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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Remixagens midiáticas na cibercultura juvenil: interação e
sociabilidade na constituição de uma rádio na internet
Aluno: Marcos Aurélio Júnior
Orientadora: Dra. Maria Beatriz Almeida Sathler Bretas
Belo Horizonte
03/02/2010
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Marcos Aurélio Júnior
Remixagens midiáticas na cibercultura juvenil: interação e
sociabilidade na constituição de uma rádio na internet
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial para obtenção do
título de mestre em Comunicação Social.
Área de concentração: Comunicação e
sociabilidade contemporânea.
Linha: Processos comunicativos e práticas
sociais.
Orientadora: Dra. Maria Beatriz Almeida
Sathler Bretas
Belo Horizonte
2010
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Agradecimentos
A realização deste sonho, o mestrado em Comunicação Social, é fruto não apenas de um
empenho pessoal, mas dos esforços de muitos professores e educadores, que contribuíram com
minha formação ao longo de quase três décadas. Guardo, com muito carinho, mesmo que pouco
nítidas, as recordações dos tempos no jardim de infância, na escola da saudosa “tia” Elisa.
Lembro-me, entre outras coisas, de uma criança chorosa, assustada por receber, na classe, a
visita de duas figuras com fantasias esquisitas: o “M”, de mamãe, e o “P”, martelinho do papai.
Muito se passou desde aqueles tempos. Do jardim ao grupo. Do colégio à faculdade,
especializações e mestrado. Torna-se impossível, neste curto espaço, citar todos aqueles que nos
estimularam a seguir em frente e, conseqüentemente, também tiveram participação ativa na
constituição do presente trabalho. Assim, representando todos os docentes, manifesto
agradecimentos aos que hoje contribuem com nosso aprendizado: os professores Bruno Leal,
Paulo Bernardo, Elton Antunes, Beatriz Bretas (orientadora), Delfim Afonso nior, Rousiley
Maia, Regina Helena e Vera França. Também faço simples, mas sincera homenagem, aos
professores da graduação em jornalismo Mozahir Salomão, Nair Prata, Luiz Ademir Oliveira e
Murilo Marques Gontijo, que me apresentaram a pesquisa em comunicação e incentivaram o
desenvolvimento deste trabalho.
Um obrigado especial à professora Beatriz Bretas, que desde os tempos de
especialização, com seu jeito carinhoso e brilhante de ser, nos enriquece com suas orientações, e
ao professor Delfim Afonso Júnior, que nos apresentou o “pensamento comunicacional” e
apontou caminhos para o desenvolvimento da dissertação. É preciso ainda destacar a importância
do grupo de pesquisa Gris e, especialmente, de seu subgrupo, o Ponto Gris. Cada encontro é um
novo aprendizado. Assim, registro o meu carinho por todos os companheiros de jornada,
principalmente os “pontogriseiros” Aline, Rafael, Patrícia, Leandro, Telma, Érika, Cadu, Carol e
Ivan. É importante lembrar os laços constituídos ao longo do curso, dentro da turma do mestrado,
que homenageio na figura de minha nova amiga Adriana Agostini.
Voltando-se para um mundo exterior à universidade, agradeço aos jovens da Animix, que
sempre contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa. À amada Andréa, obrigado por
partilhar de meus momentos alegres e difíceis, por aceitar me dividir com o mundo dos estudos e
4
pelas observações ao longo deste trabalho. Lembro também de meu saudoso avô, Aurélio José
Pereira, que literalmente me colocou no caminho da escola.
Por fim, dedico o mestrado às duas bases sobre as quais me constituí: o “M” de mamãe e
o “P” de Papai. Da mais turva lembrança dos tempos de jardim de infância, sobre a presença
deles em minha alfabetização, às recordações mais nítidas de tempos atuais, sempre tive e
sempre terei no casal Marcos e Vera as minhas mais sólidas referências. Agradeço todos os dias
por ser filho de vocês.
5
Resumo
A presente pesquisa analisou um grupo juvenil que se propõe a constituir e manter,
voluntariamente, uma emissora radiofônica no ciberespaço (webradio). O objetivo principal era
encontrar o conjunto de motivações que animam o trabalho coletivo. Partimos do pressuposto
que estas motivações poderiam ser encontradas no conjunto de interações nas quais se inserem
estes jovens, tanto as que se inscrevem no dispositivo quanto as que se relacionam ao seu
desenvolvimento.
O dispositivo em questão chama-se Rádio Animix. Dedica-se à veiculação da música pop
japonesa (J-pop), principalmente daquelas que compõem trilhas sonoras dos animes, nome que
se aos desenhos animados nipônicos. Os jovens que o mantém fazem parte de uma tribo
chamada otaku, que se constitui a partir de produtos midiáticos orientais. Os programas da
Animix, essencialmente musicais, são apresentados ao vivo e seus idealizadores contam com a
participação da audiência para compô-los.
Para encontrar o conjunto de motivações que animam a vida em grupo, optamos por
investigar a lista de discussão dos autores da Animix, principal ambiência onde estes jovens,
geograficamente dispersos, se encontram para colocar em dia os afazeres da estação virtual.
Também investigamos as interações desencadeadas a partir do dispositivo, que envolvem os
desenvolvedores e sua audiência. A fase final da abordagem metodológica consistiu na
realização de entrevistas, com o objetivo de apreender o que estes jovens experienciam ao
constituírem mídia na internet.
No final, foi possível perceber que a constituição da webradio aponta para uma busca por
visibilidade, que permite a estes jovens se sentirem celebridades dentro da cena otaku. A partir
das interações com a audiência expandem suas redes de relacionamento e seus laços de amizade.
Conforme afirmam, as transmissões ao vivo, muitas vezes na base do improviso, permitem
justamente um sentir-se mais próximo, em relação aos dispositivos de transmissão assíncrona,
como os blogs. Paralelamente, a Rádio Animix configura-se em instrumento utilizado por estes
jovens para difundir um gosto musical específico. Divulgando as bandas japonesas e seus estilos
pouco assimilados num contexto brasileiro, os autores da emissora reivindicam maior espaço
para grupos dedicados à música oriental.
Palavras-chave: cibercultura juvenil, webradio, interações, cultura otaku.
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Abstract
This research examined a youth group that aims to establish and maintain, voluntarily, a
radio station in cyberspace (webradio). The main objective was to find the set of motivations that
animate the collective work. We assume that these motivations could be found in the set of
interactions within which they operate these young people, both those within the device as those
related to its development.
The device in question is called Radio Animix. It is dedicated to serving the japanese pop
music (J-pop), particularly those that make the soundtracks of the anime, name given to the
Japan cartoon factory. The young people involved in its constitution are part of a tribe called
otaku, who is from Eastern media products. The Animix productions, essentially musical, are
presented live and their creators rely on audience participation to compose them.
To find the set of motivations that animate life in a group, we decided to investigate the
thread of the authors of Animix, principal ambience where these young people, geographically
dispersed, they are to catch up on the affairs of the virtual station. We also investigated the
interactions triggered by the device, involving the developers and their audience. The final phase
of the methodological approach consisted of interviews, in order to grasp what these people
experience by setting up media on the internet.
In conclusion, it was revealed that the formation of webradio points to a quest for
visibility, which allows these young people feel celebrities into the otaku scene. From the
interactions with the audience expand their networks and their ties of friendship. As they say,
live broadcasts, often on the basis of improvisation, allowing just one feel closer, for
asynchronous devices, such as blogs. In addition, the Radio Animix configures itself into an
instrument used by these young people to spread a specific musical taste. Spreading the Japanese
bands and their styles assimilated some Brazilian context, the authors of the station demanding
more space for groups dedicated to oriental music.
Palavras-chave: youth cyberculture, webradio, interactions, otaku culture.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Coluna Bits & Bytes............................................................................................... 52
Figura 02 – Publicidade veiculada na Animix sobre eventos otaku....................................... 63
Figura 03 – Jaspion, tokusatsu de sucesso nos anos 1980 ....................................................... 77
Figura 04 – Site Antigo............................................................................................................... 85
Figura 05 – Site Novo.................................................................................................................. 86
Figura 06 – Remixagens ............................................................................................................. 89
Figura 07 – Interface do Gmail.................................................................................................. 94
Figura 08 – Interface do e-mail @radioanimix.com.br........................................................... 94
Figura 09 – E-mail enviado pelo internauta DK, às 17h34, do dia 29/10/2008 ................... 117
Figura 10 – Campo de pedidos e recados da Rádio Animix ................................................. 123
Figura 11 – Perfil do DJ Bife divulgado no site da Rádio Animix ....................................... 127
Figura 12 – Coluna do DJ Stinger Kildred no site da Animix.............................................. 141
Figura 13 – Banda X Japan, uma precursora do visual kei.................................................. 142
Figura 14 – Banda Psygai, grupo brasileiro que lançou um single de J-rock.................... 143
Figura 15 – Foto de cosplayers, cobertura do evento Animazon Pará................................. 145
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Sinergia na indústria midiática japonesa, a franquia Bleach............................ 56
Tabela 02 – “Staff” da Rádio Animix ....................................................................................... 83
9
GRÁFICOS E GRAFOS
Gráfico 01 – Variações da audiência ao longo dos programas............................................. 122
Gráfico 02 – Tempo dedicado às falas, músicas e intervalos ................................................ 130
Grafo 01 – Conversações entre o DJ Maniac e seu público no áudio da Animix................ 131
Grafo 02 – DJ Sensui e seus internautas na produção do Anime Expression..................... 134
Grafo 03 – DJ Stinger e seus internautas................................................................................ 140
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 01 – ABORDAGEM COMUNICACIONAL DE UMA PRÁTICA JUVENIL15
1.1 Conexões generalizadas e o tribalismo contemporâneo................................................................. 15
1.2 Interações: base da vida social...................................................................................................... 21
1.3 A comunicação como interação.................................................................................................... 25
1.4 Interação tecnologicamente mediada............................................................................................ 27
1.5 Dispositivos midiáticos: uma dimensão normativa ....................................................................... 30
1.6 Enunciado: unidade da comunicação............................................................................................ 36
CAPÍTULO II – INTERSEÇÕES ENTRE JUVENTUDE E INTERNET........................... 42
2.1 O protagonismo juvenil na história da rede................................................................................... 42
2.2 A rede tecendo os jovens.............................................................................................................. 45
2.3 Os elementos de uma cibercultura juvenil .................................................................................... 50
2.3.1 Uma nova microeletrônica.................................................................................................... 51
2.3.2 Gêneros “confusos” da comunicação midiática .................................................................... 54
2.3.3 O fenômeno prosumer........................................................................................................... 56
2.3.4 A exposição do “eu” na web ................................................................................................. 67
2.3.5 A emergência das comunidades virtuais................................................................................ 69
CAPÍTULO III - A RÁDIO DE UMA TRIBO REMIX E CULTURA DA
CONVERGÊNCIA..................................................................................................................... 74
3.1 Do oriente ao ocidente: Otakus, os “filhos do virtual” .................................................................. 74
3.2 A comunidade Animix: jovens processando remixagens............................................................... 81
3.4 Proposta metodológica................................................................................................................. 91
3.4.1 Cooperação e sociabilidade na lista da Animix ..................................................................... 93
3.4.2 Interações na webradio....................................................................................................... 118
3.4.3 Entrevistas com os DJs........................................................................................................ 145
CONCLUSÃO........................................................................................................................... 156
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................... 163
11
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva oferecer contribuições aos que buscam elucidar uma prática
comum da juventude contemporânea: a constituição de dispositivos midiáticos no ciberespaço,
como blogs, twitters, fotologs, videologs, etc. Para cumprir tal tarefa, optamos pela realização de
um estudo de caso. O foco desta pesquisa é um grupo de jovens que mantém uma estação
radiofônica na internet (webradio), chamada Rádio Animix. Esta estação virtual dedica-se à
veiculação das trilhas sonoras de produções midiáticas japoneses, como desenhos animados
(animes), séries de super herói com atores reais (live action) e games.
Ao escolher como objeto empírico um grupo que se constitui em função de uma
webradio, também objetivamos apreender as interlocuções estabelecidas via dispositivo. A
grande indagação é: o que motiva sujeitos a se envolverem nos processos de constituição de uma
rádio na internet? A partir deste questionamento, investigamos a dimensão estética que une o
grupo e dos tipos de interação experienciadas por estes jovens, que performatizam uma mídia
tradicional, o rádio, na internet.
A constituição da Rádio Animix encontra alicerces na inserção de produtos da indústria
da cultura e entretenimento japonesa no mercado mundial. Os jovens que se dedicam à estação
virtual, evidentemente, são fãs destas produções. Do culto ao pop japonês nasce uma tribo,
conhecida como otaku. Esta cultura tem forte penetração no Brasil, que atualmente importa,
sobretudo, animes e mangás (quadrinhos japoneses). Segundo estudo do JETRO
1
(Japan
External Trade Organization), o mercado de animações japonesas movimentou em torno de 100
bilhões de dólares entre 2002 e 2004 e o Brasil é o país do mundo em consumo de animes e
mangás, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Ao analisarmos um pequeno grupo, dentro de um universo tribal, partimos da premissa
de que suas motivações podem ser apreendidas por meio da leitura de dinâmicas interativas. Tal
premissa é própria do campo científico da Comunicação Social, que privilegia uma abordagem
relacional da vida em sociedade. Constitui justamente objetivo do primeiro capítulo apresentar
esta forma de apreender os fenômenos sociais que caracteriza o campo comunicacional. Nesta
primeira parte, buscou-se apresentar um conceito de comunicação, que diz de uma construção
1
http://www.jetro.go.jp/ Acesso: 20/03/2009. A Jetro é uma organização ligada ao governo japonês que objetiva a
promoção das relações comerciais e investimentos naquele país.
12
partilhada de sentidos. Esta construção se dá em contextos interativos. Portanto, as imbricações
dos termos comunicação e interação foram apresentadas. A importância de um “sentir junto”, a
dimensão estética, para a constituição de grupos na contemporaneidade também foi abordada.
Neste momento, buscamos demonstrar como os contextos relacionais o determinantes para
constituição dessa dimensão.
Discutido o conceito de interação, dedicamos atenção às especificidades da interação
midiática, a fim de explicar que uma dimensão normativa já começa a emergir dos dispositivos
tecnológicos. A partir de uma matriz goffmaniana, foi detalhada a importância do contexto e da
performance na construção dos momentos comunicativos. No encerramento desta primeira parte,
dois conceitos fundamentais para a realização deste estudo foram discutidos: o enunciado e a
enunciação. Os conceitos, abordados a partir da obra de Bakhtin, foram relacionados com a
empiria investigada, com o objetivo de mostrar como são fundamentais para o estudo das
interações.
No Capítulo II abordamos as interseções entre internet e cultura juvenil. De forma breve,
mostramos como a participação do jovem é fundamental nos processos de constituição da web.
Em seguida, um movimento contrário foi feito. Mostramos como a rede reconfigura práticas
juvenis, relacionadas ao convívio familiar, ao mundo dos estudos e ao consumo midiático. Neste
momento, apresentamos como uma nova microeletrônica implica em mudanças de
comportamento. Também iniciamos uma discussão sobre transformações na ecologia midiática
com o advento da internet. No encerramento deste capítulo, resgatamos discussões acerca da
exposição da intimidade na rede e a formação das comunidades virtuais. Argumentamos que os
dois fenômenos são correlatos, com indivíduos se aproximando a partir de preferências
partilhadas.
O capítulo III apresenta a Rádio Animix como uma comunidade virtual. Antes de
detalhar o dispositivo e o seu grupo de desenvolvedores, foi feita uma distinção entre tribo e
comunidade, explicando o sentido destes conceitos neste trabalho a partir de exemplos concretos.
Em seguida, foi detalhada a tribo otaku e a importância de um contexto digital para o seu
desenvolvimento. Apresentada a cultura dos animes, o foco centrou-se na Rádio Animix, que foi
descrita como fruto de uma cultura da convergência e da inserção do software na vida social.
O terceiro capítulo se encerra com a abordagem metodológica. Os internautas foram
identificados nesta pesquisa, na maioria das vezes, por seus nicknames. Os autores da Animix,
13
constantemente, foram referidos como “DJs”, expressão utilizada por eles em substituição ao
termo “apresentadores”. Em alguns momentos, omitimos os apelidos, a fim de evitar
constrangimentos aos sujeitos que compõem esta investigação. Para responder ao problema de
pesquisa, apresentado no primeiro parágrafo desta introdução, optamos por uma metodologia
composta por três etapas: a) análise de uma lista de discussão, de uso particular aos autores da
Rádio Animix; b) análise da webradio, com um enfoque na apreensão das dinâmicas interativas e
de uma dimensão estética e c) entrevistas com os DJs.
O estudo da lista de discussão objetivou demonstrar como são as relações internas ao
grupo de desenvolvedores da Animix e o modo como se articulam para manter a programação.
Durante um mês, realizamos uma abordagem de cunho etnográfico que se desdobrou numa
análise conversacional. Neste período, 91 “conversações” foram iniciadas, via e-mails que
geraram discussões na lista. Mereceram maior atenção os depoimentos sobre a prática de fazer
rádio na internet, por oferecerem muitas vezes de forma explícita apontamentos sobre o conjunto
de motivações que animam o grupo. Mas também dedicamos atenção às conversas
“despretenciosas”, que indicam características da sociabilidade experienciada pela equipe, no
contexto específico do e-mail de grupo, e também discussões pontuais sobre o trabalho coletivo,
que permitiram detectar, entre outras coisas, como esses jovens se organizam hierarquicamente.
A segunda fase da investigação foi a análise da webradio, que objetivou alcançar um
quadro de relações mais amplo, entre o grupo e sua audiência. Num primeiro momento, seis
programas foram selecionados para realização de uma análise de conteúdo para identificar, entre
outras coisas, certos padrões nas dinâmicas interativas estabelecidas a partir do dispositivo.
Posteriormente, dentro deste corpus, foram selecionados dois programas, para serem
discursivamente analisados. Por meio desta análise, buscamos as especificidades das produções e
a dimensão estética que une um grupo de internautas, desenvolvedores e ouvintes, em torno da
Rádio Animix. Nesta tarefa, observamos a performance dos DJs, por meio de suas locuções, à
luz do contrato de comunicação de Charaudeau (2006), o que permitiu alcançar certas
intencionalidades dos apresentadores.
A última etapa metodológica foi realizada com base nos dados obtidos nas etapas
precedentes. Consistiu-se na realização de entrevistas em profundidade, com cinco
apresentadores da Animix. Ao formular perguntas, a partir dos resultados das investigações
anteriores, buscamos refinar o desenho de um quadro de valores inerente ao grupo. Assim, foi
14
possível perceber com maior clareza, entre outras coisas, o que eles buscam ao fazerem
programas ao vivo na Internet e o que significa, para eles, as músicas orientais veiculadas na
Animix. Por meio das entrevistas, também ficou evidente como os autores da webradio se
percebem dentro da tribo otaku. É importante destacar que em observações preliminares
verificamos que estes jovens, antes de tornarem-se apresentadores, eram ouvintes da estação
virtual. Assim, seus depoimentos, de certo modo, também traduzem percepções do público da
emissora.
No fim deste trabalho, retomamos o problema de pesquisa apresentado no primeiro
parágrafo desta introdução a fim de respondê-lo. Para isso, recapitulamos os achados na
abordagem metodológica em articulação com o conjunto de teorias mobilizadas nos capítulos
precedentes.
15
CAPÍTULO 01 – ABORDAGEM COMUNICACIONAL DE UMA PRÁTICA JUVENIL
A proposta deste capítulo é apresentar uma abordagem própria ao campo comunicacional
à prática de jovens que estabeleceram um dispositivo midiático na internet a partir da cultura
específica dos animes. Tal abordagem deriva de uma perspectiva pragmática partindo de dois
princípios fundamentais: a realidade é um construto social, a partir de um conjunto de interações
e, neste processo, a linguagem tem uma função não apenas referencial, mas constitutiva.
1.1 Conexões generalizadas e o tribalismo contemporâneo
Entrar na internet, conversar via programas de troca de mensagem instantânea, fóruns de
discussão ou sites de relacionamento, pesquisar, “baixar” filmes, ries e músicas preferidas, são
ações que hoje integram o cotidiano de muitos jovens brasileiros
2
. Embora o acesso à rede não
ocorra ainda de forma generalizada, estima-se que de 2000 a 2008, o número de internautas no
Brasil cresceu 900%.
3
Certamente, uma das principais funcionalidades encontradas pelo jovem na rede é a
possibilidade de se comunicar. Para fundamentar esta afirmativa, podemos citar o trabalho de
Pahor (2008), que ao estudar como os adolescentes argentinos navegam no ciberespaço,
constatou que entrar na internet é, para estes jovens, sinônimo de se conectar ao MSN
4
.
A rede configura-se, portanto, em ambiência para que sujeitos estabeleçam
relacionamentos desprendidos de seus contextos geográficos, além de terem acesso aos mais
variados tipos de informação, livres de qualquer impedimento imposto pelas delimitações físicas
de um território. Estas duas possibilidades fazem da internet um instrumento que consolida a
atual morfologia social, marcada por conexões globalizadas. Castells (1999) chama de sociedade
em rede o atual estágio da civilização, em que se verifica uma centralidade no uso e aplicação do
conjunto de informações e conhecimentos, de reconfigurações nas relações sociais, nos sistemas
políticos e de valores estimuladas, pelas tecnologias de comunicação e informação (TICs).
2
Segundo informações do site Internet World Stats (http://www.internetworldstats.com/), 26% da população
brasileira acessa a Internet. São cerca de 50 milhões de pessoas, num universo de 190 milhões. Os dados são de
2008.
3
Dados acessados no http://www.internetworldstats.com/ em 06/04/2009.
4
O Messenger (MSN) é um dos mais populares programas de bate-papo existentes na Internet.
16
O desprendimento de um contexto espaço-temporal imposto por um território geográfico
permite ao jovem, na sociedade em rede, relacionar-se com outras pessoas a partir de interesses
partilhados. As afinidades comuns gradativamente tornam-se mais determinantes nos processos
de aproximação, juntamente com espaços tradicionais de um contexto local, como a escola, a
rua, os clubes e o trabalho. As tecnologias telemáticas dão novo impulso para a expansão de um
fenômeno chamado por Maffesoli (2006) de novo tribalismo.
Basta uma simples navegação na internet para constatar empiricamente o que é teorizado
pelo autor. Existe um infindável número de grupos na rede, formados em torno de interesses
comuns, que vão desde o culto às raves
5
, à paixão por determinado esporte, por um estilo
musical específico, até o consumo comum de certos gêneros televisivos e cinematográficos. Os
adolescentes que compõem a empiria deste trabalho fazem parte de uma destas tribos, que
nascem do consumo dos meios de comunicação.
Chama-se otaku a agregação formada em torno do culto aos bens simbólicos produzidos
pela indústria da cultura japonesa. Seus membros são colecionadores de games, leitores de
mangá
6
, assistem regularmente aos desenhos animados produzidos no Japão, conhecidos
mundialmente como animes. A tribo otaku agrega uma significativa quantidade de jovens
brasileiros, valendo-se principalmente da comunicação mediada por computador (CMC). Nos
próximos capítulos a rede que se forma em torno do culto aos “heróis nipônicos”, e que integra
os autores da Rádio Animix, é mais bem detalhada. Por hora, é suficiente afirmar que a
aproximação destes adolescentes, autores da emissora, é uma evidência da constatação de
Maffesoli (2006), de que na sociedade contemporânea ocorre um declínio do individualismo
moderno.
O autor argumenta que nas sociedades modernas, fundadas a partir da Revolução
Industrial, os sujeitos que até então se organizavam em pequenas comunidades, gradativamente
passaram a viver nas grandes cidades. Nos espaços urbanos, a organização da vida social
fundamenta-se fortemente por uma racionalidade, sob a vigilância e o controle do Estado. Os
laços que conformavam o sentimento de pertencimento a uma comunidade, os vínculos afetivos
5
Festa dançante que teve origem na Europa, marcada pelo som da música eletrônica e pelo tempo de duração (a
maioria dura mais que 24 horas). Hoje mundialmente famosas, as raves são também bastante polêmicas. Alguns as
consideram como ambiência fértil para consumo de drogas. Para suportar a “maratona”, além de reforçar o efeito
alucinógeno causado pelos jogos de iluminação e batida musical, os jovens recorreriam a entorpecentes
estimulantes.
6
Revistas em quadrinho japonesas.
17
tecidos dentro dos pequenos grupos pré-modernos, gradativamente se enfraquecem. O projeto de
sociedade moderna traduz-se numa sociedade do individualismo. Contudo, conforme o autor, na
medida em que este projeto de organização mostrou-se ineficaz, mudanças ocorreram. O
paradigma racional não conseguiu evitar duas grandes guerras, superar problemas como a fome e
a miséria e evitar crises econômicas. Assim, ele enfraquece e cede espaço permitindo o retorno
de uma dimensão afetiva, despertando nos sujeitos a necessidade de se sentirem pertencentes a
grupos de apoio. Assim nascem, na contemporaneidade, novas tribos.
Não se trata, no entanto, de um retorno ao modelo pré-moderno. Diferentemente do que
ocorria nas comunidades que antecederam o surgimento das cidades, os indivíduos têm total
liberdade para se associarem. É um “retorno em espiral de valores arcaicos unidos ao
desenvolvimento tecnológico”. (MAFFESOLI, 2006, p.07). A tecnologia permite novos
deslocamentos e, portanto, novas aproximações. No caso dos jovens especificamente, Freire
Filho (2007) destaca que a internet tem possibilitado o encontro daqueles que partilham o mesmo
interesse. Segundo o autor, as pessoas ao navegarem na rede, mais do que buscarem coisas
novas, partem à procura daquilo que lhes é familiar, do semelhante.
Assim, a constituição dos novos grupos, em vez de ser determinada por um contexto
geográfico, é sustentada pela confluência de motivações. A tribo otaku vai se formando a partir
da aglutinação de fãs, de sujeitos que descobrem uns nos outros o mesmo sentimento, algo que é
posto em comum. A Rádio Animix, pequeno grupo derivado da tribo, nasce do gosto partilhado
de jovens pelas trilhas sonoras de desenhos animados japoneses. Em entrevista, o internauta DK,
fundador da Animix, disse que a idéia de construir a rádio nasceu durante uma conversa num
chat dedicado à cultura otaku.
No bate-papo, conversando com o Kaneda
7
sobre as trilhas dos animes,
decidimos formar uma emissora para a reprodução das músicas. (Entrevista por
e-mail concedida no dia 23/09/2007)
Percebe-se que o grupo nasceu de conversações no ciberespaço. A comunicação
possibilita um “sentir junto”, o que Maffesoli (2006) chama de dimensão estética, semente das
tribos contemporâneas. Para Castells (1999), ao pensar uma sociedade conectada, formando uma
grande rede, estas tribos seriam os “nós”. Elas se constituem a partir da socialidade, conceito
7
Um dos fundadores da Animix. Atualmente não faz mais parte do grupo.
18
utilizado por Maffesoli (2006) para se referir ao conjunto de práticas cotidianas que fogem do
controle do social.
Maffesoli (2006) define como social a dimensão institucional da vida. O social é o
conjunto de organizações que exercem o controle, são formadas e difundem um modo de
pensamento marcado pelo uso da razão. Na dimensão social, os indivíduos têm uma função.
Agem orientados para ganhos pessoais, pautados por uma normatividade estabelecida por um
poder instituído. a socialidade é o contraponto do social. É uma dimensão marcada pela não-
racionalidade, por ações que a priori não possuem uma finalidade específica, que não são
orientadas para ganhos individuais. São práticas cotidianas que se esgotam num tempo presente e
que escapam do controle institucional. No domínio da socialidade, os indivíduos exercem papéis
estabelecidos a partir de processos de identificação, motivados por questões hedonistas. A
dimensão contratual do social perde espaço para a dimensão estética. “Pode se ver muito bem
como no calor de uma emoção comum se solda um bloco compacto e sólido”. (Maffesoli, 2006,
p.106).
Parret (1997) esclarece que a dimensão racional e emocional, embora pareçam
excludentes, fundam-se nos processos de constituição da sociedade. Ele conta que a tradição
intelectual sempre colocou em segundo lugar a dimensão sensível, o pathos, muitas vezes tido
como patético e patológico. Mas, na realidade, discursos racionais, como a ciência e as leis,
nascem de uma relação com o sensível.
O sujeito, produtor de discurso, de cultura e de sociedade, é um ser de paixões.
Sua vontade de transmitir a verdade, sua intenção de comunicar, suas crenças e
suas convicções são motivadas pela paixão de conhecer, e pela propensão a
viver em comunidade, a criar o belo e a transformar a natureza num lugar
habitável. (PARRET, 1997, p.107).
Portanto, é preciso reconhecer a importância do pathos, de seu caráter instituidor, que se
dá a ver nas mais diversas formas de socialidade. De acordo com França (1994), o termo
socialidade é a forma como Maffesoli se refere à sociabilidade, conceito de Georg Simmel, um
dos fundadores da sociologia alemã. De acordo com Hanke (2006), Simmel estava preocupado
com algo além das instituições, que são grandes estruturas organizadoras da vida social, objetos
predominantes nos estudos sociológicos. Ele se dedicava aos estudos “dos fenômenos que
sofrem implicações não-institucionais, como amizade, o ciúme, a vergonha, o amor, etc.”
19
(HANKE, 2006, p.01). É, segundo Hanke (2006), um estudo sociológico de caráter micro,
voltado à elucidação de aspectos culturais da vida em sociedade.
Simmel (2006) argumenta que a sociedade deriva da interação entre indivíduos. Estas
interações são desencadeadas a partir de certos impulsos, certos propósitos. Ao se relacionarem,
para atenderem determinados fins, os sujeitos formam um todo: a sociedade. Neste processo,
Simmel (2006) identifica dois elementos: o conteúdo e a forma. Aquilo que é inerente ao
indivíduo, que o faz buscar o outro, seu “impulso, interesse, propósito, inclinação, estado
psíquico, movimento, etc. caracteriza o conteúdo. a forma diz da sociação em si, da maneira
como os sujeitos se aproximam formando “unidades que satisfazem seus interesses”. (SIMMEL,
2006, p.166)
Nas relações, conteúdo e forma normalmente aparecem juntos, sendo o primeiro a força
que nos faz mover em direção ao outro e o segundo o tom que ganha esta interação. Porém, em
alguns momentos a forma aparece desprovida de conteúdo, ou ela em si é aquilo que move os
sujeitos a se inscreverem num contexto comunicativo. A sociabilidade diz justamente de um tipo
de sociação em que a forma se sobrepõe ao conteúdo. Ou seja, trata-se de um tipo específico de
relação, baseada no simples prazer de estar junto. “Como categoria sociológica, designo assim a
sociabilidade como a forma lúdica da sociação”. (SIMMEL, 2006, p.169). Como pontua França
(1994), ao abordar o conceito do sociólogo alemão, nem conteúdo, nem resultado; no seu
extremo, a noção de sociabilidade significa a forma pura.
A sociabilidade (ou socialidade), enquanto fenômeno, ganha proeminência no mundo
contemporâneo com a crise das instituições racionais e/ou tradicionais. No entanto, conforme
ressalta Mafessoli, não se trata de uma substituição do social pela sociabilidade. É o surgimento
desta última como importante elemento de organização, inclusive dos arranjos institucionais.
Hoje, em grande medida, são as relações e o conjunto de sensações envolvidas que dão o tom da
vida em sociedade. E neste contexto, os meios de comunicação destacam-se, pois, conforme
França (1994) eles aparecem como “um espaço de realização da vida social, espaço de estar um
com o outro” (FRANÇA, 1994, p.08). A mídia introduz novos tons ao conjunto de relações,
inaugurando, assim, novas formas de sociabilidade.
Existe uma visão, muito comum, de que o surgimento dos meios de comunicação,
inclusive a internet, coincide com o esvaziamento dos espaços públicos, levando o
individualismo moderno ao seu extremo. Mas, conforme Bretas (2001), “contrariando os
20
tecnófobos, a tecnologia das redes virtuais pode configurar novos espaços de sociabilidade,
inaugurando novas práticas de estar junto com o outro, e, inclusive, propiciando uma
aproximação local”. (BRETAS, 2001, p.39)
A crise das instituições sociais apontada por Maffesoli também é lembrada por Barbero
(2004). Para este autor, elas não têm conseguido acompanhar as aceleradas transformações no
campo da cultura promovidas pelas conexões generalizadas. No que diz respeito à vida de jovens
e adolescentes, por exemplo, Barbero (2004) critica a forma como as escolas lidam com os meios
de comunicação. Para ele, o sistema de ensino tem se valido da mídia apenas para quebrar a
rotina em sala de aula. Os meios aparecem como “possibilidade de tornar o ensino menos
entediante, de amenizar as jornadas presas a uma inércia insuportável”. (BARBERO, 2004,
p.341). A escola, segundo o autor, se preocupa exclusivamente em preparar o aluno para a
cultura veiculada pelos livros e a escrita, desprezando a cultura oral e audiovisual. Conforme
argumenta, o livro continua sendo importante no processo do que ele chama de primeira
alfabetização. Mas é preciso ir além à cultura letrada. Deve-se estabelecer as bases para a
segunda alfabetização, “que nos abre para as múltiplas escritas que hoje conformam o mundo
audiovisual e da informática.” (BARBERO, 2004, p.344).
O próprio exercício da docência precisa ser repensado. Bretas (2000), ao analisar a
ocupação do ciberespaço por adolescentes, afirma que a internet coloca em cheque valores
tradicionalmente estabelecidos, como a crença de que o professor é o único detentor de um saber.
Em resumo, a contemporaneidade é marcada por descompassos na ordem institucional,
frente às demandas sociais que emergem a partir das novas formas de sociabilidade
possibilitadas pela tecnologia. Estas, de acordo com Barbero (2004), não dão origem a novos
produtos como também geram novas sensibilidades. Hoje, este domínio do sensível, como
argumenta Maffesoli (2006), é base para a formação de novos grupos. Os modos de consumo
musical inaugurados pela internet constituem exemplos de como são alteradas as sensibilidades e
as formas de estar com o outro pela tecnologia.
Nas décadas que precederam o acesso à rede, este tipo de consumo era determinado
basicamente pelas indústrias fonográficas, únicas até então com o poder de distribuir o conteúdo
produzido por artistas. Elas tinham certo poder em definir quais os gêneros musicais
21
constituiriam os hits do momento”. Hoje isto é mais negociado
8
. Qualquer um pode “baixar” a
mp3 de um cantor, famoso ou não, de qualquer país do mundo, desde que esteja disponível no
ambiente online. E também se aproximar daqueles que compartilham o mesmo gosto musical,
seja para troca de arquivos, para um simples conversar, ou no caso abordado, para estabelecer
uma emissora radiofônica na internet.
1.2 Interações: base da vida social
Portanto os grupos contemporâneos cada vez menos se constituem a partir de
determinismos institucionais ou tradicionais. Eles derivam do conjunto de interações cotidianas,
que não só constituem os grupos, como toda a ordem institucional.
Maffesoli (2006) considera que “beber junto, jogar conversa fora, falar dos assuntos
banais que pontuam a vida de todo dia constituem aura específica que serve de cimento para o
tribalismo”. (MAFFESOLI, 2006, p.61). Para o autor, a comunicação verbal ou não verbal é que
constitui a vasta rede que liga os indivíduos, formando grupos. Estes agregados, por sua vez, em
relação, darão origem à sociedade, resultado de um processo de múltiplos ajustamentos. “Trata-
se de uma perspectiva essencialmente relacionista”, afirma Maffesoli (2006). Neste contexto,
torna-se importante olhar para a sociedade a partir da comunicação, entendendo-a como
componente estruturador da vida em coletivo. Não se trata de ignorar o papel das instituições
sociais, ou mesmo desprezar o indivíduo com suas motivações, anseios e angústias, mas de
superar uma perspectiva essencialmente racional/individualista, de reconhecer que indivíduos e
instituições são constituídos e mudados a partir de múltiplas interações.
Barbero (2004) entende que para pensar a sociedade desde a comunicação é preciso
superar o que ele chama de “mediacentrismo”, perspectiva que coloca os meios de comunicação
social como condicionadores da vida em coletivo. Tal abordagem, que ainda caracteriza alguns
estudos em comunicação, nasce nas primeiras investigações sobre a mídia eletrônica, em meados
do século XX. Naquela época, os “efeitos” causados pelos meios era a principal indagação. Para
o autor, estudar a comunicação social é investigar algo mais amplo: a “trama de relações
8
Para mais informações, consultar: AMARAL, Adriana. Categorização dos gêneros musicais na Internet – para uma
etnografia virtual das práticas comunicacionais na plataforma social Last.FM. In: FREIRE FILHO, João,
HERSCHMANN, Michael. (Org.). Novos rumos da cultura da mídia. Indústrias, produtos e audiências. Rio de
Janeiro: Mauad, 2007, v.01, p.227-242.
22
cotidianas que tecem os homens ao se juntar e nas quais ancoram os processos primários de
interpelação e constituição dos sujeitos e identidades” (BARBERO, 2004, p.230). Essa trama de
relações certamente recebe impacto dos meios de comunicação, mas não se resume a eles. Como
afirma Eduardo Duarte (2007), o suporte tecnológico é relevante, mas não sintetiza em si o que é
a comunicação, “porque se assim o fosse poderíamos acreditar que a simples troca de
informações entre máquinas, nas operações telemáticas automáticas, fazendo surgir novas
informações, é um processo comunicacional sem a elaboração de humanos”. (DUARTE, 2007,
p.11).
Duarte (2007) argumenta que o conceito de comunicação não pode ser fechado, sob pena
de se perder “microcapilarizações” que surgem a cada dia. No entanto, a partir de sua crítica à
redução da comunicação aos fenômenos tecnológicos, fica explicitado que processos
comunicativos relacionam-se sobretudo com a experiência dos homens. Ao observarmos a
interação envolvendo jovens fãs no ciberespaço, a importância da dimensão tecnológica salta aos
olhos. Ela forma uma infra-estrutura necessária para a constituição do grupo abordado nesta
pesquisa. A informática possibilita novas formas de escrita e a constituição de novas ambiências.
No entanto, de nada valeria o suporte se, em determinado momento, esses jovens e adolescentes
não descobrissem uns aos outros. A tribo, como destaca Maffesoli, nasce da dimensão estética. A
webradio Animix, derivada da cultura otaku, também surge desse sentir em conjunto, de um
consumo emergente das músicas orientais.
Para entender a prática destes fãs pelo viés comunicacional, é preciso estar atento aos
múltiplos comportamentos que marcam o grupo. Segundo França, “existe comunicação quando
os gestos se tornam símbolos, quando eles fazem parte de uma linguagem e trazem um sentido
partilhado por todos os indivíduos envolvidos na ação”. (FRANÇA, p.05, 2007). Embora,
conforme Duarte (2007), não caiba enquadrar o conceito numa definição fechada, é preciso
elencar algumas características do que aqui entende-se por comunicação, objetivando
principalmente superar as perspectivas que marcaram a origem do campo. Yves Winkin (1998)
apresenta dois grandes paradigmas para entender a comunicação: o modelo telegráfico, que
marca o início dos estudos, e seu sucessor, o contemporâneo modelo orquestral.
No modelo telegráfico, a comunicação é entendida como uma atividade linear, que pode
ser avaliada em si a partir de objetivos determinados à priori pelas partes envolvidas. Comunicar
seria a transmissão de algo, de um indivíduo para o outro. Uma atividade essencialmente verbal,
23
racional e voluntária. Na perspectiva deste modelo, o estudioso que se aventura a estudar um
fenômeno comunicativo poderia fazê-lo de forma imparcial, sem contaminar seu objeto com suas
impressões e interpretações. Se a presente pesquisa fosse baseada em tal modelo avaliaríamos,
por exemplo, como os autores da Rádio Animix transmitem mensagens para seus ouvintes e
entre si (caráter linear). Investigaríamos se uma intencionalidade (de caráter puramente racional)
é alcançada pelo envio de mensagens (qualidade da comunicação).
O contemporâneo modelo orquestral pensa a comunicação como um fenômeno social,
ordenado por forças que vão além dos indivíduos envolvidos. Assim, diferentemente da
perspectiva telegráfica, comunicação não mais é vista com atividade individual, transmissão de
mensagens. É um complexo formado por múltiplos comportamentos, que serão interpretados
pelos indivíduos a partir de um contexto. A comunicação afeta e é afetada por um conjunto de
sistemas, como os institucionais e culturais. Configura-se, portanto, num lugar privilegiado para
o entendimento da vida social, que o estudo de fenômenos comunicacionais pressupõe o
reconhecimento destes outros sistemas relacionados ao processo. Winkin (1998) considera que a
comunicação constitui-se num vasto espectro de interações e inter relações que não podem ser
isoladas. Em vez de transmissão, existe mútua afetação entre indivíduos envolvidos, dinâmica
que o autor metaforiza descrevendo uma orquestra e seu funcionamento.
A viabilidade desta dissertação baseia-se neste modelo orquestral. Ao buscar as
motivações que animam um trabalho em equipe, identificando valores de uma cultura juvenil
emergente, forjada a partir do culto à mídia e seus produtos, partimos da premissa que existe algo
além dos indivíduos envolvidos nas trocas comunicativas. Existe uma dimensão contextual, que
diz de uma cultura marcada pela onipresença dos meios de comunicação, por um acesso
crescente da internet, sobretudo pelos jovens, consumidores e difusores de tecnologia.
Sendo ainda mais específico, pensando no grupo estudado, existe uma cultura nascida do
consumo dos animes, das músicas japonesas, por jovens brasileiros que se aventuram a
desenvolver mídia no ciberespaço. Olhar as interações, com a preocupação de se resgatar o
contexto, permite chegar ao que é comum ao grupo, perceber para onde aponta o conjunto de
ações. A comunicação é pensada não como uma transmissão, mas como um projeto coletivo, o
estabelecimento de um comum. A premissa é que um olhar para as interações inerentes ao grupo
formador da Rádio Animix permite identificar o que significa para estes jovens fazer mídia na
internet, quais valores são tecidos e acionados. Sobre valor, Sodré (2002) afirma que:
24
É algo transcendente ou externo ao indivíduo, proveniente de uma ordem um
“comum” que se impõe como naturalmente desejável e coletivamente
vinculante, diante da qual se levanta para todos o impulso da responsabilidade.
Figura organizada do “desejável”, o valor permite avaliação da práxis e da doxa,
atos e opiniões. (SODRÉ, 2002, p.173).
Segundo o autor, os valores são imprescindíveis nos processos de vinculação social. É
deles que derivam uma normatividade orientadora quando se suscita a questão da
responsabilidade individual e coletiva sobre o desejo do grupo de continuar existindo. Algo que é
evidentemente valorizado pela comunidade formada em torno da Rádio Animix são as músicas
orientais. É uma preferência reafirmada toda vez que esse grupo de jovens se e a escutar
trilhas dos animes. Mas será que este é o único valor vinculante? O trabalho em equipe
necessário para o funcionamento da emissora deriva apenas desta preferência comum?
Para responder a estas perguntas é preciso observar qual significado partilhado têm para
estes jovens a tarefa de fazer rádio no ciberespaço, tematizando produções orientais. A partir da
concepção praxiológica de Quéré (1991), é possível afirmar que este significado nasce do
conjunto de ações. Pela praxiologia, os homens apreendem o mundo via comunicação. “A
comunicação torna-se uma questão de modelagem mútua de um mundo comum em meio a uma
ação conjugada”. (QUÉRÉ, 1991, p.06). Contrapondo ao modelo epistemológico (chamado
telegráfico no trabalho de Winkin), na praxiologia a linguagem ganha uma dimensão
expressiva” e uma “dimensão constitutiva”. Como afirma França (2003), a comunicação deixa de
ser entendida como algo pertencente ao conhecimento, à episteme, “do domínio das apreensões
constituídas e adquiridas, e se insere na esfera da ação, da intervenção e da experiência humana”.
(FRANÇA, 2003, p.03)
A linguagem, segundo Quéré (1991), permite às pessoas descobrirem e externalizarem
sentimentos, impressões e necessidades. Possibilita ao homem o reconhecimento de si e de seus
pares. Viabiliza a construção de um saber o mundo. É graças à linguagem “que as coisas
aparecem mais claramente (...), objetos e as pessoas são nitidamente individualizadas (...) nossas
palavras e nossos atos adquirem contorno mais preciso” (QUÉRÉ, 1991, p.11).
É impossível ao homem o acesso às coisas do mundo em um estado “puro”, sem a
formatação conferida pela linguagem no domínio da experiência. Sobre a impossibilidade
25
humana de acessar os objetos do mundo fora do universo significante da linguagem, Mead
(1963) afirma que:
O simbólico também é constituidor dos objetos. Estes não podem ser
apreendidos fora do contexto de relações sociais onde o processo de
simbolização ocorre. A linguagem não apenas faz referência a uma situação ou
objeto. Ela torna possível, ao mesmo tempo, a manifestação e existência. Por
isso, a linguagem é parte dos mecanismos onde situações e objetos são criados.
(MEAD, 1963, p. 37).
Pela concepção praxiológica de Quéré, que inscreve o mundo apreendido no domínio da
linguagem, é possível afirmar que a observação das interações que permeiam o fazer mídia na
internet por um grupo de jovens permite alcançar o que significa, para eles, o constituir uma
rádio no ciberespaço dedicada à cultura otaku.
1.3 A comunicação como interação
França (2007) afirma que Mead tem sido resgatado por inúmeros estudiosos das ciências
cognitivas nas últimas décadas, interessados na investigação de processos interativos. Em sua
obra clássica, Mind, Self and Society from the Standpoint of a Social Behaviorist, Mead afirma
que o comportamento humano não pode ser entendido apenas dentro da dinâmica
estimulo/resposta, onde um sinal externo remete a uma resposta subjetiva. Ele propõe três
categorias analíticas para explicar como os atos surgem: o espírito (mind), o sujeito (self) e a
sociedade (society).
A última categoria representa o contexto, os valores partilhados. Embora ela transcenda o
indivíduo, é constantemente atualizada nas próprias interações. o self é o resultado de uma
dinâmica permanente entre o “eu” e o “mim”, um embate constante entre o lado instintivo, que
também engloba o aspecto espontâneo e criativo dos sujeitos (eu) e as expectativas que outros
lhe dirigem (mim). A relação entre o “eu” e o “mim”, que constituem o self, é possível graças
ao espírito (mind), a parte reflexiva do ser humano. É justamente essa capacidade de reflexão que
permite o ajustamento dos atos individuais em relação aos outros sujeitos, dentro de um processo
de socialização, que se dá por meio da comunicação.
Em outras palavras, a comunicação humana, entendida como processo de interação,
pressupõe que os sujeitos envolvidos tenham uma consciência de si, dos outros e do ambiente. É
26
carregada de expectativas, pois o olhar e a imagem do outro interferem na ação do sujeito, e de
intencionalidade, que todo gesto significante, em um contexto interativo, objetiva uma forma
de resposta ou retorno.
A comunicação surge como atividade compartilhada, que exige reconhecimento mútuo
para a construção de leituras comuns das coisas do mundo, inclusive sobre os próprios sujeitos.
Segundo Hall (2003), identidades se reconstituem mutuamente a partir do momento em que
confrontam e são confrontadas pela alteridade. A importância das dinâmicas interativas para a
existência individual é sintetizada por Maffesoli (2006) quando o autor diz que “toda vida mental
nasce de uma relação e de seu jogo de ações e retroações. Toda gica comunicacional ou
simbolista se funda nisso.” (MAFFESOLI, 2006, p.129). Portanto, das interações humanas são
forjadas culturas e identidades. Valores são acionados e modificados na processualidade das
trocas comunicativas.
As dinâmicas interativas que se dão nas interfaces gráficas da Animix oferecem indícios
não só sobre os indivíduos que ali se inscrevem como também sobre os valores culturais
relacionados à juventude contemporânea, tanto os mais específicos que dizem da tribo otaku,
quanto os mais abrangentes. São adolescentes que consomem os produtos específicos de uma
tribo, como os mangás, mas que também se inserem no mundo da escola, comum a um contexto
amplo de jovens. Fazem uma emissora radiofônica no ciberespaço, que toca músicas familiares
aos otakus, mas se inscrevem num fenômeno cultural mais amplo, de uma produção cada vez
mais generalizada de conteúdo para a internet, que abarca desde perfis em sites de
relacionamento aos populares blogs.
As interações que fazem parte deste circuito formado pela Rádio Animix carregam o
gene deste conjunto de valores e identidades, ao mesmo tempo específicos de uma tribo e de um
grupo, e generalizantes, relacionados ao universo juvenil em tempos de tecnologia digital. Ao
estudar estas interações, numa perspectiva micro, a partir de um segmento da tribo otaku e de um
fenômeno específico, o fazer rádio na web, é possível se alcançar o macro. Assim, as interações
na Animix configuram-se numa fonte privilegiada para os que buscam compreender, de uma
forma geral, a participação do jovem na atualização de valores culturais mais amplos, abordando,
por exemplo, as relações desta prática online com a vida de estudante, de filhos sustentados pelos
pais, etc. e, especificamente, como, por meio de relações, emerge a materialidade (a Rádio
Animix) de um consumo ativo de produtos midiáticos originalmente televisivos, concebidos no
27
Japão, em tempos de tecnologia digital. “A abordagem comunicacional busca desvelar nos
fenômenos sociais a presença da comunicação como elemento constituidor”. (FRANÇA, 2006,
p.85).
Estudar a interação humana é estudar a comunicação. Watzlawick et. al. (1967)
destacam a impossibilidade de uma situação de não comunicação. Todo gesto, para os seres
humanos, é significante. Até mesmo o silêncio. Uma situação, por exemplo, em que dois
indivíduos entram em um ônibus, sentam um do lado do outro, não se cumprimentam, não
trocam uma palavra sequer, é comunicação. O silêncio, o não cumprimento, o fato de estarem em
um transporte coletivo, são situações que carregam significado(s) partilhado(s). Ao não se
cumprimentarem, indiretamente podem dizer que não se conhecem, ou que estão brigados.
Provavelmente ambos têm consciência que o lugar em que estão é blico, usado por aqueles
que querem se deslocar pela cidade. Enfim, minimamente reconhecem o contexto no qual se
inscrevem. Numa perspectiva pragmática, a comunicação diz de um comportamento frente ao
outro. É possível concluir que a interação humana é uma interação comunicativa.
“(...) sujeitos em interação são claramente sujeitos em comunicação – um sujeito
que produz gestos significantes para afetar o outro, sendo antecipadamente
afetado pela provável e futura afetação do outro.” (FRANÇA, 2006, p.78)
Ao dizer que os sujeitos são afetados pela provável e futura reação do outro fica claro que
tanto numa conversação face a face quanto numa produção radiofônica em que um apresentador
se dirige a um grande público existe interação. Apresentador e público estão num processo de
mútua afetação. Os profissionais da mídia, ao tentarem antecipar expectativas de seus
destinatários, adotam uma atitude responsiva. Em suas mensagens existem marcas da
audiência.
1.4 Interação tecnologicamente mediada
Portanto, contrariando o discurso contemporâneo das corporações midiáticas, a interação
entre público e meios de comunicação é algo anterior à internet. A “instância de produção”, nos
termos de Charaudeau (2006), ao circunscrever o caráter interativo de determinado programa às
ferramentas da web, na maioria das vezes, objetiva simplesmente agregar valor ao produto
28
midiático. Entendem por interação a simples leitura de recados, sugestões e opiniões dos
espectadores, encaminhadas via e-mail, ou por outra ferramenta informática qualquer.
Entender interação como algo além de uma concepção telegráfica permite perceber a
relação apresentadores/público, inclusive a que se verifica na Rádio Animix, a partir das falas da
instância produtiva. Num contexto de transmissão radiofônica (tradicional ou via rede),
desconsiderando a troca de mensagens via outros dispositivos, é possível notar uma adequação
postural dos apresentadores a partir das expectativas de sua audiência. O trecho abaixo, retirado
da programação da Animix, indica como o apresentador Wasabi-Kun adéqua sua performance
aos olhares da audiência.
Daqui a pouco estou de volta. Não se esqueça de chamar amigos, inimigos,
cachorros, papagaios... a Rádio Animix, a rádio de todos os seus momentos! Me
ajude a quebrar esse recorde hoje! Valos lá! Todo mundo chamando um amigo,
um cachorro, sei lá, o que vocês quiserem! Daqui a pouco eu estou de volta. Não
saia daí... (Transcrição de fala do DJ Wasabi-Kun, Programa Baka Paradise,
02/05/2009)
Cento e setenta internautas, que estavam conectados na programação da Rádio Animix,
acompanharam a fala do DJ Wasabi-Kun. O tom do apresentador era de solicitação.
Configurava-se num pedido de ajuda, na tentativa de sensibilizar seu público e, a partir disso,
conquistar sua adesão numa campanha para ampliação do número de ouvintes do programa.
Percebe-se que o apresentador reconhece a total liberdade que seu público tem para acatar ou não
sua solicitação. Ele sabe que sua audiência pode, dependendo de sua tonalidade, rejeitar seu
chamado. Se parecer arrogante, por exemplo, dando o tom de ordem à sua fala, poderia causar a
antipatia de seus interlocutores, espantando inclusive a audiência constituída. Assim, adapta
sua própria conduta a partir de uma expectativa em relação ao outro, no caso seus ouvintes. A
audiência pode conformar o comportamento do apresentador na condução de seu programa sem
dizer uma palavra. Evidencia-se, desta forma, a globalidade do processo comunicativo.
Neste processo, é de grande importância a dimensão contextual. A situação em que se
estabelece a interação prescreve papéis. O tom de ordem, que o cabe nesta relação
DJ/ouvinte, seria perfeitamente aceitável num outro contexto. Por exemplo, se o DJ fosse um
oficial do exército de alta patente e um de seus ouvintes, um recruta, e ambos estivessem na
ambiência de um quartel, seria normal que o primeiro fizesse uma solicitação ao segundo em tom
de ordem, sem muito se preocupar em adotar uma polidez.
29
Goffman (1998) destaca que a ordem social é uma dimensão normativa, “um todo
coerente”, e conforma os tipos de interação. É esta dimensão que confere certo grau de
previsibilidade em relação à conduta do outro e suas expectativas, possibilitando aos sujeitos
uma atitude reflexiva. Desta ordem social emergem os papéis, que são encarnados pelos sujeitos
ao se inscreverem nas conversações. Em a Representação do Eu na Vida Cotidiana, Goffman
(1996) se vale do jogo teatral como metáfora para entender as relações sociais. Nas interações,
segundo o autor, os sujeitos usam “máscaras”, sempre de acordo com o “papel” a cumprir. Este
papel é dado no “palco” ou situação social, que diz de um lugar e tempo onde são inscritos os
atos. O desempenho dos sujeitos, enfoque dos estudos de Goffman, “não se explica e não é
fundado no próprio indivíduo (perspectiva individualista), nem é dado pelo outro, mas pela
situação comunicativa, pela ordem da interação” (FRANÇA, 2006, p.77).
Cada palco ou contexto exige dos atores envolvidos performance especifica. Por
exemplo, um sujeito que visita seu amigo no hospital age de forma diferente do modo que agiria
na presença deste mesmo amigo numa festa de carnaval. No primeiro caso, ele procuraria o
amigo para manifestar apoio, estimar melhoras. Seu comportamento seria pautado por
movimentos mais suaves, que transmitem certa tranqüilidade. Provavelmente adotaria um tom de
voz mais baixo, respeitando o silencio exigido pelo recinto. no segundo contexto, ao lado do
mesmo amigo e no embalo dos trios elétricos, extravasaria alegria, pulando e gritando. Enfim, o
mesmo ator social, conforme exige cada situação, pode realizar performances antagônicas.
Segundo Parret (1997), a performance possibilita que a economia do pathos torne-se
exprimível e comunicável.” (PARRET, 1997, p.112). E essa expressividade (performática),
conforme o autor, sempre é uma dimensão racional. A externalização das emoções demandam
certo nível de estratégia, como a adoção de códigos específicos, de reconhecimento partilhado. A
performance diz de uma enunciação, produção de discursos. Assim, as performances destes
jovens constituem elemento privilegiado para alcançar sentidos. Observar como conduzem um
programa na web, que eles mesmos produziram, permite ver quais suas preferências. Analisar o
modo como eles dirigem ao público possibilita identificar seus desejos em relação à audiência.
Embora a perspectiva goffmaniana tenha sido construída a partir de um olhar dirigido às
conversações cotidianas offline, ela oferece uma grande contribuição ao entendimento da CMC.
Observando a empiria deste trabalho, constata-se que o sujeito por trás de uma máscara, ou
nickname, e que apresenta um programa numa webradio, representa um papel singular. Este
30
papel é designado por uma situação, que diz de um lugar e de um tempo. O lugar, simbólico, é
constituído a partir da linguagem informática e emula uma estação radiofônica.
Nesta ambiência o seu “verdadeiro nome”, aquele que consta na carteira de identidade
não é pré-condição para o reconhecimento do outro. Bretas (2000) afirma que o nickname,
diferentemente dos apelidos adquiridos na vida offline, muitas vezes não são dados por outros
indivíduos. É o próprio internauta que se batiza no mundo virtual, realizando projeções. No caso
do apresentador mencionado anteriormente, Wasabi-Kun, seu nickname de características
orientais, aponta para a tribo a qual pertence. O lugar, a interface gráfica de uma webradio, e o
tempo, o “ao vivo”, é que estabelecem os papéis de apresentador e ouvinte.
No entanto, estes papéis, que permitem certa previsibilidade, não são estanques. São
atualizados ao serem encarnados dentro da própria dinâmica. Ao buscar uma definição para
sujeitos da comunicação, França (2006) afirma que “são sujeitos em experiência, afetando e
sendo afetados tanto pela co-presença como pela mediação simbólica que os institui em pólos de
uma interação” (FRANÇA, 2006, p.84). A autora considera que a noção de experiência
complementa a perspectiva representacionista de Goffman, pois considera o processo de
atualização. “Fazer uma experiência é não sair incólume de uma situação vivida; é ser afetado e
sofrer marcas”. (FRANÇA, 2006, p.82).
Assim, é possível afirmar que a experiência pela qual passam esses internautas ao
fazerem uma emissora radiofônica na internet reverbera em outras situações que fogem ao
contexto específico da webradio. Ao tematizarem produções da mídia corporativa na web,
potencialmente desenvolvem uma nova forma de consumir estes produtos. Os animes, mangás,
as j-songs
9
e anime-songs
10
deixam de ser meros elementos para fruição. Configuram-se também
em materiais para criação. O papel desempenhado por estes jovens, enquanto consumidores da
mídia corporativa, é atualizado.
1.5 Dispositivos midiáticos: uma dimensão normativa
Pensar a interação em termos de experiência é reconhecer o caráter singular e mutável
das relações. Mas é importante destacar que a existência de uma dimensão normativa, que se
refere a certos padrões, é fundamental para que haja comunicação. É de um conjunto de normas
9
J-Songs ou J-Music são as expressões utilizadas pelos ocientais para se referirem às músicas japonesas.
10
Expressão usada pelos orientais para se referirem às trilhas dos animes.
31
que expectativas e papéis são reconhecidos. Esta dimensão normativa prescreve algumas
diretrizes aos interlocutores, mas é sempre importante lembrar que ela pode ser atualizada dentro
das dinâmicas interativas. Para Elster (1989), as normas sociais regulam expectativas. De acordo
com o autor, elas são convenções temporárias, revistas ao longo da vivência em grupo. Diferem-
se das leis, pois não são racionalmente concebidas e seus infratores não recebem punição
coercitiva do Estado. Quem as transgride sofre com sentimentos ruins, como a culpa e a
vergonha.
As normas dizem de certos contratos, muitas vezes tácitos. Elas são pré-condição para
que relações aconteçam. Prescrevem formas de se posicionar e sem elas os sujeitos não se
reconheceriam enquanto membros de um grupo. Elster (1989) argumenta que, mesmo em
situação intencional de desobediência, existe uma referência às normas sociais. Tomemos como
exemplo o caso de um vendedor que, sem motivos, trata rispidamente um cliente. Espera-se que
um vendedor seja educado e polido com seus fregueses. Quando ele responde grosseiramente a
uma indagação, provoca em seu interlocutor, e possíveis testemunhas, uma sensação de
estranhamento, que reafirma a dimensão normativa comum às relações de comércio. Todos
percebem o vendedor como alguém desvirtuado de seu papel social.
Pensando na comunicação midiática, é possível afirmar que os dispositivos
estabelecem certas normas, prescrevendo alguns papéis. Porém, antes de desenvolvermos esta
argumentação, torna-se necessário definir o que chamamos de dispositivo. Mouillaud (1997),
Vaz e Antunes (2006) entendem que os dispositivos, mais que meros suportes, atuam na
conformação de sentidos dos enunciados neles inscritos. Eles aparecem como matriz, fornecendo
orientação para modos de leitura. Bretas e Cruz e Silva (2007) promovem uma aproximação
desta definição de dispositivo às interfaces gráficas da web. Para os autores, estas interfaces
configuram-se numa dimensão espaço-temporal de compartilhamento simbólico.
Conforme argumentam, elas evocam metáforas para tornar suportável o contato do
usuário com a máquina, que opera numa linguagem própria de zeros e uns. Estas metáforas,
muitas vezes, fazem analogias aos dispositivos midiáticos tradicionais para, de acordo com
Bretas (2008), estabelecer “uma dimensão pública de compartilhamento de sentidos.” (BRETAS,
2008, p.05)
.
Assim, iniciantes no uso da web podem assimilar rapidamente as lógicas de
navegação.
32
As interfaces gráficas da internet valem se de imagens, textos e caracteres. Mas
diferentemente do que ocorrem com seus análogos da mídia tradicional, conforme salientam
Bretas e Cruz e Silva (2007), estes signos são tecidos em bytes. Isto, por si só, já as singularizam.
Mas, por enquanto, torna-se relevante apenas salientar que estas interfaces orientam a “conduta
da recepção”. (BRETAS, 2008, p.05). O dispositivo tecnológico prescreve contratos, que
pressupõem regras a serem seguidas. Braga e Calazans (2001), Thompson (1995) e Primo (2000)
são autores que discutiram tipos de interação, tacitamente indicando uma normatividade
emergente do suporte técnico. Braga e Calazans (2001) apontam para a existência dos seguintes
tipos de meios de comunicação:
a) Meios e processos difusos e diferidos circulação para um público
generalizado, sem retorno imediato de respostas livro, jornal e revistas, rádio,
televisão, cinema.
b) Meios e processos difusos, com retorno possível previsto ou com seletividade
avançada pelo usuário sites da Internet, a TV dita interativa, programas de
rádio com sistema telefônico de retorno, hipertexto, bancos de dados
informatizados;
c) Meios e processos dialógicos, direcionados, com retorno mediático direto (tipo
conversacional) telefone, correspondência escrita, e-mail, chats. (BRAGA E
CALAZANS, 2001, p.20).
Estes diferentes tipos de dispositivo estabelecem uma formatação para os processos
interativos. Assim, os autores apontam para a existência de três tipos de interação: a interação
conversacional, a interação dialógica e a interação diferida e difusa.
A interação conversacional é aquela que ocorre numa situação de face a face. Neste tipo
de relação existe uma forte intervenção dos fatores locais. Os interlocutores precisam partilhar o
tempo de uma co-presença e dispõem dos mesmos recursos: fala e escuta. Braga e Calazans
(2001) ressaltam que neste tipo de interação, mesmo havendo certa equidade nas condições de
enunciação, ocorrem assimetrias. Estas assimetrias são provenientes dos papéis instituídos pelo
contexto local de comunicação. Os autores lembram, por exemplo, de uma interação entre
paciente e psicoterapeuta. Poderíamos acrescentar também a relação entre professor e aluno. A
perspectiva de Thompson (1995) sobre interação face a face é convergente com as postulações
de Braga e Calazans (2001). Segundo o autor, nela os participantes estão imediatamente
presentes e partilham um mesmo sistema referencial de espaço e tempo.” (THOMPSON, 1995,
p.78). O ponto de discordância entre as teorias refere-se a leitura de interações estabelecidas no
circuito formado pelos meios que desencadeiam “processos diferidos e difusos”, como rádio,
33
TV, cinema, livro, jornais, etc. Thompson chama de “quase-interação mediada” a relação
estabelecida entre estes meios e seu público. A quase-interação mediada é monológica, isto é, o
fluxo da comunicação é predominantemente de sentido único”. (THOMPSON, 1995, p.79).
O pensamento de Thompson é freqüentemente, e com razão, alvo de críticas. Afinal,
como vimos a partir dos estudos de Mead (1963), a dimensão reflexiva é pré-condição para a
comunicação. E esta dimensão pressupõe o outro da relação. Portanto, “o fluxo” nunca é em
sentido único. Referindo-se ao mesmo processo, Braga e Calazans (2001) chamam de interação
diferida e difusa àquela estabelecida entre a mídia e seu público. O caráter difuso sugere um
endereçamento impreciso. Os enunciados produzidos pela instância midiática são destinados a
uma vasta audiência. É “difuso com relação aos destinatários.” (BRAGA E CALAZANS, 2001,
p.27). O caráter diferido diz dos diversos momentos e formas de apropriação dos enunciados
veiculados pelo blico. A seguinte citação resume as diferenças entre o modelo conversacional
e a interação diferida e difusa:
O que caracteriza fundamentalmente esta interação social mediatizada é
dispormos diferença do modelo conversacional) de uma produção objetivada
e durável, que viabiliza uma comunicação diferida no tempo e no espaço, e
permite uma ampliação numérica e a diversificação dos interlocutores. (BRAGA
e CALAZANS, 2001, p.27)
Percebe-se que a tecnologia aqui prescreve um papel central, de difusor, aos enunciadores
dos meios. À audiência, cabe uma repercussão ao que foi difundido, ou uma fala de segunda
ordem, derivada dos produtos circulantes.
Um contexto espaço temporal de co-presença também é dispensável nas interações
chamadas por Braga e Calazans (2001) de dialógicas, e por Thompson (1995) de mediáticas.
Este tipo de interação se assemelha à conversação face a face:
Reciprocidade, o dialogismo direto, a sucessividade de ‘falas’ e a alternância da
ocupação do lugar de ‘escuta’ se mantêm na troca de correspondências, nas
conversas telefônicas e, mais recentemente, nos espaços em que a interatividade
por rede informatizada(...).” (BRAGA e CALAZANS, 2001, p.25).
Nota-se, assim, uma dimensão normativa, ou conjunto de expectativas, daqueles que se
inscrevem nos dispositivos de interação dialógica. A priori, estes sujeitos anseiam por um
revezamento no lugar de fala. Segundo Braga e Calazans (2001), o que diferencia este tipo de
interação da relação face a face, além da mediação técnica, é o desprendimento de um contexto
34
geográfico e de suas prescrições temporais. Um indivíduo pode, por exemplo, encaminhar um e-
mail para alguém, situado em outra parte do mundo, e ser respondido dias depois. Thompson
acrescenta que os diálogos tecnologicamente mediados oferecem maior risco de falhas
interpretativas, na medida em que “oferecem aos participantes pouco dispositivos simbólicos
para a redução da ambigüidade na comunicação” (THOMPSON, 1995, p.79). Os índices
gestuais, que apontam para um estado de felicidade, euforia, sarcasmo e/ou ironia, não podem ser
reproduzidos em cartas, por exemplo. Embora existam diversos recursos lingüísticos para suprir
esta ausência, eles não dão conta de traduzir fielmente a complexidade de uma situação de co-
presença.
É importante destacar que o simples existir destes recursos cria naqueles que se
inscrevem nas interações dialógicas a necessidade do reconhecimento de códigos específicos.
Espera-se, por exemplo, dos que estão em umrum da internet que respeitem a chamada
“netiqueta”
11
, exemplo de norma conformada pela ambiência digital.
Ao observar as interfaces gráficas da Rádio Animix a partir do quadro traçado sobre tipos
de interação, percebemos uma confluência do modelo “diferido e difuso” com o
“dialógico/mediático”. Por um lado, DJs e ouvintes podem reproduzir a relação existente entre
produtores e receptores das transmissões radiofônicas tradicionais. Nesta situação, o público
escuta as músicas, interage com programação e eventualmente conversa sobre o que ouviu com
outros ouvintes. Por outro, DJs e audiência podem estabelecer conversações dialógicas, pelo
envio de recados no MSN e no próprio “campo de pedidos”, presente no site da emissora. O
dispositivo tecnológico oferece pistas sobre os papéis, mas estes se materializam dentro das
próprias relações. Ele aparece como agente na configuração de certas regras, mas estas se
efetivam num contexto relacional.
Ainda dentro da discussão de padrões interativos a partir de uma normatividade
estabelecida pela tecnologia, é importante destacar o trabalho de Primo (2000). Ao abordar as
dinâmicas emergentes dos meios digitais, o autor identifica dois tipos de interação: a reativa e a
mútua.
Pensando numa relação “agente e reagente”, Primo afirma que a interação reativa seria
um “tipo fraco”, em que o ocupante do lugar de recepção teria limitadas opções de reações.
11
Conjunto de códigos de conduta particulares ao ambiente digital. Faz parte das “boas maneiras” na web, por
exemplo, não abusar no uso de palavras em “caixa alta”, que denota gritos.
35
Imaginemos, por exemplo, uma enquete presente em um site. O público pode participar
escolhendo uma, entre três opções. Ao reagente, caberiam poucas formas de retorno. Segundo o
autor, é um tipo de interação baseada na dinâmica estímulo-resposta. a interação mútua seria
aquela em que os interlocutores estão em constante processo de negociação. Opções de escolha
não estão previamente dadas. São as interações que ocorrem, por exemplo, em e-mail e chat. Na
interação reativa, conforme o autor, as respostas são lineares e unilaterais, por isso o reagente
teria pouca ou nenhuma condição de alterar o agente. na interação mútua as respostas não são
mecânicas, por isso fogem de uma linearidade. Existe uma alternância do lugar de fala e escuta.
A partir da perspectiva de Primo (2000), é possível afirmar que a relação estabelecida
entre DJs, e entre estes e seus ouvintes configura-se numa interação mútua. Para os ouvintes, não
existe uma lista fechada de opções musicais a serem escolhidas. Eles pedem o que querem ouvir
e podem, ou não, serem atendidos. Além disso, apresentadores e público podem trocar
mensagens via programas de bate-papo, encaminar recados pela homepage da emissora, muitas
vezes lidos ao vivo na programação.
As possibilidades são restritas e poderiam denotar para um tipo de interação reativa
apenas no que diz respeito à navegabilidade no site. Existe um número finito de links. Mesmo
assim, pensando no fato de que os ouvintes estão conectados à rede, é possível que ao longo da
navegação eles deixem o site da webradio, clicando em um link que faz referência a outra
página. Ou mesmo que algum mais desenvolto com as linguagens de programação resolva
hackear o site da emissora. O conceito de interação reativa é válido para identificar a proposta de
determinado dispositivo e de seus produtores (aqueles que o desenvolvem querem o quê? Uma
resposta “limitada” do público ou uma conversação?), pois a interação em si nunca é monológica
e o retorno da audiência, reconhecendo os condicionamentos estabelecidos pela tecnologia, é
sempre inesperado.
Enfim, ao elencar aqui tipos de interação não se objetiva enquadrar as relações
estabelecidas por meio da Rádio Animix em nenhuma delas. A proposta é mostrar que o
dispositivo representa certa normatividade, conformando uma relação espaço/tempo que na
perspectiva goffmaniana é instituidora dos papéis nas trocas comunicativas. Como afirma
Thompson (1995), “as interações tem um caráter híbrido e a categorização serve par facilitar o
estudo, identificando singularidades existentes em processos específicos” (THOMPSON, 1995,
36
p.80). Mas é importante ressaltar que as regras do jogo não se limitam ao dispositivo
tecnológico. Elas encontram-se vivas nas relações, sendo atualizadas a todo momento.
1.6 Enunciado: unidade da comunicação
Para reforçar que a interação não pode ser reduzida ao caráter do dispositivo, recorremos
a Bakhtin (1997), que entende a língua como um sistema normativo, mas que se atualiza dentro
da própria interação verbal. O autor contesta a perspectiva que percebe a língua como um
sistema estável, organizador da interação com seu conjunto de regras, comandando a produção
de falas. Para Bakhtin (1997), a língua, embora instituidora de normas, não é um fenômeno
anterior à interação verbal. Ela nasce e se desenvolve nas relações.
O autor questiona também a perspectiva que entende a língua como forma de expressão
de algo que nasce no interior do sujeito, de uma criação anterior à língua, mas que pode ser
transmitida por ela. Para esta corrente, a função da língua seria apenas de transmissão. Bakhtin
(1997) rebate da seguinte forma tal perspectiva: (...) “não é a atividade mental que organiza a
expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza atividade mental, que modela e
determina sua orientação” (BAKHTIN, 1997, p.112).
Na teoria bakhtiniana, a linguagem teria uma função agregadora. As palavras surgem
como pontes, ligando pessoas. Ele lembra que toda criação artística pressupõe um auditório
social. Este auditório, portanto, já se inscreve na criação. Embora o autor não estivesse fazendo
referência à linguagem midiática, as contribuições de Bakhtin são fundamentais para o
entendimento dos processos comunicativos instaurados pelos meios de comunicação social.
Todo enunciado produzido por uma instância midiática traz marcas de sua audiência. Não são as
restrições de uma ngua, ou dispositivo eletrônico, que denotarão tipos de interação. “Toda
palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa
extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor” (BAKHTIN, 1997, p.113).
A partir desta perspectiva, que destaca o caráter mediador de qualquer atividade
expressiva, Bakhtin (2003) discorre sobre o conceito de enunciado, importante para aqueles que
se dedicam ao estudo da interação social. Em sua teoria, o enunciado surge como unidade da
comunicação. Trata-se, assim, de um lugar privilegiado para a observação das relações. Desde já
é importante relacionar o conceito de enunciado bakhtiniano com o fenômeno empírico deste
trabalho.
37
Pensemos em um determinado programa, desenvolvido pelo grupo de jovens autores da
Animix. O conteúdo de suas falas é derivado, pelo menos, de duas fontes: as produções da mídia
corporativa e o conjunto de relações ambientadas nas interfaces da emissora. O conjunto de
enunciados destes jovens constitui, assim, um elo que os liga tanto aos seus ouvintes quanto aos
produtos midiáticos que consomem. Para Bakhtin (2003), cada enunciado é um “elo na corrente
complexamente organizada de outros enunciados.” (BAKHTIN, 2003, p.272). Por um lado, olhar
para os enunciados dos DJs da Animix ao longo da programação permite ver como eles se ligam
aos enunciados da mídia corporativa. Esses apresentadores baseiam-se em produções de uma
indústria da cultura japonesa para desenvolverem sua emissora. Neste sentido, seus enunciados
expressos nas interfaces gráficas da webradio configuram-se numa atitude responsiva.
O ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso
ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda
ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, prepara-se para usá-lo, etc;
essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo processo de
audição e compreensão desde seu início, às vezes literalmente a partir da
primeira palavra do falante (BAKHTIN, 2003, p.271).
Por outro lado, estudar estes enunciados permite ver quais relações são tecidas no circuito
estabelecido pela webradio, e que envolve os apresentadores com seu público. Na fala dos DJs,
integrantes do público aparecem como simples audiência ou como amigos? E os ouvintes, por
sua vez, acionam a Animix apenas em busca de músicas orientais? Olhar para os enunciados ao
longo da programação “ao vivo” permite verificar quais “pontes são construídas, formando um
circuito que reúne apresentadores, seus ouvintes e o sistema midiático corporativo.
Sobre as fronteiras de um enunciado concreto, Bakhtin (2003) afirma que elas são
definidas pela alternância dos sujeitos do discurso, um revezar na ocupação do lugar de fala. Esta
troca na posição de falante nem sempre se traduz numa boa delimitação dos limites de um
enunciado. Em situações em que um interlocutor reproduz a fala de outra pessoa, por exemplo,
um enunciado aparece no interior de outro. Segundo Bakhtin, “é uma espécie de alternância dos
sujeitos do discurso transferida para interior de um enunciado” (BAKHTIN, 2003, p.299). Nestes
casos, os limites criados pelas trocas de lugar de fala são mais turvos.
(...) a expressão do falante penetra através desses limites e se dissemina no
discurso do outro, podendo ser transmidida em tons irônicos, indignados,
simpáticos, reverentes (...) o discurso do outro, desse modo, tem uma dupla
38
expressão: a sua, isto é, a alheia, e a expressão do enunciado que acolheu esse
discurso” (BAKHTIN, 2003, p.299).
Esse tipo de ocorrência é constantemente verificada em transmissões midiáticas que
repercutem recados e outros tipos de manifestações do público. Em grande parte dos casos, é
pela voz dos apresentadores que as participações da audiência se materializam. Na composição
dos programas da Rádio Animix, os DJs estimulam o envio e se valem dos enunciados de seu
público. Agindo muitas vezes na base do improviso, eles encampam o conteúdo enviado ao
próprio repertório.
É isso ai Galerinha, voltando com Anime na Veia, olha o cheiro de naftalina no
ar minha gente! Vou começar o bloco lendo alguns recadinhos do pessoal tipo o
Felipe de Fortaleza Ceará falando: “E Ai Ghalki tudo em cima? Toca a abertura
de Beyblade ou Medabots! Dedicada a torcida do Fortaleza Esporte Clube!”.
Bem, como eu tenho a abertura de Megarote, que é a versão japonesa de
Medabots, no ocidente só trocou o nome, eu vou tocar a versão japonesa ok?
(Transcrição da fala do DJ Ghalki, programa “Anime na Véia”, edição do dia
25/04/2009)
No exemplo transcrito, o tom adotado foi de simpatia e cordialidade. O apresentador
mostrou-se solicito em atender ao pedido de seu ouvinte. Nada impediria, no entanto, que o tom
fosse de desprezo ou de ridicularização. O DJ Ghalki poderia desmerecer a preferência
clubística do participante Felipe, que se mostrou torcedor do Fortaleza Esporte Clube. Neste tipo
de interação, que se inscreve na emissão sonora, existe uma assimetria na relação que se
estabelece entre apresentador e ouvinte. Nos programas, o enunciado deste último sempre
aparecerá dentro do enunciado do primeiro. Portanto, o DJ tem o poder de definir qual enunciado
vindo do público merece ser repercutido e como ele será veiculado.
É uma situação diferente da que se verifica na relação ambientada na lista de discussão,
que reúne os desenvolvedores da Animix. Neste caso, as fronteiras delineadas pela alternância
das falas são mais claras. Analisemos os dois e-mails abaixo:
Pessoal! Hoje é um dia extremamente feliz (na realidade é amanhã, mas eu
precisava escrever antes dos outros)! Lyne-Chan está fazendo aniversário de 17
aninhos!(...) A menina quebra barreiras de audiência em seus horários, tem
pedidos dedicados a ela em todos os programas, é linda e ainda canta bem...!
Querindinha, um feliz aniversário para você! (Mensagem enviada por “Lika-
Chan”, às 17h35, no dia 14/11/2008).
39
Isso q eu ia falar.. eh amanhã.. eu tava lendo o começo da leitura e já fui
pensando: Meu Deus.. a Lika errou.. (...) mas depois ela explicou... Lyne... Feliz
Niver!! (Mensagem enviada por “Sensui”, às 17h40, no dia 14/11/2008).
Na primeira mensagem, Lika-Chan lembra aos demais apresentadores do aniversário de
Lyne-Chan. Seu enunciado, claramente, termina no ponto final de seu e-mail. Em seguida, vem
outro enunciado, do Thiago Damasceno (seu nickname é Sensui). Nas duas mensagens é possível
constatar uma interdependência, sendo a segunda fala diretamente derivada da primeira. E a
primeira, por sua vez, derivada de uma ordem maior que prescreve aos sujeitos a lembrança e a
comemoração de aniversários daqueles que lhes são próximos. Portanto, fica claro o caráter
responsivo dos enunciados apontado por Bakhtin (1997). Embora estejam ligados, as fronteiras
destes enunciados do e-mail de grupo são mais delineadas em relação àqueles verificados na
emissão sonora. Existe uma equidade na ocupação do lugar de fala.
A partir do primeiro e-mail, é possível perceber claramente a intencionalidade da
internauta Lika-Chan. Ela deseja que os demais participantes da lista lembrem do aniversário da
Lyne-Chan. E a lembrança não basta, precisam fazer circular no e-mail mensagens de
congratulações à colega.
Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si
mesmos, mas reconhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros.
(...) Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os
quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva. (...) Cada
enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados
precedentes(...). (BAKHTIN, 2003, p.297).
Assim, o enunciado diz tanto da intencionalidade do falante quanto da ordem situacional
em que este está inscrito. Para se alcançar essa intencionalidade, o caminho é o estudo da
enunciação. Para Bakhtin (1997), a enunciação diz de uma performatividade da língua, na
constituição de um enunciado. Ele refere-se às escolhas do sujeito, a partir dos códigos
disponíveis, dentro de um contexto interativo específico, para construção composicional de
determinada mensagem.
A escolha dos meios lingüísticos e dos gêneros do discurso é determinada, antes
de tudo, pelas tarefas (pela idéia) do sujeito do discurso (ou autor), centradas no
objeto e no sentido. É o primeiro momento do enunciado que determina suas
peculiaridades estilístico-composicionais. (BAKHTIN, 1997, p.289)
40
Bakhtin afirma que os enunciados aparecem de formas mais ou menos estáveis, o que
permite aos interlocutores a mútua compreensão. Os gêneros configuram-se nestas formas
reconhecíveis. Conforme o autor, a escolha de determinado gênero faz parte da enunciação.
Embora exista este grau de estabilidade, que caracteriza um gênero, Bakhtin (2003) lembra que
cada texto, enquanto enunciado, é único e singular, constituído a partir da intenção de um sujeito
e da realização desta intenção.
No contexto desta pesquisa, dois gêneros são facilmente identificados dentro da empiria
investigada. O estudo se a partir de enunciados que se materializam na forma de e-mails e de
programas de uma webradio. Embora veiculados em ambiente digital, as emissões sonoras da
Animix trazem elementos comuns às da radiofonia tradicional, como vinhetas, música de fundo
(backgrounds, ou simplesmente BGs), etc. O reconhecimento destes elementos estáveis é que
permite entender por rádio (ou webradio, rádio online, etc.) este dispositivo que se estabelece na
internet, diferenciando-o dos demais sites. No entanto, quando se observa um programa
específico, é possível apreender elementos singulares da enunciação, como tons de voz, escolha
de determinadas trilhas, etc.
Da mesma forma, um e-mail configura-se numa mensagem rapidamente reconhecível. É
acessada a partir de um terminal conectado à internet. Assim como as cartas, possui remetente e
um destinatário e baseia-se em texto escrito. Embora existam esses elementos comuns, cada
mensagem carrega o jeito particular de escrever de seu autor, que pode empregar cores na
composição, usar gírias, valer-se de recursos para externar estados emocionais (como escrever
em caixa alta, que na web significa gritar, usar emoticons, etc).
Portanto, para compreender o significado das mensagens que compõem a empiria deste
trabalho, alcançando intenções e estratégias dos autores, não basta apontar normas instituídas
pela língua ou por um dispositivo específico. “Todo sistema de normas sociais encontra-se numa
posição análoga; somente existe relacionado à consciência subjetiva dos indivíduos que
participam da coletividade regida por estas normas.” (BAKHTIN, 1997, p.97). É importante uma
leitura hermenêutica das mensagens, identificando especificidades do contexto histórico e social
onde se inserem. A enunciação diz, justamente, das formas particulares de apropriação de
dispositivos, inclusive da língua, para constituição de determinado enunciado. Conforme Certeau
(1994), a enunciação “instaura um presente relativo a um momento e a um lugar; e estabelece um
41
contrato com o outro (o interlocutor), numa rede de lugares e de relações”. (CERTEAU, 1994,
p.40).
Configura-se, deste modo, a proposta dos próximos capítulos: apresentar o contexto
sócio-histórico onde se desenvolve a Rádio Animix. Num movimento que vai do abrangente para
o específico, inicialmente, no capítulo 2, discutimos as relações entre juventude e internet. no
terceiro capítulo, abordamos o processo de digitalização midiática, além da chamada “cultura da
convergência” e o universo otaku. Na seqüência, o foco incide sobre o grupo, buscando
intencionalidades nas conversações do e-mail de grupo e nas emissões sonoras, a partir de
análises dos enunciados e enunciações.
42
CAPÍTULO II – INTERSEÇÕES ENTRE JUVENTUDE E INTERNET
Dois movimentos são feitos neste capítulo. Num primeiro instante, é apresentado um
breve histórico da participação juvenil na constituição da internet. Já no momento seguinte,
ocorre uma inversão. Aborda-se como a web tem provocado mudanças no cotidiano juvenil. As
novas formas de relacionamento que emergem da rede mundial de computadores serão
detalhadas, com ênfase nos processos de constituição de comunidades virtuais, bem como nas
mudanças de comportamento no que se refere ao consumo midiático.
2.1 O protagonismo juvenil na história da rede
Howard Rheingold (1996), em seu livro clássico A comunidade virtual (1996), e Manuel
Castells, em A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade (2003),
destacavam o papel de uma juventude atuante desde as origens da rede nos EUA. Ambos
reconhecem a importância dos investimentos feitos pelo governo americano, com objetivos
militares, num contexto de Guerra Fria, que estimulou tanto os EUA quanto a antiga URSS a
aplicarem recursos em pesquisa. Mas tanto Castells (2003) quanto Rheingold (1996) ressaltam
que a atual estrutura da rede recebeu forte herança de uma cultura da liberdade, oriunda dos
campi universitários americanos nas décadas de 1960 e 1970.
De acordo com Castells (2003), o embrião da internet, a Arpanet, era uma rede de
computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (Arpa) em setembro de 1969
nos Estados Unidos. O objetivo era mobilizar recursos de pesquisa, particularmente no mundo
universitário, com fins militares visando alcançar uma superioridade tecnológica em relação à
antiga URSS. A Arpanet possibilitou “aos vários centros de computadores e grupos de pesquisa
que trabalhavam para a agência compartilhar online tempo de computação”. (CASTELLS, 2003,
p.14). Também era meta promover uma descentralização das informações para que, em caso de
um ataque, dados armazenados em um terminal de computador pudessem ser recuperados em
outra máquina ligada à estrutura reticular.
Embora concebida com fins militares, os primeiros nós da rede Arpanet estavam em
instituições de ensino, administrados por professores e estudantes. Os primeiros nós da rede
estavam na Universidade da Califórnia em Los Angeles, no SRI (Stanford Research Institute), na
43
Universidade da Califórnia em Santa Bárbara e na Universidade de Utah” (CASTELLS, 2003,
p.14). Em 1971, havia 15 nós, sendo, a maioria, centros universitários de pesquisa.
E se os militares acreditavam que a Arpanet seria apenas uma rede com fins burocrático-
institucionais, enganaram-se. Rheingold (1996) conta que uma das primeiras funcionalidades
descobertas com a interconexão de computadores foi o e-mail e, segundo afirma, “assim que a
Arpanet entrou em operação, começou a circular um número de mensagens muito superior às
necessidades de manutenção da rede”. (RHEINGOLD, 1996, p.100).
Enquanto os militares objetivavam o desenvolvimento armamentista, Rheingold (1996)
afirma que os estudantes tinham, como uma das metas principais, o aperfeiçoamento da
comunicação à distância. De acordo com ele, a lista de discussão mais popular da Arpanet era a
SF-Lovers, dedicada aos debates envolvendo ficção científica. Esta lista reunia jovens
interessados em filmes e séries, com especial destaque para os fãs de Star Trek
12
.
Este “excesso” de correspondência eletrônica, que se evidencia pela circulação de
mensagens alheias às instituições burocráticas governamentais, diz de uma falta de controle por
parte dos militares americanos em relação ao que circulava na Arpanet. Segundo Castells (2003),
foi justamente a liberdade conferida aos cientistas e estudantes que possibilitou o
desenvolvimento desta tecnologia tão revolucionária.
Finalmente constituída, em 1975 a Arpanet foi definitivamente incorporada às forças
armadas americanas. E a liberdade que foi a fonte para a criação da rede tornou-se preocupação
para os militares. Já eram muitas as pessoas que podiam acessar o circuito de computadores com
valiosas informações. Decidiram assim constituir uma nova rede, independente, a MILNET, para
usos militares específicos. A Arpanet tornou-se Arpa-Internet e posteriormente ficou conhecida
apenas como internet. Inicialmente, seu controle ficou nas mãos de universidades e centros de
pesquisa. Mas estas instituições buscaram expandir e descentralizar o domínio da rede.
Desta busca surgiu o protocolo TCP/IP
13
, padrão ainda vigente na internet. Este protocolo
de comunicação permitiu a agregação generalizada de diferentes redes. Foi desenvolvido por
12
Star Trek (em Portugal O Caminho das Estrelas; no Brasil Jornada nas Estrelas) originalmente era uma série
televisiva de ficção cientifica criada pelo roteirista e produtor Gene Roddenberry na década de 1960.
Posteriormente, o universo ficcional de Star Trek deu origem a outros produtos midiáticos, como filmes para
cinema, novas séries televisivas, centenas de livros (que vão desde romances a enciclopédias com perfis de
personagens, jogos de computador, etc. Para mais informações sobre o universo Star Trek consulte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Star_Trek
13
De acordo com a wikipedia, o TCP/IP é a conjugação de dois protocolos: o TCP (Transmission Control Protocol)
e o IP (Internet Protocol). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/tcp/ip
44
meio de um trabalho conjunto dos cientistas da computação Robert Kahn, da Arpa, Vint Cerf, da
Universidade Stanford, Gerard Lelann, do grupo de pesquisas francês Cyclades, e Robert
Metcalfe, da Xerox PARC.
Segundo Castells (2003), a interconexão que se generalizava, conjugada com a expansão
do acesso aos computadores pessoais, tornou a rede comercialmente atrativa. No princípio dos
anos 1990, muitos provedores de serviço haviam montado suas próprias estruturas,
promovendo um crescimento acentuado da interconexão global.
Coincidindo com o período em que a internet começa a ser explorada pelo mercado,
surge a www, uma aplicação de compartilhamento de informação desenvolvida em 1990 pelo
programador inglês Tim Berners-Lee. Segundo Castells (2003), a www marca o acesso mundial
à internet.
Berners-Lee trabalhava no CERN, o Laboratório Europeu para a Física de Partículas que
ficava em Genebra. Em parceria com Robert Cailliau, também do CERN, Berners-Lee
desenvolveu o primeiro programa navegador/editor. Denominou o sistema de hipertexto
concebido de world wide web, a rede mundial. O navegador foi lançado pela CERN em 1991 e
muitos hackers, a partir do trabalho de Berners-Lee, aventuraram-se a desenvolver seus próprios
programas de acesso à www.
Uma destas versões modificadas foi desenvolvida pelo então estudante da Universidade
de Illinois Marc Andreessen e o informata Eric Bina. O Mosaic tinha uma avançada capacidade
gráfica, tornando possível a captação e distribuição de imagens pela internet, “bem como várias
técnicas de interface importadas do mundo da multimídia”. (CASTELLS, 2003, p.18).
Posteriormente, fundaram a companhia Mosaic Communications, que mais tarde viria a se
chamar Netscape Communications. Lançaram em 1994 o sucessor do Mosaic, o primeiro
navegador comercial, batizado de Netscape Navigator.
O sucesso comercial do Netscape despertou a atenção da Microsoft. A empresa de Bill
Gates, em 1995, junto com seu sistema operacional Windows 95, introduziu seu próprio
navegador: o Internet Explorer.
Hoje, uma juventude atuante continua a expandir o ciberespaço. Invenções recentes, de
notável uso na web, foram desenvolvidas por informatas que na época ainda não haviam
completado 30 anos. Como exemplo, podemos lembrar os israelenses Yair Goldfinger, Arik
45
Vardi, Sefi Vigiser e Ammon Amir, que, quando lançaram o popular programa de bate papo
ICQ, em 1997, tinham 26, 27, 25 e 24 anos respectivamente. O mecanismo de busca Google
nasceu em 1995 pelas mãos dos norte-americanos Larry Page e Sergey Brin, ambos com 22
anos. Mais recentemente, o portal de vídeos YouTube, foi lançado em 2005, pelos também norte-
americanos Chad Hurley e Steve Chen, que tinham 27 e 25 anos. Em termos de sites de
relacionamento, que hoje são febre na internet, podemos citar o Orkut, o mais popular entre
brasileiros, que foi criado em 2004 pelo turco Orkut Buyukkokten, então com 27 anos.
Embora a tecnologia streaming, que permite a transmissão de áudio e vídeo pela web, e é
base tanto para rádio quanto para as TVs online, não seja uma invenção propriamente juvenil, a
primeira webradio brasileira nasceu de um movimento vinculado às gerações mais jovens. O
streaming foi projetado pela empresa RealNetworks, que em 1996 desenvolveu o software Real
Audio, capaz de comprimir arquivos de som e transmiti-los pela rede. Já a primeira webradio
brasileira, segundo Raquel Alves (2003), surgiu no mesmo ano, em Recife. Nasceu de uma tribo
urbana, formada do culto ao Mangue Bit, um estilo musical originário de Pernambuco, que
mescla gêneros internacionais, como o rap, rock e música eletrônica, aos gêneros tradicionais do
estado nordestino, como o maracatu, ciranda e caboclinho. Entre as bandas e artistas precursores
estão Mundo Livre S.A, Chico Science, Cordel do Fogo Encantado e Nação Zumbi.
Evidentemente, a webradio Mangue Bit tocava músicas do gênero.
Em síntese, o desenvolvimento da internet e de suas ferramentas, das mais notáveis às de
repercussão mais pontual, carregam o gene da cultura juvenil. Castells (2003) afirma que, na
fundação da rede, embora muitos estudantes não estivessem ligados a movimentos de
contracultura, que caracterizaram os anos de gestação da Arpanet, eles “estavam impregnados de
valores da liberdade individual, do pensamento independente, da solidariedade e cooperação com
seus pares”. (CASTELLS, 2003, p.27). Rheingold (1996) acredita que a juventude atuante no
ciberespaço, desde suas origens, é motivada por dois fatores: o desejo de aperfeiçoamento da
comunicação à distância e um fascínio pela tecnologia. Sobre este fascínio, Urresti (2008) afirma
que é característico das gerações mais jovens, pioneiras e difusoras das novidades tecnológicas.
2.2 A rede tecendo os jovens
Primeiramente, torna-se fundamental deixar claro a quem chamamos de jovem neste
trabalho. Dada a flexibilidade das comunidades virtuais, acreditamos não ser interessante
46
precisar um ano de nascimento, ou uma faixa etária específica, que caracterize o grupo objeto
desta pesquisa. No entanto, podemos afirmar que, em sua maioria, os integrantes da Rádio
Animix são nascidos no final dos anos 1980. Fazem parte de uma geração que viveu a infância
nos anos 1990, período coincidente com a introdução dos PCs e da internet nos lares de classe
média no Brasil. Os computadores e a rede, para eles, não foram novidades tecnológicas. Eram
objetos comuns, de um mundo existente. Desde cedo, estavam diante de uma tela, que não
era a do televisor, e que reagia aos comandos de um teclado. É a geração chamada por diversos
autores de “nativos digitais”.
A tecnologia informática e o desenvolvimento de uma cibercultura provocam impactos
nas relações juvenis envolvendo família, escola, circulo de amizades e consumo midiático.
(TAPSCOTT, 1998; BRETAS, 2000; MARTIN-BARBERO, 2007 e 2008; BALARDINI, 2008;
URRESTI, 2008; FREIRE FILHO, 2007 e 2008; JENKINS, 2008). No que diz respeito à
família, a telemática, de uma forma geral, reconfigura relações de poder envolvendo pais e
filhos. Martín-Barbero (2008) afirma que os meios audiovisuais rompem com uma segregação
presente na cultura escrita. Antes, quando livros e jornais eram as principais mídias, apenas os
“letrados” tinham acesso aos conteúdos midiáticos. O advento dos meios audiovisuais em
meados do século XX rompe com esta segregação. Assim, como aponta Martín-Barbero (2008),
crianças e jovens agora podem acessar conteúdos que antes eram exclusivamente acionados
pelos mais velhos, como violência e sexo. “Por não depender de um complexo código de acesso,
como o livro, a televisão oferece às crianças, simplesmente através do olhar, o mundo
anteriormente velado dos adultos.” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.17).
Desde antes do advento dos meios eletrônicos, já era motivo de preocupação dos mais
velhos aquilo que os jovens acessavam em termos de mídia. Freire Filho (2008) lembra que no
século XVIII, o livro Werther, de Goethe, foi proibido em diversas cidades européias. A caça aos
exemplares devia-se a suspeita de que seus leitores eram incentivados à prática do suicídio, ato
cometido pelo protagonista do romance. A preocupação sobre o que os mais novos acessam em
termos de mídia tem alicerces numa crença comum de que os meios de comunicação determinam
o comportamento humano. Muitas pesquisas já refutaram esta perspectiva, mas, ainda hoje,
“guardiões morais, árbitros culturais e reformistas sociais” (Freire Filho, 2008, p.35) buscam
controlar o que os jovens consomem.
47
Ao expandir as possibilidades de acesso, por parte dos mais jovens, aos conteúdos que
outrora eram exclusivamente acionados pelos adultos, a internet provoca “um curto circuito nos
filtros da autoridade dos pais” (Martín-Barbero, 2008, p.17). Por um lado, permite aos mais
jovens liberdade para experimentação e novas vivências. Por outro, os deixam precocemente
expostos a conteúdos que fazem apologia à violência, evidenciam comportamentos mórbidos e
publicizam a perversidade humana
14
. As conseqüências desta exposição carecem de melhor
estudo. Muito provavelmente, não são nada edificadoras.
Na tentativa de controlar o que os filhos acessam, os pais recorrem a programas que
bloqueiam determinados conteúdos. Balardini (2009) afirma que estes softwares não são
obstáculos para a geração juvenil, que se sente estimulada a descobrir formas para burlar os
programas de controle. Neste contexto, argumenta o autor, mais importante que simplesmente
adotar medidas proibitivas, torna-se fundamental preparar o jovem para que eles mesmos
“filtrem, selecionem e processem as informações” (BALARDINI, 2009, p.06).
Certamente nesta preparação a escola tem papel de destaque. No entanto, Martín-Barbero
(2008) critica o atual método linear de aprendizagem adotado pelo sistema de ensino em tempos
de navegação hipertextual. O autor cita pesquisa desenvolvida por ele em 2003 sobre o uso do
computador por adolescentes de Guadalajara, no México, para afirmar que o acesso ao PC ocorre
de forma “mais passiva” nas escolas, “onde meninos e meninas podem usá-lo, para realizar
atividades didáticas através de manuais e onde qualquer interação não autorizada pelo professor
é penalizada.” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.19). Baseado nesta constatação, ele afirma que o
sistema educacional ainda não se deu conta do novo sentido do verbo navegar, “que é ao mesmo
tempo conduzir e esperar, manejar e arriscar”. (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.19).
O autor constata que o modelo linear de ensino baseia-se numa redução do aluno ao
“sujeito do aprender”, cuja razão reside em algum lugar do cérebro distante do conjunto de
emoções.
Ainda existe, entre nossos intelectuais, um excesso de racionalismo que
identifica o sujeito humano com o sujeito do conhecimento cunhado por
Descartes ao identificar o conhecimento como aquilo que dá realidade e
sentido a toda existência humana. (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.20)
14
É comum circularem pela internet, principalmente via mensagens de e-mail e em sites de redes sociais, fotos de
corpos desfigurados em acidentes, links para cenas de violência, inclusive sexuais. Matéria veiculada no portal iG,
por exemplo, noticia lançamento de um game no Japão que simula estupros e abortos. O jogo, segundo a
reportagem, é disponibilizado pelo conhecido site de vendas amazon.com. Fonte: http://tvig.ig.com.br/83083/game-
simula-estupro-e-aborto.htm. Acesso: 08/06/2009.
48
Argumenta o pesquisador que o ideal de sujeito cartesiano, paradigma do modelo
educacional nascido na modernidade e ainda em vigor, não acompanha as transformações das
subjetividades juvenis, que longe da estabilidade postulada pelo racionalismo, é mutável,
fortemente condicionada pelas sensações e emoções.
Assim como postula Maffesoli (2006), para quem a dimensão estética é base do novo
tribalismo, Martín-Barbero (2008) afirma que hoje o poder do sensível salta aos olhos. O
universo de jovens ao redor do mundo que se juntam sem se falar, só para compartilhar música, é
evidência selecionada por ele para ilustrar a argumentação. Martín-Barbero (2008) acredita que
existe hoje um desejo juvenil de se sentir livre do controle das instituições burocráticas e/ou
tradicionais, perspectiva que também conflui com a de Maffesoli (2006). O jovem quer se afiliar
por afinidades, rompendo com qualquer tipo de determinismo.
Nesta busca por liberdade, ele encontra na internet uma aliada. Don Talscott (1998)
afirma que a rede “é um meio muito menos controlado (…) pelos adultos” (DON TALSCOTT,
1998, p.45). Para Balardini, “os jovens a vivem como parte de uma cultura juvenil”
(BALARDINI, 2009, p.06). No ciberespaço, eles experimentam identidades, ensaiam
aproximações e arriscam-se sem medo. É um tipo de liberdade que não requer o abandono do lar,
ou o dispensar da proteção dos pais. No conforto do quarto, do cômodo onde fica o computador,
ou de uma lan house qualquer, eles podem testar possibilidades que serão incorporadas, ou não,
ao seu cotidiano fora do ciberespaço. Para Urresti (2008),
Os jovens encontram na rede a possibilidade de superar tradicionais barreiras,
formadas a partir da divisão de classes sociais, gêneros, localização geográfica e
estilo de vida. A rede possibilita novas formas de conexões, tornando mais vasto
o terreno da vida cotidiana dos adolescentes. Ela amplifica as expressões
minoritárias ou subculturais, promovendo o vinculo de jovens com afinidades
partilhadas, mas que estão geograficamente separados. (URRESTI, 2008, p.14)
A internet, desta forma, mais que uma “falsa realidade”, configura-se numa ampliação
nas possibilidades de interação social. Segundo Martín-Barbero (2008), conectar ao ciberespaço
é a fuga de uma realidade específica, aquela imposta pela perspectiva racional e/ou tradicional da
escola e família, que tenta oferecer a ilusão de estabilidade. “Em nossos países, a juventude que
usa freqüentemente a internet segue igualmente freqüentando a rua, curtindo festas nos fins de
semana e preferindo companhias ao isolamento” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.23).
49
A grande diferença é que o conjunto de relações sociais torna-se cada vez mais
atravessado pelos processos de mediação tecnológica. Um fenômeno que não é inaugurado pela
internet, mas que é fortemente incrementado por ela. Uma das características da chamada
sociedade midiática, que se constitui a partir da evolução da mídia eletrônica, “é que a
experiência de mundo, da história imediata, da vida social e pessoal é permeada, para a maioria
da população, pelos espetáculos produzidos pelos meios de comunicação, entre os quais reina a
TV.” (URRESTI, 2008, p.21)
É na ambientação desta sociedade midiática que se desenvolve uma tecnocultura,
possibilitada pelas novas máquinas que reconfiguram o domínio do simbólico, entre as quais se
destaca o computador. Lévy (1993), no seu livro Tecnologias da Inteligência, compara o advento
da informática ao da escrita, para argumentar que os processos de informatização transformam as
competências cognitivas. A tecnologia digital, sobretudo às que surgem no fim do século XX,
inauguram nova relação entre homem e máquina. Se as máquinas do século XIX e início do
século XX transformavam o trabalho considerado braçal, referentes às competências esquelético-
musculares humanas, as ferramentas informáticas que se desenvolveram a partir da segunda
metade do século passado transformam modos de pensar. “Longe da relação corpo/máquina da
primeira modernidade industrial, o que a modernidade digital instaura é uma combinação entre
cérebro e informação.” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.24)
Como os jovens, segundo Urresti (2008), são os grandes consumidores e difusores das
novidades tecnológicas, podemos afirmar que eles constituem o recorte geracional que
primeiramente manifesta transformações introduzidas pelas tecnologias informáticas. Uma
destas transformações é o desenvolvimento da capacidade para executar múltiplas tarefas
(multitasking). Como a navegação em ambiente digital ocorre de forma não linear, desenvolve-se
um hábito de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Segundo Balardini (2009), hoje, crianças e
adolescentes, ao mesmo tempo em que estudam, ouvem música e assistem TV. Esporadicamente
concentram em uma das atividades. Neste contexto, argumenta o autor, surge uma questão: como
estimular a geração que se caracteriza por uma atenção difusa à reflexão, atividade que exige
justamente o concentrar?
50
2.3 Os elementos de uma cibercultura juvenil
As transformações na vida do jovem, não no que diz respeito ao contexto escolar ou
familiar, mas também nas formas de se relacionar com o mundo de uma forma geral, em grande
medida derivam da inserção do software no cotidiano. Para Manovich (2009), os aplicativos
computacionais estão atualmente na base de praticamente todos os processos sociais. Ele
argumenta que os mais diferentes sistemas que conformam a vida em coletivo, com suas
diferentes linguagens, partilham uma sintaxe comum: a dos programas informáticos. De acordo
com o autor:
A escola e o hospital, as bases militares e laboratórios, os aeroportos e as
cidades, todos os sistemas sociais, econômicos e culturais da sociedade moderna
funcionam pelo software. (MANOVICH, 2009, p.03)
Atualmente, centenas de milhares de pessoas utilizam os programas informáticos, seja em
atividades profissionais ou para simples interação. Mesmo aqueles que não sabem lidar com
softwares, de alguma forma são afetados por eles. Imaginemos, por exemplo, uma dona de casa
que nunca lidou com o computador. No caixa de um supermercado qualquer, para pagar pelos
produtos que comprou, certamente vai se deparar com um funcionário do estabelecimento que se
valerá de um computador para identificar os preços das mercadorias. Se for pagar em dinheiro,
certamente utilizará notas resgatadas, por ela ou por alguém de sua confiança, em um caixa
eletrônico. Se for pagar em cartão, seja de crédito ou débito, ao digitar sua senha, mesmo não
tendo consciência disto, fará uso de um software.
Hoje, nas mais banais situações do cotidiano encontram-se os programas informáticos e
os processos de digitalização. Evidentemente eles são o background necessário para o
desenvolvimento do que Urresti (2008) chama de “cibercultura juvenil”, que de acordo com ele,
pode ser explicada a partir de seus cinco elementos: um novo sistema de objetos; gêneros
confusos na comunicação; o fenômeno prosumer; uma forma super exposta de intimidade e uma
conformação comunitária em que se primam laços de pertencimento tribais.
51
2.3.1 Uma nova microeletrônica
O novo sistema de objetos é formado pelos componentes eletrônicos baseados em
tecnologias digitais. Henry Jenkins (2008) identifica uma relação paradoxal envolvendo estes
novos aparelhos que conformam as TICs. Ao mesmo tempo em que se tornam cada vez mais
multifuncionais, criando uma falsa ilusão de que poucos equipamentos saciariam as demandas do
consumo, os dispositivos tecnológicos estão cada vez em maior número nas residências. Assim,
o autor adverte: convergência, termo comum na atualidade, é mais que um processo tecnológico
que une múltiplas funções dentro de um aparelho. É uma transformação cultural.
A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que
venham a ser (JENKINS, 2008, p.28). (...) Não haverá uma caixa preta que
controlará o fluxo midiático para dentro de nossas casas. (JENKINS, 2008, p.41)
Computadores, leitores de mídias digitais, monitores de plasma e LCD, aparelhos
portáteis como celulares e MP3 players, sistemas sensíveis ao tato, etc. já fazem parte da
decoração dos lares, ou das vestimentas pessoais. O barateamento dos PCs e Notebooks parece
ser um caminho natural, dando indícios de que no futuro cada pessoa poderá ter o seu aparelho.
A toda esta parafernália de objetos estáticos acrescenta-se uma nova gama de “aparatos
nômades”, como os Ipods, reprodutores de MP3 e MP4, pen drives, câmeras digitais, etc. De
acordo com Urresti (2008), estes aparatos nômades configuram-se em práticas extensões do
corpo em movimento.
Para o autor, a facilidade do envolvimento juvenil com os equipamentos midiáticos
resulta de dois fatores: uma preparação prévia que ocorre na infância, a partir do envolvimento
com os jogos eletrônicos, e uma curiosidade própria da idade acerca das novidades tecnológicas.
Os videogames são, para o autor, verdadeiras “propedêuticas informais” para um posterior
relacionamento amistoso e lúdico com os equipamentos eletrônicos. Atualmente nos lares, os
adolescentes são os mais bem informados, tanto sobre as inovações tecnológicas quanto a
respeito de objetos multimídia destinados às casas.
52
Na maioria das residências com adolescentes, as compras de produtos deste tipo
são resultado da insistência ou conselho técnico dos mais novos, com o
consentimento posterior por parte dos pais, que geralmente consultam seus
filhos sobre estas matérias, limitando a administrar o dinheiro. (URRESTI,
2008, p.48)
Ao observar a fala dos integrantes da Rádio Animix, tanto em seus programas quanto nos
textos publicados no site da emissora, é possível verificar empiricamente como esse universo
crescente de aparelhos está incorporado ao cotidiano juvenil. A coluna Bits & Bytes, por
exemplo, aborda, entre outras coisas, o lançamento de novos consoles
15
e mídias, como o Blu-
Ray e HD-DVD
16
.
Figura 1 – Coluna Bits & Bytes
17
15
Aparelhos de videogame.
16
Blu-Ray e HD DVD são mídias com capacidade de armazenamento de dados superior ao DVD. Em termos
práticos, HD-DVD e Blu-Ray servem de suporte para jogos e vídeos de melhor definição em relação ao DVD e por
isso são considerados sucessores desta mídia.
17
http://site.radioanimix.com.br/v4/index.php/drops/bits-e-bytes Acesso: 10/05/2009.
53
A figura acima é de um texto que anuncia a chegada dos videogames da atual geração.
Atualmente, três consoles disputam a preferência dos consumidores: o Wii (da Nintendo), o
Xbox 360 (da Microsoft) e o Playstation 3 (da Sony). Bretas (2000), a partir de análise das home
pages de jovens de Belo Horizonte, constata ser comum em seus discursos, sobretudo dos
meninos, referências sobre inovações tecnológicas, principalmente no que se refere ao campo
computacional.
Nesta crescente parafernália tecnológica, além dos videogames, destacam-se os aparelhos
portáteis de música digitalizada. Segundo Urresti (2008) esses equipamentos, junto com o novo
sistema de distribuição, baseado em downloads, têm revolucionado as formas de aquisição das
canções, rompendo com a então necessária vinculação das músicas aos suportes físicos como o
vinil, cassete ou CD. Segundo dados divulgados pelo Jornal da Globo, da TV Globo, em
reportagem veiculada no dia 12 de junho de 2009, de 2004 a 2007 houve um encolhimento da
indústria fonográfica. A matéria usou números da consolidada banda Titãs para demonstrar as
transformações. A quantidade de discos do grupo comercializados decresceu ao longo dos anos,
seguindo tendência do mercado. Enquanto o primeiro álbum do grupo, lançado nos anos 1980,
vendeu 400 mil cópias, o último álbum não passou das 200 mil.
A digitalização de bens culturais, como a música, livros, filmes e séries, conforme afirma
Urresti (2008), revoluciona a relação que os sujeitos estabelecem com estes bens, promovendo
novas formas de experiência. A possibilidade de qualquer usuário baixar uma mp3 na internet e,
a partir disto, criar sua lista de música particular (playlist), que pode ser consumida de forma
solitária com o uso de um fone de ouvido acoplado a um player, não diminui práticas de
consumo musical em grupo.
Paralelamente à “escuta solitária”, ocorre uma proliferação de festas rave, eventos de axé
music e bailes funk. Artistas famosos continuam recebendo grandes públicos em seus shows. A
apresentação da banda U2 em São Paulo, por exemplo, ocorrida em fevereiro de 2006, reuniu
uma multidão no Estádio Morumbi, local do show, para a compra de ingressos. Muitos tiveram
que dormir na fila para garantir a entrada. O site de vendas online ficou congestionado. Depois
que os ingressos acabaram alguns compradores resolveram lucrar com o evento. Bilhetes que
foram adquiridos por 200 reais eram revendidos no site Mercado Livre por 700 reais
18
.
18
Informações divulgadas no site da revista Info, publicada pela editora Abril. Link:
http://info.abril.com.br/aberto/infonews/012006/17012006-1.shl. Acesso: 10/06/2009
54
Dentro destas experiências emergentes a partir dos novos dispositivos tecnológicos,
encontra-se aquela vivida pela equipe da Rádio Animix e seus ouvintes. A livre navegação
possibilitada pela internet, que estimularia um consumo personalizado das músicas,
paradoxalmente também pode promover novas formas de “escuta coletiva”. A programação da
Rádio Animix, que será melhor detalhada no terceiro capítulo, segue em fluxo contínuo.
Transmissão e audiência partilham o mesmo tempo, como nas emissoras de rádio convencionais.
É algo diferente do que ocorre nos chamados sites de serviço on demand, onde usuários podem
ouvir o mesmo conteúdo várias vezes, dar “pause” no áudio e/ou vídeo e retomar a reprodução
quando quiserem.
2.3.2 Gêneros “confusos” da comunicação midiática
Além da emergência de novos dispositivos, Urresti (2008) também aponta como
conformadora das ciberculturas juvenis a hibridização dos gêneros midiáticos. Segundo autor, a
confusão de gêneros começa com o advento do controle remoto e acentua-se com a introdução
da TV a cabo. Ao poder mudar de canal, sem ter o trabalho de sair da poltrona, e ao ter ampliada
a oferta de bens televisivos, o telespectador torna-se inquieto. Pode mudar de canal a qualquer
momento, sem se prender a uma programação específica. De acordo com Urresti (2008) o
zapping é uma forma de navegação. Para prender o público, que ganhou ainda mais
mobilidade com a web e as tecnologias digitais, a instância de produção promove uma mistura
dos gêneros midiáticos.
Na comunicação de massas tradicional esses gêneros se mantiveram
relativamente incontaminados e com pouca relação entre si, mas desde o
surgimento da televisão segmentada esses gêneros tem se aproximado cada vez
mais. A televisão generalista comercial tem procurado formatos que buscam
mesclar elementos lúdicos e sedutores a todos os conteúdos, inserir publicidade
no meio de suas produções, objetivando prender a audiência que agora tem
liberdade para a prática do zapping. (URRESTI, 2008, p.51)
55
O infotainment, produção que se vale da mescla do programas informativos com o
entretenimento, e a infopublicidade, que articula a linguagem persuasiva dos anúncios às
produções informativas, são exemplos destes gêneros híbridos
19
.
Além desta proliferação de gêneros, o desenvolvimento de diversos dispositivos
tecnológicos a partir de uma linguagem digital tem transformado o jeito de se fazer mídia
profissional. Jenkins (2008) identifica um aumento daquilo que ele chama de narrativas
transmidiáticas. “Uma história transmidiática se desenvolve através de múltiplos suportes
midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”.
(JENKINS, 2008, p.135). Ele acrescenta que este tipo de narrativa não significa criar diferentes
versões de uma mesma história, ou produto, para cada tipo de mídia. A tendência é pensar
diferentes produtos, adequados aos diversos suportes, que no final formarão um todo coerente.
Cada vez mais, segundo o autor, os produtos midiáticos serão pensados como
possibilidade de franquias, com várias empresas, devidamente licenciadas, tendo o direito de
explorar comercialmente uma mesma marca ou um mesmo universo ficcional. Na atualidade,
para Jenkins (2008), a palavra de ordem é sinergia, que denota uma articulação de várias
empresas, de diferentes ramos, com o objetivo de maximizar as possibilidades de exploração de
produtos. O autor exemplifica citando a franquia Matrix. A partir do lançamento do primeiro
filme da trilogia, em 1999, que foi dirigida pelos irmãos Andy e Larry Wachowski, uma série de
obras derivadas, incluindo animes, livros e games, foram desenvolvidos. Cada um destes
produtos serviu para expandir o universo ficcional, incrementando o consumo e,
conseqüentemente, o lucro.
De acordo com o autor “as narrativas transmidiáticas mais elaboradas até agora talvez
estejam nas franquias infantis” (JENKINS, 2008, p.158). Pelo maior envolvimento dos mais
novos com os equipamentos, os bens culturais destinados a eles têm sido pensados cada vez mais
como grandes franquias, exigindo sinergia entre empresas de diferentes segmentos. Matéria da
revista eletrônica Fator atribui justamente a esta sinergia o sucesso mundial da cultura pop
japonesa. Segundo a publicação, “dos animes (desenhos animados), aos mangás (histórias em
19
O “Custe o que custar” (CQC), programa exibido pela Rede Band, é exemplo de infortainment. Comandada pelo
jornalista Marcelo Tas, a produção mescla entrevistas com sátiras, abordando de forma humorística tanto os
escândalos políticos quanto os acontecimentos envolvendo o mundo das celebridades
.
Os direitos do formato são da
produtora argentina Cuatro Cabezas. Para mais informações sobre o programa e infortainment consultar:
GUTMANN, J.F ; SANTOS, T.E.F.; GOMES, Itânia M.M.. Eles estão à solta, mas nós estamos correndo atrás.
Jornalismo e entretenimento no Custe o que Custar. E-Compós (Brasília), v.11, p.1-15, 2008.
56
quadrinho japonês), jovens e adultos se rendem as narrativas de personagens com expressões
extravagantes e características físicas únicas.” Para a matéria,
O segredo do sucesso desse mercado, além da segmentação, com histórias para
todos os gostos e idades, com enredo que vai do terror ao erotismo, é a sinergia
da indústria de entretenimento japonesa, na qual um produto estimula a criação
de outros. Ou seja, é a partir dos mangás que surge os animes, a j-music (música
pop nipônica) e os games. (Site da Revista Fator. Acesso: 30/05/2009)
20
Tabela 1 – Sinergia na indústria midiática japonesa, a franquia Bleach
O mangá
21
A animação
22
O jogo para a plataforma
Nintendo Wii
23
2.3.3 O fenômeno prosumer
De acordo com Jenkins (2008), o atual estágio de uma economia comunicativa exige das
corporações não apenas uma sinergia entre si, mas também entre estas e os consumidores. O
público hoje tem mais mecanismos de resposta aos produtos ofertados. Eis a base do fenômeno
prosumer, inerente ao atual estágio da cultura juvenil. Conforme Urresti:
20
Referência: http://www.revistafator.com.br/. Acesso: 30/05/2009
21
Fonte: http://www.bleachanime.org/manga/cache/Bleach-Chapter-138/%5Bmanga-rain%5Dbleach-ch138-
08.png_1050.jpg. Acesso: 05/06/2009.
22
Fonte: http://i1.iofferphoto.com/img/item/176/227/07/o_bleach_best.jpg. Acesso: 05/06/2009.
23
Fonte: http://www.dailygame.net/images/screens/bleach-shattered-blade/bleach-shattered-blade-1.jpg. Acesso:
05/06/2009
57
A internet é um meio que, como nenhum outro, facilita a produção de
conteúdos. Não apenas de textos, mas também de imagens, músicas, animações
e filmes. E esse conjunto infinito de repertórios, disponíveis por meio da rede,
pode ser facilmente acessado a custos insignificantes. Com o passar do tempo,
cada vez mais jovens, de idades diversas, níveis sócio-econômicos distintos,
publicam materiais, documentos diversos, que revelam aspectos de suas vidas,
por eles considerados interessantes. Oferecem-se para o olhar alheio.
(URRESTI, 2008, p.53)
O conceito prosumer, cunhado pelo escritor norte-americano Alvin Toffler, na década de
1970, diz de uma categoria de usuário comum às gerações mais jovens, que se coloca entre os
pólos de produção e consumo. O prosumer é a figura que tem a capacidade de adequar a
produção massiva e estandardizada a um tipo mais personalizado, co-produzindo aquilo que
consome. Para Urresti (2008), existem vários tipos de prosumers, desde os que continuam a
consumir os produtos estandardizados, mas que se valem dos ambientes digitais para
desenvolverem uma visão reflexiva sobre o que consomem, até um vel de produtor quase
autônomo, um receptor que consome aquilo que desenvolve. Para ele, os jovens da atualidade se
movem dentro deste espectro com enorme facilidade, pois crescem adaptados a um tipo de meio
que reclama a eles participação e compromisso, para completar o vínculo comunicativo.
Jenkins (2008) cita a indústria dos games para mostrar que a maximização do lucro passa
pela co-participação dos consumidores nos processos criativos. Citando o processo de
desenvolvimento do game para PC Star Wars Galaxies, ele apresenta como os usuários podem
contribuir na elaboração de produtos midiáticos. O programador Raph Hoster foi designado pela
LucasArts, corporação que detêm os direitos da franquia Star Wars, para o desenvolvimento do
jogo, em estilo MMORPG
24
. Conforme descreve Jenkins (2008),
Para garantir que os fãs seriam atraídos por sua visão do universo de Guerra nas
Estrelas, Hoster basicamente tratou a comunidade de fãs como se fizesse parte
de seu grupo de clientes, postando na web relatórios regulares sobre vários
elementos do projeto do jogo, criando um fórum online, enviando respostas às
recomendações da comunidade. (JENKINS, 2008, p.219)
No entanto, nem sempre a relação entre produtores e prosumers é harmoniosa. “As
comunidades online proporcionaram aos consumidores inspirados um lugar onde expor sua
resistência às novas formas de comercialismo” (JENKINS, 2008, p.129). No ciberespaço existem
24
Abreviação de Massively ou Massive Multiplayer Online Role-Playing Game. O MMORPG é um jogo de
computador e/ou videogame que permite a milhares de jogadores criarem personagens em um mundo virtual
dinâmico ao mesmo tempo na Internet. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/MMORPG. Acesso: 15/06/2009.
58
muitos sites não corporativos que fazem referência às produções midiáticas, mas, em vez de
contribuírem para reforçar o atual modelo de consumo, o tencionam. Destacam-se, por exemplo,
publicações online de contestação dos discursos midiáticos, como o CMI
25
, e as que fomentam a
pirataria, que para Martín-Barbero (2008) é “prática subjetiva e coletivamente legitimada como
estratégia dos desprovidos para se conectarem aos bens deste mundo e, de certa forma, para
sobreviverem como indivíduos e grupos”. (MARTÍN-BARBERO, 2008, p.13).
Em vez da palavra “estratégia”, usada por Martín-Barbero (2008), Certeau (1998) vale-se
do termo “táticas”, para se referir aos movimentos de fuga dos sujeitos comuns. Certeau (1998)
aponta para a existência de dois tipos de sujeitos: o das estratégias e o das táticas. Os sujeitos das
estratégias, detentores de um poder institucionalmente reconhecido, traçam planos para controlar
o fluxo de pessoas comuns. Estas pessoas, por sua vez, chamadas pelo autor de “sujeitos
ordinários”, escapam da almejada previsibilidade. Diante do planejado, por meio de “astúcias”,
traçam rotas de fuga, fazendo surgir movimentos inesperados.
Chamo de estratégia o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir
do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um “ambiente”.
Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e, portanto,
capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade
distinta. (...) Denomino, ao contrário, “tática”, um cálculo que não pode contar
com um próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como
totalidade visível. A tática tem por lugar o outro. Ela se insinua,
fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância.
Ela não dispõe de base onde capitalizar os seus proveitos, preparar suas
expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias.
(CERTEAU, 1994, p.46)
A reflexão de Certeau (1998) sobre a relação entre sujeitos das estratégias e sujeitos das
táticas é importante contribuição para pensar a ocupação do ciberespaço, especificamente a
relação entre corporações midiáticas, que atuam no campo das estratégias, e prosumers, sujeitos
das táticas. O pensamento do autor ajuda a compreender o processo de constituição da Rádio
Animix. À luz de Certeau (1998), os prosumers, que constituem esta emissora a partir dos
animes podem ser compreendidos como sujeitos ordinários. Não só por se apropriarem, de forma
independente, dos elementos da indústria da cultura para desenvolverem seu próprio produto,
25
O Centro de Mídia Independente (CMI), é um portal que se propõe, entre outras coisas, a “dar voz à quem não
têm voz constituindo uma alternativa consistente à mídia empresarial que frequentemente distorce fatos e apresenta
interpretações de acordo com os interesses das elites econômicas, sociais e culturais.”Fonte:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/static/about.shtml. Acesso: 15/06/2009.
59
como também por constituírem mídia não corporativa, disputando com grandes conglomerados
econômicos, entre eles os meios de comunicação tradicionais que expandem seus braços na
internet, o direito de se instituir no ciberespaço.
Conforme o autor, o “binômio produção-consumo poderia ser substituído por seu
equivalente geral: escritura e leitura” (CERTEAU, 1994, p.49). Para ele, a crença de que a leitura
(e conseqüentemente o consumo) denota passividade vem desde os tempos pré-modernos,
quando o clero tentava impor sentido único à bíblia, escritura divina. O livro sagrado tinha
“estatuto de letra supostamente independente de seus leitores”. (CERTEAU, 1994, p.267).
Interpretações diferentes do sentido atribuído pelo clero configuravam-se em heresias.
no século XVIII, o iluminismo conferiu à escrita status de algo capaz de reformular os
hábitos sociais. O sentido passou a ser de propriedade dos cientistas e intelectuais, que
acreditavam poder mudar o tecido social por meio de suas obras. Assim, estabeleceu-se nova
relação de poder. De um lado os autores, capazes de promover transformações, de estabelecer
ordens, a partir da “transmissão” de sentidos aos seus leitores, seres passivos, a quem caberia um
tipo de decodificação sem deixar marcas. Assim, segundo Certeau (1994), estabeleceu-se o
“imperialismo escriturístico”, que perdura a mais de três séculos, caracterizado pela concepção
de que “escrever é produzir texto; ler é recebê-lo de outrem sem marcar o seu lugar, sem
refazê-lo”. (CERTEAU, 1994, p.264). Ele contesta esta crença de que existe uma barreira que
separa leitura e escritura.
Um sistema de signos verbais ou icônicos é uma reserva de formas que esperam
do leitor o seu sentido. (CERTEAU, 1994, p.264). (...) O texto tem sentido
graças a seus leitores; muda com eles; ordena-se conforme códigos de percepção
que lhe escapam (CERTEAU, 1994, p.266).
Trazendo a discussão para o contexto específico da produção e consumo midiático,
Certeau (1994) afirma que a pretensão de produtores de informar, “no sentido de dar forma”, às
práticas sociais fundamenta-se neste imperialismo da escrita. Ele é contra a perspectiva que
entende a cena midiática como um instrumento “de fixação dos consumidores e circulação dos
meios”. (CERTEAU, 1994, p.260)
Indício da inventividade dos consumidores, as produções na web de sujeitos comuns, a
partir de materiais veiculados pela mídia corporativa, configuram-se em táticas contemporâneas.
Elas apontam para um processo de leitura ativa, que se desdobra em paródias de filmes, criação
60
de histórias por fãs, de sites informativos, etc. Os consumidores, enquanto sujeitos ordinários,
realizam manobras imprevisíveis ante as estratégias das empresas de comunicação.
Especificamente falando do grupo que constitui empiria deste trabalho, desenvolve uma rádio
online a partir de elementos da cultura pop japonesa, indicando leituras de produções diversas,
que vão desde o universo dos games, passando pelos quadrinhos, até as animações. Constituem,
assim, uma ambiência no ciberespaço a partir de uma leitura ativa.
Tal qual a ocupação do território geográfico, a constituição de lugares no universo virtual
é permeada por disputas que evidenciam tentativas de controlar a própria rede. Para Lemos,
“criar um território é controlar processos que se dão no interior dessas fronteiras” (LEMOS,
2006, p.04). Segundo Jenkins, na cultura da convergência o fã surge como instância fortalecida.
Argumenta ele que, “se o trabalho de consumidores de mídia foi silencioso e invisível, os
novos consumidores são agora barulhentos e públicos” (JENKINS, 2008, p.45). Suas conversas
“geram um burburinho, cada vez mais valorizado pelo mercado das mídias”. (JENKINS, 2008,
p.28).
As constatações de Jenkins aproximam de algo que foi teorizado por José Luiz Braga.
No livro A Sociedade enfrenta sua mídia: Dispositivos sociais de crítica midiática (2006), o
autor identifica um terceiro sistema no processo de comunicação social, que se relaciona com o
sistema produtivo e de recepção. O Sistema de Resposta Social é constituído por interações
diferidas e difusas sobre produtos midiáticos, isto é, interações sociais sobre aquilo que é
veiculado nos meios de comunicação. Braga argumenta que este sistema “comporta desde
elementos de crítica mais severa até elementos de fluxo mais comercial”. (BRAGA, 2006, p.27).
Os produtos não são simplesmente consumidos (no sentido de usados e gastos).
Pelo contrário, as proposições circulam, evidentemente trabalhadas, tencionadas,
manipuladas, reinseridas nos contextos mais diversos (BRAGA, 2006, p.28).
(...) O sistema de circulação interacional é essa movimentação social dos
sentidos e dos estímulos produzidos inicialmente pela mídia. (BRAGA, 2006,
p.29)
Braga (2006), ao teorizar o Sistema de Resposta Social objetivava identificar dispositivos
sociais de crítica de mídia, para além do âmbito acadêmico e especializado. Em linhas gerais,
argumenta o autor, as críticas originadas nas pesquisas universitárias, em vez de realizarem uma
observação mais sistematizada e buscarem um aprimoramento nos critérios analíticos, estão mais
preocupadas com a aplicação de teorias para a leitura dos fenômenos comunicativos e,
61
conseqüentemente, com a confirmação de pressupostos. a crítica especializada, geralmente
feita por jornalistas que se dedicam a analisar a mídia são reducionistas, limitando-se a
recomendar, ou não, determinada produção, classificando-a como “boa” ou “ruim”. Defende o
autor, portanto, que os próprios consumidores devem desenvolver competências críticas, o que
estimularia um verdadeiro “controle social da dia” e uma “interpretação proativa”. (BRAGA,
2006, p.43).
Mas para que haja competência para crítica por parte dos usuários, necessita-se “de um
bom sistema de interações sociais sobre a mídia (BRAGA, 2006, p.63). O autor salienta a
importância do ciberespaço na ampliação de um Sistema de Resposta Social (SRS).
Hoje, a flexibilidade da rede informatizada mundial faz da internet a mídia de
escolha para os dispositivos sociais de fala sobre a mídia. Como a rede se
desenvolve em sociedade largamente midiatizada, outros processos e produtos
midiáticos se tornam facilmente matéria-prima para as interações desenvolvidas
(BRAGA, 2006, p.41).
As mídias desenvolvidas por fãs no ciberespaço, a partir das teorizações de Jenkins
(2008), podem ser consideradas parte do SRS. Para ele, nos territórios virtuais, os fãs passam por
verdadeira “alfabetização” para leitura dos meios de comunicação. O autor diz que o mundo
corporativo entende o letramento digital como um aprender sobre a importância do respeito à
propriedade intelectual, ou seja, como mecanismo de controle à pirataria. No entanto, Jenkins
(2008) entende este letramento como um aprimorar das competências expressivas.
Assim como tradicionalmente não consideramos letrado alguém que sabe ler
mas não sabe escrever, não deveríamos supor que alguém seja letrado para as
mídias porque sabe consumir, mas não se expressar (JENKINS, 2008, p.229).
O quadro traçado por Jenkins (2008), ao discutir convergência como fenômeno da
cultura, é importante justamente por apontar estas possibilidades emergentes da cultura fã a partir
da web. No entanto, é importante fazer algumas ressalvas. Capacidade criativa não
necessariamente configura-se em possibilidade crítica. Na ambiência instituída pela Rádio
Animix, seus autores estabelecem uma relação paradoxal com os meios de comunicação
corporativos. Ao mesmo tempo em que reforçam a cultura dos animes e o gosto por suas trilhas
sonoras, difundindo-as em sua programação musical e, conseqüentemente, agindo em sinergia
com os propósitos empresariais, eles o fazem a partir de mp3 “baixadas” por meio de sites e
62
programas de compartilhamento, infringindo as leis de copyright. Neste sentido, reforçam a
pirataria, confrontando interesses das empresas midiáticas.
Portanto, estabelecem com o mercado relações de complementaridade, reforçando o
consumo de mercadorias e de marcas, mas, ao mesmo tempo, de atrito, exigindo do mundo
corporativo rearticulações estratégicas freqüentes. Esta complexa relação, aparentemente
antagônica, sustenta a emergência de correntes de pensamento, que também são aparentemente
excludentes. Se Jenkins (2008) no fenômeno prosumer um empoderamento da recepção, que
mediante as tecnologias digitais torna-se cada vez mais atuante no processo de constituição das
produçães midiáticas, Caiafa (2009) percebe nas tecnologias digitais uma nova forma de
controle, no contexto contemporâneo de “capitalismo flexível”.
Argumenta a autora que desde o período pós-guerra o capitalismo vem se
reconfigurando, substituindo um controle que se baseava no Estado, na família e nas “manobras
mais pesadas das fábricas” (CAIAFA, 2009, p.01), por um que é sustentado pela ilusão de
liberdade. Para a autora (2009), a microinformática é ferramenta fundamental para esta nova
forma de confinamento, que ocupa o lugar dos agentes da disciplina abordados por Foucault.
Estes agentes eram a família, a escola, os hospitais e outras instituições sociais, encarregadas de
estabelecer uma dimensão controladora, determinando o que é ou não um comportamento
normal. Para que este controle se efetivasse, as experiências cotidianas eram “seqüestradas”,
segundo palavras da autora, por este domínio institucional-burocrático. Hoje, os mecanismos são
mais sutis. Passam por uma mobilidade que deixa rastros, permitindo não apenas uma
identificação dos sujeitos, como também um mapeamento de seus desejos, municiando as
estratégias do principal agente deste capital flexível: o mercado.
Os circuitos mundiais de comunicação por computador preenchem hoje em
algum grau essa função de controle. O mundo do trabalho se encontra
totalmente invadido por princípios informáticos e cibernéticos e os novos regime
flexíveis dependem das ferramentas informacionais, como os softwares, e da
imediatidade e penetração das redes para funcionar. A nova forma de
materialização da riqueza no capital financeiro impaciente, fictício,
liso/estriado, flexível precisa dos circuitos múltiplos para a sua contabilidade
(CAIAFA, 2009, p.09).
A introdução da rede mundial de computadores veio acompanhada de um estímulo ao
falar, que para a autora, além de diluir a especificidade e o peso das opiniões dos “sujeitos
63
ordinários”, promovem as novas marcas a partir das quais são exercidas as contemporâneas
formas de dominação.
Hoje somos constantemente incitados a nos expressar, a ingressar nos circuitos
da opinião. São as enquetes, os telefonemas para as emissoras de televisão, os
sites e blogs que anunciam exaustivamente o que os seus autores acham, ou o
que estão fazendo. O imperativo de se expressar gera uma loquacidade em que
as indicações tendem a perder sua especificidade. Acaba importando pouco o
que se diz e mesmo as afirmações mais vigorosas podem perder seu potencial de
interferência. (CAIAFA, 2009, p.12)
Aproximando a discussão de Caiafa (2009) aos prosumers da Animix é possível notar os
braços do mercado nesta prática juvenil a partir de uma breve análise do site da emissora.
estão links para eventos que promovem a cultura dos animes.
Figura 2 - Publicidade veiculada na Animix sobre eventos otaku
26
26
http://www.radioanimix.com.br Acesso: 30/05/2009
64
A imagem que destacamos é de um banner veiculado no site da emissora. Ela mostra
uma relação de parceria entre o mercado, na figura das corporações organizadoras e
patrocinadoras do evento anunciado, e essa prática microscópica de fãs. Mais que isso, ela é
evidencia de que o mercado está atento às marcas dos prosumers, observando fenômenos de
dimensões “nano”, mas que em conjunto se configuram num rico material para aqueles que
querem explorar e controlar desejos.
Bauman (2008), assim como Caiafa (2009), na ocupação do ciberespaço por pessoas
comuns o poder atuante do mercado. Enquanto Jenkins entende as comunidades de jovens fãs
online como uma “ainda minoria de usuários pioneiros” nas novas formas de relação com a
mídia tradicional, percebendo entre outras coisas a manifestação de uma inteligência coletiva na
prática spoil
27
, Bauman (2008) chama os adolescentes contemporâneos de aprendizes treinando
e treinados na arte de viver numa sociedade confessional” (BAUMAN, 2008, p.09). Se para
Jenkins (2008) estes adolescentes estão desenvolvendo novas competências para lidar com o
universo midiático, a partir das indagações de Bauman (2008) eles surgem como parte de uma
sociedade que os incita cada vez mais a falar de si, inclusive de suas preferências pessoais.
Na esteira do que fora teorizado por Debord (1997), que percebe um processo de
fetichização da vida em sociedade, Bauman (2008) acredita que na contemporaneidade os
consumidores tornaram-se mercadoria. Entre outros mecanismos, ele cita programas de
computadores utilizados por empresas para fazer uma triagem entre clientes preferenciais
(grandes consumidores e bons pagadores) e demais clientes (que gastam pouco e encontram
dificuldade para pagar). A partir desta triagem, as empresas oferecem atendimento diferenciado,
fazendo o consumidor preferencial esperar menos ao acionarem serviços de telemarketing por
exemplo.
A existência destes mecanismos demanda dos consumidores uma preocupação em se
ajustar ao perfil do cliente preferencial, ou seja, agregar valor a si mesmo para, como uma boa
27
Do inglês to spoil, que em português significa estragar, este verbete denota nas comunidades de fãs online as
antecipações do que vai acontecer em determinada série. Jenkins (2008), ao observar práticas de uma comunidade
virtual dedicada ao reality show survivor, identifica o esforço dos fãs em descobrir o desenrolar do programa antes
de sua veiculação na TV. O local onde o reality show (que consiste em provas estilo “teste de sobrevivência) é
gravado, geralmente ambientes mais afastados dos grandes centros urbanos, é mantido em sigilo pela equipe de
produção, justamente para não antecipar eliminados e vencedores antes da veiculação televisiva. No entanto, a
conexão globalizada de fãs faz com que rapidamente estas locações sejam descobertas. Jenkins descreve o caso de
um turista em visita à Amazônia, local coincidentemente escolhido para a gravação de uma das edições da série.
Este fã realizou um verdadeiro trabalho de apuração, com moradores locais que deram suporte à produção do reality
show, levantando informações sobre Survivor e posteriormente divulgando na comunidade online.
65
mercadoria, atrair a atenção do mundo corporativo. O autor cita também potenciais imigrantes,
que hoje precisam cumprir uma série de pré-requisitos para poderem entrar nos chamados países
desenvolvidos. Ele exemplifica citando fala do ministro britânico do Interior, Charles Clarke,
que anunciou um sistema de imigração baseado em pontuações. Resumidamente, este sistema
baseia-se em dois critérios: escolaridade e renda. Somente aqueles com dinheiro para investir no
país e com formação educacional considerada necessária, condizente com demandas
profissionais do anfitrião, são bem vindos. Da mesma forma, conforme Bauman (2008), o
adolescente que se inscreve nas inúmeras redes sociais do ciberespaço está numa empreitada que
visa otimizar seu valor enquanto produto.
Os colegiais de ambos os sexos que expõem suas qualidades com avidez e
entusiasmo na esperança de atrair a atenção para eles e, quem sabe, obter o
reconhecimento e a aprovação exigidos para permanecer no jogo da
sociabilidade; os clientes potenciais com necessidade de ampliar seus registros
de gastos e limites de crédito para obter um serviço melhor; os pretensos
imigrantes lutando para acumular pontuação, como prova da existência de uma
demanda por seus serviços, para que requerimentos sejam levados em
consideração todas as três categorias de pessoas, aparentemente tão distintas,
são aliciadas, estimuladas ou forçadas a promover uma mercadoria atraente e
desejável. Para tanto, fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que
têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão
vendendo. E os produtos que são encorajados a colocar no mercado, promover e
vender são elas mesmas. (BAUMAN, 2008, p.13)
A teorização de Bauman (2008) sensibiliza o olhar daqueles que buscam identificar os
verdadeiros produtos oferecidos pelos diversos sites de relacionamento, como o Orkut
28
e My
Space, além de outros serviços da chamada web 2.0, marcada pelo surgimento de um conjunto de
ferramentas intuitivas que possibilitam aos sujeitos comuns criarem produções midiáticas. O
principal produto do Orkut, o que atrai novos usuários, são os outros usuários, representados em
perfis que detalhadamente descrevem preferências e expõem imagens de intimidades. A
mensuração do tamanho e da força econômica, não do Orkut, como do twitter e do também
“serviço gratuito” blogger, se a partir da interconexão de seus usuários, uns consumindo
aquilo que é gerado pelos outros.
28
http:// www.orkut.com
66
Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro
virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem
reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas
e exigidas de uma mercadoria vendável. A subjetividade” do “sujeito”, e a
maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir,
concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma
mercadoria vendável. (BAUMAN, 2008, p.20)
Freire Filho (2007) também faz críticas às contemporâneas abordagens sobre o domínio
fandom
29
. O autor recapitula as formas como a academia vem tratando a prática dos fãs. Os
primeiros estudos nos anos 1960, influenciados pela psicologia behaviorista e Teoria Crítica da
Escola de Frankfurt, viam a prática como patologia ou completa alienação frente aos produtos
midiáticos. A partir dos anos 1970, os estudos culturais mostraram como os jovens são capazes
de processar criativamente as produções de circulação massiva, demonstrando como contextos
sociais específicos promovem infinitas formas de apropriação dos conteúdos midiáticos. no
final dos 1980, verifica-se uma exacerbação desta criatividade. O consumo inventivo torna-se
por si entendido como forma de contestação de ideologias e estruturas de poder
conservadoras. Resumidamente, de sujeitos completamente submissos à indústria da cultura, os
fãs passaram a ser entendidos como subjugadores do mundo corporativo. Literalmente, Freire
Filho (2007) afirma que Jenkins assume uma “parcialidade temerária” (Freire Filho, 2007, p.99).
As perspectivas apontadas mostram, na verdade, facetas de um fenômeno amplamente
complexo. As práticas de fãs configurando redes sociais online não são, por si só, instrumentos
que aperfeiçoam um relacionar com os meios de comunicação, remetendo a um maior controle
social da mídia. Afinal, a criatividade juvenil no ciberespaço, ovacionada por Jenkins (2008) não
é a mesma coisa que o necessário processo crítico social postulado por Braga (2006), requisito
para o desenvolvimento tanto das instâncias produtoras quanto das instâncias de recepção.
Mas ao mesmo tempo, não podem ser entendidas como um simples reforçar das relações
de consumo. Dentro do conjunto de possibilidades oferecidas pela Web 2.0, existem ferramentas
que confrontam os interesses do mercado. Um bom exemplo é a Wikipédia
30
, enciclopédia
digital em constante expansão, a partir da colaboração de anônimos, que, contra a vontade do
29
Segundo Jenkins (2008), “fandom é um termo utilizado para se referir à subcultura dos fãs em geral, caracterizada
por um sentimento de camaradagem e solidariedade com outros que compartilham os mesmos interesses”.
(JENKINS, 2008, p.37)
30
http://pt.wikipedia.org
67
mercado editorial, defensor das enciclopédias tradicionais, rapidamente se institucionaliza como
confiável fonte de informação.
Práticas de jovens fãs da tribo otaku, como a constituição da Rádio Animix, por um lado
dizem de uma exaltação ao consumo dos animes, games e outras produções de uma indústria
nipônica, por outro podem promover ações inesperadas, fugindo das expectativas
mercadológicas. É viável pensar que este grupo, ao baixar músicas da internet e divulgar links de
sites especializados no download de animações, esteja aplicando “pequenos golpes” no mundo
corporativo. Se os estrategistas da mídia valem-se das produções amadoras para promoverem
suas mercadorias, os amadores que atuam no campo das táticas fogem ao planejado, realizando
apropriações muitas vezes inesperadas. Ao analisar a ocupação midiática da internet por pessoas
comuns, Bretas (2008) afirma que:
As astúcias presentes nos modos de dizer de conversações ordinárias são
inúmeras e designam formas de apropriação do espaço telemático, capazes de
indicar contradições e paradoxos nos processos comunicativos que mostrem
gestos hábeis do fraco, na ordem estabelecida pelo forte, arte de dar golpes no
campo do outro (BRETAS, 2008, p.02)
Assim, tanto as “abordagens críticas”, quanto as mais “otimistas” não se excluem. Ao
contrário, podem se complementar na importante tarefa de iluminar fenômenos contemporâneos,
paradoxais, relacionados à ocupação do ciberespaço por sujeitos comuns.
2.3.4 A exposição do “eu” na web
O emaranhado de blogs, fotologs, perfis do Orkut, sites diversos, desenvolvidos pelos
prosumers dizem de outra forte característica das ciberculturas juvenis, apontada por Urresti
(2008): a superexposição da intimidade.
Hoje, os adolescentes não hesitam em disponibilizar na rede fotografias de amigos,
parentes, de situações de seu cotidiano. Relatam com naturalidade em sites pessoais (com
destaque para os blogs) as experiências que outrora eram descritas nas resguardadas ginas dos
diários pessoais. Exibem aos navegantes da web, conhecidos e desconhecidos, suas preferências,
relacionadas à música, aos filmes, aos esportes, enfim, a tudo que concernia, em outros tempos,
ao universo íntimo, de acesso restrito. Sibília (2006) identifica nesta publicização da intimidade,
uma crise na sociabilidade.
68
Enquanto os limites do que se pode dizer e mostrar vão se alargando, a esfera da
intimidade se exarceba sob a luz de uma visibilidade que se deseja total. De
maneira concomitante, aqueles âmbitos tradicionalmente conhecidos como
públicos vão se esvaziando e são tomados pelo silêncio. (SIBILIA, 2006, p.185)
Para a autora, as diversas formas de exposição na web assemelham às obras biográficas
em um ponto: autor, narrador e protagonista são as mesmas pessoas. No entanto, ela argumenta
que enquanto os autores das biografias tradicionais baseiam-se no real para constituírem suas
obras, aqueles que se aventuram em falar de si na internet buscam referências na ficção,
retratando-se a partir dos padrões de vida das celebridades, difundidos pela mídia. “Nesse novo
contexto, o eu não se apresenta apenas ou principalmente como um narrador (poeta, romancista
ou cineasta) da epopéia de sua própria vida, mas como personagem da vida audiovisual”
(SIBILIA, 2006, p187).
Mas por que “ficcionalizar” o próprio “eu”? Segundo Sibilia (2006), para vencer a
solidão característica da sociedade contemporânea, descrita por ela como composta por
indivíduos atomizados. Ao tornarem-se autores no ciberespaço, esses sujeitos almejam uma vida
semelhante aos personagens da mídia, que nunca estão sozinhos. Nesta atitude, Sibília (2006)
um paradoxo. Conforme afirma, quanto mais os indivíduos tentam construir uma subjetividade
exteriorizada, mais solitários ficariam. É possível concluir que, para a autora, uma crise na
sociabilidade contemporânea recebe contribuição e é o fator desencadeante destas ocupações na
internet.
A perspectiva crítica da autora é uma importante contribuição para estudos que discorrem
sobre publicações na web com características de diários íntimos. Certamente existem interseções
entre o mundo dos famosos e a constituição destas publicações na rede. No entanto, a idéia de
que identidades produzidas por meio dos discursos midiáticos são algo menor, mera simulação,
significa identificar ausência de interconexão entre o universo dos meios de comunicação e o
mundo da vida. No entanto, a mídia, enquanto fenômeno da linguagem, a partir de uma
perspectiva praxiológica, insere-se no cotidiano, dando contornos a realidades. Os meios devem
ser percebidos:
Como parte da “textura geral da experiência”, expressão que toca a natureza
estabelecida da vida no mundo, aqueles aspectos da experiência que tratamos
como corriqueiros e que devem subsistir para vivermos e nos comunicarmos uns
com os outros (SILVERSTONE, p.13, 2002).
69
2.3.5 A emergência das comunidades virtuais
As transformações nas relações contemporâneas, conforme Hanke (2006), “tem uma
estrutura similar ao processo de modernização: uma dialética de ganhos e perdas, que
complexifica a sociabilidade no tão dinâmico processo social” (HANKE, 2006, p.10). Neste
processo, os meios de comunicação têm importante papel. Não mais, exclusivamente, derivadas
dos valores tradicionais que marcaram o período pré-moderno, ou das regulações do Estado-
Nação, em grande parte as novas formas de sociação derivam da inserção midiática no campo
social e da emergência do estético como poder agregador.
O estar junto hoje está fortemente relacionado com o domínio das sensações. Isto é o que
postula Maffesoli e seu conceito de socialidade, abordado na primeira parte deste trabalho. De
acordo com Urresti (2008), o ciberespaço configura diferentes mecanismos de agregação aos
tradicionalmente identificados pelas ciências humanas e sociais. Estes mecanismos formam a
infra-estrutura para o surgimento de “comunidades de sujeitos que se reúnem a partir de
interesses individuais comuns” (URRESTI, 2008, p.62). As comunidades virtuais são o último
elemento apontado pelo autor que caracteriza a interseção da internet com a cultura juvenil.
Manuel Castells (2003) refletiu um debate travado por correntes teóricas, que discorrem sobre a
possibilidade ou não de comunidades online. Enquanto uma identifica na rede a formação de
grupos marcados por relações harmoniosas e fraternais, a outra percebe um processo de
acentuação do isolamento social a partir da informatização.
A primeira corrente entende a CMC como a “culminação de um processo histórico de
desvinculação entre localidade e sociabilidade na formação de comunidade”, os críticos da
rede, “sustentam que a difusão da internet está conduzindo ao isolamento social, a um colapso da
comunicação social e da vida familiar” (CASTELLS, 2003, p.98). Os críticos, segundo o autor,
entendem que interações face a face são substituídas pelas relações online, entendidas como
intercâmbios sociais baseados em perfis falsos. Para eles, a internet induz gradualmente as
pessoas a entrarem num mundo de fantasias, configurando-se em fuga do mundo real. os
“defensores” das comunidades online argumentam que elas representam a volta de relações
afetivas e harmoniosas, que caracterizariam as comunidades pré-modernas, diluídas com o
processo de urbanização.
70
Avalia Castells (2003) que o debate entre estas duas correntes se mostra estéril, pois ele
“precedeu de muito à difusão generalizada da internet” (CASTELLS, 2003, p.98), resultando
numa ausência de um corpo substancial de pesquisa empírica sobre seus usos reais. Também por
girar em torno de questões bastante simplistas, “como a oposição ideológica entre comunidade
local harmoniosa de um passado idealizado e a existência alienada do cidadão da internet
solitário, associado com demasiada freqüência, na imaginação popular, ao estereótipo do nerd.”
(CASTELLS, 2003, p.08).
Castells (2003) argumenta que as evidencias empíricas mostram que a rede não
representa o fim de relações presenciais, nem a emergência de utopias comunitárias. Para ele, o
uso da rede está diretamente ligado a práticas cotidianas, que envolvem relações face a face.
Antes de mais nada, os usos da internet são, esmagadoramente, instrumentais, e
estreitamente ligados ao trabalho, à família e à vida cotidiana (CASTELLS,
2003, p.99). (...) É uma extensão da vida como ela é, em todas as suas
dimensões e sob todas as suas modalidades. (CASTELLS, 2003, p.100).
E se para o pioneiro na discussão sobre comunidades virtuais, Howard Rheingold (1996),
os grupos no ciberespaço configuram-se em ambiência onde as pessoas partilham valores,
interesses e, por isso, desenvolvem laços de apoio e amizade irrestritos, que podem se estender
para interações face a face, conforme Castells (2003), a interação social na internet apenas
adiciona relações online às precedentes. O autor acredita que a comunidade residencial deixou de
ser única base de sociabilidade no momento em que os sujeitos passam a relacionar a partir de
afinidades, libertos das amarras da tradição. Diferentemente dos momentos históricos marcados
pela constituição de laços num sistema de relações baseados no trabalho e na família, hoje o que
se verifica é o indivíduo no centro do sistema. O individualismo, para Castells (2003), configura-
se em nova base para sociabilidade e, conseqüentemente, para a constituição de comunidades,
sejam elas virtuais ou não. Contudo, isto não quer dizer que as pessoas deixaram de constituir
laços a partir de um contexto geográfico.
As sociedades não evoluem rumo a um padrão uniforme de relações sociais. De
fato, é a crescente diversidade dos padrões de sociabilidade que constitui a
especificidade da evolução social em nossas sociedades. (...)O decisivo,
portanto, é a passagem da limitação espacial como fonte de sociabilidade para a
comunidade espacial como expressão da organização social (CASTELLS, 2003,
p.106)
71
A história da Rádio Animix mostra como o ato de expor a intimidade, índice do
individualismo contemporâneo, pode estimular a socialização. A emissora surgiu em 2004,
quando dois internautas DK
31
e Kaneda externaram suas preferências sobre um tipo peculiar de
música. Ao exporem algo que outrora era da instância do privado, desencadearam um processo
que resultou num pequeno grupo, que completou cinco anos em abril de 2009.
Nas novas comunidades, os laços são mais fracos em relação às comunidades pré-
modernas, pois se o indivíduo tem liberdade, pode ir e vir quando bem entender. Bauman (2003)
afirma que o modelo pré-moderno de comunidade era baseado na tradição, que prescrevia ao
indivíduo papéis em sua inserção na vida em coletivo. Preso ao contexto tradicional, o sujeito
não tinha direito a escolhas e, por isso, os laços eram mais duradouros, praticamente perpétuos.
Já as comunidades virtuais são constituídas a partir de escolhas individuais e, consequentemente,
são mais efêmeras. Elas são diretamente afetadas pelo instável universo dos desejos.
Embora o desenvolvimento desta pesquisa tenha efetivamente começado em 2008, tenho
observado o grupo de jovens que mantém a Animix desde 2007. Nestes três anos, foram notórias
as mudanças no quadro de membros. Grande parte dos internautas que habitavam suas interfaces
em 2007, não mais se inscreve no contexto relacional. Apesar desta volatilidade, é possível
perceber que os integrantes reconhecem uns aos outros enquanto membros de um grupo. Sobre
este reconhecimento, Lemos (2004) aponta como um dos elementos que marcam a diferença
entre as comunidades virtuais e as demais agregações eletrônicas da web. As comunidades
virtuais, segundo o autor, são espaços onde membros, em determinado território simbólico,
partilham um “sentimento expresso de afinidade subjetiva”, gerando um tipo de coesão. Esta
coesão gera um envolvimento emocional com o espaço e reforça a identificação entre seus
membros.
O Orkut está repleto de “comunidades” (nome adotado pelo site de relacionamento para
se referir às agrupações de seus usuários) que, em grande maioria, não passam de agregações. Ao
navegar pela “comunidade” U2 Belo Horizonte
32
, por exemplo, percebe-se que ela reúne 35
membros. Criado em 2004, o fórum ainda não completou uma página de tópicos e, a maioria
31
Informação obtida por meio de entrevista feita com o internauta DK, por e-mail, em setembro de 2007.
32
Referência: http://www.orkut.com.br/Main#CommTopics.aspx?cmm=778603. Acesso: 23//06/2009.
72
deles, consiste apenas em divulgação de shows de uma banda cover. Além disso, a última
publicação de mensagem ocorreu há muito tempo, no dia 24 de maio de 2008
33
.
Lemos (2004) enfatiza a importância de haver interações dentro de determinado ambiente
online para que este se configure em comunidade virtual. Para ele, o meio é importante, mas é o
tom das relações que dirá se determinado grupo é ou não uma comunidade do ciberespaço. Os
membros do grupo U2 – Belo Horizonte não conversam entre si. Talvez estejam ali para
mostrarem aos visitantes de seus perfis no Orkut que são moradores de BH, fãs da banda
irlandesa, e nada mais. Em contraste, no e-mail de grupo da Rádio Animix circulam dezenas de
mensagens ao longo do dia. E nas transmissões sonoras, os jovens apresentadores lêem, entre
outras coisas, recados de seus companheiros. Estas ambiências abrigam circuitos interativos que
promovem reconhecimento entre envolvidos e a constituição de laços, dando indícios de que ali
se conforma uma comunidade virtual.
Analisando as características de micro grupos e tribos contemporâneas, Maffesoli (2006)
afirma que eles se fazem a partir de um “sentimento de pertença, em função de uma ética
específica e no quadro de uma rede de comunicação” (MAFFESOLI, 2006, p.224). Ao abordar a
emergência de um tribalismo contemporâneo, o autor não dedicou especial atenção aos grupos
formados no ciberespaço. No entanto, seu trabalho configura-se em importante referencial para
elucidação das práticas comunicativas na web e a formação das comunidades virtuais. André
Lemos (1998) promoveu uma aproximação dos conceitos trabalhados pelo pensador francês ao
contexto digital. Para ele, a dinâmica sócio-técnica que se instaurou neste final de século tem
misturando, de forma inusitada, as tecnologias digitais e a ‘socialidade’pós-moderna, formando a
cibercultura. Ele argumenta que a internet tem contribuído para potencializar uma pulsão
gregária, atuando como vetores de comunhão.
A tendência comunitária (tribal), o presenteísmo e o paradigma estético podem
potencializar e ser potencializados pelo desenvolvimento tecnológico. Podemos
ver nas comunidades do ciberespaço a aplicabilidade do conceito de socialidade
tribal, presenteísta e estética, definido por ligações orgânicas, efêmeras e
simbólicas. (LEMOS, 1998, online)
33
Visitamos a comunidade do Orkut U2 - Belo Horizonte pela última vez no dia 23 de junho de 2009, praticamente
um ano depois da última manifestação de alguém na agregação eletrônica.
73
Cada dispositivo emergente configura-se em nova possibilidade de conexões entre
sujeitos, promovendo o que a escola de Palo Alto chamou de proxemia. O conceito refere-se “às
pequenas histórias do dia a dia, as situações imperceptíveis que, justamente constituem a trama
comunitária”. (MAFFESOLI, 2006, p.198)
Faz-se necessário, no contexto desta pesquisa, marcar uma distinção entre o que
chamamos de tribo e comunidade. As tribos o redes de sujeitos que partilham uma cultura
específica, ou subcultura, que denota práticas singularizadas dentro de processos mais amplos e
estandardizados. Temos, por exemplo, a tribo dos metaleiros, cujos participantes se distinguem
por darem preferência às roupas de cores escuras e por ouvirem um tipo musical específico, o
heavy metal, entre outras características. Os integrantes das tribos contemporâneas podem estar
dispersos pelo mundo, nunca terem se falado, mas partilham sentimentos em relação a um
conjunto específico de símbolos.
As tribos, portanto, dizem de uma agregação mais abrangente, em comparação à
comunidade. Existe a tribo dos metaleiros e, dentro dela, comunidades específicas, grupos
menores, de indivíduos que se reconhecem, sentem-se próximos e partilham sentimentos também
em relação a um território. Como aponta Lemos (1998), as comunidades virtuais do ciberespaço
instituem um território, que não é físico, mas simbólico. Uma tribo pode reunir várias
comunidades e seus membros podem transitar livremente entre elas. Neste trânsito, laços podem
ou não ser constituídos, assim como um compromisso, tanto com a ambiência quanto com
aqueles que nela se inscrevem. Para Maffesoli (2006), o termo laço diz de uma necessidade a
associação. Refere-se, conforme o autor, a ajuda mútua, de formas variadas, “um dever, pedra de
toque do código de honra.” A partir das contribuições do autor, é possível afirmar que os
microgrupos contemporâneos, entre os quais as comunidades virtuais, derivam de um sentimento
de pertença e de uma ética específica.
Nos territórios digitais, de acordo com Urresti (2008), jovens de tribos específicas
conformam uma “telesolidariedade”, que fortalece os processos de constituição comunitária. Na
rede, eles encontram apoio aos seus costumes, destoantes de um padrão. No âmbito das
comunidades virtuais, argumenta o autor, transgressões estéticas são freqüentemente produzidas.
Estas transgressões criam novos hábitos e preferências. No processo de construção de um
território comum, a sociabilidade teoricamente perdida é, na verdade, redesenhada.
74
CAPÍTULO III - A RÁDIO DE UMA TRIBO REMIX E CULTURA DA
CONVERGÊNCIA
Após abordar as interseções entre a internet e a cultura juvenil contemporânea, e
apresentar os debates a respeito de uma sociabilidade em rede, é chegado o momento de detalhar
a empiria desta pesquisa, o grupo de desenvolvedores da Animix em interação. Para realizar tal
tarefa, nos valemos dos conceitos de remix de Lev Manovich (2009) e cultura da convergência,
de Jenkins (2008). Antes de apresentarmos as interfaces da webradio, detalharemos a tribo otaku,
apresentando breve histórico sobre o consumo dos produtos midiáticos japoneses no Brasil. Já na
descrição da Animix, daremos ênfase aos âmbitos que abrigam os circuitos relacionais que serão
analisados na presente pesquisa: uma lista de grupo, que circula numa espécie de e-mail
corporativo da emissora, e o suporte sonoro. Neste momento, será justificada a escolha destas
ambiências, bem como apresentada uma proposta de metodologia para se chegar à resposta do
problema já explicitado na introdução desta pesquisa.
3.1 Do oriente ao ocidente: Otakus, os “filhos do virtual”
Os jovens ouvintes e/ou autores da Rádio Animix fazem parte da tribo otaku, que reúne
fãs de produções midiáticas japonesas. Com o objetivo de elucidar práticas do pequeno grupo
juvenil abordado nesta dissertação, faz-se necessário apresentar as bases desta cultura, isto é, as
produções de uma indústria cultural japonesa, que não apenas dizem de um universo de desenhos
animados, como também de uma série de outras produções, como os quadrinhos mundialmente
conhecidos como mangás e seriados com atores reais.
Os desenhos animados japoneses começaram a ser produzidos na década de 1950,
quando diversos artistas do oriente, influenciados pela animação americana, sobretudo as
produzidas pelos estúdios Disney, começaram a desenvolver seus próprios projetos. No ocidente,
a palavra anime (que em português recorrentemente é pronunciada como animê) designa apenas
os desenhos orientais. no oriente a palavra, que é de origem japonesa, é utilizada para se
referir a qualquer animação, independentemente do local onde foi produzida.
De acordo com a Wikipédia
34
, o primeiro anime a alcançar popularidade no Japão foi A
Lenda da Serpente Branca
35
, da produtora Toei Animation, que estreou em 22 de outubro de
34
http://pt.wikipedia.org/wiki/anime
75
1958. Adaptação de um conto chinês, o longa metragem apresenta a história do jovem Xu Xian,
que possui uma serpente branca, e é obrigado pelos pais a desfazer-se da criatura. Durante uma
tempestade, a serpente, que na verdade tratava-se de um espírito com poderes místicos,
transforma-se numa princesa, e vai ao encontro de Xu Xian, por quem se apaixonou. Porém, um
monge capaz de perceber forças sobrenaturais, pensando que a princesa é um ser maligno,
coloca-se no caminho do casal.
a primeira série animada japonesa foi Astro Boy
36
, em 1963, baseada no mangá de
Osamu Tesuka. Além da popularidade alcançada no país de origem, a animação foi uma das
primeiras a chegarem ao mercado norte-americano. Ambientada num mundo futurístico, onde
andróides convivem com humanos, a série conta a história do cientista Tenma que,
inconformado com a parda de seu filho, Tobio, decide criar um robô para substituí-lo. Assim ele
desenvolve Astro, um andróide que deveria ser clone perfeito de Tobio. No entanto, percebendo
que o robô gradativamente desenvolvia personalidade própria e, portanto, não seria idêntico ao
filho, o cientista decide desfazer-se dele. Entrega-o a um dono de circo. Porém outro cientista,
chefe do Ministério da Ciência, vendo o pequeno robô ser explorado de forma cruel, decide
adotá-lo, dedicando-lhe afeto e carinho. Com o passar do tempo, Astro desenvolve suas emoções
humanas. Após descobrir que possui poderes e habilidades especiais, o pequeno robô decide
proteger a humanidade. O sucesso internacional de Astro Boy incentivou os investimentos na
indústria dos animes, que passaram a ser produzidos em maior quantidade e de forma mais
segmentada.
Diferente do que ocorre no ocidente, onde os desenhos são vistos como “coisa de
criança”, no Japão as animações contemplam uma grande variedade de públicos. Existem, por
exemplo, desenhos com conteúdo pornográfico, os chamados hentais, voltados para adultos. E os
próprios hentais são ramificados em diversas categorias, entre elas, yaoi, destinada aos
homossexuais do sexo masculino, e yuri, destinada aos do sexo feminino.
Esta acentuada segmentação é uma herança dos mangás. De acordo com o jornalista
Étienne Barral (2000), os estrangeiros que vão ao Japão pela primeira vez sempre se espantam ao
verem adultos lendo, em locais como o metrô, revistas de histórias em quadrinhos. Geralmente
35
Hyakujaden, no original.
36
Tetsuwan Atom, no original.
76
os mangás mais populares despertam o interesse dos estúdios de animação, que adaptam as
histórias para veiculação na TV ou cinema.
Segundo Alexandre Negado (2007), jornalista brasileiro autor do Almanaque da Cultura
Pop Japonesa, o primeiro anime a ganhar grande repercussão mundial foi Speed Racer
37
, em
1967, do autor Tatsuo Yoshida. A produção conta a história de um jovem piloto de corrida, que
conduz um carro desenvolvido por seu pai, o Match 5. Ele se envolve em inúmeras aventuras,
que as corridas eram disputadas em locais inusitados, como desertos, selvas e até dentro de um
vulcão. A série faz sucesso ainda hoje, tanto que se tornou, em 2008, filme de Hollywood, com
roteiro, produção e direção dos irmãos Larry e Andy Wachowski, conhecidos pela trilogia
Matrix (The Matrix, 1999; The Matrix Reloaded, 2002; The Matrix Revolutions, 2004). No
Brasil, o anime Speed Racer foi exibido em meados da década de 1970, pela extinta TV Tupi.
Mas, os primeiros desenhos animados japoneses chegaram um pouco antes ao país. Na década de
1960, As séries Eight Man (Oitavo Homem, de 1963) e Uchu Ace (Ás do Espaço, 1964) abriram
o mercado brasileiro para esses produtos. A série Eight Man conta a história de um detive que,
após assassinado, foi revivido por um cientista por meio de implantes mecânicos. Desde então
tornou-se um super herói. o seriado Ás do espaço é sobre um garoto extraterrestre que,
perseguido por seres espaciais, refugia-se na Terra. Desde então ele luta para evitar que estas
criaturas destruam o planeta.
Na década de 1980, as emissoras nacionais decidiram investir em seriados do oriente com
“atores reais”, séries conhecidas como Tokusatsu (palavra que surge da abreviação da expressão
japonesa tokushu satsuei”, que significa filmes com efeitos especiais). Talvez os tokusatsu de
maior sucesso na TV brasileira, na época, foram Changeman e Jaspion, que passaram na extinta
Rede Manchete. Changeman conta a história de cinco jovens que recebem poderes especiais para
proteger a Terra de uma invasão alienígena. Jaspion, por sua vez, é um super herói que viaja pelo
espaço. Ele chega a Terra perseguindo seus arqui-inimigos, o maligno Satan Goss, um ser
gigantesco capaz de despertar e controlar monstros, e seu filho, MacGaren. A repercussão destes
seriados incentivou as emissoras nacionais a investirem em outros tokusatsu, deixando os animes
em segundo plano.
37
Maha Go Go Go, no original
77
Figura 3: Jaspion, tokusatsu de sucesso nos anos 1980
38
Porém, os animes não foram abandonados completamente. Entre 1983 e 1985ª, a Rede
Manchete exibiu Pirata do Espaço (Groizer X, no original). Na animação, um grupo de
extraterrestres em expedição na Terra é afligido por um traidor. O malévolo Geldon decide
construir um império no planeta, usando uma “super espaçonave” chamada Pirata do Espaço.
Porém, uma das integrantes do grupo chamada Rita, discordando dos propósitos de Geldon, foge
com a máquina. Realizando um pouso de emergência numa ilha do Japão, a jovem é socorrida
pelo cientista Tobishima e pelo piloto de acrobacias Joe Kaizaka. A partir de então, o trio,
utilizando o Pirata do Espaço, passa a lutar para defender o Planeta. A produção fez sucesso no
Brasil, assim como outras, como Don Drácula, também exibida pela Manchete em meados da
década, e Favo de Mel
39
, veiculada no SBT entre 1987 e 1989. Porém, na TV brasileira durante
os anos 1980 prevaleceram os tokusatsus. Além dos live action apresentados, foram veiculadas
por aqui as séries Flashman, Cybercops, Jiraya, Jiban, Kamen Rider Black, além dos cultuados
Ultraman e Spectreman.
38
http://www.tokubrasil.com.br/jaspion Acesso: 20/02/2009
39
Honey Honey no Suteki na Bouken, no original
78
A presença das animações nipônicas de forma mais contundente no Brasil ocorreu após
1994, quando a Rede Manchete começou a exibir a série Saint Seiya, cuja história é baseada no
mangá de mesmo nome, do autor Masami Kurumada. Na série, a cada 200 anos a deusa Athena
vem à Terra com a missão de evitar que os outros deuses dominem o planeta. Para cumprir tal
objetivo, ela conta com a ajuda de jovens guerreiros, protegidos com armaduras sagradas. Athena
e os cavaleiros, num ambiente cheio de referências às mitologias, lutam para defender a
humanidade. No Brasil, o desenho ficou conhecido como Os Cavaleiros do Zodíaco e seu
sucesso estimulou a importação de outros animes, também com considerável repercussão. A
redescoberta estimulou, inclusive, o mercado editorial brasileiro, que começou a publicar os
mangás e outras revistas, especializadas no segmento.
40
Seguindo herança de Os Cavaleiros do Zodíaco, os animes de maior sucesso no Brasil,
atualmente veiculados na TV, têm sido aqueles voltados para o público jovem masculino, que no
Japão são classificamos como shonen. Segundo Barral (2000), as histórias destes seriados são
baseadas em três conceitos-chave: “Esforço, Amizade e Vitória” (BARRAL, 2000, p.121). O
anime Bleach, veiculado no canal a cabo Animax, é um exemplo. Com autoria de Kubo Tite, o
mangá Bleach começou a ser publicado em janeiro de 2004, enquanto o anime é exibido desde
outubro do mesmo ano. Esta “narrativa transmidiática” é protagonizada pelo personagem
Kurosaki Ichigo, um adolescente que recebe a missão de proteger o mundo de espíritos malignos,
após ganhar poderes sobrenaturais. Em suas aventuras, ele conta com a ajuda de amigos, sempre
dispostos a se sacrificarem pelo bem do protagonista que, por sua vez, também não mede
esforços para protegê-los. Ao longo da história, são mesclados momentos de humor e romance
adolescente com cenas de extrema violência, que incluem decapitações e tortura.
A presença destas cenas é característica deste gênero de animação e, atualmente, por
causa do exagero nas doses de agressividade, são considerados inapropriados para veiculação no
horário matutino, quando as emissoras de TV aberta mantêm seus programas especializados em
veicular desenho animado. Pela Classificação Indicativa de programas televisivos, criada pelo
governo federal por meio da Portaria mero 1.220, de 11 de julho de 2007, que regulamenta as
disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, tais animes poderiam ser exibidos apenas à
40
Matéria do jornalista Alexandre Negado, veiculada no site de entretenimento Omelete, que anuncia o retorno da
série para a TV fechada, afirma que ela foi “o maior fenômeno da animação japonesa no Brasil (...) Lançada no
Brasil em 1994, na extinta TV Manchete, Cavaleiros do Zodíaco gerou verdadeira histeria e uma febre de consumo
sem precedentes em território nacional”. (NEGADO, A. Cavaleiros do Zodíaco de Volta. In: Site Omelete. Acesso:
27/06/2009).
79
noite, período que, em tese, crianças menores não estariam diante da TV. A partir da Portaria, e
para continuar veiculando as séries durante o dia, as emissoras têm “editado” os animes,
retirando cenas que poderiam enquadrá-los como inapropriados para o consumo infantil.
No entanto, as mudanças na lei não têm impedido que o público tenha acesso às obras
originais. Via internet eles fazem download de episódios completos, por meio dos programas de
compartilhamento ou de sites especializados. É possível também adquirir os DVDs com os
episódios, sem cortes, em lojas dedicadas aos animes. Inclusive no mercado informal,
especialmente em barracas de camelô, não é difícil encontrar certos DVDs piratas, que são
produzidos a partir dos episódios “baixados”.
Portanto, pela cultura dos fãs no ciberespaço, o acesso aos animes não mais se dá
exclusivamente a partir de suas veiculações televisivas. Existem vários sites, fóruns, blogs, etc.
dedicados a produções que sequer foram licenciadas no Brasil, mas que foram, de alguma
forma, acessadas pelo público brasileiro. Barral (2007), ao abordar a rede mundializada de fãs
consumidores dos produtos derivados de franquias japonesas, refere-se à tribo otaku como “os
filhos do virtual”, devido à forte relação existente entre o desenvolvimento da internet e a
expansão desta cultura tribal.
Jovens de países em que as produções japonesas não foram licenciadas, ou apareciam de
forma modesta em relação àquelas vindas do mercado norte-americano, podem acessar o
universo das produções orientais e seus consumidores, a partir de qualquer terminal conectado à
rede. No Brasil, onde predominam os desenhos ocidentais, percebe-se a força de uma
cibercultura dos animes a partir de uma simples navegação pelos portais de busca. Ao digitar o
verbete “animes” no Google, utilizando o filtro para elencar apenas sites brasileiros, encontra-se
dois milhões 770 mil referências.
Grande parte do universo destes sites foi concebida por fãs que, para Jenkins (2008),
configuram-se nos primeiros “a adotar e usar criativamente as dias emergentes.” (JENKINS,
2008, p.37). No rol de publicações na web dedicadas aos animes, entre blogs, comunidades do
Orkut, etc. estão os fansubbers e fandubbers. O grupo brasileiro OMDA
41
é exemplo de
fansubber, termo que denota sites de fãs especializados na criação de legendas para séries.
Vivendo de doações dos mais de 10 mil usuários cadastrados em seu fórum, o grupo reúne uma
equipe de voluntários encarregados de traduzir, revisar e sincronizar as legendas, para depois
41
http://www.omda-fansubs.com
80
disponibilizá-las gratuitamente aos fãs. Menos freqüentes que os fansubbers, os fandubbers são
grupos de fãs que se dedicam à dublagem dos episódios. Matéria da revista eletrônica Info
Online, do grupo Abril, assim define a prática:
Os fandubbers funcionam como estúdios virtuais de dublagem. Tudo é feito via
internet. Fundadora do fandubber Iczelion Studios
(www.iczelionstudios.cjb.net), a estudante Tatiana Ferreira Filgueiras, 20 anos,
de Curitiba, dirigiu a dublagem de dois episódios da série Chaobits. As reuniões
do grupo, com membros espalhados pelo Brasil, foram feitas com o mensageiro
Pal Talk (BENATTI, Luciana. O fã vira dublador. Maio/2005).
Enquanto os fansubbers disponibilizam os episódios legendados um ou dois dias após sua
veiculação na TV japonesa, a periodicidade dos fandubbers é mais irregular. A justificativa,
conforme a matéria é a complexidade envolvendo o processo de dublagem. “Por se tratar de um
processo lento e trabalhoso, muitos grupos acabam desistindo no meio do caminho. Ou então
passam um bom tempo sem novidades” (BENATTI, 2005, online). Tanto fansubbers quando
fandubbers põem a circular os episódios traduzidos a partir das redes P2P
42
, dificultando o
rastreamento daqueles que combatem a pirataria.
Além dos sites dedicados à dublagem e às legendas, existem aqueles especializados na
divulgação de informações. Se auto-intitulando “fã clube oficial”, o site
http://www.cavzodiaco.com.br, no ar desde 2002, veicula notícias relacionadas à franquia Os
Cavaleiros do Zodíaco. Com atualizações diárias, é mantido pelos internautas Eduardo Vilarinho
e Walter Tomin Neto, ambos com 26 anos. Seu fórum conta com 22 mil 211 fãs cadastrados
43
. A
partir de estatísticas divulgadas pela própria gina, e de uma rápida navegação, é possível
perceber que ele recebe atualizações diárias. Média de 51,55 notícias por mês.
O alto número de acessos obtido pelo site motivou as empresas que detém os direitos da
série no Brasil a procurarem os dois webmasters, que se tornaram uma espécie de consultores
nos processos de adaptação dos produtos relacionados à franquia ao contexto brasileiro. O
objetivo explícito é atender aos anseios dos fãs. Como relatam no próprio site, os dois internautas
42
As redes P2P (peer-to-peer) são descentralizadas, formadas pela interligação de computadores, por meio de algum
(uns) dos muitos tipos de softwares de compartilhamento. Ao mesmo tempo em que o usuário faz download de um
arquivo ele disponibiliza aqueles que já “baixou” e que se encontram na pasta de compartilhamento do programa,
para os demais usuários. A maioria dos softwares de compartilhamento P2P segue uma lógica: quanto mais arquivos
o usuário compartilha, mais rápido é seu download. Por estes arquivos não estarem hospedados em um site
específico, ou sendo distribuídos por um único internauta, torna-se difícil apontar um responsável pela difusão em
massa, dificultando o trabalho daqueles que combatem a circulação ilegal de produtos.
43
Número de fãs cadastrados no dia 27/06/2009.
81
são chamados a opinar sobre a tradução de falas, adaptação de músicas/temas de abertura e
mesmo sobre as capas de DVDs e mangás. Tratados como parceiros, os webmasters realizam
sorteios de brindes, como cartões postais, oferecidos pelas empresas responsáveis pelo
licenciamento. Por estabelecerem relação de parceria, estes fãs não divulgam aquilo que foge aos
interesses do mundo corporativo. Diferentemente do que ocorre em sites fansubbers, eles não
promovem a circulação informal dos animes, estabelecendo uma relação colaborativa com a
indústria midiática.
Conforme Jenkins, o paradigma da convergência “presume que novas e antigas mídias
irão interagir de formas cada vez mais complexas” (JENKINS, 2008, p.31). A partir dos
exemplos é possível perceber como a prática dos consumidores fãs, com suas mídias
estabelecidas no ciberespaço, e as instâncias produtoras, caracterizam-se por uma mútua
afetação. No caso dos fansubbers, ao promoverem a comumente chamada pirataria, a relação é
de tensão. no site de fãs dedicado à série Os Cavaleiros do Zodíaco, a relação é de
contigüidade. Na atual cultura da convergência, segundo o autor, “velhas e novas mídias
colidem, (...) mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, (...) o poder do produtor de mídia e
o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (JENKINS, 2008, p.27).
3.2 A comunidade Animix: jovens processando remixagens
A Rádio Animix, assim como muitas outras publicações da web dedicadas à cultura
otaku, pode ser entendida, a partir de Primo (2008), como micromídia digital , conceito derivado
da tipologia de níveis midiáticos propostos por Thornton (1996) mídia de massa, mídia de
nicho e micromídia. De forma sucinta, a mídia de massa é aquela que se dirige a grandes
audiências, como os canais abertos de TV. A mídia de nicho seria a segmentada, que visa um
público específico de consumidores. As micromídias seriam aquelas com baixa circulação e
públicos menores. Já a micromídia digital seria uma subcategoria proposta por Primo, que
abarcaria produções na web em que o “prazer de publicar pode ser uma condição suficiente”
(PRIMO, 2008, p.5).
Os jovens que trabalham na Rádio Animix são voluntários. Articulam-se para manter não
a programação diária, mas também seu site, além de organizarem coberturas de eventos.
Embora a emissora veicule anúncios comerciais tanto no site quanto nos programas, o dinheiro
arrecadado somente cobre os gastos de manutenção, como pagamento de servidores de internet.
82
As motivações que levam seus autores a trabalharem certamente não são de ordem financeira,
que nestes anos de existência a emissora não representou nenhum tipo de renda para eles. Temos,
portanto, um típico exemplar de micromídia digital.
Primo (2008), assim como Jenkins (2008), argumenta que a relação entre mídias de
diferentes níveis não é de exclusão. O autor aponta para a existência de uma intertextualidade
entre veículos, chamada por ele de “encadeamento midiático”. No caso da Animix esta
interpenetração é clara. Afinal, ela é uma webradio criada a partir de produtos da mídia massiva,
franquias cujo “carro chefe” são as animações televisivas, e seus jovens autores m a intenção
de um dia torná-la rentável, característica de mídia de nicho. Neste sentido, é possível afirmar
que a Animix, assim como qualquer outra publicação de fãs destinada à animação japonesa, é
uma forma de reforçar o culto aos produtos da indústria da cultura e entretenimento, mas, ao
mesmo tempo, é a manifestação de uma leitura singular, desenvolvida a partir do consumo
midiático, sobretudo o televisivo.
A emissora foi criada em 2004, pelos internautas Kaneda e DK, que freqüentavam um
mesmo chat dedicado aos animes e, durante as conversas, descobriram um gosto comum pelas
canções que compõem a trilha sonora destas produções. Resolveram, então, montar uma rádio na
internet dedicada à veiculação destas músicas. Desde então, vários internautas participaram do
projeto. Um dos fundadores, Kaneda, afastou-se das atividades logo nos primeiros meses. Assim
como ele, vários se envolveram nos processos de desenvolvimento da emissora, mas, com o
passar do tempo, desligaram-se. No último levantamento feito para este trabalho
44
a Rádio
Animix contava com a colaboração de 29 internautas, brevemente apresentados nesta tabela:
44
Levantamento feito em setembro de 2008, com o auxílio de um dos administradores da pequena comunidade,
Alberto-Kun.
83
Tabela 02 – “Staff” da Rádio Animix
Nickname Idade Função Cidade/Estado onde mora
DK 24 anos Administrador/fundador São Paulo/SP
Alberto-Kun 15 anos Administrador/webmaster Goiânia/GO
Xandao 19 anos Apresentador Campo Grande/MS
Lyne-chan 16 anos Locutora Blumenau/SC
Misao Makimachi 16 anos Locutora Belo Horizonte/MG
Bacon 19 anos Webmaster São Roque/SP
Zeusb 18 anos Apresentador Rio de Janeiro/RJ
Firen 17 anos Administrador/Locutor Ribeirão das Neves/MG
Eilanzer 22 anos Locutor Belo Horizonte/MG
Danixan 18 anos Adminstradora/Locutora São Paulo/SP
Hao 23 anos Apresentador São Paulo/SP
Rayshi 17 anos Apresentador Pflugerville/Texas
Stryfe 16 anos Apresentador Blumenau/SC
Dezessete 18 anos Administrador/apresentador São Paulo/SP
Sakebel 22 anos Apresentadora Brasília/DF
Joekyy 19 anos Administrador/apresentador São Paulo/SP
Bloodao 17 anos Apresentador São Paulo/SP
Sakura_Kinomoto 19 anos Apresentador São Caetano do Sul/SP
Maniac 20 anos Apresentador Niterói/RJ
Lika-chan 15 anos Apresentador Mogi das Cruzes/SP
Takabekun 17 anos Apresentador Brasília/DF
Akari 16 anos Apresentador Rio de Janeiro/RJ
Gendou_Ikari 19 anos Apresentador Rio de Janeiro/RJ
Momo-be 18 anos Apresentador Londrina/PR
Bife 18 anos Apresentador São José dos Campos/SP
Tanaka 18 anos Apresentador São Bernardo do Campo/SP
Lan-Di 23 anos Apresentador São Paulo/SP
Shakugan 19 anos Apresentador Petrópolis/RJ
Arkanjo 17 anos Apresentador Santo André/SP
84
Pela tabela, é possível perceber a predominância de internautas paulistas na comunidade
(13 no total). Em seguida, verifica-se a presença de cariocas (5) e mineiros (3). Dois
participantes são do Distrito Federal. Internautas de Goiás (1), Mato Grosso do Sul (1) e Santa
Catarina (1) completam o grupo, além de um brasileiro que mora nos EUA/Texas. Segundo
dados obtidos junto a administração da comunidade, o site da emissora recebe, em média, quatro
mil visitas diárias
45
. A programação mantém média de audiência de 100 internautas por
minuto
46
.
Além das interfaces confeccionadas pelos usuários da emissora, existem comunidades em
redes sociais, como na plataforma Last.FM e no site de relacionamentos Orkut, dedicadas à
Animix. A mais popular é a do Orkut, com nove mil 428 membros.
47
A Rádio Animix é evidência empírica do que Manovich (2009) chama de cultura do
software. mostramos no capítulo anterior o pensamento deste estudioso das novas mídias, que
percebe na contemporaneidade um domínio dos programas informáticos em praticamente todas
as instâncias da vida social e, conseqüentemente, também nos processos de produção cultural.
(…) nossa sociedade contemporânea pode ser caracterizada como uma
sociedade do software, e, nossa cultura, pode ser chamada de cultura do
software, porque hoje o software tornou-se base tanto dos elementos materiais,
quanto das estruturas imaterias que formam a cultura (MANOVICH, 2009,
p.15).
A cultura dos animes no Brasil deve muito a este domínio, pois em grande parte é via
programas informáticos que séries, games e músicas japonesas são compartilhados. A rede otaku
se expande com a informatização. Da mesma forma, a constituição de uma emissora radiofônica
por um grupo de jovens é viável graças à digitalização. Desenvolver uma emissora no
ciberespaço é um processo infinitamente mais simples, se comparada à empreitada de estabelecer
uma rádio em formato tradicional.
Para se fazer uma rádio hertziana é preciso investir em caros aparelhos eletrônicos, como
transmissores e antenas, e em profissionais capacitados para manuseá-los. Também são
necessárias instalações físicas, como estúdios e centrais técnicas. no que se refere à
implantação de uma webradio, os custos são próximos à manutenção de um website comum.
45
Dados fornecidos pelo internauta DK, em entrevista por e-mail realizada em 2007.
46
Dados obtidos por monitoração dos níveis de audiência por meio do link disponibilizado pelo servidor streaming
da emissora. As variações de audiência podem ser acompanhadas pelo http://ouvir.radioanimix.com.br.
85
Antenas e transmissores são dispensáveis, pois a difusão é pela internet. E equipamentos
eletrônicos, como a mesa de áudio
48
, também não são fundamentais, pois podem ser emulados
por meio de programas de computador.
As webradios encontram-se no rol das chamadas novas mídias, que se caracterizam por
um descolamento entre hardware e software. De acordo com o Manovich (2009), o termo
“novas” justifica-se pela ampla possibilidade em se adicionar propriedades a estes meios,
relacionadas às inovações técnicas de software. Nas novas mídias, o software é mais importante
que o hardware. nos dispositivos mais tradicionais, hardware e software têm importância
equivalente, permitindo pouca mobilidade. É o computador quem introduz a separação entre
estas duas dimensões, com o processo de digitalização de linguagens. De 2007, quando
começamos a acompanhar as dinâmicas interativas da Animix, à 2009, quando iniciamos a
escrita deste trabalho, percebemos inúmeras transformações nas interfaces gráficas da emissora.
As duas figuras que seguem, mostram rearranjos em seu site.
Figura 4 – Site Antigo
49
48
A mesa de áudio é um centro de comando que permite ao profissional da área técnica modular o som de todos os
aparelhos, como CD Players e microfones, além de realizar mixagens.
86
Figura 5 – Site Novo
50
Percebe-se fartura no uso de recursos como cores e imagens na composição deste
dispositivo. Existe ainda um espaço para reprodução de vídeos. Quando a gina é acessada,
automaticamente a programação da Animix é tocada. Bretas (2000), em sua tese de doutorado,
destacava como característica das produções de uma geração jovem na internet a não
economia de elementos audiovisuais. “Prevalecem estilos de narrativas próprios (...), repletos de
cores, sons e movimentos” (BRETAS, 2000, p.107).
A infra-estrutura que é precondição para estas criações, segundo Manovich (2009), deriva
de um paradigma que se constituiu, em grande parte, graças ao trabalho de Alan Kay, na década
de 1970. O conceituado programador, inventor do laptop, e sua equipe na Xerox PARC,
idealizaram fazer do computador uma plataforma de edição e criação de todas as mídias
49
http://www.radioanimix.com.br Acesso: 09/09/2007.
50
http://www.radioanimix.com.br Acesso: 20/06/2009
87
existentes. Desde então, desenvolvedores vem trabalhando em busca de oferecer ferramentas
cada vez mais intuitivas para a concepção via informática.
Segundo Manovich (2009), as primeiras mídias, nascidas no ambiente multimídia,
limitavam-se a imitar as antigas, um processo considerado por ele recorrente na história dos
meios de comunicação. Ele conta, para ilustrar, que logo após Gutemberg inventar a imprensa, as
primeiras cópias da bíblia buscavam reproduzir letras manuscritas. É com o tempo que os
dispositivos emergentes encontram suas características particulares e linguagens específicas.
Hoje, Manovich (2009) percebe uma nova etapa das mídias nascidas no domínio do computador.
Em vez de um simples convívio de linguagens preexistentes, que caracteriza a multimídia, ele
aponta para a existência de fusões, de hibridizações.
A imbricação de linguagens, chamada por diversos autores de convergência, caracteriza o
conceito de “remixagem profunda” (deep remixability), de Manovich (2009). O autor é avesso ao
termo convergência, que denota, conforme afirma, confluência em um único ponto ou
denominador comum. No que diz respeito às imbricações de linguagens midiáticas, ocorre
justamente o contrário. A hibridização oferece uma rica gama de possibilidades e uma
imprevisibilidade no que se refere ao desenvolvimento de interfaces. Neste novo momento, o
computador multimídia torna-se, de acordo com Manovich (2009), um metamedium,
configurando-se numa espécie de incubadora das mais diferentes e inesperadas formas de meios
de comunicação.
A imprevisibilidade no que se refere aos novos produtos desenvolvidos a partir da
aproximação das linguagens fluidas e sua mutabilidade acelerada podem ser fatores responsáveis
pela grande dificuldade em se classificar os dispositivos midiáticos emergentes, agrupando-os
em gêneros. Os termos webradio, rádio virtual, rádio online, por exemplo, são empregados
como sinônimos para se referir aos mais variados dispositivos sonoros que habitam o
ciberespaço. De listas musicais que podem ser reproduzidas nos grandes portais de conteúdo
(playlists), passando pelos podcasts (arquivos de áudio que podem ser automaticamente
“baixados”, por meio de programas indexadores) e até sites de redes sociais
51
, basicamente tudo
que traz o som como suporte principal é taxado pelo senso comum, inclusive por representantes
das indústrias de mídia, como o “rádio virtual”, “rádio online”, “webradio”, etc.
51
A plataforma Last.FM é baseada no compartilhar de listas musicais. Seu nome é clara referência às emissoras
radiofônicas de Freqüência Modulada. Sua url é: http://www.lastfm.com. Acesso: 20/04/2009.
88
A academia, por sua vez, por meio de recentes pesquisas, tem entendido por webradio as
emissoras com existência exclusiva na internet e que transmitem em fluxo contínuo. Este tipo de
transmissão é caracterizado por uma sincronia entre o momento de emissão e o de recepção,
como ocorre nas emissões radiofônicas tradicionais. Trata-se da única forma pela qual é possível
uma programação ao vivo. Trabalhos como os de Medeiros (2007) e Prata (2008) salientam a
importância desta sincronia como característica das webradios. Para Medeiros, elas o
hospedadas em um endereço da web (www) e sua programação é veiculada em um fluxo em que
“o usuário acessa a transmissão sonora que se encontra em andamento.” (MEDEIROS, 2007,
p.3). Prata (2008), por sua vez, já na metodologia de sua pesquisa, promete analisar 30
emissoras radiofônicas, com vistas a identificar singularidades na linguagem do rádio na
internet”, separando-as em três categorias: hertzianas, hertzianas com presença na web e
webradios, termo empregado pela pesquisadora para se referir aos dispositivos sonoros com
existência exclusiva no ciberespaço.Com base nestas pesquisas, a Animix pode ser classificada
como webradio, por apresentar uma transmissão que privilegia o “ao vivo” e existir
exclusivamente no ambiente digital.
A transmissão sonora nas webradios convive com outros tipos de linguagem. O pequeno
recorte do site da Animix, apresentado no fim deste parágrafo, mostra a foto do apresentador do
horário em destaque. Ao seu lado, informações como seu nickname, endereço de e-mail
cadastrado no MSN
52
. Abaixo, destacado de cinza, a música que estava tocando no momento em
que a imagem foi capturada. É uma acentuada remixagem de som, texto e imagem.
52
MSN é o programa de troca de mensagens instantâneas (bate-papo) da Microsoft.
89
Figura 6 – Remixagens
53
Diferentemente do que ocorre nas rádios tradicionais, a imagem do locutor na Animix
não se configura num mistério. A foto do DJ que está apresentando um programa é o destaque do
site. Verifica-se, portanto, a hibridização de uma linguagem radiofônica com a fotográfica.
Paralelamente, textos informam ao ouvinte/internauta sobre o programa que está “no ar”, bem
como sobre aquele que o conduz. Reportagens e entrevistas podem ser lidas, ao mesmo tempo
em que se escuta a programação. Letras, imagens e sons imbricam-se.
O termo deep remixabilityé adotado por Manovich (2009) para marcar a diferença
entre o atual fenômeno inaugurado pelo computador metamedium do outro precedente no campo
53
http://www.radioanimix.com.br Acesso: 20/05/2009.
90
das mídias. Segundo ele, desde os anos 1970, ocorrem remixagens. Naqueles tempos, DJs em
suas pick ups, por exemplo, animavam as pistas de dança misturando sons de diferentes tipos.
No entanto, com a digitalização, argumenta o autor, este remix tornou-se menos oneroso e com
resultados mais profundos, tanto no que diz respeito à mistura de linguagens quanto no que se
refere aos processos cognitivos.
A “remixagem profundatambém diz de um processo que aponta para o surgimento de
novas técnicas, métodos de trabalho, formas de expressão e representação baseadas na cultura do
software. Estas novidades gradativamente também são apropriadas pelas mídias tradicionais, que
se não são tão mutáveis quanto as que habitam o ciberespaço, não permanecem estáticas. Hoje,
por exemplo, é comum a TV veicular vídeos originados da internet, de portais como o
YouTube
54
. Cada vez mais, as mídias tradicionais dependem de peritos em lidar com programas
informáticos, pois os atuais modos de produção baseiam-se no universo dos computadores.
As mídias sociais que nascem na rede são um fenômeno privilegiado para aqueles que
querem observar como as ferramentas computacionais podem ser acionadas para a elaboração de
produções. No caso da Animix, o computador é, ao mesmo tempo, o estúdio, a mesa de áudio e o
aparelho receptor dos ouvintes. As vinhetas o editadas em softwares como o SoundForge e
Vegas, que não são gratuitos, mas possuem versões “crackeadas”
55
circulando no ciberespaço.
Existem ainda opções de software livre, como o Audacity. A veiculação destas vinhetas e das
músicas pode ser feita pelos programas conhecidos como players, como o Winamp e o Windows
Media Player. Para este propósito, existem ainda softwares mais “profissionais”,
especificamente desenvolvidos para a automação de rádios, como o Zara Radio (que é gratuito) e
o SAM Broadcaster, que é o utilizado pelos desenvolvedores da Animix.
Até a organização do trabalho de manutenção destas mídias também pode ocorrer nas
ambiências do computador. Em vez de redações ou escritórios, as articulações acontecem via
chat ou e-mail. Os jovens envolvidos no projeto Animix têm, no e-mail de grupo, um local
privilegiado para seus encontros. Cada um possui uma conta de e-mail vinculada à emissora,
cujo domínio é @radioanimix.com.br. Por meio desta conta, podem estabelecer conversações
generalizadas. As mensagens encaminhadas para a lista de discussão [email protected]
54
http://www.youtube.com
55
Internautas chamam de “crackeados” aos programas pagos protegidos por leis de copyright, que por meio de
alterações feitas por hackers, podem ser executados de forma gratuita, eliminando a necessidade de chaves de
ativação ou registro de propriedade. São comumente chamados de programas “pirateados”.
91
são endereçadas a todos os participantes. Esta lista, de acesso restrito ao “staff da rádio”
configura-se na principal ambiência da comunidade formada pelos autores da emissora.
3.4 Proposta metodológica
Esta descrição das interfaces da Animix à luz das teorias de Lev Manovich permite uma
compreensão das webradios como um dispositivo diferente do rádio convencional. As mudanças
se dão desde o processo de produção, passando pelo produto em si, até as formas de recepção.
Manovich (2009) ao analisar a fotografia digital, diz que ela pode ser considerada um tipo de
reprodução, imitação àquela produzida em suporte fílmico. Mas na verdade, por estar inserida
numa interface gráfica do computador, ela produz significações diferentes em relação à sua
correspondente numa cultura impressa. A fotografia digital pode ser modificada inúmeras vezes
e combinada com outras imagens, enviada para outras pessoas com o esforço de um click,
inserida em qualquer tipo de texto ou layout. Da mesma forma, o som característico do rádio
convencional sofre mutações quando imerso ao ambiente informático, podendo ser recombinado
com diversos outros elementos. Conforme Manovich (2009), as versões de mídias convencionais
desenvolvidas a partir da informatização produzem experiências distintas às suas
correspondentes que habitam o mundo offline.
Assim, trabalhos acadêmicos que se dediquem a investigações sobre estes dispositivos,
enquanto novos fenômenos da linguagem são pertinentes e necessários. Porém, desde já, é
importante salientar que esta não é a proposta principal deste trabalho. O que aqui se objetiva é
alcançar as motivações partilhadas que levam um grupo de jovens a constituírem
voluntariamente uma webradio. Para atingir esta meta, partimos em busca da dimensão estética
que une estes internautas, instituída por um conjunto de relações pautadas por uma cultura pop
japonesa e conformadas por um dispositivo específico. A proposta é identificar as motivações
observando este grupo no processo de constituição da emissora, onde aparecem expectativas e
frustrações.
As expectativas estão relacionadas ao conjunto de normas inerentes a determinado grupo.
Deste modo, a pergunta que abre os questionamentos secundários é: quais normas regem a vida
desta pequena comunidade instaurada pela Animix? Desta dimensão normativa deriva o
conjunto de papéis exercidos por cada internauta. É também objetivo identificar qual arranjo
92
hierárquico se estabelece nas interações nas quais se inscrevem os autores da Animix, buscando
perceber quem ocupa posições centrais na rede formada pela emissora.
Conforme abordado nos capítulos precedentes, o ciberespaço inaugura novas formas de
sociabilidade. Então, quais temáticas são abordadas na sociabilidade entre estes jovens? Eles se
aproximam pelo simples prazer de um estar junto? Ou simplesmente conversam sobre os
afazeres da rádio? Como eles estão envolvidos em processos interativos com uma audiência?
Qual forma tem a relação que eles estabelecem? Tratam seus ouvintes como simples audiência
ou como amigos?
Dado o grande número de interfaces que conformam a Rádio Animix, foi feito um recorte
metodológico que contempla duas: a lista de discussão todos@radioanimix.com.br e a emissão
sonora. Além disso, no fechamento desta investigação, realizamos entrevistas com os
apresentadores. Braga (2008) afirma ser importante, no estudo da CMC, a adoção de múltipos
métodos de pesquisa para o entendimento dos fenômenos da cibercultura em sua complexidade.
Assim, além de nos dedicarmos às diversas ambiências, delineamos uma abordagem que
combina análises de conteúdo e do discurso, para estudo da emissão sonora, e das conversações,
para o e-mail de grupo. Estas abordagens, de cunho qualitativo, foram precedidas de um
levantamento quantitativo.
As transmissões da Animix marcam o encontro dos autores da emissora com sua
audiência. É o momento em que o grupo abre-se para um contexto relacional mais amplo.
Interessou-nos, sobretudo, os momentos de programação ao vivo, que conta com a atuação de
um DJ, justamente para perceber como se o contato destes com seu público. Para detalhar
melhor a programação da emissora, realizamos análise de conteúdo em seis programas, ao longo
de uma semana. Posteriormente, selecionamos duas produções para uma análise do discurso,
realizada à luz do contrato de comunicação proposto por Charaudeau (2006). O objetivo foi
buscar intencionalidades dentro das falas. O estudo da programação consistiu na segunda fase da
pesquisa. Antes de entender quais experiências vivenciam os apresentadores no contato com uma
audiência, observamos como eles convivem enquanto grupo.
93
3.4.1 Cooperação e sociabilidade na lista da Animix
A lista de discussão, primeiro corpus estudado nesta empiria, é o lugar mais acionado
pelos membros da Animix para conversações particulares à comunidade de desenvolvedores. Em
observações preliminares, foram identificados outros dois espaços que potencialmente poderiam
ser analisados: um chat privativo ao staff da emissora e outro público, que reúne apresentadores e
ouvintes. No entanto, enquanto o chat de acesso restrito tem pouca movimentação, se comparado
à lista de discussões, o chat público está em processo de desativação. Os usuários desta sala de
bate-papo, na maior parte do tempo, permanecem em “silêncio”, usando apenas o mecanismo de
envio de mensagens aos apresentadores para leitura no ar”. Estes dois chats são canais de IRC,
rede muito popular no final dos anos 1990, acessada por meio de um programa chamado mIRC,
mas que hoje é freqüentada apenas por públicos específicos, interessados sobretudo em troca de
arquivos e suporte técnico. De acordo com DK, a Rádio Animix planeja lançar um novo chat,
que efetivamente promova um bate-papo aberto entre os autores da emissora e o público.
A lista de discussão circula numa espécie de “e-mail corporativo”, constituído a partir de
um serviço oferecido pela Google Inc. Por isso, sua interface gráfica é bastante semelhante à do
Gmail
56
.
56
O Gmail é o serviço de e-mail disponibilizado gratuitamente pela Google Inc.
94
Figura 7: Interface do Gmail
57
Figura 8: Interface do e-mail @radioanimix.com.br
58
57
http://gmail.google.com Acesso: 20/06/2009
58
http://email.radioanimix.com.br Acesso: 05/11/2008
95
Quando o usuário acessa a lista de discussão, tanto pela “caixa de entrada” do Gmail
quanto no e-mail da Animix, depara-se com uma estrutura similar a de um fórum. O título dos e-
mails seriam o thread-starter ou linhas que iniciam a “conversa”. Ao clicar em um desses títulos,
pode-se visualizar a mensagem principal e as respostas subseqüentes. As últimas mensagens
enviadas são também as últimas a serem visualizadas, ficando na posição mais inferior da tela. A
partir de Bakhtin (1997), cada mensagem configura-se num enunciado, pois elas marcam a
alternância de falantes. No entanto, conforme o próprio autor, os enunciados formam uma cadeia
discursiva, um se interligado ao outro. Assim, o e-mail que inicia a conversa deixa marcas para
as respostas que o seguirão e os e-mails que virão em seqüência podem interferir nas respostas
subseqüentes.
Para a abordagem desta interface gráfica, a opção é por um estudo de cunho etnográfico
adaptado ao contexto digital, a netnografia, desdobrada em uma análise conversacional. Muito se
discute sobre a legitimidade da adaptação da etnografia às investigações de fenômenos do
ciberespaço. Os críticos argumentam que estudos etnográficos demandam grandes recortes
temporais, de um ano, no mínimo. No entanto, outra corrente acredita que a adaptação do
método antropológico é perfeitamente viável para a leitura de agrupamentos na web. Pereira de
(2001), por exemplo, obteve resultados satisfatórios em sua pesquisa sobre uma lista de
discussão cuja temática era o carnaval carioca, e que trouxe a netnografia como instrumento
metodológico. A autora afirma que premissas básicas da tradição etnográfica, como a postura de
estranhamento do pesquisador em relação ao objeto e a consciência de que a descrição densa
sobre os fenômenos observados recebem contaminação do olhar do etnógrafo, devem ser
preservadas.
Não se trata de sentir como um nativo sente o que poderia sugerir um
equivocado realismo testemunhal por parte do etnógrafo mas de
inscrever/interpretar o fluxo discursivo do “outro” nas nossas estruturas
conceituais, fortemente orientados por problemas teóricos de fundo. (PEREIRA
DE SÁ, 2001, p.159)
E se por um lado existem algumas perdas na etnografia virtual em relação àquela que lhe
deu origem, como ausência dos corpos, que fornecem pistas para o pesquisador num contexto
face a face, por outro a netnografia pode ser combinada a outros métodos. Neste aspecto, Braga
96
(2008) defende uma “criatividade” do pesquisador no desenvolvimento de técnicas específicas,
que dêem conta de elucidar as realidades singulares de cada empiria.
O recorte temporal proposto para a observação da lista da Rádio Animix é de 15 dias,
referentes à última quinzena de outubro de 2008. Após pedir aos administradores permissão para
ingressar na lista, fui autorizado a freqüentar as discussões. Em setembro de 2008, eles me
disponibilizaram a conta de e-mail estudante@radioanimix.com.br, por meio da qual tinha
acesso às mensagens. Depois de uma primeira aproximação, concluímos ser suficiente um
recorte que contempla 91 e-mails, que por sua vez geraram 1041 respostas. Toda essa
conversação foi armazenada. A partir deste corpus, realizamos inicialmente uma abordagem
quantitativa e uma análise de conteúdo, a fim de levantar temáticas comuns. Este levantamento
objetivou:
Identificar quais internautas iniciam discussões no grupo;
Quais e-mails geraram mais respostas;
Quais geraram menos respostas;
Quais temáticas mais freqüentes;
Após a aferição destes dados, um segundo recorte, dentro deste corpus, foi feito para a
abordagem qualitativa. O objetivo era analisar as cadeias de enunciados, formadas pela
mensagem que inicia uma conversação e suas respostas subseqüentes. Para realizar tal exercício,
nos valemos das ferramentas metodológicas da análise conversacional. Desdobramento do
método etnográfico, esta abordagem foi concebida para investigação de relações face a face. No
entanto, nada impede sua adaptação ao contexto digital. De acordo com Marcushi (2000), a
análise conversacional enfoca turnos da fala. O turno é o enunciado de determinado sujeito em
situação de conversa, que dará encaminhamento para a resposta ou retorno do interlocutor.
Nos turnos de fala, o analista de conversações busca marcas lingüísticas que dizem da
intencionalidade dos interlocutores aos moldes de uma análise do discurso. De acordo com
Bretas (2008), o “exame das conversações coletivas podem revelar processos nos quais
desenrolam-se tramas relacionais, que trazem à tona formas de convivência e contratos firmados
(explícita ou tacitamente) entre participantes.” (BRETAS, 2008, p.04)
Nos e-mails, observamos as formas como os interlocutores fazem referência uns aos
outros. O objetivo foi perceber se eles se tratam como colegas ou como amigos. Atenção especial
foi dedicada aos instantes em que os administradores ocupam o turno da fala, para perceber
97
como eles tratam os demais membros. Também foram observadas marcas lingüísticas que
evidenciem o que é para estes jovens fazer uma webradio. Eles se sentem importantes? Estrelas?
Como percebem seus ouvintes? Apenas como público? Conhecidos? Ou amigos? Os conflitos
existentes são solucionados a partir de ordens ou pedidos? Eles se dão pelas tarefas da rádio ou
por questões pessoais?
Em síntese, cada e-mail configura-se num enunciado, parte de um todo que constitui
conversações entre os membros do grupo, o que nos permite abordá-lo com um turno de fala,
numa análise conversacional. Bretas (2001), ao refletir sobre elementos metodológicos para o
estudo de interações telemáticas, afirma ser viável a realização de analogias ao mundo offline,
para a compreensão das dinâmicas online, desde que sejam respeitadas e reconhecidas diferenças
entre estas ambiências. Fazendo uma analogia com o mundo offline, um e-mail numa lista de
discussões pode ser considerado uma fala, dentro de uma conversação generalizada.
Myers entende que a análise conversacional “pode mostrar como os participantes juntam
e contrastam atividades e atores (...) e como eles apresentam mutuamente seus pontos de vista”.
(MYERS, 2002, p.273). O autor discute este método de investigação a partir de trabalhos
realizados em situação de interação face a face. Por isso, alerta ser necessária uma rigorosa
dedicação do pesquisador aos momentos de registro e transcrição das falas, pois “pausas,
sobreposições e interrupções” constituem pistas importantes na busca por elucidação de
questões.
Em uma investigação que traz como empiria uma conversação do ciberespaço, o registro
das falas é mais cil, se comparada à atividade de se captar interações offline. Os enunciados se
materializam num suporte tecnológico que potencialmente pode ser acessado por qualquer
computador, cabendo ao pesquisador identificar qual o melhor software para armazenar e
constituir um banco de dados com as falas a serem estudadas. Com isso, as transcrições tornam-
se dispensáveis. No entanto, alguns cuidados precisam ser tomados. Numa conversação que se dá
via e-mail, por exemplo, elementos como o tom de voz e sobreposições não aparecem. Em
contrapartida, outras características devem ser levadas em consideração, como a organização
tipográfica da mensagem, que confere tonalidades ao enunciado. Os e-mails que compõem o
corpus deste trabalho foram salvos de forma fiel à sua redação original, respeitando cores e
tamanhos de letras empregados.
98
A transcrição de registros de falas proferidas em interações offline é, conforme Myers
(2002), um importante momento, onde o pesquisador pode captar detalhes não percebidos
anteriormente. Nas pesquisas em contexto digital, por não exigir transcrições, estes detalhes
podem ficar ocultos. Assim, o tornar-se livre do trabalho de transcrição, num momento pós-
registro, configura-se em maior exigência para a realização de uma releitura detalhada de todas
as mensagens coletadas. Para este exercício, a abordagem quantitativa oferece contribuições.
Alem de exigir uma retomada atenta do corpus selecionado, este tipo de investigação resulta em
dados estatísticos que se configuram em importantes achados.
Quem iniciou mais conversações no e-mail da Animix foi o administrador Alberto Kun,
com 15 mensagens enviadas. Ele é o responsável pelo controle de “faltas”. Os DJs que
eventualmente não podem apresentar seus programas precisam comunicá-lo antecipadamente
para que seja possível arrumar um substituto. Assim, o administrador, ao tomar conhecimento de
uma ausência, faz um “chamado” na lista, solicitando aos participantes que o ajudem no combate
à playlist. No contexto do grupo, a playlist significa o momento em que a rádio fica no “piloto
automático”, reproduzindo uma seqüência musical previamente programada. Do total de 91
mensagens, 17 objetivaram preencher os horários de faltosos com outros locutores. Dentro deste
conjunto, 13 eram do Alberto Kun. Ele obteve 25 respostas públicas via lista (existe a
possibilidade de outras respostas terem sido direcionadas de forma privada). As outras quatro
mensagens de combate à playlist eram de integrantes que preferiram comunicar e justificar a
todos suas respectivas ausências, além de solicitar abertamente que algum colega pudesse cobrir
o horário.
Depois de Alberto Kun, o internauta DK, fundador da rádio, foi quem mais criou tópicos
para discussão. Iniciou 12 conversações, sendo que, do total, 10 eram sobre afazeres da Rádio
Animix. A lista, portanto, é claramente utilizada para a organização e distribuição de tarefas. No
entanto, não podemos afirmar que estas são as únicas motivações para troca de mensagens. Do
total de 91 e-mails que geraram discussão, 54 eram sobre o trabalho colaborativo que sustenta a
rádio, os outros 37 tratavam de assuntos diversos como: a) a divulgação de links, imagens
engraçadas, brincadeiras e piadas (20 mensagens); b) divulgação de estágios e pedido de ajuda
para trabalhos escolares (02); c) divulgação de informações sobre lojas especializadas em
comercializar produtos da cultura pop japonesa, sobre eventos otaku e sites de animes (07); d)
comentários sobre mensagens de ouvintes, rádios concorrentes e sobre o tom das conversas no e-
99
mail de grupo (02); e) comentários sobre animes (02) e f) anúncios de aniversário e desligamento
de integrantes (04).
Percebe-se, portanto, um forte uso do e-mail para a troca de mensagens que não se
referem, pelo menos diretamente, ao trabalho em grupo. Estes e-mails informais, que são off
topic, também geram quantidade significativa de respostas. O internauta Rai foi o terceiro entre
os que mais abriram conversações. Todas as 10 mensagens criadas por ele, que configuram
thread starter”, constituem off topic. Enquanto elas se desdobraram num total de 75
participações, as conversações iniciadas pelo administrador Alberto Kun, a maioria sobre o
trabalho em equipe, foram alimentadas por 56 mensagens. Praticamente todos os títulos de e-
mails que fogem às temáticas da rádio são precedidos pelo símbolo “[off]”, o que permite
deduzir ser uma regra tácita do grupo avisar previamente que determinada mensagem não se
refere diretamente à manutenção do dispositivo.
Quando se observa as 10 mensagens que mais geraram resposta, pode-se confirmar a
importância dos e-mails off topic no desencadeamento de conversações. Deste conjunto, a
metade trata de “banalidades”, como divulgação de imagens engraçadas e piadas. Curiosamente,
entre as 10 mensagens menos comentadas, apenas duas constituíam off topic. Em síntese,
percebemos que a lista é usada prioritariamente para troca de mensagens sobre o trabalho
coletivo, mas que também é bastante acionada para conversas banais. Os administradores
Alberto Kun e DK são os que mais iniciaram conversações, criando, na maioria das vezes,
tópicos que chamavam os integrantes da equipe à participação em atividades da rádio virtual.
Entre estas mensagens, as mais freqüentes objetivavam preencher horários de locutores que, por
alguma eventualidade, não puderam apresentar seus programas. Com base nestes achados,
foram selecionadas oito mensagens e suas respostas, com o objetivo de analisar as conversações
estabelecidas por estes internautas. A intenção foi observar a troca discursiva.
Os trabalhos sobre discursos pressupõem que estes já trazem em si “marcas” que
revelam aspectos do funcionamento do sistema social e da cultura dentro da qual
foram gerados, ainda que, muitas vezes, o/a enunciador/a não tenha a intenção
(FAUSTO NETO apud BRAGA, 2008, p.205).
Neste exercício, as mensagens que constituem o corpus da análise conversacional foram
observadas considerando as respostas subseqüentes, dentro de um tópico específico. O tópico,
segundo Myers (2002), refere-se às unidades temáticas, que no contexto da lista de discussão,
100
são estabelecidas pelo e-mail original, aquele que inicia uma conversa, que convoca os
participantes a manifestarem pontos de vista, a se ajudarem ou mesmo participarem de um
despretensioso “bate-papo”. “A fundamentação para a análise das conversações é que o analista
procura a interpretação de um turno (a fala de uma pessoa do começo ao fim), examinando como
outro participante responde no turno seguinte... .” (Myers, 2002, p.274).
Entre os oito tópicos analisados, selecionamos: a) o que gerou mais respostas e aborda o
processo de constituição da webradio; b) o que gerou mais respostas e caracteriza-se por ser off-
topic; c) dois tópicos que apontam para a existência de brigas dentro do grupo; d) dois que
objetivam mobilizar voluntário para “cobrirfaltas; e) uma conversação que repercute a atuação
de ouvintes na Internet e f) uma que se propõe a definir quais músicas podem ou não tocar na
emissora. De certa forma, este corpus sintetiza os diversos momentos presenciados ao longo do
período de observação.
No dia 23 de outubro de 2008, DK, fundador da Animix, mandou o seguinte e-mail:
[BETA TESTE] NOVO PLAYER ANIMIX DE PC
Caros,
Nosso time de desenvolvimento (DDL e Bacon) desenvolveram este PLAYER
DE WINDOWS da Radio AniMiX. Estou enviando a todos para verem, testar,
avaliar e opinar o que acham para, em breve, lançarmos ele no site da AniMiX
Basta tirar do ZIP e executar! (Mensagem enviada pelo internauta DK, às 13h35,
no dia 23/10/2008)
Anexo ao texto, foi encaminhado um arquivo de computador que se assemelha aos
programas de reprodução musical. Porém, ao ser acionado, a partir de um terminal conectado à
internet, a programação da Rádio Animix toca automaticamente. O e-mail em questão, que
obteve 87 respostas, pede aos participantes que experimentem e opinem sobre o dispositivo.
Quem assumiu o turno de fala subseqüente foi Joe que, de forma sintética, aprovou com
ressalvas o arquivo:
Bom, gostei, menos do design XD, podia melhorar um pouco. (Mensagem
enviada pelo internauta Joe, às 13h50, no dia 23/10/2008).
As respostas seguiram um padrão, que também aparece no e-mail destacado. Primeiro
elogia-se, para depois apontar possibilidades de aperfeiçoamento, o que demonstra uma
101
preocupação do grupo em valorizar iniciativas. No entanto, a participação de Joe destoou das
demais ao ser excessivamente sintética, fato que motivou a retomada do turno da fala por DK:
Então suas sugestões ae joezudo! Tipo, mantendo a cor, como vc acha q tem
q ser o layout??? (Mensagem enviada pelo internauta DK, às 13h54, no dia
23/08/2008)
A crítica feita pelo internauta Joe ao arquivo enviado por DK, que é o
administrador/fundador do grupo, indica que existe liberdade para manifestações que poderiam
desagradar os hierarquicamente superiores. A resposta de DK, por sua vez, camufla as
assimetrias presentes nas relações que se estabelecem no e-mail de grupo. Ao solicitar do colega
um maior detalhamento da crítica feita, ele cordialmente o chama por outro apelido (“joezudo”),
constituído a partir do nickname original. Também aparenta demonstrar interesse na opinião de
seu interlocutor, encaminhando-lhe perguntas sobre pontos específicos. É importante ressaltar
que esta horizontalidade nas relações não traduz a organização do grupo em questão. Em
diversos momentos, foi possível perceber a autoridade dos administradores, sobretudo em
situações de conflito, algo que será abordado mais adiante.
Se o grupo valoriza iniciativas e as retribui com elogios, é fácil concluir que todo autor de
um gesto criativo precisa ser devidamente identificado, para receber os cumprimentos dos
colegas. A fala do internauta Bacon, que seguiu o turno de Joe, veio para conferir visibilidade ao
criador do player da Animix.
Sim joe, de suas sugestoes... esse é um player Beta onde eu foquei mais em
deixar ele funcionando para vocês testarem e divulgar para vocês antes para eu
pegar ideias e dicas para melhorar ele antes de fazer um lançamento oficial e até
uma divulgação dele (...)no momento acho muito bom dica de todos, se alguem
puder fazer uma skin e quiser que eu implemente eu ponho tbm desde que nao
fuja dos moldes da radio. (Mensagem enviada pelo internauta Bacon, às 14h05,
no dia 23/10/2008)
Ao mesmo tempo em que se anuncia como autor (ao empregar o pronome em primeira
pessoa “eu”), Bacon convida seus colegas de grupo a encaminharem a ele sugestões ou mesmo
customizações (“skin”) do player. Assim, além de abrir a possibilidade de uma co-autoria, deixa
claro a quem encaminhar as saudações pelo trabalho feito. Quem também se colocou na
condição de autora foi a internauta Vivi. Ao se manifestar, indicou ter colaborado com o desenho
que compôs o background do protótipo.
102
reforçando: Essa não é uma skin oficial. Eu fiz uma coisa simples de 5 mins
apenas pro baconzito poder trabalhar e fazer o player funcionar. (se pensam que
eu achei bonito esse vermelho, estão errados xD) Para uma skin oficial eu tenho
uma idéia bem legal, estou aguardando a pessoa q está me ajudando terminar
a parte do trabalho dela. Garanto que vai ficar bem otaku. Se tiverem ideias para
outras skins, podem mandar que eu agradeço. (Mensagem enviada pelo
internauta Vivi, às 15h05, no dia 23/10/2008).
Ao usar a expressão indexadora “só reforçando”, ela indica que, em termos informativos,
sua mensagem pouco acrescenta ao que foi dito anteriormente. Assim como Bacon, ela se vale
do pronome “eu” para se colocar na condição de participante na elaboração do programa e,
assim, ser reconhecida pelo trabalho desenvolvido. Em meio à maioria de mensagens que
mesclavam elogios e críticas construtivas, surgiu uma manifestação irônica, que desencadeou
uma pequena discussão dentro do tópico. Embora o autor do e-mail tenha se identificado,
preferimos não divulgar seu nickname (que será substituído pela letra X), já que seu texto
circulou apenas na lista de discussão.
CREDO FOI A VIVI QUE FEZ??? POR ISSO FIKOU FEIO!!!
SHUAHSUAHSUAHSUAH
*ZUERA*
É que a Vivi me odeia, digamos que pocos sabem disso, é que ela espera um
pedido de desculpas meu que ela nunca ira receber, porque ela estava errada,
pois ela cometeu o mesmo erro que grande parte da maioria aqui faz, ela não leu
o e-mail todo e saiu postando sua ideia. Bom mas esse e-mail não é pra isso, eu
achei que fikou legal, a IDEIA é otima, mas acho que fikaria mais bunito fazer
um player mais atrativo, com cantos arredondados, ou com uma imagem D (...)
mas gostei da IDEIA sim ^^ (Mensagem enviada pelo internauta X, às 15h17,
no dia 23/10/2008)
Embora tenha afirmado ser “zoeira” a desqualificação feita à colega de grupo, o texto
claramente resgata uma possível desavença entre as partes. Assim, ao assumir o turno da fala,
apesar de tentar conferir tom de brincadeira em sua enunciação, o objetivo de “X” foi claramente
estabelecer uma provocação. Mais da metade de seu enunciado refere-se a outro tópico. Apesar
de ter reconhecido, na própria mensagem, que abordou um assunto fora da pauta e retomado a
linha de discussão estabelecida pelos enunciados precedentes, foi alvo de criticas, talvez mais
por sua intenção de atingir sua colega.
Vamos calar a boca e não desvirtuar do assunto? Sim, isso é um warning.
Críticas? Sugestões a respeito desse player? (Mensagem enviada pelo internauta
DK, às 15h20, no dia 23/10/2008)
103
Neste turno, DK deixa mostrar sua condição privilegiada na hierarquia do grupo, ao
adotar tom de ameaça e advertir (“isso é um warning”) o integrante “X”. A grande maioria dos
participantes não repercutiu estas mensagens, que são paralelas ao tópico, concentrando-se no
exercício de reconhecer publicamente os méritos dos colegas pela criação do programa e
oferecendo sugestões para o aperfeiçoamento.
Iaew galeraa.. pow.. ficando mt massa o player..parabéns aee.. xDDD mas
tipow.. vai ter o botão pedidos tmb? seria interessante neh?! (Mensagem enviada
pelo internauta Sensui, às 00h58, no dia 25/10/2008)
Os momentos de briga no contexto do grupo não são raros. Na verdade, são muito
freqüentes. O internauta Devan, no dia 31 de outubro de 2008, enviou para lista uma mensagem
cumprimentando seus colegas por um período sem discussões.
Boa Noite,
Meus caros, andei notando que nosso stress e nossas brigas diminuiram
drasticamente nos ultimos dias. Estamos todos muito educados e amaveis.
Por isso gostaria de parabenizar a todos pela ética, compreenção e ajuda que
todos tem dado.
Um belo final de semana. Bom descanso.
Atenciosamente,
Devan (Mensagem enviada pelo internauta Devan, às 23h31, no dia 31/10/2008)
Este tópico reuniu outras 16 mensagens, todas estabelecendo uma relação de
concordância com o enunciado que iniciou as conversações.
Educado é o c@$%*!@, vai tomar no $# huahuahuahua. Zueira, parabéns a
todos, isso que é uma família unida, sem brigas, espero que continue assim por
muito tempo :D. Quando tiverem estressados, ao invés de brigar, xinguem a
mim que eu sou tranquilão mesmo, vou é ficar rindo huahuahua. Aí descontam a
raiva XD. (Mensagem enviada pelo internauta Stinger, às 23h42, no dia
31/10/2008)
Estas mensagens, que enaltecem o momento de paz, afirmam a existência dos momentos
de conflito. Primo (2005) lembra que mesmo nos grupos em que participantes compartilham
preferências, sentimento de pertença e unidade, fortes antagonismos podem emergir. “Ora, tais
sentimentos compartilhados no grupo não apagam as diferenças entre os participantes”. (PRIMO,
2005, p.02). Segundo o autor, “é bastante simplificador pensar uma amizade sem desencontros e
104
rusgas, uma comunidade virtual recheada de puro altruísmo ou, por outro lado, supor que o
sujeito se basta, que pode ficar imune aos ataques de terceiros, ao ciúme, à raiva e à
competição.” (PRIMO, 2005, p.02). Ele retoma Simmel, para dizer que o conflito é uma forma
de sociação. Se o ódio, a inveja e o desejo são forças desagregadoras, o conflito é uma forma de
solucionar impasses, aproximando perspectivas divergentes.
Na análise feita a partir das conversações na lista da Animix, o estudo dos momentos de
conflito serviu para mostrar como os impasses são solucionados, qual a reação dos participantes
quando se estabelece uma “briga” e como se posicionam os administradores. No dia 16/10/2008,
um dos integrantes, que será identificado pela letra “Y”, criou um tópico anunciando seu
afastamento temporário da programação da rádio por “problemas nas cordas vocais”. Na
mensagem, ele solicitou manifestação de algum colega para cobrir sua ausência. Alguns se
ofereceram, outros assumiram o turno da fala para estimar melhoras ao interlocutor. A situação
de conflito se estabeleceu a partir da mensagem do internauta que aqui será identificado pela
letra “G”.
Péra aí...
(...), você está certíssimo em se comprometer em ver isso, mas NÃO TEM UM
SETOR NA RÁDIO RESPONSÁVEL POR ISSO?
falei, (...), nada contra você... mas se tem alguém responsável, ele que deveria
ver isso. (Mensagem enviada pelo internauta “G”, às 22h51, no dia 16/10/2008)
A expressão “já falei, (...), nada contra você” demonstra ter ocorrido, em algum
momento, alguma rusga entre “G” e “Y”. Na cadeia de enunciados que formaram este tópico, o
discurso de “G” ganhou um tom de reprovação à mensagem do colega. Além disso, a redação de
algumas partes do e-mail em “caixa alta”, que representa gritos na interação online baseada em
texto, confere certa agressividade à enunciação de “G”. A resposta de “Y” mostra como este se
sentiu atacado.
Meu Caro Amigo (...) estou achando pessoas substitutas pro meus horarios, pra
não aparecer no e-mail FALTAS o meu horario, pq se deixar em cima da hora e
acabar fikando na Playlist, eu naum vo deixar, e vo acabar locutando sem poder
e minha voz vai piorar, se fosse só 1 dia eu mandava pro e-mail faltas e boa mas
são 4 Dias. Agora se vc anda mal humorado com alguma coisa, me desculpe,
mas seu mal humor naum é minha culpa... (Mensagem enviada pelo internauta
“Y”, às 23h01, no dia 16/10/2008)
105
Ao reassumir o turno da fala, “G” novamente “cutucou” o colega. Reescreveu a
mensagem de Y corrigindo os erros de português.
Correção...
Meu caro amigo (...), estou achando pessoas substitutas para os meus horários.
Para não aparecer no e-mail FALTAS o meu horário; porque se deixar em cima
da hora e acabar ficando em Playlist: eu não vou deixar e vou acabar locutando
sem poder e minha vmaisoz vai piorar.
Devidas correções feitas. =]
(Mensagem enviada pelo internauta “G”, às 23h25, no dia 16/10/2008)
A partir de uma leitura dos outros turnos de fala, é possível perceber que não figura entre
as preocupações dos participantes da lista de discussão uma correção ortográfica a partir das
normas cultas da língua portuguesa. Eles se valem muito das novas formas de escrita, que se
desenvolvem a partir de conversações no ciberespaço. Assim, ao criticar especificamente o
internauta “Y”, o participante “G” demonstra certa implicância em relação ao colega. O tópico
ainda contou com mais uma manifestação de “Y”, que justificou seus erros gramaticais alegando
estar cansado. Ele também atacou o colega, contestando sua autoridade para avaliar a mensagem
dos outros. Diante da troca de e-mails agressivos, os demais participantes começaram a se
manifestar, solicitando o encerramento do tópico e, conseqüentemente, o fim da discussão.
VÃO ME DESCULPAR, MAS ESTOU FECHANDO O E-MAIL, PODEM OS
ADM'S PODEM BRIGARCOMIGO DEPOIS! (Mensagem enviada pelo
internauta “Hyuuga”, às 01h13, no dia 17/10/2008).
Ao dizer que “está fechando” o e-mail, Hyuuga quer indicar que está acabando com
aquela conversa, com aquela discussão. O termo e-mail fechado, no contexto do grupo, denota
conversa encerrada e surge com muita freqüência nas situações de conflito. No e-mail de Hyuuga
fica claro quais atores tem mais autoridade para colocar ponto final em tópicos. Ele
antecipadamente pede desculpas aos administradores por se revestir de uma autoridade que é
particular aos hierarquicamente superiores. Sua mensagem desencadeou uma série de
manifestações, em que os demais membros também externaram o desejo de ver aquela discussão
encerrada. Diante da briga, ninguém dedicou apoio a uma das partes, pelo menos publicamente.
106
Quando alguém escrevia algo além da expressão “e-mail encerrado”, era com o objetivo de
advertir os dois lados envolvidos.
Y: resolveremos seu problema com o faltas, vou encaminhar um email a eles
dizendo sobre suas faltas. Procure descansar e ser mais calmo.
G: esta encaminhado o problema ao setor responsável, tente ser menos aspero
com as pessoas, tipo quando tratamos pessoas temos que saber que estas são
diferentes. Desculpa me meter no assunto de vocês mas acho que acabou por
aki. (Mensagem enviada pelo internauta “Silver Duck”, às 01h39, no dia
17/10/2008).
As discussões estabelecidas na lista da Animix constituem, muitas vezes, momentos de
reafirmação ou revisão de valores comuns no contexto do grupo. Estes valores referem-se tanto
às normas técnicas de elaboração de um dispositivo quanto a uma ética partilhada pelos
participantes. O tópico que mais se estendeu no período analisado, e que não tratava
diretamente do trabalho em grupo, discutia as outras webradios que, assim como a Animix,
trabalham com a temática otaku. A conversação foi iniciada no dia 19/10/2008, a partir de um e-
mail enviado por um internauta que aqui será identificado como “B”, que coloca sob suspeita as
informações divulgadas por essas emissoras sobre suas respectivas audiências.
Bomm...
21:16 de domingo... bom... a um tempo antes a blast tava com 500 O.o
huahuahu
acho que ficaram com inveja da project.... meu deus isso ta virando briga de
ibope.. huahua eu sei que este e um email inútil... mas eu so achei estranho....e
resolvi mostrar... (Mensagem enviada pelo internauta “B”, às 21h19, no dia
19/10/2008).
A partir deste enunciado, membros da lista começaram a opinar sobre práticas destas
rádios online, que também difundem a cultura pop japonesa. O tópico rendeu 85 manifestações.
Num determinado momento, uma calorosa discussão, seguida de uma pequena briga,
estabeleceu-se entre duas integrantes, que aqui serão identificadas por “A1” e “A2”. A internauta
“A1”, ao assumir o turno da fala, classificou o design gráfico do site de uma das estações como
“lixo visual”. “A2” discordou da opinião da colega, estabelecendo uma comparação entre o site
criticado e o da Animix.
107
Lixo visual?!?!?! O site deles está a anos luz do nosso... Não vou falar mal do
site dos outros antes de ter um site ao menos "a altura". (Mensagem enviada
pela internauta “A2”, às 14h07, no dia 20/10/2008).
A crítica de “A2” à interface gráfica da Animix foi rebatida por um integrante, “B1”:
O site deles parece um carnaval!! E as vezes fica até ruim de navegar nele,
sinceramente prefiro o nosso. (Mensagem enviada pela internauta “B1”, às
14h14, no dia 20/10/2008).
Por meio da discussão, que foi sintetizada nas mensagens selecionadas acima, percebe-se
claramente dois critérios valorizados, dentro do grupo, para a avaliação de sites: a beleza visual e
a funcionalidade, que se refere à facilidade no acesso às informações. As diversas manifestações
que se sucederam traziam, em comum, estas bases analíticas. Manifestações estas que foram
interrompidas a partir do momento em que “A1” e “A2” começaram a brigar. O conflito se
estabeleceu quando “A1” colocou “A2” em condição de inferioridade, deslegitimando sua
opinião.
Agora se você acha que um site pode ser carnavalesco (...) continuo dizendo que
você ainda tem que estudar muito pra chegar num nível de conhecimento sobre
webdesign.... (Mensagem enviada pela internauta “A1”, às 14h33, no dia
20/10/2008).
Neste turno, “A1 se coloca como mais capacitada que “A2”, quando diz que sua
interlocutora precisa “estudar muito” para chegar ao seu nível. Desta forma, ela desqualifica a
opinião de “A2”, que, na seqüência, também respondeu agressivamente:
Se for no seu nível, vou ter que desaprender muito. ;) (Mensagem enviada pela
internauta “A2”, às 14h34, no dia 20/10/2008).
Quando as internautas começaram a brigar, os demais participantes pararam de discutir
sobre as outras emissoras e as mensagens pedindo o encerramento do tópico apareceram. “A1”,
por sua vez, voltou a atacar “A2”:
Uma pessoa com 15 anos e acha que tem algum nível....realmente.... vai
desaprender a ser menos ignorante e aceitar argumentos de alguém que entende
sem precisar esnobar.... (Mensagem enviada pela internauta “A1”, às 14h38, no
dia 20/10/2008)
108
Neste turno, A1 tenta desqualificar novamente a colega A2, mas desta vez apontando a
condição mais jovem de sua interlocutora como fator que desabona sua opinião. Ao questionar a
capacidade de sua colega, pelo fato de esta ser mais jovem, A1 provocou reações de
desaprovação. O internauta B2 reforçou o pedido para que o tópico fosse fechado, mas, antes,
opinou da seguinte maneira:
Opa, parou!
Tem gente também com 15 anos que manja mais de muita coisa que muita
gente por aqui. Olha, se vocês querem discutir isso, vão para o PVT. (Mensagem
enviada pela internauta “A1”, às 14h38, no dia 20/10/2008)
As diversas mensagens que compuseram este tópico também avaliaram a postura “ética”,
palavra bastante empregada nesta conversação, das outras rádios online com temática comum e
organização semelhante à Animix. O e-mail que abriu as conversações questiona as estratégias
destas emissoras. O texto aponta para a possibilidade de elas estarem “mascarando” o contador
de ouvintes, que fica disponível em seus respectivos sites. Com esta atitude, estas rádios
objetivariam criar a falsa impressão de serem muito mais ouvidas que suas concorrentes”. O
internauta C1 classificou tal atitude como “deslealdade”.
mta mentiiiiraaaaaaaa.. eles são desleais cara.. (Mensagem enviada pela
internauta “C1”, às 21h38, no dia 19/10/2008)
Outra prática também condenada pelo grupo é disponibilizar download de animes para
alavancar a audiência. Uma das emissoras criticadas integra uma rede de sites de fãs, que
disponibilizam episódios completos para serem baixados. Em algumas ocasiões, todos os sites
da rede reproduzem o som da emissora participante, acrescentando à sua audiência aqueles
internautas que, a priori, estariam interessados apenas em downloads.
Eu considero essa rádio um câncer no meio da cultura japonesa.
Uma rede que se faz por meio de manobras criminosas como sonegação de
imposto e distribuição ilegal de material licenciado. (Mensagem enviada pela
internauta “C2”, às 17h33, no dia 19/10/2008)
Embora possa parecer que a indignação dos integrantes baseia-se no fato de que esta
rede, da qual faz parte a emissora analisada, esteja infringindo direitos autorais, o motivo das
críticas é outro. Os integrantes desqualificam a outra rádio porque ela constitui uma audiência
109
que não está atrás dos programas radiofônicos em si, e sim de animes para baixar. Tanto que um
membro da lista sugere colocar, na Animix, links de sites especializados em legendar séries
animadas japonesas.
é mandar link pra contatos dos respectivos sites oficiais, não?
E... sendo a Animix melhor, automaticamente as outras perderão público.
(Mensagem enviada pela internauta “D1”, às 17h51, no dia 19/10/2008)
Quando fez referência aos “sites oficiais”, D1 o quis sugerir que fossem colocados os
links das empresas que detêm os direitos das animações. Em seu discurso, o termo “sites
oficiais” denota os fansubers que, por serem especialistas em legendar episódios, constituem a
porta de entrada das séries não licenciadas no Brasil. A rede de sites que encampa a rádio similar
à Animix, criticada pelos membros da lista, constitui uma espécie de re-distribuidor, hospedando
episódios que foram anteriormente baixados de algum fansuber. Assim, a sugestão de “D1”
objetiva esvaziar a rede de sites da emissora concorrente, conferindo visibilidade às fontes
originais de produtos que circulam ilegalmente na internet.
A postura de D1 aponta para uma visão partilhada entre membros da lista, que entendem
estas emissoras de temática comum à Animix como rivais, concorrentes, etc. Verifica-se uma
disputa pela audiência, por maior visibilidade. A partir disso, é possível deduzir que a difusão da
cultura oriental não é o principal elemento motivador do grupo. Se fosse, eles encarariam as
demais rádios otaku como colaboradoras, dentro de um processo mais amplo, de divulgação das
músicas japonesas e dos animes. Em vez disso, como fica claramente exposto no último e-mail
destacado, eles discutem estratégias para enfraquecer a “concorrência”. Estes cidadãos comuns
começam a encampar valores de uma cultura de mercado que até pouco tempo era particular ao
campo das mídias. Embora não consigam lucro em termos financeiros via Animix, alcançam
ganhos de outra ordem.
“Análise de mercado: falhas e sugestões” é o título de um e-mail enviado pelo internauta
Stinger Kildred, que sintetiza como o grupo se percebe. Pelo título, a Animix é parte de um
“mercado” que, como qualquer outro, constitui-se a partir de sujeitos e empresas em situação de
disputa, que possuem um valor de mercadoria. A conversação que se deu a partir deste e-mail
mostra como estes jovens buscam agregar valor, não apenas ao dispositivo, como também a si
mesmos, dentro de uma gica capitalista. O e-mail de Stinger Kildred sugere aos participantes
que utilizem mais o Orkut como ferramenta para a divulgação de programas. Ele compara a
110
movimentação da comunidade da Animix com a de outra emissora dedicada às músicas
japonesas. Solicita também que o site da webradio seja atualizado com mais freqüência,
aproveitando principalmente as fotos tiradas nos eventos otaku.
(...) Agora, falando sobre essas fotos como estratégia de marketing. Veja bem, a
gente vai num evento e tira um monte de foto. O público quando chega em casa,
uma das primeiras coisas que quer fazer, é olhar as fotos do evento em que foi,
saber onde tem. Por isso, considero essencial, que as fotos de eventos, sejam
upadas no máximo 3 dias após o acontecimento do evento, que é o tempo em
média em que a comunidade dos eventos mais ficam cheias. A gente uparia as
fotos, iria até a comunidade do evento e faria um tópico: [Rádio Animix]
Cobertura/Fotos do Evento. As pessoas iriam se interessar, geraria mais acessos
para o site, conseqüentemente, mais pessoas poderiam ouvir a rádio. E ainda
geraria uma proximidade com o ouvinte, que perceberia que a Rádio Animix
está em todos os eventos, assim como ele... (Mensagem enviada pela internauta
“Stinger Kildred”, às 23h51, no dia 22/10/2008)
Quando o internauta diz que incrementando a divulgação de fotos, mais pessoas
acessariam o site e, conseqüentemente, ouviriam a webradio, ele coloca a transmissão sonora
como o “carro chefe”, o principal elemento, deste dispositivo que nasce a partir de remixagens.
A cobertura fotográfica de eventos, o Orkut e o próprio site da rádio online configuram percursos
que culminam na programação da Animix. “(...) As pessoas iriam se interessar, geraria mais
acessos para o site, conseqüentemente, mais pessoas poderiam ouvir a rádio.”
Portanto, existe uma preocupação em relação ao site e aos outros dispositivos que fazem
referência à Animix, mas estes surgem como divulgadores da programação em áudio, que ocupa
certa centralidade nas atenções. É importante lembrar que, no período analisado, as conversações
mais freqüentes sobre o trabalho objetivavam o preenchimento da grade de programação. E
dentro do tópico aberto pelo e-mail do internauta Stinger Kildred, embora as referências ao site e
ao Orkut na mensagem original, o tema mais discutido foi a “reciclagem de locutores”.
Tbm notei que alguns programas andam um SACO. Sem conteudo, sempre na
mesmisse. Pessoal ja aviso aki, e ja vou mandar um email, muitos vão passar por
reciclagem, não quero que ninguem fique chateado, maisssssssssss é assim
mesmo. Já coloquei o onefire em treinamento com o verde ^^ (Mensagem
enviada pela internauta “Devan”, às 09h26, no dia 23/10/2008)
Devan é um dos administradores da Animix e anuncia uma “reciclagem” para alguns
apresentadores, que estão com o programa “chato”, “sem conteúdo”, “sempre na mesmice”. Pela
mensagem, ele reconhece que a convocação para reciclagem pode não agradar alguns, mas, em
111
outro turno da fala, ele ressalta que é importante uma autocrítica e enaltece a postura do
internauta onefire, que aceitou passar pelo treinamento.
O onefire sabe que o programa dele ta um lixo, e aceitou ser o primeiro a ser
reciclado. Então senso auto-critico tbm deve ser desenvolvido, sobre o
proggrama, é para isso que estamos aki (...). Porem não podemos depender
nossos programas 100% de nossos ouvintes, temos sempre que ter um plano B,
deixando assim todos prevenidos para uma melhor atuação em nossos
programas ^^(Mensagem enviada pela internauta “Devan”, às 12h08, no dia
23/10/2008)
Pelas mensagens é possível pressupor que a reciclagem consiste num treinamento com
outro apresentador mais experiente. No e-mail destacado acima, Devan responde à internauta
Danixan, que justificou eventual falta de conteúdo em seu programa alegando pouca participação
dos ouvintes. A fala de Devan reafirma a importância do blico na condução dos programas.
Ele classifica os conteúdos produzidos, que não dependem da participação da audiência, de
“plano B”. Assim, é possível dizer que a participação do público é bastante valorizada pelo
grupo, embora haja um reconhecimento partilhado de que é preciso estabelecer estratégias para
os momentos de pouca manifestação dos espectadores.
No tópico, os participantes opinaram sobre as produções em áudio e condenaram, além
da ausência de conteúdo, a manifestação de sentimentos pessoais ao longo dos programas.
Outra coisa, se você tá a fim ou gosta de tal ouvinte (ou qualquer coisa do tipo),
sinceramente, para os ouvintes isso pouco importa; a rádio não é para você sair
se declarando para ninguém, ela não é algo que envolve o SEU pessoal, mas o
de muitas pessoas. Saibamos dosar nossas emoções e desejos. (Mensagem
enviada pela internauta “Dezessete”, às 15h06, no dia 23/10/2008)
O e-mail de Dezessete” indica a existência de momentos na programação da Animix em
que os apresentadores deixam transparecer relações de intimidade, com integrantes de sua
audiência. Sua mensagem, claramente, não objetiva proibir a manifestação de sentimentos
pessoais. Ele chama seus colegas a refletirem se estão cometendo excessos. Fala em “dosar
emoções” e “desejos”. Fica claro que estes jovens se servem dos programas da webradio para
expandir e enriquecer suas relações. As fórmulas apresentadas por Dezessete aos demais
participantes desta conversação (como o maneirar nos sentimentalismos, o preocupar-se com o
conteúdo dos programas, etc.) configuram-se em estratégias, tecidas em grupo, para expandir a
audiência que, longe de ser majoritariamente anônima, parece integrar a rede de relacionamentos
112
dos idealizadores da rádio. Ao colocarem a Animix e as rádios correlatas como um mercado, eles
assumem condição de mercadoria. Mas, diferentemente do que ocorre nas relações mercantis
tradicionais, não objetivam dinheiro. O desejo é expandir o número de conexões, de contatos.
Seguem assim, conforme Bauman (2008), a lógica de uma sociedade do consumo, agregando-se
valor para serem consumidos pelo outro. Outra conversação offtopic, inaugurada pelo internauta
Stinger Kildred, mostra essa relação próxima entre apresentadores e ouvintes.
[OFF] Blog de um ouvinte elogiando a Animix
Desculpe encher o email com mais um off, mas é que estava conversando com
um ouvinte, que me mostrou seu blog com um post dedicado a Animix. Achei
uma coisa bem gratificante ver o nosso trabalho reconhecido, e resolvi
compartilhar com vocês: http://mangadopedro.blogspot.com/
São essas pequenas coisas que nos mostram que devemos sempre seguir em
frente procurando não apenas manter nosso bom trabalho, mas sempre progredir
cada vez mais. Para que assim como influenciamos positivamente esse ouvinte,
possamos atingir a muitos outros. (Mensagem enviada pela internauta “Stinger
Kildred”, às 20h40, no dia 15/10/2008)
O texto mostra que o apresentador Stinger Kildred conversa com integrantes de sua
audiência fora dos momentos de programação. Mais do que isto, ao trazer a fala do ouvinte para
a lista de discussão, que repercutiu em mais 12 turnos de fala, fica evidente que o grupo valoriza
os comentários de seu público. É uma das formas de mensurar o retorno obtido com o trabalho.
É gratificante mesmo... Acho que não existe coisa melhor do que um "obrigado
por fazer parte da minha vida e mudá-la um pouco"... (Mensagem enviada pela
internauta “Bardo”, às 21h36, no dia 15/10/2008)
A resposta do internauta “Bardo” também indica que ele estabelece conversas com
integrantes de sua platéia. Ao afirmar que se sente gratificado quando ouvintes lhe dizem que a
rádio faz parte de suas vidas, assume a condição recíproca. Afinal, a rádio e seus ouvintes
proporcionam lhe sensações (no caso externado, um sentimento de gratidão). Os jovens da
Animix, ao se colocarem na condição de autores, envolvem-se num processo de afetações
mútuas. São sujeitos em interação, mobilizando uma audiência a partir de seus gestos
significantes, mas também sendo afetados pelas reações do público.
Relações afetivas, principalmente de amizade, podem ser verificadas no contexto interno
do grupo, a partir da análise das mensagens. É comum nas saudações dirigidas ao grupo o uso da
expressão “família Animix” (Olá família, olá família Animix). Os e-mails também deixam
113
transparecer que estes jovens estendem suas relações para o contexto offline, em eventos otaku e
mesmo reuniões promovidas na casa de integrantes do grupo. No dia 21/08/2008, por exemplo,
circulou e-mail sobre a organização de um churrasco. A mensagem gerou 49 respostas, a maioria
de residentes em São Paulo, local onde seria realizado o evento. É possível concluir que o
contexto geográfico interfere claramente na realização destes encontros presenciais. Os
participantes de uma mesma região tendem a ter mais contato offline entre si. Como a maioria
dos membros da lista é de São Paulo o churrasco poderia representar grande número de faltas.
Assim, o administrador Alberto Kun, antevendo possíveis desfalques na programação da
emissora, solicita agilidade na definição da data e horário do evento, para que uma estratégia seja
traçada.
É, preciso saber logo isso para ver as faltas que teremos na programação.
(Mensagem enviada pela internauta “Alberto Kun”, às 13h28, no dia
21/10/2008)
A preocupação em não deixar a rádio na playlist é partilhada pelo grupo. Porém, a
mensagem de Alberto Kun indica que as faltas, mesmo que motivadas por momentos de lazer,
são aceitas. O grande volume de conversações que objetivaram combater a playlist mostra que os
jovens tomam a apresentação de programas como atividade de lúdica, a ser desempenhada nos
momentos livres de estudo e trabalho. Reuniões familiares também justificam ausência das
atividades.
Eu voltarei a pegar horarios depois do dia 24 de novembro, após eu tirar UMA
NOTA ÓTIMA no vestibular. vlwwwwww. (Mensagem enviada pela internauta
“Riku”, às 15h14, no dia 31/10/2008)
(...) no momento estou com visitas em casa e não to podendo pegar. Se não eu
pegaria de boa. (Mensagem enviada pela internauta “Stinger Kildred”, às 21h58,
no dia 29/10/2008).
Ao introduzir um tópico que objetiva cumprir lacuna na programação da Animix, Alberto
Kun assume uma cordialidade em sua enunciação. Em sua fala, é possível notar uma evocação
do sentimento de coletividade.
É galera, lamentavelmente chegamos em um dos dias que temos mais buracos
na programação da rádio. Logo, peço a todos os disponíveis que façam uma
força extra para nos ajudar a não colocar playlist nos horários abaixo:
114
15:00 às 17:00 -> Bife
17:00 às 19:00 -> Toshi
19:00 às 21:00 -> Akari
Por favor, somos uma família.
Unidos venceremos!
Um abraço. Tenham uma boa semana. (Mensagem enviada pelo internauta
“Alberto Kun”, às 23h40, no dia 26/10/2008)
Embora ocupe posição hierárquica privilegiada dentro do grupo, ele não adota um tom de
autoridade na mensagem. Ao contrário, pede aos disponíveis que o ajude. Coloca a possível
manifestação de um eventual voluntário como um favor feito a ele. Apresenta-se humilde. Além
disso, ressalta que os membros da Animix constituem uma “família”, claramente reforçando a
integração de todos num contexto de responsabilidades partilhadas.
Quando algum membro se dispõe a cobrir horário, manifesta-se publicamente via lista.
No dia 29/10/2008 Alberto Kun abriu um tópico com a seguinte mensagem:
Olá equipe, tudo bom?
Nesta segunda-feira teremos os seguintes buracos na programação da Rádio
AniMiX:
15:00 às 17:00 -> Bife (afastado)
17:00 às 19:00 -> Toshi (pc estragado)
Quem estiver disponível e puder pegar, agradeço.Boa noite e boa semana a
todos. (Mensagem enviada pelo internauta “Alberto Kun”, às 23h22, no dia
19/10/2008)
Foi respondido da assim pela integrante Lika-Chan:
Peguei das 16 às 19 \o/ xDD~ É nozes no buraquenho :3 (Mensagem enviada
pela internauta “Lika-Chan”, às 19h08, no dia 20/10/2008)
O voluntário, ao manifestar publicamente que está cobrindo faltas, mostra aos demais que
está engajado em prol do grupo, angariando assim certa estima de seus colegas e estimulando-os
a adotar postura semelhante em ocasiões futuras.
Mas nem sempre as mobilizações para cobrir lacunas na programação da Animix são
atendidas. Boa parte das mensagens que circularam no e-mail de grupo, e que não renderam
respostas, era do administrador Alberto Kun, que buscava justamente combater uma
programação desprovida de locutores. Nestas circunstancias, ele e os demais administradores não
tomaram atitudes impositivas, nem exerceram pressão. Sem voluntários, a rádio foi para a
playlist.
115
A elaboração de seqüências musicais também é tema de debate na lista. A proposta da
Animix de difundir músicas orientais, que compõem as trilhas das animações, embora pareça
clara, na prática gera uma série de incertezas no contexto do grupo. Existem dúvidas sobre o que
pode, ou não, ser tocado. A thread-starter criada pelo internauta Sensui solicita dos
administradores um maior esclarecimento sobre o tema.
[PERGUNTA] MÚSICAS EM PT, QUAL A SITUAÇÃO?
Olá ADM's!!!
Primeiramente desculpe enviar para todos, pois não sabia se era assim q devia
fazer... mas estou mandando para todos pq sei q a minha dúvida é de muitos
outros. Gostaria de saber como anda o processo da questão das músicas em
português na rádio, pergunto isso a vocês pq os ouvintes estão me perguntando
muuuuuuuuuito sobre isso... E muitos estão "revoltados" (tá... exagero meu, mas
estão "tristes") por não terem seus pedidos atendidos..
E a frequência disso aumentando cada vez mais, não sei se isso ocorre com
outros DJs... no entanto, ao menos comigo vem ocorrendo bastante...
Todos nós DJs aguardamos uma posição... Obrigado pela atenção e desculpe se
não fiz da forma correta... mas o que vale é a intenção ^^ (Mensagem enviada
pelo internauta “Sensui”, às 00h24, no dia 29/10/2008)
Ao dizer “todos nós estamos aguardando uma posição”, Sensui se fez porta voz dos
demais membros não administradores. As cinco manifestações seguintes, de outros integrantes
da lista, confirmam que a dúvida sobre como compor a programação musical é partilhada. Eles
reforçaram o questionamento e manifestaram o desejo de reproduzir canções com letras em
português, sempre se valendo do argumento que os ouvintes também pedem. Estas músicas
consistem em adaptações dos temas originais de abertura e/ou encerramento dos animes para o
contexto brasileiro. São versões geralmente elaboradas por estúdios de dublagem. A mensagem
do internauta Verdinhu, um dos cinco que se manifestaram na seqüência, evidencia uma
preocupação dos administradores com questões relativas a direitos autorais.
116
GENTE ^^, conforme a lei brasileira de registro da musica, geralmente como
isso ocorre, um compositor compoe uma musica e registra ela, o cantor compra
e grava, aquela letra que podera sem gravada sem pagar nada para o
compositor depois de 15 anos, no caso do ECAD, as radios e qualquer outro fins
que use da musica, paga um valor revertido ao ECAD que repassa o mesmo aos
donos das musicas, mas tive pesquisando sobre OP e ED de musicais no brasil,
essas poderiam tocar sem problema, pelo seguinte fato, em acordo com a
"Dubladora Brasileira" o estudio original de produção, aprova ou não uma
versão brasileira da musica, a mesma versão não pode ser lançada de forma
completa, e assim é lançada como chamamos de (TV Size), por que isso, a TV
Size é considerada Versão DEMO (...) As Maiorias das TVs Size e Musicas
Internas são gravadas pelos proprios dubladores do
Anime/Desenho/Toku/Filme, por isso elas não tem registro no ECAD
(Mensagem enviada pelo internauta “Verdinhu”, às 16h41, no dia 29/10/2008)
Sem entrar nos méritos da avaliação jurídica feita pelo internauta, fica claro o receio em
relação às atuações do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)
59
. Diante das
dúvidas, o adminsitrador DK respondeu quais as músicas podem ser tocadas:
Nós somos uma webradio de jmusic ou seja de japan music ou seja de musica
japonesa vamos nos limitar a isso ok?? ^^(Mensagem enviada pelo internauta
“DK”, às 17h08, no dia 29/10/2008)
Claramente, DK tenta colocar um “ponto final” na conversa, determinando que apenas as
canções japonesas (J-Music) no idioma original podem tocar na estação. O tom impositivo em
sua enunciação fica claro na expressão “vamos nos limitar a isso”. No entanto, seu
posicionamento não é suficiente para encerrar o tópico. O internauta Dezessete percebe uma
incoerência nas explicações do administrador.
Se somos uma rádio só de J-Music, por que temos um SPOT que diz "Rádio
ANiMiX, o melhor do animesong" ? Se entre as Anime Songs também
incluímos as músicas em português. Há incoerência nisso.
De qualquer forma, não são todas as músicas em português que tem registro no
ECAD. Para nos precaver, poderíamos, primeiro, descobrir quais sicas tem
ou não registro e, depois, procurar os cantores e outros que tem os direitos sobre
as músicas, para autorizar-nos a tocar tais músicas. (Mensagem enviada pelo
internauta “Dezessete”, às 20h39, no dia 29/10/2008).
O e-mail confirma o temor partilhado pelo grupo diante das atuações do ECAD.
Conseqüentemente, a escolha do repertório recebe influência de questões legais. O
questionamento de Dezessete é justificável não apenas pela presença do referido spot. O nome da
59
Órgão regulamentado pelo governo federal (lei nº 5.988/73), formado por associações musicais, e que controla a
arrecadação dos direitos autorais por difusão de músicas, tanto nacionais quanto internacionais.
117
emissora, Animx, é clara referência ao universo dos animes. Mais uma vez, DK assumiu turno da
fala, para explicar seu posicionamento.
Respondendo sua duvida animesong é musica de anime, ou seja é uma forma de
JMUSIC (de musica japonesa) afinal, animê é a animação japonesa logo, o
correto seria não tocar as aberturas em PT/BR de anime song porem 17, perante
o ECAD (e a lei) todas as musicas são de direito dele sim (com exceção das
musicas de músicos independentes) descobrir qual musica tem ou não direito
não é algo fácil, não é algo que se entra no site do ECAD e se descobre o correto
seria recorrer ao ESTUDIO e conversar com o ESTUDIO que fez a adaptação.
(Mensagem enviada pelo internauta “DK”, às 20h42, no dia 29/10/2008).
Mais uma vez, o enunciado de DK não se configurou no último elo da cadeia que se
formou a partir do tópico. O internauta Sensui, por exemplo, disse que tem uma versão acústica
da música Pegasus Fantasy, do cantor Hironobu Kageyama
60
, tema de abertura do anime Os
Cavaleiros do Zodíaco. A versão, segundo o internauta, é interpretada pelo próprio Kageyama,
mas em português. Ele questiona se a canção pode ou não ser tocada. Outra internauta, Lika
Chan, mantém programa dedicado aos games, uma das paixões do universo otaku. Ela disse que
toca trilhas dos jogos eletrônicos, inclusive as que são em inglês. Diante dos muitos
questionamentos, DK se expressou com mais veemência:
Figura 09: E-mail enviado pelo internauta DK, às 17h34, do dia 29/10/2008
A imagem do e-mail foi publicada para mostrar os recursos utilizados por DK em sua
enunciação. O internauta valeu-se de um tamanho de fonte maior, utilizou caracteres em “caixa
alta” e destacou parte da mensagem com “cor de fundo” amarela. Martins (2007) e Vaz (2002),
60
De acordo com a Wikipedia, Hironobu Kageyama é um cantor japonês que interpretou vários temas de abertura de
séries japonesas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hironobu_Kageyama. Acesso: 10/12/2009.
118
ao analisarem produções impressas, chamam atenção para a importância da composição
tipográfica na constituição de mensagens. Martins (2007) afirma que “o desenho das letras, a
composição, o espaçamento entre as letras e entre as linhas, além de todas as variações que
compõem a tipografia (tamanho, contraste, cor, etc.), são elementos determinantes na produção
de sentido”. (MARTINS, 2007, p.21). Vaz (2002), por sua vez, compara as formas da escrita às
entonações da voz.
A reflexão dos autores é perfeitamente adaptável ao contexto digital, quando se observa
interações baseadas no texto. O grande número de exclamações, a fonte em tamanho destacado,
o uso de caixa alta, expressam a impaciência de DK frente à discussão. Embora, no fim da
mensagem, ele diga não estar “com raiva de ninguém”, a materialização de seu discurso, sua
enunciação, foi interpretada de outra maneira pelos demais integrantes.
Ok dk tome maracujina... e tenha uma otima noite de bem estar. (Mensagem
enviada pelo internauta “Misao”, às 20h20, no dia 29/10/2008).
Ao dizer, no fim de sua mensagem, que não está com raiva, adotando tom de reparação, o
próprio DK assume que sua forma de escrita indica certa hostilidade. Talvez pelo tamanho
reduzido de sua observação final, ou mesmo pela força simbólica que emerge do seu jeito de se
manifestar, a impressão causada junto aos demais, refletida no e-mail da internauta Misao, é que
ele estava nervoso.
3.4.2 Interações na webradio
A relação dos integrantes do grupo com as músicas orientais, que foi tema da
conversação selecionada, torna-se mais clara a partir de uma análise das interações baseadas na
transmissão sonora. Antes de detalharmos a metodologia que norteou nosso olhar para o
dispositivo Animix, torna-se relevante contextualizar historicamente estas canções, que servem
de trilhas para os animes e outros gêneros midiáticos produzidos no Japão.
De acordo com Sato (2007), a música de consumo popular no Japão, conhecida no país
como kayõkyoku, tem origem no início do século XX, durante a Era Meiji
61
. Neste período,
61
De acordo com a Wikipédia, o imperador Meiji governou o Japão de 1868 a 1912. Este período ficou marcado
pela modernização do país que culminou com sua consolidação como potência econômica mundial. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_Meiji. Acesso: 24/12/2009.
119
músicos japoneses passaram a compor baseando-se nos ritmos ocidentais. Esta ocidentalização
acentuou-se logo após a Segunda Guerra Mundial, quando o pop americano foi efetivamente
introduzido no cenário cultural do Japão, influenciando gerações.
Na década de 1950, novos ritmos começam a fazer parte do repertório musical japonês,
como o soul, o blues, o jazz e o rock. No entanto, segundo Sato (2007), as músicas populares de
maior sucesso se enquadravam no gênero enka, descrito pela autora como “tradicionalista,
melancólico e dramático”. (SATO, 2007, p.280). Foi a partir de 1980 que os novos gêneros
atingiram a liderança nas paradas musicais, “refletindo os gostos de um público mais jovem, que
passou a preferir músicas ocidentalizadas”.
Inicialmente, os japoneses chamaram essas músicas com forte influência ocidental de
new music, para diferenciá-las das músicas populares com elementos mais tradicionais. Mas a
partir de meados dos anos de 1980, com a popularização dos CDS, “o termo new music caiu em
desuso e em seu lugar passou-se a usar a expressão J-pop” (SATO, 2007, p.280). Atualmente,
conforme a autora, o J-pop predomina nas trilhas de produções audiovisuais japonesas destinadas
ao consumo massivo, incluindo os animes. Assim, o animesong, música que compõe a trilha das
animações japonesas, constitui subgênero do J-pop.
É importante destacar que o processo de ocidentalização das canções japonesas não
implica numa anulação das marcas regionais na composição musical. Canclini (2003) afirma
que apenas uma pequena parcela dos “produtos cinematográficos, musicais e internéticos são
gerados sem marcas locais”. (CANCLINI, 2003, p.49). Sato (2007) explica que os ritmos do
ocidente sofrem alterações para adequar-se ao gosto musical nipônico.
O rap e o funk nipônicos carecem da crítica social típica nas letras do gênero no
ocidente, e seus intérpretes, embora vestidos no mais característico estilo das
ruas de Los Angeles e Nova York, têm uma atitude estranhamente mais leve
até sorridente – comparada com seus similares no ocidente. Músicas dance,
trance e eurobeat japonesas normalmente têm um ritmo mais marcado ou
acelerado, e cantoras de rythm & blues cantam com voz mais aguda, levemente
desafinada e um tom acima do que seria cantado no ocidente. (SATO, 2007,
p.294)
Na programação da Animix predominam as versões originais dos animesongs. No
entanto, é comum tocar artistas de J-pop que não se relacionam diretamente com o universo dos
animes. Existem, inclusive, programas dedicados ao rock japonês (J-rock) e ao pop coreano (K-
pop), que tocam músicas pouco conhecidas no cenário otaku brasileiro. Esta constatação se deu a
120
partir de uma análise de conteúdo dos programas da Rádio Animix. Com este tipo de análise
buscamos, inicialmente, dados quantitativos que fundamentariam a etapa seguinte, a abordagem
qualitativa. De acordo com Bauer (2002), a análise de conteúdo contribui para vencer um a
ruptura dentro das ciências sociais, que coloca de um lado o método quantitativo como um
racionalismo duro e, do outro, o método qualitativo, como puro subjetivismo. Bauer (2002)
afirma que a análise de conteúdo:
Faz uma ponte entre o formalismo estatístico e a análise qualitativa dos
materiais. No divisor quantidade/qualidade das ciências sociais, a análise de
conteúdo é uma técnica híbrida que pode mediar esta improdutiva discussão
sobre virtudes e métodos. (BAUER, 2002, p.190)
Na semana do dia 11 ao dia 17 de maio de 2009 acompanhamos os programas
transmitidos entre 20 e 23 horas. Conforme ficou demonstrado na análise das conversações via e-
mail, existe certa flexibilidade na grande de programação da emissora. Assim, em vez de nos
pautarmos pela grade, ou por programas específicos, decidimos observar o que estava sendo
veiculado durante a noite. A partir de observações preliminares, percebemos que neste período a
Animix mobiliza maior número de ouvintes e raramente fica sem a presença de locutores. Dentro
deste recorte temporal, conseguimos acompanhar seis programas na íntegra, desde suas
respectivas aberturas até o fechamento. São eles:
Animaniac, apresentado pelo DJ Maniac, no dia 11/05/09;
Anime From Hell, apresentado pelo DJ Eilanzer, no dia 12/05/09;
Mixtureba Louca, apresentado pela DJ Dark Sango, no dia 12/05/09;
Stinger no Universo Paralelo, apresentado pelo DJ Stinger, no dia 14/05/09;
Saindo da Chapa Quente, apresentado pelo DJ Bife, no dia 16/05/09;
Anime Expression, apresentado pelo DJ Sensui, no dia 17/05/09;
Além de escutarmos a transmissão ao vivo, gravamos os programas com a ajuda do
software Audacity
62
, o que permitiu uma retomada futura do material veiculado para transcrição
de trechos e para a realização de uma abordagem quantitativa. Esta abordagem consistiu na
mensuração do tempo dedicado às locuções, às músicas e aos intervalos comerciais. Também
permitiu contabilizar quantos ouvintes participaram em cada programa. Estas participações, que
62
O Audacity® é um programa de gravação e edição de áudio. É um software livre, portanto tem distribuição
gratuita e código fonte aberto. Fonte: http://audacity.sourceforge.net/?lang=pt. Acesso: 26/12/2009.
121
refletem a troca de mensagens entre locutores e público ao longo das transmissões, depois de
quantificadas, foram analisadas com o auxílio do software UCINet
63
. Com esta ferramenta,
chegamos a um modelo de rede, que nos permitiu ver os hubs. De acordo com Recuero (2004),
“os hubs são pessoas altamente conectadas, com um imenso número de amigos, que contribuem
significativamente para a queda da distância entre indivíduos em um sistema” (RECUERO,
2004, p.08).
O modelo de rede originado foi ponto de partida para a abordagem qualitativa, que
objetivou alcançar as características das relações estabelecidas entre os autores da Animix e seus
ouvintes. Interessou-nos a performatização dos apresentadores na condução de seus programas e
nas interlocuções com os participantes. Assim, dedicamos atenção às locuções ao vivo, buscando
perceber momentos de entusiasmo, tons de voz que externam a valorização de determinados
elementos da cultura otaku, bem como as maneiras de fazer referência aos ouvintes. Estes modos
de se referir aos interlocutores indicam se eles são meros estranhos, integrantes de uma audiência
dispersa, ou se, ao contrário, são próximos, facilmente identificados, etc. Aponta também para o
papel atribuído pelos autores do dispositivo ao seu público, no processo de constituição dos
programas.
Ao analisar qualitativamente as interlocuções que se inscrevem na transmissão sonora,
levamos em consideração o site da Animix. Assim como uma fotografia ganha sentido a partir de
sua leitura no contexto singular de uma página de livro, composto por uma ordem tipográfica,
pelos textos que fazem referência à imagem, o website constitui o contexto de significação de
uma webradio. Seus elementos textuais e imagéticos conformam o sentido do áudio. Assim, as
transmissões ao vivo o o “epicentro”, o foco da presente investigação. Mas para sua leitura,
consideramos o raio que se estabelece a partir deste epicentro, que abrange as notícias e colunas
redigidas no site, bem como as imagens das bandas e dos apresentadores. Esta observação
permitiu não apenas evidenciar como se processam as “remixagens” midiáticas, mas também
alcançar a dimensão estética deste grupo otaku que se reúne a partir de uma webradio.
A abordagem qualitativa, portanto, consiste numa análise do discurso, que segundo Gill
(2002) refere-se a um estudo das falas inseridas num determinado contexto interpretativo.
“Como um analista de discurso, a pessoa está envolvida simultaneamente em analisar o discurso
63
O UCINet é uma ferramenta computacional para análise de redes sociais. Fonte:
http://www.analytictech.com/ucinet/. Acesso: 26/12/2009.
122
e em analisar o contexto interpretativo” (GILL, 2002, p.249). Para a realização desta tarefa,
escolhemos dois programas, dentro do corpus que compôs a análise de conteúdo: o Anime
Expression e o Stinger no Universo Paralelo. Eles representam duas tendências verificadas na
Animix. O primeiro programa dedica-se, exclusivamente, às músicas dos animes,
preferencialmente daqueles que fazem mais sucesso. Portanto, veicula canções de amplo
conhecimento da tribo. O segundo enfatiza o J-pop “desconhecido”, que não faz parte das trilhas
das animações, inclusive abrindo espaço para bandas brasileiras, da cena independente, que se
dedicam ao gênero.
O Anime Expression, durante o período estudado, foi a produção da Animix que
registrou os maiores picos de audiência. O dia que é veiculado, sempre aos domingos, permite
que ouvintes, sobretudo os que estudam no período noturno, possam acompanhar a transmissão.
Além disso, o programa do DJ Sensui é o que dedica mais tempo para manifestações do público.
O gráfico a seguir, mostra a oscilação da audiência nos seis programas estudados.
Gráfico 01: Variação da audiência ao longo dos programas
É importante destacar que o Anime Expression foi o programa com maior número de
blocos dedicados às locuções, embora, assim como os demais, destinou maior tempo às músicas.
123
A estrutura de todas as produções da Animix segue um padrão. Cada bloco conta com as falas
dos DJs que, na maior parte do tempo, fazem leitura dos recados dos ouvintes, bem como
anunciam os pedidos musicais feitos por eles. O público se manifesta principalmente pelo campo
de “pedidos e recados” presente no site da emissora, que prescreve como deve ser esta
participação.
Figura 10: Campo de pedidos e recados da Rádio Animix
O formulário solicita que o internauta indique sua localização geográfica, evidência de
que o território físico constitui um dado importante, mesmo nas interações que seo nos
espaços da web. Conforme destacamos, Castells (2003) argumenta não ser procedente o temor
de alguns autores, que entendem a interação online como ameaça às relações co-presenciais. Ele
afirma que, em muitas ocasiões, as relações do ciberespaço potencializam a constituição de laços
no território offline. A divulgação da cidade e do estado onde reside o ouvinte participante indica
124
se ele pode ou não figurar no conjunto de relações co-presenciais, fora do domínio virtual, de
outros ouvintes e do próprio DJ. Se estiverem geograficamente distantes, é pouco provável que
se encontrem com freqüência.
O último campo, “dedicar seu pedido à”, indica que os ouvintes relacionam-se entre si.
Em diversos momentos da programação, acompanhamos os DJs lendo recados e dedicando
músicas para ouvintes, a pedido de outros ouvintes. No período analisado, a webradio não
dispunha de um chat
64
ou fórum de discussão aberto, indicando assim que esses internautas
conversam entre si via outras plataformas, como o MSN, Skype, sites de relacionamento, ou
mesmo encontros presenciais.
O campo de pedidos/recados aponta para as assimetrias que caracterizam a interação
entre locutores e ouvintes. Enquanto os apresentadores têm liberdade para determinar o tempo
dedicado às músicas e às locuções, seus ouvintes precisam sintetizar suas falas em, no máximo,
130 caracteres. E é importante lembrar que estas falas são submetidas ao “crivo” dos DJs, que
podem ou não levá-las “ao ar”. É dos apresentadores também a decisão final sobre o que vai ou
não tocar na webradio. No dia 12 de maio, por exemplo, a ouvinte Maria Cláudia, dentro do
programa Anime From Hell, pediu e dedicou à mãe a música Blue Bird, mas o apresentador
Eilanzer recusou-se a tocar. De forma carinhosa, ele mandou um beijo à mãe da internauta,
agradeceu sua participação, mas disse que não atenderia ao pedido porque Blue Bird é trilha do
anime Naruto.
Eu não toco Naruto. Escuto Naruto o dia inteiro, em todos os programas e estou
de saco cheio de Naruto. (Transcrição da fala do DJ Eilanzer, programa Anime
From Hell, edição do dia 12/05/2009, às 21h29)
Outro ouvinte, que também teve o pedido recusado, queria ouvir Bob Marley na Animix.
Identificado pelo DJ Eilanzer como Negoroki, obteve a seguinte resposta:
Sou muito de Bob Marley. Aqui se Bob Marley tivesse olhinho puxado até
que rolaria... mas... (Transcrição da fala do DJ Eilanzer, programa Anime From
Hell, edição do dia 12/05/2009,as às 21h30)
64
Somente em novembro de 2009 começou a funcionar o chat da Animix, em sua versão Beta.
125
Este foi um dos muitos momentos em que os DJs da Animix fizeram referências a outras
culturas, manifestando preferências que extrapolam elementos do universo otaku. Canclini
(2003) afirma que:
Registrar o global com uma visão despersonalizada pode colaborar com a
doutrina neoliberal, que afirma a um tempo a liberdade e a fatalidade dos
mercados, mas com o custo de isolar a economia, impossibilitando um diálogo
consistente com as teorias sociológicas e antropológicas que se negam a
prescindir das pessoas ao indagar o lugar em que as decisões são tomadas e a
liberdade é posta em jogo. (CANCLINI, 2003, p.48)
Assim, é preciso reconhecer nesta análise de um tipo de consumo da cultura pop
japonesa, que se desdobra na criação de um dispositivo midiático, as relações de uma diversidade
cultural, formada pelo convívio de tradições regionais com elementos de uma cultura
globalizada. Certamente a apropriação dos animes e do J-pop no Brasil tem suas singularidades
em relação ao consumo destas produções no restante do mundo. Um texto publicado no site da
Animix, no dia 01 de março de 2009, de autoria da DJ Danixan, é bastante revelador neste
sentido. Ela cinco dicas aos otakus sobre como lidar com seus pais, quando estes estranham
seus hábitos “incomuns”, em relação a certos padrões da sociedade brasileira.
1 Mantenha a calma! Os únicos lugares que se chega brigando é o “Cantinho
da Disciplina” da Super Nanny ou a Delegacia (...).
2 Hora de conversar. Explique para seus pais que esse é o seu jeito, e que o
é nada estranho, pois várias pessoas como você, algumas até famosas (...).
Não estamos mais na época da ditadura. (...)
3 Não resolveu? Chantagem emocional. Diga que esse é você, que não é culpa
dos seus pais que você não gosta das mesmas coisas que eles (porque na maioria
das vezes os pais se sentem culpados por isso, e talvez seja um pouco de culpa
deles, mas não há necessidade de falar XD). (...)
4 Explique para seus pais que você não tem vergonha deles, que usam roupas
meio antigas e gírias pré-históricas na frente dos seus amigos. (...)
5 Em caso extremo, apenas finja que concorda com toda a lavagem cerebral
que estão fazendo em você, e ao sair de casa, leve a roupa que realmente
gostaria de usar em uma mochila. Já vi milhares de meninas se trocando no
banheiro dos eventos porque os pais não gostavam da roupa (...)
O importante é sempre lutar por seus direitos de expressão!! É certo que se ainda
vivemos na casa dos nossos pais e não ajudamos nas despesas, certas regras
que devemos respeitar, mas não é por isso que iremos nos enganar! Esconder o
que somos traz mais problemas. E os pais podem achar que é só uma fase,
mas quem deve saber se é uma fase ou não, somos nós mesmos. (Trechos da
coluna Danixan Explica, Site da Rádio Animix, Acesso: 01/03/2009)
O texto mostra claramente a existência de uma preocupação dos filhos otakus com a
aceitação dos pais, que cresceram num contexto cultural anterior à difusão da cultura pop
126
japonesa. Muitas crianças e jovens otakus usam roupas que fazem referência aos animes
preferidos. Alguns pintam os cabelos de vermelho, verde, fazem mechas roxas, adotando o visual
coerente com o padrão de moda japonês e, especificamente, com o estilo dos personagens das
animações. Um dos comerciais veiculados na Animix mostra o valor que têm para esses jovens o
uso de roupas que fazem referência às séries preferidas. Veiculado no dia 14/05/2009, entre os
blocos do programa Stinger no Universo Paralelo, o comercial de uma loja especializada em
produtos otaku simula a conversa de dois integrantes da tribo.
-Nossa amigo... tenho tudo do Naruto chapéu, meia, toca... tudo o que você
possa imaginar.
- Vorealmente gosta desse desenho hein? Mas aposto que vonão tem isso:
A pantufa do Naruto! Haha!
Narrador: Surpreso? É porque você ainda não conhece a (...). Bolsas, colagens,
cosplayer, acessórios e uma infinidade de produtos com os melhores preços.
Vendas online e offline. (...). (Intervalo do Programa Singer no Universo
Paralelo, 14/05/2009, às 20h19)
Esses produtos, que vão de fantasias às pantufas, singularizam esses jovens dentro de um
contexto brasileiro, conformam suas identidades. No entanto, eles transitam por outros universos
culturais, comuns entre aqueles com os quais partilham o contexto local. A internauta Danixan
abriu seu texto sobre dicas como lidar com os pais fazendo referência ao carnaval.
Yay! Sobrevivente do Carnaval, estou eu para escrever mais uma coluna para
vocês! (Trecho da coluna Danixan Explica, Site da Rádio Animix, Acesso:
01/03/2009)
A colunista dirige-se ao leitor chamando-o de “sobrevivente do Carnaval”. Certamente o
faz influenciada por um contexto local, em que grande parte dos jovens, otakus ou não, entre
fevereiro e março, participam das “folias”. Valendo-se desse recurso, Danixan indica acreditar
que boa parte de seus eventuais leitores participou, de alguma forma, da tradicional festa
brasileira. Hall (2006) afirma que na era da globalização não se pode falar em homogeneização
de identidades. Manifestações culturais importadas de outros países são incorporadas ao contexto
local de forma singular, pois entram em interação com outros sistemas simbólicos. Assim, as
identidades que se formam são mais fluidas. O autor inclusive propõe a substituição do termo
identidade, que denota certa estabilidade, por “processos de identificação”. Na atualidade, “as
127
identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades híbridas estão tomando seu
lugar”. (HALL, 2006, p.69).
As peculiaridades da cultura otaku são refletidas nas fotos dos apresentadores da Animix,
sempre expostas quando estes estão conduzindo suas produções, também presentes no link
“equipe”, do site.
Figura 11: Perfil do DJ Bife divulgado no site da Rádio Animix
Bretas (2000), ao analisar sites pessoais de adolescentes, constatou que as fotografias
destes autores, expostas no dispositivo, tinham características comuns. Com o objetivo de
individualizar-se, eles priorizavam um enquadramento de seus próprios rostos na imagem.
Também davam a ver modos de vestir, posturas e outros elementos que, segundo a autora,
configuram-se em signos não-verbais. Estes signos, conforme Bretas (2000), indicam traços da
personalidade. É possível ver, na imagem destacada, a intenção do jovem retratado de divulgar
sua condição de integrante da tribo otaku. Ele aparece com uma camiseta branca, com a estampa
128
de uma personagem de série nipônica, usa luvas que provavelmente são parte de uma fantasia e
uma peruca colorida, clara referência ao visual das bandas de rock japonesa.
Assim como foi constatado por Bretas (2000), a fotografia serve para confirmar atributos
destacados no texto/perfil do DJ. O modo de se apresentar indica o que esses jovens consideram
ser importante para o eventual leitor saber. Como são identificados por seus nicknames, formas
como são reconhecidos e individualizados no contexto web, apresentam a história do apelido.
Conforme Bretas (2007), internautas podem valer-se de apelidos para indicar aos interlocutores
suas peculiaridades. Ao narrar a história do nickname, o autor parece ter a intenção de expor sua
própria trajetória, enquanto sujeito também habitante de um mundo virtual. É importante
destacar que a exposição do nickname, incluindo sua história, convive harmoniosamente com a
divulgação do nome e de outros dados próprios de um mundo concreto, como a cidade onde o
Rafael/Bife reside, claramente indicando a mistura de uma vida on e offline.
Foto e texto indicam uma inserção do jovem na tribo otaku. No texto, o autor assume sua
preferência pela música japonesa e elenca seus animes favoritos. No entanto, o caráter plural de
sua identidade, que não se reduz aos processos de identificação desta cultura específica, também
se evidencia. Ele se diz leitor de livros espíritas, apontando para sua incursão nesta doutrina
religiosa. Além disso, na fotografia, Bife usa vários ornamentos que compõem uma vestimenta
original. Sem se prender a um produto midiático específico, apropria-se dos vários elementos do
universo otaku para criar uma fantasia própria. Na imagem, além de estar vestido de uma forma
chamativa, ele aparece com um apito na boca. No texto, ele diz que gosta de dançar. Percebe-se
um espírito carnavelesco, elementos de uma cultura brasileira.
A programação da Animix reflete também esta imbricação cultural, quando divulga
trabalhos de bandas locais que tocam o pop japonês. No dia 14/05/2009, durante o programa
Stinger no Universo Paralelo, foi reproduzida uma vinheta promocional que divulga a banda
Negrayskull. A gravação começa com um BG
65
, composto por um trecho de música cantada em
japonês, provavelmente pelo grupo. Em seguida, os integrantes fazem, ao mesmo tempo, uma
saudação no idioma nipônico, para depois se apresentarem:
65
Abreviação de background. Nas produções radiofônicas, é a música que fica no “fundo”das falas.
129
Eu sou Joham Carvalho, eu sou Jefferson Leo, eu sou Guilherme Nesser, eu
sou Otávio Leonel, eu sou Patrick Oliveira. Somos a banda Negrayskull e
também estamos ligados na Rádio Animix, a rádio de todos os seus momentos.
(Intervalo do Programa Stinger Kildred no Universo Paralelo, 14/05/2009, às
20h19)
Todos encerram com outra saudação em japonês e toca mais um trecho do BG. A
interculturalidade fica evidente na mistura dos idiomas (as saudações e a música em japonês,
intercaladas com as apresentações em português).
Assim como a aproximação de culturas produz resultados inesperados e imprevisíveis, a
maleabilidade de linguagens, conforme Manovich (2009) produz infindáveis formas de
dispositivos. Conforme anunciamos, não é nosso objetivo definir o que é uma webradio. Mas
apresentaremos características do dispositivo Animix a partir das relações desencadeadas em
suas interfaces. Diferentemente do que ocorre na rádio tradicional, que geralmente conta com
uma “audioteca”, na Animix cada DJ tem a como tarefa manter seu próprio repertório de mp3.
Como a estação virtual também não tem estúdio, eles conduzem seus programas de suas próprias
casas, remixando suas falas a partir de um microfone conectado aos seus respectivos
computadores. Por fazerem seus programas valendo-se de um banco de dados com suas sicas
prediletas, não tocam canções que não gostam.
Já os ouvintes, podem ter seus pedidos musicais negados, porque o locutor do horário não
“baixou” a canção solicitada. Na maioria das vezes, os DJs se comprometem a procurar na rede a
canção pedida, para reproduzirem num momento futuro. Mas, em alguns casos, recusam-se a
tocar, simplesmente por não partilharem do mesmo gosto do solicitante.
Cara.. o anime de Naruto é uma falta de respeito com os fãs... o anime Naruto
tem trocentos fillers
66
. Não tem como ver. É uma falta de respeito, velho. Um
exemplo... uma coisa boa... Bleach é bom mangá é bom anime. Uma dica? Gosta
de mangá? Leia o mangá do Naruto. Eu aposto que quem o mangá do Naruto
nunca mais vai assistir o anime na TV. (Transcrição de fala do DJ Eilanzer,
programa Anime From Hell, edição do dia 12/05/2009, às 22h00)
66
“É um termo usado para denominar episódios ou arcos inteiros de uma série de anime inexistentes na série
original do mangá do qual a mesma foi adaptada. Geralmente são produzidos para impedir que a série de TV alcance
as publicações atuais da série do man- geralmente mais lenta -, evitando paralisação. Isso permite que a franquia
ainda possa ser explorada comercialmente, mantendo sua popularidade - mesmo que nem sempre seja positiva.”
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Filler. Acesso: 30/12/2009.
130
O DJ Eilanzer reusa-se a tocar músicas do anime Naruto por não gostar da série,
evidenciando que no dispositivo em questão ainda existem fortes elementos do modelo um-
todos, que Lévy (1993) entende ser padrão nas difusões da mídia tradicional. Contudo, é preciso
reconhecer a clivagem para o modelo todos-todos que, conforme Lévy (1993), caracteriza um
modo de relação mais horizontalizado, que seria promovido pela internet. Todos os programas,
mesmo que em graus variados, são dependentes da participação da audiência. Muitos, inclusive,
resumem-se na leitura e no envio de recados dos ouvintes e no atendimento de pedidos. No
período analisado, a maior parte da programação musical se constituiu com base nas vontades da
audiência, assim como o tempo dedicado às locuções foi, na maioria dos casos, ocupado por
pedidos musicais e recados dos ouvintes. O gráfico a seguir mostra o tempo, em minutos, de
locuções, intervalos e músicas, no período analisado.
Gráfico 02: Tempo dedicado às falas, músicas e intervalos
Ao longo dos programas, os DJs surgem como “porta vozes”, conferem visibilidade ao
ouvinte anunciando e lendo as mensagens da audiência. No entanto, ao fazê-lo, coloca-se numa
posição de destaque. O apresentador é aquele que tem o poder de selecionar aquilo que merece ir
131
“ao ar”. Portanto, sua presença torna-se muito mais notável. Ele é o centro, o hub de uma rede
formada a partir do consumo da Animix. O grafo a seguir foi constituído a partir das
conversações do DJ Maniac, no dia 11/05/2009, com seus ouvintes.
Grafo 01: Conversações entre o DJ Maniac e seu público no áudio da Animix
Representados pelos pontos azuis, os ouvintes enviaram mensagens diretamente para o
apresentador. Diferentemente do que ocorre nas mídias tradicionais, o existe uma equipe de
bastidores (produção) para filtrar estas manifestações. Durante o programa, o DJ tem que ler
previamente as mensagens para compor seu repertório de músicas e filtrar aquilo que será lido. É
um exercício de múltiplas tarefas, habilidade que, segundo Urresti (2008), é característica do
jovem contemporâneo.
O grafo expõe uma troca de mensagens entre membros da audiência, por meio da locução
do DJ. Os internautas Tony e Maymay dedicaram músicas um para o outro. Nana dedicou uma
canção para o ouvinte Yan. Riku mandou abraços para a internauta Bakachan. Estas interações
132
entre ouvintes são evidencias da inclinação do modelo um-todos para todos-todos. Mas é
importante frisar que o foram todos os membros da audiência que enviaram seus recados.
Foram 28 participações, num dia em que o programa registrou média superior a 140 ouvintes
simultâneos por minuto.
É provável que muitos pedidos não tenham sido atendidos por falta de tempo, que o
programa Animaniac tem duas horas de duração. Também é preciso levar em conta que muitos
ouvintes podem não ter encaminhado pedidos, preferindo acompanhar a programação da forma
mais tradicional. Durante nossas observações, realizamos uma pequena experiência. No
domingo, dia 17/05/09, assim como fazem os ouvintes da emissora, encaminhamos pedido ao DJ
Sensui, por meio do site da webradio. Na ocasião, não me apresentei como um pesquisador que
estuda a Animix, para não receber tratamento diferente dos demais ouvintes. O apresentador,
conforme havia pedido nas duas mensagens, fez saudações ao público de Belo Horizonte. O
número menor de “filtros” e a audiência menor, em relação às grandes emissoras radiofônicas
tradicionais, permite maior aproximação entre DJ e audiência, que resulta numa participação
mais acentuada do público.
É importante destacar que o grafo apresentado, e os outros que ainda serão analisados,
não representa tradução fiel da rede formada pelas relações entre DJs e ouvintes. É um modelo
que ajuda ver as conversas dentro das transmissões em áudio, que constituem e alimentam os
programas. A teia de relações se estende muito além do que é sonoramente veiculado. É preciso
considerar os possíveis encontros em outros espaços da web dedicados à cultura otaku, como
fóruns dedicados às séries, e mesmo um convívio presencial. Dentro dos próprios programas, os
apresentadores dão indícios de que interagem com membros do público em outras ambiências do
ciberespaço, como as constituídas por programas de bate-papo. Inclusive, no período estudado,
em diversos momentos de seus respectivos programas, os DJs divulgaram seus “endereços” do
MSN, ação que pode ser entendida como um verdadeiro convite aos seus interlocutores para
conversações síncronas, de caráter dialógico, conforme definição de Braga e Calazans (2001).
Assim, por um lado as interações que se dão a partir do dispositivo Animix continuam a
ser diferidas e difusas, pois, fazendo analogia com uma peça teatral, os apresentadores ocupam o
palco e dirigem suas falas a uma ampla platéia. Porém, o caráter diferido e difuso sofre
imbricações com o modelo dialógico, pois a composição dos programas depende da
133
manifestação dos internautas e recebe interferência direta de suas conversações com os
apresentadores.
O modo de produção mais horizontalizado, mas que conta com os DJs ocupando a
posição de hubs, pode ser melhor compreendido a partir de uma análise da enunciação de dois
programas da Animix: o Anime Expression e o Stinger no Universo Paralelo.
O Anime Expression constituiu a maior audiência da Animix no período analisado.
Reuniu também o maior número de participações. O programa começa com uma vinheta que
anuncia o nome do programa e o nickname do apresentador, Sensui. Em seguida, toca um BG
instrumental. O DJ anuncia “a hora certa”, comportamento similar ao dos locutores das rádios
tradicionais, enfatizando o caráter ao vivo da transmissão de seu programa. Quando apresenta
estar num fuso horário brasileiro, apesar de potencialmente poder ser ouvido em diversas partes
do mundo, já indica quem são seus interlocutores.
Sensui apresenta seu programa na base do improviso. O Anime Expression é dedicado à
realização de uma espécie de jogo, que conta com a participação dos ouvintes. No início da
transmissão, Sensui anuncia a “batalha dos animes”. Ele apresenta uma lista com várias
produções concorrentes e convoca o público a votar naquelas que possuem melhor trilha sonora.
A cada bloco, duas séries escolhidas pelos internautas são confrontadas. Antes de abrir para a
votação, o DJ toca uma música de cada. Enquanto isso, recebe participações, que sugerem “a
batalha do próximo bloco” e indicam qual a série vitoriosa do confronto atual. A produção
vencedora, além de continuar na disputa, tem uma canção de sua trilha tocada nos blocos
seguintes.
Sensui, além de receber participações pelo site da Animix, convida seus ouvintes a
manifestarem via MSN e IRC. O grafo a seguir mostra o número de participações da audiência,
dentro do Anime Expression.
134
Grafo 02: DJ Sensui e seus internautas na produção do Anime Expression
Charaudeau (2006) afirma que toda situação comunicativa é mediada por um contrato. O
contrato de comunicação é composto por um conjunto de normas, que permitem aos
interlocutores se reconhecerem. O modelo deste contrato proposto pelo autor é composto por
dados externos e internos. Entre os dados externos, encontra-se a condição de finalidade, que
apresenta o objetivo do ato comunicativo. Ela se traduz a partir da pergunta “estamos aqui para
fazer o quê?” (CHARAUDEAU, 2006, p.69). Uma das finalidades elencadas pelo autor é a do
pathos, que visa provocar no outro um estado emocional, agradável ou não.
Ao realizar uma “disputa de animes”, Sensui promove uma competição entre os próprios
fãs, que se sentem realizados com o avanço de suas produções favoritas, motivados a responder
aqueles que votaram contra, e mesmo frustrados com a “eliminação” da série predileta. A
contagem dos votos é realizada ao vivo, o que favorece o clima de rivalidade e o conseqüente
estímulo à participação.
O Felipe Sales empatou!! Céus!!! Está sete a sete o confronto entre Bleach e
Full Metal Alchimist! Que batalha difícil!! (Transcrição de fala do DJ Sensui,
programa Anime Expression, edição do dia 17/05/2009, às 20h30)
135
Semelhante ao modo como os narradores esportivos dão uma emoção própria ao
espetáculo futebolístico, Sensui dramatiza a competição. Ele sempre acha graça nos recados de
fãs que encaminham, juntamente com o voto, ataques às séries adversárias. Desta forma,
estimula outros internautas a realizarem manifestações semelhantes.
O Westcast do interior de São Paulo mandando bala aqui ó: “Bleach é o pior
anime que existe”. Rapaz, cuidado. Você diz isso e depois vai se arrepender,
com os recados da galera que gosta de Bleach! Tem muita gente que gosta...
((Transcrição de fala do DJ Sensui, programa Anime Expression, edição do dia
17/05/2009, às 20h36)
Apesar de parecer advertência, o contexto de uma brincadeira e o tom de descontração do
apresentador, que aparentava estar rindo durante sua fala, fez a mensagem parecer um
chamamento ao revide ou mesmo um convite aos ouvintes interessados em manifestar apoio à
opinião do internauta Westcast. Trata-se de uma estratégia que estimula a participação e alimenta
o programa.
Em alguns momentos da transmissão, o locutor responde via áudio mensagens que foram
endereçadas a ele via plataformas de interação dialógica.
Não contei a sua resposta não Cátia! Qual seu voto? (Transcrição da fala do DJ
Sensui, programa Anime Expression, 17/05/2009, às 20h41)
Ao repercutir a fala da ouvinte Cátia, Sensui deixa evidenciar que suas conversações em
outras interfaces reverberam na transmissão de seu programa. Estimula deste modo, a ocupação
dessas interfaces por ouvintes que desejam intervir na produção sonora e, conseqüentemente,
usufruírem de uma visibilidade promovida pela Animix. Além do MSN, o apresentador faz
convite ao seu público para participar de um chat de IRC, explicando detalhadamente como
acessá-lo. Esses variados espaços, constituídos por múltiplas plataformas, são interligados pela
programação “ao vivo”.
O modo de falar do DJ aproxima-se mais de uma conversa via Skype
67
do que de uma
transmissão radiofônica convencional. A qualidade sonora assemelha-se a de um telefone e o
67
Programa de bate-papo que se popularizou por promover conversações via áudio, semelhante à conversas
telefônicas, via Internet. Para mais informações: http://www.skype.com
136
locutor, sempre na base do improviso, parece não se preocupar com um padrão da mídia
corporativa. Longas pausas, o uso de gírias, o “é” prolongado, o “né” e outros vícios que são
comuns às conversas do dia-a-dia não são evitados. É possível comparar esses programas aos
vídeos do Youtube
68
que não seguem o padrão da TV corporativa, mas que se tornam
verdadeiros hits na web. Muitas vezes, consumidores destes vídeos abrem mão da alta resolução
para conseguirem acessar com maior facilidade, mesmo com uma internet de velocidade mais
baixa, seu conteúdo. Acessam produções de anônimos, sem nenhuma formação na área
audiovisual ou artística, por trazerem informações relevantes, serem engraçadas, ou promoverem
formas alternativas de experiência não alcançadas pelo consumo midiático convencional.
Da mesma forma, o som da Animix não prima por uma alta definição, mas parece ser
concebido para um acesso mais facilitado. A performance do DJ Sensui frente ao microfone não
objetiva reproduzir realizações dos locutores tradicionais. Seu papel é se colocar mais próximo
de sua audiência, estimulando-a a participar, propiciando-a uma experiência singular. Neste
sentido é curioso perceber que até na contagem de votos ele conta com a ajuda de seus ouvintes.
Num primeiro momento, o internauta Leo Kun, via IRC, era seu “assistente”. Em diversos
momentos ele solicitou atenção de seu colega na “apuração dos números”. Logo depois que o
internauta se desconectou, Sensui conseguiu um novo auxiliar.
Leo Kun acabou de sair e não vai poder me ajudar, mas o Kon Locão é meu
assistente. Ele vai me ajudar na contabilização dos votos!” (Transcrição da fala
do DJ Sensui, programa Anime Expression, 17/05/2009, às 21h30)
Ao mobilizar membros de sua audiência para ajudar na contabilização dos votos, Sensui
expõe uma relação de confiança entre ele e esses integrantes, reforçando, assim, nossa crença de
que as interações não se limitam aos momentos de transmissão. As aproximações que se iniciam
ao longo dos programas continuam em outros lugares, físicos ou virtuais.
Um recado super importante. Hoje é aniversário do meu amigo Rafael San. Aee
Rafael San meu amigo do peito, meu irmão camarada! Ele falou que vai me dar
um husky siberiano porque eu amo esse cachorro. Vou cobrar hein Rafael? Mas
antes vou deixar nossa homenagem. Vai aqui um parabéns pra você.
(Transcrição da fala do DJ Sensui, programa Anime Expression, 17/05/2009, às
20h31).
68
http://www.youtube.com
137
Sensui, ao anunciar o aniversário de seu “amigo do peito”, demonstra ter uma relação
com esse internauta que ultrapassa os limites do seu programa. Ele indica saber a data de
nascimento de seu interlocutor, algo que provavelmente foi conhecido durante conversas em
outros lugares. Da mesma forma, Sensui diz que seu ouvinte/amigo vai lhe dar um cão da raça
husky siberiano. Segundo o próprio locutor, o internauta Rafael San sabe de sua afeição por esta
espécie. Assim, fica claro um conhecimento mútuo, que parece ser fruto de interações dialógicas
ou face a face.
Durante a homenagem, o DJ tocou a canção “Parabéns pra você”. Esse não foi o único
momento em que Sensui reproduziu música que foge à temática da Animix. Ao longo do
programa, o apresentador usou como BG a versão instrumental da música Eye Of the Tiger, tema
do filme Rocky III, estrelado por Silvester Stallone em 1982. É uma canção mundialmente
conhecida, trilha de um filme que retrata o universo do boxe, que foi de enorme sucesso nas
bilheterias. Hoje a canção é bastante usada para fazer referência às lutas, aos embates. Foi com
esse propósito que Sensui utilizou o BG, para compor o cenário de conflito dos animes. Canclini
(2003) lembra que “os símbolos máximos da globalização se encontram nos Estados Unidos e no
Japão (...)”. No contexto dos programas, estes símbolos estão representados pelas trilhas, do
filme americano e das animações nipônicas.
Mas o autor lembra que todas as produções trazem marcas de um contexto local. Os
animes que avançam na disputa promovida pelo programa são os que fazem sucesso no Brasil.
Além disso, o DJ sempre saúda de forma destacada aos ouvintes que moram na cidade de
Campos dos Goytacazes. Faz questão de singularizá-la, chamando-a de “capital nacional do
petróleo”. A cidade, que fica no norte do Rio de Janeiro, é o local de residência do DJ. São
indícios de uma interculturalidade na composição deste programa da Animix que, embora seja
dedicado aos animes, trata-se de uma produção brasileira, elaborada e transmitida a partir de uma
cidade fluminense.
A visada do pathos, que se sobressai no conjunto de intenções do DJ Sensui, deixa o
lugar de destaque no programa Stinger no Universo Paralelo. De acordo com Charaudeau (2006),
a visada informativa objetiva levar um saber a quem se presume não possuí-lo. Parece ser esse o
propósito do DJ Stinger Kildred na condução de seu programa. Adotando uma postura diferente
de seu colega Sensui, que privilegia o improviso, o DJ Stinger produz previamente alguns
138
momentos de seu programa. Ele seleciona notícias sobre bandas e eventos dedicados à cultura
otaku.
Bom galera vamos rapidinho aqui com uma notícia... A banda It Nii voltou à
Underclan Production. É uma notícia realmente surpreendente e difícil de
acontecer. Para quem não entendeu, a banda Iti nii era atualmente uma banda
major e agora está voltando para uma gravadora indie. É um caminho bem
incomum no Japão. Geralmente as bandas indie se tornam major e It Nii vai
fazer o caminho inverso. E provavelmente o som do It Nii vai voltar ao que era
antigamente. Então esperem muitas novidades sobre a banda. (Transcrição da
fala do DJ Stinger Kildred, Programa Stinger Universo Paralelo, 14/05/2009, às
20h37)
Valendo-se de uma locução rápida, num estilo parecido com o de apresentadores das
emissoras FM jovem, o locutor adota um tom didático, para explicar o percurso da banda It Nii,
classificado por ele como “incomum” no Japão. Demonstra crer num desconhecimento de seu
público em relação à banda, ou mesmo sobre o universo musical japonês. Ele se coloca como um
conhecedor das variações no estilo musical do It Nii, que saiu da cena independente (indie) e
ligou-se a uma grande gravadora, para depois fazer percurso inverso, ligando-se novamente a um
selo independente. Posicionando-se como um conhecedor, Stinger Kildred coloca sua audiência
como aqueles a quem se deve ensinar.
A proposta do programa Singer no Universo Paralelo não é reproduzir as trilhas dos
animes. Seu objetivo, segundo palavras do próprio apresentador, é abrir espaço para o J-rock, o
rock japonês. Enquanto o DJ Sensui, ao longo do Anime Expression, sempre fala de qual anime
é a música tocada em programa, Stinger Kildred enfatiza mais a banda e seu estilo. Poucas vezes
faz referência ao universo das animações. Assim, enquanto a produção do primeiro DJ destina-
se aos fãs dos desenhos, o programa do segundo é preparado para os admiradores das bandas. No
Anime Expression qualquer música pode ser reproduzida, de “baladas” ao rap japonês, desde que
componham trilhas. Já no programa Stinger no Universo Paralelo são aceitos pedidos de J-
rock. Várias solicitações de internautas, que desejam ouvir o som de suas séries favoritas, são
negadas.
139
Primeiramente eu gostaria de pedir desculpas para a galera que não rolou seus
pedidos (...) Gostaria de falar que o programa Stinger no Universo Paralelo é um
programa dedicado ao J-rock. Então o DJ Stinger Kildred toca apenas o J-rock
pra galera. Não é por maldade, não é também um preconceito com outro estilo
musical. É porque o programa Stinger no Universo Paralelo é feito pra ajudar a
crescer cada vez mais essa cena do J-rock . Vocês devem ter percebido que
muitas bandas de J-rock se apresentaram por aqui. (...) E isso vai continuar
acontecendo se tivermos um cenário bem forte e a galera comparecendo cada
vez mais aos shows. Então, pra gente criar um cenário bem forte é bom a galera
sempre conhecer coisas novas, ouvir muitas bandas novas... (Transcrição da fala
do DJ Stinger, Programa Stinger Kildred no Universo Paralelo 14/05/2009, às
21h45)
Portanto, nesta produção, a música japonesa tem um valor em si. Seu autor deseja ver
forte um “cenário” formado pelas bandas orientais, dentro de um contexto brasileiro. Se em
outros programas, as sicas ganham pertinência na medida em que são índices de outras
produções (dos animes e outras séries televisivas japonesas), no espaço ocupado pelo DJ Stinger
elas ganham um sentido próprio, nutrem uma paixão pelo universo musical japonês. É
importante destacar que essa preferência não se opõe ao consumo dos animes, como é possível
notar na fala que transcrevemos do DJ Stinger. No contexto brasileiro, onde as séries televisivas
importadas do Japão são mais difundidas que as bandas daquele país, o gosto pela música
oriental nasce, em grande parte, do contato com as trilhas sonoras.
Ao negar certos pedidos de J-pop dos ouvintes, mesmo apresentando justificativas,
Stinger Kildred acentua as assimetrias na transmissão sonora. Em seu programa, para participar,
é preciso conhecer minimamente o universo da música japonesa, relacionando as bandas aos seus
respectivos neros. Enquanto no programa do DJ Sensui o ouvinte pode realizar seu pedido
simplesmente dizendo que quer ouvira música de abertura” de determinado seriado, para
encaminhar pedidos ao DJ Stinger é preciso reconhecer as bandas de J-rock. O grafo a seguir
mostra os pedidos e recados de ouvintes, repercutidos pelo apresentador, na transmissão de seu
programa.
140
Grafo 03: DJ Stinger e seus internautas
Mais uma vez, um DJ aparece como hub, coordenando as ações que resultam no
programa. Além de, discursivamente, colocar-se como a autoridade, que deve passar seu
conhecimento sobre um gênero musical específico a alguém (seus ouvintes) o DJ Stinger ocupa
posição de destaque conferida pelo próprio dispositivo. A transmissão, de caráter difuso, lhe
visibilidade. Em diversos momentos do programa, o DJ manda abraços a vários internautas que,
a priori, não lhe encaminharam recados. Deixa claro que sua audiência é bem maior que as
participações.
Bom vou mandar um abraço ai para o João de Curitiba, Daniel de Minas Gerais,
Black de Sete Lagoas, Massaki de Sampa, Felipe de Belém do Pará e toda galera
do colégio Santa Rosa, Nakurushi de Tóquio no Japão, Toshi de São Paulo,
Yosamai de São Joaquim, Natchan de Curitiba, Michel de Lavras em Minas
Gerais, Mister Bean de Curitiba e Juliete de Teresina no Piauí. (Transcrição da
fala do DJ Stinger Kildred, Programa Stinger Kildred no Universo Paralelo
14/05/2009, às 21h00)
141
O envio de abraços, de forma aleatória, sem aparente requisição dos internautas, aponta
para uma transmissão destinada à vasta platéia. O DJ deixa claro que fala não apenas para a
audiência participante da Animix, mas também para ouvintes que consomem a webradio muitas
vezes sem interesse numa participação direta. Desta maneira, Stinger Kildred enfatiza o poder de
alcance do programa, que conta com menor número de participações em relação ao seu
correspondente apresentado pelo DJ Sensui, mas que mantém índices de audiência bem
próximos.
Com a manifesta intenção de divulgar o rock japonês no cenário brasileiro, o estilo
pedagógico do apresentador é encontrado também no site da Animix, onde ele mantém uma
coluna sobre J-rock e “visual k”.
Figura 12: Coluna do DJ Stinger Kildred no site da Animix
Nessa coluna, que acessamos no dia 14/05/2009, o DJ Stinger Kildred mostra, desta vez
via texto, intenção de informar o público. Ele adota uma forma de escrita que remete à oralidade
e, conseqüentemente, à própria transmissão radiofônica. No início, apresenta-se de modo
bastante descontraído e, posteriormente, aponta para o caráter informativo de sua coluna,
142
prometendo trazer, semanalmente, “informações, reviews, novidades e curiosidades sobre J-
rock” e o visual k, ou visual kei.
Em dezembro de 2009, acessamos novamente essa coluna, diretamente do site, para
constatar que as escritas do autor ficam arquivadas. Assim, o público otaku pouco familiarizado
com as bandas pode buscar referências nos textos do DJ Stinger. Por meio da leitura do site,
descobrimos que o termo “visual kei” refere-se a um conjunto de bandas que combinam o rock
com um visual “chocante”.
As primeiras e mais influentes bandas de Visual Kei foram X-Japan, com seu
lema “Psychedelic Violence - Crime of Visual Shock” (“Violência Psicodélica –
Crime do Choque Visual”), Luna Sea, Color, Kamaitachi, e as já citadas BUCK-
TICK e D’ERLANGER. O X, com seu álbum de estréia Vanishing Vision, foi a
primeira banda independente a aparecer no ranking da Oricon. (Trecho da
coluna Visual Shock: um rock visualmente chocante, do DJ Stinger Kildred.
Fonte: http://www.radioanimix.com.br. Acesso: 14/05/2009)
De acordo com a Wikipédia
69
, a aparência dos artistas que seguem esta vertente muitas
vezes é extravagante, “quase sempre misturada com androginia e shows chamativos”.
Figura 13: Banda X Japan, uma precursora do visual kei
69
http://pt.wikipedia.org/wiki/Visual_kei Acesso: 10/12/2009
143
Navegando pelas colunas, descobrimos uma dedicada às bandas brasileiras de J-rock,
adeptas ao visual kei. No texto, o DJ Stinger Kildred afirma que o grupo Pandora No Hako, do
Rio Grande do Norte, foi o primeiro do gênero no contexto nacional. O autor, que é carioca,
também repercutiu o trabalho dos artistas de sua cidade. Segundo ele, a banda Psygai foi a
primeira a lançar um single na “cena” brasileira.
Figura 14: Banda Psygai, grupo brasileiro que lançou um single de J-rock
Portanto, a visada informativa do DJ se estabelece tanto no site, em seus textos, quanto
em seu programa musical. Em suas ações, Stinger Kildred demonstra querer atrair, entre os fãs
de animes que acompanham a Animix, mais adeptos ao culto do J-rock e visual kei. A
composição do repertório musical de seu programa segue o padrão das demais produções. Conta
com a participação dos internautas, que encaminham pedidos musicais. Para motivá-los a
indicarem músicas coerentes com a proposta do Stinger no Universo Paralelo, o DJ Stinger
Kildred usa recorrentemente uma estratégia.
144
...E também temos o pedido do Benji, de Criciúma,Santa Catarina. Ele pediu
para tocar a banda Aioria, música Kousai. Aioria é uma banda que... faz muito
tempo que ninguém me pede para tocar Aioria e eu fico muito feliz quando me
pedem bandas inusitadas, bandas que são meio difícil da galera pedir.
(Transcrição de fala do DJ Stinger Kildred, programa Stinger no Universo
Paralelo, 14/05/2009, às 20h25)
Esse bloco tá realmente muito bom. Tem um pedido da Otaru. Ela pediu Dispas
Ray Garret. Cara esse bloco tá realmente muito bom! Logo temos um pedido do
Felipe de Belém do Pará, que pediu para tocar X-Japan! (Transcrição da fala do
DJ Stinger Kildred, Programa Stinger Kildred no Universo Paralelo 14/05/2009,
às 21h32)
O DJ elogia os pedidos que atendem sua expectativa de sempre tocar o J-rock. Assim,
estimula os ouvintes, que desejam ter suas solicitações atendidas, a se informarem sobre as
bandas e suas composições. Ele enaltece os pedidos que são raros, sobre músicas pouco tocadas,
demonstrando valorizar aquilo que pouco aparece ao longo da programação da webradio.
Assim como o DJ Sensui, Stinger Kildred repercute em seu programa as interações
dialógicas que estabelece com seus ouvintes no MSN. Desta forma, ele incentiva aqueles que
ainda não o possuem na “lista de amigos” do programa de bate-papo a adicioná-lo, seja para
participarem sugerindo músicas, ou simplesmente para conversarem com o apresentador da
Animix, que possui certo status por ocupar espaço de visibilidade constituído pela estação
virtual.
O próprio apresentador vê seus colegas, e a si mesmo, como figuras proeminentes dentro
do cenário otaku brasileiro. Durante a divulgação de um evento no Rio de Janeiro, chamado Rio
Anime Clube, ele disse:
Então compareça ao Rio Anime Clube, no dia 17 de maio, das 11 da manhã às 7
horas da noite no Hebraica. Nós da Rádio Animix estaremos lá. Estarei eu, o DJ
Maniac, DJ Frost, DJ Titia Uva e o DJ Laranja e também o Alemão, o nosso
coordenador de eventos do Rio de Janeiro. (...) Divulgando a promoção do nosso
amigo Frost. Para a galera que for no Rio Anime Clube, que encontrar o DJ
Frost e falar a senha, a palavra Ronaldo, você vai ganhar um super brinde da
Rádio Animix. (Transcrição de fala do DJ Stinger Kildred, Programa Stinger no
Universo Paralelo, 14/05/2009, às 21h47”)
Claramente, o DJ Stinger indica que a presença dele e de seus colegas é um dos atrativos
do evento. Confere a si e aos demais integrantes da Animix status de celebridade, dentro do
contexto otaku. Demonstra sentir-se uma figura importante, que atrai atenções. Esta postura não
145
constitui exceção. Em diversos momentos, os DJs destacam suas presenças em eventos
realizados em locais próximos às suas residências. Portanto, a ação do DJ Stinger Kildred traduz
uma visão partilhada pelo grupo. Seus membros se reconhecem como sujeitos notáveis no
contexto de uma tribo.
A forte presença da Animix nos eventos otaku pode ser constatada por meio de uma
simples navegação em seu site. Existe um link, de título “eventos”, que leva o navegante à
página de “coberturas fotográficas” realizadas pela equipe. Estas “coberturas” encontram-se
agrupadas por estado. No site, existem registros de eventos realizados em Minas Gerais, Pará,
Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Figura 15: Foto de cosplayers, cobertura do evento Animazon Pará
3.4.3 Entrevistas com os DJs
Este sentimento de importância partilhado pelos DJs, que se percebem como figuras
proeminentes dentro da tribo, é alimentado pela relação que eles estabelecem com o público,
tanto nos eventos quanto nas interações online. É o que constatamos a partir da etapa final desta
pesquisa, a realização de entrevistas com cinco apresentadores da Animix, via Skype.
146
Para a realização desta etapa, elaboramos uma pauta com 21 perguntas, com base nas
fases precedentes do trabalho. Não nos preocupamos em ficar presos ao roteiro. Ele serviu para
nortear as conversas. Mudamos, acrescentamos ou retiramos perguntas em função de
determinadas respostas. Essa liberdade para mudar o curso da conversa só foi possível porque
realizamos as entrevistas via áudio. Se tivéssemos encaminhado um conjunto de perguntas por e-
mail, orientando os DJs que “retornassem” o questionário respondido, eles teriam plenos poderes
para ignorar determinadas interpelações. Não poderiam ser instigados a aprofundar determinado
assunto. Além disso, haveria o risco de obter respostas evasivas, que para serem esclarecidas
demandariam a redação de um novo e-mail pelo entrevistador e, conseqüentemente, de um novo
período de espera pelo retorno do entrevistado.
Assim, as interações dialógicas síncronas permitem ao pesquisador readequar suas
atitudes, aprofundar em determinados pontos, esclarecer dúvidas de seu entrevistado sobre
determinadas perguntas, de forma imediata. A opção por entrevistas realizadas via áudio
objetivou diminuir as possibilidades de dispersão. É sabido que o jovem realiza muitas tarefas,
ao mesmo tempo, quando navega na internet. Conseqüentemente, concentra-se em ações
específicas e dispensa uma atenção difusa para outros afazeres. Se realizássemos entrevistas via
interações dialogais online, baseadas em texto, correríamos o risco de, por diversas vezes,
sermos ignorados, obtermos retorno muito tempo depois do encaminhamento da pergunta ou
mesmo respostas que espelham o pouco interesse do entrevistado pela conversa, diante de tantos
outros atrativos do ciberespaço.
Diferente do que ocorre nos diálogos baseadas em texto, em conversas via voz, seja por
telefone ou internet, o silêncio diante de uma pergunta ou uma resposta monossilábica que
evidencia desinteresse gera certo constrangimento. Desta maneira, são elementos menos
freqüentes neste tipo de interlocução. Além disso, conversas baseadas na voz permitem que
entrevistador e entrevistado se interrompam, para esclarecer melhor dúvidas ou situações. A voz
também reflete momentos de euforia, de hesitação e/ou descontentamento, constituindo um
importante elemento para a análise.
Inicialmente, planejávamos entrevistar cinco, dos seis DJs que conduziram programas
analisados na etapa anterior. No entanto, dois apresentadores já tinham se afastado das atividades
da webradio, o DJ Maniac e a DJ Dark Sango. Incluímos, assim, o DJ Firen entre os
entrevistados, que são o DJ Sensui, o DJ Stinger Kildred, o DJ Eilanzer e o DJ Bife. Para
147
agendar as entrevistas, encaminhamos e-mail pedindo ajuda ao internauta DK, fundador da
Animix. Ele nos enviou os contatos telefônicos. Ligamos para todos os DJs, explicamos os
objetivos do trabalho e, depois de manifestarem disponibilidade, agendamos a entrevista para ser
realizada via skype.
O Skype é um eficiente e popular programa para “conversas de voz”. Além dele,
utilizamos o aplicativo, de distribuição gratuita, Mp3 Skype Recorder
70
para gravação das
entrevistas. É importante ressaltar que todos os entrevistados foram avisados sobre esta gravação,
que serviu para a posterior retomada das falas, com fins de análise e transcrição. As conversas,
agendadas entre 17 e 22 de novembro de 2009, duraram, cada uma, cerca de 40 minutos. Os
seguintes temas foram abordados:
Como é a relação com os colegas da webradio e com os internautas;
Por que fazer um programa radiofônico na internet;
Como se deu o ingresso na Animix;
Em quem se inspiram para conduzir um programa;
Quais prejuízos ou benefícios a rádio trouxe para a vida de cada um;
Ao longo das entrevistas, foi possível confirmar que o conjunto de relações verificadas no
dispositivo Animix ou no e-mail de grupo tem desdobramentos em outras interfaces gráficas, e
mesmo em encontros presenciais, principalmente em eventos dedicados à cultura dos animes.
Todos os DJs afirmaram ter ido a encontros otaku. Firen, que mora em Ribeirão das
Neves/MG, disse que antes de integrar a equipe da Animix freqüentava esses eventos. Mas
que passou a ir com maior freqüência depois de entrar na emissora.
Hoje freqüento muito mais, pois faço a cobertura dos eventos realizados aqui em
Minas. (Transcrição de fala do DJ Firen, entrevista realizada em 17/11/2009)
O DJ Bife também passou a estar mais presente nos encontros presenciais que reúnem a
tribo otaku após seu ingresso na Animix.
Quando era ouvinte, fui a um evento. Fui ao Anime Friends. Quando virei DJ
passei a freqüentar mesmo. (Transcrição da fala do DJ Bife, entrevista realizada
no dia 18/11/2009)
70
Para mais informações e download: http://voipcallrecording.com/MP3_Skype_Recorder. Acesso: 05/01/2010.
148
Ele contou que em eventos fora da sua cidade, o apresentador mora em São José dos
Campos/SP, costuma ficar hospedado na casa de outros DJs.
Geralmente eu fico na casa de DJ. Quando não tempo de programar antes,
passo o dia numa pousada. É super normal. (Transcrição da fala do DJ Bife,
entrevista realizada no dia 18/11/2009)
Portanto, pelos depoimentos, a Animix constitui uma ferramenta de expansão das
relações offline, contradizendo as teorias mais apocalípticas sobre a internet, que previam uma
substituição da vida “real” pela “virtual”. Manter programas radiofônicos no ciberespaço
promove um incremento nos laços firmados pelos DJs. Quando questionamos ao DJ Eilanzer,
morador de Belo Horizonte/MG, sobre qual a maior gratificação em seu trabalho na webradio,
obtivemos a seguinte resposta:
Relaxa, você cansado, você fala merda. É bom. Voalivia o estresse. Vo
fala com o cara do Rio Grande do Sul, você fala com o cara com Acre. O
programa fala com o nordeste, Amapá, cara que mora no Japão, na França. Eu
adiciono todo mundo. Geralmente o povo da rádio tem dois MSN. Eu tenho só
um e adiciono todo mundo. A maioria eu não lembro. Eu odeio Orkut e MSN,
mas de vez em quando eu entro. Tenho vários amigos que são ouvintes. Muitos
de São Paulo. A gente tem que ir aos eventos, nem que seja para ajudar. Eu vou
aos eventos. Ultimamente eu estou um pouco afastado. Geralmente eu vou para
filmar. (Transcrição de fala do DJ Eilanzer, entrevista realizada no dia
21/11/2009).
Os laços de amizade são formados principalmente dentro do grupo, conforme indica a
fala do DJ Bife. “Tenho muito mais amigos entre DJs do que ouvintes”. (Transcrição da fala do
DJ Bife, entrevista realizada no dia 18/11/2009). No entanto, a grande procura pelo MSN dos
locutores da Animix confirma que eles configuram-se em hubs na rede que caracteriza o
universo otaku. Este destaque, em grande medida, é conferido pela visibilidade proporcionada
por seus programas radiofônicos na internet. Nas entrevistas, em vários momentos, eles deixaram
transparecer satisfação com a “tietagem” dos ouvintes.
(...) o pessoal te vê e te reconhece. Diz que é muito fã. Já dei até autógrafo. Você
o reconhecimento. (...). Eu tive a oportunidade de ir para Juiz de Fora. Foi
incrível! Uma cidade tão longe de BH e tinha gente que me conhecia.
(Transcrição de fala do DJ Firen, entrevista realizada em 17/11/2009)
149
É incrível! É engraçado! É como se fossem os fãs e a Xuxa! Quando cheguei ao
Anime Friends veio um aglomerado de gente pulando em cima de mim... A
galera gritando! (Transcrição de fala do DJ Sensui, entrevista realizada em
22/11/2009)
Portanto, no contexto do grupo, a visibilidade midiática surge como um valor. Confere
status de “estrela” a esses jovens e prestígio dentro do circuito da tribo. É um dos fatores
motivacionais para o trabalho voluntário de apresentação das produções radiofônicas e de
manutenção das interfaces gráficas que compõem o site da emissora.
Na condução dos programas, os DJs conferem valor à interatividade com os ouvintes, à
animação e à inovação. Para apreender o tipo de experiência que eles vivenciam enquanto
apresentadores de webradio, questionamos sobre as diferenças entre conduzir um programa ao
vivo e manter outras publicações, como os blogs. Também perguntamos sobre o principal
elemento que não pode faltar em suas produções. A interação com os ouvintes foi citada em
todas as respostas. Eilanzer, por exemplo, afirmou que não produz previamente seu programa,
que consiste na leitura de recados e no atendimento dos pedidos musicais da audiência. “Não
faço pauta nenhuma, programação nenhuma. Tem cara que faz pauta e tudo mais.” (Transcrição
de fala do DJ Eilanzer, entrevista realizada no dia 21/11/2009).
Esta valorização da interação ao vivo é a raiz do “combate à playlist”, que identificamos
a partir da análise da lista de discussão.
É um desafio para a gente. O que prende e fascina são os locutores. Eles querem
ouvir a interatividade. Não é tão bom a playlist como um locutor do momento.
(Transcrição de fala do DJ Sensui, entrevista realizada em 22/11/2009)
Hoje em dia é muito fácil pegar uma música na internet. Se a pessoa entrou na
rádio é porque ele quer uma coisa diferente do que ele tem em casa. Se for uma
playlist, é melhor ele ouvir as músicas que tem no PC dele. Na 98, a 98 por hora
é pura playlist. A playlist acaba com a rádio. (Transcrição de fala do DJ Firen,
entrevista realizada em 17/11/2009)
A figura do DJ é percebida pelo grupo como o instrumento da interatividade. Sua
ausência indica que os internautas não poderão participar da composição da grade da emissora,
sugerindo músicas, enviando opiniões e recados. O internauta Firen cita a rádio 98 FM de Belo
Horizonte para dizer que emissoras com pouca participação dos ouvintes na escolha do
repertório são as convencionais. Ele indicou ser necessária nas webradios uma abertura às falas
do público. Pelos depoimentos, é justamente esse poder de intervenção da audiência que
150
singulariza as estações virtuais. Com um tom de entusiasmo, o DJ Bife assim caracterizou a
produção de uma rádio na internet em relação às outras publicações no ciberespaço:
Quando falavam seu nome... (o nome) do lugar que você gosta, vofica feliz.
Sei que estou fazendo o ouvinte feliz. Eu me empolgo com a empolgação dos
ouvintes. (Transcrição da fala do DJ Bife, entrevista realizada no dia
18/11/2009)
O caráter síncrono da interação a partir dos programas “ao vivo” da webradio parece
despertar entre estes apresentadores um maior sentimento de proximidade com o público, em
comparação às interações de caráter assíncrono, como as que ocorrem em runs, listas de
discussão e blogs. Este sentimento deriva de um tempo partilhado, o “ao vivo”, e das falas
improvisadas que remetem à oralidade.
No blog você o chega tão próximo. É como se a pessoa tivesse do seu lado na
rádio. Pelo blog é mais difícil. Se a pessoa não enxerga, ou não ouve, parece que
ela está mais distante. Mas se ela está ouvindo ela está mais próxima.
(Transcrição de fala do DJ Sensui, entrevista realizada em 22/11/2009).
Cada programa é uma coisa única. Voao vivo, fala o que te der na cabeça,
você se solta. É um negócio que te motiva. É muito bom! É algo diferente você
falar ao vivo. (Transcrição de fala do DJ Eilanzer, entrevista realizada no dia
21/11/2009).
Além da interação com a audiência, os DJs buscam inovar no que diz respeito ao
repertório musical de suas produções. Trazem canções desconhecidas da audiência. Com este
movimento, o grupo indica uma intenção de difundir o J-pop. As músicas desconhecidas são as
que não fazem parte da trilha dos animes. Assim, com este movimento, o grupo almeja mostrar
aos ouvintes que as canções possuem uma existência e uma beleza própria.
Fico feliz quando toco uma banda e depois a pessoa gosta da banda que toquei,
acaba gerando da banda. (Transcrição de fala do DJ Stinger Kildred,
entrevista realizada em 18/11/2009)
As canções de animes muito pedidas foram chamadas de “modinha” pelos DJs Eilanzer,
Firen e Bife. Em alguns momentos, elas são evitadas, como nos programas J-Force, apresentado
pelo DJ Firen e o Stinger no Universo Paralelo, do DJ Stinger, dedicadas exclusivamente ao rock
japonês. O apresentador Eilanzer também justificou sua recusa em atender pedidos dos ouvintes
151
que queriam canções do anime Naruto dizendo que elas tocam o dia inteiro na rádio. Já o DJ Bife
disse que procura dosar, mesclando as “modinhas” pedidas pelos ouvintes com “coisas novas”.
Tento trazer as músicas que o pessoal gosta, “modinha”, e tento trazer coisa
nova. Vira e mexe eu tento trazer inovação. (Transcrição da fala do DJ Bife,
entrevista realizada no dia 18/11/2009)
Portanto, é possível perceber uma visão partilhada que aponta para um conhecimento
limitado dos ouvintes. Estes entenderiam o J-pop apenas como trilha sonora das animações.
Assim, embora o fundador e administrador da webradio, o internauta DK, tenha dito na lista de
discussão que a Animix toca apenas canções de anime, faz parte do conjunto de intenções que
animam a produção dos programas conferir uma existência própria ao gênero musical japonês.
Manter a animação durante as transmissões também foi citado como algo importante.
Eu não deixo a animação de lado, nunca. Falo alto, puxo a participação dos
ouvintes, faço comentários. (Transcrição da fala do DJ Bife, entrevista realizada
no dia 18/11/2009)
Perguntamos a cada um em quem se inspiraram ou inspiram para conduzir de forma
animada seus programas na internet. Acreditava que estes jovens tomavam como referência
algum apresentador(a) da mídia corporativa tradicional. Os DJs Eilanzer e Sensui disseram
“prestar atenção” nas formas como os locutores do rádio tradicional conduzem seus programas.
Firen e Stinger Kildred afirmaram não ouvir mais as emissoras AM e FM. Firen justifica
alegando que estas rádios vivem em playlist, promovendo pouca interação com sua audiência. Já
Stinger Kildred contou que antes ouvia uma estação de sua cidade dedicada ao rock. Mas depois
que ela saiu do ar, passou a ouvir apenas música japonesa. Estes jovens inspiram-se nos
apresentadores que os precederam na Animix.
Meu programa foi muito baseado no programa da Integra Sama (ex-
apresentadora), que era animada, descontraída e puxei esse jeito pra mim.
(...)Tive a honra de trabalhar com ela. Foi a partir dela que eu entrei para
Animix. (Transcrição da fala do DJ Bife, entrevista realizada no dia 18/11/2009)
152
Me inspirarei não só nos locutores da rádio (Animix), mas também nos locutores
FM. Temos que observar o lado profissional dos locutores, a produção de
notícias. Temos que tornar nossos programas o mais parecido com os das rádios
FM possível. Eu mesmo estou procurando estágio nas rádios FM. Na Animix eu
me inspirei no Maniac e também no Dezessete. (Transcrição de fala do DJ
Sensui, entrevista realizada em 22/11/2009).
A maioria dos apresentadores um dia estiveram do outro lado, compondo a audiência da
Animix. Quando existem vagas, a equipe abre uma seleção e convoca seus ouvintes a
participarem via site da webradio. Durante a entrevista, descobrimos que o processo de escolha
sofre pequenas variações ao longo do tempo, mas, no geral, o candidato fala um pouco de si e
simula uma apresentação de programa para um “grupo de jurados”, a chamada “equipe de
recrutamento”. Assim, antigos ouvintes são os atuais apresentadores, que deixam transparecer
em suas falas terem sido fãs daqueles que os precederam. Percebidos como celebridades, os
antigos locutores serviram de inspiração para os atuais membros. Estes, por sua vez, devem
inspirar ouvintes numa eventual seleção futura da webradio. Assim, o grupo vai se atualizando,
com a saída de “veteranos” e chegada de novos integrantes.
As observações que fizemos na lista de discussão serviram para mostrar que os atritos são
comuns. Estas brigas são o principal motivo para a saída de membros da equipe. Todos os DJs
que serviram de inspiração para nossos entrevistados já não pertencem aos “quadros” da Animix.
O quadro de integrantes, que estampamos em capítulos precedentes, já se encontra desatualizado.
Até a defesa deste trabalho, novas mudanças podem acontecer. Os administradores, em
consenso, têm o poder de afastar aqueles que não se adéquam às normas. Os próprios membros,
a partir destas brigas, sentindo-se desconfortáveis no ambiente, podem manifestar o desejo de
seguir outros caminhos. Em diversas ocasiões, estes caminhos levam a outras webradios que
também abordam o universo otaku. Entre elas estão a Rádio AMC
71
, Rádio Project
72
, Rádio
NihonMix
73
, Rádio J-Hero
74
e Rádio Blast
75
. As entrevistas realizadas confirmam um
entendimento partilhado pelos membros da Animix de que estas emissoras são concorrentes.
Apresentamos aos entrevistados um dos dados obtidos na primeira etapa desta pesquisa.
Estas webradios de música japonesa são temas de duas, entre as dez mensagens que mais
71
http://site.radioamc.com.br/v1/ Acesso: 05/01/2010.
72
http://www.radioproject.com.br Acesso: 05/01/2010.
73
http://nihonmix.xisde.net Acesso: 05/01/2010.
74
http://www.j-hero.com Acesso: 05/01/2010.
75
http://www.radioblast.com.br Acesso: 05/01/2010.
153
renderam respostas na lista de discussão. Pedimos a cada um que comentassem esta constatação.
A palavra “concorrentes” foi freqüente nas respostas.
Hoje tem umas 10 webradios concorrentes! Não é porque sou da Animix, mas
hoje a Animix é a principal webradio de j-music da America Latina. A gente
tem a maior cobertura de eventos. A gente é mais preocupado com as
coberturas. (Transcrição de fala do DJ Firen, entrevista realizada em
17/11/2009)
A disputa por ouvintes, a necessidade de estar mais presente em eventos em relação às
demais webradios, mostra que a preocupação do grupo não é apenas com a difusão da cultura
otaku. Aponta para uma busca pelo olhar do outro, de um tornar-se visível. Os dispositivos
semelhantes tornam-se adversários, na medida em que também buscam atenção de um público,
disputam visibilidade.
Para os DJs que deixam a Animix, ir para outra rádio online de mesma temática pode se
configurar em algo que vai além de uma oportunidade para continuar seu programa. Ingressar no
grupo das “concorrentes” pode ser entendido como um pequeno golpe no antigo grupo. É um
colocar-se no outro lado da batalha pela atenção da audiência.
Sempre tem aquela rixa. É aquela coisa básica de capitalismo. Você tem que
crescer e para você crescer a outra tem que diminuir. Eu vejo as outras rádios
como meio de divulgação de eventos. Quando mais rádio, melhor para o
movimento otaku. A rádio tem que crescer, mas ela faz parte de um movimento
maior. Tenho amigos que apresentam em outras dios. Eu escuto o programa
deles. (Transcrição da fala do DJ Bife, entrevista realizada no dia 18/11/2009).
Pelo depoimento, fica claro um embate de forças no circuito formado por estas
webradios. De um lado, existe um desejo de ver ampliada a difusão do J-pop. Do outro, um
querer se sobressair, de ser melhor, um desejo de ter o “concorrente” mais enfraquecido.
Portanto, um tipo de competitividade que antes era próprio do campo midiático corporativo
começa a ser partilhado por estes jovens, que se aventuram na constituição de um dispositivo no
ciberespaço. Porém, enquanto as empresas de mídia encontram na visibilidade um caminho para
o lucro, estes sujeitos comuns parecem buscá-la para, além de difundirem preferências, se
fazerem notáveis.
A apropriação de valores antes particulares às instâncias corporativas também pode ser
percebida nas alianças”. No período em que observamos o grupo, presenciamos a consolidação
154
de uma “parceria” entre a Animix e outra emissora do mesmo segmento, a J-Max. Esta parceria
consistiu numa “fusão”. A J-Max deixou de existir. Seus locutores passaram a apresentar
programas na Animix e seus administradores ganharam funções de coordenação (continuaram
com posições hierarquicamente privilegiadas) no grupo maior que se constituiu. Um dos nossos
entrevistados, Stinger Kildred, era integrante da J-Max.
Fazia parte de outra rádio. Fiquei por volta de quatro meses. A maior parte da
J-Max foi para a Animix. (Transcrição de fala do DJ Stinger Kildred,
entrevista realizada em 18/11/2009)
Nem sempre o afastar-se das atividades representa um rompimento com o grupo. Na lista
de discussão, foi possível perceber que alguns integrantes, por causa de trabalhos escolares, do
emprego ou de outras questões pessoais deixaram de apresentar seus programas. Os pais também
podem ser determinantes para que integrantes deixem, pelo menos provisoriamente, suas
funções. Um dos entrevistados contou que um membro deixou seu programa, apresentado
durante as madrugadas, porque os pais não aprovaram o horário. É importante lembrar que o
grupo da Animix, embora jovem, é bastante heterogêneo, sendo constituído tanto por
adolescentes, que estão iniciando o ensino médio, quanto por jovens universitários, que já
atingiram a maioridade. O controle dos pais parece ser maior entre integrantes de pouca idade.
Porém, mesmo entre os mais velhos, eles parecem exercer influência, conforme o depoimento de
Bife, que tem 19 anos.
Eles sempre falam: “sai da rádio e vem para o clube com a gente”! Sempre dá
essa carência familiar. Quando apresento fora do meu horário, eles me advertem.
Meus pais vêem a rádio como um hobby, não vêem como um trabalho. Adulto
considera trabalho de jovens como não importante. (Transcrição da fala do DJ
Bife, entrevista realizada no dia 18/11/2009)
Assim, mesmo diante do enfraquecimento do controle exercido pelos pais sobre os filhos
na era da internet, conforme apontam Martín-Barbero (2008) e Urresti (2008), ainda percebe-se
um respeito à hierarquia familiar, com os pais interferindo nas atividades dos filhos dentro da
rede. Os depoimentos também indicam que as atividades realizadas pelo grupo trazem reflexos
para a vida cotidiana, evidencia de uma continuidade entre as dimensões on e offline. Assim, os
pais se interessam pelos afazeres dos filhos no ciberespaço a partir de seus comportamentos na
“vida real”. O apresentar programas na web torna-se motivo de conflito quando a atividade
155
representa perder noites de sono (caso do apresentador temporariamente afastado) ou sacrifício
de uma vida social (motivo das advertências dos pais ao DJ Bife, quando este extrapola seu
horário na apresentação). As falas apontam também para mudanças benéficas, proporcionadas
pela prática de apresentar programas radiofônicos na web, como desinibição e maior poder de
inserção nas mídias tradicionais.
Na vida acadêmica tenho que fazer seminários e apresentação. A Animix me
ajudou a perder a timidez. Mais pra frente quero fazer um curso de
Comunicação. (Transcrição de fala do DJ Sensui, entrevista realizada em
22/11/2009).
Já tive oportunidade de ir ao show do Toshi
76
, escrever para a revista Neo
Tokyo
77
algumas vezes. Eu escolho para “locutarno horário que tenho livre.
Quando tenho que estudar, peço para trocar de horário. Faço até onde posso
ajudar. (Transcrição de fala do DJ Stinger Kildred, entrevista realizada em
18/11/2009)
O último depoimento do DJ Stinger Kildred mostra como a mídia corporativa faz um
movimento de encampação” destas ações dos sujeitos comuns. Ao constituírem mídia na
internet e ganharem certa notoriedade, despertam atenção das empresas de comunicação, que
começam a incorporar a produção dos amadores ao seu próprio conteúdo. Com isso, sem grandes
investimentos, elas incrementam seus produtos. Por outro lado, pessoas que não teriam acesso
aos espaços instituídos por estas empresas começam a conseguir inserções, mesmo que pontuais.
Num movimento de baixo para cima, elas começam a ocupar as telas da TV, com vídeos
amadores publicados no You Tube, ou páginas de revistas, como ocorreu com o DJ Stinger
Kildred.
76
É o vocalista da banda japonesa X Japan, que toca J-rock. Fez show em São Paulo em outubro de 2008.
77
Publicação mensal da editora Escala dedicada aos animes e mangás, com tiragem de 30 mil exemplares, segundo
a Associação Nacional de Editores de Publicações (Anac).
156
CONCLUSÃO
Ao longo desta dissertação, partimos em busca do conjunto de motivações que animam a
criação e manutenção de uma webradio por um grupo de jovens. Para tal, estudamos os tipos de
interação que caracterizam as relações estabelecidas pelos autores da Rádio Animix. Também
investigamos o sentir junto, a dimensão estética que une e é alimentada pelo grupo. Esta
dimensão deriva da cultura otaku, relacionada ao universo pop japonês. No contexto do grupo
diz mais especificamente do consumo de animes, séries com atores reais, games e das trilhas
musicais destas produções. Esta dimensão também é composta pelo sentido dado por estes
jovens à prática de fazer mídia na internet, mais especificamente de constituir programas
radiofônicos na web.
Inicialmente observamos as conversações privadas ao grupo, que ocorrem na lista de
discussão [email protected]. Por meio de uma abordagem de cunho etnográfico,
desdobrada em uma análise conversacional, descobrimos que existe uma organização hierárquica
interna. Goffman (1996), valendo-se da metáfora teatral, fala que o ser social, o ator, utiliza
diferentes máscaras, de acordo com o contexto, ou palco, no qual se insere. Nesta linha, os
administradores da Animix assumem um papel de coordenação. No e-mail de grupo, Alberto-
Kun e DK, administradores, foram os que mais iniciaram conversações, enviando mensagens que
solicitava a colaboração da equipe, principalmente para o preenchimento de lacunas na
programação. Constatou-se, assim, que o espaço é destinado principalmente para coordenação
de tarefas. No entanto, mensagens offtopic”, não relacionadas ao trabalho, também tiveram
forte presença, permitindo entender o e-mail de grupo como um espaço de sociabilidade, usado
para conversas “banais”. Por lá circulam piadas, votos de feliz aniversário e falas que são
desdobramentos de encontros presenciais.
Dentro do e-mail de grupo, tal como postulado por Primo (2008), existe uma imbricação
dos momentos de cooperação e conflito. Entendendo os enunciados como “elos” de uma ampla
cadeia, conforme a teoria bakhtiniana, foi possível perceber que certas brigas derivam de
situações precedentes, que provocaram rusgas entre integrantes. Assim, tanto as situações
harmônicas quanto as conflituosas, verificadas num contexto específico, remetem à história do
grupo, a outras situações comunicativas.
157
Outras situações de embate são fruto de discordâncias sobre determinações dos
administradores ou de um desrespeito à netiqueta, como o uso excessivo de caixa alta e cores
chamativas, que significam berros, no corpo das mensagens. Quando determinado conflito torna-
se “acalorado”, os integrantes da lista começam a solicitar o fim da conversa, adotando um
“tom” de neutralidade. Neste momento, a autoridade dos administradores se faz presente. Ao se
manifestarem determinando o encerramento do tópico são respeitados.
O principal tema de conversas relacionadas ao trabalho cooperativo é o combate à
playlist, que se refere à ausência de DJs na programação. Assim, de forma constante, a ajuda de
um voluntário, que pode “cobrir” determinado buraco” na grade, é requerida. Esta solicitação é,
geralmente, feita por um administrador que, longe de adotar tom autoritário, sempre lembra aos
membros da importância de se dedicar ao grupo, constantemente referido como “família
Animix”.
Os administradores, no entanto, agem de forma ríspida quando determinadas normas são
descumpridas, como a o reprodução de vinhetas de sites parceiros ou a reprodução de músicas
que fugiriam à temática da Animix. Também adotam tom autoritário quando suas diretrizes são
questionadas por membros comuns, demarcando assim as diferenças de poder inerentes ao
grupo.
Entre as dez conversas de maior duração dentro da lista, duas referem-se à webradios
semelhantes à Animix, feitas voluntariamente por jovens e dedicadas à cultura otaku. Estas
“emissoras” são tidas pelo grupo como concorrentes, evidenciando um claro objetivo de disputar
a atenção de uma platéia. Logo, é possível inferir que o grupo busca uma visibilidade midiática.
Ao valorizá-la, constituem as táticas para se fazerem notáveis no ciberespaço, materializando um
dispositivo com traços comuns ao rádio tradicional, mas que se vale de recursos imagéticos e
textuais.
No texto a Expansão do eu na vida cotidiana: a construção de subjetividades em
territórios telemáticos, Bretas (2007) diz que os indivíduos, muitas vezes, ocupam o território
telemático para falarem sobre si. Agindo desta maneira, reforçam traços identitários, objetivam
discursivamente a dimensão simbólica na qual se inserem. Para conquistarem a atenção do
outro, valem-se, segundo a autora, de “elementos retóricos de um discurso publicitário”. Em
síntese, performatizam a mídia tradicional.
158
Analisando o dispositivo Animix, num recorte que abrangeu seis programas, foi possível
verificar como essa performatização se no contexto do grupo. Se na lista de discussão os DJs
são coordenados pelos administradores, na transmissão sonora eles buscam coordenar as ações
de sua audiência. Para atrair a atenção do público, promovem brincadeiras “ao vivo”, adotam
um tom descontraído a suas falas, que são proferidas, na maioria das vezes, na base do
improviso. Também oferecem aos ouvintes a oportunidade de participarem da “montagem” dos
programas, via “envio de recados” e pedidos musicais. Estes pedidos da audiência compõem a
maior parte das transmissões “ao vivo”, apontando certa horizontalidade nos processos
produtivos do dispositivo em questão.
No entanto, ao assumirem o papel de coordenadores, com o poder de selecionar qual
solicitação deve ser atendida, em que momento, e materializando estas demandas via própria
voz, os DJs aparecem como hierarquicamente superiores no circuito que formam com seus
ouvintes. Assim, embora exista maior acesso do público aos processos de constituição, ainda é
percebida uma verticalidade, que coloca os apresentadores como o centro, ou hubs, de uma rede
formada a partir da Rádio Animix.
A participação dos ouvintes ocorre, principalmente, via site e MSN . O site é o
mecanismo principal. Nele encontra-se um “formulário”, que solicita do participante a
identificação via nome/nickname e cidade/estado. Percebe-se, assim, que o grupo atribui
pertinência ao contexto geográfico de seus interlocutores. Embora essas relações independam de
uma partilha do território, o lugar de origem ainda constitui um importante referencial. No
campo “pedidos/recados”, o internauta tem um limite de caracteres para compor sua mensagem,
outra evidência de uma assimetria em suas relações com os DJs.
O programa de bate-papo MSN também serve como “canal” para a participação ao vivo.
Além disso, a análise dos programas evidenciou que os apresentadores, por meio desta
ferramenta, relacionam-se com integrantes de sua audiência em períodos que extrapolam a
transmissão. Portanto, as transmissões reverberam conversas de uma interação dialógica que,
segundo Braga e Calazans (2001), caracteriza-se por ser tecnologicamente mediada e por
promover alternância dos falantes. Também se constituem a partir de interações diferidas, em
que ouvintes mandam recados uns aos outros, indicando se conhecerem e reconhecerem-se
enquanto ouvintes da emissora. Assim, é um fator comum aos programas essa constituição a
159
partir de cadeias de enunciados, cujas fronteiras são a clara alternância de falas de apresentadores
e ouvintes.
Embora exista esse eixo-comum, os programas não são “homogêneos”. Selecionamos
dois programas para realizar uma análise da enunciação. O DJ Stinger Kildred, via programa
Stinger no Universo Paralelo, claramente objetiva difundir o rock japonês (J-rock), sendo ou não
trilha de uma produção audiovisual. Desta maneira, confere um valor próprio à música, que
ganha existência independente dos animes. Ele encontra certa dificuldade, pois integrantes da
audiência reconhecem as músicas como trilhas destas produções, pedindo canções das séries das
quais são fãs. Para estimular pedidos coerentes à linha do programa, ele constantemente tece
elogios aos ouvintes que manifestaram desejo de escutar algo “diferente”. Pressupondo o
desconhecimento de seu público em relação ao universo musical japonês, adota tom didático na
difusão de informações sobre bandas ligadas ao J-rock, deixando claro um objetivo de informar.
Este objetivo também é refletido nas colunas do autor, que retratam as singularidades sonoras e
visuais, além das histórias, destas bandas.
Por sua vez, o DJ Sensui, no Anime Expression, reforça o caráter indicial das músicas
que, no contexto de seu programa, ganham existência enquanto trilhas dos animes. Ele convoca
os fãs dos desenhos animados japoneses a votarem nas canções que fazem parte de suas séries
prediletas, num jogo de eliminação que lembra os reality shows, atualmente populares na TV
brasileira. Promovendo uma contagem voto a voto, o DJ estimula a competição e a conseqüente
participação dos ouvintes. Busca claramente despertar em sua audiência emoções, um desejo de
manifestar paixão por determinado produto midiático, de defendê-lo dentro do programa. Para
reforçar o clima de confronto, Sensui usa como BG a trilha-tema da cinessérie americana Rocky,
que retrata o universo do boxe. A combinação dos elementos de uma produção americana e a
clara influência de produtos da mídia corporativa brasileira evidenciam um hibridismo cultural
na constituição de seu programa.
Com base nas investigações realizadas no e-mail de grupo e nas interações que
conformam a transmissão sonora, elaboramos uma lista de perguntas, que serviu como roteiro
para a realização de entrevistas. Foram ouvidos os internautas Firen, Sensui, Stinger Kildred,
Bife e Eilanzer. Durante as conversas, os apresentadores disseram que a transmissão ao vivo é o
que singulariza a webradio entre as demais produções do ciberespaço, que contam ou não com
160
elementos sonoros. Eles destacaram a experiência singular de constituir um programa a partir das
intervenções imediatas de uma audiência.
Os DJs deixaram transparecer que as relações estabelecidas com o público ouvinte da
Animix ganham desdobramentos em outras interfaces gráficas, como Orkut e MSN. Por meio de
seus programas, eles expandem seus laços de amizade, aproximando-se de ouvintes e dos
colegas da estação virtual. Estas amizades ganham desdobramentos na vida offline, com
encontros presenciais, que se dão sobretudo nos eventos destinados ao público otaku.
Falando sobre suas participações nestes eventos e sobre o contato presencial com
ouvintes, os DJs disseram viver experiências próprias de celebridades. O reconhecimento do
público é motivo de satisfação para estes jovens. O DJ Sensui, por exemplo, classificou como
“incrível” o tratamento que recebe daqueles que o escutam.
O fato destes internautas se perceberem como celebridades ficou mais evidente quando
falaram sobre aqueles que os inspiraram ou inspiram na produção dos programas. A Animix
seleciona seus apresentadores entre os ouvintes que, quando há vaga, candidatam-se aos testes no
próprio site da estação. A maioria de seus atuais integrantes citou algum DJ predecessor como
referência. Assim, foi possível inferir que esta percepção dos DJs como celebridades é algo que
vem desde a época de ouvintes, podendo ser inclusive fator de motivação para o ingresso na
emissora.
Na condução de seus programas, todos disseram ser o principal valor a interação com a
audiência. O DJ Eilanzer, inclusive, demonstrou depender das manifestações de seu público para
compor sua produção que, segundo o próprio internauta, é totalmente realizada na base do
improviso. Também ficou claro um ideal de difusão das músicas orientais. DJs como Stinger
Kildred e Firen se propõem a tocar músicas pouco conhecidas entre os próprios otakus, inclusive
repercutir o trabalho de bandas brasileiras que se dedicam ao J-rock. Destacando o “caráter”
diferente das músicas japonesas, estes jovens parecem querer se singularizar pela preferência
peculiar.
É justamente o ritmo, a harmonia e o tom dos próprios cantores. As vozes são
bonitas. Eles transmitem uma animação toda. A forma de dançar.. tudo é muito
legal. (Transcrição de fala do DJ Sensui, entrevista realizada em 22/11/2009)
161
Existe, inclusive, o veto de certas músicas por serem classificadas como “modinha”. O
DJ Eilanzer, por exemplo, disse que não toca a trilha do anime Naruto, muito popular entre
brasileiros, porque suas canções já rodam em diversos programas da Animix. No entanto, pelos
depoimentos, foi possível perceber que a incursão destes internautas no universo da música
japonesa se deu pelo consumo das animações televisivas. Num primeiro momento, as canções
ganharam sentido para eles enquanto trilhas. Posteriormente é que passaram a se interessar por
artistas e bandas.
Embora haja uma intenção explícita de promover a música japonesa no contexto
brasileiro, estes jovens tomam as outras webradios semelhantes à Animix como concorrentes. É
possível deduzir que existe uma disputa pela visibilidade, em ser mais notado que o outro. A
presença destas webradios e de variados tipos de dispositivo no ciberespaço constituídos por
jovens otakus, como sites e blogs dedicados às séries, indica que leitores (ou ouvintes) num
espaço tornam-se autores (ou apresentadores) em outros. No ciberespaço, muitos otakus valem-
se de táticas para se fazerem notados. Apropriam dos elementos difundidos pela mídia
corporativa para promoverem seus próprios espaços, constituindo, assim, um público.
De acordo com Jenkins (2008), estas apropriações representam um “empoderamento” da
recepção, mas, por outro lado, conforme Freire Filho (2007), podem ser re-apropriadas pelo
mundo corporativo, com vistas a incrementar seus produtos. Durante as entrevistas, o
apresentador Stinger Kildred contou que escreveu algumas vezes para uma revista
especializada em animes e mangás, a Neo Tokyo, a convite da publicação. Este convite se deu
em função do trabalho dele na Animix. Com isto, a revista conseguiu preencher seus espaços
contando com a colaboração deste conhecedor do rock japonês. Mas o internauta, por sua vez,
teve a oportunidade de se expressar numa publicação com tiragem de 30 mil exemplares.
Ao se fazerem apresentadores de rádio na internet, esses jovens apropriam-se da
linguagem midiática para, assim como as estrelas dos meios corporativos, tornarem se notáveis.
A necessidade contemporânea de adequar-se para um consumo generalizado, identificada por
Bauman (2008), parece nortear a atuação dos autores da Animix. O desejo de expandir laços
sociais e de se fazerem presentes num mundo interconectado justificam o valor que eles
conferem à visibilidade midiática. Performatizando a mídia tradicional na internet, difundem
elementos culturais de uma tribo específica, demarcando suas próprias singularidades.
162
Paralelamente, expandem uma dimensão estética específica, vinculada ao consumo dos animes e
das músicas japonesas, desejosos que outros vivenciem os mesmos processos de identificação.
163
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