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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO
CAROLINA OLIVEIRA E OLIVEIRA
DOS EMPÓRIOS AOS “PEGUE-PAGUE”:
A MODERNIZAÇÃO DAS CASAS DE COMÉRCIO DE JAT
GOIÂNIA-GO
2010
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1
CAROLINA OLIVEIRA E OLIVEIRA
DOS EMPÓRIOS AOS PEGUE-PAGUE:
A MODERNIZAÇÃO DAS CASAS DE COMÉRCIO DE JATAÍ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal
de Goiás, como requisito para a obtenção do
título de Mestre em História.
Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e
Identidades.
Linha de Pesquisa: Sertão, Regionalidades e
Projetos de Integração.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Antônio de Menezes.
GOIÂNIA-GO
2010
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2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)
BSCAJ/UFG
O482e
Oliveira, Carolina Oliveira e.
Dos empórios aos ―Pegue-Pague‖: a modernização das
casas de comércio de Jataí [manuscrito] / Carolina Oliveira e
Oliveira. - 2010.
66 f. : il., figs.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Antonio de Menezes.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de História, 2010.
Bibliografia.
Inclui lista de figuras.
Apêndices.
1. Casas de comércio - Jataí (Goiás) 2. Casas de
comércio - Modernização 3. Mudanças culturais I. Título.
CDU:
94(817.3):316.733
3
CAROLINA OLIVEIRA E OLIVEIRA
DOS EMPÓRIOS AOS PEGUE-PAGUE:
A MODERNIZAÇÃO DAS CASAS DE COMÉRCIO DE JAT
Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de
História da Universidade Federal de Goiás para a obtenção do grau de Mestre em
História.
Aprovada em ____ de ___________ de ______ pela banca constituída pelos seguintes
examinadores:
___________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Antonio de Menezes UFG
Presidente
___________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Martins Júnior- UFGD/UFMT
Membro
___________________________________________________
Profª Drª Renata Cristina de Sousa Nascimento - UFG
Membro
___________________________________________________
Prof. Dr. Élio Catalicio Serpa
Suplente
GOIÂNIA-GO
2010
4
Aos meus pais, Durcézio e Virgilina,
às minhas avós Carlota e Alina.
5
AGRADECIMENTOS
Durante a trajetória que percorri na elaboração desta dissertação, várias foram as
pessoas maravilhosas que encontrei e que tanto contribuíram com esta caminhada. A
elas, deixo meus agradecimentos:
Primeiramente, ao grande amigo e orientador Marcos Menezes e aos colegas do
Curso de História do Campus Jataí.
Aos colegas do Museu Histórico de JatFrancisco Honório de Campos, pela
ajuda e pelas dicas recebidas, pelo pronto atendimento da equipe da Reserva Técnica em
oferecer documentos utilizados nesta dissertação. Aos entrevistados de agora e de outros
tempos, agradeço imensamente pela contribuição recebida.
Aos colegas de trabalho do Campus Jataí, primeiramente à equipe da Secretaria
Acadêmica, depois aos colegas da Coordenação de História, aos colegas e amigos do
Memorial JK Jataí e ainda aos colegas da Biblioteca do Campus Jataí.
Agradeço a meus familiares, ao pai Durcézio, à mãe Virgilina, por suportarem
meu mau humor nos momentos mais difíceis, à minha irmã Cristiane, pela meiguice e
pelos momentos de desabafo, aos meus queridos sobrinhos, Gustavo e Guilherme, pela
luz que ilumina minha vida. Aos demais parentes, agradeço pela paciência e torcida para
que este projeto pudesse ser concretizado.
A estas pessoas, agradeço imensamente pelo carinho, atenção e paciência
despendidos em meu auxílio. Este trabalho tem um pouco de cada um, e esta conquista
também é de vocês.
6
RESUMO
Emancipada em 1895, Jataí, cidade localizada no sudoeste de Goiás, teve como
principais atividades econômicas, desde seu surgimento, a pecuária e a agricultura de
subsistência. A partir da segunda metade do século XX, com o deslocamento da fronteira
econômica para a região, Jataí se urbanizou e modernizou ao investir em novas técnicas
agrícolas. O processo de modernização da cidade pode ser observado nas
transformações do setor comercial. De simples empórios ou armazéns, os
estabelecimentos comerciais se especializaram, racionalizaram o seu trabalho e aos
poucos se transformaram em ―pegue-pague‖, ampliando sua estrutura, mais
recentemente, para o formato de grandes supermercados. Esta dissertação analisa quais
foram as principais transformações ocorridas nas casas de comércio da cidade no século
XX, especificamente nas décadas de 1950 à 1970, quando a cidade se moderniza, e
como a população lidou com essas mudanças.
Palavras-chave: Jataí, modernização, casas de comércio, transformações culturais.
7
ABSTRACT
Emancipated in 1895, Jataí, a city located in southwestern Goias, had as main economic
activities, since its inception, animal husbandry and subsistence agriculture. From the
second half of the twentieth century, with the shift of the economic frontier for the region,
Jataí urbanized and modernized to invest in new agricultural techniques. The process of
modernization of the city can be seen in the transformation of the commercial sector. From
simple emporiums warehouses, the shops have specialized, rationalized its work, and
gradually turned into "take-pay", expanding its structure, more recently, for large format
supermarkets. This dissertation examines what were the main changes in the trading
houses of the city in the twentieth century, specifically in the 1950s to 1970 when the city
was modernized, and how people coped with these changes.
Keywords: Jataí, modernization, trade houses, cultural transformations.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Material mostrado na Exposição Empório Serrana em maio de 2005.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................14.
Figura 2 - Foto da Casa de Câmara e Cadeia.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................22.
Figura 3 - Mapa da cidade de Jataí em 1908.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................27.
Figura 4 - Página de livro-caixa datado de 1927.
Fonte: Arquivo da família Borges. ....................................................................................33.
Figura 5 - Foto do Empório Comercial Casa Vermelha. Foto de 1935.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................37.
Figura 6 - Foto do Empório Vencedor.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................40.
Figura 7 - Foto da Casa Rezende.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................43.
Figura 8 - Foto do bode que entregava mercadorias da Casa Rezende.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................44.
Figura 9 - Foto do primeiro automóvel que entrou em Jataí em 1918.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos......................50.
Figura 10 - Carro de luxo em Jataí.
Fonte: Souza (2002, p. 50). ..............................................................................................51.
9
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A
Listagem de mobiliário de antigas casas de comércio .....................................................61.
10
SUMÁRIO
RESUMO...........................................................................................................................07.
ABSTRACT........................................................................................................................08.
LISTA DE FIGURAS..........................................................................................................09.
LISTA DE ANEXOS...........................................................................................................10.
INTRODUÇÃO...................................................................................................................12.
CAPÍTULO 1 JATAÍ NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: AS CASAS DE
COMÉRCIO.......................................................................................................................19.
1.1. As ―antigas‖ casas de comércio em Jataí ..............................................................27.
1.2. Lugares em que tudo se vendia..............................................................................31.
1.3. Casas de comércio como espaços sociais de convivência ...................................35.
1.4. Espaço de oferta de serviços variados ..................................................................37.
1.5. Localização, estrutura física e materiais de trabalho .............................................39.
1.6. Formas de pagamento e negociações ...................................................................41.
CAPÍTULO 2 - A MODERNIDADE SE LANÇA SOBRE A CIDADE................................45.
CAPÍTULO 3 - DOS EMPÓRIOS AOS ―PEGUE-PAGUE‖: A MODERNIZAÇÃO DAS
CASAS DE COMÉRCIO DE JATAÍ ...................................................................................52.
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................56.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................58.
ANEXOS............................................................................................................................61.
INTRODUÇÃO
______________________________________________________
Esta pesquisa tem como objetivo estudar as formas de organização do setor
comercial da cidade de Jataí do início do século XX até a década de 1970, quando as
transformações advindas da intensa urbanização e modernização agropecuária
imprimiram ao setor comercial uma nova organização para atender à demanda da cidade.
Localizada no sudoeste de Goiás, Jataí teve, como primeiros habitantes, paulistas e
mineiros que se instalaram na região a partir da década de 1840 e passaram a
desenvolver, como principal atividade econômica, a pecuária, que predominou na cidade
até o início da segunda metade do século XX, quando entrou em decadência.
A partir da década de 1970, com a migração de sulistas para a região e o crescente
investimento na agricultura, a atividade agropecuária trouxe para a cidade um acentuado
desenvolvimento econômico ligado à modernização deste setor. A cidade de Jataí
também se desenvolveu e se modernizou, a partir das décadas de 1970 e 1980, com a
incorporação, em sua economia, da agropecuária moderna
1
, em decorrência da expansão
da fronteira agrícola na região.
Trata-se do processo de expansão da fronteira agrícola o qual vem ocorrendo em
Goiás a partir de meados da década de 1970, quando se constata uma
intensificação no uso do solo nessas áreas, estabelecendo-se assim um novo
padrão de produção, marcado pela crescente utilização de tecnologia moderna no
campo. (FERNANDES, 2006, p. 08).
Durante todo esse período do século XX que me proponho a estudar, o setor
comercial de Jataí acompanhou o desenvolvimento da cidade. Na primeira metade do
século XX, deu suporte às fazendas, oferecendo produtos complementares à subsistência
das famílias e dos trabalhadores que viviam e que produziam quase tudo de que
necessitavam para se alimentar, vestir e tocar a vida. Posteriormente, a partir dos anos
1960, as casas comerciais se especializaram, racionalizaram o seu atendimento para
1
Entende-se por agropecuária moderna as atividades desenvolvidas no campo com o uso de tecnologia de
ponta, inserida na utilização de maquinários e de técnicas no trato de animais, no manejo da terra a ser fertilizada e no
plantio.
12
suprir as necessidades de uma cidade que crescia diariamente, impulsionada pelos
avanços no setor agrícola.
Nesse contexto, os empórios, também conhecidos como armazéns, vendas ou
ainda casas de comércio, típicas do interior goiano no início do século XX, nas quais ―de
tudo se vendia um pouco‖, ofereciam para a cidade produtos ―secos e molhados‖ como
ferragens, chapéus, fósforos, querosene, tecidos finos e armarinho.
Segundo Gomes (2001), essas lojas tinham lugar de destaque, localizadas no
perímetro urbano da cidade ou não, por desenvolver atividades que transpunham o
âmbito da economia e se ampliavam para os campos social e cultural.
Em todas as cidades do interior brasileiro, notadamente a partir da segunda
metade do século XIX, transição do período monárquico ao republicano, a
presença do armazém de secos e molhados se fez sentir de maneira
significativa, na vida das comunidades rurais e urbanas do Brasil.
(...) preencheu significativas funções de ordem econômica, cultural e social na vida
das pessoas, a ponto de ser semelhante ao papel representado pela praça da
igreja, funcionando como um referencial social de encontro obrigatório” diário,
para muitas pessoas, indivíduos e cidadãos comunitários. (GOMES, 2001, p. 20,
grifos do autor).
Fornecendo produtos e serviços, esses espaços destinados ao comércio cumpriam
importante função para a comunidade jataiense e do sudoeste goiano, também como
ambiente de encontros, conversas, contação de causos do cotidiano, debates políticos e
de sociabilidades.
Com o crescente aumento da população local a partir do da segunda metade do
século passado, em especial na década de 1960 quando, conforme dados de Machado
(1996), a população urbana superava a rural , as casas de comércio começaram a se
reorganizar, a se modernizar, especializaram-se e passaram a adotar um atendimento
diferente do que antes era oferecido, mais impessoal e racional.
As casas de comércio acompanhavam, assim, a passagem de uma estrutura
econômica assentada em bases rurais, voltada para atender à criação de gado, para a
agropecuária moderna, que atraía significativa leva de migrantes e permitia uma nova
organização da cidade para atender à demanda interna.
Fortemente imbricado à dinâmica de crescimento, ao aumento da velocidade na
comunicação e nos transportes que marcou aquela época, o cotidiano dos cidadãos
jataienses foi impactado pelas mudanças. Empolgados ou não com as novas
circunstâncias, esses sujeitos dialogaram com as transformações, contribuindo ou
13
resistindo a elas, incorporando-as de forma particular ao seu dia-a-dia.
Em pesquisa realizada em 2004, com a finalidade de subsidiar a montagem de
uma exposição permanente no Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos,
levantei as características das casas de comércio existentes na cidade de Jataí na
primeira metade do século passado, destacando sua importância econômica e social
2
. A
figura 1 mostra móveis e outros objetos que compunham tais ambientes.
Figura 1 - Material mostrado na Exposição Empório Serrana em maio de 2005.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
A referida pesquisa é aqui retomada com o objetivo de analisar a evolução dos
espaços que se destinavam a abastecer a cidade de Jataí. As questões que proponho
esclarecer com este trabalho são: Quais foram as transformações ocorridas no setor
comercial de Jataí com o deslocamento da fronteira econômica para a região e a
consequente modernização da cidade? Quais as mudanças nas relações sociais
2
A pesquisa realizada teve como resultados a publicação do artigo Casas de Comércio em Jataí: início do
século XX‖ (OLIVEIRA; LEMES, 2005) e a montagem de uma exposição no Museu Histórico de Jataí Francisco
Honório de Campos, intitulada Empório Serrana, que teve como objetivo mostrar aos visitantes, a partir de objetos e de
textos, como eram organizadas as casas de comércio que abasteciam a cidade de Jataí no início do século XX.
14
estabelecidas entre as casas de comércio e os moradores da cidade? Como os citadinos
viram e se portaram diante das mudanças operadas nesses espaços que até então
tinham um caráter de convivência e que aos poucos começaram a racionalizar sua
organização e seu atendimento, priorizando o lucro e a eficiência?
A motivação para dar prosseguimento à pesquisa, então realizada para atender ao
Museu, deve-se em parte ao desagrado, manifestado em entrevistas por antigos
moradores de Jataí, quanto ao autoatendimento do sistema pegue-pague. Um exemplo é
Maria Clara de Lima, esposa do falecido comerciante Joaquim Borges de Lima, que
afirmou não ter gostado da primeira loja desse tipo, montada na cidade na década de
1960. Ela reclama que não havia balconista para atendê-la e ela tinha que se dirigir
sozinha até o produto que precisava, levar ao caixa, pagar por ele e transportá-lo para
casa sem qualquer ajuda.
Esse relato remonta ao início do processo de reorganização das casas de
comércio de Jataí por volta dos anos 1960. Antes disso, a situação comentada por Maria
Clara não ocorria nos então armazéns de secos e molhados da cidade, que vendiam de
tudo e ofereciam, do outro lado do balcão, atendimento personalizado, com conversa e
relação de amizade típica de cidade pequena, onde todos se conheciam.
Mas com o aumento da população e a maior diversificação de produtos
comercializados, instalou-se a necessidade de atender a uma maior quantidade de
pessoas em menor tempo. Trabalho e relações sociais estabelecidas com os clientes se
modificaram: o intermediário entre cliente e produto foi suprimido.
Outros fatores decorrentes da modernização da cidade podem ainda ser
levantados, como, por exemplo, a segmentação das casas de comércio de acordo com os
tipos de produtos vendidos, mudança nas formas de crédito ao cliente e maior rigor nos
horários de atendimento aos consumidores.
A compreensão do modo como essas transformações se processaram implica
conhecimento sobre o contexto histórico e social da cidade de Jataí, no qual se configurou
a rede comercial. Baseado nessa premissa, este trabalho parte da apresentação da
cidade de Jataí e da caracterização das casas de comércio nela existentes.
O primeiro capítulo aborda o modelo de organização do espaço citadino que
predominou nos primeiros cinquenta anos do século passado, a partir de relatos de
viajantes sobre a cidade, livros de escritores jataienses e entrevistas com moradores da
época.
15
Essa análise da cidade foi realizada de forma minuciosa, de forma a permitir ampla
compreensão de seus múltiplos aspectos. Entendo que, como palco de atuação do
homem, a cidade deve ser investigada como objeto de estudo que fala‖ através de suas
construções culturais, de sua história. Mas decifrar sua escrita não é um processo tão
fácil. É necessário que o historiador a veja e a interprete como ―cidade plural‖.
A decantada crise dos paradigmas e a complexidade da vida contemporânea
impôs aos ―leitores do urbano‖ uma concepção multifacetada de análise. Esta
seria, a nosso ver, uma das maneiras de entender o que chamamos de ―cidade
plural‖, fenômeno múltiplo e poliocular. (...)
Sendo a cidade, por excelência, o ―lugar do homem‖, ela se presta à multiplicidade
de olhares entrecruzados que, de forma transdisciplinar, abordam o real na busca
de cadeias de significados. (PESAVENTO, 2002, p. 09).
No segundo capítulo, -se ênfase à modernidade e suas manifestações em Jataí
a partir da década de 1960, analisando a modernização da cidade, que acompanhava o
ritmo de mudanças no Estado de Goiás, acelerado pela construção de Brasília, e a
inserção dessa parte do território goiano no rol das cidades que modernizaram técnicas
de agricultura e manejo de gado nos anos 1970.
Já o terceiro capítulo se ocupa de discutir como essa modernização afetou a
estrutura do setor comercial da cidade de Jataí.
Cabe salientar que este trabalho tem sustentação teórica na história cultural
basicamente nas obras de Pesavento (2008) e Chartier (1990) , que considera, como
fontes de pesquisa, os bens culturais produzidos pelo homem, incluindo linguagem,
literatura, arquitetura, música e tradições populares. Em síntese, abarca todas as
representações, manifestações e práticas humanas imbricadas na polissêmica noção de
―cultura‖.
De acordo com Chartier (1990, p. 17), a hisria cultural ―tem por principal objeto
identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade
cultural é construída, pensada, dada a ler‖.
Essa abordagem historiográfica permite análise mais rica e significativa das fontes
historiográficas. No entanto, o trabalho nela pautado não é feito apenas a partir da
possibilidade de uso de uma infinidade de elementos tomados como fontes. O papel do
historiador, de acordo com Pesavento (2008), é de extrema importância, porque ele terá a
incumbência de selecionar as fontes, relacioná-las, cruzar suas informações e, com toda
sua leitura de mundo, sua ―erudição‖ entendida como bagagem cultural , dar
significado ao que busca conhecer e explicar.
16
Sem dúvida, o historiador se apóia em textos e imagens que ele constrói como
fontes, como traços portadores de significado para resolver os problemas que se
coloca para resolver. Mas é preciso ir de um texto a outro texto, sair da fonte para
mergulhar no referencial de contingência no qual se insere o objeto do historiador.
Do texto ao extratexto, esse procedimento potencializa a interpretação e assinala
uma condição especialíssima, que é o verdadeiro capital do historiador: a sua
erudição. (PESAVENTO, 2008, p. 65).
Assim, segundo a autora, o trabalho do historiador se desenvolve a partir de ―uma
idéia na cabeça, uma pergunta na boca, os recursos de um método nas mãos e um
universo de fontes diante de si a explorar (...) o historiador tem um mundo à sua
disposição, pois tudo lhe parece capaz de transformar-se em História‖ (PESAVENTO,
2008, p. 68).
Esta pesquisa utilizou, para a análise do objeto estudado, fontes bibliográficas
sobre o tema abordado, fontes documentais e iconográficas (fotografias, mapas) e
entrevistas.
Um levantamento bibliográfico foi feito para estudar a historiografia goiana e a
história de Jataí. Nesse processo foram analisadas fontes que forneceram subsídios
teóricos importantes sobre o conceito de modernização, o modo como ela se processou
na cidade estudada e, de forma mais ampla, como resultado do desenvolvimento do
Estado de Goiás.
Incluem-se como fontes os jornais que circularam em Jataí no início do século XX e
a partir da segunda metade do mesmo século. Foram analisados os periódicos O Jatahy,
de 1910 e 1911. Sobre a utilização de jornais como fonte de pesquisa histórica, Assis
(2007) comenta:
A pesquisa histórica sobre a análise de jornais e periódicos no Brasil é ainda um
campo relativamente novo e o principal problema enfrentado são os limites
impostos pela quantidade limitada de dados e pela falta de fontes estatísticas.
Outrossim, é uma fonte rica em dados e elementos e, para alguns periódicos, é a
única fonte de reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das
sociedades ao nível de suas condições de vida, expressões culturais e políticas,
dentre outras. Dentre as inúmeras opções da utilização dessa fonte documental
podemos destacar a periodicidade, a disposição espacial da informação e o tipo
de censura. (ASSIS, 2007, p. 39)
Além de fontes documentais e bibliográficas, recorreu-se ainda a fontes orais,
acessadas por meio de entrevistas com moradores de Jataí que tiveram relação próxima
aos espaços em estudo. Elas permitiram captar percepções e pontos de vista de sujeitos
17
comuns cuja vida se entrelaça à cidade e aos fenômenos que nela ocorreram na época
investigada.
Segundo Chartier (1990), imagens, textos e depoimentos orais são utilizados para
reconstruir a realidade. Assim, entendo que as narrativas de antigos moradores
representam a possibilidade de descrição dos universos singulares do cotidiano como
reconstrução dos fatos sociais que tiveram como palco a cidade de Jataí nas
coordenadas temporais delimitadas por este estudo.
18
CAPÍTULO 1
JATAÍ NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: AS CASAS DE COMÉRCIO
A região em que se localiza a cidade de Jataí começou a ser povoada entre a
década de 1830 e o início da década de 1840, com a chegada de pecuaristas mineiros e
paulistas. Eles vieram para o Sudoeste Goiano com o objetivo de morar com suas famílias
e outros trabalhadores na região que até então fazia parte do município de Rio Verde. A
pecuária foi a principal atividade econômica desenvolvida por esses pioneiros.
Foi em torno da criação de gado que as cidades já existentes em Goiás se
reorganizaram após a queda da produção aurífera, que culminou com o esgotamento das
minas em meados do século XVIII, e foi a partir dela que surgiu a maioria das cidades
posteriormente ao período da mineração, a exemplo de Jataí.
A pecuária em Goiás, segundo Chaul (2002), precede a mineração, uma vez que
relatos dos primeiros exploradores das minas goianas sobre pegadas de gado
encontradas na beira dos rios. As duas atividades eram desenvolvidas paralelamente e,
com o colapso na extração de ouro e diamantes, a pecuária passou a ser a principal fonte
da economia do estado.
Com a decadência da exploração mineral em Goiás, o número de habitantes das
cidades reduziu significativamente e a economia se estagnou. A precariedade, ou mesmo,
em muitas regiões, a inexistência de vias de transporte, de meios de comunicação e ainda
de mão-de-obra conduziu a população a eleger a pecuária como principal sustentação
econômica.
A criação de gado de certa forma colaborou no enfrentamento das dificuldades
enfrentadas pelo estado no que diz respeito à infraestrutura deficitária de transporte e
comunicação. Isso porque, segundo Chaul (2002), ela possibilitou a manutenção da
comunicação de Goiás com os demais estados do país e o auxiliou a sair da crise
econômica vivida após a queda da produção aurífera.
Assim que o ouro deixou de representar o principal produto da economia goiana,
um processo de ―êxodo aurífero‖ fez com que um forte contingente populacional
abandonasse a Província para se dedicar à lavoura e à pecuária. Foi por meio
deste processo de ocupação que a economia goiana se tornou agrária. A diminuta
19
produção do período, que se seguiu ao colapso da mineração, tornou a economia
de Goiás praticamente estagnada. A historiografia goiana atesta, em todo o
conjunto de suas produções, que foi por meio da pecuária que se procurou manter
ativo o sistema de produção mercantil, abastecendo de gado os mercados de
Centro-Sul e Norte-Nordeste do país. Da crise da mineração ao início do século
XX, o setor agrário e o erário público teriam sobrevivido das rendas advindas da
pecuária. (CHAUL, 2002, p. 92).
As cidades goianas, nesse contexto, mantiveram-se como entreposto comercial
para atender fazendeiros e comitivas de transporte de gado. Cumpriram, dessa forma,
papel importante no que diz respeito à comunicação entre diferentes regiões goianas e do
estado com outras regiões do país.
Mas diferentemente da pecuária, que garantiu a sobrevivência de várias cidades e
catalisou o surgimento de outras, a agricultura se mostrou inviável economicamente.
Sobre essa questão, Palacin e Moraes (1994, p. 57) relatam que,
após a decadência das minas, Goiás viveu um período de grandes dificuldades
econômicas. A ausência e as dificuldades de meios de transportes e de
comunicação e a inexistência de mercados consumidores mostraram o quadro da
impossibilidade do desenvolvimento da agricultura goiana em nível comercial.
Goiás era uma região periférica pertencente a um país de economia dependente.
Sua situação era bastante difícil.
Os autores comentam que o incremento da pecuária foi responsável pelo aumento
da população, pois atraiu para Goiás correntes migratórias vindas do Pará, do Maranhão,
da Bahia, de Minas, ―povoando os inóspitos sertões. (...) No sudoeste, novos centros
urbanos surgiram, sob o impulso da pecuária: Rio Verde, Jataí, Mineiros, Caiapônia (Rio
Bonito), Quirinópolis (Capelinha)‖ (PALACIN; MORAES, 1994, p. 59).
Foi nesse cenário que duas famílias, uma paulista e outra mineira, e seus
agregados se assentaram na região do rrego Ariranha, que então fazia parte do distrito
de Rio Verde, no final da década de 1830. Desenvolveram a pecuária (atividade principal)
e a agricultura (basicamente apenas para a subsistência das famílias), ao mesmo tempo
em que se começava a fomentar a povoação daquela parte de Goiás.
De acordo com França (1998), os grupos que iniciaram a construção da cidade de
Jataí, na segunda metade de século XIX, buscavam a prosperidade da região escolhida
para viverem com suas famílias.
Tudo começou com os nossos desbravadores no século passado, e com as
famílias que vieram depois para povoar o sertão do Rio Claro. Chegaram com o
objetivo de ficar e trouxeram, no mais das vezes, os rudimentos essenciais que
20
aprenderam em seus lugares de origem. Sabiam ler, escrever e contar a fim de
atender às necessidades diárias de passar recibos, assinar escrituras, remeter
mensagens a parentes que ficaram distantes, ou ainda acompanhar com números
e pequenos cálculos as transações simples (...)
Portanto, tivemos o privilégio de contar entre os nossos pioneiros com pessoas
não destemidas e laboriosas, mas também com algum conhecimento, embora
muito primário, das técnicas sociais da escrita, da leitura e dos números. (...)
Deixaram atrás deles, nas Minas Gerais e em São Paulo, especialmente, famílias
organizadas com esses mesmos padrões culturais mínimos (...), porém
fundamentais mesmo nas longínquas terras do Sudoeste de Goiás, que vieram
domesticar para a civilização e daqui nunca mais sairiam. (FRANÇA, 1998, p.21).
Os primeiros habitantes de Jatse empenharam em desenvolver a região. Esse
empenho se manifestou com a doação de terras feitas para que fosse construída a
primeira igreja da cidade, em torno da qual foram construídas casas que passaram a
formar o centro das comemorações religiosas do povoado que se instalou a partir de
1848.
13 de Maio. Francisco Joaquim Vilela, pai de José Manoel Vilela, faz a escritura de
doação de uma área de terras ao Patrimônio da Capela do Espírito Santo do
Paraíso, onde mais tarde seria levantada a sede do Município de Jataí. Este
documento foi feito na antiga cidade de Espírito Santo dos Coqueiros, terra natal
deste pioneiro. O registro desta escritura foi feito oito anos depois, em 05 de
agosto de 1855, em cartório, em Rio Verde, sede do Município. (MELLO, 2001, p.
19).
Eles também investiram na construção de prédios que faziam parte das exigências
mínimas do Estado de Goiás para que a cidade pudesse ser emancipada, arcando com
as despesas de tal empreendimento. Foi construída uma escola pública e outra edificação
que reunia a Casa da Câmara e a Cadeia (figura 2), inaugurada em 1884 com a
instalação da primeira Câmara de Vereadores (composta pelos pioneiros da cidade) e a
elevação da Vila de Jataí à categoria de cidade. O prédio foi demolido na década de
1960.
21
Figura 2 - Foto da Casa de Câmara e Cadeia.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
Cumpridas as exigências do governo goiano, em 31de maio de 1895 Jataí foi
oficializada na condição de cidade, emancipando-se politicamente.
Uma das primeiras referências bibliográficas encontradas a respeito de Jataí,
consta no livro ―Viagens às terras goianas‖, do viajante Oscar Leal, e data de 1892, três
anos antes de a cidade ser emancipada:
O Jataí, conquanto seja povoação tão recente que ainda tem a ventura de abrigar
vivos os seus fundadores, é hoje uma vila notável pelos seus edifícios públicos e
particulares, construídos por mãos hábeis, e pelo magnífico local em que se acha
situada. É a última povoação que existe nesta banda de Goiás.
Devido aos importantes criadores que a circundam, Jataí progride sensivelmente,
sem necessitar de pedir proteção aos cofres do estado, que, no entanto se
locupletam em parte com o seu auxílio.
O Jataí compõe-se de uma rua e duas praças, que apresentam movimento
unicamente durante as festas religiosas ou populares.
ali seis boas casas de fazendas, várias tavernas, duas oficinas de ferreiro, três
de carpintaria, duas escolas públicas (fechadas nesta ocasião).
Conquanto existam alguns edifícios regulares, o interior deles apresenta triste
aspecto, pois a respeito de ornamentação nada se . Não móveis feitos com
gosto e capricho. Apenas grandes mesas e bancos de cedro sem polimento ornam
as habitações.
Conquanto menor que o Rio Verde, é superior por vários motivos, pois os homens
ricos do Jataí compreendem melhor o alcance das coisas.
(...) O povo de Jataí é alegre, hospitaleiro e agradável e dele só conservo saudosa
lembrança. (LEAL, 1980, p. 193-194)
22
Ao findar o século XIX, Jataí tinha ―a maioria da sua população concentrada na
zona rural, o que correspondia a 80% de um total de 5.000 habitantes em 1890, segundo
estatística populacional feita pelo vigário Joaquim Cornélio Brom‖ (FRANÇA, 1998, p.
118). Não é raro encontrar em livros a informação de que a cidade, como comenta Leal
(1892), ficava movimentada apenas nas datas de comemorações e de festas religiosas
que aconteciam nos pátios da igreja erguida no centro do espaço urbano.
Na época, as casas de comércio de Jataí atendiam os habitantes da cidade e do
campo, oferecendo produtos essenciais para a vida e para o trabalho da população, como
o ferro, o arame, o sal e o querosene. Em 1908,
Jataí contava com apenas 21 estabelecimentos comerciais. Destes, 2 eram
farmácias. A indústria ficava por conta de uma olaria, duas ferrarias e duas
carpintarias. Haviam ainda 3 cartórios. Crise de desemprego não era conhecida.
Os trabalhadores que freqüentemente transitavam pela cidade, estavam ligados à
zona rural, a grande empregadora da época. (MELLO, 2001, p. 71).
Quanto à estrutura da cidade, as ruas não possuíam calçamento e a poeira fazia
parte da rotina dos moradores. Esse fato, aliás, é bastante lembrado por todos que
viveram naquela época, como mostra o depoimento de Sebastião Ferreira, ex-
comerciante da cidade, que fala sobre a poeira e o estado de certa dormência em que
Jataí se encontrava no final da década de 1920:
Nessa época Jataí ainda estava num estado de modorra, sabe, num estado de...
num... desenvolvimento não tinha, era parado, então era aquela vida rotineira,
aquelas ruas poeirentas. Ainda, é..., menino, que na gestão do prefeito Júlio
Cunha, na última gestão dele, construiu-se uma casa, uma coisa deplorável. E
Jataí começou a progredir realmente, é, depois que o gaúcho veio para cá...
(Sebastião Ferreira, morador da cidade).
Fato interessante é que as casas não possuíam numeração. Segundo Mello
(2001), eram registradas no cartório tendo apenas como referência para identificação a
sua descrição: o número de portas que possuíam (para identificar como sendo de
comércio ou não) e ainda o nome do proprietário da casa vizinha.
O meio de locomoção mais utilizado, além do cavalo, era o carro de boi, que dava
o apoio para o transporte de móveis nas mudanças, de produtos da roça ou ainda trazia
os produtos para abastecer o comércio da cidade. Também a comunicação no município
era deficiente. Mello (2001) salienta que os serviços de correio, durante a década de
1930, eram realizados apenas cinco vezes por s, sendo que, em certo período,
23
diminuíram para apenas quatro vezes, porque os responsáveis por tal atividade
consideraram desnecessário gastar mais tempo para esse serviço.
A situação de Jataí não era diferente da vivida pelo restante dos municípios do
Estado de Goiás, sobretudo os que pertenciam ao sudoeste goiano, que também
possuíam a maior parte da população residente na zona rural e sofriam com problemas
de comunicação e de transporte.
Esse panorama começou a se modificar somente a partir de acontecimentos de
âmbito nacional que culminam na Revolução de 1930. Assentada na existência de
grandes latifúndios, cujos proprietários exerciam poder e influência sobre seus
subordinados, a estrutura da sociedade de Goiás e do Brasil propiciou o surgimento e a
ascensão do coronelismo e das oligarquias a partir do final do século XIX.
Caracterizado pelo enorme poder concentrado em os de um poderoso local,
geralmente um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um próspero
senhor de engenho, o coronelismo foi um sistema usado para manipular os grupos
subalternos e garantir que fosse escolhido o governo que sustentaria a continuidade dos
privilégios políticos e econômicos dos coronéis.
O coronelismo era marcado pela força política e econômica de um chefe local, que
se articulava com o poder central. Assim, um processo eleitoral, por exemplo, era
decido antes mesmo das eleições acontecerem. Isso porque, em âmbito nacional,
predominava a força das oligarquias mineiras e paulistas que se revezavam na
presidência da República, através do acordo das elites brasileiras que ficou
conhecido como ―política do café com leite‖. O poder central na esfera nacional
trocava favores e cargos como o chefe político regional, que por sua vez
comandava o ‗voto de cabresto‘ em cada ―curral eleitoral‖ de sua região. Em
Goiás, a força política dos Caiados aglutinava as elites agrárias. (RIBEIRO, 2003,
p. 17).
Nessa época, o voto de cabresto, as eleições fraudulentas e os jagunços eram
utilizados para controlar a população e assegurar a manutenção das oligarquias que
tomavam conta do poder político e social no Brasil.
Em Goiás, o poder era sustentado pela família Caiado, representante da União
Democrática Nacional (UDN), partido que se organizou em 1945 e cuja causa
fundamental era opor-se ao regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, posicionando-se
contra toda e qualquer doutrina originária de seu governo. Os udenistas encontravam
forte oposição no sudoeste goiano, o que fez com que a região fosse por várias vezes
deixada de lado, sobretudo no que se referia a verbas para administração das cidades.
24
Os grupos políticos das regiões sul e sudoeste de Goiás, que anteriormente
representavam as áreas mais desenvolvidas economicamente do Estado, não
tiveram, na Primeira República, participação política condizente com sua
importância econômica. Com o movimento de 1930, esses grupos ascendem ao
poder, tendo em Pedro Ludovico seu representante. (CHAUL, 2002, p. 242)
A Revolução de 1930 aconteceu a partir do conflito entre oligarquia e oposição e se
fortaleceu com o início de manifestações que surgiram em todo o país contra o governo
de Washington Luís. O auge da revolução ocorreu com a crise do café, que acabou
contribuindo de forma significativa para levar Getúlio Vargas ao governo do país.
O então presidente Vargas acabou com o período da intendência e nomeou
interventores estaduais Pedro Ludovico Teixeira
3
em Goiás que indicavam os
interventores municipais.
A partir da Revolução de 1930, entre outros benefícios, Goiás conseguiu a
transferência de sua capital, a então cidade de Goiás, para uma região mais ao sul do
estado, Goiânia. Foi Implantada estrada de ferro interligando definitivamente o centro-
oeste ao centro-sul e iniciada a construção de rodovias para melhorar o transporte na
região. Também a comunicação se desenvolveu com a utilização do telégrafo.
Todos esses fatos, além da escolha do planalto central para a construção da capital
do país, hoje Brasília, permitiu ao Estado de Goiás trilhar os caminhos do
desenvolvimento e da modernização.
O processo de urbanização se intensificou a partir da década de 1950, com
conquistas como a eletrificação (as Centrais Elétricas de Goiás S.A. CELG foram
criadas em 1955), o que garantiu o início da industrialização em Goiás. Antes, porém, em
Jataí, o primeiro registro de exploração de energia elétrica data de 1925:
A empresa Caetano Carvalho & Cia. É registrada em 19 de março de 1925, na
3
Ludovico foi nomeado interventor do estado em novembro de 1930. Sete anos depois, com a
decretação do Estado Novo, permaneceu à frente do governo estadual, mais uma vez como interventor.
Participou da criação do Partido Social Democrático (PSD) em 1945, do qual foi presidente em seu estado.
Cinco dias após a queda de Getúlio Vargas, foi substituído na interventoria, depois de 15 anos consecutivos
à frente do Executivo estadual. Foi eleito governador de Goiás em 1950. Em outubro de 1965 o Ato
Institucional 2 (AI-2), promulgado pelo presidente Humberto Castelo Branco, extinguiu os partidos
políticos até então existentes. Com o advento do bipartidarismo, Pedro Ludovico se filiou ao Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), representando-o na vice-presidência do Senado até de outubro de
1969,quando a junta militar, que governou o país de 31 de agosto a 30 de outubro desse ano, cassou seu
mandato parlamentar com base no Ato Institucional 5 (AI-5). Cf.: ABREU, Alzira Alves de (coord.).
Dicionário histórico biográfico brasileiro pós-1930. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
25
forma de sociedade industrial não havia a definição de prestação de serviços na
época -, com o objetivo de fornecer “Força e Luz”, para a cidade de Jataí. O nome
de fantasia no documento é “Sociedade Força e Luz de Jatahi”. (RESENDE, 2007,
p. 60, grifos do autor).
Jataí, a partir da cada de 1930, também conseguiu um considerável
desenvolvimento, atribuído à sua proximidade com centros comerciais, como cidades de
Minas Gerais, à produção pecuária e à construção de importantes rodovias, o que
permitiu seguir o avanço alcançado pelo estado.
Num levantamento efetuado pelo Sr. Lino dos Santos, encarregado do setor de
Estatística da Prefeitura, em agosto de 1939, consta... (...) que na cidade havia
3.200 habitantes e no interior esse número chegava a 28.000. Jataí possuía duas
praças bem iluminadas, calçadas gramadas e arborizadas. A população contava
com o Banheiro público Olho d‘Água. A prefeitura tinha a sua sede em prédio
novo. A assistência médica ficava a cargo da Casa de Saúde São José, com
capacidade para 20 leitos. (...). A indústria era representada por uma máquina de
beneficiar arroz, outra de café, outra de fazer gelo e mais uma fábrica de manteiga
de leite. Havia ainda uma empresa recém inaugurada para produzir banha de
porco de propriedade do Sr. José Pereira Rezende. (MELLO, 2001, p. 139).
No entanto, o desenvolvimento econômico de Jataí, segundo Machado (1996),
sofreu um abalo a partir da década de 1950, quando ocorreu a crise no setor da pecuária
em todo o país. De acordo com a autora, o município não conseguiu modernizar as
técnicas utilizadas na produção pecuária e demorou a assumir a agricultura como
atividade econômica principal. Apenas nas décadas de 1970 e 1980 imigrantes sulistas
introduziram a agricultura na economia do município e Jataí conseguiu reagir à crise e
modernizar-se de fato.
26
1.1 As “antigas” casas de comércio de Jat
As casas de comércio estabelecidas em Jataí no início do século passado tinham
um papel complementar à economia da cidade. Essa situação era garantida a partir da
condição de autossuficiência existente nas grandes propriedades rurais, que produziam
quase tudo que era necessário para a sobrevivência das pessoas que nelas viviam.
A figura 3 mostra o mapa da cidade em 1908, quando Jataí possuía 102 casas.
Segundo a figura, três delas destinadas ao comércio (20 Casa de Comércio; 27 Casa
de Comércio de Honório Cruzeiro; 53 Venda de José Pereira Rezende Zequinha
Paniago), concentradas na Rua do Comércio e no Largo da Cadeia, e uma fábrica de
cervejas (90 A Gedda Fábrica de cerveja Jataí).
Outros nomes de donos de casas de comércio aparecem representados no mapa,
como Ozório Zaidem, da Casa Zaidem, ou o Sr. Turco, que tinha uma venda no Largo
da Cadeia. No entanto, não a especificação de que no ano em que o mapa foi feito,
seus estabelecimentos comerciais já funcionavam.
27
Figura 3 - Mapa da cidade de Jataí em 1908.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
Em geral, as casas de comércio funcionavam não apenas no perímetro urbano,
mas também na zona rural, nos povoados próximos a Jataí. Os comerciantes que
desenvolviam suas atividades na área mais central da cidade possuíam maior variedade
de produtos e muitos artigos de luxo para atender aos fazendeiros e citadinos mais
abastados.
Antes de serem montadas as casas de comercio na cidade, e mesmo depois delas
existirem, o abastecimento de produtos na região era feito por tropeiros que andavam em
comboio, de cidade em cidade, vendendo produtos e pegando encomendas de compras
de mercadorias dos grandes centros urbanos.
Em Jataí, as tropas de concentravam na Rua do Comércio, atual Rua José Manoel
Vilela, mesma rua em que se localizava o Mercado Municipal, onde atualmente funciona o
Departamento de Trânsito (Detran) e a Secretaria Municipal de Trânsito. Abaixo do
mercado existia a Feira de Carreiro, onde fazendeiros e chacareiros da região expunham
e vendiam gêneros que fabricavam nas fazendas. Essa prática é lembrada por antigos
moradores da cidade:
28
Os fazendeiros traziam no carro de boi toicinho enrolado na folha de banana,
sabão empalhado, cabeça de palha de milho, tirava enrolava ali e amarrava e
vinha dependurado vinha polvilho, vinha frango, vinha ovos... (Arioldo Alves da
Rocha em entrevista concedida para a pesquisa).
Era mais era essas coisas que mais que não cabia na... Que na, que era uns
comodozinhos separadinho. Então dentro do supermercado vendia as coisas
miúdas, eram as verduras de assim, e fora era assim, os carro de boi vinha pra
vender feijão, arroz, café, milho... (Alzira Honória da Rocha em entrevista
concedida para a pesquisa).
Além dos tropeiros, outro personagem lidava com o comércio na época, passando
de cidade em cidade, de fazenda em fazenda: o mascaste.
Um mascate era uma loja ambulante zanzando de fazenda em fazenda,
conduzindo no lombo dos burros, em bruacas abarrotadas uma variedade enorme
de coisas bonitas, um mundo de objetos anos e anos cobiçados por aquelas
pobres filhas de Eva enclausuradas nas Casas-Grandes e pelas bibocas de serra
nos ranchos dos agregados. (LIMA, s/d, p. 18).
Esses comerciantes enfrentavam todo tipo de adversidades ao visitar fazendas
sertão adentro, levando uma infinidade de produtos que eram esperados ansiosamente
pelos moradores das fazendas.
Quando chegava um mascate, a mulherada se alegrava animadas com a
perspectiva de fazer suas compras. Uns dois ou três cortes chita para cada filha e
para elas próprias; um corte de sedinha ou fazenda grossa para cada uma (esses
para serem usados em dias especiais de festas). Para cada uma compraria
também um par de ramonas, calçado vistoso de lona estampadinha com sola de
borracha, sapatos vistosos que faziam sucesso na época. E os brincos de
cabacinha, brilhantes como se fossem de ouro? E os pentes de tartaruga com
pedrinhas cintilantes para prender os coques? E as tiras bordadas, e as peças
de rendas, alvas como a neve, e os pontos-russos, e as fitas para enfeitar os
vestidos de fazenda e de sedinha? Ah, a chegada de um mascate era motivo de
grande alegria e animação para aquelas mulheres (as agregadas e as filhas e
esposas dos fazendeiros) que viviam confinadas naquele mundo outrora, sertão
esquecido na beira da serra, terra roxa coberta de cafezais.
As filhas e as esposas dos fazendeiros compravam sem perguntar o preço peças
e mais peças de tiras-bordadas de rendas. Para os vestidos, fazendas finas,
gorgorão, crepes-de-seda... E um mundo de objetos de adorno, jóias de ouro
verdadeiro; medalhões pesados... E vidros de água de cheiro, e latinhas de
brilhantina de perfume forte, e mais um mundo de coisas cintilantes, prendedores,
passadores para prender o cabelo, pentes cravejados de pedrinhas brilhantes.
Umas e outras, fossem ricas ou pobres, nunca se esqueciam de comprar também
os famosos pentes-finos para tirar piolhos dos filhos.
Os homens escolhiam mescla e brim arranca-toco para alguma calça do dia-a-dia
já que, tanto os agregados como os fazendeiros daquele tempo, usavam no
trabalho calças de pano tecido no tear caseiro. Para as roupas de passeio e de
festas, havia o brim bom e bonito para as calças e paletós, e o zefir e o tricoline
para as camisas. Ah, e havia também o zuarte, pano grosso e azul para as
camisas do dia-a-dia. (LIMA, s/d, p. 17-18)
29
Os tropeiros e mascastes traziam, para a população, notícias dos grandes centros
urbanos, assim como produtos industrializados. As distâncias eram grandes e os meios
de transporte eram poucos e precários. Muitos habitantes de Jataí que viviam em
fazendas não conheciam sequer o perímetro urbano da cidade.
Verifica-se, na fala de pessoas entrevistadas neste estudo, que tal era a situação
de isolamento e desconhecimento da cidade por parte de pessoas que moravam no
campo que, quando o contato com ―as coisas da cidade‖ acontecia, causava admiração
nos visitantes vindos da fazenda. A cidade, constituída de casas, lojas, farmácias, cadeia,
escola, entre outros estabelecimentos, mantinha uma dinâmica bem diferente da lida na
roça.
Não a cidade, com suas casas e estabelecimentos causavam admiração. Os
costumes urbanos também provocavam espanto. A compra e venda de secos e molhados
em casas de comércio era um deles, como revela trecho do relato de um habitante da
cidade de Jataí:
E esse período foi muito interessante, porque o fazendeiro que morava tinha
todo o esquema de vida. Ainda continuava a ter sua agricultura de subsistência.
Não existia supermercado, não existia nada disso. A primeira vez que eu vi um
sujeito chegar em um armazém e comprar arroz e feijão para ele, eu fiquei super
admirado com aquilo. Falei: ― Gente como é que o sujeito, todo dia que precisava
ele vem cá e compra? Está louco!‖ Foi chocante aquilo.
(...) Isso reflete: até quando você vai estudar a história de Jataí, você vai descobrir
que, jataí custou a ter lojas, porque ninguém tinha nada para comprar. Comprar o
que? Produzia-se tudo nas fazendas. Então o sujeito abria uma loja e quebrava,
não tinha quem comprava nada. A não ser que ele vendesse (...). Então, não tem
nenhuma de tecido. As bebidas exportadas, que naquele tempo tudo era
importado, bebidas importadas, perfumes, ferragens. Mais o mais você não acha
nenhuma, porque não havia comprador para esses artigos. (PINTO, 2002, p. 135-
136).
A seguir são apresentadas as principais características dos armazéns de secos e
molhados, conhecidos também como empórios ou vendas.
30
1.2 Lugar em que de tudo se vendia
Os estabelecimentos comerciais que funcionavam na cidade de Jataí no início do
século XX comercializavam de tudo um pouco, desde gêneros alimentícios apeças de
vestuário e ferragens. Tal variedade visava atender tanto a população rural quanto a
urbana, demandas que apresentavam certa diferença. O primeiro grupo geralmente
buscava apenas itens que não produzia no campo e também abastecia, com produtos da
fazenda, o ―povo da cidade‖, que por sua vez procurava as casas de comércio para
comprar gêneros de primeira necessidade, como alimentos, além de roupas e tecidos.
Uma característica do setor comercial de Jataí, extensiva a toda a rede de
comércio goiano, a a chegada do ―progresso‖, era, portanto, a inexistência de lojas
especializadas para atender os citadinos e camponeses, sendo que suas atividades
giravam em torno do setor rural.
Uma das características da economia goiana até 1935 era a pequena
diversificação dos negócios, sempre variando entre armazéns de secos e
molhados, com a comercialização no varejo e atacado de mercadorias destinadas
31
aos produtores rurais ou oriundas das fazendas e farmácias. Ou seja, os negócios
giravam em torno da zona rural, principal fornecedora e consumidora. No entanto,
alguns segmentos despontavam, como concessionárias de veículos, pequenas
distribuidoras de energia, gráficas, cinemas e até funerária. (RESENDE, 2007, p.
63).
As propagandas anunciadas nos jornais mostram o quanto eram variados os
produtos oferecidos para a venda, como é o caso da publicada em uma edição do jornal
O Jatahy de 1910:
JOA. MONTEIRO - Negociante de fasendas, ferragens, chapéus de sol e de
cabeça alçados, roupas feitas, depósito de molhados, sal, café, Kerozene,
phosphoros, Farinha de Trigo e Arame Farpado. Especialista em Armarinho,
louças e Artigos Finos. Tem sempre em depósito grande sortimento de panellas de
ferro, caldeirões, fumo e gêneros do Paiz. Compra e vende Borracha. Preços sem
competidor na praça. Rua L. de Bulhões, Jatahy Goyaz.
Dentre os gêneros comercializados, de acordo com o anúncio, havia ―artigos finos‖,
que provavelmente tinham como destino o abastecimento das famílias mais ricas da
cidade ou do campo.
Uma listagem de produtos consumidos e objetos usados na época foi elaborada
por Gomes (2001) com o objetivo de montar exposição na Vila Cenográfica de Santa
Luzia, no Memorial do Cerrado, da Universidade Católica de Goiás, localizado em
Goiânia. Entre os gêneros comercializados, o autor destaca:
Produtos/Mercadorias que irão compor o ambiente do armazém:- sacos de
linhagem, contendo feijão, arroz, milho, fubá, canjica, farinha de mandioca
(farinha-de-pau), polvilho (doce e azedo), café em grãos, farinha de trigo,
macarrão, sal, farinha-de-guerra (pequenos pães compactos de mandioca, que
eram embrulhados em folhas e resistiam às águas das chuvas, dos rios); - latas:
de banha, de carne conservada em banha, de querosene; - carne seca, toucinho; -
temperos: vinagre, pimenta e limão;(GOMES, 2001, p. 41)
A lista continua com uma rie de outros produtos, incluindo bebidas,
acompanhadas de informações sobre como eram consumidas e quais os benefícios:
- bebidas: a bebida comumente usada e apreciada pelos moradores era a
aguardente ou ―cachaça‖, sendo servida em copo de vidro (às vezes, marcados
pelos níveis das dosagens a ser consumida), e justificada no momento da
talagada (gole) para diversas serventias: ―esquentar‖ ou ―esfriar‖; abrir o apetite;
proteger contra alimentos gordurosos; ajudar a digestão; evitar resfriados;
melhorar a garganta, a voz; matar tristezas; afogar mágoas e sentimentos,
enfrentar situações de desafetos etc., sendo encontrada nas vendas ou bodegas,
nos armazéns, nas feiras semanais, nos sítios e fazendas.- Consumia-se tamm
cerveja, conhaque, vermouth, vinho, inclusive da seiva do jatobá etc.- rolo de
fumo; -rolo de corda; - rolo de embira (feita de fibras de plantas nativas);-
sacarias;- vassouras (feitas de folhas de palmeiras, a buriti, a piaçaba, por
exemplo);- ferramentas: facas, facões, canivetes, enxadas, enxadões, pás,
32
machados, martelos, serrotes, formões, enxós, e outras ferragens;- candeias,
lamparinas, lampiões;- vasilhame doméstico;- bruacas, alforjes e mocós (para
carregar provisões); couros de animais (de boi e de fauna silvestre); ponchos
(espécie de capa ou manta grossa sem mangas, forrada de baeta vermelha),
bainhas de facas e facões; - chapéus (de couro, de fibras de buriti ou de outra
palmeira); cantil de borracha ou de cabaça para carregar água; cabos de enxada e
de enxadão;- mochilas (para carregar provisões, como alimentos a exemplo do
milho para os cavalos);- redes (de tecido de algodão), esteiras (de buriti ou fibra de
outra palmácea);- jacás (cestos feitos de tabocas, taquara ou bambu) para
transporte de milho, frangos, galinhas, queijos; - doces: rapaduras, goiabada,
marmelada, e balinhas; - caçambas (de madeira e de metal), estribos etc.
(GOMES, 2001, p.41-42)
Em livro caixa datado de 1927 (figura 4), que pertenceu ao comerciante Joaquim
Borges e se encontra guardado por familiares, observam-se lançamentos dos produtos
vendidos por ele em casa de comércio localizada no povoado em que hoje é a cidade de
Serranópolis, na época pertencente à cidade de Jataí.
33
Figura 4 - Página de livro-caixa datado de 1927.
Fonte: Arquivo da família Borges.
Na página mostrada na figura 4 aparecem também nomes de pessoas com as
quais o comerciante negociava. Além de fornecer diversos produtos constam no livro-
caixa: arroz com casca, açúcar, toucinho, lvora, chumbo, queijo, algodão, café, óleo de
amêndoas, saco de pregos e elixir , as casas de comércio costumavam emprestar
dinheiro aos clientes.
34
Os artigos vendidos nesses estabelecimentos eram adquiridos em São Pedro de
Uberabinha, em Uberaba, em Coxim ou ainda em São Paulo. O contato mais estreito da
cidade de Jataí com outros estados, mais do que com a capital de Goiás, era fato
provavelmente estimulado pela maior penetração, na cidade e localidades vizinhas, de
pessoas vindas de Minas Gerias e de São Paulo importa lembrar que Jataí foi fundada
por mineiros e paulistas e pelo desenvolvimento dessas regiões, que se tornaram
destaques como centros de comércio próximos a Jataí.
As mercadorias eram trazidas para a cidade pelo dono da venda ou por outros
comerciantes, tropeiros ou mascastes que faziam o abastecimento da região. O
transporte era feito por carro de boi e as viagens duravam meses, às vezes até anos para
se completar, haja vista a condição em que se encontravam as estradas, o mau tempo e
outros fatores que impediam um percurso mais rápido.
Com as primeiras estradas de rodagem construídas no início da década de 1920,
aos poucos o transporte feito por carro de boi foi sendo substituído por outros meios mais
velozes. Elas ligaram efetivamente a cidade a outras regiões do país e dinamizaram a
comercialização de produtos vindos de várias partes do país.
35
1.3 Casas de comércio como espaços sociais de convivência
Consideradas como espaços de convivência de maior movimento da cidade, uma
vez que eram frequentadas por fazendeiros, meeiros e moradores da cidade, no início do
século XX, as casas de comércio serviam como ponto de troca de informações, de
repasse de recados, de combinações de encomendas, entre outras atividades além da
comercialização de produtos. Ao abordar o assunto, Gomes (2001) comenta que esse tipo
de estabelecimento
preencheu significativas funções de ordem econômica, cultural e social na vida
das pessoas, a ponto de ser semelhante ao papel representado pela praça da
igreja, funcionando como um referencial social de encontro ―obrigatório‖ diário,
para muitas pessoas, indivíduos e cidadãos comunitários. (GOMES, 2001, p. 53).
A função social das casas de comércio ultrapassava a simples comercialização de
gêneros diversos. Elas reuniam pessoas vindas das fazendas para fazerem as compras,
viajantes e tropeiros, que às vezes apenas passavam para deixar encomendas, e a
população da cidade que procurava produtos de que precisava. Antigos moradores de
Jataí descrevem a movimentação e o público frequentador desses espaços:
Tinha muitos postes assim fincados nesses, nessas portas de comércio. Então
eles vinham a cavalo, né, as pessoas nessa época, pra conversar, fazer negócios,
vender fazenda, vender gado, coisas desse... Então cada um chegava e amarrava
o seu cavalinho ali... (Alzira Honório Borges em entrevista concedida para a
pesquisa).
O ponto central mesmo, era o Mercado, porque La no mercado se encontrava todo
mundo, o pobre, o rico, o comprador, o vendedor, as rodinhas políticas eram no
Mercado. Igual em Goiânia antigamente, o Café Central, toda fofoca que havia
em Goiânia era discutida no Café Central. Aqui teve um outro local, é, outro local
também, que ali perto do Posto Curingão, chamava Gruta Baiana. Ali era onde os
homens reunia pra contar mentira e beber cachaça e jogar, ali era do Dudu, a..., o
armazém lá. (...) tinha um outro ponto de encontro de conversa fiada, que era o...,
o Líder Bar (...), na esquina da Benjamim Constant com a Avenida Brasil. Ali você
encontrava de, maçonaria, espírita, católico, político da UDN, do PSD, então
você ficava sabendo da vida inteira da cidade, porque o salão era muito grande,
cheio de mesinha, né, os caras sentavam, pra tomar uma cerveja, alguma coisa, e
ficavam contando potoca da... do que existia, né (...) Existia esses três pontos, que
era la no mercado, era três lugares, o mercado, era La no Líder Bar, e na Grupa
Baiana (Arioldo Alves Borges em entrevista concedida para a pesquisa).
36
As conversas mantidas entre os populares geralmente passavam pela contação de
causos e histórias reais, que tratavam de pessoas e fatos ocorridos na cidade e na região
ou ainda relatos fictícios, sendo mais comuns nas conversas os comentários sobre
acontecimentos verídicos. Os ambientes de comércio também funcionavam como
distribuidores de recados, uma espécie de ―correio de informações‖. (GOMES, 2001, p.
54).
Nesses lugares havia o contato com novidades, com produtos que vinham de fora
e que traziam inovação e maior praticidade à vida das pessoas. Eram pontos de
referência para as pessoas se orientarem sobre a cidade.
37
1.4 Espaço de oferta de serviços variados
Em Jataí, além das atividades referentes à transmissão de informações e recados,
nessas casas de comércio também eram oferecidos outros tipos de serviços, como pode
ser observado no anúncio de O Jatahy (1911):
CASA ZAIDEM DE JORGE PEDRO ZAIDEM - Fazendas, ferragens, armarinho,
calçados. Preços reduzidos. VENDAS À DINHEIRO. Tem annexo um optimo salão
de barbeiro, a disposição do público. Cabelo 1$000, Barba $500, Friccões $50.
A Casa Zaidem possui registro na Junta Comercial de Goiás, datada dacada de
1920. Os donos do estabelecimento eram de origem árabe. Os imigrantes árabes e seus
descendentes têm tradição no setor comercial de todo o Estado de Goiás desde o início
do século passado. Mais um exemplo de casa comercial que oferecia outros serviços aos
seus clientes era a Casa Vermelha, cuja fachada aparece na figura 5.
Figura 5 - Foto do Empório Comercial Casa Vermelha. Foto de 1935.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
38
As dependências da Casa Vermelha abrigavam uma tipografia, na qual era
impresso o jornal O Liberal, que circulou em Jataí na década de 1930. Entre os produtos
colocados à venda havia material escolar e livros, o que indica a preocupação do
comércio local em atender estudantes e professores.
Em espaço anexo a algumas casas comerciais funcionavam fábricas de cerveja,
sapataria e outros serviços, divulgados em anúncios do jornal O Jatahy (1911):
CASA NEVES DE THEÓPHILO PEREIRA DAS NEVES
Completo sortimento de secos e molhados. - Vendas a dinheiro Tem annexo ao
estabelecimento uma bem montada sapataria, que garante trabalhos sólidos. Rua
das Flores - Jatahy‖
CASA REZENDE DE JOSÉ PEREIRA REZENDE
Bebidas finas nacionaes e estrangeiras, massas alimentícias, conservas de
gêneros do paiz, etc. Annexa ao estabelecimento estão installadas fábricas de
Cervejas Goyannas de sua propriedade. Rua Barão Branco - Jatahy Goyaz.
As lojas eram conhecidas por todos que moravam na cidade e, segundo
depoimentos de moradores, não havia concorrência acirrada entre os comerciantes. As
pessoas conheciam bem os estabelecimentos; iam comprar o que precisavam e, se não
encontrassem o produto desejado em determinada loja, iam à outra que o oferecesse. Os
comerciantes e prestadores de serviços investiam em anúncios nos jornais, o que
demonstra que, mesmo sem fortes disputas por clientela, eles se preocupavam em dar
visibilidade ao seu negócio e atrair os consumidores.
As casas comerciais funcionavam durante todos os dias da semana,
principalmente aos domingos, e não tinham horário certo para abrir: ―Cedinho abria, não
tinha esse negócio de hora marcada não, não tinha esse negócio. Domingo era o dia que
mais vendia também.‖ (Sebastião Leandro, morador da cidade de Jataí).
O trabalho durante os domingos era justificado pelo interesse em atender os
habitantes do perímetro urbano e também os chacareiros que moravam próximo à área
central da cidade e que durante os finais de semana saíam para passear, assistir à missa
e fazer visitas a amigos e/ou familiares. Os negócios efetuados nesses dias rendiam boas
vendas e recompensavam o serviço.
39
1.5 Localização, estrutura física e materiais de trabalho
As casas de secos e molhados se localizavam, em sua maioria, nas avenidas
principais do centro da cidade e tinham estrutura física bastante parecida. A loja era
mais ou menos um cômodo quadrado, com um balcão que separava o
comerciante ou vendedor do lado de dentro, aonde, desse lado dele tinha uma
mesinha com chave para guardar o dinheiro, e de fora ficava o cliente. Então
era então era vendido, é... era vendido: olha, eu quero comprar pano, tecido, então
mostrava aquelas prateleiras com os tecidos mais ou menos mostrava e ia lá,
pegava e mostrava para os clientes. E quando a gente queria vender alguma coisa
diferente, mostrava outra, um tecido mais bonito, mais novo, essa coisa.
(Sebastião Ferreira, morador da cidade).
Geralmente havia, nos fundos do cômodo principal das lojas ou no porão das
edificações onde elas estavam instaladas, um espaço utilizado para colocar o estoque de
produtos excedentes ou ferragens.
O balcão que separava o cliente dos produtos comercializados era geralmente
grande e feito de madeira resistente e de boa qualidade. Havia ainda prateleiras onde os
produtos eram expostos como se observa na figura 6 e tulhas onde eram guardados
grãos e farinha. Esteios eram aproveitados para dependurar artigos para a venda. Outras
mercadorias eram expostas em sacos sobre o chão. Mais descrição do mobiliário destes
espaços, em anexo (ANEXO A).
40
Figura 6 - Foto do Empório Vencedor.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
O tecido era vendido por metro e os alimentos eram pesados com balanças de
pratos ou vendidos por litro ou ainda por saco.
41
1.6 Formas de pagamento e negociações
O dinheiro era a forma usual de pagamento das compras efetuadas, mas
moradores relatam trocas de produtos nas negociações. Tais acordos são observados em
documentos da época, como em livro caixa utilizado entre 1927 e 1930 numa loja do
povoado de Serra do Cafezal (hoje cidade de Serranópolis), que contém anotações
referentes ao recebimento de fumo e de café como moeda para abatimento total ou
parcial de dívidas. Outros serviços prestados pelo dono da casa de comércio, como frete,
por exemplo, eram anotados, assim como valores relativos a dinheiro que era pego
emprestado, tanto por comerciantes como por clientes, e aos juros cobrados.
A venda a prazo era a mais praticada, principalmente por fazendeiros que vinham
uma vez por ano na cidade, quando vendiam as boiadas (geralmente nos meses de
novembro e dezembro), faziam as compras, que eram anotadas em cadernetas, e
retornavam para pagar no ano seguinte, quando novamente faziam compras para
abastecer a fazenda nos doze meses seguintes. Na época não havia inadimplência, pois
a palavra de um homem valia como garantia de que ele honraria suas dívidas.
Alguns comerciantes, no entanto, negavam-se a vender fiado e somente aceitavam
pagamento em dinheiro, que garantiam lucro instantâneo e vendas mais compensadoras.
Segundo Gomes (2001), era costume colocar, nas paredes, avisos de que não se vendia
fiado. O autor cita alguns exemplos bem humorados de negar o fiado:
Deus Criou o Mundo,
Eva o Pecado.
O Homem Inventou o Dinheiro,
O Diabo o Fiado.
60 em um bar
Pede uma pinga
70 sair sem pagar
Eu mando a polícia
20 pegar!
(GOMES, 2001, p. 57)
Os comerciantes e prestadores de serviço também usavam os espaços do jornal O
Jatahy (1910) para publicar anúncios que, além de fazer o marketing do estabelecimento
e enfatizar a qualidade de seus produtos, deixavam bem clara a não aceitação do fiado.
Alguns, mais criativos, chegavam a usar discurso poético para tornar a mensagem mais
42
interessante, como a divulgada pela alfaiataria de Miguel Juliano:
A COSMOPOLITA
Quem quiser andar no luxo
E da moda no vigor,
Busque a casa do Juliano, alfaiate de rigor.
É na rua Bela Vista
Esta antiga alfaiataria,
Cuja firma é conhecida,
Miguel Juliano & Companhia.
Fazem ali roupas bem feitas
A gosto do cavalheiro
Sendo isto principalmente
se o freguês levar dinheiro!
Porque o Juliano não gosta ,
Apesar de bonachão,
De conversas fiadas...
Fiado nem o algodão!
Por preços muitos baratos
Fazem roupas as costureiras,
Mas já sabem os fregueses
Não são de primeiras
Fazem ternos de brim em 12 horas,
Em 24 os de diagonal,
E pelos últimos figurinos
Vestidos, vestidinhos, etc. e tal.
Dependendo do tamanho da casa de comércio, existiam mais funcionários, além
do dono do estabelecimento. Eles cuidavam da limpeza do local, levavam as entregas até
o domicílio do cliente e atendiam os consumidores.
Aspecto interessante e que merece ser notado é o nome das lojas, que geralmente
destacavam a identificação da família proprietária ou denotavam valores atribuídos ao
negócio pelos seus donos.
Nos casos de Casa Rezende, Casa Neves, Casa Zaidem, por exemplo, o nome da
empresa associava a reputação da família à do produto, geralmente com objetivo de
evocar credibilidade e honestidade.
Outros nomes tinham a suposta intenção de fixar no mercado um perfil ou estilo de
negócio atraente. É o caso da Alfaiataria Cosmopolita, nome bastante sugestivo, que
comportava o sentido de loja que reúne modas e tendências de vários países, insinuando
conexão com o que existia de moderno e elegante no mundo.
43
Outros ainda se relacionavam com a imagem de força que os empreendedores
queriam ―vender‖. Um exemplo é o do Empório Vencedor. O nome passa uma ideia
positiva, sugerindo negócios vitoriosos, de bom êxito.
A Casa Rezende (figura 7), uma das lojas mais tradicionais da cidade, que
funcionou até a década de 1990, era administrada pelos irmãos Rezende. Esse modelo
familiar de negócio, em que o pai abria o comércio e os filhos depois tomavam conta, era
comum na cidade, mostrando que havia certa tradição de passar a profissão para as
gerações seguintes, o que ainda se pode verificar nos dias atuais.
Figura 7 - Foto da Casa Rezende.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
Ainda fazendo referência à Casa Rezende, um fato curioso é que a empresa, em
certa época, usava um bode para fazer a entrega de compras no local determinado pelos
clientes. O animal, que puxava uma pequena carroça geralmente cheia de latas de banha
e caixas de cervejas, não era muito amigável e investia contra as pessoas que
estranhava.
44
Figura 8 - Foto do bode que entregava mercadorias da Casa Rezende.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
Quanto à participação na economia e na cultura local, as casas de comércio tinham
grande importância, pois abasteciam as casas e fazendas e contribuíam para a integração
de Jataí com outras cidades, funcionando como pontos de encontro, de recados,
ambientes para colocar a conversa em dia, espaços de convivência e sociabilidade.
45
CAPÍTULO 2
A MODERNIDADE SE LANÇA SOBRE A CIDADE
____________________________________________________
A movimentação da fronteira econômica em direção ao sudoeste goiano, na
década de 1930 (com a Revolução de 1930 e a Marcha para o Oeste
4
) e efetivamente a
partir da segunda metade do século XX (com a construção de Brasília, a inserção de
novas tecnologias para a agropecuária, a migração de sulistas para a região), incentivou a
integração, à economia capitalista, de espaços agrários que se tornaram modernos e
modificaram as relações sociais estabelecidas até então. Esse processo fez com que o
município de Jataí se urbanizasse e se integrasse fortemente à economia nacional, sendo
considerado hoje uma dos maiores produtores de grãos do país.
Ao tratar de modernidade, utiliza-se aqui o conceito de Berman (2006), que a
caracteriza como um conjunto de ―experiências vitais‖, vivenciadas por homens e
mulheres que passam a interagir com o ambiente que se transforma a cada dia de forma
mais dinâmica, derrubando fronteiras e integrando culturas diferentes.
Esses indivíduos são estimulados para o crescimento, a superação e o
aprendizado constante. Ao mesmo tempo, as novas relações que estabelecem com o
ambiente em que vivem e com o outro são extremamente contraditórias: o novo em
contraposição ao velho e à tradição, existente no presente, promete superá-los e dissolvê-
los a pó.
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,
alegria, crescimento, autotransformação, e transformação das coisas em redor
mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo que sabemos, tudo
que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse
sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma
unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de
ambição e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como
disse Marx, ―tudo que é sólido se desmancha no ar‖. (BERMAN, 2006, p. 15)
Historicamente, a modernidade surgiu na Europa, a partir das transformações
4
A Marcha para o Oeste foi um programa idealizado com o objetivo de estimular e a economia interna do
Centro-Oeste do Brasil a partir do apoio a iniciativas de povoamento do interior do país para desenvolver a
agropecuária. Segundo Silva (2005, p. 145), ―o programa da Marcha para o Oeste, elaborado pelo governo federal, que
regionalmente contou com o apoio do governo estadual, de um lado, comportou uma política de colonização dirigida e,
de outro, apoiou a construção de Goiânia‖.
46
ocorridas para transpor o modelo social, econômico, cultural e político da sociedade
feudal e que inauguraram a Idade Moderna, com o modelo econômico capitalista.
A Idade Moderna, marcada por diversas descobertas marítimas, pelo
renascimento, iluminismo, avanços científicos, promoveu várias mudanças na sociedade
europeia. Incorporadas pela populão, elas geraram a demanda por mudanças políticas
que culminaram na Revolução Francesa no final do século XVIII.
De acordo com Ortiz (1998), não somente a França, mas também a Inglaterra e os
Estados Unidos podem ser tomados como exemplos ao se analisar as profundas
transformações promovidas pela modernidade a partir do século XVII.
Atualmente objeto de grandes debates, sobretudo a respeito da conservação da
história e da memória das cidades como espaços de convivência, de
construção/desconstrução da identidade cultural, a modernização, ao mesmo tempo em
que influenciou o crescimento das cidades, levou ao isolamento e ao distanciamento dos
espaços de convivência. Eles se perderam na modernidade. Com isso, perdeu-se
também o conjunto de valores e de experiências que são moldadas pela proximidade do
convívio, pelos encontros informais, pelas conversas na calçada, pelo ensinamento dos
mais velhos aos mais jovens.
Duarte Júnior (1997) faz referência à crise da modernidade, do ponto de vista
social, uma vez que a habitação, o passeio, a conversa, a comida e o trabalho se
transformaram, adquirindo uma lógica racional, voltada para uma forma de organização
tecnológica e individualista.
Ao estudar as mudanças na forma de vida entre as populações rurais e as
residentes nas grandes cidades, Durham (1984) ressalta a gradativa transformação das
relações sociais:
De modo geral, se tem apontado o desaparecimento ou enfraquecimento da
família e dos grupos da vizinhança, cujas funções passam a ser exercidas por
instituições especializadas, complexas e impessoais (...) Desse modo, a oposição
entre urbano e rural se configura de modo análogo à oposição entre ―comunidade‖
e ―sociedade‖. (DURHAM, 1984, p. 214).
Especificamente em relação ao avanço do processo de modernização sobre Goiás,
é importante observar que foram vários os fatos que alavancaram a economia de
mercado e simultaneamente interferiram no imaginário da população, na medida em que
a modernidade propunha o novo em sobreposição ao velho.
47
Um dos elementos importantes foi a construção da ferrovia em 1913, o que
propiciou maior velocidade no transporte de mercadorias entre as cidades goianas e para
fora do estado. Ao mesmo tempo, a implantação da estrada de ferro em Goiás contribuiu
para o ―despertar dos dormentes‖, termo utilizado por Borges (1990) para designar a
inserção, na dinâmica capitalista, de cidades com economia até então estagnada.
Praticamente da noite para o dia, a movimentação de pessoas e mercadorias e a
consequente valorização monetária do espaço pelo qual a ferrovia passava estimulou o
avanço da fronteira econômica e a integração dessas regiões à economia do estado.
A instalação de meios de comunicação mais rápidos e eficazes, principalmente o
telefone e o rádio, assim como a melhoria do serviço dos correios, intensificou
sobremaneira os contatos de Goiás com o resto do país. Cabe lembrar que até o final do
século XIX, segundo Maciel (2001, p. 133), as províncias de Mato Grosso, Goiás e
Amazonas se encontravam ―isoladas do circuito telegráfico brasileiro, inacessíveis ao
pensamento e às notícias do restante do país e desarticuladas da vida nacional.‖
No que diz respeito ao rádio, ele surgiu como um meio popular com importante
papel na sociedade. No Brasil do início do século XX, ela era o companheiro inseparável
de milhares de pessoas que estavam em casa, no trabalho, na cidade ou no campo.
As principais características do rádio tradicional, segundo Pinheiro e Gullo (2005),
são: usa linguagem íntima e local; tem grande valor comunitário valoriza os aspectos
regionais, suas personalidades representantes das camadas sociais locais e tem maior
proximidade de atuação social comunitária ; apela para a imaginação do público
ouvinte.
Outros fatores decisivos para que a modernidade engrenasse foram os eventos
resultantes da Revolução de 1930, que modificaram a forma de organização política,
econômica, social e cultura do país. Em Goiás, o governo de Pedro Ludovico Teixeira se
voltou para o sul e o sudoeste do estado, no movimento de Marcha para o Oeste, que
incentivava o desenvolvimento econômico da região e a construção de Goiânia.
A representação da modernidade ganha força em Goiás nos anos 30, com a
ascensão econômica das regiões sul e sudoeste do Estado, conduzindo ao poder
político Pedro Ludovico Teixeira, médico, político e intelectual, um lídimo intérprete
dos interesses desenvolvimentistas dos grupos políticos que pretendiam
transformar Goiás em um pólo de desenvolvimento e progresso. A modernidade
para os arautos de 30 consistia no progresso do Estado, por meio do
desenvolvimento da economia, da política, da sociedade e da cultura regionais.
(CHAUL, 2002, p. 155).
48
A transferência da capital do estado para Goiânia, cidade planejada, construída
com o objetivo de abrigar a sede administrativa do governo goiano, e que se materializou
como representação da modernidade do estado, trouxe visibilidade para Goiás e o
destacou em relação aos demais estados.
Goiânia representava o veículo de condução político-burocrática capaz de levar o
Estado a uma maior inserção no mercado nacional, a uma dinamização do
processo de acumulação capitalista nas fronteiras economicamente mais
desenvolvidas do Estado. (CHAUL, 2002, p. 213).
Igualmente importante foi a construção de Brasília obra que teve uma relação
íntima com a cidade de Jataí, antes mesmo de ser inaugurada no início da década de
1960
5
, que materializou, a partir da arquitetura arrojada, pensada e planejada, a
modernidade que avançava na região, modificando-a, na medida em que transformava
espaços do sertão apenas habitados pelo cerrado em construções sólidas, de concreto,
projetadas logicamente.
Brasília, inaugurada em 1960, traz não para Goiânia, mas também para todo o
Estado, expectativas de desenvolvimento econômico, social e também cultural,
uma vez que desencadeia um movimento de interação (planejada ou não) dos
pólos de desenvolvimento das duas cidades, influenciando (uns mais, outros
menos) os seus habitantes. (MELO, 2007, p.16)
A construção de vias de transporte interligando as cidades goianas a outros
estados também impulsionou alterações no cenário goiano. Em Jataí, em 1957, o então
presidente Juscelino Kubitschek inaugurou a BR-031, atual 364, e a reforma da BR-060.
Remonta a essa década a busca pelo destaque como cidade moderna, que motivou Jataí
a se empenhar para ganhar relevância entre outras cidades.
Ao abordar a modernidade nas cidades goianas e na então sede do governo
estadual, a cidade de Goiás, Melo (2007) salienta que nesse movimento em busca da
modernidade estava embutida a tentativa de superação do rótulo de sertão ―inculto e
selvagem‖.
Com efeito, a modernidade, urbanização e progresso são processos que geram
5
Jataí, em 1955, por ser considerada um os principais redutos do PSD, entre outros motivos, foi a cidade
escolhida por Juscelino Kubitscheck para realizar o seu primeiro comício na campanha eleitoral rumo à presidência do
Brasil. Foi nesse comício, após ser questionado sobre a transferência da capital federal para o planalto central, como
previa a Constituição Federal, que ele assumiu o compromisso da construção de Brasília.
49
representações, imagens de valores que têm se espalhado mundialmente e, como
não poderia deixar de ser, atingem também países periféricos como o Brasil, e na
periferia do Brasil, ―o sertão goiano‖. Assim, a representação de ―sertão civilizado‖,
em contraposição à de ―sertão inculto e selvagem‖, é uma constante nos discursos
não dos leitores entrevistados, mas também de muitos historiadores e
escritores, contemporâneos ou não, da mudança da capital, que aderem ao
discurso mudancista dos governos estaduais e federais da época. Representações
múltiplas do atraso da Cidade de Goiás começam a ser gestadas no período do
declínio do ouro, criando estigmas que, desde então, passa, a fazer parte do
imaginário goiano. (MELO, 2007, p. 31).
Ao longo do tempo, muitos significados foram atribuídos ao termo sertão. De
acordo com Sena (2003, p. 117), desde o período colonial do Brasil, era costumeiramente
utilizado pelos navegadores portugueses para ―designar o interior do Brasil, em oposição
ao litoral‖, e continha a ideia de um ―lugar distante, vazio, isolado, inóspito, desconhecido
e, consequentemente, rude, atrasado, decadente e inferior‖.
O espaço físico do sertão é imaginado como terras do interior, longínquas, ermas,
isoladas, amplas, vazias, desérticas, pouco povoadas, áridas, selvagens, cheias
de mato e de gado, terras sem fim. O seu povo é imaginado como pobre,
miserável, forte, bravo, macho, subdesenvolvido, ignorante, violento, inquieto,
resoluto, sem-lei, livre, sábio, criativo, supersticioso, religioso, devoto, resignado,
respeitador, austero e móvel. A sociedade que esse povo compõe é tradicional,
anacrônica, rural, latifundiária, autoritária e mística. Imagina-se a cultura desse
povo como rústica, simples, popular, regional, rural, tradicional, folclórica e rica.
(SCHETTINO, 1995, p. 5).
Inserida nesse contexto, a modernização em Jataí, segundo França (1979),
começou a ser sentida em 1918 com a chegada do primeiro automóvel na cidade. Por
não se beneficiar diretamente da montagem da ferrovia, a região da qual Jataí fazia parte
investiu na construção de rodovias que a interligariam a outras partes do estado goiano.
O veículo automotor um Ford modelo T de 1916 (figura 9) , foi atração da
viagem de propaganda feita pelos pioneiros do rodoviarismo do sudoeste goiano, Ronan
Rodrigues Borges e Sidney Pereira de Almeida, sócios na construção da Rodovia Sul
Goiana (atual BR-452). Acompanhados do chofer JoSabino de Oliveira, eles saíram de
Santa Rita do Paranaíba, seguindo estradas carreiras, passaram em Rio Verde e
chegaram em Jataí, após seis dias de viagem, para divulgar a rodovia que seria
construída, interligando a região a Minas Gerais e ao sudeste do país. No mesmo ano, foi
criada a Companhia de Auto-viação Sul-Goyana S/A.
50
Figura 9 - Foto do primeiro automóvel que entrou em Jataí em 1918.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Jataí Francisco Honório de Campos.
A estrada de rodagem foi inaugurada em 18 de julho de 1919 e atraiu grande
número de pessoas para a região, inclusive profissionais especializados em serviços de
manutenção de carros.
A difusão do automóvel, no início do século XX, no sudoeste goiano,
diferentemente do que acontecera no norte do estado, desenvolveu a
possibilidade de uma melhor fluidez de mercadorias, pessoas, informações, em
relação ao tempo precedente, quando o transporte era feito unicamente sobre
animais. Com a melhoria dos meios de transporte, as relações comerciais do
sudoeste goiano com o Triângulo Mineiro estreitaram-se de tal forma que a
economia da região permaneceu, por muito tempo, voltada para Minas Gerais e de
costas para o estado de Goiás. (BORGES, 2000, p. 54).
A presença no cenário goiano desse novo elemento, considerado a expressão
máxima de status social nos anos de 1920, gerou mudanças não somente econômicas,
mas também culturais, como disserta Melo (2003), que analisando fotografia apresentada
por França (1979), destaca que
houve mudanças no âmbito cultural. Enfim, pelo próprio fato do que representava
um automóvel nos anos de 1920, é possível afirmar que sim. O automóvel era um
dos artigos mais modernos do conjunto da criação humana, no início do século
XX, tanto pela técnica do desenvolvimento da mecânica do motor a combustão,
como pelo conforto. As pessoas de maior poder econômico eram as que podiam
adquirir o tal objeto moderno. No uso do automóvel havia a materialização das
condições econômicas e sociais desfrutadas por parte da sociedade, homens
trajados de terno e gravata com chofer devidamente fardado. (MELO, 2003, p. 50).
51
Figura 10 - Carro de luxo em Jataí.
Fonte: Melo (2003, p. 50).
Também a aviação contribuiu com o transporte na cidade, apesar de aos
poucos ter sido substituída pelo rodoviarismo, que era mais barato. Em 1929, a primeira
aeronave pousou em Jataí e até a década de 1950 a aviação se desenvolveu
consideravelmente, a ponto de operar com três linhas aéreas.
No entanto, apesar da construção de rodovias e de todos os aspectos que
sinalizavam crescimento, a modernidade não foi sentida de forma contundente na cidade,
que ainda tinha a pecuária como principal fonte econômica. A ―estagnação‖ presente no
discurso de vários moradores da cidade, quando se referem àquela época, era reflexo da
criação de gado, que manteve, até a década de 1960, a maior parte da população vivendo
na zona rural.
As vastas áreas de pastos naturais da região, aliados à impossibilidade de um
grande desenvolvimento agrícola, devido principalmente à distância dos centros
consumidores e dificuldade de transportes fizeram com que o pastoreio dominasse
todos os outros setores das atividades regionais‖. (AB‘SABER; COSTA JÚNIOR,
1951, p. 55).
Assim, apesar de estar acontecendo a modernização do estado em 1930 e de, a
partir desse momento, Jataí obter maior atenção do governo por se localizar no sudoeste
goiano, para onde se dirigiam os olhares do poder político estadual, pouco
desenvolvimento foi percebido pelos cidadãos jataienses.
No caso de Jataí, a modernização se instalou como forma de alargar a fronteira
52
econômica no sentido litoralsertão nas décadas de 1970 e 1980, tardiamente em relação
a grande parte do país, com a adoção de novas técnicas na produção rural. Os
investimentos se concentraram na pecuária e na agricultura.
Enfim, a economia do sudoeste goiano, principalmente de Rio Verde e Jataí, se
fez desde o início da formação dos municípios até meados do século XX, com
base na criação de gado bovino. Apesar de que, no período entre 1940 e 1950,
houve no sudoeste goiano uma tendência de crescimento e melhoramento, tanto
da produção do rebanho bovino como das lavouras. (MELO, 2003, p. 53-54).
A modernidade, apesar de não ser vista na dinâmica do município, era anunciada
como ideal a ser buscado pelas cidades do interior. Por isso, em Jataí, muitas foram as
ações do governo local nesse sentido, como a demolição da Casa de Câmara e Cadeia e
a reforma do Mercado Municipal, que imprimiu formas do palácio da alvorada do Brasília à
arquitetura do prédio (PINTO JR., 2009).
O processo de urbanização foi mais intenso com o êxodo rural e a chegada de
trabalhadores migrantes e de investimentos vindos de outras partes do país que
movimentaram a economia de Jataí. Nesse panorama, as casas de comércio, que até
pouco tempo atrás atendiam a um público pequeno e específico, notadamente
fazendeiros, tiveram que se reestruturar, adotando padrões modernos para se adequar à
demanda da cidade que crescia.
53
CAPÍTULO 3
DOS EMPÓRIOS AOS ―PEGUE-PAGUE‖: A MODERNIZAÇÃO DAS CASAS DE
COMÉRCIO DE JAT
As casas de comércio de Jataí se desenvolveram, mantendo ou modificando suas
características, pautadas na visualização de lucro. Essas modificações, a recepção dos
citadinos jataienses a essas transformações e a mudança das práticas culturais e
representações diretamente vinculadas a esses lugares de comercialização de produtos
são tratadas neste capítulo.
No capítulo anterior, foi discutido como se deu o processo de modernização na
cidade de Jataí, nos diversos setores, com o aumento da população e a implantação de
novos meios de comunicação e transporte. Mas e no setor comercial, como se processou
esse desenvolvimento? Como ele foi encarado pelos citadinos que moravam em Jataí?
Até a Revolução de 1930, a economia do país era baseada na agropecuária,
atividade desenvolvida para dar continuidade à condição de subsistência que existia e
fazia das sociedades rurais praticamente autossuficientes, a não ser pela dependência de
sal, ferragens e querosene. Mas com a crescente urbanização e industrialização, a
população passou a conviver com novas ―necessidades‖ e ―desejos‖ que emergiam do
capitalismo e foram aos poucos sendo satisfeitos pelo comércio em seu processo de
modernização.
Sobre essa confusão capitalista entre desejo e necessidade, Hinkelammert e
Jiménez (2006) analisam que o homem moderno tem mais gostos ou preferências do que
necessidades. Por essa perspectiva, a exigência de satisfazer necessidades de
alimentação e roupas, por exemplo, cede lugar aos desejos e gostos, que levam os
indivíduos a preferir a carne ao peixe, o algodão à fibra sintética.
Incitada por desejos, gostos e preferências de consumo, a maioria dos moradores
de Jataí queria consumir as novidades do progresso. Nessa direção, as casas comerciais
foram ampliando sua estrutura e diversificando os produtos para atender a clientela agora
ávida por outras mercadorias que não apenas gêneros de primeira necessidade.
Cândido (2001) analisa, sob outro ponto de vista, a mudança no estilo de vida da
população rural, dos chamados ―caipiras‖, a partir da industrialização e urbanização do
54
estado, no que diz respeito às relações de comércio:
Surgem (...), para o caipira, necessidades novas, que contribuem para criar ou
intensificar os vínculos com a vida das cidades, destruindo a sua autonomia e
ligando-o estreitamente ao ritmo da economia geral, isto é, da região, do estado e
do país, em contraste com a economia particular, centralizada pela vida de bairro e
baseada na subsistência. Doravante ele compra cada vez mais, desde a roupa e
os utensílios até alimentos e bugigangas de vários tipos; em conseqüência,
precisa vender cada vez mais. (CÂNDIDO, 2001, p. 207).
A população de Jataí, cidade que se modernizou e urbanizou a partir do
desenvolvimento agroindustrial, tornou-se mais dependente das lojas, supermercados e
demais estabelecimentos comerciais que, pelo volume de atendimento a seus clientes e
pela necessidade de produzir lucro das relações comerciais, racionalizaram as relações
tanto de trabalho como as estabelecidas com o público consumidor.
O comércio, nos moldes modernos, especializado, com organização racional do
trabalho e das formas de tratar o cliente, típico do sistema capitalista, chegou a Jataí aos
poucos, a partir da década de 1960, primeiramente com os chamados ―pegue-pague‖.
Esse modelo significava o distanciamento entre cliente e comerciante e a inauguração de
diversas mudanças logísticas com as finalidades de economizar tempo e gastos,
produzindo maior lucro.
O atendente intermediário da compra, que pegava a mercadoria, mostrava ao
cliente e o atendia de forma personalizada, desapareceu. Simultaneamente, o apelo à
individualização, também característica da modernidade que chegava a Jataí, tornou o
processo de compra e venda ainda mais impessoal.
Os pegue-pague já haviam sido implantados em grandes cidades, como São Paulo
e Goiânia, e sua chegada a Jataí causou no mínimo estranheza para os que nunca
haviam visto ou ouvido falar em outra forma de organização comercial que não as
tradicionais e bem conhecidas, como no caso dos armazéns e empórios.
A principal característica dos ―pegue-pague‖ era a autonomia que eles davam ao
cliente. O balcão não mais existia para barrar o acesso do consumidor à mercadoria.
Muito pelo contrário, o comprador tinha contato direto aos produtos, dispostos em mesas.
Poderia escolher o que levar (cor, número, tamanho, marca, peso), dirigir-se ao caixa e
pagar. Foi assim que surgiram as cestinhas, e mais recentemente, os carrinhos de
supermercado, que propiciaram maior comodidade ao cliente para realizar suas compras.
Os supermercados que sucederam os pegue-pague adotavam a mesma organização
55
interna, sem intermediário entre o cliente e a mercadoria.
O supermercado Resende foi um dos primeiros a se adaptar ao novo modelo. Sua
localização, até o início da década de 1970, era na esquina da Rua Rui Barbosa com a
Avenida Goiás. A partir dessa data, transferiu suas atividades para a Avenida Goiás, em
um espaço maior, com mais possibilidades para ampliação da oferta de diversas
mercadorias.
Inaugurado em abril de 1977, o supermercado Lavourão inovou o setor comercial
de Jataí. Precursor do modelo moderno de venda de produtos, reuniu, no dia da abertura,
muitas pessoas que se tornaram clientes assíduos até o seu fechamento em 1983.
Segundo Teófilo Assis de Oliveira, ex-funcionário do estabelecimento, que na
inauguração trabalhava como empacotador, o Lavourão lotou de clientes. A primeira
compra, feita por um empresário da cidade, foram três latas de salsicha. Dentre as
inovações, ele cita o uso de uma câmara fria para resfriar verduras e carnes.
Apesar da crescente especialização do comércio e da grande quantidade de lojas
especializadas que surgiram para atender a população da cidade nos segmentos de
móveis, roupas, ferragens, bares, calçados, os supermercados ainda vendiam ―de tudo
um pouco‖.
O Lavourão, por exemplo, além de verduras, vendia carnes e outros produtos
classificados como ―secos e molhados‖. A oferta aumentava e se diversificava com a
crescente demanda de pessoas que passaram a habitar o perímetro urbano, a trabalhar
em atividades tipicamente da cidade e não tinham tempo para plantar seus alimentos,
produzir suas roupas, seus móveis.
Assim, o supermercado, da mesma forma que as outras lojas que se dedicavam a
suprir a procura de produtos de primeira necessidade, vinculava-se de maneira singular
às condições de sobrevivência dos citadinos, que dependiam cada vez mais da atividade
comercial dessas ―casas‖.
E é esse o contexto atual, no qual as relações comerciais se tornam cada vez
racionais, objetivas, e todas as atividades, mais do que antes, passam a se guiar
exclusivamente para a geração de lucro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade de Jataí, desde seu surgimento às margens do Rio Claro, no Sudoeste
Goiano, contou com o abastecimento de produtos industrializados, como ferragens, sal,
querosene, indispensáveis para a manutenção e desenvolvimento do povoado.
Esse fornecimento foi primeiramente realizado por tropeiros e mascates que
percorriam a região e se encarregavam de negociar mercadorias que atendiam as
necessidades das famílias e do trabalho nas fazendas. Traziam, além de produtos,
notícias das grandes cidades dos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e São
Paulo. Provavelmente por esse motivo eram tão aguardados por homens e mulheres que
viviam nessa região ainda tão isolada de outras áreas mais desenvolvidas do país no
findar do século XIX.
Com o passar do tempo e a efetiva constituição do espaço urbano que se
emancipou em 1895, o abastecimento da cidade aos poucos passou a ser realizado por
pessoas ali residentes que montaram estabelecimentos comerciais, tanto no perímetro
urbano quanto na zona rural nessa região especialmente para atender fazendeiros com
gêneros de primeira necessidade que não eram produzidos no campo. As atividades nas
fazendas se concentravam na criação de gado e na agricultura familiar apenas para
consumo próprio.
Foi nesse contexto que nasceram e se estruturaram as ―antigas casas de
comércio‖ também conhecidas como armazéns, empórios, ―vendas‖ de secos e
molhados , compondo o cenário não apenas de Jataí, mas de todas as demais cidades
do país, que no início do culo XX ainda tinha a maior parte da população vivendo no
campo.
Apesar de ser a forma comum de comércio encontrada no país, essas casas
possuíam suas especificidades em termos de negociação com a clientela. No caso de
Jataí, cidade com economia predominantemente baseada na pecuária, por exemplo,
havia os meses para o acerto de contas. Por ser uma cidade pequena, onde todos se
conheciam e identificavam o grau de honestidade de cada um, os comerciantes sabiam
em quem confiar para vender fiado. Muitas vezes os bitos da freguesia, anotadas em
cadernetas, levavam até um ano para serem quitados.
Ao propor o estudo desses espaços sociais de comercialização de produtos aos
cidadãos de Jataí, este trabalho contextualiza o processo de formação da cidade nas
57
primeiras cinco décadas do século passado, procurando não cometer anacronismos.
Ao analisar como as casas de comércio se constituíram na cidade de Jataí,
utilizando material publicado pela imprensa da época e depoimentos orais como fontes de
pesquisa, deparei-me com um rico espaço de vivências e de socializações, no qual se
reuniam pessoas de todas as faixas etárias, de diferentes profissões e níveis
socioeconômicos.
Do ponto de vista material, as antigas casas de comércio eram constituídas de um
cômodo, às vezes dois o segundo usado para armazenar produtos. O mobiliário era
simples, geralmente composto por prateleiras, nas quais os produtos eram expostos aos
clientes. Ficava cercado por um grande balcão, no qual o dono do comércio ou seus
funcionários apresentavam os produtos aos fregueses para que eles escolhessem o que
queriam levar. Em alguns estabelecimentos, eram servidas quitandas e/ou bebidas.
Assim, o contato entre clientes e funcionários era próximo. Não raras vezes, as
pessoas utilizavam esses espaços para deixar e receber recados, ficar por dentro das
últimas notícias da cidade e participar de encontros para contação de causos, nem
sempre compromissados com a verdade. Ali também se narravam situações fictícias,
repletas de imaginação e fatos inusitados.
Por essa proximidade e pelas relações de solidariedade e confiança, a maioria dos
donos de casas de comércio iam anotando as compras feitas pelos moradores para
pagamento posterior. Mas alguns se recusavam a vender fiado, visando garantir capital de
giro para investir em seus negócios. Além do fiado, o empréstimo de dinheiro era
realizado para fazendeiros, uma vez que não havia na cidade um banco destinado a este
fim.
A modernização da cidade, desencadeada por vários fatores, entre eles a
Revolução de 1930, a construção de Goiânia, maior apoio político para o Sudoeste de
Goiás, a construção de Brasília, o crescimento da cidade, que na década de 1960
abrigava a maior parte de sua população na zona urbana, trouxe uma nova dinâmica de
organização da vida dos citadinos.
O avanço da fronteira agrícola e a inserção da região na economia agropecuária
requeriam da cidade uma estrutura mais elaborada para dar conta de atender a todos.
Sua modernização se processou mais como parte do imaginário dos cidadãos jataienses
do que como realidade observável. Acompanhando a onda de modernização do país,
trazida pela construção de Goiânia, depois a de Brasília (principais símbolos concretos da
modernidade anunciada da região), Jataí buscou não ficar à margem das mudanças e dos
benefícios advindos dessas transformações.
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Nesse sentido, as casas de comércio, lugares em que tudo se vendia, começaram
a se especializar para conseguir atender melhor a população da cidade. Dos armazéns de
secos e molhados surgiu o modelo vindo de Goiânia, do supermercado, popularizado com
o nome de ―pegue-pague‖. Essa nova estrutura garantia ao consumidor maior autonomia,
uma vez que ele poderia escolher sozinho o produto que levaria para casa. Liberdade de
escolha, autonomia, respeito à individualidade do cliente: certamente foram estes os
ideais passados para o povo residente em Jataí, que potencializava seus desejos de
compra, afetados pelo consumismo capitalista que emergia da modernidade.
Além da retirada do funcionário que atendia prontamente o cliente, mostrando os
produtos a serem comercializados, houve uma mudança fundamental nas relações
estabelecidas nesses espaços: antes mais próximas, elas aos poucos foram sendo
substituídas por contatos meramente comerciais. O supermercado não era, ao contrário
das antigas casas de comércio, o ponto de encontro dos moradores a cidade, assim como
eram outros espaços, como a praça com o seu coreto, por exemplo. Essa é a
conseqüência da disseminação dos ideais de propriedade e individualidade, próprias do
capitalismo, que, concretizado na organização das instituições mais próximas dos
indivíduos, modifica-os, propiciando maior integração ao consumo.
Os supermercados, hipermercados e outras formas de comércio, primam pelo lucro
obtido a partir da organização racional de serviços, de recursos humanos e financeiros.
No caso de Jataí, o fenômeno de modernização das antigas casas de comércio se iniciou
no final da década de 1960, efetivou-se na década de 1980 e tem se expandido ainda
mais com o desenvolvimento da cidade e a crescente demanda por produtos e pela renda
gerada por sua comercialização.
59
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ROCHA, Alzira Honória da. Entrevista concedida para esta pesquisa, em 18 de abril de
2010.
ROCHA, Arioldo Alves da. Entrevista concedida para esta pesquisa, em 18 de abril de
2010.
62
ANEXO A
Listagem de mobiliário feita por GOMES (2001).
ARMAZÉM DE SECOS E MOLHADOS
1 balcão retangular de 2,50m x 0,50cm,
1 balcão retangular, de 2,0m x 0,50cm,
1 estrado de madeira, de 1,20m x 0,80cm
Para colocar os principais cereais (em sacos) que eram comercializados
(açúcar, farinha de mandioca, farinha de milho, farinha de trigo, polvilho doce e azedo,
feijão, arroz, milho, fubá, café em grão, macarrão, etc.);
Uma mesinha com gaveta para colocar o dinheiro das vendas, contendo o
caderno de anotações de venda a prazo (quinzenal ou mensal);
Uma prateleira, de 2,0m x 0,30cm (ou 0,35cm);
Uma pequena tulha contendo alimentos, cereais ou farináceos.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo