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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
De Perseguido a Reconhecido: A história da resistência do bumba-meu-boi na
cidade de São Luis - ma: (1890-1920)
WAGNER DE SOUSA E SILVA
JOÃO PESSOA - PB
AGOSTO DE 2008
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De Perseguido a Reconhecido: A história da resistência do bumba-meu-boi na
cidade de São Luis - MA: (1890-1920)
WAGNER DE SOUSA E SILVA
Orientadora: Profa. Dra. ROSA MARIA GODOY SILVEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
s-Graduação em História, do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da
Paraíba UFPB, em cumprimento às exigências para
obtenção do título de Mestre em Hisria, Área de
Concentração em História e Cultura Hisrica.
JOÃO PESSOA-PB
2008
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Wagner de Sousa e Silva
De Perseguido a Reconhecido: A História da Resistência do Bumba-meu-boi
na cidade de São Luis - MA: (1890-1920)
Banca examinadora da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Banca realizada em ____/____/_____ 2008
Prof. Dra. Rosa Maria Godoy Silveira
(Orientadora)
Prof. Dr.Gevárcio Batista Aranha
Examinador externo
Prof. Dra.Regina Maria Rodrigues Behar
Examinadora interna
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DEDICATÓRIA
À minha família e aos meus amigos
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de dizer que são poucas essas páginas para enumerar a
quantidade de pessoas que tenho a agradecer. Porém começarei por etapas.
A fundo de Amparo a Pesquisa do Estado do Maranhão- (FAPEMA/CAPES) pelo
auxílio que me foi dado no transcurso da pesquisa.
A minha família, que sempre financiou meus estudos, investindo pesado na minha
formação, e o conforto que tive dos mesmos em momentos difíceis. Tudo que eu fizer daqui
em diante para retribuí-los, o será nada perante o que fizeram. Dentre os elementos dessa
pequena família, a figura de minha mãe Ana Claudia e o Sr. Raimundo Nonato, minha ir
Thays Silva. E claro, o poderia deixar de relatar os novos integrantes, minha filha Sarah
Beatriz, que, apesar de pequena, quase sem nenhum entendimento de mundo, com seu sorriso,
aliviava meus momentos de angústia. À Jane, meus sinceros respeitos e agradecimentos por
tudo que tem feito por mim.
Aos amigos (as) Rossano e Maria Eugênia, que estiveram sempre presentes em várias
etapas de minha vida, e que me apresentaram o Mirante da Lagoa, e foi neste local que
surgiram as primeiras idéias dessa dissertação, e compartilharam momentos de alegria e de
instabilidade de minha vida.
Camila, sempre singela e cativante. Wanderson, amigo praticamente de infância que
também sempre torceu pelo meu sucesso. Celso Valois, vulgo Celsinho. E claro, não poderia
de destacar as novas amizades que desenvolvi: Mayara, Kilza, Natalicio, entre outros que me
fogem à memória.
A minha grande companheira e confidente Antonielle, que esteve presente,
literalmente, no processo de produção deste texto, agradeço a Deus por tê-la conhecido.
Agradeço aos companheiros de apartamento: Roni e Sarah, afinal num posso falar de
um esquecendo o outro, pessoas que me ajudaram muito durante o período que estive em João
Pessoa-PB, e que hoje são verdadeiros amigos, a vocês meu muito obrigado e felicidades. A
Juliana e Welington, vulgo Garoto”.
Também aos amigos extra-apartamento: Andrezza que desfruta de todo o meu
respeito, Rafael, sem palavras para descrever a gratidão pelo que fez; Adriano que, apesar de
furar muitas vezes, esteve presente dando apoio.
A Hernandez “Nando”, em quem enxerguei além de um colega de academia, um
grande amigo, o encontro adjetivo para expressar minha estima por você.
Aos meus amigos, que adquiri desde a época da graduação no Ceará: Bruno, Samuel,
Gerardo, vulgo “Gaspar”, a minha eterna amiga Michelle, minha mplice que, por esse
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período, defende a sua dissertação, a distancia o conseguiu enfraquecer esses laços,
dividimos a mesma casa. Período bom!
A Professora Honorina, pelas oportunidade.
Alguns professores do Programa da s-Graduação em Historia da UFPB, pela
oportunidade que me foi dada, gostaria de dizer-lhes muito obrigado, e, de modo especial a
minha orientadora, Rosa Godoy que tem sido uma verdadeira mãe, sempre disposta a me
ajudar, mesmo quando muitos não acreditavam.
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RESUMO
Este trabalho aborda as práticas do Bumba-meu-boi no Maranhão, especificamente em São
Luis, no período de 1890 a 1920. O foco temático gira em torno das perseguições ao Bumba-
meu-boi, cometidas pelas autoridades policiais e governamentais, por meio de decretos e
códigos de posturas, que visavam disciplinar as manifestações populares e o espaço. Também
é analisada a resistência dos manifestantes, ou seja, dos brincantes daquela festança que,
apesar das perseguições, continuaram praticando e transmitindo a sua atividade cultural por
muitas gerações. O recorte temporal do estudo, referente às três primeiras décadas da
República brasileira, foi delimitado por ser o período em que a resistência referida foi
identificada nas fontes documentais de forma intensa. A pesquisa tomou por base documental
jornais de época, documentos oficiais do Governo do estado do Maranhão, além de
bibliografia sobre o tema.
Palavras chaves: Bumba-meu-boi Cultura popular - Cultura Histórica Resistência
Maranhão - História
-
8
ABSTRACT
This dissertation presents the Bumba-meu-boi practices in Maranhão, specifically in São Luis,
in the period from 1890 to 1920. It focuses around how Bumba-meu-boi was persecuted by
the police and the government, whose objective was to discipline the popular expressions and
the urban space, through laws, ordinances and codes. The analysis also concentrates on the
resistance from the popular artists, that is, the folk involved in that popular celebration that,
despite the persecutions, kept practicing and teaching their cultural activity for many
generations. The time focus of the study, referring to three first decades of Brazilian Republic,
was defined because it was identified in the documents researched as the period in which that
resistance was intense. The databases of the research are newspapers from the period, official
documents from the Maranhão Government, as well as some bibliography about the subject.
Key Words: Bumba-meu-boi Folk Culture Historical Culture Resistance
History of Maranhão (Brazil)
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO I...........................................................................................9
CAPITULO II - APRESENTANDO O BUMBA-MEU-BOI........................15
2.1 Historicizando o Bumba-meu-boi.......................................................................................15
2.2 A visão dos Populares........................................................................................................24
2.3 O Auto com Pai Francisco e Catirina ou Catarina..............................................................27
2.4 Sotaques do Bumba-meu-boi................. ..........................................................................31
2.4.1 -Impasses sobre o Conceito de Sotaque.......................................................................34
CAPITULO III - A CIDADE DE SÃO LUIS MA (1890-1920).....................................37
3.1o Luis na Transição do regime Imperial para o Republicano.......................................37
3.2 O Cotidiano ludovicense....................................................................................................48
CAPITULO IV - DANÇANDO CONFORME A MÚSICA: ENTRE A LEGALIDADE E
A TRANSGRESSÃO, DRIBLANDO A PERSEGUIÇÃO ..........................................62
4.1 - O bumba-meu-boi nos espaços de conflitos ....................................................................63
5.2 Anil: o Sitio do Bumba.............................................................................................77
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.............................................................................99
FONTES...............................................................................................................................102
ANEXOS...........................................................................................................................108
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1. INTRODUÇÃO
A escolha do tema deste trabalho - De Perseguido a Reconhecido: a história da
resistência do bumba-meu-boi na cidade de São Luis-MA (1890-1920)- está associada à:
importância que essa manifestação cultural do bumba-meu-boi possui no estado do Maranhão.
E, também, para demonstrar aos leitores que as noticias sobre a brincadeira nem sempre
foram positivas”. Para que ele fosse reconhecida como o é hoje, passou por um longo
processo de perseguição, para atingir o patamar que adquiriu na atualidade, até elevar a cidade
de São Luis-MA à categoria de Capital Cultural.
Parece contraditória essa opção de estudo, tendo em vista que o folguedo é
considerado o cartão postal da cidade, através dos seus outdoors espalhados por toda a urbe, e
de propaganda televisiva, recebendo, inclusive, investimentos estatais, pois serve para aquecer
a economia, em virtude do turismo que vem crescendo muito na região, nos meses de junho e
julho, por conta das apresentações das brincadeiras de bumba-meu-boi. Então, por que
perseguir esses grupos que contribuem para os lucros da capital? Por que perseguir os
brincantes, como aparecia estampado no Diário Oficial do Estado do Maranhão de 1920: É
expressamente prohibido tocar bomba no perímetro urbano assim como fazer brincadeira de
bumba-meu-boi”?. A história recente do bumba-meu-boi é uma outra historia, de um outro
tempo/contexto histórico, a merecer outros estudos. Mas esta história recente será
compreendida se analisarmos como a brincadeira foi se instituindo de perseguida a
reconhecida.
Ao dar início a essa pesquisa, sobre o tema bumba-meu-boi, em perspectiva mais
diacrônica, fez-se necessário estabelecer alguns recortes: temporal, temático e espacial. A
respeito do primeiro recorte, precisamos fazer uma breve narrativa de nossa experiência de
pesquisa, como chegamos a delimitar o período de 1890 a 1920, para situar o leitor.
A idéia inicial começou quando escolhemos o tema, sob um viés ainda pouco
pesquisado no Maranhão. De imediato, nos deparamos com alguns empecilhos: como
apresentar uma nova discussão acerca das brincadeiras, se os Departamentos das
Universidades maranhenses estão repletos de monografias e dissertações sobre a manifestação
do bumba-meu-boi? .
Diante desse quadro, não desanimamos e contornamos as dificuldades iniciais,
diagnosticando que seria fundamental consultar o que se tinha produzido, justamente para
apresentar algo diferente. Diante das consultas aos referidos departamentos, notou-se que a
maioria dos trabalhos se prendia mais às festas propriamente ditas, às indumentárias, a
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sotaques, à representação social dos folguedos, ao turismo cultural, enfim, temáticas, de certo
modo, referindo-se a períodos recentes da história e cultura maranhenses. As referências mais
antigas que se faziam, datavam da segunda metade do século XX, embora alguns autores
citem, esporadicamente, alguns registros do século XIX, mas não algo propriamente
específico, como por exemplo, abordar a historia da brincadeira no século XIX.
Então, encontramos aí a brecha que nos proporcionaria uma visão inovadora sobre a
brincadeira, que seria: historicizá-la nos fins do século de XIX e icio do século XX. Daí
resultou nosso recorte temporal.
Delimitado nosso recorte temporal, veio à tona outra dificuldade: o que abordar sobre
o bumba-boi no período supracitado? Inicia-se a segunda etapa da pesquisa, estabelecer em
que perspectiva o trabalho se desdobraria. Dentre escolhas possíveis, a dúvida entre
perseguição e resistência nos rondava. Analisando esse quadro, refletimos: existe
resistência, se houver perseguão, são conceitos que se completam. Ocorreu-nos Thompson
(1981), que dizia que só existe o escuro porque existe o claro.
Quando se estabeleceu que o foco do trabalho fossem as relações de perseguição e
resistência ao bumba-boi, nos direcionamos ao campo de pesquisa das fontes documentais, e
foi, quase de imediato, notar a escassez de tais fontes sobre o período abordado por esse
trabalho. Mas, nós historiadores, imbuídos de mostrar à sociedade que as histórias silenciadas
são tão historias (processos) quanto as escritas, embora ainda não historiografia, tratamos de
problematizar e contornar essa situação, começando a questionar a própria escassez. O que
faziam as autoridades para ocultar esses atores sociais? E os manifestantes, que estratégias
adotavam para driblar os mecanismos de controle do sistema governamental? Perguntas essas
cujas respostas, no transcurso do trabalho, serão narradas.
Depois de superados os obstáculos iniciais, delimitando e estabelecendo alguns
cortes metodológicos, nosso objetivo foi investigar as ambigüidades que permearam os
discursos e as práticas do bumba-meu-boi em o Luis-MA, de 1890 a 1920. A delimitação
desse período justifica-se por ser uma época de grandes mudanças no cenário nacional, tanto
no sentido material quanto imaterial, vivenciado pela capital maranhense nos primeiros
momentos da República.
Neste período de transição para o século XX, era difundida no Brasil a idéia de
progresso, o fascínio pelo novo, em contraste com o velho. O popular soava, para os arautos
do progresso, como sinônimo de velho, e de barbárie, precisando ser eliminado, tendo em
vista que a sua presença nas ruas já significaria uma atraso, como diz, plausivelmente,
Margarida Neves (1994).
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O bumba-meu-boi inserido nesse contexto, expresso e representado na figura de seus
populares, seria, em conseqüência, qualificado e/ou estereotipado como selvagem. A
brincadeira não seria bem vista pela sociedade ludovicense, isto porque a abolição não
acabara com o preconceito com os negros, e nem lhes propiciara um novo trabalho. Ao
andarem pelas ruas expondo suas brincadeiras, os negros eram (des)qualificados como
vagabundos. Essa desqualificação vinha do tempo da própria escravidão, por tanto, mesmo
quando os negros trabalhavam pesado..
De várias maneiras, procurou-se combater os brincantes do folguedo: primeiro por
serem negros, associados à escravidão; segundo, por estarem à margem do social, nas
periferias, visto como anti-civilizados, e, por último por serem populares, avessos aos valores
que se pregavam na época, referendados na belle époque francesa.
Em Os Bestializados, JoM de Carvalho (1987) discute a participação popular na
instalação do regime republicano, no Rio de Janeiro. Ele diz que os negros estavam entre os
mais perseguidos pelo regime. Contudo, o autor lembra que aquela população indesejada pelo
regime não deixaria de participar da vida da cidade, ainda que dividida em suas repúblicas.
Consultando os documentos do período em São Luís, percebemos que, apesar das
perseguições, os brincantes do BMB (Bumba-meu-boi) encontraram algumas estratégias de
resistência que permitiram a sua participação na República que ora se instalara na cidade. A
princípio, a dança foi proibida no centro da cidade; depois, normatizada, com data e hora
marcada; outras vezes, imposta pelos seus brincantes e, muitas vezes, praticada com a
participação da própria sociedade que a denunciara.
A questão que se coloca à análise é: o que levava a sociedade ludovicense a
denunciar e, ao mesmo tempo, participar das festas do bumba-meu-boi? Qual o significado da
normatização da festa? Quais as estratégias de resistência dos brincantes?
Explorar a relação entre as práticas do Bumba-meu-boi e a cidade de São Luís, nos
primeiros anos da República, possibilita outra visão da história da cidade, ainda pouco
explorada pela historiografia maranhense. Encontramos poucos trabalhos sobre o tema, como
História do Maranhão, de Carlos Lima, e monografias sobre o contexto do Maranhão
republicano e alguns artigos que se referem à tetica. Uma história da participação popular
no Maranhão republicano constitui uma importante página para a história do Maranhão e da
República brasileira.
Para execução deste trabalho, foram necessárias visitas constantes ao Arquivo
Publico do Estado do Maranhão - APEMA, onde encontramos alguns documentos oficiais,
que aguçaram o nosso olhar de pesquisador, tais como: Códigos de Posturas municipais,
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Diário Oficial do Estado do Maranhão, Requerimentos e Petições ao Chefe de Pocia do
Estado do Maranhão. Quanto às fontes hemerográficas: O Pacotilha, Diário do Maranhão, O
Jornal, entres outros periódicos, foram identificados e pesquisados, além de algumas
fotografias do período, encontradas no acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite BPBL.
De posse de preciosos documentos, montamos uma espécie de banco de dados, catalogando e
digitando os dados apurados no decorrer da pesquisa.
Analisando as fontes catalogadas, foi-nos possível perceber um período de
perseguição ferrenha às brincadeiras populares. Constatou-se que, por volta de 1880 a 1890,
praticamente todas as licenças de bumba-boi foram indeferidas. Percebeu-se, ainda, que as
licenças começaram a serem concedidas como resultante do processo de resistência dos
manifestantes.
Tornou-se pertinente investigar como esses brincantes colocavam sua brincadeira
todos os anos para desfilar pelas ruas de o Luís, no período junino, bem no ápice do
período em que a capital comungava com os ideais de hegemonização cultural, onde qualquer
manifestação popular era vista como atraso social e sinônimo de barbárie, sofrendo, assim,
inúmeras perseguições tanto das autoridades quanto das elites ludovicenses, talvez por ser um
festança composta, em sua grande maioria, por brincantes negros.
O nosso trabalho, para fins de sistematização, encontra-se dividido em três capítulos.
No primeiro capítulo, situou-se historicamente o folguedo popular, analisando-se a
representação desta festança no Nordeste e tecendo possíveis vínculos com outras sociedades.
Afinal de contas, a brincadeira é conhecida como a maior festa popular do país. Não perdendo
de vista o nosso recorte espacial, a capital maranhense, esboçamos o surgimento do bumba,
por excelência, uma expressão do “Zé povinho”. Apontamos divergências entre os estudiosos,
acerca da genealogia do folguedo
Em seguida, descrevemos a lenda de pai Francisco e a negra Catirina, que seria o
pilar para entender a manifestação da brincadeira. Trata-se de um estória” rica de
simbologia, que narra o surgimento da brincadeira. Enredo muito conhecido entre os
brincantes. E, encerrando a segunda parte do capítulo, fizemos uma exposição dos sotaques
de bumba-boi, apesar dessa nomenclatura ser posterior ao período de nosso recorte temporal,
para registrar a variedade da manifestação.
O segundo capítulo aborda a cidade de São Luís-MA, na transição do período
monárquico para o novo regime republicano. Optamos por discutir a cidade nesse período,
almejando sentir o “chão históricode nossa pesquisa e para entender as mudanças sociais
que ocorriam na capital maranhense, com idéias disseminadas em nível nacional acerca da
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regeneração urbana, tendo o Rio de Janeiro, então capital do país, como pioneira nesse
processo de embelezamento das cidades. São Luís, por estar inserida nesse processo, acaba
por apreender elementos da cultura e sociedade cariocas.
Assim, fizemos um breve histórico da cidade, depois adentrando na transição para o
regime republicano e, dentro deste pico do nosso trabalho, inserimos algumas questões
sobre a potica local, para situarmos como foi a aceitação do novo regime na capital. Enfim,
nessa primeira parte do nosso capítulo, tentamos apresentar a cidade que, como lembra Sandra
Pesavento (1995), é um tema por excelência, como o lugar das mudanças sociais.
Nesse mesmo capitulo, chamamos a atenção para os excluídos” da coisa blica,
conceito basilar do pensamento de R. Palhano (1988).
E finalmente, no quarto e último capitulo, fizemos uma análise acerca das
contradições e ambigüidades que marcaram as práticas do Bumba-meu-boi em São Luís.
Neste período, percebemos, através de jornais de época e alguns documentos oficiais, o
incessante desejo, tanto das elites como também das autoridades, de tentarem extinir essas
práticas, sob o pretexto/discurso de que as mesmas caminhavam contra o progresso.
Retomamos a iia do segundo capítulo, traçando paralelos com a realidade nacional,
no que diz respeito ao processo de regeneração, tanto do ponto de vista da cultura material
quanto imaterial, e das intenções de homogeneizar as culturas, talvez uma forma de conter a
cultura popular, tendo em vista que a sociedade brasileira se mirava em modelos culturais
europeus, sobretudo franceses.
São Luis também sofreu influência de tais idéias, que foram comprovadas na
documentação utilizada nesse trabalho, apontando que se pretendia disciplinar os espaços da
cidade. Os discursos da disciplinarização, em muitas capitais, confundia-se com os dos
sanitaristas, que julgavam os populares como responsáveis pelos surtos epimicos.
Enfim, estabelecemos a distinção entre o “centro e os subúrbios”, bem como a
atuação do folguedo nestes respectivos locais. Detectamos que a diferença entre ambos não se
limitava apenas a questões geográficas estritas, ou seja, por delimitação de espaço sico, mas
transcendiam para dimensões socioeconômicas, políticas e culturais. De um lado, o centro
elitizado que procurava, a todo custo, banir, ou pelo menos controlar, as brincadeiras,
impedindo as mesmas de invadirem o perímetro urbano; em contraste com os “subúrbios”,
locais de atuação do bumba.
O tio do Anil adquiriu o status de Centro dos Folguedos. Era nesta localidade que
todos os anos, nos mês de junho, a brincadeira se apresentava tradicionalmente, em grande
15
estilo, apreciada por diferentes camadas da sociedade. O Anil constituiria um dos palcos onde
as contradições e ambiidades da sociedade ludovicense se revelavam.
Nestes termos, é que esse trabalho procurou entender o desenlace das relações de
perseguição e resistência na cidade de São Luis-MA (1890-1920), tendo como corpo de fundo
a figura emblemática dos brincantes e suas estratégias de continuar desfilando pelas ruas da
urbe, mesmo diante das situações adversas.
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CAPITULO II - APRESENTANDO O BUMBA MEU BOI
2.1. Historicizando o surgimento do folguedo.
Ah, o boi!...O tempo se encarregou de esconder
os seus inícios. De sua origem nada se sabe. E tudo o
que se possa dizer não passará de suposições ou de
pretenso e duvidoso conhecimento. Não há registros
anteriores, e os mais velhos apenas repetem: “quando
me entendi encontrei o boi brincando assim”.
(AZEVEDO NETO,1997, p. 21).
Por intermédio da fala de Azevedo Neto - pesquisador maranhense, muito respeitado
no que se refere à área das manifestações populares, de imediato, já é possível detectar as
dificuldades de localizar a historicidade da brincadeira.
Lançando o nosso olhar para o campo da historiografia, notou-se: um grande
impasse, tanto entre os pesquisadores, quanto entre os brincantes/populares, ao se falar da
origem do bumba-meu-boi.
Portanto, durante o transcurso dessa pesquisa, desconstruiu-se e detectaram-se alguns
elementos cruciais, que sopesam e esmiúçam o que nos propomos a apresentar: a priori, que
as práticas culturais das brincadeiras de Bumba-meu-boi o se limitam apenas ao Maranhão
(como queriam alguns populares
1
); como também não são práticas exclusivas apenas da
região Nordeste, pelo contrário, disseminaram-se por todo o território nacional, cortando-o de
norte a sul e de leste a oeste, ganhando peculiaridades locais e/ou regionais, conforme o grau
de hibridismo cultural dessas diversas localidades espalhadas pelo Brasil.
Ademais, as práticas das brincadeiras que possuem o boi como um elemento de
destaque, transcendem tanto o Nordeste quanto o Brasil. Nota-se a presença de práticas
festivas, que celebram a emblemática figura do bovino, mesmo antes da colonização. Na
Europa, encontram-se facilmente indícios que atestam pessoas se reunindo em torno do boi.
1
Apesar de ser essa a idéia de alguns populares, consumidos pelo sentimento de paixão pela brincadeira e, por
conseguinte, pelo estado do Maranhão. Eles reverberam essa postura, porém, cabe explicarmos o sentido com
que estas pessoas se pronunciam. Sabem da existência das brincadeiras em outras regiões, todavia, tentam
enaltecer a figura do Bumba-Boi no seu estado, alegando ser, o mesmo, o melhor e mais bonito de todo o país,
idéia essa muito presente, nos dias atuais, e que ganha mais força com as inúmeras campanhas de publicidades e
incentivo a esses cordões, que datam dos fins do séc.XX. Fato esse que contrasta com a perseguição desferida
pelas autoridades governamentais contra os brincantes. É muito interessante, nessa perspectiva, traçar o elo da
brincadeira sob a égide de: perseguida a reconhecida.
17
A julgar pela forma de pensar de Azevedo Neto, em vários lugares do mundo, e não
apenas na Europa, existiu ou existe uma dança dramática onde dançarinos gravitam ao redor
da figura de um boi, que dança também. A tendência de alguns estudiosos é passar uma visão
cômoda que relaciona o surgimento do bumba-meu-boi ao ciclo do gado, em função do auto
da brincadeira narrar a estória de um boi. O autor refuta tal prerrogativa, argumentando que:
Alguns estudiosos tentam relacionar o Bumba-meu-boi ao ciclo do gado no
Nordeste. Para aceitar a hipótese, esta manifestação folclórica deveria ser um
fenômeno apenas nordestino ou, quando muito, brasileiro.Ou então:
aceitando-se isto como verdade, teríamos que aceitar a existência, em vários
outros países do mundo, de um ciclo do gado também. (AZEVEDO NETO,
1997, p. 20).
Em outros termos, A. Neto retira as nossas vendas de etnocentrismo, ao colocar
abaixo nossa visão entusiástica, em não perceber que as manifestações populares em torno da
figura de um boi estão aquém de nossas especulações, que, diga-se de passagem, são pobres
(irrisórias) do ponto de vista analítico.
Nesse sentido, não nos é possível afirmar com exatidão o local do surgimento desse
folguedo
2
, por duas razões: primeira, para que não incorramos no erro de exaltar
determinada(s) regiões em detrimento de outras, ou mesmo ocultar possíveis ligações entre os
diversos locais em que a brincadeira fora praticada, por um lado; e a segunda e relevante, pela
escassez das fontes, em que se aponte indícios para essa questão.
Sabendo-se que o oficio do historiador é trabalhar analisando as fontes e
interpretando-as, nesse âmbito, fica o mesmo impossibilitado de falar de forma precisa onde
tenha surgido o bumba, partindo do pressuposto que o seu entendimento do real constitui
apenas uma representação do mesmo. A menos que ele manipule os fatos, arbitrariamente, de
acordo com seus interesses, como fizeram algumas correntes tradicionais. Mesmo tendo o
conhecimento de que todas as pesquisas estão suscetíveis de intervirem no cenário do real.
Sob esse prisma, a pesquisa ora apresentada não envereda no caminho de querer obter
respostas pré-definidas, muito menos silenciar algumas fontes.
Contudo, as poucas fontes encontradas nos dão pistas de que o folguedo esteve
constantemente presente no eixo Pernambuco-Ceará, Piauí e Maranhão, terririos esses,
2
Informamos que, ao longo do nosso texto, iremos utilizar palavras como: folguedo, festança, auto, entre outras,
para denominar a brincadeira do Bumba-meu-boi. Porém, o foco de nosso trabalho não se detém em fazer uma
analise aprofundada, do ponto de vista teórico, sobre o significado de cada um dos termos citados.
18
historicamente interligados, e muito próximos, que se influenciaram mutuamente. Vale frisar
que o fato de nossas fontes apontarem a existência da brincadeira nessas áreas não implica
dizer que talvez neles tivesse surgido o bumba-meu boi. Apesar de muitos estudiosos e a
própria historiografia tradicional associarem a festa ao ciclo do gado no Nordeste.
A nossa proposta, ao tentarmos especular sobre a nebulosa origem da “maior
festança popular” do país, é tentar, na medida do possível, apontar uma concepção menos
verticalizante, questionando a visão produzida pela historiografia tradicional e sugerindo uma
mais horizontal, como nos permite a história social.
Nessa perspectiva, para compreendermos como essa discussão se desdobra no âmbito
local (Maranhão, foco desta pesquisa), torna-se pertinente tentar perceber as influências
étnicas e as interações culturais que o Maranhão recebeu para a criação e/ou implementação
do folguedo. A princípio, detectamos duas correntes de estudiosos, debatendo-se entre si,
sobre o nascimento da brincadeira, como podemos notar na seguinte afirmação, canalizada
para esta perspectiva:
[...] uns dizem que teria nascido de escravos e gente pobre agregado de
engenho e fazendas e trabalhadores da roça , mais ou menos por volta do
século XVIII, sem nenhuma participação feminina devido às circunstância
da época ; para a outra corrente a mãe do bumba-meu-boi brasileiro está
ligada a alguns elementos orientais e europeus do Boi-de-canastra em
Portugal, mas sem enredo. (AZEVEDO NETO, 1997, p.71)
Valendo-se da dicotomia acima exposta, relativa a essas duas correntes, na forma de
pensar e especular sobre o surgimento da brincadeira de Bumba-boi, ousamos, para tornar
mais ampla e instigante a discussão, citar outro pensamento, divergente das concepções
postas. Podemos qualificá-la como terceira via, que se embasa no seguinte argumento: o
Bumba-meu-boi teria surgido da junção destes vários elementos, tanto africanos quanto
europeus e indígenas, marcando, assim, a interação entre as três etnias: negra, indígena e
branca, o que pode ser, provavelmente, interpretado como uma participação ampla de “todos”
os segmentos sociais neste folguedo. Não é à toa que, na encenação da brincadeira, que recebe
o nome de auto
3
, percebe-se a participação destas três etnias, o que não podemos negar que
seja um fato. Porém, é preciso ressaltar que não há unanimidade em torno dessa tese.
3
O auto é uma prática muito comum e bastante executada, no passado, nas apresentações das brincadeiras de
bumba-meu-boi, independente da região. Em sua grande maioria, se resume em relatar às tramas de uma escrava
negra que deseja comer a língua do boi, e um escravo que atende esse desejo. Nesse intervalo, conta-se que o boi
não morre, mas desmaia. para ser despertado por um Doutor, que é convocado por um índio (pajé). Na verdade,
na atualidade, em muitos grupos de bumba-boi, aboliu-se e ou sintetizou-se essa prática, em função do tempo,
19
Matthias Assunção, um dos pesquisadores sobre festas no Maranhão, julga como
simplista essa visão, quando a mesma envereda em comprimir os elementos culturais que
compõem a brincadeira que, para ele, transcende o simplório número três:
Na minha opinião essa tentativa de racionalizar todos os elementos da
cultura popular pode levar a sérios impasses, devido à artificialidade do
conceito de raça. Para começar as raízes do boi são mais diversas que
mágico numero três. Onde entrariam os pandeirões que são originários dos
mouros da África do norte? Elementos da cultura Árabe e Islâmica assim
como das culturas regionais do Maghreb influenciaram tanto os portugueses
quanto os povos ao sul do Sahara, e acabaram chegando ao Maranhão. Por
que racializar, eno, manifestações quando nem os próprios atores o fazem
de maneira sistemática? Em vez de professar o "absolutismo étnico", seria
mais interessante aprofundarmo-nos sobre a história social do Bumba-meu-
boi, para tentar desvendar-lhe os segredos. (ASSUNÇÃO,1999, p.14)
.
A nossa forma de analisar a brincadeira, em seu surgimento, assemelha-se à do autor
supracitado, descompromissada em sistematizar a manifestação em seus elementos internos,
enquanto dança, porém, mais preocupada em narrar o desdobramento social da mesma.
Nesses termos, M. Assunção apresenta uma discussão inovadora nesse sentido, quando
propõe ampliar as possibilidades de análise do folguedo, não se limitando apenas à influência
ou ao surgimento do bumba-meu-boi. Para o autor, não adianta dizer que o tabaco e o cauim
foram drogas indígenas e a cannabis e o tambor são de origem africana, temos que analisar o
desenrolar destes produtos no meio social. Desse modo, a julgar pelo autor, a análise nos
remete a pensar que não adianta apenas apresentar uma visão limitada, dizendo que a
brincadeira surgiu na África ou no Nordeste brasileiro, com influência de elementos europeus
ou não, mas entender, dentro do contexto histórico, porque alguns elementos foram
apropriados e perpetuados e entender porque outros, não. Portanto, o que há é uma visão mais
complexa, que precisa ser respaldada e esmiuçada para, assim, tentarmos lançar um olhar
mais próximo do que seria esse possível surgimento, diante do quadro exposto.
Contestam-se, assim, a partir desta discussão, os pesquisadores que disseminam a
discussão sobre a genealogia do Bumba-boi por meio da influência étnica, ou seja, pela
mesclagem. Entendemos que tal forma de pensar acaba por apresentar uma discussão cômoda,
a partir do momento em que associamos e denominamos as brincadeiras populares com
categorias estanques, sem comunicação, ou mesmo, quando à discussão pende para um
por ser uma cerimônia bastante demorada, e como se sabe que, no mundo capitalista, a expressão tempo é
dinheiro” brada, as apresentações aderiram a esses moldes. Porém, existem locais onde as pessoas perpetuam
essa tradição, resistentemente.
20
quadro de imposição étnica; uma cultura, dita, etnocentricamente, superior, impondo seus
valores à outra, “inferior”, em outros termos, um confronto Elite X Popular.
De posse de algumas, dentre muitas iias, que tentam avaliar a probletica acerca
do surgimento da brincadeira de bumba-boi, de antemão, nos impactamos diante de um
arsenal de controvérsias, as quais tendem a apresentar-se como uma grande
incógnita/problemática à visão do leitor, no ponto de vista analítico, por um lado. Mas, por
outro lado, na prática, todo esse campo de incertezas se torna um manancial de possibilidades
para o historiador.
Partimos do seguinte pressuposto: especular sobre o surgimento do boi se configura
como um campo de debates instigantes, mesmo estando cientes de que nosso trabalho trata de
forma limitada este embate, pelo fato deste não ser o foco principal de nossa pesquisa.
Algumas proposições citadas apresentam, por si , uma natureza conflitante acerca do
possível surgimento da brincadeira de bumba-meu-boi.
É facilmente perceptível que, enquanto alguns teóricos relutam em aceitarem a
predominância de elementos europeus no seio da brincadeira de bumba-meu-boi, outros, ao
contrário, endossam-na. Vinicius Barros se enquadra nesses moldes: apesar de escrever nos
idos da segunda metade do século XX, comunga desta corrente, a julgar pela sua
argumentação. O autor demonstra que, no transcurso de sua pesquisa, encontrou elementos
que ratificam a influência de elementos portugueses na composição da brincadeira, quando
afirma, veemente, a existência de festanças nas quais os manifestantes se posicionavam ao
redor do Boi, sendo este o elemento de grande destaque.
O pensamento de Vinicius de Barros denota a antigüidade da brincadeira de bumba-
meu-boi, antes mesmo do contato com as terras americanas. Por conseguinte, forja-
se/especula-se, talvez, uma possível transposição de elementos europeus para o Novo
Mundo.
Percebe-se, nas idéias de teóricos como Barros uma relevante influência euroia,
mas fica pendente uma indagação: será essa hitese baseada numa historiografia
eurocêntrica”, que tende a valorizar a Europa por ser o Velho Mundo de cujo contexto
cultural todos deveriam partir ou derivar?
Na verdade, tal posicionamento tende a se converter em idéias que se aproximam das
nacionalistas, onde se supervaloriza a Europa vista como o centro do mundo- imponente
frente ao cenário mundial. Em relação a isso, convém lembrar E. Hobsbawm, quando repudia
21
o discurso nacionalista e o como perigo para historiografia, e nós historiadores deveríamos
e devemos estar bastante atentos a tais discursos, para desconstruí-los e também não sermos
absorvidos pelos mesmos. Eis o porquê de ele ver que a história pode ser um “trunfomuito
perigoso se for utilizada de modo pernicioso e como mera propagadora de discursos potico
ideológicos abusivos. Acrescenta o historiador inglês, dizendo:
A história é a matéria-prima para ideologias nacionalistas ou étnicas
fundamentalistas [...] o passado é um elemento essencial, talvez o elemento
essencial nessas ideologias. Se não há um passado satisfatório é possível
inventá-lo. De fato, a natureza das coisas não costumam ver nenhum passado
completamente satisfatório, porque o que as ideologias pretendem justificar
não é o antigo nem o eterno, mas historicamente o novo. (HOSBAWM,
1998, p.17)
Direcionando a nossa discussão para a prática da festa em nível local, no Maranhão,
alguns autores, como Bueno (2001), alegam ter predominado a corrente pastoril. No período
de povoamento da capitania, a representação do boi mostrou-se muito latente, com o pastoreio
pelo interior dessa província, que atingia a região de Cururupu e Guimarães, situada ao norte
da ilha de São Luis. Neste momento, a região constituía um atrativo para uma aglomeração de
escravos das mais diversas fazendas
4
, devido os mesmos atuarem nas atividades de cultivo do
algodão e cana-de-açúcar. Essa concentração de escravos em uma determinada região teria
resultado na criação da brincadeira.
A presença dos bois como animais de tração de engenhos e carros
canavieiros liga-se aos prirdios da colonização portuguesa e da presença
francesa na ilha de São Luís a partir de 1600. Consta que mais tarde, durante
a revolta da Balaiada (1831-1846), foi introduzido extensivamente o
pastoreio de gado bovino no interior do Maranhão. A brincadeira de bumba-
boi no Estado, deve ter iniciado primeiramente, na região compreendida
entre Cururupu e Guimaes, onde o cultivo da cana-de-açúcar reuniu grande
contingente de trabalhadores escravos, e foram eles que desenvolveram a
festança. (BUENO, 2001, p.29)
Complementando este raciocínio, é bastante procio intercalar a referida
argumentação com a do pesquisador M. Assunção (1999), em que o mesmo se refere a
4
No Maranhão, a corrente de povoamento do tipo pastoril destacou-se frente às demais, favorecendo a ocupação
no interior do estado. Povoamento este, estreitamente associado ao cultivo das atividades agrícolas, da cana-de-
açúcar e algodão, e que, por sua vez, concentrou a mão-de-obra escrava nesse território. Para o autor, a
concentração de escravos que trabalhavam nas fazendas, teria como conseqüência a criação da brincadeira.
22
encontros de escravos das mais diferentes fazendas, na área que hoje é a cidade de São Luis,
para festejarem. Porém, estes encontros eram interpretados pelas autoridades como
perigosos”, pelo fato de ali se encontrarem tanto pessoas livres quanto escravas num mesmo
local, que, num curto período de tempo, poderiam provocar algum tumulto difícil de ser
controlado.
Acrescenta o autor: na verdade, o que as autoridades temiam acima de tudo, era uma
revolta escrava naquele local, em decorrência da aglomeração dos cativos na área central:
Estavam pouco preocupadas com o fetichismo” dos negros. Tanto isto é
possível que, durante os períodos de intranqüilidade
5
, essa tolerância
condicional era imediatamente suprimida através de leis reeditadas de
períodos anteriores, em que tentou limitar a celebração dos batuques fora
das vilas. (ASSUNÇÃO, 1999, p.02)
Os conflitos entre autoridades e bumba serão melhor explanados no capitulo
seguinte.
Ademais, traçando um certo paralelo histórico, ouvimos muito falar da figura
emblemática deste protagonista das manifestações populares o boi, na historiografia, desde
o período dos engenhos, em que a figura deste animal era muito presente no auxílio à mão-
de-obra escrava, com a força motriz, talvez, antes mesmo de chegar a ser transposto para o
campo cultural de folguedos, com o nome de Bumba-boi.
, inclusive, fatos inusitados, que mais soam como cômicos. A exemplo do que
ocorreu em Recife-PE, durante o período do governo holandês de Mauricio de Nassau, que se
apropriou deste lendário folguedo e da admiração de certa parcela da populão para com o
boi, em prol de intentos políticos, e daí fez surgir a história do “boi voador”. Historia essa,
ocorrida da seguinte forma: os curiosos que queriam ver o boi, almejando saciar sua
curiosidade, deveriam pagar um taxa para cruzar a ponte sobre o Rio Capibaribe.
6
Frisando,
neste contexto, que o boi exposto deste modo existiu, porém, era uma espécie de “truque”
que foi utilizado para que o mesmo ficasse suspenso, dando a impressão de que o animal
estaria voando. Posteriormente, esse episódio, na história de Recife-PE, passou a fazer parte
de uma composição criada por Chico Buarque e Ruy Guerra, que mais parece com uma
”estória”, mas, de fato, aconteceu:
5
Momentos de conflitos políticos e sociais.
6
Especulava-se que, em virtude de tal feito, tenha sido ele, Mauricio de Nassau, o possível inventor do pedágio
no Brasil, pois é um dos registros mais antigos que se tem em relação a tais práticas.
23
O boi voador foi uma invenção de Mauricio de Nassau, que voou de fato no
céu de Recife em 28 de fevereiro de 1644[...] que precisava de recurso para
financiar uma ponte sobre o rio Capibaribe que mandou construir. Preparou
então uma grande festa, e anunciou que no final da tarde o boi iria voar. Seu
plano incluía a cobrança de uma determinada quantia a quem atravessasse a
ponte para ver o espetáculo. (NOSSA HISTORIA, 2004, p.89).
Retomando a discussão da origem, a tese de que o boi seria originário do engenho, é
reforçada pelo folclorista brasileiro Abelardo Brandão, que discorda de sua origem sertaneja.
Embora reconheça a forte presença do boi entre os sertanejos, ou melhor, entre os vaqueiros,
afirma que a brincadeira o brotou desse meio: [...]que o folguedo do Boi, não era
originário do sertão, mas do engenho, com efeito, em todas as atividades direcionada ao
engenho a figura do boi estava presente , seja na cana de açúcar, algodão, pastagem , via-se
a figura do boi.”. (BRANDÃO,1974, p.15)
Por esta razão, notamos grande aproximão entre o boi e o escravo, devido às
atividades executadas no interior dos engenhos, principalmente como força motriz. Porém,
fica uma grande indagação, se procuramos investigar o que era sertão, naquele momento, e
onde os engenhos do Nordeste se instalavam. Seria apenas no litoral? Era no sertão que era
praticada a criação do gado O cultivo do algodão, as pastagens? Enfim, era o sertão que
abastecia os engenhos, por isso é provável que a circulação de escravos nesses espaços
também fosse muito freqüente, tornando obscuras as fronteiras entre estes espaços e as
práticas culturais que aí se desenrolavam.
Real Barros, ao discutir a trilogia patrão, escravo e boi, fala da interação entre o boi
e o escravo. Segundo ele, na relação de opressão estabelecida entre senhor e escravo, muitas
vezes, o boi era um espécie de confidente mudo, um amigo na vida do escravo e que escutava
suas agruras sem reclamar. A festança, por sua vez, seria uma homenagem a esta prática de
companheirismo do boi para com o negro escravo:
O Boi para o negro trabalhador era uma espécie de confidente mudo em que
ele descarregava todos os seus momentos de angustia e aflição, e os raros
momentos de júbilo e contentamento. E foi isto que fez o escravo perpetuar
a memória do companheiro, no auto popular por excelência das pândegas
nordestina. (REAL, 1982, p.20).
Talvez estas manifestações possam ser interpretadas, ainda, de dois modos: primeiro,
como uma espécie de terapia, no sentido de alívio, para o trabalho exaustivo realizado pelos
negros; e segundo, por ser uma forma de resistência, de manifestação de vida num ambiente
de “morte”, que era a situação de sofrimento vivenciada no cotidiano dos negros cativos.
24
Essas são algumas possibilidades que podem contribuir para a compreensão do
significado deste folguedo, trazida a nós pelos cacos de passeidade”, vestígios do passado,
como nos lembra uma historiadora, quando diz: que ao analisar esses cacos, podemos pelo
menos tentar preencher os possíveis vazios que foram negligenciados, em outras análises.
(PESAVENTO, 1995, p.21).
O passado é mutável e, portanto, a análise hisrica é um campo de possibilidades
que precisa ser experimentado pelo historiador, como afirma Hobsbawm quando diz:
A crença de que a sociedade tradicional seja estática e imutável é mito da
ciência social vulgar. Não obstante até um certo ponto de mudança ela pode
permanecer tradicional: o molde do passado continua a modelar o presente ,
ou assim se imagina [...] o domínio do passado não implica uma imobilidade
social .(HOBSBAWM, 1988, p.24).
A representação do Bumba-meu-boi assume diferentes formas em virtude da
amplitude do seu campo cultural. De acordo com Real Barros, podemos classifi-lo como:
farsa, drama, teatro, folguedo popular, tragédia, teatro, drama, auto, sátira e folgança.
(LEAL, 1982, p.21).
Em São Luís, em relação ao folguedo popular de bumba-meu-boi, que data do final
do século XIX e inicio do século XX, as elites - locais municipais e estaduais-, aproveitavam
toda e qualquer oportunidade para transmitirem à sociedade a imagem da brincadeira como
sendo uma simples representação sem significação; e de que os manifestantes populares, por
se encontrarem postos à margem da sociedade, por isso, não mereciam a nima atenção.
Todavia, contrariando essa falácia, o que se via era uma postura de preocupação por parte das
elites. É tão verdade, que as mesmas davam tanta atenção ao bumba-boi, que chegavam ao
ponto de criarem leis, no intuito de reprimirem as manifestações.
A brincadeira sofria uma dupla exclusão: primeiro, por se encontrar nas áreas que
correspondem aos subúrbios, o que já implicava no seu desprezo pelas camadas sociais
superiores, no caso, as elites; segundo, por ser proveniente do meio social dos escravos e/ou
seus descendentes, outros marginalizados, não por residirem à margem da sociedade, mas
pela sua etnia e a associão produzida pelo sistema colonial, entre cor e escravidão.
Porém, embasados numa perspectiva mais ampla de historiografia, a Historia Social,
pretendemos trazer à tona esses sujeitos sociais “[...] pessoas que ao longo da história, fora
do seu bairro, apenas têm entrado para a história como indivíduos no registro de nascimento,
casamento e morte(HOBSBAWM, 1998, p.21). Soma-se a esse pensamento o de M. Izilda
Matos, quando propõe fazer florescer sujeitos anônimos, tirando-os deste estágio posto pela
25
historiografia tradicional, que se centrava nos “grandes homens”. O nosso intuito, como
sugere a historiadora, foi:
[...] Promover a descentralização dos sujeitos históricos e a descoberta das
“histórias de gente sem história”, procurando articular experiências e
aspirações de gentes aos quais se negou lugar e voz dentro do discurso
histórico convencional.(MATOS, 2002, p.24)
As proposições acima serão discutidas no capitulo seguinte, em que se trata de
apontar os conflitos socioculturais vivenciados entre centro e subúrbio.
2.2 A visão dos populares
ainda outras versões sobre a origem e o significado do Bumba-meu-boi, que
agora visões de origem popular. Aqui entendidas como idéias transmitidas, tradicionalmente,
pela oralidade, entre os praticantes da brincadeira ou no meio em que ela se realiza.
Segundo essas versões, encontradas em alguns autores, a exemplo de Vinicius Barros
e José Ribamar Reis, que circulam principalmente no Nordeste, quase uma unanimidade
em relação ao local de origem do folguedo. Uns afirmam ter surgido entre os escravos, no
Ceará, mais precisamente, no eixo Ceará Pernambuco, na Estrada das Boiadas, onde os
cativos aguardavam para serem transportados para seus locais de trabalho. Nesse intervalo,
executavam a prática da brincadeira. Esta, posteriormente, teria se irradiado para o Piauí, em
seguida, para o Maranhão e, na seqüência, para a Amazônia.
Contudo, descobrimos, no decorrer da nossa pesquisa, que esta visão não é muito
aceita pelos populares no Maranhão. Percebemos, nesse momento, um certo “bairrismodo
povo em querer exaltar a localidade do Maranhão como precursora da brincadeira. Apesar de
uma certa unanimidade dos populares em admitirem a vinculação com o ciclo do gado,
prevalece, de certa forma, uma rivalidade entre os populares saudosistas, ao quererem
valorizar a sua região, tendo em vista que o folguedo é tradicional e espalhado por todo o pais,
sob diferentes nomes.
Voltando para a questão do surgimento, esmiuçando mais os pontos de vista acerca
do assunto, encontramos o de Jode Ribamar Sousa Reis, que admite essa influência do
engenho vinculada também às atividades da pecuária: “O Bumba-meu-Boi originou-se das
26
atividades ligadas à pecuária, advindo da brincadeira de escravos na fazenda e no engenho.
A brincadeira iniciou-se no Maranhão, provavelmente nos últimos anos do século XVIII.
(REIS, 1980, p.06)
, tanto na visão popular, quanto no ponto de vista de alguns teóricos, mais na
concepção popular, uma tendência em favorecer, ou melhor, apresentar uma postura que
venha a exaltar o seu local de origem. Não se quer, com isso, afirmar a inexistência de
“Bumbas em outros locais. Com efeito, não apenas os populares, mas os próprios
intelectuais, ao tratarem da historia local, descrevem-na, algumas vezes, de forma epopéica no
intuito de exaltar a sua localidade. Essa postura ufanista era uma prática muito comum entre
os historiadores no século XX.
No campo histórico-cultural, em que é descrito o surgimento deste auto, esta
rivalidade entre os populares é justamente a busca de enaltecer o figurante principal do seu
lugar, a exemplo das indumentárias do Boi. No Maranhão, especificamente em São Luís, as
pessoas crêem que a brincadeira fora proveniente dos escravos, por essa razão, em sua trama,
apresenta-se a lenda de Pai Francisco e “Mãe Catirina”, sobre a qual circulam várias versões
do suposto “mito”, por intermédio da oralidade.
A empatia dos populares, em relação ao Bumba-meu-boi, era tal que chegavam a
aflorar sentimentos de rivalidade entre os participantes. Desavenças essas que, muitas das
vezes, evoluíam para a violência. Em São Luis, a rivalidade chegou a atingir proporções
amplas, a ponto das manifestações da brincadeira serem repudiadas e perseguidas pelas
autoridades locais, que impunham seus valores e manipulavam os discursos sociais do
período (século XIX e início do século XX).
Nestes discursos sagazes, aproveitavam-se as autoridades de todos os elementos
persuasivos e coercitivos, para legitimarem a argumentação de que as brincadeiras
incentivavam a violência. Tal argumentação baseava-se na idéia de que os encontros dos
cordões de Bumba-meu-boi sempre causavam algum tumulto, conforme depoimento
fornecido por um popular:
As brigas davam-se, às vezes, entre os bois aqui na Maioba mesmo. Por
exemplo, entre o Vassoural e Pindoba, Tapera. A ignorância era muito
grande. Certa vez, estava sentado lá na porta de Antero, defronte da Igreja de
São Benedito. Conferi dezoito cavalos que vinham do Iguaíba, carregando
cacetes e foices para brigar com o boi da Maioba. Hoje em dia não mais
isso, mas aquele povo antigo, não sei o que passava pela cabeça
deles..(MEMORIA DE VELHOS, 1999, p.167-168)
27
O sentimento de amor pela brincadeira era tão imenso que, em alguns casos, incorria
em exagero, a ponto de o fanatismo consumir os participantes, a exemplo do que foi citado.
Ainda na sua fala, o depoente traça até um paralelo com o contexto atual ao relatar que os
participantes de outrora admiravam, de fato, a brincadeira, em contraste com a realidade
presente em que o povo não manifesta sequer o mínimo de sentimento de prazer pela mesma,
desfila na brincadeira apenas por interesse econômico. Na atualidade, uma considerável
parcela de brincantes de bumba-boi, na Capital maranhense, acompanha os cordões se
receberem pagamentos.
Analisando essa fala, nos vem à mente o pensamento de Hobsbawm, já citado, de que,
na ausência de um presente satisfatório, busca-se no passado esse sentido, de forma
nostálgica.
Em conseqüência destes episódios, talvez esporádicos, os sentimentos de aversão, por
parte das elites locais, etnocêntricas, tenderiam a aumentar e, proporcionalmente, as
perseguições ao folguedo e o repúdio aos participantes, também. Esses populares não eram
vistos com bons olhos, tanto pelo governo municipal, como pelas elites locais. Mesmo
quando as apresentações e ou ensaios do bumba-meu-boi transcorriam na mais perfeita
ordem. Ordem: era o que as autoridades exigiam dos brincantes. Imaginamos os impactos
dos discursos engendrados no meio social, quando as apresentações eram seguidas de
violência, a julgar pelo descrito.
Eis o porquê das brincadeiras de bumba-meu-boi se restringirem às áreas periféricas
da capital e passíveis, muitas vezes, de monitoramento policial. As manifestações ficavam
restritas à periferia, não por concessões das autoridades governamentais, mas pelo fato de, nos
arrabaldes da ilha, ser mais difícil contê-las. Em meio a esse movediço terreno, seguiu o
bumba-boi, resistindo, driblando e criando estratégias para desfilar pelas ruas da capital
maranhense, durante o período junino.
Entende-se o conceito de resistência, em nosso trabalho, não apenas como algo
físico, mas numa esfera mais transcendente, a simlica, onde os manifestantes souberam
apropriar-se das brechas deixadas pelas autoridades. O exemplo das licenças perante a
Secretaria de Polícia do estado do Maranhão pode significar aí tanto uma pequena brecha
como possibilidade de resistência, afinal, solicitar uma licea demonstrava o interesses de
muitos populares em colocarem suas brincadeiras nas ruas, sem transgredirem a lei, embora,
na maioria das vezes, esta mesma fosse criada tendenciosamente, para o se aceitarem as
manifestações populares.
28
2.3 - O Auto com Pai Francisco e Catirina ou Catarina”
Analisar, mesmo que de forma sumária, a trama que gira em torno do auto da
brincadeira de Bumba-meu-boi, além de ser um ponto crucial, aguça-nos a tentar configurar
as relações que se desdobram no interior da brincadeira.
Sabe-se que essa manifestação popular existe no Brasil de norte a sul e de leste a
oeste. Essa versão do auto popular vai ganhando características e formas peculiares, conforme
as regiões. Percebe-se inclusive, a variação dos nomes dos personagens. Por exemplo, o boi,
em alguns locais, recebe o nome de Mimoso, Estrela e Barroso etc.; estudiosos, como
Azevedo Neto (1997), que dizem que o nome mais conhecido dado a essa figura emblemática,
seria o Boi Barroso. Enfim, muda-se o nome de acordo com a região, todavia, o enredo da
estória pouco muda, embora tenha variantes
O que em comum, nos depoimentos sobre o assunto, são os personagens da
brincadeira: boi, negro Chico, negra Catirina/ Catarina, entre outros.
Conforme Azevedo Neto (IDEM), no auto original, não se sabe quem é o personagem
central: se Pai Francisco ou se é o boi. Uns dizem que contava a estória de um boi que foi
furtado por Chico, enquanto outros dizem que narrava a estória de Chico, que foi obrigado a
furtar um boi.
A festança do Bumba-meu-boi é uma espécie de ópera popular, da lenda desenvolvida
em torno de um fazendeiro que possuía um boi muito bonito, de raça, muito querido por
todos, e que, inclusive, sabia dançar. Na fazenda, trabalhava pai Chico, também chamado
“negro Chico”, casado com Catirina. Também residiam os vaqueiros e os índios. Catirina fica
grávida e sente desejo de comer a ngua do boi. Com medo de que a mulher perdesse o filho,
caso o desejo o fosse atendido, o negro Chico resolve roubar o boi mais bonito de seu
patrão, para satisfazer ao desejo de Catirina.
O fazendeiro percebe o sumiço do boi e de pai Chico e manda os vaqueiros
procurarem-no. Sem sucesso na investida, o fazendeiro pede para os índios que o ajudem na
busca. Os índios conseguem encontrar pai Chico e o boi que, neste intervalo, havia
adormecido. Os índios levam pai Chico e o boi à presença do fazendeiro, que, por sua vez,
questiona o “nego Chicosobre o acontecimento e descobre o porquê dele ter feito aquilo. O
fazendeiro, preocupado, pede auxílio aos pas e doutores, até que estes conseguem curar o
boi. Na medida em que é curado, o boi se levanta dançando alegremente, por conseguinte, o
fazendeiro perdoa “pai Francisco” e tudo termina em festa.
29
Há outras versões acerca da narrativa do auto da brincadeira de bumba-meu-boi.
Embora haja discordância da primeira versão citada, apresentam os mesmos
elementos/personagens, mudando apenas a escala de observação. Cabe-nos frisar que, apesar
das versões serem as mais diversas, do ponto de vista da narrativa, elas coincidem sempre na
relação entre Negro Chico e o boi, perpetuando essa cumplicidade entre estes dois
personagens.
A estória é relevante e de uma incomensurável riqueza cultural. O imaginário em
torno da lenda aponta para muitas possibilidades. O roubar, por exemplo, poderia ser
entendido como uma afronta ao patrão.
em outro ponto vista, sobre o auto, a julgar pelo que extraímos do texto produzido
por Azevedo Neto, em uma entrevista com um amo
7
de Bumba-meu-boi, o depoente,
profundo conhecedor das coisas e dos acontecimentos do boi, relata assim: um homem
chamado Francisco era conhecido como honesto, sério e correto. Não acreditando nisto, os
amigos de seu patrão fizeram com este uma aposta, onde empenharam as próprias fazendas
com tudo o que nelas houvesse. A aposta era colocar Francisco numa situação onde a verdade
seria a vergonha, e a mentira, a salvação. O patrão dizia: “que ele falaria a verdade.” Os
amigos respondiam: “ele vai mentir”. Resolveram, então, armar a cilada.
Pai Francisco cuidava particularmente, além do gado todo, de um
belo touro chamado Barroso. Este Touro, entre outras coisas, sabia dançar.
Era o mimo da fazenda, o agrado do senhor.
Chamaram Catirina, mulher de Chico, mulata de beleza falada e
cantada na região:
- que te parece Chico, Catirina?
-Homem dos mais direitos.
- Gostas dele?
- A mais não poder.
- Pois vai até ele te faz de grávida dele e diz, depois que estás com
desejo de comer a Língua do Boi Barroso.
- Língua de Boi barroso?!
- Sim. E não assunte.
Catirina, assustada, atendeu porque o próprio dono do boi lhe
falava. E, portanto, se assim foi dito assim foi feito.
- Língua de Barroso, Catirina?
- Sim, meu homem, língua de Boi Barroso. É desejo.
Pressionado por Catirina, Chico, armado de espingarda, matou boi
Barroso. Matou Boi Barroso. Tirou-lhe a língua e deu-a de comer a Catirina.
O fato acontecido ficaram todos à espera da iniciativa de Chico:
Falaria a verdade ou mentira?
7
Amo de Bumba-boi é o responsável pela brincadeira, em alguns casos, chega a ser o proprietário da mesma.
Este amo da entrevista é o Sr. Leonel, que saía com as brincadeiras mais de 70 anos, 2003, quando foi
entrevistado.
30
Na madrugada, antes do sol de fora, Chico selou o cavalo e, cabeça
descoberta, partiu em galope em dirão à casa-grande. A certa altura parou
e buscou uma forma de contar o ocorrido a seu amo:
- Patrão, Boi Barroso entrou no Paul, enterrou na lama e morreu.
Insatisfeito, tornou a partir a galope. Parou de novo:
- Patrão, Boi Barroso pastava quando, quando de uma capoeira, saiu
uma cascavel e mordeu o boi Barroso, o bicho babou escumou e morreu.
Outra vez não gostou. Apertou as esporas recomeçou a corrida em
direção à casa-grande, cada vez mais perto. Voltou a parar:
- Patrão, Boi Barroso passava pela mata quando um ipê, sacudido
pelo vento, quebrou e caiu em cima dele. Boi Barroso morreu.
Novamente achou tolice. Recomeçou o galope e avistou a fazenda.
Chegou e apeou:
- Meu amo, Catirina estava com desejo de comer a língua de boi
Barroso. Atirei no Boi, cortei a língua e dei para ela comer. Aqui estou
esperando sua palavra e seu castigo. (AZEVEDO NETO, 1997, p. 75-76)
No transcurso de nossas pesquisas, encontramos uma versão parecida à observada por
Azevedo Neto, do ponto de vista da narrativa, relatada por um popular atuante, chamado Zé
Toinho, amo do Bumba-meu-boi da Madre Deus.
Dois fazendeiros fizeram um acordo, sendo que um deles alegou que
tinha um negro honesto, eis o porquê do sucesso de sua fazenda, o outro
fazendeiro duvidando disse:
- todos os negros o iguais o safados, não existe honestidade por
parte deles!
Resolveram então, firmar o trato, o fazendeiro desafiante, pegou a
negra mais bonita da fazenda, para conquistar o escravo e pedir a ngua do
boi. A negra conseguiu conquistar o negro Chico e conforme o combinado,
sentiu desejo de comer a Língua do boi. Apesar da resistência por parte de
negro Chico, ele acabou matando o boi, para satisfazer o desejo da
companheira. Daí em diante todos os dias o patrão perguntava pela língua do
boi , e o negro Chico apavorado e temendo qualquer retaliação, ficava a se
questionar o que viria a fazer?
-- não sei o que vou dizer para o meu patrão.
E a negra Catirina ironicamente apenas sorria, como se zombasse de
Negro Chico.
E o patrão incessantemente tornava a perguntar na esperança que
Negro Chico lhe dissesse a verdade:
- como vai o meu mimoso, Chico?
Diante dessa situação incomoda, sem mais saber o que inventar para
seu patrão negro Chico abre o jogo e resolveu confessar tudo:
- Patrão eu matei seu boi preferido, pois minha mulher alegou está
grávida desejou comer a língua do boi. E o senhor sabe, mulher quando
senti desejo nesse período o mesmo deve ser cumprido.
O fazendeiro apesar de ter perdido a aposta disse:
- Eu tenho um negro honesto.
O outro fazendeiro ganhador da aposta não se conteve e solidarizou e
rompeu com sua visão estigmatizante para como o negro. (ENTREVISTA.
Toinho, Amo do Bumba-Boi da Madre de Deus, 75 anos. jul. 2006)
31
Sutilmente, é possível notar o estereótipo projetado sobre os negros que, a posteriori,
será projetado sobre as suas festanças. Essas brincadeiras só eram aceitas - ou talvez, a melhor
expressão para este período fosse toleradas-, apenas no mês de junho, isso em São Luis-MA,
pois temos relatos que nos informam sobre apresentações de Bumba-meu-boi em outras datas,
a exemplo dos reisados, no período natalino, e, inclusive, nos períodos carnavalescos, em
outros estados brasileiros. E em locais afastados do perímetro urbano, nos arrabaldes da
capital. Não pensemos ser isso uma concessão por parte das elites governamentais, pelo
contrário, as danças se apresentavam nesses locais por ser mais difícil contê-las.
Contar as hisrias desses sujeitos, como lembra Thompson (1997), é dar voz e vez
aos oprimidos, tantas vezes excluídos da historiografia tradicional. A oralidade destes
populares, ao contarem essas micro-histórias, pode nos dizer muito sobre a hisria de São
Luís, no período que estamos estudando.
Nossa pesquisa não envereda pela memória oral, tendo em vista que colher
depoimentos de pessoas que foram testemunhas oculares do período abordado por esta
pesquisa, que se delimita nos fins do século XIX e inicio do século XX,seria possível se as
mesmas estivessem vivas, algo praticamente impossível. Para contornar esse empecilho, nos
baseamos no Livro Memória de Velhos (1999), que colhe depoimentos de filhos, parentes
e/ou amigos dos brincantes de Bumba-boi do início do século XX. Sob essa ótica, então, foi-
nos possível especular e desvelar o que tramitava nos bastidores da brincadeira.
2.4 - Sotaques do Bumba-meu-boi
Os sotaques que vamos apresentar neste item, surgem posteriormente ao nosso
recorte temporal. Contudo, pensamos ser pertinente apresentá-los para dar uma idéia do
significado do Bumba-meu-boi para a cultura ludovicense, no momento atual, em que as suas
expressões deixam de ser perseguidas e viram símbolos culturais do estado do Maranhão.
Esta questão de sotaque, substancialmente, significa roupas, vestimentas, no caso,
conhecidas como indumentárias, pelos participantes da brincadeira, além de estilo e toadas.
Justamente, esta questão vem mexer muito com os aspectos socioculturais. Vejamos, acerca
32
dos cincos sotaques que existem na região do Maranhão, que há grande discussão dos
pesquisadores sobre o conceito dos sotaques e a proveniência dos mesmos. Para Bueno,
Sotaque é o termo usado no Maranhão para designar o estilo de Bumba-boi
conforme a origem local , e abrange a lírica das toadas com sua maneira de
cantar, a instrumentação musical com sua maneira de tocar e a indumenria
com sua maneira de dançar e de atuar. (BUENO, 1999, p.32)
No entanto, como foi dito, no período de fins do século XIX e início do século XX,
ainda não existia, de forma definida, esse termo, sotaque. Mas, partindo da iia que os
brincantes, naquele período, eram negros e perseguidos, se fossemos enquadrar a brincadeira
nestas classificações, a que melhor lhe caberia, seriam os sotaques de Matraca e Zabumba,
isso a nível do estado do Maranhão.
Para Carlos Lima, o sotaque mais antigo é o de Zabumba, uma vez que o mesmo
surge com auxilio de tambores grandes. Ora, sabemos que o tambor é de origem milenar, cuja
data se perde no tempo, sendo este instrumento utilizado pelos indígenas, negros e brancos. O
autor reforça o pioneirismo deste instrumento:
O Tambor é, pois, inquestionável, muito anterior a tal manifestação
folclórica como o bumba-meu-boi. Daí sermos levados a concluir que o boi
de zabumba é o mais antigo e, por conseguinte, o mais autêntico, a porque,
nas mais velhas referências, a brincadeira dele é descrita como divertimento
de negros [...] Não é preciso grande conhecimento de história e folclore para
sentir que dos três estilos (Zabumba, Matraca e Orquestra), ele é o mais
primitivo, o mais pobre melodicamente, o mais África, o mais chão.
Tão forte é a influência do zabumba, que a expressão bumba deu nome ao
bumba-meu-boi, segundo os filólogos, onomatopaicamente, a batida da
baqueta do bumbo. (LIMA, 1996, p.03)
No Maranhão, ao que se sabe, o Boi de Zabumba é oriundo da Baixada maranhense,
e, se quisermos situá-lo mais adequadamente, na cidade de Guimarães. Carlos Lima, tamm
nesse mesmo artigo, volta a confirmar a antigüidade do Boi de Zabumba, sendo os mais
antigos os de São Luis, os de Seu Misico, na Vila Passos
8
, os de Analio e Laurentino.
8
Um bairro de São Luis-MA.
33
Introduziram na folgança deste ano um repinicado de matracas com
acompanhamento de uns gritos estólidos e dissonantes que me arrepiaram a
carne de ouvi-los, sem a mínima lembrança de que outrora usassem de
tais cousas as figuras do boi. (LIMA, 1966, p.02)
Então, percebemos que, inicialmente, não havia a existência das matracas na
brincadeira de boi, o que serve, ainda mais, para reforçar o primeiro estilo deste folguedo.
Mas também vale ressaltar, nessa citação, o aparecimento de novos instrumentos para a
festança, fruto da dinâmica social e cultural pela qual passa a sociedade, o que enriquece a
manifestação mais ainda. Provavelmente, nesse período da segunda metade do século XIX,
tenha surgido o sotaque de Matraca, embora não com esse termo sotaque, uma vez que essa
nomenclatura é posterior.
Fruto dessas mudanças, mas bem posterior a esses dois estilos, surge o de Orquestra,
que muitos estudiosos consideram como uma versão mais elitizada. Percebe-se, pelas suas
indumentárias e os próprios instrumentos, que despreza os antigos tambores grandes e faz
concorrência com o Boi de Zabumba. Poderia, então, ser uma apropriação de elementos
populares pela elite, modificando ou adequando-os aos seus moldes de civilizada. Mas a
força da tradição popular é tão extraordinária que, por maiores que sejam a violência, ou o
descrédito, dada por morta, ela renasce, segundo Carlos Lima. Desse modo, percebemos o
pretexto de uma certa camada social em tentar ocultar uma suposta barbárie, modificando-a,
uma vez que não consegue contê-la.
Atualmente, os sotaques de Bumba-meu-boi no Maranhão são em numero de cinco.
Enumeramos abaixo os mesmos:
Sotaque de Zabumba, considerado o mais antigo, e comprovado que foi fundado
pelos escravos, devido aos seus instrumentos, como tambores e outros. É perceptível, de
modo marcante, a figura do escravo, ou seja, a sua representação. se encontra este sotaque
em certo abandono, são muito poucos os Bumba-bois deste estilo. Resistem devido à força
dos populares, que encaram a brincadeira de forma bastante séria.
Sotaque de Matraca (da ilha) - É de influência indígena. Usa-se matracas e é
acompanhado de pandeirões e indumentárias próprias desse sotaque, ele é composto por
personagens como o vaqueiro, índias, caboclo de pena, ou caboclo real.
34
Sotaque de Orquestra - de Inflncia euroia, e portanto, o mais recente, as
indumentárias são mais luxuosas. Conta com a atuação da elite, interagindo muito nesta área
do folguedo. Os instrumentos variam desde saxofones, instrumentos de sopro, até os de corda.
Sotaque de Costa de Mão - existe em Cururupu. Nesta cidade, especula-se que
tudo isso começou devido às paixões dos habitantes da localidade pela folgança popular.
Como os mesmos passavam todo o dia trabalhando de modo intenso, à noite, durante os
ensaios, as mãos se encontravam muito exaustas devido à labuta intensa, por isso, resolveram
tocar os pandeirões com as costas das mãos, daí a origem deste nome, bastante popular e, por
conseguinte, criado pela figura destes anônimos, conhecidos por brincantes e amantes deste
folguedo. Os principais instrumentos são os ditos pandeirões.
Sotaque da Baixada - Como o próprio nome diz, ocorre na Baixada do Maranhão,
nas cidades de Viana, Guimarães, São João Batista e outros lugares. Possui suas
indumentárias parecidas com as do Sotaque de Matraca.
Além desses, existe um boi de Humberto de Campos
9
, conhecido popularmente
como o “famosão”. É um boi com dimensões enormes, que foge ao padrão dos outros, e o
miolo
10
dele é composto por mais de uma pessoa. Todos esses sotaques são uma forma de
manifestação dos populares (povão), que pode ser interpretada de diversos modos, desde
revolta, até diversão.
2.4.1 - Impasses sobre o Conceito de Sotaque
Dando prosseguimento à problemática discussão sobre o conceito de sotaques,
anteriormente posta, notou-se uma serie de conflitos do ponto de vista teórico.
Destacamos dois grupos de estudiosos debatendo-se sobre essa questão: de um lado,
os que concordam com o termo sotaque; por outro lado, os estudiosos que não se sentem
confortáveis em utilizarem o conceito no sentido em vigor, considerando-o muito
generalizante, ao dar dimensões além do que o próprio termo pode comportar.
9
Um cidade localizada ao leste de São Luis - MA, aproximadamente a 264 km da Capital.
10
Este figurante é de grande importância para a brincadeira de Bumba-meu-boi, entretanto; não aparece. Trata-se
do homem que brinca debaixo do boi. Não resta duvida que é um estilista; tem que ser ágil, possuir a
intuitividade da harmonia e estatura mediana, para evoluir na cadência exigida. Atualmente, na cidade de São
Luis-MA, existe um projeto visando homenagear o Miolo. Um determinado dia no mês, saem a desfilar pelas
ruas da capital esse ilustre personagem da brincadeira de Bumba-boi, que, durante as festas juninas, fica no
anonimato.
35
Nesse item, nossas discussões estão centradas sobre o segundo ponto, tendo em vista
termos relatado, de modo sumário, no sub-item anterior, um possível conceito de sotaque
que se aproxima do pensamento dos que concordam com a aplicação do termo.
O fato de alguns teóricos não aceitarem o conceito de sotaque, da forma que é
apresentado, não implica dizer que os mesmos sejam céticos quanto a estes conceitos. Na
verdade, apenas vêem como simplista essa divisão do bumba-meu-boi que se convencionou
utilizar no Maranhão, em cinco sotaques.
Para estes pesquisadores, os conceitos de sotaques são de uma fraqueza teórica
incomensurável. Por essa razão, faz-se necessária uma análise de conjuntura sobre os
mesmos, na inteão de ampliar a concepção reducionista e generalizante atribuída a eles.
Contrapondo-se ao primeiro grupo de estudiosos, o pesquisador Azevedo Neto tenta
dar uma dimensão maior ao conceito, ao propor: a divisão em grupos e subgrupos. Somente
após a divisão inicial, seria possível identificar-se os sotaques.
Para falar de sotaque é preciso, primeiramente, deixar claro que o
termo, no sentido em que é geralmente usado, não satisfaz.
No sentido primeiro, sotaque é, entre os brincantes de boi, sinônimo
de ritmo. Por extensão, define-se sotaque como estilo de bumba-meu-boi.
Correto. Agrupam, no entanto, todos os bois em apenas quatro ou cinco
sotaques, dando à palavra uma dimensão que ela não tem. Melhor será
dividir o Bumba-meu-boi do Maranhão em grupos. Dividir depois, os grupos
em subgrupos e estes, finalmente em sotaques. a palavra sotaque terá o
peso que adquiriu por extensão. (AZEVEDO NETO, 1997, p.24)
De fato, o autor, ao propor a divisão, dinamiza o conceito ao torná-lo mais amplo,
visando superar a outra concepção, por ele considerada simplista e reducionista. Nota-se,
também, que essa divisão não se detém em sistematizar os bumba-bois em categorias
estruturais estáticas, mas dinâmicas, a partir do momento que em apresenta um fio condutor
que interliga os conceitos de grupo, subgrupos e sotaques, de modo que os conceitos
contemplem uns aos outros, estabelecendo uma relação de constante diálogo entre as partes.
Porém, o autor toca em pontos interessantes, que, no primeiro momento, apenas com a
citação, talvez não consigamos identificar. Por exemplo, o que são grupos e subgrupos? Para
o autor, grupo seria: a influência maior e primeira, nos instrumentos utilizados, batida básica
da bateria? Na idéia central do guarda-roupa?
Subgrupos são as várias derivações dos grupos, cada uma apresentando alterações,
pequenas ou grandes, dentro daquele conjunto de características, em obediência às inflncias
de sua região de origem. É o estilo de uma determinada região. Subgrupo é o estilo regional.
36
Para melhor entendimento, utilizaremos o esquema exposto pelo autor, com a intenção de
entender o seu pensamento.
Fonte: AZEVEDO NETO,1997
A julgar pela forma de pensar do autor, sotaque seria, primeiramente, uma divisão de
cunho étnico, a qual o autor divide em três grupos macros, para, em seguida, qualificar em
subgrupos e por último, cita o termo sotaque como algo peculiar e individual de cada
subgrupo.
Já se há dito e escrito que, no Maranhão, existem quatro ou cinco sotaques de bumba-
meu-boi. É uma precipitação. Partindo da idéia de que as características do ritmo, do guarda-
roupa e dos instrumentos utilizados é que determinam o agrupamento de bois num mesmo
sotaque, então se de concluir que cada conjunto é um sotaque, uma vez que não existem
bois exatamente iguais
Lançando um olhar histórico ao recorte temporal de nossa pesquisa, a palavra sotaque
ainda não era comum, estava em processo de construção para somente ser proferida, pela
primeira vez, em meados do século XX.
37
Observa-se que existiam instrumentos comuns a todos no século XIX. Afinal, não
havia matracas, zabumbas. Havia apenas caixas mais altas ou mais baixas para se obter sons
mais agudos ou mais graves. Os conjuntos diferenciavam-se entre si, principalmente, pelo
ritmo e pela elaboração dos passos.
38
CAPITULO III - A CIDADE DE SÃO LUIS MA (1890-1920)
A princípio, na tentativa de melhor aproximar o leitor da história da cidade, faremos
uma breve análise sobre a situação da capital maranhense na época delimitada no estudo. Este
prólogo deve-se à dificuldade de discorrer sobre as brincadeiras de Bumbameu-boi,
negligenciando a historia local. Nesses termos, procuramos nos ater a alguns pontos do
cotidiano ludovicense, almejando historicizar a cidade a partir do Bumba-meu-boi. A
transformação vivenciada pela História, em função dos alargamentos no campo
historiográfico, possibilita-nos a reconstrução de sujeitos históricos que, por muito tempo,
foram silenciados pela historiografia tradicional. Assim, os brincantes de Bumba-meuboi, no
período de trânsito dos fins do século XIX para o inicio do século XX, que, diante de
situações adversas, souberam criar/desenvolver estratégias de resistência, insistindo em
desfilar sua brincadeira pelas ruas da cidade, ganham espaço nesse trabalho, saindo de trás das
cortinas, mostrando suas faces enquanto protagonistas da historia, obtendo voz e vez.
Iniciamos abordando os aspectos históricos da capital maranhense, pormenorizando
fatos cotidianos, criando um elo entre o nosso tema e a cidade, na época referente ao estudo,
buscando um chão histórico que permita concretizar a idéia desse trabalho. Com efeito, a
cidade (no sentido físico e social) nos suporte, quando vista como o lócus dos
acontecimentos, o local das apresentações dos cordões. No contexto de aproximação entre os
populares e a cidade, cria-se uma relação de cumplicidade, uma vez que não é viável discorrer
sobre os populares negligenciando a cidade, e vice-versa, embora a historiografia tradicional
tenha, sem sucesso, feito isso.
3.1 - São Luis na Transição do regime Imperial para o Republicano
Sabemos que o período dos fins do século XIX e transição para o século XX foi
marcado por grandes acontecimentos, a nível nacional, mudanças significativas no cenário
sociopotico, com destaque para a abolição da escravatura e a instauração da República, que,
teoricamente, possibilitaria maior inclusão social, tornando a sociedade mais democrática. A
abolição foi um destes exemplos marcantes, fato que a imprensa de São Luis enfatizava
veementemente, em suas colunas drias, sobretudo, pelos jornais que se autodenominavam
imparciais, como o exemplo a seguir:
39
Em regosigo (sic.) pela extincção da escravidão no Brasil, Sahirá hoje,
depois de magna sessão, uma grande passeata, as 7 ½ horas da noite da casa
a rua de Sant‟aninha, entre as Ruas grande e da Paz, a qual não teve lugar,
em virtude de ter chegado bastante tarde o resultado da discussão do
projecto. Convida-se por tanto, o povo em geral, para comemorar o maior
acontecimento do século XIX. (Jornal O Pacotilha, 11 maio. 1888, p. 3).
No ano posterior (1889), a proclamação da Republica concretizava a mudança de
regime potico, acontecimento este, narrado unilateralmente pela historiografia positivista,
que tende a exaltar a figura de líderes, silenciando o papel das camadas populares.
Poderíamos colocar aqui o próprio Deodoro da Fonseca, visto por aquela corrente
historiográfica como o protagonista deste discurso, quando realiza a proclamação do novo
regime.
A transição potica da monarquia para o regime republicano alimentou a
esperança” de muitas pessoas, que acreditavam que essa mudança significaria maior
participação na vida potica. Na prática, pôs em xeque todos esses anseios de populares, pois
o povo, de uma certa forma, assiste aos acontecimentos como espectador. Com a ressalva de
que, em alguns lugares do país, houve foco de resistência em relação ao novo regime, a
exemplo do movimento de Canudos na Bahia. Porém, vale frisar, a historiografia cita esse
caso para afirmar a idéia que o movimento foi recebido quase unanimemente, com pouca
resistência, em todo o território nacional.
No Maranhão, as elites o se posicionaram contra a Republica. vigorava a força
dos coronéis elementos da elite agrária, conservadores e detentores do poder, potico e
econômico e, fazendo jus ao nome conservador, talvez não devessem concordar de imediato
com as mudanças, que corriam o risco de perder sua representatividade no cenário político.
Contudo, na prática, não foi o que aconteceu. Os conservadores, já a essas alturas, faziam vir
à tona o descontentamento com o Império e a lei Áurea, uma vez que a economia do
Maranhão praticamente se sustentava na mão-de-obra escrava, portanto, a abolição da
escravidão afetou as bases socioeconômicas das elites agrárias maranhenses que,
posteriormente, entraram num processo de decadência; e contribuiu para o descontentamento,
ainda maior, com o novo regime potico:
[...] A economia do Maranhão, como vimos, repousava no trabalho escravo
das grandes plantações de algodão, dos engenhos de açúcar e da pecuária do
sertão. O preço do algodão aviltou-se, o escravo foi libertado, as fazendas e
engenhos se despovoaram, toda estrutura latifundiária e escravista ruiu.
(LIMA, 1981, p.189)
40
Com a abolição da escravatura, a aristocracia agrária maranhense não
deu continuidade aos trabalhos da grande lavoura, em certo declínio ou
estagnação na produção do algodão, principal produto da economia local,
embora tivesse alguma compensação com a atividade açucareira que desde
1860, aumentava progressivamente, alcançando as mais altas cifras na
década de 1880. Com o golpe do 13 de maio, parte dos senhores reduziu o
plantio do algodão... (LACROIX, 2004, p.17). Grifo nosso.
O quadro exposto veio a despertar inquietações nas elites locais, que pensavam estar
fora da esfera governamental, mal entendido esse rapidamente contornado, uma vez que a
mudança foi de regime potico e não das pessoas que ocupavam o poder. Nestes termos, não
haveria motivo de preocupação para a elite agrária. Mudanças similares também aconteceram
a nível nacional, explicitamente no Rio de Janeiro, capital da Republica. A instalação de um
novo regime potico carregava a esperança de maior participação de outras camadas sociais
no poder. Mas foi apenas um discurso falacioso para acalentar as massas efervescentes, pois,
na prática, o poder passou a ser exercido pelos mesmos coronéis de outrora e, ademais,
através das mesmas práticas de nomeação, indicação de parentes e amigos, dessa vez, pelo
Presidente.
Dissociava-se o governo Municipal da representação dos cidadãos. O fato
era agravado pela freqüente nomeação de prefeitos e chefe de polícia
totalmente alheios à vida da cidade, trazido muita das vezes pelo presidente
da Republica .Abria-se então um lado do governo para o autoritarismo, que
na melhor das hipóteses, poderia ser um autoritarismo ilustrado, baseado na
competência real ou presumida dos técnicos. (CARVALHO, 1987, p.35)
O Maranhão acaba aderindo à Republica mediante mera formalidade burocrática,
segundo o relato de Carlos Lima (1981): o Comandante da Infantaria recebeu ordens do Rio,
formou a tropa e aclamou o novo regime sem nenhuma hostilidade. E quem assumiu o poder?
Os componentes do velho Partido Conservador, pois o que mudou, foi o regime potico,
permanecendo os mesmos vícios do antigo regime, as mesmas farsas de representatividade:
Como era de esperar, a Republica chegou com os mesmos vícios, os
mesmos homens, as perseguições aos adversários e a farta distribuição de
pingues empregos a parentes, amigos e correligionários. Houve ainda, no
novo regime, uma repartição do país em áreas de ação política, cabendo o
Maranhão, nessa partilha, ao Ministro da Marinha, Almirante Wandenkolk.
(LIMA, 1981, p.185)
41
A preocupação deste período gira, quase que exclusivamente, na ocupação de
cargos governamentais, expressa na alternância de poder, com a imposão de interesses
pessoais. A exemplo do primeiro governador republicano provisório, o Dr. Pedro Augusto
Tavares Junior, fiel à corrente positivista. Quando se referia à República, quis, de inicio,
diminuir o poder da Igreja Católica, desconstruindo a iia da mesma ser a religião oficial e
estabelecendo a liberdade de culto, mas não obteve sucesso. Foi vetado em seu ato pelo
próprio Governo Federal (republicano), tendo o governador, em resposta, renunciado ao
cargo.
Tomou posse, seguindo a seqüência de governos com pouco tempo de duração, o
Dr. José Tomaz Porciúncula, que tratou do primeiro empréstimo junto ao Banco Nacional, na
importância de 300 contos de réis. Fazendo jus à rotatividade de governadores, não demorou
muito no seu posto. Mas, cabe salientar, nesse processo de tantos governadores interinos,
houve um deles que obteve grande respaldo e durou um pouco mais no seu cargo, Benedito
Pereira Leite.
11
Dizemos, por força de expressão, “um dos que mais durou”, devido a sua
força de representatividade, pois, mesmo não estando à frente do governo, impunha sua
liderança, influenciando na escolha dos cargos e dos sucessores.
influenciara muito na escolha de alguns de seus predecessores, graças à morte do
Barão de Grajaú, Carlos Ribeiro (der do Partido Liberal), acontecimento que causara muitos
impasses, desestruturando o Partido, uma vez que havia quem quisesse estabelecer, como
sucessor do ex-líder, o seu filho Carlos Fernando Ribeiro, medida que não agradou os
tradicionalistas, ocasionando divergências e enfraquecimento do partido.
É pertinente lembrar a existência de apenas dois partidos no Maranhão, no inicio do
novo regime: o Federalista, chefiado por Benedito Leite, e o Republicano, chefiado por
Manuel Bernardino da Costa Rodrigues. Esse último não conseguiu a mesma liderança
política de Benedito Leite, que recebera a pseudônimo, como Carlos Lima diz: Foi o
senhor supremo de nosso Estado. Mandou nas terras atenienses como Napoleão mandou na
França. (LIMA, 1981, p. 189)
Benedito Leite tentou remediar a situação de crise, pela qual passava o Maranhão,
desde a decadência das plantações, fruto da abolição da escravatura, incentivando a lavoura, a
11
Um representante político cuja influência no Maranhão foi tamanha, chegando a acumular cargos políticos:
Benedito Leite exerceu, ao mesmo tempo, os mandatos de deputado Federal e estadual. Controlando as
bancadas, exercendo uma verdadeira tutela sobre o governador em exercício e estabelecendo-se como líder da
política maranhense. Em 1897, foi eleito para o Senado, mas não abandonou a carreira de Deputado estadual
até 1899, e nos dois quadriênios governamentais seguintes foi, de fato, o verdadeiro comandante do Estado, por
trás da posição oficial de João Gualberto Torrão da Costa (1898/1902) e Lopes da Cunha (1902/1906)”. (REIS,
1992, p. 07)
42
pecuária, a educação e as obras publicas, entre outras medidas, mas não obteve muito êxito
devido à queda dos preços de gênero alimentícios, que ocasionou a redução da arrecadação e
obrigou o governo, então, a contrair empréstimos a juros elevados. O governador recebeu
muitas criticas, sendo uma delas desferidas por Artur Azevedo, quando estava no Rio de
Janeiro:
Não saber somar e querer com uma receita de cinco pagar de dez... sabendo
os maranhenses, em geral, gramática e fazer bons versos, no tocante a
algarismos são uma lástima, atribuindo-lhe o fracasso por confiar demais nas
forças produtoras do Estado. (LIMA, 1981, p. 190)
Nesse período, alegava-se que os maranhenses eram muito bons de versos e
gramática, o que rendeu a São Luis o titulo de Atenas Brasileira, mas quanto aos números,
parece que os maranhenses eram uma lástima, a julgar pelo crítica de A. Azevedo.
Com a morte de Benedito Leite, na França, quando fora tratar de problemas
relacionados à sua saúde, emerge mais uma crise, dessa vez, para sua sucessão. A disputa
política volta a ser acirrada como outrora, repetindo-se o sistema de governos interinos até,
finalmente, assumir o governo Luis Dominguez (1910-1914), que pagou a vida flutuante e,
de certo modo, reanimou a indústria açucareira, o transporte, e iniciou o saneamento básico de
São Luis, claro, com recursos provenientes de empréstimos externos, aumentando, assim, as
dividas do estado. Era uma prática comum os governadores contrrem empréstimos, tendo
em vista que o Maranhão o conseguia se manter por si . Neste período de governo, foi
fundada a Academia Maranhense de Letras, mérito de um novo grupo cognominado de
“novos atenienses”.
Desde a decadência econômica da Província do Maranhão, no período de transição
Monarquia Republica, era a primeira vez que um governo apresentava um orçamento com
superávit. Isso ocorreu na gestão de Herculano Parga (1914-1918), com o cultivo e
exportação do babaçu, que despontou em meio à I Guerra Mundial, em função da demanda de
produto, provocada pelo conflito. O comércio de São Luis tomou novas proporções em
âmbito interestadual, ampliando seus negócios com a venda de tecidos, algodão, arroz, couro
e, principalmente, o babaçu (árvore da vida). A economia maranhense apresentava surtos de
crescimento em períodos conturbados (crises), segundo relatos de Maria L. Lacroix (2004):
As dificuldades do inicio do século XX foram substituídas por uma rápida
reativação da economia maranhense, originada no aproveitamento do
babaçu, na expansão do mercado e subidas dos preços do algodão e dos
43
tecidos da indústria local. A I Grande Guerra promoveu o aquecimento das
atividades agrícolas, ampliando-se as exportações, nos primeiros anos da
década de 20. O ciclo revitalizador foi suficiente para reequilibrar
momentaneamente as finanças empresariais e públicas , vivendo o estado
alguns anos de otimismo. O déficit, advindo do final do século XIX, foi
ligeiramente superado pela balança comercial positiva. (LACROIX, 2004,
p.18)
As condições socioecomicas do período anterior à I Guerra contrastam, de modo
notório, com o antigo regime monárquico, quando a capital do Maranhão despontava no
cenário nacional devido à grande produção dos engenhos de açúcar e dos algodoais, nessa
ultima lavoura, proporcionada pela interrupção do fornecimento norte-americano à indústria
inglesa, em virtude da Guerra de Secessão. São Luis passara a ocupar, na época, a categoria
de terceira cidade mais populosa do país, atrás apenas de Salvador e Rio de Janeiro:
O sucesso econômico como já falamos deu origem a riquezas particulares de
lavradores, industriais e comerciantes, que contribuíram para o
aprimoramento e requinte da sociedade maranhense. Deixando como prova
viva dessa época a sua arquitetura de sobrados e sobradões de mirante,
fachadas de azulejos, grades de ferro. Toda essa opulência fez com que
viajantes denominassem São Luís como uma pequena vila de porcelana ... A
formação de uma elite latifundiária e uma classe urbana de ricos
comerciantes, levaram a província a uma posição invejável no cenário
político, econômico e cultural do reino brasileiro. (PEREIRA, 1997, p. 18)
A própria arquitetura herdada do período colonial, por influência portuguesa e
francesa, foi digna de elogios, como citado acima. A “alta sociedadeesbanjava na compra
dos produtos de luxo como jóias francesas e tecidos importados dos ingleses. Estes, viviam
na capital, para o lado do Caminho Grande, isolados da cidade. Alguns dizem ser por causa do
seu comportamento frio e egoísta, porém, gozavam de regalias, como a liberdade de culto, e
seus caixeiros tinham privilégios no serviço militar.
Em decorrência, o comportamento social ludovicense sofria influências européias,
de que eram porta-vozes os filhos dos comerciantes bem sucedidos economicamente e que,
preocupados com o refinamento e educação desses filhos, mandavam-nos estudarem na
Europa, principalmente em Coimbra e também na França. Ao retornarem de suas experiências
acadêmicas, acabavam por ocupar cargos públicos, além de trazerem consigo valores culturais
e comportamentais aprendidos na Europa. Nesse período, no Maranhão, estudar fora, obter
um diploma de vel superior, era sinônimo de trampolim potico. Com efeito, na prática,
quem estudava em outras localidades, ao retornar, de uma forma ou de outra, assumia algum
44
cargo político, sobretudo, quem tinha formação jurídica, a julgar pela descrição de Flavio
Reis: “Dos treze senadores pelo Maranhão durante o Império, onze possuíam formação
jurídica, sendo quatro diplomados em Coimbra, seis no Recife e um em São Paulo (REIS,
1992, p. 3)
Esse quadro denota um momento de mudanças no cenário político maranhense, onde
a elite agrária já não possuía mais exclusividade na ocupação de cargos e nem na esfera
econômica, uma vez que o modelo agro-exportador do estado vivia momentos de
instabilidade, diminuindo consideravelmente o poder dos grupos políticos oligárquicos
Retornando aos filhos das elites, que estudavam fora do país, eles eram, em suma, os
grandes responsáveis pela importação de elementos culturais, modismos, costumes, valores
que acabavam por se disseminarem na vida social da capital maranhense.
Em razão disso, essa sociedade começa a privilegiar a ostentação e a exaltar os
moldes franceses de viver(os franceses passam de invasores a heróis na mentalidade
ludovicense do século XX), o que, neste momento, era interpretado como ser civilizado” e
sair do estágio de atraso. Com efeito, esse discurso que as camadas sociais privilegiadas
adotaram, é eurocêntrico. E como tem sido de praxe, historicamente, temos esse hábito de
importação cultural e de embriaguez com as ideologias de tal natureza, valendo-nos de
“falácias desenvolvimentistas” que, na prática, têm como referência realidades bem distantes
da nossa.
São Luis, como outras capitais no país, exercitavam pois, tais práticas de apreensão
de elementos europeus e de sua transposição para a vida cotidiana. O Rio de Janeiro era o
grande exemplo em termos de europeização. A capital maranhense, se comparada à capital do
país, era considerada atrasada nesse processo de modernização atrelada à idéia de
progresso”, palavra de ordem do período, sinônimo de novo, prosperidade, civilização. E era
o que se esperava do regime republicano recém- instaurado.
Porém, nos fins do século XIX, e início do século XX, mudava o contexto
socioeconômico. Retorna ao mercado a produção norte-americana do algodão,
conseqüentemente, ocorre a reabilitação produtiva estadunidense, promovendo concorrência à
produção algodoeira maranhense, que entra em decadência, justamente no período de
transição de regime. Mas não foi este fato o motivo exclusivo, a contribuir para o declínio do
produto. Outra medida que pesou, significativamente, foi a abolição dos escravos, além da
péssima qualidade do algodão: continuou a ser cultivado, predominantemente, o algodão
denominado “quebradinho”, arbóreo, perene, caracterizado por fibras espessas, rugosas,
pouco resistente, com comprimento variando de 22,5 a 33,8 mm. ”(MELO, 1990, p. 38).
45
Historicamente, notamos a dependência da economia maranhense em relação à mão-
de-obra escrava. Portanto, com o fim da escravidão e a crise do algodão, formou-se, dessa
forma, um conjunto de fatores adversos, que vinham contribuindo para o refluxo paulatino da
produção agrícola em detrimento de uma nova atividade, a industria têxtil, até então, sem
muita expressão na capital maranhense:
A lavoura que no começo do séc. XIX havia trazido tanta opulência às
classes conservadoras do Maranhão, agora no fim do Império estava
passando por um processo de declínio. O Maranhão que no antigo regime
fora uma Província de prestígio, começava a República sem expressividade,
até mesmo na Região Norte. Na tentativa de mudar este quadro caótico,
muitos desiludidos com a lavoura embarcaram no sonho da indústria têxtil,
de transformar São Luís numa Manchester brasileira. (PEREIRA, 1997, p.
19)
A nova atividade iria proporcionar a expansão geográfica da cidade em direção ao
bairro do Anil, no sentindo centro - subúrbio. Nesta periferia é que, longe da repressão
policial e das elites, os escravos iam tecendo uma das culturas negras mais ricas do país, na
qual se inclui o Bumba-meu-boi. surgem bairros novos, em virtude do aparecimento da
Fábrica da Camboa Fabril, que atraiu um fluxo populacional para satisfazer à demanda do
mercado de mão-de-obra. Como o próprio “bairro dos operários”, atual bairro da Camboa,
que, por sinal, fica circundado pela instria.
FOTO DA FÁBRICA CAMBOA
Figura 1.
Fonte: Revista do Norte, 1902
46
A impressão que se tinha, nas alturas do ano de 1906, ao chegar à capital do
Maranhão, era, sem duvida, em nos acharmos em uma cidade bastante
industrial. (MACEDO, 2001, p.68)
Como, neste momento, a populão aumentava cada vez mais, o perímetro urbano
o comportava tal crescimento, pois não havia habitações para atenderem à necessidade dos
segmentos de baixa renda. Estes, não vendo outras saídas, passaram a habitar os andares
térreos dos casaes antigos, outrora elogiados pelos que chegavam à capital, e onde as elites
ludovicenses residiam, a exemplo do Governador Godofredo Viana, que morava nas
proximidades da Praça João Lisboa. Os sobrados viram abrigo de mendigos, “contaminando”
o “salão publico”. A realidade se configura de forma contraditória: o centro da cidade que,
durante muitos anos, fora digno de elogios, palco de inúmeras obras, resultando na bessima
arquitetura da capital, composta por belos casarões, ruas, praças, serviços de infra- estrutura,
de uma hora para outra, toda essa estrutura ser modificada e atrair o repúdio das pessoas,
que passam a olhar o centro* como um propagador de doenças:
Nessa mesma época, a nossa arquitetura foi questionada. Ela deixou de
representar um poder aquisitivo, um símbolo de riqueza de outrora, para ser
considerada simples antro de doença, e representante vivo do nosso atraso
em relação a outras capitais brasileiras, que desde o começo do século
haviam demolido parte dos casarões, para dar lugar a prédios mais modernos
e avenidas largas, verdadeiros símbolos do progresso. (PEREIRA, 1997, p.
17)
O Estado, com suas políticas higienistas, tentou contornar a situação - pois a idéia
de limpeza era associada à de civilização. Procurando modos de conter a ocupação destes
sobrados, como forma de disciplinar os espaços da cidade e debelar os surtos epimicos,
criou-se o serviço de Profilaxia, em 1918. E muniu-se, também, do auxilio dos Códigos de
Posturas Municipais, publicados no Diário Oficial do Estado do Maranhão, de 05 de junho
de 1917:
Art.48 não é permitida a habitação em porões e sotões que não sejam
naturalmente bem iluminados e arejados e não possuam aparelhos higiênicos de uso
domestico.
§único Fica desde já prohibido a reocupação de sobrados que forem
desocupados.
Art.49 Após dois anos a contar da data da publicação desta lei, não será
permitida a moradia embaixo de sobrados que não possuam boas condições higiênicas
e todas as instalações necessárias ao uso de seus habitantes.
§único- o proprietário ou arrendatário de sobrados e dependências
higienicamente inabitáveis de outras moradias, decorrido o prazo tolerado por este
47
artigo, pagarão (sic.) 20$000, de multa diariamente, pelo tempo excedido ao mesmo
prazo.
Neste momento, o Brasil passava por mudanças significativas na arquitetura de suas
capitais, muitas delas baseadas em moldes culturais franceses, construindo-se novos prédios,
com o discurso de modernidade explicito na expressão Belle époque, que circulava como
sinônimo de progresso. O novo era modismo do momento, o regime republicano fomentava
esse pensamento e a capital federal, o Rio de Janeiro, se insere nesse contexto, sendo a
pioneira na “Inserção Compulsória”
12
do Brasil. São Luis, ao contrário dessa tendência, ainda
se encontrava arraigada às construções da antiga arquitetura, devido à insistência dos
moradores em permanecerem cultivando o modo colonial de construção, representado nas
fachadas de suas casas. É nesse contexto de discussão sobre habitação que uma empresa
carioca chegava ao Maranhão, com o argumento de que, para construir o novo, seria
imprescindível destruir o velho, como fora feito no Rio de Janeiro.
Analisando o cenário social de São Luis no início do século XX, ele contrasta com
os moldes dos séculos anteriores, em que a cidade ocupava uma posição invejável a nível
nacional, em termos de economia, quando apresentava superávit com a produção do algodão.
Os recursos provenientes das exportações deste produto haviam proporcionado meios de
dinamizar, economicamente, a capital, atraindo para ela a instalão de bancos, como o
Comercial do Maranhão (1846), o Hipotecário e Imobiliário (1847).
Em contrapartida, a capital maranhense adentra a Republica permanecendo entre as
capitais menos desenvolvidas do país. O saneamento básico da cidade era irrisório, a
iluminação, a gás, os bondes puxados a burros, um horrível sistema de abastecimento de água.
Depoimentos do período, extraídos do livro Memória de Velhos (1999), demonstram, com
riqueza de detalhes, um pouco do que queremos enfocar, sobre o cenário urbano de São Luis,
denotando o atraso , algumas vezes escassez dos serviços públicos da ilha em relação a outras
capitais do país:
[...] Quando davam, seis horas, saíam do GASÔMETRO, turmas de homens
com uma escada na mão e umas caixas de fósforos, chegavam ao lampião,
que era quadrado e tinha um bico, suspendiam a tampa, abriam a torneira,
riscavam um fósforo e acendiam. Era essa a iluminação da capital. Na hora
de apagar, eles fechavam a chave geral.
12
Expressão citada por N. Sevcenko, elucidando as pidas mudanças no cenário urbanístico das cidades
brasileiras, especialmente na capital federal. Mais detalhes, consultar. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como
missão.4 ed. SP: Brasiliense, 1995.
*Expressão baseada em uma visão dualista, hoje superada e entendida, conforme último capítulo. A polaridade
centro periferia, embora acentue o antagonismo entre dois espaços/territórios, não demonstra as suas relações.
48
Antes do bonde elétrico, havia um bonde puxado por cinco burros, que
faziam o trecho do Largo do Carmo para o Anil, pela rua Grande. O bonde
elétrico só foi inaugurado em 1924. ( MARANHÃO, Fundação Cultural,
1999, p. 87).
Esse quadro serve para corroborar a incipiente urbanização da capital maranhense,
comparada a outras no país. Não é necessário nos deslocarmos para muito longe, ou seja, para
o sul do território brasileiro, para notar essa disparidade. O próprio Recife, nessas alturas,
usufruía dos serviços de bondes elétricos, abandonando os bondes de tração animal, conforme
relato: os bondes de tração animal passaram a circular pela cidade, servindo a população
até o ano de 1914. Os bondes tinham forte presença no cotidiano da cidade...” (REZENDE,
2002, p. 88). O autor enumera algumas instalações no cenário urbanístico do Recife, que
datam desse período, tais como:
A inauguração da estrada de ferro Recife-Olinda-Beberibe (1870),
serviços telegráficos (1873), serviços de telefonia manual (1881), serviços de
bondes elétricos (1914), nova rede de esgoto (1915), inauguração do tráfego
aéreo Recife-Rio- Buenos Aires (1925), entre outros. ( REZENDE, 2002, p.
100)
Organizar a cidade e adaptá-la a um novo processo, de forma abrupta, eram medidas
quase impossíveis de se realizarem naquele momento, em São Luis, uma vez que tais
iniciativas necessitavam de finanças, de que o estado o dispunha no período, tendo em vista
que nem mesmo se sustentava, recorrendo sempre a empréstimos para honrar seus
compromissos, como vimos o governador Luis Dominguez executando tal prática:
O governo do Sr. Luis Domingues, A sua influência nefasta, além do
esbanjamento dos dinheiros tomados por empréstimos ao estrangeiro, tem-se
manifestado pela falsidade de suas declarações e pelo falseamento das
normas pré-estabelecidas por todos os governos.;
(...) Outra aplicação que Luis Domingues desviou o dinheiro do
empréstimo dos fins que o devia empregar, por força do contrato, foi a que
lhe deu com o negocio do enjenho Joaquim Antonio.
Procura justifica-lo com a necessidade de que estávamos, segundo diz
ele, de amparar a industria assucareira no Estado. Esse foi porém apenas
pretexto. O verdadeiro móvel da operação todos o conhecemos. (Jornal O
Pacotilha, 21 jun.1912. p. 01).
Dentre os empréstimos absurdos, o que mais se destacou na época, foi o contraído
pela administração de Godofredo Viana, na casa de um milhão e meio de lares, e que,
segundo aquele dirigente, era para executar serviços públicos adequados para São Luis, o que
49
parece não ter acontecido, pois as epidemias aterrorizavam e assolavam a população, que era
culpabilizada pelo governo. A população era responsabilizada, na perspectiva dos
governantes, por afastar os estrangeiros, que temiam aportar na cidade, receosos com os
surtos de doenças. Com efeito, a situação da capital maranhense era deplovel, se comparada
com o culo áureo das exportações. Na entrada do século XX, o seu atraso ecomico-
social era notório.
Apesar de toda essa situação adversa, havia na capital maranhense pessoas que
desejavam adentrar no cenário de progresso associado ao regime republicano, com a pretensa
idéia de modernização, adotando medidas higienistas para conter as populações que queriam
habitar o centro, disciplinando-se os espaços. Por conseguinte, buscava-se que São Luis
voltasse a aparecer no cenário nacional, como uma capital promissora, em potencial, para a
modernização e a civilização, assim como fora no Império.
3.2 O Cotidiano ludovicense
Em meio a inúmeras mudanças no âmbito político, econômico e social, ocorridas no
país, principalmente na capital maranhense, a República influenciou diretamente a forma de
pensar e ver a sociedade. Todavia, ainda que o sistema potico tenha mudado (Império-
República), não nos possibilita pensar que o novo sistema exauriu as velhas práticas/vícios da
monarquia. Na própria esfera governamental, muitos sonhos foram frustrados, principalmente
dos que pensaram, precipitadamente, que seriam incluídos na cúpula do poder.
Exemplos corroboram a idéia supracitada. Na própria postura etnocêntrica em relação
aos populares negros, atuantes em alguma brincadeira, percebe-se a permanência daquelas
práticas, de modo camuflado e sob novas roupagens. Mesmo com a abolição da escravatura, o
Estado construiu artifícios sutis e persuasivos para legitimar suas formas de perseguição aos
populares, apoiado no discurso da civilização. Enfim, mudara o regime político, porém,
muitas pessoas permaneceram no poder e mantinham suas preconceituosas visões de mundo.
São Luis adentra no novo regime atrelada a velhos problemas urbanos herdados do
período monárquico: precariedade nos serviços coletivos de transportes, de água, de energia,
ruas sem pavimentação, e epidemias. Soma-se a isso o fato dos serviços de infra-estrutura
serem irrisórios para atenderem o contingente populacional da ilha, além de serem
concentrados em determinados espaços, não coincidentemente, nas áreas centrais da cidade,
onde residiam ilustres cidadãos maranhenses, em detrimento da maior parcela populacional,
esquecida pelo Poder Executivo:
50
Naquele período, mais do que em qualquer outro, era restrito o consumo do
serviço coletivo dos serviços públicos existentes. Os que haviam eram
privilégios das elites econômicas e políticas, aqueles que habitavam o local
que hoje compreende o seu centro histórico e seus bairros centrais,
justamente o espaço que coincidia com a área de formação inicial da cidade.
(PALHANO, 1988, p. 142).
Dentre os excluídos do sistema, estavam os brincantes de Bumba-meu-boi, muitos,
moradores dos arrabaldes da cidade, portanto, inseridos nas sombras de esquecimento,
convivendo e resistindo, cotidianamente, frente às adversidades. Contudo, observamos a
perseverança dos populares, frente à perseguição e exclusão sócio-espaciais. Tudo isso não
desestimulou os populares, até porque estar esquecido pelas autoridades locais fazia parte do
cotidiano de muitos moradores da periferia da cidade, sendo eles brincantes ou não, às vezes,
apenas meros apreciadores dos meses festivos em São Luis, no início e meio do ano, do
carnaval e festas juninas, respectivamente. Nada disso foi, de alguma forma, visto como
empecilho a que, todos os anos, os populares desfilassem com suas danças pelas ruas. Danças
essas que perturbavam as elites políticas ludovicenses, que as estereotipavam,
desqualificando-as de “algazarras infernais”.
Porém, seria leviano de nossa parte, nos apoiarmos somente nessa hipótese/idéia, para
tentar entender toda essa relação complexa que circunda duas classes antagônicas: os
excluídos dos serviços blicos (muitos deles brincantes) e as classes privilegiadas, maiores
beneficiadas de tais serviços.
Diante das limitações dos serviços de infra-estrutura instaurados em São Luis, não
podemos pensar que o repúdio das elites aos brincantes se configura como fator
preponderante e único motivo, para justificar a inviabilização do acesso à coisa blica pelos
populares. Mesmo sabendo da estigmatização das elites ludovicenses para com os brincantes
de Bumba-meu boi, o argumento o procede, e parece-nos refutável da seguinte forma:
teria procedência tal proposição, se aplicada especificamente aos brincantes, que, juntos, não
constam como a maioria desprovida de acesso ao serviços públicos. Em contrapartida, a outra
parcela excluída (os o brincantes), por esse raciocínio, teria sido beneficiadas com serviços
de infra-estrutura, fato não acontecido no período.
A concentração de serviços públicos em uma determinada área gira em torno de
interesses políticos, pois, analisando a sociedade maranhense, percebemos a ocupação de
cargos governamentais pelas elites socioecomicas. Os seus respectivos membros, muitos
dos quais moradores das áreas nobres da urbe, por residirem e terem influência política,
51
aplicavam as verbas publicas para satisfazerem suas necessidades básicas, expressas no
sistema infra-estrutural. Alegavam a importância em se manterem as ruas centrais bem
conservadas, por serem áreas de muito fluxo populacional na capital. A idéia de manter o
centro conservado e higienizado vem acoplada com a falta de democratização da coisa
publica.
Com efeito, até mesmo para as elites, apesar de beneficiadas em relação aos serviços
públicos, estes não satisfaziam às expectativas, sendo passíveis de inúmeras reclamações
pelos transeuntes do perímetro urbano, descontentes com as precariedades de serviços de
restauro realizados em alguns pontos e ruas espalhadas pela cidade. Ainda assim, esse quadro
contrasta com o cotidiano da maioria da população, boa parcela da qual residente nos
arredores da cidade, excluída dos mínimos serviços infra-estruturais.
De certo, podemos problematizar uma série de explicações para compreendermos a
questão, variando desde a localização geográfica (disciplinamento dos espaços urbanos) à
construção da diferença expressa no estranhamento cultural, em outros termos, a construção
da identidade a partir da moradia. O lugar passa a ser visto, por um lado, como um
demarcador social. Então, esses elementos são de grande valia para uma melhor compreensão
do que há por trás da malha social e de como se desdobram as exclusões sócio-espaciais.
Para tentar montar essa trama cotidiana, no viés de exclusão, seja no sentido social, ou
da coisa publica
13
mesmo, empreendemos esforços para (re) montar o mapa histórico da
capital, destacando os primeiros focos de urbanização, identificando onde a cidade se ergueu,
até a sua expansão para as áreas periféricas. Quando pareceu conveniente, apontamos o
surgimento de núcleos populacionais, criados no processo de expansão da cidade para o
interior da ilha. Nesse aspecto, os autores Palhano (1988) e Domingos V. Filho (1971) são
imprescindíveis a nível de referências bibliográficas, uma vez que ambos, apesar de
escreverem em momentos distintos, mas nem tanto distantes, acabaram comungando algumas
idéias, em relação à capital ludovicense. Ambos criticaram o sistema infra-estrutural de São
Luis. Também nos chamam a atenção para a concentração dos serviços blicos, restritos a
uma minoria populacional, residente nas proximidades do Largo do Palácio:
É o velho largo do Palácio, chão histórico da cidade, pois ai os franceses
plantaram no dia 8 de setembro de 1612 a semente bendita deste burgo
glorioso. São Luis, portanto, começa historicamente nessa praça fortificada e
13
O referido termo é utilizado por PALHANO,1989, em seu livro A Produção da Coisa Publica; denota,
segundo o autor, uma trama engendrada pelas elites ludovicenses, para intervirem diretamente na vida social da
capital, ou seja, compreende discursos proferidos no sentido de manter a grande parcela da população excluída
dos serviços públicos, legitimando o discurso oficial.
52
mais tarde se alonga em caminhos grandes, dos quais a Rua dos Afogados e
a Grande foram os mais importantes. (VIEIRA FILHO, 1971, p.151)
As embarcações, no início da Republica, ainda eram um meio de transporte relevante,
muito utilizado para atender a interesses comerciais, abastecendo a capital maranhense com
diversos produtos, alguns provenientes de outros países. Eis o porquê da cidade estruturar a
arquitetura das ruas nas áreas centrais da urbe de modo a facilitar o acesso ao Cais da
Sagração
14
(Zona Portuária), onde ficavam os navios que chegavam a São Luis. Tratava-se de
construções que viabilizavam o acesso ao Porto da capital. Percebe-se que a área central era
um corredor de fluxo de um contingente populacional das mais variadas regiões do país e do
mundo. Sob esse aspecto, compreende-se os esforços das autoridades em sempre manterem
uma bela estrutura, sobretudo nas vias de acesso ao Cais, para evitarem constranger os
visitantes (europeus) que estivessem de passagem pela cidade.
Figura 2. Cais da Sagração ainda em Construção
Fonte: Revista Elegante,1893
14
Raimundo N. Palhano, no seu texto, faz referência ao Cais da Sagração, frisando o tempo para o mesmo ser
construído, iniciando-se a sua construção desde 1841 e sendo concluída apenas no século seguinte. Localizado
na área central da cidade, o Cais contribuiu para o desenvolvimento das relações comerciais, a ponto de ser
erguida, não muito distante dele, a questão de metros, uma Praça intitulada Praça do Comércio.
Apenas duas obras consumiram mais verbas e mais tempo que a do Cais da Sagração: a do canal do Arapapai,
projetada desde 1742, mas que nunca lograria sucesso, e a do porto de São Luis, que, por muitos e muitos anos,
mobilizou a atenção dos governantes. Ambas ligadas, evidentemente, ao setor de infra -estrutura produtiva. No
caso especifico da transferência do Porto do Cais para o Porto do Itaqui, ela teve seu inicio em 1911 e começou
a se materializar apenas nos anos de 1960.
53
A construção dessa obra “faraônica” do Cais da Sagração perdurou, praticamente,
durante parte do século XIX, chegando a invadir o século XX, além de consumir uma
considerável parcela do dinheiro público. Por um lado, serviu para embelezar a cidade e frear
a eroo marítima, que punha em risco as estruturas da Praça do Palácio (sede do governo).
Mas, por outro lado, veio resgatar as velhas práticas de contemplar apenas as camadas
privilegiadas da população, a partir do momento em que deu condições para uma expansão
física da cidade em direção a áreas que acabaram sendo ocupadas pelas elites locais,
articulando-se a outras áreas nobres do espaço citadino (a Praça do Comércio), denotando a
exclusão/concentração dos serviços públicos.
Palhano enfatiza que a problemática não gira em torno da falta de recursos para sanar
os problemas infra-estruturais da cidade, mas da falta de prioridade por parte da autoridades
locais, quando relutam em democratizar o consumo dos serviços públicos:
[...] Não faltará a velha desculpa da justificação da insuficiência da falta de
recursos. A nosso ver, no entanto, a causa fundamental não foi esta. Na
verdade como se ve em Seção própria, a questão não era a falta de
recursos, mas sobretudo a falta de prioridade com a democratização do
acesso aos serviços públicos, o que acabava fortalecendo a concentração do
consumo privado de serviços “públicos”. (PALHANO, 1988, p. 158)
Discordando, em parte, do autor, talvez prioridade não seja a palavra que melhor
contemple essa discussão, haja vista que a mesma havia, pom, para beneficiar as elites
ludovicenses. Todavia, para que essa prioridade se materializasse, as elites excluíram outros
grupos sociais, desprovendo-os do direito de consumo dos serviços públicos.
A construção da Avenida Maranhense (hoje com o nome de Avenida Pedro II),
localizada na área central, aponta indícios dessa referida aplicação dos recursos públicos em
determinados espaços da urbe, atendendo aos anseios de poucos. A minoria privilegiada tinha
acesso aos serviços locais de água encanada, esgoto, luz domiciliar, bondes, praças, coleta de
lixo, ruas, calçadas com bela arborização. Esse problema já preocupava os moradores desde o
século XIX, principalmente pelos surtos epimicos surgidos na capital, em função da
ausência de serviços de saneamento básico, surtos esses deixados como herança “maldita” do
regime monárquico e que se estendem ao regime republicano.
Inúmeros registros há, na historiografia maranhense, mostrando a quantidade de
reparos realizados em algumas áreas aquinhoadas da cidade, tais como ruas, praças e passeios
públicos:
54
Na verdade, grande parte das verbas era gasta com melhoramentos em áreas
bem servidas, que passavam, anos após anos, por reformas sem fim.. E
quando os investimentos públicos procuravam novas áreas, o faziam na
certeza de que, em pouco tempo, aquelas também seriam incorporadas aos
bairros superiores da cidade. A Praça João Lisboa, o antigo largo do Carmo,
o coração da cidade e uma das suas mais antigas artérias, tem passado por
tantas reformas que seria difícil enumerá-las com exatidão. (PALHANO,
1988, p. 267)
O quadro exposto mostra, de forma contundente, a seletividade dos serviços públicos,
limitados e/ou concentrados no perímetro urbano, enquanto as áreas mais afastadas não
dispunham de obras básicas, tais como calçamento das ruas e água encanada. Muito menos de
obra de reparos, afinal de contas, muitos bairros não possuíam sequer ruas calçadas.
Figura 3. Avenida Maranhense, 1912 (outrora Largo do Palácio) e atual Avenida Pedro II.
Fonte: Álbum comemorativo do Centenário da Cidade de São Luís, Capital do Estado do
Maranhão, 1912.
Para corroborar a afirmação acima, sobre a seletividade de aplicação dos recursos
públicos em uma determinada área, disponibilizamos, nos anexos, as imagens de algumas
ruas e praças de São Luis que sempre passavam por serviços infra- estruturais.
Em muitos casos, o disciplinamento transcendia a iia de espaço físico e descambava
em discussões/agressões, por parte das elites, aos valores culturais dos populares.
55
Hostilizados, os populares chegavam a ser impedidos de freqüentarem algumas praças do
perímetro urbano, como o Largo do Carmo, por exemplo, em razão da criação de políticas de
delimitação dos espaços citadinos, tentando-se cercear a aproximação de populares nessa
redondeza. Contudo, quando não se conseguia evitar a presença dos indesejados populares
nesses lugares, exigia-se deles postura de decência, desde o falar ao vestir-se.
Em outros termos, a referida exclusão, enfatizada por nós, o se expressava,
necessariamente, apenas de forma sica, mas também através de mecanismos ideológicos,
desenvolvidos pelas elites, tanto quanto o uso da força por meios piores e mais repressivos.
Todavia, se a idéia fosse estabelecer uma escala para medir os danos culturais, não seríamos
capazes de mensurar o que mais danos causou aos populares, se a coerção física ou a sua
repressão sob outras formas.
Incorporando tais práticas, as elites ludovicenses monopolizaram e
transformaram/moldaram o espaço citadino a seu bel-prazer, impondo seus valores culturais e
hábitos no cotidiano ludovicense, aproveitando-se de sua condição de classe dominante e do
auxílio paralelo do Estado, ao homologar suas práticas. Com efeito, embora fosse do agrado
das elites que assim se procedesse na configuração da cidade, elas não persuadiram a
população por completo, batendo de frente com uma pequena parcela social recalcitrante a
tais imposões arbitrárias, driblando todas formas de censura desferida pelo Estado contra os
populares, criando estratégias de sobrevivência.
A aproximão de segmentos populares das praças da cidade estaria vulnerável a um
olhar de estranhamento, para não usarmos o termo preconceituoso mesmo. Essas pessoas
corriam o risco de serem detidas pelas autoridades policiais, a qualquer momento, em função
de denúncias realizadas por moradores do centro, inquietos pela presença dos populares.
Negros andando nas ruas mais aquinhoadas da cidade era fato inconcebível para a
mentalidade elitista do período, salvo em condições excepcionais e, nestes casos, olhadas com
desconfianças, mesmo quando aquelas pessoas estivessem efetuando algum trabalho,
obedecendo alguma ordem de seus senhores, como despejar tigres
15
em vias publicas, ou
vender algumas guloseimas. Era comum, no cenário social da capital maranhense, nos fins do
século XIX, topar com os negros nas ruas da cidade, que, afinal, eram palco dos
acontecimentos:
A rua, em certa época, era lugar para tudo. Nela torrava-se cae estendia-se
roupa lavada. Oficinas de reparo funcionavam em plena via publica, como
nas cidades medievais. Eram rios de águas servidas, amontoados de lama, de
15
Enormes recipientes contendo as vazas das casas de sobrado, que iam a despejo nas ruas e nas praias.
56
animais mortos, de lixo em suma. Os habitantes de São Luis pediam através
dos jornais providências à policia contra tais ajuntamento de pretos, julgados
subversivos já naqueles tempos[...] (VIEIRA FILHO, 1971, p. 20).
Aquela situação não mudou nos anos seguintes. O dinheiro publico para
melhoramentos da cidade continuou, preferencialmente, sendo investido nos espaços mais
nobres da urbe. Para o povo, portanto, não houve salão nobre, de que falara o antigo livro
dos bons costumes, continuando à mercê da própria sorte a população residente em áreas
afastadas do perímetro urbano”. (PALHANO, 1988, p. 268)
O próprio bairro atual do Anil, outrora sitio no interior da ilha, pode ser utilizado para
exemplificar o descaso. Desprovido de um sistema de água encanada satisfatório, sem
esgotos, sem iluminação, praticamente esquecido, não foi alvo da realização de grandes obras,
a principio, salvo em situações excepcionais, como a instalação de uma brica, no período
em que o Maranhão despontou, a nível nacional e mundial, como principal produtor de
algodão. Talvez aquela fábrica tenha impulsionado um tímido crescimento populacional para
aquela região longínqua do centro da cidade, não apenas em distância sica mas, sobretudo,
social.
A construção dessa Companhia de Fiação e Tecido Rio Anil impulsionou o
assentamento de trilhos, ligando o centro ao interior da ilha, para facilitar o escoamento da
produção da fábrica.
Figura 4. Companhia de Fiação e Tecido Rio Anil (Hoje, funciona uma Escola do Estado, com o nome
de Cintra)
Fonte: Revista do Norte, 1901. p.52.
57
Porém, com a construção dos trilhos e abertura de novas estradas, a cidade se expande
em direção ao Caminho Grande, principalmente próximo às estações, percorridas pelas
locomotivas, diariamente. Inúmeras habitações foram erguidas, resultando na criação de
novos bairros, tais como: Jordoa, Areal (atual Monte Castelo), Liberdade, João Paulo,
Filipinho, entre outros.
Seguem algumas imagens que configuram as mudanças ocorridas no processo de
expansão para o interior da ilha, a partir da lei de 1878 (lei 1.153, de 29 de agosto), que
indicava, àquela altura, que a cidade dava os primeiros passos no sentido de expandir os seus
limites para além do bairro central, tendo como referência o Caminho Grande, a única via que
ligava a capital ao interior da ilha. Através dessa lei, o governo ficava autorizado a contratar
quem melhor proposta fizesse, para abrir uma estrada que ligasse o lugar João Paulo, então
arrabalde, no Caminho Grande, à freguesia de São João Batista de Vinhais, indo até a costa do
Calhau. A nossa intenção é entender como se desdobra a relação entre a abertura da estrada e
o desenvolvimento proporcionado por essa construção.
Os bondes também cumpriram um papel fundamental em relação à expansão
do capital imobiliário, na medida que as companhias de carris, nos seus
contratos de concessão eram obrigados a criar a infra- estrutura física dos
locais onde deviam passar suas linhas. Obrigadas a realizar obras como
calçamento e alargamento de ruas, construção de pontes ou aterro nos
mangues, melhorias em que redundavam em maior valorização do espaço
urbano, aquelas empresas acabavam articulando inteiramente aos processos
de especulação imobiliária na cidade (PALHANO, 1971, p. 297)
Figura 5. Largo Santiago
Fonte: Revista do Norte, 1950. p.43.
58
Figura 6. Bairro do Monte Castelo (outrora Areal). A construção de casarões, fruto da expansão da
cidade para o interior da Ilha, iniciado desde os fins do século XIX.
Fonte: Revista do Norte, 1950. p. 45.
Figura 7. Trecho da Avenida Getulio Vargas, nos arrabaldes da ilha.
Fonte: Revista do Norte, 1950. p .44
O investimento estatal em infra-estrutura mantém-se concentrado em determinada área
da urbe, estendendo-se essa discrepância ao sistema de transporte. O perímetro urbano
dispunha dos serviços de bondes de tração animal em, praticamente, todas as suas ruas,
enquanto a periferia se manteve, por um certo período de tempo, desprovida desses serviços.
Inicialmente, não havia um sistema de transporte coletivo para atender a população periférica,
problema esse amenizado em anos posteriores, com a construção de trilhos no intuito de
colocar locomotivas a vapor, incumbidas de realizarem o translado do centro até as áreas
suburbanas, feito pela Empresa Ferro-Carril, após ganhar concessão do estado.
Data da segunda metade do século XIX o interesse em assentar trilhos na capital,
ligando o centro a áreas suburbanas:
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A primeira proposta para o assentamento de trilhos urbanos em São Luis foi
de 1870, expressa em um requerimento dirigido à Assembléia Provincial,
que solicitava licença para a montagem de um serviço com veiculo a vapor,
pelo modelo “Road Stamer”, a qual acabou sendo concedida em 1871, com a
assinatura de contrato para fazer correr diligência em trilhos de ferro, puxada
por muares ou a vapor. (PALHANO, 1988, p. 268).
A empresa contemplada com a concessão estatal, a Ferro-Carril, foi quase
contemporânea às primeiras empresas de bonde a se organizarem no Brasil, segundo o relato
de Palhano, pois apenas três anos separam a sua concessão, do surgimento da Companhia Vila
Isabel, do Rio de Janeiro, que se estabeleceu em 1868.
Ficamos a pensar o motivo que levou os governantes a realizarem tal empreendimento.
Pois, vejamos bem, as obras da capital sempre foram direcionadas para as áreas centrais e,
nesse momento, surge um interesse em assentar trilhos, no intuito de ligar o centro a áreas
afastadas da urbe (Anil). Parece um pouco nebulosa tal iniciativa, uma vez que, nos projetos
engendrados pelos governos maranhenses, dificilmente, havia interesse em se realizarem
obras que priorizassem os populares. Mas não é muito difícil de entender tal postura. Basta
pensarmos que a existência de uma Fábrica nos arrabaldes da ilha, a mesma necessitando
escoar sua produção, isto não era possível sem a presença de um transporte para esses fins,
então, constrói-se a estrada. A mesma acabou por dar uma guinada na expansão da cidade
para as áreas distantes do centro, que foi se acostumando ao amontoado de pessoas que foram
se fixando próximas a estrada de ferro. Por outro lado, esse transporte aqueceu as festas
joaninas e juninas nessas localidades suburbanas.
Os transportes coletivos que tinham como itinerário o centro periferia, eram
utilizados pelos habitantes de São Luís, com grande freqüência no mês junino, quando eles se
deslocavam até o tio do Anil, para se divertirem com as atrações de brincadeiras juninas.
Mesmo havendo preconceito de muitos moradores do centro para com os arrabaldes da cidade
e, principalmente, com as manifestações populares, não diminuía o fluxo de pessoas para a
localidade Anil, ao contrário, o movimento continuava intenso e tendia a aumentar a cada
ano. Por essa razão, as pessoas que se deslocavam até a periferia, não se continham em aí
ficarem apenas um dia, mas permaneciam durante toda a temporada junina; para isso, muitos
chegavam a alugar casas.
60
O transporte coletivo seguia em direção aos sítios e áreas suburbanas da capital através
do Caminho Grande
16
, tendo como ponto de partida do translado a estação situada no Largo
do Carmo (atual Praça João Lisboa). Nesse momento, a cidade dispunha dos serviços de
bondes de tração animal e de locomotivas a vapor, que realizavam o longo percurso do Largo
do Carmo até a estação do Anil.
Embora a capital maranhense fosse umas das primeiras capitais do Norte do Brasil a
receber iluminação a gás carbônico e uma linha de bonde de tração animal, E. Teles apresenta
uma São Luis retgrada na República, ressaltando a sua estagnação no quesito de
desenvolvimento tecnológico, dizendo: São Luis foi uma das ultimas capitais que vieram a
possuir a iluminação elétrica e a ultima a ser dotada de bondes elétricos” (MACEDO, 2001,
p. 69). Saudosista, o autor ainda tenta mostrar um período áureo da história do Maranhão, que
pode ser fixado nos últimos anos do Império e primeiros da República, quando se
desenvolveram indústrias, comércio, e até mesmo as letras. Lamenta profundamente a ação
dos especuladores que acabaram por destruir os maquinários industriais, vendendo-os a
retalho. Era comum ouvirem-se expressões satirizando a postura do Governo, hostil às
quinas: O governo tinha raiva de máquinas, fossem ela quais fossem, e somente
Godofredo Viana veio mais tarde reconciliar o Estado com a maquinaria.” (MACEDO,
2001, p.71).
Nessa ocasião, um magnífico motor a diesel, de fabricação suíça, já se
encaminhava para o porto afim de embarcar para São Paulo, quando um
mandado o deteve e o deixou por muitos anos inutilizar-se ao Sol e à chuva
no Cais da Sagração, sob a vigilância de Soares de Quadros! (MACEDO,
2001, p. 71)
Outro ponto da capital em que se nota o desenvolvimento seletivo da cidade, com o
dispêndio de recursos públicos, foi o Largo do Carmo, considerado, por muitos saudosistas, o
principal Salão Publico” da cidade, o ponto de civilização, o que havia de mais moderno na
época, cotidianamente freqüentado pelas elites do período. Geograficamente privilegiada,
localiza-se próximo à Praça do Comércio e da Avenida Maranhense. O Largo do Carmo é
apreendido, segundo a mentalidade da época, como o local, por excelência, dos cidadãos
ilustres, freqüentado por pessoas de fortunas, que se reuniam diariamente na praça para
16
Caminho Grande era a denominação de grandes artérias ou ruas, que ligavam o centro da cidade ao interior da
ilha. Os assentamentos de trilhos da capital foram feitos nesse percurso, trazendo especulação no campo
imobiliário, por conta da construção de habitações erguidas por todo o trajeto.
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conversarem. Muitos dos eloqüentes indivíduos moravam em frente ao Largo ou nos seus
arredores.
Figura 8. A Praça João Lisboa (Largo do Carmo)
Fonte: Revista do Norte (1901) p.46
É o coração da cidade, uma espécie de “city”de São Luis, local
obrigatório da passagem de automóveis, célebre pelas rodinhas
de faladores da vida alheia e com um notável lastro de
história.(VIEIRA FILHO,1971, p.107)
O Largo do Carmo, de tão exuberante e seletivo quanto ao público, acabou por
despertar nos moradores um sentimento de afetividade a esse local, de tal forma a conduzi-los
a práticas etnocêntricas, censurando a presença de populares nas instalações da Praça. Era
comum se ouvirem reclamações de moradores contra essa ocupação de vendedores de doces,
frutas e outras guloseimas, no coração da cidade.
Ademais, vale frisar, nesse momento, já que o nosso estudo aborda a brincadeira de
Bumba-meu-boi na cidade, a relutância, por parte dos moradores (do centro de São Luis) em
permitirem que a brincadeira cruzasse esse espaço. Jornais do período publicavam
reclamações de diversos cidadãos, que se diziam incomodados com os impropérios da
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brincadeira, criticando ferozmente a aproximação dos cordões no Largo, argumentando serem
perniciosos ao salão público. Portanto, os brincantes deveriam ficar restritos a lugares bem
distantes, onde não viessem a perturbar o sossego publico e, muito menos, a contaminar os
velhos bons hábitos:
Os programas de higienização haviam despovoado o centro urbano, deslocando os
segmentos subalternos para áreas afastadas da urbe, especificamente nas periferias que, neste
momento, já começavam a ser ocupadas. Em conseqüência, o Bumba-meu-boi, que era
cultivado, e organizado por escravos protagonistas dessa brincadeira popular, era perseguido
pelas elites ludovicenses, através dos seus discursos etnocêntricos, que os imputavam de
responsáveis pelo atraso social (sinônimo de barbárie) da cidade.
Os protagonistas das brincadeiras, inseridos nesse quadro social assim descrito,
conviviam, cotidianamente, com a exclusão, sob dois aspectos: primeiro, porque o simples
fato dos brincantes residirem nas áreas afastadas da cidade, faziam com que o usufruíssem
dos serviços públicos coletivos; segundo, porque o sistema potico vigente não via com bons
olhos qualquer tipo de manifestação popular, aproveitando, a todo momento, para engendrar
formas de conter os populares, através de poticas de disciplinamento.
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CAPITULO IV - DANÇANDO CONFORME A MÚSICA: ENTRE A LEGALIDADE E
A TRANSGRESSÃO, DRIBLANDO A PERSEGUIÇÃO
4.1 - O Bumba-meu-boi nos espaços de conflitos
Neste capitulo, pretendemos abordar as perseguições aos brincantes de Bumba-meu-boi,
na Ilha Grande (São Luis-MA). Com efeito, quando nos referimos à perseguição, se encontra
imbricada a relação dialética perseguição - resistência, pois, partindo do que conseguimos
detectar por meio de nossas pesquisas, sobre tal postura com os populares, estes
permaneceram atuando, sendo posta a brincadeira nas ruas da capital, praticamente, quase
todos os anos, salvo em alguns períodos, como discutiremos adiante. Essa permanência se
vincula à resisncia, embora, muitas vezes, a atuação de tal folguedo fosse passível de
monitoramento policial, ficando a mesma limitada às áreas mais afastadas da urbe, como
forma de disciplinar os espaços urbanos e impedir a pratica de cordões de Bumba.
Refletindo sobre essa problemática, ocorreu-nos a idéia de abordar este espaço
rediscutindo os conceitos de centro e periferia que, durante muito tempo, foram enfocados
como os espaços, respectivamente, das elites e da classe subalternas. Tratá-los historicamente,
implica superar uma perspectiva tradicional, de conferir ao espaço um sentido naturalizado e
estanque, e considerar, em articulação com a sua materialidade física, outras dimensões nele
inscritas, como as econômico-sociais, políticas e simbólicas. Tendo em vista que o fato de
residir em uma dessas duas localidades, - claro que, neste caso, estamos nos referindo ao
recorte temporal da pesquisa - denotava o status de um determinado cidadão (ã), ou seja,
seu grupo social: de elite ou popular
Tal idéia vigorava a nível nacional, tendo a cidade do Rio de Janeiro, então Capital
Federal, como a pioneira neste processo de difusão destes ideais, uma vez que, a mesma se
apropriou de moldes europeus, tanto arquitetônicos como comportamentais, que acabaram por
se expandir para outras regiões brasileiras. A regeneração da cidade era uma das palavras
daquele momento e soma-se a isto o fascínio pelo novo, contrastando com a sociedade
colonial, portanto, se considerava, nessa ótica, necessário destruir o velho para construir o
novo, tido como sinônimo de progresso e civilização. Então, a cidade do Rio de Janeiro, vista
como velha, feia e suja, estava com seus dias contados: O Brasil entrou- e era tempo- em
fase de restauração do trabalho [...] o Rio de Janeiro, principalmente, vai passar e esta
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passando por uma transformação radical. A velha cidade tem seus dias contados.”
(SEVCENKO, 1995, p.30)
Vem atrelado a esse processo de mudança, ou seja, de embelezamento da cidade, o da
mudança de mentalidade da sociedade, em seus vários setores, que acaba por ser absorvida
pelo desejo compulsivo pelo luxo e pela delimitação dos espaços da cidade.
Traçando um paralelo com a realidade da sociedade ludovicense, detectamos, de modo
sutil, a apreensão de certo valores da sociedade carioca, ou seja, a sua inflncia nos costumes
sociais da capital maranhense, onde suas elites, refereciando-se nos moldes de civilização e
fascinadas pelos novos modelos comportamentais, europeus e cariocas, procura delimitar os
espaços de atuação da brincadeira de Bumba-meu-boi, um folguedo, por excelência, dos
negros, por conseguinte, posto como estigma do qual seria necessário se libertar pelo fato de
denunciar o estagio de atraso social da cidade de São Luis. .
Esse dialogo estabelecido entre a sociedade maranhense e a sociedade carioca foi
notado por intermédio de leituras, que possibilitavam especularmos acerca de certas
semelhanças, entre uma e outra, principalmente quando N. Sevcenko mostra os princípios
fundamentais para a regeneração da cidade:
[...] a negação de todo e qualquer elemento popular que pudesse
macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa
de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será
praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas.
(IDEM, 1995, p.31)
Esse contexto é corroborado no Maranhão através das noticias divulgadas neste
período, quando se coloca a aversão da sociedade ludovicense, que almejava adentrar no
contexto de civilização”, em relação à brincadeira que era tida como sinônimo de barbárie,
percorrendo o centro da cidade. Este era pensado como espaço, por excelência, das elites, que
o desejavam vê-lo ocupado pelas camadas populares, com as quais o queriam se
misturar:
Percorreu este ano, as principais ruas da capital , naquela algazarra infernal,
que faz as delicias da garotajem, o boi, o bumba-meu-boi escandalizando a
nossa civilização e perturbando o sossego público, tempos essa
brincadeira foi relegada para os pontos afastados da urbe, mas agora o boi
investiu contra a cidade e veio a praça João Lisboa, nosso principal salão
publico. (Jornal A Tarde, 30 jun.1915, p.1).
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A capital maranhense, possivelmente influenciada por tais discursos, modernizantes
e civilizadores, aderiu ao sistema de delimitar os espaços da cidade, mostrando, desde então,
hostilidade do centro com a periferia, principalmente no quesito que se refere a determinar a
atuação das manifestações populares para as áreas afastadas da urbe, no caso, a periferia.
Portanto, temos um contraponto; o centro, exposto como “civilizado”, ou como se desejava
que o fosse, e as periferias, áreas afastadas, espaços reservados às camadas populares . A
partir desta proposição, encontramos outra semelhança aos moldes sociais cariocas, quando
é defendida esta iia : mesmo uma pressão paras o confinamento de cerimônias
populares tradicionais em áreas isoladas do centro, para evitar o contato entre duas
sociedades que ninguém admitia mais ver juntas, embora fosse uma e a mesma.
“(SEVCENKO, 1995, p.34).
Uma vez que tocamos nessa questão centro periferia, em São Luis- MA, faz-se
necessário delimitar o que era tido como o centro, e também o que era a periferia, terririos
que, apesar de próximos, no sentido de localização e de pertencerem, em tese, à mesma
sociedade, no entanto, desenvolveram culturas distintas, expressas, muitas vezes, por
estereótipos das elites, num intuito de sobrepor-se à outra, no caso, o centro sobre a
periferia”, seguindo esta ordem.
Nos jornais desta época, estampava-se a hostilidade com a periferia, local de atuação
do Bumba-meu-boi, pelo centro, o “salão público”, como se qualificava a Praça João Lisboa.
As elites de São Luis, assim como em outras capitais brasileiras, comungavam a idéia de
progresso e apreciação do novo, entendiam que tal mudança seria possível se conseguissem
exaurir do centro as formas de manifestações populares, pois a presença do povo vagando
pelas ruas do “centro civilizado”, por si só, já mostrava o atraso local, expresso na figura do
passado colonial que, naquele momento se queria esquecer. Margarida Neves expõe,
plausivelmente, esse repudio em relação aos populares.“[...] Tumultos menos ruidosos que
aqueles das baionetas, mas muito perigoso; as multidões anônimas são tumultos na capital
mesmo quando silenciosas, são tumultos porque sua presença denuncia um passado colonial
e escravista que se quer esquecer[..]. (NEVES, 1994, p.138)
A brincadeira de Bumba-meu-boi era vista como sinônimo do passado colonial
escravista, na visão das elites locais, tendo em vista que os brincantes, por serem negros, ou
descendentes, já eram alvo de dupla perseguição, pelas autoridades governamentais e policiais
tanto por residirem nas áreas marginalizadas quanto por serem provenientes do meio popular.
Porém quando não eram perseguições executadas pelas instituições do Governo, diretamente,
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a própria população se incumbia desta tarefa, como podemos ver em um pedido de
providencia ao Sr. Desembargador Chefe de Policia, no jornal O Pacotilha:
Uma grande malta de escravos pretos escravos livres reúnem-se quase todas
as noites na casa n.º 26 da rua das creoulas e além de incommodar a
visinhança até tarde da noite, com grandes gritos fazem ouvir um dicionário
de nomes ofensivos a moral pública, por isso viemos pedir a s. exc. Serias
providências afim de que não reproduzam esses fatos que muito depõem
contra os nossos costumes.Os moradores da mesma rua, caso, a s. exc.
Queira obrigar o dono dessa casa a assinar termo de bem viver, estão
dispostos apresentar seu testemunho.
Providências!Providências
!(Jornal O Pacotilha, 6 jun.1881, p.03).
Notamos o interesse implícito de disciplinar os espaços da cidade, embasado na idéia
de progresso, pelo fato presumido destes bitos deporem contra os costumes e poderem
contaminar o centro, representado na figura da Praça João Lisboa, o ponto mais bem cuidado
do município. Portanto, qualquer “anormalidade” neste local, rapidamente era passível de
denúncia, o restrita apenas aos manifestantes da brincadeira de Bumba-meu-boi, mas
também extensiva a outros segmentos populares, não vistos com bons olhos, a exemplo de
“mulheres de vida fácil”. Por estarem sentadas nos bancos da praça, simbolizando risco para
a “civilização”, como nos mostra a fonte impressa:
Pedem-nos que chamemos a atenção a quem de direito para o grande
numero de mulheres de vida fácil que se reúnem nos bancos da Praça João
Lisboa e praticam as maiores imoralidades.
Alguns meses atraz, todas as noites uma patrulha, ai extacionava
impedindo dessas maneiras tais reuniões; era de justiça que tal prática
moralizadora continuasse em benefícios dos nossos foros de habitante de
cidade civilizada. (O Jornal, 15 maio.1916). Grifos nossos.
A “cidade civilizada” contrastava com o sitio da periferia, local de atuação das
manifestações populares. Frutos dessa disparidade, acirraram-se vários conflitos, no embate
para delimitar as áreas de atuação dos folguedos populares e dos populares. As danças de
negros eram denominadas de batuques - o boi também se inseria nesta categoria, por ser uma
dança qualificada com tal atributo, na visão da elite, que vigora naquele momento - e
ficavam aquém do centro, ou seja, pelo lado dos sítios do Anil e João Paulo - atuais bairros de
São Luis que permanecem com os mesmos nomes, naquela época, áreas afastadas da cidade, e
também na zona rural da ilha, no Iguaiba e Maioba.
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Na concepção de Matthias Rohing Assunção, havia relações de poder e culturais
entre a elite e as classes subalternas de São Luis: como no caso dos batuques, existia uma
lógica espacial que refletia as relações de poder entre autoridades e classes subalternas,
opondo um centro “civilizado”, onde não se toleravam tais barbaridades e a periferia onde
era difícil de impedi-los”(ASSUNÇÃO, 1999).
Na realidade, tais práticas não eram estimadas, de forma alguma, pelas elites
ludovicenses. Durante um determinado período, comprovamos a solicitação de pedidos de
licenças dos brincantes do Estado para que a brincadeira atuasse fora da cidade, como um
meio de disciplinar os espaços da mesma.
[...] Indicam que pelo menos entre 1876 e 1913, os donos de bois
depositavam requerimentos pedindo autorização para ensaiar a brincadeira e
sair nos dias dos festejos juninos. A secretária de policia, no entanto,
somente concedia tais licenças nos lugares situados fora do centro da cidade.
(IDEM,1999, p.03)
A julgar pelo autor, as brincadeiras de bumba-boi ficavam restritas às áreas afastadas
do espaço central da cidade e, mesmo nesses locais, deveriam portar os documentos
constando as licenças a que estavam sujeitas. De certo modo, a luta buscando o progresso,
almejando os moldes de civilização, significava, também, o conflito contra as “trevas”,
consideradas sinônimo de popular, analisada sob a ótica da cultura erudita, de onde emergem
os conceitos tendenciosos para com aquela. Nesta perspectiva, as manifestações populares,
postas como empecilho para o embelezamento do centro, deveriam ficar fora do perímetro
urbano, como as autoridades deste momento histórico a fizeram, através das Portarias da
Chefatura de Policia, publicadas no Diário Oficial do Maranhão: É expressamente prohibido
tocar bombas no perímetro urbano, fazer brincadeira de bumba-meu-boi, bem assim como
tocar caixa do Divino Espirito Santo (DIARIO OFICIAL DO ESTADO DO MARANHÃO, 7
jun.1920 p.15). Como forma de proteger o centro civilizado”, impedindo a invasão de
populares “incultos” e “selvagens”, estigmatizados de “bárbaros”.
Porém, no que diz respeito às licenças, vale expor como era feito o procedimento para
a obtenção das mesmas. que quase não havia meios de conter as apresentações da cultura
popular, ao menos, tentava-se reprimi-las e discipliná-las. No período de transição do século
XIX para as duas primeiras décadas do século XX, as brincadeiras populares e outros
folguedos, para saírem nas ruas, precisavam ser legitimadas, e concretizadas por intermédio
de requerimentos de licenças: o solicitante, fosse ele dono de Bumba-meu-boi ou de outros
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folguedo popular, pedia permissão para sair com a sua brincadeira, firmando compromisso de
que ela atuaria na melhor ordem possível e cumpriria as determinações, ou seja, os deveres
prescritos no documento. Virgínia Maria da Conceição vem mui respeitosamente solicitar
de V.Excia a permissão para durante seis meses ter lugar a brincadeira do tambor das
Minas, à rua da Madre de Deus desta cidade.” ( APEMA. Caixa Chefe de Pocia
Requerimento (1891-1900).Envelope Requerimentos de 1896-1900. licenças, 18 maio.1900).
Com esta postura, as autoridades policiais procuravam meios de manter o “controle”
sobre as brincadeiras, que não poderiam barrá-las por completo. Sendo assim, delegou-se
poderes à Polícia para monitorar e reprimir quaisquer transgressões às ordens blicas que
viessem a acontecer.
Com efeito, o requerente, ao conseguir a sua licença, deixava o seu nome nos
documentos da Secretaria de Pocia, que realizava os despachos, autorizando a brincadeira.
Porém, antes de sair nas ruas, o requerente deveria ir até o distrito policial mais próximo, não
importava a distância, se fosse periferia ou área rural. Deveria se apresentar ao Delegado
responsável:. No dia 23 de junho todos os donos de bois deverão se apresentar ao delegado
geral, no posto correcional, afim de receber instruções sobre esse divertimento.(O Jornal, 7
jun. 1916, p.04). Grifos nossos
O requerente, ao se apresentar perante o delegado, deveria estar portando a sua
licença, para saber o horário em que a brincadeira poderia atuar, não excedendo nem um
segundo, pois, caso contrário, o seu dono sofreria as sanções. Sanções essas que iam desde o
pagamento de multas, seguido de detenção, a correr o risco de nem conseguir mais essas
autorizações:
De conformidade com o meo despacho desta data concedo licença a
Josephina Seguins de Oliveira com a dança tambor de mina na casa de sua
residência à rua Madre de Deus desta cidade, Distrito policial [...] o
devendo exceder as dez horas da noite. Seja a presente licença submetida ao
visto da autoridade Policial do distrito para fins convenientes. (Apud
FERRETI, 2003, p.15).
Inclusive, em alguns jornais deste período, não é de se estranhar a divulgação da lista de
pessoas que haviam obtido deferimento de suas licenças, como podemos observar a seguir:
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Tiveram licença do Dr. Delegado geral para brincar Bumba-meu-boi: Sabino
Conceição, do Desterro; Cláudio Antonio dos Santos, doTotorema; José
Lessa Ribeiro, do Turu; Aprígio Antero de Souza, do Boqueirão; José
Pereira Ramos, do Itamaracá; Elias Barbosa, Madre de Deus; Joffre
Francisco Ferreira . do Codozinho;Miguel Nina, de São Pantaleão; Leocadio
Miranda, da rua do Passeio; Bernadinho Beleza, do João Paulo; Raimundo
Serpa, de Vinhaes. (O Jornal, 23 jun.1916. p.2).
O disciplinamento do centro foi tão abrupto, que locais como a Rua de São Pantaleão
(hoje a referida artéria se encontra na área central de São Luis) era considerada como
subúrbio, talvez por estar próximo a Madre de Deus - atualmente bairro do centro da cidade,
preservado o nome. O monitoramento policial foi ferrenho, a ponto de tentar delimitar até a
quantidade de ensaios de bumba-meu-boi naquela localidade: Nada menos que 3 ensaios de
Bumba-meu-boi sendo feitos nas ruas de São Pantaleão e Passeio no codozinho.”(O Jornal, 25
maio.1916 p.02). Lembrando que a rua do Passeio era um dos pontos em que transitava o
bonde. Esta delimitação era forma de purificar a cidade, como já foi dito neste trabalho,
gerando conflitos, centro X periferia, dois espaços antagônicos. No primeiro, como vimos,
procurou-se as melhores formas de condutas, através de decretos criados pelas autoridades
governamentais e policiais, a ponto de chegarem a proibir a presença de pessoas mal vestidas
de adentrarem à área qualificada como centro: “O Sr. Chefe de Policia prohibiu aos
indivíduos, que não estiverem decentemente vestidos, sentarem-se nos bancos das praças
desta cidade”. (Jornal, O Pacotilha 17 jun.1913, p.03).
Os brincantes de Bumba conviviam cotidianamente com essas perseguições. Eram um
dos principais alvos da elite ludovicense, que os repudiava a ponto de não admitir as suas
apresentações nem em áreas afastadas do centro, desejando a sua eliminação em prol dos
“bons costumes” e decência do povo citadino, que via neste folguedo uma daa “bárbara”,
que devia ser passada para as sociedades, a exemplo do que vimos num artigo, de autor
desconhecido, em um jornal, que, especulamos, talvez fosse algum membro da elite. Algum
morador citadino que não apreciava a festança? Porém, não é trabalho nosso identificar quem
era; neste momento, a nossa preocupação primordial é entender o teor da notícia e a sua
aceitação social:
Mas o bumba brincadeira sensaborona e perversora, não merece
contemporizações, cabe a policia elimina-lo de vez, a bem da decência, os
hábitos citadinos, polindo-se dia-a-dia, são-lhes infensos. Faça-se do boi o
que se faz ao Judas. Exiba-se ao motejo de todos, inflingindo-lhes um
profundo banho, nas piscinas microbicidas e resguardadoras do matadoiro
modelo. (O Jornal, 8 jun.1923, p. 01)
70
As perseguões aos manifestantes são fatos que servem para confirmar a hostilidade
centro X periferia, pois se existem, como de fato existiram na capital maranhense, essas
atitudes, elas implicam em criação de discursos que circulam no meio social para, de forma
sutil, legitimarem essas posturas severas em relão à festança popular, valendo-se de
artifícios, camuflados em nome do “bem-estar da sociedade maranhense”. Porém, os
verdadeiros motivos, cremos, era para as elites adentrarem neste novo sistema de valores que
vinha circulando no país, o prazer pelo novo. O Bumba-meu-boi denunciava o atraso, pelo
fato de mostrar o nosso passado colonial escravista, que, nestas alturas, era tido como velho.
Neste mesmo jornal citado, percebemos outras noticias, sem identificação do autor, que usava
a alcunha de justus”, denominando-se desta forma, quando procurava criticar e inferiorizar
o folguedo:
Sem pretender absolutamente atenuar sequer o atestado que nos trazem os
foros de gente civilizada, os batuques das “caixas” do Espírito Santo e os
estalhardaços do Bumba-meu-boi ante-ontem devidamente verberados na
“pacotilhapor uma vitima da nossa falta de policia dos costumes, força é
convir que se trata de ... de sons que passam ou de um barulho intinerante,
realmente mais prejudiciais a tais foros do que ao sossego publico. (O
Jornal, 20 maio.1919. p. 2).
Em fuão do teor das noticias desse e de outros jornais, que circulavam na capital
maranhense, inicia-se um período de perseguições severas às brincadeiras populares. Período
esse em que, ao mesmo tempo, se configuram as manifestações de resistência dos brincantes.
Pois, analisando as fontes desta época, as leis criadas que datam dos fins do século XIX,
engendravam mecanismos de censura às danças populares. A julgar pela divulgação no jornal
O Pacotilha de uma artigo da lei: Art.125 os batuques e dansa de pretos são prohibido fora
dos logares permitido pelas autoridades.”( O Jornal, 21 jun.1881, p. 2).
As danças de bumba-meu-boi, durante muito tempo, ficaram confinadas as áreas
periféricas, pelo fato de serem estas consideradas o seu espaço de atuação, áreas marginais à
cidade e, principalmente, neste período de transição para o século XX, como já nos referimos:
a vila do Paço
17
, ao interior da ilha, as localidades de Maioba e Anil. Então, os grupos de
Bumba-boi, como não podiam se apresentar fora dos locais determinados pelas autoridades,
procurava seguir as ordens. Mas as perseguições ultrapassaram as barreiras do centro,
adentrando o interior da ilha, através de monitoramento da policia, que o se restringia,
17
Atual cidade de Paço do Lumiar que, porém, fica dentro da ilha.
71
apenas, à cidade, transcendendo o centro e atingindo os arrabaldes. Aparentemente, a idéia
que é perpassada pelos jornais e documentos do período, seria a de que as danças poderiam se
apresentar nos arrabaldes da cidade tranquilamente, sem serem importunadas, por qualquer
autoridade governamental. Porém, na prática, não era o que acontecia, pois mesmo munidos
de licenças, os responsáveis pelas brincadeiras se comprometiam, perante o delegado Geral de
Pocia, a não transgredirem a ordem. Deparamos com o impasse ao termo ordem: será a
concepção de ordem, para as autoridades governamentais, a mesma dos brincantes de Bumba-
meu-boi?
O delegado concedia permissão para a brincadeira percorrer os arrabaldes da ilha, desde
que observasse a melhor conduta possível.
O delegado Geral, dr. Antonio Bona concedeu Licença aos srs.Leocádio
Ferreira, Dorotheu Pereira, e Amancio Francisco de Alcântara, para
percorrerem os arrabaldes da ilha, com grupos de bumba-meu-boi
recomendando-lhes a melhor ordem possível. Folgara hoje a sociedade
maranhense [...] vai ser uma festa chic cheia de luzes e graças, com jogos e
sortes próprios da noite de são João . (Jornal, O Estado, 24 jun.1915, p.04).
As perseguições aos grupos de Bumba-boi, manifestadas através dos repúdios de
membros das camadas elitistas, ou mesmo, de residentes do centro da cidade, crescia cada vez
mais. Principalmente quando se aproximava o período junino, os jornais da época
expressavam o teor de discriminação: “Estamos no azoinante mês do bumba recreio estúpido,
em que aos africanos desplantados se misturam cantigas desenxabidas, mal sofrendo
obnubilação”(O Jornal, 4 jun.1915, p. 01). Equivocadamente, os brincantes talvez chegassem
a pensar que a legalização da brincadeira amenizaria a aversão para com a mesma. Mas a
antipatia dos moradores crescia, encurralados diante deste incômodo quadro, obrigados a
aceitarem os desfiles pelas ruas da cidade, aumentava mais ainda. Com efeito, mesmo com as
licenças, os grupos de Bumba-boi eram criticados.
Sairão hoje pelas ruas da nossa civilizada capital diversos bois, com licença
das nossas autoridades policiais. Ao abuso continuo das bombas
transvalianas, que já devia ter sido reprimida, vem juntar o batuque e o
berreiro dos dansantes, perturbando o sossego público, os negros. Convinha
por um paradeiro a esse divertimento, especialmente dentro do perímetro da
cidade pois quase sempre termina em conflitos. (O Pacotilha, 23 jun.1917,
p. 01).
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Mas devemos atentar que, neste contexto de perseguir e até tentar encerrar essa
brincadeira, focamos um olhar de perseverança e resistência destes populares, mesmo diante
dessas dificuldades anuais de colocarem sua festança para desfilar pelas ruas - seja do centro
ou dos arrabaldes. Chama a atenção o fato do folguedo, de forma paulatina, começar a
adentrar o perímetro urbano, o que, até então, era impenvel. Não temos informação se foi,
realmente, o centro da cidade ou lugares adjacentes, porém, mesmo assim, é uma
deslocamento em direção à área central da cidade .Mas não podemos perder de vista, e cabe
ser explanado e esmiuçada, a perseguição antes dos brincantes cruzarem estas ruas, bem como
a sua proibição, mesmo nos arrabaldes da capital, especificamente no Anil, que também foi
feita por aquelas camadas sociais que o olhavam a apresentação com “bons olhos”. Fruto
dessas atitudes, durante o ano de 1905, donos de bumba-meu-boi foram proibidos de
desfilarem suas danças pelas ruas da capital, em virtude de excessivas denúncias expressas em
discursos que qualificavam os brincantes como violentos. Mas o decreto de proibição não
censurou a animação no Anil, que continuou recebendo pessoas que iam se divertir nesta vila,
demonstrando uma certa forma de resistência dos populares. Estas pode ser percebida quando
vemos que, diante desta situação adversa, não deixam de vibrar nesses dias que recordam os
melhores de seu bem viver”:
Mas ainda assim tivemos em profusão, pelas ruas, as tradicionais fogueiras,
o estereótipos das bichinhas e bombas, o esfusiar dos fogos multicores, as
gargalhadas sadias, nas intimidades do lar, após as leituras das sortes porque
a alma popular,mesmo nas mais apertadas e difíceis circunstâncias, jamais
deixam de vibrar nesses dias que lhes recordam os melhores do seu viver.
Como de costume houve trafégo durante toda noite na linha suburbana,
embora no anil, termo das viajens, este ano não dançasse Bumba-meu-boi,
que faz as delicias do rapazio de flechas e penachos, em virtude da formal
prohibição, do Dr. Chefe de policia, que assim procura evitar as cenas
lamentáveis que quase sempre se dão no decorrer de tal folguedo. (O
Pacotilha, 23 jun.1905, p.2)
Retomando a discussão dos populares no processo dialético perseguão - resistência,
eles iam conquistando os seus espaços, mesmo nas condições desfavoráveis, como vimos
pelas notícias da imprensa, sempre se expandindo em direção ao “salão público” da cidade.
Talvez nem fosse uma meta para os mesmos assim seguirem, mas para demonstrarem que
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estavam ali, a despeito de tentativas das autoridades e elites da capital, em silenciá-los;
estavam ali, ludibriando ou cumprindo as ordens postas de forma verticalizante, às vezes, até
exageradas. Mas não podemos incorrer no anacronismo, porque, o que pode parecer
exagerado para nossa sociedade, poderia não o ser para a sociedade maranhense do inicio do
século XX.
As licenças, mesmo sem parecer, podem ser olhadas como uma certa conquista, se
analisarmos que nem sair nas ruas, os brincantes podiam. E nas vezes que isso acontecia, ou
seja, das brincadeiras desfilarem, ficavam confinadas a pontos distantes da capital, na área
rural da capital. Independente das licenças e perseguições ao folguedo, os registros
encontrados nessa pesquisa mostram que: “até aproximadamente a década de 20 do século
XX aos locais em que existiam, bois em São Luis eram, ou em zonas de pescadores ou em
zona rural” (COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE, 1999, Boletim n.14 p. 5). Essa
persistência simboliza resistência, inclusive, sem esquecer o viés de que muitos dos
participantes eram negros e que, durante o século XIX, talvez até escravos fossem.
Encontramos informações de perseguições ao grupos, muito remotamente, desde 1823, com
retaliações explicitas aos brincantes que, o acatando a ordem do governo, se dirigiram até o
largo do Carmo:
O Governo Prohibira e destacara forças para que os bandos de bumba-meu-
boi, não passassem do areal do João Paulo. Apesar dessas ordens rigorosas,
na noite de 23 de junho de 1823, armados de perigosos busca-pés, grupos de
rapazes enfrentaram a soldadesca ao Largo do Carmo, onde dançaram e
cantaram [...]. (ASSUNÇÂO, 1999 p. 03)
Demonstrando que a postura de resistência vinha se arrastando desde as primeiras
décadas do século XIX, buscando os brincantes o direito de saírem com o seu cordão pelas
ruas. Encontramos outros registros de populares na área periférica da capital, hostis às ordens
que pregavam que os cordões de boi deveriam ter licenças para saírem nas ruas. Ou seja, os
populares não ficaram delimitados a tais posturas arbitrárias e verticalizantes, por parte das
autoridades e das elites que os perseguiam de forma veemente. Apesar dessas restrições, os
populares não se deixaram subordinar por completo, a exemplo da reclamação do morador de
nome Tércio, em relação à brincadeira de Bumba-boi na localidade do “Portinho”, o
ocultando o seu nome, como geralmente acontecia nos artigos, e assumindo a
responsabilidade da denúncia. O mesmo chega a denunciar a presença de um policial no
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coro, algo impensável então, pois a policia, neste momento, era incumbida de monitorar tais
festanças e saber se estavam se comportando “bem os manifestantes, além de verificar a
licença dos grupos de Bumba-boi.
Como se poderia conceber uma autoridade participando do folguedo, que era
considerado “bárbaro e um atentado para os foros de gente civilizada”? As atitudes das
autoridades, em relação às brincadeiras, aconteciam nesses espaços de conflito - entre quem
impunha o poder em contraste com classes subalternas, compondo a teia de relações sociais.
O teor desses comentários a entender terem sido eficazes os discursos pois os pais de
famílias e outras pessoas que residiam na comunidade, onde se ensaiava o boi, acabavam por
absorvê-lo e reproduzi-lo, com denúncias nos jornais, satisfazendo aos anseios elitistas, como
neste exemplo:
No dia 16 do corrente ano deu o Diário a luz da publicidade um artigo,
assignado por um pai de família, no qual pedia providencias ao exm.sr dr.
Chefe de policia contra um divertimento intitulado Bumba-meu-boi, que sem
permissão dessa auctoridade fuccionava (sic) no referido lugar os amantes de
tão deliciosos divertimento, entendeo atribuirme a auctoridade de tal artigo
e como sempre o canalhismo é o ídolo dos ignorantes, não trepidarão em
insultar-me, exercendo assim uma vingaa ignóbil, da qual fui a tima
expiatória. Dois se passaram e eis que vejo surgir em campo um homem que
se arvorou em protector deles, prometendo licenças para dansar o querido
bumba. E note-se que este magno protector é uma auctoridade policial de
baixa esphera. Não pode, portanto, passar sem a mínima repressão o
procedimento dessa auctoridade que em vez de ser garantia e ordem publica,
afasta-se com seu procedimento de confiança dos seus superiores .
todos os jornais da capital tem noticiado os lamenveis ocorrências
havidas nos taes bumbas, e se não é pernicioso o tal brinquedo, não sei que
melhor qualitativo que se possa dar.
Responsabiliso-me Sr. redactor por estas linhas na forma de lei.
São Luis-MA 20 de maio de 1881
Tercio”
(DIARIO OFICIAL DO ESTADO DO MARANHÃO, 20 maio. 1881. p.02)
Dialogando com outros tempos para confirmar certas situações, sobre o avanço dos
grupos de Bumba, no espaço urbano, encontramos, no ano de 1917, um jornal noticiando a
presença da brincadeira na cidade. Porém, no ano seguinte, a postura das autoridades
apresentava uma certa mudança, ao permitir que os grupos pudessem sair às ruas, desde que
o cruzassem o Apeadouro. Este local ficava bem próximo ao Caminho Grande, estrada
de acesso ao Anil. Será que seria um discurso tendencioso para impedir que a brincadeira
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fosse para o centro da capital civilizada? Pois o período de São João, pelo menos em São
Luis, é época de apresentação do Bumba.
O Sr. Delegado de Segurança, no exercício de Delegado Geral, manda
fazer público para o conhecimento dos interessados que por ocasião dos
festejos de o João e o Pedro as brincadeiras de bumba-meu-boi o
podem vir ao perímetro da capital, devendo chegar ao Apeadouro. (O
Jornal, 1918, p.01).
Esse documento corrobora que os manifestantes populares, aos poucos, iam
expandindo os seus espaços de atuação. Diante desse quadro, as autoridades, talvez não
podendo mais reprimir as brincadeiras, engendraram formas de contê-las. nessas alturas,
devido a sua expansão, elas migravam no sentido inverso: periferia centro. O folguedo, que
ficava restrito ás áreas afastadas da urbe, no caso, o interior da ilha, começava a vir em
direção à Forquilha (atual bairro da Forquilha) e, em seguida, fica localizado na pitoresca vila
do Anil, como noticiavam os jornais deste momento; na seqüência, em direção ao João Paulo
e Apeadouro. Esta peregrinaçãonos remete a levantar a hipótese de que, aos poucos, iria
invadir o “centro civilizado”, as áreas mais centrais da capital, como chegou a fazer algumas
vezes, numa posição de resistência. Cremos ser essa resistência, não necessariamente, no
sentido sico, embora não descartemos a possibilidade de que, durante esse processo em
direção ao centro, tenham existido confrontos desse nível.
O intuito é analisar o conceito de resistência dos populares no campo simlico,
identificando as suas estratégias de sobrevivência, engendradas diante das situações adversas,
partindo do seguinte pressuposto: se houve perseguição ao bumba-boi, e a dança continuou a
existir até os dias atuais, implica dizer que existiu essa resistência.
As liceas, por si , já indicavam, para aquele momento, indícios de resisncia,
embora também passassem a idéia de repressão. Os sinais aparecem, a partir do momento que
a licença se configura como uma maneira astuciosa dos populares colocarem as brincadeiras
nas ruas, sem transgredirem as leis. Todavia, “brincar” de Bumba-boi, nos conformes das leis,
implicava uma serie de fatores, que iam desde a solicitação da licença, junto à Secretaria de
Pocia do Estado do Maranhão, passando pelo parecer das autoridades e, por último, o
deferimento. Afinal, somente o fato de escrever um requerimento não implicava que o pedido
fosse deferido. Além do mais, existia um fator agravante: muitos donos de Bumba-boi e de
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outras brincadeiras o sabiam ler e escrever, o que não deixava de ser mais um empecilho.
Mesmo com essas limitações, os populares driblavam essas dificuldades e continuavam a
requerer licenças. Para isso, os mesmos eram auxiliados por um funcionário da Secretária de
Pocia, responsável pela elaboração dos requerimentos/petições. Era comum encontrar, no
final desses documentos, a frase: A rogo, de uma determinada pessoa, por não saber escrever.
Ilmo. Sr.Dr. Chefe de Policia Do Estado do Maranhão
Passa-se a Portaria concedendo licença requerida, na mesma forma
de meu despacho anterior
Secretaria de Policia do Maranhão, 20 de maio de 1896
Lourenço Justiniano Frazão, morador no lugar. Districto de Vinhaes ,
querendo ensaiar a brincadeira do “Bumba-meu-boi”, farão se divertir
algumas noites pelas festas de São João, Santo Antônio e o Pedro, em
differentes lugares da ilha, inclusive Cutim, pede a V.Sº se digne a conceder-
lhe a necessária licença para esse fim.
Nestes Termos
Pede Deferimento
São Luis - MA, 20 de maio de 1896
A rogo do requerente (por o saber escrever)
Luiz Gonçalves da Silva
Cabe-nos lembrar que, em meio às criticas, aos participantes do folguedo, muitas eram
direcionadas às figuras dos negros. Ser negro era um estigma muito grande nesse período,
pois a sua imagem era associada à vagabundagem, a “badernas”. No século XIX, estes
protagonistas da brincadeira eram trabalhadores escravos, porém, quando libertos, foram
tratados com outros estereótipos, como o de desocupados. Talvez a mentalidade da elite local
estivesse voltada para os moldes burgueses de civilização, proporcionados pelo olhar do novo
e a sede pelo enriquecimento, que veio associada à idéia do regime republicano. Associava-se,
pois, a figura de quem o trabalhava, a ocioso, vagabundo, pois se observou que o trabalho
dignificava o homem e ocupa sua mente, impedindo que ele se tornasse um “marginal” em
potencial, em outros termos, um elemento propício a entrar no mundo ilícito.
Porém, devemos estar atentos para o fato de que os populares saírem pelas ruas, não
significa que eles não trabalhassem, tanto é que jornais do período mencionam um aprendiz
de padeiro que recebeu autorização para brincar no Bumba até uma determinada hora. É claro
que a fonte impressa é repleta de intencionalidade: nesta noticia, alega-se que muitas pessoas
perdiam seu emprego em virtude das festas de São João:
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[...] muitos operários perdem seu emprego por causa da camueca. Outros
exaltam-se numa onda de revolta os patrões esforçam-se por esbofetea-los.
Foi o que se deu com Sr. Casemiro Gonçalves da padaria emo Luis.
Este moço em regozijo pela data de ante-hontem, deu, licença um
empregado seu para vadiar, a as dez horas da noite , mas o padeiro
entusiasmado com o bumba-meu-boi, foi além das onze [...]. (O
Pacotilha,26 jun.1911, p. 2)
O brincar, no texto, é entendido e exposto como sinônimo de “vadiar”, e não é era
desta época o repúdio contra os lazeres dos pobres: “A idéia que os pobres devem ter direito
ao lazer sempre chocou os ricos”(RUSSEL, 2002, p.29). Talvez seja uma possível explicação
para a associação entre brincantes e „desocupados‟, segundo a visão das elites maranhenses e
brasileiras, que, além do autoritarismo herdado do regime escravista, sofriam inflncia da
cultura burguesa e faziam questão de cultuarem o trabalho como algo disciplinador e sadio
para o ser humano. Mas isso, as elites queriam fazer valer para os grupos subalternos, e,
assim, a diminuição do trabalho era considerada como mais tempo ocioso para estes
manifestantes perturbarem o sossego público e ameaçarem o “centro civilizado”. A camada
social dominante considerava que os mesmos, aos invés de saírem nas ruas como
desocupados”, deveriam manter suas mentes sãs, ou seja, ocupadas com algo, pois era até
um meio de “civili-los”, porque nem saberiam o que fazer com tanto tempo disponível,
utilizando-o numa espécie de frivolidade, expressa, nesse momento, no folguedo:
Outros tantos não acontece quando os desbragamentos são permanentes,
diversos, e as vezes, sem que a escuridão da noite consiga evita-los.
Assim é o que vai pela rua Portugal entre o armazém do tezouro e o do
quartel da guarda do mesmo tezouro.
Não há atenuantes para aquele verdadeiro céu abaixo ...
Ninguém dirá certamente que algazarra infernal, característica daquele
curioso trecho da rua, que recorda o estoiro da boiada, seja uma
conseqüência do trabalho intenso que ali se efetua.
Compreende-se e se chega mesmo a venerar o ruído sagrado das máquinas e
instrumentos de trabalho.
Compreende-se igualmente o canto dos remadores, quando a
embarcação navega a ...feição da corrente.
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O que o se pode compreender, é que realmente esteja trabalhando quem a
titulo de suavizar as agruras do trabalho, passe horas e horas e horas gritando
impropérios.
É para esta a meia dúzia se tanto, de perturbadores do socego público que
por minha vez . invoco a ação pronta e enérgica da digna autoridade desta
terra. (O Jornal, 20 maio.1919, p. 01). Grifos nossos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio de Russel, quando o mesmo vem referir a
hipocrisia das elites, o seu gosto pelas “ocupações”, na maioria das vezes, nem elas mesmas
trabalhavam”, apenas exigiam que os subalternos (concepção das elites locais ludovicenses)
o fizessem. Em contrapartida, os brincantes não abriam mão de seus lazeres. Na verdade, se
perguntássemos para qualquer trabalhador brincante o que ele mais sentia prazer em fazer
na vida, dificilmente diria que seria o trabalho, mas o prazer de sair com os seus grupos de
bumba-boi pela cidade
Não obstante, essa prática de trabalho que atendia ao sistema vigente, já ocupa boa
parte de seu cotidiano (MATOS, 2002). O pouco tempo que lhes restava, era, principalmente,
no s de junho, época junina. Os participantes membros dos Bumbas queriam desfrutar,
brincando, o importava o espaço. O que era levado em consideração, era a animação,
sobretudo na periferia. Espaço do Bumba-boi.
4.2 Anil : o sítio do “Bumba”
Como de costume desde as primeiras horas nota-se hoje uma grande
agitação na cidade, seguindo para o interior da ilha, grande numero de
famílias, que ali vão apreciar e tomar parte nos festejos tradicionais de o
João. (O Pacotilha, 23 jun.1904 p. 2).
Neste item, abordarmos o sitio ou periferia do Anil, sobre o qual foi-nos possível, por
intermédio da análise de nossas fontes, extrair alguns dados cruciais ao entendimento da
atuação dos grupos de bumba-boi, na cidade de São Luis-MA. E (re) construir a historia dessa
localidade, sob a luz dos jornais do período. A intenção é descentralizar o foco de abordagem
da historiografia tradicional, que se detinha em abordar apenas os elementos centrais da
79
cidade, silenciando e negligenciando os fatos ocorridos nas áreas marginalizadas. Com novas
abordagens dadas ao tema, houve mudanças na escala de observação, pois partimos de uma
área posta à margem, para daí tentar remontar a historia da cidade, em seu viés sociocultural.
E nada melhor que colocar a historia do bumba-boi, que se configura e ganha repercussão a
partir desse local.
Analisando as noticias dos jornais deste nosso recorte temporal, percebemos ser
comum, em todos os anos, as brincadeiras de bumba-meu-boi, no mês de junho, saírem pela
ilha para se apresentarem, principalmente no Anil, tido como o local principal de atuação
destes grupos. O deslocamento do povo citadino para essa área era notório, uma forma de
migração centro periferia, almejando apreciar os festejos juninos:
Parece-nos que a julgar pela animação reinante have hoje e amanhã, um
grande movimento de falias, rapazes e povos, muito povo, para os
arrabaldes, afim de apreciar as festas joaninas o Anil será o termo das
jornadas, o ponto capital das peregrinações, o ponto principal dos
folguedos, estão muitas famílias aboletadas. Outras inumeras, irão nas
duas noites tradicionais gosar as delicias de o João nos subúrbios. (Jornal
O Pacotilha, 23 jun.1922, p. 2). Grifo nosso.
O teor das noticias nos remete a entender o porquê das famílias se direcionarem aos
arrabaldes. No “centro civilizado”, não se tolerava tais práticas “bárbaras”. Então, populares
residentes nas áreas centrais e admiradores das festas populares se viam praticamente
obrigados a se deslocarem, almejando diversão. Os apreciadores do bumba-meu-boi viam
nesta vila o local da festança, assim como o jornal relatava. Cremos que essa pratica das
pessoas se dirigirem ao Anil se arrastava desde os fins do século XIX. Publicadas no
mesmo jornal, muitas noticias convidavam as pessoas para irem ao sítio, a exemplo das
propagandas da Casa Anilense, que tinha como seu proprietário o senhor Albino Xavier
Martins, vulgo o Albino do Anil”, que visava, acima de tudo, clientela para consumir os
seus produtos, deste modo, aproveitando o momento de grande movimento para vender suas
cervejas e comidas. Por tanto, buscava atingir os admiradores da brincadeira, tendo em vista
que o proprietário chegava a contratar grupos de Boi para se apresentarem nas tradicionais
noites de São João:
Na spera de São João dansará no Anil, o boi da maioba, por conta
do Albino, afim de divertir a bela rapaziada.
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O Albino acha-se preparado, para bem servir seus freguezes, tendo em
seu estabelecimento boa cerveja fria, vinhos finos, bons petiscos bom café e
chocolate, ótimo sorvete.
O Albino espera o comparecimento da rapaziada de bom gosto e das
exma. famílias a quem prometi servir o melhor possível. (Jornal O
Pacotilha, 22 jun.1889 p. 02).
De todos os modos, Albino procurava atrair as pessoas para aquele local. Não
conseguimos identificar a sua representação social, porém, podemos especular que o mesmo
gozava de um certo privilégio, pois muitos de seus convites eram publicados nos jornais, a
exemplo do que constava nos registros do jornal O Pacotilha do período, principalmente
sobre as contratões de Bumba-meu-boi. A dificuldade estava justamente em se deslocar
para os arrabaldes da cidade mas, vale frisar, muitos destes obstáculos eram contornados pelo
Albino, pois o mesmo entrava em contato com os responsáveis pelo bonde visando atender às
necessidades da população que se interessasse em se deslocar ao Anil. Albino sustentava a
tade de proporcionar comida, diversão e transporte. Será que haveria alguma
intencionalidade do Sr. Albino em buscar resolver a questão do transporte? .
O Albino no anil, a pedido de muitos rapazes que desejam ir ao Anil na
pitoresca noite de São João, resolveu não preparar-se convenientemente para lhes
fortalecer o estomago, como contractar uma orchestra e o Bumba-meu-boi, mais
bem ensaiado da ilha, para fazer-lhes as delicias.
Desejando corresponder da melhor forma possível ao pedido que lhe
foi feito, entendeo-se com a Companhia Ferro-Carril sobre as viajens de
bondes desde as 5 horas da tarde do dia 23, no largo do Carmo e que o trem
fará tantas viajens para o anil quantas forem necessárias.
Das 9 horas a 10h da noite, lá estará o famoso Bumba-meu-boi.
(Jornal, O Pacotilha, 18 jun. 1896. p. 02)
Essa citação nos faz relembrar um pouco sobre o transporte desta época. A empresa
responsável pelo transporte de passageiros era a Companhia Ferro-Carril, cujos bondes saíam
da praça do Largo do Carmo centro- em direção ao Anil (arrabalde), para atenderem o fluxo
da população que se deslocava constantemente, no período junino. Esse percurso era realizado
quase diariamente. A dificuldade maior era em relação à lotação, pois a empresa dispunha de
poucos carros, especificamente, de apenas duas locomotivas, que atendiam à populão nesse
percurso. Na ausência de passageiros, o gerente tirava-a de circulação, encerrando, inclusive
mais cedo, os seus expedientes, deixando muita gente no Anil sem transporte de volta, mas
também de ida. Almejando solucionar esses problemas de transporte, que sempre causava
revolta nos populares, chegando os mesmos a quebrarem os veículos quando lhes faltava
81
paciência, o gerente da Cia Ferro-Carril, o Sr. Antonio Ribeiro de Oliveira, resolveu colocar,
além de viagens extraordinárias, linhas durante a noite, enquanto houvesse quantidade de
passageiros em função do crescente aumento de passageiros que despovoavam o centro para
apreciarem as festas juninas.
Tem sido grande a concorrência de famílias e pessoas do povo que se
dirigem para os arrabaldes da cidade, pela linha férrea, a fim de passarem as
festas de agora. Continuaram hoje e amanhã as viajens extraordinárias para o
anil.Véspera e dia de são João: CIA ferro-carril do maranhão, além das
viajens extraordinárias na linha férrea, a começar das 7 horas da noite, em
diante, spera e dia de o João, trabalhando duas locomotivas, enquanto
houver afluência de passageiros.
Da praça do Largo do Carmo partirão carros extraordinários daquela
hora em diante com direção a (...)
Avizo. Para comodidade dos senhores passageiros, acha-se preparada
uma pequena sala de espera, junto a bilheteria onde encontrarão um bem
servido Estaminet que a Cia contratou, para esses dias com o Sr. José
Thomaz de santos , afim de serem esperados a hora de partida dos trens, sem
o aborrecimento e impaciência que sempre se dão nesses dias.
A cobrança de passagem sefeita antes da partida de cada trem para o
Anil.
Da delicadeza do publico, espera a gerência da companhia o
cumprimento da medida acima para o bom andamento do serviço.
O Gerente
Antonio Ribeiro de Oliveira.
(Jornal Diário do Maranhão, 23 jun.1891, p.01)
As viagens também eram feitas por via de caminhões, executando, muitas vezes, o
mesmo percurso, saindo da praça do Largo do Carmo. Porém, essas noticias veiculadas nos
jornais, sobre os transporte dos caminhões, são posteriores às dos bondes. Pelo menos é o que
circulava nestes jornais da época. Provavelmente, existisse o uso destes caminhões antes,
porém, não divulgado pelos jornais, tendo em vista que tais caminhões serviam para regular o
fluxo de passageiro, impedindo, de certo modo, a superlotação dos bondes. Eram, também,
uma alternativa a mais para os brincantes e apreciadores da brincadeira de bumba-meu-boi,
além de também executarem viagens durante a noite.
Encontramos registros de transportes sendo cedidos” por oficiais da Policia, para
levarem os populares para os arrabaldes da cidade. Claro, os caminhões não seriam cedidos
82
sem algum interesse. Acreditamos que a intenção seria levar o maior numero de espectadores
possíveis para apreciarem a banda da Pocia. Na verdade, os populares descobriam, ao
embarcarem, que esses caminhões o eram fretados, sendo os mesmos cobrados, caso
quisessem usufruir deste meio de transporte.
Em caminhão especial seguirá hoje as 6 ½ horas a banda de musica do
corpo de Militares, que tocará no anil durante a noite de hoje .
Dançaram diversos bois.
Encontra-se na praça João Lisboa, a disposição do público, mais um
caminhão, fretado pelo Sr. Joaquim da Serra, para facilitar o transporte de
passageiros para pitoresca Villa visinha, cobrando por passagem ida e volta
1$000. (Jornal, O Pacotilha, 28 jun.1921, p. 01).
Esta mesma informação encontramos em outro jornal, utilizando praticamente quase
a mesma linguagem, quando se refere ao transporte de passageiros para a vila do Anil, porém,
este outro periódico, em muitas de suas notícias, se referia ao folguedo popular com ironias e
insultos, por intermédio de pessoas que escreviam no mesmo, manifestando seu repúdio para
com as festas populares. A festa que acontecia nestes arrabaldes, eram estigmatizadas, porém,
a linguagem e o teor dos insultos para com o folguedo se referem às pessoas que migravam
em direção à periferia, sob a alcunha de “forasteiro”:
Segue hoje, as 18 ½ horas para o anil a banda de musica do corpo militar,
para tocar durante a noite.
Dansarão ali diversos bois inclusive o das mulheres.
Desde as primeiras horas de hoje que um confortável caminhão, sob a
direção do cabo Serra se acha a transportar para aprazível villa do Anil
grande quantidade de forasteiros que ali vão o dia de amanhã.
Segundo nos informaram, o preço da passagem, a qualquer hora do dia
ou da noite, é de 1$000, o que facilita muito a concorrência para aquela vila
um bravo, pois, ao cabo Serra. (Jornal O Jornal, 28 jun.1921, p. 01). Grifo
nosso.
O mesmo jornal publicava ter havido, no ano anterior, uma redução considerável de
pessoas que se deslocavam do centro em direção aos arrabaldes da ilha, para desfrutarem dos
festejos juninos. Entusiasmado, o periódico julga como responsável por esse fato a ausência
de bandas musicais. Observamos o jornal fazendo apologia às bandas de músicas frente às
manifestações populares. Na verdade, com ou sem bandas, o fluxo de pessoas continuou
83
intenso, em direção ao Anil, não tão eloqüente quanto os festejos de 1921. O fato de ter
havido menos pessoas se dirigindo ao Anil, em nosso entendimento, se dava porque as festa
começavam a ganhar dimensões mais amplas, se estendendo até a festa de São Pedro. Sendo
assim, a população ficava dividida entre: os populares que optavam em irem às festas de São
João e outra parcela, às festividades de São Pedro,o sendo descartada a hipótese de
populares que optavam por freqüentarem as duas: Parece que este ano as noites de São
Pedro serão tão animadas como as de São João, todas as famílias que tinham ido para os
sítios dias atrás e voltaram passadas as festas, estão seguindo novamente para esses
logares tão aprasiveis dos subúrbios da cidade”. (O Pacotilha, 28 jun.1898, p. 02).
As pessoas que iam até o Anil, visavam olhar os folguedos desfilarem pelas ruas em
suas apresentações, e não exclusivamente as bandas. Percebe-se, também, o aumento do fluxo
dos populares indo em direção à vila depois das festas de São João, para desfrutarem da festa
de São Pedro, onde havia apresentações de bois de fama, da ilha. Os periódicos noticiavam o
contínuo deslocamento de pessoas para os arrabaldes.
O Albino o popular albino do Anil, preparou-se desta vez para festejar o
Pedro. Hoje e amanhã além de brilhar, dous bem ensaidos bumba-meu-boi,
dansa de tambor outras cousas mais, tem elle uma variedade de bebida [...] a
rapaziada não deve perder na ocasião de passar uma noite magnífica,
desfrutando o luar esplêndido no pitoresco Anil.
Entra em cena, novamente, o Albino, aproveitando o aumento do fluxo de populares
para o subúrbio, devido à extensão das tradicionais festas e do aumento do prestígio das
brincadeira de Boi. Aproveitava ele, como de costume, para lançar anúncios sobre o seu
estabelecimento, em que afirmava estar pronto para receber as famílias e os rapazes que se
dirigiam para a vila no dia de São Pedro. Confirmava o referido aumento quantitativo e
qualitativo das festas juninas/ joaninas, que passaram a fazer parte do cotidiano do Anil nos
meses de junho, onde elas despontaram de tal forma que, nos anos posteriores, muitas
famílias não se contentavam apenas em se deslocarem especificamente nos dias de festas,
para verem os grupos de bois dançarem e as animações proporcionadas pelas noites de festa
que adentravam a madrugada. Muitas pessoas passavam a mudar a sua concepção,
procurando casas para passarem a temporada, almejando o deleite de todas as noites, e, por
conseguinte, evitando, até mesmo, aquele vai- e- vem do centro para a periferia.
Provavelmente, era um tormento cruzar todo o Caminho Grande até chegar ao Anil, uma vez
84
que a distancia era, poderíamos dizer, considerável, se pensarmos na velocidade de acordo
com os veículos daquele período e a multidão de pessoas amontoadas, limitadas a uma
pequena quantidade de vagões.
Auspiciam-se atraentes os festejos em honra a São João que se vão realisar
este ano no Anil. È grande no pitoresco arrabalde, a procura de casa para a
temporalidade de o João, mantendo-se intenso entusiasmo em todos
aqueles que sabem apreciar as tradicionais festas populares de São João.
(Jornal O Pacotilha, 20 jun. 1921, p. 03)
Porém, como dissemos no inicio deste pico, esses costume de famílias, ou mesmo
grupos de apreciadores, perdurava desde o século XIX, crescendo proporcionalmente ao
aumento das festas juninas /joaninas. As primeiras se referem ao mês de junho; as segundas, à
festa do Santo, no caso, São João, havendo brechas para ampliação, como ressaltamos nos
festejo de São Pedro. Devemos ressalvar, contudo, que, apesar da ampliação, o que o
mudou, inicialmente, foi o local que as pessoas escolhiam para desfrutarem os momentos de
apreciação do folguedo popular, expresso aqui na figura do boi. Os grupos de brincantes, que
sofriam todas as formas de monitoramento e até proibições, quando possível, sempre atuavam
no Anil ou nas áreas adjacentes, representadas como pertencentes à área rural da urbe. O
Diário do Maranhão registrou esse movimento de pessoas, já no século anterior,
comprovando tanto o deslocamento fazendo parte dos costumes do povo que ia ao Anil, como
também a figura do bonde executando a sua atividade: “Estiveram muito animadas
especialmente a de 23, em que, como de costume o povo se entrega a divertimento, toques e
dansantes passando as noites nas ruas. Para os sítios foram muitas famílias andando cheios
os bondes que transitaram para o Cutim.” (Jornal Diário do Maranhão, 25 jun.1881 p.02).
Como já virara tradição, todos os anos, no mês de junho, o centro da cidade era
despovoado pela leva de apreciadores das brincadeiras populares, que migravam em direção
ao Anil. As festividades deste lugar eram tão contagiantes que alguns o se continham em
apreciar somente um dia de festa, e alugavam casas, a fim de aproveitarem a temporada
inteira.
Por falta de registro, não conseguimos definir, precisamente, o porquê de o Anil
concentrar as festas, mas especulamos que talvez tenha sido em função das brincadeiras
poderem atuar neste local com relativa tranqüilidade. Contrastando com os cenários das
perseguições ferrenhas aos grupos de bumba-boi, em vários pontos da Ilha. Todavia, essa vila
85
foi ganhando espaço gradativamente, a cada ano, passando a ser referencial de ponto de
encontro dos bumba-bois:
Numerosa foi a concorrência aos diversos pontos da ilha, principalmente
no Anil, centro dos folguedos em honra a São João.
Neste aprasivel logar a animação excedeu a desses últimos anos. Além
das costumeiras danças de bois [...] enfim como nos anos anteriores, a alma
popular vibrou com veemência na noite de hontem, entregando-se as
expansões do entusiasmo esfusiante e bulhento que a empolgava [...].
(Jornal, O Pacotilha, 24 jun.1904 p. 2). Grifos nossos.
Parece verossímil a nossa interpretação, ao nos referimos à representação do Anil e ao
aumento continuo de pessoas se deslocando para a área, quando notamos que o jornal O
Pacotilha referencia o local como “centro dos folguedos”. Em outros periódicos do período,
encontramos informações, em sua grande maioria, se referindo ao Anil nos períodos
juninos/joaninos. Sendo assim, faz jus a localidade receber tais títulos de “capital das
peregrinações” e “centro dos folguedos”.
Ver o Anil como ponto principal de atuação dos folguedos nos foi possível
embasados em fontes de pesquisas, que nos deram elementos para considerar o Anil como
local de destaque. Deixamos claro que, não é porque encontramos diversos registros citando a
referida localidade, que não existam notícias nos periódicos da época referenciando outras que
também estão inseridas na categoria de arrabalde, a exemplo de Paço do Lumiar, tulo da
matéria abaixo:
O proprietário da brincadeira do bumba, assim denominado, comunica aos
apreciadores deste folguedo e os foliões que a referida brincadeira,
percorrerá o município, nas speras e dia de São João, São Pedro e o
Marçal. O Pai Francisco, Robson, Preto Velho, americano chegado a pouco
tempo da Califórnia [...] (Jornal, Pacotilha, 21 jun. 1913 p. 3).
Percebe-se a presença do bumba atuando nesta localidade, também no s de junho,
servindo para corroborar a atuação deste folguedo, em outros lugares, na mesma temporada.
Enfim, o que notamos no transcurso da pesquisa, analisando as fontes, é que a
localidade Anil, entre os anos de 1880 1920 se configura, no cenário ludovicense, como
86
ponto de encontro das apresentações populares, uma vez que ás brincadeiras gozavam de uma
relativa liberdade para desfilarem nas ruas.
87
CAPITULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As representações simbólicas nos espaços de conflitos: centro x periferia
Ao final desta narrativa sobre a história do Bumba-meu-boi em São Luís-MA, no
período de 1890 a 1920, consideramos necessário retomar a probletica colocada na
Introdução do trabalho e refletir sobre os resultados que a pesquisa histórica sobre o tema nos
possibilitou.
Retomando, pois, a problemática: O que levava a sociedade ludovicense a denunciar
e, ao mesmo tempo, participar das festas do bumba-meu-boi? Qual o significado da
normatização da festa? Quais as estratégias de resistência dos brincantes?
Os eixos tricos de nossa narrativa foram os conceitos de espaço-território e
perseguição-resistência. É em torno desses eixos que elaboramos nossas considerações finais.
Os conceitos, como representações das experiências vividas, circulam no imaginário
social e, portanto, são dotados de historicidade e mudam no tempo e no espaço. São criados,
refletidos, criticados, vistos e revistos, re-criados, de forma constante, à medida que os
processos históricos vão colocando novos problemas e os seres humanos buscam
compreendê-los. Portanto, os conceitos são móveis, fluidos, e não categorias, que são mais
fixas, engessam a discussão porque não permitem uma visão processual, histórica, nem
permitem extrair o manancial trico que se pode retirar de uma reflexão sobre esses espaços
de conflitos constituídos historicamente, como no caso do bumba. Os conceitos que
utilizamos para o nosso trabalho, foram “sugeridos” pelas leituras iniciais da bibliografia
sobre o tema e, depois, pelas fontes documentais, quando constatamos o processo de expansão
e transformação urbana da cidade de São Luís e as tentativas das elites e das autoridades
governamentais enquadrarem os brincantes do Bumba-meu-boi.
No que diz respeito a espaço-território, de um lado, percebemos que as elites e as
autoridades tencionavam dicotomizar o espaço urbano: o centro civilizado” para si e os
“subúrbios” ou “arrabaldes” para os populares. Mas percebemos, também, que estes últimos
nem sempre aceitavam essa segregação espacial. Neste processo, o Governo busca medidas
para ordenar os brincantes. Por outro lado, as pessoas saíam do centro para irem para o Anil,
assistir o bumba. Então, um jogo entre polarização e articulação entre os dois espaços.
88
Assim, procuramos discutir esses dois espaços da seguinte forma: tanto pela ótica dos
conflitos e polarizações quanto em uma perspectiva dialógica, apreendendo a sua
interatividade, comunicação, e/ou “troca”.
Este é o olhar, a perspectiva do pesquisador. O nosso ponto de vista.
Nesse sentido, argumenta-se: o discurso de centro civilizado” nos apontou o espaço
tomado, em São Luís, de modo “etnocêntrico”, como acontecia em algumas capitais do país,
para auto-afirmação e auto-legitimação das elites e do Governo, estigmatizando os outros
espaços e seus ocupantes, delimitando-os à sua margem.
Quando se fala etnocentrismo, vem à mente um elemento que cremos ser de grande
valia para essa discussão, os sistemas de valores”, que por sua vez, nos remetem, a modelos
culturais, pondo em confronto culturas diversas. Com efeito, as “classes” dominantes”, de
alguma forma, se apropriam de mecanismos de poder, para imporem seus valores culturais,
por elas vista como superiores, unilateralmente. Muitos membros das elites residentes nas
áreas centrais do espaço urbano hostilizavam os moradores das áreas afastadas, tentando
conter as práticas sociais dos moradores periféricos” e, assim, paralelamente, impor suas
próprias praticas cotidianas, expressando seu modelo cultural, atingindo as dimensões
espaciais materiais, sociais e simbólicas da urbe.
Problematizando esta questão, buscamos embasamento no pensamento de Thompson
(1981) acerca dos sistemas de valores, que alarga nossa percepção, quando nos possibilita
refletir sobre a imposição (ou tentativa) de um certo grupo social em querer disseminar seus
valores. Foi o que, aconteceu em São Luis-MA, quando uma pequena parcela da sociedade
ludovicense, incluídos os dirigentes estatais, e valendo-se do seu poder, executou medidas
repressivas, no sentido de disciplinar os espaços urbanos, pretensiosamente não aceitando
outro sistema de valores alternativo em relação ao seu, perseguindo quem infringisse a sua
concepção de “civilização”:
O Sistema de valor predominante é exatamente aquele que predomina [...]
Além disso, o próprio sistema de valores especifica” se os
descontentamentos devem ou não surgir, isto é, ele inibe ativamente o
aparecimento de valores alternativos e proporciona mecanismos
controladores de tensão para solucionar as perturbações individuais
relacionando com valores. (THOMPSON, 1981, p.90)
Não é descartada, no presente momento, a possibilidade de acontecer o inverso, ou
seja, o “suburbano” podendo, potencialmente, se tornar um “centro”. Isso, claro, desde que a
89
abordagem teórica enfoque os locais. Nesse sentido, se isso acontece, o que dantes era
denominado arrabaldes”, passa a ser visto como o “centro”.
Essa discussão possibilita muitos panos para as mangas dos pesquisadores, uma vez
que vai desvendar um mundo “encoberto”, conhecido como o mundo das representações, que
muitos entendem como um efeito de real. Numa certa medida, este mundo é tão real ou
verdadeiro, e até mais convincente, que o mundo cotidiano.
18
Tal concepção da autora
Pesavento (2001) remete-nos a pensar na possibilidade das abordagens mais recentes
tenderem a um plano mais “social”, inserindo elementos que antes não entravam em questão
por serem estigmatizados como hostis à “cultura intelectual”. De certa forma, os próprios
elementos simbólicos servem para exemplificar e corroborar a nossa intenção.
Sem embargo, a inserção de elementos simbólicos levou em consideração, e deu mais
voz e representação, ao elemento povo, instigando os pesquisadores a romperem com alguns
paradigmas tradicionais, que excluem o povo como integrante da história.
Nestes termos, a forma de conceber o espaço foi ampliada para referenciais mais
abrangentes, procurou utilizar para a análise como o povo pensa e apreende o espaço em que
vive, seja centro ou subúrbios, rural ou urbano.
Contrariando o que foi perpassado pelo academicismo durante anos, detectou-se que
nem sempre o espaço construído, em alguns casos arbitrariamente pelas autoridades
governamentais, é o apreendido, vivenciado, pelos populares.
Por isso é que, apesar de todo esforço despendido por parte dos governantes, tentando
suprimir essas práticas culturais dos espaços da urbe, por meio de suportes repressivos, tais
como Códigos de Posturas Municipais e exigências de petições à Secretaria de Policia do
Estado do Maranhão, Leis, Decretos-Leis, estas imposições não obtiveram êxito, como nos
mostra a história, uma vez que os populares, diante das adversidades e perseguições, criaram
táticas de resistência. Algumas vezes, inclusive, valendo-se das ferramentas dos opressores,
para construírem formas de interagirem socialmente, auxiliando-se da circularidade cultural e
do hibridismo, modificando e recriando suas práticas sociais, quando estavam em contato com
as culturas hostis.
Por absorção, não queremos dizer que os populares perderiam sua “originalidade”,
suas especificidades, mas nossa intenção é explicar que, mesmo em contato com a cultura
hegemônica, a cultura desses populares apreende valores desta e os transforma conforme a
18
Mais detalhes, consultar, PESAVENTO, Sandra J.Uma outra Cidade: O Mundo dos excluídos no final do
século XIX.São Paulo: Nacional, 2001. p.09.
90
sua singularidade social. Essa ocorrência confirma o pilar que sustenta uma teoria da cultura
que se apresenta como dinâmica e sujeita às mudanças do processo histórico.
Ora, os brincantes eram periféricos”, no sentido desqualitativo da palavra, para uma
elite. Contudo, apesar de ter atribuído essa adjetivação ao povo, a mesma nem sempre foi
apreendida, pois os populares institucionalizaram em sua memória o centro localizado na
periferiamais especificamente, o sitio do Anil.
19
A um ponto que a própria elite acabará por
elaborar uma outra denominação, para o Anil, “a capital dos folguedos”, como encontramos
nos jornais, já citados em capítulos anteriores.
Os vestígios do passado, mais especificamente, as notícias dos periódicos do período,
corroboram essa interpretação de que: nem sempre a cidade projetada é a vivenciada e
apreendida pela população. Em outras palavras, mesmo que a “elite local” se empenhe em
proferir estigmas, relacionando a periferia como sinônimo de barbárie, contrapondo-a ao
centro civilizado, o que acontece, na pratica, é a não concretização desses modelos, ou sua
concretização em termos. Mesmo sendo arbitrariamente inserido nas mentes dos populares
desse período que o “centro“ era o espaço dos “civilizados”, detectamos o traslado de
moradores desse espaço em direção ao Anil (periferia). Ora, se o centro” era o local dos
civilizados”, o que esses citadinos faziam indo para os arrabaldes da cidade no mês junino?
É claro que não podemos esquecer que havia populares que moravam nos porões de sobrados
da cidade, mas também havia pessoas que passavam a temporada de festas no Anil, em casas
alugadas, o que nos leva a supor que fossem pessoas com certas condições de vida.
Retomando uma citação já feita no capitulo anterior, que estabelece a diferença entre famílias,
rapazes e povo.
Parece-nos que, a julgar pela animação reinante haverá hoje e amanhã, uma
grande movimento de famílias, rapazes e povo, muito povo, para os
arrabaldes, a fim de apreciar as festas joaninas o Anil será o termo das
jornadas, o ponto capital das peregrinações, o ponto principal do folguedos.
estão muitas famílias aboletadas. Outras inúmeras, irão nas duas noites
tradicionais gosar as delicias de são João nos subúrbios. (O Pacotilha, São
João no Anil, 23 jun. 1922, p.01). Grifo nosso.
Esses registros nos remetem a pensar que a relação entre essas duas localidades são
paradoxais ou ambíguas, não existe parâmetro pré estabelecido que legitima esses espaços
atuarem sem interação, ou seja, nem sempre a construção do espaço almejado teoricamente é
o vivenciado na prática pelas pessoas no cotidiano. Assim, essas relações não se limitam à
19
Atualmente, um bairro de São Luis-MA, mas que, nesse período, era a periferia da cidade, ou até mesmo,
considerada a área rural da Ilha Grande (São Luis).
91
área física, embora fosse essa a intenção da elite ludovicense, difundindo esse discurso
naquele momento histórico. Essas interações envolvem sentimentos, práticas sociais, enfim,
um conjunto de significações emblemáticas que estão além dessa visão finita, condensada na
dicotomia entre “centro- “arrabaldes”. Atingem dimensões maiores: políticas, econômicas e
sociais, carregadas de valores simbólicos.
A visão dicotomizante de mundo foi produzida muito antes do período de nossos
estudos, por volta dos anos de 1950, com a denominação centro-periferia, que ainda persiste
no senso comum e na própria academia. Os conceitos de centro e periferia eram apresentados
sob formas “fixas” (como categorias estruturais) e dicotômicas, sem incorporarem o diálogo
circular” entre os espaços, limitando o campo de possibilidades das pesquisas; O processo do
crescimento acelerado das cidades, e de suas complexidades, proporcionou outros olhares
sobre o referido objeto, uma apreensão do movimento, das mudanças.
A dualidade inviabilizava qualquer dinamicidade no interior destes espaços, pois
qualquer mudança ou movimento que se pense, já estará limitada por uma situação pré-
estabelecida. Em outros termos, embora haja inúmeros acontecimentos nesse espaço
qualificado como centro e, conseqüentemente, no da periferia, eles estarão limitados por
uma situação precedente, ou seja, as estruturas. Thompson chamava a atenção sobre o
perigo da inserção das estruturas, no processo histórico, percebendo que esse conceito
aprisionava tanto as evidências históricas como o pesquisador.
As categorias são categorias de estase, mesmo que sejam eno postas em
movimento como partes móveis. O movimento pode ocorrer dentro do
campo fechado dos sistemas ou estruturas; isto é, por mais complexo e
mutuamente recíprocos que sejam os movimentos das peças, ,este
movimento está encerrado nos limites gerais e determinações da estrutura
pré-dada. ( THOMPSON, E.P, 1981, p. 97)
Então, as modificações conceituais institdas historicamente, e o rompimento parcial,
por um lado, também com as estruturas, nos dão subdios para citar exemplo desse
alargamento teórico. Dentre muitos, merece destaque a inovadora contribuição gerada pelos
estudos interdisciplinares, onde diminui o fosso entre as ciências sociais, geografia,
antropologia, sociologia e outras. A aproximação entre esses campos possibilitou a descoberta
de novos horizontes para um estudo mais social e representativo desses espaços,
92
Uma contribuição significativa, nessas novas perspectivas, vem das reflexões sobre o
local, como, o espaço pensado enquanto um lugar comum ao cidadão, em que este desenvolve
suas práticas cotidianas, de morar, trabalhar, ter lazer, enfim, todas essas atividades ligadas à
vida comum, na qual esse espaço proporciona uma lógica própria e diversificada dos outros
locais e espaços.
As representações enraizadas no imaginário social, acerca do local,
estabelecem sua associação com várias imagens: proximidade, familiaridade,
estabilidade, interatividade, convivência, herança compartilhada,
pertencimento e identidade ... De uma perspectiva política, constitui a face
mais visível e imediata do poder. De uma dimeno cultural, é vislumbrado
como o espaço da autenticidade, das raízes culturais, em que prima a
tradição e se afirma a diversidade. De uma dimensão sócio- temporal, é o
espaço do cotidiano, da vivência (SILVEIRA, 2OOO, p. 164).
Eis o porquê dos geógrafos contemporâneo o atuarem mais da mesma forma que
outrora, quando abordavam questões da natureza de espaços, regiões, locais, apenas sob a
égide do empírico (no sentido “concreto”), conforme diz Bourdieu: O Geógrafo prende-se
talvez demasiado ao que se (...) Os geógrafos limitam-se freqüentemente à análise do
conteúdo concreto do espaço; ele olha muito pouco para além das fronteiras políticas
administrativas da região.” (BOURDIEU, 2005. P.21).
Alargando os seus horizontes, os geógrafos, em décadas recentes, procuraram outras
perspectivas epistemológicas, buscando, desse modo, (re)pensar suas teorias em torno da
representação do espaço. Sem descartar as relações de poder entre os espaços, têm
incorporado as estratégias e modos de resistência diante dos processos de hegemonização, ou
seja, uma visão mais dialógica. A Geografia Crítica proporcionou um outro olhar: “É uma
dimensão espacial das especificidades sociais em uma totalidade espaço-social”, capaz de
“opor resistência à homogeneização da sociedade e do espaço pelo capital monopolístico e
hegemônico.” (SILVEIRA, 1999, p. 5)
A mesma historiadora Silveira apresenta várias possibilidades de apreensão do espaço:
O conceito de Espaço é extremamente polêmico nas ciências da sociedade,
em cuja trajetória, várias “escolas” produziram diferentes formulações, que
podem ser agrupadas em algumas vertentes distintas:
a) espaço enquanto categoria de análise, sem existência empírica e sem
ser objeto específico dos geógrafos;
b) espaço enquanto atributo dos seres, também, nesse caso, não sendo
objeto específico dos geógrafos;
c) espaço enquanto ser específico do real, objeto da Geografia;
d) espaço enquanto junção das vertentes a , b e c. (SILVEIRA, 1999,
p.3)
93
A autora referida aponta, ainda, como estudar o espaço não excluindo as bases físicas,
mas articulando-as com as bases sociais, até porque espaço e a sociedade estão imbricados no
terririo da cidade. Mostrando como o historiador poderia atuar nesta problemática, sem
ignorar o empírico espacial, da mesma forma que o pode ignorar o empírico temporal, mas
ultrapassando-os, o se limitando apenas ao que está materializado paisagística ou
cronologicamente, transcendendo para o que se inscreve como humano nas paisagens.
Ora, com os alargamentos epistemológicos, emergem conceitos que estavam
submersos no subsolo do campo teórico, talvez com seus elementos fragmentados e dispersos,
impedidos de se manifestarem, devido aos entraves das abordagens tradicionais deterministas
toldando os olhos dos pesquisadores. Esses conceitos, até então “soterrados”, passam a ser
articulados por “arqueólogos teóricos” em suas “escavações”, escavações essas que lhe
proporcionaram encontrar teorias novas, e novas formas de re-ver as anteriores, por meio de
investigações hermenêuticas.
Mas o fato de entendermos e olharmos com restrições os estudos tradicionais, que
precederam os atuais em relação à problemática do espaço, não significa discriminá-los. Essa
concepção de espaço que temos na atualidade, seria muito difícil, quase impossível, de ser
pensada pelos teóricos tradicionais, devido à falta de disponibilidade de informações e às
perspectivas ideológicas de sua época. Poderia dizer que somos privilegiados, por termos
acesso a inúmeras informações e contribuições deixadas por esses pesquisadores nossos
antecessores. Um outro aspecto limitativo era a separação entre as áreas do conhecimento: no
caso do espaço, este era objeto de estudo quase exclusivo dos geógrafos. A
interdisciplinaridade mudou as formas de vermos o mundo. Muitas relações existentes no
espaço o eram percebidas, por falta de concatenação entre teoria e metodologia. Outro
limite para as interpretações foram as escalas espaciais, visto que os primeiros estudos sobre
as relações entre espaço e sociedade privilegiavam a escalas macro
20
, pendendo para a criação
de categorias estruturalistas, que cristalizavam o real e impediam, em conseqüência, o
alargamento do objeto de pesquisa. Esse método de abordagem, de alguma forma, deixou suas
contribuições; por outro lado, não podemos negar a fragilidade teórico-metodológica desses
conceitos-estruturas”, por ocultarem muitos detalhes do espaço, inclusive as suas
diferenciações e conflitos internos.
20
Utilizo a palavra macro metaforicamente, representando um possível estudo de caráter “total”, confrontando o
termo micro, ao não retratar de forma mais detalhada os espaços, os teóricos se concentravam na elaboração de
conceitos, que, na maioria das vezes, mais os impediam de enxergar além de um conjunto genérico, sobretudo
quando utilizavam categorias estruturalistas.
94
A partir dos anos 80 do século XX, houve um grande interesse por estudos locais e
regionais e sua retomada, que coincidem com essa visão do “micro”. Por conseguinte, no
âmbito desse alargamento teórico, as análises foram sendo mais refinadas, para além das
escalas de territorialidade nacional-internacional.
Tais abordagens mais recentes estão sendo elaboradas com base nas reflexões sobre os
processos dialéticos de desterritorialização e reterritorialização em ocorrência no âmbito da
globalização, articulando as várias escalas (global-nacional-local), engendrando novas
dinâmicas espaciais: o que era periferia, pode tranquilamente sair deste status atribuído” e
transitar para ocentro”, através de um “status adquirido”. O próprio Anil era um sítio
afastado do núcleo urbano de São Luís, no período abordado por nosso estudo; na atualidade,
o mesmo está inserido na área urbana desta capital. Para melhor explicitar, um exemplo mais
próximo na região central da mesma cidade: o bairro da Madre de Deus, que hoje é,
praticamente, “centro e, outrora, no fins do século XIX e inícios do culo XIX, fazia parte
do subúrbio da cidade. Portanto, essas percepções estão vinculadas às escalas de observação
diferenciadas, adotadas pelo pesquisador.
Assim, é cabível e indispensável, nesta discussão, a micro-história. Para nós,
historiadores, essa escala de abordagem nos despertou para elaborarmos representações mais
específicas, que, articuladas com o micro-espaço, tanto injetou o social no espaço quanto
injetou espaço no social.
Precavidos sobre os cuidados com a apropriação de conceitos, procuramos ser
cautelosos ao nos referirmos a esse “micro” na alise, para não corrermos o risco de colocá-
lo como independente do geral: No que concerne, o objeto, o local aparece como uma
espécie de modelo, reduzido de dinâmica geral: uma amostra que se dirá às vezes aleatória e
às vezes calculada.
21
(SALGUEIRO, 2001, p.193). Pois o seu uso tem maior riqueza quando
houver um dialogo com o geral (escalas mais amplas), para melhor expor sua representação.
Em outras palavras, não basta uma mudança apenas no nível de escala, colocando e
supervalorizando, de forma unilateral, a historia de um espaço sobre outro, seja ela do centro
sobre a periferia, numa ótica verticalizante; nem vice-versa, pois, neste caso, não
entenderíamos as relações de poder. Foi preciso perceber as relações recíprocas existentes
entre esses espaços (centro e periferia), num plano espacial horizontal, diferente de outras
abordagens que representaram os espaços com generalizações e de modo estático, sem
interação. Essa visão generalizante pensa o espaço como um sistema hierarquizado de
95
relações entre objetos espaciais ou entre espaços em via de mão única (ou seja: o espaço
dominante imprime a História do espaço subordinado e faz desaparecerem as especificidades
deste)”.(SILVEIRA, 1999, p.04). Essa falta de interações espaciais, não percebidas pelos
pesquisadores, não apenas negligenciou as especificidades dos espaços, como exclui no tempo
os populares, considerando-os como seres passivos, que sofrem a história e não a constroem.
Foi, pois, com estes elementos teóricos que buscamos um enfoque de caráter social
dos espaços, que nos permitiu compreender a expressão do Bumba-me-boi nas relações e
diferenciações internas e nas relações de poder do espaço urbano de São Luís-MA,
especialmente focando conflitos e resistência.
A própria disciplinarização daquele espaço urbano era política e prática que vinha se
difundindo no país, no período de nosso recorte temporal (XIX-XX). Intervenção no espaço,
assim como a dos brincantes de cordões de bumba-meu-boi, que fizeram da periferia a sua
identidade, o seu centro”, típico da intervenção do homem na natureza, pois os populares
apropriaram-se e modificaram o espaço- periferia, a ponto da mesma ser identificada com seu
espaço por excelência. Esse foi o cenário dos brincantes de bumba meu boi ludovicenses ,
onde seus espaços foram se constituindo em meio às relações conflituosas, perante as
perseguições ferrenhas das autoridades locais que, se valendo de mecanismos de poder,
tentaram silenciar os populares na História, relegando suas práticas culturais aos arrabaldes da
cidade.
Mas o importante é atentarmos para as direções tomadas a partir desses alargamentos,
e o processo interativo, que possibilitou ao homem construir seus espaços, mesmo diante de
adversidade. Mesmo diante dos obstáculos, os brincantes desenvolveram estratégias de
resistências/ sobrevivência, nesse sentido, constituindo historicamente seus espaços.
Essa interpretação contrapõe-se às generalizações conceituais: a generalização é o
procedimento abstrato e processo de abstração: seu resultado inscreve-se na ordem das
representações. Ela opera por seleção dos termos comum e perda de singularidade, do
detalhe da diferença, considerada como secundária” (SALGUEIRO, 2001, p.194), ocultando
as diferenças internas, silenciando certos pormenores, detalhes esses interessantes para uma
possível construção de uma análise que mais se aproxime, o necessariamente, de toda a
complexidade das experiências humanas, mas com uma riqueza pormenorizada, bem maior,
desses espaços, os micro-espaços de conflito e de disputas de poder, seja ele político,
econômico, social ou cultural. Na periferia, apresenta-se uma variedade de grupos e espaços
étnicos, bastantes diversificados, vários grupos de danças e de brincadeiras populares, bumba-
boi, tambor de criola, entre outras.
96
Não podemos pensar mais, assim como foi pensada outrora, de formas deterministas,
associando a sociedade aos espaços urbanos, como um todo, nem sempre as coisas se dão
desse modo. O fato de uma pessoa morar na periferia não quer dizer que a mesma,
necessariamente, segue os mesmos moldes culturais dos grupos locais, o mesmo se diz das
pessoas residentes no centro. Na verdade, dentro de cada espaço, existe uma diversidade de
modelos culturais, que serão apreendidos de diferentes formas pelos seres humanos, como
lhes for conveniente.
Nos processos socioespaciais, ocorrem interações culturais, numa perspectivas
circular, entre populares e elites, seja através de conflitos abertos, no caso, com o uso da
violência física, ou nos conflitos coercitivos, uso da violência simbólica, aproveitando-se do
aparelho estatal, criando leis orgânicas (Códigos de Posturas Municipais), que censuravam
quaisquer manifestações populares no perímetro urbano, salvo raras exceções, quando os
brincantes se sujeitavam a solicitar licenças para poderem sair com suas brincadeiras nas ruas
de São Luís. Ao mesmo tempo em que tais medidas eram uma uma forma das autoridades
monitorarem para reprimirem; por outro lado, havia uma resistência sutil por parte dos
brincantes, quando insistiam em continuar desfilando, com ou sem autorização.
Os discursos elaborados constituíam representações de uma elite minoritária, mas que,
embasada em paradigmas da “hegemoneização” cultural, buscava se autoafirmar e legitimar-
se perante as classes populares, impondo, arbitrariamente, seus sistemas de valores, hostis aos
sistemas daquelas classes.
Na prática, não houve, de forma completa, esse donio sobre os espaços, pois uma
parcela da sociedade resistiu e ainda resiste a tais mudaas. A resisncia faz parte do
cotidiano desses populares, que souberam constituir sua identidade no espaço e um espaço de
identidade, criando suas próprias dinâmicas, de acordo com o seu lugar social, ou seja, um
“macro dentro do micro.
22
Retomando a idéia de que nem sempre a cidade projetada, de
acordo com pensamento de muitos engenheiros do referido período (1890-1920), é a
vivenciada pelos habitantes, diz uma autora Os critérios do urbano dependem não da
política administrativa ou da prosperidade econômica, mas dos conceitos de apreensão do
lugar por partes de seus habitantes”(SALGUEIRO, 2001, p.25). Há sempre uma força agindo
no sentido inverso dessa perspectivas, manifestada na resistência dos habitantes, numa espécie
22
Grifo nosso, Esse termo, usamos apropriando-o da micro-história, na qual procuramos nos fundamentar. Em
um determinado recorte que estabelecemos em nossas pesquisas, tomado como ponto de analise, seria um micro,
entretanto, no interior do recorte, no caso, o espaço, existe toda uma dinâmica social, que somando ao contexto
geral, forma uma “historia como um todo. Porém, quando digo um macro dentro do micro estou argumentando
a existência de um “todo social” inserido no micro, no sentido metafórico.
97
de força oposta, ou até mesmo uma ação social como que para alertar que nem todos foram
absorvidos abruptamente pelas inúmeras mudanças que permeiam a sociedade. Comungamos
com a seguinte iia: para compreender a cidade, deve-se separar analiticamente a sociedade
e seus espaços, pois eles evoluem segundo temporalidades diferentes; mas, também, pensá-los
juntos, em suas articulações e confrontos. Generalizar, por um espaço, o todo urbano, é
reducionismo.
Assim atentos, pudemos perceber as difereas existentes entre os brincantes de um
determinado local, (na periferia, por exemplo) mas que desenvolvem práticas sociais
peculiares (numa espécie de identidade), diferentes, ou seja, dos espaços centrais da urbe,
denominados, centro. Nesses espaços, desdobram-se inúmeras formas de apropriações do
mesmo, seja de forma sico-ambiental, seja de forma representativo-simbólica, dentre os seus
campos de possibilidades. E os brincantes de “bumba-meu-boi do século XIX
desenvolveram suas estratégias de sobrevivência (resistência no seu espaço), á luz de suas
dinâmicas “locais-espaciais”, e, mesmo dentro do processo de disciplinarização dos espaços
citadinos, conquistaram e resistiram, demarcando seus espaços, fossem “étnicos”, político,
econômico e social com as suas atuações. Ora, através desta hostilidade, a periferia acaba se
tornando, nesse momento, o local por excelência destes manifestantes populares (no
imaginário social), característico, então, das identidades culturais desses grupos, que
procuravam se afirmar nas diferenças. Nessa ótica, o local onde o cidadão morava, era
indutivamente ligado a sua posição social, noutros termos, a pessoa era identificada e/ou
hostilizada, através do espaço ocupado; se, porventura, residisse na área denominada como
centro, era vista na sociedade de uma forma, o que o acontecia com os habitantes das áreas
periféricas. O local era um lugar, um demarcador social.
Portanto, aprendemos, nesta caminhada, que a riqueza de nossas pesquisas está na
postura metodológica e teórica escolhida e, por conta disso, nas perguntas que lançarmos ao
tema de estudo. Isso possibilitará demonstrar o nosso grau de abstração, pois a ciência
trabalha desse modo, abstrai um objeto de estudo, extraído da sociedade, para analisá-lo e
estabelecer os elos entre as sua percepções e as experiências vividas no social.. Abstraimos
para entendermos as representações e conflitos entre os espaços, para entendermos a dinâmica
do local, respaldados nas mudanças históricas, pois os conceitos se modificam conforme seu
tempo histórico. A Historia não se repete de forma cíclica, como queriam os metódicos do
século XIX, criando leis universais para as ciências humanas. Como estabelecer leis
universais, para algo que está em constante mudaa, que não se repete? Contrapor-se a isto,
exige uma visão que chamamos de a dialética da historia.
98
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O Pacotilha São Luís, jun.1892.
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107
ANEXOS
108
Figura: Rua do Sol
Fonte: Revista do Norte, 1902.
Figura: Rua dos Remédios
Fonte:Revista Elegante,1904.
109
Figura:Cais da Sagração Construído
Fonte: Revista elegante, 1905.
Figura: Linha da empresa Ferro Carril
Fonte: Revista do Norte, 1906.
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