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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – PPA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA – UEL
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Administração
GILBERTO CLARÍCIO MARTINEZ GUERRA
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DA AGROECOLOGIA NA AGRICULTURA
FAMILIAR
MARINGÁ
2010
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – PPA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA – UEL
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Administração
GILBERTO CLARÍCIO MARTINEZ GUERRA
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DA AGROECOLOGIA NA AGRICULTURA
FAMILIAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Gestão de
Negócios da Universidade Estadual de
Maringá, em consórcio com a Universidade
Estadual de Londrina, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Administração.
Orientadora: Profª. Drª. Elisa Yoshie
Ichikawa
MARINGÁ
2010
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Guerra, Gilberto Clacio Martinez
G934i A institucionalizão das representações sociais da
agroecologia na agricultura familiar. / Gilberto Clacio
Martinez Guerra. -- Maringá, 2010.
194 f. : figs., quadros.
Orientador : Profª. Drª. Elisa Yoshie Ichikawa.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá, Programa de Pós-Graduação em Administração
UEM/UEL, 2010.
1. Agroecologia. 2. Teoria institucional. 3. Teoria das
representações sociais. 4. Extensão rural. 5. Pesquisa
agrícola. 6. Agricultura familiar. I. Ichikawa, Elisa
Yoshie, orient. II. Universidade Estadual de Maringá.
Programa de Pós-Graduação em Administração. III.
Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-
Graduação em Administração. IV. Título.
CDD 21.ed. 338.1
GILBERTO CLARÍCIO MARTINEZ GUERRA
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DA AGROECOLOGIA NA AGRICULTURA
FAMILIAR
Dissertação apresentada como requisito para
obtenção do grau de mestre em
Administração, do Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Gestão de
Negócios da Universidade Estadual de
Maringá, em consórcio com a Universidade
Estadual de Londrina, sob apreciação da
seguinte banca de examinadora:
Aprovada em 02 de março de 2010
__________________________________________
Profª. Drª. Elisa Yoshie Ichikawa (PPA-UEM/UEL)
_________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Alex Silva Saraiva (Centro Universitário UNA)
_________________________________________
Profª. D. Maria Iolanda Sachuk (PPA-UEM/UEL)
Se quisermos que tudo continue como está,
é preciso que tudo mude.”
Do romance II Gattopardo,
de Giuseppe Tomasi di Lampadusa
Ao meu pai, Gilberto;
à minha mãe Elisabete;
e à minha noiva, Graciéle
dedico este trabalho
AGRADECIMENTOS
No Brasil, um país onde a educação não recebe o devido tratamento, ter a oportunidade de
fazer um curso de graduação é considerado um privilégio. Concluir um curso de pós-
graduação stricto sensu, por sua vez, não há palavras que possam expressar a sensão. Desta
forma, agradeço a todos que tornaram possível a minha entrada e conclusão do mestrado.
Ao meu pai, Gilberto Aparecido Guerra, por todo o apoio e incentivo aos estudos desde minha
infância, não poupando esforços quando o assunto era o investimento para o meu futuro.
À minha mãe, Elisabete, por todo o carinho e incentivo às minhas metas pessoais.
À minha noiva Graciéle, por ter ficado ao meu lado nos momentos mais difíceis, sempre me
lembrando o quanto eu era capaz.
À minha irmã, Betinha, pelo apoio dado em muitos momentos.
Ao meu amigo, Fabiano Romanha Neves, por ter me ajudado muito na adaptação à nova vida
que se iniciava no ano de 2008.
À minha professora na graduão e colega no mestrado, Ana Paula, pelas incontáveis horas de
viagem compartilhadas entre Umuarama e Maringá.
À Profª. Drª. Elisa Yoshie Ichikawa, por ter me orientado nesta difícil jornada, partilhando
conhecimento e demonstrando compreensão, além de possuir uma inteligência e dedicação
ímpares, as quais foram essenciais para a realização do trabalho.
Aos meus avós, Clarício e Otracil, por toda a confiança e ajuda dadas.
A todos os professores que fizeram parte de minha formação intelectual, que acreditaram em
mim e me incentivaram a sempre buscar o máximo potencial.
Às pessoas entrevistadas na coleta de dados da minha dissertação, agricultores, extensionistas
da EMATER e pesquisadores do IAPAR, que forneceram um pouco de seu tempo e atenção.
RESUMO
No Brasil, devido à Revolução Verde, iniciou-se, no final dos anos 1960, o uso de sementes
melhoradas geneticamente, estéreis, em sua maioria, agrotóxicos e agroquímicos, o que causou
danos ambientais e a exclusão social do pequeno agricultor rural familiar, devido às dívidas
obtidas e danos à sua saúde. Com a compreensão da insustentabilidade do sistema
convencional, a agroecologia - que é uma ciência que estabelece as bases para a construção de
estilos e estratégias para o desenvolvimento rural sustentável - foi se desenvolvendo, existindo
nela três níveis que precisam ser relacionados entre si: ecológico, econômico e social (primeiro
nível); cultural e político (segundo nível) e ético (terceiro nível). Nesse contexto, no Paraná é o
IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná) que realiza muitas das pesquisas agroecológicas no
Estado, por meio do PAG (Programa de Pesquisa em Agroecologia) e são os extensionistas
rurais da EMATER (Instituto Paranaense de Assistência cnica e Extensão Rural) que
realizam as ações de orientação e motivação para converter os agricultores convencionais em
agroecológicos. O agricultor, principalmente o familiar, é aquele que recebe as orientações dos
extensionistas da EMATER no tocante à agroecologia. Diante disso, e sabendo da atualidade do
tema, entendeu-se como importante conhecer a compreensão que esses atores têm da
agroecologia e o processo pelo qual ela passa em busca de legitimação. Sendo assim, o objetivo
do presente trabalho é compreender a institucionalização da representação social da
agroecologia para pesquisadores do IAPAR, extensionistas da EMATER e produtores rurais da
agricultura familiar que trabalham com ela, com base nas crenças, valores e padrões de atuação
desses atores, na cidade de Umuarama-PR, no período de 2004 a 2009. Para tanto, a dissertação
tem como base a aliança entre a Teoria das Representações Sociais e a Teoria Neoinstitucional.
Por meio de um percurso metodológico qualitativo e descritivo, utilizando-se, principalmente,
de roteiros de entrevistas semiestruturadas, a análise de discurso realizada desvendou as
diversas representações sociais dos três atores envolvidos com a agroecologia. Essas
representações possuem similaridades como a preocupação com a saúde do agricultor, a
sustentabilidade ambiental e econômica; e também distinções nas prioridades com que cada um
percebe essas dimensões, além de apontarem as dificuldades e expectativas dos atores. Com o
suporte da Teoria Neoinstitucional, ilustrou-se o processo de institucionalização da
agroecologia para os três atores envolvidos com trabalhos agroecológicos. Notou-se que as
crenças e valores necessários para aceitarem a agroecologia se formaram na educação básica,
pelas instituições escola e família. Devido à mudança radical nos pressupostos orientadores e
padrões de atuação, o processo de objetivação e ancoragem dos agricultores foi o mais
complexo entre os três atores pesquisados. Para extensionistas e agricultores, a legitimação
ainda é difícil de ser alcançada, devido aos preconceitos e descasos que a agroecologia ainda
sofre em suas áreas, enquanto que para os pesquisadores ela está mais institucionalizada. Foi
possível concluir que o objeto da representação e da institucionalização ainda possui
obstáculos, por ir contra a corrente de pensamento vigente.
Palavras-chave: Teoria das Representações Sociais. Teoria Neoinstitucional. Agroecologia.
Agricultura Familiar.
ABSTRACT
In Brazil, due to Green Revolution, it was initiated in the end of years 1960, the use of seeds
improved genetically, barren in its majority, agrotoxics and agrochemicals, that caused
ambient damages and the social exclusion of the small familiar agriculturist, because the debts
and damages to its health. With the understanding of the unsustainability of the conventional
system, the agroecology - that it is a science that establishes the bases for the construction of
styles and strategies for the sustainable agricultural development - was developing itself,
existing in it three levels that they need to be related between itself: ecological, economic and
social (first level); cultural and politics (second level) and ethics (third level). In this context,
in Paraná is the IAPAR (Agronomic Institute of Paraná) that carries through many of the
agroecologist research in the state, by means of the PAG (Program of Research in
Agroecology) and are the agricultural extensionists of the EMATER (Paraná Institute of the
Technique Assistance and Agricultural Extension) that they carry through the actions of
orientation and motivation to convert the conventional agriculturists into agroecologists. The
agriculturist, mainly the familiar one, is that one that receives the orientations from the
extensionists of the EMATER in regards to the agroecology. Ahead of this, and knowing the
present time of the subject, it was understood as important to know the understanding that
these actors have of the agroecology and the process for which it passes in legitimation
search. So, the objective of the present work is to understand the institutionalization of the
social representation of the agroecology for researchers of the IAPAR, extensionists of the
EMATER and agricultural producers of familiar agriculture that work with it, on the basis of
the beliefs, values and standards of actions of these actors, in the city of Umuarama-PR, the
period of 2004 the 2009. The dissertation has as base the alliance between the Theory of the
Social Representations and the Neoinstitucional Theory. By means of a qualitative and
descriptive methodological means, using mainly half-structuralized scripts for interviews, the
analysis of speech unmasked the diverse social representations of the three involved actors
with the agroecology. These representations possess similarities, as the concern with the
health of the agriculturist, the ambient and economic support; and also distinctions, in the
priorities with that each one perceives these dimensions, beyond pointing the difficulties and
expectations of the actors. With the support of the Neoinstitucional Theory, the process of
institutionalization of the agroecology for the three involved actors with agroecologists works
was illustrated. One noticed that the beliefs and values necessary to accept the agroecology
were formed in the basic education, for the institutions school and family. Due to radical
change in estimated orienting and the standards of actions, the process of objetivation and
anchorage of the agriculturists were most complex between the three searched actors. For
extensionists and agriculturists, the legitimation still is difficult of being reached, because the
preconceptions and indifferences that the agroecology still suffers in its areas, whereas for the
researchers it more is institutionalized. It was possible to conclude that the object of the
representation and the institutionalization still possess obstacles, for going against the chain of
effective thought.
Key Words: Theory of the Social Representations. Neoinstitucional theory. Agroecology.
Family agriculture.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 -
Diferenças importantes entre o velho e o novo institucionalismo..................
40
Quadro 2 -
Os três pilares das instituições........................................................................
52
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Processo de institucionalização.................................................................... 46
Figura 2 - Curva tradicional de institucionalização....................................................... 48
Figura 3 - Processo recursivo da construção social da realidade................................... 58
Figura 4 - Processo de institucionalização das representações sociais.......................... 59
Figura 5 - Instalações do IAPAR no Estado do Paraná................................................. 66
Figura 6 - Processo de institucionalização das representações sociais dos
Pesquisadores do IAPAR.............................................................................
152
Figura 7 - Processo de institucionalização das representações sociais dos
Extensionistas da EMATER.......................................................................
162
Figura 8 - Processo de institucionalização das representações sociais dos agricultores
170
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APOL - Associação dos Produtores Orgânicos da Região de Londrina e Cornélio
Procópio
ATER -
Assistência Técnica e Extensão Rural
CPRA - Centro Paranaense de Referência em Agroecologia
EMATER -
Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA -
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ET - Extra-Terrestre
IAPAR -
Instituto Agronômico do Paraná
IBD - Instituto Biodinâmico
INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
ONG - Organizaçãoo-Governamental
PAG - Programa de Pesquisa em Agroecologia
TRS - Teoria das Representações Sociais
SAF - Secretaria da Agricultura Familiar
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
UEL - Universidade Estadual de Londrina
UEMA - Universidade Estadual do Marano
UFAM - Universidade Federal do Amazonas
UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
UFV - Universidade Federal de Viçosa
USP - Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................13
1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA......................................................................13
1.1 OBJETIVOS .............................................................................................................. 19
1.1.1 Objetivo Geral.....................................................................................................19
1.1.2 Objetivos Específicos...........................................................................................20
1.2 JUSTIFICATIVA.......................................................................................................20
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................23
2.1 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS...........................................................................23
2.1.1 Representações e representações coletivas..........................................................24
2.1.2 Teoria das Representações Sociais ......................................................................28
2.1.3 Formação das representações sociais..................................................................34
2.2 TEORIA NEOINSTITUCIONAL ..............................................................................38
2.2.1 O velho e o novo institucionalismo ......................................................................38
2.2.2 O processo institucional ......................................................................................41
2.2.3 O isomorfismo institucional.................................................................................51
2.3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS..............................54
2.3.1 Principais semelhanças entre a Teoria das Representações Sociais e a Teoria
Neoinstitucional...........................................................................................................54
2.3.2 O processo de institucionalização das representações sociais..............................58
3 PERCURSO METODOLÓGICO..................................................................................63
3.1 PERGUNTAS DE PESQUISA...................................................................................63
3.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA...........................................................................64
3.3 A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO .........................................................65
3.3.1 Sujeitos da pesquisa............................................................................................. 69
3.4 DADOS: COLETA E INTERPRETAÇÃO.................................................................72
3.4.1 Coleta de dados...................................................................................................72
3.4.2 Interpretação dos dados ......................................................................................74
3.5 VALIDADE E CONFIABILIDADE DA PESQUISA.................................................77
3.8 DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA E OPERACIONAL DOS TERMOS .........................79
4 OS TRABALHOS DO IAPAR E DA EMATER SOBRE AGROECOLOGIA............83
4.1 TRABALHOS DO IAPAR SOBRE AGROECOLOGIA.............................................83
4.2 TRABALHOS DA EMATER SOBRE AGROECOLOGIA ........................................86
5 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ATORES.....................................................91
5.1 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AGROECOLOGIA PARA OS
PESQUISADORES DO IAPAR....................................................................................... 91
5.1.1 Busca da sustentabilidade e equilíbrio.................................................................91
5.1.2 Sem receitas, sem soluções milagrosas................................................................94
5.1.3 Ciência subestimada e mal compreendida ...........................................................97
5.1.4 Contribuindo para um mundo melhor................................................................ 100
5.1.5 PAG como um refúgio agroecológico................................................................ 103
5.1.6 Nem todo produto com selo orgânico é realmente agroecológico ...................... 105
5.1.7 Produtores rurais convencionais como potenciais colaboradores...................... 107
5.2 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AGROECOLOGIA PARA OS
EXTENSIONISTAS DA EMATER ............................................................................... 109
5.2.1 Harmonia com o meio ambiente ........................................................................ 110
5.2.2 Um estilo de vida...............................................................................................113
5.2.3 Técnica que sofre preconceitos e descasos......................................................... 115
5.2.4 Adquirindo saúde para uma vida melhor ........................................................... 118
5.2.5 O extensionista como orientador e motivador agroecológico............................. 120
5.2.6 Ajudando a melhorar o mundo aos poucos ........................................................ 122
5.2.7 Método de difícil transição e complexa aplicação.............................................. 124
5.2.8 Agrotóxicos e agroquímicos como os principais vilões ......................................128
5.3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AGROECOLOGIA PARA PRODUTORES
RURAIS DA AGRICULTURA FAMILIAR ..................................................................131
5.3.1 Nicho de mercado mais lucrativo....................................................................... 131
5.3.2 Saúde para todos os envolvidos.........................................................................134
5.3.3 Método que não agride o meio ambiente............................................................ 136
5.3.4 Recomeçando a caminhar sem depender de venenos.......................................... 137
5.3.5 Se preparar para desafios.................................................................................. 140
5.3.6 Qualidade de vida.............................................................................................. 142
5.3.7 Uma ilha solitária.............................................................................................. 144
5.3.8 Atividade trabalhosa.......................................................................................... 146
5.3.9 Fornecer alimentos de melhor qualidade........................................................... 147
5.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ATORES
ENVOLVIDOS..............................................................................................................149
6 O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
DOS ATORES ENVOLVIDOS COM BASE EM SUAS CRENÇAS, VALORES E
PADRÕES DE ATUAÇÃO ............................................................................................. 152
6.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
PESQUISADORES DO IAPAR.....................................................................................152
6.1.1 Inovação do senso comum ................................................................................. 153
6.1.2 Objetivação e ancoragem das representações sociais........................................156
6.1.3 Sedimentação: representação dos pesquisadores aceita socialmente................. 159
6.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
EXTENSIONISTAS DA EMATER ............................................................................... 162
6.2.1 Inovação do senso comum ................................................................................. 163
6.2.2 Objetivação e ancoragem das representações sociais........................................165
6.2.3 Sedimentação: representação dos extensionistas aceita socialmente.................. 166
6.3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
AGRICULTORES......................................................................................................... 170
6.3.1 Inovação do senso comum ................................................................................. 170
6.3.2 Objetivação e ancoragem das representações sociais........................................172
6.3.3 Sedimentação: representação dos agricultores aceita socialmente .................... 173
6.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ATORES ENVOLVIDOS...................................175
7 CONCLUSÕES............................................................................................................. 181
REFERÊNCIAS...............................................................................................................187
APÊNDICES.................................................................................................................... 193
1
3
1 INTRODUÇÃO
1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA
No Brasil, no início da década de 60 do século passado, houve uma expansão da produção
industrial. Grandes alterações na forma de produzir e na relação do setor agrícola com os
demais segmentos da sociedade ocorreram. Com a chamada Revolução Verde, iniciou-se o uso
de sementes melhoradas geneticamente (estéreis em sua maioria), agrotóxicos e adubos
químicos que, embora representassem a modernidade do sistema produtivo, causaram e
continuam causando danos ambientais. Isso levou à exclusão social do pequeno produtor rural
familiar que, para acompanhar este avanço da modernidade, contraiu dívidas além da
possibilidade de pagamento e problemas de saúde obtidos com o uso dos produtos químicos
mencionados (ANDRADE; MESQUITA, 2003; MONTOYA; GUILHOTO, 2001; SANTOS,
2001).
A Revolução Verde ocorreu, de acordo com Santos (2001), devido ao olhar da sociedade de
1970, que tinha a concepção da história como linear, na qual a consequência dos atos presentes
não influenciaria o futuro e supunha que o capitalismo daria os resultados esperados de
desenvolvimento da sociedade. Segundo Romeiro (1998), este olhar permanece até a atualidade
pois, apesar da divulgação dos danos ambientais causados pelas atuais práticas agrícolas pela
mídia, ainda é predominante a idéia de que são problemas inevitáveis que podem ser reduzidos
e que é um preço justo a se pagar para se manter o atual padrão de vida. Os interesses das
grandes corporações contribuem para a ircia do atual sistema.
Com a compreensão da insustentabilidade desse modelo por ecologistas, uma nova perspectiva
de incluo ambiental no planejamento começou a ser compartilhada por alguns membros da
sociedade, que, por sua vez, procuravam disseminar esses ideais e buscar novas formas de
produção sustentáveis. Com o passar dos anos, surgiram novas opções para os produtores rurais
da agricultura familiar, podendo estes, então, optarem pelo sistema agroecológico de produção
orgânica, que veio a se opor ao sistema convencional (Revolução Verde), que faz parte do
sistema competitivo atual.
14
Devido ao sistema competitivo atual ser baseado em premissas modernas, as propriedades
rurais possuem diversos problemas nos quatro fatores de produção: terra, escassez de mão-de-
obra, capital e capacidade empresarial (BLUM, 2001). Considerando a importância da
agricultura familiar para a subsistência da população geral, o quadro demonstrado pode trazer
graves consequências futuras para o fornecimento de alimentos.
Lamarche (1993) acrescenta que a agricultura familiar brasileira nasceu em situação precária
nos âmbitos jurídicos, econômicos e sociais. Surgiam no interior das grandes propriedades ou
em pequenas aglomerações razoavelmente concentradas, tendo uma dependência ante a grande
propriedade ou com o centro urbano. A modernização da agricultura veio para alargar o
controle dos elementos tradicionais sobre a produção do pequeno agricultor rural e as
diferenças sociais.
Para superar esses desafios, o agricultor familiar adota estratégias e age ativamente, mas de
acordo com suas limitações. Dentre as ações que o agricultor familiar pratica, estão a
participação em projetos de políticas públicas, a aliança com órgãos de extensão rural
governamentais e a busca por soluções alternativas para os problemas originados pela
modernidade. Pode-se citar como um exemplo dessa busca a produção de alimentos orgânicos
(TEDESCO, 2001).
De acordo com Andrade e Mesquita (2003), o processo de credibilidade de produtos orgânicos
começou em meados de 1980, no Brasil, com a iniciativa de cooperativas de consumidores e
produtores desses alimentos. Apenas a partir de 1990 que se inicia a normatização/regulação da
comercialização e produção dos produtos orgânicos no país.
A certificação por meio de auditoria, apesar de seu maior custo, geralmente é a mais utilizada
pelos produtores, devido à maior credibilidade. Entretanto, ainda aqueles que defendem a
auto-regulação ou regulação participativa, que envolve todos os responsáveis pelo processo de
produção. A importância da certificação é evidente para os atores envolvidos. Em maio de
1999, o Ministério da Agricultura, por meio da Instrução Normativa 7, estabeleceu regras
para a produção, processamento, tipificação, envase, distribuão, identificação e certificação
dos produtos orgânicos de origem animal ou vegetal, dando legitimidade e possibilitando o
crescimento da produção orgânica no país (ANDRADE; MESQUITA, 2003).
Segundo Dias (2006), o Brasil possui atualmente uma área de 800.000 ha., com produção
orgânica e cerca de 15.000 produtores, sendo que a região sul do país possui 68% dos
15
produtores orgânicos do Brasil e 50% de área com culturas em cultivo orgânico. O Instituto
Paranaense de Assisncia Técnica e Extensão Rural EMATER - menciona que o Estado do
Paraná possui 5.300 produtores orgânicos; a área plantada na safra 2006/07 chegou a 12.720 ha.
e a produção a 107.230 toneladas (EMATER, 2009). A EMATER (2008c; 2009) ainda
menciona que a produção orgânica entre as safras de 1996/97 e 2006/07 cresceu mais de
1.630%.
Dentre seus objetivos, a EMATER do Paraná trabalha para diversificar e integrar a exploração e
a prática agrícola, pecuária e florestal, com a utilização de cnicas agroecológicas, sendo um
dos centros de referência em agroecologia no Brasil e desenvolvendo forte parceria com
universidades, organizações o-governamentais e grupos de produtores (EMATER, 2008c). O
Instituto possui grande número de produtores cadastrados na produção orgânica e tem planos
para expandir a produção de hortaliças, leite, frango, soja, feijão, milho, frutas, entre outros
produtos (EMATER, 2008a).
Outra instituição que também está entre as responveis pelos trabalhos agroecológicos é o
IAPAR - Instituto Agronômico do Paraná -, que é o responsável pelo desenvolvimento da
tecnologia aplicada pela EMATER. Desde 2004, o IAPAR desenvolve o Programa de Pesquisa
em Agroecologia (PAG), que visa promover os sistemas sustentáveis de produção
agroecológica, incluindo a orgânica. Desta forma, procura-se proporcionar resultados
favoráveis para o agricultor, ao consumidor e ao meio ambiente, envolvendo os aspectos
sociais, técnicos, políticos, econômicos e ecológicos, além de promover a institucionalização
das questões relacionadas à agroecologia e incentivar as pesquisas científicas relacionadas com
o tema (IAPAR, 2008).
Segundo Caporal e Costabeber (2002), a agroecologia é uma ciência que estabelece as bases
para a construção de estilos e estratégias para o desenvolvimento rural sustentável, enfocando o
apoio à transição de atuais modelos de agricultura e desenvolvimento convencionais
(dependente de recursos não renováveis) para o estilo de agricultura e desenvolvimento
sustentável. Assim, além de possibilitar a produção de produtos de qualidade biológica
superior, também atende requisitos sociais como: consideração dos aspectos culturais,
preservação dos recursos ambientais, apoio à participação política de seus atores e permite a
obtenção de resultados econômicos favoráveis, tanto no presente como em longo prazo. Para
tal, a agroecologia reúne diversos campos de conhecimento e dimensões.
16
Entre as dimensões, Caporal e Costabeber (2002) mencionam três níveis que precisam ser
relacionados entre si: ecológico, econômico e social (primeiro nível); cultural e político
(segundo nível); e ético (terceiro nível). Estas dimensões são importantes, pois nenhum produto
serealmente ecológico se for produzido às custas da exploração da mão-de-obra, ou o não
uso de certos insumos por exigência do mercado estiver sendo substituído por novas formas de
degradação dos recursos naturais.
Para Canuto (1998), o que muitas vezes acontece é a transformação do mercado ecológico em
apenas um ramo especializado do mercado convencional, devido às formas de relação mercantil
próximas a este mercado. Dentre os sinais perceptíveis desta tendência se encontram: a entrada
de dios e grandes produtores rurais nesse mercado, a produção massiva, a intermedião, o
início de um mercado industrial de insumos biológicos e demais apropriações de práticas
habituais do sistema capitalista, trazendo consigo as consequências do sistema do qual deriva.
Nesse caso, a agroecologia é usada apenas como uma alternativa estratégica para atingir
maiores lucros, sem estarem internalizados os valores que essa prática dissemina.
De acordo com a EMATER (2008a), o grande diferencial da agroecologia para o agricultor
familiar é a não necessidade de insumos que vêm de fora da propriedade. Devido, muitas vezes,
à falta de acesso a esses recursos, o agricultor pratica algo próximo à agroecologia,
privilegiando sistemas de produção diversificados e não a monocultura, diminuindo, assim, a
dependência de insumos externos. De fato, Romeiro (1998) defende que a aplicação dos
princípios agroecológicos dificilmente seria compatível com outra forma de organização da
produção que não seja a familiar.
Sendo assim, este trabalho busca compreender, de acordo com a visão de mundo dos atores
envolvidos, alguns elementos dos dois primeiros veis da agroecologia citados por Caporal e
Costabeber (2002).
Para compreender o primeiro nível da agroecologia (ecológica, econômica e social), a Teoria
das Representações Sociais será o suporte, na qual Moscovici (1978) menciona que a realidade
exterior é remodelada ou reproduzida na forma de representações sociais, que é marcada pelo
contexto de valores, noções e regras que lhe são solidárias.
Para tanto, Moscovici (2004) defende que uma importante distinção a ser feita é entre o
universo consensual e o universo reificado. No universo consensual, a sociedade é uma criação
visível, contínua, permeada com sentido e finalidade, sendo o ser humano a medida de todas as
17
coisas. Já no universo reificado, a sociedade é transformada em um sistema de identidades
sólidas, básicas, invariáveis, que não distinguem a individualidade, ignorando a si mesma e suas
criações. Tanto as ciências como o senso comum podem impor na mente do indivíduo o que é
verdadeiro.
No universo consensual, as pessoas são vistas como iguais e livres e cada um com possibilidade
de falar pelo seu grupo. Cada um age como um amador (sem ser especialista no assunto) ou
observador curioso ao expressar suas opiniões sobre política, sociologia, astronomia, etc. Já no
universo reificado, as pessoas possuem diferentes papéis e classes, no qual os membros são
desiguais. Deve-se adquirir a competência para conseguir fazer parte do grupo desejado
(MOSCOVICI, 2004).
O contraste mencionado possui um impacto psicológico e divide a realidade em duas, onde a
ciência é o meio pelo qual se compreende o universo reificado e as representações sociais
tratam o universo consensual. A ciência, por ocultar valores e vantagens, encoraja a precisão
intelectual e a evidência empírica. Já as representações restauram a consciência coletiva e lhe
dão forma, tornando o conhecimento acessível para qualquer um (MOSCOVICI, 2004).
Berger e Luckmann (1996) acrescentam que o senso comum, foco da sociologia do
conhecimento, é o tipo de conhecimento sem o qual nenhuma sociedade existiria, e onde se
encontram os significados compartilhados e comuns a muitos homens, passados de geração a
geração, por meio de um acervo de conhecimento. Este acervo de conhecimento diferencia a
realidade por graus de familiaridade, fornecendo informações complexas e detalhadas
referentes aos setores da vida diária tratados com frequência e informações mais gerais e
imprecisas sobre setores mais remotos, além de fornecer esquemas tipificadores das rotinas
cotidianas.
É importante mencionar que o conhecimento se distingue da realidade na medida em que a
realidade existe independente da vontade do homem, enquanto o conhecimento é a certeza que
os fenômenos são reais e possuem especificidades (BERGER; LUCKMANN, 1996).
Em outras palavras, a Teoria das Representações Sociais ajudará a compreender como se o
processo de transformação do conceito de agroecologia do universo reificado (ciência) para o
universo consensual (senso comum), e a forma como integrantes desses universos
compreendem a agroecologia. Assim, pesquisadores do IAPAR ajudam a construir o mundo
científico da agroecologia, os extensionistas transmitem essas construções para os agricultores,
18
e os pequenos produtores rurais da agricultura familiar trabalham com o que lhes foi
transmitido por esse universo reificado. Assim, conhecendo as percepções do pequeno
produtor rural da agricultura familiar, dos extensionistas da EMATER e dos pesquisadores do
IAPAR, podemos compreender elementos ecológicos, econômicos e sociais da agroecologia.
Para compreender o segundo nível (cultural e político) da agroecologia, a Teoria
Neoinstitucional foi a escolhida. De acordo com Meyer e Rowan (1977), a institucionalização
envolve os procedimentos pelos quais os processos sociais, obrigações ou realidades vêm a
assumir uma condição de regra em pensamento social e ação. Para Berger e Luckmann (1996),
o estudo da institucionalização é necessário para entender a emergência, a manutenção e a
transmissão de uma ordem social que vai além das causas estabelecidas pelas constantes
biológicas.
De acordo com DiMaggio e Powell (2005), o denominado novo institucionalismo possui uma
ênfase cognitiva e cultural para a explicação dos fundamentos da ação social. Selznick (1996)
menciona que a interação entre cultura e organização é mediada por uma mente socialmente
construída, ou seja, por padrões de percepção e avaliação, indo, assim, contra a perspectiva
racionalista do homem na qual o mesmo realiza suas escolhas de modo totalmente consciente e
no qual as instituições apenas executam funções para a sociedade. Mesmo quando ocorre a
coerção, ainda há a interpretação cognitiva e sua estabilização no plano normativo.
Para Vieira e Carvalho (2003), a abordagem institucional diferencia-se de teorias de caráter
racionalista por entender que o ambiente institucional (política, economia, cultura, etc.) molda
as crenças, os valores e as ações do indivíduo. Como as instituições são resultados da
construção humana, pode-se mencionar que o processo institucional é estruturado e estruturante
simultaneamente, não sendo, necessariamente, objetivo, e sim fruto de interpretações e
subjetividades. No momento em que essas interpretações servem a um objetivo específico,
adquirindo utilidade e passando a ser amplamente compartilhadas, adquire-se caráter racional.
Em outras palavras, a Teoria Neoinstitucional ajudará a compreender como os processos
sociais, obrigações, realidades ou representações sociais assumiram uma condição de regra em
pensamento social e ação para o pequeno produtor rural da agricultura familiar, os
extensionistas da EMATER e os pesquisadores do IAPAR, no tocante à agroecologia.
Particularmente, a pesquisa ora realizada se refere à realidade de Umuarama. De todo o
universo da agroecologia no Paraná, as cidades do noroeste do estado apresentam grande
19
homogeneidade referente ao cultivo de produtos orgânicos, não tendo variações significativas
em quantidade de produtores, qualidade dos produtos ou tempo de produção, principalmente
devido ao fato do programa pioneiro agroecológico do Paraná, o PAG, ter sido lançado
apenas em 2004. Dessa forma, optou-se por realizar o estudo na cidade de Umuarama, pois a
mesma apresenta todas as características existentes também nas demais cidades da região
noroeste, como o tempo de produção dos agricultores familiares e tempo de experiência dos
extensionistas da EMATER.
Tendo em vista o cenário descrito, o problema de pesquisa que se coloca para estudo é o
seguinte:
Como a representação social da agroecologia para pesquisadores do IAPAR,
extensionistas da EMATER e produtores rurais da agricultura familiar que trabalham
com ela se institucionalizou, com base nas crenças, valores e padrões de atuação desses
atores, na cidade de Umuarama-PR, no período de 2004 a 2009?
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo Geral
Compreender a institucionalização da representação social da agroecologia para pesquisadores
do IAPAR, extensionistas da EMATER e produtores rurais da agricultura familiar que
trabalham com ela, com base nas crenças, valores e padrões de atuação desses atores, na cidade
de Umuarama-PR, no período de 2004 a 2009.
20
1.1.2 Objetivos Específicos
1. Identificar os trabalhos da EMATER - Instituto Paranaense de Assistência Técnica e
Extensão Rural - e do IAPAR - Instituto Agronômico do Paraná -, no tocante à
produção agroecológica no peodo de 2004 a 2009.
2. Desvendar a representação social da agroecologia para extensionistas da EMATER e
como estas representações sociais se institucionalizaram com base em suas crenças,
valores e padrões de atuão.
3. Desvendar a representação social da agroecologia para pesquisadores do IAPAR, e
como estas representações sociais se institucionalizaram com base em suas crenças,
valores e padrões de atuão.
4. Desvendar a representação social da agroecologia para produtores rurais da agricultura
familiar, e como estas representações sociais se institucionalizaram com base em suas
crenças, valores e padrões de atuação.
5. Interpretar o processo de institucionalização das representações sociais dos atores
envolvidos, no tocante à agroecologia.
1.2 JUSTIFICATIVA
A agroecologia vem ganhando espaço no campo de produção cienfica no Brasil,
principalmente nas Ciências Agrárias, podendo citar como exemplos a Universidades Federal
de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal de Vosa (UFV), a Universidade Federal do
Rencavo da Bahia (UFRB), a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA), entre outras que atuam no Brasil com pesquisas
agroecológicas.
Entretanto, ainda há grande escassez de estudos agroecológicos voltados para as áreas de
Ciências Sociais que, neste contexto, têm como principal tema as relações produtivas entre
21
homem-natureza, visando a sustentabilidade ecológica, econômica, social, cultural, política e
ética.
Para Guzmán (2002), as Ciências Agronômicas preocupam-se apenas com aspectos
tecnológicos, em que as tarefas da ciência limitam-se a conhecimentos quantitativos sobre o
funcionamento dos recursos naturais. Tal produção de conhecimento é importante, mas não
suficiente para a agroecologia.
Caporal e Costabeber (2002) enfatizam que a busca por estilos de desenvolvimento rural e
agrícola que assegurem maior sustentabilidade ecológica e equidade social justifica-se pelo
consenso de que o modelo atual é insustentável ao longo do tempo, por causar crescentes danos
ambientais, diferenças socioeconômicas no meio rural e por ser dependente de recursos não
renováveis e limitados. Os autores ainda destacam que a socialização do conhecimento e
saberes agroecológicos entre os estudantes, professores, políticos, técnicos, extensionistas e
demais atores é uma tarefa imperativa nesse início de milênio.
A justificativa da escolha da Teoria das Representações Sociais se deu através de, segundo
Jodelet (2001 p.23), sua “vitalidade, transversalidade e complexidade”. Vitalidade, pois teve
que superar diversas barreiras de cunho epistemológico para continuar válida. Transversalidade,
porque, situada entre o psicológico e o social, muitas áreas da ciência têm interesse nela:
sociologia, antropologia, história e outras áreas das ciências humanas e sociais. Complexidade,
por estar sempre se renovando, e ao seu caráter multidisciplinar (JODELET, 2001).
Jovchelovitch (2000) acrescenta que os estudos em torno das representações sociais já se
firmaram o necessário para produzir um campo de discussão que lhe é próprio.
Para Jovchelovitch (2000), a Teoria das Representações Sociais busca entender como os
homens reconstroem a realidade de forma ativa, autônoma e criativa. Ela dá suporte para a
compreensão de como são produzidas imagens e significados em que os seres humanos tentam
dar sentido, interpretar e construir o seu mundo.
Moscovici (2004) defende que a Teoria das Representações Sociais é uma teoria singular,
devido ao fato de caminhar para a direção de tornar-se uma teoria geral dos fenômenos sociais,
esclarecendo as representações que dão sentido à sociedade e que causam a união dos
indivíduos, através de crenças que garantam sua existência em comum.
22
Com isso, é possível acrescentar que as relações sociais objetivas da agricultura familiar
também se configuram por sua representação social, pois há um alto nível simbólico que
constitui a realidade social, provocando efeito em suas práticas sociais (SANTOS, 2001).
A outra teoria utilizada pelo presente estudo, a Teoria Neoinstitucional, segundo Scott (2001),
ajudará a responder questões do tipo: o comportamento do conjunto organizacional reflete
escolhas conscientes e interesses racionais ou é formado por convenções, rotinas e hábitos? Por
que e como surgem leis, regras e outros tipos de sistemas regulativos e normativos? Eles são
voluntários? Por que as organizações individuais aceitam as instituições? Seria pela
recompensa, pelo sentimento de obrigatoriedade, porque não imaginam outra forma de se
comportarem? Quais os meios pelos quais as instituições o difundidas? Se as instituições
prometem ordem e estabilidade, por que ocorrem mudanças? Como um indivíduo consegue
alterar uma instituição, se ele é controlado pela mesma? Assim, como pôde ser observado nos
objetivos específicos, buscar respostas para estas questões é importante para o presente estudo.
De fato, a importância do entendimento do processo de institucionalização, sua abrangente
utilização para a compreensão de diversos fenômenos sociais, sua crescente percepção pelos
estudiosos com a globalização e seu grande potencial de geração de conhecimento são pontos
importantes a serem destacados. Compreender a institucionalização dos valores agroecológicos,
que visam romper com os ideais modernos de exploração da natureza para obtenção de
riquezas, justifica a utilização da Teoria Neoinstitucional para compreender este fenômeno.
Como resultado, o presente trabalho visa disseminar a importância de estudos sociais sobre a
agroecologia e causar reflexão sobre como ocorre a internalização de valores, em contraste com
a obediência formal de padrões; assim como o interesse para futuras pesquisas acadêmicas para
conseguir maior aprofundamento por pesquisadores preocupados com a compreensão das
interações do homem com os recursos naturais.
23
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
May (2004) enfatiza que a teoria tem importância central para as Ciências Sociais, pois é útil
para a interpretação dos dados empíricos; possibilita uma orientação geral sobre questões
políticas, históricas, econômicas e sociais; fornece uma base para a reflexão crítica sobre a
pesquisa e os sistemas sociais no geral; permite estabelecer ligações com campos específicos
de interesse; e ajuda a localizar as descobertas dentro de uma teoria geral do funcionamento
da sociedade. As descobertas sobre o mundo social são desprovidas de significado até que
sejam situadas em um quadro teórico.
Portanto, este tópico apresenta pontos da literatura que sustentam teoricamente o trabalho de
pesquisa no processo de investigação e busca de seu objetivo: compreender a
institucionalização da representação social da agroecologia para pesquisadores do IAPAR,
extensionistas da EMATER e produtores rurais da agricultura familiar que trabalham com ela,
com base nas crenças, valores e padrões de atuação dos atores envolvidos na cidade de
Umuarama-PR, no período de 2004 a 2009.
Sendo assim, fundamentam-se as representações sociais, realizando revisões sobre as
representações, os principais conceitos dentro da Teoria das Representações Sociais e a forma
que ocorre a construção das representações sociais na sociedade. Sequencialmente, é dado
enfoque à Teoria Neoinstitucional, discorrendo pelo velho e pelo novo institucionalismo. E
finalizando o tópico, é feita uma discussão sobre a institucionalização das representações
sociais, com base nas teorias apresentadas.
2.1 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Nesta parte da dissertação, primeiramente são apresentados conceitos sobre as representações,
principais aspectos da Teoria das Representações Sociais e, finalmente, um aprofundamento
sobre a construção das representações sociais.
24
2.1.1 Representações e representações coletivas
Para Moscovici (2004), existe uma crença denominada pensamento primitivo, em que a mente
possui um poder ilimitado em conformar a realidade, penetrá-la e ativá-la e em determinar o
curso dos acontecimentos. Entretanto, certos fatos comuns contradizem esse pensamento, pois
frequentemente o ser humano não consegue ver coisas óbvias, o devido à falta de
informação, mas, sim, a uma fragmentação pré-estabelecida da realidade que faz de alguns
objetos ou sujeitos visíveis ou invisíveis.
Muitas vezes, fatos básicos e aceitos sem discussão demonstram ser ilusórios (como a Terra ser
o centro do universo) ou, então, as reões a certos acontecimentos o limitadas às demais
reações dos membros de uma comunidade a qual pertence, devido ao compartilhamento de
crenças, valores e padrões de atuação. Por esse motivo, Berger e Luckmann (1996) defendem
que o dia a dia é apresentado como uma interpretação da realidade pelos seres humanos na
conduta subjetivamente dotada de sentido, na forma que se constroi um mundo compreensível.
A realidade da vida cotidiana é um mundo intersubjetivo, pois há outros homens e é possível
diferenciar a realidade em que se vive de outras das quais se tem consciência.
para Durkheim (2003), que apresenta uma abordagem determinista, o homem é um produto
da sociedade, pois a mesma exerce uma coerção sobre ele. As realidades são autônomas e
exteriores ao indivíduo. As representações surgem dos fatos sociais e não dependem da
consciência do indivíduo. Para o autor, os fatos sociais são modos de pensar, agir e sentir
exteriores ao indivíduo, possuindo um poder coercitivo. Rudio (2004, p. 10) acrescenta que
algo na condição de fato não pode ser considerado errado e nem correto, pois “ele é
simplesmente o que é”. O que pode ser considerado verdadeiro ou falso são as interpretações
que se tem do fato.
Dentre os tipos de coerção presentes nas representações, Durkheim (2003) menciona as regras,
leis e normas oficiais elaboradas pelo Direito, a repressão pela consciência pública e pelas
convenções da sociedade (formas de se vestir, por exemplo), a necessidade de se adaptar aos
meios de comunicação (idiomas), as exigências da modernidade para a execução de um
negócio, entre outros. Entre as instituições responsáveis por propagar essas coerções, o autor dá
destaque àquelas responsáveis pela educação dos jovens (escola, família, igreja, etc.), que
impõem às crianças formas de sentir, agir e ver.
25
Depois de internalizadas, as coerções deixam de ser sentidas, tornando-se um hábito que
padroniza as suas atuações. Essas coerções podem alterar o comportamento dos indivíduos,
tornando-os, em alguns casos, até mesmo violentos. Em cada um dos casos supracitados, a
intervenção de representações que orientam os sujeitos em direção ao que é visível. É
importante destacar que, no estudo de Moscovici (1978), a coerção perde espaço para a
cognição, sendo levada em consideração, mas apenas em caráter secundário.
Enfatizando o aspecto cognitivo, Cavedon e Ferraz (2005, p.7) mencionam que “o saber
científico produzido nas academias é constituído em um saber institucionalizado que até certo
ponto se encontra desvinculado do cotidiano naquilo que diz respeito às re-significações
atribuídas a esse conhecimento”. Entretanto, no dia a dia dos negócios, são os sujeitos sociais
que produzem o saber, permeando o conhecimento por significações próprias do contexto. As
representações tomam o lugar da ciência e a constitui (ou reconstitui) pelas relões sociais
envolvidas, criando uma imagem diferenciada para pertencer à sociedade (MOSCOVICI,
1978).
Devido a essas re-significações do conhecimento e à produção do conhecimento pelas pessoas
no dia a dia, pessoas comuns, sem conhecimento científico, tendem a analisar o mundo de
formas similares. Sendo assim, é impossível conseguir informações que não tenham sido
distorcidas por representações impostas pelo ambiente aos objetos e às pessoas que as fazem
parcialmente inacessíveis. Uma das contribuições das representações sociais para o campo
organizacional incide sobre a capacidade de identificar os significados que podem intermediar
as ações e acabam re-significando os postulados administrativos (CAVEDON; FERRAZ,
2005).
De acordo com Moscovici (1978), as representações são compostas de figuras e de expressões
socializadas, organizando as imagens e a linguagem. Ela é apreendida como um reflexo na
mente individual ou coletiva, de um objeto, de um feixe de ideias que são exteriores à mente do
indivíduo. Essa reprodução implica um remanejamento das estruturas, uma remodelação dos
elementos, uma reconstrução dos dados no contexto dos valores, das noções e das regras.
Representar é “edificar uma doutrina que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar os
seus atos” (MOSCOVICI, 1978, p. 27).
Formar uma representação sobre um objeto ou sujeito é vinculá-los a um sistema de valores, de
noções e práticas que demonstram aos indivíduos como se orientarem e dominarem o meio
26
social e material. É também um veículo para as trocas e de código para denominar e classificar
as partes de seu mundo, de sua hisria individual ou coletiva. É orientada para a oposição
radical entre o futuro e o passado, a abertura sobre a vida, apresentando uma tendência à
introversão e separação da sociedade em classes (MOSCOVICI, 1978).
Para Moscovici (2004), as representações possuem duas funções:
a) Convencionalizam os objetos, pessoas ou fatos que encontram. Dão forma definitiva,
localizam-nas em uma categoria e gradativamente as colocam como modelo de determinado
tipo, distinto e partilhado por um conjunto de pessoas. Mesmo quando uma determinada
pessoa ou objeto não se enquadra exatamente ao modelo, força-se para que assuma
determinada forma e se torne idêntico aos outros para ser compreendido e decodificado.
O ser humano pensa por meio de uma linguagem, organiza seus pensamentos por meio de um
sistema em que escondicionado pelas representações e pela cultura. É visto apenas o que as
condições permitem ver, sendo que essas convenções permanecem inconscientes
(MOSCOVICI, 2004). Podem ser elaboradas por ideólogos e filósofos de uma época, mas
transcendem esse grupo e o tempo, e se reproduzem pela estrutura e pelas próprias categorias
de pensamento do coletivo e tornam-se uma mistura de ideias das elites, das massas, filósofos
correntes e expreses das contradições vividas no plano das relações sociais e da produção,
estando presentes elementos de dominão e resistência, contradições e conformismo
(MINAYO, 2002). Quando as pessoas associam um determinado sintoma a uma doença, ou
quando associam uma mudança de cor com um sinal específico, está se realizando
convencionalizações (MOSCOVICI, 2004).
b) As representações são prescritivas, pois se impõem aos homens como uma força irresistível.
Combina uma estrutura que es presente antes do nascimento da atual geração e uma
tradição que decreta o que deve ser pensado. “O poder e a claridade peculiares das
representações derivam do sucesso com que elas controlam a realidade de hoje através da
de ontem e da continuidade que isso pressupõe” (MOSCOVICI, 2004, p. 38). Depois de
criadas, elas adquirem vida própria, circulam, encontram-se, atraem-se, repelem-se, causam
o surgimento de novas representações, enquanto velhas representações desaparecem.
Quanto menos as representações são conscientes, maior se torna a sua influência.
Segundo Moscovici (2004), no sentido clássico, as representações coletivas de Durkheim são
um instrumento explanatório e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito,
27
religião, imagens, idiomas etc.) pertencendo a toda uma sociedade ou a maior parte dela. Em
um sentido mais atual, são fenômenos relacionados a um modo particular de compreender e
comunicar, criando a realidade e o senso comum que precisam ser descritos e explicados. Para
Arruda (2002) e Farr (2002), as representações coletivas apresentavam uma estabilidade e
estancamento referente às representações individuais, sua enorme abrangência tornava o
conceito pouco operacional.
Segundo Arruda (2002) e Farr (2002), vários autores foram consultados por Moscovici para
elaborar a Teoria das Representações Sociais, sendo que Durkheim, Piaget, Lévy-Bruhl e Freud
merecem maior destaque. Piaget, devido a sua contribuição a respeito do desenvolvimento do
pensamento infantil, a forma como se estrutura e se configura. Lévy-Bruhl, devido aos seus
estudos sobre o pensamento místico, encontrado em povos distantes, aponta outras formas de
lógica para pensar o mundo, baseadas em princípios diversos dos do pensamento ocidental.
Freud, com as teorias sexuais das crianças, mostrando como elas elaboram e internalizam suas
próprias teorias sobre questões fundamentais para a humanidade.
Farr (2002) acrescenta que Durkheim, em suas representações coletivas - que eram parte da
sociologia - mostrava-se hostil à psicologia do indivíduo que estudava as representações
individuais; entretanto, o conceito de representações coletivas se mostrava mais apropriado para
sociedades menos complexas, que contrastam com o pluralismo e a rapidez das mudanças das
sociedades modernas.
Para Farr (2002), atualmente, poucas representações são verdadeiramente coletivas, enquanto
para Durkheim não existiam representações falsas, pois todas respondiam de diferentes formas
às condições da existência humana.
Minayo (2002) menciona que, para Durkheim, o método sociológico deve ser isento de
qualquer filosofia, deve-se tratar os fatos objetivamente e os fatos sociais só podem ser tratados
pela sociologia. Percebe-se que o estudo das representações coletivas de Durkheim seguia
princípios positivistas.
Para a realidade atual, Moscovici (1978) adaptou o conceito de representações coletivas para o
de representações sociais, na sua Teoria das Representações Sociais, que cobre o quanto o
indivíduo molda e é moldado pela sociedade.
28
2.1.2 Teoria das Representões Sociais
A Teoria das Representações Sociais (TRS) é estudada pela Psicologia Social, que se localiza
no cruzamento entre as ciências psicológicas e as ciências sociais. Ela se articula tanto com a
vida coletiva como com os processos de constituição simbólica para a construção da identidade
social, por meio do entendimento do mundo (JOVCHELOVITCH, 2002).
A vitalidade que a Teoria das Representações Sociais possui, de acordo com Jodelet (2001),
está relacionada com o seu histórico que, segundo Moscovici (2001), se inicia como um
fenômeno marcante das Ciências Sociais na França, com o conceito de Durkheim, de
representação coletiva, mas saiu de evidência por quase meio século. Por volta dos anos 1961,
Moscovici retoma o estudo das representações e desperta o interesse de demais estudiosos da
Psicologia Social.
Para Jodelet (2001, p. 8), a representação social é “uma forma de conhecimento socialmente
elaborada e compartilhada, que tem um objetivo ptico e concorre para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social”. As representações são criadas para informar o
homem sobre o mundo a sua volta, construir o conhecimento sobre como se comportar,
dominá-lo sico e intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam.
Minayo (1996, p.159) menciona que este “termo se refere a categorias de pensamento através
das quais determinada sociedade elabora e expressa sua realidade”.
Moscovici (1978, p. 28) define a representação social como:
(...) um corpus organizado de conhecimento e uma das atividades psíquicas graças às
quais os homens tornam inteligíveis a realidade física e social, inserem-se num
grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação.
De acordo com Moscovici (1978, p.26), “a representação social é uma modalidade de
conhecimento particular que tem por função a elaborão de comportamentos e a
comunicação entre indivíduos”. Ela produz e determina os comportamentos, definindo a
natureza dos estímulos e o significado das respostas a estes estímulos, exercendo uma função
construtiva da realidade e sendo o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado.
Para Moscovici (1978), as representações sociais partem de algumas premissas como: a
consideração de que não existe um corte dado entre o universo exterior e o universo do
29
indivíduo e que o sujeito e o objeto (inseridos em um contexto dinâmico e ativo) não são
absolutamente heterogêneos em seu campo comum.
Moscovici (2004) defende que a Teoria das Representações Sociais tem como ponto de
partida a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos que podem ser estranhos e
imprevisíveis. Seu objetivo é descobrir como os sujeitos conseguem construir um mundo
estável e previsível a partir de tal diversidade.
Nota-se que as representações sociais orientam e organizam as condutas e as comunicações
sociais, intervindo em processos variados como: difusão e assimilão do conhecimento,
desenvolvimento individual e coletivo, definição das identidades pessoais e sociais, expressão
de grupos e transformações sociais.
Observando como fenômenos cognitivos, analisam-se as implicações afetivas e normativas,
interiorização de experiências, práticas, modelos de condutas e pensamento transmitidos pela
comunicação social (JODELET, 2001). Thompson (1995, p. 288) define a comunicação de
massa como a “produção institucionalizada e a difusão generalizada de bens simbólicos
através da transmissão e do armazenamento da informação/comunicação”.
Acevedo et al. (2006) expõem que existem tanto representações sociais amplas, que englobam
todo um período social e histórico, como as menos complexas, que se relacionam com
determinadas dimensões da realidade. Entretanto, elas originam-se das experiências dos
indivíduos que fazem parte de uma sociedade, refletindo sobre suas vivências em busca de
significado de suas vidas. São produtos tanto dos ideários das elites, como do modo de pensar
do povo e de seus intelectuais, estando impregnadas por contradições, resistências, conflitos,
resignações e interesses particulares de diferentes grupos, pois tanto as cognições como os
afetos o gerados da realidade, do contato e da fala entre os seres humanos por meio de suas
instituições, mitos, heranças histórico-culturais e com a comunicação em massa.
Para Raudsepp (2005), as representações sociais não estão apenas entre a sociedade e o
indivíduo, mas também os permeia e regula suas funções. A mente individual e a
cultura/sociedade são interdependentes e são conceituados como aspectos do mesmo sistema.
Jovchelovitch (2000) acrescenta que as representações sociais envolvem a cognição (conhecer
o mundo de certo modo), os afetos (desejo e/ou paixão de saber ou não-saber sobre o objeto) e
a ação (práticas sociais). A cognição envolve formas de saber e fazer, que são parte de uma
30
cultura popular, erudita e científica, dando significado à realidade do indivíduo. Os afetos
envolvem desejo e a paixão de se saber algo, ou sobre o objeto do saber. Portanto, não é
possível estudar as representações sociais apenas por meio de mapas cognitivos. A ação é
impulsionada pela cognão e pelos afetos que as pessoas expressam.
