Shrek, que se
revela menos paciente e espirituoso, mas a combinação entre o ogro e seu fiel
escudeiro, o Burro, traz comicidade à narrativa.
Com objetividade mas pouco envolvimento, Shrek enfrenta o dragão e
liberta Fionna. A princesa, que por muito tempo havia esperado este dia,
possuía expectativas romanceadas, no entanto, ignoradas por Shrek. Fionna,
Shrek e o Burro fogem do dragão, partindo rumo ao castelo de Lord Farquadd.
A virtude da coragem medeia o percurso dos três personagens, que se unem
por um fim, enfrentando as situações desafiadoras que lhes são postas. O fato
de fugirem do dragão não exime de Shrek, do Burro e de Fionna o caráter da
coragem, pois, perante circunstâncias que possam ferir sua integridade, o
homem é habilitado a temer. Enquanto rumavam para o castelo de Lord
Farquadd, enfrentam outras situações nas quais se unem contra adversários.
Entre eles, vigorava a amizade, ora por interesse, ora verdadeira.
O Burro, naturalmente, dispõe-se a partir com Shrek em busca de
Fionna, demonstrando seu reconhecimento por ter sido salvo da frota de Lord
Farquadd. Fionna manifestava pressa para encontrar-se com Farquadd, pois
desejava casar-se e, assim, desfazer o feitiço que a transformava em ogra
após o pôr-do-sol. Por parte de Fionna, vigorava a amizade por interessse,
tanto para com Shrek, quanto para com Farquadd. Em relação a Shrek, seu
interesse estava relacionado a sua pretensão em ser conduzida a Farquadd
para, então, casar-se. seu interesse para com Farquadd restringia-se ao
anseio em encontrar-se com aquele que lhe daria o beijo do verdadeiro amor,
reassegurando-lhe o estereótipo de princesa dos tradicionais contos de fadas,
tão almejado por Fionna. Farquadd também é dominado pela amizade por
interesse. Logo, procura manter uma relação harmoniosa com Shrek, a fim de
que se preserve o acordo entre eles. Neste caso, a amizade por interesse
257
sustenta um contrato, condicionando as partes a seu cumprimento. Observa-se
que o principal motor da narrativa de Shrek está atrelado a um grande jogo de
interesses, de aparências e de mal-entendidos.
Finalmente, observa-se em Fionna um potencial pulsilânime, que
contrasta com sua pretensão. Estando acordada na torre do castelo, fingia
estar adormecida, enquanto esperava seu príncipe. Assim, rejeita seu status de
ogra, sua verdade, julgando-a indigna. Seu sentimento de inferioridade mobiliza
em Fionna a inclinação para a pretensão. Deseja uma mudança em seu ser,
para além de suas potencialidades, pois depende de um terceiro para
desprender-se de seu caráter de ogra. Fionna aposta em Lord Farquadd a
esperança de concretização de seu desejo. Por sua vez, este atribui ao
casamento com Fionna a chance de elevar seu título de nobreza, bem como a
possibilidade de conquistar a prosperidade e o reconhecimento de todos.
Desejando honrarias e riquezas, Lord Farquadd entrega-se às suas paixões,
agindo de forma favorável a seus interesses, interferindo no caminho de quem
se interpuser em seu planejamento.
Após entregar Fionna a Farquadd, Shrek retorna a seu pântano. No
entanto, o Burro o acompanha e, egolatramente, pede-lhe participação na
propriedade. Assim como ofereceu respaldo a Shrek no percurso de busca a
Fionna, sente-se no direito de ser retribuído, esperando uma atitude condigna
por parte do ogro, fato que não lhe é concedido. Mesmo assim, o Burro revela
sua amizade para com Shrek, ao alertá-lo acerca da reciprocidade de
sentimentos que Fionna lhe dirigia. Ciente do fato de Fionna ser ogra e das
intenções de Farquadd, Shrek decide partir e impedir a união matrimonial entre
ambos. Conta, novamente, com o auxilio do Burro, que leva para a nova
missão o Dragão. Sustentados pela amizade perfeita, combatem Farquadd,
viabilizando a união final entre Shrek e Fionna. Shrek conquista Fionna,
revelando magnanimidade ao desejar uma grande conquista, mas acima de
tudo, uma conquista que respeite suas potencialidades. Após firmar
compromisso com Shrek, Fionna passa a agir com sinceridade, manifestando
sua verdade, assim como Shrek o fazia, conjugando suas crenças pessoais
a suas ações.
258
Além das características observadas nas considerações de Aristóteles,
verifica-se que Shrek atende a outros requisitos que lembram a atualização
ética proposta por Edgar Morin. A grande confusão, apresentada na narrativa,
correspondente ao encontro entre os personagens dos contos de fadas, que
desacomoda uma situação estável vigente. Cria em novo contexto, instaurado
por Lord Farquadd, que tenta impor uma religação entre o conjunto de
personagens. No entanto, Shrek revela-se avesso a esta possibilidade, pois
seu impulso ao egocentrismo é preponderante. Ciente da condição para reaver
a harmonia em seu pântano, decide ir em busca de Fionna. Sua decisão, ao
contrário do que se possa pensar, visa seus interesses pessoais: resgatar a
posse de seu pântano. Seu egocentrismo e individualismo movem suas ações,
pois não concebia a possibilidade de prescindir ou dividir seu território.
Comprometido com Farquadd em entregar-lhe Fionna, Shrek preserva
uma condição moral, cumprindo seu compromisso ético. Presos a seus
estereótipos, Fionna e Farquadd desejavam rever suas condições.
Egocentricamente, Farquadd impõe uma condição a Shrek, que a aceita
imediatamente, depositanto nesta a chance de reencontrar sua tranqüilidade.
Consegue estabelecer uma religação com o Burro, que lhe dirige afeição e
disposição para a amizade.
Lord Farquadd encontrava-se aprisionado por seus imprintings. Assim,
lutava para alcançar um novo título. Também Fionna estava aprisionada por
seus imprintings, rejeitando sua condição de ogra. Após um longo percurso
com Shrek e o Burro, Fionna começa a rever suas crenças e faz uma auto-
análise. Se, primeiro, desconsiderava Shrek, a partir da recursão ética passa
por um processo no qual repensa seu posicionamento.
Diferente de Shrek, Farquadd limita seu olhar a seus interesses,
revelando-se avesso à ética da compreensão. Logo, é tomado pelo excesso
em relação a si, orientando sua conduta a partir do lado irracional da alma, por
suas paixões. Sua postura egoísta amplifica sua autojustificação e seu self-
deception, impulsionando-o a desrespeitar a honra do outro. Incapaz de
compreender Shrek e os demais personagens, mobilizados por interesses
pessoais, Farquadd conduz a narrativa a uma situação de caos, na qual todos
259
possuem suas honras desrespeitadas, impedindo a vigência de uma ética
comunitária.
Shrek revela-se incapaz de tolerar diferentes concepções, da mesma
forma que Farquadd. Contudo, após, confrontos, consegue enlaçar a ética da
liberdade, que lhe permite novas escolhas e, finalmente, uma inclinação para a
ética da amizade. Cada um tomado por seu egocentrismo, possuem
dificuldades de olhar para o interesse do outro. Shrek pensa em reaver seu
pântano; Fionna, em tomar a forma eterna de princesa e Farquadd, em
alcançar outro título de nobreza. Se, primeiramente, Shrek revela tendências
bárbaras, consegue administrar seus impulsos após ceder à ética do amor e a
fidelidade à amizade. Assim, é capaz de olhar para si, fazer uma auto-crítica e
transpor as barreiras da auto-justificação que o impediam de religar-se. Antes,
decide honrar sua palavra e entregar Fionna a Farquadd. Ciente das intenções
de Farquadd, Shrek revela-se responsável e, valendo-se de sua auto-ética, age
no intuito de atender às exigências que conferem uma ética para si e para o
outro. Olhando para si, depara-se com seus reais sentimentos, entrega-se à
fraternidade e à solidariedade, autorizando-se a partir e libertar Fionna das
intenções de Farquadd e, finalmente, encontrar refúgio um no outro. Ambos
abrem-se à recursão ética, revisando suas impressões e dispondo-se a uma
perspectiva altruísta de ser. Verifica-se uma transformação na maneira de
Shrek encarar as diferenças, pois mesmo mantendo seus posicionamentos,
consegue compreender e honrar aqueles com os quais estreitara laços. A
narrativa culmina com o casamento de Shrek e Fionna, bem como com uma
confraternização entre o grande grupo de personagens inicialmente rejeitado
pelo ogro. Nutrindo-se por um sentimento de pertencimento e identidade
comum, Shrek abre-se ao próximo, religando-se e, através dos elementos de
amizade, amor e fraternidade, sustenta a civilidade. Entre eles, passa a vigorar
a ética da tolerância, na medida em que diferentes concepções são aceitas e
coexistem, importando, sim, uma ética da honra. Reconhece-se o direito do
outro, estendendo a ética da religação e fomentando a sócio-ética. Shrek,
Fionna, o Burro e o Dragão estreitam um laço afetivo, respeitam as
particularidades um do outro, sem que para isso imponham suas verdades,
pois vivem os princípios da ética da compreensão. Shrek consegue equacionar
260
sua tendência para a razão e para a paixão, conduzindo sua vivência para um
agir moral, hábil em compreender e respeitar as complexidades.
Finalmente, os personagens unem-se num grande ideal comum, refletido
na sócio-ética. Resistindo à barbárie, fomentam uma identidade que além, de
individual, é social e antropológica. Farquadd permanece com sua visão
egocêntrica, excluindo-se do processo de religação que os demais
personagens passam a experienciar, rejeitando a integração a uma
comunidade mais ampla, a Terra-Pátria.
5.7 Cassiopéia
A animação Cassiopéia apresenta uma narrativa envolta por
características do fantástico, mas capaz de aproximar-se do contexto social
vigente. A disputa pelo poder, a ganância e o individualismo vão se inserindo
no núcleo da narrativa e articulando-se com outros caracteres, como a
generosidade, a amizade e o altruísmo. A trama envolve provações e
percursos que conduzem os personagens a transformações. A filmografia
apresenta a história do pacífico Planeta Atenéia, localizado na constelação
Cassiopéia. Ameaçado por invasores que desejavam uma fonte de energia
alternativa, Atenéia tem sua energia vital diminuída, interferindo na vida
daqueles que ali habitam. Após terem sido enviadas psulas de pedido de
ajuda para o espaço intergaláctico, inicia-se uma jornada pela localização do
planeta e, finalmente, salvá-lo das intenções dos inimigos.
Os personagens Chip, Chop, Feel e Thot são identificados como
protagonistas da trama, dependendo deles a localização de Atenéia. Crendo na
superioridade da missão, enfrentam os perigos e os ataque da nave do
comandante inimigo, Shadowseat. Outros personagens, Lisa, Leonardo e
Galileu integram a narrativa e, com funções específicas, vão direcionando o
conflito da trama.
Dois blocos de personagens ganham visualidade nesta trama. Logo,
interesses, motivações, condutas e princípios se opõem, dando visualidade a
261
inclinações do humano e convidando o espectador a experienciar outras
vivências e significá-las. Dentre os personagens ficcionais, encontra-se em
Cassiopéia as esferas de ação identificadas por Propp (1984): antagonista,
doador, auxiliar, mandante e herói. Se, por um lado, tem-se na trama o vilão, o
Comandante Shadowseat e seu exército, por outro, encontra-se a Dra. Lisa,
sua equipe e demais personagens, que aderem a uma mesma causa, salvar o
Planeta Atenéia. Enquanto antagonista, o Comandante Shadowseat está à
frente da invasão pretendida ao planeta Atenéia. Suas ordens são respeitadas
e acatadas por seus subalternos, que temem suas reações. A estes se opõem
outros personagens, entre eles Lisa, que se faz heroína ao possibilitar o
salvamento final do planeta Atenéia. Para tanto, conta com o auxilio de seus
amigos, com os guardiões da galáxia interplanetária e de outros personagens
que aderem à causa maior. Os amigos da Dra. Lisa, ao enviarem as cápsulas
de pedido de socorro para o espaço intergaláctico, assumem o papel de
doadores. Chip e Chop, guardiões interplanetários; Feel e Thot,
compromentem-se em monitorar o espaço a ser percorrido; Leonardo e Galileu,
nativos de outro planeta, ao assumirem para si a causa de Atenéia, atuam
como auxiliares, permitindo um desfecho final positivo para o planeta. Os
planos de ação são tocados por outros motivos que, vão dando
representatividade a aspectos da dinâmica social.
Cassiopéia corresponde ao uma constelação localizada próxima do pólo
norte celeste. Na trama, seu planeta fictício, Atenéia, encontra referência na
deusa grega Atena, reconhecida como Deusa da Sabedoria que, como
guerreira, protegia seus heróis e sua cidade, Atenas. Na animação, o planeta
Atenéia designa o lugar da sabedoria. Portanto, um espaço reservado a uma
espécie evoluída, cujas ações são orientadas pelos pressupostos da
excelência moral. Respeitando normas do Conselho Intergaláctico, seus
habitantes não fazem uso de armamentos, colocando o dom da vida acima das
aspirações egoísticas. Contrariamente, a tropa invasora descompromete-se
com as prescrições éticas, valendo-se de armamentos não regulamentados
pelo Conselho.
262
O nome com que alguns dos personagens foram batizados, na
animação, indícios a particularidades acerca de suas essências. O vilão,
Shadowseat, pode ter seu nome traduzido por lugar da sombra ou sombrio. A
sombra cobre a luminosidade e é o que faz a nave deste personagem, ao
impedir que o planeta Atenéia seja banhado pela luz, retirando-lhe a energia
vital. Metaforicamente, o termo sombra pode ser reconhecido por ignorância,
ausência de cultura e justiça, podendo evocar a desgraça ou a infelicidade.
Negligenciando aspectos da moral, Shadowseat rompe com a harmonia de
Atenéia, planeta regido pela moderação, harmonia e virtude ético-moral.
Leonardo, personagem que cruza a narrativa, revela inspiração no espírito
criativo de Leonardo da Vinci [1452-1519], cientista, inventor e pintor, entre
outros atributos. Na animação, suas invenções são imprescindíveis para a
localização de Atenéia e a vitória no combate final. Seu companheiro, Galileu,
remete a Galileu Galilei [1564-1642], astrônomo, físico e filósofo que fez
importantes descobertas, descrevendo a Teoria Heliocêntrica, trazendo
contribuições acerca da lua e descobrindo outras luas no sistema solar.
Viabilizou que a Dra. Lisa se transmutasse em uma lua, reabastecendo Atenéia
de energia vital, permitindo a preservação daquele planeta que sustentava a
sabedoria. Leonardo reconhece a postura da Dra. Lisa, homenageando-a
através de quadro com sua imagem. Assim como Leonardo da Vinci pintou
Monalisa, Leonardo, da constelação de Cassiopéia, pintou a Dra. Lisa, fazendo
uma nítida alusão à obra prima Monalisa.
A narrativa é introduzida por uma breve contextualização que situa o
espaço e sugere o tempo da trama. Seus elementos insinuam um tempo futuro,
com outra tecnologia. No entanto, com disputas de poder que se aproximam
das vivenciadas na atualidade. A linearidade temporal da trama é marcada pelo
percurso trilhado pelos personagens Chip e Chop. Assim, a busca pelas
cápsulas que indicam a localização de Atenéia; os combates com o exército
inimigo; o encontro com Galileu e Leonardo; bem como a localização de
Atenéia, respeitam uma sequência de acontecimentos espaço-temporais. A
trama desenvolve-se em distintos espaços. O Planeta Atenéia é a origem de
tudo, mas o espo intergaláctico ganha importante papel na trama, bem como
o interior da nave inimiga e o planeta de Leonardo e Galileu. Todos esses
263
espaços são enriquecidos por um cenário que completude aos planos de
ação. Os elementos da narrativa da obra Cassiopéia encontram representação
nas funções da morfologia do conto de Vladimir Propp (1984):
08. Planeta Atenéia é ameaçado de invasão por inimigos e tem sua
energia vital diminuída. Os habitantes do planeta, sem fonte de
energia, entram em estado de hibernação, requerendo auxílio
externo
8.1, 09, 10 A Dra. Lisa decide enviar cápsulas com pedidos de socorro
à galáxia interplanetária, a fim de recuperar a energia vital do
planeta Atenéia. Para isso, conta com a ajuda de seus
companheiros
12. Enfraquecida, ela entra também em estado de hibernação
09. Chip e Chop percebem algo diferente na galáxia e decidem prestar
auxílio ao planeta Atenéia
10,11. Chip e Chop partem à procura do planeta, mas antes devem
encontrar as cápsulas que indicam sua localização
12. Chip e Chop entram em confronto com os inimigos que buscam
desviar a rota das cápsulas (objeto mágico)
14. Chip e Chop localizam as cápsulas e conseguem reunir dados
sobre o planeta Atenéia. Neste percurso, conhecem Galileu e
Leonardo, que se unem a Chop e Chop na missão
15. Chip e Chop conseguem localizar Atenéia
16. No planeta Atenéia, acontece um grande confronto entre vilões e
heróis
17. A Dra. Lisa fica muito enfraquecida, esgotando praticamente toda a
sua energia
18. Os invasores de Atenéia perdem a batalha e fogem
19. Os habitantes de Atenéia vão recuperando a energia vital
25. Leonardo sugere que a Dra. Lisa assuma outra forma, a fim de
manter a energia vital do planeta
29. A Dra. Lisa transmuta-se em Lua e, refletindo energia de luz para
Atenéia, salva o planeta
264
27. Homenageia-se a Dra. Lisa com um quadro, na sede de Atenéia.
A busca pelo poder, independente do ônus imposto, é uma das grandes
variáveis que motivam Cassiopéia. A conquista de territórios e a necessidade
de uma nova fonte de energia movem e são retratadas na narrativa, através de
uma transposição de questões do tempo real para o tempo da animação.
Elementos de uma realidade competitiva são trabalhados sob um tom satírico e
dramático, convidando à reflexão. Antes do certo e do errado, do bem e do mal,
são explicitadas situações em que o juízo de valor encontra-se subentendido.
Assim, vivências e sentimentos dos personagens são investidos de
considerações e ressignificados para o espectador, por meio das formações
discursivas inseridas em Cassiopéia. Aristóteles e Morin, através de suas
perspectivas, autorizam uma abordagem de Cassiopéia.
Compreendendo os aspectos que motivam a invasão do Planeta
Atenéia, recorre-se às contribuições de Aristóteles, que indicam o vício moral, a
ganância, como a primeira motivação para o conflito desenvolvido. Desejando
uma nova fonte de energia, os vilões desviam a energia que era direcionada ao
planeta Atenéia, fragilizando seus habitantes. Indiferentes às conseqüências,
danos, riscos e prejuízos de suas ações, agem temerariamente, seguindo seus
interesses. Indignos, os inimigos invasores desejam desviar para si a energia
vital para o planeta. Revelam seu egoísmo, na medida em que buscam
satisfazer seu lado dominante e suas ambições.
Dentre os vilões, ganham destaque, na narrativa, o comandante
Shadowseat, o capitão, o engenheiro Imediato e os tripulantes da nave, que,
apesar de possuírem uma meta comum, não compartilham da amizade
perfeita, pois suas ambições são primeiramente egocêntricas. Logo, para o
comandante Shadowseat, a importância de sua tripulação estava atrelada ao
fim para o qual dirigia a missão. Na medida em que fracassavam, eram
facilmente substituídos. Suas tendências egocêntricas e suas ganâncias
sobrepunham-se ao compromisso com a missão, pois desejavam destaque e
projeção pessoal.
265
As metas dos vilões colocam os habitantes de Atenéia em risco de
morte, obrigando-os a entrar em estado de hibernação. No entanto, antes, a
Dra. Lisa decide, como último recurso, enviar cápsulas de pedido de ajuda ao
Comando Intergaláctico. Determinada a sacrificar-se pela vida em seu planeta,
corajosamente, Dra. Lisa alcança sua meta. No entanto, se enfraquece,
debilitando-se em demasia. Mesmo sabendo dos riscos de sua ação, enfrenta
seus limites, orientando-se pela razão e pelo compromisso com a excelência
moral. Para finalizar o envio das cápsulas, conta com o auxílio de seus fiéis
companheiros, que agem conforme os princípios da amizade, independente do
caráter do retorno. Desejando o bem um do outro, a amizade verdadeira
sustenta-se pela autêntica reciprocidade de afeição, que funda uma relação
sincera e duradoura. Ao firmar o compromisso ético com os princípios da
amizade verdadeira, a Dra. Lisa é reconhecida por sua magnanimidade.
Aspirando uma grande conquista, encontra em si o potencial real para a
preservação da vida em Atenéia. A Dra. Lisa age conforme seus sentimentos
de maneira congruente e sincera, primando pelo valor da amizade para com
seus semelhantes. Ao investir sua vida naquela missão, salva a vida em seu
planeta.
Fora de Atenéia, Chip e Chop, integrantes do Comando Intergaláctico,
devem encontrar o planeta e prestar socorro a seus habitantes. Assumindo
seus compromissos com a ordem da galáxia, corajosa e determinadamente,
partem numa perigosa aventura em busca do planeta. A produção apresenta
esta busca como um grande desafio, mas sem vacilar, nutrem-se de coragem e
vão conseguindo, com discernimento, localizar as psulas que lhes darão a
direção de Atenéia. Assim como a Dra. Lisa, Chip e Chop mostram-se
magnânimos naquilo a que se propõem, fundamentando suas ações na
amizade perfeita, caracterizada por Aristóteles como a mais perfeita forma de
justiça.
A disputa pelo poder é a marca do núcleo narrativo dos vilões, onde a
ganância a direção de suas ações. Entre eles, as decisões são conduzidas
pela via da amizade por interesses. Logo, a traição, a avareza e a covardia
presentificam-se. Para além da meta comum, dominar Atenéia, existem
266
disputas internas pelo poder, que fragilizam o grande grupo oponente. Assim,
preocupados em acumular riquezas e títulos, agem avarentamente, boicotando
o fim da missão, e covardemente, temendo possíveis punições, não assumem
suas atitudes, fomentando o caos interno.
Em contrapartida, desejosos de paz e harmonia, Chip e Chop, com
coragem e moderação, suplantam os inimigos invasores. Sinceros com suas
metas, e agindo de maneira coerente, no percurso de busca por Atenéia,
conhecem Galileu e Leonardo. Residentes inquietos de outra galáxia, estes
personagens comprometem-se com a missão de Chip e Chop. Identifica-se
nesta disposição a condignidade e a amizade perfeita, virtudes isentas de
intenções pessoais, mas comprometidas com aquilo que é nobre e justo, a
preservação da vida em Atenéia. Juntos, buscam uma grande conquista; com
magnanimidade, enfrentam a ganância e a temeridade do inimigo. Apesar do
risco imposto pela missão, o bem comum é que determina a direção de suas
condutas, imperando o princípio altruísta da ética do amor, temática
desenvolvida por Edgar Morin. A temeraridade e a irascibilidade dos vilões,
evidenciada pela maneira desmedida com que lidam com seus impulsos, vai
determinar o fracasso da missão.
A ética de Morin, com seu fim na religação, sustenta a dinâmica das
ações dos heróis de Cassiopéia. Assim, o laço para com o outro, a ética da
compreensão e o altruísmo, são pressupostos de Morin que participam da
conduta dos heróis, ajudando-os a sustentar a conduta moral. A grande
narrativa de Cassiopéia ganha vida, ao colocar em pauta um dano motivado
pela incompreensão e pelo egocentrismo humanos. O egocentrismo e a
incompreensão surgem como estopins que geram o caos num todo antes
harmônico do planeta Atenéia. Com um exército regido por um comandante de
poder centralizador, e animado por interesses egocêntricos, desacomoda-se
uma estrutura antes vigente, desrespeitando-se a honra dos habitantes de
Atenéia e sacrificando-os, ao privarem-nos de sua energia vital. Incapazes de
olhar para as necessidades do outro, desprezam o altruísmo e a ética da
religação, os invasores mostram-se dominados por seus imprintings. Incapazes
de proceder conforme a auto-análise e a auto-crítica, suas ações são
267
autojustificadas e respaldadas pelo auto-engano. As experiências de vida dos
malfeitores o lhes oportunizaram a formação de uma essência direcionada à
harmonia. As inscrições da cultura encontram justificativas em suas
racionalidades egocêntricas. Dominador, o comandante acirra a disputa entre
seus soldados que, assim como ele, mostram-se insensíveis no que tange o
outro. Como herança de seu comandante, os componentes daquele grupo
inimigo disputam notoriedade entre si, reforçando suas inclinações egoísticas,
ao mesmo tempo em que estão distantes de uma tendência humanizadora,
própria da auto-ética.
Por outro lado, acompanha-se, em outro plano, os habitantes do planeta
Atenéia, naturalmente pacíficos e voltados à ética da religação. Mostram-se
interessados no bem comum, priorizando o social e o comunitário. Em risco, a
Dra. Lisa e sua equipe buscam alternativas para resgatar a energia de seu
planeta. Agem conforme a auto-ética, que coloca cada sujeito como
responsável por suas ações. Então, a partir de suas autonomias, e atentos à
honra do outro, nutrem-se de aspectos psicoafetivos antropológicos,
sociológicos e culturais, comprometendo-se com a sócio-ética. Seus interesses
transcendem seus egocentrismos, incorporando o altruísmo.
Chip e Chop assumem a responsabilidade para com suas tarefas,
mesmo que submetidos ao risco. Orientados pela auto-ética, direcionam-se em
favor da solidariedade e da responsabilidade. Da mesma forma, Leonardo e
Galileu, no intuito de zelar pela religação, unem-se à meta maior, mostrando-se
cordiais e magnânimos, revelando um compromisso com a terra-pátria.
Mobilizados pela causa maior, rumam juntos com Chip e Chop, priorizando
aspectos de uma ética universalista, pois parte da tríade
indivíduo/espécie/sociedade, que se preocupa pelo destino comum, a vida, que
ultrapassa as diferenças. O vértice de suas condutas inclui a complexidade do
outro, não requerendo a igualdade, mas respeitando as particularidades e,
acima de tudo, intentando o respeito à honra do outro. Ao mesmo tempo, são
dotados de autonomia, conseguindo assim sobrepor-se a imprintings e
normalizações, reconhecendo a identidade comum.
268
Contrariamente, os soldados oponentes encontram-se submetidos a
regramentos externos, isentados de aspectos de sua racionalidade, mas
submetendo-se às escolhas determinadas pelo poder dominador. Não
conseguem encontrar fundamentos para dotar o outro de razão, não
compreendem seus interesses, sua honra e, por fim, desprezam a ética da
religação. A competitividade, já presente entre os valores do grupo
antagonista, está marcada pelo imprinting. Portanto, normalizada naquele
núcleo, que a auto-justifica. A tendência para a incompreensão, evidenciada
entre estes, é contraposta pela atitude e inclinação para a religação dos heróis
e auxiliares da Dra. Lisa, que primam pela religação. Ela, guiada pela razão,
entrega sua vida, possibilitando a preservação da vida no planeta. Cassiopéia
não trata a morte da Dra. Lisa como o fim, mas reforça a superioridade de sua
entrega resignada à missão, que ela se transforma. Sua atitude altruísta
possui uma conotação de transmutação, de evolução.
5.8 O grilo Feliz
O grilo Feliz traz a história de Feliz e seus amigos insetos, habitantes
de um povoado da Floresta Amazônica. Como personagem central, Feliz é um
carismático músico que se revela amigo, sábio, sensível, defensor da
liberdade, protetor dos amigos e da natureza. Colocam-se a seu lado outros
personagens, que ganham relevância, na medida em que participam do conflito
da trama. Sob o caráter de uma fábula social, a narrativa traz à tona temáticas
envoltas pela ambição e pela ganância humana, destacando aspectos da
amizade, fraternidade, solidariedade e da convivência harmoniosa. Junto a
Feliz, personagens sob o caráter de auxiliar, vilão e doador ganham
visibilidade, enriquecendo a dinâmica da narrativa.
Maledeto, o grande vilão, é um lagarto ignorante e ambicioso, que não
respeita a natureza e deseja capturar a estrela Linda, no intuito de construir seu
castelo com muita luz e riqueza. Sendo Linda a estrela mais bonita e brilhante
do céu, Maledeto acredita que seja um brilhante e, por isso, motiva uma
batalha no povoado. Para tanto, desconsidera os interesses daqueles que
269
vivem na floresta, desrespeitando-os, ao mesmo tempo em que submete seus
servos a suas ordens e a seus ideais.
Sabendo dos perigos que Linda estava por enfrentar, Feliz lança-se em
uma missão arriscada a favor de sua estrela amiga. Desejando salvá-la das
cruéis intenções de Maledeto, Feliz convoca seus amigos, Moreninha,
Bituquinho, Bacaninha, Juliana, Rafael, Cracolino e Jatobá a unirem-se em
uma missão a favor de Linda. Com suas especificidades, cada personagem vai
ganhando visualidade na narrativa: Bacaninha é uma maternal centopéia, que
cuida de Caracolino, um caracol órfão; Juliana é uma borboleta sonhadora e
preocupada com a natureza; Rafael, um gafanhoto descansado e
autoconfiante; Bituquinho, um bebê besouro, que adora criar máquinas;
Moreninha, uma joaninha vaidosa, observadora e esperta, que guarda uma
paixão por Bituquinho; Jatobá é um mágico tucano experiente, que representa
a maturidade e a sabedoria, além de ser calmo, seguro e prestativo.
Enquanto Feliz dá representatividade à figura de herói, seus amigos
incluem-se na esfera de ação dos auxiliares, pois participam do percurso do
herói, sendo indispensáveis para a solução e resolução da trama. Linda
assume a posição de princesa, aquela que deve ser resgatada. Maledeto é o
malfeitor de O grilo Feliz, sendo o grande responsável pelo combate, pela
perseguição a Linda e pela desordem no povoado. O Bando do Brejo,
caracterizado por três sapos que formam a guarda pessoal de Maledeto,
também dão representatividade à esfera de ação de antagonista, pois se unem
ao ideal do vilão. Faz-Tudo é um louva-deus que bajula Maledeto, é
atrapalhado e engraçado, aprecia as músicas de Feliz, mas não pode deixar
seu gosto transparecer. O tucano Jatobá ganha visibilidade no decorrer da
narrativa, fornecendo aos amigos o segredo para alcançar o destino
pretendido. Sob o caráter de doador, Jatobá prepara os amigos de Feliz para a
missão. A totalidade de personagens vai enriquecendo a narrativa com
particularidades que vão compondo aspectos do caráter individual.
A ganância de Maledeto coloca em risco a floresta em que vive Feliz e
seus amigos. Determinados a salvá-la, lançam-se em uma missão perigosa.
Passam por provações e deslocam-se em um percurso arriscado. A narrativa
270
determina o elemento espaço, identificado pela Floresta Amazônica; o
elemento tempo, apesar de não identificado, apresenta temáticas que podem
ser comparadas àquelas discutidas na atualidade. O espaço da floresta serve
de palco para a produção, cuja narrativa coloca em evidência o problema de
sua destruição, bem como da ganância do homem. Em uma floresta tomada
pelo fantástico, por personagens peculiares e originais, abre-se uma narrativa
hábil em discutir assuntos pertinentes à realidade contemporânea.
Ao analisar a narrativa, a partir do enfoque das funções de Vladimir
Propp, verifica-se sua estrutura morfológica:
01. A estrela Linda cai no planeta Terra
02. Maledeto, lagarto ambicioso, deseja construir um luxuoso castelo,
valendo-se de recursos naturais
04. 05. Maledeto manda seus servos vigiar os habitantes da floresta,
para poder controlá-los e vencê-los
12. Grilo Feliz e seus amigos são submetidos a uma prova arriscada,
mas finalmente conseguem alcançar o sucesso da missão, salvando
Linda
08. Linda é capturada por Maledeto, juntamente com Cracolino e a viola
do Grilo Feliz
9. Grilo Feliz e Bituquinho descobrem que seus amigos foram
capturados
10. 11. Grilo Feliz e Bituquinho decidem partir em direção a seus amigos
12. Grilo Feliz é submetido a uma prova, na qual combate Maledeto e
seus servos.
14. 15. Tendo conseguido resgatar seus amigos e sua viola, Grilo Feliz
recupera seu poder – a música
16.Inconformado, Maledeto confronta-se com Grilo Feliz
17. 18. 19. Maledeto cai num penhasco, garantindo a vitória para Grilo
Feliz e seus amigos. Os antigos servos de Maledeto podem também
manifestar seus desejos e inclinações
20. Linda regressa para o céu e os demais personagens para sua
floresta.
271
Feliz é um grilo cantor, que respeita seus amigos, buscando uma
existência harmoniosa na floresta em que habitam. Com características que os
distinguem, manifestam aceitação de uns para com os outros, bem como
contentamento no convívio compartilhado. A relação entre eles é fundada na
solidariedade e na reciprocidade de afeição. Logo, a causa de um é
prontamente assumida pelos demais companheiros, através de uma natural
disposição amistosa. Perante a ameaça que as intenções de Maledeto
representava para Linda, para a floresta e para seus habitantes, Feliz e seus
amigos decidem encontrar estratégias para protegê-la. Unem-se, conforme os
princípios da amizade perfeita, contra a ganância desmedida de Maledeto.
Entre eles, estabelecem uma relação baseada na amabilidade e na amizade
perfeita. Querem um o bem do outro, revelando uma postura sincera e
constante. Juntos, esperam uma grande conquista, a preservação da floresta e
o salvamento da estrela Linda. Denotam uma postura de magnanimidade, visto
que suas pretensões encontram-se na medida de suas potencialidades. Então,
sem aspirar recompensas mas cientes do perigo que recai sobre a floresta,
Feliz e seus amigos unem-se, desejando apenas o justo e o bem comum.
Dado o caráter irascível e temerário de Maledeto, decidem, apoiados na
virtude coragem impedir que as pretensões do vilão se concretizem. Com
cautela e movidos pela razão, conduzem suas ações. A coragem, enquanto
virtude aristotélica, habilita o temor perante uma situação que coloque em
prova a resistência humana. Tal sentimento é despertado nos personagens que
lutam contra Maledeto, mas estes, motivados pela excelência da missão,
encontram o equilíbrio entre a covardia e a temeridade. Com coragem, Feliz e
seus amigos lançam-se para o desafio. Sabendo dos riscos, e impelidos por
um fim comum, unem-se para salvar a floresta e a estrela Linda. Receosos
perante algumas situações, encontram a resposta e o caminho para suas
condutas no equilíbrio entre o lado racional e o afetivo de suas almas, portanto,
na moderação. Desta forma, até mesmo Juliana, a borboleta assustada,
descobre em si recursos para enfrentar a missão, enquanto a valente
Moreninha, sempre disposta a enfrentar os perigos, revela-se cautelosa.
272
Desconsiderando as necessidades pertinentes a cada membro nativo da
floresta, Maledeto sobrepõe seus interesses aos do outro. Sua ganância
impede-no de preservar os recursos oferecidos pela floresta, pois sua
realização pessoal depende do consumo utilitarista que faz da mesma.
Desejando reservar para si a maior parte das honrarias, interpõe-se ao outro,
desconsiderando sua dignidade. As inclinações mercenárias do vilão
conduzem-no a dominar a floresta e a apropriar-se de suas riquezas para
construir seu castelo. Preocupado com o seu empreendimento luxuoso,
Maledeto faz projetos dispendiosos, demonstrando disposição para investir
nele, através de uma postura pródiga e despreocupada com os desperdícios.
Obrigando seus ditos a cumprir com suas ordens e a enfrentar os habitantes
nativos da floresta, inicia-se a edificação de seu reino. A amizade por interesse
vai revelando-se o princípio que sustenta o enlace entre Maledeto e seus
subordinados, o Bando do Brejo e Faz-Tudo. Não existia reciprocidade na
relação firmada entre o vilão e seus auxiliares. Sem afeição um pelo outro,
Maledeto objetivava retornos que condissessem com suas ambições. Ávido
por suas conquistas, revela sua avareza e age irrefletidamente conforme suas
paixões, coagindo seus servos a atenderem às suas normativas. Tais
personagens aderem ao propósito de seu rei e atendem passivamente a seus
comandos, ao partirem para o confronto com o grilo Feliz e seus companheiros.
Observa-se um importante contraste entre o que rege a missão de cada um
dos grupos, enquanto um é movido pela amizade verdadeira, o outro o é pela
amizade por interesses e, de fato, são tais inclinações que vão impulsionar o
surgimento e a coexistência na trama de outros vícios e virtudes.
Receosos em manifestar aspectos de seus verdadeiros eus, o Bando do
Brejo e Faz-Tudo anulam aspectos de suas personalidades, acovardados por
uma possível punição de Maledeto. Faz-Tudo não podia manifestar seu gosto
pelas músicas de Feliz, pois, se assim o fizesse, Maledeto, cegado por sua
egolatria, e tomado por sua tendência à irascibilidade, puni-lo-ia. Tais
características incidem diretamente sobre a temeridade verificada no vilão, que
se revela confiante em suas potencialidades e imprudente em suas ações.
Focado em legitimar seu poder, Maledeto procura demonstrá-lo através de sua
fortuna, exibindo-se com os excessos de honrarias. Vulgar e jactancioso, o
273
vilão mostra-se desejoso de glória, de reconhecimento e de autoridade; mas,
insensato, Maledeto depara-se com os limites de suas metas desproporcionais
e, portanto, impossíveis. Assim, a animação vai apresentando a pretensão
deste enfadonho vilão. Em contrapartida, Feliz e seus amigos demonstram sua
amabilidade através de um convívio pacífico e harmonioso. Entregam-se às
suas causas, ao mesmo tempo em que se impõem àquilo que consideram
injusto, revelando dignidade. Tais elementos encontram sintonia no conteúdo
apresentado na animação que justifica a postura de Feliz a favor da floresta e
do resgate da estrela Linda. Assim como Linda, o grilo demonstra sinceridade
em todas as suas composições e ações, manifestando nelas suas verdades.
Dentre os demais personagens, verifica-se em Faz-Tudo um misto entre
a vulgaridade e a espirituosidade. A primeira, porque se revela enfadonho ao
bajular Maledeto, e a segunda, uma vez que, na sequência da animação,
mostra-se engraçado e oportuno em suas cômicas intervenções. Finalmente,
observa-se que, entre os heróis e auxiliares, predomina um enlace que,
verdadeiro e desinteressado, convoca os servos de Maledeto a esta outra
possibilidade de existir, naturalmente harmoniosa.
A ética de Edgar Morin pode costurar elementos da narrativa de O grilo
Feliz. Feliz é um grilo que une o amor pela música e pelos amigos a seu ideal
de manter a harmonia entre os habitantes da floresta. Orientado pelo fator
inclusão, considera os interesses de seu grupo e busca conciliar seu lado
pessoal com o social. Conciliando o fator inclusão e exclusão, Feliz prioriza sua
atividade musical, sua grande paixão, mas não deixa de se envolver com os
amigos e com o compromisso com a harmonia. Suas ações são orientadas
pela ética da religação, baseada no fator afetivo e subjetivo. Como imperativo
ético, a religação sustenta os laços com a comunidade, a sociedade e a
humanidade. Então, ao verificar os riscos que sua floresta vivia, decide
convocar seu povoado a lutar pelo restabelecimento da ordem. Guiados pelo
princípio da solidariedade, dirigem-se a um fim comum. Tais personagens são
dotados de uma autonomia comprometida com a ética da responsabilidade e
da comunidade. Consideram a importância de proteger a floresta que habitam,
274
bem como a responsabilidade que possuem perante a preservação da mesma,
auto-determinando seus destinos.
Nutrindo laços de amizade, amor e afeição, Feliz e seus amigos
preservam a existência pela via da compreensão. Um grupo de amigos, com
suas originalidades, convive e respeita a honra do outro. Ao assumir a missão,
compreendem as limitações uns dos outros e naturalmente distribuem-se
tarefas. Primam pelos princípios da ética da honra, preservando as
disposições individuais de cada um. As diferenças e as particularidades ajudam
a compor um conjunto de personagens que se complementam em suas
funções e habilidades. Enquanto unidade, o grupo de personagens pretende a
sustentação de uma ética cívica, comprometida com o gênero que habita a
floresta. A base desta postura encontra inspiração na auto-análise e na
autocrítica. Se, primeiro, erguem uma reflexão sobre si, sobre suas
necessidades e sobre aquilo que lhes é importante, na seqüência, os
personagens descentram o olhar de si e dirigem às necessidades do outro,
através da autocrítica, conformando-se com a auto-ética. Revelam um caráter
disposto para com a ética da honra, ao agirem em congruência com seus
princípios. Entendendo a importância de salvar Linda e a floresta,
comprometem-se com a solidariedade e com a consciência da terra-pátria,
integrando, ao respeito à ética da comunidade, o reconhecimento da diferença
e da identidade, pertencentes ao outro. É assim que convivem naquela
floresta, Feliz e seus amigos. Suas particularidades enriquecem suas vivências.
O respeito às potencialidades e limites de cada um são considerados, na
medida em que se revelam responsáveis e solidários às necessidades de sua
comunidade. Mesmo zelando pelo bem estar de Cracolino, um pequeno órfão,
Bacaninha une-se à causa, incluindo-o responsavelmente na missão,
provendo-o de afeto e de bem-estar, primando pelos cuidados àquele pequeno
ser. O princípio altruísta que inspira as atitudes destes personagens atende,
então, àquilo que pressupõe a ética do amor, que liga e une os seres. Este
vínculo entre a turma de Feliz firma-se em uma identificação subjetiva e
desinteressada, correspondente à ética da fidelidade à amizade.
275
Feliz e seus amigos estão impregnados pelo regimento altruísta, a partir
do qual conferem ao grupo uma identidade comum, o que sustenta a amizade,
o amor e a fraternidade, fomentando a civilidade. Com liberdade para assumir
seus posicionamentos, são regidos pela ética da fidelidade à amizade, o que os
leva a agir em função das necessidades individuais e do grupo, fortalecendo-os
em sua unidade. O respeito impera na relação dos personagens, que aceitam
as decisões e diferenças de cada um, sem exigir que se submetam a um poder
hegemônico, primando pelas concepções da ética da tolerância.
Entre aqueles que apóiam Maledeto, predomina a incompreensão, o que
amplifica o caos e desestrutura os sistemas e asestruturas. As crenças
egocêntricas deste vilão limitam a liberdade e submetem seus soldados a um
ideal pessoal. Crendo estar com a razão, sua decisão em destruir a floresta é
refutada por Feliz e seus amigos. O fato de ser incompreendido também é
incompreendido por Maledeto, que possui seus interesses. Maledeto usa
recursos e mecanismos da self-deception para sustentar suas decisões. Crente
na razão de seus posicionamentos, fundamenta-os em seus imprintings,
marcas culturais que se solidificam no sujeito através da cultura, mas com
fundamentos superficiais. Sua postura não prevê a auto-ética. Assim, sua
indiferença e egocentrismo são regulados por seus imprintings, que o impedem
de bem pensar e fazer a recursão ética. De outro modo, Faz-Tudo, o escudeiro
de Maledeto, após importantes vivências com o grupo de Feliz, começa a
questionar seus imprintings e a rever a forma pela qual vinha conduzindo sua
vida, submetendo seus juízos à recursão ética. Sua auto-análise e autocrítica
tomam sua vida e fomentam a religação. Permitindo-se resgatar sua liberdade,
Faz-Tudo age com autonomia e liga-se ao grupo de Feliz, reencontrando
valores encobertos pelos imprintings.
Perante a nova postura assumida por Faz-Tudo, a comunidade da
floresta o acolhe, demonstrando-lhe capacidade para a tolerância, para a
regeneração, para a ética da amizade, da cordialidade e do perdão. Linda é
finalmente libertada do poder de Maledeto e novamente segue seu destino,
sendo respeitada e autorizada a viver conforme sua essência. Seu caráter
sublime e transcendente sugere sua superioridade, inspirando a compreensão
276
e a civilidade, a partir de uma postura magnânima, necessária a uma ética
universalista, que aposta na evolução, no desenvolvimento e no progresso.
Feliz, novamente inspirado pela estrela libertada, volta a compor, religando os
habitantes da floresta, resgatando sua alegria e apresentando a ética do amor
como o caráter misterioso que liga os seres ao princípio do altruísmo.
5.9 Cinegibi, o filme: Turma da Mônica
Cinegibi é uma produção delineada sob configuração diferente das
anteriores, visto que sua narrativa é fragmentada em outras seis, cada qual
independente uma da outra, mas capazes de compor uma relação, constituindo
uma grande narrativa. Tomada pelo fictício e pela fantasia, a animação traz
temáticas que abordam questões vinculadas a valores morais, em que
elementos do real são preenchidos pelo imaginário.
Com personagens reconhecidos das revistas em quadrinhos,tem-se
como personagens centrais da trama, Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e
Franjinha. Os atores Luciano Huck, Wanessa Camargo, Fernanda Lima, a
dupla Pedro e Thiago e, mesmo o criador da Turma da Mônica, Maurício de
Sousa aparecem como coadjuvantes, combinando a animação com
personagens reais. Em cada pequena narrativa, identificam-se algumas das
esferas de ação. Logo, antagonista, doador, auxiliar, mandante e falso herói
mesclam-se no decorrer de Cinegibi.
A proposta da animação inclui apresentar pequenas histórias inspiradas
no formato dos gibis, caracterizado por revistas de histórias em quadrinhos,
com narrativas curtas e marcadas pelo caráter visual. Com uma periodicidade
pré-determinada, aqueles que acompanham as histórias destes gibis,
familiarizam-se com seus personagens e com os cacoetes que ajudam a
determiná-los, visto possuem traços reincidentes e estereotipados. Estimulado
pelas histórias em quadrinhos, que curtas, apresentam relatos rápidos e
cômicos, Cinegibi explora e desenvolve características conhecidas do seu
público. Apropriando-se de tais pressupostos, Maurício de Sousa lança-se a
277
sua outra paixão, o cinema, para onde transpõe combina aspectos da
animação com das histórias em quadrinhos.
Em Cinegibi, o filme: Turma da Mônica, Maurício de Sousa
visualidade a sua proposta através de Franjinha, personagem sempre
envolvido com novidades e experiências. Através de sua criação, uma máquina
de projeções diferente, semelhante a um grande liquidificador, na qual
Franjinha insere os gibis da turma, obtendo a reprodução dos mesmos, sob o
formato animado. Reunidos, os amigos Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali
rumam para o cinema a fim de assistirem suas histórias e aventuras.
Na primeira narrativa, Em busca do nariz de Isabelle,nica está
montando um quebra-cabeças e quando vai colocar a última peça percebe sua
ausência. Ao tentar descobrir o que ocorreu, depara-se com um mistério: todos
os quebra-cabeças com aquele desenho possuem aquela mesma peça
faltante. Com Cebolinha, Mônica parte para uma aventura a fim de solucionar o
caso. Finalmente, seu pai lhe explica que o tio Shing-Ling, havia feito o quebra-
cabeça para homenagear a tia Isabelle, no entanto, insatisfeita com seu nariz
na imagem, obriga o tio recolher todas as peças que o continham.
Na outra narrativa, Mônica em: Concurso de beleza, tem-se Cascão e
Cebolinha como os falsos heróis, visto que fingem estar ajudando à
personagem Mônica. Elaboram um plano cujo principal alvo é Mônica, então a
fim de forçarem-na a mudar sua conduta, prometem-na o tulo de miss.
Contudo, os meninos traem-se, causando grande confusão e incitando conflitos
entre as meninas da turma.
Na narrativa Mônica em: Um amor dentuço, Ivan Piro apaixona-se
pelos dentões de Mônica, desejando transformá-la num chupador de sangue.
Seus amigos Cebolinha e Cascão, desconfiados de Ivan Piro, decidem
proteger Mônica, salvando-a. Depois de uma primeira mordida, Mônica vai se
transformando numa charmosa vampirinha. Passa a usar óculos escuros para
fugir da claridade e incorpora trejeitos do arquétipo da Transilvânia. Os heróis
Cebolinha e Cascão transformam-se em Caça-Vampiros e livram Mônica das
presas do garoto, antes que ela vire uma vampirinha de verdade.
278
O caça Sansão, apresenta a história de um cientista maluco que faz
uma experiência com Sansão, o coelho de Mônica, transformando-o em um
gigante. Mônica e Cebolinha conseguem trazer Sansão de volta a seu tamanho
normal. Revelam-se grandes heróis, salvando a cidade das conseqüências
negativas do malfeitor maluco.
Na trama Cascão em: Um cenário para meus bonequinhos, Mônica e
Magali são vistas por Cebolinha e Cascão como vilãs, visto que sem intenção,
atrapalham a organização dos mesmos, que são os falsos heróis. A brincadeira
dos meninos é atrapalhada por Mônica e Magali, que tentam das um toque
feminino à diversão, gerando alguns desencontros entre eles.
Em Cebolinha em: Irmão Cascão, Cebolinha rivaliza com sua irmã,
Maria Cebolinha, pois entendia que ela lhe privava de algumas vivências.
Sentindo-se limitado, nomeia Cascão, seu melhor amigo como seu irmão.
Contudo, não estava preparado para o jeito folgado de Cascão, que vai
ocupando todos os espaços de sua casa, de modo que Cebolinha sente-se
novamente excluído. Cebolinha constata, então, que é melhor os dois
continuarem amigos. Cascão aparece no papel de auxiliar e participa, ajudando
o amigo a perceber as características de sua irmã e a aceitá-la.
As seis narrativas que dão nome à animação são enriquecidas por
elementos do maravilhoso, contemplando o fantástico e o ilógico. Cada um dos
fragmentos narrativos desenvolve uma temática, alguns mais realísticos,
enquanto outros marcados pelo fictício e o feérico. Independentemente dos
recursos que dão vida a animação, verifica-se que seu discurso provoca
sedução no espectador infantil, que vivencia novas identificações e
interpretações.
Cada trama, desenvolvida pela animação, apresenta uma
verossimilhança interna. Desta maneira, os elementos ali inseridos evidenciam
coerência nas sequências narrativas. Sob atributos do fantástico e mágico, a
animação vai dando conta de temáticas como: a verdade, a mentira, a
amizade, o respeito às diferenças e a compreensão. Códigos sonoros e visuais
compõem a produção, participando dos segmentos discursivos. Todas as
279
histórias de Cinegibi partem de um conflito inicial que explora, através do
lúdico, aspectos da realidade, representando-a e simbolizando-a.
As figuras ficcionais são dotadas de características e funções que
potencializam unidades do real, dando autenticidade ao personagem que é
colocado a serviço de uma temática ou denúncia. No decorrer das histórias, a
suposta calma inicial é suspensa, sendo perturbada pela intervenção de uma
ação motivada por um desejo, sentimento que desestabiliza a ordem, até que
seja finalmente restabelecida. Para tanto, personagens percorrem trajetórias
particulares de crescimento e mudança em seus âmagos, transfigurando-se,
conforme o conflito de origem, representando alegoricamente experiências do
cotidiano.
Espaço e tempo apresentam-se de forma transitória, conforme a trama.
Assim, da sala de cinema, migra-se para o universo do que é projetado na tela.
Cada personagem, atendendo à demanda da trama, percorre um caminho,
transmitindo mensagem para o espectador.
Considerando as funções da Morfologia do conto maravilhoso
definidas por Vladimir Propp (1984), categoriza-se Cinegibi da seguinte
maneira:
8.1; 09 Mônica e Cebolinha desejam encontrar a peça faltante do
quebra-cabeças
10;11 Mônica e Cebolinha partem, conforme orientações do Mestre
Shing Ling, para uma caverna em busca da peça perdida
12. Na caverna, são submetidos a provas, antes de recuperar a peça
14; 19; 20. Recuperam a peça, podendo então resolver o quebra-
cabeças
28. Descobrem o motivo pelo qual a peça estava escondida e são
informados que o Mestre é tio de Mônica
02. Ao ser convidada a participar de um falso concurso de beleza,
Mônica deve mudar seu comportamento, não podendo mais bater
em seus amigos, Cascão e Cebolinha, com seu coelho
280
06; 07. Tendo aceito o convite para participar do concurso, Mônica
acredita que vencerá, pois seus amigos lhe prometeram o voto
08. 8.1. As meninas da turma brigam entre elas, disputando o título de
Miss
09. Mônica perde o concurso
10; 19. Mônica e suas amigas descobrem a farsa e voltam a ser amigas
28. Cascão e Cebolinha são desmascarados pelas meninas
01. Mônica conhece Ivan Piro, que se apaixona por ela
02. Cebolinha e Cascão orientam Mônica a não se aproximar de Ivan
Piro
03. Mônica não atende às recomendações dos amigos
07. Mônica é transformada em vampira
15. Mônica vai ao encontro de Ivan Piro no castelo
19. Ivan Piro percebe que Mônica pertence a um mundo diferente do
seu. Então, Mônica deixa de ser uma vampira
29. Mônica resgata sua antiga aparência
01. Sansão é capturado por um cientista
08. O cientista submete Sansão a uma experiência, fazendo-o crescer
exageradamente, gerando um caos na cidade
8.1. Mônica deseja ter seu coelho Sansão de volta, mas também é
capturada
09. Precisa-se resgatar a ordem, mas as autoridades temem um
posicionamento
10. Cebolinha decide reagir
16. Cebolinha confronta-se com o cientista
18; 19. Mônica consegue escapar e atingir Sansão com o raio que a
devolve a seu tamanho original. A ordem é recuperada
27. Mônica agradece o esforço de Cebolinha com um beijo
01; 02.Cascão decide ir para o jardim de sua casa com seus brinquedos,
uma vez que o pai o impede de utilizar o interior da casa
08. Mônica e Magali chegam para brincar com os amigos, mas são
induzidas a desistir, assuntando-as com um hamster
11. Mônica e Magali decidem ir embora
281
18. Cascão e Cebolinha terminam de montar o cenário, mas logo chove
e tudo é destruído
8,1 Cebolinha não gosta de ter que cuidar de sua irmã, pois se sente
privado da possibilidade de brincar
09. Cebolinha convida Cascão para ser seu irmão
10. Cascão aceita o convite e age como se tudo o que fosse de
Cebolinha, também fosse seu
19; 20. Cebolinha decide que não quer mais Cascão como seu irmão,
mas como amigo. Então, Cascão retorna para sua casa e se
recupera a ordem anteriormente vigente.
Apropriando-se das categorias de valores éticos definidas por
Aristóteles, encontram-se elementos de sua moral em fragmentos narrativos.
Na trama Em busca do nariz de Isabelle, Mônica e Cebolinha buscam uma
peça faltante para seu quebra-cabeça. Ambos atendem aos pressupostos da
amizade perfeita, pois suas disposições são autênticas e verdadeiras um para
com o outro e buscam contato com o Mestre Shing Ling, a fim de obter a
solução para o caso. Shing Ling, por sua vez, falta com a sinceridade, pois é
quem esconde a peça e induz Mônica e Cebolinha a uma aventura de busca
na caverna. Estes, com coragem, aceitam o desafio, deparando-se com alguns
obstáculos, mas, finalmente, alcançam a peça desejada. O pai de Mônica
esclarece-lhes o motivo de existir um mistério em torno da peça do quebra-
cabeça. Assim, descobrem que as peças de todos os quebra-cabeças com
aquela imagem haviam sido escondidas, a pedido de Isabelle, pois rejeitava o
tamanho de seu nariz. Cebolinha aproveita a situação e faz gracejos
espirituosos com Mônica, propondo uma analogia entre o nariz de Isabelle e os
dentes da amiga, destacando as características marcantes de cada uma.
Mônica impõe-se ao amigo Cebolinha, encolerizando-se, mas consegue
encontrar um meio termo para seus impulsos.
Sob um tom cômico, Em busca do nariz de Isabelle trabalha com
questões que tocam as diferenças e particularidades pertinentes a cada um.
Explora a rejeição à própria imagem, como no caso do personagem Isabelle,
282
até a cólera e a aceitação de Mônica para com aquilo que é seu, como seus
dentes, que frequentemente são motivos de piadas e gracejos.
No fragmento seguinte, Mônica em: Concurso de beleza, Cascão e
Cebolinha pensam em um plano que induza Mônica a rever alguns de seus
hábitos. Mônica é reconhecida pela sua tendência à irascibilidade, uma
inclinação moral orientada pelo excesso. Facilmente encoleriza-se com seus
amigos. Nestas situações, vale-se de seu coelho de pelúcia, Sansão, com o
qual bate naqueles que a incomodam, principalmente em Cascão e Cebolinha.
Sansão assume o papel de amuleto para Mônica pois, ao fazer uso dele,
mostra-se forte e invencível, uma analogia com o guerreiro Sansão do Antigo
Testamento. Mônica costuma agir sem moderação, submetendo suas ações a
um modo impulsivo. No entanto, os meninos da turma, cansados com estes
modos, agem conforme a amizade por interesse, criando um falso concurso de
beleza entre as meninas e fazendo-a acreditar que será a vencedora. Para
tanto, convencem-na a rever sua postura irrefletida e agressiva para com seus
amigos. Este concurso motiva uma disputa entre as meninas, gerando uma
rivalidade nutrida pela ganância, pois todas almejavam o título de miss. Este
desejo, imerso no egocentrismo, faz com que elas se afastem umas das outras
e busquem mudar suas essências, a fim de atingir o padrão de comportamento
ditado pelos meninos. Apesar de terem firmado o trato de votar em Mônica, os
meninos traem-se mutuamente e a vencedora do concurso é Carminha Frufru,
menina que atende ao ideal desejado por eles. Mônica novamente se
encoleriza e coloca-se contra os meninos, sentindo-se enganada. Em
contrapartida, as meninas da turma percebem a farsa e decidem aceitar suas
verdades e reafirmar seus laços de amizade verdadeira. Os meninos,
reconhecendo a relação entre Mônica e as demais meninas, decidem
aproximar-se delas, manifestando seus potenciais para uma amizade
determinada pela excelência.
Mônica em: Um amor dentuço traz a história de seus amigos,
Cebolinha e Cascão, que tentam protegê-la de Ivan Piro, um vampiro que se
apaixona pelos dentes da protagonista. Mônica mostra-se receptiva às
intenções do vampiro, resistindo a Cebolinha e Cascão. Guiado por seu lado
283
irracional, Ivan Piro sustenta sua relação com Mônica na amizade por prazer,
buscando preservar e nutrir seu lado dominante. Logo, os dentes de Mônica
atendiam à sua natureza de vampiro, cegando-o à condição humana de
Mônica, sendo ele levado pela sensação de deleitamento e prazer que lhe
suscitavam. Cebolinha e Cascão, desconfiados de Ivan Piro, mas
desconhecendo seu caráter, decidem proteger Mônica, agindo com coragem.
Mônica, por sua vez, descredencia as intenções de seus amigos, revelando
sua tendência para a egolatria e a irascibilidade, entregando-se a seu lado
impulsivo. Ivan Piro, finalmente, percebe as diferenças entre ele e Mônica,
deixando-a livre para viver sua vida, conforme seus costumes, e respeitando
suas particularidades. Percebendo algumas incompatibilidades, Ivan Piro
abdica de Mônica e, com moderação, permite que viva suas verdades e
capacita-se a viver sem sua presença. Esta atitude de respeito e resignação,
determinada pela reciprocidade de afeição, é orientada pela amizade perfeita.
Em O caça Sansão, Mônica desafia um impetuoso cientista que captura
seu coelho. Com coragem, parte em sua busca, independente dos riscos que
lhe são postos. Conta, para tanto, com o auxílio de seu amigo Cebolinha, que
se une à causa sem almejar retornos, graças à amizade que nutria por Mônica.
o cientista, dedicava-se a suas descobertas, independente da forma com
que poderiam incidir na sociedade. Sua ganância pelo poder, seu egocentrismo
e sua jactância incidem diretamente sobre aquela cidade, levando-a a
prejuízos e desestabilizando sua harmonia. Somando-se a tais tendências, sua
insensatez e ignorância, orientadas por sua inclinação ao excesso, acovarda os
servidores responsáveis pela segurança e pela ordem da cidade. Desprotegida
e entregue ao caos, a população depende da determinação de Mônica e de
Cebolinha, que atrelam um desejo ególatra, libertar o coelho Sansão da
experiência do cientista, a uma intenção maior, o bem comum dos habitantes
daquele lugar, consolidada pela amizade perfeita. O sucesso da missão é
reconhecido por todos, especialmente por Mônica, que retribui a Cebolinha
com uma atitude carinhosa, manifestando sua condignidade.
Na trama seguinte, Cascão em: Um cenário para meus bonequinhos,
o personagem Cascão é impedido por seu pai de ocupar a sala da casa com
284
seus brinquedos, decidindo então, mesmo que contrariado, rumar para o
jardim, com seu amigo Cebolinha. Ambos estavam envolvidos na proposta de
criar um ambiente para seus brinquedos e tudo transcorria dentro de suas
expectativas, até a chegada de Mônica e Magali. Naquele momento, as
meninas não eram bem vindas, pois os meninos consideravam que aquele
momento lúdico era restrito a eles.
Mauricio de Sousa apresenta, neste fragmento, um momento bastante
significativo do desenvolvimento infantil, no qual meninas demonstram maior
afinidade pelas meninas e os meninos pelos meninos, rejeitando um a
condição oposta do outro. É uma fase de ambigüidades e descobertas, em que
regramentos são construídos de maneira particular, em cada um dos contextos.
Logo, não se pode esperar uma padronização dos mesmos. Nesta fração da
animação, verificam-se aspectos característicos do período de
desenvolvimento próprio dos seis aos sete anos de idade. Quando Mônica e
Magali aproximam-se de Cascão e de Cebolinha, rapidamente os meninos
encontram uma maneira de afastá-las de sua brincadeira, assustando-as com o
hamster Reginaldo. Revelam-se enfadonhos, demonstrando a dificuldade
naquele convívio social, externalizando suas tendências ególatras.
Caracterizados por uma atitude e por uma tendência sádica, deleitam-se ao
perceberem que Magali e Mônica desistiram de compartilhar com eles aquele
momento, pois acovardaram-se com o hamster. Assim, entregam-se ao
excesso perante o que lhes é prazeroso, pela via da concupiscência. Enquanto
Magali e Mônica demonstram entre elas a amizade perfeita, o mesmo é feito
entre Cascão e Cebolinha, visto a reciprocidade de afeição e sinceridade, dos
meninos para com os meninos e das meninas para com as meninas. A tudo
isso, destaca-se a sinceridade dos personagens quanto às crenças e período
vital, ainda frágil no que se refere ao equilíbrio e à moderação entre as
tendências humanas.
Finalmente, a última sequência, Cebolinha em: Irmão Cascão,
apresenta a impaciência de Cebolinha para com a irmã, Maria Cebolinha. Sua
mãe lhe delegara algumas atribuições, cobrando-lhe cuidados para com Maria
Cebolinha. Dominado por seus princípios egocêntricos, o menino revela
285
incômodo com o fato, mas manifestando amizade perfeita para Cascão, com
quem se identifica. Compartilhando com Cascão os mesmos interesses,
convida-o para viverem como irmãos. Na condição de irmãos, Cascão cobra de
Cebolinha que compartilhem e dividam tudo o que é de posse deste. Neste
momento, Cebolinha percebe os prejuízos desta opção, resgatando o valor da
natureza de sua relação com sua irmã e com seu amigo. Com dificuldade em
tornar de uso comum seus objetos, Cebolinha demonstra sua tendência à
egolatria, visto sua predisposição em defender seus interesses, independente
do outro. Esta característica evidencia o limite do personagem em uma ação
moderada, através da qual consiga equilibrar tendências extremas.
Resgatando a narrativa no seu todo, observa-se que Maurício de Sousa
representa a realidade do universo infantil, demarcando as características da
infância sob enfoque simbólico. A infância é marcada por extremos, pela
impulsividade e pela irracionalidade, período dos descobrimentos e do primeiro
encontro com os limites. Então, considerando os pressupostos da ética de
Aristóteles, o mundo infantil retratado em Cinegibi é recheado por desvios
morais, mas a avaliação e julgamento dos mesmos, na animação, é
correspondente e proporcional às inclinações pertinentes aquela fase do
desenvolvimento. Faz-se uma abordagem das manifestações comportamentais
a partir de um tom moralizante, mas elas são preservadas de um julgamento
restrito à excelência aristotélica, dada a natureza de descobertas e
transformações próprias daquele momento do desenvolvimento. Dada a falta
de competência da criança para agir precocemente conforme a razão, a análise
limita-se a identificar as categorias aristotélicas, abstendo-se de emitir juízos
acerca das mesmas, pois o filosofo compreendia o a inabilidade de subordinar
seus apetites à racionalidade.
Transferindo a abordagem ética da animação para a proposta
desenvolvida por Edgar Morin, identifica-se uma série de elementos
participativos na construção da trama. Independente dos vícios e virtudes
denotados, verifica-se que o final de cada pequena trama aponta para uma
concepção moral tendencionada para a religação. No caso de Em busca do
nariz de Isabelle, Mônica e Cebolinha, a partir de uma postura que visa a
286
religação, unem-se à procura da peça do quebra- cabeças. Assim, por um
mesmo propósito, Cebolinha revela sua solidariedade e sua amizade por
Mônica, permitindo que o princípio da inclusão se faça atuante naquele
momento. Desprende-se de seu egocentrismo e abre-se àquilo que é
pertinente ao outro, aceitando um desafio. Cebolinha é solidário para com as
necessidades de sua amiga e decide acompanhá-la na sua busca, de modo
que conseguem concretizar o objetivo da missão. Contrariando a passividade,
buscam a solução para um mistério. Valendo-se da autocrítica e da auto-
análise, pretendem a compreensão através da atitude autônoma. Cebolinha
compreende o motivo do sumiço da peça, mas aproveita a situação para
satirizar os dentes de Mônica. Verifica-se que vivencia um processo de
construção ética. Ainda assim, não consegue respeitar o outro no todo,
lançando reflexões impregnadas pelos imprintings e autojustificação. A
sequência finaliza com a proposta de religação, que incorpora a cordialidade, a
civilidade e o respeito. Apesar das fragilidades éticas de Cebolinha para com
Mônica, dado o momento de crescimento individual, são fiéis à amizade,
fundada no vínculo identificatório e desapegada de interesses.
Na trama seguinte, Mônica em: Concurso de beleza, Cebolinha e
Cascão agem conforme seus ímpetos egocêntricos. Ignoram a honra de
Mônica, cedendo a suas inclinações hedonistas. Ao mesmo tempo, Mônica
cede às tendências agressivas para com seus amigos. Ambos os lados estão
dominados por seus imprintings e autojustificações. No entanto, nica faz a
recursão ética e revê sua atitude para com seus amigos. Seu egocentrismo lhe
impusera a incompreensão para com suas amigas e, focada em si, excluíra as
demais meninas de sua turma da possibilidade de compreensão, impedindo a
religação. Elas se afastam, até que consigam fazer a recursão ética e resgatam
os princípios da solidariedade e da fraternidade, reconhecendo seus erros e
sua correção imprescindíveis para a religação. Os meninos induzem as amigas
a se afastarem, mas após compreender as intenções de seus amigos, elas
voltam a se aproximar e estreitam seus laços de amizade. Esta narrativa
enfatiza o direito de assumir escolhas, a ética da liberdade e da tolerância,
valorizando uma autonomia focada no imperativo da religação. As contradições
da animação revelam um momento de construção ética daqueles personagens,
287
que, por sua vez, assemelham-se às experiências infantis, repletas de
possibilidades. Mas conferem à religação, à compreensão e ao respeito, num
grande fim moral.
Em Mônica em: Um amor dentuço, Cebolinha e Cascão primam pela
amizade que sentem por Mônica. Decidem ajudá-la a afastar-se de Ivan Piro,
mas ela o compreende suas intenções. Ivan Piro, preso a seus imprintings,
apaixona-se por nica, contudo, consegue perceber algumas
incompatibilidades e, fazendo a recursão ética e respeitando sua honra, deixa-
a livre para viver conforme seus princípios. Novamente, incompreensão,
autojustificação e recursão ética integram o cerne das ações. O respeito a
diferentes honras fomenta a tríade indivíduo/espécie/sociedade, sustentada
pela ética planetária. Mesmo não identificando-se com Ivan Piro, respeitam sua
condição, mas não submetem-se a mesma, impondo-se e impedindo que
invada o espaço de Mônica. Apesar de inicialmente cegada pelo potencial
sedutor do vampiro, o personagem Mônica consegue, com o auxílio e com a
insistência de seus amigos, Cascão e Cebolinha, fazer a recursão ética e
redirecionar sua conduta, conforme o seu padrão anterior. Mônica coloca-se
perante novas experiências, mas consegue através de uma atitude reflexiva
fazer a recursão ética e determinar-se conforme a auto-ética. Com liberdade e
autonomia mantém o fim da religação.
Em O caça Sansão, Mônica e Cebolinha decidem agir conforme os
princípios da sócio-ética. Assim, conciliam aspectos de uma postura voltada
para a inclusão e para a exclusão. Decidem, então, salvar Sansão e,
paralelamente, protegem a cidade das conseqüências imprevisíveis da ação do
cientista inconseqüente. Ao salvarem Sansão das mãos deste cientista, preso a
seus imprintings, incapaz da recursão ética, mostram uma atitude designada
pela religação. O ato moral com o qual se comprometem revela a autonomia, a
auto-crítica e a auto-análise, bem como a repercussão positiva para uma ética
planetária, que comporta a tolerância e a honra.
Cascão em: Um cenário para meus bonequinhos traz a história dos
dois amigos, Cascão e Cebolinha, que decidem impedir as amigas Mônica e
Magali de participarem de suas brincadeiras. Portanto, desrespeitando a honra
288
de cada uma, assustam-nas, impedindo a religação, agindo conforme seus
interesses egocêntricos e seus imprintings. Suas ações evidenciam a
autojustificação, pois induzem as meninas a retirarem-se daquela convivência,
não compreendendo suas particularidades. Em contrapartida, as meninas
estavam dispostas a compartilhar aquele momento, demonstrando uma maior
maturidade, também observada e retratada em torno dos seis anos, do
desenvolvimento infantil. Assim, esta dinâmica de relacionamento encontra
respaldo teórico na literatura, através de exemplos em que aspectos do
masculino ou do feminino são rejeitados pelo sexo oposto. Este fragmento
representatividade a uma fase marcada por conflitos entre os sexos e sua
resolução se efetiva com a maturidade e com a elaboração das experiências.
Cebolinha em: Irmão Cascão traz a história do menino Cebolinha que,
incapaz de compreender sua irmã, convida seu amigo Cascão para ser seu
irmão. O personagem Cebolinha revela-se ambivalente, pois demonstra uma
postura de religação para com Cascão e de separação com Maria Cebolinha.
Agora, perdendo seu espaço para Cascão, que passa a agir e exigir de
Cebolinha como irmão, percebe as desvantagens de sua decisão, conseguindo
fazer a recursão ética e revalorizar sua irmã, respeitando sua honra e
reconhecendo o papel de Cascão como seu amigo. Maurício de Sousa
desenvolve suas animações através dos personagens que representam
crianças e mantém-lhes as características próprias deste momento do ciclo
vital. As particularidades de cada personagem não exime a essência criança de
cada um, assim, impulsividade, egocentrismo, dificuldade em lidar com limites
e ambivalências o próprias desta fase do desenvolvimento, sugerindo uma
despreocupação com a intenção moralista, mas o interesse em apresentar
histórias de crianças felizes, com conflitos, com dificuldades e com a esperada
travessura que caracteriza esse momento, enlaça, portanto, aspectos do
mágico, do imaginário e do real.
289
5.10 Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço
A animação Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço é uma
aventura contada por Xuxa a seu sobrinho fictício Juliano, interpretado pelo
ator Pedro Malta. Antes de iniciar a animação, Xuxa expõe a Juliano a verdade
acerca da existência do anjo da guarda, seu papel e função exemplificando
através da história. Oriundo do latim angelus, anjo significa mensageiro, assim
seu caráter celestial e virtuoso revela uma proximidade com Deus, intervindo e
intercedendo enquanto a ordem do divino lhe permite. Geralmente, os anjos da
guarda são representados por crianças, dada sua pureza e inocência. A cultura
popular reforça o discurso sobre o anjo da guarda, reconhecido por sua missão
de proteger e ajudar. Assim, cada pessoa ao nascer é confiada a um anjo que
deve comprometer-se com a proteção, fortalecer o corpo e a alma, fomentando
o agir virtuoso e coerente.
A produção Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço traz a
história de quatro meninos, dois humanos, Guto e Jonas, e dois anjos, Xuxinha
e Biel. Juntos, o protagonistas de um enredo que centraliza temáticas como
a amizade e o bem comum. O planeta XYZ serve de cenário para a fuga de
quatro temidos vilões que desejam transformar tudo em lixo e, ao caírem no
planeta Terra, descobrem um córrego poluído onde passam a viver e a se
alimentar do lixo ali jogado pelas pessoas, fortalecendo seus poderes e
transformando-se em monstros ainda mais perigosos. Perante o desafio de
salvar o planeta Terra, Guto, Jonas, Xuxinha e Biel enfrentam riscos,
assumindo o papel de heróis. Paralelamente, outros personagens ganham
visibilidade, dentre eles, Txutxucão e Arquimedes, que participam da narrativa,
aliando-se à tarefa dos meninos e configurando-se na função de auxiliares.
Juntos, devem enfrentar as forças do mal, que intentam a destruição do
planeta. Estas forças caracterizam-se por monstros fugitivos do planeta Xyz e
que encontram na Terra uma fonte poderosa do recurso lixo, com o qual se
mantinham e sustentavam seus poderes. Perante uma situação angustiante,
Xuxinha precisa recorrer a forças superiores. Então, São Pedro intercede por
ela e, sob a esfera de doador, devolve a vida a Guto, enquanto Xuxinha retorna
a Terra, sob o status humanizado.
290
A produção discute, a partir da interação entre os personagens, a
temática do lixo, do cuidado com a natureza, e da amizade, transmitindo
mensagens diretas e moralizantes. Como personagem central, Xuxinha
direciona a trama e a intensidade de seus sentimentos é transmitida ao
espectador. Assim, a rede de acontecimentos da narrativa é apresentada ao
espectador através do filtro deste personagem.
Sem identificar tempo e espaço, sugere-se uma aproximação com as
vivências da atualidade sócio-histórica. Assim, preocupações que se
assemelham às discutidas e trabalhadas pela mídia, ganham ali
representatividade. A narrativa transita entre três espaços, o planeta Terra, o
planeta Xyz e o Céu. Enquanto o planeta Xyz abriga os monstros, o planeta
Terra é habitado pelos humanos, agrupando a complexidade dos mesmos e o
Céu caracteriza-se pelo lugar sublime e transcendente, onde ilógico poderia ser
razoável e possível, reforçando o sentimento de esperança.
A narrativa afasta-se do formato reconhecido pelos tradicionais contos
de fadas, uma vez que os significados são manifestos, fazendo referência a
uma moralidade fortemente apoiada em parâmetros da realidade. Contudo,
atende às particularidades da estrutura morfológica dos contos, tradicionais,
desenvolvida por Vladimir Propp (1984):
09. É divulgada a notícia de que o planeta está prestes a ser invadido
por monstros
10. Txutxucão, um detetive; e Arquimedes, um morador de rua, iniciam a
busca pelos monstros, juntamente com Guto, Jonas e seus anjos,
Xuxinha e Biel
11. Xuxinha sacrifica suas energias e passa informações para Txutxucão
acerca do que sabe sobre os monstros
12; 15 A população presta auxílio, construindo um robô, Suprogireli,
Super-Robô-Gigante-Reciclador-de-Lixo, que recicla e transforma
todo tipo de poluição em coisas úteis. Guto, Xuxinha, Jonas e Biel
partem para a fábrica na qual se encontram os monstros, resgatam
291
aqueles que haviam sido capturados e encontram um coração para
o robô
16. Monstros combatem o robô, Guto, Jonas e a população, que se
dispõe a ajudar
17. Guto é atingido por uma substância perigosa
18. Os monstros são vencidos, mas Guto deve ser salvo
19. Após Xuxinha ter implorado junto a São Pedro, a vida de Guto é
salva
23. 29 Xuxinha chega à família de Guto, sem identificação, e é adotada,
recebendo uma nova aparência.
Apoiando-se nas virtudes desenvolvidas por Aristóteles, verifica-se
algumas categorias de sua ética em Xuxinha e Guto contra os monstros do
espaço. Distintas inclinações e tendências humanas são observadas na
animação. Os personagens Guto e Jonas apresentam atitudes próprias do
mundo infantil. Como crianças, revelam-se destemidos e curiosos, enfrentando
desafios e perigos desconsiderando suas conseqüências. Frequentemente
expostos a situações nas quais suas integridades são ameaçadas, seus anjos
Xuxinha e Biel mostram-se incansáveis nos cuidados para com eles. Guto e
Jonas comportam-se corajosamente. No entanto, por vezes, negam o perigo de
suas ações ou intenções. Perante os excessos de Guto e Jonas, Xuxinha e Biel
procuravam fomentar o meio termo ou a excelência entre eles, que, como
crianças, rejeitam o potencial perigoso das situações em que se envolvem,
manifestando um entendimento infantil dos fatos.
Atentos aos meninos, Xuxinha e o anjo Biel vigiam-nos e com coragem,
buscam alternativas seguras para preservar suas vidas. Frequentemente as
peripécias das crianças colocam Xuxinha e Biel em estado de alerta, sendo o
combate com os monstros o maior desafio que enfrentam juntos. Ao
depararem-se com a invasão dos monstros do planeta Xyz, que desejavam
dominar o planeta Terra, contam com o auxílio de Txutxucão e Arquimedes,
personagens bios e reflexivos, que conduzem suas ações pela via da
coragem e da responsabilidade. O sábio Arquimedes, inspirado no matemático
e inventor grego, é o primeiro a acreditar na invasão dos monstros
292
xisipsilonzígenas. Txutxucão, o cão detetive, é inteligente, corajoso e
determinado no propósito de auxiliar a descobrir o plano dos monstros.
Txutxucão revela um comprometimento com a humanidade e com sua Terra,
através de uma postura pacífica que visa a harmonia, assim, faz-se possível
estabelecer relações com os valores da tribo indígena txucarramae cujo nome
faz referência a um guerreiro sem armas, da mesma forma que o cão detetive é
apresentado. Juntos, formam uma grande equipe, primando pelo respeito ao
outro, através da boa vontade recíproca, fundada na amizade perfeita.
Os monstros desconsideravam a vida de todos os demais personagens,
ignorando as necessidades vitais daqueles que habitavam o planeta Terra.
Portanto, portavam-se de maneira irrascível, encolerizando-se facilmente com
qualquer ser que se interpusesse em seus caminhos. Quando partem para a
conquista da Terra, agem irrefletidamente, movidos por suas paixões e pelo
lado irracional de suas almas. O sentimento de ganância e de ambição dos
monstros conduz o planeta a uma batalha de grandes proporções.
Desrespeitando a individualidade de quem possa estar envolvido, mostram-se
pretenciosos, desejando exageradamente o lixo do planeta Terra, mesmo que
para isso precisem destruí-lo. Suas ambições desproporcionais acabam
ultrapassando as reais possibilidades, evidenciando insensatez e ignorância.
Desejam para si um proveito que confronta com o condigno. Suas relações são
baseadas na amizade por interesse: precisam uns dos outros em função de
suas metas egocêntricas, não por um bem comum. Esses princípios, que
regimentam a vida e as ações destes monstros, distanciam-se daqueles que
norteiam Xuxinha, Biel, Guto, Jonas, Txutxucão e Arquimedes.
Xuxinha e seus amigos agem conforme a amizade perfeita. Não
desejam nada além do bem mútuo. São corajosos e capazes de sacrificar-se
pela humanidade, manifestando sua amabilidade, sua capacidade de
encolerizar-se por motivos justos e orientados pela razão. Dando prioridade às
necessidades de Guto e dos habitantes da Terra, Xuxinha coloca em risco sua
condição de anjo. Então, indica o caminho para a localização dos monstros,
valendo-se de um poder que a enfraquece, mas, com persistência, consegue
transmitir as informações para Arquimedes e Txutxucão. Magnânimes, desejam
293
grandes conquistas, como exterminar os monstros, salvar o planeta Terra e
finalmente restituir a ordem a planeta. Apesar de ter se arriscado e deixado
Guto desprotegido, a atitude de Xuxinha é entendida como nobre, pois
sacrificou sua missão por um bem maior, a humanidade. No entanto, deve
também responder e assumir sua falta de compromisso para com Guto, que
em um momento de vulnerabilidade, acaba ficando doente, correndo risco de
morte. Sincera em seus sentimentos, Xuxinha ora por Guto. Seu apelo é
atendido e Guto se recupera, mas Xuxinha perde sua condição de anjo. De
qualquer forma, é retribuída com condignidade, sua função é reconhecida e é
recompensada, sendo enviada à Terra como irmã adotiva de Guto, dando nova
direção a sua trajetória de vida. Sempre comprometida com a proteção de
Guto, agora, sob a sua nova condição de humana, Xuxinha é adotada pela
família de Guto. Sem consciência do caminho trilhado, ambos continuam
vivendo uma nova e comum história, sob o status de irmãos. A antiga missão
de Xuxinha é retribuída condignamente. Se um dia cuidou e zelou por Guto,
seria a partir de então, guardada por uma família, onde ocuparia um lugar
naquele novo lar. A animação enfatiza aspectos da amizade perfeita,
reforçando o caráter duradouro, mútuo e sincero desta disposição.
Observa-se, na animação, uma mobilização da comunidade para o
combate. Os monstros invasores, que ameaçavam a harmonia do planeta
Terra. Os heróis desprendem-se de seus interesses egocêntricos e unem-se
para uma causa comum. Através da amizade perfeita, revelam uma disposição
para aquilo que é justo, o bem comum da humanidade. Nutrindo a
reciprocidade de afeição, desejam o bem irrestrito um do outro. Com união e
determinação, fundam um todo coeso e conseguem vencer as intenções
daqueles invasores.
Remetendo-se às contribuições de Edgar Morin, verifica-se que os
heróis da história agem em conformidade com a auto-análise e auto-crítica.
Deslocam o olhar de si e partem para a humanidade, reforçando a religação.
Respeitam um ao outro e suas ações estão sintonizadas com o princípio da
auto-ética, que nutre uma autonomia individual. Além do bem pensar, primam
pelo princípio da inclusão, atendendo às necessidades do outro, além das
294
individuais. Com funções definidas, revelam estabilidade perante as
proposições da ética da honra. Xuxinha compromete-se com o bem estar de
Guto e, unindo-se a seu amigo, o anjo Biel, parte com o intuito de salvar a
população da Terra e assume importantes funções perante a ética
universalista. A ligação entre estes personagens é orientada pelo amor, pela
compreensão e pela fraternidade, além de um sentimento de identidade
comum, que fundamenta a compreensão do outro e a postura de civilidade.
Quando decide pedir auxílio a São Pedro, Xuxinha coloca suas
intenções para com seu amigo Guto, agindo de maneira altruísta, ao mesmo
tempo em que abre mão daquilo que sua condição de anjo lhe oferece. Sua
falta com Guto é perdoada e amenizada pela via da magnanimidade. Ao
assumir a responsabilidade pela população do planeta Terra, Xuxinha é
reconhecida e recompensada, passando por uma transformação que lhe
possibilita novas oportunidades e desafios.
Através de um olhar para si e para o outro, os personagens tomam
consciência de suas potencialidades e respeitam outras necessidades e
honras. A amizade, afeição e amor são reconhecidos por Morin como
necessidade vital para a realização do homem, sendo estes elementos que
enlaçam e determinam as posturas dos personagens para a meta maior, o
Planeta Terra. Apesar do compromisso de Xuxinha ser com Guto, ao priorizar
em sua missão a Terra e seus habitantes, apóia-se em sua auto-ética. Então, o
personagem Xuxinha, através do elemento psicoafetivo, antropológico,
sociológico e cultural, manifesta sua autonomia. Logo, antes de uma
adequação às imposições paradigmáticas, a decisão e a reflexão motivadas
pela auto-ética conciliam a ética para si e para o outro. Através da auto-análise
e da autocrítica, Xuxinha consegue ponderar acerca da atitude certa, abrindo
seu olhar para uma sociedade mais ampla, capaz de atender à ética da honra.
Amplia seu olhar para a família e para a comunidade, assumindo suas crenças,
respeitando a si e ao outro. Encontra-se referência em Aristóteles,
especificamente em seu tratado sobre política, no qual destaca o lugar
ocupado pelo estado, superior ao do indivíduo. Conforme seus pressupostos, a
coletividade é superior ao indivíduo, da mesma maneira que o bem comum ao
295
bem particular. Então, é no estado comente que se efetua a satisfação de
todas as necessidades, pois o homem, sendo naturalmente animal social,
político, não pode realizar a sua perfeição sem a sociedade do estado. A
solidariedade e o sentimento de pertencimento a uma comunidade são
motivadores das ações de Xuxinha e sua turma, que se mostram responsáveis
com a ecologia da ação. O fim social antecipa-se ao particular, priorizando o
comunitário. Na animação tal perspectiva é representada pelos personagens
que colocam suas vidas a serviço de uma comunidade maior. Antes de
preocuparem-se com seus desejos e interesses particulares, suas ões
respondem ao compromisso responsável com o outro.
Os monstros do planeta Xyz são tomados por seus imprintings,
registrando como corretas suas atitudes de destruição da humanidade. São
incapazes de agir em conformidade com a auto-ética, possuindo um olhar
centrado em si e avesso à possibilidade de compreensão. Rejeitam o exercício
da auto-crítica à prática da recursão ética. Incapazes de compreender as
necessidades daqueles humanos, os monstros opõem-se ao progresso,
determinando sua contra-evolução. Contrariam a ética do amor, própria
daqueles amigos que procuram salvar o planeta Terra. Com morais cobertas
pelo egocentrismo, negam a ética da responsabilidade e da honra,
descredenciando a solidariedade e o sentimento de pertencimento a uma
comunidade. Suas exigências individualistas obstaculizam o princípio da
inclusão vigente naquela comunidade orientada por princípios éticos de
responsabilidade e solidariedade.
O princípio altruísta, que aponta o sentido de suas ações, funda-se na
fidelidade à amizade e na tolerância, concebendo e aceitando as diferenças.
Reforça aspectos de uma vivência conforme os princípios da ética de fidelidade
à amizade, capaz de fortalecer o nculo entre amigos e desinteressada; firma
um território de identificações e uma ética da comunidade, historicamente
fundada. A população assume um mesmo objetivo e conjuntamente luta por
uma mesma meta, fundamentada pela harmonia e pela solidariedade.
296
5.11 Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo
A narrativa de Turma da Mônica: Uma aventura no tempo, apresenta
a façanha dos personagens em uma missão de busca dos quatro elementos da
natureza água, fogo, ar e terra. Tais elementos foram dissipados no espaço,
quando a turma chegara ao laboratório de Franjinha, causando este grande
acidente. A fim de impedir o congelamento do planeta Terra, os amigos
Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão deslocam-se no tempo para reunir os
quatro elementos fundamentais. Estes personagens surgem como os heróis,
uma vez que se colocam perante as diferentes situações, enfrentando riscos e
desafios. Franjinha, por sua vez, é o grande responsável pela máquina do
tempo, que viabiliza o passeio através das diferentes eras da história e,
finalmente, a preservação da vida no planeta. Assim, além de doador, é
também mandante.
Convocados por Franjinha, os quatro personagens da turma aceitam a
tarefa. Cientes do desconhecido que enfrentariam, Mônica, Cebolinha, Cascão
e Magali assumem sua responsabilidade para com o acontecido e partem
conforme o destino determinado pela quina do tempo. Num percurso
solitário ou compartilhado, os meninos percorrem distintos espaços e tempos.
O contexto pré-histórico, o tempo do garimpo, o espaço sideral e o tempo da
turma bebê são visitados. Assim, cada um desses lugares, remete a um tempo
que lhes é correspondente. O ilógico novamente fica representado nesta
animação de Maurício de Sousa. No entanto, encontra referência nos
regimentos da atualidade sócio-histórica, que transfere para a esfera fictícia
vivências do real. O encadeamento coerente entre tais dispositivos proporciona
o efeito da verossimilhança à obra. Os personagens desenvolvem temáticas
como a superação de desafios, a amizade, a responsabilidade perante as
ações, o risco dos fanatismos, a importância da razão e da reflexão, bem como
o reconhecimento das fraquezas e habilidades.
Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo atende às funções da
morfologia do conto, apresentadas por Propp (1984):
297
01. Cebolinha, Cascão, Mônica e Magali partem em busca dos quatro
elementos da natureza, para impedir o congelamento do universo,
graças à máquina do tempo, operada por Franjinha
8.1; 15. Cada um dos amigos é transportado para um lugar diferente.
Assim, cada um deve recuperar um dos quatro elementos
09;15;16;17 Mônica ajuda uma comunidade pré-histórica a superar o
temor do falso deus do fogo e recupera o elemento fogo
15. Mônica é transportada para junto de Cascão, onde deverá ajudá-lo a
recuperar o elemento água e superar o medo da mesma
15. Cebolinha é transportado para o espaço, onde deve recuperar o
elemento ar
12;14;15;18 Juntamente com Cascão e um astronauta local, Cebolinha
consegue vencer o pirata do espaço
20. Cascão e Cebolinha voltam para junto de Franjinha, que está no
comando da máquina do tempo
16. O elemento terra está sob o poder de Mônica bebê. Mônica, Magali,
Cebolinha e Cascão vêem-se no tempo em que eram bebês. Após
muitas tentativas, nica troca seu coelho Sansão com o elemento
terra, de Mônica-bebê
20. Mônica e sua turma regressam com o elemento terra para junto de
Franjinha
8.1. A máquina do tempo encontra-se avariada, com seu funcionamento
limitado
23. Dorinha chega no laboratório de Franjinha, ajudando-o de maneira
decisiva para o regresso dos amigos
15. Mônica deve ser novamente transportada, a fim de recuperar
Sansão, que não poderia ficar perdido no tempo
20. Mônica retorna com Sansão
26. Juntos, conseguem finalizar a tarefa, salvando o planeta.
O enredo fictício de Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo
aceita aproximações com a ética de Aristóteles, explorada a partir das funções
estruturais do conto.
298
Assumindo a responsabilidade pela dissipação dos elementos na
natureza, a turma da Mônica lança-se para restabelecer a ordem
desestabilizada. Cebolinha, Mônica, Magali e Cascão reconhecem os riscos da
missão e acatam as orientações de Franjinha a fim de resgatar o equilíbrio do
planeta Terra. Então, ultrapassam suas tendências ególatras e buscam a
harmonia entre o coletivo. Para tanto, precisam que seus recursos internos
sejam organizados, orientando-os para uma atitude moderada, na qual
aspectos racionais equalizem-se com os emocionais.
Mônica, Cascão, Cebolinha e Magali são enviados a períodos temporais
distintos, nos quais se deparam com situações particulares. Assim, o resgate
de cada elemento requer um enfrentamento e uma superação, que culmina em
uma transformação pessoal.
Todos os personagens da turma revelam coragem, ao aceitar o desafio
proposto por Franjinha. Em algumas situações, demonstram medo, mas
conseguem transpor suas fraquezas e encontrar a excelência moral. Enviada
para a era do fogo, Mônica ajuda uma tribo a libertar-se das intenções
controladoras do Deus do Fogo. A ganância desta entidade submetia aquela
tribo acovardada a seus ditames. Apaixonado por Thuga, este falso Deus
ameaça incendiar a aldeia, caso ela não se entregasse a ele. Então, induzia os
habitantes daquela tribo ao medo, a fim de obter reconhecimento e glória.
Capaz de atitudes irascíveis, o desequilíbrio do deus é detido quando Mônica
captura o elemento fogo. Sua coragem é reconhecida por aquela tribo, que
retribui a personagem com um agradecimento condigno.
A máquina do tempo conduz Cascão ao Brasil, no período do garimpo,
onde deve recuperar o elemento água. Contudo, seu medo irracional da água
impõe-lhe um freio à missão. Deve enfrentar Dente de Ouro, um bandeirante
que se apoderou do elemento água, secando a floresta, a fim de facilitar o
garimpo do metal. Sua atitude coloca plantas, animais e índios em risco.
Franjinha, ciente da dificuldade de Cascão em enfrentar sozinho este desafio,
potencializado em função do fator água, decide enviar nica para junto dele,
a fim de colaborar com a busca. A presença de Mônica é decisiva para o
sucesso da tarefa, auxiliando Cascão a vencer sua covardia. Com coragem e
299
cautela, recuperam o elemento com o qual haviam se comprometido. Juntos,
vencem Dente de Ouro, impedindo-o de levar suas intenções às últimas
conseqüências. Era um garimpeiro pretencioso e ególatra, que desejava obter
riqueza, orientando-se pelo excesso. Age com indiferença para com os outros,
ignorando suas necessidades. Invadido pela ganância, almeja enriquecer,
independente do sacrifício do outro, revelando uma tendência para a cólera e
para a irascibilidade. Em contrapartida, Mônica demonstra seu desprendimento
para com seus interesses ególatras, assumindo como também sua, a missão
de Cascão, aliando-se a ele e revelando sua amizade verdadeira e
desinteressada.
Cebolinha é enviado ao universo futurista de uma astronauta. No
espaço, deve enfrentar a ambição de Cabeleira Negra e recuperar o elemento
ar. A vivale-se de sua beleza para seduzir e manipular as pessoas, a fim de
reforçar seu poder. Orienta suas atitudes pela amizade por interesse, uma vez
que não possui uma afeição natural por aqueles que cruzam seu caminho, mas
falseia uma afinidade, com o intuito de retornos vantajosos. Liderando os seres
interplanetários, ela está sempre em busca de novos tesouros. Assim, se
apodera do elemento ar, que se encontrava na nave do astronauta. Cascão vai
ao encontro de Cebolinha, absorvido pelo sentimento de amizade perfeita que
movia em relação a seu companheiro. Sentindo-se ameaçada, Cabeleira Negra
transforma Cebolinha em um rato, mas a coragem e a determinação de Cascão
salvam o menino daquela maldição.
O último lugar para o qual o grupo devia ir era o tempo em que a Turma
da nica ainda era bebê. Magali é a primeira a ser enviada. No entanto, para
resgatarem o elemento terra, todos os quatro integrantes da turma deveriam
estar presentes. Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão deparam-se consigo
mesmos no passado, percebendo algumas de suas características e
encontrando suas verdades. De posse do elemento faltante, nica-bebê não
o largava por nada. Então, Mônica consegue trocá-lo por seu coelho Sansão.
Regressam para o laboratório de Franjinha onde, de posse de todos os
elementos da natureza, tentam restabelecer a ordem afetada. No entanto,
percebe-se na ausência de Sansão, um impeditivo. Novamente, Mônica
regressa a um encontro consigo mesma e consegue resgatar seu coelho.
300
Frente a uma explosão em seu laboratório, Franjinha conta com o auxilio
de Dorinha que, apesar de sua limitação visual, ajuda-o com seus outros
sentidos, mais apurados, como o olfato e o tato. Desta forma, conseguem um
com o apoio do outro atingir o objetivo da missão e dar continuidade à
harmonia no planeta Terra. Verifica-se, que entre os personagens da turma,
vigora a tendência para a amizade verdadeira, através da qual conduzem suas
atitudes, nutridas pelo sentimento de bem comum. É este sentimento sincero e
desinteressado que coloca os personagens da turma um a favor do outro,
compreendendo suas limitações e ajudando a superá-las.
Juntos, buscam encontrar a moderação em suas disposições, revelando
um desprendimento das necessidades egoísticas; pensam no bem comunitário,
atendo-se à sócio-ética. Encontra-se em Turma da Mônica em: Uma aventura
no tempo algumas intersecções com a ética de Edgar Morin. Franjinha denota
moderação para com suas decisões, pois respeita o interesse de todos,
priorizando a ética universalista, sendo agradável para com os demais
personagens, demonstrando amabilidade, altruísmo e disposição com o seu
próximo.
Pontuando aspectos da ética de Morin, verificam-se aspectos
pertinentes à produção analisada. Os personagens Mônica, Cascão,
Cebolinha, Magali, Franjinha e Dorinha agem conforme a ética da religação.
Para tanto, através da auto crítica e auto-análise, conduzem uma reflexão
sobre si e, finalmente, com autonomia, apontam para o outro, reconhecendo a
identidade comum e valorizando o altruísmo. Com liberdade, optam em aceitar
o desafio e rumam para o objetivo da religação. Deste modo, pensando na
ética comunitária, partem na direção dos elementos para salvar o planeta
Terra. Decidem entregar-se para um fim maior - a humanidade - assumindo
uma postura condizente com os princípios da auto-ética. Descentram-se do
olhar egocêntrico e atentam para o outro. Possuem liberdade para escolher o
caminho a seguir, mas optam em fundar suas ações conforme aquilo que é
orientado pela ética do amor e pela fidelidade à amizade.
Em cada um dos períodos para o qual são enviados, deparam-se com
vilões peculiares. Com seus imprintings, os vilões autojustificam suas ações,
julgando-as condizentes com a moral. No entanto, tais personagens estão
301
invadidos por seus pensamentos egocêntricos e, portanto, recusam o
altruísmo. Os vilões são dominados pela incompreensão, estando cegados por
suas paixões e fanatismos.
Verifica-se em Cascão uma tendência à incompreensão, quando
dominado por ser temor ao elemento água. Mas, com a participação altruística
e solidária de Mônica, consegue dominar seus medos e crenças, passando
para o nível da compreensão. Após essa transformação, acompanha-se um
processo de evolução, desenvolvimento e progresso.
Comprometidos com a ética da honra, os heróis da história conseguem
ajudar os habitantes dos períodos visitados a desprenderem-se das marcas de
seus imprintings e das normalizações, assumindo suas autonomias.
O que motiva o movimento da narrativa é a inclinação para a sócio-ética
ética da comunidade com imperativos éticos universais. É o compromisso
com a espécie que alavanca a missão dos heróis, a partir do compromisso com
a solidariedade e com a responsabilidade. Pretendem preservar o destino
humano, a partir do fim ético, resistente à crueldade e à barbárie.
5.12 Garoto cósmico
Garoto smico concentra sua narrativa no percurso trilhado por três
personagens – Luna, Maninho e Cósmico. Estes personagens, juntamente com
outras crianças, vivem no Planeta das Crianças, da Galáxia Sétima. Esta
galáxia comportava uma diversidade de planetas, dentre eles, aquele em que
os três meninos muito desejavam estar: o Planeta das Crianças Adultas. No
entanto, a passagem para esta etapa do ciclo vital dependia diretamente da
forma como se portavam, bem como das respostas que dessem às exigências
e às normativas do planeta. Como em um jogo de vídeo game, iam
acumulando pontos e, quando atingissem uma dada pontuação, mudavam para
a fase subseqüente. Cansados de esperar por esta transição, e insatisfeitos
com os determinismos de seu planeta, decidem encontrar uma maneira de
antecipar o ingresso no Planeta das Crianças Adultas. Contudo, desviam-se do
302
objetivo principal, chegando a um planeta desconhecido, no qual se deparam
com situações inesperadas e inusitadas. Neste planeta, encontram
personagens híbridos e particulares, que contrastam com a previsibilidade e
padronização daqueles com quem conviviam em seu planeta. A animação
Garoto cósmico é cercada por temáticas que tangenciam aspectos
pertinentes à solidariedade, à amizade, ao companheirismo, à superação e à
autonomia, fazendo uma crítica à submissão, aos determinismos, à rotina pré-
programada, à alienação da criatividade, bem como à glamurização e à
passividade perante os recursos tecnológicos.
Diferentes personagens vão compondo a animação, ao mesmo tempo
em que integram as esferas de ação apresentadas por Vladmir Propp (1984).
Cósmico, Maninho e Luna enquadram-se na esfera de ação do personagem
herói, pois partem dedicados a uma busca elevar a pontuação para ingressar
no Planeta das Crianças Adultas - mas vão se deparando com novos
elementos que os conduzem a outras perspectivas e, finalmente, a uma
transfiguração. O Capitão Programação revela-se o grande malfeitor da trama.
Com o objetivo de dominar o mundo, submetendo-o a sua programação, ilude
seus habitantes com ofertas sedutoras para as etapas subseqüentes do jogo
da vida. Junto a ele, identifica-se Massaróca, personificado sob a forma de
sombra, que se alimenta da monotonia, sendo capaz de sufocar a essência de
cada sujeito. Sem autonomia, os personagens dos planetas comandados pelo
Capitão Programação apresentam-se sob um formato indiferenciado.
Fora deste planeta e galáxia, viviam outros personagens que, alheios à
programação, comportavam-se de forma casual. Bicho, o personagem que
conduz as crianças ao Circo Giramundos, representa a figura do doador, pois
vai permitir que, neste novo lugar, elas possam rever suas crenças, a partir de
novas vivências. Então, o circo é reconhecido como o objeto mágico. Sob o
caráter de auxiliares, outros importantes personagens ganham visualidade
cênica. Assim, com seus atributos, participam do percurso vivenciado pelos
heróis, de suas conflitivas e da resolução das mesmas. Entre os auxiliares,
encontra-se Giramundos, o grande mentor do circo que, por sua vez, carrega
seu nome. Perspicaz, conduz Cósmico, Luna e Maninho a experiências
303
diferentes, permitindo que revisem importantes concepções vitais. Como
membros de sua trupe, o Circo Giramundos é formado por outros personagens
originais: o palhaço Jajá, capaz de transformar-se naquilo que quisesse e
responsável por apresentar importante parte do circo para os meninos; o
mágico Zaz-Traz, que carrega surpresas em sua cartola; Azul e Rosa, balões
acrobatas; Papão, um monstro amigo, feito de chiclete; a Bailarina que canta e
ensina a plantar; Bola e Perna de Pau, que, juntos, rompem com a
previsibilidade e com os paradigmas que as crianças haviam aprendido, ao
momento, em suas vidas.
Giramundos é o primeiro personagem a ganhar visualidade na
animação. Insere-se ainda no momento dos créditos. Rapidamente, assume o
papel de personagem-narrador, através do qual faz um convite ao espectador
para o maior circo do mundo. Na sequência, um narrador onisciente, neutro,
introduz a trama, situando-a no tempo e no espaço, retirando-se ao longo do
desenvolvimento da narrativa. A animação apresenta uma determinação
temporal, 2973, e espacial, situando os espaços percorridos pela sequência
narrativa.
As regras e os conceitos preservados no Planeta das Crianças não
encontravam correspondência no Circo Giramundos, rompendo com a
previsibilidade anteriormente vivenciada por Luna, Cósmico e Maninho. Sob o
enfoque do maravilhoso, tempo e espaço vão ganhando visibilidade,
apresentando possibilidades que rompem com a lógica, fazendo um convite ao
mágico, a partir do momento em que se traz à cena situações surreais,
marcadas pela fantasia. A intensidade do conteúdo apresentado instiga
reflexões perante aspectos da atualidade vigente e externa ao mundo do era
uma vez. Em Garoto cósmico, presentificam-se as funções da morfologia do
conto desenvolvidas por Propp (1984). O comparecimento, por vezes aleatório
das funções, respeita a coerência rítmica da história, como pode se observar:
2. Inicia o programa do Capitão Programação, que esclarece às
crianças que, assim que completarem 10 mil pontos, passarão para
a nova fase da programação: o Planeta das Crianças Adultas,
momento em que ganharão um relógio igual ao do Capitão, bem
304
como o certificado de criança adulta, sendo esta a recompensa para
uma criança que segue sempre rigorosamente sua programação
1. Quando chega a hora de dormir, Maninho deita-se, mas smico
não tem sono, até que Luna convida os amigos para irem, através
da tubulação, até a Central de Dados da escola buscar pontos e
tornarem-se logo criança adulta, desrespeitando as etapas da
programação
3. As crianças se perdem no sistema de tubulação e acabam ficando
sem programação
4, 5. Massaróca, o monstro que os vigia, acompanha seus passos e
mantém-se informado sobre tudo o que acontece.
8.1. As crianças tentam retornar ao alojamento, no intuito de
recuperarem a programação, mas perdem-se e chegam à estação
espacial, onde Luna pensa em estratégias para voltar ao Planeta
das Crianças.
