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Carla Nogueira Lobo
O problema da gênese da autoconsciência
Rio de Janeiro
2010
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Carla Nogueira Lobo
O problema da gênese da autoconsciência
Tese apresentada, como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutor, ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de concentração: Ciências
Humanas e Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Jurandir Freire Costa
Rio de Janeiro
2010
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBC
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,
desde que citada a fonte.
________________________________________ _________________________
Assinatura Data
L799 Lobo, Carla Nogueira.
O problema da gênese da autoconsciência / Carla Nogueira
Lobo. – 2010.
160f.
Orientador: Jurandir Freire Costa.
Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Medicina Social.
1. Autoconsciência – Teses. 2. Autoconsciência – Aspectos
psicológicos Teses. 3. Autopercepção Teses. 4. Consciência
– Teses. I. Costa, Jurandir Freire, 1944- II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social. III.
Título.
CDU 159.923.2
Carla Nogueira Lobo
O problema da gênese da autoconsciência
Tese apresentada, como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Ciências Humanas e
Saúde.
Aprovada em 30 de abril de 2010.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof. Dr. Jurandir Freire Costa (Orientador)
Instituto de Medicina Social – UERJ
_______________________________________________________
Prof. Dr. Benilton Carlos Bezerra Junior
Instituto de Medicina Social – UERJ
_______________________________________________________
Profª. Drª Claudia Passos Ferreira
Instituto Medicina Social - UERJ
_______________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Augusto da Rocha Rodrigues
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - UFRJ
_______________________________________________________
Prof. Dr. Octávio Domont Serpa Júnior
Instituto de Psiquiatria - UFRJ
Rio de Janeiro
2010
DEDICATÓRIA
Para Roberto e Felipe
RESUMO
LOBO, Carla Nogueira. O problema da gênese da autoconsciência. 2010. 160f. Tese
(Doutorado em Saúde Coletiva). Instituto de medicina Social, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
São duas as motivações centrais para a suposição da existência de formas não-
conceituais, primitivas de autoconsciência. No campo da pesquisa psicológica, a existência de
uma forma não-conceitual autoconsciência emerge como uma consequência natural da
rejeição da visão tradicional de Piaget e de Freud da primeira infância como um ambiente
Indiferenciado do Eu/não-Eu; enquanto no campo da atividade filosófica tal suposição se
sustenta como uma possível solução para o suposto problema da circularidade/regresso na
estrutura da auto-referência reflexiva.
Esta tese pretente submeter essa suposição amplamente difundida a um extenso escrutínio. A
primeira parte do trabalho destina-se a uma avaliação filosófica da própria ideia de uma forma
primitiva, não-conceitual de autoconsciência. A crítica geral aqui pode ser formulada nos
seguintes termos: as alegadas formas primitivas não-conceituais de autoconsciência não
satisfazem absolutamente as duas condições - amplamente aceitas – acerca da autoconsciência.
A primeira estabelece que a característica semântica comum a qualquer forma de
autoconsciência (independentemente de sua complexidade) é a auto-referência consciente. A
segunda estabelece que a característica semântica das formas mais básicas de autoconsciência
é a chamada imunidade ao erro por identificação. A segunda parte da tese está consagrada à
avaliação dos resultados empíricos da nova abordagem psicológica de autoconsciência. A
crítica geral assume a seguinte forma: guiado pelo termo ambíguo "self" ou "selfhood",
psicólogos contemporâneos incorrem em um non-sequitur ao tentar inferir formas primitivas
de autoconsciência da simples existência de um sujeito na primeira infância. Baseado no
princípio da melhor explicação, mostraremos que as alegadas formas primitivas de
autoconsciência são melhor compreendidas como estágios de desenvolvimento cognitivo do
sujeito. Em suma, a idéia de uma forma primitiva, não-conceitual de autoconsciência não
passa de um equívoco.
Palavras-chave: Autoconsciência. Consciência. Conteúdos não-conceituais. Auto-percepção.
Autoconsciência pré-reflexiva.
ABSTRACT
The postulation of non-conceptual, primitive forms of self-consciousness has two main
motivations. In the field of the psychological empirical research, the existence of a non-
conceptual self-awareness seems to be the natural consequence of the rejection of Piaget’s and
Freud’s traditional view of the early infancy as a self/non-self undifferentiated environment, and
in the field of philosophical activity such postulation seems to be the solution to the alleged
circle/regress in the structure of reflexive self-reference. The present thesis is an assessment of
this widespread claim. The first part of the work is addressed to a philosophical assessment of the
very idea of a primitive, non-conceptual form of self-consciousness. The general criticism takes
the following form: the alleged primitive, non-conceptual forms of self-consciousness fail
completely to meet the two widely accepted constraints on any reasonable account of self-
consciousness. The first constraint states that the distinctive semantic feature of any form of self-
consciousness (irrespective of its complexity) is the knowingly self-reference, while the second
states that the distinctive semantic feature of the most basic forms of self-consciousness is the so-
called immunity to error through misidentification. The second part of the thesis is devoted to the
assessment of the empirical findings of the new psychological approach to self-consciousness.
The general criticism takes here the following form: guided by the ambiguous term “self” or
“selfhood”, and of ambiguous phrases like “sense of self” or “self-notion”, contemporary
psychologists incur into a non-sequitur: they attempt to infer the existence of primitive forms of
self-consciousness from the simple existence of a subject in the early infancy. Based on the
principle to the best inference, I show that the alleged primitive forms of self-consciousness are
better understood as different stages of cognitive development of the subject. The upshot is that
the very idea of a primitive, non-conceptual self-conscious is a serious misunderstanding.
Keywords: Selfconsciouness. Consciouness. Self-perception. Nonconceptual content.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................. 9
1 OS DIFERENTES SENTIDOS DE CONSCIÊNCIA.................................
22
1.1 A distinção entre consciência fenomenal e consciência de acesso.............. 23
1.2
As distinções entre estado consciente e criatura consciente e entre
consciência transitiva e intransitiva
...........................................................
..
26
1.3 A distinção entre a consciência de objetos e a consciência de fatos........... 28
1.5
A distinção entre as formas conceituais e não-conceituais de
c
onsciência
.....................................................................................................
.
30
1.6 Conclusão........................................................................................................ 30
2 AUTOCONSCIÊNCIA: AS TRÊS NOÇÕES FUNDAMENTAIS........... 31
2.1 A autoconsciência em sentido introspectivo................................................ 32
2.2 A auto-referência reflexiva............................................................................ 37
2.3 A consciência de si como sujeito................................................................... 38
2.4 Conclusão........................................................................................................ 44
3 A ESTRUTURA SEMÂNTICA BÁSICA....................................................
45
3.1 A auto-referência sem identificação............................................................. 46
3.2 A irredutibilidade das atribuições de se....................................................... 50
3.3 Conclusão........................................................................................................ 51
4 A ESTRUTURA EPISTEMOLÓGICA....................................................... 52
4.1
A imunidade ao erro predicativo na auto-atribuição de predicados
mentais
.......................................................................................................
.....
52
4.2 A imunidade ao erro de identificação...........................................................
54
4.3
O privilégio epistêmico nas auto-atribuições de pensamentos de
primeira ordem
............................................................
...................................
58
4.4 Conclusão........................................................................................................ 61
5 TRÊS MODELOS COGNITIVOS............................................................... 62
5.1 As chamadas teorias de ordem superior (HO)............................................ 62
5.2 O modelo da auto-representação.................................................................. 66
5.3 Conclusão........................................................................................................ 69
6 A SUPOSTA AUTOCONSCIÊNCIA NÃO-CONCEITUAL.................... 69
6.1 O Eu ecológico................................................................................................ 70
6.2 A consciência proprioceptiva como uma forma de percepção de si.......... 74
6.3 Percepção de si e autoconsciência genuína.................................................. 77
6.4 Conclusão........................................................................................................ 79
7 A AUTOCONSCIÊNCIA PRÉ-REFLEXIVA............................................ 80
7.1 Autoconsciência pré-reflexiva e regresso infinito........................................
80
7.2
A consciência proprioceptiva como uma forma pré-reflexiva de
autoconsciência
...............................................................................................
84
7.3 A resolução do dilema entre regresso e circularidade................................ 91
7.4 Conclusão........................................................................................................ 93
SEGUNDA PARTE
8 O MITO DA INDIFERENCIAÇÃO............................................................ 95
8.1 A distinção original entre o Eu e o Mundo.................................................. 95
8.2 Os cinco níveis do desenvolvimento cognitivo............................................. 99
8.3 Eu como Sujeito versus Eu como Autoconsciência..................................... 102
8.4 Conclusão........................................................................................................ 106
9 A IMITAÇÃO.................................................................................................
107
9.1 As diferentes formas de imitação.................................................................. 108
9.2 Imitação na primeira infância.......................................................................
110
9.3 Conclusão........................................................................................................ 112
10 A RECOGNIÇÃO DA PRÓPRIA IMAGEM ESPECULAR.................... 113
10.1 O teste da marca e a hipótese do efeito anestésico...................................... 114
10.2 O teste da marca em humanos...................................................................... 121
10.3 Problemas metodológicos.............................................................................. 124
10.4 O que significa reconhecer-se no espelho..................................................... 125
10.5 Conclusão........................................................................................................ 128
11 CONCLUSÃO................................................................................................ 129
REFERÊNCIAS............................................................................................. 136
APÊNDICE – EXEMPLOS............................................................................ 159
9
INTRODUÇÃO
A autoconsciência constitui a questão central da psicologia contemporânea tanto sob a
perspectiva ontogenética do desenvolvimento quanto sob a ótica filogenética da evolução da
espécie humana. No presente trabalho, buscamos estabelecer uma hipótese explicativa para
ontogênese da autoconsciência visando satisfazer pelo menos duas condições fundamentais: (i) às
exigências conceituais da abordagem filosófica, (ii) e às exigências empíricas das ciências
cognitivas contemporâneas. Assim, com uma abordagem multidisciplinar, esse projeto está
concebido em dois planos fundamentais complementares. No primeiro deles, buscamos
empreender um amplo esclarecimento conceitual da noção central de autoconsciência a partir das
inúmeras contribuições da tradição filosófica e da filosofia contemporânea, demarcando
claramente o fenômeno da autoconsciência de uma série de outros fenômenos aparentados. E, em
um segundo plano, buscamos realizar uma investigação das posições empíricas que nos parecem
mais relevantes sobre a ontogênese da autoconsciência. Como hipótese geral, pretendemos tornar
plausível a tese de que a autoconsciência se apóia, por um lado, sobre representações não-
conceituais e, por outro, sobre uma relação intersubjetiva na qual a criança passa a compreender
de forma conceitual a diferença fundamental entre a sua perceptiva das coisas e a perspectiva de
terceiros. Portanto, a tese que pretendemos defender nesse trabalho é a de que a ontogênese da
autoconsciência espelha o próprio desenvolvimento conceitual da criança.
Histórico do problema
A expressão “autoconsciência” e seu cognato “consciência de si” não possuem um
mesmo significado pré-teórico nos diferentes idiomas ocidentais. Nos idiomas neolatinos não
sequer um uso corrente pré-teórico dessas expressões. Segundo o Aurélio, o vocábulo
“autoconsciência” é introduzido no Português como um termo de arte que tem origem na
filosofia. Nesta acepção, “autoconsciência” significa a reflexão (pensamento ou experiência)
sobre si mesmo na condição de sujeito de estados e eventos mentais. Nota-se, no entanto, que
fazemos uso do vocábulo não-composto “consciência” para exprimir tanto o mesmo fenômeno
quanto uma série de outros aparentados, dentre outros a consciência fenomenal.
10
A situação é bastante diversa nos idiomas germânicos. Aqui encontramos usos pré-
teóricos da expressão, entretanto, com conotações valorativas. A expressão inglesa “self-
consciousness” exprime uma preocupação excessiva com a própria aparência e maneira de ser de
si mesmo. Autoconsciente seria uma pessoa que se mostra excessivamente embaraçada, inibida
ou constrangida pelo juízo de terceiros, ou seja, uma pessoa com a freqüente sensação
constrangedora de que “os outros a estariam observando e julgando”. Com essa conotação
negativa, “self-consciousness” é empregado frequentemente para a caracterização de um quadro
psicopatológico de sintomas que vão da vergonha excessiva à paranóia.
Em Alemão, em contrapartida, a expressão “Selbsbewusstsein” (autoconsciência)
apresenta uma conotação valorativa positiva, se não oposta, certamente bastante diversa.
“Selbstbewusst” (autoconsciente) é alguém possuidor de uma auto-estima positiva uma vez que
se sente reconhecido por suas qualidades e capacidades. A caracterização admite gradações de tal
modo que quanto maior a auto-estima tanto maior seria a autoconsciência. Autoconsciente seria
justamente alguém que não se preocupa patologicamente com as opiniões de terceiros,
comportando-se, antes, de forma assertiva na suas relações com o mundo e os outros.
Ora, embora tais significados sejam distintos, tanto o valor negativo (no Inglês) quanto o
positivo (no Alemão) que o indivíduo confere a si mesmo pressupõem o sentido cognitivo técnico
que o termo veio adquirir na filosofia como uma reflexão (um pensamento ou uma experiência)
sobre si mesmo como sujeito de estados e eventos mentais. Afinal, ninguém poderia ter uma
preocupação psicopatológica (self-conscious) com o que os outros pensam a seu respeito se
não fosse capaz de refletir (pensar ou perceber) sobre si mesmo como sujeito de estados mentais
(provavelmente também como sujeito de atributos físicos). Do mesmo modo, ninguém poderia
gozar de uma auto-estima positiva, manifestar-se assertivamente, se também não fosse capaz
de se reconhecer como sujeito de qualidades e capacidades.
Embora o fenômeno da autoconsciência seja um tema recorrente na história da filosofia,
nos períodos antigo e medieval, o sentido cognitivo atual do termo (reflexão sobre si mesmo) não
era claramente separado dos sentidos valorativos presentes no idioma germânico. A expressão
“autoconsciência” era normalmente entendida como auto-estima e autoconfiança e era
normalmente discutida no contexto da ética e da felicidade. É apenas com Descartes (1641) no
período moderno, com célebre cogito cartesiano, que o sentido cognitivo técnico do termo (uma
reflexão sobre si mesmo como sujeito de estados mentais) se torna independente das demais
11
conotações valorativas. Como é notório, o fio condutor das Meditações cartesianas consistia em
encontrar uma proposição cuja verdade não estivesse sujeita a uma dúvida hiperbólica expressa
nos termos da hipótese de um Deus enganador e, assim, pudesse ser alçada à condição de
fundamento do conhecimento em geral. A proposição cuja verdade estaria excetuada da dúvida
universal seria o cogito: Eu penso, Eu existo.
Também para Hume (1978) a reflexão sobre si como sujeito de eventos mentais assumiu
um papel central na sua nova filosofia empirista. Mas enquanto para Descartes tratava-se de
encontrar um princípio indubitável, para Hume o problema fundamental residiria na unidade da
autoconsciência. Segundo Hume (1978, p. 636), mesmo sendo ela absolutamente necessária para
o conhecimento, ela também seria indemonstrável, uma vez que jamais poderia ser percebida. Em
suas próprias palavras: “Há dois princípios que não consigo tornar consistentes nem consigo
renunciar a nenhum dos dois, a saber, todas as nossas percepções distintas são existências
distintas, e a mente nunca percebe nenhuma conexão verdadeira entre existências distintas
.
Na filosofia transcendental de Kant (1998) o conceito autoconsciência também
desempenha um papel decisivo. Como em Descartes, a autoconsciência assume para Kant a
forma de “princípio supremo” de todo entendimento, por conseguinte, fundamento último de toda
e qualquer forma de conhecimento (empírico, matemático ou metafísico). Se não pudéssemos
subsumir o que nos aparece às intuições sensíveis a conceitos gerais sob a forma de pensamentos
autoconscientes (“Eu penso tem que poder acompanhar as minhas intuições”), nada
conheceríamos.
Tal como nós entendemos hoje, autoconsciência significa essencialmente a capacidade
que possuímos de nos auto-referirmos de uma forma peculiar, a saber, sabendo que estamos nos
auto-referindo (em oposição a uma forma contingente de auto-referência na qual o sujeito se
auto-refere sem saber que o faz). Essa mesma compreensão é expressa pela caracterização usual
da autoconsciência como uma referência a si mesmo enquanto tal ou pela expressão auto-
referência reflexiva ou cognitiva. A experiência realizada por Mach em Viena nos permite
ilustrar facilmente a oposição entre uma forma contingente e uma forma reflexiva de auto-
referência. Após um dia de trabalho estafante, Ernst Mach (um professor famoso) toma um
ônibus de volta para casa. Mas ao adentrar no veículo, observa um professor maltrapilho vindo na
direção contrária à sua. Nesse momento Mach pensa consigo mesmo:
(1) Olha como ele (essa pessoa) está mal vestido.
12
Contudo, à medida que se aproxima do seu assento, Mach se conta de que ele estava
observando sua própria imagem refletida no espelho do interior do ônibus e que aquela pessoa
maltrapilha, a quem ele se referia era ele próprio:
(2) Eu estou maltrapilho.
A partir do século 20, a mente humana tornou-se objeto de outra importante disciplina: a
psicologia. Em que pese à noção de autoconsciência ainda desempenhar um papel central na
tradição freudiana (tanto na primeira quanto na segunda tópicas), a sistemática exploração do
conceito de inconsciente abriu a possibilidade de uma série de outras investigações não mais
centradas nas noções de consciência e autoconsciência. Pouco a pouco, essas noções se tornaram
teoricamente irrelevantes. O ostracismo teórico do conceito de consciência conheceu seu ápice
com as diferentes formas de behaviorismo (tanto na psicologia quanto na filosofia
contemporâneas) que buscavam explicar o sistema cognitivo humano sem nem mesmo fazer
referência ao chamado “vocabulário mental”. Mesmo após o que se convencionou denominar
“reviravolta cognitiva” (cognitive turn) dos anos 50, nem a filosofia da mente nem as ciências
cognitivas pareciam estar interessadas na investigação da consciência nas suas mais diferentes
formas e manifestações.
Entretanto, a partir do lebre trabalho de Nagel (1974), assistimos a uma nova
reviravolta tanto no cenário filosófico quanto no campo das chamadas ciências cognitivas na
medida em que a noção de consciência em sentido fenomenal passou a constituir o foco das
preocupações teóricas. A impressão geral que reinava entre filósofos e cientistas era a de que
enquanto as chamadas atitudes proposicionais (pensamentos, desejos, crenças etc.) poderiam ser
satisfatoriamente abordadas à luz do modelo cognitivo então dominante, o funcionalismo, a
consciência fenomenal parecia resistir a qualquer forma reducionista de abordagem. As
qualidades fenomenais (os chamados qualia), “o que é ter a sensação de ser um morcego”, nem
se deixavam identificar a propriedades neurológicas do cérebro nem a propriedades funcionais.
Assim, com novas investigações centradas na noção de consciência fenomenal, assistimos não
apenas a derrocada paulatina do funcionalismo como também a emergência de uma nova forma
de neodualismo, o chamado dualismo de propriedades. Embora se reconheça apenas a existência
de substâncias materiais no universo (contrariamente ao dualismo de sustância cartesiano),
algumas dessas sustâncias (as mentes), além das propriedades físicas e das funcionais, possuiriam
também determinadas propriedades fenomenais irredutíveis.
13
Ora, mas se a consciência em sentido fenomenal se tornou o centro das investigações
teóricas, a autoconsciência permaneceu relegada a um segundo plano. São provavelmente duas as
causas da pouca importância conferida à noção de autoconsciência. A primeira, relativamente
trivial, seria a recusa contemporânea da visão moderna do conhecimento centrada na
autoconsciência. Ao contrário dos modernos, Descartes, Hume e Kant, ninguém mais confere à
autoconsciência um papel “arquinediano”, como fundamento ou princípio do conhecimento em
geral. Mas a razão principal parece ser outra: o conceito de autoconsciência não parece suscitar
maiores dificuldades e desafios teóricos. Segundo Block (1994, p. 230), por exemplo, “É
naturalmente a consciência fenomenal [...] e não a autoconsciência que pareceu um mistério
científico”. De maneira similar, Chalmers (1994, p. 24) afirma que a autoconsciência é um
daqueles estados mentais “que não suscita enigmas metafísicos profundos”. A idéia
compartilhada por filósofos de diferentes credos como Block e Chalmers, por exemplo, seria
então a de que poderíamos facilmente entender a autoconsciência em termos funcionais quando
tivéssemos resolvido o enigma da consciência em sentido fenomenal.
Recentemente, contudo, esse consenso tácito foi desafiado por algumas contribuições
teóricas significativas. Recorrendo à conhecida irredutibilidade do pronome de primeira pessoa a
qualquer outra forma de auto-referência e à distinção entre uma perspectiva de primeira pessoa
“plena” (strong) e outra primitiva (weak), Baker (1998) lançou o seguinte desafio: encontrar uma
explicação naturalista para a perspectiva da primeira pessoa em sentido pleno <strong>, ou seja,
uma explicação para a consciência de si nos moldes das ciências naturais em termos não-
intencionais, não-mentais e não-semânticos. Assim, da mesma forma que a consciência
fenomenal não se deixaria reduzir a propriedades físicas ou funcionais, a perspectiva da primeira
pessoa em sentido pleno nem se deixaria reduzir à perspectiva da primeira pessoa em sentido
primitivo nem a qualquer outro estado cognitivo. Segundo Baker, as teorias hoje disponíveis
seriam capazes de tornar compreensível a perspectiva da primeira pessoa na acepção primitiva,
mas jamais na sua acepção plena. O naturalismo cientificista contemporâneo se veria confrontado
com o seguinte dilema de acordo com Baker (1998, p. 327): “ou mostrar que a perspectiva da
primeira pessoa pode ser entendida em termos naturalistas, ou mostrar que ela é dispensável”.
Em uma contribuição igualmente significativa, Bermúdez (1998) acredita ter detectado
uma circularidade viciosa na estrutura da auto-referência cognitiva. A idéia é a de que o sujeito
não poderia se auto-referir de forma consciente por meio do pronome da primeira pessoa a menos
14
que ele soubesse de algum modo que é o indivíduo fazendo uso de tal pronome. Mas esse
conhecimento prévio de que se é o indivíduo fazendo uso do pronome da primeira pessoa teria
forma de conteúdos sobre si em primeira pessoa, o que nos envolveria em um círculo vicioso.
Entretanto, mais importante que formulação do problema, foram as soluções vislumbradas por
Bermúdez: a postulação da existência de uma série de formas primitivas não-conceituais de
autoconsciência. Assim, para rompermos o círculo vicioso na estrutura da auto-referência
cognitiva por meio do emprego do pronome da primeira pessoa, deveríamos supor que, antes da
aquisição de tal pronome, o agente seria capaz de perceber seu próprio Eu corporal de forma
não-conceitual.
Uma terceira fonte significativa de contribuições vem do campo da fenomenologia. Ao
lado da forma reflexiva tradicional haveria uma forma primitiva pré-reflexiva de autoconsciência.
Se por um lado, tomo consciência reflexiva de mim mesmo como um objeto da minha própria
experiência interna, por outro lado, encontro-me autoconsciente de forma pré-reflexiva em todas
as minhas experiências não porque meu sujeito corporal se torna um objeto da minha percepção,
mas porque estou familiarizado comigo mesmo (Selbstvertrautheit) em todas as experiências que
realizo. Enquanto a existência de uma percepção de si (self-awareness) é postulada por Bermúdez
para se romper com um suposto círculo vicioso na estrutura da auto-referência por meio do
pronome da primeira pessoa, a existência de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência também
é postulada (por toda a tradição fenomenológica) para se deter um regresso infinito na estrutura
de toda e qualquer forma de autoconsciência reflexiva de acordo com Zahavi (2006).
Ora, enquanto modelo da percepção de si (self-awareness) foi incorporado pela vertente
dominante da psicologia do desenvolvimento pós-Piaget, de Gibson a Rochat, o modelo
fenomenológico de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência foi reivindicado pela psiquiatria
para a compreensão da esquizofrenia e o autismo. Assim, ao se queixar de haver “perdido
contato” consigo mesmo ou de haver perdido “a sensação de si”, ou ainda, de ter “desaparecido”
para ele próprio, o paciente esquizofrênico estaria reportando a perda ou a falta de uma forma
pré-reflexiva de consciência proprioceptiva, ou seja, de uma familiaridade consigo mesmo.
A postulação de formas primitivas de autoconsciência também encontra uma forte
motivação empírica. Segundo uma convicção compartilhada por Freud e Piaget, antes da
emergência do Eu, tanto o psiquismo (Freud) quanto o sistema cognitivo (Piaget) se
caracterizariam por uma ausência de diferenciação Eu/Mundo. Psicólogos contemporâneos,
15
entretanto, acreditam dispor de inquestionáveis evidências empíricas que infirmariam tal
convicção. Desde muito cedo, os neonatos seriam capazes não apenas de representar objetos,
ou seja, entidades contínuas e impenetráveis, como a si mesmos como sujeitos dessas
representações. A idéia central é a de que autoconsciência seria um fenômeno que admite
inúmeras gradações. Assim, antes da aquisição do pronome “eu”, existiriam de três a cinco
formas mais primitivas de autoconsciência. O próprio Bermúdez postula a existência de pelo
menos três formas primitivas de autoconsciência não-conceitual: O que ele denomina “eu
ecológico”, baseado no trabalho empírico de J. Gibson (1979), a “propriocepção somática” e
“ponto de vista não-conceitual”.
Pesquisadores empíricos contemporâneos, como Rochat (1995, 2001 e 2003), identificam
usualmente 5 níveis ou graus de autoconsciência, a saber: (1) nível zero, confusão (confusion),
onde o indivíduo ainda não distingue sua própria imagem refletida no espelho de acordo com
Zazzo (1981). (2) Nível 1, diferenciação (differentiation): quando ocorrem os primeiros sinais de
identificação da própria imagem e os movimentos corporais no espelho começam a ser
percebidos. (3) Nível 2, situação (situation): neste estágio o indivíduo é capaz de realizar uma
ligação entre a visualização de seus movimentos refletidos no espelho e a propriocepção
somática. (4) Nível 3, recognição (recognition): aqui o indivíduo se mostra capaz de
reconhecer plenamente sua imagem refletida: sou eu <its me> (Gallup, 1982 e Povinelli, 1993).
(5) Nível 4, permanência (permanence): o indivíduo é representado como uma entidade que
permanece ao longo de mudanças no tempo. (6) Nível 5, autoconsciência em sentido pleno (self-
consciouness) ou (meta-self-awareness): o Eu (Self) é agora reconhecido não apenas a partir da
perspectiva da primeira pessoa, mas também a partir da perspectiva de uma terceira pessoa
(Goffman, 1959).
16
Esboço geral da tese
A tese presente tem por objeto a investigação das pretensas formas primitivas de
autoconsciência. O modelo da percepção de si (self-awareness) suscita inúmeras questões. Como
veremos, esse modelo assume ingenuamente a teoria tradicional da Reflexão (Reflektionstheorie)
de Henrich (1963) ou o que também se convencionou chamar modelo sujeito-objeto de
consciência de Tugendhat (1979). Tomar consciência de si significa identificar a si mesmo como
o objeto do seu próprio ato intencional (percepção, pensamento, memória etc.). Ora, mas como na
autoconsciência faço referência a mim mesma sabendo que estou me referindo, eu não teria como
me identificar como objeto do meu próprio ato intencional se eu não estivesse consciente de
mim mesma como autora de tal ato. Essa consciência prévia ou pressupõe um novo ato que nos
remeteria a um regresso infinito ou se daria no mesmo ato original constituindo um círculo
vicioso. Assim, mostraremos que a circularidade detectada por Bermúdez no emprego do
pronome da primeira pessoa de modo a refletir a sua semântica é apenas um caso específico da
circularidade viciosa presente em toda identificação de si mesmo por atos intencionais.
Ademais, nem a tese fundamental de J. Gibson de que toda esterocepção (esteroception),
ou percepção externa, envolve uma propriocepção (proprioception), ou seja, percepção de si,
nem a tese complementar de Bermúdez de que a propriocepção somática seria uma forma de
percepção do eu corporal parecem sustentáveis. Se adotarmos, como Bermúdez, a idéia de
Shoemaker que a percepção envolve sempre uma identificação ou destacamento do objeto
percebido como um dentre outros objetos no campo perceptivo, então claramente não podemos
falar de uma percepção do meu próprio eu corporal nem quando percebemos objetos externos
nem quando estamos sujeitos a sensações corporais.
17
Mas os problemas com a idéia de uma percepção de si (self-awareness) não param por ai.
Mesmo que concedêssemos que percebendo objetos externos ou estando sujeitos a sensações
corporais estaríamos ao mesmo tempo percebendo o nosso Eu corporal, nada nos permitiria
qualificar essa suposta percepção de si como uma forma genuína de autoconsciência. Isso porque
para falarmos de uma autoconsciência genuína, não basta que o sujeito esteja percebendo suas
propriedades corporais ou percebendo seu próprio Eu corporal. É indispensável que ele as
perceba como suas próprias propriedades corporais (e não, digamos, de uma terceira pessoa) ou
que ele perceba o seu Eu corporal como ele próprio (e não como o corpo de um terceiro). Mas
isso, por sua vez, exige o conceito fundamental de sujeito.
A alternativa tradicional ao modelo da percepção de si (self-awareness) consiste na
postulação de uma suposta forma pré-reflexiva de autoconsciência que estaria onipresente em
todas as experiências de acordo com Zahavi (2006). Mas o modelo fenomenológico da
autoconsciência pré-reflexiva suscita outros tantos problemas. Antes de mais nada, ele não
resolve, como pretende, o problema do regresso infinito. Se for verdade que não regresso no
âmbito da autoconsciência pré-reflexiva - uma vez que o sujeito ai não se está tomando a si
mesmo como um objeto - permanece havendo regresso no âmbito da auto-referência cognitiva
porque esta permanece sendo entendida em toda a tradição da fenomenologia como a
identificação de si mesmo como um objeto do seu próprio ato intencional.
Uma segunda fonte de problemas radica na própria compreensão do que seria uma forma
pré-reflexiva de autoconsciência. Entendemos, negativamente, que em tal consciência o sujeito
não esteja se representando como um objeto. Entretanto, não há uma clara explicação positiva em
toda a literatura fenomenológica para o que seria a tal familiaridade consigo mesmo (Mit-sich-
vertraut-sein), (self-acquaintance). A única noção disponível em toda a literatura capaz de tornar
tais metáforas compreensíveis é a idéia de uma consciência proprioceptiva pré-reflexiva que
exerceria uma forma de controle motor sobre o nosso corpo como um pressuposto para os nossos
próprios atos de percepção de acordo Gallagher (2000). Entretanto, como mostraremos, ainda que
possamos falar de informações proprioceptivas conscientes, elas não se qualificam como uma
forma genuína de autoconsciência.
Em um plano estritamente conceitual, acreditamos poder mostrar, contrariamente a
vertente dominante na psicologia do desenvolvimento, que a autoconsciência não é
absolutamente um fenômeno mental que admite gradações ou níveis. Ninguém está mais ou
18
menos autoconsciente (segundo os níveis ou graus propostos), da mesma forma que ninguém está
mais ou menos grávida. Tampouco nos parece fazer sentido em se falar de uma forma reflexiva e
uma forma pré-reflexiva de autoconsciência tal como afirmam os fenomenólogos. A única
distinção que reconhecemos é entre uma forma cognitiva ou reflexiva de auto-referência (na qual
o sujeito sabe que se auto-refere) e uma forma contingente de auto-referência (na qual o sujeito
não sabe que se auto-refere). O equívoco fundamental é uma decorrência de uma ambiguidade
trivial entre dois sentidos de consciência ou de perspectiva de primeira pessoa, analisados por
Baker. Tanto podemos entender essas noções exprimindo:
(a) Ser um ponto de vista singular dentre outros <sem possuir a consciência que se é>
que representa objetos e propriedades de forma egocêntrica (o que Baker denomina perspectiva
da primeira pessoa em sentido primitivo (weak)).
Ou exprimindo:
(b) Possuir a consciência de que se é um ponto de vista singular dentre outros (o que
Baker denomina perspectiva da primeira pessoa em sentido pleno (strong)).
Dizer (a) que se é um ponto de vista singular dentre outros é o mesmo que dizer que se é
um organismo biologicamente complexo, espacialmente orientado, que representa
egocentricamente objetos e propriedades do mundo como proporcionadores (affordances) para
suas ações com a intenção de satisfazer suas volições e seus desejos. Em contrapartida, dizer (b)
que se tem consciência de ser um ponto de vista singular dentre outros significa dizer
fundamentalmente que se é uma criatura capaz de se auto-referir de forma cognitiva, ou seja,
capaz de representar a si própria como um ponto de vista singular dentre outros possíveis e
existentes por meio das predicações sobre si em primeira pessoa (I-thoughts).
Entretanto, se é um truísmo que nem todos os sistemas cognitivos são autoconscientes, a
pergunta que todos devem estar se fazendo é porque os psicólogos contemporâneos
“descobriram” ou postularam formas primitivas de autoconsciência, presentes até mesmo em
neonatos. Possuímos um diagnóstico. Como observamos, tanto Piaget quanto Freud caracterizam
a vida cognitiva e emocional anterior à emergência do Eu da autoconsciência como um universo
sem diferenciação Eu/Mundo. E a razão que ambos alegavam para isso seria a seguinte: antes da
19
emergência do Eu, o neonato ainda seria incapaz de representar objetos no mundo. Ora, como
essa tese se mostrou empiricamente falsa, pois desde muito cedo as crianças são capazes de
representar entidades permanentes, contínuas etc., conclui-se, de forma apressada, que
representado os objetos ao seu redor, a criança, como sujeito dessas representações, estaria de
algum modo representando a ela própria.
Entretanto, mesmo que crianças pequenas sejam capazes de representar objetos, disso
não se segue que elas estariam representando a elas mesmas como sujeitos de tais
representações. Isso porque ao representar objetos, elas ainda não os representam
conceitualmente como objetos. Da mesma forma que podemos perceber, digamos, um
computador, sem percebê-lo como um computador, ou seja, sem sabermos conceitualmente o que
é um computador, uma criança pequena é capaz de perceber objetos materiais sem ainda ser
capaz de percebê-los como objetos, ou seja, sem saber conceitualmente o que é um objeto. Assim,
mesmo que Freud e Piaget estejam equivocados quanto à não-diferenciação Eu/mundo, disso não
se segue que a criança pequena (e animais de uma forma geral) esteja representando a si
mesma como o sujeito das suas representações. Neste sentido, a tese que aqui defenderemos pode
ser vista como uma defesa indireta da convicção compartilhada por Freud e Piaget de que a
autoconsciência é um fenômeno mental que emerge de forma relativamente tardia no psiquismo
(Freud) e na vida cognitiva (Piaget).
Na sua defesa da existência de formas não-conceituais de autoconsciência, Bermúdez se
apóia exclusivamente no princípio da melhor explicação (inference to best explanation).
Acreditamos, contudo, que recorrendo ao princípio contrário da parcimônia explicativa (uma
explicação teoricamente mais simples é sempre preferível a uma explicação teoricamente mais
carregada), poderemos mostrar, ao longo dessa tese, que as evidências empíricas apresentadas (o
comportamento observado das crianças e animais) podem ser plenamente explicadas a partir de
estados cognitivos nos quais o sujeito estaria meramente concernido de acordo Perry (1998) sem,
no entanto, estar auto-referido ou estar autoconsciente de forma pré-reflexiva.
Seguindo então o princípio da parcimônia explicativa, pretendemos mostrar que ao invés
de um Eu ecológico que, ao perceber o mundo (esterocepção), percebe a si mesmo,
propriocepção (proprioception) de acordo Gibson (1979), as evidências empíricas nos permitem
apenas falar de ponto de vista singular, espacialmente orientado e essencialmente ego-centrado
em um corpo vivo. Aqui o agente é meramente concernido pelas suas percepções, sem ser ainda
20
representado pelas mesmas. Assim, em um primeiro estágio do seu desenvolvimento, o neonato
possui representações não-conceituais, egocentradas dos objetos e propriedades sob a forma
daquilo que poderíamos chamar um cenário posicionado. Neste estágio, estados mentais do
agente representam objetos e propriedades que desempenham um papel (role) relativo ao próprio
agente, pois constituem as bases para as suas ações intencionais (segundo termo utilizado por J.
Gibson, na psicologia do desenvolvimento, as entidades se apresentam como “proporcionadores”
(affordances).
Em um segundo estágio do seu desenvolvimento, o agente passa a conceituar alguns
objetos, propriedades e relações que antes representava de forma não-conceitual. O decisivo, no
entanto, será a conceituação das suas próprias sensações corporais através do aprendizado dos
respectivos predicados de sensação. É razoável supormos que, em um primeiro momento, a
criança se utilize dessas expressões de uma forma ainda quasi-predicativa, ou seja, não para
classificar os seus estados, mas apenas como uma forma de expressão convencional da própria
sensação que experimenta.
O momento decisivo se dá quando a criança aprende seu nome próprio. Como veremos, a
aquisição do próprio nome não depende de nenhuma identificação de si mesmo por suas
propriedades relacionais ou não relacionais. A relação denotativa entre o nome e o indivíduo
nomeado é direta, ou seja, é fixada e determinada em termos causais sem a mediação de
identificações. A criança recebe um nome de batismo da mesma maneira como objetos são
etiquetados em uma prateleira. A partir desse momento as expressões convencionais de sensações
corporais que até então era quasi-predicados adquirem a forma de predicados autênticos e o
sujeito passa a pensar em si mesmo (sem se identificar) como um dentre outros que se encontra
em um estado mental (o que tem lugar por meio de uma predicação de si). nesse momento
podemos falar de uma forma genuína de autoconsciência.
No último momento, o sujeito aprende a regra trivial de emprego do pronome da primeira
pessoa: o “eu” se refere a quem quer que o empregue. Nesse momento, as predicações de si
assumem a forma de pensamentos sobre si mesmo em primeira pessoa, conhecidos na literatura
como “I-thoughts”.
O presente trabalho está concebido em duas partes subdivididas em dez capítulos e um
capítulo final com a conclusão geral da tese. A primeira parte é constituída por sete capítulos e a
segunda parte por três capítulos e em sequência o capítulo de conclusão final da tese. Desta
21
forma, no primeiro capítulo, examinaremos os diferentes sentidos pré-teóricos e teóricos que a
palavra “consciência” adquire na linguagem comum e na literatura especializada. No segundo
capítulo, examinaremos os três principais sentidos que a noção de autoconsciência adquiriu na
história da filosofia e seus desdobramentos na filosofia e psicologia contemporâneas. No terceiro
capítulo, abordaremos a estrutura semântica básica: as predicações sobre si em primeira pessoa,
(I-thoughts). O quarto capítulo está consagrado ao exame da estrutura epistemologia da auto-
relação, ou seja, os privilégios epistemológicos tradicionalmente atribuídos à autoconsciência. O
quinto capítulo aborda as três principais versões contemporâneas do tradicional modelo cognitivo
sujeito-objeto. No sexto capítulo, examinaremos a suposição de Bermúdez (1998) de formas
primitivas e não-conceituais de autoconsciência. No sétimo capítulo, examinaremos a postulação
fenomenológica de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência. Os três capítulos subsequentes
referentes à segunda parte do presente trabalho estão consagrados a uma minuciosa análise
empírica sobre o detalhamento dessa ontogênese. Ao final, no décimo primeiro e último capítulo
da tese, nos deteremos à resolução do dilema entre o regresso infinito e a circularidade viciosa na
estrutura da auto-referência reflexiva e a formulação de um esboço geral da ontogênese da
autoconsciência.
22
1 OS DIFERENTES SENTIDOS DE CONSCIÊNCIA
A palavra “consciência” é notoriamente ambígua. Isso se deve principalmente ao fato de
não se tratar de um termo de arte, mas antes de uma expressão mundana que todos nós
empregamos com muita frequência com diferentes propósitos em diferentes contextos cotidianos
de acordo com Kriegel (2003). paralelos dentro da história das ciências. Aristóteles, por
exemplo, utiliza-se da expressão “velocidade” tanto para denotar velocidade média quanto para
indicar velocidade instantânea. Segundo Kuhn, sua indistinção originou uma confusão conceitual
relevante de acordo com Kuhn (1964). No caso específico da consciência, o problema seria o
seguinte: é frequente observarmos conceitos diferentes sendo tratados como o mesmo.
Nesse capítulo, empreenderemos, uma análise dos diferentes conceitos de consciência
presentes na literatura e na linguagem comum. São eles:
(A) a distinção entre a consciência em sentido fenomenal e a consciência de acesso.
(B) a oposição entre consciência da criatura e estado consciente,
(C) a oposição entre consciência transitiva e consciência intransitiva,
(D) a oposição entre uma forma conceitual e uma forma não-conceitual de consciência e,
por último,
(E) a distinção entre a consciência de objetos e a consciência de fatos.
O nosso objetivo, contudo, não é empreender uma discussão pormenorizada de cada uma
dessas formas de consciência à luz das diferentes teorias disponíveis, o que transcenderia e em
muito os limites da tese a que nos propusemos. Com uma análise preliminar dos diferentes
conceitos de consciência, o nosso propósito é (i) distinguir o fenômeno da autoconsciência de
uma série de outros fenômenos mentais aparentados, demarcando assim a especificidade da
autoconsciência, (ii) assinalar de que forma o sentido de consciência que nos importa aqui, a
saber, a autoconsciência, se reporta aos demais sentidos e conceitos de consciência.
23
1.1 A distinção entre consciência fenomenal e consciência de acesso
No seu trabalho já clássico, Block (2002) opõe inicialmente dois sentidos fundamentais de
“consciência”: a chamada consciência fenomenal (P-consciousness) e a chamada consciência do
acesso cognitivo e racional (A-consciousness). Segundo Searle (1992) e o próprio Block (1994),
a consciência fenomenal não se deixa definir 0de forma não-circular. O melhor que poderíamos
fazer seria fornecer exemplos e sinônimos. Assim, podemos afirmar, em primeiro lugar, que a
consciência fenomenal seria a forma mais elementar de consciência que pertenceria
essencialmente a toda e qualquer experiência. E podemos exemplificar a consciência fenomenal
como aquela forma de consciência presente em: (i) sensações corporais (prazeres, dores, coceiras,
dormências etc.), (ii) percepções, (iii) emoções (felicidade, tristeza, etc.), (iv) humores
(ansiedade, depressão, etc.). Segundo Chalmers (1994, p. 43), “um estado mental é consciente
<na acepção fenomenal> se ele possui um sentir qualitativo uma qualidade associada â
experiência” Entretanto, a locução “what is like to be” (a grosso modo “o que é ter a sensação de
ser tal e tal criatura”, ou “o que é ter a sensação de encontrar-se em tal e tal estado mental”) é a
expressão mais frequentemente empregada na literatura como caracterização da consciência na
sua acepção fenomenal. Segundo a descrição canônica fornecida por Nagel:
Fundamentalmente um organismo possui estados mentais conscientes se e somente se
existe algo que é ser tal organismo <there is something it is like to be that organism> -
alguma coisa que é ser para o organismo <something it is like for the organism>.
Chamamos a isso de caráter subjetivo da experiência. (NAGEL, 1974, p.166).
A consciência do acesso, em contrapartida, é caracterizada por Block como a forma de
consciência que diz respeito a todos e a apenas aqueles estados mentais cujo conteúdo
representacional é pressuposto <posit> pelo pensamento, pelo relato verbal e pelo controle
voluntário da própria conduta. Estados conscientes nessa acepção são paradigmaticamente
pensamentos e necessariamente intencionais. Em contrapartida, estados conscientes em sentido
fenomenal não são necessariamente intencionais, o se referem em princípio a objetos e
propriedade para além deles próprios. Salvo adotemos o intencionalismo recentemente proposto
por Dretske (1995) e Tye (2009), quando sentimos dor, coceiras, arrepios etc. (sensações
corporais), ou quando nos entristecemos ou nos alegramos (emoções), ou ainda estamos ansiosos,
24
deprimidos ou bem dispostos etc. (humores), nos encontramos em estados mentais conscientes
em sentido fenomenal que nada representariam.
Mas se estados mentais podem ser conscientes na acepção fenomenal sem serem
conscientes na acepção do acesso cognitivo e racional, a recíproca também é verdadeira, estados
mentais podem ser conscientes na acepção do acesso cognitivo e racional sem serem conscientes
em sentido fenomenal. Pensamentos matemáticos são exemplos relativamente triviais de estados
mentais conscientes na acepção do acesso cognitivo e racional que jamais se tornam conscientes
na acepção fenomenal. Em princípio, apenas as percepções seriam estados mentais conscientes
tanto em sentido fenomenal quanto em sentido do acesso cognitivo e racional. Ao mesmo tempo
em que representa um determinado objeto ou propriedade, a percepção possui uma qualidade
sensorial que lhe é inerente essencialmente (consciência fenomenal) sendo o conteúdo por ela
representado pressuposto (posit) pelo o pensamento e o pelo controle voluntário das nossas ações
(consciência do acesso cognitivo e racional).
Entretanto, podemos imaginar situações nas quais estados perceptuais estão privados de
consciência de acesso embora permaneçam conscientes em sentido fenomenal. Se alguém, por
exemplo, “está percebendo as estrelas” em estado de torpor ocasionado por embriaguês de modo
a não ser capaz de raciocinar sobre ou a partir do conteúdo da sua percepção, ainda que
consciente em sentido fenomenal, tal estado perceptual não será consciente na acepção do acesso.
Mas a recíproca é mais uma vez verdadeira também. Podemos imaginar situações não-usuais nas
quais os estados perceptuais se encontram privados de consciência em sentido fenomenal, mas
permanecem conscientes na acepção do acesso cognitivo e racional. Block menciona o caso da
“visão cega” (blindsight) como um exemplo de estados perceptuais não-conscientes em sentido
fenomenal, embora conscientes na acepção do acesso. Pessoas com visão cega possuem amplas
áreas (escotomas) cegas nos seus campos visuais devido a danos na região do córtex occipital,
entretanto, podem fazer afirmações bastante acuradas a respeito dessas áreas quando instigados.
Assim, embora o estado mental no qual esses indivíduos se encontram seja desprovido de
consciência em sentido fenomenal, eles permanecem conscientes na acepção do acesso uma vez
que o conteúdo por eles representado é pressuposto (posit) pelo pensamento, pelo relato verbal e
pelo controle deliberativo da sua conduta.
A pergunta fundamental que todos devem se fazer nesse momento é sobre as relações
existentes entre a consciência em sentido fenomenal e a consciência na acepção do acesso
25
cognitivo e racional. Para Block, a consciência do acesso cognitivo e racional seria uma condição
suficiente para qualquer forma de consciência. Assim, para Block zumbis, ou seja, réplicas físicas
e funcionais de seres humanos, seriam conscientes na acepção do acesso mesmo sem possuiriam
qualquer forma de consciência fenomenal. A consciência fenomenal não precisa, com efeito, ser
parte integrante de um pensamento para que esse seja consciente na acepção do acesso. Um
indivíduo poderia padecer de visão cega (blind sight) e ainda assim possuir inúmeros outros
estados mentais fenomenalmente conscientes.
Embora possamos aceitar o exemplo de Block da visão cega (blindsight) como casos nos
quais estados visuais dos indivíduos estariam privados de consciência em sentido fenomenal, mas
não de consciência no sentido do acesso cognitivo e racional, não parece plausível que criaturas
inteiramente desprovidas de consciência fenomenal possam ser conscientes em qualquer outro
sentido. A razão é simples: a consciência fenomenal constitui a forma mais básica de consciência.
A consciência fenomenal seria o estágio inicial tanto da evolução natural da nossa espécie (sob
um prisma filogenético) quanto da evolução cognitiva de um indivíduo humano (sob um prisma
ontogenético) cujos ápices seriam a introspecção e a autoconsciência.
À luz do intencionalismo de Dretske (1995) e Tye, embora a consciência do acesso não
seja uma condição suficiente para toda e qualquer forma de consciência, ela constituiria ainda
assim uma condição necessária para consciência fenomenal. Segundo esses autores, estados
mentais que não estão aptos <posit> a servir de input em um sistema cognitivo cujo output seria o
controle e regulação do comportamento não se qualificariam como estados conscientes. Dretske
diz o seguinte a respeito:
Experiências são representações S <não-conceituais>, mas como observamos
anteriormente, nem todas as representações S (nem mesmo todas as representações
naturais S) são mentais, menos ainda experiências. Experiências são aquelas
representações S que servem à construção de representações a <conceituais>. Elas são
estados cuja função é fornecer informação ao sistema cognitivo para “calibragem” e uso
no controle e regulação do comportamento (Evans, 1982, §4). [...] Para se qualificarem
como experiências conscientes, Evans exige que os estados portadores de conteúdo
sirvam de input àquilo que ele denomina “sistema de exercício conceitual e de
raciocínio” (DRESTSKE, 1995, p. 19).
Segundo o intencionalismo, estados mentais são conscientes em sentido fenomenal
quando satisfazem quatro condições fundamentais (teoria do “PANIC”): (1) devem ser estados
intencionais que representam entidades mundanas, exteriores à mente. (2) Devem representar
26
fundamentalmente propriedades abstratas que co-variam nomologicamente com determinadas
propriedades dos estados mentais em questão. (3) Devem representar tais propriedades de forma
não-conceitual, ou seja, os portadores dos estados mentais em questão não precisam dispor dos
conceitos envolvidos na especificação canônica das propriedades que representam (veremos a
seguir). A quarta e última condição é justamente aquela que dispõe sobre o acesso cognitivo e
racional do conteúdo representado. Assim, (4) O conteúdo representado por tais estados mentais
deve servir como um input no sistema cognitivo cujo output seria a elaboração de conteúdos
conceituais que exercem o controle intencional da conduta.
Essa quarta e última condição é seguramente um dos aspectos mais obscuros da teoria
intencionalista de Dretske e Tye. A rigor, ela jamais foi devidamente elaborada por nenhum dos
dois autores em nenhum dos seus muitos trabalhos a respeito. Entretanto, mesmo que não
tenhamos muita simpatia pelo intencionalismo na sua forma mais radical (strong intentionalism)
temos que levar em consideração a razão pela qual o acesso cognitivo e racional é considerado
por esses autores como uma condição, se não suficiente, ao menos necessária para a atribuição de
consciência fenomenal a estados mentais. O nosso cérebro está o tempo todo processando
informações sobre o nosso corpo e sobre o mundo exterior. É obvio, no entanto, que apenas uma
pequena parte dessas informações se qualifica como experiências dotadas inerentemente de
consciência fenomenal. Ora, como as informações não-conscientes processadas pelo cérebro
satisfazem trivialmente as três primeiras das quatro condições elencadas pelo intencionalismo, ou
seja, são (i) representações, (ii) de propriedades abstratas, (iii) de natureza não-conceitual, a única
forma que possuímos para separar as informações conscientes das não-conscientes seria
justamente através da quarta e última condição: (iv) conscientes são aquelas informações cujo
conteúdo representado pode servir de input ao sistema cognitivo cujo output seria a elaboração de
conteúdos conceituais que exercem o controle intencional da conduta.
1.2 As distinções entre estado consciente e criatura consciente e entre consciência
transitiva e intransitiva
Segundo Rosenthal (1994), também empregamos usualmente a palavra “consciência”
tanto para caracterizar estados de uma criatura (state-consciousness) quanto para caracterizar a
27
própria criatura portadora de tal estado (criature consciousness). Uma criatura está consciente no
sentido trivial em que se encontra cognitivamente desperta. Naturalmente, a noção trivial de
criatura consciente admite gradações. Em contrapartida, um estado mental consciente é bem ou
uma sensação (consciência fenomenal) ou uma atitude proposicional (crença, pensamento, juízo,
desejo, temo, etc.). Como as sensações e as experiências são estados mentais inerentemente
conscientes, apenas atitudes proposicionais poderiam ser estados mentais inconscientes nesta
acepção.
Também falamos de consciência em sentido transitivo quanto em sentido intransitivo
Rosenthal (2005) Empregamos a palavra consciência em sentido transitivo para caracterizar a
consciência que um sujeito tem de algo. Em contrapartida, empregamos a palavra “consciência”
em sentido intransitivo para caracterizar um estado mental particular no qual o sujeito se
encontra. No sentido técnico cunhado por Rosenthal, a consciência transitiva seria sempre uma
forma de consciência da criatura enquanto a consciência intransitiva uma forma de estado
consciente da criatura segundo distinção anterior. Para evitar ambiguidades a esse respeito,
Rosenthal reserva a expressão comporta “estado de consciência” (state consciousness) para
exprimir a consciência em sentido intransitivo e a expressão “consciência transitiva” para
exprimir o sentido no qual o sujeito está consciente de algo.
A pergunta fundamental que devemos nos fazer é sobre a relação entre a consciência em
sentido fenomenal com a distinção presente entre consciência transitiva e intransitiva. Segundo as
teorias reducionistas da consciência fenomenal, estados mentais não são essencialmente ou
absolutamente conscientes em sentido intransitivo. De acordo com as teorias de ordem superior
(higher-order theory: HO), um estado mental é intransitivamente consciente em sentido
fenomenal quando ele é objeto (transitivo direto) da representação de um estado de ordem
superior do sujeito (um pensamento ou uma percepção interna). Em contrapartida, segundo o
intencionalismo, ou seja, teoria da mesma ordem da consciência (same-order theory: SOT), um
estado mental é intransitivamente consciente em sentido fenomenal quando ele próprio representa
transitivamente objetos, propriedades e relações exteriores à mente. Se nos restringimos às
percepções (deixando de lado os casos controversos das sensações corporais, emoções e
humores), um estado perceptual é intransitivamente consciente ou porque (i) ele é pensado ou
percebido transitivamente por um estado de ordem superior do sujeito (HO) ou porque (ii) ele
torna seu portador transitivamente consciente de algo que ele próprio (estado) representa (SOT).
28
A principal dificuldade das teorias da mesma ordem é mostrar em que sentido não apenas
sensações corporais tais como dores, coceiras, arrepios, mas mesmo emoções e humores
poderiam ser inerentemente conscientes no sentido fenomenal ao representar propriedades do
meu próprio corpo. O que representa uma coceira? Um orgasmo? Uma depressão? Nenhuma das
respostas apresentadas por Tye é convincente. Entretanto, as teorias de ordem superior se vêem
às voltas com dificuldades ainda maiores. Segundo esses autores, um estado sensorial não seria
intrinsecamente consciente no sentido fenomenal. A consciência fenomenal só surgiria quando tal
estado fosse representado como um objeto ou de uma experiência de ordem superior (HOE) ou de
um pensamento de ordem superior (HOT). Ora, mas isso fosse correto, apenas criaturas capazes
de Reflexão, ou seja, capazes de perceber ou pensar sobre suas próprias experiências, seriam
conscientes em sentido fenomenal.
1.3 A distinção entre a consciência de objetos e a consciência de fatos.
A consciência transitiva, como a própria expressão indica, é aquela caracterizada
gramaticalmente pelo fato de exigir ou um objeto direto ou oração direta como complemento de
um verbo transitivo. Quando o completo do verbo transitivo direto for um objeto, temos uma
consciência de objeto, o que Russell denominava “knowledge by acquaintance” e na tradição
filosófica se denominava “intuição sensível”: percebo a bola, vejo a tela, etc. Mas quando o
complemento do verbo transitivo for uma oração subordinada completa (that-clause), temos uma
forma proposicional de consciência: percebo que isso é uma bola, vejo que isso é uma tela etc.
Dretske (2003) nos fornece cinco casos bastante ilustrativos do que seria a consciência de
objetos, de propriedades e de fatos ou proposições. No primeiro dos casos, ele nos convida a
imaginar a observação de um ponteiro de minutos de um relógio. Suponhamos, em primeiro
lugar, que o ponteiro se mova muito lentamente e, além disso, que a minha observação não dure
um único minuto. Como nada se interpõe entre mim e o relógio, percebo claramente um objeto
singular no meu campo visual, um ponteiro de minutos em movimento. Entretanto, na medida em
que ponteiro se move muito lentamente, não sou capaz de perceber seu movimento (propriedade
abstrata). E ademais, como a minha observação é quase instantânea, tampouco sou capaz de
perceber o fato que o ponteiro está se movendo.
29
No segundo caso, Dretske nos convida a imaginar a observação do mesmo ponteiro de
minutos, supondo agora que a nossa observação perdure por alguns minutos. Agora sou capaz de
observar que o ponteiro ocupa uma posição diferente que ocupava alguns minutos atrás.
Assim, além da percepção do próprio ponteiro (um objeto singular), torno-me também consciente
do fato que o ponteiro está se movendo. No entanto, como o ponteiro de minutos continua a se
mover muito lentamente, ainda não sou capaz de perceber o movimento do ponteiro
(propriedade).
No terceiro caso, somos convidados a imaginar uma situação bastante corriqueira. Estou
dirigindo um veículo, quando observo um veículo próximo em movimento e sou levado a supor,
equivocamente, que é o meu próprio veículo que estaria a se mover o que me faz acionar o freio.
Nesse terceiro caso, estou percebendo tanto o veículo (objeto singular) quanto seu movimento
(propriedade), mas não sou capaz de perceber ou tomar consciência do fato que ele está a se
mover.
No quarto caso, estou de volta a observar o mesmo relógio. Desta vez, contudo, estou a
observar o ponteiro de segundos. Enquanto o movimento do ponteiro de minutos me era
imperceptível, o movimento do ponteiro de segundos é visível. Nessa nova situação, portanto,
sou capaz de perceber não apenas o ponteiro (objeto singular), como também tanto seu
movimento (propriedade) quanto o fato que ele está se movendo. Quando em situações como esta
nós somos capazes de perceber um fato mediante a percepção tanto do objeto singular quanto da
propriedade que constituem tal fato, possuímos o que Dretske denomina uma consciência direta
do fato (É importante não confundirmos aqui a consciência direta de um fato com o que muitos
autores denominam consciência imediata de um estado mental no sentido de uma consciência que
independe de observações ou inferências). Em contrapartida, quando percebemos um fato
mediante a percepção de objetos e propriedades que não o constituem, percebemos o fato
indiretamente, o que Dretske (2003, p.3) denomina percepção secundária ou “displaced
perception”. Assim, se percebemos diretamente que o ponteiro de segundos está se movendo,
percebemos apenas indiretamente que o ponteiro de minutos também está se movendo.
No quinto e último caso, não percebemos nem um objeto singular nem suas propriedades
abstratas nem o fato que tal objeto possui tais propriedades. Existem inúmeros objetos
inobserváveis tais como elétrons que possuem propriedades igualmente inobserváveis como
“spin”. me tornei consciente do fato que elétrons possuem spin lendo livros de química. Mas
30
antes dessas leituras, houve um tempo em que eu nem tinha consciência elétron (objeto singular),
nem do spin (propriedade) nem tampouco do fato que ele possuía tal propriedade.
1.4 A distinção entre as formas conceituais e não-conceituais de consciência.
A oposição entre consciência de objeto e consciência de fatos nos remete à oposição entre
formas conceituais e não-conceituais de consciência. De acordo com Bermúdez (1998)
conceituais são aqueles estados mentais conscientes cujo portador possui os conceitos necessários
para especificação canônica do conteúdo representado por tais estados Assim, por exemplo,
quando um animal ou uma criança pequena percebe uma bola azul, ela se encontra em um estado
consciente em sentido fenomenal, mas de natureza não-conceitual uma vez que ela ainda não
possui os conceitos indispensáveis da propriedade “azul” e do objeto “bola” que nós, terceiras
pessoas, utilizamos para especificar canonicamente o conteúdo representado pela sua própria
percepção.
1.5 Conclusão
Do presente capítulo devemos reter algumas noções e distinções que serão cruciais não
apenas para a compreensão dos diferentes sentidos de autoconsciência presentes na literatura,
como também para a compreensão dos argumentos centrais que aqui serão apresentados com o
intuito de minar a suposição usual na psicologia do desenvolvimento que crianças pequenas
seriam autoconscientes em algum sentido primitivo ou rudimentar. A primeira e mais importante
dessas noções é a da consciência em sentido fenomenal: o que é sentir ver vermelho, o que é
sentir ser um morcego e, sobretudo, o que é sentir ser uma criança. Como buscaremos mostrar
nos próximos capítulos, essa é, a rigor, a única forma de consciência onipresente em toda e
qualquer experiência pela simples razão de ser uma propriedade ou qualidade intrínseca ou
inerente à própria experiência.
A segunda noção capital aqui é a da consciência como acesso cognitivo. Como
observamos, Block (1994) distingue inicialmente a consciência em sentido fenomenal da
31
consciência em sentido do acesso cognitivo e racional que exerceria um controle sobre as nossas
crenças e ações racionais. Mas vimos também que, embora os sentidos envolvidos sejam
inegavelmente distintos (no sentido fenomenal, consciência significa fundamentalmente um
sentir, enquanto no sentido do acesso cognitivo, um saber), há boas razões para acreditarmos que
a consciência no sentido do acesso constitua uma condição, senão suficiente, ao menos necessária
para a consciência fenomenal: estados ou representações cujo conteúdo não estaria disponível sob
a forma de inputs em um sistema cognitivo (cujo output seja o exercício de um controle do
comportamento) não parecem se qualificar como experiências conscientes.
Assim, se for correta a suposição de que neonatos manifestam formas primitivas de
autoconsciência, essas deveriam ser concomitantes à consciência fenomenal. Duas indagações se
colocam. A primeira pergunta que devemos nos fazer é se podemos falar de uma consciência de
si sob a forma de uma percepção de si (self-awareness). Essa suposta percepção de si teria, por
um lado, a forma reflexiva da consciência de um objeto e, por outro, uma forma de uma
consciência não-conceitual uma vez que o agente não disporia nem do conceito de Eu nem dos
demais conceitos de propriedades necessários para a especificação canônica do seu conteúdo.
Por último, a noção de consciência não-conceitual e a oposição entre consciência de
entidades (objetos, propriedades ou relações) e a consciência de fatos desempenharão um papel
decisivo na compreensão da (i) estrutura da autoconsciência e da (ii) possibilidade de uma forma
primitiva e não-conceitual de autoconsciência. Como antecipamos na introdução, a tese que
pretendemos defender ao longo desse trabalho é a de que essas duas postulações - bastante
populares entre os psicólogos do desenvolvimento de hoje – são infundadas.
2 AUTOCONSCIÊNCIA: AS TRÊS NOÇÕES FUNDAMENTAIS
Neste capítulo, abordaremos os sentidos básicos do termo autoconsciência na literatura
filosófica e na ciência cognitiva. São eles:
(i) a autoconsciência em sentido introspectivo, também conhecida na literatura
contemporânea como autoconhecimento,
(ii) a auto-referência reflexiva ou cognitiva,
32
(iii) a consciência de si enquanto sujeito que, como veremos, pode ser entendida como
uma forma intransitiva ou adverbial de autoconsciência e a distinção entre consciência de si como
sujeito de propriedades mentais e a consciência de si como sujeito de propriedades físicas.
2.1 A autoconsciência em sentido introspectivo
Primeiramente, considerando a oposição trivial entre criatura consciente e estado
consciente, podemos falar inicialmente de uma autoconsciência da criatura, ou seja, da
autoconsciência em sentido próprio, e de uma consciência de um estado mental particular no qual
a criatura se encontra. Nesse segundo caso, autoconsciência ou consciência de si nada mais seria
do que se entende na literatura de hoje por consciência introspectiva ou autoconhecimento, ou
seja, a consciência que possuímos dos nossos estados mentais particulares.
É neste sentido que Leibniz (1996) define a apercepção como a consciência ou o
conhecimento dos próprios estados internos. No exato momento em que escrevo, tenho, por
exemplo, consciência de que penso na definição proposta por Leibniz. Mas o primeiro a definir a
consciência introspectiva foi seguramente Locke:
Apenas a Reflexão pode nos dar idéia do que é a percepção. Cada um saberá melhor o
que é s percepção refletindo acerca do que ele mesmo faz, quando vê, ouve, sente etc.,
ou pensa, do que qualquer explicação de minha parte. (LOCKE, 1979, p.79).
Entretanto, para além dessa consciência dos nossos estados particulares, também
possuímos consciência de nós mesmos como sujeitos desses estados mentais. Essa segunda forma
de consciência, Kant (1902) denomina de “apercepção pura ou transcendental”, em oposição à
mera introspecção, por ele designada de “apercepção ou consciência empírica”. Assim, devemos
distinguir a consciência que possuímos dos nossos próprios estados (introspecção) da
autoconsciência em sentido próprio que possuímos de nós mesmos como sujeitos ou portadores
de tais estados.
Dois exemplos nos permitem ilustrar perfeitamente bem a distinção fundamental entre a
consciência introspectiva que se tem dos próprios estados mentais particulares da simples
consciência fenomenal inerente à própria experiência. Suponhamos que um filósofo caminha pela
rua em direção a sua casa. Durante o percurso, entretido em seus pensamentos, ele se mantém na
direção correta. Contudo, ao chegar em casa se conta que havia realizado sua caminhada sem
33
ter de fato consciência de suas percepções do caminho. Com efeito, não parece razoável
supormos que o filósofo distraído não tenha tomado consciência do seu percurso, afinal, ele
chega ao seu destino tal como tinha planejado. Ninguém pode supor, portanto, que o indivíduo
não tenha percebido de algum modo o percurso que realizava. Sendo assim, ele, como criatura,
está consciente ou desperto (não é um sonâmbulo). Ademais, suas percepções são estados
mentais fenomenalmente conscientes. E tais percepções são estados conscientes em sentido
fenomenal ou porque (segundo as teorias de ordem superior da consciência) são objetos da
representação de um estado de ordem superior do filósofo ou porque tornam o filósofo consciente
transitivamente do trajeto que elas representam (teorias da mesma ordem). Quando dizemos,
portanto, que o indivíduo caminhava distraído, sem consciência, o que temos em mente é a forma
introspectiva de consciência ou autoconhecimento. Absorto pelos seus pensamentos, ele não teria
consciência introspectiva das suas percepções do trajeto.
Tomemos agora como exemplo uma situação corriqueira que ocorre com todas as
crianças e mesmo com adultos. Felipe, um adolescente, toma um ônibus no seu longo trajeto de
volta da escola em Botafogo para sua casa em São Conrado. Logo ao sentar em um assento
disponível, vem-lhe um impulso irresistível por urinar. Esse impulso o faz entreter imediatamente
o seguinte pensamento reflexivo:
(3) Penso que estou precisando urinar.
Como todo mundo que se viu um dia nessa situação, ele logo se apercebe que quanto
mais ele entretém o pensamento (3), mais a vontade aumenta e com ela o impulso de urinar e o
risco de que saia do seu controle. Então ele deliberadamente toma um livro da sua pasta e se põe
a pensar em outras coisas. Quase uma hora se passa e Felipe finalmente chega a casa, mas logo
ao chegar ele sai em disparada para o banheiro mais próximo para evitar urinar nas próprias
calças.
Nos momentos de distração, nos quais estava entretido com a sua leitura, parece razoável
supormos, que o impulso de Felipe por urinar se tornou de algum modo inconsciente. Ora, mas
como a sensação de desconforto permaneceu durante todo o período do seu trajeto da escola de
volta para a casa, não podemos deixar de reconhecer que Felipe ainda se encontrava em um
estado mental consciente. A solução para esse aparente paradoxo consiste em supor que, quando
distraído pela leitura, Felipe não estava introspectivamente consciente do seu impulso por urinar,
ou seja, não estava entretendo o pensamento reflexivo (3) ou percebendo (internamente) que ele
34
estava com o impulso por urinar. Mas como o desconforto permaneceu durante todo o período,
não podemos deixar de reconhecer que ele se encontrava em um estado mental consciente na sua
acepção mais básica e fundamental: no sentido fenomenal.
Se essa descrição estiver fenomenologicamente correta, então, contrariamente às teorias
de ordem superior (HO), um estado mental não se torna consciente em sentido fenomenal em
razão do fato de ser tomado por um pensamento ou experiência de ordem superior. Em sentido
fenomenal, estados mentais, como o impulso por urinar, são inerentemente conscientes, ou seja,
seu ser consiste justamente em ser sentido. Não existe, portanto, um estado mental inconsciente
em sentido fenomenal da palavra consciente. Se o estado mental no qual Felipe se encontra ao
sentir um impulso por urinar é consciente no sentido fenomenal em que uma sensação típica
do que é sentir um impulso por urinar, então o fato de tal estado ser tomado como um objeto por
um pensamento como (3) ou por uma experiência de ordem superior é absolutamente irrelevante
para a consciência fenomenal que lhe é inerente.
Assim, faz sentido falarmos de inconsciente no sentido introspectivo do termo. O
motorista distraído está inconsciente das suas percepções da estrada no sentido introspectivo em
que não está pensando que ele próprio está percebendo a estrada. Felipe está momentaneamente
inconsciente do seu impulso por urinar no sentido introspectivo em que ele não está entretendo o
pensamento reflexivo (3). É importante salientar que é nesse sentido introspectivo da palavra
consciência que Freud postula a sua célebre hipótese do inconsciente como uma instância do
psiquismo da sua segunda tópica quando afirma, de forma lapidar:
Aprendemos da psicanálise, que a essência do processo de recalque <Verdrängung> não
consiste na supressão <Aufhebung> de uma representação <Vorstellung> representadora
<repränsentierende> do impulso <den Trieb>, mas em impedi-la de se tornar consciente.
(FREUD, 1992, p. 119).
Em outras palavras, ao focar seu pensamento na leitura, para se distrair do impulso
irresistível por urinar, Felipe simplesmente não suprimiu (aufgehoben) tal impulso nem tampouco
a consciência fenomenal que lhe é característica. Ele continua a existir durante todo o penoso
período em que Felipe estava preso ao ônibus entretido com a sua leitura. A rigor, a única coisa
capaz de suprimir tal impulso, juntamente com a consciência fenomenal que lhe é característica, é
sua satisfação, ou seja, o ato de urinar. Ora, mas não sendo objeto do pensamento reflexivo (3)
35
(Vorstellung), ele é impedido de se tornar consciente em sentido introspectivo de “consciência”:
Felipe não pensa que ele está com um impulso por urinar.
É desnecessário acrescentarmos que ninguém precisa endossar aqui a hipótese freudiana
de um inconsciente sistêmico, resultante de um recalque primário (Verdrängung), ou de uma
cisão fundamental no psiquismo (Spaltung), para tornar compreensível o que está se passando
com Felipe ou com o motorista distraído. A noção usual pré-psicanalítica de um inconsciente em
sentido descritivo é mais que suficiente para entendermos as situações ilustradas. Felipe está
momentaneamente inconsciente do seu impulso por urinar não porque tal impulso tenha sido de
algum modo recalcado e seu psiquismo tenha se cindido, mas porque escolheu não entreter o
pensamento reflexivo (3) para melhor controlar seu impulso.
O reconhecimento da existência de estados mentais inconscientes em sentido
introspectivo é tão antigo quanto à própria filosofia. Ele desempenha um papel fundamental na
solução aristotélica para o clássico problema da acrasia ou fraqueza da vontade, a saber, como
alguém poderia agir de forma intencional contra o seu próprio conhecimento, ou seja, a
consciência introspectiva que se tem de se estar contrariando seu próprio juízo acerca da melhor
alternativa de ação disponível. A situação imaginada por Aristóteles é oposta à situação anterior:
enquanto Felipe tem êxito em controlar seu impulso por urinar, ao deixar de pensar
introspectivamente no próprio impulso, no exemplo de Aristóteles, o agente incontinente
sucumbe ao seu impulso porque perde a consciência introspectiva do que está fazendo ao saciar
seu impulso. Assim, o juízo do agente lhe proíbe provar um doce. Entretanto, a presença do doce
produz nele um impulso pelo doce. Nesse momento, embora seu impulso pelo doce seja
consciente em sentido fenomenal (existe algo para o agente que é sentir o impulso pelo doce), ele
se torna momentaneamente inconsciente, i.e., perde a consciência introspectiva de que ele está
diante de algo do qual não pode provar:
Claro está, pois, que dos incontinentes se pode dizer que se encontram num estado
semelhante ao dos homens adormecidos, loucos e embriagados. O fato de usarem uma
linguagem própria do conhecimento <consciência introspectiva> não prova nada [...].
Parece mesmo resultar daí a posição que Sócrates procurou estabelecer; pois não é em
presença daquilo que consideramos conhecimento propriamente dito <consciência em
sentido introspectivo do que se estar a fazer> que surge a afecção da incontinência (nem
é verdade que ele seja “arrastado” pela paixão), mas o que se acha presente é apenas o
conhecimento perceptual <consciência em sentido fenomenal> (ARISTÓTELES, 1987,
VII 1147ª-1147b).
36
Segundo as teorias de ordem superior da consciência (HO), a consciência introspectiva
depende de um pensamento de ordem superior de acordo com Rosenthal (1993) como (3) ou
experiência de ordem superior (i.é, uma percepção interna ou monitoramento interno do próprio
sistema cognitivo) que representa um determinado estado mental, no exemplo anterior, um
impulso por urinar como seu estado mental. Segundo Rosenthal, portanto, enquanto a
consciência em sentido fenomenal exigiria um mero pensamento de ordem superior que
represente um estado de ordem inferior, a consciência introspectiva exigiria um pensamento de
ordem superior, mas que representasse o estado de ordem inferior como um estado do sujeito.
Assim, enquanto a consciência em sentido fenomenal seria impessoal, a consciência em sentido
introspectivo seria sempre a consciência que alguém possui dos seus estados. O caráter
essencialmente pessoal da forma introspectiva de consciência nos permite entender de que modo
ela desempenha um controle de impulsos ou desejos.
Embora a abordagem do pensamento de ordem superior (HOT) da consciência fenomenal
seja absolutamente contra-intuitiva, sua abordagem da consciência introspectiva não apresenta
maiores dificuldades. Em pelo menos três aspectos centrais ela se assemelha à abordagem
intencionalista da mesma ordem (SO) de Dretske (2003) e Tye (2009). Em primeiro lugar, ambas
as abordagens concordam quanto à arquitetura cognitiva da consciência introspectiva: ela se
estrutura sempre na forma de um estado de ordem superior representando outro de ordem
inferior. Ademais, ambas as abordagens também estão de acordo com o fato de que a consciência
introspectiva sempre se caracteriza como uma forma conceitual de consciência na qual o sujeito
dispõe dos conceitos envolvidos na especificação do conteúdo representado. Por último, ambas as
abordagens também reconhecem que a consciência introspectiva tem sempre uma forma pessoal
(e não a forma impessoal da consciência fenomenal).
A diferença crucial entre as abordagens de ordem superior (HO) e as de mesma ordem
(SO) resulta da forma como cada qual concebe os estados mentais de ordem inferior que são
tomados como objetos dos estados de ordem superior. Como para as teorias intencionalistas (ou
também denominadas representacionistas), todos estados mentais são representações, assim, os
estados de ordem inferior também seriam representações (de objetos externos e suas
propriedades), a consciência introspectiva assumiria a forma de uma meta-representação, ou seja,
ela não apenas representaria (por meio de um estado de ordem superior) outra representação (um
estado mental de ordem inferior), mas a representaria como uma representação, ou seja, com
37
base no próprio conceito de representação das propriedades e objetos exteriores. Assim se
entende facilmente de que modo alguém se tornaria introspectivamente consciente de um estado
mental de ordem inferior: por meio de uma percepção secundária “displaced perception” Drestke
(1995) e Tye (1995; 2009). Tomaríamos consciência dos nossos estados mentais de ordem
inferior não através de uma percepção interna ou um monitoramento interno, mas quando
tomássemos ciência dos objetos e propriedades por eles representados.
2.2 A auto-referência reflexiva
Como antecipamos na introdução geral, como um termo de arte “autoconsciência”
significa antes de mais nada a capacidade que possuímos de nos auto-referirmos de uma forma
peculiar, qual seja, sabendo que estamos nos auto-referindo (em oposição a uma forma
contingente de auto-referência na qual o sujeito se auto-refere sem saber que o faz). É esse o
sentido expresso pela caracterização usual da autoconsciência como uma forma refletida de
referência a si ou uma consciência de si enquanto tal. Locke foi seguramente o primeiro filósofo
a por essa caracterização fundamental da autoconsciência em evidência, segundo suas palavras:
Poucos suporiam que possuem uma razão para suspeitar <doubt> se essas percepções,
com as suas consciências, sempre permanecessem presente na mente, por meio das quais
a mesma coisa pensante estaria sempre conscientemente presente, e, como se suporia,
sendo a mesma para ela mesma. (...) Pois, ser a mesma consciência que faz um homem
ser ele próprio para ele próprio <a man be himself to himself>. (...) Pois é pela
consciência que ele tem dos seus pensamentos e ações presentes que ele é um Eu para si
mesmo agora <self to itself> (LOCKE, 1979, livro II, capítulo XXVII, p. 12).
O exemplo de Mach (mencionado na introdução geral) tomando um ônibus de volta para
casa ilustra a diferença entre pensar em si de forma contingente e pensar em si enquanto tal. Mas
me permitam tomar aqui o mais clássico dos exemplos, o da tragédia grega de Édipo rei.
Suponhamos que ao investigar o assassinato de Laio na condição de rei de Tebas, Édipo seja
levado a conjecturar o seguinte:
(4) O assassino de Laio sente-se culpado.
Quando uma terceira pessoa pensasse:
(5) Édipo sente-se culpado,
38
Também estaria se referindo à mesma pessoa. Não obstante, como, segundo a tragédia,
Édipo desconhece que seu nome próprio “Édipo” e a descrição definida “o assassino de Laio” se
referem a uma mesma pessoa, ou seja, a ele próprio, Édipo poderia de forma inteiramente
consistente afirmar (4) e negar (5). Mas suponhamos agora que, sofrendo de amnésia, Édipo
tenha se esquecido do seu próprio nome “Édipo”. Quando informado pelo oráculo sobre a
identidade:
(6) Édipo é o assassino de Laio.
Agora, ele também poderia afirmar (5) e negar de forma consistente:
(7) Sinto-me culpado.
Édipo tomaria consciência de que ele está se referindo a ele próprio ao proferir ou
pensar (4) quando ele tomasse consciência da seguinte identidade:
(8) Eu sou o assassino de Laio.
Enquanto ao proferir ou pensar (4) ou (5), Édipo se refere a si mesmo de forma
contingente, ou seja, sem saber está se auto-referindo, ao proferir ou pensar (7) e (8), Édipo se
refere a si mesmo sabendo que o está fazendo, ou seja, nas palavras de Locke ele é ele próprio
para ele próprio. Essa forma de auto-referência cognitiva também está presente na consciência
introspectiva dos nossos próprios estados e é ela que distingue a introspecção da simples
consciência fenomenal. Uma coisa é, por exemplo, o sentimento de culpa em sentido fenomenal,
ou seja, a sensação de sentir-se culpado, coisa inteiramente diversa é quando Édipo pensa (7), ou
seja, pensa que ele próprio está se sentindo culpado. Como salientamos pouco, enquanto a
consciência fenomenal é impessoal (não envolve nenhuma referência ao próprio sujeito da
experiência), a consciência introspectiva sempre envolve uma referência consciente ao sujeito da
própria experiência representando como tal.
