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Marcelo Pereira Coelho
Suíte I Juca Pirama: criação de um sistema
composicional a partir da adequação da polirritmia de
José Eduardo Gramani ao jazz modal de Ron Miller
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de
Artes da Universidade Estadual de
Campinas, para obtenção do Título de
Doutor em Música.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Rafael
Carvalho dos Santos
Campinas
2008
iii
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Coelho, Marcelo Pereira.
C65s Suíte I Juca Pirama: criação de um sistema composicional a
partir da adequação da polirritmia de José Eduardo Gramani ao
jazz modal de Ron Miller. / Marcelo Pereira Coelho. –
Campinas, SP: [s.n.], 2008.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Rafael dos Santos.
Tese(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Música. 2. Composição. 3. Jazz. 4. Polirritmia.
5. Modalismo. I. Santos, Antonio Rafael dos.
II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes.
III. Título.
(em/ia)
Título em ingles: “
I Juca Pirama Suite: creating a compositional
process based on the José Eduardo Gramani´s polirhythmic studies and the
Ron Miller´s jazz modal harmony”.
Palavras-chave em inglês (Keywords): Music ; Composition ; Jazz ;
Polirhythm ; Modalism.
Titulação: Doutor em Música.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Antonio Rafael Carvalho dos Santos
Prof. Dr. Jonatas Manzolli
Profa. Drª. Denise Hortência Lopes Garcia
Prof. Dr. Liduino José Pitombeira de Oliveira
Prof. Dr. Rogério Luiz Moraes Costa
Prof. Dr. Claudiney Rodriguez Carrasco
Prof. Dr. Florivaldo Menezes Filho
Data da defesa: 21-02-2008
Programa de Pós-Graduação: Música
iv
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v
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a TUDO e a TODOS
que passaram pela minha vida no período
da pesquisa. Todos os eventos e todas as
pessoas foram essenciais para que eu
pudesse experenciar este momento. É
com as mãos em prece que faço uma
profunda reverência. Namastê!
vii
AGRADECIMENTO
Ao Prof. Dr. Antônio Rafael do Santos, grande músico e amigo, que me
acolheu e acreditou desde o início na proposta desta pesquisa sendo um suporte
quando, em vários momentos, parecia-me intangível a concepção desta obra.
À CAPES, que me trouxe o apoio necessário para que esta pesquisa
pudesse ser concluída.
À Pós-Graduação do Departamento de Música, Instituto de Artes,
UNICAMP, pela assistência durante todo o processo de desenvolvimento da
pesquisa.
Ao Indioney Rodrigues, pela competência e generosidade, cedendo a
Dissertação ‘O Gesto Pensante: A Proposta de Educação Rítmica Polimétrica de
José Eduardo Gramani’, sem a qual esta pesquisa não seria possível.
Ao Rodrigo Morte, grande músico e amigo, pelas sugestões e
esclarecimentos quanto às questões harmônicas e composicionais.
Aos meus pais, Sr. Paulo Coelho e Sra. Rosinha Coelho, aos irmãos Ana
Paula, João Paulo e Fernanda, pela grande alegria de tê-los sempre comigo
durante toda a minha existência, meu eterno agradecimento.
Ao Grande Criador, pelos momentos oportunos, pelos sopros de inspiração,
pelas coincidências e acasos, e pelo meu livre-arbítrio diante de tudo isso.
ix
EPÍGRAFE
Viver não é necessário. Necessário é criar!
Fernando Pessoa
xi
RESUMO
A presente pesquisa propõe a adequação de elementos lítero-musicais a um
processo de criação musical, a partir da aplicação dos estudos polirrítmicos
desenvolvidos por José Eduardo Gramani, combinado com a sistematização do
jazz modal desenvolvida por Ron Miller. Através da composição de uma suíte para
quinteto de jazz, o trabalho apresenta uma leitura sonora do poema romântico de
Gonçalves Dias, ‘I Juca Pirama’, em dez movimentos, correspondentes aos dez
Cantos que dividem o poema. O texto da Tese compreende, além das
informações referentes ao desenvolvimento dos estudos polirrítmicos de José
Eduardo Gramani, à obra poética referencial de Gonçalves Dias, à sistematização
do modalismo no jazz, informações detalhadas sobre o processo composicional de
cada movimento da suíte, seguido das considerações sobre a adaptação da obra
para o quinteto e as observações quanto a execução da obra.
Palavras chaves: Música, Composição, Jazz, Polirritmia, Modalismo
xiii
ABSTRACT
The purpose of this research is to demonstrate the use of a poem in a
compositional system based on the application of the polyrhythm studies
developed by Jose Eduardo Gramani, combined with the jazz modal compositional
system developed by Ron Miller. This process resulted in a Suite composed for a
jazz quintet. The suite was inspired by romantic poem ‘I Juca Pirama’ written by
Gonçalves Dias, which is divided into ten parts, each of which became a
movement of the suite. This thesis details the compositional process of each
movement along with notes about the arrangements and performance of the
music.
Keywords: Music, Composition, Jazz, Polyrhythm, Modalism
xv
SUMÁRIO
1. Introdução 1
2. Capítulo I: A Rítmica Polifônica de José Eduardo Gramani 9
2.1 José Eduardo Gramani e a origem da sua pesquisa
sobre educação rítmica 9
2.1.1 Jacques-Dalcroze 10
2.1.2 Rolf Gelewski 12
2.1.3 Igor Stravinsky 13
2.2 As implicações musicais resultantes dos estudos
rítmicos de Gramani 14
2.2.1 Harmonia e Contraponto 15
2.2.2 Valores métricos absolutos 16
2.2.3 A realização musical do evento rítmico 16
3. Capítulo II: A sistematização do Modalismo no Jazz de
acordo com Ron Miller 19
3.1 A sistematização do modalismo no jazz de acordo
com Ron Miller 20
3.2 Escalas modais 23
3.3 Construção dos acordes modais 28
3.3.1 Método compreensivo 28
3.3.2 Método simplificado 30
3.4 Conexão dos acordes modais 32
4. Capítulo III: O Poema e o Poeta 45
4.1 Gonçalves Dias e o Romantismo brasileiro 45
4.2 A poesia Indianista de Gonçalves Dias 46
4.3 I Juca Pirama, o poema 48
4.3.1 Enredo 48
4.3.2 Estrutura da obra 51
4.3.3 Musicalidade 53
xvii
4.4 Gonçalves Dias, o poeta 57
5. Capítulo IV: Estrutura básica do sistema composicional 61
5.1 Métrica poética 63
5.2 Estruturas rítmicas 65
5.2.1 Séries 66
5.2.1.1 Séries básicas 67
5.2.1.2 Séries mescladas 70
5.2.1.3 Derivações rítmicas I 73
5.2.2 Oposições métricas I 77
5.3 Trama central e a Qualidade emocional dos modos 81
6. Capítulo V: Suíte I Juca Pirama 85
6.1 Cantos I 87
6.1.1 Centro modal 87
6.1.2 Acordes pilares 88
6.1.3 Métrica poética 89
6.1.4 Estrutura rítmica 90
6.1.5 Progressão harmônica 92
6.1.5.1 Notas do baixo 92
6.1.5.2 Estrutura superior 94
6.1.5.3 Modalidade do acordes condutores 96
6.1.6 Pontos melódicos 98
6.1.7 Fórmula de compasso e rítmica melódica 100
6.1.8 Tema Cantos I 106
6.2 Cantos II 109
6.2.1 Métrica poética 109
6.2.2 Estrutura rítmica 110
6.2.3 Número de acordes e ritmo harmônico 112
6.2.4 Centro modal 114
6.2.5 Acordes pilares 116
6.2.6 Progressão harmônica 117
xviii
6.2.7 Desenvolvimento melódico 118
6.2.8 Fórmulas de compasso 120
6.2.9 Tema Cantos II 122
6.3 Cantos III 125
6.3.1 Métrica poética 125
6.3.2 Estrutura rítmica 128
6.3.3 Número de acordes 131
6.3.4 Centro modal e contorno harmônico 132
6.3.5 Progressão harmônica 134
6.3.6 Fórmula de compasso 137
6.3.7 Tema - Cantos III 140
6.4 Cantos IV 161
6.4.1 Centro modal 161
6.4.2 Acordes pilares 162
6.4.3 Métrica poética 162
6.4.4 Estrutura rítmica 163
6.4.5 Notas do baixo 165
6.4.6 Contorno melódico 166
6.4.7 Progressão harmônica 168
6.4.8 Rítmica melódica, fórmula de compasso
e esboço da composição 169
6.4.9 Tema Cantos IV 174
6.5 Cantos V 177
6.5.1 Métrica poética 177
6.5.2 Estrutura rítmica 185
6.5.3 Número de acordes 188
6.5.4 Centro modal e contorno harmônico 189
6.5.5 Progressão harmônica 190
6.5.6 Fórmula de compasso 192
6.5.7 Tema - Cantos V 196
xix
6.6 Cantos VI 199
6.6.1 Métrica poética 199
6.6.2 Estrutura rítmica 214
6.6.3 Número de acordes 220
6.6.4 Centro modal e contorno harmônico 222
6.6.5 Progressão harmônica 222
6.6.6 Fórmula de compasso 225
6.6.7 Tema - Cantos VI 229
6.7 Cantos VII 233
6.7.1 Métrica poética 233
6.7.2 Estrutura rítmica 241
6.7.3 Fórmula de compasso e Número de acordes 244
6.7.4 Centro modal 245
6.7.5 Progressão harmônica 246
6.7.6 Tema Cantos VII 248
6.8 Cantos VIII 249
6.8.1 Métrica poética 249
6.8.2 Estrutura rítmica 251
6.8.3 Pontos de encontro e Número de acordes 252
6.8.4 Fórmulas de compasso e números de compasso 253
6.8.5 Ritmo harmônico 255
6.8.6 Centro modal 256
6.8.7 Progressão harmônica 257
6.8.8 Tema Cantos VIII 260
6.9 Cantos IX 261
6.9.1 Métrica poética 261
6.9.2 Estrutura rítmica 270
6.9.3 Número de acordes 273
6.9.4 Centro modal 274
6.9.5 Progressão harmônica 275
xx
6.9.6 Fórmula de compasso 277
6.9.7 Tema Cantos VII 281
6.10 Cantos X 283
6.10.1 Métrica poética 283
6.10.2 Estrutura rítmica 285
6.10.3 Ritmo harmônico e Número de acordes 286
6.10.4 Centro modal 287
6.10.5 Progressão harmônica 288
6.10.6 Fórmula de compasso e Esboço da composição 291
6.10.7 Tema Cantos VII 293
7. Capítulo Vi: Arranjo 295
7.1 O jazz como referência 295
7.2 Linha do baixo e linha da melodia 299
7.3 A ‘Introdução 302
7.4 Parte A Interlúdio 304
7.5 Tema 308
7.6 Parte C – improvisação simultânea 311
8. Capítulo VII: Execução Musical 319
10. Conclusão 323
Referência 327
Anexo 331
xxi
1 - INTRODUÇÃO
O primeiro contato com o material rítmico desenvolvido por José
Eduardo Gramai aconteceu durante as aulas de rítmica, ministradas pelo próprio
Gramani, no curso de graduação em Música Popular, pela UNICAMP. As aulas
não seguiam uma ordem cronológica, e a cada aula eram apresentados alguns
estudos rítmicos que eram executados pelo próprio Gramani, e este, por sua vez,
incentivava a execução dos estudos a partir da repetição. O seu sistema de ensino
adotado foi exatamente a não sistematização, ele apenas sugeria e convidava ao
questionamento ao invés de afirmar ou definir. Gramani incentivava o estudante a
vasculhar e interferir, tirando as suas próprias conclusões a partir, não apenas da
leitura, mas da prática de sua obra.
Apesar do grande incentivo para que os estudantes encontrassem um
processo pessoal de investigação, exploração e aplicação dos seus estudos
rítmicos, sabe-se que muito pouco foi produzido. Em conversas informais com
colegas e estudantes durante o início da investigação do seu método por parte do
autor desta tese, ainda na graduação, foi possível observar que haviam duas
principais razões para o pouco interesse em seus estudos: a falta de referências
musicais que pudessem ilustrar algum tipo de aplicação dos seus estudos, e a não
elucidação do processo de construção e desenvolvimento dos seus estudos. Em
referência à segunda justificativa, é possível observar nos volumes Rítmica
1
e
Rítmica Viva
2
que os estudos não se encontram em uma ordem de dificuldade
crescente e não estabelecem um plano linear de estudo. A não existência de um
fio condutor para exploração do seu livro pode ter contribuído para o pouco ou
quase nenhum surgimento de novos processos de criação musical. A pouca ou
quase nenhuma orientação quanto à aplicação musical dos seus estudos deveu-
se, provavelmente, ao fato de que Gramani também estava em processo de
1
GRAMANI, J. E. Rítmica. São Paulo: Perspectiva, 1992, 204 p.
2
GRAMANI, J. E. Rítmica Viva. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996, 204 p.
1
exploração e investigação dos seus estudos rítmicos. O próprio Gramani
reconheceu que havia necessidade de uma complementação intermediária aos
dois volumes visando orientar o estudante quanto à praticidade e aplicabilidade
dos seus estudos. A esse respeito, Gramani comenta:
Penso que os dois trabalhos se complementam, porém sinto que
pode haver um trabalho em nível intermediário, que conduza o
aluno a idéia métrica da apostila para o enfoque mais “musical” do
livro.
3
Este trabalho em nível intermediário citado acima não chegou a ser
desenvolvido. A necessidade de uma complementação aos dois volumes,
reconhecida pelo autor, é o mote para justificar a importância do conteúdo que foi
pesquisado, desenvolvido e sistematizado neste projeto.
Sempre houve um grande interesse e curiosidade pelos estudos
rítmicos de Gramani. Os primeiros experimentos com estes estudos por parte
deste autor foram pequenos arranjos para instrumentos de sopro em grupos de
música popular, seguidos por outros arranjos para a seção rítmica (bateria, baixo,
piano e guitarra). Mas foi durante o mestrado em jazz performance, realizado na
Universidade de Miami, EUA, que foi possível encontrar um processo
composicional a partir dos estudos rítmicos. Durante as aulas de harmonia jazz
modal, ministrada pelo pianista, compositor e educador Ron Miller, foram
compostos pequenos temas para um quinteto de jazz onde foram feitas as
primeiras experimentações adequando os estudos rítmicos e a harmonia modal
aplicada ao jazz sistematizada por Miller. O sistema de Miller sugeria
procedimentos de construção de acordes e progressões harmônicas não
baseadas necessariamente em funções ou resoluções típicas da harmonia tonal,
mas em contornos modais, que por sua vez se referiam à qualidade emocional
3
GRAMANI, J. E. in: PAZ, Ermelinda. Pedagogia Musical Brasileira no século XX – Metodologias
e Tendências. Brasília: Musimed, 2000, p. 147.
2
dos modos, conceito que será explicado no capítulo II. Este procedimento permitiu
adequar o evento harmônico aos deslocamentos rítmicos, possibilitando com esta
adequação o desenvolvimento melódico a partir das linhas rítmicas. Estes
primeiros experimentos possibilitaram delinear um processo composicional lúcido
e consistente, que em pouco tempo apresentava-se como uma proposta de
aplicação musical dos estudos de Gramani. Foi neste período que surgiu a idéia
em se desenvolver de forma sistemática um processo composicional adequando
os elementos rítmicos e harmônicos como projeto de doutorado.
O projeto inicial aprovado no exame admissional do doutorado tinha
como objetivo primário a aplicação dos estudos polimétricos de José Eduardo
Gramani adequado à harmonia modal de Miller, aplicados à composição, arranjo e
improvisação na música popular. De acordo com a metodologia inicial, a aplicação
dos estudos polimétricos e harmônicos seriam apresentados da seguinte forma:
- Composição: Desenvolvimento de exemplos musicais em que a
estrutura rítmica seria o ponto de partida para a composição. O material rítmico
seria então a base para a construção dos aspectos rítmicos das linhas melódicas,
linhas de baixo e contrapontos.
- Arranjo: Pretendia-se aplicar o material rítmico em arranjos de
músicas já estabelecidas do repertório do jazz e da música popular brasileira.
Seriam sugeridas alterações dos padrões rítmicos da melodia, linhas de baixo e
ritmo harmônico, de acordo com a categoria da estrutura rítmica aplicada e com o
contorno modal gerado a partir do centro modal definido para o arranjo.
- Improvisação: Seriam sugeridos padrões rítmicos aplicados à
improvisação, observando a utilização desses padrões dentro do contexto
harmônico.
Após várias avaliações e discussões quanto à aplicabilidade da
proposta, chegou-se a conclusão de que o projeto inicial deveria sofrer alterações
em função da grande segmentação nos processos de criação. A idéia de se criar
um modelo decodificador do processo composicional visando a unificação dos
procedimentos de criação e a realização de uma análise crítica tornou-se evidente.
3
Definiu-se então que seria composta uma única peça musical cujo processo
composicional seria a referência de aplicação das estruturas polirritmicas e
harmônicas. Com isso, a proposta de aplicação das estruturas voltadas à
improvisação foi descartada.
Com a adequação do objetivo primário, definiu-se que a peça musical
seria uma suíte baseada em alguma obra literária brasileira que fornecesse
elementos de sustentação para uma leitura sonora do poema. A pesquisa seguiu
então para escolha da obra literária brasileira referencial à composição. Foram
consultadas as poesias de Gregório de Matos Guerra, os sonetos do poeta
Cláudio Manuel da Costa, os sermões escritos pelo padre Antônio Vieira, a obra
‘O Guarani’ de José de Alencar, ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ e ‘Dom
Casmurro’ de Machado de Assis, os poemas escritos por Olavo Bilac, a obra ‘Os
Sertões’ de Euclides da Cunha, ‘Vidas Secas’ de Graciliano Ramos e finalmente o
poema ‘I Juca Pirama’ de Gonçalves Dias. A razão para escolha desse poema
deveu-se à grande musicalidade presente na metrificação dos versos. O poema
épico-dramático está dividido em dez partes, denominadas Cantos, e narra o
drama do último guerreiro da tribo Tupi em defesa da sua honra frente a seu pai e
a tribo inimiga dos Timbiras.
A definição da obra literária referencial era o procedimento que faltava
para complementar o objetivo primário do trabalho. A seguir foram compostas
pequenas peças musicais a partir de pequenos textos poéticos, todas de caráter
experimental, para definição do processo composicional. Observou-se que o
processo composicional mantinha-se como o proposto no projeto inicial: o material
rítmico seria a base para construção dos aspectos rítmicos das linhas melódicas,
linhas de baixo e contrapontos, e o posicionamento dos eventos harmônicos
ilustraria a trama central do poema, ficando subordinado à definição rítmica.
O trabalho foi então iniciado com o desenvolvimento de um processo
composicional que abrangesse as informações referentes à metrificação e a trama
dos Cantos para definição da estrutura polirrítmica e da harmonia.
4
Apesar das experimentações já feitas pelo autor desta pesquisa em
relação à aplicabilidade dos elementos polirrítmicos, ficou evidente que a inclusão
de elementos literários ao processo composicional trouxe uma nova perspectiva
quanto ao resultado sonoro da composição: a contextualização dos elementos
referentes à trama do poema inseridos ao processo composicional unificou os
procedimentos de criação.
Após a conclusão do primeiro movimento, foram discutidos e analisados
junto ao orientador os procedimentos de criação e os resultados sonoros.
Concluiu-se que haveria necessidade de criação de um modelo não apenas
decodificador, mas unificador do processo composicional dos movimentos
subseqüentes, na intenção de sumarizar os procedimentos de definição das
estruturas polirritmicas e harmônicas.
Definidos os processos, o autor desta pesquisa se deparou com o
desafio da execução musical da obra. A indagação quanto à execução das
composições surgiu durante o exame de qualificação, momento em que um dos
membros da banca argumentou sobre a necessidade de se fazer ouvir o processo
composicional proposto, justificando na prática o objetivo primário da pesquisa.
Logo, a formação instrumental proposta inicialmente para a pesquisa teve de ser
repensada.
Após adequação do objetivo primário com a definição da obra literária,
decidiu-se que a formação instrumental para a execução da suíte seria uma Big
Band, típica orquestra de jazz formada por cinco saxofones (2 altos, 2 tenores, 1
barítono), quatro trombones, quatro trompetes, piano, guitarra, baixo acústico,
bateria e ocasionalmente percussão. O desafio de executar na prática uma
proposta de pesquisa musical acadêmica obrigou o autor a interromper o processo
de desenvolvimento das composições para que pudessem ser feitas
experimentações auditivas. Em função da dificuldade em usufruir de uma Big
Band para execução das composições, optou-se por uma formação instrumental
menor, mas que não comprometesse o resultado sonoro da proposta. Após
algumas tentativas com diferentes formações, chegou-se à formação instrumental
5
que definitivamente se adequou ao processo: quinteto (sax tenor, trombone,
guitarra, baixo acústico e bateria).
As experimentações e audições das composições foram essenciais
para que pudessem ser feitas algumas observações que não teriam sido
identificadas apenas com o desenvolvimento do processo composicional. São
elas: notação musical, leitura musical, dissociação do pulso
4
para execução e
contextualização do fraseado musical durante as improvisações.
Após vários encontros e ensaios, a formação quinteto de jazz adotada
para as experimentações deixou de ser um grupo experimental para se tornar um
grupo de música instrumental, denominado MC4+, liderado pelo autor da
pesquisa. Todas as composições da pesquisa, assim como outras
experimentações e composições paralelas, foram arranjadas para esta formação.
As experimentações polirritmicas com o grupo foram registradas em forma de
CD
5
, e está sendo considerado como parte integrante da pesquisa e, portanto,
incluso à Tese.
O desenvolvimento da Tese está dividido em sete capítulos. O capítulo I
faz uma breve cronologia dos caminhos que levaram Gramani ao desenvolvimento
da sua proposta rítmica, as suas principais influências para concepção,
desenvolvimento dos estudos, e reflexões sobre as implicações musicais dos
estudos, amarrando os desdobramentos criativos aos referenciais teóricos.
O capítulo II faz uma descrição da sistematização do modalismo
aplicado ao jazz desenvolvido por Ron Miller demonstrando de que forma estes
procedimentos foram aplicados ao processo composicional deste projeto. Trata-se
de um resumo dos procedimentos adotados por Miller para construção dos
acordes modais, definição das progressões e classificações dos processos de
desenvolvimento harmônico. Ao final do capítulo é feita uma conclusão sobre a
validade e a importância de se juntar a polirritmia de Gramai com a harmonia
modal de Miller.
4
Termo usado por José Eduardo Gramani como referência ao objetivo primário no
desenvolvimento dos seu estudos polimétricos.
5
MC4+, Colagens. São Paulo : Tratore Records, 2007. 1 CD 47,77 min
6
O capítulo III apresenta as origens do Romantismo no Brasil e a
importância de Gonçalves Dias para o movimento. Destacam-se também as
principais características do Romantismo brasileiro e de que forma o poema I Juca
Pirama contribuiu para que fosse estabelecida a temática indianista. É
apresentado neste capítulo o enredo e estrutura do poema, e a justificativa pela
escolha do poema I Juca Pirama como ponto de partida do processo
composicional.
O capítulo IV apresenta o sistema composicional criado a partir da
adequação dos elementos poéticos do poema I Juca Pirama às estruturas rítmicas
de Gramani e aos elementos harmônicos modais sistematizados por Ron Miller.
Trata-se de apresentar a Estrutura Básica do Sistema Composicional,
identificando o processo unificador de composição para todos os movimentos da
suíte.
O capítulo V apresenta os processos criativos de cada Cantos do
poema. São ao todo dez movimentos que correspondem aos dez Cantos do
poema. Os procedimentos de criação apresentam os processos de aplicação das
polirritmias para definição do número de compassos, número de acordes, ritmo
harmônico, a trama central de cada Cantos e a definição do centro modal a partir
da qualidade emocional dos modos, e por fim, o desenvolvimento do tema a partir
do esboço da composição.
O capítulo VI apresenta o desenvolvimento do arranjo do tema do
Cantos I para o quinteto. É demonstrado de que maneira a segmentação das
linhas são responsáveis pela definição da forma da composição, e o processo de
adequação do arranjo à trama central do Cantos através da instrumentação e
improvisação. O arranjo já elaborado constitui-se na composição final, intitulada
‘Cantos I’.
O capítulo VII faz as observações a partir das experimentações e
execuções sonoras das composições. São relatados alguns tópicos no que diz
respeito à execução das peças e as áreas de desenvolvimento a partir da
adaptação dos músicos à proposta apresentada.
7
A conclusão apresenta uma análise crítica da proposição inicial da
pesquisa, refletindo sobre as conseqüências da utilização dos processos
composicionais apresentados e seus possíveis desdobramentos.
Será possível observar no desenvolvimento da Tese o empenho em
demonstrar a ampla aplicabilidade musical das estruturas polirritmicas de
Gramani, em concordância com a proposta sugerida no objetivo primário. Este
empenho deve-se a ausência de trabalhos musicais e acadêmicos consistentes
que sugerem diferentes procedimentos composicionais a partir das estruturas
polirritmicas de Gramani. Está implícito também neste comprometimento a
necessidade do autor/compositor em criar uma aproximação do “eu pesquisador”
com o “eu compositor”, contribuindo, de certa forma, na valorização e
consolidação de um processo de composição estrutural que se converte na
própria criatividade musical.
8
2 - CAPÍTULO I
A Rítmica Polifônica de José Eduardo Gramani
De acordo com Gramani (1992), o estudo tradicional do ritmo na música
consiste, quase que exclusivamente, na decodificação aritmética de uma idéia
musical: se conseguirmos efetuar uma operação de soma e divisão, estaremos
aptos para executar um evento rítmico. “Esta idéia, além de representar uma
realidade parcial do ritmo, colabora para que o mesmo se distancie muito da
intenção musical [...]” (GRAMANI, 1992, p. 11).
Na pretensão de estimular nos estudantes de música e músicos em
geral a capacidade de sensibilização e percepção do ritmo, José Eduardo
Gramani desenvolveu uma proposta de educação rítmica polimétrica que propõe a
independência da métrica e da subdivisão, através do que ele denomina
dissociação rítmica. Essa dissociação é obtida a partir de vários planos rítmicos
que se superpõem e se relacionam em forma de contrapontos – “são exercícios
para que o músico sinta mais e conte menos” (GRAMANI, 1992, p. 11). Os
estudos rítmicos de José Eduardo Gramani estão publicados nos volumes
Rítmica
6
e Rítmica Viva
7
2.1 José Eduardo Gramani e a origem da sua pesquisa sobre educação
rítmica
José Eduardo Ciocchi Gramani (1944 – 1998) atuou como concertino e
regente à frente de diversas orquestras brasileiras; dedicou-se à música de
câmara, à composição e à pesquisa musical, além de ter exercido singular e
marcante atividade como professor de música. Sua proposta de educação rítmica
é, certamente, uma das suas maiores contribuições. O processo de
6
GRAMANI, J. E. Rítmica. São Paulo: Perspectiva, 1992, 204 f.
7
GRAMANI, J. E. Rítmica Viva. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996, 204 f.
9
amadurecimento das suas propostas, que culminou na publicação dos volumes
Rítmica e Rítmica Viva, teve origem nos seus anos de experiência como aluno e
professor da FASCS, Fundação das Artes de São Caetano do Sul (São Paulo).
Entre os anos de 1969 e 1973, Gramani freqüentou a classe de Rítmica da
professora Maria Amália Martins, que desenvolvia um trabalho fundamentado na
metodologia de Jacques Dalcroze.
2.1.1 Jacques-Dalcroze
De acordo com Emile Jacques-Dalcroze (apud RODRIGUES, 2001, p.
6), a finalidade da Rítmica consiste em:
colocar seus adeptos, ao terminar os estudos, na situação de
poderem dizer: eu sinto em lugar de eu sei; e, especialmente,
desperta-lhes o desejo imperioso de expressarem-se, depois de
terem desenvolvido suas faculdades emotivas e sua imaginação
criadora.
A proposta de Dalcroze, para quem a educação rítmica seria uma forma
de triunfar sobre as inibições e resistências levando o estudante à condição de
realizar descobertas, convida a uma reflexão do significado do aprimoramento da
sensibilidade rítmica como forma de instigar a curiosidade e a prática investigativa.
O conceito Dalcrozeano referente à percepção do ritmo é o fundamento da
proposta rítmica de Gramani.
Em um dos textos que permeiam o caderno de estudos Rítmica Viva,
Gramani (1996, p. 13) comenta que os exercícios “[...] têm por finalidade o
aprimoramento da sensibilidade rítmica [...]”. O compromisso com o despertar da
sensibilidade é uma atitude desde muito cedo assumida por Gramani. Influência
direta do trabalho de Dalcroze, esse conceito visa estimular a descoberta, a busca
de uma expressão individual. Mas buscar o afloramento da expressão individual
10
significa reconsiderar a importância de uma educação musical baseada na
sensibilização:
O estudo da música parte da sensibilização – um ótimo começo.
As aulas de iniciação musical para crianças trabalham arduamente
o sentir, conscientes de que a base para um desenvolvimento
musical profundo está na possibilidade de o estudante descobrir
seu interior por meio do estudo da música [...] Porém, o estudo do
ritmo em música restringe-se quase que exclusivamente em saber
medir a duração dos sons, seu início e fim. [...] Entendê-los
somente sob o ponto de vista da medida é deixar de descobrir o
que há de música embutida em uma idéia em princípio puramente
aritmética: idéia disfarçada em matemática, soma de dois mais
dois. [...] Nota-se então um salto retroativo de qualidade: deixa-se
de trabalhar a sensibilidade e o estudo se concentra no aspecto
racional.
Deixa-se de sentir e começa-se a contar (GRAMANI,
1996, p. 13).
O “salto retroativo de qualidade”, ao qual Gramani se referiu acima, é
justamente o abandono dessa dimensão investigativa, ou seja, quando a leitura
musical é entendida tão somente como uma mera decodificação de signos,
quando ela não cumpre o papel de revelar novos significados.
Gramani, assim como Dalcroze, utiliza então do princípio fisiológico
como base para a conscientização da rítmica. A utilização do corpo torna-se um
meio eficiente para assimilação da idéia rítmica e geração de estruturas internas,
conseqüência da prática de leituras rítmicas polimétricas – utilização simultânea
de diferentes padrões rítmicos.
8
8
A estruturação polimétrica possui um caráter essencialmente polifônico, provocado pelo contraste
de movimentos, e valorizado por Gramani através de jogos de regências e variações tímbricas,
especialmente utilizando a percussão corporal em combinatórias entre pés, mão e voz cantada.
11
Mas Gramani vai mais além no seu trabalho, ampliando para o sentido
de uma educação mais voltada ao senso métrico, possível influência do trabalho
Rítmica Métrica de Rolf Gelewski.
9
2.1.2 Rolf Gelewski
Assim como Dalcroze, Rolf Gelewski também explora a vivência do
ritmo através de percussões corporais e, até mesmo, grafismos, em exercícios
orientados à execução individual e coletiva, voltados à composição, leitura e
improvisação. O aspecto marcante e diferenciador de seu método de educação
rítmica consiste no fato de ele estar baseado, quase exclusivamente, em modelos
ou fórmulas métricas.
10
Esse aspecto é realmente relevante, pois enfatiza a noção
de compasso, inclusive o compasso alternado e misto.
Em seus estudos, Gramani também baseia sua notação no valor da
brevidade, ou seja, determinação da unidade, proporcionalmente, pelo menor
valor envolvido no jogo polimétrico: o menor valor é a base do cálculo das
proporções. Esse pensamento é fundamentalmente aditivo, atomista.
Na rítmica aditiva, os valores são pensados em função das suas
próprias unidades internas, como pulsações e não como subdivisões. Todos os
valores são possíveis unidades e devem ser focados, até certo ponto,
isoladamente. Essa idéia propicia ao estudante, além da educação das qualidades
rítmicas, “a ‘intensificação da consciência’ através da estreita concatenação do
treinamento de faculdade cerebrais (em especial, a concentração) com atividades
rítmico-físicas” (GELEWSKI, 1967, p. 5). A importância dada à dimensão métrica
nos exercícios que exploram a vivência do ritmo foi muito desenvolvida por
Gramani, estabelecendo uma linha de proximidade entre ambos os trabalhos.
9
GELEWSKI, Rolf. Rítmica Métrica, um método didático para o ensino de rítmica. Salvador:
Edição da UFBA, 1967. 37 f.
10
Fórmulas Métricas, utilizadas por Gelewski, são combinações de valores curtos e longos na
proporção de 1 para 2. Assim, o binário: prop: [1.1], o ternário: prop: [1.1.1] [1.2] [2.1], o
quartenário: prop: [1.1.1.1] [2.2] [1.1.2] [2.1.1] [1.2.1], etc.
12
2.1.3 Igor Stravinsky
A música de Igor Stravinsky foi também uma importante fonte de
informação e inspiração para o desenvolvimento das propostas de Gramani. Sobre
a relação entre a música de Stravinsky e os seus estudos rítmicos polimétricos,
Gramani (1986 apud RODRIGUES, 2001, p. 44) tece o seguinte comentário:
Em 1981 [...] estava estudando a parte de violino de ‘A História do
soldado’, de Stravinsky, e, tendo dificuldades em alguns trechos,
comecei a estudar os contrapontos rítmicos fantásticos que ele
escreveu. [...] montei alguns trechos a duas vozes rítmicas e
estudei, resolvendo alguns problemas. Então levei os exercícios
para meus alunos na UNICAMP, eles estudaram e o resultado foi
muito bom. Isso me animou a pensar em porque não estudar o
ritmo com aquelas características.
Uma prática constantemente encontrada nos estudos de Gramani, bem
como na rítmica de Stravinsky, é o uso sistemático de ostinatos. Assim como
Stravinski, Gramani também utiliza o ostinato com a finalidade de contraste e
oposição de movimentos. Em Conversas com Igor Stravinsky,
11
quando
interrogado sobre a função do ostinato, ele responde que “é a estática [...], é o
antidesenvolvimento [...]; uma contradição ao desenvolvimento”. (STRAVINSKY,
1999, passim)
Stravinsky também comenta que o problema principal da música é o
ritmo. E acrescenta:
11
STRAVINSKY, I; CRAFT, R. Conversas com Igor Stravinsky. São Paulo: Perspectiva, 1999,
passim.
13
Durante cinqüenta anos [...] me empenhei em ensinar [aos
músicos] a acentuar as notas sincopadas [...] quando irão os
músicos aprender a abandonar a nota ligada, a suspendê-la e não
apressar as colcheias em seguida [?]. (STRAVINSKY, 1999,
passim).
Gramani, em um dos seus textos, faz uma menção relativa a essas
mesmas deficiências quando diz que “no ensino tradicional, o ritmo é [...]
normalmente subordinado aos tempos [do compasso], gerando muitas vezes
descaracterizações no âmbito musical.” (GRAMANI, 1992, p. 11). A necessidade
de instruir o músico a respeito da correta execução e percepção do evento rítmico
é uma preocupação comum para ambos os músicos. Essa preocupação os
aproxima, conceitualmente, sobre a questão do ensino do ritmo na música.
Podemos então observar que, os trabalhos desenvolvidos por Dalcroze,
Gelewski e Stravinsky, foram importantes influências para os desdobramentos da
pesquisa realizada por Gramani não apenas no âmbito do desenvolvimento prático
dos exercícios, mas principalmente no que diz respeito à questão conceitual.
2.2 As implicações musicais resultantes dos estudos rítmicos de
Gramani
As implicações musicais resultantes dos estudos rítmicos de Gramani
são ilimitadas se pensarmos nas várias frentes em que estes estudos podem ser
aplicados: composição, análise, execução, regência, educação musical, notação
musical, etc.
Em função da enorme quantidade de aplicações possíveis que estes
estudos podem empreender, nos deteremos apenas em alguns possíveis
desdobramentos musicais baseados nas observações do próprio Gramani.
14
2.2.1 Harmonia e Contraponto
Gramani (1992, p. 11) comenta os aspectos contrapontísticos dos seus
estudos polimétricos:
A idéia que aqui apresento tem relação muito mais com
contraponto do que com harmonia. Apesar de existir aquela
relação vertical, sem a qual não haveria possibilidade de uma
perfeita medição das durações, a frase rítmica não se subordina
ao tempo, ela acontece sobre ele, horizontalmente, conservando,
assim, suas características básicas.
Para compreendermos melhor esse posicionamento, é preciso
compreender o conceito relativo à frase rítmica que “não se subordina ao tempo”,
mas sim, “acontece [...] horizontalmente”.
Numa estrutura predominantemente harmônica, “as relações entre as
vozes são verticais, o ritmo é diretamente relacionado e normalmente subordinado
aos tempos do compasso” (GRAMANI, 1992, p. 11). Mas em uma estrutura
contrapontística, a frase rítmica “acontece [...] horizontalmente”, sem estar
necessariamente subordinada ao movimento das demais vozes. A intensidade da
subordinação do movimento a determinados pontos de convergência rítmica é o
que difere os conceitos de harmonia e contraponto, como explicado por Gramani
na citação acima.
Refletindo sobre a função do ritmo na harmonia e no contraponto,
observamos que, para o primeiro, existe maior subordinação rítmica, uma vez que
a progressão temporal é medida e qualificada pela marcha dos acordes. Os
pontos de convergência rítmica, ou de relevância temporal, possuem mais um
sentido de complementação, de fusão em torno de um arquétipo sonoro do que
um sentido de simultaneização. Em relação ao contraponto, é observada uma
menor subordinação rítmica uma vez que a progressão temporal, a dimensão
15
rítmica geral, se estabelece a partir do desenvolvimento independente de cada
voz, possuindo, portanto, um caráter mais difuso. A diversidade dos movimentos
contribui para a desejada independência das vozes, apesar de existir, ainda que
de forma indireta, uma relação vertical polifônica.
Em suma, poderíamos dizer então que, na harmonia, a direcionalidade
do evento rítmico é resultante dos conteúdos, e que no contraponto, o evento
rítmico é determinado pela direcionalidade do conjunto dos conteúdos.
2.2.2 Valores métricos absolutos
A idéia de “sentir a duração de cada valor como um todo” (GRAMANI,
1996, p. 27) constitui o fundamento básico para a execução das estruturas
rítmicas presentes nos estudos de Gramani. De fato, se tratarmos os valores
rítmicos geradores da pulsação interna de uma estrutura como unidades
indivisíveis, estaremos aptos a perceber a relação contrapontística que se
estabelece entre os pares. A utilização de procedimentos de subdivisão para a
execução de uma estrutura rítmica complexa é ineficiente por não contemplar a
independência das vozes.
2.2.3
A realização musical do evento rítmico
Gramani sustenta a idéia da realização musical do evento rítmico além
da sua simples decodificação aritmética. Para Gramani (1996, p. 196) “... a música
escrita não significa, apenas sugere...” A interpretação da idéia rítmica não
significa lançar mão da regularidade rítmica reduzida por uma grafia mensural de
teor aproximativo, mas interferir acrescentando-lhe significados. Trata-se da
“possibilidade de [...] interpretar um ritmo não somente como um conjunto de
durações [...], mas sim como uma idéia inteira, com significado possível de ser
trocado entre o intérprete e o ouvinte.” (1996, p. 196).
16
A busca pela suspensão do ritmo a partir de uma suposta regularidade
é um dos objetivos dos seus estudos. Para Gramani, é preciso recorrer a
sensibilidade musical “... para que esta, agregada ao raciocínio aritmético,
possibilite uma realização musical dos exercícios” (1996, p. 104).
17
3 - CAPÍTULO II
A sistematização do modalismo no jazz de acordo com Ron Miller
O termo ‘Modo’ derivou de Modus do latim que significa padrão,
medida, maneira, hábito. Em música, o termo tem sido usado para classificar
grupos de notas e melodias, além de designar modelos e normas de composição
e improvisação. Os vários aspectos escalares e melódicos dos modos nos
diferentes contextos geográficos e culturais, que compreendem desde o
desenvolvimento dos modos na história da música Européia aos conceitos sobre
modos na música da Ásia e do Oriente Médio, foram sumarizados por Winnington-
Ingram (1936 apud Grove) com a definição de que Modo é essencialmente uma
relação interna das notas dentro de um grupo de notas ou escala, implicando em
hierarquia de uma nota sobre as outras.
O modelo de composição modal que se desenvolveu no jazz no final
dos anos 50, denominado Modal Jazz, é a referência no processo de definição das
alturas das notas na estrutura harmônica e melódica nesse trabalho. O modalismo
nas composições e improvisações no jazz raramente aderem estritamente aos
conceitos clássicos dos modos gregos e suas variações, mas tendem a criar a
mesma sonoridade a partir do pouco ou quase nenhum movimento do ritmo
harmônico na progressão. Em contraste com os estilos do jazz que o precederam,
o Modal Jazz caracterizou-se pelo distanciamento da tonalidade e da
funcionalidade da harmonia a partir da redefinição do conteúdo melódico e
harmônico. A harmonia no Modal Jazz é composta geralmente de poucos acordes
em que não se privilegia a relação funcional entre eles, enquanto que a melodia
tende a ser composta de notas que caracterizam os modos.
19
3.1 A sistematização do modalismo no jazz de acordo com Ron Miller
O processo composicional da harmonia nesse trabalho segue o modelo
sistematizado pelo pianista, compositor e educador Ron Miller, no livro Modal Jazz
Composition & Harmony, vols. 1 e 2
12
.
De acordo com Miller (1996, p. 12), o conteúdo harmônico no jazz
moderno está organizado em quatro principais grupos harmônicos, sendo três
modais e um não modal. São eles:
1 – Tonal
2 – Modal
3 – Cromático
4 – Não-modal
1. Tonal:
Trata-se de um sistema modal com regras específicas:
• Movimento das fundamentais em intervalos de quinta diatônica
• Contorno modal específico
• Centro tonal bem definido
• Hierarquia funcional diatônica
• Ritmo harmônico simétrico
2. Modal:
Não apresenta um sistema de organização específico:
• Movimento das fundamentais, ritmo harmônico e contorno modal
determinados arbitrariamente pelo compositor
• Relações cromáticas entre as fundamentais
12
MILLER, Ron. Modal Jazz Composition & Harmony . Germany: Advance Music, 1996. 2 v.
20
• Centro tonal não definido
3. Cromático (plateau tonal):
Semelhante ao Tonal com exceção de não apresentar um centro
definido:
• vários centros tonais (plateaus)
• centros tonais não diatônicos
• ritmo harmônico geralmente simétrico
4. Não-modal (Simétrico):
Compreende as escalas simétricas (diminuta, tons inteiros, cromática):
• Resolução imprecisa: cada nota tende a ter a mesma qualidade
melódica e harmônica
• Acordes e melodias existem como uma sonoridade, ou bloco sonoro.
Ex: bloco diminuto, de 12 notas, aumentado, etc.
Esses grupos harmônicos convivem e se relacionam, muitas vezes em
uma mesma música.
De acordo com Miller (1996, p. 9) existem basicamente duas categorias
de composição modal no jazz:
Modal Simples
Modal Complexo (forma livre)
A primeira categoria, modal simples, refere-se às primeiras
composições modais no início do jazz modal. A forma é geralmente simétrica com
a maioria das composições baseadas na forma AABA. Essa categoria está divida
em duas subcategorias:
21
Linear
Plateau
A subcategoria Linear é baseada em apenas um modo, com o ritmo
harmônico rápido ou lento e a linha do baixo melódica ou estáticaentende-se
por vamp.
A subcategoria plateau é baseada em mais de um modo, com o ritmo
harmônico lento e a linha do baixo ativa. As composições So What, do trompetista
Miles Davis; Impressions do saxofonista John Coltrane e Maiden Voyage do
pianista Herbie Hancock são alguns exemplos de composições da categoria modal
simples.
A segunda categoria, modal complexo (forma livre), se caracteriza pela
assimetria da forma e do ritmo harmônico. De acordo com Miller (p. 13), a
categoria se caracteriza por apresentar:
• Ritmo harmônico rápido, variando de um acorde por tempo a um
acorde por compasso;
• Linha do baixo bastante melódica e ativa;
• Indefinição do centro modal;
• Pontos melódicos geralmente cromáticos;
• Acordes tendendo a serem percebidos mais como blocos sonoros do
que modalidade
As composições do pianista Herbie Hancock; Little One, e do
saxofonista Wayne Shorter; Dance Cadaverous são alguns exemplos de
composições da categoria modal complexo.
Desta forma, podemos resumir as categorias de grupos harmônicos no
jazz segundo Ron Miller:
22
Fig. 1 – Categorias de grupos harmônicos no jazz segundo Ron Miller
3.2 Escalas modais
De acordo com Miller (1996, p. 12), o modo é determinado pela divisão
assimétrica de uma oitava em sete alturas distintas. As escalas geradas a partir
dessa divisão estabelecem o que ele denomina ‘harmonic pallet’, um compêndio
de notas características responsáveis por definir a qualidade do modo da escala.
A partir de seis diferentes escalas, denominadas aqui escalas geradoras, Miller
apresenta o material harmônico primário de onde deriva todo o conteúdo do livro
Modal Jazz, Vol. 1. São elas:
1. Modo Jônico
23
2. Modo Jônico b3
3. Modo Jônico b6
4. Modo Jônico b3, b6
5. Modo Jônico b3, #5
6. Modo Jônico #2
Se seguirmos o mesmo procedimento para os outros modos das cinco
primeiras escalas geradoras, encontraremos um total de 35 escalas modais, aqui
chamadas de modos, dispostas em 7 diferentes centros modais
13
.
Miller classifica os 35 modos a partir da qualidade emocional
14
de cada
modo, seguindo uma ordem gradativa de modos ‘claros’/’escuros’
15
. São eles:
13
Não está claro porque Miller não gerou as 7 escalas modais a partir da última escala geradora,
Jônio #2, que compreenderiam um total de 42 escalas modais. O autor não se manifestou sobre
este questionamento feito por email durante a correção deste texto.
14
Sobre qualidade emocional dos modos, ou emotional generalization, termo usado por Miller
(1996, p. 29), a sonoridade de cada modo nos induz a sensações e emoções capazes de serem
percebidas e descritas. De fato, a idéia de que os modos têm uma propriedade sonora expressiva
associada a sensações extramusicais é datada do período medieval e denominada de Modal
Ethos. Guido D’arezzo propôs no seu trabalho, intitulado Micrologus (D’AREZZO, Guido.
Micrologus. New Haven, CT: Ed. CSM, iv, 1955.) identidade e personalidade humana aos Tropos
(Os Tropos eram introduções e interlúdios de caráter modal que complementavam o canto litúrgico
principal, e cujo propósito era exaltar o texto do canto tornando-o mais dramático e persuasivo). No
trabalho de D’arezzo, os Tropos foram referenciados como ‘voluptuoso’, ‘impetuoso’, ‘agradável’,
adjetivos de caráter pessoal e individual. Dependendo da intenção do texto, os tropos podiam ter
até mesmo um caráter moral e cívico. O conceito do Modal Ethos foi aceita na Idade Média sem
restrições, e as doutrinas referentes a cada modo sempre estiveram presentes durante todo o
processo de evolução do modalismo.
15
O conceito de claro/escuro refere-se à qualidade emocional do modo a partir das tensões
encontradas: ‘Um modo será mais escuro quando os semitons da escala estiverem mais próximos
24
1 Lídio #5 #3
CLAROS
2 Lídio #5
3 Lídio #2
4 Lídio
5 Lídio b3
6 Jônico #5
7 Jônico
8 Jônico b6
9 Mixolídio #2 #4
10 Mixolídio #4
da fundamental’ (Miller, 1996, p. 28). Apesar da enorme variação e ambigüidade quanto a definição
da qualidade emocional do modo, Miller os definem a partir da presença dos sustenidos e bemois
na estrutura da escala modal: sustenização = modo claro; bemolização = modo escuro.
25
11 Mixolídio b6
12 Mixolídio
13 Mixolídio b2
14 Dórico 7M #5
15 Dórico 7M
16 Dórico 7M b5
17 Dórico #4
18 Dórico
19 Eólio 7M
20 Eólio 7M b5
21 Eólio
22 Eólio b5
26
23 Frígio 7M #5
24 Frígio 6M #4
25 Frígio 6M
26 Frígio 3M
27 Frígio
28 Lócrio 6M
29 Lócrio b6
16
30 Lócrio bb7
31 Alterada
32 Lócrio 4J
16
Miller apresenta os modos Lócrio b6 (no. 29) e Lócrio 4J (no. 32) como sendo modos diferentes e
com diferentes qualidades emocionais (claro/escuro). É provável que a diferença esteja no
procedimento de construção do acorde onde as notas características valorizadas de cada modo,
no caso b6 para o modo Lócrio b6 e 4J para o modo Lócrio 4J, sejam prioritárias, diferenciando a
sonoridade entre ambos os modos. O autor não se manifestou sobre este questionamento feito
durante a correção deste texto.
27
33 Alterada 6M
34 Alterada bb7
35 Alterada
ESCUROS
3.3 Construção dos acordes modais
Ron Miller apresenta dois procedimentos básicos para construção de
acordes modais. São eles:
• Método completo
• Método simplificado
O método completo recorre às propriedades acústicas-musicais e à
qualidade modal das notas. O método simplificado compreende a superposição de
um determinado grupo de 3 ou 4 notas, denominado estruturas superiores, sobre
uma nota ou um determinado grupo de notas, denominado estruturas inferiores.
3.3.1 Método completo
Os aspectos referentes às propriedades acústicas e qualidade modal
das notas são determinados através da ‘nota característica’, do ‘espaço’ e do
‘balanço’.
O termo ‘nota característica’ compreende as notas que caracterizam a
modalidade de cada escala, em comparação com o modo jônio (Miller, 1996, p.
28
128). Essas notas estão estruturadas de forma hierárquica, seguindo uma ordem
de prioridade.
Modo ordem de prioridade
Jônio 7 4 3 6 9 5
Dórico 6 b3 b7 9 5 4
Frígio b2 5 4 b7 b3 b6
Lídio #4 7 3 6 9 5
Mixolídio b7 4 3 6 9 5
Eólio b6 2 5 b3 b7 4
Lócrio b5 b2 b7 b6 b3 4
O termo ‘espaço’ compreende a distância intervalar entre duas notas
adjacentes da estrutura superior do acorde. Existem quatro categorias de
‘espaços’ presentes na estrutura de um acorde. São eles:
Terciários: Intervalo de terça maior ou menor entre as notas
adjacentes
Cluster: Intervalo de segunda maior ou menor entre as notas
adjacentes
Quartal: Intervalo de quarta ou quarta aumentada entre as notas
adjacentes
Misturado: Combinação dos intervalos de segundas, terças e
quartas com as notas adjacentes
O termo ‘balanço’ refere-se ao resultado sonoro do acorde em função
do ‘espaço’: o ‘espaço’ vertical afeta a estabilidade do acorde.
O método completo foi utilizado em nove dos dez movimentos da suíte
(Cantos I como exceção), variando apenas no que diz respeito à conexão dos
acordes. Podemos observar no segundo movimento da suíte, denominado Cantos
29
II, que os acordes da progressão foram construídos a partir da distribuição e
posição das notas características que compreendem o modo sobre uma nota
pedal do baixo (nota Dó). A preocupação quanto à condução de vozes entre os
acordes foi determinante para a distribuição das notas (espaço) e para o resultado
sonoro do bloco (balanço):
C Eólio
C Frígio
C Eólio
C Eólio(7maior)
Fig. 2 – Progressão harmônica do Cantos II
3.3.2 Método simplificado
Trata-se da construção de acordes modais através da utilização de
estruturas superiores, também denominadas grips. Existem basicamente sete
grips usadas como estruturas superiores que abrangem todas as modalidades de
acordes modais. São elas:
Sus2
Tríade
menor
Tríade
maior
Quartal
6/5
5/6
Aumentada

Fig. 3 – Sete agrupamentos usados como estruturas superiores.
• sus 2: Construída a partir do intervalo de segunda seguido de
um intervalo de quarta.
• quartal: Inversão do sus 2
30
• 5/6: Construída a partir de 5 semitons seguido de 6
semitons.
• 6/5: Estrutura construída a partir de 6 semitons seguido de 5
semitons.
• Frígio US: Estrutura denominada Frígio Upper Structure, trata-se
da inversão da estrutura 6/5, mas tornou-se comumente
usada que passou a ser tratada como uma estrutura
superior independente.
• Menor mel.: Denominada the melodic minor grip, essa estrutura
pode ser analisada como um acorde lídio aumentado.
• Tríades: Denominada slash chords, essa estrutura compreende
as tríades maiores e menores.
O método simplificado foi utilizado durante o desenvolvimento da
progressão harmônica do primeiro movimento da composição, denominado
Cantos I. Vejamos a seguir:
Padrão (3as. maiores desc.)
E
C
Ab
Padrão (3as. maiores desc.)
A#
F#
D
Estrutura
superior
Fig 4 – Estrutura superior: terças maiores na primeira inversão – progressão
harmônica Cantos I
Trata-se da superposição de tríades maiores na 1ª. inversão sobre uma
nota do baixo. As tríades estão agrupadas em dois grupos, sendo que cada grupo
compreende três tríades distantes entre si por um intervalo de 3ª maior
descendente.
31
3.4 Conexão dos acordes modais
Miller classifica (1996, p. 44) dois procedimentos básicos de conexão
dos acordes modais:
• Conexão melódico-harmônico
• Conexão rítmico-harmônico
A conexão melódico-harmônico está dividida em três categorias:
• Ponto focal comum
• Contorno contrastante
• Manipulação melódica
O procedimento para conexão dos acordes na primeira categoria
corresponde a uma nota em comum entre dois acordes modais adjacentes não-
diatônicos. De acordo com Miller (p. 44), existem 4 pontos de conexão focal:
• Nota da ponta - os acordes são conectados por uma nota da ponta
comum a todos os acordes da progressão:
Db Lidio
Bb Mixolidio
G Frígio 6M
Fsus4(13)
Fig. 5: Ponto focal comum: nota da ponta
• Nota do baixo - os acordes são conectados por uma nota do baixo
comum a todos os acordes da progressão, como utilizado na progressão
harmônica do Cantos II:
32
C Eólio
C Frígio
C Eólio
C Eólio(7maior)
Fig. 6: Ponto focal comum: nota do baixo – progressão harmônica Cantos II
• Estruturas internas comuns - os acordes são conectados por notas
internas comuns a todos os acordes da progressão:
Eb Jônio
F Frígio 6M
G Frígio
F Eólio
Fig. 7: Ponto focal comum: estruturas internas comuns
• Estruturas externas comuns - os acordes são conectados por notas
externas comuns a todos os acordes da progressão:
A Mixolídio
A Eólio
A Mixolídio
A Eólio
Fig. 8: Ponto focal comum: estruturas externas comuns
Foi criado durante o processo composicional outro procedimento de
conexão dos acordes que não consta no livro de Miller. Trata-se da conexão dos
33
acordes em torno de um mesmo modo, mas com fundamentais diferentes. Este
procedimento foi denominado ‘Modalidade comum’ por este autor, e utilizado no
oitavo movimento da suíte, Cantos VIII. Vejamos a seguir:
C dor(#4)
F# dor.
(maj7, #4)
A dor.
Eb dor(#4)
C dor(#4)
Eb dor(#4)
A dor.
F# dor.
(maj7, #4)
C dor(#4)
F# dor.
(maj7, #4)




Fig 9 – Ponto focal comum: Modalidade comum – progressão harmônica Cantos VIII
No exemplo acima, todos os acordes possuem a mesma modalidade
(modo dórico) apesar de algumas alterações e das diferentes notas fundamentais.
A conexão dos acordes modais na segunda categoria, contorno
contrastante, é baseada na criação da relação de movimento/repouso,
tensão/relaxamento entre os acordes. Existem cinco procedimentos para essa
categoria:
• Contraste modal: Claro/Escuro
• Momentâneo: Desejo em resolver no modo jônico
• Cadencial: Simulação do movimento II V I
• Resolução melódica Bordaduras (inferior/superior)
• Abertura do acorde
O procedimento denominado Contraste modal, baseado nas qualidades
emocionais claro/escuro dos modos, foi utilizado de forma extensiva durante
quase todo desenvolvimento da composição. Vejamos a parte A do sexto
movimento da progressão, Cantos VI:
34
Bb Lídio
Parte A
A Frígio
E Eólio(b5)
C Dórico
D Frígio
A Mixo(b9)
Bb Lídio
A Frígio
E Eólio(b5)
C Sus4
Fig 10 – Contraste modal: claro/escuro – progressão harmônica Cantos VI, parte A
Na progressão acima é possível observar a constante variação entre
claro/escuro no desenrolar dos acordes. O primeiro acorde, modo lídio, é mais
claro que o segundo acorde, modo frígio. Este por sua vez é mais escuro que o
terceiro acorde, modo eólio, e este é também mais escuro que o quarto acorde,
modo dórico. Assim segue a progressão.
Para o Cantos III, este procedimento foi utilizado não apenas para
definição dos acordes da progressão, mas também para definição dos centros
modais
17
das cinco partes que dividem o Cantos:
F
Modo 1
Dorico(maj7)
Modo 2
C
Eolio
Modo 3
G
Frigio
Modo 4
C
Eolio
F
Modo 5
Dorico(maj7)
+ claro
- claro
escuro
- claro
+ claro
Fig. 11 – Contraste modal: claro/escuro - centros modais do Cantos III
No exemplo acima, os modos definidos representam o centro tonal das
partes que dividem o movimento. O modo 1 e 5, dórico, abrange as partes A, B e I,
17
Estabeleceu-se que seria definido um centro modal para cada movimento da suíte, cujo
propósito é a caracterização da trama central de cada Cantos. Os centros modais são definidos a
partir da compreensão e definição da sonoridade de cada modo através da experimentação
composicional e auditiva somada a referências bibliográficas.
35
J do movimento, respectivamente; o modo 2 e 4, eólio, abrange as partes C, D e
G, H, respectivamente; e o modo 3, frígio, abrange as partes E e F.
O procedimento denominado Momentâneo refere-se à expectativa de
resolução no modo jônio em função da sua preparação por um acorde do modo
mixolídio (ou SUS). Vejamos a progressão do sexto movimento, Cantos VI:
Bb Lídio
Parte A
A Frígio
E Eólio(b5)
C Dórico
D Frígio
A Mixo(b9)
Bb Lídio
A Frígio
E Eólio(b5)
C Sus4
F Lídio(b7)
Parte B
B Dórico
Eb Lídio
A sus4(13)
G Frígio
D Eólio
Eb Frígio
C sus4(13)
D Eólio(b5)
A Mixo(b9)
Fig 12 – Procedimento denominado Momentâneo: progressão harmônica Cantos VI
Na progressão acima observamos que o último acorde da parte A,
modo mixolídio (Dó sus4), cria a expectativa de resolução para um acorde do
modo Jônio localizado uma quinta abaixo, na fundamental Fá. Esta expectativa
deve-se ao contorno harmônico tonal gerado a partir da dualidade tensão/repouso,
resultante do movimento dominante/tônica, iniciado pelo acorde Dó. No entanto, a
resolução é resolvida apenas momentaneamente uma vez que o modo do acorde
de resolução (primeiro acorde da parte B), apesar de manter a nota Fá como
fundamental, não é do modo Jônio, mas do modo Lídio.
O procedimento denominado Cadencial refere-se à simulação do
movimento das funções Tônica, Subdominante, Dominante, mais especificamente
refere-se à simulação da progressão II V I, através do movimento das
fundamentais ou linha do baixo. Vejamos o exemplo a seguir:
36
F eolio
Ab dorico
G eolio
Db eolio
C frígio
Fig 13 – Procedimento denominado cadencial: progressão harmônica Cantos VII
No exemplo acima, o último acorde, modo frígio, tem a nota Dó como
fundamental, e este retorna para o primeiro acorde da progressão cuja
fundamental é a nota Fá, modo eólio. O movimento das notas do baixo cria a
resolução V I (dominante/tônica), mas os modos não conferem ao movimento a
representação da resolução.
Este mesmo procedimento também pode ser observado na progressão
harmônica do Cantos IV:
G mixo(b6)
Eb dórico(maj7)
D eólio
G mixo(b6)
C eólio
F frígio(6)
B alt.(6)
Eb jonio(b6)
D frígio(6)
Fig 14 – Procedimento denominado cadencial: progressão harmônica Cantos IV
No exemplo acima, observamos que o 3º., 4º., 5º. e 6º. acordes tem o
movimento de quintas presente entre as fundamentais dos acordes, configurando
o movimento característico de cadência. Contudo, os modos dos acordes não
configuram os modos característicos de resolução das cadências. O mesmo
acontece entre o último e o primeiro acordes da progressão.
37
Para o Cantos VI, foi utilizado o mesmo princípio do procedimento
cadencial, mas aplicado para definição da tonalidade dos centro tonais. Devido ao
grande número de acordes, optou-se por dividir a progressão em três partes, A-B-
A’, sendo que a parte A contém 10 acordes, a parte B contém 10 acordes e a
parte A’ contém 11 acordes, completando o total de 31 acordes. O centro modal
da parte A é Lidio, na tonalidade Si bemol; o centro modal da parte B é Lídio(b7)
na tonalidade de F; e o centro modal da parte A’ é Lídio, na tonalidade de Si
bemol.
Si bemol Lídio Fá Lídio(b7) Si bemol Lídio
Parte A Parte B Parte A'
A tonalidade de cada parte do Cantos cria o movimento I V I, apesar de
manter entre eles o mesmo modo lídio. Para criar a intenção de
tensão/relaxamento presente no movimento dominante/tônica, o modo lídio da
parte B foi alterado para lídio b7.
Parte A - Si bemol Lídio
Parte B - Fá Lídio(b7)
Parte A' - Si bemol Lídio
Fig 15 - Procedimento denominado cadencial: progressão harmônica Cantos VI
38
A terceira categoria de conexão dos acordes, manipulação melódica, é
aplicada às notas da melodia ou do baixo através de padrões melódicos simétricos
ou assimétricos, ou através da organização de um contorno melódico baseado nos
conceitos composicionais. Este procedimento foi utilizado de várias formas em
quase todos os movimentos da composição.
Para o Cantos I, foi composta uma melodia com notas comuns aos
acordes da progressão, mas que evidenciassem o modo adotado como centro
modal do movimento, no caso o lídio #5.
E/C
C/Bb
Ab/Ab
A#/F#
F#/Ab
D/Bb
F/G
Fig 16 – Manipulação melódica com as notas da ponta, características do centro
modal: progressão harmônica Cantos I
Para os Cantos III, VI, VII e X, foram compostas uma linha de baixo a
partir das notas características do centro modal de cada movimento. A linha do
baixo, desta forma, compreende as notas do modo referente.
Cantos III, manipulação melódica do baixo, modo Fá dórico:
Grupo (A, B)
Grupo (I, J)
Fig 17 – Manipulação melódica do baixo, modo Fá dórico - Cantos III
39
Cantos VI, manipulação melódica do baixo, modos Si bemol lídio e Fá
lídio b7:
Parte A - Si bemol Lídio
Parte B - Fá Lídio(b7)
Parte A' - Si bemol Lídio
Fig 18 – Manipulação melódica do baixo, modos Si bemol lídio e Fá lídio b7 -
Cantos VI
Cantos VII, manipulação melódica do baixo, modo Fá eólio:
Fig 19 – Manipulação melódica do baixo, modo Fá eólio - Cantos VII
Cantos X, manipulação melódica do baixo, modos Sol, Mi, Ré bemol e
Si bemol jônio:
G Jônio
E Jônio
Db Jônio
Bb Jônio
Fig 20 – Manipulação melódica do baixo, modos Sol, Mi, Ré bemol e Si bemol jônio -
Cantos X
40
Para os cantos IV, VIII e IX, foram compostas linhas de baixo e as
linhas da ponta, não necessariamente respeitando as notas características do
centro modal de cada movimento.
Para o Cantos IV, as notas do baixo e as notas da ponta
compreendem as notas características do centro modal mixolídio b6:
AP1
AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
AC6
AC7
Fig 21 – Manipulação melódica do baixo e das notas da ponta, característicos do
modo mixolídio b6 - Cantos IV
Para o Cantos VIII, as notas do baixo compreendem as notas
características do centro modal dórico #4, enquanto que as notas da ponta fazem
um ostinato de segunda menor, sem nenhuma conexão com o modo central:

Fig 22 – Manipulação melódica do baixo e das notas da ponta - Cantos VIII
Para o Cantos IX, as notas do baixo e as notas da ponta não
necessariamente respeitam o centro modal do movimento, o modo lídio #5. A
unidade quanto à sonoridade do modo do Cantos é determinada a partir do
mesmo modo lídio gerado para todos os acordes da progressão a partir de todas
as notas do baixo:
41
Fig 23 – Manipulação melódica do baixo e das notas da ponta - Cantos IX
Como foi possível observar, foram utilizados quase todos os
procedimentos de construção e conexão de acordes modais sistematizados por
Ron Miller. Desde as primeiras experimentações composicionais a partir das
estruturas rítmicas de Gramani, o processo de desenvolvimento harmônico modal
de Miller mostrou-se bastante adequado à sonoridade desejada pelo compositor e
autor deste projeto. A qualidade emocional dos modos e a aplicação deste sistema
no jazz, gênero musical que compreende a formação musical do autor, foram
determinantes.
Observamos também que a harmonia tem a função de unificar o
processo composicional desenvolvido neste projeto. Como veremos no capítulo a
seguir, o desenvolvimento rítmico das composições será criado a partir dos
elementos métricos presente nos versos do poema, pouco se referindo à trama
presente no texto. Contudo, será através do evento rítmico que serão definidos os
parâmetros para o desenvolvimento da harmonia, entre eles a definição prévia do
número de acordes e do ritmo harmônico. Os parâmetros de definição da
qualidade emocional dos centros modais de cada parte do movimento serão
42
baseados na trama central do teto, remetendo o processo composicional mais
uma vez ao poema através da harmonia. Desta forma, a harmonia atua como
aglutinador de todas as variantes do processo, adequando-se aos parâmetros
musicais gerados a partir da rítmica e da trama do poema, justificando a sua
importância como colaborador para unificação do processo composicional que
estamos propondo neste projeto.
43
4 - CAPÍTULO III
O poema e o poeta
4.1 Gonçalves Dias e o Romantismo brasileiro
Para uma melhor compreensão da obra de Gonçalves Dias, faz-se
necessária uma breve contextualização do movimento romântico brasileiro em sua
primeira fase.
De acordo com Amora (1977), o Romantismo inicia uma nova etapa
na literatura brasileira ao mudar o foco exclusivista vigente na literatura Classicista
para temas até então não-poéticos como o nacionalismo e a temática indígena. As
transformações políticas e sociais passaram a povoar páginas da literatura
nacional. De certa forma, o Romantismo opõe-se ao Classicismo ao buscar formas
de expressão menos sofisticadas, provenientes da classe média e da burguesia,
que estavam em ascensão. Além de ter sido uma reação à tradição clássica, o
Romantismo também adquiriu, na literatura brasileira, a conotação de um
movimento anti-colonialista e anti-lusitano ao evitar a literatura produzida no
período colonial em virtude do apego dessa produção aos modelos culturais
portugueses. Contudo, de acordo com Giron (2004, p. 345), ‘o desvelamento da
ruptura entre Brasil e Portugal em relação à cultura foi muito lento. (...) a censura
entre a cultura brasileira e sua matriz portuguesa se deu de forma vagarosa como
o desgaste e o rompimento de um tecido gasto pelo uso.’
O movimento destaca também o homem emotivo, intuitivo, além da
ênfase no sentimentalismo e na espontaneidade. Contudo, os principais temas da
primeira fase do Romantismo brasileiro que se destacaram foram o nacionalismo e
o indianismo (AMORA, 1977).
Simões (2005) atesta que a questão da identidade nacional ou
nacionalismo sempre foi uma preocupação desde o período colonial; porém, as
45
obras apresentavam apenas alguns vestígios da natureza ou da vida social do
Brasil, caracterizando uma literatura mais nativista e menos engajada. Foi
somente no Romantismo que a temática nacionalista recebeu destaque. Visto que
o Romantismo surge no Brasil pouco depois da Independência, percebe-se um
empenho dos primeiros artistas em definir um perfil da cultura brasileira em vários
aspectos: língua, etnia, tradições, passado histórico, diferenças regionais e
religião.
De acordo com Giron (2004), a questão indianista tornou-se presente
para os artistas românticos quando estes passaram a considerar o índio como o
antepassado medieval brasileiro, idealização relacionada com o projeto romântico
nacional. O índio representa o elemento nativo, as verdadeiras origens,
genuinamente nacional, que se opõe ao português colonizador. Trata-se de um
homem selvagem, primitivamente puro, um herói, legítimo representante do
passado e da tradição, feito à imagem e semelhança de um cavaleiro medieval.
Este olhar romântico e fantasioso sobre a temática indígena foi muito atraente
para os romancistas brasileiros não apenas pelo fato de terem sido considerados
nobres cavaleiros medievais, mas por ainda estarem vivos nas matas.
4.2 A poesia Indianista de Gonçalves Dias
A poesia indianista de Gonçalves Dias apresenta uma visão cotidiana
do índio brasileiro, em cenas ou costumes ligados a um índio qualquer, de
identidade comum. O índio gonçalvino é um modelo padrão, sem personalidade
idealizada, porém simbólica. Pode-se perceber que Gonçalves Dias exalta o
sentimento de honra do índio nos seus costumes tribais em seus versos.
O índio presente em suas obras é não-idealizado quando comparado à
conotação de nobre selvagem dada por outros autores românticos, como
podemos observar em um trecho do poema O Guarani, de José de Alencar (Cap.
VIII Três Linhas):
46
O pobre selvagem ergueu os olhos ao céu num
assomo de desespero, como para ver se, colocado
duzentos palmos acima da terra, sobre as grimpas
da árvore, poderia estender a mão e colher
estrelas que deitasse aos pés de Cecília.
Eis então um trecho de I-Juca-Pirama (Canto IV – 1a. estrofe):
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
É possível diferenciar as perspectivas dos dois artistas na
representação do indígena brasileiro. Em O Guarani, o índio é apresentado como
um personagem de estilo delicado e sensível; ao passo que em I-Juca-Pirama, o
índio é apresentado como um ser endurecido e rude.
Gonçalves Dias foi um intelectual cosmopolita que ‘via na tradição
européia um dos fundamentos essenciais para a cultura da nova nação, que não
podia tampouco desprezar as práticas autóctones (as danças e os temas
indígenas) (GIRON, 2004, p. 345). Apesar da referência à tradição, é certo que o
autor de I Juca Pirama esteve mais atento à real temática indígena comparado
aos outros autores romântico do seu tempo. A maior veracidade quanto à
realidade indígena nos seus poemas pode ter sido em função da origem indígena
da mãe, em contraste com a origem lusitana do pai, além do contato direto que
manteve com os indígenas quando criança e durante as excursões pela
Amazônia.
47
A figura indígena em seus poemas também difere das narrações
folclóricas nas quais o índio exerce sua superioridade sobre o homem branco por
meio da astúcia. Para Gonçalves Dias, o importante era o culto à lealdade e a
beleza moral. O índio, com suas lendas e mitos, seus dramas e conflitos, suas
lutas e amores, ofereceram ao poeta um mundo rico de significação simbólica.
Ainda que idealizado, não se propunha ser um super-herói, mas o retrato de um
ser que, apesar de sua natureza rústica e selvagem, guiava-se por rígidos padrões
de costumes.
A obra indianista de Gonçalves Dias está contida nas "Poesias
americanas" dos Primeiros Cantos, nos Segundos Cantos e Últimos Cantos,
sobretudo nos poemas "Marabá", "Leito de folhas verdes", "Canto do piaga",
"Canto do tamoio", "Canto do guerreiro" e "I-Juca-Pirama", este talvez o ponto
mais alto da poesia indianista.
4.3 I Juca Pirama, o poema
4.3.1 Enredo
O poema é narrado em terceira pessoa por um índio Timbira que relata
às gerações posteriores a história vivida por um índio Tupi que caiu prisioneiro dos
Timbiras, nação inimiga dos Tupis. O drama do prisioneiro reside nos sentimentos
contraditórios provocados por sua prisão: de um lado, deseja morrer lutando como
guerreiro corajoso que sempre fora; e, de outro, deseja viver para cuidar do pai,
doente e cego.
(IJP, Canto IV, Estrofes 7, 8 e 9):
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
48
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, – dizei!
O prisioneiro, após declarar o seu canto de morte diante da tribo inimiga
e chorar em função do pai moribundo na mata, é libertado. Contudo, o guerreiro
afirma que voltará para se entregar ao ritual de sacrifício quando seu pai vier a
falecer. Os Timbiras não acreditam em seu argumento e acusam-no de covarde.
Posteriormente, o índio reencontra o pai, mas o velho, percebendo o cheiro das
tintas e os ornamentos do ritual, o questiona sobre o que aconteceu. O índio diz
49
que havia sido feito prisioneiro. O pai exige que o filho retorne á tribo dos inimigos
para que seja cumprida a tradição, sem de fato saber a verdadeira razão da fuga
do filho. Diante de toda a tribo inimiga, o pai descobre a verdadeira razão da
libertação do filho. Irado, o velho Tupi nega o filho e roga-lhe as piores maldições
do universo indígena, pedindo aos Deuses que nem mesmo a morte o receba.
(IJP, Canto VIII, Estrofe 1):
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimorés.
O guerreiro, após ouvir o lamento do pai, lança o grito de guerra para
provar a sua bravura. Em meio a uma incrível batalha do índio contra toda a tribo
inimiga, o chefe dos timbiras reconhece a valentia e bravura do índio e ordena o
fim da batalha. O pai também o reconhece como guerreiro valente e nobre, e
chora com o filho nos braços.
(IJP, Canto IX, Estrofes, 4, 5, 6, e 7):
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis – o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.
50
– Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
– Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças. –
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
"Corram livres as lágrimas que choro,
"Estas lágrimas, sim, que não desonram."
4.3.2 Estrutura da obra
O poema nos é apresentado em dez cantos, organizados em forma de
composição épico – dramática. Todos os Cantos sempre pautam pela
apresentação de um índio cujo caráter e heroísmo são salientados a cada
instante.
Cantos 1 - Apresentação e descrição da tribo dos Timbiras. Como está
descrevendo o ambiente, o autor usa um verso mais lento e caudaloso, que é
hendecassílabo (onze sílabas). A estrofe é sempre de seis versos (sextilha) e as
rimas obedecem ao esquema: AA (paralelas) e BCCB (opostas ou intercaladas).
Cantos 2 - Narra a festa canibalística dos timbiras e a aflição do guerreiro tupi
que será sacrificado. O poeta alterna o decassílabo (dez sílabas) com o
tetrassílabo (quatro sílabas), o que sugere o início do ritual com o rufar dos
tambores. As estrofes são de quatro versos (quarteto) e o poeta só rima os
tetrassílabos.
51
Cantos 3 - Apresentação do guerreiro tupi – I – Juca Pirama. Sem se preocupar
com rimas e estrofação, o poeta volta a usar o decassílabo (com algumas
irregularidades), novamente num ritmo mais lento, que se casa bem com a
apresentação feita do chefe Timbira.
Cantos 4 – O guerreiro aprisionado pelos Timbiras declama o seu canto de morte
e pede ao Timbira que deixem-no ir para cuidar do pai velho e cego. O verso
pentassílabo (cinco sílabas), num ritmo ligeiro, dá a impressão do rufar dos
tambores. As estrofes com exceção da primeira (sextilha), têm oito versos
(oitavas), e as rimas seguem o esquema AAA (paralelas) e BCCB (opostas e
intercaladas).
Cantos 5 - Ao escutarem o canto de morte do guerreiro tupi, os timbiras entendem
ser aquilo um ato de covardia e desse modo desqualificam-no para o sacrifício.
Dando a impressão do conflito que se estabelece e refletindo o diálogo nervoso,
entre o chefe Timbira e o índio Tupi, o poeta altera o decassílabo com versos mais
ou menos livres. Não há preocupação nem com estrofes nem com rimas.
Cantos 6 - O filho volta ao pai. Este, ao pressentir o cheiro de tinta dos timbiras
que é específica para o sacrifício, desconfia do filho e ambos partem novamente
para a tribo dos timbiras para que se cumpra a tradição. Reproduzindo o diálogo
entre pai e filho, o poeta usa decassílabo juntamente com passagens mais ou
menos livres. Não há preocupação com rimas ou estrofes.
Cantos 7 - Sob alegação de que os tupis são fracos, o chefe dos timbiras não
permite a consumação do ritual. Num ritmo constante, marcado pelo heptassílabo
(sete sílabas), o poeta reproduz a fala segura do pai humilhado e do chefe
Timbira. A estrofação e as rimas são livres.
52
Cantos 8 - O pai envergonhado maldiz o suposto filho covarde. Para expressar a
maldição proferida pelo velho pai, num ritmo bem marcado e seguro, o poeta usa
o verso eneassílabo (nove sílabas), distribuindo-os em oitavas, com rimas
alternadas e paralelas.
Cantos 9 - Enraivecido o guerreiro tupi lança o seu grito de guerra e derrota a
todos valentemente em nome de sua honra. Casando-se com o tom narrativo e a
reação altiva do índio Tupi, o poeta usa novamente o decassílabo com estrofação
e rimas livres.
Cantos 10 - O velho Timbira (narrador) relata a trama do guerreiro Tupi e diz a
célebre frase: "meninos, eu vi". Alternando o hendecassílabo com pentassílabo, o
poeta fecha o poema, de forma harmoniosa e ordenada. Casando com essa
ordem restabelecida, as estrofes vêm arrumadas em sextilhas e as rimas
obedecem ao esquema AA (paralelas) e BCCB (opostas e intercaladas).
O autor, através do narrador Timbira, não faz menção ao lugar em que
decorre a ação; sabe-se, entretanto, que os timbiras viviam no interior do Brasil,
ao contrário dos Tupis, que se localizavam no litoral.
Quanto ao tempo, não há uma indicação explícita, mas percebe-se que
é a época da colonização portuguesa, quando os índios já estavam sendo
dizimados pelo branco, como diz o guerreiro Tupi no seu canto de morte – um
triste remanescente “da tribo pujante / que agora anda errante” (IJP, Canto IV,
Estrofe 2, versos 1-2).
Os dez Cantos caracterizam-se formalmente pela perfeita utilização
dos vários recursos da métrica, do ritmo e da musicalidade. A melodia
18
presente
18
O termo melodia é utilizado no sentido lingüístico, como resultado da recitação poética onde não
há referência a alturas de som e valores rítmicos.
53
na leitura dos versos é estruturada impecavelmente nos momentos de calmaria ou
exaltação, em movimentos variados de ritmo e escolha cuidadosa das palavras.
Quanto aos aspectos formais, Gonçalves Dias variou a métrica de
trecho em trecho. Teoricamente, o poeta teria desprezado a metrificação. No
entanto, do ponto de vista expressivo, a variação métrica utilizada produziu um
contraste sonoro do texto, construindo plasticamente o poema através de uma
variação rítmica presente na narração. Observam-se também vários ritmos no
mesmo metro; o ritmo, presente durante a recitação do poema, varia de acordo
com a situação que está sendo descrita/narrada. Observe-se o início do poema:
(IJP, Canto I, Estrofe 1, versos 1-3):
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
Percebe-se nos versos acima uma marcação rítmica ternária, presente
de forma sistemática e contínua em todos os versos do Canto I. Esta marcação
ternária sugere, de acordo com a interpretação do autor desta pesquisa, uma
ilustração ao conteúdo exposto, no caso, uma descrição de um habitat indígena.
Esta afirmação é especulativa uma vez que não há necessariamente uma relação
do ritmo ternário como referência a um habitat indígena.
A riqueza estilística do poeta, a magnitude concentrada em cada um de
seus textos, especialmente do I-Juca-Pirama, fazem desse poema épico página
ímpar na literatura nacional brasileira. Trata-se de um produto da maturidade
literária de Gonçalves Dias, que, apesar de uma vida breve, deixou patente em
sua obra a grande habilidade e conhecimento da língua portuguesa.
54
4.3.3 Musicalidade
A escolha do poema I Juca Pirama deveu-se, além do fato da obra
fornecer elementos de sustentação para uma leitura sonora do poema, à
apreciação do autor da pesquisa pelo poema. A priori, os elementos de
sustentação para uma leitura sonora da obra estavam baseados na trama e no
enredo do poema. Porém, à medida que foram feitas as metrificações dos versos,
foi possível observar a grande musicalidade presente nas versificações através da
aplicação de variações rítmicas. As variações se apresentam de forma clara na
leitura dos versos e contribui para a contextualização do enredo da trama de cada
Cantos. As variações rítmicas dos versos interferiram diretamente no processo
composicional através da relação entre a metrificação e a estruturas rítmicas
desenvolvidas por Gramani.
Em função da consciente aplicação de elementos rítmicos durante a
versificação do poema, foi levantada a suposição de que o poeta pudesse ter sido
um grande apreciador, ou até mesmo um grande conhecedor de música, a
observar pelo constante uso da palavra ‘Cantos’ para classificação e agrupamento
dos seus poemas. Contudo, não foi possível saber se de fato houve um estudo
formal de música, mas foi possível identificar a grande apreciação do poeta pela
ópera. Gonçalves Dias foi um reconhecido crítico de teatro, mas as suas críticas
sobre óperas também foram importantes, e sobre elas manifestou-se (apud
GIRON, 2004, p. 127):
Sabem todos os nossos leitores que a Ópera, tal como os Italianos
a concertaram, é um resumo das belas artes, que formam como
um todo mágico e embriagador. É a reunião da Poesia, Pintura,
Música e Dança. Porém a Pintura, conquanto seja porventura a
segunda das belas artes, conquanto auxiliada por um maquinismo
vário e brilhante, pode satisfazer ao público que tem sede de
sensações, e que procura achar a vida, quando lhe oferecerem a
apresentação de um Drama? Não o cremos; no entanto eis o que
55
fez Mr. Dumas, separou a Pintura como a vemos das Óperas da
companhia mágica e prestigiosa das suas irmãs, e transplantou-a
para o teatro de declamação, e aqui também a separou do Drama
para constituí-la fim principal do Espetáculo.
De acordo com Giron (2004, p. 127), ‘para ele (Gonçalves Dias) a ópera
assinalava um momento privilegiado de união entre as belas-artes, uma síntese e
um resumo de suas manifestações, cuja separação do drama não deveria ter
ocorrido’.
Ainda sobre Gonçalves Dias, Giron acrescenta afirmando que ‘sua
contribuição à sutileza da observação tanto no âmbito da ópera e do drama como
no pulsar da vida na cidade só acrescenta valor ao seu portentoso perfil poético e
intelectual.’ (2004, p. 139). De fato, como um poeta do período romântico, logo,
um observador da vida comum e da realidade em que vive, além de um apreciador
e conhecedor da ópera e do drama, aliado à sua grande capacidade de expressar-
se através da linguagem escrita, é possível compreender a grande força
dramática, teatral e musical do poema I Juca Pirama.
No prólogo de Últimos Cantos, onde encontra-se o poema I Juca
Pirama, Gonçalves Dias escreveu (apud GIRON, 2004, p. 406):
Eis os meus últimos cantos, o meu último volume de poesias
soltas, os últimos arpejos de uma lira cujas cordas foram
estalando, muitas aos balanços ásperos da desventura, e outra,
talvez a maior parte, com as dores de um espírito enfermo –
fictícias, mas nem por isso menos agudas – produzidas pela
imaginação, como se a realidade já não fosse por si bastante
penosa, ou que o espírito, afeito a certa dose de sofrimento, se
sobressaltasse de sentir menos pesada a costumada carga.
É possível observar que Gonçalves Dias faz referência à execução de
um determinado instrumento musical, no caso a lira, como ilustração do momento
56
em que vivia quando completou a obra. Esta forma de manifestar emoções e
sensações através da alusão à música caracterizou a sua produção enquanto
crítico. De acordo com Giron (2004, p. 341), ‘a ópera só encontra sua finalidade ao
arrebatar a audiência. (...) Todo o trabalho analítico do poeta se dirigiu a extrair
dados sensíveis das obras de outros autores e músicos, e quase nunca examiná-
las na estrutura profunda, no que concerne à ópera.’
É possível encontrar na produção do poeta enquanto crítico de teatro e
música algumas informações sobre a sua forma de apreciação musical. Contudo,
a sua produção enquanto crítico poderia ser uma grande referência sobre o seu
real conhecimento musical se não fosse esta função, por ele mesmo,
negligenciada. De acordo com Giron (2004, p. 167), ‘Numa flagrante injustiça para
com o seu próprio trabalho, ou por mera conveniência, Gonçalves Dias fez
questão de se esquecer em vida dos seus anos cintilantes como crítico de
folhetim. A posteridade seguiu-o em peso.’
4.4 Gonçalves Dias, o poeta
Gosto de afastar os olhos de sobre a arena política para ler em
minha alma, reduzido à linguagem harmoniosa e cadente o
pensamento que me vem de improviso, e as idéias que em mim
desperta a vista de uma paisagem ou do oceano – o aspecto enfim
da natureza. Casar o pensamento com o sentimento, a idéia com a
imaginação, fundir tudo isto como sentimento da religião e a
divindade, eis a Poesia – grande e santa – a poesia como eu a
compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder
traduzir. (GONÇALVES DIAS, 1959, p.101).
Antônio Gonçalves Dias era filho de João Manuel Gonçalves Dias,
comerciante português, e de Vicência Ferreira, uma mestiça brasileira. Perseguido
pelas exaltações nativistas, o pai refugiou-se com a companheira perto de Caxias,
onde nasceu Gonçalves Dias, em 10 de agosto de 1823. Casado em 1825 com
57
outra mulher, o pai levou-o consigo, deu-lhe instrução matriculando-o nos cursos
de latim, francês e filosofia
19
. Em 1838, Gonçalves Dias embarca para Portugal
para prosseguir os estudos quando recebe a notícia do falecimento do pai. Com a
ajuda da madrasta, Gonçalves Dias matricula-se no curso de Direito, em Coimbra.
A situação financeira da família torna-se instável e a madrasta pede-lhe que
retorne ao Brasil, mas, graças ao auxílio dos colegas, o poeta permanece em
Portugal, formando-se em 1845. No período em que viveu em Coimbra, Gonçalves
Dias se associou ao grupo de poetas denominado medievalistas, e em 1843, o
poeta escreve a Canção do exílio, uma das mais conhecidas poesias da língua
portuguesa.
Gonçalves Dias retorna ao Brasil em 1845. Em meados de 1846,
transfere-se para o Rio de Janeiro, onde morou até 1854. Em 1846, compôs o
drama Leonor de Mendonça, que o Conservatório do Rio de Janeiro impediu a
exibição a pretexto de ser o texto incorreto na linguagem. Em 1847, foram
publicados os Primeiros Cantos, e no ano seguinte os Segundos Cantos.
Conforme registram os historiadores, o poeta escreveu as Sextilhas de frei Antão,
um poema escrito em português misto de todas as épocas. Acredita-se que esse
poema foi criado para demonstrar aos seus opositores o grande conhecimento
que possuía da língua portuguesa. Em 1849, foi nomeado professor de Latim e
História do Colégio Pedro II e fundou a revista Guanabara. Em 51, publicou os
Últimos Cantos, encerrando a fase mais importante de sua poesia. Ainda em
1851, Gonçalves Dias parte para o Norte em missão de ordem oficial e também de
ordem pessoal: tornar-se noivo de Ana Amélia Ferreira do Vale, de 14 anos, o
grande amor de sua vida. O noivado é negado pela mãe que não aceita a origem
bastarda e mestiça do poeta. Frustrado, Gonçalves Dias casa-se no Rio de
Janeiro, em 1852, com Olímpia Carolina da Costa. Foi um casamento de
conveniência que lhe trouxe grandes transtornos devido ao gênio da esposa,
separando-se finalmente em 1856. Tiveram uma filha, falecida na primeira
infância.
19
http://www.biblio.com.br/conteudo/GoncalvesDias/GoncalvesDias.htm
58
Nomeado para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros, permaneceu
na Europa de 1854 a 1858, em missão oficial de estudos e pesquisa. Em 56,
viajou para a Alemanha e, na passagem por Leipzig, em 57, editou os primeiros
quatro cantos de Os Timbiras, compostos dez anos antes, e o Dicionário da língua
Tupi. Voltou ao Brasil em 1861 e, em 1862, viajou ao Norte do Brasil passando
pelos rios Madeira e Negro como membro da Comissão Científica de Exploração.
Voltou ao Rio de Janeiro em 1862, seguindo logo para a Europa para tratamento
de saúde, já bastante abalada. Em 1863, concluiu a tradução de A noiva de
Messina, de Schiller. Em 10 de setembro de 1864, embarcou para o Brasil no
navio Ville de Boulogne, que naufragou na costa do Maranhão, sendo o poeta a
única vítima do desastre.
59
5 - CAPÍTULO IV
Estrutura básica do sistema composicional
O capítulo IV apresenta o sistema composicional criado a partir da
adequação dos elementos poéticos do poema I Juca Pirama às estruturas rítmicas
de Gramani e aos elementos harmônicos modais sistematizados por Ron Miller.
Após uma análise crítica quanto ao processo composicional de cada movimento
da composição, ficou evidente que havia um procedimento composicional comum
a todos os movimentos. Apesar da grande variação de parâmetros gerados a
partir da adequação dos elementos poéticos, rítmicos e harmônicos, a
generalidade do sistema manteve-se inalterada possibilitando desta forma a
identificação de um processo composicional unificador.
Sobre o sistema composicional, identificou-se que a sua estrutura
básica é gerada a partir do poema. Através da identificação da métrica poética e
da trama central de cada parte do poema, é possível definir o aspecto rítmico e
harmônico da composição. O aspecto rítmico refere-se à adequação da métrica
poética às estruturas rítmicas de Gramani, e o aspecto harmônico refere-se à
adequação da trama central de cada parte do poema às qualidades emocionais
dos modos.
As estruturas rítmicas geradas são responsáveis por definir a fórmula
de compasso, número de compassos, número de acordes, ritmo harmônico, linha
rítmica melódica e linha rítmica do baixo.
61
Fig 24 – Estruturas rítmicas a partir da métrica poética
A qualidade emocional dos modos identificada a partir da trama de cada
Cantos do poema é responsável pela definição do centro modal dos Cantos,
macroestrutura harmônica, acordes pilares e condutores, contorno harmônico e
contorno melódico.
Fig 25 – Qualidade emocional dos modos a partir da trama do poema
62
5.1 Métrica poética
Ao analisar um poema, é possível isolar diversos aspectos na sua
construção que determinam que o texto que está sendo analisado não se trata de
um texto comum, e sim um texto literário. Nos textos comuns, geralmente o autor
seleciona e combina as palavras de acordo com a sua significação, enquanto que
nos textos literários a seleção e combinação das palavras se fazem não apenas
pela significação, mas também por outros critérios, um dos quais, o sonoro.
De acordo com Norma Goldstein (2004), existem vários aspectos de
caráter sonoro na construção de um poema que podem ser isolados e analisados.
Trata-se da leitura e interpretação do poema através dos recursos fônicos
perceptíveis no texto como metrificação, figuras, rimas, versos, estrofes. Para uma
interpretação mais abrangente de um poema, os aspectos de caráter sonoro
devem ser relacionados aos demais aspectos estruturais do texto. Contudo,
apesar de todos os recursos conhecidos e utilizados para a interpretação de um
poema, não é possível conceber uma interpretação final que compreenda todas as
interpretações possíveis.
Dentre os aspectos sonoros presentes em um poema, a metrificação é
o que confere ritmo e musicalidade ao texto, identificado através da marcação das
sílabas fortes e fracas. A alternância das sílabas fortes e fracas, juntamente com
outros efeitos sonoros, compõe a cadência rítmica do poema, construída a partir
de uma determinada unidade rítmica.
As regras de metrificação para um texto literário apresentam normas de
construção que se aplicam durante a construção do verso. Cada verso ocupa uma
linha e é marcada por um ritmo específico. Para a verificação da métrica do
poema é necessário escandir o primeiro verso, ou seja, dividir o verso em sílabas
poéticas, que não corresponde necessariamente às sílabas gramaticais. O
procedimento para a escansão é a leitura em voz alta do verso observando a
alternância de sílabas fortes e fracas, podendo o leitor-ouvinte juntar ou separar
63
sílabas quando houver encontro de vogais. Contudo, devemos esclarecer que a
metrificação de um verso pode sofrer alterações quando o ritmo declamatório do
texto for modificado pelo leitor que o interpreta.
Para efeito métrico, a contagem das sílabas poéticas deve parar na
última sílaba tônica, independente da quantidade de sílabas fracas posteriores.
Para o primeiro verso da primeira estrofe do poema I Juca Pirama, as sílabas
tônicas ou fortes serão grifadas em letra maiúscula.
No- MEI- o- das- TA- bas- de a- ME- nos- ver- DO (res)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
O primeiro verso do Cantos I do poema é construído com onze sílabas
poéticas, denominado endecassílabo, sendo as sílabas de número 2, 5, 8 e 11
identificadas como sílabas tônicas. O esquema rítmico (métrico) desse verso pode
então ser resumido da seguinte forma: E.R. 11(2-5-8-11).
Proença (1955, p. 23) denominou células métricas o número de sílabas
poéticas existentes entre as sílabas tônicas. A contar desde a primeira sílaba tônica
do verso, sílaba no.2, até a última sílaba átona que antecede a próxima sílaba
tônica, sílaba no.4, contabiliza-se um total de três sílabas poéticas, sendo a
segunda sílaba forte o início da contabilização da próxima célula métrica. No verso
acima, a representação numérica para as células métricas é C.M.(3, 3, 3). Os
outros versos da estrofe também devem ser analisados da mesma forma.
Cer-CA -das- de- TRON-cos- co-BER -tos- de- FLO (res)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Al-TEI-am-se os- TE-tos- d’al-TI-va- na-ÇÃO;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
64
São- MUI-tos- seus- FI-lhos- nos- Â-ni-mos- FOR (tes)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Te--veis- na- GUE-rra- que em- DEN-sas- co- ORTES
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A-SSOM-bram- das- MA-tas- a i-MEN-sa ex-ten-SÃO.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Todos os versos que compõem a primeira estrofe do Cantos I foram
construídos a partir do mesmo esquema rítmico: 11(2-5-8-11), assim como todas
as outras estrofes que compõem o Cantos I do poema.
A identificação do esquema rítmico e da representação numérica para
as células métricas de cada estrofe auxiliará na definição da fórmula (ou fórmulas)
de compasso e definição da estrutura polirrítmica a ser utilizada para a construção
do tema melódico de cada Canto, tornando-se desta forma uma amarra da
estrutura rítmica do poema.
5.2 Estruturas rítmicas
As categorias dos estudos polimétricos
20
e os seus desdobramentos
presentes nos volumes Rítmica e Rítmica Viva de José Eduardo Gramani foram
elaboradas segundo um rigor formal e uma lógica de desenvolvimento, sem, no
entanto, constituírem fórmulas prontas. No trabalho de análise dos dois volumes,
Indioney Rodrigues compilou de forma sucinta as principais categorias dos
estudos polimétricos desenvolvidos por Gramani. Os estudos foram organizados
20
O termo polimétrico é utilizado por Indioney Rodrigues (RODRIGUES, Indioney Carneiro. O
gesto pensante: a proposta de educação rítmica de José Eduardo Gramani. 2001. 366 f.
Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2001) para
indicar as espécies de elaboração aritmética utilizadas por Gramani para confecção dos seus
estudos rítmicos.
65
em cinco grupos principais, definidos a partir de um processo composicional
análogo. São eles:
Séries;
Estruturas de pulsações;
Oposições métricas I - contendo somente uma espécie de compasso
em cada voz;
Oposições métricas II - contendo compassos alternados;
Oposições métricas III - contendo compassos mistos.
Durante todo o processo composicional, foram utilizados dois dos cinco
grupos citados acima: Séries e Oposições Métricas I
5.2.1 Séries
Rodrigues (2001, p. 92) define as Séries como estudos que exploram
proporções rítmicas, “[...] obtida através de adições progressivas, sempre restritas
aos valores que compõem uma ‘célula rítmica geradora’.” O exemplos abaixo
ilustram a célula rítmica [2.1]
21
(colcheia-semicolcheia) como princípio gerador de
duas séries diferentes, que se desenvolvem por meio de adições:
Fig. 26 - [2.1]+[2.1.1]+[2.1.1.1]+[2.1.1.1.1]+[2.1.1.1.1.1] etc.
21
[2.1]: Números separados por ponto(s) entre colchetes simples indicam os valores que compõem
uma célula rítmica. No caso, se o valor unitário é representado pela semicolcheia, [2.1] representa
a célula rítmica formada por uma colcheia e uma semicolcheia.
66
Fig. 27 - [2.1]+[2.2.1]+[2.2.2.1]+[2.2.2.2.1]+[2.2.2.2.2.1] etc.
As Séries foram dividias por Rodrigues (2001, passim) em seis
subcategorias
22
. São elas:
Séries básicas;
Séries mescladas;
Séries com pausas (aumentação);
Derivações rítmicas I (leituras);
Derivações rítmicas II (leituras com pausas – rarefação);
Derivações rítmicas III (células em ostinato).
Foram utilizadas durante o processo de composição três das seis
subcategorias: Séries básicas, Séries mescladas e Derivações rítmicas I (leituras).
5.2.1.1 Séries básicas
De acordo com Rodrigues (2001, p.93) as Séries básicas “são
normalmente formadas por três frases
23
, cada uma delas contendo quatro
células”. Vejamos o exemplo a seguir:
22
Todos os termos utilizados para classificar as subcategorias e os seus desdobramentos foram
adotados por Rodrigues na dissertação O Gesto Pensante: a proposta de educação rítmica de
José Eduardo Gramani. 2001. 366 f.
23
De acordo com Arnold Schoenberg (1967, p. 3), “a menor estrutura musical é denominada de
Frase. A frase é um tipo de molécula musical que, estruturalmente, pode ser cantada com uma
simples respiração, semelhante à estrutura de uma sentença, pontuada com uma virgula. A frase,
por mais simples que seja, envolve na sua composição o uso de motivos. Os motivos são
intervalos e ritmos combinados para a criação da idéia musical primária, inerente à harmonia, que
se desenvolvem a partir da repetição e variação dos seus elementos. O motivo aparece durante
todo o desenvolvimento da peça”. Para Rodrigues (p. 93), o termo frase, dentro do contexto em
que está inserido, refere-se ao desenvolvimento da Série básica a partir de uma célula rítmica
67
Fig. 28 – Série [2.1]
Na primeira frase, mantém-se o valor [2]
24
e adicionam-se valores [1] de
forma progressiva, em cada célula rítmica:
1o)
Fig. 29 – 1ª frase : [2.1]+[2.1.1]+[2.1.1.1]+[2.1.1.1.1]
Na segunda frase, adiciona-se um valor [2] às células rítmicas da
primeira frase:
2o)
Fig. 30 – 2ª frase: [2.2.1]+[2.2.1.1]+[2.2.1.1.1]+[2.2.1.1.1.1]
geradora, idéia musical primária que dá origem à série. Apesar de Rodrigues não citar o termo
motivo, podemos compreendê-lo como sendo a célula rítmica geradora, apesar de não se adequar
completamente à definição de motivo dada por Schoenberg por não combinar intervalos e nem
estar inerente à harmonia.
24
[2]: Um número inteiro entre colchetes simples indica o valor de uma unidade de tempo. No caso,
se o valor unitário é representado pela semicolcheia, [2] representa, proporcionalmente, a colcheia,
[3] representa a colcheia pontuada.
68
Na terceira frase, adiciona-se um valor [2] às células rítmicas da
segunda frase:
3o)
Fig. 31 - 3º frase: [2.2.2.1]+[2.2.2.1.1]+[2.2.2.1.1.1]+[2.2.2.1.1.1.1]
As subcategorias também foram subdivididas por Rodrigues (2001,
passim) em grupos denominados “polimetrias”. As polimetrias que compõem a
subcategoria Séries básicas são:
Série rítmica, oposta a uma unidade de tempo polimétrica
25
em
ostinato;
Série rítmica, oposta a uma célula rítmica polimétrica em ostinato;
Série rítmica, oposta a duas ou mais células rítmicas polimétricas em
ostinato (base mista) com pausas (aumentação);
Série rítmica, oposta a um ostinato rítmico em compasso polimétrico.
Durante a composição, foi utilizado o primeiro grupo citado acima: Série
rítmica, oposta a uma unidade de tempo polimétrica em ostinato. Um exemplo
dessa classe de estudos é a série [2.1][2]
26
, no qual, a série rítmica que explora
a proporção 2 para 1, opõe-se um ostinato da unidade de tempo de valor
proporcional [2]:
25
De acordo com Rodrigues (2001, p. 96), “a unidade de tempo é polimétrica na medida em que
ela não se relaciona diretamente com os padrões de articulação da outra voz, isto é, a unidade de
tempo lhe é proporcional, mas metricamente independente”.
26
Lê-se: série [2.1] sobre [2].
69
Fig. 32 – Série [2.1][2]
Estas estruturas foram aplicadas nos Cantos I e VIII e podem ser
encontradas nos livros Rítmica e Rítmica Viva nas seguintes páginas:
• Rítmica, pág. 19, exercício no. 2
• Rítmica, pág. 19, exercício no. 3
• Rítmica, pág. 20, exercício no. 1
• Rítmica, pág. 20, exercício no. 2
• Rítmica, pág. 21, exercício no. 1
• Rítmica Viva, pág. 28, exercício no. 1
• Rítmica Viva, pág. 28, exercício no. 2
• Rítmica Viva, pág. 29, exercício no. 3
5.2.1.2 Séries mescladas
Assim como no caso das séries básicas, o termo séries mescladas foi
aplicado exclusivamente no trabalho de Rodrigues, não havendo nenhuma
menção destes termos nos dois volumes escritos por Gramani. De fato, os termos
surgiram da necessidade de classificar os diferentes modos de construção das
Séries.
70
A subcategoria Séries mescladas compreende a aplicação de duas
séries rítmicas, uma original e outra em retrógrado, na estrutura da frase. A
retrogradação da série rítmica pode ocorrer de maneira parcial ou total.
A retrogradação é parcial quando a célula geradora da série mantém-se
inalterada ao final do desenvolvimento da série, a exemplo da série a seguir que
mantém a célula geradora [2.1]:
1ª. Frase: [2.2.2.1.1.1.1]+[2.2.2.1.1.1]+[2.2.2.1.1]+[2.2.2.1]
2ª. Frase: [2.2.1.1.1.1]+[2.2.1.1.1]+[2.2.1.1]+[2.2.1]
3ª. Frase: [2.1.1.1.1]+[2.1.1.1]+[2.1.1]+[2.1]
         
       
Fig. 33 – série [2.1] em sentido retrógrado parcial
A retrogradação é total quando todos os valores, sem exceção, são
retrógrados, inclusive a célula geradora. No exemplo a seguir, a célula geradora
[2.1] aparece invertida ao final do desenvolvimento da série:
1ª. Frase: [1.1.1.1.2.2.2]+[1.1.1.2.2.2]+[1.1.2.2.2]+[1.2.2.2]
2ª. Frase: [1.1.1.1.2.2]+[1.1.1.2.2]+[1.1.2.2]+[1.2.2]
3ª. Frase: [1.1.1.1.2]+[1.1.1.2]+[1.1.2]+[1.2]
71
       
        
Fig. 34 – série [2.1] em sentido retrógrado total
Entende-se como Série mesclada a presença de uma série rítmica
original e uma série rítmica parcialmente ou totalmente retrógrada na estrutura de
uma frase. O desenvolvimento da série ocorre gradativamente pelas três frases do
modo polimétrico. Tomemos como exemplo a mescla da série rítmica [3.1]
(original) e [4.2] (parcialmente retrógrada) na estrutura da primeira frase:
1ª. Frase:
[3.1]+[4.4.4.2.2.2.2]+[3.1.1]+[4.4.4.2.2.2]+[3.1.1.1]+[4.4.4.2.2]+...
[3.1]
[4.4.4.2.2.2.2]
[3.1.1]
[4.4.4.2.2.2]

[3.1.1.1]
[4.4.4.2.2]

[3.1.1.1.1]
[4.4.4.2]

Fig. 35 – 1ª. Frase da série mesclada [3.1] (original) e [4.2] (retrógrado parcial)
Há várias formas de realizar uma mescla de séries. A utilização do
recurso de movimento retrógrado é apenas uma delas.
As subcategorias também foram subdivididas por Rodrigues (2001,
passim). A única polimetria que compõem a subcategoria séries mescladas é:
72
• séries rítmicas mescladas, opostas a uma unidade de tempo
polimétrica em ostinato.
Trata-se de uma série mesclada oposta a um ostinato. Tomemos como
exemplo um trecho da série mesclada [3.1] (original) e [4.2] (parcialmente
retrógrada)[3]
27
:
Fig. 36 – [3.1]+[4.4.4.2.2.2.2]+[3.1.1]+[4.4.4.2.2.2][3]
Outros estudos podem ser criados mesclando-se mais séries, utilizando
outras unidades de tempo como elemento polimétrico, ou ainda fazendo uso de
estratégias diversificadas de composição.
Estas estruturas foram aplicadas nos Cantos II, IV e X e podem ser
encontradas nos livros Rítmica e Rítmica Viva nas seguintes páginas:
• Rítmica, pág. 23
• Rítmica, pág. 24, exercício no. 1
• Rítmica, pág. 25, exercício no. 2
5.2.1.3 Derivações rítmicas I (leituras)
A subcategoria derivações rítmicas I (leituras) abrange diversas formas
de variação da estrutura e dos valores internos da série básica. Veja-se o caso da
variação de uma série rítmica cujos valores internos são [3] e [1]:
27
Lê-se: série [3.1] original e [4.2] parcialmente retrógrada sobre [3].
73
Fig. 37 – série básica com valores internos [3] e [1]
A série básica ilustrada acima, denominada Série Geradora, será
alterada a partir de simples procedimentos de variação. Para isso, devemos isolar
cada célula que compõe a série.
1ª. célula: [3.1.1.1.1.1] 4ª. célula: [3.3.3.3.1.1]
2ª. célula: [3.3.1.1.1.1] 5ª. célula: [3.3.3.3.3.1]
3ª. célula: [3.3.3.1.1.1]
As variações podem ser tanto no âmbito da estrutura da série como nos
valores internos que compõem as células. A variação da estrutura da série ocorre
a partir da reordenação e alteração no número de células, de forma aleatória,
gerando uma nova estrutura serial:
célula 1 = 2ª. célula [3.3.1.1.1.1] célula 5 = 4ª. célula [3.3.3.3.1.1]
célula 2 = 5ª. célula [3.3.3.3.3.1] célula 6 = 1ª. célula [3.1.1.1.1.1]
célula 3 = 1ª. célula [3.1.1.1.1.1] célula 7 = 3ª. célula [3.3.3.1.1.1]
célula 4 = 3ª. célula [3.3.3.1.1.1] célula 8 = 2ª. célula [3.3.1.1.1.1]
Fig. 38 – nova série a partir da reordenação e alteração no número de células
74
A nova série, gerada a partir da variação estrutural da série geradora,
será agora alterada no âmbito dos valores internos das células. As figuras de valor
[1] e de valor [3] serão reordenadas aleatoriamente dentro das células. Logo, a
estrutura serial será:
célula 1 [3.3.1.1.1.1] célula 1.1 [1.1.3.3.1.1]
célula 2 [3.3.3.3.3.1] célula 2.1 [3.3.1.3.3.3]
célula 3 [3.1.1.1.1.1] célula 3.1 [1.1.1.3.1.1]
célula 4 [3.3.3.1.1.1] célula 4.1 [3.3.1.3.1.1]
célula 5 [3.3.3.3.1.1] célula 5.1 [3.3.1.3.1.3]
célula 6 [3.1.1.1.1.1] célula 6.1 [1.3.1.1.1.1]
célula 7 [3.3.3.1.1.1] célula 7.1 [3.1.1 3.3.1]
célula 8 [3.3.1.1.1.1] célula 8.1 [3.1.1.1.1.3]
Fig. 39 – reordenação aleatória dos valores internos das células
A série gerada a partir da reordenação dos valores internos será
alterada através da retrogradação de toda a sua estrutura serial e dos seus
valores internos. Logo, a série final resultante será:
célula 8.1 [3.1.1.1.1.3] célula 1.2 [3.1.1.1.1.3]
célula 7.1 [3.1.1.3.3.1] célula 2.2 [1.3.3.1.1.3]
célula 6.1 [1.3.1.1.1.1] célula 3.2 [1.1.1.1.3.1]
célula 5.1 [3.3.1.3.1.3] célula 4.2 [3.1.3.1.3.3]
célula 4.1 [3.3.1.3.1.1] célula 5.2 [1.1.3.1.3.3]
75
célula 3.1 [1.1.1.3.1.1] célula 6.2 [1.1.3.1.1.1]
célula 2.1 [3.3.1.3.3.3] célula 7.2 [3.3.3.1.3.3]
célula 1.1 [1.1.3.3.1.1] célula 8.2 [1.1.3.3.1.1]
Fig. 40 – retrogradação total da série
A reorganização da ordem das células, a redistribuição dos valores
internos e a retrogradação total da série são alguns exemplos de variações, ou
derivações, que Gramani aplica sobre a estrutura serial. Ainda é possível criar
variações de acentuação sobre a estrutura:
Fig. 41 – variações de acento sobre a estrutura serial
Várias estruturas seriais podem ser criadas com diferentes processos de
variação. De fato, as derivações rítmicas I nos apresentam a possibilidade de
desenvolvimento composicional a partir de uma série básica, em que, a rigidez na
composição da estrutura da série é amenizada através de técnicas básicas de
composição como movimento retrógrado, espelho e outras.
76
A subcategoria Derivações Rítmicas I (leitura) também foi subdividida
por Rodrigues (2001, passim). As polimetrias que compõem a subcategoria são:
Série com derivações rítmicas, oposta a uma unidade de tempo
polimétrica em ostinato;
Série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em
compasso polimétrico.
A polimetria utilizada durante o processo composicional foi a segunda:
série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em compasso
polimétrico. Trata-se de uma derivação rítmica oposta a um compasso que possua
na sua estrutura figuras com valores desiguais, mas que se repetem em forma de
ostinato. Estas estruturas foram aplicadas nos Cantos III, V, VI e IX e podem ser
encontradas nos livros Rítmica e Rítmica Viva nas seguintes páginas:
• Rítmica, pág. 27
• Rítmica Viva, pág. 35, exercício no. 1
• Rítmica Viva, pág. 36, exercício no. 2
5.2.2 Oposições métricas I – contendo somente uma espécie de
compasso em cada voz
O modo polimétrico “Oposições métricas I - contendo somente uma
espécie de compasso em cada voz” foi definido por Rodrigues (2001, p.133) como
“(...) estudos que abordam oposições métricas específicas sempre envolvendo um
único padrão métrico em cada voz, como por exemplo, a oposição entre um
compasso ternário e um compasso binário, ou entre um compasso quaternário e
um compasso ternário. (...) Ou entre compassos metricamente equivalentes, mas
com diferentes padrões de articulação interna.”
77
2/4
3/4
2/4
3/4
2/4
Fig. 42 – oposição entre compasso ternário e compasso binário
3/4
4/4
3/4
4/4
3/4
4/4
3/4
Fig. 43 – oposição entre compasso quaternário e compasso ternário
12/16
3/4
12/16
3/4
Fig. 44 – oposição entre metricamente equivalente, mas com diferentes padrões de
articulação interna
O modo polimétrico Oposições Métricas I está dividido em cinco
subcategorias. São elas:
78
Estruturação métrica;
Derivações rítmicas I (ostinatos)
Derivações rítmicas II (combinatórias)
Derivações rítmicas III (quadraturas)
Derivações rítmicas IV (leituras)
Foi utilizada uma das cinco subcategorias acima: Derivações Rítmicas II
(combinatórias) para adequação dos valores das células métricas encontrados nos
versos.
A subcategoria Derivações Rítmicas II (combinatórias) é caracterizada
por apresentar várias combinações de células rítmicas para a
construção da estrutura polirrítmica. As células rítmicas possuem o
mesmo valor, mas apresentam articulações internas diferentes:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
i)
j)
Fig. 45 – células rítmicas em 5/16 com articulações internas diferentes
As células rítmicas podem ser combinadas da seguinte forma:
a+a a+b a+c a+d a+e a+f a+g a+h a+i a+j
As células rítmicas podem ser combinadas de várias outras maneiras,
resultando em uma grande variedade de diferentes estruturas rítmicas.
A subcategoria Derivações Rítmicas II (combinatórias) também está
subdividida em dois grupos, denominados polimetrias. São eles:
79
Derivações rítmicas combinatórias, opostas a uma unidade de tempo
polimétrica em ostinato;
Derivações rítmicas em combinatórias, opostas a um ostinato rítmico
em compasso polimétrico.
O último grupo que compõe a subdivisão da subcategoria Derivações
Rítmicas II (combinatórias), definido como ‘Derivações rítmicas em combinatórias
opostas a um ostinato rítmico em compasso polimétrico’ foi a única polimetria
utilizada. Trata-se de combinatórias rítmicas baseadas na estrutura de pulsações
do compasso para uma voz, opostas às unidades de tempo de outro compasso
em ostinato:
12/16
4/4
12/16
4/4
12/16
4/4
12/16
Fig. 46 – derivações rítmicas combinadas em 4/4, opostas às unidades de tempo de
um compasso 12/16 em ostinato
Estas estruturas foram aplicadas no Cantos VII e podem ser
encontradas nos livros Rítmica e Rítmica Viva nas seguintes páginas:
• Rítmica Viva, pág. 57, exercícios nos. 1 a 10
• Rítmica Viva, pág. 70, exercícios nos. 11 a 20
• Rítmica Viva, pág. 77, exercícios nos. 1 a 10
• Rítmica, pág. 95, exercícios nos. 1 a 9
• Rítmica, pág. 101, exercício nos. 1 a 12
80
5.3 Trama central e a Qualidade emocional dos modos
A qualidade emocional dos modos, ou emotional generalization, termo
usado por Miller (1996, p. 29), refere-se à sonoridade gerada a partir de cada
modo, capazes de induzir a sensações e emoções que podem ser percebidas e
descritas. Miller (1996, p. 29) assume a qualidade dos modos como uma
generalização resultante da familiarização do ouvinte com diferentes tipos de
musica, cultura e experiências vividas. De acordo com Miller (p. 29), a qualidade
dos modos são:
1- Lídio: agressivo, urbano, frenético, ‘busy’
2- Jônio: estável, esperançoso, pacificador, otimista
3- Mixolídio: suspenso, ‘a procura de’, transitório, flutuante
4- Dórico: incerto, pensativo, reflexivo
5- Eólio: melancólico, triste, sombrio, escuro
6- Frígio misterioso, exótico, psicodélico
7- Lócrio: tenso, feio, raiva, cruel
Estabeleceu-se que seria definido um centro modal para cada
movimento da suíte, cujo propósito é a caracterização da trama central de cada
Cantos. Em alguns Cantos, foram estabelecidos mais de um modo como centro
modal. A partir da compreensão e definição da sonoridade de cada modo através
da experimentação composicional e auditiva somada a referências bibliográficas,
definimos os seguintes centros modais:
Cantos 1
Apresentação da tribo dos Timbiras e a festa de preparação do ritual de sacrifício
81
Centro modal: Lídio (#5)
Cantos 2
Descrição do ritual e a aflição do guerreiro tupi capturado
Centro modal: Eólio
Cantos 3
Apresentação do guerreiro tupi I Juca Pirama
Centros modais: Dórico, Eólio, Frígio
Cantos 4
O guerreiro entoa o seu canto de morte e chora em referência ao pai
Centro modal: Mixolídio (b6)
Cantos 5
O seu choro é interpretado como um ato de covardia. O guerreiro é libertado
Centro modal: Dórico
Cantos 6
O pai descobre o que acontecera e decide que devem retornar aos timbiras
Centro modal: Lídio
Cantos 7
Sob alegação de covardia, o chefe dos timbiras não permite o ritual de morte
Centro modal: Eólio
Cantos 8
O pai envergonhado maldiz o suposto filho covarde
Centro modal: Dórico (#4)
82
Cantos 9
Em defesa da honra o guerreiro tupi lança o grito de guerra e luta bravamente
Centro modal: Lídio (#5)
Cantos 10
O chefe dos timbiras ordena o fim da batalha. A honra do guerreiro é recuperada
Centro modal: Jônio
Os outros parâmetros como fórmula de compasso, número de
compassos, número de acordes, ritmo harmônico, linha rítmica da melodia, linha
rítmica do baixo, macro-estrutura harmônica, acordes pilares e acordes
condutores, contorno melódico e contorno harmônico, gerados a partir da
adequação da métrica poética e trama central às estruturas rítmicas e ao sistema
harmônico modal serão explicados em detalhes no próximo capítulo. Estes
parâmetros variam de acordo com as particularidades referentes às adequações
citadas acima.
Segue abaixo a ilustração da estrutura básica do sistema composicional
desenvolvido neste projeto. A antecipação na apresentação desta estrutura tem o
intuito de facilitar a compreensão dos processos que serão descritos em detalhes
no capítulo a seguir. Entendemos que a compreensão antecipada do sistema
permitirá a observação tanto do sistema quanto do processo de forma lúcida e
adequada. As variações em função das adequações poderão ser notadas de
formas distintas quando observadas a partir do plano do sistema e do processo. A
visualização organizada de todos os procedimentos composicionais a partir de
diferentes planos permite distinguir a diferença do que é Sistema, Processo e
Parâmetro composicional, adotados neste projeto.
83
Fig 47 – Estrutura básica do Sistema Composicional
84
6 - CAPÍTULO V
Suíte I Juca Pirama
O capítulo V apresenta o processo composicional de cada Cantos do
poema. Os procedimentos de criação apresentam as relações existentes entre a
métrica dos versos e as estruturas rítmicas de Gramani, a trama central de cada
Cantos e a definição do centro modal a partir da qualidade emocional dos modos,
o processo de aplicação das polirritmias para definição do número de compassos,
número de acordes e ritmo harmônico, e o processo de desenvolvimento
harmônico e melódico modal a partir dos parâmetros definidos pelas estruturas
rítmicas, e por fim, o desenvolvimento do tema a partir do esboço da composição.
85
6.1 Cantos I
A composição do tema inicia-se a partir da definição do centro modal do
Cantos. Elabora-se a seguir a macro-estrutura harmônica com acordes
referenciais que caracterizam o centro modal, denominados acordes pilares. Estes
acordes conduzirão o desenvolvimento da progressão harmônica juntamente com
as estruturas rítmicas que irão definir o ritmo harmônico e o número de acordes da
progressão. A definição das estruturas e da fórmula de compasso será baseada
na metrificação do poema. Os acordes que irão complementar a macro-estrutura
harmônica conduzindo a progressão entre os acordes pilares serão denominados
acordes condutores. Os acordes pilares e condutores serão as referências para a
estruturação do contorno melódico, construído a partir de notas comuns a grupos
de dois acordes subseqüentes na progressão, denominada pontos melódicos. O
número de compassos será definido a partir da adequação da Série básica sobre
os pulsos em ostinato e a melodia será desenvolvida a partir da variação da Série
com o seu contorno estruturado pelos pontos melódicos. Com o esboço da
composição concluído, desenvolve-se o tema.
6.1.1 Centro modal
A trama central do Cantos I compreende a apresentação da tribo dos
Timbiras, a presença de um índio prisioneiro e a festa de preparação do ritual de
sacrifício. Definimos o modo Lídio(#5) como o centro modal para o primeiro
movimento da suíte devido a sua sonoridade brilhante, urgente e de muita
excitação, presente na trama central do Cantos I.
Não há grande distinção quanto ao seu caráter funcional ou modal
quando aplicado na harmonia do jazz. De fato, esse acorde tem sido usado como
substituto dos acordes de sétima maior e sétima maior com a quarta aumentada,
ou como a forma mais brilhante do modo Lídio em que normalmente omiti-se o
quarto grau aumentado da sua estrutura. Devido ao seu caráter indefinido, o
87
modo Lídio(#5) é classificado como Modal Mixed (Keller, 1998. p.38) ou híbrido, e
pode ser encontrado nas composições Yellow Fields do trompetista Eberhard
Weber, Teru do saxofonista Wayne Shorter, Natural Selection e Elm do pianista
Richard Beirach, Lost illusion do pianista Ron Miller, e Solstice do pianista Keith
Jarret.
6.1.2 Acordes pilares
Acordes pilares são acordes modais que compõem a macro-estrutura
harmônica
28
do movimento e caracterizam o centro modal do Cantos. Estes
acordes conduzirão o desenvolvimento da progressão harmônica juntamente com
as estruturas polirritmicas, que irão definir o ritmo harmônico e o número de
acordes da progressão.
Definimos dois acordes do modo Lídio(#5), Dó e Fá sustenido, nesta
ordem, como sendo os acordes pilares para a macro-estrutura harmônica do
Cantos I. O critério utilizado para a escolha desses acordes foi o intervalo de
quinta diminuta descendente a partir da fundamental do primeiro acorde.
C Lídio #5
F# Lídio #5
Trítono
Fig. 48 – Macro-estrutura harmônica do Cantos I
28
Definimos como macro-estrutura harmônica a definição do grupo de acordes que caracterizam o
centro modal do movimento, não abrangendo os outros acordes presentes na progressão.
88
6.1.3 Métrica poética
O primeiro verso do Cantos I do poema é construído com onze sílabas
poéticas, denominado endecassílabo, sendo as sílabas de número 2, 5, 8 e 11
identificadas como sílabas tônicas. O esquema rítmico (métrico) desse verso pode
então ser resumido da seguinte forma: E.R. 11(2-5-8-11).
No- MEI- o- das- TA- bas- de a- ME- nos- ver- DO (res)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
As células métricas, número de sílabas poéticas existentes entre as sílabas
tônicas, podem ser representadas por C.M.(3, 3, 3). Os outros versos da estrofe
também devem ser analisados da mesma forma.
Cer-CA -das- de- TRON-cos- co-BER -tos- de- FLO (res)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Al-TEI-am-se os- TE-tos- d’al-TI-va- na-ÇÃO;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
São- MUI-tos- seus- FI-lhos- nos- Â-ni-mos- FOR (tes)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Te--veis- na- GUE-rra- que em- DEN-sas- co- ORTES
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A-SSOM-bram- das- MA-tas- a i-MEN-sa ex-ten-SÃO.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
89
Todos os versos que compõem a primeira estrofe do Cantos I foram
construídos a partir do mesmo esquema rítmico: 11(2-5-8-11), assim como todas
as outras estrofes que compõem o Cantos I do poema.
A identificação do esquema rítmico e da representação numérica para as
células métricas de cada estrofe auxiliará na definição da fórmula (ou fórmulas) de
compasso e definição da estrutura polirrítmica a ser utilizada para a construção do
tema melódico do movimento.
6.1.4 Estrutura rítmica
A localização dos acordes pilares e a quantidade de acordes
condutores na progressão estão diretamente associados ao ritmo harmônico cuja
definição provém da adequação e aplicação de uma estrutura polirritmica
desenvolvida por Gramani. Uma vez definido a quantidade e localização dos
acordes, a estrutura rítmica terá cumprido o propósito da sua aplicação e será
descartada do contexto em que foi empregada.
Para definição do ritmo harmônico, optamos pela primeira frase da
Série [3.3.2][4], originada do primeiro grupo de polimetrias da subcategoria série
básica: Série rítmica oposta a uma unidade tempo polimétrica em ostinato. A
opção por essa Série está relacionada ao esquema rítmico e à representação
numérica da célula métrica encontradas durante a análise da métrica poética do
Cantos. De acordo com a interpretação do autor, a C.M. (3.3.3) sugere uma série
rítmica ternária, e o E.R. 11(2-5-8-11) sugere, em função da quantidade de sílabas
tônicas, uma unidade de tempo quaternária que irá se opor em forma de ostinato à
Série. O conceito de ternário e quaternário na estrutura rítmica serial está
relacionado ao princípio de proporcionalidade. Como explicado anteriormente, a
Série é obtida através de adições progressivas, sempre restritas aos valores que
compõem a célula rítmica geradora. O número [3.3.2][4] indica a proporção de 3
para 2 sobre 4, que em termos de notação musical será representada, nesse
caso, por uma colcheia pontuada (proporção 3), colcheia (proporção 2) e
90
semínima (proporção 4). A opção pela primeira frase da série resultou da
observação quanto à quantidade de pulsos que compõem o ostinato, nesse caso,
o número de semínimas opostas à primeira frase da série. O autor observou que o
número de semínimas em ostinato, total de 11, que compreende todo o
desenvolvimento da primeira frase da célula geradora [3.3.2] é exatamente igual
ao número de sílabas poéticas que compreende a estrofe, como podemos
observar na representação do esquema rítmico: E.R. 11(2-5-8-11).
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Fig. 49 – 1a. frase da série [3.3.2][4]
Os pontos de encontro dos pulsos das duas vozes da polimetria são as
referências para a definição exata do ritmo harmônico e o número de acordes da
progressão.
Fig. 10 – Série [3.3.2][4] com os pontos de encontro
A polimetria escolhida conta com sete pontos de encontro entre as
vozes, onde se localizarão os acordes pilares (AP) e os acordes condutores (AC).
Os acordes pilares serão distribuídos de forma mais ou menos simétrica sobre os
pontos, conduzindo o desenvolvimento da progressão harmônica através dos
acordes condutores. A macro-estrutura harmônica do Cantos I conta com dois
acordes pilares que ocuparão dois pontos da estrutura, restando cinco pontos para
os acordes condutores.
91
AP1
AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
Fig. 50 – Série [3.3.2][4] com localização dos acordes pilares (AP) e acordes
condutores (AC) sobre os pontos de encontro
Observamos que a Série rítmica aplicada na definição do ritmo
harmônico representa apenas a proporcionalidade na distribuição e localização
dos acordes na progressão.
A definição prévia do ritmo harmônico em relação à progressão
harmônica proporciona situações musicais inusitadas à harmonia e melodia.
Nesse caso, o evento rítmico funciona como mediador e definidor das resoluções
melódico-harmônicas no processo composicional. Após a aplicação da estrutura
polirrítmica para definição do ritmo harmônico, o processo composicional segue
com o desenvolvimento da progressão harmônica através dos acordes
condutores.
6.1.5 Progressão harmônica
6.1.5.1 Notas do baixo
A polimetria definida para o Cantos I resultou em sete pontos de
encontro onde foram posicionados os dois acordes pilares e os cincos acordes
condutores, estes ainda não definidos. Vejamos a seguir a distribuição destes
acordes sobre os pontos de encontro:
AP1
AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
Fig. 51 – Localização dos APs e ACs
92
Existem dois pontos de encontro entre o AP1 e o AP2, e mais três
pontos de encontro após o AP2, onde foram distribuídos os acordes condutores,
ACs.
Construímos então um padrão melódico simétrico para linha do baixo a
partir do baixo do AP1, em direção ao baixo do AP2. O baixo dos APs (Dó e Fá#)
estão separados por um intervalo de quinta diminuta, sentido descendente.
Completamos os dois pontos de encontro que estão entre eles com as notas Si
bemol e Lá bemol, criando uma seqüência de três intervalos de tons inteiros
descendentes.
AP1
AP2
Trítono
Fig. 52 – Seqüência de três intervalos de tons inteiros descendentes a partir do
baixo do AP1, em direção ao baixo do AP2.
Em seguida foram completados os outros três pontos de encontro
subseqüentes ao AP2 da seguinte forma:
- Os dois primeiros pontos foram completados com intervalos de tons
inteiros, sentido ascendente.
- Para o último ponto de encontro foi criado um movimento diatônico
tonal. A nota do baixo do AC5, último acorde da progressão, está localizado uma
quarta abaixo (inversão da quinta) da nota do baixo do AP1, primeiro acorde da
progressão, criando um movimento tonal V – I (dominante – tônica) entre as notas
do baixo.
93
AP1
AC1
AC2
AP2
AC3 AC4
AC5
Fig. 53 – Seqüência de dois intervalos de tons inteiros ascendentes a partir do
baixo do AP2, seguido do baixo do último ponto de encontro.
Após a definição das notas do baixo, o processo composicional da
progressão harmônica segue para a elaboração da modalidade dos acordes
condutores.
6.1.5.2 Estrutura superior
Optou-se pela tríade maior como estrutura superior dos baixos
localizados nos pontos de encontros para os acordes condutores. Seguindo o
mesmo procedimento para definição da linha melódica do baixo, construímos um
padrão de conexão das tríades maiores a partir da estrutura superior dos acordes
pilares.
A modalidade do AP1, Lídio(#5), será representada através de uma
forma de cifragem denominada de Slash chord
29
(Miller, p.96), notação em que se
especifica a estrutura superior e a nota do baixo: (Estrutura Superior / Nota do
baixo). O slash chord para o modo Lídio(#5) corresponde à estrutura (III / I) em
que uma tríade maior está localizada no terceiro grau (III) em relação ao baixo
(III/I). Os APs1 e 2, Dó Lídio(#5) e Fá# Lídio(#5), podem então ser cifrados
respectivamente da seguinte maneira: E/C e A#/F#
Foram construídos dois padrões para a estrutura superior a partir de
cada acorde pilar, observando que a estrutura superior para o último ponto de
29
O termo em inglês slash chord tornou-se uma referência para este tipo de representação e a
tentativa de tradução do termo poderia resultar em dúvidas.
94
encontro seguiu outro procedimento. O AP1 possui na sua estrutura superior uma
tríade maior (E) distante um trítono da estrutura superior do AP2 (A#). Observando
que existem dois pontos de encontro entre os APs 1 e 2, construímos um padrão
de terças maiores descendentes para a estrutura superior a partir do AP1, seguido
do mesmo padrão para os dois pontos de encontro subseqüentes ao AP2.
Padrão (3as. maiores desc.)
E
C
Ab
Padrão (3as. maiores desc.)
A#
F#
D
AP1

Estrutura
superior
AC1AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
Fig. 54 – Padrão para a estrutura superior
Para o último ponto de encontro, AC5, o procedimento de definição da
estrutura superior não seguirá o padrão estabelecido para os pontos
antecedentes. No intuito de evidenciar o caráter tonal no movimento V - I realizado
pelo baixo, foi definida como estrutura superior uma tríade maior localizada no
sétimo grau menor (bVII) em relação à nota do baixo (bVII/I), gerando um acorde
Sus4 com função dominante. Dessa forma, o último acorde condutor, AC5, é um
acorde Gsus4, representados pela cifra F/G.
E/C
C/Bb
Ab/Ab
A#/F#
F#/Ab
D/Bb
F/G
AP1

AC1AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
Fig. 55 – Progressão harmônica do Cantos I representada por Slash chords.
95
6.1.5.3 Modalidade do acordes condutores
Após a montagem dos acordes, é necessário identificar os modos e a
escalas geradoras. São eles:
Acorde
Escala geradora
Modo:
Lídio(#5)
Slash chord:
E/C
Fig. 56 – AP1
Acorde
Escala geradora
Modo:
Dórico(b5)
Slash chord:
C/Bb
Fig. 57 – AC1
Acorde
Escala geradora
Modo:
Jônico
Slash chord:
Ab/Ab
Fig. 58 – AC2
96
Acorde

Escala geradora
Modo:
Lídio(#5)
Slash chord:
A#/F#
Fig. 59 – AP2
Acorde
Escala geradora
Modo: Mixolídio
Slash chord: Gb/Ab
Fig. 60 – AC3
Acorde
Escala geradora
Modo:
Lídio(#5)
Slash chord:
D/Bb
Fig. 61 – AC4
97
Acorde
Escala geradora
Modo:
Mixolídio
Slash chord:
F/G
Fig. 62 – AC5
Dessa forma conclui-se o processo composicional da progressão
harmônica. A composição segue com a definição do contorno melódico.
6.1.6 Pontos melódicos
O processo de definição do contorno melódico através dos pontos
melódicos é uma abordagem adotada pelo autor para facilitar a construção da
melodia.
Os pontos melódicos são exatamente os pontos de encontro onde se
localizam os acordes pilares e os acordes condutores. Após a identificação dos
modos de cada acorde da progressão, foi possível encontrar a escala geradora
dos modos. O contorno melódico é definido a partir da escolha de uma das notas
comuns às escalas do acorde do ponto e o seu acorde antecessor.
98
Acorde do
ponto
AP1
AC1
AC2
AP2
Notas
comuns
Nota escolhida
Acorde
antecessor
Acorde
antecessor
AC5(1)
AP1
AC1
AC2
1.
2.
Acorde do
ponto
AC3
AC4
AC5(1)
AC5(2)
Notas
comuns
Acorde
antecessor
AP2
AC3
AC4
AC4
Fig. 63 – Notas comuns aos acordes do ponto e acordes antecessores, com indicação
da nota escolhida.
No exemplo acima foi indicada com uma seta a nota escolhida dentre
as notas comuns para preencher os pontos melódicos. Essas notas são
responsáveis por indicar o contorno melódico visando facilitar a construção da
melodia e a conexão dos acordes. Optou-se por escolher as notas que
evidenciassem a modalidade da passagem, no caso o modo Lídio(#5). Dessa
forma, todas as notas que preenchem os sete pontos melódicos pertencem à
escala geradora do modo Dó Lídio(#5).
99
E/C
C/Bb
Ab/Ab
A#/F#
F#/Ab
D/Bb
F/G
AP1

AC1AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
Fig. 64 – Contorno melódico do Cantos I
6.1.7 Fórmula de compasso e rítmica melódica
A fórmula de compasso e o desenvolvimento rítmico da melodia serão
definidos a partir de uma análise e interpretação da métrica poética do Cantos I.
O procedimento adotado para definição da fórmula de compasso do
Cantos I foi a contextualização musical da métrica poética através da associação
entre a quantidade de sílabas fortes e a unidade rítmica, número de sílabas
presentes entre cada sílaba forte. De acordo com esquema rítmico do poema,
E.R. 11(2-5-8-11), contabiliza-se um total de quatro sílabas fortes presentes em
cada estrofe, distantes entre si por três sílabas poéticas, o que caracteriza um
ritmo ternário na locução. O ritmo ternário para as quatro sílabas fortes dentro de
uma mesma estrofe foi interpretado pelo autor como sendo um compasso
composto representado pela fórmula de compasso 12/8 (doze por oito).
O desenvolvimento rítmico da melodia, denominada aqui de rítmica
melódica, será definido a partir da aplicação e adequação da estrutura polirrítmica
sobre a unidade de compasso, 12/8, onde será possível definir a quantidade de
compassos e conseqüentemente a distribuição dos acordes pilares e condutores
de acordo com a proporção definida para o ritmo harmônico.
O procedimento para a definição da estrutura polirrítmica a ser utilizada
no desenvolvimento rítmico da melodia está condicionado também à interpretação
da métrica poética, e independe da fórmula de compasso. Para o Cantos I,
decidiu-se respeitar a unidade rítmica ternária presente na locução de cada
100
estrofe, optando dessa forma pela Série básica [3.3.2], a mesma utilizada para a
definição do ritmo harmônico, com a proporção de 3 para 2 notada musicalmente
com as figuras colcheia pontuada e colcheia
30
. A sobreposição dessa Série sobre
a fórmula de compasso 12/8 gera um deslocamento rítmico da Série em relação
ao compasso, sendo necessário a repetição da Série até o encontro do início do
compasso com o início da Série, ou de alguma célula rítmica. O número de
compassos vai ser definido a partir da adequação da Série em relação à fórmula
de compasso.
30
Como explicado anteriormente, as séries básicas são formadas normalmente por três frases,
cada uma delas contendo quatro células. A primeira frase da célula geradora [3.3.2] desenvolveu-
se a partir da adição dos valores de proporção [2], notados musicalmente com a figura colcheia de
forma progressiva para cada célula rítmica. Logo, a 1ª. frase da série [3.3.2] compreende o
seguinte desenvolvimento: [3.3.2] + [3.3.2.2] + [3.3.2.2.2] + [3.3.2.2.2.2].
101

Sobreposição da 1a. frase série 3.3.2 sobre a fórmula de compasso
3
5
7
9
10
Fig. 65 – Sobreposição da 1ª. frase da série [3.3.2] sobre a fórmula de compasso
Em função do deslocamento rítmico da Série em relação ao compasso,
foi necessária a sua repetição para que houvesse adequação em relação aos
compassos. O autor observou que a adequação da Série sobre o compasso
ocorreu em dois momentos:
• Compasso no.5: Início da segunda célula rítmica [3.3.2.2] com o
início do compasso, na terceira repetição da série.
• Compasso no.12: Início da célula geradora [3.3.2] com o início do
compasso, na sétima repetição da série.
Os pontos de adequação da série em relação à fórmula de compasso
definem os números de compassos da passagem. Desta forma, o Cantos I pode
102
conter um total de 4 (quatro) ou 11 (onze) compassos na sua estrutura, optando-
se pela segunda adequação. A opção pelo total de 11 (onze) compassos deveu-se
a duas observações:
• Nesse caso não houve quebra da série. A adequação da série ocorreu
na sua totalidade, num total de seis repetições até o encontro do início da série
como início do compasso.
• O número 11, como já observado anteriormente, está presente no
esquema rítmico da métrica poética, E.R. 11(2-5-8-11), e no número de pulsos
que compõem o ostinato que se opõe à primeira fase da célula geradora
[3.3.2][4].
Após a definição do número de compassos da passagem, é possível
distribuir os acordes pilares e condutores de acordo com a proporção definida para
o ritmo harmônico.
A célula geradora [3.3.2][4], aplicada para a localização dos acordes
pilares e condutores, contém na sua estrutura o número de pulsos exatamente
igual ao número de compassos da passagem. Dessa forma, podemos relacionar
cada pulso a cada compasso, criando a proporção de 1 para 1. O ritmo harmônico
e a distribuição dos acordes na passagem corresponderão proporcionalmente à
disposição dos pontos de encontro entre a série e o ostinato sobre os pulsos, onde
foram localizados os acordes pilares e condutores.
1
AP1
2
3
AC1
4
5
AC2
6
7
AP2
8
AC3
9
10
AC4
11
AC5
Fig. 66 – Ponto de encontro entre a série e o ostinato, correspondente à localização
dos acordes pilares e condutores na passagem.
103
Os acordes pilares e condutores serão distribuídos da seguinte forma:
AP 1 (Acorde pilar 1): Compassos 1 e 2
Ac 1 (Acorde condutor 1): Compassos 3 e 4
Ac 2 (Acorde condutor 2): Compassos 5 e 6
AP 2 (Acorde pilar 2): Compasso 7
Ac 3 (Acorde condutor 3): Compassos 8 e 9
Ac 4 (Acorde condutor 4): Compasso 10
Ac 5 (Acorde condutor 5): Compasso 11


1 2 3 4 5
E/C
C/Bb
Ab/Ab
6 7 8 9 10
11
A#/F#
AP 1
F#/Ab
AC 1
D/Bb
F/G
AP 2
AC 3
AC 4
AC 5
Fig. 67 – Distribuição dos acordes pilares e condutores
A próxima etapa é a sobreposição da Série sobre a passagem
harmonizada, que corresponde ao esboço da composição. A Série, que
compreende o desenvolvimento rítmico da melodia, é sobreposta à passagem
apoiada nas notas comuns dos acordes, definidos anteriormente como pontos
melódicos. Segue o esboço da composição:
104


3
 
5
 
7
9
1.
11
Fig. 68 – Esboço da composição: Série sobreposta ao pentagrama apoiada nas notas
comuns dos acordes, definidos como pontos melódicos
105
6.1.8 Tema – Cantos I
Foram compostas duas linhas melódicas independentes, com tessituras
diferentes, que se desenvolvem sobre o deslocamento rítmico da Série através de
motivos e resoluções melódicas. Apesar da independência das linhas, houve a
preocupação em criar uma relação de contraponto entre elas, uma vez que as
linhas já estão interligadas verticalmente em função da Série. Apesar da relação
de contraponto entre as melodias, elas não necessariamente devem ser
executadas simultaneamente. De fato, cada linha contempla o resultado sonoro
polirrítmico proposto nesse trabalho que pode ser observado a partir da execução
individual de cada linha sobre um pulso em ostinato.
106


E/C




3
C/Bb
5

Ab/Ab


7
A#/F#
F#/Ab


D/Bb



9





11
F/G



Fig 69 – Tema Cantos I
107
6.2 Cantos II
O processo composicional para o Cantos II se iguala ao do Cantos I no
que diz respeito à adequação dos elementos lítero-musicais para definição da
estrutura polirrítmica. O que difere é o processo de definição dos elementos
harmônicos e melódicos que, como demonstrado no Cantos I, se adequam à
estrutura polirrítmica definida a partir dos elementos lítero-musicais de cada
Cantos.
A composição do tema inicia-se com a definição da estrutura
polirrítmica a partir da metrificação do poema. A adequação da estrutura sobre um
pulso em ostinato é responsável por definir o número de acordes e o ritmo
harmônico. A composição prossegue com a escolha do centro modal, elaboração
da progressão harmônica, construção da melodia e definição das fórmulas de
compasso a partir da superposição da série ao ostinato. Com o esboço da
composição concluído, inicia-se o desenvolvimento do tema.
6.2 .1 Métrica poética
As estrofes do Cantos II são construídas a partir do agrupamento de
dois versos com diferentes métricas que se alternam durante todo o Cantos.
Em- fun- dos- va- sos- d’al- va- cen- ta ar- gi (la)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Fer- ve o- Cau- im
1 2 3 4
Em- chem- se as- co- pas- o- pra- zer- co- me (ça)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Rei- na o- fes- tim
1 2 3 4
109
Todas as estrofes que compreendem o Cantos II seguem a mesma
métrica poética da estrofe acima. O primeiro verso é constituído de dez sílabas
poéticas, denominado decassílabo, seguido de um verso com quatro sílabas
poéticas, denominado tetrassílabos.
Para o verso decassílabo, as sílabas de número 1, 4, 8 e 10 são
identificadas como tônicas, logo, a representação do esquema rítmico é E.R. 10(1-
4-8-10), e a representação para as células métrica, número de sílabas poéticas
existentes entre as sílabas tônicas, é C.M.(3,4,3).
Para o verso tetrassílabo, as sílabas de número 1 e 4 são identificadas
como tônicas, logo, a representação do esquema rítmico é E.R. 4(1-4), e a
representação para as células métrica é C.M.(3).
A assimetria presente no Cantos II em função da alternância de dois
versos com diferentes métricas provoca uma mudança no ritmo da leitura. Tal
ritmo sugere, na opinião deste autor, dança, tambores, o bate-pé dos selvagens
dando início ao ritual, correspondendo à trama central do Cantos.
A partir da metrificação do Cantos será possível elaborar a estrutura
polirrítmica para definição do ritmo harmônico e número de acordes da
progressão.
6.2.2 Estrutura rítmica
Após análise da metrificação dos versos que compreendem o Cantos II,
optou-se pela subcategoria Séries mescladas como estrutura rítmica a ser
utilizada. Definiu-se a série mesclada [3.4.3] (original) e [3.1] (parcialmente
retrógrada)[3] como sendo a estrutura rítmica adotada. Os valores numéricos
para esta série estão associados aos valores numéricos encontrados no esquema
rítmico e célula métrica dos versos decassílabos e tetrassílabos.
De acordo com a interpretação do autor, o E.R. 10(1-4-8-10) e C.M.
(3.4.3) do verso decassílabo, seguido do E.R. 4(1-4) e C.M.(3) do verso
110
tetrassílabo, sugere uma série mesclada [3.4.3] (original) e [3.1] (parcialmente
retrógrada)[3] como estrutura polirrítmica a ser aplicada para definição de outros
elementos musicais da composição. Logo, a representação da série rítmica para o
Cantos II é:
[3.4.3]+[3.1.1]+[3.4.3.3]+[3.1][3]
[3.4.3]
[3.1.1]
[3.4.3.3]
[3.1]
Fig. 70 – Série mesclada [3.4.3] (original) e [3.1] (parcialmente retrógrado)[3]
A sobreposição dessa Série sobre um ostinato gera um deslocamento
rítmico da Série em relação ao pulso do ostinato, sendo necessária a repetição da
Série até o encontro da primeira célula [3.4.3] com o pulso. Este ponto de encontro
representa o início de um novo ciclo.
111
Primeira série mesclada [3.4.3] (original) + [3.1] (parcialmente retrógrada] sobre ostinato
Segunda série
Terceiro série
Fig. 71 – série mesclada sobre ostinato
O encontro da primeira célula [3.4.3] da série com um pulso do ostinato
ocorre após a sobre posição de três séries mescladas [3.4.3] (original) + [3.1]
(parcialmente retrógrada), ilustrado na figura acima. Após adequação das séries
sobre o ostinato, será possível identificar outros elementos musicais da
composição.
6.2.3 Número de acordes e ritmo harmônico
A quantidade de acordes na progressão está associada aos pontos de
encontro entre as células que compõem a série e o ostinato. Foram identificados
um total de doze pontos de encontro:
112
Primeira série
Segunda série
Terceira série
Fig. 72 – doze pontos de encontro entre a série e o ostinato
Dentre os doze pontos de encontro, foram escolhidos apenas quatro
cuja localização dentro da estrutura definiu também o ritmo harmônico:
113
Primeira série
Segunda série
Terceira série
Fig. 73 – quatro pontos de encontro entre a série e o ostinato
Após a definição do número de acordes, total de quatro, e do ritmo
harmônico em função da localização desses acordes na estrutura, embora ainda
não esteja estabelecida a fórmula ou fórmulas de compassos, será possível
elaborar a progressão harmônica que compreenderá a escolha de um centro
modal e construção dos acordes. Esse processo será descrito a seguir.
6.2.4 Centro modal
O Cantos II retoma a descrição do ritual de sacrifício, que se inicia. O
prisioneiro, apesar da sua aparente frieza diante do seu rito de morte, está
incomodado, pois rugas de preocupação surgem no seu rosto, desmascarando a
sua falsa placidez. Definimos o modo Eólio como o centro modal por melhor
representar a trama do segundo movimento da suíte. Para o autor desta pesquisa,
a qualidade emocional deste modo é caracterizada pelos adjetivos ‘sofrido’,
‘intenso’, ‘doloroso’.
114
O modo Eólio corresponde ao acorde menor com sétima menor com o
segundo grau maior e o sexto grau menor, formado a partir do sexto grau da
escala maior. Há uma grande distinção quanto ao seu caráter funcional e modal
quando aplicado na harmonia do jazz.
Quanto ao caráter funcional, o acorde é muito usado como acorde de
passagem em uma progressão tonal. O sexto grau menor na sua estrutura é
interpretado como uma quinta aumentada servindo como nota de passagem entre
a quita justa do acorde antecedente e a sexta maior do acorde subseqüente.
Cm
Cm(#5)
Cm6 Cm(#5)
Cm
Fig. 74 – Acorde menor com quinta aumentada usado como acorde de passagem
Quanto ao caráter modal, a estrutura do acorde é alterada enfatizando
as notas que caracterizam a sonoridade do modo, no caso, a nona maior e o sexto
grau menor.
C
Eólio
Fig. 75 – Diferentes voicings para um mesmo acorde do modo Eólio
115
Esta estrutura de acorde modal pode ser encontrada nas composições
Sea Journey de Chick Corea e Pumpkin de Andrew Hill.
6.2.5 Acordes pilares
Foi estabelecida a quantidade de dois acordes pilares identificados
como AP1 e AP2, no modo Eólio, distribuídos sobre dois pontos de encontro da
estrutura do Cantos II.
AP1
AP2
Fig. 76 – Localização dos acordes pilares 1 e 2 sobre estrutura
Com a localização dos acordes pilares sobre a estrutura, a composição
prossegue com o desenvolvimento da progressão harmônica, descrito a seguir.
116
6.2.6 Progressão harmônica
O processo de desenvolvimento da progressão harmônica adotado para
o Cantos II baseia-se no contraste entre as sonoridades “clara” e “escura” dos
modos.
Definimos previamente dois acordes pilares, AP1 e AP2, no modo Eólio,
restando dois outros pontos onde se localizarão os acordes condutores, AC1 e
AC2, ainda sem definição. A partir do conceito claro/escuro, definiu-se que o
contorno harmônico do Cantos II se dará da seguinte maneira:
Claro
AP1
Escuro
AC1
Claro
AP2
Mais Claro
AC2
Fig. 77 – Esboço do contorno harmônico do Cantos II
Após várias experimentações, optou-se pelo uso da nota Dó como nota
pedal para os quatro acordes. As estruturas superiores responsáveis por
caracterizar os acordes surgiram da condução de vozes a partir da estrutura
superior do AP1, resultando na seguinte progressão:
C Eólio
C Frígio
C Eólio
C Eólio(7maior)
AP1
AC1
AP2
AC2
Fig. 78 – Progressão harmônica do Cantos II
117
6.2.7 Desenvolvimento melódico
Serão criadas duas linhas melódicas, uma para a série e a outra para o
ostinato. Para isso, foi necessário adequar a estrutura rítmica sobre o pentagrama
para localização dos acordes e posteriormente a definição das fórmulas de
compasso.
C Eólio
C Frígio






 







C Eólio
C Eólio(7maior)










 














Fig. 79 – Esboço da composição: Série sobreposta ao pentagrama apoiada nas notas
comuns dos acordes, definidos como pontos melódicos.
118
Após várias experimentações, concluiu-se o desenvolvimento das duas
linhas melódicas, como demonstrado a seguir. As fórmulas de compasso serão
definidas imediatamente após o desenvolvimento melódico.
C Eólio
C Frígio
C Eólio
C Eólio(7maior)
Fig. 80 – Desenvolvimento melódico
119
6.2.8 Fórmulas de compasso
A menor unidade rítmica, ou unidade rítmica geradora, adotada para
construção de uma série determina as relações de proporcionalidade das figuras
rítmicas. Uma mesma série pode ser construída com outras unidades rítmicas
desde que a proporcionalidade seja mantida. Contudo, devemos observar que a
mudança da unidade rítmica pode alterar o andamento da série em função da
interpretação e execução dos valores rítmicos.
A estrutura rítmica adotada no Cantos II tem a semicolcheia como a
menor unidade rítmica, sendo todos os outros valores proporcionais. Após várias
tentativas de leitura do tema a partir dos valores rítmicos de origem, concluiu-se
que a alteração da semicolcheia para colcheia como unidade rítmica geradora
facilitaria a execução e interpretação do tema em função da simplificação da
leitura. O andamento neste caso também foi alterado, sendo executado de forma
mais lenta, mais adequado à trama do Cantos.
120
Fig. 81 – Estrutura usando colcheia como unidade rítmica geradora.
Para que o deslocamento da série sobre o ostinato fosse executado
corretamente, foram criadas fórmulas de compasso para a linha da melodia e para
a linha do baixo, de forma que o desenvolvimento melódico de cada linha fosse
executado de forma independente. Esse procedimento não apenas simplifica a
leitura, mas também colabora para enfatizar o acento desejado de cada linha.
121
10
18
Fig. 48 – Fórmulas de compasso para linha da melodia
5
10

Fig. 82 – Fórmulas de compasso para linha do baixo
6.2.9 Tema – Cantos II
Com a definição das fórmulas de compasso, conclui-se o processo
composicional adotada para criação do tema do Cantos II.
122
C Eólio
C Frígio
C Eólio
C Eólio(7 maior)


Fig. 83 – Tema do Cantos II
123
6.3 Cantos III
O processo composicional do Cantos III apresenta algumas
peculiaridades no seu desenvolvimento harmônico e melódico devido a não
padronização da métrica poética dos versos. Contudo, mantém-se a mesma
adequação dos elementos lítero-musicais para definição da estrutura polirrítmica
como nos Cantos I e II.
A composição inicia-se com a metrificação dos versos para definição da
estrutura polirrítmica. A adequação da estrutura sobre um pulso em ostinato é
responsável por definir o número de acordes e o ritmo harmônico. A grande
quantidade de acordes encontrados, aliado à trama central do Cantos, sugeriram a
escolha de três centros modais para o tema. A composição prossegue com a
elaboração da progressão harmônica, a construção e a definição das fórmulas de
compasso. A partir do esboço da composição, inicia-se o desenvolvimento do
tema.
6.3.1 Métrica poética
O poema ainda prossegue neste Cantos com a narrativa do ritual de
sacrifício. Em apenas duas estrofes, o autor enfatiza a ornamentação dos índios
timbiras e introduz pela primeira vez no poema um discurso direto: um timbira
ordena ao índio prisioneiro que diga quem é e porque invadiu território alheio. O
Cantos termina na eminência de se ouvir o discurso do índio prisioneiro com “triste
voz que os ânimos comove” (I Juca Pirama, Cantos III, linha 111).
Neste Cantos o autor não se prende a rimas e estrofes, mas mantém,
ainda que de forma irregular, versos decassílabos, como no Cantos II. Os versos
possuem células métricas irregulares
31
, com pouca musicalidade na leitura,
contribuindo dessa forma para manter a atenção do leitor na trama central do
Cantos. Vejamos a seguir a apresentação do Cantos III com a escansão dos
versos e a representação do esquema rítmico e da célula métrica:
31
Número de sílabas poéticas existentes entre as sílabas tônicas.
125
Em- lar- ga- ro- da- de- no- véis- gue- rrei (ros)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M.(2,4,2)
Le- do- ca- mi- nha o- fes- ti- val- Tim- bi- ra,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-8-10) C.M.(3,4,2)
A- quem- do- sa- cri- - cio- ca- be as- hon- ras,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Na- fron- te o- ca- ni- tar- as- co- de em- on- das,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
O- en- dua- pe- na- cin- ta- se em- ba- lan- ça,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-10) C.M.(4,4)
Na- dês- tra- mão- so- pe- sa a i- ve- ra- pe- me,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M.(2,2,4)
Or- gu- lho- so e- pu- jan- te. Ao- me- nor- pa- sso
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-9-10) C.M.(3,3,1)
Co- lar- d'al- vo- mar- fim,- in- síg- nia- d'hon- ra,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-3-6-8-10) C.M.(1,3,2,2)
Que- lhe or- na o- co- lo e o- pei- to,- ru- ge e- fre- me,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-8-10) C.M.(2,2,2,2)
126
Co- mo- que- por- fei- ti- co- não- as- bi- do
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-10) C.M.(5,4)
Em- can- ta- das- a- li- as- al- mas- gran- des
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Dos- vem- ci- dos- Ta- pu- ias,- in- da- cho- rem
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Se- rem- gló- ria e- bra- são- d'i- mi- gos- - ros.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M.(2,3,4)
"Eis- me a- qui",- diz- ao- in- dio- pri- sio- nei- ro;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M.(2,3,4)
"Pois- que- fra- co, e- sem- tri- bo, e- sem- fa- mi- lia,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M.(2,3,4)
"As- no- ssas- ma- tas- de- va- ssas- te ou- sa- do,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M.(2,4,2)
"Mo- rre- rás- mor- te- vil- da- mão- de um- for- te."
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Vem- a- te- rrei- ro o- mi- se- ro- com- trá- rio;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M.(2,2,4)
Do- co- lo à- cin- ta a- um- çu- ra- na- des- ce:
127
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M(2,4,2)
"Di- ze- nos- quem- és,- teus- fei- tos- can- ta,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 9(1-5-7-9) C.M.(4,2,2)
"Ou- se- mais- te a- praz,- de- fen- de- te.”- Co- me- ça
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
E.R. 11(1-3-5-7-11) C.M.(2,2,2,4)
O- ín- dio,- que ao- re- dor- de- rra- ma os- o- lhos,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Com- tris- te- voz- que os- â- ni- mos- co- mo- ve.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M.(2,2,4)
Todos os versos possuem um esquema rítmico e célula métrica
próprios. Embora existam semelhanças, os versos foram analisados
individualmente sem nenhuma relação com a estrofe ou outros versos. Os
esquemas rítmicos e as células métricas tiveram muita variação de valores, como
apresentado na escansão do poema acima. O processo de elaboração da
estrutura polirrítmica para definição do ritmo harmônico e número de acordes será
criado a partir destes valores, como demonstrado no tópico a seguir.
6.3.2 Estrutura rítmica
Devido a grande diferença nos valores encontrados para o esquema
rítmico e células métricas do Cantos III, optou-se pela subcategoria Derivações
Rítmicas I (leituras) para adequação da metrificação.
Após análise dos resultados encontrados na metrificação do Cantos
III, optou-se por trabalhar com os valores das Células Métricas (C.M.) dos versos
128
para definição da estrutura serial. Os valores encontrados para as células métricas
foram 1, 2, 3, 4, e 5. Decidiu-se que, o valor 1 da C.M. corresponderá à figura
rítmica semicolcheia, assim como nos Cantos I e II. As células que compõem a
estrutura serial serão baseadas nos valores das C.M. de cada verso do Cantos. A
seguir, a seqüência de C.M. de cada verso e a estrutura serial, derivação rítmica,
a partir dos valores das C.M.:
(2,4,2) - (3,4,2) - (4,2,2) - (4,2,2) - (4,4) - (2,2,4) - (3,3,1)
(1,3,2,2) - (2,2,2,2) - (5,4) - (3,2,2) - (3,2,2)
(2,3,4) - (2,3,4) - (2,3,4) - (2,4,2) - (3,2,2)
(2,2,4) - (2,4,2) - (4,2,2) - (2,2,2,4) - (4,2,2) - (2,2,4)
Fig. 84 – Derivação rítmica encontrada a partir dos valores das C.M. de cada verso
A polimetria que melhor se contextualiza à metrificação do poema é a
Série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em compasso
polimétrico. Trata-se de uma derivação rítmica oposta a um compasso que possua
129
na sua estrutura figuras com valores desiguais, mas que se repetem em forma de
ostinato.
Os versos do Cantos III são quase todos decassílabos. Desta forma,
optou-se em adotar um compasso polimétrico 10/16 (10 por 16) em ostinato, que
irá se opor à estrutura serial encontrada a partir dos valores das C.M. A rítmica do
ostinato foi construída com os valores proporcionais a [4] e [2]. Vejamos a seguir a
estrutura serial oposta ao compasso polimétrico em ostinato:
(2,4,2)
(3,4,2)
(4,2,2)
(4,2,2)
(4,4)
10/16
10/16
10/16
10/16
Fig. 85 - Série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em compasso
polimétrico.
A sobreposição da série sobre ostinato polimétrico gera um
deslocamento rítmico da Série em relação ao pulso do ostinato, sendo necessária
a repetição da série até o encontro do primeiro pulso da primeira célula métrica
com o primeiro pulso do ostinato. Este ponto de encontro representa o início de
um novo ciclo. Para o Cantos III, foram necessárias dez (10) repetições da série. A
adequação da série sobre o ostinato permite a localização dos pontos de
encontros para definição do número de acordes.
130
6.3.3 Número de acordes
O número de acordes na progressão está associada à quantidade de
pontos de encontro entre as células que compõem a série e o ostinato. Foram
identificados um total de 67 (sessenta e sete) pontos de encontro devido à grande
extensão e ao grande número de repetições da série. Diante da grande
quantidade de variáveis para definição dos outros elementos musicais, decidiu-se
que:
• Cada repetição da série seria identificada com uma letra (A, B, C, D,
E, F, G, H, I, J).
• As repetições foram agrupadas em pares, (A, B), (C, D), (E, F), (G, H),
(I, J), formando um total de cinco grupos, denominados grupos de acordes.
• Cada grupo de acordes, com os seus respectivos pontos de encontro,
corresponderá a um centro modal.
Para o primeiro grupo (A, B), foi encontrado um total de 12 pontos de
encontros, sendo 5 para a parte A e 7 para a parte B. Para o segundo grupo (C,
D), foi encontrado um total de 15 pontos de encontros, sendo 5 para a parte C e
10 para a parte D. Para o terceiro grupo (E, F), foi encontrado um total de 13
pontos de encontros, sendo 2 para a parte E e 11 para a parte F. Para o quarto
grupo (G, H), foi encontrado um total de 15 pontos de encontros, sendo 5 para a
parte G e 10 para a parte H. Para o quinto grupo (I, J), foi encontrado um total de
12 pontos de encontros, sendo 3 para a parte I e 9 para a parte J. Resumindo:
• Grupo (A, B) – 12 pontos de encontro correspondentes a 12 acordes
• Grupo (C, D) – 15 pontos de encontro correspondentes a 15 acordes
• Grupo (E, F) – 13 pontos de encontro correspondentes a 13 acordes
• Grupo (G, H) – 15 pontos de encontro correspondentes a 15 acordes
• Grupo (I, J) – 12 pontos de encontro correspondentes a 12 acordes
131
6.3.4 Centro modal e contorno harmônico
Apesar da linearidade dos acontecimentos, foi decidido que o
desenvolvimento da progressão harmônica não seguiria o desenvolvimento linear
sugerido pelo texto, onde o autor do poema mantém um alto grau de tensão e
expectativa no final do texto diante da eminência da fala do índio prisioneiro. A
progressão harmônica terá o seu desenvolvimento baseado na atenuação da
tensão, que estará disposta na metade da progressão, criando assim um contorno
harmônico menos linear e mais interessante. Para isso, optou-se pelo conceito de
claro/escuro, apresentado no Cantos II, para o desenvolvimento da progressão.
Os grupos de acordes apresentam uma peculiaridade que foi de vital
importância para a decisão do contorno harmônico do tema: o primeiro grupo (A,
B) e o quinto grupo (I, J) apresentam o mesmo número de acordes, assim como o
segundo grupo (C, D) e o quarto grupo (G, H). O terceiro grupo (E, F) não faz
referência com nenhum outro grupo.
(A, B) (C, D) (E, F) (G,H) (I, J)
12 15 13 15 12
Observando a disposição dos grupos e o número de acordes, decidiu-
se restringir o contorno harmônico em três centros modais, dispostos da seguinte
forma:
(A, B) (C, D) (E, F) (G,H) (I, J)
12 15 13 15 12
Modo 1 Modo 2 Modo 3 Modo 2 Modo 1
Logo, a disposição dos modos baseados nos conceito claro/escuro
apresenta-se da seguinte forma:
132
Modo 1 Modo 2 Modo 3 Modo 4 Modo 5
+ claro - claro escuro - claro + claro
Definimos o modo Dórico
como o centro modal 1 e 5, o modo Eólio
como centro modal 2 e 4, e o modo Frígio como centro modal 3. Logo, a
disposição dos modos apresentam-se da seguinte forma:
Modo 1 Modo 2 Modo 3 Modo 4 Modo 5
+ claro - claro escuro - claro + claro
Dórico Eólio Frígio Eólio Dórico
F
Modo 1
Dorico(maj7)
Modo 2
C
Eolio
Modo 3
G
Frigio
Modo 4
C
Eolio
F
Modo 5
Dorico(maj7)
+ claro
- claro
escuro
- claro
+ claro
Fig. 86 – contorno harmônico
Apesar do contorno harmônico estar baseado em três centros modais, o
modo Frígio é o modo que melhor representa a trama do Cantos. Para o autor
desta pesquisa, a qualidade emocional deste modo é caracterizada pelos adjetivos
‘misterioso’, ‘eminência’, ‘expectativa’.
O modo Frígio origina-se no terceiro grau da escala maior tendo na sua
estrutura uma escala menor com quinta justa e sétima menor (IIIm7) e as
extensões nona menor (b9), décima primeira (11) e décima terceira menor (b13).
133
É comumente usado como um acorde modal devido à sua sonoridade marcante.
No entanto, este modo pode ser também interpretado funcionalmente como um
acorde dom7sus(b9,b13), precedendo ou substituindo o acorde dominante
alterado (dom7(b9,b13)).
C7sus4(b9b13)
C
Frígio
Funcional
Modal
Fig. 87 – modo frígio
Esta estrutura de acorde modal pode ser encontrada nas composições
Crescent de John Coltrane e Masquelero de Wayne Shorter.
6.3.5 Progressão harmônica
A peculiaridade existente no desenvolvimento da progressão harmônica
do Cantos III é a ausência de acordes pilares e condutores, com exceção dos
acordes que compreendem o centro modal que, dependendo da interpretação,
podem ser chamados de acordes pilares. A progressão harmônica de cada centro
modal foi construída através do desenvolvimento melódico da linha do baixo e do
contraste entre acordes claros e acordes escuros. Vejamos a seguir:
• Grupos de acordes (A, B) e (I, J)
134
Grupo (A, B)
Grupo (I, J)
Fig. 88 – Linha do baixo para os grupos de acordes (A, B) e (I, J)
A partir da linha do baixo, foram construídos os acordes baseados no
conceito de claro/escuro, concluindo desta forma a progressão harmônica para os
dois grupos de acordes:
Grupo (A, B)
F dorico(maj7)
D Frígio
Ab dorico(b6)
G Eolio (maj7)
E Dorico
F dorico(maj7)
Gsus4(b2)
+ claro
escuro
+ claro
- claro
+ claro
Grupo (I, J)
F dorico(maj7)
D Frígio
Ab dorico(b6)
G Eolio (maj7)
E Dorico
Csus4(9,b13)
F dorico(maj7)
+ claro
escuro
+ claro
- claro
+ claro
Fig. 89 - progressão harmônica para os grupos de acordes (A, B) e (I, J)
135
Segue abaixo os mesmos procedimentos para a construção da
progressão harmônica dos grupos (C, D), (E, F) e (G, H).
• Grupos de acordes (C, D) e (G, H)
Grupo (C, D)
Grupo (G, H)
Fig. 90 – linha do baixo para os grupos de acordes (C, D) e (G, H)
Grupo (C, D)
C Eolio
Eb Mixo(b2)
D Dor.(maj7)
Ab Dor.(#4)
G Mixo(b6)
C Eolio
Eb Mixo(b2)
F Eolio
Ab Dor.(#4)
Dsus4(b2)
- claro
+ claro
claro
claro
+ claro
- claro
+ claro
claro
claro
+ claro
Grupo (G, H)
C Eolio
Eb Mixo(b2)
D Dor.(maj7)
Ab Dor.(#4)
G Mixo(b6)
C Eolio
Eb Mixo(b2)
F Eolio
Ab Dor.(#4)
C sus4(b6)
- claro
+ claro
claro
claro
+ claro
- claro
+ claro
- claro
claro
+ claro
Fig. 91 - progressão harmônica para os grupos de acordes (C, D) e (G, H)
136
• Grupos de acordes (E, F)
Grupo (E, F)
3x
Fig. 92 – linha do baixo para os grupos de acordes (E, F)
Grupo (E, F)
G Frigio
Ab Jonio(b9)
C Frigio
Db Jonio(b9)
G Mixo(b6)
escuro
claro
escuro
claro
Fig. 93 - progressão harmônica para o grupo de acordes (E, F)
O desenvolvimento da composição prossegue com a definição das
fórmulas de compasso e do ritmo harmônico através da distribuição dos acordes
sobre os pontos de encontros.
6.3.6 Fórmula de compasso
Foi estipulado que a fórmula de compasso para o Cantos seguiria as
C.M. dos versos. Dessa forma, as duas linhas resultantes da sobreposição da
estrutura serial ao ostinato seriam regidas por apenas uma estrutura de
compasso, onde o deslocamento estaria presente na notação do ostinato.
Vejamos a seguir as fórmulas de compasso para a estrutura serial, derivação
rítmica, do Cantos:
137







6





10






15





19




Fig. 94 – fórmula de compasso para estrutura serial, derivação rítmica
Vejamos a seguir estrutura serial oposta ao ostinato em compasso
polimétrico 10/16, correspondente à parte A:
138












(2.4.2)
(3.4.2)
(4.2.2)
(4.2.2)
10/16
10/16
10/16


6












11












16














20




Fig. 95 – esboço da composição: parte A
139
6.3.7 Tema - Cantos III
Diferente do Cantos II, o ostinato no Cantos III não será alterado, não
será criada uma linha melódica em contraste com a estrutura serial. O pouco ou
quase nenhum movimento para linha do baixo reforça a atenção para a linha
melódica da série, em concordância com o processo de escrita do texto do
Cantos, em que o autor não se utiliza dos recursos da rima e estrofes para que o
leitor possa se fixar no conteúdo da escrita.
Outra peculiaridade do Cantos III diz respeito ao tema da composição.
Devido à grande extensão do ciclo, decidiu-se que o desenvolvimento final da
composição, já arranjada para o quinteto, seria o próprio desenvolvimento do
esboço da composição. Nos Cantos anteriores, o desenvolvimento do esboço
resultou no tema da composição, que por sua vez foi arranjado até chegar à
composição final. Segue abaixo composição do Cantos III.
140




A
A
Marcelo Coelho
Cantos III
















Tenor Sax
Acoustic Guitar
Double Bass
Fdorico(maj7)




5
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
D
Frígio
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


9
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Ab
locrio(b6)
141




13
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
G
eolio(maj7)
E
dorico




17




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
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

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
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
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
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



T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.




21






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
B
B








T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
142




25













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
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
F
dorico(maj7)
D
frigio
Ab
locrio(b6)




29
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.




33
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
 
G
eolio(maj7)
143




37
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
E
dorico




41




















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
F
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G
sus(b2)




C
C
45




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
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








T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
eolio
144




49
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










T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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Eb
sus(b2)




52




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








T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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



56









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





T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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Ab
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145




60




















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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G
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







64





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


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

D
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



T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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



68





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









T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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C
eolio
Eb
sus(b2)
146




72
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
D
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



76





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









T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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G
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



80
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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C
eolio
147




84




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
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
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









T. Sax.
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A. Gtr.
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Eb
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eolio
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dorico(#4)




88




E
E












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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



92
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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148




96








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
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

T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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



100




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










T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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 
Ab
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



104












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
149




107
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
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



110




F
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







T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
frigio




113
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Db
jonio(b9)
G
frigio
Ab
jonio(b9)
150




117












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
frigio




120
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Db
jonio(b9)




124












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
G
frigio
 
Ab
jonio(b9)
151




127




















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
frigio
Db
jonio(b9)




131








G
G








T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
G
mixo (b2)
C
eolio




135
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
152




139
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Eb
sus(b2)
D
dorico(maj7)




143
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Ab
dorico(#4)




147
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
G
sus(b6)
153




151
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.




154




H
H












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
eolio




158
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Eb
sus(b2)
154




162












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
D
dorico(maj7)
Ab
dorico(#4)




165












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
G
sus(b6)




168












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
eolio
Eb
sus(b2)
155




171




















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
F
eolio
Ab
dorico(#4)




175








I
I








T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
C
sus(b6)
F
dorico(maj7)




179
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
156




183
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
D
frigio




187
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Ab locrio(b6-9)




191
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
157




195
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.




198




J
J












T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.




202
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
G eolio(maj7)
E dorico
158




206
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
F dorico(maj7)




210
















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
D frigio




214




















T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
Ab locrio(b6)
G eolio
C7 sus
159








218








T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Db.
F dorico(maj7)
Fig. 96 – composição do Cantos III
160
6.4 Cantos IV
O processo composicional do Cantos IV segue os mesmos parâmetros
do Cantos I para definição das estruturas rítmicas devido a similaridade na
metrificação do poema.
6.4.1 Centro modal
A trama central do Cantos IV compreende o canto de morte do
prisioneiro Tupi. Conforme a tradição, o prisioneiro é preparado para um ritual
antropofágico para que seja vingada a morte de guerreiros Timbiras. Como é
próprio do ritual, pedem-lhe que cante seus feitos de guerra e que se defenda da
morte. O canto do índio inicia-se com a narração da trajetória de sua vida e de sua
tribo. No entanto, o índio confessa que teme por sua vida, pois deixaria seu pai,
cego e em idade avançada, sozinho. Com lágrimas nos olhos, o guerreiro Tupi
termina seu discurso convicto da sua bravura afirmando que sabe morrer.
Definimos o modo Mixolídio(b6) como o centro modal para o Cantos IV.
Para o autor desta pesquisa, a qualidade emocional deste modo é caracterizada
pelos adjetivos ‘doloroso’, ‘melancólico’, ‘romântico’. O modo Mixolídio(b6)
corresponde ao acorde maior com sétima menor com o sexto grau menor,
formado a partir do quinto grau da escala menor melódica. Não há grande
distinção quanto ao seu caráter funcional ou modal quando aplicado na harmonia
do jazz. Este acorde pode ser encontrado na composição de That Jones, A Child
is Born, como acorde funcional; na composição de John Coltrane, Dohomey
Dance, como acorde modal, ou na composição de Ron Miller, JC on the Land,
aplicado de forma combinada. Na composição A Child is Born, That Jones utiliza
este acorde como um acorde dominante que resolve num acorde maior com
sétima maior com a mesma fundamental:
161
Bbmaj7
Bb7sus(b13)
Bbmaj7
Fig. 97 – uso do modo mixolídio(b6) como acorde funcional em A Child is Born
6.4.2 Acordes pilares
Foi definido apenas um acorde, Sol mixolídio(b6), para ser usado como
acorde pilar na progressão. Este acorde será repetido no meio da progressão tão
logo seja definida a quantidade de acordes, resultado da quantidade de pontos de
encontro entre a estrutura polirrítmica e o ostinato.
Fig. 98 – sol mixolídio(b6)
6.4.3 Métrica poética
Todos os versos do Cantos IV foram construídos com cinco sílabas
poéticas, denominados pentassílabos, sendo as sílabas de número 2 e 5
identificadas como sílabas tônicas. O esquema rítmico (métrico) desse verso é:
162
E.R. 5(2-5), e a célula métrica, CM, número de sílabas poéticas existentes entre as
sílabas tônicas, é: CM(3):
Meu can- to de mor- (te)
1 2 3 4 5
Gue- rrei- ros, ou- vi
1 2 3 4 5
Sou fi- lhos da sel- (va)
1 2 3 4 5
Nas sel- vas crês- ci
1 2 3 4 5
Gue- rrei- ros, des- cen- (do)
1 2 3 4 5
Da tri- bo Tu- pi
1 2 3 4 5
Nas doze estrofes que compõem o Cantos IV, a metrificação dos versos
reproduz, quando lido em voz alta, uma batida tercinada regular, exatamente como
no Cantos I. A identificação do esquema rítmico e da representação numérica para
as células métricas auxiliará na definição da estrutura polirrítmica.
6.4.4 Estrutura rítmica
Para o Cantos IV, optamos pela segunda frase da Série mesclada [3.1]
em retrógrado total. A opção por essa Série está relacionada ao esquema rítmico
163
e à representação numérica da célula métrica encontradas durante a análise da
métrica poética do Cantos. De acordo com a interpretação do autor, a C.M. (3)
sugere uma série rítmica ternária. Definiu-se também o valor [4] para o ostinato.
Logo, a representação numérica para a estrutura polirrítmica será
[3.3.1](totalmente retrógrado)[4] indicando a proporção de 3 para 1 sobre 4, que
em termos de notação musical será representada por uma colcheia pontuada
(proporção 3), semi-colcheia (proporção 1) e semínima (proporção 4).
Fig. 99 – 2a. frase da série [3.1](totalmente retrógrado)[4]
Os pontos de encontro dos pulsos das duas vozes da polimetria são as
referências para a definição do ritmo harmônico e o número de acordes da
progressão. Neste caso, foi necessária a repetição da série para que o primeiro
pulso da primeira célula rítmica [1.1.1.1.3.3] fosse sobreposto ao ostinato,
fechando o ciclo e definindo o número de pontos de encontro.
Série [3.3.1](totalmente retrógrado)
 
pontos de encontro
repetição da série

Fig. 100 – série [3.3.1](totalmente retrógrado)[4] com pontos de encontro
A polimetria escolhida conta com nove pontos de encontro entre as
vozes, onde serão distribuídos o acorde pilar (AP) e os acordes condutores (AC).
O acorde pilar será localizado de forma mais ou menos simétrica sobre os pontos,
164
de forma a conduzir o desenvolvimento da progressão harmônica através dos
acordes condutores. Veja-se a distribuição:
AP1
AC1
 
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
AC6
AC7

Fig. 101 – Série [3.3.1][4] com localização dos acordes pilares (AP) e acordes
condutores (AC) sobre os pontos de encontro
Os pontos de encontro definem também o ritmo harmônico dos
acordes, que serão distribuídos tão logo se defina o número de compassos do
tema.
Assim como no Cantos I, o evento rítmico funciona como mediador e
definidor das resoluções melódico-harmônicas no processo composicional. Após a
aplicação da estrutura polirrítmica para definição do ritmo harmônico, o processo
composicional segue com o desenvolvimento da progressão harmônica através
dos acordes condutores.
6.4.5 Notas do baixo
A polimetria definida para o Cantos I resultou em nove pontos de
encontro onde foram posicionados o acorde pilar e os sete acordes condutores,
estes últimos ainda não definidos. Existem dois pontos de encontro entre o AP1 e
o AP2, e mais cinco pontos de encontro após o AP2, onde foram distribuídos os
acordes condutores, ACs.
165
AP1
AC1
2 ACs
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
5 ACs
AC6
AC7

Fig. 102 – Localização dos ACs
Foi construída uma linha melódica para o baixo sobre os pontos de
encontro a partir do AP1, em direção ao AC7. A nota do baixo para os APs são os
mesmos por se tratar do mesmo acorde, sol mixolídio(b6). As notas para
construção da linha do baixo pertencem à tonalidade do modo escolhido:
AP1 AC1 AC2
AP2
AC3 AC4 AC5 AC6 AC7
Fig. 75 – linha do baixo
Após a definição das notas do baixo, o processo composicional da
progressão harmônica segue para a elaboração da modalidade dos acordes
condutores.
6.4.6 Contorno melódico
O processo de definição do contorno melódico através dos pontos
melódicos é uma abordagem adotada pelo autor da pesquisa para facilitar a
construção da melodia.
166
Os pontos melódicos são exatamente os pontos de encontro onde se
localizam os acordes pilares e os acordes condutores. Seguiu-se o seguinte
processo para definição das notas do contorno melódico:
• Observou-se que o número de figuras rítmicas dentro da série [3.3.1]
(totalmente retrógrado) é 18, exatamente o dobro do número de pontos de
encontro:
12345 6 7
8 9 10 11 12
13 14 15 16
17 18
Fig. 103 – número de figuras rítmicas dentre da série [3.3.1](totalmente retrógrado)
• Construiu-se uma linha melódica para as figuras rítmicas da série
utilizando-se da linha melódica do baixo. Neste caso, a linha melódica do baixo,
que contém 9 notas, teve de ser repetida completando as 18 figuras rítmicas:
123
Linha melódica do baixo
45 6 7
8910 11 12
Repetição da linha
13 14 15 16
17 18
Fig. 104 – linha melódica do baixo aplicada à série rítmica
• Estabeleceu-se que o contorno melódico seria definido a partir das
notas dos pontos melódicos, que são exatamente os pontos de encontro entre a
série e o ostinato, neste caso, entre as notas da série e as notas do baixo:
167



Fig. 105 – pontos de encontro entre as notas da série e as notas do baixo
Logo, o contorno melódico resultante do encontro entre as notas da
série e as notas do baixo compreende uma escala composta com notas do modo
que caracteriza o Cantos IV, sol mixolídio(b6):
AP1
AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
AC6
AC7
Fig. 106 – contorno melódico
Após a construção do contorno melódico, será possível a definição da
modalidade de cada acorde e consequentemente o desenvolvimento da
progressão harmônica.
6.4.7 Progressão harmônica
O processo de desenvolvimento da progressão harmônica no Cantos IV
é o mesmo adotado para o Cantos II: contraste entre as sonoridades clara/escura
dos modos.
Definimos previamente os dois pontos de encontro para o acorde pilar,
restando sete outros pontos onde se localizaram os acordes condutores. A partir
168
do conceito claro/escuro, definiu-se que o contorno harmônico do Cantos IV se
dará da seguinte maneira:
AP1
AC1 AC2
AP2
AC3 AC4 AC5 AC6 AC7
Fig. 107 – esboço do contorno harmônico do Cantos IV
Logo, a modalidade dos acordes condutores a partir do contraste entre
sonoridade clara/escura, além do processo de condução de vozes, estabeleceu a
seguinte progressão harmônica:
AP1
AC1
AC2
AP2
AC3
AC4
AC5
AC6
AC7
G mixo(b6)
Eb dórico(maj7)
D eólio
G mixo(b6)
C eólio
F frígio(6)
B alt.(6)
Eb jonio(b6)
D frígio(6)
Fig. 108 – progressão harmônica
6.4.8 Rítmica melódica, fórmula de compasso e esboço da composição
Seguindo o mesmo procedimento adotado para o Cantos I, a definição
da fórmula de compasso do Cantos IV se deu através da contextualização musical
da métrica poética a partir da quantidade de sílabas fortes e o número de sílabas
presentes entre cada sílaba forte. De acordo com esquema rítmico do poema,
E.R. 5(2-5), contabiliza-se um total de duas sílabas fortes presentes em cada
estrofe, distantes entre si por três sílabas poéticas, o que caracteriza um ritmo
ternário na locução. O ritmo ternário para as duas sílabas fortes dentro de uma
169
mesma estrofe foi interpretado pelo autor como sendo um compasso composto
representado pela fórmula de compasso 6/8 (seis por oito).
O desenvolvimento rítmico da melodia, denominada aqui de rítmica
melódica, será definido a partir da aplicação e adequação da estrutura polirrítmica
sobre a unidade de compasso, 6/8, onde será possível definir a quantidade de
compassos e conseqüentemente a distribuição dos acordes pilares e condutores
de acordo com a proporção definida para o ritmo harmônico.
O procedimento para a definição da estrutura polirrítmica a ser utilizada
como desenvolvimento rítmico da melodia está condicionado também à
interpretação da métrica poética, e independe da fórmula de compasso. Para o
Cantos IV, decidiu-se respeitar a unidade rítmica ternária presente na locução de
cada estrofe, optando dessa forma pela Série mesclada [3.3.1](totalmente
retrógrado), a mesma utilizada para a definição do ritmo harmônico. A
sobreposição dessa Série sobre a fórmula de compasso 6/8 gera um
deslocamento rítmico da Série em relação ao compasso, sendo necessário a
repetição da Série até o encontro do início do compasso com o início da Série. O
número de compassos vai ser definido a partir da adequação da Série em relação
à fórmula de compasso.
5
10
14
Fig. 109 – Sobreposição da série [3.3.1](totalmente retrógrado) sobre a fórmula de
compasso
170
A adequação da série em relação ao compasso define o número de
compassos do tema. Para o Cantos IV, contabiliza-se um total de 17 compassos,
decorrente de seis repetições da série.
Após a definição do número de compassos da passagem, é possível
distribuir os acordes pilares e condutores de acordo com a proporção definida para
o ritmo harmônico.
A célula geradora [3.3.1](totalmente retrógrado)[4], aplicada para a
localização dos acordes pilares e condutores, contém na sua estrutura 17 pulsos,
exatamente igual ao número de compassos da passagem. Dessa forma, podemos
relacionar cada pulso a cada compasso, criando a proporção de 1 para 1. O ritmo
harmônico e a distribuição dos acordes na passagem corresponderão,
proporcionalmente, à disposição dos pontos de encontro entre a série e o ostinato,
onde foram localizados os acordes pilares e condutores.
AP1
1
AC1
2
3
AC2
4
AP2
5
AC3
6
AC4
7
AC5
8
9
AC6
10
11
AC7
12
13
14
15
16
17
Fig. 110 – número de pulsos para o ostinato
Os acordes pilares e condutores serão distribuídos da seguinte forma:
AP 1 (Acorde pilar 1): Compasso 1
Ac 1 (Acorde condutor 1): Compasso 2 e 3
Ac 2 (Acorde condutor 2): Compassos 4
AP 2 (Acorde pilar 2): Compasso 5
Ac 3 (Acorde condutor 3): Compasso 6
Ac 4 (Acorde condutor 4): Compasso 7
Ac 5 (Acorde condutor 5): Compassos 8 e 9
171
Ac 6 (Acorde condutor 6): Compassos 10 e 11
Ac 7 (Acorde condutor 7): Compassos 12 a 17
1
G mixo(b6)
Eb dórico(maj7)
D eólio
G mixo(b6)
C eólio
F frígio(6)
8
B alt.(6)
Eb jonio(b6)
D frígio(6)


Fig. 111 – Distribuição dos acordes pilares e condutores
A próxima etapa é a sobreposição da Série sobre a passagem
harmonizada, que corresponde ao esboço da composição. A Série, que
compreende o desenvolvimento rítmico da melodia, é sobreposta à passagem
apoiada nas notas comuns dos acordes, definidos anteriormente como pontos
melódicos. Segue o esboço da composição:
172
5
9
13
16
Fig. 112 – Esboço da composição
173
6.4.9 Tema – Cantos IV
Foram compostas duas linhas melódicas independentes, com tessituras
diferentes, que se desenvolvem sobre o deslocamento rítmico da Série através de
motivos e resoluções melódicas. Apesar da independência das linhas, houve a
preocupação em criar uma relação de contraponto entre elas, uma vez que as
linhas já estão interligadas verticalmente em função da Série. Apesar da relação
de contraponto entre as melodias, elas não necessariamente devem ser
executadas simultaneamente. De fato, cada linha contempla o resultado sonoro
polirrítmico proposto nesse trabalho que pode ser observado a partir da execução
individual de cada linha sobre um pulso em ostinato.
174
G
mixo(b6)
Eb
dórico(maj7)
D
eólio
5
G
mixo(b6)
C
eólio
F
frígio(6)
B
alt.(6)
9
Eb
jônio(b6)
D
frígio(6)
13
16
Fig. 113 – tema Cantos IV
175
6.5 Cantos V
O processo composicional do Cantos V, assim como no Cantos III,
apresenta algumas peculiaridades no seu desenvolvimento harmônico e melódico
devido a não padronização da métrica poética dos versos. Contudo, mantém-se a
mesma adequação dos elementos lítero-musicais para definição da estrutura
polirrítmica, como nos Cantos anteriores.
6.5.1 Métrica poética
Neste Cantos, o autor apresenta um diálogo direto entre o Timbira e o
prisioneiro Tupi. O chefe Timbira ordena que libertem o guerreiro Tupi, lamentando
o sofrimento que a morte do guerreiro poderia causar para o velho índio, pai do
guerreiro, cego e desamparado na mata. A ordem do chefe Timbira gera um
grande estranhamento por parte de toda a tribo. O guerreiro Tupi, no entanto,
responde de forma enérgica afirmando que zela por sua honra e que voltaria para
ser sacrificado tão logo morresse o pai. O chefe Timbira ordena que não o faça,
pois a presença de um covarde entre os guerreiros de sua tribo poderia ser
ameaçadora. De acordo com a crença dos Timbiras, alimentar-se com a carne e o
sangue de um guerreiro de uma tribo inimiga é se apoderar de toda a força e
coragem do guerreiro. A alegação do pai doente e cego e o pedido para que seja
solto é encarado pelo Timbira como sinal de fraqueza, e dessa forma a carne e o
sangue do guerreiro Tupi seria uma ameaça aos guerreiros de sua tribo. O
guerreiro deixa a tribo como um derrotado, e parece temer às conseqüências da
provável decepção do pai diante de tal ato.
O autor não se prende a rimas e estrofes, mas mantém, ainda que de
forma irregular, versos decassílabos, como no Cantos III. Os versos possuem
células métricas irregulares
32
, caracterizados pela pouca musicalidade na leitura,
contribuindo para manter a atenção do leitor na trama central do Cantos. Vejamos
32
Número de sílabas poéticas existentes entre as sílabas tônicas.
177
a seguir a apresentação do Cantos V com a escansão dos versos e a
representação do esquema rítmico e da célula métrica:
Sol- tai-o! diz o che- fe. Pás- ma a tur- ba;
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (2-5-9) C.M. (3,4)
Os guer- rei- ros mur- mu- ram: mal ou- vi- ram,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
Nem po- de nun- ca um che- fe dar tal or- dem!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
Bra- da se- gun- da vez com voz mais al- ta,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (1-6-8-10) C.M. (5,2,2)
A- frou- xam- se as pri- sões, a em- bi- ra ce- de,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
178
A cus- to, sim; mas ce- de: o es- tra- nho é sal- vo.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
Tim- bi- ra, diz o in- dio en- ter- ne- ci- do,
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (2-5-9) C.M. (3,4)
Sol- to a- pe- nas dos nós que o se- gu- ra- vam:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
És um guer- rei- ro i- lus- tre, um gran- de che- fe,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (1-4-6-10) C.M. (3,2,4)
Tu que as- sim do meu mal te co- mo- vês- te,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (1-3-6-10) C.M. (2,3,4)
Nem so- fres que, trans- pos- ta a na- tu- re- za,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
179
Com o- lhos on- de a luznão cin- ti- la,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Cho- re a mor- te do fi- lho o pai can- as- do,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (1-6-8-10) C.M. (5,2,2)
Que so- men- te por seu na voz co- nhe- ce.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10 (3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
És li- vre; par- te.
1 2 3 4
E.R. 4(2-4) C.M. (2)
E vol- ta- rei.
1 2 3
E.R. 3 (2) C.M. (1)
De- bal- de.
1 2
E.R. 2(2) C.M. (1)
180
Sim, vol- ta- rei, mor- to meu pai.
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7 (1-4) C.M. (3)
Não vol- tes!
1 2
E.R. 2(2) C.M. (1)
É bem fe- liz, se e- xis- te, em que não - ja,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-10) C.M. (2,4)
Que fi- lho tem, qual cho- ra: és li- vre; par- te!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
A- ca- so tu su- pões que me a- co- bar- do,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Que re- ceio- mo- rrer!
1 2 3 4
E.R 4 (3) C.M. (1)
181
És li- vre; par- te!
1 2 3 4
E.R. 4(2-4) C.M. (2)
O- ra não par- ti- rei; que- ro pro- var- te
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-8-10) C.M. (5,2,2)
Que um fi- lho dos Tu- pis vi- ve com hon- ra,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
E com honra mai- or, se a- ca- so o vem- cem,
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (3-7-9) C.M. (4,2)
Da mor- te o passo glo-ri- oso a- fronta.
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (2-4-7) C.M. (2,3)
Men- tis- te, que um Tu- pi não cho- ra nun- ca,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
182
E tu cho- ras- te!... par- te; não que- re- mos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-10) C.M. (2,4)
Com car- ne vil em- fra- que- cer os for- tes.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
So- bres- te- ve o Tu- pi: ar- fan- do em on- das
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
O re- ba- ter do co- ra- ção se ou- via
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-8-10) C.M. (4,2)
Pré- - pi- te.- Do ros- to a- fo- guea- do
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (2-6) C.M. (4)
Ge- li- das ba- gas de suor cor- riam:
1 2 3 4 5 6 7 8
E.R. 8 (1-4-7) C.M. (3,3)
183
Tal- vez que o as- sal- ta- va um pen- as- men- to...
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (2-5-9) C.M. (3,4)
não... que na em- lu- ta da fan- ta- sia,
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (2-7) C.M. (5)
Um pe- sar, um mar- ti- rio ao mes- mo tem- po,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-10) C.M. (3,4)
Do vê- lho pai a mo- ri- bun- da i- ma- gem
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (4-7-9) C.M. (3,2)
Qua- se bra- dar-lhe ou- via: In- gra- to! In- gra- to!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-8-10) C.M. (2,2,2)
Cur- va- do o co- lo, ta- ci- tur- no e frio.
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9 (4-8) C.M. (4)
184
Es- pec- tro d'ho- mem, pe- ne- trou no bos- que!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
Todos os versos possuem um esquema rítmico e célula métrica
próprios. Embora existam semelhanças, os versos foram analisados
individualmente sem nenhuma relação com a estrofe ou outros versos. Os
esquemas rítmicos e as células métricas tiveram muita variação de valores, como
apresentado na escansão acima. O processo de elaboração da estrutura
polirrítmica para definição do ritmo harmônico e número de acordes será criado a
partir destes valores, como demonstrado no tópico a seguir.
6.5.2 Estrutura rítmica
Devido a grande diferença nos valores encontrados para o esquema
rítmico e células métricas do Cantos V, optou-se pela subcategoria Derivações
Rítmicas I (leituras) para adequação da metrificação.
Após análise dos resultados encontrados na metrificação do Cantos V,
optou-se por trabalhar com os valores das Células Métricas (C.M.) dos versos
para definição da estrutura serial. Os valores encontrados para as células métricas
foram 1, 2, 3, 4, e 5. Decidiu-se que, o valor 1 da C.M. corresponderá à figura
rítmica semicolcheia, assim como em todos os Cantos anteriores. As células que
compõem a estrutura serial serão baseadas nos valores das C.M. de cada verso
do Cantos, seguindo o mesmo processo adotado para o Cantos III. A seguir, a
seqüência de C.M. de cada verso e a estrutura serial, derivação rítmica, a partir
dos valores das C.M.:
185
(3,4) – (3,2,2) – (2,2,4) – (5,2,2) – (4,2,2) – (2,2,4) – (3,4)
(3,2,2) – (3,2,4) – (2,3,4) – (4,2,2) – (4,2,2) – (5,2,2)
(3,2,2) - (2) – (1) – (1) – (3) – (1) – (2,4) – (4,2,2) – (4,2,2)
(1) – (2) - (5,2,2) – (4,2,2) – (4,2) – (2,3) – (4,2,2)
(2,4) – (2,4,2) - (3,2,2) – (4,2) – (4) – (3,3)
(3,4) – (5) – (3,4) – (3,2) – (2,2,2) - (4) – (2,4,2)
Fig. 114 – Derivação rítmica encontrada a partir dos valores das C.M. de cada verso
A polimetria que melhor se contextualiza à metrificação do poema é a
segunda: série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em
compasso polimétrico.
186
Os versos do Cantos V são quase todos decassílabos. Desta forma,
optou-se em adotar um compasso polimétrico 10/16 (10 por 16) em ostinato, que
irá se opor à estrutura serial encontrada a partir dos valores das C.M. A rítmica do
ostinato foi construída com os valores proporcionais a [4] e [3]. Vejamos a seguir a
estrutura serial oposta ao compasso polimétrico em ostinato:
(3,4)
(3,2,2)
(2,2,4)
(5,2,2)
(4,2,2)
10/16
10/16
10/16
10/16
 
Fig. 115 - Série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em compasso
polimétrico.
A sobreposição da série sobre ostinato polimétrico gera um
deslocamento rítmico da Série em relação ao pulso do ostinato. Para o Cantos III,
decidiu-se repetir a série até o encontro do primeiro pulso da primeira célula
métrica com o primeiro pulso do ostinato, gerando um total de 10 repetições.
Contudo, para o Cantos V, optou-se em assumir como estrutura polirrítmica do
Cantos apenas a sobreposição da série sobre o ostinato. A compensação da
defasagem em função do deslocamento da série sobre o ostinato deu-se sob a
última célula métrica da derivação, (2,4,2), onde foi adotado um compasso em
187
9/16 (3,3,3) compensando a diferença. Veja-se a seguir a última célula métrica sob
compasso 9/16:
(3,4)
(3,2,2)
(2,2,4)
(5,2,2)
(4,2,2)
10/16
10/16
10/16
10/16
(3,4)
(5)
(3,4)
(3,2)
(2,2,2) (4)
(2,4,2)
10/16
10/16
10/16
9/16
Fig. 116 – Adequação da série sobre ostinato, compensado com o último compasso
9/16.
A adequação da série sobre o ostinato permite a localização dos pontos
de encontros para definição do número de acordes.
6.5.3 Número de acordes
O número de acordes na progressão está associado à quantidade de
pontos de encontro entre as células que compõem a série e o ostinato. Foram
identificados um total de 21 (vinte e um) pontos de encontro, correspondendo ao
total de 21 acordes na progressão:
188
Fig. 117 – Pontos de encontro
6.5.4 Centro modal e contorno harmônico
Definimos o modo Dórico como o centro modal do Cantos V. Para o
autor desta pesquisa, a qualidade emocional deste modo é caracterizada pelos
adjetivos ‘lamentação’, ‘angústia’. Para Miller (1996, p.29) o modo Dórico é
caracterizado pelos adjetivos ‘reflexivo’, ‘pensativo’.
O modo Dórico origina-se no segundo grau da escala maior tendo na
sua estrutura uma escala menor com quinta justa e sétima menor (IIm7) e as
extensões nona maior (9), décima primeira (11) e décima terceira maior (13),
conhecido também como ‘sus menor’ ou como acorde de So What, composição do
trompetista Miles Davis.
189
Fig. 118 – Estrutura do modo Dórico usado na composição So What.
6.5.5 Progressão harmônica
A progressão harmônica do Cantos V foi construída através do
desenvolvimento melódico da linha do baixo e do contraste entre modos claros e
escuros. Devido ao grande número de acordes, total de 21, decidiu-se em dividir a
progressão em 2 partes (A, B), contendo dez acordes para a parte A e 11 acordes
para a parte B.
Apesar da divisão da progressão, a linha do baixo foi construída sobre
um motivo melódico que se desenvolve durante toda a progressão:
Parte A
Parte B
Fig. 119 – Linha melódica do baixo – parte A e B
A partir da linha do baixo, foram construídos os acordes baseados no
conceito claro/escuro. Decidiu-se por um contorno harmônico em que o conceito
de claro/escuro abrangesse toda a progressão, e não apenas a relação entre
190
acordes. Observando a linearidade do diálogo existente no poema do Cantos V,
decidiu-se pelo seguinte contorno melódico:
claro
escuro
claro
escuro
claro
Fig. 120 – Contorno harmônico do Cantos V baseado no conceito claro/escuro
Os motivos melódicos na linha do baixo, construídos a partir do grupo
de três notas, foram usados como referências para o desenvolvimento do contorno
harmônico. Para cada motivo melódico foi estabelecida uma modalidade,
respeitando o contorno harmônico:
claro
Dórico(maj7)
Eólio
escuro
Dórico
Lídio
claro
escuro
Frígio
Eólio
Dórico
Sus
Dór(maj7)
claro
Fig. 121 – Contorno harmônico baseado nos modos
191
A partir da definição dos modos para cada grupo melódico, foram
construídos os acordes da progressão sobre as notas da linha do baixo:
Dor(maj7)
Sus(b9)
Dor(maj7)
Eolio
Sus(b13)
Eolio
Dorico
Sus(b9)
Dorico
Lidio
Frigio
Sus(b5)
Frigio
Eolio
Sus(b13)
Eolio
Dorico
Sus(b9)
Dorico
Sus(b9)
Dorico(maj7)

Fig. 122 – Progressão harmônica
O desenvolvimento da composição prossegue com a definição das
fórmulas de compasso e do ritmo harmônico através da distribuição dos acordes
sobre os pontos de encontros.
6.5.6 Fórmula de compasso
Foi estipulado que a fórmula de compasso para o Cantos seguiria as
C.M. dos versos. Dessa forma, as duas linhas resultantes da sobreposição da
estrutura serial ao ostinato serão regidas por apenas uma estrutura de compasso,
onde o deslocamento estará presente na notação do ostinato. Vejamos a seguir as
fórmulas de compasso para a estrutura serial, derivação rítmica, do Cantos:
192















































Fig. 123 – Fórmula de compasso para a estrutura serial
Vejamos a seguir estrutura serial oposta ao ostinato em compasso
polimétrico 10/16:
193
















10/16
10/16
10/16
10/16













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
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

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
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

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










10/16
10/16
9/16
Fig. 124 – Estrutura serial sobre compasso polimétrico
194
O processo composicional segue para o desenvolvimento do esboço
da composição, onde os acordes serão localizados dentro da estrutura definindo o
ritmo harmônico:














6












11














17














23
















30












 


36













Fig. 125 – Esboço da composição
195
6.5.7 Tema - Cantos V
Foi desenvolvido o tema a partir do esboço da composição. Após o
desenvolvimento do tema, houve uma adequação nas fórmulas de compasso em
função do ritmo harmônico e da linha melódica do baixo. Vejamos a seguir o tema
desenvolvido e, na seqüência, a adequação das fórmulas de compasso:


















Ador(maj7)
Gsus(b9)
Ador(maj7)
Geolio





6













Fsus(b13)
Geolio
Fdorico






10












Ebsus(b9)
Fdorico
EbLidio
F#Frigio




14
























Esus(#4)



196



22


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









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
F#Frigio
Eeolio
3




27








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
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
Dsus(b13) Eeolio

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

31






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









Ddorico
Csus(b9)



37















Ddorico
Dbsus(b9)
Bdorico(maj7)
Fig. 126 – Tema desenvolvido a partir do esboço da composição
197
A seguir a adequação das fórmulas de compasso a partir do ritmo
harmônico e da linha melódica do baixo:
















Ador(maj7)
Gsus(b9)
Ador(maj7) Geolio



8






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
Fsus(b13)
Geolio

Fdorico
Ebsus(b9)


14

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



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
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Fdorico
EbLidio
F#Frigio


19

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
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Esus(#4)

F#Frigio

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24
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Eeolio
3
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30
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
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
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
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

Dsus(b13) Eeolio
Ddorico


36

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





Csus(b9)


40




Ddorico
Dbsus(b9)
Bdorico(maj7)
Fig. 127 – Tema do Cantos V
198
6.6 Cantos VI
O processo composicional do Cantos VI, assim como no Cantos III e no
Cantos V, apresenta algumas peculiaridades no seu desenvolvimento harmônico e
melódico em função da não padronização da métrica poética dos versos. Contudo,
mantém-se a mesma adequação dos elementos lítero-musicais para definição da
estrutura polirrítmica, como nos Cantos anteriores.
6.6.1 Métrica poética
Neste Cantos, o autor narra o encontro do guerreiro com o pai. É a
primeira vez que o autor apresenta o pai, exatamente como descrito pelo filho
durante o seu canto de morte: cego e quebrado (I Juca Pirama, Cantos IV, linha
159). O pai pergunta o motivo da demora do jovem, já que “não era nado o sol,
quando partiste, e frouxo o seu calor já sinto agora!” (linhas 248-249). Este trecho
demonstra que, devido à cegueira, o velho tupi se orienta pelo calor do sol. O
jovem responde que havia se perdido nas matas desconhecidas e insiste para que
partam prontamente. O velho pai percebe o estado alterado do filho e desconfia
que algo grave possa ter acontecido. Ao tocar o filho, o velho índio reconhece as
tintas e os ornamentos usados em rituais de sacrifício. Nos versos 276-280, o
velho tenta rejeitar a “visão” levando as mãos aos olhos. A decepção que parece
iminente faz com que ele tema enxergar a verdade com os próprios olhos. A partir
do verso 291, o pai prossegue o interrogatório, buscando justificativa para o fato
de o filho ainda estar vivo. O jovem guerreiro confessa que índios Timbiras haviam
libertado-o após saberem da existência de seu pai, que do filho muito dependia.
Ao fim do Cantos, o velho tupi pede para que partam na direção do acaso (linha
304), o que vem a ser a aldeia Timbira.
O autor não se prende a rimas e estrofes, mas mantém, ainda que de
forma irregular, versos decassílabos, como no Cantos III e no Cantos V. Os versos
199
possuem células métricas irregulares, caracterizados pela pouca musicalidade na
leitura, contribuindo para manter a atenção do leitor na trama central do Cantos.
Vejamos a seguir a apresentação do Cantos VI com a escansão dos versos e a
representação do esquema rítmico e da célula métrica:
Fi- lho meu, on- de es- tás?
1 2 3 4 5 6
E.R. 6(3-6) C.M. (3)
Ao vos- so la- (do;)
1 2 3 4
E.R. 4(2-4) C.M. (2)
A- qui vos tra- go pro- vi- sões; to- mai- (as),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
As vos- sas for- ças res- tau- rai per- di- (das,)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
200
E a ca- mi- nho, e !
1 2 3 4 5
E.R. 5(3-5) C.M. (2)
Tar- das- te mui- (to!)
1 2 3 4
E.R 4(1-4) C.M. (3)
Não e- ra na- do o sol, quan- do par- tis- (te,)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
E frou- xo o seu ca- lorsin- to a- go- (ra!)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Sim de- mo- rei- me a di- va- gar sem ru- (mo),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-8-10) C.M. (3,4,2)
Per- di- me nes- tas ma- tas in- trin- ca- (das),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
201
Re- avi- ei- me e tor- nei; mas ur- ge o tem- (po);
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
Con- vém par- tir, e !
1 2 3 4 5 6
E.R. 6(2-4-6) C.M. (2,2)
Que no- vos ma- (les)
1 2 3 4
E.R. 4(2-4) C.M. (2)
Nos res- ta de so- frer? - que no- vas do- (res),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Que ou- tro fa- do pi- or Tu- nos guar- (da)?
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
202
As se- tas da a- fli- çãose es- go- ta- (ram),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Nem pa- ra no- vo gol- pe es- pa- ço in- tac- (to)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Em nos- sos cor- pos res- (ta).
1 2 3 4 5 6
E.R. 6(2-4-6) C.M. (2,2)
Mas tu tre- (mes)!
1 2 3
E.R. 3(1-3) C.M. (2)
Tal- vez do a- da ca- (ça)....
1 2 3 4 5 6
E.R. 6(2-4-6) C.M. (2,2)
203
Oh fi- lho ca- (ro)!
1 2 3 4
E.R. 4(2-4) C.M. (2)
Um quê mis- te- ri- o- so a- qui me fa- (la),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
A- qui no co- ra- ção; pie- do- sa frau- (de)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Se- por cer- to, que não men- tes nun- (ca)!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
Não co- nhe- ces te- mor, e a- go- ra te- (mes)?
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
204
- jo e sei: é Tu- que nos a- fli- (ge),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M. (2,3,4)
E con- tra o seu que- rer não va- lem brios.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Par- ta- (mos)!...
1 2
E.R. 2(2) C.M. (1)
E com mão tre- mu- la, in- cer- (ta)
1 2 3 4 5 6 7 8
E.R. 8(4-8) C.M. (4)
Pro- cu- ra o fi- lho, ta- te- an- do as tre- (vas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
205
Da su- a noi- te - gu- bre e me- do- (nhá).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
Sen- tin- do o a- cre o- dor das fres- cas tin- (tas),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-8-10) C.M. (2,2,2)
U- ma i- dei- a fa- tal o- co- rreu- lhe à men- (te)..
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
E.R. 11(3-6-9-11) C.M. (3,3,2)
Do fi- lho os mem- bros ge- li- dos a- pal- (pa),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
E a do- lo- ro- sa ma- ci- ez das plu- (mas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-8-10) C.M. (3,4,2)
206
Co- nhe- ce es- tre- me- cen- do: fo- ge, vol- (ta),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
En- con- tra sob as mãos o du- ro crâ- (nio),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (2,4,2)
Des- pi- do en- tão do na- tu- ral or- na- (to)!...
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
Re- cu- a a- fli- to e - vi- do, co- brin- (do)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M. (2,2,4)
Às mãos am- bas os o- lhos ful- mi- na- (dos),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
207
Co- mo que te- me a- in- da o tris- te ve- (lho)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-6-10) C.M. (3,2,4)
De ver, não mais cru- el, po- rém mais cla- (ra),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
Da- que- le e- - cio gran- de a i- ma- gem vi- (va)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-8-10) C.M. (2,2,2)
An- te os o- lhos do cor- po a- fi- gu- ra- (da).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M. (2,3,4)
Não e- ra que a ver- da- de co- nhe- ce- (sse)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
In- tei- ra e tão cru- el qual ti- nha si- (do);
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
208
Mas que fu- nes- to a- zar co- rre- ra o fi- (lho),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-8-10) C.M. (2,2,2)
E- le o via; e- le o ti- nha a- li pre- sen- (te);
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
E e- ra de re- pe- tir- se a ca- da ins- tan- (te).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-8-10) C.M. (5,2,2)
A dor pas- sa- da, a pre- vi- são fu- tu- (ra)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
E o pre- sen- te tão ne- gro, a- li os ti- (nha);
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M. (3,2,2)
A- li no co- ra- ção se con- cen- tra- (va),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M. (4,2,2)
209
E- ra num pon- to , mas e- ra a mor- (te)!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-6-10) C.M. (3,2,4)
Tu pri- sio- nei- ro, tu?
1 2 3 4 5 6
E.R. 6(1-4-6) C.M. (5,2)
Vós o dis- ses- (tes).
1 2 3 4
E.R. 4(1-4) C.M. (3)
Dos in- (dios)?
1 2
E.R. 2(2) C.M. (1)
Sim.
1
E.R. 1(1) C.M. (1)
De que na- ção?
1 2 3 4
E.R. 4(2-4) C.M. (2)
210
im- bi- (ras).
1 2
E.R. 2(2) C.M. (1)
E a mu- çu- ra- na fu- ne- ral rom- pes- (te),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-8-10) C.M. (3,4,2)
Dos fal- sos ma- ni- tôs que- bras- te a ma- ça...
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
E.R. 11(2-6-8-11) C.M. (4,2,3)
Na- da fiz... a- qui es- tou.
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(1-3-5-7) C.M. (2,2,2)
Na- da!
1
E.R. 1(1) C.M. (1)
E- mu- de- (cem);
1 2 3
E.R. 3(3) C.M. (1)
211
Cur- to ins- tan- te de- pois pros- se- gue o - (lho):
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M. (2,3,4)
Tu és va- len- te, bem o sei; con- fes- (sa),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
Fi- zes- te-o, cer- to, ou já não fo- ras vi- (vo)!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M. (2,4,2)
Na- da fiz; mas sou- be- ram da e- xis- tên- (cia)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-8-10) C.M. (5,2,2)
De um po- bre ve- lho, que em mim só vi- via....
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-7-10) C.M. (2,3,3)
E de- pois?...
1 2 3
E.R. 3(3) C.M. (1)
212
Eis- me a- qui.
1 2 3
E.R. 3(1-3) C.M. (2)
Fi- ca es- sa ta- (ba)?
1 2 3 4
E.R. 4(1-4) C.M. (3)
Na di- re- ção do sol, quan- do trans- mon- (ta).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-10) C.M. (2,4,2)
Lon- (ge)?
1
E.R. 1(1) C.M. (2,4,2)
Não mui- (to).
1 2
E.R. 2(2) C.M. (1)
Tens ra- zão: par- ta- (mos).
1 2 3 4 5
E.R. 5(1-3-5) C.M. (2,2)
213
E que- reis (ir)?...
1 2 3
E.R. 3(3) C.M. (1)
Na di- re- ção do a- ca- (so).
1 2 3 4 5 6
E.R. 6(4-6) C.M. (2)
Assim como Cantos III e V, todos os versos possuem um esquema
rítmico e célula métrica próprios. Embora existam semelhanças, os versos foram
analisados individualmente sem nenhuma relação com a estrofe ou outros versos.
Os esquemas rítmicos e as células métricas tiveram muita variação de valores,
como apresentado na escansão acima. O processo de elaboração da estrutura
polirrítmica para definição do ritmo harmônico e número de acordes será criado a
partir destes valores.
6.6.2 Estrutura polirrítmica
Devido a grande diferença nos valores encontrados para o esquema
rítmico e células métricas do Cantos VI, optou-se pela subcategoria Derivações
Rítmicas I (leituras) para adequação da metrificação, a mesma adotada para o
Cantos III e V.
Após análise dos resultados encontrados na metrificação do Cantos VI,
optou-se por trabalhar com os valores das Células Métricas (C.M.) dos versos
para definição da estrutura serial, seguindo o mesmo processo adotado para o
214
Cantos III e V. A seguir, a seqüência de C.M. de cada verso e a estrutura serial,
derivação rítmica, a partir dos valores das C.M.:
(3) – (2) – (2,4,2) – (2,4,2) – (2) – (3) – (2,2,4) – (4,2,2) – (3,4,2)
(2,2,4) – (3,2,2) – (2,2) – (2) – (4,2,2) – (3,2,2) – (4,2,2) – (4,2,2) – (2,2)
(2) – (2,2) – (2) – (4,2,2) – (4,2,2) – (2,4,2) – (3,2,2) – (2,3,4) – (4,2,2)
(1) – (4) – (2,4,2) – (2,2,4) – (2,2,2) – (3,3,20 – (2,2,4) – (3,4,2) – (4,2,2)
(2,4,2) – (2,4,2) – (2,2,4) – (3,2,2) – (3,2,4) – (4,2,2) – (2,2,2) – (2,3,4)
(4,2,2) – (4,2,2) – (2,2,2) – (3,2,2) – (5,2,2) – (2,4,2) – (3,2,2) – (4,2,2)
(3,2,4) – (5,2) – (3) – (1) – (1) – (2) – (1) – (3,4,2)
(4,2,3) – (2,2,2) – (1) – (1) – (2,3,4) – (2,4,2) – (2,4,2) – (5,2,2)
(2,3,3) – (1) – (2) – (3) – (2,4,2) – (1) – (2,2) – (1) – (2)
   
 
 
Fig. 128 – Derivação rítmica encontrada a partir dos valores das C.M. de cada verso
215
A polimetria que melhor se contextualiza à metrificação do poema é a
segunda: série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em
compasso polimétrico.
Os versos do Cantos VI são quase todos decassílabos. Desta forma,
optou-se em adotar um compasso polimétrico 10/16 (10 por 16) em ostinato, que
irá se opor à estrutura serial encontrada a partir dos valores das C.M. A rítmica do
ostinato foi construída com os valores proporcionais a [2] e [4]. Vejamos a seguir a
estrutura serial oposta ao compasso polimétrico em ostinato:
216
(3)
10/16
(2)
(2,4,2)
10/16
(2,4,2)
 
 
 
 
 
Fig. 129 - Série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em compasso
polimétrico.
217
A sobreposição da série sobre ostinato polimétrico gera um
deslocamento rítmico da Série em relação ao pulso do ostinato. Para o Cantos VI,
assim como para o Cantos V, optou-se em assumir como estrutura polirrítmica do
Cantos apenas a sobreposição da série sobre o ostinato. A compensação da
defasagem do deslocamento da série sobre o ostinato para o Cantos VI ocorreu
sob as três últimas células métricas da derivação (2,2) – (1) – (2), onde foi adotado
um compasso 11/16 (2,2,2,5), compensando a diferença.
218
(3)
10/16
(2)
(2,4,2)
10/16
(2,4,2)
 
 
 
 
11/16
(2,2)
 
(1)
(2)
Fig. 130 – Adequação da série sobre ostinato, compensado com o último compasso
11/16.
219
A adequação da série sobre o ostinato permite a localização dos
pontos de encontros para definição do número de acordes.
6.6.3 Número de acordes
O número de acordes na progressão está associado à quantidade de
pontos de encontro entre as células que compõem a série e o ostinato. Para o
Cantos VI, optou-se por corresponder ao número de acordes apenas os pontos de
encontro que se localizavam no início da célula métrica, e não mais a todos os
pontos. Foram identificados um total de 31 (trinta e um) pontos de encontro,
correspondendo ao total de 31 acordes na progressão:
220
 
 
 
Fig. 131 – Pontos de encontro
221
6.6.4 Centro modal e contorno harmônico
Definimos o modo Lídio como o centro modal do Cantos V. Para o autor
desta pesquisa, a qualidade emocional deste modo é caracterizada pelos adjetivos
‘observador’, atento’, ‘eminência de combate’.
O modo Lídio origina-se no quarto grau da escala maior tendo na sua
estrutura uma escala maior com sétima maior, e as extensões nona maior (9),
décima primeira aumentada (#11) e décima terceira maior (13). Este acorde pode
ser encontrado nas composições Inner Urge, Afro Centric e Gazelle do saxofonista
Joe Henderson; Brite Piece do saxofonista David Liebman; e Teru do saxofonista
Wayne Shorter.
Fig. 132 – Estrutura do modo Lídio
6.6.5 Progressão harmônica
Devido ao grande número de acordes, optou-se por dividir a progressão
em três partes, A-B-A’, sendo que a parte A contém 10 acordes, a parte B contém
10 acordes e a parte A’ contém 11 acordes, completando o total de 31 acordes. O
centro modal da parte A é Lidio, na tonalidade Si bemol; o centro modal da parte B
é Lídio(b7) na tonalidade de F; e o centro modal da parte A’ é Lídio, na tonalidade
de Si bemol.
Si bemol Lídio Fá Lídio(b7) Si bemol Lídio
Parte A Parte B Parte A'
222
Os acordes de cada parte foram construídos a partir do
desenvolvimento melódico da linha do baixo e do contraste entre modos claros e
escuros.
A linha do baixo compreende as notas do modo referente à cada parte
da progressão.
Parte A - Si bemol Lídio
Parte B - Fá Lídio(b7)
Parte A' - Si bemol Lídio
Fig. 133 – Linha melódica do baixo – parte A, B e A’
A partir da linha do baixo, foram construídos os acordes baseados no
conceito claro/escuro. A partir da linearidade do diálogo entre pai e filho presente
no Cantos VI, decidiu-se pelo seguinte contorno melódico para as partes A, B e A’:
Parte A
Parte B
223
Parte A'
Fig. 134 – Contorno harmônico das partes A, B e A’ do Cantos VI baseado no conceito
claro/escuro
Logo, baseado no conceito claro/escuro, construiu-se a seguinte
progressão harmônica:
Bb Lídio
Parte A
A Frígio
E Eólio(b5)
C Dórico
D Frígio
A Mixo(b9)
Bb Lídio
A Frígio
E Eólio(b5)
C Sus4
F Lídio(b7)
Parte B
B Dórico
Eb Lídio
A sus4(13)
G Frígio
D Eólio
Eb Frígio
C sus4(13)
D Eólio(b5)
A Mixo(b9)
Bb Lídio
Parte A'
A Frígio
E Eólio(b5)
C Dórico
D Frígio
A Mixo(b9)
Bb Lídio
A Frígio
E Eólio(b5)
C Dórico
D sus(b13)
Fig. 135 – Progressão harmônica
224
O desenvolvimento da composição prossegue com a
definição das
fórmulas de compasso e do ritmo harmônico através da distribuição dos acordes
sobre os pontos de encontros.
6.6.6 Fórmula de compasso
Foi estipulado que a fórmula de compasso para o Cantos seguiria as
C.M. dos versos. Dessa forma, as duas linhas resultantes da sobreposição da
estrutura serial ao ostinato serão regidas por apenas uma estrutura de compasso,
onde o deslocamento estará presente na notação do ostinato. Vejamos a seguir as
fórmulas de compasso para a estrutura serial, derivação rítmica, do Cantos:
225

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
Fig. 136 – Fórmula de compasso para a estrutura serial
226
Vejamos a seguir estrutura serial oposta ao ostinato em compasso
polimétrico 10/16:
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
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
 
Fig. 137 – Estrutura serial sobre compasso polimétrico
227
O processo composicional segue para o desenvolvimento do esboço da
composição, onde os acordes serão localizados dentro da estrutura definindo o
ritmo harmônico:
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228
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Fig. 138 – Esboço da composição
6.6.7 Tema - Cantos VI
Foi desenvolvido o tema a partir do esboço da composição.
229
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Bb Lídio
A Frígio
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E Eólio(b5)
C Dórico
D Frígio
A Mixo(b9)
Bb Lídio
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A Frígio
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E Eólio(b5)
C Sus4
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F Mixo(b9)
B Dorico Eb Lídio
A sus4
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G Frígio
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44
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D Eólio
Eb Frígio
C sus4
230
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D Eólio(b5)
A Mixo(b9)
Bb Lídio
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56
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A Frígio
E Eólio(b5)
C Dórico
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D Frígio
A Mixo(b9)
Bb Lídio
A Frígio
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E Eólio(b5)
C Dórico
D Sus
Fig. 139 – Tema desenvolvido a partir do esboço da composição
231
6.7 Cantos VII
Após análises e experimentações, o processo composicional prossegue
com a definição de outro modo polimétrico
33
, denominado Oposições Métricas I,
para adequação dos elementos do poema à estrutura polirrítmica.
6.7.1 Métrica poética
Neste Cantos, o autor apresenta um confronto em forma de diálogo
entre o velho pai e o chefe dos Timbiras. O velho índio Tupi inicia o diálogo
reconhecendo que a libertação do filho havia sido um ato de cortesia de grande
generosidade por parte da tribo inimiga, mas que a tradição deveria ser mantida.
Assim, o velho Tupi entrega o filho ao Timbiras e exige que o ritual de morte seja
cumprido. O chefe dos Timbiras retruca e nega o pedido dizendo que a razão para
libertação do guerreiro Tupi deve-se a sua covardia diante dos Timbiras, uma vez
que ele “chorou de cobarde” (I Juca Pirama, Cantos VII, linha 341) durante o seu
canto de morte. Após o discurso, cheio de emoção por parte do Timbira, o autor
descreve no último parágrafo do Cantos a transformação interna que se passa
com o velho Tupi, e prepara o leitor para a furiosa reação do velho pai contra o
seu único filho.
O autor não se prende a rimas e estrofes, mas mantém versos
heptassílabos (7 versos). Os versos possuem células métricas irregulares, de
pouca musicalidade, contribuindo para manter a atenção do leitor na trama central
do Cantos. Vejamos a seguir a apresentação do Cantos VII com a escansão dos
versos e a representação do esquema rítmico e da célula métrica:
33
O termo modo polimétrico é utilizado por Rodrigues (RODRIGUES, Indioney Carneiro. O gesto
pensante: a proposta de educação rítmica de José Eduardo Gramani. 2001. 366 f. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2001) para indicar as
espécies de elaboração aritmética utilizadas por Gramani para confecção dos seus estudos
rítmicos.
233
Por a- mor de um tris- te - (lho),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Que ao ter- mo fa-talche- (ga),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (3,2)
Vós, guer- rei- ros, con- ce- dês- (tes)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
A vi- da a um pri- sio- nei- (ro).
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
A- ção tão no- bre vos hon- (ra),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Nem tão al- ta cor- te- si- (a)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
234
Vi eu ja- mais pra- ti- ca- (da)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
En- tre os Tu- pis, - e mas fo- (ram)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Se- nho- res em gen- ti- - (za).
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (3,2)
"Eu po- rém nun- ca ven- ci- (do),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Nem nos com- ba- tes por ar- (mas),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Nem por no- bre- za nos a- (tos);
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
235
A- qui ve- nho, e o fi- lho tra- (go).
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Vós o di- zeis pri- sio- nei- (ro),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(1-4-7) C.M. (3,3)
Se- ja as- sim co- mo di- ze- (is);
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Man- dai vir a - nha, o fo- (go),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (3,2)
A ma- ça do sa- cri- - (cio)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
E a mu- çu- ra- na li- gei- (ra):
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
236
Em tu- do o ri- to se cum- (pra)!
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
E quan- do eu for só na ter- (ra),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Cer- to a- cha- rei en- tre os vos- (sos),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Que tão gen- tis se re- ve- (lam),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Al- guém que meus pás- sos gui- (e);
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (3,2)
Al- guém, que ven- do o meu pei- (to)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
237
Co- ber- to de ci- ca- tri- (zes),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (2,2)
To- man- do a vez de meu fi- (lho),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
De há- ver- me por se u- fa- (ne)!"
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Mas o che- fe dos Tim- bi- (ras),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Os so- bro- lhos em- crês- pan- (do),
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Ao ve- lho Tu- pi guer- rei- (ro)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (3,2)
238
Res- pon- de com tor- vo a- cen- (to):
1 2 3 4 5 6 7
E.R 7(2-5-7) C.M. (3,2)
Na- da fa- rei do que di- (zes):
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(1-4-7) C.M. (3,3)
É teu fi- lho im- be- le e fra- (co!)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(3-5-7) C.M. (2,2)
A- vil- ta- ria o tri- un- (fo)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Da mais guer- rei- ra das tri- (bos)
1 2 3 4 5 6 7
E.R 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Der- ra- mar seu ig- - bil san- (gue:)
1 2 3 4 5 6 7
E.R 7(3-5-7) C.M. (2,2)
239
E- le cho- rou de co- bar- (de;)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(1-4-7) C.M. (3,3)
Nós ou- tros, for- tes Tim- bi- (ras,)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Só de he- róis fa- ze- mos pas- (to.)
1 2 3 4 5 6 7
E.R 7(3-5-7) C.M. (2,2)
Do ve- lho Tu- pi guer- rei- (ro)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-5-7) C.M. (3,2)
A sur- da voz na gar- gan- (ta)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Faz ou- vir uns sons con- fu- (sos,)
1 2 3 4 5 6 7
E.R 7(3-5-7) C.M. (2,2)
240
Co- mo os ru- gi- dos de um ti- (gre,)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Que pou- co a pou- co se a- ssa- (nha!)
1 2 3 4 5 6 7
E.R. 7(2-4-7) C.M. (2,3)
Assim como no Cantos III, V e VI, todos os versos do Cantos VII
possuem célula métrica próprios. Contudo, observou-se que as C.M. de todos os
versos do Cantos VII podem ser resumidos em quatro grupos:
C.M. (2,2) C.M. (3,2) C.M. (2,3) C.M. (3,3)
O versos do Cantos VII possuem sete sílabas poéticas com apenas
quatro disposições para as sílabas tônicas, gerando os quatro grupos de C.M.
demonstrados acima. A partir desta constatação, o processo de elaboração da
estrutura polirrítmica para definição do ritmo harmônico e número de acordes
seguiu outro procedimento. Optou-se não mais pelas Séries, mas pelo modo
polimétrico ‘Oposições Métricas I’ como a estrutura polirrítmica a ser utilizada no
processo composicional do tema.
6.7.2 Estrutura rítmica
De acordo com a metrificação do Cantos VII, optou-se pela
subcategoria Derivações Rítmicas II (combinatórias) para adequação dos valores
das células métricas encontrados nos versos.
241
O grupo que compõe a subdivisão da subcategoria Derivações Rítmicas
II (combinatórias), definido como ‘Derivações rítmicas em combinatórias opostas a
um ostinato rítmico em compasso polimétrico’ é a polimetria que melhor se adequa
à métrica poética do Cantos VII. O autor deste trabalho interpretou cada uma das
quatros células métricas (C.M.) encontradas nos versos como células rítmicas
(C.R.):
C.M. (2,2) - C.R.
C.M. (3,2) - C.R.
C.M. (2,3) - C.R.
C.M. (3,3) - C.R.
A combinação das C.M. (2,2) + (3,3) e (2,3) + (3,2) formam duas
estruturas de valores iguais a 10. Quando interpretados como C.R., encontramos
duas derivações rítmicas de compasso 10/16:


Fig. 140 – derivação rítmica para as C.M. (2,2) e (3,3)


Fig. 141 – derivação rítmica para as C.M. (2,3) e (3,2)
As duas derivações rítmicas foram sobrepostas a um compasso 7/16
em ostinato, que por sua vez foi originado a partir da quantidade de sílabas
242
poéticas dos versos que compõem o Cantos VII. A sobreposição das derivações
rítmicas ao compasso em ostinato gera um deslocamento em relação ao pulso do
ostinato. Para o Cantos VII, decidiu-se repetir as duas derivações rítmicas até o
encontro da primeira derivação com o primeiro pulso do compasso em ostinato,
gerando um total de 14 repetições:
7/16
10/16
7/16
10/16
7/16
10/16
7/16
Fig. 142 – sobreposição das derivações rítmicas em 10/16 ao compasso 7/16 em
ostinato
O processo composicional segue para definição da fórmula de
compasso e número de acordes.
243
6.7.3 Fórmula de compasso e número de acordes
Para o Cantos VII, optou-se por um outro procedimento para definição
da fórmula de compasso e número de acordes. Após várias observações e
experimentações, decidiu-se que a fórmula de compasso corresponderia ao
agrupamento das duas derivações, resultando em um compasso 5/4:
10/16
10/16
Fig. 143 – compasso 5/4 para duas derivações rítmicas
Logo, a adequação das duas derivações rítmicas e do ostinato à
fórmula de compasso 5/4 apresenta a seguinte estrutura:
5/4
5/4
5/4
5/4
5/4
5/4
5/4
Fig. 144 – adequação da derivação rítmica ao compasso 5/4
244
Decidiu-se que os acordes seriam localizados nos pontos de encontros
existentes somente no primeiro pulso de cada compasso. A partir deste
procedimento, foram encontrados um total de cinco pontos de encontros,
correspondendo ao total de cinco acordes para o tema do Cantos VII:
5/4
5/4
5/4
5/4
5/4
5/4
5/4
Fig. 145 – pontos de encontro
A partir da definição da fórmula de compasso e do número de acordes,
o processo composicional seguiu para o desenvolvimento da progressão
harmônica.
6.7.4 Centro modal
Definimos o modo Eólio
como o centro modal que melhor representa a
trama do Cantos VII.
245
6.7.5 Progressão harmônica
Foi construída uma linha melódica para o baixo com cinco notas para
definição dos acordes da progressão. Com a prévia definição do modo, construiu-
se uma linha para o baixo no modo Eólio, tonalidade de Fá:
Fig. 146 – linha de baixo
A partir da linha do baixo, decidiu-se por um contorno harmônico
baseado no conceito claro/escuro entre os acordes, este por sua vez baseado no
desenrolar do diálogo presente no texto do Cantos:
Fig. 147 – contorno harmônico
A progressão harmônica foi construída respeitando o contorno
harmônico, privilegiando o modo Eólio para a construção dos acordes:
F eolio
Ab dorico
G eolio
Db eolio
C frígio
Fig. 148 – progressão harmônica
246
Logo, a localização dos acordes sobre a estrutura polirrítmica resulta no
esboço da composição, última etapa antes do desenvolvimento do tema:
F eolio
Ab dorico
G eolio
Db eolio
C frigio

 
Fig. 149 – esboço da composição
247
6.7.6 Tema - Cantos VII
F eolio
Ab dorico
G eolio
Db eolio
C frigio
Fig. 150 – tema do Cantos VII
248
6.8 Cantos VIII
O processo composicional para o Cantos VIII se iguala ao do Cantos I
no que diz respeito à adequação dos elementos lítero-musicais para definição da
estrutura polirrítmica. O que difere é o processo de definição dos elementos
harmônicos e melódicos que, como demonstrado no Cantos I, se adequam à
estrutura polirrítmica definida a partir dos elementos lítero-musicais de cada
Cantos.
6.8.1 Métrica poética
A metrificação adotada por Gonçalves Dias para o Cantos VIII segue o
mesmo processo de construção adotada para o Cantos I. Todos os versos que
compõem as três estrofes do Cantos VIII foram construídos a partir do mesmo
esquema rítmico: E.R. 9(3-6-9). Vejamos a seguir a primeira estrofe do Cantos:
Tu cho- ras- te em pre- sen- ça da mor (te?)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
Na pre- sen- ça de es- tra- nhos cho- ras (te?)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
Não des- cen- de o co- bar- de do for (te;)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
249
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
Pois cho- ras- te, meu fi- lho não és!
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
Pos- sas tu, des- cen- den- te mal- di (to)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
De u- ma tri- bo de no- bres guer- rei (ros,)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
Im- plo- ran- do cru- éis fo- ras- tei (ros,)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
Se- res pre- sa de vis Ai- mo- rés.
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(3-6-9) C.M. (3,3)
250
6.8.2 Estrutura rítmica
Para o Cantos VIII, optamos pela primeira frase da Série [3.2]:
Fig. 151 – 1ª. frase da série [3.2]
De acordo com a interpretação do autor, a C.M. (3.3) sugere uma célula
geradora [3.2] para a série. O E.R. 9(3-6-9) sugere, em função da quantidade de
sílabas tônicas, uma unidade de tempo ternária que irá se opor à série em forma
de ostinato. O conceito de ternário e quaternário na estrutura rítmica serial está
relacionado ao princípio de proporcionalidade. Como explicado anteriormente, a
Série é obtida através de adições progressivas, sempre restritas aos valores que
compõem a célula rítmica geradora. O número [3.2][3] indica a proporção de 3
para 2 sobre 3, que em termos de notação musical será representada, nesse
caso, por uma colcheia pontuada (proporção 3), colcheia (proporção 2):
 
   
Fig. 152 – 1ª frase da série [3.2][3]
A estrutura polirrítmica do Cantos VIII foi derivada a partir da repetição
da 1ª frase da série [3.2] sobreposta ao ostinato [3], encerrado o ciclo com o ponto
de encontro entre a primeira nota da série e o ostinato, num total de 3 repetições
da série.
251
Série [3.2]
Série [3.2]
 
Série [3.2]
Fig. 153 – série [3.2][3] como estrutura polirrítmica para o Cantos VIII
O processo composicional segue para definição do número de acordes
da progressão.
6.8.3 Pontos de encontro e número de acordes
O número de acordes será obtido através da quantidade de pontos de
encontro entre as notas da série e o ostinato, assim com no Cantos I:
252
Fig. 154 – pontos de encontro
Para o Cantos VIII, foram identificados 14 pontos de encontro,
resultando em 14 acordes para progressão. O processo composicional prossegue
para definição da fórmula e número de compassos.
6.8.4 Fórmula de compassos e número de compassos
A definição da fórmula de compasso do Cantos VIII refere-se à
contextualização musical da métrica poética através da associação entre a
quantidade de sílabas fortes e a C.M., número de sílabas presentes entre cada
sílaba forte. De acordo com esquema rítmico do poema, E.R. 9(3-6-9), contabiliza-
se um total de três sílabas fortes presentes em cada estrofe, distantes entre si por
três sílabas poéticas, o que caracteriza um ritmo ternário na locução. O ritmo
ternário para as três sílabas fortes dentro de um mesmo verso foi interpretado pelo
autor como sendo um compasso composto representado pela fórmula de
compasso 9/16 (nove por dezesseis). A adequação da estrutura polirrítmica ao
compasso composto 9/16 definirá o número de compassos para o tema do Cantos
VIII:
253

5
9
13
17
21
25
 
 
29
 
 
Fig. 155 – adequação da estrutura polirrítmica ao compasso composto 9/8
O ciclo de repetições da série sobre o ostinato se encerra quando o
primeiro pulso da série se sobrepõe ao primeiro tempo do compasso. Logo, a
adequação da estrutura polirrítmica ao compasso composto 9/8 definiu um total de
32 compassos.
254
6.8.5 Ritmo harmônico
Os pontos de encontro dos pulsos das duas vozes são também
referências para a definição exata do ritmo harmônico. Eles representam a
proporcionalidade na distribuição e localização dos acordes na progressão.
Observou-se que a sobreposição da estrutura polirrítmica ao ostinato
contém um número de pulsos igual a 32, exatamente o mesmo número de
compassos encontrados com a adequação da estrutura polirrítmica ao compasso
composto 9/8.
Fig. 156 – estrutura polirrítmica [3.2][3] com 32 pulsos para o ostinato
Dessa forma, podemos relacionar cada pulso a cada compasso, criando
a proporção de 1 para 1. O ritmo harmônico e a distribuição dos acordes na
passagem corresponderão proporcionalmente à disposição dos pontos de
encontro entre a série e o ostinato sobre os pulsos, onde ficarão localizados os
acordes. De acordo com a estrutura [3.2][3], os acordes ficarão localizados
sobre os compassos 1, 2, 5, 6, 8, 9, 11, 15, 18, 21, 24, 25, 28, 31, exatamente a
mesma localização para os pontos de encontros.
255
6.8.5 Centro modal
A trama central do Cantos VIII é o clímax de todo o poema. Trata-se do
momento em que o pai, ao tomar conhecimento da real condição da libertação do
filho, o renega e o amaldiçoa condenando-o à execração universal.
Definimos o modo Dórico (#4)
como o centro modal que melhor
representa a trama do oitavo movimento da suíte. Para o autor desta pesquisa, a
qualidade emocional deste modo é caracterizada pelos adjetivos ‘umbral’,
‘sofrimento’, ‘lamentação’.
O modo Dórico (#4) corresponde ao acorde menor com sétima menor
com o segundo e o sexto grau maiores e quarta aumentada, formado a partir do
quarto grau da escala menor harmônica.
Para a clara interpretação da qualidade sonora deste modo, deve-se
manter a quinta justa no voicing para que a quarta aumentada seja enfatizada.
Contudo, caso seja omitida a quinta, o acorde soa como menor com quinta
diminuta, segunda e sexta maiores, sendo usado como um possível substituto do
modo Lócrio.
Fig. 157 – Diferentes voicings para um mesmo acorde do modo Dórico (#4)
256
6.8.6 Progressão harmônica
A progressão harmônica foi definida a partir da construção de uma
melodia para a linha do baixo, procedimento adotado na maioria dos Cantos
anteriores. A linha do baixo foi construída com 14 notas referentes aos 14 pontos
de encontros que definiram o mesmo número de acordes. As 4 notas dentro da
barra de repetição serão contabilizadas duas vezes, gerando um total de 8 notas,
somadas às outras 6 notas, completando o total de 14 notas. As notas pertencem
ao modo Dórico (#4), na tonalidade de Dó:
Fig. 158 – linha do baixo
Definiu-se que, em função da dramaticidade do Cantos, seria mantido o
mesmo modo para todos os acordes, com apenas algumas alterações. O
procedimento para definição dos voicings foi a construção de uma linha para a voz
do soprano:

Fig. 159 – linha para voz do soprano
O ostinato construído com intervalo de segunda menor para a voz do
soprano mantém o caráter dramático do Cantos:
257

Fig. 160 – Voz do soprano e linha do baixo
O procedimento para construção dos acordes é o preenchimento das
vozes interiores, mantendo sempre o mesmo modo para todos:
C dor(#4)
F# dor.
(maj7, #4)
A dor.
Eb dor(#4)
C dor(#4)
Eb dor(#4)
A dor.
F# dor.
(maj7, #4)
C dor(#4)
F# dor.
(maj7, #4)




Fig. 161 – progressão harmônica para o Cantos VIII
A progressão do Cantos VIII manteve todos os acordes no modo dórico.
Após a definição da progressão harmônica, o processo composicional segue para
o desenvolvimento do tema, a partir do esboço da composição.
258


C dor.(#4)
F# dor.(maj7, #4)
5
A dórico
Eb dor. (#4)
C dor.(#4)
9
F# dor.(maj7, #4)
A dórico
13
Eb dor. (#4)
17
C dor.(#4)
 
21
Eb dor. (#4)
A dórico
25
F# dor.(maj7, #4)
C dor.(#4)
29
F# dor.(maj7, #4)
Fig. 162 – esboço da composição
259
6.8.7 Tema – Cantos VIII


C dor.(#4)
F# dor.(maj7, #4)
A dórico
6
Eb dor. (#4)
C dor.(#4)
 
F# dor.(maj7, #4)
11
A dórico
Eb dor. (#4)
C dor.(#4)
17
Eb dor. (#4)
22
A dórico
F# dor.(maj7, #4)
27
C dor.(#4)
30
F# dor.(maj7, #4)
Fig. 163 – Tema Cantos VIII
260
6.9 Cantos IX
O processo composicional do Cantos IX, assim como no Cantos III,
Cantos V e Cantos VI, apresenta algumas peculiaridades no seu desenvolvimento
harmônico e melódico em função da não padronização da métrica poética dos
versos. Contudo, mantém-se a mesma adequação dos elementos lítero-musicais
para definição da estrutura polirrítmica, como nos Cantos anteriores.
6.9.1 Métrica poética
O narrador retoma o discurso e descreve as ações que se desenrolam
em seqüência à atitude do velho pai. Encerrada a maldição, ouvem-se os gritos do
filho guerreiro, “Alarma! Alarma!”, gritos proferidos em lutas anteriores. O pai
reconhece a voz do filho e percebe que a coragem está de volta ao guerreiro. É
narrada a luta do jovem tupi com índios da tribo inimiga. O jovem índio luta como
um herói; os Timbiras em combate são comparados a uma tempestade, e o ex-
prisioneiro a um rochedo vivo diante da tempestade. A luta só acaba com a ordem
do chefe dos Timbiras que reconhece o Tupi como um “guerreiro ilustre”. O
guerreiro cai nos braços do pai, que reconhece o filho guerreiro e chora de
orgulho. Nesse caso, o choro não desonra, pois é visto como choro de alegria.
Vejamos a seguir a apresentação do Cantos IX com a escansão dos
versos e a representação do esquema rítmico e da célula métrica:
Is- to di- zen- do, o mi- se- ran- do ve- (lho)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-8-10) C.M.(3,4,2)
261
A quem Tu- ta- ma- nha dor, tal fa- (do)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M.(2,4,2)
nos con- fins da vi- da re- ser- va- (ra),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-6-10) C.M.(3,2,4)
Vai com trê- mu- lo , com as mãos já fri- (as)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M.(2,3,4)
Da su- a noi- te es- cu- ra as den- sas tre- (vas)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Pal- pan- do. — A- lar- ma! A- lar- ma! — O ve- lho - (ra)!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M.(2,2,4)
262
O gri- to que es- cu- tou é voz do fi- (lho),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Voz de guer- ra que ou- viutan- tas ve- (zes)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Nou- tra qua- dra me- lho- r. — A- lar- ma! A- lar- (ma)!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Es- se mo- men- to só va- le a pa- gar- (lhe)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-7-10) C.M.(3,3,3)
Os tão com- pri- dos tran- ses, as an- gús- (tias),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M.(2,2,4)
263
Que o frio co- ra- ção lhe a- tor- men- ta- (ram)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(2-5-7-9) C.M.(3,2,2)
De guer- rei- ro e de pai: — va- le, e de so- (bra).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
E- le que em tan- ta dor se con- ti- ve- (ra),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-6-10) C.M.(3,2,4)
To- ma- do pe- lo - bi- to con- tras- (te),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Dês- faz- se a- go- ra em pran- to co- pi- o- (so),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-6-10) C.M.(2,2,4)
Que o e- xau- ri- do co- ra- ção re- mo- (ça).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M.(2,4,2)
264
A ta- ba se al- bo- ro- ta, os gol- pes dês- (cem),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Gri- tos, im- pre- ca- ções pro- fun- das so- (am),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-8-10) C.M.(5,2,2)
E- ma- ra- nhá- da a mul- ti- dão bra- - (já),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M.(2,4,2)
Re- vol- ve- se, e- no- ve- la- se con- fu- (sa),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
E mais re- vol- ta em mor fu- ror se a- cen- (de).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-8-10) C.M.(2,2,2)
265
E os sons dos gol- pes que in- ces- san- tes fer- (vem),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-4-8-10) C.M.(2,4,2)
Vo- zes, ge- mi- dos, es- ter- tor de mor- (te)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-8-10) C.M.(3,4,2)
Vão lon- ge pe- las er- mas ser- ra- (nias)
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(2-6-9) C.M.(4,3)
Da hu- ma- na tem- pes- ta- de pro- pa- gan- (do)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Quan- tas va- gas de po- vo en- fu- re- ci- (do)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M.(2,3,4)
266
Con- tra um ro- che- do vi- vo se que- bra- (vam).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-4-6-10) C.M.(3,2,4)
E- ra e- le, o Tu- pi; nem fo- ra jus- (to)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Que a fa- ma dos Tu- pis — o no- me, a gló- (ria),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
A- tu- ra- do la- bor de tan- tos a- (nos),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
Der- ra- dei- ro bra- são da ra- ça ex- tin- (ta),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
267
De um jac- to e por um só se a- ni- qui- la- (sse).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-5-8-10) C.M.(3,3,2)
Bas- ta! Cla- ma o che- fe dos Tim- bi- (ras),
1 2 3 4 5 6 7 8 9
E.R. 9(1-5-9) C.M.(4,4)
Bas- ta, guer- rei- ro i- lus- tre! As- saz lu- tas- (te),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-8-10) C.M.(5,2,2)
E pa- ra o sa- cri- - cio é mis- ter for- (ças).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
O guer- rei- ro pa- rou, ca- iu nos bra- (ços)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
268
Do ve- lho pai, que o cin- ge con- tra o pei- (to),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-8-10) C.M.(4,2,2)
Com - gri- mas de - bi- lo bra- dan- (do):
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(2-6-9-10) C.M.(4,3,1)
"Es- te, sim, que é meu fi- lho mui- to a- ma- (do)!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-6-8-10) C.M.(5,2,2)
"E pois que o a- cho en- fim, qual sem- pre o ti- (ve)”,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(4-6-8-10) C.M.(2,2,2)
Cor- ram li- vres as- gri- mas que cho- (ro),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(1-3-6-10) C.M.(2,3,4)
269
"Es- tas - gri- mas, sim, que não de- son- (ram)."
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E.R. 10(3-6-8-10) C.M.(3,2,2)
6.9.2 Estrutura rítmica
Devido a grande diferença nos valores encontrados para o esquema
rítmico e células métricas do Cantos IX, optou-se pela subcategoria Derivações
Rítmicas I (leituras) para adequação da metrificação, a mesma adotada para o
Cantos III, V e VI.
Após análise dos resultados encontrados na metrificação do Cantos
IX, optou-se por trabalhar com os valores das Células Métricas (C.M.) dos versos
para definição da estrutura serial. Os valores encontrados para as células métricas
foram 1, 2, 3, 4, e 5. Decidiu-se que, o valor 1 da C.M. corresponderá à figura
rítmica semicolcheia, assim como em todos os Cantos anteriores. As células que
compõem a estrutura serial serão baseadas nos valores das C.M. de cada verso
do Cantos. A seguir, a seqüência de C.M. de cada verso e a estrutura serial,
derivação rítmica, a partir dos valores das C.M.:
(3,4,2) – (2,4,2) – (3,2,4) – (2,3,4) – (4,2,2) – (2,2,4) – (4,2,2)
(3,2,2) – (3,2,2) – (3,3,3) – (2,2,4) – (3,2,2) – (3,2,2) – (3,2,4)
(4,2,2) – (2,2,4) – (2,4,2) – (4,2,2) – (5,2,2) – (2,4,2) – (4,2,2)
(2,2,2) – (2,4,2) – (3,4,2) – (4,3) – (4,2,2) – (2,3,4) – (3,2,4) – (3,2,2)
(4,2,2) – (3,2,2) – (3,2,2) – (3,3,2) – (4,4) – (5,2,2) – (4,2,2)
(3,2,2) – (4,2,2) – (4,3,1) – (5,2,2) – (2,2,2) – (2,3,4) – (3,2,2)
270
 
 
 
 
 
 
 
   
Fig. 164 – Derivação rítmica encontrada a partir dos valores das C.M. de cada verso
A polimetria que melhor se contextualiza à metrificação do poema é a
segunda: série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em
compasso polimétrico.
Os versos do Cantos IX são quase todos decassílabos. Desta forma,
optou-se em adotar um compasso polimétrico 10/16 (10 por 16) em ostinato, que
irá se opor à estrutura serial encontrada a partir dos valores das C.M. A rítmica do
ostinato foi construída com os valores proporcionais a [1] e [2]. Vejamos a seguir a
estrutura serial oposta ao compasso polimétrico em ostinato:
271
(3,4,2)
10/16
(2,4,2)
10/16
(3,2,4)
 
 
Fig. 165 - Série com derivações rítmicas, oposta a um ostinato rítmico em compasso
polimétrico.
A sobreposição da série sobre ostinato polimétrico gera um
deslocamento rítmico da Série em relação ao pulso do ostinato. No Cantos IX, foi
adotado para o ostinato o compasso 12/16 (2,1,2,1,2,1,1,1,1) oposto às duas
últimas células da derivação, (2,3,4) e (3,2,2), para compensação da defasagem
do deslocamento da série.
272
(3,4,2)
10/16
(2,4,2)
10/16
(3,2,4)
 
 
(2,3,4)
12/16
(3,2,2)
Fig. 166 – Adequação da série sobre ostinato, compensado com o último compasso
11/16.
A adequação da série sobre o ostinato permite a localização dos pontos
de encontros para definição do número de acordes.
6.9.3 Número de acordes
Para o Cantos IX, optou-se por corresponder ao número de acordes
apenas os pontos de encontro no início da célula métrica com a figura de valor [2].
273
Foram identificados um total de 18 (dezoito) pontos de encontro, correspondendo
ao total de 18 acordes na progressão:
 
 
 
Fig. 167 – Pontos de encontro
6.9.4 Centro modal
Definimos o modo Dó Lídio(#5) como o centro modal do Cantos IX.
Para o autor desta pesquisa, a qualidade emocional deste modo é caracterizada
pelos adjetivos ‘batalha’, ‘violento’, ‘impacto’.
274
6.9.5 Progressão harmônica
Seguindo o mesmo processo aplicado para maioria dos Cantos
anteriores, a progressão harmônica inicia-se com a construção da linha do baixo.
A peculiaridade na construção da linha do baixo neste Cantos deve-se ao fato de
algumas notas não pertencerem ao modo adotado.
Fig. 168 – linha do baixo
Foi construída uma linha melódica para a voz do soprano com o mesmo
número de notas presentes na linha do baixo.
275
Fig. 169 – Linha do baixo e soprano
Optou-se por manter o modo Lídio para todos os acordes, alternados
entre o modo Lídio(#5) e o modo Lídio. Logo, a progressão harmônica para o
Cantos IX se configurou da seguinte forma:
C Lídio(#5)
G# Lídio
A Lídio(#5)
G# Lídio
A Lídio(#5)
G# Lídio
C Lídio(#5)
G Lídio
G# Lídio(#5)
G Lídio
G# Lídio(#5)
G Lídio
C Lídio(#5)
F# Lídio
G Lídio(#5)
F# Lídio
G Lídio(#5)
F# Lídio
Fig. 170 – Progressão harmônica
276
O desenvolvimento da composição prossegue com a definição das
fórmulas de compasso e do ritmo harmônico através da distribuição dos acordes
sobre os pontos de encontros.
6.9.6 Fórmula de compasso
Foi estipulado que a fórmula de compasso para o Cantos seguiria as
C.M. dos versos. Dessa forma, as duas linhas resultantes da sobreposição da
estrutura serial ao ostinato serão regidas por apenas uma estrutura de compasso,
onde o deslocamento estará presente na notação do ostinato. Vejamos a seguir as
fórmulas de compasso para a estrutura serial, derivação rítmica, do Cantos:
















































Fig. 171 – Fórmula de compasso para a estrutura serial
277
Vejamos a seguir estrutura serial oposta ao ostinato em compasso
polimétrico 10/16:
















 
















      
















 




























 






















Fig. 172 – Estrutura serial sobre compasso polimétrico
278
O processo composicional segue para o desenvolvimento do esboço da
composição.












C Lídio(#5)
G# Lídio


6










A Lídio(#5)
G# Lídio
A Lídio(#5)


11








G# Lídio










C Lídio(#5)


19








G Lídio


23












G# Lídio(#5)
G Lídio
G# Lídio(#5)
    


29










G Lídio
C Lídio(#5)
279


34










F# Lídio
G Lídio(#5)


39








F# Lídio
G Lídio(#5)
F# Lídio
Fig. 173 – Esboço da composição
280
6.9.7 Tema - Cantos IX












C Lídio(#5)
G# Lídio


6










A Lídio(#5)
G# Lídio
A Lídio(#5)


11








G# Lídio










C Lídio(#5)


19








G Lídio


23










G# Lídio(#5)
G Lídio
G# Lídio(#5)


28










G Lídio
C Lídio(#5)
281


33










F# Lídio
G Lídio(#5)


38






F# Lídio


41




G Lídio(#5)
F# Lídio
Fig. 174 – Tema do Cantos IX
282
6.10 Cantos X
O processo composicional para o Cantos X se iguala ao do Cantos II no
que diz respeito ao processo de definição dos elementos harmônicos e melódicos
que, como demonstrado no Cantos II, se adequam à estrutura polirrítmica definida
a partir dos elementos lítero-musicais dos Cantos.
6.10.1 Métrica poética
No Cantos X, nota-se a retomada do ritmo marcial, abandonado no
canto IV, indicando que o equilíbrio está de volta à rotina da tribo. A figura de um
velho Timbira aparece contando o episódio narrado neste poema, onde são
afirmadas as qualidades heróicas do guerreiro, que se transforma em mito nas
tradições da cultura Timbira. O velho índio, que presenciou o fato, relata ter visto o
guerreiro proferir o canto de morte, chorar diante da tribo e, mais adiante,
enfrentá-los como um grande guerreiro.
As estrofes primeira e última desta parte são semelhantes, o que
representa o fato de um velho Timbira repetir o relato do episódio diversas vezes,
transmitindo a lembrança e fama do guerreiro tupi: “Neste canto, o narrador nos
diz da marca que tal episódio deixara entre os Timbiras, e mais, informa o leitor
acerca do processo de transmissão cultural constante nas sociedades tribais: o
contador de histórias, um documento vivo”. (Simões, 1985, p. 230). A repetição da
frase “Meninos, eu vi!” (linhas 445 e 463) destaca ser o ocorrido um fato verídico,
e não uma lenda. A típica visão do índio romântico, idealizado, faz-se presente no
fim do poema. Apesar de chorar na presença da morte, o guerreiro tupi foi capaz
de derrotar seus inimigos e recuperar sua honra.
Assim como no Cantos II, as estrofes do Cantos X são construídas a
partir do agrupamento de dois versos com diferentes métricas que se alternam
durante todo o Cantos.
283
Um ve- lho Tim- bi- ra, co- ber- to de gló- (ria),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Guar- dou a me- - (ria)
1 2 3 4 5
Do mo- ço guer- rei- ro, do ve- lho Tu- pi!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
E à noi- te, nas ta- bas, se al- guém du- vi- da- (va)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Do que e- le con- ta- (va),
1 2 3 4 5
Di- zi- a pru- den- te: — "Me- ni- nos, eu vi!
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Todas as estrofes que compreendem o Cantos X seguem a mesma
métrica poética da estrofe acima. O primeiro verso é constituído de onze sílabas
poéticas, denominado hendecassílabo, seguido de um verso com cinco sílabas
poéticas, denominado pentassílabo. Para o verso hendecassílabo, as sílabas de
número 2, 5, 8 e 11 são identificadas como tônicas, logo a representação do
esquema rítmico é E.R. 11(2-5-8-11), e a representação das células métricas é
C.M. (3,3,3).
284
Para o verso pentassílabo, as sílabas de número 2 e 5 são identificadas
como tônicas, logo, a representação do esquema rítmico é E.R. 5(2-5), e a
representação para as células métrica é C.M.(3).
A partir da metrificação do Cantos será possível elaborar a estrutura
polirrítmica para definição do ritmo harmônico e número de acordes da
progressão.
6.10.2 Estrutura polirrítmica
Para o Cantos X, optou-se pela série mesclada [3.3.3] (original) e [3.1]
(totalmente retrógrada)[2]. Os valores numéricos para esta série estão
associados aos valores numéricos encontrados no esquema rítmico e célula
métrica dos versos hendecassílabos e pentassílabos do Cantos X.
De acordo com a interpretação do autor, o E.R. 11(2-5-8-11) e C.M.
(3.3.3) do verso hendecassílabo, seguido do E.R. 5(2-5) e C.M.(3) do verso
pentassílabo, sugere uma série mesclada [3.3.3] (original) e [3.1] (totalmente
retrógrada)[2] como estrutura polirrítmica a ser aplicada para definição de outros
elementos musicais da composição. Logo, a representação da série rítmica para o
Cantos X é:
[3.3.3]+[1.1.3]+[3.3.3.3]+[1.3][2]
(3.3.3)
(1.1.3)
(3.3.3.3)
(1.3)
Fig. 175 – Série mesclada [3.3.3] (original) e [3.1] (totalmente retrógrado)[2]
285
6.10.3 Ritmo harmônico e número de acordes
Para este Cantos, optou-se por definir, a priori, o ritmo harmônico, e,
posteriormente, o número de acordes.
Em função de ser este Cantos o desfecho de toda a trama do poema,
optou-se por manter um ritmo harmônico regular de quatro em quatro pulsos do
ostinato, indicados pela figura rítmica [2], colcheia, da estrutura.
(3.3.3)
(1.1.3)
(3.3.3.3)
(1.3)
Fig. 176 – ritmo harmônico regular de quatro em quatro pulsos do ostinato, indicados
pela figura rítmica [2] da estrutura
A sobreposição dessa Série sobre a marcação do ritmo harmônico gera
um deslocamento da Série, sendo necessária a repetição da Série até o encontro
da primeira célula [3.3.3] da série com um pulso do ostinato que compreende o
ritmo harmônico. Este ponto de encontro representa o início de um novo ciclo. A
quantidade de acordes na progressão está associada à quantidade de pulsos
associados ao ritmo harmônico existentes durante todo o deslocamento, até que
se complete o ciclo. Foram identificados um total de 15 (quinze) pulsos para o
ritmo harmônico, representando um total de 15 acordes:
286
Série mesclada [3.3.3] original e [3.1] (totalmente retrógrado)
[2]
Fig. 177 – deslocamento da série sobre os pulsos do ostinato para o ritmo harmônico
Após a definição do ritmo harmônico e do número de acordes, será
possível elaborar a progressão harmônica que compreenderá a escolha de um
centro modal e construção dos acordes. Esse processo será descrito a seguir.
6.10.4 Centro modal
Definimos a partir de experimentações composicionais e auditivas o
modo Jônio, em Sol, como o centro modal que melhor representa a trama do
último movimento da suíte. Para o autor desta pesquisa, a qualidade emocional
deste modo é caracterizada pelos adjetivos ‘claridade’, ‘calmaria após a
tempestade’.
O modo Jônio corresponde ao acorde maior com sétima maior com o
quarto grau justo, formado a partir do primeiro grau da escala maior. Há uma
grande distinção quanto ao seu caráter funcional e modal quando aplicado na
harmonia do jazz. Quando aplicado como um acorde funcional, o quarto grau,
denominada décima-primeira, é uma dissonância não desejada e evitada,
tendendo a resolver para a terça do acorde. Quando aplicado como um acorde
287
modal, a presença da décima primeira é essencial e deve estar presente no
voicing do acorde.
Funcional
Modal
Fig. 178 – Modo Jônio
O modo Jônio aplicado como um acorde modal pode ser encontrado
nas composições In a Silent Way do trumpetista Miles Davis, After the Rain do
saxofonista John Coltrane e American Hope do pianista Ron Miller.
6.10.5 Progressão harmônica
Para o Cantos X, optou-se por usar o recurso dos Acordes Pilares para
condução e desenvolvimento da progressão harmônica. Foi estabelecida a
quantidade de quatro acordes pilares no modo Jônio identificados como AP1, AP2,
AP3 e AP4, distribuídos de forma regular sobre os pontos indicados para o ritmo
harmônico.
288
AP1
AP2
AP3
AP4
Fig. 179 – Localização dos acordes pilares 1, 2, 3 e 4 sobre a estrutura
Em função da quantidade de acordes pilares e da regularidade na
distribuição sobre a estrutura, optou-se em adotar o ciclo de terças menores
descendentes entre os acordes.
AP1 AP2 AP3 AP4
G Jônio E Jônio C#Jônio A# Jônio
Os modos C# Jônio e A# Jônio foram enarmonizados e alterados para
Db Jônio e Bb Jônio.
G Jônio
AP 1
E Jônio
AP 2
Db Jônio
AP 3
Bb Jônio
AP 4
3as. menores descendentes
289
Fig. 180 – Acordes pilares
A progressão prossegue com o desenvolvimento da linha do baixo a
partir dos acordes pilares. Os acordes remanescentes, construídos sobre a linha
do baixo, são denominados acordes condutores.
AP 1
G Jônio
AP 2
E Jônio
AP 3
Db Jônio
AP 4
Bb Jônio
Fig. 181 – linha do baixo
A linha do baixo, construída a partir do acorde pilar, respeita o centro
modal do acorde pilar referencial, como é possível observar na figura acima. A
partir da linha do baixo, construíram-se os acordes condutores.
G Jônio
C Lídio
B Frígio
F#sus4(b9)
E Jônio
A Lídio
G# Frígio
Bsus4(b9)
G Jônio
E Jônio
Db Jônio
F Frígio
Gb Lídio
Csus4(b9)
Bb Jônio
Eb Lídio
Dsus4(9,b13)
Db Jônio
Bb Jônio
Fig. 182 – progressão harmônica
Os acordes condutores foram construídos respeitando os modos do
campo harmônico maior do acorde pilar referencial. Os modos dos acordes
290
condutores construídos a partir do acorde G Jônio correspondem aos modos
localizados no campo harmônico maior na tonalidade de Sol. Logo, o acorde C
Lídio e B Frígio correspondem ao IV e III graus da tonalidade de Sol maior. Esse
procedimento também se sucede com os outros acordes condutores provenientes
dos outros acordes pilares, com exceção dos acordes que precedem o acorde
pilar, para os quais foi adotado o modo sus4.
6.10.6 Fórmula de compasso e esboço da composição
A fórmula de compasso está diretamente relacionada ao ritmo
harmônico, definido previamente. Estipulou-se que o ritmo harmônico regular de
quatro em quatro pulsos do ostinato, indicados pela figura rítmica [2], colcheia, da
estrutura, seria a referência para definição da fórmula de compasso.
Fig. 183 – ritmo harmônico para definição da fórmula de compasso
Logo, definiu-se a fórmula de compasso 4/8 para a estrutura. Com a
definição da fórmula de compasso, é possível desenvolver o esboço da
composição.
291
G Jônio C Lídio
B Frígio
F#sus4(b9)
E Jônio
A Lídio
G# Frígio
Bsus4(b9)
Db Jônio
F Frígio
Gb Lídio
Csus4(b9)
Bb Jônio
Eb Lídio
Dsus4(9,b13)
Fig. 184 – Esboço da composição
292
6.10.7 Tema – Cantos X
G Jônio C Lídio
B Frígio
F#sus4(b9)
E Jônio
A Lídio
G# Frígio
Bsus4(b9)
Db Jônio
F Frígio
Gb Lídio
Csus4(b9)
Bb Jônio
Eb Lídio
Dsus4(9,b13)
Fig. 185 – Tema do Cantos X
293
7 - CAPÍTULO VI
Arranjo
O capítulo IV apresentou o processo composicional dos temas de cada
Cantos do poema. Contudo, se faz necessária a apresentação do processo de
desenvolvimento do arranjo do tema para o quinteto (sax tenor, trombone,
guitarra, baixo acústico, bateria). Devido à grande extensão do conteúdo, optamos
por apresentar apenas o desenvolvimento do arranjo do tema do Cantos I. Os
arranjos para os outros temas já foram concluídos em sua maioria, restando
alguns ainda em processo de finalização. A conclusão dos arranjos será registrada
em forma de CD, que será gravado no segundo semestre de 2009.
O desenvolvimento do arranjo foi elaborado a partir de critérios
estéticos do próprio compositor. Contudo, é possível observar alguns
procedimentos que serviram como fio condutor para a conclusão da composição,
que neste caso foi intitulada ‘Cantos I’.
7.1 O jazz como referência
Desde o início da concepção do trabalho, o estilo musical referente
adotado pelo autor desta pesquisa foi o jazz. Esta música compreende toda a
bagagem musical do autor e naturalmente está presente no processo de criação e
execução da obra. A citação do jazz como referência de estilo musical adotado
para pesquisa está explícita nas escolhas da instrumentação e no processo de
desenvolvimento harmônico, apresentados anteriormente. Apesar de não haver a
intenção em definir o termo, algumas considerações sobre o estilo e a execução
musical se fazem necessárias.
Quando argumentado sobre a sua atitude perante o jazz, Igor
Stravinsky respondeu: ‘O jazz é uma fraternidade completamente diferente, um
modo de fazer música inteiramente especial. Não tem nada a ver com a música
295
composta e, quando procura a influência da música atual, não é jazz e não é bom.’
(STRAVINSKY, CRAFT, 1984, p. 95). Para o autor da pesquisa, a resposta de Igor
Stravinsky sugere que, apesar de existir um conjunto de obras compostas para o
jazz, a execução e percepção de alguns elementos musicais expostos na pauta
não correspondem ao comumente executado e percebido na música de concerto.
De fato, alguns elementos musicais que correspondem e caracterizam o jazz já
estão implícitos no processo composicional, e de acordo com Berendt (1987, p.
150), estes elementos básicos são: o swing
34
, a improvisação e sonoridade.
‘Esses três elementos atuam na intimidade do jazz e o transformam contínua e
organicamente, assumindo, cada um deles, alternadamente maior ou menor
importância.’ (BERENDT, 1987, p. 151).
Sobre o swing, Gunther Schüller (1970, pg. 21) afirma que se trata de
‘um aspecto rítmico que há muitos anos desafia definição’. Na tentativa de elucidar
o termo, Schüller afirma que o swing é um ‘tipo específico de acentuação e
inflexão com que são tocadas ou cantadas as notas, e a continuidade – a
direcionalidade horizontal – com que elas se encadeiam.’ Apesar da definição,
Schüller atesta que ‘da mesma forma que a descrição de uma cor básica ou do
gosto de uma laranja, a definição adquire significado apenas quando a coisa
definida é também experimentada.’ David Liebman (Liebman, 2003, pg. 22) afirma
que ‘o swing para um leigo assim como para um apreciador educado pode ser
inteiramente diferente, e mesmo para os chamados experts, o sentido do que é o
swing é tão pessoal e subjetivo que parece estar além da discussão’. Contudo,
Liebman complementa que ‘é essencial que o jazzista perceba na sua execução o
sentido rítmico na interpretação das notas num fraseado’. Para a pesquisa, o
conceito de swing tem sido fundamental para concepção do arranjo. As linhas são
interpretadas e executadas a partir de um sentido rítmico ‘swingado’, naturalmente
percebido pelos músicos do quinteto, propondo um dinamismo às estruturas
34
No contexto aqui usado, o temo swing não refere-se ao estilo do jazz predominante na década
de 1930, mas uma forma de executar um fraseado musical com um determinado sentido rítmico.
296
polirrítmicas de forma que a sua execução soe mais natural e menos ‘engessada’,
mantendo, assim, uma unicidade nas interpretações das composições.
Sobre improvisação, Schüller afirma que ‘é o próprio coração e alma do
jazz’. (1970, p. 80). De fato, a improvisação é o elemento musical que está
diretamente associado aos estilos que compreendem o jazz desde o início. As
características musicais que caracterizam os estilos do jazz estão presentes nas
improvisações, e vice versa. Durante o processo de desenvolvimento dos arranjos,
a improvisação assumiu um papel de muita importância na concepção da forma
das composições, estando presente em todos os movimentos da suíte.
A improvisação que está sendo proposta em grande parte nos arranjos
é a improvisação simultânea. De acordo com Gunther Shuller (1970, p. 79), ‘a
improvisação simultânea de numerosas linhas é um conceito tipicamente africano,
perpetuado na maioria das formas do jazz arcaico, uma música assinalada acima
de tudo pela improvisação coletiva.’ A improvisação simultânea nos arranjos foi
concebida pela interação de dois ou três instrumentos combinados entre o sax
tenor, trombone e guitarra. ‘A justaposição dos solos sobre a música constitui
igualmente uma característica básica da música africana; manifesta-se em toda a
tipologia de chamada-resposta e, especificamente, na relação responsorial entre
cantor e coro.’ (SCHULLER, 1970, p. 79). A relação responsorial entre cantor e
coro a qual se refere Schüller também está presente manifestação musical da
cultura indígena brasileira, como afirma Helza Camêu (CAMÊU, 1977, p.169): Na
música tembé encontra-se a preparação do coro configurada numa formação
harmônica, que logo dá lugar ao solista que puxa o conjunto de vozes. Após a
frase desse solista é que o coro se manifesta. ’ A improvisação simultânea, ou
coletiva, nos arranjos referencia a obra I Juca Pirama e está presente no Cantos I.
Sobre sonoridade, David Liebman (2003, p. 21) faz uma argumentação:
‘No jazz, se fosse feito um pedido a cinco saxofonistas para que tocassem a
mesmas notas, no mesmo instrumento, com o mesmo ritmo, dentro do mesmo
contexto, porque iríamos imediatamente saber qual deles seria o Sonny Rollins e o
outro o Wayne Shorter?’ A busca por uma sonoridade particular, individual no
297
instrumento é um dos grandes desafios dos músicos de jazz, uma vez que a
personalidade musical no instrumento é um dos elementos responsáveis para que
grandes músicos de jazz se perpetuassem. Obviamente que não se trata apenas
do som do instrumento, mas também todas as nuances que envolvem a
interpretação de um fraseado.
A sonoridade não se resume apenas ao músico, está para além do
instrumento ou do instrumentista, estando presente nas formações instrumentais.
Assim como é possível distinguir um instrumentista em função da sonoridade
pessoal, também é possível distinguir formações instrumentais a partir da
sonoridade particular de cada grupo. As big bands de Duke Ellington e Count
Basie se estabeleceram, dentre outras razões, pela sonoridade. Obviamente que
as características sonoras de um grupo devem-se às características sonoras dos
músicos que o compõe, e neste caso, Duke Ellington foi quem melhor soube
explorar as características individuais de cada músico para alcançar uma
sonoridade particular do grupo.
Para o trabalho de pesquisa, foram feitas várias audições em busca de
uma referência de sonoridade para o quinteto, assumindo, finalmente, o Dave
Holland Quintet (sax tenor, trombone, vibrafone, baixo acústico e bateria) como
referência de sonoridade adotada para o grupo. O grupo adotado como referência
explora vários elementos polirrítmicos nas composições, além de usufruir também
do recurso da improvisação simultânea. Definida a referência de sonoridade para
o quinteto, houve a necessidade em se pensar nos músicos que iriam compor o
grupo. A escolha dos músicos também esteve atrelada à sonoridade pessoal de
cada um, e, certamente, à familiaridade com o grupo musical adotado como
referência de sonoridade para o quinteto. Finalmente, após algumas
experimentações, os músicos escolhidos pelo compositor para formação do
quinteto são músicos que possuem muita familiaridade com o jazz, além de muita
experiência em improvisação, como é possível observar no CD que acompanha
este trabalho. O quinteto, denominado MC4+, conseguiu despertar comentários da
crítica especializada acerca da sonoridade particular:
298
É o progresso da música instrumental brasileira. Um passo
adiante. O que o MC4+ faz é música universal e contemporânea.
(...) O trabalho, todo permeado por improvisos coletivos, não se
encaixa em nenhuma tentativa de rotulação. É um disco
extremamente corajoso e instigante, feito para ser ouvido com
muita atenção. (...) Todas as faixas do disco seguem por caminhos
inesperados e são dignas de nota. A todo o momento o ouvinte é
surpreendido, seja pela linha do baixo, ou pelas escalas e timbres
da guitarra, pela sonoridade do trombone, os andamentos
quebrados da bateria e a liberdade do sax, ou vice-versa.
35
7.2 Linha do baixo e linha da melodia
Um dos aspectos do processo composicional do tema do Cantos I foi o
desenvolvimento de duas linhas melódicas, uma para o baixo e outra para
melodia, compostas simultaneamente. Apesar das linhas terem sido compostas a
partir da mesma série, é possível observar o caráter contrapontístico das linhas:
35
COSTA, Marcus; MC4+: 3 faixas/3 tracks from “Colagens”. Br-instrumental@, Rio de Janeiro,
dez. 2007.. [acesso 02 janeiro 2008]. Disponível em: <http://br-
instrumental.blogspot.com/2007/12/mc4-3-faixas-de-3-tracks-from-colagens.html>
299
 
3
5
 
7
9
11
 
Fig. 186 – Linha melódica e linha do baixo no tema do Cantos I
300
As duas linhas, apesar de se relacionarem em forma de contraponto,
distinguem-se na sua construção: a linha da melodia apresenta um
desenvolvimento linear que se desenvolve em grande parte por graus conjuntos. A
condução da linha ocorre através do desenvolvimento de um motivo rítmico
composto por duas figuras rítmicas pontuadas (colcheias pontuadas). A linha do
baixo, por sua vez, é claramente definida como acompanhamento e desenvolve-se
através de uma explícita marcação rítmica. Apesar do caráter percussivo da linha,
houve a preocupação em manter no seu desenvolvimento um caráter melódico
baseado em chamada-resposta. A partir da constatação das funções e
características atribuídas a cada uma das linhas, optou-se em trabalhar com a
linha do baixo para definição da forma.
Foram isoladas três linhas do baixo que apresentavam desenvolvimento
próprio:
- Linha do baixo 1: compassos 1 e 2
- Linha do baixo 2: compassos 3 e 4
- Linha do baixo 3: compassos 5 e 6
Fig. 187 – linha do baixo 1
3
Fig. 188 – linha do baixo 2
301
5
Fig. 189 – linha do baixo 3
Após algumas experimentações com as linhas do baixo, optou-se pela
linha 1 para criação da ‘introdução’.
7.3 A ‘Introdução ‘
Para ‘Introdução’ da composição, a linha do baixo 1 foi arranjada para
contrabaixo acústico, bateria e guitarra. Sobre cada um deles devemos
acrescentar:
- Baixo Acústico: Normalmente, para este estilo de música, o baixo
acústico, ou simplesmente baixo, assume a função de instrumento harmônico e
rítmico, se tornando o elo entre o instrumento essencialmente rítmico (bateria) e
os instrumentos harmônicos/melódicos. Em função da grande importância da linha
do baixo para definição da forma, o instrumento foi tratado como instrumento
condutor, assumindo a função de um instrumento rítmico/melódico no seu
desempenho. Houve uma pequena alteração na melodia da linha 1 no segundo e
no quarto compassos da ‘Intro’. Esta alteração não compromete a linha original
uma vez que a rítmica não é alterada. A alteração contribui para variação da linha
que repete várias vezes até o início da parte A da composição.
- Bateria: A condução da bateria está atrelada ao desenvolvimento
rítmico da linha do baixo, contudo, cabe ao músico criar as variações timbrísticas
através da alternância dos pratos, caixa, bumbo, ximbal e periféricos para a
execução da linha. Devemos observar que cada músico, de acordo com o estilo
pessoal, cria uma condução também pessoal e que muitas vezes, mesmo que
302
muito bem executada, não corresponde à condução concebida pelo compositor.
Neste caso, cabe ao compositor saber diferenciar os estilos individuais de cada
músico e escolher aquele que melhor irá executar o que foi proposto.
- Guitarra: Apesar de não constar nenhum acorde escrito para guitarra,
foi estipulado que o guitarrista estaria livre para interagir com os outros
instrumentos da seção rítmica (baixo e bateria), assumindo a função de
aglutinador da condução rítmica criando assim sonoridades, contrastes e texturas
harmônicas (clusters, policordes). Desta forma, a execução da guitarra colabora
para a ambientação da trama central do Cantos I.
Apesar da indicação de open na partitura, foi estipulado que a
‘Introdução’ iria se repetir por 4 vezes. Após a exposição da ‘Introdução’, é
apresentado a Parte A da composição.
303




Cantos I
Marcelo Coelho
Tenor Saxophone
Trombone
Acoustic Guitar
Contrabass
Intro
3
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Open
Fig. 190 – Introdução a partir da linha do baixo 1
6.4 Parte A – Interlúdio
A parte A da composição é composta pela linha do baixo dos
compassos 5 a 10. A parte A é seguida do Interlúdio, que compreende 4
compassos composto pela linha do baixo do compasso 11 do tema.
Para a parte A, a guitarra dobra em oitava com o baixo acústico a linha
que se apresenta como melodia. A bateria mantém a condução respeitando o
desenvolvimento rítmico da linha. A mudança na função da guitarra na parte A da
304
composição cria um contraste com a ‘Introdução’, sem, no entanto, alterar o clima
de introdução ao tema, que ainda não foi apresentado.
Apesar do grande contraste das linhas e da mudança na função da
guitarra, a Parte A é ainda observada como uma preparação ao tema, e o fator
que colabora para que seja mantido o caráter de preparação deve-se à
instrumentação. Os instrumentos de sopro (sax tenor e trombone), responsáveis
pela exposição do tema, só serão apresentados no interlúdio. A opção em manter
um clima de preparação ao tema por um tempo maior deve-se à forma como
Gonçalves Dias apresenta a trama central do Cantos I do poema. O autor faz uma
introdução ao cenário, o ambiente onde será narrado o poema, insinuado de que
se trata de uma festa sem, no entanto, deixar claro a verdadeira razão do evento.
Depois de uma apresentação da tribo dos Timbiras através da descrição das
qualidades de índio guerreiros e ferozes, o autor finalmente relata, ainda que de
forma não explícita, que se trata de um ritual de sacrifício de um prisioneiro.
O Interlúdio segue a parte A e compreende 4 compassos, composto
pela linha do baixo 2. Houve uma alteração na linha, assim como na ‘Introdução’,
nos compassos 2 e 4 do Interlúdio com o objetivo de criar contraste para linha,
sem no entanto alterar o seu desenvolvimento rítmico.
Para o Interlúdio, a seção rítmica (guitarra, baixo, bateria) mantém-se
como na parte A. O contraste entre o Interlúdio e a parte A está na apresentação
dos instrumentos de sopro (sax tenor e trombone), que executam um trinado
durante toda a passagem. Desta forma chama-se a atenção do ouvinte para o que
está por vir, no caso, a apresentação do tema.
305
A
A
Tenor Saxophone
Trombone
Acoustic Guitar
Contrabass
3
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
5
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
306
7
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
9
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Interludio
11
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Fig. 191 – Parte A e Interlúdio da composição Cantos I
307
7.5 Tema
O tema, ou parte B, executado após o interlúdio, compreende ao tema
final do processo expositivo do Cantos I, demonstrado no capítulo IV. A linha da
melodia é executada pelo sax tenor e guitarra em oitavas, o baixo e o trombone
executam a linha do baixo em uníssono, enquanto a bateria acompanha ambas as
linhas alternadamente, criando um elo entre as duas linhas. O tema é repetido
duas vezes criando grande expectativa quanto ao momento seguinte, que no
caso, segue para improvisação simultânea entre o sax e o trombone. A parte B é
bastante intensa e diz respeito à grande euforia por parte dos índios Timbiras, da
qual descreve Gonçalves Dias.
308
B
Tenor Saxophone
Trombone
Acoustic Guitar
Contrabass
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
309
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Fig. 192 – Tema, ou parte B, da composição Cantos I
310
7.6 Parte C – improvisação simultânea
A parte C compreende a improvisação simultânea do sax tenor e
trombone. Os dois instrumentos se interagem livremente num diálogo composto
por chamada-resposta. A todo o momento a guitarra contribui para improvisação
dos instrumentos de sopro agregando sonoridade e estruturas acordais diferentes
do acorde de Lá Bemol Jônio sugerido na pauta. A liberdade do músico em intervir
na improvisação de outro músico faz sugerir idéias que se consolidam também em
forma de chamada-resposta durante a improvisação. Embora a guitarra, neste
caso, não esteja de fato improvisando, a sua participação é essencial no
direcionamento dos solos. O baixo executa a linha do baixo 3 durante todo o
desenvolvimento do solo. A bateria mantém a condução respeitando o
desenvolvimento da linha do baixo. Não há nenhuma definição quanto a duração
da improvisação. Embora sejam os solistas que definem através da construção
dos solos, ou mesmo do contato visual, quando os solos deverão ser concluídos,
está claro que os responsáveis em decidir sobre o momento exato da conclusão
dos solos são o baixo e a guitarra. Para este arranjo, estipulou-se que o retorno à
melodia da parte A, sem repetição, seguido do interlúdio, executado pelo baixo,
guitarra e bateria, define o momento de conclusão dos solos, que deverá ser
finalizado com a execução do trinado composto para esta passagem. A interação
da guitarra e do baixo na decisão sobre o momento exato do retorno à parte A é
visual.
311
C
Tenor Saxophone
Trombone
Acoustic Guitar
Contrabass
Solo
Solo
Abjonio
3
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Open
Go to A, B
(no repetition)
and
Open
Abjonio
Open
Open
Fig. 193 – parte C – improvisação simultânea
Após a conclusão dos solos no interlúdio, retorna-se ao tema, ou
parte B, sem repetição seguindo mais uma vez para o interlúdio para o solo de
bateria. Neste momento, o Interlúdio é repetido até que seja indicada pelo
baterista, por contato visual, a proximidade da conclusão do solo que culmina com
o acorde final executado por todo o grupo. Segue o arranjo do Cantos I na íntegra.
312




Cantos I
Marcelo Coelho
Copyright © 2006 Coelhomusic
Tenor Saxophone
Trombone
Acoustic Guitar
Contrabass
Intro
3
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
A
A
5
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
313
7
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
9
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
 
11
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
314
13
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Interludio
16
B
B
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
18
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
315
20
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
22
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
24
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
316
26
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
C
28
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Solo
Solo
Abjonio
30
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Open
Go to A, B
(no repetition)
and
Open
Abjonio
Open
Open
317
33
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
Drums solo
35
T. Sax.
Tbn.
A. Gtr.
Cb.
4x
4x
4x
4x
Fig. 194 – Arranjo para o tema do Cantos I
318
8 - CAPÍTULO VII
Execução musical
A execução musical das composições originadas a partir da proposta
foi, para o autor da Tese, a adequação na prática do objetivo primário da
pesquisa.
Após definidos os processos, o autor desta pesquisa se deparou com o
grande desafio quanto a execução musical da obra. A indagação quanto à
execução das composições surgiu durante o exame de qualificação, momento em
que um dos membros da banca argumentou sobre a necessidade de se fazer
ouvir o processo composicional proposto. Logo, a formação instrumental proposta
inicialmente para a pesquisa teve de ser repensada.
As experimentações e audições das composições foram essenciais
para que pudessem ser feitas algumas observações que não teriam sido
identificadas apenas com o desenvolvimento do processo composicional. São
elas: notação musical, leitura musical, dissociação do pulso para execução e
contextualização do fraseado musical sobre o deslocamento do pulso durante as
improvisações.
Quanto a notação musical, optou-se pela escrita tradicional em
decorrência do processo composicional dos temas de cada Cantos. Contudo,
foram respeitados os acentos das frases e os deslocamentos rítmicos. De acordo
com Ludmila Ulehla, ‘a notação através da variação métrica é tão explícita que os
acentos não se fazem necessários, e se ainda indicados, eles servem meramente
para reforçar a variação’. (ULEHLA, 1994, p. 9).
Observou-se durante o processo composicional dos temas que o ritmo
harmônico ficou subordinado às variações métricas das fórmulas de compasso.
Durante o desenvolvimento dos temas, a definição do ritmo harmônico esteve
associada ao número de pulsos da estrutura e à localização dos acordes sobre os
pulsos. Este último, por sua vez, coincidia com o número de compassos do tema,
319
sendo a localização dos acordes uma mera adequação proporcional dos pulsos
das estruturas aos compassos correspondentes.
Contudo, e por muitas vezes, a frase melódica derivada da estrutura
rítmica sobreposta ao ostinato tinha no seu desenvolvimento outro padrão de
acentuação. Neste caso, como no Cantos III, a linha melódica seguiu uma
variação métrica correspondente aos acentos da frase, enquanto a linha do baixo
seguiu outra variação métrica em função do ritmo harmônico.
A execução musical diante da grande variação métrica dos temas foi
melhor compreendida quando ficou claro para os instrumentistas que a notação
musical tradicional correspondia ao desenvolvimento da estrutura rítmica, criada a
priori, e cujo acento recaia sobre a mudança do compasso. A percepção desta
condição trouxe a tona o princípio da brevidade, ou seja, determinação da
unidade, proporcionalmente, pelo menor valor envolvido no jogo polimétrico: o
menor valor é a base do cálculo das proporções. Esse pensamento é
fundamentalmente aditivo, atomista, e foi explorado por Gramani para construção
dos seus estudos rítmicos. Obviamente, esse conceito estava presente nas
construções das linhas melódicas e linhas do baixo, mas, apesar de não ter sido
apresentado este conceito aos músicos, ele foi identificado naturalmente por eles
para solução dos problemas de execução das peças. Logo, a notação tradicional,
familiar aos músicos, se fez necessária para a compreensão da estruturas e
identificação dos acentos.
Quanto a leitura musical, observou-se que houve uma incrível
capacidade de decodificação da partitura tão logo fosse compreendido o princípio
de brevidade para construção das linhas. O menor valor como base de cálculo das
proporções elucidou o desenvolvimento das frases. Contudo, a execução das
estruturas esteve condicionada ao ‘descondicionamento’ dos músicos em relação
à pulsação derivada das fórmulas de compasso.
Apesar de serem músicos atentos aos movimentos de vanguarda na
música instrumental, onde a exploração e experimentação das polirritmias é uma
constante, eles tiveram a necessidade de perceber o desenvolvimento das
320
polirritmias não mais como bons apreciadores, mas como executantes. Neste
caso, outras formas de cognição para decodificação do processo de execução
foram despertadas, resultando no ‘descondicionamento’ no processo de
percepção do pulso.
Contudo, o objetivo quanto à execução do pulso para um quinteto de
jazz é o swing
36
. Apesar da decodificação da partitura e do descondicionamento
das métricas resultantes do universo polirrítmico apresentado, a execução
swingada das composições manteve-se constante, trazendo dinamismo às
estruturas polirritmicas. Desta forma, as variações métricas tiveram maior
unicidade durante a execução, apesar dos deslocamentos.
Quanto à contextualização do fraseado musical sobre o deslocamento
do pulso durante as improvisações, foi possível observar nas performances
instrumentais uma grande dificuldade de execução dos fraseados sob o
deslocamento rítmico durante as improvisações. É possível observar na gravação
de ‘Colagens’, faixa título do CD que acompanha a Tese, certa dificuldade do
autor em se adequar ao pulso que se desloca durante o solo improvisado.


C
9
A. Gtr.
Cb.
Open for solos - Tenor + Trombone
Fig. 195 – Linha do baixo da parte C da composição ‘Colagens’
Apesar da fórmula de compasso 25/8 adequar a série [3.3.2.2.1] usada
na parte C da composição ‘Colagens’, a realização musical desta linha apresenta
uma acentuação que não contempla a métrica de 25 sobre 8 aplicada. Ainda que
36
‘Balanço’, groove, ‘ginga’, particularidade rítmica presente na música popular que não é possível
ser escrita, mas percebida.
321
decidíssemos enfatizar as acentuações deslocadas da linha, segmentando a série
em 4 células independentes e adequando-as às fórmulas de compasso 11/16 para
célula [3.3.2.2.1], 12/16 para célula [3.3.2.2.1.1], 13/16 para célula [3.3.2.2.1.1.1] e
14/16 para célula [3.3.2.2.1.1.1.1], não seria possível a execução dos
deslocamentos através da leitura uma vez que o pulso percebido pelos músicos
compreende a colcheia como valor unitário. Desta forma, foi adotada a total
dissociação do pulso de forma que o solo teve no seu fraseado um
desenvolvimento rítmico próprio, que não necessariamente estava em
concordância com o pulso que regia a linha.
A contextualização do fraseado musical ao deslocamento da linha
durante a improvisação ainda é um desafio. Contudo, percebe-se que, apesar da
fidelidade da notação para o deslocamento, a execução ainda está atrelada à
percepção do deslocamento. Esta tem sido a experiência do autor quanto a
contextualização do fraseado aos deslocamentos durante a execução da
improvisação.
322
9 - CONCLUSÃO
O gênesis desse trabalho consiste em adequar elementos lítero-
musicais a um processo de criação musical, demonstrando um procedimento
composicional que contemple a proposta de aplicação dos estudos polirrítmicos
desenvolvidos por José Eduardo Gramani, combinado com a prática de
composição modal sistematizada por Ron Miller. Essa proposta foi finalizada
através da elaboração de uma suíte para o quinteto de jazz MC4+, que por sua
vez foi criado a partir da necessidade de se experimentar e se fazer ouvir as
composições decorrentes da proposta.
Os experimentos, sem receios, de um processo composicional racional
e intelectual, definidos a partir da observação e da intuição, estão sujeitos a falhas.
O grande volume de variáveis e de elementos definidores do esboço da
composição traz consigo a necessidade em se definir um processo composicional
estruturado e lúcido. Para não corrermos o risco de deixar a composição
demasiadamente “engessada” estruturalmente, embora fosse pretendido, porém,
ilustrar um procedimento de criação musical notadamente racional para o esboço
da composição, vinculamos a binariedade entre o racional e o intuitivo,
simplicidade e complexidade, associação e dissociação rítmica, literário e musical,
ao que Pignatari (1984 apud Freitas, 1995, p. 10) chama de Texto e Contexto. O
autor escreve que: “Claro que a demarcação entre os níveis só é nítida para
efeitos de metalinguagem crítica e analítica; na realidade concreta, os níveis se
inter-relacionam isoformicamente (de isoformismo = processo de identificação
fundo-forma)”
37
O fio condutor para o balanço das dualidades verificáveis seguiu a partir
da compreensão intelectual dos elementos musicais e literários, organizados e
37
PIGNATARI apud FREITAS, S. P. R. Teoria da Harmonia na música Popular: uma definição das
relações de combinação entre os acordes na harmonia tonal. 1995. 174 f. Dissertação (Mestrado
em Artes) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 1995.
323
classificados para se integrarem de maneira equilibrada; observados e conduzidos
intuitivamente para a expressão e comunicação da idéia proposta.
A linha tênue entre o estruturado e o empírico presente em um
processo de criação revelou ser a grande força de movimentação para o
surgimento de novas propostas sonoras.
Os elementos lítero-musicais trouxeram variáveis que contribuíram não
apenas para definição das estruturas, mas também, e principalmente, na visão do
autor, para definição dos elementos harmônicos e melódicos. Apesar da
‘submissão’ dos elementos harmônicos e melódicos à estrutura, foi possível criar
uma identidade de sonoridades acordais em função da representação sonora da
trama de cada Cantos do poema, trazendo a tona um processo composicional
paralelo, definidor dos elementos harmônicos e melódicos. Trata-se de um
subprocesso composicional que resultou do processo composicional proposto
como objetivo primário.
O arranjo dos temas para o quinteto de jazz MC4+ pode ser
considerado como um terceiro processo de criação a partir do objetivo proposto.
Apesar de não terem sido descritos os procedimentos de desenvolvimento e
adequação de todos os temas para o quinteto, está claro para o autor que o
balanço entre o estruturado e o empírico também se fez necessário para a criação
do arranjo.
De fato, a estruturação rígida como procedimento de criação não é uma
ferramenta obrigatória na atividade composicional, no entanto, sua utilização nos
conduz à consciência plena dos recursos pré-composicionais, além de um maior
detalhamento das etapas do processo composicional.
As projeções para o futuro e continuação da pesquisa direcionam para
o aprofundamento de cada processo composicional apresentado. É possível
estabelecer cada processo como uma proposta singular de aplicação das
estruturas polirritmicas voltada à criação musical que abrange diferentes estilos e
instrumentações. Desta forma, a aplicabilidade musical das estruturas polirritmicas
324
a partir dos processos propostos é, desde já, real e possível, contribuindo para
perpetuação do legado rítmico deixado por José Eduardo Gramani.
325
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329
ANEXO
Texto integral do poema
I JUCA PIRAMA
Cantos I
1. No meio das tabas de amenos verdores,
2. Cercadas de troncos -- cobertos de flores,
3. Alteiam-se os tetos d`altiva nação;
4. São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
5. Temíveis na guerra, que em densas coortes
6. Assombram das matas a imensa extensão.
7. São rudos, severos, sedentos de glória,
8. Já prélios incitam, já cantam vitória.
9. Já meigos atendem à voz do cantor:
10.São todos Timbiras, guerreiros valentes!
11.Seu nome lá voa na boca das gentes,
12.Condão de prodígios, de glória e terror!
13.As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
14.As armas quebrando, lançando-as ao rio,
15.O incenso aspiraram dos seus maracás:
16.Medrosos das guerras que os fortes acendem,
17.Custosos tributos ignavos lá rendem,
18.Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
19.No centro da taba se estende um terreiro,
20.Onde ora se aduna o concílio guerreiro
21.Da tribo senhora, das tribos servis:
22.Os velhos sentados praticam d`outrora,
23.E os moços inquietos, que a festa enamora,
24.Derramam-se em torno dum índio infeliz.
25.Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
26.Sua tribo não diz: - de um povo remoto
27.Descende por certo - dum povo gentil;
28.Assim lá na Grécia ao escravo insulano
331
29.Tornavam distinto do vil muçulmano
30.As linhas corretas do nobre perfil.
31.Por casos de guerra caiu prisioneiro
32.Nas mãos dos Timbiras: - no extenso terreiro
33.Assola-se o teto, que o teve em prisão;
34.Convidam-se as tribos dos seus arredores,
35.Cuidosos se incumbem do vaso das cores,
36.Dos vários aprestos da honrosa função.
37.Acerva-se a lenha da vasta fogueira.
38.Entesa-se a corda da embira ligeira
39.Adorna-se a maça com penas gentis:
40.A custo, entre as vagas do povo da aldeia
41.Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
42.Garboso nas plumas de vário matiz.
43.Entanto as mulheres com leda trigança,
44.Afeitas ao rito da bárbara usança,
45.O índio já querem cativo acabar:
46.A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
47.Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
48.Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.
Cantos II
49.Em fundos vasos d’alvacenta argila
50. Ferve o cauim;
51.Enchem-se as copas, o prazer começa,
52. Reina o festim.
53.O prisioneiro, cuja morte anseiam,
54. Sentado está,
55.O prisioneiro, que outro sol no ocaso
56. Jamais verá!
57.A dura corda, que lhe enlaça o colo,
58. Mostra-lhe o fim
59.Da vida escura, que será mais breve
60. Do que o festim!
61.Contudo os olhos d’ignóbil pranto
62. Secos estão;
63.Mudos os lábios não descerram queixas
64. Do coração.
332
65.Mas um martírio, que encobrir não pode,
66. Em rugas faz
67.A mentirosa placidez do rosto
68. Na fronte audaz!
69.Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
70. No passo horrendo?
71.Honra das tabas que nascer te viram,
72. Folga morrendo.
73.Folga morrendo; porque além dos Andes
74. Revive o forte,
75.Que soube ufano contrastar os medos
76. Da fria morte.
77.Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
78. Lá murcha e pende:
79.Somente ao tronco, que devassa os ares,
80. O raio ofende!
81.Que foi? Tupã mandou que ele caísse,
82. Como viveu;
83.E o caçador que o avistou prostrado
84. Esmoreceu!
85.Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes
86. Revive o forte,
87.Que soube ufano contrastar os medos
88. Da fria morte.
Cantos III
89.Em larga roda de novéis guerreiros
90.Ledo caminha o festival Timbira,
91.A quem do sacrifício cabe as honras.
92.Na fronte o canitar sacode em ondas,
93.O enduape na cinta se embalança,
94.Na destra mão sopesa a iverapeme,
95.Orgulhoso e pujante. - Ao menor passo
96.Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
97.Que lhe o orna o colo e o peito, ruge e freme,
98.Como que por feitiço não sabido
99.Encantadas ali as almas grandes
100.Dos vencidos Tapuias, inda chorem
101.Serem glória e brasão d’inimigos feros.
333
102.“Eis-me aqui,” diz ao índio prisioneiro;
103.“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
104.“As nossas matas devassaste ousado,
105.“Morrerás morte vil da mão de um forte.”
106.Vem a terreiro o mísero contrário;
107.Do colo à cinta muçurana desce:
108.“Dize-nos quem és, teus feitos canta,
109.“Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa
110.O índio, que ao redor derrama os olhos,
111.Com triste voz que os ânimos comove.
Cantos IV
112.Meu canto de morte,
113.Guerreiros, ouvi:
114.Sou filho das selvas,
115.Nas selvas cresci;
116.Guerreiros, descendo
117.Da tribo tupi.
118.Da tribo pujante,
119.Que agora anda errante
120.Por fado inconstante,
121.Guerreiros, nasci:
122.Sou bravo, sou forte,
123.Sou filho do Norte;
124.Meu canto de morte,
125.Guerreiros, ouvi.
126.Já vi cruas brigas,
127.De tribos imigas,
128.E as duras fadigas
129.Da guerra provei;
130.Nas ondas mendaces
131.Senti pelas faces
132.Os silvos fugaces
133.Dos ventos que amei.
134.Andei longes terras,
135.Lidei cruas guerras,
136.Vaguei pelas serras
137.Dos vis Aimorés;
138.Vi lutas de bravos,
139.Vi fortes - escravos!
334
140.De estranhos ignavos
141.Calcados aos pés.
142.E os campos talados,
143.E os arcos quebrados,
144.E os piagas coitados
145.Já sem maracás,
146.E os meigos cantores,
147.Servindo a senhores,
148.Que vinham traidores,
149.Com mostras de paz.
150.Aos golpes do imigo
151.Meu último amigo,
152.Sem lar, sem abrigo
153.Caiu junto a mi!
154.Com plácido rosto,
155.Sereno e composto,
156.O acerbo desgosto
157.Comigo sofri.
158.Meu pai a meu lado
159.Já cego e quebrado,
160.De penas ralado,
161.Firmava-se em mi:
162.Nós ambos, mesquinhos,
163.Por ínvios caminhos,
164.Cobertos d’espinhos
165.Chegamos aqui!
166.O velho no entanto
167.Sofrendo já tanto
168.De fome e quebranto,
169.Só qu’ria morrer!
170.Não mais me contenho,
171.Nas matas me embrenho.
172.Das frechas que tenho
173.Me quero valer.
174.Então, forasteiro,
175.Caí prisioneiro
176.De um troço guerreiro
177.Com que me encontrei:
178.O cru dessossego
179.Do pai fraco e cego,
335
180.Enquanto não chego,
181.Qual seja, - dizei!
182.Eu era o seu guia
183.Na noite sombria,
184.A só alegria
185.Que Deus lhe deixou:
186.Em mim se apoiava,
187.Em mim se firmava,
188.Em mim descansava,
189.Que filho lhe sou.
190.Ao velho coitado
191.De penas ralado,
192.Já cego e quebrado,
193.Que resta? - Morrer.
194.Enquanto descreve
195.O giro tão breve
196.Da vida que teve,
197.Deixai-me viver!
198.Não vil, não ignavo,
199.Mas forte, mas bravo,
200.Serei vosso escravo:
201.Aqui virei ter.
202.Guerreiros, não coro
203.Do pranto que choro;
204.Se a vida deploro,
205.Também sei morrer.
Cantos V
206.Soltai-o! - diz o chefe. Pasma a turba;
207.Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
208.Nem pôde nunca um chefe dar tal ordem!
209.Brada segunda vez com voz mais alta,
210.Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
211.A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.
212.- Timbira, diz o índio enternecido,
213.Solto apenas dos nós que o seguravam:
214.És um guerreiro ilustre, um grande chefe,
215.Tu que assim do meu mal te comoveste,
216.Nem sofres que, transposta a natureza,
217.Com olhos onde a luz já não cintila,
336
218.Chore a morte do filho o pai cansado,
219.Que somente por seu na voz conhece.
220.- És livre; parte.
-E voltarei.
-Debalde.
221.- Sim, voltarei, morto meu pai.
-Não voltes!
222.É bem feliz, se existe, em que não veja,
223.Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
224.- Acaso tu supões que me acobardo,
225. Que receio morrer!
-És livre; parte!
226.- Ora não partirei; quero provar-te
227.Que um filho dos Tupis vive com honra,
228.E com honra maior, se acaso o vencem,
229.Da morte o passo glorioso afronta.
230.- Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
231.E tu choraste!... parte; não queremos
232.Com carne vil enfraquecer os fortes.
233.Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas
234.O rebater do coração se ouvia
235.Precípite. - Do rosto afogueado
236.Gélidas bagas de suor corriam:
237.Talvez que o assaltava um pensamento...
238.Já não... que na enlutada fantasia,
239.Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
240.Do velho pai a moribunda imagem
241.Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato! ingrato!
242.Curvado o colo, taciturno e frio,
243.Espectro d’homem, penetrou no bosque!
Cantos VI
244.- Filho meu, onde estás?
-Ao vosso lado;
245.Aqui vos trago provisões: tomai-as,
246.As vossas forças restaurai perdidas,
247.E a caminho, e já!
- Tardaste muito!
248.Não era nado o sol, quando partiste,
249.E frouxo o seu calor já sinto agora!
250.- Sim, demorei-me a divagar sem rumo,
337
251.Perdi-me nestas matas intrincadas,
252.Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo:
253.Convém partir, e já!
-Que novos males
254.Nos resta de sofrer? - que novas dores,
255.Que outro fado pior Tupã nos guarda?
256.- As setas da aflição já se esgotaram,
257.Nem para novo golpe espaço intacto
258.Em nossos corpos resta.
- Mas tu tremes!
259.- Talvez do afã da caça...
-Oh filho caro!
260.Um quê misterioso aqui me fala,
261.Aqui no coração; piedosa fraude
262.Será por certo, que não mentes nunca!
263.Não conheces temor, e agora temes?
264.Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
265.E contra o seu querer não valem brios.
266.Partamos!... -
E com mão trêmula, incerta
267.Procura o filho, tateando as trevas
268.Da sua noite lúgubre e medonha.
269.Sentindo o acre odor das frescas tintas,
270.Uma idéia fatal correu-lhe à mente...
271.Do filho os membros gélidos apalpa,
272.E a dolorosa maciez das plumas
273.Conhece estremecendo: - foge, volta,
274.Encontra sob as mãos o duro crânio.
275.Despido então do natural ornato!...
276.Recua aflito e pávido, cobrindo
277.Às mãos ambas os olhos fulminados.
278.Como que teme ainda o triste velho
279.De ver, não mais cruel, porém mais clara,
280.Daquele exício grande a imagem viva
281.Ante os olhos do corpo afigurada.
282.Não era que a verdade conhecesse
283.Inteira e tão cruel qual tinha sido;
284.Mas que funesto azar correra o filho,
285.Ele o via; ele o tinha ali presente;
286.E era de repetir-se a cada instante.
287.A dor passada, a previsão futura
288.E o presente tão negro, ali os tinha;
289.Ali no coração se concentrava,
290.Era num ponto só, mas era a morte!
338
291.- Tu prisioneiro, tu?
-Vós o dissestes.
292.- Dos índios?
- Sim.
-De que nação?
- Timbiras.
293.- E a muçurana funeral rompeste,
294. Dos falsos manitôs quebrastes a maça...
295.- Nada fiz...aqui estou,
- Nada! -
Emudecem;
296.Curto instante depois prossegue o velho:
297.- Tu és valente, bem o sei; confessa,
298.Fizeste-o, certo, ou já não foras vivo!
299.- Nada fiz; mas souberam da existência
300.De um pobre velho, que em mim só vivia...
301.- E depois?...
- Eis-me aqui.
-Fica essa taba?
302.- Na direção do sol, quando transmonta.
303.- Longe?
- Não muito.
- Tens razão : partamos.
304.- E quereis ir?...
-Na direção do ocaso.
Cantos VII
305.”Por amor de um triste velho,
306.Que ao termo fatal já chega,
307.Vós, guerreiros, concedestes
308.A vida a um prisioneiro.
309.Ação tão nobre vos honra,
310.Nem tão alta cortesia
311.Vi eu jamais praticada
312.Entre os Tupis, - e mas foram
313.Senhores em gentileza.”
314.”Eu porém nunca vencido
315.Nem nos combates por armas,
316.Nem por nobreza nos atos;
317.Aqui venho, e o filho trago.
318.Vós o dizeis prisioneiro,
319.Seja assim como dizeis;
339
320.Mandai vir a lenha, o fogo.
321.A maça do sacrifício
322.E a muçurana ligeira:
323.Em tudo o rito se cumpra!
324.E quando eu for só na terra,
325.Certo acharei entre os vossos,
326.Que tão gentis se revelam,
327.Alguém que meus passos guie;
328.Alguém, que vendo o meu peito
329.Coberto de cicatrizes,
330.Tomando a vez de meu filho,
331.De haver-me por pai se ufane!”
332.Mas o chefe dos Timbiras,
333.Os sobrolhos encrespando,
334.Ao velho Tupi guerreiro
335.Responde com torvo acento:
336.- Nada farei do que dizes:
337.É teu filho imbele e fraco!
338.Aviltaria o triunfo
339.Da mais guerreira das tribos
340.Derramar seu ignóbil sangue:
341.Ele chorou de cobarde;
342.Nós outros, fortes Timbiras,
343.Só de heróis fazemos pasto. -
344.Do velho Tupi guerreiro
345.A surda voz na garganta
346.Faz ouvir uns sons confusos,
347.Como os rugidos de um tigre,
348.Que pouco a pouco se assanha!
Cantos VIII
349.“Tu choraste em presença da morte?
350.Na presença de estranhos choraste?
351.Não descende o cobarde do forte;
352.Pois choraste, meu filho não és!
353.Possas tu, descendente maldito
354.De uma tribo de nobres guerreiros,
355.Implorando cruéis forasteiros,
356. Seres presa de vis Aimorés.
357.“Possas tu, isolado na terra,
358.Sem arrimo e sem pátria vagando,
340
359.Rejeitado da morte na guerra,
360.Rejeitado dos homens na paz,
361.Ser das gentes o espectro execrado:
362.Não encontres amor nas mulheres,
363.Teus amigos, se amigos tiveres,
364.Tenham alma inconstante e falaz!
365.“Não encontres doçura no dia,
366.Nem as cores da aurora te ameiguem,
367.E entre as larvas da noite sombria
368.Nunca possas descanso gozar:
369.Não encontres um tronco, uma pedra,
370.Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos.
371.Padecendo os maiores tormentos,
372.Onde possas a fronte pousar.
373.“Que a teus passos a relva se torre;
374.Murchem prados, a flor desfaleça,
375.E o regato que límpido corre,
376.Mais te acenda o vesano furor;
377.Suas águas depressa se tornem,
378.Ao contato dos lábios sedentos,
379.Lago impuro de vermes nojentos,
380.Donde fujas com asco e terror!
381.“Sempre o céu, como um teto incendido,
382.Creste e punja teus membros malditos
383.E o oceano de pó denegrido
384.Seja a terra ao ignavo tupi!
385.Miserável, faminto, sedento,
386.Manitôs lhe não falem nos sonhos,
387.E do horror os espectros medonhos
388.Traga sempre o cobarde após si.”
389.“Um amigo não tenhas piedoso
390.Que o teu corpo na terra embalsame,
391.Pondo em vaso d’argila cuidoso
392.Arco e frecha e tacape a teus pés!
393.Sê maldito, e sozinho na terra;
394.Pois que a tanta vileza chegaste,
395.Que em presença da morte choraste,
396.Tu, cobarde, meu filho não és.”
Cantos IX
341
397.Isto dizendo, o miserando velho
398.A quem Tupã tamanha dor, tal fado
399.Já nos confins da vida reservara,
400.Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
401.Da sua noite escura as densas trevas
402.Palpando. - Alarma! alarma! - O velho pára !
403.O grito que escutou é voz do filho,
404.Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
405.Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
406.- Esse momento só vale apagar-lhe
407.Os tão compridos transes, as angústias,
408.Que o frio coração lhe atormentaram
409.De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra.
410.Ele que em tanta dor se contivera,
411.Tomado pelo súbito contraste,
412.Desfaz-se agora em pranto copioso,
413.Que o exaurido coração remoça.
414.A taba se alborota, os golpes descem,
415.Gritos, imprecações profundas soam,
416.Emaranhada a multidão braveja,
417.Revolve-se, enovela-se confusa,
418.E mais revolta em mor furor se acende.
419.E os sons dos golpes que incessante fervem,
420.Vozes, gemidos, estertor de morte
421.Vão longe pelas ermas serranias
422.Da humana tempestade propagando
423.Quantas vagas de povo enfurecido
424.Contra um rochedo vivo se quebravam.
425.Era ele, o Tupi; nem fora justo
426.Que a fama dos Tupis - o nome, a glória,
427.Aturado labor de tantos anos,
428.Derradeiro brasão da raça extinta,
429.De um jato e por um só se aniquilasse.
430.- Basta! clama o chefe dos Timbiras,
431.- Basta, guerreiro ilustre! assaz lutaste,
432.E para o sacrifício é mister forças. –
433.O guerreiro parou, caiu nos braços
434.Do velho pai, que o cinge contra o peito,
435.Com lágrimas de júbilo bradando:
436.“Este, sim, que é meu filho muito amado!
437.“E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
438.“Corram livres as lágrimas que choro,
342
439.“Estas lágrimas, sim, que não desonram.”
Cantos X
440.Um velho Timbira, coberto de glória,
441. Guardou a memória
442.Do moço guerreiro, do velho Tupi!
443.E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
444. Do que ele contava;
445.Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!”
446.“Eu vi o brioso no largo terreiro
447. Cantar prisioneiro
448.Seu canto de morte, que nunca esqueci:
449.Valente, como era, chorou sem ter pejo;
450. Parece que o vejo,
451.Que o tenho nest’hora diante de mi.
452.“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
453. Pois não, era um bravo:
454.Valente e brioso, como ele, não vi!
455.E à fé que vos digo: parece-me encanto
456. Que quem chorou tanto,
457.Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
458.Assim o Timbira, coberto de glória,
459. Guardava a memória
460.Do moço guerreiro, do velho Tupi.
461.E à noite nas tabas, se alguém duvidava
462. Do que ele contava,
463.Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”
343
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