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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA
Valéria Paim de Lima
REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA NA AMÉRICA LATINA: A (RE)EMERGÊNCIA DA
IDENTIDADE INDÍGENA NA BOLÍVIA
RIO DE JANEIRO
2010
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VALÉRIA PAIM DE LIMA
REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA NA AMÉRICA LATINA: A (RE)EMERGÊNCIA DA
IDENTIDADE INDÍGENA NA BOLÍVIA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História
Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em História Comparada.
Orientadora: Maria Conceição P. de Góes
Co-orientadora: Raquel Paz dos Santos
RIO DE JANEIRO
2010
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Lima, Valéria Paim
Revolução democrática na América Latina: A (Re) Emergência da
Identidade Indígena na Bolívia/Valéria Paim de Lima, 2010.
112 f. ; il.Orientadora: Professora. Drª. Maria Conceição Pinto
de Góes. Co-orientadora: Raquel Paz dos Santos.
Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História
Comparada, Rio de Janeiro, 2010.
1. Colonização, independência e rebeliões. 2. História política
da Bolívia. 3. O Fenômeno da (Re) emergência das Identidades
Étnicas I. Título.
VALÉRIA PAIM DE LIMA
REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA NA AMÉRICA LATINA:
A (Re)Emergência da Identidade Indígena Na Bolívia
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História
Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
História Comparada.
Aprovada em
________________________________________________________
Profª. Dra. Maria Conceição Pinto de Góes (PPGHC/UFRJ)
_________________________________________________________
Profª. Dra. Raquel Paz dos Santos (PPGHC/UFRJ)
____________________________________________________________
Prof. Dra. Gracilda Alves (PPGHC/UFRJ)
___________________________________________________________
Profª. Dra. Vivian Grace Fernández Dávila Urquidi (EACH/USP)
AGRADECIMENTOS
Dedico este trabalho a minha família, por estar sempre ao meu lado nessa longa caminhada,
especialmente a minha mãe, melhor amiga, companheira e fiel escudeira, Valdelice Paim, por ser a
base do que eu sou;
À Leila Paim, minha irmã querida que, mesmo longe da vida acadêmica, esteve na
arquibancada torcendo até o final;
À Família Santos, especialmente a Sra. Sebastiana Santos, a querida Mãe Tiana, e suas
filhas Ângela, Fátima e Vera;
Aos Professores Nizar Messari, (PUC-RJ); Isa Lopes Coelho (UFRJ); Rosane Reis (UERJ),
Vivian Urquidi (USP), Andréia Cristina Frazão (UFRJ) e Hugo Suppo(UERJ).
Ao Amigo Aníbal Guimarães;
À Jornalista e amiga Lidia Pena que lutou bravamente em minha defesa no momento em que
a ignorância e a falta de palavra de um dirigente puseram em risco a minha participação neste curso;
À Pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa, Ângela Uller, e à Professora Jesse Jane de
Souza, do Departamento de História da UFRJ;
Aos 16 aprovados no curso de mestrado em Ciência Política da UFRJ, em 2007, que como a
autora desta tese, conseguiram ser realocados em outros cursos;
Aos meus sobrinhos “felinos” Katarina e Caetano, meus companheiros da madrugada;
E a todos os meus amigos que de certa forma ajudaram na realização deste trabalho.
LIMA, Valéria Paim de. Revolução Democrática na América Latina: A (Re) Emergência da
Identidade Indígena na Bolívia. 112 p. Dissertação (Mestrado em História Comparada)
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2010.
RESUMO
Neste estudo busca-se analisar a (re)emergência da identidade indígena na Bolívia, inserida na ação
política dos “novos” movimentos sociais, num cenário marcado pela crise de governabilidade na
América Latina nos últimos anos do século XX e no início do século XXI.
A justificativa para a realização desta dissertação baseia-se no retorno do indígena ao cenário
político durante a crise do Estado boliviano, que culminou com a renúncia do presidente Gonzalo
Sanchez de Losada − o Goni, do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR).
A ação coletiva indígena na ascensão dos governos de esquerda trouxe à tona o forte simbolismo
das lutas indígenas e a de seus principais líderes – Tupac Amaru, Tomás Catari e Tupac Katari – em
busca de uma democracia mais participativa e identificada com as necessidades e as principais
demandas de seu povo.
Palavras-chave: Identidade étnica. Indígenas. Movimentos Sociais. Neoliberalismo. Estado.
LIMA, Valéria Paim de. Revolução Democrática na América Latina: A (Re) Emergência da
Identidade Indígena na Bolívia. 112 p. Dissertação (Mestrado em História Comparada)
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2010.
ABSTRACT
This study aims to analyze the (re) emergence of the indigenous identity in Bolivia, inserted
in the political agency of the “new” social movements, in a scenario marked by the crisis of
governability in Latin America in the last years of the twentieth century and the beginning of
the twenty-first century.
The motivation for this dissertation was the return of the Indigenous people to the political
scenario during the crisis of Bolivian State that culminated with the resignation of president
Gonzalo Sanchez de Losada, Goni, from the Nationalist Revolutionary Movement (MNR-
Movimento Nacionalista Revolucionário).
The collective indigenous agency in the ascent of the left governments unveiled the
remarkable symbolism of the Indigenous fights and their main leaders – Tupac Amaru, Tomás
Catari e Tupac Katari – in search of a more participative democracy, identified with the needs
and principal demands of their people.
KEYWORDS: Ethnic Identity. Indian. Social Movements. Neoliberalism. State.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I: PROCESSO DE COLONIZAÇÃO, INDEPENDÊNCIA E
REBELIÕES 14
I - A QUESTÃO DA IDENTIDADE LATINO-AMERICANA 14
II - REBELIÕES DO PACHAKUTY 23
III - CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA NACIONAL E A PARTICIPAÇÃO 27
INDÍGENA NO PROCESSO POLÍTICO
IV- CRIAÇÃO DO KATARISMO 38
CAPÍTULO II: ANÁLISE COMPARATIVA DOS DOIS GOVERNOS DE SANCHEZ
DE LOSADA 41
I – O RETORNO DO MNR E A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA (NPE) 41
II – A ASCENSÃO E QUEDA DE SANCHEZ DE LOZADA 44
CAPÍTULO III: O FENÔMENO DA (RE) EMERGÊNCIA DAS IDENTIDADES
ÉTNICAS 67
I - O FENÔMENO DA (RE) EMERGÊNCIA E A REVOLUÇÃO
SOCIOCULTURAL 67
II - A POLÍTICA CULTURAL 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS 89
ANEXOS 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 107
8
INTRODUÇÃO
A (re)emergência da identidade indígena na Bolívia neste dissertação de
mestrado será analisada a partir dos dois mandatos do presidente Gonzalo
Sanchez de Losada, 1993/1997; 2002/2003, respectivamente, até a crise de
representatividade que atingiu o Estado boliviano, culminando com a eleição do
primeiro presidente indígena na Bolívia, Juan Evo Morales Ayma – indígena
aimará e líder dos plantadores de coca.
Para analisarmos este período marcado pela perda de credibilidade dos partidos
políticos e a ascensão dos movimentos indígenas como atores políticos em busca
de uma democracia mais participativa, utilizaremos os pressupostos do estudo
comparativo de História Comparada estabelecido pelas concepções de Marc
Bloch
1
. Entende-se por comparação histórica a busca sistemática por diferenças e
semelhanças, por divergências e convergências entre vários casos de
comparação”
2
. Segundo José D’Assunção Barros
3
, a história comparada é, antes
de tudo, uma “História Comparada Problema”, pois ela é construída em torno de
problematizações específicas, e não de curiosidades.
Desse modo, buscamos entender a importância do ressurgimento dos povos
indígenas que, desde o período colonial reconstroem a sua identidade frente aos
problemas ocasionados num primeiro momento pela colonização e, mais tarde,
por outros mecanismos de dominação, transferindo seus símbolos e suas formas
de luta para o momento atual.
1
BLOCH, Marc. Pour une historie compare des sociétes européens (1982). In: Mélanges Historiques. Vol I, Paris, 1983, p.17.
2
KAELBE, Hartmut. Die Debatte über Vergleich und Transfer Was Jetzt? In: http://geschichte-
transnational.clioonline.net/forum/type=artikel=574. Acesso em: maio 2009.
3
BARROS, José D’ Assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer a história. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro,
V.1, n° 1, jun. 2007 a, p.6.
9
Diferentemente do século XIX, voltado para a estruturação e consolidação
dos Estados nacionais, o século XX latino-americano foi marcado pela
emergência das massas no cenário político
4
. Tal emergência surgiu num cenário
marcado pela falta de confiança nas instituições políticas tradicionais, como
defensoras e promotoras dos interesses da população. A desilusão com o poder
estatal e os partidos políticos, que deixavam o povo à mercê de sua própria sorte,
levaram à emergência de atores, representando formas alternativas de disputa
hegemônica. Tais atores estão inseridos em movimentos sociais que, segundo
André Gunder Frank e Marta Fuentes, em Dez Teses acerca dos Movimentos
Sociais, são agentes importantes de transformação social e portadores de uma
nova visão.
No panorama internacional, as mudanças a partir de 1989 (após cinco
décadas de Guerra Fria enfrentamento político ideológico de EUA e URSS)
influenciaram o retorno dos movimentos étnicos ao cenário político. Além de
novos atores sociais e políticos (movimentos baseados na identidade étnica e
cultural), destacamos a globalização da economia, o recrudescimento dos
nacionalismos e a redução das funções do Estado.
No início do século XXI, o subcontinente latino-americano sofreu uma
“guinada à esquerda” com a chegada ao poder de diversas lideranças políticas. O
mapa político e o cenário econômico passaram por profundas transformações na
América Latina. Um exemplo disto foi a emergência de “novos”
5
movimentos
4
AGGIO, Alberto. A emergência de massas na política latino-americana e a teoria do populismo. In: LAHUARTE, Milton e AGGIO,
Alberto. Pensar o século XX: Problemas políticos e históricos nacionais na América Latina. UNESP, 2003. p. 137
5
Consideramos novos movimentos sociais porque eram atores sociais limitados, passando a atuar como sujeitos políticos e não mais como
coadjuvantes. Álvaro Garcia Linera, considerado um dos mais importantes teóricos dos movimentos indígenas e camponeses, afirma que
“o tema movimentos sociais foi um tema complicado quando surge novos atores em 2000 e 2001. Segundo ele, não estávamos diante de uma
clássica mobilização operária, pois a COB não mais existia como um núcleo unificador do movimento sindical. Desse modo, estes
movimentos podem ser vistos como uma mobilização pró-ativa da sociedade”. RAMÍREZ GALLEGOS, Franklin e STEFANONI, Pablo. La
Política de los movimientos sociales en Bolívia. Diálogo com Álvaro Garcia Linera, n° 25, Flacso, Quito, Ecuador, 2006. p. 97.
10
sociais, do poder indígena e da renovação política em busca de uma hegemonia
alternativa, que fez ressurgir um forte apelo nacionalista e antiglobalizante. A
eleição do primeiro presidente indígena foi o principal sinal da mudança política.
A ascensão de governos de esquerda (eleitos nos últimos anos do século XX
e no início do século XXI), na busca da construção de uma democracia mais
participativa, identificada com as necessidades e as principais reivindicações de
um povo, reacende a principal constante da história da Bolívia a instabilidade
política. Em um país com maioria indígena, uma das propostas do novo governo é
tentar minimizar a discriminação sofrida por estes durante séculos de exploração,
promovendo a igualdade entre os povos, o exercício da soberania nacional e a
“descolonização” do Estado e da sociedade.
Contudo, a atual recomposição da esquerda boliviana, pautada em
temáticas identitárias, fez emergir disputas políticas por parte das elites
regionalistas governadores e comitês cívicos (agrupamentos que reúnem
empresários comerciantes e políticos), que tentam a qualquer custo salvaguardar
seus interesses, uma retórica cada vez mais anti-indigenista e o aumento da
violência.
6
Esta luta evidencia também a divisão do país em duas partes: a Bolívia
de tradição indígena, pobre e nacionalista; e a Bolívia das terras baixas, moderna e
voltada para os interesses externos.
6
Isto ocorre porque os dirigentes dos quatro departamentos mais ricos da Bolívia – Santa Cruz de la Sierra, Tarija, Pando e Beni – chamados de Meia
Lua, impulsionaram amplo movimento de oposição ao governo de Evo Morales. Essa região ostenta diferenças étnicas, culturais e econômicas em
relação ao restante do país. Seus habitantes são brancos ou mestiços, em sua maioria, enquanto no altiplano predomina a população indígena.
11
Para compreender esta análise sobre o fenômeno do ressurgimento da
identidade indígena, pretendemos examinar, em perspectiva comparada, os dois
mandatos do presidente Gonzalo Sanchez de Losada para entender a importância
da questão indígena na política boliviana a luz dos processos de transformação
econômica e política no país e os impactos que a identidade nacional sofreu com
estas mudanças. Torna-se necessário, antes de tudo, uma análise histórica para
buscar uma melhor compreensão sobre a questão da identidade na América Latina
e sobre a formação do estado boliviano.
O ano de 1993 se justifica como marco importante da pesquisa porque
neste ano temos um representante dos povos indígenas como vice de Sanchez de
Losada, o então vice-presidente Victor Hugo Cárdenas Conde, líder do
Movimento Revolucionário Tupac Katari de libertação. A posição de Victor Hugo
foi importante para o país, pois, de acordo com alguns autores, sua presença no
governo do MNR criou novas instâncias de articulação entre as demandas e
propostas indígenas e o sistema democrático. Mais tais medidas não foram
suficientes para atender as demandas dos indígenas.
Este trabalho dividir-se-á em três partes. No primeiro capítulo,
analisaremos questões relativas à identidade na América Latina e a formação da
consciência nacional do povo boliviano. O período colonial é o nosso ponto de
partida para analisar a questão da identidade, pois a colonização é um marco
importante na construção da identidade devido ao “choque” cultural entre
europeus e índios. Em seguida, a partir de um marco fundamental da história do
país, conhecido como Revolução de 52, iremos analisar a construção da
consciência nacional e a participação dos povos indígenas no cenário político.
12
No segundo capítulo, partiremos para uma análise dos mandatos
presidenciais de Gonzalo Sanchez de Losada, visando examinar de que forma as
políticas implementadas por este governo estiveram voltadas para as principais
demandas de seu povo e se houve um interesse em integrar os indígenas à nação
de forma plena.
No terceiro e último capítulo, iremos voltar a nossa análise para a importância
do fenômeno da (re)emergência e suas implicações: a relação entre cultura e
política e a questão da cidadania. O fenômeno da (re) emergência possibilitou,
além da revolução democrática, uma revolução sociocultural.
13
“Bolívia vive hoy un proceso de modernización contradictorio,
tardio y excludente, porque Bolivia es un país, como muchos
otros de América Latina, cuya historia política, econômica
y sócio-cultural han ejado profundas huellas y abierto heridas
que aún hoy en dia persisten”
7
7
FERAUDY, Fabian II Yaksic: TAPIA, Luis. Bolívia: desde su fundación a la desrevolución. Bolívia: Muela del Diablo. Ed., 1997.p.13.
14
CAPÍTULO I
PROCESSO DE COLONIZAÇÃO, INDEPENDÊNCIA E REBELIÕES
“Bolívia ainda é uma ferida aberta do sistema colonial na América: uma
acusação ainda viva.”
(GALEANO, Eduardo)
I - A QUESTÃO DA IDENTIDADE LATINO-AMERICANA E A
FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA NACIONAL DO POVO BOLIVIANO
O período colonial é o nosso ponto de partida para analisar no primeiro
momento a questão da identidade. A colonização é um marco importante na
construção da identidade devido ao “choque” cultural entre europeus e índios e
outras formas de dominação inseridas pelos povos europeus. Eduardo Galeano, em
As Veias Abertas da América Latina, ressalta outras formas de dominação quando
afirma que a “epopéia dos espanhóis e portugueses na América combinou a
propagação da fé cristã com a usurpação e saqueio das riquezas nativas”.
8
A ideia de colonização
9
nos remete à desestruturação social e,
consequentemente, cultural de milhares de comunidades. Os povos que habitavam
a América eram desigualmente habitados entre si em diferentes estágios culturais
desde sociedades de “Baixa Cultura”, como os tapuias do Brasil, até as de “Alta
8
GALEANO, Eduardo H. As Veias Abertas da América Latina. 32° ed. São Paulo, Paz e Terra.1991, p.52
9
De acordo com o pesquisador argentino Walter Mignolo, é necessário distinguir “colonialismo” (espanhol, inglês,
português, francês) de “colonialidade”. Colonialismo se refere a momentos históricos específicos, enquanto colonialidade é a
lógica de repressão, opressão, despossessão, racismo. CONDE, Miguel. 200 anos do fim do império espanhol na América.
Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 16 jan.2010. Caderno Prosa & Verso, p.2.
15
Cultura”,
10
como os astecas, maias e incas (do grupo quéchua–aimará, localizados
na região andina).
A Conquista, realizada na fase do Mercantilismo e do capital comercial,
foi estruturada para obedecer as diretrizes fixadas pela política mercantilista e em
função deste capital, tornando a sociedade cada vez mais individualista e voltada
para um objetivo: o lucro. As minas de ouro e prata
11
do México e do Peru,
onde se encontravam as ricas minas de prata de Potosí (atual Bolívia), foram
consideradas o ponto de apoio da empresa colonial. A riqueza produzida na cidade
de Potosí deixou um rastro de 8 milhões de cadáveres de índios.
O domínio espanhol na América, obra de Francisco Pizarro, foi organizado
por meio de unidades político-administrativas denominadas Vice-Reinos Nova
Espanha; Peru; Nova Granada e Prata. O Vice-Reino do Peru exercia seu poder
em todo o território sul-americano submetido ao domínio espanhol, incluindo o
Alto Peru, nome dado a região que constituiria a base territorial do Estado
boliviano.
A era de revoluções no contexto internacional influenciou o movimento de
independência da maioria dos países latino-americanos, no período de 1811 até
1830. A partir disto, observamos uma transferência do comando das antigas
colônias latino-americanas do poderio ibérico para os ingleses. Esta nova etapa de
subordinação, ou um novo colonialismo interno, está ligada à busca pela
modernização destas antigas colônias, tendo como pano de fundo o capitalismo
10
Os povos de Baixa Cultura eram considerados aqueles que viviam da caça e da pesca. Já os povos de "Alta Cultura", como os incas, eram
os povos com um estágio cultural mais avançado, responsabilizando-se pela organização da produção, dividida em ayllus (terras comunais) e
por técnicas de produção avançadas.
11
No primeiro momento, a prata foi a principal fonte de riqueza, seguida do guano, do estanho e do volfrâmio.
16
mundial. Por meio da corrente liberal, a elite crioula almejou a esta nova fase sem
romper com os laços de dominação e dependência com o exterior.
Além disso, as revoltas de 1810 em Chuquisaca e La Paz, consequência do
declínio da economia do Alto Peru, são os primeiros movimentos de
independência a surgir na América espanhola. Os hispanos-americanos, os
primeiros a dar início ao movimento, foram os últimos a conquistarem a
independência.
