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os rituais de iniciação ao quilombo. Segundo Cavazzi (1685):
"Quando o chefe do quilombo, que é ordinariamente o comandante militar, quer conceder
este privilégio, determina o dia da função. No intervalo de tempo precedente à data, os pais, que
são sempre numerosos, suplicam insistentemente a concessão desta graça, persuadidos de que os
seus filhinhos, antes da admissão, são abominados pela autora da lei, e que só depois de
purificados serão benzidos por ela. O dia é de grande festa, com o concurso de muitos homens
armados e enfeitados o melhor possível. Aparecem na praça em boa ordem e com muito decoro os
cofres em que se conservam os ossos de algumas pessoas principais e que são guardados nas suas
casas por pessoas qualificadas
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. Depois aparecem os cofres com os ossos dos antigos chefes do
quilombo e dos seus parentes. Todos são colocados sobre uns montões de terra, na presença do
povo, rodeados por guardas e por uma multidão de tocadores e dançarinos, que festejam e honram
os ossos daqueles falecidos. Por fim chega o comandante com a sua favorita, chamada tembanza,
ou 'senhora da casa', festejados pela música e pela comitiva de seus familiares. Ambos untam os
seus corpos e as suas armas e se sentam, ela à esquerda e ele à direita dos ditos cofres. Então, todos
os presentes, divididos em grupos, fingem uma batalha, acometendo-se furiosamente. Acabada a
batalha e as danças, que são bastante demoradas, até todos perderem o fôlego, saem de algumas
moitas predispostas as mães que nelas estavam escondidas, com os meninos, e, mostrando-se
muito preocupadas, com mil gestos vão ao encontro de seus maridos, indicando-lhes o lugar em
que cada menino está escondido. Então eles correm para lá com os arcos frechados e, descobrindo
a criatura, tocam levemente nelas com a seta, para demonstrar que não a consideram como filho,
mas como preso de guerra, e que, portanto, a lei não fica violada. Depois, usando uma perna de
galinha (...) untam a criança com aquele unguento (mazi a samba) no peito, nos lombos e no braço
direito. Desta maneira, os pequenos são julgados purificados e podem ser introduzidos pelas mães
no quilombo na noite seguinte (Cavazzi, 1685; p.182)".
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Segundo Cavazzi, "a lei manda que os Jagas (denominação da época para os Imbangala, como comprova
Miller) sejam enterrados no seu ventre. Com efeito, eles comem as carnes dos inimigos, dos escravos, dos
parentes e até dos próprios filhos (...) Por vezes, os cadáveres dos ricos são fechados em cofres de madeira,
cobertos com peles de feras , com panos ou com chapas de prata. Estes cofres, chamados mussete, são
guardados pelos Jagas como objetos religiosos e de vez em quando são expostos à veneração pública, com
incensações e outras cerimônias idolátricas. Pela lua nova, quando lhes é permitido iniciar ou acabar algum
empreendimento, se não chover, recorrem aos defuntos, para o que preparam cuidadosamente diversas
comidas nas covas correspondentes à cabeça dos cadáveres, sacrificando para isso homens e animais
(Cavazzi, 1685; p.185)".