2.3 A consciência de si como sujeito
É importante que a oposição crucial entre referir-se a si mesmo enquanto tal e referir-se a
si mesmo de forma contingente não seja confundida com a distinção introduzida por Kant entre a
autoconsciência enquanto sujeito e a autoconsciência enquanto objeto. Segundo o filósofo
alemão:
39
Assim a consciência de si mesmo pode ser classificada em consciência da Reflexão
(apperceptio) e a consciência da Apreensão. A primeira é a consciência do entendimento
enquanto a segunda do sentido interno. (...) Aqui o Eu nos aparece então em um sentido
duplo: i) o Eu, como Sujeito de pensar <als Subjekt des Denkens> (na lógica), que
significa a Apercepção pura (o mero Eu reflexionante <das bloss reflektierende Ich>) do
qual nada a mais pode ser dito senão que é uma representação simples. (2) O Eu como
Objeto da percepção, consequentemente do sentido interno, o qual contém uma
multiplicidade de determinações que torna possível uma experiência interna (KANT,
1902, Anthr. § 4, 2 Anm, IV 22).
Assim, enquanto na apercepção pura ou transcendental estou consciente de mim como
Sujeito do pensar, o Eu reflexionante, na apercepção empírica tomo consciência de mim mesmo
como um objeto do próprio sentido interno mediante percepção, o Eu apreendido. Crucial para
Kant é a seguinte: como sujeito eu jamais seria um objeto para as minhas próprias intuições
sensíveis ou percepções.
Em razão de empregar a mesma terminologia, a oposição kantiana em questão é
frequentemente confundida com a oposição traçada pelo Segundo Wittgenstein entre um emprego
do pronome “eu” como sujeito e um emprego do mesmo pronome como objeto. Não obstante, há
uma razão elementar que nos permite descartar conclusivamente qualquer identificação entre
ambas as distinções. Enquanto para Kant (1902) a consciência de si como Sujeito nada mais seria
do que forma gica do juízo em geral, o emprego do pronome “eu” como sujeito na obra do
segundo Wittgenstein é uma propriedade semântica específica das predicações psicológica de si
em primeira pessoa. Analisaremos essa distinção observada por Wittgenstein de forma
pormenorizada no próximo capítulo.
Ora, quando temos em vista a sua intangibilidade, o que na filosofia contemporânea mais
se aproxima do Eu como Sujeito kantiano é o sujeito metafísico ou o Eu transcendental do
Tractatus de Wittgenstein:
Onde no mundo se pode encontrar um sujeito metafísico? Você dirá que este é
exatamente como o caso do olho e do campo visual. Porém, na realidade, você não vê o
olho. E nada no campo visual lhe permite inferir que ele está sendo visto por um olho.
(WITTGENSTEIN, 1921/1961, p.57).
Assim quando Wittgenstein afirma que o sujeito metafísico seria uma ótica sobre o
mundo e, como tal, não seria representado como integrante do próprio mundo, sendo antes seu
limite, ele está retomando a idéia kantiana de que como Sujeito não sou um objeto da minha
própria representação via Schopenhauer:
40
Todavia, o eu ou ego é o ponto negro na consciência, assim como, na retina, o ponto
preciso de entrada do nervo ótico é cego, e o próprio cérebro é completamente
insensível, o corpo do sol é escuro, e o olho vê tudo exceto a si próprio. A nossa
faculdade de conhecimento está direcionada para o exterior, de acordo com o fato dela
ser produto de uma função cerebral que surgiu com o propósito de mera automanutenção
e, portanto, para a procura de alimento e captura da presa. (SCHOPENHAUER,
1844/1966, 2: 491).
Há, no entanto, pelo menos duas diferenças cruciais entre o Eu transcendental de
Wittgenstein e o Eu como sujeito de Kant que merecem destaque. Em primeiro lugar, enquanto o
Eu metafísico é entendido por Wittgenstein como sujeito de toda e qualquer representação
(sempre entendida em termos proposicionais), o Eu como Sujeito é concebido por Kant como
sujeito apenas das representações do entendimento. Isso porque enquanto o sujeito metafísico
estaria na base de toda e qualquer representação, uma vez que teria por função projetar o signo
proposicional sobre os fatos do mundo, o Eu como sujeito teria por função refletir sobre os
conteúdos das representações sub-pessoais pré-existentes das intuições sensíveis de modo a
torná-las cognitivamente acessíveis ao sujeito. Mas ainda mais importante: a metáfora de
Wittgenstein de uma ótica ou ponto de vista é incapaz de retratar o cerne da noção kantiana:
como sujeito, eu estou autoconsciente em todos os meus pensamentos como agente espontâneo
de todas as minhas atividades e afazeres cognitivos.
Sob esse prisma, podemos dar razão a Longuenesse (2007) quanto a sua sugestão que o
natural sucedâneo contemporâneo do Eu como sujeito em Kant seria o Eu freudiano. Segundo
Freud:
Quando pensamos na organização coerente dos processos anímicos <der seelischen
Vorgänge> em uma pessoa, chamamos a isso o seu Eu <Ich>. A esse Eu se acha ligada a
consciência, ele domina os processos para a mobilidade, quer dizer, à descarga de
excitações no mundo exterior. Ele é a instância anímica que exerce controle sobre todos
os processos parciais e que vai dormir à noite embora ainda exerça censura sobre os
sonhos (FREUD, Das Ich und das ES, 1992, p. p. 257-258, grifos meus).
Nesse momento, o leitor deve estar se perguntando em que sentido um ponto de vista
poderia ser consciente de si sem tomar a si mesmo sem se tomar como objeto da sua
representação. Para satisfazer o leitor analítico mais exigente, Kriegel apresentou recentemente
uma interpretação linguística:
41
A distinção entre consciência de si enquanto sujeito e a consciência de si enquanto
objeto pode ser expressa por meio de recursos analíticos, através do que denominei
autoconsciência transitiva e autoconsciência intransitiva (Kriegel, 2003, 2004a).
Compare “Eu estou autoconsciente de pensar que p” com “Eu estou pensando de forma
autoconsciente que p”. No primeiro, a forma transitiva, a autoconsciência é interpretada
como uma relação entre mim e meu pensamento. No último, a forma intransitiva, ela é
interpretada como uma modificação do meu modo de pensar. (KRIEGEL, 2007, p.3).
De acordo então com a sugestão de Kriegel (2007) a oposição kantiana entre o Eu como
sujeito do pensar e o Eu como objeto do sentido interno poderia ser retraçada linguisticamente
nos termos da oposição entre uma forma intransitiva ou adverbial de consciência do conteúdo
dos seus pensamentos da forma:
(9) Penso de forma autoconsciente que o absinto seja amargo (exemplo kantiano).
E uma forma transitiva de autoconsciência que o sujeito tem dos próprios pensamentos
atribuídos em primeira pessoa:
(10) Penso o pensamento que o absinto seja amargo.
Para compreendermos o que Kant tinha em mente com a noção de um Eu como sujeito é
absolutamente crucial termos em mente que (9) e (10) possuem conteúdos bem distintos.
Enquanto o que está sendo dito ou representado por (9) é que o absinto seja amargo, o que está
sendo dito ou representado por (10) é que eu estou pensando que o absinto seja amargo. Em
outras palavras, enquanto em (9) o sujeito não aparece articulado no conteúdo proposicional
asserido, em (10) ele é parte integrante. Assim, quando Kant caracteriza a autoconsciência como
a forma lógica do juízo em geral ou como o veículo das categorias e conceitos em geral, o que ele
teria em mente seria justamente a forma intransitiva ou adverbial expressa por (9) e não a forma
transitiva (10) na qual um pensamento é auto-atribuído.
Não obstante, embora bastante elucidativa, há ainda uma distinção relevante entre o
sentido intransitivo ou adverbial da autoconsciência em Kant e o sentido intransitivo e adverbial
da autoconsciência segundo Kriegel. Como veremos nos próximos capítulos, retomando o
modelo cognitivo tradicional de Brentano, segundo o qual em toda representação haveria uma
auto-representação, da própria representação e do seu sujeito, Kriegel sustenta a tese - sem
qualquer plausibilidade - que a autoconsciência seria intransitiva no sentido de estar onipresente
em toda e qualquer experiência de forma periférica, como sua condição de possibilidade. Assim,
a forma intransitiva de autoconsciência se converteria em uma forma transitiva usual toda vez
42
que houvesse uma alteração no foco da atenção nas nossas experiências: dos objetos exteriores
para nós mesmos como sujeitos de tais experiências e representações.
Em Kant, em contrapartida, a autoconsciência no sentido intransitivo ou adverbial não
pode jamais ser entendida como uma condição necessária para intuirmos os objetos das nossas
experiências, ou seja, jamais como uma condição da nossa própria sensibilidade humana. Para
Kant as nossas capacidades de intuir e sentir seriam independentes da capacidade que possuímos
de pensarmos de forma autoconsciente. Em outras palavras, enquanto para Kriegel, a
autoconsciência intransitiva estaria onipresente, ainda que de forma periférica, em toda e
qualquer forma de consciência fenomenal, para Kant ela estaria onipresente <duchgängige>
apenas enquanto pensamos e julgamos. Consequentemente, a autoconsciência em sentido
adverbial ou intransitivo em Kant não pode ser entendida como uma forma periférica de
autoconsciência que logo se converteria em uma forma usual transitiva de autoconsciência tão
logo o sujeito mudasse o foco da sua atenção dos objetos representados por suas experiências
para si mesmo.
Ora, como a autoconsciência em sentido intransitivo ou adverbial não é uma forma
periférica de autoconsciência [que a qualquer momento poderia se converter em uma forma
transitiva usual (10)] como no modelo da auto-representação de Kriegel, a primeira observação a
ser feita é que não há nenhuma diferença entre (9) e:
(11) Penso conscientemente que o absinto seja amargo.
Mas se o estatuto adverbial ou intransitivo nos permite entender claramente em que
sentido o Eu como sujeito seria para Kant onipresente (duchgängige), uma questão crucial ainda
resta a ser respondida. Se quando em (11) penso conscientemente que o absinto seja amargo, a
pergunta que devemos nos fazer é a seguinte: já que não existe para Kant uma forma não
consciente de pensamento, o que seria a negação de (11), ou seja, o que se oporia a uma forma
consciente de pensamento?
Creio que a resposta pode ser facilmente encontrada nas inúmeras caracterizações
kantianas mencionadas por Longuenesse (2006), nas quais o Eu como sujeito é descrito como
agente espontâneo das suas atividades cognitivas. Assim, quando (11) penso conscientemente que
o absinto seja amargo, nada mais faço senão reconhecer (erkennen) ativamente que tudo que cai
sob a esfera do conceito de absinto também cai sobre a esfera do conceito amargo. Em
contrapartida, quando não estou pensando de forma consciente que o absinto seja amargo, o que
43
temos é algo inteiramente diverso: tudo aquilo que cai sob a esfera do conceito de absinto se
associa, passivamente e subjetivamente, na minha mente (Gemüt) àquilo que cai sob a esfera do
conceito de amargo. E isso é o que Kant denomina juízo de percepção (Wahrnehmungsurteil) e
David Hume de Habitus oriundo de uma associação de idéias. Assim, compreender o sentido
intransitivo ou adverbial do Eu como sujeito é compreender a oposição fundamental entre (11) e
(12):
(11) Penso conscientemente que o absinto seja amargo.
(12) Ocorre-me à mente (ou parece-me) que o absinto seja amargo.
Enquanto em (11) sou Sujeito no sentido em que reconheço ativamente que o absinto seja
amargo, em (12) não sou sujeito (nem tampouco objeto do sentido interno), uma vez que a
conexão entre o que está na esfera dos conceitos ocorre à minha mente de forma passiva. Aqui a
associação com Freud é mais uma vez elucidativa. Como observamos na passagem supracitada,
na segunda tópica freudiana, o Eu é caracterizado como princípio ativo e organizador do
psiquismo. Em contrapartida, Freud se vale do neutro “Es” (Id) para caracterizar “aquilo que se
comporta de forma totalmente passiva”. Na linguagem espontânea dos seus pacientes, Freud
ouvia coisas como “aquilo foi mais forte do que eu”. Assim, o contraste que nos permite entender
o Eu como sujeito em Kant pode ser retraçado em termos freudianos entre as seguintes orações
(11) e (13):
(11) Eu penso conscientemente que o absinto é amargo.
(13) Sente-se o absinto amargo.
A oposição entre (11) e (13) também nos permite concluir a elucidação preliminar que
apresentamos para a noção contemporânea de inconsciente. Como observamos, inconscientes
tanto na acepção descritiva quanto na acepção freudiana do termo o, antes de mais nada,
estados mentais atitudes proposicionais, como pensamentos, desejos e crenças, e experiências
dos quais o portador não possui uma forma introspectiva de consciência. O indivíduo realiza uma
experiência ou entretém um pensamento e por essa razão está consciente em sentido fenomenal
algo para ele que é realizar tal experiência. Entretanto, por uma razão ou por outra, ele não
pensa em tal experiência ou atitude como suas experiências e atitudes. Ora, a articulação que nos
faltava é a seguinte. Sem se auto-atribuir a experiência ou a atitude, essas assumem a forma
passiva imaginada por Kant ou a forma impessoal sugerida por Freud (13). Em termos kantianos,
44
o portador dessa experiência não é Sujeito no sentido de ser um agente espontâneo das suas
atividades cognitivas.
Essa distinção tradicional kantiana entre o Eu enquanto sujeito e o eu enquanto objeto nos
remete à distinção contemporânea entre a autoconsciência como autor e a autoconsciência como
mero portador de estados mentais. Essa distinção é introduzida na psiquiatria para tornar
compreensível o comportamento do esquizofrênico. Esses indivíduos relatam inúmeros estados
mentais nos quais eles se encontram, mas sem reconhecerem como seus autores. Pensamentos,
percepções e condutas são estranhas e alheias ao seu portador. À luz da distinção filosófica
original, diríamos então que o portador de tais estados não se reconhece como autor dos mesmos
na medida em que não se reconhece como sujeito dos pensamentos que lhe vêem à mente. Nestes
casos patológicos, embora o sujeito possua evidentemente pensamentos autoconscientes na forma
intransitiva e adverbial, ele não seria absolutamente capaz de se auto-atribuir tais pensamentos,
pensando-os como seus.
2.4 Conclusão
Três são as noções cruciais de autoconsciência que devemos reter desse capítulo, uma vez
que desempenharam um papel decisivo nos capítulos seguintes. Em primeiro lugar, a
introspecção ou a consciência que se tem de estados particulares como seus. Como observamos,
ela se distingue da consciência fenomenal em pelo menos quatro aspectos fundamentais: (i) ela é
sempre pessoal (enquanto a consciência fenomenal não exige nenhuma forma de auto-atribuição),
(ii) ela se estrutura sempre sob a forma de uma meta-representação, (iii) ele não possui a
ubiquidade da consciência fenomenal, inerente a todas as experiências que realizamos.
Consequentemente, (iv) ela é a forma de consciência que, quando ausente, nos permite
caracterizar estados mentais como inconsciente tanto em sentido descritivo quanto em sentido
tópico.
A segunda noção de autoconsciência é seguramente a mais importante, estando no centro
de todas as discussões teóricas sobre o tema: a auto-referência reflexiva ou cognitiva. Como
observamos, essa distinção crucial é expressa pelo contraste entre (7) e (4) do nosso esquema
geral. Quando Édipo pensa:
(7) Sinto-me culpado pelo assassinato de Laio.
45
Ele se auto-refere de forma reflexiva. Em contrapartida, quando ele pensa:
(4) O assassino de Laio sente-se culpado.
Ele se auto-refere de forma contingente, ou seja, sem saber que o faz. Assim, enquanto
estados mentais conscientes (em sentido introspectivo) se opõem a estados mentais inconscientes
(em sentido introspectivo), a referência reflexiva a si mesmo se opõe a formas não-conscientes de
referência a si mesmo. O que sentido à clássica tragédia de Édipo rei não é a existência de
estados mentais inconscientes em sentido introspectivo (por exemplo, um desejo sexual de Édipo
por Jocasta, ou um desejo de Édipo de assassinar Laio), mas o fato que Édipo que, em princípio
tudo sabia (teria sido tal saber que o teria tornado Rei de Tebas), desconhecia sua própria
identidade, ou seja, se auto-referia ao pensar (1) sem saber que o fazia.
A terceira noção de autoconsciência também tem importância capital não apenas pelo que
ela representa, mas também porque é frequentemente confundida com as duas anteriores e, como
veremos nos próximos capítulos, com o conceito fenomenológico de uma forma pré-reflexiva de
autoconsciência. Assim a consciência que tenho de mim como Sujeito não se opõe nem a
existência de estados mentais inconscientes (em sentido introspectivo) nem a formas
inconscientes de auto-referência, mas antes a existência de estados e processos mentais que
ocorrem à minha mente de forma passiva, como o contraste entre (11) e (13) bem ilustra. Assim,
como Sujeito, eu estou autoconsciente em todos os meus pensamentos no sentido em que sou o
agente espontâneo de todas as minhas atividades cognitivas.
No próximo capítulo examinaremos a estruturação semântico-proposicional da
autoconsciência nos termos das proposições sobre si em primeira pessoa, conhecidas na literatura
como “I-thoughts”.
3 A ESTRUTURA SEMÂNTICA BÁSICA
Neste capítulo, apresentaremos a estrutura semântica fundamental da autoconsciência.
Como veremos a seguir, a autoconsciência se estrutura sob a forma de uma predicação de si em
primeira pessoa que se convencionou chamar pensamento-eu (I-though) com duas propriedades
semânticas fundamentais: (i) a ausência de identificação e a imunidade ao erro por identificação
46
relativa ao emprego do pronome da primeira pessoa e (ii) a irredutibilidade das chamadas
atribuições de se.
3.1 A auto-referência sem identificação.
A autoconsciência se manifesta linguisticamente sob a forma de uma estrutura
proposicional conhecida como um pensamento sobre si em primeira pessoa (I-thought). No
discurso direto, ela se exprime sob a forma de uma oração predicativa singular, constituída pelo
termo singular “Eu” fazendo referência ao próprio sujeito e um termo geral representando uma
propriedade ou estado mental do sujeito na forma do enunciado em primeira pessoa. No discurso
indireto, em contrapartida, ela se exprime sob a forma de uma oração complexa, composta por
uma oração principal atribuindo uma atitude proposicional a uma terceira pessoa e uma oração
subordinada predicativa singular, constituída pelo pronome pessoal reflexivo indireto (“ele
próprio*”) como termo singular fazendo ao sujeito e um termo geral exprimindo mais uma vez a
uma propriedade ou estado mental do sujeito:
(14) Édipo acredita que ele* se sente culpado.
Wittgenstein foi certamente o primeiro filósofo a tomar ciência da estrutura semântica
peculiar da autoconsciência ao opor duas formas (gramaticalmente idênticas) de oração contendo
pronomes da primeira pessoa, a saber (15) e (16):
(15) Sinto dor,
(16) Tenho o braço quebrado.
Segundo o filósofo austríaco:
Existem dois casos diferentes no uso da palavra “eu” (ou “meu”) a que poderia chamar
“o uso como objeto” e “o uso como sujeito. São exemplos do primeiro tipo de uso: “o
meu braço está quebrado”, “Eu cresci doze centímetros”, “Eu tenho um inchaço na
testa”, “o vento despenteou o meu cabelo”. São exemplos do segundo tipo de uso: “Eu
vejo isto e isto”, “Eu ouço isto e isto”, “Eu tento levantar o meu braço”, “Eu penso que
vai chover”, “Eu tenho dor de dentes”. Pode indicar-se a diferença entre as duas
categorias dizendo: os casos da primeira categoria envolvem o reconhecimento de uma
pessoa particular, e existe nesses casos a possibilidade de um erro, ou melhor dizendo,
providenciou-se a possibilidade de um erro. (WITTGENSTEIN, 1958, p. 116).
Enquanto em (15) o pronome pessoal da primeira pessoa (ou a flexão temporal em
primeira pessoa do verbo no Português) é empregado como sujeito, em (16) o mesmo pronome é
47
empregado como objeto. O que caracterizaria o emprego do pronome de primeira pessoa como
sujeito seria a impossibilidade de um erro peculiar. Enquanto o emprego de tal pronome como
objeto envolve o reconhecimento de uma pessoa dentre outras e está, por essa razão, sujeito a um
erro de identificação, o emprego do pronome de primeira pessoa como sujeito não estaria sujeito
ao mesmo tipo de erro uma vez que não faria referência a nada. A razão aludida por Wittgenstein
para o fato que proferimentos ou pensamentos da forma (15) seriam imunes a um erro por
identificação encontra-se na sequência da mesma passagem: Dizer “tenho dores”, bem como
gemer, não constituem afirmações sobre uma pessoa particular de acordo com Wittgenstein,
(1958).
Shoemaker (1968) acolhe a distinção proposta por Wittgenstein, mas sustenta contra este
que em seu emprego como sujeito o pronome de primeira pessoal é referencial, embora de uma
forma diferente do seu emprego como objeto. Se nós podemos inferir que alguém tem dor do
proferimento (15), ou ainda que duas pessoas têm dor quando duas pessoas proferem (15) e da
suposição de que Carla tem dor, se Carla é a pessoa proferindo (15), então o pronome da primeira
pessoa possui inegavelmente a função de termo singular em (15), e a oração (15) como um todo
exprime uma proposição predicativa singular, não sendo uma mera expressão (Äusserung)
articulada da sensação de dor, como supunha Wittgenstein.
Shoemaker busca tornar compreensível a distinção proposta por Wittgenstein, analisando
as orações em primeira pessoa nos seus dois componentes básicos: a referência, realizada pelo
termo singular “eu”, e a predicação, realizada por um termo geral. No primeiro tipo de conteúdo
(o Eu como objeto) (16), estaríamos realizando duas semânticas triviais de forma complementar:
estaríamos, por um lado, identificando ou destacando a nossa pessoa como um indivíduo dentre
outros por meio do pronome da primeira pessoa e, por outro, estaríamos nos atribuindo de forma
predicativa a propriedade corporal de ter o braço quebrado. Sendo assim, como analisaremos
pormenorizadamente no próximo capítulo, estaríamos sujeitos a dois tipos de erro: um relativo ao
componente predicativo e o outro relativo ao componente da identificação. No segundo tipo de
conteúdo (o Eu como sujeito) (15), também estaríamos realizando duas operações semânticas
triviais complementares. Também estaríamos nos auto-referindo por meio do emprego do
pronome da primeira pessoa, como também estaríamos predicando de s mesmos uma
propriedade, desta feita a propriedade psicológica de sentir dor. Entretanto, enquanto proferindo
ou pensando (16) [o Eu como objeto] a referência a nós mesmos por meio do pronome da
48
primeira pessoa repousa em alguma identificação de nós mesmos por meio de alguma
propriedade relacional ou não relacional, ao proferir ou pensar (15) [o Eu como sujeito]
estaríamos fazendo referência a s mesmos por meio do mesmo pronome da primeira pessoa
sem a necessidade de nos identificarmos como um dentre outros indivíduos por meio de alguma
propriedade relacional ou não-relacional.
Shoemaker justifica a sua concepção da peculiaridade semântica do emprego do pronome
da primeira pessoa como sujeito recorrendo à necessidade de determos de um regresso infinito na
série de identificações:
Está claro, para começar, que nem toda auto-atribuição poderia estar fundada em uma
identificação de um objeto apresentado como si mesmo. Identificar alguma coisa como
si mesmo envolveria ou (a) descobrir alguma coisa verdadeira de algo que se saberia
verdadeira de si independentemente, i.e., alguma coisa que identifica algo como si
mesmo, ou (b) descobrir que algo se encontra em uma relação consigo (estar no mesmo
lugar que) na qual apenas o próprio sujeito poderia satisfazer. Em ambos os casos, uma
forma de autoconhecimento estaria envolvida: o conhecimento que se tem de se possuir
uma certa característica identificadora, ou o conhecimento que se está em uma certa
relação como o objeto apresentado a qual ela própria não poderia estar fundada na
identificação em questão. Esse autoconhecimento poderia em alguns casos estar fundado
em alguma outra identificação, mas a suposição que todo item de autoconhecimento
dependeria de uma identificação conduz a um regresso infinito vicioso (SHOEMAKER,
1968, p.561).
Suponhamos que toda auto-referência exija uma auto-identificação. Como observamos no
exemplo de Édipo, esse só consegue se atribuir culpa ao pensar:
(7) Sinto-me culpado pelo meu feito,
Após ter identificado a si mesmo por meio da propriedade de ser o assassino de Laio em
(8):
(8) Sou o assassino de Laio.
Entretanto, o mesmo raciocínio se aplicaria ao pensamento (8). Para que eu viesse a saber
que eu sou o assassino de Laio, eu teria que identificar a mim mesmo por meio de outra
propriedade qualquer, como por exemplo:
(17) Eu sou aquele que duelou com Laio.
E o mesmo problema se recoloca para (17). Para que eu viesse a saber que eu sou o
indivíduo que duelou com Laio, eu teria que me identificar mais uma vez por meio de uma nova
propriedade relacional ou não relacional e assim ao infinito. Segundo Shoemaker (1994)
uma forma de determos esse regresso: supormos que em predicações psicológicas sobre si em
primeira pessoa nas quais o “eu” é empregado como sujeito da forma (9), fazemos referência a
49
nós mesmos sem a necessidade de nos identificarmos ou nos destacarmos como um dentre outros
indivíduos do qual a propriedade psicológica em questão é auto-atribuída.
Em muitos aspectos, a tese semântica de Shoemaker parece antecipar a revolução
referencialista na semântica operada por Kripke. Ao conceber uma forma de referência que não
estaria baseada em identificação, Shoemaker estaria antecipando a tese referencialista de que
nomes próprios e nomes gerais de espécie naturais (como água) se referem aos seus respectivos
objetos diretamente, ou seja, independentemente do sentido expresso por uma descrição definida
qualquer. Entretanto, em um aspecto pelo menos ambas as posições diferem. Embora para
Kripke, o sentido das descrições definidas não determina a sua referência, ou seja, expressões
com um mesmo sentido não possuem necessariamente a mesma referência, ainda assim a
referência dos nomes próprios se faria valer de propriedades quais como fixadores de referência.
Entretanto, a referência do pronome “eu” como sujeito segundo Shoemaker seria inteiramente
independente de quaisquer propriedades fixadoras da referência.
Embora a tese semântica de Shoemaker seja amplamente aceita, ela está sujeita a uma
objeção fundamental. Como Evans (1982) corretamente assinala, a auto-referência sem
identificação não parece estar restrita à classe das proposições psicológicas em primeira pessoa
nas quais um predicado mental é auto-atribuído. Suponhamos a seguinte afirmação:
(18) Sinto minhas pernas estão cruzadas.
Em situações normais (quando, por exemplo, não profiro ou penso (18) olhando para um
espelho), não faz sentido supormos que eu estaria me identificando ou me destacando como um
dentre outros indivíduos ao proferir ou pensar (18). Em outras palavras, não faz sentido supormos
que eu poderia pensar (18) se estivesse identificado as pernas cruzadas em questão como as
minhas. Mas se é assim, a ausência de identificação na predicação de si não pode ser explicada
pela auto-atribuição de um predicado mental, na forma como supunha Shoemaker. Em outras
palavras, o fato de eu estar me atribuindo um predicado mental, como em (15), ou um predicado
corporal, como em (18), é absolutamente irrelevante para a compreensão do fenômeno da auto-
referência sem identificação.
A tese central de Evans é a de que a auto-referência sem identificação não seria uma
propriedade de proposições simpliciter, mas antes de juízos ou crenças sobre proposições a partir
dos seus modos de justificação. No proferimento ou pensamento (15) não há identificação
simplesmente porque ele se baseia nas sensações de dor do próprio sujeito. Da mesma forma, o
50
proferimento ou pensamento (18) também é imune ao erro por identificação porque também se
baseia exclusivamente nas sensações corporais do próprio sujeito. Em ambos os casos, a
informação de que uma determinada propriedade está sendo instanciada é normalmente
acompanhada pela informação adicional de que sou eu quem a estou instanciando. Assim, a
peculiaridade semântica das predicações sobre si em primeira pessoa (I-thought) se não explica
pela oposição entre predicados corporais e predicados psicológicos, ou entre o que se
convencionou chamar um eu mental e um eu corporal. Fundamental é forma pela qual o sujeito
toma consciência que ele próprio está instanciando uma determinada propriedade, seja ela
corporal ou psicológica.
3.2 A irredutibilidade das atribuições de se
Uma segunda característica semântica fundamental das estruturas oracionais (7) e (14)
reside no fato que tanto o pronome da primeira pessoa em (7) quanto o pronome reflexivo
indireto em (14) serem absolutamente essenciais no sentido de jamais poderem ser substituídos
por nomes próprios ou por descrições definidas de acordo com Perry (1979). Além da situação
embaraçosa vivida por March em Viena e a célebre tragédia de Édipo, Perry nos fornece mais um
exemplo que seria uma situação corriqueira vivida por ele próprio. Perry se encontra em um
supermercado e ali observa uma trilha de açúcar produzida por algum comprador com um saco
furado quando lhe ocorre o seguinte pensamento:
(19) O comprador com o saco furado está fazendo uma sujeira.
Ao rastrear a trilha, ele descobre que ele próprio era o tal comprador fazendo sujeira. Ao
cair em si, lhe ocorre o pensamento:
(20) Eu estou fazendo uma lambança (I am making a mess).
Ainda que o termo singular da primeira oração e o dêitico “eu” se refiram à mesma pessoa
de Perry, essa segunda oração possui papeis funcionais inteiramente diversos da primeira. Dizer
assim eu estou fazendo uma sujeira” não é equivalente a dizer o comprador com o saco furado
está fazendo uma sujeira” nem a dizer “Perry está fazendo uma sujeira”. O dêitico (indexical)
“eu” é essencial no sentido em que não se deixa substituir por uma descrição definida ou pelo
nome próprio.
51
Generalizando a tese de Perry, Castañeda (1994) assinala que também o pronome
reflexivo indireto “ele próprio” na oração subordinada da segunda construção oracional seria
“essencial”, ou seja, insubstituível por nomes próprios ou descrições definidas, tanto em
atribuições de dicto quanto em atribuições de re. Dizer, portanto na forma de se:
(21) Perry pensa que ele próprio está fazendo uma sujeira.
Não é o mesmo que dizer em atribuições de dicto da forma:
(22) Perry pensa que o comprador de saco furado está fazendo uma sujeira e
(23) Perry pensa que Perry está fazendo uma sujeira.
Mas tampouco é equivalente a dizer em atribuições de re da forma:
(24) O comprador de saco furado é tido por Perry como alguém que está fazendo
uma sujeira.
Ou, alternativamente:
(25) Perry é tido por Perry como alguém que está fazendo uma sujeira.
O pronome reflexivo indireto não se deixa substituir em nenhum dos casos indicados
simplesmente porque Perry pode não saber que ele próprio é o comprador com o saco furado
(como na estória original), ou pode desconhecer que ele é conhecido como Perry ou, em casos de
amnésia, ter esquecido do seu nome próprio.
3.3 Conclusão
Embora a irredutibilidade das atribuições de se não seja fundamental para a tese que aqui
está sendo desenvolvida (afinal, não se pretende aqui reduzir a autoconsciência a nenhuma outra
estrutura cognitiva que fosse mais elementar), a noção de auto-referência é de importancia crucial
para tudo que veremos e diremos a seguir. Ela nos permitirá não apenas a resolução do clássico
dilema entre o regresso e a circularidade viciosa na estrutura da auto-referência reflexiva, como
também desqualificar a suposição tradicional que a consciência proprioceptiva seria uma
percepção do corpo ou do Eu corporal como imaginam muitos psicólogos e filósofos.
No próximo capítulo examinaremos as características fundamentais da relação cognitiva
que o indivíduo entretém consigo mesmo quando está autoconsciente.
52
4 A ESTRUTURA EPISTEMOLÓGICA
Sabemos que a autoconsciência se exprime sob a forma de uma predicação sobre si em
primeira pessoa (I-thought) na qual o sujeito se auto-atribui tanto propriedades corporais quanto
propriedades psicológicas, sem ter a necessidade de se identificar para isso. Nesse capítulo,
examinaremos os tipos de relação epistemicamente privilegiada que normalmente se atribuem ao
sujeito autoconsciente.
4.1 A imunidade ao erro predicativo na auto-atribuição de predicados mentais.
A partir das Meditações cartesianas, a autoconsciência passou a ser identificada como
uma relação epistemicamente privilegiada que o sujeito entreteria consigo mesmo. Comentando o
cógito, Merleau-Ponty afirma o seguinte:
A percepção me abre a um mundo, ela pode fazê-lo ultrapassando-me [...], ela
pode me fornecer um “real” expondo-se ao risco do erro [...]. E é por isso que a distinção
entre realidade e aparência tem de saída seu lugar na síntese perceptiva. A consciência,
ao contrário, pelo que aparece, retoma seus direitos e a posse plena de si mesma, caso eu
considere a minha consciência como “fatos psíquicos”. Por exemplo, o amor e a vontade
são operações interiores; eles fabricam seus objetos, e se compreende bem que, ao fazê-
lo, eles possam se desviar do real e, neste sentido, nos enganar; mas parece impossível
que eles nos enganem sobre eles próprios: a partir do momento que sinto amor, alegria,
tristeza, é verdade que amo, que estou alegre ou triste, mesmo que o objeto não tiver de
fato – i.e., para outros ou para mim mesmo num outro momento – o valor que lhe dou no
momento. A aparência é realidade em mim, o ser da consciência consiste em aparecer
(MERLEAU-PONTY, 1962, p. 381).
Quando considerados sob a forma de percepções, estados sensoriais me expõem ao risco
do erro, uma vez que me abrem ao mundo ao representá-lo. Entretanto, quando considerados
como “fatos psíquicos”, ou seja, como meros estados da minha própria consciência, parece
impossível que eles possam me enganar. Retornando ao nosso exemplo, embora eu sempre possa
me iludir quanto ao fato que:
(16) Tenho o braço quebrado.
Eu jamais poderia me equivocar quanto ao juízo que:
(15) Sinto dor.
53
A razão normalmente atribuída a Descartes é sempre a mesma: enquanto a minha
percepção (10) de que meu braço está quebrado não é garantia alguma para a sua verdade, basta
que eu sinta dor no braço para que seja verdade (9) que eu tenha efetivamente dor. Se o ser
percebido não se reduz evidentemente ao aparecer sensível para mim, o ser da consciência se
reduziria no aparecer para alguém.
Ora, a mesma razão que torna a auto-atribuição do predicado mental “dor” infalível
também o tornaria incorrigível. Se (9) sinto dor, então eu possuo a melhor das razões disponíveis
para acreditar que é dor o que eu estou sentindo. Ninguém, nem eu mesmo em outro momento da
minha vida, nem mesmo meu terapeuta, seria capaz de me corrigir quanto ao que sinto no
momento em que penso (9). Ora, se adotarmos aqui então a clássica definição tripartite do
conhecimento (deixando de lado todos os problemas que ela possa suscitar), como uma crença
verdadeira justificada, a auto-atribuição de quaisquer predicados mentais sempre exprimiria uma
forma imediata de conhecimento de si mesmo. Assim, basta que eu sinta dor para que eu saiba
diretamente que (9) eu tenho dor:
Poucos filósofos hoje em dia estão dispostos a defender a infalibilidade da auto-atribuição
de predicados mentais. Segundo Merleau-Ponty (1971, p.382) por exemplo, tanto é verdade que
podemos nos equivocar na auto-atribuição de estados mentais que falamos de “amor verdadeiro”
em oposição ao “amor falso”. Não obstante, ao que tudo indica nem mesmo Descartes parecia
endossar a infalibilidade dos juízos de auto-atribuição de estados mentais que usualmente lhe é
atribuída. Na sua Sexta e última Mediação, ele nos diz seguinte:
Encontrei equívocos nos juízos baseados nos sentidos exteriores. E não apenas nos
sentidos exteriores, mas também nos interiores: pois haverá coisa mais íntima ou mais
interior que a dor? E, contudo, ouvira de algumas pessoas, que tinham os braços e as
pernas amputadas, que às vezes ainda lhes parecia sentir dores nos membros que lhes
haviam amputado; isto me dava motivo de pensar que eu também não podia ter certeza
de sentir dor em algum de meus membros apesar de sentir dores nele (DESCARTES,
1990, p.318-9).
Segundo Descartes, como aqueles que ainda sentem dor em um membro amputado, vendo
um braço quebrado ao meu lado, após um acidente automobilístico (exemplo de Wittgenstein), eu
poderia ilusoriamente proferir ou pensar (9). Com base em contra-exemplos, é relativamente fácil
mostrarmos que mesmo a auto-atribuição dos mais simples predicados mentais, como “sentir
dor”, não está imune ao erro predicativo. Um dos contra-exemplos mais ilustrativos vem dos
rituais de iniciação. Tendo seus olhos vendados, é dito a um indivíduo que uma navalha está
54
prestes a cortar um determinado ponto do seu pescoço. Entretanto, no lugar da navalha, um cubo
de gelo é colocado no ponto indicado. Curiosamente, nesse instante, a grande maioria dos
indivíduos testados reporta sentir dor no local indicado, quando na verdade experimentam a
sensação de frio. Assim, mesmo sabendo o que significa “dor”, e sentido efetivamente alguma
coisa, podemos ainda acreditar erroneamente que dor é o que estamos sentindo, mesmo que auto-
atribuição do predicado “dor” independa de uma suposta percepção interna, de uma observação
da própria conduta ou de uma inferência.
Um modo de contornar essa dificuldade seria abrandar a pretensão à infalibilidade.
Suponhamos que alguém, ao invés de afirmar (9),
Afirmasse alternativamente:
(26) Tenho uma sensação desagradável.
Ou de forma ainda mais indeterminada:
(27) Sinto alguma coisa.
Poder-se-ia então alegar que embora o sujeito poderia se equivocar quanto ao fato de ser
dor e não, digamos, uma pressão, que estivesse sentindo, ele jamais poderia se equivocar quanto
ao fato de estar sentido algo ou de encontrar-se em algum estado mental. Talvez essa
infalibilidade predicativa nuançada possa contornar a dificuldade levantada. Entretanto, é
importante salientar que a auto-atribuição de tal predicado só se torna infalível porque não
veicula mais nenhuma informação substantiva sobre a natureza do estado mental no qual o sujeito
se encontra. Afinal, o que significa se afirmar que sei que me encontro em um determinado
estado mental se não sou capaz de saber precisamente de qual estado mental se trata?
4.2 A imunidade ao erro de identificação
Entretanto, se a tese da infalibilidade predicativa não encontra muitos adeptos, o mesmo
não podemos dizer da infalibilidade quanto à identificação. Como observamos, Shoemaker
(1994) busca tornar compreensível a distinção proposta por Wittgenstein entre o Eu como sujeito
e o Eu como objeto, analisando as orações em primeira pessoa nos seus dois componentes
básicos: a referência, realizada pelo termo singular “eu”, e a predicação, realizada por um termo
geral. No primeiro tipo de conteúdo (o eu como objeto), estaríamos sujeitos a dois tipos de erro:
um relativo ao componente predicativo e o outro relativo ao componente da identificação. Ao
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proferir ou pensar (10), eu poderia estar corretamente identificando um objeto (meu braço) que,
no entanto, não estivesse quebrado efetivamente. Mas a segunda modalidade de erro também
parece ser possível. Se estivesse correto ao supor que alguém tem o braço quebrado, eu ainda
poderia acreditar, erroneamente, que é o meu braço que está quebrado quando se trata de um
braço alheio.