A Teoria das Representações Sociais analisa as representações sociais no nível grupal do
fenômeno, e os indivíduos são membros dos grupos sociais, não podendo estes ser reduzidos
ao nível do indivíduo, pois as representações sociais não são um agregado de mentes
individuais e, sim, um reflexo dos processos sociais que tomam lugar entre os membros de
uma unidade social, descrevendo o mundo socialmente construído da perspectiva de grupos
diferenciados pelas suas posições e ações sobre um objeto social particular (RAUDSEPP,
2005).
As representações sociais se diferenciam de uma opinião, por esta ser uma tomada de posição
sobre um problema controvertido da sociedade, sendo pouco estável e revelar um momento de
formação de atitudes e estereótipos (MOSCOVICI, 1978). Na verdade, do ponto de vista
dinâmico, as representações sociais se apresentam como uma rede’ de idéias, metáforas e
imagens, mais ou menos interligadas livremente e, por isso, maisveis e fluidas que
teorias” (MOSCOVICI, 2004, p. 210).
Moscovici (1978) menciona que a representação social é sempre representação de algum
objeto e de algum sujeito manifestando suas características, podendo possuir uma relação de
simbolização (substituindo-o) e de interpretação (conferindo-lhe significações), tornando-a
uma construção e uma expressão do sujeito.
Todo o estudo de representação é realizado pelas características ligadas ao fato de ela ser uma
forma de conhecimento. Minayo (1996) acrescenta que as representações sociais, enquanto
senso comum, ideia, imagem, concepção e visão de mundo que os sujeitos têm sobre a
realidade, o importantes fontes de pesquisa para as Ciências Sociais, mesmo as
representações sociais não sendo necessariamente conscientes.
De acordo com Jovchelovitch (2000; 2002), a análise das representações sociais não é centrada
no sujeito ontológico, mas nos fenômenos originados pelas construções particulares do campo
social. A análise do indivíduo leva a uma perspectiva individualista, enquanto as representações
31
sociais se dirigem ao social enquanto totalidade, constituindo-se maior do que um agregado de
representações individuais. Devido a esta perspectiva, a Teoria das Representações Sociais
percebe como de extrema importância a comunicação entre os atores:
Os processos que o forma e transformam as representações sociais estão
intrinsecamente ligados à ação comunicativa e às práticas sociais da esfera pública:
o diálogo e a linguagem, os rituais e processos produtivos, as artes e padrões
culturais, em suma, as mediações sociais. Desta forma, a análise das representações
sociais deve concentrar-se sobre aqueles processos de comunicação e vida social,
que não apenas as produzem, mas que também lhes conferem uma estrutura peculiar
(JOVCHELOVITCH, 2000, p. 80).
Devido à impossibilidade de cobrir toda a amplitude da heterogeneidade de conhecimentos e
crenças, Moscovici (2004, p.46) menciona que as representações sociais devem ser vistas
como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos”. Ela abstrai
sentidos do mundo e introduz ordem e percepção. A representação iguala toda a imagem a
uma ideia e toda ideia a uma imagem. É importante mencionar que as representações sociais
devem ser percebidas como uma “atmosfera”, em relação ao sujeito e ao grupo, sendo, sob
certos aspectos, específicas de nossa realidade.
De acordo com Moscovici (2004), a Teoria das Representações Sociais assume que o ser
humano age sob dois conjuntos diferentes de motivações: a causalidade primária, que é
espontânea, depende de finalidades, enquanto que a causalidade secundária, que não é
espontânea, é eficiente e ditada pela educação, linguagem e visão científica de mundo do
indivíduo. As duas causalidades agem conjuntamente.
Moscovici (1978) menciona que, para qualificar uma representação social, não é suficiente
apenas definir o agente que a produz. Saber quem produz é menos instrutivo do que saber o
porquê foi produzido. É preferível saber a função correspondente à representação social do que
as circunstâncias e entidades que a representação social reflete. Observa-se que a representação
colabora exclusivamente para os processos de formação de conduta e de orientação das
comunicações da sociedade.
Nas representações sociais percebe-se um objeto pelas ações que ele exerce e a intenção que ele
exprime (MOSCOVICI, 1978). O ato da representação ultrapassa as barreiras entre o interno e
o externo, envolvendo um elemento ativo de construção e reconstrução. A autoria da construção
32
da representação social pertence aos sujeitos que compõem a sociedade (OLIVEIRA;
SILVEIRA, 2007).
(...) representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro
de um referencial de um pensamento preexistente; sempre dependentes, por
conseguinte, de sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do
mundo e da existência. Elas são, sobretudo, o objeto de um permanente trabalho
social, no e através do discurso, de tal modo que um novo fenômeno pode sempre
ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares
e, conseqüentemente aceitáveis (MOSCOVICI, 2004, p. 216).
Devido a esta complexidade citada por Moscovici (2004), Raudsepp (2005) menciona que a
Teoria das Representações Sociais tem potencial para diversos tipos de estudos, como: o
surgimento de uma representação social, a dinâmica de relações entre diferentes representações
sociais, a apropriação de uma representação social por um indivíduo ou pelo coletivo para o seu
processo de socialização, o determinismo e o voluntarismo do indivíduo dentro de uma
representação social, entre outros. O autor enfoca que, para estudar esses temas, são necessárias
“alianças teóricas” com várias outras abordagens socioculturais.
Apesar de todo o seu avanço e melhor aceitação em pesquisas científicas, Voelklein e
Howarth (2005) mencionam quatro pontos básicos onde a Teoria das Representações Sociais
ainda deve ser mais bem esclarecida e desenvolvida, como: as ambiguidades existentes na
definição de representação social, o determinismo social que essa teoria prega, a tendência a
um reducionismo cognitivo e o fortalecimento de seu poder crítico.
Sobre a ambiguidade na definição de representação social, Voelklein e Howarth (2005)
exem que críticos da ideia de Moscovici (1978) mencionam que a representação social é
fragmentada e, muitas vezes, contraditória, é especulativa, não é uma teoria e é
demasiadamente ampla.
As representações sociais são muito voláteis e mudam com o tempo. Dentro dessas
contradições, faz-se necessário citar que alguns estudiosos consideram que não há nada além
da representação e, desta forma, de acordo com Jovchelovitch (2000, p.183), um mundo sem
representações é um mundo na “nirvana final”, com apenas coincidências perfeitas para tudo
e para todos, encerrando, assim, a existência do sujeito. O presente estudo considera a
representação como uma das vias de apreensão do mundo, e não a via definitiva, existindo
alguém ou algo para ser representado, mesmo que a representação social em si não exista.
33
A Teoria das Representações Sociais originou-se na França e os estudos originais sobre o
conceito de representações ainda não se encontra disponibilizado em inglês, ficando
inacessível para grande parte dos estudiosos do mundo. Voelklein e Howarth (2005)
mencionam que a simples tradução da palavra representação para idiomas anglo-saxônicos
envolve perda ou mudaa de significado, que nesses idiomas representação equivale a
reflexo ou reprodução, sendo que, em frans, a palavra carrega componentes mais ativos e
propositais. Como Moscovici teve grande influência de outras teorias, dentre elas algumas
cognitivas, também é acusado de ter pouca originalidade. A ambiguidade da teoria de forma
alguma a rejeita, e sim provoca interesses em refiná-la e desenvolvê-la.
Segundo Voelklein e Howarth (2005), autores como Parker e Jahoda criticam que a Teoria
das Representações Sociais vê os seres humanos como entidades passivas, incapazes de negar
as representações que lhe são impostas. Percebe-se nessas críticas que os autores reduzem
toda a teoria em um de seus maiores elementos, que é a influência da sociedade sobre o
indivíduo (o impacto da cultura na cognição), esquecendo que ambos possuem um
relacionamento recursivo.
A terceira maior crítica à TRS é que as representações sociais seriam um fenômeno
excedentemente cognitivo, podendo ser explicado apenas por processos psicológicos, com
pouca referência ao social, principalmente na etapa da objetificação. Entretanto, pesquisas
recentes vêm demonstrando que, mesmo a objetificação é um processo tanto cognitivo como
social. O aspecto social também é de extrema importância para impedir que a teoria seja
reduzida ao nível do indivíduo (VOELKLEIN; HOWARTH, 2005).
Para tornar essa teoria mais crítica, os autores sugerem ir além de uma descrição do status
quo, das raízes históricas e da função social imediata e suas implicações futuras, e também
incluir o que as representações sociais fazem em relações sociais e políticas, estudar o que as
relações de poder e políticas influenciam na forma como o senso comum se torna ciência, ou a
relação inversa.
Abordagens críticas poderiam estudar representações em termos de sua habilidade para
legitimizar e sustentar poderes opressivos e práticas marginalizadas (VOELKLEIN;
HOWARTH, 2005). Jovchelovitch (2000) reforça esse argumento, mencionando que na
análise das representações sociais pode-se observar que elas estão sempre permeadas por
relações de poder, nunca sendo um ato neutro e sempre resultado de lutas simbólicas.
34
Outra limitação a que Minayo (2002) importância é a questão de que as representações
sociais não conformam a realidade e não podem ser tomadas como verdade científica, pois a
realidade é reduzida à concepção que os homens fazem dela. “Uma representação social surge
onde houver perigo para a identidade coletiva, quando a comunicação de conhecimentos
submerge as regras que a sociedade outorgou” (MOSCOVICI, 1978, p. 174). Desta forma, um
grupo para o qual se queira generalizar uma representação social pertencente a um outro
grupo específico, deve ser analisado com muito cuidado, mesmo que ambos tenham
semelhanças significativas, pois uma leve diferença em seu hisrico pode mudar a concepção
que o homem faz do objeto/sujeito em questão.
2.1.3 Formação das representações sociais
Jovchelovitch (2000; 2002) argumenta que o ser humano constroi um novo mundo de
significados devido à sua relação com o mundo. É pelas relações com outros seres humanos que
as representações emergem, e essas representações permitem a existência de símbolos, que
podem ser considerados pedos da realidade social criados pelas atividades do sujeito para dar
sentido e formar o meio ambiente que o rodeia.
Moscovici (1978) menciona que na representação social existe uma troca na qual as
experiências e as teorias se modificam qualitativamente em seu alcance e conteúdo, e que
acontecem pelos meios de comunicação (jornais, televisão, rádios, conversações, rituais, etc.)
ou pelas organizações sociais que comunicam (igreja, partido político, etc.).
Os elementos que formam as representações advêm de uma cultura comum e da linguagem
(OLIVEIRA; SILVEIRA, 2007). Nesse processo de comunicação, as informações são
alteradas, pois elas se diferenciam, traduzem, interpretam e combinam, da mesma forma que os
grupos inventam ou interpretam os objetos sociais ou as representações de outros grupos.
Assim, as palavras podem mudar de sentido, gramática, regras e os conteúdos adotam outras
formas (MOSCOVICI, 1978).
35
As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e
se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em
nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos
produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão impregnados
(MOSCOVICI, 1978 p. 41).
Para Alexandre (2001), os meios de comunicação envolvem os indivíduos com grande
quantidade de informações que, por meio de imagens e sons, tentam criar, mudar e até mesmo
cristalizar atitudes e opiniões. Para as representações sociais, a comunicação pode ser
compreendida, de acordo com o autor, como: “o fenômeno pelo qual uma pessoa influencia
ou esclarece outra que, por sua vez, pode fazer o mesmo em relação à primeira. Seus
elementos básicos são o emissor, o receptor, a mensagem, o código e o veículo
(ALEXANDRE, 2001, p. 118).
A representação social constitui para o homem moderno uma das vias de apreensão do mundo
concreto, sendo própria da sociedade e da cultura. As representações sociais atuam por meio de
observações, de análises destas observações e da linguagem que se apropria livremente nas
ciências e na filosofia, e tiram as conclusões que se imponham (MOSCOVICI, 1978).
Para Jovchelovitch (2000; 2002), as representações sociais não apenas surgem das mediações
sociais, como acabam se tornando as próprias mediações sociais. As representações sociais
dependem da coletividade para surgirem, pois elas não teriam nenhuma utilidade em uma
realidade onde os seres humanos vivessem isoladamente.
Existe nessa situação uma relação entre as representações sociais e os processos de construção
da identidade, pois envolve, ao mesmo tempo, a proposição de uma identidade e uma
interpretação da realidade. Moscovici (2004) menciona que, quando a imagem é totalmente
assimilada, o que é percebido substitui o que é concebido e as imagens se tornam elementos da
realidade, em vez de elemento do pensamento.
A representação pode ser considerada uma preparação para a ação, pois guia o comportamento
e remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter
lugar. Inclui sentido ao comportamento e o integra com a rede de relação vinculada ao objeto,
fornecendo noções, teorias e os fundos de observação que tornam esta relação estável e eficaz.
36
As representações sociais “determinam o campo das comunicações possíveis, dos valores ou
das ideias presentes nas visões compartilhadas pelos grupos e regem, subsequentemente, as
condutas desejáveis ou admitidas” (MOSCOVICI, 1978, p. 51).
De acordo com Moscovici (1978), para que seja interiorizado, o conhecimento penetra no
mundo da conversação e na medida em que a conversa coletiva progride, a elocução regulariza-
se e as expressões ficam mais precisas. Os seres humanos resumem, recortam e classificam da
mesma maneira diante de acontecimentos e conhecimentos que lhe são estranhos para suprir a
distância do que se sabe e do que se observa.
Moscovici (1978; 2004) cita que uma representação social constroi-se a partir de dois processos
fundamentais: a objetivação e a amarração. A amarração e a objetivação são maneiras de lidar
com a memória que mantém as representações sociais. A primeira mantém a memória em
movimento, dirigindo-a para dentro, colando e retirando objetos, acontecimentos e pessoas,
classificando-as e nomeando-as. A segunda retira conceitos e imagens dos outros para jun-los
e reproduzi-los no mundo exterior (MOSCOVICI, 2004). Ao objetivar, absorve-se um excesso
de significações, materializando-as e transplantando, para o nível da observação, o que era
apenas infencia ou símbolos (MOSCOVICI, 1978).
A objetivação torna real um esquema conceptual, dando à imagem uma referência material,
originando uma flexibilidade cognitiva; reabsorve o excesso de significações, materializando-
as. Nesse processo, a observação dos homens torna-se testemunho dos sentidos e o universo
desconhecido torna-se familiar a todos. O autor chama esse processo de “coisificação”,
transformação de ideias em coisas fora da mentalidade do indivíduo, é proscrita na lógica da
ciência e em partes do senso comum. Berger e Luckmann (1996) enfatizam a importância da
significação, produção humana de sinais, durante a objetivação, pois cria índices acessíveis de
significados subjetivos do aqui e agora, sendo as mais comuns as significações linguísticas.
O entendimento desse processo precisa de um duplo esforço, no qual o primeiro é um salto no
imaginário, transportando elementos objetivos para o meio cognitivo, preparando para ele uma
mudança nas fundações de status e função. O segundo esforço é o de classificação, que coloca e
organiza as partes do meio ambiente introduzindo uma ordem que se adapta a uma ordem pré-
existente, diminuindo o impacto das mudanças, sendo uma necessidade fisiológica para
determinar os elementos que são sensorial ou intelectualmente acessíveis (MOSCOVICI,
1978).
37
De acordo com Moscovici (1978, p. 173), a “amarração designa a firme inserção de uma
ciência na hierarquia de valores e entre as operões realizadas pela sociedade”. Por meio desse
processo, a sociedade converte o objeto social em um instrumento acessível e transforma a
ciência em um quadro de referência em rede de significações. “A objetivação transfere a ciência
para o domínio do ser e a amarração a delimita ao domínio do fazer, a fim de contornar o
interdito de comunicação” (MOSCOVICI, 1978, p.174).
Jovchelovitch (2000, p. 81) chama de objetificação e ancoragem as formas específicas de
mediação social das representações sociais, “que elevam para um nível materiala produção
simbólica de uma comunidade”, concretizando as representações sociais. Objetivar é
transformar o familiar em não-familiar, ancorando, assim, o desconhecido em uma realidade
institucionalizada, deslocando ou alterando os significados estabelecidos que as sociedades
tentam perpetuar.
Segundo Moscovici (2004), é importante mencionar que as representações não o conseguidas
por meio de estudos de algumas crenças, conhecimentos explícitos ou alguma deliberação
específica e, sim, por meio de influências recíprocas e negociações implícitas no curso das
conversações, no qual as pessoas são orientadas para modelos simbólicos, imagens e valores
compartilhados específicos. Não existe representação sem comunicação e sem a compreensão.
Para Moscovici (1978), a analogia e a compreensão têm um importante papel para a
regularidade do pensamento. O primeiro refere-se a junções de noções da mesma categoria e o
surgimento de um novo conteúdo, e o segundo é a organização das relações entre julgamentos.
O princípio da analogia ajuda a estabelecer as características representadas do objeto e o
princípio de compreensão edifica as significações ou as edificações relevantes.
A regularidade do pensamento também pode ser atingida por meio da institucionalização das
representações sociais, quando as mesmas se tornam legítimas e bem aceitas pela sociedade.
Quando institucionalizada, a representação social segue ao longo do tempo até ser substituída
ou modificada por uma quebra de paradigma, geralmente resultante da ancoragem de novos
significados.
38
2.2 TEORIA NEOINSTITUCIONAL
Neste item, sobre a Teoria Neoinstitucional, primeiramente serão traçados os elementos sobre
a origem do conceito no velho institucionalismo, depois serão comentados os principais
aspectos da Teoria Neoinstitucional, com ênfase na abordagem cognitiva e, por último, o
isomorfismo institucional.
2.2.1 O velho e o novo institucionalismo
Segundo Scott (2001), a Teoria Institucional começou no início de 1940, quando estudiosos
conectavam os argumentos das instituições com a estrutura e o comportamento organizacional.
Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005) afirmam que foi apenas no final da década de
70 que a Teoria Institucional despertou a atenção para os estudos organizacionais.
Para DiMaggio e Powell (1991), nesse período surgiram diferentes significados do
institucionalismo na análise organizacional, variando entre micro e macro, na importância dos
aspectos normativos e cognitivos e no peso dado para a racionalidade dos atores. Nas
abordagens poticas e econômicas uma ênfase no voluntarismo, em que a racionalidade
humana permite a realização dos interesses individuais; já na abordagem sociológica, o enfoque
é normativo, no qual expectativas reconhecidamente aceitas e não escolhas propriamente
ditas.
Para Holm (1995), no velho institucionalismo, nas primeiras abordagens voltadas,
principalmente, para as áreas econômicas e políticas, existia uma perspectiva
predominantemente racional sobre as instituições, onde estas eram instrumentos e podiam ser
compreendidas por meio do contexto das funções para as quais elas foram criadas.
Nos estudos organizacionais, o velho institucionalismo, para DiMaggio e Powell (1991), é
predominante o entendimento de que os atores realizam as ações com base em regras de
39
oportunidades e convivências internalizadas pela socialização, educação e experiência de
convivência. Nessa perspectiva, as instituições restringem as opções das pessoas e estabelecem
os critérios pelos quais elas descobrirão suas preferências, complicando ou construindo o
caminho dos indivíduos. Já o neoinstitucionalismo não observa os fenômenos dessa maneira.
De acordo com Scott (1987; 2001), a abordagem neoinstitucionalista constroi um quadro de
ideias vindas da psicologia cognitiva, estudos culturais, fenomenologia e da etnometodologia.
Enfatiza o cognitivo e tem seu foco primário nos efeitos das crenças culturais. Existe uma
dinâmica entre os atores, o ambiente e os elementos culturais-cognitivos, normativos,
regulativos, atividades e recursos que constituem os sistemas sociais e tem como objetivo
estabilizar e dar significado à vida social.
As instituições não apenas restringem a sociedade com fronteiras legais, morais e culturais,
exercendo uma influência direta sobre as crenças e comportamentos, mas também capacitam os
atores e fornecem autoridade legítima às ações, por meio de diretrizes. Outra característica
importante dessa abordagem é a rejeição aos modelos de ator racional ou, de acordo com
Selznick (1996), de uma inclusão nos estudos organizacionais da ideia de racionalidade
limitada na tomada de decisão e interões sociais. Para a Teoria Neoinstitucional, a
racionalidade é fruto da interação social.
Segundo DiMaggio e Powell (1991), além do novo institucionalismo rejeitar o modelo de ator
racional, tem interesse nas instituições como variáveis independentes, em direção a explicações
cognitivas e culturais e um interesse em propriedades supraindividuais que o podem ser
reduzidas em um agregado de atributos ou motivos individuais. No geral, a abordagem
sociológica da Teoria Institucional rejeita explicações funcionais.
Para Zucker (1991), as abordagens neoinstitucionalistas operam em um nível macro, focando
no papel do ambiente institucionalizado em organizações legitimadas e suas estruturas. Uma
vantagem desta perspectiva cognitiva é que o independentes da capacidade de ratificação do
ambiente e do fornecimento de recursos. Crubellate (2004) acrescenta que esta perspectiva
possibilita analisar as estruturas sociais ao longo do tempo.
Selznick (1996) afirma que as ideias trazidas por esta nova perspectiva do institucionalismo
o compatíveis com a sociologia institucional mais antiga. Segundo o autor, existe
necessidade de maior integração entre o velho e o novo institucionalismo e sendo ainda de
40
maior urgência quando esta nova vertente passa a adotar considerações dicotômicas
potencialmente nocivas.
É importante ter em mente que muito do velho institucionalismo se encontra no novo
institucionalismo. Scott (2001) acrescenta que o novo institucionalismo concilia a diversidade
do sistema de crenças com a visão tradicional das instituições na sociologia e dá atenção ao
arranjo de lógicas institucionais, sistemas normativos e cognitivos diferenciados e
especializados.
Para DiMaggio e Powell (1991), tanto a Teoria Institucional como a Teoria Neoinstitucional
nas organizações enfatizam o relacionamento entre as organizações e seu ambiente, mostram
partes da realidade que diferem dos arranjos organizacionais formais e valorizam o papel da
cultura para as organizações. O Quadro 1 demonstra algumas das diferenças entre o velho e o
novo institucionalismo:
CARACTERÍSTICAS VELHO
INSTITUCIONALISMO
NOVO INSTITUCIONALISMO
Conflito de interesses Central Periférico
Fonte de inércia Interesses Imperativo da legitimidade
Ênfase estrutural Estrutura formal Papel simbólico da estrutura formal
Imbricação organizacional Comunidade local Campo, setor ou sociedade
Natureza da imbricação Cooptativa Constitutiva
Lócus de institucionalização Organização Campo ou sociedade
Dinâmica organizacional Mudança Persistência
Bases para a crítica do utilitarismo Teoria da agregação de interesse Teoria da ação
Evidência para a crítica do
utilitarismo
Consequências não antecipadas Atividade não reflexiva
Formas de cognição Valores, normas, atitudes Classificão, rotinas, papéis e
esquemas
Psicologia social Teoria da socialização Teoria da atribuição
Bases cognitivas da ordem Comprometimento Hábito, ação prática
Objetivos Impostos Ambíguos
Pauta Relevância política Disciplinar
QUADRO 1- Diferenças entre o velho e o novo institucionalismo
Fonte: Adaptado de DiMaggio e Powell (1991, p. 13)
Dentre as principais diferenças mencionadas pelos autores, pode-se citar as características do
ambiente, ao conceito de instituição e os meios de cognição, como as mais importantes. No
velho institucionalismo, as instituições estão imbricadas em nível local, envoltas por laços de
lealdade e cooptação. Já o novo institucionalismo considera que as organizações são
influenciadas pela comunidade local de outros setores ou campos organizacionais.
41
O velho institucionalismo considera que a cognição realiza-se por meio de valores, normas e
atitudes, sendo que as organizações tornam-se institucionalizadas quando são infundidas de
valores. Scott (1987) acrescenta que os valores são responsáveis pela estabilidade e, assim,
sua duração ao longo do tempo à instituição uma propriedade intrínseca que vai além de
seu caráter utilitário. Já no neoinstitucionalismo, a institucionalização é um processo
essencialmente cognitivo.
Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (2000) mencionam que esses esquemas, que são
citados pelo novo institucionalismo como forma de cognição, são, na verdade, um conjunto de
crenças e valores comuns que permeia as visões e as interpretações individuais, representando
um sistema cognitivo compartilhado ou grupal, podendo refletir um acontecimento, ou refletir
uma ação, sendo, neste último caso, denominado de script.
Os valores são concepções racionalizadas individual ou coletivamente de forma implícita ou
explícita, expressando as preferências do curso de ação ou resultado. Já as crenças consistem
nos pressupostos subjacentes, que originam nos atores da organização as expectativas que
influenciam as percepções e pensamentos sobre o ambiente que os envolvem. Nas sociedades,
existe uma disputa pelo predomínio de crenças e valores que, ao terem sucesso, servem como
referência para outros grupos. Essa dominação ocorre pela disseminação de significados.
DiMaggio e Powell (2005) afirmam que na perspectiva neoinstitucional existem duas formas
de observar os fatores que produzem e mantêm a estrutura organizacional: a) estruturas
criadas para lidar com as pressões do ambiente, podendo variar de acordo com o ambiente; b)
além dos recursos naturais, os ambientes são formados por sistemas culturais que legitimam a
criação e manutenção da estrutura da organização. Isso faz com que os métodos e as práticas
adotadas pelas organizações sejam influenciados pelas pressões do ambiente institucional,
fazendo as organizações tomarem atitudes isomórficas.
2.2.2 O processo institucional
Tolbert e Zucker (2007) mencionam que a institucionalização, muitas vezes, é tratada como um
estado qualitativo: ou são institucionalizadas ou não o são. Negligencia-se, desta forma,
questões relevantes sobre variações dos níveis de institucionalizão e sobre como essas
42
variações podem afetar o grau de similaridade entre conjuntos e organizações. Portanto, para
evitar os desvios mencionados, o presente trabalho tratará a institucionalização como um
processo.
Para Zucker (1991), a institucionalização pode ser definida como um processo, pois atores
individuais transmitem o que é definido como real pela sociedade. Atos institucionalizados são
percebidos como objetivo e exterior, conforme posição e papel ocupado pelo ator e a situação
em que a ação é realizada, e isto, para eles, é o que define o que é real. O ator não é
independente na manutenção das instituições, pois as mesmas pressionam o seu
comportamento.
A continuidade de transmissão dos processos incrementa a institucionalização e quanto maior
o conhecimento sobre a historicidade do processo, maior é essa continuidade. Esse
conhecimento cria um universo de senso comum compartilhado pelos indivíduos (ZUCKER,
1991).
De acordo com Meyer e Rowan (1977), as organizações são levadas a incorporar as práticas e
procedimentos definidos por conceitos racionalizados de trabalho organizacional prevalecente
e institucionalizado na sociedade. Organizações que fazem isto aumentam sua legitimidade e
suas perspectivas de sobrevivência, independentemente da eficácia imediata das práticas e
procedimento adquiridos.
Todavia a conformidade com as regras geralmente se choca com critérios de eficiência, pois
muitas vezes o padrão que está legitimado pela sociedade e que reflete seus mitos
organizacionais não é o que propiciaria melhores resultados para a organização. Scott (2001)
acrescenta que as instituições controlam e limitam o comportamento humano, pois delimitam
as fronteiras legais, morais e culturais, diferenciando as atividades consideradas legítimas das
ilegítimas.
Para Selznick (1996, p. 2), “a teoria institucional investiga a emergência de formas, processos,
estratégias, perspectivas distintas e competências à medida que estes emergem de padrões de
interação e adaptação da organização”. Powell e Colyvas (2008) complementam que a análise
institucional necessita de maior atenção nos processos cotidianos do que em eventos
ocasionais, e dar atenção também aos membros menos poderosos da organização, e não
apenas a líderes e campeões.
43
Meyer e Rowan (1977) afirmam que as organizações formais geralmente são frouxamente
agrupadas: elementos estruturais são apenas frouxamente ligados entre si e entre atividades;
regras são frequentemente violadas; decisões frequentemente não são implementadas ou, se
o, possuem consequências incertas; tecnologias são de eficiência problemática; e a
avaliação e os sistemas de inspeção são subvertidos ou voltados a proporcionar pouca
coordenação, fazendo com que as organizações não funcionem exatamente como seus
processos formais. Friedland e Alford (1991) acrescentam que as rotinas de cada instituição
estão conectadas em rituais que definem a ordem do mundo e sua posição nele.
Nas sociedades modernas, os elementos da estrutura formal racionalizada refletem o
entendimento da realidade social. As posições, políticas, programas e processos das
organizações modernas são impostos pela opinião pública, pela visão de elementos
importantes, pelo conhecimento legitimado do sistema educacional, pelo prestígio social,
pelas leis e pelas definições de negligência e prudência utilizadas pelos tribunais. Esses
elementos são manifestações de poder das regras institucionais que funcionam como mitos
altamente racionalizados nas organizações. As estruturas formais têm propriedades simlicas
e a capacidade de gerar a ação (MEYER; ROWAN, 1977).
De acordo com DiMaggio e Powell (2005), as organizações estão mais homogêneas e menos
orientadas para a concorrência e pela necessidade de eficiência. Selznick (1996) menciona
que muitas vezes o mimetismo ocorre como uma resposta para situações incertas em
momentos de ansiedade e que, frequentemente, o principal objetivo é sobreviver, e não
resolver o problema por definitivo.
Essa homogeneidade surge com a repetição e transferência do conhecimento sobre a
realização de determinadas ações para outras pessoas ou organizações, fazendo, assim, com
que essas ações se tornem verdadeiros hábitos:
Toda atividade humana está sujeita ao bito. Qualquer ação freentemente
repetida torna-se moldada em um padrão, que pode em seguida ser reproduzido com
economia de esforço e que, ipso facto, é apreendido pelo executante como tal
padrão. O hábito implica além disso que a ão em questão pode ser novamente
executada no futuro da mesma maneira e com o mesmo esforço econômico
(BERGER; LUCKMANN, 1996, p. 77).
Para Berger e Luckmann (1996, p. 79), “a institucionalização ocorre sempre que há uma
tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores”, sendo estas tipificações uma
instituição acessível e sempre partilhada. Essas instituições são construídas ao longo de uma
44
história compartilhada, e o de forma instantânea. Sendo assim, para entender uma instituição
é necessário entender o processo histórico no qual ela foi constituída. Para os autores, também é
importante mencionar que, apenas pelo fato de existirem, as instituições controlam a conduta
humana, estabelecendo padrões a serem seguidos.
Segundo Berger e Luckmann (1996), a qualidade da objetividade existente nas instituições
permite ser experimentada como se possuísse realidade própria, com a qual as pessoas se
defrontam na condição de fato exterior e coercitivo. Isto é possível devido à história anteceder o
nascimento do indivíduo e não estar acessível à sua lembrança biográfica. Mesmo que o
indivíduo não compreenda a finalidade ou as operações, a realidade objetiva das instituições
não diminui. É impossível não considerá-las reais, e embora mais maciça que aparente, é uma
objetividade construída e produzida pelos seres humanos.
De acordo com Berger e Luckmann (1996, p. 87), “o processo pelo qual os produtos
exteriorizados da atividade humana adquirem o caráter da objetividade é a objetivação. O
mundo institucional é a atividade humana objetivada, e isso em cada instituição particular”.
Portanto, é importante levar ts momentos em consideração nas análises sociais: a sociedade
como produto humano, a sociedade como realidade objetiva e o homem como produto social. A
objetividade do mundo social faz com que o homem se situe fora dele e, dessa forma, pode
fazer com que ele esqueça que é possível refazê-lo.
Esse mundo institucional exige legitimação, ou seja, um modo de ser explicado e justificado,
estendendo sobre si interpretações cognitivas e normativas para proteção. “Quanto mais a
conduta é institucionalizada, tanto mais se torna predizível e controlada” (BERGER;
LUCKMANN, 1996, p. 89). As novas gerações aprendem essas legitimações no mesmo
processo que as socializam na ordem institucional. As transmissões de significados
institucionais necessitam de procedimentos de controle e legitimação que são ministrados pelos
transmissores.
Berger e Luckmann (1996) mencionam que pequenas partes de experiências humanas que se
retêm na consciência consolidam-se nas lembranças. Isto também ocorre quando vários
indivíduos participam de uma biografia comum criando um acervo comum de conhecimento,
que pode ser chamada de social, após se objetivar em um sistema de sinais. Esses processos de
controle e legitimação são importantes para a transmissão de significados institucionais.
45
De acordo com Berger e Luckmann (1996), as condutas institucionalizadas envolvem certo
número de papéis participando do controle da institucionalizão. Esses papéis representam a
ordem institucional que se realiza em dois níveis: a execução do papel representa a si mesma e
o papel representa uma completa necessidade institucional de conduta. Suas origens encontram-
se nos mesmos processos de formação dos hábitos e objetivação, e toda conduta
institucionalizada envolve certo número de papéis que participam do caráter controlador da
institucionalização, representando a ordem institucional.
Conforme o papel que o indivíduo realizar na sociedade, ele construirá “um apêndice
socialmente definido de conhecimentos”. As instituições também são representadas por
objetivações linguísticas, objetos físicos, naturais e artificiais. Essas representações têm que ser
continuamente vivificadas para não morrerem (BERGER; LUCKMANN, 1996, p. 109).
Para Berger e Luckmann (1996), quanto maior o compartilhamento das estruturas importantes
de uma sociedade, mais ampla sea esfera da institucionalização. Quando poucas, a esfera da
institucionalização será estreita e possivelmente fragmentada. para Scott (2001), a pressão
para a institucionalização também varia de acordo com o tamanho da organização, por estar sob
a jurisdição de uma autoridade supervisora ou dependendo da regulamentação do ramo de
atividade, diferenças do tempo e espaço entre as organizações, a força das crenças cognitivas e
controles normativos, e quantidade ou qualidade das ligações com outros atores de outros
ambientes.
Observa-se também que o processo de institucionalização é reversível por várias razões
históricas, citando o exemplo das privatizações. Entretanto, as instituições tendem a perdurar, a
menos que se tornem problemáticas. Quanto maior o nível da institucionalização e quanto mais
abstrata, mais difícil se para ela se desinstitucionalizar. Isso é evidente quando os atores
mencionam que as pessoas fazem as coisas, não porque dão resultados, mas porque são certas,
mesmo que sob a percepção de um observador externo tais atos não sejam mais úteis à
sociedade (BERGER; LUCKMANN, 1996).
Berger e Luckmann (1996) mencionam que a ordem institucional é objetivada pela reificação,
pelo quais os fenômenos humanos são tratados como se fossem coisas, fazendo com que o
homem se esqueça de que o mundo social é de sua ppria autoria, desumanizando-o. É
importante mencionar que a reificação é uma modalidade da consciência e da objetivação. Os
papéis também podem ser reificados da mesma forma que as instituições, fazendo com que as
46
pessoas neguem a responsabilidade por suas ações, pelo fato de suas ações serem apreendidas
como uma fatalidade inevitável.
A Figura 1, a seguir, demonstra o processo de institucionalização, que se inicia com uma
inovação, passando pela habitualização e objetificação e terminando com a sedimentação:
FIGURA 1- Processo de institucionalizão
Fonte: Tolbert e Zucker (2007).
A necessidade de inovação pode ser por mudanças tecnológicas, legais ou por forças do
mercado, fazendo com que o sistema vigente entre em crise. A habitualização é o
estabelecimento de padrões de comportamentos para a resolução dos problemas em questão.
São criadas novas estruturas independentes. Esses padrões de atuação podem ser utilizados por
outras empresas (se houver alguma forma de comunicação entre elas), iniciando, assim, um
isomorfismo mimético (TOLBERT; ZUCKER, 2007).
Com a objetivação, as ações começam a ter significados compartilhados pela sociedade. Quanto
maior a disseminação da estrutura, mais ela é vista como uma escolha ótima devido ao menor
grau de incerteza. Os grupos de interesses o os defensores da estrutura e executam duas
importantes tarefas: divulgam a existência de fracasso e insatisfação de determinadas
organizações e fazem um diagnóstico, fornecendo uma solução ou tratamento para o problema
desta determinada organização.
47
As evidências podem ser colhidas de uma variedade de fontes (noticiários, observações diretas,
etc.). Pode-se mencionar que a objetivação da estrutura é, em parte, resultado do
monitoramento que a organização faz de seus competidores e dos esfoos para aumentar a
competitividade. Essa teorização dá legitimidade normativa e cognitiva para a estrutura que se
intensifica com exemplos de sucessos, deixando de ser uma simples imitação (TOLBERT;
ZUCKER, 2007).
A transmissão das tipificações aos novos membros ocorre na terceira fase: sedimentação. Os
atores envolvidos, por não terem conhecimento da origem, tratam as tipificações como dados
sociais e isso faz com que se perpetue pela história, sobrevivendo por várias gerações
(TOLBERT; ZUCKER, 2007). Desta forma, o processo termina com a formação de uma nova
instituição, que se extinguirá se grupos tomadores de decisão forem afetados negativamente,
ou pela falta contínua de resultados por sua adoção. Atingindo esse grau de institucionalização
total, a propensão dos atores para realizar avaliações independentes significativas da estrutura
declinará significativamente.
Para Tolbert e Zucker (2007, p. 203), o conjunto de processos sequenciais apresentado sugere
uma variação nos níveis de institucionalização, implicando que “alguns padrões de
comportamento social estão mais sujeitos do que outros à avaliação crítica, modificação e
mesmo eliminação”. Pode-se variar em relação ao grau de profundidade que estão imbricados
no sistema social, se são mais objetivos ou mais exteriores.
Para Jepperson (1991), uma possibilidade de medição do grau de institucionalização de um
objeto pode ser a vulnerabilidade a intervenções sociais, sendo menos vulnerável à medida que
es mais enraizada na estrutura organizacional e mais tida como não passível de
questionamento. O autor ainda destaca que, mesmo elementos ilegítimos da sociedade como
corrupção política e crime organizado também podem ser institucionalizados com uma
legitimação local.
Lawrence, Winn e Jennings (2001, apud FREITAS; GUIMARÃES, 2005) expõem o padrão
dos eventos com relação ao processo de institucionalização, podendo ser observadas as fases:
(1) fase inicial de inovação envolvendo poucos atores; (2) fase de rápida difusão; (3) fase de
saturação e legitimação completa; e (4) fase de desinstitucionalização, como mostra a Figura 2,
a seguir:
48
FIGURA 2 - Curva tradicional de institucionalização
Fonte: Lawrence, Winn e Jennings (2001, apud FREITAS; GUIMARÃES, 2005).
Como pode ser observado na Figura 2, é necessário tempo (geralmente anos) para ocorrer a
mudança de fase, e com o tempo de mudança de fase cresce-se o percentual de adoção da
estrutura. O marco “zero” pode ser considerado na inovação, sendo que a legitimação é o nível
máximo que se pode chegar. Com o tempo e a necessidade de outras inovações, a estrutura
tende a se desinstitucionalizar, diminuindo, assim, o percentual de adoção desta estrutura.
A legitimação produz novos significados que integram os significados já existentes nos
processos institucionais, principalmente nos casos em que a origem real das sedimentações
perdeu a importância e explica a ordem institucional, dando validade cognitiva aos significados
objetivados e dando dignidade normativa aos imperativos práticos, implicando valores e
conhecimento.
Sua função é tornar objetivamente acessíveis e subjetivamente plausíveis as objetivações que
foram institucionalizadas (BERGER; LUCKMANN, 1996). Para Scott (2001), quando as ações
das entidades o percebidas como presumidas ou esperadas dentro de um sistema socialmente
construído de normas, valores, crenças e definições, é sinal que eso legitimadas.
A legitimação não é necesria na primeira fase da institucionalização, pois ela é simplesmente
um fato que o precisa de um novo suporte, pois é evidente para todas as pessoas envolvidas.
49
Entretanto, a legitimação é necessária quando as objetivações de uma ordem institucional
deverão ser passadas para uma nova geração, pois, neste ponto, as evidências não podem mais
ser mantidas pela memória e hábito dos indivíduos. A legitimação serve para explicar e
justificar os elementos salientes da tradição institucional, podendo, assim, restaurá-la e torná-la
inteligível. Sua explicação se concedendo validade cognoscitiva a seus significados
objetivados e justifica a ordem institucional, dando caráter normativo a suas práticas,
implicando nesse processo valores e conhecimento (BERGER; LUCKMANN, 1996).
Para Berger e Luckmann (1996), o segundo nível das legitimações apresenta proposições
teóricas rudimentares, como as máximas, os provérbios, as lendas, as histórias populares, entre
outras coisas que relacionam conjuntos de significações objetivas. Já o terceiro nível possui
teorias explícitas que legitimam um setor institucional com um corpo diferenciado de
conhecimentos complexos. A partir deste ponto, as esferas das legitimações podem se tornar
autônomas em relação às instituições legitimadas e podem gerar seus próprios procedimentos
institucionais.
O último nível da legitimação constitui os universos simbólicos. “São corpos de tradição teórica
que integram diferentes áreas de significação e abrangem a ordem institucional em uma
totalidade simbólica” (BERGER; LUCKMANN, 1996, p. 131). Nessa fase, a legitimação
acontece por meio de totalidades simbólicas que não podem ser experimentadas na vida
cotidiana e encontra-se um alto grau de integração das áreas de significados e de processos
separados de condutas institucionalizadas. Neste momento, as experiências humanas podem ser
concebidas como se efetuadas no interior dele. Pode-se dizer que é nessa fase que as
representações sociais se institucionalizam.
É importante destacar que na perspectiva institucional, legitimidade não é uma commodity para
ser possuída ou trocada, mas uma condição refletindo a percepção de regras, leis, suporte
normativo ou ligações culturais-cognitivas com um valor simbólico visível. Afinal,
organizações que possuem formas e atividades culturalmente aprovadas recebem suporte de
autoridades normativas e têm aprovação do corpo legal, apresentam maiores chances de
sobrevivência do que aquelas que ignoram estes fatores (SCOTT, 2001).
Suchman (1995 apud FREITAS; GUIMARÃES, 2005) menciona que a legitimidade pode ser
dividida em três tipologias: legitimidade pragmática, legitimidade moral e legitimidade
cognitiva. Os três tipos envolvem uma percepção generalizada de que as ações da organização
50
o desejáveis ou apropriadas dentro de um sistema de normas, valores, crenças e definições
socialmente construídas.
A legitimidade pragmática se fundamenta no cálculo dos interesses dos atores mais ligados à
organização. A legitimidade moral reflete uma avaliação positiva da organização e suas
atividades, tendo por base valores socialmente constrdos. A legitimidade cognitiva é a
aceitação da organização como necessária ou inevitável sob o ponto de vista de uma
determinada cultura. Neste ponto, a instituição é dada como certa (taken for granted) e os atores
não imaginam mais a sua inexistência (SUCHMAN, 1995 apud FREITAS; GUIMARÃES,
2005).
Para Suchman (1995 apud FREITAS; GUIMARÃES, 2005), esses três tipos de legitimidade
coexistem e se inter-relacionam na maioria dos ambientes. Quanto mais a legitimidade avança
da pragmática para a cultural, mais difícil é a sua manipulação, pois cresce a dependência de
um arcabouço cultural consistente. Esses tipos de legitimidade podem tanto se reforçar como
entrar em conflito.
Aqueles que detêm o poder podem trabalhar com uma considerável barreira para a
institucionalização de uma mudança social, pois quando eles possuem os recursos e a mudança
vem a alterar a ordem vigente, esses atores não participarão dela e farão o possível para essas
mudanças não ocorrerem.
Ao considerar o aspecto interpretativo, observa-se que, juntamente com a dominação, a
legitimidade constitui o poder, que precisa ter uma sustentação social cognitivo-normativa que
explique o poder dos atores e que depois são utilizadas pelos mesmos para manterem-se no
poder (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELATE, 2005; BECKERT, 1999). Para se
ter uma ideia do alcance desse poder, é importante relembrar que todos os sistemas sociais,
assim como as organizações, estão em um ambiente institucional que delimita a sua realidade
(SCOTT, 1987).
De acordo com Holm (1995), as instituições que se formam pelo processo descrito nesse tópico
o produtos da ação e construídas com um propósito, sendo as mesmas ferramentas para as
ações e por isso consideradas como verdadeiras. Jepperson (1991) acrescenta que as instituições
representam ordem social ou padrões que adquiriram certo estado ou propriedade, revelando
um processo de reprodução particular. Friedland e Alford (1991) ainda mencionam que as
instituições são simultaneamente material e ideal, sistemas de sinais e símbolos, racional e
51
transracional. Por meio delas é que a humanidade reproduz material de subsistência e organiza
seu tempo e espo.
2.2.3 O isomorfismo institucional
Em relação ao impacto dos ambientes institucionais nas organizações, Meyer e Rowan (1977)
observam consequências cruciais do isomorfismo com as instituições do ambiente: elas
incorporam elementos que o legitimados externamente, mais do que em termos de eficiência;
elas empregam critérios de avalião externa ou cerimonial para definir o valor dos elementos
estruturais; e a dependência nas instituições externamente fixas reduz as turbulências e mantém
a estabilidade. Assim, de acordo com Meyer e Rowan (1977), o isomorfismo institucional
promove o sucesso e a sobrevivência das organizações, onde incorporar as estruturas formais
legitimadas externamente aumenta o compromisso dos participantes internos e dos
componentes externos.
Para Scott (2001), o isomorfismo é a forma pela qual a institucionalização se difunde, podendo
ser transmitida por rios meios como: sistema simbólico (cultura, representações, modelos,
valores, etc.), sistema relacional (redes sociais e organizacionais), rotinas (bitos
profundamente enraizados e procedimentos baseados em conhecimentos e crenças
institucionalizados) e artefatos (desde os primitivos e até os mais modernos). Regras, normas e
significados surgem e são transmitidas pelas interações entre a organização e os meios de
disseminação das institucionalizações, podendo ser preservadas ou modificadas pelo
comportamento humano.
Scott (2001) expõe os três pilares das instituições (ver Quadro 2, a seguir), que o vitais para
se construírem e sustentarem-se, indo do consciente para o inconsciente e do legal para o
verdadeiro. Os três pilares conferem bases para a legitimidade de formas distintas:
52
REGULATIVO NORMATIVO CULTURAL-COGNITIVO
Bases da conformidade Utilidade Obrigações sociais Pressupostos
Mecanismos Coercitivo Normativo Mimético
Lógica Instrumentalidade Adaptação Ortodoxa
Indicadores Regras, leis e sanções Certificação e aceitação Predomínio e isomorfismo
Bases da legitimidade Legalmente
sancionado
Moralmente governado Culturalmente sustentado e
Conceitualmente correto
QUADRO 2 - Os três pilares das instituições
Fonte: Scott (2001, p. 52).
Observa-se que o pilar regulativo envolve a capacidade de estabelecer regras, inspecionar a
comunidade e recompensar ou punir, com o objetivo de influenciar o comportamento futuro por
meio de mecanismos formais ou informais, sendo que as organizações devem agir de acordo
com as regras estabelecidas (SCOTT, 2001).
O pilar normativo apresenta características prescritivas, avaliativas e obrigarias, incluindo
valores (padrões para comparações e avaliações da sociedade) e normas (definições para se
atingir um fim). Esse pilar define os objetivos, assim como os meios para alcançá-los, estando
mais predisposto à internalização (SCOTT, 2001).
Já o pilar cultural-cognitivo demonstra a natureza da realidade social e os esquemas pelos quais
o conhecimento é criado; ele expõe que, ademais das condições objetivas, também precisam ser
valorizadas as interpretações subjetivas das ações, somando as representações que os indivíduos
fazem de seus ambientes configuradores de suas ações (SCOTT, 2001).
Selznick (1996) acrescenta que recentemente a estrutura cognitiva ganhou um peso maior com
os teóricos, pois ela relembra que as interações culturais e organizacionais são realizadas por
mentes socialmente construídas, possibilitando um olhar mais próximo na organização,
ajudando a identificar formas específicas de agir e pensar dos sujeitos.
Com classificação semelhante a esses pilares, existem três processos isomórficos por meio dos
quais ocorrem as mudanças, sendo eles: o isomorfismo coercitivo (influências políticas e
legitimidade), o isomorfismo mimético (respostas padronizadas à incerteza) e o isomorfismo
normativo (profissionalização). Observa-se que nem sempre é possível distinguir
empiricamente os mecanismos, entretanto eles surgem de condões diferentes e levam a
diferentes resultados (DIMAGGIO; POWELL, 2005).
53
De acordo com DiMaggio e Powell (2005), as categorias profissionais estão sujeitas às mesmas
pressões coercitivas e miméticas a que estão as organizações. Os aspectos da profissionalização
que são fontes importantes de isomorfismo normativo são: o apoio da educação formal e da
legitimação em uma base cognitiva produzida por especialistas universitários; o crescimento e a
constituição de redes profissionais por meio das quais novos modelos são rapidamente
difundidos; e a seleção de pessoal. Scott (2001) acrescenta que no isomorfismo normativo os
laços das redes, principalmente os profissionais, são de grande importância.
O isomorfismo coercitivo resulta tanto em pressões formais quanto informais que são exercidas
sobre as organizações por outras organizações das quais elas dependem, e também pelas
expectativas culturais da sociedade em que as organizações atuam, derivando das influências
políticas e do problema de legitimidade (DIMAGGIO; POWELL, 2005).
Berger e Luckmann (1996) citam a estrutura temporal como mecanismo coercitivo, pois não é
possível inverter as sequências impostas pelo tempo e da situão da vida cotidiana imposta
pela historicidade do local, impondo, inclusive, a totalidade da biografia do indivíduo.
Processos miméticos, por sua vez, originam-se quando tecnologias organizacionais o são
suficientemente compreendidas, as metas são ambíguas ou qualquer outra forma de
incertezas no ambiente que fazem com que organizações tomem outra como modelo (que pode
não saber, ou não querer ser imitada) podendo render, assim, uma solução viável com poucos
gastos.
Tais modelos podem ser difundidos involuntariamente, por meio dos funcionários, firmas de
consultorias, por clientes que exijam “inovações” para aumentar a legitimidade da empresa, etc.
Geralmente, as empresas tomadas como modelo por outras organizações são mais legitimadas
ou bem sucedidas (DIMAGGIO; POWELL, 2005). Algumas organizações não apenas
comandam ou controlam e, sim, também inspiram e informam as demais organizações assim
como os indivíduos que fazem parte deste sistema, favorecendo, desta forma, mecanismos
cognitivos de difusão da institucionalização (SCOTT, 2001).
Berger e Luckmann (1996) mencionam que no nível pré-teórico toda organização tem um
conjunto de conhecimento que é transmitido como prescrições, que fornecem normas de
condutas institucionalmente compatíveis. Esse conjunto de conhecimento define a dinâmica
motivadora da estrutura, constitui as áreas e suas situações, os papéis a serem desempenhados,
controla as condutas, além de ser passado para as pximas gerações.
54
Para Zucker (1991), quanto maior o grau de institucionalizão, maior a geração de
uniformidade de entendimentos culturais, menor a necessidade de controles diretos para manter
os padrões organizacionais e maior a resistência a mudanças.
Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005) acrescentam que o isomorfismo não representa
necessariamente não-mudança e não-ação, no sentido de ausência de capacidade de escolha,
pois apenas o fato de se integrar a tal sistema social, é necessária interpretação que envolve
escolha e ação. Dessa forma, a homogeneização é consequência de uma aceitação da ação,
interpretada como legítima e reproduzida pelos atores na prática social e se institucionaliza por
ser a escolha desejável e viável.
2.3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Neste tópico, serão realizadas ligações entre a Teoria das Representações Sociais e a Teoria
Neoinstitucional para discutir sobre como ocorre a institucionalização das representações
sociais. Para tal, é dada uma ênfase na vertente cognitiva para realizar a discussão.
2.3.1 Principais semelhanças entre a Teoria das Representações Sociais e a Teoria
Neoinstitucional
Primeiramente, que se colocar que nos primórdios da Teoria Institucional e da Teoria das
Representações Sociais, ambas as teorias eram tratadas como deterministas. No caso da
Teoria das Representações Sociais, foi devido à grande influência dos trabalhos de Durkheim
sobre representações coletivas. Para esse autor, os modos de pensar, agir e sentir exteriores ao
indivíduo exerciam uma forte coerção sobre os sujeitos.
Os tipos de coerções existentes nas representações, citadas por Durkheim (2003), como leis,
consciência pública, convenções sociais, o idioma, entre outros; e as orientações e
organizações citadas por Jodelet (2001) como difusão e assimilação do conhecimento,
desenvolvimento individual e coletivo, definição das identidades pessoais e sociais, expressão
55
de grupos e transformações sociais também podem ser encontradas no trabalho de DiMaggio
e Powell (2005), quando os mesmos tratam do isomorfismo coercitivo, normativo e mimético.
Observa-se também que as entidades institucionalizadas e legitimadas são as responsáveis
pela criação de coerções que influenciam tanto as representações sociais, como demais
instituições por meio do isomorfismo coercitivo e normativo (VIEIRA; LOPES;
CARVALHO, 1999; FARR, 2002).
De fato, pode-se perceber uma perspectiva social durkheimiana na Teoria Institucional, na
qual a cristalização de padrões sociais (instituições) transfere os significados da estrutura
social para os agentes. Com o passar do tempo, começou a ser aceita uma perspectiva
weberiana, na qual o agente interpreta a sua realidade, dando, assim, um aspecto cognitivo no
processo de institucionalização, negando a transferência direta mencionada na perspectiva
anterior.
A partir desse ponto, ambas as teorias começaram a mudar, caminhando para a percepção de
uma realidade social construída, em que o ser humano não apenas é influenciado pelo meio
social, mas também o influencia, em uma recursividade cíclica. Com essa perspectiva,
iniciou-se uma ênfase no aspecto cognitivo, tanto na Teoria das Representações Sociais, como
na Teoria Institucional.
Sendo assim, a cognição dos atores (conhecer o mundo, de certo modo) tornou-se um aspecto
de grande importância na Teoria das Representações Sociais (JOVCHELOVITCH, 2000), e que
também é considerado um importante pilar da instituição e um mecanismo isomórfico que
necessita de interpretações subjetivas das ações, somando às representações que os indivíduos
fazem de seus ambientes configuradores de suas ações (SCOTT, 2001; DIMAGGIO;
POWELL, 2005).
O neoinstitucionalismo dá devida importância ao cognitivo, pois nele é necessário um mínimo
de interpretação, mesmo nos mecanismos coercitivos e normativos de isomorfismo que não
possuem esta característica como a principal. Além disso, tem seu foco primário nas crenças
culturais (DIMAGGIO; POWELL, 2005). As representações sociais, por sua vez, dependem do
sistema de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do mundo, enfatizando o
cognitivo (MOSCOVICI, 2004).
56
O isomorfismo, por sua vez, é a forma pela qual a institucionalização se difunde, podendo ser
transmitida, entre outros meios, pelo sistema simbólico que inclui cultura, representações,
modelos, valores, etc. (SCOTT, 2001). Selznick (1996) menciona que a ênfase cognitiva
relembra que as interações culturais e organizacionais são medidas por mentes socialmente
construídas, possibilitando um olhar mais próximo na organização, ajudando a identificar
formas específicas de agir e pensar dos sujeitos, fatos estes importantes para ambas as teorias.
Muitas das instituições e das representações sociais fazem parte das sociedades desde gerações
passadas, ou seja, são anteriores aos homens que vivem nos dias de hoje, e depois de criadas,
muitas vezes, adquirem vida própria, propagam-se, causam o surgimento de novas
representações sociais e instituições, assim como as mais antigas podem desaparecer. Quanto
menos a influência das instituições e das representações sociais é consciente, maior é o impacto
delas na sociedade (BERGER; LUCKMANN, 1996; MOSCOVICI, 2004).
O entendimento de ambas as teorias deve ser realizado no nível supraindividual, considerando
os indivíduos apenas como membros de grupos sociais, pois estas teorias não podem, de forma
alguma, ser consideradas como um agregado de mentes, atributos ou motivos individuais, mas,
sim, como reflexos de processos sociais que tomam lugar entre os membros de uma unidade
social, indo em direção a explicações cognitivas e culturais (RAUDSEPP, 2005; DIMAGGIO;
POWELL, 1991).
Nas sociedades modernas, os elementos da estrutura formal racionalizada refletem o
entendimento da realidade social (MEYER; ROWAN, 1977), ou seja, podem ser reflexos das
representações sociais dos atores e, em contrapartida, a Teoria Neoinstitucional pode investigar
a emergência de representações sociais, da mesma forma que Selznick (1996) afirma que ela
investiga a emergência de formas, processos e estratégias.
Um processo importante para ambas as teorias aqui tratadas é a objetivação, pelo qual os
produtos exteriorizados da vida humana adquirem o caráter de objetividade, dando uma
referência material (MOSCOVICI, 1978), originando uma flexibilidade cognitiva e formando o
mundo institucional. Essa produção humana de sinais (significação) também origina o processo
de coisificação, reificação ou objetificação, transformando as ideias em coisas fora da
mentalidade do indivíduo e inserindo na lógica da ciência e em partes do senso comum.
É a partir da objetificação que as ações começam a ter significados compartilhados pela
sociedade e que se constroi o universo simbólico, que é a matriz de todos os significados
57
socialmente objetivados e subjetivamente reais, que engloba toda a sociedade histórica e a
biografia do indivíduo nas quais os seres humanos ingenuamente vivem (BERGER;
LUCKMANN, 1996).
Segundo Castro e Batel (2008), a situação exposta acima torna as representações sociais um
fenômeno com três dimensões interdependentes: individual, contextual/relacional e
institucional/cultural. Essa tridimensionalidade se torna muito clara quando se considera a
difuo que as instituições dão às novas normas na sociedade, algo que seria impossível sem a
presença dos aspectos psicológicos, cognitivos e relacionais dos indivíduos, ou seja, a
interdependência das três dimenes citadas pelos autores.
Não é possível pensar em representações sociais que existem apenas na cabeça das pessoas
(cognição), ou existindo apenas em seus relacionamentos, ou, então, apenas nas práticas
institucionais, normas e leis das sociedades, também não é possível pensar em sua existência
com a união de apenas duas das dimensões mencionadas.
Jodelet (2001) apoia que um dos postulados fundamentais na Teoria das Representações Sociais
é o da inter-relação entre as formas de organização e de comunicações sociais e as modalidades
do pensamento social. Segundo Jodelet (2001), Durkheim defendia a existência do
“isomorfismo” entre representações e instituições no qual as categorias que classificam os
objetos o solidárias às formas do agrupamento social e à organização da sociedade pelas
relações entre as classes.
Dessa forma, para entender ambas as teorias, é importante considerar três fatores discutidos por
Berger e Luckmann (1996): a sociedade como produto humano, a sociedade como realidade
objetiva e o homem como produto social. A objetividade do mundo social faz com que o
homem se situe fora dele e, dessa forma, pode fazer com que ele esqueça que é possível refazê-
lo, ou no caso de papéis, fazer com que as pessoas neguem a responsabilidade por suas ações,
pelo fato de suas ações serem apreendidas como uma fatalidade inevitável. A Figura 3, a
seguir, ilustra esse processo:
58
FIGURA 3 - Processo recursivo da construção social da realidade
Fonte: Construído pelo autor com base em Berger e Luckmann (1996)
Pode-se notar que as pessoas influenciam a sociedade, tornando-a sua criação e, em
contrapartida, a sociedade influencia as pessoas, tornando o homem um produto social,
originando, assim, um processo recursivo.
2.3.2 O processo de institucionalização das representações sociais
Para Scott (2001), Durkheim considerava o sistema simbólico, o sistema de crenças,
conhecimento (neste, inclusas as representações) e autoridade moral como instituições sociais,
pois estes símbolos o existem apenas como crenças internalizadas, mas como quadros
externos, sendo que o ambiente funciona como uma fonte de significados para os membros das
organizações, influenciando de forma ativa esstas instituições sociais.
Segundo Berger e Luckmann (1996), da mesma forma que nas legitimações das instituições,
vários níveis de legitimação do universo simlico, sendo que a principal diferença é que o
universo simbólico já é por si mesmo um fenômeno teórico e se conserva como tal em todas as
situações, o descendo, assim, ao vel pré-teórico como ocorre com as instituições. Para se
defender contra ameaças externas, o universo simbólico pode se modificar pelos mecanismos
conceituais construídos.
59
Esses mecanismos acarretam sempre a sistematização de legitimações cognoscitivas e
normativas que estavam ingenuamente presentes na sociedade, mas que se solidificam no
universo simbólico. Alguns dos tipos mais importantes de mecanismos conceituais são: a
mitologia, a teologia, a filosofia e a ciência. É importante mencionar que na atual sociedade
pluralista, compartilha-se um universo núcleo que é indubitável (uma verdade aceita
socialmente), e há diversos universos parciais coexistindo em um estado de mútua acomodação
(BERGER; LUCKMANN, 1996).
A fim de ilustrar o processo de institucionalização das representações sociais, foi desenvolvida
a Figura 4, mostrada a seguir:
FIGURA 4 - Processo de institucionalização das representações sociais
Fonte: Construído pelo autor com base em Berger e Luckmann (1996); Minayo (1996; 2002); Moscovici (2004);
Jovchelovitch (2000); Takahashi e Fischer (2007); Tolbert e Zucker (2007)
Como é observado na Figura 4, é a partir das mudanças nas palavras, sentimentos e condutas
de uma sociedade que se iniciam as mudanças no senso comum. Ou seja, para Minayo (2002, p.
108), “as representações sociais se manifestam em palavras, sentimentos e condutas e se
institucionalizam. Portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das
estruturas e dos comportamentos sociais”.
O senso comum é a forma do conhecimento e da interação social. Embora possua limitações
referentes à experiência existencial do sujeito, também possui graus de claridade e nitidez em
relação à realidade. Origina-se das contradições do cotidiano das classes sociais “e sua
60
expressão marca o entendimento delas com seus pares, seus contrários e com as instituições”
(MINAYO, 1996, p. 173).
Brito et al. (2002) complementam, mencionando que as representações sociais se manifestam
em sentimentos, palavras e condutas que estavam posteriormente institucionalizadas e isso
permite que seja acessada a visão de mundo de diferentes grupos sociais por meio destas
representações, demonstrando o conformismo, contradições e os conflitos presentes nas
percepções destes sujeitos. Por sua vez, para serem superados os padrões culturais, e novos
valores serem institucionalizados, é necessário um reordenamento do universo simbólico, um
rearranjo das relações de poder e a aprendizagem de novos pressupostos orientadores da ação
organizacional, rumo à conquista da legitimidade social.
Assim, como foi visto anteriormente na Figura 1, de Tolbert e Zucker (2007), as mudanças
podem ser iniciadas por fatores tecnológicos, leis ou forças do mercado. Castro e Batel (2008)
também mencionam que processos psicossociais ocorrem quando a sociedade altera leis ou
normas que demandam das instituições, sociedade e indivíduos, a transformação de ideias e a
realização de novas práticas. Entretanto, tais mudanças não ocorrem rapidamente, pois há
grande dificuldade em transformar normas prescritivas (o que deveria ser), em normas
descritivas (o que realmente acontece), como é observado na Figura 4.
Depois da inovação, é necessário que haja uma aprendizagem dos novos pressupostos
orientadores e que, com isso, seja possível realizar a teorização. De acordo com Berger e
Luckmann (1996), para entender a integração de uma ordem institucional, é necessário
compreender o conhecimento que seus membros têm dela. O universo simbólico, que é
construído por meio de objetivações sociais, é concebido como a matriz de todos os
significados socialmente objetivados e subjetivamente reais, que englobam toda a sociedade
histórica e a biografia do indivíduo na qual os seres humanos ingenuamente vivem:
Enquanto o universo simbólico legitima a ordem institucional no mais alto nível de
generalidade, a teorização relativa ao universo simbólico pode ser considerada, por
assim dizer, uma legitimação de segundo grau. Todas as legitimações, das mais
simples legitimações p-teóricas de significados institucionalizados distintos até o
estabelecimento smico de universos simbólicos, podem, por sua vez, ser
consideradas como mecanismos de manutenção do universo. Estes mecanismos,
conforme é fácil ver, exigem desde o início uma grande complicação conceitual
(BERGER; LUCKMANN, 1996, p. 143).
Para Weick (1995), os indivíduos criam significados por meio de modelos mentais ou
representações simplificadas, e estas representações permitem aos indivíduos perceberem o
61
contexto além das sensações imediatas, modificando sua percepção da realidade. Isto, por sua
vez, segundo Patriotta (2003 apud TAKAHASHI; FISCHER, 2007), pode ser acompanhado de
uma alteração de valores e crenças compartilhadas, associada à aprendizagem de circuito duplo,
caracterizando uma mudança cultural e/ou uma mudança no estado do conhecimento com a
ocorrência de um ciclo de criação, utilização e, principalmente, de institucionalização do
conhecimento.
Conforme acrescentam Friedland e Alford (1991), indivíduos podem alterar ou reinterpretar
símbolos e pticas; e no momento em que essas interpretações servem a um objetivo
específico, adquirindo utilidade e passam a ser amplamente compartilhadas, adquire-se caráter
racional (VIEIRA; CARVALHO, 2003). Jovchelovitch (2000) acrescenta que, ao objetivar o
novo conhecimento, ancora-se o desconhecido em uma realidade institucionalizada,
alterando, assim, os significados que as sociedades lutam para perpetuar.
De acordo com Patriotta (2003 apud TAKAHASHI; FISCHER, 2007), é necessário dar maior
atenção para a institucionalização das formas de conhecimento, que é o processo pelo quais os
componentes significativos do conhecimento e da ação humana são registrados e delegados
em estruturas de significação estáveis. Child e Heavens (2001 apud TAKAHASHI;
FISCHER, 2007) acrescentam que, além das práticas organizacionais, as práticas das
aprendizagens também são concebidas a partir do que é possível, legítimo, e do que é legal
institucionalmente, sendo sustentadas por regras e convenções que são aprovadas socialmente.
Para chegar ao último nível do processo e ter o conhecimento institucionalizado, Takahashi e
Fischer (2007), com base em Child e Heavens, afirmam que é necessário que o conhecimento
tenha sido legitimado e alcançado determinado grau de aceitação social, seja reconhecido como
eficaz e necessário, assim como ter sido registrado e formalizado. A interão social e a
construção das atividades realiza a aproprião; e o próprio ambiente do trabalho funciona
como o laboratório para a institucionalização do conhecimento.
As instituições tornam as representações sociais menos variáveis e mais estáveis. E além de
induzir a regularidade e a homogeneidade por meio da cognição, ainda inicia e edita as
representações sociais. Para Scott (2001), o conhecimento social, uma vez institucionalizado,
existe como um fato, como parte da realidade objetiva, e pode ser transmitido diretamente aos
membros e organizações desta sociedade, pois, de acordo com Friedland e Alford (1991), é por
meio do cotidiano e dos comportamentos rituais mais institucionalizados que os indivíduos
62
reproduzem a ordem simbólica da instituição e os relacionamentos sociais que conectam este
mundo a uma ordem trans-racional.
Para Howarth (2006), as representações sociais dão suporte para os relacionamentos sociais
existentes. Os papéis das disputas e conflitos entre diferentes representações sociais e suas
consequências sociais e políticas habilitam o conhecimento a ser teorizado como legítimo ou
ilegítimo. Para tal, é necessário reconhecer a reprodução do poder na reificação e na
legitimação das representações sociais.
As representações sociais dependem da memória, sua solidez impede mudanças bitas,
fornecendo independência dos acontecimentos atuais. Estas memórias e as experiências são
dinâmicas e imortais (MOSCOVICI, 2004). “O poder e a claridade peculiares das
representações derivam do sucesso com que elas controlam a realidade de hoje através da de
ontem e da continuidade que isso pressupõe” (MOSCOVICI, 2004, p. 38), ou seja, depende da
efetiva institucionalização da representão, quando ela se torna permanente e inquestionável.
Cabe destacar que, mesmo quando uma representação não apresenta sucesso, a mesma pode ser
sustentada se houver grandes interesses por parte dos atores detentores do poder.
Faz-se necessário destacar que, da mesma forma como acontece com as instituições, as
representações sociais podem sofrer um processo de desinstitucionalização, à medida que forem
ocorrendo inovações que tornam as representações anteriores obsoletas, que surjam pequenas
mudanças na concepção da realidade pelos atores, inserindo alterações nas representações
sociais de uma determinada sociedade, ou de mecanismos conceituais construídos para
defender o universo simbólico vigente de ameaças externas.
63
3 PERCURSO METODOLÓGICO
O objetivo do presente capítulo é mostrar os procedimentos metodológicos utilizados para o
alcance do objetivo geral e dos objetivos específicos desta dissertação. Desta forma, são
apresentadas as perguntas de pesquisa, o delineamento da pesquisa, a delimitação do objeto da
pesquisa, os sujeitos da pesquisa, as fontes de dados, a forma de interpretação dos dados,
algumas considerações sobre a validade e a confiabilidade da pesquisa e, por fim, a definição
constitutiva e operacional dos termos.
3.1 PERGUNTAS DE PESQUISA
Para Triviños (1987), as perguntas de pesquisa representam o que o investigador deseja
esclarecer, partindo das ideias do problema e dos objetivos da investigação, e devem
acompanhar o pesquisador durante todo o estudo. Sendo assim, as perguntas de pesquisa foram
formuladas com base no problema de pesquisa abaixo mencionado:
Como a representação social da agroecologia para pesquisadores do IAPAR,
extensionistas da EMATER e produtores rurais da agricultura familiar que trabalham
com ela se institucionalizou, com base nas crenças, valores e padrões de atuação desses
atores, na cidade de Umuarama-PR, no período de 2004 a 2009?
Desta forma, foram elaboradas as seguintes perguntas como norteadoras da pesquisa:
1. Quais os trabalhos agroecológicos da EMATER e do IAPAR no período de 2004 a
2009?
2. Qual a representação social da agroecologia para extensionistas da EMATER, e como
ela se institucionalizou com base em seus valores, crenças e padrões de atuão?
3. Qual a representação social da agroecologia para pesquisadores do IAPAR, e como ela
se institucionalizou com base em seus valores, crenças e padrões de atuação?
64
4. Qual a representação social da agroecologia para produtores rurais da agricultura
familiar, e como ela se institucionalizou com base em seus valores, crenças e padrões de
atuação?
5. Como ocorreu o processo de institucionalização das representações sociais dos atores
envolvidos, no tocante à agroecologia?
3.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA
Segundo Bauer e Gaskell (2004), a pesquisa social possui interesse em estudar a expressão
espontânea das pessoas, o que é importante para elas, e como elas pensam sobre suas ações e a
dos outros. Sendo assim, a natureza da presente pesquisa é qualitativa. De acordo com Triviños
(1987), os enfoques subjetivistas-compreensivistas privilegiam as percepções, processos de
conscientização, de compreensão do contexto cultural dos atores e têm suporte nas ideias de
Weber, Dilthey, entre outros. Flick (2004) acrescenta que a mudança social acelerada e a
consequente diversificação de esferas da vida trazem novos contextos e perspectivas sociais nos
quais os métodos dedutivos tradicionais não obtêm sucesso.
Para Minayo (1996), a investigação qualitativa possui abertura, flexibilidade, capacidade de
observação e de interação do pesquisador com os atores sociais envolvidos, tendo grande
importância para compreender os valores culturais e as representações de grupos, compreender
as relações dos atores sociais no âmbito institucional e social e avaliar políticas públicas e
sociais. Godoi e Balsine (2006) complementam que a perspectiva qualitativa se ocupa das
formas simbólicas e se interessa pelo caráter comunicativo de mediador e formador das
experiências e necessidades sociais.
Flick (2004) menciona que a meta da pesquisa qualitativa concentra-se menos em testar o que
já é conhecido e mais em descobrir o novo e desenvolver teorias empiricamente embasadas.
Seus principais critérios para validade consistem em determinar se as descobertas são
embasadas em material empírico e se os métodos foram adequadamente selecionados e
aplicados ao objeto em estudo. Critérios adicionais como relevância das descobertas e a
reflexividade dos procedimentos também são empregados.
65
Segundo Bauer e Gaskell (2004), a principal diferença entre as pesquisas quantitativas e as
qualitativas é que, enquanto aquelas trabalham com números e modelos estatísticos para o
tratamento dos dados, estas trabalham com interpretações das realidades sociais e têm como
arquétipo mais comum as entrevistas em profundidade.
Para Flick (2004), a comunicação do pesquisador no campo e com seus membros é considerada
de importância explícita no processo de produção do conhecimento, e a subjetividade, tanto do
pesquisador como dos pesquisados, é parte do processo. Os autores ressaltam que, em estudos
recentes, tanto as pesquisas quantitativas como as qualitativas estão sendo consideradas
igualmente importantes.
A pesquisa qualitativa tem uma maior dimensão subjetiva do que a pesquisa quantitativa, e tem
a vantagem de oferecer descrições ricas e bem fundamentadas, além de explicar os processos
em contextos locais (VIEIRA, 2004).
Esta investigação tem caráter descritivo, pois procura descrever sistematicamente um fenômeno
de forma detalhada. Segundo Triviños (1987), o estudo descritivo busca descrever os fatos e os
fenômenos de determinada realidade, buscando conhecer seus traços característicos, suas
gentes, seus problemas, seus valores, etc.
O corte de pesquisa é transversal com perspectiva longitudinal, necessário para trabalhos que
visam estudar o processo de institucionalização, devido ao mesmo o ser algo estático e, sim,
ocorrer ao longo de um tempo. Vieira (2004, p.21) menciona que neste corte de pesquisa a
coleta de dados é feita em um único momento, mas resgatando informações de períodos
anteriores: “o foco está no fenômeno e na forma como se caracteriza no momento da coleta, e
os dados resgatados do passadoo, normalmente, utilizados para explicar a configuração atual
do fenômeno”.
3.3 A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
Como apontado no problema de pesquisa, o interesse do presente trabalho é compreender a
representação social de agroecologia para pesquisadores do IAPAR, extensionistas da
EMATER e produtores rurais da agricultura familiar que trabalham com ela, e como suas
66
representações sociais se institucionalizaram com base em suas crenças, valores e padrões de
atuação.
De acordo com Minayo (1996), o critério de escolha da amostragem qualitativa não é numérico,
podendo considerar que a amostra ideal é aquela capaz de representar a totalidade de suas
múltiplas dimensões. Portanto, sugere que se defina o grupo social mais relevante para o estudo
para que se delineie o quadro empírico da pesquisa. Para tanto, na presente investigação, é
importante considerar algumas questões, que serão apresentadas, a seguir.
A EMATER atua em dezenove regiões administrativas do Para, onde presta assistência
técnica aos agricultores interessados em adotar o sistema de produção orgânico. No total, a
EMATER possui dois mil produtores orgânicos distribuídos em noventa e oito municípios,
tendo noventa e um técnicos atuando nestas áreas (EMATER, 2008c).
Essas dezenove regiões são administradas por unidades regionais da EMATER que se situam
nas cidades de Apucarana, Campo Mourão, Cascavel, Cornélio Procópio, Curitiba, Francisco
Beltrão, Guarapuava, Iratí, Ivaiporã, Londrina, Maringá, Paranaguá, Paranavaí, Pato Branco,
Ponta Grossa, Santo Antônio da Platina, Toledo, Umuarama e União da Viria.
O IAPAR, por sua vez, é sediado em Londrina, abrange todo o território do Paraná, possuindo
dois pólos regionais de pesquisa e diversas unidades por todo o Estado. O PAG - Programa de
Pesquisa em Agroecologia - criado em 2004, é apenas um dos quinze programas que o IAPAR
desenvolve.
67
FIGURA 5 - Instalações do IAPAR no Estado do Paraná
Fonte: Adaptado de IAPAR (2008).
A Figura 5 mostra as unidades do IAPAR. Nota-se que várias cidades com instalações do
IAPAR também possuem instalações da EMATER. A Figura também destaca Umuarama,
município em que se realizou a maior parte deste estudo. A justificativa para a escolha de
Umuarama encontra-se nos parágrafos, a seguir.
O presente trabalho visa compreender as representações sociais de três grupos de atores que
lidam com a agroecologia no Paraná: pesquisadores, extensionistas e também os produtores
rurais da agricultura familiar que cultivam produtos orgânicos. A EMATER (2009) menciona
que o Estado do Paraná possui 5.300 produtores rurais da agricultura familiar orgânicos, ou
seja, uma pequena parcela aproximada de 3% do total de famílias de produtores rurais da
agricultura familiar atendidos por este órgão, embora a mesma ainda mencione que tal
número esteja em constante crescimento.
De todo este universo apresentado, as cidades do noroeste do Paraná apresentam grande
homogeneidade referente ao cultivo de produtos orgânicos, não tendo variações significativas
em quantidade de produtores, qualidade dos produtos ou tempo de produção, principalmente
68
devido ao fato do programa pioneiro agroecológico da Paraná, o PAG, ter sido lançado apenas
em 2004. Desta forma, optou-se por realizar o estudo na cidade de Umuarama, pois a mesma
apresenta todas as características existentes também nas demais cidades da região noroeste,
como o tempo de produção dos agricultores familiares e tempo de experiência dos
extensionistas da EMATER, por exemplo.
Já para as entrevistas com pesquisadores do IAPAR, as mesmas foram realizadas na cidade de
Londrina, onde localiza-se a sede da referida instituição, e os principais profissionais
responsáveis pelos estudos realizados pelo PAG - Programa de Pesquisa em Agroecologia -
estão na sede. Dos mais de quarenta pesquisadores atuais do PAG, aproximadamente vinte e
quatro estão na cidade de Londrina. Além disso, em Umuarama não existe nenhuma estação
experimental do IAPAR.
A equipe de extensionistas escolhida para a entrevista abrange toda a região de Umuarama, e
cada um dos seis integrantes localiza-se em uma cidade específica, sendo elas: Umuarama,
Cianorte, Altônia, Alto Piquiri, Francisco Alves e Cruzeiro do Oeste. Segundo informações
prévias, esta equipe trabalha com agroecologia há aproximadamente cinco anos.
Observa-se que a diferença de tempo entre os atores envolvidos na agroecologia
(pesquisadores do IAPAR, extensionistas da EMATER e produtores rurais da agricultura
familiar) pode ser importante para identificar diferenças nos estágios do processo de
institucionalização das representações sociais: a inovação no senso comum, que envolve o
estabelecimento dos novos padrões de atuão em busca de soluções; a objetivação e a
amarração, com o compartilhamento de significados e, por fim, a fase da sedimentação, na
qual ocorre a transmissão das tipificações aos novos membros, perpetuando-a.
Assim, acredita-se que, com base nessas considerações e nas características da região, está
justificada a delimitação da pesquisa referente aos produtores rurais da agricultura familiar na
cidade de Umuarama, dos extensionistas na cidade de Umuarama e dos pesquisadores na
cidade de Londrina que fornecem o conhecimento para os extensionistas de Umuarama.
69
3.3.1 Sujeitos da pesquisa
Na presente dissertação, os sujeitos da pesquisa são as pessoas envolvidas diretamente com
trabalhos agroecológicos: extensionistas da EMATER, pesquisadores do IAPAR e produtores
rurais da agricultura familiar. Entendeu-se que não é necessária a aproximação investigativa de
sujeitos que não participam diretamente desses trabalhos.
Minayo (1996) sugere que os sujeitos sociais a serem investigados tenham os atributos,
experiências e expressões que se pretenda conhecer, em número suficiente para permitir a
reincidência de informações e sem desprezo das informações ímpares que tenham potencial
para dar suporte à compreensão do fenômeno. Ou seja, deve-se possibilitar a apreensão de
semelhanças e diferenças. Farr (2002) acrescenta que somente vale a pena estudar uma
representação social se ela estiver suficientemente espalhada na cultura que se realizará o
estudo.
De acordo com informações prévias, cerca de quatorze produtores rurais da agricultura familiar
de Umuarama conseguiram a certificação necessária para iniciarem o processo de exportação
de seus produtos, pois passaram pelo período de descontaminação do solo e mantiveram o
padrão de qualidade exigido pela certificadora durante todo o período de quatro anos solicitado.
Desta forma, notou-se que a amostragem dos produtores rurais da agricultura familiar
necessária para realizar o estudo poderia ser retirada desta população.
a amostragem dos pesquisadores do IAPAR precisou ser retirada daqueles que possuem
trabalhos relevantes dentro do PAG e daqueles que atuam exclusivamente no Programa; e a
amostragem dos extensionistas da EMATER foi retirada das cidades pertencentes à região
administrativa da EMATER de Umuarama (Umuarama, Cianorte, Altônia, Francisco Alves,
Alto Piquiri e Cruzeiro do Oeste), para assim entrevistar os profissionais que atuam diretamente
na assistência aos agricultores familiares escolhidos.
É importante destacar que é necessário certo período de tempo para as crenças, valores e
padrões de atuação serem institucionalizados pelos atores, não permitindo, assim, que a
presente pesquisa seja realizada com produtores rurais da agricultura familiar, extensionistas da
EMATER ou pesquisadores do IAPAR que estejam apenas se iniciando em trabalhos
agroecológicos.
70
À luz dessas observações, foram selecionados os entrevistados. Primeiramente, foi realizada
uma visita ao escritório regional da EMATER de Umuarama, no qual o extensionista
responsável por trabalhos agroecológicos forneceu informações referentes aos demais
extensionistas da região que também efetuam este trabalho, dos agricultores agroecológicos
que melhor poderiam representar a população, assim como manuais, revistas e artigos
publicados sobre o assunto. O contato pvio com o IAPAR foi feito por meio de telefone e e-
mails, agendando o dia e horário de acordo com a disponibilidade dos pesquisadores.
O critério determinante para a seleção dos entrevistados foi o vel de envolvimento do ator
com trabalhos agroecológicos, tendo participação suficiente e por livre vontade, mesmo que
no início tenha existido uma pressão institucional, a ponto de possuir valores, crenças e
padrões de atuação internalizados compartilhados, possibilitando a existência de uma
representação social.
No total, foram entrevistados nove produtores rurais da agricultura familiar com certificação
orgânica, dos quais quatro produzem predominantemente hortaliças e estão localizados na
região rural de Umuarama, onde foram realizadas visitas em cada propriedade para serem
realizadas as entrevistas; e cinco produzem predominantemente acerola e estão localizados na
Vila Rural de Santa Eliza (distrito de Umuarama), sendo as entrevistas realizadas na sede de
sua associação, na qual eles se reúnem periodicamente para reuniões, e com atores que fazem
parte da liderança da associação. Neste dia também foi possível participar de uma dessas
reuniões, possibilitando compreender e subsidiar as considerações sobre os problemas comuns
a estes atores. Todos os entrevistados possuem certificação orgânica há pelo menos cinco
anos.
Os extensionistas escolhidos para a realização das entrevistas foram os das cidades de
Umuarama, Cianorte, Francisco Alves, Alto Piquiri e Cruzeiro do Oeste. Em todos os casos,
foram realizados contatos prévios via telefone para agendar a melhor data e horário, e as
entrevistas foram realizadas no local de trabalho dos cinco extensionistas. Esta equipe realiza
trabalhos agroecológicos de extensão em suas respectivas cidades e fazem reuniões periódicas
para trocas de informações e auxílio quando há dificuldade com algum caso.
O tempo de trabalho com extensão orgânica formal deste atores varia de três a seis anos,
embora alguns dos entrevistados seguissem alguns dos conceitos agroecológicos
informalmente há mais tempo.
71
A entrevista com os pesquisadores do IAPAR foi realizada na cidade de Londrina, na sede do
IAPAR, com os três principais pesquisadores do PAG da cidade de Londrina. Além disso,
foram entrevistados também três pesquisadores do PAG da cidade de Ponta Grossa, pois eles
estavam presentes para um seminário sobre agroecologia que estava acontecendo em
Londrina e, aproveitando-se da ocasião, decidiu-se entrevistá-los também, já que são
pesquisadores da área de estudo desta dissertação. No total, foram, então, seis entrevistas com
pesquisadores.
Embora o PAG possua apenas seis anos de existência, os pesquisadores selecionados já
realizavam pesquisa nesta área mais tempo, seja pela natureza de sua linha de pesquisa
anterior, ou seja, por esta escolha de pesquisa ter sido feita desde a graduação.
Outro cuidado tomado na seleção dos entrevistados foi escolher pesquisadores de áreas com
maior possibilidade de influenciar os trabalhos agroecológicos de Umuarama, como
fitotecnia, solos, sistema de produção, etc., e nenhum pesquisador de área animal, por
exemplo.
Devido ao compromisso de não identificação dos entrevistados selecionados no presente
trabalho, serão adotados os seguintes nomes fictícios:
Para os agricultores: André, Anderson, Ana, Andressa, Arnaldo, Aparecida, Antônia, Amara,
Arlete. Todos iniciados com a letra A, para, assim, facilitar a associação com a palavra
agricultor.
Para os extensionistas da EMATER: Emerson, Elaine, Everaldo, Edinei, Eduardo. Todos
iniciados com a letra E, para, assim, facilitar a associação com a palavra extensionista e, por
coincidência, EMATER.
Para os pesquisadores do IAPAR: Paulo, Pedro, Patrícia, Priscila, Poliana e Pilar. Todos
iniciados com a letra P, para, assim, facilitar a associação com a palavra pesquisador.
Faz-se necessário destacar que a quantidade de entrevistados foi suficiente, dada a presença
perceptível de conteúdos discursivos repetidos e coerentes entre si.
72
3.4 DADOS: COLETA E INTERPRETAÇÃO
3.4.1 Coleta de dados
O presente trabalho segue as recomendações propostas por Fontana e Frey (1994), em que os
autores aconselham que o pesquisador, primeiramente, deve acessar o ambiente, entender a
linguagem e a cultura dos respondentes, realizar uma apresentação, localizar os informantes,
entrosar-se e, então, coletar o material empírico. Essa primeira aproximação com a realidade
empírica já foi realizada, com algumas visitas à EMATER.
Cabe, aqui, informar que, segundo Triviños (1987), a coleta e a interpretação de dados na
pesquisa qualitativa não acontecem de forma isolada, parcelada ou estanque, pois a pesquisa se
desenvolve com grande interação dinâmica, retroalimentando-se e reformulando-se
constantemente. Entretanto, para fins didáticos, ambos os processos serão apresentados
separadamente neste capítulo.
Flick (2004) menciona que o pesquisador e sua competência comunicativa são os principais
instrumentos de coleta de dados e de cognição, não podendo adotar um papel neutro e, sim,
apropriado, no campo e no contato com as pessoas a serem entrevistadas, pois influência
deste comportamento nas informões que o pesquisador terá acesso ou não. Esse é um
processo de negociação, no qual podem ser reveladas dificuldades inesperadas.
Isso não quer dizer que o pesquisador não deva tentar se antecipar a algumas questões. As
entrevistas, por exemplo, necessitam ter um roteiro prévio para guiá-lo. De acordo com Minayo
(1996), o roteiro da entrevista semiestruturada visa apreender a perspectiva e os juízos dos
atores sociais, com base no objetivo da pesquisa, contendo poucas questões. Sua finalidade é
ampliar e aprofundar a comunicação, sem criar obstáculos.
O envolvimento do entrevistador com o entrevistado é pensado como uma condição de
aprofundamento de uma relação intersubjetiva, contemplando o afetivo, o existencial, o
contexto cotidiano, a experiência, a linguagem, etc.
73
Minayo (1996) defende que o que torna a entrevista um instrumento privilegiado de coleta de
dados é a possibilidade da fala revelar condições estruturais, de sistemas de valores, normas e
símbolos, transmitir as representações de grupos determinados de condições específicas, atras
de um porta-voz. A entrevista é também uma situão de interação, na qual as informações
prestadas pelos entrevistados podem ser profundamente afetadas por sua relação com o
entrevistador.
A situação da entrevista pode ser entendida como uma troca desigual entre os atores
envolvidos, pois não é o entrevistado que toma iniciativa, os objetivos da pesquisa normalmente
lhe são estranhos, é o pesquisador quem dirige, controla e orienta o processo, mesmo em
entrevistas abertas (MINAYO, 1996).
Assim, para o sucesso da entrevista, o entrevistador deve possuir capacidade de penetrar nos
sentimentos e conhecimentos mais íntimos dos entrevistados. Entretanto, deve-se frisar que não
é posvel conseguir sucesso absoluto, pois, geralmente, membros de grupos superdimensionam
alguns fatos e subcomunicam outros. Quando um grupo é muito coeso e problemático, uma
projeção mútua de dúvidas e culpas; entretanto, quando existem fortes contradições no grupo, é
mais fácil entrar nos sentimentos e conhecimentos mais íntimos dos entrevistados (MINAYO,
1996).
Segundo May (2004), as entrevistas semiestruturadas ou não-estruturadas são feitas
verbalmente e incluem a interação entre os envolvidos. Permitem que as pessoas respondam
mais por seus próprios termos, em uma estrutura compatível com o estudo realizado. Esse autor
sugere que, durante a entrevista, seja utilizado um gravador, pois isso permite ao entrevistador
ter maior concentração na conversa e registrar os gestos não-verbais (MAY, 2004).
Spink (1998) complementa expondo que, para a Teoria das Representações Sociais, as
entrevistas semiestruturadas são longas e acopladas com levantamentos paralelos sobre o
contexto social e sobre os conteúdos históricos que dão informações dos indivíduos enquanto
sujeitos sociais.
Assim, nesta pesquisa, os dados primários foram coletados a partir de entrevistas
semiestruturadas, contendo um roteiro básico para cada grupo de atores (ver Apêndice).
Em termos de dados secundários, May (2004) destaca que eles têm o potencial de informar e
estruturar as informações, e em longo prazo constituem leituras particulares dos eventos sociais.
74
Os dados secundários são importantes tanto pelo que contêm, assim como pelo que deixam de
fora. Eles não apenas refletem a realidade, mas também constroem a realidade social e a versão
dos eventos, não sendo, portanto, um instrumento neutro de registro.
De qualquer forma, os dados secundários o importantes, principalmente para contextualizar
os fenômenos a serem estudados e também para obter informações sistematizadas sobre o que
se quer estudar. Assim, no presente trabalho, os dados secundários foram coletados por meio
dos documentos disponibilizados pela EMATER e pelo IAPAR, revistas de grande circulação,
revistas especializadas no setor, entre outros documentos.
3.4.2 Interpretação dos dados
Minayo (1996) cita a existência de três grandes obstáculos para a interpretação dos dados
recolhidos no campo: a) a impressão de familiaridade com o objeto que origina uma
transparência ilusória, conseguindo apenas a projeção de sua própria subjetividade em
detrimento da apreensão do significado dos atores sociais; b) o esquecimento da fidedignidade
às significações presentes no material; c) a dificuldade da junção das teorias e conceitos com os
dados conseguidos com a pesquisa de campo.
Para evitar estas armadilhas de pesquisa, a análise do material deve buscar os seguintes
objetivos: a) ultrapassagem da incerteza, interpretação e validade dos resultados; b)
enriquecimento da leitura, descoberta do conteúdo latente; c) integração das descobertas, ir
além da aparência buscando o contexto social no qual a mensagem se insere (MINAYO, 1996).
Bauer e Gaskell (2004) mencionam que o objetivo da interpretação dos dados é procurar
sentido e compreensão, indo além da aceitação do que é realmente falado. Procuram-se temas
com conteúdo comum e a função destes temas, buscando-se representações centrais e
periféricas que exigem tempo e muito esfoo.
Assim, para a interpretação dos dados secundários, o presente estudo utilizou as ideias de
Merriam (1998), nas quais, ao se analisarem os documentos, é necessário, primeiramente,
garantir certificação da origem dos documentos e sua autenticidade, para depois realizar uma
criteriosa e sistemática análise de conteúdos, no sentido de descrevê-los de forma apropriada.
75
Esta técnica de tratamento permite analisar os fenômenos sociais (como e quando se
produzem), as manifestações que estes fenômenos registram e as ideias desenvolvidas a partir
deles.
Em termos da interpretação dos dados primários, é preciso levar algumas questões em
consideração. Berger e Luckmann (1996) enfatizam a compreensão da linguagem para o
entendimento da vida cotidiana dos sujeitos, pois é por meio dela que os seres humanos
participam de seu meio social, interagindo com outras pessoas. A linguagem tem qualidade
objetiva e efeitos cognitivos e coercitivos, ensinando e forçando o indivíduo a entrar em
padrões, possibilitando uma contínua objetivação e tipificação das experiências, estabelecendo
pontes entre partes distintas da realidade da vida cotidiana, integrando-as em uma totalidade
com sentido próprio e é um componente essencial para a apreeno do senso comum de
determinada realidade. A vida cotidiana é uma realidade interpretada pelos homens e dotada de
sentidos, formando um mundo coerente para aqueles que fazem parte do ambiente:
A linguagem constrói, então, imensos edifícios de representação simbólica que
parecem elevar-se sobre a realidade da vida cotidiana como gigantescas presenças de
um outro mundo. A religião, a filosofia, a arte e a ciência o os sistemas de
símbolos historicamente mais importante deste gênero (BERGER; LUCKMANN, p.
61).
Em termos da Teoria das Representações Sociais, Moscovici (2004) menciona que
dificuldades na fase de interpretação, devido ao fato de que os discursos, crenças e
representações provêm de muitos discursos, creas e representações elaboradas há várias
gerações passadas.
Devido à impossibilidade de dominar completamente a origem das concepções ao longo do
espaço e do tempo, o tratamento dos dados das representações sociais deve se limitar a chegar,
de acordo com os dados disponíveis, às ideias propulsoras ou imagens, demonstrando
consistência empírica e metodológica no trabalho.
Essas considerações também são importantes em relação a pesquisas sobre processos de
institucionalização. trabalhos com base na Teoria Neoinstitucional que foram realizados
interpretando-se as falas dos sujeitos da pesquisa, buscando descobrir o conteúdo subjacente ao
expressado e o significado implícito (BORGONHONI, 2005), ou construindo mapas cognitivos
(CRUBELLATE, 2004), e qualquer opção escolhida tem suas forças e limitações.
76
Bauer e Gaskell (2004, p. 244) mencionam que, para interpretarem-se dados em pesquisa
qualitativa, embora haja uma grande diversidade de técnicas chamadas “análises de discurso”,
elas têm pontos em comum, sendo que a mais importante é quepartilham a rejeição pela noção
realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e
uma convicção da importância central do discurso na construção da vida social”.
As características-chave das análises de discurso são: a) a postura crítica com respeito ao
conhecimento dado, aceito sem discussão e o ceticismo a respeito de que simples observações
podem revelar a real natureza do mundo; b) o reconhecimento de que as formas como se
entende o mundo o históricas e culturalmente relativas e específicas; c) as formas que visam
compreender o mundo são determinadas pelos processos sociais; d) o compromisso de explorar
as maneiras como o conhecimento está ligado às ações práticas (BAUER; GASKELL, 2004).
Sendo assim, e após algumas incursões pela literatura, a técnica escolhida para a interpretação
dos dados obtidos pelas entrevistas nesta pesquisa é um misto do que Spink (1998) e Minayo
(1996) recomendam para estudos sobre representações sociais. Com base nas leituras
realizadas, acredita-se que ela pode ser usada também em estudos sobre processos de
institucionalização.
No Capítulo 2, foi discutido como a Teoria das Representações Sociais e a Teoria
Neoinstitucional têm muitos pontos em comum. Dessa forma, a modalidade escolhida é
abrangente o suficiente para abarcar também a interpretação sobre institucionalização, que é o
que se pretende na investigação realizada.
Essa modalidade é uma forma de análise do discurso, e Spink (1998) menciona que, para
trabalhar com ela, é necessário o pesquisador ter clareza de que as representações se formam no
contexto remetido de duas forças: os conteúdos que transitam na sociedade e as forças
originadas pelo funcionamento das relações sociais e de um poder que força uma racionalidade
coletiva. Este caráter dialético indica que as representações sociais precisam ser estudadas
como um processo, partindo da premissa de que sua funcionalidade é orientadora de suas ações
de comunicação, sendo o indivíduo concebido como símbolo vivo do grupo que representa.
Para Geertz (1989), os trabalhos com o senso comum não visam catalogar o estável e o
consensual, pois ele é heterogêneo; também o cabe buscar as estruturas lógicas subjacentes,
porque elas não existem. A análise do senso comum, para esse autor, depara-se tanto com a
lógica, com a coerência, como com a contradição e com a diversidade, isto, devido,
7
7
principalmente, às emoções humanas, que frequentemente estão mais em evidência do que seu
lado racional.
Assim, a interpretação é centralizada na totalidade do discurso, resultando em uma demora que,
por conseqüência, acaba envolvendo um número menor de sujeitos que, se devidamente
contextualizados, podem representar todo o grupo (SPINK, 1998). Assim, os seguintes passos
foram seguidos para a interpretação dos dados:
1. Transcrição da entrevista.
2. Leitura flutuante do material e escuta do material gravado, ficando atento a
características como: variação (versões contraditórias), detalhes sutis (silêncio, lapsos,
demonstrações afetivas) e a retórica (organização do discurso que argumenta contra ou a
favor de uma versão dos fatos).
3. Após apreender os aspectos mais gerais da construção do discurso, é necessário retornar
aos objetivos da pesquisa e definir claramente o objeto da representação.
4. Deixar que categorias elementos ou aspectos com características comuns ou que se
relacionem entre si emerjam das narrativas dos entrevistados.
5. Passar as associações para uma figura, mostrando o relacionamento entre os elementos
cognitivos e os investimentos afetivos.
3.5 VALIDADE E CONFIABILIDADE DA PESQUISA
De acordo com Vieira (2004), cientificidade, rigor e confiabilidade também são fundamentais
para a pesquisa qualitativa, sendo estas tão rigorosas quanto as pesquisas quantitativas. Nota-se
que, por uma perspectiva no todo complexa, cada natureza de pesquisa é mais adequada para
determinadas questões teóricas específicas, pois a força de um método é a fraqueza do outro.
78
May (2004) menciona que o papel das ciências sociais é entender os fenômenos sociais,
focalizando a atenção em questões particulares e desafiar as crenças convencionais,
diferenciando-se das ciências naturais, principalmente pelo fato de poder questionar aqueles
que estudam.
Devido à maior subjetividade inerente ao estudo qualitativo, é necessário estabelecer e detalhar
procedimentos que garantam a cientificidade da pesquisa. Esses procedimentos começam pela
definição do problema e das perguntas de pesquisa, dos conceitos e também perpassam pela
descrição detalhada do que aconteceu no campo, para garantir a confiabilidade nos dados.
Vieira (2004) afirma que é por meio dessa descrição metodológica que confiabilidade, validade
e aplicação de uma investigação poderão ser avaliadas. Outro tópico importante para esta
avaliação, segundo esse autor, é o das definições constitutivas e operacionais dos termos, o que
será visto no próximo item (VIEIRA, 2004).
A generalização na pesquisa qualitativa é uma tarefa complexa, pois, geralmente, seus
enunciados tratam de um tema muito específico. Na tentativa de generalização de uma
descoberta, esse elo com o contexto específico deve ser quebrado para se realizar uma apuração
para perceber se a descoberta é válida para outros contextos de modo geral.
Flick (2004) diz que isso vai depender muito da representatividade dos indivíduos
entrevistados. Um dos elementos que dificultam essa generalização é a falta de objetividade,
que, de acordo com Lincoln e Guba (2000, p. 181), pode ser retratada como uma “Chimera”,
um ser mitológico que nunca existiu, salvo na imaginação daqueles que acreditam nele e em
que o conhecimento pode ser separado do conhecedor.
Vieira (2004) defende que a validade externa e a transferibilidade da pesquisa qualitativa, ou
seja, a sua generalização, é possível a partir de uma boa teoria de fundo, que seja séria e
consolidada. Neste trabalho, embora não haja intenção de generalizar os dados, as teorias que
dão suporte a ele jáo bastante discutidas no âmbito das organizações.
No entanto, para aumentar a confiabilidade na pesquisa qualitativa, Flick (2004) destaca dois
cuidados a serem tomados. Em primeiro lugar, é necessário explanar a gênese dos dados, de
forma que se permita delimitar o enunciado do sujeito da interpretação do pesquisador. Em
segundo, os procedimentos metodológicos devem ser explicitados detalhadamente. É o que se
pretendeu fazer na presente investigação.
79
3.8 DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA E OPERACIONAL DOS TERMOS
De acordo com Vieira (2004, p. 19), a definição constitutiva refere-se ao conceito dado por
algum autor da variável ou do termo que se vai utilizar”. Já a definição operacional é referente à
forma como o mesmo termo ou variável se percebido na realidade. Assim, as definições
constitutivas e operacionais que deram suporte para o presente estudo são as seguintes:
a) Representação Social
D. C.: Forma de conhecimento prático que liga um sujeito a um objeto, estabelecendo uma
relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação (conferindo-o significações)
(MOSCOVICI, 1978).
D. O.: Forma como os pesquisadores, extensionistas e produtores rurais da agricultura familiar
vêem ou representam a agroecologia. Sua operacionalização se deu por entrevistas
semiestruturadas.
b) Institucionalização
D. C.: É um processo condicionado pela lógica da conformidade às normas socialmente
aceitas, bem como pela incorporação de um sistema de conhecimento construído ao longo da
interação social, as quais constituem parâmetros para a concepção de realidade dos atores
sociais, definindo, portanto, seu modo de agir, crenças e valores (MACHADO-DA-SILVA,
2003).
D. O.: Forma como os pesquisadores, extensionistas e produtores rurais da agricultura
familiar incorporaram as crenças, valores e padrões de atuação inerentes à agroecologia. Foi
operacionalizada por meio de entrevistas semiestruturadas.
80
c) Agroecologia
D. C.: É uma ciência que estabelece as bases para a construção de estilos e estratégias para o
desenvolvimento rural sustentável, enfocando o apoio à transição de atuais modelos de
agricultura e desenvolvimento convencionais para o estilo de agricultura e desenvolvimento
sustentável, possibilitando a produção de produtos de qualidade biológica superior e também
atendendo requisitos sociais necessários (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).
D. O.: Refere-se ao objeto do trabalho realizado pelos pesquisadores, extensionistas e
produtores rurais investigados. Foi operacionalizada por meio de entrevistas semiestruturadas e
pesquisa documental.
d) Crenças e Valores
D. C.: As crenças consistem nos pressupostos subjacentes, que originam nos atores das
organizações as expectativas que influenciam as percepções e pensamentos sobre o ambiente
que os envolvem. os valores são concepções racionalizadas individual ou coletivamente,
de forma implícita ou explícita, expressando as preferências dos cursos de ação ou resultados
(MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; FERNANDES, 2000).
D. O.: Neste trabalho, as crenças referem-se às normas sociais que devem ser seguidas para se
atender aos critérios da agroecologia, e os valores se referem às convicções dos
pesquisadores, extensionistas e produtores rurais da agricultura familiar a respeito da
agroecologia e que moldam o seu comportamento. Foi operacionalizada por meio de
entrevistas semiestruturadas.
e) Formas de atuação
D. C.: Procedimentos e regras considerados legítimos no exercício das atividades
profissionais dos atores sociais.
81
D. O.: Nesta dissertação, referem-se aos modos como os pesquisadores, extensionistas e
produtores rurais da agricultura familiar executavam/executam os seus trabalhos, seja na
pesquisa, na extensão rural ou na produção de alimentos. Foram operacionalizadas por meio
de entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental.
f) Produtores Rurais da Agricultura Familiar
D. C.: São os produtores em que a família, ao mesmo tempo em que proprietária dos meios de
produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo (WANDERLEY, 2001).
D. O.: Nesta pesquisa correspondem aos produtores rurais de Umuarama entrevistados, que
produzem produtos agroecológicos e que possuem uma propriedade onde os produtores e
gestores são da mesma família.
g) Pesquisadores do IAPAR
D. C.: Profissionais do IAPAR responsáveis pela geração de conhecimento científico e
tecnológico agropecuário adequados à realidade paranaense.
D. O.: Neste estudo o considerados os pesquisadores do IAPAR pertencentes ao PAG
(Programa de Pesquisa em Agroecologia), que geram o conhecimento empregado pelos
extensionistas no auxílio da produção agroecológica.
h) Extensionistas da EMATER
D. C.: Profissionais da EMATER responveis por orientar e fornecer assistência técnica no
local em que o agricultor precisar, dando prioridade ao agricultor familiar, pescadores
artesanais e trabalhadores rurais, como assim é determinado por diretrizes federais e estaduais,
82
desenvolvendo, também, trabalhos na área de bem-estar social, no campo da nutrição, saúde,
saneamento, educação e cidadania (EMATER, 2008c).
D. O.: Neste trabalho são considerados os profissionais da EMATER, que orientam e fornecem
assistência cnica aos produtores rurais da agricultura familiar sobre produção agroecológica,
na propriedade do produtor rural, na região de Umuarama.
83
4 OS TRABALHOS DO IAPAR E DA EMATER SOBRE AGROECOLOGIA
Esta etapa do trabalho tem a intenção de descrever os trabalhos que a EMATER e o IAPAR
realizam no tocante à agroecologia. Para tanto, tomou-se como base o site de ambas as
instituições (EMATER, 2008c; IAPAR, 2008), publicações internas e algumas informações
conseguidas nas entrevistas.
4.1 TRABALHOS DO IAPAR SOBRE AGROECOLOGIA
Segundo o IAPAR (2008), o Programa de Pesquisa em Agroecologia (PAG) foi criado em
2004 para congregar e coordenar ações de pesquisas, visando promover sistemas sustentáveis
de produção agroecológica, incluindo a orgânica. Promove e estimula a proteção da
biodiversidade dos sistemas naturais, respeita os ciclos biológicos e favorece a atividade
biológica do solo. Busca também reduzir o uso de insumos externos em métodos que
recuperem, mantenham e promovam o equilíbrio dos sistemas, considerando as diferentes
dimenes necessárias para a sustentabilidade (ecológica, econômica, social, cultural, política
e ética).
O líder de pesquisa do programa menciona que uma iniciativa assim era demandada por
organizações da sociedade, como sindicatos e cooperativas. Embora em menor escala, o
IAPAR realizava algumas pesquisas sobre diminuição de consumo de agroquímicos na
produção, entretanto eram dispersas nas várias áreas da instituição. Com o PAG foi possível
unir as pesquisas agroecológicas em um único programa. As atividades de pesquisas vão
desde estudos bibliográficos e preparações de projetos, que são feitos na própria sede do
IAPAR, até visitas a campo, realização de experimentos em propriedades rurais, e
participação em eventos para a difusão de tecnologias agroecológicas.
Desde seu surgimento, o PAG tem procurado promover a institucionalização das questões
relacionadas à agroecologia, estimulando as discussões internas sobre o tema e a participão
dos pesquisadores e técnicos em treinamentos e eventos científicos da área. Esse esforço
84
institucional resultou na incorporão de ações de pesquisa relacionadas à agroecologia em
grande parte dos projetos de pesquisa em todos os programas (IAPAR, 2008).
Os objetivos do PAG, de acordo com IAPAR (2008), são: gerar e adaptar tecnologias,
considerando a aplicação dos conceitos e princípios da ecologia, num processo participativo
de construção de conhecimento, com enfoque sistêmico, no manejo de ecossistemas
sustentáveis; contribuir para o desenvolvimento do Estado do Paraná via proposição de
tecnologias recuperadoras e/ou poupadoras de recursos naturais, e que contribuam para a
saúde econômica e social das distintas regiões do Estado; reduzir o impacto ambiental dos
sistemas de produção agropecuário, agroflorestal e silvipastoril; aprimorar os sistemas de
produção agroecológicos e orgânicos certificados; subsidiar a formulação de políticas
públicas para a redução do impacto da produção agrícola sobre o meio ambiente e de políticas
para o crescimento da produção agroecológica e orgânica certificada.
O PAG é dividido em algumas áreas de pesquisa, dentre as quais se encontram os seguintes
projetos:
Desenvolvimento de tecnologias de processo e de produto para a produção orgânica
certificada, incluindo: o uso e manejo de microorganismos de solo (rizóbios e
micorrizas); o controle biológico e/ou botânico de pragas; o monitoramento e controle
de doenças fúngicas em café; o controle de doenças da batata em produção orgânica; o
desenvolvimento de variedades resistentes a doenças e pragas; o controle de endo e
ectoparasitas com produtos permitidos pelas normas de produção orgânica.
Manejo de sistemas de produção: pela conversão para a agricultura orgânica ou de
base ecológica em sistemas centrados em café (arborização, manejo nutricional); pela
migração para a pecuária leiteira orgânica ou de base ecológica; pela mudança para a
agricultura orgânica ou de base ecológica em sistemas centrados em soja em plantio
direto (controle de plantas invasoras); pelo acompanhamento técnico e econômico de
propriedades de referência em manejo orgânico ou de base ecológica.
Avaliação e redução do impacto ambiental em sistemas de agricultura convencional:
utilização de resíduos líquidos da produção industrial de suínos e de lodo de esgoto;
decomposição de pesticidas no solo; contaminações de nascentes, córregos, rios.
85
Treinamento de técnicos e produtores envolvidos em iniciativas de produção orgânica
ou de base ecológica de diferentes culturas.
Desenvolvimento e aprimoramento da percepção social sobre a interface
agricultura/meio ambiente, envolvendo o consumo consciente e o mercado solidário.
Otimização do uso de biomassa nas unidades de produção agrícola.
Melhoria da integração entre a produção animal e vegetal na unidade de planejamento
(propriedade agrícola, microbacia, cooperativa).
Controle de pragas e doenças em hortaliças, sobretudo para plantas de frutos (tomate,
pimentão, pepino) e tubérculos (batata, cebola).
Estudo do plantio direto no controle de invasoras em hortaliças.
Teste de máquinas e equipamentos para explorações de pequeno e médio porte.
Estudo de instalações e manejo para a produção animal adequados aos princípios e
normas orgânicas.
Investigação sobre produtos alternativos para alimentação de aves e suínos.
Desenvolvimento de padrões tecnológicos para o processamento de produtos animais
que sejam acessíveis à pequena e média escala de produção e garantam a proteção da
saúde do consumidor.
Realização de trabalhos sobre economia da produção orgânica e da agricultura de base
ecológica.
É importante destacar que também são realizados projetos de linhas agroecológicas em outros
programas como o Programa Café, Sistema de Produção, Manejo de Água e Solo, etc.
(IAPAR, 2008).
86
4.2 TRABALHOS DA EMATER SOBRE AGROECOLOGIA
A EMATER, por sua vez, presta assistência técnica aos agricultores interessados em adotar o
sistema de produção agroecológico. A EMATER trabalha para diversificar e integrar as
explorações e práticas agrícolas, pecuárias e florestais, com a utilização de técnicas
agroecológicas; reciclagem e uso dos recursos naturais nos diversos níveis da propriedade e
desenvolvimento de metodologias de planejamento da produção para a comercialização
diferenciada (feiras, cestões, supermercados).
Ainda é papel da extensão rural estimular os processos de organização dos agricultores,
contribuindo para sua formação e profissionalização; incentivar iniciativas de
agroindustrialização artesanal e buscar a articulação interinstitucional (EMATER, 2008c).
A capacitação dos produtores geralmente é feita pela EMATER em parceria com outras
entidades, como o IAPAR, SEBRAE
1
, etc. Os extensionistas também o responsáveis pela
emissão de laudos técnicos, exigência do Instituto Biodimico (IBD) para a certificação
orgânica do produtor. Para realizar as orientações, são feitas reuniões periódicas com o
produtor, para, assim, obter informações sobre os problemas e sobre as experiências na
produção. Orientações para os trabalhos da EMATER referentes à agroecologia podem ser
encontradas na nova política de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).
Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) passou a ser responsável pelas
atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural por delegação da Secretaria de
Agricultura Familiar (SAF) e a nova política de Assistência Técnica e Extensão Rural
(ATER) foi elaborada pelas novas exigências da sociedade e pelo papel do Estado de apoiar
as novas estratégias de desenvolvimento sustentável. Surgiu a partir da análise crítica dos
resultados negativos da Revolução Verde, da Teoria da Difusão da Inovação e pelos demais
problemas já evidenciados pelo modelo convencional de ATER (BRASIL/MDA, 2004).
O Brasil/MDA (2004) enfatiza que os serviços públicos de ATER devem ser executados
mediante uso de metodologias participativas, devendo seus agentes desempenharem papéis
educativos, de animadores e facilitadores do desenvolvimento rural sustentável. A nova
1
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
87
ATER pública não deve mais ser estruturada para transferir pacotes tecnológicos, e sim partir
do conhecimento e análise do agroecossistema. Não se deve mais omitir-se diante de
eventuais externalidades negativas geradas pelas intervenções ao ambiente e pelas
recomendões técnicas, como ocorreu no período da Revolução Verde.
Desta forma, a missão declarada pela Política Nacional de Assistência cnica e Extensão
rural é:
Participar na promoção e animação de processos capazes de contribuir para a
construção e execução de estratégias de desenvolvimento rural sustentável,
centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar e das suas
organizações, por meio de metodologias educativas e participativas, integradas às
dinâmicas locais, buscando viabilizar as condições para o exercício da cidadania e a
melhoria da qualidade de vida da sociedade (BRASIL/MDA, 2004, p. 9).
De acordo com Caporal (2006), a política da nova ATER, ao contrário da visão cartesiana e
tecnicista que orientou as décadas do desenvolvimentismo, exige uma visão holística e o
estabelecimento de estratégias sistêmicas, no qual os técnicos disponibilizam seus
conhecimentos e o apenas os difundem, seguindo o modelo clássico da lógica linear do
princípio de entender da fonte ao receptor, no qual os saberes dos agricultores são
considerados desnecessários.
Para se ter uma agricultura de base ecológica não é possível trabalhar com paradigmas de
redução como a visão cartesiana e, sim, lidar com toda a complexidade do processo de
desenvolvimento, introduzindo biodiversidade e manejando as relações entre solos, plantas e
animais, ao invés de simplificá-los, como na Revolução Verde.
É necessário um rompimento com o paradigma dominante não apenas na extensão rural, mas
também no ensino e pesquisa. A ênfase produtivista neoclássica, que avalia a produção por
meio de resultados econômicos, deve ser substituída pelo enfoque holístico, no qual os
resultados são avaliados por meio de estabilidade, resiliência e durabilidade no tempo e
produtividade do agrossistema como um todo.
As entidades públicas estatais de ATER ainda estão muito voltadas para a “modernização do
campo”, pois foram criadas à luz de uma perspectiva desenvolvimentista e imediatista e, entre
os desafios da extensão para o desenvolvimento rural sustentável, está a necessidade de
desenvolver um novo profissionalismo:
88
Em realidade, em vez de formar profissionais que entendam as condições
específicas e totalizadoras inerentes aos ecossistemas e agroecossistemas, o ensino
nas universidades e escolas agrotécnicas brasileiras adotou um modelo que
privilegia a divisão disciplinar, a especialização e, por conseqüência, os
profissionais egressos sabem mesmo é fazer difusão de receitas técnicas e pacotes
tecnológicos. Assim, os profissionais que saem destas instituições de ensino, em
geral, não tiveram a oportunidade de chegar a uma compreensão da agricultura
como uma atividade que, ademais de sua função de produzir bens”, é um processo
que implica uma relação entre o homem e o ecossistema onde vive e trabalha, sem
considerar também, que, para muitos agricultores e agricultoras familiares, a
atividade que desenvolvem é parte de seu modo de vida e não apenas um negócio.
Em geral, durante a formação profissional não se faz sequer um momento de
integração das disciplinas. Cada uma delas é repassada aos alunos em sua própria
“gaveta”, isolada das demais e, quase sempre, alheia à realidade objetiva das
pessoas e dos processos produtivos concretos. Esta primeira carência na formação
limita os profissionais quanto à possibilidade de ter uma visão holística da realidade
na qual vai atuar, o que minimiza sua possibilidade de ter uma compreensão da
agricultura a partir dos princípios básicos dos processos naturais (CAPORAL,
2006, p. 10).
Além da integração multidisciplinar, Caporal (2006) menciona que faltam na formação
profissional do engenheiro agrônomo estudos referentes ao homem-agricultor. Muito se
estuda sobre técnicas, solo, plantas, animais, mas muito pouco se estuda sobre a importância
dos trabalhadores rurais na agricultura, dificultando ainda mais o surgimento de profissionais
com o novo perfil necessário.
Outro grande desafio, de acordo com Caporal (2006), é a institucionalização da nova política
de ATER, pois sabe-se que no Brasil os governos alteram suas políticas de acordo com seu
programa partidário, prioridades do governo, ou em função de alianças. Há várias entidades
como ONG’s (Organizações Não-Governamentais) e associações de produtores rurais que dão
maior solidez a esta política, entretanto o apoio do governo é de grande importância para a
institucionalização e legitimação das ações da nova política de ATER. O autor destaca que
é possível perceber a internalização de alguns conceitos orientadores desta nova política nos
envolvidos com sua execução.
Caporal e Costabeber (2007) mencionam em seu texto de apoio que os conceitos de
agroecologia são importantes para os extensionistas que seguem a nova política nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural, a qual destaca a relevância de ações ecologicamente
sustentáveis. Os equívocos conceituais (gnosiológicos) prejudicam o avanço da transição
agroecológica, pois, por diversas vezes, são apenas um enfoque diferente do modelo
convencional. Os autores destacam que três níveis fundamentais no processo de transição
ou conversão para agrossistemas sustentáveis:
89
1) Incremento da eficiência das práticas convencionais para reduzir o uso de
insumos externos caros, escassos e daninhos ao meio ambiente, resultando em
práticas e tecnologias que ajudam a reduzir os impactos negativos da
agricultura convencional.
2) Substituição de insumos e práticas convencionais por práticas alternativas.
Neste nível, a estrutura básica do agrossistema seria pouco alterada, podendo
ocorrer problemas similares aos observados nos sistemas convencionais.
3) Redesenho dos agrossistemas, buscar eliminar as causas dos problemas não
resolvidos nos dois níveis anteriores.
O guia para a extensão rural, desenvolvido por Caporal e Costabeber (2007), ainda menciona
que a agricultura sustentável, pela perspectiva da agroecologia, precisa ser capaz de atender
de forma integrada os seguintes critérios: a) baixa dependência de insumos comerciais; b) uso
de recursos renováveis localmente acessíveis; c) utilização dos impactos benéficos ou
benignos do meio ambiente local; d) aceitação e/ou tolerância das condições locais, antes da
dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente; e)
manutenção a longo prazo da capacidade produtiva; f) preservação da diversidade biológica e
cultural; g) utilização do conhecimento e da cultura da população local; e h) produção de
mercadorias para o consumo interno e exportação.
Devido a todo o trabalho conjunto citado, recentemente a agroecologia vem ganhando maior
importância dentro da EMATER, passando a ampliar treinamentos para ajustar as
informações dos extensionistas à necessidade dos agricultores, não apenas disseminando
novas práticas, mas também receber formação na ciência agroecológica.
O projeto Aprendizagem Colaborativa, por exemplo, tem como uma de suas prioridades a
agricultura orgânica. Dentre as etapas a serem seguidas, está a criação de unidades de
referência e escolher três boas experiências por região. Atualmente vinte e cinco
extensionistas são especialistas em agroecologia na EMATER do Paraná, sendo que mais de
cem técnicos possuem trabalhos nessa área. Para atingir esse objetivo, a EMATER conta com
o apoio do IAPAR, CPRA (Centro Paranaense de Refencia em Agroecologia),
90
EMBRAPA
2
, instituições de ensino, organizações de agricultores e de consumidores
(EMATER, 2008b).
Dentro do Paraná, a EMATER possui os seguintes projetos: projeto cultivando água boa, nas
regiões de Cascavel e Toledo, com 225 agricultores; projeto de frutas, hortaliças e grãos
orgânicos da região de União da Viria, com 75 produtores; projeto orgânico de grãos e
açúcar mascavo do sudoeste, com 678 produtores; projeto orgânico de grãos e café da região
de Ivaiporã, com 285 produtores; projeto orgânico de açúcar mascavo e café de Santo Antônio
da Platina, com 228 produtores; projeto de café orgânico de Londrina, com 39 produtores;
projeto APOL (Associação dos Produtores Orgânicos da Região de Londrina e Cornélio
Procópio), com 178 produtores produzindo frutas e hortaliças; projeto de plantas medicinais e
grãos da região de Guarapuava, Ponta Grossa e Irati, com 620 produtores; projeto orgânico da
Região Metropolitana de Curitiba, com 551 produtores.
Na cidade em que foi realizada a pesquisa, os extensionistas e os produtores rurais
entrevistados participaram do projeto Parceiros Orgânicos do Noroeste, que incla as regiões
de Maringá, Campo Mourão, Umuarama e Paranav, com 500 agricultores distribuídos em
23 municípios, o qual foi finalizado em 2006 após cumprir o seu objetivo de capacitar
agricultores e extensionistas para trabalhar com a agroecologia.
2
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
91
5 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ATORES
Nos tópicos que seguem, são apresentadas e analisadas as representações sociais que
emergiram dos entrevistados, separadas por grupos de atores. Na primeira parte, são
apresentadas e trabalhadas analiticamente as representações para o grupo de pesquisadores do
IAPAR (Paulo, Pedro, Patrícia, Priscila, Poliana e Pilar). No segundo tópico, apresentam-se,
do mesmo modo, as representações para o grupo de extensionistas (Emerson, Elaine,
Everaldo, Edinei, Eduardo) e, no terceiropico, para os agricultores familiares (André,
Anderson, Ana, Andressa, Arnaldo, Aparecida, Antônia, Amara, Arlete).
5.1 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AGROECOLOGIA PARA OS
PESQUISADORES DO IAPAR
Neste tópico, foram encontradas as seguintes representações sociais: busca da sustentabilidade
e equilíbrio; sem receitas, sem soluções milagrosas; ciência subestimada e mal compreendida;
contribuindo para um mundo melhor; PAG como um refúgio agroecológico; nem todo
produto com selo orgânico é realmente agroecológico; e produtores rurais convencionais
como potenciais colaboradores.
5.1.1 Busca da sustentabilidade e equilíbrio
Agroecologia é considerada uma ciência em que vo procura trabalhar a
agricultura dentro de um ambiente mais sustentavelmente possível dentro do meio e
essa sustentabilidade, ela tem um pilar, que é a sustentabilidade econômica, tem
outro pilar, que é a questão social, bem-estar do agricultor, e o terceiro pilar que é a
questão ambiental. Existem outros dois pilares que são importantes, que são as
questões culturais, as tradições dos agricultores e também a questão política, a
vivência política do agricultor na comunidade, dele estar participando ativamente
(Paulo).
No grupo de pesquisadores prevalece uma perspectiva da agroecologia, que a caracteriza como
uma base para realizar trabalhos voltados para a sustentabilidade e o equilíbrio. A definão
92
exposta por eles se assemelha muito à definição dada por Caporal e Costabeber (2002),
utilizada no presente trabalho. Relembrando, para estes autores, a agroecologia é uma ciência
que estabelece as bases para a construção de estilos e estratégias para o desenvolvimento rural
sustentável, enfocando o apoio à transição de atuais modelos de agricultura e desenvolvimento
convencionais para o estilo de agricultura e desenvolvimento sustentável. Assim, além de
possibilitar a produção de produtos de qualidade biológica superior, também atende requisitos
de várias dimensões como: ecológica, econômica e social (primeiro nível); cultural e política
(segundo nível); e ética (terceiro nível).
A visão de Pedro sobre o objeto da representação demonstra também uma preocupação com
aspectos técnicos como a não utilização de agrotóxicos e adubos químicos, que são dois dos
principais vilões do sistema convencional de produção. Em contrapartida, Pedro também
cita as técnicas alternativas possíveis para prezar a sustentabilidade, além de dar imporncia
ao produtor rural, que antes de ser um agente econômico, é um ser humano que possui
necessidades e é importante para o processo de transição:
Agroecologia - ela vai ser desde uma perspectiva de trabalhar com a terra, que
inclui não usar agrotóxicos, não usar adubos químicos, usar produtos naturais,
fertilizantes naturais, usar manejos que fortalecem ou estimulam a biodiversidade, a
manutenção de matéria orgânica no sol, rotação de cultura, cultivo de faixas, a
uma perspectiva mais social, que vai considerar o trabalhador homem do campo
como uma... algo não simplesmente um agente econômico, mas um ser que vai ter
suas necessidades, e vai fazer parte de uma situação não apenas como um agente
produtor, mas será uma pessoa que esali fazendo um papel e vivenciando isso, e
isso de alguma forma deveria estar sendo considerado, quando se vai avaliar a
propriedade também, o agricultor faria parte enquanto indivíduo, né? (Pedro).
Por sua vez, Patrícia entende que agroecologia é produzir alimentos buscando o equilíbrio da
natureza, valor econômico e social. A pesquisadora menciona que o aspecto econômico é
imprescindível para que os produtores rurais optem por este sistema, pelo menos como
atrativo inicial:
Agroecologia pra mim é uma forma de produzir alimentos onde os conceitos
ecológicos são aplicados na agricultura. Então, o agricultor e o extensionista que
vai trabalhar com o agricultor vai se basear nos princípios ecológicos da natureza,
pra tentar produzir alimentos buscando esse equilíbrio eo esquecendo também o
valor ecomico, né? E social, então tem que estar aplicado ao ambiente, valores do
meio ambiente, os valores ecomicos, que é importante, ninguém vai fazer
agroecologia porque é bom pro ambiente, agricultor nenhum pensa nisso, pode
ser uma das funções, e agroecologia também não é isso, tem que ter o valor
econômico, ambiental e social (Patrícia).
Uma agricultura natural que respeite as relações existentes no meio ambiente, desde os
patógenos, até as plantas e animais, modificando o que seja possível para que se possa ter um
93
valor econômico. Esta é a visão que Pilar possui sobre a agroecologia, que complementa o
raciocínio dos demais pesquisadores:
Acho que antes de tudo é uma forma mais natural de ver a agricultura, de uma
maneira mais dentro dos princípios ecológicos de como os seres vivos, sejam desde
patógenos, desde animais, vegetais, eles se relacionam; e a agroecologia tenta fazer
a agricultura imitando esses ecossistemas naturais e modificando para conduzir a
um maior retorno a um determinado produto e as coisas que se quer desse ambiente
(Pilar).
Também é importante ressaltar a diferença do sistema agroecológico de produção agrícola
com o sistema convencional que constam nas representações dos atores analisados neste
tópico. Patrícia menciona que é necessário usar abordagem sistêmica para compreender toda a
complexidade da produção de base orgânica. Primeiramente, é necessário equilibrar o
ambiente para que não ocorram as perturbações e, quando ocorrerem, que é algo certo, pois
também ocorrem na natureza, usam-se métodos menos agressivos. No sistema convencional,
o ambiente continua desequilibrado, e utilizam-se métodos curativos para continuar a
contornar os problemas que são bem mais frequentes:
Eu acho que tem toda a diferença, quando vo trabalha com produtos
agroecológicos, você avalia todo o sistema, você tem que... não adianta você estar
com ambiente desequilibrado e entrar com o produto, mesmo sendo agroecológico
que não faça mal ao meio ambiente e tentar controlar alguma doença. Agroecologia
o é isso, entrar com produtos para controlar, é você buscar o equilíbrio para que
o ocorram essas perturbações. Agricultura convencional não, o ambiente está
todo desequilibrado e você entra com os todos curativos, então o contrário da
agroecologia: agroecologia você previne, se necessário tem intervenção humana e
logicamente não vai estar completamente equilibrado, pode haver alguns
desequilíbrios como a na natureza ocorre, aí você entra com alguns métodos
menos agressivos para o meio ambiente; e na agricultura convencional, não, o
ambiente está desequilibrado, vão ocorrer os problemas, e você entra com os
todos curativos (Patrícia).
Pedro descreve a situação que ocorre no sistema convencional, quando a produção rural não
tem a preocupação com a natureza, o solo fica desgastado e o sistema se torna insustenvel.
Na citação exposta, percebe-se que as ações insustentáveis estão institucionalizadas há
gerações, com o agricultor acreditando que esta forma é a correta de se produzir. Mesmo antes
da Revolução Verde e popularização dos produtos químicos, práticas degradantes já eram
realizadas. Nota-se que, tanto no discurso de Pedro quanto no dos demais pesquisadores, a
não utilização de veneno não caracteriza uma produção agroecológica. Existem muitos outros
fatores envolvidos:
Se o agricultor planta e não repõe os nutrientes, ele vai estar degradando o solo,
em mais ou menos tempo, e isso muitas vezes não é claro para muitos agricultores,
e porque ele considera que o avô dele fazia isso e tal, então eles consideram as
experiências anteriores como válidas, como naturais e sustentáveis. Então, se a
94
gente considerar o agricultor da cada de 60, 70, eles eram altamente degradantes
e insustentáveis, o pessoal vinha, botava fogo, derrubava a mata, nada de
agroecológico, o pessoal não usava veneno porque não tinha acesso a veneno, mas
o pessoal vinha, queimava, derrubava e não adubando, e o solo vinha se
desgastando. Como nós estamos numa faixa de solo muito rica, com uma reserva de
nutrientes muito boa, então esse processo se sustentou por décadas até, mas ele
tende a acabar, assim como já acabou em outras regiões (Pedro).
Paulo concorda com Pedro ao citar que a agroecologia não é uma forma antiga de produzir,
pois mesmo antigamente havia uma visão de que os recursos eram infinitos, fazendo-os
apenas retirar do meio ambiente os insumos necessários, mas não repor os nutrientes para
garantir a sustentabilidade:
Agroecologia o é aquilo que muitos acham que é, a forma antiga de se usar os
recursos naturais, uma forma infinita, você usa a terra, todo ano usa a terra e não
preparar, tirar produção e não repor nada a ela. É você trabalhar de uma forma mais
ambientalmente correta, se você estirando alguma coisa, você tem que repor,
mais em harmonia (Paulo).
Como se percebe, o discurso do equilíbrio e sustentabilidade tem alta frequência no grupo de
pesquisadores, fazendo parte de seu cotidiano profissional. No geral, os pesquisadores
apresentaram uma atitude discursiva afinada com a ideia de buscar equilíbrio e
sustentabilidade por meio de suas pesquisas, pelo fato dos pesquisadores estarem iniciando
um novo programa de pesquisa, o PAG, e pela ciência da agroecologia ainda ser um
conhecimento em construção, que se originou a representação social da agroecologia como
um meio de:busca da sustentabilidade e equilíbrio”.
5.1.2 Sem receitas, sem soluções milagrosas
De acordo com Paulo, a complexidade que envolve a agroecologia faz com que seja muito
difícil passar receitas para os demais atores, algo que eles sentem falta, pois dificulta seu
trabalho e foge de seu costume. O método convencional de produção é muito mais prático e
fácil, embora deixe o ambiente em desequilíbrio:
A agroecologia é complexa, e como ciência ela é complexa, você tem muita
dificuldade em passar uma receita que sirva pra todo mundo. Então, a extensão
sente falta de uma coisa mais elaborada como acontece com a indústria tradicional
de agroquímico, então você passa um tanto de veneno por hectare que vai matar
tudo e resolver o problema, e justamente a agroeocologia trabalha muito a questão
do sistema do ambiente. Então, o ambiente é complexo, e vai muito além desse
ambiente que o agricultor vive (...), tendo esse ambiente em desequilíbrio, vovai
ter problemas de doenças, de pragas, da própria poluição (Paulo).
95
Patrícia também ressalta a complexidade do modelo agroecológico, no qual muitas das
técnicas utilizadas não possuem comprovação científica, vinda do conhecimento cotidiano do
produtor rural. Embora tal conhecimento seja importante, os pesquisadores possuem a tarefa
de testar muitas destas práticas cientificamente para saber o que é superstição e o que
realmente funciona. Estes testes tornam-se ainda mais difíceis, pois técnicas testadas em uma
localidade específica podem não funcionar em um local diferente daquele. É necessário
considerar a variabilidade do ambiente e a individualidade do agricultor.
A agroecologia é uma área muito complexa e existem muitas... como que vou dizer,
muitas coisas que são utilizadas e não são comprovadas cientificamente, é... aplica
tal coisa que pra ferrugem, aplica isso que é bom pra pulgão, e você vai fazer uma
busca e onde está a comprovação científica? Muita coisa não tem, então você vê
cartilhas, receitas, um monte de coisa indicando e a agricultura fazendo sem saber
se realmente funciona (...). Existe muita variabilidade, cada região é de um jeito,
cada solo é de um jeito, cada planta é de um jeito, cada agricultor é de um jeito,
cada propriedade é de um jeito, então o que pode funcionar em um lugar pode não
funcionar no outro, entendeu? (Patrícia).
Outro fator de complexidade mencionado por Pilar, é que as soluções conseguidas por meios
agroecológicos em um momento podem não funcionar em um próximo, e nem durarão para
sempre. Com todos estes fatores expostos, percebe-se que o uso da mão-de-obra nas
propriedades agroecológicas é maior do que nas convencionais.
Principais diferenças... acho que é a complexidade do sistema, de conseguir
entender, aprender mesmo essa complexidade que está no sistema e ter a visão de
que as soluções não são pontuais e nem são eternas, não resolvem aquele problema
para sempre (...), e também a forma como o problema: é um problema
realmente, ou como alguma coisa que está ali e faz parte e vai conviver com aquilo
ali? Então, tem as soluções mágicas e as soluções pequenas e lentas e... que tu vai
conseguir mais a longo do tempo e não em uma intervenção pontual ou muito
drástica (Pilar).
Pedro compreende a atratividade do sistema convencional proporcionado pelas soluções
existentes, mesmo que parciais ou falhas, mas existe um padrão de reação. Já para o sistema
agroecológico, existe certa imprevisibilidade. A demora para se encontrar a solução adequada
em propriedades agroecológicas pode fazer com que o agricultor passe por grandes
dificuldades. Para superar este desafio é necessária uma maior quantidade de pesquisas, que
apenas seria possível com mais pesquisadores. Para trabalhar com o sistema agroecológico, o
pesquisador precisa possuir grande conhecimento na área e saber enxergar o ambiente de
forma holística:
Na agricultura convencional, se tem várias questões relativamente resolvidas, ou
soluções consideradas, e é satisfatória para a maior parte dos casos, não quer dizer
que funcione sempre e certo, ou simplesmente seja economicamente viável em
todas as situações, mas existem as soluções. Na agricultura orgânica não existe
96
todas as soluções, né? Então, é às vezes problemas de doeas, controle de mato,
culturas maiores, né? Animais, grãos, o problemas bem sérios, e não existe uma
receita pronta, devido até a menor quantidade de pesquisa de trabalho em cima
disso, e o conhecimento é bem menor. (...) O convencional, ele usa muitos produtos
industriais, então eles têm padrão pra controle de qualidade e tudo o mais, então o
efeito é o mesmo, seja bom, ou seja ruim, seja mais ou menos eficiente é de se
esperar o mesmo efeito, e na agricultura orgânica muitas vezes isso não ocorre,
tanto porque a ideia é não trabalhar com o produto, é trabalhar com o processo.
Então, ao invés de você usar o produto que seja a tabelinha ou alguma indicão
assim, você tem que usar o seu conhecimento, pois você tem que perceber o que
está acontecendo e tem que saber onde interferir, e muitas vezes essa interferência
tem que ocorrer de forma preventiva. Então, o convencional, ele pega, passa o
produto, seca, planta, começa a vir mato, passa um produto e mata o mato, começa
a vir praga, passa veneno, começa a vir doença e passa um fungicida, e na
agricultura orgânica não tem esses produtos (Pedro).
Esta complexidade tão citada pelos pesquisadores também se reflete na própria ação de
pesquisa. As abordagens científicas comumente aceitas nas ciências agrárias muitas vezes não
o apropriadas para pesquisas na área de agroecologia, a variabilidade dos sistemas também
pode tornar os resultados não generalizáveis para outros contextos. Traçando um paralelo,
esta situação é muito similar com a vivenciada nas ciências da administração, na qual o
paradigma positivista dominante muitas vezes faz com que trabalhos de outros paradigmas
não sejam aceitos, sentindo-se preconceitos e recusas. É perceptível que um paradigma mais
crítico e subjetivo em uma ciência dita como natural sofra ainda mais preconceitos e recusas:
Tem dificuldade em relação a ferramentas de análises, as mais usadas o são tão
apropriadas pra agroecologia, então tem que se buscar outras ferramentas que o
estamos acostumados a usar pra análise dos dados, uma dificuldade também é que
sistemas agroecológicos não são padrões, cada sistema é um sistema, não existem
repetições como ocorre na agricultura convencional, e isso são sistemas muito
complexos, tem essa dificuldade, tem dificuldade de aceitação, mas prefiro encarar
como não sendo tão problemático (risos) (Poliana).
Para os pesquisadores, portanto, a ciência da agroecologia é muito complexa, necessitando de
muito trabalho e esforço conjunto. Faz parte da realidade cotidiana deste atores a busca de
soluções para os problemas enfrentados nas propriedades agroecológicas, mesmo sabendo que
não serão encontradas receitas genéricas. A solução mais adequada é aquela que trata do
ambiente como um todo, sem prejudicar seu equilíbrio, e que resolva o problema do
agricultor, mesmo que não seja de forma permanente. Isso é consenso entre todos os
pesquisadores da área e está inserido em suas atividades profissionais. Assim, o método de
trabalho e de pesquisa agroecológicos se encaixam nessa visão socialmente representada pela
figura: “sem receitas, sem soluções milagrosas.
97
5.1.3 Ciência subestimada e mal compreendida
É senso comum que quanto mais complexa uma ciência, mas difícil sua compreensão. Essa
regra não é diferente para a agroecologia. Poliana faz uma tentativa de localização da ciência
da agroecologia: “a gente está nessa interface entre conhecimento, saberes populares e
científicos, e tentando achar um meio termo nisso, então tem que ter muito estudo para isso”.
Este novo paradigma das ciências agrárias, assim como ocorre/ocorreu em outras áreas
científicas, provoca uma aversão das mentes mais conservadoras, o que gera um desinteresse
de sua compreensão. Pedro expõe que a falta de afinidade pela proposta agroecológica é um
fator limitante que precisa ser considerado, pois muitas vezes é necessário trabalhar em
conjunto com áreas de pesquisa que estudam apenas o sistema convencional:
Existe também certa dificuldade no qual os colegas de trabalho não se afinizam,
o consideram válida a nossa proposta, e muitas vezes a gente trabalha no campo,
na fitotecnia, que é o manejo envolvendo a cultura propriamente dita, e a gente
precisa de um apoio da área de solo, ou outra área e às vezes nós vamos encontrar
pesquisadores que se simpatizam, esses dispõem, e outros que às vezes o se
dispõem a colaborar porque não acreditam na forma que será conduzido o trabalho,
sem produtos químicos e tudo mais (...), então tem esses poréns. Ao momento
isso não tem prejudicado, tem bastante pessoas aqui dentro que simpatizam, mas
tem um fator limitante (Pedro).
Poliana menciona que a não possibilidade de uma análise dividida em partes e da
consideração do homem do campo na pesquisa é um dos fatores que gera divergência entre os
campos de pesquisa. O conflito de interesses que a ciência agroecológica gera e que será visto
com mais detalhes pouco mais à frente também já está presente em seu discurso:
(...) acho que o pra ver a agroecologia com gavetas, e analisar as gavetas em
separado, tem que ver elas de uma forma complexa, e isso no convencional não
existe (...). Fora que existe muita crítica, muita coisa o se sabe ainda, então é
mais difícil, tem toda uma sociedade, parte da sociedade muito a favor e outra parte
contra, então tem que lidar com esses aspectos também (Poliana).
Caporal (2006) também cita esta divisão do conhecimento durante a formação do profissional
em gavetas, havendo grande falha na integração das disciplinas, ficando algo alheio à
realidade objetiva e os processos produtivos completos. Tal realidade colabora com a
compreensão existente sobre a agroecologia por grande parte dos profissionais formados.
A ciência agroecológica também é subestimada por outras instituições do governo, que não
colaboram com as ações agroecológicas da forma que poderiam fazê-lo. Devido à grande
98
complexidade do processo de transição do sistema convencional para o agroecológico, uma
maior ajuda de certas entidades poderia tornar o processo menos penoso para os envolvidos,
assim como aumentar o número de interessados pela mudança de sistema de produção rural.
Para Priscila, uma atuação mais ativa da Secretaria de Agricultura poderia ajudar em diversos
aspectos como: treinamento, disponibilização de ferramentas e outros incentivos:
(...) às vezes, nesse trabalho, o que que tá faltando? Não é resposta da pesquisa, mas
um trabalho melhor de programa de Secretaria de Agricultura, em que os
municípios pudessem ser mais dirigidos pra esse tipo de agricultura, facilidades
para esses agricultores, disponibilidade de máquinas, treinamento para esses
agricultores em regulagem de máquinas, tanto para semeadura - eles acham (risos)
que semear culturas é botar a quina lá, sair correndo pra outra área para ganhar
dinheiro, principalmente pra pequenos agricultores em que eles terceirizam esse
serviço, tá? Então precisaria ter um treinamento melhor dessas pessoas, uma
maneira diferente de pagar o serviço, outra coisa que tá faltando, a gente estimula a
rotação de culturas e a diversificação de culturas, que precisa de sementes de
diversos tipos de adubo verde, o existe programa de produção de sementes de
adubos verdes, então quando o agricultor quer comprar essas sementes, não existe,
onde que vou achar? O IAPAR ainda tem uma pequena quantidade que consegue
disponibilizar para esses agricultores e multiplicar, mas se eles multiplicarem, eles
o podem vender como sementes porque eles não são certificados como
produtores de semente, então falta um programa da Secretaria de Agricultura para a
produção desse tipo de semente (Priscila).
Entre os fatores agravantes da má vontade de compreeno dos atores mencionados pelos
pesquisadores está o conflito de interesses com o setor de agronegócios. Enquanto este setor
quer manter o sistema convencional para vender mais adubos e venenos químicos, o sistema
agroecológico vai na direção oposta. Como setor do agronegócio possui recursos milionários,
os incentivos que eles podem fornecer, mesmo que indiretamente, estão em uma maior escala
de medida, ficando com o sistema agroecológico apenas aqueles que gostam de se dedicar a
esta área, como é percebido pelo discurso de Paulo:
(...) que na agroecologia vo procura trabalhar tecnologias que minimizem a
dependência do agricultor em relação ao agronegócio, e quando você faz a pesquisa
tradicional, você vai estar trabalhando em usar mais veneno, mais adubo, né? Para
que ele produza mais, e justamente quando você... você tem um respaldo, a
concordância do setor do agronegócio, as multinacionais, elas de uma forma
indireta, elas incentivam a pesquisa tradicional e na agroecologia não há esse
incentivo, é justamente mais para o próprio... pela dedicação que o pesquisador tem
por essa área e que ele tá convencido de que esse tipo de espaço é muito importante
para se trabalhar (Paulo).
A subestimação e falta de interesse para seguir nesta área vem desde a universidade, na qual
tantos os professores quanto os alunos possuem certo preconceito. Em muitos casos, apenas
por interesse e dedicação pessoal que é possível adquirir conhecimento na ciência
agroecológica:
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(...) tanto da parte de professores esse interesse é reduzido, e também da parte dos
alunos, dos colegas também é assim, é visto meio que com certo preconceito, e é
uma visão diferente da agricultura convencional. Então, o é tão produtivista, o
convencional seria assim, a agricultura é uma indústria a um céu aberto, isso é uma
coisa que se ouve na faculdade, e dentro da agroecologia isso é a maior besteira,
e pra quem tem essa visão de que a agricultura é uma indústria a céu aberto, quem
trabalha com agroecologia está fazendo uma grande besteira. Então é isso, se na
faculdade não for por interesse pessoal, de ir atrás e participar de algum grupo, não
vai ter muita informação, não vai ter muito conhecimento disso, né? (Pilar).
Esta falta de interesse traz uma consequência que é a falta de pesquisadores na área.
Entretanto, um sentimento de que a ciência agroecológica vem ganhando espaço nos
últimos anos. Mais pesquisadores foram contratados para o PAG recentemente, e maior
aprovação de financiamentos na área, além de maior quantidade de cursos disponíveis. Até
mesmo a hostilidade das demais áreas está sendo reduzida, como é percebido na citação de
Pedro:
(...) então, você faz uma pesquisa com pesquisadores, se você não tem
pesquisadores você não faz pesquisa, então uma das dificuldades da evolução do
programa de 2004 pra era o número de pesquisadores que o programa tinha, ?
(Paulo).
Existe dificuldade no sentido de que menor mero de pessoas envolvidas com
essa pesquisa, quanto menos gente, menos rápido avança (...). Há alguns anos atrás,
existia uma maior limitação quanto a cursos, existia ainda muitas críticas, e ainda
existem críticas contrárias e tal, né? Tínhamos uma hostilidade a nível de idéias,
tem pessoas que não apóiam, são contra e tudo mais, e parece tudo bem mais
reduzido, os financiadores de pesquisa liberam recursos específicos para trabalhos
com agroecologia, com agricultura orgânica, então atualmente no governo do
estado há uma priorização desse trabalho, com agroecologia (Pedro).
Dentre as razões para isso, Patrícia destaca que é devido a maior cobrança da própria
sociedade, a exposição dos danos ambientais e os riscos no futuro do planeta pela mídia, a
conscientização da necessidade de alimentação saudável e, como consequência, um maior
apoio governamental a estas causas:
Agora pra trabalhar com agroecologia tá fácil, comparado com outras épocas,
queira ou não é uma coisa que está na mídia, está em pauta, tem uma cobrança da
sociedade pra preservação do ambiente, futuro do planeta, alimentos saudáveis,
então tem um apoio maior governamental, se você fizer um projeto e ele for bem
elaborado e você falar dos benefícios pode trazer e tal, é mais fácil do que até um
experimento, projeto testando produtos químicos, porque tem essa priorização, hoje
em dia tá mais forte (Patrícia).
Entretanto, todas essas melhorias ainda estão em fase inicial, e os obstáculos são frequentes.
Ainda há muito que ser feito e pesquisado. Um exemplo citado por Priscila é sobre as
informações dos próprios produtos aplicados na agricultura orgânica. Enquanto no sistema
convencional há um cadastro registrado no Ministério da Agricultura com todas as
informações necessárias, no sistema agroecológico isto ainda o é uma realidade, mostrando
100
que, mesmo nos instrumentos sicos de trabalho dos atores envolvidos, ainda há pouca
compreensão:
Os produtos convencionais, o que que existe? existe todo um sistema de
cadastro, de registro, no Ministério da Agricultura, no Ministério da Saúde,
Agricultura, Saúde e Ambiente, então votem todas as informações que você
precisa daquele produto, então é muito mais fácil de você recomendar doses, tudo,
os efeitos que eles podem acarretar, então você tem como escolher qual seria o
produto mais adequado para aquele uso que você precisa fazer. Nos agroecológicos
e orgânicos, o que eu tô vendo, é que falta muita especificação sobre esses
produtos, desde o fertilizante, adubo que vou utilizar, eu vou comprar o adubo e
o tenho uma confiança de que os produtos que estão dizendo que tem ali dentro
realmente tem, e se na compra de um lote para o outro, ele vai manter a
composição, coisa que na indústria química é muito mais fácil, você tem a garantia
daquilo e na agricultura orgânica você ainda não tem, em muitos dos produtos
o existe a exigência de cadastro no Ministério da Saúde e Ministério do
Ambiente (Priscila).
A falta de afinidade pela ciência agroecológica vem desde a universidade, na qual o poucos
os professores que incentivam esta linha de pesquisa, e poucos os alunos que possuem o
interesse de buscar o conhecimento nesta área. Atitude esta que é reforçada pela visão da
propriedade rural como uma “indústria a u aberto” passado pelo agronegócio e também por
boa parte dos professores universitários que compartilham desta perspectiva.
Muito se progrediu desde o início do PAG. Entretanto, é apenas o início do caminho. Pelos
obstáculos e falta de colaboração ainda encontrados, assim como a hesitação de muitos atores
participantes das pesquisas a mudarem a sua perspectiva, a representação social encontrada
foi a da agroecologia como: “ciência subestimada e mal compreendida”.
5.1.4 Contribuindo para um mundo melhor
Ao questionar os pesquisadores do IAPAR sobre a sua contribuição ao realizar as pesquisas
em agroecologia, muitas das respostas foram específicas da área de atuação de entrevistado,
falando do resultado já atingido ou potencial, dando uma resposta concreta à questão. Desta
forma, evidencia-se que eles buscam equilibrar o ambiente e torná-lo sustentável dentro de
suas especialidades, como pode ser observado nas falas de Priscila e Pilar:
A principal colaboração da minha pesquisa é na redução do uso da mão-de-obra,
porque se eu mantenho a cobertura do solo para fazer um sistema de plantio direto,
eu consigo reduzir a população de mato, eles vão ter uma população de mato menor
com uma quantidade de capina menor que eles vão ter que fazer naquele sistema,
então a principal contribuição nesse trabalho é a redução do uso de mão-de-obra pra
101
capina, embora ele tenha outras, é... porque o trabalho não é em relação a isso,
tem a melhoria da fertilidade do solo e tudo, mas dentro da minha especialidade, o
principal seria isso, redução da mão-de-obra pra capina (Priscila).
Eu acho que é, principalmente, desmistificar algumas coisas assim do tipo: algumas
demandas como o pó de rocha, ele funciona ou não funciona? O silício funciona ou
o funciona? São questões pontuais assim, que em uma posição radical falam: “Ah
o! Isso é bobagem”, mas que na verdade, têm pessoas que usam e dizem que
resultado, e aí tem aquela coisa, o que se pode afirmar que funciona e não funciona,
então acho que nesse momento talvez seja isso (Pilar).
Pedro coloca, de uma forma geral, o que seria a missão dos pesquisadores do IAPAR: “uma
das funções da pesquisa é justamente identificar para estar eliminando o que dá uma mão-de-
obra ou custo totalmente desnecessário, ou então uma situação em que estariam degradando o
solo”. Em suma, facilitar a vida do produtor incentivará a uma maior prática de ações
agroecológicas, difundindo os princípios desta ciência, pois quando o produtor rural
convencional perceber que há uma alternativa mais adequada, vendo o sucesso do produtor
orgânico, terá maior interesse em fazer parte deste sistema.
Patrícia refoa a ideia de praticidade e menciona a importância de testar a efetividade de
técnicas usadas pelo produtor rural que ainda não possuem comprovação científica. A redução
da o-de-obra disponível para o pequeno produtor rural é outro fator importante que precisa
ser levada em consideração nas pesquisas:
Acho que a pesquisa é necesria para ver o que funciona, o que não funciona e
tudo isso que é usado, buscar fórmulas para diversificar a propriedade e de um jeito
prático, pro agricultor também não adianta diversificar uma propriedade com várias
espécies e isso não ser prático pro agricultor, porque hoje, o agricultor está sozinho
na propriedade, antigamente ele tinha cinco ou seis filhos que ajudavam, e hoje ele
tem um filho que está na cidade estudando (Patrícia).
Contribuir para um mundo melhor também exige um cuidado para selecionar de quem que o
consumidor deve comprar. De acordo com a Patrícia, existem os chamados atravessadores,
que são oportunistas e percebem os produtos orgânicos apenas como um nicho de mercado,
não havendo preocupações realmente ecológicas.
Comprar deles não seria necessariamente um ato de reforço ao sistema agroecológico, pois,
apesar de repassarem ao consumidor final a um preço mais caro, muitas vezes não repassam
esse valor ao produtor rural. A venda direta por meio de feiras é uma alternativa para o
consumidor pagar um valor menor, e ainda ter a certeza de que o produtor rural essendo
beneficiado:
Eu gostaria de consumir produtos orgânicos, mas ainda não... é, existe uma
dificuldade de se encontrar produtos orgânicos dispoveis no mercado e quando
102
encontra é um preço absurdamente caro, e o pior é que quem lucra, quem ganha não
é o agricultor. O agricultor muitas vezes vende pelo mesmo preço de que ele
venderia o convencional, então o os atravessadores que normalmente ganham em
cima disso, então eu não consumo enquanto tiver isso de chegar no mercado e três
tomates custarem quatro reais eu não vou consumir, uma que eu sei que aquilo não
está beneficiando o agricultor, está beneficiando os atravessadores, agora existe a
venda direta, onde o agricultor por meio de feiras vende, então você sabe que quem
tá ganhando com aquilo é realmente o agricultor (...). Não tem feira específica, mas
tem todo um projeto para se agregar os produtores, fazer uma feira ou de
agricultura familiar com produtos orgânicos, mas ainda tão tentando fazer um
levantamento desses agricultores que têm interesse (Patrícia).
O aspecto econômico pelo qual a ciência agroecológica visa em uma de suas dimensões,
como já comentado anteriormente, ganha maior relevância com o discurso de Paulo, ao
mencionar que o produtor agroecológico, após passar pelo difícil processo de transição,
consegue uma maior independência financeira, devido aos preços melhores e menor custo de
produção dos produtos orgânicos, pelo fato de não usar os custosos produtos químicos:
(...) é promover junto ao agricultor para que ele possa ter uma autonomia das ões
dele, que não fique preso a um banco, que ele não fique preso a um fornecedor, que
ele possa produzir e que o ganho dele seja de uma forma mais independente em
relação a esse sistema (Paulo).
Por fim, a citação de Pedro é uma síntese das falas expostas até o momento, pois ele reforça a
ideia da necessidade de trabalho em equipe, o ambiente mais saudável e, por consequência,
um produtor rural mais saudável. Pedro também menciona que cada um deve agir dentro de
sua especialidade, fazendo o que pode para tornar o mundo um lugar melhor. No caso da
pesquisa, embora às vezes não tenha uma aplicação direta de seus resultados, sempre colabora
de alguma forma para a realização dos objetivos agroecológicos:
(...) eu também vejo o meu trabalho somado aos dos demais pesquisadores,
obviamente os agricultores que produzem, os consumidores que fazem desta opção,
de estar colaborando, diretamente para que o mundo seja melhor, né? Ele tenha
menos contaminação em relação ao meio ambiente, menos contaminação em
relação aos alimentos, a gente conhece os relatos dos problemas que os agrotóxicos
trazem, problemas que ocorrem mesmo com baixo consumo de agrotóxicos, o
potencial hormonal que rios produtos químicos como os agroxicos e aí,
portanto, a sua interferência na saúde (...). Algumas pessoas vão, vão pra
movimentos, vão pra ser ativistas, ou pra política, ou vão fazer o que acham que
cabe mais, e com isso eu consigo fazer a minha parte para colaborar que o estudo
seja melhor. Às vezes, alguns processos, ou algo que a gente consegue, não chega a
ser adotado, não provoca a conversão de todos os agricultores, mas, eventualmente,
as coisas, elas são adotadas pelos agricultores convencionais, que passam então a
usar menos produtos químicos, o que se não é perfeito, é um grande avanço e,
dessa forma, contribui com a qualidade de vida e com a qualidade do meio
ambiente, então... eu entendo que, com isso, eu consigo realizar pelo menos nessa
parte aquilo que me cabe (Pedro).
Então, desta forma, cada um, dentro de sua especialidade, é possível unir foar para tornar o
agricultor rural familiar mais forte e sustenvel. Seus produtos orgânicos, ao serem
103
consumidos pela população, transmitem saúde. Pagando um preço justo pelo alimento
saudável, o agricultor consegue manter-se neste sistema. Por meio deste raciocínio, os
pesquisadores possuem a representação social de que os resultados de suas pesquisas estão
“contribuindo para um mundo melhor.
5.1.5 PAG como um refúgio agroecológico
Antes mesmo da existência do PAG - Programa de Agroecologia -, o IAPAR trabalhava
com pesquisas de abordagens ecológicas. O PAG surgiu para unir estes pesquisadores em prol
de um objetivo comum, em um espaço de colaboração entre seus membros, no qual a ciência
agroecológica não seria subestimada e nem sofreria preconceitos:
O IAPAR, pela forma de trabalhar da pesquisa dele, ele trabalhava com todos
esses sistemas de redução do uso de agroquímicos, de pensar numa agricultura que
fosse mais limpa de agroquímicos, vamos dizer, só que todas essas atividades
estavam dispersas em diversos outros programas que têm dentro da instituição, seja,
fosse da área de fitopatologia, fosse da área de fitotecnia, fosse da área de proteção
animal, que a gente não trabalhacom a parte de planta, mas com a parte animal,
mas cada um estava trabalhando dentro de um programa separado, então, com o
Programa Agroecologia, o que veio fazer, é trazer todo esse grupo de pesquisadores
que estavam trabalhando separadamente, para dentro de um grupo só pra tentar
delinear melhor os objetivos desse Programa (...) (Priscila).
Um espaço exclusivo do PAG também é importante pelo fato da gritante diferença da técnica
de pesquisa convencional, como Pedro explica: “como a agricultura orgânica ou agroecologia
vai lidar [com] uma especificidade de insumos, não vai usar agrotóxicos, não vai utilizar
fertilizantes químicos”, um contato com esses tipos de substâncias pode invalidar todo um
experimento.
Pedro acrescenta que esta interação entre os pesquisadores com interesses ecológicos no
mesmo espaço possibilita formações de ideias e propostas diferenciadas, como a homeopatia,
que permite analisar fatores complexos da agroecologia por outra perspectiva:
O PAG vai ser um programa dentro do IAPAR que ele vai ter como objetivo
organizar um espaço para que os projetos agroecológicos possam ser
desenvolvidos, e ser implementados, tem-se também demonstrado um espaço de
formação de ideias e propostas e buscam avaliações e perspectivas não tão comuns
(...). Tá sendo considerada hoje a questão da homeopatia e outras técnicas de
análise de dados, a questão de análises com fatores complexos, e tudo isso vai ser
um espaço, toda essa discussão vai precisar de um espaço que não é encontrado no
geral, então o PAG vai ter a função de permitir que isso ocorra (Pedro).
104
Com o crescimento do Programa, mais pesquisadores foram contratados para esta linha de
pesquisa. Atualmente, existem pesquisadores exclusivos do PAG, além dos de outros
programas que também envolvem projetos relacionados à agroecologia, que estão dispersos
em várias cidades do Estado do Paraná, como é observado na fala de Patrícia:
Sei que hoje no IAPAR tem alguns pesquisadores que são do Programa
Agroecologia, que envolvem atividades específicas, que trabalham exclusivamente
com agroecologia, no meu caso eu fui contratada para trabalhar exclusivamente
com agroecologia aqui no IAPAR, e existem pesquisadores de outros programas,
do Programa Café, do milho, e que também envolvem projetos relacionados à
agroecologia, então nem todos os pesquisadores que trabalham com agroecologia
diretamente estão no PAG, mas tem os exclusivos do PAG e os pesquisadores de
outros programas que desenvolvem trabalhos com agroecologia também, (...) e aí
temos pesquisadores em Londrina, Pato Branco, Ponta Grossa, e várias estações do
IAPAR que trabalham com agroecologia dentro do PAG (Patrícia).
Um dos diferenciais do PAG apontado por Pilar, é que o Programa de Agroecologia considera
o produtor rural como um importante elemento dentro da pesquisa. Os estudos são realizados
junto ao produtor, e há uma preocupação com o aspecto cultural, para saber quais práticas
podem ser adotadas por eles. Dentro das estações do IAPAR, busca-se reproduzir o ambiente
externo com a maior exatidão possível. Pilar ainda ressalta que uma grande quantidade de
possibilidades de pesquisa nesta área:
Uma coisa que eu acho que chama a atenção e que é relevante do Programa é que
ele é grande parte produzido junto aos agricultores, então tem relação com outros
programas também, com sistema de produção onde se cria uma rede de
agricultores, que tem uma relação entre si, o representativos de uma determinada
comunidade, de uma localidade, então os trabalhos são feitos nesses, nesses
agricultores, e dentro das estações do IAPAR (...). [Buscamos] reproduzir as
condições reais, desde fertilidade do solo à infestação de vegetação espontânea,
desde disponibilidade de mão-de-obra são utilizados e até culturalmente, se o
agricultor adota essa prática, se não adota, o porquê, o que que é o gargalo, então
tentar resolver esse gargalo se a prática não é adotada para tentar melhorar o
sistema, que ela possa ser mais adotada pelo agricultor. São muitas as demandas, no
IAPAR são muitas as possibilidades, têm milhões de demandas que de alguma
forma o PAG absorve ou tenta absorver (Pilar).
Esta perspectiva do agricultor como tendo um importante papel a desenvolver dentro do PAG
é refletida também na importância dada ao seu conhecimento. Como Pedro expõe, o agricultor
não é uma página em branco e pode contribuir para o avanço do processo, com sua
experiência, de forma conjunta com o pesquisador e extensionista. O PAG possibilita esta
liberdade de trabalho, sem ter que passar por preconceitos, rejeições ou qualquer outro tipo de
interferência:
(...) não vai ser uma questão de simplesmente o cnico ou extensionista traz o
conhecimento (mudança do tom de voz), traz a verdade e o agricultor como
ignorante e uma gina em brando recebe tudo aquilo e implementa tudo aquilo que
105
recebe (volta ao tom normal). Na verdade, vai caminhar no sentido de o
extensionista, o agricultor e o agrônomo trazendo algum conhecimento, e por sua
vez o agricultor deve ter o conhecimento próprio dele, então as experiências que ele
adquiriu no grande período que ele viveu na propriedade, enquanto criança de
observações e comentários, no período em que ele exercitou atividades da
propriedade, que ele foi agricultor e tudo mais, e da soma disso vai se gerar uma
proposta e vai se trabalhar soluções de maneiras para propriedade nessa solução
conjunta. Então o PAG vai ser um espaço importante por isso, pra poder ser
trabalhado de uma maneira mais livre, na verdade é, ainda existe um preconceito e
rejeições a esses trabalhos, a essas características, e mesmo a proposta de
agricultura orgânica, e então é, o PAG se torna um espaço livre onde isso pode
ocorrer sem essas interferências (Pedro).
O PAG, como uma instituição construída pelo homem, reflete os valores que seus membros
possuem, e neste caso, em especial, devido à homogeneidade das visões de mundo de seus
integrantes, o Programa de Agroecologia é um espaço de liberdade criativa, busca de
equilíbrio e sustentabilidade e de auxílio ao produtor rural. Criar um ambiente com estas
características em um mundo repleto de crenças e valores modernos é algo que exige muita
dedicação, e da mesma forma que um oásis é visto em um deserto, a imagem que se tem do
Programa de Agroecologia é do:PAG como um refúgio agroecológico”.
5.1.6 Nem todo produto com selo orgânico é realmente agroecológico
Para os pesquisadores do IAPAR, um produtor rural com certificação orgânica não é
necessariamente um produtor agroecológico. Muitos produtores apenas adquirem a
certificação para conseguirem atingir um nicho de mercado que atualmente vem ganhando
reconhecimento. Para Paulo, a pequena diferença que existe entre ambos é o selo:
(...) uma pequena diferença entre um produto que é produzido de uma forma
ecológica e o produto que é orgânico. O produto orgânico ele tem o selo, e esse selo
é fornecido por uma empresa que fiscaliza se esse agricultor não usa produtos
químicos, e com esse selo então o consumidor sabe que o produto dele é isento de
produtos químicos, que isso tudo é uma estratégia mercadológica, o produto
orgânico ele é mais caro, por que que ele é mais caro? Ele é mais caro por que o
consumidor quer pagar mais? Ou por que o produtor orgânico quer ganhar mais?
Ou por que é um nicho de mercado? Então existem algumas correntes dentro da
agroecologia que acreditam que você deve produzir um produto saudável, você
deve ser remunerado justamente por isso, de forma justa, ? E o consumidor paga
um preço justo, é, isso vai demorar um pouco pra acontecer ? Dentro de uma
estrutura de comércio que existe, e justamente os produtos que o de base
ecológica, mas não tem certificação é... os agricultores tem uma dificuldade de fazer
o mercado, quando o agricultor ele num mercado que ele coloca o produto dele
ou no supermercado ou ele tem os consumidores dele definidos como orgânicos, ele
106
já está um pouco organizado, a cadeia produtiva organizada desde a produção a
o consumidor (Paulo).
Para ser considerado um produtor agroecológico, é necessário também mudar a forma de
pensar, quebrar o paradigma da modernidade e enxergar o mundo de uma forma diferente,
como pode ser observado na fala de Poliana. As atitudes dos produtores mudam
consequentemente.
Existe muita diferença porque, como eu disse, a agroecologia é uma forma de
pensar diferente, buscando outros paradigmas que a ciência, a pesquisa de uma
forma convencional utilizam, é outra forma de pensar a ciência, que está buscando,
que está mudando, a ciência cartesiana esem crise, está em um processo de crise
(Poliana).
Esta diferença percebida se reflete no consumo dos pesquisadores, os quais dão preferência
para produtos percebidos como agroecológicos, e não apenas por serem certificados. A
prioridade é comprar os produtos de feiras, onde há contato direto com o produtor.
(...) orgânicos certificados não, porque eu tenho lá minhasvidas e minhas críticas
filosóficas contra certificação orgânica, que vem certificadoras da Europa dizer
como que devemos fazer nossa produção para que seja orgânica, então tipo, eu não
consumo produtos certificados orgânicos simplesmente por serem certificados, eu
dou preferência sim, a comprar produtos em feiras agroecológicas familiares, ou a
comprar diretamente de produtores, e se tem essa oão, é óbvio que vou optar por
isso. Em Ponta Grossa tem uma feira de produtos e uma barraquinha de produtos
agroecológicos, então é um desafio também que a gente está pensando em superar
(Poliana).
Esta preferência por comprar os produtos diretamente do produtor da feira acontece pelo fato
de que, muitas vezes, quando vendidos pelo supermercado, o produto perde as características
que o tornam agroecológico, além do fato do pesquisador não saber se realmente o produtor
rural está tendo um ganho justo pelo seu trabalho. Pilar cita alguns exemplos de perda de
características agroecológicas:
(...) o produto de mercado muitas vezes é orgânico, mas é assim, um orgânico que
vem embalado: por baixo vem aquela bandejinha de isopor, e por cima o plástico, aí
passa no caixa e põe dentro de mais uma sacola plástica. Então, é orgânico porque
está dentro das normas estabelecidas e tal, mas não é agroecológico, é diferente,
tem uma filosofia que é bem mais interessante, é mais sustentável (Pilar).
E se existem produtos orgânicos que não podem ser considerados dentro dos princípios
agroecológicos, é porque existem produtores certificados como orgânicos que não seguem os
princípios agroecológicos, além dos obrigatórios. Pedro destaca que, realmente, poucos
agricultores podem ser considerados idealistas, e que boa parte opta devido a problemas de
saúde e/ou por nicho de mercado. Isso faz com que a preocupação com o meio ambiente não
seja prioridade para eles:
107
Então, é uma coisa que você, que a gente vê muito nos agricultores, é que existem
poucos agricultores idealistas, né? Tem até pesquisa de levantamento feita, existem
poucos agricultores idealistas, aqueles que são orgânicos porque acreditam que é o
melhor, mas existe uma quantidade considerável de agricultores que são devido a
problemas com intoxicação que eles tiveram, então tem problema com veneno e
o querem isso para os seus filhos e o podem continuar dessa forma, se
convertem por causa disso, e tem aqueles que se convertem por nicho de mercado,
o produto orgânico está custando mais caro - pro consumidor final -, não usa tanto
o produto químico, então o custo de produção pode ficar mais barato, e vêem isso
como oportunidade de negócio, que seriam muitos hoje em dia, e então existe esse
lado (Pedro).
Pela análise dos discursos dos pesquisadores, fica claro que, por suas visões de mundo,
existem duas classes de produtos que seguem conceitos agroecológicos. Os apenas
certificados como orgânicos que, embora não usem produtos maléficos à saúde e ao meio
ambiente, não seguem os princípios orgânicos até chegarem ao consumidor, podendo se
perder na dimensão econômica, com o produtor o recebendo uma remuneração justa por
seu serviço, ou até mesmo na questão ambiental, possuindo embalagens em excesso, que se
tornarão lixo e poluirão o ambiente. E os considerados agroecológicos, mesmo podendo ainda
não ser certificados como orgânicos, seguem os princípios agroecológicos desde a compra da
semente, até a chegada na mesa do consumidor. Para terem certeza de que estão optando pelo
segundo tipo de produto, os pesquisadores optam por fazer suas compras em feiras, tendo a
consciência de que “Nem todo produto com selo orgânico é realmente agroecológico”.
5.1.7 Produtores rurais convencionais como potenciais colaboradores
Já foi citado que nem todos os pesquisadores do PAG são exclusivos do Programa, tendo que
trabalhar, muitas vezes, com projetos convencionais. Ao questionar a esses pesquisadores, a
Priscila, em especial, se eles trabalhariam apenas com o agroecológico, a resposta foi que os
agricultores convencionais também precisam de atendimento, principalmente por serem uma
porcentagem maior. Para Priscila, esta é também uma oportunidade de buscar mais
agricultores para trabalhar no sistema agroecológico ou, pelo menos, fazê-los reduzir o uso de
agroquímicos.
Eu gosto dessa área, mas eu vejo assim, no estado nós temos agricultores orgânicos
e convencionais, eu não posso deixar de atender os convencionais, a agricultura
orgânica/agroecológica ainda é uma porcentagem muito pequena, embora veja na
estatística que está aumentando e tudo, mas é uma porcentagem ainda pequena, os
convencionais o uma porcentagem grande, então não posso deixar de atender
108
esses agricultores, então ainda tenho que manter atualizado meu conhecimento da
agricultura convencional para atender esses agricultores, e na medida do possível ir
mostrando pra esses agricultores convencionais com que trabalhando a
necessidade de redução de uso desses agroquímicos (Priscila)
Entretanto, a Priscila destaca que seria muito difícil os agricultores convencionais passarem
por uma transição completa, de sua propriedade e de sua mentalidade, de forma rápida. A
melhor opção é passar conceitos, mostrar que não é salutar usar agroquímicos em excesso, e
que existem outras técnicas mais saudáveis:
Esses agricultores que estão no convencional e que têm toda a dificuldade que tem
no orgânico/agroecológico, seria muito difícil de eles passarem, parar de usar todos
os agroquímicos que eles usam e transformar não só o sistema da propriedade, mas
também o sistema do pensamento, pra mudar de uma vez da outra, então o que a
gente faz? Quando nós estamos trabalhando com os convencionais, a gente começa
a colocar conceitos em cima pra redução desse uso, então seria todo aquele
conhecimento da condução cultural, que você tem da cultura e de integração de
todas as outras técnicas, não seria confiar no agroquímico, usar todas as outras
técnicas em conjunto, aquela prática que a gente sabe de manejo de insetos, de
contar pragas, tem tudo e começa a incluir esses conceitos pra eles também
(Priscila).
O processo de transição para o sistema agroecológico é demorado, e apenas possível se o
agricultor estiver disposto a mudar sua mentalidade. É necessária muita paciência e disposição
para o aprendizado de novas técnicas. Para Poliana, a decisão de mudar pelo sistema
agroecológico já é o início da mudança de mentalidade:
(...) se o agricultor tenta ser um agricultor agroecológico sem mudar o pensamento,
ele não vai conseguir, substituindo coisas e não vai conseguir produzir, tem que ter
mais paciência, pois ele vem de um processo de produção e vai para outro, tem que
ter uma transição entre esses dois processos, e exige paciência, o é de um dia
para o outro que se decide parar de usar agrotóxicos e será agroecológico. Conheço
experiências muito ricas de agricultores que estão trabalhando há vinte anos, e já
estão com processo bem consolidado, conheço agricultores que estão nesse
processo de transição, mas que estão caminhando, e na verdade não conheci
nenhum que optou por isso e desistiu, porque quem opta, eu acho que tem essa
mudança de pensamento junto com ele, e faz essa opção justamente em função
disso (Poliana).
Paulo expõe alguns exemplos de técnicas naturais que ajudam a conservação do solo e que
muitas vezes não são apropriadas pelo agricultor devido à grande mudança necessária em seu
método de trabalho, que quase sempre é associada a riscos. Entretanto, na forma como essa
técnica é desenvolvida - acontece exatamente o contrário - um menor risco envolvido na
atividade orgânica, devido a menor necessidade de produtos/serviços de terceiros. O
agricultor não ficará rico, mas também não precisará ceder suas economias aos credores:
(...) a questão de manejo e conservação do solo, a chuva não leva seu solo embora
vofaz uma recuperação desse solo com fertilizante natural ou com espécies que
ajudem nesse processo, o que falta é o agricultor se apropriar dessas questões, e
109
muitas vezes essa apropriação, ela vem em função de mudar a forma que ele
trabalhando, e essa mudança de forma traz risco e esse risco é... o agricultor, ele
tem uma aversão ao risco, então na nossa região, centro-sul do Paraná, o agricultor
ele tem, ou desenvolve a agricultura dele, de forma que se ele perder por questões
ou climáticas ou por questões de preço, não perde muito. Ele tem certeza que nunca
vai ficar rico, mas ele também não vai ter que vender o terreno dele porque ele deu
um passo maior que o o da perna, então nesse universo em que a gente está
trabalhando, a mudança em termos de adoção de tecnologias que permite a ele
melhorar a qualidade de vida dele, então primeiro vo tem que trabalhar com
questões macro, que são as perdas (Paulo).
Relembrando o que já havia sido mencionado anteriormente por Pedro, “é, uma coisa que
você, que a gente muito nos agricultores, é que existem poucos agricultores idealistas,
né?”. Ou seja, são poucos aqueles que começam no processo agroecológico com a verdadeira
intenção de colaborar com o meio ambiente. A grande maioria entra mesmo por objetivos
pessoais, como saúde e melhor renda, portanto, para atrair o produtor é necessário mostrar as
vantagens da produção agroecológica para a sua vida pessoal.
Os produtores do sistema convencional muitas vezes optam por esse método pela falta de
informação e oportunidade, sendo visto pelos pesquisadores do IAPAR como Produtores
rurais convencionais como potenciais colaboradores”.
5.2 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AGROECOLOGIA PARA OS
EXTENSIONISTAS DA EMATER
Neste tópico foram encontradas as seguintes representações sociais: Harmonia com o meio
ambiente; Um estilo de vida; Técnica que sofre preconceitos e descasos; Adquirindo saúde
para uma vida melhor; O extensionista como orientador e motivador agroecológico, Ajudando
a melhorar o mundo aos poucos; Método de difícil transição e complexa aplicação; e
Agrotóxicos e agroquímicos como os principais vilões. É a partir deste conjunto
representacional que se compreende a perspectiva do extensionista sobre a agroecologia.
110
5.2.1 Harmonia com o meio ambiente
De forma similar à dos pesquisadores, a agroecologia, para os extensionistas, é percebida
como uma forma de se trabalhar em união com a natureza. Saber respeitar os limites dos
recursos naturais é importante para se obter a sustentabilidade. O objetivo não é
necessariamente salvar o meio ambiente e, sim, não destruí-lo enquanto o agricultor produz os
alimentos.
Emerson comenta que:
Agroecologia, pra mim, é uma forma de você relacionando ou explorando a tua
propriedade de uma forma... inteira, ou seja, por uma forma, por assim dizer:
orgânica, relacionando todos os aspectos e preservando o meio ambiente, fazendo
as intervenções nela da forma mais harmônica possível e preservando o meio
ambiente. Pra mim, isso é agroecologia, considerando a exploração, o ambiente e o
homem que nela vive (Emerson).
Everaldo exe que:
É a maneira de a gente produzir produtos alimentícios, né? De uma maneira que
o prejudique o meio ambiente principalmente, né? Procura não prejudicar o meio
ambiente, como era, como é a natureza mesmo, né? De uma maneira a se afetar a
natureza e produzir produtos que sejam da melhor qualidade para a alimentação
(Everaldo).
Edinei ressalta que:
Agroecologia é uma forma de se trabalhar com respeito ao meio ambiente, né? Em
função de que tem que se ter uma visão mais ampla, não da cultura trabalhada,
mas do ambiente como um todo, né? Tanto respeito desde solo, animais, ambiente,
microorganismos, né? É uma forma mais respeitosa de se trabalhar (Edinei).
Elaine fala que:
Então, não é como no sistema convencional, como eu falei, se tiver um problema lá,
ou num animal ou numa planta que vai e se aplica um determinado produto e
controla ali, o orgânico não, o orgânico é geral e até pela microbiologia do solo,
enfim, o ecossistema em todo tem que ficar é... um certo equilíbrio, ? Busca-se
esse equilíbrio pra que não tenha... digamos, tendo esse equilíbrio não vai ter tanto
problema de praga, porque tem os inimigos naturais que controlam, enfim, se busca
esse controle, um todo, no sistema (Elaine).
Percebe-se, através dos relatos, a intensidade que o mesmo discurso predomina no grupo dos
extensionistas entrevistados. As ideias de harmonia, equilíbrio e respeito são passadas aos
produtores rurais por meio de orientações práticas, objetivando literalmente recuperar a “vida
do solo”, fazendo-o com que sua microbiologia volte a atuar, possibilitando à planta se
111
alimentar melhor e se harmonizar com o solo. O respeito tão mencionado é aplicado até
mesmo com aqueles que acostumaram a ser vistos como inimigos do agricultor: insetos,
pragas e doenças não precisam ser exterminados e, sim, apenas controlados, para que não
prejudique toda a produção:
As principais noções, assim, seria com relação, básico do básico, é recuperação de
solo, você deveria novamente equilibrar o solo, principalmente do ponto de vista de
vida no solo, recuperar a vida no solo, porque quando você mexe com adubo
químico, ele mexe com salinização do solo e isso interfere na biologia do solo, na
microbiologia do solo à medida que você recupera esse solo, você devolve a vida
ao solo, você devolvendo a vida do solo, ele consegue... a planta consegue se nutrir
melhor, se harmonizar melhor, a planta estando harmonizada com o solo, ela
naturalmente tem como responder, como se defender, tem mecanismos próprios de
defesa pra resistir a pragas e doenças, eno o principal seria essa parte da
recuperação do solo; outra parte que a gente trabalha, seria a parte do convívio com
doenças e pragas, e colocar algumas estratégias para isso, necessariamente você não
precisa acabar com a praga, pro produtor, durante vários tempos, foi colocado para
ele que ele tem que passar alguma coisa e a praga tem que cair, tem que morrer o
inseto, ou a doea tem que passar, tem que acabar, necessariamente não é isso
(Emerson).
Eduardo expõe que devolver a vida ao solo é um processo demorado, que necessita de
paciência. Entretanto, depois de alcançado o equilíbrio, a produção começa a ser mais rápida e
com maior qualidade. Neste processo não pode ser usada ajuda de agrotóxicos ou
agroquímicos, pois trazem graves consequências para o solo, podendo fazer o agricultor
perder todo o avanço na transição agroecológica que havia conseguido.
Porque ele precisa melhorar a qualidade do solo, primeira coisa, o solo pobre e
vovai melhorar ele, você não vai jogar adubo químico, porque adubo químico é
uma injeção muito forte no solo, e é uma faca de dois gumes, e no orgânico você
tem que ir investindo no solo, você tem que ir inoculando mais palha, mais lixo,
mais adubo de dejetos de animais e fazendo conservação de solo, é uma coisa que
demora mais tempo, mas depois de você ter equilibrado o solo, vo começa a
andar mais pido, porque você tem uma produção mais rápida com o aumento de
microorganismo do solo, você tem um produto mais sadio, eliminou a maioria
das pragas e doenças, né? (Eduardo).
(...) reduzir ao máximo o uso de fertilizante químico, agrotóxico, esse tipo de
produto que é comprado no comércio, né? E que produzem industrialmente e que
tem produto químico dentro, na composição, então é mais ou menos isso, né? O
agroecológico é uma coisa que... digamos é produzido de uma forma mais natural
mesmo (Elaine).
Paciência e respeito são características relacionadas com a produção agroecológica. Segundo
Emerson, para estar em harmonia com a natureza é necessário respeitar os seus ciclos. Cada
produto possui uma época específica em que o ambiente é mais propício, sem precisar forçar
a produção. O homem não pode foar o ambiente a adaptar-se a ele, e sim o homem que
precisa se adaptar às condições do ambiente, como estações do ano, clima e ciclos.
112
(...) antes você achava que a tecnologia, pela tecnologia, era possível de resolver
tudo. Então, acredito que você estava passando por cima de alguns processos
biológicos, processo de tempo, por assim dizer, você achava, que nem: que a minha
terra não tava boa, e aí comprava terra pra produzir, se fosse o caso, se eu não tenho
terra ia plantar na água, tudo realmente depois que passou a questão da
agroecologia, você viu que você, respeitando algumas regras, você consegue
produzir, você tem que respeitar ciclos (...). Antes eu achava que... e até
recomendava tomate o ano inteiro. Não! Hoje a gente recomenda mais na parte do
inverno, e pra que que eu vou brigar pra plantar tomate no calor, se ele não vai dar?
Vai dar uma produção ruim que vai dar prejuízo, você adéqua mais as plantas ao
clima, você respeita as condições dela (Emerson).
Entre os principais interesses do extensionista ao optar pelo sistema agroecológico, é parar de
usar o método convencional de produção agrícola, sendo menos agressivo. Segundo Edinei,
trabalhar e respeitar a natureza são coisas conciliáveis, que dependem apenas da opção de
cada um. É perfeitamente possível produzir alimentos sem envenenar a terra no processo:
O interesse sempre maior em si, que mais chama a atenção é o de conseguir
trabalhar, né? De uma forma mais... menos agressiva, né? Onde se consiga viver e
conviver tanto com... às vezes, que a gente, como dito, vê pragas, ataques de
insetos, essa maneira de se trabalhar e ser menos agressivo ao meio ambiente, e
conseguir às vezes, ter às vezes, tanta produção conciliada, ao que se tem oferecido
pela natureza é o que mais chama a atenção, conseguir sair daquela maneira
convencional de se trabalhar, respeitando o meio ambiente, porque acho que é uma
coisa que é conciliável, né? Não é uma receita de bolo, mas dá pra se trabalhar e se
produzir respeitando o que a natureza tem a oferecer, tanto em viabilidade, como do
saudável, né? Isso é o que mais chama a atenção (Edinei).
De acordo com Eduardo, o enfoque agroecológico está crescendo, aos poucos está se tornando
uma demanda da sociedade e entre os motivos estão as mudanças climáticas e ambientais,
sempre em destaque na mídia. Esta maior evidência aos princípios agroecológicos na
atualidade também pode ser justificada pela nova Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão, que reuniu esfoos para difundir as técnicas agroecológicas, assim como formar
novos profissionais capazes de compreender este novo paradigma (BRASIL/MDA, 2004;
CAPORAL, 2006). Fato este destacado por Eduardo, ao mencionar que, em sua época, não
existia a disciplina de agroecologia:
Agroecologia é um ramo dentro da ciência agrária que hoje está sendo estudado,
sendo verificado, tá sendo discutido, em razão das mudanças que eso ocorrendo
no mundo, nas pessoas, então a agroecologia vem agora dar essa nova, esse novo
modo da gente apresentar dentro do ramo da agronomia, uma coisa pra que a gente
possa viver melhor, pra despertar em nós a consciência daquilo que foi praticado e
está sendo praticado, e que às vezes isso traz conseqüências sérias para a
humanidade. Então, a agroecologia vem estudar a questão da ecologia, que
antigamente praticamente não tinha isso, nos próprios bancos escolares não tinha,
eu mesmo, quando fiz agronomia, não estudei essa matéria (Eduardo).
É notável a formação da representação social disseminada pelas falas. Falas estas que
demonstram uma real preocupação com a sustentabilidade do processo produtivo, em
113
detrimento de uma visão voltada para a quantidade, volume de produção e maximização de
receita. Respeitar o meio ambiente é necessário para o bem das gerações futuras. O
aprendizado do convívio com aqueles que eram declarados inimigos do agricultor, como
pragas e insetos, é um dos exemplos mais radicais da mudança de mentalidade necessária para
se atingir o status de orgânico. Sendo assim, o sistema agroecológico é o meio de o agricultor
ficar em paz com a natureza, construindo uma representação compartilhada socialmente, de
um caminho para ficar em Harmonia com o meio ambiente”.
5.2.2 Um estilo de vida
Observando os discursos dos atores entrevistados, pode-se perceber que aqueles que
trabalham com a agroecologia não utilizam seus princípios apenas em seu trabalho, mas
também em sua vida pessoal. Como é dito pelo Eduardo: Primeiro, o senhor tem que ser
orgânico, pra depois você entrar no orgânico”. Para Elaine, essa mudança acontece
essencialmente nos hábitos de consumo de alimentos, ao questioná-la sobre a sua preferência
por produtos orgânicos:
Com certeza! Eu acho que, principalmente a gente que trabalha com isso, que vê
como que é produzido, ? A gente a diferença entre um e outro, então, se a
gente que na área não der preferência e não conseguir ver essa diferea aí, já...
(Elaine)
Visão esta que também é compartilhada por Eduardo, perceptível quando o mesmo afirma:
“(...) como eu quero a saúde do produtor, eu quero a minha e da minha família, passei a ver
com outros olhos a questão do consumo de produto”. Ao contrário dos pesquisadores, o
contato frequente dos extensionistas com o agricultor possibilita um maior acesso aos
produtos orgânicos, fazendo-os internalizar este hábito de uma forma mais enraizada, assim
como propiciar novos horizontes, como é observado na fala de Emerson: “(...) essa questão
que mudou assim, vo ter o respeito e abriu um outro horizonte para algumas outras
questões, eu ligado em algumas outras coisas, como, por exemplo, homeopatia”.
Para Everaldo, tornando-se uma pessoa orgânica, obrigatoriamente muda sua maneira de ver
as coisas. O respeito pela vida, mesmo de insetos, é perceptível nos discursos. A mudança de
114
mentalidade que é levada também para a vida pessoal é vista como algo bom pelos
extensionistas:
O que muda é o seguinte: a gente tem um... uma outra maneira de ver, né? As
coisas. Antes você via uma praga, uma lagarta e falava: Você tem que matar isso
daqui, tem que aplicar o produto, ?”, hoje não, você pode contornar essa situação
sem estar utilizando esses produtos, né? Mudou sim, mudou pra melhor, felizmente
(Everaldo).
Os extensionistas têm plena consciência de que os agricultores também precisam internalizar
esses valores e práticas para conseguir ter sucesso na produção agroecológica. O sistema de
produção agroecológico não se limita apenas à retirada de veneno, agrotóxicos e
agroquímicos, que é o obrigatório para ter certificação orgânica. É necessário que o agricultor
crie uma consciência de respeito ao meio ambiente e ao seu pprio corpo. Nas falas de
Everaldo e Edinei, percebe-se que o agricultor precisa respeitar a natureza como ele respeita a
si mesmo, entretanto, muitas vezes, o agricultor precisa, primeiramente, aprender a se
respeitar:
Uma das primeiras aulas que eles têm é sobre a consciência ecológica, não adianta
o cara querer fazer uma propriedade orgânica se ele não tem a consciência, de
repente ele está plantando alface, verdura ou fruta que seja e o tá usando veneno,
o está usando agroquímico, mas em volta da casa dele tudo bagunçado e cheio
de lata velha, plástico, né? Então a pessoa tem que ser orgânica, né? Total, tem que
assumir essa condição mesmo, porque se não, o funciona, então, de repente, ele
está produzindo produto assim e consumindo lá, em casa mesmo, esses produtos
enlatados, esses produtos que a gente sabe que fazem mal a saúde. Então, o
principal é ter essa consciência ecológica primeiramente, pra depois entrar no
processo. Nessa tem esse tipo de aula.... pra tentar conscientizar a pessoa da
imporncia de ser orgânico, não basta ele produzir pros outros produto orgânico,
mas ele ser uma pessoa é.... que assume essa consciência (Everaldo).
(...) então, entre as idéias básicas é ter o respeito com o meio, com o solo, com a
água, com o ambiente, né? Como a si próprio. Acho que a gente vive e depende
disso, ? É... e esse respeito tem que se haver, né? Que o pessoal muitas vezes
acaba tomando posição no dia adia que... prejudicando a si próprio, né? Então,
acho que... o primeiro passo do pessoal é fazer enxergar o que a gente tem de
recursos naturais, e respeitar a si próprio, para poder, né? Dali, o pessoal depende
para sobreviver, né? Tem que saber respeitar pra poder utilizar, porque, se não, vai
chegar a um ponto, como às vezes em alguns lugares já tem chego, né? Em que o
pessoal não vai ter a possibilidade de se manter em função do que ele tem
acarretado, né? Tem que respeitar como a si mesmo, ? Ele depende disso, né?
(Edinei).
Edinei destaca que, quando uma pessoa realmente internalizou as crenças, valores e padrões
de atuação da agroecologia, e fez de seus princípios uma forma de viver, apresenta
características próprias, como um aspecto mais feliz e saudável:
(...) a pessoa, quando tem a consciência de se trabalhar respeitando o meio
ambiente e os recursos naturais, a gente percebe de longe, da família que está na
propriedade que, às vezes, mostram um ar mais saudável, de mais de bem com a
115
vida, é fácil perceber que o pessoal que trabalha de uma forma agroecológica
geralmente tem mais isso, é uma coisa que destaca bastante (Edinei).
Everaldo exemplifica uma destas características mencionando a cooperação existente entre os
agricultores orgânicos. Ao contrário dos produtores convencionais, eles não vêem o outro
produtor que compartilha o mesmo mercado como um concorrente e, sim, como um aliado na
troca de informações:
(...) a gente vê a grande união que tem esses produtores, mensalmente fazem
reuniões, né? Eles trocam muitas idéias, são assim, porque a gente vê assim, eu que
trabalho com o pessoal da feira, que existe muita essa questão da concorrência, né?
Um quer produzir mais que o outro, fica escondendo as coisas do outro. Eles não.
Eles procuram passar toda a informação, aquilo que determinado produtor fez e deu
certo na propriedade dele, e vai passando para os outros, e é aquela troca de
informações, aquela troca de coisas que vão descobrindo, né? Eles mesmos o
descobrindo, assim fica melhor e tal, e eles trocam isso. Essa união entre eles foi
um dos aspectos que me chamou a atenção (Everaldo).
Percebe-se que aquele que trabalha com o sistema agroecológico, necessariamente precisa
internalizar seus princípios para a sua vida pessoal, a fim de conseguir superar todos os
obstáculos que esse sistema possui e não desistir desta jornada. O índice de desistência logo
nos treinamentos iniciais é alto devido justamente à dificuldade de absorver toda a mudança
necessária para o progresso do plantio orgânico. O sistema agroecológico para os atores
entrevistados não se limita a um modo de trabalho, passando a ser “Um estilo de vida”.
5.2.3 Técnica que sofre preconceitos e descasos
Da mesma forma que ocorre com os pesquisadores, como visto anteriormente, a técnica de
produção agroecológica sofre preconceitos pelos profissionais da área de extensão
convencional, que o maioria absoluta. Isso origina uma grande limitação para a atuação dos
profissionais agroecológicos, prejudicando, principalmente, a difusão do conhecimento
prático.
O extensionista que orienta os produtores agroecológicos precisa possuir autoconfiança e não
se importar em sofrer críticas, que são muito comuns, existindo até mesmo uma rivalidade
entre eles, como é explicado por Emerson:
(...) mas no meio técnico tem muita restrição, se não fosse a gente ter vinte e
cinco anos de formado e ser seguro, ter um tanto de idade, a gente poderia se
abalar, dependendo do que a gente fala em alguns meios, você ainda é visto como
116
um ET, você ainda tem muita restrição, tem muita gente que duvida, que você está
marchando fora do contexto do batalhão, tem muito preconceito ainda. E
preconceito talvez seja a palavra certa, pois o pessoal não entende e não aceita, ou
então faz algumas restrições, mas o procura entender, eu consigo ver bem isso
daí, porque eu também era desse jeito (Emerson).
Entretanto, Emerson, mesmo, expõe que é possível converter um extensionista convencional
em agroecológico. Ele é um exemplo de alguém que duvidava e criticava, mas que manteve a
mente aberta para compreender a complexidade das técnicas agroecológicas:
Eu... Antes de eu entrar, eu duvidava da coisa, eu comecei ver alguuuuma coisa de
alguém fazendo assim muito empiricamente, eu não acreditava que ela pudesse dar
volume, que pudesse dar qualidade, eu não acreditava que desse realmente pra fazer
a diferença (Emerson).
Quando questionado sobre o crescimento da aplicação das técnicas agroecológicas, Eduardo
menciona que está caminhando muito devagar, mas que seria diferente se o governo
propiciasse treinamento para os extensionistas e orientação para o consumidor, sobre as
diferenças dos produtos orgânicos dos convencionais:
(...) muito devagar, eu acho, o governo devia dar mais ênfase, né? Mais nessa área,
principalmente nos técnicos do governo, mais treinamento, mais orientação, pra que
chegue na mesa do consumidor um produto mais saudável, produto que ele possa
o obter prejuízos em sua alimentação, causando problemas de saúde, etc.
(Eduardo).
A escassez de extensionistas capacitados para orientar produtores agroecológicos também é
mencionada por Elaine. Escassez esta que é consequência da falta de interesse dos
profissionais da área em tentar compreender as técnicas agroecológicas de produção. Vale
lembrar que a nova política de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) está trabalhando
para que haja mais profissionais conscientes e preparados para assistirem os produtores
agroecológicos e que, portanto, o quadro exposto pode mudar em longo prazo, caso não haja
mudanças de paradigma nas políticas de ATER:
Então, vai criando aquela consciência, mas assim, o que mudou na verdade foi a
nível de campo mesmo que eu percebi a dificuldade do produtor de trabalhar com
isso. Eu acho que a gente começa a dar certa atenção maior pra esse produtor do
que pra aquele outro que trabalha... não que não de atenção para aquele que
trabalha com convencional, que a gente percebe a carência no nível de
assistência técnica pra esse pessoal que trabalha com orgânico, porque o muitos
poucos técnicos que trabalham com isso, né? Na EMATER mesmo são poucos, não
é todo município que tem um agrônomo, um técnico que saiba o que que a pessoa
pode fazer, que saiba dar uma instrução pra ela (Elaine).
Eduardo refoa a indignação com a falta de incentivo do governo e destaca que, devido ao
descaso com a técnica agroecológica, o extensionista precisa também orientar o produtor
117
convencional, passando técnicas que o extensionista sabe que não são corretas, mas que são a
única alternativa para este agricultor.
O desejo dos extensionistas é poder usar mais o seu tempo com a agroecologia, algo
impossível devido à superior proporção dos agricultores convencionais, um quadro que
dificilmente se reverterá sem maiores atitudes do governo, pois é necessário divulgar,
incentivar e capacitar, para que, tanto os agrônomos como os agricultores, se interessem pela
agroecologia:
Eu acho que devia vir mais incentivo do próprio governo. Eu não sei, porque vai
mexer com o lado econômico, né? Talvez é difícil pro governo, pois tem muito a
questão econômica, né? E devia ter mais, o projeto ser mais inserido dentro da
empresa (EMATER) com mais força, para que a gente pudesse usar mais o nosso
tempo com agroecologia, ter algum tipo de... os técnicos serem mais treinados na
nossa região, poucas pessoas que têm uma base, deviam todos terem pra que eles
pudessem ir na base informar, porque a realidade de Alto Piquiri não é diferente
de outros municípios da região, e depender também da formação, por exemplo, se a
pessoa também não se interessar, o técnico, também a coisa o vai pra frente, no
meu caso eu me interesso, pois quero ver as coisas acontecerem lá na frente
(Eduardo).
A falta de divulgação é vista como um dos principais motivos para o preconceito e o descaso
da população, em geral. Edinei afirma conhecer alguns programas do governo voltados para
essa área, mas, para ele, os esfoos neste sentido ainda são poucos. A imagem que se tem das
técnicas modernas de produção agrícola ainda é melhor do que a da cnica mais artesanal da
agroecologia. A modernidade quase sempre é associada a algo bom, e para reverter este
quadro, Edinei menciona a necessidade da maior divulgação, como segue:
Eu acho que o que às vezes mais prejudica é a falta de divulgar, de um pouco de
marketing, acho que teria que ter uma área voltada para isso, hoje até tem
programas tanto de governo, tanto de... que defende e mostra, mas acho que ainda é
pouco. A população desconhece muito, né? (...) Não uma questão só de preço, mas
de conhecer a questão do respeito com o meio ambiente e a forma de se trabalhar, e
toda aí a cadeia, que vem arrastada, que vem desde receita, produção, né? (Edinei).
O consumidor também age com preconceito ao escolher o produto. Buscando apenas a
aparência, muitas vezes o comprador opta pelo produto convencional, que é maior e mais
bonito do que o produto orgânico, que, principalmente durante o período de transição,
apresenta sinais de ataque de insetos ou pragas. A conscientização proporcionada por uma
maior divulgação dos benefícios dos produtos orgânicos também atuaria no sentido de mudar
a prioridade do consumidor, fazendo-o optar mais pela saúde, do que pela aparência
superficial:
118
(...) o consumidor que não tem essa orientação, ele foge, não sei se sabendo de que
aquilo ali é orgânico, pois o produto orgânico às vezes não é tão bonito como um
produto que você cultiva com dosagem de adubação e veneno. O consumidor
compra pelo olho, e ele vê um pé lá de alface, talvez picadinho umas folhas por
pragas, ele o quer, ele quer um bonito, um grande, que ele não sabe o índice
que tem de agrotóxico embutido dentro daquele produto. Eu vejo vantagem, eu
procuro consumir só produtos orgânicos ou com baixa toxidade, só que isso não
no visual, se o produto está intoxicado ou não (Eduardo).
Uma maior atuação das instituições governamentais aumentaria o alcance das ações
agroecológicas. Falta uma ação em conjunto em grande escala para mobilizar a sociedade de
uma forma mais ampla, como é percebido no discurso de Edinei:
Se uma pessoa mudar, a gente fica contente, mas a gente pensa impactar uma
forma mais grande, ? Mas às vezes fica nessa situação. Tem que ser uma coisa
que teria... principalmente órgãos e instituões que às vezes tem a possibilidade de
divulgar e estar presente, teria que ter uma ação maior em cima disso pra poder
tentar em conjunto, né? Mobilizar mais a sociedade (Edinei).
Os extensionistas que trabalham com agroecologia sofrem preconceitos de colegas de trabalho
que o compartilham de seus ideais. O sentimento de exclusão é visível no discurso dos
extensionistas entrevistados, chegando até a ser comparado a um ET (Extra-Terrestre), ou
seja, uma criatura o diferente que só pode ter vindo de outro planeta.
É perceptível uma esperança de que esta situação mude, quando os extensionistas citam
soluções como maior apoio governamental e maior divulgação dos benefícios da
agroecologia. Constata-se, pois, que o grupo de extensionistas pesquisados percebe a
agroecologia como uma “Técnica que sofre preconceitos e descasos”.
5.2.4 Adquirindo saúde para uma vida melhor
Pode-se mencionar que a maior certeza que os extensionistas possuem sobre o sistema
agroecológico é que seus produtos melhoram a saúde de todos os envolvidos no processo. O
fato da não utilização de produtos químicos e agrotóxicos eleva a qualidade de vida,
principalmente do agricultor, seja consumindo alimentos com maior índice de vitamina e
proteína, até mesmo aproveitando melhor o sabor do alimento, ou não se intoxicando durante
o seu trabalho, evitando doenças como o câncer.
Para Eduardo:
119
Então eu vejo assim, as vantagens são muito grandes, mas vantagens de você ter
um produto de quase índice zero de agrotóxico, vai fazer bem pra saúde, melhorar a
alimentação, ter um alimento mais forte, quando vousa o agrotóxico diminui o
índice de vitamina e proteína da planta e com adubo orgânico você mantém e tem
um alimento mais sadio, com maior valor alimentício, eu vejo uma enorme
vantagem, para o agricultor (...), quem tem conhecimento de que o produto
orgânico é melhor ele vai procurar consumir e o produtor vai procurar vender e o
consumir procurar comprar (Eduardo).
Emerson explica:
Vo tem vantagens assim, do ponto de vista de qualidade biológica do alimento,
ela é incomparável com o convencional, ele tem a questão de vitamina ppria, não
tem resíduo de agrotóxico, ele mostra o verdadeiro sabor do alimento, ele tem, via
de regra, mais consistência, ele tem muitas características dessas que são, que são
positivas (Emerson).
Elaine menciona:
(...) também, no geral, para o produtor que usa esses produtos químicos é
prejudicial, porque a gente vê vários casos de pessoas que acabam com o tempo
com câncer, com intoxicação, por utilizar produtos... e até mesmo o próprio
fertilizante, adubos que são usados, a pessoa não vai se intoxicar com isso, né?
aplicando na lavoura, que com o tempo esses resíduos que ficam no alimento, a
gente não sabe o que, né? Que proporção isso pode ter no final, que conseqüência
isso pode vir a ter para o consumidor, até pro próprio produtor que planta e que
acaba consumindo isso, né? (Elaine).
A contaminação, muitas vezes, o é percebida pelo agricultor, sendo este um dos principais
argumentos ao tentar convencer o agricultor convencional a passar para o sistema
agroecológico. Se ele produz comercialmente, a situação é ainda mais séria, podendo ser um
foco de contaminação. Tanto Eduardo quanto Everaldo enfatizam a melhora da saúde como a
primeira vantagem a ser apresentada para o potencial produtor agroecológico:
Às vezes, o agricultor não sabe que ele está contaminado, mas ele está, a família
está contaminada, ou pela água ou por outro tipo de coisa, então você vai levar isso
primeiro, primeiro a saúde dele. Agora, se ele for produzir comercialmente, a gente
vai ver a questão das outras pessoas que vão consumir, mostrar pra ele que ele é um
foco de contaminação, o produtor, se tiver consciência também vamos mudar, pra
que ele possa colocar um produto na ponta diferenciado, e assim sucessivamente
(...). Quero que esse produtor produza um produto mais sem agrotóxico, ou com o
mínimo possível dependendo do produto que você vai usar, respeitar as carências,
etc., etc., para que ele possa ter uma vida melhor e o consumidor possa ter uma vida
melhor, e seus filhos uma vida melhor, então acho que deveria ter mais incentivo
nessa área, nessa parte (Eduardo).
Eu digo que primeira vantagem é para o produtor, né? Ele vai, primeira coisa, ele
vai deixar de trabalhar com produtos, ? Com agrotóxicos, e agrotóxicos você
sabe que não faz bem pra ninguém, ? Então, mas o maior beneficiado, quem que
é? É o produtor, porque ele tem o contato direto com os produtos e tal, então isso é
uma grande vantagem, você vai consumir um produto de melhor qualidade e
tudo, ? Mas, no sentido assim, para o produtor, só o fato de ele estar trabalhando
com uma coisa natural, preservando o solo dele (...) (Everaldo)
120
Eduardo cita que, para ele se importar com a saúde do agricultor, primeiro ele precisa se
importar com a dele própria, fato este que poderia, sem problemas, ser generalizado para os
demais extensionistas, pois é regra básica da condição humana, de acordo com o senso
comum. Além de o Eduardo consumir produtos orgânicos vários anos, ainda passa a
informação para aqueles interessados, demonstrando que já tem internalizados os valores
agroecológicos:
(...) vou melhorando a minha saúde, e vou orientando os consumidores e outros
produtores, às vezes vem aqui perguntar pra mim, onde tem isso? Uma verdura sem
veneno, um café, é... moído e que é orgânico eu informo, eu também já consumo há
muitos anos isso, então primeiro a minha sde, como eu quero a do produtor,
quero a minha, de depois minha formação me leva a disseminar isso para os outros,
eu me sinto bem fazendo isso (Eduardo).
Todas as observações feitas até aqui demonstram que o efeito da produção dos alimentos na
saúde é de fundamental importância para os extensionistas entrevistados. O histórico de
doenças causadas pelos produtos químicos e tóxicos, quando apresentados aos agricultores,
juntamente com a conscientização das melhorias originadas pelo sistema de produção
agroecológicos, é meio de destaque para convencer o agricultor convencional a realizar a
transição do sistema de plantio. Desta forma, uma representação social de que, ao optar
pela agroecologia, o ator estará Adquirindo saúde para uma vida melhor”.
5.2.5 O extensionista como orientador e motivador agroecológico
O extensionista é o intermediário que transmite o conceito científico de agroecologia para o
produtor rural. É o responsável pela orientação dos agricultores, assim como pelo incentivo
desta prática. Ao serem questionados sobre a “diferença” que eles fazem com suas ações, as
respostas foram no sentido de que suas contribuições são justamente ajudar o agricultor a
fazer a “diferença”. Orientações e conscientizações são partes da rotina do extensionista,
como é percebido nas citações de Emerson e Edinei:
Olha... Eu acredito... Embora os resultados sejam poucos em termo de volume, em
termos de qualidade, eu acredito que realmente faça a diferença. Aliás, não sou eu
que estou fazendo a diferença; quem está fazendo a diferença são os produtores. A
gente... nós... o técnico mesmo não faz nada, ele simplesmente facilita o camarada,
o produtor que es lá, a entender alguma coisa, ele ajuda a encaminhar os
pensamentos, quando tem alguma dúvida, alguma coisa, ele procura solucionar
isso, mas de um jeito que o produtor que fazer, então a diferença nossa, ou a
121
diferença do técnico, no caso, que eu talvez esteja fazendo a diferença é realmente
isso daí, você participando junto com o agricultor pra fazer, mas na realidade os
resultados são todos dele (Emerson).
(...) tem satisfação de, às vezes, às vezes, ter o compromisso de orientar, né? De
abrir esse espaço, né? Pra poder alertar ou pra poder mostrar esse lado da... desse...
trabalho,? Então, tentar conscientizar o pessoal, né? Mostrar pra eles que
também é possível, então, essa parte é o que mais a gente... é... que faz sentir bem.
Tanto na parte em que a gente pode fazer, né? Como ter a oportunidade de poder
estar orientando o pessoal, e também mostrando esse outro lado de que também
para se produzir, e sempre, ? Visando a questão do impacto, que hoje em dia o
que mais se vê é a questão do desequilíbrio, né? Desde solo, clima, temperatura pra
gente tentar sempre ver e fazer de uma forma com que o pessoal se conscientize e
enxergue, né? A necessidade de se trabalhar hoje de uma forma diferente, para que
a gente possa se perpetuar, porque do jeito que a coisa anda e vem a cada dia se
degradando, a gente tem que se conscientizar e ter uma posição diferente em
relação a nossa realidade de produção hoje, ? Então é uma coisa que tem que ser
bem colocada e ter o compromisso de mostrar esse lado e a gente tem uma vontade
grande de que o pessoal se conscientize e passe a trabalhar de forma diferente, ?
Que o pessoal tenha uma visão mais... mais ecogica, vamos dizer assim, não dizer
que não tem que ver o lado econômico, mas tem sempre que tentar conciliar o
econômico com o lado ambiental, que eu acho que é de fundamental importância,
são coisas que todo mundo, às vezes, sabe, só que deixa, às vezes, a desejar no dia a
dia, tanto na parte particular como nas posições tomadas, o pessoal, às vezes,
deixa a desejar (Edinei).
A importância das ações de extensão é medida pelos resultados obtidos e, embora haja
dificuldades, os resultados melhoram com o tempo. Depois que o agricultor adquire certa
experiência, o extensionista começa a interferir apenas quando problemas a serem
solucionados, como é exposto por Everaldo: “A gente tem notado que está dando resultado
sim, a gente tem acompanhado o pessoal, e quando eles têm a necessidade nos procuram”.
Elaine e Eduardo mencionam que o agricultor orgânico realmente depende do extensionista
para executar o seu trabalho. Devido à complexidade que envolve as técnicas agroecológicas,
as orientações e incentivos dos extensionistas possuem grande relevância para o sucesso da
conversão. Mesmo que o agricultor não esteja interessado, o extensionista faz a sua parte,
tendo que, frequentemente, esperar o momento certo para conseguir convencer o agricultor,
como é percebido no discurso de Edinei:
(...) a gente percebe que o produtor, ele depende da assistência técnica para, assim,
ele poder fazer o trabalho dele lá, mas não consegue se ele não tiver a instrução de
alguém, né? E eu acho que isso é o papel da assistência técnica, então, eu acredito
que sim, né? (Elaine).
Eu me sinto bem, porque eu acho que estou contribuindo com a natureza,
contribuindo com as pessoas que se alimentam da agricultura, contribuindo e
orientando o produtor e a sua família para mudar também de vida, eu acho que essa
é a função do extensionista, não do agrônomo, mas do extensionista, é levar o de
melhor pro agricultor, se o agrotóxico tá errado, vamos levar uma alternativa pra
ele, nem que ele não faça, mas vamos levar essa alternativa pra ele, por escrito ou
conversando com ele (Eduardo).
122
É difícil absorver, mas tem que estar acompanhando para poder, no momento certo,
às vezes, conseguir, fazer com que a pessoa absorva, né? Porque não é todo dia que
a pessoa está aberta a receber a orientação, então tem que sempre acompanhar e
estar presente para, em um momento certo, conseguir um resultado mais positivo,
? (Edinei).
Diante do exposto, observa-se que os extensionistas têm clara compreensão de seu papel
intermediário como difusor de conhecimento e incentivador das práticas agroecológicas.
Constata-se um processo de ancoragem, que aproxima o objeto da representação através da
imagem da “dependência e da necessidade de fazer a diferença”, e o materializa na figura da
representação social de “O extensionista como orientador e motivador agroecológico”.
5.2.6 Ajudando a melhorar o mundo aos poucos
Ao fazer parte do sistema agroecológico, os extensionistas começam a perceber que é possível
contribuir para um mundo melhor com pequenas ações do cotidiano. São coisas simples,
dentro do alcance de pessoas comuns, que trazem bons resultados. A resposta positiva da
planta às técnicas que não precisam envenenar o ambiente para produzir traz grande satisfação
aos extensionistas entrevistados:
Pessoalmente, é uma grande satisfação você saber que existe uma outra forma de
produzir, que não a convencional, como eu já disse anteriormente para você,
resgata muito do conhecimento do agricultor nesta outra forma de se produzir, vo
vê que realmente resultado, que a planta responde, essa parte muita
satisfação, (...) a partir do momento em que comecei a me informar e tudo, vi que a
dimensão é realmente outra, que existe muito estudo, muita coisa, mas eu me sinto
muito bem (...). A agroecologia tem muita tecnologia junto, mas são coisas simples
que dão resultado, principalmente a questão de voabolir veneno deixa a gente
muito satisfeito, você saber que pode produzir sem, não tem necessidade de você
estar fazendo isso que estão fazendo hoje, depoimento de produtor mesmo, e isso te
deixa muito satisfeito (Emerson).
A expansão das práticas agroecológicas, a um ponto em que não fosse mais necessário o uso
de veneno, é idealizada pelos extensionistas, embora haja um consenso de que seria
improvável a ocorrência de tal situação:
É... na verdade, assim, desde o tempo de faculdade a gente que é uma coisa que
seria o ideal, né? Se todo produtor, toda propriedade se adaptasse a esse sistema,
seria uma coisa que faria bem ao mundo na verdade, porque a gente teria o
produto sem tanto produto químico, sem veneno, sem produtos que são maléficos
para a saúde (Elaine).
123
Deixar de usar agrotóxico evita uma série de problemas, como mencionado por Everaldo. A
insustentabilidade da produção é o destino certo para o produtor convencional, é apenas uma
questão de tempo. Everaldo destaca que, se antigamente era possível produzir sem veneno,
por que hoje não pode ser?
(...) agrotóxicos, isso vai deixando o solo ácido e com problemas, né? Chega um
tempo [em] que voo consegue mais produzir, você não sabe por que, mas tem
a ver com o uso desses produtos químicos, então o agroecológico ele vai, como se
diz, voltar naquela época que a natureza (...) quando era mato ainda e tudo
funcionava ali, com a natureza mesmo, vai melhorar o solo, melhorar o
ambiente, né? (Everaldo).
Os extensionistas compreendem que suas ações não são suficientes para mudar o mundo
radicalmente, mas que elas são aquilo que pode ser feito, dentro de suas especialidades. A
exploração agroecológica... vai mudar o mundo? Talvez não mude radicalmente, mas é uma
parcela grande que cada um pode fazer a parte dele e pelo menos melhorar um pouco, né? Ou
prejudicar menos, né?” (Emerson). Everaldo reforça o argumento de Emerson, ao comparar o
impacto de suas ações a “um pingo d’água” no oceano. Entretanto, tal afirmação não os
desmotiva a continuar com o desafio:
Eu, trabalhando com esse pessoal do orgânico, eu me sinto muito bem, é um grupo
[com o qual] que eu tenho uma certa estima, pessoal muito bom pra gente trabalhar,
e você está tentando colaborar com a... o meio ambiente, pra ver se melhora. A
gente sabe que é um pingo d’água no mar, né? Mas a gente continua fazendo esse
trabalho (Everaldo).
Seguindo a imagem de que o que realmente resultado são as pequenas ações dentro da
realidade de cada um”, Edinei menciona que as ações rotineiras, não no âmbito rural, mas
no geral da sociedade, podem contribuir muito para melhorar o mundo. Cada integrante da
sociedade precisa colaborar para que o planeta não seja degradado. Esta imagem é semelhante
à discutida, ao analisar as representações sociais dos pesquisadores do IAPAR, no qual
Pedro afirmou que tentava fazer a sua parte por meio de suas pesquisas, pois era o papel que
lhe cabia dentro da sociedade.
O ambiente que a gente vive depende, principalmente, das nossas ações no dia a
dia, então a gente pode, na medida do possível, contribuir de alguma forma, não só
na propriedade quanto também como um todo na sociedade. O pessoal pode estar
sempre contribuindo em função de tudo que envolve o meio ambiente, então se for
parar para pensar, todo mundo, na medida do possível, tem como contribuir, e não
na propriedade (Edinei).
Sendo assim, percebe-se que está socialmente internalizada a imagem de que são muitas ações
pequenas que conseguem grandes resultados. Os ideais agroecológicos precisariam ser
difundidos para a população geral, para que o uso de produtos e práticas nocivas ao meio-
124
ambiente cessassem. Enquanto isto não ocorre, há a representação de que, realizando as ações
agroecológicas, o ator está Ajudando a melhorar o mundo aos poucos, dentro daquilo
que é possível, devido às limitações das pessoas comuns, que não possuem poder para efetuar
grandes mudanças.
5.2.7 Método de difícil transição e complexa aplicação
Primeiramente, faz-se necessário destacar que o extensionista que opta pela agroecologia tem
consciência que terá grandes desafios em seu caminho, como Elaine menciona: “Eu vejo isso
pra mim como uma coisa que está acrescentando muito a nível profissional, nem todo
agrônomo, nem todo profissional tem conhecimento desta área, que é uma área bem
complexa, né?”. O profissional precisa gostar de desafios para conseguir se adaptar às
exigências dos trabalhos agroecológicos.
Entre os principais desafios dos trabalhos agroecológicos, destaca-se o processo de transição.
A caractestica do solo da região de Umuarama, chamado de Arenito Caiuá, ainda torna mais
difícil um trabalho que já é de natureza complexa. São três anos em um processo árduo, no
qual o agricultor terá queda em sua renda, na qualidade visual da sua produção e, como
consequência, em sua motivação.
A desvantagem da produção agroecológica, no caso especificamente da região aqui
é que você leva aproximadamente três anos pra vopoder equilibrar o solo, pra
voconseguir um equilíbrio da produção. Nesses três anos, você tem uma queda
da produção, da qualidade visual, o que seria a conformidade do alimento, seja de
uma fruta, de um vegetal, de uma alface, de um tomate, de um repolho, e cai a
qualidade visual porque o solo está se desintoxicando, por assim dizer, então, esses
três anos, que seria essa fase de transição, realmente é complicado, mas seria um
dos principais problemas, daí pra frente, o camarada pega o jeito de se trabalhar e
ele consegue colocar qualidade no produto e não tem mais problema, mas o
inicial , ou seria essa fase de transição, é realmente complicado, cai a renda, cai a
qualidade, e o camarada tem que ter muito ânimo mesmo para continuar (Emerson).
Eduardo destaca que a dificuldade do período de transição é uma das principais causas para a
desistência dos agricultores: “(...) talvez ele desista logo porque o solo tá muito pobre e ele já
quer mudar, e essa mudança não pode ser rápida, e nem é rápida, porque o solo já não suporta
uma mudança rápida desta maneira”. De acordo com Emerson, os pequenos agricultores
125
familiares não podem esperar muito para começarem a obter retorno financeiro de sua
produção:
(...) o grande problema que nós temos hoje é conseguir mais adeptos justamente
pelo período de transição, a questão econômica hoje, ela puxa muito, normalmente,
o pequeno produtor e a agricultura familiar é que é a base da produção orgânica, o
camarada não pode esperar muito (Emerson).
Elaine cita a dificuldade inerente à agroecologia como uma das razões para que poucas
pessoas a adotem. Conseguir controlar as pragas e doenças é necessário para produzir:
Então, esse sistema seria o ideal, mas assim, na verdade é um sistema complicado
de se trabalhar, porque é difícil, né? Hoje em dia existem várias doenças, várias
pragas que atacam as culturas, então é uma coisa assim que é bem complicada de se
trabalhar mesmo, porque tem que ter um certo controle disso para você conseguir
ter uma produção, ? (Elaine).
Se o agricultor conseguir superar as dificuldades e se mantiver no sistema agroecológico de
produção, conseguirá perceber que, apesar das muitas dificuldades, este sistema possui
também vantagens. O maior lucro unitário compensa a menor produtividade, e o aumento da
necessidade de mão-de-obra é compensado pelo fato dos alimentos produzidos serem mais
saudáveis, embora este ponto praticamente inviabilize o sistema orgânico em grandes
propriedades, como é percebido nas citações de Elaine e Everaldo, este último demonstrando
a esperança de um dia poder ver mais produtores orgânicos do que convencionais:
O pessoal produtor acha difícil, acha complicado, mas depois que ele se adapta, ele
vê que isso é uma coisa que traz benefícios pra ele, por ser mais lucrativo, pois o
gasto que ele tem é muito menor, ele não precisa comprar nada, ele pode produzir
na propriedade, ou mesmo algum produto orgânico que ele compre pra aplicar
também, assim o uso não é tão... a eficiência dele talvez seja um pouco menor do
que a do produto químico, né? Porque o químico voaplicou ali, e se for um
inseto vai matar e pronto, e o orgânico, o biológico, ele vai controlar, então, eu
acho que, do que eu observei foi isso, o pessoal assim, tem aquela certa restrição,
pois é uma coisa difícil de se fazer e o produtor até ele se acostumar com esse
sistema, pois ele está tão adaptado, ? A ir na empresa, comprar o produto e
aplicar e acabou, né? (risos). Então, eu acho que o produtor tem essa dificuldade a
voltar atrás, ? A começar a trabalhar de novo com um produto que seja natural.
(...) que acho que ainda a grande dificuldade mesmo é porque em áreas, assim,
maiores, é difícil se fazer isso, né? E também, mesmo em áreas menores, a mão-de-
obra também é maior pra se trabalhar com esse tipo de sistema. Agora no mais...
umas das desvantagens que tem é do fato de não se conseguir fazer em uma área
muito grande, ? Pelo menos, por enquanto, o pessoal que trabalha, trabalha com
áreas reduzidas, porque é difícil, ? Devido à mão-de-obra, como eu falei, à falta
de produtos no mercado, que seja os produtos ornicos pra poder ser aplicado, se
for um produto produzido na propriedade nem sempre é fácil de se fazer esse
produto, principalmente se for em grande escala, uma quantidade maior, acho que
isso é o que mais esta dificultando, e lógico, né? (Elaine).
(...) um pouco mais de trabalho, né? Pois tem que preparar os produtos na
propriedade, o adubo tem que ser preparado, fazer compostagem, então exige mais
o-de-obra na verdade, né? (...) Eu acho que tem tudo pra dar certo o orgânico, só
126
que eu vejo, assim, são produtos limitados né? Em quantidades limitadas. Você não
vai pegar um município inteiro plantando orgânico. Dependendo do tipo: café
orgânico é complicado, soja orgânica também é bem complicado, então é difícil
grandes áreas. Então isso realmente, por enquanto, pelo menos, tem que ser
pequenas áreas, principalmente produtores de renda familiar, né? Onde a família
trabalha mais nesse sentido, até que, quem sabe um dia, a gente reverta a situação,
? E fica a maioria como orgânico, né? (sorriso) (Everaldo).
O problema abaixo mencionado por Elaine pode ser considerado um reflexo das dificuldades
de pesquisa citadas no pico anterior. A falta de alternativa faz com que o custo de alguns
produtos específicos seja alto. Isso desencoraja produtores convencionais a entrarem nesse
sistema:
(...) é difícil. Por exemplo, o pessoal dessa associação está tendo problema com um
certo inseto, já se tentourios produtos e não foi possível controlar, o produto que
melhor tem controle é um produto que é caro e difícil de se encontrar no mercado,
então isso dificulta também, porque o produtor e a gente ouve os produtores
falarem isso: Ah, mas eu não quero entrar naquele sistema porque vai surgir um
problema lá e eu vou acabar perdendo a produção, porque não vou ter como
controlar. A gente vê isso, é difícil mesmo, é um dos fatores que a gente vê que o
pessoal que trabalha com orgânico sofre bastante, ? Então, são poucos os
produtos que são orgânicos que a pessoa pode comprar que são comercializados, e
essa dificuldade mesmo, deveria de ter... talvez hoje exista bastante pesquisa, mas
deveria de se voltar ainda mais pra isso, na questão de produtos, acho que seria
mais ou menos isso. O produtor se esforça, só que se ele não tem opção também, é
claro, fica difícil, aí não tem condições (Elaine).
De acordo com Everaldo, também a dificuldade do produtor precisar se defender dos seus
vizinhos quando eles o convencionais, pois os produtos químicos podem chegar às terras do
agricultor agroecológico por meio da água, ar ou solo. A necessidade das barreiras terá uma
discussão mais aprofundada quando forem analisadas as representações sociais dos
agricultores.
Então, vamos supor que a pessoa tenha a propriedade num determinado lugar, e em
volta dele tem plantio de soja e tal, e os caras ficam aplicando produtos químicos e
tal, pesticida, vermicida, e o cara tá no meio ali. (...) Então, por isso são feitos
barreiras e tal, as barreiras, elas... como se diz, protegem em partes, né? Nunca vai
proteger totalmente, então essa também é a grande dificuldade do orgânico
(Everaldo).
A dificuldade de pôr o produto no mercado também é citado por Everaldo como um desafio
da atual realidade dos produtores agroecológicos, especialmente durante o período de
transição:
(...) pelo menos na realidade nossa aqui, sendo a dificuldade de colocar esse
produto no mercado, né? No caso aqui, a maioria é feirante, (...) é um produto que
o tem um aspecto bonito igual aquele que usa agroxico, então eles têm maior
dificuldade para vender. (...) A gente tem procurado, esses dias mesmo fui na feira
pra comprar cenoura, mas o produtor orgânico o tava e acabei comprando de
outro, né? Apesar de que eu fui pra comprar, né? A gente tem procurado sim
alguma coisa, mas não assim: compro se for orgânico”. o cheguei a esse
12
7
ponto ainda. Uma porque nós não temos muita oferta de produtos aqui, né?
(Everaldo).
Abaixo, Everaldo justifica que esta dificuldade acontece principalmente pelo fato de poucos
agricultores aderirem a este sistema. A não existência de fornecimento constante,
especialmente nas pequenas cidades, impossibilita sua compra pelos supermercados. Uma das
possibilidades apontadas por Everaldo seria a maior conscientização da população, para a
busca de alimentos mais saudáveis, responsabilidade novamente atribda ao governo.
Finalizando sua fala, Everaldo ainda cita a existência de um ciclo vicioso que dificilmente
será quebrado em curto prazo:
É lamentável até que poucos adotem esse sistema, a gente sabe da dificuldade, o
que falei de início, a mão-de-obra e tal, mas é que mais pessoas adotassem esse
sistema pra até facilitar para aqueles que estão no processo, né? É o caso aqui do
mercado São Francisco, ele ofereceu uma gôndola lá pra usar só orgânicos, mas em
virtude de que não tem uma quantidade suficiente de produtos, né? A ser
oferecidos, pois precisa de uma certa... é.... ter sempre esse produto, né? Você não
pode chegar hoje tem o produto, e amanvocê chega e a prateleira está vazia,
tem que ter uma constância, né? Então, tem essa dificuldade de... mais pessoas
adotassem isso, talvez falta até um pouco de divulgação por parte do governo, de
consumir mais produtos orgânicos e tal (...). fica uma corrente, que o produtor
depende do consumidor que não tem essa consciência, porque não divulgação,
agora se começar a divulgar muito e depois não tem os produtos... O produtor fica
dependendo do consumidor e o consumidor fica dependendo do produtor (risos),
então fica essa corrente aí, que acaba travando um pouco mais (Everaldo).
A última dificuldade citada pelos extensionistas entrevistados pode ser vista como inerente ao
processo de transição. Observando a citação de Eduardo, percebe-se, implicitamente,
referência à dificuldade de se institucionalizar um novo padrão de atuação, hábitos e valores,
alterando, assim, a representação social já existente, assunto este que terá o devido destaque
no Capítulo seguinte sobre o processo de institucionalizão das representações sociais dos
atores entrevistados. Observa-se a coerção da EMATER, que faz com que os extensionistas
não tenham o tempo necessário para conseguir trabalhar com a agroecologia de uma forma
mais efetiva:
Eu achava que era fácil, mas é mais difícil, porque você vai mexer com a cabeça do
produtor, não só com a técnica, uma coisa é vo dar o remédio, a outra é ele usar o
remédio, então isso aí depende do produtor, depende da formação deles também, as
pessoas têm que aceitar esse tipo de coisa, o técnico tem que estar disponível para
estar sempre lendo e vendo, para que possa orientar o produtor. No começo, pensei
que era cil, mas hoje vejo que é mais difícil, pelo tempo que eu o tenho, eu
devia me dedicar mais, mas tenho outros projetos que a empresa me obriga a
trabalhar, mas eu, assim, se depender de mim, eu trabalharia só nessa área de
agroecologia, da minha parte (Eduardo).
O extensionista reconhece que o agricultor passará por dificuldades durante o peodo de
transição e, possivelmente, mesmo após ter estabilizado a produção, devido às pragas e
128
doenças que o aparecendo e que apenas o controladas com muito esforço. A necessidade
de o-de-obra também cresce, pois, como também foi mencionado na representação social
dos pesquisadores, não soluções mágicas no sistema agroecológico, não há atalhos; é
necessário muito trabalho para superar os desafios. E, após tudo isso, ainda complicações
em conseguir reconhecimento do consumidor, que, muitas vezes, não valoriza o produto
orgânico.
Desta forma, é perceptível no discurso dos extensionistas, que eles compreendem a
agroecologia como um Método de difícil transição e complexa aplicação, sendo apenas
possível ser realizado com os agricultores que estão dispostos a internalizar os valores,
crenças e padrões de atuação do sistema agroecológico.
5.2.8 Agrotóxicos e agroquímicos como os principais vilões
A adoção do sistema agroecológico está intimamente ligada com a preocupação dos atores
com as consequências de seus atos para o meio ambiente e para a sua qualidade de vida ou da
população em geral. Os agrotóxicos e os agroquímicos aparecem novamente como o “vilão”
da hisria, produtos estes que, de acordo com os extensionistas, trazem benefícios
unicamente para a instria que os produz. As citações do tópico 5.2.4 - Adquirindo saúde
para uma vida melhor - também reforçam as imagens presentes neste tópico. Entretanto, não
foram usadas novamente aqui para evitar repetições desnecessárias. Eduardo expõe:
E outra coisa é em relação à cadeia alimentar, com uso indiscriminado, excessivo,
descontrolado e até desconhecido por pessoas, e que aí ficam contaminando o
ambiente e contaminando os alimentos, isso daí traz uma rie de problemas pra
nossa qualidade de vida, pra nossa vida, mutações genéticas que ocorrem, a
ganância nas indústrias de produzir [e] vender, e colocar um produto diferenciado
que beneficie a elas mesmas (Eduardo).
A fala, a seguir, do extensionista Emerson, representa o receio que o ator com os valores,
crenças e padrões de atuação internalizados tem de consumir um produto convencional.
Quando questionado sobre a preferência de consumir produtos agroecológicos, faz uma
analogia do sistema agroecológico com Deus, e o convencional como o diabo, ficando
explícito que o ator considera o sistema convencional como algo “ruim”:
129
Sempre que posvel, acontecem tantos fatos, de vez em quando você vai em
algumas propriedades, porque eu acendo uma vela pra Deus e outra pro diabo, ?
Dando assistência pros dois lados, né? De repente, você vai em algumas
propriedades onde o cara, ele ainda no convencional... ainda não...onde ele
produz convencional, ele te oferece algum produto e tudo, e fica difícil de você
aceitar, ou na feira te oferecem alguma coisa e você sabe que ele é convencional... é
difícil, então a gente realmente dá preferência pro orgânico, não que o convencional
seja alguma coisa de monstruoso, se os camaradas respeitarem toda a legislação, os
cuidados tudo, é um produto seguro também, mas preferência, claro que a gente
preferência pro orgânico, sem dúvida (Emerson).
Livrar-se dos produtos químicos é mencionado por Elaine como um dos motivos para a
grande melhoria na qualidade de vida do agricultor: “(...) ele que é de dentro da
propriedade dele que saiu aquele estoque, né?”. Após o agricultor perceber as melhorias, o
não uso de produtos químicos passa de uma exigência legal, para um desejo do próprio
agricultor.
Eduardo confirma a citação de Elaine e acrescenta que o agrotóxico o é necessário para
produzir e reforça seu argumento mencionando que há mais de dez anos não passa uma
receita agronômica que envolva veneno. Para Eduardo, o sistema convencional é uma
alternativa cômoda que não requer tanta mão-de-obra e, devido à grande divulgação na mídia,
ilude o agricultor e torna o seu uso o método comum de plantio:
(...) mas hoje, a gente vê, pelo que temos estudado, que nós quase não
necessitaríamos de agrotóxico, o agrotóxico ele veio pela mídia muito forte, quando
surgiu o adubo químico surgiu para tirar a mão-de-obra do agricultor, é mais fácil
você pegar um saco de adubo, por nas costas e adubar, do que você ir lá recolher o
esterco, fazer uma compostagem, etc., etc., e talvez iludir o agricultor, pois os
agricultores que têm o conhecimento de que aquilo é errado mudaram, mas têm
outros, por exemplo, que vão mexer com grandes culturas, eles colocam pra nós
que é difícil fazer esse tipo de coisa, quem vai plantar 100, 200, 300, 500, 1000
alqueires, como é que nós vamos fazer? Mas dá pra fazer, não precisa jogar esterco,
pode plantar uma planta adubo, uma leguminosa, etc., etc., mas isso carece que o
agricultor tenha um tempo pra fazer, e aquele tempo ele quer ganhar dinheiro, não
quer investir no solo, e essa formação minha foi direcionada pra isso. Hoje, por
exemplo, faz mais de dez anos que não dou uma receita agronômica de agrotóxico,
eu não dou, eu dou assim, eu mexo mais com pequeno agricultor, porque o grande
agricultor esmais inserido dentro das cooperativas (Eduardo).
Elaine expõe que, mesmo muitos dos agricultores convencionais possuem consciência de que
os agrotóxicos e agroquímicos são os “vilõesda saúde do agricultor e do meio ambiente.
Entretanto, por não conseguirem a mão-de-obra necessária para a sua não utilização, optam
por tratar de forma agroecológica os alimentos que servirão apenas a ele e a sua família.
Embora, a uma primeira vista, para ser uma atitude egoísta, estes agricultores estarão mais
propensos a utilizar métodos alternativos e produtos químicos mais leves” quando a
130
oportunidade surgir. Pode-se dizer que eles estão iniciando o processo de institucionalização
da agroecologia, como será visto com maior profundidade mais adiante no presente trabalho.
A conscientização do produtor, porque tem muito produtor que o, ele pensa,
“vou plantar aquele cantinho ali pra mim e pra minha família, porque faço de
forma saudável e natural, e o restante é pra vender mesmo, então não preciso me
preocupar com isso” (sorriso), tem muita gente que a gente ouve falar nisso, ?
Então, eu acho que esse é um dos problemas que, por não ser controlável em grande
área, né? Vai acabar acarretando nisso, ? A pessoa que tem mais terra vai pensar
assim, né? Vai fazer aquela área pra família dela e o restante para vender (Elaine).
Para Eduardo, conscientizar o agricultor e mostrar a ele que existe método alternativo de
produção é o que mais lhe chama a atenção na agroecologia. Muitas vezes, o uso de veneno e
adubo es tão enraizado em seu modo de viver, que ele não consegue compreender a
existência de um método alternativo de plantio, embora ele tenha a consciência de que o é
saudável, a falta de alternativas faz ele não se importar em consumir o produto contaminado.
O extensionista Eduardo destaca que não será na primeira tentativa que o agricultor perceberá
os problemas do sistema convencional; é necessário um trabalho connuo para isso:
Chama atenção é você mudar, você mudar o agricultor, pois o agricultor vem
daquele sistema moderno de adubo e de veneno, então quando nós vamos reunir e
falar com eles, nós temos que, primeiramente, transformar o agricultor, pra depois
transformar a lavoura dele, digo assim: “primeiro o senhor tem que ser orgânico,
pra depois você entrar no orgânico”. Porque ele tem que mudar a mentalidade, e
essa é uma coisa que me chama a atenção, pois tem pequenos agricultores que não
conseguem, ele ainda com aquela mentalidade enraizada de veneno e adubo,
veneno e adubo, talvez pela facilidade que falei do adubo e veneno, porque tem
uma praga e tem que matar aquela praga, e hoje na questão do orgânico, é você
o exterminar aquela praga, é uma coisa um pouco diferenciada, é você procurar
aumentar o índice de microorganismos no solo, transformar a questão ambiental da
propriedade, vendo ela como um todo, desde a hora da água, no riacho, da mina,
ver a questão da reciclagem de dejetos de animais pra você ter uma ocupação
desses dejetos e uma melhoria na sua saúde, quando você recolhe e amontoa, você
fermenta, está eliminando pragas e doenças. O que chama a atenção não é o
consumo, porque eles sabem que é mais sadio, mas mudar essa mentalidade, pra
que ele veja isso daí de modo diferente, né? E isso é uma coisa que vejo com mais
dificuldade para o produtor, o grande nem se fala, e o pequeno por questão às vezes
de tempo, não tem tempo pra isso e nem para aquilo, não tem tempo de amontoar e
nem de ver, o enxerga a coisa muito mais pra frente, por exemplo, passou o
veneno e comeu é a mesma coisa que não... e não o que tá embutido naquilo, e
me chamou a atenção isso aí, precisa de um trabalho constante, contínuo com ele,
até ele ver que aquilo é o melhor, isso me chamou a atenção (Eduardo).
É perceptível no discurso dos extensionistas entrevistados, que o sistema convencional possui
diversas falhas que acarretam na degradação da saúde e do meio ambiente. Entretanto,
nenhuma destas falhas se compara aos aspectos negativos da utilização de agroquímicos e
agrotóxicos. De longe, notam-se os Agrotóxicos e agroquímicos como os principais
vilões” do sistema convencional de produção, devido aos diversos fatores já amplamente
debatidos.
131
5.3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AGROECOLOGIA PARA PRODUTORES
RURAIS DA AGRICULTURA FAMILIAR
Neste tópico, foram encontradas as seguintes representações sociais: Nicho de mercado mais
lucrativo; Saúde para todos os envolvidos; Método que não agride o meio ambiente;
Recomeçando a caminhar sem depender de venenos; Se preparar para os desafios; Qualidade
de vida; Uma ilha solitária; Atividade trabalhosa; Fornecer alimentos de melhor qualidade. É
a partir destas representações que é possível compreender a representação social da
agroecologia para os agricultores familiares entrevistados.
5.3.1 Nicho de mercado mais lucrativo
Primeiramente, é importante destacar que foram entrevistados agricultores com dois tipos de
produção rural. André, Anderson, Ana e Andressa têm como principais produtos as hortaliças;
já Arnaldo, Aparecida, Antônia, Amara e Arlete produzem, principalmente, acerola. Devido
ao fato das cooperativas de produtores de acerola serem bem organizados, e eles possuírem
clientes fixos, os agricultores percebem a agroecologia como um nicho de mercado muito
mais lucrativo do que o convencional, enquanto os produtores que o ênfase às verduras
percebem a agroecologia como um nicho de mercado ligeiramente melhor para eles e que está
em crescimento.
Como observado no discurso de André, ainda é difícil conseguir espaço entre os
consumidores: “(...) o difícil é estar tentando convencer as pessoas a comprarem e
demonstrarem interesse por aquele produto, por enquanto a gente ainda está correndo atrás do
consumidor”. Entretanto, ele também percebe que melhoras no nível de procura nas feiras
e nos mercados, embora ainda longe do ideal:
A gente tá indo nas feiras, assim, dia a dia a gente que melhorando, o
pessoal está se interessando mais pelo produto e no mercado também, a gente já tá
deixando um pouco no mercado, já sendo assim bem aceito, já. Não sei se é
porque são poucos produtores aqui, mas sendo bem aceito. A gente com um
precinho assim um pouquinho mais, né? Em alguns produtos, né? Aquilo que
produz fácil, a gente tá com um preço igual ao do convencional, agora aquilo que a
gente tem muita perda, é muito difícil, procura subir uns 30% a mais do que o
132
convencional. Pra vender mais pido depende do dia, se os fregueses que estão
interessados vão, aí vai mais rápido (André).
Entretanto, como Anderson destaca, mesmo se o preço for semelhante ao do convencional, o
retorno do agricultor ainda é melhor, pois queda no custo de produção e na quantidade de
problemas que o agricultor enfrenta: O que chamou a atenção é que... a gente economizou
mais, né? E os insetos mesmo, diminuiu bastante, isso chama a atenção da gente, né?”.
Andressa refoa: “Tem bastante vantagem, eu acho. Tipo, ela mais trabalho, mas você
economiza mais, que você não gasta com adubo, não gasta com veneno, então, o
rendimento é mais nesse caso. O custo sai bem menor” .Obviamente, há o desejo da melhora
do preço para, assim, conseguir melhorar a sua qualidade de vida:
Bom... por enquanto a gente está vendendo o mesmo preço dos outros, ? Do
convencional. Não aumentou nadao, que vendendo , que com preço
igual, e tem que ser melhor o preço. Tem mais mão-de-obra... produz menos... né?
Acho que o preço tinha que ser diferenciado, mas por enquanto... não... No
mercado que entreguei o morango, o preço foi diferenciado, mas na feira mesmo, o
preço é igual (Anderson).
Um dos motivos para isto, como também mencionado pelos extensionistas, é a falta de
divulgação dos benefícios dos produtos orgânicos. Entretanto, mesmo os agricultores têm
receio de divulgar, pois, como são em pequena quantidade, podem não conseguir suprir a
demanda, caso haja aumento súbito de interesse. A imagem de que a união faz a força
também é perceptível entre os agricultores:
Eu acho assim, que é pouco reconhecido ainda. Vende a mesma coisa que o
convencional e o preço é a mesma coisa. Tem gente que confunde orgânico com
hidropônico, e não sabe o que é orgânico. Tem gente que pergunta: “O que é
orgânico?” Tem muita gente que não sabe o que que é orgânico (...). Acho que mais
divulgação. Pro povo ter conhecimento de como que funciona o orgânico, como
que é e como que não é (Andressa).
Acho que ainda está devagar... A gente também tem um pouco de medo de estar
divulgando muito, pois são só quatro produtores certificados. A gente faz o preço, o
próprio mercado pergunta por quanto pode fazer, a gente vê mais ou menos pelo
convencional, um pouco mais do que o convencional. A aceitação no mercado é
boa (Ana).
Como mencionado anteriormente, a visão da agroecologia como um nicho de mercado
lucrativo é mais bem percebida entre os produtores de acerola orgânica. Arnaldo explica, de
forma sucinta:
Então, é... assim, a gente tem uma parceria com a associação de Cruzeiro, né? A
gente entrega o produto na associão, tendo a certificação e a parceria com eles, o
produto da gente vai tudo com a produção deles de Cruzeiro, e a certificação a
133
gente consegue com a EMATER. O valor agregado de, vou botar 100% com o
convencional, aquilo que voconsegue colher você vende (Arnaldo).
A satisfação com os ganhos da produção de acerola orgânica chega a ser radiante. Sorrisos,
risadas e expressões faciais alegres são destaques no rosto dos agricultores quando a pergunta
sobre a aceitação do mercado é feita. “A vantagem é que o preço do produto é melhor do que
o do convencional, né? (risos). 100% melhor, é indiscutível, acho que quem tá numa lavoura
orgânica nunca mais quer voltar, por questão de preço” (Arnaldo).
Faz-se necessário mencionar que os agricultores de acerola orgânica entrevistados situam-se
na Vila Rural de Santa Eliza, no distrito de Umuarama. Suas propriedades foram cedidas pela
Prefeitura Municipal de Umuarama, sendo que os moradores foram selecionados entre os
mais necessitados do município.
As citações a seguir foram obtidas realizando a pergunta sobre o que mais chamou a atenção
do agricultor na produção orgânica, ou sobre quais as principais vantagens da produção
orgânica. As respostas foram em um único sentido, e comparações com o convencional são
feitas para demonstrar o quanto a acerola orgânica é superior neste quesito para os
entrevistados:
Aparecida expõe:
Acho que é o comércio mesmo, né? Que às vezes tem gente que larga de comprar
no mercado pra vir ats, porque não tem gosto de veneno e o tem isso, né? É o
que chama a atenção da gente, né? Ter mais cuidado com as coisas. ... É bom...
conseguindo vender, né? O preço é mais caro um pouquinho, o que produz vende
(Aparecida).
Antônia menciona:
O que chama a atenção é que desde que você prove que é orgânico, e graças a Deus
nós provamos que é orgânico, a venda é fácil. Você vende fácil, tem um lugar certo
para entregar. O produto é bem mais fácil para vender (...). A vantagem é que você
tem o lugar certo pra vender, pelo menos por enquanto, mas tem ainda, graças a
Deus, o convencional não é fácil não, te muito trabalho e se pegar ainda é
lanchonete, restaurante, mas é muito pouco, e não vale a pena. Então o melhor é o
orgânico em todos os sentidos (Antônia).
Amara compara:
O valor, o valor do preço. Você olhar, existe uma grande diferença do orgânico
para o convencional, né? O preço é um e o do convencional é outro,? O preço do
orgânico é bem mais alto que o convencional, né? Que é mais baixo, e nem tem
tanta saída como o outro, o orgânico interessa mais, e pra gente também é mais
lucro, né? Uma coisa que você sabe que está fazendo aquilo pra tudo de bem pra
você e pros outros, né? (Amara).
134
Algo consensual entre os agricultores entrevistados é: a agroecologia proporciona melhorias
na renda, sendo mais suave para os que produzem, principalmente, hortaliças e mais visível
para os que produzem, principalmente, a acerola orgânica. O movimento de aproximação do
objeto da representação se dá por meio da carência financeira com a qual os agricultores se
encontravam antes do início da conversão, e a objetivação (materialização), através das
imagens “redução de custos” e “aceitação do mercado”. A figura formada é a de Nicho de
mercado mais lucrativo”, ou seja, aquele que propicia melhor retorno financeiro de suas
atividades.
5.3.2 Saúde para todos os envolvidos
Para os agricultores que produzem, principalmente, hortaliças, os benefícios à saúde são
vistos como as principais vantagens do sistema agroecológico, como é citado por André:
“Vantagem maior é a saúde mesmo, saúde das pessoas e do meio ambiente também”.
Anderson explica os motivos: “É que é natural, né? Não tem químico nenhum, né? É
saudável, né? Bem mais saudável. Essa é a diferença”. Anderson também menciona o menor
cuidado necessário na hora de colher o alimento, no sistema agroecológico, e que o risco de
colher alimento contaminado é zero:
Sim. Vixi! É a melhor coisa. Antes era perguntado o que podia colher e o que não
podia, e hoje ninguém pergunta mais nada (risos). Chega e já colhe. Antes
perguntava: “aqui passou?” “Não”, “Aqui passou, então não cata”. Agora ninguém
pergunta mais nada, vai direto e cata. (...) A diferea é que é mais fácil, né?
Convencional tem que passar o produto, sendo que você o pode pular aquele dia.
Nesse não, se vo tem que sair, pode sair sossegado, não tem problema nenhum,
pois não precisa passar. Tem benefícios pra saúde de todos também (Anderson).
A comparação com o sistema convencional é frequente nos discursos. A possibilidade de
realizar o seu trabalho sem pôr a saúde em risco é um dos motivos que levam os agricultores a
realizarem a transição para o sistema agroecológico. Ana diz:
Por ser uma coisa diferente, né? E, pois eu acho também a saúde, o produto
orgânico é saudável e o convencional não, é veneno, é adubo que prejudica a saúde.
Acho que o orgânico... ele é saudável tanto pro produtor como pra quem consome,
? A gente não usa veneno, pois o veneno faz mal pra quem passa e quem vai
consumir. Nem sei pra quem que faz mais mal, se é pra quem passa ou se é pra
quem consome (risos). (...) Tanto pra minha, que uma vez uma pessoa me falou que
eu talvez estaria contaminada já, nunca fiz exame pra ver (Ana).
135
Andressa fala que alguns agricultores o conscientizados sobre os problemas do uso de
veneno não respeitam o período de carência dos produtos e os oferecem ao consumidor
mesmo havendo risco de intoxicação. A redução do período de carência é outro dos pontos
positivos para a produção orgânica:
Na produção orgânica é o veneno [ausência do veneno]. Porque eu vi e vejo, tem
veneno que é vinte e um dias de carência, conforme... com o que é plantado, né?
Algum legumes ou hortaliças que você planta, você passa veneno é quarenta e
cinco... vinte e um dias, e nesses vinte e um dias tem gente que não espera, esses
vinte e um dias, começou a me chamar a atenção, naquilo dali. E como seja, é
que nem um veneno, por exemplo, vai fazer um remédio em casa, que seja, é sete
dias que votem que esperar, um remédio feito em casa, caseiro, é sete dias. E o
convencional? O cara passa hoje, amanhã na hora dele ir pra feira, ele pega e
leva. O que me chamou a atenção foi isso. Eu achava que não era justo, vo
vender uma coisa que você passou veneno e que tinha que esperar vinte e um dias e
com dez dias o cara tava cortando e vendendo (Andressa).
Analisando os produtores de acerola orgânica, Arnaldo e Amara citam a melhora da saúde
como uma das vantagens “Eu acho que a questão da saúde mesmo em si, né? É uma coisa que
você o está em contato com tanto veneno, sabe? Inclusive, eu tive problema de saúde com
veneno, o que me incentivou a entrar na cultura de orgânico, né? (Arnaldo).
Amara expressa ainda com maior satisfação os benefícios que a produção orgânica exerce
sobre a saúde do produtor e consumidor:
Melhor, nossa, 100% melhor, é uma coisa que você come, que votoma aquele
suco, sabendo que voestá fazendo uma coisa pro seu bem, né? Uma que você
sabe que não faz mal, não é tóxica, pois não leva nenhum tipo de veneno, nem perto
de você pra ninguém ter nada de veneno, é um alimento que você come, uma
verdura que você come, uma fruta que você come e você sabe que orgânico é uma
coisa sadia, né? Eu me sinto muito bem com isso. Dou também pros meus netos
que moram comigo e meu esposo, é uma coisa que você pode ir e pegar e sabe
que faz bem, então eu me sinto bem com isso, com o orgânico, né? No orgânico
tem que ter muito tipo de cuidado, porque aqui veneno a gente não pode passar,
mas tem outras coisas que a gente pode passar, e é uma coisa que eu posso comer e
dar pra qualquer um, sabendo que não faz mal, você toma e come e é 100%, tudo
que você come e toma é sadio, né? (Amara).
Os problemas que a Revolução Verde trouxe para os produtores rurais já foram citados em
diversos estudos (MONTOYA; GUILHOTO, 2001; SANTOS, 2001; ANDRADE;
MESQUITA, 2003). Os discursos expostos corroboram estudos anteriores, dando acesso
direto a citações dos próprios agricultores que sofreram os danos causados por produtos
químicos e tóxicos. A experiência destes agricultores os fez buscar formas alternativas de
plantio que possibilitassem sde não apenas para eles, mas sim Saúde para todos os
envolvidos”, pois é consenso que, produzindo de forma orgânica, a melhora da saúde é uma
realidade para o agricultor, consumidor e para o meio ambiente.
136
5.3.3 Método que não agride o meio ambiente
Como mencionado no pico sobre as representações sociais dos extensionistas, uma das
primeiras lições passadas aos agricultores é sobre a importância de respeitar a natureza. Estes
ensinamentos também influenciam as representações sociais dos agricultores entrevistados,
como é percebido na fala de André: “Acho que, em primeiro lugar, a respeitar a natureza,
respeitar aquilo que Deus deixou, mais ou menos da maneira que Ele deixou, né?”.
Ana também destaca a preservação ambiental como uma das vantagens da produção
agroecológica: “Ela preserva tanto a natureza, o rio, é saudável pro meio ambiente também.
Eu não vejo desvantagens. Não tem desvantagem, o orgânico só ajuda.”
Faz-se necessário destacar que, entre os três atores entrevistados (pesquisadores,
extensionistas e agricultores), o agricultor é o único que não faz distinção entre os termos
orgânicos e agroecológicos, considerando-os como sinônimos.
A comparação com o sistema convencional é frequente nos discursos analisados. É possível
observar que a diferença entre os dois sistemas não está apenas na técnica, mas também na
perspectiva do agricultor ao perceber o ambiente no qual vive. André cita o exemplo do mato,
considerado no sistema convencional como inimigo dos agricultores:
A agente mexia muito com a terra. Hoje, a gente não mexe com a terra, procura
preservar o máximo ela, faz só a roçada, né? O mato, aproveita o mato... antes o,
antes a gente matava o mato com produto químico. A gente não sabia, não sabia
que o mato era um amigo natural, a gente tem o mato como um amigo natural, e
antes era um inimigo (André).
O sistema convencional é visto como um agressor do meio ambiente, e o sistema orgânico é o
método correto que veio para evitar os problemas originados por meio do sistema
convencional. A imagem da saúde está fortemente ligada com a imagem do meio ambiente,
como é percebido na fala de Ana:
Vo, produzindo orgânico, você está contribuindo com o meio ambiente, eu acho
que quando você usa o convencional você esagredindo o meio ambiente. Usar
veneno não é saudável. O orgânico é uma maneira correta, acho que a gente deveria
voltar, né? Antigamente não tinha veneno e não tinha adubo, né? E todo mundo
produzia (risos) (Ana).
Na citação de Antônia é possível perceber a conexão da imagem de saúde com a de meio
ambiente. A ausência dos produtos tóxicos e químicos são outros fatores que estão
137
diretamente ligados com a imagem da saúde e do meio ambiente preservado. É observado
também que a maior preocupão dos agricultores não é necessariamente salvar o meio
ambiente; e sim não destr-lo durante o processo de produção de alimentos, criando um
ambiente sustentável:
A principal diferença é a natureza, desde o momento [em] que você não está
agredindo e fazendo tudo certinho, tá sendo bem e ainda vai ajudar muito na
saúde de muita gente, né? Porque você não esta ponhando nada xico em canto
algum, e nem na natureza, né? É meu modo de pensar. (...) Pra mim, aí... é... um
modo de ajudar... Eu não tô contribuindo com quase nada para estragar a natureza,
pra prejudicar, o que eu podendo fazer com a produção orgânica é o máximo que
nós podemos fazer no natural (Antônia).
Quando questionada sobre a diferença que ela faz produzindo de forma orgânica, Arlete
menciona que os principais beneficiados são os seres humanos e a natureza, e que os excessos
que a humanidade faz são devido à ausência de amor pelas coisas que Deus criou:
Eu acho que sim, principalmente pelo ser humano e pelo meio ambiente, que hoje a
gente sofrendo muito com a questão do meio ambiente, né? Muitas coisas
acontecem pelo problema que ainda existe, né? Pelo veneno, da gente, do ser
humano, que ainda não tem amor nas coisas de Deus (Arlete).
Desta forma, é possível observar que a ausência dos produtos químicos e tóxicos é percebida
como benéfica tanto para o homem como para a natureza. A mudança na perspectiva do
agricultor, fazendo-o ver como amigos, certos elementos da natureza que antes eram
considerados inimigos, é de fundamental importância para começarem a respeitar o meio
ambiente. Sendo assim, com a união das figuras já mencionadas, é notável a representação
social da agroecologia como “Método que não agride o meio-ambiente”.
5.3.4 Recomeçando a caminhar sem depender de venenos
Quando questionados sobre o que foi necessário aprender e o que mudou em sua forma de
trabalhar e em sua propriedade, as respostas foram em uma direção: Tudo! Tudo, tudo, tudo
de novo. Começar a caminhar, tudo de novo, não tem nada a ver com o convencional. Tudo
de novo” (Andressa).
Ana ressalta que o mais difícil é o início do processo, concordando com o que os
extensionistas mencionaram: “No início é difícil.... porque é difícil... quando você muda é
138
beeeeeemmm complicado. Você começa, e quando acha que está bom, vem uma infestação e
acaba com tudo. É bem difícil... (Ana).
Segundo Arnaldo, a mudança veio para melhor, embora de início seja trabalhosa,
recompensas: “Tudo, né? É totalmente diferente o orgânico, você não tem contato com outras
coisas que é químico, né? Aí praticamente muda tudo, né? Você tem uma vida mais tranquila
e mais saudável”.
Entre as mudanças mais citadas está a não utilização de veneno, produtos químicos e
agrotóxicos: “No convencional, a gente usava agrotóxico e adubo químico, né? E hoje não usa
nada disso. Nem o adubo químico e nem o inseticida” (Anderson). Desta forma, vai criando-
se uma independência do agricultor em relação a estes produtos.
A não utilização de produtos externos à propriedade, quando há a necessidade de usar
produtos de controle, mencionados pelos agricultores como veneno caseiro, também está entre
as principais mudanças percebidas. O agricultor cria o seu próprio produto, ou pede ajuda ao
agrônomo:
não passa veneno e nem adubo químico, não se usa mais adubo químico. O
adubo a gente faz aqui mesmo, a gente prepara aqui mesmo, as caldas, tudo é
preparado aqui na propriedade. A gente não compra as coisas de fora (...). São mais
os venenos, no convencional tem que tacar muito veneno, principalmente quando é
tomate. É doença, taca veneno, qualquer coisa que vem, era veneno. Agora é
diferente, uma vez por semana, a cada quinze dias, dependendo do período, quando
é quente passa mais com frequência, mas quando é inverno quase nem passa e os
produtos que a gente usa é tudo natural (Ana).
O veneno que a gente usa é caseiro, se der uma praga muito grande, ou você deixa
perder aquilo, ou você chama o agrônomo pra te orientar o que você pode passar, aí
ele te dá um laudo sobre o que pode passar, conforme o remédio que você faz e
alguém chegar e fazer uma análise, como se fosse veneno, mas mais fraco, mas
(Andressa).
O aumento da mão-de-obra é algo inevitável quando é feita a transição do convencional para
o orgânico, como já visto anteriormente, são necessárias novas tarefas diárias, além de um
cuidado muito maior: “Teve que mudar, porque a gente usa mais agora o-de-obra, né? A
mão-de-obra aumentou bem mais, e aumenta mesmo... Aumentou mais... Não pode usar trator
e esses negócios, né? A mão-de-obra aumentou mais” (Anderson).
O aumento da o-de-obra é atribuído, principalmente, à não utilização de produtos
químicos, reforçando o que foi mencionado pelos extensionistas: “No convencional, você
trabalha com muito produto químico, né? Na área de produto orgânico, com esterco e
139
composto, parou com essa parte do convencional, né? Na verdade, é mais braçal do que o
convencional” (Arnaldo).
Também é necessário adaptar a propriedade a pequenos detalhes que aparentam não ter
importância direta e podem fazer o agricultor perder a sua certificação:
Praticamente tudo também. Desde um esgoto de água, você não pode deixar correr
no terreiro. Você vai... quando era convencional, eu tinha a água de pia, tinha um
esgoto e descia, não era canalizado, corria no solo, e nem isso pode, então tudo que
aprender e que isso não podia também (Andressa).
Para Ana, a principal mudança física está na criação de barreiras que protegem a propriedade
dos vizinhos convencionais, além da mudança da mentalidade: “Tive que fazer a barreira... a
gente muda bastante, é uma conversão mesmo, bastante mudanças, tem que mudar a
mentalidade e a propriedade, um monte de coisas” (Ana).
A mudança da maneira de pensar também é citada por Antônia: “... Eu acho que a maneira de
pensar, né? Porque antigamente a gente pensava, a gente aprendeu com os pais da gente que
se não fosse na base do veneno nada ia pra frente, né? E não é bem assim, se você tiver um
pouco mais de trabalho e carinho não precisa dessas coisas”. No discurso de Antônia, é
perceptível que a utilização de venenos está institucionalizada entre os agricultores desde
gerações passadas, com o início da Revolução Verde; trabalho e carinho são citados como
uma alternativa ao envenenamento do meio ambiente.
Amara e Ana citam exemplos pticos de sua rotina, do resultado da adaptação da forma de
pensar:
É porque, assim, muitas vezes acontecia... no início era assim, eu começava a não
usar veneno, mas não estava ainda no processo de conversão, eu tinha vontade, mas
nunca fiz assim de estar certificando, na época era muito caro também. E toda vez
que vinha uma infestação, a gente jogava veneno para combater o problema,
quando você muda de mentalidade, você perde, mas você o usa veneno, porque
se você usar veneno volta à estaca zero. Você perde o produto, mas não volta ao
veneno (Ana).
Muitas coisas, né? Por exemplo, se tem uma praga na sua roça, vo queria passar
um veneno pra acabar com aquilo, né? Hoje não, vo não deixa aquela praga
crescer, ela tá nascendo, você poda ela e o deixa ela crescer, pra você cuidar
dela, e não precisa usar nada de veneno. Vantajoso, né? (Amara).
Como observado nos discursos dos agricultores, a mudança percebida por eles ao passarem
para o sistema agroecológico é completa; é necessário reaprender a forma de trabalhar e
quebrar paradigmas. Em termos da prática, todas as mudaas são devido à abstenção dos
140
venenos industriais. Sendo assim, é consenso que, quando o agricultor faz a transição para o
sistema agroecológico, ele está “Recomeçando a caminhar sem depender de venenos.
5.3.5 Preparar-se para desafios
Primeiramente, antes mesmo de começar o processo de transição, é necessária uma rie de
cursos preparatórios com o intuito de capacitar o agricultor para os desafios que ele
enfrentará. Os cursos são percebidos pelos próprios agricultores como absolutamente
necessários, principalmente para a mudança de paradigmas. A enorme desistência devido às
grandes dificuldades encontradas é outro ponto a se destacar. André, Amara e Arlete
explicam:
Nos cursos, eles ensinam o básico bom mesmo, né? Tem as apostilas que m
receitas, que a gente faz aqui, com produtos daqui mesmo, né? ...É isso, né? E a
gente trabalhando também no dia a dia e observando tudo, e vai conhecendo como
que é natureza e vai aprendendo a lidar com a coisa, no dia a dia que vai
aprendendo assim mais, né? Esse curso, é... foi um convênio EMATER, SEBRAE,
SENAI
3
, né? Foi eles que deram esse curso. Que pra começo, tem sempre que ter
um curso, tem mais ou menos assim, o básico assim, de como fazer, porque tem
que primeiro converter a cabeça. Voconvertendo a cabeça, fica tudo mais
fácil... Se não tiver a cabeça feita, você não consegue, você vai, quando vê...
qualquer probleminha você abandona, é o que aconteceu com um monte, né? Não
me lembro ao certo se eram vinte e seis que fizeram os cursos, e hoje estamos em
quatro... Então não é fácil (André).
rias coisas, nossa! Veio vários senhores aqui pra dar estudo pra gente, veio o seu
Joaquim de longe, foi um senhor que veio de Assis, época nossa, tivemos três
dias de curso aqui. Veio mais um de Umuarama, o Paulo, outro de Maringá, outro
de Londrina, veio rios dar curso aqui, aprendemos muita coisa, algumas coisas a
gente nem lembra mais, porque tudo tem na revista, a gente aprendendo aquilo,
dando a instrução, lendo e vendo o que fazendo, né? Então é uma coisa
que a gente aprendeu, várias coisas, muitas coisas, e tudo que a gente fazendo,
sabe o que vai fazer, né? Desse tempo pra cá, a gente nunca mais pegou nada tóxico
pra por na chácara no lugar que você mora, nunca mais usou nada, vosabe que
tudo que tem que fazer, é orgânico. Orgânico você tem que fazer em casa, você vai
na sua revista e olha o que pode fazer, tá explicando o que pode fazer nas suas
plantas, muita coisa a gente aprendeu, foi muito bem aproveitado o curso que a
gente fez (Amara).
A gente teve meses de curso, né? Que a prefeitura ajudou, né? E aí a gente passou a
conhecer vários todos, né? O que falta um pouco de dinheiro pra gente fazer
caldas, ? Tipo, tem várias caldas pra poder fortalecer o produto orgânico que a
gente aprendeu, só que às vezes, é, o produtor aqui é meio fraco em questão de ter,
e como ter a produção melhor, fazer a calda e trabalhar mais com o orgânico, o que
falta mesmo é isso, ? (Arlete).
3
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
141
Anderson demonstra dedicação e a importância que atribuiu ao curso, ao mencionar que não
faltou um único dia durante todo o curso de dezoito meses. O curso deu confiança a ele para
decidir se converter para o sistema agroecológico e parar de utilizar os produtos químicos e
tóxicos:
Foi um ano e meio de curso e eu não falhei nem um dia. Era uma vez a cada quinze
dias, ? Ia toda vez. Nunca falhei um dia, aí continuei. Na hora que acabou o
curso, o rapaz falou que ou seria orgânico ou não, né? E que se a gente tivesse
inseticida e esses negócios, tinha que tirar tudo da chácara. Aí eu tirei e parei, e até
hoje... (Anderson).
Devido à grande diferença entre os sistemas, muitos não acreditam na agroecologia
facilmente. Entretanto, Ana menciona que o curso deu a ela subdios necessários para algo
que ela vinha tentando há algum tempo, mas sem sucesso, que era parar de utilizar veneno. É
testando empiricamente o conhecimento adquirido, e buscando a aprendizagem contínua, que
os agricultores orgânicos conseguem enfrentar os problemas da produção orgânica:
De início, eu não botava muita fé não (risos), a gente tinha um pé atrás. Mas a gente
veio tentando e tentando, tanto que de início tentei sem certificado, mas todas as
vezes que vinha praga, tacava veneno. Depois que começou a fazer o curso e teve a
preparação, que dura até mais de um ano, e aí a gente vai trabalhando, né? A gente
vai aplicando no dia a dia, e o que funciona continua aqui, e o que não funciona a
gente joga fora. E busca, a gente sempre tá buscando e fazendo a própria
experiência também (Ana).
Antônia expõe que o ponto mais importante do curso é, realmente, a quebra de paradigma, e
de conseguirem se convencer que a produção orgânica é, realmente, melhor para o agricultor
e sua família:
Tivemos que fazer alguns cursos, né? Pra não passar... não fazer nada de errado
com ela, o da EMATER, o Ednilson, ele veio e ensinou pra gente, fez um curso,
também um outro rapaz veio e deu umas palestras pra gente, foi assim o começo. O
que chamou a atenção no curso foi que, se for parar pra pensar, a pessoa que produz
produto orgânico, até mesmo pra você passar o produto pra sua própria família, é
melhor em todos os sentidos, a saúde, tudo, pois no tempo que ela produz lá em
casa, o povo produz uma acerola que Deus o livre, então é bom pra saúde da pessoa
principalmente, pra melhor (Antônia).
Segundo Arnaldo, também foi necessário buscar conhecimento: A gente passou por um
curso, né? Por formação, a gente participou de cursos e eventos, a gente teve que sair da
propriedade para buscar conhecimento”. A busca por conhecimento precisa ser contínua para
os agricultores conseguirem encontrar soluções para os seus problemas, sem apelar para
produtos maléficos à saúde e a natureza:Fiz bastante curso. Participo de cursos, a gente tem
ido a Curitiba, que tem produtos orgânicos e feira orgânica, tudo que são de orgânicos e
oferecem cursos, né? Ana Internet” (Ana). Os agricultores agroecológicos que realmente se
142
converteram demonstram adquirir gosto pela busca do conhecimento para melhor realizar
suas atividade.
Anderson cita o exemplo de um problema que ele possuía, e que conseguiu solucionar
aplicando o conhecimento adquirido durante o curso:
uns anos atrás eu quis começar, porque tinha muito problema com os
insetos... a gente mais fala disso daí porque é o que dá mais problemas... aí foi onde
eu pensei em fazer, porque nem sabia por onde começar, né? Depois teve um curso,
aí eu fiz. Mas o que mais tinha problemas era com os insetos, passava veneno todo
dia e ainda tinha problemas. Hoje a gente não passa e temos menos problemas
(Anderson).
Analisando os discursos, é possível perceber a importância da busca pelo conhecimento dada
pelos agricultores agroecológicos. Este fato fornece uma melhor compreeno da cooperação
na troca de informações mencionado pelo extensionista Everaldo no tópico anterior. O curso
fornecido pela EMATER, em parceria com outras entidades, é o estímulo inicial oferecido
para que o agricultor comece a Se preparar para desafios”, algo visto como indispensável
para a conversão. O curso inicial tem o papel de despertar a emoção e o desejo que despertará
o ator para realizar a ação e, para as ações agroecológicas terem sucesso, é necessário muito
preparo por parte dos agricultores.
5.3.6 Qualidade de vida
Com a nova visão de mundo necessária para o agricultor conseguir se adaptar ao sistema
agroecológico, também surgem novas crenças e valores pelos quais o agricultor começa a
sentir prazer com as pequenas coisas da vida. André cita que a harmonia, por exemplo, não
fica apenas no nível do meio ambiente, mas também é praticada na vida pessoal. Isso faz com
que o agricultor sinta prazer exercendo a sua profissão:
Olha... O sistema de trabalho é bem diferente, é... pra começo de tudo, a gente tem
que... estar sempre em harmonia. Sempre em harmonia com tudo, com a família,
com tudo, né? O fato de... trazer benefício, né? Tanto pra mim, minha família,
mais especialmente pra quem consome, e também o meio ambiente, né? É mais
ânimo, é prazeroso produzir orgânico, faz muito bem. Sabendo que você está
fazendo o bem para o povo, consumidor, a gente só tem que se sentir bem (André).
O carinho aplicado à produção é um dos motivos que fazem da produção orgânica mais
prazerosa que a convencional. André menciona: O que a gente mais tem em mente seria
143
mesmo a preservação do meio ambiente, né? A saúde e maneira de lidar também... é... assim...
seria... seria com muito carinho, cuidar com muito carinho, essa é a maior experiência e
acreditar”. Isso tem um impacto positivo na vida dos agricultores, como simplifica Anderson:
“A gente fica mais contente, né?”. A felicidade passa a ser uma realidade na vida do produtor.
Entre as características internalizadas pelos agricultores orgânicos, merece destaque a
tranquilidade, perceptível não apenas no discurso, mas também na forma tranquila de
responder às entrevistas e na cordialidade que apresentaram. Andressa cita que a paciência
necessária para o exercício da atividade orgânica acaba também sendo praticada na vida
pessoal dos agricultores:
Eu acho que tem mais tranqüilidade... mais calma... mais paciência... você tem que
aprender a ser paciente na horta orgânica. Eu era afobada, eu queria tudo pra hoje, e
no orgânico não, você tem que aprender a ter paciência. Você tem que aprender. No
convencional vo ia lá e passava um veneno, ou um adubo, por exemplo: não
crescia o negócio, vojogava um adubo e rapidinho saía. No orgânico não, você
tem que esperar a hora certa, então você começa a ter paciência, com tudo. Você
começa a ter paciência ali, e vai se acostumando a ter paciência (risos) (Andressa).
os produtores de acerola mencionam que o principal motivo para a melhora de suas vidas
foi os maiores lucros alcançados com a venda da acerola orgânica. “A gente trabalhou com
pepino, mas o deu muito certo, né? A gente mexia muito com veneno, né? resolvemos
passar a mexer com acerola, foi a única coisa que ajuda a gente um pouco, ? Pelo menos,
ajuda um pouquinho no salário da família, né?” (Arlete). Amara menciona, principalmente, a
melhora na renda, e também a melhora na saúde, como elementos que melhoraram em sua
vida:
(...) a gente foi tocar acerola, né? O primeiro ano foi convencional e não saiu muito
bem, mas depois passou pro orgânico e a gente se saiu bem. Eu sinto que a gente
sai bem, porque eu mesmo saio, e acho que os outros também se saem bem. A
gente vê, a gente estudou, fez bastante curso, andou bastante, estudou, viajamos
com as pessoas que davam curso pra gente, né? Aqui nesse salão. A gente se sente
bem, eu mesmo me sinto bem, pois foi aonde a gente pode melhorar a vida e
sobreviver é aqui na acerola, né? Que estamos fazendo e estamos vivendo, e estou
esperando que a gente continuar durante um bom tempo assim, né? Bem. Foi
melhorando a vida da gente, e Deus abençoe que cada vez vá melhorando mais, né?
Se for o preço subindo mais, pra gente será melhor ainda, né? (...) 100% melhor,
pra mim se tudo que eu toquei desde o início da minha vida, se fosse orgânico,
talvez eu até estivesse mais forte que eu sou hoje, porque naquele tempo tudo tinha
veneno, hoje aqui tudo é orgânico. (...) Antigamente a gente tinha a vida bem mais
difícil, e agora a gente acha que facilita mais um pouco, porque pelo menos tem um
lucro melhor, né? (Amara).
Com isso, percebe-se que, para os agricultores, a agroecologia propiciou, acima de tudo, uma
melhoria considerável em sua qualidade de vida. Os valores internalizados fazem com que
suas atitudes mudem e que comecem a sentir prazer nas pequenas coisas da vida. O fato de
144
estarem contribuindo para a conservação do meio ambiente e para com a saúde da sociedade
aumenta o bem-estar com a atividade. A melhor renda obtida com a produção possibilita que
eles tenham uma vida menos difícil do que da época que produziam no sistema convencional.
Sendo assim, por meio dos discursos analisados, pode-se afirmar que, para os agricultores
entrevistados, agroecologia representa “Qualidade de vida.
5.3.7 Uma ilha solitária
Analisando-se as falas dos agricultores entrevistados, é possível notar um sentimento de
solidão e desamparo. Uma das técnicas que materializa a solidão é o cultivo de barreiras
(árvores altas que bloqueiam a passagem direta do vento, impedindo que produtos tóxicos ou
químicos atinjam a plantação pelo ar). O agricultor precisa, literalmente, isolar a sua produção
de qualquer influência convencional.
Reforçando o que o extensionista Everaldo mencionou: geralmente, o agricultor orgânico está
em seu pequeno pedaço de terra, cercado por agricultores convencionais por todos os lados.
André menciona as barreiras como mecanismo de proteção: “Olha... é... problema de lixo, de
mudar... Barreiras, fazer barreiras, porque tem um vizinho que é convencional, né? Então, tem
que fazer barreira de proteção... mais isso”. Antônia menciona que, além das barreiras,
também é necesrio dialogar com os vizinhos:
Tivemos que fazer uma barreira em volta dela, sempre conversar com o vizinho
para o passar nenhum tipo de veneno, coisa forte na roça deles, sempre prestar
atenção pra não, pra jogar lixo, sacola, essas coisas que prejudicam a acerola. Na
verdade, se você for prestar a atenção, serviu pra mais higiene ainda da lavoura e da
casa e tudo. Tem que ter uma disciplina pra ter ela, não é só plantar e falar que é
orgânico, se não cuidar de tudo não tem jeito (Antônia).
Quando questionados sobre a diferença que eles fazem para a sociedade, as respostas foram
no sentido de que eles realmente acreditam que fazem a diferença, entretanto sabem que seus
esforços nem de longe compensam a degradação constante realizada pela maior parte da
sociedade.
Arlete demonstra seu desejo de que o orgânico seja o único sistema de plantio: “Eu acho que é
importante o orgânico, não só pelas acerolas, mas se todo mundo trabalhasse no orgânico,
qualquer coisa que plantasse fosse orgânico, seria melhor, meu jeito de pensar, né?”. Os
145
agricultores entrevistados têm consciência de que, para haver uma mudança radical, são
necessárias ações conjuntas da sociedade e do poder público:
André comenta:
Eu acredito, acredito e muito. Acho que não deveria ser eu e mais os três, acho
que deveria ser a humanidade toda. (...) Gostaria assim, de pedir que as pessoas,
assim, que os políticos, ? Que eles é... se envolvessem mais nesse campo do
orgânico, porque o pessoas que pensam diferente, que tão mais interessadas pela
saúde da humanidade, é isso (André).
Andressa expõe:
Eu acredito. Se todo mundo fizesse sua partinha, melhoraria bem a situação. Acho
que pra todo mundo, desde saúde a tudo. Solo, tudo. Que o povo fala: Ah!
esquentando, tá isso, tá aquilo”, mas todo mundo meteu a mão e estragou um
pouquinho. Todo mundo desmatou o que tinha que desmatar, fez o que tinha que
destruir. Destruiu (Andressa).
Arlete cita a dificuldade ainda existente de conseguir caminhar de forma independente, e que
a necessidade de ajuda é constante, fato este que é comum para todos os agricultores, e não
apenas os orgânicos, sendo estes com melhores possibilidades que os convencionais por
estarem em um nicho de mercado mais lucrativo, entretanto, esta carência já natural da
agricultura familiar, é ampliada no sistema orgânico devido a poucas pessoas que
compreendem a agroecologia e podem fornecer ajuda a eles:
Eu acho assim, que mudou tudo, né? Mas que a gente assim, não só eu, como todos
que estão aqui, sempre m esperança de que melhore mais, e talvez que surja uma
pessoa que possa nos ajudar mais na questão dos orgânicos, né? Que aqui pra gente,
como expliquei no começo, pra gente é tudo difícil, porque tudo tem que ser
comprado né? É muito pouco as ajudas, no começo tivemos bastante ajuda, o
prefeito antigo nos ajudou muito na questão da acerola, nos ajudou muito com as
mudas, em tudo, né? A gente pretende, se tivesse uma pessoa pra nos ajudar a
melhorar a continuar mais, acho que teria mais gente, aqui na nossa Vila Rural, tem
muita gente que precisa de alguma coisa pra recomeçar na vila deles, que não tem,
? Se tivesse alguém que pudesse ajudar seria uma boa (Arlete).
Analisando os discursos, é percebido o desejo dos agricultores de que mais pessoas façam
parte do sistema agroecológico, seja pela sustentabilidade do meio ambiente, para a força que
viria com uma maior união, ou para existirem mais pessoas com quem possam contar em
momentos de dificuldades.
Devido a todos os fatores expostos, percebe-se que a agroecologia é representada pela figura
de “Uma ilha solitária”, na qual está cercada por pessoas diferentes, e que há poucas pessoas
com quem compartilhar as dificuldades rotineiras do trabalho agroecológico.
146
5.3.8 Atividade trabalhosa
A vida no campo, mesmo no sistema convencional, necessita de muita dedicação e esforço
físico para conseguir produzir, como mencionado por André: A vida no campo é... é uma
vida de bastante trabalho, né? De sol a sol... é isso. Tentando ganhar o pão aqui mesmo,
tentando ficar aqui mesmo, no campo, né? Ao invés de ir lá pra cidade também, né?”.
Andressa exemplifica as dificuldades inerentes do trabalho no campo:
A vida no campo não é fácil, né? É bem mais complicada, desde um lixeiro que
você não tem... não tem um carteiro, um telefone fica difícil. Eu acho mais difícil a
vida no campo é o lixo, você produz e tem que ficar catando, se você não quiser ver
lixo na tua propriedade você tem que ficar catando e pedindo pra alguém por na
cidade. Porque vomorando no campo, do jeito que eles falam, pra não poluir rio,
que a gente tem nascente de água, né? vovai na maioria dos sítios e o povo
joga plástico, joga lata tudo quanto é lixo vai jogando na propriedade, pra onde vai?
Chove, essa chuva vai, e pra onde que leva? Pros rios, ? Então eles falam tanto
assim... o que eu acho mais ruim no produtor é isso, eu acho que pelo menos a cada
quinze dias tinha que passar um lixeiro, ou uma vez por mês. Eu acho que a vida no
campo mais difícil é essa (risos) (Andressa).
Ao passar para o sistema agroecológico, uma das maiores dificuldades do agricultor é com o
crescimento da necessidade de mão-de-obra. Andressa explica as diferenças:
No convencional era bem mais prático, que você carpia só os... canteiros, né? A
lateral, tudo, você passava veneno. O serviço diminuía bem, o serviço é menos,
com o veneno em um dia de serviço com meia hora você fazia. No orgânico não,
tem que ser na enxada mesmo, e na mão os canteiros (Andressa).
E ainda, devido à situação financeira dos agricultores familiares, a maior parte do trabalho
precisa ser feito por eles mesmos, como citado por Ana:
Trabalho... Eu mesma planto, eu faço quase tudo. Tem um rapaz que me ajuda
quando se faz necessário, ele faz o serviço mais pesado que é carpir, passar a
roçadeira. Agora arrancar mato, ficar plantando, sou eu mesma que faço (Ana).
E como mencionado por Arlete, não é toda atividade do convencional que se pode fazer no
sistema orgânico; há diferenças que precisam ser consideradas:
Eu, geralmente, eu gosto de carpir, mas como é orgânico, a gente não pode tá
carpindo sempre, né? A cada quatro ou seis meses que eu começo a limpar a roça.
Mas sempre que dá, a gente tá trabalhando na época de acerola mesmo, não tem
como parar, porque é uma produção que começa em novembro e vai amaio,
então, não tem como parar, então a gente fica mais trabalhando nela mesmo. (...)
Pra mim, eu não acho desvantagem, às vezes no começo a gente estranha, porque
tipo assim, tinha que carpir mais, a gente gostava de deixar a terra mais limpa, mais
carpida, e a gente podia usar qualquer tipo de coisa na planta que o tinha
problemas, agora hoje não pode, você tem que usar o que pede, ? Porque se
o, não tem como fazer o meio orgânico, né? (Arlete).
147
Apesar de todo o trabalho realizado, o nível de produção do sistema agroecológico é inferior
ao do sistema convencional devido aos fatores já amplamente debatidos. Entretanto, apenas
um dos agricultores entrevistados mencionou a queda na produção como um aspecto negativo,
sendo ele o Anderson: “A produção cai um pouco, só isso (risos). A produção cai um pouco”.
É perceptível uma preocupação maior com a queda da produtividade pelos extensionistas do
que pelos agricultores que mencionam o sistema agroecológico como melhor ao
convencional, como pode ser notado na fala de Aparecida: “No outro, a gente passava veneno,
e esse não passa, né? É mais trabalhoso porque tem que ter muita coisa orgânica, mas é
melhor que o convencional”.
Portanto, nota-se uma grande associação do sistema de produção agroecológica com o
aumento da necessidade de trabalho. Devido às dificuldades no processo de transição, o
crescimento da necessidade de mão-de-obra é percebido logo de icio pelo agricultor, e se ele
tiver a determinação necessária, ao atingir o equilíbrio à necessidade de mão-de-obra, também
se equilibra, mas continua maior do que a convencional. Sendo assim, é senso comum entre
os agricultores que o sistema agroecológico de produção é uma “Atividade trabalhosa”, mas
que gera bons resultados, como já amplamente debatidos.
5.3.9 Fornecer alimentos de melhor qualidade
Os agrotóxicos e agroquímicos estavam tão institucionalizados no cotidiano dos agricultores,
que consumir um produto de sua propriedade e não passar mal depois era considerado
satisfatório. No discurso de Ana, percebe-se que, quando a mentalidade muda, o grau de
exigência em relação ao produto consumido também muda:
A pessoa não pode pensar que tem que consumir um produto que não faz mal, e sim
consumir um produto que faz bem pra pessoa. Uma vez comi um tomate que uns
dez minutos depois deu alergia, quando a gente ra de consumir... mexer com
veneno, parece que a gente fica mais sensível (Ana).
Todos os agricultores entrevistados dizem preferir consumir produtos orgânicos aos
convencionais. A resposta a esta questão foi unânime, abrindo exceção quando não é
possível encontrar o produto desejado, como mencionado por Ana e Andressa,
respectivamente: “Eu prefiro. (risos). Mas tem coisas que a gente ainda consome no
148
convencional, porque não tem no orgânico. Igual acelga, acelga é bem mais difícil”, Prefiro
muito mais eles do que o convencional, pra eu comer convencional, se for uma coisa que
eu não consegui e tiver com muita vontade, do contrário, não”. Uma outra diferença citada
por Andressa é o gosto do produto:
Paladar. Paladar porque ela, é que... Diferença, ela não tem diferença nenhuma. Se
por uma ou por a outra, as duas perto, não tem diferea, mas no paladar vo a
diferença. A o ser que você coma uma vez só, aí você não sente a diferença, mas
do contrário vo vê a diferença (Andressa).
Arnaldo cita que o risco zero de contaminação é um dos motivos de seu consumo preferencial
por produtos orgânicos. Experiências negativas anteriores demonstram ser um fator
importante para a mudança de hábitos:
Sim. Os que produzo e outros. A preferência é produto orgânico, que não tem risco
de estar contaminado. Um exemplo é uma melancia que comprei com aparência
bonita, mas que era convencional, quando a abri, vi que era só água, parecia
estragada, intoxicada ou algo assim (Arnaldo).
Arlete menciona um antigo hábito que pode novamente voltar a ser feito quando o produto é
orgânico, devido ao risco zero de intoxicação:
(...) no orgânico é que nem expliquei, no orgânico se você pega uma fruta no pé,
pega sabendo que é orgânica, agora o outro meio, convencional, é mais
complicado, porque você fica com medo de comer e futuramente e sofrer tantas
causas, tanto o meio ambiente também, que se usa muito de melhoras, cada vez
mais (Arlete).
O antigo hábito de “pegar a fruta do pé” para comer, sem precisar lavar antes, também é
mencionado por Amara como uma das vantagens dos alimentos orgânicos, valor este também
percebido pelos consumidores. Amara também cita diversas qualidades que fazem os
alimentos orgânicos mais seguros e saborosos:
Melhor! Quando você vai vender, o pessoal pergunta se é orgânico, se você fala que
é orgânico, o pessoal pega uma frutinha e põe na boca e chupando. “Esse aqui
o tem perigo, é orgânico”. A pessoa nem precisa lavar e no convencional tudo
que você pega tem que ir primeiro lugar na torneira, né? Essa aqui pode ter veneno
ou algum bichinho, e esse aqui que a gente toca, não tem bichinho e nada. Tudo
vosabe o que está fazendo, ele é limpo e sadio, né? Ela não é uma fruta que é
furada, estragada, tudo dela á sadio, porque é orgânico por dentro e por fora, não é
furada, nem estragada e nem tampouco contaminada. Tudo nela é sadio, você pode
colher e chupar quando quiser sabendo que está usando uma coisa sadia (Amara).
Com isso, é perceptível a satisfação dos agricultores com a qualidade do alimento produzido
por eles. O consumo de produtos orgânicos já se tornou um hábito para os atores entrevistados
devido aos bons resultados que eles trazem na saúde e no prazer em se alimentar. Com as
imagens “alimento seguro e “alimento saboroso”, é construída a compreensão de que
149
produzir produtos orgânicos é Fornecer alimentos de melhor qualidade”, tanto para
própria família, como para consumidores em geral.
5.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ATORES
ENVOLVIDOS
Este tópico tem a intenção de discorrer sobre a integração das representações sociais da
agroecologia para os atores entrevistados, realizando-se uma análise complementar conjunta
para identificar a realidade comum, pois, para Jodelet (2001, p. 8), a representação social é
“uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, que tem um objetivo
prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Não se
pretende neste tópico retomar detalhes das discussões realizadas nos tópicos anteriores.
Um primeiro ponto em comum a ser observado é a importância da agroecologia para a
melhora da saúde dos atores envolvidos no processo de produção de alimentos. Associar a
melhora na saúde com o emprego de técnicas naturais de produção é a conveão mais
perceptível ao se comparar os três atores envolvidos. Esta qualidade é usada como modelo,
partilhando seus resultados com o conjunto social e com potenciais integrantes do sistema
agroecológico.
Após o surgimento desta convenção, as crenças, valores e padrões de atuação que elas
originam se internalizam, permanecendo inconscientes nos indivíduos. Faz-se necessário
retomar que, de acordo com Moscovici (2004), convencionalizar objetos, pessoas ou fatos é
uma das funções das representações.
Outro ponto merecedor de destaque é que os três atores pesquisados se tornaram plenamente
conscientes da “força irresisvel” que era imposta a eles pela estrutura do sistema
convencional de produção de alimentos, tornando-a, assim, menos influente em suas vidas.
Moscovici (2004) chama essa “foa irresistível” de prescrição, sendo considerada a segunda
função das representações. Para o autor, quando a prescrição de uma representação não
consegue mais controlar a realidade, ela perde poder e abre espaço para o surgimento de outra
representação. Este processo pode ser observado no contexto do presente trabalho, com o
crescimento da adesão do sistema agroecológico de produção.
150
A complexidade percebida pelos três atores origina representações sociais como: Atividade
trabalhosa(para os agricultores), “Método de difícil transição e complexa aplicação”
(para os extensionistas) e “Sem receitas, sem soluções milagrosas (para os pesquisadores).
Nestas representações sociais está explícito o aspecto cognitivo que, de acordo com
Jovchelovich (2000), é parte inerente das representações sociais.
A integração dos trabalhos dos três atores é notável neste ponto, no qual os pesquisadores
testam cientificamente produtos e processos com o objetivo de facilitar o trabalho do
agricultor agroecológico, tendo em mente que o existirão prescrições genéricas; os
extensionistas passam esse conhecimento para os agricultores, tendo dificuldades quanto à
transição e à aplicação do conhecimento; e os agricultores passam por grandes dificuldades
para se adaptarem a este novo sistema, sendo o aumento da mão-de-obra um dos principais
problemas a se enfrentar. A complexidade do sistema agroecológico é compartilhada pelos
três atores.
Os aspectos afetivos, também citados por Jovchelovich (2000) como parte integrante das
representações, são bem perceptíveis de forma negativa nas representações sociais: Uma
ilha solitária” (dos agricultores), “Técnica que sofre preconceitos e descasos” (dos
extensionistas) e “Ciência subestimada e mal compreendida” (dos pesquisadores). Pelo
fato da agroecologia ainda ser pouco adotada tanto no âmbito científico como no técnico, o
sentimento de solidão é comum aos três atores abordados no presente trabalho.
Os pesquisadores sentem isso com falta de cientistas na área e pouca ajuda daqueles de outras
áreas; os extensionistas o percebem com o descaso de colegas convencionais e com falta de
apoio da instituição; e os agricultores notam isso com a necessidade de isolar-se de seus
vizinhos convencionais, muitas vezes não podendo aceitar doões que costumavam receber
quando plantavam no sistema convencional. Todos compartilham o sentimento de ser
diferente da grande maioria.
Por outro lado, o são poucos os afetos que influenciam na compreensão da realidade dos
atores e que os motivam à ação, terceira e última parte das representações sociais mencionada
por Jovchelovich (2000). O desejo e a paixão pela construção de um mundo melhor é o que
mais motiva os extensionistas e os pesquisadores; já os agricultores, no geral, se motivam
com a possibilidade de obtenção de melhor saúde e situação financeira para ele e sua família,
e ainda contribuírem com a preservação do meio ambiente como consequência. Nenhum dos
151
vinte entrevistados expressou desejo de retornar a trabalhar com o sistema convencional; pelo
contrário, todos gostariam que ainda mais pessoas participassem da agroecologia.
O processo recursivo na construção social da realidade é evidente na análise das
representações sociais dos três atores. Isso ocorreu tanto para os pesquisadores e
extensionistas que negaram o paradigma vigente e decidiram contribuir de forma construtiva
para a difusão de correntes de pensamentos alternativas, influenciando na formação social,
como para os agricultores que aceitaram participar desta construção social dentro de um
sistema sustentável, contribuindo para a criação e difuo do conhecimento.
Faz-se necessário mencionar que o presente trabalho tomou os cuidados citados por Voelklein
e Howarth (2005). O ser humano não foi tratado apenas como uma entidade passiva, pois o
relacionamento recursivo entre homem e ambiente social é percebido no presente trabalho,
quando é exposto que os atores negaram o sistema convencional dominante e optaram pelo
sistema agroecológico de produção.
Foi dado peso semelhante aos processos cognitivos e afetivos, evitando o reducionismo
psicológico, que é alvo de críticas em trabalhos deste tema. A aliaa com a Teoria
Neoinstitucional nos tópicos seguintes à Teoria das Representações Sociais uma
perspectiva mais crítica, considerando sua influência nas relações de poder social e político,
evitando, assim, outra crítica realizada por opositores das ideias de Moscovici (1978).
152
6 O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
DOS ATORES ENVOLVIDOS, COM BASE EM SUAS CRENÇAS, VALORES E
PADES DE ATUAÇÃO
Nos tópicos que seguem, são apresentados e analisados os processos de institucionalização
das representações sociais dos pesquisadores do IAPAR, extensionistas da EMATER e
produtores rurais da agricultura familiar que trabalham com agroecologia.
Na primeira parte, são apresentadas e trabalhadas analiticamente o processo de
institucionalização para o grupo de pesquisadores do IAPAR (Paulo, Pedro, Patrícia, Priscila,
Poliana e Pilar).
No segundo tópico, apresentam-se, do mesmo modo, o processo de institucionalização para o
grupo de extensionistas (Emerson, Elaine, Everaldo, Edinei, Eduardo) e, no terceiro tópico,
para os agricultores familiares (André, Anderson, Ana, Andressa, Arnaldo, Aparecida,
Antônia, Amara, Arlete.).
Durante a análise das representações sociais, observou-se que as inovações que ocorrem no
senso comum possuem mais de uma interpretação, gerando mais de uma resposta e,
consequentemente, uma única inovação no senso comum pode ser responsável por várias
representações sociais, sendo assim excessivamente dispendioso estudar o processo de
institucionalização de cada representação social isoladamente. Desta forma, optou-se por
debater a institucionalização das representações sociais dos atores, sem fazer distinções
individuais das representações sociais já expostas anteriormente.
6.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
PESQUISADORES DO IAPAR
Neste tópico, é analisado o processo de institucionalização das representações sociais dos
pesquisadores do IAPAR, dividindo-se o processo em três etapas: Inovação do senso comum;
153
Objetivação e ancoragem das representações sociais; e Sedimentação: representação dos
pesquisadores aceita socialmente.
O processo descrito nos próximos tópicos tem como base a figura, a seguir:
FIGURA 6 - Processo de institucionalização das representações sociais dos Pesquisadores do IAPAR
Fonte: Construído pelo autor com base em Berger e Luckmann (1996); Minayo (1996; 2002); Moscovici (2004);
Jovchelovitch (2000); Takahashi e Fischer (2007); Tolbert e Zucker (2007); e dados de pesquisa.
6.1.1 Inovação do senso comum
Como mencionado anteriormente, para Minayo (2002, p. 108), “as representações sociais
se manifestam em palavras, sentimentos e condutas e se institucionalizam, portanto, podem e
devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais”.
O senso comum é a forma do conhecimento e da interação social. Embora possua limitações
referentes à experiência existencial do sujeito, também possui graus de claridade e nitidez em
relação à realidade.
154
Desta forma, são analisados os fatores que influenciaram na inovação no senso comum dos
pesquisadores do IAPAR, enfatizando, além dos descritos por Minayo (2002), como palavras
e sentimentos, também as condutas (padrões de atuação), crenças e valores.
Inicialmente, é possível perceber que os principais valores e crenças que os fizeram escolher a
agroecologia como área de pesquisa surgiram antes mesmo de entrarem na faculdade, sendo
algo vindo da educação básica familiar, como é analisado na fala de Pilar “(...) e então assim,
se na faculdade o for por interesse pessoal, de ir atrás e participar de algum grupo, o vai
ter muita informão, não vai ter muito conhecimento disso, né?”. Pilar menciona a
necessidade de interesse pessoal, pois muito preconceito contra a agroecologia, mesmo na
universidade, colegas e professores raramente dão importância a esta área. A necessidade de
possuir crenças e valores agroecológicos (mesmo que os atores não entendessem como
agroecológico) antes de entrar na faculdade, também é citada por outros pesquisadores.
Pedro menciona que é devido aos princípios e valores que possuíam antes de entrarem na
universidade, que começaram a buscar o conhecimento agroecológico. Após o interesse
descoberto na graduão, estágios, mestrado e doutorado na área são o processo natural na
busca pelo conhecimento:
Ela começou na graduação, tinha um grupo que se interessava por agricultura
orgânica (...). Dentro de valores e princípios também que já possuíam, então
começou com busca disso enquanto estudante, tivemos contato com o
pesquisador do IAPAR, que foi pra USP
4
, foi meu orientador no doutorado, e era
referência aqui no IAPAR sobre agricultura ornica, ainda é uma referência em
agricultura orgânica, mas não está no IAPAR, e daí com ele eu desenvolvi meu
trabalho final de curso, um estágio, e já visando as propriedades para conversão
orgânica, e a partir disso buscando aprofundar isso (Pedro).
Priscila demonstra que o início de seu processo de institucionalização foi similar ao do Pedro:
Começou logo no primeiro ano da faculdade, que eu fiz agronomia aqui na UEL
5
,
na primeira semana de aula a gente foi conhecer todos os laboratórios, professores e
tal (...), mas aí um dos professores lá trabalhava exclusivamente com controle
biológico, e aí esse professor já explicou na primeira semana como que era e como
que o era, eu fui lá e queria fazer o estágio, e fiquei a graduação inteira, os cinco
anos, fiz mestrado com ele, e no terceiro ano de doutorado trabalhando com isso,
então, sempre trabalhei nessa linha (Patrícia).
Poliana menciona que o interesse por alternativas que o destruam o meio ambiente
originou-se na infância. Por possuir os valores necessários, ao chegar à faculdade,
4
Universidade de São Paulo.
5
Universidade Estadual de Londrina.
155
interessou-se pela agroecologia e, encontrando apoio, começou a buscar conhecimento por
conta própria:
Minha experiência com agroecologia é um tanto quanto empírica, com minha
experiência pessoal de vida na infância assim, por umas raízes dos antepassados,
que trabalhavam a agroecologia sem saber, sem existir o termo ainda, depois com o
contato na faculdade e uma busca pessoal por conhecimento nesta área assim, fora
dos muros da universidade principalmente. E daí envolvem buscas diversas de
contatos, de experiências, de visitação, de viagem, e também algo de experiência
profissional vinculado a um trabalho que fiz de assentamento, que incluiu um
processo de planejamento e educação e a base era sobre agroecologia. Acho que
minha experiência é isso, agora como pesquisadora (Poliana).
A pressão da sociedade também teve grande importância para a criação do PAG, sendo o fator
que originou a inovação no senso comum das pessoas que possuem o poder para efetuar
mudanças. Esta pressão foi exercida por organizações de agricultores orgânicos que exigiam
um programa do IAPAR específico para agroecologia:
(...) tenho vincias com agricultores que me convenceram no início de 2000, de
que isso era uma forma de trabalhar, e que essa forma de trabalhar era viável de se
trabalhar, e é, e aí nós começamos a desenvolver trabalhos conjuntos com os
agricultores procurando levar a eles algumas tecnologias que existem da
agricultura tradicional, mas que se ajustam à agroecologia (...). É que trabalhando
com agricultores familiares, eles cobraram do IAPAR nessa região centro-sul do
Paraná, cobraram do IAPAR... era de certa forma omisso em trabalhar com
agricultura de base ecológica (Paulo).
Dentre os pesquisadores entrevistados, a única que teve o seu processo de institucionalização
iniciado por pressão institucional foi a pesquisadora Priscila. Com sua formação em química,
principal área de conhecimento para criação de agroquímicos, teve que mudar completamente
sua forma de atuar e pensar após retornar de seu doutorado. A pesquisadora chama de
“experiência maluca” essa fase de sua carreira, mas, com isso, passou a perceber a
agroecologia como uma proposta válida e gostaria de conseguir se dedicar mais a ela:
Minha experiência com agroecologia começou... minha formação é química, eu
entrei para trabalhar no IAPAR com controle químico de plantas daninhas,
praticamente assim, de 88 até 98 eu trabalhei com controle químico de plantas
daninhas. Em 98 saí para fazer doutorado, pretendia trabalhar com biologia de
plantas daninhas, mas acoplado com modelagem matemática, terminei e quando eu
voltei pra a demanda por agroecologia e agricultura orgânica era muito grande,
eu fui incluída no grupo para trabalhar com agroecologia, então eu tive que
praticamente fazer uma conversão (risos) de todos os conhecimentos que eu tinha.
Pra mim assim, no início, foi em 2002 a 2004, foi uma experiência maluca, porque
eu entrava nas propriedades e via aquela porção de plantas daninhas, que na minha
área que era o que mais me chamava a atenção, minha vontade era de aplicar um
herbicida, entrar e... mas o cuidado que eu tinha era o seguinte: ouvir primeiro os
agricultores, como é que eles pensavam, o que eles entendiam daquela agricultura,
e passar a incorporar como que eles viam aquela agricultura orgânica para começar
a entender como é que funcionava, para poder aplicar os conhecimentos teóricos
que eu tinha, tirando a parte química, porque todo o conhecimento que você tem da
construção de uma lavoura, são tratos culturais, rotação de culturas, tudo isso vale
156
independente de ser agricultura orgânica ou o, então eu tive que adaptar todos os
conhecimentos que eu tinha da agricultura convencional que servia para o orgânico,
tirando a parte química, foi bem assim trabalhoso (risos), até eu começar a entender
como é que funcionava, ainda hoje não entendo tudo por causa dessa minha
dificuldade (...). Foi uma exigência da demanda dos agricultores que estavam
vindo para o IAPAR, não foi uma necessidade minha, ou uma vontade minha, era
uma demanda da agricultura no estado e que isso foi trazido para dentro da
instituição e faltavam pessoas para trabalhar com isso, com plantas daninhas. Foi
uma demanda e até uma imposição, mas acho que me saí bem (Priscila).
Desta forma, analisando os discursos dos pesquisadores entrevistados, percebe-se que os
principais fatores que originam inovação no senso comum, iniciando o processo de
institucionalização das representações sociais, são: valores e crenças adquiridos em sua
formação básica na infância, sentimentos despertados na faculdade e pressão institucional e da
sociedade.
6.1.2 Objetivação e ancoragem das representões sociais
Nesta etapa é realizada a teorização, aprendizagem de novos pressupostos orientadores
(referidos, principalmente, como mudança de mentalidade), e inicia-se a execução de alguns
padrões de atuação, que possibilitam a objetivação e ancoragem, que, segundo Jovchelovitch
(2000), objetificação (ou objetivação) e ancoragem são as formas específicas de mediação
social das representações sociais, que materializa a produção simbólica dos atores,
concretizando as representações sociais. Objetivar é transformar o não-familiar em familiar,
ancorando, assim, o desconhecido em uma realidade já institucionalizada, deslocando ou
alterando os significados estabelecidos que as sociedades tentam perpetuar.
Quando questionados sobre a rotina de trabalho dos pesquisadores, para assim determinar um
padrão de atuação, as respostas eram, em sua totalidade, no mesmo sentido: rotinas variadas e
complexas sem muita padronização, como pode ser observado na fala de Paulo: a rotina de
trabalho de um pesquisador do IAPAR, ele é bem variado (...), também tem uma diversidade
muito grande de trabalhos que a gente realiza (...), então a rotina, ela não tem muita rotina, é
bem variado”, e todos os demais pesquisadores mencionaram essas características. Entretanto,
é possível dividir as atividades dos pesquisadores em dois grupos: atividades internas e
atividades de campo. Entre os dois, as atividades no campo podem ser consideradas de maior
157
impacto na institucionalização das representações sociais, por possibilitar um contato mais
rico com materializações do conceito de agroecologia:
(...) na época de plantio, e implantação de experimento, você tem uma participação
no campo bem maior, na época em que, por exemplo, agora, inverno, tivemos uma
fase em que a ida ao campo foi muito menor, pois as culturas estavam em
crescimento e o havia uma necessidade maior de participação lá, um
acompanhamento para ver se não tava acontecendo nada fora esperado, e agora no
período de colheita, de amostragem, novamente tem que ter uma participação maior
no campo e acompanhamento, então tem uma variação grande ao longo do ano, e
ainda depende das demandas que às vezes surgem, né? (Pedro).
Inclusive, os trabalhos de campo, ou simplesmente externos, são realizados por pesquisadores
antes mesmo de entrarem no IAPAR, sendo em programas de mestrado, doutorado, ou em
estágios. Pilar cita a primeira como a mais intensa e a liberdade do IAPAR como a
experiência mais interessante. Pilar e Pedro citam as pesquisas de mestrado como atividades
importantes e necessárias no processo de construção do conhecimento:
Da agroecologia, o que fiz foi estágio curricular em uma cooperativa de
produtores agroecológico de citrus, o primeiro contato direto talvez foi o mais
intenso, foi no estágio na cooperativa de citrus ecológico, então foi desde a
produção até a comercialização e toda essa organização, nessa gica da
agroecologia, então deu pra perceber bastante as dificuldades e também como é um
sistema viável, e a partir daí o interesse foi aumentando. No mestrado foi com
produção orgânica de uva de mesa que foi assim, o foi tão agroecogico, que
tem uma diferença entre orgânico e agroecológico e agora aqui no IAPAR a gente
tem mais uma liberdade para trabalhar com isso e... acho que aí é bem mais
interessante, uma experiência bem mais interessante do que tive até agora (Pilar).
(...) é, terminada a graduação, eu busquei ter um contato com o IAPAR, fiz o
mestrado trabalhando também com produtos orgânicos, a soja orgânica comparada
com a convencional, e depois, foi possível manter um vínculo maior vindo
trabalhar exclusivamente com produção orgânica, e isso tem sido um processo, né?
(...) (Pedro).
Esta liberdade citada por Pilar é possível devido ao PAG que, como mencionado
anteriormente, é considerado um local de trabalho sem preconceitos, abrindo espaço para a
teorização:
(...) tem-se também demonstrado um espaço de formão de idéias e propostas e
buscam avaliações e perspectivas não tão comuns (...). Tá sendo considerado hoje a
questão da homeopatia e outras técnicas de análise de dados, a questão de análises
com fatores complexos, e tudo isso vai ser um espaço, toda essa discussão vai
precisar de um espaço que não é encontrado no geral, então o PAG vai ter a função
de permitir que isso ocorra (Pedro).
A mudança dos pressupostos orientadores, ou como comumente chamada pelos entrevistados,
mudança de mentalidade, ocorre nesta etapa, criando-se também novas crenças e valores.
Quem passa por esta mudança não trabalha da mesma forma que anteriormente, ou se recusa a
158
trabalhar no convencional: Não, desde o começo já fechei com orgânico, fui trabalhar na
Secretaria da Agricultura, mas era fiscalização, então fiscalizava produtos químicos, mas
nunca usei, nunca fiz experiência” (Pedro). A aliança do fator econômico com valores sociais,
culturais e ambientais pode ser considerada a principal mudança de crenças e valores para os
pesquisadores entrevistados, como mencionado por Paulo:
A forma primeira que eu trabalhei antes de trabalhar com a linha de ecogico, eu
trabalhei com produção de sementes, nesta produção de sementes nós usamos
insumos tradicionais, e quando a gente liga de uma forma com a tradicional para
uma de base ecológica, os princípios da gente têm que mudar também, a forma de
pensar, de se avaliar o fator predominantemente econômico, ele tem que
compartilhar com outros valores, que o esses outros que eu comentei no começo
da conversa, questão social, do bem-estar e essa questão ambiental que cada vez
mais está em voga, né? (Paulo).
A opção por não abandonar os agricultores convencionais para se dedicar exclusivamente à
agroecologia, mencionada pela pesquisadora Priscila, também é uma responsabilidade
diretamente ligada aos valores mencionados anteriormente, tanto que os agricultores
convencionais são vistos pelos pesquisadores como potenciais agricultores agroecológicos:
Eu gosto dessa área, mas eu vejo assim, no estado nós temos agricultores orgânicos
e convencionais, eu não posso deixar de atender os convencionais, a agricultura
orgânica/agroecológica ainda é uma porcentagem muito pequena, embora veja na
estatística que está aumentando e tudo, mas é uma porcentagem ainda pequena, os
convencionais o uma porcentagem grande, então não posso deixar de atender
esses agricultores, então ainda tenho que manter atualizado meu conhecimento da
agricultura convencional para atender esses agricultores, e na medida do possível ir
mostrando pra esses agricultores convencionais com que trabalhando a
necessidade de redução de uso desses agroquímicos e tentar indo levar pra uma
agricultura, que eu falo, uma agroecologia que não é extrema sem uso de
agroquímico, porque se não, esses agricultores que estão no convencional e que têm
toda a dificuldade que tem no orgânico/agroecológico, seria muito difícil de eles
passarem, parar de usar todos os agroquímicos que eles usam e transformar não
o sistema da propriedade, mas também o sistema do pensamento, pra mudar de uma
vez da outra, então o que a gente faz? Quando nós estamos trabalhando com os
convencionais, a gente coma a colocar conceitos em cima pra redução desse uso,
então seria todo aquele conhecimento da condução cultural, que vo tem da
cultura e de integração de todas as outras técnicas, não seria confiar no
agroquímico, usar todas as outras técnicas em conjunto, aquela prática que a gente
sabe de manejo de insetos, de contar pragas, tem tudo e começa a incluir esses
conceitos pra eles também (Priscila).
Com isso, é possível observar que a objetivação é realizada, principalmente, pelo trabalho de
campo, no qual possui maior contato com os aspectos físicos do conceito de agroecologia e é
possível visualizar o processo agroecológico dando vida” às imagens mentais. O trabalho de
campo pode ser feito em esgio, programas de mestrado e doutorado e no pprio IAPAR.
Desta forma, ancora-se essa objetivação na realidade já institucionalizada, que é a
convencional, alterando, assim, seus significados na mudança de perspectiva. O PAG é o
159
espaço para que seja possível a teorização, originado isomorfismo normativo ao difundir as
informações e representações sociais. Ao adquirir crenças e valores sobre a importância dos
aspectos ambientais, culturais e sociais, o pesquisador não irá para o sistema convencional.
6.1.3 Sedimentação: representação dos pesquisadores aceita socialmente
De acordo com Takahashi e Fischer (2007), com base em Child e Heavens, pode-se afirmar
que é necessário que o conhecimento tenha sido legitimado e alcançado determinado grau de
aceitação social, seja reconhecido como eficaz e necessário, assim como ter sido registrado e
formalizado. Portanto, neste tópico é analisada a terceira etapa do processo de
institucionalização das representações sociais, que considera a legitimação propriamente dita.
Paulo menciona que a foa do setor do agronegócio dificulta a difusão da agroecologia, pois
os incentivos que ela oferece nunca poderão ser igualados pelo setor agroecológico que não
possui o acúmulo de riquezas como prioridade:
(...) quando você faz a pesquisa tradicional, você vai estar trabalhando em usar mais
veneno, mais adubo, né? Para que ele produza mais, e justamente quando você...
votem um respaldo, a concordância do setor do agronegócio, as multinacionais,
elas, de uma forma indireta, elas incentivam a pesquisa tradicional e na
agroecologia não há esse incentivo (Paulo).
Sendo o fator mencionado um dos principais motivos, muitas pessoas e organizações que
fazem parte do ambiente de trabalho do pesquisador agroecológico não se interessam pela
agroecologia, dificultando ainda mais a legitimação. Priscila cita as dificuldades causadas pela
baixa atuação nos trabalhos agroecológicos por parte de órgãos públicos:
(...) o que que faltando? Não é resposta da pesquisa, mas um trabalho melhor de
programa de Secretaria de Agricultura, em que os municípios pudessem ser mais
dirigidos pra esse tipo de agricultura, facilidades para esses agricultores,
disponibilidade de quinas, treinamento para esses agricultores em regulagem de
quinas, tanto para semeadura - eles acham (risos) que semear culturas é botar a
quina lá, sair correndo pra outra área para ganhar dinheiro, principalmente pra
pequenos agricultores em que eles terceirizam esse serviço, tá? Então precisaria ter
um treinamento melhor dessas pessoas, uma maneira diferente de pagar o serviço
(...) (Priscila).
Patrícia fala que dentro do IAPAR de Londrina também o encontradas dificuldades para
realizar pesquisas. Uma nova área cedida ao PAG, unidade de Santa Tereza, é percebida como
o local adequado para a realização das pesquisas, entretanto, tal observação mostra falta de
160
investimento do governo nesta área, pois uma única área é insuficiente para a realização dos
estudos necessários:
(...) dentro da unidade experimental, como aqui no IAPAR, a gente tem todo um
controle, então fica mais fácil, que aqui a gente não tem uma área exclusiva no
IAPAR de Londrina, exclusiva para agroecologia, então você monta o experimento
junto a áreas convencionais, meu experimento pode ser em agroecologia, mas do
lado tem um convencional, a gente não tem uma área específica, existe a unidade de
Santa Tereza que foi agora cedida para o IAPAR, que vai ser uma área que o
vai se aplicar produtos químicos e adubos solúveis, então vai ser uma área para
se fazer esse tipo de trabalho, uma área mais adequada (Patrícia).
Pedro menciona o preconceito vindo de colegas, às vezes negando colaboração, discutido
anteriormente:
Existe também certa dificuldade no qual os colegas de trabalho o se afinizam,
o consideram válida a nossa proposta, e muitas vezes a gente trabalha no campo,
na fitotecnia, que é o manejo envolvendo a cultura propriamente dita, e a gente
precisa de um apoio da área de solo, ou outra área e às vezes nós vamos encontrar
pesquisadores que se simpatizam, esses dispõem, e outros que às vezes não se
dispõem a colaborar porque não acreditam na forma que será conduzido o trabalho,
sem produtos químicos e tudo mais (...), então tem esses poréns. Até o momento
isso não tem prejudicado, tem bastante pessoas aqui dentro que simpatizam, mas
tem um fator limitante (Pedro).
Pilar expõe que o preconceito vem desde a universidade, praticamente “podando potenciais
interessados pela área agroecológica logo na etapa de inovação no senso comum:
A minha experiência anterior em minha graduação então é agronomia, e dentro da
agronomia, da faculdade, assim a agroecologia é... fica bastante de lado, tanto por
professores que são também pesquisadores, é um grupo bem pequeno que trabalha
com isso, tanto da parte de professores esse interesse é reduzido, e também da parte
dos alunos, dos colegas também é assim, é visto meio que com certo preconceito, e
é uma visão diferente da agricultura convencional. Então, não é tão produtivista, o
convencional seria assim, a agricultura é uma indústria a um céu aberto, isso é uma
coisa que se ouve na faculdade, e dentro da agroecologia isso é a maior besteira,
e pra quem tem essa visão de que a agricultura é uma indústria a céu aberto, quem
trabalha com agroecologia está fazendo uma grande besteira. Então é isso, se na
faculdade não for por interesse pessoal, de ir atrás e participar de algum grupo, não
vai ter muita informação, não vai ter muito conhecimento disso, né? (Pilar).
Na agroecologia, o saber popular precisa ser considerado, entretanto nas ciências naturais, isto
não é percebido como algo enriquecedor, e sim como algo inaceitável. O mesmo pode ser dito
do saber popular, que, muitas vezes, não aceita a ciência. A falta de ferramentas de análises
voltadas para a agroecologia também é um fator limitante para a legitimação:
(...) essa questão de conhecimento científico e saber popular, que a comunidade
científica muitas vezes não aceita o saber popular, e vice-versa, então tem que ter
uma conversa para unir as duas questões, que agroecologia esta nessa interface
popular, surgiu por ou me parece, e ao mesmo tempo a comunidade científica
aceita esse saber se são validados pela comunidade científica, então acho que esse é
um ponto. Tem dificuldade em relação a ferramentas de análises, as mais usadas
161
o são tão apropriadas pra agroecologia, então tem que se buscar outras
ferramentas que não estamos acostumados a usar pra análise dos dados (Poliana).
A compreensão demonstrada por Pedro de que mudanças decorrentes do processo de
institucionalização demonstra adequada compreeno da realidade, que pode ser considerado
um dos resultados positivos da mudança de perspectiva que ocorre na etapa anterior. Pedro
menciona que a falta de mais pessoas envolvidas neste processo atrasa o avanço das pesquisas
e, por consequência, da legitimação do conhecimento:
(...) é... eu vejo que o processo da pesquisa, que vai incluir a pesquisa em
agroecologia, ela vai ser um processo, então, as pessoas envolvidas, elas vão estar
amadurecendo, e vão estar amadurecendo enquanto perspectiva de trabalho, de
impedimentos, de disponibilidade, de avaliação das situações, de capacidade de
interpretação das situações, de resultados e com isso todo o processo e todo o
resultado vai se transformar. Então, existe dificuldade no sentido de que menor
número de pessoas envolvidas com essa pesquisa, quanto menos gente, menos
rápido avança (Pedro).
A defesa de grupos de interesse é considerada um importante fator de institucionalização
pelos pesquisadores entrevistados, como pode ser observado no discurso de Pedro: (...)
então, é um processo que pra mim durou esse tempo [dez anos], isso porque eu tive um
contato com outras pessoas que foram muito importantes para que esse processo fosse pido,
se não, teria demorado mais tempo”. Outros pesquisadores também mencionaram a
importância de certos professores, de orientadores, de pesquisadores mais experientes, etc.,
que foram essenciais para o processo de institucionalização de suas representações sociais.
Os resultados positivos alcançados dão força ao processo institucional, que, embora tenha
grandes obstáculos, traz consequências que incentivam a pesquisa. Muitas vezes, o resultado
obtido não é o esperado, mas, mesmo assim, o pouco de contribuição fornecida para a
qualidade de vida dos agricultores ou do ambiente é percebida como satisfaria:
Às vezes, alguns processos, ou algo que a gente consegue, não chega a ser adotado,
o provoca a conversão de todos os agricultores, mas eventualmente, as coisas,
elas são adotadas pelos agricultores convencionais, que passam então a usar menos
produtos químicos, o que se o é perfeito, já é um grande avanço, e dessa forma
contribui com a qualidade de vida e com a qualidade do meio ambiente, então... eu
entendo que com isso eu consigo realizar pelo menos nessa parte aquilo que me
cabe (Pedro).
Apesar dos obstáculos já citados, os pesquisadores percebem que a agroecologia vem
ganhando espaço e legitimidade perante o governo e novos pesquisadores. Embora ainda seja
complicado trabalhar com agroecologia, a situação vem melhorando progressivamente, com
os pesquisadores conseguindo maior apoio e incentivos. A constante melhora é atribuída à
162
pressão da sociedade, e as dificuldades existentes são atribuídas ao fato de agricultores
agroecológicos ainda serem minoria no estado:
alguns anos atrás, existia uma maior limitação quanto a cursos, existia ainda
muitas críticas, e ainda existem críticas contrárias e tal, né? Tínhamos uma
hostilidade a nível de idéias, tem pessoas que não apóiam, são contra e tudo mais, e
parece tudo bem mais reduzido, os financiadores de pesquisa liberam recursos
específicos para trabalhos com agroecologia, com agricultura ornica, então
atualmente no governo do estado há uma priorização desse trabalho, com
agroecologia, então ao mesmo tempo a maior parte da agricultura do estado é
convencional, há uma demanda por pesquisa, então, não pode institucionalmente
parar de se fazer pesquisa convencional e fazer só orgânica, não se pode fazer isso.
Mas eu entendo que faz parte de um processo, e mesmo porque com essa questão
pessoal, a pessoa tem que estar disposta e considerar aquilo viável, então não pra
pegar um pesquisador que trabalha com convencional e falar: “agora você vai fazer
pesquisa orgânica”, porque, vamos dizer, vão ficar numa situação insatisfatória, na
extensão também ocorre isso, né? Então, é uma coisa que as pessoas têm que se
sentir atraídas e estarem dispostas a fazer, então vejo isso como essas dificuldades
(Pedro).
Agora, pra trabalhar com agroecologia tá fácil, comparado com outras épocas,
queira ou não, é uma coisa que está na mídia, esem pauta, tem uma cobrança da
sociedade pra preservação do ambiente, futuro do planeta, alimentos sauveis,
então tem um apoio maior governamental, se você fizer um projeto e ele for bem
elaborado e você falar dos benefícios que pode trazer e tal, é mais fácil do que até
um experimento, projeto testando produtos químicos, porque tem essa priorização,
hoje em dia tá mais forte (Patrícia).
Analisando os discursos, é possível perceber que a terceira etapa do processo de
institucionalização das representações sociais, a sedimentação, ainda está em fase inicial. O
governo e os colegas pesquisadores estão começando a compreender a importância da ciência
agroecológica, conforme os resultados positivos vão aparecendo, e os resultados negativos do
sistema convencional vão ganhando destaque na mídia, influenciando a sociedade. Ao existir
maior suporte para as pesquisas, tanto na formação dos pesquisadores nas universidades como
nos recursos financeiros destinados a esta área, o processo de institucionalização tende a
acelerar.
6.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
EXTENSIONISTAS DA EMATER
Neste tópico, é analisado o processo de institucionalização das representações sociais dos
extensionistas da EMATER, dividindo-se o processo em três etapas: Inovação do senso
163
comum; Objetivação e ancoragem das representações sociais; e Sedimentação: representação
dos extensionistas aceita socialmente.
O processo descrito nos tópicos a seguir tem como base a figura abaixo:
FIGURA 7 - Processo de institucionalização das representações sociais dos Extensionistas da EMATER
Fonte: Construído pelo autor com base em Berger e Luckmann (1996); Minayo (1996; 2002); Moscovici (2004);
Jovchelovitch (2000); Takahashi e Fischer (2007); Tolbert e Zucker (2007); e dados de pesquisa.
6.2.1 Inovação do senso comum
Três dos extensionistas entrevistados não tiveram a oportunidade de fazer a disciplina de
agroecologia na graduação e ficaram sabendo deste sistema por meio de colegas, cursos
oferecidos e reuniões da EMATER e de sindicatos. Eduardo exe: “A agroecologia vem
estudar a questão da ecologia, que antigamente praticamente não tinha isso, nos pprios
bancos escolares não tinha, eu mesmo, quando fiz agronomia, o estudei essa matéria”. Para
quem não passou pelo processo de aprendizagem na universidade, a curiosidade é o primeiro
passo para o extensionista se interessar pela agroecologia e permitir o acesso ao conhecimento
e às novas perspectivas:
164
Essa questão aconteceu em mais ou menos seis anos, ou sete anos, justamente que
eu estava no... por assim dizer... do outro lado da questão. Eu trabalhava no
convencional, cada vez que eu discutia ou conversava com esse pessoal mais da
linha agroecológica ou ornica, a gente sempre estava perdendo a discussão, ou
vendo que o pessoal tinha muito argumento e muitos fatos que às vezes a gente não
entendia. Por exemplo, como aparecia fósforo no solo, em solo que não tinha
fósforo, coisas técnicas desse jeito, aí eu decidi que iria começar a estudar o
processo pra ver onde que tava o furo, ou onde que eu não entendia, resultado disso,
hoje eu brinco com o pessoal que hoje já tô 75% orgânico/agroecológico, né? Ainda
falta bastante coisa, claro, pra ter uma conversão total, o assunto me cativou, e me
fascinou tanto que praticamente hoje a maior parte do meu tempo me dedico a isso,
tô até arranhando, pensando em fazer um mestrado dentro desta área, de tanto que o
assunto me colocou, eu entrei mas foi por, por... curiosidade, e até por fazer pirraça
com os outros, mais assim que eu entrei (Emerson).
Na verdade, eu, quando entrei para trabalhar na EMATER, estava participando
de um curso, eu tenho uma hidroponia, e através... trabalhando com hortaliças, me
despertou a curiosidade de ver como que era um curso de... como que era o
orgânico, como funcionava, apesar de ser agnomo e tal, a gente não tinha o
conhecimento profundo sobre o orgânico, ? O que é o produto orgânico, então
houve esse interesse e comecei a participar das reuniões, e em seguida eu fui
chamado para trabalhar pela prefeitura na EMATER, e me colocaram como, né? Eu
como eu tava nesse meio, caminhando com o pessoal, me colocaram para
coordenar um grupo que nós temos aqui (Everaldo).
A inovação no senso comum é realizada de forma mais gradual e menos chocante para
aqueles que tiveram a oportunidade de cursar a disciplina de agroecologia na graduação,
como assim é exposto por Elaine: “Fiquei sabendo da existência do orgânico e isso muito
tempo, desde a faculdade a gente trabalha muito isso, né? Eno, vai criando aquela
consciência”. A formação da consciência agroecológica, neste caso, ocorre na graduação em
agronomia. Elaine expõe abaixo crenças e valores adquiridos na universidade, como a
importância da saúde do agricultor.
É... na verdade, assim, desde o tempo de faculdade a gente vê que é uma coisa que
seria o ideal, né? Se todo produtor, toda propriedade se adaptasse a esse sistema,
seria uma coisa que faria bem ao mundo na verdade, por que aí a gente teria o
produto sem tanto produto químico, sem veneno, sem produtos que são maléficos
para a saúde, e também no geral, para o produtor que usa esses produtos químicos é
prejudicial, porque a gente vê vários casos de pessoas que acabam com o tempo
com ncer, com intoxicação (Elaine).
Eduardo realiza uma síntese dos principais elementos que influenciam na inovação no senso
comum. Valores adquiridos na educação básica e familiar como ajuda ao próximo e a
importância com a sustentabilidade de suas ações são importantes até mesmo para questionar
alguns dos conhecimentos passados durante a graduação, como o uso de produtos xicos e
químicos. Os resultados negativos da chamada modernidade, que chegou ao campo na
Revolução Verde, são outros fatores que incentivam a busca por alternativas de produção de
alimentos, deixando o extensionista com a “mente aberta” para aceitar a agroecologia:
165
Eu sempre fui uma pessoa que desde... isso vem da cultura, vem da família, né?
Origem humilde, família, eu sempre... quando fiz o curso de agronomia, eu pensei
em ajudar as pessoas, com agricultura e tal, com meus anos dentro da empresa fui
lidando com isso aí, pois na formação escolar você já tem uma formação que eu fiz,
e que hoje talvez já tenha mudado um pouco, de você usar veneno, de você
desmatar, aquela ânsia pela modernidade, e hoje está vendo o que estragou no
mundo (Eduardo).
Faz-se necessário mencionar que, embora utilizada pelos extensionistas, não houve citações
que permitissem concluir que as Novas Políticas de ATER influenciam na institucionalização
das representações sociais da agroecologia. Entendeu-se que essas novas políticas ainda não
foram internalizadas nas práticas da EMATER das cidades visitadas como um todo, mas que
alguns de seus princípios, como a inserção da disciplina de agroecologia na faculdade de
agronomia, já têm gerado resultados influenciadores, como mencionado anteriormente.
Portanto, percebem-se fatores responsáveis pela inovão no senso comum que irão iniciar o
processo de institucionalização das representações sociais: a curiosidade, o descontentamento
com a Revolução Verde e as crenças e valores adquiridos na educação básica e/ou no ensino
superior, que irão gerar a emoção e o desejo que levarão à ação da busca de maiores
conhecimentos sobre agroecologia, que, por sua vez, leva à prática destes conceitos,
materializando-os, como será visto no tópico seguinte.
6.2.2 Objetivação e ancoragem das representões sociais
Da mesma forma do que os pesquisadores do IAPAR, os extensionistas da EMATER
objetificam os conceitos adquiridos por meio da prática de suas atividades rotineiras,
ancorando suas novas perspectivas na realidade existente do agricultor, sendo, desta forma,
também, um mecanismo de isomorfismo, como o intermediário dos conceitos científicos de
agroecologia para o senso comum dos agricultores. As visitas e orientações dos
extensionistas, sua rotina de trabalho, ou seja, padrões de atuação, são importantes meios da
segunda etapa do processo de institucionalização, como observado nos discursos de Emerson
e Elaine:
(...) a minha rotina é fazer visitas a cada quinze ou vinte, acompanhando a
produção, acompanhando os problemas, e dando apoio pra, pras pessoas como
adubação, controle de praga, manejo de mato, o isso também... qualidade de
produto, outros tipos de orientação como a parte ambiental de reflorestamento,
conservação do solo, essa minha atuação dentro do município (Emerson).
166
Humm... então... na verdade, aqui, assim, começando, foi o que eu iniciei fazendo
aqui, visitei algumas propriedades, pra ver como que era, porque eu, lógico,
tinha uma noção do que era, mas eu não tinha trabalhado na verdade com o
orgânico ainda, né? Aí então fui conhecer as propriedades e o pessoal, procurei, fiz
alguns cursos, assisti [a] algumas palestras, reuniões da associação, porque aqui
tem uma associação de produtores orgânicos, e eles se reúnem todo mês, né?
um tempo atrás foi feito um curso com esse pessoal porque é sempre preparado o
produtor pra trabalhar com isso, principalmente no orgânico, né? Que não se tem
formação, e o produtor não tem, né? (...) Geralmente o acompanhamento que é feito
com o pessoal dos orgânicos, a gente faz as visitas conforme a necessidade, lógico,
sempre que possível a gente busca acompan-los, né? E, então, aí existe esse
recadastramento que é uma coisa obrigatória que a gente tem que fazer, que é o
acompanhamento geral da propriedade, não do que é cultivado, da acerola no
caso, e, então acho que meu trabalho se resume basicamente a isso (Elaine).
Eduardo reforça este argumento ao mencionar que o constante contato com o agricultor
amplia os sentimentos do extensionista em relação às suas práticas:
(...) até falo que nós somos o INSS
6
da agricultura, ele vem aqui, e o pequeno
depende, porque ele é atendido um pouco diferenciado na cooperativa, não tem
tanto aquela idéia econômica de produção. Aqui não, aqui vem gente que planta um
canteiro de horta, gente que planta pequenas áreas de lavoura, e criações e a
gente atende, e aí a gente vai pegando amor por esse tipo de coisa (Eduardo).
Entre os novos pressupostos orientadores, ou crenças e valores adquiridos no processo, pode-
se destacar o respeito absoluto com o meio ambiente, incluindo seres que foram vistos
como inimigos naturais do agricultor:
O que muda é o seguinte, a gente tem uma outra maneira de ver, né? As coisas.
Antes você via uma praga, uma lagarta e falava: Você tem que matar isso daqui,
tem que aplicar o produto, né?”. Hoje não, vopode contornar essa situação sem
estar utilizando esses produtos, né? Mudou sim, mudou pra melhor, felizmente
(Everaldo).
Desta forma, os padrões de atuação dos extensionistas objetivam e ancoram os conceitos
agroecológicos obtidos no processo de teorização, após sofrerem as inovações iniciais no
senso comum. Entre as principais mudanças de crenças e valores, encontra-se o respeito
absoluto com o meio ambiente.
6.2.3 Sedimentação: representação dos extensionistas aceita socialmente
Devido à terceira etapa, sedimentação, estar intimamente vinculada ao papel isomórfico dos
extensionistas, faz-se necessário relembrar alguns mecanismos mencionados por Scott (2001).
6
Instituto Nacional de Seguridade Social.
167
O isomorfismo é a forma pela qual a institucionalização se difunde, podendo ser transmitida por
vários meios como: sistema simbólico (cultura, representações, modelos, valores, etc.), sistema
relacional (redes sociais e organizacionais), rotinas (hábitos profundamente enraizados e
procedimentos baseados em conhecimentos e crenças institucionalizados) e artefatos (desde os
primitivos e até os mais modernos).
Regras, normas e significados surgem e são transmitidas pelas interações entre a organização e
os meios de disseminação das institucionalizações, podendo ser preservados ou modificados
pelo comportamento humano. Com classificação semelhante a estes pilares, existem três
processos isomórficos por meio dos quais ocorrem as mudanças, sendo eles: o isomorfismo
coercitivo (influências políticas e legitimidade), o isomorfismo mimético (respostas
padronizadas à incerteza) e o isomorfismo normativo (profissionalização).
Analisando as citações, pode-se dizer que a sedimentação das representações sociais da
agroecologia para os extensionistas está intimamente ligada com a difusão da agroecologia para
os agricultores. A aceitação social mais importante para os extensionistas vem por parte dos
agricultores convencionais que se convertem para o sistema agroecológico:
A gente ficava meio com o atrás, mas... é... felizmente a gente viu que... É
difícil! Principalmente porque são poucos adotadores, né? Então vamos supor que a
pessoa tenha a propriedade num determinado lugar, e em volta dele tem plantio de
soja, e tal, e os caras ficam aplicando produtos químicos e tal, pesticida, vermicida,
e o cara no meio ali. (...) Você não vai pegar um município inteiro plantando
orgânico. Dependendo do tipo: café orgânico é complicado, soja orgânica também é
bem complicado, então é difícil grandes áreas. Então isso realmente, por enquanto
pelo menos, tem que ser pequenas áreas, principalmente produtores de renda
familiar, né? Onde a família trabalha, mais nesse sentido, até que, quem sabe um
dia a gente reverta a situação,? E fica a maioria como orgânico, né? (sorriso) (...)
Apesar de minha horta o ser orgânica, mas eu trabalhando com esse pessoal do
orgânico, eu me sinto muito bem, é um grupo que eu tenho uma certa estima,
pessoal muito bom pra gente trabalhar, e você está tentando colaborar aí com a... o
meio ambiente, pra ver se melhora. A gente sabe que é um pingo d’água no mar,
? Mas a gente continua fazendo esse trabalho (Everaldo).
A dificuldade dos agricultores durante o período de transição e sua consequente numerosa
desistência é uma das barreiras que o processo de institucionalização das representações sociais
encontra, diminuindo a aceitação social por parte dos agricultores:
(...) o grande problema que nós temos hoje é conseguir mais adeptos, justamente
pelo período de transição, a questão econômica hoje, ela puxa muito, normalmente
o pequeno produtor e a agricultura familiar é que é a base da produção orgânica, o
camarada não pode esperar muito (...), o camarada às vezes tem que trocar o pneu
do carro com o carro andando (Emerson).
168
A sedimentação do processo institucional para os próprios extensionistas inicia-se quando eles
percebem os resultados positivos das atividades agroecológicas, sendo, a partir deste ponto,
que eles se dedicarão a difundir crenças, valores e padrões de atuação. Emerson destaca o
volume de produção que é possível alcançar com o tempo e Edinei enfatiza a melhora na
saúde e qualidade de vida dos envolvidos com a produção e consumo:
Eu... Antes de eu entrar eu duvidava da coisa, eu comecei ver alguuuuma coisa de
alguém fazendo assim muito empiricamente, eu não acreditava que ela pudesse dar
volume, que pudesse dar qualidade, eu não acreditava que desse realmente pra fazer
a diferença. Como ainda hoje os volumes ainda são muito pouco, por exemplo,
apesar de ser pouco relativamente, nós temos hoje na região mais de 1.500
toneladas de acerola produzidas por ano com certificação orgânica, não é coisa de
se jogar fora, então realmente hoje ela faz a diferença, eu o acreditava que
chegasse a isso, eu não tinha nem noção do que que fosse, mas a partir do momento
[em] que você se insere e que começa a trabalhar e ver que a coisa anda,
realmente voacredita, mas antes eu não fazia... Achava que era coisa de “bicho-
grilo”, né? Hoje não, hoje talvez até seja um pouco, mas hoje mudou radicalmente
(Emerson).
É que, principalmente, com aquelas pessoas que a gente acompanha e temos
bastante contato, o que muda bastante é a gente perceber em função de qualidade de
vida, de uma vida mais saudável, né? Um ambiente mais saudável, que a pessoa
quando se tem a consciência de se trabalhar respeitando o meio ambiente e os
recursos naturais, a gente percebe de longe, da família que está na propriedade, que
às vezes mostram um ar mais saudável, de mais de bem com a vida, é fácil perceber
que o pessoal que trabalha de uma forma agroecológica geralmente tem mais isso, é
uma coisa que destaca bastante (Edinei).
O preconceito contra o sistema agroecológico ainda é muito forte na extensão rural,
possivelmente o extensionista é o ator que sofre mais preconceito entre os três atores
entrevistados. Além de desestimular aqueles que trabalham com a agroecologia, ainda
dificulta a entrada de novos extensionistas neste meio:
(...) mas no meio técnico tem muita restrição, se o fosse a gente ter aí vinte e
cinco anos de formado e ser seguro, ter um tanto de idade, a gente poderia se
abalar, dependendo do que a gente fala em alguns meios, você ainda é visto como
um ET, você ainda tem muita restrição, tem muita gente que duvida, que voestá
marchando fora do contexto do batalhão, tem muito preconceito ainda. E
preconceito talvez seja a palavra certa, pois o pessoal não entende e não aceita, ou
então faz algumas restrições, mas não procura entender, eu consigo ver bem isso
daí, porque eu também era desse jeito, a partir do momento que comecei a me
informar e tudo, vi que a dimensão é realmente outra, que existe muito estudo,
muita coisa (Emerson).
Na verdade tem pessoas que não levam muito a sério, que acham que a diferença
talvez não seja tanta, eu não sei, eu sempre tive essa concepção de que o orgânico
era melhor, né? Desde que conheci (...). Fiquei sabendo da existência do orgânico e
isso muito tempo, desde a faculdade a gente trabalha muito isso, né? Então vai
criando aquela consciência (Elaine).
169
Como não divulgação suficiente por parte do governo, poucas pessoas conhecem os
benefícios da agroecologia e, desta forma, torna a tarefa de difusão de seus princípios ainda
mais complexa para os extensionistas:
Eu acho que o que, às vezes, mais prejudica é a falta de divulgar, de um pouco de
marketing, acho que teria que ter uma área voltada para isso, hoje até tem
programas tanto de governo, tanto de... que defende e mostra, mas acho que ainda é
pouco. A população desconhece muito, né? (Edinei).
Atores cobram ajuda do governo, pois, ao contrário do setor do agronegócio, o setor
agroecológico o possui uma base financeira forte para estar investindo no que é necessário.
Como mencionado por Everaldo, o setor agroecológico
é mais pessoas curiosas, cnicos, né? Que se aprofundaram, pessoal de faculdade e
o próprio produtor que faz suas experiências próprias, né? Então, a extensão, ela tá
caminhando junto, vamos dizer, né? Trabalhando junto com esse pessoal para poder
se adequar, né?.
Como dito por Eduardo, o apoio do governo precisaria existir, mesmo que apenas
possibilitando ao extensionista usar mais o seu tempo em atividades agroecológicas e
oferecendo capacitação:Eu devia me dedicar mais, mas tenho outros projetos que a empresa
me obriga a trabalhar, mas eu, assim, se depender de mim, eu trabalharia nessa área de
agroecologia, da minha parte”. E ainda complementa:
(...) talvez precisasse de um incentivo do próprio governo, de nos direcionar tempo
e formação, talvez um pouco mais reciclada, com cursos, seminários, congressos,
etc., etc., né? Formação técnica que precisamos, o que nós sabemos aqui é que
fomos atrás de literatura, algumas reuniões que fazemos, né? E alguns têm cursos,
mas (...) o governo não nos manda, nós que temos que ir por contra própria (...). Eu
acho que devia vir mais incentivo do próprio governo, eu não sei, porque vai mexer
com o lado econômico, né? Talvez é difícil pro governo, pois tem muito a questão
econômica, ? E devia ter mais, o projeto ser mais inserido dentro da empresa
[EMATER] com mais força, para que a gente pudesse usar mais o nosso tempo
com agroecologia, ter algum tipo de... os cnicos serem mais treinados na nossa
região, poucas pessoas que têm uma base, deviam todos terem, pra que eles
pudessem ir lá na base informar (Eduardo).
Com os elementos expostos, é possível afirmar que a sedimentação das representações sociais
dos extensionistas tem forte relação com a difuo destas representações por eles. Quanto
mais agricultores estão envolvidos com atividades agroecológicas, mais constantemente
ocorreria os processos de objetivação/ancoragem, mais resultados positivos apareceriam e
seriam conhecidos pela população, trazendo mais adeptos, gerando, assim, um ciclo positivo.
Entretanto, como mencionado, é necessária ajuda, tendo o governo maior potencial de
colaboração.
170
6.3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
AGRICULTORES
Neste tópico, é analisado o processo de institucionalização das representações sociais dos
agricultores agroecológicos, dividindo-se o processo em três etapas: Inovação do senso
comum; Objetivação e ancoragem das representações sociais; e Sedimentação: representação
dos agricultores aceita socialmente.
Dentre os três atores entrevistados, os agricultores são os que sofrem, certamente, a mudança
mais radical durante o processo de institucionalização, sendo, portanto, o mais difícil e com
maior índice de desistência, como poderá ser observado nas discussões a seguir.
O processo descrito nos tópicos seguintes tem como base a figura:
FIGURA 8 - Processo de institucionalização das representações sociais dos agricultores
Fonte: Construído pelo autor com base em Berger e Luckmann (1996); Minayo (1996; 2002); Moscovici (2004);
Jovchelovitch (2000); Takahashi e Fischer (2007); Tolbert e Zucker (2007); e dados de pesquisa.
6.3.1 Inovação do senso comum
Para melhor compreender a principal fonte de inovação no senso comum dos agricultores, é
necessário, primeiramente, revisar o conceito de Jodelet (2001, p. 8), sobre a representação
social: “uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, que tem um
171
objetivo ptico e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”.
As representações são criadas para informar o homem sobre o mundo a sua volta, construir o
conhecimento sobre como se comportar, dominá-lo físico e intelectualmente, identificar e
resolver os problemas que se apresentam.
Sendo assim, o curso de capacitação pelo qual os agricultores aprendem sobre a agroecologia
é um importante meio de construção de representações sociais, pois engloba todos os
elementos citados por Jodelet (2001): é compartilhada, constrói a realidade dos agricultores,
molda seu comportamento e tem o objetivo de resolver problemas. André explica:
Que, pra começo, tem sempre que ter um curso, tem mais ou menos assim, o sico
assim, de como fazer, porque tem que primeiro converter a cabeça. Você
convertendo a cabeça, aí fica tudo mais fácil... Se não tiver a cabeça feita, você não
consegue, você vai, quando vê... qualquer probleminha você abandona, é o que
aconteceu com um monte, né? Não me lembro ao certo se eram vinte e seis que
fizeram os cursos, e hoje estamos em quatro... Então não é fácil (André).
Entretanto, é necessária uma motivação inicial para os agricultores optarem a fazer o curso.
Anderson cita que problemas com o processo produtivo, como insetos, foi o que lhe motivou:
uns anos atrás eu já quis começar porque tinha muito problema. Com os
insetos... a gente mais fala disso daí porque é o que dá mais problemas... aí foi onde
eu pensei em fazer, porque nem sabia por onde começar, né? Depois teve um curso,
aí eu fiz. Mas o que mais tinha problemas era com os insetos, passava veneno todo
dia e ainda tinha problemas. Hoje a gente não passa e temos menos problemas
(Anderson).
Arnaldo e Annia citam problemas de saúde como principais motivadores: “(...) eu tive
problema de saúde com veneno, o que me incentivou a entrar na cultura de orgânico, né?
(Arnaldo). “(...) Porque eu tenho um pouco de problema de quando era criança e trabalhava na
lavoura e meus pais passavam no café, né? Então eu não me dou muito com veneno. A
diferença é essa mesmo, pois veneno nunca mexia mesmo, pela minha saúde mesmo, né?
(sorriso)” (Antônia).
Outro importante fator motivador para se buscar a capacitação é a promessa de melhores
condições financeiras, promessa esta realizada, principalmente, para os produtores de acerola
orgânica. Amara fala: “O preço do orgânico é bem mais alto que o convencional, né? Que é
mais baixo, e nem tem tanta saída como o outro, o orgânico interessa mais, e pra gente
também é mais lucro, né?”.
172
Sendo assim, é possível identificar os fatores de desejo e emoção que os levam à ão de
buscar o curso de capacitação da EMATER, sendo eles: problemas no processo de plantio,
problemas de saúde e promessas de melhor faturamento.
6.3.2 Objetivação e ancoragem das representões sociais
A objetivação das representações sociais adquiridas com o curso de capacitação realiza-se de
uma forma precisa e um novo padrão de atuação: o abandono definitivo de venenos,
agrotóxicos e agroquímicos. Caso o produtor rural volte a utilizar alguns dos produtos
mencionados após o curso de capacitação, é porque não conseguiu objetivar os conceitos da
agroecologia.
Considerando a importância que era dada aos produtos mencionados, esta objetivação exige
uma mudança radical dos agricultores, como mencionado por Arlete: “Tudo, né? Hoje o se
pode plantar nada com adubo, se você for por adubo, não pode, né? Se você for plantar não
pode usar nada que tem veneno, né?”. Analisando os discursos, é possível perceber uma
alteração da realidade dos agricultores de forma tão aprofundada, que o processo de
ancoragem se torna o mais complexo dos três atores analisados, pois a realidade convencional
que estava institucionalizada é alterada em sua base, restando pouco dela para se ancorar as
novas representações sociais, tornando este processo mais penoso para os agricultores, devido
às grandes diferenças existentes entre os dois sistemas de plantio: “(...) a gente muda bastante,
é uma conversão mesmo, bastante mudanças, tem que mudar a mentalidade e a propriedade,
um monte de coisas” (Ana).
De acordo com os discursos dos agricultores, fica claro que o principal obstáculo a ser
superado nesta segunda etapa do processo de institucionalização das representações sociais é
o processo de transição: No início é dicil... porque é difícil... quando você muda é
beeemmm complicado. Você começa, e quando acha que está bom, vem uma infestação e
acaba com tudo. É bem difícil...” (Ana).
Passando por este obstáculo, é um indicador de que os padrões de atuação estão
internalizados, assim como as crenças e valores.
173
Para não utilizar mais os produtos do agronegócio, é necessária uma série de mudanças nas
crenças e valores dos agricultores (pressupostos orientadores). o citados, abaixo: respeito à
natureza, paciência e carinho.
André cita: Acho que, em primeiro lugar, respeitar a natureza, respeitar aquilo que Deus
deixou mais ou menos da maneira que Ele deixou, né? A natureza, acho que isso é uma das
principais coisas que temos que aprender”.
No convencional, você ia e passava um veneno, ou um adubo, por exemplo: não
crescia o negócio, vojogava um adubo e rapidinho saía. No orgânico não, você
tem que esperar a hora certa, então você começa a ter paciência, com tudo. Você
começa a ter paciência ali, e vai se acostumando a ter paciência (risos) (Andressa).
Para Antônia, uma das principais mudanças ocorridas após o curso de capacitação foi: “Eu
acho que a maneira de pensar, né? Porque antigamente a gente pensava, a gente aprendeu com
os pais da gente que se não fosse na base do veneno, nada ia pra frente, né? E não é bem
assim, se você tiver um pouco mais de trabalho e carinho, não precisa dessas coisas”.
Desta forma, é possível mencionar que as crenças, valores e padrões de atuação dos
agricultores poderão ser considerados internalizados quando ele concluir o processo de
transição, que é o principal responsável pela desistência dos agricultores que estão entrando
no sistema agroecológico.
6.3.3 Sedimentação: representação dos agricultores aceita socialmente
Passando pelo processo de transição, a certificação orgânica é consequência. A certificação
orgânica, por si só, já é um mecanismo de legitimidade solicitado por regulamentação do
governo e por parcela da sociedade. Entretanto, mesmo com a certificação orgânica, ainda é
necessário que os consumidores se conscientizem da necessidade de consumir produtos
orgânicos, tanto para a saúde, como para incentivar um sistema que preserve a natureza, como
André menciona:
(...) o difícil é estar tentando convencer as pessoas a comprarem e demonstrarem
interesse por aquele produto. Por enquanto, a gente ainda escorrendo atrás do
consumidor. (...) Gostaria, assim, de pedir que as pessoas, assim, que os políticos,
? Que eles... se envolvessem mais nesse campo do orgânico, porque são pessoas
que pensam diferente, que tão mais interessadas pela saúde da humanidade
(André).
174
Mesmo após passarem pelo curso de capacitação, muitos dos agricultores entrevistados
revelaram não acreditar que o sistema agroecológico realmente daria certo. Na terceira etapa
do processo de institucionalização das representações sociais dos agricultores, destaca-se
como sendo de grande imporncia a observação dos resultados positivos de seu esforço,
fazendo com que o agricultor não se arrependa de ter escolhido este caminho: “Não, não
acreditava. Foi difícil acreditar, foi difícil pensar que em um dia eu conseguiria produzir sem
usar agrotóxico” (André). “Não, jamais pensava, achava que ela nem ia pra frente (risos).
Hoje em dia, a gente olha, a gente que não é bem aquilo, pode ser natural as coisas”
(Annia). “Pensava que não, pensei que seria que nem o maracujá, mas foi bem errado o que
pensei. Agora eu sei que é uma realidade e uma vitória, pensamos em fazer e tentar, e graças a
Deus deu certo. Eu me sinto bem e me sinto feliz” (Amara). A habitualização da não-
utilização do veneno leva tempo, Andressa expõe que um sentimento de desespero é normal
no início:
o. Eu achava que não conseguia tirar nada orgânico, sem veneno, porque a gente
era acostumado, né? Dava uma lagarta e você ia lá e passava um veneno, e quando
comecei a plantar e começou a dar lagarta o que que eu faço agora?, que é
difícil, né? Avocê acertar aí, difícil, mas devagarzinho voconsegue, mas no
começo vo se bate bastante (Andressa).
A etapa da sedimentação é mais simples para os agricultores do que para os outros dois atores
entrevistados. Entretanto, chegar nesta etapa é o que se demonstra difícil. Realizando todo o
processo de transição de forma adequada, a certificação é apenas uma consequência, não
exigindo grande esforço dos agricultores. A melhora na saúde do agricultor e de sua família e
no meio ambiente são perceptíveis antes mesmo de terminar o processo de transição; a
melhora financeira, percebe-se a partir do momento em que se consegue a certificação
orgânica, embora a aceitação do mercado ainda não seja a ideal. De fato, o principal obstáculo
para a institucionalizão das representações sociais dos agricultores nesta terceira etapa é a
aceitação do mercado que ainda não é satisfatória para os produtores de hortaliças, sendo que,
para os produtores de acerola, a aceitação do mercado é acima das expectativas iniciais.
175
6.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ATORES ENVOLVIDOS
Analisando o processo de institucionalização dos três atores pesquisados, é possível afirmar
que o comportamento do conjunto organizacional reflete escolhas conscientes e interesses
racionais, pois, nos três casos, trabalhar com a agroecologia foi uma opção do próprio ator.
Para os pesquisadores e extensionistas, percebe-se uma menor dependência de convenções,
rotinas e hábitos para a formação de suas representações sociais, devido ao alto nível de
conscientização sobre o objeto representado que possuem; os agricultores são mais
dependentes de rotinas e hábitos, além de necessitarem de convenções para
institucionalizarem suas representações.
Isso ocorre devido à mudança radical em sua realidade, que origina aumento de trabalho e
grandes dificuldades no processo de transição. A escolha do agricultor pelo sistema
agroecológico apresenta um menor nível de consciência do que dos outros dois atores.
Desta forma, fica evidente que os atores aceitaram a instituição da agroecologia pela
recompensa que ela proporciona. No caso dos extensionistas e pesquisadores, esta
recompensa é principalmente no nível social, preocupando-se com os problemas originados
pelo sistema convencional de produção de alimentos em todo o mundo e sentindo necessário
o seu papel na contribuição para melhorar este quadro.
Os agricultores, por outro lado, m uma preocupação predominantemente individual,
buscando, primeiramente, recompensas como melhora de saúde e da situação financeira. Não
foi percebida, por meio dos discursos analisados, a sensação de não possuírem alternativas, e
o sentimento de obrigatoriedade foi observado em apenas uma pesquisadora, que iniciou os
trabalhos agroecológicos por coerção do IAPAR, mas que depois começou a realmente se
interessar pela agroecologia; estas duas características comuns nos atores, ao se trabalhar com
o processo institucional, de acordo com Scott (2001), o foram predominantes nesta
pesquisa.
Usando como base Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (2000), pode-se entender que a
aceitação da agroecologia para o ator envolvido depende muito do conjunto de crenças e
176
valores comuns que permeiam as visões e interpretações individuais, representando um
sistema cognitivo compartilhado ou grupal, sendo denominado script, quando reflete uma
ação. Ou seja, o as crenças e valores comuns que levam à ação, sendo um dos responsáveis
pela inovação no senso comum.
Para pesquisadores e extensionistas, isso se traduz na preocupação com a sustentabilidade
ambiental e qualidade de vida da sociedade, e na crença de que a agroecologia é a alternativa
mais apropriada de produção de alimentos. Para os agricultores, pode-se dizer que o script é
relacionado com o desejo por uma melhor qualidade de vida dele e sua família e a crença de
que a agroecologia pode propiciar melhor saúde e condições financeiras.
Os principais meios de difusão da agroecologia percebidos pelo presente trabalho foram: a
formação acadêmica e o IAPAR para os pesquisadores, a formação acadêmica e colegas de
profissão para os extensionistas e a EMATER para os agricultores. Nota-se que o principal
mecanismo isomórfico encontrado foi o normativo, sendo o coercitivo observado em apenas
uma pesquisadora.
O mecanismo isomórfico mimético, embora não sendo perceptível nos discursos analisados,
estão começando a ocorrer com alguns agricultores da cidade de Umuarama, pois vizinhos de
propriedade, percebendo os benefícios da agricultura orgânica, estão começando a imitá-los e
a demonstrar interesse em converter a sua propriedade para a produção orgânica.
Analisando, de acordo com a tri-dimensionalidade da Teoria das Representações Sociais
mencionada por Castro e Batel (2008), o presente trabalho expôs fatores psicológicos
individuais (medo/desaprovação do uso de agroquímicos, sentimento de solidão e satisfação,
etc.), contextual/relacional (o relacionamento dos atores com colegas e com os outros atores
entrevistados) e institucional/cultural (práticas institucionais do IAPAR e EMATER). Estas
três dimensões precisam co-existir no processo institucional. Devido à aliança teórica deste
estudo, as duas primeiras dimenes ficaram evidentes no pico referente às representações
sociais, havendo apenas na terceira dimensão a necessidade de comentários adicionais.
Observando-se pela ótica da dimensão institucional/cultural, nota-se que as principais
instituições responsáveis pelas inovações no senso comum dos pesquisadores, por exemplo,
o a família e as instituições de educação básica, responsáveis por construir as crenças e
valores e, depois, a universidade, que deu a oportunidade e o conhecimento para eles
exercerem sua profissão de acordo com suas crenças e valores previamente construídos.
177
Já para os extensionistas, acrescenta-se a instituição EMATER, de forma indireta, por permitir
que extensionistas convencionais trabalhem ao lado de extensionistas agroecológicos,
despertando a curiosidade de alguns extensionistas convencionais a respeito das técnicas
agroecológicas. Para os agricultores, a EMATER é a principal instituição responsável pela
inovação no senso comum, embora as crenças e valores adquiridos com a família influenciem
no processo de aceitação dos novos pressupostos orientadores.
Assim como na análise das representações sociais, aqui também se faz necessário expor que o
processo institucional é recursivo. Ou seja, o homem não é apenas um ser passivo que aceita
tudo o que é passado a ele; o homem pode escolher e, desta forma, influenciar a sociedade em
que vive. Essa característica fica bem evidente, principalmente na institucionalizão das
representações sociais dos agricultores, na qual os extensionistas travam uma verdadeira
batalha para manter o agricultor motivado no período de transição, tentando fazê-lo optar por
continuar no sistema agroecológico.
O período de transição é a “prova de fogo da persistência do agricultor, e é também o
processo pelo qual o sistema convencional começa a se desinstitucionalizar. A influência dos
extensionistas e pesquisadores na construção social da realidade são notáveis ao percebê-los
como agentes de mudanças, buscando sempre fortalecer a agroecologia com a criação de
conhecimento e adquirindo novos integrantes e aliados.
O papel dos pesquisadores e extensionistas na construção social da realidade também pode ser
observado analisando a dinâmica das relações entre os atores na formação/manutenção das
representações sociais. O papel do pesquisador é a criação do conhecimento e, devido ao fato
da agroecologia não receber incentivo do setor privado, o IAPAR pode ser considerado um
dos principais pólos de pesquisa agroecológica do estado do Paraná, ao lado do EMBRAPA e
do CPRA.
Seu apoio ao extensionista com o fornecimento do conhecimento apenas não é maior devido
às limitações mencionadas no presente estudo. Resultados de pesquisa muitas vezes são
usados em sala de aula, contribuindo para originar inovação do senso comum em potenciais
colaboradores. Não houve menção do IAPAR por parte dos agricultores entrevistados,
podendo-se afirmar que a influência do IAPAR sobre os agricultores é apenas de forma
indireta, por meio dos conhecimentos adquiridos pelos extensionistas.
178
É provável que os agricultores de regiões próximas a Londrina e Ponta Grossa (cidades onde
se concentra a maioria das pesquisas agroecológicas) sintam a influência dos pesquisadores de
forma mais direta, sendo necessários outros estudos para confirmar. O mesmo vale para a
interação entre pesquisador e extensionista, que tende a ser maior nestas regiões, como citado
pelos pesquisadores entrevistados.
os extensionistas, como mencionado anteriormente, possuem papel fundamental para a
formação/manutenção das representações sociais dos agricultores, não existindo atualmente
nenhum outro ator que possa exercer o papel de disseminador do conhecimento agroecológico
para os agricultores.
O resultado positivo conseguido com os agricultores, mesmo, muitas vezes, sendo abaixo do
esperado, encoraja pesquisadores e extensionistas a continuarem com seus trabalhos, assim
como incentiva a entrada de novos colaboradores. Pode-se afirmar que o papel na
formação/manutenção das representações sociais desenvolvidos pelos atores atua de forma
recursiva, influenciando e sendo influenciado pelo resultado de seus trabalhos, que depende
da integração das ações dos atores aqui mencionados.
Entre os fatores externos de maior influência no processo de institucionalização das
representações sociais, destacam-se as políticas públicas. Os pesquisadores mencionaram que
a nova política de crédito para pesquisas incentiva áreas agroecológicas e, com isso, uma
quantidade maior de pesquisa está sendo aprovada; antes disto, a falta de recursos financeiros
era o maior problema para a realização das pesquisas, como apontado pelos entrevistados.
Extensionistas expõem que a EMATER poderia dar maiores incentivos, fornecendo mais
cursos e possibilitando que o extensionista utilize maior parte de seu tempo com ões de
extensão agroecológicas, pois ainda há exigência da instituição para que os extensionistas
trabalhem com o convencional, mesmo sendo contra os valores e crenças do extensionista.
Para o agricultor, a situação era mais grave, pois, para conseguir algumas formas de crédito,
ele era obrigado a adotar o sistema da Revolução Verde, proliferando, assim, o uso de
produtos do agronegócio; atualmente, o governo fornece crédito para ajudar o agricultor a
passar pelo período de transição na conversão do sistema convencional para o agroecológico.
179
Sendo assim, o apoio político na área agroecológica é fundamental, justamente por esta área
não possuir investimentos do setor privado. Políticas públicas podem ser uma força
institucionalizadora ou desinstitucionalizadora.
Comparando-se o processo institucional dos três atores, pode-se dizer que o dos pesquisadores
é o mais demorado, iniciando na faculdade, com a descoberta da existência da agroecologia,
realizando estágios e pesquisas, passando pelo mestrado, doutorado e realizando suas
pesquisas no IAPAR. Devido à profundidade do conhecimento necessário para as pesquisas, a
teorização é uma longa etapa que está sempre em processo de realização.
Pedro afirmou que apenas após dez anos é que começou a se sentir seguro para realizar
pesquisas de campo. Na etapa da legitimação, possivelmente o maior obstáculo é o poder do
agronegócio, que exerce influência em nível político, e os colegas pesquisadores, que tratam a
agroecologia com preconceito. Devido à grande divulgação dos “benefícios” dos
agroquímicos, o método convencional é visto como o correto por boa parte da sociedade,
dificultando a aceitação da agroecologia.
Os extensionistas, por sua vez, têm problemas com a falta de apoio do governo e com a falta
de conhecimento da sociedade dos produtos agroecológicos, que poderia ser solucionada com
a maior participação do governo. A falta de interesse do setor privado faz com que o setor
público seja a única alternativa para realizar os investimentos necessários. Devido a este fator,
a etapa mais complicada para este ator também é a legitimação.
Assim como no nível organizacional, extensionistas e pesquisadores também encontram
valores, crenças e padrões de atuação que reforçam o modelo convencional no campo. Muitos
agricultores são céticos com as mudanças necessárias para a transição para o sistema
agroecológico, e poucos optam por iniciá-las e, devido às grandes dificuldades nesta etapa,
como queda no volume de produção e na conformidade visual do alimento, o percentual de
desistência é grande. Muitas cooperativas e associações de produtores, por estabelecerem
como padrões produtos convencionais, também reforçam o sistema convencional no campo.
os agricultores precisam realizar o processo de institucionalização da forma mais rápida
entre os três atores. Por ser a mais rápida, também é a mais intensa, pois eles precisam receber
uma enorme quantidade de conhecimento em tempo suficiente para o processo ser
economicamente viável para eles. Por este motivo, o seu processo de objetivação e ancoragem
é a etapa mais complexa entre os atores estudados. É a única que causa desistência em seus
180
participantes. O fato de não poderem mais utilizar agroquímicos altera sua forma de trabalhar
radicalmente, na base de tudo que ele conhecia. Entretanto, passando por esta etapa, a
legitimação com a certificação é mais fácil, necessitando apenas de um maior reconhecimento
por parte dos consumidores, que, com exceção dos produtores de acerola, reclamam que o
retorno financeiro ainda é menor do que o merecido pelo seu trabalho.
181
7 CONCLUSÕES
Este trabalho teve como objetivo compreender a institucionalização da representação social da
agroecologia para pesquisadores do IAPAR, extensionistas da EMATER e produtores rurais da
agricultura familiar que trabalham com ela, com base nas crenças, valores e padrões de atuação
dos atores envolvidos na cidade de Umuarama-PR, no período de 2004 a 2009. Os sujeitos de
pesquisa foram agricultores familiares da cidade de Umuarama que trabalham com
agroecologia e outros dois atores que influenciam diretamente estes trabalhos: os extensionistas
da EMATER e pesquisadores do IAPAR.
O presente trabalho buscou resultados referentes à relação homem/natureza, visando a
sustentabilidade ecológica, econômica, social, cultural, política e ética, utilizando-se da Teoria
das Representações Sociais e Teoria Neoinstitucional. A Teoria das Representações Sociais
ajudou a compreender como se dá o processo de transformação do conceito de agroecologia do
universo reificado (ciência) para o universo consensual (senso comum) e a forma como
integrantes destes universos compreendem a agroecologia.
Por meio da Teoria Neoinstitucional, por sua vez, foi possível compreender como os processos
sociais, obrigações, realidades ou representações sociais assumiram uma condição de regra em
pensamento social e ação para o pequeno produtor rural da agricultura familiar, os
extensionistas da EMATER e os pesquisadores do IAPAR, no tocante à agroecologia.
Por meio de pesquisa documental, foi possível identificar trabalhos do IAPAR e da EMATER
que influenciam a produção agroecológica no Paraná, dando destaque à de hortaliças e frutas
agroecológicas da cidade de Umuarama. Não há aqui intenção de retomar a discução sobre
estes trabalhos e, sim, proceder a comentários conclusivos.
O PAG - Programa de Pesquisa em Agroecologia - é o espaço no qual os pesquisadores que
trabalham nesta linha de pesquisa possuem para integrar seus trabalhos e trocarem
informações, algo que era mais difícil quando as pesquisas agroecológicas eram realizadas em
mais de um programa.
Visando sempre processos participativos com abordagem sistêmica, o PAG tem se
demonstrado um importante meio de institucionalização de questões agroecológicas. Os
182
trabalhos agroecológicos são a única preocupação dos pesquisadores exclusivos do PAG,
havendo pesquisadores que também atuam em outros programas por demanda da instituão e
que gostariam de ter tempo para se dedicarem mais ao PAG. As pesquisas focam meios para
equilibrar a propriedade do agricultor e, assim, ele não mais precisar utilizar produtos
químicos e tóxicos.
Os trabalhos da EMATER, no tocante à agroecologia, são orientações prestadas aos
agricultores que pretendem entrar no sistema agroecológico e aos que já estão no sistema,
auxiliando também na comercialização em feiras e em contatos com cooperativas. O curso de
capacitação fornecido aos agricultores tem auxílio de diversas outras entidades, entre elas o
IAPAR.
A nova potica de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) valoriza os princípios
agroecológicos e, após a sua institucionalização, poderá ser um importante meio para
expandir os trabalhos agroecológicos pelo Brasil. Entretanto, no presente momento, são
poucos os extensionistas que trabalham com o sistema agroecológico de produção. Um dos
responsáveis por esta situão é a grade curricular dos cursos de agronomia, que privilegia as
técnicas de plantio difundidas durante a Revolução Verde.
As ações de extensão agroecológicas focam orientar o agricultor rural convencional sobre os
benefícios da agroecologia, além de assistir todo o processo de conversão e ajudar nos
eventuais problemas que ocorrerem após a transição.
Referente às representações sociais dos atores envolvidos, o conteúdo básico encontrado, sem
preocupação com níveis de intensidade, são os seguintes:
Para o grupo de pesquisadores do IAPAR, o objeto de pesquisa representa uma ciência
complexa que busca a sustentabilidade e o equilíbrio da produção de alimentos. Por se
tratar de uma nova perspectiva, sofre preconceitos e é subestimada por colegas
pesquisadores e também pelo próprio governo. Entretanto, é percebida como essencial
para a formação de um mundo melhor. O PAG é notado como uma instituição à parte,
na qual os trabalhos agroecológicos podem dar a prioridade que a agroecologia
precisa.
Para o grupo de extensionistas da EMATER, representa uma nova técnica para se
trabalhar a extensão rural em harmonia com o meio ambiente, respeitando a natureza e
183
oferecendo mais saúde ao produtor rural e sua família. O extensionista passa a ser um
motivador e orientador agroecológico, tentando fazer mais agricultores aderirem a este
sistema e motivando-os para que não desistam no processo. Os agrotóxicos e
agroquímicos são percebidos como os principais vilões do agricultor, prejudicando a
qualidade dos alimentos e a saúde do produtor e de sua família. Assim como os
pesquisadores, os extensionistas também sofrem preconceitos por colegas que não
entendem a agroecologia, e não possuem apoio suficiente do governo.
Por sua vez, os agricultores familiares que trabalham com a agroecologia a
representam como um nicho de mercado e um método mais saudável de produção,
que, por consequência, é benéfico para o meio ambiente. É um método que precisa de
preparação, pois a ausência de produtos tóxicos e químicos gera uma mudança radical
em sua forma de trabalho. Embora seja mais trabalhoso e solitário, é importante para a
qualidade de vida e para o fornecimento de produtos de melhor qualidade.
Os três atores percebem a agroecologia como benéfica para a qualidade de vida dos
envolvidos e para o meio ambiente, referindo-se ao objeto de estudo com respeito e
admiração. Embora haja leves diferenças nesta representação entre os atores, todas carregam
o mesmo tom: o jeito correto de produzir alimentos. Os pesquisadores enfatizam a
sustentabilidade, os extensionistas enfatizam o equilíbrio ambiental e a melhor qualidade dos
alimentos e os agricultores enfatizam a saúde e o melhor retorno financeiro.
O preconceito existe tanto para os extensionistas da EMATER como para os pesquisadores do
IAPAR. A grande maioria dos funcionários destas instituições segue o sistema convencional e
tem a visão de mundo de que esta é a única verdade possível, e isso gera um sentimento de
marginalização profissional por parte daqueles que têm diferentes perspectivas.
Os pesquisadores mencionam que esta situação foi pior e que esmelhorando; entretanto,
os extensionistas não percebem mudança para melhor nos últimos anos. Por sua vez, o
produtor de hortaliças apenas não possui o reconhecimento do mercado que gostaria e o
produtor de acerola não possui nenhuma forma de coerção da sociedade.
A formação destas representações sociais possui similaridades, principalmente comparando-se
o processo de institucionalização para os extensionistas e pesquisadores. Os valores e crenças
que os motivaram a atuar na agroecologia, ao contrário do caso dos agricultores, vêm da
educação básica e familiar. No caso dos pesquisadores, eles também passaram pela disciplina
184
de agroecologia na graduação, mestrado, doutorado ou em treinamentos pprios do IAPAR;
já para os extensionistas, o contato com o conhecimento agroecológico veio de colegas,
sindicatos, agricultores ou da graduação, opção esta apenas para os formados recentemente.
No IAPAR, devido ao PAG, a agroecologia aparenta estar mais institucionalizada, ocorrendo
em alguns casos pressão institucional para que o pesquisador auxilie nesta linha de pesquisa.
O mesmo não ocorre na EMATER; pelo contrário, eles sentem algumas dificuldades para
atuarem na área, como falta de incentivos e treinamento. Já para os agricultores, o que os
motiva a entrar no sistema agroecológico são os problemas ocasionados pela Revolução
Verde, e a promessa de melhorias ao adotarem o sistema agroecológico.
O contato direto com as práticas agroecológicas é o que objetiva o conhecimento para todos
os atores. Crenças e valores como preservação ambiental e cuidado com a saúde são criados
ou aumentados nesta etapa. No caso dos pesquisadores e extensionistas, ainda resta uma
grande parcela da realidade institucionalizada para ancorar este novo conhecimento; no
caso dos agricultores, a mudança em sua realidade é tão radical, que resta pouco de sua antiga
realidade para se ancorar o novo conhecimento, tornando esta etapa do processo de
institucionalização a mais complicada para os agricultores, originando desistências para
aqueles que não internalizaram os valores e crenças no processo. A importância da atuação da
extensão nesta etapa para os agricultores é muito importante para minimizar as dificuldades
encontradas.
A percepção dos resultados positivos acontece com os três atores, sendo maior para o
agricultor, responsável direto pelas ações finais agroecológicas. Os pesquisadores e
extensionistas encontram resistência dos grupos que são contra a agroecologia, sofrendo
preconceitos e falta de apoio governamental.
As críticas frequentes são um fator que limita a institucionalização das representações sociais
para estes atores. para os agricultores de hortaliças, falta reconhecimento do mercado. A
falta de divulgação dos benefícios da produção agroecológica é um obstáculo para os três
atores, sendo os extensionistas e agricultores os que mais sentem as consequências.
Considerando os dois níveis mencionados por Caporal e Costabeber (2002) que o presente
trabalho propôs estudar - ecológica, econômica e social (primeiro vel); e cultural e potico
(segundo nível) -, são os pesquisadores que apresentam a maior consciência sobre a
necessidade de relação entre eles.
185
Representações como “Busca da sustentabilidade e equilíbrio” expõem uma preocupação
com o primeiro nível como um todo. Os pesquisadores compreendem que o conhecimento por
eles construído e técnicas desenvolvidas também necessitam considerar os hábitos dos
agricultores enraizados em sua cultura. Isso fica evidente na representação “Produtores
rurais convencionais como potenciais colaboradores”, na qual os pesquisadores
mencionam que, mesmo que seus estudos não acarretem em mudanças radicais, podem
influenciar agricultores convencionais a adotarem práticas mais sustentáveis, respeitando o
processo de internalização dos agricultores.
Os extensionistas, por sua vez, apresentam grande preocupação com a dimensão ecológica do
primeiro nível, como mostra a representação “Harmonia com o meio ambiente”, e com a
dimensão econômica, pois auxilia os produtores na colocação de seu produto no mercado.
Entretanto, os discursos analisados demonstram pouco avanço na dimensão social, devido ao
sentimento de solidão presente tanto para os extensionistas como para os agricultores.
Para possibilitar uma maior integração social dos trabalhos agroecológicos, é necessária uma
maior participação do governo, como já discutido anteriormente. Nos cursos fornecidos pela
EMATER durante a etapa de transição da agricultura convencional para a orgânica, é feito um
trabalho intensivo de conscientização e busca-se apoio político, demonstrando ações no
segundo nível.
Já os agricultores demonstram uma preocupação quase exclusiva com o primeiro nível.
Representações como: Nicho de mercado mais lucrativo”, “Método que não agride o
meio ambiente”, e “Uma ilha solitária” demonstram claramente consciência das dimensões
econômica, ecológica e social, respectivamente, na ordem mais expcita em seus discursos.
Entretanto, por meio da análise utilizando a Teoria Neoinstitucional, quase não se perceberam
preocupações com o segundo nível, ficando implícita certa alienação neste quesito, como se
as mudanças necessárias e fatores institucionalizantes precisassem vir exclusivamente do
governo e os agricultores não tivessem responsabilidade sobre isto. Esta acomodação pode ser
atribuída ao traço cultural denominado patrimonialismo, no qual o governo, no papel de pai,
precisa satisfazer as necessidades do cidadão, no papel de filho.
Sendo assim, conclui-se que o objeto da representação e institucionalização é uma realidade
que possui obstáculos por ir contra a corrente moderna de pensamento vigente. As
representações remodelam e reconstituem elementos do ambiente, fornecendo o sentido por
186
meio da objetivação e ancoragem em um processo cíclico, pois o ator precisa voltar às suas
referências ao ancorar as novas representações sociais obtidas.
São estas conclusões que o exercício desta pesquisa gerou. Como recomendações para futuras
pesquisas, sugere-se que sejam realizadas investigações sobre a desinstitucionalização do
sistema convencional de produção e da institucionalização dos valores agroecológicos para
consumidores atuais e potenciais de produtos orgânicos.
187
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193
APÊNDICES
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Destinatário: Produtores Rurais da Agricultura Familiar
Questão 1 – Conte-me um pouco sobre sua história de vida no campo.
Questão 2 - Fale sobre seu dia-a-dia no campo atualmente.
Questão 3 - Fale sobre seu dia-a-dia no campo antes de iniciar a produção orgânica.
Questão 4 - O que mais lhe chamou a atenção na produção orgânica? Por que ela teve início?
Fale sobre sua experiência com produção orgânica/agroecológica.
Questão 5 - O que teve que aprender para produzir produtos agroecológicos? O que teve que
mudar em sua propriedade e em sua maneira de trabalhar?
Questão 6 – Como é o mercado dos produtos orgânicos?
Questão 7 - Quais as vantagens do modelo agroecológico, comparado ao convencional?
Questão 8 - Quais as desvantagens do modelo agroecológico, comparado ao convencional?
Questão 9 - Você consome os produtos orgânicos? Você gosta de consumi-los?
Questão 10 - Você acredita que está fazendo a diferença produzindo agroecologicamente?
Acreditava antes de iniciar a produção?
Questão 11 - O que mudou na sua vida após o início da produção orgânica?
Questão 12 - Para você, o que significa produção agroecológica/orgânica?
Questão 13 - Gostaria de falar mais alguma coisa?
194
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Destinatário: Pesquisadores do IAPAR
Questão 1 - Para você, o que é agroecologia?
Questão 2 - Fale sobre o PAG - Programa de Pesquisa em Agroecologia.
Questão 3 – Fale-me sobre a sua rotina de trabalho.
Questão 4 - Fale sobre sua experiência com a agroecologia.
Questão 5 - Como e por que você entrou no campo da pesquisa em agroecologia?
Questão 6 - Já fez pesquisa com outro tipo de produtos, que não os orgânicos/agroecológicos?
Questão 7 - Há diferenças entre trabalhar no campo da pesquisa de produtos agroecológicos e
convencionais? Quais?
Questão 8 - Você dá preferência para consumir produtos orgânicos?
Questão 9 - Em sua opinião, qual é a sua contribuição ao realizar pesquisas sobre
agroecologia?
Questão 10 – Quais as maiores dificuldades na pesquisa agroecológica?
Questão 11 - Gostaria de falar mais alguma coisa?
195
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Destinatário: Extensionistas da EMATER
Questão 1 - Para você, o que é agroecologia?
Questão 2 - Fale sua experiência com este tipo de trabalho. Conte-me como você começou a
se interessar por agroecologia.
Questão 3 - O que mais lhe chamou a atenção nas ações de extensão de agroecologia?
Questão 4 - Quais as vantagens da produção agroecológicas?
Questão 5 - Quais as desvantagens da produção agroecológica?
Questão 6 – Fale-me sobre a sua rotina de trabalho.
Questão 7 - Como você se sente trabalhando com agroecologia?
Questão 8 - Quais são as noções/regras básicas sobre agroecologia que você tem que passar ao
produtor rural?
Questão 9 - Você acredita que está fazendo diferença com as ações de extensão sobre
agroecologia? Acreditava que poderia fazer diferença antes de iniciá-las?
Questão 10 - Você dá preferência para consumir produtos orgânicos?
Questão 11 - O que mudou na sua vida após o início da ação de extensão da agroecologia?
Questão 12 - Gostaria de falar mais alguma coisa?
196
Editoração e Revisão da Língua Portuguesa:
BRUHMER CESAR FORONE CANONICE
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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