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Cláudio de Leão Lemieszek
BAGÉ
A imprensa partidária e a Guerra Civil de 1923
Passo Fundo
MAIO 2010
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Cláudio de Leão Lemieszek
BAGÉ
A imprensa partidária e a Guerra Civil de 1923
Dissertação apresentada ao Programa de s-
Graduação em História, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, da Universidade de Passo
Fundo, como requisito parcial e final para obtenção
do grau de Mestre em História, sob a orientação do
Prof. Dr. Luiz Carlos Tau Golin.
Passo Fundo
MAIO 2010
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
L554i Lemieszek, Cláudio de L eão.
BAGÉ - A imprensa partidária e a Guerra Civil de 1923 / Cláudio de Leão
Lemieszek. Passo Fundo, 2010.
199 p.
Orientador: Luiz Carlos Tau Golin
Dissertação (mestrado em História) Universidade de Passo
Fundo, 2010.
1. Imprensa partidária. 2. Guerra Civil de 1923. 3. Bagé História.
I. Golin, Luiz Carlos. II. Título
CDD: 070
Catalogação elaborada pelo Sistema de Bibliotecas FAT / URCAMP
Bibliotecária Responsável: Maria Bartira N. C. Taborda CRB: 10/782
RESUMO
Esta dissertação busca analisar o discurso jornalístico, no contexto da Guerra Civil de
1923, a partir da cobertura dada pela imprensa escrita bajeense, particularmente realizada
pelos jornais O Dever e Correio do Sul. O estudo propõe investigar e discutir o papel e as
relações da imprensa jornalística partidária de Bagé no processo dessa guerra, tendo como
objetivo principal mostrar que os dois jornais tiveram participação no conflito, seja
promovendo as palavras de ordem revolucionárias, seja contribuindo para as iniciativas de
pacificação. Destacam-se, de forma introdutória, os pressupostos teóricos que compõem o
jogo de interrelações entre o jornalismo e a vida política, realizando-se, ainda, uma incursão
pelo debate político-partidário de ambos os jornais.
Palavras-chave: Bagé, Imprensa partidária, Guerra Civil de 1923.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the journalistic-political speech in the context of the
1923 Civil War, from the coverage done by the newspaper press of the city of Bagé,
especially the ones by the newspapers O Dever and Correio do Sul. This study intends to
investigate and discuss the role and the relationships of the political party journalistic press in
the city during the war, having as a main goal to show that the two newspapers had a role in
the conflict, by promoting revolutionary slogans or contributing to the pacification initiatives.
The theoretical assumptions which make up the interrelationship game between journalism
and the public life were highlighted introductorily, reviewing the political party debate in both
newspapers.
Keywords: Bagé, Journalistic-political, Civil War 1923.
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Adolfo Luiz Dupont. Fonte: Arquivo do Museu Dom Diogo de
Souza.....................................................................................................
30
Figura 2
João Fanfa Ribas. Fonte: Arquivo do Museu Dom Diogo de
Souza.....................................................................................................
33
Figura 3
Avenida Sete de Setembro no início da década de 20. Fonte: Arquivo
particular do autor.................................................................................
38
Figura 4
Prefeitura Municipal cercada com arame, único sinal visível da
guerra de 1923 no centro da cidade de Bagé. Fonte: Arquivo
particular do autor..............................................................................
40
Figura 5
Estácio Azambuja com o filho, Ary Azambuja, a sua direita, e o
genro, Félix Contreiras Rodrigues, à esquerda, no acampamento de
Aceguá (Estado maior da coluna libertadora). Fonte: Arquivo
particular do autor.................................................................................
72
Figura 6
Nepomuceno Saravia (centro); Revolución, 1923, Brasil. Disponível
em: <http://www.sitiosaravia.com/images/Nepomuceno250.jpg>.
Acesso em: 20 jan. 2010. ....................................................................
73
Figura 7
Grupo de enfermeiras com a presidente da Cruz Vermelha
Libertadora de Bagé, Sra. Umbelina da Silva Tavares. Fonte:
Arquivo particular do autor...................................................................
74
Figura 8
Visita do Ministro Setembrino de Carvalho ao Hospital da Cruz
Vermelha Libertadora de Bagé. Fonte: Arquivo particular do
autor....... ......................................................................................
75
Figura 9
Grupo de médicos Bajeenses do Hospital da Cruz Vermelha de Bagé
em Aceguá. Fonte: Arquivo particular do autor..................................
82
Figura 10
Adolfo Dupont e Nepomuceno Saraiva no acampamento militar.
Fonte: Arquivo Museu Dom Diogo de Souza....................................
84
Figura 11
O general Flores da Cunha ao centro e seu Estado Maior. Fonte:
Arquivo particular do autor. .................................................................
92
Figura 12
Entrada triunfal de Zeca Netto no centro de Pelotas. Fonte: Arquivo
particular do autor...............................................................................
93
Figura 13
Lanceiros da coluna de Honório Lemes jovens, velhos, brancos,
negros e mestiços tendo a lança como única arma de guerra. Fonte:
Arquivo particular do autor. ................................................................
97
Figura 14
General Honório Lemes cercado por senhoras e senhoritas. Fonte:
Arquivo particular do autor..................................................................
103
Figura 15
A histórica primeira reunião entre Assis Brasil e Setembrino de
7
Carvalho (nas extremidades) com a participação de todos os generais
libertadores (no palacete Pedro Osório, em Bagé). Fonte: Arquivo
particular do autor...............................................................................
104
Figura 16
Assinatura do tratado de paz, no Palácio Pedras Altas. Aparecendo
Setembrino de Carvalho sentado à esquerda e Assis Brasil à direita.
Fonte: Arquivo particular do autor........................................................
107
Figura 17
Momento em que Borges de Medeiros assina o tratado de paz no
Palácio Piratini. Fonte: Arquivo particular do autor.............................
108
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................
09
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPRENSA NO BRASIL E NO RIO
GRANDE DO SUL ....................................................................................................
18
1.1 Surgimento da imprensa no Brasil ..........................................................................
18
1.2 Nascimento da imprensa rio-grandense .................................................................
20
1.2.1 Jornalismo Político-Partidário no Rio Grande do Sul .......................................
26
1.2.2 Os Jornais de Bagé .................................................................................................
29
2 ANTECEDENTES DA GUERRA CIVIL DE 1923 .................................................
47
2.1 A República Velha ...................................................................................................
47
2.2 O Rio Grande do Sul na República Velha e na Revolução Federalista ..............
49
2.3 Situando a imprensa rio-grandense na República Velha ......................................
54
2.4 O desenrolar da Guerra Civil de 1923 ...................................................................
56
3 A GUERRA CIVIL DE 1923 EM O DEVER E NO CORREIO DO SUL ..............
62
3.1 Representação dos argumentos políticos em torno da Guerra Civil de 1923 nos
editoriais de O Dever e do Correio do Sul ......................................................................
62
3.2 Os episódios militares em O Dever e no Correio do Sul .........................................
85
3.3 A pacificação .............................................................................................................
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................
121
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................
125
ANEXOS ..........................................................................................................................
135
9
INTRODUÇÃO
A Guerra civil de 1923 é tema importante da história do Rio Grande do Sul, sendo
amplamente explorada pela imprensa da época.
Este estudo pretende levar em consideração somente a imprensa bajeense, por ter
exercido um papel de relevo, seja ao noticiar ou ao relatar os acontecimentos, e acima de tudo
por ter se posicionado claramente frente aos fatos que estão ligados a este conflito.
Os episódios da Guerra Civil de 1923 eram divulgados pelos dois jornais que
compunham o cenário jornalístico em Bagé, sendo eles: O Dever e Correio do Sul.
Sob o crivo da leitura e um exame atento dos periódicos, permitiu-se recriar o pano de
fundo da época, bem como ter a oportunidade de delinear de forma lógica as idéias, os
embates ideológicos e as atuações das figuras políticas e militares naquele evento.
Esse exercício foi feito a partir da análise de duas ―fotografias‖ de um mesmo momento,
tiradas por diferentes fotógrafos, cada um com seu próprio equipamento, seu ângulo de visão
e sua técnica. Nesse sentido, é preciso considerar que cada uma das imagens geradas sofreu os
efeitos de significação produzidos pelo modo como a foto foi tirada e pela forma como os
fotógrafos perceberam a imagem. Posto que um olhar nunca seja imparcial, cada uma das
fotos representa o mosaico de aspectos culturais, de opiniões e posicionamentos político-
ideológicos do evento. Portanto, cada um dos periódicos noticiou os fatos à sua maneira,
dando relevos a certos aspectos e silenciando outros.
Pode-se dizer que, em tempos de guerra, o cenário político é um tema de grande interesse
social. Com isso, o enfoque dado à comunicação dentro da cultura de uma sociedade é
entrever o papel que ela detém na construção das identidades e das relações que se criam e se
fortalecem a partir das concepções e ideologias de seus articuladores. Remete-se para um
entendimento da imprensa como força política, pois está intimamente ligada ao poder. Dessa
forma, em muitos casos, pode-se manipulá-lo ou, até mesmo, ser manipulada por este.
Constitui-se, então, como um instrumento de manipulação de interesses tanto públicos quanto
privados. Dependendo do caso, se sujeita ao regime de governo vigente, legitimando a
política em vigor ou se tornando um agente de expressão de grupos menores ou opostos ao
governo.
É nesse sentido que Sodré (1996) colocava que a imprensa produz um produto muito
valioso. Ela voz tanto à classe dominante como também pode servir de instrumento de
denúncia. A imprensa no Brasil e no Rio Grande do Sul não foge a essa regra.
10
Realizaram-se pesquisas na Hemeroteca Izidoro Paulo de Oliveira, do Museu Dom Diogo
de Souza, e no Arquivo Público Municipal de Bagé, onde estão depositadas algumas coleções
dos jornais O Dever e Correio do Sul. Seus editoriais de novembro de 1922 a dezembro de
1923 abordavam as eleições para presidente rio-grandense, em 1922, e as ocorrências sobre a
Guerra Civil de 1923.
Foram transcritos trechos dos jornais, notadamente os que focalizavam com mais
ênfase os embates político-ideológicos e militares.
Para contemplar o levantamento dos assuntos retratados nos editoriais e reportagens,
buscou-se um embasamento teórico através de autores que contribuem para a compreensão da
época ou para a análise das fontes.
Sempre é possível examinar sob um novo ângulo de visão o ocaso do Partido
Republicano Rio-grandense (PRR) a partir de 1923. Como salientado por Antonacci e
Fonseca (1983, p. 20), entre outros, o projeto de desenvolvimento econômico dos
republicanos não conseguiu apresentar alternativas satisfatórias para superar a crise gerada no
pós-guerra. Com isso, esses autores, colocam a crise econômica como um dos principais
estopins para a deflagração da guerra, aspecto desprezado por grande parte dos estudiosos que
preferem atribuir basicamente a questões políticas as razões do levante das oposições, cujas
feridas de 1893 ainda não estavam cicatrizadas.
Nesse particular, é importante examinar as conquistas de Assis Brasil que consagrou
sua liderança e, ao mesmo tempo, fez prevalecer suas ideias. Sua meta principal era a
reaglutinação da classe dominante, que passava a redimensionar a política e a economia
estaduais. Essas constatações ficam evidenciadas nos trabalhos de Sandra Pesavento, Sérgio
da Costa Franco e outros estudos da história rio-grandense.
Mas existem ainda outros aspectos que despertam interesse, talvez sem a mesma
significância das causas políticas e econômicas.
A guerra civil de 1923 também está no centro de transformações profundas quanto aos
aspectos militares.
Diferentemente do que aconteceu em 1893, as degolas e chacinas não se verificaram
com a mesma intensidade. Ao contrário, como se nota pelas palavras de Motta, tratou-se da
―última revolução caudilhesca e romântica‖ (1989, p.79). Ou ainda, como diz Carneiro, com
certo exagero, ―foi uma revolta que não deixou de ser humana‖ (1989, p. 239).
Também unanimidade entre os historiadores em ressaltar que foi o último
movimento armado em que o cavalo e a lança foram os principais instrumentos de uso militar.
Porém, são raros os que registram o início da utilização do avião como arma de guerra no Rio
11
Grande do Sul, exatamente em 1923.
O trabalho realizado para contemplar a revisão da bibliografia permite fazer algumas
considerações básicas quanto aos materiais disponíveis. Em primeiro lugar, cabe destacar,
com relação ao tipo de materiais classificados, que se utilizaram livros, dissertações, teses e
artigos publicados sobre o tema.
Conforme o estudo se desenhava, algumas obras tornavam-se centrais e de grande
referência para a pesquisa. Nesse sentido, pode-se destacar História e Imprensa no Brasil, de
Nelson Werneck Sodré. Também na mesma linha se encontra Tendências do Jornalismo, de
Francisco Rüdiger. Acrescenta-se, ainda, Jornalismo Político: Teoria, História e Técnicas,
material organizado por Roberto Seabra e Vivaldo de Souza.
Ao lado de historiadores indispensáveis para o estudo da República Velha e,
consequentemente, 1923, em sua grande maioria referidos na bibliografia, é possível
encontrar valiosas contribuições em obras esquecidas. Dois exemplos expressivos desse
segmento são Antero Marques, com seu livro Mensagem a Poucos, e Adalberto Corrêa, com
sua obra O Brasil Inquieto de 1922 a 1937 - Memórias.
O aspecto a ressaltar aqui é que ambos tiveram participação ativa nos campos de
batalha e nas costuras políticas no campo federalista. Esse fato possibilitou uma compreensão
mais clara dos incidentes militares, bem como das decisões políticas.
Adalberto Corrêa, por exemplo, não poupava críticas a Honório Lemes por mandar
homens desarmados enfrentarem os borgistas. Também narra incidentes entre os
revolucionários, ridicularizava o companheiro Estácio Azambuja e expunha a desarmonia
entre Honório Lemes e seus comandados. Nunca esquecendo que o autor foi um daqueles
revolucionários que repudiou a paz e conclamou seus comandados a prosseguir com a luta
armada.
Antero Marques, depois de fazer interessante comparativo, dizendo que 1923
representou para o Rio Grande do Sul, o que 1930 representou para o Brasil, esmiuçou os
desencontros de ideias e desavenças entre os federalistas. Exemplo lapidar era a eterna
discussão sobre a verdadeira posição e o papel desempenhado por Batista Lusardo dentro das
forças de Honório Lemes. E, é claro, não deixa de tecer comentário sobre a fraqueza, a
penúria e a indisciplina das forças revolucionárias.
Mas, talvez, o que tornou esse trabalho mais sedutor tenha sido examinar o conflito a
partir do papel que Bagé representou na conflagração armada de 1923; coube a essa cidade
sediar e contribuir decisivamente para a paz entre os gaúchos. Ao contrário das revoluções
anteriores, quando Bagé foi palco de batalhas sangrentas, em 1923, o município foi o
12
epicentro das conversações entre os rio-grandenses. Tendo reunido, em uma mesma mesa,
Assis Brasil e todos os seus generais, com Setembrino de Carvalho e os representantes de
Borges de Medeiros. Bagé serviu de tecido para a costura da paz.
A única e verdadeira luta que os bajeenses puderam assistir foi a travada entre os
tradicionais jornais da cidade O Dever, órgão de orientação do Partido Republicano, de
fidelidade espartana a Borges de Medeiros, e o Correio do Sul, folha libertadora, que
transformava suas páginas em espada impiedosa contra os governistas.
Em decorrência dessa batalha escrita, parece interessante examinar o papel do
jornalismo de Bagé na condução das negociações, na interpretação dos resultados e
desdobramento da revolução.
Afinal, Bagé, como centro dos acontecimentos e confabulações que levaram à paz,
despertava atenção acompanhar a visão e atuação da imprensa bajeense nos rumos do conflito
e no processo negociador. Desconhece-se a presença de outros jornalistas ou repórteres
cobrindo as tratativas de Bagé.
Os dois jornais constituíram-se nos arautos que, em primeira mão, transmitiram as
principais decisões.
As motivações que levaram a este estudo devem-se à pesquisa realizada nas páginas
dos jornais O Dever e o Correio do Sul, os quais deram origem ao livro Notícias da
Revolução de 1923 em Bagé (LEMIESZEK, 2005).
No caso do livro, trata-se de uma abordagem de caráter descritivo, história tradicional,
positiva ou événementielle, história dos acontecimentos, história factual, vinculada aos
grandes personagens. No caso do estudo, de caráter mais acadêmico, delimitado, a ideia geral
é investigar e discutir o papel e as relações da imprensa jornalística partidária de Bagé no
processo dessa guerra, tendo como objetivo principal mostrar que os dois jornais tiveram
participação no conflito, seja promovendo as palavras de ordem revolucionárias, seja
possibilitando as iniciativas de pacificação.
Constatou-se que os editorais e as reportagens são fontes ricas e inesgotáveis para
compor uma parte da história de Bagé, e também do Rio Grande do Sul, ainda pouco
explorada no que diz respeito ao papel dessa cidade na Guerra Civil de 1923.
No caso da linguagem jornalística adotada na época
1
, caberia ressaltar, como obras
1
Linguagem carregada de emoções e paixões (RÜDIGER, 1998). Linguagem violenta, caluniosa e
irresponsável, de modo a criar desavenças nas comunidades e incitar a raiva das autoridades locais. Em que a
agressividade da linguagem ou o artigo de maior profundidade discutira princípios teóricos e apresentara
13
seminais e fundantes, os trabalhos de Carlos Von Koseritz, de Germano Hasslocher e
de Wenceslau Escobar, os quais usavam uma linguagem característica da época, cheia de
ataques pessoais, lembrando, como sobrevivência, os ―libelles‖ da França no século XVIII.
Até onde a linguagem panfletária, sensacionalista, escandalosa, grotesca, simplista, fazendo
mitos ou desfazendo mitos, influenciou o desenrolar da guerra civil de 1923? Os ―libelles‖
careciam de programa (DARNTON, 1987, p. 44). Os revolucionários de 1923 precisavam de
programa? A ―coloração emocional‖ dos editoriais do Correio do Sul e de O Dever era mais
importante que o ―conteúdo ideológico‖?
Esta dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro trata da imprensa partidária
rio-grandense. Apresenta uma breve consideração sobre o surgimento e desenvolvimento da
imprensa no Brasil e no Rio Grande do Sul, finalizando com um resumido histórico dos
jornais O Dever e o Correio do Sul, com seus principais articulistas.
O segundo capítulo apresenta os antecedentes da Guerra Civil de 1923. Aborda o
período da República Velha, situando o Rio Grande do Sul e a imprensa rio-grandense dentro
desse recorte temporal. Trata, especificamente, dos eventos que culminaram no conflito
armado entre republicanos e a coligação libertadora.
No terceiro capítulo, o estudo aborda a Guerra Civil de 1923, com enfoque em O
Dever e no Correio do Sul. São realizados cruzamentos entre os editoriais dos dois jornais,
ilustrando os argumentos políticos de ambos, os principais episódios militares e o processo de
pacificação.
No que se refere aos conceitos utilizados, denomina-se guerra civil aos confrontos
bélicos ocorridos em 1923, especialmente no Rio Grande do Sul, nos quais os seus
participantes não eram, na sua maioria, forças militares regulares, se não que estavam
formadas ou organizadas por população civil. O confronto ocorreu a partir da cisão da elite
econômica e política do Rio Grande do Sul entre os conservadores liberais (posteriormente
propostas de governo e soluções para a nação ou província (HOHLFELDT, 2009). Utilizando-se da linguagem, a
imprensa tinha a capacidade de determinar valores morais, ser direcionada para incendiar paixões políticas;
classificar, justificar categorias e grupos sociais, isso era ―um ato de poder‖, como se encontrava em Bourdieu
(1998). Por exemplo, quanto ao confronto do Santa Maria Chica, o Correio do Sul alterando sua linguagem
ferina e sensacionalista, registrou: ―Numerosas e terríveis versões correm nesta cidade sobre o combate do Santa
Maria Chica. O Dever noticia o desbaratamento completo das forças rebeldes pintando o caso com as cores mais
vivas da demagogia. Felizmente estes boatos se foram desfazendo aos poucos, chegando-se a conclusão
iniludível de que ao governo coube o maior quinhão de perdas‖ (CORREIO DO SUL, 18/05/1923). Outro
exemplo, O jornal Correio do Sul, em linguagem ufanista ocupava a primeira página em diversas edições para
decantar a vitória de Zeca Netto. Ou ainda, como afirmava o articulista de O Dever: ―A linguagem de baixo
calão e o diapasão das injúrias grotescas não nos permitem uma resposta. O Dever nunca sairá da linha de
combate que traçou. Não responderemos até porque respeitamos o armistício‖; [...] ―A linguagem de baixo calão
e o diapasão das injurias grotescas não nos permitem uma resposta‖; [...] Na baixeza da linguagem fique o
adversário que não o iremos buscar lá. (Anexo 17 - Enxurrada De Lama. O Dever, Bagé, nove de novembro de
1923).
14
adotam a denominação ―federalistas‖ ou ―libertadores‖, grupo formado por estancieiros da
região da campanha) e os conservadores republicanos (conhecidos como positivistas,
legalistas urbanos e parte dos estancieiros). Nessa conflagração, inclusive houve a intervenção
de unidades estrangeiras, ajudando ou colaborando na guerra civil, voluntários civis que
simpatizavam com a ideia do lado selecionado: a contratação, pelas forças legais, de um
grupo de mercenários uruguaios chefiados por Nepomuceno Saraiva.
O conceito de coronelismo teve momento de maior expressão durante a República
Velha. Estava ligado a uma complexa rede, envolvendo compromissos recíprocos, troca de
favores entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a influência social dos senhores
das terras. Além disso, o coronelismo encontrava-se inserido em sistema político que
apresentava como características o mandonismo, o clientelismo, assim como barganha entre
os governos e os coronéis.
O coronelismo gaúcho estava ligado à pecuária (grandes estâncias de criação de gado),
e que detinham o controle do poder local, mas que estava subordinada politicamente aos
ditames dos chefes políticos estaduais.
Love (2009) chama o coronel, dono do poder local, de "coronel burocrata". Esse
coronel burocrata era responsável pelo aliciamento dos eleitores com o objetivo de obter os
votos necessários para o seu partido, o Republicano, que era, evidentemente, um dos maiores
partidos do Estado, no caso do Rio Grande do Sul. O objetivo era manter o status quo e
impedir que os eleitores opositores votassem; uma forma de "abortar" qualquer tentativa de
fortalecimento da oposição.
No caso da história do Rio Grande do Sul e, em particular, o uso da violência no
período da república velha, constitui-se em mecanismo de garantia da ascensão política,
partidária e de manutenção do status quo do clientelismo.
E exemplos não faltariam: o período que se estende entre a Revolução Federalista de
1893 e a Revolução de 1923 são riquíssimos em episódios, quer de violência coletiva e ou
individual.
Entrelaça-se o poder do estado borgista e do PRR e as relações coronelistas que
ampliaram significativamente o uso da violência partidária e de cooptação política na
formação do complexo teatro de operações.
Quando necessário, a fraude, a violência e a intimidação eram a prática "comum" para
atingir as quotas de votos, utilizando, muitas vezes, a força de homens armados, pessoalmente
leais, chamados popularmente de "capangas", ou "gente do coronel", encarregados de fazer o
"serviço sujo".
15
No entendimento de Loiva Otero Félix (1987), a utilização do conceito de "coronel
burocrata" é, no mínimo, discutível. A autora prefere utilizar o conceito "coronel borgista" a
"coronel burocrata": "em contraposição ao termo convencionado coronel burocrata do período
republicano, que preferimos por enquanto chamar de coronel borgista".
A tradição militar da fronteira (ligada à atividade pecuária) e o componente ideológico
do positivismo castilhista são duas variáveis determinantes do coronelismo gaúcho, no
entendimento de Félix.
O coronel era o líder local, estando a serviço do partido oficial em seu Estado. Sobre o
processo eleitoral, era função dele apresentar o número de votos consignados e impedir a
oposição de votar. Ele quase sempre aliciava os eleitores de seu distrito mediante favores
pessoais, conseguindo emprego, arranjando-lhes empréstimos ou simplificando processos
burocráticos.
Acaso o aliciamento não desse resultado, a violência e a fraude eram utilizadas para
atingir o número desejado de votos, usando a força de homens armados e pessoalmente leais.
Em troca dos votos apresentados pelo seu município (ou grupos de municípios), ao
coronel era dado o controle do patronato local, que compreendia cargos no "funcionamento"
público, tais como o de professor.
O coronelismo está ligado diretamente a chefes políticos que exercem poder sobre um
determinado grupo que os legitima e apoia, além de ter autoridade reconhecida pelo consenso
do mesmo grupo.
Entende-se por coronelismo o poder exercido por chefes políticos sobre certo número
de pessoas que deles dependem. Tal situação visa objetivos eleitorais que permitam aos
coronéis a imposição de nomes para cargos que eles indicam. Têm sua autoridade reconhecida
pelo consenso do grupo social de base local, distrital ou municipal e, algumas vezes, regional,
geralmente devido ao seu poder econômico de grandes estancieiros ou grandes proprietários.
No aspecto das relações sociais e políticas, assentadas na pecuária e no latifúndio, o
Rio Grande do Sul parece-se com outras regiões do Brasil. Unidade montada sob a forma de
latifúndio, idêntico, em suas linhas gerais, ao resto do Brasil: grande propriedade;
patriarcalismo; senhores, agregados e escravos formando as diferentes camadas sociais.
A característica principal do estancieiro era o autoritarismo com que tratava seus
subalternos (peões, agregados e escravos). Ele era o chefe no seu grupo social, mas era o
coronel que dominava a política do distrito e do município. O estancieiro foi também
chamado de caudilho, pois exercia a dominação local, além de garantir meios econômicos
especiais junto aos líderes políticos. O caudilho era proprietário de terra e exercia relações de
16
compadrio (fidelidade) com pessoas influentes, a fim de obter proveitos pessoais.
2
Arthur Ferreira Filho em sua obra Revoluções e Caudilhos, afirmava que,
etimologicamente, caudilho quer dizer chefe. Caudilho relacionava-se com cabeça, capitão,
cabo.
Para Rui Barbosa
3
, quer dizer chefe do partido ou cabeça de facção, especialmente o
que se assinala pela exageração de sua autoridade ou pela autocracia de seu mando.
Aurélio Porto
4
define caudilho como guerreiro ou político cujas ideologias refletem
somente seus pendores pessoais.
A lei suprema é o fio da espada. E projeta-se na História cercada pelas marés
crescentes de sangue.
Para Lucas Ayarragaray
5
o caudilho é a bandeira, o princípio, o programa e o fim do
seu partido.
Moysés Velhinho negava a existência de verdadeiros caudilhos na História do Rio
Grande do Sul. Para ele, o caudilho rio-grandense era um respeitador da lei e de certas
convenções sociais que têm força de lei.
Tinha as seguintes características: a) homem de campo; b) homem a cavalo; c) político
2
CREMONESE, 2009; COLUSSI, 2009.
3
Esquecida ou abolida essa noção elementar, os governos consagrados por suas Cartas à forma republicana, mas,
realmente assentados na intolerância, derivam aceleradamente para esse estado singular de cronicidade na
epilepsia, cujos fenômenos o senhor Lucas Ayarragaray descreveu, com lampejos de Tácito, em seu livro sobre
A Anarquia Argentina e o Caudilhismo, e um dos vossos maiores historiadores, o senhor Vicente López,
caracterizou em termos penetrantes, quando trata, em sua grande História da República Argentina, do ―descenso
fatal do organismo político no rumo da tirania absoluta‖. A dominação espanhola não aparelhara os povos, como
a colonização britânica da América do Norte, para o regímen da liberdade. Da sujeição absoluta às formas
embrionárias da obediência passiva, não se havia de chegar sem transições dolorosas à autonomia no governo do
povo pelo povo. A semente cultivada pelo truculento despotismo dos reis absolutos germinou logicamente no
brutal despotismo dos caudilhos. Daí esse ―poema bárbaro‖ de servidão e desordem, essa ―subversão ciclópia‖, a
―gauchocracia‖, que agravam a anarquia até a demência, exaltam a crueldade até o delírio, produzem a mazorca
e o caudilho, tingem de sangue a história dos pampas e, com a superstição de um militarismo selvagem, com os
costumes de um partidismo atroz, dividem a sociedade em verdugos e proscritos, classificam os cidadãos em
patriotas e traidores, entronizam no poder os mandões sanguissedentos e despovoam de espíritos cultos o país,
povoando com eles o desterro, onde rutilam, em constelações deslumbrantes, vossas estrelas de primeira
magnitude: os Sarmientos, os Alberdis, os Rivadavias, os Tejedores, os López, os Mitres, os Varelas, os Canés,
os Echeverrías, os Lavalles, os Gutiérrez, os Indartes, os Irigoyens e tantos e tantos outros, onde se concentram e
de onde se desparzem os raios mais luminosos da inteligência argentina. Todos os que se não alistam nessa
demagogia de crueza e pilhagens estão ―fora da proteção das leis‖, são ―execrados criminosos‖, nutrem
―sentimentos infames‖, passam pelos ―entes mais vis da sociedade‖. Formam a categoria dos ―imundos e
selvagens‖. Na literatura virulenta que emana desses paroxismos sinistros, a pletora do ódio fratricida introduz
esse vocabulário monstruoso, onde cada ultraje reflete as paixões mais tenebrosas da vesânia da força, armada
com as ―faculdades onímodas‖, as ditaduras tumultuárias, os plebiscitos grotescos, nos quais a unanimidade dos
votos recolhidos pelo Terror coroa os ―restauradores das leis‖, e os decretos de traição, que fulminam os mais
nobres representantes da cultura jurídica, ainda nascente, então, porém já viva, exuberante e radiosa. Vão já bem
longe, para a Argentina, esses dias malditos, de inenarrável negror. (Barbosa, 2009).
4
PÔRTO, Aurélio. Citado por: FERREIRA FILHO, Arthur, 1986:15.
5
AYARRAGARAY, Lucas. La anarquía argentina y el caudillismo: estudio psicológico de los orígenes
nacionales, hasta el año 29. Buenos Aires: ediciones Félix Lajouane, 1904. Citado por: FERREIRA FILHO,
Arthur, 1986:15.
17
com prestígio real, independente de cargo, numa certa região; d) homem de guerra, isto é,
disposto a deixar suas comodidades e interesses e lançar-se à luta armada com seus adeptos.
Tem as qualidades dos antigos condottieres. Não precisava ser necessariamente, um
degolador, nem ambicioso de poder pessoal.
Surgiu como produto do tempo e das circunstâncias do ambiente e desapareceu
quando se encerrou o ciclo heroico do Rio Grande.
6
6
SCHNEIDER, 2009.
18
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPRENSA NO BRASIL E NO RIO
GRANDE DO SUL
Antes de tratar da imprensa partidária rio-grandense, abordar-se-á, resumidamente, o
desenvolvimento da imprensa no Brasil e no Rio Grande do Sul.
Para tratar sobre a emergência e o interesse do jornalismo no Brasil, realizar-se-á, a
seguir, um breve percurso nos registros historiográficos sobre o tema e, posteriormente, uma
discussão sobre a imprensa partidária rio-grandense.
1.1 Surgimento da imprensa no Brasil
Conforme registros historiográficos, no Brasil, a imprensa desenvolveu-se tardiamente
em relação às outras nações, inclusive latino-americanas.
Segundo Sodré, no México, a imprensa surgiu em 1539; no Peru, em 1583; e, nas
colônias inglesas (Guiana e Trinidad & Tobago), no ano de 1650. No caso brasileiro,
a origem da imprensa está relacionada com a vinda da Família Real para a então
colônia, em meados de 1808, com a criação da Imprensa Régia e o periódico
monarquista denominado Gazeta do Rio de Janeiro. O jornal foi criado pelo
príncipe regente Dom João VI para combater as ideias republicanas que emergiam
no Brasil, e que eram apoiadas amplamente pelo jornal Correio Brasiliense, editado
em Londres pelo jornalista gaúcho Hipólito José da Costa, que publicou e circulou
de forma clandestina o periódico em território brasileiro
7
(SODRÉ, 1996, p. 23).
Oficialmente, segundo Almeida e Moraes (1993), assim como Sodré (1996), a
imprensa escrita brasileira nasceu no Rio de Janeiro, em maio de 1808, através da Imprensa
Régia, representando um grande avanço para a colônia, privada de um contato maior com a
palavra impressa. Portanto, a Gazeta do Rio de Janeiro foi o primeiro periódico editado no
Brasil e teve como principal função divulgar toda a informação oficial emanada do poder real,
assim como combater os ideais republicanos.
7
De acordo com a historiografia, até 1808, Portugal não permitia que na Colônia houvesse a imprensa escrita;
algumas tentativas ocorreram, mas foram suprimidas por ordem da corte.
19
De acordo com Borba de Moraes, a Imprensa Régia configurou-se como uma grande
editora, com publicações de qualidade e de imenso valor cultural, ―muito raramente, na
verdade, a tipografia atingiu um padrão tão alto de elegância e beleza, sendo as produções
impressas ‗compatíveis e dignas de grandes renovadores da tipografia, os Didot, os Bodoni‖
(1979, p. 122).
Entretanto, apesar da grande qualidade e beleza destacada pelo autor em relação à
Imprensa Régia, houve muitas críticas em relação a seu conteúdo. Segundo John Armitage, a
Gazeta do Rio de Janeiro configurou-se como um pobre papel impresso de pouca utilidade
pública:
Por meio dela se informava ao público, com toda fidelidade, do estado de saúde
de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, as suas páginas eram
ilustradas com alguns documentos de ofício. [...] A julgar-se do Brasil pelo seu
único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha
expressado nenhum queixume [...] (apud SODRÉ, 1996, p. 23).
Tal percepção está relacionada diretamente a pouca liberdade jornalística naquele
período, devido à censura vigente no Antigo Sistema Colonial. Assim, o jornal trazia
basicamente notícias vinculadas ao governo, ao lado de algumas informações sobre a política
internacional, principalmente em relação ao cenário político europeu. No entanto, para outros,
a Gazeta, e seu conteúdo, representou um importante veículo de institucionalização do
governo.
De acordo com Seabra (2006, p. 113), o primeiro jornal brasileiro propriamente dito
foi o Correio Brasiliense, também denominado de Armazém Literário, editado em Londres,
por Hipólito José da Costa.
Destacava o autor que a Imprensa Régia e o Correio Brasiliense circularam quase que
simultaneamente no país. Ou seja, a Imprensa Régia, fazendo contraponto à publicação vinda
de Londres, circulou apenas um mês antes que o Correio Brasiliense. Tinha como marco
ideológico a transformação de Portugal e do Brasil, dando um caráter político ao jornalismo
praticado na época. Outros jornais surgiram nesse período, mas não se mantiveram por muito
tempo:
20
Os periódicos produzidos pela iniciativa privada apareceram mais tarde, tendo
inclusive incentivos e amparo da Coroa, mas em sua maioria tiveram uma curta
duração, normalmente nasciam para defender uma causa, um ideal político e
filosófico, mas não se mantinham ao longo do tempo. Tem-se, por exemplo,
publicações como Idade de Ouro do Brasil editado em Salvador em 1811, pela
tipografia de Manuel Antonio da Silva Serva, sendo este o primeiro periódico
produzido pela iniciativa privada e de circulação regular no país. Pode-se citar
também o jornal O Investigador Português de 1818, publicado em Londres e
distribuído no Brasil, além de outros (SEABRA, 2006, p. 115).
O Correio Brasiliense foi importante do ponto de vista das lutas políticas e
jornalísticas, pela liberdade de expressão e no controle das autoridades e também
diplomaticamente. No entanto, Hipólito José da Costa estava longe de ser o jacobino radical e
o representante das ideias democráticas da Revolução Francesa que muitos gostariam de ver.
Como dizia Mecenas Dourado, ―na realidade, não era ele senão um discípulo do liberalismo
inglês, partidário, em política, da monarquia limitada e repelindo as tendências
revolucionárias e democráticas da igualdade rousseaunista‖
8
. No estudo, porém, o importante
era o espaço político que o jornalismo praticado por Hipólito José da Costa ocupava que não
podia ser atenuado ou minimizado por uma atitude política mais ou menos sectária ou mais ou
menos de facção.
1.2 Nascimento da imprensa rio-grandense
Segundo Melo (2003), a imprensa rio-grandense começou tardiamente em relação às
outras províncias do Brasil. O Rio de Janeiro possuía a Gazeta do Rio de Janeiro desde
1808; a Bahia tinha seu periódico desde 1811; em 1821, foram criados os periódicos de
Pernambuco, Maranhão, Pará e Minas Gerais; no Ceará, em 1824; na Paraíba, em 1826; e São
Paulo, em 1827; neste mesmo ano desenvolve-se a imprensa rio-grandense.
Conforme Rüdiger (1998, p. 13), o jornalismo emerge dentro do processo de formação do
mundo moderno. A sua configuração como prática social iniciou no final do século XVII. Foi
a partir das Revoluções Francesa e Industrial que o jornalismo moderno emergiu,
8
DOURADO, Mecenas. Hipólito da Costa e o ―Correio Brasiliense‖. Tomo I. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1957, p. 302. Citado por: Paulo Roberto de Almeida. ―Hipólito da Costa e o nascimento do pensamento
econômico brasileiro‖. In Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, ou, Armazém Literário (São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002; reedição fac-similar, volume XXX, pp.
323-369). Disponível em: <http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/834HipolCostaPensamEconBr3.pdf>. Acesso
em: 06 fev. 2010.
21
multiplicando, assim, o interesse pela impressa escrita.
Para Rüdiger (1998, p. 15), o surgimento dessa imprensa jornalística está ligado ao
processo político que resultou na Revolução Farroupilha.
Afirmava, ainda, que o movimento de 1835 o determinou o início da imprensa no
estado do Rio Grande do Sul, mas, com certeza, foi a mola propulsora para o seu
desenvolvimento.
Assim,
não só o comércio precisava de notícias sobre os mercados, o mbio e a legislação,
como os editores pretendiam colocar a sua disposição um novo meio de
comunicação. Porém, a mola propulsora do desenvolvimento da imprensa foi o
processo político em curso; o estágio da vida econômica forneceu-lhe apenas a
precondição (RUDIGER, 1993, p.14).
Alves (2000), ao discutir a formação histórica do Rio Grande do Sul, aponta a sua
condição de estrutura econômica essencialmente voltada para o mercado interno. Caracteriza-
o perante as demais províncias como ―periferia‖. Na conjuntura de um espaço
colonial/nacional estava voltado essencialmente para a exportação de bens primários e
basicamente para o consumo interno.
Compreender a sua organização política é fundamental; estava submetido a uma forma
muito criteriosa e rigorosa de distribuição de cargos político-administrativos, sujeito à
manutenção das inter-relações de mando tanto locais quanto regionais. Dessa forma, era
muito importante o controle do aparato do Estado o que levou a uma série de disputas
políticas, partidárias e ideológicas. O jornalismo, no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul,
surgiu praticamente subordinado aos interesses do Estado, alinhando-se às posições do
governo para assim ampliar e firmar seu domínio.
É nesse sentido que, desde a sua origem, os jornais gaúchos atuaram como importantes
meios de comunicação, informação, emissão e divulgação de vários temas, com atitudes
menos ou mais informativas e/ou crítico-opinativas. Atuavam como verdadeiros mensageiros
dos diversos grupos que permeavam o cenário político-partidário rio-grandense. A classe
política transformou a imprensa no sul do país em um agente orgânico da vida partidária,
onde as tipografias constituíam pontos de reunião de facções políticas que encarregavam seus
membros de redigirem periódicos.
Ainda segundo o autor, através das práticas jornalísticas deram-se os fundamentos que
22
contribuíram para a formação discursiva a respeito da política gaúcha. Independente das
convicções ideológicas e/ou partidárias dos elementos políticos que norteavam a linha
editorial dos jornais gaúchos, a busca pelo poder era a motivação principal:
Esta constante associação e inter-relação entre a vida política e o jornalismo devem-
se basicamente ao fato de que as construções discursivas de natureza política estão
de forma indelével ligadas à disputa pelo poder, que na política o discurso exerce,
de modo privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes, pois o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo
por que e pelo que se luta, ou seja, o poder do qual se quer apoderar (ALVES, 2000,
p. 34).
Nessa conjuntura, Alves afirma que a imprensa gaúcha serviu basicamente para
difundir as idéias e as ações dos vários segmentos partidários e políticos que atuaram no Rio
Grande do Sul, legitimando as formações discursivas, ―uma vez que o objetivo do discurso
político constitui-se em vencer a luta através do jogo da desconstrução e reconstrução de
significados‖ (ALVES, 2000, p. 34).
Tendo como base as considerações do autor sobre o papel da imprensa rio-grandense,
destacaram-se neste estudo alguns jornais que contribuíram para a formação da imprensa no
Rio Grande do Sul, tendo como ponto de partida o jornal o Diário de Porto Alegre, surgido
em de junho de 1827, patrocinado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul, Salvador José Maciel. Seu conteúdo estava focado nos comunicados oficiais.
De acordo com Rüdiger (1993), a criação dO Diário tinha a clara intenção de comunicar os
pensamentos da Coroa, pois, assim como no centro do país, na província começavam a
surgir as primeiras revoltas. ―As condições de civilização estavam começando a progredir e
havia surgido um público letrado que precisava ser levado em consideração, mesmo porque a
circulação de boatos e informações contraditórias punha em perigo o próprio exercício do
Governo‖ (RÜDIGER, 1998, p. 15); o periódico publicava principalmente os atos oficiais e
sofria a fiscalização do presidente sobre o que era publicado. Devido ao cenário político e
social daquele momento e à criação dO Diário de Porto Alegre, emergiu uma série de outros
pequenos jornais que se caracterizavam por seu enfoque estritamente político e de cunho
doutrinário, movidos por uma linguagem carregada de emoções e paixões (RÜDIGER, 1998).
O Diário de Porto Alegre inaugurou as atividades de imprensa com linha editorial militante,
com inserção nos enfrentamentos políticos e tendo como pauta a situação econômica da
província.
23
Ao assumir a forma político-partidária, o ato jornalístico passou a ser importante meio
pelo qual os partidos políticos poderiam realizar a formação doutrinária da opinião pública,
tornando-se comum que montassem suas próprias empresas tipográficas e lançassem seus
periódicos, assumindo inteira responsabilidade pelos mesmos. O novo conceito de jornalismo
permitiu que se definisse o papel dos jornais como essencialmente opinativo, tendo como
objetivo principal veicular, de forma organizada, a doutrina e a opinião dos partidos para a
sociedade (RÜDIGER, 1998, p. 29-30).
O Diário abriu caminho para o surgimento de outros periódicos, de formato pequeno.
Enquanto a situação política se agravava, nos tempos que precediam a Revolução Farroupilha,
os periódicos partidários se multiplicavam acirrando as disputas políticas. Entretanto, esses
novos jornais encontravam sérias dificuldades para circular, sobrevivendo em média por um
ano.
Na década de 1830, com o exacerbado conflito político, surgiram 41 jornais em Porto
Alegre, já na década seguinte foram apenas catorze.
Em 05 de julho de 1828 surge em Porto Alegre o Constitucional Rio-Grandense,
substituindo o Diário de Porto Alegre cinco dias depois de sua última edição. Declaradamente
político, era redigido por Vicente Ferreira Gomes, oficial de tesouraria do governo e circulou
até 1831.
Em 1829, surge também, em Porto Alegre, O Amigo do Homem e da Pátria, redigido
por Tomás Inácio da Silveira e Claude Dubreuil.
Em 1830, é a vez de O Vigilante, de José Apolinário Pereira de Morais, jornal liberal,
que circula somente de janeiro a outubro do mesmo ano.
A Sentinela da Liberdade na Guarita ao Norte da Barra do Rio Grande de São Pedro,
de Lourenço Junior de Castro circulou de 1830 a 1837.
Em 1831, surgem O Imparcial, O Cruzeiro, O Telégrapho, Correio da Liberdade, O
Compilador em Porto Alegre, O Continentino, de João Manuel de Lima e Silva (em 1833,
passou a ser redigido por Joaquim José de Araújo).
Em 1832, surgiram, em Porto Alegre, O Mercúrio, o Diário Constitucional, O
Inflexível e O Annunciante, que circulou até 1835.
Do mesmo ano é O Recopilador Liberal de Porto Alegre, dirigido pelo uruguaio
Manuel Ruedas, acusado de ser agente de Juan Lavalleja, que foi expulso do Brasil; o jornal
encerrou suas atividades em junho de 1836.
Em 03 de janeiro, surge O Noticiador, primeiro jornal de Rio Grande, redigido por
Francisco Xavier Ferreira, circulou até 09 de fevereiro de 1836 seu proprietário foi preso e
24
enviado ao Rio de Janeiro, onde faleceu no calabouço da Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição da Ilha de Villegagnon, em 1838.
Em 1833, são criados Themis, A Idade D'Ouro, Idade de Pau, Bellona Irada Contra os
Sectários de Momo, O Inexorável e O Propagador da Indústria Rio-Grandense, que foi
publicado entre janeiro de 1833 e março de 1834 em Rio Grande, mantido por membros da
elite econômica da cidade.
Em 1834, foi criado O Pobre, O Republicano, O Echo Porto Alegrense (primeiro
jornal da província com circulação três vezes por semana), O Federal, Correio Official da
Província de São Pedro, O Democrata, O Sete de Abril e Idade de Chumbo.
O Mestre Barbeiro iniciou sua publicação em 31 de janeiro de 1835 e se manteve até
19 de setembro, redigido por Antônio José da Silva Monteiro, ferrenho oposicionista dos
farroupilhas, que faleceu em combate na Ponte da Azenha, ao estourar a revolução em 20 de
setembro.
Em Rio Grande, o Liberal Rio-Grandense, legalista, circulou entre 1835 e 1836. O
Continentista também surgiu em 1835, dirigido por José Calvet e o deputado Francisco
Isidoro de Sá Brito, além de O Mensageiro e O Quebra Anti-Evaristo.
Em 1836, surge O Colono Alemão publicado por Hermann von Salisch conseguiu
atrair à causa farroupilha vários colonos alemães, apesar dos planos de ser bilíngue, foi
publicado somente em português, durou apenas 38 números.
Durante a Revolução Farroupilha, surgem também os órgãos oficiais da República
Rio-Grandense: O Mensageiro, de 03 de novembro de 1835, considerado o primeiro jornal
farroupilha, O Povo, de 1838, organizado por Domingos José de Almeida com Luigi Rossetti
como editor. Além destes circularam a Estrella do Sul e O Americano, este o último jornal
farroupilha, editado em Alegrete, até março de 1843.
O Legalista e O Justiceiro, ambos de 1836, e O Artilheiro, de junho de 1837, eram
jornais legalistas, assim como O Campeão da Legalidade, do mesmo ano, ambos de Porto
Alegre.
Em 1840, redigido por Claude Dubreuil, surge O Analista, que circulava duas vezes
por semana e encerrou suas atividades em 1844.
É na década de 1840 que surgem os jornais de maior formato, como O Imparcial, de
Porto Alegre, de 1844, e O Porto-alegrense. Em 1849, surge também em Porto Alegre, O
Mercantil.
O primeiro jornal de Pelotas foi O Pelotense circulou de 07 de novembro de 1851 até
21 de março de 1855, foi criado pelo português Cândido Augusto de Melo, que havia
25
fundado outros quatro jornais em Rio Grande: O Rio-Grandense, 1845-1858; O Artilheiro,
1849; a Rosa Brasileira, 1851, e A Imprensa, 1851.
9
Esse cenário jornalístico também foi favorecido pelo desenvolvimento agrícola e
comercial ocorrido a partir de 1860. Reduziu o seu caráter artesanal, com a introdução de
novas tecnologias de impressão, tendo como consequência o melhoramento da qualidade
gráfica e o aumento das tiragens. Durante esse período, os jornais não buscavam o lucro
mercantil, pois não estavam focados na produção de anúncios, mas voltavam-se ao exercício
da doutrinação e ao desenvolvimento das formas de articulação partidária (RÜDIGER, 1998,
p. 32).
Exemplo desse tipo de postura foi o jornal A Reforma, fundado em 1869, na cidade de
Porto Alegre, reconhecido como órgão do Partido Liberal, apresentando-se como uma folha
doutrinária, tendo como missão ―refletir sobre as questões afetas ao modo do viver político e
administrativo e ao complexo da organização social‖ (op. cit., p. 34).
Ao tratar especificamente de cada jornal, Rüdiger (1998, p. 32) demonstra nos seus
estudos o papel da imprensa na ―questão servil‖, citando, por exemplo, o jornal A Voz do
Escravo, folha pelotense, que esteve na vanguarda do movimento abolicionista.
O Mercantil, em 1883, criou uma caixa libertadora, com a finalidade de arrecadar
fundos para alforrias, ato este copiado por vários outros jornais. Esse processo
emancipacionista, segundo Rüdiger, forçou os jornais a agirem como partidos políticos, sendo
responsáveis por grande parte das alforrias no ano de 1884.
Outros periódicos tiveram também suma importância no cenário político até 1930. O
Conservador, fundado em 1879, de circulação na capital, sustentou a doutrina da agremiação
de 1879 até o ato da Proclamação da República; O Diário de Pelotas, com circulação entre
1867 e 1889, desempenhou o papel de liderança entre os liberais da zona sul do Estado; O
Diário do Rio Grande circulou de 1848 até 1911; o Echo do Sul, de 1856 até 1937. Todos
esses jornais tiveram significativa participação no processo político durante a República
Velha (RÜDIGER, 1998, p. 34-35).
Ainda segundo Rüdiger (1998, p. 35), A Federação foi o jornal que mais representou o
modelo do jornalismo político partidário vigente no Rio Grande do Sul. Seu papel foi
significativo na articulação do movimento republicano da província e assumiu, desde a sua
criação, o cunho de órgão de combate e propaganda. Júlio de Castilhos era um de seus
editores e considerava que a imprensa não devia se limitar a registrar os acontecimentos
9
BARRETO, 1986; CAPPARELLI, 1989; MACEDO, 1994.
26
políticos, mas sim modificar o seu curso. O papel da folha A Federação foi significativo no
processo de abolição da escravidão. Também foi protagonista da denominada ―Questão
Militar‖. De 1886 a 1889, Júlio de Castilhos explorou pela imprensa as tensões desencadeadas
entre o Trono Imperial e o Exército, cujos oficiais superiores eram punidos por manifestações
proibidas. É a chamada ―Questão Militar‖, que levaria parte das Forças Armadas a
contestarem a Monarquia. O primeiro artigo em A Federação traz a data de 27-9-1886
(SOARES, 1991, p.58). No período da República Velha, o periódico foi o porta-voz oficial do
Partido Republicano Rio-grandense (PRR).
O interior rio-grandense também teve um papel significativo no desenvolvimento da
imprensa. Rio Grande e Pelotas foram cidades pioneiras nessa atividade, mas as publicações
ocorriam somente duas ou três vezes na semana. Tinham também caráter doutrinário e
político a exemplo da capital.
Pode-se afirmar que a imprensa rio-grandense se desenvolveu a partir da visão de
alguns homens que perceberam as demandas das facções políticas daquele momento e viram
nisso uma forma de montar um negócio próprio a publicação de jornais e periódicos. Não
existia um conceito formado de jornalismo e muito menos a profissão de jornalista. A
atividade se restringia a dirigir tipografias e a prestar um serviço gráfico. A prática jornalística
não era entendida como a prática de coletar, redigir e editar informações. Nos séculos XIX e
parte do culo XX, o jornalismo limitava-se à prática panfletária, o chamado ―jornalismo
romântico‖.
Os pasquins caracterizavam-se por uma linguagem violenta, caluniosa e irresponsável,
de modo a criar desavenças nas comunidades e incitar a raiva das autoridades locais. Muitos
de seus mentores sofreram atentados, foram ameaçados, perseguidos, processados e presos, o
que resultou na destruição de muitas tipografias, tornando sua prática perigosa e ilegal.
1.2.1 Jornalismo Político-Partidário no Rio Grande do Sul
Para o estudo, considera-se importante a periodização da história da imprensa sul-rio-
grandense, no final do século XIX e início do século XX e, marcadas pela coexistência de
dois diferentes ―regimes jornalísticos‖: o jornalismo partidário e o jornalismo literário
(RÜDIGER, 1998; HOHLFELDT, 2009).
O jornalismo partidário, embora distanciado do antigo pasquim e do puro
27
panfletarismo, será caracterizado pelo proselitismo ideológico, também denominado de
―publicismo‖, que nascera com as primeiras experiências do jornalismo inglês, ainda no
século XVIII (WATT, 1990; WEIL, 1962, apud HOHLFELDT, 2009, p. 1) em que a
agressividade da linguagem ou o artigo de maior profundidade discutira princípios teóricos e
apresentara propostas de governo e soluções para a nação ou província (HOHLFELDT,
2009).
Terminada a Guerra do Paraguai, duas grandes campanhas desdobram-se nas páginas
dos jornais: a abolição da escravatura e a instauração da República (HOHLFELDT, 2009).
Criou-se no Rio Grande do Sul, em 1878, o Clube Republicano, ecoando o manifesto
de Itu, de 1870. Funda-se o Partido Republicano Rio-grandense (PRR), em 1882, do qual
participava Júlio de Castilhos (FLORES, 1993, p. 11-12; HOHLFELDT, 2009). A
propaganda iniciou-se depois da publicação do Manifesto de 1870, mas não foi tarefa fácil e
nela aventuraram-se, como vanguardistas, Francisco Xavier da Cunha, Apolinário e Apeles
Porto Alegre, na cada de 1870. A propaganda foi coroada pela fundação de um Clube
Republicano em Porto Alegre, em 1878, do qual partiu a convocação da Convenção que se
reuniu em 23 de fevereiro de 1882
10
.
A imprensa do Rio Grande do Sul divide-se entre as publicações ―conservadoras‖,
como Mercantil; as francamente ―liberais‖, como A Reforma, e, a partir de de janeiro de
1884, aquelas que defendem a República, como A Federação, que substitui o pioneiro O
Brado do Sul, de 1870 (RUSSOMANO, 1976, p. 151; HOHLFELDT, 2009).
A imprensa liberal, A Reforma e o Koseritz Deutsche Zeitung, defendia fortemente as
ideias originais do liberalismo, representando os interesses dos grandes setores senhoriais
agrícolas e pecuários da província, ou ao abrirem o debate nacional sobre o direito de voto aos
não-católicos, defendido por Gaspar Silveira Martins (FÉLIX, 1993; ISAIA, 1988;
HOHLFELDT, 2009).
Durante o século XIX, no Rio Grande do Sul e no restante do país, a imprensa era de
caráter partidário, ou como caracteriza Alves (1998), praticava-se um jornalismo opinativo‖.
Ainda como destacava Alves (1998), durante todo o século XIX, a imprensa escrita
figurou como o ―principal meio de comunicação entre a sociedade sul-rio-grandense‖.
Cabe enfatizar que não jornal, nesse período, que tenha sido fruto de iniciativa
10
PICCOLO, Helga I. L. A História Do Rio Grande Do Sul: Uma História em Processo de Revisão e
Elaboração. O Movimento Republicano no Século XIX. (I). r. bras. Hist. São Paulo, 2 (4): 233-242, setembro,
1982, p. 235. Disponível em: <http://www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=1695>. Acesso em: 06
jan. 2010.
28
particular, todos eles estavam filiados aos partidos políticos dominantes.
Para Alves (1998), a imprensa do século XIX caracterizava-se:
Como meio de comunicação mais eficaz na difusão de informações e opiniões, ao
longo do século XIX, a imprensa escrita teve papel significativo na formação dos
hábitos, dos gostos, das atitudes, dos desejos e, enfim da opinião pública, de modo a
constituir-se num instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida
social.
Utilizando-se da linguagem, a imprensa tinha a capacidade de determinar valores
morais, ser direcionada para incendiar paixões políticas; classificar, justificar categorias e
grupos sociais, isso era ―um ato de poder‖, como se encontrava em Bourdieu (1998).
O estudo da imprensa vem se afirmando como ―fonte para as construções da história‖.
Além das instituições representativas do sistema político, como os parlamentos, era através da
imprensa que aconteciam o debate político e o confronto de ideias na passagem do culo
XIX para o XX, visto que os grupos e partidos políticos do período costumavam ter jornais
para expressar seus programas e defender suas causas. A importância de utilizarem-se jornais
como fonte de pesquisa aumenta considerando-se que, a partir da República castilhista rio-
grandense, pelo menos nos seus primeiros anos, até o ano de 1913, as oposições não
participaram da Assembleia Legislativa estadual, uma vez que, somente na legislatura
(1913-1916) elegeu-se o primeiro deputado de oposição, Jorge Pinto, que se denominava
―modesto discípulo das ideias de Silveira Martins‖. Deve-se observar que foram eleitos, em
1926, três federalistas para a Câmara Federal: os bacharéis em direito Wenceslau Escobar e
Pedro Moacyr e, oriundo da cidade de Pelotas, Francisco Antunes Maciel.
Conforme avaliou o historiador Francisco das Neves Alves, ao salientar a importância
dos jornais como fonte histórica privilegiada para se recuperar o debate político partidário no
final do século XIX e primeiras décadas do XX: ―os republicanos rio-grandenses promoveram
uma política de exclusivismo partidário, garantindo espaço político apenas àqueles afinados
com o ideário e submissos à liderança de Júlio de Castilhos, que, por sua vez, montou um
aparelho político-institucional visando garantir a perpetuação do Partido Republicano Rio-
Grandense no poder‖ (ALVES, 2009). O debate político público acontecia quase que
unicamente por intermédio dos periódicos, que explicitavam as ideias e os programas dos
principais grupos políticos que representavam tanto o governo como aqueles que estavam na
oposição (FERTIG, 2009).
29
Os jornais, durante o período, não puderam ser fontes amplamente utilizadas por toda
a sociedade sul-rio-grandense, pois, além de haver custo para se adquiri-lo, o ―processo de
alfabetização‖ no estado não era realizado em larga escala. Não havia muitas escolas e a
maioria só era frequentada por filhos de indivíduos influentes, que detinham um capital
econômico expressivo (RODRIGUES, 2009; LOVE, 1975).
Entre os periódicos, encontravam-se também os jornais O Dever e o Correio do Sul. O
primeiro pertencia ao Partido Republicano e circulou em Bagé de 1901 a 1937. Representava
a liderança republicana da cidade. Seu opositor era o Correio do Sul, fundado por Fanfa
Ribas, em 1914, como expressão máxima do federalismo no Rio Grande do Sul.
1.2.2 Os jornais de Bagé
O processo histórico da Guerra de 1923 foi estudado a partir dos editoriais de O Dever e
Correio do Sul. Eles possuem características próprias apesar de estarem tratando do mesmo
campo, espaço e tempo, pois existe entre ambos a concorrência político-ideológica. Pode-se
afirmar que as marcas diferenciadoras existentes entre ambos os jornais são constitutivas do
ambiente político a qual pertencem.
Para melhor entender que ambientes são estes, realizar-se um breve relato
historiográfico de O Dever e do Correio do Sul. Posteriormente, analisar-seo conflito a
partir do conteúdo editorial de ambos os periódicos.
30
Figura 1 Adolfo Luiz Dupont. Fonte: Arquivo do Museu Dom Diogo de Souza.
O jornal O Dever nasceu em 15 de novembro de 1901, sob a direção de Tomaz
Salgado. Depois, sucederam-lhe outros diretores. O principal deles foi o deputado republicano
Adolfo Luiz Dupont, que acompanhou o jornal até sua extinção, em 1937. Tinha
periodicidade diária. Entre seus principais articulistas estavam Leonardo Truda, Lindolfo
Collor e Theófilo de Andrade.
Lindolfo Collor ingressou na Escola de Farmácia, em 1907, em Porto Alegre; mesmo
um tanto marginal ao mundo acadêmico, conhecia Adolfo Dupont, que foi co-signatário do
manifesto de Bloco Acadêmico Castilhista e estudante do primeiro ano do curso de Direito,
em 1907. Em 1909, ano de formatura, Lindolfo Collor ―inicia sua vida de jornalista, como
redator do jornal O Dever, editado em Bagé, sob a direção de Adolfo Dupont‖ (COSTA,
2009, p. 27).
Durante a Guerra de 1923, a direção do jornal estava a cargo do deputado estadual
Adolfo Luis Dupont.
Adolfo Luiz Dupont era referido nas fontes como ―major‖, tendo tomado assento na
Assembleia dos Representantes do Rio Grande do Sul na legislatura de 1921-1924, pelo PRR,
e como constituinte estadual e deputado entre 1935-1937 (AITA; AXT; ARAUJO, 2009;
BERTOL, 2009). Nascido em 21 de junho de 1886, em Bagé, era filho de Charles Adolphe
Marie Dupont e Maria Honorina Ramos. Casou com Odorinda Rodrigues de Almeida, em 08
de junho de 1910, em Bagé. No banco de dados do Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul, os vínculos entre Dupont e o Castilhismo/Borgismo eram evidentes: ingressou
31
no MP em 02/03/1910; foi deputado estadual de 12 de abril
11
a julho de 1935
12
, pela Frente
Única Rio-grandense, e de 08 de julho de 1935
13
a 10 de novembro de 1937, foi deputado
estadual pelo Partido Republicano Rio-Grandense. Em meados de 1937, ligou-se ao Partido
Republicano Castilhista (PRC), dissidência aberta ao PRR. Foi vice-presidente da mesa
diretora da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 1937, pelo partido Republicano
Castilhista. Nomeado promotor público, em Bagé, em 02 de março de 1910; novamente
nomeado promotor público substituto em Bagé, em 03 de abril de 1912.
De acordo com o programa do próprio jornal O Dever, o mesmo definiu-se naquele
período como Órgão do Partido Republicano Bajeense‖. Coube a ele, em Bagé, realizar a
difusão do programa republicano. Com isso, a linha política e ideológica do jornal O Dever
estava afinada com o Partido Republicano e com os princípios da Igreja Católica.
Ainda que possa parecer contraditório ou impensável, o positivismo e o catolicismo
possuíam pontos e interesses em comum. Malatian (apud PICOLLO, 1995, p. 62-63) ressaltou
um dos principais ideais em comum: ―o positivismo compartilhava com o catolicismo a
ambição de manter a ordem pública a partir da adesão da consciência popular‖. Júlio de
Castilhos, mesmo não sendo católico, sempre deixou claro que não era inimigo da Igreja
Católica. Soares (1991, p.13) sintetiza admiravelmente essa posição de Castilhos: ―embora
agnóstico e fiel ao positivismo, Júlio de Castilhos venerava, de forma contraditória, o
catolicismo; gesto interpretado como ‗postura ética por seus seguidores‖.
ao tempo de Borges de Medeiros como Presidente do Estado, estava à frente da
Igreja Católica D. João Becker, que por várias vezes elogiou os líderes republicanos do
estado. Aliás, como bem salientava Isaia (2007, p. 27), a concepção castilhista de um estado
alheio à consulta popular era muito bem recebida por D. João Becker, o qual, comentando
sobre o papel da consulta popular nas modernas democracias, asseverava que a maioria não
conferia legitimidade a uma disposição legislativa:
11
A partir de 12 de abril de 1935, inicialmente como Assembleia Constituinte e, mais tarde, como Assembleia
Legislativa, os trabalhos parlamentares desenvolver-se-ão no sentido de traduzir as diversas tendências políticas,
representada internamente pela Frente Única (oposição), Partido Republicano Liberal (situação) e representantes
classistas dentro da nova estrutura estabelecida pela Constituição Federal de 1934 (TRINDADE; NOLL, 2009).
12
A passagem da fase da Constituinte para a Assembleia Ordinária, que ocorre em julho de 1935, vai acarretar
uma mudança no teor dos debates, em que se abandonam as longas discussões sobre as questões mais teóricas,
justificáveis num contexto de definição de regras do jogo político (TRINDADE; NOLL, 2009).
13
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA PÓS CONSTITUINTE (08/07/1935 10/11/1937).
32
Assim, esse relacionamento também se refletiu na composição do PRR, uma vez que
vários católicos foram eleitos para a Assembléia na defesa do projeto castilhista e
borgista, como Luís Englert, Jacob Kroeff Neto, Alberto Bins, Adolfho Luiz
Dupont, e monsenhor Nicolau Marx. Portanto, mesmo que houvesse oposição aos
republicanos por parte dos católicos, de forma geral houve uma justaposição entre os
dois projetos de regeneração social [...] (MORENO, 2009) (grifos do autor).
Fato que também se refletiu entre os católicos ligados ao PRR, como descreveu A.L.
Dupont, em coluna denominada ―A pedidos: atitude facciosa‖, no jornal Correio do Povo:
Corre mundo, dias, divulgado pelos órgãos da imprensa governista, um aviso da
Liga Eleitoral Católica de Porto Alegre, recomendando apoio aos candidatos
apresentados pela chapa do Partido Republicano Liberal, que já incluiu no seu
programa oficial os postulados católicos e garantiu a defesa dos mesmos na futura
Constituinte. Não nos consta, e temo-lo sob os olhos, que o programa do Partido
Republicano Liberal consigne, em matéria religiosa, algum item oficializando as
verdadeiras aspirações dos católicos brasileiros, como também não consta a quem
quer que seja ter o Partido do governo ou este assumido quaisquer compromisso no
sentido de garantir a defesa dos mesmos postulados na futura Constituinte. O
programa do Partido Republicano Liberal não oficializa o ensino e o casamento
religioso, não estabelece a assistência eclesiástica nos quartéis, não incorpora a
Igreja ao Estado, não altera o texto da Constituição dentro da fórmula preconizada
pelos pioneiros da cruzada religiosa no Brasil. Mas, admitindo que o Programa do
PRL consignasse os itens correspondentes às aspirações do mundo católico, ainda
assim a sua conduta não poderia passar sem uma observação, por isso que fora ela
assumida antes da divulgação dos pontos de vista dos demais partidos, em tal
assunto, e muito anterior à divulgação dos nomes dos candidatos desses partidos
entre os quais se poderão contar elementos íntima e estritamente vinculados à Igreja
(DUPONT, 1933, apud MONTEIRO, 2009, p. 139).
Para os idealizadores do periódico O Dever, as suas funções social e política eram de
fazer com que os ideais republicanos fossem incorporados ao patrimônio intelectual e moral
não só da comunidade bajeense e rio-grandense, como de todo povo brasileiro:
Portador de ideias elevadas lutará dignamente para incorporá-las ao patrimônio
intelectual e moral do povo brasileiro. Os pontos cardeais de seu programa político
estão perfeitamente sintetizados na sábia constituição do estado. Na defesa e difusão
dos princípios ali consagrados, empenhar-se-á com a fé de um templário, sem jamais
tergiversar. É plenamente justificável todo o ardor que empregar nessa luta, pois a
curta e tumultuaria vida da república, ai está para atestar a sabedoria e excelência
desses princípios. Enquanto o resto do Brasil contorce-se nas agitações de uma
demagogia (premiante), e a sua vida econômica e financeira agoniza com vascos de
morte, o Rio Grande do Sul vai prosseguindo serenamente no seu itinerário de
glórias e prosperidades, ladeando os escolhos, onde outros vão naufragar. É que nós
temos na constituição do Estado um poderoso farol a iluminar o nosso caminho.
Hoje todas as almas puras, todos os verdadeiros patriotas, todos os republicanos
orientados voltam-se para o Rio Grande do Sul como a terra da promissão. É em
33
nossas leis que eles procuram o remédio para salvar da miséria e da anarquia o seu
estado natal [...]. É natural, pois, que O Dever, não transija na execução do seu
programa, que o defenderá em qualquer terreno com o valor dos primitivos cristãos,
preferindo a morte à rendição. Daí também a sua legítima submissão ao admirável
organizador do Rio Grande, ao nosso oráculo político, ao chefe amado Dr. Júlio de
Castilhos, que para os republicanos aqui no sul como Washington, para os
americanos do norte, é o primeiro na paz, o primeiro na guerra, o primeiro no
coração dos seus concidadãos. Mas não é nas lides da política que O Dever
empenhará seus melhores esforços: bater-se pelo progresso de Bagé, fomentar o
desenvolvimento de seu comércio, das suas indústrias e artes; colocar-se ao lado dos
fracos na defesa de seus direitos é também meta de seu programa (O DEVER,
15/11/1901).
Figura 2 João Fanfa Ribas. Fonte: Arquivo do Museu Dom Diogo de Souza
Desde 1887, o Partido Republicano Rio-grandense (1882-1937) teve, em Bagé, jornais
que poderiam ser enquadrados como ―órgãos oficiais ou oficiosos‖ do PRR, sob variadas
denominações e direções, até a fundação do jornal O Dever, em 15 de novembro de 1901, que
se consolidaria, localmente, como defensor permanente dos princípios do
Castilhismo/Borgismo (MOREIRA, 2003, p. 32).
O Partido Federalista do Rio Grande do Sul (1892-1928), em Bagé, foi representado
especialmente pelo Correio do Sul, embora anteriormente ―diversas folhas‖, com vida
―efêmera‖ e de ―pouca significação‖, também defendessem o PF. Como ―órgão partidário‖, o
Correio do Sul foi criado para defender os princípios do federalismo: na primeira e na
segunda edição do jornal, definia-se como ―porta-voz do grande partido oposicionista e
proclamava ter na Constituição Federal de 24 de fevereiro o seu principal objetivo de luta‖
(MOREIRA, 2003, p. 32-33).
34
Por vezes, a defesa do Partido Federalista dava-se em contexto político extremamente
localista, como foi o caso, em 1919, em que ―‗Pintistas‘(Arthur Pinto da Rocha), defendidos
pelo jornal CORREIO DO SUL, de Bagé, e ‗cabedistas‘(Rafael Cabeda), capitaneados pelo
MARAGATO, de Santana do Livramento, travaram ásperas polêmicas‖, que comprometeram
irremediavelmente a unidade do PF (FRANCO, 2009, p. 34).
O surgimento do jornal Correio do Sul data de 20 de setembro de 1914; possuía as
máquinas e equipamentos mais modernos na época de sua criação; sua impressora era movida
a eletricidade, o que significava notável progresso; tinha circulação diária, em formato
tablóide e foi editado até 31 de dezembro de 2008.
Fizeram parte do corpo de redação do Correio do Sul personalidades locais
como João Fanfa Ribas, Felix Contreiras Rodrigues, Heitor Mércio e Thomas Cirne
Collares, além de contar com colaboradores ilustres como, por exemplo, Assis Brasil, Júlio
Costa Cabral, João de Deus Martins e Guilherme Barbosa, entre outros.
João Fanfa Ribas nasceu em Porto Alegre, no dia 1º de abril de 1869; era filho de João
Furtado Fanfa e Maria José Taborda Ribas e possuía dois irmãos, Francisca e Cândido. Em
1888, redigiu o Jornal do Comércio, de Porto Alegre; em 1886, fundou O Pensamento; em
1894, foi secretário da Gazeta de Notícias, também em Porto Alegre, cujo diretor era o
famoso tribuno Pinto da Rocha. De 1909 a 1910, participou da Campanha Civilista, liderada
por Rui Barbosa contra a candidatura militar de Hermes da Fonseca; e em 20 de setembro de
1914, fundou o jornal Correio do Sul (foi o vigésimo segundo jornal da cidade), com Félix
Contreiras Rodrigues, Heitor Mércio e Tomaz Cirne Colares; foi o seu primeiro diretor e
redator, até 1936, quando vendeu o jornal para Carlos Cavalcanti Mangabeira. Pertenceu ao
Partido Federalista e, depois, ao Partido Libertador, cujas idéias o Correio do Sul defendia,
com circulação garantida em vários pontos do Estado, principalmente na zona sul (GIORGIS,
2009).
A grande aceitação desse jornal era comprovada quando era divulgada em suas
páginas a informação de que não podia mais receber publicidade por estar com todos os
espaços tomados e não ter interesse em prejudicar a parte noticiosa e redatorial. Fez do jornal
uma tribuna das reivindicações democráticas; seus editoriais eram intransigentes com o
Castilhismo/Borgismo e ficaram famosos em todo o país; seus textos se opuseram ao governo
de vinte e cinco anos de Antônio Augusto Borges de Medeiros, e em razão dos editoriais, foi
obrigado a procurar asilo no Uruguai, onde residiu após o conflito de 1923, sofrendo um
suposto atentado em Rivera. O Correio do Sul foi considerado a ―Bíblia do Federalismo‖; e
Fanfa Ribas, seu profeta; o Correio do Sul ―era visivelmente oposicionista ao situacionismo
35
no Rio Grande do Sul‖ (ANTUNES, 2009, p. 02); a importância dos editoriais do Correio do
Sul mereceu referência na obra de Érico Veríssimo:
Pelas notícias dos jornais, o velho acompanhava, fascinado, as proezas de Honório
Lemes e seus guerrilheiros. Muitas vezes entrava no Sobrado erguendo no ar, como
uma sea bandeira de guerra, um número do Correio do Sul, e lia para a gente da
casa e para os que se encontrassem o editorial assinado por Fanfa Ribas, que na
opinião de Babalo era o maior jornalista vivo do Brasil. Que estilo! Que coragem!
Que coisa! (VERÍSSIMO, 1961).
Foi através das colunas do Correio do Sul que o pensamento federalista difundiu-se
por todo o Rio Grande do Sul. Naquela conjuntura, o jornal tornou-se tão importante que
entrou na histórica política do país. Durante sua existência, esteve presente em todos os
acontecimentos políticos do RS, servindo como testemunha da história; viveu os dias da
Fundação do Partido Libertador, em 1928, cuja bandeira erguera em 1923. Manteve-se neutro
em 1930, saudou a vitória da revolução e dos ideais que ele pregava; lutou pela
constitucionalidade do País.
MOREIRA (2003) afirma que, em 1923, Fanfa Ribas supostamente foi detido por dois
meses na Casa de Detenção do Rio de Janeiro, por ordem do presidente Arthur da Silva
Bernardes. No entanto, pode-se dizer, ao contrário desse autor, que o jornalista não foi preso
no Rio, mas, sim, detido voluntariamente em Bagé para evitar o empastelamento do seu
jornal, que, inclusive, não foi rodado propositalmente durante quase uma semana na fase final
das negociações (LEMIESZEK, 2005).
O percurso político de João Fanfa Ribas permitia certa flexibilidade, embora calcada
em fundamentos sólidos, como, por exemplo, em 1930:
Fanfa Ribas, o mais destacado federalista de oposição a Vargas, já admitia apoiar o
governo revolucionário. Sua expectativa, […] era a de que fosse inaugurada uma era
de liberdade, de progresso, de justiça e de respeito aos direitos individuais. […]
―talvez possamos abençoar a guerra civil que ontem combatíamos. Para os céticos
da política a evidência dos fatos é o argumento mais convincente. E o nosso
ceticismo não é de aço‖ (CORREIO DO SUL, 13 de nov. de 1930, p. 1, apud
ABREU, 2009, p. 115).
Em três de maio de 1933, Fanfa foi eleito deputado da Assembleia Nacional
36
Constituinte pelo Partido Republicano Liberal, cargo que ocupou até 10 de novembro de
1937. A representação gaúcha na Assembleia Constituinte era: Augusto Simões Lopes (líder
do PRL); Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (PRL); Joaquim Maurício Cardoso (PRR,
Liga eleitoral católica foi eleito na legenda da Frente Única Gaúcha, que reunia o PRR e o
Partido Libertador); Heitor Annes Dias (PRL, LEC); Frederico João Wolfenduttel (PRL,
LEC); João Simplício Alves de Carvalho (PRL, LEC); Renato Rodrigues Barbosa (PRL,
LEC); Demetrio Mercio Xavier (PRL, LEC); Victor Russomano (PRL, LEC); João Ascanio
Moura Tubino (PRL, LEC); Pedro Leão Fernandes Espinosa Vergara (PRL); João Fanfa
Ribas (PRL); Raul Jobim de Bittencourt (PRL); Adroaldo Mesquita da Costa (PRR, LEC foi
eleito na legenda da Frente Única Gaúcha, que reunia o PRR e o Partido Libertador); Gaspar
Saldanha (PRL); Euclydes Minuano Freitas de Moura (PL, FUG, LEC); Frederico Dahne
(PRL, LEC); Argemiro Dornelles (PRL).
Após a nomeação para o Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, em março de 1938, João
Fanfa Ribas foi eleito, por volta de 1944, para a Academia Sul-Rio-Grandense de Letras,
vindo a falecer em 14 de julho de 1955, naquela cidade (MOREIRA, 2003).
Tanto O Dever como o Correio do Sul, dois dos cinco jornais editados em Bagé no
ano de 1923 tinham circulação diária e eram vendidos mediante assinatura ou venda avulsa.
As duas folhas possuíam correspondentes e colaboradores nas principais cidades do
estado, bem como em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Em razão do sistema de assinaturas e especialmente em função de prática comum na
época, quando através de convênio de troca entre os donos de jornais, estes dois periódicos de
Bagé circulavam em praticamente todos os municípios do estado e nas principais capitais do
país:
Publicam-se dois jornais diários ―O Dever‖ e o Correio do Sul , de propriedade
e direção, respectivamente, dos conhecidos jornalistas major Adolpho Luiz Dupont e
João Fanfa Ribas, sendo ambos partidários e noticiosos, o primeiro órgão da política
castilhista e o segundo da política federalista.
14
Bagé, nascida de um acampamento militar fundado por Dom Diogo de Souza em
1811, constituiu-se em baluarte avançado de defesa da coroa portuguesa, do Reino Unido, do
Império e depois da república brasileira. Devido a sua posição geográfica estratégica, logo
14
COSTA, Alfredo R. da. O Rio Grande do Sul. Volume II. Porto alegre: Globo/Barcellos,Bertaso & Cia., 1922.
37
passou a ser um importante polo de convergência comercial, militar e política.
Figurou em posição de destaque nos principais acontecimentos da história sulina,
como foi o caso nas invasões espanholas; na revolução farroupilha, quando em seu solo foi
proclamada a República Rio-grandense, e na revolução de 1893.
Foi o berço de políticos, como Silveira Martins; de guerreiros, como Joca Tavares; de
progressistas industrialistas, como Emílio Guilayn, cujas casas bancárias possuíam filiais,
inclusive na Europa. Pelo mesmo motivo foram, através de Bagé, que ingressaram no estado
os primeiros exemplares puro-sangue de diversas raças bovina e equina, colocando o
município entre os de melhor desempenho na produção primária do estado.
Não é de se estranhar, portanto, que se tornou centro irradiador da política estadual
durante a república velha, que nessa cidade foi fundado o Partido Federalista, em 1892, e
mais tarde, em 1928, o Partido Libertador. Além, é claro, de ter sediado diversas reuniões e
congressos políticos e eleito vários deputados estaduais e federais.
Em 1923, Bagé, com seus 50.831 habitantes, dentre os quais 24.594 moravam na
cidade, era o nono município mais populoso do estado.
Com um rebanho aproximado de 430.000 bovinos (o segundo maior do estado),
180.000 ovinos e 45.000 equinos, detinha o orgulho de ser o município que fornecia o maior
número de reses para abate em frigoríficos e nas charqueadas do Rio Grande do Sul:
Município essencialmente pastoril, a sua campanha oferece impressionantes
espetáculos. Para qualquer rumo que se oriente a visada do observador, terá ele
sempre a mesma impressão - a impressão de estar apreciando um povo que assimila
o progresso, que compreende as grandes conquistas alcançadas pela zootécnica e
que se esforça pela mais rápida solução deste sugestivo problema: completa
emancipação da influência estrangeira, com a organização definitiva de um mercado
próprio. E que esse grandioso objetivo tenha sido alcançado, de modo definitivo, por
que não dizer? Proclama-o, bem alto, o recente resultado da exposição realizada,
ali, sob os auspícios da benemérita Associação Rural e de que fazemos resenha em
outra página desta revista. Pode-se afirmar sem receio a mais leve contestação, que o
município de Bagé, n'um futuro muito próximo, quiçá antes de uma década, seja o
mercado fornecedor, para todo o Brasil, de reprodutores de raça, conquista, destarte,
a Argentina e o Uruguai, a dependência em que nos achamos. [...] Basta referir, para
dispensar qualquer outro argumento, que as exposições periodicamente realizadas
em Bagé, pela sua importância, estão classificadas, entre quantas se efetuam na
América do Sul, em quarto lugar: Em primeiro plano, as que realizam em Buenos
Aires; em seguida, as do Salto; em terceiro, as de Montevideo; em quarto, as de
Bagé. [...] Viam-se, assim, imponentes tipos da fidalguia dos Durham ingleses e dos
Durham americanos, desafiando, na balança, aos temíveis competidores da raça da
democracia dos Herefords ou das plebeias (por serem de raças rústicas) famílias dos
Polled-angus, red-polled, Devon, charoleses, normandos, para a conquista da
preferência, quanto ao melhor tipo [...] Para o cutelo dos frigoríficos.
15
15
MÁSCARA. Número Comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Revista Mascara Magazine
Mensal. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1922, s/n.
38
Sua indústria e comércio eram pujantes, comprovando a afirmativa o fato de que,
justamente em 1923, Bagé registrou na Junta Comercial do Estado 21 novas empresas,
ficando atrás somente de Porto Alegre e São Leopoldo.
A cidade, com suas belas e largas avenidas arborizadas, que fora a primeira cidade do
estado a conhecer o automóvel e a energia elétrica, já contava com serviços completos de rede
de esgoto e hidráulica:
Perfeitamente traçada
em esquadro; formando um exato tableau
de xadrez, as suas
ruas, rasgadas em grandes extensões, são verdadeiras avenidas, arborizadas quase
todas, umas lateralmente, outras ao centro, com árvores escolhidas, isto é, com
árvores
que conservam, durante todo ano, a verde roupagem das suas folhas, de
maneira que, com essa magnificência de seiva o espleenético ambiente do inverno,
se não desaparecer é, entretanto, consideravelmente suavizado. Desse modo, o
espírito do povo bajeense, cujos olhos vivem na constante contemplação do verde
acariciador do arvoredo frondoso, não perde a alegria que lhe é tão característica e é
de apreciar, mesmo nas tardes de maior invernia, o rendez-vous elegante que se dão
os mais caracterizados elementos da sociedade, em corsos
concorridíssimos, em que
se pode apreciar, na passagem rápida dos luxuosos autos, todo um encanto feminino,
realçado por esplêndidas toilettes
e ricas peles e em que se tem impressão de que
sejam delicados Sèvres, considerados mais para a estesia nos consoles elegantes.
16
Figura 3 Avenida Sete de Setembro no início da década de 1920. Fonte: Arquivo particular do autor.
O município possuía mais de vinte escolas, que somavam 2.788 alunos matriculados.
A cultura encontrava espaço privilegiado, com seu instituto de belas artes, três teatros e dois
16
MÁSCARA. Número Comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Revista Mascara Magazine
Mensal. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1922, s/n.
39
cinemas.
Os vários clubes sociais onde se destacavam os tradicionais clubes do Comércio e
Caixeiral, juntamente com os salões dos principais hotéis ofereciam o ambiente necessário
que manteve durante todo o conflito, agitadíssima a vida social, com apresentações artísticas,
recitais, exposições de pinturas e bailes, sendo que muitas destas exibições foram assistidas
por Setembrino de Carvalho em sua permanência na cidade. Entre os esportes, os mais
praticados eram o polo, o tênis, o ping-pong e o futebol:
Além de seus ricos salões particular Bagé oferece à sua sociedade e ao visitante o
conforto magnífico do Club Comercial, as alegrias barulhentas de uma esplêndida
cancha de nis, os espetáculos higiênicos da sua praça de desportos, organizados
pelo prestigiado S. C. Guarany', emocionantes concursos hípicos e para quem
aprecia a vida contemplativa, panoramas verdadeiramente deslumbrantes.
17
A guerra civil de 1923 pouco alterou os hábitos dos bajeenses, pois, como procuramos
pautar ao longo deste trabalho, neste episódio, Bagé abandonou as sangrentas lutas para
assumir a mais nobre das missões ao servir de palco para todas as negociações que permitiram
a pacificação dos rio-grandenses.
O único confronto assistido foi a batalha de papel travada entre o Correio do Sul e O
Dever. Esse panorama é confirmado por Nei Pereira Leite, alfaiate nascido em 1903,
contando, portanto 20 anos na época do conflito armado e entrevistado pelo autor em 2004.
Assim se manifestou Nei Leite:
A frente da prefeitura foi cercada com arame, mas o pessoal não ligava muito. Quem
participou mais dessa revolução foi o pessoal da campanha, o pessoal da cidade não
estava assustado, a cidade não foi invadida. Na cidade não ligaram muito, faziam
reuniões, andavam em toda parte, era uma coisa com indiferença, tanto que Estácio
Azambuja organizou uma coluna e andava por aí, vinha para cá, ia para lá e ninguém
se importava. A gurizada estava no colégio e também, às vezes, faziam uma festa,
faziam baile no Comercial e no Caixeiral. A gente andava por aí, ia ao teatro, a
banda de música tocava no coreto [...].
17
MÁSCARA. Número Comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Revista Mascara Magazine
Mensal. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1922, s/n.
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Figura 4 Prefeitura Municipal cercada com arame, único sinal visível da guerra de 1923 no centro da
cidade de Bagé. Fonte: Arquivo particular do autor.
Do ponto de vista da economia política, analisando a ocupação da terra em Bagé, no
período de 1850-1920, percebia-se a presença de estruturas de longa duração, especialmente
na presença de grandes propriedades rurais que ocupavam a maior parte do território indicado
nos registros pesquisados. Esse tipo de apropriação da terra condicionava ao aparecimento de
uma classe de estancieiros/fazendeiros, bem como de comerciantes/fazendeiros, todos grandes
proprietários, que influenciavam decisivamente nas decisões políticas locais e até mesmo
regionais. O fato de haver, no que se referia à posse da terra, uma série de graduações entre a
menor e a maior propriedade na região, isso não afetava a essência das afirmações que
propugnavam a concentração da terra e a sua origem nas sesmarias concedidas nos primórdios
da ocupação do território/fronteira missioneiro.
Uma das fontes utilizadas para a verificação das formas e processos de ocupação e
apropriação da terra foi o Livro Paroquial de Registro de Terras instituído pelo artigo 13º da
Lei de Terras, de 1850, e pelo Regulamento de 1854, particularmente nas determinações dos
artigos 91 até o artigo 107, os quais estabeleceram que se devesse fazer o registro das terras
existentes em todo o país.
No caso de Bagé, no século XIX (Tabela 1), para as declarações com a extensão da
terra, assim como em quase toda a Província, as grandes propriedades eram hegemônicas,
conforme dados apresentados por Paulo Zarth e retirados do Registro Paroquial de Terras dos
respectivos municípios, tendo presente que cerca de 20% dos registros não apresentavam o
41
tamanho da área, as propriedades de Bagé com acima de 10.000 hectares e, num total de 19
registros, representavam 45% da área do referido município. Portanto, os líderes políticos, que
também eram estancieiros.
18
Uma análise do registro paroquial do município de Bagé de 1855, cujo território
abrangia uma área significativa da região da campanha, nos dá uma ideia da concentração
fundiária nesta região. Os dados do registro de terras indicam que mais de 90% da área
indicada pertencia a proprietários com mais de 1000 hectares e 73,43 % com mais de 5000
hectares.
19
A grande propriedade também se caracterizava por estar associada a altos índices de
lotação de animais, característica permanente do tipo de produção local:
No mapa estatístico elaborado em 1859, pela Presidência da província, a partir das
informações enviadas por 14 municípios, Santa Maria aparece como tendo a
segunda menor média de gado por estabelecimento - 688 cabeças, enquanto
municípios como Rio Pardo e Bagé, por exemplo, apresentavam médias de 3.457 e
2.045 cabeças, respectivamente.
20
TABELA 1
Tamanho das áreas em hectares (ha)
Município % da área registrada
Bagé
Até 50
51-100
101-500
501-1000
1.001-5.000
5.001-10.000
Acima de
10.000
%
0,09
0,13
0,21
0,64
24,50
28,23
45,20
18
Registro Paroquial de Terras dos respectivos municípios. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul -
APERS. ZARTH, Paulo Afonso. Do Arcaico ao moderno: O Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí:
Editora da UNIJUI, 2002, p. 64-67-73. Citado por: NASCIMENTO, José Antônio Moraes do. Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de
História. Programa de Pós-Graduação em História. Derrubando Florestas, Plantando Povoados: A Intervenção
Do Poder Público No Processo De Apropriação Da Terra No Norte Do Rio Grande Do Sul. Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História, como requisito parcial e último para obtenção do grau de Doutor em
História, na área de concentração em História das Sociedades Brasileira e Ibero-Americanas, sob a orientação do
Professor Doutor René Ernaini Gertz. Instituição Depositária: Biblioteca Central Irmão JoOtão. Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS Brasil, 2007; p. 12-15-16-87. Disponível em:
<http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=557>. Acesso em: 20 jan. 2010.
19
Fonte: Livros do registro paroquial de terras de Bagé 1855-56. Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Citado
por: ZARTH, Paulo A. Desertos verdes e latifúndios na história da campanha do Rio Grande do Sul. TEIXEIRA
FILHO, Althen (org.). Eucalipitais Qual Rio Grande do Sul Desejamos? Disponível em:
<http://www.natbrasil.org.br/Docs/monoculturas/eucalipitais.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2010.
20
―Mapa Estatístico do numero de estâncias, tipo de criação, numero de animais e empregados.‖ Estatística.
Diversos. 1859. M. 01. E 85. P. 02. AHRS. Citado por: FARINATTI, Luiz Augusto Ebling. Criadores de gado
em Santa Maria (Rio Grande do Sul, 1850-1890). Versão do segundo capítulo de dissertação de mestrado Sobre
as Cinzas da Mata Virgem Os Lavradores Nacionais na Província do Rio Grande do Sul (Santa Maria, 1845-
1880), defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, em agosto de 1999. Disponível
em: <http://www.fee.tche.br/sitefee/download/jornadas/1/s7a2.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2010.
42
A Lei de Terras, de 1850, que proibia a aquisição de terras devolutas por outro meio
que não fosse compra e determinando prazo para a demarcação das áreas ocupadas,
fortaleceu a posição dos estancieiros como elite política. O cercamento dos campos com
aramados, a partir de 1870, novas raças de gado, subdivisão das áreas de pastoreio, o uso de
bretes (estreito corredor de madeira) e troncos para a contenção dos animais, configuraram
mudanças técnico-produtivas importantes, fortalecendo a economia política local, definindo o
espaço do fazendeiro. Em 1920, com mais de 5.000 hectares, 1,4% dos estabelecimentos de
Bagé, ocupavam 21,3% da área total indicada. Os dados do registro de terras indicam que
mais de 69% da área indicada pertencia a proprietários com mais de 1.000 hectares.
21
TABELA 2
Número de estabelecimentos rurais e área média, segundo a extensão territorial
Dos imóveis, em Bagé, em 1º de setembro de 1920.
Bag
é
Total
de
estabe
lecim
entos
rurais
Meno
s de
41 ha
41 a
100
101 a
200
ha
201
a
400
401
a
100
0 ha
100
1 a
200
0 ha
200
1 a
500
0 há
5001
a
10.00
0 há
10.00
1 a
25.00
0 ha
25.0
01
E
mais
Unid
ades
904
204
170
139
115
141
70
51
13
1
-
ha
Área
média
22 ha
68 ha
162
ha
291
644
ha
139
0 ha
288
3 há
6969
1991
5 ha
-
Km²
0,22
0,68
1,62
2,91
6,44
13,9
28,8
3
69,69
199,1
5
21
RIBEIRO, Claudio Marques. Estudo do Modo de Vida dos Pecuaristas Familiares da Região da Campanha do
Rio Grande do Sul. Tese submetida ao programa de pós-graduação em desenvolvimento rural (PGDR) da
faculdade de ciências econômicas da universidade federal do rio grande do sul para a obtenção do grau de doutor
em desenvolvimento rural. Orientador: prof. Dr. Carlos G. A. Mielitz Neto. série PGDR - tese 16. Porto
alegre, 2009, pp.111-112-113-122-145. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=000697068&loc=2009&l=d5a73d9d2beb65e4>. Acesso em:
19 jan. 2010.
43
Tota
l da
área
rural
? -
km²
5176,
73
km²
44,88
115,6
0
225,1
8
334,
65
908,
04
973,
00
147
0,33
905,9
7
199,1
5
Área
total
do
mun
icípi
o
7180
km²
Área
urba
na?
2003,
27
km²
Fonte: Fundação de Economia e Estatística. De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul Censos
do RS 1803/1950. Porto Alegre, 1981, p. 196-197.
Considerando os dados apresentados sobre a ocupação de terras em Bagé, que
demonstravam o quadro econômico-político local, no período que antecede a Guerra Civil de
1923, estava sob o crivo dos interesses dos pecuaristas e seria essa mesma realidade social
que seria fustigada, devastada, destruída, no final do conflito. Os pecuaristas associados à
charqueada, compunham com ela um complexo agrícola que entraria em crise com os
frigoríficos. Do ponto de vista econômico-político, os federalistas locais enfrentariam não
somente uma guerra civil, mas também uma nova realidade tecnológica que afetaria a todos,
independentemente de partido, na região da campanha.
Coradini (2003) afirmava que, até os anos de 1930, havia uma baixa transmissão da
cultura erudita e acadêmica no Rio Grande do Sul, a qual ficava restrita aos jornais e revistas
de curta duração e de público específico. O estado gaúcho possuía, além dos problemas
causados pelas guerras civis, uma baixa tendência de ampliar o ensino de massa, regiões
isoladas (como as de colonização alemã e italiana) e ainda uma disparidade regional na
logística de informações, que dificultava o acesso mais ampliado dos debates intelectuais e
políticos do período, restrito apenas a uma pequena elite dirigente.
22
22
CORADINI, O. L. Citado por: NORONHA, 2009.
44
No caso de Bagé, na Revista Máscara, podia-se ter noção da conjuntura, embora a
linguagem ornamental do Parnasianismo, neoparnasiano, escrita bem ao gosto do público das
camadas dominantes, linguagem elegante, muito voltado para a linguagem sem finalidade de
denúncia, de análise ou de crítica: a linguagem da arte pela arte, que ainda se ressentia da
Guerra Civil de 1893, que havia desestruturado o cercamento dos campos, as sedes das
fazendas, os prédios urbanos, ao que parecia, foram recuperados:
Auxiliado, de modo decisivo, o desenvolvimento que, nestes últimos vinte anos, tem
tido o município de Bagé, salientam-se as suas administrações honestas e
empreendedoras. Como é do domínio publico, Bagé sofreu terrivelmente, quando da
guerra civil que ensanguentou o Estado; sabe-se também, que Bagé foi cidade
heróica que resistiu vitoriosamente, ao sitio implacável, dos revolucionários de 93,
entrincheirados as forças legais e os patriotas republicanos no pequeno reduto da
Praça da Matriz, estando, portanto, cidade e município em pleno poder dos
revolucionários. Bem se compreenderá, voltando a normalidade, depois de uma luta
encarniçada, uma luta de ódios e de rancores, o estado deplorável em que ficaram os
sítios em que as pelejas tiveram de ser desenrolar. A campanha estava despovoada;
dos velhos solares gaúchos, viam-se ruínas, apenas; os campos ficaram desprovidos
dos aramados que determinavam a extensão da posse ou que subdividiam a fazenda;
a cidade apresentava o aspecto letárgico dos grandes mutilados- as balas dos
sitiantes, rendilhando-os grosseiramente, haviam deixado os prédios com aspecto de
quase ruína. Exaustos os cofres públicos, sem rendas a arrecadar, ao administrador
competente o penoso encargo, o hercúleo esforço de reerguer o município. Não
cabe, n'uma ligeira resenha como a que ora fazemos, um estudo retrospectivo da
historia de Bagé, nesse breve período de vinte e poucos anos. Para acentuar, porém,
quão profícuas, quão laboriosas e inteligentemente orientadas têm sido as
administrações de que se felicita o belo município fronteiriço, basta, como referencia
eloquente, assinalar que a sua arrecadação, atualmente, é de mil e tantos contos de
réis e que a urbsestá dotada de todos os grandes melhoramentos, de uma cidade
em franco progredir, como poderão constatar os nossos leitores, pelos clichês que
ilustraram este numero.
23
Do ponto de vista administrativo, Bagé era governada por Tupy Silveira, prócer do
Borgismo, no caso, apresentado como personalidade acima dos interesses partidários, culto,
um verdadeiro gentleman:
23
MÁSCARA. Número Comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Revista Mascara Magazine
Mensal. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1922, s/n.
45
oito anos, à frente dos destinos de Bagé, encontram-se o Sr. Coronel Tupy
Silveira, tipo perfeito de ―gentleman‖. Administrador operoso compenetrado das
suas elevadas funções, prestigiado por todos os elementos da sociedade, o ilustre
―edil‖ de Bagé tem conquistado, não há negar, títulos de grande benemerência.
Como traço mais saliente da sua brilhante administração, é de se destacar o serviço
de esgoto, executado por um processo de que não há idêntico, no momento na
América do Sul. E, o que é mais notável, ainda, e que mais recomenda o tino e os
escrúpulos do administrador, é a forma por que foi feita a operação de crédito, para o
referido serviço e custo da obra que, depois de completamente pronta, não excederá
de dois mil e quinhentos contos, ficando servidas três mil casas. [...] Confiada, em
boa hora, ao excelso patriotismo que anima o espírito superior, que conduz a
simpática individualidade do Coronel Tupy Silveira, a formosa Rainha da Fronteira,
marcha desassombradamente, em demanda do lugar de destaque que lhe está
reservado nos destinos incomparáveis do Brasil, como sentinela avançada.
24
No caso, o Intendente era visto como zelador, guardião imparcial, neutro, da cidade
que se caracterizava pela higiene, policiamento, serviços públicos, cidade moderna:
O atual intendente, coronel Tupy Silveira, é um administrador à altura da
importância do rico município. Inteligente, culto, bem orientado e cheio de nos
destinos da terra que governa; qualidades notáveis essas a que alia inexcedível
operosidade no desempenho de seu alto cargo, talvez não se erre afirmando for ele,
efetivamente, o homem de que havia míster o município para firmar a sua marcha,
hoje mais do que nunca ascensional, no caminho da evolução e do progresso. O
coronel Tupy Silveira é não o zelador capaz, em tudo o que diz respeito, à vida
orgânica do município, que ele conserva e melhora de forma acima de quaisquer
louvores, senão também o remodelador da cidade de Bagé, que é, hoje,
inegavelmente, uma das mais belas urbs rio-grandenses, pela excelência das suas
construções, pela sua higiene, pela boa organização de seus serviços públicos,
especialmente o de policiamento, que pôs um dique à onda de crimes que de
continuo inundava o município, recomendando mal a sua cultura e a vigilância do
seu poder público, por tudo, em suma, o que se relaciona com as condições vitais
dos grandes centros modernos de cultura, d'onde irradia a civilização.
25
Do ponto de vista militar, Bagé era estrategicamente importante para o Brasil, com
construção de quartéis, em 1922, confirmando a importância secular para a defesa do país.
Mais que isso, também era considerada nova fase no exercício militar brasileiro, buscando
modernização, adequação aos novos tempos, a focalização na 1ª Guerra Mundial e seus
efeitos. Com isso, a busca pela superação de um tipo de guerra que havia na região,
representada pelo caudilho, pelo coronel fazendeiro; queria-se a ―fina flor da sociedade
brasileira‖ e, para isso, instalações convenientes:
24
MÁSCARA. Número Comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Revista Mascara Magazine
Mensal. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1922, s/n.
25
COSTA, Alfredo R. da. O Rio Grande do Sul. Volume II. Porto alegre: Globo/Barcellos, Bertaso & Cia., 1922.
46
Satisfazendo uma das mais vitais condições de nossa existência, o atual governo
federal está construído, em nossa longa fronteira, uma série de quartéis, destinados à
instalação de nossas guarnições. No setor fronteiriço Sul está se erguendo belas
construções, dotadas dos mais modernos aperfeiçoamentos, exigidos pela higiene
das habitações coletivas. Nas cidades de Bagé, D. Pedrito e São Gabriel, a firma
Álvaro Pereira & Cia., trabalha febrilmente, na edificação de hodiernos quartéis,
compatíveis com o educado troçar de soldados, que presentemente o sorteio militar
leva à caserna, retirada da fina flor da sociedade brasileira. Impossível seria educar
militarmente, moços oriundos de famílias dotadas de apurado tratado social, em as
velhas taperas, onde o desclassificado, sem noção da existência moral poderia
achar-se a gosto. Em nossos dias, o exército é a própria nação armada. Não mais
existe a profissão militar. Cada cidadão, em idade propícia, recebe a instrução
técnica, necessária à mobilização em época precisa. E' do conjunto de todas as
forças ativas da nação, que deve surgir, em momento determinado, o exército
nacional, plenamente preparado, pelo constante aparelhamento das classes anuais.
Ao transcendental grão de perfeição, a que atingiu a arte da guerra, não pode
satisfazer a indiferença dos desocupados que fazia, antigamente, da caserna, um
meio fácil de manter a existência. Hoje, a guerra culminou o ápice dos
conhecimentos humanos, assumindo uma feição rigorosamente científica.
Desapareceu o clássico tipo do guerreiro invencível, em todas as pelejas,
empolgando, com sua coragem, estimulando com seus rasgos de audácia, as massas
de homens, tintas de sangue, iluminadas pelo fragoroso lampejar das baionetas, no
tumultuoso entrevero das cargas, em que a bravura individual se sobrepunha às leis
da tática e da estratégica. [...] Naturalmente, para satisfazer a tão rigorosas
exigências, torna-se indispensável elevada cultura moral do combatente, que torne
apto a compreender os altos deveres que tem a cumprir cegamente, para defesa
sagrada da pátria. E homens d'esse quilate social, o podem absolutamente
aclimatar-se em velhos pardieiros, que pitorescamente recebiam o nome de
quartéis.
26
Martim ―Tupy‖ Silveira nasceu em 28 de setembro de 1876, em Bagé; filho de
Jerônimo Silveira e Tomásia Silveira; participou do partido republicano, em 1893, ainda
muito jovem, com apenas 17 anos; foi nomeado (pelo Coronel José Octávio Gonçalves), em
1910, vice-intendente do município; com a morte de José Octávio Gonçalves (que, doente,
afastou-se do cargo, sem deixar de ajudar seu substituto, José Manoel Rodrigues provisório
-, na resolução dos problemas; faleceu em sete de abril de 1913), foi indicado para a sucessão
(pelo então Presidente do Estado, Borges de Medeiros); em 1913, foi eleito e assumiu no ano
seguinte, em 1914; foi reeleito para um novo período, em 1917 e depois em 1921; portanto,
governou Bagé, como Intendente, durante onze anos (1914-1925). Foi responsável por várias
obras de melhorias do município: rede de esgotos, várias pontes na cidade e no interior, tais
como as pontes do passo do Príncipe, passo das Mortes (sobre o arroio Quebracho), bem
como a barragem do arroio Piraizinho; faleceu em 22 de agosto de 1928, no Rio de Janeiro,
com 52 anos; foi sepultado, em Bagé, em 28 de agosto de 1928.
27
26
MÁSCARA. Número Comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Revista Mascara Magazine
Mensal. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1922, s/n.
27
FAGUNDES, E. M. de. Inventário Cultural de Bagé. Bagé: Praça da Matriz, 2005, pp. 353-354-537-538.
47
2 ANTECEDENTES DA GUERRA CIVIL DE 1923
De acordo com Artur Ferreira Filho (1973, p. 22), as causas que levaram à Guerra
Civil de 1923 vinculam-se à Revolução Federalista (18931895), devido à inconformidade
com o regime então constituído.
Para adentrar no tema Guerra Civil de 1923 e o papel dos jornais O Dever e Correio
do Sul, realizar-seuma contextualização da República Velha, a fim de inserir ambos os
jornais nesse contexto.
2.1 A República Velha
República Velha é a denominação dada à primeira República Brasileira, período
compreendido entre a República proclamada por Deodoro da Fonseca, em 1889, até a
Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. O ato de Deodoro promove mudança na
forma de governo no Brasil, que passa a ser escolhido pelo povo e surgimento a uma nova
Constituição Federal.
A forma de governo republicana surge no Brasil como oposição a forma de governo
monárquica, sendo resultado da conjunção de forças entre a oligarquia paulista do café e do
Exército.
Nesse espaço de tempo, o país viveu sob um regime político fundado na troca de
interesses de grupos oligárquicos ligado, principalmente, às classes agrárias que defendiam o
latifúndio e à política do Café-com-leite (revezamento político dos estados de Minas Gerais e
São Paulo na presidência da República). Tratava-se de uma política desenvolvida segundo
Carone (1983), através de ―lideranças restritas‖, com predomínio do coronelismo exercido
principalmente no meio rural, onde o governo possuía total controle e até mesmo manipulava
o processo eleitoral no país, visando à consolidação oligárquico-republicana.
A República Velha ou Oligárquica, como também é definida, pode ser dividida em
três períodos distintos e importantes. Inicialmente, tem-se o momento do governo militar,
tendo à frente o Marechal Deodoro da Fonseca, que institui o Governo Provisório,
caracterizado por grande instabilidade política e de luta pelo poder nos Estados. O segundo
48
refere-se ao período em que o governo passa para as mãos da oligarquia (governos civis).
Nesse período, ocorre a ascensão e a consolidação da sociedade civil, caracterizando-se,
assim, pela estabilidade política, tendo-se operacionalizado o regime oligárquico resultante na
política dos Estados
28
ou Governadores. o último momento foi o das contestações, que se
configura na crise econômica do pós-guerra e resultou nos levantes tenentistas da década de
1920, momento de crise do regime republicano.
Dentre as principais medidas do Governo Provisório na forma de governo republicana
destacam-se o fim do Padroado, estabelecendo, assim, a separação entre a Igreja e o Estado, e
a criação da Lei de Naturalização, que acabou funcionando como um estímulo à imigração.
O Congresso Constituinte, formado em 1890, aprovou no ano seguinte a primeira
Constituição da República (1891), baseada no projeto de Rui Barbosa, que tinha como
parâmetros a Constituição dos Estados Unidos da América. Com a Constituição, implanta-se
o presidencialismo e a República brasileira passa a ser federativa, com três poderes e voto
aberto e universal de forma direta para pessoas do sexo masculino, maiores de vinte e um
anos e alfabetizados (mulheres, analfabetos e militares de baixa patente não tinham direito ao
voto).
Apesar da existência do processo eleitoral, o primeiro presidente brasileiro foi eleito
pelo Congresso Nacional, que sob pressão dos militares, elege o próprio Marechal Manuel
Deodoro da Fonseca. Dessa forma, encerra-se o Governo Provisório, dando início ao Governo
Constitucional.
A República Oligárquica surge em 1894, marcada por governos de presidentes civis
ligados ao setor agrário e vinculados tanto ao Partido Republicano Paulista (PRP) como ao
Partido Republicano Mineiro (PRM), que controlavam as eleições e revezavam-se no poder.
O governo oligárquico, responsável por implementar diversas medidas que tinham
como objetivo beneficiar o setor agrário brasileiro, em particular os fazendeiros de café do
oeste paulista, mantém-se no poder até 1930, praticando três tipos de política, a do Café-com-
leite, a Política dos Governadores e o Coronelismo.
A Política do Café-com-leite refere-se ao revezamento, na presidência, entre os
representantes da oligarquia paulista, produtora de café, e a mineira, produtora de leite. Nesse
cenário, o setor agrícola era beneficiado, principalmente os produtores de café e de leite.
a Política dos Governadores consistia na troca de favores políticos entre os
governadores dos estados e o presidente da república. Ou seja, em contrapartida ao apoio do
28
Segundo Faoro (1975, p. 567), a política dos Estados foi uma política que fortificou os vínculos de harmonia
entre os Estados e a União [...].
49
presidente aos candidatos dos partidos governistas nos estados, ele recebia desses políticos
sustentação a sua candidatura presidencial, assim como adesão à política praticada pelo
presidente eleito.
O coronelismo era praticado principalmente no interior do país e esteve centrado na
figura do coronel (grande fazendeiro) que, através do poder econômico, garantia a eleição dos
candidatos por ele apoiados. Surge, assim, o voto de cabresto, em que o coronel pressionava,
por meio da força se fosse preciso, os eleitores sob seu domínio a votarem nos candidatos de
sua preferência.
Em resumo, a República Oligárquica governou o Brasil como se o mesmo fosse sua
propriedade particular (patrimonialismo), levando em consideração somente seus interesses e
mantendo o controle do país. No nível municipal, o poder exercia-se através da prática do
coronelismo; no nível estadual, praticando a política dos governadores, e no nível federal,
pela política do Café-com-leite.
Um dos movimentos contestatórios mais importantes na época foi o tenentismo, que
teve um caráter político-militar e foi liderado por tenentes do exército. Esse movimento
defendia a moralidade política no país e exigia um novo sistema eleitoral (voto secreto), além
da transformação do ensino público. Como exemplos desse movimento podem-se citar a
Coluna Prestes (composta por capitães e tenentes, existente entre 1925 e 1927), a Revolta dos
18 do Forte de Copacabana (1922), a Revolta Paulista (1924) e a Comuna de Manaus (1924).
No período da República Velha, o Rio Grande do Sul passou por um grave conflito no
campo político e militar entre o Partido Republicano Rio-grandense e o Partido Federalista,
que culminou com a Revolução Federalista (1893 até 1895), tema que será tratado no próximo
item.
2.2 O Rio Grande do Sul na República Velha e na Revolução Federalista
O confronto ocorreu a partir da cisão da elite econômica e política do Rio Grande do
Sul entre os conservadores liberais (posteriormente adotam a denominação ―federalistas‖ ou
―libertadores‖, grupo formado por estancieiros da região da campanha) e os conservadores
republicanos (conhecidos como positivistas, legalistas urbanos e parte dos estancieiros).
Para melhor entendimento desse acontecimento, é necessário realizar uma análise do
processo histórico rio-grandense, observando-se, assim, que, durante o Império, o domínio
50
político pertencia ao Partido Liberal (PL) liderado por Gaspar Silveira Martins, apoiado pelas
principais forças econômicas da Província, a saber, os fazendeiros e os charqueadores.
No final da forma de governo imperial e início da República Velha, a economia no Rio
Grande do Sul centrava-se na atividade pecuária e na produção do charque, tendo, ao longo do
século XIX, enfrentado crises frequentes, com a relativa paralisação das exportações e com o
aumento da concorrência platina agregados ao desenvolvimento econômico na zona norte do
Estado, a partir do surgimento das pequenas propriedades de imigrantes italianos e alemães
Foi em 1870, com o Manifesto Republicano de Itu, que o federalismo assumiu
definitivamente o caráter de doutrina política. Já a acepção federativa consolidou-se pela idéia
de descentralização político-administrativa, buscando a autonomia provincial tanto no campo
político-econômico como no social. De acordo com o Manifesto Republicano de Itu, a
soberania nacional pode existir, ser reconhecida e praticada em uma nação cujo
parlamento, eleito pela participação de todos os cidadãos, tenha a suprema direção e
pronuncie a última palavra em relação aos negócios públicos (CHACON, 1981, p. 240).
Com a Proclamação da República, o movimento republicano consegue firmar-se na
maioria dos Estados brasileiros. Em consequência, estes passam a ter plena liberdade
organizativa em âmbito político e administrativo, desde que respeitem os preceitos
constitucionais da União. Assim, cada Estado passa a eleger seus governantes e a organizar
seus serviços públicos, sua força policial. Podem contrair empréstimos no exterior e decretam
os impostos de exportação. No entanto, apesar de toda essa autonomia, as constituições
estaduais, não apresentam diferenças significativas. De acordo com Vianna (1956, p. 291), a
única exceção cabe à Constituição Rio-grandense, baseada nos princípios positivistas.
Entretanto, Júlio de Castilhos, principal corifeu da forma de governo republicana
encontrou grandes barreiras junto à elite gaúcha, principalmente por parte do Partido Liberal.
Por esse motivo, os primeiros anos da República Velha no Rio Grande do Sul foram marcados
por grande instabilidade política, caracterizada por governos provisórios e trocas constantes
no poder. Nesse sentido, Fonseca (1983, p. 20) afirma que entre 1890 e 1892 houve, no
Estado, quinze mudanças de chefes de Governo.
Tal instabilidade criou, nos anos seguintes, uma dualidade política estadual: os
conservadores liberais defendiam seus ideais, enquanto os considerados conservadores
republicanos simpatizavam com os ideais da República recém-formada, com base numa
constituição forte.
Na nova ordem política, o poder passa a ser do Partido Republicano, personalizado na
figura de Júlio de Castilhos, que exerceu uma ―ditadura constitucional‖, baseada na filosofia
51
positivista, consolidado o movimento republicano, que, mesmo sendo pouco expressivo, foi
capaz de conquistar o Governo estadual e garantir sua permanência durante toda a República
Velha (FONSECA, 1983, p. 20).
Antonacci (1981, p. 21-22) registra que, dentro da concepção positivista, a política rio-
grandense foi estabelecida com base na conciliação entre a ordem e o progresso, tendo como
base o ―livre desenvolvimento da iniciativa individual‖. Dentro desse pressuposto, ao Estado
coube exercer uma ação reguladora sobre os grupos e classes sociais, tendo como objetivo
fazer com que o desenvolvimento acontecesse de forma equiparada entre todos os setores
produtivos, intervindo de forma a harmonizar a existência e o uso da propriedade.
A revitalização do Rio Grande do Sul se deu a partir da diversificação da produção
gaúcha, onde os setores mais desenvolvidos eram os mais taxados, naquela época; portanto,
tratava-se do setor pecuário.
Isso resultou na criação dos impostos territoriais, com distinção de cobrança de taxas
de exportação mais elevadas para os produtos provenientes das grandes propriedades
pecuaristas. Nessa visão, o Estado passa, então, a orientar e a regular o desenvolvimento de
acordo com as necessidades do bem público, que eram avaliadas dentro das diretrizes do
projeto de diversificação produtiva, defendendo e apoiando a liberdade individual entendida
como livre concorrência.
Dentro dessa lógica positivista de governo técnico-administrativo, o voto não foi
valorizado, cabendo à Assembleia de Representantes apenas aprovar os orçamentos definidos
pelo executivo, possibilitando, assim, a reeleição do presidente e dos intendentes. Dessa
forma, implanta-se a chamada ―ditadura científica‖, que forneceu instrumentos legais para o
controle político ininterrupto do Partido Republicano no Rio Grande do Sul.
Consequentemente, tal regime de governo gerou uma séria discordância no cenário
político estadual. A mudança da forma de governo monárquica para a republicana não foi
pacífica e fez com que o Rio Grande do Sul passasse por duas experiências armadas com o
objetivo de combater o autoritarismo do sistema presidencialista implantado, não
necessariamente contra a forma de governo republicana. A primeira foi a Guerra Civil de
1893 (denominada ―Revolução‖ Federalista) e a segunda, a Guerra Civil de 1923, eventos
que, conforme Costa e Silva (apud FONSECA, 1983, p. 21-22) tiveram causas
eminentemente políticas.
Na perspectiva de Pesavento (1980, p. 212), a Guerra Civil de 1893 pode ser entendida
como um momento de confronto, uma luta entre republicanos e federalistas, um conflito
intraclasses, ou seja, entre elites latifundiárias do Estado.
52
Franco (1996, p. 135) confirma a visão da historiadora, afirmando que a motivação do
conflito foi a luta entre os caudilhos pelo poder no Rio Grande do Sul, em que preponderou a
intransigência, a intolerância política e o espírito faccioso de ambos os chefes políticos rio-
grandenses da época.
A luta pelo poder estruturou-se em torno do objetivo de retirar a facção castilhista do
poder pelos federalistas desde o ano de 1889, de forma a repelir qualquer possibilidade de
acordo para a formação de um novo governo. Nesse sentido, pode-se dizer que a guerra civil
nasceu do ressentimento do grupo gasparista, destituído do poder em 1889, a quem Júlio de
Castilhos negou qualquer possibilidade de composição ou transição política, assim como de
outras facções.
Tratava-se de figuras ligadas ao latifúndio pastoril, tais como Pinheiro Machado,
Firmino de Paula, Hipólito Ribeiro e o próprio Júlio de Castilhos, entre outros, apoiados nesta
nova fase pelos profissionais liberais, comerciantes e funcionários públicos, tal como
acontecia no período da monarquia.
Franco (1996) considerava, ainda, que boa parte do Partido Republicano no Rio
Grande do Sul era formada por integrantes do antigo Partido Conservador, devido à aversão
comum a Gaspar Silveira Martins, chefe dos liberais (apud RAMBO, 1995, p. 27).
Outro ponto de vista defendido por Franco (apud RAMBO, 1995, p. 28) refere-se à
falsa idéia de que a guerra civil de 1893 possa ter representando um conflito entre tendências
autonomistas e centralistas.
Franco aponta, também, que a designação ―Partido Federalista‖, adotada tanto pelos
congressistas de 1892, em Bagé, quanto de 1896, em Porto Alegre, era equivocada, pois os
federalistas do Rio Grande do Sul não esposavam tendências de ampliação das franquias
estaduais, mas defendiam maior centralização do poder. Indo mais além, Franco afirma que
coube aos republicanos de Júlio de Castilhos serem considerados autonomistas, visto que
defendiam a Constituinte de 1891, que quase se aproximava da forma de Estado
confederativa.
Para melhor elucidar o tema, o autor diz que o centralismo defendido pelos
federalistas pareceu meramente circunstancial, ditado pelo interesse de tolher o regime
constitucional do Rio Grande do Sul.
Se realizada uma análise da história do Partido Liberal (antecessor do federalismo),
pode-se afirmar que esta esteve ligada à defesa da autonomia da província, vinculando-se em
sua origem ao próprio movimento farroupilha, não tendo, portanto, ligação com as antigas
insurreições regionais ocorridas no tempo da Regência (RAMBO, 1995, p. 29).
53
A questão econômica também estava em pauta, principalmente para a zona da
Campanha, a região econômica mais forte no Rio Grande do Sul, em virtude da criação da
pecuária bovina desenvolvida em grandes propriedades assim como da produção de charque.
Inicia-se, assim, no Estado, uma transformação econômica manifestada pela ascensão
gradativa do norte do Rio Grande do Sul em relação à zona sul.
Portanto, as motivações que levaram à Guerra Civil de 1893 podem ser reconhecidas
por um conjunto de fatores, que, na perspectiva de Franco (apud RAMBO, 1995, p. 30) foram
políticos, psicossociais e socioeconômicos, não tendo assim, como afirma o autor, ―nenhum
esquema preconcebido de exegese‖.
Demonstrando que a brusca mudança política representou com certeza um forte
impacto na máquina do Estado e dos municípios, onde o novo regulamento eleitoral e a
ampliação significativa do número de votantes colocaram em xeque a hegemonia eleitoral de
Silveira Martins, ainda mais tendo os castilhistas montado uma estrutura difícil de ser abalada
por via legal de contestação e de disputa, não restando outro caminho senão o conflito
armado.
Conflito esse, definido por Franco, entre o poder do Estado e a ordem privada,
mobilizando forças públicas como o Exército Nacional, a Brigada Militar, corpos provisórios
assim como guardas municipais, e tendo na oposição um levante formado pelo caudilhismo e
pelo coronelismo rural (FRANCO apud RAMBO, 1995, p. 31).
Diante disso, é fato que no período em questão a elite tradicional do Estado e a elite
emergente republicana disputavam tanto o controle político quanto o econômico.
Nesse contexto, as aspirações de cunho coronelista e as aspirações da nova ordem
política entram em choque. No entanto, as duas propostas políticas estavam forjadas no
conservadorismo, diferenciando-se unicamente na maneira como encaravam o poder
executivo (república presidencialista e república parlamentarista) e como percebiam as
relações entre o poder estadual e o federal.
Assim sendo, tem-se que os principais partidos da época são resultado dessa
polarização política entre liberais e republicanos. Em 1882, foi fundado no Estado o Partido
Republicano Rio-grandense (PRR), podendo-se citar, dentre as lideranças políticas do partido,
Pinheiro Machado, Júlio de Castilhos, Ramiro Barcelos e Borges de Medeiros, todos com
inspirações positivistas em suas práticas políticas.
Com formatação autoritária, o PRR tinha como prioridade a reformulação da educação
(principal plataforma de governo) e seu quadro político formado por pecuaristas e indivíduos
que faziam parte das classes médias urbanas (que defendiam uma política de inclusão
54
operária). O projeto desenvolvido pelo governo republicano rio-grandense caracterizou-se
como não oligárquico, visto que representou interesses variados e não somente os de uma elite
estancieira (PINTO, 1986).
No lado oposto, tem-se o Partido Federalista (PF), formado pelos conservadores
liberais, sob a liderança hegemônica de Gaspar Silveira Martins. Seu surgimento deu-se em
Bagé, em 1892. Em 1924, passa a se denominar Aliança Libertadora e, em 1928, Partido
Libertador, também fundado em Bagé. O PF, cujo principal objetivo consistia em tentar
fortalecer a agropecuária, era composto basicamente pela elite tradicional rio-grandense,
estando sua força centrada na região da fronteira.
2.3 Situando a imprensa rio-grandense na República Velha
As datas de surgimento do Partido Republicano (1882) e do Partido Federalista
(1892), assim como a própria Guerra Civil de 1893, situam-se no período entre 1850 e 1900,
época que compreende a organização da imprensa partidária.
De acordo com Hohlfeldt (2006), a denominação partidária é posta tendo em vista o
alinhamento dos proprietários e editores de periódicos a algum partido político, atrelado mais
especificamente à sobrevivência econômica desses jornais.
O autor destaca, ainda, que esse tipo de imprensa deixa de ser exclusivamente
partidária no momento que surge, no Estado, o jornal Correio do Povo (1895), vinculado ao
desgaste que os partidos políticos sofrem no período pós-guerra de 1893.
A partir daí, começa a estruturar-se a imprensa literária que tem seu início no final da
década de 1860, perdurando ao longo do século XIX e princípio do século seguinte. Mas
Hohlfeld (2006, p. 4) não deixa de mencionar a existência de variantes nesse período. Ou seja,
a introdução do conceito de empresa jornalística‖, entretanto alguns jornais ainda
mantêm-se vinculados a partidos políticos, procurando atender a determinadas demandas do
seu público, além é claro de divulgarem seus princípios ideológicos.
Estando este estudo centrado mais no caráter ideológico partidário da imprensa
jornalística rio-grandense, abordar-sea caracterização dos principais jornais desse período
somente pelo viés político partidário.
Em 1869, começa a circular no Rio Grande do Sul o jornal A Reforma, ligado ao
Partido Federalista (Liberal) de Gaspar Silveira Martins. O periódico, que ficou em circulação
55
até o ano de 1912, sofreu nesse espaço de tempo forte repressão do governo republicano de
Júlio de Castilhos.
Já o Mercantil teve sua primeira edição em 1874, perdurando até 1897. Mesmo
simpático ao Partido Republicano, no que se referia à campanha abolicionista, não
compartilhava da maioria dos ideais republicanos sendo até mesmo a favor da manutenção
forma de governo monárquica.
Outro jornal de grande importância no contexto político da República Velha foi A
Federação, que serviu por muito tempo como um instrumento de manutenção do poder do
Partido Republicano, ou seja, sua principal função era propagar os ideais republicanos.
O programa de A Federação, conforme Dillenburg (s/d, p. 11), foi pensado e
realizado por um grupo de políticos e intelectuais que almejavam a implantação da república
federativa brasileira, a emancipação dos trabalhadores servis e, principalmente, o fim da
monarquia. Dentre os intelectuais podem ser mencionados Venâncio Aires, Ramiro Barcellos,
Barros Cassal, Borges de Medeiros, Fernando Abbot, Carlos Barbosa e Júlio de Castilhos.
Apesar de eleito Presidente da Província, Júlio de Castilhos foi, por diversas vezes, diretor do
jornal, além de ter atuado de forma extra-oficial no periódico, fato este elucidado por Freitas
(2000, p. 170), afirmando que o presidente tinha por hábito rever e alterar os artigos que
seriam publicados no jornal.
A Federação foi, assim, órgão oficial do governo e do partido republicano e sua
fundação datava de 1884, circulando até o ano de 1937. Foi extinto via ato sensorial que
extinguiu, em 1937 (período do Estado Novo), os partidos políticos e todas as publicações.
Vale mencionar, também, a publicação do jornal A Época vinculado à Igreja Católica,
no ano de 1887, com grande participação no cenário político, por ter apoiado a hegemonia
republicana do Estado contra o Partido Federalista (Liberal), ao final do século XIX.
E concluindo este levantamento, Hohlfeldt (2006) aponta o jornal O Rio Grande,
ligado à dissidência republicana, contrária ao governo de Júlio de Castilhos, o qual
desempenhou papel relevante na disputa ideológica no final daquele século. À frente desse
periódico estavam Ramiro Barcellos e Assis Brasil (HOHLFELD, 2006, p. 10-11).
Vários outros jornais foram listados pelo autor, mas que não serão aqui mencionados,
por não terem muita relevância no panorama político da época, ou por não terem significância
para esse estudo.
Paralelamente a esses periódicos, cabe destacar os jornais bajeenses, O Dever (1901) e
o Correio do Sul (1914), que, também, se ocupavam em noticiar os acontecimentos políticos e
econômicos do Estado. Nos editoriais de ambos os jornais encontram-se os acontecimentos
56
que levaram ao conflito armado de 1923, acontecimentos estes que serão ilustrados no
próximo tópico.
2.4 O desenrolar da Guerra Civil de 1923
Conforme Malfatti (1988, p. 146), o autoritarismo entendido como um dos elementos
essenciais do Governo Republicano foi exercido sob dois aspectos: o primeiro está
relacionado à Chefia do Partido Republicano e o segundo, ao governo do Estado.
A representação do Partido Republicano deu-se praticamente de forma vitalícia e
exclusiva, e a Presidência do Estado manifestou-se no continuísmo, possível através da
reeleição e indicação do Vice-Presidente. Sequer era admitida a revisão da Constituição do
Estado, em particular naqueles pontos onde fosse possível o exercício do autoritarismo, como
por exemplo, a reeleição, nomeação do vice-presidente e as funções orçamentárias da
Assembléia.
A hegemonia castilhista, de acordo com a perspectiva de Gunter Axt (2004, p. 8),
controlava ―a administração pública, a política estadual e as situações municipais‖. Mesmo
com a eleição de Antônio Augusto Borges de Medeiros como presidente, manteve em suas
mãos o controle político no Estado.
Borges de Medeiros foi eleito pela primeira vez em 1897, reelegendo-se para o
quinquênio 1902-1907.
Com a morte de Júlio de Castilhos, em 1903, Borges de Medeiros tentou exercer
também um poder unipessoal. No entanto, encontrou resistência nas altas lideranças
partidárias, que passaram a questionar seu projeto de governo, ocasionando uma cisão
republicana no ano de 1906/1907, e a campanha eleitoral de Carlos Barbosa Gonçalves como
candidato do oficialismo borgista.
Estando, então, Borges de Medeiros afastado da administração direta do governo,
manteve-se no comando partidário, tendo o Governo de Carlos Barbosa possibilitado que ele
se dedicasse a organizar sua rede de compromissos e lealdades pelo interior rio-grandense.
É importante destacar que, especificamente no período de 1903 a 1908, houve uma série
de substituições de comandos políticos nas cidades do interior, onde os tradicionais
castilhistas foram hostilizados e substituídos por facções políticas opostas.
Se no Governo de Júlio de Castilhos, o alinhamento à política estadual por parte dos
57
intendentes dos municípios possibilitou que os mesmos tivessem ampla margem de ação
dentro do município, Borges de Medeiros optou por intervir de maneira mais sistemática nos
municípios, reforçando assim o poder administrativo do Estado, aprofundando e afirmando a
hegemonia mercantil ambicionada pelas facções de classe que davam a sustentação
socioeconômica.
O domínio de Borges de Medeiros se a partir de 1913, mantendo-se até 1920. Nesse
período, Borges consegue consolidar novamente a chefia unipessoal, respaldando o comando
partidário e o controle governativo de forma sólida no interior. Na ocasião das cisões
ocorridas em 1915 e 1916 não comprometeu o controle sobre o Partido Republicano (AXT,
2004, p. 9).
Ainda em conformidade com AXT (2004, p. 10), os momentos de maior contestação e
crise deram-se entre 1921 e 1923. Decorreram da forma adotada por Borges de Medeiros para
viabilizar as encampações de 1919/1920, suscitando uma grave crise financeira entre o ano de
1921/1923. Assim, estabeleciam-se condições concretas para o aumento das contestações da
oposição contra a hegemonia do Partido Republicano Rio-grandense.
Para Antonacci (1981, p. 35-36), a Primeira Guerra Mundial (1924-1918) impulsionou
e desenvolveu a economia gaúcha, por aumentar a demanda dos países envolvidos no conflito
por produtos agropecuários.
Esse cenário criou um clima de euforia entre os produtores sul-rio-grandenses,
principalmente entre os pecuaristas, que passaram a contrair empréstimos para o
melhoramento da infraestrutura produtiva, ampliação e melhoria dos rebanhos.
Mas a partir do fim da guerra, o setor agropecuário sente as consequências da retração
da demanda dos seus produtos no mercado externo e também passa a sofrer uma forte
concorrência no mercado interno devido à diversificação produtiva adotada principalmente
pelo estado de São Paulo. Dessa forma, o Rio Grande do Sul defrontou-se com uma queda
drástica do consumo de seus principais produtos agrícolas e pastoris,
[...] drástica contenção financeira, proveniente e acompanhada da retração dos
mercados consumidores estrangeiro, fez-se presente no momento em que se acelera
a luta pelo mercado interno brasileiro. Com isto, para o RS, a crise do pós-guerra
manifestou-se pela falta de mercados externos para sua produção, pela falta de
créditos, e pela forte concorrência enfrentada no mercado interno (tanto em relação
aos produtos platinos, como em relação aos produtos de outros estados brasileiros)
(ANTONACCI, 1981, p. 38).
58
Esse processo levou os produtores do Rio Grande do Sul a se mobilizarem,
organizando-se em forma de associações e cooperativas para assim fazer pressão no governo a
fim de alcançar mais apoio por parte do Estado, exigindo uma estrutura jurídico-
administrativa que garantisse os investimentos realizados no período da guerra.
Dentre as exigências encontram-se a redução das tarifas ferroviárias, para fazer frente
à concorrência no mercado interno; elevação das taxas de importação devido à concorrência
platina; redução dos impostos; bem como a criação do Banco Hipotecário ou de Carteira de
Crédito Agrícola, ou seja, exigiram uma solução política para a crise econômica instalada no
setor agropecuário.
Mas devido à orientação política positivista (em que a intervenção do Estado na
sociedade era aceita e legítima se dissesse respeito a serviços públicos relacionados com o
interesse da coletividade), a fração que detinha o poder político no Governo Republicano se
mostrou contrária a qualquer tipo de proteção e concessão de privilégios à classe ruralista.
Dessa forma, o não-atendimento das demandas dos produtores rurais fortaleceu a oposição ao
governo rio-grandense (ANTONACCI, 1981, p. 39-40).
Entretanto, não foram somente os pecuaristas que sentiram os efeitos da crise
econômica do pós-guerra. Esta também trouxe consequências para a classe operária urbana,
pois o processo de urbanização e industrialização do Estado ocasionou o fenômeno do êxodo
rural, gerando com isso excessiva oferta de mão-de-obra na zona urbana. Fator que provocou
a instalação de grave crise sócio-econômica no Estado e resultou nas greves operárias de 1917
e 1919, colaborando, assim, para o desgaste do Governo Republicano no Estado.
Os fatores acima descritos contribuíram para o levante oposicionista e para o
acirramento do embate político-ideológico, pois a situação (PRR) defendia um projeto
desenvolvimentista baseado na diversificação produtiva e no incentivo à industrialização. Já a
oposição (representada em grande parte pelo setor agropecuário do sul do Estado), por sua
vez, levantava a bandeira do tradicionalismo produtivo e da intervenção do Governo no
sentido de proteger os interesses e investimentos da classe pecuarista.
As consequências na esfera política foram derradeiras para o ressurgimento da
oposição dentro da própria Assembleia dos Representantes, que, na legislatura de 1917-1920,
contava com três representantes federalistas, momento em que o debate entre republicanos
e federalistas torna-se mais radical, e as diferenças mais salientes, trazendo para a pauta do
Estado questões relativas à ditadura republicana, as encampações, fraudes no processo
eleitoral, discussões sobre o papel do Estado, sobre os investimentos públicos, etc.
Nesse contexto, formou-se uma coalizão com forças de várias tendências políticas
59
opostas ao situacionismo estadual, tendo como der principal, Joaquim Francisco de Assis
Brasil, lançado como candidato para concorrer ao governo do Estado pela oposição.
Na visão de Franco (CADERNO DE HISTÓRIA, 2009, p. 36), o clima de insatisfação
existente entre os pecuaristas gaúchos fortaleceu a candidatura de Assis Brasil como opositor
de Borges de Medeiros. Federalistas, que até então eram hostilizados por Assis Brasil,
aderiram em sua maioria à coligação assisista, sendo o apoio sacramentando pelo Diretório
Central do Partido em uma reunião ocorrida na cidade de Bagé, em outubro de 1922.
A resistência a essa união foi mais forte por parte dos federalistas de Sant‘Ana do
Livramento que não aderiram ao movimento.
Dessa forma, tanto na campanha eleitoral de 1922, em prol de Assis Brasil, quanto na
insurreição do ano seguinte, os federalistas juntaram-se aos dissidentes republicanos e aos
democráticos e formaram uma coligação oposicionista que, apesar de não ter um programa
definido, articulava-se basicamente para impedir o quinto mandato do Governador Borges de
Medeiros e exigir a revisão da Constituição Rio-grandense.
Tinha-se, portanto, no período da nona legislatura estadual, um debate político bem
acirrado entre federalistas e republicanos, com denúncias de fraudes de um lado e de ameaças
de revolta civil de outro, resultando num processo eleitoral tenso e violento.
A possibilidade iminente de reeleição de Borges de Medeiros e as restrições impostas
por parte dos republicanos de fiscalização do pleito, e depois dos trabalhos da Comissão de
Constituição de Podres (responsável pela apuração dos votos) pela coligação de oposição,
aumentaram significativamente a desconfiança e a ira dos opositores.
Com o resultado da eleição que proporcionou os três quartos de votos necessários para
a reeleição de Borges de Medeiros, a oposição optou, então, pelo conflito armado, o qual teve
início no dia 25 de janeiro de 1923.
Toda a ação bélica e política da oposição era um esforço conjunto para alcançar, com a
intervenção federal, a deposição de Borges de Medeiros do poder. Por essa razão, caiu como
um ―balde de água fria na fervura‖, no ânimo dos libertadores, a mensagem presidencial
encaminhada ao Congresso por Arthur Bernardes, no mês de maio. Na mensagem, o
Presidente reconhecia como legal a decisão da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul
que proclamara a reeleição de Antônio Augusto Borges de Medeiros para presidente do
Estado.
A posição do Presidente da República Artur Bernardes, que não deixava dúvida nem
margens para outras intervenções, foi publicada nos jornais O Dever e Correio do Sul:
60
A eleição presidencial no Rio Grande do Sul ocorreu agitada, mas o poder
competente reconheceu o Dr. Borges de Medeiros como vencedor do pleito. Uma
parte da população não se conformou com essa decisão, mas o governo federal está
obrigado ao respeito à autonomia do Estado, salvo ulterior interpretação. Ao
contrário do que ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul um
governo reconhecido pelo poder competente, motivo pelo qual o executivo da
República se tem limitado a ordenar a neutralidade às forças federais. A influência
do governo federal no conflito rio-grandense não pode ser senão amistosa, de modo
que todos compreendam a necessidade de paz (O DEVER, 09/05/1923 e CORREIO
DO SUL, 05/05/1923).
Além dos motivos apontados acima, Arthur Ferreira Filho (1973, p. 22) acentua que as
causas que levaram à Guerra Civil de 1923, vinculam-se também à Revolução Federalista,
visto que persistia no Estado a inconformidade com o regime instituído pela Carta
Constitucional de 1891.
Somam-se aos motivos de ordem ideológica os ressentimentos pelo revés sofrido
durante a Revolução Federalista, uma vez que ambos os lados praticaram as maiores
violências.
Ricardo Veléz Rodríguez, em sua obra Castilhismo Uma Filosofia da República,
comentando a pacificação de 1893, fornece a exata dimensão da vinculação política entre os
dois movimentos armados:
A problemática da pacificação concentrou-se na imposição de revisar a Constituição
castilhista pelo teor da Carta Federal. O fato é importante, porque revela até que
ponto o autoritarismo de Castilhos identificava-se com a Constituição de 14 de
junho e explica a forte reação deste frente às tentativas revisionistas. As exigências
básicas dos federalistas serão repetidas, várias décadas depois, no Tratado de Pedras
Altas, em 1923, o qual nos faz pensar na duração obtida pelo castilhismo, graças à
defesa da mencionada Constituição (RODRIGUEZ, 1980, p. 56)
A insurreição, com início no município de Carazinho, sob as ordens do deputado
estadual Artur Caetano da Silva, tinha os federalistas como agentes principais das guerrilhas
lideradas por personalidades que haviam também participado da Guerra Civil de 1893-1895.
Nesse sentido, pode-se citar Honório Lemes, Felipe Portinho, Leonel Rocha, Estácio
Azambuja, Belisário Batista e José Antonio Mattos Netto. A eles, conforme Franco (1967, p.
37), somou-se um número significativo de republicanos dissidentes.
De acordo com Scheneider (1981, p. 66-67), as colunas de guerra dos oposicionistas
encontravam-se praticamente em todo o território rio-grandense, ocupando as seguintes
61
posições geográficas no Estado: ao norte, as ões bélicas e política eram comandadas pelo
general Leonel Rocha; ao sul, pelo general José Antonio Neto; a oeste, pelo general Honório
Lemes; a noroeste, estava o general Felipe Portinho, e no centro-sul, Estácio Azambuja.
as forças governistas contavam, ao norte, com o general Firmino de Paula, líder da
Brigada Provisória; a oeste, com o coronel José Antonio Flores da Cunha, líder da
Brigada Provisória; ao sul, com o coronel Juvêncio Lemos, da Brigada Provisória; a leste,
com o coronel Firmino Paim Filho, da Brigada Provisória, e no centro do Estado, o coronel
Claudino Nunes Pereira, líder da 5ª Brigada Provisória.
Para Antonacci (1981), o conflito de 1923, assim como o conflito de 1893-1895, deve
ser entendido como uma luta entre frações da classe dominante rio-grandense, acontecida
dentro da oligarquia local.
Diante desse cenário, tanto o jornal O Dever quanto o Correio do Sul registraram e se
posicionaram frente a este embate político-ideológico, relatando os feitos tanto dos revoltosos
quanto dos governistas.
No capítulo seguinte, analisar-se-á, através dos jornais O Dever e Correio do Sul, as
considerações e posições de ambos diante dos episódios que compõem o período do conflito
armado de 1923.
62
3 A GUERRA CIVIL DE 1923 EM O DEVER E CORREIO DO SUL
Diariamente, os jornais O Dever e Correio do Sul noticiavam fatos ligados à Guerra
Civil de 1923. Estando cada jornal alinhado à política e à ideologia dos partidos com os quais
simpatizavam, tratavam dos fatos relacionados ao conflito ora atacando os adversários, ora
glorificando alguma ação militar daqueles com o qual se identificavam.
3.1 Representações dos argumentos políticos em torno da Guerra Civil de 1923 nos
editoriais de O Dever e do Correio do Sul
Os embates políticos e ideológicos travados entre os republicanos e a Aliança
Libertadora, oposição formada pelos federalistas, democráticos e dissidentes do PRR, que
sustentaram o conflito armado de 1923, são amplamente ilustrados nos editoriais dos jornais
O Dever e Correio do Sul.
Os articulistas dos dois jornais debatiam os aspectos político-econômicos, assim como
as ações militares, travando verdadeira guerra no manuseio da palavra escrita. Nesse sentido,
cabe observar que Fanfa Ribas, diretor do jornal Correio do Sul, possuidor de um ardor
político incomparável e, às vezes incontrolável, colocava nas ginas do jornal o coração
libertador de paixão insuperável à causa revolucionária.
O Dever no embate com o Correio do Sul assume uma posição mais defensiva em
relação à política borgista, defendendo a manutenção da ordem constitucional. É possível
observar em seus editoriais e artigos que, mesmo sem reconhecer a legitimidade dos
adversários, considerava a insurreição um ato de vandalismo praticado por bandoleiros agindo
ao arrepio da lei.
O jornal situacionista também aproveitava para atacar os adversários, explorando suas
contradições e, principalmente, os antagonismos internos latentes na coligação libertadora.
É importante destacar que, desde as eleições de 1922, O Dever provocava os
adversários estampando, na primeira página da edição de 23 de novembro, trecho do livro
Democracia Representativa, escrito por Assis Brasil, com o objetivo de demonstrar sua
incoerência:
Politicamente é imoralidade reunirem-se indivíduos de credo diverso com o fim de
63
conquistarem o poder, repartindo, depois, como coisa vil o objeto da cobiçada
vitória. Estas coligações são imorais em si, mas o que é pior é que elas são negativas
e, por isso funestas na administração se conseguirem triunfar. A nação terá no
princípio um mau governo e depois desgoverno! (O Dever, 23/11/1922)
Após cada combate, o Correio do Sul e O Dever recebiam, via telégrafo, notícias que
relatavam os acontecimentos nas linhas do front. A partir de tais notícias abriam-se
intermináveis discussões, dúvidas e veementes desmentidos entre ambos os jornais.
Para O Dever, qualquer alusão a uma possível rebelião por parte dos federalistas era
vista com deboche pelo jornal, que se referia a essa possibilidade de forma cômica: ―[...] uma
revolução intestinal de tantas barrigadas de riso‖ (13/01/1923).
Mesmo que o jornal fizesse pouco das intenções dos assisistas, no meio político a
situação era bastante tensa devido à proximidade do dia em que a Comissão de Constituição e
Poderes da Assembleia pronunciar-se-iam sobre a eleição realizada em 25 de novembro de
1922, na qual concorreram Borges de Medeiros e Assis Brasil.
Poucos dias antes da manifestação da Comissão de Constituição de forma oficial, a
imprensa assisista começara a incitar a opinião pública, denunciando manobras para forjar
resultados favoráveis a Borges de Medeiros, instigando os libertadores a utilizarem, se fosse
preciso, meios ―extralegais‖ para fazer prevalecer a verdade.
O jornal posiciona-se da seguinte forma:
Borges está tratando de ajeitar atas e forjar documentos que diminuam os sufrágios
de seu antagonista aumentando os seus [...]. Se não se fizer respeitar a vontade das
urnas o Brasil assistirá e a história registrará a mais formidável das guerras civis,
pois no Rio Grande do Sul o ódio campeia infreme (CORREIO DO SUL,
13/01/1923).
Com o pronunciamento da Comissão, no dia 17 de janeiro, dando a vitória a Borges de
Medeiros, os ânimos ficaram mais acirrados, e o ComiCentral da candidatura de Assis
Brasil publica ―a pedido‖, no Correio do Sul, no dia 24 de janeiro, um artigo que insuflava a
população a declarar guerra econômica ao governo através do não pagamento de impostos.
No dia seguinte à proclamação dos resultados da eleição, o Correio do Sul, lançou em
suas páginas a denúncia de que os partidários do presidente eleito nos últimos dias haviam
adquirido todas as armas e munições existentes no comércio da cidade, e que o Intendente
havia reunido e passado em revista as forças municipais, e aconselhava a população a ficar
64
alerta, gerando um clima de expectativa e de muita insegurança (CORREIO DO SUL,
18/01/1923).
Por sua vez, o jornal O Dever fazia campanha em favor da ordem, noticiando que o
clima no Estado era de tranquilidade, em que, segundo o jornal, o governo era senhor da
situação e ―[...] estava aparelhado para reprimir qualquer movimento revolucionário‖ (O
DEVER, 11/01/1923).
E, com certa soberba, fazia previsões, talvez um tanto precipitadas, ao dizer que ―[...]
para fazer revolução é preciso gente e dinheiro e isso a oposição não tem [...]‖ (O DEVER,
14/01/1923).
O desejo de guerra mostra-se, assim, desproporcional entre os jornais. No entanto, em
nome da ordem e da legalidade e com um tom ameaçador, O Dever reproduz o discurso
governista que aconselhava a oposição a sustar suas ameaças de rebeldia e aproveitava para
criticar Assis Brasil, por ter este viajado para a capital federal com a ilusão de que, por ter
apoiado o então presidente Arthur Bernardes, conseguiria deste a intervenção federal no Rio
Grande do Sul.
A proclamação e posse de Borges de Medeiros à presidência do Estado levou O Dever
a publicar, na edição do dia 25 de janeiro, o artigo denominado O último dia de uma
campanha memorável na história política do Rio Grande do Sul. Nessa edição, o jornal
demonstrava aceitação da república e considerava como inverdades as acusações de fraude
eleitoral.
O caráter ufanista do artigo era evidente, na glorificação do PRR, na construção do
que era denominado de ―Brasil definitivo‖, ―dos heróis, semideuses, mártires, da liberdade‖
em oposição aos ―bárbaros‖:
Será empossado, hoje, no cargo de presidente do Estado, para o qual foi reeleito, o
eminente republicano Borges de Medeiros.
Rejubilemo-nos, rio-grandenses, pela vitoria da verdadeira liberdade!
Sim!...
Liberdade é esta, e verdadeira, n'um regime onde se movimentam livremente todas
as opiniões, se respeita a ordem, e a admiração pelos que trabalham e realizam os
belos ideais de um Brasil melhor, de um Brasil definitivo!
O Partido Republicano do Rio Grande do Sul está vivendo um dos seus momentos
mais intensos.
Esta é a hora garbosa da exaltação da sinceridade.
É este bem o louvor da partidária, conduzida ao triunfo como um estandarte
cristão por entre fileiras de bárbaros, num caminho de espadas.
Esta é a hora que quadrante algum marcará, porque é a hora de todas as horas, a hora
que atravessará as idades como um legado de honra às gerações de amanhã; é à hora
em que, sobre a verdade reafirmada das instituições republicanas, desce a coroa de
65
loiros da consagração!
E é para os que hão de vir, que a atualidade gloriosa dos triunfadores deve dirigir a
palavra; fragmentos de combate sobre os quais a história deste prélio passará
acima com as asas eternizadoras; e haverá gestos que entrarão no grande livro,
dentro da página coletiva que não inquire detalhes e não indaga pormenores, porque
só assinala a finalidade vitoriosa das batalhas ganhas.
É preciso que a nossa voz se alteie, e no burburinho do instante que passa, seja mais
do que gritos de satisfação e de alegria.
Necessário se faz que a nossa palavra fique numa ondulação perene, para que a
ouçam os republicanos de amanhã, para que eles saibam do ardor com que lhes
defendemos a herança, que por vontade nossa, de chegar até eles tão completa
como ela nos veio ter às mãos, enegrecida pela pólvora dos combates, e tinta do
sangue dos heróis, semideuses, mártires, da liberdade. (grifo nosso)
No artigo, ocorria a ―demonização‖, a desqualificação da oposição vista como
―plutocratas‖ vingativos, de ―tradição sanguinária‖, antipatriotas‖. A plutocracia sistema
político no qual o poder seria exercido pelo grupo mais rico, um conceito essencialmente
teórico jamais foi realmente institucionalizada em parte alguma do Rio Grande do Sul,
mesmo que se notasse uma grande correlação entre o poder político e a riqueza. Portanto, o
termo plutocracia era mais um argumento dentro do debate político da guerra civil do que
um regime propriamente dito. O patriotismo do Partido Republicano, o sentimento de amor e
as atitudes de devoção à pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão) eram opostos e
melhor que o dos desqualificados ―antipatriotas‖:
Houve sacrifícios, obstáculos em tudo isto.
Houve republicano que levou seu voto às urnas, que cumpriu com o seu dever, a
despeito de todos os acenos de vingança dos plutocratas adversários.
E era gente humilde, á mercê, muitas vezes até, do bacamarte da oposição, que vem
de dentro do passado de dentro de uma época de impossível reprodução nos nossos
tempos, portadora de uma tradição sanguinária.
Abriram-se diques a enxurradas da injúria, que a ninguém poupou; deu-se carta
branca para a mentira, nas urnas, na imprensa, na tribuna; e, finalmente, improvisou-
se a imunidade para a desordem, último delírio do antagonista.
Mentiu-se, orgiacamente.
Aqui mesmo, o exemplo é recente.
Sem nenhum critério, sem a mais leve noção de civismo, a audácia foi mais do que
criminosa: pretenderam envolver a gloriosa farda do Exército Nacional na sua trama
de aventureiros; não foi, entretanto, necessário que emendassem a mão, retificando a
infâmia de tal maneira caiu sobre eles o repúdio da opinião publica.
A inocuidade de todas as mentiras do adversário, não lhes diminuiu; apesar disso a
extensão do delito: foram antipatriotas desde o começo da campanha.
Todos os dias confundidos pela projeção da verdade, que os tem perseguido,
implacavelmente, vieram até este último momento da sua peça tragicômica, levados
por diante, impelidos pela força estupenda das nossas hostes, que hoje registram
mais uma bela vitória a da reafirmação, pelo poder competente, da vontade da
maioria do Rio Grande do Sul. (grifo nosso).
66
Continuava, no artigo, a afirmação de um Brasil Definitivo nas mãos do Partido
Republicano:
A história não pôde prescindir de nenhum depoimento.
Existe um soldado desconhecido em todas as nossas fileiras, um herói obscuro que
tem o pleno direito de reclamar, hoje, o seu lugar no carro do triunfo, e, amanhã, um
pouco de gratidão no coração republicano.
Todos lutaram, todos cumpriram lealmente com o seu dever, todos souberam
corresponder à confiança neles depositada pelos chefes, confiança que é o elo que
liga indissoluvelmente a família republicana.
Mas, as minudencias precisavam vir à plena luz, os contornos devem ter o merecido
relevo.
Despetalem-se rosas sobre as cabeças, que, sem constrangimento podem levantar-se,
bem alto, como elas sempre andavam; rompa o aplauso entusiástico aos que não
mentiram; aos que não tiveram medo, aos que acreditaram na verdade das urnas, na
moralidade do regime.
Honra aos várias vezes, vitoriosos!
Não é este o primeiro embate a que as nossas naus, vêm, por encapelados mares,
vergando os mastros; de outros, mais formidáveis, e por ideais de um Brasil Melhor,
de um Brasil Definitivo, trouxemos, nas velas pandas, vestígios de tormentas. Se for
este o movimento de conservar, de manter a integridade das instituições, outro de
maior brilho, extraordinário, nos deu a glória: a extinção de práticas viciosas do
regime.
O coração rio-grandense vem, assim, numa vibração constante, num frêmito que o
tem mantido suspenso, bem alto e inatingível, sobre os trechos rasteiros da luta, de
duas emoções singulares.
Resistiram as suas fibras, porque pela sua própria vontade, e, depois de ser pela
necessidade de sua participação como guarda avançada da República, também foi
pelo prazer de por a prova a sua energia, buscou nesses prélios, o retemperamento
do seu ânimo.
Ainda ninguém nos apanhou de surpresa: nem a própria vitória.
Prevíamo-la, como prevista havia sido esta campanha em todos os seus detalhes,
com as suas mentiras e consequente cintilação da verdade.
A imagem da árvore como representação do Partido Republicano, no artigo, era útil na
descrição do ―exército verde da floresta‖:
Cabe aqui com justeza e precisão, aquela imagem vigorosa da árvore que, na floresta
imensa, numa aberta de mata, exposta á fúria dos ventos, subiu, subiu a tamanha
altura, ficou em tal elevação que, ao-la, dirá o viandante ser a sentinela orgulhosa
daquele impassível exército verde de braços levantados para o céu e com penachos
de folhagens envolvendo os troncos.
A ascensão da árvore trouxe o presságio mau dos fracos temerosos pela resistência
de sua base tão alta assim como resistir à impetuosidade dos ventos.
E, no entanto, vieram os ventos, e os temporais, desencadeados, ameaçou a árvore
vigorosa, sentinela do exército verde da floresta.
E a árvore resistiu.
As suas raízes abriram sulcos na terra, fixaram-se mais fortemente, e os ventos
levaram-lhe, apenas, as folhas amarelecidas as raras que possuía, deixando-a na
67
esmeralda das suas folhas verdes.
Foi benéfica esta luta para o Partido Republicano.
Fixamo-nos mais profundamente, e os ventos levaram nossas raras folhas sem cor
que destoavam do conjunto de folhas verdes, verdes da esperança que nunca nos
abandonou e que tem sido, em todos os tempos, a propulsora desta marcha para o
progresso. (grifo nosso)
A oposição era vista como um conjunto de ―mercenários‖:
É grandiosa de mais esta hora, para conter referência ao nome dos adversários. Eles
atravessaram estes poucos meses de campanha, dando, ao longe, a impressão de um
conjunto de guerrilheiros recrutados em todos os credos e aos quais se acenara com
a recompensa final da partilha do Rio Grande.
Não comporta este dia a citação dos antagonistas. Hoje, o dia é dos vencedores, e
vencedor foi também o Rio Grande do Sul, industrial e comercial, o Rio Grande que
trabalha; que produz e quer cercado de todas as garantias, prosperar.
Não é só a festa do Partido Republicano; é também, a festa da paz e do trabalho.
Mais uma vez nos é assegurada plenamente a liberdade que nos garante o regime,
onde se movimentam livremente, todas as opiniões. (grifo nosso)
Borges de Medeiros era visto figurativamente, no artigo, como um ―vulto‖ nacional,
homem importante, indivíduo notável:
Este momento talvez não seja ainda propício ao julgamento da personalidade
extraordinária da figura superior de Borges de Medeiros, o vulto primacial desta
vitória do Partido Republicano.
O instante é o do predomínio de paixões, e Borges de Medeiros paira muito acima
de todas elas. Para analisar a sua personalidade, é necessário um homem da sua
estatura moral do seu valor político, um homem em fim que reúna todas as
qualidades que, no Brasil porque Borges de Medeiros é um vulto nacional o
torna uma das figuras mais representativas do país.
E, não existindo aquele só á história caberá esse julgamento.
São imperfeitos todos os que se esboçam na atualidade.
Borges de Medeiros não pode ser estudado pelo instante que passa.
Ele é superior á sua própria época. (grifo nosso)
Os seus contemporâneos fracassam nesta tentativa; ou são empolgados pela
admiração da sua obra, ou ficam cegos pela inveja de impotentes.
Contentemo-nos, nós com o orgulho de o levarmos á frente, como general, como
bandeira.
O coronel Tupy Silveira, intendente de Bagé, foi um dos que primeiro apoiou a
reeleição de Borges de Medeiros:
68
Neste instante de júbilo intenso, O Dever saúda o ilustre diretor da política
republicana local, que foi uma das primeiras vozes autorizadas que, externando um
ponto de vista anteriormente traçado, se pronunciou a favor da reeleição de Borges
de Medeiros à presidência do Estado.
E mais, efetivou essa convicção, de modo brilhante comparecendo as urnas com a
flor de seu eleitorado, na reafirmação de seu prestígio, que o torna, apesar de moço,
um dos mais destacados chefes regionais, no plano em que figuram outros da velha
guarda.
E por isso, O Dever cumprimenta o seu ilustre amigo coronel Tupy Silveira, e na sua
pessoa todos os diretores da política republicana do Estado.
Soube a Assembléia dos Representantes corresponderem à confiança do Rio Grande
do Sul.
E tanto o soube que reconheceu o candidato vitorioso nas urnas, e candidato que
satisfez as exigências constitucionais, obtendo os três quartos dos sufrágios.
Rende-lhe esta folha, culto de admiração por ter cumprido como o seu dever, e que
lhe seja a homenagem de todo o Estado, a manifestação de desagravo das injúrias
que uma meia dúzia de aventureiros políticos tem dirigido a alguns dos seus mais
ilustres membros.
É este o último dia de uma campanha que ficará memorável na história política do
Estado.
E agora, mãos ao arado e à enxada, consolidada a paz, que é a garantia de todas as
realizações do progresso, voltemos ao trabalho, pela grandeza do Rio Grande do Sul,
a ver se continuamos como o mesmo brilho de sempre, a carrear a nossa pedra para
o edifício alteroso da Pátria. Viva a Republica! (O DEVER, 25/01/1923).
Por sua vez, no Correio do Sul o ânimo era outro, e a resposta veio através de um
rigoroso e ameaçador editorial assinado por Fanfa Ribas, concluído com as seguintes
palavras: ―Desde hoje entra o Estado em vida anormal, acha-se acéfalo, não tem governo, não
tem existência legal, todos os atos emanados do executivo estadual são nulos‖ (CORREIO
DO SUL, 24/01/1923).
A opção pela guerra é estampada de maneira clara no mesmo editorial, quando Fanfa
Ribas pede: ―A intervenção federal ou a luta a ferro e fogo que é o supremo recurso dos
desesperados. A escravidão nunca‖ (CORREIO DO SUL, 24/01/1923).
Diante disso, o previsível aconteceu: no mesmo dia da posse de Borges de Medeiros,
irrompia a Guerra Civil na região serrana do Estado.
Um dia antes, o deputado estadual Arthur Caetano da Silva anunciava diretamente
ao Presidente da República, através de um telegrama datado de 24 de janeiro, a decisão da
oposição pela subversão armada, telegrama este publicado no Correio do Sul:
69
Sr. Presidente da República. Rio. A situação de desespero criada pelo borgismo
compressor e sanguinário transformou, hoje, a nossa altiva região serrana em vasto
acampamento militar. Quatro mil cidadãos levantaram-se hoje no dorso destas
coxilhas, protestando de armas na mão contra a usurpação do tirano. Sobre Passo
Fundo caiam diretamente as cóleras da ditadura porque Passo Fundo foi o baluarte
do bernardismo no Rio Grande do Sul. Não ocorrerá mais sangue se o ditador
renunciar incontinente ao seu falso mandato, ou se V. Exa. [sic] desdobrar sobre as
plagas infortunadas, as garantias constitucionais que nos falecem, integrando o Rio
Grande no concerto da federação brasileira (CORREIO DO SUL, 25/01/1923).
Na realidade, o deputado Arthur Caetano simplesmente transformava em realidade
suas ameaças feitas no discurso proferido na Assembleia do Estado em 1922, quando disse:
―Se o ditador persistir na sua decisão de tiranizar o Rio Grande por um quinquênio mais,
haveremos de nos opor, com armas na mão‖ (MALFATTI, 1985, p. 192).
O conflito armado disseminava-se pelo Estado sem ainda ter chegado a Bagé, onde os
maiores combates ainda estavam sendo travados no campo jornalístico. O Correio do Sul,
demonstrando indignação com as acusações feitas pelo jornal republicano, que teria chamado
a folha libertadora de cínica e malandra, exigia retratação por parte de O Dever.
Curiosamente, as ofensas limitavam-se às páginas dos periódicos. Nas relações
pessoais na cidade de Bagé, havia respeito e amizade, até aquele momento, conforme se
observa pela interpelação do Correio do Sul, em sua edição de 31 de janeiro:
Se até amanhã o diretor do Dever não der satisfação que nos deve como cavalheiro
que o julgamos ser, retirando a injúria que foi atirada sobre todos os leitores
oposicionistas, em cujo número nos achamos, fica o confrade avisando de que a sua
visita será inoportuna nos escritórios do Correio do Sul e de que nosso jornal não
mais o visitará também (CORREIO DO SUL, 31/01/1923).
Ocorre que O Dever, em tom conciliador, como lhe convinha na condição de
governista, ao mesmo tempo em que pregava que o momento era de conciliação, trabalho e
progresso, continuava a acusar com veemência o Correio do Sul de estar instigando à guerra.
O Dever provocava, ironizava e buscava a discórdia entre os oposicionistas. Isso
ficava evidente quando, em artigo provocador, comenta que Assis Brasil, além de proteger o
seu rebanho, dirigia a Guerra da aprazível capital federal. Ou, então, quando tenta convencer
que a luta que os fazendeiros estavam começando, atiçados pela imprensa, dava-se
exatamente no início da safra (O DEVER, 10/02/1923 e 28/02/1923).
O jornal é mais incisivo ainda quando toca na ferida, no calcanhar de Aquiles dos
70
revolucionários, insinuando que grandes estrelas do federalismo, como os deputados Gaspar
Saldanha, Alves Valência e o próprio Maciel Junior, ―querem respeito à lei e à ordem e
repudiam a revolução [...]‖ (O DEVER, 10/02/1923).
29
Francisco Antunes Maciel Júnior (nascido em Pelotas, em 04 de julho de 1879, e
falecido no Rio de Janeiro, em 02 de novembro de 1966) foi bacharel formado pela Faculdade
Livre de Direito do Rio de Janeiro, em 1902, e participou desde cedo das lutas da oposição
federalista, colaborando com seu pai. Teve longa participação na política brasileira: foi
deputado federal em quatro legislaturas e, após 1930, colaborou com Getúlio Vargas até a
morte deste. Em 1914, ano que precedeu sua primeira eleição, publicou O Rio Grande
30
, livro
de combate e crítica à situação rio-grandense. Maciel Junior era filho de Francisca Gonçalves
Moreira e do Conselheiro Francisco Antunes Maciel (1836-1917), um pelotense com larga
experiência política no período da monarquia, deputado provincial e geral em sucessivas
legislaturas, e Ministro do Império (1883/84) no gabinete do Conselheiro Lafayete, fora
também um dos fundadores do Partido Federalista; sob a República, foi deputado pelo
distrito do Rio Grande do Sul em duas sucessivas legislaturas, desde 1906 até 1911; durante a
campanha civilista (1910), foi líder da Minoria
31
. Francisco Antunes Maciel Júnior era neto
do barão de Butuí e sobrinho do barão de São Luís; e foi casado com Emília Marina Adamo,
nascida em Uberaba-MG, filha de Eugênio Batista Adamo e Maria de Miranda. Foi ministro
da Justiça e Negócios Interiores no Governo Getúlio Vargas, de 07 de novembro de 1932 a 24
de julho de 1934.
Porém, Fanfa Ribas continua ensandecido pela causa libertadora, e sua metralhadora
de palavras atira para todos os lados, acusando Borges de Medeiros de ter unicamente
propósitos separatistas. Noticia, ainda, que a Guerra Civil espraiava-se por todo o Estado,
cravejada de vitórias dos oposicionistas e repete editoriais, dia após dia, concitando à luta
armada como única solução que levaria ao triunfo e à glória.
Quando em 15 de fevereiro o deputado federal Francisco Maciel Júnior chega à cidade
de Bagé, trazendo um esboço preliminar de um plano de pacificação para ser discutido com os
federalistas bajeenses e da região, João Fanfa Ribas fica desesperado e faz a seguinte
29
Sobre a linha editorial de O Dever defendendo Borges de Medeiros e a ordem constitucional. Exaltando a
coesão partidária, o bom-senso, o papel da imprensa, a paz e os prejuízos de uma guerra civil, vide anexos 18 e
19.
30
MACIEL JR., Francisco Antunes. O Rio Grande do Sul. São Paulo, 1914.
31
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista Do Rio Grande Do Sul (1892-1928)‖. Cadernos De
História. Memorial Do Rio Grande Do Sul, 13; pp. 16-24-29-30-40. Disponível em:
<http://www.memorial.rs.gov.br/cadernos/maragatos.pdf>. Acessado em: 18 jan. 2010. ―Genealogia 276:
Família Antunes Maciel (parte 2)‖. Acessado em: 18 de janeiro de 2010. Disponível em:
<http://mitoblogos.blogspot.com/2008/07/genealogia-276-famlia-antunes-maciel.html>.
71
publicação:
Se Maciel Júnior quiser concorrer com seu prestígio para a vitória das armas
revolucionárias, bem-vindo seja. Mas se o digno patrício vem com propósitos
harmonizadores, favorecendo, deste modo, a perpetuação do tirano no poder, pode
contar com a reprovação formal de toda a oposição rio-grandense (CORREIO DO
SUL, 16/02/1923).
Na verdade o proprietário do Correio do Sul não deixava qualquer margem para
negociação, sendo contundente ao dizer: ―Nada de acordo, tudo pela revolução. Os rio-
grandenses preferem morrer com honra pelejando no dorso das coxilhas a permitir que um
tirano qualquer ocupe pacificamente a cadeira da presidência do estado‖ (CORREIO DO
SUL, 24/02/1923). A palavra de Fanfa Ribas soou tão forte que seu artigo publicado na folha
libertadora bajeense, em 24 de fevereiro, acabou reproduzida no final do mês de fevereiro no
jornal O Dia, do Rio de Janeiro.
32
É de se notar que esta iniciativa de Maciel Junior, ainda que tênue e frustrada,
constitui-se na primeira tentativa de paz e que acontece justamente em Bagé.
O Dever, aproveitando-se da cisão no seio federalista gerada pelas idéias pacifistas do
único deputado federal da Aliança Libertadora, Maciel Júnior, ironizou e provocou o Correio
do Sul, enaltecendo a figura do deputado e buscando, no passado, inspirações para a
conveniente defesa dele, lembrando o célebre telegrama de Silveira Martins a Joca Tavares, às
vésperas da revolução de 1893, no qual fazia emocionante apelo à paz. Em seu editorial do
dia 23 de março, O Dever estampou:
Os que andam por a denegrir o Sr. Maciel Jr., por discordar dos federalistas que
desejam a conflagração do Estado, esquecem ou renegam o exemplo que lhe dera
Silveira Martins, num apelo emocionante dirigido a Joca Tavares (O DEVER,
23/03/1923).
No entanto, Fanfa Ribas não deu tréguas a Maciel Júnior e escreveu longos editoriais,
nos quais a mais suave das referências a Francisco Maciel era classificá-lo de derrotista. No
mais, era cáustico, chamando o político pelotense de ―mentiroso, impatriótico‖ e culminando
32
A polêmica entre o Correio do Sul e o Deputado Maciel Jr. está explícita nos anexos 13 e 14.
72
com o pedido de que o deputado renunciasse ao mandato, uma vez que Maciel havia se
transformado em verdadeiro advogado do governo.
Para o jornalista Fanfa Ribas, os aspectos legais eram secundários. Demonstrava a
convicção de que ―se não temos nas leis o remédio urgente e indispensável aos males que nos
afligem, cumpre adquiri-los de armas na mão‖ (CORREIO DO SUL, 09/03/1923).
O mês de abril marca o levante revolucionário em Bagé, o que faz Fanfa Ribas
publicar o editorial “Estamos de Armas na Mão” (CORREIO DO SUL, 24/4/1923), no qual,
exultante, saúda a formação da 3ª Coluna Libertadora liderada por Estácio Azambuja.
33
Figura 5 Estácio Azambuja com o filho, Ary Azambuja, a sua direita, e o genro, Félix Contreiras
Rodrigues, à esquerda, no acampamento de Aceguá (Estado maior da coluna libertadora). Fonte:
Arquivo particular do autor.
O Correio do Sul, neste mesmo mês, volta a tornar-se o centro das atenções no estado
quando, em matéria publicada no dia 18, é o primeiro jornal a denunciar um dos casos mais
polêmicos do conflito de 1923: a contratação, pelas forças legais, de um grupo de mercenários
uruguaios chefiados por Nepomuceno Saraiva.
34
Sobre Nepomuceno Saraiva, a imagem que representava era a de um coronel ou de um
caudilho: mercenário, degolador, um nome sombrio, um bandido, constituindo supostamente
uma ―história negra‖ da Guerra Civil de 1923, no romance de Érico Veríssimo:
33
Com relação ao vibrante editorial exaltando a entrada de Estácio Azambuja na guerra vide anexo 9.
34
Sobre as inflamadas denúncias da participação de Nepomuceno Saraiva vide anexos 1, 2 e 3.
73
A Terceira Divisão do Exército Libertador, comandada pelo Gen. Estácio Azambuja,
fora surpreendida nas pontas do arroio Santa Maria Chica pelas forças combinadas
dos coronéis Claudino Pereira, Flores da Cunha e Nepomuceno Saraiva. [...] Da
cidade de Alegrete saíram forças legalistas comandadas por Flores da Cunha e pelo
caudilho Nepomuceno Saraiva. Este último achava temerário levar um ataque frontal
à ponte. Como, porém, conhecia bem o comandante da tropa, disse a um dos
companheiros: "El doctor al llegar mandara cangar. Es una barbaridad!" Não se
enganava. [...] Contavam os jornais da oposição que depois do combate "os
mercenários de Nepomuceno Saraiva" se haviam entregado a "orgias de sangue",
degolando feridos e prisioneiros. [...] Pelos jornais as mulheres do Sobrado
acompanhavam a marcha da revolução, com a qual bem ou mal se haviam habituado
a viver. Para elas existiam nomes claros e nomes escuros. Honório Lemes era um
nome dourado. Nepomuceno Saraiva, um nome sombrio. Um era o herói, outro o
bandido. [...] O que, porém, mais o impressionou naqueles primeiros dias de
setembro foi notícia do combate do Poncho Verde, em que os soldados de Honório
Lemes haviam infligido uma derrota séria aos de Nepomuceno Saraiva. Contavam-
se histórias negras. "Os maragatos pegavam um prisioneiro, mandavam o bicho
dizer "pausinho", e se o homem pronunciava "paussinho", viam logo que era
castelhano e passavam-lhe a faca nos gargomilos." ―Tu sabes - dizia-se como
justificativa - os assisistas estavam com a marca quente por causa das barbaridades
que o Nepomuceno e seus mercenários cometeram no combate do Ibirapuitã‖ [...].
35
Ou então, de um ―revolucionário uruguaio‖, ―hijo y colaborador de Aparício Saraiva‖.
Figura 6: Nepomuceno Saraiva (centro); Revolución, 1923, Brasil. Disponível em:
<http://www.sitiosaravia.com/images/Nepomuceno250.jpg>. Acesso em: 20 jan. 2010.
Entretanto, é necessário contextualizar essa aproximação entre os republicanos
gaúchos e os federalistas de Nepomuceno. Para tanto, foram confrontados os
depoimentos constantes nas obras de participantes, tanto na opinião do republicano e
general Flores da Cunha e Ferreira Filho, ambos aliados de causa do uruguaio
contratado por ordem de... Flores [da Cunha], assim como o do federalista e opositor
Adalberto Corrêa, incluindo, neste sentido, a memória familiar dos Saraiva,
35
VERÍSSIMO, Érico. O Tempo E O Vento. O Arquipélago II. 18ª Edição. Globo. Digitalizado por: Raimundo
do Vale Lucas. Revisado e formatado por susana cap.<www.portaldetonando.com.br/forumnovo/>. Disponível
em: <www.cyvjosealencar.seed.pr.gov.br/.../O%20Tempo%20e%20o%20Vento%203%20-
%20O%20Arquipel>. Acessado em: 20 jan. 2010.
74
personificada na figura de Sergio Saraiva. [...] Nesse sentido, inclusive com o
endosso da memória familiar dos Saraiva teria, sim, o Coronel Nepomuceno
recebido um determinado valor. Entretanto, ainda segundo a memória familiar, nas
palavras de Sergio Saraiva, o interesse não estava no referido valor recebido por
Nepomuceno, que seria nada mais do que um apoio financeiro para manutenção da
tropa de uruguaios. O motivo residia, de acordo com as palavras de Sergio Saraiva,
na intenção de obter apoio para uma intervenção em território uruguaio, com o
mesmo auxílio por ele oferecido no RS. No entanto, esse apoio esperado por
Nepomuceno orbitava nos embates políticos entre Blancos e Colorados. Dessa
maneira, segundo o relato de Sergio Saraiva, Nepomuceno não estaria interessado
em afortunar-se, como exposto por seu inimigo federalista Adalberto Corrêa, mas
sim em buscar uma aliança para intervir na política Uruguaia, angariando o apoio
aos Blancos.
36
No final do mês de abril de 1923, é criada no município a Cruz Vermelha Bajeense,
entidade que ganhou vida impulsionada por algumas senhoras da cidade. A iniciativa tinha o
propósito de socorrer os feridos de guerra sem distinção partidária.
Entretanto, a rivalidade política acabou contaminando a empreitada das lideranças
femininas a partir da publicação, no Correio do Sul, da notícia de sua criação e da
denominação: ―Cruz Vermelha dos Libertadores‖, que, conforme o jornal, tinha o propósito
de acolher os feridos sem olhar a coloração política‖ (CORREIO DO SUL, 01/05/1923).
Figura 7 Grupo de enfermeiras com a presidente da Cruz Vermelha Libertadora de Bagé, Sra.
Umbelina da Silva Tavares. Fonte: Arquivo particular do autor.
36
SANTESTEVAN, Sergio Saraiva. Citado por: LEÃO, Lúcio Antônio Rodrigues. A Disputa Pelo Poder No Rio
Grande Do Sul: A Participação Estrangeira No Conflito De 1923. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como
requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. Adelar
Heinsfeld. Passo Fundo, 2009, p. 78-94.
75
Imediatamente, os republicanos não pouparam críticas aos libertadores, lançando as
mais diversas acusações, desde insinuações de que as damas libertadoras estavam sendo
ludibriadas em seus propósitos, até altas indagações sobre o verdadeiro papel da Cruz
Vermelha que ―não pode ter pátria nem alimentar preconceitos, sob pena de estabelecer
distinção entre irmãos‖ (O DEVER, 03/05/1923).
A discussão entre republicanos e liberais se prolongou por dias a fio, chegando a ponto
de ser requerida a mediação e arbitragem do cônego Costábile Hipólito, no sentido de
manifestar-se quanto à possível ofensa aos dogmas do catolicismo com a criação da
associação, cuja denominação a vinculava a uma facção política, embora fosse voltada ao
socorro de qualquer indivíduo independente de cor e credo.
37
Figura 8 Visita do Ministro Setembrino de Carvalho ao Hospital da Cruz Vermelha Libertadora de
Bagé. Fonte: Arquivo particular do autor.
No dia 06 de maio de 1923, Bagé teve seu batismo de fogo. Nesse dia, o general
Estácio partiu de Aceguá em direção à cidade, juntando-se, no Rio Negro, com um grupo de
20 homens, liderados por Cândido Azambuja.
Nesse local, foram surpreendidos por uma patrulha da Brigada Militar com
aproximadamente 50 homens.
37
Sobre a polêmica da Cruz Vermelha vide anexos 4 e 5
76
Estando em inferioridade numérica, os oposicionistas, sob fogo cerrado, fugiram de
modo desordenado, abandonando cavalos, carregamentos e objetos pessoais. Esse episódio
militar acirrou ainda mais a guerra entre o jornal situacionista e o órgão libertador,
deflagrando, também, uma campanha publicitária com claro intuito de baixar o moral das
tropas e influir, decisivamente, no julgamento popular.
No jornal O Dever, observava-se a maximização dos fatos em reportagem do dia 08 de
maio, com a seguinte manchete sensacionalista: ―O primeiro revés dos sediciosos no
município de Bagé. Sem armas, sem dinheiro e completamente desesperançados nas
instâncias superiores‖, registra que a luta deixou muitos feridos e até mortos.
Relata, ainda, a apreensão de várias armas, cavalos, dois mil tiros e de uma longa carta
a Estácio Azambuja, comentando que os libertadores estão sem armas, sem munições, sem
dinheiro e sem esperanças. No final da carta, Estácio Azambuja estaria pedindo o envio de
notícias para o jornal libertador com a finalidade de ―impressionar o público fazendo crer que
a 3ª Coluna é organizada e eficiente‖ (O DEVER, 08/05/1923).
O Correio do Sul publicava uma versão diametralmente oposta, na qual se lia que o
piquete libertador era composto de somente oito homens e que as perdas resumiam-se a
quatro cavalos, quatrocentos tiros e uns poucos apetrechos pessoais, sendo que ninguém havia
saído ferido ou morto. Quanto à carta citada pelo jornal borgista, esta era simplesmente
apócrifa (CORREIO DO SUL, 08/05/1923).
Outro acontecimento amplamente explorado pelo jornal legalista foi a derrota imposta
aos libertadores no combate travado às margens do rio Santa Maria Chica, aliada a outras
pequenas vitórias legalistas, que efetivamente baixaram o moral dos libertadores. O jornal O
Dever, durante todo o mês, publicou diversas notícias sensacionalistas e ufanistas, chegando a
ponto de afirmar que era visível um desânimo geral entre os revolucionários, ―sendo que
muitos já cogitavam uma paz dignificadora‖ (O DEVER, 03/05/1923).
38
Comentava, ainda, o flagelo em que se encontravam os rebeldes: com frio, falta de
armas, munição, roupas e alimentos e, com audácia, conclamava os libertadores a levantarem
a bandeira branca: ―realizem, pois, os revolucionários sem constrangimento o seu desejo:
levantem a bandeira branca, sem temor da opinião pública que os aplaudirá, por que ela quer a
ordem em benefício de todos‖ (O DEVER, 03/05/1923).
Fanfa Ribas vinha reagindo com indignação e firmeza, apontando inúmeras vitórias da
Aliança Libertadora em combates por todo o Estado, e com seu estilo arrebatador enaltecia o
38
A guerra travada entre O Dever e o Correio do Sul sobre a batalha do Santa Maria Chica ficam evidentes nos
anexos 10,11 e 12
77
espírito dos revolucionários, dizendo que eles ―combateriam até no frio da Rússia porque para
aquecê-los basta o calor do entusiasmo na fogueira da paixão política, cujas labaredas
crepitam dentro da alma dos combatentes. A bandeira branca será levantada, mas pela
ditadura‖ (CORREIO DO SUL, 05/05/1923).
Quanto ao confronto do Santa Maria Chica, o Correio do Sul alterando sua linguagem
ferina e sensacionalista, registrou: ―Numerosas e terríveis versões correm nesta cidade sobre o
combate do Santa Maria Chica. O Dever noticia o desbaratamento completo das forças
rebeldes pintando o caso com as cores mais vivas da demagogia. Felizmente estes boatos se
foram desfazendo aos poucos, chegando-se a conclusão iniludível de que ao governo coube o
maior quinhão de perdas‖ (CORREIO DO SUL, 18/05/1923).
A folha borgista, quase em tom de deboche, rebateu todos os argumentos de Fanfa
Ribas, sintetizando que: ―Apenas o diretor do Correio do Sul, como um velho obstinado,
persiste na cegueira partidária para tentar o impossível: negar o fracasso político e o terrível
desastre sofrido pelas grossas colunas revolucionárias‖ (O DEVER, 24/5/1923).
Na verdade, o jornal legalista aproveitou-se muito bem dos dois mais importantes
acontecimentos ocorridos no mês de maio de 1923.
Principalmente em relação à mensagem do Presidente da República em função da
abertura dos trabalhos do Congresso Nacional, nela o presidente reconhecia de modo claro e
explícito, a legalidade da reeleição de Borges de Medeiros:
A desordem no Rio Grande do Sul não envolve nenhum aspecto constitucional, pois
o presidente reeleito o foi dentro da Constituição e das leis do Estado e o seu
reconhecimento feito pelo único poder competente no caso que é a Assembléia dos
Representantes (O DEVER, 09/05/1923).
A imprensa republicana local publicou uma série de editoriais enaltecendo a
manifestação oficial do Presidente da República, o que de fato fragilizou e deixou calada a
oposição. Insistiam em afirmar os governistas que, a partir daquele momento, a continuidade
do movimento armado pelos libertadores, além de ilegal, visava unicamente a ceifar vidas e
decretar o desastre financeiro do Estado.
Por sua vez, o Correio do Sul, comentou e reproduziu a mensagem presidencial na
edição do dia 5 de maio. Porém, além de dar pouco destaque ao fato, entendia que o
Presidente Bernardes encarava o caso do Rio Grande do Sul somente pelo lado jurídico da
78
questão. Na verdade, a oposição, além de fragilizada, ficou decepcionada, pois esperava
ardentemente a decretação da intervenção federal.
Mas, de fato, a palavra final do presidente Bernardes, ao negar a intervenção no
Estado e a derrota do Santa Maria Chica, deixou muitos revolucionários prostrados e alguns
realmente abandonaram a causa, como pode ser facilmente constatado pelo depoimento do
libertador bajeense Maurício Carneiro de Campos prestado ao Dr. Eduardo Contreiras
Rodrigues, nos seguintes termos: ―[..] a derrota do Santa Maria Chica desgostou muita gente,
os Medina abandonaram a Coluna do Gen. Estácio [...], eu mesmo fui convidado a desertar,
mas não aceitei [...]‖ (RODRIGUES, 1998, p. 74).
Concomitantemente e aproveitando a fragilidade do adversário, o Intendente de Bagé,
Tupy Silveira, expediu um edital, no qual propunha: ―Ofereço todas as garantias
constitucionais aos concidadãos que se achem envolvidos no atual movimento sedicioso e que
queiram regressar a seus lares‖ (O DEVER, 12/05/1923).
Em que pese o espírito de fraternidade, o edital nada mais era do que um estímulo à
deserção. Em pouco tempo, o Intendente teria expedido mais de cinquenta portarias de salvo-
conduto.
O Dever provocava o adversário comentando que, ―todos (os desertores) são unânimes
em declarar que foram para a revolução iludidos com a promessa de que a intervenção federal
seria decretada favorável aos revoltosos e que se reuniram apenas para uma demonstração de
forças‖ (O DEVER, 27/05/1923).
Em resposta, Fanfa Ribas acusava O Dever de publicar mentiras desonestas e
acintosamente desafiava a citação e publicação dos nomes dos beneficiados.
E ainda contra-atacava: ―Cita só se inventar nomes [...]‖. (CORREIO DO SUL,
01/06/1923). E dizia mais: ―Sabemos com segurança que numerosos defensores da ditadura
estão abandonando o acampamento desgostosos com a participação de Nepomuceno [...]‖
(CORREIO DO SUL, 29/05/1923).
O jornal governista revidou, dizendo:
Têm sido honestas as informações que temos dado sobre o recolhimento de pessoas
que abandonaram o movimento. Tão honesto que desafiamos qualquer desmentido.
Entretanto para evitar explorações e mal entendidos e para que não nos atribuam
propósitos humilhantes a partir desta não mais registraremos nomes, limitando-nos
somente divulgar o número [...] (O DEVER, 13/05/1923).
79
E poucos dias depois o matutino borgista informava o local em artigo do dia 02 de
junho:
[...] onde se encontra o livro que estão inscritos os nomes dos que receberam
portarias da Intendência, face aos impertinentes desmentidos do Correio do Sul que
tem por objetivo apenas tentar mascarar o grande desânimo que predomina nos
arraiais oposicionistas [...] (O DEVER, 02/06/1923).
Apesar de todas as diferenças políticas e ideológicas entre os jornais, é fato que a vida
comunitária em Bagé seguia ativa e tranquila, não registrando grandes animosidades entre os
bajeenses, tanto que o Correio do Sul registrava, em abril daquele ano, ―que, por amor à
verdade, devemos dizer que oposicionistas e situacionistas têm vivido como membros de uma
família, não tendo o levantamento revolucionário origem com motivo algum de ordem
local [...] (CORREIO DO SUL, 26/04/1923).
Tendo as mesmas percepções, o jornal O Dever declara, em junho de 1923, que:
Bagé orgulha-se de ser uma exceção de quase absoluta paz no estado. Mas com
firmeza de ânimo inabalável aguarda que sua oportunidade surja para a defesa da
legalidade através de uma participação mais direta da luta que é travada no Estado
(O DEVER, 24/06/1923).
Essa mesma percepção ganha repercussão na imprensa de Porto Alegre como se
observa da entrevista do jornalista Alexandre da Costa concedida ao jornal Novidades e que
foi reproduzida em O Dever em 30 de setembro. É de se notar que, com muita antecedência,
faz previsões certeiras sobre o papel que desempenharia Bagé no processo de pacificação:
Apesar de Bagé ser a capital do Federalismo, onde a animosidade deveria ser
enorme vive-se um clima pacífico e até respeitoso podendo caber a Bagé um papel de
destaque na solução pacífica do caso Rio-grandense. Primeiro pelo papel assumido
pelo Partido Republicano de extrema tolerância, segundo pela importância do Partido
Federalista de Bagé que é a cabeça pensante do federalismo rio-grandense.
[...] Neste torneio de heroicidade em que se empenha o valor tradicional do gaúcho,
Bagé que é hoje uma digna expressão de serenidade está virtualmente indicado para
ser amanhã o líder da pacificação. (O DEVER, 30/09/1923)
80
Considerando-se as operações militares ocorridas durante a Guerra Civil de 1923,
poder-se-ia observar que a ofensiva foi dos federalistas, que atacaram cidades como Passo
Fundo, Palmeira das Missões, Pelotas: as operações militares ficavam restritas a regiões
distantes de Porto Alegre e não conseguia causar dano à superioridade dos borgistas. Essa
―superioridade‖ de Borges de Medeiros poderia ter contribuído para que Bagé não fosse
atacada, no período.
Por outro lado, a agressividade nos discursos publicados na imprensa local poderia ser
apenas um recurso de retórica, um artifício teatral, características da época, como, por
exemplo, acontecia com Flores da Cunha:
As dependências dos tribunais tornavam-se pequenas para receber todos aqueles que
desejavam ter o privilégio de ouvir sua palavra, que ora tinha o ímpeto e a fúria de
um vendaval, ora era suave, como que bordada de líricas imagens ou comovente que
provocava lágrimas. Dos duelos verbais que mantinha e nos quais usava todos os
artifícios do seu verbo poderoso, ainda perduram na lembrança dos mais antigos,
frases que resistem ao tempo, repetidas de boca em boca. Durante o período em que
advogou destacou-se não pelo seu irreprimível ―sense of humour‖, como pelas
suas ―boutades‖ que ficaram famosas, mas também pelo profundo humanismo de
suas orações e pela retórica tão ao gosto daquela época. Não costumava ler os autos
dos processos criminais louvando-se apenas no relatório do juiz, na acusação do
promotor e nos debates que se seguiam, embora fosse capaz de falar durante várias
horas sobre o assunto que conhecia apenas de oitiva. Costumava se dirigir mais ao
coração que à razão. Chorava e fazia chorar, não por seu recurso ou artifício teatral,
como se poderia pensar, mas sincera e sentidamente.
39
(grifo nosso)
Articulava-se, no mês de julho de 1923, uma série de iniciativas para se alcançar a
paz, uma das fórmulas que estavam sendo trabalhadas pelos representantes de Arthur
Bernardes em suas conferências com o Presidente do Estado era a nomeação de um vice-
presidente do estado do agrado dos libertadores já que, até então, esse cargo, que ainda estava
vago, era preenchido por livre escolha do presidente estadual.
Em julho, todas as esperanças de pacificação, a partir desse arranjo, caíram por terra
quando o chefe republicano, muito seguro de si e achando que logo venceria os libertadores
pelas armas, nomeou Protásio Alves Vice-Presidente do Rio Grande do Sul.
A nomeação do Vice-Presidente acabou provocando uma grande desilusão nos
assisistas, que imaginavam que o cargo estaria reservado para a Aliança Libertadora como
39
CAGGIANI, Ivo. Flores da Cunha. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1996, pp. 33-34. Citado por: Carmen
Aita; Gunter Axt (orgs.). José Antônio Flores da Cunha: Discursos (1909-1930). edição. Parlamentares
Gaúchos. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1999, p. 32. Disponível em:
<http://www.al.rs.gov.br/biblioteca/pdf/flores_da_cunha.pdf>. Acessado em: 20 jan. 2010.
81
parte das negociações.
Outros sugeriam a posse de um elemento neutro que assumiria a presidência e
convocaria novas eleições.
As hipóteses em negociação eram muitas, mas com a indicação de um dos mais fiéis
seguidores do cacique republicano à Vice-Presidência, tudo voltou à estaca zero.
Essas frustradas tentativas de paz determinaram que em Bagé os adversários terçassem
armas através da pena dos jornalistas rivais.
O jornal libertador provocou dizendo:
Anda alvoroçado o situacionismo apregoando um próximo acordo entre os chefes
civis da revolução e o ditador por influência do Presidente da República.
Compreende-se o alvoroço: o acordo viria amenizar a sorte das hostes ditatorialistas.
Nós também queremos uma forma conciliatória que ponha fim à luta armada. Mas
um acordo dentro da razão e do direito, com o abandono do poder por parte do
tirano. Apregoam-se novas eleições, sem participação de Borges e Assis. Borges é
lógico, mas impedir Assis é absurdo [...] (CORREIO DO SUL, 03/07/1923).
A folha positivista, transparecendo muita confiança e até certa soberba, respondeu a
Fanfa Ribas através de vários editoriais, nos quais criticava Assis Brasil que, mesmo sem
apoio federal, insistia na revolução quando havia espaço para um acordo.
No editorial do dia 08 de julho, intimida os libertadores:
Os assisistas estão entre dois fogos a partir do momento em que anuiu a uma
tentativa de conciliação, ou reconhece que o governo do Dr. Borges é legal e andou
errado quando levantou a questão de sua elegibilidade, ou então atesta a fraqueza de
suas hostes confirmando tudo o que se tem dito acerca da ineficiência militar do seu
exército [...] (O DEVER, 08/07/1923).
Em novo editorial, no dia 21 de julho, é extremamente irônico com o adversário ao
responder aos artigos ufanistas de Fanfa Ribas:
Para a vitória completa da revolução o que falta ainda? Segundo o Correio do Sul de
ontem quase todas as cidades do estado estão em poder dos sediciosos. O que falta
ainda para o Dr. Borges deixar o governo se o assisismo não se conforma com as
condições do acordo e quer de qualquer modo a renúncia. Não causa estranheza
estas falsidades por parte do jornalismo vermelho. A revolução tem necessidade de
suprir a falha de seus homens e armas com recursos de grande imaginação (O
DEVER, 21/07/1923).
82
No decorrer do mês de agosto de 1923, arrefeciam-se temporariamente os combates
nos campos de batalha, no entanto a guerra ideológica e a propaganda jornalística
continuavam acesas.
O jornal governista de Bagé, que continuava a anunciar impiedosamente falsas e
verdadeiras deserções entre os libertadores, agora ia mais além. Com o intuito claro de
provocar Fanfa Ribas, criticava os líderes revolucionários, jornalistas, professores, políticos,
etc., de não pegarem em armas, ficando comodamente instalados em seus gabinetes, ditando
ordens, enquanto seus irmãos morriam por suas idéias. Chegava a citar Assis Brasil que,
desde que a revolução tinha sido deflagrada, encontrava-se no Rio de Janeiro e, por isso, era
apelidado de o ―tatu de Copacabana‖.
Além de continuar decantando vitórias em diversos locais do Estado, O Dever agora
aproveitava para ridicularizar o Hospital de Sangue, criado no Aceguá pelos revolucionários,
noticiando que: ―É cada vez mais acentuado o desânimo e o abandono dos assisistas, agora os
médicos encarregados daquele hospital, Ernesto Médici, Santos Souza e outros, estavam
fechando o estabelecimento e regressando aos seus lares [...]‖ (O DEVER, 01/08/1923).
Figura 9 Grupo de médicos Bajeenses do Hospital da Cruz Vermelha de Bagé em Aceguá. Fonte:
Arquivo particular do autor.
O Correio do Sul, pelo seu diretor João Ribas, não se intimidava e contra-atacava de
forma contundente. Dessa forma, publicou um artigo denunciando a deserção de vários
governistas, entre eles Rômulo Carrion Barcellos, Francisco Fontoura e Pedro Moraes de
83
Oliveira, que teriam desertado das fileiras republicanas por não desejarem servir ao lado dos
mercenários comandados por Nepomuceno Saraiva.
Corrigindo notícia de O Dever, que dava conta de ter havido somente uma pequena
pane em um dos aviões da Brigada Militar recém-postos em operação, o Correio do Sul
aproveitou o mau momento e o infortúnio aviatório e procurou esclarecer o fato. Nesse
sentido, informou que o avião governista tinha sido derrubado em Encruzilhada pela fuzilaria
libertadora. Em consequência, o piloto Noêmio Ferraz teria sofrido fortes queimaduras e seu
ajudante teria morrido carbonizado.
Completando a notícia o jornal libertador informava:
As forças que atiraram sobre o avião pertencem presumidamente à coluna do
valoroso guerreiro Gen. Estácio Azambuja. A notícia da queda e destruição dessa
máquina de guerra do tirano causou vivo contentamento no seio da população
gaúcha (CORREIO DO SUL, 12/08/1923).
Quanto à acusação de que os jornalistas libertadores não tomavam parte nas ações de
campo, o jornal respondeu arrematando com ironia. Ou seja, defendeu-se dizendo que o
jornalismo ―é o lugar que melhor sabemos esgrimir a ação das reivindicações populares [...] é
a fortaleza em que nos entrincheiramos para dar combate aos escravizadores do povo‖
(CORREIO DO SUL, 06/06/1923).
40
Em seguida, cita quatro dos seus redatores que se encontravam em plena atividade nos
acampamentos revolucionários: Renato Guimarães, Romeu Borba, Vitoriano Portela e Djalma
Mattos. Finalizava cobrando: ―E onde estão os valentes do jornalismo ditatorialista? Se não
nos enganamos, o diretor de O Dever está mais que na obrigação de ir para a coxilha em
defesa de sua gente‖ (CORREIO DO SUL, 06/06/1923). Referia-se a Adolpho Dupont,
diretor do jornal e major honorário. Esta última lançada foi mortal para O Dever.
Acossado viu-se Adolpho Dupont, obrigado a também marchar para as coxilhas. Não
tardou muito e o diretor de O Dever fez circular em Bagé fotografias comprovando sua efetiva
participação na luta armada como se observa da figura nº 9, onde aparece ao lado de
Nepomuceno Saraiva.
40
Sobre esta verdadeira batalha de papel que discutia a participação de jornalistas nos campos de batalha vide
anexos 6,7 e 8.
84
Figura 10 Adolfo Dupont e Nepomuceno Saraiva no acampamento militar. Fonte: Arquivo
Museu Dom Diogo de Souza
Fanfa Ribas também o deixou sem resposta as insinuações sobre o fechamento do
Hospital de Aceguá, explicando que somente se tratava de instalá-lo em melhor local.
Porém, a principal preocupação do diretor do Correio do Sul era defender e estancar as
levianas acusações sobre as deserções dos médicos e, para tanto, não poupou adjetivos:
O Dever órgão ditatorialista local anunciou ontem aos ventos que nossos prezados
amigos Drs. Ernesto Médici e Serafim Santos Souza pretendem fechar o hospital de
sangue de Aceguá e recolherem-se a seus lares. não é mentira isso que O Dever
anuncia; é insânia. A mentira é própria dos indivíduos de fé, a insânia é dos
fracos de espírito. O Dever sabe muito bem que os dois ilustres clínicos são
incapazes de abandonar os companheiros de cruzada enquanto andarem nas coxilhas
em defesa da liberdade.
O que se passa nas fileiras do situacionismo, onde as deserções são contínuas e em
massa, O Dever, por um fenômeno de ótica semelhante ao estrabismo, atribui ao
campo oposicionista. Com relação ao Dr. Santos Souza está é a terceira vez que O
Dever anuncia sua retirada (CORREIO DO SUL, 02/08/1923).
Tanto o Dr. Ernesto Médici, quanto o Dr. Santos Souza apressaram-se em enviar
cartas que foram publicadas por Fanfa Ribas, negando peremptoriamente suas deserções, sem
85
deixar de criticar O Dever pela leviandade das mentiras que, ―ofendem os nossos brios de
defensores leais e indefectíveis da causa que hipotecamos nosso apoio. Hoje como ontem
estamos lutando pela queda do último dos imperadores da América‖ (CORREIO DO SUL,
8/08/1923).
Vários outros artigos podem ser listados aqui para elucidar os argumentos políticos de
ambos os jornais em torno da Guerra Civil de 1923, mas em todos é reconhecida a discussão e
a formulação de discursos que basicamente questionavam ou criticavam ações tomadas pelos
legalistas e oposicionistas. Tratava-se, portanto, de um embate que tinha, de um lado, a defesa
da ordem pela Constituição Estadual e, de outro, a luta para a mudança dessa mesma
Constituição.
Os confrontos discursivos entre O Dever e o Correio do Sul estenderam-se até o fim
do conflito armado. O jogo de influências que ambos os periódicos pretenderam executar, em
relação aos leitores da cidade de Bagé, estava intimamente ligado à necessidade de exercer
um poder de convencimento, de conseguir a adesão do público à causa a que estavam
vinculados, e principalmente fragilizar os ideais dos seus inimigos, através de um jogo de
força e poder.
Todos os argumentos políticos em torno da Guerra Civil de 1923, postos por O Dever
e Correio do Sul, definem a importância do papel que a imprensa partidária bajeense avulta
em relação ao conflito armado de 1923.
Nos documentos oficiais de ambos os jornais, no que tange às disputas e aos
confrontos de natureza político-partidária, os conflitos encontram um espaço de propagação,
mesmo nos momentos em que nos campos de batalha não se registrava nenhum embate entre
as forças governistas e assisistas.
Os fatos demonstram que os artigos publicados em O Dever e Correio do Sul serviram
como agentes de combate entre as duas tendências políticas.
3.2 Os episódios militares em O Dever e no Correio do Sul
Como colocado anteriormente, a insurreição teve início no final do mês de janeiro
de 1923, mais precisamente no dia 25, e iniciou distante da capital Porto Alegre. Os registros
remetem à cidade de Carazinho, onde, sob as ordens do deputado estadual Artur Caetano da
Silva, ocorreu o primeiro embate; depois, Passo Fundo, alastrando-se posteriormente para
86
Lagoa Vermelha, Palmeiras das Missões e região. Ataques estes realizados por Mena Barreto
e Leonel Rocha. a região da campanha foi a última a entrar no conflito armado e, quando
entrou, encontrava-se mal preparada belicamente.
A Aliança Libertadora contava, como foi posto anteriormente, com personalidades
como os generais Leonel Rocha, Honório Lemes, general Zeca Netto, Felipe Portinho e
Estácio Azambuja. De acordo com Franco (1996, p. 37), muitos desses generais haviam
também participado da Guerra Civil de 1893-1895.
A coligação de oposição não se encontrava militarmente organizada para enfrentar as
forças governistas. Diante dessa inferioridade, os rebeldes adotaram a tática de guerrilha.
Seus objetivos militares não foram bem definidos, atacavam de surpresa e
retrocediam, deslocavam-se com rapidez confundindo as tropas governistas. As ações
militares deram-se em regiões mais distantes da capital gaúcha, não causando, portanto, tantos
danos ao governo na capital.
No entanto, a expectativa dos oposicionistas, ao optarem pelo conflito armado, era de
que receberiam apoio imediato do Presidente da República, Artur Bernardes, a quem haviam
apoiado em sua candidatura contra Nilo Peçanha, que recebera total apoio de Borges de
Medeiros.
A não-intervenção por parte do governo federal dificultou a atuação dos
revolucionários que se viram em menor número e com poucas condições militares para
enfrentar as forças governistas.
Segundo Ferreira Filho (1973, p. 65), na Guerra Civil de 1923 não se verificaram
grandes combates, ou seja, os líderes que se defrontaram, em nenhuma ocasião utilizaram-se
de toda sua força bélica. Em geral, ocorreram combates de vanguarda, choques entre
destacamentos e tiroteios de patrulhas. Mesmo assim, ocorreram alguns encontros que foram
particularmente mortíferos.
Devem-se destacar três conflitos de maior relevância: o combate de Santa Maria
Chica, no município de Dom Pedrito, o Combate do Ibirapuitã e a tomada de Pelotas.
O combate de Santa Maria Chica, ocorrido em maio de 1923, é colocado por muitos
autores como o combate de caráter decisivo, visto que poderia ter mudado os rumos da Guerra
Civil de 1923, se o coronel Claudino Pereira (líder governista) tivesse sido derrotado por
Estácio Azambuja (assisista), que havia planejado agregar sua tropa com a de Zeca Netto e de
Honório Lemes para enfrentarem em grande mero a Brigada do Oeste. Mas o coronel
Claudino conseguiu impedir essa fusão e acabou surpreendendo Estácio nas proximidades do
rio Santa Maria Chica.
87
Nessa mesma oportunidade, as forças governistas poderiam ter derrotado Zeca Netto e
ter liquidado a Coluna de Estácio Azambuja se tivesse perseguido os rebeldes. De qualquer
modo, a vitória militar coube aos governistas, que, através da imprensa, aproveitaram para
provocar os adversários.
O jornal O Dever publica o artigo ―A responsabilidade do desastre revolucionário do
Santa Maria Chica‖, no dia 20 de maio. Pretendia um comentário ―sereno‖, sobre os
―revolucionários‖. A masorca ainda era lembrada, como sobrevivência, de 1893:
A solidariedade dos revolucionários está seriamente abalada com a revivência da
responsabilidade do desastre do Santa Maria Chica. Para a nossa função de
comentadores serenos dos acontecimentos, despreocupados das questiúnculas que
atribulam ainda mais a existência dos partidários da masorca, já profundamente
sacudida pela ação tenacíssima das forças legais, em nada podem interessar esses
―pegas‖ entre eles, os da desordem.
Mais altos e superiores assuntos reclamam a nossa atenção, que de longe e
indiferentemente pousa, sem maiores demonstrações que não os de uma curiosidade
entediada, no ―bate boca‖ dos companheiros políticos do Sr. Assis Brasil.
Aparentemente, o comentarista queria parecer preocupado em não atiçar os ânimos,
procurando certa unidade da cidade que havia, supostamente, antes de 1923; procurava ser
magnânimo:
Entretanto, é até com certa simpatia que acompanhamos a atuação dos
revolucionários de Bagé. Explica-se: a convivência íntima de ontem, ainda pelo dia
de hoje prolongada com as visitas que fazem a cidade os sediciosos, a nossa
qualidade de conterrâneos, as ligações de amizade e as relações sociais que sempre
mantivemos tudo isso concorre para desfazer o caráter indiscreto que alguém,
malevolamente, nos poderia atribuir pelo fato de, com inocência e carinho, arriscar-
nos a respeito, despretensiosas palavras. Elas levam o sinete dos nossos intuitos
pacificadores, tão pronunciados que se revelam no mesmo desejo ardente de ver
restabelecida a cordialidade que, pareça-nos, tem mantido, entre si os generais e
soldados da campanha libertadora.
A inegável superioridade moral e material que possuímos sobre os nossos
antagonistas, -nos o suficiente prestígio e a necessária autoridade para um
pronunciamento leal a propósito do objeto da desinteligência surgida. É que
digamos sem rebuços seria causa de tristeza para nós, que a discórdia viesse a
lavrar entre as hostes revolucionárias. Se bem que pareça extraordinário, fazemos
votos para que mais do que nunca guardem os sediciosos, uniformidade de vistas, a
mais absoluta (?)... Nunca tivemos precisão de contendas no seio da agitação para
assim, com o maior enfraquecimento das forças libertadoras, vermos favorecido o
trabalho de restabelecer a ordem em que, abnegadamente os nossos companheiros da
Brigada Militar mostram o seu ânimo e o seu desprendimento. E queremos que os
revolucionários sejam, neste momento, amigos uns dos outros, porque melhor e sem
dificuldades e maiores sacrifícios para eles próprios, aceitarão a paz que, breve os irá
favorecer. De mais a mais, esta campanha, afora a truculência de alguns jornalistas
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revolucionários, não ultrapassou as fronteiras de uma graciosa permuta de
manifestações de simpatia às avessas, pela força das circunstâncias é verdade, mas
sempre simpatia. Temo-la, e em destacada proporção pelos sediciosos deste
município.
O comentarista preocupava-se especialmente com Estácio Azambuja, que havia
recebido críticas:
Não deixa de ser com grande pesar que recebemos às vezes as notícias dos revezes e
sofrimentos passados pelos componentes das tropas do Sr. general Estácio
Azambuja. O fato a que nos referimos pode ser sintetizado em duas palavras: o Sr.
general Estácio Azambuja, em ordem do dia dada à estampa não faz muito, nas
colunas do Correio do Sul, explicou as razões determinantes do desastre sofrido
pelas suas forças ás margens do Santa Maria Chica. Nada mais justo: um general
tem o direito à autoridade e a capacidade necessários para criticar, narrar e distribuir
as responsabilidades de uma ação em que as suas tropas tenham tomado parte.
A discordância entre Olavo Brasil de Almeida e Estácio Azambuja, em que aquele
atribuía responsabilidades da derrota a este, era lamentada pelo comentarista:
Desse modo de pensar discorda, entretanto o Sr. Dr. Olavo Brasil de Almeida,
oficial das forças do Sr. General Estácio, ao qual acusa de faltar à verdade na
referida ordem do dia, escrita na fronteira do Aceguá. O Sr. Dr. Brasil de Almeida
diz, em sua carta ao general Estácio, que ―glórias galões e bordados todos querem e
ninguém os quer espalhar, ao passo que responsabilidade de graves acontecimentos
ninguém os quer e todos procuram atira-los ao outros‖. É dura, é triste esta vida.
Dizê-lo não originalidade a ninguém. Repetem-no, os poetas, diariamente... Isso,
porém, não exclui a verdade encerrada naquela velha queixa dos homens quando
vítimas de injustiça e de ingratidão. A nossa posição de adversários torna-nos
insuspeitosa para falarmos sobre este caso, e serão amargos os conceitos que
emitirmos. Vejamos, por exemplo, o Sr. general Estácio Azambuja já cansado,
descendo a montanha da vida, abandona o convívio quieto da sua família, cercado
pelo carinho da sua virtuosíssima esposa e dos filhos, deixa a cidade onde
republicanos e federalistas o estima e vai para a posição de sacrifício de comandante
de uma coluna revolucionária. Vitorioso ou derrotado nesse posto, justa ou injusta a
sua causa, bastaria o fato anterior da aceitação de tão pesado encargo para que,
perante homens possuidores de sentimento de gratidão, de justiça, o Sr. general
Estácio ficasse, por sempre, venerado apontado como um exemplo de dedicação ás
suas idéias.
Nesse discurso, O Dever aponta a superioridade militar e moral da base governista
utilizando-se das próprias contradições e da falta de gerência militar dos oposicionistas. Além
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disso, faz uma proclamação à paz, demonstrando que os revolucionários não teriam como
sustentar por muito tempo o conflito.
Na parte final, como se observa a seguir, é impiedoso ao fustigar os desencontros
internos da Aliança Libertadora, ao mesmo tempo em que aproveita para criticar o Correio do
Sul:
Porém, isto não sucede. E a primeira manifestação em contrário, vemo-la na atitude
do Dr. Brasil e na do jornalista que lhe publica a epístola em que tão rudemente é
tratada a pessoa do velho servidor do partido Federalista Sr. general Estácio
Azambuja.
Se, de fato, houve fracasso, por que motivo aumentar a tristeza do Sr. general
Estácio com acusações pesadas, e impiedosas sátiras aos seus bordados?
Por maior que fosse o desastre, o passado do Sr. general Estácio daria para saldar
essa vida, e ainda lhe restaria com que fazer o renome de muitos outros
companheiros.
Não é justo o Sr. Dr. Brasil de Almeida; é injusto o Sr. Diretor do Correio do Sul.
O Sr. Dr. Brasil Almeida é um homem de coragem, não dúvida nenhuma, mas é
um moço. Os seus serviços ao federalismo são de hoje. O Sr. general Estácio
Azambuja já esteve na revolução passada; saiu da luta empobrecido.
Porque diz o Sr. Dr. Almeida ironicamente que estava o general Estácio em ―doce
pic-nic‖, por que lhe nega espírito de justiça, por que o acusa de inepto?
E por que o Correio do Sul publica essa carta que irá magoar o coração generoso do
velho federalista?
Saibam todos os revolucionários que o velho federalista sempre foi verdadeiro,
sempre falou a verdade, e verdadeira é a sua ordem do dia sobre o combate do Santa
Maria Chica.
Assuma a responsabilidade do desastre quem, de fato, deve assumir, e não o antigo
federalista, que nunca mentiu. (O DEVER, 20 de junho de 1923).
Em relação à batalha às margens do Rio Santa Maria Chica, o Correio do Sul acusa o
seu congênere republicano de publicar notícias deturpadas e inverídicas.
Fanfa Ribas dizia que O Dever, influenciado pela paixão política pintava o caso com
as cores mais vivas da demagogia com fértil e rica imaginação‖ (CORREIO DO SUL,
18/05/1923). Para Fanfa Ribas, a vitória tinha sido dos libertadores. Mesmo sem contar com a
participação direta de Zeca Netto e Honório Lemes, Estácio tinha imposto ao adversário um
maior número de baixas. Nesse sentido, publicava, ainda, um artigo onde contestava
diretamente a veracidade de uma série de documentos publicados por O Dever em relação a
tal conflito: ―Documentos apócrifos e mal engendrados‖.
De acordo com O Dever, os documentos pertenciam ao general Honório Lemes e
demonstravam a pouca intimidade do mesmo com a cultura literária. Em contrapartida, o
Correio do Sul acusa O Dever de falsear tal documentação:
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O Dever publicou ontem vários documentos que diz terem sido apreendidos entre
papéis pertencentes aos revolucionários que tomaram parte no combate travado à
margem do Santa Maria. Entre eles figuram duas cartas atribuídas ao bravo general
Honório e das quais o situacionismo pretende tirar partido, demonstrando ser escassa
a cultura literária do chefe revolucionário.
Da redação dessas missivas nada ressalta de desairoso ou comprometedor para o seu
signatário ou para a revolução através da singeleza das frases observa-se naqueles
períodos sinceros a manifestação de uma alma boa, generosa e franca, colocada ao
serviço da guerra civil em virtude das perseguições sofridas pelos seus amigos,
perseguidos pelo rancor ditatorialista. Querem maior nobreza e maior expressão de
civismo. Que fica para censurar nessas missivas despretensiosas? As poucas letras
do general, que o situacionismo procura meter a ridículo? Mas nem isso está
provado porque as cartas são falsas. O estelionatário que as forjicou, e que O Dever
naturalmente conhece, foi desastrado na falsificação, deixando patentes os sinais do
estelionato.
Por baixo de uma delas escreveu o falsário, à laia de assinatura, o seguinte nome:
―Honório Lemos‖. Mas esse é o nome de tradição do guerreiro, não é assinatura do
general. Saiba o falsário d‘O Dever ou das forças ditatorialistas, que foi pilhado em
flagrante delito de falsificação: o grande patriota gaúcho, o atrevido e respeitado
Leão do Caverá, o bravo revolucionário rosariense que tem sido o terror das hostes
governistas, nunca assinou documento algum com a firma de Honório Lemos, mas
com a firma de Honório Lemes da Silva, que é o seu verdadeiro nome.
- Ó Lemes, porque te não chamas Lemos? de perguntar agora envergonhado o
falsário, ao ver que foi agarrado pela goela do jaquetão na falcatrua (CORREIO DO
SUL, 23/05/1923).
Frente à derrota libertadora naquele combate, é clara a intenção do Correio do Sul em
minimizar o resultado e a importância da luta. Assim, procura desviar a atenção para outros
aspectos fora do campo de batalha.
o episódio denominado ―O combate de Ibirapuitã‖ teve a participação de Honório
Lemes que, ao passar novamente por Alegrete, acampou no Capão do Angico e, no dia
seguinte (19 de junho de 1923), instala parte de sua tropa junto ao rio Ibirapuitã, ocupando a
ponte Borges de Medeiros‖. Com esse procedimento, cria forte obstáculo à passagem do
governista Flores da Cunha, que parte em investida contra seu inimigo. Nesse combate direto,
morreram figuras como o major Guilherme Flores da Cunha (irmão do chefe da tropa
governista); capitão Arthur Mendes e alguns praças. Também saíram feridos, além do próprio
Flores da Cunha, Osvaldo Aranha, Oscar Prado, assim como outros oficiais.
Em relação a tal conflito, o jornal O Dever, deixando transparecer soberba, publica o
artigo intitulado ―A Vitória republicana em Alegrete!‖:
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Nossa gente, batida por uma chuva de chumbo, era repelida em novelos, ora
avançando em desfile e quase em silêncio, ganhava terreno, realizando o mais
estupendo feito de armas que esta luta há de registrar.
Flores da Cunha, Oswaldo Aranha, Oscar Souza, Laurindo Ramos sangravam
pelas feridas recebidas e, contra um pilar do pontilhão, jazia inerte, inteiriçado pela
morte súbita, o corpo de Guilherme Flores da Cunha.
Desde a primeira carga até que do lado oposto da ponte Lulú Aranha, o guri
destemido até a loucura, berrou um Viva o Rio Grande! - passaram seis minutos,
seis minutos de indecisão e de heroísmo.
A passagem estava vencida. Havíamos deixado nos cem metros desse caminho
trágico quatro mortos, trinta e dois feridos e quarenta e oito cavalos mortos!
E ao desse feito extraordinário de valor, começou a debandada covarde dos
―bandoleiros‖ de Honório.
Transpor a ponte e cair célere como um raio sobre os entrincheiramentos foi para os
nossos um só movimento.
Desentocadas dos seus formidáveis redutos e depois de um rápido corpo a corpo as
―legiões regeneradoras‖ iniciaram a disparada, assinalando o seu caminho por um
estendal de cadáveres.
Deixaram das primeiras cercas até o Matadouro vinte e cinco corpos estendidos; até
os campos da cavalhada mais vinte e nove.
E continuaram; a corrida até quase duas léguas, pontilhando a estrada com 86
cadáveres, entregando mais de mil cavalos, dez carroças, correames, munições e
roupas, um ―sulki‖ onde foi encontrado o chapéu de sol de Honório Lemos, tudo
enfim, tudo quanto lhes podia ser incômodo na desesperada corrida da salvação!
A gloriosa falange do mais mimado dos generais da ―salvação‖ foi, por fim, noite
fechada, atirada em quatro grupos desfeitos e fugidiços para dentro dos socavões do
Caverá.
Foi esse, palidamente descrito, o feito das nossas armas no encontro do dia 19, feito
cujo principal episódio foi assistido por toda a população do Alegrete.
Se alguma esperança ainda restava ao senhor Assis Brasil no esforço dos seus
bandoleiros, se alguma pretensão alimentavam ainda os chefes da masorca em
relação aos resultados dessa indigna ―intentona‖, tudo isso se terá esborcado e
desfeito.
Honório Lemos fugindo ao impulso do nosso avance, expulso e acutilado dentro dos
seus formidáveis entrincheiramentos do Ibirapuitã, fuzila as últimas ilusões dos
empreiteiros da desordem.
Depois disso, serão incapazes de enfrentar um soldado republicano‖ (O DEVER,
05/07/1923).
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Figura 11 O general Flores da Cunha ao centro e seu Estado Maior. Fonte: Arquivo particular do autor.
A proclamação da vitória por parte de O Dever no que se refere a esse conflito, é
devido à retirada das tropas por Honório Lemes que, assim, cede terreno aos governistas e é
perseguido por esses. Dessa forma, a imprensa governista tira proveito do ocorrido, não
levando em conta, como registra Ferreira Filho (1973, p. 66), os aspectos táticos da ação, em
relação à qual os federalistas estavam estrategicamente mais bem colocados. Do lado da
coluna de Honório Lemes, resultaram treze baixas, entre elas os irmãos Gabriel e Delfino
Timbauva, ficando feridos o tenente-coronel Maurício de Abreu, os capitães José Azambuja e
Gentil Pinto e, ainda, o próprio comandante Honório Lemes.
Por outro lado, o Correio do Sul publica uma série de artigos contestando a
proclamada vitória republicana. Na edição de 01 de julho, vai ao detalhe de informar as
baixas: [...] governistas 60 a 70 mortos e mais ou menos 130 feridos. Libertadores 13 mortos
e 20 feridos‖. No dia 07 de julho, volta a proclamar com veemência a vitória libertadora e
acusa que os ―órgãos governistas insistem, deturpando a verdade, convencer que o combate
no Alegrete foi vencido pelo governo‖.
O terceiro ataque de significativa importância na Guerra Civil de 1923 foi a tomada de
Pelotas pelo revolucionário Zeca Netto, em 29 de outubro.
93
Figura 12 Entrada triunfal de Zeca Netto no centro de Pelotas. Fonte: Arquivo particular do autor.
Sua relevância não se em relação aos embates no campo de batalha, mas sim por
sua representação simbólica para o conflito, principalmente do ponto de vista dos
oposicionistas, que tiveram nesse evento um dos pontos auges da batalha.
Segundo Ferreira Filho (1973, p. 85), Pelotas possuía o maior número de adeptos à
guerra. Os assisistas combatentes da cidade eram muito ativos na coleta de recursos para os
correligionários em armas e estavam sempre vigilantes em relação às ações das forças
governistas. Nesse contexto, os revolucionários tinham a cidade como um centro de
informações de primeira ordem. Isso facilitou a tomada de Pelotas por Zeca Netto, que tinha
total conhecimento da posição e da situação das forças governistas na cidade.
Marchando pela madrugada em direção à cidade, sem o conhecimento dos
republicanos, o general assisista invade a cidade surpreendendo seu inimigo. Tomou de
assalto alguns pontos da resistência legal, mas não conseguiu subjugar o Corpo Provisório
da Brigada Militar governista, que ficou abrigada na Sociedade Agrícola municipal.
As perdas governistas foram significativas tanto em número, quanto morais e o feito
de Zeca Netto foi aclamado em praça pública na cidade, aumentando grandemente o seu
prestígio. De sua coluna, a perda de vidas foi de somente quatro homens e 17 feridos. Além
das glórias, o general conseguiu abastecer-se de cavalos, arreios, etc., fortalecendo sua coluna
(FRANCO, 1973, p. 85-86).
O jornal Correio do Sul deu total ênfase ao fato. Em linguagem ufanista ocupa a
primeira página em diversas edições para decantar a vitória de Zeca Netto.
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Além dos três episódios de guerra de maior relevância acima abordados, cabe destacar
outros, que, apesar de não terem tido grande importância no aspecto estratégico militar, foram
significativos por seu caráter moral, como, por exemplo, o embate ocorrido em Uruguaiana.
Esse evento que envolveu também a imprensa da Argentina foi registrado no jornal O Dever
no dia 01 de julho de 1923, sob o título: ―A derrota dos revolucionários em Uruguaiana‖,
trazendo como posto pelo próprio editorial, ―detalhes interessantes da luta, pelo
correspondente de La Nacion, em Libres A heróica resistência dos republicanos‖,
publicado, primeiramente, no jornal A Federação e posteriormente transcrito pelo O Dever. A
Federação publica o seguinte:
Publicamos ontem, detalhada uma notícia telegráfica sobre os acontecimentos de
Uruguaiana da heróica resistência oposta aos revolucionários pelos republicanos ali
sitiados durante mais de dois dias e a derrota que os levou em tremenda debandada.
Completando as nossas informações telegráficas de ontem, e hoje transcrevemos
aqui os telegramas passados de Libres á ―La Nacion‖, de Buenos Aires, de sete do
corrente pelo seu correspondente especial, testemunha insuspeita daquela
memorável cruzada:
―Passo dos Libres seis (Especial de La Nacion) Á noite de ontem, até as
22h00min, sentiu um forte tiroteio em Uruguaiana, reinando completa calma depois
desta hora.
Hoje, notou-se o desaparecimento das tropas revolucionárias, que ante a
impossibilidade parece, de tomar Uruguaiana, optaram pela retirada.
Correm rumores de que as forças destacadas em Uruguaiana saíram em perseguição
dos revolucionários que se retiraram. Fala-se de muitas baixas da parte dos atacantes
nos tiroteios de ontem. Hoje cedo se viu entrar uma tropa do gado, como também
apareceu voando um aeroplano sobre a cidade
―Passo dos Libres seis (Especial de La Nacion) detalhes do ataque de Uruguaiana
Posso agora transmitir detalhes verdadeiros sobre os acontecimentos de Uruguaiana,
pois nos momentos passados podíamos afirmar o que distinguíamos a simples
vista e sob referências mais ou menos exageradas, dos fugitivos e partidários de um
ou de outro lado.
É indubitável que os revolucionários, ante a impossibilidade de tomar Uruguaiana,
retiraram-se para o lado de Quarai, ao que parece para conseguir novos elementos
que se fossem importantes, não seria difícil de voltarem eles sobre Uruguaiana.
A força atacante, sob o mando de Adalberto Corrêa, Juvenal Saldanha e outros,
compunha-se de 600 a 800 homens (Neste ponto equívoco do correspondente,
pois, segundo as próprias informações dos adversários as forças sitiantes
ultrapassavam de 2.000 homens. Nota da R.)
Adalberto Corrêa, segundo referências de alguns prisioneiros caídos em poder das
forças legais, está ferido em um ombro.
As forças defensoras da cidade compunham-se de igual número de homens bem
armados e municiados. A cidade foi rodeada de trincheiras feitas de madeira, sacos
de erva e e, além disso, cruzaram-se as bocas de rua com arame farpado, etc. Os
defensores da cidade instalaram um vigia na torre da Igreja, o qual se comunicava
por telefone com a Intendência, onde se achavam sempre prontos dez automóveis
com tropas as quais acudiam ao setor indicado pelo vigia.
As forças defensoras contavam com a mocidade de Uruguaiana, empregados de
bancos, de comércios, de oficinas, etc. Os governistas tiveram, segundo declarações
dos dirigentes, 10 mortos e oito ou 10 feridos e os revolucionários de 40 a 50
mortos, alguns dos quais enterraram e outros estão enterrando hoje [...]
Estes últimos (revolucionários) levaram os seus feridos deixando-os no lugar
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denominado Cerrito. À noite de vinte e duas horas, fizeram um último ataque sobre
as defesas ao lado do posto, movimento feito para poder retirar as forças dos outros
lados, que rodeiam a cidade.
As forças do governo, ante o silêncio dos outros setores fizeram reconhecimentos e
ao comprovar a retirada, lançaram a sua cavalaria em perseguição do inimigo pondo-
se em contato com este e regressando hoje, com alguns prisioneiros. Chegaram hoje
reforços para as tropas governistas do lado de S. Borja e Itaquí.
No quartel do regimento refugiaram-se muitas famílias. Sentiu-se na escassez de
água e de alimentos durante a fuga entre as famílias por não ter quem a provesse em
cada casa, pois a paralisação foi completa. Afirma-se que os que estavam nas
trincheiras (os legalistas) possuíam as provisões necessárias. O comércio começa a
abrir as suas portas, porém as trincheiras continuam com a vigilância de patrulhas,
etc. Algumas famílias, que haviam se retirado para Libres, regressaram a
Uruguaiana. Os combates se efetuaram sempre nos subúrbios, sem que os
revolucionários tivessem podido forçar em nenhuma parte a linha de trincheiras (O
DEVER 01/07/1923).
Nesse artigo, o jornal O Dever, impõe à oposição uma humilhante derrota, moral e
militar, colocando que os rebeldes retiraram-se em debandada, aumentando assim os louros da
tropa governista, diante do conflito.
Deve-se fazer referência, também, aos embates ocorridos na cidade de Bagé. Dentre os
episódios armados registrados no interior do município, um deles foi a perseguição das forças
governistas a Zeca Netto, confronto acontecido na Estação Santa Rosa, na localidade de
Seival, no dia 13 de setembro.
No dia 20 do mesmo mês, ocorreu um conflito entre republicanos e revolucionários na
costa do Rio Negro, combate que vitimou o capitão legalista Thomaz Thompson Flores.
Quanto a este episódio, tanto os governistas quanto a Aliança Libertadora, deram-se como
vencedores. Considerando-se que a base governista contava com um número grande de
soldados, é de se presumir que tenham levado vantagem nesses encontros. Entretanto, de
acordo com o que foi divulgado no jornal Correio do Sul, os libertadores debocharam das
ações militares dos republicanos. Os legalistas precisaram ―movimentar nada menos do que
trezentos homens para enfrentar tão somente setenta valentes revolucionários‖ (CORREIO
DO SUL, 22/09/1923).
No dia 16 de outubro, deu-se o último enfrentamento entre as forças rivais na região
de Bagé, desta vez na fronteira com o Uruguai, entre o município de Aceguá e a Carpintaria.
Nessa refrega, os legalistas impuseram forte derrota sobre a coluna de Estácio
Azambuja, forçando o legendário general a refugiar-se no Uruguai.
O Dever não perdeu a oportunidade de decantar a vitória e aproveitar, com fina ironia,
mais uma vez explorar as diferenças internas dos libertadores bajeenses que veladamente
faziam críticas às ações de Estácio Azambuja.
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Na gare da estação férrea, por ocasião da despedida do comandante governista
Claudino Nunes Pereira, discursou o Dr. Arnaldo Faria e O Dever transcreveu sua fala:
Em que pese a responsabilidade de seu gesto revolucionário, merece nosso respeito
à sinceridade das suas venerandas e enraizadas ideias maragatas. Todo nosso
desprezo se dirige como um projétil para ferir aqueles covardes que o abandonaram
na hora tremenda da adversidade. Estes merecem todo o desdém por traírem a
altivez tradicional do gaúcho, o cavalheirismo até então nunca desmentido da raça.
Vilões, abandonaram o chefe no campo de luta e acampados nas ―guerrilhas‖ dos
cafés procuram destruir até a própria honra do homem que seduziram para a rebeldia
(O DEVER, 23/10/1923).
Evidentemente o Correio do Sul respondeu com veemência as insinuações de O
Dever:
Podemos afirmar que O Dever falta com a verdade na declaração que Estácio
emigrou para o Uruguai. Pode ficar certo O Dever que Estácio como todos nós que
pugnamos pela liberdade e que temos o nosso ideal de regeneração do Rio Grande,
não abandonará o campo de pugnas cívicas enquanto a vitória não coroar os nossos
esforços. Espere O Dever que hoje, amanhã ou depois terá que se desdizer, a
verdade custa a chegar, mas não empaca no caminho (CORREIO DO SUL,
20/10/1923)
Diante de vários episódios armados ocorridos entre legalistas e assisistas, os combates
por conta da imprensa partidária bajeense foram sempre explorados por ambos os periódicos,
podendo-se citar, nesse caso, o conflito de Dom Pedrito. O jornal O Dever, aproveitando-se
da derrota dos libertadores em Dom Pedrito, começou a anunciar, pode-se dizer com certo
exagero, que dezenas de assisistas estavam desertando. Nesse sentido, até cita alguns nomes
como os de ―João Carlos Guimarães, Pedro Saraiva, Aníbal Farinha Filho, Felix Contreiras
Rodrigues, Cândido B. Gaffrée, José T. Godoy, Antônio Maldona, Serafim dos Santos Souza,
Ernesto Médici e outros‖ (O DEVER, 26/05 e 14/06/1923).
Em face de tais colocações, a folha libertadora bajeense reagiu com indignação
negando as deserções e fez mais do que isso. Depois de acusar O Dever de explorar a mentira
e a calúnia, explicava que todos os libertadores, citados pelo jornal adversário, estavam firmes
e engajados na causa. Na verdade, o que havia ocorrido é que muitos desses homens
estiveram na cidade em visita aos seus familiares, ou recolhidos, se restabelecendo dos
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ferimentos recebidos. E para confirmar a veracidade do que afirmava, o jornal publicou
diversas cartas enviadas a sua redação exatamente pelos libertadores citados no jornal rival,
nas quais, com veemência, desmentiam qualquer deserção.
Fanfa Ribas, em artigo assinado e publicado no dia 30 de maio, não poupa o
adversário e diz que ―O Dever explora a mentira, porque a não ser algum ou outro caso, aliás,
verificado em todas as guerras, ninguém tem desertado da revolução que segue em marcha
ascendente para o triunfo‖ (CORREIO DO SUL, 30/05/1923).
Todos esses conflitos resultaram em grande desgaste para a oposição. Assis Brasil
sabia que não teria como dar continuidade à Guerra. As dificuldades de se manterem nos
campos de batalha eram grandes e não seria, portanto, pelas armas, que a Aliança Libertadora
alcançaria seus objetivos. Diante dessa realidade, deu-se início ao diálogo entre republicanos
e oposicionistas sob a intermediação do governo federal.
Do conflito armado, resta registrar dois aspectos marcantes no que tange à estratégia e
aos equipamentos bélicos. Nesse sentido, pode-se dizer que foi a última guerra onde o cavalo
e a lança foram equipamentos indispensáveis e a primeira em que se viu o avião ser utilizado
em combate no Rio Grande do Sul.
Figura 13 Lanceiros da coluna de Honório Lemes jovens, velhos, brancos, negros e mestiços
tendo a lança como única arma de guerra. Fonte: Arquivo particular do autor.
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Da guerra jornalística cabe registrar, ainda, a momentânea prisão do diretor do
Correio do Sul que bem aproveitou o episódio para atacar Borges de Medeiros e o periódico
legalista de Bagé:
Sob uma saraivada de insultos, impropérios e obscenidades da infame ralé, o
automóvel que nos conduzia trasanteontem (4/11) à cidade e na qual viajavam
também Luiz Sarmento, Balbino Mascarenhas e Mário Piegas, foi detido para a
consumação do mais vil e mais infame atentado que pôde praticar a ditadura. Mansa
e pacificamente voltávamos de um passeio domingueiro ao campo quando aquela
horda de bandidos assassinos e ladrões armados pelo tirano Borges de Medeiros, em
número superior a sessenta rodeou o veículo em que vínhamos e aos gritos de ―mata,
mata‖, apontou sobre nossas cabeças as armas homicidas. De todos os lados, pela
frente e pelas costas através das cortinas e da capota do auto, nos eram vibrados
coronhaços de espingardas, golpes de faca, cacete e cabos de relho. E para coroar a
obra da ditadura naquela glorificação de covis de assassinos, não faltou o sangue
generoso do martírio, que jorrou em borbotões das veias de Luis Sarmento, de
Balbino Mascarenhas e do ―chouffeur‖. Que crime havíamos cometido, nós,
humilde jornalista da oposição, para provocar tais homens e tais bandidos à
violência de que fomos vítima? A nossa pena pode ser enérgica, mas é leal e sincera.
Em luta nobre e honesta, a ditadura só teria contra ela uma arma condigna: a pena de
outro jornalista que soubesse esgrimir com decência e que rebatesse com veemência
os golpes por ela vibrados. Se a ditadura preferiu combatê-la pelo punhal dos
sicários e pela coronha das escopetas dos bandidos é porque está falida de homens
para os torneios da imprensa e confessa a fraqueza, a insignificância intelectual dos
jornalistas que a defendem. Mas admitindo mesmo que não haja em todo o Rio
Grande um escritor ditatorialista de pulso suficientemente rijo para enfrentar o
esgrimidor modesto da oposição, ainda assim errou a ditadura recorrendo ao assalto
a mão armada. Este crime foi a glorificação do polemista contra o qual o praticaram.
Nenhum dos agredidos lhes deu a beber o néctar da humilhação, num pedido de
misericórdia ou num gesto de pusilanimidade. Os que se não libertam pelo triunfo,
libertam-se pela morte que é melhor do que viver escravizado (CORREIO DO SUL,
08/11/1923).
O Dever, demonstrando superioridade, não deixou Fanfa Ribas sem resposta:
Causou revolta, asco, riso e até mesmo piedade pelo amontoado de verinas
vomitadas contra os nossos. O Sr. Ribas sabe muito bem que ele é um dos maiores
responsáveis por esta masorca. Foi ele um dos criadores da Revolução aqui na
fronteira. Foi ele que insuflou os ventos da Revolução nas colunas do seu jornal. E
todo mundo sabe o modo acintoso com que compactua com os rebeldes. Assim
tendo sido preso, juntamente com seus comparsas em um momento de luta no mais
aceso combate vindo das forças revolucionárias, se algum desprazer passou deve
exclusivamente a sua imprudência, ou melhor, a sua audácia. Naturalmente foi por
isso, com ódio no coração que Ribas despejou sua bílis. A linguagem de baixo calão
e o diapasão das injúrias grotescas não nos permitem uma resposta. O Dever nunca
sairá da linha de combate que traçou. Não responderemos até porque respeitamos o
armistício (O DEVER, 09/11/1923).
41
41
O artigo na íntegra consta do anexo 17
99
Fanfa Ribas explorou ao máximo a sua condição de vítima. Ao se espalhar a notícia,
este recebeu mais de mil telegramas, vindos de todos os cantos do país, hipotecando
solidariedade. Sentindo-se acossado, ou aproveitando-se da circunstância, contratou o grande
causídico porto-alegrense Plínio Casado, para impetrar um habeas corpus a seu favor e do
jornal.
42
Dizendo-se ameaçado, Fanfa Ribas pediu asilo no quartel da guarnição de Bagé, sendo
então encaminhado para o 8º RCI, onde permaneceu até a tarde do dia 12, quando Setembrino
de Carvalho chegou à cidade. Temendo o empastelamento do Correio do Sul, o jornal não
circulou nos dias 5, 6, 7,10, 11 e 12 de novembro.
3.3 A pacificação
Ao contrário do que os aliados libertadores esperavam, a intervenção federal não
aconteceu. Esta teve tímido início quando o então presidente Bernardes envia ao Rio Grande
do Sul, no mês de maio, em missão de paz, o ministro do Tribunal de Contas Tavares de Lyra.
Tal tentativa não surtiu nenhum efeito.
No mês seguinte, chegou ao Estado o deputado federal gaúcho Nabuco de Gouvêa,
membro do PRR, resultando em outra tentativa fracassada devido à política e ideologia
partidária de Borges de Medeiros, que permanecia inflexível às exigências da oposição.
A paz veio se consumar com a mediação do general Fernando Setembrino de
Carvalho, então ministro da Guerra, cuja função consistiu basicamente em mediar o processo
de pacificação que levou a assinatura do Tratado de Pedras Altas em 14 de dezembro de 1923.
O processo de pacificação começa a se tornar realidade em 12 de novembro, quando
chega a Bagé o general Setembrino, aclamado por todos na cidade como o Embaixador da
Paz. Recebido com honras militares e seguido por uma multidão dirigiu-se de imediato ao
Quartel General, de cuja sacada, em nome da paz, proferiu o discurso posteriormente
reproduzido nos jornais O Dever e Correio do Sul, no dia 13 de novembro.
É interessante acompanhar a reação de cada um dos jornais em relação à chegada e à
missão do ministro Setembrino, que em sua primeira manifestação deixou patente seu
objetivo: ―Eu venho em nome da paz, para fazer a paz, pedir a paz, porque ela é necessária
42
Sobre o incidente com Fanfa Ribas e suas consequências vide anexos 15 e 16.
100
aos interesses do Rio Grande do Sul, é necessária aos interesses do Brasil e é exigida pela
fraternidade humana. Mas não farei e nem poderá ser feita uma paz que não seja digna e
honrosa para ambos os contendores. Venho promover a paz, mas não a paz indigna com o
aniquilamento de qualquer dos adversários‖ (CORREIO DO SUL e O DEVER, 13/11/1923).
O Dever saudou efusivamente a chegada do pacificador: ―O Senhor Ministro é
hóspede não da cidade de Bagé, mas do coração de todos os bajeenses. Fazemos votos pelo
êxito de sua missão‖ (O DEVER, 13/11/1923).
a folha libertadora, ainda no final de outubro, havia mandado seu recado para o
ministro Setembrino de Carvalho:
Nossa esperança é de que o senhor ministro de dar um basta à ditadura. Se,
entretanto, estamos enganados em nossas previsões, se em vez de trazer aos seus
irmãos gaúchos a carta de liberdade, o senhor ministro traz apenas a esperança
fagueira de uma reconciliação do escravo com o senhor, da vítima com o algoz, com
a permanência deste no lugar do donatário da fazenda e daquele no ambiente
empestado da senzala, nada mais teremos a fazer que não seja lamentar a sorte do
Rio Grande, porque a guerra continuará encarniçada e terrível, os nossos irmãos
continuarão a cair varados pelas balas de seus próprios patrícios (CORREIO DO
SUL, 14/10/1923).
Poucos dias depois, manda novo e categórico recado ao ministro da guerra:
de dizer-lhe a consciência que um único remédio é indicado com possibilidade
de cura para o caso do Rio Grande, a substituição do governante, que ilegalmente se
mantém no poder e que é sem erro de diagnóstico a única e verdadeira causa que
aflige e avassala a alma do povo. A celebração de um acordo conciliatório entre os
dois grupos beligerantes, sem a renúncia do usurpador [...] não daria ao embaixador
do Governo da República a glória de haver libertado o seu torrão natal das garras de
uma tirania. (CORREIO DO SUL, 28/10/1923)
Fica evidente que Fanfa Ribas não havia recuado um centímetro no seu pensar desde o
início do conflito e repetido à exaustão como, por exemplo, quando foi firme ao dizer:
―Devemos ser vencidos ou vencedores‖ (CORREIO DO SUL, 06/09/1923). Ou, ainda,
quando sublinhava: ―[...] nós desejamos a solução do caso rio-grandense com a queda do
tirano, com o desmoronamento da bastilha positivista e com o advento da verdade‖
101
(CORREIO DO SUL, 11/09/1923).
43
Para tratar dos termos da negociação pela paz, chegam a Bagé, em 14 de novembro,
Assis Brasil, acompanhado pelo general Zeca Netto, além de Honório Lemes, Felipe Portinho,
Leonel Rocha, João Rodrigues Menna Barreto e Batista Lusardo, completando a cúpula da
Aliança Libertadora.
O jornal Correio do Sul serve como ponto de visita e de encontro obrigatório dos
libertadores. E Bagé torna-se o centro de atenções de todo o estado, pois é nessa cidade que
verdadeiramente foram construídos cada um dos capítulos que levaram ao acordo de paz.
O periódico publica, no dia 17 de novembro de 1923, um artigo, ―Os generais da
revolução e o Correio do Sul‖, apontando todos aqueles que passaram em comitiva por sua
redação, fazendo muitos elogios aos generais, bem como reproduzindo as falas e exaltando os
seus feitos de militares. Entre eles, Honório Lemes da Silva, Baptista de Lusardo,
acompanhados por Annibal Barros Casamitt e Manoel Cunha:
É com maior desvanecimento que registramos nestas colunas a honrosa visita dos
gloriosos generais libertadores ao órgão das reivindicações do povo. O primeiro a
nos dar essa honra foi o bravo Tropeiro da Liberdade, o exmo. Sr. general Honório
Lemes da Silva. Vieram com S. Exa. à Redação do Correio do Sul o nosso Ilustre
confrade de imprensa Sr. coronel Baptista de Lusardo, Chefe do Estado Maior da
valorosa Divisão d‘Oeste e um dos vultos mais brilhantes da revolução; o nosso
prezado amigo e fulgurante colaborador major Annibal Barros Casamitt, secretário
geral da coluna, e o bravo coronel Manoel Cunha, que goza da merecida fama de ser
um dos mais heróicos combatentes do Exército Libertador.
Aparentemente, quem falou em nome de todos foi Honório Lemes, considerado
homem simples, modesto, vivaz, eloquente, atraente, valente, contra os ―ditatoriais‖, pela
liberdade:
O Sr. general Honório, que é um homem simples, de maneiras modestas, mas de
admirável vivacidade, elocução fácil e atraente palestra, demorou-se por longo
espaço de tempo em nossa casa, falando dos fatos da guerra, dos seus homens e dos
seus elementos de eficiência militar. Pela palestra de s. excia., chegamos à
convicção de que a Divisão d‘Oeste acha-se fortemente aparelhada para sustentar a
campanha por tanto tempo quanto seja necessário para a realização do seu objetivo.
Mostrou-se o valente pugnaz animado do mais vivo entusiasmo e confiante nos seus
valorosos comandados, a respeito de cuja bravura disciplina e ordem; teceu um
verdadeiro hino. - ―Não cabem a mim a glória de todas essas vitórias que temos
43
O artigo constante do anexo 20 exprime com clareza o pensamento de Fanfa Ribas sobre a ação pacificadora de
Setembrino de Carvalho e seus resultados.
102
conquistado sobre o inimigo, vitórias que se repetem de semana em semana, com
grande decepção para os ditatoriais, mas aos valentes que sob meu comando
combatem e que não sabem poupar o sangue precioso em holocausto à causa da
liberdade‖, disse-nos s. excia., demonstrando nos gestos e na entonação da voz com
que falava o orgulho de que se acha possuído como comandante de uma coluna de
tamanha eficiência na luta.
Honório Lemes ressaltava a atuação do Correio do Sul, em defesa da liberdade, lado a
lado, inseparáveis, a pena do jornalista e a espada do comandante:
Falou sobre a atuação do Correio do Sul na campanha reivindicadora, dizendo estar
satisfeitíssimo com ela, pois que os artigos de predicação nele publicados são lidos a
sua coluna com força de ordens do dia, entre aplausos de toda a oficialidade. Nesse
ponto s. exa. foi extremamente gentil com relação ao nosso diretor, dizendo que a
pena do jornalista do Correio e a espada do comandante da Divisão d‘Oeste acham-
se tão identificadas na defesa da liberdade, que parecem estar unidas lado a lado, não
sendo fácil separá-las.
Honório Lemes ressaltava também a ―alma feminil‖, que se posicionava contra a
―bastilha positivista‖, contra o ―ditador‖:
Relatou-nos interessante episódio ocorrido numa reunião dançante, realizada em sua
homenagem e com a presença de s. exa. Perguntara-lhe uma dama se achava
provável que os revolucionários depusessem as armas antes de derrocarem a bastilha
positivista. A essa pergunta respondera s. exa. baseado no ardor patriótico que na
campanha libertadora empolgou a alma feminil de todo o Rio Grande do Sul: -
―Não, minha senhora, porque se os homens que se batem em nossas coxilhas
depusessem as armas libertadoras, v. exa. iriam levantá-las do chão do opróbrio e da
cobardia, a fim de deporem com elas o ditador, o que seria para nós uma vergonha‖.
Depois de uma hora de agradabilíssima palestra, em que s. exa. atraiu a atenção da
numerosa assistência, o Sr. general Honório Lemes despediu-se, retirando-se com
seus companheiros de visita, a fim de ir conferenciar com o nobre ministro Sr.
general Setembrino, que o aguardava no Quartel General desta guarnição militar
(CORREIO DO SUL, 17/11/1923).
De fato as mulheres tiveram participação efetiva no conflito como foi o caso já
mencionado da participação na Cruz Vermelha Libertadora, bem como acompanhando pela
imprensa o desfecho de cada combate nos campos de batalha e a evolução política das
tratativas de paz. Honório Lemes, em particular, despertava grande admiração junto às
mulheres, desempenhando papel de verdadeiro herói e ídolo, como se observa do texto da
103
notícia do Correio do Sul acima transcrito e pela fotografia (figura 14) abaixo, na qual
aparece cercado de moças e senhoras em São Gabriel.
Figura 14 general Honório Lemes cercado por senhoras e senhoritas. Fonte: Arquivo particular do
autor.
Particularmente em Bagé, quando Honório Lemes e os demais generais libertadores
retornaram aos seus acampamentos após a reunião com Setembrino de Carvalho, foram
homenageados na estação férrea por senhoras e senhoritas libertadoras bajeenses, que
ofereceram aos comandantes crucifixos de prata com a seguinte inscrição: ―Aceitai a imagem
do Jesus Redentor que será o vosso guia na árdua tarefa de libertação do povo rio-grandense‖.
(CORREIO DO SUL, 18/11/1923)
Na mesma reportagem do dia 17 de novembro, Fanfa Ribas registra em linguagem
ufanista a visita de dezenas de outros líderes políticos e militares da Aliança Libertadora
como: Dario Crespo, Ildefonso Simões Lopes Filho, Sabino e João Rodrigues Menna Barreto,
Salustiano de Pádua, Lança Cordeiro, Adalberto Machado, Eduardo Dumoncel e ainda os
generais Estácio Azambuja, Leonel Rocha e Felipe Portinho. A todos dispensava inflamados
elogios pelas conquistas alcançadas e despedia-se com palavras encorajadoras para o desfecho
vitorioso que vislumbrava próximo.
Em relação às tratativas de paz, de certo modo se pode afirmar que Borges de
104
Medeiros foi forçado a aceitar algumas medidas que vieram a satisfazer a oposição. Para
tanto, antes de partir para o entendimento definitivo com a oposição, o general Setembrino
celebra com Borges de Medeiros um protocolo de intenções, no qual o Presidente Estadual
fixa suas condições para a pacificação.
Na perspectiva de Franco (1996, p. 18), o protocolo representou um pequeno avanço
em relação às condições anteriormente ajustadas entre Borges de Medeiros e Nabuco Gouvêa,
no mês de junho. Em síntese, o protocolo, confirmava a reforma do artigo da Constituição
para banir as reeleições presidenciais; aceitava a reforma judiciária, para que fosse confiado à
justiça comum o julgamento dos recursos referente às eleições municipais; definiu regras que
limitavam a nomeação de intendentes provisórios, assim como assegurava processo eleitoral
sessenta dias após a nomeação de intendentes provisórios e dava garantias de representação
das minorias em cada um dos distritos eleitorais federais em que se dividia o Rio Grande do
Sul. Contemplou também, seis circunscrições para os pleitos estaduais, assegurando no
mínimo seis representantes oposicionistas na Assembleia, além do acordo de uma eleição
parlamentar em 1924, fiscalizada então pelo Exército.
Na reunião do dia 15 de novembro, ficou formalizada a proposta de paz que trazia as
condições essenciais, referidas acima, para que o pacto fosse firmado, que foram divulgadas
na íntegra pelo jornal Correio do Sul no dia 21 de novembro de 1923.
Figura 15 A histórica primeira reunião entre Assis Brasil e Setembrino de Carvalho (nas
extremidades) com a participação de todos os generais libertadores (no palacete Pedro Osório, em
Bagé). Fonte: Arquivo particular do autor.
105
As negociações com a oposição tiveram inicio em 15 de novembro na cidade de Bagé,
estando presentes os emissários do presidente Artur Bernardes. No dia 17 de novembro, todos
os generais revolucionários, tendo outorgado amplos poderes para Assis Brasil negociar a paz,
retornaram de trem para os seus respectivos acampamentos.
Com relação aos poderes que os generais deram para Assis Brasil negociar com
Setembrino, é oportuno mencionar-se a condicionante imposta, conforme nos esclarece Zeca
Netto no livro de suas memórias: ―A única condição apresentada ao Dr. Assis, era que
exigisse a retirada do Dr. Borges da presidência do estado (NETTO, 1983, p. 107). Essa
imposição, ao mesmo tempo em que significava uma vitória para os revolucionários, tolhia os
poderes de Assis Brasil, reduzindo o campo de manobras a fim de obter a almejada
conciliação.
A posição não era pensamento isolado dos comandantes militares. Logo após as
primeiras reuniões, o Comitê Pró-Assis, de Quaraí, enviou a Assis Brasil, a seguinte
mensagem publicada no Correio do Sul: ―Paz sim, deve ser feita, é preciso, é indispensável, é
essencial que se faça, mas com a renúncia do usurpador e a reforma da constituição. A não ser
assim, queremos a guerra, a guerra até a conquista completa dos nossos direitos. Viva Assis
Brasil‖ (CORREIO DO SUL, 18/11/1923). Outros comitês, como o de Porto Alegre e o de
Pelotas, tinham posições semelhantes. A pressão em cima de Assis Brasil era total, quase
insuportável.
Segundo narra Glauco Carneiro, em seu livro Lusardo o Último Caudilho: ―Pelotas
estava irredutível, chegando a dizer que Assis estava vendendo a revolução, traindo-a‖
(CARNEIRO, 1977, p. 220).
Do mesmo livro, vale a pena reproduzir o ponto de vista do próprio Lusardo Batista
em resposta aos pelotenses, no qual dá a exata situação em que se encontravam os revoltosos:
Mas senhores, como podem dizer isso? Também sou revolucionário e estive na
frente de batalha. Se me permitem, tenho tanta autoridade quando os senhores para
falar. Nós não temos dinheiro para as nossas tropas, não possuímos armamento nem
munição. Querem mais sacrifícios? Os senhores estão em Pelotas, estão no quente, e
nós na coxilha, no frio e combatendo. E agora vamos sair com quê? (CARNEIRO,
1977, p. 22).
Dessa forma, nota-se que o processo de negociação com a oposição foi difícil devido à
posição de certas lideranças revolucionárias, estas irredutíveis quanto à exigência de renúncia
106
de Borges de Medeiros do governo, condição que o presidente Artur Bernardes não apoiava.
Com isso, é possível observar que não havia na oposição uma coesão em torno dos termos da
paz, e a própria representatividade de Assis Brasil foi colocada em cheque, pois determinados
segmentos da oposição tolheram sua ―autonomia‖ decisória (FRANCO, 1996, p. 19).
Assim, Brasil, sentindo-se acossado por todos os lados, principalmente por aqueles
libertadores irredutíveis quanto à deposição de Borges, mandou chamar a Bagé, para
conferenciar, os representantes do comitê de Pelotas. Chegaram a Bagé, no dia 26 de
novembro, entre outros líderes: Eduardo Berchon, Francisco Simões, Francisco de Paula
Amarante e Leopoldo Soares. Dizendo-se representantes de correligionários de várias outras
localidades, manifestaram total solidariedade e confiança em Assis Brasil, mas deixaram claro
que ―prefeririam ver a revolução vencida nas armas, a despeito de estar preparada para o
triunfo, a aceitarem um acordo de conciliação sem o afastamento de Borges do poder
(CORREIO DO SUL, 27/11/1923).
Também dos seguidores de São Gabriel, Assis Brasil recebeu telegrama assinado por
Fernando Abbott, embasado nos seguintes termos: ―[...] não nos afastamos do nosso ponto de
vista: conciliação ou continuação da luta. Acordo incompleto nunca‖ (CORREIO DO SUL,
27/11/1923).
Entretanto, em relação ao protocolo firmado entre Borges de Medeiros e o general
Setembrino, os assististas fizeram uma contraproposta centrada no licenciamento do
governador; na realização de eleições livres tanto para o Senado, como para a Câmara
Federal, confiada ao partido vitorioso a gestão do governo estadual; na prévia escolha do novo
candidato de conciliação para o governo do Estado, seguindo-se da renúncia de Borges de
Medeiros. Entretanto, Franco (1996, p. 20) coloca que tais exigências representavam tão
somente um sinal de endurecimento da negociação, de forma a obter mais respaldo entre seus
apoiadores e barganhar maiores concessões de parte do presidente estadual.
Borges de Medeiros então aceita a reforma do nono artigo que passa impedir a re-
eleição do presidente e do décimo artigo da Constituição do Estado prevendo a eleição do
vice-presidente. Apesar desse avanço, a conciliação não ocorreu, pois o ―comitê
revolucionário‖ de Pelotas, liderado pelo Dr. Berchon, não aceitou a negociação, visto que
estavam inflexíveis nas suas exigências de afastamento do presidente do Estado.
A partir do adiamento das eleições federais aceito por Borges de Medeiros,
inicialmente para o mês de fevereiro, e posteriormente marcadas para maio de 1924, além da
aceitação de que a mesma fosse fiscalizada pelo governo federal, foi que a pacificação tornou-
se mais evidente.
107
O Tratado de Paz foi assinado, então, por Assis Brasil no castelo de Pedras Altas (sede
de sua granja) no dia 14 de dezembro, tendo a presença do general Setembrino e seus
principais comandantes. No dia seguinte (15/12/1923), a Ata do Tratado de Paz foi assinada
pelo Presidente Borges de Medeiros, em cerimônia no Palácio Piratini (FRANCO, 1996, p.
24-25).
Figura 16 Assinatura do tratado de paz, no Palácio Pedras Altas. Aparecendo Setembrino de
Carvalho sentado à esquerda e Assis Brasil à direita. Fonte: Arquivo particular do autor.
108
Figura 17 Momento em que Borges de Medeiros assina o tratado de paz no Palácio Piratini. Fonte:
Arquivo particular do autor.
A cidade de Bagé foi a primeira a tomar conhecimento da assinatura do Tratado de
Paz, nas primeiras horas do dia 14 de dezembro, provocando assim regozijo em toda
população, tendo reações distintas entre partidários de Borges de Medeiros e seguidores da
Aliança Libertadora.
Os republicanos de Bagé transformaram o acontecimento em um grande festejo, com
direito a foguetório, bombas e soar de sirenes, comícios, fechamento do comércio da cidade,
etc.
os oposicionistas foram mais contidos em suas comemorações, visto que o objetivo
maior que os levaram a pegar em armas, não foi alcançado, ou seja, o presidente Borges de
Medeiros manter-se-ia como chefe de governo até o final do seu mandato. Mas com o acordo
de paz, a Aliança Libertadora conseguiu garantias de maior participação política das minorias
na eleição seguinte, assim como o seu adiamento, com vistas a dar tempo para que a oposição
pudesse preparar-se politicamente, ficando garantidos tantos representantes da oposição
quantos fossem os distritos eleitorais no Estado.
Fundamentalmente, a Aliança Libertadora teve como sua maior vitória a reforma dos
artigos nono e décimo da Constituição Estadual, proibindo a reeleição do presidente e
109
intendentes, adaptando, portanto, as legislações eleitorais estadual e municipal às regras da
legislação eleitoral federal.
Pode-se afirmar que os oposicionistas tiveram reações divergentes em relação ao pacto
de paz firmado. Para a Junta Libertadora de Pelotas, a assinatura do tratado de paz foi uma
surpresa, visto que do seu ponto de vista, o conflito deveria continuar até que Borges de
Medeiros fosse afastado.
Nesta linha seguia também o jornal Correio do Sul, ao publicar, no dia 18 de
dezembro, a seguinte frase: ―[...] não sendo cogitado o afastamento do usurpador, o acordo
não atendeu à verdadeira razão e o objetivo real e único da revolução‖.
Assim sendo, para os oposicionistas de Pelotas e para Fanfa Ribas, a guerra ainda era
necessária, e os pelotenses aguardaram uma posição final da cúpula de guerra, se pela paz ou
se pela continuidade da guerra. Por isso, quando o Ministro da Guerra passou pela cidade de
Pelotas, em retorno para o Rio de Janeiro, este teve uma fria recepção, muito diferente, por
exemplo, da recepção feita por uma comissão assisista na capital Porto Alegre, recebendo-o
de forma festiva.
Tem-se, portanto, que nos primeiros dias após a paz estabelecida, esta não foi muito
bem aceita pelo grupo mais radical dos libertadores, que se mostrou descontente com a
decisão de Assis Brasil.
Adalberto Corrêa, que lutou ao lado de Honório Lemes, deixou claro sua posição em
suas Memórias (1954, p. 98, 100 e 105):
Nos meios revolucionários causou profundo descontentamento e até mesmo irritação,
a paz com a permanência do Sr. Borges de Medeiros no poder que usurpara [...]
Eu era notoriamente contra uma paz que permitisse a continuação do Sr. Borges no
governo [...] Desiludido segui no mesmo dia para Rivera. Dali, enviei uma carta ao
comandante da força de Dom Pedrito, então, salvo erro, o bravo coronel Dinarte Gil
de Oliveira, com um convite para continuarmos a revolução, atacando Bagé.
No que se refere à cidade de Bagé, em relação ao pacto de paz firmado, é justo afirmar
que as reações também foram de certa forma desencontradas entre os membros da Aliança
Libertadora. No dia 16 de dezembro, um trem especial partiu para Pedras Altas levando um
grande número de libertadores que foram cumprimentar Assis Brasil. Entretanto, notava-se a
ausência de algumas figuras de relevo do federalismo bajeense.
O próprio Fanfa Ribas, visto como um dos mais ardorosos defensores da Guerra, que
110
com seus artigos no jornal Correio do Sul, sempre exigiu a deposição de Borges de Medeiros,
a quem tratava de tirano, usurpador, ditador, déspota entre outros adjetivos, em um primeiro
momento deixou claro sua forte oposição ao acordo, publicando no editorial do dia 19 de
dezembro de 1923, a seguinte manifestação:
As manifestações eloquentes que de toda parte surgem pró e contra o acordo de paz
assinado, obriga-nos a quebrar o silêncio que pretendíamos manter, disposto como
estávamos a não mais tomar a sério a política brasileira [...], mas podemos antecipar
que somos solidários com os dignos companheiros que condenam o acordo de
paz, por entendermos que nele não ficaram resguardados os interesses vitais da
oposição (CORREIO DO SUL, 19/12/1923). (Grifo nosso).
Nessas palavras, Fanfa Ribas ainda evoca a guerrilha e demonstra todo o seu
descontentamento em relação ao caminho escolhido por Assis Brasil. Desse modo, o
jornalista declara sua desilusão com a política brasileira e insiste em afirmar que o acordo era
nefasto para os objetivos da oposição.
No editorial do dia 22 de dezembro, publica, ainda, as seguintes considerações:
Em Assis Brasil se encarnam todas as aspirações da grandeza da terra em que
vivemos, todos os anseios de liberdade que animam a alma gaúcha. Somos
insuspeitos para dizê-lo, dele divergimos na aceitação do acordo. Nós queríamos a
vitória integral da revolução com a queda do usurpador, confiando mais nas armas
dos nossos bravos combatentes do que nas urnas habitualmente fraudadas
(CORREIO DO SUL, 22/12/1923).
O discurso de Fanfa Ribas continua. No entanto, percebe-se que o jornalista passa a
assumir um tom mais conformado em relação ao tratado de paz, a partir da manifestação de
apoio por parte do General Honório Lemes à condução dada ao conflito por Assis Brasil.
Nessa direção, Fanfa Ribas posicionou-se da seguinte forma:
Assis preferia o estancamento da sangria aberta nas veias do povo apelando para o
plebiscito dos comícios eleitorais, sob a fiscalização e garantias do governo federal.
Confesso, porém, que se não chegarmos tão ligeiro como desejávamos ao poso da
vitória, chegaremos, entretanto com mais devagar, porque pelas armas ou pelas
urnas está escrito que o usurpador há de cair. Na guerra, encheram-se os libertadores
de glória, na paz, encheram-se de prestígio (CORREIO DO SUL, 22/12/1923).
111
A manifestação de Honório Lemes fora embasada nos seguintes termos:
Confiai na obra da paz. A presença do usurpador no cargo da presidência que aos
primeiros instantes mal impressionou, talvez o ânimo do público, é a consumação
completa e formal da sua morte política, do seu desprestígio moral (CORREIO DO
SUL, 20/12/1923).
Apesar das críticas recebidas pela ala mais radical, o Pacto de Pedras Altas mostrou a
habilidade política de Assis Brasil, canalizando a luta armada para um acordo entre
republicanos e oposicionistas. Pode-se dizer que, de certa forma, a oposição conseguiu o que
pretendia ao iniciar o conflito armado (intervenção federal e convocação de novas eleições).
Obtiveram também, de acordo com Antonacci (1981, p. 110), uma significativa vitória no
campo dos princípios, atingindo seus objetivos políticos, ou seja, a proibição da reeleição para
presidente e intendentes, assim como a eleição para vice-presidente e a garantia de vagas na
Assembleia para as minorias.
Dessa forma, quebrava-se a espinha dorsal do PRR, que era a continuidade
administrativa, e tinha início a derrocada dos republicanos gaúchos, o que iria permitir,
segundo Antonacci (1981, p. 111), que setores da classe dominante gaúcha não vinculados ao
aparelho do estado passassem a ingressar nos cargos de decisão, principalmente a partir do
governo de Getúlio Vargas que propiciaria, também, a reconciliação da classe dominante.
Como resultado do pacto de paz, cinco deputados oposicionistas foram eleitos e
passaram fazer parte da Assembleia dos Representantes na legislatura de 1925/1927
(FRANCO, Cadernos de História).
Mesmo assim, Assis Brasil teve que esclarecer de maneira firme e bem fundamentada
as razões que o fizeram assinar o acordo nas condições pactuadas, permitindo até mesmo que
se desse continuidade ao conflito, mas nesse caso não teriam mais seu apoio. Para tanto, Assis
Brasil lança a Proclamação aos Libertadores do Rio Grande do Sul, publicada em primeira
mão no jornal Correio do Sul, no dia 16 de dezembro, na qual claramente consta que não
decretara a paz, mas a aconselhara, e continuaria na luta pelos ideais políticos se o seu
conselho fosse ouvido por todos.
Ainda que longa, parece interessante reproduzir na íntegra sua manifestação, pois,
além de suas razões, retrata com fidelidade as etapas das negociações que levaram à paz:
112
A revolução e a guerra civil, que dela decorre, são recursos extremo dos povos,
despreparados ante a denegação flagrante da justiça. Não a promove um homem.
Um homem não tem o poder de desfazê-la. Essa verdade genérica aplica-se
estritamente ao caso rio-grandense é a minha posição em face dele. um critério
mesquinho, um juízo apaixonado, o desprezo da evidência podem atribuir-me
a responsabilidade direta ou pessoal da presente comoção. Longe de aconsel-la ou
de instigar os ânimos para ela, o meu parecer, público ou privado, ostensivo ou
reservado, que não temo ver desmentido com qualquer sombra de prova, foi sempre
favorável à conquista da liberdade dentro da ordem.
Uma guerra, ―revolução‖, sem plano e sem comando; falta de preparo, sem
organização prévia:
A revolução irrompeu sem plano e sem comando. O maravilhoso instinto do povo
sempre o mesmo em toda a história, supriu a falta de preparo metódico e meditada
organização prévia. O meu espírito de justiça não podia deixar de reconhecer que os
resultados tinham razão. Ampará-los e aplaudi-los era um dever. Os meus
antecedentes, os compromissos de toda uma existência de evangelização
democrática, impunham-me o dever de me incorporar a eles e de acompanhá-los na
boa e na fortuna. Pelas mesmas razões tinha, pouco antes, consentido a
contragosto, em dar o meu humilde nome à candidatura à Presidência do Estado
trocando conscientemente a placidez doméstica do meu posto de trabalho, mais útil
à comunidade que a mim próprio, pelas amargas atribulações da política militante.
Honrado sempre, com a confiança de todas as influências da oposição libertadora em
armas ou não, fui desde os primeiros dias do movimento procurado por partidário do
adversário, por pessoas caracterizadamente respeitáveis, que se diziam imparciais e
principalmente pelos mais altos titulares do governo nacional para concertar
condições de uma composição que pusesse termo à guerra civil. Em todas as
circunstâncias a minha resposta foi substancialmente nestas palavras: se a revolução
vencer integralmente, a sua rmula será o desaparecimento da usurpação e do seu
instrumento legal, que é a constituição ditatorial; se, porém, a revolução tiver de
terminar por acordo este terá de ser baseado em consulta livre ao povo rio-
grandense. Somos chegados ao ponto em que o caminho se bifurca naquelas
direções. Somos chamados a escolher entre a guerra civil até o fim, ou a paz
imediata por consulta ao povo. Por outras palavras, ao povo rio-grandense, cuja
maioria está visivelmente com os libertadores apresenta-se o terrível dilema desta
interrogação peremptória: Queres conquistar o teu ideal nas coxilhas ou nas urnas?
A discutível neutralidade do governo federal; enfim, a ação do ministro da guerra,
Setembrino De Carvalho; a garantia de vida para os ―revolucionários‖:
O governo federal, que até aqui havia se limitado a tentativas mais ou menos vagas
de pacificação, mantendo publicamente o critério discutível da neutralidade ante a
conflagração, resolveu interpor a sua formal mediação, enviando para isso a arena
do prélio, cada vez mais áspero e sangrento, o seu digno ministro da guerra, o nosso
estimado conterrâneo general Fernando Setembrino de Carvalho. O mediador
chegou ao estado na segunda metade de outubro, inaugurando o seu trabalho pela
113
imposição aos contendores de uma trégua sem prazo durante a qual se discutissem
as condições da pacificação. Promoveu em seguida, e depois de conferir com o
detentor do governo estadual uma reunião na cidade de Bagé a 15 de novembro, de
todos, ou quase todos, os chefes das forças libertadoras, à qual também compareci.
Leu-nos uma eloqüente mensagem de apelo à pacificação, mediante condições que
foram logo vulgarizadas pela imprensa. O que depois se passou é também conhecido
bastante para não exigir mais que uma breve referência. Os chefes das forças
libertadoras, depois de ouvirem o honrado ministro e de lhe exporem sumariamente
seus sentimentos declararam-lhe que havia delegado plenos poderes para resolver
sobre o objeto da mensagem e que desejavam ir aguardar nos respectivos
acampamentos o resultado final das negociações. Regressaram, pois, sem demora,
amparados pelas mesmas garantias pessoais que tiveram para a vinda.
A solução proposta pelos ―revolucionários‖, repelida pelo adversário:
No dia seguinte ao da retirada dos nossos bravos generais, 18 de novembro,
entreguei ao ministro mediador a resposta logo divulgada pela imprensa na qual, em
resumo, declarava inaceitáveis as condições de pacificação propostas na sua
mensagem e sugeria uma destas três soluções: 1) retirada temporária do atual
ocupante da presidência do estado, que nomearia um vice-presidente imparcial para
servir até as próximas eleições federais, as quais devidamente fiscalizadas pelo
governo da união ficariam sendo o critério da maioria real do povo; 2) renúncia do
atual ocupante da presidência e escolha de um candidato de conciliação, em cujo
nome votassem os dois partidos; 3) estabelecimento de uma intervenção virtual,
exercida pelo governo federal, por intermédio dele ministro da guerra, que
afiançasse a segurança individual e a proteção da plena liberdade civil e política,
situação que, depois das reformas constitucionais e outras cuja promessa estava
formalmente feita ao governo federal, traria a todos a segura possibilidade do
regresso a atividade privada e pública. Nestas condições, digo naquele documento,
―eu não me negaria a aconselhar aos meus amigos atenderem ao convite pacifista do
governo federal, desde que este por intermédio de V. Exa. e com a positiva
promessa de -lo por executor, ofereça um plano concreto de medidas garantidoras
da vida e liberdade dos que se desarmarem, regressando às ocupações da paz‖. Essas
três variantes foram repelidas pelo adversário.
A solução de Setembrino de Carvalho, a aceitação dos ―revolucionários‖:
Quando as negociações perdiam toda a tolerância de elasticidade e ameaçavam
brusca ruptura o Sr. Ministro aventou o plano de, obtida com a reforma
constitucional e elegibilidade do vice-presidente, em vez de nomeação, dar-se a
renúncia do atual vice-presidente e fazer-se recair sobre a eleição do seu substituto a
consulta ao povo, ou plebiscito, por mim reclamada como sentença inapelável sobre
a questão de saber quem tem a maioria no estado. Aceitei o alvitre, com a condição,
entre outras, de serem também adiadas para maio as eleições para deputados e um
senador federais que se dariam ao mesmo tempo em que a do vice-presidente. Dei
desta fase das negociações o mais largo conhecimento possível aos correligionários.
114
A relutância de alguns correligionários ―revolucionários‖:
Alguns relutaram na aceitação integral do plano; mas todos se conformaram com as
razões que ofereci entre elas a de transferirmos para o adversário toda a
responsabilidade da eleição.
A recusa do adversário; a retirada das negociações:
Mandada a proposta do ministro ao governo de Porto Alegre, foi por este recusada.
Nesta altura das negociações, e antes que se confirmasse a recusa, já esperada
julguei oportuno despedir-me do Sr. Ministro da Guerra, passando-me para ponto
mais conveniente à colaboração que me estava reservada nos acontecimentos cuja
perspectiva se desenhava nitidamente.
As novas condições de setembrino de carvalho:
na cidade uruguaia de Melo, onde esperava o trem que devia transportar-me para
o aludido ponto, recebi despacho urgentíssimo do Sr. Ministro da Guerra, pedindo-
me para esperar ali emissários seus que me levariam condições de pacificação
compatíveis com as minhas exigências. Esperei como era natural. As novas
condições mandadas a Melo são as que devem fazer-se públicas ao mesmo tempo
em que esta proclamação. Dela se verá que o governo federal e de Porto Alegre
cederam quanto ao atendimento para maio das eleições federais e a aplicação das
medidas estritas garantidoras da limpeza dos alistamentos e da seriedade em geral do
pleito. Foi abandonada, é verdade, a idéia de renúncia do vice-presidente, mas
ninguém poderá ver nisso alteração alguma substancial quanto à realidade e alcance
da consulta ao povo. Para o caso provável de ser derrotada a situação estadual, não
ficou expressamente estatuída a retirada do atual ocupante do poder, que inquinamos
de usurpador; procedimento a observar ficou confiado à dignidade e brio do
interessado, a quem não queremos fazer a injúria de negar de antemão tais
qualidades morais.
A aceitação das condições do ministro da guerra; faltavam homens e armamentos;
agora, com a palavra, o povo, as urnas:
115
O povo tem agora a palavra. Os seus diretores legítimos têm o dever de libertá-lo de
vãos temores e preconceitos, que seriam absurdos na vigência das garantias
afiançadas pela honrada palavra do general Setembrino de Carvalho em nome do
governo nacional. O povo nada tem a perder em passar a luta das armas para a luta
das urnas. Ele está, evidentemente, mais bem apercebido para estas do que para
aquelas. A guerra não pode ir, nunca poderá ir, mais do que um contingente
reduzidíssimo da imensa falange libertadora. O armamento é privilégio dos que
dispõem do tesouro público. Para as urnas, porém, estando elas garantidas contra as
brutais violências que as tem desonrado, as únicas armas necessárias são a coragem
e civismo.
As objeções, a falta de unanimidade, as discordâncias, os intransigentes:
Bem prevejo que não faltarão objeções ao meu modo de pensar... Que deliberação
desta ordem foi jamais tomada por perfeita unanimidade? Espero, pois, de ânimo
sereno, as prováveis discordâncias. Para não referir senão uma, antecipo desde já
que todos os espíritos temperados de intransigência partidária e otimismo absoluto
não deixarão de afirmar, que a paz foi pactuada na véspera do triunfo quando as
nossas hostes esperavam a voz de avançar para levarem de vencida todos os
óbices.
A pacificação:
Sou também um grande crente na bravura e habilidade dos nossos chefes e dos seus
destemidos comandados, admito que se achem agora em muito melhor situação
material e moral do que em todo o passado, concedo mesmo que obteriam uma série
ininterrupta de brilhantes e rápidas vitórias e que reduziriam o inimigo a impotência
de que já não está longe. Penso, porém, com a mesma segurança que tudo isso
poderá obter-se sem os horrores da guerra civil, sem as devastações de vidas e bens,
sem o recrudescimento dos ódios e das vindictas, sem a destruição da sociedade rio-
grandense. Depois a lealdade não permite ocultar o que me ensina a experiência do
mundo e das negociações públicas: a liquidação de uma revolução triunfante,
sempre desastrosa oferecia singulares complicações e perigos em se tratando de um
estado federado, de um estado não soberano, como é o nosso, no qual será possível
transformar em governo legal um governo de fato, sem intervenção do poder central.
Meditem os rio-grandenses sobre o sem número de ilações que fluem desses
conceitos e reconhecerão comigo estas duas verdades: 1) Que pela pacificação se
chega mais depressa ao ideal da revolução do que pelo emprego da força; 2) Que a
pacificação realiza melhor e mais definitivamente esse ideal. Por último quero
deixar bem claro, para prevenir falsas apreciações e evitar que se a minha ão
mais alcance do que ela tem, quero deixar bem claro, digo, que, desde a minha
primeira manifestação pública sobre este particular, a que consta da contra-
mensagem de 18 de novembro, não me arroguei o direito nem o poder de decretar a
paz nas condições em que ela agora é proposta. Apenas prometi que aconselharia
aos meus correligionários a sua aceitação. É, pois, um conselho, não uma ordem que
lhes submeto neste documento. Se o conselho for aceito e seguido continuarei a
disposição dos meus irmãos de luta para o complemento da nossa campanha santa,
destinada a reaviver nos anais do Rio Grande as velhas tradições semi-apagadas pelo
116
mergulho tristíssimo na noite do despotismo. Se o conselho for repelido, a dignidade
me apontará um caminho, o de regresso a antiga obscuridade, onde continuarei a
cultivar, como indivíduo, o ideal que nunca me abandonou, que eu nunca
abandonarei. A perda de um homem, um homem a menos, nada será para os
destinos da pátria. Sejam quais forem as peripécias deste momento singular, a minha
confiança é completa na aptidão do Rio Grande para se salvar por si próprio. Foi a
minha frase do início; será a minha convicção derradeira. Para terminar, vejo com
clareza a situação que me espera. A escolha seria fácil entre o capitólio e a rocha
tarpeia. Com uma palavra, com um aceno, atearia provavelmente o incêndio que
iluminasse uma celebridade de ocasião, com o conselho da prudência atrairei, quem
sabe!, a execração sincera, bem que injusta, do maior número. Seria fácil escolher
entre duas perspectivas, a das ovações e aplausos e da reprovação e repúdio. A
glória está sobre uma das eminências, o dever sobre a outra. Não vacilo, sacrifico no
altar da Pátria, pelo bem da comunidade a insignificância do indivíduo. Pedras
Altas, 14 de dezembro de 1923. J. F. de Assis Brasil (CORREIO DO SUL,
16/12/1923).
Para evidenciar as diferenças ideológicas entre as partes beligerantes vistas pela lente
dos jornais bajeenses basta perceber o tratamento que o jornal situacionista deu ao acordo de
paz firmado em Pedras Altas.
Quando a paz se consumou no Estado, o jornal O Dever abriu sua edição de domingo
(16/12/1923) com o artigo denominado ―PAZ! PAZ! PAZ!‖, exaltando o acontecimento e
também chamando para os governistas os louros da vitória:
Até que enfim. Vencendo os últimos obstáculos, quebrando os últimos liames da
vontade dos nossos adversários, esmagando os derradeiros argumentos forjicados
pela chicana dos cegos que eram cegos porque não queiram ver, o eminente Sr.
general Ministro da Guerra acaba de levar a termo brilhantemente a missão que o
trouxe a terra gaucha. Está feita a paz no Rio Grande do Sul (O DEVER,
16/12/1923).
Nesse mesmo artigo, pode-se notar com clareza absoluta o engajamento político de O
Dever, valendo-se ostensivamente do pronome pessoal na primeira pessoa do plural:
Desde o começo, fomos nós mesmos os líderes da pacificação. Era uma necessidade
para o Estado: nós a quisemos. Era uma exigência dos interesses vitais do Estado:
nós a fizemos. Podemos afirmar que foi no governo do estado que o ministro
encontrou o maior colaborador da sua missão. Se algumas vezes as negociações
perigaram foi devido única e exclusivamente à vontade dos nossos adversários
(O DEVER, 16/12/1923).
117
O artigo é repleto de elogios ao mediador do processo de paz, general Ministro da
Guerra:
[...] Graças ao trabalho tenaz e constante de s. exa. que labutou sem desfalecimentos
durante mais de um longo mês, usando de todos os recursos para vencer a
obstinação dos insurrectos, tem enfim o Rio Grande, esta dádiva grandiosa do termo
desta luta fratricida e estúpida que enlutava a nossa terra e enchia de magoa o
coração do Brasil. No ápice de uma carreira militar cheia de brio e de serviços a
pátria, coube a s. exa. coroá-la com esse passo gigantesco, com esta conquista
gloriosa de extinguir a cizânia e fazer a concórdia que emigrara mais de nove
meses de um dos mais belos recantos do nosso país. A vitória da missão de s. exa., é
tanto maior quanto são reconhecidamente sabidas os formidáveis entraves que a
realização de seu testamento colocou os rebeldes, desde a manifestação patente e
acintosa, formalmente, verbalmente até as continuas infrações de armistício que,
durante todo este mês que se foi, levantaram clamores em toda a parte (O DEVER,
16/12/1923).
Com isso, fica evidente que o editorial serviu como instrumento para proclamar como
vitória republicana a Guerra de 1923:
E neste momento histórico e solene em que possuídos de intenso jubilo pela paz,
estreitamos em nossos braços todos os rio-grandenses de boa vontade, num abraço
amplo e generoso que inflame o coração da Pátria mesma, congratulamo-nos pelo
Rio Grande e pelo Brasil (O DEVER, 16/12/1923).
Em relação a esse feito, pode-se afirmar que, desde que se iniciaram as negociações
para a pacificação no Rio Grande do Sul, a imprensa partidária de Bagé foi encarregada de
anunciar as notícias sobre a evolução das confabulações entre as partes. Dessa forma, devia
possibilitar que as matérias publicadas pelos jornais bajeenses ganhassem relevo nacional,
sendo, portanto, reproduzidas por jornais de todo o país.
Olhando para o futuro, não tardaria muito para que maragatos e chimangos se unissem
para a eleição de Getúlio Vargas para presidente do Estado em 1927 e, novamente lado a lado,
quando, com a revolução de 1930, colocaram o mesmo Getúlio na presidência da República,
cumprindo-se, dessa forma, o grande projeto de Assis Brasil de unir a classe dominante rio-
grandense na defesa de seus interesses.
Mas essa união não ocorreu de modo tão pacífico e sem ressentimentos como se
poderia supor.
118
Depois de 1923, ainda os federalistas permaneceriam convictos de suas posições,
irredutíveis com relação a seus adversários, críticos até mesmo com quem, federalista,
negociava politicamente com outros setores oposicionistas ao borgismo, inimigo hostil. Em
1928, o próprio nome do novo partido, Partido Libertador, era reminiscência de 1896,
revivida como ressentimento. Bagé, mais uma vez, era palco para a reestruturação federalista.
Borges ainda era ―eterno‖, presencial, presente, substancial inimigo. Nenhuma das
―revoluções‖ acabara, pacificara, para os federalistas, apenas sofreram um intervalo: entre
―revoluções‖. Como se o tempo não passasse, nunca. Em eterno retorno, Zeca Neto, Leonel
Rocha e Júlio de Barrios, faziam de suas ausências um grito, eco de uma época ―heroica‖,
constituindo um tempo e um lugar específicos, especiais, únicos, singulares:
[...] acervo [...] do jornal Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador.
Esta agremiação política, que foi criada em 1928, na cidade de Bagé, era a sucessora
ideológica do Partido Federalista, reunindo a maior parte dos antigos maragatos,
bem como os simpatizantes de Assis Brasil, chamados de Democráticos, e os
dissidentes republicanos. [...] A executiva da Aliança Libertadora convoca um
congresso, que seria realizado no dia 3 de março de 1928, na cidade de Bagé,
visando reorganizar as fileiras desmanteladas e desorientadas pela repressão
borgista. Dessa reunião, realizada no Teatro Coliseu, com a presença de três mil
pessoas, surgiria o Partido Libertador
44
.
Alguns dos antigos líderes maragatos não estavam presentes na fundação do Partido
Libertador:
O lendário Honório Lemes presidiu a sessão de instalação. Felipe Portinho e Estácio
Azambuja foram dos mais aplaudidos, mas também foi destacada a ausência de Zeca
Neto, Leonel Rocha e Júlio de Barrios. [...] A fundação do Partido Libertador uniu
os antigos federalistas, os democratas de Assis Brasil e os dissidentes republicanos,
ou seja, reuniu as três vertentes da oposição ao PRR no final da década de 1920. No
evento de fundação do PL havia uma caravana do PDN, oriunda de São Paulo, o que
configurava a união entre as duas agremiações políticas. Os libertadores são
chamados de ―guerrilheiros da liberdade‖, convocados para uma ―cruzada
redentora‖
45
.
O novo nome do partido nasceu como um resgate da Aliança Libertadora, proposto
por Assis Brasil:
44
KIELING, José Fernando. Política oposicionista no Rio Grande do Sul (1924-1930). Dissertação de Mestrado
em História da Universidade de São Paulo, São Paulo: 1984, p. 78-86. Citado por: FLORES, 2009, p. 34.
45
Idem, p. 93. Citado por: FLORES, 2009, p. 34.
119
[...] (o nome) veio como vem todas as coisas que tem raízes e, ascendem para a luz.
Ele simbolizara o momento da epopeia em que o Rio Grande se livrou da vergonha
de viver em perpétua escravidão. Nasceu como a Aliança Libertadora [...] (esse
nome) tinha sofrido o sacramento em que a água fora substituída pelo sangue dos
heróis que tiveram a sorte de morrer pela causa bendita (...) o nome caldeado no
calor da luta era o nome que deverá ficar.
46
Tratava-se, talvez, mais do que uma lembrança do inconsciente, muito próximo de um
acerto de contas interno entre os próprios maragatos, um balizamento no rumo político dos
federalistas:
Este nome [Partido Libertador] já havia sido sugerido para substituir o nome do
Partido Federalista em 1896, mas rejeitado por um congresso em Bagé, justamente
para não lembrar a sangrenta revolução ocorrida até o ano anterior
47
. Assis Brasil
frisou ainda que fora lembrado o nome de Partido Liberal, mas por causa do antigo
homônimo da época imperial, não seria bom. O líder federalista Wenceslau Escobar
propôs o nome de Partido Federalista Democrático, mas foi voto vencido. Também
discordou do programa do PDN, por ser, segundo Escobar, presidencialista. Ele e
Estácio Azambuja formaram os ―bastiões da resistência‖ federalista contra a
unificação partidária
48
.
Observava-se que os maragatos ainda possuíam poder político considerável em todo o
Estado:
No mesmo evento ocorria a extinção do velho Partido Federalista, criado por
Silveira Martins em 1892. Paulo Nogueira Filho, um dos representantes do PD
paulista presente no congresso, escreveu sobre a resistência dos federalistas:
―[...] resistências surgiam contra a nova organização, sobretudo no setor Federalista,
cujo partido era composto de elementos de tradição revolucionária inquebrantável,
de convicções programáticas enraizadas, e, possuidores de enorme prestígio
econômico e moral, em todo o Rio Grande do Sul. Não viam eles porque enrolar sua
aureolada bandeira‖
49
.
46
NOLL, Maria I. ―O contexto político revolucionário de 30 e a unificação dos partidos rio-grandenses (1928-
1930)‖. In: TRINDADE, Hélgio (Org.). Revolução de 30: Partidos e imprensa partidária no RS (1928-1937).
Porto Alegre: L&PM, 1980, p. 33. Citado por: FLORES,2009, p. 35.
47
OSÓRIO, Joaquim Luís. Partidos políticos no rio grande do sul (período republicano). Pelotas: globo, 1930, p.
226. Citado por: TRINDADE, Hélgio. ―Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense
(1882-1937)‖. In: DACANAL, José H. e GONZAGGA, Sergius (Org.). RS: economia & política. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1979, p. 164. Citado por: FLORES, 2009, p. 35.
48
Idem, p. 140. Citado por: FLORES, 2009, p. 35.
49
NOGUEIRA FILHO, Paulo. O Partido democrático e a revolução de 1930: ideais e lutas de um burguês
progressista. V. 1 e 2. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1965, p. 218. Citado por: FLORES, 2009,
p. 35.
120
Parte dos maragatos não aderiu ao Partido Libertador, visto por estes três federalistas
refratários, como um partido adesista:
[...] no artigo intitulado ―O manifesto dos três federalistas‖, [...]. O autor escrevia
dizendo que ―eles‖ estavam afastados da atividade partidária do Rio Grande do Sul,
por motivos de ordem pessoal e que tinham desaparecido do cenário político gaúcho.
Dizia o autor que o Partido Federalista havia resolvido, no Congresso de Bagé,
integrar-se ao Partido Libertador. ―O Partido Federalista continuava a existir, apenas
identificando as suas aspirações com os reclamos dos demais oposicionistas
gaúchos‖
50
. Para o autor, o PL era uma unidade política indestrutível. Afirmava que
os três ―federalistas‖ não compareceram ao Congresso de Bagé e nem protestaram
contra o compromisso assumido pelo Partido Federalista. Não falaram em nome dos
federalistas. Tinham se transformado em aliados dos inimigos do Rio Grande do Sul,
que planejavam o seu aniquilamento [...].
51
50
Estado do Rio Grande, Porto Alegre, 04 nov. 1929, p. 3, AHMMV. Citado por: FLORES, 2009, p. 60.
51
FLORES, Ericson. “Um Posto De Combate E Uma Tribuna De Doutrina”: O Partido Libertador E O Jornal
“Estado Do Rio Grande” (1929-1932). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial e final para
obtenção do grau de mestre em História, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Luiza Setti Reckziegel. Passo
Fundo, 2009, p. 13-34-35-59-60.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos editoriais dos jornais Correio do Sul e O Dever, em Bagé, como
manifestações do jornalismo partidário no Rio Grande do Sul, em 1923, evidenciou a
importância dos periódicos na construção das ideias, dos programas, tanto de situacionistas
quanto de oposicionistas, conquanto houvesse outras esferas públicas, tais como congressos,
reuniões partidárias, eleições, além do próprio estado burocrático.
A sociedade civil compreendia e consolidava a importância dos periódicos à medida
que se identificava com as idéias deste ou daquele jornal, a ponto de poder se afirmar que
grande parte da política regional passava pelas folhas impressas dos jornais, pois não era à toa
que os articulistas refinavam e orientavam politicamente seus editoriais e artigos, cientes que
seriam deveras lidos por grande massa de sedentos leitores e correligionários deste ou daquele
lado político.
O conceito de história oficial ou oficiosa poderia ser aplicado em alguns momentos da
descrição da Guerra Civil de 1923; no entanto, não estava em jogo somente o domínio do
próprio Estado e suas repercussões nos editoriais dos jornais; o que estava em jogo também
era a hegemonia política do Estado, o debate das idéias, de quem estava com a verdade, o
convencimento dos correligionários, principalmente.
Daí o jornalismo partidário, mostrando visível bipartidarismo, dentro de uma lógica
que apontava para o conflito, para a Guerra Civil, visto que os ressentimentos de 1893 ainda
estavam guardados, sobreviventes, no território da fronteira, derrotada e em ostracismo
político desde 1893. Vendetas, cujas marcas eram ainda profundas na sociedade local; foram
revividas. A acirrada crítica era efeito de violência política que teve continuidade no Rio
Grande do Sul, desde o final da Guerra Civil de 1893, em que os mesmos grupos se
reorganizaram para combater novamente. O conflito de 1923 foi a tentativa de retomada do
poder perdido em 1893, pelos derrotados político-militarmente que amargavam ostracismo e
perseguição, agora, em outras formas, sub-reptícias, silenciadas pelo poder de Estado, em que
o jornal oposicionista atuava como caixa de ressonância dos constrangidos, dos ameaçados
politicamente, dos familiares dos assassinados, denunciando privilégios, corrupção e roubo;
assim como o jornal situacionista, representando o poder de Estado, tratava de dar outra
versão para os fatos jornalísticos, mais afinada ao Castilhismo-Borgismo. A retórica em todos
os discursos, especialmente nos jornais, só ajudava a incendiar sentimentos de revolta e
insatisfação, que ainda permaneceriam na comunidade, sempre com uma aparência clivada,
122
dividida, isolada, em que processos cooperativos jamais vingaram. O Rio Grande do Sul ainda
não exumou os cadáveres expostos nas guerras civis de 1893 e 1923, ainda não fez justiça,
embora tenha feito a paz.
O jornalismo partidário do Correio do Sul apresentou um programa, que compreendia
o estabelecimento da mais ampla liberdade de imprensa; plataforma ou programa de governo,
um tanto difusa, de caráter liberal e da ferrenha crítica à doutrina positivista que inspirava os
donos do poder no Rio Grande do Sul e ao sistema político da República Velha, embora de
caráter elitista e oligárquico. O programa permanentemente reclamado pelos federalistas, ou
seja, o equilíbrio entre as constituições estaduais e a constituição federal, que, no caso do Rio
Grande do Sul, eram supostamente constituições díspares, em 1923, necessitando, portanto,
de intervenção federal que os castilhistas-borgistas negavam-se a fazer as reformas
reclamadas pela oposição. Era um programa que servia também para outros intentos,
especialmente a manifestação de antigos ressentimentos, desde 1893, ainda não resolvidos e
muito abafados pela ditadura castilhista-borgista. Tinha-se ainda a questão da produção
econômica da fronteira que ficou mais abalada do que já estava.
A Guerra Civil de 1923 representou um dos capítulos mais importantes para o Rio
Grande do Sul, tratou-se de um momento cheio de contradições, que envolveu aspectos
econômicos, sociais e culturais, dividindo a sociedade rio-grandense.
Levando-se em consideração cada um dos aspectos apontados possibilitou a realização
de uma análise simbólica da história sobre o referido conflito.
Para a construção deste estudo, utilizaram-se os discursos reproduzidos pelos jornais O
Dever e Correio do Sul, por entender que estes contribuíram para a construção da memória
oficial dos acontecimentos do conflito.
Acontecimentos estes vivenciados por sujeitos históricos, que, com afinco político-
partidário construíram através dos editoriais dos dois jornais as memórias que atualmente
junto a outras fontes bibliográficas podem ser usadas para interpretar o período de guerra.
Apesar de haver uma significativa fonte de material bibliográfico sobre a Guerra Civil
de 1923, entretanto, são escassas aquelas que abordam o conflito sob a perspectiva de Bagé ou
que dêem a merecida importância a sua ativa participação no conflito, principalmente no que
se refere ao processo de pacificação.
No decorrer deste trabalho, consideraram-se algumas questões relativas à dimensão
política e ideológica das notícias vinculadas nos periódicos O Dever e Correio do Sul em
relação à Guerra Civil de 1923.
Através do discurso jornalístico político organizado nos dois jornais, constatou-se que
123
estes se configuraram como espaços de formações discursivas do Partido Republicano e da
Aliança Libertadora.
Observaram-se duelos mais fervorosos no campo jornalístico do que nos campos de
batalha, que, assim, contribuíram para o entendimento da Guerra Civil de 1923, como uma
guerra por idéias, ou seja, um momento onde ocorreu um choque de idéias e princípios que
foram antagônicos entre si, resultando num embate tanto político-ideológico como armado.
Destaca-se, no meio dessa contenda e do jogo de palavras o papel assumido pela
imprensa bajeense, que transmitiu os fatos de guerra, utilizando-os em defesa de seus próprios
pontos de vista, gerando assim dois discursos políticos e argumentativos sob o conflito.
Portanto, as conseqüências das ideologias defendidas pela imprensa partidária
bajeense não devem jamais ser menosprezadas, visto que atuaram na própria cultura da
sociedade.
Nesse sentido, a produção jornalística participou não apenas do reconhecimento dos
espaços de descoberta ou de circulação de fatos e eventos relacionados à Guerra Civil de
1923, mas interferiu também na autonomia dos sujeitos devido a seu potencial de mistificação
e alienação em torno do conflito.
Isso porque os artigos publicados pelos jornais não se ocuparam apenas em descrever
os fatos de guerra, mas posicionaram-se de forma a influenciar fortemente os rumos do
conflito.
Fica, então, reconhecido que as manifestações políticas e ideológicas de O Dever e
Correio do Sul aliado à influência dos líderes revolucionários contribuíram profundamente
para as formações de opiniões e posicionamento de seus leitores frente ao conflito.
Nesse sentido, é interessante voltar a ressaltar a posição quase isolada do Correio do
Sul que até mesmo após a assinatura do tratado de paz continuava pregando a luta armada.
Pode-se afirmar que o conhecimento dos editores dos jornais estava também
construído através do poder, e esse poder foi utilizado para alcançar os objetivos da guerra.
Sob esse prisma, conclui-se que os jornais neste ponto, nunca estiveram acima dos debates
políticos e sociais, mas no centro destes, ou seja, em nenhum momento exerceram a
neutralidade, não eram meramente instrumentos informativos, mas consolidavam uma posição
política e ideológica.
Os artigos produzidos pelos articulistas de O Dever e Correio do Sul tornaram-se
objeto de necessidade diária para seus leitores que mantinham constante ardor por notícias
relacionadas ao conflito, pois além de servirem de informativos de guerra, eram os
propagadores dos ideais republicanos e oposicionistas.
124
Atuavam no imaginário popular, glorificando os feitos nos combates, motivando e
trazendo esperança nos momentos de derrota.
Dessa forma, no decorrer deste estudo, considerou-se basicamente a relevância dos
jornais O Dever e Correio do Sul, demonstrando que os artigos publicados por eles são
elementos potenciais para explicar os motivos e as consequências da Guerra Civil de 1923,
pois trazem de forma explícita representações acerca da ordem política, social e definem
claramente o papel que coube à imprensa partidária bajeense dentro do conflito e no
imaginário popular.
Com isso, o estudo demonstra que ambos os jornais empreendiam a sua versão dos
acontecimentos, portanto, não estavam ali empenhados em fazer a história, mas buscavam
arduamente defender as suas próprias ideologias.
Dentro dessa ótica, os materiais jornalísticos que compõem a historiografia dessa
dissertação mostraram claramente o produto dessa luta ideológica.
Por fim, conclui-se que a análise de editorias para fins de elucidação de um período de
conflito, constitui-se um promissor caminho de investigação a esse respeito, seja para elucidar
os fatos, seja para avaliar o nível de dependência e atuação dos grupos de pressão que
atuavam na época.
Como fonte documental, os periódicos possibilitaram que se realizasse um novo
conhecimento a respeito do conflito armado de 1923, no que diz respeito à guerra político-
ideológica travada no Rio Grande do Sul, que teve como palco principal a cidade de Bagé.
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134
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TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Os 170 anos do Parlamento Gaúcho. Subsídios
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<http://www.al.rs.gov.br/biblioteca/pdf/Subsidios.pdf>. Acesso em: 31 out. 2009.
ACERVOS PESQUISADOS
CORREIO DO SUL. Editoriais de 1922 até 1923. ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE
BAGÉ.
O DEVER. Editoriais de 1922 até 1923. MUSEU DOM DIOGO DE SOUZA. Bagé.
135
ANEXOS
136
ANEXO 1 ANÁTEMA SOBRE O BÁRBARO!
ANÁTEMA SOBRE O BÁRBARO!
21 de abril de 1923
deixou de pertencer ao domínio das hipóteses a invasão do Rio Grande do Sul pela
horda de mercenários uruguaios que obedece ao comando do conhecido caudilho Blanco
Nepomuceno Saraiva.
Cerca de quinhentos desses bandoleiros arrebanhados à ralé das populações rurais do
vizinho país amigo, burlando a vigilância das honradas autoridades dos departamentos de
Cerro Largo e Rivera, penetraram ontem no território rio-grandense, colocado às ordens do
governo ditatorial do Estado, do qual, depois de receber a paga, veio buscar a senha para a
campanha contra os revolucionários, contra a vida e contra os bens dos habitantes da nossa
extensa zona fronteiriça.
Se ainda houvesse dúvidas com relação à falência dos sentimentos de patriotismo no
coração do Sr. Borges de Medeiros, esse fato as dissiparia por completo na consciência
nacional: não pode amar a pátria, não pode ter por ela o mínimo afeto, o brasileiro que,
investido no cargo de suprema autoridade de uma das opulentas circunscrições territoriais da
República, envia emissários aos antros da escória estrangeira, atirando-lhe dinheiro, como
quem atira engodo às feras, para atraí-la ao nosso país e assanhá-la contra os nossos patrícios.
Mas esse atentado monstruoso do ditador não pode ter o aplauso de nenhum homem
de bem, de nenhuma consciência honesta, de nenhum filho do Rio Grande do Sul que não
tenha a alma embotada pela paixão política e a mente conturbada pelo crepitar dos ódios que a
devoram!
Os nossos adversários, os nossos inimigos da atual campanha cívica, podem ter
perdido de todo a consciência da justiça e do direito, lutando por uma causa ingrata,
amparando o tirano e combatendo o ideal de liberdade que escalda a mente de seus irmãos,
mas não perderam ainda o sentimento de amor à mãe pátria, não renegaram a terra em que
nasceram para traí-la e entregá-la à depredação de incursões relapsas, à volúpia dos bandos de
feras sanhudas, que entram de narinas dilatadas, farejando sangue e presas preciosas pelas
nossas fronteiras adentro.
137
E não a sociedade digna do Rio Grande de reprovar o emprego desse recurso
criminoso do ditador, que envergonha a civilização e ofende os brios de um povo altivo e
culto.
O Brasil inteiro há de receber com nojo a notícia dessa inominável monstruosidade.
Se o Sr. Arthur Bernardes, honrado presidente da República, não olvidou ainda os
compromissos que assumiu perante o país, de defender o seu território, a sua honra e o seu
decoro, não tardará S. Exa. em adaptar as medidas de repressão que se impõe, mandando
varrer á metralhadora pelo glorioso Exército Nacional os intrusos que forçam as fronteiras do
Brasil e vêm apunhalar em nossos lares o coração dos nossos irmãos.
Esse é o dever de S. Exa., se não ditar a consciência o emprego de uma medida mais
radical e mais consentânea com a dignidade do seu governo, que seria a intervenção imediata
do Executivo da República na vida política e administrativa do Estado.
Com a invasão do seu território por forças orientais, está o Rio Grande dentro de uma
das figuras jurídicas da intervenção federal, conforme o texto da Constituição da República,
sem depender de requisição por parte do governo estadual.
É, pois, oportuno o momento para a obra de pacificação do Estado e da sua integração
na comunhão nacional, por parte da suprema autoridade da nação.
O Sr. Borges de Medeiros traiu o ideal republicano, tornando-se um monarca
disfarçado no território do Rio Grande, e traiu a própria pátria, assalariando estrangeiros para
virem matar-lhe os filhos, no próprio seio generoso das suas Campinas e de suas florestas.
Anátema sobre o bárbaro!
Fanfa Ribas
138
ANEXO 2 PARA FORA, OS BANDIDOS!
PARA FORA, OS BANDIDOS!
01 de maio de 1923
Acabrunhadora nova nos veio ontem da Serrilhada: ali, no cimo daquelas verdes
montanhas brasileiras, que se elevam majestosas sobre a orla do vizinho país amigo, e donde
o viajante contempla extasiado a beleza das opulentas campinas uruguaias, novos bandos de
aventureiros, encaudados na esteira suspensa da poeira levantada pelo ginete que o
mercenário blanco Nepomuceno Saraiva cavalga, penetraram ao cair da tarde e, segundo resa
o recado à nossa folha enviado, tingiram a estrada de generoso sangue rio-grandense,
degolando, de orelha à orelha, dois desventurados patrícios nossos.
É a reincidência na violação do nosso território e a reincidência no crime de homicídio
praticado na pessoa de nossos irmãos de pátria, o que se anuncia na singeleza do aludido
recado.
E nós, que fomos os primeiros a anunciar a presença do estrangeiros atrevido em nossa
terra, nós, que do alto destas colunas levantamos em primeiro lugar o grito de alerta, que
denunciamos à consciência nacional a immoralíssima transação do governo rio-grandense,
mediante a qual a incursão dos intrusos se operou, nem temos ânimo para bradar por
providências ao poder público federal, porque ante esse monstruoso atentado paira a
indiferença fria e condenável do governo da República.
Temos em Bagé uma numerosa força de Exército da União, glorioso, nobre e heróico
contingente de defensores da honra e da integridade da pátria.
Entretanto, com os seus elementos de eficiência militar, com o patriotismo da brilhante
oficialidade dos corpos aqui estacionados, com os sentimentos de humanidade e os vínculos
de solidariedade dos nossos soldados para com a sociedade civil brasileira, a guarnição de
Bagé assiste impassível à violência das nossas fronteiras e ao trucidamento dos filhos do país
por uma horda de vândalos, por que a isso a obrigam as instruções de neutralidade na luta
intestina que levamos travada!
Assiste-nos o direito de bradar aos altos poderes da República: ―Essa indiferença é um
crime, é uma covardia, é uma miséria e é uma traição‖!
139
Sim, porque ao poder blico constituído cabe o dever de manter ilesa a dignidade da
nação, a inviolabilidade do seu território e a vida daqueles que o habitam.
Mas, a neutralidade alegada, não pode deixar de ter restrições; dela não pode valer-se
nenhum dos beligerantes para atentar contra o próprio decoro nacional, abrindo as fronteiras
do país à invasão dos criminosos de estranhas plagas.
de haver por força excesso de zelo na observância das instruções do governo
federal por parte das autoridades militares do Estado.
A gravidade de caso nem admite a obrigatoriedade de consulta ao titular da pasta da
Guerra, mormente numa situação anormal como a que atravessamos, em que se não pode
sequer contar com o telégrafo.
Se temos suficiente nas nossas fronteiras para fazer respeitá-las, e o estrangeiro as
viola, agravando a enormidade desse gesto atrevido com a decapitação dos nossos patrícios, o
que cumpre às autoridades militares que se acham mais perto do teatro dos acontecimentos, é
agir imediatamente contra os violadores, expulsando-os do país, porque a neutralidade é tão
somente para com os beligerantes e nenhum governo, nenhuma autoridade pode reconhecer o
caráter de beligerância em elementos oriundos de uma potência estrada ao conflito, e, muito
menos, em hordas de bandidos colocados fora da lei dentro do país em que nasceram, onde os
aguarda a repressão, na fuzilaria dos soldados da sua própria pátria, como acaba de acontecer
com Negrito Barrios.
Longe de nós a idéia de insinuar a perseguição contra os invasores ao nosso ilustre
amigo Sr Coronel Pará da Silveira, digníssimo comandante da Brigada de Cavalaria aqui
sediada, soldado disciplinado e disciplinador, honrado e nobre, que tem uma de ofício
brilhante e constitui um motivo de orgulho para as classes armadas do Brasil.
Mas a convicção que temos de que o governo da União não pode deixar em abando as
nossas fronteiras, entregues à violação, à sanha, às depredações e à pilhagem da escória
uruguaia encaudilhada, nos faz acreditar que s. exa., como guarda vigilante da honra nacional
nesta circunscrição da República, não poderá agora, diante dessa reincidência que aqui
denunciamos, retardar a ação repressora das forças sob seu comando, no desagravo da pátria
ultrajada.
Esses novos invasores, que dizem ser em número de quarenta a cinqüenta, seguem no
rastro dos outros que se lhes anteciparam, internando-se pelo país a dentro, e, se para fazê-los
retroceder for necessário esperar pela resposta a qualquer consulta, ai da nossa segurança, ai
da eficiência militar na defesa das nossas fronteiras, ai dos nossos patrícios, das nossas
propriedades e das nossas vidas!
140
Amanhã esse grupo fará junção com o outro, que se acha em Vaccaquá, e terá
deixado mais duas, mais quatro ou mais dez cabeças de brasileiros decepadas, empestando o
côncavo das nossas canhadas e servindo de pasto aos corvos.
Defenda s.exa. sem perda de tempo a vida ameaçada dos filhos da fronteira, lave as
nossas campinas da afronta que nos vem atirar essa horda de bandidos, expulse-os do nosso
território, levando-os em debandada até se espetarem na ponta dos sabres dos soldados
uruguaios que guarnecem a fronteira do seu país, e s. exa., não terá a aprovação dos seus
superiores hierárquicos, como os aplausos e as bênçãos de toda a sociedade brasileira.
Defendendo os seus patrícios da faca dos degoladores estrangeiros, s. exa. o fará em
obediência a um princípio de humanidade, que será a mais bela das justificativas, perante a
severidade da leis marciais, no caso inacreditável de se considerar quebrada a neutralidade do
Exército na luta fratricida que se travou no Rio Grande.
A primeira invasão passou em branca nuvem, a segunda também, mas agora a terceira
não deve passar.
Os crânios dos brasileiros degolados, com a carótida cortada avermelhando ao sol,
estão pedindo vingança.
Vingança, em nome da solidariedade nacional.
Fanfa Ribas
141
ANEXO 3 O GRANDE ATENTADO
O GRANDE ATENTADO
19/4/23
Insistentes boatos trazidos da vizinha República nos lábios dos mais caracterizados
viajantes que de vão chegando diariamente, adiantam que o conhecido caudilho blanco
Nepomuceno Saraiva mancomunou-se com o ditador Borges de Medeiros e está prestes a
invadir o Rio Grande, à frente de quatrocentos orientais para oferecer combate à revolução e
por em sobressalto os habitantes da nossa opulenta zona fronteiriça.
Embora duvidando do êxito dessa empreitada, que dizem haver custado cinqüenta mil
pesos, por antecipação, ao governo de nosso Estado, não podemos deixar de manifestar as
nossas apreensões, pelos menos na parte referente ao risco que correm os bens e a vida dos
nossos fazendeiros, com essa incursão de elementos arrebanhados à escoria da população
rural uruguaia.
Conhecido como está o desprestígio em que caiu aquele caudilho no seio da honrada e
operosa nação vizinha, não nos passa pela imaginação a hipótese absurda de conseguir ele
companheiros da elite blanca uruguaia que o sigam nessa aventura perigosa de vir asfixiar a
liberdade de um povo que se debate trinta anos no cepo da escravidão, sob o domínio do
último dos tiranos da América.
Os companheiros do aventureiro serão, sem dúvida alguma uma pequena partida de
intrusos, sem alma e sem ideal, que vêm para as coxilhas gaúchas do Brasil com o objetivo da
pilhagem e de todos os crimes próprios ao feitio dos guerreiros do pampa.
Não assustam aos bravos defensores da liberdade, constituídos da fina flor das
populações rio-grandenses, as carrancas desses combatentes destituídos de qualquer
sentimento elevado, nem a fama de valentia de que porventura venham precedidos.
Apenas causar-lhes-á temor a possibilidade dos crimes que virão eles perpetrar no
território da nossa amada pátria, à sombra da bandeira das hostes da ditadura, contra os
incautos habitantes do nosso caro Rio Grande, até aqui respeitados em suas vidas e bens, com
raras exceções, por ambas as forças que se digladiam.
É deveras lamentar que o Sr. Borges de Medeiros, mesmo em desespero da causa,
142
lance mão de elementos tão falhos de moral para substituir os combatentes que lhe escasseiam
na luta contra os irmãos de pátria.
bem pouco tempo s. exa. alardeava força e proclamava a fraqueza do adversário,
considerando a revolta um caso de polícia, um levantamento sem significação, fácil de ser
dominado sem sacrifício para os seus exércitos de defesa.
E agora, três meses depois do primeiro grito de reivindicação, s. exa. sente-se perdido,
reconhece que o Rio Grande inteiro se levanta contra o seu governo, chega a convicção de que
não pode dominar com elementos internos a chama do incêndio que foi ateado, as labaredas
da revolução que crepitam lambendo-lhe as cidades, as vilas e as aldeias que dominara!
Nessa situação de pavor, em vez de abandonar o poder nobremente, entregando ao
povo o que é do povo, s. exa. abre os cofres do Estado, lança mão dos dinheiros dos depósitos
populares, arrebata valores pertencentes a órfãos e ausentes, esgota o Crédito nos bancos,
reúne os últimos vinténs arrancados ao suor dos contribuintes por meio de impostos que os
incautos pagam ainda, e manda atirar tudo isso aos pés do caudilhismo arruinado do Prata,
remunerando-o para que ele venha com os seus lanceiros e os seus degoladores talar as
coxilhas da sua própria terra nativa e juncá-las de cadáveres dos seus patrícios!
É preciso que tenha descido muito na escala moral pública um condutor de partidos,
para assim proceder, por mais críitica que seja a sua situação política!
Saiba, porém, s. exa. que a invasão do Rio Grande por elementos estrangeiros de tal
jaez, com todo o cortejo de crimes, de assassinatos e de depredações que ele perpetrarem,
servirá para aumentar o seu desprestigio e avolumar o repúdio que lhe vota a população do
Estado.
Em nome da lei, em nome da razão e em nome dos sentimentos do patriotismo do Sr.
Dr. Presidente da República, chama-nos a atenção de s. exa. para mais esse revoltante
atentado da ditadura rio-grandense.
Como chefe da nação, obrigado a zelar pela vida dos seus concidadãos e pelo respeito
ao território nacional, s. exa. não pode consentir que o tacão da bota dos aventureiros
uruguaios venha talar as Campinas do Rio Grande, massacrando-lhe dos habitantes.
Para o ilustre coronel Pará da Silveira, brioso e honrado soldado do Exército
Brasileiro, aqui destacado pra a defesa da honra nacional, apelamos nesta hora amaríssima do
Rio Grande, a fim de que s. exa. esteja alerta e, à primeira incursão dos aventureiros, dela
conhecimento ao governo da República, para as devidas providências.
Nem tudo se acha ainda escravizado à vontade prepotente do ditador.
De pé, altivo, nobre a patriótico, ainda está o Exército Nacional.
143
Soldados do Brasil, para os beligerantes rio-grandenses, de uma e outra facção, a vossa
magnanimidade; para as incursões estrangeiras e mercenárias, a bala das vossas espingardas e
o gume dos vossos sabres!
É a honra da nação que o exige.
Fanfa Ribas
]
144
ANEXO 4 QUEM DÁ AOS LIBERTADORES, FAVORECE A PÁTRIA
QUEM DÁ AOS LIBERTADORES, FAVORECE A PÁTRIA.
06 de maio de 1923
Ao coração generoso e santo da mulher bajeense, falou ontem pelas colunas do nosso
colega local O Dever, a alma apaixonada, facciosa e intrigante de um escrevedor ditatorialista.
Um gesto elevado, nobre e altruístico das belas damas desta sociedade culta e caridosa
assanhou o bando das paixões mesquinhas que vivem na colméia agitada e desprovida do mel
do espírito, que é o cérebro do desastrado rabiscador republicano.
Porque as senhoras e as gentis senhoritas de Bagé, cheias de graça e de bondade, se
congregaram em torno da bandeira da caridade cristã e resolveram fundar a Cruz Vermelha
dos Libertadores, saltou-lhes ele á frente, de venábulo em punho, pretendendo embargar-lhes
o passo e crivar-lhes o coração de pungitivas feridas.
Mas, santo Deus, porque se alvoroçam essas paixões, zumbindo como abelhas d'ouro
em torno do cerebelo, da pia mater e da dura mater desse crânio formidável, que , em vez de
ódio, intrigas e quizílias, devia conter um mundo de idéias?
A fundação de uma sociedade destinada ao exercício da caridade é sempre uma
manifestação dos sentimentos bons, de piedade e de amor, em qualquer que seja o campo em
que levar o afago da solidariedade humana, os socorros da ciência e os carinhos da estima
fraternal.
A Cruz Vermelha dos Libertadores é, conforme dissemos em nossa edição de do
corrente, refletindo os pensamentos das suas gentilíssimas fundadoras, uma agremiação que
―se propõe a tratar dos feridos da guerra, sem distinção de partidos ou grupos beligerantes‖.
Que nesses propósitos, clara e insofismavelmente expostos, que não seja bondade,
amor, proteção, amparo e caridade, na mais alta expressão das doutrinas e das virtudes
cristãs?
Longe de excluir dos direitos ao beneficio que ela venha a prestar os elementos
contrários ao núcleo partidário onde vai haurir os recursos materiais, a associação timbra em
declarar que levará socorros a gregos e troianos, o que mais a recomenda e enobrece no
conceito dos verdadeiros apóstolos do bem.
145
E é uma organização altamente humanitária e religiosamente caridosa como essa, que
sofre o ataque da crítica apaixonada e insensata do colaborador d'O Dever.
É verdade que se podia fundar a mesma associação sem particularizar-lhe a origem,
sem dar-lhe a designação partidária uma vez que seus fins expressos são os de socorrer
indistintamente aos necessitados. Mas, se essa designação lhe era dispensável, nem por isso
lhe diminui o valor moral e a grandeza do objetivo.
O que quiseram as damas bajeenses não foi privar dos socorros aos soldados do
ditador, em cuja alma não lampejou nem lampejará jamais um raio de caridade, para deixar ao
menos que o povo seja livre, foi, simplesmente, utilizar-se de recursos angariados
exclusivamente no seio da população amiga dos libertadores, organizarem a sua associação de
modo que seja dirigida por elementos simpáticos à causa da revolução, afim de que possa
atender, sem constrangimentos, nem embaraços, nem delongas, aos maiores necessitados, aos
que não podem ser socorridos na praça ou nos próprios campos ensangüentados da luta, não
devem contar com os recursos da Santa Casa de Misericórdia, das associações beneficentes,
das ambulâncias da milícia estadual, da assistência da municipalidade, dos dinheiros do
Estado e dos dinheiros do Município, instituições e facilidades essas que se amparam no
auxílio direto e indireto do povo, mas servem tão somente aos que se acham na sede do
município, entre aramados, trincheiras de sacos de areia e soldados da ditadura armados até os
dentes.
Poderá haver objetivo mais nobre, mais santo, mais elevador, mais humano, mais em
harmonia como os sentimentos de amor e amparo fraternal da cristandade?
O Dever conhece de sobejo a grandeza d'alma do ilustre chefe da Igreja Católica neste
município, cujo espírito de religiosidade e de amor há tantas vezes exaltado no calor dos seus
entusiasmos.
Pois bem: nós o convidamos a que provoque o pronunciamento do reverendo
sacerdote monsenhor Costabile Hyppolito, para que S. Exa. Revma, com os olhos na cruz do
Nazareno e a consciência reconcentrada na palavra de Deus, venha dizer aos fieis da sua
paróquia, ao rebanho de mansas ovelhas do campo do Senhor, que o S. Exa. Revma.
apascenta, aos devotos da Santa Madre Igreja, se o gesto das damas bajeenses que fundaram
a Cruz Vermelha dos Libertadores, ofende os dogmas do catolicismo ou esde acordo com a
palavra e os ensinamentos do mártir do Calvário, que ensinou ao mundo a doutrina do Bem,
aconselhou o amparo aos necessitados e pregou a prática da Caridade.
È um juiz austero, alheio às paixões mundanas dos partidos, que poderá dizer ao
colaborador d'O Dever, melhor do que nós, se a atitude das organizadoras da Cruz Vermelha
146
dos Libertadores, nos termos da nossa notícia de do corrente, ―faz pensar em ódios e em
rancores‖ como se diz no artigo de ontem da folha ditatorialista.
Vamos confrade, da nossa parte está dada a palavra ao sacerdote eminente; dê-lhe,
também, da sua, para que seja sentença pronunciada.
Mas não venha O Dever [...] a tela da discussão com o caso da guerra européia, em
que o confrade revela uma ignorância [...] e traz uma farta contribuição de elementos para a
argumentação em favor das senhoras a quem teve a leviandade de criticar e malsinar.
No conflito do velho mundo cada país tinha a sua Cruz Vermelha nacional, filiada ou
não a Cruz Vermelha escocesa ou internacional, que atendia indistintamente aos feridos de
qualquer dos exércitos beligerantes, exatamente como a Cruz Vermelha dos Libertadores, que
se propõe, dentro de seu raio de ação, a socorrer os feridos de uma e outra facção em luta no
Rio Grande do Sul.
A Cruz Vermelha Francesa prestou relevantissimos serviços de caridade cristã, aos
exércitos da França, da Bélgica, da Rússia, da Inglaterra, da Alemanha, da Áustria, da Itália,
da Turquia e de outros países, sem que nenhum jornalista do mundo nem mesmo dos mais
ingrates se julgasse autorizado a censura-la por haver aposto a sua designação originaria
aquela inocente indicação gentílica.
Benditas sejais vós, ó meigas, caridosas e santas senhoras de Bagé, que vos
lembrastes, numa das horas mais felizes da vossa gloriosa e abençoada existência, de criar,
com o apelido de guerra dos infelizes revolucionários, vítimas da situação de cativos em que
se achavam, abandonados do poder público, muitas vezes sem pão sem roupas de inverno,
sem abrigo, sem lar e quase sem pátria uma associação que independentemente do perdão e da
esmola dos governos, possa levar-lhes ao leito de grama em que cairem varados pelas balas
inimigas, algumas gotas d‘água para mitigar-lhes a sede, algumas côdeas de pão para matar-
lhes a fome, algumas colherinhas de quinino para aplacar-lhes a febre e alguns cobertores para
abrigal os do frio aspérrimo de junho, nas campinas varridas pelo minuano!
ESSES QUE INJURIAM OS VOSSOS SENTIMENTOS NÃO SABEM O QUE
DIZEM; NÃO TÊM ALMA SUFICIENTEMENTE NOBRE PARA SENTIR A
GRANDEZA DAS BOAS AÇÕES.
A sociedade vos abençoe pelo que ides dar, das vossas almas e das vossas sacolas
pedintes caridosos, aos vossos infortunados irmãos do exército revolucionário.
Porque esses infelizes batem-se pela liberdade da terra que também é vossa, e,
parodiando frase consagrada, quem favorece aos libertadores, favorece a Pátria.
Fanfa Ribas
147
ANEXO 5 O DEVER O CASO DA CRUZ VERMELHA
O DEVER
O CASO DA CRUZ VERMELHA
8 de maio de 1923
Não se pode dizer que o Sr. Diretor do Correio do Sul. Lendo a nossa respeitosíssima
crítica à fundação da ―Cruz Vermelha dos Libertadores‖, tenha procedido como um colegial
vadio, mas pernóstico, em dia de sabatina. Seguramente não foi essa a nossa impressão, lendo
a sua contradita, em o Correio do Sul, edição de seis do corrente.
O juízo que formulamos foi um pouquinho mais severo; o nosso colega ex- adverso
requintou na e, a míngua de argumentos honestos, capazes de abalar quando dissemos,
valeu-se de intriguinhas, com o propósito de criar contra nós uma atmosfera de antipatias de
parte das digníssimas senhoras e galantes senhorinhas organizadoras da referida instituição.
E sofrermos duplamente com essa atitude do colega; ela é aberrante dos princípios da
ética profissional e denuncia uma absoluta falta de cortesia para com as referidas damas, por
isso que pretendendo emprestar as nossas considerações, caráter de irreverência e de
desrespeito, o colega julgou precaríssima a condição intelectual das aludidas damas, a ponto
de supô-las capazes de se emaranharem no cipoal de intriguinhas tecido pela sua pena.
Paciência: não nos assiste, a nós, o dever de corrigir os maus hábitos do colega e, se
voltamos ao assunto, o fazemos, apenas, em consideração a pessoa veneranda do Exmo.
Cônego Costabile, tão grotescamente envolvida no caso pelo colega.
Do quanto dissemos em nosso primeiro artigo o retiramos uma vírgula, nem nos
penitenciamos de uma única expressão. Ao contrário, aceitando como aceitamos o juízo
arbitral proposto pelo colega ex-adverso, para decidir sobre a justeza ou não das nossas
apreciações á ―Cruz Vermelha dos Libertadores‖, reafirmamos in totum, o nosso ponto de
vista.
Que essa instituição com a denominação expressiva que lhe foi dada, não corresponde
aos verdadeiros mandamentos da caridade cristã e destoa das aspirações que nos deve animar,
a nós todos rio-grandenses, nesta hora angustiosa que estamos passando, eis em resumo, as
características do artigo que provocou as iras do Sr. Diretor do ―Correio do Sul”.
148
Para provar a honestidade de nosso critério, basta uma sintética exposição: embora
extemporaneamente, repetimos, um grupo de distintíssimas senhoras de nossa sociedade,
representando as diferentes correntes políticas em que está dividida a família rio-grandense,
julgou de necessidade a fundação de uma instituição de caridade que em condições de perfeita
eficiência, viesse prestar em momento oportuno, os cuidados precisos aos feridos da guerra, a
se verificar a infeliz ameaça que os nossos adversários estão oferecendo, reunidos
sediciosamente como estão na campanha do nosso município.
Para que a referida instituição, remontando a sua origem tivesse as suas verdadeiras
características, as suas piedosas organizadoras resolveram dar-lhe a denominação de ―Cruz
Vermelha Bajeense‖.
Assim sendo, partiu-se do principio básico da caridade cristã, por isso que não eram
referidos os doadores; era a população bajeense, impessoalmente, quem acudia ao apelo.
Segundo; Com a denominação de ―Cruz Vermelha Bajeense, não se estabelecia, para a
prática da caridade, a distinção de partidos, criando, uns o escrúpulo de dar e, para outros o de
receber.
Com a denominação referida, o hospital a se fundar teria inscrito, implicitamente no
seu frontispício a sublime legenda: Portas a dentro são todos irmãos, nivelados pela dor e
acarinhados por uma infinita bondade a do coração da mulher bajeense.
Estabelecendo-se, porém logo a seguir, uma outra instituição com a denominação
restritiva de ―Cruz Vermelha dos Libertadores‖ manifestamos a nossa estranheza e,
reverentemente, expressamos que os princípios cardeais da caridade cristã e da solidariedade
humana estavam violados bem como, violados estavam, os preconceitos de povo culto, que
nos são tão caros.
Não poderá prevalecer, para justificar essa última iniciativa a presunção de que a
―Cruz Vermelha Bajeense‖ tivesse preconceitos políticos disfarçados e que dentre as suas
organizadoras, uma não houvesse simpática a sorte dos soldados dos ―exércitos
libertadores‖. Não. Além de outras, uma havia cujo nome respeitabilíssimo de família encerra
uma tradição de glórias e, é o mais caro penhor de orgulho do federalismo.
Daí, então, o nosso apelo, curtíssimo, como, aliás, não podia deixar de ser, ao coração
generoso e santo da mulher bajeense, apelo que reeditamos, hoje, com mais fé do que ontem e
com a serena convicção de que terá a integral solidariedade do venerando cônego Constabile
em tão feliz momento invocado pelo nosso contraditor.
Quanto ao infantil argumento, infantil e ridículo, de que ―no conflito do velho mundo
cada país tinha a sua ―Cruz Vermelha‖ e que a ―Cruz Vermelha Francesa‖ prestou
149
relevantíssimos serviços de caridade aos exércitos da França, da Bélgica, da Rússia, da
Inglaterra, da Alemanha, da Áustria, da Itália, da Turquia, argumento para justificar a
propriedade da denominação de ―Cruz Vermelha dos Libertadores‖, é das piores.
A denominação bem sabe o colega, era apenas para caracterizar a nacionalidade
Que tenha a palavra o venerando Conego Constábile.
150
ANEXO 6 A LÓGICA DAS ESPADAS
CORREIO DO SUL
A LÓGICA DAS ESPADAS
6 de junho de 1923
Roncando valentia e alardeando força, o órgão ditatorialista desta cidade publicou
ontem um editorial, que é mais um amontoado de sandices do que uma crítica ponderada a
homens e fatos da revolução.
Tange O Dever a mesma tecla desafinada que o dedo delgado dos escrevedores da
Federação cansou de castigar em vez de exaltar o movimento libertário, tecendo hinos de
louvor aos heróis que afrontam os rigores do inverno e as balas da ditadura, os condutores da
multidão, os orientadores da opinião pública, políticos, professores, oradores e jornalistas,
deviam todos abandonar as posições que lhes foram confiadas, o gabinete em que estudam e
resolvem os grandes problemas nacionais do momento, a cátedra onde fazem as preleções à
mocidade, a tribuna das predicações cívicas, a pena que fustiga os maus e louva os bons, que
mostra os erros e aponta o caminho da salvação, para empunhar, na opinião dos situacionistas,
a Mauser das reivindicações ou a espada de lâmina toledana que decide da sorte dos povos
oprimidos.
Bem compreendemos o objetivo do escritor ditatorialista, o alvo que ele busca ferir
nos seus trejeitos de esgrimidor palerma.
É a nossa pessoa que está em mira, é o relator humilde, desta folha, que, de cabeça
levantada, sem pedir garantias de vida, a quem quer que seja, sem o calor da guarda pretoriana
postada na Intendência, sem o afago protetor das autoridades, sem carabinas e sem bombas de
dinamite no seu gabinete de trabalho, sem capangas a acompanhá-lo nas ruas ou a guarnecer-
lhe a habitação, sozinho, inteiramente só, amparado apenas na sua força moral, cumpre o
rigoroso dever de advogado da causa do povo, e o cumpre em toda a plenitude, defendendo o
direito, a lei, a honra e a liberdade, que constituem o patrimônio sagrado da democracia em
que se educou e em que vive.
Mas é uma covardia fustigar a honra de um homem, quando essa honra é limpa e a
daqueles que a fustigam é poluta.
151
Porque a verdade é esta: nenhum posto de revolução, a cuja causa servimos com a
maior das dedicações e com o maior dos desassombros, dentro das raias da mais absoluta
lealdade para com os nossos inimigos, é de maior sacrifício que este por nós ocupado no
jornalismo.
Aqui se expõe a honra aos vômitos dos demagogos do situacionismo; aqui se
consomem as energias no trabalho exaustivo de redigir o jornal e de prover-lhe os meios de
manutenção; aqui se arrisca o crédito, o bom nome, e mais que tudo isso, porque se arrisca a
própria vida, expondo-a, dia a dia, à sanha dos sustentadores armados do situacionismo, onde
a lei é letra morta e onde nem mesmo a farda gloriosa dos servidores da nação é respeitada,
porque ainda dois dias um cabo e um soldado do Exército Nacional tiveram a blusa
escovada e as carnes sarjadas pelo vergalho dos capangas da ditadura.
Se aqui ficamos e se aqui estamos é porque a Empresa cujos interesses gerimos tem
compromissos que não permitem o nosso afastamento, e porque este é o lugar onde melhor
sabemos esgrimir o aço das reivindicações populares, o posto que fortificamos para a defesa
dos sagrados interesses da pátria, a fortaleza em que nos entrincheiramos para dar combate
aos escravizadores do povo, o Castelo em cujas ameias fazemos tremular o estandarte da
liberdade e dentro do qual não tememos nenhum dos defensores da ditadura rio-grandense
que venha pelejar conosco e faça uso das mesmas armas que nos batemos, que é a pena do
jornalismo, a lança tridentada da lógica, o fuzil fumegante da crítica partidária.
Engana-se O Dever quando diz que os que incitaram à luta se quedaram
confortavelmente em seus lares, sob garantia das autoridades republicanas.
Nem nós fugimos à luta, na qual estamos empenhados de corpo e alma, nobre e
lealmente, de cabeça levantada, dentro da toca do tigre sanhudo e carniceiro, nem ficamos em
nosso lar confiado em garantias de autoridade alguma.
Para a honra do Sr. Coronel Tupy Silveira, a mais alta autoridade do situacionismo,
apelamos no sentido de que diga se lhe pedimos ou sei dele aceitamos algum dia o
oferecimento de qualquer garantia.
Com esse cavalheiro, a cuja honradez, entretanto, não regateamos louvores, nos
entendemos uma vez depois que irrompeu o movimento revolucionário, e essa foi para
indagar de S. Exa., atendendo a um pedido de terceiros, se S. exa. tinha conhecimento de
achar-se ferido ou prisioneiro das forças ditatorialistas o nosso prezado amigo Sr. Maurício
Carneiro de Campos.
Foi uma consulta pelo telefone que S. Exa., com a gentileza que lhe é característica,
nos respondeu tranquilizadoramente.
152
E para que garantias das autoridades?
Não temos nós a exata compreensão dos nossos direitos constitucionais, para recorrer
a favores do adversário, quando temos dentro do código e do regime federal as garantias de
que necessitamos?
Entenderá O Dever que o Sr. Coronel Tupy Silveira ou qualquer outra autoridade da
ditadura faz favor aos habitantes do lugar, respeitando ou fazendo respeitar os direitos que
lhes assistem e que o pacto federal lhes garante?
Mas o diretor d‘O Dever é um homem que tem noções, ainda que rudimentares, das
letras jurídicas, e sabe que essas garantias não são emanadas das autoridades, mas da própria
lei, que àquelas têm o dever de tornar efetivas.
Aqui estamos, é verdade entre lanças, espadas e carabinas da ditadura, mas confiado
exclusivamente nas garantias constitucionais agrupadas no capítulo da Declaração de Direitos
da carta de 24 de fevereiro.
Nenhum favor devemos e nenhum favor pedimos ao governo, cuja legalidade
impugnamos.
Se quiserem os nossos inimigos exercer qualquer violência contra a nossa pessoa, aqui
nos encontrarão de para recebê-los e podem ficar certos de que lhes não imploraremos
piedade.
Às autoridades da União caberá chamar a contas os criminosos que atentarem contra a
nossa integridade física; a consciência nacional saberá apontar com repulsa os nomes dos
miseráveis que não souberem respeitar o domicílio e a vida dos seus concidadãos.
A lei é o nosso escudo: se os da situação agem fora da lei, como bandidos e canibais,
venham com a lança do caudilhismo assanhado ou com a faca das decapitações sumárias
arrancarem-nos a pena da mão, mas não digam que estamos em casa confiados nas garantias
de autoridades que o são moralmente, por seus sentimentos honestos, nunca em virtude de
uma situação legal.
Se a nossa cabeça está dependendo dos favores do Sr. Coronel Tupy Silveira, chefe do
situacionismo local, suprema autoridade do município, que S. Exa. mande sem perda de
tempo cortá-la, enviando de presente, dentro de uma salva, como a do prisioneiro de Machero,
ao ditador Borges de Medeiros.
O confrade d‘O Dever prestar-sesem dúvida para portador de tão precioso e gio
presente.
E não fomos para o campo das pugnas cívicas porque ainda não quisemos ir: estamos
no gozo dos nossos direitos, somos senhor da nossa vontade.
153
Ainda não empunhamos a carabina com que os heróis da revolução defendem a honra
e os brios do Rio Grande, porque temos mais confiança no bico da nossa pena que na mira das
escopetas e no gume das espadas de guerra.
Quando pensarmos de modo contrário, ou formos arrancados violentamente deste
posto, estaremos ao lado dos nossos irmãos, se nos houverem deixado com vida, porque de
qualquer modo, a tiros de retórica ou de espingarda, a golpes de lógica ou de lança, brigando à
espada, à carabina, à pedradas e até a cepo de tamancos, todo rio-grandense que ame o solo
nativo, que tenha patriotismo e brio, está no dever, e dever sagrado, de combater o governo
ilegal de Borges de Medeiros, a ditadura desse tirano sem alma e sem escrúpulos que, para
afogar em sangue as aspirações de liberdade do povo, não trepidou em rechear as algibeiras
dos bandidos arrebanhados nos galpões das estâncias uruguaias, colocando-lhes nas mãos
calosas e cabeludas de monstros a faca dos degoladores e o alforje dos saqueadores da
propriedade alheia.
Nós, os jornalistas da oposição, temos entre os combatentes não poucos
companheiros de causa e de classe.
Arnaldo Mello, Guerreiro Victoria, Fabio Leitão, Julio Ruas, Demétrio Xavier e tantos
outros, lá estão pagando o pesado tributo de sangue à causa da liberdade.
O próprio Correio do Sul está representado nos acampamentos revolucionários por
quatro dos seus relatores: Romeu Borba, Victorino Portella, Renato Guimarães e Djalma
Mattos.
E onde estão os valentes do jornalismo dictatorialista?
Em que acampamento se acham os Srs. Lindolpho Collor, Pedro Vergara e Adolpho
Dupont?
Mas então nós é que devemos fechar o jornal para galgar o dorso das coxilhas
coalhadas de combatentes?
Se não estamos em erro, o diretor d‘O Dever está mais do que nós na obrigação de
empunhar um chanfalho e ir para a coxilha em defesa da sua gente.
Em primeiro lugar, o Sr. Adolpho Dupont não é, na verdadeira acepção do vocabulário
um jornalista.
E, não sendo um jornalista, não é necessário no jornal.
Em segundo, o aludido cavalheiro não é, como o diretor do Correio do Sul, um
humilde soldado raso: aceitou o posto, a patente, a espada, a farda e os galões de major,
estando, portanto, obrigado a não desonrar essas dádivas do seu partido, acocorado por traz do
pai, da esposa e dos filhos, dentro de uma rede de segurança formada de aramados de farpa,
154
soldados, metralhadoras e rondas de espiões que o distanciam oito, dez e mais léguas do
inimigo.
Antes de nós, está o Sr. Dupont no dever de se fazer combatente, do mesmo modo que,
antes do Dr. Assis Brasil, está, pelo mesmo motivo, o Sr. Borges de Medeiros na obrigação
empunhar uma lança de guerreiro.
Se o illustre Dr. Assis, político e diplomata simplesmente, não pode deixar de tomar
parte nas pelejas; como pode ficar no conforto do seu palácio suntuoso o tirano de Porto
Alegre, causa única do sangue que corre em borbotões pelas nossas coxilhas, canhadas e
chapadões, se S. Exa. além de ditador, se fez tenente-coronel e muniu-se da respectiva patente
quando pretendeu meter susto ao ilustre Dr. Bernardes?
Miseráveis, não ouseis exigir de nós aquilo que não sabeis, não quereis ou não podeis
dar em holocausto à causa que defendeis!
Estamos cumprindo o nosso dever, e isso basta à nossa consciência; o povo nos
aplaude, e isso nos conforta.
Não vedes como o nosso jornal é lido com carinho e disputado com sofreguidão,
enquanto os vossos são repudiados e relegados para o cesto dos papeis inúteis?
É a prova de que os majores e os tenentes-coronéis da ditadura não sabem cumprir
melhor os seus deveres cívicos que os soldados rasos do partido da libertação.
Mas, tranqüilizai-vos, que nem nós sem graduação militar, nem vós, gazeteiros e
falsos estadistas de galões no punho, tereis necessidade de empunhar armas: a nação inteira
reclama dos poderes públicos federais o remédio da intervenção contra o usurpador que
tomou assento ilegalmente na cadeira da presidência do Estado.
Por bem, ou por mal, a sorte do Rio Grande há de mudar.
Até bastarão as armas de Honório Lemes, Estácio Azambuja, Zeca Netto, Menna
Barreto, Portinho e Leonel Rocha para fazer a ditadura baixar a grimpa.
Ditará as condições da paz...
Fanfa Ribas
155
ANEXO 7 À SOMBRA DAS BAIONETA DA BRIGADA” ... OU “NA TOCA DO
TIGRE”...
O DEVER
À SOMBRA DAS BAIONETA DA BRIGADA” ...
OU “NA TOCA DO TIGRE”...
7 de junho de 1923
Não sou absolutamente, solidário com a opinião do meu distinto amigo, deputado
Adolfo Luiz Dupont, que no editorial de anteontem d'O Dever, afirma ser necessário que o
elegante jornalista Sr. Fanfa Ribas, para ser coerente com a sua propaganda revolucionária, vá
para o campo de luta.
O Sr. Fanfa Ribas argumenta com muita justeza: isto de pegar em armas, é par quem
não tem talento, par quem não pode ganhar a vida com os recursos da própria inteligência,
para quem não encontra outro meio menos arriscado de prestar serviços a qualquer causa
política...
The right man in the right place, pensa o Sr. Fanfa Ribas não sei se através da
simplicidade inalterável da língua inglesa, ou da nacionalíssima interpretação que lhe damos
em bom português: cada macaco no seu galho.
O galho que o Sr. Fanfa escolheu é aquele em que se acha muito á vontade do seu
espírito de guerreiro e do seu físico de homem pacífico susceptível, como todos, aos
resfriados. A sua especialidade consiste em escrever, artigos de fundo, tocar buzina e desunir
o partido federalista. São as três missões que o simpático jornalista tem a cumprir na terra.
Quem lhe há de querer mal por causa disso, ou quem ousaria sequer pensar em fazer qualquer
coisa de ruim contra a sua rica e fecunda cabeça, que tantas coisas locubra e com tanta graça
as transmite à gente, todas as manhãs, com o banho e o mate amargo?
Republicano não será, porque todos os do meu convívio juram ser o Sr. Fanfa Ribas o
melhor elemento que possui o partido de Borges; e, de fato, quem é que tem impedido,
sempre, o congraçamento dos federalistas? Quem é o benemérito cidadão que, de vez em
quando, arma um terrível banzé, e põe para fora das fileiras maragatas, mais um soldado que
seria mais um homem a combater, eficazmente, contra o grêmio de Castilhos?
156
Durante a última campanha presidencial da República, que terminou pela vitoria do Sr.
Artur Bernardes, o Sr. Fanfa prestou um grande serviço ao Rio Grande situacionista, não
votando contra o Sr. Nilo Peçanha; dai apresentar o Partido Republicano uma grande maioria
sobre a votação dos federalistas que prestaram apoio ao candidato da convenção porque
Borges não estava com ele.
E sabe o Sr. Fanfa por que motivo o Sr. Presidente da Republica não faz intervenção
no Rio Grande, favorável aos revolucionários? Pois é exatamente por uma vingança. O Sr.
Bernardes tomou nota n'um caderninho: ―O Sr. Fanfa Ribas não votou comigo.‖ Agora, ao
tratar, na sua mensagem, do caso estadual, lembrou se da anulação, e é por isso que não
intervém.
Não acredita nesta história? Admira; ela é traçada no mesmo estilo das vitórias
contínuas das forças revolucionárias, da volta do Dr. general Fábio Azambuja para Alegrete, e
de muitas outras que o Correio do Sul publica diariamente.
vê, o Sr. Fanfa Ribas, que não vantagem para nenhum republicano fazer de
Salomé e confundir a sua cabeça com a de São João Baptista. O Sr. Fanfa é para o Partido
Republicano o mesmo cavalheiro amável, que consciente ou inconscientemente, anarquiza o
partido federalista, atira os chefes uns contra os outros, passa descompostura nos
correligionários, e de vez em quando, para variar ameaça de ir embora. Mas não vai, não vai
porque surpreende a tempo a satisfação dos seus companheiros e vinga-se deles, ficando...
Pergunta-se, no Rio Grande do Sul, quem é o chefe do Partido Federalista. E
respondem: ―Você pensa que isto é o grêmio do Borges de Medeiros, para ter um chefe?
Somos todos homens livres!‖
No entanto, o Sr. Fanfa Ribas resolveu, no ano passado, acabar com o federalismo, e
disse:
Bem; o partido fica terminado. Não valeu. Vamos começar outra vez. Ficamos todos
amigos. É um partido novo. Não tem programa, para que todos dele possam fazer parte, sem
constrangimento. O fim é este: botar o Borges abaixo.‖
Os homens sensatos levaram as mãos à cabeça: Deus do Céu! E o mestre, o que diria?
Como é que se agarrava assim na obra de Gaspar Martins, no parlamentarismo, para dar cabo
de todo um passado e criar o Partido Para Botar o Borges No Chão!
O Sr. Fanfa, porém, não quis saber de histórias. Foi dizendo que quem não pensasse
por essa forma era traidor à oposição; que era esse o momento decisivo, que não se podia
perder tempo; que era necessário pegar em armas.
Os companheiros ficaram na dúvida; e acabaram acreditando na sinceridade do
157
jornalista, que, afinal, descobrira a maneira de unir o Partido.
E mandou-os para o campo de batalha. Não vida alguma, que o Sr. Fanfa, com a
revolução, reabilitou-se perante os homens que ele arrastara da atividade política. Afora,
alguns fieis ao Grande Mestre, que os revolucionários dizem não ter renegado, mas apenas
adiado... os chefes estão de novo solidários.
O Sr. Fanfa é partidário dos remédios violentos. Uniu o Partido Federalista; é fato. E
quando ele estiver pela sua terapêutica de vai ou racha, - totalmente unido... Deus de
misericórdia, não haverá mais um oposicionista vivo! O Sr. Fanfa assumiu com a sua gente o
compromisso de por tudo na ordem da revolucionária, de fazer do seu Partido uma potência.
A questão toda é que lhe dêem guerreiros. O diabo, é que é insaciável. Não povo que lhe
chegue. Pede mais; vai mais gente. O Sr. Estácio grita que está mal. O Sr. Fanfa pede que
agüente mais um pouco: agora é com o legislativo...
Não é uma injustiça mandar para a guerra um homem tão precioso como o Sr. Fanfa
Ribas? Tenham paciência as poucas pessoas que pensam por outra forma; mas o Sr. Fanfa não
pode, não deve ir. O seu lugar é aqui, em Bagé, escrevendo artigos bonitos, tocando buzina à
tarde para animar o footing, na avenida 7, e mandando os rapazes para a guerra.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra; desuna o Partido Federalista, como quiser; porém
deixe em paz os que voltarem da revolução. Se eles voltam, é porque aquilo é muito pouco
atraente... Naturalmente sentem-se melhor aqui na ―toca do tigre‖, como diz o Sr. Fanfa, perto
da família, com diversões todas as noites e conforto.
E descanse o ilustre jornalista; não se lhe cortara a cabeça. Em Bagé, ninguém tem
ideas tão sinistras. Não faça tão mau juízo do nosso povo. E continue a escrever, muitos, e
bonitos artigos; a buzinar vitórias e a querer dar cabo da oposição. No entanto, não force
demasiado os seus correligionários, que estão no campo, à guerra.
Suponhamos que se lhes meta na cabeça, ter sido o Sr. Fanfa (o que indubitavelmente
é um triunfo) o homem que os mandou para a guerra. Isto é fácil de ocorrer. É até muito
comum. O indivíduo desesperado é presa fácil da obsessão. Seria o diabo!
Haja o que houver, conte com o nosso reconhecimento, na ocasião oportuna. Os
amigos conhecem-se nas ocasiões. Saberemos livrá-lo de qualquer perigo.
Alexandre Da Costa
158
ANEXO 8 CARAPUÇA QUE SERVIU
O DEVER
CARAPUÇA QUE SERVIU
7 de junho de 1923
O Sr. Fanfa Ribas, diretor do órgão assisista local Correio do Sul veio, ontem, todo
espinhado, a propósito de alguns comentários que fizemos, terça feira, em torno do atual
momento, em artigo epigrafado Desordem esmagada.
Ao traçar os referidos comentários não nos passou, pela imaginação, francamente, que
tão cedo, aparecesse alguém enfiando a carapuça que julgamos oportuno tecer, para servir
naqueles que estão incitando os seus patrícios para inglória e desproporcional luta, e se
quedam, confortavelmente, em seus lares, ao amparo das garantias que a todos estão dando,
indistintamente, as nossas autoridades.
Paciência! O Sr. Fanfa, que a enfiou, é porque julga que lhe vai bem. E aproveitando o
ensejo, o fogoso jornalista fez mais uma vez, o elogio da sua capacidade jornalística e exaltou
a sua coragem guerreira.
Muito bem! Com o que, porém, não podem estar de acordo os seus correligionários,
por muito modestos que sejam, é com a declaração do Sr. Fanfa de que não vai para a
revolução, porque não tem quem o substitua, na direção da folha. Mas, como isso não é
conosco, nada temos a dizer.
Quanto ao que se refere diretamente a nós em duas palavras respondemos: bom ou
mau jornalista, aqui estamos servindo ao nosso partido, com a mais intransigente dedicação e
lealdade.
Se estamos na cidade, tendo por única arma a pena, é porque do nosso
insignificantissimo concurso ainda não necessitou o benemérito governo do Estado, que
continua considerando a revolução como um caso que interessa apenas a polícia.
Sobrevenha, porém a necessidade de se movimentar o glorioso partido republicano e,
saiba o Sr. Fanfa, se não formos dos primeiros, não seremos dos últimos a marchar para
combater pela ordem e pela lei.
Tenha a prestigiada chefia local a segurança de que do nosso concurso pode contar,
indiferentemente, no jornal ou onde mais convenha e sem estardalhaço.
159
ANEXO 9 AO DEALBAR DAS GEADAS...
CORREIO DO SUL
AO DEALBAR DAS GEADAS...
24/05
Estão de armas na mão, pugnando pela conquista da Liberdade, as galhardas hostes
oposicionistas de Bagé.
À sua frente, comandando-as, marcha, impávido e sereno, o audaz guerrilheiro de 93,
general Estácio Azambuja, cujo valor marcial e cujo espírito de ordem, dentro das fileiras que
comandou naquela cruzada santa e gloriosa de um triênio, são assaz conhecidas das
populações rio-grandenses.
Somos insuspeitos para dizê-lo: entre nós e ele cavou-se um abismo de
incompatibilidades individuais, que só mesmo a comunhão de ideias e sentimentos, em defesa
de uma causa que consideramos sagrada, nobre e generosa, à hora dos grandes sacrifícios
coletivos do povo que se defende, poderia permitir que transpuséssemos para saudá-lo com o
nosso lenço branco de cambraia, ao vê-lo passar em marcha para o triunfo, defendendo um
ideal que nos é comum.
O nosso coração é suficientemente nobre para conter mais amor pelas causas da pátria,
que ódios por aqueles que em suas raízes abriram feridas que sangram.
E esse homem é hoje o comandante em chefe de uma coluna respeitável do grande
Exército Libertador; é o abnegado que abandonou o conforto do lar, os carinhos da família e
as comodidades da fortuna; é o patriota que esqueceu velhas divergências de um dissídio
tenebroso para comungar com contrários de ontem, estender-lhe a mão, abrir-lhes os braços e
apontar-lhes o caminho da honra, na pugna pelas reivindicações populares.
Soubemos cumprir com dignidade o nosso dever, como ele soube também, quando o
desídio nos separou; saberemos esquecer com honra, em nome em bem da causa comum, o
fragor da luta passada, recalcando os ressentimentos que dela nos ficaram.
Dito isso, poderemos tranquilizar o espírito das populações por onde houver de passar
a coluna do general Estácio Azambuja.
O bravo soldado da liberdade não desmentirá o seu passado de nobreza militar nos
160
reecontros da luta cívica.
O lar e a vida dos nossos irmãos de ambas as facções serão respeitados, fora da ação
dos combates, porque além das instruções terminantes do chefe, nesse sentido, garante pela
ordem das tropas os sentimentos de humanidade e de honra de uma elite fulgurante de homens
do nosso município, que marcha sob as suas ordens, auxiliando-o na tarefa de fazer respeitar
companheiros e adversários.
Nem outra conduta se pode esperar de combatentes que pelejam por um ideal elevado,
sem ódios nem paixões, a não ser o ódio ao cativeiro, e a paixão pela Liberdade.
Bem sabíamos nós que Bagé não olvidaria o seu passado de glórias, a sua fulgurante
tradição de heroísmo e de sacrifícios em prol da dignidade da pátria.
Não pode levantar a cabeça, dizendo às gerações, no livro da história, que é digno do
seu país, o povo que adormece no torpor do cativeiro e se deixa amarrar pelo algoz, sem
despetar de punhos cerrados, para abate-lo com mão de ferro.
E o povo desta heróica terra fronteiriça tem os seus foros seculares de altivez.
Desde o índio que lhe deu o nome e que foi erguer a sua oca no cimo da mais
pontiaguda e da mais culminante das suas montanhas, para estar mais perto de Deus e mais
alto que os outros habitantes da terra, até os bravos que pelejaram nos contrafortes de Santa
Tecla e os que morderam o das batalhas nas campanhas da Cisplatina, de Corrientes, de
Montevidéu, dos Farrapos, do Paraguai e dos Maragatos, tudo demonstra e tudo prova que
entre os cerros de Aceguá e as furnas de granito de Camaquã, não vive um povo covarde, sem
qualidades de reação, fácil de ser submetido, humilhado e escravizado, mas um povo forte,
nobre, grande, glorioso e soberbo.
Deixem que sejamos francos, deixem que nossa alma se expanda; prendam-nos
depois, matem-nos se o quiserem, os nossos adversários, mas permitam que nos orgulhemos
de ver Bagé levantada, de pé, com a sua legião de valentes dominando as várzeas, os outeiros
e as cordilheiras, com o seu estandarte auriverde tremulando às rajadas do pampeiro, as suas
trombetas de guerra espantando as cabras que saltam balindo nos montes, os seu cavalos
fogosos mordendo o freio e esburacando o chão, nas coxilhas verdes, onde o tirano do Rio
Grande não mais impera, onde o ditador já agora não manda, onde a natureza é livre, livre são
os ventos e as nuvens, livres são os pássaros e os insetos, livre é o homem e livre o
pensamento.
Vede como se levantaram, da noite para o dia, essas legiões que, a galopar na estrada
calcinada pela soalheira, hão de empanar o brilho do sol com a poeira levantada pela pata dos
seus ginetes!
161
Não podiam ficar indiferentes ao apelo dos heróis que lutam há três longos e dolorosos
meses contra a ditadura que nos oprime e avilta.
Faltava-lhes um comandante, um condutor que as guiasse, seguro da vitoria, na pugna
sangrenta.
Quando esse condutor surgiu, em torno dele reuniram-se os chefes, convocaram este
os soldados e organizaram as suas hostes.
Agora está em marcha o Exército, cumpre-lhe ser bravo e forte como o foi o dos
farroupilhas, altivo e magnânimo como as legiões de antanho, voluntarioso e nobre como as
cohortes dos guerreiros do Império no Paraguai, generoso e afetivo para com os vencidos
como o soberam ser os nossos maiores nas cruentas campanhas em que se cobriram eles de
glória.
Que as suas armas se não maculem na infâmia da chacina dos prisioneiros; que as suas
mãos se não desonrem na prática do saque à propriedade alheia; que brilhem ao sol das
pelejas a lâmina das suas espadas, o aço das suas lanças, o cano das suas espingardas, das suas
metralhadoras e dos seus canhões, mas nunca a faca sinistra das decapitações sumárias, que
desonra os combatentes e ofende a majestade do direito consuetudinário da guerra.
Vai nesse exercício, dando-lhe brilho, entusiasmo e valor, uma mocidade
brilhantíssima, o escol da população bajeense, em cujos peitos arde a chama do patriotismo,
em cujos corações o amor pela Liberdade não é menor que o amor pelas suas namoradas,
pelas suas noivas, pelas suas esposas, pela suas próprias mães e irmãs.
A alma da mocidade é sempre grande e generosa, como grande e generoso é o seu
entusiasmo pelas lutas cívicas da pátria.
Os moços libertários de Bagé, que seguem com a coluna do general Estácio
Azambuja, saberão combater como heróis, honrando a causa que defendem e dando glórias ao
berço nativo, de onde os contempla uma ancianidade orgulhosa dos seus feitos, e de onde lhe
mandam as moças, entre perfumes de violetas e lírios, nas missivas enviadas aos
acampamentos, os seus beijos de amor e as suas súplicas ardentes para que pelejem até
vencer.
Bagé, que foi sempre a Meca do federalismo, é agora a Covadonga da Reação
Democrática.
Ao alçar do seu colo recatado de heroína das estepes do Pampa, levantam-se os povos
vizinhos de Caçapava, Lavras, São Gabriel, Dom Pedrito, Herval e Cacimbinhas, para
secundá-las na luta contra a opressão ditatorial.
Bendito seja o sangue que circula as veias desses bravos que marcham para os
162
recontros da coxilha, sangue de patriotas generoso e forte, quente e palpitante, que ferve nas
artérias ao sentir o ultraje dos déspotas, na gargalhada das tiranias imperantes!
Bendito seja o aço dessas espadas que ides desembainhar nas pelejas, aço que tem o
brilho dos relâmpagos e há de ter o dom de fazer cegar o tirano no fausto do seu palácio!
A vossa missão é nobre, elevada e santa.
com honra e voltai com ela, a meiga companheira dos heróis autênticos, a vestal
mais pura, mais bela e mais cativante dos poemas épicos, escritos à ponta de lanças nas
páginas da história da humanidade!
Ide, que a vitoria vos aguarda e a aurora da Liberdade despontará no horizonte ao
dealbarem na vastidão das campinas os primeiros lençóis de geada do inverno que entra!
Ide, que Deus vos abençoará.
Fanfa Ribas
163
ANEXO 10 VITÓRIA RESPLANDESCENTE
O DEVER
VITÓRIA RESPLANDESCENTE
24 de maio de 1923
Outrora, milhares de anos, apareceu, numa aldeia indiana velho sacerdote budista,
como o propósito de pregar a boa palavra à boa gente aldeã.
Recebido, com carinho, reuniu ele o povo, em assembleia, sob uma dessas árvores
gigantescas que são a beleza desse país de mistérios e, quando se dispunha a falar eis que, da
mais alta galharia magnífico pássaro principia a cantar, a cantar, a cantar.
E, cantando, conservou-se por muito tempo e mais ele cantava e mais o auditório se
mostrava preso à magia dos seus gorjeios. Parecia o povo compreender a linguagem melíflua
do pássaro tão sábio no cantar que somente força superior e invisível poderia dotá-lo de
faculdades tais. E não o teriam compreendido!
O velho budista, ao menos, bem compreendeu o êxtase da assembléia e, tanto assim,
que, apenas calou-se o pássaro, levantou-se, tranquilamente e proferiu as seguintes únicas
palavras: Adeus, bons amigos, o sermão esta feito.
Imitando a lenda, poderíamos dizer também a nossa presença, neste púlpito cívico, é
bem desnecessária, para dizer neste instante, a palavra da verdade. Não é o canto mavioso de
um pássaro que estamos a ouvir, mas é o concerto harmônico de muitas vozes, é o palpitar
ritmado de muitos corações, o testemunho de muitos olhos, a eloqüência de muitos
documentos a falarem o verbo inconfundível da verdade.
E bastaria o concurso de um único desses elementos, e seria suficiente um desses
documentos, para a afirmação categórica, irretorquível do quanto temos dito sobre o que foi a
vitória das bravas forças republicanas, no memorável dia 15 do corrente, às margens do já
histórico riacho de Santa Maria, no próximo município de D. Pedrito.
Entretanto, como vimos, são múltiplos, de varias espécies de insuspeitas origens os
testemunhos que se oferecem ao país inteiro, transmitindo a todos os ventos o eco estridente
do clarim, quando já na hora soleníssima do fim do dia, entre o fumo da pólvora e a poeira da
terra levantada ao tropel dos cavalarianos que debandavam, modulava, nos ares, as
164
empolgantes notas da vitória.
Apenas o nosso nobre colega, o Sr. Diretor do Correio do Sul”, como um velho
fanático, obstinado a toda evidência, persiste na cegueira partidária, foge a luz da verdade e
emaranha-se no cipoal das conjecturas, para tentar o impossível: negar o fracasso, o terrível
desastre sofrido pelas grossas colunas revolucionárias.
Não é que sintamos regozijos com o sacrifício dos nossos adversários. Não,
dissemos, e o repetimos, ainda ser, com profunda mágoa que assistimos ao desvario de tantos
patrícios.
Não vacilaríamos ante qualquer sacrifício, para traze-los, novamente á razão e destas
mesmas colunas, tudo temos feito, para faze-los compreender que a sua causa é ingrata, é
antipatriótica, não tem amparo nas leis, está sem o conforto dos recursos materiais, está
divorciada da opinião publica, e condenada pelos altos poderes do país, que de maneira
trinchante declaram que a intervenção federal seria admissível para apoiar o governo do
Dr. Borges de Medeiros.
E colocados, assim nesse ponto de vista, o único e verdadeiro, nós não comentamos
derrotas, mas exaltamos a verdade; não encaramos exércitos vencidos, mas prestigiamos a lei;
não vemos inimigos batidos, mas sim a ordem triunfante, porque da verdade da lei e da ordem
depende a felicidade do Rio Grande e, conseqüentemente a felicidade da grande Pátria. O
fanatismo, qualquer que seja a sua modalidade, é um inimigo terrível e perigosíssimo do
homem. A sua vítima pede todo o arbítrio e age por puro automatismo. Todas as faculdades
raciocinantes ficam obliteradas; desaparece o senso analítico; estiolam-se , anemiam-se e, por
fim atrofiam-se as células que presidem as funções dirigentes do homem e este torna-se o
escravo da idéia obsedante.
É bem nessas condições que está o nosso mui nobre colega ex adverso, em relação aos
tristes e dolorosos acontecimentos que se estão desenrolando em algumas regiões do nosso
Estado e que, felizmente a valorosa força policial está conjugando, com o auxilio de bravos e
desnodoados civis, improvisados em bravos e denodados cabos de guerra.
Devotado de corpo e alma, a malfadada causa das oposições rio-grandenses , o nosso
nobre colega deixou-se envenenar pela atmosfera que ele mesmo criou, quando se fazia mister
incitar para a luta, e auto sugestionado, hoje, não admite a realidade e só crê no que a sua
imaginação fantasiava, nas noites de vigília, quando ele mesmo ludibriado, esperava nas
instâncias superiores, isto é, confiava na intervenção federal.
Meu mui nobre colega, a realidade é essa mesma: a vitória alcançada pelas forças
republicanas, no dia 15 do corrente, nas margens do Santa Maria Chica, foi estupendamente
165
grande, foi terrivelmente desanimadora para os vencidos.
Estes foram presa do verdadeiro pânico: foi um salve-se quem puder. A debandada foi
terrível, com o abandono total dos comboios e de três mil e tantos cavalos, que estiveram
durante alguns dias em exposição, nos campos da coxilha de São Sebastião, onde os distintos
cavalheiros Srs. Clemente Ghisolfi e Américo Oleosi registraram a presença em placas
fotográficas.
Dizem pessoas que tomaram parte na ação e que eram dos exércitos libertadores, que a
coisa foi tremenda; que tinham a impressão de que ninguém se salvaria; que todos se
arvoraram em comandantes; que as baixas foram enormes e que o desânimo é geral.
Acrescentam ainda que a cavalhada restante está em péssimas condições, que pouco
mais resistiria; que o armamento é péssimo, a munição muito escassa e que as deserções são
em massa principalmente para o Uruguai.
Nunca fizemos e não faremos: citar os nomes dos informantes.
Entretanto, particularmente, para o nosso nobre colega, a quem fazemos a justiça de
considerar um cavalheiro, não sentirmos escrúpulos em revelar-lhe os nomes de tais
informantes.
Quanto aos documentos a que nos referimos em nossa penúltima edição, - (cartas do
soit disant general Honório Lemos, portaria de nomeação do Sr. Ernesto Labarthe, para
cobrador general dos impostos, etc.) e que o nosso nobre colega tachou de apócrifos, temo-lo
em nosso poder confiados pelo ilustre e muito bravo coronel Dr. Flores da Cunha e, a partir de
hoje, estarão nesta redação, ao dispor dos que o queiram ver e examinar.
E é o que basta.
166
ANEXO 11 OS ÚLTIMOS INSTANTES DE UMA CURIOSA REVOLUÇÃO SEM
IDEAL, SEM GENTE E SEM DINHEIRO. INTERESSANTES PORMENORES
SOBRE O ENCONTRO ÀS MARGENS DO SANTA MARIA CHICA
O DEVER
OS ÚLTIMOS INSTANTES DE UMA CURIOSA REVOLUÇÃO
SEM IDEAL, SEM GENTE E SEM DINHEIRO
Interessantes pormenores sobre o encontro às margens do
Santa Maria Chica
22 de maio de 1923
De São Sebastião onde se achavam seguiram rumo de Lavras as forças vindas de
Uruguaiana e Alegrete em perseguição as de Honório Lemos e que nas margens do Santa
Maria Chica, deram combate aos revolucionários sob o comando de Estácio Azambuja.
Da visita feita sábado ao acampamento trouxemos, nós e as pessoas que lá estiveram a
melhor impressão.
Os soldados estão satisfeitíssimos, sendo ótimo o seu estado moral e físico.
Muitos pormenores ainda desconhecidos são agora divulgados, com referência ao
encontro de D. Pedrito.
Todas essa informações tendem ao maior relevo e brilho das ações das forças legais,
cuja vitória foi de fato, extraordinária. Aliás, de tal estão os nossos leitores perfeitamente
inteirados pelas notícias que temos dado á estampa.
A essas juntamos mais as que abaixo vão insertas.
São, relembrados ainda, os pormenores da fuga dos inimigos que tomaram todas as
direções, acampando-se por entre as grotas abundantes do local onde se feriu o combate.
A ação dos oficiais republicanos foi valorosíssima e cheia de lances sensacionais;
Flores da Cunha, Oswaldo Aranha, Sinhô Cunha e Nepomuceno Saraiva, no ardor da peleja
confundiam-se com os soldados das primeiras linhas, lutando a espada e a revólver.
167
O encontro
O resumo do encontro é mais ou menos o seguinte:
Ao meio dia de 15, fazendo a vanguarda da coluna de Flores da Cunha, auxiliado por
Nepomuceno, as forças legais divisaram os inimigos divididos em duas grandes, colunas
sendo que uma vinha em direção a picada do Alonso, rumo do Passo da Ferraria.
As forças legais da vanguarda, na suposição de que iam ser atacadas, estenderam linha
procurando fortificar-se em uma velha chácara que é circundada por uma parte da restinga.
Ali ocuparam o flanco esquerdo o corpo municipal de Uruguaiana e imediatamente a
direita o corpo provisório do Dr. Oswaldo Aranha e escalonando perpendicularmente a
referida sanga o corpo de Nepomuceno.
Flores da Cunha mandou um esquadrão estender linha de combate no alto da coxilha
que defronta a referida sanga.
O fogo
Iniciado o fogo contra a coluna inimiga que saíra da Picada do Alonso, flanco
esquerdo da batalha, mandou Flores logo após, indo também, em pessoa, carregar, atirando o
inimigo para as grotas que servem de limite aos campos do coronel João Paixão e dos
Fontouras.
Nessas grotas a refrega culminou, violenta, sangrenta, havendo verdadeiros entreveros.
Ali é que foram apreendidos comboios inimigos e cavalhada, conforme noticiamos
dias.
Oswaldo Aranha apreendeu oitocentos cavalos, Nepomuceno cerca de mil e Flores da
Cunha mil e tantos.
A coluna inimiga compunha-se das forças de Estácio, Zeca Netto, Pedro Severo, sendo
que esta foi a que mais sofreu, e Adão Latorre.
O flanco direito da coluna inimiga, composta pelas forças de Ernesto Labarthe, irmãos
Saldanha, Manoel José Silveira, Bertholino Nunes e outros, foi atacada por Nepomuceno.
Armas, munições, cavalhada, etc.
Nepomuceno apreendeu, como dissemos, cerca de mil cavalos, dez carroças com tudo
quanto levavam, víveres, munições, barracas, erva mate, cerca de vinte bombas de prata e
ouro para mate, roupa branca de algum oficial constante de camisas, camisetas finas, ceroulas
curta e dois carros de ambulância com aparelhos cirúrgicos.
168
Nepomuceno foi auxiliado ali por dois esquadrões do 1º corpo provisório sob o
comando de Sinhô Cunha.
Os adversários, desbaratados, foram levados, em completa desordem até o Passo do
Bento Rengo, perdendo mais de cem mortos. É incalculável o número de feridos carroças com
todo o material, armas de diferentes tipos, algumas pré-históricas, munições, barracas, capas,
lanças estrambóticas.
A coluna derrotada seguiu na direção da Serrilhada.
Em conjunto, conforme já se disse, foram apreendidos mais de três mil cavalos.
Também em conjunto foram apreendidas mais de 400 lanças. Quase todas estão
recolhidas na Intendência Municipal daqui. Também ali se acha parte dos fuzis apreendidos;
assim como também está aqui a grande carroça do estado maior que era defendida por Adão
Latorre, no momento de morrer.
As armas inimigas eram de diferentes tipos predominando Winchester e Remington.
No fim do combate funcionaram no flanco direito, apenas dois fuzis metralhadoras,
que não chegaram a disparar cem tiros.
Nos entreveros de Aranha e suas forças com o inimigo, conseguiu aquele passar o
Santa Maria em dois lugares.
Nesse momento tivemos oito cavalos mortos, quatro soldados feridos, inclusive o ex
capataz do Dr. Aranha.
Transportado para esta cidade foi, conforme noticiamos, dado á sepultura, com as
honras militares.
A carroça do Estado Maior de Estácio foi apreendida pelas forças do Dr. Aranha.
As demais carroças também apreendidas pelo Dr. Aranha continham mais de cem
lanças, três caixões com munições, um canhão pequeno, grande quantidade de granadas de
mão e dinamite, quatorze barracas, quarenta armas de diversos tipos, um revólver, oito
espadas, malas com roupas de uso material cirúrgico, vinho, conhaque, latas com doce.
Entre os documentos apreendidos, encontra-se uma pasta de couro da Rússia, com
todo o arquivo da Brigada Maragata de Pedro Severo no município de Dom Pedrito.
Um documento interessante
Dentro da pasta, entre outros papéis, achava-se a ordem do dia do referido Severo,
terminando pela organização da referida brigada, assim constituída: Estado Maior: Pedro B.
Severo, Chefe do Estado Maior: tenente coronel Dinarte Gil Oliveira, major fiscal Luiz Vieira
169
Xavier, secretário Dr. Demétrio Mercio Xavier, secretário, Dr. Constantino Martins,
ajudantes capitães Luiz Severo e Tristão Garcia Vasconcellos.
Os prisioneiros
Os prisioneiros são: da gente de Quarai, do Dr. Reverbel, Gervasio Marques, vulgo
―Preguinho‖; Appolinario Alves Garcia, chauffeur do Dr. Tito Guerra e o uruguaio Américo
Gonzáles; gente de D. Pedrito brigada Pedro Severo: Feliciano Antunes, Pedro Soares; gente
Zeca Netto, Campolino Pereira, de Canguçu, ex-empreiteiro do Dr. Octacilio Pereira, do
ramal de Bento Gonçalves gente de Estácio, major Domingos Barreto Gonçalves, Chefe do
Estado Maior; gente de Livramento tenente coronel Ernesto Labarthe e João Madruga,
septuagenário que comandava as linhas de atiradores de Bertholino Nunes, Bonifácio Soares,
Ovídio Porto, José Prestes, Waldemar Pereira, Tayllerand Brum Martins, Manoel Jeronymo
Madruga.
O que dizem os prisioneiros
O major Gonçalves chefe do Estado Maior do general Estácio, fez insistentes protestos
de gratidão pelo modo por que está sendo tratado, protestando contra a campanha de
difamação que os jornais adversários estão fazendo contra Nepomuceno, de quem Gonçalves
se diz amigo.
O major Domingos Gonçalves declarou que era crença geral entre os revolucionários
ficarem eles em campo apenas quinze dias; depois seria decretada a intervenção federal
favorável á oposição.
Idênticas declarações disseram os demais prisioneiros, inclusive a pitoresca confusão
que faz o prisioneiro Tayllerand que ao invés de dizer intervenção, diz introdução.
Labarthe, que está prisioneiro do Estado Maior de Sinho Cunha, mostra-se abatido e
esta recolhido à barraca.
Em poder de Chino Labarthe foram encontrados os seguintes documentos, além de
outros: um talão de Bônus Provisório, para o Empréstimo da Liberdade, tendo a assinatura
autêntica de Paulo Labarthe, secretário interino da Fazenda do Governo Provisório.
O talão, ao qual já fizemos referência em a nossa edição de domingo último, tem por
seguintes dizeres:
―O Sr. tal contribuiu.‖
170
ANEXO 12 O MOVIMENTO LIBERTADOR
CORREIO DO SUL
O MOVIMENTO LIBERTADOR
23 de maio de 1923
Os sonhadores do situacionismo
Os nossos apreciados confrades d‘O Dever publicaram ontem interessante narrativa do
combate travado à margem do Santa Maria, pretendendo com o desvirtuar dos fatos e
imaginárias vitórias darem à revolução como terminada.
Os episódios narrados pelo Dever carecem em absoluto de fundamento: foram
arquitetados por um espírito conturbado pela paixão política e influenciados pela visão do
ópio, num sonho nipônico delicioso, cheio de fantasias orientais.
Mas, enquanto os redatores da folha governista sonhavam, as bravas hostes de Estácio
Azambuja, Zeca Netto, Honório de Lemes e Felipe Portinho cruzavam as estradas desertas do
território rio-grandense, ocupavam as cidades e as aldeias de onde azulavam os detentores
clandestinos do poder, deixando as populações confiadas à guarda, à generosidade e à boa
ordem dos revolucionários.
Ainda ontem, quando mal despertavam do sonho em que se haviam afundado os
confrades aficionados, certos de que as metralhadoras do ditador haviam lambido os últimos
revolucionários desse movimento sem ideal, sem dinheiro e sem armas, no dizer pitoresco do
situacionismo, Honório Lemes fazia a sua entrada triunfal em São Gabriel, entre flores e
festas da população, Estácio Azambuja fazia entrar a sua vanguarda em Caçapava, Zeca Netto
mimoseava o Sr. Flores da Cunha com alguns cartuchos de confeitos de estalo, Luiz Saraiva
Gomes entrava vitoriosamente em Santo Antônio da Patrulha e Conceição do Arroio caia em
poder da revolução.
Para um fim de sonho paradisíaco, esse rosário de revezes do situacionismo devia ter
ficado a calhar no pescoço dos sonhadores d‘Dever.
Que não tem significação os sonhos d‘O Dever, basta atentar para o fato de dizerem os
seus redatores que as metralhadoras não consumiram mais de cem cartuchos.
171
Ora, cada uma dessas máquinas de destruição, despeja quinhentos tiros por minuto;
atuaram doze metralhadoras durante mais de uma hora e só consumiram cem cartuchos?
Não é, efetivamente, um sonho interessante?
Se os colegas dissessem cem mil, em vez de cem simplesmente, ainda ficariam longe
da verdade.
Foi, naturalmente, em virtude desses sonhos que o diretor d‘Dever, filho de uma
distinta família desta cidade, membro da elite bajeense, deputado à Assembléia dos Srs.
Representantes do Estado, advogado nos auditórios desta comarca e apreciado jornalista, não
sentiu constrangimento de ordem moral em se deixar fotografar ao lado de um mercenário
alugado ao governo, condutor de bandidos da pior espécie dos antros da vizinha República e
bandido também, que entrou em nosso território degolando, rapinando e fazendo
depredações...
Mas, como foi em virtude de um sonho, ficará perdoado.
A bravura de Ernesto Labarthe
Não temos, pessoalmente, interesse em fazer ressaltar a bravura de Ernesto Labarthe,
de quem o diretor desta folha é desafeto.
Apenas por espírito de justiça, que nunca negamos aos próprios adversários e que
jamais negaremos aos correligionários, aludimos dias de modo altivo, nobre e valente,
digno das tradições do povo gaúcho, com que se portou ao cair prisioneiro, aquele ilustre
combatente.
O Sr. Dr. Flores da Cunha dignou-se mandar opor desmentido pelas colunas d‘O
Dever de ontem a notícia que publicamos.
Pela exposição que mandou fazer o nosso aludido adversário, aliás, inimigo de
Labarthe, este teria sido aprisionado sem resistência de espécie alguma, sem procurar ao
menos um recurso de fuga, entregando ao inimigo o seu revólver, a sua espada e a sua
cartucheira com abundantes munições.
Não duvidamos, nem temos motivos para duvidar da seriedade das declarações do Sr.
Dr. Flores da Cunha.
Mas para opor a sua, temos a palavra dos nossos correligionários que assistiram ao
desenrolar dos acontecimentos e que afirmam o contrário do que diz o nosso aludido
adversário.
Segundo o testemunho insuspeito, sincero e leal, dos combatentes revolucionários com
172
quem palestramos nos acampamentos, Ernesto Labarthe pelejou como um bravo e se
entregou ao inimigo depois de esgotados todos os recursos de defesa, ainda assim atirando às
faces dos seus vencedores, numa explosão de cólera próprio dos fortes e dos altivos, uma
saraivada de frases cortantes como gumes de espadas.
E nos preferimos aceitar como verdadeiros esses testemunhos, em vez do depoimento
do chefe ditatorialista, reconhecidamente impulsivo, apaixonado e rancoroso.
Documentos apócrifos e mal engendrados
O Dever publicou ontem vários documentos que diz terem sido apreendidos entre
papéis pertencentes aos revolucionários que tomaram parte no combate travado à margem do
Santa Maria.
Entre eles figuram duas cartas atribuídas ao bravo general Honório e das quais o
situacionismo pretende tirar partido, demonstrando ser escassa a cultura literária do chefe
revolucionário.
Da redação dessas missivas nada resulta de desairoso ou comprometedor para o seu
signatário ou para a revolução através da singeleza das frases observa-se naqueles períodos
sinceros a manifestação de uma alma boa, generosa e franca, colocada ao serviço da guerra
civil em virtude das perseguições sofridas pelos seus amigos, perseguidos pelo rancor
dictatorialista.
Querem maior nobreza e maior expressão de civismo.
Que fica para censurar nessas missivas despretensiosas?
As poucas letras do general, que o situacionismo procura meter a ridículo?
Mas nem isso está provado porque ... as cartas são falsas.
O estelionatário que as forjicou, e que O Dever naturalmente conhece, foi desastrado
na falsificação, deixando patentes os sinais do estelionato.
Por baixo de uma delas escreveu o falsário, á laia de assinatura, o seguinte nome:
―Honório Lemos‖.
Mas esse é o nome de tradição do guerreiro, não é assinatura do general.
Saiba o falsário d‘O Dever ou das forças ditatorialistas, que foi pilhado em flagrante
delito de falsificação: o grande patriota gaúcho, o atrevido e respeitado Leão do Caverá, o
bravo revolucionário rosariense que tem sido o terror das hostes governistas, nunca assinou
documento algum com a firma de Honório Lemos, mas com a firma de Honório Lemes da
Silva, que é o seu verdadeiro nome.
173
- Ó Lemes, porque te não chamas Lemos? de perguntar agora envergonhado o
falsário, ao ver que foi agarrado pela gola do jaquetão na falcatrua.
174
ANEXO 13 - O FILHO DO ABENCERRAGE
CORREIO DO SUL
O FILHO DO ABENCERRAGE
24 de fevereiro de 1923
estão no domínio público, a despeito de não terem sido dados à publicidade
pelas colunas da imprensa, os termos do telegrama com que o Sr. Dr. Arthur Bernardes
respondeu aos próceres federalistas fronteiriços que haviam apelado para a autoridade
de S. Exa. buscando evitar a continuação da guerra civil, provocada pela ambição
desenfreada do Sr. Borges de Medeiros.
Em síntese, S. Exa. apelou para a amizade do federalismo, pedindo aos que o elegeram
que não perturbem a marcha do seu governo e que deponham as armas, sob promessa de
futuras vantagens.
Não nos surpreendeu essa resposta, aliás natural da parte de um chefe de Estado que
deseja manter a tranqüilidade no país e que encontra no seio da própria oposição rebelada
quem se conforme com a condição de escravo de um déspota regional e tenha coragem para
bater às portas de seus amigos, pedindo-lhes que estendam os pulsos para neles receber
humildemente os pesados grilhões do cativeiro.
O que nos causa surpresa é se ter escoado na ampulheta do tempo a área que
corresponde à passagem de cinco luas pela órbita da terra e ainda não terem voado, nos
seus corcéis de guerra, para o campo das pugnas cívicas, os restos dos heróis
sobreviventes da campanha gloriosa de 93, para dizerem ao supremo magistrado da
nação que os rio- grandenses preferem morrer com honra, pelejando cinco ou dez anos
no dorso das coxilhas, a permitir que um tirano qualquer ocupe pacificamente a cadeira
da presidência do Estado, para o qual não foi eleito e na qual a sua presença constitui a
mais clamorosa das usurpações.
O próprio Dr. Maciel Junior, que seguiu ontem para Pelotas, devia ter enfiado a sua
camiseta vermelha de revolucionário, empunhado a lança de cavaleiro revel e galopado a toda
brida para o campo largo das reivindicações gaúchas, a honrar o nome glorioso de seus
antepassados e as tradições de civismo do nosso povo.
Não foi S. Exa. o primeiro signatário do telegrama ultimato, do último apelo ao Sr.
175
Presidente da República, no sentido de fazer este a intervenção federal, para que os
responsáveis, na extrema fronteira pela direção dos elementos que o elegeram se não vejam
obrigados a assumir uma atitude decisiva, chamados a novos e supremos sacrifícios?
Estamos certos de que o filho glorioso do impoluto conselheiro Maciel saberá honrar o
nome dos seus pais e os brasões de seus avós, vindo confraternizar com os revolucionários,
levantando a fronteira, como deu a entender no telegrama ao Presidente da República, ou
incorporando-se às hostes do general Menna Barreto, na região serrana, uma vez que ruíram
por terra quase todas as esperança dos martirizados oposicionistas gaúchos, restando-lhes
apenas o recurso comprar caro, a troco do próprio sangue, a intervenção dos altos poderes da
República.
Mas, qualquer demora no cumprimento desse dever cívico por parte de S. Exa.,
reverterá em prejuízo da santa causa e em benefício da ditadura que há trinta anos avilta o Rio
Grande.
Enquanto aguardava-se a manifestação do Sr. presidente da República, confiando no
espírito de justiça de S. Exa., que devia ser favorável às reivindicações do povo, era natural a
ausência dos chefes federalistas no campo das pelejas.
Mas agora, não: agora o patriotismo manda, a consciência ordena e o sentimento de
fraternidade impõe a todos os companheiros aptos que não abandonem os seus irmãos a
pelejar no extremo norte do Estado, por uma causa que não é só deles, que é de todo o Brasil,
porque, sendo a causa da libertação de um povo, é também a da unidade nacional.
Há quem afirme que S. Exa. veio ao Rio Grande com o fito único de afastar elementos
da revolução.
O nosso digno patrício vai, porém, de espada à cinta e divisa vermelho no chapéu,
esmagar a calúnia com que a vilanagem desocupada pretende deprimir-lhe o caráter.
Não somos daqueles que privam com S. Exa., mas temos razões para confiar na
lealdade do digno representante federalista, que não pode nem de neste momento
dolorozíssimo do federalismo abandonar os seus amigos, que já o eram de seu ilustre pai, para
favorecer ao carrasco das liberdades públicas no Rio Grande do Sul, ao inimigo daquele de
quem sua S. Exa. herdou o nome e não herdou as algemas, que lhe estavam preparadas,
porque o honrado varão liberal soube afastar-se do campo em que os beleguins do ditador o
procuravam dilatando as narinas, a farejarem-no, como o perdigueiro fareja a codorna.
A despeito do telegrama que recebemos ontem de Porto Alegre, e que vai publicado na
secção telegráfica desta folha, diz-nos o coração que o nobre deputado Maciel Junior é vítima
de uma situação delicada e embaraçosa junto ao seu amigo Dr. Bernardes, e que essa situação
176
lhe é assas ingrata, dando lugar a uma compreensão dos seus sentimentos a atitudes, por
parte do povo.
Tem S. Exa. um patrimônio preciosismo a zelar e um nome que não pode ser
envolvido na poeira das intriguinhas soezes do partidarismo.
O moço liberal rio-grandense conserva na alma o mesmo amor intenso que agitava o
espírito de seus velhos pais, pela pátria querida, e o momento de o demonstrar ao país inteiro
é exatamente este que atravessamos, em que o povo do Rio Grande, cansado do cativeiro em
que trinta anos o acorrentam, levantando-se contra a tirania, quebrando as cadeias que o
prendem ao poste da servidão política.
O Rio Grande do Sul tem hoje os olhos voltados para esses dois grandes homens, que
são Assis Brasil, o porta estandarte gloriosíssimo da atual campanha libertadora, Antunes
Maciel, o filho nobre, leal e generoso do último abencerrage do federalismo, na frase sincera
de Gonçalves de Almeida.
Acreditar que qualquer desses dois homens possa negar-se, em hora tão solene, ao
cumprimento do dever cívico de libertar o Estado da tirania que o esmaga, seria atirar uma
injúria atroz à memória dos mortos ilustres que lhes deixaram tão fulgentes glorias de
herança.
Não! Esses dois homens, unidos e identificados no infortúnio do Rio Grande, hão de
reivindicar para o heróico povo gaúcho as suas tão queridas e tão ambicionadas liberdades.
Com eles, esquecendo ressentimentos e desprezando fúteis vaidades, iremos todos nós,
federalistas, republicanos e democratas, a pelejar pela vitória ou pela morte.
E que nos contemple na hora do sacrifício, com os seus olhos pisados de mágoa e de
remorso, o homem a quem os nossos colocaram no governo da República para consentir que o
seu insultador e nosso algoz nos mande arcabuzar nas coxilhas banhadas do pampa aberto.
Deus há de ser por nós, e venceremos.
Fanfa Ribas
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ANEXO 14 DEFESA INFELIZ
CORREIO DO SUL
DEFESA INFELIZ
13 de março de 1923
O nosso ilustre correligionário Sr. Dr. Maciel Junior foi mais uma vez infeliz.
No artigo a que S. |Exa. deu o título de Por minha defesa, e que publicou n‘O Rebate,
de Pelotas, ficou patenteado o seu intuito de reativar ódios e incompatibilidades do último
dissídio federalista, em desabono da libertação do Rio Grande.
Mas nesse terreno, e manejando as armas da intriga, S. Exa. ficará isolado.
não existem, nos arraiais em que fazem acampamento os exércitos libertários, nem
pintistas, nem cabedistas, mas tão somente homens que se batem pelas reivindicações de um
povo há trinta anos acorrentado ao poste da escravidão.
Temos nossos ressentimentos, mas os recalcamos no fundo d‘alma em holocausto à
causa da liberdade e não será o Sr. Dr. Maciel que conseguirá reacender no campo das nossas
pugnas cívicas a fogueira das paixões, alimentada pelo combustível da intriga.
Quer o Sr. Maciel convencer-se dessas disposições patrióticas por parte dos
legionários da nova cruzada?
Renuncie aos seus propósitos derrotistas e venha formar sinceramente ao lado dos que
pelejam contra a bastilha da ditadura, que nos encontrará de braços abertos, na bifurcação da
estrada do bem que trilhamos e da estrada do mal que S. Exa. palmilha, para o abraço
fraternal de uma amizade indissolúvel, às portas do triunfo.
Não nos seduz essa digressão para onde nos convida o Sr. Maciel: o dissídio ficou
para traz e a causa da liberdade está para diante, embora muito perto de nós.
Mas a infelicidade de S. Exa. não consistiu somente nesse recurso, aliás impróprio da
fidalguia de linhagem do ilustre parlamentar gaúcho.
Sem elementos para sustentar a sua falsa interpretação do artigo da nossa
magna carta e para derrocar os argumentos jurídicos que a ela opusemos S. Exa. veio
dizer que conhecia muito bem a opinião de grandes constitucionalistas, inclusive Ruy
Barbosa, contraria à suposição de que a intervenção, solicitada por qualquer presidente
178
de Estado deposto, obriga o chefe do executivo federal a repô-lo.
Mas, se S. Exa. sabia disso, poderia apoiar esta última interpretação, dando-lhe o
prestígio de sua autoridade de parlamentar, por um motivo tendencioso, de fé, contrário à
índole liberal da época, impróprio do seu caráter e da generosidade dos seus sentimentos.
Ninguém disse que S. Exa. traiu, mesmo porque se houve alguém traído com a sua
lamentável atitude, foi o prestígio e foi o bom nome do ilustre deputado federalista, que
sofreram tremendo golpe, fácil de ser verificado, ante as manifestações de desaprovação de
todas as correntes oposicionistas rio-grandenses.
Queixa-se S. Exa. de que os revolucionários do noroeste fizeram o movimento
reivindicador, dispensando a audiência do seu representante na Câmara, o que S. Exa. diz ser
uma desconsideração que lhe encheu de mágoa.
Por pouca coisa fiaca magoado o Sr. Maciel Junior.
Pois nós, que nos achamos à frente de uma folha intransigentemente libertadora,
muito mais combativa que ação parlamentar do Dr. Maciel, que temos numerosos inimigos
entre aqueles bravos companheiros, e que estamos mais expostos ao perigo do que o deputado
federalista, mesmo porque não temos imunidades, tivemos conhecimento do fato
revolucionário três dias depois do levante.
E nem por isso deixamos de aplaudir, de bater palmas de prestigiar francamente o
movimento.
A nossa decepção e o nosso despeito não deram, como ao Dr. Maciel Junior, para
combater a revolução e desmentir todo o nosso passado de lutas pela liberdade.
Diz o Sr. Dr. Maciel Junior que pode completar a sua defesa com documentos que
não deve exibir presentemente, por ser matéria reservada que redundaria em prejuízo da
revolução.
Mas, uma vez que S. Exa. combate o movimento reivindicador, não deve ocultar
esses documentos, que hão de ser tão pretendentes como a sua interpretação do art.6°, com a
reposição, pelo presidente da República, do tirano vencido.
Os defensores da liberdade são homens honrados, combatem lealmente e não receiam
a ampla divulgação dos documentos que diz possuir o Sr. Dr. Maciel.
Pode S. Exa. exibi-los francamente.
Nós os pulverizaremos.
179
ANEXO 15 OS VÂNDALOS DA DITADURA
CORREIO DO SUL
OS VÂNDALOS DA DITADURA
8 de novembro de 1923
Sob uma saraiva de insultos, impropérios e obscenidades da ínfima ralé, o automóvel
que nos conduzia trasanteontem à cidade e no qual viajavam também os nossos prezados
amigos Luiz Sarmento, Balbino de Souza Mascarenhas e Mário Piegas foi detido para a
consumação do mais vil e mais infame atentado que podia praticar a ditadura.
Mansa e pacificamente voltamos de um passeio domingueiro ao campo, quando aquela
horda de bandidos, assassinos e ladrões armados pelo braço fratricida do negrejado tirano
Antonio Augusto Borges de Medeiros, em número superior a sessenta, rodeou o veículo em
que vínhamos e, aos gritos de mata, mata, apontou sobre nossas cabeças as armas homicidas.
Terrível momento foi para nós aquele, sob a inclemência das ameaças, entre espadas
desembainhadas, carabinas, revólveres e toda a sorte de instrumentos de homicídio, inclusive
a faca das decapitações sumária, flamejando fora das bainhas, na dextra dos bandidos.
De todos os lados, pela frente e pelas costas, através das cortinas e da capota do auto,
nos eram vibrados coronhaços de espingardas, golpes de faca, cacete e cabos de relho, numa
sanha infernal de monstros sanguisedentos.
E, para coroar a obra da ditadura, naquela glorificação de covis de assassinos, única
que fica a calhar ao ditador, nem faltou o sangue generoso do martírio, que este jorrou em
borbotões das veias de Luiz Sarmento, de Balbino Mascarenhas e do inditoso chauffeur,
dando o tom avermelhado das tragédias aquele quadro sinistro dos tempos do circo de Roma.
Mas aquele sangue, vertido em holocausto à liberdade, sangue de mártires e de
patriotas, de enodoar para sempre a história do excelso bandido que usurpou o poder ao
povo e colocou a cadeira presidencial em que se assenta sobre um montão de dois mil
cadáveres, de duas mil vítimas heróicas, por ele e em virtude dele sacrificadas.
Que crime havíamos cometido nós, humilde jornalista da oposição, para provocar de
tais homens e tais bandidos a violência de que fomos vítima?
A nossa pena pode ser enérgica, mas é leal e sincera.
Em luta nobre e honesta a ditadura teria contra ela uma arma condigna: a pena de
180
outro jornalista que soubesse esgrimir com decência e que rebatesse com veemência os golpes
por ela vibrados.
Se a ditadura preferiu combatê-la pelo punhal dos sicários e pela coronha das
escopetas dos bandidos, é porque está falida de homens para os torneios da imprensa e
confessa a fraqueza, a insignificância intelectual dos jornalistas que a defendem.
Mas admitindo, mesmo, que não haja em todo o Rio Grande do Sul um escritor
ditatorialista de pulso suficientemente rijo para enfrentar o esgrimidor modesto da oposição,
ainda assim errou a ditadura, recorrendo ao assalto à mão armada para feri-lo e afastá-lo da
liça.
Esse crime foi a glorificação do polemista contra o qual o praticaram.
Mais alto que os elogios do publicismo, que as manifestações de simpatia dos amigos,
que as expressões de admiração do adversário honesto e justo, fala a brutalidade dos golpes
vibrados pelos vândalos do situacionismo contra a nossa integridade física, atestando a
eficiência dos nossos recursos de combate, a procedência dos nossos argumentos, o mal que
fazemos à muralha fendida da bastilha em que a ditadura agoniza.
Insensatos! Quiseram ferir o nosso orgulho de combatente, e fizeram a mais solene, a
mais expressiva das consagrações aos nossos méritos jornalísticos!
Saiba o Rio Grande do Sul inteiro, saiba o Brasil, de sul a norte, do Uruguai ao Purus,
que a ditadura rio-grandense, na infâmia e na cobardia dos processos que emprega, só
encontra um recurso contra os escritores que a combatem: a agressão armada por parte dos
assassinos e dos ladrões por ela assalariados para o crime.
Assassinos, sim, porque o grito de mata, mata ecoava uníssono, quase, na estrada erma
e deserta de humanos corações em que fomos atacados e esbordoados!
Ladrões, porque não éramos prisioneiros de guerra, e sim incautos viandantes, para
nos despojarem de um finíssimo revólver, que a honra indiscutível do nobre coronel Tupy
Silveira exige averiguar onde se acha, a bem de nos ser devolvido.
Ladrões, porque nos despojaram de uma capa impermeável e se dizia no acampamento
estar ela em poder de um soldado ou oficial do Regimento, sem que o comandante desse
corpo Sr. Garibaldino Tomazzi, tenha até agora cumprido o rigoroso dever de honorabilidade
e cavalheirismo de resgatá-la e no-la mandar restituir.
Ladrões, porque de Balbino Mascarenhas roubaram a capa e um finíssimo revólver
Nagant, do exército francês e com essa designação escrita, sem que até agora se tenha dado a
restituição desses objetos.
Ladrões, porque Sarmento e Piegas foram também despojados das suas armas de
181
defesa pessoal e ninguém lhes restituiu.
Ladrões, sim, pelo menos enquanto providências não forem tomadas pelos
combatentes e chefes de tais forças, no sentido de serem restituídas a seus donos as armas e as
capas roubadas.
Sejamos, porém, justiceiro e nobre, como sempre o fomos, proclamando aqui mesmo,
nestas linhas de desabafo e de indignação, a maneira correta com que se portaram, nesse
doloroso caso de infecção moral, os Srs. Alcides Cônsul da Silva, tenente ditatorialista, que
defendeu heroicamente a vida dos assaltados contra a sanha furiosa dos assaltantes; o Sr.
Rômulo Barcellos, oficial do corpo de Dom Pedrito, que assumiu atitude ordeira e humana;
um cavalheiro que nos dizem chamar-se Paulo Nunes, também pertencente ao corpo de Dom
Pedrito, que teve idêntica atitude; os Srs. Antonio Nunes Garcia e Francisco Moreira
(Cachoeira), que revelaram sentimentos de humanidade e espírito de ordem.
Esses e mais quatro ou cinco ditatorialistas, cujos nomes ignoramos, tornaram-se
credores da nossa gratidão e da nossa estima.
E que poderemos dizer desse cidadão honrado, nobre e inatacável, que é o coronel
Tupy Silveira, a cuja fidalguia de sentimentos e espírito de bondade devem as vítimas desse
brutal vandalismo a liberdade que readquiriram e o afastamento daquela atmosfera de terror?
Diremos somente que esse homem é puro demais para servir a causa que abraçou; que
o seu coração deve estar em conflito permanente com os processos mesquinhos e sórdidos da
ditadura; que a sua alma é branca como um lírio e que essa brancura de flor se destaca em
relevo sob o palo de misérias em que se rebolca o coração do ditador, coração árido e frio
como um deserto de areia pontilhado de cruzes e ondulado de túmulos.
Poderá não agradar aos seus partidários esse elogio, mas ele cai como um bálsamo no
coração do Rio Grande, que prestará ao nobre patrício o culto da sua admiração e do seu
respeito.
Quanto a vós, escribas que nos insultais em vossos pasquins, podeis vangloriar-vos da
agressão que sofrermos!
Eram mais de sessenta, sem contar os que vinham por traz do auto e que a capota do
mesmo nos impedia de ver, de apreciar-lhes a sanha famigerada...
Eram mais de sessenta salteadores contra quatro vítimas incautas e inofensivas...
Soberba vitória, magnífica façanha épica, esplêndido feito para glorificar tão
destemidos e gigantescos heróis!
Mas não vos embriagueis aos goles do absinto que esse triunfo estupendo vos
proporciona, porque os vossos heróis não conseguiram sobre as suas vítimas mais que a
182
ofensa física, covarde e vil.
Nenhum dos agredidos lhes deu a beber o néctar da humilhação, num pedido de
misericórdia ou num gesto de pusilanimidade.
Tomamos por testemunhas os próprios agressores e mais os Srs. coronel Tupy
Silveira, Rômulo Barcellos, Alcides Cônsul, Francisco Moreira e Antonio Nunes Garcia, para
que digam se notaram em nossas palavras, em nossos gestos ou em nossas fisionomias sinais
de acobardamento ou depressão moral.
Mártires da liberdade, vítimas da tirania que nos avilta, aguardávamos a morte de que
estávamos ameaçados com a serenidade dos justos que sabem morrer com honra pela causa de
que se fizeram defensores.
Morrer, que importa, quando a morte é a glorificação dos que se sacrificam em
holocausto ao ideal de se tornarem livres?
Os que se não libertam pelo trunfo, libertam-se pela morte, que é melhor do que viver
escravizado sob o açoite do algoz e ao peso das algemas da escravidão.
Benedita sejas tu liberdade, mesmo entre as paredes frias dos túmulos abertos pelos
tiranos!
Maldita sejas tu, escravidão, mesmo na fartura e no conforto das senzalas abastecidas
pelos escravizadores que triunfam!
Mas nós não culpamos no caso de trasanteontem, os miseráveis que nos agrediram, vis
instrumentos desse regime maldito de opressão que impera no Rio Grande; a culpa dessa
infâmia cabe inteira ao bandido que não trepidou em sacrificar milhares de vidas de seus
irmãos pela posse do poder que o pronunciamento das urnas lhe arrebatava das mãos.
É dele a culpa, é ele o responsável por toda essa caudal de sangue que rega os campos,
as vilas, as cidades e os povoados da nossa querida terra nativa.
Sobre ele caia a maldição do Brasil civilizado, enquanto o governo da República se
não apieda dos seus irmãos martirizados e não estanca essa sangria.
desabafamos; vinde agora de novo vibrar em nossa cabeça encanecida e honrada os
golpes de coronha das vossas espingardas assassinas, ó monstros de forma humana!
Vinde, que morreremos com honra, na grandeza do martírio que nos reservais, e vós
vivereis sem ella, na abjeção dos vossos sentimentos e na vileza das vossas ações!
Vinde, que estamos mais fracos que trasanteontem, porque haveis roubado a nossa
arma de defesa pessoal!
Vinde, que não imploramos a misericórdia de ninguém!
Fanfa Ribas.
183
Bagé, 7 de novembro de 1923.
NOTA: - Esteve ontem em visita a esta Redação o ilustre militar Sr. coronel Jeronymo
Furtado do Nascimento.
Veio S. Exa. pedir ao diretor do Correio do sul que adiasse para depois do armistício a
publicação do seu artigo de desabafo.
Ponderou-lhe o nosso diretor que a sua posição de vítima não permitia o adiamento
solicitado, motivo pelo qual deixava, com pesar, de atender ao primeiro pedido de S. Exa.,
preferindo deixar de reencetar a publicação da folha a não exercer em toda a sua amplitude os
direitos que a constituição lhe garante.
Em face dessa ponderação, o Sr. coronel Nascimento declarou que durante o
armistício daria a todos os habitantes da cidade as garantias de que necessitassem, não
permitindo violência alguma contra pessoas ou bens, de forma que o Correio poderia ser
publicado ao amparo dessas garantias.
Declarou mais que o seu pedido visava apenas acalmar os ânimos e facilitar as
negociações de paz, não persistindo nele em virtude das alegações que acabavam de lhe ser
feitas.
Desse modo, a despeito das nobres intenções do digno e brilhante militar, o artigo do
diretor do Correio é publicado, lamentando o autor que nos recursos da sua inteligência não
encontrasse termos mais veementes para verberar o vil atentado de que foi vítima com mais
três prezados amigos seus.
184
ANEXO 16 OS SUCESSOS DESTA CIDADE INFAMES E COVARDES
ASSASSINOS E LADRÕES
CORREIO DO SUL
OS SUCESSOS DESTA CIDADE
INFAMES E COVARDES
ASSASSINOS E LADRÕES
8 de novembro de 1923
Tristes, vergonhosos e dolorozíssimos acontecimentos se desenrolaram nestes últimos
dias em Bagé, dando idéa da infeliz situação política por que atravessou até ontem ao meio
dia, data e hora do armistício, o Estado do Rio Grande do Sul.
A passagem da coluna revolucionária
Como está no domínio público e foi fielmente narrado pelos nossos colegas do Diário
do Comércio, uma forte coluna revolucionária, sob o comando do bravo guerreiro general
Estácio Azambuja e em número superior a setecentos homens, passou pelos subúrbios desta
cidade, numa demonstração eloqüente de força.
Piquetes libertadores chegaram mesmo a entrar nos limites urbanos, penetrando na
Praça da República e suas imediações, onde fizeram vários prisioneiros e de onde levantaram
cerca de oitenta cavalos pertencentes às forças governistas, alguns dos quais encilhados.
À aproximação dessa força, movimentaram-se as hostes governistas, praticando toda
sorte de tropelias, em que nem as famílias foram poupadas.
O nobre coronel Tupy Silveira, digníssimo intendente do município, portou-se nesse
difícil momento da nossa história política como um cidadão merecedor da maior estima e do
maior apreço da população.
A despeito, porém, do seu ingente esforço, a desordem campeou de colo alçado, de
extremo a extremo da cidade, estabelecendo o terror em toda parte.
Numerosos cidadãos foram despojados de suas armas, de seus relógios e de outros
185
objetos de sua propriedade, inclusive dinheiro.
Um infeliz revolucionário que se deixara ficar na cidade, embriagado e
inconscientemente, foi miseravelmente fuzilado.
Esse infeliz chamava-se Palmor de Tal e fora boleiro de carro de uma das cocheiras
locais.
A força revolucionária, ao contrário disso, passou com toda ordem nas zonas urbanas e
suburbanas, respeitando vidas, bens e propriedades dos seus habitantes, indo em direção a
Santa Tecla, pela estrada de S. Martim.
Era ela composta de unidades comandadas pelos bravos revolucionários Dr. Camillo
de Freitas Mércio, Turíbio Gomes, Chiquinote Pereira, Anaurelino da Rosa e Bertholino
Nunes.
O jornal O Dever, que bateu o record da mentira na narrativa dessa travessia gloriosa,
aliás a constatação eloqüente das nossas afirmativas quando a aludida folha dera o general
Estácio como destroçado e emigrado no Uruguai, atribuiu à passagem das galhardas forças
intenções de assalto à cidade, quando a intenção dos revolucionários foi simplesmente de
mostrar ao ditatorialismo que o não teme, que tem elementos para combatê-lo e fazê-lo
entocar entre as trincheiras e os aramados da praça ocupada.
Mentiu ainda a gazeta ditatorialista quando afirmou que os libertadores tiveram cinco
mortos em combate, quando a verdade é que sofreram a perda lamentabilíssima de um nobre e
valente capitão, filho do bravo coronel Bertholino Nunes.
Esse morto glorioso sucumbiu no povoado de São Martim, para onde seguia ferido e
conduzido pelo nosso prezado amigo, o denodado libertador capitão Peri Ungaretti.
A coluna revolucionária alcançou galhardamente o seu objetivo, indo acampar
calmamente em Santa Tecla, sem ser perseguida nem incomodada pelos valientes
ditatorialistas que se limitaram a ficar nos arredores da cidade, prendendo, esbordoando e
praticando toda sorte de violências contra cidadãos pacíficos e indefesos.
Infâmia e cobardia
Ignorando que se ia operar a passagem das forças revolucionárias pela cidade, três
amigos do diretor desta folha, os Srs. rio Piegas, Luiz Sarmento e Balbino de Souza
Mascarenhas, membros da nossa elite social, o convidaram para um passeio campestre à
186
Parada dos Pons.
Aceito o convite embarcaram todos em um automóvel Ford e se dirigiram aquele
lugar.
De volta dessa excursão, às duas horas da tarde, desciam eles pela entrada de São
Martim, sem terem conhecimento do que se passara, quando um piquete ditatorialista os
prendeu conduzindo-os escoltados para a chácara da sucessão Arejano, onde estão acampadas
várias forças.
Em caminho o piquete foi sendo engrossado por soldados que surgiam de vários
pontos, formando-se então uma atmosfera de terror contra os passageiros do auto.
Aos gritos de mata Fanfa Ribas, gritos que partiam de todas ou quase todas as bocas,
fizeram os vândalos parar o automóvel, investindo de espadas, facas, carabinas, revólveres e
outros instrumentos de banditismo contra o diretor desta folha e seus companheiros.
Estes, no intuito de defender a pessoa do relator do Correio do Sul, protestaram contra
o atentado e se colocaram entre a vítima e seus algozes.
Nessa ocasião foram barbaramente feridos os nossos amigos Balbino Mascarenhas e
Luiz Sarmento, bem como o chauffeur do automóvel.
O nosso diretor, resguardado por um lado pelos seus amigos e por outro pela capota do
seu automóvel e respectiva cortina, recebia os coronhaços de espingarda em situação mais
vantajosa, defendendo-se com o braço, enrolara numa ponta da capa.
Graças a essa posição, que sofreu apenas alguns traumatismos, ficando com três
equimoses no braço direito.
Providencialmente apareceu ali um piquete de infantaria comandado pelo tenente
provisório Alcides Cônsul da Silva.
Este, indagando do que se passava, verberou a conduta dos seus companheiros e,
trepando para cima do estribo do auto, defendeu heroicamente as vítimas da agressão, durante
o resto do trajeto, até o acampamento da chácara Arejano.
Durante os minutos de agressão que sofrera, o nosso diretor concitava os famigerados
bandidos agressões a consumaram as ameaças sinistras de seu assassinato, dizendo-lhes por
varias vezes: ―Matem de uma vez, miseráveis‖.
À chegada do automóvel à chácara Arejano redobraram as ameaças aos gritos de mata,
mata Fanfa Ribas.
Foi ahi que se fez sentir a atitude ordeira e nobre do Sr. major Rômulo Barcellos, que
concitou os agressores a se acalmarem.
Ainda assim continuaram as ameaças cada vez mais insistente e terríveis.
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Balbino Mascarenhas, que perdera muito sangue estendera-se na grama, tendo nessa
ocasião uma vertigem.
Luiz Sarmento tomou-lhe o pulso e, notando que este ia desaparecendo aos poucos,
solicitou dos vândalos um pouco de piedade para o ferido que estava na iminência de morrer
sem ser socorrido.
Idêntico pedido formulou o nosso diretor, que obteve como resposta esta frase sinistra,
pronunciada por oito ou dez bocas: ―Deixe que morra esse bandido; poupa-nos o trabalho de
matá-lo‖.
Um dos que pronunciaram essa impiedade, própria dos mais hediondos bandidos da
Calábria antiga, foi o famigerado capitão Pacheco Campos, que dizem ter sido removido de
Pelotas para Bagé por pedido do Sr. coronel Pedro Osório e em virtude de banditismos por ele
praticados naquele município.
Esse indivíduo desacatou a autoridade do honrado coronel Tupy Silveira, negando-se a
cumprir uma ordem sua em favor dos prisioneiros.
Disseram-nos ontem que esse mesmo vândalo declarou numa roda de ditatoriais que
embora perca os galões de capitão há de degolar Fanfa Ribas e Mário Piegas.
Para esse bandido perigosíssimo e assas conhecido chamamos a atenção do ilustre
coronel Furtado do Nascimento, digníssimo comandante da guarnição federal, a cujos galões,
energia e sentimentos de humanidade está confiado a policiamento desta cidade e a defesa de
seus habitantes.
Depois desses fatos, lamentabilíssimos e denunciadores do estado de anarquia e
canibalismo a que chegou o Rio Grande sob o domínio da ditadura, impossível de ser
normalizado por qualquer elemento civil de um ou de outro dos partidos militantes, os
prisioneiros ou melhor as vítimas, foram postos em liberdade e conduzidos à cidade nos
automóveis dos Srs. Drs. Julio Mascarenhas de Souza, Haddock Lobo e Lybio Vinhas, que
haviam comparecido ao local dos acontecimentos.
De chegada à sua residência, o diretor do Correio do Sul, se viu cercado por
numerosas pessoas amigas, o mesmo sucedendo com relação aos Srs. Mário Piegas, Luiz
Sarmento e Balbino Mascarenhas.
Entre as numerosas pessoas que visitaram o diretor do Correio do Sul, figuram as
Exmas Sras. d. Umbelina Tavares, respeitabilíssima presidenta da Cruz Vermelha local,
Branca Móglia Tavares, digníssima consorte de nosso amigo Senhor coronel Coronel Carlos
Alberto da Silva Tavares, e Zoraida Mércio, digníssima esposa do ilustre político e querido
clínico gabrielense Dr. Camillo de Freitas Mércio.
188
Em nome do nosso diretor agradecemos todas essas provas eloquentíssimas de
solidariedade e estima que lhe foram prestadas.
Pedido de concessão de garantias
Em virtude do bárbaro atentado levado a efeito contra o diretor do Correio do Sul,
este telegrafou ao nosso ilustre amigo e nobre paladino das liberdades públicas de Plínio
Casado narrando os fatos e solicitando de S. Exa. a fineza de impetrar ao juiz federal uma
ordem de habeas corpus em favor do aludido jornalista e também do nosso jornal.
Aquele digno amigo nos respondeu nos termos do telegrama abaixo.
O telegrama do Dr. Plínio
Casado e a palavra do honrado
general Setembrino
É do teor seguinte o despacho telegráfico a que acima aludimos:
―Fanfa Ribas. Bagé, Porto Alegre 7 – Ministro Guerra afirmou ser desnecessário
habeas, porquanto providenciaria medidas eficazes para vossa completa tranqüilidade com
amplas garantias à liberdade e à propriedade, extensivas aos vossos companheiros. Abraços
Plínio Casado.‖
Esse telegrama foi mostrado ao ilustre coronel comandante desta guarnição pelo nosso
amigo e companheiro de Redação Sr. Dr. Adolpho Peña.
Momentos depois fomos procurados no Correio do Sul pelo digno chefe militar, que se
fazia acompanhar de seu assistente Sr. capitão Carlos Pereira.
O Sr. coronel Furtado do Nascimento não havia ainda recebido instruções a respeito e
emanadas da autoridade militar competente, mas, em virtude da sua posição de comandante
da praça e fiscal do governo pela boa ordem e acatamento das condições de armistício, ia
tornar mais positivas as garantias oferecidas a nossa folha, mandando guarnecer por três
praças do Exército o prédio onde funcionam a nossa redação e as nossas oficinas.
Efetivamente, às 10 horas da noite de ontem foram colocadas de guarda ao Correio do
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Sul três praças do glorioso Exército Nacional, que nesse posto serão diariamente rendidas.
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ANEXO 17 O DEVER ENXURRADA DE LAMA
O DEVER
ENXURRADA DE LAMA
9 de novembro de 1923
Causou a mais profunda indignação no meio das pessoas sensatas desta terra, o acervo
de injúrias e infâmias assacadas ontem, pelo Sr. Fanfa Ribas, das colunas do Correio do Sul”
contra a honra e a honestidade da pessoa inatacável do exmo. Sr. Dr. Antonio Augusto Borges
de Medeiros e os bravos militares do 5º Corpo da Brigada Provisória.
E não foi indignação, revolta, asco, riso e até mesmo piedade, invadiam
instintivamente a todos aqueles que tiveram o desgosto de ler o amontoado de vertinas
vomitadas contra os nossos.
Todos os sentimentos que se caracterizam pela repulsa e pelo nojo enchiam por força a
quem lesse aquelas palavras ditadas pelo despeito e pelo ódio; tão ferinas que chegaram a
oscilar entre o clawnesco e o ridículo.
A maneira insólita do ataque e o calão da injuria davam a idéa do anonimato.
As injúrias foram tão pesadas que não puderam subir muito alto e, por isso, a salvo
delas ficou, como tem ficado sempre, a pessoa impoluta de Borges de Medeiros.
Este homem que tem sido a encarnação de todos os nossos ideais nesta luta ingrata; é
para nós quase um fetiche, Borges de Medeiros representa neste momento tudo o que tem sido
o Rio Grande do Sul nestes trinta e poucos anos de República. Ele encarna o progresso
assombroso do nosso Estado, é tudo o que fizemos e encerra em si, como uma célula, tudo o
que seremos porque é a sombra dos princípios por ele pregados e praticados que o Rio Grande
marchará. Mais do que isto, encerra em si, em seus princípios, na sua vida pública e privada, o
legado sagrado de Julho de Castilhos e por isso o defenderemos até a morte.
E por Borges de Medeiros ser tudo o que é, e para sê-lo, é necessário que ele seja,
como de fato o é, incorruptível.
Seus inimigos podem, pois na impotência de seu ódio, assacar-lhe todas as infâmias
que se lhes reflete n'alma que Borges de Medeiros permanecerá intangível na sua
incorruptibilidade de varão de Plutarco.
191
Por outro lado, aos oficiais da Brigada Provisória não atinge também a saraivada de
injurias do Sr. Fanfa Ribas. São todos, sem exceção de espécie alguma, homens de infibratura
e caráter, abnegados defensores da Legalidade, com a mais estrita consciência de seus brios e
pundonor militares. Têm agido sempre no cumprimento estrito de seus deveres e, se até aqui,
algo não houve a lamentar devemo-lo exclusivamente aos seus predicados de cordura e
moderação.
Quanto a alguns vexames que por ventura o Sr. Fanfa Ribas e alguns seus
companheiros hajam sofrido, domingo transacto, cabe-lhes disso a inteira culpa e a absoluta
responsabilidade.
O Sr. Fanfa Ribas sabe muito bem que é um dos maiores responsáveis por esta
mashorca que ora tem infelicitado a nossa terra. Foi ele um dos criadores da revolução aqui na
fronteira, como anos atrás criou o pintismo. Foi ele quem insuflou o vento da revolução,
nas colunas de seu jornal, e espalhou-o no meio de seus companheiros, dada a absoluta
liberdade que se goza no Rio Grande do Sul, levando homens cordatos e pacíficos a se
tornarem brigões e bandoleiros.
E todo o mundo sabe o modo acintoso com que compactua com os rebeldes.
Assim sendo, tendo ele sido prisioneiro, justamente com seus comparsas em um
momento de luta no mais aceso do combate vindo das Forças Revolucionarias, se algum
desprazer passou deva-o exclusivamente á sua imprudência, ou melhor, a sua audácia.
E de ser naturalmente por isso, que, com fel e ódio no coração o Sr. Fanfa Ribas,
despejou a sua bílis, se atirando daquela maneira insólita contra homens e pessoas inatacáveis.
A linguagem de baixo calão e o diapasão das injurias grotescas não nos permitem uma
resposta.
Por mais viperina que seja a língua do ataque O Dever‖, nunca sairá da linha de
conduta que se traçou para coproeiragem das pasquinadas.
Não esgrimimos sem luvas. Na baixeza da linguagem fique o adversário que não o
iremos buscar lá.
O Sr. Fanfa Ribas acha que o Partido Republicano não tem um jornalista capaz de
combatê-lo. Naquela linguagem, de fato, não tem...
Não tínhamos intenção de neste momento tratar de qualquer assunto referente ao
movimento revolucionário. Foi este o desejo manifestado pelo Sr. Comandante da Brigada e
a nossa edição de ontem, em fragoroso contraste com o Correio do Sul, nada dizia sobre
política. A desaprumada atitude do Sr. Fanfa Ribas foi quem nos obrigou a algumas palavras
em defesa dos nossos amigos. Não é pois, uma resposta que estamos publicando.
192
Respeitaremos o armistício. Agora que todas as vontades se concentram em um desejo único,
de que raie a aurora da Paz sobre a terra gaúcha, abster-nos-emos de todos os assuntos que
não tenham por objetivo esquecer os ódios, fomentar a concórdia e refazer a harmonia da
família rio-grandense.
Depois do armistício, que venha o Sr. Fanfa Ribas. Mais refletido e mais calmo, com
suas feridas fechadas. Ou ainda, se quiser, no mesmo diapasão, reeditando o mesmo acervo
de injúrias, que aqui nos encontrará serenos e firmes, na defesa do brio e da dignidade dos
nossos amigos.
193
ANEXO 18 A REVOLUÇÃO DO SR. FANFA RIBAS
O DEVER
A REVOLUÇÃO DO SR. FANFA RIBAS
10 fevereiro de 1923
N'uma pilheria de mau gosto, para não atribuir lhe sentimentos impatrióticos leva o Sr.
Fanfa Ribas, do alto das colunas do Correio do Sul a entoar, diariamente, o cântico lúgubre da
revolução.
Não tivesse a pilheria conseqüências mais ou menos perniciosas e prejudiciais,
embargos não teríamos a opor a predileção galhofeira do ilustre confrade, tanto mais quanto é
bem verdade que a peça bufa iniciada na Serra e circunscrita a esse único cenário, tem dado
ensejo a gostosas gargalhadas .
E, evidentemente, não é para mais: o guapo Caetano, a prodigiosa mentalidade
criadora da farsa e que, no primeiro ato, comandava as legiões de frack e perneiras, está a
estas horas, em Herval, lamentavelmente estropiado da fuga desenfreada a que o obrigaram as
forças do bravo e valoroso general Firmino de Paula.
Belo argumento, para opereta carnavalesca! E a época é própria: Carnaval está às
portas.
Deixemos entretanto, o caso da Serra, que a ninguém preocupou e que está
perfeitamente liquidado, para tão somente, limitar os nossos comentários à insistência do Sr.
Fanfa Ribas, na pilheria a que se entregou de alarmar os débeis de espírito, aqueles que se
apavoram do pio das corujas e que crêem na visita dos lobisomens em determinadas sextas-
feiras do mês.
Não fomos impulsionados por um sentimento de piedade por esses pobres diabos que
atravessam a vida cheios de apreensões e de temores, que se apavoram, muitas vezes da
própria sombra, ao tomar a resolução de escrever algo sobre o assunto: submetemo-nos ,
apenas, as injunções do dever profissional.
O momento atual, de dificuldades comerciais e de apertos financeiros, quando se inicia
a safra da pecuária que representa, incontestavelmente, o coeficiente mais vultoso da riqueza
do Estado, a pilheria que alarma pode trazer as mais ruinosas conseqüências para a fortuna
194
pública e, muito principalmente, para a fortuna particular. Os tímidos, os irrefletidos, aqueles
que se deixam impressionar por tido quanto se lhes sopra no pavilhão auditivo, vão sendo
sugestionados e vão sugestionando os menos cultos e o alarme se vai estendendo e se vai
alastrando dos centros populosos para o interior.
Desse estado de coisas resente-se então, o comércio, resentem-se as indústrias: o
comerciante embaraça-se com a dificuldade em poder solver os seus compromissos, visto a
diminuição sensível de suas operações; o fazendeiro ou o criador, altamente sacrificado
com a baixa dos produtos, desvalorização dos seus haveres, como compromissos inadiáveis e
a vencerem altos juros, precipitam as suas vendas em condições de manifesta desvantagem; a
produção agrícola não circula, o meio circulante escasseia, conseqüentemente, paralisando-se
todas as atividades em ruinosa expectativa.
É a isso, em linhas gerais, a que reduz a pilheria revolucionaria do Sr. Fanfa Ribas.
Mas, percrustando bem as intenções do confrade adverso, indo a fundo no perquirir os seus
propósitos chega-se á irretorquível conclusão de que o fogoso jornalista não esqueceu os
rancores, contra os seus próprios correligionários, motivados pelo último dissídio na questão
das candidaturas pelo 3º círculo, a uma vaga na Câmara Federal, e, com o pretexto da farsa do
Sr. Caetano, fingindo-se inoculado pelo vírus da revolução mantêm, acesa contra eles as
baterias do seu rancor.
E, para não ir mais longe em busca de dados que corroborem o que acabamos de
afirmar, basta lançar mão do último artigo do Sr. Fanfa Ribas, publicado em edição de
anteontem, e transcrer-lhe o seguinte período:
O último pleito para a renovação da câmara federal, em que a minoria elegeu o seu
representante e o situacionismo o esbulhou, fazendo reconhecer um candidato que obtivera
votação inferior, veio justificar as razões da nossa oposição...‖
Não esqueceu o Sr. Fanfa, passado tanto tempo, a sua vontade contra todos
aqueles dos seus correligionários que, reviventes com as tradições do partido, preferindo ao
candidato presidencialista, ao camaleão político, o verdadeiro federalista, elegeram e
trabalharam pelo reconhecimento do Sr. Coronel Raphael Cabeda.
Não esqueceu, também, o Sr. Fafa Ribas a sua odivaidade, tão alardeada por ocasião
da luta presidencial de março último, contra o Sr. Arthur Bernardes, por ter saído da bancada
mineira o parecer reconhecendo o Sr. Coronel Raphael Cabeda.
E, porque o Sr. Arthur Bernardes conserve a impecável linha de conduta que vem
mantendo em relação á situação política do Rio Grande do Sul; e, porque S. Excia, o
Presidente da República considere e respeite como poder legalmente constituído o atual
195
governo deste estado; e, porque o primeiro magistrado da nação, n'um magnífico gesto de
patriota, respeite a autonomia estadual, o Sr. Fanfa Ribas vale-se da farsa caetanesca, para
ensaiar os primeiros períodos dos ataques que hão de vir á pessoa do Sr. Arthur Bernardes.
Mal ajeitando acusações ridículas a pessoa benemérita do Dr. Borges de Medeiros, em
o artigo a que acima nos referimos, o rancoroso jornalista deixa transluzir o seu único
propósito, o seu verdadeiro desejo de justar velhas contas com o ilustre chefe da nação.
São disso prova concludente os dos seguintes períodos:
―E, a tudo isso, os governo das Repúblicas permanecem indiferentes, como se não
tivessem olhos para ver, nem ouvidos para escutar;‖
―O governo federal contemporiza, retarda a defesa da integridade nacional e é surdo
aos gritos de alerta! Que levantamos na solidão do pampa?‖
Ninguém, em consciência, pessoa alguma que não esteja mordida por um despeito
qualquer, será capaz de lançar semelhantes invectivas a pessoa de S. Excia. o Presidente da
República.
O móvel da atual atitude do Dr. Fanfa Ribas está bem conhecido.
O seu palavrório, pois, a respeito das intenções separatistas de parte do benemérito
governo do Estado não passa de camouflage ao seu verdadeiro propósito de forjar motivo para
atacar os seus desafetos de campanhas passadas.
Essa cerebrina preocupação de separatismo foi, não muitos dias, motivo de
memoráveis sessões na Assembléia dos Representantes.
Não queremos recordar que la foi ventilado a respeito, para tão somente asseverarmos
que os ilustres representantes federalistas que têm assento, naquela casa, deram-se,
nobremente por convencidos de que, para o Rio Grande do Sul Republicano, para o governo
do estado, é preocupação máxima, é preocupação superior a qualquer outra consagrar, como
condição essencial da nossa maior grandeza e da nossa maior honra, a unidade nacional.
Está, portanto, a perder o seu latim o ilustre jornalista adverso; descubra os seus
propósitos e venha a público dizer, sinceramente, o que sente.
Com a campanha anti-separatista não pegam as bichas; do mesmo modo, com as suas
pilherias revolucionarias não logrará o ilustre polemista impressionar outros mais que não
sejam os tímidos, os fracos de espírito.
O autor da grande farsa, o impagável Sr. Caetano está estropiado da fuga, em território
catarinense, na estação do Herval. E deve estar sofrendo um terrível ridículo! Que se livre do
mesmo ridículo Sr. Fanfa Ribas!
Quem pensa em revolução no Rio Grande do Sul? Quem de responsabilidade,
196
emprestou a sua solidariedade intenções clonescas do Sr. Caetano? Ninguém! No seio da
Assembléia dos representantes, Gaspar Saldanha o federalista sincero, o sincero doutrinador
dos princípios do grande conselheiro, Silveira Martins, pautou a sua ação parlamentar dentro
dos mais rigorosos princípios de respeito a ordem e a lei; Alves Valença, o infatigável lutador,
aquele que, com manifesto sacrifício de saúde, fortemente abalada, foi dos mais valorosos
campeões da campanha assisista, vem de fazer ao Sr. Dr. Pedro Osório, Intendente do
município de Pelotas formais declarações do seu repúdio a qualquer movimento
revolucionário, expressando o propósito de querer manter franca cordialidade com a
sociedade pelotense, em cujo selo vai viver.
O cerne do federalismo, em Bagé, como em todo o Estado, aqueles que têm as maiores
responsabilidades do partido, por isso que viveram em íntimo contato com o chefe
desaparecido e que afirmaram a sua convicção com o próprio sangue, chefiando os
revolucionários de 93, estão todos eles ao lado da ordem e pela ordem.
E disso, podemos assegurar, tem o governo do Estado pleno conhecimento.
E se a força do Sr. Caetano Durou alguns dias, isso se explica pelo propósito que
sempre animou todos os atos do nosso honestíssimo governo de evitar o derramamento de
uma só gota de sangue de irmãos nossos.
Preparadíssima, como se encontra, a autoridade suprema do Estado, preparadíssima
para garantir a ordem e assegurar a tranqüilidade da família rio-grandense, fácil, facílimo,
teria sido dissolver logo os rebeldes, tanta mais que a simples aproximação dos primeiros
contingentes da força legal eles fugiram a ponto de chegar estropiados em território de outro
Estado.
E foi sem derramamento de sangue que a ordem foi assegurada, e poderosa afirmar,
com a mais absoluta sinceridade, que ella não será alterada. Propósitos revolucionários os
teve o Sr. Caetano e bem disso deve estar bem arrependido a estas horas.
A normalidade voltou a imperar na zona da região serrana, onde estão agindo agora
apenas as autoridades policiais no sentido de apurar responsabilidades para os efeitos legais
da punição dos que se entregaram a cenas da vergonhosa ladroagem e de atentados ao pudor
de inocentes patrícios.
Propósitos revolucionários pretende -los o Sr. Fanfa Ribas, mas apenas por blague e
para mascarar as suas alfinetadas aqueles que são, hoje, o alvo principal dos seus maiores
rancores: os federalistas.
O momento é de trabalho e de progresso, de paz e de concórdia, para maior grandeza
da Pátria amada, do Brasil unido e forte.
197
ANEXO 19 A SERENIDADE DOS REPUBLICANOS DE BAGÉ
O DEVER
A SERENIDADE DOS REPUBLICANOS DE BA
20 fevereiro de 1923
Enquanto os empreiteiros macabros da mashorca prosseguem na sua tarefa
impatriótica e inglória; enquanto os mantenedores do ―fogo sagrado‖ da agitação lançam às
chamas as últimas reservas da sua retórica inflamada; enquanto a imprensa revolucionaria
procura mascarar uma situação insustentável para os retirantes ―exércitos libertadores‖,
enquanto, sobre o cenário trágico dos revezes, o desespero dos propagandistas vermelhos,
corre o véu da sua imaginação fantasiosa, o Partido Republicano de Bagé, fiel ás suas
tradições cavalheirescas, pensa no dia de amanhã. E a grande interrogação que lança sobre o
futuro próximo, mais se acentua a cada novo fracasso dos rebeldes.
A confiança serena e imperturbável no único desfecho que o bom senso admite para a
revolta, a despeito de todas as tentativas postas em prática para o disfarce impossível da
verdade, é o fator máximo do excessivo cuidado que o grêmio republicano deste município,
coloca nos dias vindouros.
Preocupa o mais, talvez, a paz, do que a a luta travada nas coxilhas do Rio Grande.
ao espírito de previsão é dada, no ardor impetuoso da peleja, por entre a imprecação raivosa
dos guerreiros, a atitude superior, fina, linda e educada, dos que se sobrepõe ao domínio
selvagem das paixões. Vencedores na hora que de vir, os republicanos desta cidade,
perante os quais a minha admiração de adventício se curva para a reverência da homenagem
melhor, conservam-se, na atualidade palpitante que o Rio Grande atravessa, impassíveis, de
coração e de espírito; e de olhos postos, ansiosamente, na cortina que a mão do tempo
descerrará para a revelação dos aspectos inéditos da vida. Este pensamento incessante é a
garantia segura da manutenção, inalterável, da alta e nobre conduta conservada, com carinho e
orgulho, por todos os republicanos deste município, quaisquer que sejam os serviços a que se
entregam, no exercício dos seus deveres sociais e partidários.
Di-los-á, algum espírito infenso á observação meticulosa, e ignorante do meio
ambiente, membros da academia do Impassíveis... Engano! O último soldado tem, na mascara
198
da face, sereno, sem que se lhe mova um músculo sequer, o flagrante fisionômico do chefe.
Prescinde do ritmo cantante das ordens do dia, desnecessita para ir ao combate, de incentivos
gritantes e de estímulos retóricos. É um disciplinado; vai às urnas, com a convicção da vitória
e volta do cumprimento desse dever com a certeza de ter cumprido de maneira eficaz, para a
grandeza do Brasil. Sabe que o seu grêmio político é composto de tantos correligionários;
guarda-lhes de memória o número exato. E por isso, quando exerce a sua força - a grande
força do seu eleitorado não pede aos tribunos de praça pública a improvisação verbal dos
bandos precatórios da eloqüência; não lhe faz falta o reclame dos dos jornalistas que se
excedem e visam a única proficuidade da fama de vinte e quatro horas.
Cumpre com o seu dever, e dá tremendas lições de cavalheirismo, a quem delas
necessita.
É uma escola admirável de políticos de linha .
Como em todas as coletividades, surge, ás vezes, os audazes que, parece, vão romper a
esplêndida harmonia das suas atitudes; porém, tal não ocorre. Assiste-lhes, continuamente o
companheiro próximo, pronto para a advertência prudente.
O adversário, a quem três decênios de ostracismo cegaram para a luz da justiça das
apreciações serenas, não compreende a grandeza do gesto do Partido de Bagé. E interpreta
como temor, o que apenas, para honra de todos, é uma maneira de ser da nossa civilização.
Dai a exploração que nesta cidade faz, pela palavra escrita e pela palavra falada nos café e nas
rodinhas, de ser abatimento ante a perspectiva do futuro (que ele pretende encerre a vitória da
revolução) o modo de se conduzir, discreto, dos republicanos.
A palavra de ordem, que o mais desprovido de recursos intelectuais dos republicanos
recebeu com satisfação, foi encontrar reproches justamente da parte de quem só benefícios do
cumprimento da mesma pode obter.
Mais do que os compromissos verbais e inscritos, a um gesto de nobreza, entre
homens educados, deve corresponder outro gesto semelhante.
Coloca, uma atitude gentil, a um homem que se diz possuidor de sentimentos nobres,
em tão grave obrigação moral de retribuir, que o não fazer, importa numa negativa absoluta da
noção mais rudimentar do que seja a vida em sociedade, com os seus deveres.
O fato observado com o Partido Republicano de Bagé, constitui, para o nosso povo,
um motivo justíssimo de gloria. Molda-se, a sua atitude, em face da desordem, pelo critério
elevadíssimo do seu prestigioso diretor, a cuja personalidade não me furto de fazer
referências, porque desejo que os homens de amanhã, herdeiros desta obra de progresso, de
conquistas morais, porque hoje somos responsáveis, veneram na sua pessoa o orientador de
199
uma campanha conduzida com elevação singular, com é esta. Há flagrantes que apanham com
nitidez, esse homem digno ao extremo, e que o candidatam não a admiração, como ao
reconhecimento do adversário, e a gratidão do seu Partido que vai escrevendo uma das
páginas mais belas da sua vida.
Tem-se a impressão de que desejariam os adversários demonstrações diárias e
ostensivas do partido Republicano nas ruas. Mas, não precisam os republicanos desses meios
para o levantamento do seu nível moral. Possuem eles a plena consciência da sua vitória. Nem
a sua imprensa, tem necessidade de assinalar jornadas ao país da ênfase, com marcos de
palavras incandescentes. E sendo a imprensa republicana a vida, dia a dia, dos partidos, nesta
mesma folha, tenho observado a maneira digna do diretor político em contato permanente
com seu editor-chefe, um orientando e o outro compreendendo à perfeição e com elegância
espiritual transmitindo ao papel, o pensamento do chefe. Deste é sempre a recomendação:
nada que fira a dignidade de quem quer que seja.
E é ao diretor desta folha, que sempre integrou dentro da sua missão, galhardamente e
com inteligência e brilho a sobriedade, e que conquistou o título honrosíssimo de ―jornalista
de luvas de pelica‖ que um adversário, em artigo violento e insultuoso para os republicanos,
que para ele não passam de miseráveis, nega títulos para o exercício da sua profissão!
Felizmente, acreditamos não refletir essa desorientação do publicismo revolucionário
o pensamento dos inimigos do situacionismo.
Não é só, entretanto na manifestação direta do seu pensamento pela imprensa, que a
direção local revela a sua nobreza de atitudes, a elevação da sua orientação.
Cedamos a palavra aos próprios adversários, que se quiserem ser sinceros dirão
melhor do que ela é, como expressão de inteligência e dignidade.
Teve a felicidade de fazer a sua semelhança, e isso é mais uma revelação do seu
prestígio, a direção republicana, de cada correligionário, um homem calmo e ponderado, que
respeita o adversário.
É por isso que o Partido em peso preocupado mais com a paz próxima, do que com a
guerra, cuja conclusão escada vez mais perto, e com um resultado possível: a vitória do
Governo do Estado.
Preocupa-se o Partido Republicano com a paz, por que não é dele o monopólio do
rancor. Não há um republicano em Bagé que odeie o adversário; no entretanto, este não cessa
de dar demonstrações da sua vontade de colaborar na esplêndida obra cujos resultados
serão sintetizados nesta exclamação: Orgulhemo-nos, porque em Bagé, as contendas políticas
não fazem os homens esquecidos de que são civilizados!
200
Porém quando o Partido deita os olhares para o amanhã desconhecido,
perfeitamente os seus contornos. E não fica temeroso pela situação moral que os
revolucionários erroneamente supõem se criara para eles, com dificuldades e
constrangimentos, porque os republicanos moderados de Bagé elevando o grande e poderoso
projetor que se vai refletir nos caminhos do futuro. Entraremos nele com a mesma disposição
de hoje. E como hoje já os revolucionários retirantes estão, nesta cidade, mesmo entregues ás
suas funções normais assim os outros que se acham em campo e, de onde nos vem o grito
da paz, e sobre cujas cabeças se erguem as bandeiras brancas, voltarão, quietos e sossegados.
Pensemos nós, republicanos de Bagé, no legado esplendido que deixaremos para que
os pósteros se orgulhem da nossa civilização e da nossa cultura política!
E saibamos levar ainda mais adiante essa nobreza que a direção local nos inspira,
tendo olhos benévolos para o adversário que se excede, e no calor da peleja perde a
compostura!
Alexandre Da Costa.
201
ANEXO 20 ANTE O ALTAR DA PÁTRIA
CORREIO DO SUL
ANTE O ALTAR DA PÁTRIA
4 de dezembro de 1923
Lêde, Senhor Ministro!
A visita de S. Exa. o Gen. general Setembrino de Carvalho ao Rio Grande do Sul,
despertou na alma confrangida do desditoso povo gaúcho duas esperanças fagueiras: a do
restabelecimento da paz, que todos almejam, como condição essencial à vida, ao trabalho, à
fartura, e a do ressurgimento das liberdades públicas, muito conspurcadas, banidas,
atiradas ao forno de incineração das coisas imprestáveis pelos carbonários do poder.
A alegria raiou no cérebro dos homens e iluminou a alma das mulheres, à chegada do
ilustre ministro, filho dileto das majestosas plagas gaúchas, onde aprendera ele, ao despertar
dos seus primeiros anelos de patriota, a respeitar as leis e a anatemizar os déspotas que as
desacatam ou deturpam.
E S. Exa., confraternizando com o povo, foi pelo povo recebido nos braços, entre
aclamações e vitórias.
Dentro de um ambiente de simpatias, o colocaram os habitantes do Rio Grande do Sul,
na sua quase totalidade, e o festejaram, como se o fizessem ao Messias da libertação
republicana.
Com seus próprios olhos, naturalmente pisados de mágoa, S. Exa. assistiu, entretanto,
a um doloroso contraste: os detentores do poder, zombando das suas insígnias de embaixador
da República, arremessaram-lhe aos pés a luva da provocação, o cartel de audacioso, desafio,
mandando, diante dos bordados da sua farda gloriosa, espingardear a multidão que o
aclamava, matar cidadãos desarmados, crianças inermes e até senhoritas indefesas!
Delegado fiel da vontade do chefe da nação, executor escrupuloso das ordens que
recebera S. Exa. reclacou a goa no peito, perdoou a ofensa arrogante e iniciou, hábil e
sobranceiramente, a tarefa do congraçamento, chamando os partidos á conciliação desejada.
202
Da parte da oposição nenhum entrave lhe foi colocado no caminho a trilhar: os amigos
da ordem, os revolucionários depuseram nas mãos de S. Exa. a sorte do Rio Grande,
reclamando apenas o império da lei e o exercício amplo dos direitos que a constituição da
Republica garante a todos os brasileiros.
Estávamos e estamos diante de um caso anômalo: o Estado do Rio Grande achava-se e
acha-se juridicamente acéfalo, sabido como é, que o Sr. Borges de Medeiros não obteve pelo
pronunciamento das urnas os votos necessários, dentro da própria constituição estadual, para
considerar eleito.
Os revolucionários se o conformavam, como se não conformam ainda, como se não
conformarão nunca, com o fato de um indivíduo, qualquer que ele seja, exercer, sem haver
sido eleito, a suprema investidura do poder publico estadual.
Ao Sr. general Setembrino, rio-grandense também, e cidadão brasileiro, no duplo
dever de respeitar e fazer respeitar a vontade soberana do povo, base e essência do regime
adotado no país, cabia encaminhar as negociações da paz de modo a assegurar, não a
anomalia da usurpação do poder, não a desordem constitucional dentro da ordem material,
mas a ordem legal, em defesa da qual ser estabelecera a desordem material.
Nesse sentido S. Exa. procurou agir, embora por meios indiretos, propondo aos
beligerantes o acordo conciliatório sob condições favoráveis ao restabelecimento da
normalidade com fundamento na manifestação das forças eleitorais de ambos os partidos em
luta.
Á percepção do ditador não escapou o intuito do embaixador da paz, nem escaparam
os perigos dele decorrentes.
Dai a intransigência desse homem nefasto, fechando-se dentro do seu egoísmo e
recusando todas as fórmulas que não fossem garantidoras da sua permanência no poder.
Um presidente cônscio da legitimidade do seu mandato, como expressão real da
vontade da maioria dos eleitores do Estado, não oporia embargos à verificação de seu
prestígio, na pesquisa da verdade, por meio de uma nova consulta ao eleitorado, desde que
dessa exigência dependesse o restabelecimento da harmonia no seio da sociedade conflagrada,
o estancamento do sangue que jorra das veias de seus amigos e de seus inimigos, a cessação
do dissídio que lavra o amainamento do ciclone revolucionário que varre os campos e as
cidades, espalhando o luto, a dor, a desolação por toda a parte.
Mas o Sr. Borges de Medeiros, cuja consciência o acusa de fraude, burla e usurpação,
não pode admitir que lhe seja sugerida a idéia de um novo pleito, mormente com o controle e
as garantias do governo federal, porque sabe de sobejo qual o descalabro que aguardaria, a
203
derrota que lhe seria estrondosamente infligida, o abismo em que iria S. Exa. fatalmente
precipitar-se com os restos de seu partido, migalhas de um thezoiroopulento de energias
cívica acumuladas por Castilhos e Pinheiro, que S. Exa. consumiu, dispersou, atirou pela
janela ao regaço hospitaleiro dos partidos da oposição e reduziu à penúria em que se acha.
Em tais condições, o ditador não pode, de fato, entrar em acordo honesto com a
oposição, porque lhe falta o essencial, que é um eleitorado suficientemente numeroso e forte,
capaz de ampará-lo e de fazê-lo triunfar legalmente nas urnas.
A sua intransigência é toda de fundo egoístico, sem ter sequer, a nimba-la, o verniz
dos princípios políticos que S. Exa. diz professar.
Fora do apego ao poder o Sr. Borges de Medeiros cede tudo, até mesmo a honra do
grupo que chefia, arrastando-se de humilhação em humilhação, descendo de degrau em
degrau a escada das concessões e desligando-se a cada momento de compromissos assumidos
por S. Exa. para com o seu partido.
Fez-se arrogante como um leão de juba ao início das negociações, para tornar-se
humilde como o cordeirinho manso do Baptista, à pressão dos dedos de ferro do emissário da
paz.
Em edição de 11 de maio do corrente ano o seu jornal, A Federação, dizia,
textualmente, refletindo o estado de animo e a disposição de S. Exa.:
―Pela fraqueza dos republicanos do Rio Grande o império da lei não será conspurcado.
E por isto que não acordo possível entre a lei e a transgressão da lei, não também
possibilidade de conchavos entre o governo legal do Rio Grande e os mashorqueiros de Assis
Brasil.‖
Seis meses apenas são passados, é verdade que entre decepções e desastres para S.
Exa. e os mashorqueiros de Assis Brasil transformaram-se em beligerantes respeitáveis,
tratam com S. Exa. como de potência à potência e combinam as condições de um armistício.
Mais que tudo isso, esses mashorqueiros indignos de entrar em conchavos com o
respeitável governo legal do Rio Grande são recebidos fidalgamente pelo nobre emissário do
chefe da nação, que confabula amistosamente com os seus generais, com eles se banqueteia e
se faz fotografar em grupo, tecendo-lhes os mais rasgados e justos elogios.
Longe de repelir qualquer mediação desse ministro que se ombreia com bandidos e
senta-se á mesa dos festins com assassinos e ladrões, o chefe republicano, que não assassinou
a lei nem roubou os votos ao eleitorado adverso para ocupar a cadeira da presidência do
Estado, conforma-se com essa humilhação, manda emissários e mensagens as. Exa., envia e
recebe propostas de conchavos, faz concessões a contragosto, promete demolir pedra a pedra
204
a obra de Castilhos e manda às urtigas os princípios básicos da política do patriarca, fazendo
tão somente questão fechada da intangibilidade de sua pessoa na investidura de chefe de
governo.
Estávamos, pois, como bem deve ter percebido o Exmo. Sr. general Setembrino de
Carvalho, diante de um caso patológico de obsessão de mando, dificílimo de combater por
meios suasórios, sugestões de patriotismo ou qualquer influência de ordem moral.
Esse homem, que não é nem nunca foi sincero nas suas atitudes, que mandou os seus
arengadores da imprensa e do parlamento insultar atrozmente, difamar e arrastar pela rua da
amargura a pessoa do Sr. Arthur Bernardes, para depois beijar-lhe humildemente os pés de
vencedor, traindo o Sr. Nilo Peçanha e traindo os militares que lançou aos azares da sedição,
entrará em qualquer acordo, desde que lhe fique garantido o prato de lentilhas da governança.
Mas nem o Sr. Arthur Bernardes pode ter nas promessas de apoio desse homem
perigosíssimo, que o trairá fatalmente como, traiu os chefes da chamada Reação Republicana,
nem os revolucionários podem confiar nas cláusulas de acordo algum em que ele prometa
respeitar os seus direitos e acatar os textos legais de uma constituição que esta reduzida a
frangalhos, em virtude de ter sido tantas e tantas vezes violada.
Alega-se que o governo da República, sob a premência de uma situação de dúvidas e
incertezas, precisa e exige a pacificação do Rio Grande, como condição indispensável á
normalização da vida nacional.
Mas, se é de tranquilidade que o governo precisa, nenhum serviço de maior relevância
lhe poderia prestar o seu ministro da Guerra do que esse de afastar os perigos de uma nova
traição, restabelecendo o regime legal em uma das principais unidades da pátria, que se acha
fora dele, de forma que dentro da lei, por homens legalmente empossados nas posições, possa
ser feita eficientemente a defesa da mesma lei, em face de qualquer perturbação na política do
país.
Não é de acordo que o Rio Grande precisa e que precisa o país: aqui, como em toda
parte, o que se impõe é a prática rigorosa do regime adotado pela nação.
Acordo com a permanência do ditador no poder, seria a homologação da usurpação;
seria um crime, do qual se não redimiriam nunca os guardas da constituição, os representantes
do poder público federal; seria um atentado à soberania popular, uma ofensa aos direitos do
povo, uma injúria á majestade da lei.
Seria, mais que isso, o prolongamento da luta, porque o dissídio se não apagaria da
alma dos contendores e as garantias burladas seriam motivo de novo e próximo apelo às
armas para a defesa da vida por parte das vítimas de perseguições e de crimes de um governo
205
que não saberia respeitar a lei, porque nascido da fraude, ter-se-ia consolidado no
cambalacho, ambos a antítese, os inimigos capitães da própria lei.
Sem insinuações de ordem alguma, mesmo porque estas linhas refletem apenas a
nossa opinião pessoal, devemos dizer entretanto, ao ilustre embaixador da paz, que são
ilusórias as esperanças de S. Exa., pretendendo extinguir a anarquia reinante no Rio Grande
por meio de combinações pacificas.
Essas combinações são meros paliativos, que apagarão aparentemente a fogueira da
guerra civil, porque entre as cinzas e os escombros do incêndio ficara ardendo, cada vez mais,
o combustível da discórdia.
Tem S. Exa. o poder de normalizar definitivamente, a um aceno seu, a situação do Rio
Grande, redimindo-o do cativeiro e integrando-o na comunhão nacional, de modo que ele
possa liberto das algemas que lhe arrocheiam os pulsos, amparar, política e materialmente, o
governo do Sr. Arthur Bernardes, do qual S. Exa. é leal servidor.
Como prolongar a desordem por mais quatro ou cinco meses, numa atmosfera de
(duvi........ cílio) dos deuses, influindo nas decisões dos três poderes da República, e V. Exa.
simples ministro e simples general, assistindo com mágoa ao empalidecimento da estrela do
Sr. Arthur Bernardes, sem força para ampará-lo, sem elementos para defende-lo das
maquinações maquiavélicas do adversário traiçoeiro e pérfido.
Não queremos que essas ponderações influam no espírito refletido e cintilante de V.
Exa., cuja altivez e cuja independência vos colocam a cavaleiro de quaisquer sugestões, mas
no momento da pugna que vai travada em primeira etapa, não queremos também abafar nos
recônditos da alma a expressão leal dos nossos sentimentos de brasileiros e de patriota, junto
ao altar da pátria, onde a insinceridade e a insinuação tendenciosa seriam os mais revoltantes
dos pecados.
Falamos desse modo porque temos a convicção de que interpretamos o sentir da alma
gaúcha, e esta, do mesmo modo que não teme o gume das espadas nem o cano das
espingardas homicidas da ditadura, não receia o resultado das suas expansões, nem o castigo à
sua franqueza, que é rude como o trovão, livre e impetuosa como o pampeiro.
Que Deus inspire a V. Exa. para honra da raça e felicidade da nação.
Deus é contra os tiranos.
Fanfa Ribas.
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