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O ordenar consistiria nos atos de incluir e excluir, separar e segregar,
discriminando o “joio do trigo” para estruturar e dividir o mundo entre
aqueles que pertencem ao quadro linguístico criado, representando sua
beleza, e aqueles que distorcem tal paisagem, evidenciando suas
ambiguidades, sujeiras e ambivalências (ALMEIDA; GOMES;
BRACHT, 2009, p. 16).
De acordo com Ferre (2001), muitas vezes a tentativa de ordenar da Inclusão faz parecer que
optar por incluir um sujeito é conviver com aquele/aquela que não é o que deveria ser, e, além
disso, ele representa aquilo que ninguém deseja ser. A Inclusão também traz a concepção de
normalidade. Inclui-se o anormal. Em Foucault (1987), o conceito de anormal é constituído
de três elementos: o monstro humano, o indivíduo a corrigir e o onanista. O monstro ocupa o
espaço jurídico-biológico. Ele surge da violação das leis naturais ou humanas. O indivíduo a
corrigir ocupa a família e as instituições (escolas, igrejas, etc.), que têm a missão de corrigi-lo.
“Com efeito, o indivíduo a corrigir aparece como tal na medida em que é incorrigível, na
medida em que a família e as instituições, com suas regras e métodos, fracassaram”
(CASTRO, 2009, p. 33). O onanista tem um local mais restrito: o quarto. E traz a
representação de que toda doença tem origem sexual. Para Veiga-Neto (2001b), a
problematização em torno desses três elementos surgiu no século XVIII, a partir da
descoberta de um quarto elemento: a população. A população era o elemento que nem o
Direito nem as disciplinas
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tinham conhecimento. “A população [...] passa a ser entendida
como um novo tipo de corpo, um corpo de múltiplas cabeças sobre o qual são necessários
novos saberes” (VEIGA-NETO, 2001b, p. 114). Os saberes devem se ocupar das relações
entre essas cabeças, cuidando das suas relações, diferenças, proximidades e regularidades. A
partir desses saberes, o Estado e seus gestores exercem a sua política, tratada por Foucault
como bio-política
6
, através de um bio-poder. Nesse campo de saberes, procura-se incluir e
ordenar os considerados dispersos e desordenados. Percebemos com isso que a EI trata do
segundo elemento proposto por Foucault (1987): o sujeito a corrigir.
A questão da inclusão nos remete à composição binária normal/anormal. De acordo
com Duschatzky e Skliar (2001, p. 123), “a Modernidade inventou e se serviu de uma lógica
binária da qual denominou de diferentes modos o componente negativo da relação cultural:
marginal, indigente, louco, deficiente, drogadinho, homossexual, estrangeiro, etc”. As
5
Disciplina é a “modalidade de aplicação do poder que aparece entre o final do século XVIII e o início do século
XIX. O “regime disciplinar” caracteriza-se por um certo número de técnicas de coerção que exercem um
esquadrinhamento sistemático do tempo, do espaço e do movimento dos indivíduos e que atingem
particularmente as atitudes, os gestos, os corpos” (REVEL, 2005, p. 35).
6
“Há que entender por “biopolítica” a maneira pela qual, a partir do século XVIII, se buscou racionalizar os
problemas colocados para a prática governamental pelos fenômenos próprios de um conjunto de viventes
enquanto população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raça” (CASTRO, 2009, p. 59-60).