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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE
Programa de Pós-Graduação em História PPGH
Área de Concentração: História, Poder e Práticas Sociais
O ESPAÇO PARANAENSE EM RELATOS DE VIAJANTES:
FRONTEIRA, TERRITÓRIO E OCUPAÇÃO (1870-1900)
FABIANA MARRETO SECARIOLO
MARECHAL CÂNDIDO RONDON-PR
2010
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FABIANA MARRETO SECARIOLO
O ESPAÇO PARANAENSE EM RELATOS DE VIAJANTES:
FRONTEIRA, TERRITÓRIO E OCUPAÇÃO (1870-1900)
Dissertação apresentada ao curso de
Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná como requisito parcial para
obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História, Poder e
Práticas Sociais.
ORIENTADORA: Profª. Drª. Geni Rosa Duarte
MARECHAL CÂNDIDO RONDON-PR
2010
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FABIANA MARRETO SECARIOLO
O ESPAÇO PARANAENSE EM RELATOS DE VIAJANTES:
FRONTEIRA, TERRITÓRIO E OCUPAÇÃO (1870-1900)
Aprovada em ____/_____/_____.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Geni Rosa Duarte Orientadora
UNIOESTE
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Meri Frotscher
UNIOESTE
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Silvia Cristina Martins de Souza
UEL
MARECHAL CÂNDIDO RONDON-PR
2010
4
À minha família com todo amor do mundo. Aos meus pais José Luiz e Luzinete
Secariolo, meus irmãos Edmar e Elizangela, por todo apoio, por estarem presente nos
momentos mais difíceis, pela compreensão quando o desânimo e o stress apareceram e
principalmente na minha ausência em suas vidas, quando precisaram de mim e eu não
estava. Obrigada por fazerem parte da minha vida, agradeço a Deus por ter escolhido
vocês para serem minha família.
Em especial ao meu noivo, amigo e amor da minha vida Sidnei Peliçon Pereira, pelo
companheirismo, uma vez que o mestrado me fez perceber sua maior qualidade, a
paciência e a compreensão, principalmente na minha ausência e nos momentos de
desespero, mais que isso me mostrou que tudo que sonhamos pode se tornar realidade,
na medida em que nossas atitudes se tornam reais, provavelmente este foi o meu maior
aprendizado.
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, que me deu força, coragem e inteligência para
concluir mais essa etapa em minha vida.
Agradeço à minha orientadora Geni Rosa Duarte, que além de toda sua contribuição
intelectual, compreensão e acima de tudo incentivo e interlocução foi extremamente
paciente e atenciosa, fazendo na maioria das vezes o papel de mãe.
Ao professor Dr. Robson Laverdi, pelo carinho, e principalmente pelo aprendizado e
lição de vida. Estendo esse agradecimento ao seu companheiro Julio Lemos.
À professora Dra.Yonissa M. Wadi pela confiança e amizade.
Às professoras Dra. Meri Frotscher e Dra. Silvia Cristina Martins, pela disponibilidade
e pelas valiosas contribuições na banca de qualificação.
Ao Programa de Mestrado de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná , em especial a Iraci Maria Wenzel Urnau, por todo apoio,
confiança e afeto, que carinhosamente atende por “mãe adotiva”.
A professora Leanete Thomas Dotta pela amizade, oportunidade, apoio, compreensão e
afeto.
Aos professores da graduação que muito contribuíram para o meu conhecimento, em
especial Prof. Antônio MysKiw, Prof. Astor Weber, Prof. Fábia A. Hahn. Muito
obrigada por todo apoio e amizade.
Aos meus amigos que de uma forma ou de outra estiveram presente durante a
realização deste trabalho. Em especial Vivian, Jefferson, Irene e Reginaldo que
ouviram todas minhas lamúrias incessantemente, obrigada por todo carinho e atenção.
E aos demais colegas de mestrado que dividiram comigo as alegrias e dificuldades
dessa jornada: Jorge Rafael, Sonia, Marlene, Flaviane, Leozil e Márcia.
Agradeço a Ana Paula, Telma, Josete, Dani, Eliana, Sérgio por terem estado ao meu
lado.
A CAPES, que me concebeu bolsa de estudos durante o mestrado, porque sem este
recurso tudo teria sido muito mais difícil.
6
“Cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa é única e
nenhuma substitui a outra. Cada pessoa que passa pela nossa vida passa sozinha, não
nos deixa só, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais
bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por
acaso.”
Charles Chaplin
7
RESUMO
O presente trabalho apresenta questões voltadas para relatos de viagens sobre o Para
durante a segunda metade do século XIX. Os viajantes que compõem o corpus
documental são: Nestor Borba, cujo relato foi publicado na colão MONUMENTA:
Relatos de Viagem a Guaíra e a Foz Do Iguaçu (1870-1920), sob o título Viagem às
Setes Quedas datada de 1876, e o general José ndido Muricy, texto publicado na
mesma coleção, com o título Ligeira Descripção de uma Viagem Feita de Guarapuava
À Colonia da Foz do Igassú em Novembro de 1892. Também analisamos o relato do
engenheiro inglês Thomas P. Bigg Wither, intitulado Novo Caminho No Brasil
Meridional: A Província do Paraná: Três anos em suas florestas e campos 1872/1875.
Esses viajantes deixaram um legado muito rico de informações a respeito da ocupação e
exploração do Paraná, que nos permitiu explorar a História deste estado no século XIX
por outras perspectivas. As falas dos viajantes sobre a natureza, o terririo, as fronteiras
e a populão constituíram um desafio para nossa interpretação, pois foi necessário
identificar as especificidades de cada um deles, bem como suas referências culturais
para entender seus objetivos de viagem.
Palavras Chave: Viajantes, Relatos de Viagens, Paraná, Século XIX.
8
ABSTRACT
This study is concerned about the trip stories about the Paraná state during the second
half of 19th century. The travellers who compose the documentary corpus are: Nestor
Borba, whose story was published in MONUMENTA collection: Stories of a Trip to
Guaira and Foz do Iguaçu (1870-1920), with the title Trip to Sete Quedas (Seven Falls)
dated of 1876, and the General José Cândido Muricy having a text published in the
same collection, with the title Description of a Trip Done From Guarapuava To Foz do
Iguassu Colony in November of 1892. It is also analyzed the story of the English
engineer Thomas P. Bigg Wither, intitled New Way In Southern Brazil: The Paraná
Province: Three years in its forests and fields 1872/1875. These travellers left a rich
legacy of information regarding the occupation and exploration of the Paraná state,
which allowed us to explore the History of the Paraná in the 19th century in others
perspectives. The travellers sayings about the nature, the territory, the borders and the
population had constituted a challenge for our interpretation, therefore it was necessary
to identify the specificity of each one of them, as well as its cultural references to
understand their trip objectives.
Key Words: Travellers, Trip Stories, Paraná, 19th Century.
9
S U M Á R I O
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................
CAPÍTULO 1
RELATO DE VIAGEM: DO OLHAR CONQUISTADOR AO OLHAR
COLONIZADOR.........................................................................................................
1.1
O OLHAR CONQUISTADOR: O EXÓTICO E O ESTRANHO...............
1.2
O OLHAR TERRITORIALIZADOR: O PARANÁ DO SÉCULO XIX....
CAPÍTULO 2
AS EXPEDIÇÕES MILITARES NO PARANÁ: NESTOR BORBA (1876) E
JOSÉ CÂNDIDO DA SILVA MURICY(1892).........................................................
2.1
NESTOR BORBA: EXCURSÃO AO SALTO DE GUAYRA OU SETE QUEDAS
1876.................................................................................................................
2.2
JOSÉ CÂNDIDO DA SILVA MURICY: VIAGEM: A FOZ DO IGUASSÚ: LIGEIRA
DESCRIÇÃO DE UMA VIAGEM FEITA DE GUARAPUAVA À COLÔNIA DA FOZ DO
IGUASSÚ EM NOVEMBRO DE 1892....................................................................
CAPÍTULO 3
O OLHAR DE UM VIAJANTE ESTRANGEIRO: DO OLHAR TÉCNICO AO
OLHAR INTERVENCIONISTA................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
FONTES....................................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................
10
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os relatos dos viajantes constituem fontes importantes para o historiador, e nesse
sentido tem crescido o número de trabalhos que procuram dialogar com essa
perspectiva, por meio da discussão dos relatos escritos. Afinal, viajar o é apenas ver, e
através desses relatos o viajante vai mais além. Ele relata a partir do que conhece, mas
devemos nos lembrar que o ato de relatar pode ter outros objetivos, que vão além da
simples descrição. Por isso mesmo que estudos sobre relatos de viajantes vêm tomando
uma posão de destaque na historiografia brasileira, constituindo uma possibilidade de
novas perspectivas de trabalho no campo da História.
No caso deste trabalho é importante frisar que, ao debruçarmos sobre os relatos
dos viajantes que selecionamos, consideramos que estão inseridos em uma problemática
voltada para questões muito importantes, como relações entre brancos e índios, re-
territorialização, fronteiras, etc., que precisam ser questionados para compreendermos
como as expedições do culo XIX contribuíram para o processo de ocupação dessas
áreas. Nesse caso, nos voltamos para a região de fronteira que hoje constitui o oeste e o
norte do Paraná.
A história das viagens tem como principal fonte os relatos de viagem, porém
“não podem ser tomados como insuspeitos ou neutros, o que significa que devemos
historicizá-los, uma vez que inserem em uma época e uma cultura
1
, conforme Rossato.
Ela chama a atenção para percebermos que, quando se trata de trabalhar com esse tipo
de fonte, é preciso pensar que eles estão inseridos em um dado momento que precisa ser
investigado, pois há complexidades que envolvem esses relatos. Nesse sentido, faz-se
necessário adentrar nesse mundo de representação no período que antecede o recorte
temporal desse trabalho.
Todavia, o nosso objetivo, neste trabalho, é discutir como os viajantes
constrram a fronteira dentro de seus relatos de viagem”, e com isso é possível
afirmar que, de uma forma ou de outra, eles deixaram um legado de informações a
respeito da ocupação e exploração do hoje Paraná. Nesse sentido, um conjunto de
questões coloca-se à frente: investigar o viajante em seu contexto histórico, analisar
1
ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário. História natural, viagens cientificas e relatos sobre a
capitania de Santa Catarina (1763- 1822). Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2007. p.15.
11
com maior intensidade a relação do viajante com os nativos, enfatizar como o viajante
define o oeste do Paraná visando à ocupação dos sertões, lembrando que esses relatos de
viagem não expressam apenas o que eles vêem, mas retratam o momento histórico do
viajante, e às vezes explicitamente ou nas entrelinhas, revelam os anseios que
pretendiam realizar com a viagem.
Nesse sentido, analisar essa relação do viajante com o desconhecido, natureza e
população, pensando no espaço paranaense é uma maneira de compreender os aspectos
que envolvem todas as representações, que “tem por principal objetivo identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social, é
construída, pensada e dada a ler
2
. É como se fossem criados elementos específicos que
lembrem automaticamente essa região, trabalho não exclusivamente os viajantes, mas
também das autoridade governamentais, da imprensa da época, do próprio Instituto
Histórico Geográfico e Etnográfico do Paraná, fundado em 1889. Assim, torna-se
necessário entender alguns caminhos, pelos quais se consti o espaço do Paraná,
perceber essa região como uma trama histórica, pondo em questão as fronteiras
territoriais e culturais.
A região em questão passou a ser divulgada como um espaço de
produção do progresso e prosperidade, como se a natureza fosse vista como a
possibilidade de uma ponte entre o atraso e o mundo moderno. Nesse caso, o nativo era
visto como aquele que não pertencia a sua terra, mas que poderia ser aproveitado como
objeto de trabalho e como aquele que conhecia os espaços ainda não explorados, assim,
o nativo era considerado como diferente, e como ponte para o sucesso dos que se
consideravam civilizados. Seguindo por essa linha, primeiro é construída uma
fronteira ideológica, esse outro, o diferente é um discurso constituído, e não é possível
trabalhar essas questões sobre os índios sem pensar como é constituído esse discurso do
estranhamento.
Num trecho do Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império de
1845, citado no trabalho de Ilmar R. de Mattos Tempo Saquarema, fica explicitado que
o projeto do Império consistia em explorar as terras brasileiras e povoar o país com a
imigração européia . Para tanto, a propaganda se referia à existência de solo fértil,
grandes regiões desabitadas, a visão do Brasil como uma terra fértil e de maravilhoso
2
CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p.16/17.
12
clima. O Império usou atributos como esses para atrair empresários e outros segmentos
sociais estrangeiros para o Brasil, que as construções de ferrovias, de cidades, de
grandes empresas poderiam propiciar muito lucro aos “donos do império. Milliet de
Saint-Adolphe, autor do dicionário citado, ressalta que para tão útil fim nada pode
contribuir com mais eficácia do que divulgarem - se pela Europa e pelas demais partes
do mundo as excelências de um tão ditoso clima”
3
. E essa é a iia de Brasil que
percorreu o país no século XIX e a Europa, e isso produziu muitos frutos, como a busca
pela civilização e progresso, o interesse do governo em financiar viagens e também a
vinda de muitos estrangeiros na busca pelo então pronunciado “desconhecido”.
Portanto, a investigação histórica sobre o viajante esta inserida em um campo de
disputas, pois a posição potica dos viajantes influencia sua forma de olhar e escrever e
oferece várias perspectivas de análise e discussão. A natureza sempre é entendida como
um campo de possibilidades para a ocupação e civilizão.
O maior alvo de observação dos viajantes anterior ao século XIX era a natureza
enquanto algo exuberante. No entanto, como veremos posteriormente, o olhar sobre a
natureza do viajante da metade do século XIX, não apresenta mais características do
romantismo, como nos viajantes estrangeiros do início do século. Percebe-se esta
diferença entre o que diz Karen Lisboa
4
quando a natureza podia ser entendida como
elemento de deslumbramento:
A opção pelo tema natureza deve-se, em primeiro lugar, ao fato de
que praticamente todos os viajantes que conheceram o Brasil no início
do século XIX manifestam enorme encantamento com sua natureza
sica... Em segundo lugar, a “natureza” foi uma das questões centrais
do Romantismo. E, por último, porque no relato desses viajantes a
temática da “natureza” não é apenas “fonte de emoções”, mas também
um meio para compreender, interpretar e criar uma imagem de Brasil.
5
Para Nestor Borba, falar da natureza na segunda metade do século XIX, é uma
forma de apresentar possibilidades civilizatórias, de ocupação e nacionalização.
3
J.C.R Milliet de Saint-Adolphe Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil.
Apud: MATTOS, , Ilmar Rohloff de . Op. Cit.p.03.
4
A obra A Nova Atlântida de Spix e Martius: a natureza e civilização na Viagem pelo Brasil (1817-
1820), está situada nos estudos da historiografia brasileira, estudo literário e de memória escrita. A autora
trabalha com os relatos de Martius e Spix a partir de dois elementos importantes, a natureza e a
civilização do Brasil em fins do século XVIII e icio do século XIX.
5
LISBOA, Karen Macknow. A Nova Atlântida de Spix e Martius: a natureza e civilização na Viagem pelo
Brasil (1817-1820). São Paulo: Fapesp, 1997. p.23.
13
As relações de alteridades se colocam como essenciais para que o viajante possa
realizar seus objetivos. Dessa forma deve estar claro a diferença entre os objetivos dos
viajantes do final do século em relação ao início. Luciana Rossato destaca que o caráter
cientificista das expedições do século XIX se diferenciaram daquelas do início da época
da conquista do território americano, ...enquanto os viajantes dos primeiros séculos da
colonização da América estavam presos às narrativas maravilhosas e à exacerbada
religiosidade do período, os cientistas viajantes do final do século XVIII e do século
XIX estavam imbuídos de um espírito mais científico e investigativo
6
. Portanto os
relatos de viagem apresentam outras preocupações, entre elas a preocupação com a
nacionalização do espaço e ocupação. Tamm a questão da civilização do indígena,
estabelecendo características de alteridade.
Um conjunto de questões coloca-se à nossa frente, ao problematizar questões
sobre o processo de ocupação do espaço paranaense a partir dos relatos de viagem.
Temos dois desafios: o maior é encontrar a historicidade nas descrições dos viajantes,
considerando que os viajantes selecionados para esta pesquisa são dois militares e o
outro é um engenheiro inglês. O segundo desafio é estabelecer as diferenças que cada
um relata, definindo o período de estudos que compreende a segunda metade do século
XIX e o conjunto de fontes. Dois aspectos são importantes: identificar como eles em
o processo de ocupação e territorialização no Paraná.
Os relatos utilizados sobre o Paraná dizem respeito aos relatos do Capitão Nestor
Borba, que tratam da Viagem às Sete Quedas, no período de 1876. A viagem tinha por
objetivo chegar às fronteiras do oeste paranaense, realizar medições para a construção
de uma ponte férrea metálica para transpor o rio Paraná rumo ao Mato Grosso. Esse
relato foi publicado em março do mesmo ano e reeditado em 1897 pelo engenheiro
André Rebouças, com importantes observações e acompanhado de um prefaciador
anônimo, que tece importantes considerações sobre o Paraná. Outro relato descreve a
viagem do General José Cândido da Silva Muricy à Colônia Militar de Foz do Iguaçu
(que originou a cidade de Foz do Iguaçu, no extremo oeste do Paraná) intitulada Ligeira
Descripção de uma Viagem Feita de Guarapuava à Colônia da Foz do Iguassu em
Novembro de 1892. Também compõe o relato do engenheiro inglês e escritor Thomas
Plantagenet Bigg Wither, com a viagem intitulada Novo Caminho no Brasil
6
ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário. História natural, viagens cientificas e relatos sobre a
Capitania de Santa Catarina (1763- 1822). Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2007. p.15.
14
Meridional: A Província do Paraná, Três anos de vida em suas florestas e campos/
1872/1875”, uma obra de referência nacional sobre o Paraná.
O historiador tem que perceber as fissuras existentes nessas narrativas de
viagem, que representam muito mais que uma simples narrativa de viagem. É preciso
considerar o conjunto em que esses viajantes estão inseridos. Perceber quais os
mecanismos sociais que influenciam o olhar do viajante, onde ele está e onde pretende
chegar. Porém, entre o que os viajantes simbolizam nos relatos, existem ainda aspectos
políticos e econômicos que direcionam o olhar do viajante e de quem lê os relatos.
Sabe-se que essas narrativas são experiências vividas, vestígios da memória
vivida. Como esses viajantes interrelacionam o vivido com o que pretendem escrever e
relatar, o esforço relacional tem que estar presente em toda análise das fontes, ou seja,
quais os elementos que o historiador utiliza para dialogar com o passado?
Trabalhar com relatos de viagens simboliza um campo de possibilidades, pois não
estamos falando de simples viajantes, mas também de homens que possuíam outras
funções antes de se tornarem viajantes.
No primeiro capítulo apresentamos algumas questões sobre o Paraná do século
XVII ao XVIII, e traçamos alguns apontamentos sobre os principais viajantes que
passaram por essas regiões nesse período. Também ressaltamos a importância do
projeto político do império em nacionalizar os sertões por meio da ocupação territorial,
questões estas que vêm ao encontro dos relatos de viagem. Destacamos também
algumas informações características de cada viajante e de suas respectivas viagens.
O segundo capítulo aborda a importância dos relatórios de província e dos
Boletins de IHGB, sendo necessária uma discussão dessas fontes pensando no contexto
histórico e dialogando especificamente com os dois viajantes militares, Nestor Borba e
Muricy. Aprofundamos como os olhares desses viajantes representam as questões sobre
fronteira, território e ocupação. Como esses viajantes organizaram seus relatos? Como
falavam das regiões visitadas? Qual a relação desses viajantes e locais da viagem?
O terceiro capítulo trata especificamente do relato do engenheiro inglês Thomas
Bigg Wither. Analisamos como ele desenvolve seu relato, procuramos destacar como
ele pensa o processo de ocupação do Paraná através da “civilização do índio”. Três
questões amarram este capítulo, quais sejam: como o viajante incorpora ao mesmo
tempo a natureza enquanto possibilidade de modernidade, e essa modernidade enquanto
15
possibilidade de reverter o sertão em um campo de disputas pelo poder, e por fim as
referências ao imigrante, ao índio e às autoridades governamentais.
16
Capítulo 1:
Relatos de Viagem: do olhar conquistador ao olhar colonizador
As viagens realizadas nos séculos XIX na região fronteiriça que hoje
corresponde ao oeste e norte do Paraná, objeto deste trabalho, tiveram antecedentes nos
séculos anteriores, embora os objetivos delas sejam distintos. Mas elas foram
importantes, realizadas desde o início das grandes navegações européias em direção ao
Novo Mundo”. Nesse sentido, destacam-se aquelas viagens realizadas por portugueses
e espanhóis, desde o século XVI e XVII, na perspectiva de conquistar e explorar o
terririo inexplorado.
Essa questão, colocada nesses termos, nos remete à iia de conquistador que
temos desde a descoberta” do Novo Mundo. Porém, quando nos referimos a um olhar
colonizador, estamos propondo um mapeamento da história do Paraná a partir do
processo de representação dos terririos visitados e descritos pelos viajantes. Além
disso, o olhar colonizador nos referencia ao olhar territorializador, pois o viajante
expressa o objetivo de territorializar e colonizar a terra visitada, expresso a partir da sua
relação com a natureza e com as relações entre meio geográfico e meio social ali
desenvolvidas.
Nesse sentido, Haesbaert, contribui para pensarmos como ocorre “a perda ou o
desaparecimento dos terririos, [pois] propomos discutir a complexidade dos processos
de (re)territorialização em que estamos envolvidos, construindo territórios muito mais
múltiplos ou, de forma mais adequada, tornando mais complexa nossa
multiterritorialidade”
7
. Dessa forma, entendemos que o viajante tem por objetivo
adaptar o território que visita ao território que imagina, ou seja, entre todos os aspectos
que as viagens estão relacionadas, território está ligado primeiramente à idéia de
conquista de um espaço considerado pelo próprio viajante como desconhecido e que ele
pode representar a partir de seus escritos, segundo seus interesses. Os relatos de viagem
podem ser entendidos como uma força da representação do que o viajante faz do que
enxerga, uma vez que a própria descrão da natureza é uma forma de representação
deste território “desconhecido”.
7
HAESBAERT, Rogério. Dos ltiplos territórios à multiterritorialidade. Porto Alegre, setembro de
2004. http://w3.msh.univ-tlse2.fr/cdp/documents/CONFERENCE: RogerioHAESBAERT.
17
1.1 O olhar conquistador: o exótico e o estranho
Sabemos que durante a época moderna, a Europa foi a mola propulsora para a
realizão das primeiras viagens em direção ao chamado Novo Mundo, com diferentes
objetivos, entre eles o de conhecer o diferente, o outro, o “exótico”, além daquele de
conquistar novos terririos. Destaca-se que a maioria dos livros didáticos e manuais de
história, ainda hoje, marca a experiência de uma viagem como ponto de partida da
história das Américas, a partir das viagens de Cristóvão Colombo e de suas narrativas.
Para os propósitos deste trabalho, devemos nos ater principalmente a duas
questões: ao contexto e ao lugar para o qual o viajante se dirige, destacando, além disso,
o momento em que ele realiza a viagem e o momento em que escreve o relato.
Uma forte característica presente nos primeiros relatos das viagens ao Novo
Mundo é esse caráter conquistador e explorador. O aspecto conquistador consiste em
buscar, descortinar o que se considera desconhecido, novo; já o explorador usa de
argumentos como a representação da natureza como justificativa de seus objetivos, pois
as apropriações que os homens fazem do espaço geográfico , seja na forma de utilização
dos recursos naturais, como nas projeções simbólicas devem ser pensadas e entendidas
no contexto de sua produção
8
.
Nesse sentido, as viagens passaram a ser uma forma de deslocamentos da
sociedade euroia, e os relatos caminham da descrão do exótico até a demarcação do
científico, o que provoca no leitor certa confusão sobre o se entende por gênero literário
e literatura de viagem. Nas palavras de Henrique Carneiro:
Desde Marco Pólo, do diário de bordo de Colombo, ou da história da
volta ao Mundo de Pigaffeta, que a literatura de viagens se confunde,
enquanto gênero literário, com os primeiros textos das ciências naturais
modernas que continuarão, até bem depois de Darwin e do século XIX,
a povoar a ciências das descrições pioneiras dos desbravadores que
foram até lá, viram e fizeram os registros.
9
8
ARRUDA, Gilmar. A Natureza entre apropriações e representações. In: ARRUDA: Gilmar; TORRES:
Velásquez Torres; ZUPPA: Graciela (Orgs). Natureza na América Latina: apropriações e
representações. Londrina: Ed. UEL, 2001. p.194.
9
CARNEIRO, Henrique Soares. O Múltiplo Imaginário das Viagens Modernas: Ciência, Literatura e
Turismo In: História: Questões e Debates, Curitiba, n 35, p.227-247, 2001.
18
Por isso mesmo, os “primeiros” viajantes acabaram por incorporar nos seus
relatos um caráter desbravador, heróico, por avançar uma região desconhecida e
perigosa. Para Carneiro:
...o primeiro texto sobre o Brasil, é um relato de viagens, e ao longo de
sua história, esse gênero que, mais do que simplesmente “literário”,
também é cientifico, político, econômico e moral, representa uma boa
parte das chamadas “fontes primarias”, que documentam visões da
época que trazem, além dos testemunhos, imagens não somente
coloniais, mas colonizadoras, produzidas a partir de uma impressão e
de um interesse externo.
10
O autor chama a atenção para a relevância desses documentos para a
historiografia e não somente para a história do país, ressaltando a necessidade de
problematizar as informações, considerando que tudo que o viajante registra não se
classifica apenas como deslumbramento e encantamento, mas nos permite adentrar nas
entrelinhas dessas narrativas.
Para muitos leitores, na maioria das vezes, os relatos dos viajantes trazem uma
conotação romantizada, como se tudo o que eles descrevem fosse caracterizado como
sonhos e absurdos. Na verdade, devemos observar esses relatos com o olhar crítico, para
que possamos perceber e relativizar também suas excentricidades e perceber quais eram
suas finalidades, é importante que “busquemos aquelas que, tendo seus objetivos menos
tidos, permitem-nos concentrar sua significação no ato mesmo de viajar
11
.
Ao relatarem o que viram, os viajantes se voltam o apenas para um espaço
imaginário, mas para um espaço territorial. A territorialidade tem a função principal de
demarcar as relações de troca entre o espaço geográfico e o indivíduo, em função da
alimentação e habitação, bem como de certo equilíbrio entre o ser humano e os animais,
pois cada um tem seu espaço. Dentro de um mesmo espaço ou terririo existem
comportamentos diferentes, e em algumas vezes também adaptações em diferentes
condições, o que explica, por exemplo, a forma como colonizadores europeus se
comportaram diante de tudo que fosse novo ou diferente, do mesmo modo, as relações
entre organização hierárquica e organização territorial variam de uma espécie para a
outra e no interior da espécie segundo o grau de estabilidade”
12
.
10
Idem, ibidem. p. 233.
11
CARDOSO, Sérgio. O Olhar Viajante (Do Etnólogo). In: NOVAES, Adauto...{ET AL}. O Olhar. São
Paulo Companhia das Letras, 1988. p 358.
12
Enciclopédia Einaudi. Volume 8 ( Região). Lisboa: Casa da Moeda, 1986. p. 264.
19
Por outro lado território pode ser entendido como espaço do vivido, da
experiência e das lembranças, entende-se que o “conceito de território é substituído, em
certa medida pelo de percepção do espaço”, e não podemos considerar uma idéia de
terririo sem considerar o espaço no qual este esteja inserido.
Esse pode ser o nosso grande desafio, perceber nos relatos de viagem até que
ponto o viajante fala sobre o território paranaense a partir de seu próprio espaço, ou
como ele se refere ao seu espaço sem que use como referência o espaço onde se
encontra inserido no momento em que relata. Afinal, a natureza deve ser entendida
enquanto terririo, possibilidade, elemento que instiga nossa pesquisa: “a natureza
social da identidade, do sentimento de pertença ou de apropriação a que se pode dar
lugar, é ainda evidente quando a territorialidade se reduz ao individualismo agrário
13
.
Esses aspectos requerem estudos mais aprofundados, pois certamente as viagens
o foram realizadas apenas pelo elemento natureza, porém esse elemento come um
entre os vários objetivos delas. Em se tratando de natureza, os rios sempre aparecem
como elo entre as experiências e o que se pretende realizar a partir das mesmas. Talvez
a relencia dos aspectos da natureza é que leve os viajantes, que posteriormente
percorreram o terririo, a classificá-lo como vazio, inexplorado, selvagem. Tanto que,
embora os indígenas tivessem acumulado rios conhecimentos sobre a natureza e seu
manejo, isso não era levado em conta pelos europeus. Esse espaço é um espaço de luta e
conflito, levando-nos a pensar como o europeu se apropria do novo território em que se
encontra, pois seu objetivo é avançar por fronteira, o somente a fronteira territorial,
mas política, científica e cultural.
Para tanto, o olhar dos viajantes dos séculos XVI e XVII pressupõe também uma
perspectiva colonizadora, ainda que suas narrativas estivessem presas a elementos da
natureza relatada como maravilhosa, espetacular, e a fatores religiosos, e embora
buscassem, pela conquista do Novo Mundo, satisfazer seus interesses, atrelados
fundamentalmente ao comércio e à busca por riquezas.
Nesse sentido, é importante ressaltar que Espanha e Portugal inauguraram o
cenário das viagens no Brasil, no final do século XVI, a partir do acordo que ficou
conhecido como Tratado de Tordesilhas. A partir disso, a maior parte do terririo que
conhecemos atualmente como paranaense ficou sob poder espanhol.
13
Idem, ibidem. p. 268.
20
Portugal, que possuía um comércio mais lucrativo com o Oriente, não se ocupou
de colonizar essa região de imediato. Enquanto isso, a Espanha logo tratou de promover
expedições à procura de pedras preciosas. Foi durante essas expedições que os
espanhóis descobriram o caminho do Peabiru, que partia da capitania de São Vicente,
hoje no atual Estado de São Paulo, atravessando todo o território paranaense no sentido
leste-oeste, até o rio Paraná, passando depois pelos territórios do Chaco, no Paraguai e
cruzando os planaltos peruanos.
Esse caminho atraiu alguns viajantes. O espanhol Aleixo Garcia, em 1524,
percorreu todo o trajeto, e foi um dos primeiros europeus a realizar uma viagem pelo
interior do hoje sul do Brasil. O objetivo da viagem era descobrir regiões onde
pudessem explorar o ouro e metais preciosos. Sua viagem percorreu o interior do
Paraná, Paraguai e Bolívia até as fronteiras com o Império Inca. Segundo Lucio Tadeu
Motta, todas as informações sobre essa expedição são indiretamente, baseadas em
relatos de outros cronistas dos séculos XVI e XVII”
14
. A partir disso, outros viajantes
empreenderam viagens a fim de buscar riquezas e conhecer o hoje território paranaense.
Álvaro Nuñez Cabeza de Vaca esteve na região de Foz do Iguaçu e chegou até o
planalto curitibano. Durante sua viagem sempre esteve acompanhado de centenas de
índios Guarani, e seus objetivos também estavam atrelados à busca por ouro e prata, e
ainda reconhecer terririos onde pudessem ser construídos núcleos de povoamentos. As
expedições de Cabeza de Vaca não se restringiram apenas ao Paraná, mas também
percorreu boa parte de Santa Catarina, Paraguai, Bovia, além da América do Norte.
Os documentos relativos à Cabeza de Vaca possibilitaram entender que durante
o século XVI, praticamente todo o hoje território paranaense estava ocupado por uma
população indígena. Segundo Lúcio Tadeu Motta, o relato de Cabeça de Vaca é
importante, pois descreve, ao longo de sua expedição, o contato e a entrada com grupos
Guarani no Paraná. Por outro lado, um dos objetivos dessas expedições, como dissemos,
era fundar núcleos de povoamento, como por exemplo, Ontiveiros, às margens do Rio
Paraná (1554); a Ciudad Real (Guairá) e outra vila chamada Vila Rica do Espírito
Santo, sendo que mais tarde essa vila seria ocupada pelos Padres Jesuítas através das
reduções
15
.
14
MOTTA, Lucio Tadeu; NOELLI, Francisco Silva. Exploração e a Guerra de Conquista dos Territórios
Indígenas nos Vales dos Rios Tibagi, Ivaí e Piquiri. In: ROLLO, José Henrique; DIAS, Reginaldo
Benedito. Maringá e o Norte do Paraná: Estudos da História Regional. Maringá. Eduem, 1999, p. 24.
15
Idem, ibidem, p.26.
21
Essa região, aliás, é mencionada pelo viajante José Candido da Silva Muricy
um dos viajantes objeto da nossa análise neste trabalho em seu relato Viagem ao País
dos Jesuítas, a partir de uma expedição realizada em 1896. Considerando ainda os
núcleos de povoamento, estes foram importantes para outras expedições de penetrações
espanholas, dando origem à formação de reduções jesuíticas, como, por exemplo, Vila
Rica do Espírito Santo e Ontiveiros, que se configuravam num outro objetivo: a
catequização e domesticação dos nativos.
Outros viajantes estiveram no hoje estado do Paraná, a fim de conquistar e
demarcar territórios, bem como estabelecer fronteiras. Domingos Martínez de Irala
(1544) tinha por objetivo apresar índios para as encomiendas. Ele foi fundador da
cidade de Ontiveiros (núcleos de povoamento indígena). Não menos importantes foram
as expedições de Diego de Sanabria, Cristoval de Saavedra, Hernando Salazar, que
também percorreram todo interior do hoje estado do Paraná, sendo que esses dois
últimos viajaram desde o Paraguai até o Porto de São Vicente, e ainda percorreram o
interior da província, desde Ontiveiros até São Vicente, fazendo o mesmo roteiro de
Cabeça de Vaca. Para Carvalho Franco:
...ele teve um destacado papel entre conquistadores espanhóis no
interior do Paraná, pois conduziu a fundação da Ciudad Real (foz do rio
Piquiri, município de Terra Roxa) e da segunda fundação da Vila Rica
do Espírito Santo (junto à foz do rio Corumbataí, município de Fênix,
hoje Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo).
16
Poderíamos citar muitos outros viajantes que passaram pelo Para nesse
período. Sabe-se que a partir dessas primeiras incursões, abriam-se caminhos inclusive
para as expedições jesuíticas, que tiveram uma grande importância na formação das
fronteiras não só do Paraná, mas de outras regiões do país. É importante destacar que os
padres jesuítas participaram dos conflitos travados entre índios e conquistadores
(espanhóis e portugueses) e que o Paraná foi palco desses conflitos.
Além de discutirmos território e representação, as questões de fronteira também
se fazem presentes. A fronteira territorial do Paraná, pois no início da segunda metade
do século XIX, nas regiões que hoje conhecemos por oeste e norte do Paraná, ainda
eram entendidas como inexploradas, principalmente as fronteiras com a Argentina e
16
CARVALHO FRANCO, Francisco de Assis. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. São
Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, p.241. Apud MOTTA, Lucio Tadeu;
NOELLI, Francisco Silva. Exploração e a Guerra de Conquista dos Territórios Indígenas nos Vales dos
Rios Tibagi, Ivaí e Piquiri. In: ROLLO, José Henrique; DIAS, Reginaldo Benedito. Maringá e o Norte do
Paraná: Estudos da História Regional. Marin. Eduem, 1999, p. 26.
22
Paraguai. Podemos ver como algumas regiões do Paraná eram vistas como uma grande
área a ser explorada, como se percebe nos mapas que constituem as Figuras 1 e 2.
Figura 01: Mapa representando a área colonizada do Paraná em 1892
23
Figura 02: Mapa Topográfico: representa Núcleos Coloniais na Província do Paraná, 1881.
24
É conhecendo o contexto histórico em que as viagens do final do século XIX
foram realizadas, que os mapas nos mostram algumas características do Paraná, as
regiões que compreendem até aproximadamente os Campos Gerais, o que explica o
interesse de viajantes e algumas autoridades governamentais.
Nesse sentido faz-se necessário destacar algumas observações sobre o período
anterior ao nosso recorte temporal. Portugal, como já assinalamos, preocupou-se mais
tardiamente em explorar esse terririo, uma vez que não podia destinar muitos recursos
para iniciar a colonização, mesmo numa época em que o comércio com o Oriente estava
em declínio devido à grande concorrência de outros países. Com isso, a Coroa
portuguesa resolveu adotar no Brasil o sistema de doação de terras, já praticado em
outras colônias, e iniciou sua jornada em busca de escravos indígenas para o trabalho
nas fazendas paulistas, metais preciosos e outras riquezas”
17
. As buscas por ouro e
escravos indígenas ocorreram desde 1565, aproximadamente, como afirma Julio
Moreira, citado por Lucinéia Cunha Eteca: os portugueses empreenderam buscas por
ouro nessa região, sendo que por volta de 1565, Heliodoro Eobanos teria descoberto
pequenas manchas auríferas em Iguape, Paranaguá e no Planalto Curitibano
18
o que
significa que as terras paranaenses foram exploradas desde o século XVI, processo que
se intensificou nos séculos seguintes, como veremos a seguir.
O século XVIII também vivenciou expedições militares e cientificas em busca
de ouro e diamante. Como fora encontrado ouro na região da atual Paranaguá em fins do
século XVI, esse fato despertou o interesse português. Além das minas de Paranaguá,
foram descobertos vários ribeiros de ouro em Curitiba e próximos a essas localidades, e
estes acontecimentos contribuíram para a expansão em direção aos Campos Gerais,
Norte e Oeste, buscava-se por limite territorial entre Portugal e Espanha. O fato é que
após alguns acordos e com o Tratado de Santo Ildefonso, foi que realmente se
estabeleceu as fronteiras entre as posses dos reinos, o que intensificou incursões
portuguesas ao interior meridional.
O século XVIII, especificamente, foi marcado pela invasão de bandeirantes
paulistas no Guairá, pela forte presença de conquistadores europeus, inclusive viajantes
desbravadores” em busca de riqueza e glória. É claro que no século XVI se tem
17
Idem, ibidem, p.27.
18
STECA, Lucinéia Cunha; FLORES, Mariléia Dias. História do Paraná. Do século XVI à década de
1950. Londrina. Eduel, 2002, p.02.
25
notícias de expedições contra as reduções jesuíticas, no período mesmo em que estas
estavam se solidificando. Nessa época, uma grande parcela da população indígena foi
dizimada em combates entre brancos e índios, porém muitos foram presos e
transformados em escravos.
Com a fundação das catorze reduções jesuíticas nos vales dos rios Paraná,
Iguaçu, Piquiri, Ivaí, Paranapanema e Tibagi, elas passaram a ser alvo fácil dos
bandeirantes paulistas, com a finalidade de aprisionar os nativos, e desse modo, aqueles
transitaram intensamente pela região do Guairá, tendo sido responsáveis pela primeira
construção militar no vale do rio Tibagi, onde posteriormente seria constrda a colônia
militar de Jat.
Portanto, é possível destacar que o espaço paranaense foi palco de grandes
conflitos e lutas sangrentas. No vale do Paranapanema estavam as reduções de Nossa
Senhora do Loreto e Santo Inácio; no rio Tibagi, as de São José, o Francisco Xavier,
Encarnación e São Miguel. No vale do rio Ivaí se localizavam Jesus Maria, Santo
Antonio e São Paulo, entre outras que se localizavam nos vales dos rios Corumbataí e
Piquiri. As reduções se comunicavam por meio da navegação dos rios e também pelos
caminhos e trilhas que os próprios índios construíam entre as florestas. Esses caminhos
é que serviram para que bandeirantes paulistas transitassem pela rego e
conseqüentemente destruíssem as reduções.
Não é nenhuma novidade, portanto, que tenha havido muitos conflitos entre
índios e bandeirantes, tanto que foram esses conflitos que levaram os padres jesuítas a
partirem para o Rio Grande do Sul para fundarem os Sete Povos das Missões. As
invasões dos bandeirantes produziram outras expedições, sendo que no vale do rio
Tibagi houve três, uma liderada por Francisco Tosi Colombina, que tinha por objetivo
procurar ouro e diamantes em pedras brancas, além de ocupar os territórios indígenas -
o que o deu muito certo, pois autoridades de Paranaguá e donos de lavras de Minas
Gerais entraram na disputa por esses territórios. Isso fez com que a Câmara de Curitiba
enviasse soldados para vigiar os garimpos de pedras brancas, quando foi instalado o
forte militar de Nossa Senhora do Carmo.
Nos vales dos rios Ivaí e Tibagi, houve a passagem de expedições de Morgado
de Mateus, na época governador de São Paulo, que tinha por objetivo chegar ao Forte
26
Militar de Iguatemi, no Mato Grosso
19
. No fim do século XVIII, houve a terceira
expedição, da campanha de Afonso Botelho, comandada pelo Capitão Francisco Lopez
da Silva, que percorreu o território desde o rio Ivaí até as ruínas de Vila Rica do Espírito
Santo. Como é possível perceber, a partir do levantamento feito por Lúcio Tadeu Motta,
havia a tentativa de “estabelecer um posto de suprimentos para expedições que desciam
o rio Ivaí em direção ao Mato Grosso, [que] o prosperou e, em pouco tempo, a
localidade foi abandonada e a floresta voltou a cobrir os vestígios da ocupação humana
no local”
20
. Isso tudo, aliás, reforça a iia que o Paraná muito foi objetivo de
conquista, e visto como possibilidade de riqueza.
Todavia, mesmo no século XIX as reduções ainda eram de interesse dos
viajantes, como provam as narrações do General João Cândido da Silva Muricy, no
relato publicado sob o título O país dos jesuítas, já citado. Nele, o autor se refere a uma
expedição rumo aos sertões do Paraná, nas regiões de Guarapuava, dos rios Ivaí do
Corumbataí e Tibagi. Essa viagem marca a ida ao centro geográfico do hoje Estado do
Paraná, ate as ruínas das velhas reduções jesuíticas na Vila Rica do Espírito Santo, hoje
próximas ao atual município de Fênix, perto da cidade de Campo Mourão, no Oeste do
Paraná, e também à lendária “República Teocrática do Guairá”, fundada pela
Companhia de Jesus. O objetivo da viagem de Muricy, da qual esse relato foi
conseqüência, era encontrar tesouros, ouro, pedras preciosos, porém a viagem acabou
por tomar outra conotação, quando os expedicionários se preocuparam em fazer “o
reconhecimento antropogeográfico, as aproximações com o geo-humano riquíssimo dos
sertões potamográficos paranaenses, na sua intacta beleza e prodigiosa variedade”
21
,
nas reduções do Guairá. Mas, também se encaminhavam na direção de uma “fronteira
humana”, pois a partir de alguns trechos é possível perceber que o militar não buscava
apenas conquistar algo novo enquanto território, uma vez que o nativo poderia ser
componente desse território como algo indispensável para sua própria conquista.
De fato, a viagem se direcionava à procura dos tesouros dos padres. O relato é
todo descrito em forma de diálogo, e em um desses diálogos o viajante e seus
companheiros demonstram seus objetivos:
19
Mais tarde veremos o interesse do governo provincial em estabelecer uma estrada de ferro que ligasse o
Paraná à Província do Mato Grosso, hoje atual estado do Mato Grosso do Sul, a partir dos relatos de
Nestor Borba, Telêmaco Borba e Bigg Wither.
20
MOTTA, Lucio Tadeu, NOELLI, Francisco Silva. Op. Cit., p33.
21
MURICY, José Candido da Silva. Viagem ao País dos Jesuítas. 1975. p.7.
27
__ De acordo com concessão que tu e s temos do Governo vamos
verificar a existência de minas de cobre, de ferro, etc, outrora
exploradas pelos Padres Jesuítas.
__ Mas por que ir ao sertão do Ivaí, tão longe? Em Paranag os
primeiros habitantes exploraram ouro e prata; em Antonina existe uma
possante mina de ferro e manganês e talvez ouro; na serra do
Araçatuba, em o José dos Pinhais, ouro, bem como em Campo
Largo, na Ferraria, tudo tão perto e de uma exploração muito mais fácil.
__ Mas não iremos só por isso, atalhou ele abaixando a voz. É que
também uns escondidos dos Padres Jesuítas, tesouros enterrados
por eles ali, algures. Entendes agora?
22
A partir deste fragmento percebe-se que uma expedição envolve muitos
objetivos, mas o importante neste momento é notar que o processo de territorialização
do Paraná pode ser entrevisto nas entrelinhas dos relatos. No livro citado acima, conta-
se toda a preparação para a viagem, mostrando que rias autoridades governamentais
estão envolvidas nessa atividade. Como o próprio relatante ressalta, era importante
explorar o Vale do Ivaí, pois os padres jesuítas não tinham explorado esse território por
inteiro, mas haviam deixado algo ainda para ser explorado. Alguns aspectos devem ser
ressaltados sobre as reduções jesuíticas.
1.2 O olhar territorializador: O Paraná do século XIX
No século XIX, o Brasil foi o palco de transformações importantes, desde a
abertura dos portos em 1808, as revoltas provinciais, a abolição da escravidão,
culminando com a proclamação da república. Nesse contexto, as viagens passam a
assumir um papel importante tanto para a conquista e mapeamento do terririo
brasileiro como paranaense, pois nessa época as regiões eram vistas e localizadas em
uma posição estratégica, ou seja, um lugar que englobava rios elementos: uma grande
população indígena e um vasto terririo, que para os olhos de quem o via se colocava
como uma possibilidade de conquistas. Essas questões são pertinentes ao contexto a
partir da metade do século XIX, com a interiorização e territorialização como potica
do império, visando a emancipação do Brasil e o desenvolvimento, o Império
22
Idem, ibidem, p. 8.
28
apresentava seus objetivos de tornar o país uma grande metrópole, que promovesse o
progresso e o desenvolvimento, como destaca Ilmar Rohloff
23
.
Assim, o Paraná passa a ser citado inclusive nos textos dos viajantes
analisados neste trabalho, como território e sertão que precisa ser desbravado, ocupado,
territorializado. Essa projeção sobre o Paraná contribuiu posteriormente com a sua
emancipação no fim do século XIX.
Nesse caso é importante conhecer os anseios do governo imperial, e
compreender qual a ligação entre o plano do Imrio e as viagens. Um dos projetos do
império no século XIX era de certa forma dar “cor” ao país e levar para a Europa a
propaganda do Brasil enquanto país maravilhoso e promissor, com a intenção de
promover o povoamento nas áreas consideradas inabitadas, ou desapropriar o índio e re-
territorializar os chamados sertões, que poderiam oferecer muitas riquezas. Mas qual a
relação do projeto político do império com os relatos de viagem?
É essa idéia de Brasil que percorreu o país no século XIX, e isso produziu frutos,
como a busca pela civilização e progresso. Isso possibilita entender o interesse do
governo em financiar viagens, e também a vinda de muitos estrangeiros na busca pelo
então pronunciado “desconhecido” ou como alguns autores tratam como “zona de
contato
24
. Havia uma constante preocupação ou interesse em identificar todas as
regiões que pudessem de alguma forma, contribuir para aumentar as riquezas da Coroa.
Outro fato importante a ser ressaltado, é com toda a propaganda feita sobre o
terririo brasileiro, muitos investidores se deslocaram no intuito de firmar grandes
necios, e houve um grande fluxo de interesses ingleses, que investiram na construção
das primeiras ferrovias, “bem como contribuíram para a abertura da primeira rodovia
ligando a raiz da serra de Petpolis a Juiz de Fora, deste modo, os produtos destinados
ao mercado externo, em especial o café, podiam chegar aos portos exportadores em
23
Autor de O Tempo Saquarema, que recebeu o prêmio Literário Nacional em 1986, sobre Gênero,
História do Instituto Nacional do Livro, se faz importante para pensar o Brasil do culo XIX. O livro
trata do Brasil Imperial, o objetivo principal desta obra é perceber como ocorreram os processos de
construção do Estado Imperial e da classe senhorial, e também como uma classe dirigente, no caso os
Saquaremas interferiram na sociedade e na ação do tempo. Os Saquaremas aqui representam a classe que
compõem a alta burocracia imperial, senadores, magistrados, ministros e conselheiros do Estado, mas
também grandes proprietários de terras, localizados em diversos pontos do império, sendo um conjunto de
dirigentes que primam pelos princípios de Ordem e Civilização no ps.
24
PRATT, Mary Louise. Os olhos de Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru, SP: Edusc,
1999.
29
menor intervalo de tempo e em melhores condições”
25
. Além disso, a Rio de Janeiro
Gás Company Limited foi a primeira companhia estrangeira de melhoramentos urbanos
a se instalar na capital do Brasil, e trouxe consigo outras, como a City Improvements,
para instalação de uma rede de esgoto na capital do império”
26
.
Assim, trdos pela propaganda de que o Brasil se colocava no cenário mundial
como uma grande potência geradora de riquezas, “no decorrer do século XIX (...) a
Inglaterra se destacava como grande potência econômica, seus objetivos era expandir
seus donios por todo o planeta, tanto em termos estritamente comerciais, nos quais o
capital começava a aparecer como a mais importante das mercadorias exportadas quanto
no que diz respeito a iias e valores”
27
. Decorre daí o fato de que muitos viajantes
ingleses percorreram o país, no sentido de conhecer suas potencialidades.
28
Mas é necessário compreender os elementos contraditórios que definem este
momento da nação brasileira, a partir dos processos de continuidades e
descontinuidades, que geraram o sentimento de nacionalismo, em especial a partir da
segunda metade do século XIX. Este elemento também passa a fazer parte do discurso
usado pelos viajantes em seus relatos. Na maioria deles, sobressai como o primeiro
elemento tratado, a discussão e o relato sobre as belezas da natureza, sempre
enaltecendo as maravilhas naturais, com muitos elogios, depois falando das
possibilidades de progresso. Ressalta-se, ainda, a necessidade de defender as fronteiras
do Brasil, e nesse caso a colonização por todo o país seria uma forma de expandir
algumas fronteiras e estabelecer outras.
Como o século XIX foi palco de grandes transformações, o Paraná vinha
chamando a atenção das autoridades governamentais, e foi nesse período, na metade do
século XIX, que alguns representantes do governo de Curitiba passaram a trabalhar a
idéia de desmembrar a Quinta Comarca de São Paulo. Alegava-se que a Província
precisava de um representante legal, para lutar pelos interesses da província junto ao
império. O maior problema enfrentado pela população curitibana seria a distância que
25
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec,1987, p. 15.
26
Idem, ibidem, p. 15.
27
Idem, ibidem, p.14.
28
Entre muitos viajantes estrangeiros que percorreram o Paraná no culo XIX, estão Auguste Saint-
Hilaire, Robert Ave-Lammant e Thomas Bigg Wither. IN: PAZ, Francisco Moraes. História e Cotidiano:
A sociedade Paranaense do Século XIX na Perspectivados Viajantes. In: História: Questões e Debate.
Revista da Associação Paranaense de História. Ano 8, Número 14; 15 de dezembro de1987.
30
existia entre governantes e justiça, e por algum tempo o Paraná ficou sob domínio
judiciário como Quinta Comarca.
A emancipação do Paraná ocorreu em 1853, por conta de muitas disputas entre
curitibanos e paulistas, tendo também havido a pressão por parte de outras províncias
como Minas Gerais e Bahia, que a diminuição do terririo paulista era interessante,
frente ao poder potico da província de São Paulo apoiado na economia cafeeira.
Assim, no dia 19 de dezembro de 1853, o Paraná foi desmembrado da Proncia de São
Paulo e passou a ter um presidente como representante nomeado pelo imperador.
Durante o período em que o Paraná foi província, as atenções do império de
certa forma voltaram-se para este território, embora a instalação das colônias militares
fosse algo muito presente desde o início do século. Com o objetivo de defender as
fronteiras e delimitar o território da província, as colônias militares tinham como dever
fiscalizar, policiar e iniciar o povoamento, a porque a produção de erva mate na
Argentina e no Paraguai estava se expandindo, e elas eram uma forma de impor as
fronteiras do Paraná, ainda do Império brasileiro. Devido a isto surgiram estudos e
narrativas sobre esse local, a comar por relatórios de atividades dos militares, sendo
que vários foram publicados no boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
do Paraná.
29
Por muito tempo o espaço que hoje compreende o Estado do Paraná teve como
faixa de ocupação apenas a região do litoral, sendo que as regiões do interior recebiam
maior atenção quando havia ameaças nas regiões de fronteira. Nesse sentido, é a partir
do século XIX que disputas fronteiriças entre Brasil, Paraguai e Argentina delineiam
outra fase da história do Paraná. Outro ponto que contribuiu para a ocupação deste
espaço foi a navegação pelos rios, que possibilitou a investida do império, o que
também tem uma forte ligação com as questões sobre nacionalismo.
Contudo, o que se tem relacionado a esse assunto é que a ocupação do restante
do espaço paranaense se deu a partir do século XIX e intensificou-se no século XX.
Essas idéias partem do fato de que somente em 1889 com a fundação da colônia militar
em Foz do Iguaçu (de onde se originou a cidade), é que teria havido o desenvolvimento
da região oeste, por exemplo. A Colônia Militar de Foz do Iguaçu foi criada com a
finalidade de proteger as fronteiras do Paraná com a Argentina, e posteriormente criou-
29
Como por exemplo, o trabalho de Candido Ferreira de Abreu, Colônia Militar de Foz do Iguaçu, em
que ele narra as condições da colônia no ano de 1905, porém publicado em 1974.
31
se a iia de Oeste, e a referenciação ao nascimento da cidade de Foz do Iguaçu a partir
da existência da colônia. Porém, os relatos de viagem mostram que essa ocupação já se
inicializava anteriormente e os viajantes estavam ligados ao projeto potico do governo
provincial. Armand Fremont afirma que:
De uma maneira geral a região apresenta-se como um espaço médio,
menos extenso do que a nação (...). Integra lugares vividos e espaços
sociais com um mínimo de coerência e de especificidades, que fazem
dela um conjunto com uma estrutura própria (a combinação na
percepção dos habitantes ou dos estranhos (as imagens regionais).
30
Nessa perspectiva é importante destacar dois relatos que se referem à rego de
Guaíra e Foz do Iguaçu, de dois militares e fazem parte do corpo documental do
trabalho: o do Capitão Nestor Borba, autor do relato intitulado Viagem às Setes Quedas
datada de 1876, e a do general José ndido Muricy, Ligeira Descripção de uma
Viagem Feita de Guarapuava À Colonia da Foz do Igassú em Novembro de 1892
31
.
A viagem de Nestor Borba realizou-se no período de dezembro de 1875 a janeiro
de 1876. Iniciou-se, percorrendo por terra o trecho entre Curitiba e a Colônia do Jataí,
pelas margens dos rios Ivaí e Tibagi, e posteriormente de canoa pelos rios Tibagi,
Paranapanema e Paraná até a região das Sete Quedas. Este relato é acompanhado de
Prefácio anônimo, cujo autor se intitula como “Amigo do Paraná”, e de um comentário
do Engenheiro André Rebouças sobre um manifesto em favor da criação de um parque
nacional brasileiro, nos moldes de parques semelhantes nos Estados Unidos
32
.
A viagem de Muricy apresenta o caminho percorrido por terra de Guarapuava
pelo sertão paranaense até a tríplice fronteira do Paraná com Argentina e Paraguai. Seu
maior objetivo em empreender esta viagem era de criar um caminho mais estruturado
entre o centro do Paraná e o Oeste, este caminho ficou conhecido como Estrada
Estratégica. Além disso, a viagem que tinha a finalidade de levar suplementos
alimentares e dinheiro à recente colônia militar aproveitou este momento para descrever
30
FREMONT, In: TOMAZI, Nelson Dácio. Norte do Paraná, História e Fantasmagorias. Universidade
Federal do Paraná. Curitiba. 1997, p.110.
31
BORBA, Nestor. Excursão ao Salto da Guayra ou Sete Quedas” (1876). MURICY, José Cândido da
Silva. “Ligeira Descripção de uma Viagem Feita de Guarapuava à Colônia da Foz do Iguassu em
Novembro de 1892”. In: Monumenta Relatos de Viagem a Guaíra e Foz do Iguaçu (1870-1920).
MONUMENTA - Segunda Série. Curitiba, vol. 1, no. 4, primavera, 1998.
32
Monumenta Relatos de Viagem a Guaíra e Foz do Iguaçu (1870-1920). MONUMENTA - Segunda
Série. Curitiba, vol. 1, no. 4, primavera, 1998. p. 03.
32
a natureza e a população indígena. O fio condutor dos dois relatos é a iia de progresso
e exploração econômica das regiões consideradas desabitadas.
A viagem de Bigg Wither apresenta uma perspectiva diferente em relação aos
outros dois viajantes. Sua viagem se inicia pelo Rio de Janeiro, onde ele permanece
poucos dias até poder embarcar para a Província do Paraná. Chega ao litoral, e sua
primeira descrição é da cidade de Curitiba, onde ele observa a população sertaneja e os
imigrantes que lá encontra. Segue por terra até a Colônia Tereza, passando por cidades
como Antonina, Ponta Grossa, até chegar aos Vales dos Rios Ivaí e Tibagi.
Posteriormente à sua chegada observa cuidadosamente todos os elementos que lhe
chamam atenção como a natureza, os animais e o índio. Logo após, continua sua viagem
até a colônia militar de Jataí no norte do Paraná. Depois, segue de canoa acompanhado
de Telêmaco Borba até os rios Paranapanema e Paraná, retorna a colônia de Jataí e volta
para a Colônia Tereza de onde segue para o Rio de Janeiro. Nesse sentido é importante
destacarmos algumas características especificas dos viajantes, visto que eles enquanto
militares e engenheiro, se consideram viajantes acima de tudo.
Nestor Borba era filho de Vicente Antonio Rodrigues, militar e ex-combatente
da guerra da Cisplatina. Foi nomeado no ano de 1863, aos 18 anos, alferes de pocia em
Curitiba e foi designado para atuar como policial nos Campos de Guarapuava a fim de
garantir a segurança daquela região e estabelecer alguma relação com a população
indígena, pois se ocorressem conflitos entre brancos e indígenas nessa região seria
possível o deslocamento para ocupar os sertões à frente. Lembramos que a região de
Guarapuava delimitava de modo geral a parte mais povoada pelos “caboclos e
sertanejos”, conforme afirma Bigg Wither.
Segundo José de Souza Martins a fronteira é como “um território da morte e o
lugar de renascimento e maquiagem dos arcaísmos mais desumanizadores, cujas
conseqüências não se limitam a seus protagonistas mais imediatos
33
. Nesse sentido,
tanto a Colônia Militar de Foz do Igauçu (oeste) e Jataí (norte) tornavam-se pontos de
referência para as viagens pelo interior do Paraná. Além disso, próximos à colônia do
norte, situavam dois aldeamentos indígenas, dirigidos por militares: o de São Pedro de
Alcântara e São Jerônimo. O primeiro dirigido por Telêmaco Borba, irmão de Nestor
Borba. Portanto o próprio deslocamento dos viajantes se fará a partir do conhecimento
33
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo:
Contexto, 2009, p.13.
33
da região sob a ótica dos militares. E, Telêmaco Borba vai servir de guia tanto para
Nestor Borba quanto para Bigg Wither.
Nestor Borba se relaciona com muitas das elites do Paraná de então. Em 1864
com o início da Guerra do Paraguai, foi estabelecida uma unidade militar na vila de
Guarapuava, e no ano seguinte Nestor Borba seguiu como voluntário para a guerra do
Paraguai, porém tempo depois foi ferido e teve que retornar. David Carneiro, autor do
livro O Paraná na Guerra do Paraguai, ressalta uma matéria noticiada pelo jornal
curitibano Dezenove de Dezembro de 25 de maio de 1867, segundo o qual “chegou
ontem a esta capital o Sr. Capitão honorário do exército Nestor Augusto de Morocines
Borba, um dos primeiros Voluntários da Pátria que desta província marcharam para o
teatro da guerra”
34
. Em 1867, Nestor Borba casou-se com Adelaide, filha de Cândido
Martins Lopes, proprietário do jornal Dezenove de Dezembro, e influente na sociedade
curitibana, o que demonstra que ele tinha boas relações com a administração da
Província que, aliás, contribuiu para que pudesse realizar a viagem às Sete Quedas.
Porém, a viagem não era apenas um objetivo do militar, mas também do governo
provincial: para ambos, descortinava-se como possível o projeto de construir uma
estrada de ferro que ligasse Curitiba a Miranda, na província do Mato Grosso, atual
estado do Mato Grosso do Sul. Além disso, a partir das medições que Nestor e seu
irmão Telêmaco Borba realizariam na viagem, pensava-se na possibilidade de construir
uma ponte metálica sobre os saltos, como o próprio Nestor Borba descreve:
Tomam mais interesse pelo desenvolvimento e prosperidade desta
província, do que a mor parte de seus filhos, animaram-nos a levar por
diante esta tentativa, dando-lhes importância, que nós o lhe
ligávamos, pois que, diziam, tratava-se de verificar a possibilidade de
construir uma ponte sobre aquele salto, uma das idéias capitais da
memória do Dr. Tourinho sobre a via-férrea para o Mato Grosso,
prolongando através do Paraguay e Bolívia.
35
Nestor Borba iniciou a expedição em 04 de dezembro de 1875, saindo de
Curitiba rumo à Colônia Militar de Jataí, onde encontraria seu irmão Telêmaco Borba.
Esse, por sua vez, já havia realizado outras expedições pelo interior do Paraná e era
conhecido pela elite curitibana. Ocupou o cargo de administrador do aldeamento
indígena de São Pedro de Alcântara, situado às margens do Rio Tibagi, onde também se
34
CARNEIRO, David. O Paraná na Guerra do Paraguai. Curitiba: Fundação Cultural, 1995, p. 88.
35
BORBA, Nestor. Op. Cit. p.21
34
situava Colônia Militar de Jat na outra margem desse mesmo rio, criada pelo Governo
Imperial em 1855. Essa colônia visava dar suporte ao aldeamento e proteger os sertões
brasileiros de possíveis invasões estrangeiras.
Telêmaco ainda prestou auxílio às tropas de soldados que seguiam do Paraná
para o Mato Grosso durante a Guerra do Paraguai; trabalhou no processo de
catequização e civilização dos indígenas Kayovás e Kaingangs, presentes no referido
aldeamentos. Nesse sentido, percebe-se a ação e missão estratégica de proteção, em
relação aos interesses dos fazendeiros e barões dos Campos Gerais. Lucio Tadeu Mota
destaca que “havia uma triangulação entre o Barão, que criava e dirigia os aldeamentos
indígenas no norte da província e na rota do Mato Grosso; o ministério do Império, que
atendendo ao Barão, repassava as verbas para a presincia da província do Paraná, e
esta, que mandava executar as obras requeridas pelo Barão
36
.
A partir dessas informações sobre os dois viajantes e relacionando com o projeto
político do império, é possível afirmar que a política de aldeamento indígena estava
ligada à potica de apropriação das terras indígenas, sendo que cada pessoa que atuava
nos aldeamentos indígenas a mando do governo recebia como recompensa um quinhão
de terra em outro aldeamento. E, pouco antes de Telêmaco realizar a viagem com seu
irmão Nestor Borba, ele guiou uma missão inglesa pelo interior do Paraná, A Paraná
and Mato Grosso Survey Expedition, relatada pelo engenheiro Thomas Plantagenet
Bigg-Wither, que fazia parte dela no período de 1872 a 1875, sendo que no ano seguinte
Telêmaco realizaria a viagem à região dos Saltos do Gayra.
A expedição teve continuidade a partir da Colônia Militar do Jataí, no dia
primeiro de janeiro de 1876. A tripulação era formada por oito tripulantes indígenas de
origem Cayguás, Guaranys e dois Coroados, - uns para guiarem as canoas e outros para
servirem de interpretes para quando chegassem às margens do rio Paranapanema, além
de Nestor e Telêmaco. Em seu relato, Nestor descreve bem como eram as canoas e o
que levavam em seu interior:
feitas em tronco de peroba medindo dezesseis metros de comprimento
por um de largura, está carregada de sacos de farinha, feijão, toucinho e
outras iguarias. Perto da polpa, um toldo de dois metros de extensão de
folhas de palmeira; [...] No improvisado mastro, a bandeira do Brasil. A
outra canoa, menor, de cedro, tem dez metros de comprimento e setenta
centímetros de largura. No seu interior, quatro cães atrelados e
36
MOTA, Lucio Tadeu. As Colônias indígenas no Paraná provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos,
2000, p.9.
35
indóceis; arpão, linhas, anzóis, baús, cartuchos, pólvoras, chumbo,
espoletas, pequenas facas e quatro espingardas.
37
Levaram também um pantômetro, para auxílio nos levantamentos de plantas, e
uma mara escura para tirar vistas”, o que evidencia o objetivo de registrar o que
poderia ser observado durante a viagem. E mais, nota-se que Nestor Borba e seus
companheiros buscavam algo mais além de conhecer a natureza e as maravilhas das
Sete Quedas, mas possuíam objetivos de levar para aquele local o que chamam de
progresso”, e reocupar a região como podemos observar, Nestor Borba não foi o
primeiro a dirigir uma expedição a essas regiões. O fato de Telêmaco Borba ter
auxiliado na catequese dos índios, contribuiu para que ele soubesse usar a linguagem
correta para conquistar a confiaa deles, pois fazia parte da missão estratégica
conhecer bem a população indígena que habitava a região visitada, uma vez que o
objetivo consistia em conhecer as fronteiras para poder civilizá-las.
Pode-se perceber isso ao Nestor descrever sua chegada aos Saltos, quando
encontrou próximo daquele local 22 índios coroados que habitavam a região dos rios
Piquiri e Iguaçu. Nestor o deixa vidas quanto aos seus verdadeiros objetivos em
relação à viagem:
Fizemos alguns presentes e continuamos nossa viagem, levando em
nossa companhia dous daquelles índios para irem avisar os que
moravam em um toldo, próximo à margem esquerda do Piquiry, a fim
de virem fallar comnosco, e na ocasião de pol-os em terra accordamos
que nos esperaria no outro dia, na próxima corredeira, que tinha ahi
para cima.
Demos-lhes os brindes, que levávamos com este destino.
Resolvemos deixar ahi com esses índios os dous coroados, que
trouxemos para servir-nos de interpretes afim deservirem de guia aos
que desejassem ir ao Jatahy , reconhecendo ao mesmo tempo todo o
terreno entre esses dois pontos, colhendo-se assim duas grandes
vantagens: o adquirir-se conhecimento daquella grande zona de
terrenos fertillissimos , e attrair aquelles selvagens á catechese.
Notamos, em que toda a margem esquerda do Paraná, lugares
bellissimos e apropriados para estabelecimento de povoações.
38
37
BORBA, Nestor. Diário de Expedição - “Mistérios dos Saltos”. In: VARGAS, Túlio. O Maragato: a
vida lendária de Telêmaco Borba. 2ed. Curitiba: Juruá, 2001. p. 85-86.
38
BORBA, Nestor. Op. Cit.
36
A viagem terminou em 14 de fevereiro de 1876, e os relatos foram publicados na
Cidade de Curitiba, em 14 de março do mesmo ano. Foram reeditados em 1897 com
considerações tecidas pelo engenheiro André Rebouças, acompanhado de um prefácio
anônimo (por amigo do Paraná) e por um manifesto em favor da criação de um parque
nacional brasileiro.
Nos relatos do General José Cândido Muricy aparecem questões que se
identificam com as dos relatos de Nestor Borba, referentes ao ideal de civilizar,
conhecer e ocupar as fronteiras. Nos dois relatos está presente o desejo de dominar as
fronteiras das regiões visitadas, e construir o progresso a partir da natureza, pois esta
o é vista como exótica, mas como possibilidade de produzir poder e prestígio. Ainda
sobre o General Muricy, este participou, como cadete da Escola Superior de Guehrra, no
golpe que derrubou a monarquia brasileira o que lhe proporcionou uma rápida ascensão
na carreira militar. Foi um dos fundadores do Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico Paranaense, “na sua fé de ocio, uma larga vivência nos sertões do Paraná,
inclusive em missões oficiais, pois lhe coube também em 1892, promover a exploração
através da floresta e o descortinamento, pela primeira vez, dos Saltos do Iguaçu”
39
.
Além de ter realizado a viagem à Colônia Militar de Foz do Iguaçu Ligeira Descripção
de uma Viagem Feita de Guarapuava À Colônia da Foz do Igassú em Novembro de
1892, também é autor, como citamos anteriormente, de Viagem ao País dos Jesuítas,
sendo que esta viagem foi realizada em 1896 na região de Villa Rica, onde hoje se situa
o município de nix. Entretanto, o relato foi publicado em 1975, por seu neto
Andrade Muricy.
Logo no início de sua descrição da viagem à colônia de Foz, o autor expõe um
dos motivos dos quais o levou a efetuar essa viagem, ressaltando que foi a mando da
Comissão Estratégica do Paraná a fim de conhecer os seres dessa região, mas também
a fim de estabelecer uma conexão entre a Colônia Militar de Foz do Iguaçu e a cidade
de Guarapuava, como podemos perceber abaixo:
Estabelecidas as bases da futura colônia, tratou a Commissão de tornar
francas as comunicações entre esse ponto e a cidade de Guarapuava,
formando para isso turmas de trabalhadores, civis e militares, dirigidas
por oficiciaes (sic). Essas turmas tinham por fim alargar e aperfeiçoar a
39
MURICY, José Cândido da Silva. Viagem ao País dos Jesuítas. 1975. p. 5.
37
picada feita pelo Dr. Fermino, construindo provisoriamente um
caminho, perfeitamente viável por cargueiros.
40
Nesse trecho ficam claros os objetivos desse viajante estabelecer contato entre a
cidade de Guarapuava até a região Oeste da província, conhecer a região onde foi
instaurada a colônia militar de Foz do Iguaçu. A viagem era, portanto, uma missão
militar, levando mantimentos e dinheiro para a colônia, porém apresenta características
e pretensões científicas, descrevendo a natureza, demonstrando a preocupação com a
exploração econômica dessas regiões e a preocupação e inserção das inúmeras
populações indígenas ao mundo do trabalho. As povoações existentes nessas regiões
eram apenas de índios, sendo que quase não havia estradas por esses lugares, e conhecer
a população indígena é o primeiro passo para quem deseja explorar a região. Então, o
viajante segue o relato abordando as características de todo o caminho por onde passa,
fala sobre o posto de Catanduvas, que foi construído com o propósito de socorrer
trabalhadores, viajantes e a própria colônia se houvesse necessidade. ali a presença
de índios Cayuás, pois estes servem de guia para viajantes e autoridades governamentais
para conhecer lugares que ainda não são habitados pelo homem branco.
Estes índios, originários do Paraguay, segundo colligimos, donde
fugiram para evitar a perseguição do general Escobar, que primeiro
chegou a Tacuru-Puçu, entranharam-se nos nossos sertões, e até agora
alli tem vivido, mas muitos reduzidos já, pela cruel guerra que lhes
movem os tigres e coroados.
41
Conhecer e se familiarizar com os índios é uma forma de conquistar sua
confiança, pelo fato de que os índios são os que melhor conhecem toda a região que
interessa aos viajantes, tornando-se uma questão de interesse do viajante e estratégia
militar.
Os relatos desses dois viajantes implicam em divulgar a região hoje conhecida
como Oeste do Paraná. Visava à construção de estradas, ocupação territorial e
populacional. Ë importante perceber como os viajantes estabelecem a idéia de
progresso, e como essas pretensões estão ligadas com os objetivos do Império, que era
40
MURICY, José Cândido da Silva. À Foz do Iguassú Ligeira Descripção de uma Viagem Feita de
Guarapuava à Colônia da Foz do Iguassú Em Novembro de 1892. Op. Cit. p.47.
41
Idem, ibidem, p. 48.
38
promover o povoamento dos sertões brasileiros, investir em engenharia militar de peso
para “desbravar os sertões”.
Tais relatos serão confrontados com os do engenheiro e escritor inglês Thomas
Plantagenet Bigg Wither. (1845-1890) que foi publicado, com o título Novo Caminho
no Brasil Meridional: A Província do Paraná, Três anos de vida em suas florestas e
campos 1872/1875
42
, e consta que tinha o propósito de anotar cuidadosamente suas
aventuras no Brasil. Nasceu em 16 de outubro de 1845 e iniciou a faculdade de
engenharia aos 20 anos de idade. Aos 26 anos se dispôs a integrar o grupo
expedicionário Paraná And Mato Grosso Survey Expedition. A viagem resultou em um
o livro, publicado em 1878, por meio do editor John Murray, de Londres, em que ele
descreve suas experiências de três anos de vida em florestas e campos do Paraná entre
1872/75. Bigg-Wither veio para esta região como um dos expedicionários da companhia
de engenharia supracitada.
A chegada ao Rio de Janeiro é narrada a partir do deslumbramento com as
belezas da cidade maravilhosa, destacando-se as primeiras impressões da população
brasileira, principalmente ao que se refere à relação entre brancos e negros. O viajante
ressalta os pontos turísticos do Rio, bem como o Pão de Açúcar, a Baía da Guanabara, e
assegura que “nenhuma cidade, capital de outra nação, ocupa posição tão central para o
comércio com o Novo e Velho Mundo
43
. Após a estada no Rio de Janeiro, Bigg
Wither segue para Baía de Paranaguá, de onde parte para realizar uma minuciosa
viagem pela Província do Paraná, passando por Curitiba, Antonina, Ponta Grossa, e
outras cidades dessas regiões, depois pelos Campos Gerais, sendo que a partir daí foi
guiado por Telêmaco Borba até a Colônia Militar de Jataí. E, embora não tenha
percorrido toda a região que hoje compreende o Oeste, percorreu vários rios, como
Tibagi e Ivaí, que passam pelo sertão paranaense, contribuindo de maneira significativa
para o conhecimento da região, pois teceu considerações valiosas sobre o nativo
presente nas margens desses rios. Além disso, abordou questões sobre possibilidade de
se investir na imigração e principalmente sobre a população indígena.
Embora nenhum dos viajantes fosse cientista, os dois relatos de Muricy
apresentam características e pretensões científicas, pois o que realmente predomina é o
42
WITHER, Thomas P. Bigg. Novo Caminho no Brasil Meridional: a província do Paraná. Três anos
em suas florestas e campos 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio, Curitiba: Universidade Federal do
Paraná, 1974.
43
Idem, ibidem, p. 8.
39
caráter investigativo. Além da experiência da descrição da natureza, tanto ele quanto
Nestor Borba e Big Wither apontam o interesse econômico e potico. Também a
experiência com o outro, com o diferente, com o estranho no caso, o indígena é uma
questão muito importante presente nesses relatos. Pensam nesse nativo enquanto alguém
para ser civilizado, domesticado e aproveitado como força de trabalho.
Como perceber a noção de representação do viajante em relação à natureza, os
motivos que os levaram a percorrer terras “desconhecidas”, a forma como perceberam a
população que encontraram nesses lugares, caracterizando o confronto com índios e
negros a partir das práticas sociais? Segundo Mary Pratt o relato de viagem, entre
outras instituições, está fundamentalmente elaborado a serviço daquele imperativo; da
mesma forma, poder-se-ia dizer que grande parte da história literária européia
44
,
justamente para desconsiderar o fator de que o viajante não realiza a viagem pela
viagem, e sim identificar os reais motivos que os levaram à realização da viagem e
publicação dos relatos.
44
PRATT, Mary Louise. Os Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru. SP: EDUSC,
1999, p. 31.
40
Capítulo 2:
As expedições Militares no Paraná: Nestor Borba (1876) e José
ndido da Silva Muricy (1892)
Segundo Cláudio DeNipoti, as reflexões levantadas a partir de relatos de
viagem foram incorporadas à tradição historiográfica brasileira juntamente com as
tentativas, no século passado [XIX], de construção de uma história e, portanto,
identidades nacionais, feitas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
45
. Não
apenas isso: muitos dos que empreenderam essas viagens e depois relataram eram
membros do IHGB ou dos institutos regionais. Sendo assim, podemos acrescentar que
alguns objetivos desses institutos se confundiam com os interesses das expedições
realizadas na segunda metade do século XIX.
Alguns desses aspectos ficaram patentes no próprio ato de fundação do IGHB,
no Rio de Janeiro, em 1838, entremeando geografia e história na constituição de uma
história ao lado da própria constituição do terririo. Uma das primeiras edições da
revista publicada pelo Instituto já trazia essa perspectiva na seguinte nota:
Em sessão do conselho administrativo da Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional, de 18 de agosto deste anno, leu o seu primeiro
secretario, marechal Raymundo José da Cunha Mattos, uma proposta,
por elle assignada e também pelo secretário Adjunto o cônego Januario
da Cunha Barboza, para a creação de um Instituto Histórico e
Geogphico Brasileiro, filial da Sociedade Auxiliadora, pedindo que se
obtenha a necessária approvação da assembléia geral da mesma
sociedade. Depois de larga discussão, foi acceita a proposta” Entre seus
objetivos estavam este: Eis- nos hoje congregados para encetarmos os
trabalhos do proposto Instituto Histórico e Geographico do Brasil, e
desta arte mostrarmos as nações cultas que também prezamos a glória
da tria, propondo-nos a concentrar, em uma literária associação,
os diversos fatos de nossa história e os esclarecimentos
geográphicos do nosso paiz, para que possam ser offerecidos ao
conhecimento do mundo, purificados dos erros e inxatidões que os
mancham em muitas imprensas tanto nacionais como
estrangeiros.
46
(grifos meus)
45
DENIPOTI, Cudio. Viagens, Viajantes e Quedas D‟Água; As Possibilidades de Uma Série
Documental .In: MONUMENTA: Segunda Série, Volume I, Número 4, 1998. p. 01.
46
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Tomo I 1 Trimestre de 1839 N.1. p. 5 e 9.
41
Esses objetivos que justificam o empreendimento de inúmeras viagens ao
interior do país, se fizeram presente ainda nos relatos, décadas depois. uma
perspectiva de relatar para dar a conhecer, a partir da observação in loco, o que
conferiria poder para fazer as proposições de ações a esse respeito. É importante, por
um lado, ressaltar o caráter oficial das viagens realizadas por Nestor Borba e João
Cândido da Silva Muricy, no sentido de que elas estavam ligadas ao processo de
conquista levado a cabo pelo governo provincial. Nesse sentido, podemos destacar que
os relatórios de governo que analisamos ressaltam esses objetivos embora essas
viagens não constem deles objetivamente. Dessa forma, podemos apontar algumas
perspectivas que se confundem nos relatos e nos relatórios, e citamos como, exemplo, o
relatório de 15 de fevereiro de 1875 do Presidente da Província Araújo Abranches:
A Província é nova, os elementos de sua futura grandeza ainda agora
começavam a ser explorados, e seria aspirar o impossível, querer -la
transformar de arrebate iaveterados costumes, abdicar de rotina, e,
enthusiastica e delirante, preciptar-se no rtice do progresso. Se o
Paraná não marcha a passos estugados, se não é o combatente aguerrido
da primeira linha, elle não se deixado ficar na retaguarda, não fora
revel à chamada, e com suas irmãs empenha-se nessa cruzada que tem
por fim a conquista da civilização.
47
Esses elementos apontados também estão presentes nos relatos dos viajantes que
analisamos. Apresentam a Província do Paraná como um território sertanejo que precisa
encontrar o progresso e se tornar civilizado. Aparece muito claro nos relatórios a
idealização de prosperidade, e a idéia de que nesse período o Paraná ainda não havia
tido um grau de desenvolvimento como as demais províncias.
Porém para os governantes da época era importante destacar em seus relatórios a
necessidade que o Paraná tinha de ampliar seu terririo, definir-se e defender suas
fronteiras, tanto em relação às demais províncias como em relação aos outros países.
Nesse sentido os relatos de viagem não são relatos apenas do espaço, mas também
relatos das possibilidades e das necessidades de investimentos, como exemplo o
problema da comunicação e segurança.
E, assim, as perspectivas dos relatórios, dos relatos e do próprio IHGB se
entrelaçam: ao mesmo tempo, os presidentes da província evidenciam aspectos
positivos do Paraná na busca desenfreada pelo “progresso”, da mesma forma que eles
47
Relatório de Província pelo Presidente Araújo Abranches, 15 de Fevereiro de 1875. Curitiba. p. 1.
42
aparecem nos relatos dos viajantes analisados, no sentido de conhecer as fronteiras e
desbravar os sertões”. O IHGB, por sua vez, se manifesta publicando artigos que
valorizam as terras brasileiras, incentivando o povoamento nas áreas que ainda não
haviam sido colonizadas.
Em outro relatório provincial, agora do presidente Adolpho Lamenha Lins em
15 de fevereiro de 1876, afirma-se que “a província goza de inalterável tranquillidade...
A população do Paraná é essencialmente pacífica e ordeira; o respeito à lei e ao
princípio de autoridade é characteristico da índole geral do povo
48
. Mostrar apenas os
pontos positivos da província é uma forma de chamar atenção do governo imperial para
esse território, visto que são comuns nos relatórios as referências à falta de dinheiro para
se investir na construção do progresso regional. Os presidentes, de forma geral, alegam
que se houvessem mais recursos financeiros, com certeza a província gozaria de uma
situação mais moda, sendo possível investir em estradas que dessem acesso a lugares
mais distantes, como as “fronteiras com o Prata” (referem-se às fronteiras com
Argentina e Paraguai).
Entretanto, algumas contradições: na citação anterior o presidente da
província afirma que o Paraná goza de tranilidade, mas ao discorrer sobre a segurança
pública ressalta a falta da força militar, principalmente nas regiões de fronteira. A fala
final destaca a preocupação com a vinda de imigrantes e seu papel em relação ao
desenvolvimento da colonização, e a necessidade de garantia da segurança para que
esses objetivos pudessem ser alcançados. Podemos perceber isso no fragmento abaixo:
Em uma província fronteira como esta, com duas repúblicas do Prata,
com vasto território, sujeito ainda à invasão de índios, esta força é por
insuficiente para as necessidades do serviço e garantia da segurança
pública e individual... O corpo de polícia, dividido em destacamentos
pelos diferentes municípios da província, mal chega para auxiliar as
autoridades na repressão dos delitos, e o pode fornecer a força
necessária para policiar a capital, que crescendo em população,
principalmente estrangeira, precisa oferecer as melhores garantias de
segurança individual e da propriedade, que como sabeis é um dos
elementos necessários para atrahir a immigração e desenvolver a
colonisação.
49
48
Relatório de Província pelo Presidente Adolpho Lamenha Lins, 15 de Fevereiro de 1876. Curitiba. p
10.
49
Relatório de Província pelo Presidente Adolpho Lamenha Lins, 15 de Fevereiro de 1876. Curitiba. p.
15/16.
43
Isso é muito relevante, que esses objetivos estão presentes na organização das
viagens e nos seus relatos, e tanto Nestor Borba como JoCandido Muricy destacam
suas pretensões nesse sentido, deixando claro que não seriam elas meras viagens de
reconhecimento, mas verdadeiras expedições militares, que faziam parte de estratégias
governamentais e militares.
Podemos nos perguntar: o que representa uma expedição militar em pleno final
século XIX? Por certo, representa autoridade e poder, e pensando no caráter oficial das
viagens, o militar que as organiza assume um papel de “herói e desbravador”. Além de
lutar pela ordem de um espaço, está preocupado em defender e delimitar um território.
Defender as fronteiras do Paraná fazia parte da missão estratégica desses militares, e
como nossos viajantes acabam por assumir esses objetivos as viagens aparecem como
possibilidades de expansão e domínio.
A fundação do IHGB no Rio de Janeiro, em 1838, incentivou a criação de
institutos similares nas províncias e depois nos estados. No Paraná, deu-se a fundação
do Museu Paranaense em 1874, quando Ermelino Leão era presidente da província,
contando com a participação do general José Cândido da Silva Muricy e do engenheiro
André Blaz Chalréo Junior. Primeiramente foi uma instituição particular, mantida por
seus fundadores. Posteriormente em 1882, o Decreto N.393 de 30 de dezembro de
1882 aprovou o regulamento do Museu Paranaense e o ano de 1883 assinala a sua
incorporação à Província do Paraná como órgão público. O Desembargador Agostinho
Ermelino de Leão, ausente do Paraná, o Doutor José Cândido da Silva Muricy foi
nomeado Diretor do Museu”
50
. Essa instituição foi muito importante para a realização
de estudos antropológicos e etnográficos da província e depois do Estado do Paraná.
Todavia, no relato de Muricy, “Viagem à colônia militar de Foz do Iguaçu em 1892”, o
militar faz críticas ao governo, no sentido de que:
...podendo ter um importante e rico muzeu, possua um, mas um
verdadeiro engeitado, tão pobre, tão desprezado, sem direção,
principlamente tão mal organizado, ou por outra, completamente
desorganizado depois da saída do seu desvelado director, o
Desembargador Dr. Agostinho Ermelindo Leão, tendo a desaparecido
d‟elle, muitos e importantes objectos, que naturalmente foram
enriquecer collecções particulares.
51
50
Dicionário histórico-biográfico do Paraná . Curitiba: Chain: Banco do Estado do Paraná, 1991. p.307.
51
MURICY, José Cândido da Silva. À Foz do Iguassú Ligeira Descripção de uma Viagem Feita de
Guarapuava à Colônia da Foz do Iguassú Em Novembro de 1892. In: Monumenta-Relatos de Viagem a
Guaíra e Foz do iguaçu (1870 1920). Curitiba: Aos Quatro ventos, 1999. p.52.
44
Muricy chama a atenção, assim, das autoridades governamentais em relação ao
descaso em que se encontrava o museu paranaense, até porque este havia sido fundado,
na intenção de solidificar elementos característicos do Paraná. Isso seria um motivo para
que se incentivassem expedições ao território, para, pelo menos, conhecer e coletar a
fauna e flora paranaense, como ele mesmo argumenta quando fala do Museu do La
Plata, “que lhe permitem enviar commissoes, para toda a parte, a procura de specimens,
que lhes enriquecem as preciosas collecções
52
, já que gozavam de recursos para tal
fim.
Em suma, argumenta que seria muito importante para o estado a valorização
dessa instituição. Isso justifica a participação dos viajantes militares na busca por
elementos que caracterizassem o Paraná e ampliasse sua importância deste diante do
cenário nacional. E a natureza tinha um papel fundamental nesse período, pois era ponto
de partida da potica governamental de expansão do Paraná, primeiro para conhecer os
sertões, e posteriormente para atrair a população imigrante, incentivando a colonização
nas regiões onde ainda não havia núcleos de povoamento, e onde o poder militar ainda
o havia chegado, (apesar do empenho do governo em criar os aldeamento indígenas,
que era uma forma de estabelecer o poder e civilizar).
Ainda assim não podemos deixar de ressaltar que, da mesma forma que o IHGB
contribuiu para a formação de museus como o paranaense, também incentivou as
viagens para as regiões mais distantes dos centros urbanos, procurando conferir certo
caráter regionalista” à história do Brasil, que as pesquisas desenvolvidas engendravam.
Como a fundação do IHGB e sua atuação no século XIX tinha caráter cultural e potico
ao mesmo tempo, visando traçar a identidade da nacionalidade brasileira e de incorporar
os princípios de civilização européia ao Brasil, ou seja, “o velho mundo ao novo
mundo”, essas ações não se davam de forma integradora. Para Lilia Moritz Schwarcz o
IHGB tinha por objetivo “construir uma história da nação, recriar um passado,
solidificar mitos da fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens
e eventos até então dispersos
53
, ou seja, unificar o país por meio do seu passado, no
momento em que o Brasil estava marcado por disputas regionais como a Revolução
52
MURICY, José Cândido da Silva. À Foz do Iguassú Ligeira Descripção....Cit.p.52.
53
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.p. 99.
45
Farroupilha. A essa perspectiva nacional se somavam os interesses das diferentes
províncias.
Embora o IHGB não tenha, diretamente, patrocinado as viagens de Nestor
Borba, Telêmaco Borba e JoCândido Muricy, podemos ressaltar que Telêmaco foi
sócio do IHGB e do Instituto Hisrico, Geográfico do Paraná, fundado em 1899. Na
verdade, o que é preciso destacar é que muitos dos viajantes, principalmente os
estrangeiros, estavam atrelados a alguma instituição de pesquisa, pois estas
possibilitavam as realizações, elementos geográficos e climáticos sobre a fauna e flora
dessas partes do terririo. Portanto, não é uma oposição tão clara entre viagens para
estudo e expedições militares que produziam os relatos objeto do nosso estudo.
Desde o início se nota, portanto, uma ligação íntima entre o IHGB e o aparelho
de estado, mesmo quando essa ligação não fica realmente explícita, isso tinha se dado
desde a fundação do instituto, pois, como ressalta Guimarães:
...um exame da lista dos 27 fundadores do IHGB nos fornece uma
amostra significativa do perfil do intelectual atuante naquela
instituição. A maioria deles desempenha funções no aparelho de
Estado... profissionalizavam-se e percorriam uma carreira na dia
burocracia.
54
Essa ligação dos institutos com o(s) governo(s) explica a própria organização
dos institutos provinciais e estatais em torno do IHGB. Primeiro foi criada a instituição
no Rio de Janeiro, capital do Brasil, levando-a a ser modelo para a formação de outros
institutos, contribuindo para a fundação do Instituto Histórico e Geográfico de
Pernambucano e para o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, localizados em
lugares estratégicos justamente por revelarem elementos regionais que pudessem
interferir na potica imperial e depois na da República Velha. A partir dessas
perspectivas, e valorização desses elementos regionais foi que os irmãos Borba e o
general Muricy realizam suas viagens, que eram de caráter regional, mas passavam a ter
um significado nacional.
Curioso é que ao mesmo tempo em que o IHGB, ou melhor, que os
representantes do instituto estavam preocupados em difundir uma História Nacional,
houve uma grande “invasãode viajantes estrangeiros interessados em pesquisar sobre
54
GUIMARAES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e Projeto de uma História nacional. In: Estudos Históricos. No. 1, Rio de Janeiro,
1988: p. 09-10.
46
rios aspectos das terras brasileiras, e são justamente esses viajantes que o
incorporar nas páginas da Revista do IHGB, “relatos como de Saint Hilaire e Thomas
Bigg Wither, [que] são desde então, referências constantes quanto à aquisição e
produção de conhecimento sobre o país
55
.
O IHGB constituiu, assim, uma maneira estratégica de pensar uma identidade
para o Brasil, e ao mesmo tempo, por meio de sua revista, mostravam preocupação em
divulgar o Brasil. Dessa forma, algumas questões que estavam presentes nos relatos dos
viajantes citados acima apontam nessa direção, como a defesa das fronteiras. Havia
também, repetimos a preocupação em povoar os sertões do Brasil, desconsiderando as
populações indígenas como se estes mesmos não existissem enquanto possibilidades de
ocupação. Sabe-se que o IHGB tinha por objetivo escrever a História do Brasil, e que
esse escrever estava pautado na história das suas elites, e, portanto, pautado numa
tradição européia. A própria revista do IGHB publicou ao longo de sua trajetória no
século XIX relatos de viagem, com olhar elitista voltado apenas para a conquista do
espaço “inabitado”. Como destaca Guimarães:
E portanto, a tarefa de pensar o Brasil segundo os postulados próprios
de uma história comprometida com o desvendamento do processo de
gênese da Nação que se entregam os letrados reunidos em torno do
IHGB. A fisionomia esboçada para a nação brasileira e que a
historiografia do IHGB cuidara de reforçar visa a produzir uma
homogeneização da visão de Brasil no interior das elites brasileiras.
56
Somente em 1899, então, foi fundado, realmente, o Instituto Hisrico
Geográfico do Paraná, estimulado por Romário Martins
57
, e somente em 1948 o
Instituto passou a se chamar Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná,
mostrando de forma muito clara a preocupação com as fronteiras e com a população
indígena. Isso estava de acordo com a própria posição do IHGB, pois, conforme aponta
Guimarães a partir de uma análise realizada sobre os conteúdos abordados na Revista do
55
DENIPOTI, Cláudio. Op. Cit. . P. 02.
56
GUIMARAES, Manoel Luís Salgado. Op. Cit. p. 6.
57
Romário Martins publicou um livro chamado História do Paraná e incentivou a fundação de um
Instituto Histórico e Geográfico do Paraná nos moldes do Instituto Nacional. Este novo instituto teria
como objetivo “coligir, estudar, publicar, e arquivar os documentos que servissem à historiografia do
Paraná , promovendo a difusão do seu conhecimento pela imprensa e pela tribuna. Foram fundadores do
Instituto Histórico e Geográfico do Paraná: Romário Martins, José Bernardinho Bormann, Sebastião
Paraná, Cândido de Abreu, Emiliano Pernetta, Dario Velloso, Júlio Pernetta, Nestor de Castro, Ermelino
de Agostinho de Leão, Manuel Ferreira Correia , Lúcio Pereira, Jocelim Borba, JoMuricy, Camilo
Vansolini, Luiz Tonisse e Bento Fernandes de Barros. p.217 (Dicionário histórico biográfico do
Paraná).
47
IHGB, essas temáticas chegavam a ocupar aproximadamente 73% do que era publicado,
quer em termos de fontes, quer em termos de artigos e trabalhos sobre “a problemática
indígena, as viagens e explorações científicas e o debate da história regional”, o que
atesta o peso deste complexo temático no projeto de escrita da história nacional”
58
.
Questões indígenas ocupavam um espaço de destaque nos relatos de viagem, visto que
faziam parte das discussões que envolviam as relações políticas, sociais e econômicas,
uma vez que este tema se colocava como primordial na discussão sobre a construção da
nação como um processo civilizador.
Nesse sentido, as viagens empreendidas por Nestor Borba e Telêmaco Borba
obedecem a um roteiro que percorre a região norte da província até a fronteira oeste. Da
mesma forma o General Muricy faz a rota do centro da Província até Foz do Iguaçu.
Destacava-se nessa ação proposta para a viagem a possibilidade de construção de uma
ponte que ligasse o Paraná ao Mato Grosso do Sul, bem como a valorizão de algumas
questões fronteiriças e de controle das populações indígenas, por meio da visita à
colônia militar de Foz do Iguaçu e à Colônia Militar de Jat.
Além disso, torna-se impossível pensar a própria construção da historiografia
paranaense fora dessa definição do próprio imrio. O Paraná, na metade do século
XIX, quando da sua emancipação como província, era considerado atrasado em relação
ao progresso das outras regiões principalmente pela falta de estradas e caminhos que o
pudessem ligar às demais partes do Brasil. A partir de 1853, portanto, colocava-se a
necessidade de definir suas fronteiras e desbravar os seres e construir caminhos. Não
eram suficientes as ações dos viajantes que percorreram os sertões paranaenses desde o
século XVI, tornando-se necessária uma ação mais efetiva nesse sentido por parte do
próprio governo provincial. Nesse sentido situamos as expedições dos militares que
citamos.
A partir da segunda metade do século XIX o objetivo do próprio império passou
a ser explorar os sertões meridionais, o que incluía o Paraná; havia, portanto a
necessidade de “desbravar os sertões”, reconhecer fronteiras, até porque entre 1865 a
1870, na guerra contra o Paraguai, o Brasil se viu, enquanto Estado, ante a necessidade
de consolidar seus territórios poticos e geográficos. Nesse sentido, travou-se uma luta
em defesa do espaço territorial, dando ênfase a uma potica de conquista de seus
58
GUIMARAES, Manoel Luís Salgado. Op. Cit., p. 20.
48
próprios terririos, uma vez que fronteiras que até então não haviam sido totalmente
definidas.
Os relatos provinciais nos ajudam a pensar um pouco da história que não está
muito presente nos manuais e nos livros didáticos, principalmente nos mais tradicionais.
Pensar os relatos dentro de suas especificidades e procurar interpretá-los torna-se uma
forma de discutir a história por outro viés, e até por outro caminho: perceber que
podemos enxergar a história não somente pelos acontecimentos políticos, mas
considerar a importância desses outros documentos que deixam entrever disputas e
convergências. Não quero deixar a idéia de que os viajantes são heróis ou
desbravadores, como muitas vezes são apresentados nas páginas da história oficial, mas
que eles mostram que o Paraná pode ser entendido fora dos limites do tropeirismo, das
colonizadoras, da falta de uma identidade ou pelo próprio movimento paranista, mas
que, ao mesmo tempo, pode ser entendido como uma região diferenciada, aos olhos de
Nestor Borba, Muricy e Bigg Wither. As narrativas revelam um pouco dos viajantes, ou
um pouco da memória desses viajantes, daquilo que eles viram ou imaginaram ver, e da
relação deles com a sociedade, com os mecanismos de poder. Destaco, nos relatos dos
militares, algo como um sentimento de “nacionalismo”, em um país “privilegiado pela
natureza” e é claro a natureza também faz parte da nossa discussão enquanto uma
possibilidade de ascensão territorial, social e potica. Mas, o que nos interessa é um
pouco da memória desses viajantes oferecendo novas perspectivas sobre o Paraná, nas
entrelinhas dos relatos. Segundo Claudio DeNipoti:
...boa parte desses relatos, ao menos daqueles sobre novas terras,
reflete uma atitude de encantamento para com a natureza, ao mesmo
tempo que tenta ver formas de civilizá-la. Aliás, embora esses relatos
buscassem descrever povos e terras a outros povos em outras terras,
hoje, para o historiador, eles dizem mais sobre a cultura e a sociedade
dos escritores/ viajantes, que sobre aquelas que eles buscavam
descrever.
59
Nesse caso, DeNipoti destaca uma importante discussão para nós historiadores e
demais pesquisadores, pensar nos relatos de viagem não somente como fontes
documentais de uma determinada região, mas como elemento denunciador das
características de cada viajante, o que nos indica a necessidade de uma interpretação
mais detalhada dos relatos.
59
DENIPOTI, Cláudio. Op. Cit. p. 2.
49
Antes de adentrar na descrição da viagem vale ressaltar que analisamos o viajante
e os relatos em sua individualidade, pois “o olhar, sabemos, o descansa sobre o plano
amplo e espraiado que define um horizonte, mas procura barreiras e limites, perscruta
suas diferenças e vazios... assim o olhar se embrenha pelas frestas do mundo na
investigação dos obstáculos”
60
. A questão é que as narrativas inserem-se em um campo
de possibilidades, em que cabe ao historiador desvendar os elementos tão significativos
para a História, ou seja, com o exercício do olhar que os viajantes apresentam suas
descrições. E é com esse mesmo olhar que devemos encontrar na origem das brechas o
sentido desses documentos, podem ser entendidos no sentido segundo, Merleau Ponty,
do “escoamento do inesgotável do tempo”.
Nesse sentido, partimos para alise e compreensão dessas fontes, no que
significam uma forma de entendermos as experiências de estranhamentos e o efeito do
distanciamento entre nós e o momento em que estas fontes foram produzidas, e também
sobre o distanciamento entre o viajante e o lugar de onde ele está falando, ou com
relação às populações com que entra em contato. Embora essas fontes expressem seu
caráter político, também está implícito o caráter pessoal de cada viajante, e isso é algo
que não deve ser desconsiderado, pois estamos lidando com o que eles escreveram, com
o que consideraram importante, o que significa ser uma parte do todo, não o todo. Isso
sem esquecer que os viajantes dos quais estamos falando não o são por opção, mas estão
ligados a uma rede de poder, como as suas relações com o Instituto Histórico
Geográfico Paranaense e o Museu Paranaense.
Conforme Cardoso, a experiências das viagens é “freqüentemente atribuída à
simples estranheza do entorno em que localiza o viajante, a sua posição em um meio
adverso, cuja oposição, separação e „distância‟ relativamente ao seu universo próprio o
fariam sentir-se „deslocado‟ ou „fora do lugar‟
61
. É pertinente o posicionamento desse
autor, pois nos ajuda a pensar como podemos perceber essas relações de distância e
deslocamento nas narrativas, e ao mesmo tempo entende suas especificidade e sua
contribuição para a historiografia, considerando o viajante em seu contexto social e o
momento histórico em que teceu suas narrativas. O viajante se imbrica na grandeza do
que enxerga, o que não significa que seja aquilo mesmo que ele descreve. Nesse
sentido, ao perceber as viagens no tempo em que foram produzidas, isso leva ao
60
CARDOSO, Sérgio. O Olhar Viajante (Do Etnólogo). In: NOVAES, Adauto...{ET AL}. O Olhar. São
Paulo Companhia das Letras, 1988. p. 358-359.
61
Idem, ibidem, p. 359.
50
seguinte questionamento: o que realmente nos revela a experiência desses viajantes? E
qual sua contribuição para a historiografia?
2.1 Nestor Borba: Excursão ao Salto de Guayra ou Sete Quedas - 1876
A viagem intitulada “Excursão ao Salto de Guayra ou Sete Quedas”, como
salientamos, foi realizada no final de 1875 e no início de 1876. Percorrendo por terra o
caminho entre Curitiba e a colônia militar de Jataí, localizada próxima aos limites do
município de Tibagi, seguiram de canoa, percorrendo os rios Tibagi, Ivaí,
Paranapanema e Paraná, até as Sete Quedas.
Nestor Borba revela grande anseio de conhecer a região das Sete Quedas, e
revela que conhecia os escritos de Felix Azara e de comissários portugueses, que
percorreram essas regiões a fim de demarcar limites entre o Brasil e as possessões
espanholas, “mas que, incompleta, não satisfaziam nossa curiosidade”, o que o
impulsionava a verificar o que havia de verdadeiro a esse respeito. Logo no início do
relato, conta que comunicou o desejo de realizar a viagem “ao Exm. Sr. Dr. Adolpho
Lamenha Lins, presidente da Província e Dr. Torinho, diretor da estrada de Matto
Grosso
62
. A partir desse momento Nestor Borba vai caracterizar os companheiros de
viagem, os instrumentos que levaram para efetuarem pesquisas e conhecer a região que
segundo ele ainda era desconhecida, destacando que levaram, além do pantômetro, uma
câmara” escura para tomar vistas”.
A descrão segue falando das características do rio Paraná e os tormentos que
uma viagem deste segmento podem causar aos seus viajantes, chuva, ventos fortes,
correntezas. Esses obstáculos fazem o próprio viajante se auto-intitular como herói. Para
ele não era possível realizar a viagem da maneira como se imaginava, e algumas
paradas são importantes até mesmo para conhecer a região em que está viajando. No
decorrer da viagem, seguindo as margens do Rio Paraná, Nestor Borba e seus
companheiros passaram por uma região onde deságua o rio Itaquarahy e encontraram
por ali umas ruínas de grande povoação:
descrevemos para aqui o que a respeito descrevemos na nossa carteira
de apontamentos ...Logo que cheguei ao Itaquarahy onde pretendia
62
BORBA, Nestor. Op. Cit. p.21.
51
almoçar, entrei no mato levando espingarda para caçar mutuns, que
havia em abundância; a poucos passos encontrei as ruínas de uma
povoação, conhecerem se estas pelos montes de terras, regularmente
alinhados; que com dificuldade se vêem por que nos lugares onde
forma povoações, a floresta é o espessa, como em outra qualquer
parte; em nenhuma das ruínas nas costas do Paraná e de seus afluentes,
que faziam da parte da província de Guayra, se viu vestígio algum de
construção de pedra e cal; seus edifícios ou eram de pao a pique
barreado, ou de taia...” E depois desta constatação fez a seguinte
refleo: “Será possível que lugares onde houve povoações
importantes; e que floresceram o commercio, a lavoura e a civilização ,
que possuíam vias de communicaçcão terrestre e fluviaes, seja
habitadas por selvagens e feras, e inteiramente desconhecidas?
63
É importante destacar o roteiro realizado para perceber os objetivos que
permeiam a expedão, tanto pela forma como expõe os aspectos de organização quanto
pela maneira como descreve o espaço geográfico. Sobre sua chegada ao rio Paraná,
Nestor Borba extasia com sua grandeza, visto que talvez nem todos estivessem
preparados para apreender seu significado. Destaca:
a primeira impressão, que sente-se ao comtemplal-o, é de espanto!Um
camarada que nos acompanhava, homem rude e naturalmente
insensível no admirar a natureza, depois de haver por alguns instantes,
de bocca aberta, contemplando o quadro que tinha diante de si, disse
com seu gesto, que lhe é familiar , e que exprime a maior admiração:-
“Eh! Pucha...Diabo!...
64
A partir deste momento, ele faz a descrição de toda a região próxima ao rio
Paraná e seus afluentes e sobre a grandiosidade dos saltos encontrados, bem como,
sobre a disposição do terreno em relação à iia de construir uma ponte. Realizaram
medições de várias espécies e de todos os lados na inteão de conhecer as
especificidades daquele trecho. Segundo ele “no caso de querer construir ahi uma ponte,
o se tem de calcular despesas com cabeceiras, porque estão ellas promptas,
offerecendo a solidez necessária e uma fórma original. Agora vamos ver se podemos
descrever o que encerra de belleza aquelle salto.
65
Para ele, a região, na grandeza e
beleza dos seus acidentes, pode ser vista também oferecendo lugares, procios para os
projetos voltados para a construção de pontes e ferrovias. Portanto, ao contemplar a
natureza ele intuía a possibilidade de um “progresso anunciado”.
63
Idem, ibidem, p.24.
64
Idem, ibidem, p. 25.
65
Idem, ibidem, p. 26.
52
Segundo a descrição, aproveitaram o tempo que tinham para conhecer as
características da região, e principalmente saber se havia por ali algum tipo de
povoação. Observando as terras próximas ao rio Paraná, Nestor Borba destaca:
Entramos no Piquiri, que tem 140 metros de largo, pouco mais, ou
menos, e 5 metros de fundo, e demora a légua e meia acima das Sete
Quedas. As margens deste formosíssimo rio o altas e de paredões de
grés vermelho; os terrenos adjacentes salubres e mui próprios para
agricultura entre-tropical; abundantíssimas em caça, e
extraordinariamente as suas águas. Saltamos em terra para almar e
ahi appareceram 22 índios coroados, que os jatahi chamam de cho rens
(homens bravos); os quais habitam em toda a região entre Piquiry e o
Iguassú, a que denominaram Paigueré. Significaram-nos todo seu
contentamento estes índios pela nossa presença naquelles lugares
instando comnosco para que fossemos residir entre elles fazendo
estabelecimentos , como os do Jatahy , visto não quererem elles mais
hostilizar-nos.
66
Como podemos perceber nos relatos acima, Nestor Borba descreve a natureza,
os rios, suas margens, a fauna e flora, e situa as populações indígenas entre esses fatores
"naturais”. A descrição que ele faz dos “selvagens” tem algumas analogias com a feita
por Caminha na Carta, séculos antes:
Esses selvagens andam inteiramente nus, e as mulheres cobrem a
cintura com um panno que chamam chiripá. De tudo se admira esta
pobre gente; tudo querem ver com uma curiosidade quasi infantil.
Manifestaram grande contetamento em nos ver, e como lhes
promettessemos ir habitar entre elles, instaram comnosco para si
construírem casas, affirmando-nos que tinham muito peixe e caça para
nos dar de comer. Demos-lhes os brindes, que levavamos com este
destino.
67
Por outro lado, seu olhar sobre a natureza é de espanto, frente à grandiosidade do
que enxerga, mas fica clara a impossibilidade de deixá-la como está”. Assim, destaca a
possibilidade de conhecer a natureza para poder “domesticá-la”, e faz o mesmo com os
índios: “adquirir-se conhecimento daquela grande zona de terrenos fertilíssimos, e atrair
aquelles selvagens à catechese”
68
. Fala sobre a natureza como uma forma estratégica
para falar de uma região que oferecia outras possibilidades, principalmente as questões
de fronteira. Quaisquer conflitos que pudessem existir com relação às populações
indígenas eram silenciados, pois o objetivo ao que parece, não é chamar atenção para
66
Idem, ibidem, p. 27.
67
Idem, ibidem, p. 28.
68
Idem, ibidem, p.28.
53
elementos negativos, mas para aspectos positivos que pudessem incentivar a vinda de
pessoas interessadas em “desbravar o sertão e gerar riquezas. Portanto, apesar da
existência de populações indígenas, essas seriam consideradas “povoadoras” na
presença de população branca na região.
Quando Nestor Borba descreve os tripulantes da viagem, destaca essa questão de
forma clara: organizada a mesma expedição que ficou composta de uma canoa grande,
carregada de mantimentos, e de uma menor para a caça, tripulada por dez camaradas,
sendo dous brazileiros e oito indivíduos Cayguás e Guaranys e mais dous coroados para
nos servirem de interpretes”
69
. Embora referindo-se a suas etnias específicas o índio
aparece como não-brasileiro, ou como ele acrescenta,“vamos levar na viagem
brasileiros e índios”, o viajante estabelece uma relação de estranhamento entre si e o
índio.
O índio era entendido como um elemento de apoio indispensável para a
realizão da expedição, uma vez que o maior objetivo de Nestor Borba era realizar o
reconhecimento do terririo entendido até então como “desconhecido”, pelo menos em
partes este ainda era um espaço a ser desbravado. Nestor Borba havia convidado seu
irmão Telêmaco Borba para participar da viagem, visto que este último tinha larga
experiência em viagens e já trabalhava na catequizão dos índios no Aldeamento de
São Pedro de Alntara.
Mesmo que a viagem não tivesse esses objetivos, Nestor Borba não deixa de ter
preocupações com a arqueologia do local. De sua vinculação ao instituto histórico narra
que entrando na mata para caçar mutuns, encontrou “as ruínas de uma povoaçãoque
percebeu pelo “montes de terra, regularmente alinhado. Percorreu o lugar certo de que
passava por “ruas e ruínas, no meio da deusa mata, para em seguida se perguntar:
Será possível que lugares onde houve povoações importantes; e que floresceram o
commercio, a lavoura e a civilização terrestre e fluviais , seja habitadas por selvagens
(sic) e feras inteiramente desconhecidas ?
70
.
Dessa forma, o olhar sobre a natureza não se distancia da visão de civilização
(passado ou futuro). As glórias de um passado podem repetir-se, e as possibilidades de
uma civilização anterior contrastam com o meio natural, composta pela floresta e seus
habitantes (animais e “selvagens”).
69
Idem, ibidem, p.22.
70
Idem, ibidem, p.24.
54
O relato de Nestor Borba foi republicado num folheto pela Casa Mont‟Alverne
no Rio de Janeiro em 1897, no período republicano. Constava dele então um prefácio
anônimo, enunciado na capa do folheto como sendo de amigo do Paraná”, seguido
pelas “Notas e Considerações Gerais pelo Engenheiro inglês André Rebouças”. Assim,
o texto de Nestor Borba, “atualizado” pelas inserções feitas na publicação, ganha um
novo sentido. O prefaciador, em primeiro lugar, estabelece uma continuidade entre
Império e República no que diz respeito ao Paraná para justificar a publicação:
O Paraná no que se respeita aos benefícios e melhoramentos, foi
sempre favorecido pelo Império e modernamente o governo da
República emprestou-lhe duas mil apólices da dívida pública de conto
de réis cada uma, com o fim do estado organizar as suas finanças.
71
Destacando que o Paraná é um dos “mais favorecidos pela natureza” em função
do clima e das riquezas naturais; destaca o empecilho ao progresso:
O Paraná, como geralmente o Brazil, é embaraçado no
desenvolvimento do progresso pelo atrazo. Devido à falta de
população, que possa rotear os campos e activar-lhe a produção...
Resulta desse estado de atrazo que ainda o Paraná não possue uma certa
classe de homens, bem preparados com a instrucção especial e
experiências dos negócios, para desempenhar certos misters, quer de
ordem pública quer de ordem industrial,etc.
72
Ou seja, retomava-se a idéia de “civilizar” para “ficar em pé de igualdade com a
Europa no que se refere ao cotidiano, economia, idéias liberais etc.”
73
, e isto seria
privilegiado nas décadas posteriores.
Segundo a data da primeira publicão de 1876, Borba apresenta questões sobre
o reconhecimento do território paranaense diante do cenário nacional, a preocupação
com a nacionalização das terras, e o próprio interesse em estabelecer comunicação com
a população indígena, isso no período do Império. o prefaciador se refere
primeiramente à situação do índio no Paraná, ressaltando a situação dos índios
“botecudos” (botocudos):
...pode-se admitir que, à excepção de dous pontos no Para e em
Santa Catarina, onde existem alguns grupos de selvagens botecudos, os
quais fugiram das margens do Mucury quando alli a collonia de
alemães foi estabelecida pelos esforços do honrado e exemplar patriota
Theophilo Ottoni 1849 a 1850 e seguiram a serra do mar a Santa
71
Prefácio, MONUMENTA: Segunda série; Curitiba, Volume 1, Número 4 Primavera, 1998. p.14.
72
Idem, ibidem, 14.
73
HERSCHMANN, Micael M. e PEREIRA, Carlos Alberto Messender. A invenção do Brasil Moderno.
Medicina, educação e engenharia nos anos 20 e 30. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.
55
Catarina entre o Rio Negro e as cabeceiras de Itajahy, todos os
indígenas coroados , Guaranys e Cayoás estão no Paraná, mansos e
domesticados, conforme por lá mesmo se diz.
74
Segundo o prefaciador, os índios botocudos fugiram da região do Rio Mucury,
em Minas Gerais, para Santa Catarina, mas o detalhe é que esses índios foram expulsos
por serem considerados os índios mais ferozes dessas regiões. Por outro lado ele fala
sobre a situação dos índios Coroados, Guaranys e Cayoás, que viveram no Paraná
“mansos e domesticados”. Nesse momento, o prefaciador alguns indicativos de que
essa população foi civilizada, porém a catequese o foi suficiente para torná-los
trabalhadores de fato, ele destaca da seguinte forma: “nós, que muito desejamos ter o
Paraná prospero e felliz, lamentamos o abandono e descuido completo dos infellizes
indígenas, que são os legítimos brazileiros, nascidos do solo, os quaes, d‟este muitos
annos mansos, podem ser vantajosamente aproveitados em serviços úteis”
75
. Esta
preocupação com o aproveitamento do trabalho indígena aparece como forma de fazer
prosperar o Paraná, vem ao encontro do incentivo que este prefaciador faz em relação à
imigração, como possibilidade de transformação da província.
A proposta da imigração aparece muito forte neste prefácio, e não é uma
preocupação de Borba, mas a relação que estabelecemos é no sentido de pensar questões
como ocupação e nacionalização das terras. Enquanto Borba pensa no conhecimento
dos rios e das regiões que pretende conhecer e levar isso até a administração da
província, este prefaciador está pensando em como a imigração pode contribuir para o
desenvolvimento da região, pois:
a porção de indígenas, com quanto possa augmentar a população
existente, de certo não é suficiente para cultivar e habitar tão extenso
território; segundo porque a immigração é muito conveniente sob
vários pontos de vista, para augmentar e cruzar a raça e melhoral-a
no intelectual, já porque os immigrantes trazem o ensino das indústrias
e cultura de paizes antigamente civilizados.
76
A maior preocupação do prefaciador é com o branqueamento do povo
paranaense, a proposta do “índio branqueado”, integralizando-o na civilização do
branco, em uma sociedade mais ampla, pois dessa forma o indígena iria desaparecendo
74
Prefácio, MONUMENTA: Segunda série; Curitiba, Volume 1, Número 4 Primavera, 1998, p.15.
75
Prefácio....p.15
76
Prefácio, p.16.
56
e sendo inserido na sociedade, perdendo suas principais características e sendo
transformado em índio trabalhador, domesticado, civilizado.
De certa forma, o interesse pelo desenvolvimento do Paraná tem relação com as
outras províncias, mas por outro lado representa uma justificativa para as expedições
militares na segunda metade do século XIX. Nesse sentido, as expedições militares
podem ser entendidas como uma campanha em busca de riqueza, camuflado pelo sonho
de progresso, deixar de ser considerado um local lembrado pelo atraso, mas que atraso?
Em que sentido os historiadores entendemos esse conceito? É muito relativo falar de
atraso, justamente no momento em que precisa defender as fronteiras territoriais desse
espaço, pois se podemos assim dizer, essas fronteiras não eram ameaçadas somente por
argentinos, paraguaios e uruguaios, pela comercialização da erva-mate e da madeira,
mas ameaçados pelos conflitos com as populações indígenas.
Havia uma elite disposta a povoar o Paraná lamentando a vida que levava o
índio e como ele era “primitivo” o que justificava a iia de civilizá-lo, e torná-lo
trabalhador, de acordo com a proposta do branqueamento da população por meio da
miscigenação. O imigrante traz consigo o conhecimento da disciplina do trabalho, e o
cruzamento da raça faria com que o índio aos poucos fosse adquirindo outras
características predominante do branco. A questão indígena é pertinente nos relatos e
merece destaque, como veremos posteriormente.
Como podemos observar, as questões que se fazem presente com mais
intensidade no relato de Nestor Borba estão referindo-se ao reconhecimento do espaço
por meio de medições e pela forma como exe o índio. A partir daqui vamos ressaltar
aspectos sobre a viagem de Muricy e quais as contradições e diferenças que divergem os
relatos dos dois militares, datados de períodos diferentes.
2.2 José Cândido da Silva Muricy: Viagem À Foz do Iguassú - Ligeira Descripção
de uma viagem feita de Guarapuava à Colônia da Foz do Iguassú em Novembro de
1892.
O motivo ao qual levou o General José Cândido da Silva Muricy, a realizar a
expedição até a Colônia, estava paralelamente relacionado com as questões da
57
Comissão Estratégica do Paraná, que estava preocupada com a abertura de picadas no
sertão paranaense, como podemos analisar abaixo:
Forçado pelas exigências do serviço da Commissão Estratégica no
Paraná, da qual faamos parte, a de empreender a penosíssima viagem
à colônia da Foz do Iguassú, atravez de aspérrimo sertão, o maior e o
mais bruto do nosso Estado, tivemos a felicidade de fazer algumas
observações, que desejamos se tornem conhecidas dos nossos patrícios,
pois elles, mais do que ninguem, interessam.
77
A expedição foi empreendida por solicitação da Comissão de Estradas
Estratégicas, a fim de supervisionar um grupo de trabalhadores (civis e militares), que
estavam incumbidos de abrir picadas que ligassem o sertão paranaense à rego dos
Campos Gerais. O dever dessa comissão era manter bem abertas as estradas que
ligassem a colônia militar, visto que sua fundação foi efetivada em 1892, e o objetivo
era manter a ordem e tornar este empreendimento um sucesso para o Estado do Paraná.
Gilmar Arruda ressalta que “as ações de (re) ocupação dos denominados sertões eram
motivadas pelo imaginário de um processo mais amplo que atingia toda a sociedade
brasileira: a montagem do “estado-nação moderno”
78
, e o relato se identifica por meio
de sua ação integradora a partir de seu próprio território, uma vez que suas ações são
traduzidas a partir do desenvolvimento da força militar, promovendo também novas
possibilidades de inserção social do índio. Não apenas o reconhecimento de um sertão
desconhecido, mas a definição de limites e caminhos, afirmação do terririo a partir da
viagem atrelada aos objetivos da Comissão Estratégica:
A cargo da Commissão Estratica, entre outros trabalhos, estando a
fundação de uma Colônia Militar na foz do Rio Iguassú, foi encarregado
desta penosa e árdua missão, o inteligente e ilustrado Dr. José Joaquim
Firmino, que conseguio desempenhal-a do modo o mais satisfatório possível,
tendo passado por privações e por provações extremas, n‟sses enormes e
inóspitos sertões .
Muricy refere-se à região oeste como sertão, porém este sertão já não é mais um
sertão vazio; ele fala de uma região em que houve o reconhecimento pelo homem, pois
a viagem é realizada pela Estrada Estratégica, que estabelece ligação entre a colônia
militar de Foz do Iguaçu e a cidade de Guarapuava. Ele destaca a necessidade de uma
estruturação dessa região, justamente porque a preocupação maior é com a fronteira,
77
MURICY, José Cândido da Silva. “Ligeira Descripção... Op. Cit. p.47.
78
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões: entre a história e a memória. Bauru, SP: Edusc, 2000.p. 99-100.
58
construção de estradas, ferrovias, telégrafos, etc. Podemos compreender melhor essas
questões com o auxilio de Laura Maciel:
Compreendendo o sertão do país como um vasto espaço vazio, em
branco, habitado por populações ainda “arredias à civilização”, que
representavam barreiras ou limites ao avanço da República, os
engenheiros militares ligados à Comissão Rondon defendiam a
necessidade de ocupar esses espaços e dilatar as “fronteiras da Pátria”
como um dever do estado a ser conduzido pelo exército as forças
armadas da nação.
79
A Comissão Rondon tinha por principal preocupação a incorporação de
terririos, demonstrando a necessidade de manter o controle sobre a população nas
regiões de fronteira, sob o lema da “conquista pelo sertão”. Assim, como o telégrafo e
as ferrovias eram objetivos de Rondon, para Muricy a Estrada Estratégica era a
princípio a melhor forma de estabelecer comunicação entre o centro do estado e a
colônia militar, justamente para levar a autoridade governamental a todo o território
paranaense. O que ele estava propondo também era a nacionalização das terras
paranaenses, agora pela presença da força militar.
Muricy atribui à natureza um papel de destaque, e segue o relato abordando as
características de todo o caminho por onde passa, falando sobre o posto de Catanduvas,
que foi construído com o propósito de socorrer trabalhadores, viajantes e a própria
colônia se houvesse necessidade. ali a presença de índios Cayuás, pois estes servem
de guia para viajantes e autoridades governamentais para conhecer lugares que ainda
o são habitados pelo branco:
Estes índios, originários do Paraguay, segundo colligimos, donde fugiram
para evitar a perseguição do general Escobar, que primeiro chegou a Tacuru-
Puçu, entranharam-se nos nossos sertões, e ate agora alli tem vivido, mas
muitos reduzidos já, pela cruel guerra que lhes movem os tigres e coroados.
80
É importante analisarmos a preocupação de Muricy em descrever o índio, a
partir de suas especificidades, suas tradições e costumes, sujeitando-se a relações de
amizade para “conquistar” a confiança dessa população, e assim por dizer estabelecer os
objetivos de civilizar e domesticá-lo:
79
MACIEL, Laura Antunes. A Comissão Rondon e a Conquista Ordenada dos Sertões: espaço, telégrafo
e civilização. Projeto História: São Paulo (1981)- São Paulo: EDUSC, 18. maio. 1981.p.168.
80
Coroados: “sua verdadeira denominação é Caigangs, matam os homens para roubarem suas mulheres,
que acham muito bonitas”. (48). MURICY, José Cândido da Silva. “Ligeira Descripção... Op. Cit. p.48.
59
Em estado selvagem que nesses sertões vestem-se com chiripás, tecidos com
fibras de urtiga selvagem que n‟esses sertões atingem a propoões de
arvores, a imitação dos índios Chiripás do Paraguay, ou com um cinto do
mesmo tecido,com uma facha, que, passando por entre as pernas, vae se
prender outra vez no cinto atraz, como usam os índios Caiguás do Paraguay.
Adoptam a polygamia, podendo cada índio ter 5,6 ou mais mulheres, sendo as
meninas ao nasceram, designadas para mulheres, d‟estes ou daqules, que as
criam até a puberdade, que é quando passam a ser mulheres. As mulheres,
desde que ficam grávidas e até 1 ou 2 annos depois de nascimento do filho,
desligam-se dos maridos. Respeitam religiosamente os parentescos de pais e
irmãos e o princípio da autoridade, representado por chefe, a quem chamam
Guruvicha e que então era o muito digno Major Paraná (tucandahy)”.
81
Em outro momento do relato, descreve a passagem do tenente Pessoa de Mello,
em uma aldeia indígena, para conhecer as tradições indígenas, praticando os costumes a
fim de catequizá-los “foi sujeitando-se a estas e outras demonstrações de amizade dos
índios e até com elles comendo o tambu ou bucu, que este humanitário e distintíssimo
collega conseguio cathechisal-os. Trabalhavam esses índios para a Commissão,
ganhando em troca roupa, fumo e alimentação, único pagamento que aceitam, porque o
dinheiro para elles não tem valor”
82
. Essa é a perspectiva interessante do viajante, uma
vez que primeiro ele destaca a experiência do tenente Pessoa de Mello em inserir-se na
tribo, e depois salienta o fato dos índios trabalharem e não aceitarem dinheiro. Essas
questões sobre a necessidade de conquistar o nativo demonstram os objetivos de
proteger as fronteiras do país, pois a construção de uma colônia militar está relacionada
com o fato de delimitar a fronteira, e (re) ocupar o espaço habitado pelos índios.
José Cândido da Silva Muricy, por outro lado, não era somente um viajante, mas
antes disso era capitão, um militar, tinha ligação direta com a fundação do Museu
Paranaense, e estava atrelado à elite paranaense, e fazia parte dessa elite; havia
participado do golpe militar que derrubou o Império. Sendo assim, é característico do
militar o fator dominante e de interferir no espaço que se pretende “conquistar” ou
dominar.
Mais à frente o viajante descreve algumas características do Oeste do Paraná:
As terras como, dissemos, cobertas por uma vegetação abundante o de uma
uberdade assombrosa, e desde que se entra no sertão a que se chega ao
majestoso Paraná, se é forçado a admirar a riquíssima flora, e a invejável
fauna dessas regiões , que são a continuação, para o sul dos sertões dos valles
do Paranapanema, Ivahy, Piquiry, Cinzas e outros e que constituem a zona
81
Idem, ibidem, p.48 e 49.
82
Idem, ibidem, p.49.
60
mais rica, mais fértil e de mais futuro de todo o Paraná e, sem receio de errar,
do sul da Republica Brazileira .
O pinho, que abunda nas restingas e matto próximos aos campos (sic), quase
desapparece no sertão, encontrando se um ou outro, perdido no meio dessas
florestas seculares onde a peroba-rosa, o cedro, o monjolo, a cannafistula e
muitas outras, erguem seus robustos troncos, fazendo-lhes vantajosa
concurrencia, na grossura e na altura.
A enorme e variada quantidade de plantas medicinaes que existi em todo o
Brazil e que por suas propriedades deviam merecer um serio exame, um
detido estudo, deixa-nos admirado pelo grande desenvolvimento que
adquirem nessas ferteis regiões.
A mineralogia é tão bem representada como a botânica e a zoologia. Por entre
o Diolaze ou Diorito que constitue a parte rochosa de quasi todo o Estado do
Paraná, encontra-se pelo caminho e suas proximidades o cobre e o ferro , sob
a forma de oxydos, ou no estado nativo, escravando nas pedras, nos rolados
dos terrenos de alluvião e nos leitos dos rios.
83
Ponto comum nos dois relatos é o elemento natureza, que sempre é
usado como um pano de fundo para falar das qualidades das regiões visitadas. A
natureza no século XIX tem papel de destaque nas descrições, justamente por se dar
muita ênfase na busca pelos sertões. Na verdade, a natureza aparece como possibilidade
de nacionalização das terras e administrar as populações, civilizar o sertão e ao mesmo
tempo defender as fronteiras, lutando contra a “guerra do atraso”. Dessa forma,
podemos entender os relatos como memória construída, e os elementos naturais é a
solução para justificar essa construção e alinhar aos outros objetivos. Além da natureza,
os índios, às vezes denominados selvagens, e tamm de bugres “– bugres affirmavam a
existência do ouro, da prata e de pedras preciosas, nos leitos dos rios”
84
, - também terá
um forte interesse para o viajante a descoberta de riquezas e pedras preciosas na região
oeste do estado. E, ainda se referindo às riquezas do estado, para Muricy:
quantos produtos, quão variada quantidade de insetos e plantas
poderiam figurar em nossos museus, si o governo os quizesse auxiliar
convenientimente, e se ellas adoptassem o systema do de La Plata , que
apesar dos poucos annos que tem de existência, pois foi creado em
1884, possue rendas próprias, de oficinas impressoras e photographicas
etc...
85
Aqui o viajante esta falando do descaso do governo em relação ao museu
paranaense, que poderia ser muito mais estruturado se houvesse organização de um
83
Idem, ibidem, p. 50 e 52.
84
Idem, ibidem, p. 52.
85
Idem, ibidem, p. 52.
61
diretor responsável e comprometido com essa questão. Ao mesmo tempo, está
chamando a atenção do governo para outras questões, usando como enfoque a natureza:
o Museu pode ser entendido aqui como uma abertura para outras discussões, como a
atitude preservacionista a partir da construção de coleções representando a fauna e a
flora.
Muricy descreve a fauna e a flora, destaca a elaboração da representação da
natureza, a partir de características especificas. A descrição deste lugar vem carregada
de muitos significados, e às vezes a descrição não fala por si . Aparecem casos de
animais selvagens que roubam filhos de suas mães, como também o destaque de que
anta, porco do mato, e tatêtos (?) encontravam-se em abundância por todo o caminho
que descreve, e próximos aos rios grandes quantidades de pacas, capivaras, bandos de
macacos, bugios, quatis entre outros. E um ponto que Muricy destaca é o fato desses
animais serem perseguidos por tigres e índios, havendo bandos em grandes quantidades
e não muito ariscos. Como foi dito, havia por essa região uma grande quantidade de
tigres, em quase todo o sertão paranaense e:
nos índios Cays, de que falamos, salvo pequenas excepções, pode-
se garantir que todas as mortes que tem havido, provieram dos
coroados, seus ferozes inimigos e dos tigres principalmente, que tem
chegado a roubar creanças dos braços de suas mães, sentadas ao redor
do fogo, dentro dos toldos e no meio dos outros índios. Na colônia
militar da Foz, há um bugrinho Cayuá, filho do guruvícha Paraque
apresenta no corpo horrorosas cicatrizes de feridas produzidas por meio
de um tigre, que tentou tira-lo dos braços de sua mãe, nas condições
acima ditas e que foi morto a pau e a flechadas , pelo próprio chefe
Paraná
86
.
Como dissemos, ao sahir-se de Guarapuava, para Foz do Igasssú,
segue- se o rumo geral de Leste Oeste, atravessando-se os campos de
diversas fazendas e algumas restingas, ao Xagú. Este lugar foi uma
antiga fazenda, muito perseguida pelos bugres coroados, que
capitaneados pelo major-coronel, seu antigo chefe, substituído pelo
major-coronel, seu antigo chefe, substituído pelo seu, Jong-Yhô
mataram onze pessoas de uma só vez e na mesma casa. Quando por alli
passamos era um posto da Commissão Estratégica, com um deposito de
gêneros creado para socorrer as turmas do Pequery, os empregados da
commissão em viagem e também a própria colônia do Igaussú. Tinha
animaes para o reveso dos viajantes e das tropas, uma boa casa para o
encarregado, mangueiras, etc.
87
86
Idem, ibidem, p 55.
87
Idem, ibidem, p 58.
62
Ao mesmo tempo em que descreve os animais, também ressalva os conflitos
indígenas entre diferentes tribos, ou seja, o índio é mostrado por Muricy pelo prisma do
conflito. O posto da Comissão Estratégica tem o objetivo de estabelecer a ordem, em
que o maior problema é a natureza e o território. A viagem está relacionada à tentativa
de defender as instalações da Colônia Militar de Foz do Iguaçu na região onde hoje
conhecemos por oeste do Paraná, a fim de proteger as fronteiras territoriais do Paraná e
promover povoamento. Porém, havia dois problemas: um estava relacionado ao fato da
colônia estar localizada em uma rego longe dos centros urbanos, tornando o acesso
extremamente difícil. O outro, é que a colônia foi fundada no final do século XIX,
período de transição potica de Império para República. O que explica o ato de realizar
a expedição, ou seja, a necessidade de valorizar as terras paranaenses, e também o fato
de Muricy se preocupar em descrever a terra, a natureza, o índio e a situação econômica
do estado, como por exemplo, a desvalorização do dinheiro brasileiro.
Nesse sentido, o autor fala sobre elementos mais específicos da expedição, em
relação a si próprio, ou seja, é uma forma do viajante se colocar como desbravador,
corajoso. Enaltece os momentos de gloria e de dificuldades “será extenso e fastidioso
enumerar as peripécias d‟esta viagem à Foz do Iguassú”
88
. O fato é que Muricy fala
sobre o dinheiro que a Comissão Estratégica enviou para realizar a viagem, segundo ele
o dinheiro brasileiro valia muito menos que o paraguaio e o argentino. Nesse caso,
percebe-se que a Comissão não conseguia mandar dinheiro para a colônia por que quase
o tinha para si mesma. Para Muricy:
Tal era a má vontade de todos, para essa Commissão, a qual o Para
tanto teve, que além de não lhe darem o dinheiro necessário, moviam-
lhe uma guerra surda, incomprehensivél. Fomos muitas vezes
portadores de dinheiro para a Commissão, que mal dava pra pagar as
despesas feitas, de modo que privava de trabalhadores civis. Ella era
obrigada a apresentar o trabalho que produziam pequenas turmas de
soldados, que assim mesmo por muitas vezes foram retirados, ficando
em sérios embaraços.
89
Nesse caso, ele chama a atenção do governo para as riquezas do Paraná, pois
possuem maravilhas da natureza incalculáveis, inexploradas pela falta de dinheiro, e
aqui a natureza é entendia como possibilidade pois para ele “é a colônia um dos pontos,
senão o ponto de mais futuro commercial, que o Brazil possue em suas fronteiras com o
88
Idem, ibidem, p. 59.
89
Idem, ibidem, p. 62.
63
Paraguay e Republica Argentina”. Era importante ter dinheiro para investir em
infraestrutura na região para seu possível desenvolvimento e também diálogo com
outros países vizinhos e, como propõe Muricy, estabelecer uma segura fiscalização em
suas costas. Para Muricy, após tomar algumas provincias a respeito desta questão
financeira e falta de recursos “temos certeza, será a colônia a rainha dessas paragens, e o
centro commercial mais importante de todo o Alto Paraná, assim como sentinella
sempre alerta, um obstáculo anteposto a inimigos prováveis”
90
.
Nesse sentido, essa preocupação de Muricy tem relação com os escritos do
prefaciador (citado acima), pois os objetivos desses militares têm um ponto comum:
chamar a atenção do governo para pontos estratégicos, e ao que tudo indica não há uma
administração responsável que se interesse pelos sertões do Paraná, para que tenha uma
administração comprometida com desenvolvimento do Paraná.
A chegada à colônia do Iguaçu, segundo Muricy, é a parte mais importante do
relato: “temos pressa de concluir, não só para não fatigar os leitores, com a leitura de tão
mal escriptas quão fastidiosas linhas, como para entrar na parte mais interessante de
toda a viagem e pela qual concluiremos”
91
. O relato faz uma descrão de toda a região
da colônia militar desde a fauna ate a flora, espessura dos rios, onde começa e termina
as fronteiras com o Paraguai e Argentina, características bem significativas do solo,
sempre ressaltando a iia de terra rtil e rica e acaba descrevendo impressões
psicológicas sobre as Cataratas do Iguaçu: “parece-nos que somos às vezes
violentamente sacudidos, que nos levamos sensivelmente do solo, ou que este foge
repentinamente de baixo dos nossos pés e que somos precipitados no abysmo
92
.
Esta parte do relato possui uma rica descrão de todos os saltos inclusive do
lado da Argentina. Acreditamos ao evidenciar com tamanha expressão os saltos, o relato
tenha a pretensão de seja de valorizar com rigor esta região do Paraná, já que nesta parte
do relato não está presente nenhuma descrição sobre a populão da colônia. Temos
aqui algo que propõe uma discussão pertinente para a pesquisa, perceber como o
viajante se coloca diante do novo, do desconhecido e como ele olha para fronteira seja
ela territorial, mas principalmente o que separa esse viajante do progresso e
desenvolvimento que está tão claro e tido em sua fala e em suas considerações a
90
Idem, ibidem, p. 65.
91
Idem, ibidem, p. 67.
92
Idem, ibidem, p. 76.
64
respeito de todo local dos saltos (aqui ele está se referindo aos de Santa Maria), pois
foram realizadas medições de todo o local. Qual interesse estava implícito nessa ão?
Pode ser considerada uma ação potica?
Muricy fala de outros viajantes que foram conhecer os saltos, mas conheceram
apenas o lado argentino e de tão longe que não conseguiram perceber a amplitude de
todos eles. Os que mais se aproximaram foram San Martin, fografo paraguaio e Jo
de Blosset. Ele termina o relato falando ainda dos saltos de Santa Maria, aliás, dos
saltos do lado argentino, com descrições bem específicas da natureza, sempre colocando
essa natureza como possibilidade de transformação do espaço.
Este relato expressa questões relacionadas à importância da colônia militar como
ponto de ligação entre o civilizadoe o “não civilizado”, e principalmente a fronteira
como ponto de controle deste território.
O século XIX, como foi dito anteriormente, foi um momento para a província
do Paraná muito importante para definir suas fronteiras, estabelecer seu território diante
do país e das outras províncias. A partir dos relatos de viagem podemos discutir vários
elementos como a construção do “progresso” no território indígena ocasionando muitos
conflitos, as demarcações de terras ainda no final do século XIX, a conquista pela
fronteira, elementos importantes que estão sendo discutidos ao longo desta pesquisa.
Mas, na verdade, o grande objetivo é mostrar que esses relatos em específico fazem
parte da História do Paraná, que as expedições militares de Nestor Borba, Telêmaco
Borba e José Candido Muricy contribuíram direta ou indiretamente na luta pela
fronteira, estabelecendo um confronto entre a “civilização” e o índio, que causa um
verdadeiro desencontro e grande conflito social.
Para José de Souza Martins, fronteira nesse caso é essencialmente o lugar da
alteridade. (...) à primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferente razões são
diferentes entre si, como os índios de um lado e os ditos civilizados do outro; como
grandes proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres, de outro
93
. O
autor nos ajuda a pensar como o viajante se preocupa em descrever esse “selvagem” e
de que forma descreve seus próprios interesses. Na verdade a fronteira não é o destino
da viagem, mas o objetivo dessas expedições militares no caso, por exemplo, de Nestor
Borba, era conhecer o território de fronteira civilizar os que viviam nessas regiões como
93
MARTINS, José de Souza. Fronteira. A Degradação do Outro nos Confins do Humano. São Paulo:
Contexto, 2009. p.133.
65
norte e oeste do Paraná, demarcar a fronteira ou terririo era importante, mas antes
disso era conhecer o outro e estabelecer relações de alteridade indispensáveis para
atingir os objetivos da viagem.
O que podemos entender como elementos característicos dos dois relatos é
justamente a discussão sobre fronteira, pois os dois, embora apresentem aspectos
diversos, estão relacionados aos problemas sobre fronteira. A frente de expansão reflete
sobre o lugar e o tempo da alteridade, ou o limite entre civilizado e não civilizado. O
fato é que, assim como o “explorador” tem sua interpretação a respeito do índio, este
por sua vez também faz sua interpretação a respeito do homem branco, sendo que
ambos consideram-se donos da terra. Nesse sentido, nossa discussão compartilha a idéia
de que a terra é antes da alteridade a maior responsável pelos conflitos entre brancos e
índios, que para Jode Souza Martins “a teoria da fronteira é, no meu modo de ver,
basicamente um desdobramento da teoria da expansão territorial do capital
94
. As
viagens representam uma parcela dessa expansão territorial, e principalmente contribui
para a historiografia novas perspectivas de compreender a história do Paraná no âmbito
nacional.
A publicação do texto de Nestor Borba vem acompanhada de uma
introdução precedida por um autor anônimo que se intitula amigo do Paraná”, mas que
neste texto iremos tratá-lo como Prefaciador. Além desta introdução, o relato também
vem acompanhado de considerações escritas pelo Engenheiro André Rebouças, uma
figura importante, pois trabalhava com questões voltadas para o abolicionismo, visto
que sua formação foi realizada na escola militar.
Alexandro Dantas Trindade, em sua tese de doutorado defende a idéia de como é
possível a “diferença entre as perspectivas modernistas e reformistas e como estas
podem ser explicadas recorrendo-se ao contexto de crise da sociedade escravista e das
instituições monárquicas”
95
. Rebouças tem um papel importante dentro da sociedade
brasileira, pois de origem negra foi ao lado de Machado de Assis e Olavo Bilac, um dos
grandes representantes da classe média e muito eficaz em prol da abolição da
escravatura. O que nos chama a atenção são elementos de modernidade que Rebouças
traz para a sociedade brasileira em plena monarquia. Desta forma, destaca-se no folheto
94
Idem, ibidem. p.157.
95
TRINDADE, Alexandro Dantas. André Rebouças da Engenharia Civil à Engenharia Social, Campinas
2004.
66
que acompanha o relato de Nestor Borba, a penúria de nossos recursos actuais, foi
muito custo e fazendo grande violência à imaginação, que conseguimos esboçar, mui
toscamente, idéias, que se referem ao Brasil no apogeu de sua properidade”(31). Logo
no início de seu relato ele já aponta indícios dos motivos que o levaram a escrever esse
folheto, e o sonho da prosperidade não apenas para o Paraná, mas para o Brasil. Ele
chama a atenção para buscar uma identidade para a sociedade brasileira a partir de suas
riquezas, veja que no entanto, por isso mesmo que é muito grande nosso desanimo,
uma certa oportunidade em enumerar os thesouros , que o creador concebeu à nação
brazileira , para nos dar conforto e robustecer a fé em um futuro melhor”.
, pois, o objetivo de chamar a atenção para esta região do Brasil, como se
houvesse a necessidade de levantar a bandeira a partir de elementos como ocupação e
exploração de um “novoterririo, digo novo, não no sentido de desconhecido, mas,
pensando na questão da exibição blica, da representação desse território a partir da
narração e do próprio narrado. Talvez sua intenção não fosse somente o incentivo a
criação de um parque nacional, mas poderia haver outras intenções.
No folheto escrito pelo engenheiro André Rebouças, datado de 1897,
acompanhado do prefaciador anônimo, referente ao relato de Nestor Borba, o
prefaciador ressalta que o propósito desta viagem era “chamar a atenção do governo do
paiz, especialmente da administração do esperançoso Estado do Paraná, sobre as
innumeras riquezas naturais, as maravilhas e belezas, que fazem d‟aquela rego do
Brazil uma das mais ricas possíveis
96
. Neste momento é notável um esforço para atrair
empreendimentos para o Paraná, tanto em André Rebouças como no Prefaciador, que de
dialogam em épocas diferentes, lembrando que os escritos de Rebouças são datados em
abril de 1876, e o prefácio é datado de 1897. Nesse caso, temos que observar duas
questões, a primeira sobre a diferença temporal entre o Prefaciador e Rebouças, que nos
permite pensar que os dois apresentam os mesmo objetivos em épocas diferentes. Ou
seja, o relato de viagem de Nestor Borba permeia o período da Monarquia e da
República num período de quase 30 anos, e o mais interessante é que, além de existir
diferenças entre eles, há uma conectividade incomensurável, o “sonho” do progresso,
parece meio utópico, pois o progresso aparece o tempo todo, atrelado a idéia de natureza
perfeita .
96
REBOUÇAS, André. “Notas e Considerações Gerais”. In: BORBA, Nestor. Descripção da viagem às
Sete Quedas pelo Capitão Nestor Borba... Cit. p.13.
67
Os dois conseguem destacar aspectos importantes de Nestor Borba, como a falta
de povoação, a importância de ocupar as áreas de fronteira, visto que nesse período os
limites territoriais não estavam bem definidos e ocupar essas regiões era importante,
pois a ocupação estava relacionada a iia de natureza intocada, que deveria ser
explorada em benefício da prosperidade do Brasil, como se estes escritores estivessem
fazendo um grande favor ao nosso país. Principalmente em relação à idéia de André
Rebouças, está claro que seu objetivo era chamar a atenção para a natureza, o turismo a
partir da idéia da construção de um parque Nacional, a exploração dessa natureza
atrelada ao turismo, uma exploração que preserva a natureza, mas que reflete no
conhecimento da região por meio da implantação do parque. Para Luiz F. L. Pereira:
existe uma série de elementos que auxiliam na construção de uma idéia de
modernidade em um local tão distante dos grandes centros e relativamente
abandonado pelo Governo Central, agora não mais pelo descaso da
administração Publica Monárquica, mas em virtude da ascensão ao poder de
uma elite cafeeira paulista que, com seu republicanismo federalista, fazia
com que a descentralização chegasse a seu ponto máximo pois, desta forma
as províncias com melhores condições teriam vantagens sobre as demais.
97
Ou seja, André Rebouças queria justamente mostrar, atrelado ao relato de Nestor
Borba, essa idéia de modernidade, o turismo é uma forma de ligar a província
paranaense ao império elencando as principais qualidades do Paraná.
Entre essas qualidades, Rebouças destaca as Sete Quedas, também citada
inúmeras vezes nos relato de Borba. O fato é que para mencionar esses saltos e elencar
suas belezas, Rebouças faz vasta meão ao Parque Nacional americano
98
. Durante a
maior parte de seus escritos, ele fala dos atrativos desse parque, como por exemplo, “a
região dos Geysers do Upper YelloW-Stone, que o congresso teve a sabedoria de
consagrar ao povo, como um Parque Nacional, é inquestionavelmente a mais
assombrosa combinação de maravilhas naturaes e de panoramas grandiosos e bellos,
que no mundo”(32). Falar sobre esse parque, justamente ao lado do relato de viagem
que fala sobre as Sete Quedas é uma forma de estabelecer relação entre o Brasil e os
97
PEREIRA, Luis Fernando Lopes. Paranismo: O Paraná Inventado. Curitiba: Aos 4 Ventos, 1998.
98
“Em 1870 descobriu-se no interior dos Estados Unidos, nas cabeceiras (sic) do rio Wellow-Stone (sic).
junto ás Rocky Moutains, uma região, contendo belezas naturaes indescriptiveis, o Congresso teve e
realizou a nobre e patriótica idéia de reservar essa maravilha natural para um Parque Nacional
gigantesco, tendo uma superfície de cerca de 3,035 milhas quadradas”(31). Rebouças refere-se à
importância desse parque para a sociedade Norte-americana, e de certa juntamente com o relato de Nestor
Borba, eleva a natureza paranaense como elemento primordial ao desenvolvimento do Paraná.
68
Estados Unidos, mostrando que o nosso país pode ter um grande atrativo turístico, o que
geraria interesse por parte de outros povos e poderia ser um incentivo a imigração.
Não é nosso objetivo fazer comparação entre o relato de Borba e as
considerações tecidas por Rebouças, mas mostrar que ao mesmo tempo em que Nestor
Borba realiza a viagem, e se preocupa com o reconhecimento do terririo a sua maior
forma de representação é natureza, isto é, a natureza é o ponto de partida para ressaltar a
importância deste espaço fronteiriço. Nesse caso, estamos trabalhando com a fronteira
física e mental, pois sabemos que até o final do século XIX, o Paraná não possuía todo
seu espaço definido territorialmente bem como podemos observar na figura 01, o espaço
paranaense é entendido apenas até os Campos Gerais. O que nos leva a refletir sobre os
escritos de Rebouças que se apropria dos relatos de Nestor Borba a fim de chamar a
atenção para a natureza, mas essa natureza enquanto possibilidade de transformação do
meio, o turismo como forma de reconhecer esse território e apoiado no exemplo
americano. Podemos pensar então, se deu certo lá, também pode dar certo aqui (Paraná)
e ser explorado como foi lá. O que vemos, é que não há o desejo de destruição da
natureza, mas de conservação. A forma como Rebouças se refere ao Parque nacional
americano, faz-nos pensar que ele já conhece muito o lugar de onde está falando,
parece-nos que, se pudéssemos ter permanecido neste valle, durante muitos dias, até
ficar accostumados com os phenomenos preliminares à erupção, perderia nossa emoção
toda parte dolorosa do assombro; então poderíamos apreciar, com toda a calma, a
maravilha elegância e belleza, com que esta enorme columna de água quente elevou-se
a tão grande altura e permaneceu em durante vinte minutos”(33). É dessa forma
admirável que Rebouças se refere ao parque americano, e baseado nesses elementos de
admiração que ele vai mencionar a região do Guayra.
É como se ele estivesse forçando que o Brasil também tivesse obrigação de
seguir os moldes americanos e valorizar as belezas que possui, pois seria uma maneira
de evidentemente nos é, por ora, permitido utilizar as bellezas naturaes, que o
Omnipotente concedeu ao Brazil, para attrahir emigrantes , e , quando muito, alguns
ousados naturalistas , enthusiastas de florestas virgens e de cataratas assombrosas”(39).
Aqui ele deixa claro que seria importante para o Brasil e o Paraná atrair imigrantes,
cientistas e viajantes, interessante isso, visto que Rebouças era afro-descendente e
tempos lutava pelo fim da escravidão, deve ser por isso que em nenhum momento de
suas considerações ele fala sobre a população indígena ou sobre a população existente
69
nessa região, ao contrário do prefaciador que ressalta a importância de considerar a
população indígena .
Rebouças chama atenção para observarmos as belezas da natureza paranaense
em relação à americana, e sobre a possibilidade de termos um parque nacional que
valorize o Brasil, sem contar as idealizações que o autor faz, como por exemplo neste
trecho que ele fala sobre os rios Araguaia e Tocantins, “imaginei o Tocantins e o
Araguay, navegados por magníficos vapores, como os de Mississipi; suas cachoeiras
vencidas por vias férreas lateraes: e comprehendereis então como será pitoresca uma
excursão de ilhas , onde se poderá grupar toda flora e toda fauna dos valles do
Amasonas, do Paranayba e do S. Francisco”, depois segue falando das belezas naturais
da região sul: “No sul da República região alguma de competir com o do Guayra em
bellezas naturaes . Desde a foz do Ivahy até a do Iguassú, o rio Paraná reúne todas as
gradações possíveis do bello ao sublime e do pitoresco ao assombroso! É a região das
cascatas por excelência ...Não consta que em parte alguma, o sublime artista grupasse
tantas e tão grandiosas”(40).
Além de toda essa dedicação de boa parte de sua descrão as Sete Quedas e as
Cataratas do Iguaçu, Rebouças não está apenas deixando para nós suas observações
sobre a natureza paranaense, mas está nos propondo entender o que não está claro, mas
nas entrelinhas. Ë como se ele tivesse o objetivo de dar credibilidade aos escritos de
Nestor Borba, e ao mesmo tempo se apropriando de alguns discursos desse viajante, ou
seja, a natureza surge como um refúgio para elencar os verdadeiros objetivos desse
engenheiro, que, além disso, tinha formação militar e fazia parte da classe letrada, o que
bem sabemos era para poucos nessa época. É como que suas considerações estivessem
direcionadas, veja no trecho a seguir: “será difícil que o Canon do Yelowtone seja mais
pitoresco, do que o do Guayra, opulentamente adornado de palmeiras, de fetos
arborecentes e das mais bellas arvores da flora brazileira; quando a rocha é nua e
queimada pelas emanações volanicas (sic), deixando apenas ver, de longe , um
melancólico grupo tristes coníferas”.
70
CAPÍTULO 3:
O Olhar de um Viajante Estrangeiro: do olhar técnico ao olhar
intervencionista
Neste capítulo vamos nos referir a Thomas Bigg Wither, inglês formado em
engenharia e que esteve no Brasil por mais de três anos investigando os campos e
florestas do país, principalmente no Estado do Paraná. Fazia parte de um grupo de
expedicionários contratados para a Paraná And Mato Grosso Survey Expedition. Em
1876 já havia proferido uma conferência na Real Sociedade de Geografia sobre o Vale
do Tibagi, que interessava aos financistas da City devido à potencialidade ecomica
que esta região oferecia, e se tornou membro do Institute of Civil Engineers. A obra
Novo Caminho Meridional: A Província do Paraná; Três anos de vida em suas
florestas e Campos 1872/1875 foi publicada em Londres logo após sua chegada em
1878 e em português somente em 1974. Ela é usada como referência
99
para a discussão
de várias questões regionais e mesmo nacionais, uma vez que seu relato ressalta vários
aspectos sobre a natureza, a ocupação do terririo, imigração, índios. Descreve o
Paraná a partir de sua própria origem, está sempre encontrando uma forma de comparar
com a Inglaterra, como uma possibilidade de trazer para a província do Paraná o
progresso que existe na Europa.
É importante observarmos que ele não se apenas como um engenheiro, mas
como um viajante que possui um olhar técnico, além de um olhar de intervenção no
espaço. Podemos perceber isso em suas descrões sobre o índio, quando ele apresenta a
necessidade de adaptar o índio a tradições e costumes do europeu. E quando narra a
riqueza da natureza, dos animais que encontra nas viagens, sempre apresenta a iia de
mudança daquele espaço, pensando no progresso e desenvolvimento da região. A partir
desse argumento é que defendemos a iia de que ele se posiciona, mais que como
técnico, como viajante com conhecimentos técnicos, a fim de reconhecer no espaço
brasileiro as possibilidades de transformação a partir do modelo europeu.
99
Podemos citar o trabalho de Aramis Millarch publicado em 27 de Novembro de 1974, sob o tulo de
Bigg Wither e Antonina (III). Esta disponível na pagina da internet: www.millarch.org. Esse artigo
discute, a partir do texto de Bigg Wither, questões sobre a cidade de Antonina, que não teria tido muito
êxito em seu desenvolvimento. O artigo foi originalmente publicado no jornal O Estado do Paraná;
27/11/1974, p. 4.
71
Tratando-se de viajantes estrangeiros visitando o Brasil, o mais curioso é que
mesmo no final do século XIX ainda havia interesse para que esses relatos fossem
publicados rapidamente na Europa. Se, por um lado, o século XIX foi um século
importante para imigração no nosso país, havia um interesse significativo na Europa
tanto para conhecer as experiências de cientistas, pesquisadores, estudiosos em geral,
quanto em relação a relatos que se voltavam para narrar o cotidiano que poderia esperar
aqueles que estivessem interessados em se aventurarem a conhecer, o ainda chamado
Novo Mundo”, mais conhecido como o continente tropical, e o Brasil, o país do índio.
Por outro lado, algumas questões faziam com que o olhar do viajante estrangeiro
o fosse neutro. A Europa se apresentava ao mundo como a civilização padrão. A
América seria a descontinuidade do Velho Mundo, e nesse sentido o viajante passa a ter
um papel muito importante, pois ele assume a responsabilidade de transformar o
ambiente novo, nos seus escritos, abrindo a possibilidade de compreensão de outra
sociedade. Nesse caso, o viajante se via como o porta-voz entre o Velho e Novo Mundo.
Bigg Wither assumia claramente esse papel, estabelecendo, nos seus escritos, os
aspectos negativos e positivos entre os dois espaços diferentes, mesmo assumindo o
discurso potico e social da sociedade à qual pertencia. Exemplo disso é sua fala a
respeito do sistema de correios brasileiro, quando se refere ao atraso no recebimento de
cartas a ele endereçadas: “não concebo onde os brasileiros foram buscar inspiração para
o serviço postal. Do ponto de vista burocrático, o sistema foi copiado das mais
avançadas nações européias. Se realmente isso ocorreu, essas nações não tem motivo
para se orgulhar do discípulo”
100
.
Entre os viajantes estrangeiros que estiveram no Paraná durante o século XIX,
além de Bigg Wither
101
, dois se destacaram pelos relatos que nos legaram: Saint-Hilaire
e Robert Ave-Lallemant. Este último era um médico alemão, e viveu por vários anos no
Rio de Janeiro, viajando pelo Paraná, São Paulo e Santa Catarina. Dessas viagens
resultaram algumas narrativas, que contribuem para entendermos melhor como o
viajante estrangeiro identifica o nosso país, em especial o Paraná. Ave-Lallement
100
WITHER, Thomas P. Bigg. Novo Caminho no Brasil Meridional: a província do Paraná. Três anos
em suas florestas e campos 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio, Curitiba: Universidade Federal do
Paraná, 1974. p.22.
101
Thomas Bonnici escreveu o trabalho: O olhar colonial: Bigg Wither, miscigenação e o paranaense do
século XIX. Trabalha questões sobre o Paraná em relação a imigração e a miscigenação. Atualmente é
professor na Universidade Estadual de Maringá, no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Departamento de Letras.
72
preocupou-se em discutir como Portugal contribuiu para o desenvolvimento do Brasil,
e, de uma maneira um tanto quanto polêmica, descreveu nossas tradições e costumes.
Não menos importante, Saint-Hilaire tem grande parcela de contribuição em relação às
narrativas sobre o Paraná; era botânico francês e esteve no Brasil entre 1816 a 1822.
Viajou por várias províncias brasileiras a fim de apresentar com maior rigor e
credibilidade a sociedade brasileira. O que podemos perceber como comum a essas
narrativas é uma confessada paixão pela natureza brasileira, embora necessitemos de
cuidados para interpretar esses sentimentos, pois bem sabemos que o viajante descreve
o somente o que vê, mas avalia o que a partir do que conheceu anteriormente. Mas,
de qualquer forma, a natureza é sempre o ponto de partida que o viajante encontra para
pensar e dar início à sua descrão.
Estando no Brasil, normalmente o viajante estrangeiro se preocupa em anotar
tudo o que vê, pois está em um ambiente totalmente diferente do seu, o que faz com que
seus relatos se constituam em fontes importantes para analisar esse cotidiano. Por outro
lado, para quem recebe o visitante estrangeiro também é uma “novidade”, e sua visita
um acontecimento fora do cotidiano, o que faria com que houvesse uma seleção do que
fosse mostrado a ele. Para Francisco Moraes Paz, que escreveu um artigo intitulado
História e Cotidiano: A sociedade paranaense do século XIX na perspectiva dos
viajantes”, abordando elementos do cotidiano brasileiro a partir de relatos de viajantes
estrangeiros, entre eles Bigg Wither, destaca que:
...a Europa é uma terra estranha para quem vivia nas matas, situado
entre limites tênues da civilização e barbárie. Umas das poucas
referências a esta terra distante era a de ser o antigo lar das mulheres
e homens altos, loiros e de olhos azuis que começavam a chegar.
Mesmo assim, muitos o sabiam para que lado ficava e chegavam a
surpreender os viajantes com as mais variadas perguntas, a pode-
se ir para lá a cavalo?
102
Nesse olhar de estranhamento, nem sempre os viajantes se referem à população
local como rbaros, mas normalmente se preocupam em construir interpretões sobre
a presença e as relações entre negros, índios e imigrantes.
A primeira impressão que o viajante estrangeiro deixa nos seus relatos é a sua
curiosidade, e principalmente pelo fato de que a maioria deles era constitdo por
102
PAZ, Francisco Moraes. História e Cotidiano: A sociedade paranaense no século XIX na perspectiva
dos viajantes. In: História: Questões e Debates, Curitiba : Ano 08, jun-dez.1987.p. 09.
73
homens de ciência ou ligados a ela cientistas, pesquisadores, engenheiros e estavam
sempre preocupados em obter informações sobre a flora, a fauna, o clima, tradições e
costumes, coletando muitas vezes amostras da natureza. Dessa forma, procuravam
entender como “funcionavam” as terras tropicais, e no caso de Bigg Wither, avaliando
as possibilidades de construção de estradas e ferrovias, projetos ligados ao Velho
Mundo, buscando pelo progresso do Novo Mundo.
Num certo sentido, a missão proposta a Bigg Wither se aproxima de outras ações
propostas pelo governo, como as desenvolvidas posteriormente através das viagens da
Comissão Rondon. Isso deve ser pensado ligado aos interesses do Império e
posteriormente ao da República no final do século XIX e início do XX, de incorporação
de novos terririos. Mais do que a conquista pura e simples, as intervenções técnicas no
sentido de modernizar esse sertão atrasado foram uma das grandes preocupações de
setores interessados no desenvolvimento, inclusive dos militares, preocupações
expressas, segundo Laura Maciel, pela “necessidade de garantir o efetivo controle sobre
populações dispersas em regiões de fronteiras, distantes e abandonadas pelo poder
central, [a partir do que] esses profissionais recomendavam que a conquista do sertão‟
deveria constituir „um programa de governo‟”
103
.
Nesse caso, portanto, a conquista do sertão e a preocupação em definir as
fronteiras do Brasil era uma necessidade do Estado. Mais do que aumentar fronteiras,
colocava-se a necessidade de espalhar a malha ferroviária e telegráfica, uma vez que
essas ações estavam entrelaçadas com a iia de povoar e civilizar os lugares mais
distantes no interior brasileiro. Podemos perceber isso em um trecho do relato da
própria Comissão Rondon no período da Republica, que se aproxima, de certa forma,
das preocupações expressas por Bigg Wither em seus escritos:
Para o nosso Brasil Central o temos outro processo a empregar na
consecução do seu povoamento. (...) modifiquemo-lo, cruzando-o
estradas e telégrafos em todos os sentidos, por que constitui ele o
coração da nossa grande Pátria e o futuro celeiro da Terra. Para isso,
porém, será preciso, antes de tudo, que o governo desbrave, preparando
sistematicamente a colonização futura destas paragens.
104
103
MACIEL, Laura Antunes. A Comissão Rondon e a Conquista Ordenada Dos Sertões: Espaço,
Telégrafo e Civilização. Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e
do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo n. 0, São Paulo: Edusc,
(18), mai.1999. p.168.
104
Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas. Relatório apresentado à
Diretoria Geral dos Telégrafos e à Divisão Geral de Engenharia (G.5) do Departamento da Guerra, op.cit.,
2
o
Volume, p.18. Apud: MACIEL, Laura Antunes. op. cit. p.167.
74
Podemos observar algumas questões importantes a partir deste fragmento,
estabelecendo uma divisão de funções na qual o governo tem a função de “desbravar” o
sertão, ou seja, possibilitar a ocupação. Em função disso, se abriria a possibilidade de
intervenção nesse espaço, que seria uma intervenção técnica, a partir de um
conhecimento nem sempre disponível no Brasil o que justificaria as ações de
empresas de capital estrangeiro. Em função disso tudo, podemos analisar na obra de
Bigg Wither os limites desse olhar do viajante”, um olhar diferente, um olhar que
pressupõe a possibilidade de intervenção no espaço, modificá-lo, e em função disso,
trazer para o sertão o progresso e a civilidade.
No caso de Bigg Wither, ele inicia sua viagem pelo Brasil a partir do Rio de
Janeiro, no ano de 1872, integrante do grupo de expedicionários ingleses. Ainda em
uma nota introdutória ele descreve que:
As características deste livro são as de uma narrativa de viagens e
aventuras em regiões a aqui inexploradas. Quase metade destas
páginas se ocupa da permanência do autor nas grandes florestas do
remoto interior do Brasil, em meio a cenas ferozes da natureza
selvagem, onde nenhum homem civilizado antes penetrara e onde,
durante meses, a condição normal de vida fora a luta sem tréguas contra
o meio natural.
105
Seu relato se refere também ao interior do que conhecemos hoje como Estado do
Paraná, classificando-o como regiões inexploradas. Mesmo reconhecendo a presença,
ali, de populações indígenas de diferentes etnias, seu olhar sobre elas as integra nessa
natureza intocada, distante no espaço e no tempo de toda e qualquer civilização.
Ele se deslumbra no início de sua viagem, com a beleza da natureza do Rio de
Janeiro: “eis a nossa preliminar apresentação ao Novo Mundo
106
, exclama ao avistar
a Baía (supomos que seja a Baía da Guanabara). Admira a natureza e se entusiasma com
a sua posição, do ponto de vista de possibilidades comerciais:
... uma vista de olhos sobre o mapa mundial mostrará a enorme
vantagem natural que o Rio possui em sua posição, não só com
referência ao seu próprio imrio, como também a outros países.
105
WITHER, Thomas P. Bigg. Novo Caminho no Brasil Meridional: a província do Paraná. Três anos
em suas florestas e campos 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio, Curitiba: Universidade Federal do
Paraná, 1974. Nota Introdutória XXVII.
106
Idem, ibidem, p.10.
75
Nenhuma cidade, capital de outra nação, ocupa posição tão central
para o comércio com o Novo Mundo.
107
A partir daí ele começa a estabelecer as diferenças entre a Europa e o Brasil, ou
como ele faz questão de ressaltar, entre o Velho e Novo Mundo”. Porém, antes de
continuar a descrão sobre o Rio de Janeiro, uma questão chamou a atenção de Bigg
Wither, foi a grande quantidade de negros e a aparência saudável dos mesmos, a
respeito dos quais ele ressalta que “o contraste entre o sico vigoroso e sadio, o aspecto
feliz e maneiras francas destes escravos negros com o desenvolvimento sico debilitado
e a aparência cansada de seus senhores e donos é de ordem tão geral que não escapa ao
observador mais distraído
108
. A partir dessa constatação, é interessante a observação
que ele faz, pois, se por um lado a beleza e saúde da população negra lhe causam
espanto, por outro ele se pergunta se o clima brasileiro seria mais favorável à pele negra
um sintoma de certo determinismo nessa avaliação. Sem conter sua admiração pelas
formas da mulher negra, ele se lembra que se trata de uma população negra, e destaca
que “amo e escravo podiam muito bem trocar de lugar no Rio de Janeiro no que se
refere a superioridade sica”
109
.
Diante de tudo que pode observar no Rio, a riqueza de detalhes na descrição que
faz da natureza é impressionante, e parecia que ele apenas se deslumbrava com tudo que
podia observar. Posteriormente Bigg Wither revela que sua experiência na província do
Rio de Janeiro não foi tão prazerosa como ele mesmo esperava que fosse. Apesar disso,
comparações em que o Rio sai ganhando com relação à Europa por exemplo, na
forma como ele descreve a organização dos meios de transporte:
A grande organização do Rio de Janeiro, amparada por todas as classes
de gente, é o bonde. havia algum tempo que nhamos descoberto
maior conforto e conveniência deste meio de locomoção, comparado
com outros. Os carros o leves e ventilados, puxados, o pelos
animais lerdos que vemos na Inglaterra, mas por vigorosas a ágeis
parelhas de pequenas mulas, cheias de energias e disposição. É um
prazer ver a maneira por que elas enfiam a cabeça na coleira a dado
sinal e partem em seguida a galope, como se gostassem imensamente
do trabalho.
110
107
Idem, ibidem, p.11.
108
Idem, ibidem, p.16.
109
Idem, ibidem, p.17.
110
Idem, ibidem, p.21-22.
76
Se as primeiras descrições fazem uma avaliação positiva sobre o Rio Janeiro, a
partir do momento em que ele conheceu melhor a cidade suas impressões passaram a
enfatizar outros aspectos mais negativos, principalmente sobre o clima: este possuía
algo que fazia com que o ar fosse parado e enfraquecesse o sangue inglês:
Na estação presente, comparativamente fresca, ainda assim o Rio o
pode ser chamado de lugar saudável. Ali o sangue inglês perde
densidade e enfraquece. Durante as poucas semanas que passamos, o
Rio havia roubado o rubor e a frescura de nossas faces e produzido
uma cor embaciada em nossos olhos antes reluzentes. Quinze dias
decorridos, o nosso maior desejo era deixá-lo. Havia qualquer coisa de
particularmente depressivo naquele ar parado e no viver dentro de
temperatura estável de uma semana a outra. Quando finalmente veio a
ordem de arrumar as malas a partir, não nos restou muito tempo para os
preparativos.
111
A partir deste fragmento percebe-se que o desejo desse viajante era mesmo
conhecer outras regiões do Brasil, que pudessem ir ao encontro das leituras que ele
havia realizado na Europa antes de viajar sem considerar os objetivos da viagem.
Durante seu relato Bigg Wither faz questão de enunciar que já conhecia as terras
brasileiras por outros escritos, e quando percebe que elas não davam conta do que via,
demonstrava uma boa dose de curiosidade.
Bigg Wither comporta em seu relato três questões importantes: natureza,
civilização e modernização, questões estas que também discutimos no relato de Nestor
Borba e José Candido Muricy. Em primeiro lugar, ele descreve a natureza de maneira
romantizada, para depois avaliá-la como possibilidade de transformação do meio,
imprimindo nela a idéia de progresso. Neste fragmento referente às aves que observa
ainda em Curitiba, podemos perceber um pouco do exagero romântico:
O que vi primeiro foi um colibri que adejava ao ar livre; a maneira por
que se lançava e pousava de flor em flor, como uma abelha rainha em
busca de mel era realmente interessante de ver. Magníficas borboletas
também havia por toda a parte, esvoaçando ao sol ardente, para
realizarem com as flores multicoloridas, no brilho de seus ornatos. As
numerosas fontes d água, disseminadas por várias partes, davam a
sensação de frescura à atmosfera.
112
111
Idem, ibidem, p.27.
112
Idem, ibidem, p.22.
77
Por outro lado ele vai se deparar com outros problemas decorrentes dessa
“natureza selvagem”: imaginando que encontraria estradas cheias de árvores e pássaros,
ele se depara com estradas em péssimo estado de conservação:
Estas cinco milhas de estrada por terminar deram-nos uma amostra do
que nos estava reservado daí para frente, isto é, a estrada de troncos de
árvores do Brasil. A realidade é que estava em péssimo estado,
excedendo a qualquer descrição que eu tivesse lido a respeito de estrada
ruim. Era como se árvores muito grandes tivessem caído a curtos
intervalos, atravessadas num mau caminho e os espaços entre uma
árvore e outra fossem preenchidos com lama.
113
Neste trecho Bigg Wither já os primeiros indicativos de que sua viagem lhe
reservaria muitas surpresas, avaliando que as estradas, pelas informações que obtivera,
o poderiam estar em tão lamentável estado de conservação. Porém, a observação do
viajante em relação a essas estradas está em mostrar como esses caminhos poderiam ser
considerados como caminhos do “progresso e da civilização”, em regiões de sertão ou
espaço de lama como ele citou acima.
Lorenzetti e Ferreira, que escrevem sobre o projeto da construção de uma estrada
de ferro entre o Paraná e o Mato Grosso durante oculo XIX, destacam “os anseios por
desenvolvimento e progresso que os subjaziam e o receio de que estas regiões
interioranas do Brasil não acompanhassem o ritmo de desenvolvimento do litoral
114
.
Nesse sentido, os relatos de viagem discutem muitas destas experiências.
É de se esperar que, na segunda metade do século XIX, o Paraná ainda não
possuía uma rede de estradas, quanto mais estradas bem conservadas. Tendo isso como
um sintoma do atraso” no desenvolvimento da Província paranaense, o general Jo
Cândido Muricy também apresentou a mesma preocupação quando do estabelecimento
de uma estrada entre Guarapuava e a Colônia Militar de Foz do Iguaçu, no relato que
analisamos.
Há, portanto, uma grande preocupação com o estabelecimento de uma rede de
comunicação, e a construção de estradas era vista como o caminho para a modernizão
da província. Com estradas ruins, os meios de transporte também eram prejudicados,
como podemos observar neste fragmento de Bigg Wither: uma ou duas milhas de
113
Idem, ibidem, p.42.
114
LORENZETTI, Fernanda Lorandi; FERREIRA, Bruno Torquatro Silva. Os Trilhos do Progresso:
Intenções de comunicação via estrada de ferro entre Paraná e Mato Grosso na passagem do século XIX
ao XX. Revista de História Regional. Ponta Grossa, v.13, n.2, p. 262-282. 2008. p.264.
78
nossa viagem foram feitas sobre uma estrada de troncos, semelhante àquela que já
descrevemos. Ao sair daquele abismo de desolação, descobri que meu burro só sabia
andar a passo. Nenhum de nós usava esporas e, por mais que gritasse para animá-lo, não
era preciso açoitá-lo”
115
. Ainda sim, ele não perde a oportunidade de fazer alguma
comparação com a Inglaterra: “a maravilhosa frescura do ar me fez lembrar uma
daquelas manhãs de outubro que, ocasionalmente, temos na Inglaterra. Parecia-nos estar
respeitando a verdadeira esncia da vida enquanto caminhávamos. Tudo em volta
como que partilhava desse gozo de viver”
116
.
A natureza é um elemento que podemos perceber estar sempre presente nos
relatos de viagem, pois é como se esses viajantes olhassem para o nosso país, e
percebessem as maravilhas que possuía no seu país de origem ou o contrário.
Demonstram grande preocupação em descrever as terras mais distantes, assumindo a
responsabilidade de descrever o “Novo Mundo” estabelecendo a diferença entre o novo
e o antigo mundo, como podemos perceber seguindo o roteiro de viagem de Bigg
Wither, quando ele escreve sobre sua chegada ao litoral da Província paranaense:
Veio o crepúsculo e nos encontrávamos a uma distância de sessenta
milhas no mar, com o litoral de altíssimas montanhas, resplendendo em
suas guarnições em púrpura e ouro ao sol poente e cujo especulo
apreciávamos de grande distância, à nossa direita. Quase igual em
mágica beleza ao nascer do sol, que nos dera boas vindas em nossa
primeira aproximação do Novo Mundo, foi a cena que Edwards e eu,
sentados durante vinte minutos seguintes, pudemos aprecias ao convés
do “Camões”.
117
Ao chegar a Curitiba, a impressão que Bigg Wither teve foi de maravilhosa
sensão, referindo-se ao ar de Curitiba como o melhor do mundo, “ar mais puro e
revigorante não pode ser encontrado em nenhuma outra parte do Velho e do Novo
Mundo. E acima de tudo, mais do que tudo, inteira mudança e frescura em tudo, coisa
que representam, realmente, a principal fonte do verdadeiro repouso”
118
.
As descrições que ele faz da natureza, portanto, caminham na direção ou do
selvagem, característico das regiões atrasadas, ou da percepção da variedade e da beleza
da natureza, se não intocada, pouco modificada.
115
Idem, ibidem, p.47.
116
Idem, ibidem, p.45.
117
Idem, ibidem, p.31.
118
Idem, ibidem, p.77.
79
...Os pinheirais repletos de variadas espécies de aves principalmente
de pica-paus e gaios. O mais comum, do gênero do primeiro, era um
pássaro amarelo, de pintas pretas, mais ou menos do tamanho do tordo,
que, embora seja evidentemente verdadeiro pica-pau, como provou pela
linha cauda, era mais encontrado em bandos, no capim das clareiras, do
que pousado em árvores. Apetitosamente gordas essas aves.
119
Ao mesmo tempo, o olhar classificatório também se refere aos diferentes
estratos da população observada, colocada, então, em diferentes categorias, como por
exemplo:
Antes de concluir este capítulo, devo dizer algumas palavras a respeito
da população alienígena de Curitiba, especialmente da alemã, que é a
maior. Como dissemos antes, os alemães estavam bem radicados ali.
Eram os donos dos dois únicos hotéis da cidade. Muitas lojas tamm
estavam em suas mãos e eles mantinham o monopólio dos serviços de
transporte em carroças pela grande estrada até o mar... Todo trabalho
que na Inglaterra chamamos de cavoqueiro” é feito exclusivamente
por estrangeiros nesta província, sendo que nove décimos são
alemães.
120
Certamente, se pararmos para pensar, nos recordaremos que o século XIX foi
marcado por grandes transformações no mundo do trabalho, principalmente no que diz
respeito à Inglaterra, o que significa que Bigg Wither tem em mente o trabalho
organizado. Seu relato traz questões referentes a esse assunto, seja na forma como ele
descreve o brasileiro, seja como avalia a capacidade de trabalho do imigrante, ele
demonstra um de seus objetivos: estabelecer aqui em terras brasileiras a mesma
organização do trabalho do velho mundo. Ainda sobre Curitiba, ele conclui:
Os brasileiros desprezam esses homens que trabalham com a picareta e
a pá e chamam-nos desdenhosamente de “trabalhadores do Brasil”. Mas
se eles desejam prosseguir a vida em certas cidades de seu próprio país,
é tempo de abandonar essa espécie de orgulho, pois os desprezados
trabalhadores podem expul-los do campo definitivamente... A
construção da estrada da Graciosa pela Serra do Mar foi o começo do
progresso alemão nesta parte do país. Os hábitos de vida frugais deste
povo, o seu trabalho firme e honesto logo deu margem a que grande
número deles economizasse dinheiro que, na maioria, era investido
prudentemente.
121
119
Idem, ibidem, p.45.
120
Idem, ibidem, p.55.
121
Idem, ibidem, p.56.
80
Chegando à Colônia Tereza
122
, ponto principal do seu roteiro, sai em busca de
trabalhadores, pois os que tinham contratado em Curitiba haviam abandonado a
expedição no meio do caminho. Assim, ele coloca em dúvida se os brasileiros realmente
estavam interessados em trabalhar, mostrando, mais uma vez, sua opção pela mão de
obra imigrante. Por quê? Porque esses últimos, ao contrário dos nacionais, estavam
acostumados com a disciplina e com o trabalho organizado, o que fazia com que, para a
expedição, fosse mais interessante esse trabalhador mesmo considerando que eles não
seriam os mais adequados e experientes para a lida com a natureza bruta. Assim, Bigg
Wither narra o acontecido:
Enquanto ainda permanecíamos em Curitiba, chegou ali um grupo de
imigrantes ingleses e, como tínhamos dúvida sobre a possibilidade de
conseguir número suficiente de homens para os nossos serviços em
Colônia Tereza, contratamos três deles, aumentando dessa forma o
nosso grupo de europeus para nove homens ao todo. Se foi boa
política embaraçar a nossa marcha com tantos homens inexperientes,
era o que se iria provar. Certamente não podíamos nos felicitar pelo
aspecto exterior de alguns deles.
123
Ao sair de Curitiba com a equipe expedicionária com direção a Ponta Grossa,
Bigg Wither observa a natureza do interior da província, até mesmo com um toque de
romantismo:
Ali havia pinheiros frondosos e cedros espalhados isoladamente e aos
pares, e o capim era verde e fresco como se fora regado diariamente por
bondosa fada, ao passo que, fora deste círculo mágico, tudo estava seco
e torrado pelas brisas quentes e pelo sol abrasador. O espaço claro,
dentro da zona do bosque, tinha talvez vinte e cinco acres de extensão
e, assim, completamente inglesa era aparência geral deste pequeno
oásis, que a gente esperava ver quase uma velha e gostosa mansão
patrícia como um convite para nos receber.
124
Ao contrário das imediações de Curitiba, onde o cultivo de legumes recebeu
grande impulso da colônia alemã, esta parte da província não mostrava sinal algum de
agricultura. As matas eram consideradas como fontes de abastecimento de madeira e
lenha. As pastagens e as matas, embora tidas como propriedades particulares, eram na
realidade, usadas mais pelas tropas e tropeiros do que pelos proprietários. Para se criar
122
A Colônia Tereza se localizava na parte central da província, onde hoje se localiza o município de
Cândido de Abreu. Há duas reservas indígenas nessa região: Reserva Fachinal e Reserva Lote do Vitorino
dos Kaigang.
123
Idem, ibidem, p.56.
124
Idem, ibidem, p.77.
81
gado com resultado (uma vez que estes pastos não serviam para a lavoura) seria
necessário terreno maior, e neste planalto inferior nada se conseguiria, pois os brejos e
as matas ocupavam dois terços da região.
Quando Bigg Wither sai de Curitiba em direção a Ponta Grossa e em direção ao
Rio Tibagi, conclui:
É simples. Não há, nesta proncia, a rigor uma divisão bem definida
separando a floresta do prado. Não são ambos divididos por nenhuma
linha única e estreita. Ao contrário, sempre notei uma zona ou faixa
que varia, em largura, de dez a trinta milhas aproximadamente de
terreno neutro, por assim dizer, ou seja uma região que nem é toda de
floresta, nem toda de prado.
125
Portanto, ele se vê diante de uma realidade onde o povoamento ainda não
modificou fundamentalmente as formas mais tradicionais de uso da terra. Ainda sobre a
natureza interiorana ele destaca alguns elementos bem diferentes em relação ao litoral
da província:
Nosso velho amigo, o pica-pau de cabeça escarlate, reapareceu nos
pinheirais da Serrinha. Consegui apanhar mais um exemplar de linha
plumagem. Papagaios e periquitos de várias cores voam em ruidosos
bandos e vi também, pela primeira vez, diversas aves conhecidas como
corvo brasileiro. Sua cor era azul sombrio e uniforme. Eram pouco
maiores que o gaio inglês, porém, pelas características principais que
determinam o gênero e a espécie, pareciam pertencer mais à falia do
gaio do que do corvo.
Foi muito agradável galgar esta serra. As copas planas e enormes dos
pinheiros, sobre as cabas, formavam uma alameda fresca e sombria,
que tanto o homem como o animal achavam refrescante, após deixarem
o sol abrasador da planície. Mas quando chegamos ao ponto
culminante encontramos a grande recompensa que nos esperava. A
última parte da subida havia sido muito íngreme e os homens, assim
como os animais, estavam exaustos. Fiquei um pouco atrasado do
grupo, pois parei diversas vezes para perseguir um ou outro pássaro
estranho dentre os inúmeros que enchiam a mata.
126
Esta citação, com riqueza de detalhes, refere-se a uma serrinha localizada no
caminho entre Curitiba e Ponta Grossa, e além de fazer a descrição do pica pau, cujo
topete vermelho o impressiona, ele faz questão de levar uma amostra de cada ave que
encontra pelo caminho. Ainda neste mesmo trecho pontua algumas observações sobre a
população de Ponta Grossa:
125
Idem, ibidem, p.93.
126
Idem, ibidem, p.93.
82
Há, contudo, uma povoação que não está situada dentro dos limites
desta zona, mas que, não obstante, tem alcançado até progresso
considerável. É a cidade de Ponta Grossa, que deixamos atrás de nos
pouco. Entretanto, este é um caso quase isolado e pode ser explicado
pelo fato de estar a cidade casualmente no centro do circulo das
povoações agrícolas que surgiram na “zona neutra” e, em
conseqüências, passar por ali grande porção do corcio local. Ponta
Grossa vive e se desenvolve inteiramente através desse comercio local,
pois em si ela não produz nada. Até ai, pelo menos, na nossa viagem
do litoral para o interior, não poamos nos queixar de monotonia
do cenário, embora, pelo que diziam os nossos tropeiros, até o
fim da jornada ainda fossemos encontrar muitas revelações da
natureza.
127
Embora ele tivesse afirmado anteriormente que Ponta Grossa fosse uma
cidade que tinha uma excelente localização, sendo o seu comércio sua principal fonte de
desenvolvimento, ele chama a atenção para outro fator: que a partir do momento que
fosse estabelecida a estrada de ferro que ligasse o Vale do Tibagi ao litoral,
provavelmente este comércio local estaria comprometido, pois a estrada representaria a
prosperidade num enfoque mais regional, e sendo assim, apenas o comércio local de
Ponta Grossa não seria suficiente para sustentar a estrutura econômica. Nesse sentido
Bigg Wither relata que:
...ansiosa como Ponta Grossa se mostrava pela construção da estrada de
ferro é bem certo que o apoio da locomotiva seria o sinal de seu
colapso. A sua prosperidade é inteiramente arbitrária e desaparecerá
como fumaça, quando for estabelecida a comunicação entre o Vale do
Tibagi e o Litoral.
128
Nesse caso a região dos rios Tibagi e Ivaí são entendidas como portas do
progresso futuro, e a iia é que as informações que Bigg Wither tem sobre os vales dos
dois rios é que seriam locais de grande riqueza. Ponta Grossa teria que se adequar às
possibilidades de desenvolvimento que a construção da estrada poderia trazer para a
cidade, ou seja, diversificando a produção de alimentos, ampliando esta produção em
nível de exportação.
A partir desse momento, ele começa a descrever com maior freqüência o meio
natural, e podemos perceber que, quanto mais ele adentra o sertão, mais admira a
127
Idem, ibidem, p.105.
128
Idem, ibidem, p.105.
83
natureza e descreve com maior rigor suas especificidades, elementos bastante
característicos da Província paranaense,
Estávamos agora por atravessar mais uma vez este território neutro
desta vez no lado ocidental do grande prado. A nossa primeira visão da
nova ordem de coisas foi do alto de uma elevação, por onde o caminho
de mulas passava numa distância de seis milhas quadradas. Numa
perspectiva mais ampla, veríamos que as grandes extensões de campo
aberto estavam entremeadas aparentemente entre compactos florestas e
que em outros lugares existiam muitas léguas de campo, pontilhadas de
árvores aqui e ali, isoladas ou em grupos mais ou menos esparsos. Do
nosso mirante, contudo, tudo á nossa frente parecia ser vasta floresta,
estendendo-se reta até a extremidade da linha divisória das águas, entre
os dois rios, o Tibagi e o Ivaí, à distância talvez de vinte milhas ou
mais, em linha reta .
129
Em outro momento da viagem, Bigg Wither se encantava cada vez mais pela
natureza e pelos animais, principalmente as aves, e avaliava que essa natureza
apresentava possibilidades de transformação do meio. Mas o que mais aparece em suas
descrições é o encantamento pelos aspectos novos da vida selvagem que observava:
Aproveitei então a oportunidade para aumentar a minha coleção de
aves. Matei três ou quatro espécies de pica-paus. Como todas as de sua
espécie, esta ave era muito viva e inquieta, atraindo a minha atenção
pelo seu pio peculiar, que consistia numa nota dobrada
estrepitosamente, mas não áspera como a de seu primo inglês. Diversas
delas saltavam entre os pinheiros e ocasionalmente se perseguiam um
às outras, com alarido.
130
Próximo à Colônia Tereza, Bigg Wither narra a caçada empreendida aos
macacos, e estabelece uma oposição entre a natureza que se apresentava com toda a sua
força, e a precariedade das estradas e pontes que encontrava no caminho. No fragmento
abaixo, isso fica muito claro, e transparece uma crítica a esses dois aspectos do meio
que ele encontra:
Eu cavalgava atrás, fechando a retaguarda da caravana, quando ouvi um
tiro de espingarda, a alguma distância na minha frente, seguido de outro
e mais outro. Esporeei o meu cavalo e, quando cheguei à frente, vi que
algumas das algumas das principais mulas se assustaram com a
fuzilaria que ainda continuava, estabelecendo-se entre as outras
tremendo nico. Os animais nervosos apertavam-se uns contra os
outros, formando uma massa compacta, atravessada no caminho,
impedindo assim a passagem. Apeei, entreguei o meu cavalo a um dos
129
Idem, ibidem, p.105.
130
Idem, ibidem, p.108.
84
homens para tomar conta e consegui passar pelas mulas, chegando à
cena do tiroteio. Ali encontrei Curling, Robertson, o almoxarife, e mais
outro homem que carregava a espingarda de reserva de Curling, todos
em estado de tremenda agitação. Eles tinham se encontrado com um
bando de macacos que atravessam a estrada na ocasião. Dois tinham
sido mortos, mas eu ainda cheguei a tempo de ver a carabina derrubar
outro do cinco de altíssimo pinheiro. Caíram dois com o tiro, um estava
morto e o outro se deixou cair distante uns cinqüenta s, sobre uma
árvore de baixo, mas, refazendo-se rapidamente, saltou de galho em
galho, atrás do companheiro... Depois desse pequeno episódio, que
propiciou alguma excitação continuei a pé, na frente da tropa, logo
depois ficando contente por assim o ter feito, em primeiro lugar por que
a estrada daí em diante era de madeira roliça e o solo constituído de
um barro duro que, na sombra, não secava nunca, e em segundo porque,
estando na frente, eu podia atirar em muitas aves e macacos, o que de
outra forma não conseguiria. Atravessemos o bitumirim mais uma vez,
através da ponte mais vacilante que se pode imaginar. Construída sobre
pilastras que não ofereciam nenhuma segurança, inclinava-se
suspeitamente para o riacho. O caminho para pedestres, que mal tinha
seis pés de largo, era composto de travessas presas únicas presas
unicamente por vigas frágeis de madeira, que iam de uma margem a
outra, por cima das mencionadas travessas, amarradas de espaço a
espaço por llanas” ou cipós . Nela não havia parapeito ou corrimão e
existiam grandes espaços abertos, pela falta de travessas caídas na
água.
131
Embora este fragmento do relato de Bigg Wither seja longo, ele nos possibilita
perceber algumas dimensões desse olhar intervencionista que ele tem sobre a natureza
e por extensão, sobre a população dos locais que ele atravessa. Toda a expedição tem
um caráter de posse, o somente no processo de delimitar fronteiras, como ficava mais
explicitado nos relatos dos militares que analisamos anteriormente. A expedição de
Bigg Wither se preocupa constantemente com o aproveitamento da natureza, ou seja, da
flora, dos animais, e posteriormente da população local.
Consideremos ainda o fator comparativo que ele acrescenta em sua narrativa,
sempre fazendo alguma referência à Inglaterra, à civilização. Então, percebemos no
relato as dimensões desse olhar técnico que Bigg Wither demonstra ao observar mesmo
o meio natural (avaliado pelas suas características de exotismo), no sentido em que ele
constitui uma barreira a iniciativas mais “civilizadas”. Na verdade, nas observações que
faz ele assegura não entender porque um descaso tão grande do governo em relação
aos sertões da província, e nesse sentido o tempo todo ele chama a atenção para a
riqueza dessas terras, sempre procurando se informar sobre tudo que vê.
131
Idem, ibidem, p.115-116.
85
Em todas as fazendas por onde vai passando, vai tomando referências com os
fazendeiros e demais habitantes, mas o que mais surpreende Bigg Wither é o sertão
fechado, florestas abundantes, onde ele enxerga possibilidades de transformação,
inerentes à própria existência das mesmas. Ele avalia então a capacidade de
transformação (hoje diríamos de regeneração) desse meio natural:
O fazendeiro nos deu algumas informações interessantes acerca destes
campos, principalmente sobre os de sua propriedade, que pareciam
estar aumentando continuamente. Como se sabe, há um ponto
controvertido sobre como se formaram originalmente estes campos sul-
americanos. Alguns dizem que eles sempre foram assim, descobertos e
sem arborização desde o dia em que surgiram das águas do dilúvio.
Sem pretender dar opinião sobre esse grande assunto geral, posso,
contudo, registrar um fato interessante, talvez bastante conhecido, de
que a operação de transformar terras de florestas ( de certa qualidade)
em terras de campo é continuamente aumentada pela simples atuação
do fogo e, além disso, e este é talvez ponto pouco conhecido tal
terra, quando transformada em campo, o tende a voltar à sua
condição primitiva. Este é forte argumento a favor dos que sustentam a
opinião de que os campos já foram cobertos de florestas. No entanto, eu
disse que a floresta devia ser de certa espécie. Uma das características
da floreta propriamente dita é que quando qualquer porção dela é limpa
a machado, a fogo, ou então por ambos sempre tende a voltar ao estado
primitivo e, de fato, volta se for abandonada por um número
suficiente para isso. Assim é a terra do Vale do Ivaí, onde as cidades e
as aldeias, fundadas pelos espanhóis e jesuítas no século XVI, e
abandonadas, depois de cinqüenta anos de habitadas ou mesmo mais,
estão novamente coberta por matas.
132
Durante toda a expedição em que vai destacando as especificidades da natureza,
cada detalhe que chama a sua atenção. Um dos pontos mais importantes é sobre a
riqueza presente nos vales dos rios Ivaí e Tibagi, com relação à quantidade de espécies
diferentes que ele encontra, sempre procurando capturar uma amostra de cada uma,
sejam aves, plantas ou até borboletas, com um olhar do naturalista:
Ainda sobre a natureza, sobre a divisão dos rios Ivaí e Tibagi: Cada um
desses riachos era o retiro de miríades de borboletas, de todas as
variedades, tamanho e cor, cobrindo inteiramente o solo e, à nossa
aproximação, escurecendo o ar com seus vôos. Muitas variedades
tinham rabos parecidos com os das andorinhas e outras o tinham
espesso como as aves do paraíso. Havia também uma pequena
borboleta linda que, mais tarde batizamos de “oitenta e oito”, em vista
de mostrar esse número em algarismo, bem nítido, no lado interno das
duas asas inferiores... Descrevo esta borboleta, não como sendo uma
raridade, mas ao contrário, por ser a mais comum na província do
Paraná. Encontrei-a em três de cada quatro nos principais vales da
132
Idem, ibidem, p.117.
86
província, ou seja, os do Ivaí, Tabagi e Ribeira. Sem dúvida, ela
também pode ser encontrada em grande parte das matas do Vale do
Iguaçu.
133
Na medida em que iam se aproximando do Rio Tibagi, além de observar os
detalhes da natureza, Bigg Witner se refere também às dificuldades que iam aparecendo
constantemente, muito especialmente à precariedade das estradas, ou mesmo à falta
delas:
A estrada era muito estreita e como de costume, estava cheia de árvores
caídas e varas de bambu. Densa escuridão, quase a escuridão da noite,
envolvia a estrada, que serpeava sob uma copa tecida de folhagens
cerradas, impedindo a entrada direta da luz do dia. O solo, mais uma
vez, era constituído de duro barro vermelho e as pobres mulas foram
novamente, forçadas a patinhar laboriosamente num terrível lamaçal
que, no entanto, comparado ao de Curitiba, poderia ser chamado de
ótima via. O nome da montanha ou cordilheira, cujas barbaridades
acabo de escrever, era “Serra dos Macacos”. No lugar em que passa a
trilha das mulas ela sobe a cerca de 4.000 pés acima do nível do mar,
ou seja, 1.600 s acima do Rio Tibagi, no ponto em que o
atravessamos. A Serra dos Macacos é de fato uma parte da cordilheira
que divide os dois rios, Ivaí e o Tibagi.
134
Bigg Wither afirma que “existem enterradas muitas cidades e povoações nos
vales do Ivaí e do Paranapanema, mas as duas que vi são de data comparativamente
moderna, construídas por espanhóis e jesuítas nos começos do culo XVIII, e não
tinham nenhuma ligação com a estrada em apreço”
135
. A partir da Colônia Tereza é que
a expedição iria realmente adentrar na mata e “desbravar” o sertão e, principalmente,
conhecer a população indígena. Não sem uma dose maciça de temor, o que o leva a se
precaver:
Quando chegamos ao acampamento, perguntei aos tropeiros sobre esses
ranchos e, então, vim, a saber, que eles eram trabalho dos índios semi-
selvagens, os Coroados, que habitavam diferentes partes do Vale do
Ivaí. Existe pequeno grupo deles, em Estado comparativamente
civilizado, perto de Colônia Tereza. Chegamos por fim, ao domínio dos
índios, tão falados. Nesta noite, fiz minucioso exame de meu revólver,
mais do que de costume, antes de fechar os olhos para dormir na
barraca em forma de cone. O silêncio da noite, entretanto, não foi
quebrado por nenhum som, a o ser o do retinir do guizo que estava
no pescoço da égua-guia paciente da nossa tropa sofredora.
136
133
Idem, ibidem, p.118.
134
Idem, ibidem, p.120.
135
Idem, ibidem, p.131.
136
Idem, ibidem, p.131.
87
Mesmo chegando o momento descansar, Bigg Wither o se furta de continuar a
descrever a natureza, na qual ele situa as habitações que ele observa: “em toda a vasta
extensão de floresta descortinada abaixo de nós havia apenas uma pequenina aldeia,
com uns quatrocentos habitantes ao todo, o restante ainda se encontrando em estado
natural, como fora por milhares de anos, habitado somente por feras e índios selvagens
137
. O discurso mais forte é sobre a existência de feras selvagens, tanto que ele cita até a
existência de tigres no Paraná, referindo-se provavelmente à oa-pintada. O fato é que
também o discurso do velho mundo está incutido no relato deste viajante.
Porém, torna-se necessário deter-nos um pouco mais sobre a Colônia Tereza,
que daqui por diante estará constantemente presente na narrativa. Assim ele descreve
sua fundação, na parte central da província:
A história da Colônia Tereza era a melancólica e típica de muitas outras
povoações sertanejas desta parte do Brasil. Fundada no ano de 1847 por
um francês entusiasta, de nome Dr. Jean Maurice Faivre, sob os
auspícios reais, ela foi chamada Tereza em homenagem a imperatriz do
Brasil. Originalmente era intenção do fundador ser a colônia povoada
apenas por seus compatriotas. Depois de mandar buscar muitas famílias
francesas e despender largas somas de dinheiro público e particular, o
Dr. Faivre, segundo dizem, morreu de desgosto ao ver caírem por terra
os seus esforços, sendo enterrado no palco de suas desilusões.
Terminou assim a breve carreira desta colônia como povoação francesa.
O êxodo de seus habitantes, iniciado em vida de seu fundador
culminou na deserção do restante, com exceção de dois ou três
franceses que casaram com mulheres brasileiras e aceitaram o estilo de
vida brasileiro.
138
Nesse sentido, uma das questões mais abordadas a partir desse momento é sobre
o comportamento indígena e sobre o aproveitamento do trabalho dos mesmos. Na
verdade não é apenas o comportamento do índio que ele observa, ele vai muito além.
Primeiro ele vai analisar quem é esse “selvagem” ou semi-rbaro”, seus aspectos
físicos, justamente para pensar como o índio pode ser inserido no mundo trabalho
dentro dos moldes europeus, dentro das possibilidades de organização do trabalho no
sertão. O fragmento abaixo descreve a chegada de Bigg Wither na Colônia e a forma
como foram recepcionados, e nele destacamos a parte em que ele fala do
comportamento dos indígenas:
137
Idem, ibidem, p.132.
138
Idem, ibidem, p.139.
88
Além do diretor, tivemos a visita dos índios que, sabedores de nossa
chegada atravessaram o rio e vieram, em comissão, conhecer-nos.
Foram, entretanto para o interior da casa e se sentando silenciosamente
sobre as caixas e fardos espalhados pelos quartos sem mesmo nos
dirigirem qualquer espécie de saudação. A princípio achamos graça,
pois nunca havíamos visto tais homens, mas logo os julgamos
importunos, mandando-os embora e prometendo ir visitá-los na
própria aldeia, à tarde.
139
(grifos meus)
Observa-se a forma como Bigg Wither se refere ao índio: parece estar falando de
um objeto. O índio aparece como uma novidade, visto que o interior do país era pensado
como um grande espaço vazio; ao penetrar na rego, ele considerava as populações que
habitavam esses sertões não eram civilizadas, e representavam um atraso para o país.
Ainda mais, havia todo um discurso sobre o índio ser perigoso, ameaçador, criando-se
um discurso tico em relação a ele. Mirhiane Abreu destaca que “índio e sua primitiva
cultura traduzia-se na origem, entre lendária e tica, da nova civilização”
140
. Nesse
caso, Bigg Wither vai investigar todos os detalhes que incorporam esse universo
indígena. Como podemos observar, o inglês fez questão de cumprir e realizar a visita
que havia prometido aos primeiros índios com que teve contato, ainda na Colônia, pois
estava muito interessado em conhecer mais de perto esse povo exótico e selvagem.
Existia a vontade de tomar contato com os costumes do índio, mas principalmente em
civilizar o homem do Novo Mundo com os conhecimentos do homem do Velho Mundo,
especialmente no que diz respeito às relações de trabalho. Vejamos o que diz sobre a
primeira impressão dos índios coroados:
Às três horas da tarde, mais ou menos, eu e S- atravessamos o rio numa
pequenina canoa para pagar a visita dos índios. Ao chegarmos à aldeia,
fomos imediatamente cercados pelos nativos, homens, mulheres e
crianças, que se amontoavam para olhar e apalpar, repetindo a palavra
“inglês” diversas vezes. ... Observei-os atentamente. Os homens eram
de meia altura e bastante atarracados; as mulheres, baixas e gordas.
Ambos usavam o cabelo cortado curto em volta de toda a cabeça, e os
homens eram ainda tonsurados. Os seus cabelos lisos e pretos e, quando
cortados curtos na maneira descrita, ficavam caídos como um colmo. A
tonsura era notável. Teria este costume da tribo de assim coroar a
cabeça, procedido de tempos imemoriais ou era um remanescente do
antigo regime dos jesuítas de 250 anos atrás? As crianças ao contrário
dos pais pareciam inteligentes, vivas e aproveiveis. Respondiam com
alegria a todas as nossas brincadeiras e foi fazendo-as saltar e empurrar
139
Idem, ibidem, p.140.
140
ABREU, Mirhiane Mendes de. O Índio brasileiro e a concepção romântica da natureza. In: ARRUDA,
Gilmar; TORRES, David Velázquez; ZUPPA, Graciela. Natureza na Ámerica Latina: apropriações e
representações. Londrina: Ed. Uel, 2001. p.53.
89
umas às outras para apanhar os vinténs jogados, que proporcionamos
aos velhos e moços o melhor divertimento.
141
Essa aldeia de índios coroados a qual Bigg Wither se refere ficava localizada do
outro lado da margem da Colônia Tereza, mas isso não incorporava os selvagens à
civilização o Paraná durante o século XIX se encontrava nos meio da discussão sobre
catequese e civilização”. A partir de experiências pessoais e coletivas de certa forma
desenvolveu-se a idéia de que era necessário conhecer os sertões e civilizar o selvagem.
Pode-se, nesse sentido, observar a forma como este viajante descreve os utensílios
indígenas:
...observei variado e grande número de arcos e flechas, algumas destas
artisticamente ornamentadas de pigmentos coloridos, pendurados na
folha das palmeiras, além de uma ou duas armas civilizadas, como
machados e foices, mostrando que embora os índios tivessem aprendido
a fazer ras, semear milho e feijão todos os anos, não tinham ainda
abandonado os costumes e antepassados. De fato, uma diferença
óbvia entre domesticado e civilizado e estes índios, evidentemente, não
tinham feito muito progresso no que diz respeito à civilização.
142
(grifos
meus)
Além de cumprir a promessa da visita, Bigg Wither também estava pensando em
empregar alguns destes para incorporá-los a equipe da expedição, servindo como
interpretes durante a viagem. Devemos ressaltar que assim como a catequese foi usada
pelos jesuítas como forma de civilizar e disciplinar o índio, o trabalho também pode ser
entendido como maneira de civilizar, de estabelecer a ordem, e percebemos isso na
afirmação seguinte:
...empregamos, mais tarde, vários destes índios para trabalharem
conosco, abrindo picadas, e mais adiante direi algumas palavras quanto
ao seu valor como trabalhadores. Embora compreendam alguma coisa
sobre o valor do dinheiro como meio de troca, a inteligência não lhes é
suficiente para mostrar que uma nota de cem mil réis vale cem vezes
uma nota de um mil réis.
143
Em alguns momentos de seu relato Bigg Wither fala do seu problema em
encontrar trabalhadores que realmente estivessem interessados em enfrentar a natureza
inabitada. Um dos problemas que ele encontrou foi a falta de serenidade desses
141
Bigg Wither, op. Cit. , p.141.
142
Idem, ibidem, p.143.
143
Idem, ibidem, p.143.
90
trabalhadores. Seria mais interessante o trabalho indígena, primeiro pelo fato deles
estarem adaptados a mata, e segundo porque esse índio poderia ser moldado,
civilizado”. Todavia, esse índio tinha limites naturais: não era tão “inteligente” para
lidar com todos os aspectos da relação de trabalho. Ele pode não ser inteligente para
algumas coisas, pode vir a ser um bom trabalhador, que o que chama mais atenção
dos viajantes estrangeiros é o corpo saudável que representa o “selvagem”. Todavia, a
intermediação do homem branco será sempre necessária.
Bigg Wither descreve com bastante rigor o corpo físico dos índios, mas não faz
nenhuma distinção sica ou cultural entre uma tribo e outra, bem como o faz
comparação nesse sentido com relão ao caboclo. Destaca que o caboclo e o fazendeiro
são muito hospitaleiros, e o maior problema, sempre referido, é a falta de trabalhadores
honestos, dispostos a enfrentar a floresta virgem - e o medo do índio selvagem. Como
por exemplo, o medo que se espalhou aos trabalhadores da expedição com a informação
de que grande número de índios coroados andava pelas margens do rio, [quando]
espalhou-se o pânico em toda a turma de brasileiros, sendo infrutíferos todos os
esforços para que os homens continuassem
144
. Nesse sentido podemos entender
melhor o motivo que leva Bigg Wither a querer inserir o índio até aqui visto como
“selvagem no mundo do branco “civilizado”, considerando que a etnicidade se
constrói através do processo dinâmico de relações sociais entre grupos que se percebem
e se afirmam através das diferenças”
145
, ou seja, é a partir dessa questão étnica que
Bigg Wither parte para pensar como pode transformar o nativo em homem trabalhador.
Sua maior proposta é construção de estradas de ferro que contribuam para o processo de
ocupação do interior do Paraná, falaremos sobre este assunto posteriormente.
O primeiro passa para conquistar o índio, é mostrar-se amigo e representar
confiança esta é a fase da conquista. Estas palavras não apresentam nenhuma
novidade visto que esta é uma discussão que perpassa o final do século XIX e todo o
século XX, mas o que queremos destacar é justamente como um viajante estrangeiro
estabelece essas relações. Ele se prontifica a viajar por três anos embrenhados no meio
do sertão, e convenhamos mesmo tendo toda uma equipe a sua disposão, muitas
dificuldades. O viajante descreve aquilo que lhe é mais interessante, pois “onde tudo é
144
Idem, ibidem, p.349.
145
REICHEI, Heloisa Joichins. Relatos de viagens como fonte histórica para estudos de conflitos étnicos
na região platina (séc. XIX). In: VÉSCIO, Luiz Eugênio; SANTOS, Pedro Brum (Orgs.). Literatura e
História: Perspectivas e Convergências. Bauru, SP: Edusc, 1999. p. 61.
91
produzido para ser visto, onde tudo se mostra ao olhar, coloca necessariamente o ver
como um problema”
146
, e nesse sentido a questão é observar como este viajante insere
esse índio brasileiro no mundo possível do trabalho organizado. Principalmente por que
um dos problemas principais enfrentados por Bigg Wither e sua expedição não é apenas
a falta de estradas, mas a falta de trabalhadores “honestos” e compromissados com o
trabalho sério, pois “a pregua e a falta de iniciativa pareciam ser realmente, o grande
mal do povo da colônia, e isso era visível de todos os lados
147
. Bigg Wither ainda
relata que:
Os brasileiros o queriam trabalhar conosco sem que lhes ssemos
em abundância o alimento habitual, que consistia em feijão, farinha e
toucinho. Também exigiam carne, ocasionalmente, mas esta última
todos concordavam que pudesse ser substituída por caça, como anta,
veado e porco do mato, encontramos em grande quantidade às margens
do rio correnteza abaixo.
148
Aqui, Bigg Wither dá sinais de um dos problemas que mais o incomodou
durante a expedição: a forma como os trabalhadores reagiam diante das novas situações.
Daí o estranhamento em relação a todos os hábitos dessas populações. Inclusive
também quando fala sobre a mentira “num país como o Brasil, em que a mentira é
instituição reconhecidamente comercial, sem cujo auxílio nenhum nacional sonha fazer
algum negócio importante, é muito difícil determinar a razão verdadeira do não
cumprimento de qualquer compromisso
149
. Mas, a questão principal para Bigg Wither
é que o brasileiro apresenta tantos problemas sobre a disciplina para o trabalho e como a
sua experiência na Inglaterra é outra. Seu objetivo não é civilizar o índio para
nacionalizá-lo, como percebemos nos relatos de Nestor Borba e Muricy analisados.
Esses últimos apresentam preocupações com a nacionalização do espaço paranaense a
partir da civilização do indígena. Já Bigg Wither se preocupa em educar o índio para a
ocupação, e nesse sentido ele não demonstra interesse na questão da nacionalização,
muito pelo contrário, sempre que tem uma possibilidade faz menções ao trabalho na
Europa que poderia ser implantado aqui.
No trecho que segue o viajante chama a atenção mais uma vez para a
organização do trabalho, apresentando suas angústias em relação à forma como é
146
Op. Cit. p. 361.
147
Bigg Wither, op. Cit, p.149.
148
Idem, ibidem, p.148/149.
149
Idem, ibidem, p.275.
92
encarado o trabalho no Brasil. Quando os trabalhadores foram contratados verbalmente
para o trabalho na expedição não fizeram muitas exigências e depois começaram a
mudar de idéia, então Bigg Wither percebeu que seria necessário que fossem tomadas
algumas precauções:
Primeiro a introdução de um sistema de contrato escrito, pelo qual cada
homem, ao entrar para a expedição, ficava sujeito às penalidades de
uma lei relativa ao empregador e ao empregado, conhecida como a lei
de 13 de setembro de 1830, que obrigava a permanecer certo período na
expedição ; segundo, no caso daqueles a quem não conseguíssemos
induzir e assinar longos contratos, mas que eram homens merecedores
de serem retidos no trabalho, haver claro entendimento entre ele e nós,
no sentido de o ser possível abandonar o trabalho sem o aviso prévio
de um s , sob pena da perda do direito a qualquer soma de dinheiro
que tivessem conosco; e terceiro, o obstáculo físico de separá-los em
dois ou mais grupos distintos, a fim de evitar, em todas as ocasiões
ordinárias, qualquer combinação desagradável por parte deles com o
propósito de ameaçar a nós, os empregadores.
150
Para Bigg Wither, portanto, embora os brasileiros fossem um povo hospitaleiro e
trabalhador, ele considerava que “o caráter geral de nossos camaradas brasileiros era
igual ao de crianças briosas... Acima de tudo, era necessário tratá-los com estrita justiça,
pois, como acontece com todos os povos semibárbaros, esta era a virtude que lhes
sensibilizava o entendimento com maior intensidade”
151
. É como se o trabalhador
brasileiro não quisesse perder sua liberdade, tendo dificuldades em cumprir contratos
com relação ao trabalho assalariado, sem preocupação para com o progresso, tendo
medo de se embrenhar nas florestas pelo medo dos perigos da mata fechada e também
do índio selvagem, mesmo aqueles que nunca tiveram contato com o homem branco.
Nesse caso, Bigg Wither ainda se justifica com fato de não empregar critérios mais
exigentes aos trabalhadores ao dizer que, “os que estão habituados a trabalhar em países
civilizados onde o trabalho é abundante, podem talvez achar difícil compreender a razão
por que não empregamos medidas mais decisivas como é habito fazê-los com
empregados turbulentos”
152
. É importante ainda acrescentar, com relação a essa questão
do trabalho, que para ele é uma questão muito pertinente, pois “ultrapassei os limites
que tinha proposto quando comecei este assunto-sempre tão melindroso para os que
150
Idem, ibidem, p.252.
151
Idem, ibidem, p.254.
152
Idem, ibidem, p.256.
93
viajavam pelos países bárbaros, mas teria sido quase impossível transmitir em poucas
palavras algo que desse iia justa da condição importante de nossa vida e trabalho”
153
.
Tudo isso de certa forma está relacionado à idéia de modernização de que ele é
portador, e essa perspectiva de organização do trabalho podemos entender como o olhar
de intervenção desse viajante no novo espaço onde ele esta inserido. Um mundo natural
no Paraná onde a barbárie está presente, em suas palavras, e nesse sentido o viajante
sente-se como dono do espaço e interventor ao mesmo tempo, pensando sempre no
processo de transformação de espaço.
Quem poderia ser o principal agente nesse processo? Não o índio, pois para o
viajante estrangeiro que pouco contato teve com o nativo, ele é entendido como um
papel em branco, que pode ser trabalhado de diferentes formas, além de apresentar
limitações. O índio é entendido apenas como índio, independente de fatores culturais e
do contato ou não com o homem branco. Porém, Lúcio Tadeu Motta, em seu livro As
Colônias Indígenas no Paraná Provincial, destaca claramente os conflitos indígenas
entre brancos e tribos diferentes. Sabemos que durante o século XIX houve muitos
esforços para civilizar e catequizar os índios, estando presente também o interesse por
suas terras. Quando Bigg Wither fala sobre as possibilidades de tornar o nativo
trabalhador, talvez não tivesse o conhecimento que este não era um processo tão
simples.
A forma como Bigg Wither retrata o índio, representa uma das questões mais
ricas do relato, pois estão descritas com minuciosos detalhes. Meticulosamente ressalta
que “tínhamos agora penetrado bastante nas fronteiras do terririo dos índios e, nas
florestas de envolta, não faltavam sinais para provar a presença mais ou menos recente
de seus moradores selvagens
154
.
Fica bem presente a idéia do medo, e os trabalhadores muitas vezes temiam
continuar o trabalho na floresta por sentirem receio do índio. Bigg Wither ressalta que
esse medo estava mais no imaginário deles, pois “deve ser, creio, uma peculiaridade dos
povos semi-selvagens ignorantes, como o sertanejo brasileiro, ter mais medo do perigo
imaginário em perspectiva do que o medo do perigo real
155
. Sempre que o viajante
153
Idem, ibidem, p.256.
154
Idem, ibidem, p.241.
155
Idem, ibidem, p.255.
94
descreve essas questões que envolvem o trabalhador brasileiro, faz menção ao índio, os
dois assuntos estão sempre atrelados.
Porém, se analisarmos a forma como Bigg Wither descreve seu primeiro
encontro com os índios botocudos, parece algo assustador, e ele claramente estabelece
uma ligação entre o índio e a barbárie, como podemos observar no seguinte fragmento:
Imagine um ser de cinco pés e quatro polegadas de altura, arqueado, nu
e indescritivelmente sujo. Da cabeça lhe caíam a abaixo dos ombros
cachos de cabelos imundos embaraçados de cada lado da cabeça, presas
ao cabelo com cera virgem, penas e peles de diversos peitos de tucano.
sobre a testa o cabelo era cortado curto, à moda tão em voga na
Inglaterra entre as crianças alguns anos atrás, fazendo concessões ao
uso de um par de olhos remelosos, sem sobrancelha nem pestanas, a
exemplo dos seres humanos em incomuns, com todos os pêlos
arrancados. Mais abominável e repulsiva ainda era a parte inferior do
rosto. Enorme pingente, do tamanho e forma de um cone de abeto, feito
de madeira dura e polida, pendia-lhe do beiço inferior, que dobrava
para baixo sob o peso do ornamento (?) a certa altura do queixo,
deixando à mostra a gengiva da mandíbula inferior desdentada
desdentada no que toca os incisivos da frente flanqueada de brancos,
enormes e anormais dentes caninos. A saliva escorria-lhe da boca assim
horrendamente deformada... Era este o retrato geral do ser que estava
diante de nós. Luco já tinha dito que a sua tribo era a dos botocudos, os
mais selvagens de todos os índios sul-americanos, e agora a sua opinião
estava confirmada. Estávamos, afinal, frente a frente com o botocudo
selvagem do Brasil.
156
Após encontrar a tribo dos botocudos, os expedicionários aproveitaram para
passar a noite com eles e conhecer um pouco mais dos costumes. Luco fazia parte da
expedição e também pertencia à tribo dos botocudos, porém era civilizado”. Pelo
tempo que lá permaneceram, os expedicionários aproveitaram para presentear os índios
com alguns brindes e também para lhes darem comida. Posteriormente, seguiram com
os índios para a Colônia Tereza, na intenção de conhecê-los melhor:
Embora o tivéssemos a intenção de dilatar a permanência de nossos
hóspedes selvagens além do tempo necessário à adaptação deles ao
nosso meio, para nosso próprio bem começamos cedo processo de
civilização. Assim, logo após a chegada de cada grupo, dois de nossos
homens eram destacados para levar homens, mulheres e crianças no rio,
operação que precisava ser feita sem demora.
157
156
Idem, ibidem, p.290.
157
Idem, ibidem, p.302.
95
Nesse momento o que mais incomodava Bigg Wither era aparência suja dos
índios, e o primeiro passo foi fazê-los tomar banho e depois vesti-los, ou seja uma
atitude típica de quem vem de fora, materializando a idéia de civilizar o “selvagem ou o
bugre”. É curiosa a forma como Bigg Wither descreve o índio botocudo, pois uma
preocupação de sua parte em transformar a aparência do selvagem para melhor, do
ponto de vista do viajante. Um fato interessante foi a preocupação em melhorar a
aparência dos cabelos, e segundo Bigg Wither “pode-se ter como certo que esse cabelo
nunca foi lavado nem penteado...o cabelo era liso e geralmente preto, mas houve
contudo duas exceções, pois, quando lavado, o cabelo tornou-se castanho escuro”
158
.
Além disso, também procuraram ensinar a língua para duas crianças, pois era mais fácil
para criança que para o adulto aprender. Porém, pouco tempo depois todos os índios que
haviam trazido para Colônia Tereza, num total aproximado de mais de 20, começaram a
morrer uma forte epidemia exterminou todos eles. A explicação mais corrente é que
o tenham conseguido a se adaptar a novos costumes, e principalmente à comida, visto
que antes costumavam comer o que capturavam na mata.
Por força dessa pouca possibilidade de adaptar o corpo do índio a novos hábitos,
Bigg Wither vai encontrar força para propor outra forma de ocupação do sertão, com
outro tipo de populão: ele afirma repetidas vezes que o governo deveria incentivar a
vinda de imigrantes estrangeiros para o Brasil.
E uma das formas que ele encontra para destacar a importância do investimento
governamental é através da discussão que invadiu a vida de muitos que resolveram
tentar a vida no Brasil. Bigg Wither fala sobre as queixas dos imigrantes em terem sido
enganados sobre como seria as condições de trabalho:
Apeei do cavalo e entrei em diversas habitações de imigrantes à beira
da estrada, indo conversar com eles. Respondendo às minhas perguntas
quanto ao que achavam de suas novas residências, a reposta era
invariavelmente esta: - Quisera Deus não tivéssemos pensando em vir
para aqui, mas fomos iludidos com falsas promessas. - Que os agentes
mentiram a esses pobres homens na Inglaterra, não tenho a menor
dúvida, e o testemunho dos colonizadores era preponderante nesse
ponto, mas que o governo brasileiro tenha sido conivente nos logros
praticados, custo a acreditar como provável. A moralidade no Brasil
não é, efetivamente, tida em alto apreço...
159
158
Idem, ibidem, p.303.
159
Idem, ibidem, p.334.
96
Aqui, Bigg Wither está se referindo à Colônia de imigrantes do Assungui,
localizada no Vale do Ribeira próximo a Curitiba, constituída, em grande parte, por
ingleses. Eles reclamam das falsas promessas dos agentes brasileiros. E, na maioria das
vezes, esses agentes enviavam imigrantes não aptos para certos tipos de trabalho.
Durante os dias que permaneceu na colônia procurou se informar sobre os problemas
que levaram ao fracasso da Colônia do Assungui. Ele demonstra seu desconforto com a
seguinte pergunta:
A questão é, naturalmente, saber-se por que e para que fizeram vir esses
emigrantes? Essa pergunta eu deixo aos agentes do Governo brasileiro
na Inglaterra. Eles sabem muito bem por que processo de raciocínio
puderam salvar a consciência, enviando homens que, como não podiam
deixar de ter percebido na ocasião, não serviam para nada, não
correspondendo às necessidades do Governo Brasileiro.
160
A questão mais importante que temos que analisar aqui é: sua intenção era
acima de qualquer coisa, se dirigir (grifos meus) ao imigrante nele parece se
materializar a utopia da civilização, do progresso e do trabalho
161
. O viajante no
trabalho imigrante a possibilidade de transformar o espaço a partir de um novo homem
inserido em uma nova realidade, trazendo novas formas de trabalho e desenvolvimento.
Temos dois caminhos “no qual se coloca a “dupla natureza” da Província e dos homens:
de um lado, natureza e o barbarismo, de outro, o trabalho e a civilizão”
162
.
As permanecer, dois dias nessa colônia, retornou à Colônia Tereza de onde
segui para a Colônia Militar de Jataí, onde iria conhecer as regiões dos rios Tibagi,
Paranapanema e Paraná, acompanhado de Telêmaco Borba. Afirma Bigg Wither que:
por fim, resolvi viajar por terra à colônia de Jat, onde nasceu meu companheiro
Telêmaco, e dali explorar o rio de cima para baixo
163
. A expedição seguiu caminhando
pela floresta próximo ao leito do rio Tibagi, seguindo o Paranapanema e parte do rio
Paraná, guiados por Telêmaco Borba que conhecia bastante a rego, visto que era
responsável pela colônia indígena de São Jerônimo. Posteriormente, voltaram para a
colônia de Jataí pelos rios a canoa. Uma das observações mais importantes que Bigg
Wither teceu sobre esta região do Paraná revela que:
160
Idem, ibidem, p.336.
161
PAZ, Francisco Moraes. História e Cotidiano: A sociedade paranaense no século XIX na perspectiva
dos viajantes. In: História: Questões e Debates, Curitiba: Ano 08, jun-dez.1987.p. 43.
162
Idem, ibidem, p.43.
163
BIGG WITHER, op cit. p. 362. Os rios aos quais se refere Bigg Wither condizem com os rios Tibagi,
Paranapanema e Paraná na região Norte do Paraná.
97
Vale apena notar a rapidez com que esse oásis no deserto florestal foi
conquistado e colonizado logo após a sua descoberta, não obstante a
distância que o superava das partes mais povoadas da província. Isso é
apenas mais uma prova do valor que se à combinação de terras
pastoris e aveis, encontradas nas fronteiras das campinas e em casos
como o que acabo de mencionar.
164
É óbvio que Bigg Wither não foi à Colônia Militar de Jat apenas para fazer
descrições sobre a natureza, a maior questão presente em seu relato, está voltada para os
problemas de ocupação e apresenta elementos que podem contribuir para povoar os
sertões do interior da província. Como podemos perceber ele vai dando indicativos
sobre a natureza, o clima mostrando como isso a possibilidade de transformação do
sertão em local de ocupação e transformação do espaço. Nesse sentido, ele destaca no
relato a pretensão de construir estradas de ferros pelo interior da província. Entre elas
está a proposta de uma estrada que ligasse a cidade de Curitiba a Colônia Militar de
Jataí, a partir do seu conhecimento sobre o curso dos rios Tibagi, Paranapanema e
Paraná:
Este grande sistema fluvial interno, de expressão correspondente nas
recentes descobertas feitas na África Central, é no momento quase
correspondente vedado ao comércio, pela falta de comunicação
existente entre ele e a costa marítima. Durante a última grande guerra
com o Paraguai, ele foi, todavia, utilizado em grande extensão pelos
brasileiros, no transporte de munições de guerra às fronteiras desse
país, em comunicação fluvial direta com Jataí pelos rios Paranapanema
e Paraná. Se fosse construída uma boa estrada pelo Vale do Tibagi,
da cidade de Palmeira a Jataí, ou a foz do rio, o efeito seria a
abertura para a civilização e o comércio de uma área de rica e
saudável região de pelo menos 100.000 milhas quadradas de
extensão , agora somente ocupada por uma meia dúzia de colônias
espalhadas no meio do grande deserto de florestas inexploradas,
que as cercam de todos os lados, obrigando-as a levar vida
mesquinha.
165
(grifos meus)
Bigg Wither materializa nesse fragmento o progresso das estradas e o quanto
estas podem modificar o cotidiano da população que vive nessas regiões. Ele encontrou
por meio do trabalho, a forma mais sensata de transformar o sertão da província em um
lugar de prosperidade. Nesse sentido, podemos entender algumas questões presentes nos
três relatos.
164
Idem, ibidem, p.385.
165
Idem, ibidem, p.388.
98
Nestor Borba e Telêmaco Borba estão preocupados com o a delimitão das
regiões por onde viajaram, conhecer, com o propósito de manifestar a construção de
ponte entre Paraná e Mato Grosso seu olhar não é de apenas um viajante, mas daquele
que pretende manifestar um processo de desenvolvimento nesse local. Muricy apresenta
sua preocupação com a comunicação entre Guarapuava e Colônia Militar de Foz do
Iguaçu, a Estrada Estratégica, justamente para tornar o acesso à colônia mais fácil, pois
ele defendia a hitese de que o governo devia olhar com mais atenção, por ser uma
região de fronteira. Então, os dois apresentam objetivos diferentes, com a finalidade de
definir algumas fronteiras e de nacionalizar outras. Bigg Wither faz o trabalho contrário,
a questão mais importante é a ocupação, que pode ser realizada com a organização do
trabalho, relata a importância do indígena para este processo de ocupação. A
transformação do que ele chama de “região selvagem e desconhecida” está relacionada
com a “civilizaçãoindígena. Pois, a partir do momento que este espaço for ocupado,
ele pode estar apto para o progresso.
99
Considerações Finais
Atualmente o trabalho com narrativas de viagem tem sido muito abordado pela
historiografia em diferentes perspectivas. Os estudos sobre relatos de viagem
contribuem para conhecermos regiões mais distantes, servem como base para adquirir
outros conhecimentos específicos, e até mesmo nos instigam a problematizar os pontos
abordados. Eles podem ser lidos a partir de rias perspectivas, até mesmo como gênero
literário.
Essas fontes são extremamente fascinantes, pois nos apresentam outro universo
cultural, em que os viajantes se colocam muitas vezes diferentes de sua formação
profissional: como cientistas, observadores engajados em propagar seus próprios
interesses, naturalistas, fotógrafos... Os viajantes aproveitam para expressar em seus
relatos suas angústias, prazeres, privilegiando muitas vezes seus momentos de
heroísmo. No nosso caso, a questão do outro se apresenta com força: o olhar sobre a
população nativa é descrito a partir de estereótipos, seja a partir da experiência do
militar, seja a partir do olhar do estrangeiro. Nesse sentido, nosso maior desafio foi
apresentar a fonte, a partir do olhar do historiador, sem deixar-se levar pela descrição
crua dos relatos.
Durante o trabalho procuramos ressaltar a realidade em que o viajante estava
inserido, traçando um diálogo entre os relatos de viagem e o trabalho do historiador,
cada relato separado e relacionando-os. Desse conjunto apareceram as pretensões que
cada viajante tinha ao realizar sua viagem, como objetivos e muitas vezes angústias pelo
que eles chamavam de falta de desenvolvimento mesmo percorrendo os seres do
interior do Brasil.
Claro que este trabalho está longe de definir todas as questões do Paraná durante
o século XIX, e que conseguimos aprofundar algumas questões, porém muitas
permanecem abertas para outras discussões e aprofundamentos. Na confecção deste
trabalho, percebemos como é importante buscar novas fontes, pois estas ajudam a
pensar as questões existentes e até dão amplitude maior ao andamento da pesquisa.
Entre elas estão os relatórios de província que nos ajudaram a entender melhor o
momento em que os viajantes realizaram e publicaram seus relatos.
Os três viajantes, Nestor Borba, JoCândido Muricy e Thomas Bigg Wither,
apresentam cada qual suas percepções e até mesmo angústias sobre as regiões que
100
visitaram, e nesse sentido procuramos, a partir do presente, pensar a relação da viagem
com a província do Paraná naquele momento.
A escolha dos relatos a serem analisados levou em consideração aproximações e
diferenças. Devemos ressaltar a maior diferença entre eles, antes de assumirem a
posição de viajante: os dois primeiros eram militares e estavam atrelados de alguma
forma ao governo ou aos meios de comunicação que lhe possibilitaram publicar seus
relatos. Antes disso eram militares e seus olhares estratégicos dão outra dimensão a seus
relatos. Bigg Wither era engenheiro e apresenta seu olhar técnico, de intervenção do
espaço por meio da ocupação, levando em consideração o trabalho indígena e imigrante.
De fato as questões sobre fronteira, território e ocupação estão presentes nos três
relatos, de forma diferente, enquanto os dois militares estão pensando o espaço como
local de desenvolvimento por meio de sua delimitação e dos meios de comunicação.
Bigg Wither aposta na idéia da organização do trabalho a partir da figura do nativo, e do
imigrante. Nesse sentido, sabemos que esses conceitos podem ser mais aprofundados,
por outro lado percebemos que temos olhares diferentes sobre um mesmo espaço, a
delimitação das fronteiras e o olhar intervencionista do estrangeiro.
Por fim entendemos que o trabalho apesar de não abarcar todas as dimensões do
tema, tornou possível oferecer uma pequena contribuição dos relatos de viagem sobre o
Paraná no século XIX e apreendemos que essas fontes podem nos levar a um mundo
cheio de angústias, inquietações e prazeres.
101
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102
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