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do boi
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. Chamada ainda de auto, tal narrativa é comumente vista como um espetáculo
cômico, bonito e capaz de dar sentido à vida daqueles que a re-elaboram todos os anos.
Sabe-se que as pesquisas a seu respeito comportam as mais distintas análises,
desde questões referentes às políticas culturais, tradição e modernidade, origens,
características, variações de estilos, personagens, até reflexões sobre qual o seu lugar na
sociedade moderna
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. Atualmente, constitui, como destaca Carvalho (2007, p.117) um
verdadeiro idioma cultural no Maranhão, capaz de organizar falas, ações, pensamentos e
relações tanto entre os brincantes quanto na sociedade em sentido amplo.
Pesquisadores como Lima (1995); Pinho de Carvalho, 1995; Carvalho 2005;
Araújo, 1996; Azevedo Neto, 1983; Vieira Filho, 1977; Prado, 2007; para citar alguns, são
referências nos estudos sobre o bumba-meu-boi maranhense. De maneira geral, quando se fala
desta manifestação, um ponto comum entre eles é a descrição do auto, que possui como
personagens centrais o Pai Francisco ou velho Chico, Mãe Catirina e o Boi Mimoso, Estrela
ou Barroso, que dão ao enredo diferentes maneiras de celebrar a morte e ressurreição do
animal. Lima (1995, p.5), por exemplo, descreve da seguinte maneira:
Basicamente em todos os grupos (ressalvadas as pequenas diferenças), o enredo
(auto) é o seguinte: Pai Francisco – escravo e vaqueiro de confiança do seu amo – o
dono da fazenda – é obrigado a furtar e matar o boi de estimação do senhor para
tirar-lhe a língua, obedecendo aos apelos e “desejos” de Mãe Catirina, sua mulher,
que encontrava-se grávida. Fato consumado, chega ao conhecimento do amo, que
enraivecido, manda fazer sindicâncias através de vaqueiros e índios para descobrir a
verdade e o autor do crime. Pai Francisco, é, então, encontrado, trazido preso, e por
exigência do amo, morrerá caso não venha a “dar conta” do boi. Segue-se, então,
uma verdadeira pantomima, cujo teor e finalidade de processos mágicos, com a
ajuda de Pai Francisco, ressuscitam o boi. O boi “urra” novamente por entre o
contentamento geral. Pai Francisco é perdoado e os brincantes entoam cânticos de
louvor, dançando em volta do animal na comemoração desse milagre da
ressurreição.
Por outro lado, como destaca Cavalcanti (2009, p. 113):
Ao contar essa história, os narradores de ontem e de hoje não falam apenas da
morte e da ressurreição de um boi simbólico (...). De alguma forma, o boi-artefato
precisa ‘sumir’ e, por vezes, reaparecer em algum momento das performances. Ao
se agregar em torno desse boi que a todos vincula, o grupo de brincantes deseja,
sim, perdurar e sobreviver no tempo. A narração de origem, não é, portanto, aquela
da brincadeira tal como efetivamente surgiu e aconteceu no passado. Essa narração,
em vez disso, é a ativação no presente de operações simbólicas que definem a
moldura ritual da brincadeira, ou seja, o boi que morre e ressuscita assinala e
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Artefato que possui em sua armação o formato de um boi. É feito de diversas matérias-primas naturais como
buriti, paparaúba, jeniparana, entre outras, recoberta de veludo bordado com canutilhos, miçangas, paetês,
pedrarias etc. É a figura central na representação do auto dramático.
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Ver tese: Carvalho (2005); Dissertação: Vasconcelos (2007); Monografia: Sousa (2003); e Pinho de Carvalho
(1985).