Wittgenstein nos convida a imaginar o seguinte cenário:
É possível que, por exemplo, num acidente, sinta uma dor no meu braço, veja ao meu
lado um braço partido e pense que é o meu, quando na realidade é do meu vizinho. Eu
poderia, olhando para um espelho, tomar um inchaço na testa do meu vizinho por um
inchaço na minha testa. (WITTGENSTEIN, 1958, p.116).
no segundo tipo de conteúdo (o eu como sujeito), estamos sujeito ao erro apenas
relativamente ao componente predicativo. Ao pensar ou proferir (9), posso me equivocar quanto
ao fato de ser dor o que estou sentido, mas jamais quanto ao fato de ser eu o indivíduo que está
sentido dor. A impossibilidade de tal erro foi batizada por Shoemaker (1968) como a “imunidade
ao erro por identificação relativo ao emprego do pronome da primeira pessoa do singular”.
A oposição entre uma forma imediata em (9) e uma forma mediata de autoconsciência em
(10) é uma das muitas formas utilizadas para se caracterizar a privilégio epistêmico que
possuiríamos ao empregar o pronome da primeira pessoa como sujeito de acordo com
Tugendhat, (1979). O emprego do eu como objeto em (10) exprimiria uma forma mediata de
autoconsciência no sentido em que tal forma de autoconsciência estaria sempre baseada em
observações e até mesmo em inferências. Assim, tenho que observar meu próprio braço para
tomar consciência que (i) ele está quebrado e, ademais, (ii) que sou eu e não uma terceira pessoa
que tem o braço quebrado. Com efeito, eu poderia ter o braço quebrado sem tomar ciência de tal
fato, ou ainda, uma terceira pessoa, por exemplo, um ortopedista, poderia melhor que eu
reconhecer o fato que eu tenho o braço quebrado. Em contrapartida, ao empregar o pronome da
primeira pessoa como sujeito em (9), eu tomaria consciência de mim mesmo de forma imediata,
ou seja, sem a necessidade de observações ou inferências, baseando-me apenas nas minhas
próprias sensações de dor.
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Shoemaker (1968) concebe duas formas de imunidade ao erro por identificação. A
primeira seria uma imunidade circunstancial manifesta em orações da forma:
(28) Estou diante de uma mesa.
Em situações usuais ao pensar (28) posso me equivocar quanto ao fato de ser uma mesa o
objeto diante do qual eu me encontro, mas não quanto ao fato de ser eu que me encontro diante
de tal objeto. Há circunstâncias, contudo, nas quais ao afirmar (28) eu poderia erroneamente
tomar uma terceira pessoa por mim mesmo (quando, por exemplo, eu fizesse tal afirmação (28)
observando um espelho. De acordo com Shoemaker (1968). Tal imunidade circunstancial ao erro
por identificação seria derivada, entretanto, de uma forma absoluta de imunidade ao erro por
identificação que poderia ser representada nos termos da seguinte oração:
(29) Vejo uma mesa no centro do meu campo visual.
Se circunstâncias nas quais a afirmação (28) pode estar baseada em erro de
identificação, ao afirmar (29) jamais poderia me equivocar quanto ao fato de ser eu quem percebe
a mesa no centro do seu campo visual. Uma vez que a auto-atribuição expressa por (28) deve ser
vista como uma consequência indutiva da auto-atribuição expressa por (29), segundo Shoemaker,
o que confere imunidade circunstancial a (28) é a imunidade absoluta expressa por (29). O
contraste entre (28) e (29) nos permite compreender a origem da imunidade ao erro por
identificação: enquanto em (28) o sujeito se auto-atribui um predicado não-mental (estar diante
de uma mesa), em (29) o sujeito se auto-atribui um predicado mental (perceber uma mesa), nas
palavras de Shoemaker (1968) um predicado que não poderia ser instanciado por mim sem que eu
soubesse que eu estou a instanciando.
Devemos distinguir cuidadosamente duas teses que se confundem no trabalho de
Shoemaker, a saber, a tese (epistemológica) da imunidade ao erro por identificação e a tese
(semântica) da auto-referência sem identificação. O que observamos nos pensamentos (9), (12),
em oposição ao pensamento (10), não é efetivamente uma imunidade ao erro por identificação,
como reivindica Shoemaker, mas antes o fato de que o sujeito esteja se auto-referindo sem a
necessidade de qualquer identificação. Ao pensar (9), (12), o sujeito não tem que se identificar,
ou seja, se destacar <pick out> como aquele indivíduo dentre outros que está sentindo dor,
percebendo a mesa ou com as pernas cruzadas. Nesses pensamentos ou proferimentos, auto-
referência se baseia exclusivamente nas próprias sensações corporais.
57
Mas reconhecer com Shoemaker que a auto-referência nesses casos independa de
identificação não significa reconhecer a suposta imunidade a um erro de referência relativo ao
emprego do pronome da primeira pessoa, conferida a priori a tais predicações pelo emprego de
um predicado mental e pela regra de uso de tal pronome. Sempre podemos imaginar situações
anormais nas quais mesmo sem ter que se identificar o sujeito ainda poderia se equivocar. A esse
respeito, Rosenthal nos convida a imaginar a seguinte situação anormal. Suponhamos que eu
tenha a propensão patológica de estabelecer empatia com o sofrimento alheio e me encontre na
situação na qual tenha a informação de que alguém na minha vizinhança está com dor. Confuso,
passo então a acreditar no que é afirmado em (9) quando a bem da verdade não sou eu, mas uma
terceira pessoa que sente dor.
Retomando o caso anterior, suponhamos que eu tenha tido o braço amputado, mas
permaneça a sentir no braço, tal como imaginava Descartes. Agora, estou em um automóvel
acidentado na situação imaginada por Wittgenstein e vejo um braço quebrado ao meu lado o que
leva a conjeturar que quem o possui deve estar sentido uma dor intensa. Se momentaneamente
me esqueci do trágico fato de ter tido meu braço amputado, posso ser levado a pensar
erroneamente que sou eu e não meu companheiro ao lado é quem estar a sentir dor no braço.
Seguindo Descartes, para Rosenthal (2004) o único erro que não posso cometer é o de
supor que o indivíduo que tomo como estando com dor não é aquele que está entretendo esse
mesmo pensamento sobre si. Isso é o que Rosenthal denomina imunidade fraca (thin immunity)
ao erro por identificação relativa ao pronome da primeira pessoa. Embora possa me equivocar ao
pensar que sou o indivíduo com dor (quando alguém efetivamente sente dor), não posso me
equivocar ao supor que sou o indivíduo que pensa que estar a sentir dor.
Entretanto, mesmo descartando a infalibilidade da auto-atribuição de predicados mentais,
não podemos abolir o que se convencionou denominar “a autoridade epistêmica da primeira
pessoa”: quando alguém se auto-atribui um predicado mental, normalmente o que está sendo dito
é verdadeiro. Segundo Davidson, a autoridade epistêmica da primeira pessoa é resultante de um
dos princípios constitutivos da interpretação e comunicação humana, o princípio da caridade
interpretativa. Imaginemos uma situação bastante comum nos dias de hoje. Digamos que em uma
primeira seção, um paciente comunique o seguinte ao seu novo terapeuta:
(30) Estou profundamente deprimido.
58
Uma vez que o predicado mental “estar deprimido” possui um significado relativamente
complexo, essa auto-atribuição pode ser falsa. O paciente se diz deprimido, mas a bem da
verdade ele pode estar ansioso, por exemplo. É possível até que ele esteja, digamos, ligeiramente
deprimido, mas sua depressão seja secundária, sendo a causa real do seu desconforto a ansiedade.
Como deve proceder o terapeuta? Como ele ainda desconhece por completo o idioleto do
paciente, a única alternativa que lhe resta é tomar seu proferimento at face value, ou seja, supor
que seu conteúdo seja verdadeiro, caso contrário, ele jamais poderia tornar compreensível o que
está sendo dito. após ter devidamente interpretado um número significativo de proferimentos
do paciente em questão é que o terapeuta se sentirá à vontade para corrigir a auto-atribuição de
predicados da forma (9) e (12): “não, meu amigo, você não é um caso típico de depressão. Sua
depressão é apenas secundária”.
A rejeição da infalibilidade na auto-atribuição de predicados mentais também não coloca
em questão com o que se convencionou chamar assimetria epistêmica entre atribuições de tais
predicados em primeira e terceira pessoas de acordo com Tugendhat (1979). Assim, ninguém
possuiria razões para afirmar (nem eu mesma contemplando minha imagem refletida em um
espelho sem o saber):
(31) Carla está com dor.
Sem observar a minha própria conduta verbal, por exemplo, meu proferimento (9), verbal
ou não verbal. Entretanto, quando eu própria profiro ou penso (9) em situações normais não
tenho que observar minha própria conduta, nem indagar uma terceira pessoa que esteja
observando minha conduta, como garantia epistêmica para o que estou proferindo ou pensando.
Mesmo estando sempre sujeita a erros ao proferir ou pensar (9), além a compreensão do
predicado “dor” e da regra trivial do emprego do pronome da primeira pessoa, a única garantia
epistêmica que me é necessária para que eu saiba (9) que tenho dor é a sensação corporal de dor.
4.3 O privilégio epistêmico nas auto-atribuições de pensamentos de primeira ordem.
É importante destacar, no entanto, que a infalibilidade pretendida por Descartes não diz
diretamente respeito à auto-atribuição de predicados mentais. Ao final da sua Segunda Medição,
podemos ler o seguinte (o grifo é meu):
59
Porque, se julgo que a cera é ou existe pelo fato de eu vê-la, sem dúvida resulta
muito mais evidentemente que eu mesmo sou, ou que existo pelo fato de vê-la. Porque
pode ocorrer que aquilo que eu vejo não seja realmente cera; pode também suceder que
eu não possua olhos para ver alguma coisa; mas não pode acontecer, quando vejo ou
(coisa que não distingo mais) quando penso ver, que eu, que penso, não seja alguma
coisa. (DESCARTES, 2000, p.267).
Nestes termos, a infalibilidade seria uma característica epistemológica não da auto-
atribuição de predicados mentais, mas antes a auto-atribuição de pensamentos de primeira ordem
sob a forma de um pensamento reflexivo de segunda ordem. Assim, se penso qualquer
pensamento de primeira ordem da forma:
(32) A cera é ou existe.
Então pelo simples fato de que me auto-atribuir o pensamento de primeira ordem (32) sob
a forma de um pensamento reflexivo de segunda ordem:
(33) Creio que estou pensando que a cera é ou existe.
Seguir-se-ia obviamente:
(34) Sei que sou o sujeito entretendo o pensamento (32), ergo sum.
Mas também:
(35) Sei que o que eu estou pensando é o conteúdo (32), i.e., que a cera existe.
A explicação cartesiana para a infalibilidade dos pensamentos de segunda ordem como
(33) que têm por objeto pensamentos de primeira ordem como (32) recorre à noção tradicional de
intuição intelectual que representa algo de forma clara e distinta. Ao pensar (32), eu naturalmente
poderia me equivocar quanto à verdade do meu pensamento. Não bastassem as usuais ilusões dos
sentidos à quais todos nós estamos sujeitos, segundo o experimento mental cartesiano, ainda não
se excluiu a hipótese de que exista um Deus enganador que manipule inescrupulosamente os
nossos sentidos de tal modo que algo que não é cera me apareça aos sentidos como cera, ou pior
ainda, que o exista cera nem nunca jamais tenha existido cera e nada mais em todo o universo.
Não obstante, por mais imperfeitos que sejam meus sentidos e por mais ardiloso e inescrupuloso
que seja tal gênio maligno, quando me auto-atribuo esse mesmo pensamento sob a forma do
pensamento reflexivo de segunda ordem, não tenho como me iludir ou ser iludida quanto aos
fatos de (34) eu ser o sujeito entretendo tal pensamento reflexivo de segunda ordem e, assim, eu
existir, ademais, de que estou efetivamente pensando que a cera existe. Em outras palavras, ao me
atribuir o pensamento de primeira ordem sob a forma do pensamento reflexivo de segunda
60
ordem, eu vejo de uma forma clara e distinta que sou eu que entretenho o pensamento (32), que
estou pensando na existência de um pedaço de cera.
Na epistemologia contemporânea, Burge nos fornece uma nova explicação para a
infalibilidade de tais pensamentos reflexivos de segunda ordem:
Os casos paradigmáticos de autoconhecimento diferem do conhecimento perceptual em
ambos os aspectos. Em primeiro lugar, no caso dos juízos da forma do cogito, o objeto
ou tema <subject-matter> do pensamento do sujeito <de primeira ordem> não está
relacionado de forma contingente com o pensamento <de segunda ordem> que o sujeito
entretém a seu respeito. Os pensamentos <de segunda ordem> o auto-referenciais e
autoverificados. Um erro baseado numa lacuna <gap> entre o pensamento <de segunda
ordem> do sujeito e o seu tema <pensamento de primeira ordem> não seria possível
nesses casos. Quando eu julgo: Estou pensando que escrever exige concentração, o
conteúdo cognitivo do juízo <de segunda ordem> que estou realizando é
autoreferencialmente fixado pelo próprio juízo <de segunda ordem> e o juízo é
autoverificador (BURGE, 1988, p. 658).
Não seria, portanto, uma intuição de natureza intelectual que tornaria meus pensamentos
reflexivos de segunda ordem infalíveis e incorrigíveis. Segundo Burge (1988), o pensamento
reflexivo de segunda ordem (33) herda, por assim dizer, seu conteúdo do conteúdo de primeira
ordem (32) nele contido ou, dito em outros termos, o conteúdo do pensamento de primeira
ordem, contido no pensamento reflexivo de segunda ordem, fixa o conteúdo deste. Assim,
qualquer coisa que esteja sendo representada ou expressa pelo conteúdo de primeira ordem (32)
também estará sendo representada ou expressa pelo pensamento reflexivo de segunda ordem (33).
Nos termos supracitados de Burge, se há uma lacuna entre a percepção e o objeto percebido ou
entre o pensamento de primeira ordem (32) e o objeto temático (subject-matter) sobre o qual ele
versa, não nenhuma lacuna entre o pensamento de segunda ordem (33) e o pensamento de
primeira ordem (32) sobre o qual (33) versa. Isso permite a Burge concluir o seguinte: o
pensamento reflexivo de segunda ordem (33) se autoverifica pelo simples fato de estar se
referindo ao conteúdo do pensamento de primeira (32) nele (33) contido que nele (33) está sendo
auto-atribuído.
Poder-se-ia alegar que a obra de Freud (1969) sobre o Inconsciente colocou em xeque
todas as possíveis formas de infalibilidade e de acesso epistêmico privilegiado aos nossos
próprios pensamentos de acordo com Kriegel (2007). Por essa razão, é de suma importância não
confundirmos a infalibilidade pretendida por Burge para os pensamentos reflexivos de segunda
ordem com uma séria de outras características epistemológicas aparentadas também usualmente
atribuídas à autoconsciência. A primeira delas seria a tese oposta que, seguindo Kriegel (2007,
61
p.8) poderíamos denominar aqui intimidade consigo mesmo (self-intimaticy). Como observamos,
a infalibilidade pretendida por Burge para os juízos reflexivos de segunda ordem nos assegura
apenas o seguinte: ao me auto-atribuir o pensamento de primeira ordem (32) de que a cera existe
sob a forma do pensamento reflexivo de segunda ordem (33) de que creio estar pensando que a
cera existe, (34) sei imediatamente que sou eu quem está pensando que a cera existe. Segundo a
intimidade consigo mesmo, em contrapartida, bastaria entretermos um pensamento de primeira
ordem qualquer para que entretivéssemos o pensamento reflexivo de segundo ordem que toma o
primeiro como seu objeto temático. Assim, bastaria que eu pensasse (32) que a cera existe para
que eu inevitavelmente viesse a pensar (33) creio que estou pensando que a cera existe. Nestes
termos, a mente seria, por assim dizer, transparente a ela mesma uma vez que não haveria
pensamento de primeira ordem que não se tornasse inevitavelmente consciente sob a forma de
um pensamento reflexivo de segunda ordem que o toma como seu objeto temático.
Ora, mas como pensamentos reflexivos de ordem superior são autoverificados no sentido
preciso indicado acima, a tese da intimidade consigo mesmo conduz diretamente ao que
poderíamos denominar aqui de onisciência da autoconsciência: toda vez que entretenho um
pensamento de primeira ordem qualquer, sei imediatamente o que eu estou pensando. Toda vez
que penso (32) que a cera existe, penso inevitavelmente (33) que creio estar pensando que a cera
existe e, por conseguinte, (35) sei imediatamente que penso que a cera existe.
Mas nada disso afeta a infalibilidade pretendida por Burge. Com efeito, Burge não afirma
que se entretemos um pensamento de primeira ordem inevitavelmente entreteremos um
pensamento reflexivo de segunda ordem. O que ele sustenta pode ser expresso por um
condicional: se entretermos um pensamento reflexivo de segunda ordem, no qual um pensamento
de primeira ordem é auto-atribuído, então saberemos imediatamente o que estamos pensando uma
vez que tais pensamentos reflexivos de segunda ordem seriam auto-verificáveis.
4.4 Conclusão
A conclusão que se impõe nesse capítulo é a de que todas as formas tradicionais de
privilégio epistêmico conferido a primeira pessoa na atribuição de predicados ou propriedades
mentais não se sustentam. Nem mesmo estamos imunes de forma absoluta a um erro por
identificação uma vez que em situações reconhecidamente anormais podemos pensar que alguém
62
está com dor, mas erroneamente acreditarmos que somos nós quando se trata de uma terceira
pessoa. A única forma de infalibilidade que não podemos deixar de reconhecer é aquela relativa à
atribuição não de propriedades ou de predicados mentais, mas de pensamentos completos de
primeira ordem sob a forma de juízos cartesianos de segunda ordem.
No próximo capítulo examinaremos as três versões contemporâneas do modelo cognitivo
tradicional conhecido como modelo sujeito-objeto.
5 TRÊS MODELOS COGNITIVOS
Nesse capítulo, abordaremos a principal motivação teórica que leva filósofos a postular
tanto formas não-conceituais de percepção do Eu quanto uma forma pré-reflexiva de
autoconsciência. Essa motivação é a resolução do dilema entre uma forma viciosa de
circularidade e uma forma igualmente viciosa de regresso ao infinito que tem lugar quando
concebemos a auto-referência à luz do chamado modelo sujeito-objeto. Examinaremos as três
versões principais desse modelo.
5.1 As chamadas teorias de ordem superior (HO)
Retomemos a nossa caracterização da auto-referência reflexiva. Como observamos, em
capítulos anteriores, Édipo só tomaria consciência de que ele está se referindo a ele próprio (auto-
referência reflexiva) ao proferir ou pensar:
(4) O assassino de Laio se sente culpado,
quando ele tomasse consciência da seguinte identidade:
(8) Eu sou o assassino de Laio.
O reconhecimento desse fato relativamente trivial levou Locke a supor que mesmo em
pensamentos em primeira pessoa da forma:
(7) Sinto-me culpado pelo assassinato de Laio.
63
O sujeito poderia saber se que ele está se referindo se ele também pudesse se
identificar como sujeito que, no presente momento, se apercebe culpado na situação passada (7).
Nas palavras de Locke:
Pois, até onde um ser inteligente pode repetir a representação de qualquer ação passada
com a mesma consciência que ele dela tinha primeiramente e com a mesma consciência
que ele tem da ação presente é até onde se tratar do mesmo Eu pessoal (LOCKE, 1990,
livro II, capítulo XXVII, p. 12).
Dois modelos teóricos de consciência se destacam aqui. Por um lado, podemos tomar a
expressão “percepção interna” ou introspecção” em sentido literal, ou seja, como um olhar para
dentro da mente, e ai a consciência introspectiva de que é culpa o que Édipo sente em (7) e que é
Édipo quem sente culpa passam a ser entendidos segundo o que hoje, na filosofia contemporânea,
se convencionou chamar de modelo da experiência de ordem superior (HOE). Entretanto, na
tradição filosófica, empiristas clássicos, como próprio Locke, Hume e Berkelyfalavam de uma
“percepção interna”. Na literatura contemporânea, em lugar de “percepção interna”, inúmeros
autores passaram a falar de “monitoramento interno”.
Ora, mas ainda hoje adeptos do modelo HOE para a explicação da consciência
introspectiva que possuímos dos nossos próprios estados mentais particulares, ou seja, para a
explicação do autoconhecimento, desde Hume ninguém mais ousou conceber a consciência que
possuímos de nós mesmos como portadores de estados mentais nos termos de uma percepção
interna.
Quanto a mim, quando adentro mais intimamente dentro daquilo que chamo mim
mesmo, sempre tropeço em alguma ou outra percepção particular, de calor ou frio, luz ou
sombra, amor ou ódio, dor ou prazer. Nunca me capturo a mim mesmo em momento
algum sem uma percepção, e nunca observo coisa alguma senão a percepção. (HUME,
1739-1740/1978, p. 252)
Mas, se tomarmos a expressão “introspecção” de forma não-metafórica, em lugar de uma
percepção interna ou de uma meta-experiência, teremos um pensamento que identifica seu
próprio estado mental e o seu sujeito como seus objetos (HOT). Assim, Édipo se tornaria
consciente de si mesmo ao pensar (7) não ao se aperceber como sujeito em (7), mediante
percepção interna ou um monitoramento interno, mas por meio de um pensamento de ordem
superior (HOT) que identificasse a si mesmo como o sujeito pensante de (7) nas palavras de
Rosenthal:
64
Quando entretenho o pensamento em primeira pessoa que eu sou F, o entreter tal
pensamento me dispõe a ter outro pensamento que identifica o indivíduo que aquele
pensamento diz respeito como o pensador daquele pensamento. Deste modo, todo
pensamento em primeira pessoa tacitamente ou disposicionalmente caracteriza o Eu <the
Self> que representa como o pensador desse pensamento (ROSENTHAL, 2004, p. 67).
Assim, eu tomaria consciência de mim mesmo na medida em que me identificasse
como autor de (7) por meio do seguinte proferimento ou pensamento de segundo ordem:
(36) Sou o sujeito que profere ou pensa (7).
As teorias de ordem superior (HO) nada mais são do que manifestações contemporâneas
do que se convencionou chamar modelo sujeito-objeto de acordo com Tugendhat (1979) ou
modelo ato-objeto de acordo com Shoemaker (1996). Na tradição filosófica continental, esse
mesmo modelo era conhecido como a “teoria de reflexão” (Reflexionstheorie) de acordo com
Henrich (1967), na qual a palavra “Reflexão” é entendida quase literalmente como um dobrar-se
em torno de si mesmo (Zurückbeugen). Da mesma forma que para perceber ou pensar em objeto
determinado tenho que identificá-lo, ou seja, selecioná-lo ou destacá-lo como um objeto
específico dentre outros, para tomar consciência de mim mesma eu teria que identificar e mim
mesma como sujeito de um pensamento.
Mas eis que sugere o grande problema: se a autoconsciência for entendida como o
resultado de um ato de identificação, a referência consciente a si mesmo não seria bem sucedida a
menos que o indivíduo soubesse de algum modo que ele próprio é quem está realizando o ato
de identificação. Assim, a teoria tradicional da Reflexão se veria às voltas com o clássico dilema
entre um regresso infinito e uma circularidade viciosa. Segundo a teoria do pensamento de ordem
superior (HOT), um novo ato de reflexão de terceira ordem se faria necessário, por meio do qual
eu me identificasse agora como a autora do pensamento de segunda ordem nos termos de (30),
mas esse ato de segunda ordem exigiria, por sua vez, outro ato de ordem superior que me
identificasse como a autora do pensamento de terceira ordem:
(37) Sou a autora do proferimento ou pensamento (36).
Mas esse, por sua vez, exigiria outro pensamento de quarta ordem:
(38) Sou a autora do proferimento ou pensamento (37).
e, assim, ad infinitum.
A alternativa seria supor que antes do emprego do pronome da primeira pessoa em uma
predicação de si em primeira pessoa (7), Édipo tivesse de algum modo consciência de si
mesmo. Mas como a autoconsciência dependeria do emprego de tal pronome em predicações de
65
si, estaríamos às voltas com um círculo vicioso. Bermúdez retrata essa circularidade nos
seguintes termos:
Parece claro que tal pessoa não terá êxito em referir-se a si mesmo a menos que ela saiba
que ela produziu o espécime <token> em questão. Mas isso nos conduz diretamente de
volta ao problema da circularidade. Empregar um espécime do pronome de primeira
pessoa de modo a refletir o domínio da sua semântica (...) exige saber que se é o
produtor do espécime relevante e isso é um conhecimento com um conteúdo de primeira
pessoa. (BERMÚDEZ, 1998, p. 15).
Como observamos, segundo Rosenthal o sujeito só tomaria consciência de si mesmo
quando seu emprego do pronome da primeira pessoa em (7) o dispusesse tacitamente a entreter
um pensamento de ordem superior (36) por meio do qual ele se identificasse como aquele
indivíduo que está a empregar tal pronome da primeira pessoa em um pensamento de primeira
ordem. Na passagem supracitada, Bermúdez sustenta, em contrapartida, o sujeito sequer poderia
ter empregado tal pronome de modo a refletir sua semântica se ele já não tivesse ciência
previamente do conteúdo expresso por (36), ou seja, que ele é o indivíduo que está a empregar tal
pronome em uma predicação de si (7). Mas enquanto para Rosenthal (36) é um pensamento
conceitual de ordem superior, para Bermúdez (36) assumirá a forma de um conteúdo em primeira
pessoa de natureza não-conceitual. A despeito dessa divergência, Rosenthal e Bermúdez
compartilham de uma tese fundamental: para tomar consciência de si ao empregar o pronome de
primeira pessoa no pensamento (7), de um modo ou de outro o sujeito teria que se identificar
como aquele que estaria empregando tal pronome. Esse é o cerne do modelo sujeito-objeto.
É importante salientar, contudo, que os adeptos das teorias de ordem superior (HO)
rejeitam a possibilidade de um regresso ao infinito, acrescentado à suas respectivas teorias a
suposição adicional de que os pensamentos de ordem superior que nos tornam conscientes dos
estados de ordem inferior e do próprio o autor dos pensamentos de ordem inferior não
precisariam eles próprios serem conscientes. Segundo Rosenthal (2004) não possuímos
consciência da maioria dos nossos pensamentos de ordem superior. Assim, para tornar a minha
percepção de um tomate vermelho consciente, o pensamento de ordem superior sobre a
percepção do tomate vermelho não precisaria ele próprio ser consciente, ou seja, não precisa ele
próprio ser objeto de um pensamento de terceira ordem. De forma similar, para tomar consciência
de mim mesmo como o autor de um determinado pensamento, por meio de um pensamento de
66
ordem superior (36), não seria necessário que esse último pensamento fosse consciente, ou seja,
seja, fosse objeto de um pensamento de terceira ordem (37).
Essa resposta é obviamente insatisfatória. É absolutamente incompreensível como dois
pensamentos não-conscientes (7) e (36) poderiam tornar um deles consciente, a saber (7) Zahavi
(2006). Ademais, como a consciência de si é essencialmente uma forma de auto-referência
cognitiva, na qual o sujeito sabe que está se auto-referindo, não parece possível que ele possa
identificar a si mesmo por meio de um pensamento de ordem superior sem que ele possua a
consciência prévia de que ele próprio é o autor desse pensamento de ordem superior.
5.2 O modelo da auto-representação
A forma natural de determos o regresso infinito é a adoção de um modelo cognitivo
alternativo à HO. Enquanto nos modelos de ordem superior (HO), a consciência é explicada
como o resultado de uma meta-representação (percepção interna <HOE> ou pensamento de
ordem superior <HOT>), no modelo da auto-representação de inspiração brentaneana de acordo
com o próprio Brentano (1973), ela passa a ser entendida como o resultado de uma auto-
representação. Não haveria regresso infinito uma vez que o mesmo ato intencional que me torna
consciente daquilo que representa também, simultaneamente me tornaria consciente do próprio
ato sem a necessidade, portanto, de um ato intencional de ordem superior que tomasse o ato
original como seu objeto. São inúmeros os filósofos da mente que aderiram recentemente a esse
modelo de consciência como Kriegel e Williford (2006). Um estado mental consciente se
distinguiria de outro estado não-consciente na medida em que o primeiro, mas o o segundo,
representasse não apenas os objetos, mas também a si mesmo.
No mesmo fenômeno mental no qual o som se apresente às nossas mentes s
simultaneamente o aprendemos de acordo com a sua natureza dual na medida em que ele
tem o som dentro do seu conteúdo e na medida em que ele tem, ele próprio, como
conteúdo ao mesmo tempo. Podemos dizer que o som é o objeto primário do ato de
ouvir, a que o próprio ato de ouvir seja o objeto secundário (BRENTANO, 1973, p. 127-
128).
Um exemplo bastante corrente na filosofia da contemporânea nos permite facilmente
ilustrar o que o autor tinha em mente. Suponhamos que me encontro na cozinha da minha casa,
pensando nos inúmeros problemas que tenho que resolver, quando subitamente o termostato
67
desliga o motor da geladeira. A partir desse exato momento, o seguinte pensamento me vem à
mente:
(39) Estou ouvindo o motor da geladeira.
À luz do modelo da auto-representação poderíamos interpretar a situação da seguinte
forma: antes que o termostato desligasse o motor da geladeira, eu teria uma percepção não-
consciente do seu ruído, uma vez que a minha experiência representava apenas o ruído (objeto
primário) e não a minha audição do próprio ruído. Entretanto, a partir do momento em que o
termostato é acionado, minha percepção do ruído se torna consciente, pois agora o mesmo estado
mental que antes representava apenas o ruído (objeto primário), passa também a se representar
como objeto secundário.
Com feito, esse modelo da auto-representação nada tem de novo. Suas raízes remontam a
Aristóteles. No De Anima, Aristóteles apresenta o modelo da auto-representação como a única
forma de determos o problema do regresso:
Uma vez que é através do sentido que nos tornamos conscientes que vemos ou ouvimos,
tem que ser ou pela visão que nós tomamos consciência de ver, ou por outro sentido
distinto da visão. Mas o sentido que nos fornece essa nova sensação tem que perceber
tanto a visão quanto seu objeto, digamos, uma cor: de tal modo que ou existirão dois
sentidos, ambos percebendo o mesmo objeto sensível, ou o sentido tem que perceber ele
próprio. Ademais, mesmo se o sentido que percebe a visão fosse diferente da visão,
temos ou que incorrer em um regresso infinito, ou assumir que um sentido esteja
consciente de si mesmo. (ARISTÓTELES, 1981, 425b 12-18).
Na versão contemporânea do modelo da auto-representação, as experiências conscientes
são entendidas a partir da oposição entre consciência focal e periférica. Suponhamos agora que
eu tenha me tornado consciente do ruído do motor da geladeira. Entretanto, mais uma vez a
minha atenção se volta para os problemas que tenho resolver e mais uma vez o termostato desliga
o motor da geladeira. Nesse exato momento, um segundo pensamento me vem à mente:
(40) Estava a ouvir o motor enquanto pensava nos meus afazeres.
Embora ao ouvir conscientemente o ruído do motor da geladeira, a minha atenção
estivesse voltada para o ruído e não para minha própria experiência auditiva, eu também teria
uma consciência periférica de que estou ouvindo o ruído do motor da geladeira. Mas nada
impediria que a consciência de que estou ouvindo o ruído viesse para o primeiro plano e a
consciência do ruído do motor da geladeira se tornasse periférica. Seria necessário apenas que eu
voltasse minha atenção do ruído do motor da geladeira para a minha própria experiência auditiva.
68
Ora, uma vez que nem a consciência do ato nem a consciência que tenho de mim mesma
exigiriam um ato de ordem superior, não haveria regresso: eu tomaria consciência de que estou
ouvindo o ruído da geladeira na medida em que a minha audição do ruído representaria
simultaneamente o ruído do motor da geladeira como objeto primário e a minha própria audição
do ruído como um objeto secundário.
Mas como Gurwitsch salienta, se o modelo da auto-representação é capaz de deter um
“regresso infinito externo”, ele é incapaz de deter o que ele denomina “um regresso infinito
interno”. Exatamente pela mesma razão que toda consciência intencional de um objeto primário
(digamos, a consciência do ruído do motor da geladeira) deve incluir ela própria como seu objeto
secundário (ou seja, a consciência de que eu estou a ouvir o ruído da geladeira), também a
consciência intencional de um objeto secundário (a consciência de que eu estou a ouvir o ruído)
deveria incluir ela própria como seu objeto terciário (a consciência intencional da consciência de
que eu estou a ouvir o ruído) e, assim, ao infinito de acordo com Gurtwitsch (1941).
Na filosofia contemporânea, essa dificuldade é formulada nos seguintes termos de acordo
com Ryle (1949), Kim (1978), Kriegel (2003) e Zahavi (1999) se um episódio de consciência
deve representar ele próprio como exige o modelo da auto-representação, então ele também tem
que representar todas as suas propriedades intencionais. Assim, ao representar a si mesmo, um
episódio de consciência também tem que representar simultaneamente a sua propriedade de
segunda ordem de representar a si mesmo. Mas ao representar a sua propriedade de segunda
ordem de representar a si mesmo ele também tem que representar a sua propriedade de terceira
ordem de representar a sua propriedade de segunda ordem de representar a si mesmo e, assim,
indefinidamente.
O modelo teórico da auto-representação encerra dificuldades adicionais. Em primeiro
lugar, a despeito de Aristóteles, não há nenhuma evidência empírica que apóie a suposição que as
nossas experiências envolvem essencialmente uma representação delas próprias ou de nós
mesmos. Ao ouvir o ruído do motor de uma geladeira estou apenas ouvindo e representando o
ruído e não a minha própria percepção auditiva de estar ouvindo o ruído do motor da geladeira
nem a mim mesmo como o sujeito que está ouvindo o ruído do motor da geladeira. Caso
contrário, ao rir de uma anedota, por exemplo, (um ato intencional como outro qualquer), eu
deveria também estar rindo não apenas da anedota, mas também e simultaneamente do meu
próprio riso da anedota de acordo com Tye (2009).
69
Ademais, a explicação não faz jus à fenomenologia da experiência. Se for verdade que
posso mudar o foco da minha atenção de um tomate vermelho para um livro preto em cima da
mesa, não faz sentido supor que eu também possa voltar minha atenção para minha própria
percepção auditiva ou para mim mesmo. Com efeito, sempre posso adquirir uma consciência
introspectiva de que eu estou ouvindo o ruído de um motor. Mas tal consciência introspectiva não
se baseia em um ato de atenção focada na minha própria experiência auditiva. Uma vez que as
nossas experiências são “transparentes” (ou seja, não as percebemos, antes percebemos o mundo
exterior por meio delas), tenho como tomar consciência introspectiva que estou a ouvir o
motor ao ouvir o próprio motor de acordo com Dretske (1995) e Tye (2003 ,2009).
5.3 Conclusão
Nesse capítulo, observamos que tanto a teoria da experiência de ordem superior (HOE)
quanto à teoria do pensamento de ordem superior (HOT) e o modelo da auto-representação estão
sujeitos às dificuldades tradicionais já conhecidas na tradição filosófica: o dilema entre um
regresso infinito e uma forma viciosa de circularidade. E não poderia ser diferente, uma vez que
tais modelos cognitivos nada mais são do que três versões contemporâneas do tradicional modelo
sujeito-objeto, também conhecido na tradição filosófica como a teoria da reflexão. No próximo
capítulo examinaremos a possibilidade de formas primitivas não-conceituais de autoconsciência.
6 A SUPOSTA AUTOCONSCIÊNCIA NÃO-CONCEITUAL
Nesse capítulo demonstraremos a seguintes teses: (i) que a própria idéia de Bermúdez de
uma autoconsciência não-conceitual está sujeita à mesma forma viciosa de circularidade que
pretende resolver. Bermúdez parece não ter se apercebido que a circularidade que ele observa a
respeito do emprego do pronome da primeira pessoa é apenas um caso particular de um problema
geral engendrado pelo modelo sujeito-objeto. Iremos também provar (ii) que não podemos falar
de uma percepção do Eu corporal nem na percepção dos objetos externos (o que Gibson
denomina “esteroception”), nem na chamada proprioceopção somática (proprioception) à luz dos
70
próprios critérios de Shoemaker aceitos por Bermúdez. Por último, iremos mostrar (iii) que
mesmo que aceitássemos a suposição que percebemos o nosso Eu corporal, tanto na percepção
dos objetos exteriores quanto na propriocepção somática, ainda assim não podemos falar de uma
autoconsciência genuína.
6.1 O Eu ecológico
Como observamos, Bermúdez identifica uma circularidade viciosa na estrutura da auto-
referência linguística e cognitiva. Por um lado, a capacidade de pensar em si próprio (como uma
perspectiva singular) parece depender da capacidade expressa pelo domínio do pronome da
primeira pessoa. Não seríamos capazes de nos auto-referir de forma cognitiva sem que
dominássemos semanticamente o significado ou a regra do díctico-reflexivo (token-reflexive) do
pronome da primeira pessoa. Mas, por outro, empregar o pronome de primeira pessoa de modo a
refletir o domínio da sua semântica supõe a identificação de si mesmo como sujeito que está a
realizar o emprego do pronome em questão, mas isso é um conhecimento com um conteúdo de
primeira pessoa. Assim, o círculo se fecha.
Para rompermos tal círculo vicioso, deveríamos rejeitar, em primeiro lugar, o que
Bermúdez (1998) denomina princípio pensamento-linguagem: a única forma que possuímos de
compreender formas de pensamento ou conteúdo é analisando as manifestações linguísticas
canônicas desses pensamentos e conteúdos. E rejeitando tal princípio, rejeitaríamos a suposição
decorrente de que todo e qualquer pensamento sobre si em primeira pessoa (I-thought)
dependeria do domínio semântico do pronome da primeira pessoa em orações em primeira
pessoa. E isso significa admitir a existência de formas primitivas não-conceituais de
autoconsciência nas quais nós representaríamos a s mesmos antes e independentemente de
adquirirmos o conceito fundamental de sujeito de estados mentais e corporais.
Bermúdez identifica três níveis sucessivos de autoconsciência não-conceitual: o “eu
ecológico”, a “propriocepção somática” e “perspectiva da primeira pessoa branda”. A concepção
do “eu ecológico” nos remete à psicologia de J. Gibson (1979). Contrariamente à célebre tese do
Eu metafísico de Wittgenstein que, como uma ótica ou uma perspectiva, pode perceber os
objetos sob a condição de não ser percebida, para Gibson o Eu seria parte constitutiva do
71
conteúdo de toda e qualquer percepção. duas versões da mesma tese. Uma mais branda
enquanto a outra mais rígida. A primeira é do próprio Gibson. O Eu seria sempre diretamente
percebido toda vez que percebemos o mundo. Num estilo evocativo, Gibson (1979, p.112)
afirma: “Pergunte a si próprio o que você vê escondendo o ambiente quando olha para o mundo –
escuridão, seguramente que não, nem o ar nem o nada, mas o Eu!<Self>” .
Bermúdez apresenta uma versão mais branda para a mesma suposição que o Eu faria parte
do conteúdo das nossas próprias percepções:
Mesmo que se conceda, a despeito de Gibson, que o Eu não é diretamente percebido,
ainda é o caso que o Eu tenha um lugar no conteúdo da experiência perceptiva em
virtude da informação especificadora do Eu <Self-specifying information> que constitui
uma parte integrante da experiência perceptiva (BERMUDÉZ, 1998, p.108).
