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O culto moderno dos túmulos e dos cemitérios é um fenômeno de caráter religioso,
próprio da época contemporânea (ARIÈS, 1975).
Desse modo, o pensamento dos vivos em alojar o morto numa sepultura própria, uma
espécie de residência perpétua, em local conhecido pela família, veio, portanto, da
modernidade. A visita aos túmulos dos parentes ganhou grande impacto e proporção,
principalmente devido à adoção de um dia específico para a sua visitação.
No Brasil, segundo AZZI (1978), muitos cemitérios até meados do séc. XVIII
situavam-se ainda nos adros externos das igrejas. Algumas Irmandades e Confrarias tinham
como objetivo, além de promover o culto ao santo, favorecer o digno direito de enterramento
de seus membros. A Irmandade São Miguel e Almas, por exemplo, dedicada ao sufrágio das
almas do purgatório, desde 1669 em São Paulo já rezava missas todas as segundas-feiras pelas
almas dos irmãos falecidos.
Descrevendo as construções de túmulos e cemitérios no Brasil colonial, Castanho,
citado por Azzi, vai dizer que “o jazigo no sentido usual era o cemitério externo, mas
reservado a uma Irmandade. Um cemitério mais rico. Podem-se contar nos dedos as lápides
com inscrições. Tudo era anônimo e sem epitáfio, quase até 1850, mais ou menos em toda a
parte.” (CASTANHO apud AZZI, 1978, p.99).
Hoje, nos cemitérios brasileiros as construções mais modernas são bastante simples.
Pouca inscrição na lápide, importando mesmo é ter no túmulo a placa indicativa com nome,
data e localização no cemitério.
Em Belo Horizonte, por exemplo, das quatro necrópoles municipais, com exceção, é
claro, do Cemitério do Nosso Senhor do Bonfim
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, por ser o mais antigo da cidade
(construído em 1897), possuidor de um acervo histórico tumular de esculturas decorativas e
mausoléus, os outros três – Cemitério da Saudade, Cemitério da Paz e da Consolação –
possuem construções tumulares bastante modernas, em estilo de cemitérios parques.
1975, p.25). Nela presenciava-se “a simplicidade com que os ritos eram aceitos e cumpridos, duma maneira
cerimonial, é certo, mas sem caráter dramático, sem movimento de emoção excessivo.” (ARIÈS, 1975, p.24),
que levava à familiaridade tradicional do homem com a morte. Até o séc. XIX, a cerimônia acontecia de forma
pública com especial presença de parentes, amigos e vizinhos, inclusive crianças, ao contrário do que vemos
atualmente, quando nossas crianças são praticamente distanciadas e impedidas de participar de qualquer tipo de
prática ou ritual fúnebre. Depois, o homem passa da morte familiar à morte individualizada, termo usado por
Ariès para indicar a concepção humana da morte de si mesmo. Ao romper com a ideia de morte como lugar
coletivo, toma-se uma melhor consciência da própria morte. Mas, a partir do séc. XVIII, a morte individualizada
dá lugar à morte do outro. Nesse período, a morte é interpretada com saudosa lamentação, traduzida nas
expressões de dor dos enlutados, na lembrança e na angústia com a separação dos seus entes. É justamente
através da não aceitação da morte do outro que se iniciará mais tarde, do século XIX ao XX, o
culto religioso
contemporâneo de visita aos cemitérios e aos túmulos.
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Com uma área de 180.000 m
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, o Cemitério do Bonfim conta com 9 velórios e 17.345 sepulturas
(PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2009).