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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ALINE DJULEI MONGUILHOTT
OS SENTIDOS DE ESCOLA PARA AS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
BLUMENAU
2008
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ALINE DJULEI MONGUILHOTT
OS SENTIDOS DE ESCOLA PARA AS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Texto apresentado como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Educação, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação/
Mestrado em Educação, da Universidade
Regional de Blumenau – FURB.
Orientadora: Profa. Dra. Otília Lizete de
Oliveira Martins Heinig
BLUMENAU
2008
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SARAMAGO, José. A maior flor do mundo. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001.
Dedico este trabalho aos protagonistas desta
pesquisa – as crianças que de modo
peculiar nos ajudaram a entender um pouco
mais do misterioso universo infantil.
AGRADECIMENTOS
Agradecer aqui é reconhecer o quanto foi importante a presença, apoio, companhia
durante o percurso desta pesquisa.
Aos meus pais, Carlos Hugo e Maristela, pela dedicação, carinho e amor eterno. Ao
meu pai, em especial, pelo exemplo de vida e a minha mãe pelo incentivo à leitura, à
profissão e por ser uma parceira de todas as horas.
Ao Júnior, pelo carinho, amor e incentivo.
Ao Dado, meu irmão e amigão.
À Mel, pessoa querida que já faz parte da família.
Aos amigos, quantos!!!!
À Vanessa, amiga de tempo, muito tempo. Companheira de profissão, praia, jantares
e muitas alegrias.
À Cibele, Karla e Carla, que não poderiam ficar de fora.
À Gracielle, amizade que começou junto com o mestrado e se intensificou a cada dia.
Muito obrigada pelas sugestões, contribuições, dicas, palpites e gargalhadas tão valiosas nesse
momento.
Aos amigos caroneiros de Brusque: Clóvis, Osmarilda, Gracielle, e Mara.
À orientadora e professora Dra. Otília pelo apoio, incentivo e dedicação. Agradeço as
leituras e reflexões, as contribuições teóricas, a hospedagem, as caronas. Agradeço
especialmente por apontar caminhos e deixar com que eu decidisse por qual seguir.
Ao professor Dr. Osmar, por ser exemplo de competência, profissionalismo e ética.
Muito obrigada por suas contribuições tão valiosas, no momento da qualificação, nas
disciplinas, nos congressos...
À professora Dra. Eloísa por ter aceito o convite de participar da banca de defesa
desta dissertação de Mestrado.
À professora MSc. Roseli Nazário por permitir compartilhar experiências e
conhecimentos a respeito das crianças e da infância no estágio de docência. Aprendi muito ao
dialogar a Educação com você.
Aos professores do Programa de Pós Graduação-Mestrado em Educação da FURB,
em especial à professora Dra. Stela e à professora Dra. Julianne pelas contribuições no
momento da qualificação.
Ao grupo de Discurso e Práticas Educativas. Grupo 2006: Gracielle, Clóvis,
Osmarilda, Jean, à parceira Maria Rosimeri, a dedicada Brigitte, ao alegre Christiano. E ao
grupo 2007: Patrícia, Lílian, Silvana, Germaine, Camila, Angelita, Ederli e Jamile.
Ao grupo do Núcleo de Estudos Lingüísticos/NEL, pelo empenho, respeito e atenção
depositados na leitura crítica dos textos: Gracielle, Henriette, Rafaela, Albanella, Brigitte,
Méri, Jociane, Jeice, Bruna, Lígia, professor Dr. Osmar e professora Dra. Otília.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES, que
forneceu a bolsa de estudos.
À escola que foi desenvolvida a pesquisa: professores, direção, funcionários e, em
especial as crianças, as quais dediquei o trabalho.
À Anna Júlia, Anna Carolina e Dorinha que fizeram parte desse momento.
Um agradecimento especial à secretaria do Programa de Pós-Graduação – Mestrado
em Educação da FURB. Obrigada, Arlei e Miriam, por toda dedicação, gentileza e eficiência.
Agradeço a todos(as) que, direta ou indiretamente, contribuíram para que fosse
possível chegar até aqui.
[...] aquela criança que todos fomos mora em
nossos corpos, com marcas e cicatrizes, em
nossas lembranças, com emoções, visões,
cheiros, sons que insistentemente nos
convidam a deixar-nos seduzir, embriagar pela
magia e fluidez e da autenticidade infantil.
Kátia Adair Agostinho
RESUMO
Esta pesquisa está vinculada ao Eixo Temático: Educação, Cultura e Sociedade, referente à
linha: Discurso e Práticas Educativas, do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em
Educação da FURB e tem como tema sentidos de escola para as crianças da Educação
Infantil. O objetivo geral é compreender, discursivamente, os sentidos de escola atribuídos
pelas crianças da Educação Infantil. Além disso, pretende-se refletir a organização do espaço
e tempo na e da Educação Infantil; investigar a participação das crianças na elaboração das
atividades e brincadeiras propostas pelo(a) professor(a). E, analisar o lugar do brincar na
instituição investigada. A pesquisa de cunho qualitativo interpretativo foi realizada no
município de Brusque, em um Centro de Educação Infantil da rede municipal. A coleta de
registros aconteceu em oito tardes do mês de maio de 2006 e optou-se por realizar entrevistas
não-estruturadas e observação participante. Os sujeitos são dezesseis crianças, na faixa-etária
de quatro a cinco anos e sua professora. Para este estudo, buscamos orientação na teoria da
enunciação do Círculo de Bakhtin que, através da linguagem, permite a compreensão dos
sentidos produzidos nas condições sócio-históricas. Foucault fundamentará a pesquisa quando
estivermos dialogando com os registros referentes à questão do disciplinamento. Para as
questões de aprendizagem nos apoiaremos em Vigotsky, Cagliari e Piletti. Barbosa nos
auxiliará com escritos na área da Educação Infantil. E, para as discussões da infância
contaremos com Sarmento e Pinto. Quanto aos aspectos teóricos, a pesquisa promoveu
encontros entre autores de diferentes áreas, numa perspectiva interdisciplinar. A análise
sinaliza a noção de disciplinamento e de escola como lugar de aprender o que aponta para
práticas de homogeneização do sujeito. A análise também aponta a escola como um lugar para
brincar. Considerando os resultados, os dizeres das crianças vêm contribuir para uma reflexão
sobre: a institucionalização da infância; as crianças como sujeitos de direitos; a organização
do espaço/tempo e as rotinas.
Palavras-chave: Sentidos. Crianças. Escola. Educação Infantil.
ABSTRACT
This research is linked to the thematic axis: Education, Culture and Society and it refers to the
research line: Of Discourse and Educational Practice from the Post Graduation Program
Master Degree in Education at FURB and have the thematic senses of school for the children
of Infantile Education. The general objective is to comprehend discursively, the senses of
school given by children of Infantile Education. Resides, it aims at reflecting the organization
of space and time at and of Infantile Education. Also, it aims at investigating the participation
of children in the making of activities and plays proposed by the teacher. Still, it aims at
analyzing the playground of the target institution. The qualitative interpretative research was
carried out in Brusque at a public Infantile Education Center. The data records was held in
eight afternoons of may, 2006. Non-structured and participative observation were preferid.
The subjects are sixteen children, with ages ranking from 4 to 5 and their teacher. For this
study, we found orientation in the Bakhtin’s enunciation theory as the language allows the
comprehension of the produced senses in the social and historical conditions. Foucault will
base his research when we are having a conversation with the records related to discipline
issues. For learning issues, we will be supported by Vigotsky, Cagliari and Piletti. Barbosa
will help us with works in the Infantile Education area. And for childhood discussions, we
will count on Sarmento and Pinto. As for theoretical aspects, the research promoted meetings
among authors of different areas, in an interdisciplinary perspective. The analysis shows
discipline notion and the school as a place to learn what points to homogenious process
practices. The analysis also defines the school as a place to play. Considering the results, what
children say contributes to a reflection about: the institutionalization of childhood, the
children as people with rights and the organization of space/time and routines.
Key-words: Senses. Children. School. Infantile Education.
LISTA DE SIGLAS
ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
EJA – Educação de Jovens e Adultos
GT – Grupo de Trabalho
LDB – Lei de diretrizes e Bases
MEC – Ministério da Educação e Cultura
NEL – Núcleo de Estudos da Linguagem
PPP – Projeto Político Pedagógico
RCN – Referencial Curricular Nacional
RCN/EI – Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil
LISTA DE ABREVIATURAS
( ) – Comentários da pesquisadora
(...) – Dúvidas e suposições
/ – Truncamentos bruscos
:: – Prolongamento da sílaba final ::
[ – Sobreposição de vozes :
[ ] – Silêncio ou espera -pausa
[?] – Incompreensível
[[ – Falas simultâneas
M – Merendeira
P – Pesquisadora
Pr. – Professora
S – Sujeito identificado
Sinais de pontuação: ? / ... /, /. /
Sublinhado: __________ : quando o sujeito falou com ênfase
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................14
1.1 SITUANDO A PESQUISA................................................................................................17
1.2 SITUANDO A INFÂNCIA................................................................................................21
1.3 ORGANIZANDO O TEXTO.............................................................................................26
2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS....................................................................................28
2.1 O LUGAR DE ONDE SE FALA: O CAMPO DE PESQUISA ........................................31
2.2 QUEM SÃO OS SUJEITOS? ............................................................................................33
2.3 OS INSTRUMENTOS.......................................................................................................35
3 SENTIDOS DE ESCOLA: OS DIZERES DAS CRIANÇAS..........................................39
3.1 ESCOLA COMO LUGAR DE DISCIPLINAMENTO.....................................................41
3.1.1 Há um lugar determinado para cada criança e cada criança deve ficar em seu
lugar?..............................................................................................................................44
3.1.2 Há uma hora para cada ação?......................................................................................50
3.2 ESCOLA COMO LUGAR DE APRENDER ....................................................................55
3.2.1 É pra aprender...............................................................................................................55
3.2.2 A gente tem muitas atividades......................................................................................62
3.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, UM LUGAR PARA BRINCAR.............................................67
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................74
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................79
APÊNDICES...........................................................................................................................85
1 INTRODUÇÃO
Essas são palavras iniciais do livro “A MAIOR FLOR DO MUNDO” de José
Saramago (2001)
1
que conta a história de um menino e uma flor. Ao ser apresentada a essa
literatura, encontrei o que estava procurando, um fio condutor para essa dissertação. Como
professora de Educação Infantil, não gostaria de escrever um gênero científico sem deixar de
estabelecer uma relação com a minha prática. Contarei mais adiante como será essa relação.
Ao ingressar no Mestrado e, conseqüentemente, para mim, no mundo da pesquisa,
ouvi diversas vezes quão é importante o distanciamento da esfera escolar para a inserção no
mundo acadêmico. Quantas desconstruções aconteceram, fundamentais para formação da
minha identidade de pesquisadora. Ouvi também: “você agora é pesquisadora”, qual seu
papel? Muitos deslizes ocorreram, ao ir para o campo de pesquisa, por exemplo, tinha a
tendência de ter postura de professora e não, naquele momento, de pesquisadora.
Desde a época de graduação, em bate-papos familiares e em conversas com colegas
da profissão, vinha me questionando: O que as crianças pensam ao ir para a Educação
Infantil? E aquelas que vão desde bebês, o que acham? Alguma vez lhes foi perguntado,
“Você quer acordar cedo?” “Quer ir nessa instituição ou em outra?” “Gosta do(a) seu(ua)
professor(a)?” Muitos pais impõem a ida das crianças para as instituições de Educação
Infantil por necessidade, por tradição familiar de terem estudado na mesma escola ou por
outras razões.
Por essa realidade citada acima, me questionava sobre a criança. O que ela queria,
pensava e desejava. Por que, então, não ouvir o que as crianças têm a dizer? Dessa maneira
elas contribuiriam para melhor entender as finalidades e a própria delimitação deste campo
educativo. Até esse momento tinha uma metodologia em mente, que era a de ouvir as
crianças, mas, aos poucos, com a interação com o grupo de pesquisa e leituras, fui
compreendendo o que queria pesquisar.
O grupo de pesquisa, da linha: Discurso e Práticas Educativas do Programa de pós
Graduação – Mestrado em Educação, de agora em diante, PPGE/ME da FURB e o Núcleo de
Estudos da Linguagem (NEL), nos quais estou inserida, foram fundamentais para responder a
uma série de questionamentos e levantar outros. Com as disciplinas que ia cursando e em
conversas com professores comecei a compreender que os outros me constituem, que sou
atravessada pelas vozes desses outros e, ao mesmo tempo, constituindo-me como sujeito.
1
Todas as gravuras que aparecem neste trabalho estão no livro: SARAMAGO, José. A maior flor do mundo. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001.
15
Sujeito que não pode mais ser escrito na forma singular, e sim no plural, pois tenho a
compreensão de que não sou só eu, e sim muitos outros.
É, numa perspectiva de tensão de valores e de mudança, segundo Goulart e Garcia
(2007), que constituímos a nossa palavra. Para as mesmas autoras, isto se dá tanto na
dimensão do processo de apropriação da linguagem, quanto na dimensão da participação em
espaços sociais e educativos.
No final do livro, “A MAIOR FLOR DO MUNDO”, citado anteriormente, o autor,
nos faz um convite: “Quem sabe se um dia virei a ler outra vez esta história, escrita por ti
que me lês, mas muito mais bonita?...” Recebemos esse convite e tentaremos escrevê-la em
forma de dissertação. Convidamos você para fazer parte dessa história, neste momento, como
interlocutor.
16
17
1.1 SITUANDO A PESQUISA
A linguagem inserida no contexto social possibilita a construção de sentidos dos
sujeitos que são dialogicamente constituídos. Os sentidos estão em curso, se produzem, se
movem no contexto histórico-social. Eles desvelam a discursividade na qual estavam
inseridos os sujeitos, suas famílias e a sociedade daquela época. Dessa maneira, os sujeitos,
constituindo-se pela linguagem por meio do processo de construção dos sentidos produzidos
dialogicamente no convívio social, na coletividade e nas interlocuções, ampliam o
conhecimento de si e do outro. Assim também é a criança ao construir sua história nas
relações estabelecidas com o social por meio das várias formas de linguagem. As palavras,
além de dizer, produzem sentidos múltiplos e únicos. São eles que orientam nossa trajetória e
é sobre esses que acompanharemos: sentidos de escola para as crianças da Educação
Infantil.
Para essa pesquisa, temos como objetivo geral: Compreender, discursivamente, os
sentidos de escola atribuídos pelas crianças da Educação Infantil. E, como objetivos
específicos: refletir a organização do espaço e tempo na e da Educação Infantil; investigar a
participação das crianças na elaboração das atividades e brincadeiras propostas pelo(a)
professor(a)
2
. E, analisar o lugar do brincar na instituição investigada.
As crianças estão indo cada vez mais cedo e, em maior número para as instituições
de Educação Infantil. Em um artigo intitulado: Para a Sociologia da Pequena Infância de Eric
Plaisance (2004), encontramos a preocupação com a presença das crianças com idades
menores nas escolas dos países industrialmente desenvolvidos. Ele adverte sobre a noção
ambígua de “educação pré-escolar” para “educação da pequena infância”, que alia educação,
atenção, cuidado e guarda. Além disso, afirma que a pequena infância é geralmente
assimilada ao conjunto de idade que precede à escolarização obrigatória. Alguns dos aspectos
pontuados por esse autor serão retomados em nossa discussão.
Para falar da nossa história, precisamos conhecer o aporte teórico dessa pesquisa:
teremos Bakhtin (2003) e Bakhtin/Voloshinov (2004), fundamentando a teoria da enunciação.
Entendemos enunciação como evento único e jamais repetido de produção do enunciado,
porque, como afirma Koch (2001, p.13-14), “as condições de produção (tempo, lugar, papéis
representados pelos interlocutores, imagens recíprocas, relações sociais, objetivos visados na
interlocução) são constitutivos do sentido do enunciado”. Assim a enunciação se marca pela
2
Consideramos professor, os profissionais envolvidos com a criança, seja ele, atendente de creche ou auxiliar de
classe.
18
singularidade.
Para falar de Bakhtin, é preciso mencionar o nome de Voloshinov e Medvedev, que
com ele se encontraram durante dez anos (1919-1929) num grupo de estudos e partilharam
um conjunto expressivo de idéias, formando o Círculo de Bakhtin. É importante lembrar,
segundo Faraco (2003), que essa denominação foi lhes atribuída posteriormente por
estudiosos de seu trabalho. O Círculo tinha a paixão pela filosofia, pelo debate de idéias e pela
linguagem. Entre os três havia outros integrantes, como filósofo, biólogo, pianista, professor e
estudioso de literatura. Podemos perceber que o caráter interdisciplinar dessa teoria da
enunciação se deve à formação diversificada que os estudiosos do Círculo tinham.
Depois de trinta anos de silêncio, textos de Bakhtin voltaram a circular nos meios
acadêmicos de sua terra natal, então URSS, em 1963 e 1965. Nessa época, segundo Faraco
(2003), o lingüista Ivanov afirmou que o livro Marxismo e Filosofia da Linguagem tinha sido
escrito somente por Bakhtin e não por Voloshinov, como aparece. Esse fato trouxe dúvida
quanto à autoria dessa obra e os estudiosos do Círculo optaram por uma das três direções:
a) a primeira é a daqueles que respeitam as autorias das edições originais e,
por conseqüência, só reconhecem como da autoria do próprio Bakhtin os
textos publicados sob seu nome ou encontrados em seus arquivos;
b) a segunda direção é a daqueles que atribuem a Bakhtin todos os textos
ditos disputados;
c) há, por fim, uma solução de compromisso que inclui os dois nomes na
autoria. Assim, Freudismo e Marxismo e filosofia da linguagem são
atribuídos a Bakhtin e Voloshinov: e O método formal nos estudos
literários a Bakhtin e Medvedev. (FARACO, 2003, p.14).
Nossa posição é a última e assim ao nos referirmos a Estética da Criação Verbal
(2003) consideramos seu autor apenas Bakhtin; já a obra de 2004, Marxismo e Filosofia da
Linguagem, usaremos Bakhtin/Voloshinov.
Após contextualização do Círculo de Bakhtin, voltamos a apresentar o aporte teórico
dessa pesquisa. Foucault (2006) fundamentará o nosso dizer quando estivermos dialogando
com os dados referentes à questão do disciplinamento.
Para as questões de aprendizagem nos apoiaremos em Vigotsky (1993, 1994). Dentro
da mesma perspectiva teórica se encontram Cagliari (1998) e Piletti (1997) que foram
importantes para as discussões acerca dos enunciados que apontam para a escola como lugar
de aprender.
Barbosa (2006) vem nos auxiliando a compreender os sentidos de escola para as
crianças com escritos na área da Educação Infantil.
19
E, para as discussões da infância temos Sarmento e Pinto (1997).
Para dar continuidade a nossa história, precisamos conhecer mais alguns personagens
e autores de outras. Estabelecer um diálogo com eles é importante para que compreendamos o
lugar de onde falam a fim de fazermos as aproximações. Vamos começar nosso diálogo
trazendo artigos de pesquisas tendo como objeto de estudos as crianças e foco a Educação
Infantil.
Buscamos pesquisas no site nacional da ANPEd
3
, ou seja, a Reunião Anual da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, mais especificamente no
Grupo de Trabalho: Educação da Criança de zero a seis anos (GT 7). Um levantamento
realizado nessa área nos possibilitou encontrar textos que trazem desde a descrição de análise
de dados sobre movimentos discursivos (BRITO, 2004), diagnóstico de redes de Educação
Infantil (BENTO; MENEGHEL, 2003), análise dos espaço das instituições (AGOSTINHO,
2004) e a infância (MULLER, 2003; FILHO, 2004; CORSINO, 2005 e MACEDO; DIAS,
2006). Passamos a detalhar, não cronologicamente, mas de acordo com as quatro temáticas:
movimentos discursivos; diagnósticos de rede; formação profissional e infância.
Brito (2004) pesquisou os movimentos discursivos que se dão nas conversas em
rodinhas na creche, analisando as principais ações realizadas com a linguagem por crianças de
quatro a cinco anos. Além disso, teve o intuito de analisar os sentidos que vão sendo
construídos nas interações discursivas para evidenciar as ações verbais mais típicas das
crianças nessa faixa-etária.
Bento e Meneghel (2003) investigaram uma amostra de creches domiciliares em
Blumenau/SC, e constataram que as crecheiras, mesmo recebendo treinamento e supervisão
da prefeitura, não tinham clareza sobre seu papel e achavam que, para cuidar das crianças,
bastava gostar delas. A pesquisa observou que essas mulheres concentravam sua atenção em
tarefas de segurança, higiene e alimentação das crianças. Trouxe também a informação de
que, em momentos de formação oferecidos pela prefeitura, as crecheiras eram pouco ouvidas
e estabelecia-se uma relação de poder entre elas e o órgão responsável pelos convênios.
Agostinho (2004) trouxe análises sobre o espaço das instituições de Educação
Infantil partindo das crianças, para saber mais sobre a forma infantil de perceber, de se
relacionar, de viver no espaço físico das instituições. Nas crianças, buscaram-se as respostas
para indagações da pesquisadora, apostando que elas dariam sinais que indicassem os
caminhos possíveis para a construção de um espaço/lugar da creche que respeitasse os seus
3
Disponível em: <http://www.anped.org.br>. Acesso em: 12 maio 2007.
20
direitos, sentimentos, desejos, jeitos e trejeitos.
O tema infância tem sido objeto de debates e discussões e apresenta-se hoje como
um dos principais objetivos de atendimento aos direitos sociais humanos. No Brasil, essa
temática ganha força a partir da promulgação da Constituição (1988) e da aprovação da
LDB/96, que garantem o atendimento à criança pequena em creches e pré-escolas. Nesses
textos legislativos, a primeira infância é referenciada como um tempo de cuidado e de
educação. Isso significa que tal compreensão deve orientar as práticas da Educação Infantil,
caracterizadas como ações de cuidar e educar de forma integrada da criança.
Em face desses novos contornos conceituais, encontramos pesquisas que abordam a infância
como tema, trazemos algumas delas: Muller (2003) respondeu a algumas questões, tal qual a
que Quinteiro (2002, p.37) apresenta: “[...] será que ainda é possível sonhar com a idéia da
infância na escola?” Especificamente, apresentou algumas conclusões de uma pesquisa
realizada no município de São Leopoldo/RS, na qual, com base em fundamentos da
sociologia, antropologia e pedagogia, discutiu a categoria da infância plural. Já Macêdo e
Dias (2006) buscaram responder à seguinte questão: como as professoras que atuam com
crianças de zero a dois anos compreendem a relação cuidar/educar? Corsino (2005) pesquisou
as concepções de infância, linguagem e letramento que permeiam os discursos e as práticas
das diferentes instâncias da Secretaria Municipal de Educação. Fundamentou-se teoricamente
na produção relativa à história e à política da educação da criança de 0 a 6 anos; na concepção
de criança como produtora de cultura, cidadã de direitos e na linguagem enquanto espaço das
interações sociais e lugar de constituição da consciência, desenvolvimento e formação. E,
Filho (2004) que desenvolveu um estudo sobre as culturas da infância no cotidiano da creche.
Dentre as pesquisas realizadas no PPGE/ME da Furb, na qual esta pesquisa está
inscrita, encontramos Bento (2003) que estudou uma amostra de creches domiciliares
4
;
Silveira (2006) que pesquisa os processos identitários do professor de Educação Infantil;
Michelli (2006), que aborda o remanejamento das crianças na creche; Silva (2006) que
pesquisa contribuições vygotskianas para uma ação docente. Em se tratando de sentidos de
escola, temos a pesquisa desenvolvida por Martins (2006), que difere desta que vem sendo
desenvolvida, pois os sujeitos investigados são alunos de um programa de jovens e adultos
(EJA) e o aporte teórico para analisar os dizeres dos sujeitos que é o da Análise do Discurso
francesa.
4
Essa pesquisa já foi abordada, quando citamos as pesquisas da Anped.
21
No diálogo que trouxemos com os autores, encontramos pesquisas que abordam a
infância, as crianças da Educação Infantil, a formação dos professores e duas que investigam
os sentidos de escola. Dessas a que mais se assemelha com a desenvolvida é de Silveira
(2005) e é sobre essa que vamos nos debruçar. A pesquisa citada busca compreender a escola
da Educação Infantil pela ótica das crianças de cinco anos que a freqüentam. Para estudar a
escola de Educação Infantil, o caminho encontrado por essa autora foi realizar um estudo de
caso de natureza qualitativa, tendo como fonte de dados a observação, com registros em diário
de campo, as entrevistas, com uso de filmagem em vídeo, e a produção de imagens
fotográficas feitas pelas crianças. A pesquisa ocorreu no estado de São Paulo. Silveira optou
ouvir as crianças por acreditar que elas falam por si próprias. A Análise do Discurso, num
viés foucaultiano, foi a metodologia usada para a análise dos dados. As fotografias e
entrevistas revelaram que as crianças gostam da escola porque é um local no qual brincam
com seus colegas, fazem amizades. A merenda, a lição e a aprendizagem da escrita também
foram mencionadas.
É possível perceber, como relatado no estado da arte, que muito tem se discutido a
respeito do atendimento às crianças, a natureza de seus programas, limitações e
possibilidades. A trajetória da Educação Infantil esteve ligada ao “conceito de infância” que o
homem construiu ao longo da história e, conseqüentemente, às políticas voltadas para essa
realidade, a educação das crianças pequenas.
1.2 SITUANDO A INFÂNCIA
As concepções de criança e de infância são noções que mudam ao longo dos tempos
e se encontram em permanente reelaboração. Essas concepções não se apresentam de forma
homogênea nem mesmo no interior de uma sociedade e época. O conceito de criança e de
infância sofre variações, dependendo da posição da família na estrutura sócio-econômica de
uma sociedade, das concepções religiosas e das linhas não hegemônicas que o atravessam.
De acordo com Deleuze e Gatarri (1992 apud SILVEIRA, 2005, p.17):
Os conceitos são fabricados e a filosofia é a arte de formá-los, de inventá-
los. Os conceitos não param de mudar, eles têm sua maneira de não morrer e
são submetidos à exigência de renovação, de substituição e de mutação, por
forças que são postas em jogo.
A idéia de infância tem um forte caráter homogeneizador que se impõe sobre o
caráter heterogêneo daquilo que é ser criança. Criança significa uma pluralidade, enquanto
22
infância tem um caráter singular, regulador e uniformizador, porém distinto em cada cultura
na qual ela pode existir.
Ao tratar da mesma temática, Abramowicz e Levcovitz (2005, p.83) afirmam que “a
infância tem sido construída como um bolsão de sentidos que se sobrepõe a todas as
crianças”. As autoras salientam que a idéia de infância, nas sociedades ocidentais, se constitui
como uma teia, como um conjunto que, de certa maneira, prescreve o brincar, a sociabilidade,
estética, hábito e estabelece o caráter que normaliza e disciplina o que é ser criança.
Torna-se necessário pensar as concepções de infância e de criança, por isso, refletir o
significado dessas, mesmo que momentaneamente, tendo em vista que o conhecimento sofre
mudanças a partir de alguns campos, como: a psicologia, o jurídico, a pedagogia, a sociologia
e, mais recentemente, a sociologia da infância.
Sarmento e Pinto (1997) afirmam que a partir da década de 90, pesquisas sobre
crianças ultrapassam os campos da investigação limitada aos campos médicos, da psicologia
ou da pedagogia, adentrando ao campo da sociologia, mais especificamente a sociologia da
infância. Nesses estudos, a infância passa a ser considerada um fenômeno social.
Segundo esses autores, as crianças existiram sempre, desde o primeiro ser humano;
já a infância, como construção social, existe desde os séculos XVII e XVIII. Podemos pensar
em que idade a criança é criança. Quando nasce? No início da vida no útero materno? Para
responder a esses questionamentos, recorremos a Convenção dos Direitos da Criança,
aprovada pelas Nações Unidas, em 1989, que considera como criança todo ser humano até os
doze anos, salvo se, nos termos da lei, atingir a maioridade mais cedo. No entanto, essa
proclamação não foi suficiente para garantir uma melhoria das condições de vida das crianças.
A infância, segundo Sarmento e Pinto (1997), vive uma série de paradoxos, difíceis
de serem rompidos. Eles afirmam que se pensa nas crianças como alguém em falta, discute-se
a autonomia da criança e, ao mesmo tempo, criam-se instrumentos de controle e tutela cada
vez mais sofisticados. Os autores dizem que “as culturas infantis” não nascem num universo
simbólico exclusivo da infância, mas são produtos de processos de “colonização dos
respectivos mundos de vida pelos adultos”, de influências recebidas no contexto familiar e de
informações veiculadas pela mídia, jogos de vídeo, computadores etc. Assim, a interpretação
da cultura infantil necessita ser ancorada na análise das condições sociais em que as crianças
vivem, interagem e dão sentido ao que fazem.
E como a escola vem percebendo a cultura infantil? Se buscamos dialogar com
Plaisance (2004), podemos perceber que a escola não vem interpretando a cultura infantil
ancorada nas análises das condições sociais em que as crianças vivem, mas como um lugar
23
educativo que permite o desenvolvimento das personalidades infantis e também como uma
instituição que prepara para a grande escola e para as aprendizagens. O que é fortemente
marcado pelo dizer de Júlia quando questionada por que vai para a instituição de Educação
Infantil: É pra aprende. Aprender a contar histórias, aprender a contar livrinhos, aprender a
pintar, aprender a falar. E para Giovana: Pra aprender. Dizeres esse que serão
posteriormente analisados na seção 3.2.
Ao perceber essa desconexão da cultura infantil com a realidade das crianças, surgiu
a pergunta de partida que deu início a essa pesquisa: Que sentidos as crianças da Educação
Infantil atribuem à escola? O desejo de ouvir as crianças já havia despertado interesse,
como já abordado, e encontramos nas palavras de Demartini (1997 apud MULLER, 2003,
p.15), a importância de aprender a ouvir as crianças. Escutar as crianças, segundo a autora,
significa entender “que uma criança, de qualquer grupo social, após breves espaços de tempo,
já construiu algum tipo de identidade, tem uma memória construída”.
A nossa preocupação em ouvir as crianças foi também pensada a partir de Dahlberg,
Moss e Pence (2003), que afirmam que as crianças têm uma voz própria e devem ser ouvidas
de modo a serem consideradas com seriedade, envolvendo-as no diálogo e na tomada de
decisões, para se entender a infância. Silveira (2005) lembra de como é difícil ouvir os dizeres
das crianças, pois elas falam de vários assuntos ao mesmo tempo, nem sempre respondem
àquilo que foi perguntado, elas inventam, fantasiam ao falarem sobre um determinado assunto
e, às vezes, não respondem, ficando em silêncio ou dando de ombros.
Na área da educação da criança, tem havido um crescimento da produção de trabalhos
que ampliam e aprimoram o nosso conhecimento. No entanto, no Brasil, esta área ainda
ressente-se de estudos que captem o ponto de vista do seu destinatário mais direto: a criança.
Como afirma Rocha (1999), já se começa a encontrar trabalhos que buscam conhecer a
criança concreta, contextualizada social e culturalmente. No entanto, ainda predomina a
perspectiva do adulto sobre a criança: “se a criança vista pelas pesquisas ganha contornos que
definem sua heterogeneidade, isto ainda não é suficiente para que ela ganhe voz e seja ouvida
pelo pesquisador”. No marco das investigações qualitativas, que tem se tornado predominante
na área educacional, encontramos algumas justificativas para o aprimoramento das formas de
ouvir a criança. Segundo Taylor e Bogdan (1986 apud GOMES et al., 1999), uma das
características da pesquisa qualitativa é que o investigador procura compreender as pessoas a
partir de suas próprias referências; além disso, para esse investigador, todas as perspectivas
são valiosas. Miles e Huberman (1994 apud GOMES et al., 1999), fazem eco, ressaltando
que, neste tipo de investigação, uma tarefa fundamental é a de explicar as formas com que as
24
pessoas, em situações particulares, compreendem, narram, atuam e lidam com suas situações
cotidianas.
Os dizeres das crianças ocupam, muitas vezes, um lugar restrito nas instituições
educacionais. Compreendê-los, poderá ajudar a pensar nessa instituição e numa forma de
refletir sobre esse espaço.
25
26
1.3 ORGANIZANDO O TEXTO
Ao voltar para a história de Saramago (2001), “O menino sai pelos fundos do quintal
[...] como um pintassilgo” e nós, na nossa história, como vamos? Para que todos possam nos
acompanhar, trazemos, a apresentação dos capítulos.
No primeiro, apresentamos a pesquisa, bem como tema, justificativa, estado da arte,
pergunta de partida, objetivos e os autores que fundamentam a pesquisa.
No segundo capítulo, abordaremos os caminhos percorridos focando a metodologia
da pesquisa na qual se apresentam informações sobre o campo de investigação, os sujeitos e
instrumentos para a coleta de registros.
No terceiro capítulo, intitulado, Sentidos de escola: os dizeres das crianças,
dialogaremos sobre a análise de registros e estabeleceremos acordos com os interlocutores.
Este será divido por seções: uma seção que trata da escola como lugar de disciplinamento, na
qual discutiremos a organização do espaço e do tempo nas instituições de Educação Infantil.
Nessa seção faremos também uma explanação sobre as características ou mecanismos de
produção descritos por Foucault.
Ainda no terceiro capítulo, analisaremos os dizeres referentes a escola como lugar de
aprender, seção 3.2, para isso dialogaremos com Vigotsky, Piletti, e Cagliari. Nessa mesma
seção faremos também a discussão sobre atividade.
A Educação Infantil, um lugar para brincar, será abordada na seção 3.3, do capítulo
terceiro da dissertação, neste analisaremos os registros referentes ao brincar.
No último capítulo, teremos as considerações finais, retomando os sentidos que as
crianças da Educação Infantil atribuíram à escola e questionamentos que podem dar origem a
novas pesquisas.
Embalados pelo vôo do pintassilgo vamos apresentar os caminhos percorridos nesta
pesquisa.
2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS
Para alcançar o objetivo da pesquisa, que é o de compreender discursivamente os
sentidos de escola atribuídos pelas crianças da Educação Infantil, desenvolveu-se uma
pesquisa qualitativa interpretativa. Segundo Bauer e Gaskell (2003), este é um tipo de
pesquisa não numérica que lida com interpretações das realidades sociais, partindo de um
olhar enunciativo. Considerada uma pesquisa crítica e potencialmente emancipatória, “o
investigador qualitativo é aquele que se torna capaz de ver através dos olhos daqueles que
estão sendo pesquisados” (BAUER; GASKELL, 2003, p.32).
Outros autores, como Bogdan e Biklen (1994, p.51), definem esse tipo de pesquisa
como um “[...] processo de condução de investigação que reflete uma espécie de diálogo entre
os investigadores e os respectivos sujeitos, dados estes não serem abordados por aqueles de
uma forma neutra”.
Para Bakhtin, é no diálogo, na prática viva da língua, que a consciência lingüística do
falante e do ouvinte se relacionam com a linguagem. Falante e ouvinte não interagem com a
linguagem como se ela fosse algo abstrato de normas,
na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas
verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis
ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou
de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2004,
p.95)
É importante deixar claro que com esta pesquisa buscamos compreender e, temos
essa palavra, segundo Faraco, não como mera experienciação psicológica da ação dos outros,
mas como atividade dialógica que, diante de um texto
5
gera outros textos. “Compreender não
é um ato passivo (um mero reconhecimento), mas uma réplica ativa, uma resposta, uma
tomada de posição diante do texto” (FARACO, 2003, p.41).
O pesquisador busca compreender, como diz Rauen (2002), o que está sendo
mostrado, recorrendo ao léxico, à história, à legislação, aos usos e costumes, com a meta de
interpretar os símbolos e os signos contidos no discurso.
A linguagem, na perspectiva bakhtiniana, é dialógica e a palavra ideológica, por ser
socialmente constituída e composta por outras vozes as que se dirigem a um outro com quem
dialogam. Abordaremos, assim, a questão do dialogismo bakhtiniano como sendo o princípio
5
A que se esclarecer que texto aqui é compreendido como uma unidade de significação oral ou escrita.
29
constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso, que é negociado através da
interação verbal entre locutor e interlocutor. Além disso, é importante compreender a palavra
como ideologicamente atravessada, pois como afirmam os autores “a palavra é o fenômeno
ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo”
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2004, p.36).
Para Bakhtin (apud FARACO, 2003, p.42), “as ciências humanas constituem uma
forma de saber dialógico em que o intelecto está diante de textos que não são coisas mudas,
mas a expressão de um sujeito”. Assim, nas ciências humanas, há uma relação sujeito/sujeito,
na medida em que o objeto é o texto de alguém e, segundo o autor, atrás do texto há sempre
um sujeito, uma visão de mundo, um universo de valores com que se interage.
As ciências humanas se debruçam sobre a significação, por esse motivo trabalhamos
com a compreensão. Esta aponta para o possível porque “é uma operação sobre o significado
que, sendo em grande parte efeito da interação, do encontro de cosmovisões e orientações
axiológicas, envolve sempre uma dimensão de pluralidade” (FARACO, 2003, p.43). O
mesmo autor propõe que, nas ciências humanas, a exatidão consiste na capacidade de não
fundir em um só os dois sujeitos, ou, nas palavras de Bakhtin, de sobrelevar a alteridade
daquilo que é outro sem o transformar em qualquer coisa que é para si.
Por isso, em busca de compreender, discursivamente, os sentidos de escola atribuídos
pelas crianças da Educação Infantil encontramos na teoria da enunciação num viés
bakhtiniano, o aporte teórico para este trabalho, pois para o autor o sentido das coisas é dado
ao homem pela linguagem. Já sabemos que Bakhtin considerou a linguagem como elemento
organizador da vida mental e essencial na constituição da consciência e do sujeito com ênfase
no discurso interior. Na linguagem, na interação e no diálogo estão o sujeito e o outro e, nessa
perspectiva como anuncia Saramago (2001) ao colocar seu personagem em contato com o
“exotópico”.
30
31
Enquanto pesquisadores, em alguns momentos, tivemos a sensação de que
estaríamos entrando em terras desconhecidas, no planeta Marte. E agora, como para o menino,
uma pergunta sem literatura: Vou ou não vou? E como ele, a resposta foi positiva,
apresentaremos a seguir, o campo de pesquisa.
2.1 O LUGAR DE ONDE SE FALA: O CAMPO DE PESQUISA
A pesquisa foi realizada em um Centro de Educação Infantil de Brusque, localizada
num bairro próximo ao centro da cidade. Ela existe a um pouco mais de uma década de
funcionamento. Fica num terreno pequeno, as margens do rio.
Escolhemos essa instituição de Educação Infantil para fazer a coleta de registros,
pois em anos anteriores, em processos seletivos da rede municipal de Brusque, percebíamos
uma preferência pelos professores para ir trabalhar nessa instituição, fato esse que ficou
adormecido na memória e ressurgiu latente quando fomos questionados sobre o campo de
pesquisa. Investigar o motivo de tanta preferência. Seria por que fica próximo ao centro?
Talvez por que atende só a faixa-etária da Educação Infantil? A direção? A comunidade? Ao
precisar definir um campo de investigação, pensou-se nesse, o qual descreveremos na
próxima página.
É importante salientar que, em alguns momentos de escrita ou de fala (nas conversas
com as crianças), estaremos nos referindo ao local da pesquisa como escola ou centro de
Educação Infantil, por dois motivos. Primeiro, é assim que ele é chamada pelos alunos;
segundo, é assim que é denominado no Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição. Dois
trechos do PPP e uma fala vêm na seqüência ilustrando essa denominação.
Enquanto centro de Educação Infantil [...]
6
: acreditamos que o Projeto
Político Pedagógico está voltado à realidade de nossa escola.
Na unidade escolar recebemos crianças de [...]
Gabriel: [...] e o meu pai e eu venho para escola.
No sumário do Projeto Político Pedagógico, consta como item 1.4: Histórico da
escola e no item 1.4.1: Como é a nossa escola? Observamos, assim, que a nomenclatura
“escola” é usada com naturalidade na instituição pesquisada.
6
Para que o campo de pesquisa não seja identificado, omitiremos o nome da instituição, pois vamos usar os
nomes reais das crianças, fato este que explicaremos adiante, na próxima seção.
32
O cenário dessa história, como já citado anteriormente, foi uma instituição de
Educação Infantil, da rede municipal de Brusque-SC, num centro de ensino da rede
municipal. O primeiro contato com a escola foi com a diretora em maio de 2006, por telefone,
numa conversa agendamos um horário para visita. No dia seguinte, no horário combinado,
aconteceu a mesma. Fomos apresentadas às professoras das duas turmas maiores em relação
à idade, jardim I (3 e 4 anos) e jardim II (4 e 5 anos). Após apresentação pessoal e dos
objetivos da pesquisa, definimos, aleatoriamente, por realizá-la com a turma de maior idade,
jardim II. Cabe aqui ressaltar que essa é a nomenclatura de turmas adotada pelo município em
que se desenvolveu a pesquisa.
A ida ao campo para coletas de registros ocorreu em três semanas do mês de maio de
2006. Foram oito tardes no total. As primeiras tardes em que fomos ao campo chamamos de
projeto – piloto e esse, nas palavras de Yin (2001), é utilizado de uma maneira mais formal,
ajudando o pesquisador a desenvolver o alinhamento das questões e tomada de decisões para
a coleta de dados. Diante dessas considerações, a utilização de um piloto é sugerida para testar
o instrumento e suas condições de aplicação. Os dados coletados no piloto tornaram-se os
dados dessa pesquisa.
No ano que ocorreu a coleta (2006), o centro de Educação Infantil tinha em torno de
100 crianças matriculadas, sete professoras, uma orientadora e uma diretora. Para os serviços
gerais, a escola
7
contava com o auxílio de três serventes e uma merendeira. Sua estrutura é de
dois andares e o refeitório, salas de aula, banheiro, secretaria e sala da direção, biblioteca e
cozinha fica no segundo piso.
O espaço da biblioteca é na sala da secretaria e direção, tem coleções de livros
infantis e pedagógicos. As professoras têm livre o acesso a esses materiais. Há livros infantis
também nas salas de aula expostos horizontalmente em cima de prateleiras, ficando numa
altura superior a das crianças. A disposição dos móveis e objetos, como os livros, proporciona
às crianças possibilidades: seja de uso, de aproximação, seja visual, mas para que essas
possibilidades aconteçam, é preciso que esses materiais estejam no alcance das crianças.
No térreo está o parque, com duas casinhas de madeira, há também trenzinhos feitos
de tubos de cimento e brinquedos de ferro para as crianças como: escorregador, gangorras,
balanço, roda- roda e vai-e-vem. Não existe caixa-de-areia própria da escola, nas casinhas tem
brinquedos de areia e as crianças podem brincar pelo espaço do parque. O espaço (térreo) é
grande tem uma área de cimento, uma de areia e outra gramada. É nesse espaço que
7
Passamos a chamar assim, pois na instituição é dessa maneira que é reconhecida e nomeada pelos funcionários
e pelas crianças. E como foi apresentado acima em documentos oficiais como o PPP.
33
acontecem as aulas de educação física. Ao ir para o parque as crianças podem brincar com os
materiais que são utilizados para as aulas de educação física como bolas, pneus, bambolês,
entre outros.
Na parte superior, além do refeitório, há cinco salas de aula, uma em que funciona a
turma do maternal I (1 a 2 anos), uma que funciona a turma do maternal II (2 a 3 anos), essas
duas em período integral, uma sala de jardim I (3 a 4 anos) que funciona em dois períodos,
matutino e vespertino. O centro de Educação Infantil conta também com uma sala de jardim II
(4 a 5 anos) em período vespertino e pré-escolar (5 a 6 anos) em período matutino.
Ao pensar sobre o espaço da Educação Infantil, nos questionamos, será preciso luxo,
requinte, quadras esportivas ou piscinas? A criança não precisa de um prédio construído para
esse fim, embora seja o sonho de muitos. O que é importante é que os ambientes sejam
espaçosos, iluminados pelo sol, arejados. É preciso ter uma área livre para que as crianças
possam correr, além disso, é preciso, deixar o espaço pensado para estimular a curiosidade e a
imaginação da criança, mas incompleto o bastante para que ela se aproprie e transforme esse
espaço através de sua própria ação (AGOSTINHO, 2004).
Após a descrição do contexto, vamos conhecer agora quem são os responsáveis por
termos uma materialidade lingüística para analisar.
2.2 QUEM SÃO OS SUJEITOS?
Os sujeitos da pesquisa são dezesseis crianças da turma jardim II, 4 a 5 anos e sua
professora. A professora da turma, na qual foram coletados os registros, tem formação em
Pedagogia e especialização em Educação Infantil, trabalhou nessa escola apenas no ano da
pesquisa até então, pois a prefeitura conta com um sistema de escolhas de vaga, anualmente,
por processo seletivo, havendo uma rotatividade entre os profissionais da rede.
Para as crianças, lançamos um convite oral, explicamos que estaríamos passando
algumas tardes ali com eles na intenção de fazer uma pesquisa e que para isso precisaríamos
coletar dados, o que se daria ao conversar com elas, ao gravar essas conversas, e ao anotar
alguns movimentos e situações vivenciadas naqueles períodos em que estaríamos ali. As
crianças concordaram acenando com a cabeça e demonstraram curiosidade no gravador,
instrumento que estava na mão da pesquisadora.
Considerar a pessoa investigada como sujeito, segundo Freitas, Jobim e Kramer
(2003, p.29), “implica em compreendê-la como possuidora de uma voz reveladora da
capacidade de construir um conhecimento sobre sua realidade que a torna co-participante do
34
processo de pesquisa”.
Temos para Bakhtin, em conformidade com o Círculo, o sujeito único e irrepetível,
dialógico por excelência, visto que é constituído pela linguagem. Ele é também um agente,
um organizador de discursos, responsável por seus atos e responsivo.
Com o intuito de ouvir o sujeito infantil na instituição, optamos por entrevistar as
crianças, consideramos que, ouvindo-a, direcionaríamos reflexões em torno dela no contexto
do espaço da Educação Infantil, podendo suscitar um olhar mais atento do adulto no sentido
de considerá-la como alguém ativo. Se não considerarmos a voz das crianças, elas
transformam-se em objetos, e não, em sujeitos. Referente a idéia de ouvir as crianças,
Quinteiro (2002) pontua que ouvir o que pensam, sentem e dizem as crianças na perspectiva
de estudar, desvendar e conhecer as culturas infantis constituem-se além de uma fonte (oral)
de pesquisa, uma possibilidade de investigação acerca da infância.
A esse respeito, Sarmento e Pinto (1997, p.20-22) se manifestam e explicam que,
A consideração das crianças como actores sociais de pleno direito, e não
como menores [...] implica o reconhecimento da capacidade simbólica por
parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em
sistemas organizados, isto é em culturas. [...] Os estudos da infância [...] tem
geralmente negligenciado a auscultação da voz das crianças e subestimado a
capacidade de atribuição de sentido às suas ações e aos seus contextos.
Entrevistar as crianças e considerá-las como agentes para a construção de pesquisas
científicas se constituem uma iniciativa que vem marcando o campo da sociologia da infância
há pouco mais de uma década. Sociólogos da infância reuniram-se, pela primeira vez, em
1990, no Congresso Mundial de Sociologia, para discutirem sobre o processo de socialização
da criança e a influência exercida sobre esta por instituições e agentes sociais (QUINTEIRO,
2002).
Falando dos sujeitos, logo vem à mente, a questão ética da pesquisa. Usaremos
nomes fictícios? Substituiremos por iniciais? “Textos são como presentes”, dizia uma
professora, orientadora da pesquisa, e ela nos ajudou a responder essa questão ao nos
presentear com o texto Autoria e Autorização: A Questão Ética na Pesquisa com Crianças, de
Kramer (2002), que nos auxiliou na decisão de trocar ou não os nomes das crianças/sujeitos
da pesquisa. A autora afirma que quando se trabalha com um referencial teórico no qual a
infância é concebida como categoria social, a idéia é de que as crianças são autoras, por isso,
se seus dizeres não colocá-los em situações de risco, seus nomes devem aparecer.
35
Trocar seus nomes, substituir por números ou iniciais é negar sua condição de
sujeito, é desconsiderar sua identidade. Essas formas de denominar as crianças colocam-nas
em anonimato. Sobre isso, Kramer (2002, p.51) afirma:
Embora os estudos transcrevam seus relatos, elas permanecem ausentes, não
podem se reconhecer no texto que é escrito sobre elas e suas histórias, não
podem ler a escrita feita com base e a partir dos seus depoimentos. As
crianças não aparecem como autores dessas falas, ações ou produções.
Por outro lado, a autora salienta que, em alguns estudos, torna-se necessário usar
nomes fictícios para não revelar a identidade das crianças, quando se trata de estudar numa
única escola da região ou se seus depoimentos trazem muitas críticas à escola e às
professoras, porque vem numa forma de denúncia, conseqüentemente a revelação dos nomes
se constitui em risco real. Levando em consideração as condições de produção da pesquisa,
tomou-se a decisão de mencionar os nomes reais das crianças. Isso se deve em parte, para que,
se um dia desejarem, elas possam ler seus dizeres, além disso, é uma maneira de preservar a
autoria das crianças.
As crianças foram consideradas como sujeitos participantes pelo valor que
dialogicamente destacam, em suas perspectivas de ação, visões de mundo, conhecimentos,
sentimentos e observações. Essa participação não é vista como simétrica ao papel do
pesquisador, mas na direção exotópica de perceber o outro “e o mundo como algo de fora que
o guarnece, restringe e acentua [...]” (BAKHTIN, 2003, p.17). Por isso consideramos a
palavra do outro, na investigação, pois contribui para revelar aspectos de nosso objeto de
pesquisa, emergindo de uma diferença de lugar na construção do saber. Assim, “o outro se
torna estrangeiro pelo simples fato de eu pretender estudá-lo” (AMORIM, 2004, p.31).
Como o processo de interlocução se dá entre crianças, pesquisadora e professora
tornam-se importante considerar o contexto no qual estão inseridos, observando elementos
externos à materialidade lingüística, mas que interferem no discurso dos sujeitos.
2.3 OS INSTRUMENTOS
Nesta investigação, para a coleta de registros, utilizamos entrevistas não-estruturadas
e a observação participante.
Focando o tipo de entrevista, a não-estruturada, segundo Lessard-Hébert, Goyette,
Boutin (1990), é considerada quando não há imposição de uma ordem rígida de questões; o
36
entrevistado discorre sobre o tema proposto.
A observação participante, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznadjer (2001), é uma
das técnicas mais utilizadas pelos pesquisadores qualitativos. Na observação participante, o
pesquisador se torna parte da situação observada, interagindo com os sujeitos. Para Freitas,
Jobim e Kramer (2003, p.33):
Numa pesquisa é o encontro de muitas vozes: ao se observar um evento
depara-se com diferentes discursos verbais, gestuais, e expressivos. São
discursos que refletem e refratam a realidade da qual fazem parte
construindo uma verdadeira tessitura da vida social.
Como recurso foi utilizado o gravador, e as gravações foram provenientes de
conversas entre pesquisadora-criança, criança-criança e criança-professora, essas foram
gravadas para manter a fidedignidade dos fatos relatados. As conversas foram transcritas
8
.
Quanto a esse aspecto, Marcuschi (1986, p.09), elucida não existir a melhor transcrição, pois
“todas são mais ou menos boas”. O essencial é quando for analisá-las saber qual o seu
objetivo e não deixar de assinalar o que lhe convém. De um modo geral, como dizem Bauer e
Gaskell (2003), a transcrição deve ser limpa e legível, sem sobrecarga de símbolos
complicados.
Ao usar a gravação como instrumento de coleta de registros, precisamos comentar
que os sujeitos se pronunciam ao mesmo tempo e mudam de assunto com freqüência. No
momento da análise, usaremos um trecho maior da conversação para que o interlocutor possa
compreender o contexto, mas ressaltamos que não serão todos os dizeres analisados naquela
seção.
Outro instrumento de coleta de registros foi o diário de campo, no qual anotamos as
impressões, sentimentos e reflexões em campo, sendo que procuramos fazê-los o menos
possível durante o período da observação, devido à preocupação em não interferir nas
conversas dos sujeitos da pesquisa. As anotações foram feitas após a coleta. De acordo com
Bogdan e Biklen (1994, p.150), o diário de campo é o lugar para fazer “o relato escrito
daquilo que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da recolha e refletindo
sobre os dados de um estudo qualitativo”.
8
As transcrições estão nos Apêndices.
37
O campo é visto como uma esfera social de circulação de discursos. Nesse sentido, a
observação não pode apenas descrever os eventos, mas deve procurar as possíveis relações
integrando o sujeito com a sociedade. Conforme Freitas, Jobim e Kramer (2003, p.34):
A teoria enunciativa de Bakhtin considera a observação numa perspectiva
dialógica, discursiva e polifônica compreendendo que o campo nos
confronta com eventos de linguagem marcados pela interlocução.
Olhamos para o corpus, levamos em consideração a perspectiva enunciativa, pois no
“processo de expressão do ato realizado e do evento singular em que tal ato é concretizado, a
palavra deve ocorrer em sua inteireza” (FARACO, 2003, p.27), o que compreende o aspecto
concreto-palpável, ou seja, morfológico e fonológico, o aspecto semântico-conceitual e o
aspecto axiológico.