O surgimento de um Estado independente entre o Peru e a Argentina
aconteceu em 1825. A nova república já nasceu morta, pois a região enfrentava
um período de estagnação econômica que refletiu, segundo Herbert Klein,
“no declínio de suas populações urbanas(...) As prósperas colônias
mineiras de antigamente emergiram em sua nova existência
republicana, como uma sociedade extremamente pobre, composta na
esmagadora maioria por índios camponeses”.
12
Ao mencionarmos a conquista da independência vale a pena lembrar que
o início do século XIX foi marcado por uma grande depressão no Alto Peru. No
contexto internacional a situação não era diferente. O governo imperial de Madri
entrava em colapso. Após Napoleão Bonaparte invadir a Espanha em 1806, a
população de Madri iniciou uma série de protestos contra o governo controlado
pelos franceses, principalmente após a renúncia do Rei da Espanha, Ferdinando
VII .
Diferentemente do século XVIII, quando ocorreu uma situação de
divisão no interior do governo espanhol, em 1808 o cenário não era o mesmo.
12
KLEIN, Herbert. Bolívia. Do período pré-incaico à independência. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 73.
17
No primeiro momento, as colônias eram passivas e o destino da Espanha, e de
seu império, foi decidido na Europa. Mas em 1808, a conquista da
independência do Haiti e dos Estados Unidos influenciou o pensamento na
América colonial. Além disso, a Revolução Francesa (1789-1815) proporcionou
uma nova ideologia que se alastrou por todos os países e um governo
republicano passou a ser considerado uma alternativa viável.
“As colônias estavam cientes do novo contexto internacional, o que
fica claro pela proliferação de conspirações e revoltas nos primeiros
anos do século XIX. Inicialmente, entretanto, a burocracia real teve
pouco trabalho em sufocar esses movimentos, pois as elites coloniais
negava-lhes apoio, temendo que pudessem se transformar em
sublevações populares. A sangrenta revolução haitiana era um alerta
tanto para as sociedades escravocratas como para aqueles que viviam
da exploração da massa indígena”.
13
Na Bolívia, bem como em outros países da América Latina, o discurso oficial
não reconheceu o caráter mestiço dos seus povos na construção do Estado
nacional na pós-independência (1825). Assim, o caráter indígena foi dissociado da
identidade coletiva do país.
O fim do sistema colonial proporcionou a construção dos Estados nacionais
latino-americanos, comandado por setores dominantes elite criolla que
estavam insatisfeitos diante da impossibilidade de não desfrutarem das vantagens
do desenvolvimento do capitalismo no século XIX.
Os criollos não tinham interesse em uma ruptura com a ordem vigente e
diante disso alguns autores, como Silvia Rivera Cusicanqui, acreditam na idéia de
“duas repúblicas”. Isto significa que predominava o modelo colonial herdado pela
13
KLEIN, op.cit., p.9.
18
República. Dessa forma, o índio e o criollo ocupavam posições diferentes na
sociedade, deixando claro que esta elite tinha o objetivo de consolidar o seu poder
na política econômica latino-americana, transferindo para o segundo plano as
questões sociais ligadas à liberdade e à igualdade. Um exemplo disto é que com a
independência, a elite crioula tomou como referência os valores da cultura
européia
14
, negando as tradições culturais latino-americanas. As lutas campesinas
junto com outras nacionalidades indígenas tentaram desarticular este modelo
colonial herdado pela República.
Acreditamos que a ideia de Darwinismo social
15
se relaciona ao período da
República, pois os setores dominantes tinham como objetivo a criação de uma
sociedade homogênea, sem se preocupar com aspectos étnicos marcando a divisão
de duas “Bolívias” e “sin indios que perjudiquen su desarrollo
16
”.
Contudo, para Renato Ortiz, o fato de o Estado ter antecedido à nação na América
Latina, não incluindo os diferentes sujeitos sociais, suas etnias e sua cultura,
explica a construção dos Estados nacionais e os problemas não superados até hoje.
Segundo o autor, foi necessário em alguns casos, inventar uma nação, o que quer
dizer uma “identidade nacional” para dar conta da coexistência de sociedades
diversas, origens, características culturais diferentes e agudos desníveis
econômicos.
De acordo com informações do Instituto Nacional de Estatística da Bolívia
(INE), o país tem cerca de 9 milhões de habitantes
17
. Em relação aos povos
indígenas “originários” na Bolívia termo que sintetiza todas as etnias e culturas
14
Isto é visto até hoje, principalmente por parte das elites regionalistas que lutam pela divisão do país.
15
Doutrina que aplica alguns princípios básicos da idéia darwinista de evolução – como as de seleção natural, luta pela existência, e
sobrevivência do mais apto – ao estudo e interpretação da vida humana em sociedade.
16
FERAUDY; TAPIA.op.cit,p.21.
17
Instituto Nacional de Estatística da Bolívia (INE). Disponível em : www.ine.gov.bo (acesso em: agosto 2009)
19
indígenas do país –, estes representam cerca de 60% da população, sendo os mais
expressivos os povos quéchuas e aimarás. A Bolívia
18
é dividida em nove
Departamentos
19
(La Paz, Potosi, Oruro, Pando, Cochabamba, Chuquisaca, Tarija,
Santa Cruz e Beni), conforme a tabela abaixo:
CENSO DE POBLACION Y VIVIENDA - 2001
POBLACION POR DEPARTAMENTOS, PROVINCIAS, SECCIONES
MUNICIPALES, LOCALIDADES Y ORGANIZACIONES COMUNITARIAS
Quadro I
CODIGO
CARTOGRAFICO
DESCRIPCIÓN POBLACIÓN HOMBRES MUJERES Nro. DE VIVIENDAS
00 BOLIVIA 8.274.325
4.123.850
4.150.475
2.290.414
01 CHUQUISACA 531.522
260.604
270.918
141.735
02 LA PAZ 2.349.885
1.164.818
1.185.067
723.598
03 COCHABAMBA 1.455.711
719.153
736.558
419.082
04 ORURO 392.641
195.458
197.183
128.715
05
POTOSÍ
708.823
345.452
363.371
220.763
06 TARIJA 391.226
195.305
195.921
99.121
07 SANTA CRUZ 2.029.471
1.025.222
1.004.249
474.228
08
BENI
362.521
188.898
173.623
71.016
09 PANDO 52.525
28.940
23.585
12.156
Fonte: INE,VAI,UNFPA. La Paz, noviembre 2003 - POBLACIÓN INDÍGENA Y ÁREA DE
RESIDENCIA, SEGÚN DEPARTAMENTO - CENSO 2001.
Desde a chegada das colônias espanholas, em 1550, as comunidades indígenas
aimará e quéchua foram submetidas ao regime de escravidão, resultando na morte
18
Situada no centro-oeste do continente americano, a Bolívia é uma das nações mais pobres, com alta taxa de analfabetismo e o menor
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América do Sul. O IDH do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)
varia entre 0 e 1 e avalia as conquistas de um país com base na expectativa de vida, acesso á educação e padrão de vida, medido pelo Produto
Interno Bruto per capita.
19
Em La Paz, Cochabamba, Oruro e Chuquisaca encontram-se a maior parte da etnia quechua e aimará do país. Já em Pando, Beni, Santa
Cruz e Tarija encontram-se as populações indígenas das etnias chiquitano, guarani e mojeño.
20
de mais de dois milhões de indígenas. Para se ter uma ideia, a população do México, em
torno de 25 milhões de habitantes, foi reduzida a um milhão.
O desenvolvimento dos reinos aimarás marcou o início da história boliviana. Este
grupo dominou os planaltos centrais desde o fim do século XII a a chegada dos
espanhóis no século XVI. A cultura e a arte desta etnia dominaram as regiões andinas e
a costa peruana desde o século VII até o século XIII.
Nesse contexto, o historiador Herbert Klein identifica sete grandes “nações de
povos de língua aimará, dividida em dois reinos separados. Lupaca e Colla (termo que
origem ao Qullasuyu) são os maiores dessas nações. A parte urcusuyu, dos Lupaca,
concentrava-se em centros fortificados nos topos das montanhas a oeste e sudoeste do
Lago Titicaca, com suas colônias agrupadas ao longo da costa do Pacífico. a parte
umasuyu, localizava-se nos planaltos do Leste.
Os Colla e os Lupaca controlavam a maior parte das margens do Titicaca, e,
juntamente com os Canas, sediados ao norte, eram considerados os mais importantes
dos reinos aimarás. Tais reinos organizavam-se por meio de uma complexa estrutura de
classes e corporações. Havia os ayllus, ou grupos de parentesco, cada qual dividido em
uma metade superior (hanansaya) e uma metade inferior (urinsaya). Para os índios era
vital ser membro de um ayllu, estrutura organizacional básica das populações andinas.
Considerados economicamente poderosos e ocupando a maior parte do altiplano e
das regiões leste e oeste, os aimarás eram a etnia predominante na Bolívia no final do
século XIV. Esta etnia no final do século XV passou a rivalizar com a nação de língua
quéchua, considerado o maior grupo indígena dos dias atuais.
A etnia quéchua se caracteriza, de acordo com Garcia Linera, como uma
comunidade lingüística. O idioma era utilizado pelas classes dominantes no Império
21
Inca, e com isso, estabeleceu-se a divisão com as comunidades dominadas que falavam
o aimará, e mantinham-se culturalmente e etnicamente preservadas dentro das
comunidades originárias.
Com o objetivo de manter a ordem e a unidade na estrutura de organização social,
os Incas tiveram como política uma unidade lingüística. Contudo, esta unidade não
extinguiu a multiplicidade de línguas existentes nas zonas dominadas por eles. As
principais eram a quéchua, aimará e mochica.
As comunidades quéchuas atualmente tendem a se associar a movimentos e
identidades classistas campesino-sindicais, como o cocalero. Assim, observamos uma
maior inserção deste grupo nas populações urbanas, sobretudo, nas entidades de classe
como operariado e professorado, com um discurso de cunho esquerdista que conclama
os movimentos sociais.
No caso do movimento aimará, identificamos a construção de um discurso cultural
autônomo, como afirma Linera:
“Diferentemente do resto das identidades culturais indígenas, é a que
conta com uma ampla elite cultural construtora de um discurso étnico
que através da rede sindical foi apropriado por amplos setores
populacionais, constituindo a única identidade de tipo nacional-
indígena da atualidade”.
20
De acordo com Vivian Urquidi, em O Movimento Cocalero na Bolívia, o
período do império Inca foi dominado pela etnia quéchua, que impôs sua estrutura
social e política sobre as demais sociedades indígenas. A etnia aimará, ao
20
GARCIA LINERA, A. Autonomia indígenas y Estado multicultural: uma lectura de la descentralización regional a partir de las identidades
culturales. Bolívia: FES-ILDIS. Disponível em: http://constituyentesoberana.org/info/?q=node/107
22
contrário da quéchua, foi dominada pelo governo incaico. Contudo, este grupo
não perdeu seus costumes.
21
Dessa forma a autora ressalta que:
(...) As conquistas da reforma agrária foram trabalhadas pela luta de
camponeses de origem quíchua, que posteriormente se
transformariam na base do pacto militar-camponês. Os aimarás, pelo
contrário, em geral, mantiveram-se longe das lutas revolucionárias,
sendo que posteriormente, sob o comando do movimento Katarista,
seriam o setor que mais se organizaria contra o pacto militar-
camponês e lideraria a mobilização contra a ditadura militar. Desse
modo, as lutas, conquistas e resistência de cada um destes povos
definem um perfil diferenciado para cada grupo étnico. Os quíchuas
serão conquistadores e negociadores, enquanto os aimarás terão uma
luta de resistência e afirmação constante da sua identidade
cultural(...).
22
Outra diferença apontada por Vivian Urquidi, é que os povos quéchuas estão
mais dispostos a transformações e a novas situações. os aimarás, uma postura
mais conservadora e de resistência definirá o discurso identitário indígena e as
lutas do movimento. Isto foi evidenciado durante o Pacto Militar-Camponês,
criado no governo ditatorial do general René Barrientos Ortuño (1964-1969), que
tinha o objetivo de utilizar o sindicalismo rural para se contrapor às demandas da
Central Obrera Boliviana (COB).
21
URQUIDI, F.D, Vivian. O Movimento Cocalero na Bolívia. In: América Latina Encruzilhadas da História Contemporânea. Osvaldo
Coggiola (org.); José Rodrigues Maó Júnior . São Paulo: Xamã, 2003.p.201.
22
URQUIDI. Op. cit, p..202.
23
II) REBELIÕES DO PACHAKUTY: TUPAC AMARU, TOMAS CATARI E
TUPAC KATARI
“Aquí soló hay dos culpables.
Tú por oprimir a mi pueblo y yo por querer liberarlo”.
Tupac Amaru
23
A questão étnica remonta ao período colonial e perpassa toda a história
latino-americana. Neste período, emergiram várias rebeliões indígenas,
insurreições de criollos e mestiços nas áreas urbanas, após as reformas
centralizadoras dos Bourbons (1750), destacando-se na região andina, os
movimentos liderados por Tupac Amaru, Tomas Catari e Tupac Katari.
Durante a segunda metade do século XVIII, a Espanha dos Bourbons tomou
consciência de sua própria condição e tentou modernizar sua economia, sua
sociedade e suas instituições. A ideologia reformista era eclética na inspiração e
pragmática na intenção. O ponto de partida foi a própria condição da Espanha,
especialmente o declínio de sua produtividade. Buscaram-se respostas em diversas
escolas de pensamento; invocaram-se as ideias dos fisiocratas para estabelecer o
primado da agricultura e o papel do Estado; recorreu-se ao mercantilismo para
justificar uma exploração mais eficiente dos recursos coloniais, buscou-se no
liberalismo econômico uma base para eliminar as restrições ao comércio, em
1750, e à indústria.
24
A partir das reformas dos Bourbons, os corregedores de Carlos III
(autoridades reais que supervisionavam a coleta de impostos e defendiam os
23
BALTASAR, Esteban Nina. Movimientos Sociales Indígenas, Transformación del Estado y Asamblea Constituinte en Bolivia. In:
Memorias II Coloquio de Profesores de La Facultad de Ciencias Politicas y Relaciones Internacionales de la Pontificia Universidad
Javeriana. Fundación Cultural Javeriana de Artes Gráficas JAVEGRAF: Bogotá, 2007, p.127.
24
BETHELL, Leslie; ROXBOROUGH, Ian(organizadores). A América Latina entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996, p.191.
24
interesses dos espanhóis) intensificaram a cobrança de impostos, obrigando o
índio a vender seus produtos no mercado espanhol. De acordo com Salinas, a
ideia era “arbitrar fondos para la defensa del Império ante los claros propósitos de
expansión de las monarquias britânica y lusitana en los territórios de América”
25
.
Isto levou à rebelião indígena conhecida como a General Sublevación.
A General Sublevación (1780-1781) foi considerada uma das mais
importantes rebeliões do Pachakuty do século XVIII, realizada nos vice-reinos do
Alto, Baixo Peru e Nova Granada. Cuzco, Chayanta, Oruro e La Paz foram os
pontos mais intensos do levante. Antes de darmos continuidade, ressaltamos que
o termo Pachakuty para os aymaras e os quéchuas, indígenas da região andina,
significa uma “violenta reviravolta no tempo e no espaço, ou o mundo ao réves”.
Tupac Amaru, Tomas Catari e Tupac Katari
26
foram os líderes do Pachakuty,
considerada a primeira manifestação relevante contra o projeto de Estado feudal
dos espanhóis. Jose Gabriel Condorcanqui, o caudilho Tupac Amaru, era natural
de Tinta, província localizada ao sul de Cusco. O segundo caudilho, Tomas
Catari, nasceu em Chayanta, distrito aimará ao Norte de Potosí. Já Julian Apaza, o
Tupac Katari, era pobre, analfabeto e morador da província de Sica Sica, próximo
à La Paz.
De acordo com Xavier Albó, o início do Pachakuty se deve ao fato do
corregedor local Joaquim Alós, em vez de aceitar Tomas Catari como Kuraqa
(cacique), nomeou um mestiço conhecido como Blas Bernal. Acusando Bernal de
tributar a população duplamente, Catari decidiu lutar contra esta decisão e fez uma
25
SALINAS, Jorge Siles. La independência de Bolívia. Caps. III e IV. Madrid: Editorial MAPFRE, 1992, p. 58-60.
26
KATARI, em aymará, significa “serpente”, “víbora”, assim como “Amaru” em quéchua. CARVALHO, Carlos Eduardo Marconi De.
Recursos Naturais e Conflito em Bolívia Contemporânea. Tese de mestrado do Programa de Pós-graduação em História. Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 32.
25
viagem de quarenta dias para se encontrar com o Vice-rei em Buenos Aires. Uma
parte da cobrança indevida era entregue à Coroa. a outra parte era dividida
entre Joaquim Alós e Blas Bernal. O Vice-rei o eximiu de pagar tributo e de ir à
mita, porém depois da queixa, providenciou a prisão e a morte do caudilho. Diante
disso, os indígenas se rebelaram, provocando uma forte reação da autoridade
colonial.
Ainda segundo Albó, a notícia da rebelião dos irmãos Catari chegou a Cuzco.
O Kuraqa de Tinta, Tupac Amaru, a diferença de Tomas Catari e Tupac Katari ,
era rico e culto, vinculado etnicamente ao grupo índio. Tupac Amaru tinha um
conflito parecido ao de Tomas Catari com os corregedores. A diferença de Tomas
Catari, que tinha uma queixa pessoal que derivou num movimento popular,
Tupac Amaru planejou uma rebelião e buscou aliados. Este líder tinha muito claro
que para conspirar e ter êxito necessitava contar com os índios e também com os
criollos e mestiços para organizar a sublevação.
Com objetivo de eliminar a dominação espanhola e criar uma região sem a
intervenção dos espanhóis e sob o controle das elites indígenas locais, organizou-
se uma forte resistência a partir do levante do cacique Amaru com a ajuda de
milhares de indígenas, incluindo o aimará Tupac Katari, que se reuniram e
tomaram a cidade de La Paz.
Diferentemente das demais insurreições do período, a rebelião de Túpac
Amaru envolveu mais de 100.000 tropas rebeldes, desde os planaltos do Sul, atual
Peru, passando por todo o altiplano até os planaltos do Norte, atual Argentina.
Desse modo, esta rebelião foi um movimento de independência. No final de 1781,
a rebelião foi derrotada e todas as cidades retornaram para as mãos dos espanhóis.
26
Para alguns estudiosos, a rebelião de Túpac Amaru foi a última tentativa de
luta por justiça social e a busca de autonomia antes do século XIX. Após Tupac
Amaru, as rebeliões posteriores, incluindo a conquista da independência, foram
comandadas pelos criollos, que não tinham como objetivo a criação de uma
sociedade indígena e igualitária. A ideia era dar continuidade ao processo de
acumulação de riquezas iniciado com os espanhóis, sem abrir mão do
colonialismo. Em relação ao processo de independência na Bolívia, Roberto
Choque afirma:
“... A independência criolla do Estado ou da coroa da Espanhanão
significou sua libertação (dos indígenas) do sistema de exploração
colonial, ou seja, com o novo Estado Republicano continuaram todas
as suas cargas tributárias e serviços pessoais. Em outra ordem de
coisas, o novo Estado marginalizou o indígena da sociedade civil”
27
.