A idéia fundamental é a de que mesmo aqueles, como Wittgenstein e Shopenhauer, que
consideram inteiramente implausível a suposição de Gibson de que o Eu possa ser diretamente
percebido em todas as suas percepções dos objetos externos, deveriam conceder que o conteúdo
da percepção inclui o próprio sujeito que percebe. Ao representar os objetos e propriedades
percebidos, o sujeito sempre estaria se auto-representando, uma vez que a experiência perceptiva,
ao veicular informação sobre os objetos exteriores, também estaria veiculando informação
também sobre o próprio Eu. Segundo Bermúdez, podemos identificar pelo menos três tipos de
informação especificadora do eu no trabalho de Gibson: 1- informação acerca de invariantes
corporais que limitam o campo da visão, 2- informação da cinestese visual cerca do movimento
daquele que percebe e 3- informação acerca das possibilidades para a ação ou reação que o
ambiente proporciona àquele que percebe.
O leitor atento se apercebe rapidamente que a concepção Gibson/Bermúdez de um eu
ecológico tem inequivocamente por modelo cognitivo as teorias neo-aristotélicas ou neo-
brentanianas da auto-representação. Como observamos, à luz desse modelo, o conteúdo da nossa
experiência perceptiva seria duplo: por um lado as nossas percepções representariam objetos e
propriedades mundanos (o chamado objeto primário), enquanto por outro representariam o
próprio sujeito que percebe (o objeto secundário). Além de reiterar enfaticamente aqui todas as
críticas feitas na seção anterior, podemos facilmente imaginar novas objeções.
A primeira delas é a circularidade viciosa. Bermúdez apresenta o seu eu ecológico como
uma forma de romper o circulo vicioso na explicação do domínio do pronome da primeira
72
pessoa. Segundo o autor, empregar o pronome de primeira pessoa de modo a refletir o domínio
da sua semântica supõe a identificação de si mesmo como sujeito que está a realizar o emprego
do pronome em questão, mas isso é um conhecimento com um conteúdo de primeira pessoa. Ora,
mas se para me auto-referir de forma cognitiva por meio do pronome “Eu” (ou seja, sabendo que
estou fazendo referência a mim mesmo), tenho que saber previamente que sou o sujeito que está
empregando tal pronome, de forma análoga, para que eu possa me perceber de forma igualmente
cognitiva (ou seja, reconhecendo-me como sujeito percebido por mim mesmo), eu também
deveria saber que sou o próprio sujeito realizando tal ato de percepção. Como uma percepção de
ordem superior está excluída por definição (o que nos levaria a um regresso infinito), estamos às
voltas com o mesmo círculo que Bermúdez queria romper. Se, por um lado, a autoconsciência
tem que resultar de uma percepção de si. (ou de uma informação especificadora de si), por outro,
para resultar de tal percepção, o sujeito teria que ter uma consciência prévia de si como autor do
seu próprio ato perceptivo. Assim, o círculo se fecha mais uma vez.
Ora, como todas as formas primitivas de autoconsciência não-conceitual concebidas por
Bermúdez (1998) têm por modelo a percepção de si mesmo como um objeto, ou seja, ou que se
convencionou chamar modelo sujeito-objeto conforme Tugendhat (1979) ou modelo ato-objeto
de acordo com Shoemaker (1996), essa objeção se estende naturalmente a todas as demais formas
de autoconsciência não-conceitual. No caso da chamada propriocepção somática, a
autoconsciência que possuímos de propriedades do nosso corpo resultaria, por um lado, de uma
percepção de s mesmos como um sujeito de propriedades corporais. Mas por outro lado, para
que tal autoconsciência corporal possa resultar desse ato de percepção, o sujeito teria que ter uma
consciência prévia de si como autor do seu próprio ato perceptivo. No último caso do ponto de
vista não-conceitual, a autoconsciência que se tem de si mesmo como uma perspectiva singular,
temporalmente extensa, por um lado, se apoiaria na memória consciente das diferentes
experiências ao longo do tempo. Entretanto, como já Buttler ensinava a Locke, a memória
pressupõe a consciência identidade de si e não a poderia explicar. posso me lembrar que
realizei uma experiência no passado se tenho consciência que sou o mesmo sujeito que, no
presente, pensa no passado.
A circularidade detectada por Bermúdez no ato de auto-referência por meio do pronome
“eu” é apenas um caso particular de um esquema geral pautado pelo modelo sujeito-objeto. Como
a autoconsciência sempre supõe a identificação de si mesmo enquanto tal por um ato intencional
73
qualquer (pode ser o emprego do pronome da primeira pessoa de modo a refletir sua semântica,
como quer Bermúdez, mas pode ser também de memória, ou um ato de percepção com um
conteúdo não-conceitual), ninguém poderia tomar consciência de si mesmo por meio de tais atos
a menos que já tivesse consciência de si como sendo a autora de tais atos.
O paroxismo do modelo sujeito-objeto de consciência e autoconsciência é a filosofia do
Idealismo alemão de Fichte. Não encontrando saída para o dilema entre o regresso infinito e a
circularidade viciosa na estrutura da auto-referência reflexiva à luz do modelo sujeito-objeto,
Fichte se sai com a seguinte pedra filosofal:
O Eu se põe absolutamente, i.e., sem nenhuma mediação. Ele é ao mesmo tempo sujeito
e objeto <do seu próprio ato>. Apenas por meio do colocar-se-a-si-mesmo
<Selbstsetzen> o Eu advém – antes disso ele não é substância – se pondo como posto é a
sua essência, ela é uma e mesma; consequentemente, ele está consciente de si de forma
imediata (FICHTE, 1794, Nachgelassene Schiften II, p.357).
O sujeito se torna consciente de si na medida em que através de um ato intencional
qualquer (uma percepção, uma memória etc.) ele colocasse-a-si-mesmo simultaneamente como
sujeito e objeto do seu próprio ato! A melhor metáfora que encontro para retratar a saída
encontrada por Fichte é futebolística. É como se um jogador cobrasse um pênalti e o defendesse
simultaneamente sem sair do lugar.
Bermúdez poderia replicar, com alguma plausibilidade, que quem percebe algo já está
consciente de si como autor do seu próprio ato perceptivo. Ninguém precisaria se identificar para
saber que é autor de seus próprios atos intencionais de percepção e memória (muito menos, é
claro, colocar-se-a-si-mesmo no próprio ato). Ora, mas se isso for verdade, então a
autoconsciência primitiva não-conceitual não se explica pela percepção direta de si mesmo.
Deveríamos supor, antes, que desde a concepção o sujeito estaria consciente de si mesmo. Ora,
mas se for correto assumirmos que ninguém precisa identificar a si mesmo como autor de um ato
perceptivo para saber que é o sujeito que percebe e é percebido pelo seu próprio ato, então
também deve ser correto que ninguém precisa identificar a si mesmo como o sujeito que está
empregando o pronome da primeira pessoa para saber que é o sujeito empregando tal pronome e,
por conseguinte, que é o sujeito referido por tal emprego.
74
6.2 A consciência proprioceptiva como uma forma de percepção de si.
A segunda forma básica de autoconsciência não-conceitual seria a propriocepção
somática. Esta é entendida usualmente em oposição a exterocepção ou percepção das coisas
exteriores. Percebemos tanto objetos e propriedades de entidades exteriores a nós mesmos quanto
as propriedades do nosso próprio corpo. Há, no entanto inúmeros fenômenos que caem sob a
rubrica da propriocepção somática. Para Bermúdez (1998), as distinções fundamentais residiriam
entre, por um lado, formas conscientes e não-conscientes de propriocepção e o que ele denomina
formas mediatas e imediatas de propriocepção. Mediatas seriam aquelas nas quais o sujeito toma
consciência de propriedades do seu corpo através das sensações, como dores, coceiras, arrepios
etc. Imediatas, por oposição, seriam aquelas nas quais o sujeito tem consciência das propriedades
do seu corpo independentemente de da ocorrência de sensações, por exemplo, o sentido da
postura, da orientação espacial etc.
Bermúdez apresenta um simples argumento em defesa da sua concepção da propriocepção
somática como uma forma primitiva e não-conceitual de autoconsciência nos termos das
seguintes premissas:
1. O Eu <Self> está incorporado.
2. A propriocepção somática fornece percepções de propriedades corporais.
3. A propriocepção somática é uma forma de percepção do Eu <self-perception>.
4. Consequentemente, a propriocepção somática é uma forma de autoconsciência.
Segundo Bermúdez, as premissas problemáticas do argumento seriam as segunda e
quarta. Enquanto o que a primeira premissa enuncia é relativamente trivial (mesmo um dualista
de substância como Descartes poderia aceitá-lo), a terceira seria uma consequência lógica da
segunda, ou seja, quem aceita a tese que a propriocepção somática seja uma forma de percepção
de propriedades corporais também aceitaria, sem problemas, que a propriocepção somática é uma
forma de percepção do próprio Eu corporal. A tarefa de Bermúdez seria então justificar, em
primeiro lugar, a segunda premissa para depois justificar então a igualmente controversa
conclusão do argumento. Não obstante, como veremos a seguir, se a segunda premissa do
argumento simples de Bermúdez é questionável no sentido em que depende de uma teoria, o
intencionalismo, a terceira é absolutamente inaceitável.
75
Como o próprio Bermúdez (1998) reconhece logo de saída, se a propriocepção somática
de do Eu for efetivamente uma forma de percepção, então ela tem que assumir a forma de uma
percepção de objetos e não a forma da percepção de um fato. Mas, segundo o autor, para possa
ser qualificada como a percepção de um objeto, a propriocepção somática teria que satisfazer
uma série de três critérios elencados por Shoemaker (1994).
Antes de mais nada, podemos falar de percepção de objetos quando podemos
estabelecer uma distinção inequívoca entre a experiência perceptiva e o objeto percebido. Em
segundo lugar, a percepção de objetos sempre supõe a identificação (numérica) do objeto
percebido (não necessariamente de forma conceitual) no sentido do seu destacamento <pick out>
de uma multiplicidade de outros objetos do ambiente por meio das suas propriedades relacionais
e não-relacionais. Essa identificação permitiria o rastreamento (tracking) do objeto percebido no
curso do tempo e sua re-identificação de tempos em tempos. No seu trabalho mais recente, Tye
(2009, p.12) afirma de forma similar que percebemos um objeto (ou uma propriedade) quando
somos capazes de formular a pergunta: “o que é isso?”. Assim, embora eu esteja interagindo com
uma mariposa marrom perfeitamente camuflada sobre o tronco de uma árvore próxima, não a
estou percebendo uma vez que sou capaz de indagar comigo mesma: o que é isso? Por último, os
modos comuns de percepção visual, olfativa, auditiva, tátil e gustativa admitem a percepção,
simultânea ou sucessiva, de uma multiplicidade de objetos diferentes.
O segundo dos três critérios elencados por Shoemaker é aquele que constitui maior
obstáculo à suposição de Bermúdez que a propriocepção somática constitui uma forma de
percepção do Eu corporal. Se assumirmos a tese (altamente controversa) do intencionalismo de
Tye e Dretske segundo a qual as sensações corporais são representações de propriedades
corporais, podemos sustentar uma versão da segunda premissa do argumento de Bermúdez
restrita à chamada propriocepção somática mediata (baseada em sensações). A propriocepção
somática mediata seria uma forma de percepção, pois as sensações corporais representam as
propriedades do próprio corpo. Assim, segundo o intencionalismo de Tye (2009) e Dretske
(2003) quando sinto dor, coceira, cegas, arrepio, etc. uma propriedade dentre outras estaria
sendo identificada ou destacada <pick out> como aquela que meu corpo estaria instanciando.
Não obstante, a suposição que a propriocepção somática seja uma forma de percepção do
próprio sujeito corporal (terceira premissa do argumento) é absolutamente insustentável à luz do
segundo dos três critérios aceitos por Bermúdez. Não é admissível que mediante uma sensação
76
corporal como dor eu esteja percebendo meu próprio sujeito corporal pela simples razão que,
mediante tal sensação de dor, eu não estou me identificado ou me destacando <pick out> como
um dentre outros sujeitos que está sentindo dor. Assim, quando estou sentindo dor, não faz
sentido eu me perguntar: afinal, quem está sentido dor? Como observamos, essa é a razão que
conduz Shoemaker a afirmar que, quando me atribuo um predicado de sensação corporal
qualquer, como dor, faço referência a mim mesmo sem me identificar. aqui uma incoerência
na posição de Bermúdez. Se ele aceita, por um lado, que o “eu” em orações com predicados de
sensações corporais se refere ao locutor sem identificá-lo e aceita, ademais, o segundo dos três
critérios de Shoemaker, a saber, que a percepção sempre envolve identificação do objeto
percebido, então ele não pode assumir que a sensação corporal seja uma forma de percepção do
sujeito corporal.
Ora, a mesma objeção se estende naturalmente à suposição inicial de Gibson que em toda
percepção de objetos exteriores (exteroception) uma percepção de si (proprioception). Se
acolhermos, como Bermúdez, o segundo dos três critérios elencados por Shoemaker, não
podemos afirmar que ao perceber objetos no seu campo perceptivo, o sujeito também esteja se
percebendo como o limite do seu próprio campo perceptivo. A razão é a mesma. Ao perceber
visualmente, digamos, uma paisagem, não estou me identificando ou me destacando na própria
paisagem como um dentre outros indivíduos que está percebendo a paisagem e suas propriedades.
Aliás, essa era a principal razão alegada por Shopenhauer e pelo primeiro Wittgenstein para
excluírem qualquer forma de percepção de si na percepção do mundo.
Nada impede, naturalmente, que eu observe meu próprio corpo como um objeto. Eu
poderia contemplar minha imagem refletida no espelho como também poderia realizar um auto-
exame dos meus membros, cabeça e tronco. Nessas e em outras situações similares, estamos
efetivamente identificando ou destacando (pick out) o nosso próprio corpo como um dentre
outros objetos do nosso próprio campo visual. Mas tais percepções do nosso próprio corpo
diferem inteiramente das nossas sensações corporais ou do que Bermúdez denomina
propriocepção somática mediata. A noção de imunidade ao erro por identificação nos permite
assinalar a diferença facilmente (como observamos, a idéia de Shoemaker de uma imunidade
absoluta é ilusória. Apesar disso podemos falar de uma imunidade em situações normais).
77
Retomando um exemplo anterior, imaginemos duas situações. Na primeira, eu estaria
anestesiada da cintura para baixo e conversando com uma amiga, estaria contemplando uma
imagem refletida em um espelho quando pensaria:
(18) Sinto que minhas pernas estão cruzadas.
Na outra situação eu não estaria mais anestesiada e nem teria um espelho diante de mim.
Assim, eu pensaria o mesmo conteúdo (18) com base apenas nas minhas sensações corporais. A
diferença é evidente. Ao pensar (18) contemplando apenas minha imagem refletida em um
espelho (sob a suposição de que estou anestesiada), posso sempre me equivocar mesmo em
situações absolutamente normais quanto ao fato de ser eu quem tem as pernas cruzadas, e não
minha amiga sentada ao meu lado cuja imagem também estaria refletida no espelho. A rigor,
posso até mesmo me equivocar ao fato de estarem cruzadas as minhas pernas. Em contrapartida,
posso me equivocar quanto ao fato de ser eu quem tem as pernas cruzadas ao pensar (18) com
base apenas nas minhas sensações corporais em situações anormais.
6.3 Percepção de si e autoconsciência genuína.
Mas, suponhamos para fins de argumento, que tanto por meio das nossas percepções de
objetos exteriores quanto por meio das nossas sensações corporais, s estejamos
simultaneamente percebendo o nosso próprio sujeito corporal. Bermúdez (1998) ainda tem por
tarefa justificar a passagem da terceira para a quarta premissa do seu argumento simples, ou seja,
a tarefa de nos provar que tais supostas percepções do nosso sujeito corporal são formas
primitivas, mas genuínas de autoconsciência. Como o próprio Bermúdez observa, o decisivo a
esse respeito é a auto-referência cognitiva: o sujeito não apenas deve ser capaz de representar as
propriedades do seu corpo, mas ser capaz também de representá-las como suas próprias
propriedades, ou seja, sabendo que elas são suas propriedades corporais e não de terceiros. Ora,
aqui se coloca uma dificuldade insuperável para Bermúdez e os demais defensores de formas
não-conceituais de autoconsciência: não temos simplesmente como representar propriedades
corporais como nossas, se não compreendermos a oposição entre nós mesmos e as demais
pessoas. Ora, não nada nas nossas percepções que assinalam a oposição entre nós e os outros.
compreendemos a oposição entre nós e os outros ao adquirirmos o conceito fundamental de
78
sujeito. Mesmo que as sensações corporais e as percepções fossem formas de percepção do
próprio corpo, ainda assim elas não seriam formas genuínas de autoconsciência.
A resposta de Bermúdez a essa objeção (fatal às suas pretensões) é, para dizer o mínimo,
inteiramente evasiva. Segundo ele, se a propriocepção somática não se qualificar como uma
forma genuína de autoconsciência, pois nela as propriedades corporais do sujeito não estariam
sendo representadas como suas próprias, tampouco a introspecção das propriedades mentais
poderia se qualificar como uma forma genuína de autoconsciência. Vamos conferir o que ele diz
a respeito:
O que o objetor está a afirmar é que um indivíduo possa perceber certas propriedades
corporais através da propriocepção somática sem perceber que essas propriedades são suas
próprias propriedades. Tal percepção pode ser especificada da seguinte forma:
(A) x pensa “aquela perna está se flexionando”.
O objetor sustenta que (A), enquanto contrastada, por exemplo, com (B) não é uma forma
genuína de autoconsciência:
(B) x pensa “a minha perna está se flexionando”.
Note-se, no entanto, que uma distinção exatamente paralela pode ser feita para a
introspecção das propriedades psicológicas:
(C) x pensa “aquele é um sentimento de ciúmes”.
(D) x pensa “estou com ciúmes”.
Se a distinção entre (A) e (B) milita contra a tese de que a propricepção somática é uma
forma de autoconsciência, a distinção paralela entre (C) e (D) deveria militar contra tese de que a
introspecção é uma forma de autoconsciência.
A analogia sugerida por Bermúdez entre a distinção entre (A) e (B) e a distinção entre (C)
e (D) no seu esquema é absolutamente inconsistente. Como a sensação corporal da minha perna
se flexionando é ou um estado sensorial sem conteúdo ou, na melhor das hipóteses segundo
intencionalismo de Dretske (2003) e Tye (2009) um estado com um conteúdo não-conceitual, a
distinção entre (A) e (B) é absolutamente relevante. Se o intencionalismo estiver correto, em (A)
represento a propriedade de uma perna de estar se flexionando de forma não-conceitual, enquanto
em (B) represento a mesma propriedade corporal agora de forma conceitual, ou seja, como a
flexão de uma perna (e não de outro membro qualquer) e da minha própria perna (e não da perna
de terceiros). Entretanto, não existe uma representação das minhas propriedades psicológicas que
79
não seja conceitual. Não tenho como representar uma sensação de ciúmes (ou mesmo a sensação
corporal de estar com a perna se flexionando) de forma impessoal (“aquele sentimento de
ciúmes”) sem representá-la ao mesmo tempo como a minha própria sensação de ciúmes. Assim,
(C) no esquema de Bermúdez é inconcebível e analogia sugerida não se sustenta.
À luz do intencionalismo de Dretske, a diferença crucial entre a sensação corporal de ter a
perna flexionada e o conhecimento introspectivo que se es sentido ciúmes ou mesmo o
conhecimento introspectivo que está se sentido ter a perna flexionada é uma diferença entre o que
Dretske denomina uma representação e uma meta-representação. Uma meta-representação não é
uma simples de representação de uma representação (como nas teorias de ordem superior: HO).
Segundo Dretske, uma meta-representação deve ser entendida precisamente como uma
representação conceitual de uma representação como uma representação. Assim, afirma Dretske:
Uma vez que todos os fatos mentais são fatos representacionais <intencionalismo>, o
conhecimento introspectivo é uma representação (conceitual) de uma representação – do
fato que alguma coisa (a mais) é representação ou possui um conteúdo representacional
(DRETSKE, 1995, p.43).
6.4 Conclusão
Nesse capítulo, acreditamos ter provado contras as pretensões de Bermúdez que nenhum
dos candidatos à condição de autoconsciência primitiva não-conceitual satisfaz as condições
mínimas exigidas. Em primeiro lugar, eles não se qualificam como percepções do Eu corporal.
Ademais, eles são podem ser caracterizados como formas genuínas de autoconsciência. No
próximo capítulo, examinaremos a alternativa tradicional fenomenológica de pensarmos tais
formas primitivas de consciência como expressões de uma autoconsciência pré-reflexiva.
80
7 A AUTOCONSCIÊNCIA PRÉ-REFLEXIVA
Nesse capítulo, examinaremos a postulação comum a toda tradição fenomenológica a de
uma forma pré-reflexiva de autoconsciência como solução para o dilema tradicional entre o
regresso infinito e a circularidade na estrutura da autoconsciência. Pretendemos demonstrar as
seguintes teses. Primeiro, a postulação de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência não
resolve o problema do regresso infinito uma vez que em toda a tradição fenomenológica a auto-
referência cognitiva permanece sendo pensada nos termos do tradicional modelo cognitivo
sujeito-objeto. Segundo, a postulação de tal forma de autoconsciência pré-reflexiva se apóia em
uma falácia (a falácia da luz da geladeira permanentemente acesa). O que podemos reter dessa
abordagem é a suposição da existência de uma forma prática (Heidegger) de consciência que
seria concomitante à consciência fenomenal.
7.1 Autoconsciência pré-reflexiva e regresso infinito
A solução para o problema do regresso comum a toda a tradição fenomenológica consiste
na postulação de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência que seria onipresente em todas as
experiências. O regresso se deteria uma vez que a consciência reflexiva que possuiríamos de nós
mesmos repousaria sobre uma forma pré-reflexiva de autoconsciência na qual o Eu e as
experiências não são objetos de uma representação. A esse respeito, Sartre afirma o seguinte:
Não regresso infinito aqui uma vez que a consciência não tem necessidade de modo
algum de uma consciência reflexiva para se tornar consciência dela própria. Ela
simplesmente não coloca a si mesma como um objeto. (SARTRE, 1957, p. 45).
Antes de prosseguirmos, a pergunta que o leitor deve se fazer aqui é se a postulação
fenomenológica de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência é efetivamente capaz deter o
regresso infinito na estrutura da auto-referência cognitiva. Ora, se considerarmos, entretanto, que
em toda a tradição fenomenológica a forma reflexiva de consciência de si permanece sendo
pensada nos termos do tradicional modelo sujeito-objeto, não solução em vista para o
problema do regresso ao infinito. Husserl (1984), por exemplo, afirma de forma inequívoca que
81
quando refletimos, direcionamos nossa atenção para as nossas experiências tomando-as assim
como objetos de uma percepção interna. Também Heidegger (1982, p.159) é inequívoco ao
caracterizar a reflexão como um “voltar-se para si” que, segundo suas palavras, “é conhecido na
fenomenologia como uma percepção interna”. Ora, mas se a autoconsciência reflexiva é o
resultado de uma identificação de si mesmo por um ato intencional, a auto-referência não seria
bem sucedida a menos que o indivíduo que identifica a si mesmo como o sujeito de uma
experiência soubesse de algum modo que ele próprio é quem está realizando o ato de
identificação. Assim, estamos de volta com o regresso infinito.
Ora, se lermos com atenção a passagem supracitada, observaremos que, a bem da
verdade, Sartre não pretende ter resolvido o problema tradicional do regresso, bem ao contrário
do que Zahavi (2006) sugere com a sua interpretação. Ele não está afirmando que com a
postulação de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência estaríamos resolvendo o problema do
regresso infinito na estrutura da autoconsciência reflexiva. Ele está dizendo apenas que não
regresso infinito no âmbito da autoconsciência pré-reflexiva uma vez que neste âmbito o sujeito
não estaria tomando consciência de si como um objeto da sua própria reflexão.
Ora, como não haveria solução possível para o problema do regresso no âmbito da auto-
referência cognitiva quando concebida nos termos do modelo sujeito-objeto, a triste e estranha
conclusão a que alguns filósofos da tradição fenomenológica chegaram é a de que a consciência
não deveria mais ser entendida como uma auto-relação cognitiva. O próprio Sartre concebe a
autoconsciência pré-reflexiva como uma relação imediata e não-cognitiva do Eu para consigo
mesmo. Nos anos setenta, Pothast (1971) propôs o próprio abando da noção de auto-referência
reflexiva: A consciência deve, portanto ser pensada como um processo inteiramente objetivo no
sentido em que em nenhum momento se manifesta uma auto-referência cognitiva (eines
wissenden Selbst-bezug).
Ora, se autoconsciência em sentido pré-reflexivo se caracteriza negativamente como uma
ausência de Reflexão (no sentido preciso em que se seria ao mesmo tempo sujeito e objeto de
uma representação), uma segunda pergunta fundamental que devemos nos fazer aqui é qual seria
a sua caracterização positiva. O que os principais expoentes da fenomenologia têm a dizer é
muito pouco esclarecedor. Depois de reiterar negativamente - que nas nossas experiências não
tomamos nós mesmos como objetos das nossas percepções (Wahrnemungen), Husserl (1984)
acrescenta, na sua Sexta Investigação, que nós nos vivenciamos (Erleben) ao percebermos
82
(wahrnehmen) objetos e propriedades do mundo. Zahavi enfatiza em inúmeros trabalhos que a
oposição entre perceber (wahrnemen) e vivenciar (erleben) é absolutamente essencial para
Husserl. Mas como entender positivamente que nós “vivenciamos” as próprias experiências e a
nós mesmos? O que significa dizer que ao ouvir o ruído, eu estou vivenciando a minha própria
experiência auditiva? A única resposta que obtemos de acordo com Husserl (1984 p. 669) é uma
vez mais negativa: “vivenciar não é tomar como um objeto” (Erlebtsein ist nicht
Gegenständlichsein).
Também Heidegger (1993, p. 159) reitera enfaticamente que, anterior a qualquer reflexão
sobre si, haveria uma forma de familiaridade consigo mesmo (Mit-sich-vertraut-sein) entendida
como uma expressão imediata da própria vida”. Entretanto, a mesma obscuridade persiste. Está
claro que a expressão “Selbstvertrautheit” não pode ser entendida como um “self-acquaintance”
no sentido de Russell, uma vez que “acquaintace” para Russell é uma forma imediata de
consciência e ao se falar de uma familiaridade consigo mesmo tudo que não se quer é que se
pense em uma percepção ou consciência imediata de si mesmo. Mas o que significa então?
Quando afirmo que meu cão está familiarizado com as pessoas da minha casa, o que estou
dizendo é que ele não as estranha. O máximo que podem nos dizer aqui é que pacientes
esquizofrênicos não estão familiarizados com eles próprios no sentido em que eles ou estranham
a eles mesmos ou estranham alguns dos pensamentos que lhes ocorrem. Ora, mas se for isso o
que os fenomenólogos têm em mente, então a autoconsciência pré-reflexiva nada mais seria do
uma forma potencial de auto-autoconsciência transitiva, ou seja, de auto-atribuição de estados
mentais. Estou autoconsciente de forma pré-reflexiva em todas as minhas experiências no sentido
em que sempre posso atribuí-las a mim mesma, ou seja, sempre posso representar a mim mesma
como o sujeito que está realizando tais experiências. Um esquizofrênico não estaria
autoconsciente de forma pré-reflexiva nos sentido em que não se reconhece nas experiências que
realiza, ou não as reconhece como suas.
Assim, sem nos fornecer ainda nenhuma explicação positiva para o que seria a
autoconsciência pré-reflexiva, Zahavi nos oferece um exemplo do que ela seria:
Se eu estou engajado em alguma atividade consciente, tal como a leitura de uma estória,
minha atenção não está centrada nem em mim mesmo nem na minha atividade de ler,
mas na estória. Mas se a minha leitura é abruptamente interrompida por alguém me
perguntando, o que estou a fazer, eu replico, prontamente, que Eu estou lendo (estando
lendo por algum tempo), e a autoconsciência com base na qual eu respondo a indagação
83
não é algo adquirido naquele exato momento, mas uma consciência de mim mesmo que
estava presente o tempo todo (ZAHAVI, 2006, p. 277).
Segundo Zahavi, o que justificaria a suposição da existência de uma forma onipresente
pré-reflexiva de autoconsciência seria a capacidade que possuímos em responder em primeira
pessoa prontamente quando indagados sobre o que estaríamos a fazer ao realizarmos as
experiências e atividades (quando a nossa atenção estaria focada no conteúdo dessas atividades e
experiências). No exemplo por ele fornecido, o sujeito estaria autoconsciente durante todo
período em que lia, ainda que de forma pré-reflexiva, uma vez que ele sempre prontamente
estaria apto a responder “estou a ler” quando indagado sobre o que estaria a fazer.
Ora, mas como esse exemplo é em todos os aspectos relevantes análogo aos casos do
motorista distraído e do filósofo distraído, a mesma conclusão se estenderia naturalmente para
ambos os casos. O motorista também estaria autoconsciente (ainda que de forma pré-reflexiva) o
tempo todo em que dirigia distraidamente, pois também ele sempre seria capaz de responder
prontamente “estou dirigindo” quando indagado sobre a atividade que estaria realizando.
Entretanto, não vemos nenhuma razão cogente para supormos que as respostas em
primeira pessoa implicam uma forma de autoconsciência pré-reflexiva onipresente em todas as
experiências. Em primeiro lugar, podemos entender essas mesmas respostas com base na simples
capacidade que possuímos de nos auto-atribuir experiências. Assim, o que seria onipresente em
todas as experiências não seria uma forma pré-reflexiva de autoconsciência, mas (i) a consciência
fenomenal e (ii) a capacidade disposicional que possuo de pensar nas experiências como minhas.
A segunda alternativa seria supormos que as respostas em primeira pessoa são expressões
daquilo que Kant concebe sob a rubrica do Eu como Sujeito. Como observamos em capítulos
anteriores, como Sujeito, eu estou autoconsciente no sentido intransitivo ou adverbial como
agente espontâneo de todas as minhas atividades e afazeres cognitivos. Como a leitura não é um
processo mecânico ou passivo, mas um processo cognitivo que exige compreensão, eu tenho que
estar autoconsciente no sentido em questão. Entretanto, enquanto na acepção kantiana, o Eu
como sujeito seria onipresente (duchgängig) em todos meus pensamentos, o Eu pré-reflexivo de
Zahavi deveria estar onipresente em todas as minhas experiências, concomitantemente como a
própria consciência em sentido fenomenal. Ora, mas como observamos, atividades cognitivas não
são condição de possibilidade das nossas sensações, em termos kantianos o pensar não é uma
condição para o sentir.
84
Em um trabalho desse ano, Schear (2009) diagnosticou de forma precisa a conclusão que
Zahavi quer extrair a todo custo do exemplo supracitado: um caso típico da falácia da luz acessa
da geladeira. Consideremos o caso de uma criança pequena que sempre ao abrir a geladeira
encontra sua luz acessa. Ao invés de presumir a existência de um mecanismo qualquer que, tal
como uma capacidade de auto-atribuição de experiências, liga e desliga a luz da geladeira toda
vez que ela abre e fecha a sua porta, ela infere que sua luz está permanentemente acessa. Ela
não a vê permanentemente acessa porque a porta se fecha.
7.2 A consciência proprioceptiva como uma forma pré-reflexiva de autoconsciência.
A alternativa disponível mais atraente seria compreendermos a idéia de uma
autoconsciência pré-reflexiva nos termos de uma forma periférica de autoconsciência tal como
propõe Kriegel em diferentes trabalhos. Assim, eu estaria consciente de mim mesmo como o
sujeito que realiza uma experiência desagradável de dor o porque me represento como um
objeto que satisfaz a propriedade de sentir dor, mas enquanto foco minha atenção na dor que
estou sentido e, assim, representando, estou perifericamente autoconsciente em sentido
intransitivo ou adverbial. Entretanto, na medida que a autoconsciência intransitiva periférica pode
ser facilmente convertida em uma forma transitiva ou reflexiva de autoconsciência tão logo
mudamos o foco da nossa atenção da dor para o Eu que a sente, Zahavi (2005) não hesita em
descartar essa possível interpretação da autoconsciência pré-reflexiva.
Em um trabalho recente, Gallagher apresenta uma explicação positiva bastante sugestiva
do que seria a familiaridade consigo mesmo (Mit-sich-selbst-vertraut-sein) da qual falam todos
os fenomenólogos como Gallangher (2000) a partir da idéia do feedback proprioceptivo próprio a
todas as experiências que realizamos. Por razões bastante semelhantes àquelas que fornecemos no
capítulo anterior, ele rejeita enfaticamente a interpretação de Bermúdez (2000) da consciência
proprioceptiva como uma forma de percepção do próprio corpo ou de suas partes.
Em oposição à interpretação fornecida por Bermúdez, Gallagher sustenta que no ato de
percepção o nosso próprio corpo é em alto grau transparente para nós mesmos. E essa
transparência não é capturada pela suposição usual de Kriegel e do próprio Bermúdez que quando
foco minha atenção no objeto percebido meu corpo permanecesse no meu campo visual de forma
85
periférica. Segundo Gallagher (2003), o que caracteriza decisivamente a consciência
proprioceptiva não é seu suposto estatuto periférico, mas antes seu estatuto recessivo em termos
de atenção (attentively recessive), ou seja, a propriocepção nos fornece uma forma não-
perceptual de consciência do nosso próprio corpo que seria tácita ou implícita em todas as nossas
performances motoras. Gallagher se apóia em Merleau-Ponty:
Eu observo objetos externos com o meu corpo, eu os manipulo, examino, ando ao seu
redor, mas meu próprio corpo é algo que não observo <no ato da percepção>: para fazê-
lo, eu teria que usar um segundo corpo que também seria inobservável (Merleau-Ponty,
1962, p. 91).
Seguindo Heidegger de perto, Merleau-Ponty vem afirmar que a relação Eu/Mundo não
pode ser primariamente entendida como uma relação de um sujeito a um objeto, mas como
expressão do “estar no mundo” (in-der-Welt-sei). De acordo com Mreleau-Ponty (1962) não
teríamos como especificar o que o sujeito é em abstração do mundo nem tampouco o que seria o
mundo em abstração do sujeito. Estar no mundo nesse sentido significa que a nossa forma
primária de nos relacionarmos com as coisas não é nem puramente sensorial nem reflexiva,
cognitiva ou intelectual, mas antes corporal e prática, nas palavras de Merleau-Ponty (1962, p.
110): “uma intencionalidade motora”. Ao alcançarmos uma xícara de café, por exemplo, não a
identificamos pelas suas propriedades objetivas, mas antes pela relação egocêntrica que ela
guarda conosco, movido pelo interesse de beber do seu conteúdo
1
.
Segundo Gallagher, seria essa consciência tácita ou implícita do próprio corpo que
moldaria (shape) as nossas percepções sensíveis na medida em que as percepções dependem de
um controle motor do nosso corpo. Mas, mais uma vez, isso não seria o mesmo que dizer que a
1
Ao opor a representação estacionária da relação do Eu para com o mundo à sua visão de uma intencionalidade
motora, Merleau-Ponty está se apoiando na célebre oposição traçada por Heidegger entre o que este denominava
presentidade <Vorhandenheit> e dever-ser <Zu-sein>, como duas formas de abertura <Erschlossenheit> ou
consciência do mundo. Entretanto, aqui uma ambiguidade quanto à forma como devemos entender a relação
entre tais aberturas (Tugendhat, 1979). De forma relativamente incontroversa, Heidegger estaria apenas
distinguindo a relação cognitiva e intencional que possuímos com os entes <Seiendes> existentes <vorhanden> de
uma relação prática e afetiva com a sua própria vida futura <Zu-sein>. Entretanto, em uma versão controvertida,
Heidegger estaria afirmando uma relação de dependência das relações cognitivas e intencionais <Vorhandenheit>
que o sujeito entretém com os entes para com as relações práticas e afetivas <Zu-sein>. Assim, a mente só poderia
se abrir em termos intencionais e cognitivos para o mundo das entidades existentes <Vorhandenheit> se ela se
abrisse primeiramente para o mundo em termos práticos e afetivos. Talvez o maior indício de que Heidegger
endossasse a variante controversa reside no fato que ele divisava um terceiro sentido de ser, a instrumentalidade
<Zuhandenheit> da qual ele afirmava, por um lado, que ela estaria referida ao estar-ai <Dasein>, enquanto por
outro, ele estaria fundida a presentidade <Vorhandenheit>. A idéia de Heidegger é, em todos os aspectos, bastante
similar à de Merleau-Ponty de uma intencionalidade instrumental.
86
consciência proprioceptiva é uma forma de percepção. Reiterando Merleau-Ponty (1962) não
perceberíamos o nosso corpo (salvo quando contemplamos nossa imagem), perceberíamos com o
nosso corpo. A visão envolveria um controle motor dos olhos que depende de informação
proprioceptiva sobre si mesma. O tato, especialmente nos seus aspectos espaciais, envolveria um
controle motor das mãos que exige um feedback proprioceptivo e assim por diante.
Essa interessante interpretação da consciência proprioceptiva de Gallagher nos convida a
reconsiderar o exemplo do motorista distraído. Como observamos, absorto pelos seus
pensamentos, o motorista distraído estaria introspectivamente inconsciente das percepções e
experiência que realizava enquanto dirigia. Entretanto, salvo adotássemos as improváveis teorias
de ordem superior (HO), temos que reconhecer que uma vez que realizava experiências e essas
serviam de input no seu sistema cognitivo cujo output seria o controle do comportamento, que ele
se encontrava permanentemente consciente em sentido fenomenal ao logo de todo o trajeto. Se
Gallagher e Merleau-Ponty então estiverem corretos, além da consciência fenomenal própria às
percepções que realizava, o motorista distraído também estaria autoconsciente de forma pré-
reflexiva no sentido em que suas percepções dependeriam do controle motor dos seus olhos e das
suas mãos ao volante e esse controle não poderia ser exercido sem o feedback proprioceptivo.
Ora, ninguém questiona que informações proprioceptivas estão sempre envolvidas em
todos os atos perceptivos, pois como afirmam Merleau-Ponty (1962) e Gallagher (2003) à
percepção sensível envolve sempre um controle motor do próprio corpo. O problema é se daí
podemos inferir, mais uma vez, a existência de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência.
Como o próprio Gallagher reconhece, o primeiro passo nesse sentido é avaliarmos se tais
informações proprioceptivas envolvidas nos atos perceptivos são efetivamente conscientes ou se
são de natureza sub-pessoal (sub-personal), nas palavras de Gallagher (2003, p.8): “Se no
controle motor do próprio corpo estaria envolvida uma consciência proprioceptiva ou apenas uma
informação proprioceptiva.”
Se adotarmos as teorias de ordem superior (HO) como parâmetro de avaliação do que seja
consciência, jamais reconheceremos que tais informações proprioceptivas são conscientes.
Consciência em qualquer sentido da palavra sempre exigiria uma experiência (HOE) ou
pensamento de ordem superior (HOT), e nada parecido estaria presente nas informações
proprioceptivas que exercem um controle motor sobre os membros e órgãos meu próprio corpo
87
nos atos de percepção. Mas como as teorias de ordem superior são implausíveis, esse parâmetro
de avaliação não seria suficiente para descredenciar a suposta consciência proprioceptiva.
Mas se, em contrapartida, adotarmos o intencionalismo como teoria parâmetro de
avaliação do que seja consciência, alguma plausibilidade em reconhecermos algumas
informações proprioceptivas como conscientes, pelo menos aquelas denominadas por Bermúdez
de formas proprioceptivas mediatas, ou seja, as sensações corporais. À luz do intencionalismo, as
sensações corporais representam de forma não-conceitual propriedades (abstratas) do meu corpo
e o conteúdo dessas representações servem de input ao nosso sistema cognitivo de modo a
possibilitá-lo um controle motor sobre seus membros e órgãos como condição para a percepção.
Mas como o próprio Gallagher parece reconhecer, mesmo se concedermos que algumas
das informações proprioceptivas que exercem controle motor sobre o nosso corpo são
conscientes, o decisivo, mais uma vez, é poder mostrar que essas informações constituem uma
forma genuína de autoconsciência. Gallagher acredita poder fazê-lo ao mostrar que a consciência
proprioceptiva satisfaz a condição da imunidade ao erro por identificação. Segundo o autor:
A propriocepção é imune ao erro por identificação, contudo, porque ela necessariamente
fornece uma forma não-observacional de acesso a primeira pessoa, a ipseidade da
experiência de se estar incorporado i.e., ele fornece um sentido de propriedade <a
sense of ownership> para o corpo e seus movimentos (GALLAGHER, 2003, p. 14, grifo
meu).
Também Zahavi se utiliza em vários trabalhos da tese semântica de Shoemaker da auto-
referência sem identificação ou observação para fornecer uma caracterização positiva (aliás, a
única que encontramos em toda literatura!) para o que seria o acesso imediato e pré-reflexivo à
própria pessoa. Segundo Zahavi:
Antes, meu acesso pré-reflexivo a mim mesmo na experiência em primeira pessoa é
imediato, não-observacional e não-objetivador. Ele envolve aquilo que mais
recentemente foi denominado ou de “auto-referência sem identificação” (Shoemaker
1968) ou “referência não-atributiva a si mesmo” (BROOK, 1994; ZAHAVI, 2006,
p.280).
Razões semânticas militam contra a suposição segundo a qual a familiaridade consigo
mesmo (Mit-sich-vertraut-sein), ou seja, a informação proprioceptiva, haja uma auto-referência
sem identificação. Como salientamos, uma referência identificadora a um objeto singular consiste
na ação de destacar (pick out) ou selecionar (single out) um objeto determinado em meio a uma
88
multiplicidade de outros objetos em um determinado domínio a partir das suas propriedades
relacionais e não-relacionais. A esse respeito, os nossos fenomenólogos parecem ignorar um fato
decisivo. Mesmo que não tenhamos que nos identificar como um dentre outros indivíduos no
caso específico de uma auto-referência baseada em nossas próprias sensações corporais, toda
referência semântica é sempre a um objeto determinado dentre outros em um domínio. Como
observamos, é a esse respeito que Shoemaker se opõe a Wittgenstein. Para Wittgenstein, o
emprego de pronomes em primeira pessoa como sujeito não faria referência a nada ou a ninguém.
Ainda que sintaticamente articuladas, orações em primeira pessoa da forma (15), seriam apenas
expressões (Ässerungen) convencionais das próprias sensações corporais. Para Shoemaker, no
entanto, mesmo sem envolver identificações do próprio sujeito, o emprego do “eu” faz referência
ao próprio como um dentre outros.
O nosso diagnóstico aqui é o seguinte. Como as informações proprioceptivas não nos
remetem a um dentre indivíduos outros em um dado domínio, os nossos fenomenólogos
contemporâneos Gallagher (2003) e Zahavi (2006) e Brook (1994) estão simplesmente
confundindo a ausência de auto-referência de Wittgenstein com a auto-referência sem
identificação de Shoemaker. E nem poderia ser diferente. Como a consciência proprioceptiva é
uma forma de autoconsciência pré-reflexiva, ela é por definição uma suposta forma de
autoconsciência na qual o Eu não pode estar sendo representado ou referido por nenhum dos seus
próprios atos intencionais.
A diferença entre uma e outra posição pode ser, mais uma vez, facilmente ilustrada pelo
contraste entre as orações (18) e (40):
(18) Eu sinto minhas pernas estão cruzadas.
(40) Sentem-se as pernas cruzadas.
Enquanto ao pensar (18) o sujeito se auto-refere sem se identificar, ao pensar (40) suas
sensações corporais são expressas (ausgedrückt) de uma forma inteiramente impessoal no sentido
imaginado por Wittgenstein e por Freud.
Outras razões também militam contra a suposição que na consciência proprioceptiva haja
uma auto-referência ao sujeito portador das propriedades corporais representadas. Como
observamos no primeiro capítulo, uma distinção crucial entre se ter consciência de objetos
singulares, se ter consciência de propriedades abstratas e se ter consciência de fatos constituídos
por ambos os objetos e propriedades. No exemplo de Dretske, quando contemplo o ponteiro de
89
horas, percebo um objeto singular, mas não sou capaz de perceber nem seu movimento
(propriedade abstrata) nem, por conseguinte o fato que o ponteiro se move. Mas quando
contemplo o ponteiro de segundos, percebo tanto um objeto singular quanto seu movimento e,
portanto, o fato que ele se move. Entretanto, também poderíamos perceber a instanciação de uma
determinada propriedade sem percebermos o objeto singular que a instancia. exemplos na
astronomia. Antes dos telescópios mais potentes, percebia-se uma deformação no campo
gravitacional de Urano produzida pela massa de Netuno (propriedade abstrata) que ainda não era
perceptível como um objeto singular. Assim, inferiu-se a existência de Netuno a partir da
percepção da instanciação da sua massa.
Ora, mesmo que as sensações corporais da criança estejam representando, segundo a
teoria intencionalista de Tye (2009) e Dretske (2003) a instanciação de propriedades corporais
como em (40), portanto, tornando a criança consciente de tais propriedades, disso não se segue
que essas mesmas representações a estejam a representando como o indivíduo que instancia tais
propriedades em (18). Essa conclusão se seguiria se adotássemos o modelo da auto-
representação, segundo o qual toda representação teria sempre um duplo conteúdo, por um lado,
ela representaria entidades exteriores, enquanto por outro, o próprio sujeito da representação.
Mas, como vimos, além de implausível, esse modelo é rechaçado pelos fenomenólogos.
Para justificar a suposição de que as informações proprioceptivas conscientes “fornecem
um acesso à própria pessoa”, Gallagher (1996) teria que retomar a idéia tradicional de Bermúdez
(1998) que ele próprio sabiamente descartou, a saber, que a consciência proprioceptiva seja uma
forma de percepção do eu corporal. Assim, os fenomenólogos estariam às voltas com um novo
dilema. Se, por um lado, eles rechaçam que a consciência proprioceptiva seja uma forma de
percepção que identificasse o indivíduo de propriedades corporais, eles não têm como sustentar a
suposição que na consciência proprioceptiva haja uma forma de auto-referência sem
identificação. Mas se aceitam que a consciência proprioceptiva seja uma percepção do indivíduo
de propriedades corporais, então também têm que assumir que, mediante tais informações
proprioceptivas, tal indivíduo estaria se identificando, de algum modo, como um dentre outros
em um determinado domínio.
Ademais, como vimos na crítica a Bermúdez, mesmo que a consciência proprioceptiva
estivesse efetivamente representando o sujeito de propriedades corporais, ela só poderia se
qualificar como uma forma genuína de autoconsciência se ela estivesse representando o sujeito
90
enquanto tal, ou seja, sabendo que está representando a ele próprio e não a terceiras pessoas. Para
qualificarmos, por exemplo, a sensação postural de que tenho minhas pernas cruzadas como uma
forma genuína de consciência, não basta afirmarmos que tal sensação representa uma
determinada propriedade corporal que está sendo instanciada pelas minhas pernas. É essencial
que tal sensação também represente tal propriedade como uma propriedade do meu corpo (e não
do corpo de um terceiro). Ora, mas isso envolve o conceito de sujeito.
Mais uma vez, apenas o pensamento em primeira pessoa (18) e não o pensamento
impessoal (40) é capaz de exprimir uma forma genuína de autoconsciência. Perry nos fornece
uma ilustração formidável para a oposição entre pensamentos sobre si me primeira pessoa como
(18) e pensamentos impessoais como (40):
Considerem um grupo pequeno isolado, vivendo em um lugar chamado terra-Z. Os Z-
habitantes não viajariam nem se comunicariam com pessoas residentes em outros
lugares. Não teriam um nome para sua terra-Z. Quando um Z-habitante percebesse a
chuva, ele diria aos demais “está chovendo”. Seus ouvintes compreenderiam o ato de
apropriadamente significando está chovendo na terra-Z: eles fechariam as janelas na
terra-Z, cancelariam seus planos de fazer piqueniques e tomariam seus guarda-chuvas
antes de sair das suas casas. Eles não possuem outro uso para “está chovendo. Eles não
podem chamar seus filhos em outros lugares ou ouvir a previsão do tempo no país, ou ler
tais previsões nacionais do tempo em jornais (PERRY, 2000, pp.176-7).
Os imaginários habitantes da terra-Z ilustram de forma paradigmática o equívoco em que
incorrem os fenomenólogos contemporâneos. Todos concordam que não basta que os habitantes
de terra-Z sejam capazes de detectar que está chovendo na terra-Z para que possamos lhes
atribuir uma referência à terra-Z. Tal atribuição depende essencialmente da sua capacidade de
compreender a oposição entre a terra-Z e outros lugares. Ora, pela mesma razão, não basta que
mediante sensações corporais uma criança pequena seja capaz de representar propriedades do seu
corpo. Para lhe atribuirmos o pensamento sobre em primeira pessoa (18) é necessário que ela
compreenda a distinção crucial entre ela própria e os demais indivíduos.
Assim, estamos obrigados a retomar, mais uma vez, o exemplo do motorista distraído.
Como salientamos, absorto pelos seus pensamentos, o motorista não está certamente consciente
em sentido introspectivo das próprias percepções da estrada e sensações corporais que
experimenta ao longo do percurso. E, obviamente, sem possuir consciência introspectiva das
experiências que realiza, o motorista tampouco poderia estar consciente de si mesmo como
sujeito de tais experiências. Até o presente momento, a única coisa que podíamos afirmar é que
91
ao logo do período em que dirigia o motorista distraído estava permanentemente consciente na
acepção mais básica e fundamental de consciência, i.e., no sentido fenomenal. Ao realizar
experiências visuais e auditivas da estrada, o motorista possuía as sensações mais diversas como,
por exemplo, de estar visualizando uma estrada à sua frente, de estar com calor ou com frio, de
estar sentado, de estar a ouvir o ruído do motor, a música do rádio etc. (sem ter a consciência
introspectiva de as estava experimentando). Ora, mas se reconhecermos agora com Gallagher
(1996) e Merleau-Ponty (1962) que as percepções da estrada e o próprio ato de dirigir dependem
decisivamente de um feedback proprioceptivo sobre o próprio corpo (sem reconhecermos,
naturalmente, que se trata ai de uma forma de autoconsciência), podemos afirmar, em acréscimo,
que enquanto dirigia o motorista estava consciente de propriedades do seu próprio corpo.
7.3 A resolução do dilema entre regresso e circularidade
A principal motivação para a postulação de uma forma pré-reflexiva de autoconsciência
seria a necessidade de resolução do clássico dilema existente entre o regresso infinito e
circularidade viciosa na estrutura da auto-referência cognitiva. À luz das chamadas teorias de
ordem superior (HO), o sujeito tomaria consciência de si ao identificar a si mesmo por meio de
um pensamento de ordem superior como sendo o sujeito pensante de um pensamento de ordem
inferior. Entretanto, o sujeito só poderia se identificar como tal se de algum modo já soubesse que
é o sujeito pensante desse pensamento de ordem superior. Mas isso exigiria um pensamento de
terceira ordem que identificasse o sujeito como autor do pensamento de segunda ordem e, assim,
indefinidamente. A alternativa seria supormos que antes do emprego do pronome de primeira
pessoa o sujeito possuísse alguma forma não conceitual de consciência de si mesmo. Mas
como a consciência de si dependeria do emprego do pronome da primeira pessoa em predicações
de si em primeira pessoa, estaríamos às voltas com um círculo vicioso.
Segundo Tugendhat, todo o problema tem origem na teoria da Reflexão ou no que ele
próprio e outros tantos mais denominam modelo sujeito-objeto de consciência. Segundo seu
diagnóstico:
A dificuldade com a teoria da reflexão (...) se nutre da suposição de que se trata de algo
cuja essência consiste na identidade entre conhecer e ser conhecido. Para alguém que
não reconheça que o fenômeno da autoconsciência tenha ou pressuponha tal estrutura, a
92
dificuldade não existe. A dificuldade, que é, com efeito, insolúvel, é apenas o reflexo do
absurdo de tal abordagem (TUGENDHAT, 1979, p. 64)
.
O dilema reside na suposição equivocada que a consciência de um estado mental
particular ou do próprio sujeito de tal estado exige a identificação do estado e do sujeito em
questão como objetos ou de uma meta-representação (HO) ou de uma auto-representação (uma
representação que se dobra sobre si mesma). Uma vez descartado o modelo sujeito-objeto, a
dilema simplesmente desaparece. Embora o próprio Shoemaker (1998) não o faça de forma
explícita, uma leitura atenta do seu trabalho seminal nos sugere que o próprio regresso ao infinito
pode ser apresentado como uma reductio ad absurdum do modelo sujeito-objeto.
Recordemos. Segundo o modelo sujeito-objeto, para Édipo saber que ele se refere a ele
mesmo quando pronuncia ou pensa:
(4) O assassino de Laio sente-se culpado.
Ele teria que tomar consciência da identidade:
(8) Eu sou o assassino de Laio.
Entretanto, o mesmo raciocínio se aplicaria ao pensamento (5). Para que eu viesse, a
saber, que eu sou o assassino de Laio, eu teria que identificar a mim mesmo por meio de outra
propriedade qualquer, como por exemplo:
(17) Eu sou aquele que duelou com Laio.
E o mesmo problema se recoloca para (17). Para que eu viesse, a saber, que eu sou o
indivíduo que duelou com Laio, eu teria que me identificar mais uma vez por meio de uma nova
propriedade relacional ou não relacional e assim ao infinito. Segundo Shoemaker, uma
forma de determos esse regresso: supormos que em predicações psicológicas sobre si em
primeira pessoa nas quais o “eu” é empregado como sujeito da forma (15), fazemos referência a
nós mesmos sem a necessidade de nos identificarmos ou nos destacarmos como um dentre outros
indivíduos.
A idéia fundamental é a seguinte. Em determinadas predicações sobre si em primeira
pessoa, tanto a referência e quanto predicação dependem apenas do fato do indivíduo se encontrar
no estado mental apropriado. Se Édipo pensa:
(7) Sinto-me culpado,
Mesmo que ele, excepcionalmente, possa se equivocar quanto fato de ser culpa o que ele
sente e mesmo de ser ele próprio* quem sente efetivamente culpa, tudo que ele precisa para se
93
auto-referir de forma cognitiva ou refletiva é sentir culpa e conhecer tanto o significado do
predicado “sentir-se culpa” quanto da regra trivial do emprego do pronome da primeira pessoal
(segundo a qual todo aquele que o emprega se auto-refere). Além da sensação ou sentimento de
culpa, ele não precisa definitivamente se identificar ou se destacar como aquele dentre outros
indivíduos que está proferindo ou pensando (7), como sugerem Rosenthal e Bermúdez.
A solução para o dilema não consiste na postulação de uma forma pré-reflexiva de
autoconsciência, mas antes no reconhecimento de que a autoconsciência se estrutura de forma
proposicional como a consciência do fato predicativo que eu possuo uma determinada
propriedade. Assim, quando Édipo pensa:
(7) Sinto-me culpado.
Não estou nem ao me identificando como um objeto de uma percepção de ordem superior
(HOE) nem como o objeto de um pensamento de ordem superior (HOT):
(36) Sou o sujeito que está pensando (7).
O que temos ai são casos de auto-referência sem auto-identificação. A explicação é
imediata. Atitudes de se da forma (24) ou (21) nada mais são de acordo com Recanati (2007) do
que atitudes de re cuja res é o próprio sujeito. Entretanto, enquanto as atitudes de re se baseiam
usualmente na relação perceptual existente entre sujeito e objeto, a atitude de se baseia na relação
peculiar que qualquer um entretém consigo mesmo, a relação de identidade. Assim, quando sinto
minhas pernas dobradas ou quando sinto dor não tenho porque me identificar como aquele sujeito
que sente uma vez que as informações que obtenho sobre a posição das minhas pernas e sobre a
dor foram obtidas sob a forma proprioceptiva, baseada na relação de identidade que mantenho
comigo.
7.4 Conclusão
Nesse capítulo, descartamos a possibilidade de uma forma pré-reflexiva de
autoconsciência. Se pudermos falar de uma forma proprioceptiva de consciência da qual
dependeria as nossas próprias percepções do mundo exterior, esta nem se refere ao indivíduo
94
portador de propriedades corporais nem se qualifica à condição de forma genuína de
autoconsciência (que depende do conceito de sujeito).
Na sequência apresentaremos a segunda parte do trabalho que estará consagrada ao exame
e à avaliação dos principais experimentos que pretendem dar suporte à suposta existência de
formas primitivas de autoconsciência. Desta forma, os próximos três capítulos estão consagrados
à desconstrução do mito do universo indiferenciado, à noção de imitação e à recognição da
própria imagem especular.
SEGUNDA PARTE
Enquanto a primeira parte do presente trabalho foi consagrada à análise dos conceitos
envolvidos na noção de autoconsciência, suas principais características semânticas e epistêmicas,
a parte que aqui se inicia estará consagrada ao exame e à avaliação dos principais experimentos
que pretendem dar suporte à suposta existência de formas primitivas de autoconsciência. Ela se
compõe de três pequenos capítulos. No primeiro, pretendemos mostrar que a suposição da
existência de formas primitivas não-conceituais de autoconsciência repousa inicialmente sobre
uma confusão conceitual em torno de dois significados da palavra “Eu”: o Eu como sujeito de
representações e ações e o Eu como autoconsciência. Como há inúmeras evidências de que o Eu
como sujeito esteja presente na primeira infância, infere-se que o Eu como autoconsciência
também estaria presente desde o início. Nesse capítulo inicial, desconstruiremos o mito do
universo indiferenciado das crianças, salientando que embora o sujeito de representações seja um
dado imediato da condição natural humana, a autoconsciência é uma aquisição tardia.
O segundo capítulo está inteiramente consagrado a análise da noção de imitação,
implicada por toda atribuição de formas primitivas de autoconsciência na primeira infância. Aqui
acreditamos poder provar que a imitação manifestada pelas crianças pequenas não supõe a
adoção da perspectiva do modelo a ser imitado, por conseguinte, não fornece nenhum apoio para
a atribuição de autoconsciência. O terceiro e último capítulo está consagrado a analise específica
da recognição da própria imagem especular. Aqui acreditamos poder provar: (i) que os
experimentos de recognição são metodologicamente suspeitos, como suspeitos o seus
resultados; (ii) que na melhor das hipóteses a suposta recognição da própria imagem se reduz a
95
discriminação sensível de informações visuais proprioceptivas em feedback da própria imagem
de informações exterioceptivas sobre a imagem de terceiros.
8 O MITO DA DIFERENCIAÇÃO
O capítulo presente compreende três pequenas seções. Na primeira abordaremos o mito da
indiferenciação. Como as principais críticas contemporâneas a esse mito estão centradas na
crítica da obra de Piaget, buscamos desconstruir outra versão do mesmo mito. Na segunda seção,
abordamos as cinco fases do desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, com a
preocupação de deixar aberta a questão fundamental se tais níveis ou estágios correspondem
efetivamente a níveis ou estágios progressivos de autoconsciência. Na terceira e última seção,
realizamos uma primeira crítica da atribuição de formas primitivas e não-conceituais a crianças
pequenas.
Como antecipamos, pretendemos mostrar nesse capítulo que a suposição de formas
primitivas e não-conceituais de autoconsciência repousa inicialmente sobre uma confusão
conceitual acerca de dois empregos da palavra “Eu”: o Eu como sujeito de representações e o Eu
como autoconsciência. Como fortes evidências de que o universo primevo não seja de
indiferenciação entre o Eu e o Mundo e o Eu e o Outro, conclui-se (non-sequitur) o Eu como
autoconsciência também seria onipresente.
8.1 A distinção original entre o Eu e o Mundo
Humanos neonatos são criaturas extremamente frágeis e quase totalmente
desamparadas. São incapazes de se alimentar, de sentar ou se locomover independentemente.
Possuem pouquíssima acuidade visual e, seguramente, desconhecem completamente o universo
cultural humano ao seu redor. Entende-se, portanto, porque ainda no século XIX e ao longo do
século XX autores de orientação teórica e metodológica tão distinta, como James, Piaget e Freud
96
(segundo uma tradicional interpretação do mesmo)
2
tenham caracterizado o estágio inicial do
desenvolvimento cognitivo e emocional do organismo humano como uma indiferenciação crucial
entre o Eu e o Mundo e o Eu e o Outro. Nas palavras de James (1890), o neonato seria “uma
confusão colorida e sussurrante”. A idéia fundamental aqui é que o Eu como aquele que
ativamente representa objetos, distingue informações proprioceptivas (endógenas) de
informações exterioceptivas (exógenas) e atua sobre o mundo de modo a satisfazer seus desejos
seria uma aquisição relativamente tardia no desenvolvimento cognitivo e emocional do humano.
A fórmula nas Novas Conferências de Introdução à Psicanálise: “Wo es war, soll ich werden”
(ali onde se estava, o Eu deve surgir) é a que melhor exprime essa idéia fundamental. Ninguém
nasceria sujeito (no sentido de ser o princípio ativo das suas próprias representações no plano
cognitivo, e de ser princípio ativo das suas próprias ações no plano prático). Apenas com o
tempo, nos tornaríamos sujeitos.
É importante salientar que bem mais que uma teoria bem ou mal fundada sobre o
desenvolvimento cognitivo e emocional do organismo humano, essa visão compartilhada sobre a
emergência tardia do Eu assumiria feições de uma nova ideologia ou concepção geral sobre o
lugar do humano no universo como um todo. Como o Eu emergiria como resultado de um
processo sobre o qual ele próprio não poderia ter controle, ele não poderia mais ser pensando
como centro ou ponto arquimediano (Descartes) em torno do qual tudo mais se ordenaria. Assim,
da mesma forma que Copérnico tinha operado uma revolução na ideologia geocêntrica
dominante, buscava-se operar uma nova revolução copernicana na ideologia então reinante: o
cartesianismo. O cogito cartesiano, Eu penso, entendido no plano cognitivo como princípio ativo
das suas próprias representações, e no plano prático como princípio ativo das nossas ações no
mundo, é, por assim dizer, “destronado”. O testemunho de Lacan é bastante elucidativo a
respeito:
Empregamos o termo ‘revolução copernicana’ para qualificar a descoberta de Freud. (...)
Com relação a esta concepção <geocêntrica>, a descoberta freudiana tem exatamente o
mesmo sentido de descentramento que aquele trazido pela descoberta de Copérnico
(1985, 14).
2
Aqui não nos comprometemos com a correção da interpretação usual mencionada de Freud. Contudo, temos
que mencioná-la uma vez que, correta ou incorreta, ela constitui um quadro de referencia necessário para a
caracterização da ausência de um sujeito original.
97
Essa nova ideologia seria amplamente respaldada pela chamada filosofia francesa. Não
seria exagero afirmar que a palavra de ordem de toda essa tradição filosófica é a descentralização
do Eu, ou seja, a destituição da posição central ou aquimediana que supostamente a filosofia
moderna cartesiana lhe conferiria na figura do cogito: eu penso. Partido da idéia original
freudiana em Além do Princípio do Prazer, segundo a qual o Eu seria constituído pelos princípios
da repetição e realidade, Deleuze nos fornece uma interpretação kantiana para a emergência do
Eu: Os investimentos, as ligações ou integrações são sínteses passivas, contemplações-contrações
de um segundo grau. As pulsões nada mais são que excitações ligadas. Ao nível de cada ligação,
um eu se forma no Isso; mas um eu passivo, parcial, larvar, contemplante e contraente. O isso se
povoa de eus locais que constituem o tempo próprio do Isso, o tempo do presente vivo, onde se
operam as integrações correspondentes às ligações. Mas, a partir da síntese passiva aparece um
duplo movimento, em duas direções muito diferentes. De um lado, uma síntese ativa se
estabelece sobre a fundação de sínteses passivas: ela consiste em reportar a excitação ligada a um
objeto posto como real e como termo de nossas ações (síntese de recognição, que se apóia na
síntese passiva de reprodução). É a prova de realidade numa relação dita "objetal" que define a
síntese ativa. Precisamente, é segundo o princípio de realidade que o Eu tende a "ativar-se", a
unificar-se ativamente, a reunir todos os seus pequenos eus passivos componentes,
contemplantes, e a distinguir-se topicamente do Isso. Os eus passivos eram integrações, mas,
como dizem os matemáticos, integrações somente locais; o eu ativo é tentativa de integração
global. E, precisamente, é a partir do princípio de realidade que o Eu tende a se ativar, a se
unificar ativamente, a reunir todos os pequenos eus passivos e a se distinguir do Id.
Embora a formulação possa parecer confusa, e tese geral é cristalina. O prazer oriundo do
alívio de uma excitação só se constitui como princípio quando uma sensação de um alívio
passado de excitação se associa a outra sensação de um alívio. Essa ligação ou associação é o
resultado de uma síntese passiva e cega que nada mais seria do que a contração de um hábito.
Esse, por seu turno, dependeria da repetição da associação entre as sensações de alivio de
excitações. Como fundamento do próprio princípio do prazer, o princípio da repetição estaria
então para-além daquele.
Ora, nada disso nos interessa diretamente. O que nos importa é o seguinte. À luz de tal
descrição, em um estágio primevo teríamos apenas sensações de alivio de excitações associadas
entre si de forma passiva em razão da sua mera repetição sob a forma de uma multiplicidade de
98
Eus passivos. a partir do determinado momento em que interviesse uma síntese, agora ativa,
que reportasse então as diferentes sensações de alívio de excitações, ligadas entre si passivamente
pela contração de hábitos, a um mesmo objeto, poderia emergir um mesmo Eu ativo, mas clivado,
como resultado da unificação da multiplicidade existente de Eus passivos.
Com efeito, as evidências hoje disponíveis parecem indicar que a criança antes do
segundo mês de vida processa informações proprioceptivas de forma esparsa sendo ainda
incapaz, estabelecer um esquema corporal completo. Dos três aos quatro meses de idade, ela
ainda é indiferente a uma série de propriedades físicas. Ela não parece perceber, por exemplo,
que segmentos limitados estão conectados causalmente. As evidências também parecem indicar
que nessa mesma fase ela não percebe que os estados de movimento e repouso são explicáveis
pelas forças mecânicas que atuam sobre as coisas. Entretanto, não nenhum dado empírico que
corrobore a tese bizarra de que em determinado estágio primevo o organismo estaria, por assim
dizer, “povoado por inúmeros Eus passivos”, resultantes de ligações passivas entre sensações de
alívio de excitações. Nem nada parece indicar que apenas por meio de uma síntese ativa, que
reporta diferentes sensações de alívio de excitações a um mesmo objeto, um único e mesmo Eu
poderia emergir. Em suma, nada corrobora empiricamente a suposição de que haveria
originalmente uma dupla indiferenciação, por um lado, entre o Eu e o Mundo, por outro, entre o
Eu e o Outro.
Ora, se tal tese estivesse correta, antes da emergência do princípio de realidade, resultante
de uma síntese ativa que reportasse as diferentes sensações de alívio de excitações a um mesmo
objeto, a criança ainda não teria como distinguir uma fonte exógena de uma fonte endógena de
excitação nem tampouco teria como representar entidades independentes das suas próprias
sensações. Entretanto, abundam dados empíricos hoje que apóiam amplamente a suposição que
com poucas horas o neonato humano já é capaz de discriminar claramente uma fonte exógena de
excitação (o dedo de um adulto tocando sua bochecha, ou o som do choro de outra criança) de
outra fonte endógena de excitação (o próprio dedo ou o próprio choro). A atribuição ao neonato
de uma representação de entidades distintas dele próprio é amplamente apoiada por inúmeros
experimentos. Por exemplo, Baillargeon et al. (1995) observaram que, se os pesquisadores não
pedirem às crianças pequenas para não manipularem os objetos mas apenas para assistir as
cenas e olhar por mais tempo até suas expectativas serem contrariadas sua conduta parece
99
claramente indicar que elas estão representando entidades independentes da sua própria
observação.
Usando da mesma metodologia, Spelke et al (1993) observaram, ademais, que o
comportamento de crianças pequenas é sensível a alguns princípios físicos (mas não a todos)
que governam o comportamento dos objetos como, por exemplo, que objetos não podem ocupar
o mesmo espaço no mesmo tempo, ou um objeto não pode passar por meio de outro e assim por
diante. Em momentos posteriores do seu primeiro ano de vida, o comportamento da criança é
sensível a uma série de outras propriedades dos objetos no espaço. Seu comportamento manifesto
é sensível, por exemplo, a pequenas diferenças de quantidade e a continuar atentas a elas a
despeito da oclusão perceptual. Ademais, elas manifestam a capacidade de percorrer o espaço
de maneira que sugere que possuam algo como um mapa cognitivo de acordo com Haith,
Benson et al. (1994).
A conclusão que se impõe é a de que, o universo original do neonato humano não pode
ser caracterizado por uma indiferenciação original entre o Eu e o Mundo e entre o Eu e o Outro.
No sentido preciso de ser princípio ativo das suas representações e ações, a criança não se torna
um Eu. A transformação fundamental é outra. Ao longo do seu desenvolvimento cognitivo e
emocional ela se torna um Eu autoconsciente. O equívoco cartesiano não foi o de ter tomado o
Eu como sujeito, mas o Eu como autoconsciência como uma categoria fundamental do
conhecimento.
Uma vez tendo descartado o mito da indiferenciação, abordaremos a seguir os cinco
níveis de desenvolvimento cognitivo da criança consagrados pela literatura especializada de
acordo com Rochat (2003). Como para s não existem diferentes níveis ou graus de
autoconsciência (essa é a tese que pretendemos refutar ao longo de toda essa tese), tomaremos a
liberdade de apresentá-los deixando em aberto se tais estágios no desenvolvimento cognitivo da
criança são ou não níveis de autoconsciência.
8.2 Os cinco níveis do desenvolvimento cognitivo
Como observamos, de acordo com Sherrington (1961), desde o nascimento, os
neonatos humanos reagem distintamente quando tocados por outros corpos e quando tocados por
100
partes do próprio corpo. Em um primeiro experimento, ao serem tocados na bochecha por outro
corpo, bebês tendem a se orientar em sua direção. Outro simples experimento de Martin e Clark
(1982), parece mostrar a mesma capacidade: com poucas horas de nascimento, o neonato reage
distintamente frente ao próprio choro e frente ao choro de outros recém-nascidos. Nesse caso, ao
ouvir o choro de outros bebês, a criança se põe a chorar, mas ao ouvir seu próprio choro gravado,
ela se detém. Essas reações apóiam inequivocamente a suposição que o neonato seria capaz de
discriminar estímulos sensoriais oriundos do seu próprio corpo de estímulos sensoriais oriundos
do mundo que lhe é exterior. Mas o mais importante seria o seguinte: essas reações diferenciadas
a estímulos endógenos e exógenos também sustentam a suposição que, desde seu nascimento, o
neonato já estaria processando informações proprioceptivas (sobre seu próprio corpo) de uma
forma distinta do que processa informações sobre corpos distintos do seu. Seguindo Rochat
(2003), podemos denominar este primeiro estágio no desenvolvimento cognitivo e emocional da
criança de diferenciação.
A partir do segundo mês, as informações proprioceptivas até então desconexas passam a
se integrar como informações de um mesmo corpo localizado no espaço. Em um experimento
interessante, Meltzoff e Moore (1992) mostram que uma criança de seis semanas tende a copiar
sistematicamente a orientação da ponta de língua de um adulto, movendo-a a esquerda e à direita.
Tal experimento sugere que as informações proprioceptivas se integram como informações sobre
uma mesma entidade. Nessa fase, a criança começa a buscar alcançar os objetos, e a partir do
quarto mês manifesta uma coordenação multimodal entre visão e tato. Podemos denominar este
segundo estágio do desenvolvimento cognitivo de situação de acordo com Rochat (2003).
A partir do sexto mês, a criança reage de forma diversa à sua imagem e à imagem de
outras crianças. Neste sentido, experimentos indicam um maior interesse e curiosidade por parte
da criança pela imagem projetada de terceiros do que da sua própria imagem. A situação muda de
figura a partir do décimo oitavo mês, quando a criança se torna capaz de reconhecer a própria
imagem refletida no espelho. A partir desse momento, ela não está apenas obtendo informações
proprioceptivas do próprio corpo. Ela passa a representar o próprio corpo no espaço como uma
figura singular dentre outras. Seguindo mais uma vez Rochat (2003) podemos denominar este
terceiro estágio do desenvolvimento cognitivo de identificação.
Os experimentos do etólogo Gallup (1970) com primatas forneceram as primeiras
evidências a respeito. O pesquisador anestesiava chimpanzés habituados à exposição no espelho e
101
colocava sobre sua fronte pigmentos coloridos inodores. Passado o efeito da anestesia, os
espelhos eram reintroduzidos e os chimpanzés, mirando-se nos espelhos, começavam a explorar
as áreas marcadas com o tato. No grupo de controle, chimpanzés nunca antes expostos a espelhos
mostravam indiferença diante da própria imagem refletida após a anestesia. Gallup conclui que,
ao reconhecer a própria imagem refletida no espelho, os chimpanzés estariam exibindo uma
forma rudimentar de autoconsciência.
Experimentos similares começaram a ser feitos com humanos. Sem que elas próprias
percebessem, crianças a partir do décimo oitavo mês eram marcadas com pigmentos coloridos
inodores na fronte. Uma vez expostas aos espelhos, elas buscavam tocar e explorar tais
marcadores. Como Gallup, muitos psicólogos acreditaram que poderiam interpretar tal conduta
como a manifestação de uma forma rudimentar de autoconsciência não-conceitual.
Correlacionando representações atuais sobre do corpo com representações passadas
armazenadas na memória, a partir do terceiro ano a criança se torna capaz de se representar como
um ponto de vista temporalmente estendido. Naturalmente, essa representação temporal de si
mesma não seria possível se a criança também não fosse igualmente capaz de representar
segmentos espaciais unificados e coerentes. Denominaremos esse quarto estágio do
desenvolvimento cognitivo aqui de permanência seguindo Rochat (2003). Duas observações são
importantes a esse respeito. Em primeiro lugar, pelas razões acima apresentadas, a representação
de si como um ponto de vista temporalmente estendido não pode ser tomada como a
representação conceitual de si por meio do conceito de eu ou de sujeito. No terceiro ano de vida,
a criança ainda não é capaz de compreender de forma inequívoca a diferença entre fazer
referência a si mesmo mediante os pronomes “eu” e “meu”, entendidos como dêiticos essenciais,
e fazer referência a si mediante nomes próprios e descrições definidas. Em segundo lugar, as
representações de segmentos espaciais unificados e coerentes não devem ser tomadas tampouco
como representações conceituais de objetos no espaço.
Apenas a partir do quarto e quinto ano, a criança manifesta autoconsciência em sentido
pleno. Ela se torna capaz de fazer referência a si mesma no discurso direto através dos dêticos
essenciais “eu” e “meu” e no discurso indireto através do reflexivo indireto “ele próprio”. E isso
se torna possível a partir do momento em que ela criança compreende a distinção fundamental
entre a sua perspectiva das coisas e a perspectiva de terceiros. Observando reiteradas vezes um
adulto atribuir a si mesmo a sua perspectiva de um objeto compartilhado (“vejo uma bala na
102
minha mão”) e atribuir a ela criança a sua perspectiva distinta da mesma coisa através dos seus
próprios nomes próprios (“Pedrinho está percebendo uma bala na mão da mamãe”), a partir do
quarto ano de vida criança se torna capaz de se atribuir a si mesma a sua própria perspectiva das
coisas. Embora a expressão não seja adequada, sugerindo equivocadamente que a
autoconsciência dependa de uma representação de segunda ordem, uma representação de outra
representação, por uma simples questão de comodidade seguiremos Rochat (2003) e
denominaremos esse quinto estágio do desenvolvimento cognitivo de meta-representação.
A principal evidência empírica que apóia a existência de tal estágio do desenvolvimento
cognitivo é o experimento conhecido como a atribuição de “falsa crença” de Wimmer & Perner
(1983). Em uma das muitas versões desse experimento, mostra-se a uma criança uma caixa de
balas e pede-se a ela para imaginar o que a caixa contém. Após a criança responder “são balas”,
mostra-se a crianças que de fato a caixa contém lápis. Em seguida, fecha-se a caixa e pede-se a
criança para imaginar agora o que uma pessoa ausente pensará que a caixa contém. As crianças
de três anos de idade tendem a responder que a pessoa ausente dirá que a caixa contém lápis,
enquanto as crianças na idade de quatro anos tendem a responder corretamente que a caixa
contém balas. Não sabendo ainda distinguir a sua perspectiva da perspectiva de terceiras pessoas,
a criança de três anos é ainda incapaz de referir-se conceitualmente a sua perceptiva da realidade
como sua perspectiva.
8.3 Eu como Sujeito versus Eu como Autoconsciência
O que confere alguma credibilidade inicial à suposição da existência de formas primitivas
de autoconsciência são os dados empíricos de Baillargeon et al (1995) e de Spelke et al (1992).
Segundo Tomasello (2003, p. 79), por exemplo, esses dados: “revelam uma compreensão de
objetos como entidades independentes, que existem mesmo quando não percebidas”. Assim,
por volta do terceiro ou quarto mês de vida as crianças já estariam compreendendo que elas
próprias representam entidades que existem independentemente delas mesmas. Sendo assim, os
mesmos dados também estariam revelando que tais crianças também estariam compreendendo
que elas próprias são sujeitos de representações de objetos.
103
A primeira coisa que cabe salientar aqui é a própria ambiguidade com a qual os
psicólogos se pronunciam sobre a existência de tais formas primitivas de autoconsciência.
Tomasello se pronuncia aqui nos termos de “um senso do eu ecológico” (75). Rochat (2003) é
outro que adere à expressão “senso do eu”. Outros como Gibson (1993) caracterizam a forma
mais primitiva de consciência nos termos de uma “uma noção primitiva do eu” (self-notion).
Gallup (1977) e seus seguidores falam, em contrapartida, de um conceito ou concepção do Eu.
Ora, se Tomasello estivesse correto, então nessa idade a criança teria que dispor tanto
do conceito de um objeto em geral quanto do conceito de sujeito de representações de objetos
(até que me provem o contrário, ninguém adquire os respectivos conceitos de objeto e de sujeito
senão estudando filosofia). Como a interpretação de Tomasello é absurda, o que os mencionados
dados empíricos estão revelando é coisa bem diversa. Se o comportamento manifesto pela criança
é sensível, por exemplo, as diferenças de quantidade ou à oclusão perceptual do objeto, o que os
dados disponíveis revelam é que nessa fase as crianças estão representando objetos, mas não
que elas possuam o conceito de objeto. Em outras palavras, nessa fase, as crianças possuem
representações não-conceituais de objetos; o que elas representam são entidades que existem
independentemente de serem percebidas por elas, mas elas obviamente, ainda não sabem ou
compreendem que estão representando objetos. Mas o ponto fundamental é o seguinte. Se a
representação conceitual de algo como um objeto depende evidentemente da capacidade de
representar-se conceitualmente a si mesmo como um sujeito, a mera representação não-conceitual
de objetos não envolve nenhuma representação não-conceitual de si mesmo, do próprio sujeito.