9. A nave estaciona em um planeta desconhecido
13. Giramundos chega para recepcioná-los. Com estranhamento, Luna
pergunta se não deveria estar no Planeta da Quarta Idade e
questiona-o acerca da programação. Giramundos mostra, através de
sua fala, que não está preocupado com a programação, lembrando
que faz parte da programação do circo
15. As crianças seguem com Giramundos em seu calhambeque, até
chegarem ao circo. As crianças estranham o circo, onde tudo é
diferente: um personagem contrasta com o outro em suas
características fenotípicas, mas como diz a letra da música que
complementa a fala de Giramundos, ali “todo mundo tem sempre um
lugar”
14. Luna convida os amigos a pegarem o trem para tentar voltar a seu
planeta. Jajá, o palhaço do circo, alerta-os de que quem entra ali
nunca sai do mesmo jeito, pois passa sempre por uma
transformação
6. O Capitão Programação aparece para as crianças e diz que os
procurou por todo o planeta
305
7. O alarme do Capitão soa e ele chama as crianças para irem para o
Planeta das Crianças. As crianças ficam seduzidas pelo fato de irem
na nave super complexa do Capitão Programação
12. As crianças devem jogar um game, jogo especial para aqueles que
saíram da programação. Nele, cada criança tem um inimigo que
deverá combater, para ficar ao lado do Capitão para sempre. Devem
encontrar o inimigo: os amigos que fizeram no circo do Giramundos
aparecem sob traços agressivizados. Também o trem de
Giramundos reaparece e o Capitão os incita a atirar nele, a que eles
se negam, recusando o jogo
8. São abandonados e desativados pelo Capitão, que informa que
aqueles que fracassam ficam perdidos no espaço sideral. No
espaço, questionam-se ainda, sobre o que acontece com uma
criança desativada e quanto tempo levariam para resgatar seus
pontos
15. Bicho aparece e salva os garotos, levando-os de volta para junto de
Giramundos. As crianças estão tristes com o fato de terem sido
desativadas, mas Giramundos conta a eles sua história, dizendo que
fora desativado também. Mostra a eles que é um desativado ativo
e mostra as vantagens de viver fora daquele mundo da programação
16. Quando vai começar o espetáculo do circo de Giramundos,
Massaróca aparece, bem como as Bocudas, que ficam agressivas e
perigosas na presença dele, se acalmando quando ganham
chocolate. Giramundos, para proteger Cósmico, enfrenta Massaróca
17. Giramundos fica desacordado
16. Cósmico também enfrenta Massaróca, a fim de proteger
Giramundos, mas é engolido. Então, tudo é tomado por uma sombra
e todos ficam desacordados
17. Cósmico fica aprisionado dentro de Massaróca
18. Dentro de Massaróca, Cósmico reflete e razão a Giramundos.
Pensa em uma possibilidade de sair de dentro de Massaroca, até
que consegue escalá-lo e atravessá-lo. Assim, raios de sol incidem
sobre os personagens que despertam e afastam Massaróca
306
19. Agora, os meninos não precisam mais estar submetidos a regras e à
rígida programação antes imposta
20. Felizes, escutam a história contada por Giramundos, sobre um
menino que vivia num planeta como um quintal, onde podia correr,
brincar com seus amigos, com o vento, árvores, rios... localizado na
Cidade das Estrelas, rua dos Planetas, do Ano dos Dias sem
Número.
De acordo com as funções determinadas por Vladimir Propp (1984),
identifica-se, na sequência fílmica, os valores éticos desenvolvidos por
Aristóteles. As situações desenvolvidas na narrativa vão estabelecendo elos
que relacionam a excelência à deficiência moral, reforçando positivamente o
aspecto virtuoso das vivências.
O vilão Capitão Programação aparece na trama, através de seu
programa, seduzindo seus espectadores à submissão perante suas regras para
passar à próxima fase de suas vidas: o Planeta das Crianças Adultas.
Controlando os planetas da Galáxia Sétima, coloca todos seus habitantes a
mercê de suas regras, formando pessoas inexpressivas e conformadas com
seus estilos de vida. A animação apresenta o Planeta das Crianças e os
demais planetas da Galáxia Sétima, como espaços controlados pela
tecnologia, em que os sujeitos o entregues ao mecanicismo da tecnologia.
Assim, ganancioso, o Capitão Programação deseja manter-se no poder. Para
isso, vigia os planetas, ilude aqueles que vivem sob seu domínio, que o
idealizam, punindo aqueles que rompam com o padrão de sua programação.
Sua estratégia para dominar e submeter todos à sua programação é a amizade
por interesse, através da qual finge preocupação e interesse para com as
crianças que, ingenuamente, acreditam nele e o idolatram. É apresentado às
crianças sob a forma de um semi-deus que, onipontente, protege e orienta
seus caminhos.
As aparições do Capitão Programação, em seu programa “Space TV”, e
suas promessas, despertam, em Cósmico, Luna e Maninho, o sentimento de
pretensão. Desejavam ser as primeiras crianças de sua turma a passar para a
307
fase do Planeta das Crianças Adultas. Sob esta inclinação, rompem com sua
passividade e decidem impor-se ao regime vigente, burlando regimentos da
programação. Desejosos pela elevação de suas pontuações, abandonam seus
dormitórios e partem para este fim. Apesar da insegurança inicial, Maninho e
Cósmico são convencidos por Luna, que se mostra segura e determinada. Um
misto de temeridade e coragem acompanha os meninos, quando decidem
rumar para a Central de Dados da escola, para conquistar uma maior
pontuação e serem os primeiros a passar para a fase das crianças adultas.
Contudo, não possuem habilidades para alcançar este objetivo. Negligenciando
o perigo de sua busca, perdem-se na tubulação e saem da programação,
partindo para novos caminhos e descobertas. Sem saber, são vigiados por
Massaróca que, ganancioso, não pode exercer a amizade perfeita, mas deseja
obter vantagens com suas ões. Ligado ao Capitão Programação, age
irascível e insensatamente perante aquele que se interponha em seu caminho.
Parte de Luna o convite aos amigos para encontrarem outras verdades,
apresentando-lhes outras possibilidades e fomentando a consciência.
Abstendo-se de uma concepção religiosa, pode-se comparar a postura de Luna
com a de Eva, do livro do Gênese, que apresenta a Adão o fruto da árvore do
conhecimento, fato que transforma o curso de suas vidas.
Perdidos na estação espacial, as crianças agem conforme a amizade
perfeita, uma disposição para a reciprocidade de afeição natural e para a
amabilidade, estando desprovidas de interesses futuros. Preservando os
mesmos ideais, conquistar pontos para passar à fase do Planeta das Crianças
Adultas, agora, antes de tudo, desejam encontrar uma maneira de regressar ao
Planeta das Crianças, pois estavam certos de que haviam agido de maneira
precipitada e temerária, pois ignoraram os riscos da missão. Com coragem,
procuram estratégias para retornar ao Planeta das Crianças, mas fracassam na
tentativa e, guiados por Bicho, personagem que fugia das confusões da
Estação Espacial, têm como destino final o Circo Giramundos. Em
Giramundos, tudo se apresentava diferente daquilo que até então haviam
contatado. Ao invés do formato padronizado vigente no Planeta das Crianças,
ali tudo era colorido e combinava várias possibilidades do ser. No entanto,
308
Luna, Maninho e Cósmico mostram-se ainda bastante presos àquele planeta,
mergulhado em máscaras da verdade.
Giramundos aproxima-se de Luna, Maninho e Cósmico, através de uma
postura de acolhimento, revelando espirituosidade e sinceridade. Com
amabilidade, mostra-se agradável e oferece abrigo aos meninos. Isento de
intenções futuras, Giramundos deseja viver conforme sua verdade,
demonstrando justeza de caráter e conduzindo seu ser conforme a amizade
perfeita, manifestando, portanto, a boa vontade recíproca e a afeição,
aceitando a verdade do outro. Tais elementos ajudam a sustentar uma relação
duradoura e estável entre os seres. Em contrapartida, Luna, Maninho e
Cósmico desejam retornar ao Planeta das Crianças. Não conseguem conceber
suas vidas naquele circo, que muito contrastava com suas experiências de
vida. Revelam-se incansáveis na busca pelo caminho de volta. Por isso, agem
conforme a amizade por interesse, pois fundam a relação com os habitantes do
circo nesta meta. Acima da afeição natural que cada personagem possa ter
despertado nos meninos, o motivo inicial que os une é o de retorno a suas
origens. Para tanto, falsificam uma afeição, que mais tarde se naturalizará, e
tentam valer-se dos recursos do Circo Giramundos.
No Circo Giramundos, entregam-se às ofertas mágicas. Deparam-se,
mais uma vez, com a amizade perfeita, mas agora, dos demais integrantes do
circo, com a amabilidade e com a espirituosidade, entregando-se aos prazeres
ofertados em cada vagão do trem, que levava o circo ao mundo, apresentando,
a todos que estivessem abertos ao novo, os prazeres da vida. Fracassados em
seu percurso de busca ao Planeta das Crianças, são localizados no circo pelo
Capitão Programação que, pretenciosamente, com um discurso sedutor, induz
as crianças a regressarem ao seu planeta. As crianças eram reconhecidas pelo
Capitão como objetos de sua posse e valia-se delas para manter seu poder e
acumular suas riquezas, revelando sua avareza. De forma interesseira, conduz
Luna, Cósmico e Maninho a sua nave, através do atrativo da máquina super
complexa. Incansável, deseja o reconhecimento e a glória. As experiências
vivenciadas no Circo Giramundos fazem-se atuantes na essência dos meninos
que, fundados na amizade perfeita, agem corajosamente, opondo-se aos
309
comandos do Capitão Programação que os joga no espaço sideral, onde são
resgatados por Bicho que, através de sua amizade, desejava o justo, revelando
sua amabilidade para com os meninos.
Mais uma vez, a calma é desestabilizada no circo de Giramundos. O
grande vilão Massaróca que, juntamente com o Capitão Programação,
desintegra a harmonia, desacorda Giramundos quando este tenta,
desinteressada e amavelmente, proteger Cósmico. Esses vilões manifestam
suas irascibilidades e suas ganâncias, direcionando suas vidas segundo aquilo
que lhes é interessante, descredenciando a amizade para com o outro.
Determinado por sua amizade verdadeira, Cósmico decide enfrentar a fúria de
Massaróca. No entanto, sua atitude temerária submete-o ao aprisionamento.
Enfraquecido, encontra recursos e, corajosamente, decide enfrentar a condição
que lhe foi imposta por Massaróca, conseguindo libertar a si e a todos aqueles
que estavam adormecidos, que se recobrem novamente de vida.
Cósmico, Luna e Maninho compreendem as intenções do Capitão
Programação. Assim, passam a rejeitar os princípios pertinentes ao Planeta
das Crianças e entregam-se a uma outra possibilidade do existir, própria do
Circo Giramundos, em que a amabilidade, a amizade perfeita e a sinceridade
passam a dar a diretriz de suas vidas, aceitando seus novos destinos.
Repudiando seu antigo planeta, Cósmico, Luna e Maninho compartilham
da amabilidade, da amizade perfeita e da sinceridade com os demais
personagens do circo, aceitando seus novos destinos.
Mediante a narrativa fílmica, a análise das funções da morfologia do
conto desenvolvidas por Vladimir Propp (1984) permite, também, um olhar
atravessado pelo quadro ético de Edgar Morin, que oferece outras
possibilidades interpretativas.
A partir desta perspectiva, confere-se ao Capitão Programação uma
atitude egocêntrica, que impossibilita o ato moral, pois é impeditiva da religação
com o Outro. Sua tendência ao egocentrismo sobrepõe-se à atitude altruísta do
ato moral. O laço com a comunidade, com a sociedade e com a própria espécie
310
apresenta-se sob um formato restrito, pois é limitado pelas características
homogeneizantes de cada planeta. Os personagens da Galáxia Sétima vivem
submetidos a seus imprintings, que normalizam as especificidades impostas,
ou seja, a programação ditada pelo Capitão Programação, a busca por
pontuação e o objetivo final de passar para a próxima fase: o Planeta das
Crianças Adultas.
Os personagens Cósmico, Luna e Maninho eram tomados pela aparente
verdade dos imperativos do Capitão Programação. Tais personagens eram
dominados pelos imprintings e pelas normalizações inscritas na cultura. Com
uma compreensão limitada, conformavam-se com os determinismos
cartesianos disseminados no Planeta das Crianças. O Capitão Programação
habilmente seduzia os pequenos habitantes daquele planeta, obcecados pelos
atrativos ofertados. A carência de experiências limitava suas ambições,
fazendo-los aceitar passivamente as verdades daquele governante. Esse
formato de vida reforçava as prescrições rígidas da programação, impedindo
atos de religação para com o outro e semeando a intolerância. As crianças que
viviam sob o comando do Capitão Programação não identificavam incoerências
na organização da dinâmica do planeta. O Capitão semeara neles o desejo de
elevar rapidamente sua pontuação, incitando-os a questionar a lentidão com
que ganhavam pontos. A decisão de Luna, Maninho e Cósmico, de partir na
busca de pontos, revela-se a primeira atitude das crianças de confrontar com a
normalização de suas culturas, ainda que sob uma perspectiva egoística e
enganadora.
No Planeta das Crianças, Luna, Cósmico e Maninho formam uma
pequena comunidade, marcada pelos traços da religação, da amizade, da
afeição e do amor. Através da auto-ética, agem conforme seus potenciais de
autonomia e de decisão pessoal, desarraigadas de imposições paradigmáticas.
Tomando consciência de si, através da auto-análise, os personagens efetivam
uma reflexão para si, ativando, pela via da autocrítica, uma barreira ao
egocentrismo. Agem altruisticamente enquanto grupo, conforme o bem do
mesmo, respeitando a honra um do outro. Luna, Cósmico e Maninho, regidos
pela ética da liberdade, assumem suas escolhas a partir de suas
311
racionalidades. Os pequenos personagens colocam em questão a
programação e autorizam-se a viver conforme um dinamismo autônomo. Este
movimento se conforma com o de uma organização viva e, apostando nesta
inclinação, como uma tendência natural, os garotos, gradualmente, reformatam
alguns princípios éticos até então determinantes. Luna, movida por sua auto-
ética, é a primeira a romper com a passividade perante as determinações da
programação. Então, convida seus amigos, Cósmico e Maninho, a aceitarem
seus impulsos afetivos e os ditames da uma auto-ética.
Ao terem seu caminho desviado do Planeta das Crianças, Cósmico,
Luna e Maninho deparam-se com novas possibilidades, modos de vida e
posicionamentos. Se, em seu Planeta, vivenciavam uma restrição social,
sufocada pelo egocentrismo, desacomodam-se perante as novas
possibilidades encontradas. Primeiramente regidos pelo self-deception, auto-
enganam-se, descredenciado os contrastes observados fora de seu planeta.
Buscam o retorno para o Planeta das Crianças, imersos em proposições
previsíveis. Mas o convívio com as diferenças, interpretadas, inicialmente, com
osestranhamento, são revistas pela via da recursão ética, levando-os a agir
conforme a ética da honra, aceitando as diferenças que lhes são apresentadas.
Fiéis à amizade, passam a revelar um forte vínculo com aqueles que
encontraram no Circo Giramundos e, despreocupados com interesses
secundários, esteiam suas ações nos fundamentos da ética do amor, que
valoriza os princípios do altruísmo, da dignidade, da lealdade e da honestidade.
O Capitão Programação e Massaróca encontram-se presos a seus auto-
enganos e ao self-deception. Logo, com posicionamentos inflexíveis, agem
conforme seus egocentrismos, ignorando a honra do outro. Despreocupados
com as necessidades e individualidades das crianças, constrangem-nas a sua
programação. A partir das vivências experienciadas no Circo Giramundos,
Luna, Maninho e Cósmico vão percebendo as reais intenções do Capitão
Programação, regidas pelo egocentrismo, pela autojustificação e pela
incompreensão. Assim, revendo suas predisposições éticas e, principalmente,
suas concepções, recusam-se a cumprir com os ordenamentos do antigo herói,
Capitão Programação, e finalmente, cumprem com os preceitos da recursão
312
ética. Assim, quando convocados pelo Capitão Programação a combater
aqueles que conheceram no Circo Giramundos, conseguem impor-se àquele
que, antes, idolatravam, bem como reconsiderar seus imprintings. Destaca-se,
nesta conduta, a ética de fidelidade à amizade e a ética da honra. O Capitão
Programação decide puni-los pela autonomia manifestada, descartando suas
vidas. Mas Bicho os salva, gratuitamente, estando comprometido com a
solidariedade, fraternidade e responsabilidade. Incansáveis e desprovidos de
compreensão, os vilões insistem em puni-los, mas a amizade exercida entre os
demais personagens ultrapassa os interesses egoístas, alcançando a religação
a partir da responsabilidade para com o outro, mesmo que para isso precisem
colocar-se em risco.
Giramundos e a trupe de seu circo agem em congruência com sua auto-
análise, ao direcionar um olhar para si e para o outro. Através de suas ações,
procuram atuar conforme os princípios da honra, da tolerância, da
responsabilidade, da ética da cordialidade, da amizade e da ética da
compreensão, abrindo-se à magnanimidade e ao perdão, aspectos estes
elencados pela auto-ética. A riqueza das experiências ofertadas naquele circo
desacomodam Luna, Maninho e Cósmico, que se desprendem das antigas
prescrições éticas e movem-se a favor dos imperativos universais.
Notadamente, a ética da honra é evidenciada por Giramundos, quando
expressa seus posicionamentos, mas respeita as crenças particulares do outro.
Busca uma ética planetária/ universalista, elevada sobre a tríade
indivíduo/espécie/sociedade. Pretendendo o combate à separação, à barbárie
e ao fechamento egocêntrico, conduz seu circo a favor da ética da religação,
do progresso ético.
Das análises de conteúdo apresentadas, destacam-se algumas
categorias éticas. Entre as aproximações e as digressões de Aristóteles e
Morin, vislumbra-se categorias que descendem das funções de Propp (1984):
submissão, ambição, autonomia, companheirismo, tentação, união, ética,
solidariedade, determinação, flexibilidade, autocrítica, honra, altruísmo,
tolerância, egocentrismo, simulação, vingança, leviandade, ambição, civilidade,
313
gratidão, incompreensão, compreensão, coragem, responsabilidade,
fraternidade, impulsividade, racionalidade e autonomia.
As vivências apresentadas na animação aproximam-se daquelas
pertinentes ao atual momento sócio cultural, em que o tecnológico e o
mecânico inserem-se no cotidiano de forma massificada. Os personagens
Maninho, Luna e Cósmico, vivendo em um planeta da Galáxia Sétima, no
tempo futuro, estão submetidos aos limites impostos pelos regramentos de
uma sociedade controladora. O tradicional regime massificador, que tende à
padronização de hábitos, valores, opiniões e gostos, simplificando a
complexidade cultural, é rejeitado e questionado pelos três protagonistas, que
rompem com os paradigmas que regiam o Planeta das Crianças. Partindo para
novas experiências e descobertas, contrariam a intenção homogeneizante do
Capitão Programação, um super-vilão que defende o Mundo da Programação,
onde, conforme suas palavras, a vida é “tão fácil que não precisa nem pensar”.
As crianças, inseridas no regime caracterizado por uma rotina diária repetitiva,
manifestam sua insatisfação, transgredindo a programação e escolhendo a
direção de seus caminhos. A pressa em passar para a nova fase de suas
vidas, apoiada na curiosidade natural da infância, faz com que os personagens
busquem uma estratégia para burlar suas pontuações e antecipam essa
vivência.
Antes de ser tratada sob uma ótica moralizante, a desobediência dos
meninos é tratada na trama como uma travessura própria de crianças,
simulando o imaginário infantil. O processo de busca que percorrem as conduz
ao circo Giramundos, pleno em possibilidades e experiências de vida, onde
descobrem um universo infinito. De um mundo cartesiano, previsível e
desinteressante, partem para um mundo que lhes apresenta novos mundos,
reforçando uma negativa ao domínio do maquinário automatizado. Assim, a
animação convoca o lado sensível, reflexivo, lúdico e pulsante da vida, que
desacomoda sua previsibilidade, afirmando que sua essência encontra-se além
das regras e horários. Maninho, Luna e Cósmico, com o auxílio de
Giramundos, encontram seus caminhos e fazem suas escolhas, opondo-se ao
formato de uma sociedade opressiva, num percurso repleto de magia e
314
provações que lhes oportuniza o desenvolvimento da autonomia, motivada pelo
desejo de independência.
315
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De posse das análises narrativas e das considerações éticas
desenvolvidas, observa-se, de forma isolada ou reincidente nas produções, os
elementos da moral. Conteúdos ideológicos mergulham na rede do
entretenimento, sendo capazes de comunicar magicamente alguns
pressupostos defendidos. Na perícia de uma estrutura narrativa, identificam-se
diferentes pólos de juízos de valor, que incitam a discorrer sobre a ética.
Categorias éticas, derivadas de uma atualização da ética aristotélica pela ética
de Morin, ganham visibilidade, permitindo o mapeamento de categorias de
valores morais no cinema de animação. Associando a moral à estrutura do
conto, descreve-se a maneira pela qual certas categorias encontram-se
inseridas na ação narrativa.
Como salientado no capítulo 3, as narrativas contemporâneas
distanciam-se da sequência rígida das funções estruturais propostas por
Vladmir Propp (1984). Contudo, aleatoriamente, as histórias apropriam-se
daquelas mesmas funções. Os enredos são recheados por questões morais,
que levantam reflexões acerca de múltiplos pressupostos éticos. Apesar da
ampla possibilidade de combinação entre as funções, verifica-se que a primeira
sequência de ões em geral prepara o espectador para imergir naquilo que
será a temática central do conto, apresentando os personagens que conduzem
as cenas iniciais e os elementos espaço-temporais. Uma segunda série de
funções introduz a intriga, revelando o conjunto cênico e, por fim, o tema
principal. O terceiro momento caracteriza-se pelo clímax da história, formado
pelo percurso e pelo combate entre herói e antagonista. O quarto período é
determinante para o desfecho, integrando uma realização e uma
transfiguração.
316
Cada momento desenvolve, de forma também particular, a questão da
ética. Na primeira etapa, o espectador é apresentado aos personagens, que
vão possibilitando inferências acerca de seu caráter; a segunda etapa define
a(s) questão(ões) ética(s) a ser(em) desenvolvida(s); na terceira fase do conto,
existe o combate; e, na quarta fase, no desfecho da obra, a seqüência final das
ações sugere uma moral legitimada, idealizada, ou renovada.
As categorias éticas de Aristóteles e de Morin fazem-se vigentes nas
filmografias analisadas. Enquanto Aristóteles expõe considerações
deterministas acerca dos juízos de valor, demarcando limites à excelência
moral e à deficiência moral vício por excesso/vício por deficiência- Morin
propõe uma atualização ética, fazendo um convite a uma trajetória orientada
pela auto-ética, sócio-ética e antropoética. Na medida em que elementos da
ética de Aristóteles e de Morin são apropriados pelas narrativas, reforçam-se
valores determinados por marcas ideológicas que envolvem a formação
discursiva objetivada pela produção.
Considerando as grandes contribuições trazidas por Aristóteles e Morin,
cada uma a seu tempo, faz-se um mergulho nas filmografias de desenho de
animação destacadas, buscando apresentar um mapeamento dos valores
morais implícitos em suas narrativas. Salienta-se que os juízos apresentados
estão submetidos aos conteúdos discutidos nas animações, não se aspirando à
fixação de paradigmas éticos homogeneizadores.
Verifica-se que diferentes discursos ganham significado no conjunto das
obras, dando expressividade aos discursos sociais incorporados. Assim,
história e ideologia entrecruzam-se na análise discursiva. O tempo histórico e o
espaço social, conforme desenvolve Orlandi (1988), são apropriados pela
narrativa, à qual o espectador se agrega, incorporando discursos
historicamente construídos. Os personagens, associados às suas esferas de
ação e às suas funções, demarcam o discurso das narrativas, objeto histórico-
ideológico.
Os crescentes índices de audiência das animações, atualmente
enriquecidas com a tecnologia de três dimensões (3D), sustentam o interesse
317
do público, a partir das inovações que permitem outras experiências com a
obra produzida. Instigam a curiosidade e provocam o interesse, na medida em
que a qualidade do conteúdo desenvolvido estabelece uma relação de
complementaridade com a tecnologia disponível. Enquanto algumas produções
são mais intensamente envolvidas pelo aspecto onírico, outras dão
representatividade a seus conteúdos através de discursos mais diretos e, por
vezes, empobrecidos quanto ao enredo.
Conteúdos sociais são absorvidos pelas obras que, logo se transformam
em produtos culturais, através de formações discursivas que detém marcas do
ideológico. Desta forma, as marcas espaço-temporais do contexto da produção
de cada filmografia são imprescindíveis para a completude da verificação
discursiva. Aspectos do político, do ideológico e do social, do momento em que
cada animação foi ganhando vida, incorporam a análise, visto que foram
apropriados pela formação discursiva e investidos de sentidos.
O tempo do era uma vez, hábil em remeter a um mundo mágico e
despreocupado com o caráter lógico, preserva em cada uma das narrativas
uma referência a elementos da realidade. Ultrapassando a verossimilhança
interna da obra, as temáticas encontram respaldo na atualidade sócio-histórica.
Seja nas produções mais antigas, como é o caso de Branca de Neve e os
sete anões, lançada em 1937, ou nas realizadas em 2007, como é a situação
do Garoto cósmico, identificam-se possibilidades de aproximação com o
contexto que se vivencia. As funções da morfologia do conto, definidas por
Vladimir Propp (1984), vão se diferenciando de uma narrativa para outra,
através das especificidades dos personagens e das variantes do enredo.
Branca de Neve e os sete anões, o mais antigo longa-metragem de
animação analisado, evidencia uma personagem principal frágil e sofrida, mas
que consegue vincular-se facilmente com o Outro, revelando generosidade e
sensibilidade. É sonhadora, manifestando necessidade de cuidado, segurança
e proteção. As características de Branca de Neve respondem ao contexto
sócio-histórico da época, no qual a submissão à figura masculina estava entre
os requisitos esperados e desejáveis para a mulher. Dentre os personagens
femininos analisados, Branca de Neve atrela sua felicidade ao encontro com o
318
príncipe. Branca de Neve é guiada por elementos do afetivo, através dos quais
se pode identificar uma característica que marca o feminino, orientado
notadamente pelo lado emocional da alma. Apesar de guiada pelo emocional,
através do qual revela suas fraquezas e temores, a princesa consegue
manifestar uma preocupação com a existência humana, conforme a excelência
moral. Deseja a paz, credita ao Outro um potencial para a sinceridade e busca
harmonizar a convivência. Temáticas como amizade, respeito, solidariedade,
arrependimento e amor são discutidas e inseridas enquanto categorias de
valores morais.
Contudo, ao observarmos outros personagens femininos, verificam-se
novos elementos que ajudam a lhes dar caracterização. Anastasia é uma
princesa que, partindo em busca de seu passado, demonstra auto-
determinação, coragem e tendência à objetividade. Mesmo que envolvida por
seu lado emocional, consegue priorizar sua racionalidade, fato que favorece a
habilidade para discernir a realidade da fantasia. É decidida e capaz de
desenvolver relações baseadas no conceito de amizade aristotélica, mas antes,
é prudente e reservada, demonstrando preocupação com suas metas. Seu
passado desconhecido e sua experiência de vida solitária e sofrida sustentam o
funcionamento dinâmico de Anastasia, que se esforça em guiar suas atitudes
pela razão. Assim, se possui como objetivo primeiro reencontrar suas origens,
desejo notadamente orientado pelo afetivo, a maneira pela qual guia suas
ações é dominada pelo racional, o que a impede de iludir-se facilmente com
promessas e propostas.
Branca de Neve e Anastasia são negativamente afetadas por outros
personagens que tentam destruí-las. Enquanto aquela que interfere no
percurso de Branca de Neve é a Rainha, quem tenta interromper a trajetória de
vida de Anastasia é Rasputin, antigo conselheiro do Czar. Propostas distintas
motivam estes vilões que, cegados por suas paixões e fanatismos, manifestam
insensibilidade aos sentimentos das princesas que cercam. Se as ações da
madrasta são mobilizadas pela inveja, as de Rasputin o o pelo desejo de
vingança. A Rainha sente-se ameaçada com a beleza de Branca de Neve.
Matá-la lhe garantiria o status de mais bela. A execução de Anastasia permitiria
319
que Rasputin se sentisse vingado pelo fato de um dia ter sido dispensado da
função de Conselheiro do Czar. Cada uma destas orientações, mesmo que
distintas, são movidas pela ganância e pelo desejo de poder, marcados pelo
lado ególatra da alma. Tais ões rejeitam o fim aristotélico do agir conforme a
virtude da excelência moral. A indiferença perante as necessidades do Outro, o
individualismo e o egocentrismo inserem-se nesta dinâmica de ação, sendo
impeditivos para a religação proposta por Edgar Morin. Ambos os vilões
desrespeitam os valores vitais dos demais personagens, sobrepondo a eles
interesses particulares. Verifica-se, neste contexto, que personagens-heróis se
confrontam com personagens-vilões que, temerários, perdem qualificações e
fracassam. Cegados pela ira, pela inveja e por desejos apaixonados, são
derrotados, mas antes, manipulam situações, faltando com a verdade e
despreocupando-se com o potencial racional.
Fionna, a princesa ogra, retrata outro momento da mulher na sociedade,
uma vez que se revela presa ao ideal de beleza estereotipado e propagado
pela mídia. Insegura com seu Eu, almeja ser encontrada e desejada por um
príncipe cujo amor lhe garantirá a beleza. Sua ganância conduz Fionna ao
encontro de Lord Farquad. A relação entre eles é frágil e sustentada por
interesses fúteis, como a superficialidade da beleza. Primeiramente, a princesa
dispensa a amizade de Burro e Shrek. Após decepcionar-se com o ideal de
príncipe almejado, consegue rever seus conceitos e encontrar o valor na
essência virtuosa do Outro, aceitando sua condição de ogra, bem como a de
Shrek, nascendo entre eles o amor e a amizade. Novamente, o vilão da história
é motivado pela ganância, que se soma à sua ambição e destempero.
Desejando ostentar um tulo de nobreza que não possui, Lord Farquad
desconsidera a honra de Fionna, desrespeitando seus sentimentos e
seduzindo-a estrategicamente pela via da amizade por interesse. Desprovido
de coragem, cria situações em que o Outro deve assumir os riscos de suas
metas, como fez com Shrek, ao obrigá-lo a libertar Fionna da torre guardada
por um dragão. É contraditório ao exibir-se jactanciosamente com os feitos e
conquistas que idealiza, mas não executa.
320
O General Mandíbula, personagem vilão da animação Formiguinhaz,
ambiciona o poder, prioriza seus interesses e despreza os sentimentos de
qualquer um, mesmo os de um servo fiel. Suas intenções gananciosas
controlam suas ações. É hábil em constranger a colônia, bem como a Rainha,
que acata os conselhos do general, passivamente. É um ditador que rejeita as
diferenças e a possibilidade de liberdade individual, mas subjuga cada um,
priorizando suas aspirações. Concebe a descartabilidade da vida, desprezando
a honra daquele que se oponha a seu sonho de governo. Os projetos
destruidores deste vilão são vencidos por Z, um herói falho, invadido por
dúvidas e questionamentos. Inquieto, é considerado inadequado àquela colônia
que reúne cidadãos passivos e submissos. Distancia-se do estereótipo do
herói, forte, sedutor e idealizado pelas princesas. Mas sua diferença é
justamente o elemento que encanta a princesa Bala, pois assim como ele, ela
também rejeitava normas ditatoriais e imperativas que dominavam a colônia. O
fato de serem questionadores faz com que Z e Bala se destaquem naquela
multidão de formigas diferenciadas apenas pelas castas. A postura destes
personagens-heróis permite que sejam evidenciadas as diferenças e as
particularidades dos integrantes da colônia, valorizando o potencial individual e
coletivo daquele meio, bem como a possibilidade do exercício da liberdade
responsável.
Juntamente com Formiguinhaz, as animações A era do gelo e
Procurando Nemo desenvolvem seus enredos sob o caráter fabulístico.
Conceitos, relações e conflitos vigentes no social são apropriados pelos
personagens bichos, sustentando e retratando alegoricamente a dinâmica de
inter-relações humanas. Uma das mais antigas formas de contar histórias, as
fábulas, serviram por muito tempo para ilustrar virtudes e vícios, demarcando
uma moral. Transpondo o tempo as antigas fábulas de Esopo, Fedro e La
Fontaine ainda hoje, presentificam-se, contribuindo com elementos morais da
cultura popular. Da mesma maneira, as fábulas animadas abordam temáticas
que representam e identificam traços do humano, ilustrando o certo e o errado.
Assim ocorre em A era do gelo, animação na qual a busca pelo poder e a
vingança eleva-se como motivadora da narrativa, mas surpreende com um
enredo e um desenlace final circundado por conteúdos hábeis em enriquecer a
321
dramaticidade refletida. Dentre estes, destaca-se a traição, o jogo de
interesses, a compreensão das diferenças, a integração, a complementaridade,
a solidariedade, o desamparo e o sacrifício pelo ideal comum, que retratam
uma fração da complexidade humana. Nesta produção, distintas espécies
animais encontram-se traçando um destino comum. O bando de tigres dentes-
de-sabre caracteriza a esfera dos vilões. Contudo, um dos integrantes deste
grupo, Diego, concebe uma outra verdade para sua vida, afastando-se dos
projetos de seus semelhantes.
Os grandes vilões das narrativas costumam ser punidos com o sacrifício
da própria vida. Geralmente, não demonstram arrependimento e mantém a
mesma postura do início ao fim da história. Como exemplo destes, temos os
citados Madrasta, Rasputin, General Mandíbula e Lord Farquad, de Branca de
Neve e os sete anões, Anastasia, Formiguinhaz e Shrek respectivamente.
Diego muda de posição no transcorrer de A era do gelo. Assim, o percurso
que trilha, paralelamente com o bebê, o mamute Manfred e o bicho preguiça
Sid, desacomodam suas estruturas e lhe apontam uma outra direção. Com
coragem, assume suas crenças e confronta-se com sua espécie, lutando por
suas verdades e integrando-se sinceramente a outras espécies, com que forma
um grupo enriquecido pela diversidade dos integrantes. Em contrapartida,
aqueles vilões da animação, que não revisaram o ideal de vingança, são
fadados à tragédia fatal, enquanto os heróis transfiguram-se, elevando suas
essências.