O processo de transformação do país começa efetivamente em 1952 com a
revolução nacional. É a partir deste momento, considerado um marco na história
do país, que se iniciou a desestruturação das velhas estruturas de poder, a
oligarquia, e possibilitou a emergência de um Estado nacional-popular.
27
CHOQUE, Roberto. Os Aimarás e a questão colonial. In: BONILLA, H.(org.) Os Conquistados: 1492 e a população indígena das
Américas. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 136.
27
III- A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA NACIONAL E A
PARTICPAÇÃO INDÍGENA NO PROCESSO POLÍTICO
A Revolução de 52 é o nosso ponto de partida para analisarmos a formação
da consciência nacional e a sociedade boliviana atual. Segundo o sociólogo René
Zavaleta Mercado, o ano de 1952 é considerado o início do período de
transformações no país, pois é neste momento que observamos o desmonte das
estruturas de poder sob o comando da oligarquia.
Fenômeno político e social que desestruturou o Estado oligárquico, a
Revolução de 1952
28
possibilitou uma série de reformas, como a instauração da
educação gratuita e obrigatória; a reforma agrária; o fim das formas servis de
trabalho indígena, como a pongueaje ; a mitanaje e o aljiri (prestação gratuita de
serviços aos proprietários de terra; aluguel da mão de obra a terceiros usada na
lavoura e venda de produtos do camponês ao patrão a preços determinados por
seu superior, respectivamente); nacionalização das minas de estanho e de
hidrocarbonetos e o voto universal. Além disso, diante da nova articulação que
estava surgindo naquele momento, observamos a existência de um modo de
identificação entre as classes sociais envolvidas com o Estado, marcando um
momento constitutivo
29
da história do país.
A Revolução de 52
30
representou uma nova história social do país, tendo
como protagonistas o operariado mineiro e o campesinato indígena (índios-
28
O Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), partido nacionalista e populista fundado em 1941 por mineiros e operários industriais
– sob a liderança de Victor Paz Estenssoro
28
, Hérnan Siles Suazo e do líder sindical Juan Lechin – comandou a revolta popular de 52.
29
O autor entende por momento constitutivo a maneira que adquire o tom ideológico e as formas de dominação do estado, ou seja, o
momento de sua construção. ZAVALETA MERCADO, René. Lo nacional-popular en Bolívia. México: Siglo XXI, 1986, p.10.
30
Para Álvaro Garcia Linera, a revolução aconteceu em 1947, a vitória eleitoral do MNR em 1951 e, em 1952, temos o momento da
revolução, que segundo o autor representa o ponto de bifurcação o momento em que a instabilidade amadurece para dar início a
28
camponeses). Com esta sublevação, o poder oligárquico-liberal foi extinto e
emergiu o nacionalismo revolucionário com o Estado nacional-popular. Mas,
como veremos mais adiante, a força do operariado mineiro não foi suficiente para
impor um modelo de mudança ou de reforma política no país, a ponto de colocar
no poder verdadeiros representantes do povo. Desse modo, o Estado nacional-
popular só funcionou na teoria.
Em relação ao sufrágio universal, uma das conquistas desta Revolução,
entendemos que foi importante para os governantes, devido ao contingente de
votos que os indígenas representavam. Como afirma García Linera,
“Los procesos de democratización y homogenización cultural
iniciados a raiz de la revolución de 1952 transformaron en parte el
régimen de exclusión étnica y cultural del Estado oligárquico. Sin
embargo, la adquisición de conocimientos culturales legítimos por
parte de los grupos indigenas quedó constreñida a la adquisición
obligatoria de un idioma ajeno, el castellano, y de unas pautas
culturales producidas y monopolizadas por las colectividades
mestizo-urbanas. (...) entre 1952 y 1976, entre el 65% de la población
boliviana que tenía como lengua materna un idioma indígena solo
pudo ejercer sus derechos de ciudadanía por médio de un idioma
extranjero, ya que la educación oficial, el vínculo con la
administración pública solo podían realizarse por medio del
castellano y no así empleando el idioma quéchua o aymara. Con la
revolución de 1952, el castellano devino en el único idioma oficial del
Estado, devaluando de facto los idiomas indígenas que no tenían del
Estado ningún reconocimiento que permitiera su reconocimiento
como idioma legítimo de atención pública. Igualmente, la admisión
del voto universal para los índios impuso un único molde
organizacional de derechos políticos, el liberal, en médio de uma
sociedad portadora de otros sistemas tradicionales de organización
política y de seleción de autoridades”.
31
estabilização do sistema estatal e político, um novo Estado. Álvaro Linera. No referendo, o sinal para a virada. Le Monde
Diplomatique,2008. http://diplo.uol.com.br.2008-08.12579. Acesso: maio de 2009.
31
GARCIA LINERA, op.cit.,p.14.
29
Além do forte caráter antiimperialista, outro ponto importante é que a
Revolução não conseguiu implementar o seu projeto de homogeneização cultural
ao tentar substituir a identidade do índio pela do “campesino”, ignorando a
existência do elemento índio na sociedade. Este projeto de homogeneização
cultural é visto como um pacto entre o índio com o Estado visando à propriedade
da terra, sua reivindicação histórica.
A ideia não era permitir a inclusão do índio na sociedade e sim transformá-lo
em cidadão e fazer com que ele desaparecesse com a mestiçagem (uma das
heranças do período colonial), com a implementação da educação gratuita,
ocultando suas manifestações culturais e seus vestígios da sociedade. El triunfo
revolucionário de 52 sorprenderá al campesinado índio con el fin (momentâneo)
de sua utopia comunitária.
32
Acreditamos que além do sufrágio, a reforma agrária também foi utilizada
para atender aos interesses políticos, pois esta não serviu para o desenvolvimento
produtivo e econômico do campo como um todo. Num primeiro momento a
reforma proporcionou a devolução da terra aos seus verdadeiros donos. O
Governo era o responsável pela divisão de grandes propriedades rurais (os
latifúndios), distribuindo-as de acordo com a zona do país e o tipo de solo e
cultivo. Assim, o camponês tornou-se proprietário de uma parte da terra, que mais
tarde, devido a questões relacionadas à herança, foi reduzida, transformando o que
era produtivo em improdutivo.
O importante para o MNR e para os militares era manter o apoio político do
camponês, que constituiu a base sustentadora do regime vigente e era utilizado
32
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Oprimidos pero no vencidos. Luchas del campesinado aymara y quéchua de Bolívia, 1900-1980. Instituto
de Investigaciones de las Naciones Unidas para el Desarrolo Social. Ginebra, 1986. P.60.
30
como uma força social contra outros setores da sociedade, que representavam uma
ameaça para a estabilidade governamental.
“O pacto militar-campesino” instaurado a partir de 1964 no novo ciclo
militar, serve para exemplificar a manipulação política dos camponeses por parte
do Estado. Ainda neste capítulo, iremos analisar um pouco mais sobre a
importância deste pacto.
Contudo, a revolução boliviana sob o governo do MNR não tinha o objetivo
de romper com o passado colonial e nem criar uma nova constituição, pois está
foi promulgada em 1961, fora do contexto revolucionário. O mais importante
naquele momento era conter a força dos operários, após o triunfo da revolução,
concentrada na Central Obrera Boliviana (COB), criada em 18 de abril de 1952,
considerada uma organização política relevante no cenário boliviano. Para alguns
estudiosos, como Maurício Santoro, a Revolução de 52 não proporcionou uma
democracia de massas e sim uma “cidadania tutelada”. Desse modo:
“A Revolução de 1952 rompeu com a dominação oligárquica do
estanho e dos proprietários rurais, mas não substituiu esse regime por
uma democracia de massas. O modelo estabelecido pelo MNR foi o de
cidadania tutelada. Mais do que a garantia de direitos individuais,
tratava-se de um arranjo corporativo entre o Estado e os principais
sindicatos (mineiros, operários, trabalhadores rurais). O apoio
político ao governo era conquistado por uma combinação de pressões
e ações clientelistas”.
33
A cidadania tutelada se estabeleceu por meio de algumas concessões
como o sufrágio universal. O Estado ganhou o apoio da classe trabalhadora e das
massas populares visando o controle da base social e, dessa forma, garantindo a
33
ROCHA, M. A outra volta do bumerangue: Estado, movimentos sociais e recursos naturais na Bolívia (1952-2006). In: Bolívia: de 1952
ao século XXI. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. Ministério das Relações Exteriores, 2006, p. 21.
31
lealdade política ao partido da revolução e a realização do seu projeto nacional-
desenvolvimentista.
Após a Revolução de 52, os sindicatos passam a ter um papel de destaque na
sociedade boliviana, com uma participação intensa contra o Estado oligárquico.
os aimarás e os quéchuas passaram a ser chamados de “sindicalistas campesinos”,
o que para alguns era uma tentativa de tornar compatível a lógica de um
proletariado rural com a dos aylluandinos.
34
A história do país a partir deste
momento será o resultado desta Revolução, que inaugurou um novo ciclo estatal
boliviano no século XX, cunhado por Zavaleta Mercado de Estado de 52. O
primeiro ciclo aconteceu na guerra federal em 1899.
Entretanto, é importante ressaltarmos que, de acordo com o cientista político
Luis Tapia Mealla, a Guerra do Chaco
35
(1932-1935) foi o cenário para a
construção da consciência nacional coletiva do país. Oficiais mestiços da classe
média e soldados originários de diferentes culturas étnicas que descobriram suas
diferenças e diversidade social, econômica e cultural uniram-se na luta contra a
oligarquia mineira feudal, resultando nas “jornadas insurrecionais” de abril de 52.
Conflito que opôs Paraguai e Bolívia, esta guerra se deu a partir da
descoberta de petróleo no sudeste boliviano. De acordo com alguns autores, como
Erevaldo de Oliveira, a principal motivação da guerra foi a disputa pelos supostos
campos petrolíferos do Chaco entre a Standard Oil norte-americana e a Royal
Deutsch inglesa, de maneira totalmente descontextualizada da crise econômica de
fundo que abalava o conjunto da economia mundial e, particularmente, a
34
BARTOLOMÉ, Miguel Alberto – As etnogêneses: velhos atores e novos papéis no cenário cultural e político. Revista Mana,
vol.12,n.1.pp.39-68,2006. Disponível em: www.scielo.br/pdf/mana/v12.n1/a02v12n1.pdf.
35
A descoberta de petróleo no sudeste provocou a Guerra do Chaco, que opôs Paraguai e Bolívia. “A maioria dos autores atribui a principal
motivação da guerra às disputas pelos supostos campos petrolíferos do Chaco entre a Standard Oil norte-americana e a Royal Deutsch
inglesa, de maneira totalmente descontextualizada da crise econômica de fundo que abalava o conjunto da economia mundial e,
particularmente, a boliviana”. ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A Revolução Boliviana. São Paulo: Editora UNESP, 2007. p.31.
32
boliviana.
36
Contudo, para Luis Fernando Ayerbe, “o motivo da guerra foi a
pretensão boliviana de ter acesso ao rio Paraguai por meio do Chaco”.
37
A Guerra do Chaco se torna importante para entendermos a Bolívia de hoje,
pois o conflito produziu um efeito nacionalizador sobre a consciência da
sociedade boliviana. Além de proporcionar o contato entre os recrutados índios,
mestiços, criollos e combatentes de outras partes da região –, o confronto serviu
como um alerta para a população diante dos problemas enfrentados pelo país (a
crise econômica, política e as desigualdades existentes na sociedade). No caso do
índio, por mais que ele tenha sido obrigado a participar do confronto, pela
primeira vez ele foi considerado parte da sociedade como os demais.
Para alguns estudiosos, como o conceituado diretor da Escola de
Antropologia da Universidade Católica de Temuco, (Chile) Álvaro Bello, a
Guerra do Chaco teve dois efeitos:
“O conflito por um lado deixou evidente a incapacidade e a
corrupção da elite governante, que era o único grupo interessado em
levar a guerra adiante; por outro lado, temos o surgimento de uma
das primeiras correntes indigenistas, assim como a formação dos
primeiros partidos modernos de centro e de esquerda”.
38
Com o fim do conflito do Chaco surgiram várias lideranças contrárias à elite
dominante e dispostas a mudar as estruturas do poder. Isto fica claro nos governos
liderados por ex-combatentes do Chaco, por exemplo, os governos de David Toro
36
ANDRADE, op.cit., p.31.
37
AYERBE, Luiz Fernando. Estados Unidos e América Latina Estados Unidos e América Latina A construção da hegemonia. o
Paulo: Unesp, 2002. P.10.
38
Destacamos o Partido Obrero Revolucionário (POR); Partido de Esquerda Revolucionário (PIR) e o Movimento Nacionalista
Revolucionário (MNR).
33
(1936-1937)
39
, de Gualberto Villarroel (1943-1946), este último é apontado como
o período em que a classe política começa a tomar consciência da problemática
indígena.
A construção da identidade do ponto de vista do Estado tornou-se importante
no governo de Villarroel com a realização do Primeiro Congresso Indígena, na
cidade de La Paz, em 1945, que reuniu diversas lideranças das etnias mais
numerosas do país quéchua e aimará. O então presidente Villarroel, de acordo
com registros da época,
se sentia como un padre de los indígenas al afirmar que “El
campesino” es igual hijo, de modo que como hijo ha de ser tratado
por el govierno: será protegido, tendrás escuelas, tendrás garantias,
pero él también está obligado a trabajar cumpliendo fielmente sus
deberes y obligaciones”.
40
O movimento indígena boliviano atual, que possui em sua composição
campesinos e cocaleros, tem sua origem nas décadas de 1960 e 1970. Neste
período, o movimento era caracterizado por sua base sindical e a divisão entre o
operariado e a burguesia. A partir dos anos 70, o desenvolvimento desta
organização foi influenciado pelas reformas implementadas pela Revolução de
1952, como reflexo das conseqüências produzidas pela Guerra do Chaco.
Contudo, alguns analistas, como Xavier Albó, acreditam que os anos 50 e 60
são os marcos deste processo (surgimento das primeiras correntes indigenistas),
devido às experiências acumuladas pelos indígenas durante estes anos, sob as
identidades de camponeses e mestiços, estabelecidas a partir da reforma agrária
(uma das medidas implantadas pela rebelião de 1952). Para sustentar a afirmação
39
O confisco das propriedades da Standard Oil Company da Bolívia, por defraudación dos interesses fiscais do Estado boliviano foi uma
das medidas adotadas pelo governo de Toro. FERAUDY, Fabian II Yaksic: TAPIA, Luis.op.cit.p.25.
40
FERAUDY, Fabian II Yaksic: TAPIA, Luis,op.cit.,p.26.
34
de Albó, citamos a realização de três congressos na década de 1940 os
Congressos Indígenas de língua Quéchua de Sucre, em 1942 e 1943,
respectivamente; o 1º Congresso Nacional Indígena, em La Paz, em 1945.
Os dois primeiros Congressos contaram com a participação de ativistas
políticos da esquerda criolla ligado ao Partido de Esquerda Revolucionário (PIR)
e de centrais sindicais, como a Confederação Sindical dos Trabalhadores de
Bolívia e as Federações de Sucre e Oruro. Dentre as principais resoluções do
Congresso, destacamos a restituição das terras comunais e a eliminação dos
numerosos tributos (gabelas) sobre a economia camponesa.
Já o I Congresso Nacional Indígena, realizado no governo de Gualberto
Villaroel López (1943-1946), reuniu delegados indígenas do país, representantes
aymaras, quéchuas e das etnias do oriente. Diante da crise econômica provocada
pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), da crise política, e o fortalecimento
dos partidos e dos movimentos, que levaram ao enfraquecimento das instituições
de poder, este governo adotou uma série de medidas voltadas para a maioria da
população excluída da política institucional – criação de escolas nas comunidades,
a proibição da pongueaje e a obrigatoriedade do pagamento de salários para
trabalhadores agrícolas.
O Movimento Nacionalista Revolucionário, fortalecido com a sublevação de
52, governa até 1964, com o golpe de estado do general René Barrientos
Ortuño
41
. Este golpe foi conseqüência da própria atuação do partido que,
interessado na reestruturação do exército via ajuda norte-americana (ou seja, uma
41
Este general governou o país nos seguintes períodos: 1964-1965; 1965-1966; 1966-1969.
35
nova política neocolonial), não pôs em prática o processo de desenvolvimento
econômico, social e democrático determinados em 52.
Para entendermos a ligação do MNR com o governo norte-americano, é
importante voltarmos à sublevação de 52. Sob o governo do partido nacionalista,
o MNR, organizou uma sociedade civil forte, incluindo os sindicatos, que
ameaçou o poder político da oligarquia mineira. Mas a revolução ao destituir o
poder oligárquico causou mais tarde uma ruptura na articulação entre os
sindicatos e os partidos políticos do MNR. Na medida em que o MNR deixou para
o segundo plano os principais pontos defendidos pela Revolução, como projeto de
nacionalização das minas, o partido se direcionou para o lado norte-americano,
rompendo o elo entre a sociedade civil e o estado. Diante disto, o Estado perde
sua base social e a sociedade civil
42
é organizada sob a influência do movimento
operário. A partir desta mudança, a sociedade civil adquiriu uma posição mais
autonomista e resistente em relação ao estado.
A partir desta ruptura entre Estado e sociedade civil deu-se início a fase do
autoritarismo com a entrada do governo Barrientos. Desse modo, interessado em
reformar o exército desestruturado pelas milícias operárias, o MNR permitiu a
criação do Pacto com o apoio de dissidentes do próprio partido. Até o último
momento, Victor Paz Estenssoro, um dos fundadores deste partido, tentou voltar
ao poder, por meio de uma emenda na Constituição que possibilitaria a sua
reeleição. Para derrubar a intenção de Estenssoro, uma junta militar comandada
pelo General René Barrientos tomou o controle da situação por meio do Pacto
Militar Campesino.
42
Sociedade civil entendida como “a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais que se desenvolvem por fora das
relações de estado”. SOCIEDADE CIVIL. In: LOMBARDI, Ricardo. Almanaque Abril. São Paulo: abril 2008.
36
De acordo com Luis Tapia, boa parte da história contemporânea do país pode
ser explicada também a partir desta ruptura entre estado e sociedade civil (após a
Revolução de 52), “uma vez que os setores dominantes desta sociedade buscaram
a promoção de seus interesses diretamente por meio do estado e do grupo militar,
sem organizar a direção desta sociedade no seio da sociedade civil”
43
.
O movimento operário e a COB, a partir desta ruptura, se articularam e
venceram a repressão ditatorial para mais tarde mobilizar a sociedade civil e
outros atores sociais não-estatais. Isto resultou na crise vivida no final dos anos
70, na transição da ditadura para a democracia. Esta transição tem o objetivo de
instituir um regime representativo, um tipo de democracia delegada, via partidos
políticos, servindo como mediadores entre o estado e a sociedade civil. Além
disso, é neste momento que se observa o aumento da consciência étnica entre a
população aimará urbanizada.
Voltando ao Pacto Militar Campesino, num primeiro momento, ele
conseguiu estabelecer o controle sobre a situação política e ganhou o apoio do
setor camponês de fala quéchua, idioma dominado pelo governante Barrientos.
Mas isto não durou muito tempo. Por meio deste Pacto, os militares legitimaram
sua política repressiva contra a classe operária e o movimento sindical (inseridos
na COB), impondo medidas prejudiciais à população. Dentre as medidas impostas
por Barrientos, destacamos o imposto único agropecuário sobre a propriedade
individual da terra que prejudicou os camponeses aymarás.
A resposta à política repressiva do governo Barrientos surgiu por meio de
dois movimentos: “Bloqueio Independente Camponês”, considerado a origem da
43
FERAUDY, Fabian II Yaksic: TAPIA, Luis.op.cit.,p.77.
37
Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses de Bolívia
(CSUTCB) e o massacre da Noche de San Juan, ocorrido em 1967, que marca de
forma violenta o rompimento deste Pacto, com o assassinato de milhares de
trabalhadores mineiros.
Assim, como Canrobert Costa Neto
44
, acreditamos que os acontecimentos da
revolução nacionalista de 52, representaram um marco importante na história do
país, pois conseguimos entender a sociedade boliviana atual, principalmente a
crise que maculou o Estado boliviano a partir de 2003. Em outras palavras, os
acontecimentos do governo de Losada nada mais são que a continuação de
demandas não atendidas no passado tanto na sublevação de 52 quanto na crise
no governo de Losada os recursos naturais e a luta pela terra ainda fazem parte da
agenda de reivindicações.
Diante do exposto acima, numa análise comparada, a revolução nacional
de 1952, diferentemente da "revolução democrática no final do século XX e início
do século XXI, como veremos mais adiante, representou a implementação de um
processo de nacionalização com descentralização do poder oligárquico e uma
forte atuação do Estado. Entretanto, embora a revolução que conduziu o primeiro
presidente indígena ao poder na Bolívia também seja considerada uma sublevação
nacional, ela significou além disso, uma revolução nacional democrático-
indigenista visando à reconstrução da nação andina no país por meio de uma
democracia igualitária. Os povos indígenas nesta revolução democrática visam
mudar a mensagem registrada no Manifesto de Tiawanaku de 1973 que dizia:
"Somos como estrangeiros em nosso próprio país".
44
COSTA, Neto Canrobert. Políticas Agrárias na Bolívia (1952-1979) – Reforma ou revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2005.
38
IV- CRIAÇÃO DO KATARISMO
Durante o governo de Hugo Banzer (1971-1978), o acordo camponês militar
enfrentou problemas devido ao surgimento de uma nova geração de sindicalistas
contrários aos ditames da ditadura.
Influenciados pelos benefícios proporcionados pela rebelião de 52 como a
instauração da educação gratuita surge, ao fim do período autoritário, um
intenso movimento de base rural, denominado Kataristas
45
(nome em homenagem
ao líder da insurreição indígena do século XVIII, Tupac Katari).
Entendemos que o Katarismo representou o primeiro momento constitutivo
da história do país, pois foi de extrema importância na difusão da cultura
originária, utilizando para isto publicações e a radiodifusão (Centro Cultural
Tupaj Katari).
A corrente Katarista é criada a partir de movimentos culturais e políticos,
entre os quais destacamos o Movimento 15 de Novembro; o Movimento
Universitário Julián Apaza; o Centro de Promoção e Coordenação Campesina
MINKA e o Centro Campesino Túpac Katari. Formado por estudantes,
principalmente da etnia aimará, que migraram para as cidades para estudar, estes
movimentos buscavam, por meio da educação, estabelecer vínculos entre os povos
indígenas da Bolívia, caracterizando-se pelo uso da bandeira Wiphala, símbolo
dos povos originários indígenas; pelo uso do próprio idioma e pela busca em
recuperar suas tradições.
Embora a Revolução tenha proporcionado o acesso à educação aos
Kataristas, eles não foram aceitos no seio da sociedade. O racismo, situação
45
O fundador do katarismo foi o pensador aimará Genaro Flores.
39
constante na vida dos bolivianos, a manipulação dos governos do Movimento
Nacionalista Revolucionário e das ditaduras militares foram os fatores que
impediram a ascensão social e integração dos Kataristas.
A influência deste movimento foi tão importante na sociedade boliviana que
em 1973 é lançado o primeiro documento público: o Manifesto de Tiwanaku. Com
destaque para a frase do Inca Yupanqui no início do Manifesto, “Un pueblo que
oprime a outro no puede ser libre”, o documento reúne uma série de
reivindicações em relação à falta de uma integração cultural no país, a exploração
da maioria indígena, a consciência das novas condições de exploração que sofre o
camponês, entre outras.
Além dos Kataristas, o movimento indígena boliviano apresenta outra
corrente ideológica, a Indianista. Na análise de Donna Lee Van Cott:
“os Kataristas promovem uma harmonia entre a consciênciade classe
e as demandas étnicas, visando a reconstrução do estado boliviano.
Já os Indianistas, singularizam-se por suabase étnica e anti-ocidental.
Ao contrário destes, os Kataristas, por enfatizarem mais a questão
classista do que a étnica,estariam propensos a angariar o apoio da
população não indígena”
46
Com o término do Pacto Militar-Camponês o movimento indígena adquiriu
independência política, formando seus primeiros organismos Confederação
Única dos Trabalhadores da Bolívia (CSTUCB), Federação Nacional de Mulheres
Campesinas “Bartolina Sisa”, mais conhecida como “las Bartolinas”; e partidos
políticos indígenas Movimento Revolucionário Tupac Katari e o Movimento
índio Tupac Katari.
46
VAN COTT, Donna Lee. From Movements to parties in Latin America: the evolution of ethnic politics. New York, Cambridge
University, 2005. P.54.
40
Os conflitos de Tupac Katari e Pablo Zárate Wilka, além do Manifesto de
Tiwanaku, estão vivos na memória dos povos indígenas e servem como
instrumentos de apoio para a reafirmação da identidade indígena no cenário
político do século XXI. Da mesma forma que estes líderes foram utilizados nos
movimentos culturais e políticos em torno dos Kataristas, a resistência indígena
atual renasce a partir de um sentimento de identificação coletivo com as
lideranças do passado, trazendo à tona a herança histórica de desigualdades e
injustiças.
Embora os Kataristas enfrentassem um duro período de repressão durante o
governo militar de Hugo Banzer, o movimento ascendeu e passou a liderar a
Confederação Nacional dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CNTB),
considerado o mais importante órgão do setor rural.
No próximo capítulo analisaremos o governo de Gonzalo Sanchez de
Losada, bem como as políticas implementadas por este governo nos seus dois
mandatos presidenciais. O objetivo é analisar se tais políticas, com o intuito de
modernizar o país e liberalizar a economia, visaram ao fim do regime de exclusão
étnica e cultural dos povos indígenas.
41
CAPÍTULO II
ANÁLISE COMPARATIVA DOS DOIS GOVERNOS DE
GONZALO SÁNCHEZ DE LOSADA
“não há democracia sem consciência de pertencimento a
umacoletividade política, a uma nação na maior parte dos casos, mas
também a uma comunidade, a uma região ou ainda a um estado ou
federação”.
47
Aquí se puede decir que las cosas tiene el sentido que viene de la
própria historia”.
48
1- O RETORNO DO MNR E A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA (NPE)
A palavra democracia nos remete à ideia de um governo do povo, baseado
nos princípios da soberania popular e pela distribuição equitativa do poder. Mas
nada disso aconteceu na prática na sociedade boliviana porque o modelo de
democracia imposto na Bolívia nada mais é que a recomposição de grupos do
poder oligárquico, antigos detentores do poder político e econômico. A teoria da
alienação
49
, proposta por Karl Marx, nos ajudará a entender o difícil processo de
implementação da democracia no país.
A composição demográfica da Bolívia nos ajuda a compreender um dos
principais problemas do país: a dificuldade de construir uma base nacional
popular. A existência de duas “Bolívias”, uma andina e a outra branca ou crioula,
torna difícil a integração e a comunhão de interesses entre os povos. Este
problema se reflete na vida política do país, na medida em que os grupos
47
TOURAINE, Alain. O que é democracia? 2ª ed. Petrópolis, Rio de Janeiro, 1996 a. p.219.
48
FERAUDY, Fabian II Yaksic: TAPIA, Luis., op.cit,.p.73.
49
Segundo Zavaleta Mercado, de maneira análoga, a Teoria da Alienação ocorre na história política da Bolívia no período de transição para a
democracia.
42
indígenas não são incluídos na agenda política dos governantes. Dessa forma,
numa democracia dita “representativa”, as políticas públicas dos representantes do
poder não estão direcionadas para a nação, mas para o grupo socioeconômico
forte no país, a oligarquia.
Com o fim de governos ditatoriais no final dos anos 70, a democracia entra na
agenda de reivindicações do movimento operário, principal articulador desta
forma de governo, junto com a sociedade civil boliviana que se mobilizou em
torno da COB. Por meio de movimentos de autodeterminação de massas como
greves, assembleias sindicais clandestinas estes grupos lutavam por um tipo de
governo contrário ao vivido no período militar.
O principal gestor da luta pela democracia, o movimento operário, mais uma
vez ficou em segundo plano. Voltando um pouco ao passado da história política
do país, este movimento foi o principal articulador das lutas em torno do
programa de nacionalização. Como mencionado no final do primeiro capítulo, a
recomposição do estado boliviano no primeiro momento contou com a
participação deste movimento. Mas os políticos do MNR, visando à ajuda norte-
americana, se afastaram deste movimento causando a ruptura entre o estado e a
sociedade civil.
O problema surgiu quando os dois grupos, a elite e o movimento operário,
apresentaram concepções diferentes no momento de pôr em prática o regime
democrático no país. Por um lado, temos um movimento político e social forte
que considera o regime democrático como um espaço de autorrepresentação e
participação na política interna do país, com o apoio dos sindicatos. Já para a elite
boliviana e os militares, devido à falta de um referencial, a democracia nada mais
43
é do que ocorre nos Estados Unidos. Este grupo considera os elementos
constitucionais que representam a concepção liberal de organização política, como
as eleições e o sistema de representação, o modo de pôr em prática a democracia
na sociedade boliviana.
A falta de coerência entre os dois grupos na implementação do regime
democrático é o que chamamos de fenômeno da alienação na sociedade boliviana.
Termo cunhado por Karl Marx e utilizado por Luis Tapia, em Bolivia, Desde su
Fundación a la Desrevolución, a alienação tem um sentido negativo para o
filósofo alemão. O trabalho para o homem não significa mais um meio de
realização e humanização e sim de escravidão e desumanização. diferentes
formas de conceber a alienação, por exemplo, por meio da religião ou do Estado.
Neste último caso, o homem, ao invés de torna-se livre, torna-se cada vez mais
prisioneiro.
Na sociedade boliviana a teoria se aplica no momento em que o movimento
operário ficou de fora do processo político democrático, do qual foi responsável
pela sua legitimação. Dessa forma: “(...) el votante es fuente de legitimación de un
poder que no puede controlar, y que con su voto se puede revertir sobre el para
imponerle cosas que nunca ha querido o no quiere” .
50
Desse modo, a democracia é instaurada na Bolívia, com a recomposição do
bloco oligárquico. As principais forças sociais, movimento operário, abrem
caminho e conduzem a direita, junto com os setores dominantes, ao comando do
poder estatal via partidos políticos. Assim, aqueles que lutaram e resistiram ao
período da ditadura militar, principalmente no governo Banzer, e deram início ao
50
FERAUDY, Fabian II Yaksic; TAPIA, Luis,op.cit.,p. 79.
44
processo do regime democrático no país, ajudaram a reconduzir os antigos grupos
do poder oligárquico. A constituição de alianças no regime democrático, como
veremos mais adiante, não considerou as bases sociais do país, ao invés disso
representou aqueles que o reconduziram ao poder por meio do voto.
Diante do exposto acima, o regime representativo via partidos políticos
representou um novo processo de desnacionalização, caminhando na direção
oposta dos ideais do movimento operário processo de nacionalização
defendido na sublevação de 1952 e a inserção dos trabalhadores na vida política
do país.
2- A ASCENSÃO E QUEDA DE SANCHEZ DE LOSADA
É importante ressaltarmos que na América Latina, a partir dos anos 80, as
políticas neoliberais aceleraram o processo de mudança do Estado, evidenciado no
primeiro momento em países como o Uruguai (1984); Chile (1985); México e
Bolívia (1987); Brasil e Argentina (1989). Tais políticas tiveram origem na era
Margaret Thatcher, dando início ao processo de desconstrução do “Estado do
Bem-Estar” (Welfare State) na Europa. É neste contexto que surge o “Estado
mínimo” evidenciado, principalmente, pelo processo de privatização na sociedade.
Embora a abertura do processo “democrático” tenha começado no ano de
1978, no governo do General Hugo Banzer, é a partir da queda do último governo
militar
51
que se dá início efetivamente a este processo.
51
Governo de Hernán Siles Suazo (1982-1985).
45
A expectativa da população boliviana, principalmente o movimento indígena
camponês, era que com a implementação deste novo regime político, as principais
demandas sociais fossem atendidas, assegurando uma vida digna a todos os
cidadãos. Mas, conforme mencionado por Alain Touraine, sem a noção de
pertencimento a uma coletividade política, não há democracia plena.
No primeiro momento, as alianças formadas entre os principais partidos
políticos Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR); Ação Democrática
Nacionalista (ADN); Movimento de Esquerda (MIR); União Cívica
Solidariedade; Consciência de Pátria (CONDEPA) revelaram o tipo de
democracia que começou a ser construída no país: uma “democracia pactada”,
termo utilizado para caracterizar este regime no país.
As alianças eram importantes para sustentar a nova política neoliberal no
país, deixando para o segundo plano as principais demandas do povo. O processo
democrático ficou comprometido com a formação destas alianças, pois estes
acordos interpartidários enfraqueceram a relação entre o Estado e a sociedade
civil. Luis Tapia deixa claro esta situação quando afirma que “la llamada
democracia pactada (...) depende de las negociaciones entre elites y está ligada al
reparto de cargos”
52
.
A abertura do processo democrático ficou caracterizada com o início do
quarto mandato de Victor Paz Estenssoro
53
. Gonzalo Sanchez de Losada atuava
nesta época como ministro de Planificação e Coordenação. Por meio do Decreto
21.060, adotou-se a Nova Política Econômica (NPE) que serviu como uma
panaceia para solucionar a crise econômica do país após o período militar. Mas o
52
MEALLA, Luis Tapia & ROCA, Carlos Toranzo. Cuaderno de Futuro, n. 8, Retos y dilemas de la representación política . La Paz,
Bolivia: PNUD, 2000). p.80.
53
Victor Paz Estenssoro foi ministro do governo de Gualberto Villarroel López (1943-1946).
46
que parecia uma solução eficaz por parte dos governantes, contribuiu para
agravar a situação de pobreza, má distribuição de renda e desemprego.
O Decreto 21.060 (agosto de 1986) foi fruto do pacto firmado entre ADN
(Hugo Banzer Suárez) e MNR (Victor Paz Estenssoro) em 1985. Por este pacto, a
ADN se comprometia a apoiar todas as iniciativas governamentais sem correr o
risco de bloqueio no Parlamento Nacional. Por meio deste Decreto, o país adota
um plano de ajuste estrutural, acordado com o Fundo Monetário Internacional
(FMI), que abandona o modelo centrado no Estado e o substitui pelo
neoliberalismo, trazendo uma série de consequências, como alterações nas
relações trabalhistas (aumento do desemprego), e a privatização da estatal
Corporación Minera de Bolívia (Comibol) e da Yacimientos Petrolíferos Fiscales
Bolivianos (YPFB).
Mas o Decreto 21.060 aprofundou as condições sociais e econômicas da
população rural e indígena da Bolívia, que reagiu diante do processo de reformas.
A “Marcha por la Vida” (1986) foi a resposta da população, que organizou uma
onda de protestos contra as medidas adotadas no início do governo Estenssoro,
principalmente a privatização da COMIBOL que deixou milhares de
trabalhadores sem emprego. Para conter as manifestações, que envolveu mineiros,
estudantes e cidadãos de classe média, o então presidente Paz Estenssoro declarou
estado de sítio e, de acordo com registros da época, mais de 150 dirigentes
sindicais foram presos. Além disso, as grandes cidades urbanas receberam um
contingente significativo de desempregados em busca de trabalho.
47
É neste momento, após os efeitos do Decreto 21.060, que a Central Operária
Boliviana perdeu sua capacidade de adesão e mobilização social, assim como a
Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros Bolivianos (FSTMB):
(...) “Paz Estenssoro deu o golpe de misericórdia no setor estatal de
mineração, com o Decreto nº 21.060 em 1985, com o qual, se iniciou
o processo de estabilização. Esse golpe namineração estatal debilitou
o movimento social liderado pela Central Obrera Boliviana (COB).
Foi imposta uma democracia liberal que deu certa estabilidade ao
funcionamentoinstitucional do país, porém não conseguiu evitar o
impacto negativo de uma crise política-econômica e social. Os
desempregados das minas foram realocados para outros setores,
entre os quais o agrário. Em sua metamorfose de mineiros para
trabalhadores rurais, começaram a ampliaro cultivo da coca na
região do Chapare”.
54
Desde a segunda metade dos anos de 1980, a Bolívia enfrenta péssimas
condições socioeconômicas, seguindo rigorosamente a cartilha do Consenso de
Washington, que apresentou algumas soluções mágicas” ou reformas, como a
privatização, desregulamentação e a descentralização.
Entendemos que a globalização trouxe como imperativo uma série de
reformas para os países da Arica. Tais reformas tiveram um efeito inverso
nestes países, segundo Atílio Borón. De acordo com o autor, é incorreto afirmar
que a América Latina passou por um processo de reformas com a implementação
das políticas neoliberais. Na verdade, podemos nos referir a reformas se estas
proporcionassem uma mudança política institucional efetiva, bem-estar social e
igualdade para todos. Ainda segundo ele, “Lejos de ser portadoras del progreso
54
LORINI, Irma; JAHNSEN, Carlos. A Trilha de Morales. Novo Movimento Social Indígena na Bolívia. Novos Estudos, N.77. CEBRAP
2007, p. 5.
48
social, las políticas neoliberais precipitaron un holocausto social sin precedentes
en la historia de America Latina”.
55
Com o objetivo de atingir seus interesses políticos, a ADN e o MIR
firmaram uma nova aliança. O “Acuerdo Patriótico” foi o segundo acordo de
governabilidade, considerado, segundo alguns autores como Fabián Feraudy e
Luis Tapia, “uma das alianças mais imorais vista em toda a história política do
país. Banzer propôs ajudar Jaime Paz Zamora a conquistar a presidência do país e,
em troca, Zamora
56
lhe concederia 50% da administração governamental,
colocando à venda princípios e programas políticos. Contudo, a entrada de um
novo governo não mudou os rumos do país e a cartilha neoliberal, com sua
política de ajuste estrutural, permaneceu na agenda deste governo.
Embora o nosso objeto de comparação seja os dois mandatos do governo de
Losada, é importante mencionarmos a ratificação do Convênio 169 da
Organização Internacional do Trabalho da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais
em Países Independentes (1989), pelo então presidente Jaime Paz Zamorra em
1991. A assinatura deste Convênio foi impulsionada pelas seguintes organizações:
Central de Pueblo Indígenas del Beni (CPIB) e CIDOB (Confederação de Povos
Indígenas de Bolívia).
Em relação à CIDOB e ao CPIB, vale a pena mencionarmos que o
surgimento do movimento indígena na região Oriental, da Amazônia e do Chaco
tiveram como base de sustentação estas organizações. A CIDOB, considerada a
uma organização interétnica, constituída em 1982, tinha o objetivo de coordenar e
organizar os grupos étnicos das terras baixas. Dentre as organizações criadas
55
BORON, Atilio A. Estado, Capitalismo y Democracia na América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2003, p.19 apud MEIRELES, p.28.
56
Jaime Paz Zamora foi eleito em agosto de 1989, após o governo de Paz Estenssoro.
49
posteriormente, destacamos: Asamblea del Pueblo Guarani (APG) e a
Coordinadora de los Cabildos Indígenas de Moxos (CCIM).
57
Voltando à Convenção 169, esta representou um importante instrumento de
conquista dos povos indígenas, pois reconheceu, entre outras coisas, direitos a
terra e ao território, antiga demanda destes povos, o acesso aos recursos naturais e
o desenvolvimento das próprias línguas e a educação bilíngue intercultural.
58
Além disso, a Convenção 169 levou à mudanças na Constituição Política,
registrada no artigo 171, reconhecendo a Bolívia como um país multiétnico e
pluricultural.
“Serão reconhecidos, respeitados e protegidos, no âmbito da
legislação, os direitos sociais, econômicos e culturais dos povos
indígenas que vivem no território nacional, especialmente o direito às
suas terras comunitárias de origem,garantindo-se o uso e o
aproveitamento sustentáveis dos recursos naturais nelas existentes e
sua identidade, valores, línguas, costumes e instituições”
59
Ao longo da década de 90, com Sanchez de Losada na presidência (1993-
1997) e Victor Hugo Cárdenas na vice-presidência, ambos do MNR e eleitos pela
coalizão MNR/MRTK, o país enfrentou uma nova fase. Diferentemente dos
governos anteriores da história do país, a Bolívia teve neste momento o primeiro
aimará a ocupar um cargo no poder, o vice Hugo Cárdenas, que apresentou como
uma de suas propostas, administrar o país por meio do código inca (os três
57
O resultado de vários anos de organização dos indígenas da região Oriental foi a Marcha por el território y la dignidad realizada nos
meses de agosto e setembro do ano de 1990. A marcha começou no Departamento de Beni e terminou na capital boliviana La Paz. O objetivo
era o reconhecimento jurídico de seus territórios para deter a penetração das industrias madereiras”. ARANDA, Andrés Silva. A Questão
Política no Cenário Político Boliviano.In: Reunião de Estudos: Ascensão de Movimentos Indigenistas na América do Sul e possíveis
Reflexos para o Brasil. Brasília, 2004, p.92.
58
O texto da Convenção está disponível em HTTP://www.indigenista.org/content/view/14/28. Acessado em novembro 2009.
59
YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Pluralismo jurídico, derecho indígena y jurisdicción especial en los países andinos. En: El outro
derecho- Variaciones sobre la justicia comunitária. Bogotá: Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos (ILSA) y Red de
Justicia Comunitária. n.30, p.171-195.
50
preceitos morais estabelecidos pelo Estado incaico, ama suwa, ama lulla, ama
qhilla
60
— “não roube, não minta, não seja preguiçoso”.
Na avaliação de Carlos Ranulfo Melo, em Reforma Política em Perspectiva
Comparada, a aliança que permitiu Victor Hugo Cárdenas a ocupar o cargo de
vice-presidente na chapa de Losada, significou uma “tentativa deste e do próprio
partido, MNR, de recuperar o prestígio perdido entre as massas pobres e reatar o
elo com a “Bolívia profunda”.
61
Para a maioria da população indígena que luta por um governo que
reconheça os seus direitos específicos dentro do marco dos Estados Nacionais,
pondo fim às práticas clientelistas, a posição de Cárdenas reacende a esperança de
dias melhores. Os governos que se beneficiaram destas alianças, a partir de 1985,
conseguiram manter a estabilidade política e econômica e um moderado
crescimento econômico. Mas é neste governo que medidas neoliberais começam a
ser colocadas em prática, levando os movimentos indígenas a intensificarem suas
contestações à “democracia representativa”.
Embora por um lado a década de 90 tenha representado um momento mais
duro na intensificação da agenda neoliberal, por outro lado foi nesta década que se
deu início ao discurso da interculturalidade por parte dos governantes. O objetivo
foi a implementação de um conjunto de medidas políticas a fim de superar a
exclusão dos povos indígenas do processo de construção estatal. Dentre estas
medidas, temos a ratificação do Convênio 169 em 1991, por meio da Lei 1.257,
no governo de Jaime Paz Zamora e as reformas gonistas como veremos a seguir.
60
CARVALHO, Carlos Eduardo Marconi. Recursos Naturais e Conflito Social na Bolívia Contemporânea. 2008. 113 f. Dissertação
(Mestrado em História) Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2008. p.47.
61
Melo, Carlos Ranulfo. Reforma Política em Perspectiva Comparada. In:Reforma Política no Brasil. AVRITZAER, Leonardo;
ANASTÁSIA, Fátima (orgs). Editora Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. p.54.
51
De acordo com Xavier Albó, em Iguales aunque diferentes - Hacia unas
políticas interculturales y línguisticas para Bolívia
62
o que ficou claro naquele
momento foi a tentativa de promover uma política baseada no discurso da
interculturalidade. No plano doméstico, além desta política, o Estado enfrentava o
problema do “poder dual”, a luta entre o Estado de um lado, e o movimento
camponês e os setores populares do outro. Na análise de Paz Estenssoro, a luta do
movimento popular e camponês não esteve ligada somente ao campo social e
econômico, mas também ao campo político. Desse modo, Paz Estenssoro
reconheceu o problema do Estado, conforme publicado no periódico Conosur
Ñawpaqman do Centro de Comunicação e Desenvolvimento Andino do
Departamento de Cochabamba:
“Temos o problema sindical (...). No governo anterior, o Estado tinha
diminuído seu poder, e estabeleceram-se poderes duais no país (...) o
enfrentamento que temos como poder sindical não é apenas um
enfrentamento social e econômico, mas sim um enfrentamento
claramente político(...) nós vamos recuperar o poder para o Estado”
63
Durante o primeiro mandato, o governo de Losada apresentou um projeto
ambicioso de modernização, conhecido como Plan de Todos. Este projeto incluía
uma série de mudanças, alguma delas relacionadas às conquistas da Revolução de
52, e era uma forma de consolidar o modelo neoliberal aprovado pelo Decreto
21.060.
Os principais pontos do Plan de Todos foram: Reforma Educacional;
Participação Popular; Serviço Nacional de Reforma Agrária; Capitalização e
Descentralização Administrativa. Analisaremos neste trabalho três medidas
62
ALBÓ, Xavier. Iguales aunque diferentes. Hacia unas políticas interculturales y lingüísticas para Bolívia. La Paz: PNUD. Bolívia, 2006.
63
VERDUN, Ricardo (org.).Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina, INESC,2009. p.171.
52
deste Plano a Reforma Educacional, a Lei de Participação Popular; a Nova
Reforma Agrária e a Lei de Capitalização. Tais medidas, segundo Kohl e
Farthing, visavam à criação de uma nova classe de cidadãos neoliberais.
A primeira medida, a Reforma Educacional de 1994, foi fruto de processos
de reformas estabelecidos na América Latina a partir dos anos 90 por parte de
organismos internacionais. Diferentemente do Código Educativo de 1995, que
estabeleceu uma educação única, universal, gratuita e obrigatória para todos os
cidadãos, esta reforma instituiu a educação multiétnica e bilíngue, incluindo o
espanhol/aimará, espanhol/quéchua e espanhol/guarani, como a base do
conhecimento dos cidadãos.
Nos artigos a seguir, podemos verificar que a lei 1.565 encarregou o Estado
como o principal responsável na administração da educação boliviana, que tem
como uma das funções a promoção da integração nacional.
Parráfo 1:
“Es la más alta función del Estado, porque es un derecho del pueblo e
instrumento de liberación nacional y porque tiene la obligación de
sosternela, dirigirla y controlarla, a través de un vasto sistema
escolar.”
Parráfo 2:
“Es universal, gratuita en todos los establecimientos fiscales y
obligatoria en el nivel primario, porque contiene postulados
democráticos básicos y porque todo boliviano tiene derecho a
igualdad de oportunidades”
53
Parráfo 5:
Es intercultural y bilingüe, porque asume la heterogeneidad socio-
cultural del país en un ambiente de respeto entre todos los bolivianos,
hombres y mujeres”
Parráfo 10:
Es indispensable para el desarrollo del país y para la profundización
da democracia, porque asume la interdependencia de la teoría y de la
práctica, junto con el trabajo manual e intelectual, en un proceso de
permanente autocrítica y renovación de contenidos y métodos”.
Parráfo 11:
Es el fundamento de la integración nacional y de la participación de
Bolívia en la comunidad regional y mundial de naciones, partiendo de
la afirmación de nuestra soberanía e identidad.”
64
Mas a teoria não funcionou na prática, pois o que temos é a ampliação da
educação escolar que sempre foi privilégio dos brancos e dos cholos (indivíduo
mestiço). Além disso, as práticas estatais, os trâmites legais, as leis, a
documentação, entre outros, continuam a ser redigidas no idioma espanhol. Isto
nos mostra que a maioria da população indígena do país não ocupou um papel
importante na agenda deste governo. Desse modo, a educação no país continuou a
ser privilégio dos brancos. Situação parecida aconteceu no Estado de 52, quando o
Estado reconheceu o castelhano como idioma oficial, não reconhecendo os
idiomas indígenas. Desse modo, a Reforma de 1994 deixa claro que a política de
64
Fonte: Ministerio de Educación, Cultura y Deportes (www.minedu.gov.br)
54
Estado não privilegiou a inclusão da maioria da sociedade. Pelo contrário, a
medida veio reforçar a exclusão dos indígenas
65
.
Nesse contexto, Pablo Gentili
66
esclarece que a Reforma Educacional estava
voltada para atender aos ditames do capital estrangeiro, sem se preocupar com a
inclusão da maioria da população. Foi uma reforma oriunda dos conceitos e ações
dos organismos internacionais, para ser aplicada não só na Bolívia, mas no Chile e
no Equador, sem levar em consideração as especificidades de cada país.
Vale a pena ressaltarmos que, antes desta Reforma Educacional do governo
de Losada, a Confederação Única dos Trabalhadores Rurais da Bolívia,
considerada uma importante organização sindical do país, apresentou um projeto
de reforma educacional em 1989. O objetivo desta organização era propor uma
educação intercultural bilíngue visando à igualdade e inclusão dos povos
indígenas, para que os seus filhos não sentissem “vergonha de sua própria
história, língua e cultura”
67
.
Já a Lei de Participação Popular (LPP) marca o início do processo de
participação popular no país. Na verdade, esta lei determina a redistribuição
equitativa dos recursos econômicos, a participação da cidadania e uma maior
integração entre o Estado e a sociedade. Para isso, foi proposto o fortalecimento
do poder local (municipal) e o reconhecimento jurídico das comunidades
65
Situação diferente no atual governo de Evo Morales, que fortaleceu a identidade dos povos originários com a criação de três universidades
indígenas. “O governo boliviano está convencido de que as universidades, reivindicadas pelos povos indígenas, vão “descolonizar”
ideológica, cultural, social e economicamente a Bolívia, além de propiciar a recuperação de princípios e formas de produção e de vida dos
indígenas que resistiram por séculos às humilhações do colonialismo”. AZCUI, Mabel.Correio internacional.
(www.correiointernacional.com) Acessado em novembro 2009.
66
GENTILI, Pablo; Suarez, Daniel; STUBRIN, Florência e GINDIN, Julián. Reforma educativa y luchas docentes en América Latina. Educ.
Soc. 2004, v. 25, n.89, pp. 1251-1274.
67
CSUTCB. Hacia una educación intercultural bilingüe. Raymi 15. La Paz: Centro Cultural Jayma, 1991. In: SICHRA,Inge. Educação,
Diversidad Cultural e Cidadania: os povos indígenas e a escola. Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação de professores:
educação indígena. / Marilda Almeida Marfan (Organizadora). Brasília : MEC, SEF, 2002.
55
indígenas, camponesas e urbanas. Com a LLP, a população passa a fazer parte da
gestão pública, adquirindo autonomia frente ao poder vigente, integrando as
comunidades originárias (as camponesas e demais organizações da sociedade
civil) às instituições do Estado e, a partir disto, um novo canal de comunicação foi
criado.
Com a LPP, a incorporação destas comunidades se daria no município, sendo
que 20% dos ingressos nacionais seriam destinados à esfera municipal. Mas
como integrar as comunidades indígenas neste novo cenário institucional sem
levar em consideração que elas não têm a base necessária dos fundamentos da
democracia dita representativa? Além disso, como fazer esta integração tendo
como “superior” o Estado que sempre os excluiu? A solução veio com a criação
das Organizações Territorias de Base (OTBs), uma espécie de foro de
representação da sociedade civil que incluía não as comunidades tradicionais,
bem como as Juntas Vicinais Urbanas (comitês de bairro) e demais organizações.
Entre as mudanças proporcionadas pela LPP, destacamos a reforma do
Estado com a inclusão de camponeses e indígenas num novo ordenamento
político que os projetou para o cenário nacional e uma nova cidadania no país, por
meio da relação entre governo e sociedade civil. Do ponto de vista político, os
indígenas passaram da condição de protagonistas eleitores para a de atores
principais elegíveis. Isto possibilitou a entrada de lideranças indígenas no jogo
político eleitoral, de acordo com registros de Donna Lee Van Cott: “em 1995 nas
primeiras eleições municipais de um total de 1.624 vereadores (consejales)
56
eleitos, 464 (28,6%) eram indígenas ou camponeses, e em 73 dos 311 municípios,
eles constituíram maioria”.
68
Contudo, por mais que o plano de participação popular tivesse proporcionado
a participação de camponeses e indígenas num novo ordenamento político, isto
não foi feito à toa. Na verdade esta lei tinha como pano de fundo a melhoria do
relacionamento com os movimentos populares via meios institucionais, com o
objetivo de formar uma “nova classe de cidadãos neoliberais”, segundo Kohl e
Farthing,
“de modo consciente la creación de una nueva clase de ciudadanos
neoliberais, que no dependieron del Estado para la provisión, aunque
fuese de modo inadecuado, de los benefícios de la ciudadania social,
sino que más bien contaran con el gobierno que facilite su
participación en los mercados”
69
Além disso, é importante ressaltarmos que do mesmo modo que a reforma
educativa, durante os anos 80 e início da década de 90, foi uma consequência dos
processos de reformas de educação na América Latina, a Lei de Participação
Popular também não foi um projeto político regional. Sob o comando dos órgãos
internacionais, mais especificamente do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) no caso boliviano, o plano de participação é criado no
país e nos demais países da América Latina, conforme tabela
70
abaixo:
68
VAN COTT, Donna Lee. From Movements to parties in Latin America: the evolution of ethnic politics. New York, Cambridge University,
2005 apud MITRE, ANTONIO. Estado, Modernização e Movimentos Étnicos na América Latina. 2008. São Paulo, Brasil e Santiago do
Chile.
69
KOHL, Benjamin H; FARTHING, Linda C. Impasse in Bolivia: neoliberal hegemony and popular resistance. London; New York: Zed
Books, C2006 apud CARVALHO, p. 73.
70
Martinez, Jose A. Municipios y participacion popular en America Latina: un modelo de desarrollo, 1996. La Paz:
IAF/SEMILLA/CEBIAE. In: McNeish, John-Andrew. Pobreza, política e 'passes de mágica' na Bolívia e na América Latina. Disponível em:
HTTP://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/crop/pobreza/11mcneish.pdf
57
Na Lei do Instituto Nacional de Reforma Agrária, outra medida
importante em termos de políticas sociais adotada no governo Losada, a terra
ainda é uma questão problemática. Diferentemente da reforma agrária da
Revolução de 52, em que a terra, num primeiro momento, foi dividida e entregue
aos seus legítimos donos (os camponeses), nesta Reforma, a terra, considerada
improdutiva, estava associada aos proprietários que não pagavam seus impostos
anuais, não levando em conta se a terra daqueles que pagavam tal tributo era
cultivada ou não. O critério mais importante naquele momento era o pagamento
do imposto anual (1% do valor da terra), que de certa forma acabava privilegiando
os latifundiários. As terras abandonadas eram consideradas propriedade do Estado
e poderiam ser reivindicadas pelos camponeses e pelos indígenas, diferente do
58
estabelecido na Revolução de 52, em que os camponeses tomavam as terras dos
antigos proprietários.
Desse modo, fica claro que mais uma vez tais políticas adotadas por este
plano, no governo de Losada, não visavam o benefício da população e sim seguir
o que foi adotado na cartilha neoliberal, ou seja, a adoção de uma política voltada
para a rentabilidade do mercado, com a redução dos gastos sociais e a atuação de
um Estado mínimo. Além disso, esta nova definição da Reforma Agrária não vai
de encontro com as mudanças na Constituição Política (1994), artigo 171, que
reconheceu o uso social da terra. “(...) o direito às suas terras comunitárias, de
origem, garantindo-se o uso e o aproveitamento sustentáveis dos recursos
naturais nele existentes (...)”.
Dentre as leis do Plano de Todos, a Lei de Capitalização foi a medida que
mais caracterizou o governo de Losada, trazendo sérias consequências para a
população, em primeiro lugar e, mais tarde, para o próprio governante. A partir
desta lei o estado e à venda a sua parte nas empresas públicas e o controle
destas empresas passa para a administração privada, cabendo ao governo a parte
da regulação.
A capitalização das empresas públicas, conhecida também como
privatização, atingiu as cinco maiores empresas do país: Empresa Nacional de
Ferrocarriles (ENFE); Lloyd Aéreo Boliviano (LAB); Empresa Nacional de
Telecomunicações (ENTEL); Empresa Nacional de Eletricidad (ENDE) e a
principal e a mais rentável para atrair o capital externo, Yacimientos Petrolíferos
Fiscales Bolivianos (YPFB).
59
Dentre todas as cinco empresas privatizadas, a YPFB foi a que gerou mais
polêmica, devido a sua importância na história política do país. A YPFB foi criada
em 1936, durante o governo de David Toro (1936-1937), tendo como alvo os
ativos da Standard Oil Company of Bolivia, após o governo boliviano ter rompido
com esta empresa. Desde 1921 na Bolívia, a Standard Oil Company of Bolivia
rompeu com o governo devido à atuação dos dirigentes desta empresa, desde
falsificações na estimativa do volume de reservas de petróleo até o contrabando de
oleoduto para outros países.
Outro fator importante que contribuiu para este rompimento foi a Guerra do
Chaco. De acordo com alguns autores, como Wladimir Coelho, A exploração
petrolífera na América do Sul. Uma breve análise do caso boliviano”, durante o
conflito contra o Paraguai, a Standard não forneceu combustível para as tropas do
país. A escassez no país e a necessidade de importação de combustíveis foi a
justificativa usada na época
71
. Assim, diante da recusa da empresa em ajudar os
militares no conflito, o processo de ruptura tornou-se inevitável. Por volta de
1940, o governo cedeu às pressões externas (EUA) e indenizou a Standard Oil.
A criação da YPFB foi de extrema importância para a economia nacional,
principalmente com a nova nacionalização do setor petrolífero no governo de
Alfredo Ovando Candia
72
. Com este movimento, a YPFB se fortalece, juntamente
com a estatização da Gulf Oil, responsável pela exploração do gás natural.
Voltando à questão da Capitalização
73
, a YPFB foi dividida em três unidades:
duas destinadas à exploração e à produção de hidrocarbonetos (adquirida pela
71
COELHO, Wladimir Tadeu Silveira. A exploração petrolífera na América do Sul. Uma breve análise do caso boliviano. Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 40, n. 45, p. 351-361, jan./jun. 2006.
72
Mandatos de Alfredo Ovando Candia: 1965/1966;1966/1966;1969/1970.
73
A reforma no sistema de previdência no país foi financiada pelos recursos adquiridos com a capitalização.
60
Petrolera Andina, um consórcio que reuniu a Petrolera Chaco; Perez Compac;
Plus Petrol e, Repsol-YPF) e a outra, destinada ao transporte (adquirido pelo
consórcio Transredes – Shell e Enron).
Após a divisão da petrolífera, criou-se, em 1994, o órgão regulador
denominado Sistema de Regulación Setorial. Este órgão também regulava as
atividades ligadas a outras áreas telecomunicações, transporte,
hidrocarbonetos, saneamento básico, eletricidade e água —, pois a capitalização
atingiu outros setores da economia boliviana, outrora administrados pelo Estado.
Com o término do primeiro mandato de Losada, observamos a continuidade da
sua política de capitalização pelo governo Hugo Banzer
74
. Isto fica claro com a
privatização do restante da YPFB no governo de Hugo Banzer, empresa adquirida
pela Petrobrás e pela Perez Compac.
As consequências deste processo de privatização para o povo boliviano foram
nefastas. Concomitantemente ao processo de capitalização da YPFB, surgiram
diversas manifestações, mas nada deteve o objetivo inicial de Losada: tornar o
país uma espécie de centro energético, principalmente com a abertura deste setor
para a iniciativa privada.
Se por um lado, as privatizações realizadas por meio desta lei estiveram
voltadas para atender aos interesses das multinacionais estrangeiras,
principalmente com a diminuição da taxação dos lucros de 50% para 18%
promovida por Losada, por outro lado, desagradou profundamente aqueles que
assistiram ao desarranjo de uma das conquistas da Revolução de 52, sob o
74
Hugo Banzer, presidente constitucional entre 1997-2001, mas antes fora ditador entre 1971 a 1978. Após Banzer, ocuparam o poder
Executivo Jorge Quiroga Ramírez (2001/2002) ; Sanchez de Lozada (2002/2003); Carlos Mesa (2003/2005); Eduardo Rodríguez Veltzé
(2005/2006).
61
comando do mesmo MNR de Losada: a nacionalização dos hidrocarbonetos. As
promessas de emprego e investimentos no país não saíram do papel, pois o que
estava em jogo era a maximização dos lucros.
A partir de 2000, um novo ciclo de mobilizações revolucionárias se iniciou
na Bolívia, dando início a crise de hegemonia. Esta crise, resultado da conjuntura
política e da intensa troca de governos num curto espaço de tempo, entre 2000 e
2006, fez com o país tivesse seis presidentes. Outro motivo foi o realinhamento
dos governos boliviano e norte-americano, principalmente os presidentes Quiroga
e Losada que se identificavam com o forte poder oligárquico nacional.
O ano de 2000, nas palavras de Emir Sader, foi considerado “o
renascimento do movimento indígena
75
. Isto se deve à Guerra da Água, em
Cochabamba. Um ano antes do conflito, 1999, Hugo Banzer, seguindo a doutrina
neoliberal, deu início ao processo de concessão de serviços de água em
Cochabamba por meio de decretos executivos do Supremo. Por meio destes
contratos o governo concedia à empresa Agua del Tunari, subsidiária da gigante
Bechtel Corporation, a concessão deste recurso. Diante desta medida, foi criada a
Coordinadora de Defensa del Agua y la Vida, importante organização que
envolveu os movimentos populares e a igreja em torno deste recurso tão vital.
Após intensas mobilizações, o controle do abastecimento da água passou para esta
Coordenadora.
Em 2002 Losada reassumiu o governo num grave crise econômica, fruto
do legado dos governos Banzer e Quiroga. O país apresentava elevada taxa de
desemprego; alto índice de trabalho informal, por conta das privatizações
75
SADER, Emir. Por que os bolivianos, pela primeira vez, sentem-se felizes. Disponível em http://www.cartamaior. Acessado em agosto de
2009.
62
realizadas pelo Estado; péssimas condições de vida da população indígena e o
aumento dos conflitos sociais. Com a entrada deste goverrnante, a situação do país
ficou mais crítica, principalmente com a continuidade dos programas de
privatização, favorecendo as empresas transnacionais. Os desdobramentos
imediatos disto são a diminuição do papel do estado, o fortalecimento e reação da
sociedade civil e a dos movimentos sociais, num cenário marcado por vários
acontecimentos.
Dessa forma, numa perspectiva comparada entre o primeiro e o segundo
governo de Losada, podemos analisar que no primeiro mandato o governo pôs em
prática uma política voltada para a interculturalidade sem abrir mão da
modernidade do Estado. O Decreto 21.060, de agosto de 1986, estabeleceu, de
certa forma, a aliança entre neoliberalismo e multiculturalismo. no segundo
mandato, Losada abriu mão das políticas multiculturais e preferiu seguir
rigorosamente a cartilha neoliberal ao transferir o comando de empresas
importantes do país para os estrangeiros, deixando para o segundo plano as
políticas voltadas para os setores populares e indígenas.
Os desdobramentos do mandato de Losada também foram consequência da
política de combate ao narcotráfico, adotada um ano antes pelo seu antecessor,
Hugo Banzer. Considerada a política de maior empenho da administração do
presidente Banzer, a política “coca zero” foi implementada em parceria com o
governo norte-americano. O alvo desta política era a erradicação das plantações
de coca, consideradas excedentes ou ilícitas, da região tropical de Cochabamba
(Chapare) e da região tropical de La Paz (Yungas). Para isto, o governo norte-
americano ofereceu uma ajuda de custo para que os plantadores de coca abrissem
mão desta atividade por outros cultivos. Mas a solução trouxe um problema para
63
estes plantadores, uma vez que o ganho da coca superava os rendimentos nas
novas lavouras.
Como resposta à política “coca zero”, que não levou em conta a importância
simbólica e cultural da folha de coca para os povos indígenas, a população tomou
conta das ruas, bloqueando estradas e entrando em confronto com as forças do
governo. Sob a liderança do então deputado nacional Evo Morales, camponeses,
produtores de folha de coca, organizados em sindicatos, lutaram para pôr fim a
esta política antidrogas. Além disso, esta política foi marcada por uma forte
repressão das forças militares contra os cocaleros e uso de produtos químicos nas
plantações.
Diante de um estado marcado por uma grave crise econômica, os
indígenas se reorganizam e estabelecem novas relações com o poder
institucional. Neste momento, identificamos também na sociedade boliviana a
ascensão dos movimentos de afirmação da identidade indígena, dos quais
destacamos: o movimento cocalero, que apresenta a vertente tradicional, que tem
como base a região dos Yungas, e a atual, assentada na região do Chapare,
departamento de Cochabamba, no centro da Bolívia; o movimento dos ayllus,
comunidades tradicionais indígenas, corrente política relevante que defende as
comunidades originárias e a valorização da identidade indígena, e o movimento
do líder aimará Felipe Quispe, que organizou um grupo guerrilheiro para criar
um Estado indígena próprio.
Neste momento, o Movimento Cocalero, diferentemente do primeiro mandato
de Losada, em que sofreu uma forte repressão no país com o apoio norte-
americano em torno da questão da coca, começou a ganhar destaque na luta pela
64
defesa dos hidrocarbonetos. Mas diante de conflitos sociais resultantes num
primeiro momento das políticas adotadas por Banzer, Losada ao invés de voltar o
seu governo para uma reorganização da estrutura social, incluindo os problemas
de exclusão, distribuição de renda, este governo intensificou sua agenda
neoliberal, colocando à venda empresas importantes e passando por cima de fatos
importantes que marcaram a história do país.
Diferentemente do primeiro mandato de Losada, o movimento cocalero,
além da defesa da folha de coca, símbolo da cultura andina, passa a atuar com
mais intensidade no segundo mandato deste governante na defesa de outras
demandas, como a questão do desemprego, da crise econômica e dos recursos
naturais. Na verdade, a crise de representatividade dos partidos políticos fortalece
este movimento que, além de lutar pela defesa dos seus interesses, passam a lutar
contra a política neoliberal.
Em 2003, após anunciar o projeto de exportar o gás para os Estados Unidos
por meio de portos chilenos, deu-se início a um novo conflito: a Guerra do Gás.
Este anúncio provocou forte reação na sociedade, mexendo na ferida ainda não
cicatrizada desde o fim da guerra do Pacífico: a perda do litoral boliviano para o
Chile
76
. Do mesmo modo que a Guerra da Água mobilizou a sociedade, o
fenômeno El Alto, considerado um momento estratégico para a luta do
movimento indígena, foi marcado por intensos protestos. As intensas
mobilizações ocorridas durante o conflito do gás uniram diferentes etnias em
defesa dos hidrocarbonetos.
76
Na Guerra do Pacífico (1879/1884) o país perdeu para o Chile seu acesso ao oceano Pacífico. O Chile amplia o seu território ao derrotar
Bolívia e Peru, deixando a Bolívia sem saída para o mar.
65
Se no primeiro mandato, Gonzalo desenvolveu uma tímida política
voltada para os indígenas, pois atendeu aos interesses do capital estrangeiro com a
implementação das políticas neoliberais e, consequentemente, diminuindo as
expectativas da população em busca de melhores condições de vida, no segundo
mandato ele intensificou tal política proporcionando, segundo Franklin Gallegos e
Pablo Stefanoni, em “La Política de los Movimientos sociales en Bolívia”, a
primeira insurreição plebeia do século XXI.
Dessa forma, segundo Kocka, a análise comparativa torna-se
indispensável para levantar e responder questões de causa, como a sublevação
que despertou a memória coletiva dos povos indígenas no momento em que
Losada anunciou o seu projeto de exportação de gás. Este projeto trouxe à tona
um sentimento de expropriação comparado à época da exploração dos recursos
naturais (ouro e prata) no período colonial. As minas de prata e ouro do México
e do Peru, onde se encontravam as ricas minas de prata de Potosí (atual Bolívia)
foram consideradas o ponto de apoio da empresa colonial. Constatamos assim
que do mesmo modo que no período colonial a expropriação resultou na morte
de milhares de indígenas, no governo de Losada a insatisfação dos setores
populares deu início à luta pela defesa dos recursos naturais.
Entendemos que o segundo mandato do governo Losada nada mais foi
que uma continuação das políticas neoliberais adotadas no primeiro. A
expectativa da população, principalmente a indígena, com a presença de Victor
Hugo Cárdenas Conde, líder do Movimento Revolucionário Tupac Katari de
libertação, na vice-presidência do país, não criou novas instâncias de articulação
entre as demandas e propostas indígenas e o sistema democrático. Pelo contrário,
algumas medidas adotadas por este governo não levaram em conta conquistas do
66
período da revolução de 1952, como a Lei da Reforma Agrária. Mais uma vez a
elite, concentrada na maior cidade do país, Santa Cruz de la Sierra, foi a mais
beneficiada com as políticas deste governo.
As consequências em torno da guerra do gás deixaram milhares de
mortos no país. Diante da crise de instabilidade, Gonzalo Sanchez de Lozada
renunciou ao poder. A renuncia de Losada revelou, nas palavras de Maurício
Rocha “o descompasso entre sociedades que se tornaram mais abertas e
participativas, e os sistemas político-partidários que não foram capazes de
acompanhar o ritmo da transformação”.
77
Após a queda de Losada, Carlos Mesa assumiu o governo do país, mas as
questões envolvendo a revisão da Lei de Hidrocarbonetos aumentaram a pressão
popular, dando início a novos conflitos no país. Diante do agravamento da crise
política do país, Mesa renunciou e foi substituído por Eduardo Rodriguez,
presidente da Suprema Corte que governou o país até as eleições presidenciais
de 2005.
Sintetizando, podemos dizer que numa perspectiva comparada os
aspectos que marcaram uma continuidade entre os dois governos estiveram
relacionados à adoção de políticas em torno da agenda neoliberal. Enquanto que
as diferenças entre suas políticas, no primeiro mandato houve uma tentativa de
combinar medidas neoliberais com o multiculturalismo. Já no segundo, a
população ficou à mercê de sua própria sorte, e o descontentamento com os
representantes do poder, que não transferem para o Estado as reivindicações dessa
população excluída, despertou um sentimento de "estelionato político" da
população, levando à revolta aberta na Bolívia em 2003.
77
ROCHA, M. Desenvolvimento como Integração. In: O Brasil e a América do Sul: Desafios no século XXI. Brasília: Fundação Alexandre
de Gusmão, Ministério das Relações Exteriores, 2005, p.132.
67
CAPÍTULO 3
O FENÔMENO DA (RE)EMERGÊNCIA DA IDENTIDADE ÉTNICA
(...) “Ser libres, pero sin perder nuestra identidad histórica y nacional!
Nuestra liberación será obra de nosostros mismos!
Nunca será regalo de generales, ni de doctores, ni de los nuevos ricos!
Estamos oprimidos pero no vencidos! Gloria a Túpac Katari! (La Paz,
Junio de 1983- Congresso Nacional de CSUTCB)
78
I- O Fenômeno da (re)emergência e a Revolução Sociocultural
Entendemos que o fenômeno da (re)emergência da identidade indígena se deu de
forma mais intensa no segundo mandato de Losada, diante da falta da vontade política deste
governante em desenvolver um plano de ação voltado para a valorização da cultura indígena.
Mas antes de tratarmos deste assunto, vale a pena uma breve análise sobre a insurgência do
movimento indígena na atualidade.
Embora a reconstrução da identidade indígena aconteça nos anos 70, observamos, de
forma mais incisiva, a partir da década de 90, a ascensão dos movimentos sociais calcados em
novas identidades, como a indígena, diferenciando-se dos tradicionais (a clássica divisão entre
o operariado e a burguesia). Estes movimentos que, num primeiro momento são vítimas da
colonização européia, passam a se organizar a partir da década de 90, com o avanço da
agenda neoliberal. O que está em jogo nesta nova emergência é a questão étnico-cultural.
A mudança do paradigma estatal para o neoliberal fez com que os movimentos
indígenas e demais organizações se consolidassem em atores políticos em busca da tomada do
78
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Oprimidos pero no vencidos: luchas del campesinado aymara y quéchua de Bolívia, 1900-1980. CSUTCB,
La Paz.
68
poder, o Estado. A (re)emergência do movimento indígena, inserida nos Novos Movimentos
Sociais, representa, de acordo com Libertad Borges Bittencourt, “uma das mudanças mais
significativas na cultura política dos povos indígenas, uma vez que, a partir da organização,
estes povos se consolidam como atores políticos”
79
.
Considerado objeto de estudo permanente, movimento social é um tema abordado por
diversos pesquisadores em diferentes contextos e lugares históricos. Uma característica
própria da América Latina, segundo Fernando Calderón e Elizabeth Jelin, em Classes sociais
e movimentos na América Latina
80
, “é que não existem movimentos sociais puros, ou
claramente definidos, dada a multidimensionalidade não das relações sociais, mas também
dos próprios sentidos de ação”.
A ação política de novos sujeitos sociais a partir de novas formas de intervenção e,
consequentemente, novas demandas, envolvendo não a questão da terra, mas a busca por
uma democracia mais participativa, direito à educação e à moradia, fez com que surgisse um
novo arcabouço teórico para dar conta deste fenômeno.
De acordo com Mária da Glória Gohn, o termo “Novos Movimentos Sociais” está
ligado às recentes formas de intervenção social proporcionada a partir da década de 90. A
expressão foi “cunhada na Europa, nas análises de Clauss Offe, Touraine e Melucci” e
engloba diversos movimentos, por exemplo, ecológicos, das mulheres e pela paz. Estes novos
Movimentos, “se contrapõem aos velhos movimentos, em suas práticas e objetivos, ou seja, se
contrapõem também ao movimento operário-sindical, organizado a partir do mundo do
trabalho”.
81
79
BITTENCOURT, Libertad Borges. O movimento indígena organizado na América Latina – a luta para superar a exclusão. In:
ENCONTRO DA ANPHLAC, 4., 2001, Vitória (ES). Anais eletrônicos... Vitória (ES): ANPHLAC, 2001. Disponível em
http://www.anphlac.cjb.net. Acesso em novembro 2009.
80
CALDERÓN, Fernando; JELIN, Elizabeth. Classes Sociais e Movimentos Sociais na América Latina: perspectivas e realidades. In:
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.5, vol.2. 1987, p.1-20.
81
GOHN, M. G. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2000, p.251
69
(...) são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos
pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em
certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país,
criando um campo político de força social na sociedade civil (...). As
ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma
identidade coletiva para o movimento, a partir de interesses comuns (...).”
82
Outro aspecto importante na emergência atual do movimento indígena boliviano e de
outros países da América Latina, é que, além de incluir novas reivindicações, resgatando a
cultura indígena por meio de símbolos, como veremos mais adiante, estes movimentos “se
reconhecem como herdeiros e continuadores de uma tradição”.
83
Além disso, os integrantes
deste movimento têm consciência da realidade política e do seu papel como uma agente de
mudança. Isto fica claro quando percebem que o modelo neoliberal não conseguiu resolver
antigas questões, como a pobreza e o velho problema da exclusão social, e lutam para reverter
a situação do seu povo. Para exemplificar esta postura dos novos movimentos, citamos dois
depoimentos de manifestantes durante a crise no segundo mandato do governo de Losada.
No primeiro, o manifestante indígena deixa a seguinte mensagem: “não à exportação
de gás e recursos naturais; não ao comércio livre com os Estados Unidos; não à globalização
em qualquer outra forma que não seja a solidariedade entre os povos oprimidos”. Outro
manifestante, o mineiro Nicanor Apaza, afirma que a “globalização é apenas outro nome para
submissão e exploração”.
84
Em relação à Revolução sociocultural, a palavra revolução nos remete a ideia de um
processo de construção de uma nova hegemonia, o que implica uma nova concepção de
mundo. Neste sentido, a mudança política na Bolívia não modificou a estrutura do Estado,
82
Ibid.,p.251.
83
CAMACHO, Daniel. Movimentos sociais: algumas discussões conceituais.In: Scherer-Warren, Ilse; Krischke, Paulo.J.(org.), Op. Cit.,
p.215.
84
“Não à globalização. In: Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 2003.Opinião.
70
mais também a estrutura econômica e cultural da sociedade, visando à igualdade entre os
povos, sociedades e suas distintas culturas. Na verdade, o que temos é a mudança de um
Estado neoliberal, com o fim do segundo governo de Losada, para um Estado pluricultural,
social e autônomo em defesa dos recursos naturais e do fim do “colonialismo interno, com a
ascensão do governo de Evo Morales em 2005.”
De acordo com Álvaro García Linera, atual vice-presidente da Bolívia, estamos diante
de um processo de Revolução sociocultural na Bolívia, iniciado a partir de 2000. Além da
mudança política e, consequentemente, a mudança da estrutura do Estado, esta revolução
modificou nas palavras de García Linera, “a estrutura econômica da sociedade e seus hábitos
culturais”, ou seja, uma revolução sociocultural
85
.
Além de uma revolução sociocultural na Bolívia, na interpretação do atual ocupante
do Executivo, Evo Morales, e do partido que o elegeu, Movimento ao Socialismo, estamos
vivendo uma “revolução democrática”, semelhante à revolução de 1952, sob a base de um
“capitalismo andino/amazônico”. Nas palavras de Evo Morales,
“Necessitamos justiça, queremos justiça, a justiça não pode ser negócio;
com os câmbios estamos descolonizando a justiça para nacionalizar o
direito, seria importante nesse contexto que as decisões sobre demandas
não sejam políticas mais jurídicas, que de verdade façamos justiça olhando
o sobrenome ou a cor da pele”.
86
Durante as manifestações voltadas para a defesa dos recursos naturais a partir de 2000,
como a Guerra da Água (Cochabamba) e a Guerra do Gás (El Alto), a mídia oficial se
posicionou claramente ao lado do governo, sem abrir mão da manipulação e da distorção das
informações. De acordo com o jornalista Andréz Gomez Vela, em Mediopoder, “em nome do
85
GARCIA, Álvaro Linera. No referendo, o sinal para a virada. Le Monde Diplomatique,2008. http://diplo.uol.com.br.2008-08.12579.
Acessado em maio de 2009.
86
ROJAS, R. Declaraciones de Evo Morales en el aniversario de la independência nacional: contra las politicas del imperialismo no hay
marcha atrás. Rebelión, 08 ago. 2007. Disponível em: http//www.rebelion.org/noticia.php?id=54679. Acesso em maio 2009.
71
pluralismo, mas excluindo as fontes contrárias a seu pensamento editorial, armaram um
corpo em defesa da ordem pública e da propriedade privada transnacional”
87
. Como
alternativa à mídia oficial, surgem algumas mídias independentes, como a rádio da Federação
de Juntas Vecinales (Fejuve), responsável pela cobertura das sublevações e outros
acontecimentos ligados aos movimentos sociais.
As mobilizações populares na Bolívia, a partir da crise dos partidos políticos
tradicionais e das reformas proporcionadas pelo modelo neoliberal, trouxeram à tona alguns
elementos de identificação cultural dos povos originários, dentre os quais destacamos a
Wiphala (anexo II, página 92) o Movimento Cocalero (forte movimento de resistência
cultural) Pollera (anexo II, página 97) e o Pututo (anexo II, página 94).
A reconstrução da identidade indígena transfere estes instrumentos de luta de
resistência dos povos utilizados desde o período colonial para os dias de hoje. Consideramos
que, de desde o período colonial, passando pela República, ditadura e a redemocratização do
país, os indígenas reconstroem sua identidade frente aos embates do poder dominante. Este
recente fenômeno da (re)emergência está inserido no segundo conceito de história comparada
das transferências, denominado por “entangled history”. Neste conceito, “as transferências
unem e entralaçam sociedades colonizadoras e colonizadas’, seja de forma direta ou indireta,
por meio de símbolos, como o caso da Pollera. O ressurgimento da identidade indígena
trouxe à tona também líderes que tiveram um papel relevante na história do país, como Tupac
Katari.
Em relação à Pollera, vestimenta trazida ao país pelo vice-rei Toledo, esta representa
uma saia longa, usada pelas mulheres andinas de classes populares. Este símbolo da cultura
dos povos originários torna-se importante, assim como os demais mbolos, no atual governo
87
GOMEZ, Andrés Vela. Mediopoder: libertad de expresión y derecho a la comunicación en la democracia de la sociedad de la information:
una propuesta hacia la Asamblea Constituyente. La Paz: Gente Comum, 2006. p 285.
72
de Evo Morales. Isto fica claro no discurso de posse do vice-presidente Álvaro García Linera,
quando afirmou: “Queremos um Estado em que a saia e a pollera sejam a mesma coisa”.
88
o Pututo é um instrumento musical de vento que atualmente é feito de couro de boi
Considerada um símbolo étnico do período pré-colonial na luta contra o domínio
espanhol, a Wiphala representa um símbolo de posicionamento político e de resistência dos
povos indígenas, utilizada nas manifestações públicas, festas solenes, matrimônios,
nascimento e ações de resistência por parte dos povos originários. Além de ser um símbolo
étnico de identificação nacional e cultural, a bandeira indígena de origem aimará-quéchua de
sete cores, com 49 quadrados em linha transversal, vem sendo usada como um elemento de
diferenciação dos símbolos estatais na Bolívia, principalmente durante as manifestações
populares em defesa dos recursos naturais no segundo mandato do governo de Losada
promovidas pelo MAS. Assim, a bandeira, segundo a tradição, nascida do encontro do arco-
íris fêmea com o arco-íris macho representa, para Antonio Sidekum,
“(...) La armonía y equilíbrio de su cosmovisión quedan representados por
la Wiphala, bandera en los colores del arco iris del Tahuatinsuyo. Los 49
cuadrados de su bandera hablan de su ideal de una sociedad de iguales.
Todavía hay que correr mucho hasta que esse ideal de la sociedad se hará
realidad(..).
89
Em relação ao Movimento Cocalero, este surge, num primeiro momento, em
decorrência da cisão ocorrida no partido da Revolução, Movimento Nacionalista
Revolucionário. Junto com este movimento, temos o Katarismo, que, assim como o primeiro,
se opôs ao pacto militar camponês.
88
La Razón, La Paz, março 2006.
89
SIDEKUM, Antonio. Historia do imaginário indígena. São Leopoldo, Unisinos, 1997, p.30.
73
O Movimento Cocalero recebeu forte influência dos camponeses quéchua que, junto
com outros grupos, migraram para o Chapare, ao norte de Cochabamba, fugindo da pobreza e
em busca de melhores meios de sobrevivência. O plantio da folha de coca foi a solução
encontrada para a subsistência destes povos. Mas além de garantir a sobrevivência destes
povos e representar um símbolo da tradição indígena, a folha de coca é também utilizada
como base para a produção de cocaína. O valor econômico desta folha fez com que milhares
de bolivianos fossem vítimas da política norte-americana de combate ao narcotráfico. É a
partir da implementação do programa de erradicação da folha de coca política “coca zero”
num primeiro momento, e em defesa dos hidrocarbonetos, num segundo momento, que o
Movimento Cocalero começa a ganhar força no seio da sociedade boliviana, dando origem ao
Movimento ao Socialismo (MAS).
Uma das manifestações culturais de grande importância deste movimento aconteceu
entre 1987 e início da década de 1990. Com o mote Hoja de coca, 500 años de resistência, os
cocaleros deram início a uma campanha em defesa da sua identidade, buscando apoio da
opinião pública e de outros setores, como os sindicatos, estudantes e intelectuais.
A crise de hegemonia que maculou o cenário boliviano, principalmente a partir do
governo de Losada, foi marcada pela recuperação destes símbolos, outrora utilizados pelos
povos indígenas em defesa da sua cultura no período pré-colonial, servindo como instrumento
de defesa nas recentes mobilizações.
Além disso, o resgate de outros símbolos importantes, como o do líder Tupak
Katari, caudilho aimará, que deu nome ao movimento Katarista. Na análise de Álvaro Bello,
as sublevações e os bloqueios na capital La Paz, durante os anos 90, foram o cenário propício
para o desdobramento, socialização e reinterpretação de símbolos étnicos, como o de Tupac
Katari.
74
La generación de símbolos étnicos o bien de iconicidad,
está ligada a las dinâmicas internas de las comunidades u
organizaciones que luchan por la legitimidad y el reconocimiento.
Tanto los rituales como las fiestas y celebraciones antiguas y reiventadas,
conforman espacio para o despliegue de símbolos e iconos”.
90
A busca por uma sociedade em que os povos indígenas possam reconstruir a sua
identidade, por meio dos seus símbolos, ideologias rituais e mitos, nos remete ao conceito de
‘imaginário social” definido por Bronislaw Baczko
91
. Segundo ele, por meio do imaginário,
compreendemos as aspirações, medos e esperanças de um povo. O imaginário é visto como
um espaço em que as sociedades projetam os seus objetivos, seus inimigos, organizando o seu
passado, o momento presente e o porvir. No caso boliviano, o imaginário será o espaço em
que os povos indígenas tentam reconstruir sua identidade, a partir de questões étnico-
culturais, em busca de uma sociedade multicultural enfrentando os embates frente à elite
boliviana.
Embora o governo de Evo Morales não seja analisado neste trabalho, achamos
interessante mencionar outro aspecto importante quando falamos da Revolução sociocultural,
que diz respeito a uma parcela da sociedade que não se identifica com o grupo, o movimento
indígena. Entendemos que esta revolução impõe um desafio: como promover a
descolonização do Estado e da sociedade com aqueles que não compartilham dessa
identidade? Isto fica claro na análise do diretor da Fundação Terra, de La Paz, em entrevista
ao jornalista Fabiano Maisonnave, do jornal Folha de São Paulo (2006), quando ele fez a
seguinte análise em relação à questão étnico-cultural: (...) no Altiplano “uma radicalização
étnica por parte do primeiro governo indígena da história e, portanto, um sentimento
90
BELLO, Álvaro. Etnicidad y ciudadanía en América Latina: la acción colectiva de los pueblos indígenas. Santiago de Chile: CEPAL,
2004. p.45.
91
BACZKO, Bronislaw. Les imaginaries sociaux. Mémoire et espoirs collectifs. Paris, Payot, 1984, p. 11.
75
antielitista”. em Santa Cruz e nos demais departamentos conhecidos como “media-luna”,
temos o registro “de que se trata de uma invasão de índios (promovida) por um presidente
anticruzenho. Santa Cruz se vitima do país”.
92
Portanto a inclusão do índio na sociedade, com
a recomposição da esquerda em torno de temáticas identitárias, ainda é um problema a ser
resolvido.
II- Política Cultural
Conforme mencionado anteriormente, a Revolução sociocultural provocou
mudanças na estrutura política, econômica e cultural do Estado. Mas não podemos esquecer
que a reafirmação da identidade indígena está ligada a outro fenômeno que antecedeu esta
revolução: a globalização.
Entendemos que as políticas globalizantes levaram a uma maior consciência das
diferenças entre as identidades culturais, aumentando a visibilidade política do campo da
afirmação cultural e dos direitos à diferença. De acordo com Néstor Garcia Canclini, as fortes
tendências de homogeneização e hibridação cultural que acompanham o processo de
globalização dos mercados tornam mais difusas as fronteiras que separam o próprio do alheio,
o que é imposto de fora do que é assimilado ou recriado localmente, dificultando ações
defensivas da identidade nos moldes tradicionais.
93
O conceito de hibridação é usado pelo autor para descrever processos interétnicos (que
ocorre entre indivíduos de etnias diferentes) e de descolonização, como no caso da sociedade
boliviana; globalizadores; viagens e cruzamentos de fronteiras; fusões artísticas, literárias e
comunicacionais. Quanto à hibridação, Canclini esclarece que este conceito está ligado à
92
MAISONNAVE, Fabiano. Sojicultores brasileiros não serão atingidos. Jornal Folha de São Paulo, Nov. 2006.
76
processos socioculturais (relativo a uma sociedade ou grupo social, e à cultura que lhe é
própria) nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se
combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.
Desse modo, Canclini sustenta que objeto de estudo não é a hibridez, mas sim, os
processos de hibridação. A análise empírica desses processos, articulados com estratégias de
reconversão, demonstra que a hibridação interessa tanto aos setores hegemônicos como aos
populares que querem apropriar-se dos benefícios da modernidade. Esses processos
incessantes, variados de hibridação, mostram que não é possível falar das identidades como se
tratasse apenas de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia
ou de uma nação. Sendo assim, Canclini faz a seguinte análise:
Em um mundo tão fluidamente interconectado, as
sedimentações identitárias organizadas em conjuntos
históricos mais ou menos estáveis (etnias, nações, classes) se
reestruturam em meio a conjuntos interétnicos,transclassistas
e transnacionais. Estudar processos culturais, mais do que
levar-nos a afirmar identidades auto-suficientes,serve para
conhecer formas de situar-se em meio à heterogeneidade e entender
se produzem as hibridações.”
94
De acordo com Renato Seixas, o fenômeno da globalização, além de causar um
fracionamento dos poderes político, econômico e militar, atinge o campo cultural. Para ele, o
aspecto cultural não pode ser considerado uma consequência direta da fragmentação destes
poderes a partir da globalização. Na verdade, segundo Seixas, não estamos diante de um
fenômeno novo, pois manifestações, seja em defesa da identidade nacional, cultural ou
94
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo, 4ª ed. Universidade de São
Paulo, 2008. P. XXIII.
77
religiosa, sempre existiram na história da humanidade. Devemos nos atentar para o fato de
que na atual fase da globalização, os processos de integração política e econômica não estão
associados aos processos de integração cultural. Assim, entendemos que o movimento
indígena volta ao cenário político com a tomada do poder do estado, por meio de uma
revolução sócio-cultural em que os elementos econômico, militar, político e cultural não estão
mais indissociáveis.
Em relação à cultura e à política, utilizaremos neste trabalho o conceito de Eveligna
Dagnino. A nova definição da relação entre estes elementos é entendida a partir do momento
em que “o terreno da cultura é reconhecido como político e como lócus da constituição de
diferentes sujeitos políticos; quando as transformações culturais são vistas como alvo da luta
política e a luta cultural como instrumento para a mudança política”.
95
Por meio da expressão “política cultural”, Dagnino revela que, por um lado, a cultura,
como um elemento inserido nas práticas sociais, “não pode ser entendida adequadamente sem
a consideração das relações de poder embutidas nessas práticas. Por outro lado, não podemos
compreender estas relações sem o reconhecimento de seu caráter cultural ativo, na medida em
que expressam, produzem e comunicam significados”.
A relação entre cultura e política é analisada pela autora como consequência de três
fatores: o processo de renovação da esquerda, que proporcionou um novo modo de pensar esta
relação em substituição as concepções do marxismo tradicional; a influência de Antonio
Gramsci e as redefinições de democracia e cidadania que emergiram das lutas dos
movimentos sociais.
De acordo com Evelina Dagnino, em “Cultura e Política nos movimentos sociais latino-
americanos”, o processo de renovação político-teórica da esquerda latino-americana, iniciado
95
ALVAREZ, Sonia E; Dagnino, Evelina e ESCOBAR, Arturo. Cultura e Política nos Movimentos Sociais. UFMG, 2000.
78
no final dos anos 70, possibilitou novas formas de pensar as relações entre cultura e política
(diferente do marxismo tradicional)
96
.
Segundo Evelina Dagnino, nas concepções do marxismo tradicional, a relação entre
cultura e política era analisada por meio de dois conceitos: ideologia e Estado. “A separação
entre infraestrutura e superestrutura, a determinação da superestrutura pela infra-estrutura
econômica e a concepção do terreno das ideias como reflexo ou imagem invertida a realidade
formam os princípios da ideologia”. A cultura, principalmente a popular, estava associada à
ideologia, à alienação.
Por meio do conceito de ideologia, a cultura adquiriu uma dupla negatividade: na
primeira, a negatividade estava associada ao determinismo econômico. Neste caso, a cultura
era um problema puramente econômico. Na segunda, a própria cultura era considerada um
obstáculo para a transformação social. Desse modo, a cultura estava ligada à ideia de
subdesenvolvimento e por meio da educação e do desenvolvimento tecnológico poderiam
superar este atraso.
Entendemos que a defesa da identidade étnica e cultural contra as tentativas de
dominação cultural, política e social durante a crise de estabilidade na Bolívia têm uma forte
relação com o seu passado histórico. Conforme mencionado no primeiro capítulo desta tese,
os processos de expansão colonial sob o comando das potências européias resultou em
intensos “choques” culturais. Os povos que habitavam a Arica eram desigualmente
habitados entre si em diferentes estágios culturais desde sociedades de Baixa Cultura, como
os tapuias do Brasil, até as de Alta Cultura, como os astecas, maias e incas (do grupo
quéchua–aimará, localizados na região andina).
96
Para mais informações sobre as abordagens marxistas tradicionais em relação à cultura e a política, ver Evelina Dagnino.
79
Mas a existência de povos de baixa e alta cultura passou a ser analisada dentro de um
novo conceito de relativismo cultural, concepção criada em substituição ao estruturalismo
cultural, como mostra Néstor Garcia Canclini
97
. De acordo com Canclini, esta nova
“concepção estruturalista de cultura contribuiu para a difusão do relativismo cultural e para
destacar as qualificações evolucionistas da cultura e a classificação das culturas em
“superiores” e “inferiores”. Além disso, segundo Canclini, os povos pré-colombianos
tinham impressionante desenvolvimento cultural e civilizacional muito antes da chegada dos
conquistadores europeus. A forma de organização política e o domínio de técnicas de
fabricação de cerâmica, entre outros, são exemplos do desenvolvimento destes povos.
Entretanto, a concepção estruturalista, segundo Canclini, é insuficiente para explicar a
cultura entre os povos, pois “as culturas interagem umas com as outras”. Desse modo, todo o
processo ou estado de desenvolvimento social de um povo, voltado para o aprimoramento de
seus valores, instituições, civilização e progresso deve ser inserido na “lógica da produção
capitalista como um produto cultural”.
“Por essas razões, preferimos restringir o uso do termo cultura para a produção
de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica
das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do
sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições
dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido. (...).
98
Em relação ao segundo conceito, o Estado, este era visto como “centro privilegiado na
análise da transformação política, considerado a única arena decisiva nas relações de poder e,
portanto, o único lugar e alvo relevante na luta política”. A ideia de um Estado forte e
98
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. 5º Ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. p.30. apud SEIXAS, Renato. Identidade
Cultural da América Latina: Conflitos Culturais Globais e Mediação Simbólica. Cadernos PROLAM/USP, ano 8, vol.1. 2008. P.102.
80
intervencionista está ligado, segundo Dagnino, à construção da nação. Assim, o Estado era o
agente principal de transformação social responsável pelos projetos populistas, nacionalistas e
desenvolvimentistas. Dentro deste conceito em que o Estado era o único lugar para a luta
política, a análise da relação entre os dois elementos implicava um exame do uso da cultura
como instrumento de dominação.
Com o processo de renovação da esquerda e as ideias de Antonio Gramsci, temos novas
formas de abordagem sobre a relação entre cultura e política. A cultura passa a fazer parte das
dimensões econômicas, políticas e sociais e não mais associada à questão econômica. “(...) A
esfera política passou a ser vista como o campo que envolve uma disputa em torno de um
conjunto de significações culturais (...)”.
99
Na Bolívia, a partir de 1982 com a transição do período militar pela democracia, surgem
novos grupos na sociedade civil identificados com a causa indígena, como a COB e a CIDOB.
Estas organizações buscavam a união entre os povos e a defesa dos seus direitos, por meio da
participação das determinações políticas econômicas, sociais e culturais do país.
A (re)emergência do indígena no cenário político boliviano os torna atores potenciais
num processo de identificação e de afirmação cultural, social e política. Os conceitos de
Gramsci hegemonia, transformação social e sociedade civil nos permite examinar as
relações estabelecidas entre Estado e sociedade e os novos processos políticos que estavam
tomando forma, em busca de uma transformação social.
O conceito de hegemonia no pensamento de Gramsci apresenta dois significados:
dominação e liderança. Entendida como “hegemonia política e cultural da sociedade, Gramsci
parte do princípio de que o conceito de hegemonia caracteriza a liderança cultural-ideológica
de uma classe sobre outra. O conceito de hegemonia no pensamento gramsciano também
99
DAGNINO, op. cit.p.70.
81
significa o domínio da classe dominante, o seu modo de pensar e sua concepção de mundo
sobre a classe subalterna em torno dos seus interesses. Portanto, a hegemonia se por meio
da combinação entre liderança e dominação.
De acordo com Evelina Dagnino, a dimensão da cultura é crucial para o processo
hegemônico por dois motivos fundamentais: primeiro, ela requer o que Gramsci chamou de
reforma intelectual e moral; segundo, é no terreno da cultura que o consentimento ativo, o
modo específico de operação da hegemonia, que define o conceito e o distingue da
dominação, é produzido (ou não). É, portanto, por meio do conceito de hegemonia que
Gramsci formula uma nova maneira de pensar a relação entre cultura e política, na qual a
primeira se torna radicalmente constitutiva da segunda.
A contribuição do pensamento gramsciano ao conceito de hegemonia se dá a partir
deste novo modo de pensar a relação entre cultura e política. A relação deste novo conceito na
sociedade boliviana se a partir do momento em que percebemos que a dominação política
não é suficiente para a manutenção do poder, levando à derrubada de um governo anti-
popular. Se não levarmos em conta a diversidade cultural da sociedade boliviana e seus
diversos atores, inclusive os aspectos culturais, a dominação por meio da coerção não é o
suficiente. Isto ficou claro na citação de Fernando Calderón, sobre a pertinência do
pensamento gramsciano na sociedade boliviana,
“(...) estou convencido de que enquanto não interpretarmos o que move as
pessoas a fazer e a sonhar, o que fazem e sonham a cada dia, isto é,
compreender e aceitar em sua plenitude as múltiplas e diversas
manifestações sócio-culturais, é impossível estabelecer metas de
direção intelectual e moral da sociedade(...)”
100
100
CALDERÓN, Fernando. El camino de la transformación en Bolívia. La Ciudad Futura 6, 1987. Apud ALVAREZ, Sonia E; Dagnino,
Evelina e ESCOBAR, Arturo. Cultura e Política nos Movimentos Sociais, UFMG,2000.P.77
82
Portanto, para legitimar o poder da classe hegemônica, torna-se necessário
compreender e atender as demandas dos diversos grupos da sociedade, inclusive os seus
aspectos culturais, sem excluí-los da esfera política. Se não um projeto por parte do poder
hegemônico que englobe estes sujeitos sociais, a dominação está ameaçada.
O aspecto cultural é relevante na luta política, mas a hegemonia se expressa em outros
campos como o da economia, “(...) pois se a hegemonia é ético-política também é econômica;
não se pode deixar de se fundamentar na função decisiva que o grupo dirigente exerce no
núcleo decisivo da atividade econômica”
101
O segundo ponto refere-se ao conceito gramsciano de transformação social. Neste
conceito, “a revolução passa a ser compreendida como um processo, “no qual a reforma
intelectual e moral é parte integral, em vez de, simplesmente, uma consequência possível.” O
conceito de transformação social nos permite duas formulações. Na primeira, a noção de
poder no pensamento gramsciano é entendida como uma relação entre forças sociais que
devem ser transformadas. Já na segunda, a construção histórica assume um papel relevante na
transformação social. Segundo Evelina Dagnino, em consequência, a constituição de sujeitos,
é privilegiada em relação à dinâmica das estruturas sociais “objetivas”, e o papel atribuído a
elementos “subjetivos”, tais como vontade, paixão e fé, recebeu em Gramsci uma
consideração sem precedentes no marxismo.
No caso da sociedade boliviana, este conceito se insere na ação política dos
movimentos indígenas organizados na sociedade, como agentes importantes de transformação
social, ou seja, “as forças sociais devem ser transformadas”. A partir disto, estes atores
101
ALMEIDA, Jorge. Estado, hegemonia, luta de classes e os dez meses do governo Lula, in Crítica Social, nº 03, dezembro de 2003 apud
MIRANDA, Luiz Cesar dos Santos. Hegemonia e Contra-hegemonia no golpe de Estado contra Hugo Chaves sob a ótica do documentário
não será televisionada.p.8
83
redefinem o papel da democracia dita “representativa”, incluindo na pauta de reivindicações
novas demandas.
O terceiro e último conceito de Gramsci utilizado na nossa análise, diz respeito à
sociedade civil. Diferentemente de Marx, que considera a sociedade civil como uma produção
privada, Gramsci considera a sociedade civil tudo que não é estatal. É um terreno da luta
política, “concebida como uma “guerra de posições”, em que acontece a transformação da
estrutura.
Na Bolívia, os movimentos indígenas e demais organizações e sindicatos estão
inseridos no seio da sociedade civil e é neste cus que se dão as mobilizações visando uma
sociedade igualitária para todos os cidadãos. Segundo Luiz Miranda, a formulação de
Gramsci uma grande contribuição no sentido de pensar a sociedade civil no seu aspecto
cultural como fator fundamental para alcançar a sociedade política e sua transformação”.
102
De acordo com Dagnino, a ênfase dada por Gramsci à sociedade civil é um dos
elementos que veio a desempenhar papel decisivo nas novas direções que se abriram para a
esquerda na América Latina, implicando não somente uma revisão do papel até então
atribuído ao Estado, como também uma ampliação do terreno político e da pluralidade das
relações de poder”. Desse modo a ampliação da esfera política proporciona o estabelecimento
de novos parâmetros sobre a relação entre cultura e política.
Em relação ao segundo conceito estabelecido por Gramsci, transformação social, vale
a pena mencionarmos a análise de Atílio Borón sobre o tema. Ao falar sobre a questão da
transformação social, Borón faz a seguintes indagações: “como constituir um sujeito coletivo
102
MIRANDA, Luiz Cesar dos Santos. Hegemonia e contra-hegemonia no golpe de Estado contra Hugo Chavez sob a ótica do
documentário “A Revolução não será televisionada”.2003. Disponível em http://www.pucsp.br/compolitica/internas/pdfs/luiz_cezar.pdf.
Acessado em agosto 2009. p.7.
84
capaz de liberar a sociedade de todas as suas amarras, superando a atomização e fragmentação
próprias do individualismo da sociedade burguesa?”; como deixar de ser classe-em-si e se
converter em classe-para-si?”
(...) Nada más lejano, pues, del formidable desafío que iría a proponer Marx desde
sus escritos juveniles, a saber: ¿cómo constituir un sujeto colectivo capaz de liberar a la
sociedad de todas sus cadenas, superando la atomización y fragmentación propias del
individualismo de la sociedad burguesa?(...)
(...) Planteado en términos hegelianos, cómo hacer que ese vasto conglomerado
popular deje de ser una clase “en sí” y se convierta en una clase “para sí”?(...)
103
Para Atílio Borón, a (re)emergência e a tomada do poder político por parte dos
movimentos sociais, inseridos no conceito de transformação social, são produtos da crise de
legitimidade dos partidos políticos na Bolívia. Desse modo, os movimentos indígenas e
demais organizações assumem o papel de protagonistas neste processo de transformação
social, contra as políticas neoliberais que agravaram o quadro de pobreza e exclusão social.
Em relação às mobilizações destes grupos, o autor faz um novo questionamento: estas
mobilizações são episódios isolados, momentos de fúria popular ou refletem uma “dialética
histórica tendencialmente orientada para a reinvenção da democracia?”. O autor volta ao
tempo, anos 80, e observa que a mobilização das classes neste período não foi um
acontecimento acidental. Na verdade, aqueles governos que seguiram a cartilha neoliberal,
substituindo o Estado pelo mercado, foram os que enfrentaram a pressão popular e foram
derrubados, comprovando a tese de Gramsci: a dominação política não é suficiente para a
legitimar o poder da classe hegemônica.
103
BORON, Atílio. Crisis de las democracias y movimientos sociales en América Latina:notas para una discussion, in revista OSAL, ano
VII, nº 20, mayo-agosto de 2006. p.294.
85
Outro ponto importante quando falamos da (re) emergência da identidade indígena é a
sua ligação com o conceito de cidadania. Este novo conceito, diferentemente do século XIX,
em que a cidadania era censitária e patriarcal, pretende fazer com que o indivíduo possa gozar
dos seus direitos políticos e civis.
De acordo com Evelina Dagnino, a nova cidadania ou cidadania ampliada” começou a
se formar pelos movimentos sociais, que se organizaram em torno de novas demandas em
busca de um projeto de construção democrática e de transformação social, que impõe um laço
constitutivo entre cultura e política. Desse modo, a redefinição da noção de cidadania,
formulada pelos movimentos sociais, expressa não somente uma estratégia política, mas
também uma política cultural. (...)
104
.
A partir desta nova forma de pensar a cidadania, a autora apresenta três elementos
constitutivos desta nova concepção. A primeira concepção traz uma nova redefinição da ideia
de direitos, que é o direito a ter direitos. Segundo Evelina, essa concepção não se restringe “à
provisões legais, ao acesso a direitos definidos previamente e à efetiva implementação de
direitos formais abstratos”. A ação política dos movimentos sociais proporciona a inclusão de
novos direitos, que passam a ser objetos de luta política.
(...) O direito à autonomia sobre o próprio corpo, o direito à proteção
do meio ambiente, o direito à moradia, são exemplos(intencionalmente
muito diferentes) dessa criação de direitos novos. Além disso, essa
redefinição inclui não somente o direito à igualdade, como também
o direito à diferença, que especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade”.
105
Na sociedade boliviana, a questão da cidadania, juntamente com os direitos
democráticos, foi limitado pela Constituição, entendida na teoria como lei fundamental e
104
DAGNINO, Evelina. “¿ Sociedad civil, participação e cidadania: de que estamos falando?” apud MATO, Daniel (coord.). Políticas de
ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, 2004.p. 95-110.
105
Linera, Garcia. Sociologia de los movimientos sociais na Bolívia. Estruturas de movilización, repertórios culturales y acción política. La
Paz: Diakonia. Oxfam. 2004. p.15.
86
suprema do Estado, que contém normas respeitantes à formação dos poderes públicos, forma
de governo, distribuição de competências, direitos e deveres dos cidadãos. Mas o que vemos
na prática, é que esta Lei limitou os direitos de amplos setores da sociedade porque não levou
em consideração a complexidade multicultural do país por exemplo, a existência de duas
grandes comunidades lingüísticas, aimará e quéchua restringindo o exercício da cidadania e
dos direitos democráticos.
O segundo elemento da nova concepção de cidadania que implica o direito a ter
direitos é construída a partir de sujeitos sociais excluídos. Portanto, podemos dizer que neste
segundo ponto temos uma cidadania de baixo para cima, em que os direitos sociais e políticos
destes povos estão inseridos neste novo olhar da cidadania. (...) Uma estratégia dos não-
cidadãos, dos excluídos, uma cidadania “desde baixo”’.
O último e terceiro elemento relacionado à nova concepção de cidadania, segundo
Dagnino, “transcende uma referência central do conceito liberal: a reivindicação ao acesso,
inclusão, participação e pertencimento a um sistema político dado”. Este terceiro elemento
é importante porque, de acordo com Alain Touraine, não há democracia sem consciência de
pertencimento a uma coletividade política, a uma nação na maior parte dos casos, mas
também a uma comunidade, a uma região ou ainda a um estado ou federação”, conforme
citado neste trabalho no capítulo referente à questão da democracia na sociedade boliviana.
Ainda em relação ao terceiro elemento, se não houver o acesso dos excluídos ao
processo político, o Estado, nas palavras de García Linera, “e suas normas são sempre vistos
como meras ferramentas instrumentais, e quase nunca como sínteses expressivas da sociedade
como um todo”.
Em recente seminário latino-americano de Povos Indígenas e Direitos Humanos da
Universidade de São Paulo (USP/2009), no qual esta autora participou, Alvaro Bello, no
87
painel “Povos Indígenas e Cidadania em Estados multiétnicos e pluriculturais: desafios para
investigação e debate”, afirma que o processo moderno de cidadania busca a igualdade
baseada no indivíduo e não no coletivo. Ainda segundo Bello, para os povos indígenas ser
diferente é sinônimo de pobreza, desigualdade e exclusão. Por meio da ação política, os povos
indígenas tentam reverter esta situação, lutando por uma cidadania ampliada, fazendo com
que ela seja vista como uma forma de pertencimento e de integração política e social à
sociedade.
Numa análise comparativa da defesa da identidade étnica nos dois governos de Losada,
entendemos que no primeiro mandato ele estabeleceu uma política que atendia à agenda
neoliberal e também ao multiculturalismo. Por exemplo, nas reformas estabelecidas na
constituição de 1994, destacamos os seguintes pontos: 1-O reconhecimento do caráter
pluricultural da Nação e do Estado; 2- O reconhecimento dos povos indígenas e a ampliação
dos seus direitos (como a oficialização de idiomas indígenas, a educação bilíngüe, a proteção
do meio ambiente); 3- o reconhecimento do direito indígena.
106
Entretanto, tais políticas
ficaram no papel e não houve avanço significativo no sentido de garantir o direito dos povos
indígenas.
O primeiro governo de Losada cria uma expectativa muito grande para os povos
indígenas devido è presença do seu vice, Victor Hugo Cárdenas. Mas, o que parecia
significar um “giro descolonial”
107
, o início de um período de mudanças para os povos
indígenas, não representou nada. De acordo com Walter Mignolo, Cárdenas na verdade
atuou como um subalterno de Losada e o “giro descolonial” só aconteceu com a eleição
de Evo Morales. Desse modo, a proposta de Hugo Cárdenas de administrar o país por
meio do código inca (os três preceitos morais estabelecidos pelo Estado incaico, ama
106
YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Pautas de coordinación entre el derecho indígena y el derecho estatal. Fundación Myrna Mack. 1999.
In: VERDUN, Ricardo (org.).Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina, INESC,2009.
107
MIGNOLO, Walter.¿Giro a la esquerda o giro descolonial? Evo Morales en Bolívia. Revista Del Sur, n °.164, 2006.
88
suwa, ama lulla, ama qhilla
108
“não roube, não minta, não seja preguiçoso” não foi
efetivamente implementada.
Diante do exposto acima, podemos afirmar que a (re)emergência da identidade
indígena proporcionou o início de um processo de mudança, revolução e valorização da
cultura andina. Segundo as antigas tradições, um momento de Pachakuti, um tempo de
mudanças profundas, que se manifestam no caos do qual emergiu a nova ordem com a eleição
de Evo Morales.
109
108
CARVALHO, op.cit., p.47.
109
KA-RIBAS, Wanderson. Resistência, valorização e resgate da tradição cultural andina.Cadernos de História, PUC-MG, 2009. Disponível
em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/944/0. Acesso em janeiro 2010.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do ressurgimento do movimento indígena, no final do século XX e início do
século XXI, exigiu uma discussão prévia sobre a questão da identidade, a formação da
consciência nacional e as transformações ocorridas na sociedade boliviana com o impacto da
Revolução Nacional de 1952.
As medidas neoliberais adotadas durante os dois mandatos de Gonzalo Sanchez de
Losada sinalizaram o início da luta dos povos indígenas e de diversos setores em defesa do
seu território e de sua identidade. Esta luta resultou na eleição do primeiro presidente índio da
história da Bolívia, o líder cocalero Evo Morales.
Diferentemente da Revolução Nacional de 1952 que desestruturou a oligarquia, a
Bolívia vive atualmente uma Revolução democrática nacional indigenista, com forte aspecto
cultural, visando pôr fim ao processo de descolonização. Por meio de elementos importantes
do imaginário coletivo desde símbolos de luta até a atuação de líderes, como Tupac Katari,
que em 1781 diante de uma multidão de indígenas proferiu a seguinte frase: Voltarei e serei
milhões! estes povos reafirmam a sua identidade em busca de uma sociedade mais
igualitária e de uma democracia efetivamente representativa.
90
ANEXOS
91
ANEXO I - LISTA DE SIGLAS
ADN: ACCIÓN DEMOCRÁTICA NACIONALISTA
CNTCB: CONFEDERACIÓN NACIONAL DE LOS TRABAJADORES CAMPESINOS
DE BOLIVIA
COB: CENTRAL OBRERA BOLIVIANA
COMIBOL: CORPORACIÓN MINERA DE BOLIVIA
CSTB: CONFEDERACIÓN SINDICAL DE LOS TRABAJADORES BOLIVIANOS
CSUTCB: CONFEDERAÇÃO SINDICAL ÚNICA DOS TRABALHADORES
CAMPONESES DE BOLÍVIA
FSTMB: FEDERACIÓN SINDICAL DE LOS TRABAJADORES MINEROS
BOLIVIANOS
MAS: MOVIMIENTO AL SOCIALISMO
MIR: MOVIMIENTO DE LA IZQUIERDA REVOLUCIONÁRIA
MNR: MOVIMIENTO NACIONALISTA REVOLUCIONÁRIO
MRTKL: MOVIMIENTO REVOLUCIONÁRIO TUPAK KATARI LIBRE
PIR - PARTIDO DE ESQUERDA REVOLUCIONÁRIO
92
ANEXO II- SÍMBOLOS CULTURAIS
Wiphala (Foto: Google Imagens)
93
Marcha em La Paz liderada pela COB, 2005 (Foto: José Quintana/ Reuters)
94
Bolivano de Potosí tocando o pututo (Fonte:EFE)
95
(Fonte: Google Imagens)
(Fonte: Google Imagens)
96
Manifestação de Mulheres Campesinas
(Fonte: Google Imagens)
97
Mulheres bolivianas e suas polleras durante manifestação em La Paz
(Fonte: Google Imagens)
98
Fonte: Google imagens
99
Fonte: Raphael Neves (Site: politika etc)
100
Fonte: Agencia Boliviana de Noticias (ABI)
101
Fonte: Agencia Boliviana de Noticias (ABI)
102
Fonte: Agencia Boliviana de Noticias (ABI)
103
Fonte: Agencia Boliviana de Noticias(ABI)
104
Fonte: Agencia Boliviana de Noticias(ABI)
105
Fonte: Agencia Boliviana de Noticias (ABI)
106
I- FONTES DOCUMENTAIS
- LEI INRA 1111/1994
- LEI DE PARTICIPAÇÃO POPULAR (1.541/1994)
- LEI DE CAPITALIZAÇÃO (1544/1994)
- CONVENÇÃO 169 - OIT
- REFORMA EDUCACIONAL (1.565/1994)
- INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICAS (INE)
II- JORNAIS
- PULSO (2001)
- LA PRENSA (2006)
- LOS TIEMPOS (2000)
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Editora UFMG, 2000.
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