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A guerra dos lugares nas ocupações de edifícios abandonados do centro São Paulo.
Diana Helene Ramos
Dissertação da linha de Pesquisa “Economia, Sociedade e
Território” e da Área de Concentração Planejamento Urbano
e Regional”, para obtenção de título de Mestre em Arquitetura
e Urbanismo, sob orientação do Prof. Dr. Csaba Deák, na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP. Com bolsa-
auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP).
São Paulo - 2009
AUTORIZO A LIVRE REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO, TOTAL OU PARCIAL, DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS
NÃO COMERCIAIS, DESDE QUE CITADA A FONTE E MANTIDA ESTA NOTA.
Foto da capa:
“A propriedade é um roubo”
Nelson Cruz da Souza, militante do MMRC, posa em
frente à ocupação Mauá do MSTC, bairro da Luz
área central de São Paulo (2009)
Autoria: André Kobashi e Eduardo Costa
Helene, Diana
H474g A guerra dos lugares nas ocupações de edifícios abandonados
do centro São Paulo. / Diana Helene Ramos. --São Paulo, 2009.
148 p. : il.
Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: Planejamento
Urbano e Regional) - FAUUSP.
Orientador: Csaba Deák
1.Segregação urbana – São Paulo(SP) 2.Áreas centrais – São
Paulo(SP) 3.Sem teto I.Título
CDU 301.162.2(816.11-21)
4
Folha de Aprovação
Diana Helene Ramos
A guerra dos lugares nas ocupações de edifícios abandonados do centro São Paulo.
Dissertação - grau pretendido: mestre
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP
Linha de Pesquisa “Economia, Sociedade e Território”
Área de Concentração “Planejamento Urbano e Regional”
São Paulo - 2009
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. Csaba Deák (orientador)
Instituição: Dep. de Projeto – FAU USP Assinatura: _________________________
Profa. Dra. Klara Anna Maria Kaiser Mori
Instituição: Dep. de Projeto – FAU USP Assinatura: _________________________
Prof. Dr. Heitor Frúgoli Júnior
Instituição: Dep. de Antropologia - FFLCH USP Assinatura: _________________________
Suplentes:
Prof. Dr. Nuno de Azevedo Fonseca
Instituição: Dep. de Projeto – FAU Assinatura: _________________________
Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira
Instituição: Dep. de Projeto – FAU Assinatura: _________________________
Profa. Dra. Silvana Rubino
Instituição: Dep. de História - IFCH UNICAMP Assinatura: ________________________
5
Sumário
Lista de ilustrações...............................................................................................................7
Fotos..........................................................................................................................................7
Mapas e plantas........................................................................................................................8
Quadros.....................................................................................................................................8
Lista de abreviaturas e siglas..............................................................................................9
Resumo................................................................................................................................10
1. Introdução........................................................................................................................11
2. Metodologia.....................................................................................................................14
2.1. De onde estou falando.........................................................................................................15
2.2. Recorte analítico..................................................................................................................17
2.3. Buscando o ponto de vista de dentro...................................................................................18
2.4. A Guerra dos Lugares..........................................................................................................22
3. A formação da área central de São Paulo.....................................................................24
3.1. Os deslocamentos da centralidade e o vetor sudoeste........................................................25
3.2. Transformação do uso do solo e vacância imobiliária...........................................................31
3.3. A popularização do centro de São Paulo.............................................................................34
4. As ocupações verticais no centro de São Paulo..........................................................40
4.1. Recorte espacial de análise..................................................................................................43
4.2. O Edifício Plínio Ramos........................................................................................................45
4.3. O Edifício Prestes Maia ........................................................................................................50
4.4. A Ocupação Paula Souza.....................................................................................................60
4.5. O Edifício São Vito................................................................................................................64
4.6. As ocupações verticais e sua estrutura de organização ......................................................72
4.6.1. Arquitetura interna: as escadas e os corredores – o andar e os barracos.....................73
4.6.2. Coletividade e formação política....................................................................................78
4.7. As ocupações e seu espaço envoltório.................................................................................84
5. O papel do Estado...........................................................................................................94
5.1.A revalorização econômica do centro de São Paulo..............................................................98
5.2. As reintegrações de posse nos objetos de análise.............................................................105
5.3. A Gentrificação nos objetos de análise...............................................................................120
6. Conclusão......................................................................................................................130
7. Bibliografia e demais fontes de pesquisa...................................................................136
6
Lista de ilustrações
Fotos
foto 1: Faixa "Direito à cidade" na Rua Plínio Ramos (Diana Helene)..................................................11
foto 2: Biblioteca Popular Prestes Maia (Eduardo Costa - Grupo Risco)..............................................14
foto 3: Ladeira Porto Geral - Centro de São Paulo (Diana Helene)......................................................24
foto 4: Janela no Prestes Maia (Eduardo Costa - Grupo Risco) ..........................................................40
foto 5: Sebastião na Horta Vertical (Antonio Brasiliano - Integração sem posse).................................48
foto 6: Foto do prédio da ocupação Plínio Ramos (Diana Helene).......................................................49
foto 7: Severino no ateliê de Costura (Antonio Brasiliano - Integração sem posse).............................49
foto 8: Sala de reuniões (Antonio Brasiliano - Integração sem posse).................................................50
foto 9: Edifício Prestes Maia (Eduardo Costa - Grupo Risco)...............................................................56
foto 10: Entrada da Biblioteca (Eduardo Costa - Grupo Risco)............................................................57
foto 11: A Biblioteca (Eduardo Costa - Grupo Risco)............................................................................57
foto 12: Assembléia (Henrique Parra - Dossiê Centro Vivo, 2006).......................................................58
foto 13: Exposição da rede “Integração sem Posse” no salão subterrâneo do prédio (Bijari - Dossiê
Centro Vivo, 2006)................................................................................................................................58
foto 14: Lavanderia coletiva (Eduardo Costa - Grupo Risco)................................................................59
foto 15: "Companhia Nacional de Tecidos", entrada pela Rua Brigadeiro Tobias (Eduardo Costa –
Grupo Risco)........................................................................................................................................59
foto 16: Edifício Concórdia no anos 50 (Levi, 1974)............................................................................62
foto 17: Ocupação Paula Souza em agosto de 2005 (Eduardo Costa - Grupo Risco).........................63
foto 18: Varandas (Eduardo Costa - Grupo Risco)...............................................................................63
foto 19: Subterrâneo, rampa do estacionamento (Eduardo Costa - Grupo Risco)...............................64
foto 20: Mercado Municipal e São Vito, frente a frente (Diana Helene)...............................................69
foto 21: São Vito antes da desocupação (Eduardo Costa - Grupo Risco)............................................70
foto 22: Corredor e portas de madeirite (URBS 34, 2004)....................................................................70
foto 23: São Vito vazio - jan/2008 (Diana Helene)................................................................................71
foto 24: São Vito destacando no horizonte, visto a partir do Pátio do Colégio (Diana Helene)............71
foto 25: Prestes Maia, sofá coletivo no pátio central e porta de barraco aberta (Eduardo Costa - Grupo
Risco)...................................................................................................................................................75
foto 26: Prestes Maia, entrada do 14º andar (Eduardo Costa - Grupo Risco)......................................75
foto 27: Família de Jomarina Pires da Fonseca, moradores do 11º andar do Prestes Maia (André
Kobashi e Eduardo costa) ...................................................................................................................76
foto 28: Plínio Ramos, corredor e escadaria (Eduardo Costa - Grupo Risco)......................................77
foto 29: Assembléia na ocupação Prestes Maia (Carlos Cazalis)........................................................82
foto 30: Assembléia na ocupação Prestes Maia (Carlos Cazalis)........................................................82
foto 31: Carrinhos dos catadores fazendo sua mudança, durante o período de desocupação e retirada
das famílias do Prestes Maia (Carlos Calazar).....................................................................................86
foto 32: Prestes Maia, o porteiro Seu Luiz e a portaria (Eduardo Costa - Grupo Risco).......................88
foto 33: Plínio Ramos, apresentação de Break na rua em frente à ocupação, em uma festa manifesto
(Isaumir Nascimento – Integração Sem Posse.....................................................................................91
foto 34: cartazes no Ed. Prestes Maia (Grupo Risco - Eduardo Costa)................................................91
foto 35: cartazes na fachada do Ed. Plínio Ramos (Dossiê Centro Vivo - Henrique Parra)..................92
foto 36: Demolição no bairro da Luz (Eduardo Costa – Grupo Risco)..................................................94
foto 37: Demolições no bairro da Luz (Eduardo Costa – Grupo Risco)..............................................104
foto 38: Projeto de Rem Koolhaas para o edifício São Vito (Brissac, 2002).......................................108
foto 39: Elevador para desocupação do São Vito (Helene, 2005)......................................................108
foto 40: Revista Policial no subterrâneo do edifício Plínio Ramos (autoria omitida - Integração sem
posse).................................................................................................................................................112
foto 41: Policiais jogam spray de pimenta nas famílias (Isadora Lins/ CMI São Paulo)......................112
foto 42: Confronto com a Polícia no despejo da Plínio Ramos (Isadora lins - CMI / SP)....................113
foto 43: Frases nos barracos da Favela “José Serra” (Mariana Cavalcanti – Integração sem Posse)
............................................................................................................................................................114
foto 44: Favela “José Serra”: despejados do Plínio Ramos (Antonio Brasiliano - Integração sem
posse).................................................................................................................................................115
foto 45: Favela “José Serra”: despejados do Plínio Ramos (Mariana Cavalcanti - Integração sem
7
posse).................................................................................................................................................115
foto 46: Favela “José Serra”: despejados do Plínio Ramos (Mariana Cavalcanti - Integração sem
posse).................................................................................................................................................116
foto 47: Paula Souza e “muro da vergonha”.......................................................................................118
foto 48: Plínio ramos e “muro da vergonha” (Mariana Cavalcanti - Integração sem posse)..............118
foto 49: Prestes Maia e “muro da vergonha” (Diana Helene)............................................................119
foto 50: Cartaz Gentrificado (Diana Helene).......................................................................................123
foto 51: Cartaz “Gentrificado” em poste durante o despejo do edifício Plínio Ramos (Mariana
Cavalcanti - Integração sem posse)...................................................................................................124
foto 52: Cartaz “Gentrificado” no portão do Edifício Plínio Ramos (Anderson Barbosa – FCV).........124
foto 53: A Gentrificação (Bijari – Dossiê Centro Vivo, 2006)..............................................................126
foto 54: Prédio abandonado e emparedado no centro de São Paulo - próximo ao Pátio do Colégio
(Diana Helene) ..................................................................................................................................130
Mapas e plantas
Todos mapas e plantas foram elaborados pela autora (com as fontes de informação
devidamente indicadas junto à ilustração), exceto os mapas 2 e 3.
mapa 1: Expansão urbana e Centralidade...........................................................................................28
mapa 2: Estrutura viária principal: concentração de vias na região sudoeste. ....................................29
mapa 3: Distribuição de serviços de tecnologia em São Paulo............................................................30
mapa 4: Áreas construídas vazias........................................................................................................32
mapa 5: Região da Luz e adjacências..................................................................................................44
planta baixa 6: Disposição espacial Plínio Ramos................................................................................48
planta baixa 7: Disposição espacial Prestes Maia................................................................................55
planta baixa 8: Disposição espacial Paula Souza.................................................................................61
planta baixa 9: Disposição espacial São Vito.......................................................................................68
Quadros
quadro 1: Ações do Estado na área central (1998 - 2009)...................................................................99
8
Lista de abreviaturas e siglas
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento
CMP: Central dos Movimentos Populares
FLM: Frente de Luta por Moradia
IPTU: Imposto Predial Territorial Urbano
MASP: Movimento dos Ambulantes de São Paulo
MMC: Movimento de Moradia do Centro
MMRC: Movimento de Moradia Região Centro
MNCR: Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
MST: Movimento dos trabalhadores Sem Terra
MSTC: Movimentos dos Sem-Teto do Centro
MTST: Movimento dos trabalhadores Sem-teto
PAR: Programa de Arrendamento Residencial
PT: Partido dos Trabalhadores
PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira
PUC/SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
ULC: União para a Luta de Cortiços
UMM: União dos Movimentos de Moradia
UNMP: União Nacional dos Movimentos Populares
.
9
Resumo
HELENE, Diana. A guerra dos Lugares nas ocupações de edifícios abandonados do
centro de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Territorial) - USP -
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP: São Paulo, 2009.
As áreas centrais das aglomerações urbanas contemporâneas são peças-chave para
análise e compreensão dos inúmeros conflitos sociais constituintes da sociedade capitalista
atual. O centro da cidade de São Paulo, apesar de dotado de uma complexa rede de infra-
estrutura e serviços, encontra-se subutilizado, perfurado por uma infinidade de vazios. São
milhares de imóveis desocupados na área central da cidade. As classes sociais menos
favorecidas ocupam as ruínas desses edifícios abandonados numa operação de reconquista
do espaço urbano do qual são constantemente excluídas, num processo de reivindicação da
cidade. No entanto, a propriedade permanece protegida pelo Estado, e seus ocupantes são
despejados através de ações de reintegração de posse. A observação de todos esses
deslocamentos de forças demonstra, segundo Arantes Neto, uma série de “territórios
interpenetrados em confronto”, que constituem no espaço urbano uma “Guerra dos
Lugares
1
“. A partir desse conceito, pretende-se compreender como os espaços urbanos
residuais centrais são gerados, quem os ocupa, de que forma são ocupados, e como
acontece sua posterior desarticulação. Para o desenvolvimento da pesquisa foi delimitado
como recorte analítico quatro ocupações de edifícios abandonados localizadas no bairro da
Luz, centro da cidade de São Paulo: Ed. Plínio Ramos, Ed. Prestes Maia, Ed. Paula Souza e
Ed. São Vito.
Palavras-chave:
Áreas Centrais São Paulo (SP), Segregação Urbana, Sem-teto
Abstract
HELENE, Diana. The war of places at center of São Paulo's empty buildings
occupations. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Territorial) - USP -
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP: São Paulo, 2009.
The central areas of contemporary urban agglomerations are key pieces for the analysis and
understanding of several social conflicts constituents of today capitalist society. The center
of São Paulo, though endowed with a complex infrastructure and services network, is
underutilized, pierced by a multitude of empty spots. There are thousands of vacant
properties at city's central area. The underprivileged social classes occupy the ruins of these
abandoned buildings, operating for the recapture of urban space which are constantly
excluded from, in the process of reclaiming the city. However, the property remains
protected by the state, and their occupants are discharged through repossession actions.
The observation of these displacement of forces shows, acording to Arantes Neto, a series
of interpenetrating territories in confrontation, which constitute over urban space a “War of
Places”. From this concept seeks to understand how the central residual urban spaces are
generated, who occupies them, how they are occupied, and how happens their subsequent
dismemberment. For the research, was defined as analytical object four occupations of
abandoned buildings located in the neighborhood of Luz, at the center of São Paulo: Plínio
Ramos, Prestes Maia, Paula Souza and São Vito.
Key-words: São Paulo central area (SP), urban segregation, homeless.
1
Arantes Neto, 1999: p.105-129
10
1. Introdução
"(...) Como os ricos dominam os pobres? Como que é que o pessoal que está
ai por cima domina os pobres? Tomando todos os espaços dele. O rico não
deixa espaço para o pobre, nem para morar ele deixa espaço. E nem pra se
reunir. E nem pra falar em uma televisão. Pra falar no rádio. E nem para
escrever no jornal. Ele não tem espaço nenhum. E ele não tendo espaço, ele
fica submetido, ele fica controlado, ele fica dominado.”
Fala na última Assembléia da ocupação Prestes Maia, gravação do CMI
(http://www.midiaindependente.org) 10/06/2007
11
foto 1: Faixa "Direito à cidade" na Rua Plínio Ramos (Diana Helene)
Esta dissertação de mestrado tem por objetivo estudar as formas não-formais de
organização e construção da cidade, buscando compreender como estas se estabelecem de
maneira a se contrapor ao sistema que as explora, dando especial destaque às
organizações que misturam a busca da sobrevivência com o estabelecimento de relações
sociais baseadas na solidariedade, coletividade e reaproveitamento de recursos
descartados pelo sistema capitalista.
Por meio da ilegalidade as classes marginais estabelecem sistemas improvisados,
derivando o uso da técnica oficial, utilizando-se de diversos tipos de materiais para inventar
e reinventar novas maneiras de sobrevivência e de deslocamento no espaço. Pode-se dizer
que realizam uma “antropofagia” ao transformar e se apropriar de materiais rejeitados:
produtos inutilizados, objetos descartados, maquinários obsoletos e os espaços residuais da
cidade. Os espaços residuais são os vazios, construções abandonadas, espaços públicos
abandonados, vãos entre as edificações, recortes, sobreposições, dobras e fissuras
impressos no território pelos sistemas de circulação, pelo zoneamento e planejamento
urbano, pelo crescimento explosivo, pela atuação da especulação imobiliária e pela
constante valorização, desvalorização e revalorização de regiões urbanas. A ocupação e
ressignificação destas “falhas” da malha urbana pelas camadas populares, mesmo que de
maneira transitória e/ou efêmera, acontece com características que aparentam estabelecer
uma oposição orgânica à racionalidade capitalista, principalmente devido à característica de
realizar uma operação de reconquista do território urbano, movida contra as
regulamentações administrativas e a urbanização excludente do capital” (Brissac, 2004: p.
425-426).
A organização e o fortalecimento da classe excluída muitas vezes entra em confronto com
as decisões dos centros de poder capitalistas. Por essa razão, se faz necessário que o
Estado invista em restabelecer a “ordem” e o controle por meio de reintegrações de posse
12
nas propriedades ocupadas, remoção de favelas com a relocação das famílias a conjuntos
habitacionais, criação de áreas especiais para comércio de ambulantes; cercas em torno
dos espaços públicos apropriados por moradores sem-teto, ou através da retomada de
áreas urbanas abandonadas pelas classes privilegiadas na espera de uma revalorização
econômica
2
.
A observação desses movimentos de valorização, desvalorização e revalorização, aponta
uma disputa pelo espaço do centro da cidade: a criação dos vazios urbanos abandonados à
deterioração, sua ocupação pelas camadas menos favorecidas da sociedade, e sua
posterior expulsão para novos empreendimentos imobiliários. Trata-se de um rebatimento,
no plano da organização espacial urbana, dos conflitos que acompanham a reprodução da
força de trabalho na sociedade de elite brasileira (Deák, 1991)
3
, sugerindo a existência do
movimento constante de uma série de “territórios interpenetrados em confronto”, onde
podemos destacar a presença de uma “guerra dos lugares”, “mundos em guerra” e “zonas
de turbulência” (Arantes Neto, 1999; 2000: passim).
Dessa forma, o tema abordado centra-se na discussão da produção dessa cidade “outra”, a
cidade dita “marginal”, objetivamente estudando uma das suas formas de manifestação: as
ocupações verticais de edifícios abandonados nas áreas centrais da cidade. Para a
pesquisa em questão foram escolhidas quatro distintas ocupações de vazios construídos
para, dessa forma, obter diferentes perspectivas de análise.
2
Utilizo o termo “revalorização econômica” para designar as palavras “requalificação” , “revitalização” ou
“regeneração urbana”; visto que estas são expressões especialmente cunhadas para um discurso que considera
o espaço atual do centro de São Paulo como “desqualificado” ou “sem vida”, pois se tornou um espaço das
classes populares. Para além de julgar se o espaço do centro vive uma precariedade, procura-se expressar que
a área está obtendo uma revalorização por meio de investimentos capitais, sem entrar nos méritos de que isso
melhora ou não o espaço do centro, tendo em vista que toda infra-estrutura é ideologicamente construída.
Segundo Smith (2006, p. 81) a utilização destes termos (requalificação, revitalização ou regeneração) mascara
“as origens sutilmente sociais e os objetivos da mudança urbana”, visto que acoberta a intenção de uso do
espaço para fins de lucros imobiliários, além de ignorar o destino das pessoas deslocadas ou expulsas.
3
Segundo Deák (1991) o processo de produção e reprodução social no Brasil é marcado em sua história por
uma subordinação aos requisitos da reprodução da dominação de uma elite, constituindo uma sociedade distinta
da sociedade burguesa. O fortalecimento da burguesia acabaria por desafiar a dominação desta elite, constituída
nos primórdios da colonização, descendente das capitanias hereditárias e, por essa razão, esse
desenvolvimento é impedido a todo custo. Para mais informações consulte também: Deák e Shiffer (2007).
13
2. Metodologia
14
foto 2: Biblioteca Popular Prestes Maia (Eduardo Costa - Grupo Risco)
Esta pesquisa buscou dar continuidade a minha trajetória acadêmica, que se iniciou
em 2005 com meu trabalho final de graduação (TFG), a monografia Todo espaço mal
utilizado será ocupado”, de tema análogo, na qual foi elaborado um projeto arquitetônico
para ocupações de edifícios abandonados (Helene, 2005)
4
. O tema, aprofundado nesta
dissertação de mestrado, partiu do acompanhamento cotidiano e do trabalho de apoio,
desde 2004, às ocupações verticais urbanas e movimentos de moradia na área central da
cidade São Paulo, durante minha atuação junto ao Grupo Risco
5
. Por essa razão, é
importante relatar de que forma está posicionado o lugar do pesquisador neste estudo, e
como acontece, neste caso, a relação entre a pesquisa e o objeto de estudo.
2.1. De onde estou falando
O Grupo Risco é um coletivo de arquitetos e urbanistas que acompanha diversos
movimentos de luta pela Reforma Urbana e Agrária atuantes na região de São Paulo e
Campinas. O grupo foi formado em 2004 por alguns estudantes de arquitetura e urbanismo
da Unicamp que queriam aprofundar seus estudos para além dos limites que se alcançava
dentro da universidade. Começamos estudando alguns textos que não estavam no currículo
do curso de arquitetura mas logo acabamos entrando em contato com a FLM (Frente de
Luta por Moradia), e passamos a acompanhar algumas ações de ocupação de prédios
abandonados, manifestações e despejos, dando apoio na cobertura audiovisual de maneira
a produzir conteúdos que pautassem nos meios de comunicação a questão dos problemas
da moradia, dos vazios abandonados no centro da cidade e da Reforma Urbana. A partir
dessas ações, o grupo foi contatado também por outros movimentos sociais, como o MST
(Movimento dos trabalhadores rurais sem Terra) e o MTST (Movimento dos trabalhadores
4
Mais especificamente, este TFG partiu de uma hipótese de ocupar e preencher com habitação construções
inacabadas e abandonadas nas áreas centrais da cidade, elaborado por meio de uma pesquisa focada em
alternativas de organização, sistemas de baixo custo, formas extra-oficiais de gestão do espaço urbano e nas
iniciativas de sobrevivência da camada excluída.
5
http://www.gruporisco.org
15
sem teto), também acompanhados pelo grupo atualmente
6
. Por meio do trabalho do grupo,
pude acompanhar diversas atividades desses movimentos e também conhecer outros tipos
de organizações sociais semelhantes e que não tinham, necessariamente, sua organização
interna coordenada por meio de movimento social.
Durante as diversas ações que realizei junto ao Grupo Risco, não existia a finalidade
concreta de uma pesquisa; no entanto, este trabalho gerou tantas reflexões, que me motivou
a organizar os conhecimentos e idéias adquiridos com a realização deste mestrado. Dessa
forma, todo material arquivado pelo trabalho junto ao grupo foi de fundamental importância
para o desenvolvimento da dissertação, como detalharei mais adiante.
Alguns trabalhos do Grupo Risco, como por exemplo, o documentário “Prestes: uma
ocupação no centro de São Paulo”, sobre o objeto de análise “edifício Prestes Maia”, foi
realizado durante a vigência desta pesquisa de mestrado, e está totalmente vinculado ao
desenvolvimento desta dissertação, no qual muitas falas dos informantes aqui descritas
estão presentes.
Nesse caso meu trabalho enquanto pesquisadora é uma participação ativa, na qual faz
sentido dizer que a pesquisa parte de dentro e de fora do objeto de estudo, pois mesmo
sendo uma pessoa que não faz parte das classes sociais estudadas e está compondo seu
discurso dentro da estrutura acadêmica, participei ativamente de muitas ações que aqui
relato, rompendo com a idéia da possibilidade de um discurso neutro. Trata-se de uma
perspectiva na qual é considerada que todo tipo de análise é construído por um sujeito, e
este carrega consigo uma estória pessoal que se reflete na sua maneira de
estudar/observar/analisar o objeto, descolando dessa perspectiva a idéia de que a ciência
6
Vale ressaltar que o trabalho do grupo, bem como da autora, não é de “militância”, mas sim de apoio e
acompanhamento. Em geral, para os movimentos sociais, o trabalho de “militância” envolve a pessoa trabalhar
de fato com o objetivo único do movimento, ser um integrante e participar de todas atividades que este requisitar.
16
estuda o objeto sem uma estória prévia que está dentro do próprio pesquisador. Além disso,
tal característica se torna objeto constitutivo de análise.
2.2. Recorte analítico
O recorte espacial de análise foi pontuado por quatro edifícios/processos, quatro ocupações
verticais da região central de São Paulo, localizadas no bairro da Luz. Os edifícios foram
escolhidos devido às suas diferenças estruturais quanto à organização interna, buscando
assim obter diferentes pontos de vista do fenômeno da apropriação de espaços construídos:
movimento organizado - Ocupação Plínio Ramos e Ocupação Prestes Maia
autogestão coletiva - Ocupação Paula Souza
aluguel rentista ou “cortiço” - Edifício São Vito
Vale reiterar que esta gama de opções selecionadas para a pesquisa se deve ao fato de que
este estudo não visa estudar especificamente os movimentos sociais, mas as diversas
maneiras de organização que as classes populares estão engendrando no espaço urbano.
Por essa razão, foram escolhidos alguns objetos de análise que não se organizam por meio
de movimento social.
No início da pesquisa (jan/2007), três desses edifícios haviam sido desocupados: os
moradores do edifício Plínio Ramos e do edifício Paula Souza foram despejados por meio
de reintegrações de posse e o edifício São Vito foi esvaziado para um projeto de
revalorização econômica. O quarto objeto de análise, o edifício Prestes Maia, manteve-se
ocupado até junho de 2007, e constituiu, por ser a maior ocupação vertical da região, o foco
principal de estudo da pesquisa. Para além da riqueza de informações obtidas ao observar
estes processos de despejo e reintegração de posse, o trabalho de campo durante o
período efetivo do mestrado ficou penalizado, visto que teve de acabar exatamente no início
17
do primeiro ano do início do programa de mestrado.
2.3. Buscando o ponto de vista de dentro
Apesar dos despejos dos objetos de estudo acontecerem no início do desenvolvimento da
dissertação, procurei utilizar a contribuição da antropologia estudando também o material
arquivado durante meu trabalho junto às ocupações desde 2004, por meio do enfoque
etnográfico. Cabe enfatizar que esta possibilidade de estudo alterou a abordagem planejada
inicialmente para o aproveitamento do arquivo. Para Frehse (2006), mesmo sem estar no
campo, o que importa é utilizar-se da “perspectiva etnográfica” para leitura dos arquivos. Em
sua dissertação, a autora faz uma etnografia das ruas do passado, por meio de arquivos
históricos e fotografias antigas da cidade de São Paulo.
“Aquilo que chamo de perspectiva etnográfica é forjada na metáfora da perspectiva
para destacar, na concepção da etnografia, a sua dimensão de ponto de fuga para o
qual converge a maneira de o pesquisador apreender, analisar, interpretar, represen-
tar e, assim, conhecer a vida social, independentemente de sua forma de contato com
o seu campo empírico de estudo.” (Frehse, 2006: p.302, grifo da autora)
Assim, o material arquivado foi relido minuciosamente por meio da abordagem etnográfica,
articulando a bibliografia estudada com as experiências vividas durante o trabalho de cam-
po. As imagens audiovisuais, entrevistas, fotografias e observações coletadas ao longo de
minha vivência serviram como as anotações de um “caderno de campo”. Nesse arquivo es-
tavam armazenadas diversas cenas, relatos e situações que se passaram durante minhas
visitas aos prédios.
Vale sublinhar novamente que, diferentemente dos projetos de pesquisa usuais nos quais se
escolhe um objeto de estudo por algum tipo de afinidade - ou desejo de estudo e, em se-
guida, realiza-se o trabalho de campo para aprofundamento sobre tal, nesta pesquisa acon-
teceu o contrário: o trabalho de campo foi realizado durante minhas atividades com o “Grupo
Risco” e a intenção de sistematização e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos, por
18
meio da realização do mestrado, veio depois. Ou seja, a análise posterior do arquivo é parte
do caminho realizado especificamente por esta pesquisa.
Dessa forma, o método de trabalho utilizado foi buscar um olhar antropológico sobre a rela-
ção entre os moradores das ocupações e os edifícios, seu entorno e a dinâmica urbana que
abrangem. Um enfoque “de perto e de dentro” que, segundo Magnani [2], é próprio da Antro-
pologia, onde “seu modo de operar” apresenta algumas características que permitem captar
processos que passam desapercebidos quando utilizadas outras metodologias tradicionais
de estudos urbanos: “por detrás da aparente desordem e do caos urbano existem regulari-
dades no espaço, nos comportamentos, nos estilos de vida que uma leitura antropológi-
ca pode revelar” (Magnani [1]). Magnani também afirma que não como negar a importân-
cia de um estudo abrangente dos diagnósticos, dos dados estatísticos e dos estudos tradici-
onais do urbanismo, no entanto questiona se esses métodos bastam para o entendimento
da complexidade urbana. Esse ponto seria, segundo o autor, a especificidade da antropolo-
gia no sentido de contrabalancear as visões sobre o urbano: dado por meio de um contato,
confronto e diálogo com o "outro", observados no contexto em que realizam cotidianamente
suas tarefas, transposições e conexões nas variadas redes da trama urbana. Para Telles e
Hirata a importância da observação cotidiana das histórias dos habitantes urbanos reside no
fato de que estes são portadores de um feixe variado de relações e conexões com o mun-
do social. Por isso mesmo são formidáveis guias para nos conduzir nessa incerta prospec-
ção do mundo urbano atual” (2007, p.10). Nesse caso, a abordagem antropológica buscou
dar voz às teorias, abordagens e reflexões dos grupos estudados, não apenas “interpretan-
do-os”. Esse “dar voz”, consistiu em posicionar na mesma perspectiva de conhecimento o
saber popular e os outros saberes consagrados da academia, ou seja, numa mesma posi-
ção de hierarquia.
19
Deve estar claro, no entanto, que seja qual for o recorte metodológico de estudo, este objeto
faz parte de uma rede mais complexa (Magnani 1993, p.5), na qual busquei associar os
estudos etnográficos. Para isso, foi utilizada uma abordagem macroestrutural da realidade
brasileira a partir do conceito da formação da sociedade de elite no Brasil, abordada por
Deák em "Acumulação entravada no Brasil/ E a crise dos anos 80" (1991) e por Deák e
Schiffer em “A Metrópole de uma sociedade de Elite” (2007), destacando as condições de
superprivilegiamentos dessa elite, que engendram um controle do Estado no qual se
contradiz toda e qualquer noção democrática de bem comum (Deák e Schiffer; 2007: p.9).
Dessa bibliografia, foi usada principalmente a teoria das localizações, para mapear os
processos de valorização e desvalorização que estão acontecendo no centro da cidade de
São Paulo.
Vale ressaltar que esta abordagem foi utilizada de maneira a complementar os estudos
observados pelo trabalho de campo. A questão é que, analisar o problema aqui exposto,
somente sob o viés econômico nada diria sobre a importância do que acontece nestas
ocupações, pois este viés as avalia como efeitos dos processo econômicos, sem qualquer
possibilidade de agência ou de resistência:
Mais precisamente, os atores, que evidentemente existem como realidades
empíricas, não têm importância analítica, porque são emanações produzidas pelo
‘sistema’, pela ‘estrutura’ etc., espécie de instância demiúrgica que os molda
exatamente para que cumpram os ‘papéis’, as ‘funções’ etc. requeridas para a sua
própria reprodução.(Oliveira, 1997: p.56)
Ou seja, do ponto de vista do processo global da acumulação, o objeto de estudo não teria
nenhuma importância. Para que esta importância fosse vista foi necessário uma outra
abordagem. Segundo Martins, se o conhecimento cientifico não considerar o ponto de vista
dos explorados do sistema capitalista “cairá necessariamente no ponto de vista do outro,
isto é, do objeto constituído pelo próprio processo histórico ao estabelecer o divórcio do
sujeito e do objeto” (Martins, 1989: p.114, grifo do autor). Sob esse ponto de vista, o
20
conhecimento produzido através do saber popular permaneceria conceitualmente
petrificado, imobilizado, “à espera de um saber completamente externo, expressão de uma
classe de fora, e de cima, que as interprete à luz de relações capitalistas e modernas e de
uma cultura expressamente universalista, isto é, acadêmica” (ibidem, p.120). Isso se no
âmbito de superar uma interpretação da cultura popular como folclórica, sem observar que a
cultura das classes populares prolonga e codifica o confronto sob a condição de vencido:
“Não é possível perceber o potencial da força dos movimentos sociais e indígenas se
não partirmos da mudança de perspectiva da relação de crença e dominação, de
comando e obediência, de autoridade e legitimidade. Ou, para colocar em outros
termos, do poder plebeu para subverter a cadeia de comando, a afirmação indígena
para deslocar a condição colonial” (Camacho, 2009)
Essa abordagem parte de um pressuposto que busca colocar nossos objetos de estudo
como sujeitos de sua estória:
“O conhecimento de que são portadoras as classes subalternas é mais do que
ideologia, é mais do que interpretação necessariamente deformada e incompleta da
realidade do subalterno. É nesse sentido, também, que a cultura popular deve ser
pensada como cultura, como conhecimento acumulado, sistematizado, interpretativo
e explicativo, e não como cultura barbarizada, forma decaída da cultura hegemônica,
mera e pobre expressão do particular” (Martins, 1989: p.111)
Vale ressaltar que a teoria e o registro histórico das classes populares possui uma forte
tradição oral, na qual as informações são guardadas e passadas às outras gerações por
meio de histórias orais, alertando a necessidade de se tomar a devida atenção para este
tipo de transmissão de conhecimento, bem como, a dificuldade de acesso a ele. Nesse
sentido, além do trabalho de campo, um elemento fundamental de estudo foi o DVD do
grupo de rap “Racionais MC’s”, no qual existe um documentário da história das
manifestações negras e pobres da cidade de São Paulo, do período da escravidão até a
formação das grandes periferias, feito por estes rappers: Mano Brown (Pedro Paulo Soares
Pereira) - Documentário, 96min - “História das manifestações negras em São Paulo” (In:
Racionais MC´s. 1000 Trutas 1000 Tretas - São Paulo, 2007). Esse material teórico foi
utilizado principalmente por ser um registro histórico da ocupação de São Paulo pelas
classes pobres e negras realizado a partir do ponto de vista de um pensador desta
21
realidade, diferentemente do que um historiador da academia e provavelmente de outra
classe poderia observar, um ponto de vista teórico e metodológico que parte de “dentro”.
2.4. A Guerra dos Lugares
A partir do trabalho de campo surgiu a hipótese inicial da dissertação, de que a cidade (e
fundamentalmente o centro dessa cidade) está em disputa, tendo como objetivo escalonar
as principais forças atuantes de uma “guerra dos lugares”, na qual acontece a interação de
vetores opostos, que possuem estratégias específicas de atuação no território.
A noção de “guerra dos lugares” é proveniente dos estudos de antropologia urbana de
Arantes Neto, encontrada principalmente no livro Paisagens Paulistanas (1999)”, mas
também na coletânea “O espaço da diferença (2000)”. A analogia com o conceito de Arantes
Neto baseia-se no fato de que a disputa observada no trabalho de campo envolve a criação
de uma ”arquitetura de territórios”, da construção de significações identitárias nos espaços
da cidade na qual a paisagem é elaborada para comunicar o que seria o espaço de cada um
destes vetores, configurando a criação de representações opostas para cada grupo. No
caso dos processos de revalorização econômica, estas representações ou manipulações da
imagem da paisagem são fundamentais para efetivar seu intuito de apropriação do espaço
do centro, o que nos leva a pensar que o mesmo é feito pelas classes pobres em vistas de
demarcar seu território, visto que “as mensagens contidas na paisagem visam à reprodução
social daqueles que a controlam, revelando um importante elemento identitário a ser
ratificado” (Mamari, 2008: p. 25). A abordagem de Arantes Neto, no entanto, seria um pouco
mais flexível considerando as diversas maneiras de significação e disputa desse espaço por
cada tipo de ocupação do espaço do centro, o que nesta dissertação está mais centrado nas
disputas e representações criadas por meio da abordagem da luta de classes. Este fato se
deve às implicações e indagações que partiram do trabalho de campo específicos desta
22
pesquisa, na qual se percebeu a noção de “guerra” no centro e a disputa por esse espaço:
“Apesar de eles falar que aqui (na área central) o metro quadrado é muito caro, né?
Mas é questão deles querer também. Que pobre mora no centro, que não querem
pobre morando no centro, mas pobre luta pra ficar no centro! Essa é a nossa luta.”
(relato de Jomarina Pires da Fonseca, coordenadora e moradora da
Ocupação Prestes Maia, entrevista gravada em 04/03/2007, grifo meu)
A partir desse ponto de vista, observei no trabalho de campo o posicionamento constante de
dois vetores de disputa desta guerra: os moradores das ocupações, que se colocam nas
categorias de “pobre” e “sem-teto”, localizam o Estado e a elite (“eles”, os “ricos”) como do
outro lado desta guerra:
“(...) sabemos que pode porque a lei está do lado deles né, não ta do lado nosso, se
a lei estivesse do lado nosso, família nenhuma saia da onde está vivendo
(comentário sobre as ações de reintegração de posse).”
(relato de Nelson da Cruz Souza, coordenador e morador da Ocupação Plínio
Ramos, entrevista gravada em 12/07/2005, grifo meu)
Vale lembrar que este posicionamento dicotômico aparece mais freqüentemente nas
ocupações organizadas por movimentos sociais (Prestes Maia e Plínio Ramos), nas quais a
formação política segue um viés marxista. No entanto, mesmo nas ocupações
autogestionadas ou rentistas, a dicotomia era presente. Estes discursos dos moradores
também foram comparados ao trecho inicial do texto “Guerra dos lugares” de Arantes
Neto(1999). A citação em questão é uma fala de Hanz, paulistano, 25 anos, pintor de carros
desempregado e michê:
“Somos partes de um mundo só. Estamos todos juntos, mas não estamos no mesmo
mundo. Você, se entrar no meu mundo, é estranho; eu, se entrar no seu, sou
estranho. Você não ia me aceitar se soubesse que tenho passagens na policia, e eu
não ia te aceitar sabendo que você nunca roubou. Você tem um mundo e eu outro
mundo. Os nossos dois mundos estão em guerra. É isso!” Entrevista do vídeo
Ipiranga, dirigido por Adelina Schlaich, veiculado pela TV Cultura em 1989 (apud
Arantes Neto, 1999, p.106, grifo meu).
Baseado nessa abordagem, o trabalho posicionou a análise entre as ações que os morado-
res das ocupações estavam agenciando no espaço da área central da cidade e a sua dispu-
ta contra os processos de revalorização econômica.
23
3. A formação da área central de São Paulo
24
foto 3: Ladeira Porto Geral - Centro de São Paulo (Diana Helene)
O centro de São Paulo diferencia-se do restante da cidade por estar posicionado no
lugar de maior sobreposição de usos e interesses dos diferentes estágios de
desenvolvimento da sociedade brasileira.
Segundo Villaça, além do controle do Estado (legislação, infra-estrutura e acessibilidade), ou
mecanismopolítico”, as classes dominantes fundam seu poder no espaço urbano por meio
de mais dois mecanismos: o econômico e o cultural. O primeiro é controle do mercado,
fundamentalmente o controle do mercado imobiliário, que define a direção da expansão
territorial por meio do capital. O outro é a produção ideológica da sociedade, ou mecanismo
”cultural”, que consiste na produção e difusão de um “estilo de vida”, de uma versão da
realidade social construída pela classe dominante com o objetivo de facilitar a dominação,
ou como também afirma Pechman (1992: p.30), criando representações que legitimam o
que são os bons e os maus usos da cidade. Por meio desses três mecanismos (político,
econômico e cultural) as classes dominantes realizam o acúmulo de toda infra-estrutura,
acessibilidade, vantagens e recursos do espaço urbano. Para Villaça a importância do
território como campo de confronto consiste em uma disputa pela otimização dos gastos de
tempo e energia, tornando a segregação e o controle do tempo de deslocamento decisivos
nesse embate (Villaça, 1998: p. 180-182; 333; 335-345).
Não é por outra razão que a “guerra dos lugares” é potencializada exatamente no centro de
São Paulo, onde se tem a maior facilidade de acesso à infra-estrutura urbana da cidade.
3.1. Os deslocamentos da centralidade e o vetor sudoeste
A cidade de São Paulo caracterizou-se, ao longo de sua história, por concentrar as funções
de comando de cada etapa de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Por essa razão é
25
constituída de uma infra-estrutura irregularmente distribuída, caracterizada pela
fragmentação do espaço urbano. Conforme a cidade cresceu, a centralidade expandiu-se
caminhando com um braço crescente que aos poucos tomou a forma de um “cometa”, com
a cabeça na área de fundação da cidade e uma longa cauda estendida na direção sudoeste
7
(Deák, Schiffer; 2007: p.3). Esse deslocamento constante da centralidade na direção
sudoeste foi propiciado pelo Estado, devidamente concentrando nessas áreas a grande
maioria dos investimentos públicos do período: grandes obras viárias, intervenções
urbanísticas e zoneamentos especiais.
Esta organização espacial teve a função de prover o suporte físico necessário para
reprodução da sociedade de elite brasileira, e garantir seu o status quo, incluindo
superprivilegiamentos quecontradizem qualquer noção democrática de bem comum(Deák
e Schiffer; 2007: p.9). Por essa razão as áreas centrais ou próximas ao centro expandido,
situadas na região sudoeste, concentram a grande provisão de infra-estrutura de qualidade
e acessibilidade privilegiada entre as demais partes da cidade.
Enquanto o Estado fornecia a infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de novas
áreas para uso das classes ricas, as classes populares ocupavam as regiões esquecidas
pela gestão pública. Dessa forma, no extremo da organização espacial estão os segmentos
populares e a mão de obra trabalhadora, constantemente empurrados para os perímetros
periféricos da cidade sob acusações de reproduzirem um estilo de vida bem distante do que
é considerado aceitável, higiênico, belo (e rentável) aos padrões urbanos da elite paulistana.
A mudança constante de localização dos setores mais ricos da sociedade em direção à
7
O quadrante sudoeste de São Paulo é a região que vai desde o trecho sul da linha norte-sul do metrô até o
eixo da Av. São João/Av. Francisco Matarazzo. Ali estão as avenidas 23 de maio, Washington Luiz, Santo
Amaro, 9 de Julho, Ibirapuera, Rebouças, Sumaré, Bandeirantes, etc; formando um grande eixo que se liga do
aeroporto de Congonhas a principais rodovias que partem de São Paulo.
26
região sudoeste, e o concomitante esvaziamento do centro tradicional da cidade por estes
mesmos setores, estão intrinsecamente ligados à evolução das técnicas de produção, com a
obsolescência das localizações das áreas centrais.
A substituição de usos ao longo do tempo no centro da cidade de São Paulo é
particularmente intensa. O núcleo central de formação da cidade (dividido entre centro velho
e centro novo
8
) se manteve como principal centralidade
9
até 1968 quando um novo centro
foi estruturado na Avenida Paulista. Nessa época, as grandes obras viárias cresceram
exageradamente, construíram -se vias expressas, túneis, elevados, trincheiras e viadutos
que, a partir dos anos 60, tornariam a área central um de articulação e passagem
automotiva da cidade. Desse modo, a rede viária tornou-se gradualmente saturada e
inacessível para automóveis na área (Deák e Shiffer, 2007: p. 13).
A grande circulação de linhas de ônibus no centro, possibilitou uma gradual popularização
da região que, conjuntamente aos engarrafamentos, concomitaram no desdobramento de
sua centralidade. O centro histórico teve suas funções econômicas redefinidas e a Avenida
Paulista e arredores consolidaram sua hegemonia, passando a sediar empresas do setor
terciário, como grandes bancos, centro de serviços sofisticados, além de sediar residências
dos setores mais elevados da sociedade.
8
A divisão da área central em “centro velho” e “centro novo”, data do final do século XIX, quando uma nova
centralidade foi deslocada do centro original de fundação da cidade (área do famoso Triangulo formado pelas
ruas XV de Novembro, Direita e São Bento). No período de 1889 a 1911, o Prefeito Antônio Prado elaborou um
plano urbanístico para desafogar o transito e ligar o Triângulo central ao Pátio do Colégio. Desse modo, a cidade
se expandiu e ultrapassou o Vale do Anhangabaú, passando a interligar-se com ao "centro novo" (Pça Ramos de
Azevedo à Pça da República, com eixo na Rua Barão de Itapetininga) através da construção do Viaduto do Chá
em 1892. Nesse momento também foram criadas a Praça do Patriarca (1926) e o Viaduto Santa Efigênia (1913),
o Jardim da Luz foi remodelado e foram construídos o Mercado (1933) e o Teatro Municipal (1911).
9
Vale esclarecer que o termo “centralidade” é utilizado com o seguinte significado: áreas nas quais estão
localizadas os centros decisórios e os grandes congregadores de poder. Ou seja, o local no qual estão
posicionados os mais modernos investimentos em infra-estrutura urbana e para onde estão concentradas as
ações do Estado. Segundo Tourinho (2006: p. 3) a centralidade deixou de ser um atributo exclusivo do centro
tradicional, quando este deixou de ser o lugar referencial da centralidade, o que levou “à ruptura na continuidade
interpretativa de seus significados”.
27
Nas décadas de 1980 e 1990, estenderam-se novas obras viárias na direção sudoeste, que
deslocaram a centralidade dominante para a calha do Pinheiros, formalizando mais um
desdobramento da área central, atraindo o setor terciário avançado, o setor financeiro, as
multinacionais e os novos empreendimentos imobiliários (Frúgoli, 2006: passim). No mapa
abaixo, podemos verificar como se deu a expansão urbana da cidade e como aconteceu o
deslocamento de sua centralidade seguindo o vetor sudoeste:
28
mapa 1: Expansão urbana e Centralidade
Dessa forma, pode-se observar que, ao contrário da área central tradicional, a rede viária na
região sudoeste é altamente infra-estruturada, moderna e atualizada, como podemos ver no
mapa abaixo:
Outro fator de esvaziamento da área central se deve ao fato que os prédios da região não
possuem as condições necessárias para as novas tecnologias de escritório e segurança. No
vetor sudoeste, crescem “enclaves fortificados” (Caldeira, 2000), edifícios-bunkers com
complexos sistemas de segurança e comunicação corporativa, conhecidos como “prédios
inteligentes”, que “incorporam também toda sorte de inovações tecnológicas em termos de
administração predial (Iglecias, 2002: p. 51) ”, constituindo verdadeiras ilhas do mundo rico e
“globalizado” cercadas em meio à grande pobreza urbana de São Paulo. O mapa seguinte
demonstra a distribuição de serviços de alta tecnologia na cidade de São Paulo, onde
podemos ver a grande concentração destes serviços no eixo de deslocamento da
centralidade na direção sudeste:
29
mapa 2: Estrutura viária principal: concentração de vias na região sudoeste.
Deák In: http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/c_deak/, último acesso 16/09/2009.
mapa 3: Distribuição de serviços de tecnologia em São Paulo
Sempla, 2007
Tudo isso mais o abandono de investimentos para manutenção de espaços públicos
contribuiu para saída da elite paulistana do centro histórico, que aos poucos foi adquirindo
caráter dominantemente popular, adensando a rede de estratégias e atividades
30
efêmeras/informais/ilegais de atuação no espaço que existiam na área desde a formação
da cidade. Assim, para a elite paulistana e para os meios de comunicação dominantes, o
centro passou a ser configurado como um espaço degradado, marginal, "sujo" e "perigoso";
adjetivos que figuram como argumentos para os processos de revalorização econômica da
área.
3.2. Transformação do uso do solo e vacância imobiliária
10
Segundo dados do IBGE de 2000
11
, a cidade de São Paulo possui milhares de imóveis
vazios: são 420.327 domicílios vagos dos 3.554.820 domicílios existentes na cidade, ou
seja, cerca de 12% dos espaços edificados estão vazios.
No centro da cidade, existem cerca de 40.000 imóveis abandonados na região da
Administração Regional da (Pró-centro/ Pref. M. de S. Paulo, 2001: p.17). A grande
maioria dos edifícios abandonados é formada de antigos prédios nobres da cidade,
escritórios vazios ou subutilizados, com um grau avançado de obsolescência. Em 2000,
foram identificados também 200 edifícios residenciais, constituintes dos primeiros e famosos
antigos arranha-céus da cidade, totalmente vazios e abandonados (Bonduki, 2005).
10
Segundo Bomfim (2004, p.10) vacância imobiliária significa, sinteticamente, a relação entre todos os espaços
edificados vazios e o total de espaços edificados em uma determinada área:
“Outra questão que envolve a vacância é o limite que se estabelece entre o término de execução do imóvel até o
ponto de seu abandono, quando o custo de manutenção da edificação e a demanda não viabilizam mais os lucros
estimados, e os proprietários passam a abandonar os imóveis ou a locá-los para cortiços. O limite estaria ligado às
características do espaço urbano, como: deterioração do imóvel e variação de preços, nível de qualidade da região,
distribuição do estoque, demanda e segregação.”(Bomfim, 2004: p.13)
11
Para o IBGE, “domicílio vago” é o domicílio particular permanente que não tinha morador na data de
referência, mesmo que posteriormente, durante o período da coleta, tivesse sido ocupado.”
31
De acordo com Bomfim, no setor fiscal 1 (ver área referente no mapa acima) - onde se
encontram os objetos de estudo desta dissertação - a vacância imobiliária alcança seus
maiores índices: 29% de áreas construídas vazias. Segundo a autora, a vacância
encontrada no centro de São Paulo, atualmente, excede a vacância desenhada pelos
modelos de equilíbrio, estabelecidos pela relação entre oferta e demanda (Bomfim, 2004;
p.1, 69-76, 90). Vale ressaltar que esta mesma área apresenta a maior densidade
construída da cidade (EMPLASA, 2000), na qual 75% da área está voltada para o uso de
serviços e comércio e, 25%, para o uso residencial.
32
mapa 4: Áreas construídas vazias
A autora ainda constata que 65% das áreas edificadas vazias na região central se
caracterizam como propriedade não desmembrada, com um único proprietário para cada
imóvel, verticalizadas e desocupadas em períodos superiores à um ano. Outro dado
importante, é que apesar do estado de deterioração da maioria das construções, estas
necessitam de pequenas reformas para sua reutilização (Bomfim, 2004, p.87). Esses dados
demonstram que o problema da vacância não pode ser justificado por questões de
problemas jurídicos ou de deterioração.
Esses imóveis atingiam altos valores imobiliários durante o apogeu do centro tradicional da
cidade na década de 1950. Por essa razão, os proprietários desses prédios não pretendem
se desfazer dos imóveis por valores baixos, nem inferiores ao que custariam essas
construções se Dessa forma, podemos afirmar que, esses espaços vazios enfrentam um
período de transição, um período de esvaziamento temporário enquanto a área central ainda
não possuí as características necessárias e os investimentos do Estado para que as
empresas e moradores de alta classe retornem para seus imóveis, ou façam deles capital.
Geralmente, a transformação do uso do solo não acompanha na mesma velocidade a
transformação nos valores das localizações, possibilitando condições temporárias de
esvaziamento e abandono de imóveis. No entanto, esse período de transição persiste por
mais tempo nas áreas centrais devido a concentração de infra-estrutura e sobreposição de
usos que o centro da cidade adensou com o tempo. Portanto, a sua adequação às novas
condições de produção enfrenta maiores obstáculos de concretização, demandando
maiores custos do Estado, tornando mais extenso o período temporário de abandono de
investimentos capitais, adquirindo escalas gigantescas de usos temporários pelas classes
populares desse espaço, como veremos adiante.o centro tradicional se valorizasse
economicamente. Além disso, segundo a autora, esses mesmos proprietários são donos de
diversas propriedades, muitas delas nas novas centralidades do quadrante sudoeste,
portanto não precisam dos lucros que estes prédios proveriam, podendo, dessa maneira,
33
esperar pela revalorização da área central (Bomfim, 2004, p.95)
Bomfim conclui, portanto, que esses espaços edificados permanecem vazios aguardando a
implantação de planos e programas de requalificação, renovação ou reabilitação urbana
para que se efetive uma valorização dos imóveis e se reduzam os riscos para os
investimentos na recuperação dos edifícios (Bomfim, 2004, p. 96-99). Por esta razão,
segundo a autora, a maioria dos grandes proprietários mantém seus imóveis fechados
aguardando uma política forte de revalorização da região central.
Dessa forma, podemos afirmar que, esses espaços vazios enfrentam um período de
transição, um período de esvaziamento temporário enquanto a área central ainda não
possuí as características necessárias e os investimentos do Estado para que as empresas e
moradores de alta classe retornem para seus imóveis, ou façam deles capital. Geralmente, a
transformação do uso do solo não acompanha na mesma velocidade a transformação nos
valores das localizações, possibilitando condições temporárias de esvaziamento e abandono
de imóveis. No entanto, esse período de transição persiste por mais tempo nas áreas
centrais devido a concentração de infra-estrutura e sobreposição de usos que o centro da
cidade adensou com o tempo. Portanto, a sua adequação às novas condições de produção
enfrenta maiores obstáculos de concretização, demandando maiores custos do Estado,
tornando mais extenso o período temporário de abandono de investimentos capitais,
adquirindo escalas gigantescas de usos temporários pelas classes populares desse espaço,
como veremos adiante.
34
3.3. A popularização do centro de São Paulo
Apesar do crescimento de ponta no vetor sudoeste, o centro histórico de São Paulo (centro
velho e centro novo) ainda hoje concentra a maior parte dos empregos da cidade, 38,5% do
total de empregos (FIPE) e na administração pública 79,2% (Frúgoli, 2006: p.59). Além da
heterogeneidade de pessoas trazidas pelo transporte público, por ele circulam de um a três
milhões de pessoas por dia.
Como foi introduzido anteriormente, desde os anos 70 as áreas centrais tradicionais (e
geográficas) se transformaram em um grande congregador das atividades populares,
marginais e ilegais da cidade. Representam o principal lugar de comércio popular (D'arc,
2004: p.346), no qual as condições para o estabelecimento de alternativas improvisadas de
trabalho - como ambulantes, catadores, entre outros - são extremamente privilegiadas pela
grande circulação de pessoas. Além disso, ali se encontram cinco mil moradores sem-teto, a
maior concentração da cidade. Variados serviços, na grande maioria ilegais e a preços
extremamente baixos, são fornecidos nas áreas centrais da cidade: diversos balcões de
empregos (representados pela propaganda dos "Homens Placa"), serviços de exame de
vista, dentista, ervas e curandeiros, etc.
Na região do Brás - bairro historicamente popular e operário - encontra-se diversos serviços
não formais para a demanda dos sacoleiros (gente de todas as regiões do Brasil que vem à
São Paulo comprar produtos para lojas em suas cidades): diversas pousadas, hotéis e
pensões, locais para tomar banho, e até uma rodoviária ilegal de onde saem ônibus para
todo Brasil por preços populares e com direito a levar grandes quantidades de bagagem.
Nas áreas centrais, também se observa manifestações culturais de rua, cantadores,
contadores de estória, pregadores que riscam o espaço de suas igrejas nos pisos dos
35
calçadões, etc. Diversos dos grandes cinemas da época de ouro do centro da cidade foram
substituídos por igrejas evangélicas de caráter predominantemente popular, mas muitos
deles se tornaram cinemas pornôs a preços ínfimos, muitas vezes associados ao trabalho
de prostitutas, travestis e michês, que se utilizam do espaço da sala de cinema como um
tipo de bordel (alguns sem-teto também se utilizam desses cinemas para pernoite).
Por fim, para moradia de grande parte dessas pessoas, antigos casarões e prédios vazios
são constantemente ocupados, na maioria das vezes por famílias sem condições para pagar
aluguéis e sem-tetos. Desde os anos 1990, se observa a ocupação organizada de prédios e
terrenos vazios, com números que apontam cerca de 9.000 pessoas vivendo em ocupações
organizadas nas áreas centrais tradicionais (Frúgoli, 2006: p.60-61).
Estas características sugerem a existência de uma gigantesca organização social em rede,
adjacente ao sistema capitalista, paralela às leis, paralela ao controle estatal, formando uma
outra cidade, que se utiliza de algumas estruturas da cidade oficial” quando necessário,
principalmente das valorosas estruturas abandonadas das áreas centrais.
Essa rede de estratégias e táticas de sobrevivência, de papéis informais, de relações de
vizinhança e familiares, de trocas sociais, culturais e de sociabilidades improvisadas é fruto
do constante adensamento da organização popular no espaço urbano em busca de
alternativas de sobrevivência, que surgiu nos primórdios da cidade de São Paulo. As classes
trabalhadoras começaram sua ocupação da cidade primeiramente junto às ferrovias e mais
tarde às rodovias, onde as condições urbanas são precárias, chegando até mesmo a
ausência total de infra-estrutura (Deák e Schiffer; 2007: p.3-4). Esses espaços de
sobrevivência iniciaram sua demarcação durante o período escravocrata pela comunidade
dos escravos, forros e brancos pobres, habitando inicialmente porões ou habitações
coletivas, que mais tarde ficaram conhecidas pelo famoso nome de "cortiço" (parcelamento
36
da habitação mediante o aluguel de cubículos [Kowarick, 1994: 73]). No bairro do Bexiga,
eram famosos os cortiços “Navio Parado”, “Vaticano”, “Geladeira” e “Pombal”, que
desenvolveram fortes redes de organização internas, com suas próprias leis, nas quais a
polícia do município não podia intervir, nem mesmo entrar nestes locais sem permissão
(Bonduki, 1998: passim). Essas aglomerações populares desde sempre foram consideradas
como locais “desclassificados” pela elite e meios de comunicação dominantes, uma
denominação associada a um modo de vida, gestos e atitudes, ligados a uma discriminação
de classe, raça e de cor. Os relatos e documentos dos sanitaristas, médicos e da polícia
traçavam um cenário de horror associado à maneira de viver das classes pobres e
principalmente de descendência africana, que justificariam as ações segregatórias do
Estado a longo da história da cidade (Frúgoli, 2006).
A elite - proprietários de imóveis e/ou que ainda mantém escritórios e serviços atualmente
na região central - defende os processos atuais de “revalorização econômica” no intuito do
restauro e reaproveitamento de edifícios históricos, visando um possível retorno econômico
ao centro tradicional. Desse modo, nasce um dos mais importantes representantes em prol
da “revalorização” do centro histórico da cidade: a “Associação Viva o Centro” Sociedade
Pró-Revalorização do Centro de São Paulo. Sua intenção principal é reativar a dinâmica
econômica de áreas como a Luz, como a Sala São Paulo e a Pinacoteca do Estado, a
recuperação de fachadas, o restauro da Sé, a proibição da circulação de catadores e
camelôs, entre outras iniciativas. A Associação Viva o Centro é composta principalmente por
proprietários de imóveis e atividades na área em questão, e dentre eles destaca-se o papel
hegemônico do Banco de Boston.
Em resposta, existem diversas organizações populares lutando pela permanência no centro
tradicional da cidade. Segundo Neuhold (2008, p. 5), a formalização dos movimentos sem-
teto, que passaram a reivindicar políticas habitacionais no centro da cidade, coincide com o
37
desenvolvimento de inúmeras propostas e de intervenções do poder público e de entidades
privadas na tentativa de “requalificar” aquela região. Isso acontece também, segundo Gohn
(1991: p.22), por que o planejamento urbano é um campo privilegiado” de mediação entre
os movimentos sociais e o Estado.
Existem mais de 20 movimentos urbanos no centro da cidade que lutam pela Reforma
Urbana e por Moradia, atuando através da ocupação de prédios vazios e abandonados,
entre outras ações estratégicas. Destes, se destacam cinco movimentos Fórum de
Cortiços, Movimento de Moradia do Centro (MMC), Movimento de Moradia da Região
Centro (MMRC), Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) e União para as Lutas de
Cortiços (ULC) e duas entidades que formam eixos estruturadores União dos
Movimentos de Moradia (UMM), ligada à Central dos Movimentos Populares (CMP), e
Frente de Luta por Moradia (FLM) (Bloch, 2007: p.44).
O Fórum de Cortiços, o Movimento de Moradia do Centro (MMC) e a União para as Lutas de
Cortiços (ULC) surgiram ainda na década de 1980 e são filiados a União dos Movimentos de
Moradia (UMM) e a Central dos Movimentos Populares (CMP). Esses movimentos não
utilizam mais as ocupações de imóveis vazios como moradia para os seus integrantes, mas
sim como instrumento de pressão contra o poder público para a formulação de políticas
públicas habitacionais (Bloch, 2007: p.88-89).
A FLM (Frente de Luta por Moradia) congrega 12 movimentos urbanos da cidade de São
Paulo que lutam pelo acesso e posse da terra, pela regularização fundiária, pela autogestão
e mutirões, por novos conjuntos habitacionais, por preços de financiamento habitacional
mais justos (ampliação do atendimento às famílias de renda familiar entre um e três salários
mínimos), maior participação dos movimentos sociais no direcionamento das políticas
habitacionais, etc. Dentre esses movimentos estão presentes dois objetos de estudo desta
38
pesquisa: o edifício Plínio Ramos (MMRC) e o Prestes Maia (MSTC). O MSTC e MMRC
surgiram depois de 2000 e são favoráveis à ocupação de prédios para moradia de seus
integrantes, e acusam, inclusive, alguns movimentos filiados a UMM de serem “cooptados”
pelo governo (Bloch, 2007: p.88-89).
Os camelôs também estão organizados através do “Movimento dos Ambulantes de São
Paulo” (MASP), e os catadores de papel pelo “Movimento Nacional dos Catadores de
Materiais Recicláveis” (MNCR). Ao lado de todos estes movimentos populares, surge outra
Associação em 2000, o “Fórum Centro Vivo”, ligada às universidades, estudantes, partidos
de esquerda, moradores de cortiços e sem-tetos. Defendendo uma utilização mais
“democrática” do espaço central, contra os processos de expulsão das revalorizações
defendidas pela Associação “Viva ao Centro”.
A atuação desses movimentos populares atesta a organização das classes pobres no intuito
de se manter no centro da cidade, acirrando ainda mais a disputa social que acontece na
área, onde podemos divisar dois lados de uma disputa: um lado em busca da revalorização
econômica da região central por meio de reforma de edifícios históricos e da expulsão das
classes pobres, usando, no entanto, a justificativa da “revitalização” urbana, da “limpeza” e
“embelezamento” da área; e, outro lado, que defende o uso da área para sua sobrevivência
e articulação organizacional, porém, muitas vezes, utilizando-se do argumento da função
social da propriedade e/ou do uso mais democrático da área, como veremos
detalhadamente a seguir.
39
4. As ocupações verticais no centro de São Paulo
40
foto 4: Janela no Prestes Maia (Eduardo Costa - Grupo Risco)
A partir de 1970, o Brasil começa a registrar o ressurgimento de uma série de
movimentos sociais que cresceram na luta pela democratização contra o regime militar.
Nesse período, aconteceram as primeiras ocupações organizadas de terra, os primeiros
movimentos de luta pela urbanização e regularização fundiária nas favelas e o nascimento
do movimento dos sem-terras urbanos (Gohn, 1991, passim). Segundo Gohn (1991: p. 61),
a luta por moradia em São Paulo é tão antiga quanto o próprio processo de urbanização da
cidade, pois estão intrinsecamente ligados (industrialização aliada a migração campo-
cidade).
As primeiras ocupações a construções abandonadas na cidade de São Paulo acontecem
nos anos 80 devido ao agravamento da crise econômica, inflação, desemprego e à falta de
áreas livres para realização de novas favelas. Primeiramente sem organização e em áreas
periféricas, as ocupações chegam às regiões centrais na década de 1990 (Gohn, 1991,
passim) a partir da oficialização das iniciativas dos moradores de cortiço que viviam na
área. Segundo Bloch (2007), o primeiro movimento a se formalizar foi a União para a Luta
de Cortiços (ULC), juridicamente fundada em 1991, sendo esta organização pioneira a
matriz de todos os grupos que surgiriam posteriormente. Em 1997, aconteceu a primeira
ocupação organizada no centro de São Paulo: mil e quinhentas famílias vinculadas à ULC
ocuparam um casarão na Rua do Carmo (Bloch, 2007: p.86-87). A partir desse momento, as
ocupações organizadas de imóveis ociosos nas áreas centrais tornaram-se comuns
(Neuhold, 2008: p.5). Segundo Neuhold, mais de 70 ocupações por movimento organizado
de prédios vazios se estabeleceram no centro da cidade, no período de 1997 à 2007 (2008,
p.6).
Para Bonduki, o movimento por moradia deu um passo fundamental quando passou a
reivindicar programas habitacionais na área central da cidade de São Paulo, ocupando os
prédios vazios da região. Dessa maneira, a luta por moradia se expandiu para a luta pela
41
reforma urbana e pelo direito à cidade, levantando a necessidade de viver em locais dotados
de infra-estrutura, equipamentos sociais e empregos (Bonduki, 2005, passim).
Enquanto outros movimentos por moradia das regiões periféricas da cidade - como o MTST
(Movimento dos Trabalhadores sem Teto), por exemplo - atuam ocupando glebas vazias
nas margens urbanas, afirmando que a ocupação organizada pode reivindicar a correta
distribuição de infra-estrutura urbana; os movimentos das áreas centrais disputam uma área
consolidada, com grande potencial de lucros para a especulação imobiliária e de grande
poder simbólico: os movimentos do centro disputam com grandes proprietários capitalistas.
Por isso, podemos observar que a repressão mais violenta aos movimentos de moradia se
dá exatamente nas áreas centrais da cidade, onde a “guerra dos lugares” atinge adversários
de maior poder na estrutura capitalista
12
. Essas ocupações também se destacam por
trabalhar em uma incongruência do urbanismo, pois se apoderam de construções
abandonadas e subutilizadas, localizadas em áreas extremamente privilegiadas se
comparadas às periferias urbanas. Nesse caso, explicitam os problemas de atuação do
capitalismo, ressaltando ao mesmo tempo o desperdício de infra-estrutura e a precarização
da vida das classes pobres.
No final da década de 90 e início de 2000, houve uma desavença entre os participantes da
ULC em torno da questão de que as ocupações teriam se transformado em “depósitos de
gente” (grandes cortiços, com a diferença de que não era preciso pagar aluguel), na qual a
reavaliação dessa estratégia de luta resultou na cisão da ULC. Assim, segundo Bloch
(2007), surgiram duas dissidências que ainda hoje são favoráveis a ocupar imóveis para
utilizá-los como moradia, ao mesmo tempo em que lutam por políticas públicas
12
Quando acompanhei outros movimentos de moradia periféricos, escutei diversas vezes estes comentarem que
os movimentos de moradia do centro da cidade eram reprimidos de forma muito mais violenta. Também
presenciei a ação da polícia em diversos movimentos, no qual pude observar a mesma a afirmação. A ocupação
de um prédio do centro também precisa ser muito mais rápida e efetiva, pois em muito pouco tempo (cerca de 15
minutos) chega a polícia. O que, nas ocupações periféricas, demora cerca de 6 horas (observações de trabalho
de campo dos movimentos MTST, MMRC e MSTC).
42
habitacionais: o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) e o Movimento de Moradia da
Região Centro (MMRC), dos quais são parte dois prédios dos nossos objetos de estudo.
4.1. Recorte espacial de análise
O recorte espacial de análise desta pesquisa é pontuado por quatro ocupações verticais da
região central de São Paulo. Atualmente, todos os edifícios já foram desocupados: os
edifícios Prestes Maia, Plínio Ramos e o Paula Souza foram despejados por meio de
reintegrações de posse; o edifício São Vito foi esvaziado para um projeto de recuperação
arquitetônica. O edifício Prestes Maia, foco principal de estudo desta pesquisa, foi o último a
ser despejado depois de uma série de negociações com a Prefeitura que encaminhou os ex-
moradores para programas habitacionais.
Os edifícios foram escolhidos em razão de suas diferenças estruturais quanto à organização
interna: por movimento organizado (Plínio Ramos e Prestes Maia), por autogestão coletiva
(Paula Souza) e através de aluguel rentista ou “cortiço” (São Vito). Também devido ao fato
de grande parte do material arquivado junto ao Grupo Risco contemplar esses objetos de
estudo.
No mapa seguinte, pode-se observar a localização de cada um dos prédios estudados, bem
como sua relação espacial com os projetos de revalorização da área da Luz:
43
mapa 5: Região da Luz e adjacências
Todas essas ocupações estão localizadas na região da Luz, Brás e arredores da rua 25 de
março, partes constituintes do “centro velho” da cidade. Estão posicionadas na área oposta
à região de intervenção do projeto Nova Luz”, se posicionarmos a Avenida Prestes Maia
como eixo de referência (visualizar acima, no mapa 5: Região da Luz e adjacências). No en-
tanto, a influência da revalorização econômica atinge toda a região, fato este justificado pela
série de reintegrações de posse emitidas pela Prefeitura em prédios ocupados anos por
44
sem-tetos e famílias pobres próximos à área, despejos estes que coincidem exatamente
com as datas das intervenções de revalorização (ver o quadro “Ações do Estado na área
central (1998 - 2009)“, página 99), dentre eles os despejos que sofreram os objetos desta
pesquisa.
4.2. O Edifício Plínio Ramos
Histórico
O Edifício Plínio Ramos estava abandonado 10 anos quando cerca de 80 famílias
fizeram dele sua casa. O prédio tem cinco andares, sem elevador funcionando e
provavelmente foi construído nos anos 70, originalmente destinado ao uso comercial. Cada
andar possui uma varanda e banheiros feminino e masculino. O prédio está localizado na
Rua Plínio Ramos, número 112, limítrofe aos muros das linhas de trem da estação que
passam a todo tempo fazendo barulho. Está muito próximo à região dos investimentos
urbanos do projeto “Nova Luz”, visto que se localiza a apenas duas quadras da estação do
metrô da Luz e da Pinacoteca (ver mapa 5: Região da Luz e adjacências, página 44). Na rua
“Plínio Ramos” também se encontrava outra ocupação, a “Paula Souza”, e dois galpões de
separação de material reciclável, com estacionamento de carrinhos dos catadores,
moradores das ocupações e da região. A reintegração de posse foi realizada em agosto de
2005, retirando os moradores de maneira extremamente violenta pela tropa de choque da
polícia militar (ver detalhadamente como aconteceram todas as reintegrações de posse e
despejos nos objetos de estudo no item 5.2 “As reintegrações de posse nos objetos de
análise” do capítulo 5 “O papel do Estado”).
Organização interna
Os moradores se organizavam por meio do MMRC (Movimento de Moradia Região Centro).
45
O MMRC foi fundado no dia 28 de março de 2003, a partir de divergências políticas com o
MMC. O financiamento do movimento é feito por uma contribuição pequena (de um ou dois
reais) das famílias filiadas (cerca de duas mil e quinhentas famílias cadastradas) e pela
ajuda da Ong “Apoio”, que financia a sede da FLM e presta assessoria jurídica, palestras e
cursos de formação (Bloch, 2007: p.103). O movimento considera a ocupação sua maior
forma de luta.
O Prédio Plínio Ramos foi a ocupação em que o movimento permaneceu por mais tempo e
por essa razão foi a mais significativa para sua história, pois puderam envolver as famílias
participantes não só pra conseguir um teto, mas também em outras atividades de formação.
A gestão do prédio era dividida coletivamente. Cada um dos cinco andares possuía uma
tabela afixada na parede na qual estavam marcadas as tarefas das pessoas do andar. Cada
dia uma pessoa era responsável pela limpeza das áreas coletivas, como os banheiros,
corredores, lavanderia, etc.
Em um salão na área dos fundos do edifício os moradores realizavam as assembléias de
decisão. O coordenador geral da ocupação se chamava Nelson da Cruz Souza. Ele foi
morador de diversas ocupações de prédios abandonados no centro de São Paulo. Durante o
período de meu trabalho de campo era morador e coordenador do MMRC. Durante o
despejo, resistiu junto aos outros moradores dentro do prédio e foi levado à delegacia de
polícia, onde foi enquadrado, juntamente a outras pessoas, em “formação de quadrilha”.
Além do “Grupo Risco”, do qual faço parte, outros estudantes do curso de ciências sociais
da PUC/SP freqüentavam o prédio e alguns eram verdadeiras lideranças nas assembléias
de decisão.
46
Um dos moradores, Sebastião, estava desenvolvendo um sistema de plantio vertical por
meio de garrafas PETs, presas nas paredes do prédio, realizado em conjunto com outro
estudante da biologia da PUC/SP, que também freqüentava o prédio.
Outra moradora de fundamental importância era a “Pequena”. Ela morava ao lado da
cozinha comunitária do primeiro andar e cozinhava para todos nos dias especiais, de
reuniões ou de festa. Por ser formada como técnica em química, ela também fabricava
xampus, condicionadores, produtos de limpeza e sabonetes para a utilização dos moradores
da ocupação, que assim gastavam muito menos na compra desses produtos.
Disposição espacial
As pessoas moravam nos barracos
13
(sala/quarto individual de cada família) construídos
pelos próprios moradores com divisórias de compensado e restos de madeira. Os
banheiros, lavanderia e cozinha eram comunitários. Existia um ateliê de costura coletivo,
uma sala administrativa do movimento e uma sala de reuniões com cursos de reforço
escolar para crianças, alfabetização de adultos, reuniões da comunidade e aulas de Break.
13
Barraco é um termo nativo para designar a “casa”. Em geral os barracos são compostos por um único cômo-
do, que é sala e quarto ao mesmo tempo, servindo muitas vezes também como o local das refeições. O termo
provavelmente deriva dos conhecidos barracos das favelas, mas também é usado em ocupações rurais do MST
para designar as casas provisórias. Esses são construídos de restos de madeira e outros materiais - como acon-
tece nas favelas e também nas ocupações rurais – com igual caráter efêmero e transitório.
47
planta baixa 6: Disposição espacial Plínio Ramos
Dados
Esta ocupação foi habitada por 79 famílias durante 2 anos e oito meses.
Imagens
foto 5: Sebastião na Horta Vertical (Antonio Brasiliano - Integração sem posse)
48
foto 6: Foto do prédio da ocupação Plínio Ramos (Diana Helene)
foto 7: Severino no ateliê de Costura (Antonio Brasiliano - Integração sem posse)
49
foto 8: Sala de reuniões (Antonio Brasiliano - Integração sem posse)
4.3. O Edifício Prestes Maia
Histórico
O edifício, localizado quase em frente à estação de metrô da Luz, foi originalmente projetado
para abrigar uma fábrica de tecidos, e ainda está de na sua fachada o letreiro com o
nome da falida Companhia Nacional de Tecidos”. Um dos moradores mais famosos da
ocupação, Severino Manuel de Souza (fundador da Biblioteca Popular Prestes Maia), conta
que trabalhou por volta de 1976 na fábrica de alpargatas que o prédio abrigava antes de ser
abandonado, e quando o proprietário decidiu mudar a fábrica para o interior, em 1978
(época da descentralização industrial da capital paulista), o prédio passou para as mãos do
Banco Citibank S/A. A partir de então, o prédio ficou vazio e rapidamente virou um “ponto de
droga”. Algumas pessoas também usavam o prédio como moradia nos primeiros andares.
Depois foi utilizado pela Secretaria das Finanças, sendo por fim comprado em um leilão pelo
empresário Jorge Hamuche (relato de Severino Manuel de Souza, gravado em 04/03/2007).
O Prestes Maia foi ocupado pelas famílias organizadas do MSTC (Movimento Sem Teto do
50
Centro) na madrugada de 2 de novembro de 2002. O edifício foi estrategicamente escolhido
pelo movimento por estar abandonado e ter uma dívida de cerca de cinco milhões de reais
com o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) da Prefeitura.
A primeira portaria funcionava pela entrada da Rua Brigadeiro Tobias, a entrada original da
fábrica. O prédio estava abandonado à quase 15 anos e, por essa razão, os moradores
tiveram que retirar cerca de 200 caminhões de lixo e entulho do local para adaptá-lo à
moradia. Severino Manuel de Souza conhecia todo o sistema elétrico do local, pois
trabalhava como eletricista na fábrica, e refez rapidamente a nova instalação quando
ocupou o prédio (relato de Severino Manuel de Souza, gravado em 04/03/2007).
Outro morador, Mario Torrres, boliviano, fala sobre o dia da ocupação:
“... no dia da ocupação, tava vindo a minha esposa ocupar o prédio e eu tava ficando
em casa com o meu filho e vendo muito movimento na praça Dom Bosco a polícia
empezó (“começou” em espanhol) a cercar e encheu de polícia lá. Entonces (“então”
em espanhol) como a gente é esperto em ocupação, eles começaram a sair pra um
lado, pra outro lado, nesse momento todo mundo levava colchão, tudo, bem
equipado, como uma mudança mesmo. Daí a gente pegou ônibus, todo um grupo
que fazia parte do movimento, e a gente começo a virar, a virar, era meia noite
quando a gente entrou.
(...)
Antigamente quando a gente entrou aqui era muito sujo, não tenia (“tinha” em
espanhol) como você encostar na parede, era cheio de lixo, e a gente trabalhava
desde bem cedo até de noite retirando entulho, lavando a escada, tudo. E eu aprendi
muito aqui, a como viver com as pessoas, sabe, a ajudar os outros.”
(relato de Mario Torres, entrevista gravada em 04/03/2007)
A ocupação se tornou um símbolo de resistência e organização: foi considerada a maior
ocupação vertical da América Latina, pois abrigava cerca de 470 famílias, constituindo
praticamente uma cidade com quase 2000 moradores. Eram 23 andares inteiramente
ocupados mesmo sem maquinário de elevador funcionando.
Após sofrer diversas ameaças de despejo, iniciadas exatamente junto às outras ocupações
aqui citadas (2005), a reintegração de posse aconteceu em junho de 2007.
51
Organização interna
A ocupação era organizada pelo movimento MSTC (Movimento Sem Teto do Centro).
Segundo Bloch (2007), o MSTC surgiu no ano de 2000 devido a uma divergência política
com o Fórum de Cortiços (que também nasceu a partir da ULC), em razão do tipo de luta
para reivindicações (o MSTC priorizava as ocupações e confrontos com o governo,
enquanto outros movimentos priorizavam outros tipos de atos). Como acontece no MMRC,
as famílias cadastradas (sete mil famílias) contribuem com dois reais para a manutenção
mensal do movimento, que também recebe ajuda da Ong “Apoio” (Bloch, 2007: p.114 -117).
E também, da mesma maneira que o MMRC, o movimento considera que sua principal
forma de protesto é a ocupação.
Na organização interna da ocupação, as decisões eram tomadas coletivamente em
assembléias, e a maioria dos moradores cumpria uma função específica no prédio. Cada
andar tinha um coordenador, no qual também ocorriam reuniões deliberativas de questões
relativas àquele espaço. Em cada andar os moradores faziam um rodízio para limpeza,
ficando uma pessoa responsável por cada dia da semana, conhecido como “mutirão de
limpeza”. Alguns moradores trabalhavam na portaria do prédio, com três turnos de
funcionamento, manhã, tarde e noite. Existiam regras rigorosas, horários restritos de entrada
e saída do edifício
14
, e a presença de drogas ou armas era proibida, podendo levar à
expulsão. Os banheiros e lavanderias também eram de uso coletivo, sendo um por andar.
Além dos coordenadores de andares havia um coordenador geral do prédio. A última
coordenadora geral se chamava Jomarina Pires da Fonseca.
Os moradores pagavam uma taxa mensal de manutenção do prédio. Segundo Cecília: “em
colaboração pra comprar fio, pra comprar cândida, pra comprar tudo. Tem que ter um
dinheirinho para pagar uma pílula, pago ali, um cano quebra e a gente não tem dinheiro pra
14
Na portaria havia o seguinte cartaz: “quem sair do prédio depois das 22h pode entrar a partir das 6h da
manhã”.
52
comprar a coordenação compra, porque a gente paga, aquele pouquinho” (entrevista
gravada em 22/02/2007). Era uma espécie de condomínio, usado para melhorias na infra-
estrutura do prédio, no valor de 20 reais mensais.
Havia programas de reciclagem, de alfabetização, oficinas culturais e uma biblioteca
comunitária, montada por meio de livros encontrados no lixo pelos catadores que moravam
no prédio. A Biblioteca Popular Prestes Maia foi fundada pelo casal Severino Manuel de
Souza e Roberta Maria da Conceição, que vieram do sertão de Pernambuco e se
conheceram em São Paulo. Moravam juntos no prédio e trabalhavam como catadores de
material reciclável pelas ruas do centro de São Paulo. Do lixo acumularam diversos livros e
fundaram a biblioteca, que chegou a reunir cerca de 3500 livros. Na sua casa também
fizeram uma biblioteca pessoal com cerca de 2000 livros.
Um dos moradores, Abel, trabalhava como entregador a domicilio do edifício: carregava
móveis, geladeira, botijão de gás, etc para os andares do prédio (que não tinha elevador
para transporte nos seus 23 andares). O botijão custava 20 reais e “para subir” 30 reais (a
tabela de preços dos objetos pra carregar ficava na portaria do prédio). Abel tem apenas um
metro e meio de altura, mas carregava sozinho uma geladeira pelas escadas espremidas do
Prestes Maia.
A ocupação Prestes Maia, devido a seu tamanho e importância perante a questão da luta
por moradia no centro da cidade, agregou a participação de diversos apoiadores, como
estudantes, intelectuais e principalmente artistas. Eles freqüentavam o prédio, faziam
pinturas - manifesto nas paredes, realizavam oficinas com as crianças e moradores, faziam
intervenções cênicas e audiovisuais, principalmente buscando auxiliar na resistência ao
despejo eminente
15
. Esses coletivos formaram uma rede, que, parodiando o termo judicial,
15
A ocupação Prestes Maia chegou a abrigar uma parte da Bienal de Havana (Cuba), trazida pela rede
53
denominou-se “Integração sem posse”. Apesar da relação controversa entre esses
indivíduos oriundos de distintas realidades (os moradores por vezes reclamavam da invasão
dos artistas na sua vida cotidiana - ou de uma “ocupação da ocupação” [Lambert, 2005,
p.57]) o adiamento do despejo por quase dois anos, provavelmente se deu pelo apoio
desses grupos à luta dos sem-teto.
Disposição espacial
Como o edifício é uma construção de planta livre, os moradores haviam distribuído seus
barracos ao redor de um “pátio” central, aproveitando as janelas para as casas e criando um
espaço coletivo de convívio ao centro, como uma praça. Em cada andar existiam dois
banheiros (feminino e masculino) e uma lavanderia comunitários.
“A partir do momento que a gente veio dividir o espaço, a gente pensou nisso né,
naquela área, na área comunitária, e tudo comunitário, banheiro comunitário, área de
serviço comunitária né, e o pátio comunitário. E pra funcionar isso assim, em cada
andar tem um Coordenador de andar. Que também pra funcionar tudo isso tem que
ter aquela limpeza, cada morador faz aquela limpeza, cada morador cuida daquela
parte... Por exemplo hoje, hoje seria o meu dia de limpar o pátio, o dia de outra
família limpar o banheiro, de outra família limpar a área comunitária, né?”
(relato de Jomarina Pires da Fonseca, coordenadora e moradora da ocupação do
edifício Prestes Maia, entrevista gravada em 04/03/2007)
O prédio é dividido em dois blocos, o bloco A, com entrada pela rua Brigadeiro Tobias e com
nove andares; e o bloco B, com 22 andares e entrada pela Avenida Prestes Maia. Há
aproximadamente 14 barracos por andar, e cada um deles têm no máximo 10 metros
quadrados.
Integração sem Posse. Os coletivos da rede fizeram trabalhos relacionados à ocupação, enviando relatos da
exposição para Cuba por fax. A exposição recebeu o nome de “Território São Paulo” e chamou a atenção da
mídia e das pessoas para a situação das famílias moradoras da ocupação.
54
planta baixa 7: Disposição espacial Prestes Maia
No subsolo do prédio, onde originalmente se localizava o estacionamento, estabeleceu-se
um local de coletividade de todos moradores no qual aconteciam as assembléias, reuniões
da comunidade, confraternizações, cursos de reforço escolar para crianças e alfabetização
de adultos. Nesse local foi instalada a Biblioteca Popular Prestes Maia. Era também um
local onde os catadores moradores do prédio guardavam seus carrinhos e separavam os
materiais recicláveis.
Dados
O prédio era ocupado por 468 famílias (1630 pessoas), com 315 crianças, 380
adolescentes, 561 mulheres e 466 homens (Dossiê Centro Vivo, 2006: p.70).
55
Imagens
foto 9: Edifício Prestes Maia (Eduardo Costa - Grupo Risco)
56
foto 10: Entrada da Biblioteca (Eduardo Costa - Grupo Risco)
foto 11: A Biblioteca (Eduardo Costa - Grupo Risco)
57
foto 12: Assembléia (Henrique Parra - Dossiê Centro Vivo, 2006)
foto 13: Exposição da rede “Integração sem Posse” no salão subterrâneo do prédio (Bijari -
Dossiê Centro Vivo, 2006)
58
foto 14: Lavanderia coletiva (Eduardo Costa - Grupo Risco)
59
foto 15: "Companhia Nacional de Tecidos", entrada pela
Rua Brigadeiro Tobias (Eduardo Costa – Grupo Risco)
4.4. A Ocupação Paula Souza
Histórico
O edifício foi projetado em 1955 pelo arquiteto Rino Levi, e por essa razão faz parte da his-
tória da arquitetura moderna brasileira, estando inclusive descrito no livro Rino Levi (Levi,
1974: p.111). O projeto foi elaborado originalmente para abrigar as instalações administrati-
vas de uma empresa de derivados da carne bovina e suína. No andar térreo, estava reser-
vado um espaço para lojas e outras atividades comerciais. No primeiro andar, o projeto ha-
via previsto a garagem e, nos três pavimentos superiores, o espaço dos escritórios. Devido
à orientação do terreno, foram construídos nas fachadas leste e oeste um dos típicos ele-
mentos arquitetônicos modernistas brasileiros: os brise-soleis.
Atualmente o imóvel da Rua Paula Souza, 365, localizado na esquina com a Rua Plínio Ra-
mos, quase ao lado da ocupação Plínio Ramos, é de propriedade da empresa TransBrasil
S.A. O prédio estava vazio mais de dois anos quando foi ocupado pelas famílias, no dia
11 de novembro de 2003.
O nome original do prédio era Edifício Concórdia”, porém os moradores desta ocupação e
de todas as outras o chamavam de “Paula Souza”, devido à rua em que está localizado.
No dia 6 de outubro de 2005 foi executada a reintegração de posse do prédio.
Organização interna
A organização acontecia sem coordenação por meio de movimento social. Os moradores se
organizavam de maneira autogestionária coletiva, revezando-se na limpeza, na portaria e na
manutenção do edifício.
60
“A gente falou; vamos se reunir nós moradores e vamos nos conscientizar e manter
ordem aqui. Manter limpeza, manter portaria... Por que chega visita, chega pessoa
procurando. Pelo menos vai ver que o prédio está limpinho. Tem uma portaria para
receber vocês ou qualquer outra pessoa. Então o pessoal concordou: ‘Vamos sim”.
Então, estamos trabalhando em conjunto, entendeu? (...) Responsável aqui somos
nós.”
(depoimento de moradora do prédio entrevistada em 20/07/05, grifo meu)
Alguns moradores também criaram um bar no primeiro andar do prédio que também servia
de mercearia, no qual as pessoas do prédio e do entorno se encontravam para tomar um
café ou uma cerveja, exatamente nos espaços projetados pelo arquiteto Rino Levi para
estabelecimentos comerciais.
Disposição espacial
O edifício é uma construção modernista de planta livre e, da mesma forma que foi
observado na Ocupação Prestes Maia, os moradores haviam distribuído os barracos ao
redor de um “pátio” central, aproveitando as janelas para as casas e criando um espaço
coletivo de convívio ao centro, como uma praça. Como nas outras ocupações, haviam
banheiros coletivos por andar, porém alguns barracos tinham banheiro próprio. Entre o
brise-soleil e a fachada, existe um espaço que se tornou uma varanda coletiva, usada para
secar roupas, guardar bicicletas, vassouras, etc.
planta baixa 8: Disposição espacial Paula Souza
61
Dados
Nesta ocupação viviam 70 famílias (350 moradores) desde novembro de 2003. Essa
população era dividida em 194 adultos e adolescentes, 144 crianças e 10 idosos e
portadores de necessidades especiais.
Imagens
foto 16: Edifício Concórdia no anos 50 (Levi, 1974)
62
foto 17: Ocupação Paula Souza em agosto de 2005 (Eduardo Costa - Grupo Risco)
foto 18: Varandas (Eduardo Costa - Grupo Risco)
63
foto 19: Subterrâneo, rampa do estacionamento (Eduardo Costa - Grupo Risco)
4.5. O Edifício São Vito
Histórico
O prédio possui localização privilegiada (na Avenida do Estado, esquina com a Praça São
Vito e a Rua Luis de Camões), por estar inserido num perímetro urbano de referência na
cidade, composto pelo Mercado Municipal, os armazéns da Zona Cerealista, o Palácio das
Indústrias, a Casa das Retortas e o próprio Parque Dom Pedro II (todos estes parte do
projeto de revalorização da Prefeitura para a área).
Os 21 mil m2 desse prédio modernista foram construídos em 1959 seguindo o projeto do
arquiteto Aron Kogan. Com estrutura em concreto armado, fachadas com brise-soleil, é um
64
típico representante dos projetos influenciados pela arquitetura moderna dos anos 50 e 60.
Seguindo a leitura moderna da máquina de morar, possui 27 andares onde se distribuem
624 quitinetes de diminutas dimensões (7,20 x 3,00 metros), direcionadas a solteiros, casais
sem filhos ou viúvos. No entanto, nunca serviu a seu destino de abrigar as modernas
maneiras de habitar a cidade que sonhavam os arquitetos do período, passando
inicialmente de garçoniere
16
para depois virar um grande cortiço de 1.200 moradores.
Segundo um diagnóstico feito pelos arquitetos que projetaram a reforma do prédio em 2004,
constatou-se que ao longo dos anos houve uma reconfiguração interna, com a conjugação
de quitinetes e a re-divisão de unidades comerciais em moradias. Em relação ao estado de
conservação, em 97% das áreas comuns e 98% privativas não havia qualquer tipo de
fissura nas vigas e pilares, demonstrando uma estrutura em bom estado. Somente nos
forros e lajes foram observadas fissuras, de baixo grau de deterioração. Em 14% das áreas
privativas e em 12% das áreas comuns, havia-se identificado que a armadura encontrava-se
exposta. As janelas e instalações elétrica, hidráulica e sanitária, eram as mais deterioradas:
38% das residências apresentavam caixilhos danificados e/ou com vedação nas janelas e
portas improvisada (na maior parte das vezes de madeirite), 62% das unidades
apresentavam gambiarras e 35% tinham algum tipo de vazamento hidráulico. Os brise-
soleils da fachada eram os que apresentavam o maior grau de deterioração, com armaduras
expostas e desagregação do revestimento. O prédio também possuía muitos apartamentos
abandonados, com uma taxa de vacância beirando os 30% (Fontes, 2004). Algumas dessas
características, como a vedação das janelas com madeirite e os deteriorados brise-soleil
ornamentando a fachada pioravam a imagem de “deterioração” relacionada ao edifício. Vale
ressaltar que essa imagem está ligada, em princípio, ao tipo de pessoas que ali habitavam,
inadequadas ao tipo de revalorização - e de imagem do centro - que se desejava para a
16
Garçoniere era um tipo de apartamento que os homens casados de alta classe compravam para se encontrar
com suas amantes, mulheres casuais ou prostitutas.
65
área.
O desejo de uma intervenção nesta imagem de “degradação” se deve também ao fato de
que, com altura avantajada em relação à baixada do Largo do Mercado Municipal, o prédio
se destacava no horizonte da cidade (ver fotografias das páginas 70 e 72). Durante diversos
mandatos, a Prefeitura da cidade de São Paulo pensou o que fazer com o edifício, devido
sua imagem de “deterioração”. O ex-prefeito Jânio Quadros, por exemplo, planejava a
implosão do que designava pardieiro vertical. Logo no início das movimentações de
revalorização econômica do centro de São Paulo, principalmente após o restauro do
Mercado Municipal (2003), o problema se agravou. Assim, foi realizado um projeto de
recuperação do edifício encomendado ao arquiteto Roberto Loeb. O programa do projeto
compreendia a reforma completa de todas as unidades, a criação de espaços de vivência,
um restaurante-escola de gastronomia e um centro de informática no térreo, uma creche no
26º andar e uma capela mirante no topo do edifício, aberta à visitação pública. As 624
quitinetes seriam transformadas em 390 apartamentos, com até 60 metros quadrados de
área, o que expulsaria grande parte dos moradores originais, além do financiamento ser
inviável para a maioria das famílias (o São Vito seria incluído no Programa de Arrendamento
Familiar PAR, o que significa que os apartamentos seriam financiados somente para
famílias com renda entre 4 e 6 salários mínimos - 20% das famílias que moravam no prédio
na época da desocupação, fonte: Estado de São Paulo, 14/05/2003).
A retirada dos moradores aconteceu em junho de 2004, quando foi prometido aos
proprietários o pagamento de uma indenização, e aos ocupantes, o pagamento da bolsa-
aluguel”. No entanto, grande parte dos proprietários das quitinetes (31% dos moradores na
época do despejo [Fontes: 2004]) compraram o imóvel de maneira irregular, pagando muito
e sem escritura juridicamente válida, o que impossibilitou a indenização. Ao final, poucas
pessoas foram indenizadas (O Estado de São Paulo, 14/08/2003).
66
Com a mudança de gestão na Prefeitura de São Paulo, o projeto não se concretizou e a
atual administração entrou como uma outra proposta para o São Vito: sua demolição.
Segundo a nova Prefeitura, a reforma era inviável economicamente. Transformar o prédio
em habitação também era inviável em relação aos objetivos do projeto de revalorização
econômica para o centro da cidade desta nova gestão da Prefeitura, para quem a imagem
histórica de um grande “cortiço vertical” deveria ser apagada. Neste novo projeto, para o
espaço em frente ao revalorizado Mercado Municipal, está programada a demolição do São
Vito e do vizinho Mercúrio (que, por essa razão, também sofreu uma reintegração de posse
em dezembro de 2008 e se encontra vazio atualmente). No lugar dos prédios, será
construída uma praça integrando o Terminal Parque Dom Pedro II e o Mercado Municipal
com a zona cerealista.
Porém a demolição de dois prédios grandes envolve diversos problemas, desde questões
técnicas a disputas políticas
17
, elementos que estão dificultando o processo, e o edifício se
encontra, até agora, abandonado e vazio, e cada dia mais deteriorado pelo abandono.
Organização interna
Nem todos os apartamentos podiam ser considerados ocupações. Muitos deles eram
geridos e locados pelos seus proprietários de maneira ilegal e/ou em condições precárias,
por isso sua estrutura de organização foi nomeada como “aluguel rentista” ou “cortiço”.
Cortiço é uma designação geralmente associada às moradias pobres, no qual um grande
número de famílias vivem juntas em cubículos locados pelos proprietários do imóvel, com
poucos banheiros disponíveis. Ou seja, fica claro que, apesar das ocupações citadas
anteriormente também estabelecerem espaços parecidos, aqui existe o papel claro da
exploração. Existe um proprietário que retira lucro da locação de sua propriedade, a qual,
17
Vale ressaltar que a gestão anterior defendia a não demolição, argumentando com a utilização de estudos o
alto custo social e financeiro desta medida, alegando que haveria um grande risco físico aos outros imóveis
próximos e a circulação na Avenida do Estado (Fontes, 2004).
67
sem nenhum tipo de investimento ou reforma, gera renda ao seu “dono”. Porém, alguns
imóveis do edifício estavam abandonados e foram ocupados por famílias.
Apesar da existência de um condomínio, muitos moradores eram devedoresanos, o que,
com o tempo, acarretou na deterioração organizativa do prédio, ficando ao final, sem
organização uniforme.
Disposição espacial
Nas quitinetes projetadas para uma ou duas pessoas moravam famílias inteiras. Pela falta
de uma organização coletiva, o lixo foi acumulando-se nos corredores; muitas das portas
das habitações eram restos de compensado; e para entrar nos elevadores, que não
possuíam iluminação, os moradores tinham que usar uma chave de fenda. Também havia
um bar no primeiro andar, instalado dentro de uma das quitinetes.
planta baixa 9: Disposição espacial São Vito
Dados
O prédio tinha um total de 1.200 moradores (510 famílias). Das famílias moradoras, 3,4%
não possuíam renda e 58,1% possuíam renda de até três salários mínimos. Do tipo de
trabalho dos moradores: 31,6% eram autônomos; 9,2% eram empregados sem registro;
68
7,8% viviam de bico”; e 14,8% estavam desempregados, ou seja, 63,4% dos moradores
não possuía vínculos empregatícios. A grande maioria - os que possuem algum tipo de
ocupação - tinha seu trabalho na área central: 75% (Fontes, 2004).
Imagens
foto 20: Mercado Municipal e São Vito, frente a frente (Diana Helene).
69
foto 21: São Vito antes da desocupação (Eduardo Costa - Grupo Risco)
foto 22: Corredor e portas de madeirite (URBS 34, 2004)
70
foto 23: São Vito vazio - jan/2008 (Diana Helene)
71
foto 24: São Vito destacando no horizonte, visto a partir do Pátio do Colégio (Diana Helene)
4.6. As ocupações verticais e sua estrutura de organização
Dentre os diferentes objetos de estudo escolhidos observou-se diversas estruturas de
organização semelhantes. Muitas delas devido ao fato dos prédios estarem localizados na
mesma área, o centro da cidade. Outra semelhança são as características das pessoas que
ali habitavam, de mesma classe social, história de vida e busca de alternativas de
sobrevivência. A observação de maior destaque consistiu no fato do espaço da ocupação
funcionar como um local de experiência alternativa de maneiras de habitar a cidade que,
mesmo nos prédios sem movimentos sociais envolvidos, possuem maneiras de organização
que priorizam a solidariedade, a formação contínua do indivíduo e a coletividade.
Face à extrema precariedade das habitações, com alterações arquitetônicas improvisadas
dos edifícios degradados pelo tempo - sem elevador funcionado - com sistemas elétrico e
hidráulico degradados, a organização coletiva se faz mais necessária e fundamental,
demonstrando também como a adversidade pode instaurar a necessidade de desenvolver
outras alternativas. Segundo Milton Santos (1997) é como se o “feitiço voltasse contra o
feiticeiro”:
“Essa ‘carência fundamental’ no dizer de Sartre, produz um desconforto criador. O
choque entre cultura objetiva e cultura subjetiva torna-se instrumento da produção de
uma nova consciência” (SANTOS, 1997, p. 261).
Vale ressaltar que uma característica fundamental desse processo é “a inventividade dos
moradores, não em criarem soluções para seus problemas, como também ao
construírem novas alternativas e mecanismos de organização social” (Mamari, 2008: p.52).
72
4.6.1. Arquitetura interna: as escadas e os corredores – o andar e os
barracos
“Andar pelos corredores é equivalente a percorrer as ruas de uma cidade. As portas
que se abriam para ele eram como se fossem portas de rua, e as salas de visitas ou
varandas, cozinhas e quintais era como se fossem zonas da própria cidade: praças e
subúrbios.” (Damatta, 1986: p.48)
Nenhum dos objetos de estudo pesquisados possuía elevador funcionando exceto o São
Vito, mesmo assim funcionando precariamentee, desta maneira, as escadas e corredores
assumiam uma importância fundamental na circulação interna, criando um movimento
constante e estabelecendo uma espécie de “rua” dentro dos prédios. Nessas ruas as
pessoas se cruzavam, se encontravam, se conheciam, se comunicavam e passavam
objetos entre os diversos andares. As escadas também funcionavam como um espaço de
recreação para crianças, que permaneciam nelas brincando ou observando o “sobe e
desce”.
Além disso, se criam alguns serviços ou acordos para minimizar os danos de subir e descer
escadas constantemente. Muitas pessoas transportam coisas para as outras, e muitas
vezes pediam – geralmente para algum homem que estava me acompanhando nas visitas a
campo para ajudar a carregar uma caixa de isopor, móveis e compras. E também foi
criado o papel do “carregador”, um serviço executado por um morador na ocupação Prestes
Maia, citado anteriormente. O trabalho dele era carregar objetos pesados como geladeiras,
bujões de gás e galões de água por valores marcados num cartaz, colado no primeiro piso
da ocupação.
No que diz respeito à configuração arquitetônica, vale destacar a categoria espacial criada
pelos moradores dos “andares”. Nos edifícios “Prestes Maia” e “Paula Souza”, por
possuírem planta livre, os moradores distribuíam os barracos ao redor de um “pátio” central,
um espaço coletivo de convívio ao centro, como uma praça (cujas plantas baixas podem ser
73
vistas nas páginas 55 e 61). Geralmente nesses locais estavam dispostos sofás de uso
comum, onde as pessoas se reuniam. As portas dos barracos individuais geralmente se
mantém abertas para este salão coletivo. As festas de aniversário e outras comemorações
também aconteciam nesses espaços. As crianças brincavam juntas nessa “praça - sala de
estar”. Não era preciso que todas as mães olhassem seus filhos, e uma de cada vez poderia
tomar conta de todas, da mesma maneira que acontece na descrição do “olhar vigilante” das
ruas estudadas em Nova York por Jacobs (2000: p.88).
Segue uma explicação do funcionamento deste espaço por uma moradora do Prestes Maia:
Cecília: Isso aqui chama assim: ‘o andar’, então aqui a gente chega pra bater papo.
Grupo Risco: Você chegou do serviço entrou aqui e nem entrou em casa?
C.: Não, nem entrei em casa. Daí a minha vizinha aqui, ela também chegou não
entrou em casa, a minha vizinha tava aqui sentada com a nenê dela, ai veio a outra a
e a gente ficou conversando. Aqui a gente senta pra conversar, a gente faz
aniversário, o aniversário das crianças a gente faz aqui.
G.R.: Você vai sentir falta disso né?
A vou. Isso a gente vai sentir falta. Quando tava tudo bem que não se falava em
despejo a gente sentava aqui, pra tomar um vinhozinho, sábado, fazer festa de
aniversário, então a gente sentava aqui todo mundo, os moradores do andar, e ficava
aqui pra tomar um vinhozinho de sábado, cantar uma musiquinha, mas depois dessa
tristeza...
(...)
G.R.: O natal é aqui?
C.: É, é aqui. No andar. No natal a gente faz todo mundo no andar, né. Não dos
outros andar, cada um no seu andar faz o seu, né. Assim numa comparação: no natal
eu não tava mas eu dei a minha colaboração para os meninos ficar, porque eu
trabalhei no natal. Mas naquele dia do ano novo a gente se reuniu, eu a vizinha.
Cada um pega uns pratos e junta aqui. Muito gostoso.
(relato de Cecília moradora da ocupação Prestes Maia, gravado em 22/02/2007, grifo
meu).
74
foto 25: Prestes Maia, sofá coletivo no pátio central e porta de barraco aberta (Eduardo Costa - Grupo Risco)
foto 26: Prestes Maia, entrada do 14º andar (Eduardo Costa - Grupo Risco)
Sempre que visitei os prédios, conversava com as pessoas nesses salões. Apesar desses
locais estabelecerem espaços privados, seu acesso não era dificultado pelos moradores:
a partir do momento que a pessoa tinha passado pela portaria ela poderia entrar em
75
qualquer um dos andares, mesmo sem conhecer seus moradores. Nos barracos, a entrada
era um pouco mais restrita, e quando acontecia, devia-se ao estabelecimento de uma
relação mais íntima com as pessoas que ali viviam.
Outro fator são as relações sociais encontradas em cada andar. Em geral os moradores do
mesmo andar possuem algum laço social: são pessoas da mesma família, ou com alguma
outra conexão social, como no caso de um dos andares do Edifício Prestes Maia, onde
todos moradores do andar eram imigrantes bolivianos. Como relata Jomarina sobre a
constituição de seu andar na ocupação Prestes Maia:
Não veio eu, veio toda a minha família que estava na necessidade igual a minha,
ai quando foi pra dividir o espaço íamos ver se a gente ficava num andar, ficava todo
mundo junto, né. Foi ai que a gente veio parar no 11º, né. Só que depois que a minha
filha chegou aqui ela conheceu outro rapaz, casou, tem filho aqui dentro da
ocupação, o meu outro filho tinha a namorada que tinha nenenzinho, e foi morar,
também conseguiu espaço, meu filho conseguiu. Ai no momento mora eu e meu
esposo aqui (no barraco), mas como a minha família toda mora aqui no andar, então
a minha casa só vive cheia, é como se todo mundo morasse aqui (no barraco).
(relato de Jomarina Pires da Fonseca moradora da ocupação Prestes Maia, entrevista
gravada em 04/03/2007)
76
foto 27: Família de Jomarina Pires da Fonseca, moradores do 11º andar do Prestes Maia
(André Kobashi e Eduardo costa)
Podemos encaixar o “andar” na família de categorias para estudo etnográfico urbano de
Magnani por estar em um território claramente definido e delimitado por uma rede de
relações. O “andar” poderia se encaixar numa categoria anterior ou de escala menor de
abrangência da categoria do “pedaço” de Magnani por constituir laços sociais ainda mais
próximos. Para o autor (2002: p.20), pedaço se define pela presença regular de membros,
com um código de reconhecimento e comunicação, na qual seus freqüentadores não
necessariamente se conhecem, mas se reconhecem como portadores dos mesmos
símbolos.
Vale relatar que a categoria espacial dos “andares” não existia da mesma forma no edifício
Plínio Ramos, por não ser possível a configuração de um pátio central de encontro na
arquitetura deste prédio. Nesse caso, as escadas e corredores acabavam por configurar um
espaço ainda maior de encontro e lazer. No “São Vito”, no entanto, não havia espaço de
encontro coletivo, exceto um dos apartamentos que havia se tornado um pequeno bar; os
corredores e escadas estavam literalmente abandonados, cobertos de lixo e entulho, no
qual havia somente espaço suficiente para circulação de pessoas.
foto 28: Plínio Ramos, corredor e escadaria (Eduardo Costa - Grupo Risco)
77
O “andar” também estabelece mais uma interface mediadora antes de adentrar o espaço
privado da casa. Um local semipúblico, pois têm caráter de espaço público para o grupo
social comum ao mesmo “andar”, e caráter privado para todas as pessoas que não
pertencem ao “andar”. Nesse espaço, os limites da propriedade são difusos, porque a
relação entre o espaço privado e o espaço público nas casas populares é muito diferente
das casas ricas. A casa do burguês é usada como um local onde a família guarda suas
posses e intimidades dos olhos coletivos: segundo Benjamin a burguesia tenta compensar a
falta de vida privada trazida pelas cidades protegendo-se “dentro de suas quatro paredes”
(Benjamin, 1985:p.74). Nas casas populares isso é muito diferente. As mediações entre os
espaços públicos e privados são flexíveis, as famílias são numerosas e não existe a rigorosa
segmentação de espaços. Nos cortiços, nas favelas ou bairros populares de periferia, é
comum os filhos, netos, tios e tias morarem nos fundos da casa, em um quarto de fundo ou
no andar de cima do sobrado. Dessa maneira as tensões na relação espaço público versus
espaço privado são mais amenas do que na família da elite.
Por essa razão, podemos observar que a configuração espacial das ocupações estudadas -
partindo da idéia de que esta é distinta de uma estrutura capitalista dominante - propicia
outros agenciamentos entre seus moradores, que priorizam a coletividade, como veremos
detalhadamente a seguir.
4.6.2. Coletividade e formação política
Nos quatro objetos de estudo, e também na área central como um todo, as classes
populares estão se utilizando atualmente deste espaço infra-estruturado, porém
abandonado pelos seus proprietários, como um local de articulação e experimentação de
organizações coletivas que envolvem não estratégias de sobrevivência, mas também de
78
solidariedade.
Principalmente nos dois prédios ocupados por movimento social do presente recorte
analítico, a questão da gestão coletiva do espaço é evidente e necessária, segundo foi
mostrado pelos relatos anteriores. Mas, também pode-se observar o mesmo tipo de
organização coletiva na ocupação Paula Souza. No caso do edifício São Vito, não havia
organização unificada dentro do prédio, no entanto seus moradores estavam articulados em
rede com outras estruturas mais organizadas da área central, como a FLM, por exemplo.
Trata-se de ressaltar a diferença que a vida coletiva, na qual as decisões e
responsabilidades são divididas pelos seus integrantes e não demandadas por um sistema
hierárquico, produzem na vida das pessoas que constituem a ocupação.
Segundo Mamari “ocupar é, por si só, um confronto com a ordem vigente” (2008: p.52),
principalmente porque contesta a questão da propriedade. Nesse sentido o início da atuação
do indivíduo que mora na ocupação parte de um ato de contestação e confronto. Esse
indivíduo sai do papel de explorado e pagador de aluguel de propriedade alheia, para um
sujeito parte do processo decisório da gestão de seu espaço de convívio e moradia, no qual
“pessoas até então separadas em suas práticas diárias de luta pela sobrevivência se vêem
unidas no mesmo espaço, dividindo mesmas estórias de vida num espaço novo a ser
ocupado de acordo com o que acreditam construir coletivamente” (Helene, Dal'Bó e Terra,
2008). Como também foi observado por Bloch:
Os indivíduos mais diversos tornam-se iguais na medida em que sofrem as mesmas
carências. Essa vivência em comunidade, isto é, da coletividade de iguais criada pela
ação conjunta de todos, implica na passagem da pessoa para o plano público e não
privado (Bloch, 2007:p. 184).
Vale ressaltar como o espaço dos prédios vazios uma metáfora analítica sintética do que
acontece no próprio centro da cidade propiciam um local de aglutinação de pessoas com
79
histórias de vida e necessidades de sobrevivência semelhantes e que se utilizam deste
espaço para a articulação de maneiras de organização. Essa maneira de análise não exclui
o entendimento de que o espaço é um produto da sociedade capitalista, mas inclui também
este espaço como um possibilitador das relações sociais. Segundo Rubino (2004, p. 291),
trata-se de reconhecer que o espaço é um lugar de exercício de poder, no qual
acontecem conflitos simbólicos. Nenhuma marcação territorial é arbitrária, são demarcações
simbólicas de uso e poder. Para Sobarzo (2006), faz-se fundamental o papel do espaço
como politicamente instrumental, na potencialidade das resistências, insurreições, ações
antidisciplinatórias e superações: “é no plano do vivido, da apropriação cotidiana que o
espaço se abre às possibilidades (Sobarzo, 2006: p.107)”. Como relata Jomarina, da
ocupação Prestes Maia:
“Tem gente, ai a gente pensa assim né, ai vamos pra bolsa aluguel, vamos, cada um
vai ter sua pia dentro de casa, seu banheiro dentro de casa, mas isso ai também a
gente até se preocupa, nossa, a gente vai até sentir falta da área comunitária, tenho
certeza, porque hoje em dia eu falo assim não consigo mais viver assim sozinha né,
por isso que a minha vida é bem agitada, to aqui em baixo, to em cima, desço,
subo, sai né. Eu não consigo mais, se for pra mim alugar, pegar a minha bolsa
aluguel e alugar um lugar sozinha, uma casa sozinha, eu acho que eu não consigo. E
a maior parte das pessoas não consegue mesmo
(...)
E as próprias crianças, tem uma história assim, que eu sempre arrumo um grupo e
levo na pinacoteca com as crianças. Mas quando a gente passa assim, uns dois três
meses sem ir, eles ficam me perguntando ‘o tia, quando a gente vai na
pinacoteca?’, ‘Ô tia quando a gente faz isso?’. È incrível, ‘o tia quando que tem uma
festa assim?’ Então eu imagino essas crianças saindo né, e ir pra outro local, mesmo
se cada um conseguir ir pra um prédio, uma casa individual, as próprias crianças vão
sentir falta. Porque à tarde quando vindo da escola, eu fico ali na portaria eu vejo
assim, por exemplo, um, uma pessoa aqui, um pai ou uma mãe, eles vão na escola
eles trazem assim, umas cinco crianças né, do andar, eles trazem junto do andar. Ou
então, de manhã leva, e as próprias criançasestão acostumadas com isso, ir junto
pra escola, vim junto, ir pra pinacoteca. Eu me lembro teve um dia que eu fui à
pinacoteca e era de manhã e eu ia de manhã e a menina estudava de manhã,
quando eu vim com as crianças e ela tava chegando da escola, ai ela começou a
chorar, porque assim ela não tinha ido, quer dizer, eu mesmo não fui lá pedir pra mãe
dela porque ela ia pra escola né, e a mãe dela disse, se tivesse vindo eu não deixava
ela ir pra escola, ela ficou tão triste né porque ela não foi junto com as crianças.
Então isso eu sei que é todo mundo que vai sentir falta disso, de viver na
comunidade.
(relato de Jomarina Pires da Fonseca, coordenadora e moradora da ocupação do
edifício Prestes Maia, entrevista gravada em 04/03/2007, grifo meu)
80
Uma vez, escutei de um morador que, antes de participar do espaço da ocupação, ele se
considerava neutro”, usou exatamente estas palavras: “antes eu era neutro, agora não,
agora eu sei das coisas”, referindo-se ao fato de que agora se sentia agente de algo. Mais
uma vez, o relato da moradora Jomarina, deixa claro esta transformação:
“O problema da política é as pessoas se informarem, as pessoas saberem das
coisas, quanto mais as pessoas não tão sabendo pra eles (os “ricos”, o Estado) é
legal... olha, (o povo) não sabe disso, eu to quieto aqui. Então quando a pessoa vai
aprendendo, vai sabendo das coisas, né? Vai lutar, vai reivindicar, se a pessoa não
sabe de nada disso, vai reivindicar o que?
(...)
A partir do momento que eu vim para o movimento, eu aprendi muita coisa. Nossa,
porque quando eu morava na periferia, que eu trabalhava em casa de família,
chegava o final de semana, ai eu vou lavar roupa, fazer isso, cuidar de casa... a partir
do momento que eu entrei pra vim pra dentro do MTSC, eu aprendi muita coisa,
coisas que eu nem sabia que existia. Por exemplo, hoje em dia eu vou numa mesa
de negociação, vou no gabinete de vereador, deputado, qualquer coisa... vou sem
medo, né? Antigamente, meu Deus, pra chegar perto de um vereador, ou de um
deputado era ‘a meu deus, é coisa de outro mundo! hoje não, hoje eu vou sem
medo. As vezes acontece de ter alguma briga aqui e chamar a polícia, 'quem é a
coordenadora?' ,'Você vai na polícia?' Vou, sem medo. No tempo que eu morava na
periferia, eu via uma viatura, eu me apavorava (risos), me apavorava, é que
aqui eu aprendi muita coisa, agradeço muito ao movimento, eu aprendi muito, eu
acho que eu aprendo hoje, que eu tenho, que eu falo, tudo eu dou graças a deus de
ter conhecido o movimento, de ter vindo fazer parte desse movimento. E não eu,
toda a minha família. Eu agradeço muito.
(relato de Jomarina Pires da Fonseca moradora da ocupação Prestes Maia, entrevista
gravada em 04/03/2007, grifo meu).”
Vale destacar a frase de Jomarina: “no tempo que eu morava na periferia, eu via uma
viatura, eu me apavorava”. Neste trecho, fica claro de que maneira está demarcado na
sua estória de vida o momento da transformação na sua relação com as forças de repressão
do Estado (nesse caso, a imagem da “viatura” associada à violência policial), a partir do
momento em que ela muda de domicílio, da periferia para área central da cidade; lembrando
que, neste centro urbano, observa-se uma rede de diversas organizações populares. Pode-
se afirmar, neste caso, que o cotidiano do espaço coletivo envolve também a questão do
apoderamento do indivíduo enquanto sujeito ativo no processo social. Pertencer a uma
comunidade política impõe a formulação de uma consciência e comprometimento do que se
pretende para si e para sua coletividade. Segundo Smith (2000, p.149) as lutas baseadas no
lugar podem gerar uma resposta mais progressista na medida em que grupos sociais
81
anteriormente fragmentados se unem numa comunidade definida politicamente. Dessa
forma, o espaço da ocupação torna-se um espaço de organização política da classe
trabalhadora pobre, de experimentação de laços de solidariedade e autogestão, mas
também com o papel de formação intelectual e política dos moradores das ocupações.
Segundo Mamari (2008: p.19), trata-se de observar em que medida morar em uma
ocupação pode transformar um indivíduo, sendo não uma solução para seu problema de
moradia, mas colocando-o como um agente ativo de sua história.
82
foto 29: Assembléia na ocupação Prestes Maia (Carlos Cazalis)
foto 30: Assembléia na ocupação Prestes Maia (Carlos Cazalis)
Nas duas ocupações organizadas por movimentos sociais, a questão da formação contínua
dos moradores é parte das atividades do movimento. Não apenas as experiências auto-
gestionárias do espaço são momentos de formação, mas também existem espaços
organizados de reforço escolar e alfabetização de adultos, bem como a criação de outros
espaços de formação, como por exemplo, a biblioteca da ocupação Prestes Maia e a Ong
“Apoio”, apoiadora da FLM, que trabalha na formação dos moradores com a realização de
seminários e palestras sobre temas variados (Bloch, 2007: p. 117).
Para Bloch, está claro que as causas que levaram à organização das pessoas aqui
estudadas para conseguir moradia residem na esfera da produção. No entanto, mesmo a
mobilização em torno do consumo ou da privação do consumo deve ser considerada um
primeiro passo para que se perceba a raiz da desigualdade social e da segregação espacial
(Bloch, 2007: p.182). Neste caso, a carência de moradia funciona em primeira instância
como um núcleo articulador para, nas outras atividades cotidianas, resultar numa indagação
sobre sua condição dentro do sistema capitalista.
Enquanto o MSTC (ocupação Prestes Maia) considera que a participação em assembléias,
reintegrações de posse de outros prédios (inclusive de outros movimentos) e manifestações
como atividades fundamentais para formação dos moradores, o MMRC (ocupação Plínio
Ramos) considera que o movimento não deve se organizar em torno da moradia, mas
também para buscar maneiras de subsistência (como acontece nas produções de
subsistência das ocupações rurais
18
).
Umas das maiores dificuldades dos movimentos sociais que lutam por moradia é manter a
questão da formação contínua e de uma luta que além de simplesmente conseguir sua
18
O MST é uma referencia pra diversos movimentos urbanos, que se utilizam de muitas de suas referencias
organizacionais. A maioria dos movimentos sociais estão ligados por redes de atuação e contato, na qual trocam
experiências, ou se ajudam em momentos de necessidade.
83
moradia individual. Por isso a importância da formação contínua que acontece na gestão
coletiva do espaço. Essas atividades funcionam como interferências na maneira de viver de
cada indivíduo, que permanecem marcadas na sua estória para além de conseguir uma
“moradia digna”, mas modificando de fato sua maneira de ver a si mesmo e a sociedade em
que está inserido.
Para Martins (1989), a emergência de novos sujeitos conscientes de sua condição põe em
questão as teorias de transformação social orientadas até então. Segundo o autor, é no
plano da produção do conhecimento que esse fato pode representar um desafio, “na medida
em que as classes subalternas estão produzindo um novo conhecimento primário, um
novo senso comum, base e mediação do conhecimento teórico” (Martins, 1989: p. 133).
4.7. As ocupações e seu espaço envoltório
Historicamente, na cidade de São Paulo, o espaço público sempre foi um local de
predominância das classes pobres, que passavam a maior parte do tempo nas ruas
(circulando, trabalhando ou prestando serviços), enquanto que as famílias da elite saíam de
suas casas apenas em ocasiões especiais, em dias de missa ou de festa, mas não na sua
cotidianidade (Frehse, 2006: p. 306-307). Segundo Frehse (2004, p. 550), por essa razão as
ruas eram consideradas um lugar marginal, indecente e subalterno na sociedade do século
XIX. A partir da modernidade, no entanto, a rua passa a ser o local principal de encontro dos
diversos elementos que compõem a heterogeneidade urbana, passando de local de
circulação para um local de visibilidade e confronto. Essa transformação paulatina para um
uso moderno da rua e, vale ressaltar, buscando se adequar aos padrões morais da elite
brasileira - passou por diversos percalços:
“Como a rua é lugar de pessoas, o que implica desigualdade entre umas e outras,
'nós' e os 'outros', então, a partir do momento em que a rua se torna central e
84
valorizada na rotina dos tipos humanos em questão, não como ela abrigar ambos,
'nós' e os 'outros'. Alguém tem que sair. Mas quem?” (Frehse, 2004 : p. 535)
Dessa forma, faz-se necessário adequar as cidades brasileiras aos novos preceitos do uso
das ruas, com o estabelecimento de uma série de normas e regras morais que funcionam
até hoje como artifício de expulsão das classes pobres dos locais por onde a elite deseja
circular. As maneiras e modos das “famílias” da elite estabeleceriam os parâmetros para o
que seriam as regras de circulação adequada (Frehse, 2004: p. 502), entrando em conflito
com os costumes populares até então usados no espaço público. Nesse sentido, é a partir
desse momento que as classes pobres passam a disputar o espaço da cidade com a elite,
estabelecendo uma série de representações no espaço urbano - algumas vezes simbólicas
e outras vezes violentas - para demarcar suas fronteiras. Podemos considerar que essas
territorialidades típicas da divisão de classes na disputa do espaço urbano evoluíram
atualmente para uma série de estratégias desenvolvidas pelas elites paulistanas para
isolarem-se das camadas populares, criando espaços sociais exclusivos e segmentados,
como os condomínios fechados, os centros empresariais sofisticados e os shoppings
centers, todos esses devidamente protegidos por complexos sistemas de segurança.
Como em outros tipos de moradia popular do Brasil, sempre que visitei os objetos de
estudo, havia muito movimento nas calçadas dos prédios e uma grande relação com seu
entorno. O espaço da rua era usado como suporte de diversas manifestações: como local
de resistência à violência dos despejos e reintegrações de posse; como espaço de festa;
como arena de manifestação; ou como ponto de trabalho. A rua configurava um espaço no
qual acontecia a sociabilidade com o restante da cidade e o conceito de rua e o seu uso
envolviam o tempo todo o cotidiano das ocupações estudadas. Nesse caso, as ruas e as
calçadas são pensadas como uma “categoria sociológica" (Magnani [2]) na qual “fica claro
que se está falando não da rua em sua materialidade, mas em experiência da rua” (Magnani
[1]).
85
Primeiramente deve-se sublinhar que a maioria de seus os moradores das ocupações
estudadas trabalham diretamente com ofícios ligados a rua. Muitos são catadores de
material reciclável, que tiram seu sustento do material encontrado nas ruas, usando os
conhecidos “carrinhos” que são “máquinas” feitas para trabalhar nestes espaços, para
serem carregadas no asfalto:
“os veículos dos catadores, feitos de ferro ou madeira, parecem antigas bigas. Mas as
rodas são retiradas de automóveis abandonados. Nas laterais,o presas as armas:
varetas pontiagudas para espetar o material a ser recolhido e cordas para amarrar a
carga volumosa. Alinhados nas calçadas, os carrinhos parecem tanques de guerra
em manobra” (Brissac, 2004: p. 422).
Na Rua Plínio Ramos, localização das ocupações Plínio Ramos e Paula Souza, havia um
galpão para estacionar os carrinhos e separar material reciclável. Nesse mesmo local, os
catadores também vendiam o que separavam. O galpão era utilizado pelos trabalhadores
provenientes dessas duas ocupações, e de outros locais próximos.
86
foto 31: Carrinhos dos catadores fazendo sua mudança, durante o período de desocupação e
retirada das famílias do Prestes Maia (Carlos Calazar)
Na ocupação Prestes Maia, havia um espaço para estacionar os carrinhos e uma sala para
separação de material reciclável no próprio edifício, no subsolo, no qual estavam localizadas
também a Biblioteca Comunitária Prestes Maia e o salão de assembléias, festas e reuniões.
A moradora e catadora de material reciclável, Roberta Maria da Conceição, redigiu um
poema para relatar a relação da cidade com seu ofício:
Partimos em busca de aventura, para a nossa capital.
Ó grande São Paulo, ex-terra da garoa, hoje da poluição.
Chegamos com muitos sonhos de nordestinos, para tentar realizar.
Somos mais um dos sem-teto que das suas grandes ruas
catamos lixo para nos alimentar.
E te agradecemos São Paulo,
por teu lixo para nós catar.
Te amamos, né São Paulo, amamos São Paulo.”
(poema de Roberta Maria da Conceição, catadora e moradora da ocupação do edifício
Prestes Maia, entrevista gravada em 04/03/2007, grifo meu)
Muitos moradores dos prédios também trabalham como ambulantes na região. Iam a pé,
carregando os produtos para os pontos de venda nas ruas, geralmente os locais mais
movimentados da área central, próximos aos principais pontos de ônibus, terminais e metrô.
Muitas vezes, observei esses trabalhadores montarem os produtos que iam vender dentro
dos prédios. Geralmente nos salões dosandares” - ou até mesmo nos corredores, no caso
da ocupação Plínio Ramos era montada uma pequena linha de produção na qual
embalavam o produto. Por exemplo, uma boneca: primeiro o corpo de plástico, depois era
colocada a roupa, depois o cabelo e por fim se embalava na caixa de papel. Com a
montagem dos produtos finalizada, saíam para vendê-los pelas ruas do centro da cidade.
Mesmo os moradores que possuíam outros empregos, também trabalhavam na região
vale lembrar que a área central ainda é onde está localizada a maior oferta de empregos da
cidade em ofícios tão próximos dos edifícios que habitavam que se utilizavam para
locomoção de bicicletas (a maior parte dos trabalhadores) ou iam caminhando até o local de
trabalho. A área central da cidade, além de possuir uma disponibilidade de empregos
87
privilegiada, facilita o desenvolvimento de ofícios “improvisados”, como o de catadores e
ambulantes, pois suas ruas caracterizam a mais rica circulação de pessoas e,
conseqüentemente, uma enorme produção de material descartado. Podemos observar a
importância da área central para estes trabalhadores no relato de Jomarina:
“Ai quando surgiu a oportunidade de vir morar aqui, aqui no centro... nossa eu achei
incrível, né? vir morar aqui no centro... e aqui no centro é tudo mais fácil né, até o
emprego, escola, médico, tudo é fácil aqui no centro. Por exemplo, a maior parte das
pessoas que moram aqui no prédio (na Ocupação Prestes Maia), eles trabalham na
economia informal. Por exemplo eles saem de manhã e vão aventurar na 25 (de
março), na José Paulino, ali no Viaduto Santa Ifigênia... mesmo correndo do rapa, da
GCM, da polícia militar, mas eles tão aventurando. Agora vo morando na
Periferia, não tem como você pegar uma sacola, vir aqui pra cá para o centro! Porque
ai você vai depender de uma condução, vai depender do almoço, né? Pois quem
mora aqui no prédio (na Ocupação Prestes Maia), vai trabalhar na 25 (de março) e
vem almoçar aqui. Então tudo que consegue, qualquer dinheirinho para
sobreviver...”
(relato de Jomarina Pires da Fonseca, coordenadora e moradora da ocupação do
edifício Prestes Maia, entrevista gravada em 04/03/2007)
Em frente aos prédios estudados podia-se observar também uma rica vida social. Como em
qualquer edifício, existiam porteiros controlando o acesso nas entradas das ocupações.
Estes conheciam todos os moradores e permitiam, ou não, passar os desconhecidos.
Quando visitei os prédios nas primeiras vezes nunca pude entrar diretamente sem antes me
identificar e conversar com os porteiros, muitas vezes tendo que recorrer a um “superior” -
que geralmente seriam os “coordenadores” da ocupação para poder obter a permissão
para entrar.
foto 32: Prestes Maia, o porteiro Seu Luiz e a portaria (Eduardo Costa - Grupo Risco)
88
As portarias das ocupações estabeleciam mais um espaço de sociabilidade entre a cidade e
os prédios: onde as pessoas descansam assistindo o mundo de fora, protegidas pela
moldura do espaço interior; olham o tempo, quem está passando, aparece uma pessoa,
espera-se alguém chegar; ali acontece a paquera. Os vendedores ambulantes possuem
seu ponto garantido de venda na porta dos edifícios, param e ficam por algum tempo
vendendo seus produtos (sorvete, churros, pipoca) em razão do movimento nas portarias.
Muitos moradores chegam do trabalho e se demoram na porta antes de subir até suas
casas. A porta de entrada do prédio é um local de encontro. Todos passarão por ela e, por
essa razão, torna-se um ótimo lugar para passar o tempo (Helene, 2009).
Nas portarias também é muito comum o uso da comunicação entre a ocupação e o espaço
urbano. Ali são colocados os cartazes, faixas e fotografias que demonstram, como uma
espécie de vitrine, o espaço da ocupação. As fotos mostram cenas de festa internas,
eventos do prédio, funcionando não como uma amostra do mundo interior da ocupação
para o mundo exterior, como também para os moradores compartilharem os momentos
coletivos registrados no espaço onde passam todos os moradores: a portaria. Ali também
estão afixados os eventos e outras informações relevantes a todos moradores do edifício.
Na ocupação Paula Souza, também havia um barzinho no primeiro andar do prédio gerido
por um dos moradores onde as pessoas do prédio e do entorno se encontravam para tomar
um café ou uma cerveja, funcionava similarmente às portarias dos prédios estudados quanto
a constituir um local de encontro e circulação de informações dos ocupantes. Dentro dessa
ocupação também havia outro ponto comercial, um mercadinho, usado pelos próprios
moradores do prédio. Vale ressaltar que esses pontos comerciais foram observados nas
ocupações Paula Souza e São Vito (que tinha um bar em um dos andares), as duas sem
organização por movimento social. Atividades comerciais nas ocupações geridas por meio
de movimento social organizado não são permitidas facilmente, isto porque existe uma
89
gestão desse espaço ligada à coordenação de um movimento social, que envolve questões
que podem levar ao enfraquecimento do discurso do movimento perante o Estado, no
momento de justificar sua legitimidade enquanto movimento de luta por moradia .
Nas ocupações Paula Souza e Plínio Ramos, nas quais as ruas eram calmas e pouco
movimentadas, as crianças brincavam em frente aos prédios. Ali, também interagiam com
crianças de outras casas e edifícios dos arredores, a maioria delas moradoras de cortiços e/
ou com estórias de vida semelhantes. Esse espaço, tradicionalmente usado por crianças em
cidades pequenas, não é usado somente por estabelecer um grande espaço aberto, mas
principalmente por constituir um local de sociabilidade privilegiada, sem se distanciar da
segurança da casa. Segundo Jacobs (2000, p.88), são nesses locais que acontecem as
primeiras lições de vida pública e urbana para essas crianças . Os jogos e outras atividades
de formação e educação não-formal (oficinas de dança, pintura, reforço escolar, etc)
também acontecia do lado de fora desses dois prédios, possibilitando a interação com as
crianças vizinhas.
É também por meio da rua e calçadas limítrofes que ocorrem manifestações. É comum, por
exemplo, ao saberem que foi dada a sentença de reintegração de posse, realizarem eventos
nas ruas na frente onde moram. Os cartazes sinalizavam o protesto: “Senhor Juiz Despejo
é Crime”, “Casa sim, Rua não”, “Direito à Cidade”, etc. A manifestação tem que acontecer
no mundo público, no lado de fora, na rua, pois é ali que se faz política: “quando falamos em
mudança, transformação, modificação, reforma ou revolução estamos no referindo quase
que exclusivamente ao plano dos problemas que emergem no mundo público: o universo da
política e da rua” (Damatta, 1985 :p.89, grifo meu).
90
foto 33: Plínio Ramos, apresentação de Break na rua em frente à ocupação, em uma festa
manifesto (Isaumir Nascimento – Integração Sem Posse)
91
foto 34: cartazes no Ed. Prestes Maia (Grupo Risco - Eduardo Costa)
Por essa razão a resistência aos despejos durante as reintegrações de posse se dava de
variadas formas, mas sempre se utilizando da rua e as interfaces mediadoras entre a casa e
o mundo exterior. É pela interface mediadora da porta que se a violação do mundo
privado construído dentro da ocupação, portanto esse local assume uma importância
simbólica vital na hora da resistência aos despejos.
92
foto 35: cartazes na fachada do Ed. Plínio Ramos (Dossiê Centro
Vivo - Henrique Parra)
Outra observação importante se deve ao fato que a maioria das ocupações estudadas
levam o nome da rua em que estão localizadas: a rua Plínio Ramos, avenida Prestes Maia,
rua Paula Souza, etc. A rua é próprio nome do Prédio, a referência, diferentemente de
outras ocupações, rurais e nas periferias urbanas, nas quais os nomes escolhidos são datas
de luta, mártires, pensadores, etc. A ocupação tem o nome do próprio logradouro em que
está localizada, fazendo uma referência direta à cidade, demonstrando que “a luta pela
moradia é uma luta também pelo direito à cidade, pelo seu direito ao urbano, é uma luta
pelo 'teto' e pela 'rua'” (Helene, 2008).
Fica claro, portanto, como o papel das ruas da área central de São Paulo atualmente
estabelecem um papel instrumental para a organização da população pobre, que estão se
aproveitando desse espaço para se articular em rede. O esvaziamento temporário dos
imóveis, e do próprio centro da cidade, torna-se um local privilegiado para organização
popular, não apenas para questões de sobrevivência imediata, mas também para o
desenvolvimento de diversas maneiras de organização. Por meio dessas redes, pode-se
perceber de uma teia de relações sociais, em que a grande maioria dos indivíduos encontra-
se explorada pela lógica do capital. Segundo Bloch, trata-se de “reconhecer o papel que o
espaço pode desempenhar no processo de evidenciar os conflitos e as contradições do
capitalismo” (Bloch, 2007: p.18).
93
5. O papel do Estado
94
foto 36: Demolição no bairro da Luz (Eduardo Costa – Grupo Risco)
Segundo Deák, o Estado brasileiro, desde sua constituição, tem como objetivo
assegurar as condições de reprodução social da sociedade de elite brasileira, de maneira a
garantir a perpetuação do status quo oriundo da sociedade colonial. Dessa maneira, o
Estado funda aglomerações urbanas de acordo com os requisitos da acumulação: da
produção de mercadorias à reprodução da força de trabalho (uma “organização espacial da
produção” Deák, 1989: p.1), atuando por meio de uma infra-estrutura urbana precária, com
distribuição desigual e frágil legalidade. O Estado - e desta forma o planejamento, a
transformação e o controle do uso do espaço - são fundamentais na estruturação do
capitalismo. Da mesma forma que são necessários à regulação da produção os impostos,
taxas, subsídios, etc; as localizações são controladas por leis de zoneamento, tributos
imobiliários, empreendimentos, serviços públicos, etc (ibidem, p. 99). Para Deák a
intervenção estatal não torna a produção de mercadorias mais 'eficiente' ela a torna
possível (ibidem, p. 99)”. Vale dizer, a intervenção do Estado assegura as próprias
condições de existência da produção de mercadorias. O Estado é visto deste ponto de vista
como a própria sociedade de elite e, por isso, nele estão presentes também todas as suas
contradições e conflitos.
Partindo da premissa que o Estado atuou no espaço urbano de forma a propiciar as
condições necessárias para a estruturação e desenvolvimento da sociedade de elite, a sua
atuação consiste em estruturar as áreas destinadas às classes ricas e regular o uso do solo
das classes pobres, colocando-as nos lugares de pior infra-estrutura e garantindo sua
presença longe dos locais destinados aos investimento das classes ricas.
No entanto, essas ações não são explicitadas como uma iniciativa que visa favorecer uma
elite, mas sim como um discurso ideológico que as justifica necessárias para o “bem
comum” de todos cidadãos. No caso das intervenções urbanas, utiliza-se o argumento
95
“irrefutável” da ciência para justificar as ações do Estado como ações que visam o bem
universal de todos, enquanto, na verdade, beneficia-se apenas uma parte da sociedade.
De acordo com Deák (2004), a produção de uma ideologia que justifique as ações do
Estado em benefício da elite facilita a manutenção da ordem, possibilitando menor uso da
violência: "a ideologia torna-se um dos instrumentos da reprodução do status quo e da
própria sociedade", para difusão de uma versão da realidade social construída pela classe
dominante com o objetivo de facilitar a dominação .
No início do século XX, junto ao discurso de abertura de grandes vias e embelezamento da
cidade, foi estrategicamente demolida a Igreja “Nossa Senhora do Rosário dos Pretos”,
construída em 1725 no antigo “Largo do Rosário” (atual Praça Antonio Prado). Em torno da
igreja se concentravam as classes pobres da época (a maioria eram ex-escravos, negros e
índios) e diversas procissões religiosas, congadas, batuques e caiapós (de origem afro-ame-
ríndia). Para a aristocracia paulistana, o local era classificado como uma concentração de
“classes perigosas”, “anacrônicas”, “selvagens” ou ainda “escolas do crime” (Frúgoli, 2006:
p.52). A igreja estava no caminho - literalmente - dos planos de modernização da cidade e
precisou ser demolida para dar lugar a atual "Praça Antônio Prado" (até mesmo a recorda-
ção do antigo nome do espaço foi apagado). O discurso do Estado defendia que a praça era
necessária para valorizar a ligação da Rua Quinze de Novembro à Rua São Bento. A nova
Igreja dos Pretos foi deslocada para o Paissandu (construída em 1906), simbolizando umas
das primeiras ações de controle da ocupação do espaço urbanizado pela elite dominante -
bem como a expulsão das classes pobres paras áreas distantes e não urbanizadas - por
meio do incontestável discurso técnico do urbanismo estatal: “uma sanção moral, disciplinar
e higiênica por parte das autoridades municipais” (Frúgoli, 2006: p.52). O mais esclarecedor
foi observar que muitas outras igrejas da "Irmandade de Nossa Senhora do Rosário", ou "Ir-
mandade dos Homens Pretos", também estavam no caminho de diversos planos urbanísti-
96
cos de outras cidades: Campinas -SP (1956 - plano de urbanização de Prestes Maia), Curiti-
ba - PR (1931 - remodelação da praça), Goiás (1733), Penha - SC (1903), Porto Alegre - RS
(1951), João Pessoa - PB (construção da Praça Vidal de Negreiros - 1924), São José dos
Campos - SP (1879), entre inúmeros outros exemplos a se pesquisar mais profundamente,
o que comprova a não neutralidade do discurso técnico das ações urbanísticas do Estado.
Ao longo do século XX, foram aprimoradas outras estratégias do Estado para consolidar o
poder da elite brasileira por meio do espaço urbano: a criação de uma complexa legislação
urbanística que configura normas extremamente gidas para o uso e ocupação do solo.
Para construir é preciso possuir a documentação correta, respeitar as diretrizes legais,
dominar o aparato técnico/jurídico do desenho e da aprovação de plantas. Os únicos que
conseguem respeitar tais regras ou manipulá-las devido à sua influência e poder financeiro
são as classes ricas (Ferreira, 2005: p. 7-9).
Ao consideramos que as “reintegrações de posse” são realizadas em vista da desarticulação
das ocupações (onde o sistema jurídico declara invasão de propriedade, demanda a
devolução do imóvel ao seu proprietário - mesmo que a construção continue abandonada e
vazia - e é ordenado o despejo dos moradores pela força da polícia militar), podemos
concluir que apesar do Estado manter um discurso universalizante perante o conflito,
defendendo uma espécie de neutralidade, intervém no território garantindo a dominação de
uma classe sobre o espaço urbano (Gohn, 1991: p.35), ilustrando que o conceito de
interesse coletivo, na sociedade de elite, é uma construção vazia.
97
5.1. A revalorização econômica do centro de São Paulo
O processo de revalorização que acontece no centro de São Paulo atualmente envolve
principalmente estratégias de consumo do espaço. O patrimônio histórico - e simbólico - do
centro de São Paulo é usado como objeto de consumo, turismo e atração de investimentos.
A cultura é tomada como valiosa mercadoria, principalmente para uma cidade que se volta
para concentração de uma mão-de-obra altamente qualificada, de rendimentos elevados,
que necessita habitar um lugar no qual possa consumir lazer cultural de altos padrões, que
correspondam às representações dos padrões internacionais (D'Arc, 2004: p. 355).
O quadro seguinte foi montado de modo a facilitar a compreensão de como as ações do
Estado de revalorização da área são compostas por um vetor de investimento econômico e
de infra-estrutura urbana, aliado a um vetor de violência para retirada à força das classes
pobres que circulam na área. Este quadro também esclarece a relação entre cada
intervenção de revalorização e de violência, pois demonstra a coincidência das ações no
mesmo período de tempo, em cada prédio ocupado e os investimentos próximos ao seu
entorno.
98
Quadro 1: Ações do Estado na área central (1998 - 2009)
reintegrações de posse, despejos e
ações de expulsão das classes pobres
investimentos de revalorização
econômica nos espaços construídos
ano
Pinacoteca do Estado 1998
Sala São Paulo, Museu de Arte Sacra,
Jardim da Luz
1999
2000
Igreja São Cristovão 2001
2002
desocupação do São Vito
Mercado Municipal 2003
Estação da Luz 2004
Ocupação Campos Salles,Ocupação
Plínio Ramos,Ocupação Tenente Pena,
Ocupação Paula Souza, Ocupação do
Ouvidor e início das Operações “Limpa”
Lançamento do Projeto “Nova Luz”
2005
Operações “Limpa” Museu da Língua Portuguesa 2006
Ocupação Prestes Maia e Operações
“Limpa”
Demolições na Luz 2007
Operações “Limpa” Anunciada a demolição do Ed. São Vito
e do Ed. Mercúrio
2008
Edifício Mercúrio Museu Catavento (Palácio das
Industrias)
2009
O marco do início da revalorização do centro de São Paulo foi a transferência da sede da
Prefeitura de São Paulo do Ibirapuera para o Palácio das Indústrias em 1992, durante a
gestão da Prefeita Luiza Erundina (Partido dos Trabalhadores, 1989-1993)
19
, uma
movimentação de cunho simbólico, com o retorno dos olhos para o centro
20
.
No entanto, as principais atividades de revalorização econômica se iniciam em 2000, no
19
Vale ressaltar que as administrações anteriores haviam concentrado todos seus investimentos no eixo Faria
Lima Berrine (D'arc, 2004: p.346).
20
Em 2004 a Sede da Prefeitura muda novamente de local, para o “Edifício Matarazzo” (hoje chamado de
“Palácio do Anhagaubaú”), devido à um acordo entre o poder público e o Banco Santander-Banespa (ex-
proprietário do prédio). O Palácio das Industrias volta a ser usado em 2009, com a inauguração do “Espaço
Catavento”: “uma mistura de museu, laboratório e parque de diversões” (Folha de São Paulo, 24/03/2009). O
espaço é parte dos projetos de revalorização econômica da área, na qual fazem parte também as demolições
dos edifícios Mercúrio e São Vito para a construção de uma praça, e a criação do “Museu de História do Estado
de São Paulo”, na “Casa das Retortas”.
99
governo de Marta Suplicy (Prefeita, PT, 2000-2004). Inicialmente, os investimentos tinham
como ponto de partida o Parque Dom Pedro e suas adjacências - Palácio das Indústrias,
Mercado Central, edifício São Vito, etc - e mais tarde esses foram se deslocando para a
área da região da Luz. A perspectiva de revalorização dessa gestão da Prefeitura visava,
em seu discurso, o princípio da “diversidade/mistura” com o intuito de conferir às camadas
populares, mais do que o direito de residir no centro, procurando torná-las como "atores"
dessa história e dessa urbanidade. Porém, muitas de suas ações mostraram-se
contraditórias, como a intervenção no edifício São Vito (descrita no item 4.5), por exemplo.
Apesar das propagandas do governo de Marta Suplicy, nas quais se vinculava que o prédio
seria destinado para habitação popular, a reforma não abrigaria todos os moradores
originais, pois o projeto arquitetônico diminuiria o número das unidades habitacionais. Além
disso, não alcançava as famílias com renda inferior a 3 salários mínimos, nem desapropriou
os inúmeros proprietários que possuíam escrituras ilegais. Assim, esta ação da Prefeitura
expulsaria mais da metade dos moradores originais. Do mesmo modo, a reforma do
Mercado Central, o "Mercadão", iniciada em 2003, também demonstra a incongruência das
intenções descritas pelo projeto de revalorização da Prefeitura. O projeto consistia em obras
de infra-estrutura, drenagem, instalações elétricas e hidráulicas, pintura completa da
edificação e a construção de um espaço gastronômico em um mezanino de 2.000 m². Isso
possibilitou a utilização do Mercado principalmente para o lazer e o turismo, o que acarretou
numa alta de preços dos produtos vendidos, modificando totalmente o tipo dos
consumidores que freqüentavam o local, chegando ao fechamento de diversas tendas,
inclusive as mais tradicionais. Esses exemplos demonstram que as ações desta gestão se
contradizem quanto ao plano de estabelecer um centro “diversificado” com atenção especial
às classes populares. Vale ressaltar que as duas intervenções, revalorização do Mercado
Central e esvaziamento do São Vito foram realizadas no mesmo período, pois estavam
submetidos ao mesmo objetivo de revalorização econômica.
100
Em 2005, a recém empossada gestão do município do Prefeito Serra (Partido Social
Democrata Brasileiro, 2005-2006) identifica a área da Luz como prioritária para as iniciativas
de revalorização (Frúgoli e Sklair. 2008, p:3). Segundo material publicitário da Prefeitura, “a
Luz era uma mancha negra que irradiava degradação no entorno” (Portal da Prefeitura
06/10/07, grifo meu). Esta afirmação da Prefeitura justificaria a razão dos investimentos
principais para a revalorização econômica do centro concentrarem-se na área específica da
Luz. Os primeiros investimentos de revalorização no bairro da Luz iniciam-se com a reforma
da Pinacoteca do Estado (1995-1998); seguida do Complexo Cultural Estação Júlio Prestes
e Sala São Paulo (1996-1999) na estação de Trem Júlio Prestes; a restauração do Mosteiro
da Luz e ampliação do Museu de Arte Sacra (1997-1999); a recuperação do Jardim da Luz
(1999); o restauro da Igreja de São Cristóvão (1995-2001); a reforma da estação da Luz
(2004) e a criação do Museu da Língua Portuguesa (2006)
21
. A Prefeitura também declarou
que as intervenções possibilitariam organizar um percurso ordenado para integrar as
instituições culturais da região (Diário Oficial, 11/12/2008).
Juntamente aos investimentos econômicos, a região da Luz passa também a sofrer diversas
intervenções de repressão, regulação e controle das classes populares que circulam no
local, principalmente na região conhecida como “cracolândia”, local onde se concentram
usuários de crack (ver localização da área no Região da Luz e adjacências, página 44). A
“cracolândia” estabelece uma referência instrumental para a manutenção do discurso de
expulsão das classes pobres e marginais da área. O termo foi inventando e amplamente
propagado pelos jornais criando uma espécie de mística em torno da região
22
. Nesse
sentido, a Mídia é um instrumento fundamental para os processos de revalorização
21
Essas construções também fazem parte do Projeto “Luz Monumenta” com apoio do MinC (Ministério da
Cultura) e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
22
Vale ressaltar que a população da área não sabe exatamente onde está localizada a “cracolândia”, bem como
não designa em que lugar está localizada. O termo, inclusive, não é usado por essas pessoas que se referem
aos usuários de crack como “nóias” (Frúgoli e Sklair. 2008). Apesar deste fato, a Prefeitura demarcou no mapa
da região onde seria localizada a “cracolândia” (ver mapa 5: Região da Luz e adjacências, página 44).
101
econômica, usada para divulgar as localizações em vias de valorização (semelhante à
propaganda de um produto), e, principalmente, para justificar as ações segregadoras e
violentas que envolvem esses processos.
Desde o início de 2005, a Prefeitura realizou diversas operações de fiscalização na área
com o intuito de “coibir o crime” e “combater as irregularidades”. Segundo um boletim da
Secretaria Municipal de Segurança Urbana sobre o Projeto “Nova Luz”, os principais
problemas da área eram: comércio ambulante irregular; estabelecimentos comerciais
desobedecendo às normas de segurança; ocupação irregular de estacionamentos públicos;
bares em “péssimas condições de higiene e saúde”; depósitos clandestinos; poluição sonora
e visual; desrespeito às leis de trânsito; e hotéis com funcionamento irregular, ou seja, com
focos de prostituição (Sec. Municipal de Segurança Pública – “Nova Luz”, 2005).
Dessa forma, essas operações, apelidadas pela Secretaria de Segurança Pública de
operações de “limpeza”, resultaram em cerca de 500 vistorias em estabelecimentos da
região com 212 fechamentos (muitos desses com portas de concreto); 21.450 pessoas
abordadas pelas Polícias Civil e Militar; 84 crianças encaminhadas ao Centro de Referência
da Criança e do Adolescente; 4 mil adultos encaminhados para albergues; 130 presos e 117
pessoas encaminhadas ao atendimento médico; apreensão de 1.200 “sacolas” de
vendedores ambulantes, cds piratas, celulares, drogas e armas de fogo (Frúgoli e Sklair.
2008, p.5 e Portal da Prefeitura 06/10/08). Simultaneamente a este processo de “limpeza”,
acontece uma série de reintegrações de posse nos prédios próximos da área de
revalorização ocupados por sem-tetos e famílias pobres, como é o caso dos despejos dos
edifícios estudados neste trabalho, que abordaremos detalhadamente no próximo item deste
capítulo (5.2).
102
Enquanto alguns extratos sociais são expulsos da área central, outros são convidados a se
instalar, ou a permanecer. O projeto “Nova Luz” apresentou diversos incentivos para
empresas se instalarem no bairro: desconto de 50% no Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU), abatimento no Imposto Sobre Serviços (ISS) e 80% do valor do investimento no
imóvel em incentivos fiscais. Segundo a Folha de São Paulo (24/01/2009), 23 empresas
privadas tiveram projetos aprovados para investimento no bairro. A grande maioria das
empresas é de sistemas de tecnologia e informática. No entanto, mesmo com os incentivos
e vantagens, somente duas haviam iniciado suas atividades até o início de 2009.
Em setembro de 2005, foi publicado um decreto municipal que declara como sendo de
utilidade pública cerca de 100 mil m2 na região da Luz. De acordo com o "Diário Oficial da
Cidade", o decreto foi adotado em vistas de um plano de “reurbanização”. Inicialmente, essa
proposta consistia em transformar a região em um pólo tecnológico, aos moldes do “Porto
Digital” de Recife (PE) (Folha de São Paulo, 09/9/2005). Todavia, o plano não se efetivou e
foi elaborado pela Prefeitura um novo projeto, voltado para um lo cultural batizado de
“Nova Luz”. D'Arc (2004, p: 356-357) complementa que a revalorização dessa gestão
destinou ao setor privado a promoção de objetos culturais para o consumo - destinados a
consumidores com padrões de vida “globalizados” - e coube ao setor público a promoção da
segurança e a infra-estrutura necessária para as classes abastadas voltarem a circular nas
áreas centrais.
Em outubro de 2007, a Prefeitura inicia uma série de demolições no bairro da Luz (ver foto,
página 104), com a desapropriação de uma área de 269.3 mil m2 (aproximadamente 27
quadras) e a demolição de 4.359 m2, na qual se localizam mais de 60 construções (Portal
da Prefeitura 06/10/07):
“O objetivo de uma desapropriação deste porte é adaptar os terrenos para servir a
grandes empreendimentos imobiliários, como shoppings, condomínios residenciais e
grandes zonas comerciais. Hoje, os terrenos estão fragmentados, o que impede a
103
iniciativa privada de instalar-se adequadamente na região. (Sampaio, 2004: p.83)”
foto 37: Demolições no bairro da Luz (Eduardo Costa – Grupo Risco)
Somente o Estado seria capaz de resolver os impasses para a revalorização da área
central, visto que as características de fragmentação do solo e, conseqüentemente, das
propriedades resultam numa enorme complexidade jurídica, espacial e construtiva, que
dificultam a expansão do sistema capitalista em direção àquela área. Para Tourinho, a única
solução para esse caso seria desfabricar, desconstruir ou desmontar a área consolidada e
carregada de simbologia do centro (Tourinho, 2006: p. 7). Para a autora, o centro é um
espaço de difícil apropriação por constituir, em sua essência, uma resistência a qualquer
tipo de uniformização:
“O Centro, como possível metonímia da cidade toda e como história material da
cidade e da sociedade, contém em sua estrutura espacial e social as identidades das
lutas, fracassadas ou vitoriosas, assim como dos esforços legítimos ou ilegítimos,
realizados por vários ‘modelos de sociedade que viveram, ou ainda vivem, na
cidade atual.” (Tourinho, 2006: p. 4)
104
Por essas condições diferenciais de complexidade, o centro histórico torna-se de difícil
controle pelo Estado, o que afeta as tentativas de dominação do território pelo capital de
maneira a “auferir lucros”. Segundo Tourinho (2006: p. 5), qualquer operação de
transformação imobiliária enfrentará muitos obstáculos, visto que o centro estabelece uma
espécie de “espaço duro”, de uma dureza acumulada durante todo o período de construção
da história da cidade, pela sobreposição de estruturas do passado, tornando-se essa uma
das mais importantes características da área central da cidade.
De fato, a resolução por meio de grandes demolições, despejos e violentas ações policiais
contra as classes pobres e marginais deixam claro a necessidade de grandes investimentos
para consolidar os interesses do poder público na área central.
5.2. As reintegrações de posse nos objetos de análise
“O que fazer se no meio do caminho para a Pinacoteca existia uma grande ocupação
de sem-teto, diante do metrô Luz? É bem simples: ordenar o despejo dela.
(Sampaio, 2007: p. 104)”
As reintegrações de posse dos quatro objetos de análise estudados se relacionam com os
projetos de revalorização da área. O despejo do edifício São Vito tem ligação direta, visto
que este constitui o próprio objeto de revalorização. As três ocupações restantes, apesar de
estarem fora da área demarcada pela Prefeitura como o local de intervenção do projeto
“Nova Luz”, receberam suas reintegrações de posse no mesmo período do lançamento
deste projeto (Projeto “Nova Luz”, lançado em setembro de 2005; despejo da Ocupação
Paula Souza, outubro 2005; despejo da Ocupação Plínio Ramos, agosto 2005; primeiro
mandato de reintegração de posse da Ocupação Prestes Maia, julho de 2005, saída oficial
em junho de 2007)
23
.
23
Outras ocupações de prédios abandonados na área central receberam os mandatos de reintegração de posse
105
Nos despejos, além dos mandatos de reintegração de posse, é acionado um exército da
polícia para retirada de moradores equipado com bombas de efeito moral, spray de pimenta,
escudos, capacetes, cassetetes, etc. Além disso, são disponibilizados também os
caminhões de transporte para levar as posses dos despejados aos albergues. Junto a esse
pacote, era oferecido aos moradores das ocupações provenientes de outros estados
(principalmente das regiões norte e nordeste do Brasil) o valor de cinco mil reais, chamado
de “verba assistencial”, um auxílio para voltarem a sua cidade natal (ver reportagem
Balazina e Izidoro, Serra até R$ 5 mil para sem-teto deixar SP”. Folha de S. Paulo,
07/02/2006). Nesse caso, as ações de violência além de expulsar as pessoas do centro
visam também expulsá-las da cidade e do Estado de São Paulo.
Outro fator comum é a participação dos moradores de ocupações vizinhas, organizadas por
movimento social ou não, acompanharem ou participarem nos atos de resistência aos
despejos e também em outras manifestações. Em todos os despejos que acompanhei, havia
membros de diversas ocupações e até de cortiços da região central participando da luta.
Muitas vezes havia a participação de integrantes de movimentos sociais de outras regiões,
como MTST e o MST, bem como de diversos coletivos de estudantes e artistas que
apoiavam as lutas do centro.
A primeira desocupação dos prédios estudados aconteceu no Edifício São Vito. Como foi
relatado anteriormente (item 4.5), a Prefeitura havia realizado um projeto de “habitação
social para o prédio” e o edifício o Vito seria inteiramente desapropriado com a remoção
de todos moradores. No entanto, somente 31% dos moradores eram proprietários (Fontes,
2004) e a desapropriação serviria a poucas pessoas. Desse modo, para os inquilinos
ilegais, famílias que estavam ocupando apartamentos vazios ou pessoas que haviam
no mesmo período: Ocupação Campos Salles: julho de 2005; Ocupação Tenente Pena: setembro de 2005; e a
Ocupação do Ouvidor: novembro de 2005. Ver essas informações mais detalhadamente no quadro 1: Ações do
Estado na área central (1998 - 2009), página 99.
106
comprado apartamento sem escritura oficial
24
, a Prefeitura ofereceu um subsídio de 300
reais mensais durante a transição, a famosa bolsa-aluguel, contemplando cerca de 460
famílias. Além disso, muitas pessoas não voltariam a morar no prédio depois da reforma,
devido a redução de unidades habitacionais ou por não poderem financiar a compra do
apartamento reformado (possuíam renda inferior a 3 salários mínimos). Por esses motivos,
muitos moradores foram contra a recuperação proposta e realizaram diversos protestos:
armando barricadas que impediam o tráfego de carros, jogando objetos pela janela e
recusando-se a deixar suas moradias, o que levou a invasão do prédio pela tropa de choque
da polícia para retirada dos moradores que resistiam. Foi também instalado um elevador de
carga no lado exterior do edifício para retirada dos pertences dos moradores, visto que os
elevadores do edifício estavam extremamente danificados. Além da polícia, fizeram parte da
ação os usuais caminhões de mudança e carregadores.
Vale relatar que o arquiteto holandês Rem Koolhaas havia realizado um projeto de
intervenção para o São vito, proposto durante o Arte-Cidade de 2002. O projeto consistia na
instalação de um grande elevador, incrementando a conexão do edifício com a cidade, com
a proposta de realizar uma discussão sobre a relação do prédio com a cidade. A idéia era a
instalação de um objeto, colocado como instrumento, complementando e dinamizando a
relação do prédio e o centro: “segmentos da Infra-estrutura passam a ser utilizados para
novas articulações, reconfigurando em grande escala a cidade segundo a dinâmica
informal” (BRISSAC, 2004: p. 436). No entanto a Secretaria da Cultura não aceitou a
instalação do elevador, pois considerou que a proposta não era “cultural” e por essa razão
não financiaria o projeto (diferentemente do ocorrido com relação às outras intervenções da
exposição Arte-Cidade). O arquiteto holandês insistiu e buscou a empresa Schindler de
elevadores como patrocinadora, porém na hora que tudo estava acertado, segmentos do
24
Alguns proprietários haviam comprado apartamentos por 4 mil reais, fonte: Estado de São Paulo (14/05/2003)
107
tráfico de drogas, que também ocupavam o prédio, avisaram que não queriam o elevador
ali, pois isso traria muita visibilidade ao prédio, cancelando por fim a possibilidade da
intervenção (Brissac, informação verbal
25
).
foto 39: Elevador para desocupação do
São Vito (Helene, 2005)
O projeto de Koolhaas não foi realizado, mas foi instalado um outro elevador de carga do
lado externo do edifício, pela Prefeitura de São Paulo, para facilitar o despejo dos
moradores originais e dar lugar ao projeto de revitalização de Loeb, citado anteriormente.
Com a mudança da gestão da Prefeitura de Marta (PT) para José Serra (PSDB), o projeto
de reforma para o prédio foi paralisado e logo depois a nova gestão declarou a inviabilidade
do projeto para habitação social, afirmando que a única solução seria a demolição da
construção
26
. Cada apartamento custaria até R$ 90 mil, o que seria infactível segundo esta
gestão da Prefeitura, pois declarou que apartamentos populares não poderiam passar de R$
25
Informação fornecida por Nélson Brissac no curso Intervenções Urbanas e a produção atual da arte - Centro
Universitário Maria Antônia/USP ”, em 2009.
26
Além de simultaneamente suspender o pagamento da “bolsa-aluguel” aos ex-moradores, que depois de muitos
protestos voltou a ser fornecida .
108
foto 38: Projeto de Rem Koolhaas para o
edifício São Vito (Brissac, 2002)
50 mil. Entretanto, a demolição custaria cerca de R$ 9 milhões, o suficiente para bancar 180
apartamentos populares (UOL, 11/02/2009).
A declaração de Andrea Matarazzo, subprefeito da regional Sé, em 2006, demonstra que a
opção pela demolição envolve outros elementos. Segundo ele, a Prefeitura teve de
“enterrar” o projeto de recuperação do governo anterior. Declarou também que o prédio é o
símbolo maior da “degradação” da área e que: "não tem como revitalizar e daqui a seis anos
estar igual” (fonte: CMI 11/10/2006). Ou seja, o mais importante não eram os custos, mas
sim para quem se destinariam. Para esta gestão não adiantaria revalorizar o prédio para
pessoas sem condições de mantê-lo em estado aceitável, adequado para o projeto de
centro que a Prefeitura desejava.
Com o plano de demolição estabelecido, no dia 11 de fevereiro de 2009 foram despejados
os moradores do prédio vizinho, o “Edifício Mercúrio”, que também possuía muitos
moradores em condições semelhantes às encontradas no São Vito
27
. Os moradores, junto
ao coletivo “Fórum Centro Vivo”, fizeram diversas manifestações, inclusive uma carta aberta
à população, mas o despejo aconteceu da mesma maneira.
Todavia, devido à grande problemática que envolve a demolição de dois grandes edifícios
numa área consolidada, permanece suspensa a implosão e os prédios vazios
28
.
A reintegração de posse do edifício Plínio Ramos foi realizada em agosto de 2005, retirando
os moradores violentamente pela tropa de choque da polícia militar. Segundo o “Dossiê de
denúncia de violação de direitos do Fórum Centro Vivo” (Centro Vivo, 2006: p. 33), foi o
27
Alguns dados do edifício Mercúrio: construído em 1959 ; 23 pavimentos tipo, com 2 quitinetes e de 1 dorm./
pav., totalizando 138 apartamentos de 36m² em média; 25 unidades vazias; 113 famílias moradoras; 37% com
renda acima de 5 sm ; 34% dos moradores autônomos; 59% de unidades próprias ; 49% de aluguéis entre R$
151,00 e R$ 250,00; (Trabalhos técnicos para planejamento e implantação do projeto de requalificação do
Edifício São Vito – SP. Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano – Habita Sampa, agosto de 2003).
28
Até o presente momento (setembro de 2009)
109
despejo mais violento de que se teve notícia nos últimos anos na cidade de São Paulo. Para
mim, este também foi o despejo mais bárbaro do qual participei, não daqueles
envolvendo os objetos de estudo como também daqueles relacionados a minha experiência
com movimentos de moradia e luta pela terra. O adjetivo “bárbaro” também foi usado por um
morador do Prestes Maia, Severino Manuel de Souza, quando relatava a sua participação
na resistência ao despejo da Ocupação Plínio Ramos (exemplificando também as redes de
solidariedade entre ocupações de distintos movimentos sociais): “eu tava lá, foi bárbara
aquela reintegração de lá, e eu não queria que acontecesse esse problema aqui no Prestes
Maia” (entrevista gravada em 04/03/2007).
Anteriormente ao despejo, os moradores haviam decidido em assembléia coletiva resistir à
retirada das famílias de forma a realizar um acontecimento político. Para isso, entraram em
contato com a imprensa convidando-a a comparecer no dia marcado para a desocupação.
Também usaram como estratégia se dividir em dois grupos que ficariam dentro e fora do
prédio. No dia do despejo, o grupo de fora se organizou em forma de um cordão humano, de
mãos dadas, na frente da entrada da ocupação. Em seu interior, permaneceu a maior parte
das famílias, lacrando a porta pela parte de dentro.
Em resposta a esta resistência, a polícia militar foi extremamente violenta e houve confronto
com a tropa de choque. Foram 120 soldados contra cerca de 300 pessoas, dentre elas 110
crianças (Centro Vivo , 2006, p. 33). Spray de pimenta, bombas de efeito moral e gás
lacrimogêneo, balas de borracha nas pernas e rostos dos moradores. 25 pessoas ficaram
feridas, dentre elas: 20 sem-teto, sendo 5 menores; 3 policiais; 1 repórter e 1 cinegrafista da
TV Globo (Dossiê Centro Vivo, 2006: p.31). Um dos moradores do Edifício Plínio Ramos,
militante do MMRC e estudante de Ciências Sociais da PUC/SP no dia conflito estava na
linha de frente que protegia o prédio. Apesar dos policiais espirrarem o spray de pimenta no
rosto das pessoas que estavam fazendo uma corrente na frente da porta do prédio, esse
110
estudante se manteve parado e por esse motivo recebeu um tiro de borracha no rosto “à
queima roupa” que desfigurou seu nariz e poderia tê-lo matado.
Eu estava dentro do prédio, junto às famílias, em sua maioria mulheres e crianças. Na hora
do conflito, a polícia também atirou para o interior do edifício, em direção às varandas na
qual estávamos. Todos correram para o salão de maneira a se proteger das bombas de gás.
Ficamos no salão ouvindo os tiros e as explosões e, ali, as pessoas distribuíram pano úmido
para proteger a respiração do gás sufocante. As crianças choravam e os adultos esperavam
em silêncio. Mesmo depois de a polícia arrombar a porta e negociar uma saída pacífica, eu
estava apavorada. Saí sem problemas junto à outras mulheres, mas os homens e todas as
pessoas que estavam com máquinas fotográficas ou filmadoras tiveram que ficar para uma
“revista policial” (cerca de 150 pessoas). Todo material filmado foi apreendido e apagado,
algumas pessoas foram espancadas e 20 foram presas. Houve, inclusive, denúncias de
tortura. A polícia estava procurando um culpado para um policial que se feriu com um objeto
jogado pela janela do prédio durante o confronto. Escolheram culpar dois homens negros
que não possuíam relação alguma com a organização do movimento, tampouco com a
acusação. Foi nesse dia que eu senti a maior expressão do que os sem-tetos chamavam de
estar na luta.
111
foto 40: Revista Policial no subterrâneo do edifício Plínio Ramos (autoria omitida - Integração sem posse)
foto 41: Policiais jogam spray de pimenta nas famílias (Isadora Lins/ CMI São Paulo)
112
foto 42: Confronto com a Polícia no despejo da Plínio Ramos (Isadora lins - CMI / SP)
As famílias não tiveram direito à negociação ou contrapartida do Estado, não foi oferecida
bolsa-aluguel, nem encaminhamento para programas de moradia, simplesmente foram
encaminhadas para os albergues municipais. A única coisa oferecida foi a “verba
assistencial” de cinco mil reais para as pessoas que desejassem “voltar para suas casas”.
Dessa forma, a grande maioria dos despejados resolveu protestar contra o ocorrido
montando um acampamento na própria rua, em frente ao edifício esvaziado.
Em seguida, no dia 6 de outubro de 2005, foi realizada a reintegração de posse da
ocupação Paula Souza, na mesma rua da ocupação Plínio Ramos. No entanto, o despejo
neste prédio aconteceu sem violência, talvez porque os moradores não possuíam
organização suficiente para resistir, ou porque ficaram acuados com a violência sofrida
durante o despejo da ocupação vizinha. Contudo, as famílias também não conseguiram
113
negociar com o governo e acamparam na rua, junto aos despejados da ocupação vizinha, o
edifício Plínio Ramos.
Durante quase dois meses, as famílias provenientes dos despejos das duas ocupações
mantiveram suas casas em forma de barracos na frente dos prédios vazios, nos quais
moravam anteriormente. Foram construídas cerca de 100 casas improvisadas (Dossiê
Centro Vivo, 2006: p. 33). O acampamento foi simbolicamente batizado de “Favela José
Serra”, o prefeito que havia autorizado a retirada das famílias dos prédios ocupados. A
visualização dos muros construídos sobre as portas dos prédios vazios, enquanto ao
mesmo tempo as pessoas dormiam na rua, era uma imagem realmente esclarecedora do
caráter da ação do Estado, defendendo a propriedade privada a todo custo. Os despejados
das construções vazias souberam se aproveitar dessa imagem e escreveram frases nos
postes e barracos improvisados: Reforma Urbana ”, Centro debilitado de Habitação”,
este é o P.A.R.: Plano de arredamento residencial DE RUA”, “Cadê o estatuto da criança e
do adolescente?”, meu endereço: www.rua.com, Brasil”, entre outros exemplos. Devido à
pressão, a Secretaria de Habitação propôs uma negociação em que cedeu uma bolsa de
R$ 250 para cada família - apelidada de “bolsa-miséria” pelos moradores que, não
podendo suportar a dureza da vida na rua, a aceitaram e desmontaram o acampamento.
foto 43: Frases nos barracos da Favela “José Serra” (Mariana Cavalcanti – Integração sem Posse)
114
foto 44: Favela “José Serra”: despejados do Plínio Ramos (Antonio Brasiliano - Integração sem posse)
foto 45: Favela “José Serra”: despejados do Plínio Ramos (Mariana Cavalcanti - Integração sem posse)
115
foto 46: Favela “José Serra”: despejados do Plínio Ramos (Mariana Cavalcanti - Integração sem posse)
O edifício Prestes Maia foi o que resistiu mais tempo após receber o primeiro mandado de
reintegração de posse. Foram 12 reintegrações de posse e 29 disputas judiciais (Sampaio,
2007: p. 58). A ocupação resistiu tanto tempo ao mandado de reintegração de posse não
por seu tamanho e forte organização política, mas também devido à grande repercussão
gerada em torno do prédio, principalmente pelo apoio de diversos grupos e coletivos. O
Prédio também estabelecia um excelente exemplo das contradições que envolvem o tema
em questão: seu proprietário devia em Imposto Predial Urbano (IPTU) o valor do próprio
edifício e o manteve vazio por 15 anos. Mesmo assim, a reintegração de posse aconteceu
em junho de 2007.
A saída dos moradores do prédio foi pacífica devido a negociações com o poder público,
que envolveu os governos municipal, estadual e federal. Para 150 das 468 famílias, foi
prometido o atendimento do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional) e para
as demais, uma ajuda de custo mensal de R$ 300 (essa gestão da Prefeitura não se utiliza
116
do nome “bolsa-aluguel”) para alugar por seis meses um imóvel na região até que a
Prefeitura comprasse, com dinheiro da Secretaria Nacional de Habitação, do Ministério das
Cidades, um dos prédios indicados pelo MSTC para abrigar os remanescentes (G1,
15/06/2007).
Apesar de melhores conquistas nessa negociação se comparada ás outras desocupações,
aconteceram muitas divergências entre os moradores. Muitos não queriam sair do centro,
outros preferiam qualquer negociação a enfrentarem a moradia na rua. Mas o fator de
conflito mais importante foi a desconfiguração do espaço de organização que constituía a
ocupação:
“São 468 famílias e a gente sabe que a gente não vai encontrar um prédio que
comporte todas essas famílias, né? Pelo um motivo ou outro a gente vai ter que se
dividir... Mas isso é preocupante, porque aqui dentro é uma comunidade assim. Todo
mundo se conhece, todo mundo faz um favor pra um, pra outro né, o fato de hoje
a gente pensar em se dividir, já fica preocupante.”
(relato de Jomarina Pires da Fonseca moradora da ocupação Prestes Maia, entrevista
gravada em 04/03/2007).”
Para os donos da propriedade, os empresários Jorge Hamuche e Eduardo Amorim, que
possuíam uma dívida milionária de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), foi proposto
pela Prefeitura uma negociação para o pagamento do débito. Os empresários afirmaram
que as obras de reforma do prédio começariam logo após o acerto da dívida, argumentando
que não deixariam o espaço continuar abandonado. Porém, desde o despejo o prédio está
vazio e lacrado, completando atualmente dois anos de abandono.
De fato, todos os quatro prédios estudados se mantêm vazios até hoje. Para garantir que os
prédios não fossem ocupados novamente, foram construídas paredes nos vãos das portas e
nas janelas do térreo ao primeiro andar, uma ação chamada pelo poder público de
“emparedamento” e apelidada pelos despejados de “muro da vergonha”.
117
foto 47: Paula Souza e “muro da vergonha”
(Mariana Cavalcanti - Integração sem posse)
foto 48: Plínio ramos e “muro da vergonha” (Mariana Cavalcanti - Integração sem posse)
118
foto 49: Prestes Maia e “muro da vergonha” (Diana Helene)
Podemos observar, nesse caso, que o espaço da rua, além de interface urbana de
sociabilidade entre as ocupações e a cidade, também é o local simbólico que os moradores
mais temem: o destino para qual iriam todos moradores no caso dos recorrentes despejos e
reintegrações de posse. Como podemos observar no relato de Cecília:
“Porque se vai ter esse despejo a gente vai pra rua, onde é que a gente vai
morar, onde vai tomar banho, onde vai fazer uma comida, o que vai ser? A
escola da gente? Porque se você vai um dia, dois na escola sem banho tudo
bem, mas depois você vai uma semana? Ninguém vai querer você sem
banho. Os meninos que tão na creche e os meninos que estão na escolinha?
Ela (vizinha que está sentado ao seu lado) que tem o emprego dela? É uma
reviravolta na vida da gente.”
(relato de Cecília moradora da ocupação Prestes Maia, entrevista
gravada em 22/02/2007).
No entanto, o espaço da casa e o da rua continuam demarcados. Quando existe a casa, no
caso a ocupação, a rua é parte fundamental do uso desta, porém, quando não existe a casa,
a rua se torna inimiga, oposta à condição “ter uma moradia”. O fator de conflito é que a
divisão entre o espaço urbano e o espaço privado deixa de existir, pois a rua se torna casa
(Helene, 2008). Esse rompimento é o maior medo dos moradores da ocupação. Porém,
119
quando ainda se constitui como o duplo casa + rua, esta se torna um dos elementos mais
utilizados dos moradores, que muitas vezes permanecem mais tempo nos espaço públicos
(ou semipúblicos) do que nos privados.
5.3. A Gentrificação nos objetos de análise
O conceito de gentrificação, palavra derivada para o português do termo gentrification, foi
cunhado pela primeira vez em 1964 pela socióloga inglesa Ruth Glass. Originalmente, o
termo possuía uma utilização diferente, que Glass se referia mais especificamente a um
processo de mudança social de uma área em que numerosos bairros oriundos das classes
operárias de Londres foram tomados pelas classes médias e altas, que reformaram as
modestas casas da área sem transformações espaciais drásticas (Rubino, 2004 : p.288).
Valer ressaltar que, neste caso, os agentes principais na realização da gentrificação eram os
novos moradores do bairro, diferentemente do que, um século mais tarde, seria realizado
pelo Estado (Smith, 2006, p.61). Na definição original, a gentrificação direciona-se no
sentido da modificação dos usuários originais daquele espaço que para ele se mudam
buscando exatamente as características que este espaço possui, e não por novas
intervenções urbanas realizadas em vistas de uma revalorização econômica.
Atualmente, as derivações do aportuguesamento do termo original como, por exemplo,
“espaço gentrificado” ou a criação do verbo “gentrificar” - possuem conceitos ainda não
definidos exatamente, com diferenças nas acepções dependendo de seu interlocutor.
Alguns autores também traduzem “gentrification” como enobrecimento, pois a raiz “gentry”
pode ser traduzida como “nobreza”, porém é uma tradução aproximada devido à
inexistência desta raiz na língua portuguesa.
120
O fenômeno da gentrificação tem se propagado por diversas cidades ao longo do mundo
capitalista constituindo, segundo Smith, (2006, p.62), uma dimensão marcante do urbanismo
contemporâneo. No entanto, possui características bastante diferentes e desiguais, pois
fazem parte de contextos culturais e econômicos de vel local, apesar de conectadas com
economias globais.
“Por ser uma expressão de relações sociais, econômicas e políticas mais amplas, a
gentrificação em uma cidade específica irá exprimir as particularidades da
constituição de seu espaço urbano.” (Smith, 2006 : p. 74)
Para Smith (2006), acontece uma generalização deste processo como uma estratégia
urbana global: uma “globalização emergente da gentrificação”. Entre o início dos anos 70
até hoje surge uma nova forma de fazer urbanismo no qual o fenômeno da gentrificação tem
um papel central (Smith, 2006, p. 61). São ações ligadas à crise de acumulação intensiva e
um decorrente processo de desindustrialização e terceirização em que as aglomerações
urbanas adquirem novas funções, tornando-se centros de serviços financeiros, de consumo
e de entretenimento (como vimos, anteriormente, no capítulo 3). Podemos concluir que a
gentrificação não exprime mais os estreitos interesses de classes analisados por Ruth Glass
(Smith, 2006: p.72), visto que atualmente representa uma conquista classista da cidade e
acontece devido a mobilidade espacial do capital.
A partir desse raciocínio, o processo de gentrificação passa a ser avaliado em função do
retorno de investimentos econômicos para os centros antigos das cidades. Diferentemente
do conceito de Ruth Glass, o que muda o espaço em questão não é apenas a mudança dos
usuários, mas a mudança de circulação de capital.
Uma das principais ações de gentrificação ocorre em razão de estratégias para garantir a
“segurança” dos habitantes das classes ricas, principalmente para que os novos investidores
se mudem para o local em vias de revalorização econômica. Para efetivar este objetivo, é
121
utilizada a justificativa da necessidade de erradicar as irregularidades e atividades
marginais, utilizando-se, principalmente, de argumentos irrefutáveis provenientes da
doutrina científica e médica (Smith, 2006: p. 77-78). Uma dessas medidas é extinguir as
possibilidades de circulação das pessoas pobres e/ou marginais, como a proibição da
movimentação de carroças de catadores na área central, a retirada dos vendedores
ambulantes, a remoção de moradores e meninos de rua para albergues e o despejo de
moradias irregulares e ocupações, como vimos mais detalhadamente no item anterior deste
capítulo (5.2). A invenção do termo “cracolândia” exemplifica muito bem como a criação de
uma caricatura em torno das populações pobres que vivem na área justifica as ações
policiais de perseguição, coerção e expulsão. Novamente, observa-se o papel da criação de
uma ideologia que justifique as ações violentas de dominação da elite: a criação de uma
imagem depreciativa das classes pobres, bem como sua culpabilidade pelo estado atual de
“degradação” do centro histórico da cidade.
Os moradores das ocupações prontamente são enquadrados como o “tipo” de pessoa que
mora na “mancha negra” (termo usado pela Prefeitura e pela Mídia para caracterizar a
pobreza da área) da região da Luz. Além de sofrerem com as ações de despejo, muitos
desses moradores acabam sendo presos pela polícia e qualquer motivo encontrado é usado
para retirá-los da área. Para Davis (2004, p.178), a arquitetura (por meio dos projetos de
revalorização) e o aparato policial fundiram-se atualmente nas cidades de maneira a
estabelecer espaços seguros para as classes ricas, com a destruição de qualquer
possibilidade de construir espaços verdadeiramente públicos. O objetivo desses projetos é
transformar os centros urbanos num espaço contínuo de trabalho, consumo e lazer das
classes ricas, e o menos habitável possível para pobres e sem-tetos. Ou seja, o objetivo
principal seria a gentrificação.
Entretanto, esta palavra é inexistente nos discursos das operações urbanas do Estado e nas
122
notícias da grande Mídia. O termo não existe em nenhuma das reportagens arquivadas dos
grandes jornais de o Paulo durante a realização desta pesquisa. Todavia, nos grupos
sociais estudados e em outros representantes das classes pobres e marginais que lutam pra
se manter no centro da cidade, a palavra gentrificação é mais utilizada. Por meio do contato
com militantes intelectuais alguns moradores da área central têm usado o termo como
sinônimo de “exclusão social”, bem como de “segregação urbana”. A palavra é usada como
instrumento de defesa pelos grupos na luta por permanecer no centro da cidade: nos
cartazes, faixas, discursos, manifestos e textos acadêmicos.
Nas ocupações de prédios abandonados da região, é comum a colagem de um cartaz do
tipo “lambe-lambe” nos prédios despejados por reintegrações de posse, geralmente por
cima das paredes construídas sobre a entrada dos edifícios (os “muros da vergonha”). O
cartaz é uma criação do coletivo de arquitetos e artistas “Bijari
29
” com o seguinte texto
30
:
29
In: <http://www.bijari.com.br/>
30
“GENTRIFICADO: Processo de restauração e/ou melhoria de propriedade urbana deteriorada. Realizada pela
classe média ou emergente. Geralmente resultando na remoção de população de baixa renda”.
123
foto 50: Cartaz Gentrificado (Diana Helene)
Esse cartaz foi muito utilizado em diversas ações contrárias à repressão que acontece na
área porque, além de manifestar-se contra a expulsão das classes pobres, explica o
“significado” do termo, utilizando-se do próprio espaço urbano como plataforma.
foto 51: Cartaz “Gentrificado” em poste durante o despejo do edifício Plínio Ramos (Mariana Cavalcanti -
Integração sem posse)
foto 52: Cartaz “Gentrificado” no portão do Edifício Plínio Ramos (Anderson Barbosa – FCV)
124
A palavra gentrificação é apropriada como uma “arma”, usada como o grande efeito
negativo das políticas de revalorização econômica, e tenta unir todo o complexo processo
de expulsão que sofrem as classes pobres por meio do uso de apenas uma palavra. É o
substantivo perfeito para desqualificar a argumentação dessas políticas, utilizando-se de um
termo original das discussões urbanísticas e acadêmicas, ou seja, não é uma palavra de uso
popular, é um termo apropriado por essas classes populares, nascida no ninho de seus
próprios “inimigos”.
Vale ressaltar que os movimentos e outros grupos tiveram contato com a palavra
“gentrificação” e outros termos devido à ligação dos diversos movimentos que atuam no
centro de São Paulo com grupos e coletivos de artistas, arquitetos e cineastas. Inclui-se aí o
“Grupo Risco”, do qual também faço parte. A maioria dos integrantes desses grupos não são
de classes pobres. Essa diferença trouxe muitos conflitos, mas também muitas trocas na
interação de mundos diversos. Esses coletivos elaboraram muitos manifestos, filmes e
obras de artes, que trabalharam com a questão da denúncia do que acontecia no centro e,
dessa forma, possibilitaram que muitos termos não usados pelas classes populares fossem
apropriados, de acordo com a necessidade de uso. No entanto, deve-se ressaltar que,
apesar dos moradores das ocupações se apropriarem de muitos termos advindos dessas
produções, não os assimilaram na sua cotidianidade. Para Martins a resistência popular se
nutre de um saber popular, mesmo quando aparentemente ou circunstancialmente é nutrida
por um saber erudito mediado pelas organizações políticas” (Martins,1989: p.124). Segue
mais um cartaz criado pelo grupo “Bijari”:
125
foto 53: A Gentrificação (Bijari – Dossiê Centro Vivo, 2006)
126
Para Frúgoli e Sklair (2008), o que observamos na Luz é uma situação em que as diversas
populações pobres e marginais moradoras e trabalhadoras da região, atravancaram as
intenções de revalorização econômica para região, numa atuação local de resistência. Para
Smith, os diversos movimentos de resistência dos habitantes locais, sem-tetos, movimentos
organizados, associações de bairro e outros, às expulsões causadas pela revalorização
econômica constituem em seu conjunto movimentos “anti-gentrificação (Smith, 2006: p.
77). Segundo o autor, a observação da grande repressão exercida pelo Estado - realizada
principalmente pela violência policial - transparece o caráter central da disputa pelos
territórios em vias de revalorização econômica.
Por esta razão, ressalta Rubino (2004, p.294), o processo de gentrificação pode ser
considerado um “trabalho intensivo”, visto que necessita de grandes investimentos do setor
público. E apesar dos grandes investimentos realizados pela Prefeitura de São Paulo - no
restauro das construções históricas, nos incentivos fiscais, na infra-estrutura, na repressão e
nos processos de expulsão, como vimos nos itens anteriores (5.1 e 5.2), o movimento de
revalorização econômica, atualmente, ainda está fechado dentro dos objetos culturais da
área (Pinacoteca, Sala São Paulo e Museu dangua Portuguesa). Isso se deve ao fato de
que esses equipamentos culturais atraem diversos novos usuários para as áreas centrais,
porém esses usuários geralmente se deslocam dos bairros nobres nos quais moram e se
dirigem apenas à estes equipamentos, sem sair de dentro deles e se relacionar com o
entorno da área central (Frúgoli e Sklair. 2008, p.9).
Quando realizava meu trabalho de campo, encontrava-me com os companheiros do “Grupo
Risco” no café da Pinacoteca. O lugar é muito bonito, embaixo do prédio reformado, sob a
sombra das árvores centenárias do parque da Luz, mesas de madeira ao ar livre, música
ambiente e seguranças uniformizados zelando em silêncio. Nesse espaço, pessoas brancas
com roupas elegantes tomam de óculos escuros cafés refinados. O cardápio é composto de
127
preços altos, recheado de aperitivos feitos de ingredientes importados. Depois de nos
encontrarmos, caminhávamos até a ocupação Plínio Ramos. Saindo dos limites da
Pinacoteca o cenário transformava-se totalmente. Na ponte de pedestres sobre a Avenida
Prestes Maia, dezenas de ambulantes vendem produtos usados (sapatos, eletrônicos e
brinquedos velhos) em cima de panos colocados no piso. Descíamos a rua marginal aos
trilhos de trem, um local totalmente abandonado pela limpeza pública, inclusive com alguns
barracos de moradores de rua. A rua Plínio Ramos, na qual também estava a ocupação
Paula Souza, era realmente outra cidade. Aqui as pessoas estão vestidas informalmente e
são de predominância negra ou mulata. muitas crianças no espaço que brincam
desacompanhadas dos pais nas ruas. Muitos catadores circulam por ali e se encontram com
seus carrinhos improvisados em um barracão para vender os materiais recicláveis. Tudo
aparenta estar fora do lugar apropriado, carros em cima da calçada e pessoas na rua,
existe um sofá na calçada com pessoas sentadas. À primeira vista, uma pessoa proveniente
das classes sociais privilegiadas, como eu, sente a total insegurança de penetrar numa área
na qual o Estado não está presente. A primeira sensação de medo deve-se ao sentimento
de que neste espaço tudo pode acontecer, visto que, supostamente, não lei. As regras
deste espaço não são as que privilegiam a minha classe social, são outras, e por essa razão
na hora de ir embora alguns moradores me acompanhavam até a Avenida Prestes Maia
caminhando, alegando que dessa forma era mais “seguro”, reconhecendo o possível perigo
da minha “não-adequação” àquela configuração de espaço. Ou seja, dentro dos limites da
Pinacoteca havia circulação e permanência do público predominantemente proveniente das
classes ricas, saindo na calçada do mesmo edifício encontrava-se o centro
predominantemente popular e abandonado pelo Estado.
Podemos concluir que apesar da palavra gentrificação estar presente em alguns discursos
de defesa construído pelas classes atacadas pelos processos de revalorização, seu
processo efetivo de expulsão e intimidação aparenta uma dificuldade de consolidação. Toda
128
essa área está em processo de transformação. As operações realizadas pelo poder público
estão constituindo duas cidades opostas, intrincadas no mesmo espaço: ilhas de
revalorização econômica nos objetos culturais cercadas de uma extrema diversidade de
ocupação de solo pelas classes populares.
129
6. Conclusão
130
foto 54: Prédio abandonado e emparedado no centro de São Paulo - próximo ao Pátio do Colégio (Diana Helene)
Este trabalho de pesquisa buscou compreender como as classes populares estão se
organizando nas áreas abandonadas da região central de São Paulo e que relações sócio-
espaciais estão sendo produzidas pela ocupação e uso desse espaço. Os objetos de estudo
como unidade de partida demonstraram que esses grupos estão articulados com diversas
outras instâncias de agenciamento das classes pobres; e o esvaziamento do espaço do
centro - mesmo que temporário - está propiciando e facilitando a organização em rede dos
segmentos explorados da sociedade.
Para Arantes Neto, a “guerra dos lugares” é um conceito que procura mapear como os
habitantes da cidade realizam uma luta pelo espaço da cidade (em nosso caso,
principalmente do centro desta cidade), por meio da construção de fronteiras simbólicas que
“separam, nivelam, hierarquizam ou, numa palavra, ordenam as categorias e os grupos
sociais em suas mútuas relações” (Arantes Neto, 2000: p. 106). Estes grupos articulam suas
experiências sociais a um espaço, estabelecendo marcos de “pertencimento” e dando-lhe
um contexto e uma significação particular. Nesse caso, a área central (Praça de e
arredores), para o autor, é uma zona diferenciada do resto da cidade, principalmente por
constituir uma das múltiplas enunciações que as práticas sociais podem construir (e que
efetivamente constroem) no espaço da cidade de São Paulo (2000: p. 129): modalidades em
guerra num conjunto de fluídas fronteiras de um mesmo espaço. Dessas diversas
modalidades, foi escolhido, neste estudo, a disputa entre as ocupações de prédios
abandonados e as intervenções do poder público em vistas da revalorização desta mesma
área.
O centro de São Paulo, atualmente, é uma zona de transições na qual se destacam usos
obsoletos e temporários. Essa característica resulta numa área particularmente densa do
ponto de vista das territorialidades flexíveis, ou seja, com territorialidades em constante
mudança e sobreposição (Arantes Neto, 2000: p.107). Os diversos usos (e intenções de
131
uso) do espaço do centro se superpõem, entrecruzando-se, formando zonas simbólicas de
transição nas quais estão latentes os conflitos da “guerra dos lugares”:
“Tomo a cidade de São Paulo como um agregado de tensões e conflitos que se
espacializam num amálgama de múltiplos territórios (ou lugares) e não lugares.
Nesses contexto formam-se os desafios silenciosos aos projetos urbanísticos de
segurança, que se querem disciplinadores de seu uso, e à intenção glamourizante
(sic) da tímida valorização (simbólica, estética e imobiliária) de algumas áreas e
edificações.” (Arantes Neto, 200: p.122, grifo do autor)
Dessa forma, os moradores afetados pelos projetos de revalorização econômica da área
central de São Paulo estão se organizando em busca de se manter no centro,
principalmente quando reivindicam habitar este centro, e não as periferias, como acontece
nos objetos de estudo. Como observamos anteriormente, o caráter transitório de
desvalorização das localizações da área central está se estendendo por um longo período
de tempo, possibilitando diversas articulações das classes populares no seu território. Para
Tourinho, o centro constitui um espaço de difícil apropriação, com maior resistência à
uniformização e controle pelo Estado, constituindo uma espécie de “espaço duro” (2006: p.
11). Por essa razão, as mais recentes ações da Prefeitura para valorizar as localizações do
centro chegam a demolir quarteirões inteiros na área da Luz. A demolição limpa o espaço
duro do centro, pois destrói, ao mesmo tempo, os impedimentos causados pela
obsolescência técnica das construções e os extratos históricos e simbólicos do espaço.
Podemos usar como exemplo significativo a demolição do edifício São Vito, que o prédio
tornou-se um símbolo da desvalorização econômica e da ocupação do centro pelas classes
populares. A decisão por demoli-lo, como relatado anteriormente, marca o tipo de
intervenção que se deseja para área, visto que funciona como uma grande propaganda da
“limpeza” que está sendo feita no centro em vistas de trazer os novos investimentos
econômicos. A observação do que aconteceu com este objeto de estudo demonstrou,
claramente, que tipo de conflito está se travando na área.
132
Tourinho discorda da tese de que a área central tem como característica principal a
possibilidade de estabelecer o espaço privilegiado da democracia: por se tratar de um
espaço diversificado, não dominado e não igualitário, o centro histórico estabelece o espaço
fundamental do conflito e de guerra (Tourinho, 2006: p. 4, grifo meu). Nesse caso, o que foi
observado pela proposta da pesquisa é que as fronteiras entre os espaços de confronto da
guerra dos lugares” - da revalorização econômica da área central e a ocupação das classes
pobres e marginais - estão travando uma disputa constante, estabelecendo sobreposições
temporárias, por vezes ganhando espaço para um grupo, por vezes para o outro.
As ocupações de prédios abandonados estudadas foram despejadas, mas a grande maioria
dos moradores continua morando na Luz, trabalhando, buscando moradia, levando seus
filhos à escola ou realizando novas ocupações na região. Muitas ocupações continuam a
acontecer na área, organizadas pelos mesmo movimentos sociais que muitas vezes
englobam ex-moradores de cortiços e de outros locais despejados pelos processo de
revalorização. A elite ainda não circula na área e não têm investido em fazer do centro sua
moradia, utilizando-se apenas do interior dos aparelhos culturais. Neste sentido, o trabalho
levou em questão a importância do papel instrumental do esvaziamento econômico
temporário do centro da cidade, como possibilitador de um espaço de articulação das
classes populares, demonstrando uma crescente e expansiva trama de ilegalidades (novas
e velhas) entrelaçadas nas práticas urbanas, seus circuitos e redes sociais. O que se
observa, portanto, nesses espaços de vazios transitórios é que as classes populares -
sempre exploradas, excluídas dos processos decisórios e do acesso à infra-estrutura -
desenvolveram outras organizações sociais que se aproveitam da produção formal do
sistema capitalista (principalmente utilizando-se de materiais descartados), mas têm suas
próprias instâncias de decisão, desenvolvendo técnicas e estratégias próprias.
133
Para Telles e Hirata, faz-se necessário pensar uma teoria que esteja à altura de nosso
tempo, nos quais a informalidade está atingindo números “em que a exceção se
transformou em regra” (2007: p.11). Segundo Rolnik (2008), apesar de não existir uma
apreciação segura sobre o número total de pessoas vivendo em loteamento irregulares, é
possível afirmar que esta maneira de ocupação do solo se destaca em toda área urbana
brasileira. Estudos realizados em algumas cidades brasileiras apontam que a maior parte do
número de domicílios existentes foram produzidos fora da lei (Castro e Silva, 1997). Com
relação à expansão urbana, nos últimos vinte anos, a maior parte daquilo que foi construído
de cidade foi feito sem financiamento, ilegalmente e sem conhecimento técnico (Maricato,
2001). Segundo Ferreira (2005, p. 1), “as grandes metrópoles brasileiras têm em média
entre 40 e 50% de sua população vivendo na informalidade urbana, das quais de 15 a 20%
em média moram em favelas (chegando a mais de 40% em Recife)”. Esses dados
demonstram em números as dimensões da produção improvisada da cidade, ou seja, qual
as proporções do que está sendo construído pelas classes populares, numa gestão da
cidade que está descolada dos grandes centros de decisão capitalista.
Vale destacar a observação de como os indivíduos aqui estudados transitam nessas
“tênues fronteiras do legal e ilegal”, pois utilizam, de acordo com a sua necessidade, os
códigos de ambos os lados, com regras e estratégias que vão sendo construídas de modo a
"sobreviver na adversidade" (Telles, Hirata, 2007: p.10). Essa expressão não dialoga com os
termos de que tratam os estudos sobre pobreza, é uma expressão que circula no cotidiano
informal, que significa (sobre)viver “transitando entre fronteiras diversas, se deter quando é
preciso, avançar quando é possível, fazer o bom uso da palavra certa no momento certo, se
calar quando é o caso” (Telles, Hirata, 2007: p.10). Os autores completam que não se trata
simplesmente de sobreviver e levar a vida, mas, sobretudo, de contornar: “é uma espécie de
arte de contornamento” (Ibidem: p.10). Vale ressaltar, ainda, que esta maneira de atuar nas
fronteiras da lei capitalista implica uma consciência da sua condição de explorado. Uma
134
consciência de que este sistema e este Estado não são para estas pessoas, não servem e
nunca servirão a essa classe, e é por essa razão que as classes populares ora atuam fora
da órbita do capital (em organizações que priorizam a coletividade e horizontalidade, na
contestação da propriedade, no uso improvisado e/ou inverso de objetos e materiais
descartados), ora estão dentro, afirmando, por exemplo, que a “moradia é um direito”, mas
buscando se apropriar de recursos para sobreviver e se fortalecer, sem, no entanto, a ilusão
de se tornar “cidadão”. Segundo Martins, o processo de apoderamento que se desenvolve
nas lutas das classes populares é o cerne característico das formas revolucionárias atuais.
Estas “já não são, reconhecidamente, lutas pelo poder, mas lutas contra o poder,
particularmente o configurado pelo Estado” (Martins, 1989: p.130), ao claramente
priorizarem a auto-organização no lugar de buscar conquistar parcelas do Estado por meio
de organizações partidárias.
Dessa forma, conclui-se que as lutas pela Reforma Urbana e pelo Direito à Cidade estão
articulando atualmente, trincheiras de organização popular. A reivindicação de seu lugar na
cidade através da criação de espaços concretos (a apropriação do espaço da cidade como
espaço de trabalho e moradia), atua em contraposição a um sistema que se utiliza da
legislação, da ideologia, da violência e, fundamentalmente, do planejamento urbano, como
ferramentas para efetivar a dominação da elite sobre as camadas trabalhadoras e pobres.
Não apenas porque atuam penetrando nas contradições do capitalismo (latifúndios e
edifícios vazios, a pobreza e a precariedade urbana), mas em razão de estabelecerem uma
alternativa por meio da organização popular em rede, utilizando como interface mediadora o
espaço urbano.
135
7. Bibliografia e demais fontes de pesquisa
Livros, dissertaç õe s, artigos e texto digitais
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Prefeitura Municipal de São Paulo, número único, setembro de 2001.
Dossiê de Denúncia - Violações dos direitos humanos no Centro de São Paulo:
propostas e reivindicações para políticas públicas. São Paulo: Fórum Centro Vivo, 2006.
URBS 34 - Perspectivas para o São Vito. O edifício de 600 apartamentos entra em
reforma. São Paulo: Associação “Viva o Centro”, nº. 34, abril/maio de 2004
O edifício São Vito (slide show). Trabalhos técnicos para planejamento e implantação
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Desenvolvimento Urbano – Habita Sampa, agosto de 2003.
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Áudios-visuais de Referencia:
_À margem do concreto. Direção: Evaldo Mocarzel e Jorge Bodanzky. São Paulo, 2005.
Documentário (84 min): son.,português, cor.
_Dia de festa. Direção: Toni Venturi e Paulo Georgieff. São Paulo, 2006. Documentário (77
min): son., português, cor.
_Com quantos quilos de medo se faz uma tradição. Direção: Grupo Risco. São Paulo,
2005. Vídeo - relato (12 min): son. português, cor.
_História das manifestações negras em São Paulo. Documentário (96min) . In: Racionais
MC´s. 1000 Trutas 1000 Tretas. São Paulo, 2007. son.,português, cor.
_Prestes. Direção: Grupo Risco. São Paulo, 2007. Documentário (30 min): son. português,
cor.
148
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