A ênfase na aceitação das diferenças é também reforçada em
Procurando Nemo, animação na qual a busca pela autonomia e pela liberdade
dialoga com o medo e a submissão. Um pai controlador, Marlin, deseja conter
seu filho Nemo que, destemido e irascível, impõe-se aos ditames paternos e
escolhe a direção de seu destino. Impulsividade e imaturidade misturam-se na
atitude de Nemo, que desestrutura uma ordem antes vigente. Marlin decide
partir em busca de Nemo. Ambos conhecem outros personagens, cuja
diversidade de experiências enriquece a unidade de seus seres. Aprendem a
compreender as diferenças, as especificidades de cada espécie e a força da
complexidade do grupo. Nemo e Marlin transformam-se, ganham maturidade e
322
enriquecem suas vivências, superando suas limitações fantasmáticas. Este
longo percurso, que envolve sofrimento, medo, amizade e coragem, é
acompanhado por Dory, uma peixe espontânea, confusa, sincera e fiel à causa
à qual se propõe. Finalmente, da mesma maneira que em A era do gelo,
Procurando Nemo destaca positivamente a riqueza da conjunção de variantes
humanas, destacando valores como o respeito ao próximo, a solidariedade, a
confiança e a amizade.
As produções cinematográficas são recheadas por conteúdos e
mensagens que, tocam o espectador que sem reservas, entrega-se a elas.
Cassiopéia tangencia temáticas que se aproximam da atualidade brasileira.
Assim, o desejo pelo poder associa-se à corrupção, à covardia e à traição.
Paralelamente, o comprometimento dos personagens heróis com a civilidade
demonstra a esperança na conduta solidária e na justiça, retratando a difícil
batalha contra a ganância. Valoriza-se a fraternidade, a generosidade e a
empatia, rejeitando o egocentrismo, a traição e a incompreensão,
representadas pelo fechamento ao outro.
Da mesma forma, através de um cenário mágico, O grilo Feliz
apresenta uma batalha entre os habitantes da Floresta Amozônica e a
pretensão do lagarto Maledeto, que deseja sacrificar a floresta para a
construção de seu reino. O personagem Feliz e seus amigos reúnem suas
características e mobilizam-se para enfrentar os desejos ambiciosos do vilão.
Determinados, os personagens-heróis decidem impor-se à irascibilidade de
Maledeto e, desejando o bem comum, arriscam-se por um mesmo ideal.
Apesar de medo e coragem dialogarem, o que rege os heróis é o sentimento
de solidariedade e a consciência de um destino comum. Emoção e razão
imbricam-se. A emoção dá intensidade à cena, mas a razão dos heróis
sustenta o equilíbrio, direcionando a conduta para um fim refletido e almejado.
O vilão, contrariamente, cega-se por suas paixões e aspirações exageradas,
que visam a ostentação, fato que desorganiza suas metas e, assim, faz perder
o foco.
A temática da natureza e da ambição cerca também a animação
brasileira Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço. Diferente de O
323
grilo Feliz, esta apresenta mensagens sob um formato mais direto. Também
envidencia temáticas da amizade, da responsabilidade, do comprometimento,
da solidariedade e da temeridade. O mágico e a transcendência inserem-se na
produção que visibilidade ao caráter sacrificial da existência. Destaca a
importância de unir-se por uma meta, agrupando habilidades e direcionando-as
para o bem comunitário. É desta forma que os monstros do espaço são
vencidos, a sociedade organiza-se dividindo funções com as quais cada um se
compromete e, finalmente, suplanta o poder dos seres malignos. Apesar de
ambos os lados possuírem uma equipe sólida e fiel, os humanos vencem,
enfatizando a virtude comprometida com o societário e o comunitário.
As animações de Maurício de Sousa atualizam aventuras da Turma da
Mônica, através de vivências marcadas por traços da infância. Trabalha e
discute valores morais, sentimentos e atitudes, mas notabilidade ao caráter
infantil dos personagens. Os personagens heróis são movidos por suas
paixões, reagem impulsivamente às situações, resolvendo situações e
conflitos. Verifica-se aspectos da imaturidade para enfrentar conflitos,
desvelando, no final de cada fragmento, um fim moral. Em Cinegibi, os
personagens que são postos diante de provações, deparam-se com limites,
mas conseguem superá-los. Precisam resgatar seus recursos internos,
organizar suas individualidades e condutas, exercitando o convívio com o
grupo. Apesar de estarem vivenciando uma fase desenvolvimental semelhante,
deparam-se com conflitos de interesses próprios da tenra infância. O mesmo é
verificado em Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo, pois lidam com
seus limites, medos e dúvidas, mas conseguem conduzir suas ações para o
melhor fim, através da reflexão e da moderação. Esta animação responsabiliza
cada personagem por uma tarefa. O sucesso de cada missão é determinante
para o salvamento do planeta. As animações de Maurício de Sousa valorizam a
resolução de conflitos, a importância da amizade e o compromisso com o outro,
como elementos que engrandecem o ser e, por conseqüência, o social.
Garoto cósmico desenvolve uma crítica à dependência tecnológica, aos
limites à criatividade, aos fanatismos e à idolatria pela máquina computacional
que tudo faz, elevando uma reflexão acerca da entrega passiva a seus
324
caminhos. Questiona o destino do homem que, irrefletidamente, cede à
tentação da tecnologia e o daquele que se impõe a ela, permitindo-se a novas
experiências. Faz uma crítica à homogeneização da espécie, que descolore a
vida. Valoriza a imprevisibilidade e a habilidade para equilibrar o afetivo e o
racional, abrindo um leque de novas possibilidades e dando novos tons à
existência. Giramundos, um homem que saiu do mundo da programação e
vive livre entre os mundos, compreende as diferenças, revelando sabedoria,
nobreza e apreço. O jogo da vida deve ter um fim justificável. A cautela perante
os fanatismos é importante e a simples fragmentação e categorização perdem
o sentido. O filme critica a ganância gerada poder egoístico, que nada provê ao
outro, desconstruindo um fim harmonioso para a existência humana.
Cada animação analisada encontra referências ideológicas na cultura.
Elementos característicos do contexto norte-americano tocam o espectador
brasileiro que os identifica como seus, pois respondem a aspectos de um
imaginário que cruza fronteiras, interseccionando-se. A beleza da princesa
Fionna, discutida em Shrek, faz parte de discussões do cotidiano, é tema de
revistas e debates. A obsessão pelo ideal de um determinado belo escraviza
alguns e inquieta mentes que buscam compreender a entrega irrefletida a um
padrão construído. A animação desconstrói padrões anteriormente formados e
legitimados, desacomoda estruturas vigentes e propõe outras possibilidades,
polemizando a beleza. O ogro Shrek, que rompe com a polidez dos príncipes
até então apresentados, é por isso julgado, mas consegue tornar reconhecida
sua honra, através de uma postura coerente e sincera. O fato de ser reservado,
impaciente e pouco disposto a investir em relacionamentos interpessoais, gera
estranheza naquele reino, sendo alvo de críticas e pré-julgamentos, tendo sua
honra desrespeitada. Mas desde o princípio, suas atitudes são coerentes com
sua forma de pensar. Ocorre que, se, inicialmente, não desejava o contato com
o outro, isso vai se transformando, pois o personagem passa por revisões no
seu íntimo e consegue vincular-se afetivamente. Ainda que impulsivo em suas
reações, consegue desenvolver um agir cuja verdade é refletida na atitude de
respeito aos seus direitos e ao direito dos outros. Finalmente, é reconhecido
como herói pelos personagens, visto que os libertou das normativas egoísticas
de Lord Farquad. O enredo, que foge da previsibilidade de príncipes e
325
princesas, apresenta temáticas como a amizade, a falsidade, a lealdade, a
traição, a inclusão e o amor. Tais tópicos, presentificados no dia-a-dia da
humanidade, permitem que Shrek transponha barreiras culturais e encontre
adequação na sociedade.
Heróis e vilões incorporam caracteres que incidem sobre os processos
identificatórios do espectador que é tomado pela formação discursiva,
assujeitando-se. A imagem cinematográfica é capaz de encantar aquele que se
entrega à totalidade da produção, mobilizando seus sonhos e emoções. A
proximidade viabilizada pelas narrativas rompe com a fronteira do tecnológico,
ao incitar o espectador a inserir-se naquele mundo que, apesar de tão distante
e situado no tempo do era uma vez, transpõe barreiras, sugerindo um mundo
comum. A complexidade da vida emerge destas narrativas, confrontando
crenças, ideologias e conflitos que, sob a máscara da ficção, equiparam-se às
histórias das vidas reais.
A narrativa fabulística de A era do gelo surpreende na forma como
aborda conteúdos de densidade social. O sacrifício de uma mãe, capaz de
transpor limites para salvar seu bebê e lhe ofertar segurança em sua ausência,
chama a atenção para o sentimento do amor materno que, incondicional e
desinteressado, é comprometido até o final para com o ser a quem deu a vida.
Seu lado emocional orienta-a a encontrar em Sid o personagem que poderá
exercer a suplência materna. O mamute Manfred que, contrariado, acompanha
Sid e o bebê, tem suas ações orientadas pela razão. Assim, o trio compõe uma
família que se constitui provisoriamente, mas denota clara definição de papéis.
Enquanto Sid incorpora as atribuições maternas, o bebê revela-se puro em
instintos e Manfred responde àquela família, zelando por sua integridade. É
focado em suas metas e pouco disposto a entregar-se a seu lado afetivo, mas
revela coerência em suas ações comprometidas com o bem do outro. Acredita
no potencial de Diego, confiando em seu saber. Ambição, vingança,
dissimulação, coragem, arrependimento, perdão, inclusão, justiça e amizade
ganham repercussão em A era do gelo, enlaçando-se discursivamente ao
extenderem à realidade questões tematizadas no social. Estes elementos são
326
inseridos na produção que os externaliza através de uma abordagem que lhes
atribui valor moral.
Procurando Nemo enfatiza a capacidade de superação humana.
Aborda a diferença de Nemo, sua deficiência, destacando seu desejo de
vencer e inserir-se em um contexto que lhe é adequado, no caso, a escola. A
própria escola caracteriza-se por um espaço onde as diferenças encontram-se
e devem ser respeitadas. Contudo, esse respeito esperado às particularidades
de cada um lhe é negado por Marlin, seu pai. Marlin rejeita o desejo de Nemo
ingressar na escola, desencorajando-o. Contudo, Nemo não hesita e, buscando
sua autonomia, e desejando estabelecer novos elos, desafia o pai. Como um
adolescente que procura encontrar espaço na sociedade, afasta-se de casa,
para depois regressar, resgatando o laço com suas origens. Pai e filho
percorrem uma trajetória de crescimento pessoal. Finalmente, conseguem
compreender as diferenças, autorizam-se a viver suas verdades e elaboram as
sombras de um passado. Ao sair do espaço previsível e sossegado de sua
anêmona, Nemo consegue reconhecer as necessidades do outro, ampliando
seu olhar sobre o mundo, compreendendo o sofrimento e conhecendo a
impotência. Destaca-se, em Procurando Nemo, Dory, personagem solidária e
altruísta, que se entrega a uma causa gratuitamente. Acreditando na missão de
Marlin, acompanha-o, construindo uma relação fundada na cumplicidade, na
confiança, no respeito e na amizade.
Em um tempo em que discursos acerca do cooperativismo vêm sendo
valorizados e exaltados em instituições e no contexto da sociedade,
Formiguinhaz ganha visibilidade. Sua narrativa lança uma crítica ao formato
pelo qual o sujeito é cobrado e reconhecido pelo poder. Assim, nesta
animação, a colônia entrega-se a uma causa coletiva e seus integrantes são
destituídos de suas individualidades e seus Eus misturam-se com tantos
outros, tornando-se indiferenciados. Contudo, causas comuns não devem
anular a originalidade do sujeito. Retratando a coragem do operário Z e sua
inquietude perante a anulação que lhe é imposta, o personagem subverte
regramentos movidos pela ganância ditatorial do General Mandíbula. Encarna
o estilo american way of life, em que o sonho de vida, liberdade e felicidade
327
justificam suas atitudes, desacomodando e incitando uma postura autônoma
perante seus ideais e ambições. A produção aborda a temática da passividade
e da submissão perante regimentos, mas destaca, também, o poder do
coletivo, quando mobilizado para a reversão de uma causa nobre. Destaca a
capacidade crítica do humano, sua autonomia, liberdade e o equilíbrio entre o
potencial egocêntrico e solidário.
O coletivo e o individual também ganham visibilidade no discurso de
Branca de Neve e os sete anões. Nesta animação, os personagens anões
são diferenciados por traços que lhes nomeiam; princesa, príncipe, caçador e
madrasta caracterizam-se por elementos estereotipados, reforçando o caráter
maniqueísta da obra. As diferenças dos sete anões ganham unidade no grupo
e juntos conquistam a vitória perante a Rainha. Ampliando a abordagem de
Branca de Neve e os sete anões, a fragilidade da princesa de Neve é
retratada em seu sono de morte. Neste, permanece em estado de latência até
que seja encontrada pelo esperado príncipe e a ordem restabelecida. A
formação discursiva reforça a sujeição da mulher ao homem e a resistência a
essa norma, como fez a madrasta, incidiria em castigo. A amizade, a
sinceridade, a vaidade, a solidariedade e o amor são abordados na animação e
recheados de significações, dando representação à ideologia de uma época,
ávida por esperanças e uma porção de fantasia.
As animações desenvolvem suas formações discursivas a partir da
compreensão de aspectos da realidade sócio-histórica. Mesmo inspiradas em
categorias de um certo tempo, conseguem transpô-lo, atualizando-se
atemporalmente. A magia, a fantasia e o ilógico acentuam o potencial de
atravessar o tempo e o lugar, adequando-se a tantos períodos. Se Branca de
Neve e os sete anões foi reveladora no ano de seu lançamento, continua
tocando e emocionando, atendendo a um imaginário. Se, naquela época, deu
representação ao feminino sensível e idealizado, em que a união venceria os
percalços postos à vida, continua respaldando a fantasia infantil, desejosa de
segurança e proteção, garantidos pelo final feliz.
Fiéis às funções da Morfologia do conto maravilhoso de Vladmir
Propp (1984), as obras apresentam variantes no aspecto do ordenamento das
328
mesmas, mas denotam concordância na formação conflitiva das tramas.
Chama atenção a convergência entre a estrutura narrativa detalhada por
Vladimir Propp (1984) e a sequência da jornada do herói de Vogler (1992). Se
as funções atuantes nas narrativas respondem aos elementos estruturais de
Propp (1984), onde cada personagens responde às funções de maneira
particular e adéqua-se à sequência das mesmas, conforme o enredo ao qual se
presta, então, de acordo com aquilo que a narrativa intenciona, verifica-se o
afastamento de um ou mais personagens que desestrutura o equilíbrio vigente;
a trangressão a uma norma que fragiliza a situação do herói; a perspicácia e a
malícia do vilão; a ingenuidade do herói, facilmente seduzido; a partida do herói
para o caminho de busca; as provações a que o herói é submetido; a
superação do herói; a realização da tarefa; a punição do personagem-vilão; o
retorno do herói; a realização e a transfiguração do personagem-herói. E a
esta trajetória somam-se outros personagens que os acompanham e assumem
relevantes funções, fazendo-se também heróis, vilões, vítimas e mentores,
conforme os caracteres que lhe são definidos.
As unidades éticas, presentes nas animações, enredam-se na sequência
narrativa através de um discurso ideológico. As animações resgatam do social
temáticas complexas que, enriquecidas pelo fantástico, traduzem, em seus
discursos, mensagens impregnadas por juízos morais. O respeito ao outro, o
senso de justiça, a sinceridade, a gratidão, a compaixão, a responsabilidade, a
visão crítica e, mesmo, o atualíssimo comprometimento com a natureza,
ganham espaço nas produções. A partir das análises, valida-se a referência
que as animações fazem ao real, constatando-se inspiração nos aspectos da
atualidade de seu tempo, capazes de transpor gerações e épocas. As
animações dão expressividade a conteúdos sociais incorporados e
representados magicamente, a partir de um tempo e um espaço. É o conjunto
fílmico, como aponta Aumont (1993), com seu texto, estrutura narrativa e
icônica, que mobiliza afetiva e emocionalmente o espectador. Logo, valoriza-se
a relação de complementaridade entre os sistemas que se inserem na função
narrativa do filme. Cada uma em seu tempo, a verossimilhança interna é
apropriada pelo espectador, que se toma pelo conteúdo apresentado,
estabelecendo um diálogo entre o tempo real e o tempo da narrativa, entre o
329
temporal e o atemporal. O formato da animação analisado afasta a literalidade
do sentido, propondo ao espectador uma leitura simbólica, com sentidos não
revelados, mas sugeridos. Da mesma forma, o ideológico, o político e o
espiritual, atravessados por elementos mágicos, como reforça Vanoye (1994),
exigem a interpretação simbólica.
A construção cênica desenvolve a narrativa através de considerações
que emprestam valor a atitudes e características dos personagens. Suas ações
são envoltas por consequências que compreendem discursos apreciativos que
supõem juízos. As construções analisadas demonstram o possível
encadeamento entre os valores éticos aristotélicos e a ética de Morin. Os
primeiros demarcam inclinações do homem pela via do excesso ou da
moderação, recaindo incisivamente na ética moriniana, que engloba as
unidades éticas de Aristóteles e as coloca em diálogo com o laço social.
Através do percurso da auto-ética, sugerido por Morin (2005), identifica-se, no
discurso final das animações, a possibilidade de encontrar o fim moral
proposto. As produções abordam os desvios humanos, a incompreensão, os
impulsos, os fanatismos, a intolerância e o egocentrismo, estabelecendo um
diálogo com o lado virtuoso da humanidade, que concebe a tolerância, a auto-
crítica, a auto-análise, a responsabilidade, o perdão, a cordialidade, a
civilidade, a fraternidade e, finalmente, a religação. As narrativas culminam
dando destaque ao fim ético descrito por Morin (2000), desaprovando a
crueldade e a barbárie, defendendo a identidade individual, social e
antropológica.
Partindo das análises edificadas, sugere-se um quadro dos valores
morais presentes nas animações, bem como, as formações discursivas
pertinentes a cada categoria:
Branca de Neve e os sete anões
Valor moral Personagem
Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Inveja Rainha Sua postura é rejeitada e
criticada no decorrer da
narrativa, incidindo em
sua punição final. Sua
atitudes confrontam com
Rejeita
330
a harmonia social
defendida
Ira Rainha Tendência irascível e
repelida pelo discurso,
através do fracasso de
sua meta final
Rejeita
Falsidade Rainha Simulação de uma
verdade que é desvelada
Rejeita
Premeditação Rainha Elabora um plano para
exterminar Branca de
Neve
Rejeita
Verdade Branca de
Neve
É sincera em seus
sentimentos
Reforça
Ingenuidade Branca de
Neve
É facilmente seduzida Rejeita
Gratidão Branca de
Neve
Reconhece e retribui a
quem lhe prestou
assistência
Reforça
Arrependimento Caçador Revisão de uma postura,
através da qual,
autonomamente, rejeita
uma ordem, optando por
uma orientação solidária
Reforça
Autonomia Caçador Capacidade para
gerenciar suas ações,
através do
comprometimento com a
honra do outro
Reforça
Solidariedade Animais Comprometimento com o
desamparo de Branca de
Neve
Reforça
Generosidade Anões Reorganizam-se para
conciliar os interesses da
princesa
Reforça
Comprometimento
Anões Dedicação para com o
trabalho na mina e com a
proteção à princesa
Reforça
Companheirismo Anões União perante uma
causa. Unem-se para
capturar a Rainha
Reforça
Amor Branca de
Neve e
Príncipe
Ações movidas por
sentimentos fraternos
superam os percalços
Reforça
Amizade Anões e
Branca de
Neve
Relação desinteressada
e sustentada pelo sincero
elo afetivo
Reforça
Quadro 5
331
Procurando Nemo
Valor moral Personagem Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Incompreensão Marlin Rejeita a naturalidade
do ciclo vital
Rejeita
Egocentrismo Marlin É incapaz de aceitar a
necessidade de
liberdade e autonomia
de Nemo
Rejeita
Estereotipia Marlin Rotula Nemo a partir de
critérios imprecisos,
classificando-o sob
falsas generalizações
Rejeita
Medo Marlin Sentimento exagerado,
movido por fantasmas
do passado
Rejeita
Coragem Marlin Capacidade para
superar seus limites, a
favor de uma causa
nobre
Reforça
Temeridade Nemo Ação motivada por uma
tendência impulsiva e
irracional
Rejeita
Determinação Nemo/Marlin Persistência perante
um objetivo
Reforça
Altruísmo Dory Une-se ao projeto de
Marlin, desprendendo-
se de seus interesses
Reforça
Solidariedade Dory/tartarugas/
peixes do
aquário/ aves
de Sidney
Enlaçam-se as metas
de Marlin e Nemo,
participando,
comprometendo-se
com seus objetivos
Reforça
Respeito Personagens
animais
Considerar e preservar
as particularidades de
cada um
Reforça
Inclusão Personagens
animais
Respeitam e convivem
com as diferenças
implicadas a cada um
Reforça
Amor Nemo/Marlin Desprendimento dos
sentimentos
egocêntricos, aceitação
e respeito ao destino do
outro, nutrido pelo laço
afetivo
Reforça
Quadro 6
332
Anastasia
Valor moral Personagem
Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Intolerância Rasputin Rigidez perante suas
crenças e a do outro
Rejeita
Egocentrismo Rasputin Rejeita o direito à vida de
Anastasia
Rejeita
Vingança Rasputin Deseja destruir a família
do Czar da Rússia, pelo
fato de ter sido
dispensado, de sua
tarefa
Rejeita
Irascibilidade Rasputin Impõe-se a quem
interferir em seus
propósitos
Rejeita
Ganância Dimitri/Vlad Desejo obsessivo em
obter lucro
Rejeita
Desrespeito Dimitri/Vlad Negligenciam a verdade
de Anastasia, cegando-
se por seus projetos
Rejeita
Arrependimento Dimitri/Vald Revêem suas ambições
e apostam na verdade
Reforça
Lealdade Dimitri Empenho e
comprometimento com
Anastasia, fidelizando-se
a seu projeto
Reforça
Perdão Anastasia Compreende Dimitri e
Vlad e aceita o
arrependimento
Reforça
Amor Anastasia/
Avó
Imperatriz
Sentimento movido pela
afetividade, que permite
a compreensão e o
respeito às
individualidades
Reforça
Amor Anastasia/
Dimitri
Superam as diferenças e
encontram um no outro a
lealdade, a afetividade e
a sinceridade
Reforça
Autonomia Anastasia Busca encontrar suas
origens
Reforça
Determinação Anastasia Perante desafios revela-
se persistente em seu
objetivo
Reforça
Coragem Anastasia Supera inseguranças,
apoiando-se em seu lado
racional e perseverante
Reforça
Quadro 7
333
A era do gelo
Valor moral Personagem
Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Vingança Tigres dente-
de-sabre
Desejo de punir o outro
por um mal feito
Rejeita
Egoísmo Tigres dente-
de-sabre
Negligenciam a
necessidade do outro e
cegam-se por suas
ambições
Rejeita
Temeridade Tigres dente-
de-sabre
Entregues às suas
inclinações, lançam-se
irracionalmente às suas
tendências irrefletidas e
finalmente são punidos
Rejeita
Amor Mãe do bebê Desafia seus limites e
sacrifica-se nobremente,
pela vida de seu filho
Reforça
Solidariedade Sid/Manfred/
Diego
Comprometimento com a
vida desprotegida do
outro, com a sociedade,
com os direitos e com a
honra
Reforça
Coragem Sid/Manfred/
Diego
Combatem o grupo de
tigres dente-de-sabre
para protegerem o bebê
Reforça
Altruísmo Sid/Manfred/
Diego
Despreocupados com
intenções particulares,
atendem
espontaneamente ao que
é condigno ao outro
Reforça
Respeito Sid/Manfred/
Diego/bebê
Compreendem as
particularidades um do
outro
Reforça
Amizade Sid/Manfred/
Diego/bebê
Convivência harmoniosa
e fraterna
Reforça
Inclusão Sid/Manfred/
Diego/bebê
Inserção de distintos
seres num mesmo grupo,
enriquecido pela
complexidade
Reforça
Flexibilidade Manfred Revê sua posição e
aceita proteger e assumir
a causa do bebê
Reforça
Perdão Manfred Desculpa a atitude de
Diego e aceita seu
arrependimento,
confiando em sua
capacidade de
regeneração
Reforça
Falsidade Diego Finge aliar-se a uma Rejeita
334
causa comum, a fim de
atingir metas egoísticas
Arrependimento Diego Revê seus imprintings,
nutridos pela
autojustificação, e
coloca-se a favor do
outro
Reforça
Gratidão Humanos Reconhecimento perante
uma ação benéfica
Reforça
Quadro 8
Formiguinhaz
Valor moral Personagem
Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Autonomia Z/Bala Decidem romper com
determinismos e
transgride regras
fragilmente sustentadas
Reforça
Coragem Z/Bala Assumem os riscos de
suas crenças, motivados
pela coerência e razão
Reforça
Amor Z/Bala Sentimento recíproco e
fraterno
Ganância General Desejando o poder,
impõe-se irascivelmente
a quem o questione
Reforça
Falsidade General Deseja casar-se com a
princesa Bala, simulando
afetividade para com ela
Rejeita
Egocentrismo General Revela incapacidade de
compreender e preservar
o interesse do outro
Rejeita
Solidariedade Z Compromete-se com a
vida de sua colônia e
decide salvá-la das
intenções do General
Reforça
Coletividade Colônia Comprometimento com a
comunidade de seus
semelhantes
Reforça
Moderação Z Capacidade de encontrar
estratégias razoáveis
para um fim social
Reforça
Amizade Z/ Weaver Entrega voluntária e
desinteressada ao outro
Reforça
Manipulação General
Mandíbula
Induz a Rainha a
acreditar em suas falsas
intenções
Rejeita
Quadro 9
335
Shrek
Valor moral Personagem
Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Submissão Fionna Oprime sua essência,
submetendo-a a frágeis
imperativos
Rejeita
Egocentrismo Lord Farquad
Desrespeita a honra do
outro, a fim de ter seus
interesses atendidos
Rejeita
Covardia Lord Farquad
Temendo enfrentar os
desafios para atingir suas
metas, coage Shrek a
seguir em missão
Rejeita
Falsidade Lord Farquad
Desrespeita o acordo
entre partes, não
cumprindo seu papel
Rejeita
Discriminação Lord Farquad
Revelada a identidade
ogra de Fionna, é
rejeitada
Rejeita
Justiça Shrek Cumprindo sua parte no
acordo com o Lord
Farquad, Shrek exige
que o combinado se
execute
Reforça
Gratidão Burro Reconhece a ação de
Shrek que salvou sua
vida e parte com ele em
missão
Reforça
Coragem Shrek/Burro Arriscam-se em missão,
respeitando o acordo
estabelecido entre Shrek
e Lord Farquad
Reforça
Comprometimento
Shrek/Burro Entrega a princesa
Fionna para Lord
Farquad, conforme o
combinado
Reforça
Solidariedade Burro/Dragão
Unem-se a causa de
Shrek e auxiliam-no a
salvar Fionna, numa
ação nobre, contra Lord
Farquad;
Reforça
Amizade Personagens
dos contos
de fadas/
Shrek/Burro
Desejam o bem irrestrito
um do outro,
gratuitamente
Reforça
Inclusão Personagens
dos contos
de fadas/
Shrek/Burro
Convivem
harmoniosamente,
superando as diferenças
Reforça
336
Autocrítica Fionna Aceita sua condição de
ogra, reconhecendo seu
valor
Reforça
Amor Fionna/Shrek
Reconhecimento um no
outro do sentimento de
bem querer
Reforça
Quadro 10
Cassiopéia
Valor moral Personagem
Análise do discurso Discurso
reforça/rejeita
Ganância Comandante
invasor
Deseja aumentar seu
poder, independente das
necessidades do outro
Rejeita
Egoísmo Comandante
invasor
Destrói o outro a fim de
atingir suas metas
Rejeita
Altruísmo Dra. Lisa Entrega sua vida a uma
causa
Reforça
Coragem Chip/Chop Comprometidos com a
vida e com a harmonia,
entram em combate com
os invasores
Reforça
Covardia Capitão
invasor
Temeroso de assumir
uma falha, omite-a do
comandante
Rejeita
Delação Soldado
invasor
Delata o capitão para o
comandante, a fim de
assumir sua posição
Rejeita
Solidariedade Galileu/
Leonardo
Aliam-se à causa nobre
do Planeta Atenéia
Reforça
Amizade Chip/Chop
Galileu/
Leonardo
Relação que supera as
diferenças entre si e as
diferenças entre culturas
Reforça
Reconhecimento Habitantes
de Atenéia
Reconhecem o papel da
Dra. Lisa, que sacrificou
sua vida pelo planeta
Reforça
Quadro 11
O grilo Feliz
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
Ambição Maledeto Desejo de luxo e
honrarias
Rejeita
Egocentrismo Maledeto Coage seus
servos a agirem
conforme suas
intenções
Rejeita
337
Irascibilidade Maledeto Orientado por
seus impulsos,
age
irascivelmente,
negligenciando a
honra do outro
Rejeita
Amizade Feliz e seus
amigos
Nutrindo um
sentimento de
afetividade,
unem-se por uma
causa comum
Reforça
Comprometimento
com a natureza
Feliz e seus
amigos
Esforçam-se para
preservar a
floresta que os
abriga
Reforça
Fraternidade Feliz e seus
amigos
Vivem em
harmonia,
respeitando as
diferenças
Reforça
Coragem Feliz e seus
amigos
Aceitam os riscos
da missão, a fim
de salvar a amiga
Linda e a floresta
Reforça
Perdão Feliz e seus
amigos
Aceitam os
antigos servos de
Maledeto como
integrantes da
comunidade
Reforça
Arrependimento Servos de
Maledeto
Revisam suas
crenças e
decidem viver
solidariamente
Reforça
Quadro 12
Cinegibi, o filme: Turma da Mônica
Em busca do nariz de Isabelle
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
União Mônica/Cebolinha
Assumem uma
causa comum
Reforça
Determinação nica/Cebolinha
Com dedicação
buscam alcançar
o objetivo
Reforça
Coragem nica/Cebolinha
Superam as
dificuldades e
dedicam-se à
superação de um
desafio
Reforça
Quadro 13
338
Mônica em concurso de beleza
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
Falsidade Cebolinha/Cascão
Enganam Mônica,
iludindo-a com
suas intenções
Rejeita
Egocentrismo Mônica e as
meninas
Disputam entre si
o titulo de miss,
enfraquecendo os
laços de amizade
Rejeita
Amizade Mônica e as
meninas
Superam os
interesses
egocêntricos e
entregam-se à
relação afetuosa
e de respeito
Reforça
Quadro 14
Mônica em: Um amor dentuço
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
Amizade Cebolinha/Cascão
Intencionam
proteger Mônica
de Ivan Piro
Reforça
Egocentrismo Mônica Entregue às suas
inclinações, nega
o auxílio dos
amigos
Rejeita
Compreensão Ivan Piro Percebe as
particularidades
entre Ivan Piro e
Mônica
Reforça
Respeito Ivan Piro Permite que
Mônica siga seu
destino
Reforça
Quadro 15
O caça Sansão
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
Egocentrismo Cientista Deseja executar
suas
experiências,
independente das
conseqüências
Rejeita
339
Negligência Autoridades Omitem-se
perante a
necessidade de
proteção dos
habitantes da
cidade
Rejeita
Coragem nica/Cebolinha
Com
determinação,
desafiam o
cientista,
revertendo o
estado caótico da
cidade
Reforça
Amizade Mônica/Cebolinha
Aliam-se a uma
causa comum
Reforça
Reconhecimento Mônica Agradece a seu
amigo pela ajuda
e participação em
sua causa
Reforça
Quadro 16
Cascão em um cenário para meus bonequinhos
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
Amizade Cebolinha/Cascão
Desejam
permanecer
juntos pela
identificação de
interesses
Reforça
Incompreensão Cebolinha/Cascão
Resistem a
participação de
Mônica e Magali
em sua
brincadeira
Rejeita
Manipulação Cebolinha/Cascão
Criam uma
situação para as
meninas
retirarem-se
Rejeita
Quadro 17
Cebolinha: irmão Cascão
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
reforça/rejeita
Incompreensão Cebolinha Resiste às
diferenças de sua
irmã pequena
Rejeita
Egocentrismo Cebolinha Dificuldade em Rejeita
340
compartilhar o
que é seu
Arrependimento Cebolinha Consegue rever
sua relação com
sua irmã e com
seu amigo
Cascão,
demarcando os
diferentes tipos
de laços
Reforça
Quadro 18
Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
Rejeita/
Reforça
Egocentrismo Monstros Desejam destruir
o planeta
Rejeita
Comprometimento
Xuxinha/Biel Agem conforme
aquilo que se
refere às suas
funções de anjos
Reforça
Solidariedade Arquimedes/Txutxucão/
Guto/Jonas/Xuxinha/
Biel
Comprometem-se
em salvar a
humanidade em
risco
Reforça
Coragem Arquimedes/Txutxucão/
Guto/Jonas/Xuxinha
Arriscam-se com
cautela por uma
causa nobre
Reforça
Doação Xuxinha Abre mão de sua
condição de anjo
pela humanidade
Reforça
Consciência
ambiental
Arquimedes/Txutxucão/
Guto/Jonas/Xuxinha/
Biel
Comprometimento
com o Planeta
Terra e com as
causas
ambientais
Reforça
União Sociedade Unem-se para
salvar o planeta;
Reforça
Acolhimento Família de Guto Assumem
Xuxinha, em sua
fragilidade e
desamparo,
adotando-a
Reforça
Punição Monstros Com suas
intenções
egocêntricas, são
Reforça
341
destruídos
Quadro 19
Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
Rejeita/
Reforça
Coragem Cebolinha/Mônica/
Cascão/Magali/
Franjinha
Aceitam o desafio
e lançam-se no
tempo para salvar
o planeta
Reforça
Responsabilidade Cebolinha/Mônica/
Cascão/Magali/
Franjinha
Assumem o
compromisso com
o destino do
planeta Terra
Reforça
Compreensão Cebolinha/Mônica/
Cascão/Magali
Cada um em um
tempo, internaliza
aspectos do
momento
vivenciado e
assumem um
papel
determinante na
etapa da missão
Reforça
Fanatismo Comunidade pré-
histórica;
A entrega passiva
a crenças faz-se
impeditiva do
desenvolvimento
Rejeita
Covardia Cascão Seu medo
irracional da água
impede o sucesso
de sua missão
Rejeita
Egocentrismo Garimpeiro/Cabeleira
Negra
Atitudes
individualistas
impedem o
desenvolvimento
de uma sociedade
harmoniosa
Rejeita
Inclusão Cebolinha/Mônica/
Cascão/Magali/
Franjinha
Aceitam as
habilidades de
Dorinha e
completam a
tarefa
Reforça
Moderação Cebolinha/Mônica/
Cascão/Magali/
Franjinha/Dorinha
Capacidade de
fazer uso da
razão, orientando
equilibradamente
suas ações
Reforça
Quadro 20
342
Garoto cósmico
Valor moral Personagem Análise do
discurso
Discurso
Rejeita/
Reforça
Ambição Capitão Programação Deseja controlar
os habitantes do
planeta,
submetendo-os a
regramentos
Rejeita
Autonomia Luna Questiona o
formato de vida
ao qual
submetem-se e
decide romper
com a
previsibilidade
Reforça
Coragem Luna/Cósmico/Maninho Decidem explorar
novos ambientes
e encontrar
estratégias para
mudarem seus
status
Reforça
Companheirismo Luna/Cósmico/Maninho Partem juntos em
uma aventura,
respeitando-se
Reforça
Incompreensão Capitão Programação Preso a suas
verdades, recusa
a possibilidade de
autonomia dos
meninos
Rejeita
Solidariedade Giramundos e sua trupe
Ao aterrissarem
no Planeta de
Giramundos, são
acolhidos
Reforça
Altruísmo Giramundos e sua trupe
Dedicam-se
voluntariamente a
apresentar as
possibilidades de
uma existência
fora da
programação;
Reforça
Liberdade Giramundos e sua trupe
Apresenta a
autonomia
pessoal como
positiva, quando
movida pelo
razoável
Reforça
Tolerância Cósmico/Luna/Maninho/
Giramundos e sua trupe
Convivem
harmoniosamente
Reforça
343
com suas
diferenças e
particularidades
Falsidade Capitão Programação Tenta seduzir os
meninos a
retornarem para o
planeta do qual
partiram
Rejeita
Compreensão Maninho/Cósmico/Luna Entendem as
verdadeiras
intenções do
Capitão
Programação e
rejeitam
submeter-se a
suas normativas
Reforça
Vingança Capitão Programação Decide destruir
aqueles que
recusaram seus
imperativos
Rejeita
Amizade Cósmico/Luna/Maninho/
Giramundos e sua trupe
Controem uma
relação fundada
na verdade e na
afetividade
recíproca
Reforça
Quadro 21
Dados os valores morais abordados, tais animações inserem-se no
cotidiano, deixando marcas de valores que influenciam no processo formativo
do sujeito. Sendo inegável a influência destes produtos, que geram
identificações e hipnotizam através de suas técnicas persuasivas, lançar um
olhar ao conteúdo das animações permite uma reinterpretação de seu
conteúdo e o enriquecimento de sua veiculação para com o público. Sem
rejeitar a função do maravilhoso, inserida nestas histórias, seu conteúdo pode
aliar-se ao campo formativo do sujeito, atualmente em crise, dadas as
incertezas acentuadas pelas frágeis referências. Então, resgatar tais produtos e
confrontá-los com diferentes públicos respalda discursos do cotidiano,
permitindo a identificação com diferentes elementos, através de um referencial
de categorias avaliadas.
344
Do diálogo entre os valores éticos de Aristóteles e da ética de Morin,
concebe-se uma intersecção que responde às especificidades da narrativa,
através das categorias de valores morais elencadas nos quadros. A análise
atenta das animações nacionais e as americanas, permite, inclusive, que se
estabeleçam aproximações e contrastes entre os formatos narrativos de cada
uma. Além da identificação dos valores morais presentes em cada animação, e
das formações discursivas perante os mesmos, a pesquisa viabilizou a
compreensão das estratégias narrativas adotadas pelas produtoras a fim de
efetivar sua influência junto às platéias. Faz-se contudo, importante salientar
que o presente estudo não aprofundou dados referentes ao mercado e a
distribuição das produções. A distribuição responsabiliza-se pela
comercialização, circulação e veiculação dos audiovisuais, intentando atingir o
público consumidor.
Ao debruçar o olhar para as animações Branca de Neve e os sete
anões, Procurando Nemo, Anastasia, A era do gelo, Formiguinhaz e
Shrek, oriundas do contexto norte-americano, identifica-se, nas mesmas, a
convergência de elementos temáticos. Estas animações reforçam o foco
narrativo nas trajetórias pessoais dos personagens-heróis, em que o processo
de formação, educação e desenvolvimento dos mesmos enriquece o enredo. A
partir do conteúdo discursivo verificado nestas produções, desenvolvido em
paralelo com a estrutura formal, é possível fazer referência à modalidade do
romance de formação, tipicamente alemã, o Bildungsroman. Traduzido para o
português, enquanto Bildung-formação e Roman-romance romance de
formação (MOISES, 1974), tais narrativas dão visibilidade a experiências
pessoais dos personagens, ao modo pelo qual suas vivências culminam em
uma trajetória de transformação, em um processo de crescimento e de
maturidade.
Eventos que marcam débuts e/ou ritos de passagens do humano são
apropriados pelos personagens, dando identidade a cada uma dessas
animações que encontram semelhanças com as características do romance de
formação descritas. Abordando aspectos vivenciais, transformações
emocionais, conflitivas entre o eu e o mundo, processos de busca e de
345
realização caracterizados pelas expressivas experiências vitais, as narrativas
mobilizam seu público, que irrefletidamente as identificam com os momentos
significativos de seu próprio desenvolvimento pessoal. Mesmo que particulares,
cada sujeito passa ao longo de sua trajetória de vida por situações
mobilizadoras, marcadas por um desafio e por uma busca final de superação.
Independente das manifestações ilógicas presentes em cada animação, suas
narrativas inserem-se no contexto vital do espectador, uma vez que se
encontram imersas em um permanente processo de desenvolvimento e
transformações. O percurso dos personagens, suas angústias, superações e
conquistas aproximam-se do espectador, seduzindo-o.
Reconhece-se em Branca de Neve e os sete anões atribuições do
bildungsroman. Nesta obra, a trajetória da heroína é apresentada a partir do
retrato de suas aspirações, angústias e sofrimentos. Observa-se a fantasia e o
romantismo da personagem Branca de Neve, próprios das experiências
adolescentes. A busca de realização amorosa e a necessidade de proteção
ganham representação em momentos específicos da animação. A princesa é
salva, primeiro pelo caçador, que lhe poupa a vida; posteriormente, pelos
anões, que abrigam seus sentimentos e confortam suas angústias e,
finalmente, pelo príncipe, em quem reencontra a vida e descobre a maturidade
afetiva. A vida da princesa está frequentemente ameaçada por sua madrasta,
mas sua resistência, sua fragilidade e suas atitudes servem como princípios
unificadores da narrativa, revelando a sensibilidade feminina. Observa-se, no
contexto ficcional, uma narrativa que prepara a menina para o status de
mulher. A fuga para o desconhecido da floresta marca o início do percurso de
Branca de Neve, no qual se depara com seus medos e inseguranças. A
madrasta, outro modelo feminino da produção, é rechaçado pelo discurso, que
pune sua ambição, inveja e seus atos irascíveis. A convivência com os anões
permite que reencontre a esperança e a riqueza do humano em suas
diversidades para, posteriormente, junto a seu príncipe, realizar-se no que lhe é
pleno. Independente da repercussão histórico-social desta animação, no
contexto atual, no qual a mulher revela sua busca pela independência e
superação, identifica-se, na narrativa de Branca de Neve e os sete anões, um
movimento de vida comum a todo o sujeito, perante a natureza do ciclo vital, ou
346
seja, um movimento a favor do desenvolvimento e maturidade pessoal. O amor
e a realização são reforçados na animação, juntamente com os elementos
morais de gratidão, solidariedade e amizade. Em contrapartida, a falsidade, a
inveja e a ira são condenados, repercutindo como impeditivos para a
superação do sujeito.
Semelhantemente, em Procurando Nemo, observa-se uma história de
iniciação. No entanto, nesta produção, o personagem-protagonista é
masculino. Contrastes perante exigências e vivências entre personagens
feminino e masculino o verificados. Se, em Branca de Neve, a fragilidade da
princesa não era criticada, em Procurando Nemo a temática do medo ganha
grande repercussão. Nemo procura encontrar recursos próprios para superar
suas inseguranças e desenvolver seu caráter masculino. Para tanto, afasta-se
do pai, quem lhe impunha submissão, e parte em busca de um encontro
consigo e com suas potencialidades, desejando elevar sua essência. O
personagem ultrapassa um importante conflito com seu pai, dando visibilidade
a um confronto entre gerações. Verifica-se a necessidade do fortalecimento de
sua condição autônoma, bem como a superação de seus anseios e medos.
Novamente, identifica-se um percurso, uma partida para um espaço lúgubre
que inspira medo e pavor. Apesar de uma trajetória cruzada por outros
personagens, verifica-se a condição solitária da mesma. Neste processo,
através da luta pela expressão, Nemo encontra sua auto-afirmação. Esta obra
aponta para a necessidade de enfrentar os desafios da vida com coragem e
prudência, reforçando a solidariedade, o respeito, a determinação e o poder
redentor do amor, que resgata e liberta das amarras impeditivas de uma
vivência plena.
Enfatizando as transformações emocionais da protagonista, Anastasia
apresenta seu processo de desenvolvimento interior e de maturidade. O
personagem parte em busca de seu eu, deseja descobrir-se, mas antes, deve
encontrar seu passado. O processo de redescobrimento, vivenciado por
Anastasia torna-se relevante na narrativa, na medida em que evidencia a
transição entre etapas do desenvolvimento. Anastasia sente-se
incompatibilizada com o mundo que a cerca. Portanto, decide abandonar o
347
hostil, buscando a vitória pessoal através do encontro com sua identidade e
finalmente seu renascimento. Seu desajustamento social retrata seu conflito
emocional, que deve ser elaborado. A animação faz referência ao processo
psicanalítico, no qual, lembranças precisam ser revividas ou resgatadas,
permitindo a elaboração dos conflitos pessoais e, finalmente, a retomada de
seus projetos vitais. Assim, um passado esquecido, deve ser elaborado e as
ausências devem ser retomadas, antes de autorizá-la a afirmar sua condição
de mulher. A princesa consegue conciliar seu lado afetivo com seus interesses
pessoais, mostrando-se intensa em suas manifestações. Anastasia apresenta
outros personagens que contribuem para sua formação, mas a narrativa
enfatiza a coragem perante as situações da vida, determinação para vencer o
desamparo afetivo da infância, a capacidade de superação humana e a crença
na verdade pessoal que aportam no sentimento de amor, na vivência sincera,
leal e solidária com o outro.
Mais uma vez, em A era do gelo, verifica-se uma fábula em que o
aprendizado, as reformulações e as descobertas dos personagens ganham
visibilidade, identificando-se, então, a inspiração no Bildungroman. Como nas
animações anteriormente mencionadas, os personagens-heróis percorrem uma
longa e arriscada jornada, na qual mobilizam seus recursos internos para
transformarem-se, revelando suas essências. Um objetivo central, conduzir um
bebê humano a sua família, une o mamute Manfred, o preguiça Sid e o tigre
dente-de-sabre Diego, colocando em discussão os diferentes princípios da
formação de cada um. A viagem trilhada desacomoda suas formações
primárias e lhes apresenta novas possibilidades para seus Eus. Apesar de
unidos por um mesmo caminho, cada um vivencia uma jornada também
solitária, que os coloca em contato com seus passados e crenças. Lembranças
e recordações são retomadas e presentificadas, ganhando expressividade no
percurso e favorecendo o desenvolvimento pessoal. Assim, os eventos e
situações com as quais os personagens se deparam são confrontadas com
suas essências, registrando transformações emocionais e mesmo de caráter.
Desta maneira, o desenvolvimento interior do personagem é resultado de sua
interação com o mundo exterior. Juntos, conseguem, além de uma revisão de
seus conceitos e padrões, antes internalizados e arraigados em suas
348
estruturas, encontrar a maturidade emocional e a integração social. Então,
suas histórias, que estavam incompletas, por suas lacunas pessoais, são
resgatadas, respaldando o grupo que se emancipa, se fortalece e se realiza no
social. O processo de transformação dos personagens entra em diálogo com
valores morais, como a gratidão, o perdão, a amizade e o respeito, que
permitem colocar em evidência seus Eus, a partir de uma postura autêntica e
corajosa, que se impõe a pré-determinações e preconceitos. Finalmente,
atingem o objetivo e entregam o bebê a seu pai, mas elevam-se em suas
essências, conquistando o mais importante, a vitória pessoal e a auto-
realização, reforçando a importância de estar disposto a novas possibilidades e
a permanente abertura a mudanças. Seguem juntos, conciliando e
compreendendo suas naturezas. Sob o caráter de fábula, atualiza-se no tempo,
identificando aproximações com os processos individuais do desenvolvimento
humano, ao mesmo tempo em que se dedica a tematizar acerca de valores
morais, frequentemente polemizados.
Formiguinhaz é uma narrativa que aborda grandes transformações.
Além da conquista pessoal do personagem Z, sua trajetória incita uma grande
mudança no cerne da colônia de formigas que integra. Mas, novamente, como
as demais animações norte-americanas até então abordadas, constata-se que
são os acontecimentos que envolvem o herói, suas reações e atitudes os
elementos unificadores da narrativa. O personagem Z, inicialmente ignorado e
incompreendido, impõe-se a uma série de regramentos sociais incompatíveis
com suas crenças e reflexões. Tomado por coragem e determinação, recursos
positivamente reforçados nas animações, arrisca-se buscando colocar seu Eu
em evidência. Com um inquestionável conflito emocional, Z sente-se
inadequado naquele mundo do qual faz parte, juntamente com a princesa Bala,
para quem apresenta a possibilidade de emancipação e de rompimento com o
destino pré-determinado e limitado a funções de gênero ou classe.
Opostamente, ambos decidem dar uma direção a seus destinos, renascendo
vitoriosamente naquele seu antigo e agora novo mundo. A partida para
Insetopia, estereótipo da sociedade ideal, revela os medos e as superações
vivenciados por Z, caracterizados por uma experiência pessoal que fortalece
seu ser e reafirma seu potencial perante a colônia. O processo pelo qual Z
349
passa influencia no destino de sua comunidade. Assim, o percurso solitário do
herói vai permitir o seu renascimento e o de sua colônia. Z fortalece-se
enquanto sujeito e, com autenticidade, conquista maturidade, segurança e
espaço para conciliar seus interesses pessoais, sociais e uma vivência
romântica. Amor, solidariedade, amizade e senso de responsabilidade são
valores abordados e legitimados ao longo da viagem pessoal de Z.
Shrek apresenta uma narrativa complexa, que mescla, através de um
tom cômico, os conflitos e desajustes pessoais do personagem-herói. O
personagem Shrek, inadaptado à vida social e, portanto, incapaz de
estabelecer relações positivas com o outro, reclui-se solitariamente em seu
pântano. Buscando manter este isolamento, parte em uma missão que lhe
desestrutura. Entre seu pântano, o enfrentamento a um dragão em uma torre
desconhecida e o caminho para o castelo de um ambicioso lord, Shrek depara-
se com sentimentos e situações novas que perturbam seu ser, impondo-lhe
reformulações. O Burro, companheiro de Shrek em todo o percurso, incita-lhe
reflexões, enquanto a princesa Fionna desacomoda-o, nutrindo-lhe o desejo de
compartilhar a existência com o outro. O ogro Shrek vai se transformando e
desenvolvendo seu lado sensível. Torna-se membro de uma comunidade e
civiliza-se. Shrek evidencia um processo de maturação emocional que lhe
permitirá a vivência de um experiência afetivo-emocional. Aquilo que está em
seu entorno emerge na narrativa, direcionando-a. Como em um
Bildungsroman, na animação Shrek, o personagem manifesta as
consequências de eventos que lhe são externos. Seu desenvolvimento interior
revela-se resultado de sua interação com o mundo. O conflito entre o Eu e o
mundo vai sendo resolvido na medida em que identifica em Fionna a
possibilidade de enfrentar preconceitos e padronizações, fortalecendo-se e
impondo-se em sua autêntica verdade. Permite-se viver a intensidade de sua
essência, apta a amar, a socializar-se e a respeitar. Sentindo fazer parte
daquele mundo, agora Shrek renasce, conquistando sua realização pessoal.
Da mesma maneira que Shrek, Fionna, que rejeitava sua essência de ogra,
passa a aceitá-la, renascendo para a vida e afirmando-se. A coragem, a
amizade e a solidariedade reincidem em Shrek, que dá destaque a força
350
redentora do amor verdadeiro, capaz de suplantar a falsidade, o egocentrismo
e a incompreensão.
Estas obras, oriundas do mercado norte-americano, apresentam
contrastes com aquelas do contexto nacional que, inversamente, não destacam
a trajetória de um herói, mas a aventura na qual os diferentes personagens são
colocados. Estas animações estereotipadas são ricas em uma abordagem que
ressalta discursos morais. Tais animações distanciam seus enredos da ênfase
dada pelas produções norte-americanas nos processos de transformação
humanos, pois não chegam a aprofundar conflitos, sempre artificiais e
passageiros, que jamais chegam a modificar, de fato, a caracterização dos
personagens.
Cassiopéia apresenta a trajetória de personagens que lutam pela
reconquista da harmonia em seu planeta. Seus personagens possuem
características pré-determinadas, sendo seccionados entre heróis e vilões.
Verifica-se a vitória final contra os inimigos invasores, cujas atitudes são
negativadas pelo discurso. Então, a amizade, o altruísmo, a coragem e a
solidariedade combatem diretamente o egoísmo, a covardia, a ganância e a
traição. Novamente, em O grilo Feliz observa-se a adequação dos
personagens àquilo que se deseja contar. Logo, para atender ao objetivo da
obra, cria-se uma narrativa focada em abordar os valores morais pretendidos.
Mesmo evidenciando uma estética que se aproxima das animações Disney, O
grilo Feliz valoriza as marcas formais de cada personagem. São identificadas
certas mudanças no caráter de alguns personagens, no entanto, o processo de
transformação não é descrito pela animação, que destaca e elenca algumas
temáticas de cunho morais. Elevam-se na narrativa, experiências que colocam
em evidência a coragem, o perdão, o valor da amizade e da fraternidade, bem
como o comprometimento com a natureza, que servem de modelo mas não
são jamais questionadores verdadeiramente.
Cinegibi, o filme: Turma da Mônica apresenta ao público narrativas
plenas de aventura. Os personagens, caracterizados por tendências impulsivas
e irrefletidas são facilmente identificados por uma postura infantil. Lançam-se a
tramas que trazem mensagens moralizantes ou que, em outros momentos,
351
validam-se pela pura aventura, como é o caso do fragmento Em busca do
nariz de Isabelle. Por outro lado, nos demais fragmentos narrativos, Mônica
em: Concurso de beleza e Cebolinha em: Irmão Cascão, evidenciam,
brevemente, processos de transformação dos personagens envolvidos, mas a
ênfase na história proposta sobrepõe-se ao processo de desenvolvimento e
formação. Tipicamente infantis, os processos experienciados pelos
personagens não firmam uma transformação em seus cernes. Em Mônica em:
Um amor dentuço, O caça Sansão e Cascão em: Um cenário para meus
brinquedinhos, verifica-se um tom moral, que dá destaque à amizade, à
coragem e ao respeito que combatem a incompreensão, o egocentrismo e a
manipulação, mas o há qualquer mudança essencial na percepção da
realidade apresentada.
Xuxinha e Guto em: Os monstros do espaço enfatiza a necessidade
de proteger o Planeta Terra. A maneira pela qual o personagem Xuxinha
conduz esta missão coloca à prova sua condição de anjo, tornando-se
finalmente humana. Apesar de vivenciar uma experiência que a submete a um
novo status, a obra destaca a necessidade de zelar pelo Planeta Terra. Mesmo
fazendo uma abordagem acerca das escolhas, das perdas e da hierarquia de
valores, o foco desta animação ainda é determinado pela temática da natureza,
assim como em Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo. Nesta
animação, os personagens precisam enfrentar seus medos e inseguranças
com racionalidade e responsabilidade, a fim de salvar o planeta. Logo, suas
atitudes e escolhas estão comprometidos em garantir a integridade do planeta.
Os personagens unem-se por este fim, mas novamente as peripécias é que
são destacadas. Assim, a consciência e responsabilidade ambiental, a união, a
coragem e a solidariedade integram o discurso destas animações, combatendo
fanatismos, incompreensões e egocentrismos, mas de modo apenas
passageiro.
Garoto cósmico é a animação brasileira que mais se aproxima do
gênero Bildungsroman. Os personagens Cósmico, Maninho e Luna partem em
uma viagem na qual confrontam suas crenças com novas possibilidades do
ser. Através de questionamentos, ganham maturidade, precisam fazer escolhas
352
e enfrentar espaços desconhecidos. Vencem a opressão, desenvolvem suas
essências e renascem para a vida, aderindo a novos códigos. Emancipam seus
Eus e conquistam suas autonomias, resolvem o conflito com o mundo e
permitem-se a vivência de um desenvolvimento intenso, pleno em verdade e
expressividade. Mesmo dando destaque à trajetória destes personagens,
observa-se que eles estão a serviço de uma crítica à dependência e à entrega
passiva perante os recursos tecnológicos, hábeis em dominar o foco da
atenção e empobrecer a experiência vital. A animação confere valor à liberdade
e à autonomia, capazes de dar expressividade e intensidade à vida, instigando
a reflexão.
Paralelamente aos valores morais abordados, aos significados e aos
juízos intrínsecos das narrativas, é clara a diferença entre as animações
nacionais e as norte-americanas. Mesmo que os planos cênicos projetem
medos e anseios do espectador, as animações nacionais perdem força, ao
absterem-se de uma abordagem que compreenda a complexidade dos
processos humanos. Contrariamente, prendem-se a mensagens moralizantes e
tomadas por considerações avaliativas. Assim, antes de ser o personagem, o
foco destas narrativas está na aventura em que estão inscritos. Mesmo que
revisem posturas e crenças, a trajetória do personagem está submetida a uma
mensagem moral. Em contrapartida, nas animações norte-americanas, lugares
misteriosos, percursos e provações são perpassados por personagens que
vivem a potencialidade de suas inclinações para, finalmente, resgatarem a
ordem, a paz e o reconforto do final feliz, ofertados ao espectador. O conjunto
de valores e padrões de conduta, herdados pela cultura, inserem-se nas
narrativas, firmando um discurso preenchido por mensagens. Desta maneira,
tais formatos, enriquecidos por experiências e ritos, inspiram identificações em
suas platéias, emocionando, simulando e recriando realidades. O fim justo
garante a felicidade, portanto, durante o percurso dos heróis, verifica-se uma
tragédia de busca, na qual passam por transformações para que, finalmente,
elevem-se as virtudes do homem, orientando suas forças e desejos ao
equilíbrio, à harmonia humana e ao bem comum. Os discursos reforçam
sistemas e modelos que pretendem regular uma conduta coerente com a vida
coletiva e individual. Os processos de moralizantes, aqui, estão em movimento,
353
são irregulares, e por isso bem se portam à análise possibilitada pela ética
moriniana. nas animações brasileiras, a moral é colocada enquanto valor
estático, modelo a ser definido, enquadramento anti-dinâmico de que a análise
aristotélica da melhor conta.
Reflexos de um cenário social são identificados nas animações.
Conteúdos subjetivos, sentimentos, desejos, paixões, busca de autonomia e
desenvolvimento de angústias são representados através do viés simbólico. A
descrição morfológica das narrativas, sua análise perante enfoques éticos
diferenciados e a atualização de seus discursos morais, permitiu compreender
digressões entre as animações nacionais e as norte-americanas estudadas.
Cada uma com suas especificidades, colocam-se a serviço da formação
humana, dela participando com seus elementos constitutivos. Finalmente,
verifica-se que, além da discursividade moral, o êxito das animações sustenta-
se pela riqueza de enredos que encantam platéias, apresentando retratos da
confusão infantil, do perigo, da aventura e do poder redentor do amor: do
crescimento e do amadurecimento, enfim.
354
REFERÊNCIAS
Livros
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
ADAMSON, Joe. Tex avery: King of cartoons. Newtons: DaCapo Press, 1985.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento:
Fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro, Zahar: 1985.
ALVEZ-MAZZOTTI. Método nas ciências naturais e sociais: Pesquisa
quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: UNB, 2001.
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.
ARISTÓTELES. Poética. Brasília: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1998.
ARISTÓTELES. A política. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988.
AUMONT, Jacques; BERGALA, Alain; MARIE, Michel; VERNET, Marc. A
estética do filme. São Paulo: Papirus, 1995.
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Análisis del film. Barcelona: Paidós,
1993.
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema.
São Paulo: Papirus, 2006.
AZEVEDO FILHO, Leodegário; MENDONÇA, Antônio S.; FERREIRA, Nadiá;
OLIVEIRA, Ivani L. B. Teoria da literatura. Rio de Janeiro: Gernasa, 1973.
BARBERO, Jesús Martin. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BARTHES, Roland. “Introdução à análise estrutural da narrativa”. In: Análise
estrutural da narrativa: Pesquisas semiológicas. Rio de Janeiro: Vozes, 1973.
355
BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. Cultrix: São Paulo, 2000.
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2002.
BLÁZQUEZ, Niceto. Ética e meios de comunicação. São Paulo: Paulinas,
1999.
BONI, Luis Alberto de. Armando Câmara: Obras escolhidas. Porto Alegre:
Edipucrs, 1999.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso.
Campinas: Unicamp, 1991.
BRAVO, Alexia D. A construção de Dom Quixote e Sancho por Salvador de
Madariaga. In: REIS, Carlos (org.). Figuras da Ficção. Coimbra: Centro de Lit.
Portuguesa, 2006.
BRISSON, Luc. Leituras de Platão. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.
CAILLÉ, Alain; LAZZERI, Christian; SENELLART, Michel. História
argumentada da filosofia moral e política: A felicidade e o útil. São
Leopoldo: Unisinos, 2004.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento,
1949.
CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.
CANDIDO, Décio de Almeida. “A personagem do romance”. In: CÂNDIDO,
Antônio et al. A personagem da ficção. São Paulo: Perspectiva, 1981.
CASHDAN, Sheldon. Os sete pecados capitais nos contos de fadas: Como
os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: Dos pré-socráticos a
Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CHLOVSKI, Victor. “Prefácio”. In: Teoria da literatura: Formalistas russos.
Porto Alegre: Globo, 1971.
COELHO, César; MAGALHÃES, Marcus; QUEIROZ, Aída; ZAGURY, Léa.
Animation now! Madrid: Taschen, 2004.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São
Paulo: Moderna, 2000.
356
COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo: Ática, 1987.
COLASANTI, Marina. Fragatas para terras distantes. Rio de Janeiro: Record,
2004.
COMPARATO, Fábio K. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
CORSO, Diana; CORSO, Mário. Fadas no divã: Psicanálise nas histórias
infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem: Uma história do olhar no ocidente.
Petrópolis: Vozes, 1994.
D’ONÓFRIO, Salvatore. Forma e sentido do texto literário. São Paulo: Ática,
2007.
DUCA, Lo. Le dessin animé: Histoire, esthétique, technique. Prisma: Paris,
1948.
ECO, Umberto. A definição de arte. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2000.
ELIOT, Marc. Walt Disney: O príncipe sombrio de Hollywood. São Paulo:
Marco Zero, 1993.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Contos dos Irmãos Grimm. Rio de Janeiro: Rocco,
1999.
FERREIRA, M.C.L. Glossário de termos do discurso. Porto Alegre: Instituto
de Letras/ UFRGS, 2001.
FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
GIARDINELLI, Mempo. Assim se escreve um conto. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1994.
GIROUX, Henry. “A disneyzação da cultura infantil”. In: SILVA, Tomaz Tadeu;
MOREIRA, Antônio. Territórios contestados. Petrópolis: Vozes, 1995.
GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. São Paulo: Cultrix, 1973.
GUILLÉN, José Mascardó. El cine de animación: En más de 100
longametrajes. Madri: Alianza, 1997.
HALLAS, John; MANVELL, Roger. A técnica da animação cinematográfica.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
HÖFFE, Otfried. Aristóteles. Porto Alegre: Artmed, 2008.
357
HOHLFELDT, Antônio. Literatura infanto-juvenil: Teoria e prática. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 2006.
JOLLES, André. Formas simples: Legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso,
memorável, conto, chiste. São Paulo: Cultrix, 1930.
KEHL, Maria Rita. “A criança e seus narradores” In: CORSO, Diana; CORSO,
Mário. Fadas no divã: Psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed,
2006.
KUNZ, Marines Andrea. “A hora da estrela: Espelho contra espelho”. In:
SARAIVA, Juracy (org.). Narrativas verbais e visuais: Leituras refletidas. São
Leopoldo: Unisinos, 2003.
LACAN, Jaques. Écrits. Paris: Seuil, 1966.
LIPOVETSKY, Gilles. Metamorfoses da cultura liberal: Ética, mídia,
empresa. Porto Alegre: Sulina, 2004.
LUCENA JÚNIOR, Alberto. Arte da animação: Técnica e estética através da
história. São Paulo: Senac, 2005.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2002.
MAFFESOLI, Michel. Mediações simbólicas: A imagem como nculo social”.
In: MARTINS, Francisco M.; SILVA, Juremir M. (orgs.). Para navegar no
século XXI: Tecnologias do imaginário e cibercultura. Porto Alegre: Sulina,
2000.
MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Petrópolis: Vozes, 1995.
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez,
2002.
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas:
Pontes, 1989.
MANHÃES, Eduardo. “Análise do discurso”. In: BARROS, Antônio; DUARTE,
Jorge (orgs). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo:
Atlas, 2005.
MCKEE, Robert. Story: Substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita
de roteiros. Curitiba: Arte e Letra, 2006.
METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1977.
358
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desenvolvimento do conhecimento:
Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC, 1992.
MIRANDA, Carlos Alberto. Cinema de animação: Arte nova/ arte livre.
Petrópolis: Vozes, 1971.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1974.
MORENO, Anônio. A experiência brasileira no cinema de animação. Rio de
Janeiro: Artenova, 1979.
MORIN, Edgar. “Da necessidade de um pensamento complexo”. In:
MARTINS, Francisco M.; SILVA, Juremir M. (orgs.). Para navegar no século
XXI: Tecnologias do imaginário e cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2000ª.
MORIN, Edgar. “As duas globalizações: Comunicação e complexidade”. In:
SILVA, Juremir M. (org.) As duas globalizações: Complexidade e
comunicação, uma pedagogia do presente. Porto Alegre: Edipucrs, 2007
b
.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: Repensar a reforma, reformar o
pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000
b
.
MORIN, Edgar. El cine y el hombre imaginario. Barcelona: Paidós, 2001
b
.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Relógio d’’agua,
1997.
MORIN, Edgar. O método 1: A natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina,
2008
b
.
MORIN, Edgar. O método 2: A vida da vida. Porto Alegre: Sulina, 2005
a
.
MORIN, Edgar. O método 3: O conhecimento do conhecimento. Porto Alegre:
Sulina, 2008
a
.
MORIN, Edgar. O método 4: As idéias, habitat, vida, costumes, organização.
Porto Alegre: Sulina, 1998.
MORIN, Edgar. O método 5: A humanidade da humanidade, a identidade
humana. Porto Alegre: Sulina, 2007
a
.
MORIN, Edgar. O método 6: Ética. Porto Alegre: Sulina, 2005
b
.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São
Paulo: Cortez, 2000
c
.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Portugal: Instituto Piaget,
2001
a
.
359
MORRISON, Mike. Becoming a computer animator. Indianápolis: Howard W.
Sams, 1994.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano: Um livro para espíritos
livres. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
ORLANDI, E. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988.
PÊCHEUX, Michel; FUCHS, C. “A propósito da análise automática do discurso:
Atualização e perspectivas” (1975). In: GADET, F. & HAK, T. (orgs.). Por uma
análise automática do discurso: Uma introdução à obra de Michel Pêcheux.
Campinas: Unicamp, 1993, p.163-252.
PÊUCHEUX, Michel. Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio.
São Paulo: Unicamp, 1988.
PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: Introdução à análise de
discurso. São Paulo: Hacker, 1999.
PINTO, Virgilho N. Comunicação e cultura brasileira. São Paulo: Princípios,
1989.
PLATÃO. A república. São Paulo : Martin Claret, 2007.
PLATÃO. Diálogos. Belém: Universidade Federal do Pará, 1980.
PLATÃO. Las leyes. Madrid: Centro de Estudios políticos y
constitucionales, 1999.
PLATÃO. Diálogos: Mênon Banquete Fedro. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1999.
PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1984.
PROPP, Vladimir. “As transformações dos contos fantásticos”. In: Teoria da
literatura: Formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1971.
RAHDE, Maria Beatriz. “Iconografia e comunicação: A construção de imagens
míticas”. In: Logos: Comunicação e Universidade. Rio de Janeiro: Faculdade de
com. Social da UERJ, n.17, 2 semestre 2002, p.19-29.
RAMOS, Fernão. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac,
2000.
REALE, Giovanni. Introducción a Aristóteles. Barcelona: Herder, 1985.
REIS, Carlos. “Narratologia(s) e teoria da personagem”. In: REIS, Carlos (0rg.).
Figuras da ficção. Coimbra: Centro de literatura portuguesa, 2006.
360
RICHARD, Valliere. Norman McLaren, manipulator of movement. Nweark:
University of Delaware, 1986.
Rio Grande do Sul. Secretaria da Justiça e da Segurança. Comitê de Estudos
da Violência. Televisão e a violência: Impacto sobre a criança e o
adolescente. Porto Alegre: Secretaria da Justiça e da Segurança, 1998.
RODARI, Gianni. Gramática da fantasia. São Paulo: Summus, 1982.
ROSEMBERG, Bia. A tv que seu filho vê. São Paulo: Panda Books, 2008.
ROSENFELD, Anatol. “Literatura e personagem”. In: CÂNDIDO, Antônio et al.
A personagem da ficção. São Paulo: Perspectiva, 1981.
RUSSET, Robert; STARR, Cecile. Experimental animation: Origins of a new
art. Newtons: Da Capo Press, 1988.
SALLES, Carolina. Telinha multifacetada: O impacto dos padrões de
comportamento e beleza estampados pela mídia. In: Psique ciência &vida.
São Paulo, ano 3, n.10, p.32-38, 2008.
SARAIVA, Juracy A. Narrativas verbais e visuais: Leituras refletidas. São
Leopoldo: Unisinos, 2003.
SILVA, Juremir M. Em busca da complexidade esquecida II”. In: SILVA,
Juremir M. (org.) As duas globalizações: Complexidade e comunicação uma
pedagogia do presente. Porto Alegre: Edipucrs, 2007.
SILVA, Juremir M. Muito além da liberdade. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
1991.
SILVA, Vitor M. de Aguiar. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1967.
SILVEIRA, Denis Coutinho. Os sentidos da justiça em Aristóteles. Porto
Alegre: Edipucrs, 2001.
SIMÕES, Maria João. “Atrevidas e desbordantes: As personagens em Mário de
Carvalho”. In: REIS, Carlos (0rg.). Figuras da ficção. Coimbra: Centro de
literatura portuguesa, 2006.
SOLOMON, Charles (org.). The art of animated image: An anthology. Los
Angeles: The American Film Institute, 1987.
SOLOMON, Charles. The history of animation. Nova York: Wings Books,
1994.
THOMAS, Bob. Disney’s art of animation: From Mickey Mouse to Hercules.
Nova York: Hyperion, 1997
THOMAS, Bob. O mago da tela. São Paulo: Melhoramentos, 1969.
361
THOMAS, Frank; JOHNSTON, Ollie. The illusion of life: Disney animation.
New York: Hyperion, 1995.
TODOROV, Tzvetan. As categorias da narrativa literária. In: Análise estrutural
da narrativa: Pesquisas semiológicas. Rio de Janeiro: Vozes, 1973.
TOMACHEVSKI, B. “Temática”. In: Teoria da literatura: Formalistas russos.
Porto Alegre: Globo, 1971.
TUGENDHAT, Ernst. Diálogo em Letícia. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
TUGENDHAT, Ernst. O problema da moral. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica.
Campinas: Papirus, 1994.
VAZ, Henrique de Lima.scritos de filosofia IV: Introdução à ética filosófica 1.
São Paulo: Loyola, 1999.
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: Estruturas míticas para
contadores de histórias e roteiristas. USA: Ampersand, 1992.
VON FRANZ, Marie-Louise. A sombra e o mal nos contos de fadas. São
Paulo: Paulinas, 1985.
WARNER, Marina. Da fera à loira: Sobre contos de fadas e seus narradores.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Filmes
A era do gelo. Direção: Chris Wedge. Estados Unidos: Fox Animation Studios;
Blue Sky Studios, 2002.
Anastasia. Direção: Don Bluth; Gary Goldman. Estados Unidos: 20th Century
Fox, 1997.
Branca de Neve e os sete anões. Direção: Walt Disney. Estados Unidos: Walt
Disney, 1937.
Branca de Neve e os sete anões. Direção: Walt Disney, 2001. Edição
Especial (83 min), VHS, Bônus Especial.
Cassiopéia. Direção: Clóvis Vieira. Brasil: NDR Filmes Produções Ltda., 1996.
Cinegibi, o filme: Turma da Mônica. Direção: José Márcio Nicolosi. Brasil:
Maurício de Sousa; Produções; Paramount Pictures; UIP, 2004
362
Formiguinhaz. Direção: Eric Darnell; Tim Johnson. Estados Unidos:
Dreamworks SKG, 1998.
Garoto cósmico. Direção: Alê Abreu. Brasil: Estúdio Elétrico, 2007.
Mogli: O menino lobo. Direção: Walt Disney. Estados Unidos: Walt Disney,
2007. Edição Platinum (79 min), DVD, Bônus especial.
O grilo Feliz. Direção: Walbercy Ribas. Brasil: Start Desenhos Animados,
2001.
Os incríveis. Direção: Brad Bird. Estados Unidos: Disney/Pixar, 2005 (115
min), DVD, Bônus especial.
Procurando Nemo. Direção: Andrew Stanton. Estados Unidos: Pixar
Animation Studios; Walt Disney Pictures, 2003.
Shrek. Direção: Andrew Adamson; Vicky Jenson.Estados Unidos: Dreamworks
SKG, 2001.
Turma da Mônica: Uma aventura no tempo. Direção: Maurício de Sousa.
Brasil: Diler & Associados; Maurício de Sousa Produções; Miravista ; Labo
Cine, 2007.
Xuxinha e Guto Contra os Monstros do Espaço. Direção: Moacyr Góes;
Clewerson Saremba. Brasil: Diler & Associados; Warner Brasil; Xuxa
Produções, 2005.
Internet
http://dragaodepapel.wordpress.com/2005/12/18/viacom-compra-os-estudios-
de-cinema-da-dreamworks (acesso em 10/03/2008).
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=88631
1&tit=O-comovente-Up-faz-Cannes-flutuar-em-3D (acesso: 04/06/2009).
http://www.abca.org.br/animadoresdobrasil (acesso 01/07/2008).
http://www.aleabreu.com.br (acesso: 13/04/2008).
http://www.animamundi.com.br (acesso: 20/05/2005).
http://www.caohamburger.com/curtas.html (acesso 15/06/2008).
http://www.filmeb.com.br (acesso: 04/05/2007).
363
http://www.loucosporcinema.com.br/noticia_250406_01.shtml (acesso:
12/06/2009).
http://www.mci.org.br/historia/cassiopeia/cassiopeia.html (acesso 14/03/2008).
http://www.monica.com.br/mauricio/cronicas/cron54.htm (acesso: 14/03/2008).
http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=6394&AUT_ID
=24 (acesso: 22/05/2007).
http://www.ottodesenhos.com.br/ (acesso, 14/02/2008).
http://www.pixar.com (acesso: 20/05/2007; 23/05/2007).
http://www.quadroaquadro.ufmg.br/panorama (acesso: 20/05/2008).
http://www.revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG67820-5856,00.html
(acesso: 25/05/2006).
http://www.telaviva.com.br/revista/178/anima%C3%A7%C3%A3o.htm (acesso
em 09/03/2008).
http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=11672 (acesso:
27/07/2006).
http://www.universiabrasil.net/materia/materia.jsp?materia=11671 (acesso
14/02/2008).
http://www.woodstock.etc.br (acesso: 16/09/2007).
364
ANEXOS
365
ANEXO 1
QUADRO COMPARATIVO DAS VIRTUDES ARISTOTÉLICAS
Deficiência Moral Vício
por Excesso
Deficiência Moral Vício
por Deficiência
Excelência Moral
Virtude
Temeridade: É uma
característica envolta pelo
excesso, própria das
“pessoas excessivamente
confiantes em relação ao
que é temível”
(ARISTÓTELES, 2001,
p.61). Aristóteles (2001)
estabelece uma relação
entre os temerários, os
jactanciosos e os meros
simuladores de coragem.
Os temerários, desejosos
do status da coragem,
encarnam um misto entre
a temeridade e a covardia,
pois não mantêm uma
postura firme frente à
sucessão de fatos, a
menos que estejam
confiantes em si. Se, por
um lado, anseiam pelo
perigo, quando deparados
com o perigo real, recuam.
Covardia: Esta disposição,
motivada pelo sofrimento
(ARISTÓTELES, 2001, p.68),
configura-se em um temor
excessivo a diversas
situações, de forma
inapropriada. Esta disposição
denota-se junto àquelas
pessoas notadamente
temerosas, deficientes dos
caracteres pertinentes à
coragem, anteriormente
descritos. Temendo tudo, o
covarde configura-se como
um homem sem esperanças.
Coragem: É
compreendida como o
meio termo entre a
covardia e a temeridade. O
homem porta-se de
maneira corajosa em
diferentes circunstâncias.
O homem corajoso é
habilitado a temer aquilo
que se encontra aém da
resistência humana. No
entanto, reage apoiado na
razão, que lhe assegura a
honra, um dos fins da
excelência moral. Tendo
uma disposição para a
esperança, revela-se
confiante. Uma morte
decorrente de situações
nas quais o perigo é
eminente, como em uma
guerra, adquire um caráter
nobilitante. O homem
corajoso pode temer e
366
Os temerários convertem-
se em jactanciosos e
simuladores de coragem,
visto que desejam se
aproximar dos caracteres
referentes à coragem.
enfrentar determinadas
ocorrências. No entanto,
suas inclinações são
guiadas pela razão e em
“conformidade com a
disposição moral
correspondente”. Assim,
nos momentos que
antecedem uma ação,
revelam tranqüilidade e no
momento da ação,
excitação (ARISTÓTELES,
2001, p.61).
Concupiscência:
Relaciona-se ao excesso
perante aquilo que é
prazeroso
(ARISTÓTELES, 2001,
p.68). Diz respeito àquelas
pessoas que se deleitam
com sensações que lhes
inspiram desejos.
Aristóteles (2001, p.66)
cita o deleite com o odor
dos alimentos ansiados.
Neste ciclo de desejos, os
concupiscentes,
independente do ônus,
são conduzidos na direção
de suas pretensões,
sofrendo frente a
Insensibilidade: Difícil de
encontrar pessoas isentas de
sensibilidade. Esta
deficiência moral caracteriza-
se pela indiferença frente a
conquistas ou derrotas,
demonstrando a ausência de
desejos prazerosos.
Moderação: Esta virtude
caracteriza-se pelo meio
termo daquilo que
tangencia os prazeres do
corpo. A visão e a audição
não correspondem aos
prazeres do corpo; o
mesmo ocorre com o odor,
quando casualmente
apresentado.
A pessoa que age
conforme esta disposição
moral é capaz de abdicar
daquilo que lhe é
agradável, convivendo
com sua falta.
367
frustrações. Ao mesmo
tempo, destaca que
existem desejos
particulares e outros
generalizados, como os
naturais comer e beber.
Nestes, o desvio possível,
para além da moderação,
caracteriza-se pelo
excesso. Desejosos de
tudo o que possa reverter-
se em prazer, os
concupiscentes sofrem
enquanto não o atingem.
Prodigalidade: Esta
característica denota
pessoas incontinentes,
que esbanjam suas
posses, arruinando-se
(ARISTÓTELES, 2001, p.
71). A prodigalidade se
configura no excesso em
relação ao uso da riqueza.
São chamados de
pródigos, também,
aqueles que gastam suas
posses a favor da própria
concupiscência. Logo, são
autores de sua falência,
fruto das dispendiosas
aplicações de seus
Avareza: Segundo
Aristóteles (2001), tal
disposição moral é incurável,
pois se encontra
notadamente atrelada à
natureza humana. A avareza
caracteriza-se pela inclinação
do homem em acumular
riquezas e por sua
dificuldade em desprender-se
de suas posses. Tais
posições podem aparecer
combinadas ou
individualizadas.
Liberalidade: A pessoa
liberal é aquela que gasta
conforme suas verdadeiras
posses, sem exceder,
cumprindo com objetivos
moderados. Tais pessoas
dispõem de valores certos,
sem que isso lhes incite
sofrimento, sendo
marcadas pela excelência
moral, uma vez a
observância para com o
justo meio. A pessoa
liberal não atribui uma
superestima à riqueza.
Aristóteles (2001, p.72)
ressalta que o homem
368
recursos.
liberal não deseja ser rico.
Age, então,
generosamente para com
suas posses, fazendo
ofertas coerentes,
direcionando-as a quem
merece e no
momento propício. A
liberalidade se configura
na excelência moral cuja
disposição encontra-se no
meio termo entre o dar e o
obter.
Vulgaridade: É a
disposição daquele cuja
tendência é evidenciada
pelo excesso, permeada
pelo exibicionismo. Estas
pessoas, focadas nos
objetivos, não se
preocupam com os
gastos, mas com a
ostentação viabilizada
pelos mesmos.
Mesquinhez: A mesquinhez
se caracteriza por uma
disposição reprovável da
alma. Aquele que se
comporta conforme seus
desígnios é tendencionado à
redução de custos
insignificantes, determinando
a falta e comprometendo o
bom resultado final da
proposta (ARISTÓTELES,
2001, p.78). O mesquinho
acredita estar sempre
gastando além daquilo que
era previsto. Faz, portanto,
inúmeros cálculos para que
possa controlar suas
despesas. No entanto,
Magnificência: Apesar
de semelhante à
liberalidade, relaciona-se
àquilo que corresponde
aos gastos. Esta
disposição relaciona-se a
um dispêndio
consentâneo com seus
objetivos em grande
escala” (ARISTÓTELES,
2001, p. 75). O
magnificente investe
grandes valores em
objetos que visam
resultados equiparados ao
que foi dispendido. Assim,
o título de magnificente é
atribuído a quem possui
369
lamenta todos seus gastos.
grandes bens e seus
investimentos são
proporcionais e
compatíveis. Uma pessoa
com poucos recursos não
contempla os requisitos
para a magnificência, visto
não possuir recursos para
grandes feitos.
Pretensão: Conhecidas
pela insensatez e pela
ignorância, as pessoas
com tal disposição moral
revelam uma inclinação
para pretensões
desproporcionais,
ultrapassando suas reais
possibilidades. No
entanto, mesmo
ambicionando grandes
aquisições e inclinadas ao
excesso, suas aspirações
não superam as de uma
pessoa magnânima. Tais
pessoas são
exibicionistas, desejam
que sua prosperidade seja
avistada e reconhecida
por todos.
Pusilânime: Característica
que determina as pessoas
que aspiram aquém de suas
potencialidades ou, ainda,
desenvolvem comparações
nas quais se subjugam frente
ao magnânimo. As pessoas
pusilânimes desconsideram
seu potencial para aquilo que
lhe é digno, privando-se do
que lhe pode ser favorável,
fato que faz inferir um
desconhecimento de si.
Denotam retração frente a
“ações e propósitos
nobilitantes por se julgarem
indignas deles, privando-se
até dos bens materiais”
(ARISTÓTLES, 2001, p.82).
Magnanimidade: As
pessoas magnânimas
aspiram grandes
conquistas e atributos.
Tais pretensões
encontram-se na medida
de suas potencialidades,
demarcando a excelência
moral e o meio termo justo
em relação ao pretencioso
e ao pusilânime
(ARISTÓTELES, 2001,
p.78).
370
Irascibilidade: São
pessoas que se
encolerizam facilmente,
sendo consideradas
insensatas. Distintas
situações podem ser palco
para esta deficiência,
marcada pelo excesso.
“As pessoas irascíveis se
encolerizam rapidamente
com as pessoas erradas,
e mais que o razoável,
mas sua cólera cessa
prontamente”
(ARISTÓTELES, 2001,
p.83).
Apatia: Característica
determinada pela falta,
própria das pessoas que não
se encolerizam. Confere-se a
estas pessoas uma
inexistência da sensibilidade,
uma vez que não se impõem,
nem mesmo sofrem frente a
uma ofensa e, por não se
encolerizarem, supõe-se uma
incapacidade para se
defenderem.
Amabilidade: É o estado
intermediário em relação à
cólera” (ARISTÓTELES,
2001, p.83). Aqueles que
são naturalmente
agradáveis, isentos de
intenções futuras, são
amáveis. No entanto, as
pessoas amáveis podem
se encolerizar justamente,
quando, orientadas pela
razão, pois se revelam
dignas de louvor.
Jactância: É a marca
das pessoas que se
dirigem ao alcance da
glória e do
reconhecimento. Revelam-
se sempre desejosas de
mais notoriedade e glória.
Assim, se já a possuem,
desejam mais
(ARISTÓTELES, 2001,
p.86).
Falsa modéstia:
Característica das
pessoas que minimizam suas
qualidades, pretendendo o
reconhecimento e o apreço
do outro (ARISTÓTELES,
2001, p.86).
Sinceridade:
Característica
dotada de excelência
moral. As pessoas
sinceras o são com suas
ações e com suas
palavras. No entanto,
podem divergir de uma
verdade, no sentido de
atenuá-la,
compatibilizando-a com a
conveniência
(ARISTÓTELES, 2001,
p.86).
371
Bufão vulgar: As
pessoas dotadas desta
deficiência moral
“desejam, independente
da qualidade de suas
palavras, despertar o riso”
(ARISTÓTELES, 2001,
p.87). Desta forma,
revelam-se
inconvenientes. Não
contendo o desejo de
gracejar e de provocar
risos, valem-se de si ou
dos outros.
Enfadonho: São pessoas
com dificuldade em conviver
socialmente, manifestando-
se constantemente
insatisfeitas. “Não
conseguem fazer gracejo e
não suportam aqueles que o
fazem” (ARISTÓTELES,
2001, p.87).
Espirituosidade: As
pessoas espirituosas o
aquelas que gracejam com
bom gosto, denotam
presença de espírito,
fazendo verbalizações
pertinentes e oportunas.
Amizade por interesse:
As pessoas com
disposição para a amizade
por interesse não
possuem uma afeição
natural para o amor em
relação ao outro, já que tal
afinidade é motivada
apenas pelo proveito que
o outro poderá lhe
proporcionar. Estas
pessoas amam em função
do retorno decorrente
desta relação, e não pela
pessoa que está no elo
desta relação. Tais
amizades são ocasionais
Amizade por prazer: A
amizade baseada no prazer é
mantida pela sensação que o
outro possibilita. Assim, o
mesmo raciocínio aplicado à
amizade por interesse
mantém-se na amizade por
prazer. Aristóteles (2001,
p.155) exemplifica, ilustrando
que aqueles que amam por
prazer, comprazem-se na
sensação agradável com que
são agraciados. Logo, não é
pelo caráter que se gosta de
uma pessoa espirituosa, mas
por aquilo que ela propicia.
Da mesma forma que a
Amizade: A amizade é
descrita por Aristóteles
(2001) como uma das
formas de excelência
moral. A disposição
amistosa revela-se na
mais autêntica forma de
justiça, portanto,
caracteriza-se por sua
notabilidade. A amizade
aplica-se a pessoas, pois
requer a reciprocidade de
afeição, ou a boa vontade
recíproca, estando imune
a calúnias. A amizade
perfeita se estabelece
entre pessoas boas e
372
e mantidas pelo benefício
do resultado, sendo então
edificadas sobre uma base
frágil, facilmente desfeita,
bastando um rompimento
entre os interesses,
correlacionando-se,
portanto, com a prática
utilitarista. Da mesma
forma que as pessoas
mudam, os interesses
também são reformulados,
o que reafirma a
fragilidade destas
estruturas de amizade. A
duração da amizade
interesseira depende
daquilo que cada um dos
envolvidos recebe,
pressupondo que estes
não são tão amigos
quanto aqueles movidos
pelo prazer, pois quando o
interesse acaba, a
amizade também finda. Na
amizade por interesse, a
pessoa não necessita ser
boa para vivenciá-la, pode
ser má, pois o que está
em jogo é o proveito
recíproco. Este tipo de
amizade é característico
dos mercenários. As
amizade por interesses, a
amizade sustentada pelo
prazer também é frágil e,
sabendo-se que as pessoas
transformam-se com o
tempo, podem deixar de ser
úteis e também de ser
agradáveis, rompendo o
sentimento. Tais amizades
são notadamente vivenciadas
por jovens, pois agem sob a
força das emoções,
direcionando-se aquilo que
lhes proporciona prazer,
caracterizando sua
efemeridade. Este tipo de
amizade revela semelhança
com a amizade perfeita, pois
pessoas boas também são
agradáveis e generosas.
Contudo, como na amizade
por interesses, a amizade por
prazer pode se dar entre
diferentes combinações de
sujeitos – pessoa boa-pessoa
boa; pessoa boa-pessoa má;
pessoa má-pessoa pois
seu valor encontra-se no
resultado almejado.
semelhantes; elas o
igualmente agradáveis e
úteis, desejam o bem uma
da outra irrestritamente
pelo que são, ao mesmo
tempo em que se
beneficiam mutuamente,
firmando uma relação
duradoura e sincera. Em
tais amizades, inexistem
queixas e
desentendimentos, pois
predomina o desejo de
fazer o bem um ao outro.
Aristóteles (2001) supõe
que a amizade é uma
disposição de caráter e,
quando fundada nela, é
duradoura. Mas para que
esta se confirme, requer-
se tempo e intimidade,
elementos que
proporcionam a conquista
da confiança.
373
queixas, recriminações e
desentendimentos fazem-
se vistas com maior
freqüência neste tipo de
amizade, pois os
benefícios nem sempre
são recíprocos. Como
exemplo, Aristóteles
(2001, p.169) cita o caso
daquele que sempre
deseja maiores vantagens
e acredita estar recebendo
menos que o devido,
suscitando divergências.
Quando esta situação
configura-se, observa-se
uma situação de
superioridade de um dos
envolvidos
(ARISTÓTELES, 2001,
p.171). A amizade por
interesses pode
fundamentar-se em
aspectos morais ou legais.
Enquanto o tipo legal é
baseado em condições
pré-determinadas, como
normas e códigos a serem
respeitados; o tipo moral
não determina regras, no
entanto, cada uma das
partes deseja obter
vantagem em relação à
374
outra.
Ganância: Esta é uma
disposição das pessoas
más, aquelas que não
podem exercer a amizade
perfeita. Sempre
desejando obter para si
um proveito além do
condigno, criticam o
próximo, interpondo-se em
seu caminho.
Incoerentemente, coagem
o outro a agir conforme o
justo, sem que, no
entanto, predisponham-se
à justiça. “Reservam a si,
sempre a maior parte das
riquezas; honrarias e os
prazeres do corpo”
(ARISTÓTELES, 2001,
p.183), estando na maioria
das vezes entregues a
suas paixões elemento
irracional da alma. Tais
atitudes correspondem
àquelas que podem ser
esperadas de uma pessoa
ególatra.
Ególatra: Diz-se daquele
que ama mais a si que os
outros. Tais pessoas
costumam conduzir suas
ações conforme aquilo que
lhe é nobilitante, buscando
melhor satisfazer seu lado
dominante, rendendo-se a
ele. (ARISTÓTELES, 2001,
p. 184).
Condignidade: A
condignidade se refere à
retribuição de um serviço.
Para que seja condigna,
deve ser equivalente ao
benefício promovido. As
pessoas condignas
desejam aquilo que é justo
e proveitoso. Tal atitude
encontra respaldo junto às
características daquele
que possui disposição
para a amizade perfeita.
Aristóteles (2001, p.175)
complementa a idéia,
destacando que “as
pessoas que recebem uma
coisa devem atribuir-lhe,
não o valor que ela parece
ter, quando a possuem,
e sim o valor que lhe
atribuíam antes de tê-la”.
Cada pessoa requer um
merecimento diferenciado,
no entanto, apropriado e
conveniente.
375
376
ANEXO 2
Abaixo, apresentam-se os quadros que retratam as funções da
morfologia do conto desenvolvidas por Propp (1984) em face das fontes éticas
ofertadas por Aristóteles e Edgar Morin:
Branca de Neve e os sete anões
Funções da
morfologia
narrativa segundo
Vladimir Propp por
cenas
8
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
Era uma vez
Rainha pergunta ao
espelho quem é a
mais bela, momento
em que descobre
que a mais bela é
Branca de Neve
Avareza,
vulgaridade,
pretensão,
irascibilidade,
Jactância,
ególatra
Self-deception,
autojustificação,
incompreensão,
imprinting
Inveja
BN lava a escada
do castelo cantando
Apatia de
Branca de Neve
Ingenuidade
Príncipe aparece e
canta para BN. A
madrasta espia.
Pomba beija BN e
depois o príncipe
Sinceridade do
príncipe
Avareza da
madrasta
Ética do amor Fraternidade, amor,
sensibilidade
21. Rainha ordena
que seu fiel caçador
mate BN e traga-lhe
o seu coração
Concupiscência,
Irascibilidade,
Amizade por
interesse,
ególatra
Imprinting,
autojustificação,
incompreensão,
egocentrismo,
autocentrismo
Egocentrismo,
manipulação,
falsidade
06. O caçador
conduz Branca de
Neve à floresta
08. A fim de
proteger Branca de
Neve das intenções
da madrasta, o
caçador induz que
Branca de Neve
rume para a floresta
BN colhe flores,
conversa com
Sinceridade,
amizade
Fraternidade,
solidariedade
8
A ausência de numeração em alguns os fragmentos da narrativa fílmica deve-se ao fato de que nem
todos adéquam-se às funções da morfologia do conto de Vladimir Propp
377
passarinho triste e
perdido
22. O caçador
vacila,
desencorajado. Não
consegue matar BN,
que foge para o
bosque, onde passa
por muitos sustos
Condignidade Recursão ética,
ética da
liberdade, ética
do amor
Arrependimento
12. Dorme no
bosque e acorda
chorando, rodeada
por animais que
fogem mas logo BN
chama-os de volta
Coragem Ética da
religação, auto-
ética honra,
ética da
compreensão,
ética da
cordialidade
Solidariedade,
medo
BN fala de sua
vergonha por ter
tido medo. Pergunta
a eles o que fazem
quando estão com
medo
Pusilânime Imprinting, ética
comunitária, ética
da compreensão
Canta rodeada
pelos animais. Diz
que se sente feliz e
que com eles não
sente mais medo.
Amizade,
sinceridade,
amabilidade
Ética comunitária,
ética
universalista,
ética da religação
Simpatia
10. Desamparada,
pergunta onde pode
ficar
Coragem de
Branca de Neve
Ética da
responsabilidade,
ética da amizade,
ética da
fraternidade
Insegurança de
Branca de Neve,
Solidariedade e
generosidade dos
animais da floresta
15. É conduzida à
cabana dos sete
anões. Chega à
casa, bate na porta.
Abre e, juntamente
com os animais,
limpa a casa. Faz
suposições sobre
aqueles que ali
moram
Amizade Ética da amizade,
ética da
fraternidade
ética de
fidelidade à
amizade, ética
universalista,
ética da religação
Moderação,
amizade,
solidariedade e
gratidão
18. Branca de Neve
sobrevive aos
anseios da
madrasta
Ganância da
madrasta
Incompreensão,
sacrifício do outro
Imprecação,
vingança
Os anões na mina
trabalham e cavam,
até o fim do
expediente
Amizade Ética da
fraternidade,
ética da amizade,
ética da honra,
Responsabilidade,
comprometimento
378
ética da
fraternidade,
ética da
Na casa, BN vai
dormir na cama dos
anões
Concupiscência,
23. Os anões
chegam em casa e
logo percebem que
alguém entrou ali. A
sopa está no fogo
Covardia Tomada de
responsabilidade,
auto-ética, auto-
crítica,
resistência ao
sacrifício do
outro, ética da
amizade, ética da
fraternidade,
ética da
religação,
antropoética
Companheirismo,
coletivismo
Dunga é incubido
de entrar na casa e
verificar se havia
alguém
Covardia Hierarquia
12. Quando
descobrem que é
uma mulher,
Zangado diz que a
mulher é cheia de
sortilégios e querem
saber quem é?
Ética da honra,
ética da
religação,
recursão ética
Desonra, respeito,
13. Branca de Neve
pede que não a
mandem embora
pois, se assim for, a
madrasta vai matá-
la. Propõe-se a
cuidar da casa e a
cozinhar
Ética da
fraternidade,
ética da
solidariedade,
ética universalista
Doação, gratidão
14. Os anões
aceitam que BN
fique na casa
Condignidade Ética da honra,
ética da
responsabilidade,
ética da religação
Generosidade,
altruísmo
Antes de comer a
sopa, manda os
anões lavar as
mãos. Os anões
aceitam facilmente,
exceto Zangado
Inflexibilidade
18. Madrasta
descobre que BN
está viva. Certifica-
Irascibilidade Autojustificação,
self-deception,
egocentrismo,
Traição,
irascibilidade
379
se que foi traída incompreensão,
intolerância,
sacrifício do
outro, ética do
amor
Madrasta se
transforma numa
velha e prepara
uma maçã
envenenada
Jactância Falsidade
9. Na cabana dos
anões, todos estão
felizes: cantam,
dançam e contam
suas histórias.
Amizade Ética para o
outro, sócio-ética
Fraternidade,
amizade, civilidade
Anões cedem a
cama para BN
dormir
Amabilidade Honra
2. Os anões
acordam, voltam
para a mina a
trabalhar e orientam
BN a não abrir a
porta
Sinceridade,
amizade
Sócio-ética, ética
da
responsabilidade,
ética da honra,
ética da religação
Liberdade, emoção,
tentação
21. Branca de Neve
é perseguida pela
madrasta
Ganância Egocentrismo,
self-deception,
imprinting, lei do
talião, sacrifício
do outro,
incompreensão
Ganância,
vingança,
irascibilidade
24. Branca de Neve
depara-se com a
madrasta
transformada em
velha
Pretensão Ética da honra,
sócio-ética,
normalizações,
Falsidade,
solidariedade,
civilidade, respeito,
egocentrismo
3. Branca de Neve
abre a porta para a
Madrasta
Amizade por
interesses da
madrasta
Ética de
liberdade, ética
do amor
Dissimulação,
ingenuidade
4. Madrasta faz
algumas
insinuações para
Branca de Neve,
que lhe
informações
Amizade por
interesses,
ganância
Ética da religação
(Branca Neve),
ética
individualizada,
incompreensão
paixão,
egocentrismo
Sedução,
premeditação
5. Branca de Neve
fala para a
Madrasta sobre o
príncipe
Pretensão Sócio-ética, ética
da religação,
ética da honra,
incompreensão,
solidariedade,
Ingenuidade,
solidariedade,
sinceridade
380
responsabilidade
(ética
comunitária)
6. Madrasta tenta
convencer Branca
de Neve a morder a
maçã
Irascibilidade Incompreensão,
vingança,
egocentrismo,
paixão,
Persuasão
7. Branca de Neve
cede à convocação
da madrasta e
morde a maçã
Concupiscência Ética da
liberdade, ética
da fraternidade,
Persuasão,
ingenuidade,
tentação,
irracionalidade
8. Branca de Neve
desmaia
28. Os animais vão
em busca dos
anões. Anões
retornam correndo,
mas quando
chegam até BN, ela
já está desmaiada
Amizade,
sinceridade,
amabilidade
Religação, ética
da fraternidade,
sócio-ética, ética
do amor, ética da
amizade, ética da
responsabilidade
Solidariedade,
coletividade,
amizade
30. Os anões
correm atrás da
madrasta, que foge.
Tenta jogar uma
pedra neles, mas
cai no precipício e a
pedra também
Coragem,
amizade,
condignidade
dos anões para
com Branca de
Neve
Normalizações,
imprinting,
egocentrismo,
ética da
responsabilidade,
Vingança, punição,
amizade, castigo
8.1BN é velada
pelos anões e
animais do bosque,
pois os anões não
tiveram coragem de
enterrá-la
Ética da
fraternidade,
ética do amor,
ética da
religação, sócio-
ética,
antropoética
Coletivismo,
sensibilidade,
desamparo
27. O príncipe
procurava em toda
parte a princesa que
dormia
Magnanimidade Ética do amor,
paixão
Determinação,
sinceridade
29. Príncipe beija
BN, que acorda
Sinceridade,
amabilidade
Paixão
Todos comemoram Amizade
31. Príncipe leva BN
até o cavalo e
despede-se dos
anões
Amizade,
condignidade
Ética do amor,
ética da
fraternidade,
ética da
solidariedade,
ética
universalista,
ética do amor,
sócio-ética
Reconhecimento
381
Procurando Nemo
382
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
01. Mãe e irmãos de
Nemo morrem,
sobrevivendo apenas
Nemo e seu pai
Concupiscência
Incompreensão Impulsividade
17. Nemo é
considerado diferente
dos demais peixes
por seu pai
Covardia do pai
Ética da
religação
desejada por
Nemo
Estigma
01. Nemo vai para a
escola
Ética da
religação
Socialização
02.Seu pai pede para
não afastar-se dos
corais
Ególatra Egocentrismo,
imprinting
Egocentrismo,
controle
03.Nemo afasta-se de
seu grupo
Temeridade,
irascibilidade
Egocentrismo,
ética da
liberdade, auto-
ética, ética
individualista
Desafio, autonomia
08. Nemo é capturado
por humanos
Ganância Egocentrismo
(dos humanos)
Punição
8.1. Nemo e seu pai
desejam reencontrar-
se
Amizade Ética do amor,
ética da religação
Amor, reciprocidade
de sentimentos
09. Marlin, pai de
Nemo, decide partir,
juntamente com Dory,
em busca de seu filho
Amizade Ética do amor,
ética da religação
Determinação, amor
10. Marlin enfrenta
vários desafios no
mar, juntamente com
Dory
Coragem Ética da
religação
solidariedade
11. Marlin parte para
Sidney, na Austrália
12. Marlin enfrenta
em alto mar tubarões
e mães-da-água
Coragem Religação Determinação
14. Marlin localiza no
mar os óculos do
mergulhador, onde
constava o endereço
para onde Nemo
havia sido conduzido
15. Dory ajuda Marlin
a encontrar o
Amizade Auto-ética,
religação,
Altruísmo
383
caminho para Sidney,
local para onde Nemo
havia sido
transportado
altruísmo
23. Nemo é
conduzido a um
aquário, onde
ninguém o conhece
Medo
25. No aquário,
impõe-se a Nemo
uma tarefa arriscada
Coragem Desejo de
religação
Necessidade de
superação
16. Nemo consegue
escapar do aquário
Determinação
25. Nemo depara-se
com um novo desafio
em alto mar
Coragem Auto-ética, auto-
análise
26. Nemo raliza a
tarefa, salvando
vários peixes
Amizade,
Coragem
Religação,
Solidariedade,
Civilidade
Determinação,
comprometimento
19. Nemo reencontra
seu pai
20. Nemo regressa a
sua casa
27. Nemo é
reconhecido pelos
habitantes do oceano
29. Marlin, o pai,
aceita as escolhas de
Nemo, que é
autorizado a crescer
Ética da
liberdade, ética
da tolerância
Respeito
Anastasia
384
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
08.Família de
Anastasia é destruída
por Rasputin
Irascibilidade Fator exclusão;
egocentrismo;
intolerância,
obsessão;
imprinting
Vingança
01.Princesa perde a
memória, separa-se
de sua avó e é
encaminhada para
um orfanato, onde
vive sob a identidade
de Ane
Amizade
(Anastasia e
avó)
Normalização
Todos na Rússia
esperam o retorno de
Anastasia
Imprinting Passividade
08.1; 09; 11.
Anastasia deixa o
orfanato e decide ir
em busca de sua
história. Possui uma
pista: o colar com os
dizeres Juntas em
Paris
Coragem,
magnanimidade
Religação,
ética da
liberdade, ética
da religação
Determinação
12.Objetivando ir a
Paris, a jovem recorre
a Dimitri e Vlad
Amizade por
interesse
Ética da
religação
Autonomia
15.Dimitri, sem saber
da verdadeira
identidade da
princesa, decide levá-
la como Anastasia até
a Imperatriz, sua avó
Amizade por
interesse,
ganância
(Dimitri e Vlad)
Egocentrismo;
obsessão
Ganância,
individualismo (Vlad e
Dimitri)
Anastasia aprende
sobre a vida de
princesa, mas
existem outros fatos
sobre os quais ela
demonstra
conhecimento prévio
Rasputin descobre
que Anastasia
continua viva
16.Rasputin tenta
matá-la
Temeridade,
concupiscência,
pretensão,
irascibilidade,
Imprinting,
intolerância,
incompreensão
Egocentrismo, vingança
385
egolatria
18; 19; 20; 21 Dimitri
salva a vida de
Anastasia, vencendo
Rasputin, que decide
ir pessoalmente em
busca da princesa
Coragem,
amizade
Religação,
Despretensão
Lealdade,
solidariedade, coerência
23; 25. Em Paris,
Anastasia fala com
Sofia, prima da
Imperatriz, acertando
todas as questões
acerca de seu
passado
Sinceridade
(Anastasia)
Ética da
religação
Sinceridade
A Imperatriz nega-se
a receber Anastasia
Ao descobrir que
estava sendo
enganada por Dimitri,
Anastasia frustra-se e
se desentende com
ele
Sinceridade
(Anastasia)
Incompreensão
26. Dimitri seqüestra
a Imperatriz e a
confronta com
Anastasia
Coragem,
amizade,
condignidade
Despretensão,
ética da
amizade, ética
da
solidariedade,
ética do amor
Comprometimento,
empatia, amor
27. As duas se
reencontram e
relembram o passado
Amabilidade,
amizade,
sinceridade
Ética da
religação
Compreensão, amor
21. Rasputin ruma
para o baile, no intuito
de matar Anastasia
Temeridade,
pretensão
Ética da
incompreensão
Egocentrismo, ganância
Bartoc, o morcego
que acompanha
Rasputin, tenta
convencê-lo a não
matar Anastasia, mas
Raputin está decidido
Moderação
(Bardoc)
Recursão ética Arrependimento,
reflexão, compreensão
Dimitri rejeita a
recompensa por ter
encontrado Anastasia
e parte
Magnanimidade,
amizade,
sinceridade,
condignidade
Recursão ética Arrependimento, amor,
sinceridade
29. A Imperatriz
autoriza Anastasia a
seguir seu destino,
mesmo que este seja
ficar junto com Dimitri,
pois independente da
Moderação,
amizade,
Ética do amor,
ética da
tolerância,
ética da honra
Amor, sinceridade
386
sua escolha, ficarão
juntas para sempre
28; 30. Rasputin
encontra Anastasia
que o enfrenta,
enquanto Dimitri
regressa e lutam
juntos contra
Rasputin
Temeridade
(Rasputin);
Coragem
(Anastasia e
Dimitri)
Religação
(Anastasia e
Dimitri),
incompreensão
(Rasputin)
Coragem, vingança
31. Anastasia e
Dimitri decidem ficar
juntos e partem em
um passeio romântico
de navio
Amizade Ética da
liberdade,
auto-ética
Amor, liberdade,
autonomia
A era do gelo
387
Funções da
morfologia
narrativa segundo
Vladimir Propp por
cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
08. destruição do
acampamento dos
humanos pelos
tigre dente-de-
sabre;
Lei do talião,
autojustificação,
self-deception,
sem ética da
compreensão,
sem
magnanimidade,
sem ética
comunitária,
egocentrismo
Vingança,
individualismo
01. fuga da mãe
com o bebê
humano;
Coragem Auto-ética
Ética para o
outro, atitude
altruísta
Altruísmo
8.1. pai humano
sente falta de sua
família;
Fraternidade,
amor,
sensibilidade
9. a mãe entrega o
bebê humano para
o Manfred e Sid,
morrendo na
seqüência; estando
implícito o pedido
de cuidado;
Coragem Auto-ética, ética
da religação
Responsabilidade,
fraternidade, amor,
sensibilidade
25. Sid propõe a
Manfred que
partam em direção
à família do bebê;
Amizade por
interesse,
temeridade,
enfadonho,
Ética
comunitária
Solidariedade,
companheirismo
10. Diego decide
aproximar-se de
Manfred e Sid,
capturar o bebê;
Concupiscência Imprinting,
autojustificação
Egocentrismo,
manipulação,
falsidade
04. Diego e os
tigres procuram
informações acerca
do objetivo de
Manfred e Sid com
o bebê
Vingança,
egoísmo
05. Sid informa que
partirão em busca
da família;
Ética da
cordialidade
União, altruísmo
06. Diego propõe
levá-los até a
Falsa ética da
cordialidade
Simulação
388
passagem glacial,
para onde partem
os humanos;
07. Manfred e Sid
deixam-se enganar
das intenções de
Diego
Ganância Ética da
religação,
Ingenuidade
11. Sid, Manfred e
Diego partem em
direção a família do
bebê;
Vulgaridade,
prodigalidade,
irascibilidade,
enfadonho
Ética da
fraternidade
Civilidade
12. Manfred e Sid
são tentados por
Diego a desistirem
da tarefa;
Ganância, Tentação
13. Manfred e Sid
estão decididos a
conduzirem o bebê
para junto de sua
família;
Temeridade Ética da honra,
ética da
cordialidade
Honra
15. Com auxílio de
Diego, seguem o
percurso em
direção à
passagem glacial
para onde se
dirigem os
humanos;
Espirituosidade,
pretensão,
jactância, bufão
vulgar, amizade
por interesse e
amizade
verdadeira;
moderação,
amabilidade
Sem ética da
compreensão,
Sem ética da
fraternidade,
Falsidade,
confiança
21. Manfred, Sid, o
bebê e Diego são
perseguidos pelo
bando de tigres
dente-de-sabre;
Ausência da
ética da honra e
tolerância
Irreflexão
(leviandade)
24. Os tigres
pretendem capturar
Manfred, Sid e o
bebê;
Concupiscência,
Lei do talião e
sacrifício do
outro
Ambição,
concupiscência,
imprecação
28. Diego conta a
Manfred e Sid a
verdade;
Sinceridade,
condignidade
Tomada de
responsabilidade
, auto-ética,
auto-crítica,
resistência a lei
do talião e ao
sacrifício do
outro
Sinceridade,
verdade
16. Manfred, Sid e
Diego combatem
Coragem,
ególatra
Coragem,
determinação,
389
os tigres dente-de-
sabre;
agressividade
22. Diego entra em
embate com os
tigres dente-de-
sabre e protege
Manfred;
Condignidade,
coragem,
ególatra
Auto-ética, auto-
análise
Lealdade,
fraternidade,
coragem
17. Diego fere-se; Ética da
tolerância
18. O bando de
tigres dente-de-
sabre é vencido;
Prodigalidade Inflexibilidade
30. O bando de
tigres dente-de-
sabre é desfeito;
29. Diego torna-se
um dos heróis;
Flexibilidade
19. Manfred e Sid
conseguem chegar
à passagem glacial
e entregarem o
bebê humano a
seu pai;
Ética para o
outro, sócio-ética
Persistência
26. A missão dos
heróis é cumprida;
Antropoética
ética
universalista
Honra
27. Manfred e Sid
ganham um colar
dos humanos,
como forma de
reconhecimento;
Condignidade Ética
universalista
Reconhecimento
20. Manfred, Sid e
Manfred regressam
da missão;
Espirituosidade,
amizade
verdadeira
Ética da honra,
ética da
tolerância, ética
da
compreensão,
sócio-ética, ética
universalista,
ética para a
amizade, cultura
psíquica
Integração,
diversidade,
fraternidade,
amizade, perdão,
coletividade
Formiguinhaz
390
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp (1984), por
cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
01; 02; 03. Mesmo
impedida de sair de
seu castelo, a
princesa Bala
transgride a norma e
afasta-se, decidido a
conhecer a maneira
em que viviam as
demais castas do
reino
Coragem,
egocentrismo
(da Rainha)
Recursão ética
Ética da
liberdade
Imposição,
transgressão,
obediência, zelo (da
Rainha), repressão (da
Rainha)
Bala conhece Z, com
quem dança e
conversa sobre a
vida e as imposições
sobre as formigas
operárias
Amizade Identidade, ética
da liberdade
Identificação, amizade,
autonomia
06. O General deseja
casar-se com Bala e
dominar o formigueiro
Ganância,
amizade por
interesse
Incompreensão,
egocentrismo
Ganância
07. O General
convence a Rainha
acerca de suas falsas
intenções
Ganância,
amizade por
interesse,
avareza
Auto-
justificação,
egocentrismo,
ausência de
magnanimidade
Falsidade,
individualismo
8.1 Bala deseja ser
feliz, mas não quer
casar-se com o
General
Ética da
liberdade
Ambição, autonomia
09. Z faz passar-se
por um soldado da
Rainha para
encontrar Bala e,
sem saber, é
encaminhado para
uma batalha.
Ególatra Ética da
liberdade
Amor, simulação
12. Z é o único
sobrevivente
Coragem Tomada de
responsabilidade
Civilidade com os
feridos
Z retorna para o
castelo, onde se
reencontra com Bala
Ética da
solidariedade,
ética da
responsabilidade
Determinação
13. Z é apresentado
à rainha. Bala diz
ter conhecido Z e o
General se revolta
Ambição Egocentrismo
(do General)
Exibicionismo (de Z)
391
14. Z é ameaçado e
decide fugir, raptando
Bala
Auto-defesa
15. Z leva Bala para
fora do formigueiro
Ética da
liberdade
Coação (de Z em
relação a Bala)
16. Z entra em
confronto com o
General
Pretensão do
General
Imprinting,
normalização,
auto-justificação
Agressividade
17. Z é definido como
um traidor que
abondonou sua
colônia
Imprinting, self
deception
Irreflexão, julgamento,
calúnia
21. Z e Bala sofrem
perseguição e
afastam-se
22. Z retorna ao
formigueiro atrás de
Bala. Não é
reconhecido
Coragem Fraternidade,
solidariedade,
altruísmo
Lealdade
24. Z e Bala
descobrem as
intenções do General
exterminar aqueles
que são aliados da
Rainha
Irascibilidade
(do General),
pretensão,
temeridade,
amizade por
interesse
Ausência da
ética da
compreensão,
fraternidade,
religação
Autonomia, altruísmo
25. Z e Bala decidem
lutar contra a
intenção do General
Coragem Liberdade,
civilidade,
fraternidade,
religação
Autonomia, altruísmo
26. Z e Bala alertam
o formigueiro sobre
as intenções do
General
Amizade
verdadeira,
magnanimidade
Ética
comunitária
Solidariedade,
companheirismo
27. O formigueiro
atende às
orientações de Z
Amizade
verdadeira
Ética
comunitária
Confiança
28. Z desmascara o
General para o
formigueiro
Coragem,
sinceridade
Recursão ética autonomia
29. Z é posto em
risco, mas com
auxílio da colônia é
salvo
Coragem Solidariedade,
sócio-ética
Solidariedade,
fraternidade
30.O General sofre
punição, caindo na
armadilha que havia
pensado para o
formigueiro
Punição
31. Z une-se a Bala Amizade
verdadeira
Solidariedade,
amor,
Amor
392
fraternidade
Shrek
393
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
01.Fionna está presa
na torre do castelo,
guardada por um
dragão
Pulsilânime/
pretensão
Ética da
religação,
autojustificação
Insegurança
02. Shrek é privado
da propriedade de
seu pântano
Magnânimo Incompreensão Desrespeito
03. Shrek reage
àqueles que
invadiram seu
pântano
Irascibilidade Ética da honra Justiça
09, 10, 11, Shrek é
informado que Fionna
encontra-se presa na
torre. Então, faz um
trato com Lord
Farquaad, que deseja
casar por interesse
com Fionna e, parte,
juntamente com o
Burro, em busca de
Fionna
Covardia,
pretensão,
jactância
Lord; coragem,
amizade de
Shrek e Burro
Ética da
liberdade, ética
de fidelidade a
amizade
Valentia, lealdade
12. Shrek e o Burro
chegam à torre,
salvam Fionna e
enfrentam a fúria do
dragão
Coragem Solidariedade,
responsabilidade,
egocentrismo
Responsabilidade,
coragem
13. Shrek
desentende-se com o
Burro que se sente no
direito de possuir
parte do pântano
Pretensão,
ganância
Interesse,
recompensa
15. Fionna é entregue
a Lord Farquadd,
enquanto Shrek
regressa a seu
pântano
Amizade por
interesse de
Lord
Responsabilidade
de Shrek
Comprometimento de
Shrek
16. Shrek e o Burro
partem para o
combate com Lord
Farquadd, que
pretende casar-se
com Fionna por
interesse
Sinceridade,
magnanimidade
Incompreensão,
desrespeito à
honra
Egocentrismo,
individualismo
17. Sob a forma de
ogro, Shrek e Fionna
Pretensão Moralina,
incompreensão
Superficialidade nos
julgamentos
394
são rejeitados por
Lord Farquadd
18. Com o auxílio do
Burro e do Dragão,
Shrek vence Lord
Farquadd
Covardia de
Farquadd;
coragem e
sinceridade de
Shrek e Burro
Religação, ética
da honra
Companherismo
19. Fionna é salva
das intenções de Lord
Farquadd
Ganância,
ególatra
Auto-etica, sócio-
ética
Amor, coragem,
determinação
20. Shrek, Fionna, o
Burro e o Dragão
rumam juntos para o
pântano
Amizade Sócio-ética Amizade, diversidade
integração
27. Os personagens
dos contos de fadas
reconhecem o feito
de Shrek. Assim, ela
podem regressar para
seus habitats
Condignidade Ética da
solidariedade
Reconhecimento,
solidariedade
29. 31Sob a forma de
ogra, Fionna casa-se
com Shrek
Amizade Ética do amor Amor
Cassiopéia
395
Funções da
morfologia
narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
08. Planeta
Atenéia é invadido
por inimigos e tem
sua energia vital
diminuída. Os
habitantes do
planeta, sem fonte
de energia, entram
em estado de
hibernação,
requerendo auxílio
externo
Ganância; ególatra Incompreensão Submissão, ganância
Autoritarismo,
competitividade
8.1, 09, 10 A Dra.
Lisa decide enviar
cápsulas com
pedidos de socorro
à Galáxia
Interplanetária.
Para isso, conta
com a ajuda de
seus
companheiros
Magnanimidade;
coragem, amizade
(Lisa)
Ética da honra;
auto-análise,
auto-crítica, ética
para o outro,
altruísmo
Solidariedade,
amizade
12. Enfraquecida,
ela entra também
em estado de
hibernação
Coragem Ética do amor Sensibilidade
09. Chip e Chop
percebem algo
diferente na
galáxia e decidem
prestar auxílio a
Atenéia
Coragem,
magnanimidade
Ética para o
outro, ética da
responsabilidade,
identidade
comum
Fraternidade
Generosidade
10, 11 Partem,
então, à procura
do planeta, mas
antes devem
encontrar as
cápsulas de
resgate
Coragem, amizade Ética para o
outro, ética da
religação,
altruísmo
Determinaçào
Moderação
12.O grupo de
salvamento entra
em confronto com
os inimigos que
buscam desviar a
rota das psulas
Temeridade
(inimigos);Coragem
(Chip, Job, Fell)
Ética da honra Egocentrismo;
civilidade
396
(objeto mágico)
15. Chip e Chop
buscam as
cápsulas para
localizar Atenéia
Coragem,
magnanimidade
Ética da
fidelidade; ética
do amor
Civilidade, empatia
18. Os inimigos
fracassam na
tentativa de
encontrar as
cápsulas. Um dos
vilões omite o fato
de seu superior,
com medo de
perder seu cargo e
ameaça seu
subalterno. Seu
subalterno o
delata, com o
intuito de ascender
a seu posto
Covardia , avareza Incompreensão,
self-deception,
auto-justificação
Ganância, traição
12. Chip e Chop
arriscam-se na
busca das
cápsulas
Coragem Ética do amor Determinação
15. Chip e Chop
rumam para um
planeta onde se
encontra uma das
cápsulas.
Conhecem Galileu
e Leonardo
Magnanimidade;
amizade;
sinceridade;
amabilidade
Ética da
religação
Determinação,
autonomia
14. Chip e Chop
localizam as 4
cápsulas e
conseguem reunir
dados sobre o
planeta Atenéia.
Chop e Chip
conseguem
proteger
estratégicamente
Atenéia,
recobrindo de
energia alguns
pontos centrais do
planeta
Coragem Ética para o
outro, religação
Coletivismo, civilidade
17. Alguns
habitantes saem
do estado de
hibernação. A Dra
Ética do amor Comprometimento
397
Lisa não consegue
sair do estado de
hibernação
16. Os vilões
combatem
diretamente a
nave de Chip e
Chop, que contam
novamente com o
auxílio de Galileu e
Leonardo
Temeridade
(vilões); Coragem
(Chip, Chop,
Galileu, Leonardo)
Ética da
fidelidade à
amizade,
responsabilidade,
Vilões:
incompreensão,
egoísmo
Generosidade
Egoísmo
18. Os invasores
são vencidos e
fogem
Covardia Egocentrismo Covardia
29. A Dra. Lisa
transmuta-se em
Lua, refletindo
energia de luz
para Atenéia, e
assim salva o
planeta
Magnificência,
amizade
Ética
universalista,
religação,
altruísmo
Doação
27. Homenageia-
se a Dra. Lisa com
um quadro com
sua imagem na
sede de Atenéia
Amizade Religação Reconhecimento
O grilo Feliz
398
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
01.A estrela Linda cai
no planeta Terra
02. Maledeto, lagarto
ambicioso, deseja
construir um luxuoso
castelo
Pretensão Incompreensão,
imprinting
Ambição
04. 05. Maledeto
manda seus servos
vigiar os habitantes
da floresta, para
poder controlá-los e
vencê-los
Amizade por
interesse,
ególatra
Egocentrismo Poder
12. Grilo Feliz e seus
amigos são
submetidos a uma
prova arriscada
Amizade
perfeita
Amizade,
respeito à honra,
religação
Determinação
08. Linda, é
capturada por
Maledeto, juntamente
com Cracolino e a
viola do Grilo Feliz
Irascibilidade Sócio-ética,
egocentrismo
Desrespeito
9. Grilo Feliz e
Bituquinho
descobrem que seus
amigos foram
capturados
10. 11. Grilo Feliz e
Bituquinho decidem
partir em direção a
seus amigos
Amizade
perfeita
Sócio-ética Determinação,
amizade, objetivo
12. Grilo Feliz é
submetido a uma
prova, na qual
combate Maledeto e
seus servos.
Coragem
14. 15. Tendo
conseguido resgatar
seus amigos e sua
viola, Grilo Feliz
recupera seu poder
a música
Amizade Recompensa
16. Inconformado,
Maledeto confronta-
se com o Grilo Feliz
Temeridade Impulsividade
17. 18. 19. Maledeto
cai num penhasco,
Sinceridade Recursão ética,
perdão
Perdão, autonomia
399
garantindo a vitória
para Grilo Feliz e
seus amigos. Os
antigos servos de
Maledeto podem
também manifestar
seus desejos e
inclinações
20. Linda regressa
para o céu e os
demais personagens,
para sua floresta
Ética
universalista
Socialização
Cinegibi, o filme: Turma da Mônica
Em busca do nariz de Isabelle
400
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
8.1; 09. Mônica e
Cebolinha desejam
encontrar a peça
faltante do quebra-
cabeças
Amizade Religião União
10;11. Mônica e
Cebolinha partem,
conforme orientações
do Mestre Shing Ling,
para uma caverna,
em busca da peça
perdida
Coragem Ética da
liberdade,
autonomia
Determinação
12. Na caverna, são
submetidos a provas,
antes de recuperar a
peça
Coragem
14; 19; 20.
Recuperam a peça,
podendo então
resolver o quebra-
cabeças
28. Descobrem o
motivo pelo qual a
peça estava
escondida e são
informados que o
Mestre é tio de
Mônica
Mônica em: Concurso de beleza
02. Ao ser convidada
a participar de um
falso concurso de
beleza, Mônica deve
mudar seu
comportamento, não
podendo mais bater
em seus amigos,
Cascão e Cebolinha,
com seu coelho
Amizade por
interesse
Incompreensão Falsidade
06; 07 Tendo aceito o
convite para participar
do concurso, Mônica
Amizade por
interesse
Incompreensão Ambição
401
acredita que vencerá,
pois seus amigos lhe
prometeram o voto
08. 8.1 As meninas
da turma brigam entre
elas, disputando o
título de Miss
09. Mônica perde o
concurso
Amizade Recursão ética Perdão
10; 19. Mônica e suas
amigas descobrem a
farsa e voltam a ser
amigas
Verdade
28. Cascão e
Cebolinha são
desmascarados pelas
meninas
Mônica em : Um amor dentuço
01.Mônica conhece
Ivan Piro, que se
apaixona por ela
Amizade Desejo, atração
02.Cebolinha e
Cascão orientam
Mônica a não se
aproximar de Ivan
Piro
Amizade Auto-ética Zelo
03. Mônica não
atende às
recomendações dos
amigos
Temeridade Incompreensão Desafiar, imposição
07. Mônica é
transformada em
vampira
15. Mônica vai ao
encontro de Ivan Piro
no castelo
19. Ivan Piro percebe
que Mônica pertence
a um mundo diferente
do seu. Então,
Mônica deixa de ser
uma vampira
Amizade Compreensão,
respeito à honra
Arrependimento,
humildade
29. Mônica resgata
sua antiga aparência
O caça Sansão
402
01.Sansão é
capturado por um
cientista
Jactância Auto-justificação,
imprinting
Egocentrismo
08. O cientista
submete Sansão a
uma experiência,
fazendo-o crescer
exageradamente,
gerando um caos na
cidade
Coragem Religação,
altruísmo
Responsabilidade
8.1. Mônica deseja ter
seu coelho Sansão de
volta, mas também é
capturada
Covardia Negação da
sócio-ética
Medo, passividade
(das autoridades)
09. Precisa-se
resgatar a ordem,
mas as autoridades
temem um
posicionamento
Coragem Altruísmo,
religação, honra
Determinação
10. Cebolinha decide
reagir
Coragem
16. Cebolinha
confronta-se com o
cientista
Coragem Religaçao, honra,
autonomia
Companheirismo,
autonomia
18; 19. Mônica
consegue escapar e
atingir Sansão com o
raio que o devolva
seu tamanho original.
A ordem é
recuperada
Condignidade Auto-análise,
autocrítica
Reconhecimento
27. Mônica agradece
o esforço de
Cebolinha com um
beijo
Cascão em: Um cenário para meus brinquedinhos
01; 02.Cascão decide
ir para o jardim de
sua casa com seus
brinquedos, uma vez
que seu pai o impede
de utilizar o interior da
casa
08. Mônica e Magali
chegam para brincar
com os amigos, mas
são induzidas a
Amizade Incompreensão Manipulação
403
desistir, que os
meninos as assustam
com um hamster
11. Mônica e Magali
decidem ir embora
18. Cascão e
Cebolinha terminam
de montar o cenário,
mas logo chove e
tudo é destruído.
Cebolinha em: Irmão Cascão
8,1 Cebolinha não
gosta de ter que
cuidar de sua irmã.
Sente-se privado da
possibilidade de
brincar
Ególatra Incompreensão Individualismo
09.Cebolinha convida
Cascão para ser seu
irmão
Condignidade,
amizade por
interesse
Incompreensão Individualismo
10. Cascão aceita o
convite e age como
se tudo o que fosse
de Cebolinha também
fosse seu
Amizade Condignidade Compartilhar
19; 20. Cebolinha
decide que não quer
mais Cascão como
seu irmão, mas como
amigo. Então, Cascão
retorna para sua casa
e Cebolinha
revaloriza a irmã,
recuperando-se a
ordem anteriormente
vigente
Amizade por
interesse
Recursão ética,
ética da
religação,
compreensão
Entendimento
Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço
404
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
09. É divulgada a
notícia de que o
planeta está prestes a
ser invadido por
monstros
Ganância,
pretensão
Incompreensão,
desrespeito
Egocentrismo
10. Txutxucão, um
detetive; e
Arquimedes, um
morador de rua,
iniciam a busca pelos
monstros, juntamente
com Guto, Jonas e
seus anjos, Xuxinha e
Biel
Amizade Solidariedade,
ética da
liberdade
Autonomia
11. Xuxinha sacrifica
suas energias e
passa informações
para Txutxucão
acerca do que sabe
sobre os monstros
Coragem Solidariedade,
ética da
liberdade
Sacrifício
12; 15 A população
presta auxílio,
construindo um robô,
mas lhe falta o
coração, que
possibilitaria seu
funcionamento. Guto,
Xuxinha, Jonas e Biel
partem para a fábrica
na qual encontram-se
os monstros e
resgatam aqueles que
haviam sido
capturados;
encontram um
coração para o robô
Magnanimidade,
amizade,
coragem
Solidariedade,
ética da
liberdade, ética
da religação,
autonomia,
autocrítica,
auto-ética
União, determinação,
coragem
16. Monstros
combatem o robô e
os demais
personagens
Temeridade Ética
universalista
Solidariedade,
altruísmo
17. Guto é atingido
por uma substância
perigosa
18. Os monstros são
vencidos, mas Guto
ainda deve ser salvo
405
19. Após Xuxinha ter
implorado junto a São
Pedro, a vida de Guto
é salva
Sinceridade Ética da
religação
Humildade, sinceridade
23. 29 Xuxinha chega
na família de Guto
sem identificação e é
adotada, recebendo
uma nova aparência
Condignidade,
amizade
Compreensão,
amor
Acolhimento
Turma da Mônica em: Uma aventura no tempo
406
Funções da
morfologia narrativa
segundo Vladimir
Propp por cenas:
Valores
éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
01.Cebolinha,
Cascão, Mônica e
Magali partem em
busca dos quatro
elementos da
natureza, para
impedir o
congelamento do
universo, através da
máquina do tempo,
operada por Franjinha
Coragem Sócio-ética, ética
universalista,
ética da
responsabilidade
Civilidade
8.1; 15. Cada um dos
amigos é transportado
para um lugar
diferente. Assim, cada
um deve recuperar
um dos quatro
elementos
Coragem Sócio-ética, ética
universalista,
ética da
responsabilidade
Civilidade
09;15;16;17 nica
ajuda uma
comunidade pré-
histórica a superar o
temor do falso deus
do fogo e recupera o
elemento
Amizade Auto-ética, sócio-
ética, religação,
compreensão
Altruísmo
15. nica é
transportada para
junto de Cascão,
onde deverá ajudá-lo
a recuperar o
elemento água e
superar o medo da
mesma
Amizade Ética da
responsabilidade
Civilidade, lealdade
10;12;14. Cascão
decide reagir e
superar seu medo.
Para tanto, é
submetido a uma
prova, mas consegue
resgatar o elemento
água e finalmente a
ordem naquela tribo
Coragem Ética da
responsabilidade,
imprinting
Superação
28. Cascão e Mônica
conseguem
desmascarar aquele
que dominava o
Coragem Auto-ética,
religação
Justiça
407
elemento água e
impedir o garimpo
15. Cebolinha é
transportado para o
espaço, onde deve
recuperar o elemento
ar
Coragem Ética da
liberdade, ética
da
responsabilidade
Solidariedade
12;14;15;18
Juntamente com
Cascão e um
astronauta local,
consegue vencer o
pirata do espaço
Coragem Sócio-ética Companheirismo
20. Cascão e
Cebolinha voltam
para junto de
Franjinha, que está no
comando da máquina
do tempo
Amizade Sócio-ética Responsabilidade
15. O último
elemento, terra,
encontra-se no
passado recente da
turma da Mônica,
para onde todos são
transportados
Amizade
perfeita
Fraternidade Reflexão
16. O elemento terra
está sob o poder de
Mônica-bebê. Após
muitas tentativas,
Mônica troca seu
coelho Sansão com o
elemento terra, de
Mônica-bebê
Egolatria Egocentrismo,
autojustificação
Individualismo
8.1. A máquina do
tempo encontra-se
avariada, com seu
funcionamento
limitado
11. Dorinha, uma
menina deficiente
visual, ruma em
direção ao laboratório
Amizade Ética da
responsabilidade,
autonomia
Integração, diversidade
19. Dorinha consegue
trazer toda a turma de
volta
Amizade Ética da
solidariedade,
ética da honra
Compromisso com a
espécie
8.1 Sansão não
retornou. Mas como
nada poderia ficar
perdido no tempo,
Coragem Ética da
responsabilidade
Razão, moderação
408
Mônica volta para
recuperá-lo
15. Mônica deve ser
novamente
transportada, a fim de
recuperar Sansão
Coragem Autonomia,
liberdade
Comprometimento,
responsabilidade
26. Todos juntos,
conseguem finalizar a
tarefa, salvando o
planeta
Coragem Auto-crítica,
auto-análise,
autonomia,
amizade
União, compromisso
Garoto cósmico
409
Funções da
morfologia
narrativa
segundo
Vladimir Propp
por cenas:
Valores éticos
segundo
Aristóteles
Ética segundo
Morin
Categorias
2. O Capitão
Programação
esclarece às
crianças que,
assim que
completarem 10
mil pontos,
passarão para
uma nova fase
da
programação, o
Planeta das
Crianças
Adultas,
momento em
que ganharão
um relógio igual
ao do Capitão e
o certificado de
criança adulta,
recompensa
para uma
criança que siga
sempre e
rigorosamente
sua
programação
Pretensão,
Amizade por
interesse
Imprintings,
normalizações
Submissão, ambição
1. Quando é
hora de dormir,
Maninho deita-
se, mas
Cósmico não
tem sono, até
que chega Luna
e convida os
amigos para
irem pela
tubulação até a
Central de
Dados da
escola para que
consigam
pontos e
Temeridade Incompreensão Autonomia,
companheirismo, tentação,
desobediência
410
tornem-se logo
uma criança
adulta,
desrespeitando
a programação
3. Perdem-se
no sistema de
tubulação e
acabam ficando
sem
programação
Prodigalidade,
temeridade
Solidariedade,
imprinting,
normalizações,
self-deception,
autoengano,
honra
União, solidariedade,
determinação
4, 5.
Massaróca, o
monstro, vigia-
os,
acompanhando
seus passos
Irascibilidade,
ganância
Egocentrismo Incompreensão
8.1. Tentam
retornar ao
alojamento no
intuito de
recuperarem a
programação,
mas chegam à
estação
espacial, onde
Luna pensa em
estratégias para
voltarem ao
Planeta das
Crianças
Amabilidade,
amizade
perfeita,
coragem
Imprintings,
normalizações
União, solidariedade,
amizade, amor, afetividade
9. A nave
estaciona em
um planeta
desconhecido
Coragem,
amizade
perfeita
Ética da
tolerância, ética
da solidariedade
Ética comunitária, altruísmo,
solidariedade
13. Giramundos
recepciona-os.
Com
estranhamento,
Luna pergunta
se não deveria
estar no Planeta
da Quarta Idade
e questiona-se
acerca da
Amizade
perfeita,
espirituosidade,
sinceridade,
amabilidade,
Pretensão
(crianças que
desejam voltar
para seu
planeta)
Ética da
fraternidade, da
amizade, da
solidariedade,
ética da honra
Solidariedade, amizade,
altruísmo
411
programação.
Giramundos
mostra, através
de sua fala, que
não está
preocupado
com a
programação,
lembrando que
faz parte da
programação do
circo
15. As crianças
seguem com
Giramundos em
seu
calhambeque,
até chegarem
ao circo. As
crianças
estranham o
circo, onde tudo
é pouco
uniformizado,
mas onde “todo
mundo tem
sempre um
lugar”
Coragem,
amizade,
concupiscência,
espirituosidade
Ética da
Tolerância, ética
da compreensão
Amizade, altruísmo,
solidariedade, união,
tolerância
14. Luna
convida os
amigos a
pegarem o trem
para tentarem
voltar a seu
planeta. Jajá
lhes diz que
quem entra ali
nunca sai do
mesmo jeito
Amizade por
interesse,
pusilânime,
concupiscência
Sócio-ética Egocentrismo
6. O Capitão
Programação
aparece para as
crianças e diz
que os procurou
por todo o
planeta
Avareza,
pretensão,
irascibilidade
Egocentrismo,
autojustificação,
incompreensão
Falsidade, simulação,
sinceridade,
7. O alarme do
Capitão soa e
Amizade por
interesse,
Imprinting Vingança, leviandade,
ambição
412
ele chama as
crianças para
voltarem ao
Planeta das
Crianças. As
crianças ficam
seduzidas pelo
fato de viajarem
na nave super
complexa do
Capitão
Programação
jactância
12. As crianças
devem jogar um
game, jogo
especial para
aqueles que
saíram da
programação.
Nele, cada
criança tem um
inimigo que
deverá
combater para
ficar ao lado do
Capitão para
sempre. Devem
encontrar o
inimigo entre os
amigos que
fizeram no circo
Giramundos,
que aparecem
sob traços
agressivizados.
Também o trem
de Giramundos
reaparece e o
Capitão os
incita a atirar
nele, mas
ambiciosamente
nega recusando
o jogo
Coragem Ética de
fidelidade à
amizade, ética da
honra, recursão
ética, imprinting
Honra, companheirismo,
civilidade, gratidão,
sensibilidade
8. As crianças
são
abandonadas e
desativadas
pelo Capitão,
Pretensão,
coragem,
irascibilidade
Barbárie,
egocentrismo, lei
do talião
Egocentrismo, vingança,
incompreensão
413
que informa que
aqueles que
fracassam ficam
perdidos no
espaço sideral.
15. Bicho
aparece e salva
os garotos,
levando-os de
volta para junto
de Giramundos.
Eles estão
tristes com o
fato de terem
sido
desativados
Giramundos
conta a eles sua
história, dizendo
que fora
desativado
também. Mostra
a eles que é um
desativado ativo
Condignidade Solidariedade,
fraternidade,
ética da
responsabilidade
Identificação, altruísmo,
solidariedade
16. Quando vai
começar o
espetáculo,
Massaróca
aparece, bem
como as
Bocudas, que
ficam
agressivas e
perigosas na
presença dele,
se
acalmando com
chocolate.
Giramundos,
para proteger
Cósmico,
enfrenta
Massaróca
Temeridade,
amizade
perfeita
Ética altruísta Coragem, responsabilidade,
solidariedade, fraternidade,
altruísmo,sensibilidade
17. Giramundos
fica
desacordado
16. Cósmico
também
Temeridade,
amizade
Ética da
religação, ética
Sensibilidade, coragem,
iniciativa, impulssividade
414
enfrenta
Massaróca, a
fim de proteger
Giramundos,
mas é engolido
perfeita da
responsabilidade
17. Cósmico
fica aprisionado
dentro de
Massaróca
Ética da
religação
18. Dentro de
Massaróca,
Cósmico
razão a
Giramundos e
fica pensando
nas
possibilidades
de sair de sua
prisão, até que
consegue
escalá-lo e
atravessá-lo.
Assim, raios de
sol começam a
incidir sob os
personagens,
que despertam
seus amigos,
conseguindo
afastar-se de
Massaróca
Coragem,
amizade
perfeita,
Ética da
religação
Racionalidade,
sensibilidade,
companheirismo
19. Todos
despertam e,
agora, os
meninos não
precisam mais
estar
submetidos a
regras e à rígida
programação
antes imposta
Amizade
perfeita,
concupiscência
Ética da
fraternidade,
recursão ética
Liberdade, autonomia,
responsabilidade
20. Felizes,
escutam a
história contada
por
Giramundos,
sobre um
menino que
Amizade
perfeita,
sinceridade,
amabilidade
Ética da
religação, ética
da
responsabilidade,
ética da honra,
socioética, ética
universalista
Solidariedade, zelo,
proteção, respeito
415
vivia num
planeta como
um quintal,
onde podia
correr, brincar
com seus
amigos, com o
vento, árvores,
rios... Esse
planeta
localizava-se na
Cidade das
Estrelas, rua
dos Planetas,
do Ano dos
Dias sem
Número
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo