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REJANE CRISTINA DE CARVALHO BRITO
REPRESENTAÇÕES DO PROFESSOR DE LÍNGUA INGLESA
NO ENSINO INCLUSIVO DOS ALUNOS SURDOS
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2010
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2
REJANE CRISTINA DE CARVALHO BRITO
REPRESENTAÇÕES DO PROFESSOR DE LÍNGUA INGLESA
NO ENSINO INCLUSIVO DOS ALUNOS SURDOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada.
Área de concentração: Linguística Aplicada
Linha de Pesquisa: 3A - Ensino/Aprendizagem de Línguas
Estrangeiras
Orientadora: Profª Drª Maralice de Souza Neves
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte
2010
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3
Dissertação intitulada, Representações do Professor de Língua Inglesa no Ensino Inclusivo
dos Alunos Surdos, defendida por Rejane Cristina de Carvalho Brito em 28/05/2010 e
aprovada pela Banca Examinadora constituída pelas Professoras Doutoras relacionadas a
seguir:
________________________________________
Maralice de Souza Neves – UFMG
Orientadora
________________________________________
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino – UFMG
________________________________________
Márcia Aparecida Amador Mascia - USF
4
Aos meus pais e ao meu irmão, pelo amor
incondicional, pelo apoio e dedicação.
Aos professores, e aos alunos surdos que
partilharam comigo os discursos que me
inquietaram e hoje também fazem parte
de mim.
5
“O real não está na saída nem na chegada:
ele se dispõe para a gente é no meio da
travessia...”
(João Guimarães Rosa, 1956).
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, Pai de Misericórdia e Amor, que sempre me cobre de bênçãos
e de carinho e que me concedeu a graça de mais uma conquista. Ao Senhor, meu
Deus, que me enche da graça de seu Santo Espírito e que me ilumina a cada dia.
À minha Amada Mãe, Nossa Senhora de Lourdes, que me colo e amor,
intercedendo por mim e guiando meus passos todos os dias. A essa bondosa
mãe, que é exemplo de vida e de ternura, a quem consagrei todos os meus dias.
Junto de Maria, agradeço também meus companheiros de caminhada: São
Rafael, São Miguel, São Gabriel e Santa Teresinha do Menino Jesus.
Aos meus pais, José Luiz e Maria da Conceição. Serei eternamente grata por
todo amor que me dedicam, por todo esforço para me garantirem educação e me
verem feliz. Vocês são exemplos de vida, de dedicação, de luta, de e de amor
familiar. Ao meu amado irmão, pelo amor e cuidado que me dedica. Por ser
exemplo de vida e coragem. Por sempre me incentivar e por ter acreditado em
mim e ajudado em meus estudos.
Agradeço também à Neiva, minha cunhada amorosa e dedicada, por suas
palavras e apoio. Agradeço aos meus amados sobrinhos, João Fernando e Luís
Eduardo. Agradeço cada abraço e beijo desses dois anjos e por cada declaração
de amor.
Às minhas avós, Teresa e Hilda, serei sempre grata. Vocês são dois pilares em
minha vida. Obrigada pelo amor e orações que me dedicam. A toda a minha
família. De forma especial, agradeço à Tia Maria e à Tia Miramar. Vocês duas
sempre me disseram palavras de incentivo e zelaram pela saúde de meus pais
quando não pude estar presente. Muito obrigada!
7
À minha querida orientadora, a professora Drª Maralice de Souza Neves, sou
grata pela dedicação maternal, pela paciência, pela amizade e por tornar esta
pesquisa possível. Obrigada, Mara. Deus lhe abençoe muito.
A todos os meus amigos, meu reconhecimento. Não cometerei a injustiça de
nomear um ou outro. Todos significam muito para mim.
Aos anjos que Deus colocou em minha vida nesses dois anos de estadia em BH:
Katinha, Fernanda Lanza, Maria Teresa, Záira, Francis, Cida Zolnier e todos os
outros anjos que entraram em minha vida, tornando a travessia mais agradável.
De forma especial, agradeço à Fernanda Serakides e à Valdeni. Sem vocês duas,
eu não chegaria aqui!
Agradeço também à Sandra Kruel e à Sônia Cury, duas psicanalistas que me
ensinaram o valor da análise. Ao meu médico e amigo Alexander, que cuidou de
mim com a acupuntura e orações. Agradeço à minha fisioterapeuta Ludmila, que
me ajudou a equilibrar corpo e mente na loucura de tantas viagens.
Minha gratidão aos informantes desta pesquisa. Aos meus alunos surdos e
ouvintes. Agradeço aos meus colegas de serviço (em especial, ao meu amigo
Antônio Carlos).
Ao meu pároco e amigo Padre Zeca e à comunidade Santa Clara, pela
intercessão e pelo carinho. Agradeço também à Comunidade Palavra Viva que
sempre me acompanhou!
Meu reconhecimento aos professores que passaram em minha vida e que
deixaram em mim seus discursos e seus exemplos.
8
Agradeço à FAPEMIG, por tornar possíveis os dois anos de dedicação e a
conclusão desta pesquisa. Agradeço à UNIMONTES, pelo empenho em me ver
Mestre. Agradeço também pela estadia em BH.
Agradeço também ao POSLIN e a todos da UFMG, pela acolhida. Agradeço de
forma especial à professora Reinildes Dias, que sempre me dedicou palavras de
apoio e carinho. Obrigada por acreditar na minha pesquisa.
A todos, muito obrigada!
9
RESUMO
O presente estudo investiga as representações do professor de língua inglesa (LI) de escolas
públicas do estado de Minas Gerais acerca da inclusão de alunos surdos no ensino regular. O
objeto de pesquisa é o discurso do sujeito-professor, pois o sujeito se constitui na/pela
linguagem. O sujeito é tomado como sócio-historicamente constituído, um sujeito do
inconsciente e desejante. Como objetivo principal, buscam-se investigar as representações do
professor acerca da sua prática pedagógica, da ngua referente (LI), bem como as
representações acerca dos alunos surdos e dos alunos ouvintes, da Libras e do intérprete da
Libras. São as representações que levam à compreensão do que o professor faz na sua prática
e como ele lida com o outro. A presente pesquisa em Linguística Aplicada apoia-se na análise
do discurso francesa com contribuições de conceitos da Psicanálise. Trata-se de uma pesquisa
de interpretação discursiva, considerando os gestos de interpretação, entendidos como os
processos de identificação, e as filiações de sentido identificadas no discurso do sujeito. Para
a formação do corpus da pesquisa, foram entrevistados oralmente os professores de LI e
observadas algumas aulas para anotações de campo. Após a transcrição das entrevistas, uma
análise linguístico-discursiva do corpus foi realizada, considerando a heterogeneidade que
constitui cada sujeito, os equívocos no dizer, as contradições, as ressonâncias discursivas e as
imagens que o sujeito apresenta e com as quais se identifica. Busca-se, nos gestos de
interpretação, flagrar possíveis deslocamentos, bem como os processos de subjetivação do
professor. A partir dessa análise, foi possível tecer uma rede de representações que revelaram
as orientações práticas do docente. Partiu-se de uma problematização dos significantes
inclusão e exclusão, traçando um breve percurso histórico da Educação Inclusiva (EI) e da
educação dos surdos, uma vez que considerou-se a materialidade histórica do dizer do
professor. Nas representações flagradas, percebeu-se a EI como uma impossibilidade no
imaginário do professor, que se apresenta como alguém distante da imagem idealizada do
docente descrita no discurso político-pedagógico. O aluno surdo e o aluno ouvinte são
marcados pela imagem de sujeitos prejudicados pela EI. Notou-se, finalmente, que o professor
oscila entre as posições enunciativas da inibição e da criação diante da inclusão de alunos
surdos. Tal fato discursivo leva a apontar duas formações discursivas: inibi(a)ção e
cria(a)ção.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de língua inglesa. Análise do discurso. Psicanálise. Educação
Inclusiva. Educação de surdos. Representações.
10
ABSTRACT
This study investigates the representations that the English teachers from Minas Gerais state
public schools have about deaf students’ educational inclusion into regular schools. The
research objective is the teacher-subject’s discourse, considering that such a subject is
constituted in/by language. The subject is always incomplete, and socially and historically
built; it is a subject of the unconscious. The present study focuses on teachers’ representations
about their teaching practice, about the English language, about deaf and hearing students,
about the Brazilian sign language and its interpreters. On considering such representations,
the way the teachers deal with their practice and with the other people involved in the
teaching-learning process can be understood. This research in Applied Linguistic is based on
concepts of French Discourse Analysis and Psychoanalysis. According to a discursive
perspective and through interpretation, it focuses on the identification process and the effects
of this process on the discourse of the teacher. The corpus was built through audio-recorded
interviews and class observation. After transcribing the interviews, it was analyzed
linguistically and discursively, considering the identity’s heterogeneity, contradictions on
discourse, discourse regularities as well as the images presented by the teachers about their
practice. Through interpretation gestures, a chain of representations have been achieved, to
perceive how teachers develop their teaching deaf and hearing students in the classroom. The
signifiers inclusion and exclusion in Inclusive Education (IE) and Deaf Education (DE)
historical discourses were problematized. Based on the interviewed teachers’ discourse, it was
found that the IE is seen as an impossible reality. Moreover, those teachers do not see
themselves as the idealized teacher who is pictured on political and pedagogical discourses.
The IE is also seen as prejudicial to deaf and hearing students. As a conclusion, teachers
predominantly take two enunciative positions, ranging from that of inhibition to a creative
one. In the first position they are inhibited when they face deaf and hearing students in the
same classroom. In the second position, though, they are creative in the same situation. The
contradiction on different enunciative positions indicates two discursive formation that is
named here inhibi(ac)tion and crea(c)tion.
KEY WORDS: English Language Teaching. Discourse Analysis. Psychoanalysis. Inclusive
Education. Deaf Education. Representations.
11
LISTA DE ABREVIATURAS
AD – Análise do Discurso
ASL – American Sign Language
DA – Deficiente Auditivo
CP – Condição de Produção do Discurso
EI – Educação Inclusiva
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EP – Educação Pública
ES – Educação de Surdos
FALE – Faculdade de Letras
FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
FD – Formação Discursiva
ILS – Intérprete de Língua de Sinais
LA – Linguística Aplicada
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LE – Língua Estrangeira
LI – Língua Inglesa
Libras – Língua Brasileira de Sinais
LO – Língua Oral
LS – Língua de Sinais
MG – Minas Gerais
PAV – Projeto Acelerar para Vencer
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
12
LISTA DE NOTAÇÕES
Normas para transcrição dos depoimentos baseadas em Castilho (1998)
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Incompreensão de
palavras
ou segmentos
( )
nesse sentido (...) a gente
vê mais como isso
Hipótese do que se ouviu (hipótese)
que o intérprete toma conta
tome conta (dele)
Truncamento /
ela facilitou mui/ eles eh o
professor ficava LOUCO
Entonação enfática Maiúsculas
EXATAMENTE igual
assim como eu
Alongamento de vogal ou
consoante
: : ou :::
no iní:::cio eles tiveram
muita resistência
Interrogação ?
Eu vou dividir a sala em
dois?
Qualquer pausa ...
ele não sabia o que fazer
com o aluno surdo...
Redução da fala (...)
COM CERTEZA (...)
Porque eu
Comentários descritivos
do
transcritor
((maiúsculas))
((RISOS))
Superposição de vozes
[
Ligando linhas
A: TUDO
[
B: o material didático
Citações literais,
reprodução de discurso
direto ou leitura de textos
“ ”
“Ah, todo mundo pode ser
incluído”
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 15
1.1 O início da minha história ............................................................................................. 15
1.2 O acontecimento: a Educação Inclusiva ....................................................................... 18
1.3 Justificativa .................................................................................................................... 19
1.4 Objetivos ........................................................................................................................ 22
1.4.1 Objetivos Gerais ................................................................................................ 22
1.4.2 Objetivos Específicos ........................................................................................ 22
1.5 Metodologia ................................................................................................................... 23
2 TECENDO O HISTÓRICO DA INCLUSÃO ................................................................ 27
2.1 Introdução ..................................................................................................................... 27
2.2 A Educação Inclusiva .................................................................................................... 28
2.3 A exclusão ..................................................................................................................... 36
2.4 A educação de surdos .................................................................................................... 38
2.5 O professor e o intérprete na EI dos surdos .................................................................. 43
2.6 Sobre a educação, o ensinar e o aprender .................................................................... 47
2.7 Conclusão ...................................................................................................................... 50
3 TECENDO A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................ 51
3.1 Introdução ..................................................................................................................... 51
3.2
Noções essenciais .......................................................................................................... 58
3.2.1 O sujeito e o inconsciente .................................................................................. 60
3.2.2 O sujeito e o esquecimento ................................................................................ 63
3.2.3 A identificação ................................................................................................... 64
3.2.4 As representações .............................................................................................. 68
3.3 Conclusão ...................................................................................................................... 70
4 METODOLOGIA DE PESQUISA .................................................................................. 71
4.1 O dispositivo de análise e o corpus ................................................................................ 71
4.2 A escolha de enunciadores e as condições de produção ................................................ 75
4.3 As entrevistas ................................................................................................................. 78
14
4.4 As categorias de análise do corpus ............................................................................... 78
5 ANÁLISE DO CORPUS – TECENDO A REDE DE REPRESENTAÇÕES .............. 83
5.1 Introdução....................................................................................................................... 83
5.2 Eu: um falante da língua inglesa ................................................................................... 84
5.3 Eu e a EI ........................................................................................................................ 91
5.4 Minha prática na EI: como contribuo?............................................................................ 98
5.5 Eu e a inclusão de alunos surdos no ensino regular ..................................................... 106
5.6 Eu meus alunos surdos e meus alunos ouvintes ........................................................... 115
5.7 Eu e o intérprete de língua de sinais ............................................................................ 126
5.8 Minha metodologia de ensino: a busca por uma via possível ...................................... 130
5.9 Eu e a Libras ................................................................................................................ 138
5.10 Conclusão ................................................................................................................... 144
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 146
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 152
APÊNDICES ........................................................................................................................ 165
ANEXO EM CD
15
1 INTRODUÇÃO
1.1 O início da minha história
Para iniciar o texto desta pesquisa, creio ser importante partilhar com o leitor o
momento em que as inquietudes que culminaram neste trabalho começaram a surgir em minha
história. O encontro com o aluno que não me escuta causou (causa) deslocamentos em minha
prática pedagógica como professora de inglês e gerou (gera) ressignificações em minha vida
acadêmica. Começo o texto contando, com passos discursivos, parte da história que me levou
a pesquisar algo que pode ser considerado, como nos aponta Riolfi (2001), a minha dor.
Segundo a autora:
Pesquisa-dor
1
é aquele sujeito que, mais longe o possível das amarras que lhe
impõem os diversos ideais, mergulha - implicado em todo seu corpo - na
tarefa única e, de resto, para cada um absolutamente singular, de pesquisar a
dor específica de sua existência. Nesse sentido, cada tema ou questão de
pesquisa escolhido por um sujeito que teve a chance de, neste momento,
efetivamente realizar uma escolha, é uma maneira simbólica de poder
abordar, através de uma metáfora (o trabalho de investigação científico-
acadêmica), este absurdo e obscuro objeto que lhe faz falta e, sem que ele
saiba, dirija e modela sua existência (RIOLFI, 2001, p. 15-16).
Esta pesquisa é metáfora de algo que me falta e ao mesmo tempo movimenta e
fomenta minhas ações. Busco em Borges (1988) algo que diga, mesmo que em parte, o que
gerou esta investigação científica, que falamos em dor, falo da peste. A pesquisa aqui
apresentada é a peste. É a lida com a falta que não se sabe a origem, mas que é inquietante e
gera todo o movimento. É algo que contamina e abre espaço para novas descobertas.
Iniciemos o fio discursivo que tece este trabalho.
A minha experiência como professora de inglês como língua estrangeira começou
muito cedo. Eu era professora de curso livre de idioma muito antes de entrar no Curso de
Letras/inglês. Quanto ao ensino regular, iniciei minha experiência dando aulas no ensino
fundamental e médio, enquanto estava no último ano da minha graduação. Não tive muitos
1
Grifo da autora.
16
problemas com a minha prática pedagógica, uma vez que a formação prática que recebia na
faculdade me dava um bom suporte e a minha experiência em curso livre era uma boa base,
principalmente para a minha capacidade de enunciar em uma ngua (SERRANI-INFANTE,
1998b). “O termo enunciar remete ao fato de que o que está em questão é produzir (e
compreender/atribuir) efeitos de sentidos” (SERRANI-INFANE, p. 150, 1998b). Assim, após
os quatro anos de preparação em uma universidade, e com alguma experiência profissional,
deparei-me com a Educação Inclusiva. Como diz Votre (2002) em seu texto, a minha rede de
representações e desejos foi abalada. Eu me autorizei como professora de língua estangeira
(doravante, LE). Mas, a partir do momento em que eu me encontrei diante da possibilidade de
uma sala de aula inclusiva, percebi que não estava preparada para a proposta do que seria o
ensino inclusivo de meu objeto de ensino do inglês. Apesar do meu conhecimento linguístico,
da minha experiência e da formação universitária, eu não tinha uma formação para a prática
pedagógica em salas de aula inclusivas, e notei que muitos professores de LE também tinham
dificuldade com esse contexto da educação. Durante as aulas de prática e também no pré-
serviço, a preparação pedagógica que recebi estava em torno do meu conhecimento da língua
e métodos atuais de ensino. Com isso, a inclusão educacional no ensino regular não foi
abordada, criando, assim, uma lacuna na formação prática que tive. Na inclusão educacional,
o que me chamou a atenção, foi a inclusão de alunos surdos nas salas de aula do ensino
regular. Havia uma barreira discursiva entre mim (professora de inglês) e esses alunos. Como
professora, eu sentia que não os alcançaria, e tal fato gerou em mim uma grande angústia, que
levou a um deslocamento. Foi quando eu decidi pesquisar o ensino inclusivo no que diz
respeito aos alunos surdos.
A minha primeira providência foi procurar um curso de Libras (Língua Brasileira de
Sinais) para que eu pudesse me expressar nas aulas com os estudantes surdos. Consegui
aprender um pouco da língua de sinais (LS) e passei a procurar por uma literatura de apoio
para a educação dos surdos, desde a linguística da Libras até a parte de psicologia da
Educação Inclusiva. Após uma preparação autônoma, passei a uma pesquisa também
autônoma, abri uma turma de inglês para alunos surdos (uma turma de curso livre), na qual eu
ensinava esses alunos a ler e escrever em inglês e, com isso, testava qual metodologia poderia
ser usada em tal contexto. Toda essa providência, essa busca foi fruto de um desejo. O desejo
de acordo com a teoria psicanalítica freudo-lacaniana é da ordem do inconsciente. “O desejo
é a realização de um anseio ou voto inconsciente” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 146).
Esse desejo move o sujeito em sua busca.
17
Apesar do fato de que essa turma de curso livre não possuía um caráter inclusivo, uma
vez que todos os alunos eram surdos, o objetivo da turma era descobrir uma metodologia que
pudesse funcionar com tal público. Ao ver o desenvolvimento da turma, nasceu em mim uma
vontade de pesquisar como se encontra o ensino da LE na escola regular inclusiva (a qual, até
o momento, não tive oportunidade de retornar como professora). Desejo escutar e observar
como o professor que trabalha com alunos surdos está desenvolvendo sua prática pedagógica
e se o seu processo de enunciar em LE, unido à sua formação, são suficientes para lhe dar
condições de ensinar esses alunos. Pergunto, ainda, como esse professor interpreta a situação
que se coloca? E como ele se identifica com tal prática? Espero abrir caminhos para uma
reflexão sobre o assunto.
Este estudo investiga, no discurso dos professores-enunciadores, seus deslocamentos,
suas representações e processos identificatórios em relação à Educação Inclusiva com foco na
inclusão dos alunos surdos. Busco compreender como se a construção e/ou reconstrução
identitária. A visão de processo de identificação, neste estudo, vem da teoria psicanalítica que
designa “o processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se
apropriando, em momentos-chave de sua evolução, dos aspectos, atributos ou traços dos seres
humanos” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 363). Não há um processo identificatório final, é
algo sempre em construção, em formação. O conceito de identificação explica como nos
identificamos com os outros, seja pela ausência de uma consciência da diferença, da
separação ou pelo que interpretamos como similaridades (WOODWARD, 2000). Retomarei o
assunto no terceiro capítulo, que traz o tecido teórico desta pesquisa.
A falta de estudos que permitam acessar os problemas e as dificuldades do professor
de LE diante da Educação Inclusiva é o principal problema dos professores pesquisados
diante do sistema educacional em vigor. É necessário abrir caminho para as pesquisas, nessa
área, que busquem conhecer a realidade, incluindo-se tanto o que é positivo, quanto o que é
negativo. É válido lembrar que este estudo também possui uma importância social, que
pretende conhecer melhor o ensino de LE para alunos surdos. Parto do desejo de levantar
questões problematizando o assunto e a partir daí promover a discussão do tema para o
crescimento de professores e alunos que estão nas salas de aula inclusivas.
A Linguística Aplicada, como lembra Moita Lopes (1996), é uma ciência social. Por
isso, a necessidade de escutar as histórias do professor de LE em seus vários expoentes
profissionais, encaixando, nesses expoentes, a inclusão social na escola de ensino regular.
Como afirma Donald Freeman (1996), é necessário saber a história desse professor, suas
carências pedagógicas, sua identidade e também os seus sucessos no seu desenvolvimento
18
para que, assim, a Linguística Aplicada possa orientá-lo melhor. Seguindo o que afirma
Eckert-Hoff (2008), são muitos os caminhos de pesquisa sobre a formação e a atuação do
professor. Neste trabalho, foi escolhido, como objeto de pesquisa, o discurso do próprio
professor: o que ele diz sobre si, sobre seu aluno e sobre sua formação, seu ensino e sobre o
referente (Libras/Inglês como LE).
1.2 O acontecimento: a Educação Inclusiva
A todo o momento, são vistas inúmeras propagandas políticas, nos vários veículos de
comunicação, que trazem como tema a Educação Inclusiva, afirmando que o sistema
educacional brasileiro tem lugar para “todos” e atende a “todas” as necessidades da
população. E assim, no discurso dos órgãos educacionais do governo, afirma-se que todas as
escolas do ensino regular têm passado por adaptações para acolher “igualmente” todos os
alunos, mesmo que eles apresentem diferentes culturas, diferentes níveis socioeconômicos,
diferentes etnias e também deficiências.
A Educação Inclusiva é falada e discutida muito tempo. Embora seja difícil
encontrar uma data para o surgimento da inclusão educacional, no segundo capítulo deste
trabalho, será tecido um breve histórico dos acontecimentos discursivos que acompanham a
Educação Inclusiva (doravante, EI). Em 1948, a Declaração dos Direitos Humanos afirmava
que a educação é um direito básico do ser humano, não um privilégio para poucos, mas um
direito universal. A partir deste acontecimento, as declarações e documentos educacionais que
se seguem passam a reafirmar esse direito humano básico. Cabe ressaltar que, neste estudo, a
noção de acontecimento é vista como propõe Pêcheux (2008, p. 19), “o fato novo, as cifras, as
primeiras declarações”, algo que se manifesta na consistência de enunciados em um
determinado momento.
De forma especial, neste estudo, pretendo analisar o discurso sobre as experiências do
professor de LE que trabalha com alunos surdos em salas de aula inclusivas (salas de aula de
escolas do ensino regular que fazem parte do sistema de Educação Inclusiva, nesse caso, na
inclusão de alunos surdos), analisando as representações e desejos manifestos em sua
linguagem. As representações são formações imaginárias (PÊCHEUX, 1990), adotadas aqui
de acordo com Neves (2002), para quem o termo ‘crença’ comumente usado na Linguística
19
Aplicada, é problematizado. Segundo a autora, o termo representação é visto como um ato de
pensamento, uma Formação Imaginária. As Formações Imaginárias atravessadas pela
Psicanálise freudo-lacaniana na atualização proposta por Pêcheux e Fuchs (1990) apresentam
os apontamentos, ou melhor, os registros imaginários do eu (ego), trazem aquilo que o sujeito
percebe como realidade. Voltaremos à noção de Formação Imaginária mais adiante.
E, ainda sobre as análises, busca-se, através da análise dos enunciados desse professor,
estabelecer se e quais são os deslocamentos apontados no discurso desse professor em
relação a si, em relação ao intérprete, em relação ao aluno surdo e ao aluno ouvinte e, ainda,
em relação ao referente, que nesse caso, é a língua inglesa (LI). Tomo, nesta pesquisa, o
conceito de deslocamento encontrado em Neves (2008):
Entendo o deslocamento como algum movimento que retira o sujeito de
uma determinada posição enunciativa para outra, não necessariamente
significando que houve mudanças, mas sim algum desvio, alguma
desarticulação, ou desprendimento de certas representações, para até mesmo
voltar a elas de outro modo ou para dar lugar a outras (NEVES, 2008, p.
26).
Assim, a partir da análise do discurso desse professor, pretendo criar oportunidades
para a reflexão sobre as suas expectativas e sua necessidade de uma educação continuada que
o oriente em sua prática. Pesquisas na área do ensino inclusivo são necessárias para a
compreensão das funções e ações apropriadas ao atendimento da população educacional
inclusiva.
Sobre a formação dos professores e os discursos que a atravessam, o documento da
Resolução CNE/CEB n. 2, citado por Pietro (2003), traz as diretrizes para a educação especial
na Educação Básica. A base dessa resolução é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional Lei n. 9-394, de 20 de novembro de 1996 (LDB/96), que, no artigo 59, inciso III,
prevê professores especializados e capacitados para a inclusão de todos e um atendimento em
estrutura e recursos humanos adequados.
1.3 Justificativa
No Brasil, a Linguística Aplicada tem se voltado, nos últimos anos, para a análise da
formação do professor de LE e de sua formação continuada (ABRAHÃO, 2005; ALMEIDA
20
FILHO, 2005; CELANI, 2002; CORACINI, 2003b;). Com as mudanças que ocorrem no
sistema educacional, é importante manter uma formação que possa atender ao contexto
educacional, e manter esse professor atualizado e amparado em sua prática pedagógica. Em
tempos de Educação Inclusiva, o professor de LE, muitas vezes, sente-se desamparado por
não ter uma formação que uma significação para a inclusão educacional. Antes de falar
sobre a necessidade desse professor, é necessário entender o que exige a escola atual em
termos de inclusão social.
Segundo mensagem da UNESCO em 1994, para garantir o ensino inclusivo, a escola
deve modificar seu funcionamento para incluir todos os alunos, mas “a simples inclusão do
aluno com deficiências em salas de aula do ensino regular não resulta em benefícios de
aprendizagem” (KARAGIANNIS; STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 22). Para que a
aprendizagem aconteça, todo o corpo pedagógico da escola é levado à injunção de se adaptar
às necessidades dos alunos. Para disponibilizar um ensino satisfatório aos alunos surdos,
passam a ser necessários (nas escolas brasileiras) intérpretes em Libras, o que se imagina
facilitar a compreensão do que é dito em sala de aula, além de uma formação em inclusão
educacional. Os intérpretes têm grande dificuldade em enunciar aos alunos o que é ensinado
nas aulas de LE, uma vez que eles não têm conhecimento da língua em questão (neste estudo,
de forma especial, a LI). Mascia e Flaibam (2007) afirmam, na conclusão de uma pesquisa
sobre ensino-aprendizagem de LI para estudantes surdos, que, apesar de ser visto como um
mediador em sala de aula, na questão da LE, o intérprete não consegue desempenhar seu
papel de intérprete traduzindo da LI para a Libras, por não ter o conhecimento da língua
referente.
A partir de um subprojeto, visto como pesquisa piloto para esta pesquisa, intitulado
“Representações identitárias do professor de língua inglesa no ensino inclusivo dos alunos
surdos um estudo de caso”, dentro do projeto de pesquisa “Processo identitário de
professores de línguas em formação continuada”, coordenado pela professora Maralice de
Souza Neves na Universidade Federal de Minas Gerais, tive a oportunidade de desenvolver
uma pesquisa de interpretação discursiva, tendo como enunciadora uma professora de LI que
lida com alunos surdos no ensino regular. Essa professora não tem auxílio de um intérprete
em sala de aula e tem dois alunos surdos, sendo que um deles conhece a Libras e o outro não.
Estudando as representações dessa professora, pude perceber que ela acredita que terá todos
os seus problemas (em relação ao ensino inclusivo dos alunos surdos) resolvidos quando
puder contar com um intérprete dentro de sala de aula, porém a mesma não considerava o fato
de que o intérprete não poderia atender o aluno que não conhece a Libras. Partindo desse
21
ponto e de outras representações tecidas no discurso dessa professora, percebi a necessidade
de analisar os discursos de outros professores, em especial os que contam com intérpretes em
suas salas de aula e, então, problematizar o assunto. É preciso ver quais o as representações
desses outros professores em relação aos alunos surdos, aos intérpretes, a si mesmos e ao que
entendem por Educação Inclusiva.
Para iniciar um estudo sobre a questão, volto a dizer que é necessário escutar o
professor de LE que está passando pela experiência de ter alunos surdos em sua sala de aula e,
a partir daí, fazê-lo refletir sobre sua prática e suas questões identitárias. Freeman (1996, p.
89), citando o que disse uma cantora de Jazz, You have to know the story in order to tell the
story, explica muito bem a necessidade de colocar o professor como centro nas pesquisas de
análise da prática pedagógica e escutar dele o que ocorre em sua prática. A construção da
prática pedagógica está ligada às representações desse professor, ao seu objetivo (e/ou desejo)
na sua atividade e ao papel que ele assume e no qual se apresenta, revelando, assim, uma
identidade representada na sua prática e no seu discurso. Ainda segundo Freeman (1996), se o
pesquisador não escutar o professor e as “histórias” que vêm da sala de aula deste, corre-se o
risco de se ter uma perspectiva diferente do que é ensinar e da importância desse ato.
O professor, ao falar de si e da sua prática, promove a (re)significação da mesma,
levando ao aperfeiçoamento prático e ao desenvolvimento profissional dele e daqueles que
aprendem com seu discurso. Citando Orlandi (1996), Eckert-Hoff (2008, p. 25) esclarece que
“em toda e qualquer manifestação da linguagem, ao falar, o sujeito significa; ao significar, se
significa, (re)significando-se”. Esses dizeres nos oferecem algum vislumbre do processo de
renegociação, de realinhamento identitário do professor, uma vez que, na atualidade, as
imagens vêm sendo cada vez mais percebidas como precárias e mutáveis, segundo
Rajagopalan (2003).
22
1.4 Objetivos
1.4.1 Objetivos gerais
O objetivo geral deste estudo é promover uma reflexão sobre a subjetividade e os
deslocamentos identitários do professor de LE que possui alunos surdos em sala de aula
inclusiva. Pretendo investigar o processo de (re)significação da identidade do professor de LE
através dos dizeres que constituem representações sobre sua prática pedagógica e a sua
relação com os outros componentes
2
desse cenário.
1.4.2 Objetivos específicos
Analisar os modos de dizer nos quais são evocadas as representações desse
professor sobre si, a sua formação e a sua prática;
Analisar os modos de dizer nos quais são evocadas as representações desse
professor sobre o outro (o aluno surdo, o intérprete) na sala de aula;
Analisar os modos de dizer nos quais são evocadas as representações que esse
professor tem das soluções didáticas que encontraram para esse contexto
pedagógico;
Analisar os modos de dizer nos quais são evocadas as representações que esse
professor tem da LI e da Libras.
2
Intérprete de Libras, alunos surdos e ouvintes.
23
1.5 Metodologia
A modalidade de investigação usada para o presente estudo é a pesquisa de
interpretação discursiva (ORLANDI, 2003), considerando os gestos de interpretação,
entendidos como os processos de identificação e as filiações de sentido identificadas no
discurso do sujeito. Essa pesquisa de escuta discursiva é auxiliada pela teoria da Análise do
Discurso (doravante, AD), atravessada por alguns conceitos da Psicanálise. A AD, como
escreveu Eckert-Hoff (2008), é fundamental, uma vez que o objeto desta pesquisa será
formado pelo discurso do professor-enunciador e também dará suporte com métodos de
categorização das análises linguísticas. A AD “não trata da língua, não trata a gramática,
embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata o discurso” (ORLANDI, 2003, p. 15).
Ainda segundo a autora, a palavra discurso indica movimento, percurso. Estudar o discurso é
estudar o homem em movimento, falando, além de dar atenção ao que o constitui sócio-
historicamente. Através do seu discurso, o homem se significa. O discurso ao sujeito a
condição de permanecer, de continuidade, de se deslocar e de se (trans)formar. Pêcheux
tinha estabelecido que a AD é uma disciplina de entremeio e que seu objetivo é “estabelecer
uma reflexão sobre o sujeito e sobre funcionamentos linguístico-históricos, visando a uma
compreensão da interpelação ideológica constitutiva da produção de sentidos nos sujeitos”
(MARIANI, 2003, p. 57).
A Psicanálise vem contribuir para este estudo, de modo que nos permite prestar maior
atenção ao que o professor faz, como faz, de que jeito faz e com quem faz (MRECH, 2005) e,
assim, o identificando através de suas palavras. No presente caso, algumas noções da teoria
psicanalítica freudo-lacaniana serão usadas, uma vez que a teoria da AD com a qual nos
filiamos é aquela que abre esse espaço de diálogo entre a Linguística, a LA e a Educação. A
área da Educação é particularmente indispensável na formação do professor de línguas, no
caso específico, o professor de inglês em serviço. Como afirma Mendonça Filho (2001, p.
95), na interface com as teorias psicanalíticas, temos a possibilidade de “revelar novas
perspectivas à educação, ou pelo menos permitir a invenção de novas perguntas”. Podem-se
“criar outras possibilidades para o pensar (talvez o repensar) da educação como um processo
que possua outras inserções além da racionalidade cartesiana” (MENDONÇA FILHO, 2001,
p. 96). A AD e a Psicanálise trazem em si a marca da falta, do furo e nisso essas duas
“vizinhas” se tocam. O sujeito do inconsciente surge desse/nesse furo, do/no vazio. uma
24
tessitura formada por esse estranho, inconsciente, pelo furo. Na AD, o tecido do discurso
também é constituído pelo furo, pela falta, “o vazio do sentido que clama por um sentido”. E
o furo se apresenta no sujeito e na linguagem que também são estruturados por ele. Daí o
equívoco, as falhas do sujeito, da linguagem e do discurso. E tanto os analistas do discurso
quanto os psicanalistas estão atentos aos momentos de equívocos, onde a fala “derrapa”
(FERREIRA, 2004).
Assim como a Educação tem passado por transformações, a vida docente também tem
passado por modificações. O professor passou por várias mudanças em sua apresentação
histórica, conforme explica Mrech (2005):
[...], o semblante
3
(a envoltura) do professor mudou. Ao longo da história da
humanidade esse processo tem se tornado cada vez mais evidente. Dos
sofistas como os mercenários da cultura, passamos na Idade Média para os
representantes ungidos por Deus sobre a Terra para transmitir a cultura. Nos
dois últimos séculos, os professores tornaram-se os representantes da
Educação laica, da Educação científica, da Educação para todos, da
Educação inclusiva, da Educação multicultural” (MRECH, 2005, p. 154).
Os vários semblantes, as tantas modificações, ressignificações são flagradas nos discurso
educacionais. A palavra “não cessa de produzir sentidos através do tempo” (TEIXEIRA,
2005, p. 15). Os discursos educacionais se imbricam, atravessam, vão e voltam e constituem
os sujeitos. As palavras movimentam-se e os sentidos vão se deslizando para outros, como
pudemos ver acontecer com o deslizamento do significante “deficiente” deslizando para
“especial” e de especial para “diferente”, como ocorre no discurso da inclusão. Considerando
o que apresenta a Psicanálise, “o sujeito é um ‘falasser’, isto é, um ser na fala. É por meio dela
que se inscrevem a cada momento os seus semblantes, as suas distintas envolturas” (MRECH,
2005, p. 154). Se o discurso sofre modificações, o sujeito estará constantemente
(trans)formando a sua imagem, (representando) apresentando sua identidade. O sujeito-
professor entra em cena quando começa a falar sua história. Nesse percurso discursivo, o
professor denuncia a falha, a complexidade, o desfalecimento do sujeito. Com isso, falhas e
feridas desse sujeito se manifestam. Manifesta-se também a presença do Outro. “As palavras
estão sempre no campo do Outro, e é por isso presença na ausência: lembrar é esquecer e
esquecer é lembrar. É preciso, pois, escavar buracos na linguagem para ver e ouvir os nós do
dizer” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 76). Além disso, ao falar de si o sujeito se reinventa, cria
3
Mrech (2005) chama o semblante de envoltura do sujeito, porque este, como falasser, como ser de dimensão
significante é um corpo que fala e é, portanto, discurso. Segundo Lacan (1982, p. 45), "a realidade se funda e se
define por um discurso" e é essa dimensão simbólica que faz com que o sujeito esteja somente representado nos
lugares do quais fala. Todo discurso é semblante porque tampona a verdade, o saber do inconsciente.
25
um outro ficcional como forma de preenchimento dos espaços vazios. Por isso, o sujeito será
visto neste estudo como aponta Lacan (1998), como um ser sempre em ‘falta de’, incompleto.
Para a formação do corpus, em uma primeira fase, uma pesquisa bibliográfica sobre as
teorias que direcionam as intenções de pesquisa foi necessária para orientar a formação do
corpus de forma coerente com os objetivos propostos. Para a produção dos fatos linguísticos,
o primeiro passo foi fazer a escolha dos professores a serem entrevistados. No total, foram
entrevistados seis professores de LI, sendo cinco da cidade de Montes Claros e uma
professora de Belo Horizonte, ambas as cidades do estado de Minas Gerais. Todos eles
trabalham ou trabalharam recentemente em salas mistas (alunos surdos e ouvintes) no ensino
regular. Ainda, todos os professores contavam com o auxílio de um intérprete. Logo em
seguida, para a formação do corpus, usando técnicas qualitativas (DENZIN; LINCOLN,
2006), foram gravadas, através de um gravador digital, entrevistas com perguntas semi-
estruturadas e abertas com esses professores. Além das entrevistas, algumas aulas foram
observadas para anotações de campo, descrevendo o cenário em estudo. Todas as gravações
foram armazenadas em meio digital (usando o computador) e, posteriormente, transcritas,
para facilitar a análise do discurso dos professores.
Entende-se por condições de produção dos sujeitos, a situação e a memória discursiva.
Consideramos, portanto, as circunstâncias enunciativas (contexto imediato - espaço, tempo...),
o contexto sócio-histórico e ideológico (ORLANDI, 2003) e as imagens que o sujeito faz de
si, do outro e do referente.
Considera-se que a memória discursiva é o interdiscurso, aquilo que fala antes, em
outro lugar.
4
Levando em conta o interdiscurso, a necessidade de um levantamento cio-
histórico sobre a educação dos surdos será importante para a análise do contexto sócio-
histórico. Ainda, acrescento a este estudo o levantamento histórico da Educação Inclusiva, as
ideologias que envolvem a inclusão educacional e, de forma especial, a inclusão dos alunos
surdos. A importância de se considerar o discurso, em fazer a leitura discursiva, é trazer para a
pesquisa o próprio sujeito, dando-lhe oportunidade de se dizer. E, a partir daí, interpretar suas
representações e o que o constitui, para então apontar as representações mais recorrentes nos
dizeres desses professores. Essas representações, embora não generalizáveis e de cunho
singular, podem ajudar a problematizar o discurso da capacitação dos professores do ensino
regular.
4
No Capítulo III, desenvolveremos melhor a noção de memória discursiva e interdiscurso.
26
Para facilitar a organização de nosso trabalho, optamos pela divisão: divisão em seis
capítulos, que incluem a introdução e as considerações finais. No segundo capítulo, através
dos discursos históricos, problematizamos os discursos que atravessam e constituem a
Educação Inclusiva e a Educação de Surdos. Tecemos também algumas considerações sobre o
professor e o intérprete na Educação Inclusiva, bem como sobre o ensinar e aprender na
educação regular. Tal construção histórica é necessária ao momento das análises, para rastrear
os traços discursivos que ressoam, atravessam e constroem as representações que são nosso
objetivo final.
No terceiro capítulo, tecemos uma base teórica para a sustentação de nossos gestos de
interpretação. Embora neste trabalho a teoria circule em toda a escrita, o capítulo teórico traz
uma reflexão mais elaborada a respeito das noções teóricas da AD e também da Psicanálise,
que nos apoiam na construção do dispositivo de análise.
O quarto capítulo é o momento de descrever nossa metodologia de pesquisa e a
construção do nosso dispositivo de análise. Nesse capítulo, também trazemos esclarecimentos
sobre a escolha dos enunciadores, sobre as entrevistas e as condições de produção do
discurso. De grande importância para a análise do corpus linguístico, também estão nesse
capítulo as nossas categorias de análise dos fatos linguísticos.
O quinto capítulo apresenta as análises dos discursos dos professores-enunciadores
deste estudo. Há, conforme foi dito aqui, a necessidade de continuidade de
desenvolvimento teórico também nesse capítulo, por uma demanda do próprio dispositivo de
análise.
Por último, apresentamos as considerações finais deste estudo, sem a intenção de
esgotar as possibilidades de interpretação do nosso corpus, mas apresentando a interpretação
que temos no presente momento.
27
2 TECENDO O HISTÓRICO DA INCLUSÃO
2.1 Introdução
Neste capítulo, iniciamos um percurso que visita e revisita os discursos históricos que
atravessam e orientam a Educação Inclusiva (EI) e a Educação de Surdos (ES). A ideia é
problematizar a EI a partir dos termos Inclusão e Exclusão que se repetem insistentemente
nos discursos educacionais. Ao compor um histórico discursivo, teremos, no momento das
análises, condições de perceber os discursos que atravessam, constituem, significam e
ressignificam os fatos linguísticos propostos como objetos de nossas análises. Vemos, no
presente estudo, os discursos que compõem a história da EI e da ES como o Arquivo
conceituado por Foucault (1987, p. 149): “o arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o
sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares”. Revel
(2005, p. 18), em seu livro sobre os conceitos foucaultianos, diz que o arquivo é “o conjunto
dos discursos efetivamente pronunciados numa época dada e continuam a existir através da
história”.
Esta pesquisa considera o homem que fala, o homem que representa simbolicamente
sua realidade. E, através de suas representações, é possível perceber sua prática e o que o
constitui sócio-historicamente. A ES revela uma trajetória que em muito se repete nos
discursos atuais e ainda representa desafio nas vozes dos professores entrevistados neste
trabalho. Os documentos oficiais mostram o discurso dos governantes e o que causa muitas
vezes conflitos e angústias por serem prescritivos e imporem condições que, geralmente, não
são alcançadas pelas escolas de hoje (voltaremos nessa questão mais adiante e também nas
análises). Assim, para entender os movimentos que acontecem na EI e ES hoje, é preciso
buscar o ontem, e o ontem surge na atualidade em muitas variações, como veremos mais à
frente na fala dos professores.
A EI é vista nesta pesquisa como um acontecimento (PÊCHEUX, 2008), aquilo que
gera ressignificação, que movimenta. Segundo Teixeira (2005):
28
A noção de acontecimento permite falar da anterioridade que constitui o
discurso não como um transcendental histórico, uma grade de leitura ou uma
memória antecipadora que sobredetermina o dizer. No acontecimento
entrecruzam-se atualidade (o dito aqui e agora) e memória (o já-dito antes e
em outro lugar), sendo que uma descontinuidade pode sempre vir desfazer o
trajeto aparentemente estabilizado da rede discursiva
(TEIXEIRA, 2005, p.
200)
.
Voltaremos à noção de acontecimento no próximo capítulo, quando falarmos da teoria da
Análise do Discurso. Cabe, neste momento, dizer que o fato de trazer um capítulo com relatos
de um passado não indica que esse passado está estático, que não afeta o hoje e que não
retorna. A ressignificação é a possibilidade de fazer e refazer trajetos. Voltando ao conceito
de Arquivo, ele considera os discursos como acontecimentos. “O Arquivo é, em outras
palavras, o sistema das condições históricas de possibilidades dos enunciados” (CASTRO,
2009, p. 43).
2.2 A Educação Inclusiva
A Inclusão, primeiramente, tende a ser uma tentativa de ordenamento (VEIGA-NETO,
2001a), devido à busca por um encontro com o outro que estava/está, de certa forma, do lado
de fora, em um outro lugar. Nesse encontro, procura-se estabelecer, criar, inventar um saber
através de um reconhecimento da diferença. A partir do reconhecimento de alguma diferença,
surge, segundo Veiga-Neto (2001a), um estranhamento e em seguida uma oposição
dicotômica, “o mesmo não se identifica com o outro, que agora é estranho(VEIGA-NETO,
2001a, p. 113). Tal dicotomia é operada por aquele que fica com a melhor parte, o mesmo, o
que não carrega, não porta a estranha diferença. Essa dicotomia revela, ainda que apenas
simbolicamente, um poder atuante no estabelecimento do que é incluído, do que não é o
mesmo. Um poder disfarçado por uma aparência de ação epistemológica. Uma simples
diferenciação. “E mais: ao parecer uma operação puramente epistemológica, de simples
reconhecimento ou estranhamento cognitivo, a dicotomia esconde seu compromisso com a
relação de poder que estava na sua origem” (VEIGA-NETO, 2001a, p. 113). Sobre a ordem e
os esforços para encontrá-la e/ou defini-la, Bauman (1999) aponta que a ordem resulta de uma
operação que nomeia e classifica através do desempenho da linguagem (
ALMEIDA; GOMES;
BRACHT, 2009)
:
29
O ordenar consistiria nos atos de incluir e excluir, separar e segregar,
discriminando o “joio do trigo” para estruturar e dividir o mundo entre
aqueles que pertencem ao quadro linguístico criado, representando sua
beleza, e aqueles que distorcem tal paisagem, evidenciando suas
ambiguidades, sujeiras e ambivalências (ALMEIDA; GOMES;
BRACHT, 2009, p. 16).
De acordo com Ferre (2001), muitas vezes a tentativa de ordenar da Inclusão faz parecer que
optar por incluir um sujeito é conviver com aquele/aquela que não é o que deveria ser, e, além
disso, ele representa aquilo que ninguém deseja ser. A Inclusão também traz a concepção de
normalidade. Inclui-se o anormal. Em Foucault (1987), o conceito de anormal é constituído
de três elementos: o monstro humano, o indivíduo a corrigir e o onanista. O monstro ocupa o
espaço jurídico-biológico. Ele surge da violação das leis naturais ou humanas. O indivíduo a
corrigir ocupa a família e as instituições (escolas, igrejas, etc.), que têm a missão de corrigi-lo.
“Com efeito, o indivíduo a corrigir aparece como tal na medida em que é incorrigível, na
medida em que a família e as instituições, com suas regras e métodos, fracassaram”
(CASTRO, 2009, p. 33). O onanista tem um local mais restrito: o quarto. E traz a
representação de que toda doença tem origem sexual. Para Veiga-Neto (2001b), a
problematização em torno desses três elementos surgiu no século XVIII, a partir da
descoberta de um quarto elemento: a população. A população era o elemento que nem o
Direito nem as disciplinas
5
tinham conhecimento. “A população [...] passa a ser entendida
como um novo tipo de corpo, um corpo de múltiplas cabeças sobre o qual são necessários
novos saberes” (VEIGA-NETO, 2001b, p. 114). Os saberes devem se ocupar das relações
entre essas cabeças, cuidando das suas relações, diferenças, proximidades e regularidades. A
partir desses saberes, o Estado e seus gestores exercem a sua política, tratada por Foucault
como bio-política
6
, através de um bio-poder. Nesse campo de saberes, procura-se incluir e
ordenar os considerados dispersos e desordenados. Percebemos com isso que a EI trata do
segundo elemento proposto por Foucault (1987): o sujeito a corrigir.
A questão da inclusão nos remete à composição binária normal/anormal. De acordo
com Duschatzky e Skliar (2001, p. 123), “a Modernidade inventou e se serviu de uma lógica
binária da qual denominou de diferentes modos o componente negativo da relação cultural:
marginal, indigente, louco, deficiente, drogadinho, homossexual, estrangeiro, etc”. As
5
Disciplina é a “modalidade de aplicação do poder que aparece entre o final do século XVIII e o início do século
XIX. O “regime disciplinar” caracteriza-se por um certo número de técnicas de coerção que exercem um
esquadrinhamento sistemático do tempo, do espaço e do movimento dos indivíduos e que atingem
particularmente as atitudes, os gestos, os corpos” (REVEL, 2005, p. 35).
6
“Há que entender por “biopolítica” a maneira pela qual, a partir do século XVIII, se buscou racionalizar os
problemas colocados para a prática governamental pelos fenômenos próprios de um conjunto de viventes
enquanto população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raça” (CASTRO, 2009, p. 59-60).
30
composições binárias nos remetem a uma ideia de poder. O que acontece é que o primeiro
termo mantém um privilégio em relação ao segundo, que se submete em uma situação de
dependência hierárquica. O segundo composto não existe se não estiver integrado ao primeiro
e representando uma inversão negativa desse. Temos então o estabelecimento de estereótipos,
que são herança de um discurso colonial. Segundo Bhabha (1998, p. 105), o estereótipo é a
principal estratégia do discurso colonial e surge atrelado ao conceito de fixidez, que, para o
autor, é “um modo de representação paradoxal: conota rigidez e ordem imutável como
também desordem, degeneração e repetição demoníaca”. Dessa forma, o estereótipo se
apresenta como uma forma de identificação e conhecimento que transita entre o que
permanece “no lugar”, já conhecido, e algo que se repete e que se refere à alteridade e que não
deveria ser aceito no discurso. Para Bhabha (1998), uma ambivalência no estereótipo que
lhe confere validade. É a partir da ambivalência que se tem a repetição histórica e discursiva
do estereótipo, dando-lhe condições de individualização e marginalização. De acordo com o
autor, não se trata apenas da percepção de imagens positivas ou negativas, mas de processos
de subjetivação que emergem do discurso dos estereótipos:
Julgar a imagem estereotipada com base em uma normatividade
política prévia é descartá-la, não deslocá-la, o que é possível ao se
lidar com sua eficácia, com o repertório de posições de poder e
resistência, dominação e dependência, que constrói o sujeito da
identificação colonial (tanto colonizador como colonizado)
(
BHABHA, 1998
, p. 106).
No caso da problematização, alvo deste capítulo, encontramos algumas composições binárias
que se repetem histórica e discursivamente no que se refere à inclusão, seja ela social ou
educacional. Temos, entre tantas, o normal e o anormal, o incluído e o excluído, o eficiente e
o deficiente, todos girando em torno da imagem do colonizador e do colonizado - repetindo as
relações de poder e resistência.
A EI é vista por muitos autores como uma tentativa de normalização
7
, de ordenamento
(SKLIAR, 2001, 2003; VEIGA-NETO, 2001a; entre outros). Nos discursos que fomentam a
EI, os dizeres sobre igualdade e diversidade deslizam a todo o momento. É comum encontrar
7
Skliar (2003, p. 188) explica a palavra normalização, citando Silva (2000, p. 83):
A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo
da identidade e da diferença. Normalizar significa eleger arbitrariamente uma identidade
específica como parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e
hierarquizadas. Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características
positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades podem ser avaliadas de
forma negativa. A identidade normal é natural, desejável, única. A força da identidade
normal é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas simplesmente como
identidade
(SILVA, 2000, p. 83).
.
31
vários significantes que nomeiam o incluído, como, por exemplo, o aluno “especial”,
“incluso”, “deficiente”, “menos favorecido”, entre tantos outros. Tomamos a partir do não-
dito que os outros alunos não são especiais, não são incluídos (pois são os que incluem), são
eficientes e são os favorecidos. Para Skliar (2003), esses outros que são designados como os
que incluem são chamados a mesmidade, e os que são incluídos, a diversidade. O outro que
foi/é incluído não é parte do mesmo, provoca estranheza. Tenta-se, então, ordenar o outro
dentro da escola, normalizando a situação da educação. Segundo o autor, o outro “já foi
suficientemente massacrado. Ignorado. Silenciado. Assimilado. Industrializado. Globalizado.
Cibernetizado. Protegido. Envolto. Excluído. Incluído. Integrado” (SKLIAR, 2003, p. 29). A
inclusão segue o movimento de uma porta-giratória. Às vezes, dentro, às vezes, fora. O que se
pode perceber é uma constante tentativa de administrar a diversidade, procura-se:
[...] compor e recompor uma e outra vez a pluralidade humana; teria
de se aceitarem e celebrarem as diferenças, porém representando-as,
desativando-as, ordenando-as, tornando-as produtivas, convertendo-as
em problemas bem definidos; teríamos de produzir e canalizar os
fluxos e os intercâmbios, mas de forma ordenada, vigiada e produtiva
(SKLIAR, 2003, p. 50).
A marca de uma origem para a EI não é encontrada nos discursos sobre o assunto. Mas
é possível marcar e dizer alguns acontecimentos que ressignificaram a EI em todo o mundo e
perceber alguns discursos que atravessam os documentos oficiais e a literatura sobre a mesma.
Em Skliar (2001), indicam-se quatro dimensões para as mudanças que ocorrem na
educação. Essas mudanças implicam sentidos que movimentam os sujeitos envolvidos no
contexto educacional. As quatro dimensões são:
a) mudanças textuais e/ou legais - são mudanças que partem dos discursos oficiais e trazem a
concepção de que a primeira mudança deve acontecer legalmente e exclui os movimentos
sociais que norteiam a vida escolar;
b) mudanças de código - nesse momento, a mudança acontece nos textos que regem o
currículo escolar, os programas de formação de professores entre outros requisitos e ações
pedagógicas;
c) mudanças das representações - o texto não é visto como o mais importante, nem mesmo os
códigos da educação. O que verdadeiramente importa são os “mecanismos de representação
que circulam ao redor de um modelo de sujeitos, de uma perspectiva sobre a função da escola
e de um significado que prevalece sobre quais as funções dos professores no processo
educativo” (SKLIAR, 2001, p. 13);
32
d) mudanças das identidades - todas as mudanças em/da educação devem envolver a questão
da identidade. A identidade dos professores, das instituições, enfim, de todos os sujeitos que
são objetos da mudança.
O autor lembra que o esquema das quatro mudanças deveria ser visto de forma
inversa. As (trans)formações acontecem, primeiramente, com as mudanças das representações
e das identidades e nem sempre alcançam os textos e os códigos educativos. Caso contrário,
seria deixar de lado ou tentar apagar os acontecimentos educacionais que acompanham a
trajetória de toda a academia.
Iniciando, em nosso estudo, um breve histórico sobre a EI, seus documentos,
acontecimentos e discursos, marcamos, como ponto inicial de nossa via discursiva, a
declaração de 1948. Em 1948, a Declaração dos Direitos Humanos afirma que a educação é
um direito básico do ser humano, não sendo um privilégio para poucos, mas um direito
universal. Alguns autores (DUTCHAZKY; SKLIAR, 2000; SKLIAR, 2001; e outros) veem
essa iniciativa de alcançar a EI como uma forma velada do discurso integracionista do
neoliberalismo. Para o discurso neoliberal, uma fronteira entre o hipoteticamente excluído
e o hipoteticamente incluído. A linha que limita um território do outro, o que é dentro e o que
é fora, pode ser traçada pela habilidade/capacidade de saber, poder, ser, etc. Os sujeitos não
podem/devem viver nas periferias e margens. Todos precisam estar inseridos na aldeia global
que lhes confere o direito de igualdade e da mesmidade, principalmente, na educação.
O artigo 28 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Nações
Unidas, 1989), citado no Arquivo Aberto sobre Educação Inclusiva da UNESCO (2001), traz
termos de compromisso para os Estados-Membros (o que inclui o Brasil) que reconhecem o
direito das crianças à educação, estando esses países obrigados a garantir a educação
fundamental a todos
8
e a buscar meios de permanência dessas crianças na escola.
Continuando os esforços de asseverar o direito universal à educação, surge, em 1990, na
Conferência Mundial sobre Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia, o movimento
Educação para Todos, que soma esforços visando à Educação Inclusiva. Acontece, então, a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Declaração de Jomtien). Essa conferência
baseou seus trabalhos na análise da educação numa vasta pesquisa ao redor do mundo, que
obteve resultados preocupantes. A análise apontava três problemas considerados graves:
as oportunidades educacionais eram limitadas, com um grande
número de pessoas tendo acesso restrito à educação;
8
Grifo nosso.
33
a concepção de educação básica se restringia à capacidade de ler,
escrever e lidar com meros, em vez de uma visão mais ampla de
uma base para uma vida de aprendizado e cidadania;
alguns grupos marginalizados portadores de deficiências, membros
de minorias étnicas e linguísticas, meninas e mulheres, etc. corriam
o risco de serem excluídos como um todo
(UNESCO, 2001,
p. 17
)
.
Essas questões aconteciam em todo o mundo, mas eram mais graves em países pobres e em
desenvolvimento. Por isso, havia a necessidade de um esforço mundial a esse respeito. Ficou
determinado, pela Declaração de Jomtien, um esforço que pudesse garantir, universalizar o
acesso à educação por “todos” os grupos “igualitariamente”, sem restrições por situação
socioeconômica, sexo, cor, credo, deficiência, etc. Os discursos encontrados nesses
documentos trazem a tentativa de estabelecer um novo lugar social, com um caráter
igualitário e sob o título de humanista, que procura camuflar a heterogeneidade e a
singularidade, não somente por uma intenção solidária (MASCIA; SILVA JÚNIOR, 2008).
Mais tarde, em 2000, a Declaração de Jomtien ganhou reforços no Encontro Mundial
de Educação em Dacar, Senegal. Esse encontro analisou os progressos da Educação para
Todos desde o encontro da Tailândia. Novamente, o compromisso com a EI é buscado. E,
também nesse encontro, o relatório da Comissão Internacional de Educação para o Século 21
apresentou, como grande avanço na EI, a Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais
na Educação em Salamanca, na Espanha, de 7 a 10 de junho de 1994. Na conferência, foi
afirmado que é necessário mais que o simples cumprimento de políticas públicas existentes
para que a EI vença as barreiras que a impedem de se tornar uma realidade social. Não era
possível caminhar rumo a uma inclusão satisfatória apenas com escolas especiais (escolas que
acolhem somente os grupos e minorias com necessidades especiais). Era preciso que o
sistema educacional fosse modificado, o que equivale a dizer que a inclusão aconteceria se as
escolas regulares se tornassem mais inclusivas, sendo capazes de acolher as crianças de suas
comunidades em todas as necessidades apresentadas por elas. O Arquivo Aberto da UNESCO
(2001), citado acima, traz três justificativas para que essa transição do ensino em “escolas
especiais” para as escolas regulares aconteça:
a justificativa educacional: a necessidade de escolas inclusivas para
educar todas as crianças juntas implica o desenvolvimento de formas
de ensinar que trabalhem com as diferenças individuais e, assim,
beneficie a todas as crianças;
a justificativa social: escolas inclusivas podem mudar atitudes em
relação às diferenças por meio de uma educação conjunta de todas as
crianças e formar a base para uma sociedade justa não-discriminatória;
34
a justificativa econômica: é mais barato estabelecer e manter escolas
que educam todas as crianças juntas do que desenvolver um sistema
complexo de diferentes tipos de escolas especializadas para diferentes
grupos de crianças. Se, é claro, essas escolas inclusivas oferecerem
educação efetiva a todos os seus alunos, então elas também são uma
forma mais eficiente de promover Educação para Todos (UNESCO,
2001, p. 21).
Segundo Mascia e Silva Júnior (2008), busca-se uma tentativa de controle e de administração
da diversidade escondida atrás de uma justificativa econômica, de uma organização, de uma
melhoria, da “humanização”.
9
Em vista do exposto acima, o governo brasileiro segue os rumos das decisões tomadas
nas conferências mundiais e defende, em seus discursos educacionais, o ensino inclusivo. No
país, de acordo com o texto Fundamentação Filosófica do Programa de Educação Inclusiva
do Ministério da Educação (2004), o pensamento sobre uma educação para pessoas com
necessidades especiais começou ainda no Império. A primeira preocupação foi com pessoas
deficientes, de forma especial, pessoas chamadas então de cegas e surdas. Surgiram nesse
período as Casas Totais, que eram residências e também locais de trabalho institucionalizadas
onde pessoas excluídas da sociedade levavam uma vida de clausura formalmente
administrada.
Nas décadas de 60 e 70 do século passado, o Brasil seguiu os outros países que
buscavam por em prática as determinações da Declaração de 1948 e procurou novos modelos
de educação para deficientes. Nessa época, as pessoas consideradas “diferentes” foram vistas
como sujeitos que poderiam ser “normalizados”, capacitados para a vida em sociedade. Pelo
significante
10
“diferentes”, é possível perceber que o significante “deficiente” começa a sofrer
deslizes, passando para “especial”, para “diferente”, etc.
De 1980 em diante, com os avanços tecnológicos, avanços da medicina e estudos da
educação em geral, pessoas que antes eram excluídas da sociedade começam a ser aceitas
como constituintes de uma sociedade gerada pela diversidade. O tema diversidade toma mais
força em 1990 com as declarações e conferências mundiais, como apontado anteriormente. O
Brasil busca o seu caminho na inclusão educacional e, desde então, como afirma o próprio
texto Fundamentação Filosófica do Programa de Educação Inclusiva do Ministério da
Educação (2004):
9
Grifo nosso.
10
Termo retomado por Lacan (1953) a partir da Teoria de Ferdinand Saussure “como um conceito central em
seu sistema de pensamento, o significante tornou-se em psicanálise, no elemento significativo do discurso
(consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito, á sua revelia e à maneira
de uma nomeação simbólica” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 708).
35
O Brasil tem definido políticas públicas e criado instrumentos legais que
garantem tais direitos. A transformação dos sistemas educacionais tem se
efetivado para garantir o acesso universal à escolaridade básica e a satisfação
das necessidades de aprendizagem para todos os cidadãos (
ARANHA
, 2004,
p. 13).
Assim, a escola “se democratizou, abrindo-se a novos grupos sociais, mas não a novos
conhecimentos” (MANTOAN, 2003, p. 18). A falta desses novos conhecimentos (ou a falta
de uso desses novos conhecimentos), como, por exemplo, o conhecimento sobre educação de
crianças surdas e o conhecimento da LS ou do Braile na educação de crianças cegas, gera
instabilidade na manutenção pedagógica das escolas. A partir dessa “quebra da estabilidade
no cotidiano escolar [...], professores se questionam e sentem-se ameaçados e amedrontados
pela falta de estrutura física, de material, de apoio e, fundamentalmente, de formação
pedagógica” (MAZZOTTA, 2003, p. 50). Criou-se a necessidade de rearranjar os grupos
(transição da escola especial para a escola regular inclusiva) e com isso criaram-se novas
necessidades, mas o movimento para a capacitação docente e administrativa escolar não tem
acompanhado o discurso da mudança. A EI qualifica bem esse cenário de acontecimentos. Os
educadores são instados a se adaptarem ao fato de que a inclusão deve ser “radical, completa e
sistemática. Todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas de aula do ensino
regular” (MANTOAN, 2003, p. 24). O significante “todos”, encontrado recorrentemente nos
discursos da inclusão educacional e no discurso das várias políticas públicas que apoiam essa
inclusão, revelam o desejo de uma completude impossível que surge de diversos lugares. A
completude que alcança todos em todo lugar, aprendendo “igualmente tudo” que é ensinado
(sistema educacional).
A Constituição brasileira, em seu Capítulo III Da Educação, da Cultura e do
Desporto -, artigo 208, garante o “... atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. A expressão atendimento
educacional especializado, no trecho acima, parece não estar de acordo com o que pelas
escolas atualmente. Até então, é sabido que a grande maioria das licenciaturas plenas não
contempla a preparação para o ensino inclusivo em suas grades curriculares, e quando o
fazem, muitas vezes é de forma superficial e insuficiente para a variedade de sentidos que o
significante especializado pode carregar. Esperam-se, de um atendimento especializado, as
condições estruturais e humanas de atendimento às necessidades dos alunos, como, por
exemplo, um corpo docente que tenha formação para atender essas necessidades.
36
2.3 A exclusão
O significante inclusão recebe sua significação diante do que significa a
exclusão. Se o ser, também o não-ser. Começamos a falar da exclusão pela ideia de
exílio. Conforme Skliar (2003, p. 58), exílio nos lembra o estrangeiro. A ordem é perturbada
pela presença do estrangeiro, pois esse está acompanhado do desconhecido, “daquilo que não
pode ser agregado ao que já é dado por conhecido, daquilo que não é, não pode ser, nem
amigo nem inimigo” (SKLIAR, 2003, p. 59). Segundo o autor, o estrangeiro, apesar de ter
uma noção espacial, ainda abala as noções de proximidade e de distanciamento. Ele traz
consigo uma imagem de temporalidade que revela algo extemporâneo à existência daquele
que é considerado conhecido, normal, parte de uma mesmidade. Ou seja, alguém que está fora
da história, do tempo, mas é constante ameaça. Ele é “inominável no tempo”. Outro
significante trabalhado por Skliar (2003) é o diferente. A raiz latina da palavra, dis indica
divisão ou negação; ferre significa arrastar violentamente. Assim, o outro, o estrangeiro, o
diferente é arrastado para longe de uma identidade original (normal) e visto como o oposto,
aquele que é o negativo. Japiassú e Marcondes (2006, p. 75) apresentam como conceito de
diferença: a “relação de alteridade existente entre duas coisas que possuem elementos
idênticos”. Mas, ao mesmo tempo, a diferença apresenta a contradição e distingue uma
espécie da outra.
A exclusão é um tema histórico na humanidade. Sabemos, por exemplo, que em
Esparta, na antiga Grécia, o modelo ideal de homem era forte, belo, bom guerreiro, corajoso,
enfim, perfeito. Em consequência disso, todos aqueles que nasciam fora do padrão ideal eram
condenados ao exílio e/ou à eliminação. Os anormais eram expostos em praça pública e
depreciados, pois não havia espaço na sociedade para seres incompletos. Os homens
incompletos, deficientes, eram considerados portadores de um mal. Em toda a história, o que
percebemos é um homem in(ex)cluído, alvo de uma ambivalência caridade/castigo (VIZIM,
2001).
Como conceito, encontramos em Sawaia (2008, p. 9) que a exclusão é “processo
complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e
subjetivas”. A autora ainda completa que exclusão em relação à inclusão como
constituinte desta:
Não é uma coisa ou estado, é processo que envolve o homem por inteiro e
suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha
37
do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social;
ao contrário, ele é produto do funcionamento do sistema (SAWAIA, 2008,
p. 9).
Segundo Wanderley (2008), os valores e as representações encontrados em toda a sociedade
acabam provocando a exclusão. Não é apenas uma questão de rejeição física, geográfica ou
material. A autora nos coloca definições de exclusão que surgem de variados discursos
psicológicos e sociológicos. Primeiramente, a partir de Paugman (1996 apud WANDERLEY,
2008), elabora um conceito de exclusão como desqualificação. A desqualificação está ligada
aos fracassos e sucessos da integração. Geralmente, esse processo passa pela ideia de
desqualificação social e está relacionado ao trabalho. Em seguida, Wanderley (2008) trata a
exclusão como desinserção. O sistema de valores sociais define quem está “fora da norma” e
indica que esse sujeito não tem utilidade social (DEGAUJELAC; LEONETTI, 1994 apud
WANDERLEY, 2008). Ainda, a autora apresenta a desafiliação, que é uma ruptura de
pertencimento, uma quebra do nculo societal. Por fim, aborda o discurso da intolerância
social que aparta o outro como um desigual, um “não semelhante”, expulso de todo o
convívio e até mesmo da condição de humano. Esse fenômeno é conhecido como Apartação
Social e foi proposto por Cristóvão Buarque (1993 apud WANDERLEY, 2008).
Para problematizar a questão do tolerar, na exclusão, o tolerar indica viver aceitando a
periferia que circunda, ao mesmo tempo em que constitui a central normalidade. Aceitar “as
bordas, o marginal, o excluído, cuja única razão de existência deveria ser esforçar-se para
entrar, para estar incluído, para estar no centro, para ocupá-lo e assim ser, finalmente, como
os demais” (SKLIAR, 2003, p. 99). A exclusão é um constante empurrar para fora, ainda que,
se possível for mapear, a inclusão e a exclusão ocupam o mesmo entrelugar. Citando
DeMarinis (1998), Skliar (2003) afirma que a cartografia da inclusão aceita, em sua área
central, aquilo que foi corrigido e que pode ser tolerado após as devidas correções em seu
corpo. Um discurso de bondade, daquele que se como um missionário, um discurso de
salvação fomenta o comportamento dos centrados normais que dizem estar prontos a incluir o
excluído. Mas tolerância existe diante da intolerância. “Tolerar o outro, tolerar o que é
outro, tolerar a diversidade, tolerar a diferença, fazer da tolerância um princípio desculpável,
uma fonte de conhecimento, um lugar de comunicação” (SKLIAR, 2003, p. 131), esse é o
discurso da tolerância. Porém, tal discurso debilita o que é visto como diferença camufla a
desigualdade, e assim, o que é desumano nas ações e formas passa a ser tolerado. Tendo em
vista o poder do discurso da tolerância, a exclusão fica escondida embaixo do tapete alienada
por vozes que a toleram. Para Skliar (2003), a tolerância tem ligação direta com a indiferença.
38
Ela patrocina um processo de desmemória, que impede, muitas vezes, de perceber os
sofrimentos e as dores históricas daquele que está in(ex)cluído:
A tolerância não se nem se obtém, já que não é nem um dom nem uma
conquista. A tolerância – como a objetividade no âmbito do conhecimento –
é sempre uma exigência, uma imposição do ganhador sobre o perdedor.
Tolerante é o que suporta algo de alguém, isto é, o que individualizando-se
com respeito aos demais, marca uma separação que não é mera distancia
mas sim de altura. A partir desta posição de superioridade, o tolerante se
converte automaticamente em juiz. Pode ofender, desdenhar, depreciar. Em
resumo, pode perdoar ou não. Se, em última instância, poder significa
matar, tolerar é por sua vez perdoar a vida do outro. Nesse sentido, a
tolerância [...] não é mais que a imposição de uma morte adiada, a graça de
uma existência que o vencedor concede. E vencedor é sempre o que
sobreviver ao outro, o poder (LÓPEZ-PETIT, 1996 apud SKLIAR, 2003, p.
134).
É possível perceber uma necessidade social (dos normais) de encontrar a quem
in(ex)cluir. O considerado mesmo controlador e mantenedor da mesmidade vê, na
diversidade, um outro que ele não quer ser, que é alvo de seu ódio e maltrato, que dever ser
isolado e ultrajado, mas que torna a identidade do normal algo mais confiável, mais seguro,
que provoca alívio ao ser invocado. a ausência do outro pode ser dolorosa, pois ele é ao
mesmo tempo uma presença de ausência que, apesar de incomodar, é constituinte do que é
mesmo. Bhabha (1998) diz que só possível entender essa ambivalência de uma presença
ausência, a partir de uma alteridade que é ao mesmo tempo um objeto de desejo e escárnio.
2.4 A educação de surdos
Os surdos foram vistos de diversas formas durante a história. Os diferentes discursos
que constituem a trajetória dos surdos vão e voltam, fazem e refazem as representações a
respeito da identidade surda. Na antiguidade, os surdos não eram considerados seres humanos
competentes. Para os ouvintes, eles não poderiam desenvolver o pensamento, o intelecto
devido à ausência da fala. “Desde que a fala o se desenvolvia sem a audição, quem não
ouvia, não falava e não pensava, não podendo receber ensinamento e, portanto, aprender”
(MOURA, 2000, p. 16). Para Aristóteles, a linguagem era condição para se atestar a
humanidade de um indivíduo. Assim, nos discursos correntes da época, o surdo era
desconstituído da propriedade humana. Após séculos, a busca por uma humanização do
39
sujeito surdo foi iniciada. A partir de então, ele passa a ser recuperado pela sociedade e para
isso começaram as tentativas de dar fala ao surdo-mudo. Esse mesmo discurso de dar fala e
voz ao sujeito surdo é visto nos discursos atuais, que buscam a oralização e/ou uma educação
que medica a falta da fala oral.
Os romanos destituíram os surdos de todos os seus direitos legais e, além disso, eles
eram vistos como pessoas que não poderiam casar e que tinham alguma forma de retardo
mental. Para a religião, eles eram vistos como pessoas que não possuíam almas imortais, pois
não sabiam orar e participar de movimentos religiosos.
No século XIV, um advogado e escritor chamado Bartolo della Marca d’Ancona
começa a considerar a possibilidade de um surdo desenvolver uma aprendizagem eficiente a
partir da (LS) ou, mesmo, da língua oral. Novos estudos também começam a ser
desenvolvidos. No século XVI, encontra-se a primeira indicação de uma diferença entre
surdez e mutismo. Um médico, Girolano Cardano, afirmava nesse período que os surdos
poderiam receber instrução porque tinham propriedades intelectuais para isso (MOURA,
2000). A autora afirma que a primeira pista de uma educação de surdos surgiu com Pedro
Ponce de Leon (1520-1584), o qual se tornou um professor de surdos e o primeiro registrado
nesse contexto historicamente. Ponce de Leon era um monge beneditino e educava os filhos
de nobres. Fazia parte do programa de ensino ensinar a falar, ler, escrever e as ações e
doutrinas do cristianismo. Os nobres que tinham seus primogênitos surdos temiam que não
tivessem a quem passar seus bens e seus nomes porque a surdez era vista como impedimento
para assumir legalmente a herança e o direito familiar. “A possibilidade do Surdo falar
implicava no seu reconhecimento como cidadão e consequentemente no seu direito de receber
a fortuna e o título familiar” (MOURA, 2000, p. 18).
Várias pessoas, entre médicos, religiosos e educadores, surgiram na história da ES.
Confirmava-se, na Idade Moderna, o discurso oralista. Devia-se oralizar o surdo para que ele
fizesse parte da sociedade dos ouvintes. As experiências dos educadores com alunos surdos,
infelizmente, não eram partilhadas entre os mesmos ou com os outros. Segundo o pensamento
da época, gastava-se muito tempo e energia buscando uma solução para ensinar no contexto
da surdez, que aqueles que detinham o conhecimento o tomavam como uma conquista que era
mérito exclusivo e não merecia ser partilhado. Ensinar um surdo a falar era garantia de
prestígio e reconhecimento social. “O oralismo tinha como argumentação aparente a
necessidade de humanização do surdo, mas que, na verdade, escondia outras necessidades
particulares de seus defensores, que visavam o lucro e o prestígio social” (MOURA, 2000, p.
22).
40
Eis que surge em Paris um abade chamado Charles-Michel de L’Epée (século XVIII),
que, por razões religiosas, começa a educar duas irmãs surdas. O abade percebe que aprender
a LS pode facilitar o ensino e facilitava o acesso à ngua escrita para que as jovens tivessem
acesso à palavra de Deus. Ele passou a defender o uso da LS e escreveu o livro Intitutin dês
Sourds-Muets par la Voie des Signes Méthodics. L’Epée foi o responsável pela abertura do
primeiro instituto para surdos em Paris, que foi o primeiro estabelecimento de ensino público
de atendimento ao surdo no mundo. Após a morte de L’Epée, o instituto passou a ser criticado
por seguidores do oralismo, mas seu trabalho tinha provocado uma inovação na educação
de surdos e isso afetaria o mundo inteiro. Em vários países, escolas foram abertas e a temática
da ES, discutida. Com reconhecimento da LS, o abade colocou o surdo na categoria humana:
A importância de L’Epée não está somente no fato dele ter desenvolvido um
método novo na educação dos Surdos, mas de ter tido a humildade de
aprender a Língua de Sinais com os Surdos para poder, através desta língua,
montar seu próprio sistema para educá-los (MOURA, 2000, p. 25).
Em 1789, com a morte do abade, Abbé Sicard assume a direção do Instituto Nacional
de Surdo-Mudos. Sicard escreveu dois livros importantes na época, uma gramática e um livro,
sobre a forma como treinou um surdo chamado Jean Massieu. Passando por outros
administradores, o discurso oralista passou a reger as ações do instituto. Uma das figuras que
influenciou as ações pedagógicas do instituto foi o médico Jean-Marc Itard. Itard buscava a
erradicação ou, pelo menos, a diminuição da surdez, pois, como discípulo de Philipe Pinel, ele
considerava a diferença como uma doença. Esse discurso médico corretivo é visto até os dias
de hoje em se tratando da surdez. Itard chegou a matar e ferir seriamente alunos do instituto
em nome de uma busca pela cura da surdez. Segundo Moura (2000), iniciava-se, então, um
outro discurso, que atravessava o oralista, o religioso, o filosófico e o social: “[...]o discurso
médico, equivocado quanto a seus princípios, que procurava a todo custo acabar com aquilo
que não podia ser tratado ou curado na maioria das vezes” (MOURA, 2000, p. 26).
Abre-se aqui um parêntese para falar sobre os discursos que afetam não apenas os
surdos, mas toda a alteridade deficiente
11
. Skliar (2003) destaca a aliança entre a pedagogia
corretiva e a medicalização que busca a cura do diferente:
É evidente que existe uma medicalização diretamente orientada para o corpo
(do) deficiente, mas existe, sobretudo, uma medicalização de sua vida
11
Termo usado por Carlos Skliar em seu livro Pedagogia(improvável) da diferença: e se o outro não estivesse
aí? (2003). “Alteridade deficiente é uma expressão que remete não ao indivíduo ou ao grupo de indivíduos
deficientes ou à sua deficiência específica, mas à invenção, à sua produção como outro” (p. 34).
41
cotidiana, da pedagogia, da escolarização, de sua sexualidade, da vida e da
morte do outro deficiente (SKLIAR, 2003, p. 161).
No discurso da medicalização, a diferença, se apagada, acaba com a deficiência e, com isso, o
Homem passa a ser Homem e não mais surdo, cego, indígena, etc. Fecha-se o parêntese.
Voltando aos acontecimentos na educação dos surdos, uma variedade de métodos e
técnicas foi surgindo e, com isso, a necessidade de uma discussão maior a respeito do tema.
Assim, aconteceu em 1880, em Milão, o Congresso Mundial de Professores Surdos. Nesse
congresso, a LS foi considerada um empecilho para a aprendizagem e desenvolvimento dos
surdos, fato que ocorreu devido à forte defesa do discurso do oralismo (SOUZA, 1998;
MOURA, 2000). O congresso foi considerado, por aqueles que defendiam o uso da LS, como
um retrocesso na ES. Durante aproximadamente um século a partir da data do congresso de
Milão, tentou-se curar, tamponar a surdez, obrigando os surdos à oralização. Entre os países
representados estavam os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, Canadá, Bélgica, Suécia e Rússia.
O mais curioso em relação ao congresso é o fato de que, em meio aos participantes que
estavam ali reunidos para tomar decisões a respeito da ES, havia apenas um surdo (MOURA,
2000). Nas resoluções votadas em Milão, percebe-se o retorno frequente ao discurso da
pedagogia corretiva. “Diante da concepção medicalizada da surdez, as escolas pouco a pouco
são transformadas em salas de tratamento. As estratégias pedagógicas passam a ser estratégias
terapêuticas” (SILVA, 2006, p. 33). Todo o processo pedagógico estava condicionado ao
conhecimento que os alunos surdos tinham da língua oral. Com os resultados do Congresso de
Milão, a LS foi, praticamente, banida/proibida na ES. Entre as resoluções do congresso, estão:
1. Dada a superioridade incontestável da fala sobre os Sinais para
reintegrar os Surdos-Mudos na vida social e para dar-lhes maior
facilidade de linguagem [...] (Este congresso) declara que o
método de articulação deve ter preferência sobre o de sinais na
instrução e educação dos surdos.
2. O método oral puro deve ser preferido porque o uso simultâneo de
sinais e fala tem a desvantagem de prejudicar a fala, a leitura
orofacial e a precisão de ideias (MOURA, 2000, p. 48).
Eis que surge em 1889 o Congresso Internacional dos Surdos, em Paris. Os surdos
considerados instruídos ergueram-se contra o discurso oralista. Nesse congresso, a LS foi
reconhecida como o instrumento mais adequado para educação e desenvolvimento intelectual
do surdo. Outros dois congressos aconteceram em seguida, o e o Congressos
Internacionais dos Surdos, em 1893 e 1896, respectivamente. Nessas duas ocasiões, os
participantes optaram pelo sistema combinado (LS e língua oral) de instrução. O 4º Congresso
Internacional do Surdo ocorrido em Paris, em 1900, aconteceu simultaneamente ao
42
Congresso Internacional de Educação e Bem-Estar do Surdo. Surdos e ouvintes ficaram
separados, pois muitos dos educadores oralistas não aceitavam a participação dos surdos nas
conferências que aconteciam. No evento dos ouvintes, mantiveram-se as conclusões e
resoluções do Congresso de Milão. No evento dos surdos, manteve-se o apoio ao sistema
combinado de instrução.
No século XX, a ES continuou dominada pelo discurso oralista. “Um oralismo que
defendia a oralização dos Surdos por questões eugênicas, ideológicas e políticas e que tinha
como objetivo principal a destruição de uma minoria linguística e cultura que ameaçava a
hegemonia dos ouvintes na concepção dos seus defensores” (MOURA, 2000, p. 51). Na
década de cinquenta, nesse mesmo século, um linguista da Gallaudet College (referência em
pesquisas sobre ES, localizada em Washington, nos Estados Unidos), chamado Willian
Stokoe inicia um estudo junto de seu grupo de pesquisa a respeito da língua de sinais
americana (American Sign Language ASL). A conclusão da pesquisa mostrou que a LS é
uma língua genuína, natural e que poderia ser considerada um legítimo sistema linguístico
(LODI, 2004; QUADROS; KARNOPP, 2004). A aceitação da LS como língua genuína
movimenta a ES e começa a ser aceita no sistema educacional em várias partes do mundo. De
acordo com Mascia e Silva Júnior (2008):
Língua não se constitui apenas em um código oral-auditivo, mas também na
tridimensionalidade do espaço, nas mãos. Falar uma língua (a boca fala) perde
o sentido. (Re)significa-se. A língua, portanto, é o corpo que(m) fala. O
ouvinte fala uma língua oral. O surdo fala uma língua espaço-visual. Língua é
corpo
(MASCIA; SILVA JÚNIOR, 2008)
.
No Brasil, a ES tem como marco, ainda no Império de Dom Pedro II, a inauguração do
primeiro instituto para surdos em 1857 (SILVA, 2006). Esse mesmo instituto passa a ser
chamado Instituto Educacional de Educação de Surdos Mudos em 1957. O grande
responsável por sua abertura foi o francês Edward Huet, que conseguiu o apoio de Dom Pedro
II para estabelecer a instituição. Huet foi considerado o precursor da LS no Brasil.
Após a fundação do instituto, a ES no Brasil passa a ser tarefa das escolas
denominadas “especiais” até o surgimento das escolas inclusivas em meados do século XX. A
partir desse momento, a EI começa a ganhar espaço nas ações e promoções educacionais. Os
discursos sobre integração, inclusão e diversidade integram o discurso da Educação para
Todos.
A LS foi reconhecida no Brasil como língua em 24 de abril de 2002. A Língua de
Sinais Brasileira (Libras) foi reconhecida como o meio de comunicação oficial entre os
43
surdos. Em 2005, a Libras foi incluída no currículo das escolas brasileiras (SILVA; NEMBRI,
2008). Além disso, a Libras foi decretada pelo então presidente, Luis Inácio Lula da Silva,
como disciplina regular nos cursos de formação de professores, tanto em nível médio, quanto
em nível superior, o que valeu também para os cursos de Fonoaudiologia (Decreto n. 5.626).
As escolas em todo o Brasil têm dez anos de prazo para por em prática o que estabelece o
decreto. Souza (2007) aponta que o reconhecimento da Libras é de grande importância para os
surdos brasileiros e de toda a sociedade, mas acrescenta que, dentro de sala de aula e também
na sociedade, o surdo é um sujeito na fronteira entre duas línguas: a LS e a língua portuguesa.
Isso faz com que o surdo seja um sujeito entre lugares. O discurso oralista e o discurso
defensor da LS incitam os sujeitos surdos a lidar com as travessias. Ora do lado da LS, ora do
lado da língua portuguesa. Ora do lado gestual, ora do lado oral. A autora considera que, para
muitos surdos, a angústia trazida pela situação de viver na fronteira e entre lugares provoca
uma grande evasão dos alunos surdos nas escolas. Ela chega a dizer que alguns surdos veem a
escola como um “inferno íntimo insuportável”. Ainda de acordo com Souza (2007), o
discurso da Inclusão mantém os surdos na lógica da deficiência e isso muitas vezes pode
acarretar sofrimento e constrangimento moral na escola inclusiva. “Daí por que os surdos
sinalizadores são avessos à simples menção da palavra ‘inclusão’. Quer dizer, para eles,
‘inclusão’ adquiriu sentido similar ao holocausto para os judeus” (SOUZA, 2007, p. 34, grifos
da autora). Essa angústia e sofrimento podem ser vistos em todo o histórico descrito aqui a
respeito da trajetória do surdo.
2.5 O professor e o intérprete na EI dos surdos
O acontecimento em relação ao professor da escola inclusiva que possui alunos surdos
no seu corpo discente se nos discursos voltados para a formação desse professor. Como o
foco desta pesquisa está nas representações dos professores que atuam na EI dos alunos
surdos, é mister falar um pouco sobre os dizeres que as atravessam e as constituem, para se
entender melhor o que poderíamos chamar de formação discursiva. O conceito de Formação
Discursiva é importante para este estudo, pois é a Formação Discursiva (FD) que irá
determinar o que o sujeito deve ou não dizer de acordo com a sua posição na vida social
44
(PÊCHEUX; FUCHS, 1990). E os dizeres mudam de sentido quando se muda a FD. Em
questão de discurso, segundo Mariani (2003);
[...] o sujeito é uma posição em movimento histórico: os lugares de onde fala
constituem o que diz, mas isso não é transparente para o sujeito. O sujeito
significa afetado pelo Outro sem se dar conta do processo de retomadas e
mudanças das significações no qual se encontra (MARIANI, 2003, p. 5).
Voltaremos mais adiante ao conceito de FD com mais detalhes, mas, por ora, continuemos
com o nosso histórico.
O Decreto n. 5.626 também provocou um movimento na educação superior. As
licenciaturas em todo o país estão passando por uma atualização curricular para que a
formação dos futuros professores e pedagogos garanta a educação bilíngue
12
para os surdos.
Tal movimento surge de um discurso educacional que avança em forma de uma necessidade
que provoca, nas instituições educacionais, a adoção de uma política linguístico-educacional
de formação do futuro docente e, consequentemente, isso irá incidir nas formas de gerência da
LS nas escolas (SOUZA, 2007). De acordo com a autora, a decisão política é importante,
“pois, conforme a prática adotada, ter-se-ão distintos efeitos sobre os processos de
subjetivação (identitários) do estudante nas línguas pelas quais será atravessado” (SOUZA,
2007, p. 36).
Um dos problemas encontrados na formação de professores é a forma como a LS é
vista dentro de boa parte das universidades e escolas de ensino superior. As representações
mais comuns acerca da LS são que ela é um código de transliteração simples, é uma língua a
ser aprendida de forma rápida, em até 80 horas, e que a aprendizagem rápida da LS garantirá a
preparação do docente para a escola inclusiva com alunos surdos (SOUZA, 2007). Tais
representações revelam discursos que simplificam, ou tamponam a situação como algo que é
fácil de resolver a partir de um discurso do Estado, que reconhece em decreto um direito dos
surdos. “Mesmo que se ofereça uma formação séria, não se pode cair na armadilha de reduzir
a língua de sinais a um conteúdo curricular, ou seja, a um conhecimento como muitos a
ser aprendido e ensinado” (SOUZA, 2007, p. 39).
uma literatura que oferece soluções ao professorado que trabalha em sala de aula
mista
13
(BOCHNER; ALBERTINI, 1988; ERTING, 1988; QUADROS, 1997; SOUZA, 2007;
entre outros). Um dos discursos mais comuns encontrados em documentos oficiais, e que
mais tarde veremos atravessando o discurso dos professores, discurso este que é objeto de
12
Entende-se por educação bilíngue o acesso à língua de sinais e ao português durante a escolarização dos
surdos.
13
Entende-se por sala de aula mista a sala de aula ocupada por surdos e ouvintes em escola regular inclusiva.
45
estudo desta pesquisa, é o ensino como prática de socialização. A socialização vem como
forma de cuidar do lado emocional e afetivo dos alunos na escola inclusiva e através de
atividades aplicadas com a expectativa de eliminar, ou pelo menos diminuir, as barreiras que
possam existir entre os alunos. Entre as rias sugestões, podemos citar exercícios de análise
das narrações; análise das situações reais, de conflitos; role-play; solução de problemas; jogos
de interpretação, entre outros (HANNUCH, 2006; SOUZA, 2007). Os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), de 1998, sugerem que os professores façam uso de textos,
elementos visuais e usem gestos e elementos da LS para o ensino em sala mista. Temos que
considerar que, em se tratando de uma LE, a questão é agravada pela mistura de três línguas
no contexto de uma sala de aula. A língua inglesa chega ao aluno surdo como uma terceira
língua através de uma segunda língua que ele hipoteticamente deve dominar para entender e
interpretar as atividades e ser avaliado e/ou através da LS. Ainda um fato que agrava essa
situação, que é a questão de o intérprete não ser formado e não ter conhecimento da língua
inglesa para traduzi-la e auxiliar com maior eficiência o professor e o aluno em sala de aula.
Segundo Mascia e Flaibam (2007):
O não conhecimento de inglês por parte do intérprete constitui-se em mais um
fator de afastamento do surdo da língua inglesa. Assim, percebe-se que o
sujeito surdo, em sala de aula de ouvintes, mesmo com intérprete, produz
muito pouco
(MASCIA; FLAIBAM, 2007, p. 7)
.
As autoras ainda chamam a atenção para as leis que regem a inclusão e que obrigam a
presença de um intérprete, mas não preveem a situação da aprendizagem de uma língua
estrangeira. E terminam por acrescentar que essa situação revela uma dupla exclusão: a
exclusão do aluno surdo e também da língua estrangeira, pois o ensino de uma LE se
diferencia das demais disciplinas na questão da inclusão do aluno surdo.
Para Souza (2007), a integração escolar do aluno surdo tem como objetivo maior a
participação do surdo de forma plena em todas as atividades do ambiente escolar. A autora
descreve quatro critérios que podem eliminar as barreiras existentes na inclusão de surdos em
sala de aula mista:
a) formação do professorado a respeito das implicações da
surdez e sobre o próprio estilo comunicativo e de magistério;
b) atividades para facilitar o desenvolvimento da teoria da
mente e a aprendizagem emocional para a totalidade dos
alunos;
c) atividades para potencializar o respeito à diversidade cultural
e, portanto, às características de comunicação dos alunos
surdos;
d) atividades para facilitar a comunicação na aula entre alunos
da mesma idade (SOUZA, 2007, p. 75, grifos nossos).
46
É possível perceber, nessa citação, o mesmo anseio por completude encontrado no texto da
UNESCO e em outros documentos citados anteriormente. O uso de verbos no infinitivo
(facilitar, potencializar) revela uma vontade imperativa de solucionar, normatizar e ordenar o
ensino no contexto da inclusão. O substantivo feminino totalidade repete aqui o discurso da
Educação para Todos.
Na escola, a integração/inclusão do surdo na educação bilíngue acontece, geralmente,
com o auxílio de um especialista, que passa a servir como tradutor para levar ao surdo em LS
o discurso oral do professor, e ao professor, o discurso sinalizado dos surdos. Entra em cena o
sujeito intérprete de Libras.
Os primeiros trabalhos de interpretação em LS registrados no Brasil (trata-se de
registro histórico, não indica que não tenha ocorrido antes sem registro oficial) ocorreram em
meados da década de oitenta, no século XX. Geralmente, os intérpretes atuavam em
instituições religiosas, em situações familiares ou de convivência entre amigos (MASUTTI;
SANTOS, 2008). Na história dos surdos, os trabalhos de interpretação de LS surgiram pela
demanda da Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX; as cidades cresciam e as
concepções sobre o papel e o trabalho das pessoas surdas começavam a passar por
ressignificações (RODRIGUEZ, 2001 apud MASUTTI; SANTOS, 2008). Algumas
instituições religiosas, educacionais e/ou sociais tentavam evitar o isolamento social dos
surdos e usavam os serviços de interpretação de LS para oferecer serviços e integrar a
comunidade surda à sociedade ouvinte. Esses trabalhos de tradução eram realizados por
parentes de surdos e não era remunerado. É comum, nos relatos históricos, a função de
apaziguador do profissional intérprete/tradutor, independente de língua de tradução.
Nos Estados Unidos, os intérpretes se uniram como categoria e alcançaram o
reconhecimento profissional em 1964. A partir de então, as associações e os movimentos dos
intérpretes de LS procuraram buscar a qualificação e a certificação daqueles que se
mostravam aptos para o serviço de interpretação. No Brasil, os intérpretes de LS (doravante,
ILS) têm um primeiro encontro organizado em 1988. A Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (FENEIS) promoveu, nesse ano, o I Encontro Nacional de Intérpretes e
a seguir vários outros eventos aconteceram. A profissão de ILS no Brasil passa a ter
regulamentação em lei de suas funções a partir do Decreto n. 5.626 de 22 de dezembro de
2005. O intérprete Libras-Português/Português-Libras participa das aulas de todas as
disciplinas, inclusive, da aula de língua estrangeira, na qual deve lidar com três línguas para
repassar o conteúdo da disciplina. Esse fato será inicialmente problematizado nas análises e
será, posteriormente, tema de nossa pesquisa de Doutorado.
47
2.6 Sobre a educação, o ensinar e o aprender
Antes de concluirmos este capítulo, consideremos ainda a oportunidade de dizer algo
sobre a educação sem considerar os dizeres inclusiva ou exclusiva, mas a educação nos vários
efeitos que esse significante evoca e, principalmente, contando com a ajuda da Psicanálise
para tal. A Psicanálise entra na educação para permitir uma leitura diferenciada dos contextos
e das culturas do educar. “O saber não diz respeito a algo que se repete, mas a um saber em
movimento. Um saber que não é tecido a partir do lugar do mestre, mas, do saber do
inconsciente, um saber descentrado que conduz o sujeito, antes de ser conduzido por ele
(MRECH, 2005, p. 27).
O psicanalista Célio Garcia (2001) usou uma expressão de Spinoza, “a reforma do
entendimento”, para falar um pouco sobre a questão da educação e um pouco de seu percurso
até o momento atual. Segundo o autor, quando professores e educadores são abordados sobre
o tema educação, eles forçosamente iniciam uma discussão sobre essa reforma do
entendimento. Essa expressão diz respeito a uma escola que se pretende moderna. O autor
começa a contrastar a reforma do entendimento” com a “mudança por intermédio do saber”
e/ou “condições de acesso à verdade”, a busca por entender os processos que estão na
educação, a reforma do entendimento e as condições para se obter uma verdade sobre o
educar e aquilo que está atravessado por esse processo. A Psicanálise entra nessa discussão
quando se pontua que o desejo de um entendimento é algo que complementa a expressão de
Spinoza. É da ordem de uma falta, de uma alteridade.
Ainda dentro do tema da reforma do entendimento, Garcia (2001) passa a dissertar
sobre dois tópicos: a Universidade e a prática política-educacional. Sobre a Universidade, o
autor afirma que a Psicanálise vem tentando “ver reconhecido algo da ordem do singular”
(GARCIA, 2001, p. 16), contrapondo o dito “só há ciência do universal” proposto pela
ciência. No início da década de 60, Lacan dirigiu seus estudos dentro de um contexto
estruturalista. Nesse contexto buscava-se
[...] uma investigação científica, uma epistemologia própria às ciências
humanas para as quais viesse a ser adotado o corte em questão, ou seja,
distinção entre Imaginário e Simbólico (Psicanálise), entre Natureza e Cultura
48
(Antropologia), entre Significante e Significado (Linguística), entre valor de
uso e valor de troca (Marxismo), entre analógico e digitálico (Ciência da
Computação), entre o contínuo e o discreto finalmente (GARCIA, 2001, p.
17).
Para Garcia (2001), a Linguística e a Antropologia se beneficiaram com essa
abordagem, pois tais disciplinas contam apenas com o que é simbolizado. Mas a Linguística
proposta no Curso de Linguística Geral de Saussure trazia, no conceito de língua, a ideia de
uma univocidade que não era defendida pela Psicanálise. Essa univocidade, uma teoria da
totalidade, foi pontuada por Garcia (2001) como o pecado e perdição do estruturalismo.
Definindo o estruturalismo, o autor mostra as seguintes características: o estruturalismo
trabalha o simbólico em oposição ao imaginário; no sistema, a posição do elemento é que dá o
sentido; o elemento é mantido a partir de sua diferença frente aos outros; a estrutura é
inconsciente; os elementos estão distribuídos em série; e por último, um lugar vazio, o
lugar da falta. Sobre o estruturalismo e a educação, essa questão é dividida em três períodos.
O primeiro período é chamado de época do DOGMA e tinha como objetivo a exibição de
provas e fundamentos da existência de Deus. A segunda fase é chamada de BUROCRACIA.
Nessa fase, “Controlar, Coordenar, Comandar, Organizar e Prever são as operações
essenciais!” (GARCIA, 2001, p. 20). Na terceira época, aborda-se a transmissão vista como
“elaboração forçada” ao falar de aprendizagem. Sobre a prática político-educacional, Garcia
(2001) aborda a questão: “O que com o tal ofício de educar?(GARCIA, 2001, p. 28). E
para responder, o autor coloca alguns pontos: primeiro que educar é uma lida com o saber e
com a transmissão deste, e segundo, que o aprendiz é movido pelo desejo de saber.
Lembrando que o ensinar foi colocado por Freud como impossível, Mrech (2005) fala
sobre o impossível da educação. Apoiando-se em uma citação de Eric Laurent (2002, p. 7
apud MRECH, 2005, p. 15), “dizer que é impossível ensinar é dizer que é preciso,
incessantemente, remeter ao canteiro de obras tudo o que pareceu, em um dado momento,
como uma solução para essa aporia”, a autora se mostra insatisfeita com a questão do simples
dizer de um impossível. Ainda sobre essa impossibilidade, Mrech (2005) afirma que Freud, ao
dizer que a Educação é uma profissão impossível, apontou que a questão não é o fato de que
educar e ensinar sejam impossíveis. A questão é que nunca se ensina e se educa de forma
igual. O processo de educar nunca é o mesmo do que foi feito ontem, sempre se transforma.
Isso porque os alunos são outros, as condições de produção do discurso mudam, a situação
muda, o contexto muda. A educação atual é vista como um mercado do saber, vendendo a
ideologia da aprendizagem e, como ressalta Lyotard (1998), da melhoria dos desempenhos do
49
sistema no qual a questão é não mais saber se algo é verdadeiro, mas para o que serve e se é
vendável.
A busca por uma Educação Continuada faz acreditar que se deve aprender não um
saber transmitido em bloco, mas à la carte, visando não à melhoria de sua competência e
de sua promoção, mas também à “aquisição de informações [organizadas], de linguagens e de
jogos de linguagem que lhes permitam alargar o horizonte de sua vida profissional e de
entrosar experiência técnica e ética” (LYOTARD, 1998, p. 90). Essa orientação tem o intuito
de assegurar a reprodução das competências, com isso assegurando a prevalência do
sentimento de incompetência do professor diante “das redes de memórias para transmitir o
saber estabelecido” (LYOTARD, 1998, p. 96).
Há, ainda, o limite do corpo. “O corpo em sua materialidade. O corpo como o real que
não pode ser ultrapassado” (MRECH, 2005, p. 20). O ser humano opera com processos
complexos. que considerar o humano em suas operações com “a afetividade, valores,
desejos, incertezas, dúvidas, questionamentos, etc” (MRECH, 2005, p. 20). E quando o real se
revela, os conflitos surgem e temos diante de nós algo que não é possível capturar, nomear,
reter. “O educar não diz mais respeito a apenas transmitir informações, passar um conteúdo.
O educar e o ensinar atuais também implicam o professor e aluno como sujeitos, na
construção de algo novo(MRECH, 2005, p. 22). Vendo então a questão do limite do corpo
e da construção de algo novo, segundo a autora, não é correto reduzir a educação a um objeto
de mercado.
Mendonça Filho (2001) fala sobre a diferença entre informar e transmitir. Segundo o
autor:
Na educação, as metodologias de ensino tentam dar conta de um saber que
deve ser “passado” para o aluno de forma plena, sem falhas no processo de
envio da mensagem de que a possui (professor) para aquele que está ‘vazio’
(o aluno). Vê-se uma ideia de controle do saber que é mostrado como
pertinente ao eu e controlável e, por ser assim, possível de ser avaliado. É por
causa dessa questão (e de outras que não menciono aqui) que o campo da
educação tem mostrado resistência a ideia de um saber ‘que não se sabe’, à
noção de inconsciente (MENDONÇA FILHO, 2001, p. 74).
O autor cita Freud (1974) para explicar que a transmissão vai além do comunicar uma
informação e escapa ao saber consciente. Para Freud (
MENDONÇA FILHO, 2001
, p. 75), “só
pode ensinar aquele que está capacitado a entrar na alma de seu aluno”. Mendonça Filho
(2001) ainda completa que a transmissão “é um fenômeno que não pode ser pensado
exclusivamente na concepção da existência de um diálogo que se realiza em plenitude tanto
para quem fala quanto para quem escuta” (
MENDONÇA FILHO, 2001
, p. 75). Veremos, nas
50
análises, como os professores de LI lidam com a questão do ensino na sala de aula mista e
com o fato de que a competência linguística na LI será levada até o aluno surdo pela
mediação de um ILS e com o auxílio de outras duas línguas, a língua portuguesa e a Libras.
2.7 Conclusão
A EI é um entrecruzamento de vários discursos que lhe dão a consistência de um
acontecimento. Por haver uma imbricação de vozes, encontramos nela os conflitos e as
repetições históricas de preconceitos, inclusões e exclusões, enfim, diferentes modos de dizer,
de classificar e caracterizar o ser humano. O professor surge em meio a esse acontecimento,
demandado por uma descrição de especialista inscrita nos documentos e textos que regem a
inclusão educacional. Esses mesmos dizeres que definem um especialista qualificado para
todos o define também como formador de cidadão em um discurso solidário sobre a EI. O ILS
entra na educação como o mediador do ensino. Ele passa a ser a ponte entre o professor
ouvinte e o aluno surdo. Porém, interessa-nos verificar como se faz essa ponte entre um
professor de uma língua oral e estrangeira que esse intérprete não conhece e o aluno surdo. No
próximo capítulo, as noções teóricas necessárias aos nossos gestos de interpretação irão
preparar o caminho para as nossas análises.
51
3 TECENDO A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 Introdução
Neste capítulo, tecemos a base de nossa teoria analítica. A teoria que evocamos para
nossas análises aparece em nosso texto em forma espiral, pois, a todo o momento, ela é revista
e complementada nos capítulos teóricos e nas análises. Nossa pesquisa em Linguística
Aplicada (LA) recebe o apoio da teoria da Análise do Discurso (AD), atravessada pela
Psicanálise freudo-lacaniana. Por ser assim, apresenta-se como uma pesquisa “tecida” com
teorias que se imbricam para dar forma e consistência ao nosso dizer de pesquisadora.
A escolha das duas bases teóricas deste estudo justifica-se pelo objeto de estudo
assumido aqui. Tendo como objeto de estudo o discurso do professor, encontramos, nesses
dois pilares (AD e Psicanálise), o suporte (ou as agulhas) que nos move a tecer a rede de
representações, fruto das análises. A palavra discurso, segundo Orlandi (2003), lembra
movimento. “O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo
do discurso observa-se o homem falando(ORLANDI, 2003, p. 15). A partir de Saussure, a
linguagem foi vista como tendo um lado individual e um lado social. A língua, segundo
Saussure, é fruto do caráter social da linguagem e necessária para promover a comunicação
(SAUSSURE, 2007). A outra parte da linguagem é pertença de um domínio individual,
produto de um ato individual: a fala.
A língua, no Curso de Linguística Geral de Saussure (2007), foi concebida como
sendo um sistema composto por signos e estes são compostos por um significante e um
significado, e da relação arbitrária entre esses dois elementos. A fala foi deixada um pouco de
lado por Saussure, que preferiu trabalhar com a sistematização e o social da língua. No que o
autor considerava a fala, ela se apresentava como ato individual, “material, concreto,
psicofísico, dependente da vontade e da inteligência do indivíduo (portanto, subjetivo), um
impulso expressivo, ato inovador (lugar da liberdade), acessório e mais ou menos acidental”
(CARDOSO, 2005, p. 20). Por apresentar tais características, a fala não podia ser
sistematizada e, como consequência, não poderia ser objeto de estudo da ciência. Os estudos
52
sobre a subjetividade voltam a movimentar a linguística em meados do século XX e trazem
consigo um novo elemento para a ciência da linguagem: o discurso.
O discurso surge fora da dicotomia proposta por Saussure (2006) e não deve ser
confundido nem com a língua nem com a fala, pois se encontra fora dessa dicotomia. Em
resumo, Cardoso (2005) diz que “o discurso é, pois, um lugar de investimentos sociais,
históricos, ideológicos, psíquicos, por meio de sujeitos interagindo em situações concretas”
(p. 21). Para Pêcheux (1997) o discurso é constituído pela língua, pelo sujeito e pela história.
Para isso o autor une, ao propor a disciplina Análise do Discurso, três grandes pilares
teóricos: Saussure (na releitura feita por Pêcheux), Marx (na releitura feita por Althusser) e
Freud (na releitura feita por Lacan). Segundo Ferreira (2003), a língua trabalhada pela AD
não é a mesma que a linguística trabalha. Não é uma língua transparente, que vem de uma
autonomia. Trata-se de uma ngua material, opaca, a língua estruturada pela possibilidade do
equívoco e marcada por uma historicidade que a inscreve. No lugar do corte saussuriano de
língua/fala, agora tem lugar o corte língua/discurso. E, a partir de então, rompe-se com o
positivismo, que via a língua e o sujeito como estáveis e homogêneos. Com a ruptura,
elegendo uma língua e um sujeito do equívoco, da falta e do descentramento, surge a abertura
para a alteridade, a inovação. Não há esgotamento nas possibilidades de análise, não
esgotamento das formas de se interpretar; as teorias se movimentam a cada análise.
O que torna a AD singular é sua forma de trabalhar a linguagem em sua relação com a
ideologia, com o sujeito interpelado pela ideologia. Para Ferreira (2003), ser assujeitado é ser
elevado à condição de ser sujeito, “capaz de compreender, produzir e interpretar sentidos”
(FERREIRA, 2003, p. 43). O inconsciente é o real desse sujeito que é desejante, incompleto e
que se consome em buscar a completude. Então, o sujeito da AD é determinado por um
interior (inconsciente) e pela exterioridade (sócio-histórico e ideologicamente) e isso confere,
ao campo discursivo, sua particularidade. O discurso também passa a ser visto como um
tecido. Um tecido sujeito a nós e furos entre seus fios. Na AD, a rede (vista como um sistema-
metáfora para essa visão) é composta por fios (como uma rede de pescador) e de furos. “Se
não houvesse furos, estaríamos confrontados com a completude do dizer, não havendo espaço
para novos e outros sentidos se formarem” (FERREIRA, 2003, p. 44). O todo que é a rede
representa o discurso, mas tem o espaço daquilo que é o furo, que não é sistêmico e nem
representável. É daí que se instala o real da língua, a marca daquilo que é impossível e se
torna possível a partir da língua a alíngua
14
, o incomensurável espaço do equívoco
14
Alíngua (lalangue) é a língua em que o sujeito emerge, lugar do equívoco:
53
(MILNER, 1987). Além da noção do real da ngua, outras noções que se movimentam no
campo discursivo, a saber: a materialidade (de natureza histórica e linguística), a estabilidade
(que não é normatizada, está sujeita ao que é instável), a ordem (o contraponto histórico-
semântico) e o acontecimento que surge como “a exterioridade que não está fora e que
representa o lugar de ruptura com os sentidos estabelecidos” (MILNER, 1987, p. 45).
entre a AD e a Psicanálise uma estranha intimidade. Essa é uma afirmação de
Ferreira (2004), na qual a autora fala que a AD é, desde seu início, ocupante de uma “zona
povoada e tumultuada”, onde está, em boa parte do terreno, a linguística e, do outro lado, o
materialismo histórico. Entre os dois, estão dividindo o espaço a Psicanálise e a teoria do
discurso. Desde o início, a fronteira entre AD e Psicanálise tornou-se um espaço “tenso,
instável, contraditório... e fecundo” (FERREIRA, 2004, p. 38). Para a autora, a AD trabalha
em um lugar de interface, no limite (se é possível chamar essa tensão de limite ou fronteira)
“entre o sentido e o não-sentido; entre o possível e o impossível; entre a completude e a
incompletude” (FERREIRA, 2004, p. 39). E a Psicanálise não está em terreno mais brando,
ela também se encontra “entre o consciente e o inconsciente; entre a lembrança e o
esquecimento; entre o dito e o não-dito”. Tem-se, então, que o campo da AD é o dos sentidos
que traz em si a ideologia, o sujeito, a língua e a história. A Psicanálise é o campo do
inconsciente e traz em si o sujeito desejante, o Outro e a linguagem. Embora essas duas áreas
possuam conceitos em comum, elas não se confundem. “O fato de circularem em ambos não
os indistingue nem implica aproximações redutoras” (FERREIRA, 2004, p. 39). Ao ser
desterritorializado, o conceito é ressignificado na nova teoria com sentidos outros, próprios e
singulares.
A AD e a Psicanálise trazem em si a marca da falta, do furo, e nisso, essas duas
“vizinhas” se tocam. O sujeito do inconsciente surge desse/nesse furo, do/no vazio. uma
tessitura formada por esse estranho, inconsciente, pelo furo. Na AD, o tecido do discurso
também é constituído pelo furo, pela falta, “o vazio do sentido que clama por um sentido”. E
o furo se apresenta no sujeito e na linguagem, que também são estruturados por ele. Daí o
equívoco, as falhas do sujeito, da linguagem e do discurso. E tanto os analistas do discurso
quanto os psicanalistas estão atentos aos momentos de equívocos, onde a fala falha, derrapa.
Na AD, o Outro atravessa o discurso, que ainda é atravessado por outros discursos que nessa
O inconsciente é estruturado por uma linguagem, mas como uma linguagem, à moda
de uma linguagem, o que necessariamente aponta para um resto, para o qual Lacan
forja o termo alíngua, numa tentativa de nomear justamente aquilo que se furta à
univocidade inerente a qualquer nomeação, uma vez que se trata de apontar para o
registro que, em toda língua, consagra-a ao equívoco (LEITE, 1994, p. 36).
54
soma lhe confere a alteridade que o constitui. E a Psicanálise, diante da AD, também é como
o Outro diante do discurso, é o estranho que a atravessa, que a obriga a deixar-se (co-)habitar
por algo que lhe é estrangeiro.
Para esclarecer a proposta da AD a partir de seu maior pensador, Michel Pêcheux, é
preciso narrar ainda que brevemente as três fases desse autor. Pêcheux submeteu sua criação
teórica a arranjos, desarranjos, construções, desconstruções, correções e elaborações para
constituir uma teoria de análise do discurso. A partir de uma reflexão sobre como se articulam
o discurso, a língua, o sujeito e a história que ocorreu em meio a crises políticas na França nas
décadas de 60 e 70, o autor reorganizou a teoria e o solo epistemológico da AD. Nessa época,
o estruturalismo estava em alta. O estruturalismo se mostrava como padrão de ideias nos
estudos franceses. Durante o apogeu estruturalista, o sujeito foi excluído para dar lugar à
análise do objeto científico, que era a língua vista de forma padronizada. Mas, também
durante seu apogeu, o estruturalismo mostrava algumas falhas na sua estrutura. Surgiu um
incômodo nas ciências humanas, que gerou uma busca ao sujeito anteriormente excluído. E
assim, surge a AD, nesse incômodo, ela se apresenta como uma forma de intervir nos
excessos do formalismo linguístico da época.
A AD trouxe questões para a forma como a língua, a historicidade e o sujeito eram
vistos pela ciência da época (FERREIRA, 2003). Na década de 60, no século passado,
Pêcheux iniciou uma escrita sobre a epistemologia das ciências sociais em textos assinados
com o pseudônimo de Thomas Herbert, assinalando o início de sua primeira fase. Em seguida,
o autor começa a escrever sobre o discurso, dessa vez usando seu verdadeiro nome, em dois
textos que abrem a discussão sobre conteúdo e discurso, traçando análises sobre esses tópicos
como forma de diferenciá-los (MALDIDIER, 2003; GREGOLIN, 2006).
A primeira fase de Pêcheux é inaugurada pelo lançamento do livro Analyse
Automatique du discourse (AAD 69) em 1969. O livro é “uma proposta teórico-metodológica
impregnada pela releitura que ele faz de Saussure, deslocando o objeto, pensando a langue
(sua sistematicidade; seu caráter social) como a base dos processos discursivos, nos quais
estão envolvidos o sujeito e a História” (GREGOLIN, 2006, p. 61). Para Maldidier (2003), a
AAD 69 foi um laboratório da teoria que estava por vir, e surgiu do solo epistemológico e da
critica das ciências humanas e sociais. Pêcheux apresentou a proposta de discurso como um
objeto constituído de teorias que se cruzam: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise. A
partir de então surge um sujeito assujeitado pela ideologia (releitura das teorias
althusserianas) e pelo inconsciente (fruto do atravessamento da teoria psicanalítica). Em
outras palavras, como parte dos conceitos da AD, o sujeito volta ao centro dos estudos da
55
língua acompanhado da visão psicanalítica, mostrando-se um sujeito descentrado, desejante,
sujeito do inconsciente e acompanhado do materialismo histórico trazido por Althusser (1985)
em sua ideologia, com a visão de um sujeito que é constituído pela linguagem e interpelado
pela ideologia. A AD possui conceitos de outras áreas do saber (Psicanálise, Linguística e
Marxismo) e tal fato lhe dá um caráter de disciplina de entremeio
15
que não deve ser
confundido com o caráter interdisciplinar de outros estudos, pois mantém suas
particularidades.
A segunda fase de Pêcheux inicia uma problematização a respeito do Outro, da
heterogeneidade no discurso. Um dos textos que abre essa fase foi assinado por Michel
Pêcheux, Antoine Culioli e Catherine Fuchs: Considerações teóricas a propósito do
tratamento formal da linguagem. É nesse momento que Pêcheux apresenta juntamente com
Fuchs o quadro epistemológico da AD. Segundo Teixeira (2005), nessa fase o olhar de
Pêcheux voltou-se para os estudos do entrelaçamento desigual do(s) processo(s)
discursivo(s). Foi ainda nessa fase que surgiu a teoria dos dois esquecimentos, a qual assume
o sujeito na condição de não-origem de seu dizer. Veremos mais detalhadamente sobre esses
esquecimentos ainda neste capítulo. Encerrando essa “segunda época”, aconteceu a
publicação do livro de Pêcheux Les Vérités de la Palice (Semântica e Discurso: uma crítica à
afirmação do óbvio) em 1975. O livro trouxe como proposta a teoria materialista do discurso,
que afirma ser “sobre a base linguística que se desenvolvem os processos discursivos, mas, ao
mesmo tempo, todo processo discursivo se inscreve numa relação ideológica de classe,
enfatizando, entretanto, que essas relações são contraditórias” (GREGOLIN, 2006, p. 63).
Na terceira fase, Pêcheux se aproxima da teoria foucaultiana e problematiza o
discurso, a interpretação, a estrutura e o acontecimento. Em um momento de reflexão, ele
critica as posturas dogmáticas assumidas anteriormente. É nessa fase que temos um desenho
de um dispositivo de análise melhor elaborado e é a partir dela que a AD pecheutiana tem
trabalhado e evoluído, principalmente no Brasil, após a morte de seu maior articulador em
1983. Na atualidade, a AD abriu maior diálogo com outras áreas do saber que lhe fazem
fronteira como a História, a Filosofia, a Sociologia e a Psicanálise, e deslocou-se da
Linguística. Apesar da presente ameaça de ver seus conceitos se perderem em meio aos
conceitos de outras áreas ou de sua teoria ser reduzida à metodologia de análise, é
praticamente impossível separar o teórico do analítico, pois é isso que dá vida e consistência à
prática da análise do discurso. Voltando a tecer nossa base teórica, a noção pecheutiana de
15
Termo usado por Orlandi (1996 citado por FERREIRA 2003).
56
discurso como acontecimento merece destaque em nosso trabalho. Vemos os discursos que
atravessam e constituem o sujeito professor como acontecimentos, desde os discursos sobre a
inclusão até os discursos da formação desse professor e muitos outros que integram a sua
memória discursiva.
Eni Orlandi, em uma nota ao leitor na abertura do livro de Michel Pêcheux (2008),
Discurso: estrutura ou acontecimento (tradução brasileira), fala que o percurso de Pêcheux na
elaboração da AD traz uma reflexão sobre a linguagem que convive bem com o incômodo da
instabilidade, da falha, do não-dito. A AD busca (des)construir e compreender/interpretar seu
objeto de análise: o discurso, aceitando o diálogo com outros saberes sem cair em
contradição. A partir de Discurso: Estrutura ou acontecimento, Pêcheux (2008) começa a unir
conceitos psicanalíticos ao sujeito da ideologia. Da Psicanálise, as relações aconteceram com
conceitos como sujeito, inconsciente/consciente, imaginário, entre outros, mantendo uma
afinidade entre inconsciente e ideologia, sem confundir os conceitos. A ideologia passa a ser
pensada no “registro do inconsciente, emergindo cá e lá na materialidade linguística via
sonhos, lapsos, atos falhos, permitindo, inclusive, o movimento subjetivo da resistência”
(CORACINI, 2007, p. 38). Nessa obra, Pêcheux (2008) indica os vários caminhos que
percorreu para a discussão sobre o discurso como estrutura ou acontecimento. No primeiro
caminho, o tema é o enunciado. Para trabalhar o enunciado, o autor usa como exemplo a
eleição de François Mitterand, em 1981, onde o enunciado On a gagné foi gritado em praça
pública pelos parisienses. Esse fato é considerado um acontecimento, o ponto que liga uma
atualidade a uma memória. Citando Pêcheux, conforme visto no capítulo anterior, Teixeira
(2005) comenta que o acontecimento nos permite falar de uma anterioridade constitutiva do
discurso, um entrecruzamento do dito agora com o já-dito antes.
Usando o exemplo da eleição francesa, Pêcheux chama a atenção para a interpretação
do enunciado On a gagné como acontecimento. Segundo o autor, esse enunciado “em seu
contexto de atualidade e no espaço da memória que ele convoca e que começa a
reorganizar: o socialismo francês de Guedes a Jaurès [...](PÊCHEUX, 2008, p. 19) gerou
uma (re)significação. Daí, indica-se a necessidade de descrever, (des)construir e interpretar o
enunciado a partir de sua materialidade histórica.
16
Para a interpretação, o autor evocou (para
a elaboração da AD) alguns nomes (Saussure, Wittgenstein, Althusser, Foucault, Lacan, entre
outros), que vieram caracterizar o trabalho teórico da AD (com a história, a língua, o
inconsciente...). Resumindo o exercício da análise, o autor coloca-se como analista diante de
16
Onde se evoca a presença teórica de Althusser nos trabalhos de Pêcheux.
57
três vias: “do acontecimento, da estrutura e da tensão entre descrição e interpretação”
(PÊCHEUX, 2008, p. 19).
Ainda falando sobre discurso: a estrutura ou o acontecimento, o autor chama-nos a
atenção para o real. Pêcheux reflete sobre o real como o ponto do impossível. O impossível
que não é uma descoberta é apenas presente e, vez ou outra, nos deparamos com ele. O real
admite que algo que ‘não pode ser assim’, que escapa. O real é rejeitado pela ciência
positivista, por aqueles que determinam que se devem usar apenas as proposições lógicas do
verdadeiro ou do falso, do X e Não-X. Esse tipo de ciência recusa aspas interpretativas, pois
prefere as caracterizações. Segundo o autor, nesses espaços logicamente estabilizados, o
sujeito falante é o controlador de tudo que se fala, pois acredita que o enunciado “reflete
propriedades estruturais independentes de sua enunciação: essas propriedades se inscrevem,
transparentemente, em uma descrição adequada do universo” (PÊCHEUX, 2008, p. 31, grifo
nosso). O adequado nesses espaços discursivos é representado por uma homogeneidade
lógica, por um sujeito pragmático. Pêcheux afirma que a ciência e o sujeito representados por
essa homogeneidade gica, por uma autoleitura sem falha do real é uma necessidade
humana:
O controle sem risco de interpretação [...] responde, com toda evidência, a
uma urgência tão viva, tão universalmente “humana”, ele amarra tão bem, em
torno do mesmo jogo dominação/resistência, os interesses dos sucessivos
mestres desse mundo e os de todos os condenados da terra [...] (
PÊCHEUX,
2008,
p. 35, grifos do autor).
Mas, mesmo com a busca por uma ciência régia, uma materialidade histórica no
discurso e que deve ser interpretada e não tratada a cálculo como uma “física de tipo novo”.
Pêcheux (2008) afirma que “interrogar-se sobre a existência de um real próprio às
disciplinas de interpretação exige que o não-logicamente-estável não seja considerado a priori
como um defeito” (PÊCHEUX, 2008, p. 43). A questão é supor que outros tipos de real,
outros tipos de saber que admitem um não-saber. Um real que não está na univocidade lógica,
que não é transmitido, nem aprendido ou ensinado, mas que produz efeitos. Assim, para todo
dito, um não-dito. Há sempre uma outra forma de (se) dizer, um dizer em outro lugar e
nisso estão os princípios da proposta de uma nova leitura que o autor apresenta “a fim de se
colocar em posição de “entender” a presença de não-ditos no interior do que é dito”
(PÊCHEUX, 2008, p. 44) e, a partir daí, interpretar. Para esse trabalho de interpretação, o
autor descreve três exigências: (1) priorizar os gestos de descrição das materialidades
discursivas: descrevendo e reconhecendo o real da língua (abordando o que é próprio da
58
língua a partir/através do equívoco, da falta), a heterogeneidade constitutiva; (2) aceitar que
todo enunciado, “toda sequência de enunciados é [...] descritível como uma série de pontos de
deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação” (PÊCHEUX, 2008, p. 53). Nesse espaço,
está o trabalho da AD; (3) inscrever o discurso em corpus, sem permitir que o acontecimento
nele inscrito seja absorvido pela estrutura. Então, ao reunir estrutura e acontecimento, como
afirma Orlandi (2003), a forma material, enfim, é o acontecimento de um significante em um
sujeito que notadamente é afetado pela história. Nesse momento, destaca-se a entrada da
Psicanálise, deslocando a noção de homem para a noção de sujeito. Concluindo, o autor volta
a afirmar que “todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações e um trabalho
[...] de deslocamento no seu espaço” (PÊCHEUX, 2008, p. 56). E na proposta que Pêcheux
(2008) evoca, a possibilidade de perceber os momentos de interpretação como atos
consequentes das tomadas de posição, ou seja, como efeitos de identificação, e isso através
das descrições das montagens discursivas.
3.2 Noções essenciais
Algumas noções que serão usadas para interpretar os discursos dos professores-
enunciadores começam agora a serem urdidas na trama deste capítulo. Começamos com um
olhar mais detalhado sobre o sentido. Para Pêcheux (1997), na segunda fase da AD, é a
interpelação pela ideologia que confere ao enunciado a aparente “transparência” de seu
sentido, ou seja, as palavras, as expressões, etc. indicam um significado fiel ao que realmente
se queria dizer através delas. Em outras palavras, é em referência às posições inscritas em
determinadas formações ideológicas que o sujeito confere sentido às palavras, tendo a ilusão
de ser mestre e fonte de seu dizer.
Seguindo a noção de formação ideológica, Pêcheux (1997) evoca outra noção, a de
Formação Discursiva (FD) como sendo o que em certa formação ideológica, em uma dada
posição e em determinada conjuntura irá determinar o que pode e deve ser dito (PECHEUX,
1997, p. 160). Pêcheux abandona essa noção na terceira fase, mas a noção de FD apresentada
por Foucault continua sendo produtiva para a AD, segundo o nosso entendimento. Para
Foucault (1987, p. 136), na Arqueologia do Saber, a FD é “um conjunto de regras anônimas,
59
históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e
para uma área social, econômica, geográfica, ou linguística dada, as condições de exercício da
função enunciativa”. Trata-se de uma FD (FOUCAULT, 1987, p. 43) quando se pode
descrever entre um certo número de enunciados um sistema semelhante de dispersão ou
quando se pode definir “uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações)” entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos as
escolhas temáticas. De acordo com o autor, “não saber sem uma prática discursiva
definida, e toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ela forma” (FOUCAULT,
1987, p. 207). Destacamos ainda que é a partir da FD que:
[...] o termo discurso poderá ser fixado: conjunto de enunciados que se apoia
em um mesmo sistema de formação; é assim que poderei falar do discurso
clínico, do discurso econômico, do discurso da história natural, do discurso
psiquiátrico
(FOUCAULT, 1987, p. 124).
No caso deste estudo, veremos, no momento das análises, as várias FDs na quais os sujeitos
professores estão inscritos, como o discurso da cidadania, o discurso da inclusão, o discurso
da globalização, etc.
As regularidades (homogeneidade) apontadas por Foucault (1987) na FD não devem
ser vistas como oposição ao que pode aparecer como irregularidade, mas como aquilo que
confere ao discurso um caráter aparente de unidade, de linearidade. Embora haja as
regularidades, uma FD pode mudar temporal e espacialmente, acarretando em mudanças do
enunciado que influenciam a/na formação de discursos e nos sentidos que serão produzidos.
Sendo assim, um enunciador, “ao mesmo tempo em que é constituído pela FD, contribui, por
meio das práticas sociais e discursivas, para constituí-la, em um constante movimento de
(re)configuração” (NETTO, 2008). A dispersão (heterogeneidade) é marcada pelos discursos
outros que atravessam e constituem uma mesma FD, e provoca, nesse espaço contradições e
reformulações. O montante de dispersões e regularidades compõe a exterioridade do discurso.
Encontramos então a noção de interdiscurso. Esses discursos outros que se imbricam,
entrelaçam, atravessam e constituem o dizer formam a memória discursiva. Nesse caso, a
memória é nomeada interdiscurso. O interdiscurso é “algo fala (ça parle) sempre antes, em
outro lugar e independentemente” (PÊCHEUX, 1997, p. 162). Para Serrani-Infante (2005, p.
64), o interdiscurso “remete à dimensão não linear do dizer às memórias implícitas que
atravessam verticalmente todo discurso”. De acordo com Eckert-Hoff (2008, p. 60), o
interdiscurso é atravessado por divisões heterogêneas de rupturas e contradições, justamente
por reportar-se a um já-dito, a um exterior, o que pressupõe a alteridade”.
60
Sobre as contradições, Foucault (1987) as classifica de três formas: as derivadas, as
extrínsecas e as intrínsecas. As contradições derivadas brotam de uma mesma FD, “no mesmo
ponto e segundo as mesmas condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT,
1987, p. 176). As contradições extrínsecas conduzem a uma oposição entre FD diferentes. Por
último, as contradições intrínsecas surgem na mesma FD, mas formam subsistemas. Segundo
Foucault (1987):
[...] não são duas proposições contraditórias do mesmo objeto, nem duas
utilizações incompatíveis do mesmo conceito, mas duas maneiras de formar
enunciados, caracterizados uns e outros por certos objetos, certas posições de
subjetividade, certos conceitos e certas escolhas estratégicas (FOUCAULT,
1987, p. 176).
A FD nos remete, ainda, a uma outra noção desta trama, a noção de condição de
produção. As condições de produção (CP) do discurso nos trazem o lugar histórico-social de
onde o sujeito enuncia. Não é uma questão de realidade física e espacial, mas uma questão
imaginária e sócio-ideológica. A CP envolve os sujeitos, a situação e também a memória.
Segundo Orlandi (2003, p. 30), quando consideramos as CP “em sentido estrito e temos as
circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se consideramos em sentido amplo, as
condições de produção incluem o contexto sócio-histórico”.
3.2.1 O sujeito e o inconsciente
De acordo com Teixeira (2005), Pêcheux articulou três pontos importantes na
constituição da AD: o materialismo histórico, a linguística e a teoria do discurso. Essas três
regiões são atravessadas pela teoria da subjetividade psicanalítica. Ao deixar-se atravessar
pela teoria psicanalítica, a AD coloca-se diante do que a linguística abandonou para tornar-se
ciência, diante da incompletude, da falta, do furo, do impossível. A AD assume uma
heterogeneidade que contraria o caráter homogêneo das ciências e o comportamento
cartesiano de seus procedimentos. Isso se inicia ao assumir que o sujeito é incompleto,
dividido. O sujeito do inconsciente. Esse inconsciente que, segundo a autora, é relegado pela
ciência. “A neutralização do principio da divisão do sujeito permite que um domínio de
61
reflexão se coloque como inteiramente dominável, podendo constituir-se como um saber que
se transmite integralmente” (TEIXEIRA, 2005, p. 71). Mas a AD assume que há um saber que
não se sabe.
Segundo Teixeira (2005), Pêcheux busca, na Psicanálise, uma forma não subjetiva do
sujeito. O que aproxima a AD da Psicanálise em questões teóricas e epistemológicas que a
AD possui está “no entrecruzamento de três circunstâncias”: a impossibilidade de manter uma
teoria do sujeito como autônomo, no controle de si mesmo; a falta de uma teoria linguística
que permita diferenciar o sujeito da enunciação do sujeito gramatical e que perceba/assuma o
interdiscurso; a oferta da Psicanálise de uma teoria da subjetividade que vai além do sujeito
cartesiano. Na elaboração de um conceito de sujeito que alia a teoria psicanalítica e a teoria
ideológica de Althusser que, conforme afirma Teixeira, Pêcheux começa a entrar em
questionamentos para encontrar uma forma-sujeito. Para a autora, Pêcheux não fez uma ampla
leitura do “registro do simbólico, desconhecendo a categoria lacaniana de real, que compõe
com o imaginário e o simbólico um (borromeano) que estrutura o sujeito” (TEIXEIRA,
2005, p. 73). A autora afirma que Pêcheux buscou em Lacan aquilo que o aproximava de uma
noção de sujeito como a de Althusser, a quem seguia mais de perto.
Segundo Quinet (2000), a Psicanálise concorda que o sujeito é pensamento, mas
pensamento inconsciente. O inconsciente descoberto por Freud é pensamento. Esse
inconsciente percebe o sujeito não pela lógica cartesiana, mas pelo equívoco e através do
método psicanalítico. O sujeito não está pautado na certeza (penso), mas na dúvida, na lacuna,
naquilo que não é possível apre(e)nder. O inconsciente é o capítulo em branco da história do
eu. “O sujeito para a psicanálise é essa lembrança apagada, esse significante que falta, esse
vazio de representação em que se manifesta o desejo” (QUINET, 2000, p. 13). A partir do
desejo, Freud propõe mudança ao pensamento de Descartes: Desejo, logo existo. O sujeito é
um ser desejante, do desejo sexual, inominável, um desejo de outra coisa. Não como
representar esse desejo, porque ele não tem substância, “é vazio, aspiração, falta, se não
deixaria de ser desejo”. Descarte e Freud partiram do pensamento, mas o primeiro chegou à
existência e o outro encontrou o desejo. Assim, o sujeito uno, inteiro e identificável de
Descarte (e do cientificismo) tornou-se não identificável, mas sujeito a identificações e
dividido para a Psicanálise. Um tem como substância o pensamento, o outro é oco, vazio, é
constituído pela falta, pelo desejo. E “o desejo é sempre enigmático e por isso mesmo ele
apela ao saber, constituindo assim o sujeito articulado a um desejo de saber” (QUINET, 2000,
p. 19). Mas o saber encontra barreiras: no nível imaginário, é o eu (consciência), no nível do
62
simbólico, é o recalque.
17
E esse saber que falta ao sujeito (pelo não querer saber) retorna pela
transferência via sujeito suposto saber encarnado na figura do analista que vai tentar encontrar
a cadeia de significantes que formam o inconsciente. Segundo Freud, o inconsciente tem leis e
um saber que muitas vezes o sujeito não quer conhecer. A descoberta de Freud levou a ciência
a um descontentamento, por contrariar sua postura positivista.
Ainda sobre a questão do inconsciente e do sujeito, é preciso lembrar conceitos
importantes da Psicanálise como sintoma, pulsão, o sujeito do inconsciente, metáfora e
metonímia. O sintoma “é uma formação do inconsciente e enquanto tal é a expressão
metafórica do desejo para o sujeito” (QUINET, 2000, p. 17). A pulsão é dita pelo autor como
algo que há na sexualidade, mas que escapa à representação e que não deve ser confundida
como o instinto, porque a pulsão não pode ser satisfeita. A pulsão leva o sujeito a uma
repetição da cadeia do significante, algo que constantemente volta (mas escapa ao saber).
O sujeito, segundo Lacan (1998), é um sujeito dividido entre o consciente e o inconsciente. O
inconsciente é estruturado como linguagem, e por isso Lacan busca em Saussure a definição
de significante. O significante é a imagem acústica do signo linguístico que tem como outro
constituinte o significado. Para Lacan (1998), o interesse está no significante, porque o
inconsciente é constituído por uma cadeia de significantes. “Donde se pode dizer que é na
cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste
na significação de que ele é capaz nesse mesmo momento”
18
(LACAN, 1998, p. 506). O
significante rompe o significado, antecipa-se ao sentido. A metáfora é uma condensação, uma
substituição de significantes que não deixa claro o sentido, mas deixa aparecer o efeito da
significação. A metonímia é o transporte da significação, um deslizamento de um significante
a outro. Lacan (1998) citando Freud, afirma que a metonímia é a forma mais adequada
encontrada pelo inconsciente para “despistar a censura”. A metáfora e a metonímia são as
duas leis do inconsciente, a primeira constitui o sintoma e a segunda caracteriza o desejo.
O inconsciente é estruturado como linguagem e como está na superfície, ele
constantemente se manifesta. Essas manifestações representam o retorno daquilo que foi
recalcado. Daí, tem-se o equívoco, o ato falho, os sonhos, os chistes, e essas falhas são, de
acordo com a teoria do inconsciente, movimentos bem sucedidos, pois mostram as formações
do inconsciente, que vêm à tona independentemente da vontade do sujeito.
17
O conceito de recalque seguido neste estudo, foi introduzido por Freud e “designa o processo que visa manter
no inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões e cujas realização, produtora de prazer,
afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer”
(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 647).
18
Grifos do autor.
63
Concluindo, percebemos a diferença entre dois sujeitos, o sujeito falante e o sujeito
falando. O sujeito falante é o empírico, individual, cartesiano, com a capacidade de aquisição
de língua e que a usa de acordo com um contexto social e dono (origem) de seu dizer. Já o
sujeito falando, esse que é assumido na AD, é “um sujeito inserido em uma conjuntura sócio-
histórica-ideológica cuja voz é constituída de um conjunto de vozes sociais” (FERNANDES,
2008, p. 26). Por isso, dizemos que esse sujeito é heterogêneo, interpelado pela ideologia
(relação sujeito-língua, o simbólico) e descentrado.
3.2.2 O sujeito e o esquecimento
O sujeito da AD é heterogêneo e constituído no/pelo discurso. Ao criticar a noção de
sujeito racional e fonte de seu dizer, Pêcheux elabora a teoria dos dois esquecimentos,
apontando a clivagem e a heterogeneidade do sujeito que não é fonte do seu dizer. O termo
esquecimento é visto por Pêcheux como um acobertamento daquilo que é causa de si no
próprio sujeito; em outras palavras, o sujeito esquece aquilo que o determina e constitui. O
sujeito cria uma ilusão sobre sua realidade. O primeiro esquecimento, chamado esquecimento
1, é caracterizado pela noção de sistema inconsciente. Nesse esquecimento, o sujeito tem a
ilusão de ser a origem do que diz, fonte de seu discurso, que para ele tem a aparência de
inédito (PÊCHEUX, 1997; TEIXEIRA, 2005). Esse esquecimento reflete o sonho adâmico:
o de estar na inicial absoluta da linguagem, ser o primeiro homem, dizendo as primeiras
palavras que significariam apenas e exatamente o que queremos” (ORLANDI, 2003, p. 35). O
esquecimento 2, segundo Orlandi (2003), é da ordem da enunciação, ou seja, quando o
sujeito fala, ele o faz de uma maneira e não de outra, e ao longo de seu dizer, ele formula
paráfrases que indicam que o dizer poderia ser outro:
Concordamos em chamar esquecimento no. 2 ao ‘esquecimento’ pelo qual
todo sujeito-falante ‘seleciona no interior da formação discursiva que o
domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e sequências que nela se
encontram em relação de paráfrase um enunciado, forma ou sequência, e
não um outro, que no entanto, está no campo daquilo que poderia reformulá-
lo na formação discursiva considerada (PÊCHEUX, 1997, p. 173).
64
Teixeira (2005) afirma que o esquecimento nº. 1 implica no que não é acessível ao sujeito e o
esquecimento 2 se enquadra no que é do domínio do sujeito. “O primeiro é o ponto de
articulação entre ideologia e inconsciente. O segundo, entre linguística e teoria do discurso”
(TEIXEIRA, 2005, p. 49). Segundo Coracini (2007, p. 32), os esquecimentos conduzem à
noção de sujeito psicanalítico, “atravessado pelo inconsciente e marcado pela impossibilidade
de controle de si e dos efeitos de sentido de seu dizer”. A autora acrescenta que o postulado
dos esquecimentos, brilhantemente apresentados por Pêcheux, explica a ilusão que constitui o
efeito-sujeito no que se refere à linguagem. Nessa ilusão, o sujeito acredita em uma
monossemia aplicada à linguagem. E esse postulado ainda esclarece que não é possível a
produção de sentido fora de uma FD. “Tal impossibilidade se acha recalcada para/pelo sujeito
e encoberta para ele de modo que ele crê imaginariamente estar na fonte do sentido (ilusão ou
esquecimento nº 1)” (CORACINI, 2007, p. 33).
3.2.3 A identificação
Entrelaçamos agora os fios da identificação. O conceito de identificação,
popularmente falando é comumente visto como o atesta a psico-sociologia. Ou seja, um
indivíduo A em relação a um indivíduo B, com o tempo, transforma-se em, assemelha-se a B
por identificação. A Psicanálise traz uma concepção bem diferente desse conceito.
Segundo Riolfi e Almaminos (2007), o processo identificatório nos abre a novas
possibilidades, reinventamos a nós mesmos sempre que alguma insatisfação. “Por meio do
jogo móvel das identificações, um sujeito está em permanente construção de si e de seu
trabalho, num processo que pode ser de interminável inovação” (RIOLFI; ALMAMINOS,
2007, p. 302). Para Borges (1988), há algo que escapa, uma parte do complexo do ser humano
experiente não será compreendida, permanecerá opaca. E é justamente essa falta que levará ao
movimento. A falta provoca a busca constante. É uma busca por um estrangeiro que também
nos habita.
Voltando ao conceito de identificação, Lacan
19
descreve três tipos de identificação: a
identificação à imagem ou imaginária, a identificação ao significante puro ou identificação
19
Em seminário ainda não publicado proferido em 1961 e 1962.
65
simbólica e a identificação ao desejo inconsciente (RIOLFI; ALMAMINOS, 2007). A
identificação à imagem proposta pelo outro é o processo pelo qual o sujeito pode se
reconhecer como um eu separado do outro, gerando um dizer na primeira pessoa do singular.
Segundo Nasio (1989), esse eu-imaginário é uma estratificação interminável de imagens que
são inscritas no inconsciente. A partir dessa estratificação, o eu somente irá se identificar com
as imagens nas quais se reconhece. Articulando essa noção à AD, Serrani-Infante (1998)
prossegue, “desse processo decorre a representação de identificações imaginárias que o
enunciador ‘constrói’”
20
(SERRANI-INFANTE, 1998, p. 162). A identificação ao significante
puro é o processo pelo qual o sujeito toma emprestado ou copia um traço importante do outro.
No terceiro tipo de identificação, a identificação ao desejo inconsciente, nesse caso o sujeito,
toma alguém como sujeito desejante (como modelo). Essa é uma tentativa de suprir a
insatisfação causada por um desejo inconsciente.
Para Mannoni (1994, p. 196), “uma identificação é uma captura. Aquele que se
identifica talvez creia que está capturando o outro, mas é ele quem é capturado”. Para explorar
melhor o tecer do conceito de identificação, volto a Nasio (1989), que traçou brilhantemente
um percurso do trabalho que Lacan dedicou ao conceito. Para Lacan, a identificação indica
que o eu se identifica com o que é a causa do eu. Melhor dizendo, o objeto é o agente da
identificação. Temos aqui o processo de causação do eu.
Cabe lembrar que o eu do qual tratamos na conceituação de identificação é o eu
inconsciente. Sobre o objeto, podemos dizer, citando Nasio (1989), que:
O termo objeto designa, verdadeiramente, uma representação que já se
acha ali na qual virá escorar-se a realidade externa da pessoa do outro
ou de qualquer de seus atributos vivos. Com todo o rigor, não existem
no inconsciente representações do outro, mas apenas representações
inconscientes, impessoais, por assim dizer, à espera de um outro
externo que venha ajustar-se a elas (NASIO, 1989, p. 103).
Esse outro externo, essa representação inconsciente, não indica que encontramos uma pessoa
viva para que ela seja produzida. Esse outro pode evocar remotamente alguém que pode nem
mesmo ter existido (um mito, um personagem de um romance). Além disso, esse outro pode
ser registrado independente de minha vontade e consciência, que se trata de um registro
inconsciente.
20
Grifo da autora.
66
Lacan
21
classificou três formas de identificação: a identificação simbólica (que se
na origem do sujeito inconsciente), a identificação imaginária (que está na origem do eu) e a
identificação fantasística (a partir das fantasias). Para Lacan, a identificação apresenta o
surgimento de um novo lugar, uma nova instância psíquica, embora a identificação
fantasística implique não em um surgimento de uma nova instância psíquica, mas na
instituição da fantasia que é um complexo psíquico. Como componente de cada categoria,
Nasio (1989, p. 111) esclarece que “os componentes da identificação simbólica são o
significante e o sujeito; os da identificação imaginária são a imagem e o eu; e por fim, os da
identificação fantasística são o sujeito do inconsciente e o objeto a.”
22
Primeiro, apesar de termos falado sobre o significante anteriormente neste estudo,
ainda cabe aqui algum esclarecimento. Esse termo não está ligado a uma realidade tangível e
observável, ele diz respeito a certos fatos que o produzidos e repetidos insistentemente ao
longo da vida, aos quais a Psicanálise precisa abstrair e formalizar. O significante é uma
entidade formal, indiretamente referida a um fato que se repete e definida pelas relações
lógicas com outras entidades similarmente significantes” (NASIO, 1989, p. 111-112). três
referências que definem o significante: o significante é uma entidade formal; o significante
não existe sozinho; e o sujeito do inconsciente é uma relação abstrata entre um significante e
um conjunto de significantes. O significante faz indiretamente referência a um fato que se
repete e que pode ser observável (um equívoco, um ato involuntário no comportamento
consciente de uma pessoa).
Ainda dentro das referências, Lacan esclarece que o significante é significante para
outros significantes. significantes em uma cadeia de significantes. Nessa articulação
entre o significante e a cadeia de significantes, surge o sujeito do inconsciente, como efeito
desse evento entre os significantes. O nome sujeito do inconsciente não indica o eu consciente
ou inconsciente, mas uma instância abstrata e não subjetiva, que corresponde aos eventos de
significantes atuais, passados e futuros. O sujeito do inconsciente é o que nomeia a
experiência do equívoco, fruto da relação entre o significante atual e outros significantes
virtuais. Ele é um traço “ausente de minha história e que, no entanto, marca-a para sempre”
(NASIO, 1997, p. 113). Lacan o nome de traço unário a esse traço ausente de minha
21
Para este estudo, nós nos apoiamos em Nasio (1989) por não haver publicação do seminário da Identificação
de Lacan.
22
O objeto (pequeno) a é um “termo introduzido por Jacques Lacan, em 1960, para designar o objeto desejado
pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um ‘restonão simbolizável,
Nessas condições, ele aparece apenas como ‘falha-a-ser’, ou então de forma fragmentada, através de quatro
objetos parciais desligados do corpo: o seio, objeto da sucção, as fezes (matéria fecal), objeto da excreção, e a
voz e o olhar, objetos do próprio desejo” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 551).
67
história, e é ele que unifica a cadeia de significantes, ou seja, é o sujeito do inconsciente. O
traço em si não é mensurável, e Lacan o chama de menos um, uma vez que ele é subtraído da
cadeia de significantes. Resumindo, eis o que se designa identificação simbólica para Lacan:
o sujeito do inconsciente se identifica com um traço que sempre se repete que contorno a
uma vida embora seja subtraído dessa mesma vida.
A segunda categoria de identificação da teoria lacaniana é a identificação imaginária
do eu com a imagem do outro. Nessa identificação, acontece o surgimento do eu, essa
instância psíquica. O momento de nascimento do eu foi nomeado por Lacan como estádio do
espelho. De acordo com o autor, a criança ainda bebê (em média de 6 a 18 meses de idade)
depara-se com sua imagem especular. Essa imagem a traz a percepção de que é uma. O eu
passa a ser naquele momento o contorno da imagem global que a criança aprecia uma imagem
unitária (épura). “Esse primeiro eu-épura ficará como o quadro simbólico que contém todas as
imagens sucessivamente percebidas, constitutivas do eu-imaginário” (NASIO, 1997, p. 116).
É preciso lembrar que o eu irá se identificar com as imagens em que se reconhece e quer
sejam próximas ou distantes irão evocar o outro, um semelhante. A identificação imaginária é
justamente a fusão do eu com aquilo que é furo na imagem do semelhante.
A terceira e última classificação lacaniana é a identificação fantasística do sujeito com
o objeto. Surge, nessa identificação, um complexo psíquico nomeado fantasia. Para entender
essa identificação, que, segundo Lacan, gera sonhos e alguns delírios e que é composta pelo
sujeito do inconsciente e pelo objeto, começamos por situar melhor o objeto. uma tensão
que a atividade pulsional tenta descarregar em forma de fantasia revelada de forma motora.
Mas nem tudo é possível descarregar como força muscular; ainda fica algo expectante que
ocupa o espaço psíquico. Uma parte disso que vaga se transforma em fantasia, mas ainda
permanece um resto que não se reduz e fomenta a pulsão, tentando encaminhá-la para uma
descarga, produzindo novas fantasias. Para Lacan, esse resto, excesso de energia que não se
transforma em fantasia, embora seja causa de novas fantasias, é o próprio objeto, chamado por
ele de objeto a.
Nesta pesquisa, o foco de interesse é a identificação imaginária e simbólica.
68
3.2.4 As representações
Para a LA, quando se fala sobre o que os professores acreditam/pensam sobre a prática
e a formação profissional, o termo mais utilizado é “crença”. De acordo com Barcelos (2006,
p. 18), crença é “uma forma de pensamento, como construções e realidade, maneira de ver e
perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências resultantes de um
processo interativo de interpretação e (re)significação”. Como já foi dito na introdução,
segundo Neves (2002), essa definição envolve uma visão cognitiva e comportamental numa
dimensão bem empírica que difere da dimensão usada no presente estudo. Assim, a escolha
do termo representação justifica-se por entendermos esse termo como um sinônimo (nesta
pesquisa) para Formações Imaginárias (PECHEUX, 1990), mas modificadas anteriormente
(PÊCHEUX; FUCHS, 1990). De acordo com Neves (2002), o termo representação deve ser
entendido na ordem do discurso conforme a teoria pecheutiana. “Nesta ordem, todo material
significante tem uma dimensão imaginária e não se trata, portanto, de um substituto analógico
de um real ausente, mas de uma ilusão necessária à existência da discursividade” (NEVES,
2002, p. 88). O sujeito é apresentado pelos lugares que representa no discurso. É a partir de
um lugar discursivo que ele se representa. Por exemplo, é sob a imagem/representação que o
professor faz de si mesmo como professor e do que seja trabalhar em escola inclusiva, bem
como de seus alunos surdos e ouvintes, etc., que se estabelecerá sua tomada de decisões a
respeito de sua prática.
As representações estão relacionadas às identificações imaginárias. De acordo com
Grigoletto (2003, p. 235), “as representações são do domínio da identificação imaginária, e
nessa categoria de identificação, o eu constitui-se como instância psíquica ao se identificar
com determinadas imagens no mundo”. Essas imagens nos ajudam a organizar nossas vidas,
nosso prazer e nossa dor, e assim temos a constituição do que para nós seria uma verdade.
Como foi dito anteriormente, nessa identificação imaginária, o sujeito tem a ilusão de ser uno,
indiviso, a partir das imagens que constrói. A imagem que tem de si permite um dizer em
primeira pessoa, acreditando-se separado e independente do outro (RIOLFI; ALMAMINOS,
2007). Partimos da concepção de que o professor, através das múltiplas identificações que o
acometem, constrói o lugar de onde se autoriza falar. Porém, isso não indica um lugar fixo,
pois a identidade não é estática, mas se move e se (trans)forma a todo momento, sendo
possível apenas perceber momentos de identificação.
69
Para Orlandi (2003), o lugar de onde o sujeito fala o constitui discursivamente. Assim,
é a partir do lugar de professor, de educador, de aluno, etc. que o sujeito fala. As suas palavras
significam de acordo com o lugar do qual ele fala. Os sentidos são construídos como resultado
do entrecruzamento de vários discursos que sustentam o dizer. Dessa forma, surgem as
Formações Imaginárias:
Assim não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto
é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente
descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de
projeções. São essas projeções que permitem passar das situações empíricas
os lugares dos sujeitos para as posições dos sujeitos no discurso
(ORLANDI, 2003, p. 40).
A partir das imagens que o sujeito tem, as posições são constituídas e diferenciadas.
Portanto, é importante considerar as condições de produção do discurso no momento da
enunciação para perceber os momentos de identificação do sujeito. Como dissemos, as
identidades são resultados desse processo imaginário. Quando se compreendem as
representações é possível entender melhor o que as constitui e como funcionam no
imaginário. Compreende-se, com isso, a sua prática, a sua forma de lidar com o outro (no caso
dos professores: o aluno, a instituição, etc.) (GHIRALDELO, 2006). Coracini (2003b),
citando Kristeva, aponta que o sujeito é aquilo que o outro pensa dele. Durante toda a vida o
sujeito constrói uma imagem de si pela convivência com o outro e este outro provoca no
sujeito os deslocamentos, as ressignificações e as identificações via linguagem. Volto aqui à
noção de heterogeneidade, de interdiscurso e de FD. O interdiscurso e a memória discursiva
“são as inúmeras vozes, provenientes de textos, experiências, enfim, do outro, que se
entrelaçam numa rede em que os fios se mesclam e se entretecem” (CORACINI, 2007, p. 9).
A rede é tecida pelas várias representações oriundas de várias FD. Na FD, é possível perceber
algumas regularidades (algo que se repete, mesmo que dito de formas diferentes), como neste
estudo, antecipando as análises, a representação do desafio de ter alunos surdos em sala de
aula inclusiva, a situação preocupante que essa realidade apresenta, algo muito difícil e que
muitas vezes deixa o professor de mãos amarradas. São essas regularidades que ressoam,
essa representações que nos mostram os momentos de identificação do professor em sua
prática.
Mrech (2003) cita Barthes, dizendo que o autor mostra uma confusão entre a figura
concreta do professor e o lugar que ele ocupa no discurso via fala. E essa confusão está
sempre aí porque a linguagem e a fala não param, elas se transformam o tempo todo. A autora
acrescenta que o que temos por professor e aluno são apenas suas sombras.
70
3.3 - Conclusão
As noções teóricas que nos interessam a fim de tornar possível a análise de nosso
corpus são as noções teóricas da AD (que tomamos como base a terceira fase de Pêcheux)
(PECHÊUX, 2008), a noção foucaultiana de FD e as noções teóricas freudo-lacanianas que
atravessam a AD. Neste capítulo, trouxemos, além das noções teóricas, um breve comentário
sobre as fases pecheutianas da AD, embora não tenhamos nos ocupado em demarcá-las, uma
vez que nos interessam os conceitos que ficaram e que surgiram na terceira fase do autor. A
interface com outras noções teóricas enriquecem os estudos em LA e nos ajudam a conhecer
novas possibilidades e arranjos teóricos que corroboram com a expansão dos estudos em
ensino-aprendizagem de línguas. No próximo capítulo, mostraremos como acontecerá o
trabalho de pesquisa a partir da interface dessas teorias e como se darão nossos gestos de
interpretação.
71
4 METODOLOGIA DE PESQUISA
4.1 O dispositivo de análise e o corpus
Nossa pesquisa em Linguística Aplicada adota, como método de pesquisa, a
interpretação discursiva. Portanto, seu corpus constitui-se de fatos linguísticos, pois em nosso
estudo “o dizer é o próprio fato” (ORLANDI, 2007, p. 20), e por isso usamos um dispositivo
de análise da AD para nos orientar na interpretação dos discursos dos professores-
enunciadores. Percebemos a interpretação como um “gesto”, um ato simbólico. “Sem
esquecer que a palavra gesto, na perspectiva discursiva, serve justamente para deslocar a
noção de ‘ato’ da perspectiva pragmática; sem, no entanto, desconsiderá-la” (ORLANDI,
2007, p. 18). Segundo Orlandi (2007), a interpretação é um sinal do possível; o lugar da
ideologia e tem sua materialidade na história. Assim, uma importante característica da
interpretação é que ela acontece de um lugar da história e pode ser outra em outro momento.
Em um de seus textos, Dispositivo de Análise (ORLANDI, 2003), a autora pontua os pontos
principais da escuta do analista que são: ouvir pra das evidências, acolher a opacidade da
língua, compreender a determinação dos sentidos pela história, compreender a constituição do
sujeito, respeitar o possível, a singularidade, a ruptura, a resistência. Freud (1914, v. XIV) fala
sobre o examinar/interpretar os fatos e diz ter aprendido com Charcot, seu “não esquecido
mestre”, a olhar “as mesmas coisas repetidas vezes até que elas comecem a falar por si
mesmas”.
A respeito do dispositivo de interpretação, Orlandi (2003) discorre sobre a importância
de entender o ‘não-dito’ pelo dito. o não-dito, como o que também constitui os sentidos
apresentados nas palavras do sujeito. Novamente, lembramos o interdiscurso, a memória
discursiva e a FD. De acordo com Pêcheux (1997), há algo esquecido por parte do sujeito que
se inscreve entre a intenção do dizer e o dito (discurso). Há um real “constitutivamente
estranho à univocidade lógica, e um saber que não se transmite, não se aprende, não se ensina,
e que, no entanto, existe produzindo efeitos” (PECHEUX, 2008, p. 43). Segundo Eckert-Hoff
(2008), o real do discurso apresenta-se como uma descontinuidade, uma dispersão, a falta, o
equívoco, uma contradição, uma perturbação, uma ruptura no dizer. O imaginário do discurso
apresenta-se como unidade, coerência, algo que não se contradiz, sem perturbações. Os
72
discursos dos professores, que aqui formam o nosso corpus, são frutos do imaginário, da
ilusão de completude e de controle do dizer.
A AD procura o real do sentido na materialidade linguística e histórica. A memória
discursiva que constitui os enunciados desse sujeito não é algo aprendido e controlável, mas
algo que o divide e foge de seu controle. Tudo que é dito poderia ser dito de outra forma em
outro lugar. Todo enunciado é sempre suscetível de ser/tornar-se outro (PÊCHEUX, 1997). E
é no lugar desse outro enunciado que a interpretação acontece, estão as manifestações do
inconsciente e da historicidade na produção de sentidos e constituição dos sujeitos. Cabe
lembrar que não há sentido sem interpretação.
Uma mesma palavra pode ter significados diferentes de acordo com a posição do
sujeito e da inscrição do que é dito em uma determinada formação discursiva (ORLANDI,
2003). O analista precisa apontar os processos de identificação na sua análise. O dispositivo
do analista deve mostrar que falamos a mesma língua, mas falamos diferente.
Na formação de um dispositivo de análise, levamos em conta alguns critérios
essenciais. Segundo Orlandi (2003), um bom dispositivo deverá:
explicitar os gestos de interpretação que se ligam aos processos de identificação dos
sujeitos;
explicitar suas filiações de sentidos (descrever a relação do sujeito com a memória);
permitir o trabalho, não numa posição neutra, mas que seja revitalizada em face à
interpretação;
investir na opacidade da linguagem, no descentramento do sujeito e no equívoco, na
falha e na materialidade;
permitir que o analista tire proveito das ilusões e dos efeitos de evidências produzidos
pela linguagem sem se tornar vítima dos mesmos;
ser particularizado a partir da questão colocada face ao material de análise e em
função do domínio científico a que o trabalho está vinculado.
Após a caracterização do dispositivo, têm-se os momentos da interpretação.
Primeiramente, a interpretação faz parte do processo de análise. O sujeito, ao falar, interpreta
e o analista deve estar atento para descrever esse gesto de interpretação. O segundo momento
revela que não descrição sem interpretação, ou seja, o analista está envolvido na
interpretação. Por sempre haver interpretação, nega-se assim o princípio da literalidade
(ORLANDI, 2007). Teremos, então, a metáfora. Segundo Pêcheux e Fuchs (1990), a metáfora
pode ser entendida como base da significação. “Metáfora aqui é entendida como efeito de
73
uma relação de significante: uma palavra por outra”, afirma Orlandi (2007, p. 21). A autora
ainda acrescenta que, de acordo com Pêcheux:
O sentido é sempre uma palavra, uma proposição por outra e essa
superposição, essa transferência (“meta-phora”) pela qual elementos
significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido,
não poderia ser predeterminada por propriedades [...] da língua (ORLANDI,
2007, p. 21).
Lacan (1998, p. 515) usa os significantes metáfora e metonímia para substituir os
termos usados por Freud:
A Verdichtung, condensação é a estrutura de superposição dos significantes
em que ganha campo a metáfora [...] A Verschiebung ou deslocamento é mais
próximo do termo alemão, o transporte da significação que a metonímia
demonstra (LACAN, 1998, p. 515).
De acordo com Longo (2006), para a Psicanálise, a metáfora está relacionada à semelhança de
sentidos, mesmo que subentendida, é uma comparação, condensada e resumida. Os atributos
de um determinado elemento são projetados em um outro. Porém, essa projeção é possível
quando os elementos envolvidos têm algo em comum, algo que forme uma interseção real ou
imaginária. A metonímia também conta como um mecanismo importante na linguagem. Ela é
o deslocamento. A metonímia indica a contiguidade, isto é, tomar a parte pelo todo. Na
concepção psicanalítica, a metonímia provoca o deslize da palavra de uma parte do objeto
para outra designada de forma diferente. “É claro que, ao designar o mesmo objeto com outra
palavra, um deslizamento de sentido que pode fazer surgirem diversos sentidos e
associações” (LONGO, 2006, p. 22).
Voltando ao corpus, ele é a base da análise. Segundo Orlandi (2003), o corpus não
segue critérios empíricos (positivistas), mas teóricos, e é formado por fatos da linguagem,
com sua memória, sua espessura semântica, sua materialidade linguístico-discursiva. É de
grande importância precisar o que é texto e o que é discurso, nas palavras da autora:
O texto é a unidade que o analista tem diante de si e da qual ele parte. O que
faz ele diante de um texto? Ele o remete imediatamente a um discurso que,
por sua vez, se explicita em suas regularidades pela sua referência a uma ou
outra formação discursiva que, por sua vez, ganha sentido porque deriva de
um jogo definido pela formação ideológica dominante naquela conjuntura
(ORLANDI, 2003, p. 63).
O texto é afetado pelas condições de produção e se manifesta na representação da linguagem
(som, letra, espaço, etc.). "O texto é uma peça de linguagem de um processo discursivo
74
bem mais abrangente e é assim que deve ser considerado. Ele é um exemplar do discurso"
(
ORLANDI, 2003
, p. 72).
Uma vez que o corpus começa a ser formado, a teoria deve intervir a todo momento,
guiando relação do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo e com a
interpretação. Por isso caracterizamos nossa pesquisa como uma pesquisa em espiral. A teoria
será acionada conforme a demanda do discurso analisado. E vale a pena deixar claro que não
análise do discurso sem mediação teórica permanente. Outro ponto importante é que a
análise não esgota as possibilidades de outra análise de um mesmo objeto. O objeto
permanece para novas análises. Afinal, o dispositivo analítico pode ser diferente nas
diferentes tomadas feitas no corpus.
A AD, em sua metodologia de análise, busca compreender como um objeto simbólico
produz sentido. De acordo com Lacan (1998), o significante sempre se antecipa ao sentido.
Segundo o autor, o significante desdobra sua dimensão adiante dele. “É o que se no nível
da frase, quando ela é interrompida antes do termo significativo: Eu nunca..., A verdade é
que..., Talvez, também... Nem por isso ela deixa de fazer sentido, e um sentido ainda mais
opressivo na medida em que se basta ao se fazer esperar” (LACAN, 1998, p. 505).
Na noção de inconsciente, que se estrutura na/pela linguagem, o sujeito se vê diante da
produção de significados e consequentemente da produção discursiva. Ele não é reduzido às
determinações significantes que possui (NEVES, 2002). Conforme a autora:
São pontos decisivos da articulação simbólica que fazem a história do sujeito-
efeito do mundo simbólico. Assujeitado à indeterminação da linguagem, o
sujeito cria usos, formas de vida, práticas diversas, jogando constantemente
com o equívoco. Essa produção se por processos metonímicos e
metafóricos, onde transferência de sentidos. Entendemos com isso que
esses processos se refiram a modos de enunciar dos sujeitos, ou seja, modos de
estabelecer elos sociais (NEVES, 2002, p. 117).
A metonímia está relacionada à falta do ser. No deslizamento dos significantes, um
valor de envio da significação que a investe com o desejo e com isso sustenta a falta do
sujeito (LACAN, 1998). um deslocamento do desejo e o desejo para o autor é a
metonímia. No deslizamento do desejo, embora não nomeável, surge a metáfora, que, de
acordo com ele, é o momento em que se produz a significação. Lacan (1998) aponta esse
momento como o ponto de poesia e criação ou advento da significação (p. 519). Cabe lembrar
mais uma vez que tomamos o sujeito nesta pesquisa como o Falasser. Lacan (2003) usa o
termo falasser para substituir o inconsciente de Freud. O autor esclarece que o inconsciente é
75
“um saber enquanto falado”. “A fala, é claro, define-se por ser o único lugar em que o ser
tem um sentido” (LACAN, 2003, p. 561).
É importante que se considere a historicidade que é o trabalho do acontecimento do
texto como discurso, o trabalho dos sentidos nele. O texto só é texto porque significa. Assim,
para a AD, o que interessa não é a organização linguística do texto, mas como o texto
organiza “a relação da língua com a história no trabalho significante do sujeito em sua relação
com o mundo. É dessa natureza sua unidade: linguístico-histórica" (ORLANDI, 2003, p. 69).
O corpus deste estudo foi formado pelo discurso do professor de LI que atua em salas
de aula mistas (com alunos surdos e ouvintes) e que falou sobre sua experiência como
professor nesse contexto, sobre sua formação acadêmica, como ele se diante do referente
desta pesquisa (língua inglesa), como pensa a EI, a inclusão de alunos surdos, quais soluções
e/ou como tem atuado dentro dessa inclusão em particular e sobre o intérprete de língua de
sinais. A interpretação também acontece no momento da escolha dos enunciadores. Apesar de
ter, neste capítulo, a intenção de desenvolver nossa metodologia, também temos nele o início
de nossos gestos de interpretação. Ressaltamos que a escolha das categorias de análise foi
feita a partir da demanda do próprio corpus formado. O nosso dispositivo de análise foi
elaborado a partir das regularidades encontradas nos discursos dos professores-enunciadores.
4.2 A escolha de enunciadores e as condições de produção
Nesta pesquisa, o foco está no discurso do professor de LI que atua em salas de aula
inclusivas no ensino regular. Foram convidados seis professores para entrevistas gravadas em
gravador digital e posteriormente transcritas. Falaremos melhor sobre as entrevistas a seguir.
Os seis professores atuam em escolas públicas municipais ou estaduais. Não encontramos
professores de escolas privadas inclusivas com disponibilidade para nos atender. Dos seis
professores entrevistados, cinco são da cidade de Montes Claros, em Minas Gerais, e uma
professora de Belo Horizonte, capital desse estado.
Cada professor atua em um contexto com algumas singularidades e/ou possui algum
traço na sua formação que percebemos em seu discurso no momento das análises.
76
Descreveremos aqui, ainda que brevemente, o contexto imediato de atuação desses
professores.
A professora número 1 (P1) trabalha em uma escola estadual de ensino regular que
atende o ensino fundamental e médio na cidade de Montes Claros. Ela é graduada em
Letras/Inglês e complementou sua formação com uma especialização Lato Sensu em Língua
Inglesa. Esses dois cursos foram oferecidos por uma universidade estadual. Além disso, P1
tem uma formação em curso de inglês oferecido por um instituto de línguas e teve a
experiência de estudar a LI em um país europeu. A professora é atuante em projetos
educacionais na sua escola e está na instituição desde a implantação de salas inclusivas com
alunos ouvintes e surdos como professora de LI e também de língua portuguesa. P1 não tem
conhecimento da Libras e conta com intérpretes da LS.
A professora número 2 (P2) trabalha em escola estadual de ensino regular e, além de
atuar no ensino fundamental e médio, atua no projeto educacional estadual intitulado Projeto
Acelerar para Vencer
23
(PAV). P2 é formada em Letras/Inglês e lecionou em escola de
educação especial, onde atuou em sala de aula exclusiva para alunos surdos. Atualmente, ela
trabalha no ensino fundamental em salas inclusivas e em sala do PAV que também tem
caráter inclusivo. P2 tem algum conhecimento de Libras, resultado da sua atuação em escola
especial. Mas, atualmente, conta com ILS em sala de aula.
A terceira professora (P3) tem o curso de Letras como sua segunda graduação.
Formou-se primeiro em Comunicação e cumpriu estágio desse curso nos Estados Unidos por
um ano. Quando retornou ao Brasil, resolveu se dedicar ao estudo da LI e ingressou na
Faculdade de Letras. P3 trabalha em uma escola municipal de ensino regular na cidade de
Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Ela atua no ensino fundamental e médio, e leciona
tanto em salas mistas quanto em salas somente para surdos. A professora não tem
conhecimento da LS e conta com intérpretes em sala de aula.
A quarta professora (P4) é graduada em Letras/Inglês e está concluindo um curso de
especialização Lato Sensu em Libras. Ela trabalha em escola estadual regular na cidade de
Montes Claros. Uma informação relevante sobre essa professora (informada durante a
entrevista) é que ela se submeteu várias vezes a testes de audiometria devido à dificuldade que
23 De acordo com a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, o Projeto Acelerar Para Vencer é “uma
estratégia de intervenção pedagógica, cuja metodologia alternativa objetiva sanar lacunas da aprendizagem e
melhorar o desempenho dos alunos, possibilitando a todos a recuperação do tempo perdido ao longo de sua
trajetória escolar.” E ainda: “Como consequência destas ações, espera-se corrigir o fluxo, superando a questão do
fracasso escolar, que tem raízes tanto na desigualdade social, quanto em mecanismos internos à escola”
(Documento Base, 2008, p. 4).
77
ela mesma tem de ouvir bem e da qual ela se queixa. E a sua dificuldade em falar e ouvir o
inglês desde os estudos no ensino fundamental durante a sua adolescência, segundo P4, deve-
se ao fato de sua dificuldade em escutar. P4 atua em uma escola classificada como escola
referência
24
pela Secretaria Estadual de Educação. Apesar de sua formação em Libras, ela
também conta com o auxílio de intérpretes.
O professor número 5 (P5) atua na mesma escola que a professora P4. Ele tem
formação em Letras/Inglês e atuava como professor de LI antes mesmo de seu ingresso no
curso de Letras. Sua primeira graduação foi em Direito, mas sua opção profissional foi
lecionar inglês. P5 teve a experiência de morar fora do país e considera a LI como um
estudo prazeroso. Ele não tem conhecimento da Libras e conta com o auxílio de intérpretes.
A última professora entrevistada (P6) atua em escola estadual na educação de jovens e
adultos (EJA). Ela leciona em salas de aula inclusivas e, por não conhecer a Libras, conta com
o auxílio de intérprete. Ela é graduada em Letras/Português-Inglês e leciona tanto a língua
portuguesa quanto a inglesa. O que a diferencia em contexto dos outros professores, além de
atuar em EJA, é o fato de ter surdos em sua família. Apesar de não conhecer a língua de
sinais, ela afirma conseguir manter uma comunicação extra-classe com pessoas surdas.
O quadro a seguir resume as condições de atuação e formação dos professores
entrevistados.
Professor Cidade Escola
onde
atua
Etapa em
que atua
em salas
mistas
Conhece
a Libras
Tem
intérprete
Formação Experiência
em sala
exclusiva
para surdos
P1
Montes
Claros
Estadual Ensino
fundamental
Não Sim Graduada em
Letras,
especialista
em ensino de
Língua
Inglesa
Não
P2
Montes
Claros
Estadual Ensino
fundamental
Pouco Sim Graduada em
Letras
Sim
P3
Belo
Horizonte
Municipal Ensino
fundamental
Pouco Sim Graduada em
Letras
Sim
P4
Montes
Claros
Estadual Ensino
médio
Sim Sim Graduada em
Letras,
Especialização
em Libras (em
andamento)
Não
P5
Montes
Claros
Estadual Ensino
médio
Não Sim Graduado em
Letras
Não
P6
Montes
Claros
Estadual EJA Não Sim Graduada em
Letras
Não
24
Escolas que enfocam a recuperação do ensino público como referência educacional em todas as áreas de
atuação escolar.
78
4.3 As entrevistas
As entrevistas foram feitas em horários escolhidos pelos professores-enunciadores de
acordo com a disponibilidade de cada um. As entrevistas eram semi-estruturadas e, de acordo
com o desenvolvimento de cada uma e da necessidade percebida pela pesquisadora, outras
perguntas foram acrescentadas ou até mesmo retiradas. Todas as entrevistas, após o
consentimento dos enunciadores, foram registradas em gravadores digitais e posteriormente
transcritas e armazenadas em computadores.
As perguntas elaboradas para as entrevistas foram primeiramente conduzidas
enfocando os fatos linguísticos que narravam a trajetória desse professor até se descobrir
professor(a) de LI. Em seguida, as perguntas enfocaram a formação desse professor e como
ele se diante da LI. As demais perguntas buscaram levantar as representações acerca da EI,
da educação de surdos, da importância da LI na educação de surdos, das soluções pedagógicas
para lecionar na sala de aula onde a inclusão dos alunos surdos, no auxílio do intérprete de
Libras e na necessidade de usar a língua de sinais.
Os professores-enunciadores responderam a todas as perguntas que lhes foram
propostas e concordaram em ter seus nomes substituídos por algum classificador que lhes
garantiria o anonimato.
Além das entrevistas, algumas aulas foram observadas para anotações de campo.
4.4 As categorias de análise do corpus
Acrescentando ao que foi dito sobre o dispositivo de análise, apontamos as nossas
categorias de análise. Como o nosso corpus é composto de dizeres, retiraremos dessa
materialidade linguística as representações que são objetivo deste estudo. Segundo Serrani-
Infante (1998b, p. 145), “ao falar, o sujeito representa o mundo (e se representa) por imagens
construídas na cadeia linguístico-discursiva”. São essas representações que procuramos
encontrar no fio do discurso e que revelam o interdiscurso, uma memória, um sujeito
atravessado e constituído por outros discursos. Em relação à análise, Serrani-Infante (1998)
79
acrescenta que, no nível do intradiscurso, observa-se a relação entre a materialidade
linguística e o processo discursivo do dito agora, em relação ao dito antes e ao que se dirá em
sequência. Quanto ao interdiscurso, ele é a dimensão do discurso sobra/resta/excede ao que se
formula. Na análise no nível do interdiscurso, observa-se como funciona aquilo que está
implícito, ou seja, que é determinado pela ideologia e pelo inconsciente, e que constituem o
sentido do discurso. “O interdiscurso compreende também o discurso transverso, que são as
possibilidades de substituição entre palavras, expressões, ou proposições que possuam ‘o
mesmo sentido’”
25
(SERRANI-INFANTE, 1998b, p. 158). De acordo com Pêcheux (1997), o
funcionamento do discurso-transverso está relacionada à metonímia no que se revela a parte
pelo todo, a relação causa com o efeito, do sintoma e do que este designa.
As ressonâncias discursivas são vibrações semânticas mútuas, que, no fio do discurso,
constroem a realidade de um sentido. “As ressonâncias podem ser em torno de unidades
específicas, como itens lexicais, ou em torno de modos de dizer, isto é, referem-se aos efeitos
de sentido produzidos pela repetição de construções sintático-enunciativas” (SERRANI-
INFANTE, 1998b, p. 161).
A importância de analisar as ressonâncias discursivas está no fato de que elas
apontam, ou enfocam a referência do objeto de discurso (NEVES, 2002). Com isso, é possível
perceber aquilo que ressoa no discurso dos professores e que constituem suas representações
sobre o ensino de língua inglesa na inclusão educacional de alunos surdos. Temos que:
[...] há ressonância de significação quando duas ou mais unidades
linguísticas específicas (itens lexicais, frases nominais) ou dois ou
mais modos de dizer (construções indeterminadoras, de tom casual,
causativistas, e assim por diante) encontram-se ligados no discurso,
para produzir um efeito de vibração semântica mútua, que,
consideradas as condições de produção, tende a construir a realidade
(imaginária) de um "mesmo" sentido (SERRANI-INFANTE, 2001, p.
40).
Além dessas, outras categorias serão relevantes em nossas análises. Temos, por
exemplo, o discurso indireto, o uso das aspas, que trazem a ilusão de um distanciamento do
dizer por parte do enunciador (AUTHIER-REVUZ, 1998). As notas explicativas nas quais o
enunciador comenta seu próprio dizer. Segundo Authier-Revuz (1998):
O trabalho interpretativo das glosas -, o que cada comentário
manifesta é, com efeito, precisamente este “esforço” que o enunciador
deverá fazer para tratar suprimir ou acolher, segundo o caso estes
“outros sentidos” que não “dormem”, mas “existem”, o “abolidos”
25
Grifo da autora.
80
pelo contexto, em um ponto X do dizer (
AUTHIER-REVUZ, 1998
,
p. 30, grifos da autora).
Ghiraldelo (2003) afirma que as glosas e os comentários revelam as não-coincidências
do dizer apontadas por Authier-Revuz (1998), e esclarece que, quanto mais o enunciador
tentar conter o sentido do que diz ao explicar o seu dizer, mais o sentido lhe escapa. As
rupturas sintáticas e as incisas. Segundo Ghiraldelo (2003, p. 66), as incisas são “orações
explicativas ou orações que, embora não sejam consideradas stricto sensu ‘explicativas’ nos
estudos linguísticos, funcionam como tal nas sequências”.
Explorando melhor a noção de heterogeneidade. Buscamos em Authier-Revuz (1998),
a noção de heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva. Influenciada por
Bakhtin, a autora construiu sua tese sobre as vozes que atravessam e constituem o discurso.
Essas várias vozes remetem ao interdiscurso da teoria pecheutiana e também à noção de FD,
que, neste estudo, buscamos em Foucault (1987). Segundo a autora, a heterogeneidade é
fundante, não há discurso original, tal concepção somente seria possível numa situação
adâmica. Relacionando a linguística, a teoria da enunciação e a Psicanálise, Authier-Revuz
(1998) trabalhou as formas marcadas do Outro
26
no discurso. Trazemos para nosso estudo a
sua noção de heterogeneidade e das não-coincidências do dizer.
Authier-Revuz (1998) pontua, inicialmente, uma abordagem sobre o discurso citado.
Para a autora, o discurso citado é uma forma que o sujeito encontra de comentar seu próprio
dizer e com isso marca a presença de outras vozes que se imbricam em seu dizer. A autora
chama a atenção para uma heterogeneidade que é marcada linguisticamente (por aspas,
construções autonímicas, discurso direto e indireto, entonação, etc) e há uma outra que não é
possível perceber por marca linguística, mas que constitui o dizer e é rastro do interdiscurso.
A modalização autonímica apontada no trabalho de Authier-Revuz (1998) surge
quando a enunciação de um signo “em vez de se realizar “simplesmente”, no esquecimento
que acompanha as evidências inquestionáveis, desdobra-se como um comentário de si
mesma” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 14). Em outras palavras, quando se fala de uma
‘coisa’ e logo em seguida da palavra usada para nomear a ‘coisa’, acumulam-se dois
empregos do signo: o uso e a menção (TEIXEIRA, 2005).
As aspas, em um estudo construído por Authier-Revuz (1998), marcam a presença do
outro no dizer do sujeito. As aspas apresentam um distanciamento do dizer que o enunciador
26
O Outro é um “termo utilizado por Jacques Lacan (1998) para designer um lugar simbólico o significante, a
lei, a linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de
maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 558).
81
acredita empregar ao fazer uso das mesmas. Teixeira (2005) resume o estudo das aspas feito
por Authier-Revuz (1998) em duas ideias:
[...] a de que as aspas atestam uma suspensão da responsabilidade do
enunciador, que assume a posição de quem questiona o caráter de
apropriação das palavras (ou expressões) marcadas por elas, em
relação ao discurso no qual configuram; a de que elas estão deslocadas
de seu lugar pertencendo a um outro discurso (
AUTHIER-REVUZ,
1998
, p. 143).
Interessa-nos elucidar um pouco mais a teoria de Authier-Revuz (1998) sobre as não-
coincidências do dizer. As não-coincidências são comentários metaenunciativos não são
descritos no plano sintático, mas no que dizem ao enunciador. A autora classifica as não-
coincidências em quatro categorias, a saber: (1) a não-coincidência interlocutiva entre
enunciadores; (2) a não-coincidência do discurso consigo mesmo, mostrando-se afetado pela
presença de outros discursos; (3) a não-coincidência entre as palavras e as coisas; e (4) a não-
coincidência das palavras consigo mesmas, essas palavras estão afetadas por outros sentidos,
por um jogo polissêmico. Brevemente, descreveremos as não-coincidências.
27
A não-
coincidência interlocutiva apoia-se na concepção de sujeito da Psicanálise, o sujeito
descentrado e assujeitado ao inconsciente. Essa não-coincidência nos remete à comunicação
como representada pela produção de “um” entre enunciadores. O segundo caso, a não-
coincidência do discurso consigo mesmo, apoia-se no dialogismo bakhtiniano e considera
todo discurso como produto de um já-dito, ou seja, do interdiscurso. A não-coincidência entre
as palavras e as coisas é indicada pela autora como constitutiva, uma não-coincidência
entre o simbólico e o real. E por último, a não-coincidência das palavras consigo mesmas são
necessariamente equívocos, falhas no dizer.
As metáforas, as contradições e as confissões também fazem parte de nossas análises.
A heterogeneidade que constitui o sujeito trai o enunciador. “O sujeito-professor é tomado por
um lapso e ocorre um movimento contraditório no tecido do dizer. O sujeito é ‘traído’ pela
linguagem e a negação marca a metamorfose da identidade, que se perde entre o um e o
Outro, apontando para a heterogeneidade” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 99). Anteriormente, no
capítulo III, vimos sobre as contradições em Foucault (1987), outras explicações serão dadas
de acordo com a necessidade das análises.
Sobre a Confissão, segundo Foucault (1988):
27
Cf. AUTHIER-REVUZ, 1998.
82
A confissão é um ritual de discurso em que o sujeito que fala coincide com
o sujeito do enunciado; é também um ritual que se desdobra em uma relação
de poder, porque não se confessa sem a presença, ao menos virtual, de um
partner que não é simplesmente um interlocutor, mas a instância que requer
a confissão, a impõe, a avalia e intervém para julgar, punir, perdoar,
consolar e reconciliar; um ritual em que a verdade se autentica pelo
obstáculo e as resistências que teve que vencer para formular-se; um ritual,
enfim, onde apenas a enunciação, independentemente de suas
consequências externas, produz em quem o articula modificações
intrínsecas [...] (FOUCAULT, 1988, p. 61).
De acordo com Eckert-Hoff (2008), o que interessa a respeito da confissão é o inconfessável-
confesso. Ou seja, aquilo que submerge do dizer do enunciador como se houvesse um jogo de
esconder que é oculto ao próprio sujeito e que revela rastros deixados pelo sujeito-
inconsciente. Pelo fato do sujeito mais se dizer do que dizer, é possível perceber, na sua fala,
algo que possa ser interpretado como confissão. Segundo Reis (2007 citando DEAKON;
PARKER, 2005), a confissão é vista como uma terapia de status científico e tem como efeito
a produção da verdade fortalecida pela angústia de relatá-la.
Passemos agora ao capítulo onde serão tecidas as representações pela análise dos fatos
linguísticos. Volto a lembrar que a teoria estará constantemente sendo revisitada e/ou
enriquecida de acordo com a necessidade de análise do corpus.
83
5 ANÁLISE DO CORPUS – TECENDO A REDE DE REPRESENTAÇÕES
5.1 Introdução
No segundo capítulo, exploramos o histórico da EI e da ES e a problematização dos
significantes inclusão/exclusão. Demos especial atenção à problematização da concepção de
normalização vinculada aos documentos oficiais e aos movimentos da Inclusão Educacional.
Veremos, neste momento de análise, que os significantes continuam deslizando a todo
momento. Na fala dos professores-enunciadores, o surdo passa a ser diferente, especial,
deficiente, deficiente auditivo, DA (acrônimo de Deficiente Auditivo). As contradições e os
conflitos sobre incluir o diferente, sobre o que é a inclusão, sobre o papel desse professor,
sobre a necessidade de uma língua estrangeira na inclusão entre outras questões provocam
angústia nos professores. Veremos, nos nossos gestos de interpretação, os fatos linguísticos
que revelam um desconforto, esse professor estando de “mãos amarradas” (metáfora da
pesquisadora para designar a falta da possibilidade de expressão na língua falada pelo corpo e
pelas mãos). O terceiro capítulo considerou as noções teóricas que nos servem de orientação
para nossas análises. Partimos da noção de EI como acontecimento e passamos a perceber no
discurso do professor suas representações acerca de sua prática em sala de aula e de seu papel
de professor de língua estrangeira. Temos como alvo as Formações Imaginárias que
constituem os dizeres dos professores. Segundo Pêcheux (1990), as Formações Imaginárias
constituem todo dizer, pois este se orienta (inconscientemente) a partir da imagem que o
sujeito tem de si, do outro e do objeto sobre o qual fala. Também nos interessam os discursos,
as várias vozes que atravessam e constituem os dizeres dos enunciadores. A Psicanálise nos
auxilia com a noção de sujeito e identificação que são necessárias para a análise discursiva.
Nossos gestos de interpretação não têm a pretensão de esgotar as possibilidades de
interpretação do corpus aqui apresentado, mas de trazer uma possibilidade de interpretar os
fatos linguísticos.
Iniciamos a nossa análise dividindo este capítulo em torno das representações
percebidas nos fatos linguísticos. Dividimos as representações em oito categorias, seguidas de
uma conclusão. São estas as categorias: (1) as representações do professor-enunciador acerca
84
de sua imagem (e de sua fluência na língua referente - LI); (2) representações acerca da EI;
(3) representações sobre a imagem de si como professor de língua inglesa na EI; (4)
representações acerca da inclusão dos alunos surdos no ensino regular; (5) as representações
dos enunciadores acerca de seus alunos surdos e alunos ouvintes; (6) representações sobre o
ILS; (7) representações sobre a metodologia de ensino em salas de aula mistas e possíveis
soluções didáticas; e finalmente, (8) representações acerca da Libras. Optamos por colocar os
subtítulos que nomeiam as representações na primeira pessoa do singular porque temos
professores-enunciadores que se autorizam um dizer em primeira pessoa.
A análise e o desenvolvimento teórico andam juntos na pesquisa de interpretação
discursiva, assim sendo, revisitamos a todo o instante as noções teóricas descritas até o
momento e enriquecemos o estudo com novos apontamentos teóricos clamados por nossos
gestos de interpretação.
Para melhor organizar a apresentação de nossas análises, numeramos os excertos de
acordo com a ordem em que foram analisados e ao final de cada excerto encontra-se, entre
parênteses, a identificação do professor que foi o enunciador do recorte. Iniciemos as
análises.
5.2 Eu: um falante da língua inglesa
As representações que o professor-enunciador tem do referente (no caso deste estudo,
o referente é a língua inglesa) esclarece alguns traços de sua prática pedagógica e também da
imagem que o enunciador tem de si como professor. A pergunta da entrevista foi a respeito do
conhecimento em LI, sobre como o enunciador se sente diante do referente LI. Pedimos ao
professor para falar de sua fluência na LE e se ele se considerava fluente.
28
As representações que o professor revela sobre a sua fluência constituem a imagem
que ele tem de si como falante da LI e como professor dessa língua. Antes de analisarmos o
fio do discurso, cabe lembrar o conceito de fluência. De acordo com o dicionário, o
significante fluência está ligado a adjetivos como natural, espontâneo, fácil. No senso
comum, ser fluente em uma língua é ter facilidade em se enunciar na língua em questão.
28
Os destaques para análise estão em itálico e/ou sublinhados.
85
Segundo Neves (2002, p. 152), a fluência está ligada a uma representação de um desejo de
certa forma idealizado do nativo. “Este é afinal aquele ser inefável que imaginamos deter o
que desejamos: a autoridade de falar de uma maneira completa, natural, perfeita, como é
representado nas classes sociais privilegiadas dos países hegemônicos”. Christine Revuz
(1998) afirma que o fato de aprender uma outra língua é também um pouco de tornar-se outro,
e também faz parte do desejo do outro. O desejo do outro revela-se na atração e também no
medo de aprender/falar a LE (MELMAN, 1992).
(1) Considero! Eh eh quando eu tive a experiência assim não com brasileiros
né que falam inglês, mas com os eh eh nativos da língua eh vi algumas
dificuldades. (P1)
No excerto 1, percebemos que, apesar da afirmação em primeira pessoa “considero”, a
professora encontra um limite à sua consideração. A conjunção adversativa mas introduz uma
contradição ao ser fluente em LI. Ela se considera fluente, mas a comunicação com o
nativo como uma dificuldade. ainda a posição que essa professora assume como uma
brasileira fluente em LI se comparada a outro brasileiro. É possível perceber que ser fluente
para P1 significa ser capaz de falar com um nativo da LI sem dificuldade, esquecendo-se que
esta é inerente a qualquer tentativa de fazer sentido para o outro.
A condição de ser fluente em LI acontece em outros excertos como uma não-
necessidade. Vejamos:
(2) Mais ou menos. Eu acho que... é assim eu ãh dentro da sala de aula a gente
se muito bem a gente prepara os te:::xtos mas aquela parte do falar
mesmo e do ouvir a gente não não infelizmente a gente não cobra muito na
sala de aula e a gente acaba acomodando um pouco (...) essa fluência também
eu não sei até que ponto que ela é muito necessária para o ensino de um
ensino fundamental um ensino médio. (P2)
(3) Eu acho que sim/ eu fui muito mais fluente mas a escola parece que
((RISOS)) vai emburrecendo um pouquinho a gente porque as aulas não
podem ::: diante da diversidade que você tem de uma sala de aula eh você
não pode::: dá uma aula falando totalmente em inglês entendeu? Você tem que
usar muito português principalmente pra explicar. (P3)
Nos excertos 2 e 3 surge a imagem de um professor que não precisa ser fluente em LI
para se autorizar a lecionar a disciplina correspondente ao conhecimento da língua. Os
recortes, 2 e 3 apresentam a representação de que apenas um conhecimento básico na língua é
necessário para lecionar a LI no ensino fundamental e médio. Vejamos no excerto de P2, que
a professora usa a expressão eu acho como uma forma de suavizar a sua afirmação da falta de
necessidade de um conhecimento, de uma fluência maior para ministrar aulas de inglês. Outra
86
representação é a instrumentalização do ensino de LI como exercício de interpretação de
textos (a gente prepara os te:::xtos), excluindo as habilidades orais (speaking e listening). A
exclusão das habilidades orais é revelada pela presença da conjunção adversativa mas, que
indica uma conclusão oposta ao que seria esperado. Tratando-se do ensino de uma LE, espera-
se no discurso comum das escolas de idiomas, principalmente, após a ascensão da abordagem
comunicativa, que as quatro habilidades (speaking, listening, writing e reading) sejam
ensinadas de forma que as quatro evoluam juntas. A conjunção adversativa introduz
exatamente o oposto, a exclusão de duas habilidades (mas aquela parte do falar mesmo e do
ouvir a gente não não infelizmente a gente não cobra muito na sala de aula). O advérbio
infelizmente e o quantificador muito mostram uma tentativa de reduzir o impacto da afirmação
de P2. O uso da primeira pessoa do plural indicado na expressão a gente aponta para um
coletivo, eu e os outros, o que tira do enunciador a peso da responsabilidade de sua afirmação,
pois pode dividir a responsabilidade de suas escolhas práticas e metodológicas com um outro
que além de partilhar a responsabilidade também habita o seu discurso. O uso do advérbio
também (fluência também eu não sei até que ponto que ela é muito necessária) coloca a
fluência em igualdade com as habilidades que não são usadas em sala de aula e que causam
acomodação no professor.
A fluência deixa de ser uma necessidade fundamental no ensino regular. É necessário
lembrar que esse professor também tem uma imagem de interlocutor, nesse caso da
pesquisadora, e por isso busca conter seu dizer dentro daquilo que imagina ser agradável ao
interlocutor. Novamente, lembramos que as formações imaginárias são registros imaginários
do eu (ego) que nos mostram o que o sujeito percebe como realidade. O uso de tantos
modalizadores indica o percurso discursivo que tenta suavizar as consequências do dizer;
temos, entre as tentativas de modalização: eu acho, é assim, não cobra muito, acomodando
um pouco, eu não sei, até que ponto, muito necessária. A professora parece antecipar-se a
uma censura que imagina vir do outro que a escuta. uma censura interna sobre o seu
dizer, mas que não é capaz de esconder o que deveria ser contido.
No recorte 3, P3 afirma que não é possível falar em inglês dentro de sala de aula e que
a escola de certa forma a emburrece; o não-dito implica em uma não necessidade de um
conhecimento maior de LI, pois a sala de aula representa exatamente a perda dessa fluência.
Ao dizer que foi mais fluente, P3 se refere a uma experiência de um ano no exterior onde
conversava somente em inglês, o que, em sua opinião, a tornava mais fluente na língua.
Concluímos daí a representação de que é fluente quem a aula totalmente em inglês. A
adversativa mas aparece como uma conclusão que causa frustração na professora, trazendo-
87
lhe a lembrança de uma fluência que lhe era agradável, mas que se foi, pois sua prática em
sala de aula na sua concepção não lhe favorece. O uso do pronome você, de acordo com Reis
(2007), apresenta uma forma de se dizer um outro. Esse outro é um modo de se esconder em
uma outra imagem, suprimindo a própria responsabilidade. Quando P3 coloca-se em um
outro, esse outro que tem uma sala de aula diversificada, ela afirma no outro a falta de uso da
língua LI na sala de aula. E novamente, para se redimir da escolha pedagógica do uso da
língua portuguesa em sala de aula, a enunciadora usa o pronome você.
O uso de expressões como né e entendeu? é uma sugestão, ao interlocutor, para que se
convença pelos argumentos usados (BERTOLDO, 2003). A presença de perguntas como
“entendeu?” serve para referendar uma posição assumida pela professora em relação à falta da
necessidade de ser fluente em LI e, ao mesmo tempo, um modo de tentar silenciar a opinião e
o discurso do outro que a incomoda mesmo que a constitua. No capítulo anterior, foi dito que
o professor constrói através de múltiplas identificações os lugares (não se tratando de um
lugar empírico) de onde se autoriza a falar (ALMAMINOS; RIOLFI, 2007). Vemos que os
professores se autorizam a falar de uma fluência não realizada no ensino regular pelas
possíveis29 identificações que os acometem dentro de sua prática diária, da formação que
tiveram e do convívio com seus alunos. Podemos então perceber que P3 assume a posição de
sujeito que se autoriza a lecionar a LI, embora o se veja como fluente diante da imagem de
pessoa fluente que possui: alguém que dá aula totalmente em inglês.
A professora P4 afirma desde o início não ser fluente em LI e, na sua representação de
pessoa fluente, percebemos a imagem de alguém que estudou em escola de línguas (o curso
livre é importantíssimo pra você...) e que aprendeu a falar fluentemente. Rezende (2006)
aponta, em sua pesquisa, que uma representação comum entre os professores por ele
entrevistados não legitima a academia como um lugar propício para a aprendizagem de uma
língua estrangeira. “Mesmo os graduados em Letras (com raras exceções) negam que a
formação acadêmica lhes tenha trazido benefícios para sua atuação em ambiente direto (sala
de aula), ou mesmo para seu conhecimento da língua” (REZENDE, 2006, p. 117). O cursinho
surge, no dizer de P4, como a solução para a aprendizagem de línguas. Ainda neste excerto,
vemos aqui algo que nos remete ao método comunicativo do ensino de línguas, o falar com o
sentido de interagir na língua alvo. No fio do discurso, a professora se autoriza a falar em
primeira pessoa do singular, o que indica que a pessoa se identifica com a imagem proposta
pelo outro e que gera esse dizer em primeira pessoa, como foi dito no nosso capítulo teórico
29
Optamos por dizer possíveis identificações, uma vez que apenas alguns momentos são percebidos nas análises
discursivas.
88
(NASIO, 1989). Esse eu é uma ilusão de unidade necessária para que o sujeito se autorize a
dizer sobre si, mesmo que se esqueça (esquecimento 1 da teoria pecheutiana) que não é a
origem do seu dizer. P3 também usa a primeira pessoa do plural nós, que amplia o eu,
trazendo as vozes de outros locutores ao discurso do enunciador, e partilhando com estes a
responsabilidade do dizer e reforçando o seu dizer como um argumento de uma coletividade
(REIS, 2007). Além do eu e do nós, P3 também usa o pronome em segunda pessoa do
singular (você) para falar de si na ilusão de falar do outro, novamente suprimindo a sua
responsabilidade pelo dito. O excerto 4 reforça a imagem sobre fluência apresentada nos
excertos anteriores.
(4) NÃO. Não porque eu eu não fiz eu não dei continuidade não não continuei
fazendo curso livre... Eu acho que a o curso livre é importantíssimo pra você...
eh... sequência na lín:::gua e e PRA FALAR com fluência e eu não fiz
isso... e e a SALA DE AULA no Estado acaba tirando muito essa essa
necessidade sua porque na verdade o ensino na escola pública não te essa
necessidade... porque nós temos alunos que... eh:::... NÃO conseguem
acompanhar::: vamos colocar assim... Não conseguem acompanhar... e aí... se
você for muito a frente::: ... (P6)
A expressão na verdade traz ao dizer uma característica de irrefutável e ganha reforço
ao vir logo após uma conjunção explicativa porque. Para P6, tem valor de verdade o fato de a
escola pública não dar ao professor de LI a necessidade da fluência na ngua. A imagem de
um professor que não precisa ser fluente em LI ganha força também a partir da imagem que
os enunciadores têm do aluno. A imagem de um aluno fraco aparece como justificativa para a
necessidade de um conhecimento apenas elementar da LI por parte do professor. Moita Lopes
(1996), em um de seus trabalhos, encontrou muitos “julgamentos” por parte dos professores
de escolas regulares no que dizia respeito ao conhecimento dos alunos. Dentre outras, a frase
Coitadinhos, são muito fraquinhos”, dada como exemplo dos excertos da pesquisa do autor,
ressoa no dizer de P6 como alunos que “não conseguem acompanhar”, e ainda no dizer de P3,
alunos que emburrecem” o professor. Essa representação traz ao aluno a responsabilidade
por um ensino elementar da LI, livrando o professor de sua responsabilidade pelo nível
elementar das aulas. Vejamos mais um excerto no qual P6 confessa saber que a
responsabilidade pelo ensino em nível elementar da LI é sua:
(5) não podemos nem colocar a culpa nisso também não ? Que a gente fala
assim... isso também é interesse da gente na verdade pra mim eu eu parti mais
pro estudo do português do que pro inglês na verdade então o que eu conheço
de inglês é suficiente pra sala de aula... não vou falar que::: não vou falar que
seria suficiente eu poderia COMO eh eh o particular meu eu deveria tá
correndo mais atrás mas... (P6)
89
Como um ato confessional, P6 lança a culpa também sobre a sua falta de interesse em
procurar estudar mais a língua inglesa. Porém, quando diz que não coloca a culpa no fato
de o aluno não acompanhar um ensino mais elaborado, uma negação que afirma o oposto
do que é dito, pois ela também culpa o aluno. Para Freud (1925, v. XIX), o ato de negar
“constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido”, o autor ainda diz que a
negação é um substituto, em grau mais elevado, da repressão”. A presença do tenta
silenciar a opinião de um suposto interlocutor e assim P3 confirma sua argumentação.
Segundo Bertoldo (2003), o é uma forma de referendar os argumentos apresentados. Para
referendar ainda mais seus argumentos, P6 usa por duas vezes a expressão na verdade. Além
de reforçar seus argumentos, a expressão aparece como introdução de um gesto confessional.
Vejamos: no primeiro momento, a professora usa a expressão na verdade, logo após usar a
primeira pessoa do plural a gente. O uso da expressão plural evoca a presença de uma
coletividade e, como vimos anteriormente, essa coletividade, no dizer da professora, divide
com ela a responsabilidade de buscar aprender mais a LI; a presença do advérbio também
divide o peso e o valor desse argumento entre a enunciadora, a coletividade (o outro) e os
alunos. Em seguida, a verdade introduzida tem valor de confissão ao clamar sobre a
enunciadora a culpa pela falta de interesse em aprender inglês na presença de uma expressão
em primeira pessoa do singular (pra mim) e ao afirmar que tem maior interesse no estudo da
língua portuguesa. Na segunda vez que a expressão na verdade aparece, ela está acompanhada
de uma conclusiva (então) e conclui que, mesmo não tendo muito conhecimento, o
conhecimento básico é suficiente para o ensino de LI na escola regular. Essa conclusão
implica um lapso. Algo que P6 deixa escapar e em seguida tenta conter o sentido do que disse
com uma negação (não vou falar que seria suficiente), que aponta em direção contrária ao que
é dito. O não falar implica em falar que o conhecimento que tem, mesmo não o considerando
fluente, é o suficiente. A professora volta a usar o tom de confissão quando assume que ela
precisa procurar aprender mais. Segundo Foucault (1988), como vimos no capítulo anterior, a
confissão acontece em uma relação de poder quando o enunciador se sente avaliado, julgado
diante de um interlocutor que, mesmo sendo virtual, tem o poder de julgá-lo e condená-lo.
Eckert-Hoff (2008) afirma que a confissão é um relato do inconfessável. P6 está diante de
uma confissão que a desagrada e por isso sente a necessidade de negar aquilo que a incomoda.
Nas representações acerca do conhecimento da LI, percebemos o quanto essas
representações se apresentam na prática do professor. Recordando o que dissemos no terceiro
capítulo, de acordo com Ghiraldelo (2006), as representações nos levam a compreender um
pouco mais o que o professor faz na sua prática e como ele lida com o outro. Podemos ver,
90
diante desses discursos, que se autorizar a dar aula de inglês significa falar como um nativo,
usar a LI durante toda a aula e ter estudado em curso livre. O efeito de não perceber em si
esses significados que atribui a ser fluente traz ao professor um sentimento de incompetência,
que pode dar pistas de um possível desejo de completude. O correr atrás pode indicar uma
busca por uma forma de ensinar. Lyotard (1998) afirma, como dissemos no nosso segundo
capítulo, que a busca por um mercado do saber que transmite a ideologia do saber como
algo a ser adquirido em blocos, sempre em aperfeiçoamento. Esse mercado do saber colabora
para a imagem constante do professor como alguém a melhorar. O professor se como
alguém que ora não pode, ora não precisa aprender mais a LI, e, diante disso, a visão que ele
tem do aluno também oscila como aquele que ora não pode (não consegue acompanhar), ora
não precisa (pois não necessidade) aprender a língua. Essa oscilação contribui para o
emburrecimento.
Ainda no excerto 5, temos o deslize do verbo poderia para deveria. A professora sente
falta de um conhecimento que aparece na expressão deôntica do dever. Como dito acima, esse
dever da busca e o sentimento de incompetência é assegurado ou pelo menos fortalecido pela
imagem de uma verdade. A imagem de uma busca constante do professor por um saber traz
consigo a ilusão da satisfação de um desejo. Essa verdade é comumente disseminada nos
discursos da educação continuada e no mercado do saber, como apontado anteriormente.
Concluindo as representações acerca do conhecimento em LI, temos a imagem
idealizada de um professor fluente como aquele que fala com nativos sem dificuldades, que
estudou em escola de idioma e que conversa em inglês durante a sua aula. As representações
se imbricam nos dizeres dos professores e podemos perceber nessa imbricação a imagem de
um professor que não precisa ser fluente em LI para estar dentro da sala de aula. Percebemos
ainda que há no imaginário do professor um lugar autorizado para o ensino de LI representado
pelo curso livre, onde se aprende inglês de verdade, e a escola regular como um lugar onde a
fluência é desnecessária. Os professores revelam um sentimento que oscila entre a impotência
de ensinar a LI, por constatarem que não têm a fluência e o conhecimento “total” para ensinar
a língua, e o contentar-se com o que é possível fazer em relação a esse ensino.
Veremos agora as representações acerca da EI.
91
5.3 Eu e a EI
As representações acerca do conhecimento da LI, da fluência do professor, nos ajudou
a perceber como esse professor autoriza a sua prática e quais imagens ele tem diante do
referente LI. Iniciaremos agora a análise das representações acerca da EI. No segundo
capítulo, vimos que a EI é um acontecimento que provocou ressignificações na prática
escolar. As representações nos trazem algumas ressignificações possíveis a partir do lugar de
onde o professor de LI fala. Vimos no segundo capítulo que, na Constituição Brasileira
(1998), em seu Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto -, artigo 208, o discurso
garantia do acesso inclusivo no qual os alunos são todos inseridos na escola regular. A
inclusão é vista no discurso educacional, por exemplo, no discurso da UNESCO também
citado no segundo capítulo, como uma oportunidade de aperfeiçoamento da escola,
permitindo o desenvolvimento de uma diversidade de formas de ensinar e incentivando o
convívio “harmonioso” com as diferenças. O valor da diversidade é visto como uma forma de
partilhar conhecimento e com isso os professores estariam sempre em um movimento de
renovação de suas práticas e descobrindo um novo lugar, uma nova escola. Sobre esse novo
lugar, Skliar (2003) afirma que há uma tentativa de mapear uma mesmidade quando se agrega
a ela a diversidade com a missão de torná-la parte do que é mesmo, do que é normal. Então,
vejamos como esse professor fala do lugar da EI. Consideramos, como já foi dito nos
capítulos anteriores, que o sujeito, ao falar de si, não se descreve como gostaria de fazê-lo. As
palavras lhe traem, escapam, escorregam, não são controláveis (ECKERT-HOFF, 2008). No
falar, outras vozes se misturam ao dizer do professor, os ditos que o constituem surgem em
suas palavras como se houvesse ali um frescor de origem, de inédito, fruto do esquecimento.
Convém retomar mais uma vez nosso capítulo teórico para falarmos da teoria pecheutiana dos
esquecimentos. No esquecimento 1, o sujeito tem a ilusão discursiva de ser fonte do seu
dizer. O sujeito “procura rejeitar, apagar, de modo inconsciente, tudo o que esteja fora de sua
FD, o que lhe a ilusão de ser o criador, o dono absoluto de seu dizer” (ECKERT-HOFF,
2008, p. 45). O esquecimento nº 2 é a ilusão discursiva de ser único na sua forma de enunciar.
Analisamos um discurso fruto do imaginário, da ilusão de unidade e inteireza. Pedimos ao
professor-enunciador que nos desse uma definição de EI. No segundo capítulo deste estudo,
tecemos um breve histórico discursivo sobre a EI e usamos esse histórico para percorrer o
dizer do professor sobre a inclusão e sobre a exclusão na EI.
92
Podemos perceber, pelos excertos que se seguem, uma predicação para EI que traz
uma paráfrase do que foi dito nos documentos citados no segundo capítulo. Pelos dizeres a
seguir, temos que a EI é uma coisa boa, é não haver diferenças, trabalhar e conviver com
pessoas que apresentam obstáculos, participar em termos de igualdade e conviver no mesmo
espaço. De acordo com Netto (2008), o discurso pedagógico pode promover o apagamento da
enunciação. Isso ocorre no imaginário para que os conflitos sejam apagados ou pelo menos
minimizados. Essa predicação corrente, como no excerto 6 (abaixo), traz uma impressão de
linearidade ao discurso. O sujeito tem a ilusão de que o seu dizer é linear, único e evoca o
sentido por ele imaginado ao dizer (lembrando aqui, mais uma vez a teoria dos esquecimentos
em Pêcheux, 2008). Porém, como vimos em nosso terceiro capítulo, o sujeito não controla o
seu dizer. Temos que o sujeito é clivado, heterogêneo e seu dizer o trai trazendo o conflito, o
equívoco no fio de seu discurso. Veremos:
(6) eu vou caracterizar o que eu acho que seja, né? Eh... a educação inclusiva...
é não não haver diferenças eh na forma de ensinar, de trabalhar de conviver
com as pessoas que apresentam alguns obstáculos no caso dos DA’s dos
deficientes auditivos... então essa inclusão é de eles estarem ali participando
em termos de igualdade... eu vejo dessa maneira... só somente isso é é de é
igual para igual. (P1)
No excerto 6, em sua materialidade linguística, podem-se notar rupturas dessa ilusória
linearidade. As pausas
30
são vacilações e retomadas necessárias ao sujeito para organizar o
seu dizer na tentativa de conter os sentidos do que diz. Pausas também podem ser possíveis
hesitações no momento do dizer. Marcas linguísticas como eh, repetições de palavras
consecutivamente (não não; é é) também apresentam traços de hesitações e vacilações. Ainda,
Netto (2008) afirma que as pausas também podem ser estratégias e tentativas de organizar o
discurso para (ilusoriamente) manter a coerência e a gica. Essas oscilações podem conter
sinais de um desconforto que leva o sujeito a inscrever-se consciente ou inconscientemente
em um discurso que parece apropriado (nesse caso, discurso-político pedagógico). A repetição
em todos os excertos do significante igualdade ou de significantes próximos a ele revela-se
como uma repetição mnemônica partindo de uma memória, mas que não parece ter respaldo
na experiência do professor. Segundo Orlandi (2006), a repetição mnemônica não historiciza,
o que significa que enunciador não ocupa a posição de autor do que diz. Passemos ao próximo
recorte:
30
As pausas são representadas pelas reticências.
93
(7) Oh, eh::: eu já trabalhei com o o ensino especial por um tempo e::: eu
não vejo assimm/ acho que tem alunos que podem ser incluídos e tem alunos
que... na minha opinião não precisam e não devem ser incluídos certo? E:::
não sei eu acho que a educação inclusiva ela é BOA ... DEPENDENDO!
Depende de um monte de coisa entendeu? A gente não pode levar “Ah, todo
mundo pode ser incluído” e vai incluindo incluindo incluindo mais ou menos
por aí. (P2)
No recorte 7, a professora assume o lugar de quem fala com conhecimento da causa.
Nesse momento, ela assume a posição de professora de uma escola especial para dizer de sua
experiência. É válido lembrar que P2 trabalhou em escola especial com sala de aula
exclusivamente para alunos surdos, onde lecionava a LI e, em seguida, foi remanejada para
uma escola inclusiva, onde iniciou seus trabalhos em sala de aula mista. Surgem, no dizer de
P2, dois lugares distintos que provocam oscilação: um aqui e agora, que é representado pela
imagem do professor de escola inclusiva, e um ontem em outro lugar, que é representado pela
imagem do professor de escola especial (eu trabalhei). Podemos flagrar momentos em que
essas duas imagens se intercalam e que dão ao discurso um efeito de causa (a experiência) e
consequência (prática atual). O dizer sobre a experiência traz consigo um efeito de autoridade
que, apesar de ser assumido em primeira pessoa eu, não esconde o conflito que na falta de
saber sobre a inclusão. Payer (1995) afirma que a oscilação é um tipo de ruptura na sequência
discursiva e, citando Vernat e Naquet (1977), a autora afirma que o oscilar leva o sujeito a
deslizar entre um e outro sentido sem, no entanto, abrir mão de nenhum deles. O discurso
“quando passa de um plano a outro, demarca nitidamente as distâncias, sublinha as
contradições, mas nunca chega a uma solução que faça desaparecer o conflito” (VERNANT;
NAQUET, 1977, p. 23 apud PAYER, 1995, p. 75).
A contradição acontece no dizer de P2 quando se o atravessamento do discurso
pedagógico da inclusão, quando diz que que a educação inclusiva ela é BOA”, e logo em
seguida, admite que a EI é boa em termos, pois Depende de um monte de coisa”, embora a
enunciadora não consiga nomear essas coisas. Em seguida, ela revela seu desacordo com a EI,
tomando distância do dizer do outro (AUTHIER-REVUZ, 1998), e através da citação direta
do discurso do outro (“Ah, todo mundo pode ser incluído”), ela se mostra contrária à inclusão
de todos os alunos. Porém, ao concluir, a incerteza, a falta de definição, o não saber se está
certa ou errada, ao se perceber em meio a discursos conflituosos, o sujeito complexo, sujeito
da falta diz que a EI é mais ou menos por aí. O uso de modalizadores (acho, não sei, depende
de um monte de coisa, mais ou menos por ) indica uma tentativa de amenizar o dizer
contrário ao dito no discurso inclusivo e a impossibilidade do sujeito em habitar/fazer parte da
inclusão. Parece que encontramos nesse recorte uma posição crítica do professor em relação
94
ao discurso pedagógico da inclusão. As perguntas sócio-cêntricas (certo?, entendeu?)
produzem um discurso individualizado ao mesmo tempo que evoca a presença virtual de um
interlocutor (ORLANDI, 2006). P2 busca, nessas perguntas sócio-cêntricas, uma aprovação
do seu dizer por parte do outro que também é percebida pela marca discursiva . Veremos o
que enuncia P3.
(8) Bom, educação inclusiva pra mim é você dar oportunidade de no mesmo
espaço pessoas eh::: como é que fala? De diferen/em diferentes situações
estarem convivendo nesse espaço entendeu? (P3)
No dizer de P3, a dificuldade em lidar com as palavras especial, diferente, deficiente
revela a confusão que se encontra instalada em torno da EI. O professor sente a dificuldade de
usar esses significantes (pessoas eh::: como é que fala?). Segundo Skliar (2003, p. 98), isso é
causado por “inclusões quantitativas, globais, politicamente corretas e sensivelmente
confusas” o que pode gerar exclusões que se instalam em todos os corpos e que atravessam
dimensões ignoradas”. É a instabilidade do sujeito ao se deparar com a injunção ao discurso
politicamente correto.
31
Para Skliar (2006):
Em educação, o “politicamente correto” tem servido para nos cuidarmos das
palavras, para nos resguardarmos dos seus efeitos possivelmente perigosos e
inadequados. Mas não tem servido para nos perguntarmos sobre aquilo que
dizem as palavras. E muito menos para compreendermos de que altura alguma
coisa é dita, e qual boca pronuncia essas palavras (SKLIAR, 2006, p. 25).
32
Temos, no recorte 8, a dificuldade do professor de lidar com as dicotomias da EI. A opção
pelo discurso politicamente correto pode servir também como uma tentativa de suavizar o
dizer, como foi feito por P1 ao usar o acrônimo DA, quando fazia referência ao deficiente
auditivo. Voltando a P3, a forma explicitamente metaenunciativa como é que fala? denuncia
uma tentativa de negociar o dizer e evitar o incômodo de ter que nomear o diferente. Ao
mesmo tempo, a expressão como é que fala traz o possível sentido de uma hesitação. A
hesitação acontece porque algo que toca o sujeito e que revela traços de identificação
(NETTO, 2008). A hesitação denuncia o funcionamento da heterogeneidade no discurso de si
(NETTO, 2008). De acordo com Paulillo (2004, p. 3 apud NETTO, 2008, p. 185), “na
enunciação vacilante, tão logo um segmento de valor representacional é enunciado, seu poder
de nominação é suspenso pelo atravessamento de modalizações cujo efeito é fazer tombar os
sentidos que o dizer inscreve na dimensão da provisoriedade, da incompletude”. A hesitação
31
“A expressão ‘politicamente correto’ foi pronunciada pela primeira vez por Stanlin, a fim de justificar seus
expurgos – e seus massacres – de tudo que não convergira naquilo que se podia considerar como o ‘anormal
político’” (SKLIAR, 2006, p. 25).
32
Grifos do autor.
95
ocorre porque o discurso é marcado pela ausência, pela falta e por dizeres que o fazem
heterogêneo e incontrolável.
Veremos, no recorte a seguir, a oscilação entre passado e presente no dizer:
(9) a educação inclusiva eu acredito que tá começando esse projeto ainda que
eu lembro que QUANDO começou proje:::to que foi discutido com os
professores ninguém acreditava que seria possível né? Havia resisTÊNcia dos
professo:::res e tudo... eu acredito que longe do ideal ainda... porque eu
acredito que muitos professores não têm conhecimento ainda das dificuldades
dos alunos que recebem eles não têm suporte ideal pra receber esses
alu:::nos... (P4)
Na sequência discursiva 9, há referência espaço-temporal a dois momentos: o início da
EI (eu lembro que QUANDO começou proje:::to) e o momento atual desse acontecimento. A
repetição da fórmula eu acredito parece suavizar a imposição de uma opinião. Dessa forma o
modal crer marcaria o modal saber, diminuindo o efeito de uma asserção (PIRIS, 2005). O
uso contínuo da conjunção que dá a impressão de continuidade e linearidade do dizer,
caracterizando a impressão de uma lógica através de conclusões iniciadas por essa conjunção.
Segundo Guimarães (2007), o que traz a característica de argumento, direcionando a uma
conclusão em determinada situação e criando uma impressão de linearidade do raciocínio.
Esse direcionamento ao sujeito a (ilusória) sensação de controle do que é dito. A
amarração feita a partir do que constrói, na linha temporal do dizer, a impressão de descrição
temporal do objeto discurso (como era no início e como está agora). Apesar de mostrar um
início para o evento discursivo, no oscilar entre o passado e o presente, uma incompletude
no texto que como uma desordem mostra um ir e vir de sentidos que parecem girar sem um
ponto de referência, sem um plano de organização (PAYER, 1995).
A EI, no imaginário de P4, é um projeto e a imagem desse porvir, sem definição ou
conclusão, apesar da impressão de linearidade no dizer da professora, é indicado pelo
advérbio de relatividade ainda que aparece repetidas vezes. Quando P4 fala sobre os
professores em relação a EI, ela se refere a uma imagem de si mesma projetada na figura do
outro. Ou seja, o projeto EI foi discutido com ela (proje:::to que foi discutido com os
professores), ela não acredita(va) que o projeto seria possível (ninguém acreditava que seria
possível), resistência por parte de P4 em relação ao projeto EI (Havia resisTÊNcia dos
professo:::res) e ela ainda não sabe das dificuldades de seus alunos e não se sente apoiada
para receber alunos na EI (professores não têm conhecimento ainda das dificuldades dos
alunos que recebem eles não têm suporte ideal pra receber esses alu:::nos...). P4 se identifica
com a imagem que revela dos professores que estão resistentes ao projeto da EI e, mesmo
96
usando a forma verbal no passado havia, a professora denuncia a resistência. Mrech (2005)
citando LACAN (1985) traz um comentário do autor a respeito da resistência:
As resistências têm sempre sua sede, nos ensina a análise, no eu. O que
corresponde ao eu é o que por vezes chamo a soma dos preconceitos que
comporta todo saber, e que cada um de nós carrega individualmente. Trata-se
de algo que inclui o que sabemos ou cremos saber pois saber é sempre, por
algum lado, crer saber (
MRECH, 2005 citando LACAN 1985, p. 58)
.
A partir do que Lacan (1985) afirma, podemos dizer que um crer saber sobre o que
não é inclusão e isso pode gerar resistências ao que é definido oficial e textualmente a
respeito da EI, mas que, por ser diferente do que os professores vivenciam ou querem
vivenciar, gera o preconceito e a resistência.
Em mais um recorte, percebemos uma outra representação sobre a EI, a imagem de
que ela é um obstáculo apara os alunos comuns:
(10) Educação inclusiva é muito bonito! Eh::: é uma coisa que se fosse
realmente levad/levada a sério pelos alunos não é? E::: seria muito bom! Mas,
ela acaba::: no sentido que eu vejo os alunos po/especiais juntos com os
alunos tidos como::: normais comuns torna-se prejudicial no sentido que os os
alunos que têm potencial pra avançar não podem avançar porque nós
professores temos que sempre::: pensando no especial e a onde nós
podemos ir com a matéria pra não ultrapassar o limite que o o aluno especial
não vai ter competência pra vencer e NISSO aquele aluno que gostaria de de
vencer de vencer as etapas do conhecimento::: acaba sendo prejudicado ?
Naquele momento ali na sala de aula... (P5)
Na sequência discursiva acima, notamos a presença do par dicotômico normal/especial
ou comum/especial no dizer do professor. Como vimos no segundo capítulo, de acordo com
Veiga-Neto (2001a), o encontro entre aquele que inclui e o que é incluído provoca um
estranhamento e, a partir desse estranhamento, procura-se um saber sobre o diferente, e depois
do reconhecimento do traço de distinção/diferença, forma-se a dicotomia. A dicotomia traz
uma relação de poder entre o par dicotômico, onde o primeiro significante possui autoridade
sobre o segundo. No excerto acima, vemos o reconhecimento da diferença pelo que o
professor revela como presença ou ausência de competência, no que o professor representa o
aluno comum como competente e o aluno especial como incompetente. Olhando as marcas
linguísticas do recorte, começamos pela presença da adversativa mas. O mas introduz uma
oposição ao que P5 traz como definição da EI, mesmo que esta não seja vista na sua prática
(seria muito bom). A expressão no sentido que é uma tentativa do enunciador manter uma
ilusória linha de raciocínio lógico, na ilusão de que o seu dizer teria apenas um sentido
possível (esquecimento nº 2 da teoria pecheutiana).
97
O uso da primeira pessoa do plural acompanhado do substantivo plural professores
promove o apagamento de referências particulares como a do eu. O efeito da evocação do
coletivo nós configura a promoção/manutenção de um saber com status de verdade, pois
representa o eu e o outro (PAYER, 1995). O aluno especial é visto como aquele que tem um
limite ao conhecimento, e esse fato, no dizer de P4, revela uma incerteza acerca do que é
possível ensinar. Ressaltamos ainda a presença de um significante interrompido po/especiais.
Esse po seria portador de deficiência? Há mais uma vez um sinal de hesitação no discurso, há
algo que toca o sujeito e que o incomoda até na ausência do significante interrompido. Nota-
se que uma preocupação do enunciador de buscar uma forma mais suave de dizer algo que
ele acredita ser agressivo ao outro. Esse fato pode sinalizar uma resistência à situação
causada pela política da inclusão, a dificuldade em nomear aquele que é estranho a mim. Nas
glosas, é possível perceber, pela repetição da expressão no sentido que, que nesse dizer
também há um trabalho de interpretação do enunciador. Segundo Authier-Revuz (1998):
[...] ao “assumir o esforço de especificar desta maneira o sentido de um
elemento, o enunciador testemunho da potencialidade de um sentido outro
que ele “encontra”, não “na língua”, mas nas palavras aqui e agora, em
contexto, e do qual deve proteger ativamente seu dizer
33
(
AUTHIER-
REVUZ, 1998, p. 31)
.
Ainda sobre a EI, temos mais um recorte:
(11) existe essa INCLUSÃO mas JUNTO da inclusão falta os os... vão
colocar assim a BASE que deveria vir acompanhando/dentro desse
PACOTE... o PSICÓLOGO, uma ASSISTENTE SOCIAL na escola,
CAPACITAR os professores ... igual a a... os sur-surdo... Libras deveria eu
acho os professores já que a escola aceitando esse tipo de aluno::: [ ]
ENTÃO eu acho que essa inclusão deveria vir com esse pacote pra preparar a
escola pra receber esses alunos... e a escola não está preparada pra isso... (P6)
Na sequência discursiva, P6 usa a metáfora de um PACOTE para descrever o que
pensa ser a EI ideal. O pacote traz um psicólogo, um assistente social e professores
capacitados. A LDB (1996) afirma, no seu Art. 58, §1, que “haverá, quando necessário,
serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela
de educação especial”. Percebemos que a metáfora usada por P6 trata-se de uma paráfrase do
que ela na lei como apoio ideal ao desenvolvimento da EI. E a professora conclui que na
falta do pacote a escola não está preparada pra isso. Ao usar a expressão colocar assim, P6
requer via discurso uma avaliação da adequação do seu dizer, denunciando a não coincidência
entre a palavra e a coisa a nomear, porém trazendo uma nomeação admissível na sua própria
33
Grifos da autora.
98
avaliação da palavra (AUTHIER-REVUZ, 1998). A presença da expressão já que apresenta
uma relação polifônica no dizer e introduz um argumento (GUIMARÃES, 2007), assim a
escolha do modal deôntico deveria usado para se referir ao uso da Libras pelos professores
tem como argumento o fato de aluno surdo ser aceito na escola.
É visível o atravessamento do dizer do professor pelo discurso da inclusão presente
nos documentos oficiais. Colhemos adjetivos como boa, bonita, entre outras tentativas de
descrever esse acontecimento. Cabe voltar aqui, mesmo que brevemente, ao conceito de
acontecimento. O acontecimento, para Pêcheux (2008), é a imbricação de uma atualidade e
uma memória que causa um movimento nas filiações discursivas do sujeito.
No conjunto das representações acerca da EI, foi visto que os professores não têm
definição estabelecida sobre o que é a inclusão educacional. Os dizeres deslizam a todo
momento: diferente, especial, DA, comum, normal. Os enunciadores buscam dizeres que eles
imaginam suavizar a situação daqueles que não lhe são iguais, mas que ocupam um espaço
que deve ser normalizado. A tentativa de suavizar o dizer nos leva outra vez ao discurso
politicamente correto, que tampona o preconceito, os racismos, os estereótipos e os
estranhamentos diante do diferente, não deixando que esses transpareçam no dito, mas a
presença desses traços também constitue o imaginário por meio do não-dito. Os professores
estão passando por uma ressignificação do que é a educação, tomando aqui a EI, novamente,
como acontecimento. As representações revelam resistências e conflitos no discurso,
mostrando a dificuldade em nomear e tratar o diferente.
5.4 Minha prática na EI: como contribuo?
Para tentar entender a prática desses professores, coube-nos indagar o que eles pensam
dessa prática e como imaginam contribuir para a educação de seu aluno em geral. Como visto
anteriormente, o professor de LI, nas representações vistas aqui, se representa como alguém
que ensina aquilo que o sente estar totalmente apto a ensinar ou que não se autoriza a
ensinar; porém, em contraste, esse conhecimento, embora não sendo fluente, é representado
como suficiente para a sala de aula. Colocamos os professores-enunciadores diante da
99
pergunta sobre qual a contribuição de professor de LI para a EI. Veremos suas respostas nos
recortes a seguir:
(12) Como todos os outros professores de todas as outras disciplinas porque o
trabalho do professor em sala de aula o que é primordial é o conteúdo, mas o
conteúdo ele está eh eh inserido em um meio em que você trabalha toda a
formação... do aluno em que você convive aquele dia-a-dia com aquele aluno
eh eh a descoberta de valores eh o OUTRO descobrir o outro o colega o
professor então eu não vejo que diferenças entre as disciplinas porque
seja inglês não. (P1)
A professora-enunciadora, na sequência discursiva 12, aponta o trabalho do professor
como uma obrigação de ensinar o conteúdo (o trabalho do professor em sala de aula o que é
primordial é o conteúdo). O significante conteúdo é facilmente encontrado no texto da LDB
(1996) referindo-se ao objeto de ensino de uma disciplina. É comum encontrar, na LDB,
expressões como conteúdos mínimos, conteúdo programático, conteúdos curriculares,
definição dos conteúdos do ensino, conteúdos culturais etc.; o professor apresenta um
discurso parafrástico, mostrando repetidamente ser atravessado pelo discurso político-
pedagógico. Veremos, nos próximos excertos, que o significante conteúdo e a preocupação
com o mesmo acontecerão várias vezes nos dizeres dos professores entrevistados. O adjetivo
primordial, que acompanha o significante conteúdo, atribui a este o caráter de prioridade, de
principal e finalidade. Caracterizar o conteúdo dessa forma contradiz a representação de que
um conhecimento básico em LI é o suficiente para o ensino regular. Se o conteúdo é o
princípio que direciona todo o trabalho do professor, como esse princípio pode ser posto no
plano de um conhecimento básico por aquele que o ensina? Encontramos, nesse dizer, uma
contradição, o real do discurso (ECKERT-HOFF, 2008), que nos revela uma ruptura no fio do
discurso. Como dissemos em nosso capítulo teórico, a memória discursiva constituinte do
dizer do sujeito não é aprendida e nem controlada, ela o divide e o trai (PECHEUX, 1997).
Esse dizer sobre o conteúdo deixa aflorar um conflito que constitui esse sujeito, lançando-o
entre o discurso pedagógico e o seu saber prático, quando esses dois expoentes o constituem.
Orlandi (2006) afirma que o discurso pedagógico surge como o discurso autoritário, o
discurso do poder e, ao ser defrontado com a prática de sala de aula, o dizer pedagógico cria
uma noção de erro que causa um sentimento de culpa diante da voz segura e autossuficiente,
que lhe é atribuída. Dessa forma, as ações do sujeito entram em choque com um saber da lei
pedagógica que, de certa forma o aprisiona no campo consciente (ANDRADE, 2008).
A adversativa mas torna mais forte a contradição sobre o valor do conteúdo, ao
atribuir o mesmo peso ao trabalho de formação do cidadão por parte do professor (mas o
100
conteúdo ele está eh eh inserido em um meio em que você trabalha toda a formação...). No
segundo capítulo, vimos que, na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, o texto da
declaração trazia uma ressalva ao modo de educar apenas para ler, escrever e aprender a lidar
com números, chamando a atenção para o objetivo de inserir na escola para todos uma
cultura que visa construir uma base para uma vida pautada na aprendizagem e na cidadania
(UNESCO, 2001). É possível perceber que uma FD que orienta o dizer sobre a formação
do aluno como cidadão e na qual esse o professor também se inscreve. Podemos ainda ilustrar
o discurso da cidadania com os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998. Sobre a formação
do cidadão, vemos, no PCN de LE (1998), que:
O acesso a essa língua, tendo em vista sua posição no mercado internacional
das línguas estrangeiras, por assim dizer, representa para o aluno a
possibilidade de se transformar em cidadão ligado à comunidade global, ao
mesmo tempo que pode compreender, com mais clareza, seu vínculo como
cidadão em seu espaço social mais imediato (
PCN de LE, 1998, p. 49,
grifos nossos).
Em vista do exposto, podemos dizer que P1 fala do lugar de professora formadora, de uma
professora que se projeta na imagem descrita nos documentos oficiais da educação, mas que
está em meio ao conflito de se ver diante de sua prática em sala de aula que não corresponde
ao descrito nos textos oficiais.
O ato de falar do professor em terceira pessoa (o trabalho do professor, o professor) é
um deslocamento da forma eu-professor que assume uma posição de multiplicador da ordem
pedagógica sobre um ele-professor. Inicia-se, assim, um processo de descentralização. O
professor toma distância da representação do eu para uma referência a ele que implica em
uma condição plural, uma representação do nós. Então, é possível perceber, no discurso, uma
voz universal que regula o seu saber de professor. um discurso que, bem mais que falar-
de-si ao falar-dele, fala de um outro que constitui o enunciador (PAYER, 1995). A voz
universal que assume o valor de verdade, novamente, é representada pelo discurso político-
pedagógico. Veremos em mais um excerto a menção ao nós:
(13) Oh, eu acho/ é igual eu te falei... por exemplo aqui na escola a gente tem
intérprete... então a gente deixa muito na mão delas entendeu? a gente
TÁ::: a gente procura trabalhar::: eu mesmo sei muita coisa de língua de sinais
MAS eu não sei até que ponto que a gente pode tá::: a gente contribui como
outro qualquer conteúdo qualquer um outro conteúdo mas a gente deixa muito
na mão da intérprete então a gente igual eu tô te falando às vezes a gente
desliga né? você desliga ali do menino surdo por quê? Porque tem alguém ali
que repassando todo o conteúdo pra ele então você deixa ele mais ali... ?
Respondi? ((RISOS)). (P2)
101
O uso da primeira pessoa do plural (a gente) e da segunda pessoa do singular também
produz diferentes efeitos de sentido na materialidade linguística. A expressão a gente (a gente
tem, a gente deixa, gente TÁ:::, a gente procura, a gente pode, a gente contribui, a gente
desliga...) apresenta uma polissemia para os que estão dentro da mesma FD, tendo o efeito de
generalizador (para esse lugar – lugar do professor) que indica um universal, uma coletividade
que traz conforto e respaldo ao que é dito (PAYER, 1995). Ao mesmo tempo, a gente permite
que a professora se distancie da responsabilidade de seu dizer, tornando-o coletivo.
No recorte 13, na sequência discursiva, percebemos a repetição da conclusiva então,
que ao dizer uma textualidade ilusoriamente linear, porém as rupturas aparecem de
diferentes formas no fio discursivo. O sujeito oscila entre o “eu”, o “você” e o “a gente”, e
esse deslizamento no uso dos pronomes, como foi dito, implica em por o dizer na voz do
outro, o eu está em cena, é agente do dizer, mas não atua sozinho, inscreve-se em uma
pluralidade. De acordo com Milner (1982, p. 336 apud Teixeira, 2005, p. 136), “a
subjetividade afeta o aparelho formal, afeta a ngua e os pronomes pessoais podem ocupar o
lugar de sinais, na língua, do que lhe é radicalmente outro”. A oscilação também acontece
entre o aqui (por exemplo aqui na escola a gente tem intérprete...) e o ali (você desliga ali do
menino surdo, tem alguém ali que repassando, você deixa ele mais ali ), a localização
espaço-temporal do advérbio aqui apresenta o lugar de onde o enunciador fala, ele fala do
lugar de professor em sala de aula inclusiva. Entre a localização do advérbio aqui e do espaço
apresentado pelo advérbio ali um distanciamento, embora os dois advérbios aparentemente
descrevam o mesmo lugar: a sala de aula. Na disposição das salas de aula observadas,
notamos que o professor ocupa o centro da sala, em frente ao quadro negro
(costumeiramente), ficando de frente para os alunos. Os alunos surdos ocupam as primeiras
carteiras em um dos extremos da sala de aula e têm logo à frente a presença do intérprete de
língua de sinais. É possível que o advérbio ali descreva, além da distância física, uma
distância que toca essa professora em relação ao aluno surdo, mencionado neste excerto. O
uso de expressões lexicais como igual eu te falei, igual eu te falando mostra que o sujeito
tenta orientar o seu dizer na tentativa de não se perder em meio ao dito, mas, como ele não
pode controlar seu discurso, temos um número de repetições que revelam a tentativa de
organização (como outro qualquer conteúdo/ qualquer um outro conteúdo, deixa muito na
mão da intérprete/ deixa ele mais ali... a gente desliga né/ você desliga ali do menino surdo)
e ajudam a caracterizar a lida com o aluno surdo em sala de aula no imaginário da professora.
Ainda no excerto 13, a sequência de adversativas direciona o dizer para uma conclusão
que o sujeito tenta imprimir. A primeira adversativa mas vem logo após P2 afirmar que tem
102
bom conhecimento da língua de sinais; em oposição a esse conhecimento, ela diz não saber
utilizar ou como utilizar esse conhecimento e nem mesmo se pode utilizá-lo. Interessante
notar que um movimento no dizer sobre a LS em relação a uma tentativa de aproximação
com o aluno surdo que parece estar inibida, talvez pela presença do intérprete, talvez por um
não-autorizar-se a uma ação que a professora imaginaria ser a melhor atitude. Apesar de não
concluir a sua fala (MAS eu não sei até que ponto que a gente pode tá:::), o fato de não
conseguir concluir também significa.
Como vimos no capítulo teórico, Lacan (1998) afirma que o significante se antecipa ao
sentido, desdobrando sua dimensão diante dele mesmo. O autor ainda aponta que uma frase
interrompida antes de um termo significante tem um sentido mais opressivo, pois o seu
sentido está no fazer-se esperar. A falta é uma presença ausente que implica sentido no
discurso. A segunda adversativa mas traz uma contradição sobre a contribuição que o
professor atribui ao seu trabalho. Primeiro, ele afirma que a LI contribui para a EI como
qualquer outro conteúdo e em seguida ele se contradiz ao dizer que deixa o aluno inclusivo
(no caso o aluno surdo) por conta de uma outra pessoa, o ILS. Como um professor de LI
poderia contribuir para a EI se ele afirma desligar-se do aluno? Deixar o aluno ali? Esse
equívoco pode indicar alguns indícios de formações inconscientes minando a ilusão de
unicidade do sujeito. Voltando ao texto de introdução deste estudo, como afirma Eckert-Hoff
(2008), esquecer é lembrar e lembrar também é esquecer - esses são nós do discurso que
podem nos dar pistas de FD em conflito. algo que inclui o surdo (sei Libras) e o faz
presente, e há algo que esquece o aluno surdo (inibe a ação em relação a esse outro).
Outro traço da heterogeneidade do sujeito é a presença de perguntas retóricas (vo
desliga ali do menino surdo por quê?), que denuncia a inscrição de um outro enunciador no
discurso. Para Authier-Revuz (2004, p. 16 apud NETTO, 2008, p. 147), a pergunta retórica
“traz, no fio do discurso, outro do/no dizer, traço de uma heterogeneidade que busca explicitar
a significação da palavra ‘normalmente óbvia’”. Resta-nos perguntar a quem a pergunta é
endereçada e para quem ela tem o sentido óbvio? Pode-se inferir que a pergunta vem de um
outro lugar e a partir daí explica-se a necessidade de uma explicação/resposta. A confusão
entre tantas oscilações em seu dizer leva P2 a uma última pergunta, e esta demanda a resposta
do interlocutor (a pesquisadora), embora tenha sido feita como um gesto de interpretação da
própria enunciadora, que parece perceber-se confusa. Chama-nos a atenção, ainda neste
recorte, o verbo repassar usado para definir a função do ILS. Um sentido que pode ser
atribuído ao verbo repassar (passar novamente) pode ser a importância atribuída ao intérprete
103
e a uma imagem de mediador que ele assume no imaginário de P2. Passemos ao próximo
recorte.
(14) Ah eu acho que sim né? É porque eu acho que se ele é inclusivo essas
pessoas que estão na inclusão elas também têm que ser incluídas na sociedade
aí a sociedade né ela forma o mercado de trabalho em algum momento eh pode
precisando esses alunos vão precisando ter o conhecimento de uma
língua estrangeira. (P3)
Continuando, no recorte 14, temos a representação do ensino de LI ligado às
oportunidades de entrada no mercado de trabalho. A justificativa que P3 apresenta para uma
possível inclusão dos alunos no mercado de trabalho é a responsabilidade social de incluí-los
em todos os seus expoentes. Usamos o termo inclusão possível porque P3 não se segura da
possibilidade dessa inclusão ao repetir por duas vezes que ela acha que sim, que uma
contribuição (Ah eu acho que sim né? É porque eu acho que se ele é inclusivo essas
pessoas que estão na inclusão elas também têm que ser incluídas na sociedade). Além disso,
outro traço que marca dúvida é apresentado em em algum momento eh pode precisando né.
A expressão temporal em algum momento não define que é possível hoje. E a composição
verbal pode tá precisando marca uma possibilidade futura, mas sem credibilidade por parte da
enunciadora. Essa dúvida marcada no dizer de P3 nos remete ao âmbito histórico, como
vimos no segundo capítulo, quando as pessoas deficientes eram postas à margem da sociedade
ou enclausuradas para que fossem administradas por pessoas normais. A ideologia da língua
estrangeira como forma de ascensão social também está presente no discurso de P3 quando
ela cita o mercado de trabalho. A LI é vista no senso comum como uma forma de alcançar um
bom lugar no mercado de trabalho e como forma de adquirir algum status social.
Continuando com mais uma sequência discursiva:
(15) acredito que (sim)/é quando... no sentido de que ele pode estar sempre
eh::: ... eh::: incentivando eh::: dando força a aquele aluno que tem dificuldade
e tendo muita paciência pra ministrar o conteúdo ngua estrangeira pr’aquele
aluno... eu percebo que quando se trata dos surdos eles eh bem me/e-e-eles
desde que tenha o intérprete na sala eles entendem melhor a matéria da língua
inglesa devido pelas regras que não são tão complexas e parecem próximas
com a do::: braile braile não do::: [ ] Libras (P5)
Em seguida, no excerto 15, P5 assume a posição de um incentivador, um motivador na
EI. Comparamos aqui o motivador ao treinador esportivo, que tem como um de seus objetivos
incentivar a sua equipe. P5 usa palavras comumente encontradas no meio esportivo,
incentivar, motivar, dar força, ter paciência. O dito muita paciência tem o sentido de uma
dificuldade encontrada pelo professor no contexto da EI. O significante conteúdo também
104
aparece no dizer de P5 e ressoa em outra forma lexical: a matéria. Matéria e conteúdo têm o
sentido de gramática. Quando P5 compara a matéria da língua inglesa às regras da Libras,
percebemos que o significante regras está diretamente relacionado ao ensino da estrutura da
LI. O sentido de conteúdo e matéria está na imagem de uma transmissão de um conhecimento
sem perda e na identificação com a imagem de um professor ideal que transmite
primordialmente o conteúdo sem que nada dele se perca ao alcançar o aluno.
Mendonça Filho (2001) afirma que uma incompatibilidade entre a imagem que o
discurso educacional constrói de um professor ideal e a imagem de um homem ou mulher
concreto que se identifica ou não com a imagem desse ideal. O autor fala sobre duas
condições que ocorrem entre a identificação ou o-identificação com a imagem do professor
ideal: “primeira: existe uma imagem ideal do ser professor que corresponde àquele que é
capaz de ensinar sem perda. Segunda: existe um homem real que é professor, mas que não
consegue atender à exigência de perfeição que a imagem “do ser professor” lhe impõe”
(MENDONÇA FILHO, 2001, p. 99). P5 fala da posição de professor ideal acreditando que é
possível transmitir o conteúdo de forma absoluta.
um lapso no dizer de P5 quando ele, em vez de dizer Libras ao se referir à LS,
substitui, involuntariamente, o significante pelo nome do código usado por pessoas cegas
(Braile). O efeito desse lapso é a imagem de que cegos e surdos representam um mesmo
processo de dificuldade em fazer acontecer a inclusão educacional. Sobre o lapso, é um
“termo latino utilizado na retórica para designar um erro cometido por inadvertência, quer na
fala (lapsus linguae), quer na escrita (lapsus calami), e que consiste em colocar outra palavra
da que se pretendia dizer” (ROUDINESCO, PLON, 1998, p. 465). Para Freud, a palavra,
mesmo tendo sobre si uma intenção consciente, pode por ação do inconsciente errar o alvo
(KAUFMANN, 1996). Teixeira (2005) afirma que:
[...]
a palavra - supostamente capaz de carregar em si uma intenção consciente
que possibilita a comunicação efetiva frequentemente ‘erra o alvo’,
tropeçando, falhando, de modo a quebrar a continuidade lógica do pensamento
e dos comportamentos na vida cotidiana. Essas ‘falhas’, geralmente atribuídas
ao acaso, estabelecem rupturas no discurso, levando o falante a interromper o
fluxo ‘normal’ da conversa para pedir desculpas, tentar reformular, apagar ou
diluir seus efeitos (TEIXEIRA, 2005, p. 150).
Ainda sobre a dificuldade na EI:
(16) ... eu acho que de estarmos com ele dentro ali da sala de aula eu acho
que você faz um grande papel assim de tentar AJUDAR DA SUA
FORMA... [ ] ele não é simplesmente como MAIS UM pra encher a sala não...
105
dele estar presente ali na sala nós já estamos fazendo alguma coisa pa/por
ele. (P6)
No dizer de P6, chama-nos a atenção a denegação, ao se referir ao aluno incluído (ele
não é simplesmente como MAIS UM pra encher a sala não...). Ao negar que o aluno incluído
não é meramente mais um na sala, a enunciadora afirma justamente o contrário: ele é um a
mais. A presença do advérbio também reforça o sentido de um aluno um a mais. O
implica que o resultado da inclusão é o simples fato de inserir o aluno anormal em uma sala
de aula, isso é fazer algo por ele.
Skliar (2003) chama a atenção para o discurso da solidariedade e da tolerância. Para o
autor, a tolerância é uma voz que reverbera nos dizeres sobre a inclusão em todas as suas
formas (seja social ou educacional, se é possível separar essas duas formas de incluir). A
tolerância assume vários formatos, torna-se uma forma de saber e uma desculpa diante da
vontade de normalizar as pessoas e as situações. “Tolerar o outro, tolerar o que é o outro,
tolerar a diversidade, tolerar a diferença; fazer da tolerância um princípio indesculpável, uma
fonte de conhecimento, um lugar de comunicação” (SKLIAR, 2003, p. 131). Nas
representações acima, percebemos alguma reverberação da tolerância como o professor que
tem muita paciência com o aluno incluído e também como aquele que já faz o bem em aceitá-
lo em sala de aula.
As contradições, resistências, repetições, hesitações e lapsos que acontecem nos
discursos do professores revelam a heterogeneidade do sujeito. “Todo discurso sustenta-se
atravessado pelos outros discursos e pelos discursos do outro. Disso decorre a afirmação de
que o discurso é o lugar da alteridade” (ECKERT-HOFF, 2003, p. 287). Os conflitos que
no discurso dos professores sobre o que é a EI e como contribuir nesse contexto revelam a
construção imaginária de modelos e ações práticas em sala de aula que oscilam entre os
dizeres dos documentos oficiais (discurso político-pedagógico) e os dizeres da experiência em
sala de aula. Tantos dizeres (outros) constituem o sujeito clivado, heterogêneo e incompleto.
Partiremos, agora, para as representações acerca da inclusão dos alunos surdos.
106
5.5 Eu e a inclusão de alunos surdos no ensino regular
A ES, como vimos no capítulo II, é marcada por discursos de várias origens, alguns
pedagógicos (aqueles a favor do oralismo, e outros, da educação em LS), o econômico (a
necessidade de herdeiros que defendam oralmente as posses familiares), a inclusão (Educação
para Todos somos todos iguais), a exclusão (existem os diferentes, os anormais), a
tolerância (conviver nos mesmos espaços, de igual para igual), etc. Todos esses discursos e
formas de dizer constituem a história e os sujeitos que são constituídos sócio-historicamente.
Os dizeres sobre a inclusão dos surdos se multiplicam e inúmeras vozes são acrescentadas a
esses dizeres a todo o momento. De acordo com Skliar (2003, p. 99), o “dizer: é uma cópia
cada vez mais real ou cada vez mais virtual, porém cada vez menos verossímil, que faz
habitar lugares que nunca vimos e que sempre (nos) inventamos. Lugares que, se alguma vez
são alcançados, deixam de ser lugares: são a falta de lugares”. A igualdade e a diferença, a
inclusão e a exclusão não têm lugar, talvez elas representem a perda de um lugar, do lugar de
ser o diferente para ser o mesmo, ou do lugar de incluído para ser o excluído. Veremos, nas
palavras dos professores, como eles se veem diante da inclusão dos surdos e como eles
percebem a realidade desse lugar de in(ex)clusão.
Cabe ainda explicar que o ensino de LI no ensino regular é visto com dificuldades
pelos ouvintes, em relação aos surdos, uma nova língua oral pode apresentar dificuldades
ainda maiores (MASCIA; FLAIBAM, 2007). Os professores-enunciadores responderam a
algumas perguntas sobre a inclusão de alunos surdos nas salas de aula mistas. Foi-lhes
perguntado sobre como é a realidade de lecionar em sala de aula mista a partir do que eles
percebem em sala de aula; como os alunos ouvintes e os alunos surdos pensam a inclusão;
quais são os desafios percebidos pelos professores na inclusão dos surdos; e, ainda, qual a
necessidade do ensino de LI para surdos na visão desses enunciadores. Sabemos que as
representações estão presentes na prática dos professores (GHIRALDELO, 2006).
Entendemos que as ações e tomadas de decisão estão ligadas ao processo de identificação
desse professor. Partimos agora para as análises de quais são as Formações Imaginárias que
predominam nos dizeres dos professores-enunciadores.
Iniciamos com os modos de dizer sobre a realidade de lecionar em salas de aula
mistas:
107
(17) Eh é um desafio tã::o gra:::nde... quando ah eu soube que eu iria
trabalhar com esses alunos eh eh eu fiquei sem saber o que fazer... eu me
perguntava o tempo todo: como que eu vou fazer?... Eu não sei conversar com
eles, me comunicar com eles e::: como? “Não vocês terão intérpretes em sala
de aula!” Aí::: veio o problema de mais UMA NGUA para o deficiente
auditivo. Inglês é a TERCEIRA LÍNGUA pra eles, não é a segunda como os
demais na sala de aula... Uma preocupação muito grande! E eu ainda tenho
essa preocupação ATÉ HOJE. Até hoje. (P1)
Os modos de dizer sobre a realidade de lecionar em salas de aula mistas ressoam em
formas lexicais como: é um desafio tão grande..., uma preocupação muito grande. Podemos
perceber, nesses modos de dizer, representações sobre o ensino de LI em salas de aula mistas
que trazem uma mistura de dificuldade, medo e impotência. Como foi visto no quarto
capítulo, esses dizeres que são ressonâncias causam o efeito de vibração semântica e
constroem uma realidade (imaginária) de mesmo sentido (SERRANI-INFANTE, 2001).
Essas representações podem ser frutos de um não saber sobre uma prática que o professor
gostaria de alcançar. Além disso, podem nos indicar uma FD na qual esses professores estão
inscritos e na qual ressoam dizeres sobre o desafio, o não-possível de se ensinar LI em salas
de aula mistas.
momentos em que podemos flagrar a frustração de se ver impotente diante da
situação em dizeres como eu fiquei sem saber o que fazer, eu me perguntava o tempo todo:
como que eu vou fazer?. Prioste (2006 citando ZARAGOZA 1999) afirma que o mal-estar
sentido pelo professor é algo que, apesar de incomodá-lo, é indefinido. algo que o
funciona bem, mas que não é possível localizar, para que seja resolvido. O termo mal-estar
(Unberhagen) apareceu na obra freudiana em 1985 (KAUFMANN, 1996); Freud referia-se a
um desconforto gerado pela neurose da angústia. Kaufmann (1996) afirma que uma das
formas de interpretar o desconforto, o mal-estar, é como sendo “um traço de uma intolerância,
pelo eu, da pressão da culpa” (KAUFMANN, 1996, p. 317). Esse mal-estar que acontece no
discurso pode gerar a inibi(a)ção do professor em sala de aula.
Voltando à imagem do professor ideal, a pressão por um modo de ensinar linear e sem
perdas pode ser motivo de uma pressão sentida pelo professor e traduzida como preocupação,
medo e dificuldade. Mendonça Filho (2001, p. 99) aponta que a pessoa que ensina sustenta a
função de “operar a ligação entre o seu próprio desejo de ensinar e o desejo de um outro
saber”. Apesar de notar a presença do aluno como uma dificuldade, há um desejo de ensinar e
um desejo que o outro aprenda. Veremos que esse professor oscila entre os discursos que
revelam a inibi(a)ção de sua prática e discursos que revelam a cria(a)ção de possibilidades
para que a aprendizagem de LI aconteça para o aluno surdo.
108
O significante desafio de acordo com o dicionário Houaiss (2004) significa “ato de
provocar alguém para duelo, [...] provocação”. P1 afirma se sentir provocada grandemente
pela presença dos alunos surdos em sala de aula. Alguns dizeres podem indicar sinais de um
mal-estar, como Eh é um desafio tã::o gra:::nde..., eu fiquei sem saber o que fazer, como que
eu vou fazer?..., Uma preocupação muito grande!. O que P1 tantas vezes repete em sua fala
mostra a tentativa de nomear, de descrever aquilo que movimenta a sua dificuldade (inibi-a-
ção). A inibi(a)ção, de acordo com Kaufmann (1996, p. 272), representa contextos
diversificados de uma obstrução da capacidade de realização (Leistungsfähigkeit) do sujeito
por causa da carência de sua relação com o Outro”. O sujeito não consegue nomear aquilo que
lhe afeta, que está na raiz de seu desejo. O advérbio ainda denuncia uma esperança de que
algo mude, de que a situação se resolva. E, novamente, a sensação de desconforto continua na
repetição da expressão até hoje como um desabafo. É possível notar que as ressonâncias
continuam em outros excertos. Notamos, no recorte a seguir, o dizer sobre o mal-estar, o
desconforto (É PREOCUPANTE, a gente fica com medo):
(18) É PREOCUPANTE porque a gente fica::: com medo de não poder ajuda-
los no que é necessário mesmo pra eles alcançarem a necessidade a o
conhecimento o aprendizado... e::: e::: e::: ter o cuidado e::: e::: eh::: e ter o
cuidado de que::: não também prejudique aqueles alunos que sabe/ que têm
uma competência melhor né? tem um conhecimento melhor tem uma
facilidade por eles serem normais eh::: e acabar prejudicando eles ali
naquele meio ali. (P5)
Na sequência discursiva acima, o uso da expressão não também no fragmento ter o
cuidado de que::: não também prejudique aqueles alunos que sabe/ que têm uma
competência melhor indica que tanto o aluno surdo quanto o aluno ouvinte sofrem prejuízo na
aprendizagem por estar em sala mista. O uso do advérbio introduz uma razão para um fato.
No caso do fragmento já tem um conhecimento melhor tem uma facilidade por eles serem
normais o primeiramente apresenta uma razão para o que P5 deixa escapar, ao afirmar que
o aluno ouvinte é mais competente que o surdo; e o segundo introduz uma razão para o fato
dos ouvintes terem maior conhecimento e, consequentemente, serem mais competentes: a
normalidade.
Ao falar em normalidade, voltamos aqui, mesmo que brevemente, ao nosso segundo
capítulo, quando falamos das três categorias de anormalidade encontradas em Foucault
(2001): o monstro humano, o indivíduo a corrigir e o onanista. Interessa-nos, neste momento,
o indivíduo a corrigir. Para Skliar (2003), o indivíduo a ser corrigido surge da imbricação de
imagens, de um sistema intricado de relações entre instituições como a família, a escola, a
109
comunidade, a igreja, a política etc. O ser a corrigir ou incorrigível é aquele que foge à regra,
não cabe na regularidade e as tentativas de o regularem fracassaram. “Justamente por isso, o
indivíduo a ser corrigido é o indivíduo incorrigível e, na medida em que é incorrigível, supõe
intervenções específicas, uma tecnologia da correção, da recuperação e, em síntese, da
normalização” (SKLIAR, 2003, p. 176). Segundo Skliar (2003), o incorrigível representa
uma tensão entre o normal e o anormal. Vemos que essa tensão é presente no discurso e
historiciza. Os professores entrevistados, como são sujeitos constituídos sócio-historicamente,
trazem, em seus discursos, conflitos de uma memória discursiva e de FD, que também são
atravessadas por essas tensões na EI. De acordo com Foucault (2001, p. 77), “o incorrigível,
por sua vez, se refere a um tipo de saber que está se constituindo lentamente no século XVIII:
é o saber que nasce das técnicas pedagógicas, das técnicas de educação coletiva, de formação
de aptidões”. Vemos, no discurso dos professores, o anseio por um saber fazer em relação ao
surdo que tem como efeito uma busca por técnicas que normalizam, assim como nos aponta a
história do sujeito a corrigir. Ainda, essa busca por um saber fazer ressoa em dizeres sobre
tentativas de encontrar uma solução para a sala de aula mista. O professor que se diz
preocupado revela que há uma ação que já movimentou sua prática. Em algumas aulas
observadas para anotações de campo, percebemos um deslocamento, uma (re)significação da
prática em sala de aula por parte do professor. Notamos, por exemplo, um maior número de
recursos visuais, tanto nas explicações, como nos materiais elaborados para a aula.
Continuando:
(19) (...) Eh... eu falo isso com o (intérprete) tem dia que eu sinto assim... eh
de MÃOS AMARRADAS porque eh realmente é isso... infelizmente você NÃO
sabe está CONSEGUINDO melhorar a situação/passar dentro da da do estudo
da língua inglesa... a gente não sabe se você consegue contribuir realmente
alguma coisa pra’quele aluno não... se de alguma forma você tentando
ajudar ele não... fica aquela coisa NO AR assim será que surtindo efeito?
Será que não tá? que eu acho que ainda não tem pesquisa encima disso, né? [
] eu ACHO que no final das contas... eh::: um aluno um aluno desses chega no
final meio perdido... (...) o próprio (intérprete) eu já conversei com ele... [ ] o
intérprete na sala de aula ele fala que ele repassa pra eles como se tivesse
repassando em PORTUGUÊS... então na verdade aqueles meninos e-eles não
estão aprendendo a língua inglesa eles tão aprendendo através do
PORTUGUÊS... será que de inglês eles estão aprendendo alguma coisa? Eu
tenho essa dúvida sim. (P6)
No excerto 19, notamos a presença de perguntas retóricas no dizer de P6 (será que tá surtindo
efeito? Será que não tá?; será que de inglês eles estão aprendendo alguma coisa?). Como
visto anteriormente, a pergunta retórica apresenta um outro no fio do discurso. Ao mesmo
tempo, percebemos que a professora se dirige a um interlocutor (que pode ser a pesquisadora,
110
um locutor virtual ou a própria enunciadora), deixando aflorar suas próprias dúvidas e
conflitos. O discurso da professora mostra-se cheio de tensões e conflitos, o que a faz pausar
várias vezes. Lembramos que a pausa pode denunciar um momento de hesitação. O dizer
sobre o não saber incomoda. A frustração por o saber se o que acontece entre o intérprete e
os alunos surdos promove a aprendizagem da LI é mais um possível sinal de mal-estar para
P6. O advérbio ainda depreende o sentido de uma busca por um saber que solucione o
conflito. Ainda, a busca por uma solução pode ser ilustrada pela pergunta feita por P6 sobre
pesquisas sobre o ensino de LI para alunos surdos. Outro momento que sinaliza um mal-estar
no dizer da professora acontece ao externar a frustração de saber que o intérprete re-passa a
aula como se esta fosse dada em português. A insegurança gerada por não conhecer a eficácia
da função do intérprete pode apontar a ansiedade de quem quer resolver o conflito. Freud
(1925-1926) afirma que “a psique é dominada pelo afeto de ansiedade se sentir que é incapaz
de lidar por meio de uma reação apropriada com uma tarefa (um perigo) que se aproxima de
fora”. A reação da professora diante da ansiedade, da ameaça ao não-cumprimento de sua
tarefa (lecionar LI) é percebida na metáfora “de MÃOS AMARRADAS”.
E, novamente, encontramos contradições:
(20) olha é mu:::ito difícil. Eh::: no início quando a gente::: eh recebeu eh
esses alunos surdos aqui na escola foi assim uma dificuldade ENORME de
trabalhar com eles mesmo porque a gente não conhecia a realidade eh desses
alunos... eh a gente não teve uma preparação... a gente foi aprendendo com
eles aqui ... entendeu? [ ] Isso é claro mudou pelo menos na minha área
mudou completamente o foco da minha aula... por exemplo, se antes eu
trabalhava tinha a liberdade de trabalhar com todas as as habilidades da língua
inglesa né? E::: depois da vinda dos surdos eu tive que mudar algumas coisas
por exemplo, eu não posso levar uma música pra sala de au:::la entendeu? Não
posso trabalhar um listening dentro de sala de aula porque assim como que eu
vou fazer? A presença dos surdos né ela muda um pouco a dinâmica da aula ...
É difícil eu te falar que na sala mista eu consegui atingir o objetivo de
trabalhando com surdos e ouvintes na mesma aula (P3)
Notamos que a contradição acontece no dizer de P3 quando ela diz sobre sua dinâmica
em sala de aula. Primeiramente, a professora afirma ter mudado completamente o foco de sua
aula por causa da presença dos alunos surdos, em seguida ela se contradiz, dizendo que a
presença desses alunos mudou um pouco sua dinâmica em sala. De acordo com Foucault
(1987) a contradição:
[...] longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe de ser aquilo de que
é preciso liberta-lo para que ele liberte enfim sua verdade aberta, constitui a
própria lei de sua experiência: é a partir dela que ele emerge, é ao mesmo
111
tempo para traduzi-la e para supera-la que ele se põe a falar; é para fugir dela
enquanto ela nasce sem cessar, que ele continua e recomeça indefinidamente,
é por ela estar sempre aquém dele e por ele jamais poder contorná-la
inteiramente que ele muda, se metamorfoseia, escapa de si mesmo em sua
própria continuidade. A contradição funciona, então, ao longo do discurso,
como o princípio de sua historicidade (FOUCAULT, 1987, p. 173).
A contradição marca um equívoco, a falha. Relembrando o tecido teórico desta pesquisa, o
sujeito do inconsciente é marcado pela lacuna pelo que não consegue apre(e)nder.
No próximo excerto, P2 menciona que se esquece da presença do aluno surdo em sala
de aula. O ato de esquecer pode indicar um artifício inconsciente para evitar o desprazer. Para
Freud (1927-1931), nada do que passa pela memória pode perecer. Ricoeur (1997 apud
BRAUER, 2001) afirma que "o esquecimento é condição da memória. O esquecimento é a
presença mesmo de uma ausência".
(21) É exatamente isso a gente esquece mui/ eu acho que a gente esquece
muito do menino. Então por exemplo é igual eu te falei quando você tem só
alunos surdos ... você... ta com seu conteúdo pra você repassar para aquele
aluno surdo numa sala que tem alunos surdos é totalmente diferente duma
sala que tenha dois três quatro alunos surdos e que tem o intérprete então o
intér/ o aluno surdo ele vai ficar por conta de quem? Do INTÉRPRETE ou
seja o professor vai preocupar com os outros trinta trinta e poucos alunos que
tão então fica muito::: eh::: eu acho que fica até cômodo para o professor,
né? Então a gente não corre atrás a gente não busca a gente não procura
então o aluno surdo fica e que o intérprete toma conta tome conta (dele).
(P2)
O efeito desse esquecimento é um atenuante para uma possível culpa de não saber
lidar com a situação. A presença das marcas discursivas como então, que marca várias vezes o
dizer de P2, além da conjunção que introduzindo dizeres caracterizados como argumento para
uma conclusão (GUIMARÃES, 2007), que também aparece repetidas vezes, causam o efeito
de uma ilusória continuidade no fio do discurso, dando a impressão de que não tensões
nem conflitos no dizer. Essas marcas discursivas são sinais de rupturas que tentam tamponar a
heterogeneidade, porém inscrevem a alteridade no dizer. A imagem de um professor ideal
pode ser percebida, apesar de não dita, no discurso da professora. Ao dizer sobre o conteúdo
repassado para os surdos em uma sala somente para esses alunos como a condição ideal para
o ensino de LI, P2 fala do lugar de professora de uma escola especial, que foi seu emprego
anterior ao trabalho em escola inclusiva. Nesse dizer, é notável a imagem da transmissão do
conhecimento sem perdas, como falamos anteriormente (e também no segundo capítulo, ao se
discorrer sobre o ensino). O professor ideal é aquele que pode transmitir o conhecimento ao
aluno (ilusoriamente) de forma linear e absoluta. O fato de não ser mais professora de uma
escola especial indícios da perda de um objeto com o qual P2 se identifica. Podemos
112
depreender, do dizer de P2, que o fato de estar em uma sala com surdos e ouvintes, onde
alguém que media a comunicação entre o professor e o surdo, tem o sentido de uma
autorização; ela se autoriza a lecionar apenas para os ouvintes e esquecer os surdos. Como
efeito da autorização, ela diz não correr atrás, não buscar, não procurar um modo de
lecionar nessa situação. Pode-se depreender ainda que ela não se autoriza a dar aulas para o
aluno surdo. Mesmo na escola especial, P2 era auxiliada por intérprete em sala de aula. O
adjetivo cômodo pode ilustrar o não autorizar-se na prática de ensino para o surdo, ao ser
confrontado com o oposto dessa afirmação: é incômodo dar aula para o surdo. Reforçando
esse sentido, a expressão ou seja introduz uma afirmação de mesmo valor, então concluímos
que o aluno surdo fica por conta do intérprete e na mesma medida a professora fica por conta
dos ouvintes.
Continuando a análise, temos o recorte a seguir:
(22) Oh PRA MIM não não apresentou nenhum empecilho primeiro eu gosto
né? Tive o interesse de de trabalhar com o aluno que ele é diferente que ele
apresenta/é um DESAFIO pra o professor também... então assim eu recebi
muito BEM né? Procurei ao MÁXIMO né? Ajudá-los e tudo NUNca (vi)
como empecilho ou como uma dificuldade em sala de aula. (P4)
No recorte 22, encontramos mais um sinal de contradição. Primeiramente, voltamos ao
significado de desafio, que é um ato de provocação; P4 afirma que o aluno surdo em sala de
aula apresenta um desafio para o professor. Se o aluno é um desafio, isso indica que há algo
que provoca o professor e precisa ser vencido. Tendo em vista que algo precisa ser vencido, o
aluno surdo, apesar da negação da professora, traz um obstáculo que precisa ser transposto,
vencido. Na própria denegação não não apresentou nenhum empecilho uma afirmação de
que há, sim, um empecilho na presença do aluno surdo e que ele é um desafio. Cabe lembrar
que essa provocação movimentou o sujeito. Essa professora iniciou um curso Lato Sensu em
Libras durante o período que lecionou em sala de aula mista. O outro, o estranho, apesar de
representar um desafio, atrai o sujeito porque ele ao mesmo tempo o habita. E o outro também
ocupa o desejo do sujeito e faz parte daquilo que falta e que o movimenta em sua busca por
completude. Mais uma vez, um discurso que inibe e um discurso que cria (age) na
constituição do sujeito que é efeito do discurso. A angústia da professora gerou uma ação. Ela
passou da impotência (desafio) para a ão (busca de uma possibilidade, de uma via diante de
algo que pode significar impossibilidade).
Vimos, nos excertos analisados, que o professor representa a presença do aluno surdo
em sala de aula como um desafio que talvez possa ser ultrapassado pela presença de um
113
intérprete. O intérprete surge como um mediador pacífico em meio a uma situação conflituosa
que gera mal-estar, preocupação e medo no docente, embora o próprio intérprete seja
representado como uma barreira ao ensino de LI, por traduzir a aula em português (então na
verdade aqueles meninos e-eles não estão aprendendo a língua inglesa eles tão aprendendo
através do PORTUGUÊS...). Uma outra representação, apresentada aqui e que veremos ainda
irá reverberar nas próximas análises, é a de um intérprete responsável pelo ensino e que ocupa
as funções do professor no que se refere ao aluno surdo.
Veremos agora as representações acerca da necessidade de ensinar a LI para o aluno
surdo. As justificativas para esse ensino, na visão dos professores, são a globalização e o
mercado de trabalho.
Cabe ressaltar que confirmamos, conforme as noções teóricas reunidas no terceiro
capítulo, que a presença de várias vozes sociais e de vários discursos mostram os traços
heterogêneos do/no dizer do enunciador. Há marcas que denunciam explicitamente a presença
do outro e aquilo que não é perceptível no fio do discurso (o interdiscurso), mas que
apresenta uma heterogeneidade que constitui o sujeito e mostra que ele é complexo, dividido e
está sujeito a equívocos.
Continuando as análises, percebemos que o discurso da Educação para Todos e a
normalização estão presentes nos dizeres desses professores. Na visão dos enunciadores, a LI
deve ser ensinada porque é uma disciplina que faz parte da EI. Os professores também veem a
aprendizagem como direito humano e motivo de normalização na educação. Prosseguindo:
(23) INCLUSÃO. Eles têm obstáculos TÊM, mas a aprendizagem é pra todos
a importância também consequentemente (..) eh A VIDA vai cobrar deles da
mesma maneira que todos os outros que são ouvintes. (P1)
(24) Eu falei anteriormente ( ) que eu acho que é necessária sim porque eles
têm que ter as mesmas oportunidades já que eles estão num projeto de
inclusão eles têm que ter a mesma oportunidade lá fora. (P3)
(25) Se ele está sendo incluído não na escola mas também no mercado de
trabalho eu acho que pra eles tem sim uma necessidade... como qualquer
outro... eu acho que a gente não tem de/ter uma diferença que pra ser
INCLUSIVO não tem que ter diferença dentro de sala de aula não porque ele
também vai cair no mercado de trabalho. (P6)
De forma repetida, vemos que o que ressoa nos dizeres é a inclusão como primeiro
motivo do ensino de LI (“INCLUSÃO. Eles têm obstáculos TÊM, mas a aprendizagem é pra
todos, que eles estão num projeto de inclusão, Se ele está sendo incluído). As justificativas
aparecem como marca do atravessamento do discurso sobre os direitos humanos e a Educação
para todos (eles têm que ter as mesmas oportunidades, como qualquer outro). Mais uma vez a
114
imagem de um empecilho, obstáculo, surge no dizer, ou seja, algo que atrapalha, que não
deveria estar ali. E, através da conjunção adversativa mas (recorte 22), uma oposição entra em
cena. Essa oposição assume autoridade diante dos obstáculos. Há o problema, “mas a ordem é
para todos”. Nas definições apresentadas nas leis e projetos educacionais, a ordem é a
igualdade no tratamento e nos direitos e a ordem manifesta-se no dizer do professor como
uma demanda. O uso de expressões deônticas como tem que funcionam no discurso como
efeito da demanda do discurso político-pedagógico. Coracini (2003c, p. 325) afirma que o uso
de verbos modais deônticos “camufla o tom autoritário subjacente, apresentando o que é dito
como uma necessidade natural intrínseca à realidade ou ao processo [...] de que se fala”.
Outra marca discursiva da qual nos interessa falar é a presença da expressão já que (já
que eles estão num projeto) (recorte 24). Essa expressão introduz uma razão para determinado
fato, ou seja, para o fato de ter que dar aos alunos surdos a oportunidade de aprender a LI a
razão é o projeto de inclusão educacional. Assim, uma vez que esses alunos estão inseridos no
processo de inclusão, não como negar-lhes o acesso à sala de aula de LI. o o que
fazer, o diferente está em sala de aula. A mesma expressão aparece com o mesmo valor
conclusivo no dizer de P6 (eu acho que a gente não tem de/ter uma diferença que pra ser
INCLUSIVO não tem que ter diferença dentro de sala de aula não porque ele também vai
cair no mercado de trabalho). Na visão de P6, a diferença deve ser normalizada somente
porque a inclusão deve acontecer assim.
Interessante perceber que P3 imagina um suposto local para um possível uso da LI
pelo aluno surdo: fora. Podemos unir os dizeres fora e mercado de trabalho, além do
fragmento a vida vai cobrar como vibrações semânticas de mesmo significado. Na
representação desses professores, a LI é um passaporte de acesso ao mercado de trabalho e a
uma vida bem sucedida e de reconhecimento social. De acordo com Rajagopalan (2003, p.65),
“as pessoas se dedicam à tarefa de aprender línguas estrangeiras porque querem subir na vida.
A língua estrangeira sempre representou prestígio”.
Nos próximos recortes, a demanda do discurso da igualdade permanece nos dizeres
dos professores.
(26) oh eu acredito que o que é fornecido a todo aluno é oferecer ao surdo
também né? Que ele não pode ficar no prejuízo [ ] eu acho importante que ele
aprenda como qualquer outro aluno normal né? Sem nenhuma nenhum
prejuízo pra ele. (P4)
(27) ah::: eu acho que QUALQUER CONHECIMENTO que possa ser
ministrado pra qual/pra todos tipos de alunos é::: ENRIQUECEDOR É
IMPORTANTE. (P5)
115
(28) no dia a dia né assim como é pro ouvinte pro surdo também é. Né? (P2)
Os modos de dizer são outros, mas a representação é mesma: o motivo de ensinar LI
para os alunos surdos é a inclusão. Os enunciadores falam da igualdade e afirmam que a
inclusão é o motivo da normalização do ensino (que é fornecido a todo aluno é oferecer ao
surdo também, pra todos tipos de alunos é, como é pro ouvinte pro surdo também). E o dizer
ainda denuncia que um estranho em sala de aula, alguém que deve ser tratado como igual,
mas que o professor desconhece (eu acho importante que ele aprenda como qualquer outro
aluno normal né, pra todos tipos de alunos é).
Pelo que foi analisado neste item, podemos tecer alguma conclusão. Os professores
representam a sala de aula mista como um lugar/situação difícil que gera medo e o torna
impotente, por não saber lidar com esse contexto inclusivo. A dificuldade, o desafio de
lecionar em uma sala de aula mista aponta para o que pode ser indicado como uma inibição da
prática e que aumenta o sentimento de impotência do professor. A identificação do professor
com a imagem de um professor ideal na visão político-pedagógica causa conflito com o
professor em prática, que também constitui a identidade do sujeito, tendo assim mais uma
causa do mal-estar. Porém, a contradição acontece quando a inibi(a)ção confronta o dizer
sobre a ação. Apesar do desconforto, o professor age! Movimenta-se em busca de uma via que
o conduza ao ensino, ao conteúdo transmitido com sucesso. Assim, o desconforto sentido pelo
professor também é causado pela representação de um conteúdo que deve ser passado de
forma absoluta para o aluno (o que está unido à imagem do professor ideal), sem perdas. Mas
como transmitir o conhecimento em LI para o aluno surdo por ILS que, por não ter
conhecimento da língua ensinada, traduz, possivelmente, em português? Notam-se as várias
inquietações do professor mostradas nas representações e que influenciam diretamente a sua
prática pedagógica em sala de aula, como o esquecimento do aluno surdo e/ou a busca de uma
especialização em Libras.
5.6 Eu, meus alunos surdos e meus alunos ouvintes
Outro objetivo de nosso estudo é analisar os modos de dizer a respeito de como esses
professores veem, percebem os alunos surdos e os alunos ouvintes. Antes de continuarmos
116
nossas análises, é necessário falar um pouco mais sobre a sala de aula inclusiva. Veiga-Neto
(2001a) afirma que:
[...] se parece mais difícil ensinar em classes inclusivas, classes nas quais os
(chamados) normais estão misturados com os (chamados) anormais, não é
tanto porque seus (assim chamados) níveis cognitivos são diferentes, mas,
antes, porque a própria lógica de dividir os estudantes em classes sociais etc
foi um arranjo inventado para justamente, colocar em ação a norma, através de
um crescente e persistente movimento de, separando o normal do anormal,
marcar a distinção entre normalidade e anormalidade (VEIGA NETO,
2001a,
p. 110-11)
.
34
A normalização é uma tentativa de homogeneização da diferença. Skliar, (2003) afirma que as
imagens que norteiam, constituem e constroem a noção de normalidade, noção de normal e
também de normalização são historicamente formadas e retornam constantemente ao
momento presente patrocinadas por vários discursos, como os discursos de instituições
reguladoras e ordenadoras da sociedade (como a escola e a família). Vimos, nas análises
anteriores, que, apesar de não encontrar respaldo na prática, os dizeres dos professores são
afetados e constituídos por discursos da igualdade a todos e em todas as situações sociais. O
discurso da normalização funciona a partir de dicotomias que apresentam a manutenção de
um poder. Entre essas dicotomias, encontramos modos de dizer como aluno comum, aluno
normal, aluno deficiente, aluno anormal (parafraseado em formas de dizer que apresentam o
mesmo sentido – obstáculo, diferente etc).
Veremos, agora, as representações do professor diante do par surdo e ouvinte que
qualifica seus alunos na sala de aula inclusiva em questão. Chamamos a atenção para o que
Veiga-Neto (2001a) aponta como uma separação entre os diferentes. Notamos, durante a
observação na sala de aula, que essa separação é vista fisicamente no espaço da sala. Os
alunos surdos ocupam uma parte da sala para facilitar o acesso deles à tradução do ILS, que,
geralmente, está na frente da sala ao lado do professor, ocupando um dos cantos laterais.
Apesar de não ser foco desta pesquisa, pudemos notar que a separação acontece em outras
dimensões como, por exemplo, na concorrência entre os alunos pela posição de melhor
resultado nas avaliações. Os alunos surdos, muitas vezes, apresentavam preocupação em
comparar seus resultados entre si, não questionavam ou demonstravam curiosidade em
relação aos resultados de seus colegas ouvintes e vice-versa. Esse comportamento pode ser
fruto da economia dessa divisão da qual Veiga-Neto (2001a) fala e que pode provocar
dificuldades em lidar com o ensino de LI em sala de aula inclusiva.
34
Grifos do autor.
117
Voltando ao nosso corpus e ao nosso trabalho interpretativo nas análises, procuramos
saber como os professores imaginam que a EI (na perspectiva da inclusão de alunos surdos) é
vista, tanto pelos alunos surdos, quanto pelos alunos ouvintes. Acreditamos que essas
representações também orientam o modo de agir prático do docente, pois, ao dizer sobre
como percebe a visão do aluno sobre a inclusão, o enunciador revela sua própria percepção
(ao tentar falar do outro, o sujeito fala de si). Primeiramente, falaremos sobre como o
professor entende a percepção que o aluno surdo tem da EI:
(29) Eu acho que está hoje eu acho que está mais fácil no iní:::cio eles
tiveram muita resistência o surdo dentro de uma escola regular inclusive assim
a evasão foi muito grande... [ ] o que que acontecia? Eles não davam conta
daquilo, não tinha intérprete, não tinha nada então eh::: eles evadiam eles
simplesmente sumiam da escola volta e meia você encontrava um na rua “Ah,
e aí? Não não est/ acabou. Por quê”? “Ah porque não entendia o que o
professor fala:::va” então HOJE::: com o intérprete na sala de aula eu acho
que assim flui melhor então eles se adaptam melhor ao ambiente, né? (P2)
No recorte 29, a marca temporal hoje divide a inclusão dos alunos surdos em dois
tempos, na visão de P2. No primeiro momento, o aluno surdo não se adaptava à EI e, no
segundo momento (hoje), ele se adapta mais facilmente. Lembramos aqui que essa mesma
enunciadora, que afirma uma adaptação mais fácil para o aluno surdo na escola regular de
hoje, mostrou em seu discurso um desconforto com a situação da sala mista, como mostrado
anteriormente. uma contradição ao afirmar que o aluno hoje adapta-se mais facilmente e
também ao afirmar que esquece a presença desse aluno em sala de aula. Um dos significados
encontrados para o termo adaptar no dicionário (HOUAIS, 2004) é harmonizar-se, adequar-
se, ambientar-se. É possível um aluno se adequar a um ambiente de ensino onde é esquecido?
As contradições são constitutivas do sujeito, pois ele é marcado por várias representações que
podem provocar tensão no discurso. Percebemos citações diretas do discurso do outro no
dizer de P2.
Notamos na citação direta (“Ah, e aí? Não não est/ acabou. Por quê”? “Ah porque
não entendia o que o professor fala:::va”) a heterogeneidade mostrada, como teoriza Authier-
Revuz (1998). Segundo a autora, a heterogeneidade mostrada é a marca do discurso do outro,
que é dada a conhecer através do fio do discurso (conforme visto no capítulo anterior). A
marcação temporal no discurso (hoje eu acho que mais fácil, no iní:::cio eles tiveram
muita resistência, então HOJE) a impressão de um conflito resolvido, de que a mudança
ocorreu e funcionou, o que não corresponde ao dito anteriormente sobre a inclusão por essa
professora. A mudança a qual a professora se refere como responsável pela adaptação do
aluno surdo é a presença do ILS. A falta de um intérprete é vista como um nada possível na
118
inclusão do aluno surdo (não tinha intérprete equivale a não tinha nada). O sentido desse
dizer é não autorizar-se como professora de LI para os alunos surdos. O dizer no discurso
direto sobre o fato de que o aluno não entendia o que o professor falava (“Ah porque não
entendia o que o professor fala:::va”) relata uma via de mão dupla em seu sentido: o aluno
não entendia nada e o professor também não entendia, pois este não se autoriza a ensinar ao
aluno surdo e a conhecer/usar a Libras (representada como única forma de interagir com o
surdo, será explorada mais adiante). A questão da mudança (hoje flui melhor, adaptam
melhor, mais fácil) parece ser completa no discurso, porém, tendo em vista as
representações anteriores, não uma harmonia, uma adaptação calma e sem incômodo para
o professor, mas revelam o acontecimento de uma ação no contexto.
Seguindo em frente:
(30) olha pela experiência que eu vejo eu não saberia te dizer assim com
certeza mas eu acho que eles eles iriam preferir ter uma sala de surdos
dentro de uma escola com ouvintes entendeu? Eu eu eu entendo que às vezes
eles se sentem prejudicados numa sala mista entendeu? Porque se o professor
não não tem condi/não tem condição de você acompanhar o ritmo sabe? Eh dá
daquele ritmo mais lento na sua aula a todo momento porque os ouvintes não
têm as mesmas necessidades que o surdo. (P3)
No dizer da professora P3 (excerto 30), é necessário que recordemos as condições de
produção do discurso e o lugar de onde essa professora fala. P3 é professora de uma escola
inclusiva que possui salas de aula mistas (surdos e ouvintes) e salas de aula exclusivas para
alunos surdos. Pela observação feita e em nossos registros em notas de campo, vimos que nos
dois tipos de sala de aula o professor pode contar com a ajuda de um intérprete. Ainda foi
possível perceber, nas observações, que o material usado pela professora e também a sua
dinâmica de aula é diferente em cada tipo de sala. Houve um deslocamento nas ações práticas
dessa professora pela presença do aluno surdo. Ao dizer pela experiência que eu vejo mesmo
que esse dizer venha acompanhado de uma modalização (eu não saberia te dizer assim com
certeza), notamos o valor que a P3 atribui à experiência de lecionar nesses dois contextos. Ela
fala de um lugar que pode ser considerado como um lugar misto, P3 fala do lugar de
professora de uma sala mista e, também, do lugar de professora de uma sala de aula exclusiva.
A adversativa mas se opõe justamente ao que foi afirmado como falta de certeza (eu não
saberia dizer), ou seja, o sentido desse dizer é “eu sei dizer sim”. De acordo com a
observação que fizemos em sala de aula, notamos que a afirmação eles iriam preferir ter uma
sala de surdos apresenta uma representação da própria enunciadora: ela prefere uma sala
de aula só de surdos e uma outra de ouvintes. P3 parecia mais confortável na sala de aula
119
exclusiva; era possível perceber que o ato de dividir a atenção entre surdos e ouvintes dentro
de uma mesma sala não é encarado como uma tarefa simples pela professora. A repetição de
perguntas como entendeu?, sabe?, como uma forma de persuadir o interlocutor da veracidade
do que diz, direciona a uma imagem de prejuízo para o aluno surdo que está em sala de aula
mista. Melhor dizendo, ela também se sente prejudicada como professora e afirma que o
professor perde a sua condição de atuação pedagógica como ela imagina ser ideal para o
ensino da LI e para o aluno ouvinte.
Em seguida, no recorte 31:
(31) eu falei tem alunos que veem com bons olhos que eles sentem amparo
que vão aprender TAMBÉM aquele espírito de ajuda de solidariedade... outros
eles já veem com restrição que se (mandar) numa sala de surdos ou com
deficientes de baixa visão eles falam que vão ter PREJZO que o professor
vai ter um atra:::so numa maté:::ria que vai tá com um trabalho mais lento/às
vezes tem esse preconceito. (P4)
Ressaltamos que a pergunta dirigida aos professores nesse momento da entrevista pedia-lhes
que relatassem como eles imaginavam que o surdo percebia a inclusão em escola regular. P4
responde inicialmente dizendo sobre o aluno surdo, mas em seguida perde a direção do seu
dizer e fala sobre a impressão que o aluno ouvinte tem da EI. Esse equívoco mostra-nos que,
embora a professora fale dando voz ao aluno ouvinte, ela nos revela suas próprias
representações. Inicialmente, notamos as restrições ao processo de inclusão pelo uso do
marcador (eles veem com restrição), que muda a orientação discursiva do fragmento
discursivo que o antecede. Ou seja, os alunos citados anteriormente trabalham de forma
solidária ao colega, mas os outros apresentam dificuldade em aceitar a presença do aluno
surdo. A dificuldade é da professora também. Temos outra observação interessante ao
perceber que os surdos e os cegos são vistos pela professora como motivo de uma mesma
dificuldade representada por ela como um atraso na matéria, um trabalho lento. Lembramos
que a imagem de um atraso de algo que impede o trabalho do professor também aconteceu no
discurso de P3 ( daquele ritmo mais lento na sua aula
)
. A representação de prejuízo ao
aluno ouvinte também aconteceu no discurso de P5 (ter o cuidado de que::: não também
prejudique aqueles alunos que sabe/ que têm uma competência melhor) (excerto 18), no item
anterior (5.5). Ainda é possível ver uma menção ao discurso caridoso da EI (TAMBÉM aquele
espírito de ajuda de solidariedade). Skliar (2003) afirma que o discurso da caridade legitima
moralmente a atividade caritativa como resposta válida ao processo de inclusão e à educação
especial, tendo em vista o objetivo de humanizar e normalizar a alteridade deficiente. Porém,
120
as restrições a esse ato caritativo, de amparo, solidariedade e aceitação dos surdos se mostram
pela imagem de perda e prejuízo aos ouvintes.
Voltando ao que P5 disse sobre um cuidado para não prejudicar o aluno competente,
veremos mais um excerto desse professor:
(32) eh::: o que eu percebo deles que eles tão muito bem que eles não
questionam muito não e::: e atuam junto com os colegas de forma
considerável normal sem sem distinção assim que eles são INFERIORES por
eles serem especiais oh/no caso surdos. (P5)
No excerto 32, o professor acaba por reforçar a imagem de um aluno inferior quando
se refere ao aluno surdo (eles são INFERIORES por eles serem especiais oh/no caso surdos).
Há uma contradição no dizer de P5; primeiro, ele afirma que o surdo interage com os ouvintes
de forma considerável normal e em seguida diz não haver distinção entre os alunos. Uma vez
que a expressão considerável normal faz distinção entre o normal e o anormal, uma
distinção, uma marca da diferença. A marca da diferença também acontece no próximo
recorte:
(33) eu acho que eles sentem que eles são diferentes que isso aí eh eu acho que
eles já deixaram claro/pelo menos eu percebo isso nas meninas eu acho que
eles se mostram assim ser pessoas diferentes e que eles têm que receber um:::
um atendimento diferenciado... pela forma pela postura da forma como eles
falam com a gente... fala não QUE eles sinalizam pra gente assim pra gente
poder entrar em contato com eles... ELES sentem que eles m têm que ser
tratados diferente dos outros. (P6)
Diante do recorte 33, temos, além da marca da diferença bem revelada no discurso, o
uso de expressões deônticas (eles têm que receber um::: um atendimento diferenciado, eles
têm têm que ser tratados diferente dos outros) que trazem ao dizer o efeito de uma
recomendação indicando o ideal (no imaginário da professora). Ou seja, o ideal é tratar o
surdo de forma diferenciada. A troca do verbo sinalizar pelo verbo falar, que foi corrigida
pela professora logo em seguida, revela uma falha no dizer. Essa falha pode estar relacionada
a uma vontade de normalização. A marca da diferença que, como dissemos, aparece no dizer
de P6, surge como uma imagem do surdo que a professora acredita apenas repassar, mas que
lhe pertence como uma representação também do modo como tratá-lo: com um atendimento
diferenciado. Ao mesmo tempo em que a professora afirma a necessidade de um tratamento
diferente para o aluno surdo, vimos nas representações do item anterior, quando P6 diz estar
de mãos amarradas diante da inclusão dos surdos, que ela não a possibilidade de um
tratamento diferente. É algo que, ao ser dito, implica uma busca não-dita no fio do discurso,
mas que parece estar parada diante de um sentimento de impotência.
121
Diante do exposto nos dizeres dos professores ao emprestar as suas vozes aos alunos
surdos e dizer sobre o que esses pensam a respeito da EI, encontramos algumas
representações bem marcadas. Observamos que o ILS é visto como responsável pela
adaptação do aluno surdo e veremos mais adiante algo sobre essa representação. Vimos ainda
que a sala de aula exclusiva e o ensino diferenciado são apontados como a forma idealizada
de um possível ensino de LI para o aluno surdo. E por último, temos a representação da
inclusão de alunos surdos como um prejuízo para alunos ouvintes e para o professor de LI,
embora seja notável a dificuldade que os professores têm em dizer/assumir a representação de
um prejuízo diante da imagem de EI ideal que vem do discurso pedagógico e também da
imagem de professor ideal que fomenta a tensão entre os discursos que constituem o sujeito
professor.
Veremos agora a análise de alguns recortes das respostas dos professores para a
pergunta em que questionamos como eles pensam que a inclusão de alunos surdos é vista
pelos alunos ouvintes. Percebemos, em nossa análise, que o aluno surdo é visto como a
novidade, algo que não é o mesmo. Os binarismos normal-anormal, iguais-diferentes lançam-
nos em conflitos marcados nesses discursos: alunos que gostam, mas veem um obstáculo no
outro; alunos que se dão bem, mas problemas de adaptação; alunos que convivem
tranquilamente, mas não se relacionam. Essas marcas discursivas que apontam esses conflitos
mostram que os professores têm dificuldade em lidar com a situação de dois grupos diferentes
que devem ser normalizados em sala de aula. Vejamos algumas marcas linguísticas que
ilustram esses conflitos:
(34) Ah eles gostam MU::ITO de conviver com eles... eh é o novo é o
DIFERENTE o diferente assim eh eh de um::: um um::: OBSTÁCULO que
eles não têm... são muito solidários TAMBÉM muitos aprendem
RAPIDAMENTE a se comunicar com eles é muito interessante eu eu vejo
assim que há um receptividade muito grande. (P1)
O positivo e o negativo estão muito próximos nos dizeres dos professores quando se
trata da opinião do aluno ouvinte sobre a inclusão de seus colegas surdos. Temos que eles
gostam MU::ITO de conviver com eles..., eh é o novo é o DIFERENTE, Eles ADORAM! Eles
gostam eles acham bom eles se interessam eles aprendem super rápido com os surdos, eles se
dão super bem, existe uma convivência é tranquila. Todos esses dizeres traçam um perfil
positivo do aluno ouvinte em relação à presença de seu colega surdo e ao mesmo tempo uma
vontade de uma convivência real e boa por parte dos professores. Porém, os deslizes
acontecem e notamos que essa imagem pode ser um desejo do professor, mas não a realidade
122
comum em sala de aula. Como visto no capítulo do tecido histórico, de acordo com Bhabha
(1998), a questão não está somente sobre a percepção de imagens positivas e negativas, mas
de um processo de subjetivação que surge a partir do discurso dos estereótipos. O sujeito se
diante de posições de poder que vibram e/ou deslocam entre resistências, dominações e
dependências que tanto constroem a identidade de quem inclui, quanto a identidade do
incluído.
No recorte 34, seguimos algumas pistas linguístico-discursivas que nos mostram
alguns equívocos, contradições que são traços que constituem o sujeito. Inicialmente,
percebemos o adjetivo novo, marcado por um tom positivo, em conflito com o substantivo
obstáculo que tem um sentido negativo. O aluno surdo continua na imagem de obstáculo
(prejuízo) para o aluno ouvinte, mesmo sendo camuflado por uma predicação positiva (eh é o
novo é o DIFERENTE) que traz como efeito a marca de um outro que precisa ser
normalizado. Ao dizer que são muito solidários TAMBÉMpoderíamos substituir o termo
também pelo termo além disso, ou seja, apesar de verem o obstáculo da surdez, os alunos
ouvintes são solidários ao colega. Mais uma vez, o discurso caritativo da EI se inscreve.
Voltando ao segundo capítulo, falamos do discurso da tolerância, que é fruto de uma relação
de poder que marca as dicotomias. Tolerar implica suportar algo em alguém (como um
obstáculo). Aquele que ocupa a primeira posição na relação dicotômica exerce o poder sobre
o que ocupa a segunda posição. Ora, sendo assim, o normal decide sobre a inclusão do
anormal. Conseguimos ver, nos dizeres dos professores, que o aluno ouvinte decide e
determina a inclusão do aluno surdo. O professor, como ouvinte, também faz suas escolhas
pedagógicas (falaremos sobre a metodologia de ensino mais a frente) como alguém que tolera
a diferença (ainda que com conflitos).
No dizer de P2:
(35) Eles ADORAM! Eles gostam eles acham bom eles se interessam eles
aprendem super rápido com os surdos Ah, e volta e meia você na sala de
aula eles tão eh e eles tão conversando em Libras [ ] E eles se dão super
bem também não tem problema nenhum assim de adaptação do surdo às vezes
o surdo que nu:::m né... mas não tem problema de adaptação de afetação não
existe com o surdo. (P2)
E, na sequência, E eles se dão super bem também não tem problema nenhum assim de
adaptação do surdo às vezes o surdo que nu:::m né...”, a expressão às vezesperturba a
imagem da convivência tranquila mencionada pela enunciadora anteriormente. Vemos, por
esse dizer, que algo que atrapalha a convivência professor-aluno também. E não uma
definição do que acontece e que atrapalha a convivência. Como aponta Lacan (1998), o
123
significante antecipa o sentido, abre uma dimensão diante de si e, quando o significante é
recalcado, o sentido é ainda mais opressivo. se sabe que algo que contraria a
convivência pacífica entre alunos surdos e ouvintes, mas a professora não consegue nomear (
o
surdo que nu:::m né...
) o que ocorre. uma censura no dizer e leva a professora a uma
explicação sobre o que nem teria concluído em sua fala. De acordo com Mendonça Filho
(2001):
A censura é um rastro da impossibilidade do “Eu” em realizar a assimilação
do que é inconsciente, e não é por acaso que, ao seguir essas pegadas, Freud
estabeleceu as formas por meio das quais o Inconsciente se manifesta: os
sonhos, o sintoma, os chistes, os atos falhos, e os lapsos de língua. Tais
manifestações apontam com insistência a ocorrência de lacunas em nossa vida
mental consciente, vazios que denotam a existência de um o(O)utro texto do
qual o “eu” nada sabe porque não lhe é possível lê-lo (MENDONÇA FILHO,
2001, p. 79, grifos do autor).
A professora não tem como nomear a sua falta, embora ela esteja presente. A explicação se
inicia com a conjunção adversativa mas, indicando que a frase introduzida pela conjunção é
contrária à que seria dita anteriormente. Assim, se o complemento é mas não tem problema de
adaptação de afetação não existe com o surdo, podemos interpretar como um problema de
adaptação, de afetação em relação ao surdo e que foi censurado no dizer. Em um outro
excerto:
(36) olha... existe uma convivência é tranquila a convivência deles dentro de
sala eh se bem que eu acho que essa eh o relacionamento ele efetivamente não
acontece. Primeiro, barra na questão da língua tá... a maioria dos ouvintes não
sabem Libras e talvez também não se interessem então dentro da sala de
aula a gente eh há uma separação tá? Filas de surdos e o resto das salas
ouvintes. Eles se respeitam tá? Nunca houve assim problema mas eu acho
que também não há essa interação. (P3)
No dizer de P3, o conflito está marcado explicitamente. A professora diz que uma boa
convivência e depois declara fatos contrários a essa percepção; a expressão se bem que, por
exemplo, abre espaço para uma adversativa que orienta o dizer para um outro lado (o
relacionamento ele efetivamente não acontece), ou seja, o relacionamento entre surdos e
ouvintes não se a contento. Ou pelo menos não acontece como a professora imagina que
deveria acontecer. Ao dizer que as pessoas não se interessam em aprender a Libras, ela
também se diz desinteressada. E com isso, leva-nos a perceber que em seu imaginário ela
pensa ser a aprendizagem Libras por surdos e ouvintes a solução, o meio para que o
relacionamento efetivamente funcione.
Nos próximos recortes, voltaremos uma vez mais à economia do prejuízo na EI:
124
(37) oh eu acredi:::to que::: tem opiniões diversas, ? Tem alunos que veem
com bons olhos eles se integram se relacionam bem com seus colegas... mas
tem alunos que eles eu percebo que às vezes eles não querem fazer atividade
com um aluno surdo ou um aluno cego ou com deficiência... ele acha que vai
ficar PREjudicado no trabalho né? (P4)
(38) eles eles concordam bem eles ACEITAM eles não questionam muito não
mas já houve casos que um aluno reclamou né? Porque achou::: que o
intérprete tava ajudando dando dicas na::: na no momento da prova e::: e:::
teve um momento também que uma aluna reclamou por por achar que::: a
atenção tava sendo mais dada a eles que::: a eles normais... houve esse
momento::: aluno triste. (P5)
(39) Eu acho que eles são indiferentes... eu acho... e chega chega até certo
ponto com essas duas pessoas que entrou na sala de aula::: já chegou ao
ponto de alguns alunos aacharem ruim assim... de achar que professor
dando muita atenÇÃO ou tá/que ali não é/não seria o lugar deles... já chegou
momento da gente ter que de ter que CONVERSAR com os alunos pra eles
ACEITAREM aquela situação... infelizmente lá já aconteceu isso. (P6)
Os excertos 37, 38 e 39 reforçam a imagem de uma convivência sem interação e
marcada pela indiferença que incomoda os professores (eu acredi:::to que::: tem opiniões
diversas, aluno triste, Eu acho que eles são indiferentes...). Um fato interessante no dizer de
P1 acontece quando ela enuncia que tem opiniões diversas, ou seja, ela também está dividida,
também está em conflito entre o incluir e o excluir. Ferreira (2001, p. 145 citando FREUD)
afirma que “aquele que ensina é um sujeito dividido. Sua construção é ordenada por aquilo
que ele não sabe, mas interroga”. O professor é marcado por uma incompletude, por um não
saber, um furo no saber. Ao dizer que o outro tem opinião diversa, o sentido presente é a
própria opinião, que vacila entre diferentes vozes que o constituem. Cabe lembrar que o
marcador traz uma tentativa de persuadir um interlocutor para que este concorde com as
imagens do enunciador (BERTOLDO, 2003).
No recorte 38, P5, ao falar da opinião do aluno ouvinte, traça, no fio do discurso,
algumas de suas próprias percepções. Por exemplo, ao dizer que o aluno ouvinte não com
bons olhos a atitude de um ILS colaborando com um aluno surdo no momento da prova, o
enunciador se diz incomodado com essa situação. Além desse dizer, podemos observar na
sequência discursiva que o professor não a possibilidade de atender a todos de forma
igualitária em sala de aula, o que não confirma o que ele enunciou anteriormente sobre tratar
igualmente e dar a mesma oportunidade a todos (um momento também que uma aluna
reclamou por por achar que::: a atenção tava sendo mais dada a eles que::: a eles
normais...). A conjunção que tem valor comparativo no fragmento tava sendo mais dada a
eles que::: a eles normais. Considerando a comparação, podemos inferir pelo não-dito que o
próprio professor não considera correto dar mais atenção ao aluno surdo. O significante
125
normais assume um valor de poder, lembrando-nos que esse significante assume a primeira
posição na dicotomia normal-anormal e, por sua posição, ideologicamente, o normal seria o
merecedor de maior atenção no imaginário de P5.
O desejo
35
de ter uma sala de aula fora da inclusão é uma interpretação possível na
fala da professora P6 e que pode ser visto no fragmento que ali não é/não seria o lugar
deles.... A incisa ( dando muita atenÇÃO ou tá/que ali não é) provoca uma ruptura no
dizer, desestabiliza a ideia anterior para fazer que algo intervenha no dizer: ali o é o lugar
do aluno surdo. Notamos que o verbo ser é primeiramente usado no presente é, não é o lugar
dele, e logo em seguida a professora tenta conter o sentido do que disse e troca a conjugação
verbal para o futuro do pretérito seria. Mas, a cada vez que, em uma explicação, tenta-se
conter o sentido do dizer, esse sentido é explicitado e o dizer trai o enunciador.
Nas representações desse item, encontramos, entre as formações imaginárias, a
imagem de um professor impotente diante do não-saber Libras e que vê a falta de um
intérprete como uma barreira total ao ensino de LI para o aluno surdo. A imagem da inclusão
de surdos como prejuízo para todos os envolvidos na situação também acontece com
frequência nos discursos e contraria os discursos políticos educacionais, como a declaração
Educação Para Todos (UNESCO, 2001), que trazem uma imagem de EI que beneficia o
exercício de professores e alunos na educação. Há um conflito discursivo entre o dizer
político-pedagógico que, geralmente, por uma relação de poder vem acompanhado por um
valor de verdade que lhe é atribuído pela academia e pelo próprio professor, e o discurso da
prática real do docente. O confronto entre as várias FD acontece e gera o equívoco, a
contradição, e gera atitudes como inibição ou ação diante do desafio encontrado em sala de
aula. Ainda, e talvez a representação que toca mais fundo uma vontade do docente, a sala
exclusiva para alunos surdos é representada como uma boa proposta para o ensino da ngua
estrangeira e como o lugar certo para o aluno surdo e também para alunos cegos e outros
deficientes que aparecem no discurso dos professores com o mesmo valor. No próximo item
veremos as representações acerca do ILS.
35
Sabemos que o desejo não se deixa conhecer, mas podemos anunciar a possibilidade do desejo a partir do que
nos é dado no fio do discurso.
126
5.7 Eu e o intérprete de língua de sinais
O intérprete de língua de sinais (ILS) já apareceu no discurso dos professores seguido
de representações que o colocam como o responsável pelo aluno surdo e pela adaptação desse
aluno na escola inclusiva.
A missão de um intérprete é mediar situações. Ele é uma ponte entre dois polos de
línguas diferentes. Segundo Rosa (2003, p. 238), na interpretação em LS, “do ponto de vista
ideal, qualquer interpretação requer domínio não apenas da LO
36
e da Libras, mas exige que o
intérprete seja exímio conhecedor do assunto versado”. De acordo com esse ponto de vista, o
ILS teria que conhecer, além da língua portuguesa e da Libras, a LI. E o interessante é a
necessidade de ser um “exímio” conhecedor da LI. Mas a própria autora reconhece a
dificuldade em encontrar ILS com conhecimento em tantas áreas diversificadas. E isto se
agrava muito na educação.
Veremos, nesta etapa das análises, as imagens acerca do intérprete que se inscrevem
no discurso dos enunciadores ora como personagem fundamental do cenário inclusivo, ora
como responsáveis pela harmonia desse cenário, e ora como “uma presença física sem voz e
sem foto” (ROSA, 2003, p. 241).
Primeiramente, veremos as representações acerca da função dos intérpretes:
(40) Ele::: ... traduz o o que o professor explica o que o professor fa:::la eh:::
traduz também eh eh o que o DA questiona. (P1)
(41) ele me auxilia nesse sentido então o menino tem uma dúvida ele
levanta pergunta a gente fala e ele repassa pro menino... Agora a forma como
que repassa né... é que... (P2)
(42) ele através da eh::: da linguagem de sinais ele passa para os surdos a
aula que você tá::: tá dando que você preparou pra turma. (P3)
(43) nossa ele é fundamental porque::: o intéprete ele é o MEDIADOR né? Ele
traz/ele interage aluno com professor então... sem intérprete nós não somos
nada em sala né? (P4)
(44) a função é::: transmitir para os alunos especiais no caso os surdos o que
nós explicamos da matéria. (P5)
(45) Função do intérprete?... TENTAR... eh... eh... interpretar e PASSAR pra
esses esses meninos pra esses alunos inclusivos inclu-inclusivos mesmo né? os
alunos da forma como ele conseguir o que sendo passado dentro da sala de
aula... (P6)
36
Língua Oral.
127
Todos os professores apresentaram, com escolhas lexicais diferentes, a mesma função
para o ILS: tradutor, mediador (Ele::: ... traduz, ele repassa pro menino, ele passa para os
surdos a aula que votá::: dando, ele é o MEDIADOR, a função é::: transmitir para os
alunos especiais no caso os surdos o que nós explicamos da matéria e interpretar e PASSAR
pra esses esses meninos). P2 e P6 apresentam um novo questionamento no discurso: como é
(re)passada a aula de LI para o aluno surdo? Notamos, na fala de P2, que ela não acredita que
a aula é traduzida de forma eficiente (Agora a forma como que repassa né... é que...). O
advérbio agora, empregado no início da fala, apresenta-se como introdutor de uma oposição
37
ao que foi dito antes, ou seja, em oposição ao ele repassa pro menino. No dizer de P2, um
problema na forma como o intérprete traduz. P6 aponta a mesma dúvida sobre a eficiência da
interpretação quando diz da forma como ele conseguir, ou em outras palavras, “isso pode não
está relacionado à LI”. O substantivo mediador nos recorda uma situação de conflito que
precisa ser negociada para estabelecimento de um acordo entre as partes. O ILS é
representado como o negociador que estabelece um acordo entre o professor e o aluno. Ao
dizer que o ILS é fundamental e que nada é possível sem a sua presença, voltamos à
representação do intérprete como elo entre o aluno e o professor, mas também entre o aluno e
a escola. No item anterior, P2 apontou a falta de intérprete como motivo de evasão do aluno
surdo. Além disso, podemos evocar a imagem de um sujeito autorizado pelo professor para
assumir o seu lugar. Ou seja, se, sem a presença do intérprete, o professor se declara como
nada diante do aluno surdo, ele é professor se esse ato (re)passar pela imagem do ILS.
Ainda sobre a presença do intérprete:
(46) Ele é sempre bem-vindo. MU:::Ito BEM-VINDO e é uma presença TÃO
NECESSÁRIA que quando eu estou sem intérprete eu me sinto PERdida
perdida então como que eu faço a comunicação com os alunos? Eu
ESCREVO... que eu não sei Libras então eu escrevo. (P1)
Podemos ver, no excerto acima, as paráfrases da presença fundamental do intérprete:
Ele é sempre bem-vindo, MU:::Ito BEM-VINDO, é uma presença TÃO NECESSÁRIA. Algo
que nos chamou a atenção neste recorte foi solução encontrada por P1 na comunicação com o
surdo. Na falta do intérprete, que é fundamental no imaginário da professora, a professora,
apesar de se ver diante de uma impossibilidade, cria uma via possível - não a idealizada por
ela que seria a comunicação em Libras, mas uma via possível pela escrita. Ela novamente sai
de um discurso que a inibe para um discurso que a faz agir, mesmo diante do desafio, do
37
O uso do advérbio “agora” como conjunção adversativa é muito comum no estado de Minas Gerais (no
linguajar mineirês).
128
obstáculo. Os professores têm a Libras como a forma de contato por excelência na relação
com o surdo. Apesar de P1 apresentar a escrita como alternativa, ao negar que não sabe a L,
ela reforça a ideia da Libras como meio de comunicação. Como efeito dessa representação, a
autorização para o ensino de LI é dada ao intérprete; ele traz ao professor a imagem da
possibilidade ao ensino de LI e parece aliviá-lo, de alguma forma, em relação ao sentimento
de impotência.
Os professores também foram entrevistados a respeito de como imaginavam a situação
de um ILS que não tem conhecimento em LI. A representação que mais ressoou nos discursos
foi a de uma missão quase impossível para o intérprete que não tem conhecimento da LI e
uma missão possível para os intérpretes que têm um conhecimento satisfatório da LI:
(47) Todos os intérpretes que eu tive até hoje eles não TÊM um conhecimento
assim eh considerável né? Satisfatório eh eh da língua inglesa então eh eh é
mais um obstáculo que há mas eh eh de todos as maneiras a gente procura eh
eh lidar com isso. (P1)
(48) eu nunca vivi essa situação. Mesmo porque os alunos surdos eh o nível de
conhecimento deles em língua inglesa é muito básico então assim todos
os intérpretes que eu trabalhei até hoje eles têm esse conhecimento. (P3)
(49) é complicado, mas a a experiência que eu tive::: é que a a intérprete da
Libras/da Libras Libras... ela tinha um conhecimento de língua inglesa e
isso ajudou MUITO::: é INCRÍVEL quando o intérprete domina um pouco o
conhecimento já tem uma facilidade de... de entender o que eu estou falando
no inglês. (P5)
No recorte 47, a conclusiva então nos traz a consequência da falta de conhecimento da
LI por parte do ILS: ele é mais um obstáculo. Assim como a EI e o aluno surdo, o ILS
compõe o quadro de dificuldades enfrentado pelo professor de LI. Notamos que Rosa (2003)
diz sobre a exigência de um conhecimento exímio do par linguístico de tradução, ou seja, da
LI e da Libras. Porém, como os professores entrevistados representam um conhecimento
elementar da LI como satisfatório, eles transferem a mesma imagem que têm acerca do
próprio conhecimento para o ILS. Temos que P3 e P5 apontam no dizer que a solução para
que o intérprete funcione em sala de aula pode estar em um conhecimento básico da língua
estrangeira. O efeito dessa representação pode ser a partilha da responsabilidade de ensinar LI
com alguém que pode vir a se igualar ao professor, tornar-se parecido com a imagem com a
qual o professor se identifica (a imagem de alguém com um conhecimento básico, porém
satisfatório). No dizer de P3, o advérbio nunca (eu nunca vivi essa situação) nos indica que a
professora não um problema em relação ao conhecimento em LI do intérprete porque
acredita não ser necessário um conhecimento além do básico elementar para ensinar inglês
129
para os alunos surdos. A não necessidade de um maior conhecimento em LI também acontece
no dizer de P5, quando esse alega que é possível (re)passar a aula desde que o ILS tenha um
pouco de conhecimento.
No excerto a seguir, veremos a representação de uma missão impossível para o ILS
que não tem formação/conhecimento em LI:
(50) Quase que IMPOSSÍVEL... todo dia eu pergunto é isso pro intérprete... se
ele não se ele não conhecesse se ele não trabalhasse se ele não estivesse
estudando a língua inglesa... INCLUSIVE os dois que eu conheço eles eles
fazem o curso mas não são fluentes também quer dizer é pouca coisa que eles
conseguem assimilar na sala de aula é como se eles fossem::: eh...
estudantes/são acadêmicos né? E que ainda estão no nível médio. (P6)
Ao contrário dos outros professores, P6 a missão do ILS que não conhece a LI
como impossível, embora tente atenuar esse dizer através do modalizador quase (Quase que
IMPOSSÍVEL...). Ela ainda reforça o seu dizer ao afirmar que os intérpretes com os quais ela
trabalha estudam a LI, mas o nível de conhecimento que têm não é suficiente. No dizer de P6,
o ILS é colocado na mesma posição do aluno surdo em sala de aula (INCLUSIVE os dois que
eu conheço eles eles fazem o curso mas não são fluentes também quer dizer é pouca coisa que
eles conseguem assimilar na sala de aula é como se eles fossem::: eh... estudantes). Segundo
Mascia e Flaibam (2007), o fato do ILS não ter o conhecimento da LI necessário é mais um
problema que afeta a produção do aluno surdo em sala de aula. Não esgotamos aqui as
representações acerca do ILS, notamos que a imagem do intérprete está presente a todo
momento no dizer do professor. Continuando a análise linguístico-discursiva, o advérbio
também revela um deslize no dizer de P6. Ao enunciar que eles eles fazem o curso mas não
são fluentes também quer dizer é pouca coisa que eles conseguem assimilar, o também inclui
a professora e a coloca em igualdade com os intérpretes que fazem o curso de inglês
38
, mas
têm apenas um conhecimento básico.
As representações acerca do ILS não cessam de se inscrever nos discursos dos
professores. A todo momento, percebemos novas imagens ou a reedição de uma imagem do
intérprete. Nesse item das representações que nos chamaram a atenção, temos que o ILS é
visto como personagem fundamental na inclusão de alunos surdos. O intérprete também é
representado como elo entre o surdo e o ouvinte no ambiente escolar e mediador/apaziguador
entre os dois. O professor ainda o intérprete como aquele que não precisa ter um
conhecimento exímio em LI, basta que seja elementar o que indica que o professor transfere a
38
Os dois intérpretes estudam a LI. Um intérprete frequenta uma escola de inglês (curso livre) e o outro estuda
Letras/Inglês em uma faculdade particular.
130
imagem que tem de sua prática, a não necessidade de ser fluente para o intérprete. Assim,
notamos que uma partilha da responsabilidade do ensino de LI entre o professor e o
intérprete (no imaginário do docente). Os efeitos dessa representação podem surgir de
diversas formas nas ações dos professores, como, por exemplo, o esquecimento do aluno.
Mrech (2003) afirma que o discurso de cada profissão (nesse caso, do professor de LI) irá
estruturar tanto simbólica, quanto imaginariamente as ações de seus praticantes.
5.8 Minha metodologia de ensino: a busca por uma via possível
Vimos anteriormente que uma das perguntas retóricas feitas pelos professores a
respeito da inclusão de surdos foi sobre o que fazer em sala de aula, ensinando mais uma
língua oral para esses alunos (quando ah eu soube que eu iria trabalhar com esses alunos eh
eh eu fiquei sem saber o que fazer... eu me perguntava o tempo todo: como que eu vou
fazer?... – P1, excerto 17). Para entender a prática atual desse professor, se ela sofreu
modificações e quais soluções o docente tem encontrado nessa caminhada inclusiva,
perguntamos, durante a entrevista, sobre a preparação e planejamentos das aulas, do material
didático e das avaliações.
Quanto à preparação e planejamento das aulas, não há, nos Parâmetros Curriculares de
Língua Estrangeira (1998), uma referência prática específica ao ensino de línguas no contexto
das salas de aula mistas. Os cursos superiores também pouco ou nada preparam os futuros
docentes para essa realidade. Justifica-se, assim, a necessidade de buscar conhecer as
representações desse professor também sobre as soluções acadêmicas que têm sido usadas na
sua prática docente. De acordo com Mrech (2003, p. 13), o professor é efeito “do discurso
pedagógico. Um discurso que é estabelecido na e pela linguagem. Um discurso que é
estabelecido inicialmente durante o próprio processo de formação do professor”. Enquanto o
professor fala, podemos perceber suas escolhas e o efeito de suas representações em suas
ações.
Iniciamos pela preparação e planejamento didático para as aulas. P1 afirma preparar as
aulas da mesma maneira, o que nos leva a entender que seja uma aula cujo foco está no
público ouvinte (excerto 51). O material e a postura como professora também têm o foco no
131
público ouvinte (Material é o mesmo... a postura a mesma ...). Encontramos então uma
contradição. Encontramos a injunção do igual e do diferente, um paradoxo, uma tensão entre
discursos que se imbricam. A professora afirma que a diferença de estar na sala mista é a
atenção que dedica ao aluno surdo, que ela novamente nomeia de DA, numa tentativa de
amenizar o efeito que acredita haver na forma extensa Deficiente Auditivo (eh o diferencial é
na atenção voltada pra os DAs):
(51) Da mesma maneira que qualquer outra sala. Material é o mesmo... a
postura a mesma ... eh o diferencial é na atenção voltada pra os DAs mas eu
sempre elaboro a a os mesmos textos a as mesmas atividades... quando a
parte oral essa parte é feita pelo intérprete pra que eu possa entender mas é
feita em língua portuguesa. (P1)
Interrogamos, no recorte 51, como a postura da professora poderia permanecer a
mesma se sua atenção aos DAs diferencia uma aula da outra? Mais uma vez recorrendo ao
dicionário Houaiss (2004), temos que postura é um “modo de pensar, de proceder”. Se P1
dedica alguma atenção ao aluno surdo, sua forma de pensar a aula e de proceder na mesma
está mudada, a aula não é mais a mesma e nem mesmo a visão da docente sobre os textos e
as atividades que ela disse serem as mesmas. Durante a observação das aulas de P1 para
anotações de campo, pudemos perceber que as atividades em sala de aula e também as
avaliações são mais ilustradas e têm textos mais curtos e instruções mais diretas. A docente,
apesar do discurso do como fazer? não sei o que fazer, mostra sinais de deslocamentos em
sua prática.
Continuando, a adversativa mas (mas eu sempre elaboro a a os mesmos textos a as
mesmas atividades...) se opõe à afirmação de uma atenção dedicada ao surdo como
diferencial. No discurso da EI, um dizer que o tratamento deve ser igual para todos, porém
o professor na injunção do igual e do diferente mostra-se sem saber o que fazer. O discurso
que reverbera entre os professores é o “não saber o que fazer”. Em meio ao conflito por terem
uma imagem idealizada do professor e uma prática distante dessa imagem, o docente não
as suas cria(a)ções como saída para o mal-estar que lhe causa a inclusão. Lembrando Foucault
(1987), os conflitos contraditórios podem surgir das muitas imagens que, apesar de opostas,
constituem o sujeito e dão movimento à sua identidade, que nunca é estática, é sempre um
remanejo e uma transformação.
É notável a preocupação da professora com a ação do intérprete na parte oral da aula.
Nota-se o incômodo de P1 com o fato de ter a parte oral da aula de LI sendo traduzida da
língua portuguesa para a Libras no momento em que o ILS traduz a aula para o aluno surdo, e
132
o foco da LI sendo deixado de lado. Isso está marcado pela conjunção mas (quando há a parte
oral essa parte é feita pelo intérprete pra que eu possa entender mas é feita em língua
portuguesa). Voltando ao item anterior, P1 disse que a atuação do intérprete é mais um
obstáculo para o ensino de LI sendo que, anteriormente, ela havia dito ainda que sem o
intérprete o professor não pode fazer nada, fica perdido. Podemos dizer que o sentido que se
inscreve nessas falas contraditórias pode ser a necessidade de aprender Libras para alcançar
(ilusoriamente) uma prática que o professor imagina ser ideal. Ou seja, a ilusão de que a
linguagem diz tudo e é comunicada sem transferência, a língua como um canal perfeito de
interação. Assim, sabendo a língua do outro, o professor poderia alcançá-lo, pois tem o
conhecimento necessário da ngua inglesa para transmiti-lo ao surdo. Apesar de não ser foco
desta pesquisa, podemos retirar, desses dizeres, alguns questionamentos para estudos futuros.
Por exemplo, uma necessidade de problematizar a questão do intérprete como mediador
entre professor e alunos, e como se dá, a partir da percepção do ILS, a mediação pedagógica e
o encontro de três línguas (nesse caso, a Libras, a LI e o português).
39
O foco no ouvinte continua:
(52) A minha aula ela é preparada ela visa mais o alu:::no OUVINTE
então assim é igual eu te falei essa parte de/ Porque na verdade EU tive um
prepa:::ro mas o meu colega de outro conteúdo ele não tem preparo ele vai
preparar a aula dele EXATAMENTE igual assim como eu eu preparo minha
aula e eu dou a minha aula e o intérprete vai repassar essa aula para o aluno
porque oh [ ] mas mesmo esse preparo que eu ti::ve eu não utilizo aqui não
porque o ouvinte ele é maioria... eu não tenho como preparando uma aula
que teria que ser diferente na minha no meu ponto de vista para o aluno surdo
no caso da quinta série é um aluno como é que eu vou preparar duas aulas?
Então a aula ela flui normalmente levada normalmente... né?... o intérprete é
que vai se virar pra repassar esse conteúdo pro aluno... entendeu? É isso.
(P2)
No recorte 52, P2 também diz colocar seu foco em uma metodologia para o ouvinte.
Cabe lembrar que essa professora teve sua primeira experiência na educação com surdos em
uma escola especial com salas exclusivas para alunos surdos. Segundo P2, a formação que
recebeu para atuar em escola especial não é usada na EI por dois motivos. Primeiro, porque os
professores de outras disciplinas não receberam esse preparo para lecionar com foco no aluno
surdo, então, como os demais professores não alteram suas aulas, ela também não vê a
necessidade de alterar a aula de LI e foca sua prática no público ouvinte. Ela justifica-se
através de uma glosa para explicar o porquê do foco no público ouvinte, tentando se desculpar
e se livrar de uma culpa que a incomoda (A minha aula ela é preparada ela visa mais o
39
A problematização aqui sugerida é o tema pretendido em nossa futura pesquisa para doutoramento.
133
alu:::no OUVINTE então assim é igual eu te falei essa parte de/ porque na verdade EU
tive um prepa:::ro mas o meu colega de outro conteúdo ele não tem preparo ele vai preparar
a aula dele EXATAMENTE igual). E a segunda justificativa é o número maior de ouvintes em
sala de aula (mas mesmo esse preparo que eu ti::ve eu não utilizo aqui não porque o ouvinte
ele é maioria...). Notamos que a adversativa mas (mas mesmo esse preparo que eu ti::ve) tem
valor conclusivo e vem logo após a conjunção conclusiva porque e uma pausa. A pausa
mostra-nos uma hesitação em concluir e um gesto de interpretação da enunciadora, que parece
sentir-se incomodada com sua própria justificativa. A docente considera impossível preparar
duas aulas para serem aplicadas no mesmo local e ao mesmo tempo (como é que eu vou
preparar duas aulas?) ou uma aula que beneficie todos os alunos, embora, ao dizer isso,
entendemos que a professora está indicando a preparação de duas aulas como solução. E,
novamente, um deslize, a professora deixa escapar que duas aulas acontecendo ao mesmo
tempo na sala mista, uma ministrada por ela (Então a aula ela flui normalmente levada
normalmente...) e outra pelo ILS, que, na fala de P2, é o responsável pela aula do surdo (o
intérprete é que vai se virar pra repassar esse conteúdo pro aluno...). O advérbio de modo
normalmente ainda marca a diferença, uma aula é normal é para normais, a outra não se
define como se dá, é algo para se virar, e por isso inscreve-se como uma aula anormal.
Na próxima sequência discursiva, um gesto de rememoração, retoma-se algo dito
de outra forma em outro lugar:
(53) Porque é isso sa:::be [] a gente num assim igual eu te falei o aluno surdo
aqui ele é tratado como um aluno/eu acho que a questão do intérprete ela
facilitou nesse po:::nto então o professor... por exemplo quando os meninos
começaram a vir pra escola no primeiro a:::no 2002 2003 qual que era a
dificuldade? O professor entrava na sala e ele ficava louco... porque ele não
sabia o que fazer com o aluno surdo... e ele tinha razão porque ele não tinha
preparo nenhum então, hoje com o intérprete o intérprete tá ali::: então você
prepara sua aula DO MESMO JEITO sabe? Por isso que eu acho que a
inclusão é é meio complicada né?então. (P2)
Outro discurso atravessa a enunciação e lhe confere outros sentidos (igual eu te falei).
Segundo Netto (2008), essa retomada representa algo dito no passado e que agora surge
ressignificado. Os deslocamentos entre eu, a gente, o professor, ele ressaltam a clivagem do
sujeito:
Ao falar do outro, ele postula sua presença na constituição de todo e qualquer
discurso. Falar é ‘inter-dire’, palavra que traz em seu significante não o
interdito constitutivo da linguagem, o apagamento de sentidos, o
silenciamento de vozes, mas também a heterogeneidade, a presença de outros
e do Outro, constitutiva do discurso e do sujeito (entre-dizer). O constante
134
deslizamento entre a gente, eu, meu, ele deixa rastros dessa clivagem no
discurso. A interdição é da língua (proibição institucional) e na língua (o não
conseguir se colocar como personagem principal de sua própria narrativa)
(NETTO, 2008, p. 179).
O excerto 53 é uma explicação que a professora proferiu logo após ter dito o que está
transcrito no excerto 50. A professora rapidamente tenta explicar esse dizer sobre o ILS (o
intérprete é que vai se virar); de início, P2 diz que o surdo é tratado como qualquer outro
aluno (o aluno surdo aqui ele é tratado como um aluno), o que contraria o que havia dito
anteriormente sobre a necessidade de mudar a aula de acordo com a diferença entre os alunos.
Em seguida, entra com uma glosa que a coloca novamente como a professora dos alunos
surdos, que é uma posição/função que ela havia delegado ao intérprete (eu acho que a questão
do intérprete ela facilitou nesse po:::nto então o professor...), e que ela havia atribuído ao
ILS. Assim, a professora tenta amenizar o peso que lançou sobre o intérprete e dominar o
sentido de suas palavras. Outra vez, o ILS surge como personagem principal e peça
fundamental da inclusão dos surdos no discurso da docente, quando ela afirma que a ausência
do intérprete leva o professor à loucura (O professor entrava na sala e ele ficava louco...
porque ele não sabia o que fazer com o aluno surdo...). Enfim, a professora confessa seu não
saber em relação a EI através do predicado complicado (Por isso que eu acho que a inclusão
é é meio complicada né?). O discurso do “não saber/como fazer?” reverbera. Continuando:
(54) Para os a/eu gostaria de numa mesma turma que tem eh são as turmas
mistas de ter uma dinâmica assim totalmente diferenciada tá? dos ouvintes
que na verdade eu tenho uma aula por semana em cada turma então assim
aluno do terceiro ano por exemplo do ensino médio tem turma mista eu não
posso dar aula diferenciada senão a coisa não caminha então assim é meio que
sabe eu evito determinadas coisas porque trabalha com som com música e
mais textos. (P3)
A aula com foco no ouvinte também é dita como sua prática pedagógica nesse
contexto, por P3. Na incisa eu gostaria de numa mesma turma que tem eh são as turmas
mistas de ter uma dinâmica assim totalmente diferenciada tá? dos ouvintes está a vontade de
uma mudança por uma solução e a inquietude de não ter uma dinâmica funcional na sala de
aula mista. Como forma de amenizar para si os conflitos que sente em sua prática docente, P3
evita o trabalho com as habilidades orais da LI e prefere o uso de textos (então assim é meio
que sabe eu evito determinadas coisas porque trabalha com som com música e mais textos).
Embora ela não acredite que isso tenha o resultado ideal (que ela almeja) quando denuncia
sua frustração na expressão então assim é meio que sabe, a professora não tem definição do
que é melhor a ser feito. Isto, apesar de que o uso de textos é uma cria(a)ção. É uma forma
135
de sair (do discurso) da inibi(a)ção. Outro fato é a ação em favor do surdo. A professora
abandona as habilidades orais da LI, mesmo que essa decisão empobreça a aula. Ou seja, ao
favorecer o aluno surdo, o aluno ouvinte é excluído (injunção igual-diferente), pois ele
poderia ser beneficiado com as atividades orais. Dando sequência às análises:
(55) Sempre que possível... eu trabalhava com ensino médio né? Nunca tive
aluno do ensino fundamental então sempre que possível eu... pegava o tema
que eu ia trabalhar se era estudo de texto se era... gramática eu... consultava
geralmente a intérprete trabalhava comigo ela tinha conhecimento de inglês
também... o que era importante passar? O que não? O que era importante
melhorar? As avaliações eu procurava ao máximo né? Colocar questões de
múltipla escolha né? Que era a mesma pra todos e::: naquilo que era possível
eu estar perto deles pra trabalhar em grupo com eles. (P4)
Outra imagem interessante surge no discurso de P4, que é a imagem do ILS como
pedagogo, como aquele que presta auxílio ao ensino pelo conhecimento político-pedagógico
que tem. P4 diz consultar o intérprete para preparar suas aulas (sempre que possível eu...
pegava o tema que eu ia trabalhar se era estudo de texto se era... gramática eu... consultava
geralmente a intérprete). As perguntas que o professor normalmente se faz ao planejar a aula
são dirigidas ao ILS (o que era importante passar? O que não? O que era importante
melhorar?), o que reforça a imagem do intérprete como (co-)responsável pela adaptação e
pelo ensino da LI na questão do aluno surdo. Além da imagem de pedagogo, há, no dizer, o
que figura uma parceria professora-intérprete. Ressaltamos aqui as condições de produção
desse discurso. P4 está concluindo uma especialização Lato Sensu em Libras, o que
possivelmente a torna, entre os professores entrevistados, a melhor preparada para a inclusão
dos alunos surdos. A própria decisão de cursar uma especialização como essa ilustra o
processo identificatório de P4 com a prática em salas mistas, pois já tinha passado pela sala de
aula mista antes de optar pelo curso citado. O efeito dessa parceria pode ser fruto de uma
identificação com a função da intérprete. Ressaltamos, ainda, que os dizeres sobre criar-a-
ação têm ressoado em todos os discursos dos entrevistados, revelando posições criativas do
professor, mesmo que tais dizeres estejam atravessados por dizeres sobre inibir-a-ação. Tal
fato linguístico nos pistas para apontarmos que se configura uma FD em que esses
professores se inscrevem.
As questões de múltipla escolha e o trabalho em equipe (professor+aluno surdo)
aparecem no discurso da professora como uma solução didática, até mesmo na equipe
pedagógica: professor + intérprete.
O material didático e o método avaliativo aparecem no discurso dos professores como
focados no público ouvinte também. Perguntamos aos professores se alguma diferença no
136
material didático preparado para a sala mista, se eles consideram a presença do surdo na
elaboração de material:
(56) Eh não é nenhum material é elaborado... eh com o foco no no aluno
surdo MAS eu eu procuro muito usar a parte de ima:::gem cola:::gem recortes
ehh no no primeiro semestre né eu tabalhei/eeles elaboraram assim várias
frases e aquelas frases eram traduzidas através de de colagens tanto montavam
as pessoas eh montavam eh eh a::: parte do diálogo exatamente pra ele poder
visualizar o que ele criou. (P1)
(57) Da mesma forma e isso é assim eu acordei isso com o próprio intérprete.
Tem que ser diferente? Não. Eles que vão estar::: entendeu? Então é a mesma
aula é a mesma pro:::va é o mesmo conteúdo TUDO. (P2)
Vemos nos excertos 56 e 57 que o discurso da igualdade da inclusão, visto nos dizeres
dos professores, revela uma normalização em todas as atividades pedagógicas. A inclusão do
diferente, do especial considera uma forma de fazê-lo parecer comum, normal. Na pergunta
retórica no dizer de P2, que afirmava anteriormente que a inclusão é complicada, aparece o
dizer do normalizador (Tem que ser diferente? Não). Repete-se o discurso inclusivo e dá força
à ideia de excluído. Novamente surge a injunção do igual e do diferente. Temos aqui um
paradoxo. De acordo com Japiassú e Marcondes (2006, p. 211), o paradoxo é um
“pensamento ou argumento que, apesar de aparentemente correto, apresenta uma conclusão
ou consequência contraditória, ou em oposição a determinadas verdades aceitas”. Tomemos
como o seguinte paradoxo no dizer de P1: nenhum material é elaborado com foco no aluno
surdo. Esse paradoxo aponta para o discurso da inclusão que a professora aceita com uma
verdade: a igualdade de tratamento para todos, defendida nesse discurso. Contraria, porém, a
realidade de sua prática. Sendo assim, se essa afirmação for verdadeira, a solução didática do
trabalho com as colagens, que P1 apresenta como uma forma de ressaltar a diferença na
prática com os alunos surdos, não seria uma solução. Mas, como dissemos no item anterior,
pelas observações feitas em sala de aula, notamos que as mudanças no material didático
ocorrem e mostram as posições criativas da professora diante do conflito/ desafio, obstáculo
que ela percebe na inclusão dos alunos surdos.
Para o discurso da inclusão, ninguém pode ser diferente, não o material, as
avaliações e o conteúdo devem permanecer os mesmos. Assim, os paradoxos circulam pelos
discursos dos professores a todo momento. O discurso deôntico tem que ser nos remete
novamente ao atravessamento do discurso do enunciador pelo discurso político da legislação
educacional. Veremos mais recortes:
137
(58) NÃO não é preparado... eh::: eu acho que de modo geral eu acho que não
é preparado específico para o surdo... assim tem pode ser que tenha
professores procuram outros não... no meu caso sempre que possível porque
nem sempre assim você tem disponibilidade de tempo pra preparar esse
material procurar atender ao máximo. (P3)
(59) Não. Não eh nas turmas mistas isso eu não preparo material
diferenciado... entendeu? Mas, sempre que eu estou fazendo um material para
a turma eu penso nos surdos. (P4)
Nos recortes acima, P3 e P4 também dizem não haver diferença no material da sala
mista (NÃO não é preparado... eh::: eu acho que de modo geral eu acho que não é preparado
específico para o surdo..., eu não preparo material diferenciado...). Na fala de P3, o discurso
do outro é ali revelado pela expressão de um modo geral. Melhor dizendo, de um modo geral
indica a presença de outros comigo. Logo depois a enunciadora se distancia desse outro de
mesma atitude ao dizer no meu caso; ela espaço a outro dizer e revela vozes contrárias
constituindo sua ação pedagógica. A contradição revela as incertezas das ações de um
professor em sala mista. Ora um professor de sala de aula exclusiva, ora um professor de sala
aula mista. O mesmo conflito é percebido em P4, que, apesar de dizer que não diferença
(eu não preparo material diferenciado...), se contradiz quando declara pensar a diferença
sempre (Mas, sempre que eu estou fazendo um material para a turma eu penso nos surdos).
Lembramos que essa docente ainda comenta sua parceira com o ILS no planejamento
pedagógico.
Continuando a análise em mais um excerto:
(60) Não não. Nesse caso dos surdos eu::: o::: material é igual para todos
sem/ e se houvesse momentos que fosse necessário modificar eu modificaria
mas nunca houve. (P5)
Para o enunciador P5, não a necessidade de fazer um material diferente para trabalhar em
sala mista (Nesse caso dos surdos eu::: o::: material é igual para todos) e, logo em seguida,
entra com uma incisa justificando que, se houvesse a necessidade, o material seria preparado
(e se houvesse momentos que fosse necessário modificar eu modificaria).
Como conclusão das representações acerca da metodologia de ensino de LI, notamos
que o material didático é declarado como o mesmo para surdos e ouvinte, porém flagramos
posições criativas do professor que revelam movimentos identificatórios, que provocam
ressignificação na prática docente. Os gestos criativos de usar imagens, colagens, trabalhar em
parceria com o intérprete, usar mais textos e elaborar questões de múltipla escolha são saídas
encontradas para lidar com o mal-estar causado pela EI, nesse caso, na prática em sala de aula
138
mista. O professor desloca-se do dizer do impotente para o dizer da impossibilidade. O
impotente não consegue agir diante do conflito. A impossibilidade de usar uma via de acesso
abre caminho para que outras vias sejam criativamente abertas.
A injunção do igual e do diferente gera paradoxos, contradições e o discurso do “não
saber”, que tomamos aqui como aquelas queixas que circulam, repetem, enfim, reverberam
nos dizeres dos entrevistados como “não sei o que fazer”, “fico de mãos amarradas”, entre
outros. Essas queixas nos levam a apontar para uma possível formação discursiva, a qual
nomeamos como inibi(a)ção, por causar no professor efeito de uma prática inibida. Em
conflito com a inibição estão os vários dizeres sobre as criatividade do professor na lida em
salas de aula mistas, que também indicam uma outra formação discursiva possível que
nomeamos como cri(a)ção.
5.9 Eu e a Libras
Buscamos compreender, neste item, a imagem que o professor tem da necessidade da
LS. A partir do Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, a Libras passou a ser disciplina
curricular obrigatória nos cursos de licenciatura e de fonoaudiologia, entre outros. Essa é uma
tentativa do governo federal de preparar as escolas para o atendimento ao aluno surdo,
conforme o que garante a Constituição em termos de especialização de professores para o
atendimento ao aluno com necessidades especiais.
40
As representações acerca do uso didático
da Libras pelo professor de LI podem ajudar a entender como os professores de LI se veem
diante do uso da LS em sala de aula mista e se esses professores se autorizariam a lecionar
nessas salas de aula sem a presença do intérprete, uma vez que teriam conhecimento da LS.
Diante da necessidade de perceber quais as representações reverberam nos discursos
dos enunciadores sobre a Libras, algumas perguntas lhes foram dirigidas sobre o assunto, por
exemplo, como a LS os ajudaria em sala de aula, se ela é realmente necessária e se o
conhecimento da mesma dispensaria a presença, até então indispensável, do ILS.
Iniciamos com a imagem que o professor tem sobre a necessidade da LS para si:
40
Cf. Capítulo II.
139
(61) MUITO muito ... eh eu não tenho resistência o que falta pra mim eh é
tempo pra eu me dedicar eh houve auma oferta de um curso de Libras mas
as aulas eh às sextas e e as minhas sextas são todas ocupadas então num num
tem como até hoje eu não tive como seguir em frente pra poder aprender... Eu
tenho vontade de aprender. (P1)
(62) MUITO MUITO porque facilitaria a interação com o aluno. (P4)
(63) Ah, com certeza né? Porque a gente teve algumas aulas algumas
aulas de Libras mas é MUITO difícil aprender ((RISOS)) aprender Libras você
tem que ter muita de-dedicação tudo eu acho que leva um certo tempo ... a
gente tem cinquenta quarenta minutos de aula por exemplo de Libras por
semana então assim eu conheço alguns sinais entendeu? Mas não sou capaz de
dar uma aula INTEIRA sem a presença do intérprete eu não me sinto segura
entendeu. (P3)
A Libras é vista como muito útil e aparece como facilitadora da comunicação entre o
aluno e o professor, mas se revela fora do alcance - ou por falta de tempo do docente (eh eu
não tenho resistência o que falta pra mim eh é tempo pra eu me dedicar) para se dedicar à
aprendizagem ou pela dificuldade em aprender a língua gestual (mas é MUITO difícil
aprender ((RISOS)) aprender Libras). No excerto a seguir (76), a Libras aparece como uma
forma de ligação entre três eixos (o professor, o aluno surdo e o aluno ouvinte) na visão de
P5.
Antes de passarmos a outros excertos, abrimos aqui um parêntese para falar sobre a LS
na ressignificação da surdez. De acordo com Ribeiro (2008), uma
[...] “nova” concepção de surdez, cultural, identitária e não-patológica, foi
inicialmente fundamentada e possibilitada pelo reconhecimento tanto político
quanto linguístico da LS como língua genuína, de expressão e vivência do
povo surdo e, posteriormente, pela ascensão da filosofia bilíngue na educação
de surdos (RIBEIRO, 2008, p. 39, grifos da autora).
O reconhecimento da LS como um língua legítima é um acontecimento que ressignificou a
surdez e também, consequentemente, as ações em relação à surdez. Esse deslocamento de
código em sinais para o reconhecimento como LS causou o fortalecimento da comunidade
surda e, desde então leis e projetos, discursos pedagógicos, políticos e muitos outros têm
fomentado novos deslocamentos. Ainda segundo Ribeiro (2008), os deslocamentos e as
rupturas provocados pelo acontecimento do reconhecimento da LS têm reorganizado “as
relações de poder-saber da surdez na sociedade e da surdez consigo mesma” (
RIBEIRO, 2008
,
p. 41).
No Brasil, a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que foi regulamentada pelo decreto
mencionado acima, dispõe, no seu artigo 1º, parágrafo único, sobre a LS brasileira nos
seguintes termos:
140
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação
e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão
de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (
Lei n.
10.436, de 24 de abril de 2002
.
1º, parágrafo único).
Partindo da legitimação da Libras, outros acontecimentos tomaram forma e estão acontecendo
como consequência da legitimação. Por exemplo, temos, nos dias de hoje, um bom número de
publicações científicas a respeito da LS brasileira, cursos de graduação e pós-graduação
também sobre a LS e mais, vemos crescer o número de oferta de cursos de Libras em todos os
lugares. Tal fato nos lembra a busca pelos cursos livres de LI, por exemplo, ainda que a
proporção não seja a mesma. Para ilustrar, podemos citar a oferta do curso de Libras na
modalidade livre
41
dentro da universidade,
42
onde desenvolvemos este estudo. Fechamos aqui
o parêntese, mas continuaremos a dizer sobre a Libras em mais análises.
(64) eu acredito que sim... facilitaria mais ao ao ao mesmo tempo::: que
estivesse explicando para os especiais eu estaria gesticulando né? Para os os/
oh falei errado/ ao mesmo tempo que eu estivesse explicando para os nor/para
os tidos como normais né? Eu estaria explicando em Libras aos aos especiais...
o conteúdo. (P5)
Algo interessante no dizer de P5 é o conflito revelado ao lidar com os significantes
normal e especial (igual/diferente). O professor tenta se certificar do sentido que quer
imprimir ao seu dizer pela incisa para os tidos como normais né?, como alguém que se
distancia dessa forma de intitular aquele que está na mesmidade, aquele que é comum, que
não é especial. Para P5 a Libras é a saída encontrada para que o ensino da LI aconteça. Ela é a
via de acesso por onde deve passar o conteúdo, na ilusória idealização de uma transmissão
total do conhecimento. Analisando mais um recorte:
(65) oh, ajudaria assim... eh... eh se fosse só uma sala de surdos sabe? Eu acho
que pra eu utilizando ali se eu não soubesse nada às vezes eu me viro muito
com (nome do aluno surdo) por exemplo... que ele tem muita dúvida né... aí eu
vou tentando repassar pra ele... mas é igual eu te falei a questão do intérprete
hoje ela facilitou mui/eles eh o professor ficava LOUCO na sala de aula ele
não sabia por onde começar e se ele aprendesse ali ele não ia dar conta de se
dividir em dois pra poder dar aula pra ouvinte e aula/porque pra mim são
coisas totalmente diferentes. (P2)
O intérprete, como visto até agora, tem a imagem de indispensável, sustentada no dizer
dos professores. P2 afirma que a LS só a ajudaria em uma sala exclusiva para surdos, mas não
41
Indicamos como modalidade livre o ensino da língua fora da grade curricular do ensino regular, seja ele
fundamental, médio ou superior.
42
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais.
141
em sala mista. Em seu discurso, percebemos outras vozes que habitam seu dizer.
Primeiramente, P2 enuncia em primeira pessoa (eu), em seguida usa a terceira pessoa do
singular (ele - o professor). O uso do pronome da terceira pessoa também revela um
distanciamento que a enunciadora tenta imprimir entre si e a imagem que passa e que pensa
ser do outro. A professora mostra-se louca na ausência do intérprete, sem saber o que fazer
(eles eh o professor ficava LOUCO na sala de aula ele não sabia por onde começar). Além
disso, P2, que afirmava que a inclusão não pode acontecer em todos os contextos, embora
não saiba nomear em quais contextos ela deva acontecer, deixa escapar mais uma vez que não
como dar aula (no seu anseio por eficiência e completude) em sala de aula mista porque a
aula para um aluno surdo é diferente da aula para o aluno ouvinte e ela não pode se dividir em
duas para dar conta da diferença (ele não ia dar conta de se dividir em dois pra poder dar
aula pra ouvinte e dá aula/porque pra mim são coisas totalmente diferentes).
Voltando ao Arquivo Aberto da UNESCO (2001), este fala que a EI tem, como
justificativa econômica para sua existência, o fato de ser mais barato sustentar uma escola
inclusiva a ter que sustentar as escolas especiais, mas que isso claramente se justifica se a
escola efetivamente apresentar um ensino que atenda prontamente as diferenças. Pelos
discursos vistos até agora, os professores não sabem o que quer dizer e nem como lidar com
esse ensino eficiente na situação do ensino de LI. O que os documentos garantem
(ilusoriamente) estar claro em sentido não alcança os professores-enunciadores deste estudo.
Essa falta de clareza e a angústia de não conseguir nomear esse acontecimento (EI) são
vistas de forma bem linguisticamente marcada no excerto (66) da professora P6:
(66) Eu acho que sim COM CERTEZA (...) Porque eu te/eu teria com a como
FALAR COMUNICAR com elas individualmente e que nós não podemos...
na verdade você repassa pro intérprete e não sabe se o intérprete
REALMENTE conseguindo passar isso pra elas... eu acho que se NÓS
tivéssemos tivéssemos o curso de Libras talvez facilitaria essa esse contato
porque você teria certeza se realmente elas estão conseguindo ou não ou se
ELE também tá conseguindo passar isso pra elas porque nós temos essa
dúvida também SERÁ que o intérprete realmente está passando? (P6)
Ao dizer sobre se e como a Libras a ajudaria em sala de aula mista, a professora
mostra-se preocupada por não saber o que verdadeiramente acontece no ensino de LI para os
alunos surdos. Devido ao intermédio de um ILS, que foi contratado para traduzir no ensino
regular como um todo da língua portuguesa para a Libras e vice-versa e não para traduzir em
LI, a professora repete várias vezes não saber o que acontece entre a interpretação e a
aprendizagem (... na verdade você repassa pro intérprete e não sabe se o intérprete
REALMENTE conseguindo passar isso pra elas..., porque você teria certeza se
142
realmente elas estão conseguindo ou não, se ELE também conseguindo passar isso pra
elas, porque nós temos essa dúvida também SERÁ que o intérprete realmente está
passando?). Até mesmo sobre o auxílio de um conhecimento em Libras, P6 demonstra
incerteza se realmente a ajudaria, no desejo de completude que tem. Ao mesmo tempo em que
a enunciadora usa o substantivo certeza, ela inicia a frase com um expressão de dúvida Eu
acho que sim, que é reforçada adiante pelo advérbio talvez em o curso de Libras talvez
facilitaria.
Os professores também foram perguntados a respeito do que pensam ser necessário
para trabalhar nesse contexto além do conhecimento em Libras:
(67) Oh atualmente eu não sinto a necessidade de ALGO MAIS mas eu senti
antes ... quando a gente não tinha intérprete por exemplo então eu não sabia
nem como abordar o aluno surdo eh as expectativas dele eh o que que ele tava
procurando na escola se fosse diferente dos demais então pra mim era assim
era trabalhar às cegas eu num num sabia nem abordar o aluno e nós
trabalhamos um bom tempo sem intérprete. (P1)
A professora P1 apresenta mais uma vez o intérprete como o essencial. P1 considera a
aula sem o ILS como “trabalhar às cegas”. Essa metáfora formulada por P1 mostra a
construção de uma imagem de mudança, de solução de uma época anterior e da chegada de
um intérprete que representou o ALGO MAISna representação que a professora tem do que
lhe faltava. Conforme vimos anteriormente, a angústia de P1 não foi ainda resolvida, nem
mesmo com a presença do que ela percebe como solução: o ILS. Foram vistos, em vários
momentos na materialidade linguística, expressões como Eh é um desafio tã::o gra:::nde...,
eu ainda tenho essa preocupação ATÉ HOJE, quando a professora fala sobre a realidade de
trabalhar em salas mistas. Voltando a Ferreira (2001, p. 145), quando faz referência a Freud
sobre o que o autor diz a respeito do professor, o professor é um sujeito dividido e que se
ordena pelo que não sabe, porém questiona. É o sujeito da falta, sempre em busca de algo
mais, mesmo que ilusoriamente e momentaneamente se sinta completo. Seu discurso o trairá
e, na sua opacidade, a falta e o desejo surgirão, mesmo que inomináveis.
Ainda que em conflito com a inclusão dos alunos surdos, para P1 o ILS aparece, em
seu discurso, como uma solução. O entrelaçar de três línguas por via das mãos do intérprete
ainda é um enigma para o professor e um motivo para suas preocupações.
Nos excertos abaixo, temos a construção de três imagens sobre o “algo a mais”
necessário ao ensino de LI em salas de aula mistas:
(68) Eu acho que a Libras seria o suficiente entendeu? Porque::: eh:::o
pensamento como que funciona a língua entendeu? eu já entendi... entendeu?
143
Eu entendi como que é o pensamento né? Eh::: como que o surdo pensa,
como que ele... sabe? Transmite uma ideia como... então assim entendo
perfeitamente entendo perfeitamente que eles o sabem falar português
entendeu? Então::: seria muito interessante se eu soubesse fluentemente falar
em Libras. (P3)
(69) Recurso áudio-visual. Eu acho que::: fundamental. (P4)
(70) eu acho que preciso algo mais ao um preparo::: quando se trata de
trabalhar com seres humanos sejam eles normais ou não, especiais ou não nós
de-devemos estar sempre espe-especializando nessa área... fazendo estudo
aprofundado da psicologia humana do comportamento isso seria muito
necessário... porque::: é complexo demais o ser humano e quando se trata de
trabalhar com 40 35 40 alunos dentro de uma sala de aula cada um com sua
diferença né? (P5)
Primeiramente, P3. na ilusão de uma completude, coloca a LS como o suficiente. Ela
acredita saber como o surdo pensa e como se representa através da Libras (então assim
entendo perfeitamente entendo perfeitamente). Com isso, percebemos a ilusória imagem de
linguagem como linear e inequívoca, algo a ser passado de A para B sem desvios e com
apenas um sentido possível. Para P4, o que lhe falta são recursos materiais áudio-visuais. E
para P5, falta-lhe uma formação psicológica para entender o outro (fazendo estudo
aprofundado da psicologia humana do comportamento isso seria muito necessário...).
Notamos, ainda nos excertos acima, que o que surge através do dizer é a imagem de
saídas do conflito formado pela inclusão de alunos surdos. Temos a via de solução que
reverbera em outros discursos, que é a Libras. Hoje, em todas as formas de contato com a
pessoa surda, geralmente, a mais pensada e difundida é a LS. O sujeito professor se vê instado
a aprender a LS, mesmo que não tenha vontade, por adotar como verdade a representação de
que o acesso ao aluno surdo se por meio da Libras. Essa representação pode impedir o
docente de ver a criação de outras vias de acesso em seus próprios deslocamentos e
movimentos identificatórios, como vimos em alguns posicionamentos criativos apontados nos
discursos aqui analisados. A segunda solução (excerto 69) é o uso de recursos áudio-visuais.
E a terceira solução apontada (excerto 70) é o estudo da psicologia humana do
comportamento como uma sugestão para se compreender a complexidade e diversidade do
sujeito.
144
5.10 Conclusão
Concluindo este capítulo, percebemos bem marcadas discursivamente algumas
representações do professor de LI na inclusão de alunos surdos. Entre as representações,
inicialmente flagramos a imagem de um professor fluente que consegue conversar sem
dificuldades com o nativo, que estudou em curso livre e que consegue ministrar a aula toda
em inglês. Essa imagem está em conflito com a representação de uma não-necessidade dessa
mesma fluência no ensino de LI na escola regular. O professor imagina que apenas um
conhecimento básico é necessário para o ensino regular e a justificativa está na imagem de um
aluno fraco, que não conta”. Percebemos o professor ora se posicionando com um
sentimento de frustração por sua própria falta de conhecimento (sempre desejoso de uma
completude de saber tudo) que tem como efeito o dizer-se como não competente diante da
língua, ora posicionando-se como competente para a ação possível e necessária (no
imaginário do professor) para o ensino da LI.
A EI acontece simbolizada por um “não-saber” que provoca mal-estar, contradições,
oscilações e deslizes entre o especial, o diferente, o anormal, o surdo, o DA. Os significantes
deslizam e as ressignificações circulam entre os estereótipos e as relações de poder entre um
que inclui e o outro incluído. Ao falar sobre a EI, o sujeito mostra-se um sujeito heterogêneo,
sujeito da falha, da hesitação do equívoco. Vemos que os discursos político-pedagógicos que
constituem a EI também constituem o docente, mas estão em constantes tensões com a prática
docente que não coincide com o que se espera do professor, o que está simbolizado nos
discursos oficiais.
Sobre a inclusão dos surdos, notamos duas FD nas quais os professores enunciadores
se inscrevem. Encontramos, nos dizeres que reverberam em nosso corpus, as queixas, as
reclamações e a predicação da inclusão de alunos surdos como algo difícil, algo que causa um
questionamento e um mal-estar por “não-saber-agir” diante da sala de aula mista. São esses
dizeres que reverberam que nos mostram uma regularidade no dizer que determina a função
enunciativa no acontecimento inclusivo em estudo nesta pesquisa. Nomeamos FD sobre o
“como fazer?, não-saber” de inibi(a)ção por ser esse o efeito desses dizeres, algo que faz o
professor se posicionar como impotente diante da situação. uma segunda formação
discursiva que também notamos em outros dizeres que se repetem, ressoam, reverberam com
insistência nos discursos dos professores entrevistados e que nos permite flagrar processos
145
identificatórios que geraram deslocamentos na prática do professor em sala de aula. Esta FD é
nomeada por nós como cria(a)ção, pois nos permite flagrar os gestos criativos e as vias de
saída do conflito causado pelo “não-saber-fazer”. O professor então se posiciona em uma
prática impossível, porém, por ser impossível, o leva a buscar por um outro caminho de
acesso, e temos então as posições criativas do docente. As vias de acesso encontradas na
prática em sala de aula são representadas pela escrita, pela imagem, pelo recurso áudio-visual,
pela colagem, pela busca da especialização em Libras, e outros que foram mencionados.
As soluções encontradas para o ensino da LI na sala de aula mista ainda passam pelo
ILS, visto como o mediador, apaziguador, parceiro do professor e pedagogo nas imagens que
circulam os discursos. A imagem do ILS também é atravessada pela incerteza de como se dá o
entrelaçar de três línguas (inglês, português e Libras) no ensino-aprendizagem da LI. Outra
solução é indicada na aprendizagem da Libras, quando percebemos que, após a legitimação da
LS brasileira, a LS foi ressignificada e sua escolha como oficial acontece em detrimento de
todas as formas de comunicação com os surdos (via oral oralização; via escrita português;
e outros gestos – códigos familiares; entre outros). Diante da imagem da Libras como solução,
o professor se sente obrigado a aprender a LS, mesmo que essa não seja sua vontade, mas por
acreditar que não há outra forma válida de comunicação entre surdos e ouvintes. Essa
representação também pode causar mal-estar no professor, por impedir que ele valorize suas
posições criativas e dê valor às suas conquistas nesse contexto.
146
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos as considerações finais deste trabalho já indicando que estas são finais para
este momento e não representam o encerramento do estudo e dos gestos de interpretação que
o próprio percurso da pesquisa suscitou. É necessário voltarmos a percorrer, mesmo que
brevemente, as etapas discursivas deste trabalho, a fim de concluí-lo.
Em nossa introdução, consideramos a trajetória da pesquisa desde o surgimento da dor
que a gerou. A dor causada pelo acontecimento da inclusão de alunos surdos na educação
regular e a forte identificação da pesquisadora com esse acontecimento provocou a metáfora
simbolicamente representada por este trabalho acadêmico. Em um gesto de interpretação: essa
metáfora foi a saída criativa para a dor causada pelo conflitante encontro com o aluno surdo
em sala de aula regular, apesar de não ser via única e nem completamente satisfatória para o
sujeito incompleto, dividido e heterogêneo.
Este estudo em LA também teve como objetivo apontar a lacuna nessa área do
conhecimento de estudos sobre ensino-aprendizagem de LE que contemplem os sujeitos
envolvidos no ensino-aprendizagem da língua estrangeira na EI e mais intensamente na ES,
uma vez que, nesse contexto educacional, somamos uma língua a mais em sala de aula
(Libras). Como foi dito no segundo capítulo, os discursos oficiais não contemplam a situação
do professor de LI (ou qualquer LE) que está inserido na sala de aula mista, nem mesmo na
exclusivamente organizada para alunos surdos. Esperamos que este estudo espalhe a peste
(BORGES, 1988), que ele contamine discursivamente muitos outros sujeitos para a
elaboração de estudos que problematizem a situação do ensino da LI na inclusão de alunos
surdos.
A EI neste trabalho apresenta-se como acontecimento que une uma memória e uma
atualidade e gera ressignificações naqueles que são instados a um contato discursivo com esse
acontecimento. As ressignificações provocadas pelo acontecimento provocam deslocamentos
nas posições enunciativas dos sujeitos envolvidos. Como vimos nas análises, o sujeito oscila
entre a posição de um professor inibido diante do aluno surdo e a posição criativa que
encontra algumas saídas em meio ao conflito que sente existir na sala de aula mista.
O objetivo deste estudo em promover uma reflexão sobre a subjetividade e os
deslocamentos do professor de LI que atua em sala de aula mista foi o motivo de optar em
tecer a nossa base teórica a partir da análise do discurso com o auxílio de conceitos da
147
Psicanálise freudo-lacaniana. Optamos por ter o discurso como o objeto de pesquisa. Dessa
forma trazemos o professor para o centro da nossa investigação. Afirmamos, mais uma vez,
que é preciso permitir que o professor fale de si para interpretar suas ações pedagógicas. A
entrevista com perguntas semi-estruturadas e as observações de aulas para anotações de
campo foram as técnicas da pesquisa qualitativa que nos ajudaram a formar o nosso corpus.
Através do corpus constituído pelos fatos discursivos transcritos e para a investigação de
interpretação discursiva que realizamos, foi possível notar as contradições, a heterogeneidade,
as culpas e as confissões e os dizeres que ressoam nos discursos dos entrevistados como
regularidades. As regularidades que surgiram nos discursos analisados nos apontam caminhos
para nomear FDs nas quais esses professores se inscrevem. Os dizeres que reverberam não
nos impediram de perceber as singularidades de cada professor a partir de condições de
produção com algumas coincidências (até para critério de escolha dos enunciadores), mas que
guardam particularidade que tornaram nossos gestos de interpretação ainda mais ricos sem,
contudo, esgotar as possibilidades de interpretação do corpus.
No segundo capítulo, problematizamos a EI ao tecer um histórico discursivo a respeito
do tema inclusão e exclusão. Vimos que o próprio significante inclusão nos remete ao
significante exclusão. Dizer sobre a inclusão é admitir que alguém do lado de fora. Dizer
sobre a inclusão retoma os binarismos discursivamente históricos sobre o normal e o anormal.
O terceiro capítulo trouxe a tessitura das noções teóricas que nortearam nossos gesto de
interpretação e que nos conduziram ao dispositivo de análise (quarto capítulo).
As dicotomias que aconteceram nos discurso históricos se inscrevem nos dias de hoje
parafraseados e ressoando de diferentes formas. Os modos de dizer sobre a normalidade e a
anormalidade continuam presentes no discurso dos professores que são sujeitos sócio-
históricos e que se constituem de discursos outros. Os significantes que apresentam uma
relação de sinonímia com o significante normal ressoaram nos discursos dos enunciadores
(alunos que têm potencial, comuns, aluno normal, ouvinte
43
, os tidos como normais) como os
que se apresentam no lugar do primeiro termo de uma dicotomia. Em outras palavras, em uma
dicotomia, como foi visto, o primeiro termo representa quem pode decidir sobre a inclusão do
menos favorecido (segundo termo). Também vimos o significante anormal ressoar entre os
dizeres dos enunciadores de diferentes formas (especiais, DA - deficiente auditivo,
deficientes, diferente).
43
Nesta pesquisa o normal é visto como aquele que pode ouvir: o ouvinte.
148
Foi possível perceber, desde a problematização dos dizeres que constitui a história da
EI até a análises dos fatos linguísticos, Capítulo 5, que as ressignificações são percebidas
como indícios de um mal-estar e de muitas dúvidas que afetam os enunciadores. quem diz
se sentir de mãos amarradas, deslocando-se e identificando-se em meio a incertezas sobre o
que é e como funciona o discurso da inclusão.
Nos documentos oficiais, o discurso da normalização, da solidariedade e da tolerância
se imbricam com outros tantos que não sabemos determinar em favor de uma igualdade para
todos. Porém, se a igualdade, o esquecimento das diferenças. Normalizar implica em
deixar para trás ou camuflar aquilo que impede o outro de adentrar na mesmidade. Se o foco
está no que é visto como o mesmo, o comum, então o diferente é anulado. Um fato linguístico
observado na materialidade linguística do dizer dos professores é como o foco no ouvinte (o
normal) indicava a presença de uma ordem normalizadora que insistia no discurso do
professor, porém era atravessado por um outro discurso que centralizava o surdo na presença
de um incômodo que se opunha ao ordenamento (igualdade para todos). Notamos, nas
análises, que essa injunção do igual e do diferente gerou paradoxos e contradições nos
discursos dos enunciadores.
A ES também ressignificou várias representações sociais. Podemos começar pela
visão de língua. Eis que surgiram mãos que falam! O corpo atua como local da fala. O
alfabeto é feito por mãos. O estranhamento gerado pela ES culminou nos atravessamentos de
várias vozes que diziam/dizem buscar humanizar aqueles que não sabiam se dizer e eram
condenados a viver no silencio e na ausência de significação. As tentativas de normalizar o
surdo trouxeram sofrimentos ao ponto do sacrifício da própria vida para que a ciência pudesse
consertar o defeito humano. Assim, o ser humano era reconhecido pelo quanto valia sua
palavra oral. Então vimos a saga da busca pelo oralismo como solução para humanizar,
normalizar e salvar a vida daqueles que eram vistos como condenados ao silêncio.
Com o passar dos acontecimentos, a língua gestual foi começando a ser introduzida na
ES e começou a ser vista com outros olhares no meio educacional, fato que não indica que os
discursos passados foram extintos ou que não conflitos entre os que pensam e vivem a EI.
A legitimação da LS como forma oficial de comunicação dos surdos também é um
acontecimento gerador de ressignificações. Como vimos nas análises, a Libras é vista como
solução para o ensino de LI para os alunos surdos. Uma solução em detrimento de todas as
outras formas de comunicação e que causam o efeito de uma necessidade de aprender a LS,
mesmo que o professor não queira, não tenha vontade de conhecer essa língua. Essa
representação também suscita a imagem do ILS como personagem fundamental e
149
indispensável para a sala de aula mista. Ele é autorizado pelo professor para repassar o
conteúdo por ter o conhecimento da LS, partilhando com ela a imagem de solução para o
contexto mencionado. Contudo, o professor tem dúvidas e se mostra preocupado por o
saber como o ILS lida com a situação de intermediar a tradução em três línguas dentro da sala
de aula
44
. uma identificação com o intérprete na imagem de parceiro e, também, em
oposição a essa imagem, ele se apresenta simbolizado como obstáculo para o ensino de LI.
Essas contradições mostram-nos as inquietações discursivas e as várias vozes que constituem
o sujeito e atestam a sua heterogeneidade.
Os professores aparecem nos documentos oficiais como alguém que selará o
compromisso político de um atendimento especializado ao aluno surdo. Mas não é o que
reverbera no discurso dos professores-enunciadores deste estudo. A demanda por capacitação,
o não-saber definir nem praticar a inclusão ressoa de formas variadas nos fatos linguísticos;
eles não sabem nomear a inclusão fora do discurso político-pedagógico apresentado pelos
textos oficiais. O confronto da imagem idealizada do professor dos discursos oficiais com o
discurso da prática ressoa em dizeres que, de diversas formas lexicais, surgem como um “não-
saber-fazer”. Essas regularidades discursivas nos levaram à FD nomeada neste estudo como
FD inibi(a)ção. Esses dizeres determinam as condições de exercício da função enunciativa.
Como efeito dessa FD, temos o mal-estar que causa no sujeito um sentir-se inibido diante de
uma tarefa que lhe foi atribuída.
Voltando ao intérprete em LS, ele é uma garantia da lei para o público escolar surdo.
Porém, o ILS não tem formação em LI para atuar como tradutor da disciplina. De acordo com
o esperado de um intérprete, ele teria que ser “exímio conhecedor” da língua de origem e da
língua alvo para dar conta de seu ofício. Mas não é o que acontece com os intérpretes que
auxiliam nossos enunciadores. Como foi dito, os discursos oficiais não preveem a situação
da LE no caso da interpretação em LS, assim alguém que foi contratado para traduzir da
língua portuguesa para a LS se vê diante de uma terceira língua lhe demandando tradução.
Sobre o ensino-aprendizagem de LI em salas de aula mistas é possível ainda concluir
algumas representações como a de inclusão do aluno surdo como prejuízo para surdos e
ouvintes. O professor identifica-se com essa imagem pela idealização de um professor que
transmite o conteúdo sem perdas para o aluno e que, em seu imaginário, não pode acontecer
em sala de aula mista. As razões encontradas para que a imagem de prejuízo seja reforçada
são o ritmo mais lento em sala de aula justificado pela presença do surdo, a atenção que o
44
Ressaltamos que esta questão é uma de nossas perguntas de pesquisa para o doutoramento.
150
aluno surdo demanda e a impossibilidade de praticar as habilidades orais da LI. A imagem de
prejuízo também é reforçada pelo discurso político pedagógico que imprime um ideal de EI
que beneficia a todos na educação. O professor não vê em sua prática a imagem idealizada no
discurso oficial e é tomado pelos dizeres do prejuízo para todos.
No que diz respeito às soluções pedagógicas, encontramos, no material discursivo
analisado, representações de soluções que nos conduzem a uma outra FD que nomeamos
como cria(a)ção. Nos discursos dos professores, reverberam as saídas encontradas para lidar
no contexto da sala de aula mista. O ensino da LI aparece em diversas formas criativas que
circulam os discursos analisados. Como dito anteriormente, as soluções que foram
apontadas nesta conclusão mostram a passagem do sujeito da posição de impotência para a
posição de impossibilidade. A impotência inibe, censura, causa hesitação. A impossibilidade
causa a busca por um novo caminho. Uma via predicada como impossível abre oportunidade
para a busca de outra via possível. Então, tendo a aprendizagem da LS como uma via
impossível para alguns professores (é mui:::to difícil!), temos alguns efeitos flagrados nas
análises para esse dizer: (1) é possível para o ILS porque ele conhece a Libras, mas a
impossibilidade se ele não souber o básico, um nível satisfatório (no imaginário do professor)
da língua inglesa, então a solução é a soma (equipe, parceria) professor de LI mais ILS; (2)
aprender a Libras (especialização Latu Sensu em Libras) e conseguir comunicar-se com o
surdo; (3) traçar novas vias possíveis de acesso (escrever no quadro, usar colagem, elaborar
questões de múltipla escolha...) mesmo que não sejam as simbolizadas como as ideais; (4)
responsabilizar o intérprete pelo ensino da LI e esquecer o aluno surdo.
Enfim, concluímos por hora que o professor de LI não se diante da EI, no que diz
respeito à inclusão de alunos surdos, como alguém esclarecido e capacitado para a docência.
O mal-estar causado por essa inclusão deixa esse professor sem condições de nomear o que
sente, o que pratica em sala de aula e o que espera saber para lidar com essa situação. Os
documentos que trazem com ilusória clareza o que é a EI não consideram a situação do
professor de LE que lida em sala de aula com três línguas diferentes e sem um intérprete que
tenha conhecimento da língua que esse professor almeja ensinar.
Assumindo a posição discursiva de pesquisadora, espero que este trabalho provoque
novos olhares para a sala de aula mista e para o professor de LI. Ressalto que os professores
entrevistados em suas posições criativas revelaram mais que processos de subjetivação em
transformação e seus deslocamentos. Tomando as palavras de Guimarães Rosa (1956), eles
revelaram discursivamente que o real se em meio à travessia. As buscas e as criações
acontecem no dia-a-dia e os estudos que possam contribuir trazendo vozes que podem ser
151
somadas ao coro da travessia são bem-vindos. A minha travessia também acontece(u) em
meio a ressignificações e identificações durante esta pesquisa e por não ser completa, por ser
dividida e sujeito da falta, reconheço as limitações deste trabalho. Ainda assim, a esperança
que tenho é de vê-lo não como solução para o outro que sofre de dor semelhante à que tenho
como pesquisa-dor-a, mas como auxílio na travessia. Que este trabalho pelo menos contamine
aqueles que queiram fazer novas perguntas diante do ensino-aprendizagem de LE e diante da
EI/ES. Que a impotência das mãos amarradas seja trocada por um discurso que, mesmo não
tendo sons, envolva sujeitos de mãos dadas.
Finalizo este trabalho da forma como o comecei, contando a minha história, e o que
posso dizer é que estou um passo à frente de onde estava por causa dos discursos que
encontrei no caminho e que agora são parte de mim. Porém, estou passos atrás de onde irei
chegar (?) porque há sempre algo de mim que eu “não sei”.
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, 2000).
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Paulo: Edusc, 1997.
165
APÊNDICES
APÊNDICE 1 – TCLE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,.......................................................................................................................................,
autorizo a gravação em áudio ou por escrito de entrevistas sobre a minha formação
acadêmica e prática em sala de aula de ensino da língua inglesa e a observação em sala
de aula para notas de campo na .............................................................................
............................................. para pesquisa acadêmica intitulada “Representações do
professor de inglês no ensino inclusivo dos alunos surdos”, sob a responsabilidade de
Rejane Cristina de Carvalho Brito. Colaboro com a pesquisa sem quaisquer fins
lucrativos ou riscos para a minha saúde física ou mental. Esta gravação estará sob a
responsabilidade de ..................................................................................................... .
Autorizo também sua publicação por meio impresso, ou na WEB. Estou ciente que o
terei qualquer participação financeira em caso de sua inserção em algum livro. Reservo-
me ao direito de retirar meu consentimento caso eu me sinta prejudicado(a).
Idade: ......... anos Sexo: .......
Com o direito de que me seja assegurado o sigilo necessário:
( ) autorizo o uso de meu nome verdadeiro
( ) prefiro o uso do pseudônimo
( ) prefiro que me atribuam um número
Data: ....................................................... de ................................. de .................
..............................................................................................................
166
APÊNDICE 2 – Formulário de dados do informante
Formulário de dados do informante
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS
FORMULÁRIO DE INFORMANTES PARA PESQUISA
NOME: ____________________________________________________________
END.: (rua, av) ______________________________________ Nº: ____________
BAIRRO: _____________________ COMPL.:_________________
CID.: ________________________ Estado: ______ CEP.: ______________
TEL.: ___________________ CEL.: ________________
EMAIL (letras maiúsculas):
____________________________________________________
167
APÊNDICE 3 - Questionário usado na coleta dos fatos linguísticos para composição do
corpus da pesquisa
Questionário de Pesquisa
Como foi sua trajetória até se descobrir professor(a) de inglês? Quando definiu
que teria essa profissão? E por quê?
Como você considera a sua formação? Como ela foi feita?
Como você se vê diante da língua inglesa? Você se considera fluente?
Qual é o seu ideal de sala de aula?
Como você define a educação pública/privada?
Qual é o papel do professor de inglês na educação regular?
O que é Educação Inclusiva? Como você pensa a educação inclusiva, em que ela
seria diferente?
O professor de inglês tem alguma contribuição a dar ao ensino inclusivo?
Como é lidar com a realidade de ter alunos surdos em sala de aula?
Como você acha que os outros alunos veem a inclusão dos surdos?
Como você acha que os alunos surdos veem a inclusão?
Quais são seus maiores desafios nesse contexto inclusivo?
Você acha que a língua inglesa é necessária ao aluno surdo? Em quê?
Qual é a função do intérprete em sua sala de aula?
O intérprete lhe auxilia? Em quê?
Como você vê a situação de um intérprete de Libras que não conhece a língua
inglesa?
Como você acha que os alunos surdos percebem você dentro de sala? Qual
imagem você pensa que eles fazem de você (professor de inglês) e da língua
inglesa?
Como você se prepara para a aula?
Suas atividades avaliativas são aplicadas da mesma forma para todos os alunos?
Se há alguma diferença, explique-a.
O material didático usado é diferenciado para os surdos? Ou, quando esse é
preparado, a presença dos surdos é considerada? Se há modificações, quais são
elas?
Você acha que aprender a Libras ajudaria você em sala de aula? Como?
Se você soubesse a Libras, abriria mão de ter um intérprete?
A Libras seria o suficiente ou você sente a necessidade de algo mais? O quê?
Quais soluções você encontrou para lecionar nesse contexto?
O que você acha que funciona bem, didaticamente falando?
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