Além disso, de acordo com Bakhtin (2003), segundo Silva, Barbosa e Kramer (2005) a
pesquisa em ciências humanas é sempre estudo de textos: diários de campos, transcrições de
entrevistas são – mais do que aparatos técnicos – modos de conhecimento. A tarefa do
pesquisador implica em recortes e vieses, em procurar a distância, o afastamento, a exotopia
(o pesquisador é sempre um outro), de forma a favorecer que o real seja captado na sua
provisoriedade, dinâmica, multiplicidade e polifonia. Por outro lado, os textos pesquisados
(falados ou escritos) – para serem entendidos – exigem que se explicitem as condições de
produção dos discursos, práticas e interações. Texto e contexto são, para o pesquisador,
importantes ferramentas conceituais. Podemos dizer que nas situações de pesquisa, também
com crianças, se coloca como fundamental analisar os discursos, as interlocuções tanto nas
entrevistas quanto em outras situações de interação (observação de brincadeiras, conversas,
diálogos entre crianças, diálogos entre crianças e adultos, experiências culturais).
Agora que já conhecemos os sujeitos, os instrumentos, o local que aconteceu a
pesquisa, vamos dialogar com os dizeres dos sujeitos.
Contamos anteriormente que tanto o menino quanto nós, fomos na viagem, seja ela
para o planeta Marte ou num vôo com o pintassilgo. Nessa viagem somos acompanhados dos
dizeres dos sujeitos, os quais analisaremos na seqüência.
38
3 SENTIDOS DE ESCOLA: OS DIZERES DAS CRIANÇAS
A partir desse momento estaremos dialogando com os dizeres dos sujeitos. Antes
disso, faremos um acordo com o interlocutor ao apresentar as escolhas feitas. Nas palavras de
Bakhtin (2003), as ações completam o outro naqueles elementos em que não pode se
completar. Cabe salientar que as nossas escolhas podem não coincidir com as do interlocutor,
mas o excedente de visão de Bakhtin nos auxiliará a compreender esse processo. Esse
excedente é condicionado pela singularidade e insubstitutibilidade do lugar no mundo:
“porque nesse momento, nesse lugar, em que sou o único a estar situado em dado conjunto de
circunstâncias, todos os outros estão fora de mim” (BAKHTIN, 2003, p.21). E insistiremos
aqui na diferenciação de sentidos que serão atribuídos aos registros, pois, segundo Bakhtin,
quando nos olhamos, dois mundos se refletem nas pupilas dos nossos olhos. É nessa
perspectiva que encaminharemos a análise.
Como postula Amorim (2004, p.16), “não há trabalho de campo que não vise ao
encontro com o outro, que não busque um interlocutor. Também não há escrita de pesquisa
que não se coloque o problema do lugar da palavra do outro no texto”. A discursividade é
colocada como horizonte e como limite de análise do texto de pesquisa, pois a construção de
sentido de todo discurso é, por si mesmo, inacabável. Ainda Amorim (2004, p.19) escreve: “o
objeto que está sendo tratado no texto de pesquisa é ao mesmo tempo objeto já falado, objeto
a ser falado e objeto falante”.
Numa perspectiva dialógica, alteridade é o traço fundamental da linguagem. Assim
ela não existe “sem que haja um outro a quem eu falo e que é ele próprio falante/respondente;
também não há linguagem sem a possibilidade de falar do que um outro” disse (AMORIM,
2004, p.97).
Conforme acordamos na metodologia (ver seção 2.3), na análise traremos um trecho
maior da transcrição da conversa para melhor compreensão de como chegamos àquele dizer e
ao contexto no qual está inserido.
Remetendo-nos a história que encanta, vamos ver o que aconteceu. A ilustração de
Saramago (2001), nos aponta três caminhos, aqui representa as três seções.
40
41
Esse capítulo estará organizado em três seções. A primeira seção trata das questões
de disciplinamento, subdividida em duas partes: relação de poder e tempo e rotinas. A
segunda seção, focará a escola como um lugar de aprender, conceituando aprendizagem e
dando continuidade na análise dos registros. É nessa seção que abordaremos os enunciados
referentes a atividades. Por último, a terceira seção que trata da Educação Infantil, um lugar
para brincar.
3.1 ESCOLA COMO LUGAR DE DISCIPLINAMENTO
Em relação à organização do espaço e do tempo, a escola funciona ensejando formas
específicas de comportamento. A disciplinarização dos corpos é um dos mecanismos
aprimorados na Modernidade e que foi sendo incorporado à dinâmica escolar como estratégia
de controle no interior da escola. Nesse sentido, Foucault (1999) esclarece que a disciplina é
uma técnica de exercício de poder que foi, não inteiramente inventada, mas elaborada em seus
princípios fundamentais durante o século XVIII.
A disciplina existia há muito tempo, os mosteiros são um exemplo, no interior dos
quais reinava o sistema disciplinar. A escravidão e as grandes empresas escravistas, existentes
nas colônias espanholas, inglesas, francesas, holandesas, etc., eram modelos de mecanismos
disciplinares. Fala-se, freqüentemente, das invenções técnicas do século XVIII – as
tecnologias químicas, metalúrgicas, etc. – mas pouco se diz da técnica de controlar os
homens, suas multiplicidades, utilizá-las ao máximo e possibilitar o efeito útil de seu trabalho
e sua atividade devido a um sistema de controle.
Foucault (2006) descreve algumas características ou mecanismos de produção de
individualidade exercidos pelo poder disciplinar a fim de manter a organização da instituição.
Vamos conhecer um pouco de cada uma delas.
A primeira característica é a celular ou arte das distribuições: trata da distribuição
dos indivíduos no espaço e, para isso, utilizam-se diversas técnicas: o encarceramento, nos
colégios pode ser representado pelos muros altos ou portões fechados; o quadriculamento ou
localização imediata, na qual cada indivíduo tem seu lugar. “O espaço disciplinar tende a se
dividir em tantas parcelas quanto corpos ou elementos há a repartir” (FOUCAULT, 2006,
p.123); as localizações funcionais, ou seja, os lugares determinados não só para satisfazer a
necessidade de vigiar, como também de criar um espaço útil e a fila, posição da fila, o lugar
ocupado, individualiza os corpos e facilita a sua localização.
42
A segunda característica é a orgânica ou controle da atividade e apresenta o controle
do horário, minuto e segundo sendo aproveitados a cada atividade por meio das ordens a
serem cumpridas. Assim, “é definida a posição do corpo, dos membros, das articulações; para
cada movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração. [...] O tempo
penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos” (FOUCAULT, 2006, p.129).
A terceira característica é a organização das gêneses, a qual trata das disciplinas
como aparelhos para adicionar e capitalizar o tempo, as disciplinas, são separadas, ajustadas e
organizadas segundo um esquema. O estabelecimento de séries prescrevendo cada um de
acordo com seu nível ou categoria, usando palavras de Foucault. O tempo disciplinar se
caracteriza por séries múltiplas. A colocação em série das atividades sucessivas permite um
controle detalhado, garantindo a utilização do seu tempo.
A quarta e última característica é a composição das forças para obter um aparelho
eficiente. O corpo é reduzido à sua funcionalidade, constituindo-se como peça de uma
máquina multissegmentar: “a disciplina não é mais simplesmente uma arte de repartir os
corpos, de extrair e acumular o tempo deles, mas de compor forças para obter um aparelho
eficiente” (FOUCAULT, 2006, p.138).
Em resumo, pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que controla,
quatro tipos de individualidade ou, antes, uma individualidade dotada de quatro
características: é celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela codificação das
atividades), é genética (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela combinação de
forças).
Além dessas características, que contribuem na formação de uma individualidade
dócil e útil, a instituição, o poder disciplinar utiliza-se de mais três instrumentos para garantir
o sucesso da instituição: a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame.
Ao tratar da vigilância, Foucault (2006) afirma haver uma relação de fiscalização
inserida no ensino. A manutenção de um olhar permanente, cujo objetivo é o de registrar,
observar e classificar produz uma certeza de sempre estar sendo vigiado. A escola, assim,
torna-se um local de observação e de vigilância constantes. Nenhum ponto deve permanecer
obscuro ao olhar, ou seja, a vigilância deve ser exercida sobre tudo e sobre todos. O olhar
deverá dar conta de tudo o que pode ser visto no interior das instituições disciplinares.
A sanção normalizadora ou punição tem por objetivo a correção. Na disciplina, ela
se apresenta em um sistema duplo: de gratificação-sanção. Ao invés dos castigos, segundo
Foucault (2006), o professor deve usar as recompensas como o mecanismo de controle do
comportamento. Esses mecanismos de punição, pela gratificação ou sanção, estão presentes
43
nos sistemas. A punição, enfim, para Foucault (2006) controla todos os instantes das
instituições disciplinares, ela compara, diferencia, hierarquiza, homogeneíza, exclui, em uma
palavra, normaliza.
O exame para Foucault (2006, p.154),
combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É
um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar
e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles
são diferenciados e sancionados.
O exame está no centro dos processos que constituem o sujeito como efeito e objeto
de poder e de saber. É ele que, combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora,
realiza “as [...] funções disciplinares de repartição e classificação, de extração máxima das
forças e do tempo, de acumulação genética contínua, de composição ótima das aptidões”
(FOUCAULT, 2006, p.160). O exame também é outro indicador da modalidade de poder
presente nas escolas, constituindo-as num observatório político, num aparelho que permite o
conhecimento e o controle.
Ao pontuar as características da sociedade disciplinar de Foucault, é possível
observá-las no espaço escolar com a utilização de diversas técnicas como: a delimitação do
espaço físico, por meio das cercas, muros, grades e portões. Essa delimitação pode ser vista
como um enclausuramento, facilitando o controle da entrada e saída dos sujeitos desse espaço
e a circulação de outras pessoas que não têm vínculo com a escola. O quadriculamento que
determina um lugar para cada um evitando a distribuição por grupos. A carteira e a cadeira
expressam a divisão e o lugar do aluno, permitindo que, com o olhar, o professor possa
perceber a presença ou ausência dos alunos. As localizações funcionais potencializam o lugar
para não só satisfazer a necessidade de vigiar, mas também de criar um espaço útil; a
disposição em filas expressa uma hierarquia, podendo ser de tamanho, idade, comportamento.
Ela acontece tanto na sala, com a disposição das carteiras, quanto no recreio, no momento da
escovação dos dentes, entre outros.
Daremos continuidade com o mesmo autor, que em seu livro, Vigiar e Punir (2006)
descreve a maneira como a escola foi pensada e organizada na Modernidade, “pouco a pouco
– mas principalmente depois de 1762 – o espaço escolar se desdobra; a classe torna-se
homogênea, ela agora só se compõe de elementos individuais que vêm se colocar uns ao lado
dos outros sob os olhares do mestre” (FOUCAULT, 2006, p.125). A partir disso, vimos a
organização das salas de aula na maioria das instituições com as filas, a posição das mesas e
44
carteiras, a classificação das turmas por idade seja de Educação Infantil ou Ensino
Fundamental, perpetuadas até hoje. O que não foi diferente na instituição investigada e que
discutiremos em seguida.
3.1.1 Há um lugar determinado para cada criança e cada criança deve ficar em seu
lugar?
Na instituição de Educação Infantil, observando as crianças, foi-se percebendo o que
Foucault (2006, p.117) queria dizer com “o corpo que se manipula, se modela, se treina, que
obedece, responde, se torna hábil”. Algumas falas, alguns gestos, expressões nos permitem
observar esses sentidos atribuídos a essa citação de Foucault.
Numa conversa espontânea com a pesquisadora, um dos sujeitos, ao ser
questionado se havia alguma coisa que ele não gostava dali (se referindo à
instituição), ele respondeu: ‘sim, é que quando acaba a atividade fica
demorando pra fazer coisa mais’. A criança estava se referindo à dinâmica
das atividades que eram realizadas em sala e que, à medida que os mesmos
iam terminando, tinham que esperar, sentados, no seu lugar, os demais
amigos acabar (MONGUILHOTT, 2006).
Esse trecho relatado foi extraído do diário de campo e suscita o questionamento que
se tornou o subtítulo dessa seção. As relações de poder estabelecidas na organização escolar
se constituem foco dessa reflexão e a pergunta principal a ser respondida é: há um lugar para
cada criança e cada criança deve ficar em seu lugar?
Como percebido, foi-se revelando uma relação entre algumas categorias
foucaultianas de disciplina (os corpos dóceis, a arte das distribuições, localizações funcionais,
princípio do quadriculamento) e a realidade observada. No caso da organização da sala de
aula, não havia cadeiras enfileiradas nas quais cada criança ocupava seu lugar. Não havia
fileiras nesse espaço. As mesas e cadeiras eram agrupadas de quatro em quatro, vale lembrar
que o tamanho das mesmas era para crianças de Educação Infantil. Não se observava lugar
marcado para evitar as distribuições por grupos, porém, cada criança sentava no mesmo lugar.
A arte das distribuições, que Foucault (2006) aborda, teria sido burlada ou estava silenciada?
Segundo o mesmo autor, no século XVIII, a ordenação por fileiras, começa a definir forma de
organização dos indivíduos na escola e, nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada
aluno, segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, vai ocupando lugares
determinado.
45
Nesse sentido, para Foucault, o princípio do quadriculamento, atende à regra das
localizações funcionais evitando as repartições indecisas, ou seja, cada indivíduo no seu lugar,
em cada lugar um indivíduo, evitando as distribuições por grupos e decompondo as
implantações coletivas. Assim como num hospital a cada leito é fixo o nome de quem se
encontra nele, nas escolas cada criança tem seu lugar pré-definido ou pré-determinado sem
plaquetas coladas nas cadeiras. O espaço, segundo Barbosa (2006), pode funcionar como um
lugar de vigilância e controle quando é pensado para disciplinar.
Para a professora, há um espaço determinado? A ela destina-se um outro espaço no
jogo das relações de poder ali desenhado, a ela está destinado o papel de controle e por isso
pode circular livremente sem ter que ocupar um lugar previamente determinado, mesmo tendo
sua mesa e cadeira em um lugar pré-estabelecido.
Em geral, as crianças, tanto quanto os adultos, expressam preferências, o fato de
sentar-se ao lado de alguém implica partilhar a companhia desse, que nem sempre é
respeitada. Percebemos o poder disciplinar na resposta da Camila. Traremos na seqüência um
trecho de uma conversa
9
com ela e o recortaremos para fazer a análise.
P: E tu gostas de vir pra escola?
Camila: Gosto.
P: E por que tu vens?
Camila: Porque é bem legal.
P: E tem alguma coisa que tu não gostas?
Camila: Não. Eu só não gosto do Mathias e do Guilherme. Eles são muito
malcriados e batem nos outros. Tem que conversar com eles para ser amigo.
Ao ser questionada se tem alguma coisa de que não gosta, Camila mostrou suas
preferências. Não. Eu só não gosto do Mathias e do Guilherme. Eles são muito malcriados e
batem nos outros. Camila, em seu dizer faz uso do discurso da instituição: Tem que conversar
com eles para ser amigo.
Observando os dizeres de Camila queremos questionar a que esse “conversar”
remete? Como buscamos compreender, discursivamente, os sentidos de escola atribuídos
pelas crianças da Educação Infantil, encontramos muitos sentidos para a palavra conversar.
Antes de entrarmos na significação desta palavra, faz-se necessário compreender
como os sentidos se articulam e se constituem no viés enunciativo. Segundo
Bakhtin/Voloshinov (2004, p.95) “a palavra é sempre carregada de um sentido ideológico ou
vivencial”, ou seja, a palavra está ligada e é determinada pelo contexto sócio-histórico. Assim,
9
A transcrição na íntegra está no Apêndice B.
46
compreendemos a palavra como discurso, envolvida por esse contexto trazido acima,
refletindo e refratando a ideologia. Por essa razão, não podemos compreender o dizer de
Camila sem trazer o contexto em que ocorreu, isto é, o espaço da escola. Ao mesmo tempo
que a palavra é determinada pelo contexto, ela adquire significações relativas a ele, à situação
sócio-histórica na qual está inserida. Para Bakhtin/Voloshinov (2004, p.106), “há tantas
significações possíveis quantos contextos possíveis”. Essas significações estão ligadas ao
tema, que é o sentido da enunciação completa, é único e determinado pelas formas
lingüísticas que entram na composição (as palavras, os sons e as entoações) como também
pelos elementos não-verbais. Além do tema, a enunciação é dotada de uma significação. Esta
é compreendida como a parte do tema que é reiterável, abstrata e passível de análise, mediante
a identificação das formas lingüísticas às quais está associada. Tema e significação são
indissociáveis e estão presentes em todo processo interacional. A inter-relação do tema e da
significação, segundo Bakhtin/Voloshinov (2004) é a seguinte: o tema constitui o estágio
superior real da capacidade de significar. A significação é o estágio inferior da capacidade de
significar, é uma possibilidade de significar no interior de um tema concreto.
Vamos chamar o sentido da enunciação completa o seu tema. Para
Bakhtin/Voloshinov (2004, p.128): “O tema da enunciação é na verdade, assim como a
própria enunciação, individual e não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma
situação histórica concreta que deu origem à enunciação”. Não podemos dizer que a
significação pertence a uma palavra enquanto tal. “Na verdade, a significação pertence a uma
palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de
compreensão ativa e responsiva” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2004, p.132). Como se
percebe, a palavra em si constitui um suporte da significação, uma vez que “o tema, que é
uma propriedade de cada enunciação [...], realiza-se completa e exclusivamente através da
entoação expressiva, sem ajuda da significação das palavras ou da articulação gramatical”
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2004, p.134).
As diferentes acepções da palavra conversar indicadas pelo dicionário eletrônico
Houaiss e Villar (2001) da Língua Portuguesa, são: trocar palavras, falar, cavaquear;
discorrer, palestrar; namorar; cantar. As acepções indicadas pelo dicionário, segundo Cereja
(2005), procuram dar conta da significação, isto é, dos sentidos que a palavra pode,
potencialmente, assumir ou historicamente já assumiu. Contudo, o tema só pode ser
observado numa situação concreta de enunciação e exige que levemos em conta o momento
histórico e a situação específica de enunciação, de acordo com os elementos extraverbais que
participam da construção do sentido, como da identidade, papel dos interlocutores, esfera de
47
circulação e a finalidade do ato enunciativo.
Retomamos o dizer de Camila e buscamos aqui analisá-lo. Nele, “conversar” não
vem com nenhum significado semelhante ao do dicionário, mas, pelo contexto em que está
inserida, compreendemos “conversar”, nesse dizer como uma bronca, uma repreensão. Este
sentido remete à relação de causa e conseqüência, como disse ela repetida por nós: Eles são
muito malcriados e batem nos outros. E, Camila completa: Tem que conversar com eles para
ser amigo.
Perguntamo-nos, então, até que ponto crianças de quatro e cinco anos já se
apropriaram de tantas sutilezas, de tantas possibilidades de sentido, de uma linguagem
marcada por tanta complexidade? Por fazer uso de mecanismos disciplinares? Aprofundando
a análise tomamos Observamos a expressão “tem que” pontuada por Camila: Tem que
conversar com eles para ser amigo. Essa expressão é um modalizador, ou seja, uma marca
lingüística de argumentação. Os modalizadores, segundo Koch (1999), são todos os elementos
lingüísticos presentes na produção de um texto que funcionam como indicadores de intenções,
sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso – autoritário ou polêmico,
reforçando uma ação, com sentido de obrigatoriedade.
O uso do modalizador de autoridade, nesse caso, nos faz questionar: quem tem que
conversar com eles? A professora? Aqui, o adulto que, hierarquicamente, faz uso do poder.
Dirigimos nosso olhar para o relato do diário de campo onde destacamos novamente o uso da
palavra conversar como repreensão, bronca e punição na frente dos amigos.
Numa outra tarde anterior a essa, Rafael e Gustavo tiveram um
desentendimento no tapete, eles queriam sentar no mesmo lugar e o acabou
resultando em socos e pontapés. A professora, interviu colocando um para a
direita e o outro para esquerda. Virou para o primeiro e disse, com voz
mansa, ‘pronto, vai tomar uma aguinha que já vai passar’ e virou para
Gustavo, com uma expressão séria e disse: ‘agora, vamos conversar’.
(MONGUILHOTT, 2006).
Nesse relato do diário de campo, o dizer da professora para Gustavo agora vamos
conversar deixa claro o sentido de conversar como bronca, repreensão o qual é reforçado pela
expressão séria. Já ao olhar para Rafael e lhe dirigir a palavra com voz mansa e sugere que vá
tomar uma aguinha, fazendo uso do diminutivo para amenizar a situação.
A interação, para Bakhtin/Voloshinov (2004), constitui a realidade fundamental da
língua e o diálogo, no sentido estrito do termo, constitui uma das formas da interação verbal.
E, para Bakhtin/Voloshinov (2004, p.123) “pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num
48
sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas
face-a-face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”.
A circularidade dos discursos possibilita a repetibilidade dos sentidos que são
ressignificados. Isso nos remete a pensar em como a palavra vem aparecendo e como as
crianças, nesse caso, Camila vai apreendendo e fazendo uso disso. As crianças se apropriam
das palavras do outro; daqueles que a cercam, fazendo das palavras dos outros as suas,
tornando-as, próprias, apropriando-se assim dos signos e valores da sua cultura. Segundo
Bakhtin (2003), cada enunciado é único e concreto. Mesmo que um enunciado contenha as
mesmas palavras de outro, na mesma seqüência, cada vez que é produzido recebe um tom
apreciativo.
Encontramos novamente essa apreensão e uso disso no relato do diário de campo:
Num momento em que a professora estava contando histórias, com as
crianças sentadas no tapete da sala, uma criança levantou e, imediatamente,
Camila alertou: ‘Prô::, o Gustavo levantou!’ Não deu tempo para que Camila
acabasse de pronunciar sua fala, Gustavo já havia sentado.
(MONGUILHOTT, 2006).
Quais são os sentidos do dizer de Camila para Gustavo? Neste episódio, Camila
repete o discurso da instituição, o discurso que ouviu, viu e vivenciou. Essa reprodução passa
a se manifestar nas ações concretas e, ao sinal de qualquer alteração desse princípio, de que
todos devem ser amigos e partilhar esse espaço com harmonia, são as próprias crianças as
primeiras a questionar o seu descumprimento.
Discursos das crianças, como esse, não remetem apenas à questão de poder e
disciplinamento, eles nos revelam a homogeneização do sujeito. Homogeneização que, aos
poucos, vem se revelando gradativamente nos dizeres e gestos das crianças, como aparece no
relato do diário de campo:
Chegada ao campo: as crianças estavam na sala fazendo atividade de quebra-
cabeça do corpo humano. Nesse primeiro momento estavam só pintando. Em
seguida colaram para num outro momento fazer o recorte. As crianças
ficaram realizando atividade até a hora do lanche. Depois do lanche,
brincaram de massinha e quem não tinha acabado de pintar concluiu nesse
momento. É importante salientar que no desenho dado pela professora tinha
um gramado. Algumas crianças não pintaram. Eu questionei o porquê e elas
responderam que a professora tinha dito para pintar o corpo, apenas.
(MONGUILHOTT, 2006).
49
A professora havia dito para pintar o corpo do boneco. Então, as crianças deduziram
que o gramado não poderia ser pintado, pois ele não faz parte do corpo. Barbosa (2006)
postula homogeneização como uma concepção que defende uma educação com ênfase na
disciplina, na ordem, na contenção dos impulsos infantis como forma privilegiada de
intervenção educacional. Desconsidera, assim, os conflitos inerentes à heterogeneidade que
constitui os sujeitos, pois, para Bakhtin, o sujeito é único e irrepetível e não se pode negar sua
heterogeneidade constitutiva. Podemos depreender, então, que o grande desafio das escolas, é
aprender a lidar com o instável, com as contradições, com o heterogêneo, com a pluralidade
da infância.
Quando pensamos em sujeito, num viés enunciativo, como único e irrepetível,
queremos lançar nosso olhar para os motivos que trazem as crianças para escola.
P: Thaís, posso fazer uma pergunta para você?
(Ela respondeu que sim com a cabeça)
P: Por que você vem para a escola?
Thaís: Algum dia?
P: É.
Thaís: É que um dia eu fiquei doente e meu pai não deixou eu vir.
P: Ah::! Mas quando a gente está doente é melhor mesmo ficar em casa, né?
Thaís: É.
P: E:: Nos outros dias por que você vem para a escola?
Thaís: Pra fazer as coisas que a professora pede.
O dizer de Thaís
10
sinaliza que ela vem para escola para fazer o que a professora
pede. Ao analisar o dizer dela, percebe-se mais uma vez o poder do adulto e a padronização
das condutas estão em questão. Diante desse enunciado podemos refletir sobre as práticas
pedagógicas: será que as crianças participam da organização das mesmas? Ou só fazem as
coisas que a professora solicita.
A organização do espaço e dos materiais também são pensados pelo adulto, podemos
ver isso nos relatos no diário de campo:
Num outro momento as crianças estavam brincando com massa de modelar.
Elas estavam organizadas de quatro em quatro sentadas em volta das mesas.
A massa de modelar, com cores diferentes, foi entregue pela professora de
maneira aleatória, sem que as crianças pudessem escolher a cor. Uma das
crianças ganhou a massa de modelar na cor preta e não gostou, pois, devido
à coloração forte, que pinta a mão das crianças (MONGUILHOTT, 2006).
10
A transcrição na íntegra está no Apêndice C.
50
A partir desse relato do diário de campo, voltamos a questionar sobre a organização
dos espaços e tempo na e da Educação Infantil. Por que os materiais não ficam à disposição
das crianças? Por que elas não levantaram das suas cadeiras e foram escolher as cores? Ou até
outro brinquedo? A criança não gostou da cor que recebeu, e silenciou. Integrar as crianças ao
espaço circundante, organizar esse espaço junto com elas, são medidas que poderiam
favorecer, segundo Barbosa (2006), a construção das estruturas cognitivas e subjetivas. Para
isso é importante que ao se tratar do espaço, Lima (1989) sugere que se deixe-o pensado para
estimular a curiosidade e a imaginação da criança, mas incompleto o bastante para que ela se
aproprie e transforme esse espaço pela sua atuação.
Falando de organização do espaço e tempo, vamos abrir para uma nova discussão.
Há uma hora para cada ação? Traremos na seqüência questões relacionadas à rotina,
continuando a falar de disciplina e poder.
3.1.2 Há uma hora para cada ação?
A modernidade trouxe consigo uma necessidade de ordenar, de cronometrar e definir
um tempo para cada ação. A vida rotinizada é uma construção dos tempos modernos. O grego
tem duas palavras para denominar o tempo. O kairós é o tempo da sensibilidade, um tempo
cuja qualidade prevalece em relação à visão quantitativa e o chronos, que é o tempo do
relógio, do calendário e da hora certa, o qual é priorizado pela escola.
Tempo submetido à disciplina e à ordem, tempo que se mede com precisão. Tempo
expresso na adequação das crianças à rotina escolar. Barbosa (2006, p.137) postula que “o
homem começou a planejar o seu tempo junto com os demais; assim, o tempo pessoal e o
tempo social passaram a se confundir”.
Na escola, a rotina, com suas repetições, com seus ritmos e durações, segundo
Escolano (1993, apud BARBOSA, 2006), desenvolve mais a aprendizagem da ordem do
tempo e têm um caráter normatizador. Thalia sinaliza para isso numa conversa
11
com a
pesquisadora:
P: Thalia, por que você vem para a escola?
Thalia: Porque sim.
P: Por que sim?
Thalia: Ah! Pra aprender, brincar, comer e dormir. Quando eu era
bebezinho eu dormia agora não durmo mais.
11
A transcrição na íntegra está no Apêndice D.
51
A rotina está presente em tudo que se faz durante o dia na escola de Educação
Infantil, como se fosse um capitão comandando sua tripulação em alto mar. Em muitos casos,
a rotina está mais associada ao autoritarismo e à disciplina do que à construção da noção de
tempo; Já no Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCN/EI, 1998), a função
da rotina está associada à independência e autonomia da criança.
Do ponto de vista foucaultiano, três são as funções desta rotina: “estabelecer as
cesuras, obrigar a ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição”
(FOUCAULT, 2006, p.128). Na Educação Infantil, até mesmo as necessidades biológicas,
como, por exemplo, beber água e ir ao banheiro, subordinam-se ao tempo do relógio fazendo
com que o corpo se acostume aos horários que lhe são impostos. Diante da rotina, haveria
uma possibilidade maior de previsibilidade e ação.
Numa das primeiras tardes que passamos no campo de investigação,
acompanhamos as crianças na sala, no parque e no lanche. A merenda, nesse
dia, eram frutas, havia bandejas com dois tipos de fruta em cada. Banana e
maçã. Laranja e maçã novamente, tangerina e mamão. Numa das mesas,
perto de um grupinho de crianças, tinha a bandeja de frutas, tangerina e
mamão. Observamos que uma criança não comeu nada. No final do lanche
perguntamos para ela por que não havia lanchado e ela respondeu: ‘não
gosto dessas duas aí’, se referindo às frutas que estavam perto dele
(MONGUILHOTT, 2006).
Se a função da rotina, segundo o RCN/EI (1998), está associada à independência e
autonomia das crianças, como explicar o fato de a criança não ter lanchado porque não
gostava da fruta (mamão e tangerina). E, por que não se levantou para buscar uma que
gostava? As rotinas estão atreladas a uma proposta pedagógica cujo princípio é homogeneizar
os sujeitos. E foi com essa finalidade que se estabeleceu a rotina escolar, para a otimização do
tempo.
Para Narodowski (2001), esse afã uniformizador gera regularidades para cada escola
e estas, por sua vez, se engrenam entre si para conseguir que todos os processos escolares se
dêem a um mesmo tempo. Assim, geram-se horários homogêneos para o estabelecimento das
atividades escolares em cada escola, os quais contemplam todas as instâncias do cotidiano
institucional e que pretendem produzir um sujeito social infantil ajustado às necessidades da
sociedade capitalista. A respeito disso, Foucault (2006, p.128) assim se manifesta:
No começo do século XIX, serão propostos para a escola mútua horários
como o seguinte: 8,45 entrada do monitor, 8,52 chamada do monitor, 8,56
entrada das crianças e oração, 9 horas entrada nos bancos, 9,04 primeira
lousa, 9,08 fim do ditado, 9,12 segunda lousa, etc. [...]. Procura-se garantir a
52
qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais,
anulação de tudo o que possa perturbar e distrair; trata-se de constituir um
tempo integralmente útil.
Há uma hora para beber água e ir ao banheiro. E será esse ritual expresso na
seqüência anterior que produzirá a submissão do corpo. As necessidades serão condicionadas
ao horário estipulado pelo relógio da instituição. E há uma hora certa para brincar? Para
responder a esse questionamento buscamos os dizeres
12
dos sujeitos:
Lucas: Tu sabias que o Catson tem um avião? Ta lá na casa dele. A gente
vai no parque e lá a gente vai brincar.
Matheus: Eu gosto de brincar no parque, é legal.
Para fazer análise desse dizer, precisamos olhar para as pistas lingüísticas que Lucas
nos dá. Nesse caso, o dêitico “lá” indica afastamento do lugar no qual se fala. Para Ilari (2001,
p.55), os dêiticos são “expressões que se interpretam por referência a elementos do contexto
extra-lingüístico em que ocorre a fala”. O “lá” é entendido como uma pista lingüística que
representa distanciamento. As crianças estavam na sala de aula quando aconteceu esse diálogo
do Lucas com o Matheus e, a partir disso, trazemos para a discussão a questão do espaço, da
rotina e dos lugares pré-estabelecidos. Diante disso, podemos observar no enunciado que
Catson tem um avião, mas ele está lá na casa dele e o lugar destinado para brincar existe: a
gente vai no parque e lá a gente vai brincar.
Pensar o espaço da Educação Infantil, bem como a forma que ele se torna lugar
socialmente construído pelas crianças e adultos que o habitam, exige que, como afirma
Agostinho (2004, p.02), “incluamos as crianças, que consideremos suas manifestações, e
expressões e seus pontos de vista, concebendo-as como seres sociais plenos, com
especificidades próprias desta etapa de vida”.
Ao analisar os dizeres, percebemos que há uma discursividade que sinaliza a
tendência de práticas de homogeneização na escola: todos devem obedecer às mesmas regras,
usar os mesmos materiais, fazer as mesmas atividades do mesmo jeito. Temos, então, que
repensar esse espaço, observando as pistas fornecidas pelas crianças e pensando a
reconstrução do espaço e tempo na Educação Infantil. Essa reconstrução leva, segundo
Barbosa (2006), ao rompimento da repetição, a criação de um tempo diverso diversificado,
um tempo que dê espaço às crianças e aos professores, e permite usar o tempo com clareza
possível a respeito dos fatores que nos fazem realizar as coisas de um modo ou de outro.
12
A transcrição na íntegra está no Apêndice D.
53
Assim como o menino passou pelos campos, pelos olivais e seguiu viagem. Nós
seguiremos também com os dizeres das crianças, em busca de compreender os sentidos
atribuídos por elas.
54
55
3.2 ESCOLA COMO LUGAR DE APRENDER
Na seção anterior analisamos os dizeres referentes a questão de disciplinamento.
Viemos dialogando com os enunciados sobre os espaços, a rotina, e as relações de poder.
Nesse, analisaremos os dizeres referentes à escola como lugar de aprender e as razões que
levam as crianças para as instituições de Educação Infantil.
3.2.1 É pra aprender
Traremos, primeiramente, os dizeres a serem analisados nesta seção e, no decorrer
dela faremos os recortes. Dos 16 sujeitos, questionados quanto a vir para a escola, 4 sinalizam
para o aprender/estudar: Júlia
13
, Isadora
14
, Giovana
15
e Thaila
16
.
P: Júlia, e o que é a escola pra ti?
Júlia: É isso daqui.
P: E o que é isso daqui?
Júlia: É pra aprende. Aprender a contar histórias, aprender a contar
livrinhos, aprender a pintar, aprender a falar.
P: A falar também? Como é aprender a falar?
Júlia: Assim oh!(estalou a língua no céu da boca).
[...]
P: Júlia, conta pra mim, por que tu vens aqui? (se referindo a instituição de
Educação Infantil)
Júlia: Pra estudá.
[...]
P: E tu quando ficas doente, vens para escola?
Isadora: Não, eu venho pra aprender e se eu tô doente eu não venho.
P: E porque você Giovana, vem para escola?
Giovana: Pra aprender.
[...]
P: Por que tu vens aqui?
Giovana: Uhm... Não sei, pra estudá. Aqui nós brincamos, pra joga joguinho
da memória, mas da letra não consegue, não sei mais.
P: Thaila por que você vem para a escola?
Thaila: Porque sim.
P: Por quê sim?
Thaila: Ah! Pra aprender, brincar, comer e dormir. Quando eu era
bebezinho eu dormia agora não durmo mais.
13
A transcrição na íntegra está no Apêndice F.
14
A transcrição na íntegra está no Apêndice D.
15
A transcrição na íntegra está no Apêndice D e E.
16
A transcrição na íntegra está no Apêndice D.
56
Para analisar esses dizeres, vimos como necessário, conceituar aprendizagem.
Buscamos o significado da palavra aprendizagem em estado de dicionário
17
. Encontramos: “1.
Ato, processo ou efeito de aprender; aprendizado. 2. Duração desse processo; aprendizagem
3. Experiência inicial do que se aprendeu; prática, experiência.” (HOUAISS; VILLAR, 2001).
Como não basta a definição dicionarizada, trazemos também a definição de
aprendizagem para Piletti (1997), o qual a descreve como um processo de aquisição de novas
formas de perceber, ser, pensar e agir. A aprendizagem compreende o processo de aquisição
de novas experiências, como um conjunto de mudanças que ocorrem nos sujeitos a partir da
interação com o meio em que vivem.
Buscamos também a definição para Cagliari (1998), a aprendizagem é um processo
construtivo na mente e nas ações do sujeito. Nenhum professor pode aprender por seus
alunos, cada criança deverá aprender por si só ou na interação com o outro. Assim, a
aprendizagem será sempre um processo heterogêneo, ao contrário do ensino, que tende à uma
prática de homogeneização. Para o mesmo autor, as escolas que se apegam demais ao
processo de ensino, em detrimento do processo de aprendizagem, mantêm as classes
homogêneas. Conforme postula Cagliari (1998, p.37): “Não é porque o professor ensina que o
aluno aprende. Aprender depende das condições do sujeito, dos seus interesses.”
Ao falar da interação com o outro, Bakhtin/Voloshinov (2004) dizem que há um
certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo
social e da época a que pertencemos, os autores postulam que a alteridade define o ser
humano, sendo o outro imprescindível para essa concepção: é impossível pensar no homem
fora das relações que o ligam ao outro. Para os autores citados, a enunciação é inteiramente
determinada pelas relações sociais. Bakhtin/Voloshinov (2004, p.113) defendem que a “a
situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por
assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação”.
Bakhtin/Voloshinov (2004, p.112) dizem que o sujeito constitui-se como tal pela
linguagem, através das relações sociais e que “não é a atividade mental que organiza a
expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e
determina sua orientação”.
Nesse sentido, Vigotsky concorda com Bakhtin/Voloshinov, ao dizer que o
pensamento não é expresso em palavras, mas é por meio delas que ele passa a existir.
17
O dicionário consultado foi o dicionário eletrônico da língua portuguesa – Houaiss (2001).
57
Para Vigotsky, a aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire
informações, habilidades, desenvolve atitudes, valores, etc. Vigotsky (1993) postula que é
necessário submeter a criança a novas aprendizagens, precisamente na zona de
desenvolvimento proximal. Pois, para ele, o desenvolvimento dá-se de “fora para dentro” e a
partir deste posicionamento, desencadeia uma crítica à educação escolar. Afirma que na
escola, muitas vezes, não existem interações sociais capazes de construir os distintos saberes.
A educação que concebe o aprendizado da criança em termos de seu
desenvolvimento real, sob os problemas que ela já pode resolver sozinha, está atuando de
forma retrospectiva no desenvolvimento mental da criança. Já a educação que atua na zona de
desenvolvimento proximal, dando assistência às atividades que a criança ainda não pode
realizar sem auxílio, promove o desenvolvimento mental de forma prospectiva. Essa
abordagem valoriza, portanto, o papel do professor como agente da mediação entre sujeito e o
objeto do conhecimento, interferindo na zona de desenvolvimento proximal, a qual se refere,
“ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo
de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas” (VIGOTSKY, 1993, p.60).
Assim, a função da educação institucionalizada é transformar o que é zona de
desenvolvimento proximal hoje, em nível de desenvolvimento real amanhã, num processo de
avanços contínuos. De acordo com Vigotsky (1994), seria por meio da investigação da
situação do adulto, que está aparentemente além do nível que a criança consegue atingir sem
ajuda, que poderíamos começar a entender como ela está se desenvolvendo e que mediações
seriam úteis para esta criança. O mesmo autor sustenta que o processo evolutivo está
interligado ao processo de aprendizagem, ou seja, desenvolvimento e aprendizagem estão
intimamente ligados.
Para essa teoria, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação
pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração
implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de apreendê-lo; não se trata,
portanto, de uma aproximação vazia, mas a partir das experiências, interesses e conhecimentos
prévios. Segundo Vigotsky (1994), nas relações com o mundo real, a criança desenvolve um
aprendizado significativo muito antes de entrar na escola. A inter-relação entre aprendizagem
e desenvolvimento está presente desde o nascimento. A criança aprende a nomear objetos,
contar, pescar, imita os mais velhos, questiona para obter respostas às suas indagações.
Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta, na escola, tem sempre
uma história prévia.
58
A escola é um espaço de construção dentro da perspectiva histórico-cultural, como
afirma Vigotsky (1993): se corretamente organizada, a educação permitirá à criança
desenvolver-se intelectualmente e criará toda uma série de processos de desenvolvimento que
seriam impossíveis sem ela. A educação revela-se, portanto, um aspecto internamente
necessário e universal do processo de desenvolvimento, na criança, das características
históricas do homem, e não de suas características naturais.
Se analisarmos a aprendizagem como um processo de aquisição, como mudanças que
ocorrem nos sujeitos a partir da interação com o meio e com o outro, como afirmado
anteriormente, é possível perceber que as crianças iniciam o processo de aprendizagem desde
quando nascem: elas aprendem a falar e a andar, por exemplo. Algumas crianças fazem isso
antes mesmo de ir para as instituições de Educação Infantil. A aprendizagem acontece, então,
em várias esferas sociais, tais como instituições de ensino e famílias. Por que será que alguns
sujeitos dessa pesquisa atribuem essa função à escola? Para refletirmos sobre esse
pressuposto, trazemos os registros da pesquisa e iniciamos com os de Júlia apresentado
integralmente no início da seção.
Ao perguntar para Júlia o que é a escola, ela se refere ao espaço: “É isso daqui”. E
insistindo na pergunta, Júlia nos aponta que é pra aprender e enumera: “Aprender a contar
histórias, aprender a contar livrinhos, aprender a pintar, aprender a falar”. Que sentidos
Júlia atribui aprender a contar histórias? Aprender a contar livrinhos? Esse dizer de Júlia é
atravessado por quais discursos? Antes de começarmos a discussão desse dizer, situaremos
historicamente a contação de histórias.
Desde sempre, o homem contou histórias, deu vazão à sua intrínseca necessidade de
comunicação, traduzindo, por meio de palavras, os acontecimentos cotidianos, as memórias
transmitidas por seus ancestrais, às dúvidas, alegrias, angústias e prazeres de sua existência.
Sisto (2001, p.40) acrescenta que “contar histórias nunca é uma opção ingênua. É uma
maneira de olhar o mundo”.
Na Idade Média, segundo Silva (1999), o contador de histórias era bem-vindo e
respeitado em toda parte. As crônicas testam que na Boêmia, na Áustria, e na Ilhas Britânicas,
os trovadores, os jograis, e os menestréis obtinham passaporte quando outros indivíduos não
podiam obtê-lo. Esses eram os que, contando, recitando, declamando, iam de palácio em
palácio, de aldeia em aldeia, contando as histórias populares da época.
Tendo em vista a industrialização e a urbanização, junto aos estímulos científicos e
tecnológicos, houve nas últimas décadas do século XX, a ampliação do número de pessoas
interessadas em aprender técnicas desta ocupação, reaparecendo a figura do contador de
59
histórias. A presença do contador de histórias ressurgiu a partir da década de 1970 em vários
países do mundo, segundo Matos (2005, p.17), foi um retorno no mínimo surpreendente,
tendo em vista a industrialização e urbanização das cidades, e à enorme gama de estímulos
científicos e tecnológicos que existem na sociedade contemporânea.
Após breve relato histórico sobre a contação de histórias, queremos dialogar com os
dizeres de Júlia. Nas oito tardes de observação, percebemos que as crianças tiveram pouco
contato com os livros infantis, exceto quando, por duas vezes, a professora os manuseou para
contar uma história. O que isso nos revela? Se levarmos em consideração a questão temporal,
que de oito tardes, duas a professora contou histórias, podemos considerar um número
favorável, mas nessas duas vezes, não observamos as crianças tendo contato com os livros,
manuseando, folheando e/ou elas mesmas contando a história.
E aprender a pintar, a que sentidos nos remetem esse enunciado? Para analisar esse
dizer de Júlia buscamos um relato do diário de campo discutido na seção do disciplinamento,
nesse momento com um outro olhar:
Chegada ao campo: as crianças estavam na sala fazendo atividade de quebra-
cabeça do corpo humano. Nesse primeiro momento estavam só pintando. No
desenho dado pela professora tinha um gramado. Algumas crianças não
pintaram. Eu questionei o porquê e elas responderam que a professora tinha
dito para pintar o corpo, apenas (MONGUILHOTT, 2006).
Esse pintar presente no dizer de Júlia está relacionado com pintar o que a professora
pede? O gramado não foi pintado porque a professora tinha dito para pintar o boneco apenas.
Cabe salientar as questões de gênero: meninos pintaram desenho de um boneco e as meninas,
o desenho de uma boneca. É a esse aprender a pintar que Júlia se refere? Afinal, de quem é o
desenho? Nesse caso, o quebra-cabeça? É da criança ou da professora? Observamos essas
questões na instituição de Educação Infantil investigada. Encontramos desenhos
padronizados, a utilização dos mesmos materiais, giz-de-cera ou lápis de cor. A canetinha
também foi disponibilizada, mas só para fazer os contornos. Observamos tamm que no
período que estivemos no campo de investigação todas as atividades de pintura foram
realizadas individualmente e sempre na sala-de-aula, com a folha (tamanho A4) apoiada nas
mesas. Trazemos isso, para refletir sobre a utilização do espaço. Sobre isso, trazemos um
relato do diário de campo.
60
[...] quando cheguei, a professora estava falando para as crianças sobre o
meio ambiente. O que se deve fazer para cuidar da natureza, o que é a
poluição, como se separa o lixo. Depois dessa conversa na sala de aula, as
crianças saíram para observar o que a professora havia falado. A observação
se deu nos arredores do Centro de Educação Infantil e a professora ia
apontando: ‘olha as plantas, as árvores, como elas são? A água do rio, é
limpa? Nós encontramos lixo no chão?’ depois disso retornaram para a sala e
fizeram o desenho do que viram. (MONGUILHOTT, 2006).
Mais uma vez, o desenho aconteceu na sala de aula. Se o objetivo era representar no
desenho o meio ambiente, por que não fazê-lo fora da sala de aula? A visualização se deu nos
arredores da instituição, então, voltamos a questionar: o registro não poderia ter acontecido
durante a observação? Com pranchetas? Ou até em mesas, se for importante o apoio? E mais,
as crianças poderiam fazer cartazes, panfletos que pudessem ser distribuídos na comunidade,
falando do meio-ambiente, da poluição, da importância da coleta seletiva, assuntos esses
abordados pela professora com as crianças. Ou ainda, deixar com que cada criança se
expressasse como quisessem.
Aprender a falar é mais um sentido atribuído por Júlia à escola, que também está
presente no dizer de Yasmin. Este dizer está relacionado a músicas e exercícios
fonoaudiológicos trabalhados com as crianças para que elas aprendam a falar como disse a
professora da turma investigada. Trago na seqüência a transcrição
18
de uma conversa da
professora com as crianças:
[...]
Yasmin: Ensina quebra-cabeça, ensina a falar.
P: A falar? Como é?
Pr: Quem sabe fazer o sonzinho pra gente falar bem?
S: [[eeeeu::]]!
Pr: Então, qual é o primeiro exercício?
(As crianças estalaram a língua no céu da boca.)
Pr: O segundo exercício:
(As crianças fizeram o som da língua entre os lábios.)
Pr: O terceiro exercício:
(As crianças fizeram o som da letra m circulando com a língua na parte
interna da boca.)
Pr: O quarto exercício:
(O quarto foi o Bbrbrbrbrbrbrb)
Pudemos observar que o aprender a falar está relacionado às atividades apresentadas
em um CD que foi desenvolvido para um trabalho na clínica fonoaudiológica. Nele, constam
canções para estimulação da linguagem oral.
18
A transcrição na íntegra está no Apêndice G.
61
A fala se dá pela aquisição, ou seja, é um fenômeno espontâneo e acontece desde que
sejam considerados os fatores inato, maturacional e social. Além disso, há um tempo para a
aquisição de cada fonema e a criança irá ao longo dos seus primeiros anos internalizando-os.
Embora exista um tempo teoricamente estipulado para a aquisição dos fonemas, cada criança
devido a fatores já mencionados, a fará de acordo com sua história. Diante disso, questiona-se
o uso de um material destinado para a clínica, onde o trabalho é individual, em sala de aula,
pois são espaços diferenciados tendo, os alunos, que “treinarem” os sons independentes de já
os terem internalizado.
Nesse movimento, percebemos que as crianças vão tomando como suas as palavras
da professora, para Bakhtin (apud FARACO, 2003, p.80-81), “é nessa atmosfera que o sujeito
mergulhado nas múltiplas relações e dimensões da interação socioideológica, vai se
constituindo discursivamente, assimilando vozes sociais e, ao mesmo tempo, suas inter-
relações dialógicas.” É nesse sentido que Bakhtin várias vezes diz, não tomamos as palavras
do dicionário, e sim dos lábios dos outros. É nessa interação que Yasmin e Júlia vão se
apropriando do discurso de outrem, pois para Bakhtin/Voloshinov (2004, p.145), “a unidade
real da língua que é realizada na fala [...] não é enunciação monológica individual e isolada,
mas a interação de pelo menos duas enunciações, isto é, diálogo”. Para ele, o diálogo é uma
das formas mais importantes da interação verbal que pode ser compreendido como num
sentido mais amplo, isto é, “não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas
colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2004, p.123). Assim, o discurso é parte integrante de nossa
discussão: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções
potenciais, procura apoio, etc. Yasmin, Júlia e os demais sujeitos vêm confirmando o dizer da
professora e ainda exemplificando os exercícios que, como mostram os dizeres, levam ao
“aprender a falar”.
O ensinar é algo recorrente nos dizeres
19
dos sujeitos investigados, e a isso
voltaremos nosso olhar nesse momento:
Júlia: A prô ensina letras, os números.
Prô: A prô ensina música? Ensina brincadeiras, joguinho...
(A cada pergunta eles respondiam: ensina, em coro.)
Yasmin: Ensina quebra-cabeça...
19
A transcrição na íntegra está no Apêndice G.
62
Buscamos em Cagliari (1998) que ensinar é um ato coletivo: pode-se ensinar um
grande número de pessoas presentes numa aula ou numa conferência, etc. “Quem ensina
procura transmitir informações que julga relevantes, organizadas do modo que lhe parece
mais razoável, para que seus ouvintes aprendam algo que lhe deseja transmitir” (CAGLIARI,
1998, p.36). Para o mesmo autor, a aprendizagem não se processa paralelamente ao ensino. O
que é importante para quem ensina, pode não parecer tão importante para quem aprende. A
ordem que se dá a aprendizagem é criada pelo sujeito, de acordo com sua história de vida, do
contexto em que está inserido e, nem sempre, acompanha passo a passo a ordem do ensino.
Consideramos o contexto, pois o Círculo de Bakhtin considera os sujeitos tendo em vista a
situação social e histórica do sujeito.
No ensino é importante o que se diz; na aprendizagem, o que se faz, mesmo quando
o fazer significa o dizer. Aprender, para Cagliari (1998, p.37) “não é repetir algo que lhe foi
realizado, mas criar algo que lhe foi semelhante, a partir da iniciativa individual de quem
aprende”. O mesmo autor traz ainda que quando simplesmente segue um modelo, não ocorre
exatamente aprendizagem. Ela vai aparecer somente quando a pessoa, por ação própria,
conseguir realizar algo de acordo com as expectativas.
Ao refletir com as idéias de Cagliari sobre ensinar e aprender, voltamos nosso olhar
para o que as crianças fazem nas instituições de Educação Infantil, as atividades, como diz
Thaís.
3.2.2 A gente tem muitas atividades
Atividade e foi a reposta obtida quando questionamos as crianças sobre o que faziam
e por que vinham para as instituições de Educação Infantil. Na seqüência, traremos os dizeres
transcritos de Thaís
20
e Laura
21
:
Thaís
P: E por que tu vens aqui.
Thaís: A gente tem muitas atividades.
Laura
P: E o que vocês fazem aqui?
Laura: Atividade.
[...]
20
A transcrição na íntegra está no Apêndice H.
21
A transcrição na íntegra está no Apêndice D.
63
Pensando na criança que está nas instituições de Educação Infantil, queremos
dialogar sobre os sentidos atribuídos por Thaís e Laura. O que significa “atividade” presente
no dizer delas? Para responder a esse questionamento, buscamos o que é a atividade na
Educação Infantil e a que sentidos eles nos remetem.
O Círculo de Bakhtin destaca o sujeito não como fantoche das relações sociais, mas
como um agente, definição já abordada na seção 2.2, como um organizador de discursos,
responsável por seus atos e responsivo ao outro. Destaca também como um sujeito dotado de
um excedente de visão em relação ao outro: o sujeito sabe do outro o que não pode saber de si
mesmo, ao tempo em que depende do outro para saber o que ele mesmo não pode saber de si.
Para falar de atividade em Bakhtin, precisamos abordar antes a concepção de ato, a
qual Sobral (2005) pontua como tratar-se da ação concreta (ou seja, inserida no mundo
vivido) intencional, praticada por alguém situado. Destacamos, assim, o caráter de
“responsibilidade” e da “participatividade” do agente. Termos que merecem explicação.
Responsibilidade, com o objetivo de traduzir o termo russo, otvetstvennost’, une
responsabilidade (responder pelos próprios atos) e responsividade (o responder a alguém ou
alguma coisa). O objetivo é designar, por meio de uma palavra, tanto o aspecto responsivo
quanto o de responsabilidade do sujeito pelo seu ato. Há traduções, para o português, como
de, Clark (1984) e Holquist (1990), que usam “respondibilidade”, mas esse termo acentua o
aspecto de resposta, mas não sugere o de responsabilidade (SOBRAL, 2005). Na quarta
edição do livro Estética da criação verbal, encontramos responsabilidade vinculada à idéia de
“ato responsável”. Não obstante, Sobral (2005) julga que esse termo não sugere o aspecto da
responsividade, poderia com vantagens ter como alternativa “responsibilidade”, que explora
as possibilidades do português e sugere dois sentidos recorrendo a raiz latina de
“responsabilidade” e de “responsividade”. Dessa forma, o ato responsível envolve o conteúdo
do ato e o processo, unindo-os ao agente vinculado ao pensamento participativo.
Nas obras de Bakhtin encontram-se ato e ato/atividade. Para esclarecer trazemos
Sobral (2005, p.27) distingue “o ato/feito propriamente dito do ato/atividade, que é o ato
como ocorrência de uma dada atividade (aqui próxima do conceito clássico, quer dizer,
aristotélico, de potência)”. Percebe-se no atributo vivido/concreto/ocorrente, que é parte
integrante de sua definição de ato/atividade, a questão da presença necessária do sujeito
agente (sujeito que vive concretamente o ato) e de um contexto em que esse se insere.
O ato é uma junção necessária de processo e conteúdo ou sentido, o que terá
conseqüências tanto em teorias culturais como para a filosofia da linguagem, de discurso, etc.
Pontua Sobral (2005, p.28) que “são atos para Bakhtin, tanto as ações físicas como as de
64
ordem mental, emotiva, estética (produção e recepção), todas elas tomadas em termos
concretos e não somente cognitivos ou psicológicos”. E ainda, só pode ser real um ato
apreendido em sua inteireza, vinculado com o pensamento participativo, dado que a intenção
de Bakhtin é propor a fusão e interpenetração entre cultura e vida, a seu ver impedidas pelas
abordagens a que se opõe.
Após abordar ato, trazemos em Bakhtin, segundo Sobral (2005, p.13) que a atividade
é entendida como “agir humano, ou seja, ação física praticada por sujeitos, ação situada a que
é atribuído um sentido no momento mesmo em que é realizada”. Bakhtin aborda essa
diferença nos termos da distinção entre o dado (físico) e o postulado (o proposto pelo sujeito),
a que se adiciona, para dar conta da atividade estética, o criado.
A linguagem vem apresentada como atividade (e não como sistema) e o enunciado
como um ato singular, irrepetível, concretamente situado e emergindo de uma atitude
responsiva. Objetivamos a partir de explanação de ato/atividade para Bakhtin, pensar não no
produto final, mas no processo vivenciado pelas crianças na elaboração das ditas atividades
escolares que, em muitos casos, não contam com a participação das crianças na organização
das mesmas e muito pouco tem se pensado no processo.
Thaís e Laura mencionam “atividade”. Pudemos observar que as atividades chegam
para as crianças prontas. O desenho xerocado, como já falamos na seção anterior; um quebra-
cabeça das partes do corpo, para pintar; a massa de modelar, com as cores já estabelecidas. A
partir disso, surge o questionamento: O que atividade aqui tem a ver com a atividade trazida
por Sobral? Questionamentos como esses levaram ao nosso fazer investigativo, lembrando
que Sobral (2005) pontua atividade como agir humano, como ação física praticada por
sujeitos que atribuem sentido no momento em que é realizada, pensada e organizada.
Podemos dizer que as atividades, mencionadas por Thaís e Laura se referem ao dado, que é o
físico. Nesse sentido, não temos o postulado, que é o proposto pelo sujeito, nem a atividade
estética, que é o criado. Quando falamos de culturas infantis precisamos estar voltados para as
produções feitas pelas crianças e não para as crianças. Em se tratando dos direitos das
crianças, Sarmento e Pinto (1997) pontuam a discussão entre os três p: o direito de proteção
22
,
de provisão
23
e de participação
24
. Este último é o que menos progressos se verificaram na
construção das políticas e na organização e gestão das instituições para a infância (e, em
particular nas escolas).
22
Proteção: do nome, da identidade, de pertencer a uma nacionalidade, contra a discriminação, os maus tratos e a
violência dos adultos, etc.
23
Provisão: de alimento, de habitação, de condições de saúde e assistência, de educação, etc.
24
Participação: nas decisões de sua vida e nas instituições que freqüenta.
65
Sem ter uma visão clara da atividade escolar, corre-se o risco de se colocar em
prática um processo de educação equivocado. As atividades em sala de aula estão voltadas
mais para o que o professor organiza e deixa-se pouco espaço para que a criança aprenda de
outra maneira que não por intermédio do professor. Uma criança pode ensinar a outra, as
crianças podem procurar explicações e soluções por iniciativa própria. Isso se a instituição
propiciar condições de estudo que propiciem esse tipo de atividade. Encontramos cada vez
mais as instituições voltadas para o ensino dirigido pelo professor.
Essa reflexão leva a uma nova pesquisa: como não apagar a singularidade de cada
ato específico e como não se perder nessa especificidade e, assim, deixar de apreender o que
há de comum entre os vários atos? Essa dificuldade advém de duas características dos
próprios atos humanos, segundo Sobral (2005), atos absoluta e irredutivelmente singulares
exigiriam agentes únicos, bem como situações de ações irrepetíveis, o que impediria toda e
qualquer generalização, deixando-nos sob a redescoberta do agir. Por outro lado, uma
generalização que enfeixe atos sem respeitar o que há neles de singular pressuporia sujeitos
iguais entre si.
Assim como o menino, “andou, andou, foram rareando as árvores”, nós, enquanto
pesquisadores, fomos em busca de compreender, discursivamente, os sentidos de escola para
as crianças da Educação infantil e, continuaremos a dialogar sobre os sentidos que as crianças
atribuem à escola.
66
67
3.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, UM LUGAR PARA BRINCAR
A Educação Infantil para Faria (1999, p.72) é um lugar “onde se pode crescer sem
deixar de ser criança, onde se descobre (e se conhece) o mundo através do brincar, das
relações mais variadas com objetos e pessoas, principalmente entre elas: as crianças”.
Respeitar as crianças e seus direitos, bem como tornar possível esse espaço implica saber
ouvir seus desejos, medos, angústias, sonhos etc. Ao fazer isso, podemos obter informações
sobre seus sentimentos, percepções que podem auxiliar no processo de interação entre o
professor e as crianças. Reis (2002, p.122) argumenta que, “ao desprezar-se o ponto de vista
das crianças na elaboração das regras e normas da creche, em muitos momentos a infância
estaria sendo negada”. Entretanto, Reis (2002, p.123) também entende que “[...] as crianças
brincam, mesmo quando os adultos não proporcionam as condições adequadas”. Embora
muitas delas estejam levando uma vida determinada pelos adultos, por suas relações de
trabalhos, seus horários, o brincar faz parte da cultura humana e é um direito das crianças.
Destaca-se, portanto, o valor e o direito de brincar sem amarras, isto é, não é um
brincar imposto, utilizado meramente como uma estratégia ou recurso ao modelo escolar.
Porém, não sem regras, conforme Brougère (2001), as regras são estabelecidas de forma
flexível, por aqueles e para aqueles que brincam, no desenrolar da atividade.
Na medida em que as crianças crescem, observamos tamm que o brincar evolui,
pois quando elas tornam-se capazes de simbolizar conseguem também abstrair,
desvinculando-se das situações concretas. Conforme Brougère (2001, p.99-100), “a
brincadeira é uma mutação do sentido, da realidade as coisas se tornam outras. É um espaço à
margem da vida comum, que obedece a regras criadas pelas circunstâncias. Os objetos, no
caso, podem ser diferentes daquilo que aparentam”
A criança, ao brincar, apropria-se das significações estabelecidas e as transforma
segundo seus sentimentos e experiências, além de interiorizar determinados modelos do
mundo adulto. No âmbito dos grupos sociais diversos, ela tem possibilidade de intervir e criar.
A brincadeira tem significativa importância no desenvolvimento das crianças, pois, além de
ser fonte de lazer, é também de conhecimento.
Ao brincarem, segundo Wasjkop (2001, p.33), as crianças “vão construindo a
consciência da realidade, ao mesmo tempo em que já vivem uma possibilidade de modificá-
la”, portanto, o brincar é uma forma de experimentar, criar e dominar situações, de lidar com
a realidade, experimentando e prevendo acontecimentos. Enquanto brinca, a criança conversa,
cria, se movimenta, expressa suas fantasias e desejos.
68
É sobre esse brincar que vamos nos debruçar agora. Apoiados em Corsaro (2002,
p.115), usaremos o brincar sóciodramático, ou seja, “o brincar no qual as crianças produzem
colaborativamente actividades de faz-de-conta que estão relacionadas com experiências de
suas vidas reais”. Ainda segundo Corsaro (2002), as crianças produzem brincadeiras que
representam os temas da família e das suas ocupações.
Trazemos a transcrição
25
de uma dessas brincadeiras que aconteceu no parque:
P: Olá, o que vocês estão fazendo?
Camila: Brincando.
P: De quê?
Camila: Mamãe e filhinha.
P: E quem é a mamãe?
Camila: Eu.
P: E, quem é a filhinha?
Camila: É a Isabela e a Yasmin.
Ana Carolina: E eu também. (Ana Carolina respondeu antes da Camila
concluir seu dizer)
P: Vocês contam para mim o que vocês estão fazendo?
[[Comida]]
P: E, o que vocês vão fazer de comida?
Camila: Arroz, farinha e feijão.
P: E, como é mesmo o seu nome?
Camila: Camila, e elas estão me ajudando a fazer.
P: Ah, suas filhas estão te ajudando.
Nosso objetivo aqui é explicitar que as crianças, na produção do brincar
sociodramático, articulam suas concepções com as do mundo adulto, reproduzindo-as. Camila
assumiu o papel de mãe e distribuiu os papéis das filhas. Ao mesmo tempo em que definiu o
que seria feito de comida. Para Corsaro (2002, p.125), “a apropriação das crianças e a
produção de tais narrativas no brincar sociodramático fornece elementos acerca das suas
próprias percepções e as das suas mães”.
O brincar faz parte do mundo das crianças desde os mais remotos tempos. Na
infância, qualquer coisa pode transformar-se num brinquedo, elas brincam de casinha, de
professor, de vendinha. Uma pedra pode transformar-se tanto numa nave espacial como num
delicioso bombom de chocolate. Um pedaço de madeira embrulhado num pano, tanto pode ser
um bebê ou um ameaçador tubarão. Parafraseando Vygotsky (1989), o brinquedo é muito
mais a lembrança de alguma coisa que aconteceu, viu ou ouviu, do que fruto da imaginação.
Na instituição de Educação Infantil investigada presenciamos várias vezes situações em que o
brinquedo estava relacionado como: balanço virar um avião, os pneus, usados na Educação
25
A transcrição na íntegra está no Apêndice I.
69
Física, virarem os carros, bambolês a casa, folhas das árvores virarem comida, entre outros,
em que as crianças, em suas relações com e no espaço, recorrem ao faz-de-conta, à
imaginação e imprimem sua marca. Ao fazê-lo, demonstram que têm outro jeito de se
relacionar com o espaço, para além do convencionalmente instituído.
Vygotsky (1989) dá muita importância ao ato de brincar, pois através dessa ação a
criança representa as impressões do que vivenciou, assume papéis, atribui significado,
expressa sua necessidade e curiosidade e tem o poder de evitar o que lhe desagrada. A
brincadeira é um processo de relações interdividuais, portanto cultural, e pressupõe uma
aprendizagem social. Por isso, é imprescindível permitir à criança brincar tanto no espaço
familiar quanto no institucional.
Para Kishimoto (1996), o brincar contribui para a construção de sistemas de
representação significativo ao desenvolvimento da criança, segundo esta autora, a criança
“brinca com a realidade”, dessa forma, quando brinca com uma caixa de sapatos, por
exemplo, e diz que esta caixa é um cachorro, está se relacionando com o significado
(cachorro), e não com apenas com o objeto (caixa). Para que isso ocorra, é necessário que a
criança já possua a imagem do objeto e tenha internalizado seu significado. É uma atividade
que amplia as possibilidades de ação e compreensão do mundo, pois é através da interação
que o brincar promove entre as crianças que elas atingem níveis mais complexos de
desenvolvimento. Nessa perspectiva, o brincar não é mero capricho, mas sim uma forma de
interiorização dos aspectos simbólicos da cultura.
O brincar também esteve presente nos dizeres dos sujeitos da instituição de Educação
Infantil investigada. Numa tarde, após a professora contar uma história, perguntamos para a
turma o que eles mais gostavam da escola, as respostas
26
estavam ligadas a brincar,
brinquedos e brincadeiras:
Júlia: – do parque, dos brinquedos, de pular amarelinha, da sala, dos bebês.
[...]
Rafael: Dança da cadeira.
[...]
Pr: Eu não faço brincadeira?
S: [[ Faaaaaz ]]
Pr: E quais são as brincadeiras.
S: [[Pinta, dança]]
Pr: Não, brincadeiras.
(silêncio)
Pr: Esqueceram? Bata...
S: [[Batatinha- quente, batata- quente, batata – assando]]
26
A transcrição na íntegra está no Apêndice G.
70
Pr: E passa anel? Ninguém lembra de passa anel?
S: [[É, passa anel.]]
Pr: Ovo?
S: [[Ovo choco. Galinha choca!]]
Pr: Macaco?
S: [[Macaco preto.]]
Pr: Coelho sai?
S: [[Coelho sai da toca]]
(A professora pediu silêncio e disse:)
Pr: Eu sei que eles gostam das atividades, das brincadeiras, mas o que eles
mais gostam é ir para o parque!
S: [[Ehehehehehe!]]
A partir desses dizeres buscamos fundamentar a brincadeira, o brinquedo e o jogo.
Wajskop (1997) entende a brincadeira como um fato social num determinado espaço onde as
interações constituem a criança como um sujeito humano produto e produtor da sua história.
A mesma autora afirma que:
(...) a brincadeira é uma situação privilegiada de aprendizagem infantil onde o
desenvolvimento pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela
possibilidade de interação entre os pares em uma situação imaginária e pela
negociação de regras de convivência e de conteúdos temáticos (WAJSKOP, 2001,
p.35).
O brinquedo é um objeto significativo para a criança, de tal forma que ela fica
absorvida, tanto na observação quanto na interação direta com ele. Brougère (1995) considera
o brinquedo um produto que possui traços culturais de uma determinada sociedade,
constituindo-se num importante objeto de estudo das relações estabelecidas em uma
determinada cultura. O brinquedo assume, assim, funções sociais pelo fato de ser detentor de
um conjunto de significações produzidas pelo ser humano: é a representação da cultura de
uma sociedade e a representação que esta tem da criança. Sendo assim, a brincadeira consiste
na associação entre uma ação apropriada do mundo real e a do mundo imaginário.
A brincadeira, considerada como atividade que desenvolve os aspectos de cognição e
socialização, tem ganhado destaque na Educação Infantil. As crianças aprendem a esperar sua
vez e acostumam-se a lidar com as regras, estimulando a aprendizagem, despertando o
interesse, a descoberta e a reflexão. É através da interação com o outro que a criança se
apropria de mediações simbólicas, tais como: a imitação, o desenho, o jogo simbólico e a
linguagem, num processo crescente de desenvolvimento.
Vygotsky (1998) destaca a importância do papel do jogo ou do brinquedo, no
desenvolvimento infantil, como um recurso que a criança utiliza para pensar sobre si mesma,
o outro e o mundo. O jogo proporciona uma condição estimuladora da atividade mental da
71
criança na apropriação dos conhecimentos. Segundo ele, a criança usa as interações sociais
como formas privilegiadas de acesso a informações: aprende a regra do jogo, por exemplo,
através dos outros e não como o resultado de um engajamento individual na solução de
problemas. Ainda Vygotsky (1989, p.109) afirma que:
é enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no
brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa
esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por
incentivos fornecidos por objetos externos.
O jogo, compreendido sob a ótica do brinquedo e da criatividade, deverá encontrar
maior espaço para ser entendido como educação na medida em que os professores
compreendam seu uso para o desenvolvimento da criança. Moyles (2002, p. 36) nos auxilia ao
tratar do papel do professor, afirmando que a tarefa deste é “proporcionar situações de brincar
livre e dirigido que tentem atender as necessidades de aprendizagem das crianças e, neste
papel, o professor poderia ser chamado de um iniciador e mediador da aprendizagem”. Neste
caso, a função do professor é de fundamental importância, pois enquanto iniciador instiga e
provoca situações; enquanto mediador, intervém e desafia a criança a ir além daquilo que já
conhece, ampliando sua bagagem de experiências.
O brincar com os colegas também está presente nas discussões de Silveira (2005), na
qual reafirma a importância que a escola tem na vida das crianças sendo um espaço que
possibilita as interações e estabelece relações. O brincar apareceu como algo que é realizado
depois das obrigações, segundo Silveira (2005), quando acaba de fazer a lição, podemos
pensar em gratificação-sanção (FOUCAULT, 2006), ou seja, como uma recompensa de ter
feito a lição. Nesta pesquisa, não observamos a ida ao parque ou o brincar como uma
recompensa, questionamos a professora se havia horário estipulado para ir ao parque, ela
respondeu: “Não, depende do dia e do sol. Se o sol está muito quente vou mais tarde e
normalmente a turma dos menores vão mais cedo, daí, deixo para ir no final da tarde”.
Consideramos o brincar como atividade essencial da infância, vemos na brincadeira
um local de grandes potencialidades, o sujeito constrói, cria, enfrenta desafios, se distrai.
Lima (2006) afirma que a brincadeira traz a possibilidade da criança (re)significar seu mundo
– universo já simbólico. Ao brincar, a criança, o jovem ou o adulto experimentam a
possibilidade de reorganizar-se internamente, de forma constante, pulsante e atuante. É
brincando que a criança vai interiorizando o mundo que a cerca, na troca com o outro, vai se
constituindo enquanto sujeito.
72
As crianças, segundo Agostinho (2004), vão interagindo com o espaço dando a ele
significados diferentes, criando o novo. Dessa maneira, é importante que se planeje e organize
o espaço da Educação Infantil de forma que as crianças tenham seu direito a brincar
garantido, com diversos brinquedos disponibilizados de forma criativa e convidativa.
Sob olhar atento e curioso do menino traremos as considerações finais.
73
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações nesse momento, não têm o caráter de finalizar essa pesquisa, pois
compreendemos a linguagem em sua dialogia, os dizeres, nem os saberes podem ser
considerados fixos e acabados.
Partindo desse pressuposto, analisamos dizeres dos dezesseis sujeitos de quatro a
cinco anos, participantes da pesquisa. Vale lembrar que o campo de investigação foi um
Centro de Educação Infantil da rede municipal de Brusque-SC. Teve como pergunta: Que
sentidos as crianças da Educação Infantil atribuem à escola? Ouvimos as crianças, por
acreditar que elas contribuiriam para melhor entender as finalidades e as delimitações deste
campo educativo. A metodologia empregada foi, no nosso entendimento, fundamental para
alcançar os objetivos propostos. Nas crianças, fomos buscar as respostas para nossas
indagações, talvez com a possibilidade que elas dariam sinais que indicassem um caminho
possível para compreender os sentidos de escola.
Este estudo objetivou a compreensão, num viés enunciativo, dos sentidos de escola
atribuídos pelas crianças da Educação Infantil. Além disso, pretendeu-se refletir a organização
do espaço e tempo na e da Educação Infantil; investigou-se também a participação das
crianças na elaboração das atividades e brincadeiras propostas pelo(a) professor(a). E,
analisamos o lugar do brincar na instituição investigada.
Pretendemos tecer as linhas que configuram a multiplicidade de maneiras de viver e
de atribuir sentidos ao mundo. Os registros provenientes das entrevistas foram importantes
para compreender os sentidos que as crianças atribuem à escola e às interações que se
desenvolvem nesse ambiente.
Dirigimos nosso olhar para a questão de poder e disciplinamento, focamos aspectos
que envolviam a rotina das crianças na e da instituição investigada. Sabemos a necessidade de
haver algum tipo de ordenamento do tempo das crianças nas instituições de Educação Infantil,
pois tal ordenamento contribui para que o sujeito construa sua temporalidade. Todavia,
sugerimos que para isso, não é necessário um mecanismo fixo, rígido e restrito como a rotina,
podemos pensar em maneiras mais flexíveis de organizar o tempo escolar.
Filas, horários, práticas de higienização, atividades que, não conceberam as crianças
como participantes do processo; manifestações infantis: resistência, brincadeira, fantasia,
tristeza, riso, barulho, grito, comemoração. A princípio, todas essas categorias poderiam ser
ampliadas para o entendimento das manifestações humanas. Mas a questão está nos modos
como elas se revelam. Tanto é que as manifestações infantis pouco foram assim percebidas
75
pela professora. Aliás, foram avaliadas como falta de limites, indisciplina, agitação.
Observamos também características da sociedade disciplinar apoiados em Foucault,
na organização do espaço: na delimitação deste; no quadriculamento; nas localizações
funcionais, a sala organizada da mesma maneira, com seus lugares determinados. Isso foi
revelando a relação de poder ali estabelecida, a padronização das condutas, apontando para a
homogeneização do sujeito.
Outro sentido apontando pelos sujeitos foi a escola como lugar de aprender. As
aprendizagens são valorizadas nos dizeres das crianças, pois elas também participam de uma
cultura discursiva na qual a escola serve para ensinar a ler e a escrever. Ao questionar o que
faziam na instituição de Educação Infantil, a atividade foi citada. Isso nos remete ao processo
de escolarização das crianças no sentido de disciplinarização dos corpos, das palavras, dos
gestos, etc e desta forma uma rejeição da alteridade das crianças e de suas criancerias, como
afirma Abramowicz (2003).
No entanto, as crianças anunciam que uma das coisas que mais gostam na instituição
é o parque. Nesse caso, o lugar destinado para brincar. É lá que acontecem as brincadeiras de
faz-de-conta, a imaginação em volta dos brinquedos. O parque é um espaço para correr, pular,
escolher o lugar em que se quer ficar. As crianças no seu brincar, foram indicando que gostam
de estar entre seus pares e em pequenos grupos, presenciamos várias situações em que suas
relações com e no espaço recorreram ao faz-de-conta, a imaginação, deixando suas marcas no
espaço e, ao fazê-lo, sinalizam que têm outros jeitos de se relacionar com o espaço, para além
do convencionalmente instituído, as crianças vão inovando, explorando-o, dando novos
significados aos arranjos e objetos encontrando novos modos de se relacionar, dando outros
sentidos. Pensar os espaços da Educação Infantil a partir dos que as crianças nos indicam
desafiar-nos a romper com essas práticas de homogeneização.
Partimos da compreensão do brincar como um dos pilares das culturas da infância, na
perspectiva proposta por Sarmento (2002). Concebemos ainda o brincar como uma atividade
social significativa que pertence, antes de tudo, à dimensão humana, constituindo, para as
crianças, uma forma de ação social importante para a construção das relações sociais e das
formas coletivas e individuais de as crianças interpretarem o mundo.
Os dizeres das crianças não são tratados como verdades ou mentiras, ou mesmo para
enaltecer um suposto saber infantil, mas sim entendê-los enquanto enunciados que supõem
singularidades e respeitar as crianças como sujeitos de direitos.
Consideramos a instituições de Educação Infantil, ao mesmo tempo como um lugar
educativo e como um espaço para brincar espontaneamente; além disso, é como um lugar que
76
prepara para a grande escola, usando palavras de Plaisance (2004). Compreendendo a
Educação Infantil como um espaço desenvolvido para a criança, pontuamos que seja
necessário discutir esse espaço com a criança, já que é ela a protagonista da sua história
institucionalizada.
Não há como refletir sobre a criança e sua infância sem considerá-la como sujeito
social envolvido com as crenças, os valores, os costumes, o momento histórico-econômico
atual e sua história individual.
Este trabalho não tem a intenção de oferecer soluções, mas sim de instigar e
problematizar as questões aqui levantadas, possibilitando desta forma, o surgimento de novos
projetos a respeito desse tema. Os sentidos que as crianças da Educação Infantil atribuem à
escola necessitam ir para além das salas de aula e nos convidam a refletir a prática
pedagógica. Para isso precisamos escutar mais as crianças. Eis um desafio investigativo
recente que pode constituir posturas de pesquisadores/as como de professores/as-
pesquisadores/as.
Procuramos fazer do discurso, proveniente dessa escuta, uma via de investigação,
seja pelos dizeres, gestos, expressões e silêncios. Algumas reflexões apontam o sentido de
urgência para com a Educação Infantil, refletir a dicotomia: dizeres das crianças com as
práticas de homogeneização vivenciadas nesse espaço.
Buscamos novas perspectivas para encontrar, na complexidade das condições de
existência das crianças, reflexões que nos movem a conhecer o universo infantil, assumindo o
lugar de aprendizes e nos deixando levar pelas mãos e pelas vozes das crianças.
Nesse sentido, procuramos incomodar as consciências tranqüilas e sacudir
pesquisadores e professores, que seguem com seus olhos embaçados por suas perspectivas
teóricas e metodológicas, para aguçar nossas e vossas sensibilidades frente às escolhas
realizadas pelas crianças, percebendo-as como sujeitos de direitos e de histórias singulares,
fazedoras de culturas com modos instigantes, próprios e indagadores.
Pelo que ouvimos dos nossos sujeitos, gostaríamos de dizer que aprendemos muito
no decorrer da pesquisa. Com a intenção de contribuir com pesquisas que se proponham a
dialogar com a infância, as várias infâncias que temos, as crianças, aos sentidos de escola,
aventuramo-nos neste percurso, reconhecendo nossa incompletude, mas acreditando nas
crianças em seu potencial de informantes sobre a infância.
Sabemos que as palavras, além de dizer, produzem sentidos múltiplos e únicos, e é
sobre esses sentidos de escola que nos apoiamos. Repensamos também na nossa prática
pedagógica, na maneira como éramos e como nos vimos hoje, como professor. Durante todo o
77
desenvolvimento deste trabalho, houve a intenção de não culpabilizar a escola ou os
professores, e sim de refletir com eles para que possamos questionar sempre: que sentidos as
crianças da Educação Infantil atribuem à escola? E, conseqüentemente, nos questionar: que
sentidos têm a escola para os que dela fazem parte?
Como não poderemos esgotar as possibilidades de compreensão, ousamos finalizar
essa etapa, mas em companhia do menino da história de Saramago (2001).
78
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APÊNDICES
APÊNDICE A – A questão de vagas .......................................................................................86
APÊNDICE B – Tem que conversar........................................................................................87
APÊNDICE C – As coisas que a professora pede....................................................................88
APÊNDICE D – Um pouquinho de tudo .................................................................................89
APÊNDICE E – Pra estudar.....................................................................................................92
APÊNDICE F – Aprender a falar.............................................................................................93
APÊNDICE G – O que a “prô” faz?.........................................................................................94
APÊNDICE H – Atividades.....................................................................................................96
APÊNDICE I – Brincando no parque ......................................................................................97
86
APÊNDICE A – A questão de vagas
Yasmin: Tá tudo aí, arrumado, vamos.
P: Depois de comer mamãe, o que tu vais fazer com suas filhinhas?
Camila: Passear, no parquinho.
Pr: Em pé não pode querido (voz da professora ao fundo).
P: E, as tuas filhas vão no jardim?
Camila: Não, porque eu não arrumei vaga.
87
APÊNDICE B – Tem que conversar
P: E tu gostas de vir pra escola?
Camila: Gosto.
P: E porque tu vens?
Camila: Porque é bem legal.
P: E tem alguma coisa que tu não gostas?
Camila: Não. Eu só não gosto do Mathias e do Guilherme. Eles são muito malcriados e batem
nos outros. Tem que conversar com eles para ser amigo.
88
APÊNDICE C – As coisas que a professora pede
Joana: Eu to fazendo uma montanha.
P: Uma montanha e, quem vai escalar essa montanha.
Joana: Ninguém.
P: E você Jordan o que vais fazer?
Jordan: Eu tô tentando fazer uma bola em cima de um pau.
Gabriel: E tu Thaís?
Thaís: Não sei:: Umas pecinhas.
Gabriel: Eu tô fazendo um Blai-blaid.
P: Thaís, posso fazer uma pergunta para você?
(Ela respondeu que sim com a cabeça)
P: Porque você vem para a escola?
Thaís: Algum dia?
P: É.
Thaís: É que um dia eu fiquei doente e meu pai não deixou eu vir.
P: Ah::! Mas quando a gente está doente é melhor mesmo ficar em casa, né?
Thaís: É.
P: E:: Nos outros dias porque você vem para a escola?
Thaís: Pra fazer as coisas que a professora pede.
P: E é bom vir para cá?
Thaís, Jordan, Gabriel e Joana [[ é::]]
P: E o que tem aqui que vocês gostam tanto.
Joana: Tem parque, Educação física.
P: Quem é a prô de educação Física?
Joana: É a prô Luana.
P: E onde é a Educação Física?
Gabriel: Lá embaixo.
Jordan: Lá onde tem o parquinho.
P: E o que vocês fazem com a Luana?
Jordan: A gente brinca.
Thaís: Olha minha cestinha.
P: É a cestinha de doces da Chapeuzinho vermelho?
(risos)
89
APÊNDICE D – Um pouquinho de cada
P: Posso sentar aqui com vocês?
[[ pode!]]
M: Fica a vontade para se servir.
S: De outra mesa: tu vem aqui também?
P: Vou, um pouquinho em cada. Pode ser?
S: Pode.
(o lanche era frutas)
P: E, tu gostas de vir aqui?
Giovana: Na escola, [ ] gosto é muito bom.
P: E o que é a escola?
Leticia: Sabe como é o nome da nossa escola?
P: Como?
Leticia: Cachinhos Dourados
27
.
P: E porque você Giovana, vem para escola?
Giovana: Pra aprender.
Laura: Porque gosto.
P: E o que vocês fazem aqui?
Laura: Atividade.
Giovana: Um monte de coisas.
Nesse momento crianças da mesa ao lado me chamaram, pedi licença para as meninas e fui
até lá.
P: Olá, posso sentar aqui com vocês?
S: Pode.
Thaila: Eu sei o teu nome.
P: Ah é! E como é o meu nome?
Thaila: Line.
Nesse momento a aluna Thalia apresentou toda a mesa. E eu perguntei para eles quem gostava
de vir para a escola?
[[sim, gosto]]
P: Thaila por que você vem para a escola?
27
Cachinhos dourados é o nome fictício dado a escola já que priorizamos usar os nomes reais das crianças.
90
Thaila: Porque sim.
P: Por que sim?
Thaila: Ah! Pra aprender, brincar, comer e dormir. Quando eu era bebezinho eu dormia agora
não durmo mais.
P: E, quem traz vocês para a escola?
[ ]
Nesse momento a Letícia da outra mesa já estava sentada no meu colo e respondeu:
Leticia: Ah! O meu pai, a minha mãe, o meu tio, a nossa vó, todo mundo.
[ ]
Thaila: E como tu sabes o meu nome?
P: Porque eu perguntei e você me falou.
Isadora: A minha mãe tá doente.
P: Ah é e o que aconteceu com ela?
Isadora: Ela ta com dor aqui (apontou pra garganta), aqui (apontou pra cabeça), e tosse. Mas
ela não vai no médico. Ela tem medo, não gosta.
P: E tu quando ficas doente, vens para escola?
Isadora: Não, eu venho pra aprender e se eu tô doente eu não venho.
P: E porque você vem para a escola?
Isadora: Porque minha mãe vai trabalha.
Nesse momento alguns meninos abriram espaço no banco e me chamaram quando cheguei lá
eles começaram a falar.
Lucas: Tu sabias que o Catson tem um avião? Ta lá na casa dele. A gente vai no parque e lá a
gente vai brincar.
Matheus: Eu gosto de brincar no parque, é legal.
P: E, Matheus por que você vem para a escola?
Matheus: Porque sim, é legal, minha mãe deixa. Quando eu to aqui minha mãe faz bolo,
comida.
Amanda: Eu faço suco pra minha mãe, de laranja.
Matheus: O meu suco é de laranja também.
Lucas: Oh! Prô.
P: Oi, fala.
Lucas: Ele (apontando para o Catson) não é meu amigo.
P: Por que, não?
Matheus: Tem que sê amigo de todo mundo, não pode bate, não pode briga...
91
Catson: Eu não posso come isso aqui (apontando para o mamão).
P: Por que tu não podes comer mamão?
Catson: Porque eu não gosto.
Lucas: Então come tangerina.
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APÊNDICE E – Pra estudar
Giovana: Que legal o teu celular?
P: É bem parecido, mas isso não é um celular, é um gravador. Tudo que vocês falarem eu vou
gravar.
Giovana: Eu quero vê.
P: Então vamos gravar uma conversa nossa?
Giovana: É.
P: Deixa eu perguntar [ ] como é teu nome?
Giovana: Giovana.
P: Por que tu vens aqui?
Giovana: Uhm... Não sei, pra estudá. Aqui nós brincamos, pra joga joguinho da memória, mas
da letra não consegue, não sei mais.
P: Então tá, vamos escutar?
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APÊNDICE F – Aprender a falar
(Júlia se aproximou e disse que também queria conversar pra ela se escutar.)
P: Então tá, vamos lá.
P: Oi, Júlia tudo bem?
Júlia: Tudo bem.
P: Júlia, conta pra mim, por que tu vens aqui? (se referindo a escola)
Júlia: Pra estudá.
P: E tu gostas?
Júlia: Sim.
P: E como tu vens para escola:
Júlia: Com o Nilson.
P: E quem é o Nilson.
Júlia: É o namorado da Luciana.
P: E quem é a dona Luciana?
Júlia: É a moça que leva a gente pra casa.
P: Ele tem uma topic?
Júlia: É uma topic assim, uma topic branca.
P: Júlia, e o que é a escola pra ti?
Júlia: É isso daqui.
P: E o que é isso daqui?
Júlia: É pra aprende. Aprender a contar histórias, aprender a contar livrinhos, aprender a
pintar, aprender a falar.
P: A falar também? Como é aprender a falar?
Júlia: Assim oh!(estalou a língua no céu da boca).
(nesse momento, já estava a Letícia entre eu (pesquisadora) e Júlia pedindo para fazer uma
trança.)
94
APÊNDICE G – O que a “prô” faz?
(Numa outra conversa, perguntei para toda a turma o que mais gostavam da escola).
Yasmin: Dos brinquedos, de pular amarelinha, da sala, dos bebê.
Rafael: Gosto a Yasmin falô, nada.
Pr: Como nada tu não gostas de vir? Espera, senta direito, abaixa a blusa e responde: O que tu
gostas de fazer?
Rafael: Dança da cadeira.
P: E o que a prô faz que vocês gostam?
Em coro: Chocolate.
Pr: Chocolate? Mas eu só trouxe uma vez!
Júlia: A prô ensina letras, os números.
Pr: A prô ensina música? Ensina brincadeiras, joguinho...
A cada pergunta eles respondiam: ensina, em coro.
Yasmin: Ensina quebra-cabeça, ensina a falar.
P: A falar? Como é?
Pr: Quem sabe fazer o sonzinho pra gente falar bem?
S: [[eeeeuuuuuu!]]
Prô: Então qual é o primeiro exercício?
(As crianças estalaram a língua no céu da boca.)
O segundo exercício:
(As crianças fizeram o som da língua entre os lábios.)
O terceiro exercício:
(As crianças fizeram o som da letra m circulando com a língua na parte interna da boca.)
O quarto exercício:
(O quarto foi o Bbrbrbrbrbrbrb)
Pr: A prô não conta historinhas?
S: [[Coooonta]]
Pr: Eu não faço brincadeira?
S: [[Faaaaaz]]
Pr: E quais são as brincadeiras.
S: [[Pinta, dança]].
Pr: Não, brincadeiras.
(silêncio)
95
Pr: Esqueceram? Bata...
S: [[Batatinha- quente, batata-quente, batata-assando]]
Pr: E passa anel? Ninguém lembra de passa anel?
S: [[É, passa anel.]]
Pr: Ovo?
S: [[Ovo choco. Galinha choca!]]
Pr: Macaco?
S: [[Macaco preto.]]
Pr: Coelho sai?
S: [[Coelho sai da toca]]
(A professora pediu silêncio e disse:)
Pr: Eu sei que eles gostam das atividades, das brincadeiras, mas o que eles mais gostam é ir
para o parque!
S: [[Ehehehehehe!]]
96
APÊNDICE H – Atividades
P: Você gosta de vir para a escola?
Thaís: Gosto.
P: E por que tu vens aqui.
Thaís: A gente tem muitas atividades.
P: Tem alguma coisa que tu não gosta?
Thaís: Eu gosto de tudo!
97
APÊNDICE I – Brincando no parque
P: Olá, quem é a mamãe?
Camila: Eu.
P: E, quem é a filhinha?
Camila: É a Isabela e a Yasmin
Ana Carolina: E eu também. (Ana Carolina respondeu antes da Camila concluir seu dizer).
P: Vocês contam para mim o que vocês estão fazendo?
[[Comida]]
P: E, o que vocês vão fazer de comida?
Camila: Arroz, farinha e feijão.
P: E, como é mesmo o seu nome?
Camila: Camila, e elas estão me ajudando a fazer.
P: Ah, suas filhas estão te ajudando.
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