Retomemos agora os dois primeiros experimentos mencionados na seção anterior
relativos ao estágio cognitivo inicial (diferenciação). No primeiro experimento, bebês com 24hs
de vida reagem distintamente à estimulação de experimentador que tocava suas bochechas e à
auto-estimulação espontânea. No segundo, bebês reagiam distintamente ao seu próprio choro e ao
choro de outros bebês. Segundo Rochat (2003), por exemplo, o resultado desses trabalhos oferece
evidências conclusivas em favor da existência daquela que seria a forma mais primitiva
conhecida de percepção ou “senso de si”. Ora, ainda que James, Piaget e Freud estejam de fato
enganados com relação à suposição que o universo cognitivo e emocional do bebê seria
indiferenciado, disso não segue, contudo, (i) que desde o nascimento o neonato estaria se auto-
representando, (ii) menos ainda que ele estaria se auto-representando de forma consciente. Tudo
104
que se segue dos dois experimentos iniciais é que o neonato já é um sujeito, uma vez que
representa objetos e atua no mundo conforme suas representações.
A mesma crítica é extensiva à compreensão dos demais níveis da escala do
desenvolvimento cognitivo como formas primitivas de autoconsciência. Retomemos agora o
segundo estágio na escala do desenvolvimento cognitivo (situação). Nessa fase (segundo mês) as
informações proprioceptivas até então desconexas passam a se integrar como informações de um
mesmo corpo localizado no espaço. Com seis semanas a criança tende a copiar sistematicamente
a orientação da ponta de língua de um adulto, começando a buscar alcançar os objetos. A partir
do quarto mês, ela manifesta uma coordenação multimodal entre visão e tato.
Uma das caracterizações mais importantes desse estágio do desenvolvimento cognitivo da
criança é fornecida no famoso trabalho de Gibson (1993). Em primeiro lugar, ela apresenta sua
concepção (metafísica) do que seria o sujeito situado ecologicamente nesse estágio do seu
desenvolvimento cognitivo nos seguintes termos: “O Eu-ecológico é um objeto limitado,
separado dos demais objetos e discriminado desde a tenra infância” (40). Mais a frente no mesmo
trabalho, ela descreve a forma primitiva de autoconsciência própria a esse estágio como uma
forma de informação especificadora do Eu. Nas palavras da autora: “Retornando à nossa questão
original, como então percebemos a s mesmos? s certamente o fazemos porque cada um de
nós é um objeto no mundo e a informação existe para especificar o eu de cada um de nós na
medida em que atuamos no mundo” (41).
O aspecto conativo desse segundo estágio do desenvolvimento cognitivo é salientado por
Tomasello (1999). Segundo esse autor, ao interagirem com o meio que os cercam os bebês
também vivenciam a si mesmos de várias maneiras. A idéia fundamental parece ser a seguinte: ao
direcionarem seus comportamentos para as coisas externas, os bebês estariam se apercebendo
dos objetivos do seu comportamento bem como do efeito que as suas ações no meio externo.
Desta forma, crianças nessa segunda fase estariam compreendendo ou vivenciando as suas
próprias capacidades e limitações. Na medida em que primatas não-humanos demonstram uma
comparável compreensão das suas aptidões e limitações comportamentais, Tomasello (1999, p.
84) conjectura que “o senso que os bebês humanos têm de um self ecológico seja algo que
compartilhem com seus parentes primatas mais próximos.”
Ora, como salientamos na primeira parte desse trabalho, nem todo fluxo de informação
entre uma fonte e um receptor pode ser entendido como uma relação semântica de representação.
105
Os anéis de uma árvore carregam informação sobre sua idade, sobre o índice pluviométrico do
local, o grau de poluição existente etc., mas ninguém ousaria afirmar que os anéis representam
algumas dessas coisas. Assim mesmo sendo cada um de s como uma entidade mundana que
carregue informação que especifique nosso próprio sujeito, disso não se segue que ao direcionar
nosso comportamento aos objetos mundanos estejamos nos auto-representando. Temos aqui o
problema denominado por Dretske (1981, p. 96) de “problema do design”. Para que um
determinado sistema cognitivo S produza um movimento corporal M em condições em que a
propriedade F é instanciada é necessário apenas que o sistema possua um mecanismo interno
qualquer que seja seletivamente sensível à presença ou à ausência de F, ou seja, uma
representação primária de S. Essa representação da instanciação de F pode ser oriunda do
processo de seleção natural ou de um aprendizado realizado pelo sistema S. Segundo Dretske, se
você quer que um rato pressione uma barra apenas quando um tom é ouvido, que uma pomba
pegue um objeto apenas quando uma luz vermelha se ascende e que uma criança diga “mamãe”
apenas para a mãe dela, então o rato precisa de um indicador de tom, a pomba um indicador de
cor e a criança um indicador da mãe (97). O ponto fundamental é o seguinte. Para realizar M em
condições F, em nenhum momento algum o sistema S necessita representar a si mesmo! Assim, o
que o direcionamento externo exige é uma representação primária da propriedade
proporcionadora F, mas não uma representação do próprio S como sujeito da representação
primária de F
3
.
Vale a pena conferirmos o que diz uma psicóloga sobre o emprego que seus pares fazem
do termo “self” na psicologia do desenvolvimento contemporânea:
‘Self’ é antes uma palavra escorregadia, com pelo menos dois significados confundíveis.
Algumas vezes a empregamos para separar a natureza em duas partes desiguais; aquela
que pertence ou seria parte de um objeto e aquela que não. Por exemplo, um forno é
auto-limpante (self-cleaning) se ele permanece limpo sem a intervenção de coisas que
3
Perry assinala o mesmo comentário com um exemplo cotidiano:
“Suponhamos que uma bola venha na direção de minha cabeça e que eu me curve. Ou suponha que eu esteja
com fome, veja um Milk shake e o alcance. É bastante provável que os processos perceptivos e cognitivos
envolvidos nesses eventos venham a ser integrados em um sistema mais ou menos adulto de autoconsciência e
auto-representação explícita. Eu lembrarei que a bola veio na direção da minha cabeça e prontamente inferirei
que pelo menos uma vez uma bola veio na minha cabeça e assim por diante. Ou eu me lembrarei que estou com
sobrepeso e não deveria ter tomado Milk shake (...). Esses episódios, sem dúvida, envolvem auto-representação
explícita e até mesmo auto-recriminação. Entretanto, eu afirmo compreender simplesmente o fato que me
incline quando eu vejo a bola ou que a fome e a percepção me levem a mover minha mão, não necessitamos
postular uma auto-representação.” (Perry, 1993a, 184, grifo meu).
106
não seriam suas partes. Assim relativamente à limpeza, o forno constituiria um ‘self’ e
tudo mais seria o outro. Outras vezes empregamos a palavra para fazer referência à
hipotética essência humana, à sua identidade ou ego, ao que o torna uma pessoa e a
distingue das demais. É possível que esses dois sentidos tenham sido confundidos na
interpretação dos experimentos com primatas diante do espelho. Para se engajar na
inspeção corporal guiada pelo espelho, é necessário que um animal seja um ‘self’ no
primeiro sentido, i.e., ele tem que ser capaz de distinguir seu próprio corpo do resto do
mundo. Entretanto, devido à ambiguidade da palavra, somos levados a pensar que o
animal tem que ter reconhecido a sua essência (HEYES, 1994, 918).
Ora, a tese que aqui defendemos é, se não idêntica, ao menos bastante similar a essa
proposta por Heyes. Acreditamos que a atribuição de formas primitivas de autoconsciência a
crianças pequenas repouse sobre um equívoco semântico em torno do significado da palavra Eu e
seus cognatos. Por um lado quando falamos da emergência do Eu, o que temos em mente é a
emergência de um sujeito de representações e ações que jamais se deixaria confundir com o
Mundo, nem com os outros. Por outro lado, quando tratamos da emergência do Eu no curso do
desenvolvimento cognitivo e emocional de uma criança humana, o que temos em mente é algo
inteiramente diverso: a emergência da capacidade que o sujeito pré-existente tem de se referir
conscientemente a si mesmo. Uma vez que abundam dados evidenciando que o Eu como sujeito
está sempre presente, infere-se, em um clássico non sequitur, que o Eu enquanto autoconsciência
também seria onipresente.
8.4 Conclusão
Demonstramos nesse capítulo que a suposição de formas primitivas e não-conceituais de
autoconsciência repousa inicialmente sobre uma confusão conceitual acerca de dois empregos da
palavra “Eu”: o Eu como sujeito de representações e o Eu como autoconsciência. Como fortes
evidências de que o universo primevo não seja de indiferenciação entre o Eu e o Mundo e o Eu e
o Outro, concluiu-se (non-sequitur) precipitadamente que o Eu como autoconsciência também
seria onipresente. Acreditamos, portanto, neste capítulo ter provado que a suposição da existência
de formas primitivas e não-conceituais se apóia inicialmente em uma confusão semântico-
conceitual entre dois sentidos da palavra “Eu”: o Eu como sujeito de representações e ações e o
Eu como autoconsciência. No próximo capítulo, abordaremos a noção de imitação envolvida nas
três primeiras fases do desenvolvimento da criança.
107
9 A IMITAÇÃO
O capítulo presente compreende duas pequenas seções. Na primeira, apresentamos os três
sentidos diferentes de imitação, a saber, a imitação mimética, a imitação sensível aos resultados
da ação do modelo a ser imitado (outcome-sensitive imitation) e a imitação sensível às intenções
e fins do modelo (intention-sensitive imitation). A idéia aqui é simplesmente mostrar que a última
forma mais complexa não é a única. Na segunda seção examinaremos quais formas de imitação
estariam presentes nas três fases iniciais do desenvolvimento cognitivo da criança. A tese a ser
defendida aqui é a de que em nenhuma dessas fases do desenvolvimento a imitação sensível às
intenções do modelo é pressuposta, por conseguinte, em nenhuma das três fases iniciais podemos
falar com propriedade de autoconsciência.
9.1 As diferentes formas de imitação
O termo “imitação” possui um emprego técnico específico no campo das pesquisas e
experimentos com primatas. Em contrapartida, em outras áreas da psicologia comparativa como
Akins e Zentall (1998), Lefebvre e Templetom e Brown e Koelle, (1997), Heyes e Ray (2000),
assim como na psicologia social de Chartrand e Bargh (1999) e na neurociência cognitiva de
Grezes e Costes e Decety (1998), De Renzi e Cavalleri e Facchini (1996), “imitação” é um termo
muito mais descritivo que explanatório e refere-se à maior amplitude do fenômeno de acordo
com Heyes (2001). Isto é aplicado em todos os casos em que foi estabelecido que um indivíduo
copiou os movimentos do outro e questões acerca do mecanismo de como essa cópia foi
alcançada, em contraste com as pesquisas com primatas, realizadas pelos seguidores de
Tomasello e Kruger e Ratner (1993) que reservam o termo imitação para cópias de movimentos
corporais guiados pelo reconhecimento das intenções do modelo. A isso se contrapõe o
“mimetismo” no qual movimentos corporais são copiados sem a compreensão das intenções do
modelo.
Um problema com a dicotomia da imitação-mimetismo é que ela negligencia uma forma
crucial de imitação que estaria na base de uma grande variedade de formas de aprendizado social:
108
a imitação sensível ao resultado. Esta seria guiada pela observação do resultado físico da conduta,
mas não pela atribuição de uma meta ou intenção ao modelo. Heyes (2002) denomina tal forma
de imitação de imitação sensível ao resultado (outcome-sensitive imitation) e a ela opõe a
imitação sensível a intenções. Suponhamos que alguém esteja em uma fila aguardando para usar
uma máquina de refrigerantes desconhecida e, observe a sua frente outra pessoa pressionando por
três vezes o botão da referida máquina e na sequência obtendo uma coca-cola. Se o agente
também deseja uma coca-cola, ele se põe a copiar o modelo do movimento corporal observado,
independente de julgar se o modelo obteve o que ele de fato queria ou mesmo se ele queria algo
como que a expressão inglesa “monkey sees, monkey does”.
Akins e Zental (1958) provaram a partir de um exemplo da vida real a imitação de
resultado sensível em suas pesquisas com codornas japonesas. Quando esses pássaros observam o
exemplo do comportamento de um co-específico bicando ou pisando uma alavanca a fim de
serem recompensados por alimentos, os observadores subsequentemente copiam esse modelo de
comportamento. Alguns dos pássaros que viram seus co-específicos bicando, bicam a alavanca, e
outros que os viram pisando, pisam a alavanca. De toda forma, quando o exemplo é observado
em laboratório, e o ato de bicar ou pisar a alavanca não é recompensado, a escolha subsequente
da resposta topográfica do observador não é influenciada pelo modelo.
Em um artigo anterior, Heyes sustenta que a imitação não implica em tomar a perspectiva
do sujeito cujo comportamento se imita e, consequentemente, na compreensão decisiva da
distinção entre a primeira e a terceira pessoa e, por último, em autoconsciência. Seus argumentos
estão voltados contra o trabalho de Tomasello et al. no qual é defendida a tese que a tomada da
perspectiva da terceira pessoa seria logicamente necessária para a imitação e, ademais, que
haveria evidências empíricas da ligação entre uma e outra. Nas palavras dos autores:
Reproduzir o comportamento novo de um adulto tanto na forma quanto na sua função
apropriada (o aprendizado imitativo) requer obviamente alguma compreensão do que o
adulto esteja percebendo e pretendendo porque sem tal compreensão a criança não pode
saber quais aspectos do comportamento do adulto seriam relevantes ou irrelevantes.
(HEYES, 1993, 525)
Heyes destaca, antes de mais nada, uma inconsistência no próprio estatuto da tese geral
pretendida por Tomasello et al. Segundo a autora, se a imitação implicasse logicamente na
tomada da perspectiva do modelo, então não seria necessário buscarmos evidências empíricas que
109
apoiassem a conexão entre ambas as noções. Tratar-se-ia de uma tese conceitual-filosófica que
dispensaria por completo o trabalho empírico do psicólogo do desenvolvimento cognitivo.
Ademais, a suposição de uma conexão lógica entre a imitação e a tomada de perspectiva do
modelo tem uma consequência desastrosa: ela dispensa, sem justificação, evidências empíricas
para a atribuição do processo de imitação a criaturas que são naturalmente consideradas
incapazes da tomada de perspectiva do modelo, como animais em geral.
Mas deixemos de lado a suposição de uma implicação lógico-conceitual. Mas pelas
distinções apresentadas acima, a posição de Tomasello é insustentável. Como observamos,
indivíduos podem copiar a conduta de um modelo tendo em vista seus resultados físicos sem
apreender ou atribuir intenções ao modelo. Mas isso não é tudo. Um indivíduo poderia mimetizar
(mimic) o comportamento de um modelo sem mesmo ter qualquer expectativa relativamente ao
resultado da ação (e menos ainda, por conseguinte, qualquer apreensão das intenções do modelo
na realização da ação). Tomasello et al reconhecem essa possibilidade de mimese (mimic) sem,
no entanto, explicar de que maneira isso ocorreria para o aprendizado e negligenciam a
possibilidade de um aprendizado casual por observação do resultado da ação (o primeiro dos dois
processos descritos por Heyes).
No mesmo espírito de Heyes (2003) e Asendorpf et al (1996) distinguem três níveis
sucessivos de processos de imitação próprios ao comportamento humano. Em um primeiro
estágio do seu desenvolvimento cognitivo, as crianças se tornam capazes de imitar atividades não
familiares de estranhos. Segundo estudos recentes, esse primeiro estágio de imitação é observado
em crianças de nove a quatorze meses de idades. Imitar o comportamento alheio significa aqui
meramente copiar a conduta manifesta de um modelo, sem apreender a intenção ou objetivo da
sua conduta. Em um segundo estágio, as crianças se tornam capazes de reconhecer a relação entre
seu comportamento e o comportamento observado do seu modelo. Segundo Lewis e Brook-Gunn
(1979), essa forma de imitação é observada pela grande maioria das crianças com doze meses de
idade. Já no terceiro e último estágio cognitivo, as crianças se tornam então capazes de se engajar
em uma forma sincrônica de imitação Asendorpf et al (1996) na qual elas se tornam capazes de
tomar a perspectiva alheia, ou seja, apreender as intenções da ação do modelo.
Na próxima seção, examinaremos então as formas de imitação que estariam presentes nos
três primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.
110
9.2 Imitação na primeira infância
O primeiro caso que nos importa aqui é a atribuição de uma forma primitiva de
autoconsciência relativa ao segundo nível do desenvolvimento cognitivo (situação). Como
observamos, a imitação dos recém-nascidos dos movimentos de protusão da língua e dos
movimentos faciais é considerada como uma evidência empírica conclusiva em favor da hipótese
da existência de uma forma rudimentar de autoconsciência no segundo estágio do
desenvolvimento cognitivo (situação). A razão é óbvia: se toda imitação pressupusesse a tomada
da perspectiva do modelo a ser imitado, não poderia haver imitação sem autoconsciência em
sentido próprio.
Entretanto, não nenhuma evidência empírica de que tal processo de imitação de
protusão da língua e dos movimentos faciais nos neonatos suponha efetivamente a tomada da
perspectiva da terceira pessoa, i.e., a perspectiva do modelo a ser imitado. Ademais, é importante
acrescentar que é empiricamente implausível que neonatos, como animais em geral, sejam
capazes de tomar a perspectiva de terceiros, ou seja, apreender suas intenções. Ora, à luz do
princípio da parcimônia explicativa, a imitação dos neonatos passa a ser facilmente entendida
como resultado do processo mais rudimentar de imitação, o que Heyes denomina mimese
(mimic). Segundo o modelo proposto por Asendorpf et al (1996), teríamos ai apenas o primeiro
dos três estágios do processo de imitação manifesto pelo comportamento humano.
Como observamos, se a imitação na primeira e segunda fase do desenvolvimento
cognitivo da criança envolvesse a tomada da perspectiva do modelo a ser imitado, então as
evidências disponíveis nos permitiriam atribuir inequivocamente autoconsciência às crianças
nessas fases, uma vez que não se pode tomar a perspectiva de outrem sem se ser autoconsciente.
Mas como assinalamos, a imitação manifesta pelo comportamento da criança nas referidas fases
se reduz à mera mimese ou à imitação sensível ao resultado da ação (sem envolver a tomada da
perspectiva do modelo).
Mas e quanto à terceira fase do desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, será
que ai não estaria manifesta a imitação sensível às intenções do modelo? Os trabalhos que melhor
apóiam a hipótese de uma imitação sincrônica nesse terceiro estágio do desenvolvimento
cognitivo são de Meltzoff (1995) e Carpenter, Akhtar e Tomasello (1998). A primeira descoberta
111
de Meltzoff (1995) foi que crianças aos 18 meses de idade estão propensas, por exemplo, a
separar os halteres, quando observam um adulto tentando e fracassando, ou quando vêem adultos
separando com sucesso as partes de um brinquedo. Ainda segundo Meltzoff, crianças com
dezoito meses de idade estão menos propensas a separar o brinquedo quando vêem pinças
mecânicas “tentando e fracassando” nessa tarefa do que quando observam humanos adultos
fazendo a mesma coisa. Esse resultado foi interpretado como uma evidência que a criança nessa
fase estaria imitando um modelo ao apreender suas intenções. Carpenter et al (1998) mostraram
que crianças de 14-18 meses estariam mais propensas a copiar ações quando o modelo diz “Isso”
do que quando o modelo diz “Opa”. Esses dados são então interpretados como evidências de que
ações infantis que se seguiriam ao “isso” estariam imitando o modelo ao atribuir-lhe intenções.
Entretanto, embora esses dados disponíveis indiquem claramente que a criança com doze
meses seja sensível ao resultado das ações realizadas pelo modelo (outcome-sensitive
imitation), os mesmos dados não podem ser considerados como conclusivos no sentido de que a
imitação nessa fase já seria sensível as intenções ou fins da ação. Em primeiro lugar, a propensão
das crianças a partir do dezoito meses em separar os alteres ao observarem um adulto fazê-lo
pode ser facilmente explicada tanto pela forma mimética elementar de imitação quanto pela
forma de imitação sensível ao resultado da ação, mas não às intenções do modelo. Assim, a
criança estaria observando o modelo aplicar uma pressão externa às duas partes dos halteres, e
replicaria fielmente o movimento observado de acordo com Heyes (1993).
Uma explicação alternativa também existe para o segundo exemplo de Meltzoff (1993) é
a de que as crianças que viam as pinças mecânicas tocando os “brinquedos” viam
simultaneamente a um adulto operando o artefato sem os tocar. Ora, parece então plausível supor
que as crianças do grupo das pinças estão menos propensas a separar o brinquedo do que aquelas
que vêem o modelo humano o manipulando, não porque o primeiro grupo tenha apreendido as
intenções do modelo enquanto o segundo as tenha ignorado, mas porque o grupo das crianças que
observou as pinças mecânicas copiou de forma passiva o seu modelo humano de forma passiva e
evitou entrar em contato direto com os halteres. Por último, a propensão das crianças a imitar as
ações do modelo quando ouvem “issoao invés de “opa” não provam que as crianças estejam
apreendendo as intenções do modelo. É plausível que antes que as crianças compreendam o que
sejam desejo ou intenção, elas já tenham apreendido que imitar uma ação acompanhada pelo som
de “Opa” provavelmente obtenha menos gratificação do que imitar uma ação acompanhada por
112
“Isso”. Consequentemente, como outros experimentos similares de acordo com Carpenter,
Akhntar e Tomasello, (1998), o trabalho de Carpenter et al sugere que a imitação de crianças é
regulada pelas sequências ou consequências observadas da ação do modelo e, enquanto tal, é
sensível ao resultado (outcome-sensitive), mas certamente o é sensível às intenções e desejos
do modelo (imitação sincrônica).
Em suma, nada parece indicar conclusivamente que crianças no terceiro estágio do seu
desenvolvimento cognitivo (identificação) sejam capazes de realizar imitações sincrônicas.
Pergunta-se então se ainda assim podemos atribuir às crianças nas referidas fases alguma forma
primitiva de autoconsciência. Segundo Heyes:
Se a autoconsciência for entendida significando meramente a capacidade em discriminar
o input sensorial gerado pelo próprio corpo daquele originado alhures, então a imitação
implica efetivamente autoconsciência. Um indivíduo dificilmente poderia estabelecer a
equivalência do input visual que recebe acerca do comportamento de outro animal e um
input que recebe em feedback sobre as suas próprias ações se ele não fosse capaz de
distinguir o último tanto do primeiro quanto de um input exterior. Entretanto, se
imitação for definida dessa forma mínima, então ela também poderia fornecer uma prova
que animais não-humanos são autoconscientes. A capacidade de distinguir inputs
sensoriais extrínsecos de inputs de si mesmo em feedback está implicada em proezas tais
como evitar a colisão quando em locomoção. Se, por outro lado, autoconsciência for
entendida como percepção fenomenal de um eu existencial (Gallup 1982), então não está
claro que os dados comportamentais possam fornecer evidência persuasiva de tal
condição privada e última [...] HEYES, 1993, 1007).
Mas como vimos na primeira parte desse trabalho, mesmo aqueles que advogam em favor
da existência de formas não-conceituais a autoconsciência, como Bermúdez (1998), entendem
por autoconsciência uma forma de auto-referência consciente. Ora, a mera capacidade de
discriminar estímulos visuais que se originam alhures de estímulos visuais que se originam no
próprio corpo (pressuposta para a imitação sensível aos resultados da ação (outcome-sensitive
imitation), não significa obviamente a capacidade de se auto-representar de forma consciente.
9.3 Conclusão
No presente capítulo apresentamos os três diferentes sentidos de imitação, a saber, a
imitação mimética (mimic), a imitação sensível aos resultados da ação do modelo a ser imitado
(outcome-sensitive imitation) e a imitação sensível às intenções e fins do modelo (intention-
113
sensitive imitation). Demonstramos em sequência que as duas formas inicias de imitação
contempladas nos três primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo não pressupõem tomada
de perspectiva do modelo a ser imitado e, portanto, não implicam em uma forma legítima de
autoconsciência e, que a terceira forma de imitação descrita é, de fato, a única forma autêntica de
autoconsciência. Acreditamos ter comprovado, desta forma, a partir dos dados empíricos
apresentados, que a imitação infantil nas três primeiras fases do seu desenvolvimento cognitivo e
emocional não pressupõe a tomada de perspectiva (a saber: às intenções) do modelo que se busca
imitar. Assim, a imitação infantil nesse período tampouco pressuporia formas primitivas e não-
conceituais de autoconsciência. O próximo capitulo está consagrado ao exame crítico do suposto
reconhecimento por parte de animais não-humanos e da criança das suas respectivas próprias
imagens especulares.
10 A RECOGNIÇÃO DA PRÓPRIA IMAGEM ESPECULAR
O capítulo presente compreende quatro pequenas seções. A primeira está consagrada a um
exame crítico do chamado teste da marca de Gallup. Nessa seção, endossaremos duas importantes
teses de Heyes (1993, 1994, 1995). A primeira tese é a de que os experimentos de Gallup que
atribuem aos chipanzés adultos uma capacidade de recognição da própria imagem especular são,
no mínimo inconclusivos. Os mesmos resultados observados também seriam compatíveis com a
hipótese rival de efeito anestésico. Ademais, mesmo se admitíssemos que os chipanzés de Gallup
são capazes de discriminar suas imagens especulares das imagens dos seus co-específicos, disso
não se seguiria em absoluto que eles são autoconscientes.
A segunda seção está consagrada a uma exposição pormenorizada da aplicação do teste da
marca a crianças de nove meses a três anos de idade. A idéia aqui é fazer um levantamento do
teste e da grande acolhida que possui entre os principais nomes da psicologia contemporânea. A
terceira parte é a mais breve das quatro. Está consagrada ao exame da metodologia envolvida por
tais testes em crianças. Nela levantamos duas ordens de problemas que lançam sérias suspeitas
sobre os resultados.
114
Na quarta de última seção realizamos uma crítica da noção de recognição presente em tais
experimentos. Pretendemos defender ao longo desse capítulo a seguinte tese. Não evidências
conclusivas nem que animais não-humanos nem crianças dos dezoito meses ao terceiro ano de
idade estejam efetivamente se reconhecendo no espelho. Mesmo admitindo que uns e outros
reajam distintamente quando expostos à própria imagem e à imagem especular de terceiros, tal
reação diferenciada pode ser entendida como uma simples discriminação entre formas
proprioceptivas em feedback de informação de formas exterioceptivas de informação sobre
terceiros.
10.1 O teste da marca e a hipótese do efeito anestésico
A história da recognição da própria imagem refletida é longa. Mitos e lendas retratam
humanos contemplando a própria imagem especular pelo menos 3000 anos de acordo com
Swallow (1937). Na história da ciência, há mais de cem anos atrás seguindo Preyer (1893) e
Darwin (1877), ambos já observavam que as crianças pequenas manifestavam grande curiosidade
pela própria imagem especular. Entretanto, é a partir do trabalho seminal de Gallup (1970) que o
reconhecimento da própria imagem especular se torna um objeto de estudo sistemático da
psicologia animal e humana. Inicialmente, acreditava-se que, além dos humanos, apenas os
chimpanzés seriam capazes de reconhecer a si mesmos no espelho. Mais recentemente, a mesma
capacidade foi atribuída a outros grandes mamíferos não-primatas, como por exemplo, os
elefantes.
O teste da marca é um experimento popular e que acabou se tornando um trabalho de
referência para a atribuição de reconhecimento da própria imagem especular e atribuição de uma
forma primitiva de autoconsciência. Gallup desenvolveu suas pesquisas e experimentos na
década de setenta do século passado. Como é notório, animais não-humanos quando contemplam
a própria imagem especular respondem tipicamente como se estivesse observando outro animal
da mesma espécie. Gallup expunha chipanzés a um espelho durante dez dias. Inicialmente, eles
apresentavam respostas direcionadas a terceiros (respostas que seriam típicas em presença de
outros chipanzés). Entretanto, depois de dois ou três dias, eles começaram exibir formas de
115
comportamento auto-direcionadas, por exemplo, tocar em partes dos seus corpos que seriam
visualmente inacessíveis sem o espelho. Gallup então anestesiava os animais e colocava uma
macha vermelha, inodora, não-irritante sobre uma sobrancelha e sobre a orelha do lado oposto.
Após a recuperação da anestesia, os animais eram observados antes e depois que os espelhos
fossem reintroduzidos.
Observou-se então que os animais tocavam e exploravam então as áreas marcadas na
presença do espelho com uma frequência vinte cinco vezes maior do que a frequência de toques
espontâneos sobre as marcas observada na condição de ausência do espelho. Ademais, eles
cheiravam e examinavam visualmente os dedos que tocaram as marcas. Chipanzés do grupo de
controle, que não tinham sido expostos anteriormente ao espelho, mas também foram
anestesiados e marcados, não exibiam condutas auto-direcionadas quando os espelhos foram
introduzidos. Gallup concluiu então que chipanzés possuiriam uma capacidade cognitiva de se
auto-reconhecer no espelho, possuindo assim uma forma de primitiva autoconsciência de acordo
com Gallup (1970, 1977) e Suarez (1991).
Nessa seção defenderemos duas teses de Heyes contrarias a hipótese de Gallup et al Em
primeiro lugar, acreditamos como a referida autora que os trabalhos envolvendo espelhos não são
suficientes para se estabelecer de forma conclusiva que primatas não-humanos estejam utilizando
o espelho para obter informações sobre seu próprio corpo. Ademais, também acreditamos como
Heyes que mesmo que aceitemos para fins de argumentação que os chipanzés de Gallup reagem
de forma bem diversa quando contemplam a própria imagem e a imagem especular dos seus co-
específicos, há explicações parcimoniosas que excluem a atribuição de autoconsciência aos
agentes. Segundo Heyes (1995), as lacunas na pesquisa de Gallup resultam: (1) de um
planejamento experimental insuficiente; (2) de resultados experimentais não confiáveis, (3) de
comparações injustificáveis no cruzamento de dados experimentais (cross-experimental); (4) de
falsas inferências; (5) de observações inconsistentes. A conclusão pretendida por Gallup não é
convincente por inúmeras razões:
(I) O auto-reconhecimento e utilização da anestesia
Dois aspectos da metodologia utilizada parecem comprometedores. Primeiro, os animais
testados apresentavam uma alta frequência basal de toques faciais espontâneos,
independentemente da nova situação criada pelo experimento. Segundo, os animais foram
testados apenas poucas horas após os anestésicos terem sido administrados. Ora, como os animais
116
foram observados na condição de ausência de espelho antes que tenham sido observados na
condição da presença do espelho, é bem possível que eles tivessem tocado suas marcas com
maior frequência na presença do espelho do que na ausência não porque eles tivesse se utilizado
do espelho para detectar as marcas, mas porque eles haviam se recuperado um pouco mais dos
efeitos do anestésico e seu nível de toque facial espontâneo havia retornado quase ao normal
Heyes (1995) denomina essa hipótese de hipótese do efeito anestésico.
(II) Parâmetros temporais do teste:
Gallup et al (1995) descrevem como sendo surpreendente a diferença entre a frequência
do toque na marca na condição de ausência do espelho e na condição de presença do espelho,
afirmando ser improvável que os resultados alcançados tivessem relação com o tempo de
recuperação dos anestésicos.
(1) A recuperação teria que ter sido abrupta, pois somente desta forma o efeito de
recuperação da anestesia produziria alguma diferença;
(2) A maior parte das respostas relacionadas à marca ocorreu logo após o espelho ser
apresentado e não antes;
(3) Os intervalos das anestesias testados entre 2 e 7 horas foram empregados com
resultados positivos.
Entretanto, por mais surpreendente que possa parecer, o resultado do teste da marca não é
estatisticamente confiável. Muito dessa aparente “surpresa” advém do fato de que Gallup e seus
associados Gallup (1970) e Gallup et al (1971) e Suarez e Gallup (1981) apresentaram seus
resultados na forma de dois grupos com a contagem totalizada, ou seja, o número de toques nas
marcas realizados por todos os membros dos grupos de animais na condição de presença do
espelho e na condição de ausência do espelho. Essa prática torna impossível de se avaliar de
forma confiável os efeitos e a sua magnitude para cada animal considerado individualmente.
Ninguém deveria se surpreender com o fato, portanto, que os resultados obtidos por
outros autores sejam bem mais “modestos” que os de Gallup. Seguindo Heyes, destacamos
alguns deles a seguir. Calhoun e Thompson (1988) descobriram que após fracassarem em tocar
suas marcas no período de ausência do espelho, cada um dos dois chipanzés que foram testados
apresentou apenas duas respostas positivas na condição de presença do espelho. Trinta chipanzés
testados por Povinelli et al (1998) tocaram suas marcas em dia de 2,5 a 3,7 vezes na ausência
do espelho e 3,9 a 8,0 vezes na presença do espelho. Swartz e Evans (1991) relataram que apenas
117
um de onze chipanzés tocaram mais suas marcas na presença do espelho comparativamente a
condição de ausência e em média 3,3 a 3,7 toques ocorreram na ausência do espelho enquanto 2,9
a 7,19 foram realizados na sua presença. Em todos esses experimentos realizados com a ausência
e com a presença do espelho o período de exposição foi de 30 minutos de duração. Assim, para
uma explicação satisfatória do comportamento tipicamente observado de “tocar a marca” não
seria necessária uma recuperação anestésica abrupta ou que esta fosse uniforme entre as espécies.
Mas um novo problema se coloca em relação à distribuição temporal de respostas dentro
do período de observação. Não qualquer publicação de dados quantitativos demonstrando que
o toque na marca é mais frequente no inicio do período da condição de presença do espelho do
que ao final desse período, ou que o contraste entre o período de ausência e o da presença do
espelho é maior quando a fração final do primeiro período é comparada a fração inicial do
segundo Heyes (1995, 1534). Se tais dados estivessem disponíveis, tanto a hipótese de Gallup
quanto a hipótese de que a introdução do espelho aumenta a frequência de toques se tornariam
mais plausíveis.
(III) Estudos sem anestesia:
Como a hipótese de Heyes do efeito anestésico previa, uma avaliação de todos os
resultados publicados do teste da marca revela que todos os animais que passaram no teste eram
membros de espécies com alta frequência basal de toques faciais e, ademais, tinham sido
marcados por meio do procedimento anestésico e não, por exemplo, no curso de uma interação
lúdica ou no sono (Heyes, 1994). Para falsificarmos ou infirmarmos a hipótese do efeito
anestésico devemos dispor de evidências que indiquem que uma espécie de animais é capaz de
passar no teste quando: (1) a espécie apresente uma baixa frequência basal de toques espontâneos
no local da marca e (2) os indivíduos testados tenham sido marcados sem a utilização de
anestesia.
Embora o trabalho realizado por Povinelli (1983) com elefantes, Elaphus maxmus, não
nos permita saber se estes foram marcados de forma apropriada, os macacos-ursos, macaca
artoides, testados por Anderson (1983), e os chipanzés e orangutangos testados por Robert (1986)
aparentemente satisfazem pelo menos uma das condições supra-referidas. Por esta razão, os
resultados desses experimentos poderiam colocar em xeque a hipótese do efeito anestésico.
Entretanto, não é isso que se observa. Os dados de Povinelli (1989) e Anderson (1983) são
compatíveis tanto com a hipótese de efeito anestésico quanto com a alegação de Gallup de que
118
seu teste da marca é capaz de detectar um exame corporal guiado pelo espelho ou auto-
recognição.
Uma vez que nos experimentos realizados por Robert, os chipanzés e orangotangos não
foram anestesiados, como a hipótese do efeito anestésico previa, eles fracassam no teste da
marca. Entretanto, Gallup e Cia. encontraram uma forma de explicar tal fracasso sem abrir mão
da sua hipótese teórica original. Segundo esses autores, os indivíduos testados por Robert eram
demasiado jovens. Essa alegação é excepcional uma vez que os trabalhos em psicologia do
desenvolvimento animal de acordo com Povinelli et al (1993) não apresentam nenhum indicador
confiável de uma relação entre as idades dos chipanzés testados e a sua e performance no teste da
marca segundo Heyes (1995).
Em dois experimentos, Povinelli et al (1993) utilizaram 38 chipanzés com idades que
variavam de 3 anos e 4 meses ate 31 anos e 8 meses. Foi registrado o mero de vezes que cada
chipanzé tocava suas marcas na ausência do espelho (controle) e na presença do espelho (teste).
Na segunda condição, as respostas também eram classificadas como “monitoramento no espelho”
(o animal estava contemplando o espelho ou estaria em frente ao espelho examinando-o) ou “não
monitoramento no espelho” (o animal estava contemplando o espelho ou estaria em frente do
mesmo sem o examinar). Os dados foram então distribuídos em categorias de idades por
Povinelli et al (1993).
Ora, avaliando os resultados obtidos, podemos extrair uma série de conclusões. (1) Os
experimentos de Povinelli e Cia. não apresentam nenhuma prova confiável que chipanzés mais
novos sejam menos capazes no teste da marca. (2) Mas mesmo que os dados obtidos apontassem
na direção de uma correlação entre idade e performance no teste da marca, ainda assim ela não
corroboraria a hipótese de Gallup em detrimento da hipótese do efeito anestésico por uma
simples razão. Segundo a hipótese do efeito anestésico, o tempo da recuperação da anestesia
juntamente com a frequência basal dos toques faciais espontâneos são as variáveis determinantes
no resultado de teste. Assim, podemos conjecturar ou que os chipanzés mais jovens levem mais
tempo para se recuperar dos efeitos da anestesia ou que tenham uma frequência basal inferior de
toques faciais espontâneos (à frequência dos animais mais velhos).
Com base em um trabalho não publicado de T.J. Eddy, D.J. Povinelli e G.G. Gallup,
Gallup et al alegam o teste da marca teria detectado, no entanto, um padrão de comportamento
auto-direcionado (self-directed behavior) nos chipanzés mais velhos, provando assim que a auto-
119
recognição desses animais no espelho é distinta de casos usuais e banais de auto-asseio ou de
coceiras ou toques corporais. Esse experimento não publicado pretende poder mostrar que
observadores humanos podem distinguir de forma confiável os comportamentos auto-
direcionados de chipanzés com a idade de 7 a 10 anos em presença do espelho e diante de vídeos
dos seus co-específicos. A idéia é a de que chipanzés diante do espelho manifestam uma maior
quantidade de comportamentos na forma auto-direcionadas de condutas do que diante do vídeo
dos co-específicos.
Ora, mesmo que haja uma diferença quantitativa, o experimento não apresenta nenhuma
diferença qualitativa que nos leve a crer que o comportamento observado na presença do espelho
tenha sido efetivamente mediado pelo próprio espelho. Essa diferença quantitativa pode ser
explicada em outros termos. Podemos então conjecturar que os animais diante do espelho estejam
apresentando a frequência basal usual de toques faciais espontâneos. A frequência desse
comportamento fica abaixo no seu nível basal na presença do vídeo porque ele é substituído pelas
repostas aos co-específicos no filme.
É importante salientar, ademais, que o trabalho não publicado de Eddy et al em momento
alguma responde à questão crucial que tal experimento sugere: o que significa falar de um
comportamento auto-direcionado? Podemos afirmar, a partir da observação de um animal diante
do espelho, que a sua conduta é auto-direcionada? Dizer que a conduta é auto-direcionada
implica dizer que ela é motivada por uma representação da própria imagem especular e ainda que
ao realizar tal comportamento o indivíduo testado saiba que a conduta em questão está
direcionada a ele próprio* e não a uma terceira pessoa. Ora, a exposição ao espelho e ao vídeo
dos co-específicos é incapaz de captar adequadamente essa distinção crucial entre uma forma de
conduta direcionada a si mesmo e uma conduta direcionada a outrem porque, como salientamos
acima, podemos conjecturar que os animais diante do espelho estejam simplesmente
apresentando a frequência basal usual de toques faciais espontâneos.
A noção de uma conduta auto-direcionada nos trás de volta “às implicações da auto-
recognição para a auto-concepçãopretendidas por Gallup. Concedamos caridosamente a Gallup
e Cia. que seus experimentos com primatas sejam conclusivos e que a hipótese rival do efeito
anestésico de Heyes seja falsa. Assim, as evidências disponíveis estariam indicando
inequivocamente que chipanzés mais velhos são capazes de examinar o próprio corpo
reconhecendo-o como próprio. A pergunta agora é se esse reconhecimento da própria imagem
120
especular nos permitiria atribuir ao animal uma “concepção de si” ou um “conceito de si”, nas
palavras do próprio Gallup. Vale a pena conferir o que uma filósofa, como Baker, tem a dizer a
respeito:
Sem querer entrar aqui na discussão sobre a interpretação da pesquisa de Gallup [...],
gostaria de salientar apenas que em qualquer interpretação razoável esses chipanzés e
macacos estão ainda muito longe da autoconsciência humana. Assim, temos um grau
superior do fenômeno da primeira pessoa.Um ser consciente que exibe o fenômeno da
primeira pessoa forte (strong) não é apenas capaz de reconhecer a si mesmo a partir de
uma perspectiva da primeira pessoa, como fazem os chipanzés de Gallup, mas também
de pensar em si mesma enquanto si mesma. Para termos o fenômeno da primeira pessoa
forte não é suficiente ser capaz de distinguir a primeira da terceira pessoas; deve-se
também ser capaz de conceituar a si mesmo enquanto si mesmo (BAKER, 1998, p.4).
Segundo Baker, Gallup se equivoca então ao supor que a recognição da própria imagem
especular nos permita atribuir ao animal uma “concepção de si” ou um “conceito de si”. O
reconhecimento da própria imagem especular seria antes um indicativo daquilo que Baker
denomina fenômeno da primeira pessoa fraco, ou seja, a capacidade manifesta pelo individuo em
distinguir a própria imagem especular da imagem dos seus co-específicos, de distinguir a
primeira da terceira pessoas. A autoconsciência humana ou o fenômeno da primeira pessoa forte
exigiria, em contrapartida, uma conceituação da própria imagem especular como sua imagem, ou
seja, exigiria a conceituação da própria diferença crucial entre a primeira e terceira pessoas.
É incontestável que os primatas de Gallup não estejam conceituando a si mesmos
enquanto tais ou não estejam conceituando a própria distinção entre primeira e terceira pessoa e
que, portanto, a despeito do que afirma Gallup, não absolutamente nada nos resultados dos
experimentos que indiquem que tais animais possuiriam uma compreensão ou conceituação de si.
Entretanto, ainda não sabemos em que sentido específico os animais estariam discriminando a
sua própria imagem da imagem especular dos seus co-específicos quando reagiriam distintamente
a umas e outras. Heyes apresenta uma explicação bastante convincente para tal fenômeno:
Para responder a essa questão, é necessário reexaminar o tipo de estimulação fornecida
pela imagem especular. Gallup a descreve como uma sensação de si e conclui que ela
envolve um conceito de si. Essa explicação é insatisfatória porque espelhos não são
distintivos em fornecer sensações de si. Animais recebem sensações de si, ou seja, inputs
sensoriais gerados por um estado e por operações no próprio corpo, a maior parte do
tempo, seja quando eles olham para alguma parte do próprio corpo, se cossam, ou
vocalizam. O que distingue a estimulação oriunda da própria imagem especular de outras
formas de sensação de si que ocorrem naturalmente é que ela consiste em um feedback
visual deslocado original (novel displaced visual feedback) sobre o estado físico do
animal e seu comportamento. É um ‘feedback’ em virtude da relação contingente com o
121
estado do animal e seu comportamento; é ‘deslocado’ uma vez que a imagem não é
espacialmente contígua ao corpo que ela representa. Fenômenos naturais como sombras,
o silêncio e poças d’água claras são capazes de produzir inputs similares. Entretanto, a
estimulação oriunda da imagem especular é ‘original’ no sentido em que antes da
exposição ao espelho nem o próprio animal nem seus ancestrais provavelmente tiveram
uma experiência de feedback visual deslocado (HEYES,1994, 916).
Assim, se deixarmos a hipótese contrária do efeito anestésico de lado e admitirmos para
fins de argumentação que os resultados dos experimentos de Gallup atestam conclusivamente que
seus chipanzés estariam reagindo de forma distinta à sua própria imagem e à imagem especular
de co-específicos, possuímos agora uma explicação para tal fato que independe de qualquer
postulação de formas primitivas de autoconsciência. O chipanzé de Gallup estaria reagindo
distintamente no sentido preciso em que estaria reagindo distintamente a uma informação visual
proprioceptiva em feedback da própria imagem, que ele obtém sob a forma de um feedback
visual deslocado e original, de uma informação exterioceptiva que ele obtém da imagem de
terceiros. Ora, ao discriminar essas duas formas de informação, ele ainda não estaria se*
reconhecendo na imagem especular, ou seja, sabendo que a imagem é ele próprio.
Na próxima seção elencaremos os supostos resultados obtidos da aplicação do teste da
marca e outros similares a crianças pequenas. É com base nesses dados que a grande maioria dos
pesquisadores contemporâneos sustenta erroneamente ao nosso juízo - que a partir dos dezoito
meses e antes do terceiro para quarto ano de vida, as crianças seriam capazes de se identificar
com a própria imagem especular.
10.2 O teste da marca em humanos
Motivados por experimentos com animais não humanos, muitos pesquisadores da área da
psicologia do desenvolvimento vem realizando importantes experimentos com crianças pequenas
em torno da capacidade do reconhecimento da própria imagem especular. Os trabalhos
Amsterdan (1972), Dixon (1957) e Bertenthal e Fisher (1978) se destacaram nas últimas décadas
pela forma sistemática e que até hoje servem como referência para outros trabalhos nesta área de
pesquisa.
Os autores observaram crianças (88, 68 e 48 respectivamente) com idades que variavam
entre 3 meses e 24 meses de idade e observaram suas reações ao serem expostas ao espelho
122
buscando estabelecer uma relação entre as idades e os estágios de seu desenvolvimento a partir
do comportamento apresentado em relação ao espelho. Dixon (1957) descreve quatro estágios:
(1) “Mãe”, (2) “coelhinha”, (3) “quem fez aquilo quando eu fiz aquilo?”, (4) “Copiar”. No
estágio “mãe”, as crianças se divertem observando os movimentos do outro no espelho; No
estágio “coelhinha”, as crianças respondem de forma divertida a sua própria imagem; No terceiro
estágio, as crianças estão interessadas em observar ações dela mesma. Por último no estágio
“Copiar”, as crianças agem timidamente, envergonhadamente ou amedrontadas em frente ao
espelho. Dixon acredita que o último estágio é indicativo de auto-recognição.
Os estágios propostos por Amsterdan são bastante similares. O primeiro envolve respostas
sociais no espelho (a criança sorri e emite sons a partir de aproximações com o espelho). O
segundo é descrito como o início da autoconsciência (agindo autoconsciente de forma tímida e
amedrontada e desviando do olhar mais fixo). O terceiro estágio envolve a auto-recognição
propriamente dita (comportamento auto- direcionado ao invés de um comportamento direcionado
ao outro). Enquanto o estágio social compreende o intervalo dos 6 aos 12 meses de idade, o
estágio de transição vai dos 12 aos 18 meses de idade e o estágio de auto-recognição de 20 a 24
meses de idade. Haveria assim uma pequena sobreposição entre os estágios.
Bertenthal e Fisher (1978) dividiram as crianças em seis grupos de acordo com as idades e
estabeleceram 5 tarefas em sequência a saber: “exploração tátil”, “a tarefa do chapéu”, “a tarefa
do brinquedo”, “a tarefa da marca vermelha” e “a tarefa do nome”. Na primeira tarefa, as crianças
eram colocadas em frente ao espelho de forma a contemplá-lo por um período de três minutos. A
criança deveria simultaneamente olhar e tocar uma parte de seu próprio corpo a partir de sua
imagem no espelho. Na segunda, a criança era vestida de uma maneira especial com um chapéu
em sua cabeça e então colocada em frente ao espelho por um período de dois minutos. Nesse
tempo teria que olhar sua imagem especular e imediatamente olhar para o chapéu ou tentar retirá-
lo de sua cabeça, demonstrando um comportamento de conexão direta entre a imagem do chapéu
no refletida no espelho e a ação de pegar o chapéu de verdade. Na tarefa do brinquedo, a criança
é colocada em frente ao espelho e, enquanto contempla o espelho, um brinquedo é descido do
teto para trás dela até se tornar visível por meio do espelho colocado num vel um pouco acima
da sua visão. Dentro de trinta segundos após o primeiro olhar da criança, ela deveria ser capaz de
olhar a imagem do brinquedo no espelho e virar diretamente na direção do brinquedo real.
123
Na tarefa da marca vermelha, uma pequena marca é aplicada no nariz da criança. Após
um período livre de jogos e brincadeiras, o espelho é trazido para o ambiente e a criança colocada
em frente a ele. Num período de três minutos, a criança tem que olhar na direção do espelho e
tocar seu próprio nariz ou indicar verbalmente que tem algo diferente nela própria. Na quinta e
última tarefa, a criança era colocada em frente ao espelho. A mãe fica próxima a criança em uma
posição tal que sua imagem não seja refletida no espelho no ângulo de visão da criança. E então
aponta para a imagem da criança no espelho e pergunta: “quem é?” Imediatamente após a
pergunta, a criança deveria ser capaz de responder dizendo o seu próprio nome.
Com base nos supostos resultados expressivos desses experimentos com crianças acima
de 18 meses de idade (i.e., 65% das crianças testadas demonstraram resposta favorável), a grande
maioria dos pesquisadores contemporâneos como Rochat (2003) advoga a tese de que em torno
dos dois anos de idade a criança (fase cognitiva aqui denominada identificação), ao explorar sua
própria imagem especular a criança já daria sinais inequívocos de que é capaz de se identificar ao
indivíduo cuja imagem especular ela contempla. É importante salientar, contudo, que dos 14 aos
18 meses, não haveria evidências em apoio à suposta auto-recognição mediante o espelho. Os
bebês parecem ser capazes apenas de discriminar a sua própria imagem da imagem de outra
criança. Estudos de Bahrick, Moss e Fadil (1996) indicariam que bebes de 5 a 6 meses tendem a
se mobilizar mais com um vídeo pré-gravado de outra criança da mesma idade comparado a outro
vídeo pré-gravado deles próprios vestidos de forma semelhante. Crianças dessa idade
demonstrariam uma clara preferência à exploração da imagem de um terceiro do que da
exploração da própria imagem a partir de Fantz (1964) e Rochat (2001). Ademais, a despeito
dessa acuidade perceptual, no meio do primeiro ano de vida, elas ainda seriam incapazes de
detectar uma mancha colocada em sua face ou mesmo um “post it” amarelo que é subitamente
aplicado em sua testa quando olham para sua própria imagem refletida de acordo com Bertenthal
e Fisher (1978) e Povinelli (1995). Apenas a partir dos dezoito meses, as crianças se tornariam
capazes de detectar e de explorar as marcas introduzidas pelos experimentadores em seus
próprios corpos.
Essa capacidade de auto-recognição no espelho estaria intimamente ligada a progressos
simbólicos. Assim, aos 18 meses de idade, as crianças começariam estabelecer contrastes entre
elas e outras pessoas em sua produção verbal. Elas expressariam funções semânticas que podem
ser vistas como sendo delas próprias ou de outros de acordo com Bates (1990). Segundo Bates
124
(1990), a aquisição da linguagem requereria um conceito ou uma representação de um sentido
pré-existente de eu como “ME” (eu como objeto) em oposição ao simples “EU” (eu como
sujeito). Assim, a capacidade de detecção de marcas e de sua exploração por meio de espelhos,
passou então a ser considerada como a evidência conclusiva da existência de uma forma
primitiva de autoconsciência.
Na próxima seção lançaremos dúvidas sobre a própria metodologia dos principais
experimentos que colocam seus resultados sob suspeita.
10.3 Problemas metodológicos
Os três estudos principais mencionados ao início da seção anterior levantam uma série de
questões metodológicas. Primeiro, a amostragem de ambos os estudos era pequena. Apenas cinco
crianças foram observadas longitudinalmente por Dixon (1957), e quatro crianças até os dois
anos de idade por Amsterdan (1972). Segundo, dificuldades ocorridas no procedimento do
experimento tornam suspeitos seus resultados. Exemplos: as crianças podiam observar tanto suas
mães quanto o observador no espelho; ademais as crianças foram confinadas em um cercadinho
por um período de 7 minutos e meio no experimento de Amsterdan. Essas dificuldades não são
casualidades facilmente sanáveis, mas apontam para problemas comuns a maior parte dos
trabalhos desse tipo: (1) A validação ecológica da situação (por exemplo: observadores não
estavam presentes na casa das crianças e não é usual as crianças brincarem com o espelho dentro
do cercadinho), (2) A dificuldade em estabelecer de forma precisa ao que a criança está
respondendo (por exemplo: a criança estaria interagindo com a sua imagem refletida no espelho,
com sua mãe ou com o observador quando sorri ou emite algum som?), (3) A falta de um critério
claro para: (a) definir o comportamento em cada um dos estágios, (b) a padronização dos
observadores e (C) a definição dos conceitos envolvidos.
O principal interesse desses estudos é averiguar se a aplicação da marca na testa ou em
outra parte do corpo afeta as respostas das crianças no seu contato com espelho e assim
identificar a possibilidade de auto-reconhecimento. A recognição da marca é claramente
demonstrada quando um número expressivo das crianças selecionadas na amostragem toca, retira
ou se refere verbalmente à marca aplicada. Entretanto, a observação de comportamentos
espontâneos anteriores de tocar o local da marca sem a aplicação da mesma deve ser considerado.
125
Como destacamos, no estudo realizado por Amsterdan alguns procedimentos que parecem ter
elevado o stress das crianças e consequentemente afetado a validade etológica de seu trabalho. O
confinamento das crianças no cercadinho por um longo período de tempo (aproximadamente 8
minutos), as roupas retiradas imediatamente após o teste, o acompanhamento a partir check-up
médico, além da presença de um observador estranho são fatores que certamente interferiram nos
resultados aferidos. Desta forma, apesar de apresentarem resultados expressivos no sentido da
comprovação da auto-recognição no espelho em crianças acima de 18 meses de idade (i.e., 65%
das crianças testadas demonstraram resposta favorável), os principais autores e seus estudos
parecem deixar muitas questões sem respostas. Desde a forma pela qual a marca foi aplicada, o
ambiente ao qual a criança foi submetida além das pessoas “estranhas” envolvidas no estudo
(observador e etc.), stress (espera no cercadinho por longo período), mudança de roupas de forma
inadequada e o estabelecimento de estágios (quatro ou cinco) que nos parece acrescentar mais
problemas com relação aos procedimentos metodológicos e a análise e discussão dos resultados
alcançados.
Na sequência, com base nos próprios dados fornecidos pelos pesquisadores, em particular,
na suposta ambiguidade da conduta manifesta pela criança aos dezoito meses diante da própria
imagem especular, mostraremos que o suposto “reconhecimento” ou a suposta “identificação”
com a própria imagem é pura especulação.
10.4 O que significa reconhecer-se no espelho
Como observamos na penúltima seção, acredita-se que a partir do décimo oitavo mês a
criança se tornaria então capaz de reconhecer a própria imagem refletida no espelho.
Curiosamente, contudo, alguns importantes pesquisadores alegam ainda haveria uma
ambivalência crucial no comportamento das crianças nessa fase. Elas ainda oscilariam entre
identificarem as próprias imagens especulares como elas próprias, ou seja, em primeira pessoa do
singular, e a identificarem tais imagens como imagens de uma terceira pessoa a contemplá-las de
acordo com Piaget (1962), Povinelli (2001) e Rochat (2001). Ora, para nós é bastante sintomático
que, segundo esses autores a ambiguidade perduraria até a fase crucial dos três aos quatro anos
justamente na qual a criança se torna inequivocamente consciente de si.
126
inúmeros dados conflitantes que atestam tal ambiguidade. Piaget relata, por exemplo,
que sua filha, Jaqueline, embora fosse capaz de discriminar sua própria imagem das imagens
especulares de terceiros aos de 23 meses de idade, ao retornar de uma caminhada, ela teria
comunicado ao pai que estaria retornando para rever seu pai, sua tia e a própria imagem refletida
no espelho. Quando indagada pele pai, “Quem está lá?Jaqueline seria perfeitamente capaz de
responder: em primeira pessoa. Não obstante, ela também manifestaria um distanciamento da
imagem, como se tratasse de uma terceira pessoa que estaria sendo contemplada de acordo com
Piaget (1962).
Em um exemplo mais recente, Povinelli (2001) relata um curioso comentário de uma
criança de aproximadamente 3 anos de idade observando ela mesma em uma TV com uma
etiqueta na testa. Ela teria dito: “É o Felipe... é uma etiqueta” e acrescentaria: Mas porque ele está
usando minha camiseta?”. Povinelli et al sustentam que crianças passam lentamente pelo dilema
entre o Eu e o não-Eu ao observarem suas imagens ao vivo ou um vídeo pré-gravado delas
mesmas. Uma criança de 3 anos de idade ou um pouco menos esboçaria a intenção de alcançar
uma etiqueta no topo de sua testa enquanto veria um vídeo ao vivo delas mesmas. Curiosamente,
elas não manifestariam o mesmo comportamento ao verem o mesmo vídeo feito apenas três
minutos antes. A esse fato Povinelli et al acrescentam que ao serem questionadas sobre quem
estaria presente no filme, somente crianças a partir de quatro anos de idade responderiam em
primeira pessoa ao invés de utilizarem seu nome próprio sugerindo uma perspectiva de primeira
pessoa em vez de uma perspectiva de terceira pessoa de acordo com Povinelli (1995, 2001).
Ora, essa ambiguidade crucial no período dos dezoito ao terceiro ano de vida é uma clara
evidência de que nessa fase a criança não está efetivamente se reconhecendo no espelho. Quando
muito, ela estaria representando a si mesma, ou seja, discriminando a sua própria imagem da
imagem especular de outrem. Essa distinção crucial entre representação e reconhecimento é
destacada nos trabalhos empíricos de Leslie (1987) e Perner (1991). Segundo esses autores,
crianças pequenas são capazes de formar “representações primárias” mais ou menos acuradas das
suas situações atuais. Entretanto, a partir do segundo ano de vida elas seriam capazes de
“representações secundárias”, quais sejam, cognições que representam situações passadas, futuras
ou hipotéticas em uma forma proposicional. Segundo os autores, a recognição da própria imagem
especular exigiria justamente a capacidade de entreter representações ditas secundárias uma vez
127
que exigiria a conexão ou identificação da imagem especular contemplado com o próprio
indivíduo que a contempla.
Segundo Asendorpf (1996), a capacidade de se reconhecer na imagem especular está
empiricamente associada à capacidade de se reconhecer a consciência de terceiras pessoas: em
ambos os casos uma representação secundária seria exigida. O reconhecimento da consciência de
terceiros exige a capacidade de representação secundária uma vez que aquela significa levar em
conta a perspectiva da outra pessoa e isso, por sua vez, é uma representação secundária: não é a
percepção de uma situação, mas antes a construção mental de uma imagem para a percepção da
outra pessoa dessa situação. Os dados empíricos do seu trabalho corroboram a suposição de que a
auto-recognição no espelho e a compreensão da perspectiva da terceira pessoa se desenvolvem
em estreita sincronia.
É importante salientar que a conexão entre a capacidade de reconhecimento da própria
imagem especular e a capacidade de compreensão da distinção entre as perspectivas da terceira e
da primeira pessoas não é apenas empírica, mas essencialmente conceitual. Inúmeros exemplos
atestam para o caráter conceitual de tal conexão. Um deles foi mencionado na primeira parte
desse trabalho. Vale a pena conferi-lo de novo. Após um dia de trabalho estafante, Ernst Mach
toma um ônibus de volta para casa. Mas ao adentrar no veículo, Mach observa um indivíduo
maltrapilho vindo na direção contrária à sua e pensa consigo mesmo: Olha como ele está
maltrapilho. Contudo, à medida que se aproxima do seu assento, Mach se conta de que estava
observando sua própria imagem refletida no espelho do interior do ônibus e que aquela pessoa
maltrapilha, a quem ele era ele próprio.
Se a criança dos dezoito meses até o terceiro ano demonstra uma ambivalência na sua
conduta, indicando uma incompreensão da distinção entre a perspectiva da terceira (ele está
maltrapilho) e da primeira pessoa (eu estou maltrapilho), ela não pode estar se reconhecendo na
própria imagem especular que contempla. Na melhor das hipóteses, nessa terceira fase do seu
desenvolvimento cognitivo, ela estaria apenas discriminando a sua imagem especular da imagem
de terceiros. Aqui podemos mais uma vez recorrer à explicação de Heyes sobre a natureza da
discriminação envolvida. A criança estaria reagindo distintamente à própria imagem e a imagem
de terceiros no sentido em que estaria discriminado informações visuais proprioceptivas
deslocadas em feedback da própria imagem das informações exterioceptivas da imagem de
terceiros. Ora, ao discriminar essas formas de informação, mas sem ainda compreender a
128
distinção entre as perspectivas da primeira e da terceira pessoas, ele ainda não estaria se*
reconhecendo na imagem especular.
10.5 Conclusão
Acreditamos ter demonstrado ao logo do presente capítulo que não evidências
conclusivas nem que animais não-humanos nem crianças dos dezoito meses ao terceiro ano de
idade estejam efetivamente se reconhecendo no espelho. Mesmo admitindo que uns e outros
reajam distintamente quando expostos à própria imagem e à imagem especular de terceiros, tal
reação diferenciada pode ser entendida como uma simples discriminação entre formas
proprioceptivas em feedback de informação de formas exterioceptivas de informação sobre
terceiros. Na próxima sessão apresentaremos então a nossa explicação para a gênese da
autoconsciência e mais uma vez defenderemos a posição de que não é possível nos referirmos a
formas primitivas de autoconsciência sob ao ponto de vista conceitual e nem mesmo a partir de
uma abordagem empírica. Conforme vimos na segunda parte do presente trabalho, as evidências
empíricas apresentadas como sendo indicativas desta possibilidade se mostraram no mínimo
inconsistentes.
129
CONCLUSÃO
Como observamos na introdução desse trabalho, a postulação tanto de uma forma não
conceitual de autoconsciência reflexiva de Bermúdez quanto de uma forma pré-reflexiva e
onipresente de autoconsciência de Zahavi possui duas motivações fundamentais. A primeira é de
natureza empírica: ambos Freud e Piaget se equivocaram ao assumirem que crianças em uma fase
pré-linguística não seriam ainda capazes de representar objetos materiais. Ora, como é um fato
empírico que neonatos já seriam capazes de representar entidades contínuas e sólidas, seria
forçoso admitir, também contrariamente a Freud e Piaget, que representando objetos como
entidades contrapostas (Gegenstände) os neonatos também já estariam representando a eles
próprios como sujeitos de suas representações.
Mas como observamos na segunda parte desse trabalho, guiados pelas expressões
ambíguas “self” e “selfhood” os psicólogos contemporâneos incorrem em um non sequitur: da
simples existência de sujeito de representações não se pode inferir a capacidade de se auto-referir
de forma consciente. Assim, empregando o princípio da parcimônia explicativa, mostramos que
todas as evidências empíricas que supostamente apoiariam a suposição de formas primitivas de
autoconsciência seriam melhor entendidas como evidências em favor da existência de um sujeito
(e não de uma autoconsciência) que paulatinamente desenvolve capacidades cognitivas.
A segunda motivação central é de natureza estrutural: o dilema existente entre o regresso
infinito e circularidade viciosa. À luz das chamadas teorias de ordem superior (HO), o sujeito
tomaria consciência de si ao identificar a si mesmo por meio de um pensamento de ordem
superior como sendo o sujeito pensante de um pensamento de ordem inferior. Entretanto, o
sujeito poderia se identificar como tal se de algum modo soubesse que é o sujeito pensante
desse pensamento de ordem superior. Mas isso exigiria um pensamento de terceira ordem que
identificasse o sujeito como autor do pensamento de segunda ordem e, assim, indefinidamente.
Como observamos, contudo, proposições sobre si em primeira pessoa (I-thoughts) não envolvem
quaisquer meta-representações de si mesmo.
130
Esboço geral da ontogênese da autoconsciência.
A pergunta que o leitor atento deve estar se fazendo é como então a criança pequena
adquire tal capacidade de se auto-referir de forma reflexiva. Embora os diferentes níveis ou
estágios no desenvolvimento cognitivo não possam ser considerados formas primitivas de
autoconsciência, eles devem ser vistos como a base inicial da forma mais elementar e
fundamental de autoconsciência.
Em um primeiro estágio cognitivo, a criança se distingue tanto do mundo objetivo
quanto das terceiras pessoas com as quais convive. Neste sentido, por mais limitadas que sejam
suas capacidades cognitivas, o neonato é um sujeito mesmo sem ainda ter consciência de que
seja (autoconsciência). Em outras palavras, desde o seu nascimento (possivelmente mesmo na sua
vida uterina), a criança constitui um ponto de vista singular, espacialmente orientado e
essencialmente ego-centrado em um corpo vivo. Entretanto, como as diferentes perspectivas que
toma dos objetos ainda não estão integralizadas, não podemos dizer que ela seja capaz de
representar objetos em sentido próprio, ou seja, como entidades a ela contrapostas que existiriam
sem ser percebidas. Mas como tais entidades já parecem ser representadas segundo propriedades
físicas comuns (impenetrabilidade, impossibilidade de se ocupar o mesmo espaço que outro
corpo ao mesmo tempo), podemos afirmar, em concordância com a grande maioria dos
psicólogos contemporâneos, que a criança pequena é capaz de representar quasi-objetos. Mas
isso não significa naturalmente que ela já possua um conceito de objeto, ou seja, seja capaz de
representar um objeto enquanto tal. Também nessa fase inicial a criança manifesta as formas
mais elementares de imitação mimética (mimic) que, como enfatizamos, não envolvem
absolutamente a compreensão da perceptiva do modelo a ser imitado.
Assim, o seu universo cognitivo e emocional não pode ser caracterizado pela ausência de
diferenciação entre ela própria e o mundo, entre ela própria e o outro. Entretanto, como
enfatizamos, inúmeras são as razões que excluem a possibilidade que ela estaria se
representando de algum modo nesse estágio. Ela seguramente não está representando a si mesma
como sujeito de tais representações, porque ao perceber quasi-objetos com suas propriedades
características físicas, ela não estaria a representá-los conceitualmente como objetos, ou seja,
como entidades contrapostas (Gegenstände) ao seu próprio ato intencional de percepção.
131
Naturalmente, desde o seu nascimento a criança também possui tanto sensações corporais
(estados proprioceptivos mediatos), como dores, coceiras, arrepios, prazeres etc., quanto estados
perceptivos que representam objetos físicos, ou seja, entidades sólidas e contínuas no espaço com
suas propriedades. Isso nos permite afirmar que desde sempre, a criança goza de consciência no
seu sentido mais fundamental, ou seja, o fenomenal: ela desde sempre tem a sensação do que é
sentir dor, do que é sentir prazer, do que é sentir coceira, como também do que é perceber
vermelho, do que é ouvir uma música, do que é o sabor do leite etc. Em suma, desde sempre, a
criança tem as sensações típicas do que é ser um bebê. Contudo, nem suas sensações corporais
nem as suas percepções de objetos podem ser caracterizadas como percepções de si (como
percepções do seu sujeito corporal). Sem estar se representado nem nas suas sensações corporais
nem nas suas percepções dos objetos, podemos dizer então que o estar ai é meramente
concernido pelas suas percepções e sensações.
No segundo estágio do seu desenvolvimento cognitivo a criança se torna capaz de
representar objetos contínuos e, assim, de integrar as suas diferentes perspectivas sobre uma
mesma coisa. É nesse estágio que objetos contínuos e sólidos representados de forma egocêntrica
passam a desempenhar um papel <role> relativo às suas próprias ações intencionais, ou seja, ao
comportamento que visa satisfazer desejos e necessidades básicas. Em termos gibsoneanos, tais
objetos são proporcionadores (affordances) de ações intencionais. Assim, de um sujeito de
representações, a criança se transforma num agente intencional do seu comportamento. Aqui a
criança manifesta uma forma mais sofisticada de imitação, mas que ainda não envolve a
compreensão da perspectiva do modelo a ser imitado.
Em um terceiro estágio do seu desenvolvimento cognitivo, a criança aprende a conceituar
alguns objetos, propriedades e relações que antes representava de forma não-conceitual. Os
adultos ensinam-lhe ostensivamente predicados de cores (como vermelho, azul, etc.) e alguns
predicados de objetos físicos que desempenham algum papel relativo a ele na condição de
proporcionadores. Decisivo, no entanto, será o aprendizado dos predicados de sensações
corporais uma vez que essas representam propriedades do seu corpo. Wittgenstein nos convida a
imaginar a seguinte situação corriqueira. A criança chora de dor e um adulto vem e lhe diz:
(41) O bebê está com dodói.
Ouvindo reiteradas vezes a mesma oração (41) quando manifesta o comportamento típico
de dor, a criança aprende a associar de algum modo o seu comportamento com o predicado
132
“sentir dor”. Em um primeiro momento, ao empregar ele próprio o predicado “sentir dor” em
orações como (41), ele ainda o faz de uma forma quasi-predicativa (Tugendhat, 1976), no nosso
caso específico, como uma mera substituição da sua expressão natural de dor que é o choro.
Segundo Wittgenstein, primeiro a criança chora (expressão natural da dor), depois os adultos lhe
ensinam uma expressão convencional não articulada sintaticamente: <ai-ai>, <dodói>. Por
último, ela aprende uma expressão convencional estruturada sintaticamente da sua dor: (41). O
crucial é o seguinte. Ela virá a empregar a expressão “sentir dor” de forma autenticamente
predicativa em orações da forma (41), ou seja, como um predicado em uma proposição sobre si
mesma e não apenas mera expressão convencional da sua sensação corporal, quando puder
atribuí-la a si mesma e a terceiros, ou seja, quando a estiver empregando para classificar tanto as
suas como as sensações de terceiras pessoas.
Para melhor compreendermos esse emprego de expressões linguísticas como quasi-
predicados, podemos nos utilizar daquilo que Strawson (1959) denominou “colocação-de-
características” (feature placing). Enquanto o discurso sujeito-predicado sempre envolve a
referência a um objeto singular das quais qualidades ou propriedades é predicada (que são tipos
universais apropriados para classificar objetos particulares), uma (proto) linguagem de colocação
de características envolveria termos universais que nem seriam de tipos universais nem
predicados de objetos particulares. Exemplos sugeridos por Strawson seriam: “está chovendo”,
“há comida” etc. A distinção traçada por Quine entre termos de massa (mass terms) e termos
contábeis (count terms) também é pertinente aqui de acordo com Quine (1960). Termos de
massa são termos que se referem, cumulativamente, a tipos genéricos de coisas, como água,
madeira, ou chuva. Qualquer pedaço de madeira é madeira. Qualquer quantidade de chuva é
chuva. Em contrapartida, termos contábeis nos permitem enumerar indivíduos. Assim, a
linguagem hipotética do que Strawson de colocação-de-características seria uma linguagem que
operaria apenas com termos de massa sem termos contáveis, enumeradores de objetos.
Aqui podemos retomar o exemplo de Perry dos habitantes da terra Z <Z-landers>
mencionado ao fim da primeira parte. Na medida em que a criança ainda não se refere a si
mesma como um dentre outros indivíduos, ao pronunciar ou balbuciar (40), tal como uma
habitante da terra-Z que não conhecesse sobre a existência de outros lugares, estaria apenas
dizendo, como sugeriram Geach (1972) e Russell (1956) de forma impessoal:
(42) Sente-se dor.
133
Os imaginários habitantes da terra-Z ilustram de forma paradigmática o grande equívoco
de toda psicologia contemporânea de Gibson a Rochat. Todos concordam que não basta que os
habitantes de terra-Z sejam capazes de detectar que está chovendo na terra-Z para que possamos
lhes atribuir uma referência à terra-Z. Tal atribuição depende essencialmente da sua capacidade
de compreender a oposição entre a terra-Z e outros lugares. Ora, como poderíamos então atribuir
a uma criança pequena a capacidade de se auto-referir se ela ainda não manifesta o
reconhecimento de outros?
A situação também pode ser facilmente ilustrada com um exemplo de Baker (1998).
Imaginemos um cão que, tal como uma criança pequena, não possui uma perspectiva de primeira
pessoa plena (strong), ou seja, a consciência de que ele é uma perspectiva singular dentre outras
existentes, mas apesar disso fosse capaz de falar ou verbalizar o que está pensando. Digamos
então que, ao pressentir a presença de uma fêmea no cio, ele viesse a verbalizar a seguinte
oração:
(43) Eu estou vendo a possibilidade de um acasalamento.
No seu sentido literal, (43) carrega a seguinte implicação pragmática:
(44) Eu estou ansioso para me acasalar com aquela fêmea.
Ora, mas como o cão carece de uma perspectiva de primeira pessoa em sentido pleno, nós
jamais poderíamos interpretar (43) na sua acepção literal, carregando, portanto, a implicação
pragmática expressa por (44). Assim, se ele fosse efetivamente capaz de verbalizar o seu
pensamento, só poderíamos entendê-lo assim:
(45) Há uma possibilidade de acasalamento.
A passagem de um emprego apenas quasi-predicativo para um emprego autenticamente
predicativo dos predicados de sensação corporais depende decisivamente do aprendizado do
dispositivo mais rudimentar de auto-referência. Aqui temos que retomar a tese fundamental de
Perry/Recanati segundo a qual a atitude de se é uma forma sui generis de atitude de re cuja res é
o próprio sujeito. Como observamos, enquanto as formas usuais de atitude de re se baseiam em
uma relação perceptiva de acquaintance entre o sujeito e o objeto, a atitude de se se baseia em
uma relação peculiar que todo sujeito entretém consigo mesmo, a relação de identidade. Como as
informações proprioceptivas e cinestéticas sobre as mais diferentes sensações corporais (sobre a
posição dos membros, sobre posturas corporais, etc.) se baseiam na relação de identidade
fundamental que cada qual entretém consigo, ao sentir, o sujeito não precisa de se identificar
134
como o sujeito de tais sensações. Assim, no caso específico das informações proprioceptivas e
cinestéticas obtidas mediante a relação de identidade, a auto-referência independe de
identificação.
O ponto crucial aqui é o seguinte. Em virtude da interação crescente com os adultos e das
demandas crescentes do próprio sujeito, é plausível supormos que um arquivo mental é aberto no
qual as informações proprioceptivas e cinestéticas obtidas mediante a relação de identidade são
registradas e armazenadas. Segundo a terminologia do culo dezessete de Perry, esse arquivo
mental seria composto de uma noção ou conceito de si, ou seja, uma representação mental de si
mesmo como um objeto particular, digamos – EGO -, e de uma série de idéias, ou seja,
representações mentais das diferentes propriedades instanciadas pelo próprio corpo. Embora tal
noção seja pré-linguística, ela já é uma representação de natureza conceitual uma vez que
mediante a mesma o indivíduo se representa como um sujeito. È apenas a partir desse
momento, que a criança, entre três e quatro anos de idade, se torna bem sucedida na tarefa da
falsa crença, ou seja, se torna capaz de atribuir falsas crenças a terceiros, distinguindo assim, a
perceptiva de terceiros da sua própria em primeira pessoa.
Duas características são decisivas aqui Recanati, (1993). Em primeiro lugar, a referência a
si mesmo mediante essa noção ou conceito EGO não é determinada pela satisfação de condições,
mas sim de forma relacional, ou seja, pela relação de identidade mencionada. Por essa razão não
pode haver círculo ou regresso na estrutura da auto-referência cognitiva. Ademais, essa noção
EGO e essas idéias não fazem parte do próprio conteúdo representado. O que ela representa é
que ela própria – Pipe - está com dor e não que um determinado indivíduo que satisfaz a condição
expressa pela noção EGO no arquivo mental possui ou instancia a propriedade se sentir dor
representada por uma determinada idéia. Em suma, a relação de designação entre a noção e
pessoa designada é direta ou de re no sentido indicado.
Mas a questão fundamental agora passa a ser a seguinte: de que forma esse modo de re de
apresentação de si mesmo EGO se associa com a noção de falante expressa pela regra de
emprego do pronome da primeira pessoa segundo a qual o “eu” significa o falante ou aquele que
emprega o pronome “Eu”? Recanati (1993) apresenta uma sugestão bastante interessante a
respeito. Segundo esse autor, do mesmo modo que o pensamento que EGO está com dor, quando
obtido de forma normal proprioceptiva, é imune ao erro por identificação, proferimentos em
primeira pessoa como (15) também são imunes à mesma forma de erro, embora por razão
135
diversa: quem compreende o significado da regra do emprego do pronome da primeira pessoa
não tem como se equivocar quanto ao fato de estar a se referir a si mesmo ao empregar o tal
pronome. Assim, em razão da imunidade ao erro por identificação, a criança aprende associar
convencionalmente o conceito de falante ou de proferidor em proferimentos em primeira pessoa
e, assim, o significado do pronome “euà noção de Ego presente nos seus pensamentos pré-
linguísticos.
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159
APÊNDICE - Exemplos
(1) Olha como ele (essa pessoa) está mal vestido.
(2) Eu estou maltrapilho
(3) Penso que estou precisando urinar.
(4) O assassino de Laio sente-se culpado.
(5) Édipo sente-se culpado
(6) Édipo é o assassino de Laio.
(7) Sinto-me culpado.
(8) Eu sou o assassino de Laio.
(9) Penso de forma autoconsciente que o absinto seja amargo (exemplo kantiano).
(10) Penso o pensamento que o absinto seja amargo.
(11) Penso conscientemente que o absinto seja amargo.
(12) Ocorre-me à mente (ou parece-me) que o absinto seja amargo.
(13) Sente-se o absinto amargo.
(14) Édipo acredita que ele* se sente culpado.
(15) Sinto dor.
(16) Tenho o braço quebrado.
(17) Eu sou aquele que duelou com Laio.
(18) Sinto minhas pernas estão cruzadas.
(19) O comprador com o saco furado está fazendo uma sujeira.
(20) Eu estou fazendo uma lambança <I am making a mess>.
(21) Perry pensa que ele próprio está fazendo uma sujeira.
(22) Perry pensa que o comprador de saco furado está fazendo uma sujeira.
(23) Perry pensa que Perry está fazendo uma sujeira.
160
(24) O comprador de saco furado é tido por Perry como alguém que está fazendo uma sujeira.
(25) Perry é tido por Perry como alguém que está fazendo uma sujeira.
(26) Tenho uma sensação desagradável.
(27) Sinto alguma coisa.
(28) Estou diante de uma mesa.
(29) Vejo uma mesa no centro do meu campo visual.
(30) Estou profundamente deprimido
(31) Carla está com dor..
(32) A cera é ou existe.
(33) Creio que estou pensando que a cera é ou existe.
(34) Sei que sou o sujeito entretendo o pensamento
(35) Sei que o que eu estou pensando
(36) Sou o sujeito que profere ou pensa (7).
(37) Sou a autora do proferimento ou pensamento (36).
(38) Sou a autora do proferimento ou pensamento (37).
(39) Estou ouvindo o motor da geladeira.
(40) Sentem-se as pernas cruzadas.
(41) O bebê está com dodói.
(42) Sente-se dor.
(43) Eu estou vendo a possibilidade de um acasalamento.
(44) Eu estou ansioso para me acasalar com aquela fêmea.
(45) Há uma possibilidade de acasalamento.
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