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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
BIONATHI BORGES DIAS DE MIRANDA
A MINISSÉRIE TELEVISIVA DE LUIZ FERNADO CARVALHO
ESTUDO DE CASO: HOJE É DIA DE MARIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
ORIENTADORA: DRA. LEDA TENÓRIO DA MOTTA
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
BIONATHI BORGES DIAS DE MIRANDA
A MINISSÉRIE TELEVISIVA DE LUIZ FERNADO CARVALHO
ESTUDO DE CASO: HOJE É DIA DE MARIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
ORIENTADORA: DRA. LEDA TENÓRIO DA MOTTA
o Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
BIONATHI BORGES DIAS DE MIRANDA
A MINISSÉRIE TELEVISIVA DE LUIZ FERNADO CARVALHO
ESTUDO DE CASO: HOJE É DIA DE MARIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
ORIENTADORA: DRA. LEDA TENÓRIO DA MOTTA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para o título
de Mestre em Comuicação e Semiótica, DPIII
sob a orientação da Dra. Leda Tenório da Motta.
São Paulo
2010
BANCA EXAMINADORA:
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Dedicatória
Dedico esta monografia de pesquisa acadêmica
aos meus pais: Francisco Borges Dias de
Miranda e Cecília Ferreira dos Santos
responsáveis por minha existência, formação
e educação. Ao Felipe Jessé, Vera Lucia
Tavares, Tamara Borges Dias de Miranda Rocha
e Rogério de Miranda Felisardo pelo apoio
e incentivo.
Agradecimentos
Agradeço a Deus a oportunidade e sabedoria
que me foram concedidas para desenvolver esta
pesquisa acadêmica. A Cida , secretaria da COS
pela orientação de informática e colaboração no
envio e respostas de todos os e-mail e a professora
Leda Tenório da Motta os meus sinceros
reconhecimentos e gratidão pela ajuda e orientação
segura.
7
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................... 8
ABSTRACT................................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO.............................................................................................................10
CAPÍTULO 1
1.1 – Os Contos de Fadas – Origem e Histórico...........................................11
1.2A Arqueologia dos Contos de Fadas....................................................16
1.3Alguns Padrões Fabulares dos Contos............................................... 26
1.4A Importância da Leitura na Formação da Criança.............................. 30
1.5 – Contos de Fadas e a Psicanálise.......................................................... 38
CAPÍTULO 2
A TELEVISÃO E AS MINISSÉRIES DE LUIZ FERNANDO CARVALHO
2.1 – A Televisão Brasileira....................................... .................................... 60
2.2 – A Televisão no Brasil – Rede Globo..................................................... 69
2.3 – A Telenovela no Brasil........................................................................... 76
2.4 – A Personagem na Telenovela................................................................ 82
2.5 – Breve Histórico das minisséries Globais........................................... 85
2.6Apresentação de Luiz Fernando Carvalho e as minisséries............. 87
a) Lavoura Arcaica
b) Os Maias
c) A Pedra do Reino
d) Hoje é dia de Maria
CAPÍTULO 3
3.1- Hoje é dia de Maria - Estudo de Caso....................................................125
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 163
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................164
8
RESUMO
HOJE É DIA DE MARIA ESTUDO DE CASO
Esta pesquisa tem por objetivo estudar a microssérie televisiva, tomando como
caso exemplar o trabalho de Luiz Fernando Carvalho e, particularmente, Hoje é dia de
Maria (2007).
Começamos por uma apresentação geral dos contos de fadas, uma vez que a
referida minissérie constituí-se num mosaico delas. Nesta parte, enfatizamos a
representação da criança que está em jogo no conjunto dos contos e analisamos alguns
desses contos, segundo a psicanálise. Elaboramos também uma história das telenovelas,
com ênfase no papel da Rede Globo no processo de popularização do gênero.
Terminamos com um estudo de caso de Hoje é dia de Maria, que envolve uma análise
semiótica de parte dos símbolos com que trabalha a narrativa: a chave, o pássaro, a roda,
a borboleta.
PALAVRA CHAVE: Microssérie televisiva, Contos de Fadas, Luiz Fernando Carvalho,
Hoje é dia de Maria.
9
ABSTRACT
This research aims to study the minisseries, taking as exemplary case the work of
Luis Fernando Carvalho and especially Hoje é dia de Maria in 2007.
We start with an overview of fairy tales, since such miniseries constitutes a mosaic
of them. In this section we emphasize the presentation of the child in this game to all the
tales and we analyzed some of these stories, according to the psychoanalysis. We
developed also a history of soap operas, with emphasis on the role of the Rede Globo TV
in the process of popularization of gender. We ending with this situation studied Hoje é dia
de Maria, who develops a semiotic analysis of some of the symbols with which the
narrative works: a key, the bird, the wheel …
KEY WORDS: Minisseries, Fairy Tales, Luiz Fernando Carvalho, Hoje é dia de Maria.
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa vem demonstrar como é importante para a televisão,
produções como a microssérie Hoje é dia de Maria. Sabemos da existência do “trash” em
muitas programações televisivas, mas o trabalho diferencial e de qualidade do diretor Luiz
Fernando Carvalho faz a diferença. É sem dúvida alguma, algo inovador na tele
dramaturgia, na arte do cotidiano e diferente da habitual. É a linguagem audiovisual que
através da tele dramaturgia brasileira ultrapassa as barreiras da palavra. É a arte que
possibilita ao público espectador a aquisição da cultura por meio de um veículo de
comunicação de massa e que valoriza não só a cultura popular, mas também a erudita.
Hoje é dia de Maria é um belo conto de fadas e como todo conto de fadas, tem
heroínas, heróis e vilões. Estão presentes animais, ritos, mitos, crenças e a cultura
popular.
Destacamos nesta pesquisa, semelhanças entre essa produção e algumas
histórias infantis como: João e Maria, Cinderela, etc. Demonstramos também que, a
minissérie engloba problemáticas atuais presentes em nossa sociedade como a pobreza,
a guerra urbana, o trabalho infantil, maltratos na infância, a posição social feminina, a
desigualdade social, o êxodo rural, a fé, o amor, a existência do bem e do mal dominando
o destino do homem, na presença de Deus (o bem) e do Diabo (o mal).
No estudo de caso de Hoje é dia de Maria, apresentamos uma análise semiótica de
diversos símbolos com que trabalha a narrativa, a chave , o pássaro, a roda...
Fizemos uma análise de alguns contos de fadas, segundo a psicanálise e
elaboramos também uma história das telenovelas.
Ao analisar a televisão brasileira, com ênfase no papel da Rede Globo no processo
de popularização do gênero, mostramos a força e o poder que tem esse veículo de
comunicação em: manipular, determinar comportamentos, valores e formar opiniões, com
o seu poder de alcance e programações diferenciadas para atender os anseios, agradar,
prestar serviços e criar uma certa identidade cultural e social com o seu público.
Para a elaboração deste trabalho estudamos e pesquisamos diversos especialistas
como: Arlindo Machado, Eugênio Bucci, Maria Rita Kell, Sodré Muniz, Lucia Santaella,
Marie Louise Frans e mutos outros, conforme constam na Bibliografia.
11
OS CONTOS DE FADAS
1.1 – Origem e histórico
Os contos de fadas são uma variação do conto popular ou fábula. Como gênero,
da Literatura Infantil nasceu com Charles Perrault. Mas somente cem anos depois, na
Alemanha do Século XIII e a partir das pesquisas linguísticas realizadas pelos Irmãos
Grimm (Jacob e Wilhelin) ela seria constituída com início e expansão pela Europa e pelas
Américas. Distingui-se, com estes, o fato de serem uma narrativa curta, transmitida
oralmente, e onde o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de
triunfar contra o mal. Caracteristicamente envolve algum tipo de magia, metamorfose ou
encantamento, e apesar do nome, animais falantes são muito mais comuns neles do que
as fadas propriamente ditas. Alguns exemplos:
A palavra portuguesa “fada” vem do latim fatum (destino, fatalidade, fado, etc). O
termo se reflete nos idiomas das principais nações européias: fée em francês, fairy, em
inglês. fata, em italiano, fee em alemão, hada em espanhol. Por analogia, os “contos de
fadas” são denominados Conte de fées na França , fairy tale na Inglaterra, cuento de
hadas na Espanha e racconto di fata na Itália. Na Alemanha, a o século XVIII era
utilizada a expressão Feenmärchen, sendo substituída por Märchen (“ narrativa popular”,
“história fantasiosa”) depois do trabalho dos irmãos Grimm. No Brasil e em Portugal, os
contos de fadas, na forma como são hoje conhecidos, surgiram em fins do século XIX sob
o nome de contos da carochinha. Esta denominação foi substituída por “contos de fadas”
no século XX.
Fadas são entidades fantásticas, características do folclore europeu ocidental.
Apresentam-se como mulheres geralmente de grande beleza, imortais e dotadas de
poderes sobrenaturais, capazes de interferir na vida dos mortais em situações-limites. As
fadas também podem ser diabólicas, sendo corriqueiramente denominadas “bruxas” em
tal condição; embora as bruxas “reais” seja usualmente retratadas como megeras, nem
sempre os contos descrevem fadas “do mal” como desprovidas de estonteante beleza.
É na literatura cortesã do Ciclo Arturiano que surgem as primeiras referências às
fadas, tendo por base textos-fontes de origem celtíco-bretã, no qual se realça o amor
mágico e imortal ligado à estas figuras (fadas), tornando-se evidente o status social
elevado das mulheres na cultura celta, na qual entre outros povos contemporâneos
possuíam um poder e uma ascendência muito maiores, ao que se segue:
12
Neste limiar do século XXI, essas “novelas arturianas” estão de volta, invadindo o
mercado editorial na forma de atraentes adaptações. Nas novelas arturianas, fundem-se
dois ideais espiritualizantes: os códigos éticos da Cavalaria, que exigiam destemor e
grandeza de alma e os do Amor Cortês, que exigia auto doação absoluta à Amada e
superior grandeza de alma. Este último tem raízes celtas e bretãs. O (ciclo arturiano);
surgiram os romances corteses, o mito do filtro do amor” ( tomado por Tristão e Isolda);
as baladas, os lais (cantigas de amores trágicos e eternos) e as histórias de
encantamento, bruxedos e magias, que, com os séculos e por longos e emaranhados
caminhos, se popularizaram e se transformaram nos contos de fadas da Literatura Infantil
Clássica.
PERRAULT
A história da Literatura registra que a primeira coletânea de contos infantis foi
publicada no culo XVII, na França, durante o faustoso reinado de Luís XIV, o Rei Sol.
Trata-se dos Contos da Mãe Gansa (1697), livro no qual Charles Perrault ( poeta e
advogado de prestígio na corte) reuniu oito estórias, recolhidas da memória do povo. São
elas: A Bela adormecida no Bosque; Chapeuzinho Vermelho; O Barba Azul; O Gato de
Botas; As Fadas; Cinderela ou A Gata Borralheira; Henrique do Topete e Pequeno
Polegar. Contos em versos , cuja autoria ele atribuiu ao seu filho Pierre Perrault , que o
ofereceu à Infanta, neta do rei Sol.Em uma segunda publicação , Perrault acrecenta:
Pele de Asno , Grisélidis e Desejos Ridículos. Para melhor nos situarmos no tempo do
surgimento desses contos, é interessante lembrar que a França dessa época (séc. XVII )
vivia um esplêndido momento de progresso e transformações político culturais ,
enquanto o Brasil era ainda uma simples colônia, culturalmente atrasada e continuamente
disputada pelos holandeses, franceses e outros, atraídos por nossas riquezas naturais:
cana-de-açúcar, pau- brasil, ouro. Graças a sucessivas vitórias dos portugueses contra
os invasores, hoje somos uma nação unificada por uma língua comum , a portuguesa.
Falta-nos, neste limiar do século XXI, darmos o grande salto cultural que se faz
necessário, para participarmos legitimamente do grupo das grandes nações mundiais.
Cultura é o grande alicerce das riquezas...(Coelho 2008:52-53).
13
LA FONTAINE
Na mesma época, outro escritor de prestígio na corte francesa, Jean de La Fontaine,
dedica-se ao resgate das antigas historietas moralistas, guardadas pela memória
popular: as Fábulas. Mas sua recolha não se vale apenas dessa memória popular. Ele
pocura fontes documentais da Antiguidade: Grécia ( Fábulas de Esopo ); Roma
( Fábulas de Fedro); parábolas bíblicas, coletâneas orientais e narrativas medievais ou
renascentistas. Durante vinte e cinco anos, trabalhou na busca e no cortejo desses
textos antigos e os reelaborou em versos, dando-lhes a forma literária definitiva – Fábulas
de La Fontaine que, séculos, vêm servindo de fonte para as mil e uma adaptações
que se espalham pelo mundo todo.
A Julgar pelo testemunho de seus contemporâneos, suas fábulas eram verdadeiros
textos cifrados, que denunciavam as intrigas, os desequilíbrios ou as injustiças que
aconteciam na vida da corte ou entre o povo. Foi, pois, pelo empenho de La Fontaine
que se divulgaram, no mundo culto, ás fábulas populares: O Lobo e o Cordeiro; O leão e
o Rato; A cigarra e a Formiga ; A Raposa e as uvas; Perrette, A leiteira e o pote de leite,
dentre outras. Todas alimentadas de uma sabedoria prática que não envelheceu, pois se
fundamenta na natureza humana e que continua a mesma, através dos milênios.
IRMÃOS GRIMM
Como gênero, a Literatura Infantil nasceu com Charles Perrault.
Mas somente cem anos depois, na Alemanha do século XVIII, e a partir das
pesquisas linguísticas realizadas pelos Irmãos Grimm ( Jacob e Wilhelm ), ela seria
definitivamente constituída e teria início sua expansão pela Europa e pelas Américas.
Participantes do Círculo Intelectual de Heidelberg , os Grimm- filólogos , folcloristas
, estudiosos da mitologia germânica empenhados em determinar a autêntica língua alemã
(em meio aos numerosos dialetos falados nas várias regiões germânicas ) - entregam-se
à busca das possíveis invariantes linguísticas, nas antigas narrativas , lendas e sagas que
permaneciam vivas, transmitidas de geração para geração, pela tradição oral. Duas
mulheres teriam sido as principais testemunhas de que se valeram os Irmãos Grimm para
essa homérica recolha de textos: a velha camponesa Katherina Wieckamnn, de
prodigiosa memória, e Jeanette Hassenpflug, descentente de franceses e amiga íntima da
família Grimm. Em meio à imensa massa de textos que lhes servia para os estudos
linguísticos, os Grimm foram descobrindo o fantástico acervo de narrativas maravilhosas,
14
que , selecionadas entre as centenas registradas pela memória do povo, acabaram por
formar a coletânea que é hoje conhecida como Literatura Clássica Infantil. Entre os contos
mais conhecidosestão: A Bela Adormecida; Branca de Neve e os Sete Anões;
Chapeuzinho Vermelho; A Gata Borralheira; O Ganso de Ouro; Os Sete Corvos; Os
,Músicos de Bremem; A Guardadora de Gansos; Joãozinho e Maria; O Pequeno Polegar;
As três Fiandeiras; O Príncipe Sapo e dezenas de outros, que correm o mundo.
Publicados avulsamente entre 1812 e 1822, posteriormente foram reunidos no volume
Contos de Fadas para Crianças e Adultos (hoje conhecidos como contos de Grimm).
Influenciados pelo ideário cristão que se consolidava na época romântica e
cedendo à polêmica levantada por alguns intelectuais, contra a crueldade de certos
contos, os Grimm, na segunda edição da coletânea, retiraram episódios de demasiada
violência ou maldade, principalmente aqueles que eram praticados contra crianças. O
sucesso desses contos abriu caminho para criação do gênero Literatura Infantil.
ANDERSEN
Depois de Grimm, no século XIX, temos o dinamarquês Hans Christian Andersen.
Sintonizado com os ideais românticos de exaltação da sensibilidade, da cristã, dos
valores populares, dos ideais da fraternidade, e da generosidade humana, Andersen se
torna a grande voz a falar para as crianças com a linguagem do coração; transmitindo-lhe
o ideal religioso que a vida como o vale de lágrimas” que cada um tem de atravessar
para alcançar o céu. A par do maravilhoso, seus contos se alimentam da realidade
cotidiana, na qual imperam a injustiça social e o egoísmo. Daí que, em geral, os Contos
de Andersen sejam tristes ou tenham um final trágico ( e muitos deles tenham
“envelhecido”). Entre os mais conhecidos, citamos; O patinho Feio; Os Sapatinhos
Vermelhos; O Soldadinho de Chumbo; A Pequena Vendedora de Fósforo, O Rouxinol e o
Imperador da China; A Pastora e o Limpador de Chaminés; Os Cisnes Selvagens; A
Roupa Nova do Imperador; Nicolau Grande e Nicolau Pequeno; João e Maria, A Rainha
de Neve...
Explica-se talvez, o tom nostálgico da maior parte de seus contos pelo momento de
grandes contrastes em que viveu o autor. Sua infância decorreu no período em que a
Dinamarca (e demais países nórdicos) viveu sob domínio napoleônico (1805-1815).
Período da exaltação nacionalista e de grande expansão econômica que, nos rastros do
progresso industrial entre a abundância organizada e a pobreza sem horizontes.
15
Os Contos de Andersen, regatados do folclore nórdico ou inventados, mostram à
saciedade as injustiças que estão na base da sociedade, mas ao mesmo tempo,
oferecem o caminho para neutralizá-las: a fé religiosa. Como bom cristão, Andersen
sugere a piedade e a resignação, para que o céu seja alcançado n a eternidade.
Curiosamente, pelo que registram os dados de sua biografia, vê-se que ele próprio não foi
nunca um resignado e lutou sempre por seu “lugar ao sol”, a despeito dos obstáculos e
das injustiças.
Andersen passou à história como a primeira voz, autenticamente “romântica” a
contar histórias para as crianças e a sugerir-lhes padrões de comportamento a serem
adotados pela nova sociedade que naquele momento se organizava. Entre os diversos
valores ideológicos consagrados pelo Romantismo, e facilmente identificáveis nas
histórias desse autor, destacam-se:
1. Defesa dos direitos iguais, pela anulação das diferenças de classe (A
Pastora e o Limpador de Chaminés).
2. Valorização do indivíduo por suas qualidades próprias e não por seus
privilégios ou atributos sociais (O Patinho Feio, A Pequena Vendedora de
Fósforos).
3. Ânsia de expansão do Eu, pela necessidade de conhecimento de novos
horizontes e da aceitação de seu Eu pelo outro ( O Sapo, O Pinheirinho, A
Sereiazinha).
4. Consciência da precaridade de vida, da contingência dos seres e das
situações ( O Soldadinho de Chumbo, O Homem da Neve).
5. Crença na superioridade das coisas naturais em relação às artificiais ( O
Rouxinol e o Imperador).
6. Incentivo à fraternidade e à caridade cristã; à resignação e à paciência com
as duras provas da vida (Os Cisnes Selvagens, Os Sapatinhos vermelhos).
7. Sátira às burlas e às mentiras usadas pelos homens para enganarem uns
aos outros (Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, A Roupa Nova do
Imperador).
8. Condenação da arrogância, do orgulho, da maldade contra os fracos e os
animais e, principalmente, contra a ambição de riquezas e poder ( A menina
que Pisou no Pão, Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, Os Cisnes
Selvagens).
9. Valorização da obediência, da pureza, da modéstia, da paciência, do recato,
16
da submissão, da religiosidade como virtudes básicas da mulher (patente
em todos os contos, confirmando o ideal feminino consagrado pela tradição:
pura/ impura, bruxa/fada, mãe/madrasta...). (Coelho : 2008; p.27).
Os contos de fadas têm as seguintes características:
1- Podem contar ou não com a presença de fadas, mas fazem uso de magia e
encantamentos;
2- Seu núcleo problemático é existencial ( o herói ou a heroína buscam a
realização pessoal);
3- Os obstáculos ou provas constituem-se num verdadeiro ritual de iniciação para o
herói ou heroína.
1.2 - A ARQUIOLOGIA DOS CONTOS DE FADA
No Século XIX, em escavações na Itália, são descobertas as cidades de Herculano
e de Pompéia, que no início de nossa era (ano 79) haviam sido soterradas totalmente
pelo vulcão Vesúvio. Logo depois, os arqueólogos descobriram a cidade de Troia,
destruída pelos gregos, em 1200 a.C.- guerra que é tema do poema épico Ilíada, de
Homero, livro-fonte de nossa civilização ocidental. Decifram-se os hieróglifos egípcios,
criados também milênios antes de cristo.
No rastro dessas descobertas, surgem também as escavações na memória
popular, nacional; difundem-se as pesquisas narrativas populares e folclóricas por toda a
Europa ( Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Inglaterra...) e pelas Américas
( Brasil, Argentina, Chile,Peru, México...), com base nas quais cada nação empenhava-se
em descobrir suas verdadeiras raízes nacionais. Essa verdadeira cruzada de cunho
nacional - que resultou em centenas de antologias de contos maravilhosos, fábulas,lendas
acaba por descobrir que tais acervos, embora pertencentes a povos e regiões de
formações diferentes, tinham numerosas narrativas em comum, como Chapeuzinho
Vermelho, A Bela Adormecida, A Gata Borralheira, entre outras.
Diante dessa descoberta, uma interrogação abriu caminho para uma nova e ampla
pesquisa: como justificar essa comunidade de narrativas em povos que tiveram origens e
processos históricos tão diferentes ? Um verdadeiro exército de pesquisadores das várias
nações e pertencentes ás mais diferentes áreas de conhecimento ( Filologia, Linguística,
Folclore, Antropologia, Etnologia, História, Literatura, Pedagogia) empenharam-se durante
17
anos em rastrear os caminhos possivelmente seguidos por essas narrativas arcaicas,
que, vindas da origem dos tempos , chegaram até nossos dias . O cruzamento das várias
pesquisas acabou revelando, das várias pesquisas acabou revelando, nas raízes
daqueles textos populares, uma grande fonte narrativa, de expansão popular : a fonte
oriental ( procedente da Índia , séculos antes de Cristo), que vá se fundir, através dos
séculos, com a fonte latina ( grego-romana) e com a fonte céltico bretãbretã ( na qual
nasceram as fadas).
Um manuscrito Egípicio
Cabe registrar, anterior a essas fontes,um manuscrito egípcio: um papiro, achado
no século XIX pelo egiptóloga Mrs. D' Orbeney, em escavações feitas na Itália. Os
estudos calcularam sua idade em torno de 3200 anos , portanto bem mais antigos do que
as mais remotas fontes indianas e com narrativas comuns a estas, como o conto Os Dois
Irmãos , apontado pelos estudiosos como texto-fonte do episódio bíblico José e a
mulher de Putifar” Pela auto identificação do autor no início , deduz-se o valor atribuído
às narrativas e às necessidades de preservá-las da destruição do tempo.
A trama, cheia de acontecimentos mágicos, envolve dois irmãos e a perfídia da
mulher de um deles, que semeia a discórdia entre ambos; mas, pela intervenção do deus
Armachis, as traições da mulher são descobertas, e ambos voltam á antiga amizade . São
numerosos os motivos que aparecem nesse conto e se repetem em muitas narrativas
folclóricas: a popularidade paixão-ódio; a vingança da mulher rejeitada; os caprichos da
mulher que pede ao marido o fígado (ou a língua) de um boi estimado, para ela comer, e
ele cede; o nascimento de uma planta onde fora enterrada alguém morto injustamente; a
ressurreição de um morto, através de uma água milagrosa, entre outros. Em nosso
folclore, Câmara Cascudo, o grande folclorista brasileiro, descobriu, no Rio Grande do
norte, no conto A Princesa e o Gigante,uma versão dessa narrativa egípcia.
Enfim, essas diversas fontes, levadas através dos tempos, para diferentes regiões,
por peregrinos, viajantes, invasores, foram-se misturando umas às outras e criando as
diferenças formas narrativas “nacionais”, que hoje constituem a Literatura Infantil Clássica
e o folclore de cada nação.
Uma difusão realmente espantosa, quando lembramos que, nesses tempos
primordiais, a comunicação se dava de pessoa para pessoa e os povos receberam tais
narrativas viviam distanciados geograficamente, separados por montanhas, rios, mares,
18
em um tempo em que as viagens eram feitas a pé, ou a cavalo ou em barcos toscos...Isso
prova a força da Palavra como fator de integração entre os homens.
A FONTE ORIENTAL – CALILA E DIMA
Depois de tentarem refazer, cada qual a seu modo, os “longos” e misteriosos
caminhos percorridos por esse caudal de narrativas comuns a todos, os pesquisadores
localizaram da fusão de três livros sagrados da Índia primordial: Pantschatantra e
Vischmo Sarna. Trata-se, pois, de narrativas exemplares ou fantásticas, utilizadas pelos
primeiros pregadores budistas, a partir do século VI antes de Cristo. Sua difusão original
se deve, então, aos primeiros discípulos de Buda, os quais, para propagarem a crença no
Mestre Iluminado e pregarem a justiça entre os homens, iam de aldeia em aldeia
revelando ao povo os caminhos certos de pensamento, de ação de vida...E, para se
fazerem compreender melhor, transformavam o s ensinamentos em situações simbólicas,
isto é, em fábulas, contos prodigiosos, apólogos, parábolas, tal como Cristo o faria
500anos depois, com suas parábolas.
O texto original de Calila e Dimma, escrito em sânscrito, se perdeu, assim como
sua versão persa ( que foi a primeira a traduzir a fonte original, no século VI da Era
Cristã). Sabe-se que existem por serem citadas na versão árabe, feita por ordem de califa
Almanzur Haddad,no século VIII, época em que os árabes invadiram a Península Ibérica
e ali instalaram, criando uma cultura magnífica.
Foi essa versão árabe que, por sua vez, serviu de fonte para a versão hebraica,
atribuída ao Rabi Joel, no século XII, na Itália, e posteriormente para o latim e as versões
francesas, durante os culos XVIII e XIX. E para as demais versões misturadas com
outras fontes, que hoje integram a literatura folclórica das v´rias nações europeias e
americanas.
Calila e Dimma nome dos dois chacais que são as personagens-eixo é um
emaranhado de estórias que, por meio de situações vividas por animais e homens,
mostram a vida como uma luta contínua. Luta em que se defrontam eternas paixões
humanas: a inveja, o egoísmo, o ciúme, os desejos, a traição, o poder, a ambição.
Narrativas destinadas originariamente aos adultos, depois transformadas em literatura
para crianças, as de Calila e Dimma são consideradas pela crítica contemporânea um
manual de arte política.
Nos longínquos tempos em que essas histórias surgiram, o mundo ainda estava
19
sob a lei do mais forte” e a justiça se fazia “olho por olho, dente por dente”. A violência
ainda era o caminho mais curto, para a vitória dosa indivíduos ou dos povos. ( o que teria
mudado no limiar deste “civilizadíssimo” TerceiroMilênio?). Tendo em vista esse contexto
social e a turbulência que se manifesta em quase todas as narrativas da coletânea. Como
entendermos que os pregadores budistas as tivessem usado para propagar o alto ideal da
quietude, de força interior e de desprezo pelas conquistas do mundo material inerente
ao ideário budista?
Uma possível explicação estaria na natureza da linguagem usada. Como sabemos,
a linguagem simbólica é ambígua, não tem significado unívoco e definitivo. Sua
significação depende não da internacionalidade e visão do mundo daquele que a
inventa ou cria ( o autor), como também daquele que a ouve ou e a interpreta ( o
receptor). Sendo assim, supõe-se que o tônus dado a essas narrativas, pelos pregadores
budistas, visasse conscientizar seus ouvintes quanto às injustiças ( a lei do mais forte, a
mentira encobrindo a verdade...) que predominavam na vida cotidiana, e com isso levá-los
a agir corretamente, em justiça, começando cada qual pela reforma interior de seu próprio
eu, de acordo com regra de ouro do budismo: “Tudo que somos é resultado do que
pensamos”. Isto é, tudo começa no nosso próprio eu. Não por acaso, o termo buddha
significa despertar. É o despertar da mente dos homens que leva à sua libertação interior
e à consequente descoberta da verdade última da vida, sempre oculta pela ilusão das
realidades visíveis. Uma excelente lição a ser aprendida pelos homens, nestes tempos
caóticos do “vale-tudo” e do “levar vantagem”.
SENDEBAR OU O LIVRO DOS ENGANOS DAS MULHERES
Da mesma natureza que o texto egípcio, mas originário da Índia, a coletânea
Sendebar é outra fonte oriental que está na gênese de narrativas maravilhosas do
Ocidente. Atribuído ao filósofo hindu Sendabad, o texto original, em sânscrito, perdeu-se,
mas sua história continuou sendo divulgada, do século IX a XIII, em persa , árabe, siríaco,
hebraico e principalmente, em castelhano- texto a partir do qual os estudos orientalistas
puderam ser feitos.
Pelo substitui-lo vê-se que pertence às narrativas do ciclo narrativo que difunde a
imagem negativa da mulher. Tal como o texto de Os Dois Irmãos, ele pode ser incluído
entre os precursores do conto de fadas, uma vez que o seu conflito básico é de natureza
existencial: a paixão amorosa e a sabedoria da palavra são postas em jogo, para
20
preservação de uma vida. Seu argumento gira em torno do eixo paixão-ódio-sabedoria. O
motivo é semelhante ao de Os dois Irmãos: uma paixão rejeitada que gera o ódio. O filho
de um rei falsamente acusado pela madrasta de tentar violentá-la é condenado ámorte
pelo pai. Mas a execução vai sendo adiada por estratégia de sábios que queriam proteger
o príncipe. Ao final, ele consegue falar e provar sua inocência, e a madrasta mentirosa é
entregue ás chamas.
Curioso notar que, segundos os registros históricos,a maior divulgação de
Sendeberg na Europa se entre so séculos IX (versão árabe) e XIII ( versão
castelhana), período em que a Igreja intensifica seus esforços de cristianização do
mundo ocidental, coincidentemente com a valorização/idealização da mulher, seja no
plano religioso, por intermédio do Culto Marial (veneração da Virgem Maria e
consequentemente sacralização da condição feminina), seja no plano leigo, com o
incentivo ao culto do amor cortês ,difundido pelos trovadores nas cortes medievais.
Dos muitos episódios de Senderbar, saíram vários contos maravilhosos, como as
Aventuras de Simbad, o Marujo, ou Ali Babá e os Quarenta Ladrões e Aladim e o Gênio,
que viriam a ganhar o mundo a partir do século XVIII, quando a primeira grande
coletânea de narrativas orientais foi publicada.
As Mil e uma noites
A mais importante coletânea do fabulário oriental, As mil e Uma noite, deve ter sido
completada em fins do século XV, mas no início do século XVIII ficou conhecida no
mundo ocidental, por meio da tradução francesa feita por Antoine Galland e publicada em
1704. Desde logo, alcançou o mais completo sucesso entre os leitores e nos salões
elegantes , na França governada sob o mando do rei do Sol.
Coincidentemente ou não, o momento era propício á fantasia extra-vagante e à
magia das fadas. Perrault publicada os Contos da Mãe Gansa, nos quais se
redescobriram as fadas e o maravilhoso. Sua sobrinha, Mlle. L'Héritier, pública uma
coletânea de narrativas maravilhosas em que vivem fadas, obras misturadas (1696).
Seguem-nas A Rainha das Fadas (1698), de Preschac; e nos salões, os contos
maravilhosos ou contos de fadas eram o grande sucesso, sendo mais tarde reunidos na
coleção Gabinete de Fadas (1785): 41 volumes de vários autores, que marcam o fim
dessa produção literária fantástica que coroou todo o século XVIII. (Coleção conservada
atualmente na Biblioteca da Universidade da California – Los Angeles).
21
Foi nesse clima que surgiu a coletânea As Mil e Uma Noite. Suas narrativas
audaciosas falavam de um oriente fabuloso e exótico, desaparecido no tempo e
preservado pela literatura.
Sem a intenção moralizante das narrativas exemplares (fábula, apólogos...) que
então circulavam nas cortes e entre o povo e sem a verossimilhança dos romances
preciosos” (com heróis e heroínas mitológicos, naufrágios, pirataria, aventuras
mirabolantes provocadas pela fúria dos deuses). As Mil e Umas Noites traduziam a
malícia e o alegre imoralismo dos antigos Fabliaux franceses.
Juntamente com a sedução do maravilhoso (metamorfoses, gênios, duende,
objetos mágicos, reversão do tempo, eliminação das leis naturais, exaltação do erotismo,
beleza feérica...), as narrativas de “As Mil e Uma Noites” revelavam o mundo real e
fascinante de uma civilização e cultura bem diferentes da cristã, tal como se consolidara
durante a Era Clássica. A versão de Galland tem apenas 350 noites, mas foram
suficientes para que o drama da princesa Sherazade e suas intermináveis estórias,
contadas ao rei Schariar, passaram a fazer parte do cotidiano, nos alegres e cultos salões
mundanos da época.
Sucesso que vem atravessando vários séculos e encantando povos das mais
diferentes culturas, sem dúvida porque para além da sedução das mil e uma aventuras
existe um importante eixo vital, em torno do qual se desenrolam: as relações homem-
mulher, envolvendo amor/morte/palavra e visceralmente ligadas à dúplice natureza
atribuída à mulher: fiel/infiel, pura/impura, entre outras.
O amor e a morte são as forças polares que a palavra narrativa mantém
equilibrada. Foi pela fala , pelo narrar, Sherazade se manteve viva, e com isso identificou
a palavra com um ato vital.
Embora nascido no Oriente e fiéis aos seus costumes e a suas visões do mundo,
bem diferentes da visão ocidental, as histórias contadas por Sherazade se tornaram
universais, porque enraizadas na narrativa humana e suas necessidades básicas de
sobrevivência física e de realização econômica, social e afetiva. Por meio de uma ótica
agudamente crítica e satírica, são denunciados osa grandes vícios ou erros que
perturbam a harmonia do mundo ( o impulso para o fazer e o saber, o desejo de
descoberta do novo, a generosidade, o amor...). Entre os contos que se tornaram
independentes e mais sem difundiram (transformados em contos infantis) estão: Aladim e
a Lâmpada Maravilhosa; As aventuras de Simbad, o Marujo; Ali babá e os quarenta
Ladrões; O Burro, O Boi e o Lavrador, O Mercador e o Gênio.
22
A FONTE LATINA E O ALOGO CULTURAL DA IDADE MÉDIA
As fontes latinas (greco-romanas) vão ser descobertas e fundidas durante o longo
período da Idade Média os mil anos quem mediaram desde a “Queda do Império
Romano ( Século XV , início dos Tempos Modernos). Foi durante esse melênico,
chamado durante muito tempo de “idade das trevas”, que a civilização pagã, engendrada
na Antiguidade Clássica (Grécia e Roma) , foi assimilada pela civilização cristã, que levou
séculos para se impor, primeiro aos romanos (século IV d.C.) e depois a todo o mundo
ocidental, predominando sobre todas as religiões primitivas.
Nesses dez séculos medievais, realiza-se o grande amálgama cultural que prepara
os Tempos Modernos. Como em um cadinho de alquimia, foram se fundindo, aquecidos
pelo fogo espiritualista cristão; a vitalidade rude, a violência instintiva e a força-trabalho
dos bárbaros com os valores civilizadores da Antiguidade Greco-Romano, cuja cultura
havia permanecido nos numerosos escritos, escondidos nos conventos, que resistiram às
invasões bárbaras e foram preservados pelos primitivos padres da Igreja.
Por meio desses manuscritos pacientemente copiados ou traduzidos para o latim
pelos monges e das narrativas transmitidas oralmente por peregrinos ou viajantes, que
as levavam de terra em terra, é que a herança Latina começou a se difundir por todo o
mundo ocidental. Com a força da religião como instrumento civilizador, é de compreender
o carater moralizante, didático, sentencioso que marca a maior parte da literatura que
surge nesse período e se funde com a de raízes orientais.
OS CONTOS MARAVILHOSOS
Ao analisar as relações da história com a natureza dos contos maravilhosos que
surgem durante Idade Média, o historiador Walkenaer registra:
Depois do grande abalo que deixara no mundo o vácuo pela queda do Império
Romano, os povos da Gêrmania e da Cítia europeia precipitaram-se sobre o grande
colosso derrubado. Entre as tribos nômades do norte da Ásia , os tártaros, não podemos
ser detidos , saíram de seus desertos e durante os séculos da Idade Média não cessaram
de atacar os Estados mais vastos impérios. Grandes carnificinas, crueldades inauditas
tornaram memoráveis estas prodigiosas revoluções. Os tártaros penetraram nas partes
orientais da Europa e fundaram a Rússia […] Daí incursionaram pela Alemanha, Itália e
França . Os mais antigos e cruéis destes devastadores tornaram-se os mais célebres.
23
Como os Oigours, os primitivos húngaros que se tornaram os terríveis “ ogros” (ou agres)
dos contos de fadas: entes ferozes que devoravam crianças e gostavam de carne
humana. Figura ameaçadora que com o tempo transforma-se no bicho-papão dos contos
infantis ( apud T. Braga, 1914).
Houve também “ogresas” , mulheres terríveis, como Melusina, que aparece nas
novelas de cavalaria . Nessas narrativas medievais, nascem também os courrils (ou
coouros), diabos malignos que gostavam de dançar. As mulheres que dormiam com eles
eram chamadas de encoouradas. Torna-se famoso o Lobo Wargus, tipo sanguinário que ,
em noites de lua cheia, transformava-se no Lobisomem.
Nos contos populares medievais, o mundo feudal está representado em toda sua
crueza: o marido que brutaliza a esposa ( Grisélidis); o pai que deseja a própria filha
(Pele de Asno); as grandes fomes que levavam os país a abandonarem seus
filhos na floresta ( João e Maria); a antropofagia de certos povos, que se transforma no
gigante comedor de crianças (João e o de Feijão); entre outros. A violência e
crueldade desses contos medievais, ao serem adaptados para crianças, por Perrault, no
século XVII.
Chapeuzinho Vermelho é de origem incerta. O tema é antiquíssimo e aparece em
vários folclores. Sua lula originária estaria no mito grego de Cronos, que engole os
filhos, os quais de modo miraculoso, conseguem sair de seu estômago e o enche de
pedras. Exatamente o final escolhido pelos Irmãos Grimm. Tal tema é encontrado ainda
em uma fábula latina do século XI, Fecunda Ratis, que conta a estória de uma menina
com um capuz vermelho , devorada por lobos, escapando milagrosamente e enchendo-
lhe a barriga de pedras.
No Brasil, há uma versão na tradição oral do Espírito Santo.
A bela Adormecida é tema conhecido no Anciennes Chroniques d' Anglaterre: Fatis
et Gestes du Roy Perceforest et des Chevaliers du Franc Palais. Dessa coletânea,
circulou na Europa um original latino, datado do século XIII, contendo um episódio
romanesco semelhante ao da Bela Adormecida: O cavaleiro Troylus e a bela Zellandine
adormecida.
No folclore do Brasil A Princesa do Sono sem fim, cujo final é fiel á versão de
Perrault. Em Portugal, entre os contos folclóricos, aparece como A Saia de Esquilhas.
Barba Azul teria sua célula original na lenda do tesouro de Ixion, da mitologia
grega, onde se narra que Ixion, rei da Tessália, desposou Dia depois de ter lhe feito
promessas de grandes presentes e, principalmente de um tesouro oculto. Mas, depois do
24
casamento , quando ela reclamou o presente, Ixion negou-se a dá-lo e, enraivecido,
atirou-a numa fossa cheia de carvões acessos. Por esse o outros crimes, como o
violentamento de Hera, foi condenado ao Tártaro, onde ficou para sempre atado a uma
roda de fogo.
Como os textos da Antiguidade Clássica começam a circular e a fundir com outras
narrativas de diversas procedências, é de compreender as alterações que se tenham
processado, a ponto de torná-las irreconhecíveis
Henrique do topete é apontado como uma variante do conto de A Bela e a Fera e
ambos teriam como ancestral um conto oriental registrado por Straparola em suas XIII
Piacevoli notte: o episódio do Príncipe Porco e as Três Irmãs depois de matar duas na
noite do casamento, casa com a terceira, que consegue desencantá-lo, rasga sua pele e
de dentro sai um, maravilhoso jovem … Com esse mesmo tema, no Pantschatantra a
estória de uma princesa casada com um príncipe-serpente que também acaba
desencantado. Essa lenda está registrada em Portugal, no Nobiliário do Conde Dom
Pedro ( século XIV). É tido ainda como ancestral desse tema o mito latino Psyché e
Cupido, de Apuleio.
No folclore mineiro uma versão de A Bela e a Fera que, conforme Câmara
Cascudo, é das mais completas.
A Cinderela ou A gata Borralheira tem um ancestral em La Gata Ceneréntola,
registradora por Basile (Pentameron), no qual a transfiguração da moça feia em bela .
O tema da metamorfose da feiúra em beleza é bastante antigo e aparece em numerosas
narrativas. Em Straparoa (Piacevolí) o caso de Biancabella, moça transformada em
cobra que retorna a forma humana e linda depois de um banho de leite e de orvalho dado
por sua irmã. Ainda no folclore italiano, podemos citar O Rei e seus Três Filhos, no qual
aparece uma princesa transformada em rã.
No folclore mineiro há uma versão de A Princesa Serpente e, em Portugal , como A
Filha do Mouro.
Pele de Asno, retirada de uma fabula, tem um ancestral em Straparola, que registra
o caso de amor incestuoso, que, por sua vez, deriva de uma fonte oriental.
As origens de O Pequeno Polegar são incertas. É tema presente em praticamente
todos os folclores do mundo. Corresponde á tradição milenar de um ser minúsculo,
nascido de maneira milagrosa ou estranha e de grande auxilio aos pais, apesar de ua
pequenez e fragilidade.
Os motivos básicos dessa estória são: floresta onde as crianças são abandonadas;
25
o papão ou ogre, gigante canibal que ameaça devorá-las e acaba devorando seus
próprios filhos; a troca dos gorros; a bota de 7 léguas...É tema que aparece fundido com
a das Crianças e as Feiticeiras, nas versões de Joãozinho e Maria, em que vários motivos
de O Pequeno Polegar aparecem. Essa contaminação ou fusão de temas é
comuníssima na literatura popular.
No folclore brasileiro aparece com o mesmo título. Em Portugal , tem várias
versões: O Afilhado de Santo Antônio, Manuel Feijão e o Grão de Milho.
Grisélidis, retirado por Perrault dos fabliaux franceses, constava do Decameron
(século XIV) de Boccaccio e das Histórias de Proveito e Exemplo de Trancoso, como
Constância de Grizela. Não consta no folclore brasileiro. Em Portugal, aparece como
Princesa Carlota.
O Gato de Botas é de origem incerta, mas muito popular, pois aparece no folclore
de quase todas as nações. Antes de Perrault, constava na coletânea de Basile, Conto
dos Contos (Itália, século XVI), no episódio Cogluso”, contando a aventura do gato
astuto e amoral que consegue fazer de seu amo, pobre e tolo, um marquês que se casa
com uma princesa. Na época, Perrault foi acusado de corromper a juventude com esse
elogio da esperteza desonesta . Até hoje se pergunta por que O Gato de Botas continua a
fazer parte das coleções infantis, uma vez que nele é feito o elogio da desonestidade para
se vencer na vida.
Talvez seja por que esse comportamento se tornou o grande modelo dos nossos
tempos o tempo do “vale-tudo”. Ou será por que com esperteza os desvalidos
podem escapar da injusta opressão dos poderosos, constituída em sistema ?
As Fábulas
Paralelamente aos contos maravilhosos, na Idade Média começam a circular as
fábulas gregas de Escopo e as Latinas de Pedro. Eram narradas em versos e em língua
“romance” ( a língua foi apenas falada durante longo tempo intermediário entre o latim -
língua geral e o surgimento das novas línguas modernas: francês, italiano, português,
entre outras).
Entre as diversas coletâneas de fábulas medievais e que se tornaram fonte de
todo um caudal de narrativas populares -, estão Os Isopetes ( Romance da Raposa). São
fábulas satíricas em que a Rapósa é personagem central. São 27 fábulas com as
peripécias da Raposa em luta contra o lobo Ysengrin. Nelas, o mundo dos animais está
organizado à imagem da sociedade francesa do tempo e toda sua arte consiste em
26
parodiar a comédia humana. Uma arte que La Fontaine, alguns séculos depois, iria
retomar e à qual daria forma definitiva, chamando a atenção para a natureza exemplar
dessas pequenas “histórias de animais” que prefiguram os homens. Na apresentação de
sua primeira coletânea, Fábulas (1668), ele diz:
Sirvo-me de animais para instruir os homens.
Procuro tornar o vício, ridículo.
Algumas vezes oponho, através de uma dupla imagem,
O vício à virtude, a tolice ao bom senso.
Uma moral nua provoca o tédio.
O conto faz passar o preceito com ele.
Nessa espécie de fingimento, é preciso instruir e agradar.
Pois, contar por contar, me parece coisa de pouca monta.
Nestes últimos versos, La Fontaine toca no ponto vital de toda literatura autêntica e
não da fábula: sua leitura deve dar prazer e, ao mesmo tempo, dar alguma lição de
vida. Assim acontece com as fábulas, que vêm da origem dos tempos e continuam
correndo o mundo: A Cigarra e a Formiga ( o eterno confronto entre prazer e dever), O
lobo e o Cordeiro ( o poder do explorador forte contra o fraco), A Raposa e as Uvas
( desdenhar daquilo que não se pode alcançar), dentre outras, as mãos do rústico, o
famoso episódio das cabras (que Sancho Pança iria contar a D. Quixote e que Molière
aproveitaria na farsa de George Dandin), entre outras.
1.3- ALGUNS PADRÕES FABULARES DO CONTO
Nessa diversidade de formas encontradas na recolha de textos da oralidade, o
pesquisador depara-se com questões delicadas ao pretender classificar o texto por
categorias formais mais ou menos delimitadas. Como uma prática discursiva o gênero
tem variado através do tempo, possibilitando o surgimento de novas formas, fazendo
cumprir a sua função comunicativa. A Adequação do gênero a cada época e a cada
cultura é um imperativo da sua instrumentalidade permitindo que uma complexa rede de
valores, sentimentos e costumes circule num movimento de vaivém entre o individual e o
coletivo.
Entre os textos coletados, aqueles cujos os elementos estruturais, por vezes,
levam o pesquisador a direcionar o seu entendimento do texto para um determinado
conto-tipo ou gênero. A análise atenta é que vai possibilitar a sua definição classificatória.
27
Essa dificuldade pode ser explicada pelo fato da trama fabular sobreviver por meio
permanentes misturas de sequências e de motivos de outros textos em contacto, ou
mesmo pela inserção na estrutura fabular de elementos motivados pelo universo cultural
para onde o texto é levado.; Essa “movência” própria do texto oral inviabiliza qualquer
tentativa de classificação rigorosa, tarefa tentada por estudiosos e de resultados não
totalmente satisfatórios, e não permite o conto popular aprisionar-se em rígidos padrões
tipológicos e classificatórios.
É o que se observa em duas versões do ciclo do noivo-animal, em que a estrutura
fabular apresenta desvio do padrão dominante. Uma é o conto O Sapo e a pequena
Princesa, versão adaptada de um conto dos irmãos Grimm; embora o núcleo temático se
vincule a ciclo de A Bela e a Fera, a trama se afasta da estrutura do conto de
encantamento, aproximando-se do modelo do conto de exemplo, que se vincula à
antinomia Bem versus Mal.
Fica bem evidente no texto a preocupação moralizante de coibir atitudes pouco
edificantes do ponto de vista da convivência social, como nos contos de proveito e
exemplos criados por Gonçalo Fernandes Trancoso. Nesse caso, o príncipe, transformado
em sapo, desencanta-se mas se nega a casar-se com a princesinha, que como castigo, o
vê partir, não podendo concretizar-se o final feliz comum às narrativas desse ciclo.
A segunda versão, em que o noivo animal é um boi, a fábula estrutura-se a
tipicamente como facécia, explorando um tom humorístico que incide sobre a
protagonista, uma velha, em que se concentra o foco narrativo no desenvolvimento da
ação.
Apesar de centradas no núcleo temático da metamorfose do noivo-animal, cujo
desencanto depende da aceitação irrestrita dessa condição por uma jovem, as versões,
trazidas aqui como exemplo, apresentam uma variação bastante expressiva no que diz
respeito ao embaralhamento de motivos no tratamento do tema e à estrutura fabular do
conto-tipo. Mesmo ciente de que o processo de recriação da forma oral se assenta numa
invariante virtual memorizada e que casa perfomance inaugura uma nova versão, quando
são introduzidos elementos inovadores a dados atualizadores, a diversidade textual
encontra nessa amostra baiana que poderá ter justificativa pela interferência de outras
narrativas e outros modos discursivos na recriação do texto, aclimatando-se ao universo
simbólico baiano, Assim, na variedades de temas e de formas encontradas na amostra
coletada, podemos identificar padrões fabulares diversos, a maioria deles consagrada
na classificação Aarne e Thompson. Podemos encontrar narrativas comumente
28
classificadas como contos de animais, contos de exemplos, contos faceciosos, os
chamados contos realistas, contos maravilhosos, contos acumulativos, contos de
adivinhação.
Entre os textos encontram-se os caracterizados como contos maravilhosos ou de
encantamento um herói parte para uma aventura durante a qual se depara com
problemas de difícil solução, é submetido a uma série de provas, que consegue
superar graças à ajuda de elementos mágicos, após o que é reconhecido como herói e se
casa com um descendente real. Então nesse caso, os contos Gata Borralheira, Moura
Torta, A Bela e a Fera, A filha do Diabo, João e Maria, entre outros. Desses, Gata
Borralheira, com mais de uma centena de versões no acervo do PEPLP, é tipo mais
numerosa, cujo ajudante mágico é a vaca com a varinha de condão e a presença das
Três Fadas ou Nossa Senhora; o oriunda de Pele de Asno, de Perrault, que aborda o
tema do incesto, em que o elemento maravilhoso é minimizado; e outra, menos
numerosa, mas bastante peculiar por apresentar como ajudante mágico um
caranguejinho-dourado tem a especificidade de mudar estruturalmente o conto,
reorganizando suas sequências. Após a morte do caranguejo, os seus restos o
enterrados e transformam-se em uma planta, cujas flores poderão se recolhidas pela
heroína que é recompensada pelo casamento com o príncipe. Nessa variante não é
encontrada a sequência dos bailes nem a do sapatinho de cristal. Além do caranguejinho,
o elemento mágico pode ser um siri, uma cristal. Além do caranguejinho, o elemento
mágico pode ser um siri, uma sereia, uma tartaruga ou um peixe.
Outro padrão narrativo muito frequente é aquele que caracteriza o herói ou a
heroína como uma pessoa exemplar cumpridora dos seus deveres familiares e sociais,
obediente, temente a Deus - , a ela se contrapondo um antagonista que apresenta um
comportamento nada construtivo, segundo essa ótica, quer do ponto de vista familiar,
quer social. Os antagonistas, em geral, são preguiçosos, invejosos, gananciosos.
Conhecidos sob a denominação de contos de exemplo, essas narrativas constroem a
trama com sequências articuladas ao antagonismo do Bem versus o Mal. A fábula
desenvolve-se na perspectiva de estimular uma conduta exemplar, por meio de uma
recompensa ao herói/heroína, ao tempo em que procura inibir a conduta, por meio da
punição do antagonista, bem de acordo com a lógica dos contos de Trancoso. Para a
moça bem comportada, o prêmio é o casamento com o príncipe, enquanto para a inveja,
a punição pode ser a morte ou outro castigo qualquer; já para os gananciosos, o castigo é
o retorno à condição anterior de miséria.
29
A verdadeira intenção subjaz ao texto que, pela repetição do uso, acaba por ser
aceita como verdade e, com isso uma forma de conduta é estimulada por ser considerada
correta, de acordo com paradigmas elaborados pela sociedade, visando a manutenção de
determinados códigos sociais que estabelecem valores e padrões norteadores das
relações entre os indivíduos. A pessoa que detém a imagem negativa, ou seja, a conduta
renegada, considerada prejudicial à ordem social, é, em contrapartida, rejeitada.
Construção fabular muito recorrente na Bahia é também o conto facecioso. O tom
zombeteiro, provocador do riso, e a brevidade do entrecho aproximam a facécia das
anedotas. Esse tom distenso e alegre deve ser o responsável pela grande difusão e;
aceitação da facécia, sobretudo na zona rural, chegando, às vezes, a se construir no
gênero preferido de algumas comunidades de contadores.
O herói malandro de alguns desses contos orienta a sua astúcia para fins práticos
utilitários de interesse pessoal, não se preocupando se o seu pragmatismo lesa ou não o
interesse de terceiros. Em outros, o herói centra sua ação em vingança pessoal ou não
obtenção de resultados imediatos, procurando através da esperteza tirar proveito das
oportunidades, contudo sem qualquer preocupação em questionar ou modificar o modelo
social. Algumas vezes a astúcia é utilizada simplesmente pelo prazer de levar vantagem
sobre algum incauto ou ingênuo. Neste caso é o prazer do jogo que importa. Contudo,
qualquer que seja a postura adotada, o malandro, apoiando-se na experiência acumulada,
não poupa esperteza e imaginação, sutilmente elaboradas, para a consecução da sua
meta. É o que ocorre nas aventuras narradas em episódios múltiplos e independentes,
que se articulam constituindo ciclos em que se revelam, em sua inteireza, as
táticas malandras, oportunas e sagazes dirigidas contra o poder opressor, na remoção de
obstáculos, ou simplesmente endereçadas a alguém por mero prazer do jogo.
O mais conhecido, famoso e popular desses ciclos, é o de Pedro Malazarte,
cujo herói, Malasarte, é o “paradigma de todos os malandros, (…) o que está sempre
buscando algo que não possui. “( Mata: 1981;210). Não menos populares e difundidos
são também os contos que formam o ciclo de São Pedro e Jesus. Por se tratarem de
contos que desenvolvem, quase a mesma lógica narrativa e por serem seus heróis
bastante semelhantes, os contadores, com frequência, usam indistintamente os nomes
desses protagonistas, a ponto de não distinguirem Pedro Malazarte de São Pedro ou de
Bocage.
Seguindo o modelo da fábula antiga, encontram-se os contos de animais. Nesses a
astúcia transforma a vítima em herói vitorioso – estrutura mais recorrente, ou então é a
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prudência ou a experiência acumulada que asseguram à vítima o desfecho tranquilo. O
narrador sempre toma o partido do animal que se encontra em situação de desvantagem,
quer pelo tamanho, pela força física, ou por outra razão que o leve a ser motivo de troca
do animal poderoso ou mais forte. O animal que se sente inferiorizado, recorre à
matreirice para evitar o insucesso. Tais contos valorizam a esperteza e a astúcia no
animal como equivalentes da inteligência no homem. Dentre esses contos temos o ciclo
do Macaco e a Onça ou a Onça e o coelho muito populares na Bahia. A força física da
Onça de nada vale antes a esperteza dos seus opositores que a põem em situações
vexatórias, expondo-a muitas vezes ao ridículo. No elenco de animais protagonistas desta
categoria de contos se encontra o cágado ou jabuti. Segundo estudiosos, na África, entre
os nagôs, a tartaruga, dotada de astúcia e malícia, constitui “um poderoso centro de
convergência de contos populares”. Nina Rodrigues atribui aos nossos contos, que têm
por herói o cágado, procedência africana, admitindo que “diversos deles têm curso, ou
pelo menos uma versão equivalente entre nós” (Rodrigues.186) e afirma ainda que a
contribuição africana ao folclore brasileiro não se esgota nos contos do ciclo do cágado ou
jabuti.
Assim as “matrizes impressas” deixam à mostra o permanente, recíproco e
revitalizante processo de ir e vir do texto cultural, do oral para o escrito, fronteira movediça
que unifica sistemas diversificados, marcados apenas por codificações configuradoras de
cada qual.
Nesse caso intercambiável percurso, as codificações incorporadas vestem, com
outras roupagens, a invariante, dando-lhe “mobilidade semântica” sem, contudo, deixá-la
perder o perfil identário do conto-tipo que, por sua vez, como texto cultural, vincula-se a
estrutura de maior complexidade, um grande texto, unificação de diversos sistemas”
(Lotmam: 1979,35). (Batatá-revista a CT da Literatura Oral e Popular da ANPOLI INSS
1960 – 45504/n.esp.ago.dez de 2008).
1.4 – A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA
Os contos de fadas, tais como os conhecemos, são resultado de muitas re
laborações na sociedade europeia, fixados nos séculos XVIII e XIX.
Hobreeker tinha uma coleção de velhos livros infantis. Estes eram usados como
papel de embrulho. Apesar disso, ele foi o primeiro a oferecer-lhes um asilo, por algum
tempo, contra as fábricas de papel. Entre as milhares de obras da coleção de
31
Hebreeker, havia centenas de livros que eram o seu último exemplar.
Segundo o autor, Benjamim, (1996: p.236-238), o livro infantil alemão nasceu com
o iluminismo e era na pedagogia que os filantropos punham à prova o seu grande
programa de remodelação da humanidade. Isto é, se o o homem é por natureza piedoso,
bom e sociável, deve ser possível fazer da criança, ente natural por excelência, um ser
supremamente piedoso, bom e sociável. Como em todas as pedagogias teoricamente
fundamentadas a técnicas da influência pelos fatos é descoberto mais tarde e a
educação nunca começa com as admoestações problemáticas, assim também o livro
infantil em suas primeiras décadas é edificante e moralista, e constituí uma simples
variante deísta do catecismo e da exegese. Hebreeker crítica esses textos com
severidade, mas Benjamim faz uma observação na qual consiste em não negar a
aridez desses livros e mesmo sua irrelevância para o leitor infantil, isto porque essas
falhas são superadas e insignificantes se comparadas com os equívocos que hoje
estão em moda graças a uma suposta “empatia” no espírito da criança: “a jovialidade
desconsolada das histórias em versos e as caretas hilares desenhadas por pretensos
“amigos das crianças” para ilustrar essas histórias”.
Segundo o autor, a criança aceita perfeitamente coisas sérias mais abstratas e
pesadas, desde que sejam honestas e espontâneas, por isso, algo pode ser dito a favor
daqueles velhos textos de histórias infantis.
Numa crítica à atual literatura romanesca juvenil, afirma ser criação sem raízes, por
onde circula uma seiva melancólica que nasceu num solo de um preconceito inteiramente
moderno. Este preconceito segundo o qual as crianças são seres tão diferentes de nós,
com uma existência tão incomensurável à nossa, na qual precisamos ser particularmente
criativos se quisermos destruí-las. Considera ocioso a tentativa febril de produzir objetos,
material ilustrado, brinquedos ou livros que é supostamente apropriados às crianças.
Estas preocupações mais estéreis dos pedagogos acontece desde do Iluminismo. Eles,
no seu preconceito não veem que a terra está cheia de substâncias puras e infalsificáveis,
capazes de despertar a atenção infantil, substâncias extremamente específicas.
Continuando o autor, “as crianças, com efeito, têm um particular prazer em visitar
oficinas onde se trabalha visivelmente com coisas e se setem atraídas irresistivelmente
pelo detritos, onde quer que eles surjam na construção de casas, na jardinagem, na
carpintaria, na confecção de roupas. Nesses detritos, elas reconhecem o rosto que o
mundo das coisas assume para ela, e só para elas. Com tais detritos não imitam o mundo
dos adultos, mas colocam os restos e resíduos em uma relação nova e original”.
32
(Benjamim. 1996, p.238).
Podemos ilustrar esse texto do autor se pensarmos nas brincadeiras improvisadas
das crianças, reciclando objetos como: pedaços de madeira, meias velhas, pedaço de
telha de cerâmica, roupas velhas, papéis velhos coloridos e até mesmo livros de estórias
infantis já danificados pelo tempo.
Quando a criança com pedaços de trapos improvisa o vestidinho da boneca. Com o
pedaço de madeira e bola de meia velha realiza o jogo de taco e até mesmo a perna de
pau. O jogo de futebol num quintal baldio ou mesmo qualquer um outro espaço vazio que
lhe possibilite uma pelada com a bola de meias velhas. Como não lembrar o jogo da
amarelinha, no qual a criança se utiliza do caco de telha de cerâmica para riscar no chão
as tabelas do jogo. E, no infinito uma pipa feita de papeis velhos coloridos baila com o
movimento do vento ganhando o espaço, propiciando à criança uma sensação de
liberdade. E o cinema e teatro improvisados que têm como tela um papel de seda ou
sulfite branco duplo, sobre um caixote de papelão, no qual figuras recortadas de diversos
personagens tirados de velhos livros de estórias infantis bailam e se movimentam na
tela obedecendo ao movimento da luz de uma pequena lanterna. Nesta atividade lúdica a
criança reconta a estória de contos de fadas, ao lhes dar uma nova roupagem dando
vasão à sua criatividade infantil.
Reconhecer a importância da literatura infantil e incentivar a formação do hábito da
leitura na idade em que todos os hábitos se formam. Isto é, na infância. Neste sentido, a
literatura infantil é um caminho que leva a criança a desenvolver a imaginação, emoções
e sentimentos de forma prazerosa e significativa. O contato com o livro possibilita a
criança desenvolver o hábito de ler.
Os primeiros livros direcionados ao público infantil, surgiram no século XVIII.
Autores como La Fontaine e Charles Perrault escreviam suas obras, enfocando
principalmente os contos de fadas. De pra cá, a literatura infantil foi ocupando seu
espaço e apresentando sua relevância. Com isto, muitos autores foram surgindo, como
Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm e Monteiro Lobato, imortalizados pela
grandiosidade de suas obras. Nesta época, a literatura infantil era tida como mercadoria,
principalmente para a s ociedade aristocrática. Com o passar do t empo, a sociedade
cresceu e modernizou-se por meio da industrialização, expandindo assim, a produção de
livros.
Até as duas primeiras décadas do século XX, as obras didáticas produzidas para a
infância, apresentavam um caráter ético-didático, ou seja, o livro tinha a finalidade única
33
de educar, apresentar modelos, moldar a criança de acordo com as expectativas dos
adultos. A obra dificilmente tinha o objetivo de tornar a leitura como fonte de prazer,
retratando a aventura pela aventura. Havia poucas histórias que falavam da vida de forma
lúdica, ou que faziam pequenas viagens em torno do cotidiano, ou a afirmação da
amizade centrada no companheirismo, no amigo da vizinhança, da escola, da vida.
Essa visão de mundo maniqueista, calçada no interesse do sistema, passa a ser
substituída por volta dos anos 70 e a literatura infantil passa por uma revalorização,
contribuída em grande parte pelas obras de Monteiro Lobato, no que se refere ao Brasil.
Ela então, se ramifica por todos os caminhos da atividade humana, valorizando a
aventura, o cotidiano, a família, a escola, o esporte, as brincadeiras, as minorias raciais,
penetrando até no campo da política e suas implicações.
Hoje a dimensão de literatura infantil é muito mais ampla e importante. Ela
proporciona à criança um desenvolvimento emocional, social e cognitivo indiscutíveis.
Segundo Abramovich (l997) quando as crianças ouvem histórias, passam a visualizar de
forma mais clara, sentimentos que têm em relação ao mundo. As histórias trabalham
problemas existenciais típicos da infância, como medos, sentimentos de inveja e de
carinho, curiosidade, dor, perda, além de ensinarem infinitos assuntos.
É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos,
outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica...É ficar sabendo
história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome
disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula. (ABRAMOVICH, 1997, p.17)
Neste sentido, quanto mais cedo a criança tiver contato com os livros e perceber o
prazer que a leitura produz, maior será a probabilidade dela tornar-se um adulto leitor. Da
mesma forma através da leitura a criança adquire uma postura crítico-reflexiva,
extremamente relevante à sua formação cognitiva.
Quando a criança ouve ou uma história e é capaz de comentar, indagar, duvidar
ou discutir sobre ela, realiza uma interação verbal, que neste caso, vem ao encontro das
noções de linguagem de Bakhtin (1992). Para ele, o confrontamento de ideias, de
pensamentos em relação aos textos, tem sempre um caráter coletivo, social.
O conhecimento é adquirido na interlocução, o qual evolui por meio do confronto,
da contrariedade. Assim, a linguagem segundo Bakthin (1992) é constitutiva, isto é, o
sujeito constrói o seu pensamento, a partir do pensamento do outro, portanto, uma
linguagem dialógica.
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar de um diálogo:
34
interrogar, escutar, responder, concordar, etc. Neste diálogo, o homem participa todo e
com toda a sua vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo
todo, com as suas ações. Ele se põe todo na palavra e esta palavra entra no tecido
dialógico da existência humana. (BAKHTIN, 1992, p112).
E é partindo desta visão da interação social e do diálogo, que se pretende
compreender a relevância da literatura infantil, que segundo afirma Coelho (2000, p.17),
“é um fenômeno de linguagem resultante de uma experiência existencial, social e
cultural.”
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do
significado do texto. Segundo Coelho (2008.p.18); ”Literatura é ato de relação do eu com
o outro e com o mundo. Os tempos mudam incessantemente, porém a natureza humana
permanece a mesma”. Isto é, a leitura, no sentido de compreensão do mundo é condição
básica do ser humano.
A compreensão e sentido daquilo que o cerca inicia-se quando bebê, nos primeiros
contatos com o mundo. Os sons, os odores, o toque, o paladar, de acordo com Martins
(1994) são os primeiros passos para aprender a ler. Ler, no entanto é uma atividade que
implica não somente a decodificação de símbolos, ela envolve uma série de estratégias
que permite o indivíduo compreender o que lê.
Assim, pode-se observar que a capacidade para aprender está ligada ao contexto
pessoal do indivíduo. Desta forma, Lajolo (2002) afirma que cada leitor, entrelaça o
significado pessoal de suas leituras de mundo, com os vários significados que ele
encontrou ao longo da história de um livro, por exemplo.
O ato de ler então, não representa apenas a decodificação, que esta não está
imediatamente ligada a uma experiência, fantasia ou necessidade do indivíduo.
A narrativa faz parte da vida da criança desde quando bebê, através da voz amada,
dos acalantos e das canções de ninar, que mais tarde vão dando lugar às cantigas de
roda, a narrativas curtas sobre crianças, animais ou natureza. Aqui, crianças bem
pequenas, demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo,
sentindo medo ou imitando algum personagem. Neste sentido, é fundamental para a
formação da criança que ela ouça muitas histórias desde a mais tenra idade.
O primeiro contato da criança com um texto é realizado oralmente, quando o pai, a
mãe, os avós ou outra pessoa conta-lhe os mais diversos tipos de histórias. A preferida,
nesta fase, é a história da sua vida. A criança adora ouvir como foi que ela nasceu, ou
fatos que aconteceram com ela ou com pessoas da sua família. À medida que cresce, já é
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capaz de escolher a história que quer ouvir, ou a parte da história que mais lhe agrada. É
nesta fase, que as histórias vão tornando-se aos poucos mais extensas, mais detalhadas.
A criança passa a interagir com as histórias, acrescenta detalhes, personagens ou
lembra de fatos que passaram despercebidos pelo contador. Essas histórias reais são
fundamentais para que a criança estabeleça a sua identidade, compreender melhor as
relações familiares. Outro fato relevante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o
contador das histórias e a criança. Contar e ouvir uma história aconchegado a quem se
ama é compartilhar uma experiência gostosa, na descoberta do mundo das histórias e
dos livros.
Algum tempo depois, as crianças passam a se interessar por histórias inventadas e
pelas histórias dos livros, como: contos de fadas ou contos maravilhosos, poemas, ficção,
etc. Têm nesta perspectiva, a possibilidade de envolver o real e o imaginário que de
acordo com Sandroni & Machado (1998, p.15) afirmam que “os livros aumentam muito o
prazer de imaginar coisas. A partir de histórias simples, a criança começa a reconhecer e
interpretar sua experiência da vida real”.
O contato da criança com o livro pode acontecer muito antes do que os adultos
imaginam. Muitos pais acreditam que a criança que não sabe ler não se interessa por
livros, portanto não precisa ter contato com eles. O que se percebe é bem ao contrário.
Segundo Sandroni & Machado (2000, p.12) “a criança percebe desde muito cedo, que
livro é uma coisa boa, que prazer”. As crianças bem pequenas interessam-se pelas
cores, formas e figuras que os livros possuem e que mais tarde, darão significados a elas,
identificando-as e nomeando-as.
É importante que o livro seja tocado pela criança, folheado, de forma que ela tenha
um contato mais íntimo com o objeto do seu interesse. A partir daí, ela começa a gostar
dos livros, percebe que eles fazem parte de um mundo fascinante, onde a fantasia
apresenta-se por meio de palavras e desenhos. De acordo com Sandroni & Machado
(1998, p.16) “o amor pelos livros não é coisa que apareça de repente”. É preciso ajudar a
criança a descobrir o que eles podem oferecer. Assim, pais e professores têm um papel
fundamental nesta descoberta: serem estimuladores e incentivadores da leitura.
Durante o seu desenvolvimento, a criança passa por estágios psicológicos que
precisam ser observados e respeitados no momento da escola de livros para ela. Essas
etapas não dependem exclusivamente de sua idade, mas de acordo com Coelho (2002)
do seu nível de amadurecimento psíquico, afetivo e intelectual e seu nível de
conhecimento e domínio do mecanismo da leitura. Neste sentido, é necessária a
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adequação dos livros às diversas etapas pelas quais a criança normalmente passa .
Existem cinco categorias que norteiam as fases do desenvolvimento psicológico da
criança: o pré-leitor, o leitor iniciante, o leitor-em-processo, o leitor fluente e o leitor crítico.
O pré-leitor: categoria que abrange duas fases. Primeira infância (dos 15/17 meses
aos 3 anos). Nesta fase a criança começa a reconhecer o mundo ao seu redor através do
contato afetivo e do tato. Por este motivo ela sente necessidade de pegar ou tocar tudo o
que estiver ao seu alcance. Outro momento marcante nesta fase é a aquisição da
linguagem, onde a criança passa a nomear tudo a sua volta. A partir da percepção da
criança com o meio em que vive, é possível estimulá-la oferecendo-lhe brinquedos,
álbuns, chocalhos musicais, entre outros. Assim, ela poderá manuseá-los e nomeá-los e
com a ajuda de um adulto poderá relacioná-los propiciando situações simples de leitura.
Segunda infância (a partir dos 2/3 anos) É o início da fase egocêntrica. Está mais
adaptada ao meio físico e aumenta sua capacidade e interesse pela comunicação verbal.
Como interessa-se também por atividades dicas, o “brincar”com o livro será importante
e significativo para ela.
Nesta fase, os livros adequados, de acordo com Abramovich (1997) devem
apresentar um contexto familiar, com predomínio absoluto da imagem que deve sugerir
uma situação. Não se deve apresentar texto escrito, que é através da nomeação das
coisas que a criança estabelecerá uma relação entre a realidade e o mundo dos livros.
Livros que propõem humor, expectativa ou mistério são indicados para o pré-leitor.
A técnica da repetição ou reiteração de elementos são segundo Coelho (2000, p.34)
“favoráveis para manter a atenção e o interesse desse difícil leitor a ser conquistado”. O
leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos) Essa é a fase em que a criança começa a apropriar-
se da decodificação dos símbolos gráficos, mas como ainda encontra-se no início do
processo, o papel do adulto como “agente estimulador” é fundamental.
Os livros adequados nesta fase devem ter uma linguagem simples com começo,
meio e fim. As imagens devem predominar sobre o texto. As personagens podem ser
humanas, bichos, robôs, objetos, especificando sempre os traços de comportamento,
como bom e mau, forte e fraco, feio e bonito. Histórias engraçadas, ou que o bem vença o
mal atraem muito o leitor nesta fase. Indiferentemente de se utilizarem textos como contos
de fadas ou do mundo cotidiano, de acordo com Coelho (ibid, p. 35) “eles devem
estimular a imaginação, a inteligência, a afetividade, as emoções, o pensar, o querer, o
sentir”.
O leitor-em-processo (a partir dos 8/9anos) A criança nesta fase já domina o
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mecanismo da leitura. Seu pensamento está mais desenvolvido, permitindo-lhe realizar
operações mentais. Interessa-se pelo conhecimento de toda a natureza e pelos desafios
que lhes são propostos. O leitor desta fase tem grande atração por textos em que haja
humor e situações inesperadas ou satíricas. O realismo e o imaginário também agradam
a este leitor. Os livros adequados a esta fase devem apresentar imagens e textos, estes,
escritos em frases simples, de comunicação direta e objetiva. De acordo com Coelho
(2002) deve conter início, meio e fim. O tema deve girar em torno de um conflito que
deixará o texto mais emocionante e culminar com a solução do problema.
O leitor fluente (a partir dos 10/11 anos). O leitor fluente está em fase de
consolidação dos mecanismos da leitura. Sua capacidade de concentração cresce e ele é
capaz de compreender o mundo expresso no livro. Segundo Coelho (2000) é a partir
dessa fase que a criança desenvolve o “pensamento hipotético dedutivo” e a capacidade
de abstração. Este estágio, chamado de pré-adolescência, promove mudanças
significativas no indivíduo. Há um sentimento de poder interior, de ver-se como um ser
inteligente, reflexivo, capaz de resolver todos os seus problemas sozinhos. Aqui uma
espécie de retomada do egocentrismo infantil, pois assim como acontece com as crianças
nesta fase, o pré-adolescente pode apresentar um certo desequilíbrio com o meio em que
vive.
O leitor fluente é atraído por histórias que apresentem valores políticos e éticos, por
heróis ou heroínas que lutam por um ideal. Identificam-se com textos que apresentam
jovens em busca de espaço no meio em que vivem, seja no grupo, equipe, entre outros. É
adequado oferecer a esse tipo de leitor histórias com linguagem mais elaborada. As
imagens não são indispensáveis, porém ainda são um elemento forte de atração.
Interessam-se por mitos e lendas, policiais, romances e aventuras. Os gêneros narrativos
que mais agradam são os contos, as crônicas e as novelas.
O leitor crítico (a partir dos 12/13 anos). Nesta fase é total o domínio da leitura e
da linguagem escrita. Sua capacidade de reflexão aumenta, permitindo-lhe a inter
textualização. Desenvolve gradativamente o pensamento reflexivo e a consciência crítica
em relação ao mundo. Sentimentos como saber, fazer e poder são elementos que
permeiam o adolescente. O convívio do leitor crítico com o texto literário, segundo Coelho
(2002, p.40) “deve extrapolar a mera fruição de prazer ou emoção e deve provocá-lo para
penetrar no mecanismo da leitura”.
O leitor crítico continua a interessar-se pelos tipos de leitura da fase anterior,
porém, é necessário que ele se aproprie dos conceitos básicos da teoria literária. De
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acordo com Coelho (ibid, p.40) a literatura é considerada a arte da linguagem e como
qualquer arte exige uma iniciação. Assim, há certos conhecimentos a respeito da literatura
que não podem ser ignorados pelo leitor crítico.
CONTOS DE FADAS E A PSICANÁLISE
Bruno Bettelheim analisa sobre o princípio do prazer versus princípio da realidade
nos contos de fadas: O Três Porquinhos, A cigarra e a Formiga e o Lobo. Segundo o
autor as histórias como “Os Três Porquinhos” são muito mais prestigiada pelas crianças
do que todos os contos “realistas”, particularmente se são apresentadas com sentimento
pelo narrador. As crianças ficam fascinadas quando o bufar e o soprar do lobo na porta
dos porquinhos são representadas para elas. “Os três porquinhos ensinam à criança
pequenina, da forma mais saborosa e dramática, que não devemos ser preguiçosos e
levar as coisas na flauta, porque se o fizermos poderemos perecer. Um planejamento e
previsão inteligentes combinados a um trabalho árduo nos fará vitoriosos até mesmo
sobre nosso inimigo mais feroz – o lobo !
A história também mostra as vantagens de amadurecer, visto que o terceiro e mais
sábio dos porquinhos é normalmente retratado como o maior e mais velho.
As casas que os três porquinhos constróem simbolizam o progresso do homem na
história: de uma choça desajeitada para uma casa de madeira, finalmente, para uma casa
de tijolos. Interiormente, as ações dos porquinhos mostram o progresso da personalidade
dominada pelo id para a personalidade influenciada pelo superego mas essencialmente
controlada pelo ego.
O menor dos porquinhos constrói sua casa sem qualquer cuidado , utilizando-se
de palha; o segundo usa gravetos; ambos erguem seus abrigos tão rapidamente e sem
esforço quanto o capazes, de modo a poderem brincar o resto do dia. Vivendo de
acordo com o princípio de prazer, os porquinhos mais novos buscam gratificação
imediata, sem pensar no futuro e nos perigos da realidade, embora o porquinho do meio
demonstre algum amadurecimento ao tentar construir uma casa um pouco mais
substancial do que o mais novo.
o terceiro e mais velho dos porquinhos aprendeu a viver de acordo com o
princípio de realidade: ele é capaz de adiar seu desejo de brincar, antes agindo de acordo
com sua habilidade de prever o que pode acontecer no futuro. É a mesmo capaz de
predizer corretamente o comportamento do lobo- o inimigo, ou estranho interiorizado, que
39
tenta nos seduzir e nos fazer cair na armadilha; e, por conseguinte, o terceiro porquinho é
capaz de derrotar poderes mais fortes e mais ferozes do que ele. O lobo selvagem é
destrutivo representa todos os poderes anti-sociais, inconscientes e devoradores contra
os quais devemos aprender a nos proteger, e que podemos derrotar com a força do
próprio ego.
Os três porquinhos” impressiona muito mais as crianças do que a fábula paralela
mas manifestamente moralista de Esopo, A Cigarra e a Formiga. Nessa fábula, uma
cigarra, morrendo de fome no inverno , implora a uma formiga que lhe dê um pouco da
comida que acumulou arduamente ao longo do todo o verão . A formiga pergunta o que a
cigarra esteve fazendo durante aquela estação. Ao saber que a cigarra estivera cantando
e não trabalhara, a formiga rejeita seu pedido dizendo: que você pôde cantar o verão
todo, também pode dançar o inverno todo”.
Esse final é típico das fábulas, que são também contos populares transmitidos de
geração a geração. “Uma fábula parece ser, em seu estado genuíno, uma narrativa na
qual, como o propósito de instruir moralmente, se finge que seres irracionais e algumas
vezes inanimados agem e falam com interesses e paixões humanas (Samuel Johson).
Frequentemente santimonial, ás vezes divertida, a fábula sempre afirma explicitamente
um verdade moral; não há significado oculto, nada é deixado à nossa imaginação.
O conto de fadas, em comparação, deixa todas as decisões por nossa conta,
inclusive a de querermos ou não tomá-las. Cabe-nos decidir se desejamos aplicar algo de
um conto de fadas à nossa vida ou simplesmente apreciar as situações fantásticas a que
se refere. Nosso prazer é o que nos induz a reagir oportunamente aos significados
ocultos, na medida em que possam se relacionar à nossa experiência de vida e ao
presente estágio de desenvolvimento pessoal.
Uma comparação de “ Os três porquinhos” com “ A Cigarra e a Formiga ” acentua a
diferença entre um conto de fadas e uma fábula. A cigarra, à semelhança dos porquinhos
e da própria criança, está inclinada a brincar, com pouca preocupação quanto ao futuro.
Em ambas as histórias a criança se identifica com os animais (embora um pedante
hipócrita possa se identificar com a formiga desagradável, e uma criança mentalmente
doente com o lobo); mas, depois de se ter identificado com a cigarra, não mais
qualquer esperança para a criança, de acordo com a fábula. Nada aguarda a cigarra
dominada pelo princípio de prazer a não ser a ruína; é uma situação do tipo. “ ou/ou ”, em
que uma escolha, uma vez feita, decide as coisas para sempre.
Mas a identificação com os porquinhos do conto de fadas ensina que há
40
desenvolvimento possibilidades de progresso do princípio de prazer para o princípio de
realidade, que, afinal de contas, não é senão uma modificação do primeiro.
A história dos três porquinhos sugere uma transformação em que muito do prazer
é conservado, por que agora a satisfação é buscada com verdadeiro respeito pelas
exigências da realidade. O terceiro porquinho, esperto e brincalhão , vence o lobo em
astúcia várias vezes : primeiro, quando o lobo tenta por três vezes atraí-lo para fora da
segurança do lar apelando para a sua voracidade oral, propondo expedições em que os
dois obteriam uma comida deliciosa. O lobo procura tentar o porquinho com nabos que
podem ser roubados, depois com maçãs , e finalmente, com uma visita a uma feira.
So depois que esses esforços malogram é que o lobo se precipita para a matança.
Mas ele tem que entrar na casa do porquinho para pegá-lo, e mais uma vez este vence,
pois o lobo cai pela chaminé na água fervendo e acaba virando carne cozida para o
porquinho. Consuma-se a justiça distributiva: o lobo que devorou os outros dois
porquinhos e desejava devorar o terceiro acaba virando comida para este.
A criança, que ao longo da história, foi convidada a se identificar com um dos seus
protagonistas, não apenas é dada esperança como também é dito que, desenvolvendo a
inteligência, poderá se sair vitoriosa até mesmo sobre um oponente muito mais forte.
que, de acordo com o primitivo senso de justiça (e o de uma criança),
aqueles que fizerem algo realmente ruim são destruídos, a fábula parece ensinar que é
errado aproveitar a vida quando ela é boa, como no verão. Pior ainda, a formiga nessa
fábula é um animal desagradável, sem nunhuma compaixão pelo sofrimento da cigarra
e é essa personagem que se pede à criança que tome como exemplo.
O lobo, ao contrário, é obviamente um animal ruim, pois deseja destruir. A ruindade
do lobo é algo que a criança pequena reconhece dentro de si : seu desejo de devorar e
sua consequência a angústia quando à possibilidade de sofrer ela própria um tal
destino. Assim, o lobo é uma exteriorização, uma projeção da maldade da criança e a
história mostra como se pode lidar com isso construtivamente.
As várias excursões nas quais o mais velho dos porquinhos obtém comida por
meios adequados são facilmente negligenciadas, mas são uma parte significativa da
história, pois mostram que uma enorme diferença entre comer e devorar. A criança
subconscientemente a entende como a diferença entre o princípio de prazer
descontrolado quando se deseja devorar tudo imediatamente, ignorando as
consequências e o princípio de realidade, de acordo com o qual sai-se vasculhando
inteligentemente por comida. O porquinho maduro acorda a tempo de trazer as provisões
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para a casa antes que o lobo apareça em cena. Como demonstrar melhor o valor de se
agir com base no princípio de realidade, e no que isso consiste, do que com o porquinho
se levantando de manhã bem cedo para garantir a comida delicioso e burlando assim as
más intenções do lobo?
Nos contos de fadas , é tipicamente a criança mais jovem que, embora de início
menosprezada ou escarnecida, se torna vitoriosa no final .“Os Três Porquinhos se desvia
desse padrão, pois é o mais velho dos porquinhos quem é o tempo todo superior aos
outros dois. Uma explicação pode ser encontrada no fato de todos os três porquinhos
serem pequenos e, portanto, imaturos, tal como a própria criança . Esta se identifica a
cada vez com um deles e reconhece a progressão de identidade. Os Três Porquinhos” é
um conto de fadas por seu final feliz e por que o lobo recebe o que merece.
Enquanto que o senso de justiça da criança se ofende com o fato de a pobre
cigarra ter que morrer de fome apesar de não ter feito nada de errado, seu sentimento de
equidade fica satisfeito com a punição do lobo. Como os três porquinhos representam
estágios no desenvolvimento do homem, o desaparecimento dos primeiros dois
porquinhos não é traumático; a criança compreende inconscientemente que precisamos
nos desprender de formas anteriores de existência se quisermos passar para outras mais
elevadas. Falando com crianças pequenas sobre “Os três porquinhos”, encontramos
unicamente regozijo pela merecida punição do lobo e pela sábia vitória do mais velho dos
porquinhos e não pesar pela sorte dos dois menores. Mesmo uma criança pequena
parece compreender que todos os três são na realidade um só em diferentes estágios, o
que é sugerido pelo fato de responderem ao lobo exatamente com as mesmas
palavras: “Não, não, não pelos de minha bar-bar-!” Se sobrevivemos na forma mais
elevada de nossa identidade, é assim mesmo que deveria ser.
“Os Três Porquinhos” orienta a reflexão da criança sobre o seu próprio
desenvolvimento sem nunca dizer como este deveria se dar, permitindo-lhe extrair suas
próprias conclusões. Somente esse processo pro um verdadeiro amadurecimento,
enquanto que o dizer para a criança o que deve fazer apenas substitui o cativeiro de
sua própria imaturidade pelo cativeiro da obediência aos ditames dos adultos.( Bettelheim;
2009: p. 61-65).
Bettelhein fala do princípio do prazer e da realidade na criança em fase de
desenvolvimento de forma comparativa com a responsabilidade, compromisso e
discernimento entre o bem e o mal na criança, o que se acentua na sua formação à
medida que ela se desenvolve.
42
“A psicanálise dos contos de fadas mostra as razões, as motivações psicológicas,
os significados emocionais, a função do divertimento, a linguagem simbólica do
inconsciente que estão subjacentes nos contos infantis”. ( A Psicanálise dos Contos de
Fadas, Bettelheim.2009; p. 62-65).
Essa pequena análise nos permite afirmar como é importante os livros infantis para
formação das crianças, os quais possibilitam-lhes descobrir-se, interagir-se e sociabilizar-
se. Construir o seu próprio mundo, exercendo a sua criatividade, abrindo um imenso
leque para o conhecimento do mundo imaginário e das letras
“Existem muitos contos de fadas cuja as personagens principais podem ser
interpretados como representantes da anima ou do animus. Estes contos destacam
modelos de relacionamento humano: os processos que ocorrem entre homem e mulher
ou os fatos fundamentais da psique que estão além das diferenças entre o masculino e o
feminino. Muitos contos sobre a redenção mútua são este tipo. Em tais histórias, em geral
as crianças tem os papéis principais como , por exemplo, Hansel and Gretel (João e
Maria).Sendo crianças relativamente indiferenciadas tanto sexualmente como
psiquicamente, elas estão muito mais próximas da imagem do ser hermafrodita original.
Esta é a razão pela qual a criança também é um símbolo SELF - de uma totalidade
interior futura e, ao mesmo tempo, dos aspectos não desenvolvidos da individualidade. A
criança significa uma parte da inocência e do maravilhoso que sobrevivi em nós desde um
passado remoto: ela é aquela parte da nossa infância pessoal que passou, como
também a forma nova e recente da individualidade futura. Vista sob esse enfoque, dizer
que a criança é o pai do homem tem significado profundo”. (Franz:2005; p. 222).
Marilene Chauí (1984) faz análise dos contos de fadas com relação a sexualidade
no desenvolvimento da criança. Ao analisar as diversas histórias infantis, o lúdico,
sua simbologia, o faz de forma objetiva e cientificamente comprovada, ao que se segue:
(…) Poderíamos considerar que numa sociedade como a nossa, que dessacralizou
a realidade e eliminou quase todos os ritos, os conto funcionam como espécie de “rito de
passagem” antecipado. Isto é, não auxiliam a criança a lidar com o presente, mas
ainda a preparam para o que, está por vir, a futura separação de seu mundo familiar e a
entrada no universo dos adultos.
Do ponto de vista da questão sexual, os contos são interessantes porque são
ambíguos. Por um lado, possuem um aspecto lúdico e liberador ao deixarem vir á tona
desejos, fantasias, manifestações da sexualidade infantil, oferecendo à criança recursos
para lidar com eles no imaginário; por outro lado, possuem um aspecto pedagógico que
43
reforça os padrões da repressão sexual vigente, uma vez que orientam a criança para
desejos apresentados como permitidos ou lícitos, narram as punições a que estão sujeitos
os transgressores e prescrevem o momento em que a sexualidade genital deve ser
aceita, qual sua forma correta ou normal. Reforçam, dessa maneira, inúmeros
estereótipos da feminilidade e da masculinidade, ainda que, se tomarmos os contos em
conjunto, os embaralhem bastante.
Se a psicanálise estiver certa ao diferenciar fases da sexualidade infantil, podemos
observar que a repressão atua nos contos seguindo essas fases: as crianças são punidas
se muito gulosas (fase oral), se perdulárias ou avarentas (fase anal), se muito curiosas
(fase fálica ou genital). Em certo sentido, os contos operam com a divisão estabelecida
por Freud, entre o princípio do prazer (excesso de gula, de avareza ou desperdício, de
curiosidade) e o princípio de realidade (aprender a protelar o prazer, a discriminar os
afetos e condutas, a moderar os impulsos).
Para facilitar a exposição, vamos dividir os contos em dois grandes "tipos": aqueles
que asseguram à criança o retorno à casa e ao amor dos familiares, depois de aventuras
em que se perdeu tanto por desobediência quanto por necessidade, e aqueles que lhe
asseguram ser chegada a hora da partida, que isso é bom, desejável e definitivo.
Nos contos que designamos aqui como contos de retorno,a sexualidade aparece
nas formas indiretas ou disfarçadas da genitalidade, que são apresentadas como
ameaçadoras, precisando ser evitadas porque a criança ainda não está preparada para
elas. Isto não significa que a criança seja assexuada, pelo contrário, mas que a
sexualidade permitida ainda é oral ou anal. Em contrapartida, nos contos que aqui
designamos como contos de partida, a sexualidade genital terá prioridade sobre as
outras, com as quais vem misturada, e pode ser aceita depois que as personagens
passarem por várias provas que atestem sua maturidade.
No Chapeuzinho Vermelho (que, na canção infantil, é dito "Chapeuzinho cor de
fogo", o fogo sendo um dos símbolos e uma das metáforas mais usados em nossa cultura
para referir-se ao sexo), o lobo é mau, prepara-se para comer a menina ingênua que,
muito novinha, o confunde com a vovó, precisando ser salva pelo caçador que, com um
fuzil (na canção: "com tiro certo"), mata o animal agressor e a reconduz à casa da
mamãe.
Há duas figuras masculinas antagônicas: o sedutor animalesco e perverso, que usa
a boca (tanto para seduzir como para comer) e o salvador humano e bom, que usa o fuzil
(tanto para caçar quanto para salvar). Há três figuras femininas: a mãe (ausente) que
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previne a filha dos perigos da floresta; a vovó (velha e doente) que nada pode fazer, e a
menina (incauta) que se surpreende com o tamanho dos órgãos do lobo e, fascinada, cai
em sua goela.
A sexualidade do lobo aparece não como animalesca e destrutiva, mas também
"infantilizada" ou oral, visto que pretende digerir a menina (o que poderia sugerir, de
nossa parte, uma pequena reflexão sobre a gíria sexual brasileira no uso do verbo
comer).
O comer também aparece num outro conto de retorno, João e Maria. A curiosidade
de João, depois acrescida pela gula diante da casa de confeitos, arrasta os irmãozinhos
para a armadilha da bruxa (que é, na simbologia e mitologia da Europa medieval uma das
figuras mais sexualizadas, possuída pelo demônio ( o sexo), ou tendo feito um pacto com
ele). A austicia salva as crianças quando João exibe o rabinho mole e fino de um
camundongo no lugar do dedo grosso e duro (o pênis adulto), evitando a queda do
menino no caldeirão fervente (outro símbolo europeu para o sexo feminino, tanto a vagina
quanto o útero).
tempo para que o pai surja e os reconduza à casa, depois de matar a bruxa. (A
imagem do caldeirão fervente também aparece em O Casamento de Dona Baratinha, o
noivo nele caindo, vítima da gula, não podendo consumar o casamento.)
Nos contos de partida, a adolescência é atravessada e submetida a provações e
provas até ser ultrapassada rumo ao amor e à vida nova. Nesses contos, a adolescência
é um período de feitiço, encantamento, sortilégio que tanto podem ser castigos merecidos
quanto imerecidos, mas que servem de refúgio ou de proteção para a passagem da
infância à idade adulta.
É um período de espera: Gata Borralheira na cozinha, Branca de Neve semimorta
no caixão de vidro, Bela Adormecida em sono profundo, Pele-de-Burro sob o disfarce
repelente. Heróis e heroínas se escondem, se disfarçam, adoecem, adormecem, são
metamorfoseados (como os príncipes nos Três Cisnes, a princesa em A Moura Torta, o
príncipe em A Bela e a Fera, etc.).
Em geral, as meninas adormecem ou viram animaizinhos frágeis (pomba, corça) e
os meninos adoecem, viram animais repugnantes (frequentemente, sapos, o sapo sendo
um dos companheiros simbólicos principais das bruxas) ou viram pássaros (o pássaro
sendo considerado um símbolo para o órgão sexual masculino).
A expressão, muito usada antigamente, "esperar pelo príncipe encantado" ou "pela
princesa encantada" não queria dizer apenas a espera por alguém muito bom e belo, mas
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também a necessidade de aguardar os que estão enfeitiçados porque ainda não chegou a
hora do desencantamento. A Gata Borralheira vai ao baile (primeiros jogos amorosos,
como a dança dos insetos), mas não pode ficar até o fim (a relação sexual) sob pena de
perder os encantamentos antes da hora. Deve retornar à casa, deixando o príncipe
doente (de desejo), e com o par de sapatinhos momentaneamente desfeito, ficando com
um deles, que conserva escondido sob as roupas.
Borralheira e o príncipe devem aguardar que os emissários do rei-pai a encontrem,
calce os sapatos, completando o par. Sapatos que são presente de uma mulher boa e
poderosa (fada) e que pertencem apenas à heroína, de nada adiantando os truques das
filhas da madrasta (cortar artelhos, calcanhar) para deles se apossarem. As filhas da
madrasta querem sangrar antes da hora e sobretudo querem sangrar com o que não lhes
pertence, de direito (relação sexual ilícita, repressivamente punida pelo conto).
Branca de Neve, cujo corpo não foi violentado pelo fiel servidor (não lhe arrancou o
coração, a virgindade, substituindo-o pelo de uma corça) será vítima da gula e da
sedução da madrasta-bruxa, permanecendo imóvel num caixão de cristal (seus órgãos
sexuais) com a maçã atravessada na garganta, sem poder engoli-la.
Além da simbologia religiosa em torno da tentação pelo fruto proibido (o sexo), o
vermelho trazido pela bruxa liga-se também à simbologia medieval onde as bruxas
fabricam filtros de amor usando esperma e sangue menstrual, bruxaria que indica não
a puberdade de Branca, mas também a necessidade de expeli-la para poder reviver.
Despertará por um descuido dos anões vigilantes - a casinha na floresta, os pequenos
seres trabalhadores que penetram em túneis escuros no fundo da terra (que na
simbologia sexual é imagem da mãe fértil), um "Mestre", um a ter sono permanente, outro
a espirrar, outro não podendo falar, não foram proteção suficiente, a morte aparente tendo
sido necessária para reter Branca. (Seria interessante observar a necrofilia do belo
príncipe, pois pretende levar a morta em sua companhia.)
A Bela Adormecida será vítima da curiosidade que a faz tocar num objeto proibido,
o fuso, onde se fere (fluxo menstrual), mas sem ter culpa, visto que fora mantida na
ignorância da maldição que sobre ela pesava. Sangrando antes da hora, adormece,
devendo aguardar, assim que um príncipe valente, enfrentando e vencendo provas,
graças à espada mágica (também símbolo do órgão viril), venha salvá-la com um beijo.
Em sua forma genital, o sexo aqui aparece de duas maneiras: prematuro e ferida
mortal, no fuso; oportuno e vivificante, na espada. De modo geral, heróis e heroínas são
órfãos de pais (os heróis) ou de mãe (as heroínas), vítimas do ciúme de madrastas,
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padrastos ou irmãos e irmãs mais velhos. Essa armação tem uma finalidade; Graças a
ela, preservam-se as imagens de pais, mães e irmãos bons (pai morto na guerra, mãe
morta no parto, irmãos menores desamparados), enquanto a criança pode lidar livremente
com as imagens más
um desdobramento de cada membro da família em duas personagens, o que
permite à criança realizar na fantasia a elaboração de uma experiência cotidiana e real,
isto é, a da divisão de uma mesma pessoa em "boa" e "má", e dos sentimentos de amor e
ódio que também experimenta. Lutar contra padrastos, madrastas e seus filhos é mais
fácil do que lutar com pai, mãe e irmãos.
Frequentemente, os contos se estruturam de modo mais complexo. Em A Bela
Adormecida, por exemplo, há várias figuras femininas superpostas: a mãe ausente; a fada
que maldiz a criança; a fada boa que substitui a morte pelo sono e promete um
salvador; a velha fiandeira, desobediente, que conservou o fuso proibido; a menina
curiosa e desprevenida que, andando por lugares desconhecidos e subindo por uma
escada (símbolo da relação sexual) se fere e adormece, à espera da espada e do beijo.
A fada pune o rei que a excluiu de um festa dedicada à fertilidade (o
nascimento da princesa), a punição consistindo em decretar a morte da menina quando
esta apresentar os sinais da fertilidade (maldição que simboliza o medo das meninas
diante da menstruação e da alteração de seus corpos).
A morte da menina decorre da curiosidade que a faz antecipar com um objeto
errado (masturbação) a sexualidade.
A fada boa está encarregada de contrabalançar o equívoco (e o descuido
masculino, que não suprimiu todos os fusos) colocando a menina na tranquilidade
sonolenta da espera e entregando a espada ao príncipe (que, portanto, recebe o objeto
mágico de uma mulher, pois todos nascem de mulheres). O beijo final contrabalança o
medo que a espada poderia provocar, pois é instrumento de guerra e morte (o beijo
simboliza, em muitas culturas, não amor e amizade, mas também um pacto ou uma
aliança).
Na maioria dos contos, o pai é indiretamente responsável pela maldição ou pelas
desventuras da filha. Mas em A Bela e a Fera o pai é diretamente responsável ao arrancar
de um jardim que não lhe pertence, uma rosa branca, despertando a Fera. no roubo
da flor a simbolização do desejo e do medo inconsciente das meninas de serem raptadas
ou violentadas.
A figura masculina se divide: há o pai-bom e o homem-fera, divisão que obriga Bela
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a viver com o segundo para salvar o primeiro. Contudo, desejando rever o pai doente,
Bela deixa que Fera, abandonada, também adoeça (de desejo). A imaturidade de Bela,
seu medo da Fera, seu desejo de permanecer junto ao pai são superados quando,
pela piedade e pela sedução, retorna ao castelo da Fera, dedica-se a ela e, ao fazê-lo,
quebra o encanto, surgindo o belo príncipe com quem viverá. O conto se desenvolve
como processo de amadurecimento da heroína e de constituição da imagem masculina
através de seus desejos. Do pai à fera, da fera ao príncipe.
Em Pele-de-Burro, o desejo incestuoso do pai é a mola do conto. A primeira
tentativa da filha para evitar o incesto fracassa: pede vestido feitos de Natureza (sol, mar
e lua), mas a Natureza não é contrária ao incesto, o rei podendo perfeitamente conseguir
os vestidos. A princesa deve, então, fugir. Mas seu disfarce indica os efeitos do desejo
incestuoso do rei: cobre-se numa pele de burro, animalizando-se. Num outro reino (que
não o da Natureza), a princesa irá aos bailes da corte, mas, como a Gata Borralheira, não
pode ficar até o fim para não correr o risco de ser descoberta. Porém, o príncipe
apaixonado ficará doente e o remédio virá no bolo feito pela princesa. Bolo que possui o
mesmo sentido e o mesmo efeito que a espada mágica, porém com a marca do feminino:
é no interior do bolo que se encontra o remédio salvador, o anel.
Embora os contos reforcem estereótipos de feminilidade e masculinidade e
preconceitos sobre homem e mulher, são ambíguos e ricos e por isso não são sexistas: a
salvação pode ser trazida tanto pelo herói quanto pela heroína. As fadas, aliás, possuem
um objeto mágico supremo, talismã dos talismãs: a vara de condão, sendo seres
excepcionais porque reúnem atributos femininos e masculinos, sonho e fantasia de todas
as crianças (e não só delas, evidentemente).
Em Os Três Cisnes, é a menina quem quebra o encantamento dos irmãos, tudo
dependendo de sua força de vontade (ficar em absoluto silêncio durante sete anos) ou
moderar o princípio de prazer, e de sua coragem e destreza para acertar as setas, no
momento exato, nos corações dos três cisnes, matando-os para que vivam os irmãos. Ela
é portadora de um objeto viril - o arco e flecha -, sabendo usá-lo. Sua destreza é ímpar:
deve usar, e usa, o arco tendo os olhos vendados ( a venda nos olhos é símbolo medieval
para a morte. Este conto, portanto, realiza uma verdadeira crítica da relação sexo-morte,
pois morte dos cisnes é nascimento de sua virilidade, por obra de uma mulher. E o
incesto, aqui, é óbvio). Além de não serem sexistas e de contornarem o incesto, os contos
não condenam o sexo com animais: é o amor e o afeto pelos animais que permitirá
desencantá-los.
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Alguns psicanalistas consideram que as primeiras manifestações da sexualidade
estão liadas ao que denominam escolha de objeto e objeto parcial. A mãe (ou quem faz o
papel de mãe para a criança) seria o primeiro objeto escolhido e seus seios seriam o
primeiro objeto parcial. Por outro lado, como a mãe não está permanentemente presente,
acarinhando e alimentando a criança, esta desenvolve fantasias sobre o objeto parcial:
ausente ou faltando, torna-se um mau objeto; presente e satisfatório, torna-se um bom
objeto.
A criança desenvolve também fantasias de agressão e de ternura com relação a
esses objetos, sobretudo a da perseguição, no caso do mau objeto. Assim, nos contos,
frutas, plantas, flores e alimentos venenosos ou ardilosos seriam objetos parciais maus ou
persecutórios, mas contrabalançados por bolos, filtros, poções, joias que trazem saúde e
quebram feitiços, sendo objetos parciais bons, com os quais a criança e os contos
realizam a reparação do objeto escolhido, amado e odiado.
O objeto parcial persecutório mais perfeito, porém, é aquele que não é devorado
pela criança, mas que ameaça devorá-la.
Nos contos: os dragões, os lobos, os ogros, as tempestades, as florestas sombrias,
os castelos cheios de armadilhas. E para contrabalançar tamanha perseguição e reparar
o objeto amado, nos contos de retorno, adultos salvam as crianças da perseguição e, nos
contos de partida, a sexualidade amadurecida e vencedora das fantasias persecutórias
mais antigas aparece no próprio herói ou na heroína cujos objetos mágicos (oferecidos
por um bom adulto) lhes permitem, sozinhos, vencer a perseguição. Nesse mesmo
contexto, compreende-se que a fada tenha a vara e a princesa dos Três Cisnes, o arco.
É colocado em mãos femininas algo que poderia ser fonte de temor para as
meninas. São raros os casos, nos contos de retorno, em que a criança consegue voltar à
casa sozinha, sem auxílio de algum adulto, mesmo porque a finalidade do conto é mostrar
o despreparo da criança para sair pelo mundo. A grande exceção é o Pequeno Polegar, a
criança é em tudo excepcional. Como seu nome indica, Pequeno Polegar é uma anomalia
(e talvez por isso o entusiasmo das crianças por ele), o tamanho compensado pela
inteligência fora do comum.
As botas de sete léguas, que com astúcia consegue, além de serem capacidade
mágica para vencer o espaço e o tempo (a pouca idade), são também meio de assegurar
à criança que seus órgãos sexuais pequenos não exigem renúncia dos desejos, mas
imaginação para satisfazê-los. É interessante observar que, se nos Três Cisnes a menina
empunha o arco, aqui o menino entra num enorme e protetor "recipiente': as botas. E se
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sai muito bem.
O Pequeno Polegar é um dos contos onde melhor aparecem tanto o medo que a
criança tem da rejeição (ser morta pelos pais) quanto a necessidade de reparação, sito é,
de recompor a bondade dos pais depois da fantasia de sua imensa maldade. Por isso
mesmo as proezas maiores são feitas.
Polegar substitui para si próprio e para os irmãozinhos o pai e a mãe por pais
ideais: as botas acolhedoras e salvadoras do menino que não abandona os irmãos, os
protege contra os perigos da floresta e contra o gigante, os traz de volta à casa com
fortuna, garantindo a sobrevivência da família. Não príncipes nem princesas, tudo
depende da inteligência e imaginação da criança pobre e minúscula. nos contos
contínua intervenção de bons adultos, mas que não intervêm de modo casual ou arbitrário
e sim de acordo com várias regras, entre as quais se destaca a escolha dos mais fracos
(o caçula, o órfão, a vítima) e dos que têm senso de justiça, além da coragem. O uso dos
talismãs também está submetido as regras, os transgressores sendo punidos (perda da
potência do objeto mágico, retorno do objeto contra o usuário) ou protelada a chegada à
meta (a sequencia de provas recomeçando ou tornando-se mais árdua).
Heróis e heroínas precisam demonstrar que são dignos do talismã (seja por suas
qualidades anteriores à recepção do objeto, seja pelo uso que dele faz, seja pela
obediência às regras de seu emprego).
Em resumo: as condutas estão reguladas por normas e valores, a finalidade do
conto sendo persuadir a criança de que tais normas são boas e verdadeiras e que o
sofrimento decorre apenas de sua desobediência. É o compromisso do conto, situado
entre o lúdico e a repressão.
Na maioria dos contos, o talismã é dom de um adulto para uma criança, mesmo
que esta não o saiba. Há, porém, uma formidável exceção: João e o de Feijão. Obtido
numa sabida transação (que os adultos não entendem e castigam) o grãozinho de feijão,
bom sêmen, plantado em boa terra, cresce durante uma única noite. Gigantesco caule,
sobe, sobe, eleva-se até às nuvens, rígido e duro, o menino podendo nele trepar. Como
era inevitável, João penetra no castelo do gigante malvado (figura masculina
ameaçadora) que possui um segredo precioso, uma galinha que bota ovos de ouro
(imagem feminina da fertilidade, guardada em segredo, fonte de riqueza: os que nascem).
Dela se apodera João, fugindo pelo caule, perseguido pelo gigante e, para salvar-se, o
menino corta o belo pé de feijão.
O conto procura lidar com um elemento repressivo complicado. Obtida a galinha
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chocadeira de riquezas por um furto (justo, pois o gigante é mau e a família, pobre), esse
ato tem clara significação incestuosa e pode ser um risco para a vida da família e do
menino, pois o gigante se põe a descer pela árvore, a mesma por onde o menino trepara.
É preciso cortar o de feijão depois que o essencial foi conseguido, isto é, a fertilidade.
O sexo cresce livremente - é como um elemento da natureza, um vegetal -, mas essa
liberdade deve encontrar um limite e ser freada, cortada. O menino que subiu é o gigante
mau que desce. E vem com fúria assassina.
É interessante observar que, no século XIV, ao lado desses contos, surge, na
Inglaterra, um outro tipo de estória, em certos aspecto semelhante ao maravilhoso dos
contos, mas com uma diferença fundamental: o mundo adulto não é apresentado com
divisões e ambiguidades, bom e mau, difícil e desejável, mas como mau e indesejável.
Estamos pensando em Peter Pan e em Alice - o menino que recusou crescer, ficando na
Terra do Nunca, e a menina cujo autor não desejou que ela crescesse, fazendo-a
conhecer a luta mortal e absurda com a Rainha do Baralho num tabuleiro de xadrez.
Muitos comentadores, de formação psicanalítica, afirmam que o medo de Peter
Pan o faz preferir a imaturidade sexual, o homossexualismo e a masturbação (o de
pirimpimpim e o voo), e que as "perversões" de Lewis Carrol (o autor de Alice) o fazia
sentir atração sexual pelas meninas, não desejando que ficassem adultas.
Não pretendemos refutar nem concordar com esse comentadores. Gostaríamos
apenas de lembrar que essas estórias foram imaginadas num período conhecido como da
"moral vitoriana", quando a Inglaterra, passando pela Segunda revolução industrial,
mantinha o controle capitalista sobre o mundo.
A sociedade desse período é narrada e descrita por inúmeros autores como uma
das sociedades mais repressivas da sexualidade. Assim sendo, podíamos considerar a
recusa do mundo adulto por Peter Pan e por Alice, em vez de "anormal", talvez muito
saudável e lúcida. A Terra do Nunca, apesar do Capitão Ganho, é perfeita, mas o País das
Maravilhas é feito de ameaças e de frustrações.
Num romance da escritora inglesa Virgínia Woolf, Orlando (estória de um homem-
mulher que vive em dois períodos diferentes da história da Inglaterra), a romancista
descreve o momento em que, adormecendo como rapaz no século XVII, a personagem
desperta como mulher, em pleno século XIX: por toda parte casais com trajes cinza e
negro, o céu é tenebroso e opressivo e a moça despertada sente uma dor inexplicável no
dedo anular esquerdo (isto é, onde se coloca a aliança de casamento).
Muitos adultos ficam chocados com a violência dos contos de fadas e se
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surpreendem com o fato de que não a percebiam quando eram crianças, comprazendo-se
nela. É que a maioria das crianças, além de aceitar naturalmente o maravilhoso, espera
com inabalável certeza aquilo que o conto promete e sempre cumpre: "e foram felizes
para sempre". A gente se engana, portanto, quando tenta "açucarar" os contos ou omitir
as passagens "violentas". Muitos se surpreendem com o fato de as crianças não
desejarem ouvir inúmeras vezes os mesmos contos (numa repetição que deixa os adultos
extenuados), mas também não admitirem qualquer mudança no enredo, por menor que
seja (cobram do adulto que "encurta" a estória, omite ou esquece algum detalhe, altera
alguma ação). Essa relação quase maníaca e obsessiva da criança com a narrativa é
essencial.
A montagem do enredo, a configuração das personagens, os detalhes constituem
um mundo cuja estabilidade repousa no fato de poder ser repetido sem alteração,
contrariamente ao cotidiano da criança que, por mais rotineiro, é feito de mudanças.
Além disso, os contos, operando com metamorfoses, desaparecimentos e
reaparecimentos, morte incompleta dos bons e morte definitiva dos maus, funcionam em
consonância com as fantasias da criança, particularmente o modo como estrutura o
desaparecimento e o reaparecimento das pessoas mais próximas, que ama e de quem
depende. Inúmeras crianças inventam jogos de esconder e achar objetos, pois sabem
onde estão.
A vantagem do conto sobre a realidade, neste aspecto, consiste no fato de que
enquanto, nesta última, a criança jamais terá certeza do retorno dos desaparecidos ou do
sumiço definitivo daqueles que teme ou odeia, no conto tudo isto lhe é assegurado, a
presença e a ausência ficando apenas na dependência dela própria e, para tanto, exige a
narração e a repetição.
Qual de nós não experimentou as emoções de brincar de "pique" ou "pegador"?
Encontrar é vencer uma prova diante do desaparecimento. Mas, aspecto relevante, o
medo de ser encontrado também é importante porque nos torna visíveis no que
desejaríamos ocultar. E, por isso, não ser encontrado também define o vencedor. Não é
sugestivo que as crianças menores adorem esse jogo, que, esconder-se para elas, é
fechar os olhos? Acreditam que o que não estão vendo as esconde. Maravilhosa fantasia.
Maravilhosa onipotência (como Adão, entre as árvores, imaginando que Deus não o
porque não é visto por ele).
Frequentemente os adultos temem o prazer manifestado pela criança diante da
"violência" da narrativas. Em geral, o adulto teme, inconscientemente, ser identificado
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com os "maus", sem perceber que essa identificação é sempre contrabalançada pela
identificação com os "bons" e, sobretudo, que ela é saudável para ele e para a criança
que pode, pela fantasia, fazer discriminações que lhe seriam difíceis ou quase
impossíveis sem o material imaginário.
Não é raro vermos crianças que se sentindo ou se imaginando pouco amadas e
temerosas do ódio que experimentam por alguns adultos tenderem a duas atitudes muito
compreensíveis. Algumas "torcem" pelas bruxas, pelos ogros e dragões, identificando-se
com eles e dando vazão á agressividade que, doutro modo, poderia ser punida se
manifestada. Outras, se enchem de pavor, pois os "bons" lhes parecem muito longínquos
e inalcançáveis, enquanto os "maus" lhes parecem muito próximos e poderosos. Em certo
sentido, pode-se dizer que não o prazer e sim o pavor sentido por algumas crianças é que
poderia ser considerado como uma espécie de aviso ou de alerta de uma sexualidade
com sofrimentos e dificuldades.
O prazer pelos contos não vai sem discriminação. A criança discrimina os valores
ali lançados e os organiza para si própria. Em contrapartida, como observou Bettelheim, a
maioria das crianças não aprecia fábulas. Qual a criança que não sente ofendido o seu
senso de justiça na fábula de A Cigarra e a Formiga? Feitas por adultos para adultos, a
fábula desagrada a criança porque esta não é moralista. A ética infantil não passa pelos
códigos estreitos dos apólogos nem pelo cultivo da frustração, próprio das fábulas - a
raposa sem as uvas, o corvo sem o queijo, o cão sem a carne. Se a criança tolera a
exigência de moderação dos impulsos, não tolera vê-los permanentemente frustrados. À
patologia repressiva da fábula, ela opõe uma outra economia do prazer. Como Emília,
sempre sem-cerimônia, que fabula a fábula, conta outro conto e muda a moral da estória,
para escândalo de Dona Benta.
Em Pele-de-Burro - Ao dar à luz uma menina, a rainha morre deixando viúvo e
triste o rei que, desde então, apenas cuida da princesa. Chegando esta aos quinze anos,
sua semelhança com a mãe é tão grande que o pai por ela se apaixona, desejando casar-
se com ela. Aterrorizada, a menina procura refúgio junto à aia que a criara. Dando tratos à
ela, finalmente a aia julga ter encontrado um estratagema para impedir o casamento.
Instrui a menina para que faça ao pai um pedido impossível de ser satisfeito, como
condição para aceitá-lo como marido, deve pedir-lhe um vestido feito de sol.
Ouvido o pedido, o rei convoca todos os tecelões e tecelãs do reino e ordena que o
vestido seja feito. Em três dias, está pronto. A aia repete o conselho, mas agora o vestido
deve ser de l ua, o que foi feito. Então surge um novo pedido, mas de um vestido de mar.
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Também foi feito mas a princesa recusa o pedido do pai. Furioso com a recusa o rei
declara que se casará com a princesa, de toda maneira, caso contrário mandará matá-la.
Tomada de piedade pela princesa, a aia obtém uma pele de burro, nela envolve a menina
e a leva para fora do reino, deixando-a entregue à própria sorte.
Assim disfarçada, Pele-de-Burro chega ao reino vizinho onde consegue trabalho
como cozinheira do palácio e, por causa de seus aspecto, dão-lhe como morada o
chiqueiro. Todas as noites, antes de dormir, Pele-de-Burro usa seus vestidos e chora seu
triste destino.
O filho do rei chega à idade do casamento. O pai convida todas as damas solteiras
do reino e dos reinos vizinhos para três bailes, quando o príncipe deverá escolher a
esposa. Usando seus vestidos de sol, lua e mar, Pele-de-Burro comparece aos bailes e,
desde a primeira noite, é a preferida do príncipe que somente com ela dança.
Ela não revela o nome, onde vive , quem é. Ao fim do terceiro baile, retorna ao
chiqueiro e à cozinha. O príncipe adoece e médicos vindos de toda parte não conseguem
curá-lo porque desconhecem seu mal.
Pele-de-Burro faz um bolo colocando seu anel de princesa na massa. Leva ao
príncipe que, na primeira dentada, morde o anel, retira-o da boca e o reconhece. Indaga
quem o colocou ali. Pele-de-Burro é trazida e diante de todos retira a pele, aparecendo no
vestido de sol. Curado imediatamente, o príncipe se levanta, pede-a em casamento, é
aceito e logo se iniciam os festejos. E os dois foram felizes para sempre.
Neste conto, a mãe morta não é substituída pela madrasta perversa, mas pela boa
aia que criou, aconselhou e protegeu a menina contra o desejo incestuoso do pai. Este,
diferentemente de outros contos, não é um pobre velho infeliz, mas um fogoso senhor. A
não ser por essas diferenças, no restante o conto parece seguir o padrão dos demais: os
quinze anos da princesa e os riscos daí advindos, a fuga, o esconderijo na pele de burro,
na cozinha e no chiqueiro, os bailes e o casamento com o príncipe, depois de salvá-lo. No
entanto, a trama é bem complicada.
A bondade da aia é ambígua e suspeita. Inicialmente procura esconder a menina,
conservando-a no quarto, longe, portanto, do desejo paterno. Depois, sugere os vestidos
que, além de serem feitos com elementos naturais (a Natureza não proíbe o incesto) e
não poderem proteger a menina, ainda a transformam em sedutora, exacerbando o
desejo paterno, culminando na ameaça de morte (ameaça que alguns estudiosos
chamam de "julgamento do Rei Lear", para lembra o rei da tragédia de Shakespeare que
repudia a filha Cordélia porque não julga suficiente seu amor filial). Finalmente, é a aia
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quem coloca a menina no interior da pele de burro repelente e a conduz para longe da
casa (numa expulsão benigna, mas expulsão de todo modo).
Aparentemente, as personagens se distribuem duas a duas: rei princesa, princesa-
aia. Na realidade, a relação é ternária, pois entre o pai e a filha se coloca a aia-mãe.
Morta no parto, reaparece como ama-de-criação.
A figura da aia comanda toda a primeira parte do conto, numa atitude vingadora
contra o rei e a filha. Nessa primeira parte, a menina está sob a ameaça de dois amores:
o do pai e o da aia, mas se a ameaça do primeiro é percebida por ela, a da segunda fica
imperceptível sob o disfarce da proteção. A personagem complexa, portanto, é a da aia e
não a do rei. Este, tudo mostra; aquela, tudo oculta. Relegada ás partes servis do castelo,
nele reina.
A situação, porém, é mais complexa. A aia-mãe, falsa protetora, também está a
serviço de uma outra fantasia. Aparentemente, o desejo incestuoso parte do pai. Na
verdade, parte da filha, a aia estando a serviço do ocultamente desse desejo, colocada,
como nas peças teatrais, na qualidade de comparsa e cúmplice. O amor da menina pelo
pai não pode aparecer porque sua aparição exigiria o ódio pela mãe. Ora, visto que o que
a faz amada pelo pai é sua total semelhança com a mãe, ela não conseguiu ocupar
o lugar materno, mas ainda colocar a mãe no lugar subalterno de uma serviçal. Lugar, que
a seguir, ela própria ocupará, ao tornar-se cozinheira, desalojando a mãe de todos os
lugares. Há uma luta surda e inteiramente dissimulada na relação princesa-aia.
O disfarce da pele de burro é significativo. Não significa apenas a animalização da
menina por obra do pai e da mãe. Significa mais alguma coisa. Em várias religiões
existem rituais propiciatórios dedicados á purificação e à fertilidade. Na Grécia, por
exemplo, existe o rito dionisíaco de morte do bode para expiação das culpas,
renascimento e fertilização da terra.
Nesse ritual, os participantes se cobrem com peles de bode, dançam, têm relações
sexuais e bebem vinho, encenando a história do deus Dionísio, morto por amor de sua
mãe e ressuscitado pelo sacrifício por ela feito. Coberta na pele de burro, a menina realiza
um rito semelhante, ao qual se acrescenta a morada no chiqueiro.
Diferentemente de Branca de Neve e de Bela Adormecida, sua espera ou
passagem não se realiza pelo sono, mas à semelhança de Borralheira, vive na sujeira e
na impureza e, à semelhança de Bela, vive com animais.
Essa impureza tem vários sentidos. É, por um lado, a menstruação, encarada na
maioria das culturas como impureza que isola as mulheres, fazendo-as intocáveis. São os
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desejos proibidos, a masturbação (vestir os vestidos antes de dormir), a fase anal, por
outro lado. Mas não isso. Analisando o significado das cinzas e do borralho, na
borralheira, Bruno Bettlheim lembra que na antiga Roma as Vestais (meninas da mais
alta estirpe romana que deveriam permanecer virgens até os trinta anos), estavam
encarregadas de uma das mais altas, nobres e importantes funções: a conservação do
fogo sagrado, protetor de Roma. Ora, Pele-de-Burro vive no chiqueiro, mas é cozinheira
no palácio, vivendo ao do fogão. Esse lugar não a transforma de recebedor de
alimento (criança) em doadora dele (mãe), mas também lhe uma nova figura: trabalha
com o trigo (o bolo) e este é símbolo de virgindade (a Virgem, do Zodíaco, carrega um
ramo de trigo) e de fertilidade. Articulam-se, assim, vida, morte, pele de animal para
purificação, virgindade e fertilidade.
Quanto aos bailes, vimos seu sentido principal nos contos. Vestida de natureza,
a princesa dança e seduz. Quanto ao bolo, também mencionamos seu sentido. Resta o
anel. Além de símbolo evidente da aliança matrimonial, o anel assume sentido para a
sexualidade da personagem masculina. Antes de enfiá-lo no dedo, o príncipe o coloca na
boca. Sua doença é a infantilidade. Sua cura, transferir o anel da boca para o dedo, e
reconhecê-lo como um objeto doado por Pele-de-Burro, não podendo devorá-lo.
Os vestidos também são significativos, além do sentido geral de elementos da
natureza. Em inúmeras mitologias, esses elementos são deuses e costumam formar uma
trilogia ou trindade indissolúvel: sol-dia-luz-fogo-sexo; lua-noite-treva-mistério-sexo; mar-
água-abismo-sexo. Força vital, força mágica e força concebedora.
O número três, cujo significado preciso desconhecemos neste conto, é considerado
em muitas culturas o número perfeito ou número da harmonia e da síntese dos contrários.
Possui poderes mágicos (repetir três vezes uma expressão ou um gesto). Na filosofia
pitagórica, foram a figura perfeita e sagrada do triângulo constituído pelos dez primeiros
números. Na Cabala, três são as luzes mais altas do infinito, formando o "teto dos tetos" e
três são as letras do nome de Deus quando esta passa de "nada" a "Eu". Três são as
Pessoas da Santíssima Trindade. Três vezes Pedro negou Cristo. Três são as essências
ou hierarquias celestes (na primeira: tronos, serafins e querubins; na segunda: poderes,
senhorias e potências; na terceira: anjos, arcanjos e potestades). Três são as partes da
alma. Três as virtudes cardeais (fé, esperança e caridade).Ts vestidos, três bailes. Em
Branca de Neve, três vezes a madrasta vai à casa dos anões (na primeira, com o cinto de
fitas, na segunda, com o pente, na terceira, com a maçã). Três são as filhas em A Bela e
a Fera e na Gata Borralheira, como três são as irmãs nos três Cisnes e nas Três
56
Plumas.Três vezes, na canção,"Terezinha foi ao chão" e "acudiram três cavalheiros/Todos
três chapéu na mão/o primeiro foi seu pai/o segundo, seu irmão/o terceiro foi aquele a
quem ela deu a mão".
A referência que fizemos aos contos de fadas foi muito sumária, deixando de lado
aspectos importantes como, por exemplo, outros significados das próprias fadas e demais
figuras maravilhosas, ou outros sentidos da relação entre a bondade e a maldade, para a
criança, e a divisão dos bons e maus nos contos.
Também não analisamos os vários significados dos animais e das plantas (oriundos
de mitologias e simbologias de várias épocas), dos elementos naturais como água, fogo,
ar e terra (sobre os quais o filósofo Gaston Bachelard escreveu, considerando-os
arquétipos do inconsciente universal), das poções e filtros preparados por fadas e bruxas
(sobre os quais os historiadores muito têm pesquisado), das palavras mágicas (que
aprecem em outros contextos, como no filme de Fellini, Oito e Meio, onde, ao pronunciar
as palavras Asa Nisa Masa, o menino traz e expulsa fantasmas e realiza desejos).
Não analisamos os objetos mágicos, embora tenhamos feito breve referências às
espadas, aos bolos, às botas, aos sapatinhos (mas nada dissemos sobre o espelho, em
Branca de Neve e A Bela e a Fera, o espelho aparecendo no pensamento ocidental em
ideias como "os olhos são espelho da alma", ou como feitiço perigoso, à maneira de
Narciso que se apaixonou por sua própria imagem, propiciando o surgimento do conceito
de narcisismo ou de fase do espelho, na psicanálise).
Apesar dessas lacunas, gostaríamos de sugerir aqui que os contos trabalham em
dois níveis: um imaginário (a estória propriamente dita) e um simbólico (a construção
implícita do enredo, o lugar e a hora de cada peripécia, os objetos, as cores, os números,
as palavras).
Gostaríamos também de lembrar que os símbolos não estão no lugar de outra
coisa, não são substitutos, mas são a própria coisa presentificada por meio de outras. O
símbolo realiza ou traz a coisa por intermédio de outra.
Também não nos detivemos nas posições sociais e políticas das personagens -
reis, rainhas, príncipes, princesas, servos, camponeses. Nem no fato de alguns serem
estrangeiros ou deformados (não é curioso, por exemplo, que haja uma Moura que é
torta?). Nem nos demoramos na estrutura da família encontrada nos contos. Numa
palavra, as dimensões históricas, ideológicas e políticas foram silenciadas.
Sobretudo não fizemos qualquer menção à alma dos contos, enquanto obras
literárias. Nada dissemos de sua construção artística, de suas origens, transformações e
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reelaborações no decorrer do tempo (situações medievais tratadas com recursos do
romantismo, por exemplo), do modo como participam de várias fontes diferentes de
pensamento (como a Cabala, presente na escolha dos números, privilegiando o 2, o 3, o
7 e o 10; na escolha das horas, particularmente a meia-noite; na escolha de vegetais,
cores, metáforas), do significado da ordem de aparição e desaparição de personagens ou
da sequencia dos eventos (uma análise de tipo estrutural poderia mostrar, por exemplo,
porque a sequencia é sempre a mesma).
Essa ausência da consideração artística é grave sobretudo quando consideramos
dois fatos culturais: a pasteurização dos contos de fadas por Disney e o surgimento de um
literatura infantil "realista".Na disneylândia (exceção feita para duas obras-primas de
Disney: Fantasia e Branca de Neve e os Sete Anões), opera-se uma curiosa inversão. Em
lugar de encontrarmos, como nos contos narrados, a criança lidando consigo mesma ao
lidar com a divisão dos bons e dos maus, encontramos adultos fabricando a "boa criança"
com quem possam conviver sem medo. O desenho é lúdico se for "bondoso"
(a contraprova sendo o horror de um filme como Pinóquio).
Para melhor avaliarmos essa perda, podemos relembrar A Bela e a Fera, no filme
de Jean Cocteau. Além da ambiguidade na relação entre pai e filha e na rivalidade das
irmãs pelo amor paterno, Cocteau especial atenção à figura de Fera: na cena do
desencantamento descobrimos que um mesmo ator faz dois papéis; num deles, é um
adolescente enamorado de Bela que, voltada para o pai, sequer o percebe; noutro, é a
Fera.
O desencantamento é a reunificação das figuras que sempre foram uma só,
estando duplicadas apenas por causa do medo de Bela. Medo magistralmente tratado na
cena do espelho, onde se revezam as imagens de Bela, do pai, da Fera e do apaixonado.
Na relação sexual, com que termina o filme, Bela e o Príncipe, enlaçados, as roupas
agitadas pelo vento, suavemente elevam-se nos ares, sumindo por entre as nuvens.
Por sua vez, a chamada literatura infantil realista, além de privar a criança do
acesso ao imaginário maravilhoso, fundamental para sua constituição, procura criar a
"criança útil", que compreende o mundo "tal como é" (com o detalhe de que é "tal como é"
para o adulto que escreveu a estória), aceita a divisão social dos papéis como divisão
sexual correta, faz do trabalho e do sucesso valores centrais. A fantasia é considerada
perigosa ou inútil.
Essa literatura, pretensamente realista, substitui a criança sabida, inventiva,
crédula e astuta, amedrontada e valente, pela criança tonta e "bem-intencionada".
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Talvez fosse bom relembrarmos a obra de Monteiro Lobato que não reprimiu
"perversões" (Narizinho e o Príncipe Escamado, Emília e Rabicó), escrevendo na certeza
de que a criança é inteligente, sabida e crítica.
Afinal, não realizou a mais extraordinária proeza quando, trazendo ao Sítio do
Pica-Pau Amarelo as personagens dos contos de fadas, deu-lhes a oportunidade de
convocar os autores dos contos e julgá-los, Emília propondo recontar doutro jeito as
estórias? Pena que a televisão também tenha pasteurizado Lobato.
Enfim, não mencionamos o maravilhoso elaborado no folclore brasileiro. Por que
será que o canto da Iara seduz e mata os homens? O Saci-Pereré é preto, perneta, usa
barrete vermelho e pita um pito de barro? O Curupira tem os pés virados para trás? No
conto do Sete Estrelo os filhos abandonados viram estrelas, brilhando no céu? No conto A
Figueira, a madrasta enterra as enteadas, cujos cabelos se transformam em árvore e cujo
canto triste permite a um homem descobri-las e salvá-las? Mas não custará ao jovem
leitor partir em busca desse imaginário, se quiser. Nós lhe recomendamos vivamente que,
se o fizer, aceite a companhia do Macunaíma de Mário de Andrade.
Quando iniciamos este tópico, dissemos que não concordávamos inteiramente com
as interpretações de Bruno Bettelheim e demos alguns motivos de nossa discordância.
Em particular, dizíamos, a excessiva centralização das análises em torno das relações
familiares.
Para que nossa afirmação não pareça descabida, sobretudo após a pequena visita
que fizemos a Pele-de-Burro, gostaríamos de transcrever aqui um outro conto de fada que
se volta, de maneira extraordinariamente bela, para o fundo mais fundo, lá onde mergulha
a busca do maravilhoso.
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada.
A quem só despertaria
Um enfante, que viria,
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem.
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado,
Porque à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
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Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida.
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Ela dormindo encantada.
Ele buscando-a sem tino.
Pelo processo divino,
Que faz existir a estrada.
E, sem bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora
E falso, ele vem seguro.
E, vencendo estrada e muro.
Chega onde em sono ela mora.
E, ainda tonto do que houvera,
À cabeça, sem maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era;
A Princesa que dormia.
Esse poema encontra-se no Cancioneiro do poeta Fernando Pessoa e se chama
Eros e Psique.
Num livro dedicado ao estudo da obra de Fernando Pessoa, intitulado Fernando
Pessoa Alguém do Eu, Além do Eu, Leyla Perrone Moisés interpreta a figura desse
poeta cuja obra se desdobra em quatro, cada qual com um nome de poeta diferente, cada
qual por ele atribuída a uma pessoa diferente. Na busca-recusa da identidade (aquém do
eu, além do outro), a escritora nos lembra que, em francês, persone quer dizer ninguém.
Eis a versão repressiva de “Eros e Psique: dois seres, enclausurados num cubículo
fechado e sob os panos que cobrem seus corpos e rosto, se desdobre a presença da
sociedade inteira, vigiando e controlando o pobre par.
Será Freud o primeiro a captar que Eros e Psique não o dois entes separados
perpetuamente buscando um ao outro, mas que são um e o mesmo ser: Eros ( o
desejo ) Psique (a alma). Como no poema de Fernando Pessoa, em que o príncipe
destemido busca a princesa encantada para descobrir que ele era ela. Desejo de
indivisão e de fusão perpétua (impossível), o laço que enlaça em termo e fundo abraço, é
a sexualidade humana, perpetuamente reprimida. (Chauií;1984: p.32-54).
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CAPÍTULO 2
A TELEVISÃO E AS MINISSÉRIES DE LUIZ FERNANDO CARVALHO
2.1 – A Narrativa seriada
As minisséries por vezes são adaptações de grandes clássicos da literatura
universal. Por outras, costumam retratar hábitos, costumes, sociedades, movimentos e
acontecimentos políticos e históricos, etc.
“A narrativa seriada, segundo Arlindo Machado em seu livro A televisão levada a
sério, faz uma análise técnica e histórica sobre o tema classificando-a em três
modalidades com a termologia capítulos, episódios seriados e episódios unitários: Malu
Mulher e O Fugitivo de episódios seriados, Hill Street Blues (1981-89), seriado policial
como episódios unitários.
Como se sabe, a programação televisual é muito frequentemente concebida em
forma de bloco cuja duração varia de acordo com cada modelo de televisões comerciais,
têm bloco de menor duração que as televisões públicas, pela razão óbvia de que
precisam vender mais intervalos comerciais. Uma emissão diária de um determinado
programa é normalmente constituída por um conjunto de blocos, mas ela própria também
é um seguimento de uma totalidade maior programa como um todo que se espalha ao
longo de meses, anos, em alguns casos até décadas, sob a forma de edições diárias,
semanais ou mensais. Chama-se de serialidade essa apresentação descontínua e
fragmentada do sintagma televisual. No caso específico das formas narrativas, o enredo é
apresentado em dia ou horário diferente e subdividido, por sua vez, em blocos menores,
separados uns dos outros ou breaks para a entrada de comerciais ou de chamados para
outros programas. Muito frequentemente, esses blocos incluem, no início, uma pequena
contextualização do que estava acontecendo antes ( para refrescar a memória ou
informar o espectador que não viu o bloco anterior) e, no final, um gancho de tensão, que
visa manter o interesse do espectador até o retorno de série depois do break ou no dia
seguinte. Os episódios da série de David Lynch Twin Peaks (1990-91) por exemplo,
começavam sempre com uma rápida retrospectiva dos episódios anteriores e terminavam
invariavelmente no momento mais inquietante.
Existem basicamente três tipos principais de narrativas seriadas na televisão,
segundo Arlindo. No primeiro caso, temos uma única narrativa ( ou várias narrativas
61
entrelaçadas e paralelas que se sucede), mas ou menos linearmente ao longo de todos
os capítulos. É caso dos teledramas, telenovelas e de alguns tipos de séries ou
minisséries. Esse tipo de construção se diz teleológico, pois ele se resume
fundamentalmente, num (ou mais) conflito (s) básico (s), que se estabelece logo de início
um desequilíbrio estrutural , e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num
empenho em restabelecer o equilíbrio perdido, objetivo que, em geral , atinge nos
capítulos finais. No segundo caso, cada emissão é uma história completa e autônoma,
com começo, meio e fim e o que se repete nos episódios seguintes são apenas os
mesmos personagens principais e uma mesma situação narrativa. Nesse caso, temos um
protótipo básico que se multiplica em variantes diversas ao longo da existência do
programa.
É o caso basicamente dos seriados por exemplo, o célebre Malu Mulher (1979-
81)- e de programa humorístico do tipo monty Python's Flyng Circus ( 1969 74). Nessa
modalidade, um episódio, via de regra, não se recorda dos anteriores nem interfere nos
posteriores. O personagem principal aparece ferido no final de um episódio, o vilão é
colocado na cadeia, mas no episódio seguinte não havia mais sinal do ferimento nem o
vilão está mais na prisão. O caso mais absurdo é o desenho dirigido por Trey Park South
Park ( desde de 1998), que tem um personagem, o Kenny, morre em todos os episódios,
mas sempre retorna vivo nos episódios seguintes. Nesse tipo de estrutura , ao contrário
da modalidade anterior, não há ordem de apresentação dos episódios: pode-se invertê-los
ou embaralhar-los aleatoriamente, sem que a atuação narrativa se modifique. Finalmente,
temos um terceiro tipo de serealização, em que a única coisa que se preserva nos vários
episódios é o espírito geral das histórias, ou a temática: porém, em cada unidade, não
apenas a história é completada e diferente das outras, como diferentes também são os
personagens, os atores, os cenários e, às vezes, até os roteiristas e diretores. È o caso
de todas aquelas séries em que os episódios têm em comum apenas o título genérico e o
estilo das histórias, mas cada unidade é uma narrativa independente. A série The Outer
Limits ( Quinta dimensão; primeira versão : 1963 64), por exemplo , é constituída
de episódios em que a única coisa em comum é a presença em cena de monstros do
espaço extraterrestre, sejam eles insetos gigantes, micro-organismos, parasitas, rios ou
rochas inteligentes. Na mesma categoria se poderia enquadrar também a rie brasileira
Comédia da vida privada (1995-97), em que as diferentes histórias mensais têm em
comum apenas o fato de focalizarem sempre a vida doméstica e o eterno conflito homem
mulher (além, naturalmente, dos arrojados estilos de mise-en-scène e edição). Neste
62
livro, seguindo principalmente sugestões de Renata Pallottina, adotaremos, sempre que é
pertinente, a seguinte termologia: vamos chamar de capítulos os seguimentos do primeiro
tipo de serialização, de episódios seriados os segmentos do segundo tipo e de episódios
unitários narrativos independentes do terceiro tipo. Naturalmente os três tipos de
narrativas podem às vezes se confundir.
As telenovelas brasileiras pertencem, sem dúvida, à primeira modalidade, ou seja,
a (s) história (s) iniciada (s) no primeiro capítulo se desenrola (m) teleologicamente ao
longo de toda série, até o desfecho final nos últimos capítulos, mas pode (m) arrastar-se
indefinidamente, repetindo ad infininum as mesmas situações ou criando situações novas,
enquanto houver altos índices de audiência isso significa que as telenovelas incorporam
também características de seriado.
Por outro lado, existem seriados em que, malgrado se possa verificar uma estrutura
básica de episódios independentes, permitindo, portanto, que possam ser assistidos em
qualquer número ou ordem , uma situação teleológica, um início que explica as razões
dos conflitos é uma espécie de objetivo final que orienta a evolução a da narrativa. Aqui
também a série pode se desdobrar-se ao infinito, enquanto houver audiência, mas um
episódio inaugural e explica o contexto da série e é possível ainda que , em algum
momento, os realizadores resolvem colocar um ponto final na história, fazendo com que
os personagens principais possam atingir uma meta prefixada. A situação básica do
seriado Malu Mulher, por exemplo, se explica nos primeiros episódios , com o conflito
conjugal, a separação do casal e o trauma da filha. No seriado The Fugitive (1964-67),
temos uma situação básica também apresentada no primeiro episódio: o Dr. Richard
Kimble, equivocamente fugindo da polícia e tentando encontrar o verdadeiro assassino,
antes que ele próprio seja capturado. Cada um dos episódios seguintes será uma
variação em torno da fuga e da investigação do crime. Finalmente, três anos depois do
início do seriado , o crime é desvendado e o assassino fuzilado pelo policial que
perseguia Kimble, finalizando portanto a narrativa.
Há várias explicações sobre as razões que levaram a televisão adotar a
serialização como principal forma de estruturação de seus produtos audiovisuais. Para
muitos a televisão, muito mais do que os meios anteriores, funciona segundo um modelo
industrial e adota como estratégia produtiva as mesmas prerrogativas da produção em
série que vigoram em outras esferas industriais, sobretudo na indústria automobilística.
A necessidade de alimentar com material audiovisual uma programação ininterrupta terá
exigido da televisão a adoção de modelos de produção de larga escala, onde a
63
serialização e a repetição infinita do mesmo protótipo constituem a regra. Com isso, é
possível produzir um número bastante elevado de programas diferentes, utilizando
sempre os mesmos atores, o mesmo figurino e uma única situação dramática. Enquanto
produtos como livros, o filme, o disco de música são concebidos como unidades mais ou
menos independentes, que demoram um, o tempo relativamente longo para serem
produzidos, o programa de televisão é concebido como um sintagma padrão, que repete o
seu modelo básico ao longo de um certo tempo, com variações maiores ou menores.
O fato mesmo de a programação televisual como um todo constituir um fluxo
interrupto de material audiovisual, transmitido todas as horas do dia e todos os dias da
semana, aliado ao fato de que uma boa parte da programação é constituída de material
ao vivo, que não pode ser editado posteriormente, exige velocidade e racionalização da
produção. A tradição parece demonstrar que um certo “fatiamento” da programação
permite agilizar a produção (o programa pode estar sendo transmitido enquanto ainda
está sendo produzido) e também responder às diferentes demandas por parte dos
distintos seguimentos da comunidade de telespectadores.
Mas é preciso considerar como nota Arlindo que não foi a televisão que criou a
forma seriada narrativa. Ela existia antes na forma epistolares de literatura (cartas,
sermões, etc.), nas narrativas místicas intermináveis (As mil e uma noites), depois teve
um imenso desenvolvimento com a técnica do folhetim, utilizada na literatura publicada
em jornais no século passado, continuou como tradição do radiograma ou radionovela e
conheceu a sua primeira visão audiovisual como os seriados do cinema.
Na verdade foi o cinema que ofereceu o modelo básico de serialização audiovisual de que
se vale hoje a televisão. O seriado nasce no cinema por volta de 1913, como decorrência
das mudanças que estavam acontecendo no mercado de filmes. Nessa época, parte
considerável das salas de cinema era ainda os artigos nickelodeons, que passavam
filmes curtos, inclusive porque o público ficava em ou sentado em incômodos bancos
de madeiras sem encosto. Os longas metragens (feature films), que começam a surgir
nessa época, podiam ser exibidos nos salões de cinema, mais confortáveis e mais
caros, embora numericamente pouco expressivo. O filme em série permitia atender às
duas demandas simultaneamente. Eram filmes de duração mais longa, que podiam ser
exibidos nos salões de cinemas destinados a classe média,mas podiam também ser
exibidos em partes nos nickelodeons, que concentravam o público mais pobre da
periferia. Séries cinematográficas como. Fantômas (1913), de Louis Feuilade, e The
Perfills of Pauline (1914), de Luis Gasnier, baseados nos modelos dos folhetins
64
jornalísticos, deram a forma básica do gênero. Tratava-se, como nos seriados da
televisão, de filmes concebidos em escala industrial, rodados simultaneamente com a
exibição das partes anteriores e capazes de absolver as circunstâncias da produção.
O clássico Les Vampires (1915-16), de Feuillade, por exemplo, teve muitas de suas
partes improvisadas no estúdio, com roteiro inventado na hora e sem que ninguém
soubesse como iria terminar a história.
O plot narrativo é completamente anárquico; muitas situações têm continuidade;
uma série de acontecimentos não explicados ; alguns personagens morrem subitamente,
apenas porque os atores que os encarnavam haviam sido despedidos; alguns mortos
ressuscitam misteriosamente poucos capítulos depois. Tudo isso que, nos primórdios do
cinema, aparecia como desgoverno ou amadorismo, ganharam expressão industrial e
forma significante com a televisão.
Mas independente dessa ligação histórica, existem também razões de natureza
intrínseca ao meio condicionado a televisão à produção seriada. A recepção de televisão
em geral seem espaço doméstico iluminado, em que o ambiente circundante concorre
diretamente com o lugar simbólico da tela pequena, desviando a atenção do espectador
em relação ao enunciado televisual . Isso quer dizer que a atitude do espectador em
relação ao enunciado televisual costuma ser dispersiva e distraída em grande parte das
vezes. Diante dessas contingências, a produção televisual se vê permanentemente
constrangida a levar em consideração as condições de recepção e essa pressão acaba
finalmente por se cristalizar em forma expressiva. Um produto adequado aos modelos
correntes de difusão não pode assumir uma forma linear, progressiva, com efeitos de
continuidade regidamente amarrados como o cinema, senão o telespectador perderá o fio
da meada cada vez que sua atenção se desviar da tela pequena. A televisão logra
melhores resultados quanto a sua programação por tipo recorrente, circular, reiterando
ideias a sensações a cada novo plano, ou então quando ela assume a dispersão,
organizando em painéis fragmentários e híbridos, como na técnica da collage.
que considerar também a incorporação do break à estrutura da obra. O
“intervalo comercial” surgiu, muito provavelmente, por razões de natureza econômica,
imposto pelas necessidades de financiamento na televisão comercial, e talvez seja a
razão dele ser tão mal compreendido (até algum tempo atrás, os franceses o chamavam
pejorativamente, de saucissonage, “fatiamento” do programa como se ele fosse um
salsichão). Mas a sua função estrutural não se limita apenas a um constrangimento de
natureza econômica. Ele tem também um papel organizado muito preciso, que é o de
65
garantir ganchos de tensão que permitem despertar o interesse da audiência, conforme o
modelo do corte com suspense, explorado na técnica do folhetim.
A melhor prova disso é o fato de até mesmo as televisões estatais aquelas que
não dependem de publicidade para se manter – utilizarem o recurso do break em sua
programação, Segunda Balogh, tipicos ganchos para a divisão dos blocos o momentos
de riscos ou de decisão do relato ou dos momentos mais tensos no plano passional. Ela
cita o caso dos momentos de suspense e tensão na conquista amorosa entre Riobaldo e
Diadorina adaptação televisual de Grande sertão veredas (1985), dirigido por Walter
Avancini.
Como se trata de uma aproximação difícil (um caso de homossexualidade entre
jagunços), carregada de erotismo, proibição, sentimento de culpa e afastamento físico,
tem-se uma situação ideal para extrair dela vários ganchos de tensão. Seccionando o
relato no momento preciso em que se forma tensão e em que o espectador mais quer a
continuação ou o desfecho, a programação de televisão excita a imaginação do público.
Assim, o corte e o suspense emocional abrem brechas para a participação do espectador,
convidando-o a prever o posterior desenvolvimento do entrecho.
Se os intervalos que se fragmentam um programa de televisão fossem suprimidos
e rios capítulos diários fossem colocados em continuidade numa mesma sequência, o
interesse do programa provavelmente cairia de imediato uma vez que ele foi concebido
para ser decodificado em partes e simultaneamente com outros programas. Ninguém
suportaria uma minissérie ou telenovela que fosse apresentada de uma vez (mesmo
que de forma compacta), sem interrupções e sem os nós de tensão que viabilizam o
corte.
O segundo modo de serialização metamorfose dos elementos narrativos está
bem na exemplificação por Calabrese na análise que ele faz do seriado norte-americano
Bonanza (1960-73), que teve vários episódios dirigidos por Robert Altman. Os elementos
invariantes da série correspondem à iconografia básica do Western, celebrizada pelo
cinema: boiadeiros, aldeias, salloons, bailes na praça, manadas de gado, corridas nas
pradarias, índios, pancadarias, tiroteio, country música e o duelo final. Aos poucos,
variáveis vão sendo introduzidas, manchando essa platitude inicial : surge um boxeador
da Inglaterra, um japonês que não conseguem integrar-se ao grupo, um quixotesco
parente do México, o pistoleiro que fica cego e assim por diante. No plano temático, os
papéis que personificam o bem e o mal também vão sofrendo contínua retificação ao
longo do seriado.
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Finalmente, uma terceira tendência das narrativas seriadas consiste em construir
um entrelaçamento, de um enorme número de situações paralelas ou divergentes,
gerando como resultado de uma complexa trama de acontecimentos não
necessariamente integrados.
Embora esse modo de engendramento narrativo possa ser encontrado também na
literatura e no cinema, foi sem dúvida a televisão que lhe deu maior consequência, em
razão principalmente da longa duração dos programas, que torna inevitável o
florescimento de tramas paralela, e em razão também das características do processo
produtivo ( a produção se ao mesmo tempo que a recepção , ou com uma pequena
diferença de tempo), que permite incorporar ao programa os acidente do acaso e as
demandas da audiência, através da expansão, enxugamento ou suspensão das tramas
paralelas.
O autor finaliza com o seguinte paragrafo:
“Naturalmente, essas três modalidades de narrativas seriadas nunca ocorrem, na
prática, de uma forma pura” elas todas se contaminam e se deixam assimilar umas pelas
outras, em graus variados, de modo que cada programa singular, se não for
estereotipado, acaba por propugnar uma estrutura nova e única. A riqueza da serialização
televisual está portanto, em fazer dos processos de fragmentação e embaralhamento da
narrativa uma busca de modelos de organização que sejam não apenas complexo, mas
também menos prováveis e mais abertos ao papel ordenador do caso”. (Machado Arlindo:
2000; p.97).
Renata Pallotini, afirma: “o seriado é uma produção ficcional para a TV, estruturada
em episódios independentes que têm, cada um em si, uma unidade como o todo”.
( Pallotini:1998; p.30).
Segundo a autora, a minissérie é uma “espécie de telenovela curta, totalmente
escrita, via de regra,. Quando começão as gravações. È uma obra fechada”. (idem, p.28).
As telenovelas brasileiras conquistaram projeção mundial e são exportadas para
diversos países, o que mostra o reconhecimento dos nossos produtores audiovisuais.
Desde da época em que a televisão foi inaugurada, ou seja, em 1951, não deixou de se
expandir e crescer, tornando-se um dos meios de comunicação de maior influência nos
costumes e opiniões do público.
A inserção das telenovelas nos costumes e na vida política, é provável por
diversos autores especialistas, a minissérie Anos Rebeldes de Gilberto Braga e Sérgio
Marques teve um papel decisivo no estímulo ao surgimento do movimento dos “Caras
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pintadas” pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. A minissérie
retrata a trajetória do jovem idealista João Alfredo (Cassio Gabos Mendes) contra a
ditadura militar, entre 1964 e 1971. A trilha sonora, marcada pelo movimento Tropicália,
evocou o sentimento de uma época rebelde ( daí o título ) e heroica, facilmente idealizável
pela imaginação juvenil.
Muitos jovens admitiram, em depoimentos posteriores, que ao participarem das
manifestações contra Collor gostavam de se imaginar como personagens da minissérie.
Não foi por acaso que os carros e trios elétricos que puxavam as manifestações de rua
tocavam as músicas que compunham a trilha sonora de Anos Rebeldes. Mais uma vez,
desparece, aqui, a fronteira entre o imaginário e o real. A novela, a minissérie, o drama
fictício acabam servindo de parâmetro para ações no mundo real.( 1997: Ed. Moderna,
Comunicação em Debate, p.75).
2.2 - A televisão Brasileira
Não é erro afirmar que a televisão brasileira através das telenovelas e minisséries
conquista e envolve o público espectador, transmite cultura e enfoca problemas
relacionados com a sociedade atual pertinentes à discriminação social e racial.
Todos esses fatores contribuíram para justificar a implantação da TV digital,cuja
primeira transmissão aconteceu em dezembro de 2007.
Bucci, escreve, “no Brasil a TV reina praticamente sozinha e sem rivais. Eis
porque, escreve Bucci, “ O Brasil se comunica pela televisão . O Brasil se reconhece pela
televisão, e praticamente pela televisão , que reina absoluta sobre o público nacional,
muitas vezes superior a outros veículos(...) A TV a última palavra e, mais do que isso,
a primeira e a última imagem sobre todos os assuntos”. Videologia, (Bucci 2004 , p.12).
“A cultura integracionista preparada e difundida pelos meios de comunicação de
massa, embora pretenda ser apolítica, representa ela mesmo uma ideologia política. O
lugar em si da TV, com seu tempo em gerúndio e videosfera de Debray. E é nele, nesse
lugar, que o sujeito se constitui, pois esse lugar da TV é a própria ideologia encarnada em
efeitos eletrônicos ( ou o próprio capital refeito em espetáculo).Videologia, (Bucci 2004,
p.38 e p.39)
Terry Eagleton em seu livro Ideologia, nos mostra a televisão como instrumento
ideológico de manipulação da classe dominante. É um meio de comunicação de massa
que na Sociedade do capitalismo avançado difunde a ideologia dominante amplamente
utilizada para atingir a grande massa de telespectador, no uso amplo de seus interesses e
68
de manipulação, mas , apesar dessa manipulação, “a cultura dos grupos e classes
dominados preserva uma boa margem de autonomia”.
“Nas sociedades capitalistas avançadas, os meios de comunicação frequentemente
são considerados um possante veículo através do qual a ideologia dominante é
disseminada; mas essa suposição não deve permanecer irrefutada. É verdade que boa
parte da classe trabalhadora britânica lê os jornais do partido conservador, da ala direita;
mas pesquisas indicam que um grande número desses leitores é indiferente, ou
ativamente hostil à política desses periódicos. Muitas pessoas passam a maior parte de
suas horas de lazer vendo televisão: mas se ver televisão de fato beneficia a classe
governante, não é porque ela contribui para transmitir a ideologia dessas classe, a um
bando de gente dócil. O fato politicamente importante acerca da televisão é,
provavelmente, o ato de assistir a ela, mais do que seu conteúdo ideológico. Passar
longos períodos na frente da televisão firma os indivíduos em papéis passivos, isolados,
privatizados, além de consumir uma boa quantidade de tempo que poderia ser dedicada a
propósitos políticos produtivos. É mais uma forma de controle social que um aparato
ideológico.(Eagleton Terry: 1997, p.42- 43).
Também uma controvérsia nessa afirmação, conforme Eagleton. “Essa visão
cética da centralidade da ideologia na sociedade moderna encontra expressão em The
Dominant Idiology Thesis (1980), de autoria dos sociólogos. N. Abercrombie, S.Hill e B.S.
Turner. Abercrombie e seus colegas não pretendem negar a existência das ideologias
dominantes,apenas duvidam que essas sejam um meio importante para conferir coesão
de uma sociedade. Tais ideologias podem com efeito unificar a classe dominante, mas
em geral obtêm muito menos êxito, segundo os autores, em infiltra-se na consciência de
seus subordinados. Nas sociedades feudais e capitalistas primitivas, por exemplo, os
mecanismo de transmissão de tais ideologias às massas eram notavelmente insuficientes:
não havia meio de comunicação ou instituições de educação popular , e grande parte das
pessoas era analfabeta. Esses canais de transmissão sem dúvida floresceram na fase
posterior do capitalismo, mas a conclusão de que as classes subalternas incorporam
maciçamente a visão de mundo de seus governantes é desafiado por Abercrombie, Hill e
Tuner. Por um lado, argumentam eles, a ideologia dominante nas sociedades capitalistas
avançadas apresenta fissura e contradições internas e não oferece nenhum tipo de
unidade inconsútil que as massas possam internalizar; por outro lado, a cultura dos
grupos e classes dominados preserva uma boa margem de autonomia. O discurso
cotidiano dessas classes segundo afirmam os autores, forma-se em grande parte fora do
69
controle da classe dominante, reunindo crenças e valores que estão elas”.
(EagletonTerry:1997; pgs. 42-43).
2.3- A TELEVISÃO NO BRASIL – REDE GLOBO
Não podemos falar de televisão sem destacar a Rede Globo de televisão, isto
porque a sua programação é considerada a melhor da televisão brasileira.
A rede Globo iniciou suas atividades no dia 26 de abril de 1965, no Rio de Janeiro.
Foi fundada e dirigida pelo empresário Roberto Marinho asua morte, em 2003, quando
passou ao controle de seus filhos: Robert Irineu e João Roberto Marinho. Atualmente a
emissora é a maior de toda a América Latina e a quarta maior do mundo, assistida po 80
milhões de pessoas diariamente. A empresa faz parte do grupo empresarial Organizações
globo.
A matriz da empresa encontra-se no bairro Jardim Botânco, e seus principais
estúdios de produção localizam-se no complexo conhecido como Projac, em
Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Em 2007, a Globo alterou suas operações
analógicas com o propósito de construir uma produção televisiva em alta definição para a
televisão digital.
Em 30 de dezembro de 1957, o Conselho Nacional de Telecomunicações publicou
um decreto concedendo o canal 4 do Rio de Janeiro à TV Globo Ltda. Sendo assim a TV
Globo foi oficialmente inaugurada no dia 26 de abril de 1965.
O início da TV Globo como uma rede de emissoras afiliadas por todo o país se dá a
partir de 1969, quando entro no ar o “Jornal Nacional”, primeiro telejornal em rede
nacional, ainda hoje é transmitido pela emissora e líder de audiência nacional. O primeiro
programa foi apresentado por Hilton Gomes e Cid Moreira.
Em 1970, transmitiu pela primeira vez a Copa do Mundo de 1970, na qual o Brasil
foi campeão. Várias filiais foram inauguradas nas grandes metrópoles de todo o Brasil.
Em, 31 de março (dia da inauguração do sistema de televisão em cores no Brasil),
a TV Globo exibiu o especial “Meu Primeiro Baile”, o primeiro programa de televisão
brasileira inteiramente gravado em cores.
Em 31 de Março de 1973 entrou no ar “O Globo Reporter”, no ar até hoje com
grande índice de audiência.
O Fantástico, primeiro jornal eletrônico da televisão brasileira levado ao ar aos
domingos, também estreou em 1973, exibido até hoje e se mantém líder de audiência.
Em 24 de abril de 1974, passou a ser transmitida em cores. Em 1977 toda a
programação da emissora passou a ser a cores. Em 1982, a emissora implantou a
transmissão via Satélite.
Em 1975, a Rede Globo foi forçada pelo governo a não exibir o Roque Santeiro,
com 34 capítulos gravados.
A partir de 1976 é o momento em que a Globo começa a construir o que seria
chamado de “Padrão Globo de Qualidade”, em que o horário nobre é preenchido com
duas novelas encaixadas por um telejornal curto e sintético, uma telenovela que seria
chamada a partir de então de “novela das oito” e depois uma linha de shows, filmes ou
“Globo reporter”, sempre bastante regularidade de horário e programação.
Este padrão nada mais é do que chamado “grande fixa”, tanto na vertical
(sequência dos programas no dia) ,quanto na horizontal (respeito a sequência ao longo do
dia da semana), orquestrado por Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. A
grande fixa é utilizada fielmente pela Globo até os dias de hoje.
O padrão seria decisivo para a conquista da liderança de audiência, pois, no final
da década de 70, as duas grandes redes, Rede Record e a Rede Tupi, estavam se
deteriorando por falta de recursos e estratégias, sobrando apenas a Globo como uma
alternativa de certa qualidade.
Em 1978, após a Copa do Mundo de 1978, estreou o Globo Esporte no ar até hoje.
Em 1983, estreava o Video Show, no ar até hoje. O programa teve diversos
apresentadores e o que mais destacou foi Miguel Falabella nos anos 90.
A Rede Globo especializou-se na produção das telenovelas de inúmero gêneros,
que são vendidas atualmente para mais de 30 países. São comédias, novelas românticas,
atuais e de época, filmadas no Rio de Janeiro, em São Paulo, no campo, no litoral e em
todos os estados brasileiros, conforme requer a história e produção televisiva.
Alguns críticos e especialistas questionam se realmente, as novelas produzidas
pela TV Globo se veiculam opiniões, usos e costumes de toda a sociedade brasileira e se
refletem essa sociedade. Alguns consideram impossível devido à grande extensão
territorial do nosso país e, a grande diversidade sócio-cultural que existem nos diversos
estados e regiões do país.
Por outro lado, as telenovelas da Globo e seriados brasileiros e americanos
produzem de imediato fenômenos de massificação, objeto de diversos estudos e que
podem ser verificados de maneira empírica e simples, sem necessidades de um
protocolo, ou estudos complexo e experimental que está ao alcance de qualquer
71
indivíduo. Basta sair um comercial de roupas e calçados, em qualquer região do país,
sempre em busca de itens que estejam em sincronia com o que surge na TV. É o
Marketing de Consumo que explora este mercado das tele-dramaturgias audiovisual (as
Telenovelas e mesmo alguns seriados).
Desde a década de 1990, a Globo tem investido no mercado cinematográfico,
aproveitando à sua infra-estrutura, suas experiências no formato televisivo e seus
contratos com atores e diretores.
É do conhecimento de todos que produções cinematográficas como Central do
Brasil e A cidade de Deus. concorreram até ao Oscar; também a produção
cinematográfica como : O Alto da Compadecida e Cidade de Deus têm grande
receptividade junto ao público espectador, sendo sempre reprogramada nos horários de
cinema como: Sessão da Tarde, Máquina Quente, Tela Quente, com índice de audiência
bastante elevado.
controvérsia sobre a tão propalada qualidade da Rede Globo foi o que deu
origem ao documentário “Muito Além do cidadão Kane
Em 1993, o Channel Four (contrariando a crença geral de que seria a BBC), uma
rede de TV Britânica, produziu um filme que conta a historia da Rede Globo de Televisão.
O documentário foi proibido no Brasil desde 1994, graças a uma ação judicial movida por
Roberto Marinho. Atualmente existem poucas cópias em circulação no Brasil, além das
versões piratas circulando pela internet, como no site Youtube. O filme conta com a
participação de alguns artistas, políticos, e especialistas como Luiz Inácio da Silva, Chico
Buarque , Leonel Brizola e Washington Oliveira. O documentário jamais esteve no circuito
de cinemas brasileiros e a exibição que ocorreria no Museu de Arte Moderna (MAM), do
Rio de Janeiro, foi proibido pelo então presidente da república Itamar Franco.
A obra detalha a posição dominante da Rede Globo de Televisão na sociedade
brasileira, debatendo a influência do grupo, seu poder e suas relações políticas. O ex-
presidente e fundador da Globo Roberto Marinho foi o principal das críticas do
documentário, sendo comparado a Charles Foster Kane, personagem criado em 1941 por
Okson Welles para cidadão Kane, um drama de ficção baseado na trajetória de Willian
Randolph Hearst, magnata da comunicação no Estados Unidos. Segundo o
documentário, a Globo emprega as mesmas manipulações grosseiras de notícias para
influenciar a opinião pública como fazia Kane no filme.
O documentário é dividido em quatro partes:
Na primeira parte ele mostra a relação entre a Rede Globo e o regime da ditadura
72
militar, no qual se fatos sociais que ocorrem no país em decorrência do regime
ditatorial.
Na segunda parte ele apresenta o acordo firmado entre a Rede Globo e o Grupo
Time Life.
Na terceira parte evidencia-se o poder do proprietário da Rede Globo, Roberto
Marinho. Por outro lado, mostra também, o apoio da Rede Globo à redemocratização do
país, na figura do candidato à presidência da República Tangredo Neves.
Na quarta parte, tida como a mais importante e reveladora do filme, mostra-se às
claras os envolvimentos ilegais e mecanismos manipulativos utilizados pelas
Organizações Globo, em suas obscuras parcerias para com o poder em Brasília (incluindo
fraudes em eleições, assassinatos encomendados por seus maiores figurões e outros).
A Globo sempre teve presença marcante nas eleições. A emissora é acusada de ter
ajudado a eleger o candidato Fernando Collor de Mello nas eleições de 1989, através da
manipulação de trechos do último debate de Color com Lula.
quem veja indícios de “manipulação” em algumas tramas de telenovelas na
mesma época. Uma delas é “Que rei sou eu”, que parodiava a situação política e
econômica do Brasil em um país imaginário da Europa, 1786, assolado em casos de
corrupção, o que por outro lado, poderia beneficiar qualquer candidato da oposição ao
então presidente José Sarney, não apenas Collor.
Outro caso de manipulação seria “O Salvador da Pátria”, em que um personagem
matuto, chamado ssa Mutema e interpretado por Lima Duarte, é usado por políticos
inescrupulosos e se torna prefeito de uma pequena cidade do interior. A acusação seria a
de que o personagem fora criado para ser identificado com o candidato do PT, Luiz Lula
Inácio da Silva, que não possuía nível superior e declarações que são consideradas
polêmicas para o nível educacional exigido dos homens políticos, dando a entender que
Lula não seria adequado ao cargo de presidente por possuir uma falha educativa. Por
outro lado, houve quem defendesse que o personagem fazia uma campanha a favor de
Lula, pois mostrava um homem simples e humilde que estava preocupado com o bem
estar de seu povo. (2009: Revista Temática).
Muniz Sodré chama a televisão de monopólio da fala. o estilo da imagem
televisiva é o da notificação, remota e unilateral. A ela corresponde o poder notificador,
articulado com outras formas monopolísticas da sociedade moderna”. (Sodré Muniz:
2001: p.10).
73
O poder alienante da televisão foi demonstrado pelo movimento Político das
Diretas Já.
De fato, a Rede globo acompanhou os primeiros comícios pelas eleições diretas
nos telejornais locais. Naquele primeiro momento, as manifestações não entraram nos
noticiários da rede. Quando a adesão popular ao movimento cresceu, de fato, o Jornal
Nacional passou a noticiar todas as manifestações de rua. No dia 25 de janeiro, foi ao ar,
pela primeira vez em rede, aquele que é considerado o primeiro e grande comício das
diretas , realizado na praça da Sé, em São Paulo. Naquele dia, o telejornal exibiu uma
reportagem de dois minutos e 17 segundos sobre o tema. No entanto, a cobertura criou
polêmica porque o apresentador do Jornal Nacional chamou a reportagem na “escalada”
(manchetes de abertura do telejornal) como a festa em comemoração aos 430 anos da
cidade de São Paulo, sem fazer ali referência ao comício. Entretanto Paglia, os
telespectadores receberam corretamente a informação de que houve também um comício
pelas diretas já”.
Em 1989, criou-se uma polêmica por conta da edição do debate presidencial
apresentando pelo telejornal dias antes das eleições. A emissora foi acusada de ter
favorecido o candidato Fernando Collor de Mello, que disputava o segundo turno do pleito
eleitoral com Luiz Inácio da Silva. A TV Globo teria privilegiado os melhores momentos de
Collor e os piores momentos de Lula na edição do debate. Desde então, a emissora,
como fazia as emissoras concorrentes, passou a apresentar o debates na íntegra, sem
editá-los. Isso evita que as escolhas que necessariamente fazem parte do trabalho de
edição sejam interpretadas às vésperas do debate como os ânimos dos envolvidos na
campanha exaltados – como manipulação dos fatos.
O Jornal Nacional foi acusado de emitir informações sobre a campanha das Diretas
Já, em 1984, porque deu a notícia do grande comício na Praça da Sé, em São Paulo, no
dia 25 de janeiro, na mesma matéria em que noticiou as comemorações do aniversário da
cidade. Na verdade, o telejornal o fazia referências ao comício na escalada da edição
daquele dia, citando apenas o aniversário da cidade. “A cidade de São Paulo festejava os
430 anos de fundação”. Na chamada, o apresentador Marcos Hummel referia-se ao
comício como um dos eventos comemorativos da capital. Mas havia realmente relação
entre a manifestação e o aniversário da cidade, uma vez que o comício foi marcado
naquela data para facilitar a participação popular. Depois da chamada “Festa em São
Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais 500 solenidades. A maior foi um
74
comício na Praça da Sé”, foi ao ar uma reportagem de Ernesto Paglia que informava
claramente o conteúdo político do evento. O texto informa que milhões de pessoas foram
ao Centro de São Paulo, para, na praça da Sé, se reunir num comício em que pediam
eleições diretas para presidente e que o evento não era apenas manifestação política.
Cita a abertura , a música e a presença de diversos artistas. A matéria mostra imagens da
praça lotada e do radialista Osmar Santos apresentando os oradores. O governador de
São Paulo, Franco Montoro, fez discurso de encerramento.
“Um dos passos na luta da democracia. Houve anistia, houve a censura, o fim da
tortura; mas é preciso conquistar o fundo do poder que é a Presidência da República”.
( Franco Montoro).
Assim é , e tem sido a Globo na sua força total como meio de comunicação de
massa, utilizando de todas as maneiras e meios para ser o Gigante da comunicação
televisiva e influenciando direta ou indiretamente na política do país através do seu poder
comunicacional e meio de manipulação como descreve o documentário “Muito Além do
Cidadão Kane”.
Não podemos nos esquecer dos slogans da Globo em forma de prestação de
serviço apresentados nos intervalos, exemplo: Saúde. Agente por aqui. Solidariedade:
A gente vê por aqui. Educação: A gente vê por aqui etc...
Os slogans de afirmação, os institucionais da boa programação: O que é bom está
na Globo.
Essa gente que você não vê, faz a televisão que você vê. A Globo e você, tudo a
ver. Um caso de amor com o Brasil. Quem tem globo, tem tudo. etc; A gente se por
aqui.( até os dias de hoje).
Conforme (Bucci:2005), um país como o Brasil, onde grande parte da população,
tem na sua sala, em um lugar de destaque, o principal, a Senhora Majestade “o aparelho
de televisão, o receptor”, a televisão se tornou algo mais que necessário, indispensável,
pois ela é responsável pelo entretenimento, pela informação, pela atualização dos fatos e
acontecimentos, pode se viver sem o livro, mas não se pode viver sem a
televisão.”Sociedade do espetáculo”, uma questão de poder:
Segundo, (Bucci:2005; p.18 -20) “Televisão no Brasil é uma questão de poder. Não
em decorrência daqueles lugares comuns, como “imprensa é poder”, ou “os meios de
comunicação se prestam à manipulação das informações segundo conveniência de
interesses privados”.Aqui, televisão é poder porque ela se confunde com o próprio poder.
O andamento moroso da evolução da TV no Brasil para um modelo mais plural é
75
exatamente análogo e simultâneo ao da evolução da democracia. A TV anda devagar
porque a evolução política é vagarosa e é sabido que, no Brasil, as mudanças na
política ( e no próprio Estado) costumam ser “lentas e graduais”, quase nunca se dão por
rupturas. Pois assim é como a TV. Ela avança segundo as mesmas leis que regem os
avanços (ou não) das formas de poder.
Ao fornecer a auto-imagem da brasilidade a televisão ajudou a organizar a
sociedade. Organizou dentro dos parâmetros internacionais que atingiram seu ápice com
a globalização. Quais são os parâmetros? Alguns deles , os mais marcantes, são a
ditadura da informação visual , o deslocamento da dinâmica idealizada da opinião pública
para uma dinâmica pragmática e publicitária da popularidade, a conversão do discurso
político em videoclipe, a exacerbação da “Sociedade do espetáculo”. Mas, , aos
parâmetros vigentes no mundo todo, a TV brasileira acrescentou elementos bem próprios
Ela se pôs como o prolongamento do Estado autoritário, incumbindo-se do trabalho
que ele, Estado, não poderia realizar sozinho. Uma boa representação dessa parceria
(Estado e televisão privada) pode ser encontrada no tom oficial que adquiriu o
telejornalismo.
Para o Estado, o bastava ter, no dio a voz do Brasil. Era preciso ter na TV o
Jornal Nacional (foi ao ar pela primeira vez em primeiro de setembro de 1969), e era
preciso que ele fosse produto de uma emissora privada, uma representeante da
sociedade civil.
Assim, uma característica natural dos meios de comunicação de massa- a de ser
avesso ao exercício da crítica, uma vez que a crítica não une audiências, mas divide-as
ganhou, com a formação da televisão brasileira, dimensões de virtude moral, como se
fosse uma vantagem congênita do veículo. O que por sua vez gerou uma outra
especificidade, se a ditadura precisava da TV para a sua sustentação política, a TV
passou a precisar da ditadura para o seu sucesso junto ao público, pois a sua glória
dependia da apologia da pátria, da unidade apoteótica, depende do êxtase da integração
nacional. Assim como Deus, a pátria tornou-se o grande fator da unificação eletrônica
(pode parecer um contra-senso, pois pátria é um valor muito antigo, mas foi a receita que
deu certo). Foi então que a própria rotina da TV, pelo seu funcionamento automático,
começou a produzir ufanismos e patriotismos espontaneamente. O vício prosseguiu e
prosperou, mesmo após a queda da ditadura”. (Bucci:2005:;ps.18,19 e 20.).
Continua o autor, “A TV é menos uma orientação fechada e mais um ambiente, é
menos um veículo para ideários e mais uma ideologia em si mesma.” Ela é a assembleia
76
do Brasil- que lança faísca sobre os guetos escuros e que por eles é às vezes assaltada.
Ela também deixa que sua luz escorra para as privacidades (os bastidores, as alcovas e
as ruelas que existem nos subterrâneos e na periferia da grande assembleia) e ensina o
telespectador a desfrutar de intimidade que ele mal sabe que existe.(Bucci:2005; p.13).
Concluindo com Arlindo Machado em seu livro: A Televisão levada a sério - mas
se a televisão é vista como ritual coletivo, a qualidade pode estar no seu poder de gerar
mobilização, participação, comoção nacional em torno de grandes temas de interesse
coletivo, abordagem melhor identificada com o ponto de vista dos políticos, sejam eles de
esquerda ou de direita. Outros, pelo contrário, podem encontrar mais qualidade em
programas e fluxos televisuais que valorizam as diferenças, as individualidades, as
minorias, os excluídos, em vez de integração nacional e o estimulo ao consumo. Por fim,
se é difícil conciliar tantos interesses divergentes, a qualidade pode estar simplesmente
na diversidade, o que significa dizer que a melhor televisão seria aquela que abrisse
oportunidades para o amplo leque de experiências diferenciadas para promover a
diversidade e a expressão de uma sociedade plural e multicultural. (Machado 2000 p.25)
2.4 - A TELENOVELA NO BRASIL - A trajetória da telenovela no Brasil
A telenovela no Brasil foi se desenvolvendo progressivamente em todas as
dimensões , desde o preto e branco até às mais sofisticados técnicas de fotografias,
montagens , cores, sons, gravações e muitos outros recursos , que avanços da tecnologia
colocaram, na linha do tempo , do século XX.
Em 1951 , na TV Tupi de São Paulo, estreia a primeira telenovela Sua Vida Me
Pertence , escrita , dirigida e interpretada por Walter Foster , no papel de herói, e vida
Alves , de heroína. Foi a primeira telenovela em que se deu o primeiro beijo ao vivo , na
televisão do Brasil.
Com a introdução do videoteipe viabilizou- se a telenovela diária; sua introdução
no Brasil foi em 1961, mas sua utilizaçã0o foi limitada. Só a partir de 1963, em São Paulo,
a primeira telenovela gravada em videoteipe foi 2.5499 O Culpado, transmitida pela TV
Excelsior , adaptada por Dulce Santucci, que se baseou em original de Alberto Migré .
No elenco : Glória Menezes é uma presidiária, que trabalha como telefonista do presídio,,
Tarcisio apaixona-se por ela por meio do único contato: a voz , sem saber sua real
condição . Foi apresentada ás 19h, de meados de julho a fins de setembro de 1963, sem
muito sucesso , mas o seu registro é dado pelo seu valor histórico.
77
A telenovela diária tornou-se popular em 1965, com a estreia de O Direito de
Nascer , do cubano Felix Caignet, adaptada por Teixeira Filho e Talma de Oliveira.
Transmitida pela TV Tupi, teve expressiva audiência e durante oito meses , encantou o
telespectador de São Paulo e do Rio de Janeiro ,. Esta telenovela foi um marco , na
evolução do gênero telenovela Com a implantação deste gênero , começaram a
profissionalizar -se autores,atores, técnicos e diretores.
Beto Rockefeller, telenovela de Braulio Pedroso, constitui-se num outro marco na
televisão brasileira. Foi ao ar pela TV Tupi ás 20h de 4 de novembro de 1968 a 30 de
novembro de 1969, com direção de Lima Duarte . No elenco: Luiz Gustavo, Rene
Ravache , Bete Mendes e Plínio Marcos . Esta telenovela incorporou a realidade como
cenário e pano de fundo , deixando de lado os dramalhões . A partir desta produção , as
demais telenovelas inseriram em seus textos, referência e fatos do cotidiano, e passaram
a utilizá-los por meio da realidade do público.
Com o surgimento da TV Globo, 1965, a telenovela se revelou um grande sucesso
e a produção cuidadosa fizeram do gênero um dos fenômenos singulares da TV
brasileira. A TV Globo dominou o mercado e é a líder de audiência, e suas telenovelas
conquistaram, com o passar do tempo, uma forma de apresentação insubstituível.
Sua primeira inovação foi a divisão de horários das telenovelas , em relação ao
público, a saber:
Horário das seis da tarde, para os adolescentes e donas de casa, com histórias
leves e românticas.
Horário das sete, ainda com os adolescentes e donas de casa, com histórias leves,
românticas e de humor.
Horário das oito, dirigido para o público mais maduro , com histórias que enfocam o
dia-a-dia, e os problemas sociais do país.
A sua segunda inovação ocorreu no nível técnico. A TV Globo construiu um estúdio
e uma cidade cenográfica para as suas produções e também adquiriu vários aparelhos de
ultima geração, para que as suas telenovelas saiam com dimensão cinematográfica,
semelhantes às realizações holywoodianas. Transformou-se em produto de exportação
para a América Latina, Portugal e outros países s da Europa.
Com isso, possibilitou a concorrência entre todas as emissoras que produzem
telenovelas como: SBT, Manchete e Bandeirantes, melhorando cada vez mais, a
produção da telenovela.
Num terceiro nível, podemos esquematizar os diferentes conteúdos das telenovelas
brasileiras, do seguinte modo:
O sexo passou a ocupar o lugar, com liberdade no horário das 19h., nas
telenovelas Quatro por Quatro e Vira Lata de Carlos Lombardi.
A discussão de qualquer assunto, tornou-se usual em qualquer horário de
telenovela.
O amor apareceu entre pessoas de raças e classes diferentes, em algumas
telenovelas.
Os problemas do homem do campo e do interior, foram abordados nas
telenovelas, Pantanal, Renascer e o Rei do Gado de Benedito Rui Barbosa.
O homossexualismo masculino veio a ser abordado de uma maneira suave na
telenovela, A Próxima Vítima de Silvio de Abreu,
O espiritismo Kardecista foi o tema de telenovela A Viagem,de Ivaní Ribeiro.
A Igreja Católica esteve presente, nas telenovelas O Fim do Mundo e Roque
Santeiro, de Dias Gomes.
No Brasil, uma educação, com muita atenção para um espírito crítico sobre os
meios de comunicação social, deveria ser mais trabalhada entre os educadores, pra
preparar o homem a um futuro próxima de grandes transformações tecnológicas, morais e
sociais, do terceiro milênio. Os autores de telenovelas devem estar conscientes do
envolvimento da sociedade com a telenovela, bem como do seu poder de influência.
Assim, não podem ser excluídas do processo de educação, da responsabilidade pra com
a formação de valores saudáveis pra a humanidade. (Fernando de Araujo Luís: 2001;
p.19).
As telenovelas influenciam e transformam a vida das pessoas, no seu padrão de
conduta, em diversos aspectos. Tomamos como exemplo, as mudanças que as donas-de-
casas fazem sua rotina, para não perderem o capítulo da telenovela e também as
pessoas que deixam de sair de casa, para não perder sua telenovela preferida.
Conforme o autor José Arbex Jr, Comunicação em debate “as pessoas se sentem
participando de algo muito maior, mesmo sem sair de casa, através da participação visual
permitida pela televisão. Isso é fundamental: a realidade virtual, imaginária, imagética
acaba substituindo a vivência física, real. Olhar é como estar presente. Segundo o autor,
as pessoas se setem hipnotizadas pela telenovela. Trata-se da ilusão de estar
compartilhando com outros telespectadores problemas de natureza íntima e sentimental.
(1997:85).
Durante a apresentação do último capítulo da t elenovela Vale Tudo de Gilberto
Braga, onde o público saberia quem era o assassino da megera Odete Roithman ( Beatriz
79
Segal), ocorreram apostas pelo Brasil afora, provocando os efeitos, os quais atestam que
as telenovelas produzem certas mudanças que influenciam, na vida do telespectador.
Outra influência está no uso da linguagem, pois certas expressões da fala das
personagens, passam a fazer parte do vocabulário popular como por exemplo, na
telenovela Explode Coração de Glória Perez, a personagem Luzineide (Regina Dourado),
usava muito a expressão “ Stop Salgadinho”, criando um efeito criativo, que acabou
fazendo parte da linguagem do povo.
A influência das telenovelas é incontentável e os seus personagens desfrutam a
antipatia ou simpatia do telespectador. Com isso, os atores se beneficiam com os
sucessos que os seus personagens estão fazem, para promoverem produtos de consumo
e também serviços comunitários.
O sucesso que Antônio Fagundes fez em O Rei do Gado (1994) , foi aproveitado no
comercial sobre a venda de gado, tentando convencer os agropecuaristas a participar da
cooperativa, que no comercial, o ator enfatiza, para que eles e o telespectador participem
do programa da cooperativa.
A influência se num processo de identificação, pelo qual um indivíduo assimila
um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou
parcialmente, segundo o modelo desta pessoa, que na telenovela, são as personagens.
A trilha sonora que vida a interpretação dos atores, é um dos mais fortes
elementos de influência, à ação dramática da telenovela. Principalmente, as músicas que
são temas das personagens e da própria abertura
O CD com as músicas da telenovela O Rei do Gado foi esgotado nas lojas e a
gravadora da Rede Globo - '' Som Livre” lançou um outro CD com grande sucesso de
venda, e o tema de abertura foi tocado, em todas as emissoras de rádio AM e FM . A
trilha sonora que vida para a telenovela é um fator fundamental, transformando-a,
numa isca comercial.
Para Rose Calza, Merchandsing é mensagem comercial introduzida no texto e na
imagem ”. É um grande fator para influenciar o telespectador e muito usado na
telenovela.
O autor insere no capítulo de sua telenovela, mensagens comerciais por meio
dos diálogos , dos ambientes, transformando os personagens em garotos-propagandas.
Na telenovela Anjo de Mim (1996), de Walter Negrão , uma garrafa de Cerveja
Antárctica ” foi colocada num cenário onde os personagens de Tony Ramos e Eduardo
Moscovis viviam uma cena dramática , mas a garrafa nesta cena funcionou como
80
propaganda do produto ; enquanto isso , a situação dramática da cena ficou, em
segundo plano para o telespectador , destacando-se mais, a marca da cerveja. Como a
telenovela retrata situações do cotidiano, os autores estão fazendo um outro
Merchandising o social que está sendo usado para abrir discussões, sobre temas e
situações onde o telespectador possa debater temas que vão desde a educação
ambiental até prevenção à AIDS , passando por reforma agrária, homossexualismo ,
drogas e deficiências físicas.
Na telenovela História de Amor de Manoel Carlos, o autor alertou a população,
sobre o preconceito físico enfrentado pelo deficiente no dia-a-dia. O personagem
Assunção, vivido por Nuno Leal Maia, mostra as desventuras de um deficiente físico e
suas dificuldades.
Na telenovela A Próxima Vítima a questão do preconceito racial, homossexualismo
e drogas foi utilizado. O autor colocou os personagens que se visualizavam dentro
destas situações , em um mundo parecido, para dar credibilidade à telenovela em relação
ao telespectador.
O autor Benedito Rui Barbosa, em O Rei do Gado utilizou a questão da reforma
agrária, a vida do brasileiro no campo e as grandes forças da nossa agricultura. Com isso,
o autor colocou seu ponto de vista e principalmente, como testemunha ocular dos fatos,
para registrar o que acontece com os sem-terra.
Em Malhação, foi introduzido o uso do preservativo nas mochilas dos personagens,
como forma de prevenir a AIDS, e também diálogos sobre menstruação e o
homossexualismo.
Para Muniz Sodré, “ Todas essas campanhas são modos de avaliar a consciência
dos sistemas discursivos das emissoras de televisão, quando elas chegam a um poder,
como que a Globo tem. É uma desculpa, pelo passado autoritário e pelo presente
conivente ” ( Sodré Muniz, Entrevista, Folha de São Paulo, março , 1997).
Acreditamos que o merchandising” social, possa provocar, discussão sobre o
seu uso dentro da telenovela, e qual seria sua contribuição para a Sociedade?
Com isto, os temas que são abordados, deverão ser muito bem elaborados pelos
autores, para não caírem nos estereótipos, tendo em vista que a duração da telenovela é
efêmera, e estes assuntos terão vida, durante a exibição da mesma. O importante é
trazer esta discussão mais em geral e não num capítulo de uma telenovela.
( Fernando de Araújo Luís:2001; 32).
A imagem da televisão é uma representação, um simulacro do mundo estamos
81
cercados de imagens em nossas vidas, e a televisão, nos remete a uma infinidade dessas
imagens, que estimulam nossa imaginação.
Ciro M. Filho, “considera a imagem como uma ponte de ligação entre o homem e
seu imaginário. Imaginário é uma dimensão que existe no homem, paralelamente à
dimensão do real”. (Marcondes Filho, Ciro:1994;p.30).
O real, para o homem, é aquilo que é vivido, uma atividade exercida
regularmente,
repetitiva e cotidiana, mas ele sonha com uma perspectiva de melhora, e para que isso
aconteça, ele usa a imaginação a fugir do mundo real. Por meio dela , ele constrói por
meio de imagem , um mundo totalmente simbólico para uma integração de seus anseios.
Enquanto à sua volta, ele agitação, nas ruas, barulhos, congestionamentos, fumaças,
mendigos, crianças abandonadas, ele tem a imaginação, como forma de auxiliá-lo para
viajar, num mundo de sonhos e fantasias.
Por exemplo, no comercial Nescafé, com o slogan “Eta cafezinho bom”, a imagem
da fumaça provocando e aguçando o aroma do café, por meio de imagem. Este comercial
teve a intenção de possibilitar a imaginação do produto, como se estivéssemos tomando o
cafezinho. Ao vê-lo, deixamos o real pata trás e começamos a viajar na imaginação, que
nos foi provocado. Pela imagem do cafezinho.
Para Muniz Sodré, “ a imagem opera mudanças, na estrutura psíquica e nos modos
de percepção do indivíduo contemporâneo”. (Muniz Sodré: 1987; p.8).
A televisão tem uma relação de contato com o indivíduo, por meio da imagem
provocando, e ao mesmo tempo, desenvolvendo o imaginário e transportando a um
mundo totalmente diferente do seu. Outros recursos além das imagens, auxiliam e
desenvolvem esse processo, como: sons, músicas, diálogos e mesmo textos escritos e
cada vez mais os efeitos tecnológicos.
Na televisão, o efeito da realidade é produzido de um descrição de detalhe, por
meio deles ficam registrado no texto as marcas do real.(Fernando Araújo, Luis:2001;
p.40).
Enfim, concluindo com Luís Fernando de Araújo, na telenovela as imagens estão
prontas, na fantasia do telespectador. (2001;p.40).
Luiz Fernando Carvalho na pesquisa sobre sua obra, comparada à maneira usual
das narrativas das telenovelas aponta para um ambiente, onde a imagem e a palavra são
construída de uma forma diferenciada. Podemos afirmar, devido a coerência interna das
obras que o resultado final desse processo é bem realista e se apresentam, quando vistas
82
“por fora” com uma notável naturalidade, verosimilidade e semelhança. O autor consegue
traduzir alguns pontos que podem ser tirados das entrelinhas do texto original devido as
formas escolhidas pelo diretor.
“A palavra, neste momento, ganha força e relevância na medida em que sustenta
de modo vigoroso, o trabalho plástico”. (Salles:2006;105). Significando que na tentativa
de criar um diálogo entre a imagem da palavra com a imagem audiovisual, a escolha pela
poética da literatura é fundamental, o que origina-se uma forma de elevar as palavras a
novas possibilidades.
2.6 - A PERSONAGEM NA TELENOVELA
Personagem é um ser fictício, uma imitação, uma invenção com forma humana. Às
vezes é parecido com a realidade humana. Outras tende para o fantasioso, como os
personagens de TV, filmes e romance. Podemos dizer,que a personagem é a
concretização do ser vivo e do ser fictício, pela identificação
Personagem é um ser que pertence ao enredo, é quem faz a ação. A
junção:enredo e personagem dão-se por meio da ideia, esta, por sinal, representa o
significado da existência da personagem, dentro do enredo.
Na telenovela, as personagens são construídas por meio de imagens e palavras. “A
imagem e a palavra têm possibilidade de descrever ec animar ambientes, paisagens,
objetos”. Com isso, podemos observar que as personagens na telenovela, têm uma
função fundamental dentro da história, pois as personagens constituem toda a estrutura
do enredo, sob a forma de diálogos, por meio dos quais se definem e completam a ação.
O processo criativo da personagem da telenovela na mente do autor, quando ele
cria uma ideia, de como vai ser o seu personagem protagonista, pois este, para ele, é o
condutor da ação dentro da história. Seu modo de sentir e pensar é demonstrado por fala
e pela sua maneira de agir, isto é, a personagem é construída pela palavra falada, que
tem um papel fundamental na sua construção, e a imagem tem a função de cristalizara
sua existência numa pessoa, ou seja, num ator.
Na telenovela o telespectador vai construindo o personagem, por meio dos
diálogos e atitudes que ela vive a vivência, no decorrer da história. A personagem de
telenovela é registrada por meio de sua imagem, da sua expressão corporal e facial e
maneira de falar; por exemplo, o personagem de Carlos Vereza (Senador Caxias), na
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telenovela o Rei do Gado foi um personagem que se tocou simpático aos olhos de
público.
Este personagem conquistou o telespectador, por sua credibilidade e pela sua
familiaridade, seu desempenho e sua contribuição à fantasia de ser um público honesto.
O trunfo de Carlos Veresa, foi saber destacar-se dramaticamente, num sentimento
coletivo, por meio de seus personagens.(Fernando de Araújo Luís: 2001;p.36).
Para Rolf B. Meyersohn, a telenovela é um entretenimento de sala-de-estar”.
“Este entretenimento atraí várias pessoas para sua frente com o intuito de amenizar os
problemas do dia-a-dia e também para lhes fazer companhia. A Televisão afasta as
pessoas de seu mundo,e , com isso, elas vivem uma vida imaginária cheia de ilusão,
provocada pela fábrica de sonhos que é a televisão. ( Rosemberg e David White; Curitiba:
1973;p.401).
Conforme Luís Fernando de Araújo em sua análise da telenovela, afirma que ela
traz em si, dois objetivos fundamentais: o primeiro, em nível conjuntural, visa monopolizar
a atenção do grande público e o segundo, em nível estrutural, para atingir uma qualidade
técnica cada vez mais apurada.
Em relação ao primeiro ponto, afirmamos concretamente, que este faz parte da
justificativa da existência da telenovela, propriamente dita. Na verdade, este tipo de
programa tem seu público certo, que tradicionalmente, acompanha todas as telenovelas
(ou a maioria delas), sejam elas boas (de grande aceitação popular) ou ruins ( pouca ou
nenhuma aceitação popular).
Classificar a qualidade de uma telenovela é, nessa medida, dar consistência a
dados estáticos, que avaliem a popularidade da mesma. Terá uma relação, diretamente
proporcional ao sucesso e ao agrado da clientela a qual é dirigida. Quanto mais bem
aceita pelo grande público, maior será o sucesso da telenovela. Isso, na verdade, não
significa qual a qualidade como telenovela, como se venha a ser uma telenovela
representada, por essa relação proporcional. Essa medida qualitativa é, extremamente
relativa. Pois o sucesso não é diretamente proporcional a qualidade técnica da telenovela.
Isto nos conduz a dois pontos, que devem ser ressaltados. Um deles, diz respeito ao
conceito de qualidade em relação à aceitação popular e o outro, em relação à forma
técnica propriamente dita.
Esses conceitos não precisam, necessariamente. Aparecem juntos, podendo uma
telenovela ter grande aceitação popular e ser tecnicamente ruim e vice-versa. Na
verdade, a opinião pública, dada nesse âmbito, está longe da ótica técnica; talvez o nível
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cultural da clientela para quem a telenovela é dirigida, tenha uma grande influência nesse
sentido.
Outros critérios para avaliar a qualidade de uma telenovela, podem ser adotados,
desde que sejam baseados, na relação do público que assiste ao programa, que o
objetivo principal, de quem realiza o trabalho é atingir o maior número de pessoas
possíveis.
O segundo item diz respeito à questão da estrutura da telenovela apresentada. Em
concreto, essa estrutura será montada basicamente, sobre alguns fatores, tais como, uma
história consistente; a necessidade de existir uma busca, consciente ou não, de um
determinado resultado. Isto é, deverá haver um “suspense”, adiado eternamente até o
capítulo final, ou, na melhor das hipóteses, deverão existir pequenos jogos nos quais, a
verdade não revelada seja demonstrada em seguida, para que outras pequenas
verdades; um elenco de atores, com pelo menos uma certa empatia ( de vilão ou de herói)
com o público, e se tiverem talento melhor, e principalmente, essas várias pequenas
tramas e múltiplas personalidades, que compõem estruturalmente a telenovela, sejam
“amarradas” com extrema habilidade, para que esta não perca, no todo a consciência
necessária, a fim de torná-la insípida e sem interesse.
(Fernando de Araújo Luís: 2001; p.41).
Ainda continuando Luís Fernando de Araújo, a telenovela tende para a conclusão.
O autor arremessa tudo para o final, como um objetivo visado, a telenovela no final de
cada capítulo um clímax de suspense para o telespectador continuar assistindo, no dia
seguinte.
A telenovela também provoca um efeito no telespectador, principalmente quando
esta tem uma boa história um elenco de primeiro, como foi o caso da telenovela A
Próxima Vítima, segurando até o seu final o nome do assassino. Com isso a telenovela
obteve 60 pontos de Ibope.
Continua o autor: O telespectador quer uma telenovela, personagens conhecidos,
emoções baratas, casos melados de amor, risadas fáceis e enredo linear, além de um
suspense”. (Fernando de Araújo Luís: 2001; ps.58,59).
Concluindo, tanto a minissérie como a telenovela obedecem a mesma estrutura,
isto é, segundo a pesquisidora Renata Pallottini é um seriado é uma produção ficcional
para a TV, estruturada em episódios independentes que têm, cada um em si, uma
unidade relativa com o todo” (1998;30).
Continuando, segundo a autora, a minissérie é uma “espécie de telenovela curta,
85
totalmente escrita, via de regra, quando começam as gravações. É uma obra fechada
(Pallottini:1998;28).
Para Hélio Guimarães, um ponto comum para essas minisséries é a tentativa de
produzir narrativas capazes de representar, por meio de melodramas individuais, a
história nacional, ou seja, são dramas pessoais apresentados sob um ponto de fundo
histórico (Guimarães: 2006; p.98).
Renato Ortiz e José M.O. Ramos vão nos dizer que a preparação das minisséries
começa em torno de cinco meses antes do início das gravações. As filmagens das
minisséries são gravadas, em média oito cenas diariamente e os produtores culturais
preferem as minisséries e os seriados, porque são elaborados com recursos e rítmos
mais leves para a criação. (1989:p.178).
Concluindo, sendo a minissérie “uma espécie de telenovela curta” e os
procedimentos técnicos e artísticos os mesmos da telenovela, a análise que fizemos da
telenovela é também aplicável para a minissérie que, também como a telenovela é uma
narrativa seriada, conforme escreve Arlindo Machado sobre narrativa seriada.
2.5- BREVE HISTÓRIOCO DAS TELENOVELAS GLOBAIS
Segundo alguns pesquisadores, depois de percebida a relevância que possui o
objeto escolhido que é as minisséries, tornou-se importante o conhecimento a respeito da
produção de todas as minisséries que foram inspiradas em textos literários feitos até
então, isto é, tomando a necessária precaução devido à quantidade de símbolos
concebidos pelo senso comum, que cercam a televisão e, para fazer um maior
entendimento sobre a possibilidade de haver um sistema de relações entre uma cultura
erudita e outra de massa, no conjunto de produções realizadas pela emissora de
televisão.
Através de pesquisas, de acordo com dados coletados em meados da década de
80 que a Rede Globo inaugurou este novo formato de programa as minisséries
semelhantes às novelas, que mais curtas, na qual, geralmente suas produções que
demandam custos mais altos. Elas são exibidas depois das 22 horas, e é neste horário
que a emissora investe em novas tecnologias como por exemplo, o uso da filmagem em
película (recurso de filmagem cinematográfica). Ao todo, foram produzidos oitenta e
sete minisséries.
Valendo ressaltar que das minisséries produzidas de 1984 até janeiro de 2003,
86
trinta e uma foram feitas tendo por base textos literários, a maioria de autores do século
XX. O interessante, é o fato de que entre os autores mais adaptados estão: Tenda dos
Milagres produzida em 1985; Tereza Batista, feita pela emissora em 1990; Dona Flor e
seus dois Maridos, exibido em 1998; sendo o último Pastores da Noite, no ano passado.
O segundo escritor mais adaptado foi Nelson Rodrigues, com três trabalhos: Meu
destino é pecar, que foi a segunda minissérie adaptada pelo canal de televisão.
Em 1984 foi feita Engaçadinha, e também, A vida como ela é, que foi televisionada
em 1996. Os outros dois autores nacionais mais de uma vez adaptados são: Érico
Veríssimo com O Tempo e o Vento em 1985 e Incidente em Antares no ano de 1994 e
Dias Gomes, com O Pagador de Promessas em 1988, que anteriormente havia sido
adaptado para o cinema, e Decadência, exibida em 1995.
adaptado para o cinema, e Decadência, exibida em 1995.
Com exceção do argentino Mempo Giardinelli, que teve a obra Luna Calente resgatada e
transformada em minissérie em dezembro de 1999, e de Eça de Queiroz, autor português
duas vezes adaptado primeiro com O primo Basilio em 1988 e em 2001 com Os Maias,
as outras vinte e oito produções foram baseadas em autores brasileiros.
De certa forma é possível perceber que uma preferência por títulos nacionais e
outros conhecidos do grande público. Além deste fato, dos vinte e um autores adaptados,
dez são imortais da Academia Brasileira de Letras.
Depois de levantar esses dados a respeito das minisséries, percebemos que a
presença do gênero melodramático nesta indústria de contar histórias, na qual se
especializou a Rede Globo de Televisão, sempre foi significativamente enfatizado. No
entanto, parece evidente que, diferente das telenovelas que abordam preferencialmente
contextos muito próximos do cotidiano, as minisséries são especialização de uma nova
forma de recontar a história de nosso país. Ao se apropriar de autores que, de certa
forma, retratam a realidade nacional através de seus livros, a emissora vem ao longo
desses dezenove anos proporcionar ao grande público a recapitulação de alguns
momentos históricos da nossa sociedade. Houve, desde o início, uma tendência em
reproduzir nas narrativas um clima capaz de mobilizar os telespectadores, criando uma
atmosfera de realismo convincente que, de alguma forma se utiliza de dramas individuais
para retratar os contextos nacionais.
Outro aspecto identificado ao longo da pesquisa e que parece importante relatar é
que, mesmo em casos de fracasso de audiência, como ocorreu com a minissérie Os
Maias, problemas de produção, não impediram a grande vendagem de alguns livros
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adaptados. Reconhecemos que a dramaturgia televisiva inspirada na literatura tem o
mérito de movimentar as livrarias. No mês em que a minissérie (em agosto) foi exibida, no
ano de 1993, o livro de Rubens Fonseca teve mais de trinta mil exemplares vendidos. No
caso do romance Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz. Lançado em 1992,
foram vendidos cinco mil exemplares até maio de 1994, quando a minissérie estreou e,
durante o programa a vendagem dobrou. O sucesso da minissérie A Muralha impulsionou
a venda de livros, mais de dezoito mil exemplares do romance de Dinah Silveira foram
vendidos, que há muito estava fora de catálogo, comprados em janeiro de 2000. Outro
exemplar desta forte influência que as produções da Rede Globo exercem sobre o
mercado editorial está relacionado ao sucesso repentino em torno do livro A casa das
sete mulheres, da autora Letícia Wierzchowsk, lançado em abril de 2002, tinha sido
vendidos, até a estreia da minissérie, treze mil exemplares. Após chegar a TV,
ultrapassaram a trinta mil em três semanas. Enfim, o que podemos concluir com essa
pesquisa que, as minisséries produzidas pela Globo baseadas em grandes autores, não
da literatura brasileira e universal contribuíram de maneira indireta para criar novos
leitores e frequentadores de llivrarias.( Brasil Junior, Antonio da Siva, Gomes Elisa da,
Oliveira, Maria Zenun:Revista Habitus)
2.7- APRESENTAÇÃO DE LUIZ FERNANDO CARVALHO – E AS MINISSÉRIES
Luiz Fernando Carvalho estudou arquitetura e letras. Gostava de desenhar desde
criança, durante a adolescência fez trabalhos de desenho em jornais e revistas. Aos 18
anos, ainda como estagiário, fez seus primeiros trabalhos em cinema. Pouco depois
começou a trabalhar no núcleo Usina de tele-dramaturgia da Rede Globo de televisão,
onde conheceu o diretor de fotografia Walter Carvalho,com quem realizou, desde então ,
diversos trabalhos. Neste núcleo foi diretor assistente de diversas minisséries, como:” O
tempo e o Vento e Grande Sertões Veredas. Em 1986, escreveu e dirigiu o curta
metragem. A Espera, baseado no livro “Fragmentos de um discurso amoroso” de Roland
Barthes. Esse filme recebeu os prêmios de melhor filme, melhor artriz (Marieta Severo) e
melhor fotografia (Walter Carvalho) no Festival de Granado, melhor curta metragem
(Concha de Ouro) no Festival de San Sebastian na Espanha e o Prêmio Especial do Juri,
no Festival de Ste Therése no Canadá. Depois disso teve uma fase produtiva na
televisão. Entre seus principais trabalhos desse período estão a minissérie “Riacho Doce”
(1990), as novelas “Pedra Sobre Pedra (1992).
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No final da década de 1990, conhece o romance Lavoura Arcaica de Raduan
Nasser. Disposto a filmá-lo inicia o projeto de produção. Para isso realiza uma viagem ao
Líbano para tomar conhecimento da cultura Mediterrânea. Durante essa viagem realiza
filmagens que resultaram no elogiado documentário “Que teus olhos sejam atendidos”
(1998), co-produzido pelo canal de televisão GNT.
Realiza então o seu primeiro longa metragem “Lavoura Arcaica” (2001).É o início
de sua carreira brilhante.
a) - Lavoura Arcaica
Narra em primeira pessoa a história de André que é criado na fazenda e foge
paraa cidade, revoltado com a rígida educação instituída pelo seu pai. O Adolescente
que se rebela contra as tradições agrárias e patriarcais impostas por seu pai na
cidade, onde espera encontrar uma vida diferente da que vivia na fazenda de sua família
é encontrado por seu irmão Pedro em uma pensão suja num vilarejo.
André relata ao irmão a maneira amarga, as razões de sua fuga e o conflito contra
os valores paternos que o oprimia justificando assim, a sua fuga da fazenda. O
adolescente em oposição aos carinhos maternos e os ensinamentos punitivos do pai faz
uma jornada não cronológica e sensível da sua infância Por ter a sua formação religiosa
na doutrina cristã, este valoriza acima de tudo o tempo, a paciência, a família e a terra.
Ele tem pressa e não aceita esses valores, quer viver com intensidade incompatível ,com
a lentidão do crescimento das plantas e ser o profeta da sua própria história. Nessa
trajetória sua rejeição e a paixão incestuosa por sua irmã Ana é responsável e tem o
papel fundamental na decisão de fugir da casa da família. Para tentar reconstruir a paz
familiar a mãe desesperada manda Pedro, o filho mais velho buscá-lo. André , de volta à
fazenda foi recebido por seu pai.
Por essa razão, a história é muitas vezes descrita como uma versão invertida da
parábola do filho pródigo, atribuída devido a festa oferecida por seu pai para comemorar a
volta de André e a longa conversa que tiveram que, ao invés de resolverem o conflito
evidenciam a distância intransponível entre as gerações.
Realizado sem roteiro prévio, Carvalho fez questão de utilizar o livro como fonte
primária de todas as falas do filme. (livro de Raduan Nasser, edt.
Lavoura arcaica foi o primeiro filme de Luiz Fernando Carvalho. O filme foi
realizado inteiramente em uma locação, em uma fazenda do interior de Minas Gerais.
Nesta fazenda, os atores e a equipe técnica passaram nove semanas, durante as quais
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aprenderam a trabalhar a terra, ordenhar, fazer pão, bordar e dançar como uma família de
origem libanesa. O próprio autor do texto original, Raduan Nassar, esteve presente
durante esta etapa.
A atriz Simone Spoladore não tem nenhuma fala no filme, mas teve uma
preparação mais longa que a dos demais atores, pois teve que aprender a dançar para as
duas festas que aparecem no filme.
O personagem "André" é vivido por Selton Mello, mas a sua voz enquanto narra em
off suas memórias é do diretor Luiz Fernando Carvalho.
Luiz Fernando Carvalho utilizou sua câmera de maneira diligente, na qual, através
de distorção na imagem mergulhou na psique dos personagens e ilustrou o estado
emocional em que estes se encontram (através de distorções na imagem, por exemplo).
Seguindo esta estratégia, dos closes fechadíssimos, como se procurasse investigar,
através da proximidade da própria alma e com o rosto dos protagonistas. Além disso,
Luiz Fernando Carvalho, ao criar composições de quadros maravilhosos demonstra ser
um verdadeiro pintor, auxiliado pelo O fotografia Walter Carvalho
Lavoura Arcaica tem seu ritmo calmo e pausado, surpreende o espectador
devido às inúmeras maneiras de se expressar através de imagens, dos conflitos morais,
sentimentos morais e psicológicos experimentados por seu trágico herói. Um belo
exemplo pode ser encontrado na cena em que o rapaz se entrega a uma prostituta: em
primeiro plano, vemos a sensual e serpenteante fumaça de um cigarro que se queima,
enquanto, ao fundo (e fora de foco), O casal de amantes se entrega ao sexo sob a
sensual fumaça de um cigarro, Esta riqueza impressiona por sua simplicidade. Ilustra,
simultaneamente, a ânsia sexual de André (o fogo do desejo) e seu castigo por fugir do
que pregam seus valores (o fogo do inferno).
A protagonista vítima de uma paixão desmedida, na qual, com o tempo. Se revela
a natureza de seu próprios impulsos e de sua própria natureza pessoal Atordoado e
embriagado pela visão da dança de Ana ele tira os sapatos e mergulha os pés na terra
fofa . Este gesto se repete em diversas ocasiões. A metáfora de sua comunhão com a
natureza, também é brilhantemente representada na sequencia em que vemos, em ações
paralelas, o André-criança capturar uma pomba, enquanto o André-adolescente consuma
sua obsessão por Ana (o que ocorre, apropriadamente, em um aposento cujas janelas
são bloqueadas por grades). E concluir a representação deste ato sexual proibido com a
forte imagem de um arado cortando impetuosamente a terra é a decisão perfeita. O
incesto cometido pelo casal é meramente um recurso dramático que Nassar utilizou para
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frisar seu ponto de vista massacrado pelo extremo da repressão, no qual ,André se
rebela através do extremo da profanidade.
Esta polarização entre liberdade e repressão, simbolizada pelo conflito Natureza-
Religião, acaba resultando na cena mais importante de todo o filme, quando André,
desesperado pela rejeição, profere um violento discurso em frente a um pequeno altar
(religião), postando-se entre a imagem de uma santa e um vaso de flores (natureza) num
retrato vivo de seu conflito interior.
O roteiro, escrito pelo próprio Luiz Fernando Carvalho, conta com diálogos fortes e
igualmente poéticos, como a explicação de André sobre a disposição, à mesa, dos
membros de sua família Destaca-se, também o amargurado confronto entre pai efilho
que ocorre no ato final do filme. É único momento em que o conflito é claramente
vocalizado.
Lavoura Arcaica recebeu mais de vinte prêmios nos diversos festivais
internacionais, no Grande Prêmio BR de Cinema (2002, melhor atriz para Julianao
Carneiro e melhor fotografia. Em 2001, Melhor contribuição Artística no Festival de
Montreal. Em Brasilia 2001, "Melhor Filme", "Melhor Ator" (Selton Mello), "Melhor Atriz
Coadjuvante" (Juliana Carneiro da Cunha) e "Melhor Ator Coadjuvante" (Leonardo
Medeiros). Mostra de Cinema, o Paulo 2001, prêmio do público. Festiva de
Cartagena "Melhor Filme", "Melhor Diretor", "Melhor Fotografia" e "Melhor Trilha Sonora".
Em 2001, Festival de Havana: "Prêmio Especial do ri", "Melhor Ator" (Selton
Mello), “Melhor Fotografia” E “Melhor Trilha Sonora”. Em 2002, ABC Tropy “Melhor
Fotogra fia de Longa Mentragem”. Em 2002, Festival de Buenos Aires de Cinema
Independente, Prêmio DADF de Fotografia, Prêmio de Público, Prêmio Kodak e Mensão
Especial para Luiz Fernando Carvalho. Festival de Guadalajara (México 2002),
considerado o Melhor Filme, pelo Juri Internacional.
b) - Os Maias Tramas e Personagens
Inspirada no romance de Eça de Queiroz (1845–1900), a minissérie de Maria
Adelaide Amaral, conta uma história que acontece na frívola de Lisboa de outros tempos.
Traz também personagens de outros dois romances do autor português: A Relíquia e A
Capital. A minissérie conta com um narrador, o ator Raul Cortez, que conta toda a história
em “off”, como se fosse o próprio Eça de Queiroz.
Os Maias retrata a decadência da aristocracia portuguesa na segunda metade do
século XIX. O romance se propaga sobre o pais com uma perspectiva muito derrotista e
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pessimista, é a história de uma família tradicional. Dividida em duas partes, a minissérie
conta os trágicos destinos dos Maias ao longo dos anos.
A trama tem início em 1788, quando Pedro da Maia (Leonardo Vieira), filho do
patriarca Afonso da Maia (Walmor Chagas), apaixona-se por Maria Monforte (Simone
Spoladore). Herdeiro de uma das mais nobres famílias portuguesas, Pedro , o oposto de
seu pai é um rapaz inseguro e frágil, que sempre foi contra à educação cristã que sua
mulher passava ao filho. Pedro vivia enclausurado pela melancolia, desde da morte da
mãe, quando ele conhece a bela e envolvente Maria Monforte, sua vida se transforma
inteiramente. Afonso reprova o romance, mesmo presenciando a felicidade de seu filho,
isto é devido ao passado nebuloso do pai de Maria, Manuel Monforte (Stênio Garcia), um
negreiro que não pertence à alta sociedade de Lisboa. Dom Afonso da Maia é um homem
rígido, íntegro de ideias firmes. Liberal em suas convicções políticas, mas é
extremamente conservador quanto aos valores familiares e tenta impedir de todas as
formas que seu filho se casa com Maria Monfortede. Quando jovem, aderiu aos ideais do
Liberalismo e, viveu na Inglaterra até a morte de seu pai, antes de mudar-se para Lisboa,
Apesar de todas as artimanhas de Afonso, não consegue alterar o destino de Pedro e
Maria.
Pedro extremamente apaixonado e envolvido decide romper com o pai para se
casar com seu grande amor. Eles têm dois filhos: Maria Eduarda (Ana Carolina Herquet) e
Carlos Eduardo (Samir Alves). A vida do casal é normal e feliz até o dia em que, num
acidente que fere o príncipe italiano Tancredo durante uma caçada, este fato, transforma
a felicidade familiar. A fim, de se desculpar, leva o príncipe para se recuperar em sua
casa. Tancredo aceita e passa a conviver com a família. Deste convívio, nasce uma
paixão incontrolável entre ele e Maria Monforte. Maria torna a situação grave quando
resolve fugir com o príncipe, levando com ela a pequena Maria Eduarda e deixa o filho
Carlos Eduardo para ser criado pelo pai. Pedro, inconsolável volta para o Ramalhete, a
casa de Dom Afonso. Apesar de toda a mágoa, o pai o recebe. Apesar do tempo passar,
Pedro da Maia não se recupera do duro golpe que sofrera e nem ao pequeno Carlos
Eduardo ele consegue se dedicar. Solitário e deprimido, Pedro se suicida com um tiro no
peito. Afonso decide, então, criar o neto segundo suas convicções. O patriarca deixa a
mansão da família e se muda para a Quinta de Santa Olávia, outra propriedade dos
Maias, onde inicia uma nova vida ao lado de Carlos Eduardo. Apesar de muitos
reprovarem a forma como Dom Afonso educa o pequeno Carlos, especialmente Abade
Custódio (José Lewgoy) e Eugênia Silveira (Jandira Martini), que o criticam principalmente
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pela falta de orientação religiosa. Afonso com muito amor e dedicação cuida do neto
seguindo preceitos ingleses, com rigorosa disciplina, valor ao conhecimento e sem
religião.( Termina a primeira fase da minissérie).
O tempo passa, Carlos Eduardo (Fábio Assunção) aos 25 anos é um rapaz
carismático, belo e impetuoso, forte e viril. Conclui o curso de medicina na Universidade
de Coimbra. Do avô, herdou a rigidez de valores, a honra e o caráter, da mãe, o jeito
intenso e romântico. O gênio apaixonado e a integridade moral o tornam um grande
homem. Seus grandes amigos são João da Ega (Selton Mello), Vitorino Cruges (Ilya São
Paulo), Teodorico Raposo (Matheus Nachtergaele) e Craft (Dan Stulbach).
João da Ega é seu fiel e incomparável companheiro, com quem Carlos desenvolve
uma amizade sincera e duradoura e um grande elo afetivo. Possui vários amigos da
faixa etária, alguns responsáveis e religiosos, outros fracos e libertinos, sem religião e
sem caráter.
Através desses jovens personagens, a minissérie discute valores como educação,
família e casamento, religião e política, além de mostrar como cada um desses jovens
portugueses encara a vida, as mulheres e o futuro.
Dom Afonso da Maia está com 75 anos e continua a ser o grande alicerce da
família Maia, um homem respeitado e adorado por todos. Seus valores permanecem
rígidos, mas, com o tempo, torna-se um homem mais calmo e generoso. É a segunda
fase da história. A relação com Carlos Eduardo é de extrema amizade e confiança. Dom
Afonso conquista também a simpatia dos amigos do neto, que adoram se reunir em sua
casa para ouvir as histórias daquele homem culto, com quem eles podem conversar sobre
literatura, política e mulheres sem repressão.
Depois da formatura, Carlos retorna a Lisboa e, Dom Afonso decide voltar a morar
no Ramalhete. Faz a reforma da mansão na qual conta com a ajuda de Vilaça (Ewerton
de Castro), o administrador da família Maia, um homem íntegro e muito fiel a Dom Afonso.
Maria Eduarda (Ana Paula Arósio) chega a Lisboa acompanhada do marido, Castro
Gomes (Paulo Betti), um comerciante brasileiro, e da filha, Rosa (Isabelle Drummond).
Bonita e inteligente, é uma mulher sensível e sensata, dotada de muito caráter. Tem um
passado nebuloso, que vai se revelando ao longo da história. Ao conhecer Maria Eduarda,
Carlos fica completamente apaixonado. O sentimento é recíproco, mas ela faz tudo para
evitar a aproximação. Carlos, por sua vez, não consegue parar de pensar naquela mulher,
que ele considera seu grande amor, cercando-a de todas as formas. Um dia, Castro
Gomes parte para o Brasil a negócios. A pequena Rosa adoece, e Maria Eduarda é
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obrigada a permanecer em Lisboa para cuidar da filha. Com o afastamento de Castro
Gomes, Carlos se sente livre para declarar todo seu amor e o faz. Apesar de muito
resistir, o desejo é incontrolável, e Maria Eduarda acaba cedendo àquela envolvente
paixão.
Dom Afonso percebe o comportamento distante do neto e, aos poucos, descobre
que Carlos está apaixonado por Maria Eduarda, uma mulher casada. Temendo que o neto
tenha o mesmo destino do pai, Dom Afonso reprova o envolvimento do neto, pois
compara Maria Eduarda à Maria Monforte, a mulher que desgraçou a vida de seu filho,
Pedro.
Distante de Castro Gomes, Carlos e Maria Eduarda passam a viver dias de
felicidade plena, sentindo-se capazes de enfrentar tudo e todos para ficarem juntos.
Mas a felicidade é atrapalhada quando ficam sabendo dos rumores que começam a correr
Lisboa sobre o romance dos dois. Interessado em destruir a reputação de Carlos
Eduardo.
A situação se complica quando Castro Gomes volta a Lisboa e rompe com Maria
Eduarda, humilhando-a e revelando que nunca foi casado com Maria Eduarda e que não
é pai de sua filha. Amigo da mãe de Maria Eduarda, Castro Gomes, encantado com a
beleza da jovem, acolheu-a quando a viu passando necessidades em Paris. Ele se propôs
a ajudar a jovem e, ainda, pagar o tratamento de sua mãe, doente, se ela fosse viver com
ele. Sem alternativas, Maria Eduarda aceitou a proposta do brasileiro.
As tramas da narrativa vão se cruzando e se fechando até que a mãe de Maria
Eduarda, à beira da morte, decide procurar a filha em Lisboa para revelar toda a verdade
sobre seu passado. Ao chegar na casa de Maria Eduarda, ela encontra Carlos. Em
seguida, vai ao Ramalhete, onde novamente o rapaz, que se apresenta como Carlos
da Maia. A mãe de Maria Eduarda é Maria Monforte. Ao constatar que seu filho é o grande
amor de sua filha, Maria Monforte se desespera, em uma comovente cena, quase um
trecho de ópera.
Dom Afonso, ciente da tragédia, exige que o neto à casa de Maria Eduarda
contar-lhe toda a verdade. Ao chegar lá, Carlos não tem coragem de revelar a trágica
descoberta, e os dois acabam se amando, numa das cenas mais fortes da minissérie.
Dom Afonso, com maus pressentimentos e preocupado com a demora do neto, decide ir
atrás dele. Ao ver que Carlos está trancado no quarto de Maria Eduarda, Dom Afonso
sofre. Quando Carlos chega ao Ramalhete, troca apenas um olhar com o avô,
confirmando a tragédia que assolava a família Maia. O golpe é duro, e Afonso não
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suporta. Ele desfalece e morre. Quando Carlos percebe, agarra-se ao corpo do avô, em
desespero, pedindo desculpas.
Depois da morte do avô, Carlos revela à Maria Eduarda que os dois são irmãos e
informa que ela terá todos os bens a que tem direito. Desesperada, Maria Eduarda cai em
prantos volta com a filha para Paris, mas antes, visita o túmulo de Dom Afonso e Carlos a
vê pela última vez na estação de trem.
A produção de Os Maias foi realizada com uma minuciosa pesquisa para ajudar
no trabalho da produção, na qual foram explorados entre outros aspectos figurinos, arte,
cenografia e maquiagem, com o objetivo de reproduzir com xima fidelidade, a estética
e o comportamento da época.
Alguns meses antes do início das gravações, o elenco e a equipe participaram de
palestras feitas por especialistas na obra de Eça de Queiroz, realizadas no Projac. Os
palestrantes foram Beatriz Berrini, doutora em Letras pela Universidade de São Paulo,
considerada a maior especialista em Eça de Queiroz no Brasil; Campos Matos,
consagrado arquiteto português, estudioso e autor de livros sobre a obra do escritor;
Nicolau Servcenko, historiador especializado no século XIX; Isabel Pires de Lima,
portuguesa, membro do projeto Eça de Queiroz e conselheira de redação da Revista
Queiroziana; e Carlos Reis, português, diretor da Biblioteca Nacional de Lisboa.
As cenas de interior foram gravadas no estúdio da Renato Aragão Produções, em
Vargem Grande, no Rio de Janeiro. Outros locais da cidade também foram utilizados
como locação para a minissérie, como o Teatro Municipal, o Palácio do Catete e o Museu
do Açude, todos com caracterização de época.
Os figurinos foram inteiramente confeccionados na oficina de costura da TV Globo.
Alguns adereços e peças foram comprados em Londres, na Espanha e em Portugal,
como os lenços de seda e os robes orientais usados por João de Ega. Todas as
indumentárias seguiram as descrições detalhadas de Eça de Queiroz na apresentação de
seus personagens. O autor dava detalhes de objetos, cores, tecidos, movimentos,
sombrinhas e outros adereços. As roupas das atrizes contavam com crinolina (armação),
blusa de baixo, calçola, botina, espartilho, vestido, luvas, bolsinha, leque e adereços de
cabelo. Para os homens, sobrecasaca, capote, cartola, luvas, bengala, botas, calça,
gravata e colete.
A maquiagem também merece destaque. Cabelos volumosos, barbas, bigodes e
cavanhaques marcavam a caracterização masculina. Entre as mulheres, várias atrizes
tingiram os cabelos, como Ana Paula Arósio, que aparece loira, e usaram lentes de
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contato. Assim como Ana Paula Arósio, o ator Fábio Assunção também usou lentes de
contato castanhas. A equipe de maquiagem contou com o trabalho da maquiadora inglesa
Joan Hills, que trabalhou no filme Um Amor de Swann, de Volker Schlondorff.
Para dar mais realismo às cenas ambientadas em Portugal, a minissérie foi
gravada durante seis semanas em várias regiões do país, sendo a primeira produção da
TV Globo a passar tanto tempo fora do Brasil. Foram a Portugal 26 integrantes de um
elenco de mais de 50 atores, além de 95 pessoas da equipe de produção. Cerca de 50
portugueses trabalharam na minissérie, que também contou com a participação de três
atores estrangeiros no elenco: os ingleses Philip Croskin (mister Brown) e Ruth Brennan
(miss Sarah) e o italiano Fabio Fulco (Tancredo). Foram utilizados 16 carros, que davam
suporte às equipes, incluindo três ônibus para o figurino, que também serviram como
camarim.
Em Portugal, a equipe gravou no Vale do Douro, ao norte do país, onde foram
feitas as sequencias da colheita de milho e uva mostradas na história. Na estação de trem
de Vargelas, foi gravado o embarque de trem de Carlos da Maia para Coimbra, quando o
personagem ingressa na faculdade de Medicina. A cena do enterro de Pedro Maia foi
realizada na vila de Monção, quase na fronteira com a Espanha. A cidade de Sintra
também serviu de cenário para várias gravações.
A tradicional casa dos Maias, conhecida como o Ramalhete, teve como fachada um
antigo casarão abandonado em Lisboa, de 1788, de propriedade particular.
Para ajudar na composição de seus personagens de época, os atores tiveram a
assessoria de Nelly Laporte, que os instruía sobre postura e gestual, e de Glorinha
Beuttenmüller, para a dicção.
Para viver o poeta Tomás de Alencar, o ator Osmar Prado conta que emagreceu
dez quilos, colocou megahair, deixou a barba e as unhas crescerem. Tudo para passar a
imagem de um verdadeiro poeta romântico: um homem descompromissado com
aparência, interessado somente na essência dos seres humanos.
A série foi produzida em parceria com a emissora portuguesa SIC (Sociedade
Independente de Comunicação) e estreou simultaneamente em Portugal e no Brasil.
Os Maias marcou a volta do diretor Luiz Fernando Carvalho à TV Globo, após três
anos afastado da televisão para se dedicar ao filme Lavoura Arcaica (2001).
Em 2004, a Globo Vídeos lançou Os Maias em DVD. O DVD contou com edição de
Luiz Fernando Carvalho, que fez alterações no formato da série, cortando as partes da
narrativa que se referem aos romances. A Relíquia e A Capital. São 940 minutos,
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distribuídos em quatro discos. Os extras trazem depoimentos de alguns atores do elenco,
como Ana Paula Arósio, Fábio Assunção, Walmor Chagas e Selton Mello, além de
comentários da autora Maria Adelaide Amaral sobre a adaptação do romance para a
televisão. Outro destaque do DVD são as notas sobre a obra literária, através de Beatriz
Berrine, professora titular de literaturas portuguesa e brasileira da PUC - o Paulo. A
versão exclusiva teve a primeira tiragem esgotada no Dia das Mães.
Os Maias recebeu os prêmios de melhor cenografia, fotografia e direção de arte do
II Festival Latino-Americano de Cine Vídeo de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
André Sperling produizu a trilha sonora de Os Maias Entre as canções, contou com
a gravação especial de uma peça sinfônica inédita, feita pelo maestro John Neschling,
que regeu uma orquestra de 90 integrantes.
A música tema de abertura era a forte e marcante O Pastor, do grupo português
Madredeus. A canção marcava também as sequencias impactantes da história. Além da
música de abertura, o conjunto foi responsável por outras três faixas da trilha: As Ilhas dos
Açores, Haja o que Houver e Matinal. ( 2007:Memória Globo- DVD Os Maias; 2004).
c)- A Pedra do Reino
A pedra do reino, minissérie dirigida por Luiz Fernando Carvalho, é co-produção da
TV Globo com a produtora independente Academia de Filmes. Adaptada do livro O
romance d´a pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, considerado a obra-
prima do escritor paraibano Ariano Suassuna que foi exibida de 12 a 16 de junho de 2007,
em comemoração aos 80 anos do escritor, que fez aniversário no dia da exibição do
último capítulo..
Filmada em 16 mm e finalizada em alta definição, foi adaptada por Braulio Tavares,
Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho que também assinou a direção da trama.
Foi a primeira realização do projeto Quadrante, idealizado para mostrar a diversidade
cultural do país através da adaptação de obras literárias nacionais filmadas na região
onde se passa a história original, com a participação de elenco e mão-de-obra locais. O
projeto visa descentralizar o processo artístico e de produção, além de ajudar na
formação de novos profissionais, criando um viés educacional. A pedra do reino teve
como cenário a cidade de Taperoá, no sertão da Paraíba.
O livro, escrito em 1971 é um misto de romance de cavalaria e novela picaresca,
mostrando que as culturas nordestina e sertaneja têm raízes ibéricas, com muitos
elementos da Idade Média, da comedia dell´arte e também da cultura árabe, por conta de
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mais de 700 anos de dominação de Portugal e Espanha pelos mouros. Lendas,
sebastianismo, fatos verídicos, muita tira e o universo das cavalhadas, dos
romancistas, cordelistas, cantadores e repentistas do sertão estão presentes na
adaptação feita para a TV, que ganhou desfechos inexistente no livro, criados pelo
próprio Ariano Suassuna especialmente para a minissérie.
É uma epopeia sertaneja que narra as aventuras, delírios e desventuras do
cronista-fidalgo, acadêmico e poeta-escrivão D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna, um
sertanejo contador de histórias, que recorre a seus antepassados e a suas memórias para
lidar com as inquietações existenciais. Quaderna sonha ser o Grande Gênio da Raça, o
autor de um “romance heroico-brasileiro, ibero-aventuresco, criminológico-dialético e
tapuio-enigmático de galhofa e safadeza, de amor legendário e de cavalaria épico-
sertaneja” , “uma espécie de Sertaneida, Nordestíada ou Brasiléia”. É o escritor de uma
grande obra literária que expressa a verdadeira identidade nacional. Em seu “estilo régio”
de enxergar e contar o mundo, ele usa a imaginação para dar novo colorido à realidade.
Tanto no livro quanto na adaptação para a TV, Quaderna atua como o narrador da
história.
Ficção e fatos reais se misturam na narrativa desenvolvida por Ariano Suassuna.
Quaderna é bisneto de João Ferreira Quaderna, (Nill de Pádua), real líder sebastianista
que se proclamou legítimo rei do Brasil e causou a morte de muitos fiéis em nome da
ressurreição de Dom Sebastião, o rei português desaparecido em 1578, aos 24 anos, na
famosa batalha entre mouros e cristãos em Alcácer-Quibir, no Marrocos. O derramamento
de sangue orquestrado por João Ferreira se deu em 1838, aos pés de duas rochas
compridas e paralelas, conhecidas como Pedra Bonita - nome primitivo da Pedra do
Reino , na região de São José do Belmonte, em Pernambuco. Sua seita, formada por
fanáticos religiosos, defendia que aquelas eram as torres da catedral do reino de Dom
Sebastião, que seriam desencantadas com o sangue de sacrifícios humanos. Após muitas
mortes, os fanáticos foram presos ou mortos pela polícia.
Quaderna junta a história de seu bisavô a outro acontecimento trágico - a morte
misteriosa de seu tio-padrinho, o rico fazendeiro D. Pedro Sebastião Garcia-Barreto
(Pedro Henrique), quem ele considerava um pai. Ele é afilhado e sobrinho de Dom Pedro
Sebastião por parte de mãe, Maria Sulpícia (Vanderléia Pimenta). Em suas pesquisas,
conclui que suas duas famílias remontam ao mesmo rei: Dom Sebastião, de Portugal.
Influenciado pelas histórias de realeza e pela cultura sertaneja em que foi criado,
convivendo com cantadores, poetas populares, folguedos e cavalhadas do sertão,
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Quaderna passa a sonhar com um novo reino. Ele vai à Pedra do Reino e se coroa Rei,
herdeiro legítimo do trono do sertão e do Brasil, e dá início ao projeto de sua grande obra.
Quaderna pretende juntar referências eruditas, políticas e intelectuais em seu
projeto literário. Para tanto, mescla conhecimentos sobre genealogia, astrologia e cultura
opular, herdados de seu pai, Pedro Justino (Moisés Gonçalves), e do violeiro e poeta João
Melchíades (Abdias Campos), com as ideias políticas e literárias de seus dois mentores, o
revolucionário comunista Clemente Ravasco (Jackyson Costa) e o monarquista
conservador Samuel Wandernes (Frank Menezes).
Samuel é um promotor de justiça, fidalgo dos engenhos do Recife, apaixonado pela
aristocracia e pelos brasões armoriais. Ele sustenta que a família Garcia-Barreto tem
origem no próprio rei Dom Sebastião de Portugal, que, após escapar da morte na
batalha contra os mouros, teria vindo incógnito para o Brasil. Direitista, Samuel declara
fidelidade a Plínio Salgado, o fundador do movimento ultranacionalista Ação Integralista
Brasileira. Clemente é um advogado e historiador, negro-tapuia, que foi professor de
Quaderna na infância e, como esquerdista e partidário do líder comunista Luís Carlos
Prestes, sonha com revoluções como as de Zumbi dos Palmares e a que o líder religioso
Antônio Conselheiro empreendeu em Canudos, no interior da Bahia. Companheiros e
eternos adversários, ele e Samuel se desentendem constantemente, mas não conseguem
ficar afastados um do outro.
Quaderna funda com seus dois mentores a Academia dos Emparedados do Sertão
da Paraíba, integrada apenas pelos três. Influenciado pelas diferentes vertentes políticas
e culturais, passa a se intitular “monarquista de esquerda”. E em sua busca pela real
identidade do Brasil, defende que a verdadeira base do povo brasileiro está na
miscigenação dos povos europeu, africano e indígena.
Na minissérie, a história tem início com a chegada a um povoado, de um trupi
circense, liderada por um velho palhaço. Em sua carroça-palco, ele abre um grosso livro
e dá início à representação de um romance memorialístico: A pedra do reino. O palhaço é
Pedro Dinis Quaderna, o protagonista do romance, já envelhecido, e as histórias são suas
próprias lembranças. É a partir daí, que a narrativa se desdobra em três tempos e
espaços diferentes e se comunicam entre si: o momento em que o velho palhaço
comanda um espetáculo popular de rua; as imagens em que ele, mais jovem, está preso
e escreve sua história; e as cenas do inquérito, promovido pelo Juiz Corregedor da capital
(Cacá Carvalho), que o levam à prisão.
Ao invés de ser um problema, o interrogatório acaba sendo a solução para que
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Quaderna escreva sua obra. Por causa do “cotoco”, uma proeminência óssea no final de
sua coluna, ele não pode ficar sentado por muito tempo, dedicado à redação de sua
epopeia. Uma vez no inquérito, poderia contar, em pé, todos os acontecimentos
relacionados a sua vida, aproveitando o depoimento datilografado pela escrivã Margarida
(Millene Ramalho), moça pura e recatada da alta sociedade taperoaense, para escrever
sua saga.
Quaderna sente atração por Margarida, mas é repelido por ela, que, no entanto,
sucumbe às investidas do depoente após ser provocada por relatos maliciosos de
episódios, que a deixam constrangida e excitada. A máquina de escrever acaba unindo os
dois personagens, pois é ela que registra as memórias que Quaderna sonha em
transformar em livro. Com o depoimento escrito, ele pode, enfim, fazer a obra do
Gênio Raça e concluí-la antes de seus dois concorrentes, Clemente e Samuel, que
também desejam o título.
A razão da prisão de Quaderna, que acontece no ano de 1938, é a invasão da
cidade de Taperoá, três anos antes, por uma estranha cavalgada de ciganos que conduz
um jovem e enigmático rapaz montado num cavalo branco: Sinésio, o Alumioso (Paulo
César Ferreira), filho de D. Pedro Sebastião, dado como morto. A cavalgada é comandada
pela misteriosa figura do Doutor Pedro Gouveia (Júlio César) e acompanhada por Frei
Simão (Márcio Tadeu), misto de frade e cangaceiro, e por Luís do Triângulo (Tavinho
Teixeira), guerreiro da guerra civil de Princesa, ocorrida em 1930. Mas o grupo é
emboscado às portas da cidade, pelo bando de cangaceiros de Ludugero Cobra-Preta
(Lázaro Machado), e todos acreditam que a armadilha foi armada a mando de Arésio (Luiz
Carlos Vasconcelos), meio-irmão de Sinésio, com quem ele não queria dividir a herança
deixada pelo pai. Quaderna é intimado por causa de uma carta anônima endereçada ao
Juiz Corregedor da capital que o acusa de envolvimento nos acontecimentos, tidos como
uma rebelião popular. Afinal, vivia-se um clima político carregado, com a Revolução de
1930, a Revolução Comunista de 1935 e o golpe do Estado Novo, em 1937.
Acontecimentos de 1930 são mostrados na trama, quando Dom Pedro Sebastião
Garcia-Barreto , a Quaderna a missão de conduzir o filho caçula à capital da Paraíba,
onde ficaria em segurança na casa do sócio Edmundo Swendson (Germano Haiut).
D.Pedro Sebastião participou da Revolução de 30, que foi deflagrada contra o
presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa, por isso, considera prudente afastar o
filho da cidade. É na casa do sócio de seu pai que Sinésio conhece Heliana Swendson
(Mayana Neiva), por quem se apaixona. No mesmo ano, porém, D. Pedro Sebastião é
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apunhalado e morto de forma misteriosa, num pequeno quarto sem janelas, na torre de
sua fazenda, com a porta trancada por dentro, enquanto que, Sinésio desaparece sem
deixar rastro. Silvestre perde-se pelos caminhos do sertão, vivendo como guia do
rabequeiro Pedro Cego (Mestre Salustiano) e empreendendo uma busca incessante por
D.Sinésio. Seus últimos anos de da, D. Pedro Sebastião estava se tornando cada
vez mais místico e misterioso: encomendava escavações e dizia ter encontrado um
tesouro escondido. Chegou a preparar um mapa do tesouro, prometendo a Quaderna que
lhe revelaria sua localização, mas morre antes disso.
Sinésioi, conhecido como “o príncipe do povo e do sangue do vai-e-volta”,
ressurge em 1935, cinco anos depois, na tal estranha cavalgada, no momento em que
Arésio receberia toda a herança do pai, depois dos anos de interdição, em função do
desaparecimento tanto do testamento quanto do filho caçula.
A cidade se divide entre os mais abastados, que tomam o partido de Arésio, e o
povo, que adere a Sinésio. Ao ver o “príncipe” ressuscitado, a população acredita que ele
é a encarnação do rei Dom Sebastião de Portugal, que, finalmente, voltou para instaurar
seu reino místico, representando a redenção de todo o povo pobre sertanejo. Instaura-se
o conflito, com emboscadas e tiros entre os partidários dos dois filhos de Dom Pedro.
No longo depoimento prestado ao Juiz Corregedor, Quaderna desfia os
acontecimentos relacionados a sua história, entre eles o sangrento movimento messiânico
de seus antepassados na Pedra do Reino; a infância na fazenda de seu padrinho; a
formação religiosa no Seminário da Paraíba, de onde foi expulso quando expôs suas
ideias sobre o inusitado catolicismo-sertanejo, religião regada a mulheres e vinho; e os
encontros amorosos com Maria Safira (Renata Rosa), a esposa de Pedro Beato (Everaldo
Pontes) - velho sábio e penitente que nunca lhe tocou o corpo. Foi Safira, mulher tida
como possessa, quem salvou Quaderna dos efeitos do “chá de cardina” que seu pai lhe
dava na adolescência para “abrir” a inteligência, mas que prejudicava a virilidade.
Ele também relata suas estranhas visões com personagens míticos como a Moça
Caetana (Mayana Neiva), mulher bela e terrível, com dorso felino de onça e pescoço
envolto em uma cobra coral que lhe serve de colar. É uma mensageira da Morte, assim
como a Onça Caetana (Jyokonda Rocha), mistura de bicho-fêmea e mulher, que exerce
um fascínio próprio de sua divindade. Além disso, Quaderna também discorre sobre o
misterioso mapa do tesouro, a morte do padrinho, o desaparecimento de seu filho
predileto e a associação entre o primogênito Arésio e o maior inimigo de seu pai em vida,
o usineiro Antonio de Moraes (Jones Melo).
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Muitos outros personagens aparecem nos relatos do depoente. Como o idealista e
visionário Adalberto Coura (Tay Lopez), jovem revolucionário que tenta convencer Arésio
a usar sua ferocidade e personalidade dominadora a favor da Revolução Socialista. Mas,
embora despreze as autoridades, Arésio é um individualista, contrário às teorias
revolucionárias. A jovem Maria Inominata (Jyokonda Rocha) está no meio dos dois, noiva
de Adalberto e antiga paixão de Arésio, que ele viola para desafiar o amigo a continuar
querendo a moça “por amor aos oprimidos”.
Na narração de Quaderna também aparecem Clara Swendson (Iziane
Mascarenhas) e Gustavo de Moraes (Anthero Montenegro), filhos de Edmundo Swendson
e Antônio de Moraes, adversários nas atividades econômicas e políticas. Os dois jovens
são a favor de um “embranquecimento” da raça humana e fazem um pacto de amor casto,
em uma alusão ao nazi-fascismo.
Outro personagem destacado por Quaderna é o violeiro Lino Pedra-Verde (Flávio
Rocha), seu amigo de infância, acostumado a ter visagens desde menino. Suas
premonições se agravaram depois que passou a mascar erva-moura e beber o vinho
encantado da Pedra do Reino, cuja receita foi descoberta por Quaderna.
Ao final do inquérito, o Juiz, exasperado com o intimado que mistura informações
reais e concretas, formulações eruditas e lendas, relatos, crenças e superstições
populares, considera-o louco e o liberta. Mas Quaderna pede-lhe que seja preso,
confessando que foi ele próprio quem escreveu a denúncia anônima para se utilizar do
depoimento datilografado e escrever sua saga.
O Juiz satisfaz o desejo de Quaderna e o coloca na prisão. Lá, ele escreve sua
história. E, bem envelhecido, como que inserido em um sonho, é sagrado rei da Távola
Redonda da Literatura do Brasil, por poetas, escritores e acadêmicos do Brasil e do
mundo, entre eles Shakespeare (Frank dos Santos), Cervantes (Maurício Castro), Arthur
Azevedo (João Irênio) e Olavo Bilac (Tavinho Teixeira).
A produção das filmagens de A pedra do Reino em Taperoá, incluindo o período de
preparação do elenco, foram realizadas durante os três últimos meses de 2006.
Habitantes da cidade e de regiões próximas passaram por um processo de seleção para
trabalhar nas mais diversas atividades, atendendo à proposta da minissérie de formação
de profissionais locais. Quatro integrantes do elenco são taperoaenses de nascimento, a
menina que viveu a pequena Rosa é moradora de Taperoá e os intérpretes de Quaderna
e Arésio crianças moram, respectivamente, nas cidades vizinhas de Juazeirinho e
Assunção.
102
Taperoá conviveu com mais de 250 “forasteiros”, entre profissionais das diversas
áreas e os cerca de 60 atores escalados para a minissérie. O elenco de A pedra do reino
é formado essencialmente por atores nordestinos, em grande parte escolhidos após
pesquisas e testes nos principais centro culturais do Nordeste. Todos com as mais
diversas origens artísticas, desde integrantes de grupos de teatro de rua a profissionais
com passagens pelo cinema e larga experiência teatral, que nunca haviam feito TV e, por
o ator Irandhir Santos. O pernambucano, ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante no
39º Festival de Brasília, por sua atuação no filme Baixio das bestas (2007), de Cláudio
Assis. Ele fez sua estreia na TV nesta minissérie.
Uma cidade cenográfica foi construída no trecho final da principal rua de Taperoà
conhecido como Chã da Bala. O cenário foi concebido como uma cidade-lápide, com
detalhes que lembravam um cemitério. A ideia era criar um espaço de louvor à memória
dos antepassados. As casas existentes no local ganharam revestimentos nas fachadas, o
chão recebeu 40 cm de terra e a areia, de 2 mil metros quadrados, ganhou 35 nichos e foi
fechada de forma a transformá-la em uma arena octogonal. Um portal, com um espaço
interno cenografado como uma igreja, foi construído para, dentro do contexto da história,
servir de ligação entre o mundo externo e o universo mágico da arena. Também foi
erguida uma edificação representando os Arcos de Roma. Uma das casas da arena foi
usada como base para os camarins de figurino e caracterização. A área de cenografia,
chefiada pelo cenógrafo João Irênio, aproveitou cerca de 80 pessoas da região para
levantar e adereçar a cidade cenográfica em pouco mais de 25 dias. A carroça de
Quaderna, posicionada no centro da arena, também mereceu atenção especial. Ela foi
inspirada nas carroças ciganas e tinha dois palcos giratórios, cujo movimento circular
representava o ponteiro de um relógio: uma forma de trabalhar o tempo cíclico.
Também foram usados como locações uma cadeia desativada (cenário do inquérito
a que Quaderna é submetido); a Serra do Pico - o ponto mais alto de Taperoá; e uma área
na cidade vizinha de Cabaceiras. O cenário da cadeia tinha uma estrutura semelhante a
um octógono tridimensional, intercalando paredes móveis que se deitavam no chão com
duas arquibancadas, onde se sentavam todos os personagens, fazendo as vezes de
plateia. O espaço, todo em madeira, multiplicava-se em diversas formas, a partir da
improvisação dos atores e da câmera.
O supervisor de caracterização Vavá Torres também recrutou pessoal para dar
apoio na maquiagem. Assim que chegou em Taperoá, foi em busca de cabeleireiros e
maquiadores e formou um grupo de cinco meninas para confeccionar perucas. Em troca
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de sobras de cabelos para montar perucas, barbas e bigodes, ofereceu cortes gratuitos
de cabelo na cidade. Não faltaram voluntários.
Para ter maior controle da luz e alcançar a fotografia desejada, as filmagens
contaram com um butterfly de 2600m2, dividido em três módulos de 800m2 cada,
sustentado por 16 colunas de 14m de altura. O butterfly foi montado pelos funcionários da
empresa Cinecidade, de José Macedo de Medeiros, o Jamelão, com o apoio de mais seis
trabalhadores locais.
Obras de artistas plásticos como Giotto, El Greco, Goya e Velásquez, além de
referências barrocas, medievais e sertanejas, serviram de inspiração para a estética
adotada na minissérie. Couro, metal, chapas de fotolito, lata, tapeçarias, restos de ossos,
palha, madeira, palitos de picolé, enfim, os mais diversos materiais foram utilizados tanto
na confecção dos figurinos supervisionados por Luciana Buarque quanto na criação dos
objetos alegóricos elaborados no ateliê de arte. A oficina de arte, supervisionada pelo
artista plástico Raimundo Rodriguez, envolveu 24 artesãos na criação de objetos e
animais cenográficos, entre coroas, espadas, marionetes, bichos selvagens e mais de 40
cavalos em tamanho natural, feitos com sobras de materiais como palha de milho e de
carnaúba, estopa, resto de isopor, ossos, latas, serragem e papel, todos equipados com
um mecanismo que permitia a sua movimentação em cena. A equipe de artesãos contou
com profissionais reconhecidos, como o pernambucano José Lopes da Silva Filho,
conhecido como Mestre Lopes, um dos mais conceituados criadores de mamulengos
do Brasil, responsável pela produção dos bichos articulados utilizados em diferentes
sequencias da minissérie.
As equipes de figurino, arte, cenografia e caracterização foram encabeçadas pelos
mesmos profissionais que trabalharam com Luiz Fernando Carvalho na minissérie Hoje é
dia de Maria (2005).
O trabalho de preparação do elenco da minissérie A pedra do reino envolveu três
meses de intensa dedicação, entre aulas de expressão corporal e voz, interpretação,
leitura do texto, palestras e mergulho na obra do escritor. A atriz Fernanda Montenegro,
embora não estivesse no elenco, foi convidada pelo diretor para abrir os ensaios com uma
palestra para os atores. O psicanalista junguiano Carlos Byington e o próprio escritor
Ariano Suassuna também falaram ao elenco: o primeiro analisou os arquétipos dos
personagens, e o autor discorreu sobre a obra e suas motivações ao escrevê-la.
Diariamente, o elenco ensaiava com o diretor Luiz Fernando Carvalho e sua equipe
de colaboradores, entre eles: Tiche Vianna, diretora e pesquisadora da linguagem teatral
104
no Barracão Teatro em Campinas, que trabalhou a preparação do corpo através de
máscaras de expressão; o ator Ricardo Blat, que atuou nas duas jornadas de Hoje é dia
de Maria e trabalhou como preparador do elenco na área de interpretação; a professora
de dança Lúcia Cordeiro, responsável pelo trabalho de consciência corporal e respiração;
e a bailarina Mônica Nassif, que deu aulas de dança para o grupo.
Os atores também tiveram uma iniciação à estética e aos passos de dança do
Cavalo Marinho, teatro popular de rua nascido na zona da mata pernambucana, utilizado
pela direção na transposição do romance para a TV. Instrumentos, personagens e
reconhecidos músicos do folguedo, como os tocadores de rabeca Mestre Salustiano e
Luiz Paixão, atuaram na minissérie. Além da rabeca, instrumentos como bage, pandeiro,
ganzá e apito fazem parte da brincadeira, que é composta por música, dança, poesia,
coreografias, loas, toadas e reúne cerca de 76 personagens divididos em três categorias:
animais, humanos e fantásticos. Os personagens, com suas máscaras próprias,
improvisam a partir do tema das toadas tocadas pelo banco de instrumentistas e
cantadores. Mateus e Bastião são os dois palhaços responsáveis por levarem todos os
personagens para dentro da roda. É a commedia dell’arte brasileira. Inserir o cavalo
marinho na adaptação da obra de Suassuna foi mais uma forma de enriquecer a
encenação com elementos da cultura popular, linha que norteou todo o trabalho. As
roupas usadas pelo Quaderna velho, o palhaço medieval, por exemplo, foram inspiradas
na imagem do personagem Cucurucu, da commedia dell’arte, e nos palhaços Mateus e
Bastião, mostrando como a cultura brasileira foi impregnada pela cultura medieval e
ibérica.
Outra manifestação de rua presente no enredo é a Cavalhada, folguedo popular do
Nordeste inspirado nas lutas dos cristãos contra os mouros, que contrapõe 12
participantes vestidos de azul a outros 12 vestidos de vermelho, respectivamente
liderados pelo Rei Azul (interpretado na série pelo dançarino pernambucano Pedro
Salustiano, filho do famoso músico Mestre Salustiano) e pelo Rei Encarnado (Henrique
Albuquerque). Os integrantes vestiam burrinhas feitas em papelão e metal, penduradas
em suspensórios, inspiradas no personagem Capitão, do Cavalo Marinho. Os passos do
Cavalo Marinho, ensinados ao elenco por Pedro Salustiano, serviram de base para a
coreografia da Cavalhada encenada na minissérie.
A popular Folia de Reis serviu de inspiração para a criação do coro da Maria do
Badalo, formado pelas cantoras Sandra Belê e Renata Rosa, e por Zefinha e Maíca -
duas cantadeiras da região de Aliança (PE). O grupo formou uma espécie de coro de
105
tragédia grega, que acompanha a fábula e age como a consciência crítica do povo.
Sandra Belê é de Zabelê, uma cidade incrustada no sertão paraibano, que tem apenas
dois mil habitantes. Renata Rosa nasceu em São Paulo, mas se apaixonou pelo canto e
folguedos populares da zona da mata pernambucana e do baixo São Francisco alagoano
e passou a se dedicar a eles, inclusive tocando rabeca. O coro era acompanhado pela
rabeca do músico Luiz Paixão.
As duas formações rochosas pontiagudas conhecidas como Pedra do Reino foram
pintadas em um enorme painel, de 14m de altura e 8m de largura, pelo artista plástico
Dantas Suassuna, filho de Ariano Suassuna. O painel foi usado como cenário para as
cenas do massacre sebastianista promovido pelo bisavô de Quaderna.
A minissérie conta com alguns efeitos especiais, como imagens inseridas por
computação gráfica, realizados pelas equipes da Lobo e da Vetor Zero, empresas deo
Paulo.
A Editora Globo lançou dois volumes sobre a realização da minissérie. O primeiro
contendo os fac-símiles dos roteiros de filmagem de Luiz Fernando Carvalho, com
anotações, desenhos e comentários rabiscados pelo diretor durante as gravações, e um
livreto com trechos dos diários do diretor, do elenco e da equipe criados espontaneamente
durante os períodos de ensaios e filmagens. O segundo volume é um livro de fotos com o
registro do trabalho de preparação dos atores e das filmagens.
Durante o mês de exibição da minissérie, uma exposição foi montada no Centro
Cultural da Ação da Cidadania, no bairro da Saúde, no Rio de Janeiro, mostrou ao público
parte da cenografia, dos figurinos e dos objetos de arte criados para o programa.
O Quadrante foi o primeiro projeto de teledramaturgia da TV Globo trabalhado em
multiplataforma, com conteúdos complementares exibidos em diferentes mídias. O canal
GNT realizou um documentário sobre a vida e a obra de Ariano Suassuna. O Multishow
exibiu uma edição especial do Revista Bastidor, mostrando o processo de criação,
entrevistas e o dia-a-dia das filmagens. E o Sistema Globo de Rádio transmitiu entrevistas
com os atores da minissérie e artistas ligados ao Movimento Armorial.
No último dia de filmagem da minissérie, em 22 de dezembro de 2006, a TV Globo,
a Fundação Roberto Marinho, o governo do estado da Paraíba e a prefeitura de Taperoá
assinaram na cidade paraibana os termos de cooperação técnica para os projetos “Casa
de Cultura Ariano Suassuna” e “Tecendo o Saber”, sistema de educação do ensino
fundamental. A Casa de Cultura Ariano Suassuna, que entraria em funcionamento na
estreia da minissérie, foi concebida para ser um centro de referência da cultura local. O
106
imóvel escolhido para sediar o projeto, construído por João Dantas Suassuna, pai de
Ariano, e onde o escritor passou a adolescência, abrigou os ateliês de direção de arte e
cenografia. Além de uma sala de visitação com exposição permanente da obra do escritor
e de criações feitas para a minissérie, abrigaria uma oficina e uma loja de artesanato para
atender aos artistas da região e aos que integraram as equipes de figurino e arte, para
Exibições especiais da minissérie A pedra do reino foram realizadas em salas de
cinema de alta definição, em sete cidades brasileiras - Rio de Janeiro, o Paulo, Belo
Horizonte, Brasília, Fortaleza, João Pessoa e Porto Alegre -, entre os meses de agosto e
setembro de 2007. As sessões foram divididas em duas partes: episódios 1, 2 e 3;
intervalo; e episódios 4 e 5. O público pôde assistir às duas sessões em sequencia ou em
dias diferentes. Foi a primeira vez no país que uma série feita para a televisão ganhou as
salas de cinema conservando seu formato original - dividida em cinco partes. As exibições
em salas digitais, em um curto intervalo de tempo desde a transmissão na televisão,
foram possíveis porque toda a pós-produção da série foi realizada com tecnologia digital
de alta definição. Nas salas de cinema digitais, a série foi projetada com qualidade de
imagem inédita e mixagem de som em 5.1. Em algumas cidades, foram realizados fóruns
com o diretor, o elenco e a equipe de criação da minissérie.
Em outubro de 2007, a Globo Marca, em parceria com a Som Livre, lançou o DVD
A pedra do reino, contendo dois discos que reúnem os capítulos da minissérie, o
documentário “Taperoá” - sobre o processo de criação vivido na cidade e a interação da
equipe com os moradores locais - e um ensaio fotográfico em preto e branco batizado de
“Nossa carroça”.
Em 2008, os diretores de fotografia Adrian Teijido e José Tadeu Ribeiro ganharam o
prêmio de Melhor Direção de Fotografia oferecido pela Associação Brasileira de
Cinematografia (ABC).
A trilha sonora original de A pedra do reino foi elaborada por Marco Antônio
Guimarães, compositor do renomado grupo mineiro Uakti, conhecido por desenvolver
seus próprios instrumentos musicais. Ele re-editou com o diretor Luiz Fernando Carvalho
a parceria do filme Lavoura arcaica (2001) e criou uma mistura estético-cultural unindo
ritmos ibéricos, árabes, indianos, nordestinos, ciganos e indígenas. Entre os instrumentos
que usou na minissérie estão o “chori” (feito com uma cabaça grande e duas cordas) e o
“iarra”, ambos tocados com arco. (2007: Memória Globo- DVD e Roteiro :A pedra do
reino).
Concluindo, com Luiz Fernando Carvalho que nessa produção, sugere um novo
107
formato de teledramaturgia que, não tem início, nem fim, cada episódio tem vida própria,
mas ao mesmo tempo, tem uma unidade que faz sentido no universo labiríntico de Ariano.
Minissérie é dividida em quatro pontos: alma, cabeça, membros e coração. Na alma o
objetivo espiritual do protagonista é revelado. No tronco a imaginação e a realidade se
chocam. A cabeça revela o embate entre o Quaderna e o Juiz corregedor personagem
que apresenta a razão em choque com o universo dos sonhos. Na parte dos membros, a
narrativa oral invade a TV e fragmenta as questões do personagem principal em
pequenos contos. Por fim, no coração, a trama aponta para um caminho aberto, que
sinaliza para a moralidade. A trama é mais adulta que Hoje é dia de Maria.
Os benefícios gerados pelas gravações abrangeu várias áreas e setores, a
mesmo um telecurso do ensino fundamental, para alfabetizar 682 pessoas, em onze
meses. Fachadas das casas foram restauradas, postes altos foram substituídos por
postes baixos com fiação subterrânea e até uma nova cadeia e uma nova igreja em
alvenaria a cidade ganhou. A atriz Fernanda Monte Negro ministrou curso de teatro para
os candidatos atores. Quinhentos figurantes foram contratados e receberam diárias de
dez reais e mais três refeições que foram oferecidas durante as filmagens; isto quer dizer,
novo empregos temporários para uma população carente. Todo o figurino da minissérie foi
feito por oito costureiros de Taporoá. Artesões participaram de oficinas de materiais
reciclados com cenógrafos, levados pela emissora para desenvolver adereços de cavalos
e caricaturas. Criadores de caprinos e ovinos também faturaram; quinhentos quilos de
carne foram consumidos pelos participantes da filmagem. Hotéis, casas de materiais de
construção, pousadas e o comércio local foram beneficiados, enfim, cerca de 800
pessoas encontraram trabalho durantes as gravações. (DVD: A Pedra do Reino:2007).
d) – Hoje é dia de Maria
A minissérie Hoje é dia de Maria, objeto deste mestrado, foi baseada na obra de
Carlos Alberto Soffredini (1939–2001) e apresentou um formato inovador para a televisão.
A estreante Carolina de Oliveira foi escolhida entre duas mil crianças para dar vida
à protagonista da história e contar as aventuras da doce Maria vivida pelo mundo afora.
A atriz mirim, além de participar das oficinas do elenco foi ensaida pela atriz Maria Clara
Fernandes.
Os elementos folclóricos e místicos trazidos pelos autores estão presentes em
contos populares compilados por Câmara Cascudo, Mário de Andrade e Sílvio Romero.
Uma história com linguagem, estrutura narrativa e estética baseada nos sonhos que é
108
recheada de metáforas e simbolismo.
Maria é uma menina graciosa e prendada. Sabe cozinhar e fazer um café de dar
água na boca de seu pai (Osmar Prado), dono de uma roça que já deu de comer a muita
gente da região. A menina enfrenta uma vida dura no roçado, onde o sol forte prejudica a
plantação e fez adoecer sua Mãe (Juliana Carneiro da Cunha), que acabou morrendo. O
pai de Maria sofre muito com a morte da mulher e pelos filhos que se espalharam pelo
mundo fugindo da seca, se sente sozinho, sem a companheira de tantos anos e po isso,
começa a beber. Quando ele decide se casar novamente Maria se sente feliz, isto porque,
ela acha que sua Madrasta (Fernanda Montenegro) irá trazer alegria a seu triste Pai. A
Madrasta é uma pessoa má, tem uma filha, cujo o nome é Joaninha (Thainá Pina) uma
menina gordinha que vive comendo milho e passa a maltratar Maria. A pequena Maria
decide partir cansada de tanto mau tratos e perseguição da Madrasta. Segue em
direção as franjas do mar, o seu grande sonho com uma trouxinha e uma chavinha no
pescoço. Um Pássaro a protege e é quem a acompanha ao longo de toda sua jornada.
Ao longo da caminhada, pela estrada do País do Sol a Pino, lugar onde nunca
anoitece, Maria encontra diversos personagens como: o Maltrapilho (Rodolfo Vaz), o
Homem do Olhar Triste (Rodolfo Vaz) e os meninos Carvoeiros. No sítio, enquanto isso, o
pai sofre com a ausência da filha e resolve partir em sua busca. Sozinha com Joaninha
em um lugar abandonado e infértil, certa de que pai e filha foram em busca de um valioso
tesouro, a Madrasta decide segui-los.
Sua jornada se torna cada dia mais difícil, um homem com quem ela se esbarra
no caminho, Asmodeu (Stênio Garcia) é o seu primeiro e grande obstáculo. Ele acabara
de trocar a sombra do ingênuo Gandaia (Gero Camilo) por um pedaço de pão. Maria
não esperava que ao decidir ajudar o seu amigo Candaia a conseguir recuperar sua
sombra, arrumaria o seu pior inimigo o Asmodeu que, na realidade, é o próprio diabo em
carne e osso. Ele resolve perseguir a menina, fingindo ser diferentes personagens. Faz
tudo para confundir e se vingar de Maria.
A primeira maldade de Asmodeu é roubar a infância da menina, transformando-a
em uma mulher, de uma hora para a outra. Crescida e muito triste, Maria (Letícia
Sabatella) encontra a Madrasta e sua filha, Joaninha (Rafaella Oliveira), também mais
velha. As três mulheres ficam sabendo que um Príncipe (Rodrigo Rubik) promoverá um
baile para escolher sua futura esposa. Maria se anima com a ideia, mas logo desiste, pois
não tem roupa para ir ao baile. Ela não contava com a ajuda de um Mascate (Rodolfo
Vaz) que encontra pelo caminho e lhe consegue um vestido azul da cor do céu e um lindo
109
par de sapatos para ir à festa. O Mascate, no entanto, avisa Maria que, à meia-noite,
acaba a alegria. Maria está dançando com o Príncipe quando ouve as badaladas do
relógio e sai apressada. Ela deixa um de seus sapatos pelo caminho, e o Príncipe,
apaixonado pela bela jovem, consegue encontrá-la. Eles marcam o casamento, mas
Maria descobre que, na realidade, ama seu Pássaro protetor, que durante a noite se
transforma em um lindo homem chamado Amado (Rodrigo Santoro). Ela desiste do
Príncipe e sua sina passa a ser esperar o dia passar para poder abraçar seu amor
durante toda a noite.
Nesse momento da história, a trama ganha mais dois importantes personagens: os
irmãos saltimbancos Quirino (Daniel Oliveira) e Rosa (Inês Peixoto). Maria se junta aos
dois, e eles passam a levar alegria para o povo em troca de moedas. Tudo parecia correr
bem até que Quirino se apaixona por Maria. Ele fica com muito ciúme quando vê sua
adorada nos braços do Amado. Asmodeu, que nunca abandona Maria, se aproveita da
fraqueza de Quirino e sugere que ele aprisione o Pássaro, para que a jovem fique mais
livre para ele.
Maria acaba perdendo o Amado, mas, para sua surpresa, encontra o Pai. Cansado
e velho, ele se junta aos saltimbancos e parte com o grupo. Até que um dia, Ceição
(Juliana Carneiro da Cunha), a Mãe de Maria, aparece para o marido. Numa bela cena, o
Pai segue a mulher, dizendo que sempre a amou. Os dois se sentam em um banco de
pedra e dividem um pedaço de bolo de milho, prometendo ficarem juntos dali em diante.
Maria acorda e o corpo do Pai, imóvel. Ela chama por ele e chora ao perceber que ele
morreu.
Apesar da tristeza pela morte do pai, Maria não desiste de encontrar seu grande
amor e parte em busca de Amado. Mais uma vez, Asmodeu dificulta o caminho da pobre
Maria: o diabo faz nevar no sertão e congela o Pássaro. Maria o encontra, dentro de um
bloco de gelo, imóvel e sem vida. Com a intensidade de seu amor, ela consegue
descongelar o coração da ave. Livre do bloco de gelo e nos braços de Maria, o Pássaro
se transforma em Amado, e ela chora de felicidade.
Implacável em sua perseguição, Asmodeu decide transformar Maria em criança
novamente, e ela surge no meio do sertão, na mesma estrada onde o diabo lhe tirara a
infância. Com sua trouxinha nos braços, ela passa a fazer o caminho inverso, de volta
para o tio de onde partiu, um pouco confusa com suas lembranças. Maria segue sua
jornada, temerosa em voltar para a casa onde sua Madrasta certamente irá maltratá-la
novamente. No entanto, a menina tem uma grande surpresa ao avistar o sítio do Pai: o
110
lugar está bonito e bem cuidado, com os irmãos e a Mãe ao redor da casa. Maria não
entende em que tempo está, mas fica feliz por encontrar a família e a casa toda rodeada
de verde.
É quando Asmodeu aparece para tentar novamente amaldiçoar a vida da pobre
menina, mas ela, com a ajuda de um espelho que o amigo Mascate lhe dera, consegue
transformar o diabo em uma lata velha. Um Ciganinho (Phillipe Louis) aproxima-se do sítio
e de Maria. Os dois brincam e conversam, e, aos poucos, ela percebe que o menino é
Amado e todos os outros personagens que a ajudaram em sua travessia. Os dois partem
em direção ao mar e, emocionados, avistam a imensidão azul com a qual Maria tanto
sonhava.
Maria, em sua segunda jornada que teve cinco capítulos, ao passar pela cidade, no
caminho de regresso para casa conhece a realidade do mundo, um pesadelo do gigante,
consegue a amizade de Dom Chico Chicote e juntos conhecem a guerra, o consumismo,
o trabalho infantil, a posição social feminina e, nas suas tarefas difíceis é reconhecida
como heroína. No final, é a avó de Maria quem narra a história ao público e a própria
Maria que está doente e delirante.
A minissérie demonstra claramente a existência do bem e do mal que domina o
destino do homem desde de sua criação.
O texto reúne uma coleção de histórias populares brasileiras na trajetória de Maria,
no qual estão presentes temas do nosso dia-a-dia como: a família, a infância maltratada
e desamparada, a fé e a exploração do trabalho infantil.
O processo criativo de Luiz Fernando Carvalho, na produção da microssérie,
trouxe para a televisão, alguns recursos da linguagem do cinema e do teatro.
Esse processo criativo é de grande relevância; isto porque, transforma a literatura
em teledramaturgia, ou seja, adaptações da literatura para a linguagem audiovisual, em
uma produção que caminha para os sentidos do espectador, (o sensorial), sem que o
espectador perceba e conheça todos os recursos da tecnologia para envolvê-lo.
As personagens buscam o crescimento psicológico e espiritual e uma certa
identificação entre a obra e os telespectadores. O arquétipo heroico da personagem
demonstra aspectos iguais a qualquer ser humano.
O telespectador, ao identificar-se com o herói e/ou heroína da história, vive suas
conquistas, desafios, sofrimentos e aventuras, numa série de vivências no mundo irreal
e imaginário.
A Microssérie, em uma síntese entre o popular e o erudito, entre o simples e o
111
sofisticado ultrapassa as fronteira da televisão ao unir diversas linguagens da artecomo:
pintura, dança, computação gráfica, teatro, animação e música.
As imagens e a trilha sonora e as interpretações não devem nada a qualquer
telenovela e muitos produções cinematográficas. O tom era meio fresco e lembrava
encenadas em palcos improvisados nas peças das cidades pequenas do interior. O
grande diferencial é que a minissérie conseguiu transpor todo esse universo de cultura
popular para uma sofisticada produção televisiva, sem tirar a sua autenticidade. A rie
rendeu ainda uma segunda edição, apresentada na semana da criança em outubro do
mesmo ano de (2005). O roteiro adaptado por Luiz Alberto de Abreu foi lançado nas
livrarias. Luiz Fernado Carvalho, em entrevista afirma:
Minha motivação no cinema é a passagem de um estado para o outro. A
cada instante, preparar o espectador como um pintor escolhe e mistura as suas cores, ou
como um pajé reúne suas folhas para depois extrair dela um conjunto de sensações.
passamos de um estado para o outro, se este conjunto de sensações existir.
ultrapassamos a mera construção técnica de um filme se formos capazes de gerar uma
fabulação, um sonho, com tamanha força de contaminar o escuro do cinema como uma
peste”.
A produção da minissérie foi toda gravada no grande domo, o antigo palco onde
foi realizado o Rock in Rio III. O espaço, com formato circular, como uma representação
do globo terrestre, foi todo reciclado para a produção. A estrutura foi montada sobre o solo
natural, de terra, sem base de concreto. Internamente, seu cenário era composto por um
ciclorama, todo pintado à mão, de 170m de comprimento por 10m de altura, que
circundava toda a extensão da cúpula. O painel é resultado do trabalho do artista plástico
Clécio Regis e sua equipe. Cada uma das sete principais mudanças de paisagens
previstas: o milharal, a Terra do Pino fornalha, vilarejo, lavoura e bosque. A tela pesava
mais de uma tonelada e consumiu 2.170 litros de tinta. Conforme Maria mudava de
paisagem, o ciclorama era repintado, sem precisar ser desmontado.
Ao todo, 25 profissionais trabalharam durante 50 dias para montar as 48 toneladas
de estrutura de aço e os 5.800 de lona da cobertura. Com 54m de diâmetro e 26m de
direito, o domo exigiu atenção especial, pois como normalmente as produções
trabalham em estúdios retangulares, foi mais trabalhoso transpor as idéias para um
cenário em formato circular. Foram necessárias 48 viagens de carreta para que a
estrutura do domo fosse finalmente erguida. A novidade também exigiu atenção
redobrada em alguns aspectos, como a acústica, que foi resolvida com 3.000m² de
112
painéis acústicos suspensos na parte superior da cúpula.
Como temos grande profundidade de percepção visual, trabalhamos a realidade,
ao mesmo tempo com que podemos criticá-la na sua extensão”. (Luiz F. Carvalho).
Em determinada passagem, a cenografia é objeto principal dentro do domo. Como
a casa de Maria, a pintura se encarrega dos elementos que são perspectivas a que o
cenário, em outras cenas exigem e o jogo se inverte. A casa da madrasta por exemplo, foi
pintada no painel e a cenografia ficou incumbida de fazer a ligação com elementos tridi-
missionais. Como o portão e o jardim da casa, por exemplo. Na produção de arte todos os
objetos usados passaram por um pouco de envelhecimento ou adequação a linguagem, o
trabalho foi essencialmente artesanal.
As equipes de arte, figurino e iluminação trabalharam com a ideia de reaproveitar
materiais. Tudo foi feito de forma quase artesanal. A iluminação, por exemplo, reconstruiu
refletores sucateados do antigo Teatro Fênix, no Rio de Janeiro. Foi a solução
encontrada, pois os refletores ideais para iluminar o ciclorama não são mais fabricados.
Foram usados mais de 420 refletores, além dos quatro focos de luz que dividiam o teto da
cúpula e da passarela, por onde se deslocava o refletor de 20 mil watts que, às vezes,
representava o sol.
Para o figurino, a equipe vasculhou o acervo da Rede Globo para recriar a partir
de peças usadas, aposentadas. É uma forma de se aproximar da linguagem arcaica que
está presente em todos os elementos da minissérie. Luiz Fernando Carvalho queria que
as roupas tivessem antepassados “poderia ter sido bordado da bisavó, por isso é mais
apertadinho e tem uns remendos” explica Luciano, que também se inspirou na cultura
popular e não perdeu de vista que os personagens são arquétipos tudo o que lhe permitiu
explorar infinitas possibilidades.
A caracterização, lado a lado com o figurino é responsabilidade de Vavá Torres,
especialista em efeitos especiais de maquiagem. “Minha maior preocupação era em
relação aos Asmodeus, que são sete. Quero que, apesar das diferenças de cada um
deles, eles tivessem uma mesma linguagem. Achar o Asmodeu original foi o mais
complicado, que a partir desde os demais seriam criados. Testamos vários chifres,
perucas e máscaras”. Conta Vavá que Luiz Fernando Carvalho acabou preferindo a
simples. Sem máscara, Staneo Garcia veste peruca com o aplique de dois pequenos
chifres de tonalidade próxima ao osso e tem o corpo e o rosto pintado. Nos pés, o ator
calça uma botina, na qual Vavá colocou por cima da modelagem de uma pata de bode,
com apenas dois dedos.
113
Luiz Fernando Carvalho queria que as roupas tivessem antepassados. “poderia ter
sido bordado da bisavó, por isso é mais apertadinho e tem uns remendos” explica
Luciano, que também se inspirou na cultura popular e não perdeu de vista que os
personagens são arquétipos tudo o que lhe permitiu explorar infinitas possibilidades. Na
animação e computação gráfica , para realizar as cenas de animação o diretor Luiz
Fernando Convidou Cesar Coelho, um dos diretores do festival Anima Mundi, tanto na
cena em que maria (Carolina Oliveira ) , quando no baile do príncipe Cesar usou a técnica
pixilallation, onde cada gesto dos autores é fotografado e posteriormente anotado.
Mesmo na tecnologia de ponta usada na minissérie exige por trás do computados, um
trabalho artesanal.
Os profissionais utilizaram técnicas e materiais não tradicionais. Alguns figurinos
exigiram maior trabalho, como a roupa de palha tecida por passarinhos para Maria. A
equipe também contou com o trabalho do estilista Jun Nakao, que construiu roupas de
papel para diversos personagens. No total, foram usadas mais de 850 folhas de papel
prensado com texturas. Além do Príncipe e da Mucama (Denise Assunção), as roupas de
papel vestiram bonecos na cena do baile.
A produção de arte precisou passar todos os objetos usados em cena por um
processo de envelhecimento ou adequá-los à linguagem estética da minissérie. Foram
criados desde folhas de milho a estandartes de festas populares. O artista plástico
Raimundo Rodrigues criou objetos especiais importantes na narrativa, como coroas,
adereços de cabeça, carroças e gaiolas. Nordestino, criado no Rio de Janeiro, Raimundo
Rodrigues trabalha com materiais descartados, considerados sucata. Ele também foi
responsável pela construção do Asmodeu em lata e dos cavalos dos Cangaceiros (Marco
Ricca, Ilya São Paulo e Aramis Trindade). Os cavalos foram feitos em tamanho real, com
fibra de vidro, e ganharam ares de pelagem com a mistura de diversos tecidos e retalhos.
Raimundo usou ainda papel laminado e uma tintura envelhecida para criar o aspecto de
armadura e transformou chapinhas de garrafa em medalhas. Outra criação do artista foi o
Morto. Inspirado em Portinari, o personagem tinha as mãos, pés e rosto avantajados, tudo
esculpido em madeira. Para o corpo, ele usou pano e serragem.
No baile do príncipe, os bonecos vestidos com figurinos de papel inicialmente são
retraídos e sombrios, mas se esticam no transcorrer da cena para seduzir e envolver
Maria naquele mundo asqueroso. Para que a equipe possa amassar as roupas de
papel, quadro a quadro , a cena foi gravada de trás para frente. Quanto a prosadia tem
um papel importante na forma como esta história está sendo contada. O texto original foi
114
escrito a partir das pesquisas do dramaturgo Carlos Alfredo Soffredini, que se buscou no
folclorista e filósofo paulista Amadeu Amaral.
A minissérie reuniu também profissionais do grupo de teatro de bonecos
Giramundo, responsáveis pela construção do clima lúdico da história. Entre os muitos
bonecos criados para a produção, o Pássaro, par romântico da heroína da minissérie,
mereceu atenção especial. Sua confecção exigiu um verdadeiro trabalho de equipe dos
integrantes do Giramundo: Ulisses Tavares desenvolveu o corpo, Sophia Felipe, as patas,
garras, cabeça e crista, e Eduardo Félix encontrou a asa ideal, em formato de “leque”, e o
rabo da ave. Pesando 12 quilos, todos os elementos do Pássaro eram manipulados
através de 20 fios e foram necessários dois meses para que o produto final fosse
finalmente construído. Depois disso, o Pássaro ainda passou pelas mãos do artista
plástico Raimundo Rodrigues, que trabalhou com o metal, material não utilizado em
marionetes, para o acabamento final. O objetivo era transformar o pássaro em uma figura
mítica. Com papel alumínio e spray dourado, Raimundo Rodrigues construiu uma carcaça
metálica para a ave. O resultado chamou a atenção do telespectador.
Além das inúmeras inovações em seu formato, a minissérie contou também com
cenas de animação, dirigidas por sar Coelho, um dos diretores do festival Anima
Mundi. Tanto nas sequencias em que Maria encontra os Executivos (Charles Frick e
Leandro Castilho).
A preparação do elenco de Hoje é dia de Maria foi extremamente cuidadosa. Cerca
de um mês e meio antes das gravações começarem, os atores tiveram oficinas de corpo,
canto, prosódia e dança, para auxiliar na composição de seus personagens. Alguns atores
tiveram aulas de música especiais, como Daniel de Oliveira, cujo personagem tocava
violino; Inês Peixoto e Rodolfo Vaz, cujos personagens tocavam sanfona; e Gero Camilo,
que teve aulas de pandeiro.
Toda a equipe da minissérie participou de um seminário sobre a obra de Cândido
Portinari, conferido por João Cândido Portinari, filho do pintor e responsável pelo Projeto
Portinari. A iniciativa de Luiz Fernando Carvalho pretendia familiarizar todos os envolvidos
no projeto da minissérie com o universo do qual ela tratava. Produção e elenco também
participaram de um workshop com o psiquiatra Carlos Byington, sobre arquétipos e mitos.
Outro desafio do elenco foi interpretar a legítima fala caipira. Para isso, a prosódia
teve papel fundamental na narrativa. O trabalho da pesquisadora Íris Gomes na minissérie
começou com o estudo da pronuncia das palavras. Ela fez enumeras leituras com o
elenco até que os atores acostumassem os seus ouvidos e se sentissem a vontade com o
115
texto. A pesquisadora destaca que falar com sotaque caipira não é suficiente, também é
essencial empregar as palavras respeitando os seus significados. O texto original da
minissérie foi escrito a partir das pesquisas do dramaturgo Carlos Alberto Soffredini sobre
a fala caipira.
A fotografia, para assegurar que o lirismo e a beleza das cenas captadas por sua
câmera também estivessem presentes nas fotos de divulgação da microsséri, o diretor
Luiz Fernando Caravalho se cercou dos fotógrafos da TV globo Renata Rocha Miranda,
gianne Carvalho , joão Miguel Jr, Marcio de Souza. Os profissionais , acostumados á
cobertura do dia-a-dia nas produções da emissora, mergulharam em um novo conceito
de ensaio fotográfico. Fiz um estudo sobre a minissérie, sobre a história, sobre os
personagens e a narrativa, para tentar traduzir na fotografia a imagem em movimento ”,
explica Giane, uma das responsáveis pelas fotos da primeira jornada, a experiência
serviu como aprendizado. Tentei ficar o mais próximo da câmera que fazia a filmagem
para não comprometer enquadramentos e iluminação, mas tinha liberdade de explorar
além do que estava sendo filmado. Deixei minha imaginação soltar.
Com imagem em alta definição, a minissérie foi gravada com duas câmaras
de HD.
Uma das diferenças entre a abordagem de Hoje é dia de Maria e outras produções
é a questão de iluminação. Na microssérie, os fotógrafos usaram flash, em todas as fotos,
a luz utilizada foi a própria cena. Muitas vezes a luz era o suficiente para mim. Então eu
procurava outras forma de resolver isso. A limitação de luz foi positiva e me fez mais
criativa (Gianne). João Miguel que fotografou tanto na primeira como na segunda
jornada, explica outra diferença no ritmo do trabalho. Normalmente no dia-a-dia de mais
pique. Na foto jornalística, você precisa estar na hora certa e na posição certa. “É uma
foto de momento. quando você tem exclusivamente uma produção como Hoje é dia de
Maria, pode explorar mais posições, os ângulos”. Quanto a luz e pintura é um dos
personagens que o diretor pintou um quadro a cada cena. Uma das diferenças entre as
abordagem de Hoje é dia de maria e outras produções é a questão de iluminação. Na
microssérie, os fotógrafos usaram flash; em todas as fotos, a luz utilizada foi a própria
cena. Muitas vezes a luz não era o suficiente para mim. Então eu procurava outras
formas de resolver isso. A limitação de luz foi positiva e me fez ser mais criativa (Gianne).
João Miguel que fotografou tanto na primeira como na segunda jornada, explica outra
diferença no ritmo do trabalho. Normalmente no dia-a-dia é demais pique. Na foto
jornalística, você precisa estar na hora certa e na posição certa. “ È uma foto de
116
momento. Já quando você tem exclusivamente uma produção como Hoje é dia de Maria,
pode explorar mais as posições, os ângulos”. Quanto a luz e pintura é um dos
personagens que o diretor pintou um quadro a cada cena.
O diretor de fotografia da minissérie, José Tadeu Ribeiro, procurou dispor os
reflexos de forma que a iluminação ficasse suave como a do céu, variando de acordo com
o cenário durante a travessia da Terra do Sol a Pino, José Tadeu trabalhou uma luz mais
dura, que propiciou um recorte de sombra maior. no bosque, onde são filmadas as
matas noturnas, a proposta é outra, uma luz dura entra por painéis de folhas que estão
suspensas na altura do Ciclorama, provocando sombra nos galhos das árvores
cenográficas que não tem copa. Embaixo, a luz que ilumina as árvores é mais suave,
mas sem perder o contraste. As noites tem uma luz mais fria , resultando num ciclo, num
efeito prateado, como se fosse o brilho da luz no lago.
Uma das diferenças entre as abordagem de Hoje é dia de maria e outras
produções é a questão de iluminação. Na microssérie, os fotógrafos usaram flash; em
todas as fotos, a luz utilizada foi a própria cena. Muitas vezes a luz não era o suficiente
para mim. Então eu procurava outras formas de resolver isso. A limitação de luz foi
positiva e me fez ser mais criativa (Gianne). João Miguel que fotografou tanto na primeira
como na segunda jornada, explica outra diferença no ritmo do trabalho. Normalmente no
dia-a-dia é demais pique. Na foto jornalística, vo precisa estar na hora certa e na
posição certa. “È uma foto de momento. quando você tem exclusivamente uma
produção como Hoje é dia de Maria, pode explorar mais as posições, os ângulos”. Quanto
a luz e pintura é um dos personagens que o diretor pintou um quadro a cada cena.
Jussara Xavier e sua equipe criaram desde folhas de milho a estandarte de festas
populares. O material usado é o mais variado e misturado possível, palhas, fitas coloridas,
rendas, estandarte de santos e até as sementes, foram usadas para fazer o miolo como
para enfeitar o estandarte. Na animação e computação gráfica , para realizar as cenas de
animação o diretor Luiz Fernando Carvalho convidou Cesar Coelho, um dos diretores do
festival Anima Mundi, tanto na cena em que Maria (Carolina Oliveira), quando no baile do
príncipe Cesar usou a técnica pixilallation, onde cada gesto dos atores é fotografado e
posteriormente,animado e anotado. Mesmo na tecnologia de ponta usada na minissérie
exige por trás dos computados, um trabalho artesanal.
Mestre Salustiano, de Pernambuco, um dos maiores rabequeiros da América
Latina, fez uma participação especial na minissérie. Ele tocou rabeca ao lado do filho
Pedro, percussionista, na cena em que Maria se encontra com um grupo de retirantes.
117
A Folia Reisado Flor do Oriente, de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, participou
das gravações da cena do casamento do Pai de Maria com a Madrasta. Com mais de 130
nos de tradição, passada de pai para filho, a Folia não está acostumada a sair fora de
época, mas os participantes se envolveram de tal modo com o projeto da minissérie que
decidiram participar do cortejo fictício. Mestre Tião, um dos membros da Folia, chegou a
fazer versos sobre a trama que gravaram: o casamento da viúva. Além dos próprios
estandartes, eles usaram os fardamentos tradicionais, que sofreram apenas pequenos
ajustes da equipe de figurino. (CD Hoje é dia de Maria – Rede Globo – 2006).
Tim Rescala foi responsável pela produção musical da minissérie. Além de
composições inéditas, Tim Rescala fez novos arranjos para canções de Villa-Lobos e para
obras de Guerra Peixe, Francisco Mignone, Alceu Boquino, entre outros. O único
compositor estrangeiro presente na trilha sonora de Hoje é dia de Maria é Georges Bizet,
cuja música Canção do toreador ganhou novo arranjo para trompete, trombone, clarinete
e percussão.
Para gravar as músicas incidentais, Tim Rescala regeu a Orquestra de Câmara Rio
Strings, com quinze instrumentos de cordas, e convidados, com nove instrumentos de
sopro (flauta, oboé, clarinete, fagote, trompete, duas trompas e dois trombones), três de
percussão e uma harpa. Instrumentos típicos do folclore brasileiro, como violão, viola
caipira e rabeca, estiveram presentes em quase todas as músicas da trilha.
Em algumas músicas, os próprios atores cantam, acompanhados pela base
instrumental tocada por Tim Rescala ou por seu assistente, Marcus Ferrer. Letícia
Sabatella e Rodrigo Santoro, por exemplo, cantam juntos Melodia sentimental, de Villa-
Lobos. Os dois atores também interpretam a mesma música sozinhos: ela, com arranjo de
flauta, celo e violão, e ele, acompanhado de um piano acústico. (2005:Roteiro e DVD:Hoje
é dia de Maria; CD memórias Globo – Hoje é dia de Maria:2007).
O roteiro da minissérie chegou às livrarias pela Editora Globo, em 2005. Em
dezembro de 2006, Hoje é dia de Maria foi lançada em DVD. Com três discos, a edição
traz a íntegra da primeira e segunda jornadas.
Luiz Fernando Carvalho trabalhava no projeto de Hoje é dia de Maria há 12 anos.
Por ocasião das comemorações dos 40 anos da Rede Globo, o diretor pôde realizar seu
trabalho, merecedor de inúmeros elogios da crítica especializada e dos telespectadores.
Hoje é dia de Maria apresentou excelentes índices de audiência.
No mesmo ano, a minissérie ganhou uma segunda edição: Hoje é dia de Maria,
segunda jornada, exibida entre os dias 11 e 15 de outubro. Na segunda jornada, Maria
118
chega à cidade grande, onde vive outras aventuras e desafios.
Hoje é dia de Maria recebeu prêmios internacionais e nacionais: Input International
Board TAIPEI 2005; foi finalista no International Emmy Awards 2005, nas categorias
Minissérie para TV e Melhor Atriz (Carolina Oliveira); Hors Concours BANFF Canadá
2006; nomeação e exibição no Prix Jeunesse International Alemanha 2006; Grande
Prêmio da Crítica APCA 2005, com duas indicações para o Emmy internacional que é
considerado o Oscar da Televisão. Prêmio Qualidade Brasil 2005, nas categorias Melhor
Projeto Especial de Teledramaturgia, Melhor Autor de Teledramaturgia (Carlos Alberto
Soffredini com adaptação de Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho),
melhor Atriz Revelação de Teledramaturgia (Carolina Oliveira) e Melhor Diretor de
Teledramaturgia (Luiz Fernando Carvalho); Prêmio Mídia 2005 (Midiativa); Prêmio ABC
2006, na categoria Melhor Fotografia Programa de TV (José Tadeu Ribeiro); Prêmio
Contigo! 2006, nas categorias Diretor (Luiz Fernando Carvalho) e Atriz Infantil (Carolina
Oliveira).
Minissérie chamou a atenção da crítica pela linguagem diferenciada uma das mais
poéticas, originais e belas produções televisivas dos últimos anos. Foi um projeto de doze
anos idealizado pelo diretor Luiz Fernando Carvalho de Almeida, e que virou realidade na
comemoração dos 40 anos da Rede Globo.
A microssérie Hoje é dia de Maria não é uma simples história infantil, grandes
provas, dificuldades, desafios são enfrentados pela protagonista. Clauido Cardoso de
Paiva, em sua análise da tematização do gênero feminino da minissérie Hoje é dia de
Maria escreve:
“E que ninguém pense que estar diante de uma simples história infantil,é de moral
edificante e enredo superficial. Há momentos de muita tristeza na travessia de Maria,
assim como críticas ao machismo de contos de fada. “Num dos episódios”, antecipa o
diretor, inventamos a moral da Cinderela: Maria prefere o desconhecido a ficar com o
príncipe”. Para Carvalho, a infância vale como metáfora da própria vida, com suas
felicidades, decepções e dúvidas. “É uma pequena tentativa de trabalhar num espaço
misterioso” (Piza,Esp,15/11/04).
Diversos pesquisadores dos mitos, como Joseph Cambel (1993), Mircea Eliade
(1994) e mesmo autores como Marcelo Gleiser (1998), advindo das “ciências exatas”
comprovam o poder do mito como elemento afirmativo na formação da consciência.
A que essas emanações surgem de várias procedências, incluindo as narrativas dos
contos de fadas. As desaventuras de Maria nos remetem ao conto Pé de Zimbro, de
119
Philipp Otto Runge (1777-1810), mais conhecido pelo “estranho ” título Minha Mãe me
matou, meu pai me comeu; este último ressoa na fábula televisiva, pela entoação dos
lúgubres versinhos de uma antiga cantiga de ninar: ”jardineiro de meu pai, não me corte
os cabelos/ minha mãe me penteou, minha madrasta me enterrou”: Como sugere
Bettlehein, em Psicanálise dos contos de fadas (1974), as interpretações das histórias e
fábulas infantis têm uma função primordial na formação da personalidade.
Simbolicamente a madrasta vai matá-la e enterrá-la, o pai virá desenterrá-la e Maria
ressuscitará, mas desolada com os maus tratos resolvi fugir. Em sua odisseia encontrará
espíritos obsessores e seres iluminados. Fugindo da madrasta, enfrentará o diabo, mas
fará amigos e descobrirá novos caminhos.
A história encara uma sabedoria antiga que extrapola uma visão de mundo
somente cristã e católica, como as referências ao Deus cristão e as epifanias de Nossa
Senhora da Conceição, protetora e “mãe” de Maria (feita pela atriz Juliana Carneiro da
Cunha).
Continuando o autor, ao escrever sobre o saber científico e a imaginação simbólica:
“É conveniente, até mesmo por justiça epistemológica, já que tratamos dos mitos e
símbolos, recorrermos às contribuições da antropologia simbólica, conforme se
configuram numa longa tradição de estudiosos iniciada com Jung (O homem e seus
símbolos,1990) , tratando dos arquitetos universais, refina-se na rigorosa investigação de
Gaston Bachelard (1884-1962), analisando a repercussão da simbologia dos elementos
da natureza na formação do espírito poético e se atualizando com Gilbert Durand,
pesquisando “as estruturas antropológicas do imaginário” (1964). A “imaginação
simbólica” atua como princípio fundador de uma ação criativa, contribuindo para
autonomia da liberdade, livrando os indivíduos das amarras da racionalidade mecânica,
investigando-os a uma “razão sensível” (Maffesoli, 1998), mas ao mesmo tempo, a uma
postura vigilante e questionadora. Esta perspectiva nos leva a uma compreensão da força
de sentido que pulsa na carne das diferentes formações no lastro mitológico que constitui
Hoje é dia de Maria.
A inserção dos elementos da cultura indígena (certamente influência da prosa
de Mário de Andrade) no campo da enunciação de “Hoje é dia de Maria”, indica também
um retorno às raízes do Brasil, como um norteamento semiótico para a criação artística
antropofágica, em que se acentuam os símbolos da tradição de Pindorama. A realidade
imaginada na estória de “Hoje é dia de Maria” remete ao direito de sonhar, mas,
sobretudo, instiga à competência comunicativa e aos processos de escolha e decisão dos
120
indivíduos (e grupos sociais).
A rosa encarnada, símbolo que aparece na história é o símbolo do amor e da
pureza como afirma Claudio Cardoso de Paiva:
“Há outros elementos que irradiam uma significação essencial na narrativa, como
as flores, emanando leveza e suavidade, mas, principalmente, a rosa porque a estória
incide também como dissemos sobre a descoberta da experiência amorosa”. Este
signo está explicito no cenário das narrativas literárias e no universo estético dos
audiovisuais, como podemos encontrar tanto num clássico medieval como o Romance da
Rosa, de Guillaume e Meung (1268) quando num produto da “alta cultura de massa”
como O Nome da Rosa, de Umberto Eco, em livro e no cinema (2004).
A rosa simboliza o dom do amor e sua pureza. “A Rosa tornou-se um símbolo do
amor e mais ainda do dom do amor, do amor puro (…) a do Romance da Rosa, de
Guillaune de Lorris e Jean de Meung transformaram no misterioso tabernáculo do Jardim
de Amor da Cavalaria, rosa mística das litanias da Virgem, rosas de ouro que as pessoas
ofereceram às princesas dignas, enfim a imensa flor simboliza que Beatriz mostra ao seu
fiel amante, quando este chega ao último círculo do Paraíso, rosa e rosácea ao mesmo
tempo”. (Chebalier e Gheerbrant, 1995).
E não se pode pensar em sombra sem pensar na luz, que fazendo um contraposto,
remete à diáletica dos princípios diurno e noturno que regem a imaginação da obra Hoje é
dia de Maria. Clauido Paiva( RevistaTemática).
No contexto da configuração simbólica da obra o pássaro está no centro da cena e,
em princípio, a sua engenhosa materialização se deve ao trabalho do grupo Giramundo,
de Minas Gerais, composto por Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso e Madu, dedicados
ao teatro de bonecos. A este esforço acrescente-se o empenho do diretor de oficina,
Ulisses Tavares, incumbido na construção dos bonecos desenhados por Marcos Malafaya
e este trabalho segue a regra de “humanização das marionetes”. Os animais alados, os
patos e os pássaros têm um papel essencial nessa estória norteada pela vontade de
transcendência, principalmente o pássaro que voa mais alto e transporta simbolicamente
os espectadores para as alturas, para dimensão do amor puro e sublimado.
A narrativa assume explicitamente a ótica feminina e este fato traz consequências
importantes, pois autoriza uma nova leitura da sociedade patriarcal. Ou seja, faz
recorrências aos signos estruturantes das culturas populares, predominante machistas,
mas impõe uma outra lógica de sentido. As figuras do pai, da madrasta, do príncipe
encantado, assim como as imagens do desejo feminino ( e suas interdições), estão
121
configuradas na fábula, como evidências da anima e do animus que regem a completude
espiritual e psicológica do ser. Então, a nossa personagem vai se equilibrar em meio à
relação de confronto e complementação das instâncias do masculino do feminino.
Maria é altiva, destemida e encarna a personagem corajosa que não se deixa
abater pelas adversidades, seguindo o seu caminho em busca da realização pessoal. A
estória não se desenrola sem tensões e conflitos, é antes marcada desde de o início por
atos de violência: É maltratada pelo pai, pela madrasta, sofre o assédio sexual do pai.
Como exemplo de ética na comunicação mediática, e a narrativa se mostra vigilante na
denuncia da violência contra a mulher. E, subvertendo a ideologia dos contos de fadas,
Maria se opõe à dominação masculina: foge de casa e se recusa a casar com um príncipe
encantado.
Hoje é dia de Maria é um ensaio sobre o faz-de -conta” que tem o mérito de
articular de maneira bem temperada o princípio da ficção e o princípio da realidade. Isto é,
utilizando-se da liberdade poética, lança uma mirada crítica e questionadora sobre a
realidade do grande sertão, de um certo norte-nordeste do país, do brasil profundo.
Através da representação dos tipos sociais faz a denúncia dos deserdados da terra
e assim as figuras do mendigo, dos executivos a do maltrapilho, do vendedor da
camponesa, dos meninos do carvoeiros, dos retirantes e dos saltimbancos,
simultaneamente, protetores e protegidos de Maria, são criaturas que experimentam a
escassez e na rotina de suas trajetórias expressam sempre uma postura de luta e
determinação.
Mirando a realidade social, econômica e política do interior do Brasil, a série produz
um enfoque pelo prisma de uma representação simbólica empenhada na crítica da
violência doméstica, abandono familiar, êxodo escolar e exploração do trabalho infantil.
Um dos grandes trunfos dessa dramaturgia é a recuperação sensível das
manifestações culturais impregnadas pela mestiçagem, em que os índios, os negros, o
português, os sertanejos, os caboclos e mulatos tecem as malhas da espessa rede
multicultural por meio das danças, cantorias, ritmos e musicalidades. Poderíamos
remontar um amplo painel em que se inscrevem as expressões religiosas ( procissões,
romarias, o reisado, a festa de São José ) e as expressões da cultura erudita, ressaltada
principalmente pela instrumentalidade dos clássicos.
Então , assistimos á epifania de uma culturalidade efervescente que de certo
modo – explicita as características do ethos ” brasileiro através das suas configurações
est´peticas, lúdicas e carnavalescas. E aqui caberia citar a perspectiva do t eórico da
122
linguagem e da cultura Mikahil Bakhtin ( 1987), referindo á sua interpretação e às noções
do alto celestial e do baixo material ”, cuja dialética revela a dinâmica das culturas
populares. As teorizações de Bakhtin nos servem aqui para contemplarmos o rigor lógico
e contemplativo na construção estética de Hoje é dia de Maria , conforme ressaltam as
pesquisadoras (Vidas & Marques 2005), fazendo uma leitura semiológica desta
microssérie.
Um dos motores básicos que dão força à narrativa é a utilização das mitologias
antigas intercaladas com as mitologias regionais do Brasil. É o resultado de uma
pesquisa sistemática desde a sua concepção original de Carlos Alberto Soffredini (1930 e
2001), relendo Câmera Cascudo , Sivio Romero, entre outros e incrementando a obra de
arte como expressão do teatro e do circo, que se atualiza revigorada nas reelaboração de
Luiz Fernando Carvalho e Luiz Alberto de Abreu, num resgate de tradição oral, pelas
lentes da TV e do cinema, também incorporando o circo, o repente e a comédia dell'arte.
O arsenal mitológico serve de combustível para a produção de sentido em Hoje é dia de
Maria.
O poder da narrativa reside em recuperar uma dimensão na linguagem, cujo
sentido se funda nos espaços e tempos da infância, depois em trabalhar com o arquétipo
das metamorfoses, que remete ás imagens do feminino no contexto ficcional cuja função
narrativa se faz permanentemente lúdica, libertária e afirmativa.
Hoje é dia de Maria é uma narrativa falada por meio de uma linguagem que não se
revela por inteira numa primeira exibição, uma vez que é pontuada de jargões,
expressões e dialetos que definem a especificidade do campo semântico dos sertões do
Brasil profundo.
O texto original de Soffredini se apoia numa ampla pesquisa de folclore e filologia,
e na versão audiovisual, o estudo da prosódia ( da pronúncia das palavras ) ficou a cargo
de Íris Gomes, que ensinou os artistas a falarem com rigor e simplicidade a linguagem
dos sertanejos do interior do Brasil, e percebemos os ecos da linguagem de Guimarães
Rosa.
Em verdade, a ficção se investe no esforço em recuperar uma sorte de “
linguagem pura ”, ainda não desgastada pela articulação automática, mas sendo fruto
das manifestações espontâneas das pessoas nas suas conversações mais triviais.
A prosa do mundo, na linguagem e sonoridade de Maria ”, se manifesta assim
de maneira viva, orgânica e envolvente, como uma grande rede de significações, que
permite os indivíduos atuarem coletivamente, em luta contra as leis do destino, afirmando
123
a sua subjetividade e buscando o caminho da sua realização.
Abordamos o uso da ficção como um exercício de comunicação educativa e um
estudo de Hoje é dia de Maria é instigante porque permite uma exploração da obra de
arte contemporânea, no que concerne aos seus níveis de reprodutividade, circularidade e
consumo. Convém lembrar que este produto surge num período sócio-técnico da cultura
em que podemos assistir às obras de arte na televisão, no cinema, em vide-o-cassete e
em DVD. Quer dizer, possibilidade de fazermos novas leituras, interpretações e tecer
discussões críticas e substancias utilizando-se dos recursos na hipermídia.
Doravante, podemos assistir à narrativa quantas vezes quisermos, sendo-nos
permitido congelar os quadros e apreciá-los individualmente; podemos retornar ( ou
avançar) indefinidamente as cenas que nos chamaram a atenção e repensar criticamente
as suas signações. E, sobretudo,podemos re editar uma nova narrativa, compactar os
episódios,escolher os temas de acordo com os interesses estéticos, cognitivos e
pedagógicos, visando a uma forma alternativa de esclarecimento(Claudio de Paiva
Revista eletrônica: 2008).
Finalizando, as obras de Luiz Fernando Carvalho, cuja a proposta foge ao modelo
mercadológico de televisão é graças ao longo processo de falência de “uma maneira de
contar história”, ou seja, como foram produzidas as telenovelas.
Suas produções televisivas e audiovisual traz algo inovador que divulga autores
brasileiros de todas as regiões do país ( Projeto quadrante), valorizando assim, a nossa
cultura.
A microssérie contou com uma produção de alta qualidade técnica em todas as
categoria: fotografia, cenografia, trilha sonora, figurino, computação gráfica, atuação dos
atores, etc. Por isso, é merecedora de todas as premiações das quais fez juz, pois o
empenho de todos que trabalharam na microssérie, contribuiu para o reconhecimento
nacional e internacional em todos os seus aspectos de produção técnica e artística.
A televisão brasileira precisa de trabalhos inovadores como o que fez Luiz
Fernando Carvalho para melhorar a qualidade da sua programação, sair do trach e
quebrar tabus como o que dizem por aí, “A grande massa não está acostumada e nem
tem apreciação por produções como as microsséries de Luiz Fernando Carvalho, o que
pode ser provado pela queda de audiência de algumas dessas produções”, mas o novo
sempre assusta e o povão está aprendendo a ser mais seletivo e crítico e, futuramente,
novos trabalhos da qualidade produzidas por Luiz Fernando Carvalho também serão
reconhecidos e valorizados pela “Massa” de telespectadores, calando a voz dos críticos
negativistas. Se ninguém tiver coragem de mostrar a luz no final do túnel da ignorância
como está fazendo Luiz Fernando Carvalho, como sairemos da escuridão?
125
CAPÍTULO 3
HOJE É DIA DE MARIA, PRIMEIRA JORNADA – ESTUDO DE CASO
Hoje é dia de Maria, primeira jornada se desenvolve em oito capítulos. Trata-se de
uma longa viagem.
Como em todo o conto de fadas, a saída da criança do seu lar,devido aos maltratos
da madrasta coopera para à procura e encontro de algo novo que contribuirá para a sua
liberdade significa a busca de si mesmo e o conhecimento do grande outro”, segundo
Claudio Paiva:
O signo mais evidente na estória de Maria diz respeito ao tema da jornada,
presente no imaginário coletivo desde as épocas mais remotas, sendo o seu relato mais
conhecido a Odisséia, de Homero, que reaparece atualizado na modernidade de Ulisses
(James Joyce, 1922). No entanto, como se trata de um arquétipo que estrutura a
imaginação popular desde os primórdios da civilização, significa também a busca de si e o
conhecimento do grande outro enunciado pela psicanálise. Em Hoje é dia de Maria o foco
incide sobre uma figura feminina, uma menina de oito anos, algo explorado na
literatura, cinema e televisão, como Alice no país das Maravilhas e O mágico de Oz.
“Maria” possui a originalidade de situar poeticamente o tema da “Odisséia”, como signo de
expansão da consciência feminina, no contexto da realidade social brasileira. Mas não
podemos esquecer que no centro da trama está a questão da infância e percebemos que,
se num primeiro momento o trajeto se perfaz em direção ao exterior, pois a menina Maria
vai à estrada descobrir o mundo, num segundo momento, após de ter passado pela
transformação de menina à moça, tendo enfrentado desafios e vencido obstáculos, a sua
viagem, então, será de retorno à casa, e nesse processo vai olhar o mundo e os seres (os
amigos e os inimigos) com outros olhos. (Paiva:2005;p.7-8).
A jornada de Maria é carregada de símbolos que a a envolve durante toda a sua
trajetória. Símbolos estes, conhecidos e que fazem parte da cultura popular.
Segundo Jung, “uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma
coisa além de seu significado manisfesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem
um aspecto “inconsciente” mais amplo que não é nunca precisamente definido ou
plenamente explicado. (Jung:1964, p.20).
Á medida que Maria avança em sua caminhada, um personagem importante. O
Pássaro Incomum ( um dos símbolos ) que faz parte da estória aparece e se torna
126
companheiro e amigo de Maria
“ Nada no ar , a não ser o Pássaro Incomum, que vem, de galho em galho,
acompanhando Maria”. (Roteiro; p.58).
“À distância, o Pássaro Incomum está pousado no chão e a observa.(Roteiro;
p.151). O protetor e companheiro de viagem.
Quando Maria perde a Chave, o ssaro Incomum uma demonstração de
companheirismo:
“O Pássaro pia e voa ao longo da estrada, procurando a chave.
Voando alto, o Pássaro Incomum um brilho ao longe na estrada. No mesmo
instante, Asmodeu avista a chave e corre na direção dela. Ao ver Asmodeu, o Pássaro
Incomum grasna, desesperado, e a arremete vôo na direção da chave. Os dois chegam
junto à chave, mas Asmodeu tem mais sorte e consegue apanhá-la. O Pássaro luta com
Asmodeu, tentando bicá-lo, riscando a cara do demônio com as garras, na tentativa de
resgatar a chave.
Asmodeu dá um urro de dor e acerta um golpe violento no Pássaro, que é lançado
ao chão. Ele alça vôo com dificuldade em razão do golpe, grasna, esvoaça ainda em
círculos no alto e depois se afasta, piando tristemente. Asmodeu olha para a chave e olha
para o Pássaro, que se afasta”. (Roteiro;p.144).
A presença do pássaro, como os personagens adjuvantes conselheiros e o
demônio Asmodeu, ou seja, o bem e o mau, num emaranhados de acontecimentos que
envolve a protagonista revelando-lhe as duas faces da vida. A jornada de Maria, como
criança e adulta é uma descoberta de si mesma, de um novo mundo, em uma utilização
de imagens e o que elas representam. As aventuras e acontecimentos, os processos que
ocorrem entre e a mulher e o homem, também estão presentes nos contos de fadas que
nos fazem lembrar a nossa infância, “aquela parte que já passou, como também a forma
nova e recente da individualidade futura”, como afirma Marie Louise: (Franz:2005; p.222).
Maria, na sua jornada mistura aspectos femininos e masculinos, subvertendo em
diversos conflitos o papel da mulher na sociedade, quando oferece feminilidade ao
discurso patriarcal:.
“Como em resposta à praga da madrasta:
“Dexe, fia, dexe: ela hai de morrê sequinha esturricada, olha o que le digo: Ela
hai de morrê sequinha – esturricada , carcule!
E Maria caminha cantando, como ribeirão caminha pro mar.
127
Maria::
Constança , meu bem, Constança
Constante sempre serei
Constante até a morte
Constante eu Morrerei.
(Roteiro; p.51, 55) ( Constante, Villa-Lobos)
Maria encontra novamente o Pássaro Incomum, que várias vezes está presente em
sua jornada, isto é, embora Maria ainda não tenha consciência da sua presença, é o seu
protetor que a protege do sol escaldante da Terra do Sol a Pina.
O Pássaro, a ave, cuja simbologia também está presente em outros contos de
fadas, conforme Franz:
O Pássaro chamado Anka, citado nos contos de fadas orientais. Anka em Árabe,
significa pássaro de pescoço longo (Simurg ou Anka, quando abre as asas não mais se
divisa a luz do sol. É um super pássaro que abrange todos os pássaros do mundo. Este
pássaro tem o rosto humano, (Von Franz: 2003; p.264 -265).
“Esse mesmo pássaro miraculoso, volta aparecer em nossos conto de fada
austríaco, em forma de “fênix!”. O pássaro que ao sentir-se envelhecer, constrói um ninho
de plantas aromáticas, principalmente de mirra. E dentro dele se consome em fogo. Das
cinzas nasce um pequeno verme que se movimenta como uma lagarta, aos poucos vai
adquirindo penas e, então, se desenvolve em uma outra fenix. ( Franz: 2003; p.264-265).
Fênix, o pássaro que ressuscita das cinzas.
E continua von Franz: “Por isso, na época do cristianismo, a fênix naturalmente se
transforma em alegoria a Cristo, pois também este ressuscitou. A fênix também simboliza
vida eterna e ressurreição”. (2003; p. 265-266),
O pássaro, é a ave que também está presente na Bíblia Sagrada, no evangelho, na
citação do batismo de Jesus, nas águas do rio Jordão: Depois que Jesus foi batizado,
saiu logo da água. Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de
pombo o Espírito de Deus”. ( Mateus: capítulo: 3,vers:16). O pássaro é a ave sagrada e
divina.
Segundo Franz: A pomba é o pássaro de Vênus”. Ela também cita o Evangelho
de João. No qual o Espirito Santo é representado por um pássaro. (Franz: 2005; p. 185).
O pássaro incomum é o seu amigo, protetor e amado. Que lhe fornece uma
armadura natural, semelhante a um ninho, que guarda sua pele do sol enquanto
descansa. Como símbolo masculino e divino, por estar acima de Maria, voando, o
128
Pássaro Incomum, pode ser considerado psicologicamente o Animus inconsciente e
próprio de Maria, que lhe disponibiliza a energia necessária para a racionalização em
seus momentos de tristeza e indecisão. Em todo o percurso que ela realiza na Terra do
Sol a Pino. O anjo, o pássaro e o sol são símbolos masculino, com os quais Maria se
depara.
Maria também demonstra ter uma certa espiritualidade, o que é perceptível através
da sua bondade, da fé, da caridade e da fortaleza , virtudes ensinadas pelo cristianismo.
“porque das veiz bondade tem de fortaleza, tem de gana de luta pra num
fenecê!” ( Roteiro:2005; p.35).
Nesta aventura fora de casa, Maria encontra um maltrapilho e cuida com bondade
de suas feridas.
E, ao se aproximar, Maria percebe que o maltrapilho tem um ferimento na perna,
de onde escorre um filete de sangue. Maria imediatamente rasga uma barra do próprio
vestido, molha na água do riacho e cuida do ferimento.
“Cuida que é pra d'num piorá, seu moço. É um perigo numa lonjura dessas...
(Roteiro; p.56)”.
Maria, também encontra um ser sábio, muito especial que lhe aparece. Este ser
especial, seria o anjo? Que lhe informações importantes para ajudá-la em sua jornada.
Seria realmente um espírito angelical que está disfarçado de Maltrapilho? E este sábio
lhe diz:
“E ocê tome tento, menina, que esse é um mundo que tá para ser feito e, no fundo
de tudo, um defeito é degrau importante na escada do perfeito. Torto, pobre ou malfeito,
todo vivente pode andar reto, porque humano não é ruim nem bom, humano é ser
incompleto”. (Roteiro, p.57).
A prova de que este maltrapilho pode ser um anjo, é porque ele desaparece
subitamente:
“Vira-se para o maltrapilho , mas ele desaparece”. (Roteiro;p.57).
Este anjo pode ser também o próprio Deus para ajudar Maria, segundo von Franz,
“Os contos de fadas frequentemente falam de Deus perambulando pela terra. “A ideia que
Deus seja uma entidade física que perambula por aí, podendo ser encontrado sob uma
forma comum a nós homens”. Continua autora, “podemos ver que ligações precisas
com a antiga imagem pagã de Deus” ( Franz: 2002; p.71).
A imagem de Deus nos contos de fadas, na concepção pagã, pode compensar à
imagem de Deus cristã. Na história “Os dois Andarilhos”, que é uma estória pagã, o
129
maltrapilho, que é um velho pobre, pode ser à imagem de Deus. “O velho pobre de
nossa estória possui uma chave que dá a criança, e que abre tudo”. (Franz: 2002;p.71).
Maria em sua caminhada, encontra-se com um homem de olhar triste:
“De repente a menina ouve uns ruídos. Volta-se e vê , logo adiante , um homem de
olhar triste e, ao lado no meio de caminho, “o defunto” - mortinho como uma marionete no
chão poeirento. Mais ao longe, uma poeira se levante na estrada do sertão. (Roteiro;
p.58).
O Homem de rosto triste seria um anjo com mais um de seus disfarces? várias
passagens da Bíblia Sagrada que anjos aparecem disfarçados aos homens para ajudá-
los, como: (livro de Tobias, capítulo:5: 5). E o defunto os individados, ao que se sgue:
Em seguida, chega um grupo de executivos e o defunto é espancado furiosamente
por eles. Ao ver tanta violência Maria tenta interferir, mas é duramente impedida pelos
executivos. Ela fica aborrecida com tanta brutalidade e é consolada pelo homem de rosto
triste. O grupo de executivo explica que é um costume do lugar:
“ caboclo que morre devendo apanha de manguara tudo que é santo dia que Deus
dá. E num é nunca enterrado. A num que se apresenta argum parente longe, ou
argum compadre...”. (Roteiro: p.59,60).
A violência aplicada como sanção às dividas, seja ela qual for, é utilizada até os
nossos dias. Não é desconhecida de ninguém. É a doença do século, da globalização (as
drogas), causa maior desse tipo de sanção. A qual é aplicado indiscriminadamente, aos
jovens, ou mesmo adultos viciados e devedores, que são brutalizados com
espancamentos, às vezes até a morte, como punição , “ajuste de contas” de dívidas de
drogas e / ou / outros. Basta fazer um percurso às periferias, até mesmo em escolas
públicas e particulares, ler, ver e ouvir noticiários, onde, infelizmente, poderemos
encontrar essas notícias e/ou/ ocorrências. Mas, como sabemos, existe outras formas de
violências, como por exemplo, “O êxodo Rural”, provocado pela fome, falta de
oportunidades, discriminação social e racial, o preconceito, a falta de condições melhores
de vida, a exploração do trabalho infantil, o abandono de velhos e crianças. Na estória de
Maria, isto está bem evidente como:
Nos momentos difíceis Maria procura amparo e conselho de Nossa Senhora da
Conceição que representa simbolicamente, sua mãe, porque se sente e desamparada.
Ela é também uma criança sofrida e abandonada.
A menina em Nossa Senhora a proteção da mãe ausente. Justificando esta
afirmação, a criança católica aprende nas aulas de catequese que Nossa Senhora é
130
a nossa mãezinha do céu. Ela pode nos proteger, nos amparar e interceder por nós nas
nossas dificuldades. Maria, pelo que podemos perceber no decorrer da história, é uma
criança que foi educada na fé católica, por isso, o apelo a Nossa Senhora nas suas
dificuldades.
Nos contos de fadas, sempre aparece a fada madrinha que, é aquela que ajuda,
que protege, exemplo: “Cinderela”. Nossa Senhora também pode ser considerada a fada
madrinha de Maria.
No seu primeiro encontro com Nossa Senhora, a santa lhe diz que a sua mãe era
“boa como a terra que faz brotar toda qualidade de semente”.(Roteiro : 2005; p.34), ou
seja boa que nem a terra, que tudo dá.
Podemos comparar esta afirmação de Nossa Senhora com a cultura popular que
considera a mãe natureza aquela que governa as forças da natureza, aquela que tudo
ao seu filho homem e a criação.
Apesar da proteção de Nossa Senhor, ela não está livre de enfrentar a madrasta
que coloca um fim a vela que Maria ascende e oferece a Nossa Senhora para que lhe
forças para enfrentar a maldade do mundo e da madrasta.
“No quarto de Maria, a velinha ao pé da imaculada Conceição tremula”.
Maria cai de costas no chão dizendo: Num fai”. E vai desfalecendo. Mas ainda uma
linda borboleta AMARELA pousada sobre seu peito, imóvel... (Roteiro:2005: p.39 e 40).
“Ainda arfante, a Madrasta entra furiosa e a velinha tremulando aos pés da
gravura.Vai decidida até a vela e, com um sopro forte. A apaga”. (roteiro;p.40).
O ato de apagar a vela que Maria ofereceu a Nossa Senhora, a madrasta agride
a fé da menina pura e inocente, rompendo o laço que unia Maria com o divino, o que não
deixa de ser um ato de agressão à criança desprotegida da sorte e da sociedade, vítima
do abandono, da maldade e exploração dos adultos, do descaso e da desegualdade.
Continuando a nossa análise simbólica:
“Ao mesmo tempo em que Maria exala seu último suspiro. E ao mesmo tempo,
ainda que a Borboleta Amarela ganha vida e sai se revoluteando pelo ar, ao mesmo
tempo em que as primeiras ramas envolvem seu corpo de boneca”. ( Roteiro; p.40).
De acordo com a nossa pesquisa através do Google, a borboleta tem uma
significado para o homem. Ela é considerada um símbolo
Ela é considerada um símbolo imortal, devido as metamorfoses pela qual ela
131
passa, de ligeireza inconstância, de transformação e de um novo começo. A psicanálise
moderna vê na borboleta um símbolo de renascimento:
Psique palavra grega, tinha dois significados, um deles era a alma e outro a
borboleta, que simboliza o espírito imortal. Na mitologia grega, a personificação da alma é
representada por uma mulher com asas de borboleta. Segundo as crenças populares
gregas, quando alguém morria, o espírito saia do corpo em forma de borboleta. Os
astecas consideravam a borboleta como um símbolo da alma, ou o sopro vital que escapa
da boca de quem está morrendo.
No Zaire central, os balubas também veem na borboleta o símbolo da alma. Eles
dizem que o homem segue o ciclo da borboleta desde seu nascimento até a morte,O
Homem na infância, segundo eles, é comparado a uma pequena lagarta e, na maturidade,
uma grande lagarta. Conforme o homem vai envelhecendo, ele vai se transformando em
uma crisálida. O seu túmulo é associado ao casulo, de onde a alma sairá sob a forma de
borboleta.
Os iranianos a creditam que os defuntos podem aparecer em forma de mariposa.
Para os mexicanos, os guerreiros mortos acompanham o sol na primeira metade
do seu curto visível, até o meio dia. Essa associação se deve ao fato da analogia da
borboleta com a chama. O deus fogo asteca (HUEHUETEOTL) levava como emblema um
peitoral chamado borboleta de obsidiana.Também é o símbolo do sol negro, ligado à
noção de sacrifício, morte e ressurreição. (Google, acessado em 13/11/2009).
Concluindo, para muitos povos da antiguidade, e mesmo até os nossos dias, a
borboleta é o símbolo da alma, pois da mesma forma que esta abandona a crisálida para
voar, o espírito também se liberta do corpo físico para ganhar o infinito, representando o
renascimento e a imortalidade. A metamorfose de seu ovo para a lagarta, desta para a
crisálida e, depois para a borboleta, indica as etapas da nossa alma para atingir a
iluminação. Finalizando, com este texto de um autor desconhecido:
“A borboleta, simboliza a mudança. O poder da borboleta é como o ar, é a
habilidade de conhecer a mente e de mudá-la, é a arte da transformação”. As pessoas
deviam observá-las atentamente e, assim como elas, estar em algum dos seguintes
estágios de atividade:
O primeiro estágio é quando a ideia nasce, mas ainda não é uma realidade , é o
estágio do ovo, o ponto de criação de uma ideia. No segundo estágio, o da larva, surge
quando temos que tomar uma decisão; O terceiro, do casulo, é o desenvolvimento do
projeto que surgiu através da idéia, isto é, executar para realizá-lo, sair da idéia e do
132
sonho para o concreto, ou seja, o estágio final, a transformação, é deixar o casulo e voar,
é a realização. A mensagem simbólica da borboleta é criar, transformar, mudar e ter
coragem de aceitar”.( Autor desconhecido).
Fechando, fica esta mensagem de Rubens Alves: “Não haverá borboletas se a vida
não passar por longas e silenciosas metamorfoses”.
A protagonista Maria é como as borboletas, passa pela metamorfose da
transformação quando morre e ressuscita, quando se transforma de menina para moça
(primeira jornada).
Continuando a nossa análise, quando o pai de Maria volta de viagem procura pela
filha que está morta.
“Na sombra do arvoredo onde Maria Plantou sua rosinha encarnada, por cima da
terra removida recentemente, nasceu um lindo capinzal...“E diz que era que nem se fosse
um lago de capim verdico que , alumiando ao sol como se fosse vidro. E diz que
dançava e cantava música na passagem do vento...”
Ao lado capinzal, a borboleta amarela está pousada na rosa encarnada que Maria
plantou”. (Roteiro; p.43).
Ao saber da morte de Maria, o pai sai a procura da filha, orientado por uma
borboleta amarela.
“Nisso, o pai sai da casa do tio para dar uma voltinha à toa. Vem cabisbaixo e
triste. Então, a Borboleta Amarela levanta a rosa, vai dançar em volta do pai e se
encaminha cada vez mais para dentro do capinzal. O Pai vê a rosa . Depois vê o capinzal,
do qual se aproxima, estranhando...
Ele ouve a cancão que parece ser cantada pelo capinzal...
Xô, xô, passarinho
Aí não toque o biquinho
Vai te embora pro teu ninho
Não puxe meus cabelos,
com o seu biquinho,
Vai de volta pro teu ninho
De repente , desesperado, o Pai começa a arrancar tufos e tufos de capim...E vai
aparecendo embaixo, deitada muita calma, num leito de relva salpicado de flores, Maria.
O Pai pára ao ver Maria. Seu rosto se transtorna. E ele tenta balbuciar o nome da filha,
mas não consegue. Seus olhos marejam...e uma lágrima pinga no rosto pálido de Maria.
Nisso, a Borboleta Amarela vem dançando pelo ar e pousa bem no meio de Maria. E, no
133
momento em que a Borboleta se imobiliza, Maria enche o corpo de ar num grande suspiro
e abre os olhos. (Roteiro; p.45).
O milagre da ressurreição acontece e Maria retorna a vida:
Segundo Franz,(2003: p. 178), O milagre da ressurreição está descrito também na
mitologia Egipícia, quando era realizado o funeral, após a verdadeira prece litúrgica,
exatamente antes do sumo sacerdote fechar e selar a porta da câmera funerária onde jaz
o cadáver. Durante a cantilena dos últimos versos da liturgia fúnebre eram proferidas as
seguintes palavras: Salve! Eis que és ressuscitado e agora segues para as imortais
estrelas e és idêntico ao deus, pois atingiste a imortalidade e a capacidade de penetrar no
mundo inteiro”.
Na Biblia Sagrada, também citação sobre a ressurreição, a ressureição de
Jesus.(João: capítulo:20, vers. 9).
Continuando a nossa análise sobre a minissérie “Hoje é dia de Maria”, vamos
encontrar, também, o espírito de religiosidade :
Da vela ao da gravura da Imaculada Conceição brota de novo uma chuva
brilhante e alegrinha.
O Pai, muito espantado , não sabe se chora ou se ri por ver Maria de volta.
Maria, com a chama alegre da vela brilhando dentro dos olhos , apenas olha o Pai
e seu rosto vai adquirindo uma expressão impossível . O Pai pega Maria nos braços e vai
em direção à casa.( Roteiro; p.46).
Quando Maria retorna à casa com seu pai, não é bem vista pela madrasta,
após uma discussão da madrasta com o pai, Maria decidi abandonar o Lar.
“A discussão continua a crescer na sala Maria acaba de pôr seu vestidinho
estampado de flores. Ajeita seus cabelos, pega um embornalzinho e coloca nele umas
peças coisas suas, entre elas a boneca de pano. Pára um momento, indecisa. Sobre
essas imagens, ouve-se o som da discussão na sala”. (Roteiro; p.47).
Na sua ira a madrasta revela toda à sua rejeição pela menina dizendo ao pai:
“Essa sua fia num vale déis is de mel coado! Num vale metade de um bago de
feijão carunchado” (Roteiro: p.48).
Na simbologia do réis (moeda antiga brasileira), bago medida usada pelos antigos
agricultores, são valores (dinheiro) de uma moeda em circulação. É o dito popular de hoje:
“Voce não vale um tostão furado!” , ou : Você não vale o feijão que come”.
Depois de tantas brigas e discussão entre o pai e a madrasta, Maria decide sair de
casa e ir em busca do seu tesouro:
134
“Vou buscar o meu tesouro!”. (Roteoro: p. 48).
E a menina (Maria) é expulsa da sua própria casa pela madrasta maldosa e falsa ,
sai em busca do país do Sol da Pina , sai para buscar um novo conhecimento e nessa
busca adquire o crescimento e a realização individual. A influência da figura maldosa da
madrasta é a causa do sucesso do herói, como afirma Mari Louise, ao que se segue:
Então, a madrasta tem um caráter ambíguo: com uma das mãos ela destrói e
com a outra leva ao bom êxito .Sendo uma mãe temível , ela representa uma resistência
natural que bloqueia o desenvolvimento mais elevado da consciência, uma resistência
que exige do herói suas melhores qualidades. Em outras palavras, perseguindo-o, ela o
ajuda.” (Franz: 2005; p.140).
Podemos também caracterizar esta atitude maldosa da madrasta de expulsar a
menina de casa, de um exagerado sentimento de ciúme do marido e pela egoísmo de não
querer dividi-lo com Maria, considerando-a sua pior rival.
No conto de fada “Branca de Neve(conto de Grimm) , a madrasta da menina
movida também pelo ciúme, orgulho e inveja também expulsa a menina de sua própria
casa, numa atitude criminosa e injusta.
A cruel realidade daqueles brasileirinhos que estão abaixo da linha da pobreza está
presente na jornada de Maria:
Maria encontra um grupo de nordestino que faz súplicas a Jesus pedindo a graça
de chegar até a terra das franjas do mar.
“De repente, Maria ouve vozes distantes. São os retirantes...(Roteiro:p.70).
Como podemos perceber, esse grupo de nordestinos simboliza os retirantes que
fogem da seca nordestina à procura de um lugar, onde possam viver dignamente, sem
seca e sem fome, “O êxodo rural” , como o povo Hebreu na fuga da escravidão do Egito
em busca da terra prometida, onde corre o leite e o mel (livro do êxodo, 3; 7,8 capítulo
3, vers. 7 e 8) .
As franjas do mar pode ser esse lugar de fartura, a terra prometida (as regiões
mais ricas como o Sul e Sudeste), onde eles podem encontrar mais oportunidades de
melhorar a vida, trabalho e fartura, algo que é difícil nas regiões da seca. Trata-se
também de questões sociais, nas quais as autoridades brasileiras, principalmente, dessa
região, tratam com descaso.
Na aventura da pequena Maria “o anjo” que a ajuda, novamente aparece num
disfarce de mendigo lhe ensinando como é importante ajudar o próximo:
Mendigo : Dê um gole d'água pelo amor de Deus.
135
Maria: Ocê já tava aí? (Roteiro; p.74)
Mendigo: “Tô aqui desde que o mundo é mundo, Você é que não percebeu. Tenho
sede. (Roteiro: 74).
Enfim, nesta afirmação podemos novamente perceber que se trata de um anjo.”Tô
aqui desde que o mundo é mundo”. Segundo o Cristianismo, os anjos estão aqui desde
do começo do mundo, o que pode ser comprovado em vários capítulos da Bíblia, uma
das citação está no livro do Gêneses, 15:17, (capitulo 15, versículo 17).
O Mendigo insiste em seu pedido pela água:
Maria: Minha língua tomém tá uma secura só.
Mendigo : Tenho mais sede porque pensei mais no mundo.
Maria : Cada um é que sabe da sua sede.
Mendigo: É verdade. E quem decide quem tem mais sede é quem tem
a água.( Roteiro; 74).
Maria leva a cabaça à boca, mas pára o gesto, indecisa. Depois, num gesto
brusco , entrega a água ao Mendigo. Ele bebe até a última gota e solta uma interjeição de
satisfação.
Maria percebe inconsciente que esta situação é mais um teste de bondade forjado
pelo destino. O mendigo agradecido lhe dá uma pista para seguir a caminhada:
Mendigo : Agradecido. Deus te dê em dobro.
Vou lhe dar coisa mais preciosa que a água. Vou lhe dar o rumo: segue sol e sol e
sol até encontrar os índios...Eles que tem a noite. (Roteiro ; 75).
Após o descanso de Maria ela vê os índios e lhes pergunta pela noite:
Maria: Nhor índio pode me dizer quê de a noite?
Depois de olhar Maria, o Índio,mostra-lhe o coco.
Índio: A noite está aqui moça, presa dentro desse coco.(Roteiro:p.77).
Os índios e Maria, ao devolverem a noite ao mundo restabelecem a harmonia
natural da dualidade, o aspecto masculino com o nascimento e o pôr-do-sol, que é
expressado através da luz e seu poder racionalizador e, de aspecto feminino e sensual a
volta da noite; o que podemos confirmar com Claudio Paiva, segundo o autor é o retorno
de valores como a paixão, a sensualidade e o êxtase:
“O princípio noturno historicamente tem uma significação ligada à sensualidade,
antes mesmo de remeter às pulsões eróticas, e pelo viés do noturno, a partir deste
momento, a narrativa vai ganhar uma aura de sensualidade e a trilha sonora contribuirá
vigorosamente para isso”. ( Paiva:2005; p.4).
171
A retenção da noite dentro do coco lembra o mito do ovo cósmico que guarda o
princípio da vida. Na microssérie Hoje é dia de Maria, o ovo cósmico é substituído pelo
coco. O ovo cósmico presente nas lendas chinesas e celtas guarda a dualidade entre dia
e noite, o renascimento. O mesmo significado do ovo como renascimento está na
simbologia do ovo da Páscoa dos católicos.
Segundo Claudio Paiva:
O coco contendo a noite significa uma variação do mito antigo do ovo cósmico e
remete á significação do nascimento, renascimento, renovação e criação cídica. Na
maioria das tradições, este “ovo cósmico “ aparece depois de um período de caos; nas
tradições hindu, chinesa, celta e cristã, assume variações, mas o seu sentido permanece
basicamente o mesmo, ou seja, contém o céu e a terra, encarnando o princípio
demiúrgico ou fundador. A atualização de sentido da imagem do ovo cósmico
transfigurado em coco, não deixa de ter matizes nacionais por um viés “antropofágico ou
tropicalista” (não esqueçamos que o coqueiro semioticamente remete a uma certa
imagem de brasilidade), um signo presente nas várias interpretações de Câmera Cascudo
de Silvio Romero e Mário de Andrade.
Na microssérie, a noite mostra o retorno de valores como a sensualidade, a paixão
e o êxtase:
“O princípio noturno historicamente tem uma significação ligada à sensualidade,
antes mesmo de remeter às pulsões eróticas, e pelo viés do noturno, a partir deste
momento, a narrativa vai ganhar uma aura de sensualidade e a trilha sonora contribuirá
vigorosamente para isso”. ( Paiva: 2005; p.4).
São tantos personagens encontrados por Maria ao logo do percurso, os meninos
do carvoeiro, por exemplo:
Menina do carvoeira : O trabaio Sina nossa labuta de fazê carvão O pão nosso
mais o feijão a gente tira é dessa luta.
Maria: E essa vida num é bruta pra criança dessa idade?
Menina Carvoeira: Vida dessa colidade num escoê tamanho nem idade; Aqui,
nasceu, andô, sentiu fome, pronto já é homem. (Roteiro: p.81)
O trabalho infantil, o abandono e a desigualdade social, são abordados neste
encontrode Maria com os pequenos meninos do carvoeiro, podemos afirmar que,
indiretamente, é uma maneira de denunciar uma realidade que acontece todos os dias,
em diversos lugares do Brasil, nas regiões mais pobres e esquecidas e, nas periferias das
grandes cidades. É uma forma de violência ao direito da cidadania, direitos humanos e
137
ao direito da criança. Denúncias foram realizadas diversas vezes, mas esta triste
realidade parece um mal que não tem fim.
No conto de fada “A pequena vendedora de fósforo”, a protagonista da história era
uma menina muito pobre e maltrapilha que vendia fósforos nas ruas geladas de um certo
país europeu. Em uma noite muita fria de Natal, em que a neve caia em grande
quantidade e o frio era intenso, a pobre vendedora se despede do seu sofrimento quando,
ao sentir muito fri, para aquecê-la, ascende o último palito de fósforo e na chama sua
avô sorrindo chamando por ela e de braços abertos para acolhê-la.
No dia seguinte, quando passavam as máquinas para tirar o gelo das ruas, o corpo
frio e sem vida da pequena vendedora de fósforo é encontrado. Apesar da morte injusta, o
seu rostinho inocente estava sereno e seus lábios congelados pelo frio irradiavam um
lindo sorriso como que, se estivesse iluminado, um sorriso de alguém que se encontrou
com o amor e a verdadeira felicidade no paraíso.
A história de: “A Pequena vendedora de fósforo é a mesma realidade triste do
trabalho e da exploração infantil mostrada em “Hoje é dia de Maria” no encontro com os
meninos do carvoeiro.
Os pequenos carvoeiros e todos que alí estavam venderam suas sombras para o
demônio Asmodeu. E o que seria vender suas sombras para o diabo? Seria a escuridão
do descaso das autoridades brasileiras que acontece diariamente por todo Brasil? A
pobreza negra que nada oferece, a não ser dificuldades, humilhações, doenças, fome,
vícios para esquecer a desgraça? Ou mesmo, o conformismo quando não se acredita em
mais nada, ou que não há mais nada o que fazer? Uma vida sem futuro e esperanças?
Apesar de tantas desventuras, a das pessoas simples do agreste está presente,
como uma luz de esperança refletida na cor amarelada do sol do vilarejo. A esperança da
fartura onde a fome se faz presente, numa terra castigada pela pobreza, pela seca e pela
desigualdade social. Um povo esquecido que luta para sobreviver, desafiando a própria
existência e a realidade injusta. Povo esquecido e quase sem esperança.
“É o início do outono e o dia amanhece, pintando a vegetação do agreste de uma
cor amarelada. Maria caminha na estradinha que vai dar ao vilarejo. Uma pequena
procissão se move na entrada do vilarejo, e o cântico chega até Maria.”
“A pequena procissão, de gente muito simples, conduz um andor enfeitado de
flores e fitas coloridas. Sobre o andor, uma pequena estátua de São José, padroeiro das
chuvas, As Pessoas cantam:
Meu divino São José.
138
Aqui estou aos vossos pés
Dai-nos chuva com abundância
Por Jesus de Nazaré. (Roteiro:p.89).
“Um rojão espoca no ar sob aplausos do povo no centro do vilarejo.
Viva São José das chuvas.
O povo responde com vivas animados. Uma sanfona começa a tocar, É o fim da
função religiosa e o começo da festa no vilarejo”. (Roteiro: p.92-93).
A Festa de São José, tem todas as características das festa religiosas brasileiras,
com velas, procissões, com pessoas entoando hinos de louvores, andores enfeitados,
estandartes com a imagem do santo homenageado e pequenas quermesses.
“Maria vem andando, chutando uma lata, que vai se transformando em um ser,
primeiro em Asmodeu, depois em um Asmodeu ( num moço bonito)”.
O objeto ganha vida, porque não é um objeto, mas sim um ser espiritual, o diabo
disfarçado em moço bonito.
Asmodeu:
O homem que percebemos ser manco, volta a avivar o fogo, e as chamas o
iluminam por inteiro; tem sobrancelhas unidas, dois cotos de chifre na cabeça e um
sorriso maligno é o demônio Asmodeu. (Roteiro: p.84).
Continuando a nossa análise, a pequena Maria em sua jornada encontra alguns
personagens adjuvantes, que dão conselhos, apontam a direção , oferecem-lhe algum
objeto que lhe será útil, dão-lhe como proteção um pássaro que a acompanha e se
transforma em seu amado. Nesta caminhada de Maria aparecem também os
personagens opositores que estão dispostos a perturbá-la, a incomodá-la, como a
madrasta e o “Asmodeu, sempre com diferentes disfarces. atrapalhando-a e desviando-a
de seus propósitos.
Asmodeu é também o nome de um demônio citado na Biblia: Ela tinha sido dada
sucessivamente a sete maridos. Mas logo que eles se aproximavam dela, um demônio
chamado Asmodeu os matava”.(Tobias capítulo: 2:8).
Marques (2006) descreve o Asmodeu, ou seja, como é o diabo na crendice popular:
“Asmodeu: meio homem, meio bode, chifrudo, cascos fendidos, olhos oblíquos e
orelhas pontudas. A luz verde que incide sobre parte de sua cara o torna ainda mais
horripilante. Arcado, torto, tal e qual o corcunda sineiro de Victor Hugo, pernas arqueadas,
pulando como que impulsionado por uma mola, um andar ‘macaqueado’. Bocarra
gargalhante, dentes pontiagudos. Voz ao mesmo tempo estridente e cavernosa.
139
Medonho, horripilante, assustador – um monstrengo. Eis o Asmodeu brasileiro. Em tudo
similar aos seres fantásticos, que povoaram o mundo antigo e que foram reduzidos a
seres inferiores pelo cristianismo”.(Vidal Marques: 2006;p.7).
Segundo o pesquisador Carlinhos Lima, o nome Asmodeu significa também“
aquele que faz perecer” (anjo destruidor, II Samuel 24:16, Sabedoria 18: 25, Apocalipse
9:11).; também é chamado de Ashmadia que pode originar do Persa Aeshma-Daeva,
“Demônio da ira”, o destruidor e seu nome também significa em Persa “O sopro ardente
de Deus. Asmodeu reaparece no Testamento de Salomão (onde ele é, como em
Tobias, inimigo da união conjugal) e no judaísmo s-biblico. Asmodeus também é
chamado de Ashmadia que pode originar do Persa Aeshma-Deva ou "Demônio da Ira".
Asmodeus é considerado um dos demônios mais temidos do Inferno e responsável
pelas obsessões. É um dos demônios mais antigos, da luxuria, da sensualidade, dos
ciúmes, da fornicação, da ira, da vingança, semeador da discórdia, discussões. Do
engano e dos jogos, que não perde muito tempo com conversas ou diálogos. A sua
principal missão é a de perturbar a vida sexual dos casais, destruir casamentos, incentivar
o desejo dos homens pelas mulheres. Incentiva igualmente adultérios e relacionamentos
incomuns.
É o super-intendente das classes de jogos na corte infernal. Desde que nas sua
graças ou com um pacto com ele, ele pode conceder o anel das Virtudes, ensinar aos
homens as artes da astronomia, aritmética, geometria, geomancia, artesanato e artes
mecânicas. Ele a capacidade de ler pensamentos e confere invisibilidade. Asmodeus
responde todas as perguntas se ele assim o quiser (ou obrigado a isso), e ele descobre e
guarda tesouros ocultos, que pode revelar a quem estiver “do lado dele”.
Segundo a Kabala, Asmoday ou AshMah-Devah, foi o “Arquitecto” do Templo de
Salomão.
Na mitologia, Asmodeus é um demônio da mitologia do judaísmo (Livro de Tobias
3,8,17- 6,14 – 8,2), considerado o demônio bíblico da ira e da luxúria. Foi ele quem matou
os 7 maridos de Sara, filha de Raquel, no próprio dia do casamento.
De acordo com o dicionário bíblico, Asmodeus é o demônio que assediava Sara,
filha de Raquel, e que matou os seus sete primeiros maridos, no próprio dia do
casamento, antes de eles terem relações sexuais. Sara, devido á vergonha que tal
situação causava ao pai, pediu a Deus para morrer. Então Deus ouvindo as suas orações,
enviou o Arcanjo Rafael para resolver o problema e guiar Tobias.
Assim, o Arcanjo Rafael deu a receita do “medicamento de Deus”, que consistiu em
140
queimar, num queimador de incenso, um uma mistura de coração e fígado de um certo
peixe. (pesquisa-Google-12/11/09).
Maria, logo no início de sua amizade com Zé Cangaia ao saber que ele vendera
sua alma para o diabo, lhe diz que não é correto ele vender sua sombra para o diabo.
Cangaia arrepende-se do trato e Maria o ajuda invocando Asmodeu em uma
encruzilhada.
“Maria chega à encruzilhada. Olha para trás e, com um gesto, chama Cangaia,
que, medroso, se matem à distância.”
“A custo e incentivado por Maria, Cangaia se aproxima do centro da
encruzilhada.” (Roteiro: p.112).
Essa prática de invocar espíritos imundos nas encruzilhadas vem do Candomblé,
influência da religião africana na cultura popular brasileira.
Enquanto isso,Asmodeu debochado e cruel parte para atazanar a vida do Pai de
Maria.
“Asmodeu continua com o sobre a sombra do pai, que olha o vazio quase que
derreado. Asmodeu tenta, com voz insinuante, convencer o pai a lhe vender a sombra.”
(Roteiro: p.114).
Com uma amizade falsa, tenta fazê-lo desistir da busca pela filha desaparecida,
justificando que nada vale a pena:
“Descansa homem, a busca não vale a pena. A vida é uma cena mal escrita.
Seu papel é pouco, pequeno, cheio de sofrimento. Aproveite o momento, eu lhe digo.
Troco sua sombra por um brinde sincero de amigo.” (Roteiro: p.114).
Desta maneira, Asmodeu tenta consumir a esperança consciente de pai ao retirar o
sentido da vida humana. É nesse momento que Maria invoca Asmodeu:
“Um vendaval varre a encruzilhada. De dentro do redemoinho começa a se formar
a figura de Asmodeu”, ( Roteiro: p.114).
“Sua mardita! Quem foi que, em má hora , me invocô?” (Roteiro: p.115).
Maria pede Asmodeu que devolva a sombra de seu amigo Cangia, mas para
conseguir de volta a sombra do amigo ele lhe diz:
“Primeiro lhe fazer três perguntas. Despois ocê me fai um desafio. Se ocê
ganhá, devolvo a sombra dele. Se perdê, sua sombra é minha.” (Roteiro: p.117).
Enfim, são três charadas que ela terá que acertar e na estrutura de um repente
nordestino ganhar um desafio.
A charada Maria acerta e vence o desafio.
141
“Asmodeu soca o pé no chão e um grito de raiva. Zé Cangaia e Maria pulam de
contentamento. Maria percebe a sombra de volta junto de Zé Cangaia.
”A sombra, Zé! Vorto!
Asmodeu furioso lhe jura vingança dizendo:
“Esse ocê levou, mas não perde por esperá. De hoje em diante eu no seu
rasto. Vô fica de tocaia no seu carreiro menina!.(Roteiro: p.122).
Como prometera Asmodeu, ele sempre está de longe, olhando com rancor e
inveja e diz :
“Proveita menina, porque vou encurtar a felicidade dos seus dias! pôr peso em
sua sina, Maria, e dobrar a dor de cada lágrima que a ocê se destina.! Vou está em
cada dobra de esquina, em cada curva de estrada, em cada parada eu vou estar le
esperando. (Roteiro: p.126).
Maria está cantando e Asmodeu a observa em ira.
“Vai cantando, vai...Proveita o curto tempo que é seu. O lote de tempo mais longo
vai ser é meu, porque eu sou aquele que entorta os caminhos, amarga as águas no pote,
azeda o vinho e que planta a mágoa no fundo do coração humano! Proveita seus anos
de menina e essa alegria boba de vida. Proveita porque sua infância tem dono e num
demora vai desaparecer! Depois vai ocê, eu e o mundo. Ai de ocê que cruzô o meu
caminho! ( Roteiro: p.127).
Na atitude de Maria ao ajudar Cangaia recuperar sua alma, está evidente o
valor da verdadeira e pura amizade que Maria lhe dedica, também está demonstrado a
afinidade e a preocupação mútua estabelecida por ambos.
Continuando sua caminhada, Maria em um enganoso fandango encontra Asmodeu
brincante, com sua mediocridade e falsa alegria dançando o fandango.
Asmodeu:
“ Oi, abra a roda, olha o coco
Abra os ouvidos quem tá mouco
Sossega o facho quem tá louco
Que o riso em festa sempre é pouco
Dança comigo esse fandango
Que já me deu tangolomango
Menina vem que não me importa
Se ocê tem perna torta.
Oi, quero morrer no mês de junho
142
Em plena festa de São João
Que é para levar o riso nos olhos
E a fogueira no coração. (Roteiro: p. 132).
Fandango é uma dança popular, de origem açoriana, também conhecida no norte e
nordeste do Brasil como marujada. Ao som da viola ou da sanfona, o grupo de dança
mistura cantigas náuticas, de origem que retratam as conquistas marítimas e o heroísmo
dos navegadores portugueses e, o sapateado. É uma bailado que não possui enredo
ordenado, mas a apresentação do auto começa sempre com a chegada de uma miniatura
de barco à vela puxado pela tripulação, que é formada pelos componentes do grupo de
dança. (Google, Brasil cultura, acessado em 06/11/2009).
É nessa dança de fandango que Asmodeu aparece disfarçado, e ele a chama para
dançar, mas Maria o reconhece:
“Tô te conhecendo, cafute mardito! Ocê nun é aquele que comprô a sombra de
Cangaia, que era o moço bonito, que era o homem e que era o véio? Ocê é o demo ,
zarapelho dos inferno!”. ( Roteiro: p. 133).
E foge chingando-o de demo, coisa ruim e ele lhe ameaça:
“Se você é vivaiz e com esperteza não lhe pego, vou batê prego onde a madeira
racha: seu Pai! Primeiro le deixo no muno, despois ocê num se sustenta!”.( Roteiro: p.
133).
”Asmodeu transforma-se em Asmodeu gico e diz ao Pai de Maria que a menina
morreu.
“Asmodeu, o mágico, vem pela estrada e descobre o pai bebendo água junto ao
córrego. Aproxima-se dele.”
“Mas coisa alguma é boa na vida, essa é a nossa sina. Coisa de uma semana,
uma menina...(Meneia a cabeça, inconformado). Mesma a chuva que fez essa água boa
carregou a ter numa enchente. Morte de criança mexe com a alma da gente”.
(Roteiro: p.135).
“Mas essa é a vida morte de filho num cicatriza.” (Roteiro: p.137).
O diálogo de Asmodeu com o pai de Maria continua. Asmodeu tenta levá-lo ao
desespero:
“Asmodeu aproxima-se mais do Pai e, com voz triste, tenta influenciá-lo ao suicídio.
O pai não o vê. (Roteiro: p. 147).
Essa influência de Asmodeu faz com que o pobre pai tendo o suicídio.
“O pai parece que vai se lançar, mas subitamente afasta-se da beira do principio.
143
(Roteiro: p. 147).
Então a imagem de Maria lhe traz esperança e o faz desistir.
“A lembrança sustenta, abriga. Maria, minha criança, uma vez você já vorto à vida.
Ocê Há de voltar pra minha esperança!”. (Roteiro: p. 147).
“A lembrança sustenta, abriga. Maria, minha criança, uma vez você já vorto à vida.
Ocê Há de voltar pra minha esperança!”. (Roteiro: p. 147).
Enquanto isso, Maria procura a chave perdida, Asmodeu a observa, revoltado lança
mais uma maldição:
mostra o que se perde para sempre, menina! Ocê chora e desatina antes do
amanhece! (Roteiro: p. 148).
Como em outros contos de fada, o mal aqui, através de Asmodeu está presente na
ira da vingança, o mesmo aconteceu com “Branca de Neve” e “João e Maria” ao ser
castigada pela madrasta invejosa e ciumenta, com “Eros e Psique” Psique castigado por
Afrodite, deusa da beleza na mitologia grega, por ciúme e inveja da moça.
Asmodeu lança mais uma maldição na pobre Maria:
“Quem Constância quando eu quebrá seu caminho, semeá espinho em cada
hora sua, escurecê a luz da lua que brilha em seu zóio! E isso vai se dá é agora e e já”.
(Roteiro: p. 149).
“A roda da desventura começa a girar!” (Roteiro: p.137).
Essa roda citada por Asmodeu pode ser a Roda da Fortuna que no Tarô tem o seu
significado místico ao que se segue:
A Roda da Fortuna representa o processo de crescimento, rumo ao êxito, que
aparecendo invertido determina o retrocesso deste processo, além disso, representa
estágio de mudanças ou o próprio ciclo da vida, pois em volta da roda estão um bebê e
um velho, ambos abaixo de um ser ambíguo, com feições angelicais e diabólicas ao
mesmo tempo é o ( Arcano presente no jogo de Tarô).
Jung, estudou o tarô por ser composto de imagens arquetípicas, como o diabo, a
morte, o sol e a lua, configurada como uma linguagem que pretende a adivinhação, mas
que, nas culturas pagãs, possuía como principal objetivo o auto-conhecimento. (site
Wikipédia).
O Tarô é um jogo, no qual a cartomante Rosa fazia às suas adivinhações.
Marie Luise von Franz também comenta sobre a simbologia da roda:
“Na Índia, a roda é um símbolo de poder e vitória, um guia para encontrar o
caminho e o poder.
144
Em quaisquer casos, a roda simboliza a ação autônomo do inconsciente, ou seja, o
SELF. Na Índia, o hindu procura agir em harmonia de ritmo com o movimento da psique,
a roda; ele deseja manter contato com a corrente da vida que vem do SELF. Mas este
pode se tornar um fator negativo e torturador se suas intenções forem mal interpretadas; é
como se seus enigmas ficassem sem resposta. Nos tempos da Babilônia, a roda
astrológica, ou o horóscopo de nascimento, marcava o aparecimento do círculo fatal que
colocava cada homem na roda de seu próprio destino.
Continua Franz:
“Na Idade Média, a fortuna tinha uma roda, uma espécie de roleta que expressava
o trabalho indiferente do destino cego sobre os homens, que eram prisioneiros de sua
própria consciência”. (Franz: 2005; p. 179).
O tarô (a roda) está presente em Hoje é dia de Maria através de diversos
arquétipos como a morte, as figuras masculinas e femininas, o nascimento, o sol, a lua e
o diabo.
Nessa sua jornada quando Maria perde sua chave, entrega nas mãos do detentor
do mal o seu destino, mas o que ajudará a retomar o seu caminho é sua consciência e
Constança que permanecem firmes:
“Se preciso fô, que se quebre os alicerces do mundo, as montanhas se levante pro
arto, as estrela um sarto no mais profundo do mar! Também tenho constância, sua
sobra vai ser minha, mai, por primero, le roubo a infância! Agora cumpro o prometido. Que
se alevante os ventos nesse chão batido de sór! (Roteiro: p. 159).
“Agora vai corre como dia, hora como segundo, porque rapidez a do futuro nun se
impata nen se adia! Maria, Maria! Agora ocê num tem mais seguro. Vida doravante num é
mais brinquedo de criança! Avança, tempo, corre, voa , que a hora já soa”.
(Roteiro: p.151).
Maria desafiou o diabo, que, irado lhe rouba a infância. De um dia para o outro
Maria acorda adulta e conhece o seu amado, um jovem vítima de uma maldição,
durante a noite é homem , mas ao cair do dia é transformado num pássaro que sempre a
segui e a protegeu desde de menina. O amor de Maria tem dois inimigos :o diabo
Asmodeu e o Saltimbanco Quirino que apaixonou-se por Maria e louco de ciume,
aprisiona o pássaro seu amado. O diabo está implacável e para congelar de vez o
coração de Maria, faz nevar no sertão.
Em uma comparação com o conto de fadas A Cinderela, no quinto capítulo está
uma releitura do clássico. Com o retorno ao lar do Príncipe, sua família resolve e oferece
145
uma festa para todos os residentes da região em que o Príncipe escolherá uma mulher
para se casar. Interesseira, a Madrasta arruma Joaninha para ir à festa e despreza Maria,
dizendo que ela não poderá comparecer porque o possui trajes adequados para a
festa, mas para salvar Maria e lhe dar a alegria de participar da festa, quem aparece? O
mascate que lhe presenteia com um belo vestido, um sapato encarnado e lhe aconselha a
estar de volta para à casa antes da meia-noite.
Mascate: Adeus moça bonita...Só guarde esse aviso, meia-noite acaba a dança,
acaba o riso. Na primeira badalada, juízo! Na segunda, corre, e na terceira, e na última
em casa esteja! Salam”. ( Roteiro; p.165).
O mascate pode ser a fada madrinha, como na estória da Cinderela e é também o
anjo que sempre ajudou Maria e que se apresenta disfarçado como mascate.
Maria consegue ir para à festa que acontece na sede da fazenda, como em
Cinderela, ao ouvir as badaladas, foge apavorada e na fuga perde o seu sapatinho que é
encontrado pelo Príncipe.
“Súbito as badaladas de um relógio soa nos ouvidos de Maria. Ela procura a
origem do som e percebe que ele vem de um grande relógio de parede. Ouve-se a
segunda badalada e Maria lembra-se do aviso do mascate, solta-se do príncipe e dispara
a correr. O príncipe tenta contê-la e corre atrás dela, mas não consegue alcançá-la”.
(Roteiro: p. 179)
“Então o príncipe se abaixa e pega um dos sapatinhos que Maria perdeu na fuga.
(Roteiro: p. 171).
Depois do corrido no baile, o príncipe ordena ao capataz para lhe trazer a moça
que servir o sapatinho encarnado. (Roteiro:p.173-174).
Como em Cinderela, o sapatinho entra no de Maria. O encaixe do sapatinho é
perfeito! O conteúdo completo e perfeito que preenche o vazio, isto é, a união que se
completa.
Maria passou pelas provas e vai para ao casamento, mas quando o pássaro
incomum é atingido por flechas ela desiste do Príncipe e do casamento.
Após desistir do casamento e do príncipe retira o seu belo vestido de papel e
entrega nas mãos da Madrasta e o Príncipe para Joaninha, que sai voando, após receber
uma alfinetada dada pela própria mãe, afim de que ela emagreça e o vestido lhe sirva.
Maria encontra o seu ssaro e ele está ferido e, ao retirar a flecha o pássaro se
transforma em um belo rapaz e revela que isto acontece a noite e se tornou
humano para ficar perto dela; ao que segue:
146
Maria finalmente retira toda a seta do peito do pássaro. O pássaro incomum se
transforma num lindo rapaz nu,que cai ao chão. É o amado. Maria sufoca um grito de
susto e espanto se afasta. Depois pergunta surpresa:
Maria:
Quem é você?
Amado:
Sou aquele que velei seu sono e segui seus passos. E não vi encanto em voar
livre no espaço, nem de estar perto de um monte de estrelas, nem no canto dos pássaros
nas manhãs. Quis andar pela terra....
Maria:
Seria ocê aquele já adivinho?
(Roteiro: p. 187-188).
Maria:
Porque minha voiz pergunta quem é ocê, se meu coração já te conhece?
Amado:
Ainda não sou nada! Nem ave que era nem homem completo.
Sou o fruto dessa queda que tanto sonhei. Por você quis ser homem. É agora
estou perdido!
Maria:
Me diz: foi ocê que eu esperei sem sabê? Foi ocê que sonhei a noite sem lembra
de manhã?
O amado:
Não sou homem inteirado, completo ainda...
Maria:
Homem só sou na sombra da noite, na luz do dia minha sina é ser pássaro.
Maria o ajuda o pássaro que estava impossibilidade de andar e lhe diz que a parte
de um é o que falta no outro.
“Inté tô achando que um parte que falta no outro.
(Roteiro: p. 189).
O romance entre Maria e o amado é semelhante ao clássico Eros e Psique, Eros
filho de Vênus (Afrodite) , se apaixona por Psique e vivem um intenso e feliz amor até o
dia em que Psique, por curiosidade, influenciada pelas suas irmãs, resolve ver o rosto de
Eros quebrando a promessa que fizera ao seu amado de nunca ver o seu rosto. Psique
volta para a casa de seu pai. Após se submeter a três provas decretadas por Vênus,
147
(Afrodite) é perdoada por Eros e com a autorização de Zeus, atendendo a um pedido
de Eros, Psique casa-se com seu amado Eros. Dessa união nasce Volupsia, que significa
prazer. Numa comparação com Hoje é Dia de Maria, Eros o Pássaro, Maria a Psique,
Vênus o Asmodeu e a madrasta.
Jung comento a repeito dessa maldição em mitos e contos de fadas e o que
representa :“Um grande número de mitos e contos de fadas que conta a história de um
príncipe transformado por feitiçaria em animal ou monstro, que é redimido pelo amor de
uma jovem – processo que simboliza o processo de integração do animus na consciência.
Muitas vezes a heroína não tem a permissão para fazer qualquer pergunta a respeito do
seu misterioso e desconhecido marido e amante; ou então, o encontra no escuro e
nunca pode olhar-lhe o rosto. Está implícito que amando-o e confiando nele cegamente,
ela poderá libertá-lo. Mas isso não acontece nunca. Ela sempre quebra promessa feita e
vai encontrar novamente seu amado depois de longa e penosa busca e muito
sofrimento”. (Jung: 1964; p. 195).
Continuando a análise:
“A analogia desse tipo de situação mitológica com a vida comum está em que a
atenção consciente que uma mulher tem de dar aos problemas de seu animus toma muito
tempo e envolve bastante sofrimento. Mas se ela se der conta da natureza deste animus
e da influência que ele exerce sobre as pessoas, e se enfrentar esta realidade em lugar
de se deixar possuir por ela. O animus pode tornar-se um companheiro interior precioso
que vai contemplá-la com uma série de qualidades masculinas como a iniciativa, a
coragem, a objetividade e a sabedoria espiritual”. ( Jung, 1964; p.195).
Segundo Paiva a representação ficcional da narrativa é complexa e, desvela a
grande trajetória do ser na busca do conhecimento de si, do mundo social e cósmico;
nessa procura se inclui a busca da realização amorosa. Não sabemos ao certo se o relato
trata de um sonho, ou se Maria teria sido morta pela madrasta. Sendo assim, tudo não
passaria de uma especulação sobre o outro lado da vida, o que poderia justificar a
presença dos seres sobrenaturais como o diabo e a madona ao longo da jornada. Mas a
narrativa prima, sobretudo, na polissemia, liberando várias margens interpretativas ao
leitor-telespectador.
O texto pode ser lido pela prisma do desejo feminino, com todos o seu séquito de
totens e tabus. A simbologia do ssaro, do animal alado, consiste numa remitência
explícita ao fato, ocupando o lugar do objeto do desejo e sua representação é sublime,
uma vez direcionada para o alto, para o elevado e o ascensional. A entrada de Maria no
148
bosque é fixada pela materialização sensual da rosa vermelha, que simboliza a
circunstância do desejo, de maneira idílica, o que se confirma pela fusão de imagens com
o pássaro de metal vibrante, luminoso, envolvido por águas cristalinas, que coloca a
menina em êxtase. (Claudio Paiva – Revista Eletrônica
Maria, presente no imaginário trata-se de um arquétipo que estrutura a imaginação
popular desde dos primórdios, o que significa a busca de si e do outro. Ao comparar-se
com História de Alice no país das maravilhas, o centro da trama está a questão da
infância. Maria no primeiro momento, do trajeto se realiza em direção ao exterior, pois a
menina Maria vai à estrada descobrir o mundo. Alice, ao contrário, entra para o interior,
cai em um buraco fundo que parece não ter fim, o coelho branco é quem inicia a
aventura, quando Alice o segue até a toca e, também descobre um mundo diferente na
sua viagem, onde diferentes personagens fazem parte da história.
Na viagem de Alice, cada personagem tem as suas características próprias,
personagens divertidos, inteligentes, atrapalhados e malvados.
Maria também, na sua primeira caminhada, depois de ter a sua família
desestruturada, foge para as franjas do mar. Os personagens vão se revezando,
constantemente se interagindo, às vezes ajudando, outras vezes atrapalhando, ou seja,
alguns bons, outros divertidos e outros malvados.
O mesmo se na história de Alice, no segundo momento de Maria, após ter
passado pela transformação de menina à moça, enfrentou desafios e venceu obstáculos.
A sua viagem, será de retorno à casa, olhando com outros olhos o mundo, os amigos,
seres e inimigos.
Alice também encontra diversos personagens na sua viagem e ao retornar para o
mundo real, quando desperta do sonho, também vai olhar o mundo com outros olhos,
pois descobriu que paralelo ao mundo real, existe o mundo imaginário, no qual ela
também precisou enfrentar desafios e vencer obstáculos.
Na aventura vivida por João e Maria, também, existe duas jornadas. A primeira
quando eles são abandonados na floresta pela primeira vez conseguem retornar à casa,
na qual enfrentam como Maria desafios, maltratos e obstáculos. Ao contrário de Maria,
eles não fugiram da madrasta malvada, mas foram abandonados na floresta por ela e o
pai, e a família de João e Maria também é desestruturada.
Na segunda jornada de João e Maria, eles não conseguem retornar à casa, ficam
perdidos na floresta, mas conseguem encontrar alguém que parece amiga e boa, mas
que na verdade, não passa de uma bruxa malvada que quer devorá-los, (é o demônio da
149
história), como Asmodeu o “demônio”, na segunda jornada de Maria.
Na história da Cinderela, a menina também é maltratada pela madrasta e suas
duas irmãs. Sofria maltratos, desafios e trabalhava muito. Ao se tornar uma moça bonita ,
é invejada pelas irmãs e , na primeira oportunidade de escapar do mundo miserável,
em que vivia foi auxiliada por uma fada madrinha. A sua madrasta e as irmãs invejosas
são “o demônio da história”.
Maria, também quando enfrentava dificuldades recebeu a ajuda de Nossa Senhora
da Conceição que lhe dava alento e também pode ser considerada como uma fada
madrinha.
Nas três histórias: João e Maria, a Cinderela e Hojé é dia de Maria. É evidente, os
maltratos e a exploração infantil pelo excesso de trabalhos domésticos.
Nas três histórias o descaso e o desamor dos adultos, a fome, a presença do
mal, o abandono e a busca por um mundo novo que, às vezes parece inatingível.
Comparando com a história de Eros e Psique, conto de fada da mitologia grega,
tanto a protagonista Maria como Psique encontram o seu prícipe encantado que sofre a
metamorfose. Maria se apaixona por um jovem vítima de maldição, que a noite era um
homem e durante o dia se transformava-se num pássaro. Eros, o amado de Psique, a
noite o ser misterioso que a envolvia de intenso carinho e amor, mas durante o dia,
Psique somente ouvia a sua doce e linda voz. Eros e Psiquê vivem em harmonia
amarosa, até o dia em que ela resolve quebrar a promessa que fizera a Eros de nunca ver
o seu rosto, por esta atitude curiosa é expulsa do seu lar e, somente, após vencer três
duras provas impostas pela deusa Vênus, mãe de Eros, que Psiquê retorna para Eros.
O amado de Maria, que foi amaldiçoado por Asmodeu, que ela poderia
encontrá-la fisicamnete a noite, num ambiente mergulhado de paixão, mas para ambas
Maria e Psique a imposição do destino. Psique não poderia ver o rosto lindo de Eros,
Maria não conseguia desfrutar o amor de seu amado que tinha dois inimigos, o diabo
Asmodeu e o Saltimbanco Quirino, apaixonado por Maria e louco de ciúmes, ambos
(Asmodeu e Quirino) tornaram-se um grande obstáculo que impedia Maria de viver feliz
o seu intenso amor.
Segundo Jung a repetição dessas maldições de príncipe para animal ou mostro
representa:
Um grande número de mitos e contos de fada conta a história de um príncipe
transformado por feitiçaria em animal ou monstro, que é redimido pelo amor de uma
150
jovem – processo que simboliza o processo de integração do animus na consciência.
Muitas vezes a heroína não tem a permissão para fazer qualquer pergunta a respeito do
seu misterioso e desconhecido marido e amante; ou então o encontra no escuro e
nunca pode olhar-lhe o rosto. Está implícito que amando-o e confiando nele cegamente,
ela poderá libertá-lo. Mas isso não acontece nunca. Ela sempre quebra a promessa feita e
só vai encontrar novamente seu amado depois de longa e penosa busca e de muito
sofrimento. (Jung:1964; p.195).
Maria encontra uma companhia de teatro, cujo o nome é Vai e Volta, semelhante a
um teatro da idade média que apresentava a cultura popular pagã no interior da Europa.
Ela participa desse grupo: os irmãos Rosa e Quirino, Rosa é cartomante e e
Quirino perde a razão ao apaixonar-se perdidamente por Maria.
O Pai caminha desorientado e desesperado, na sua angustia faz suplicas a Deus
para ajudá-lo a encontrar o caminho correto que lhe permita chegar à Maria, então mais
uma vez, surge anjo guia, o Vendedor, que lhe diz::
“Os sinais não estão fora, estão dentro. Escuta o coração e escolhe o
caminho.”
Este vendedor entrega ao pai desesperado um espelho, no qual, é refletido a sua
imagem e na sabedoria de sua idade, tem novamente a esperança de encontrar a filha.
O pierrô Quirino não se identifica com a máscara e a imagem que enxerga em
seu espelho:
“A donde está perdido o seu verdadeiro rosto, palhaço? Amor não pode ser peso,
quero leve o coração. Água lava a máscara e liberta meu rosto e minha alma dessa
prisão.
De olho na fraqueza alheia, Asmodeu incita Quirino: Olhe o que a vida mostra:
vence na guerra quem melhor peleja, vence no amor quem melhor domina.”
Asmodeu, aproveitando da fraqueza de Quirino faz com que ele prenda em uma
gaiola, o pássaro incomum, o amado de Maria..
Finalmente o pai reencontra Maria, ambos se perdoam, enquanto Quirino declara
seu amor e tenta matar Amado. A cultura pagã está mais uma vez presente, quando o
Amado que está preso na gaiola, faz uma prece às forças da natureza.
Segundo Claudio Paiva, (2005: p.6).
No sétimo capítulo, preso, o Amado faz uma oração à Deusa Terra, com respeito
aos mistérios do mundo, louvando o sagrado da vida, rogando pela liberdade. Através da
oração pagã do Amado, enuncia-se um retorno místico ao mundo da natureza.
151
Asmodeu, irado faz nevar no sertão e mata o pássaro incomum que saiu da
gaiola. Maria vai a procura de seu pássaro, após Quirino ter contado lhe o que havia feito
com ele. Em seguida, iremos visualizar o trecho delicado em que Maria se torna moça,
pelo fenômeno da menstruação ás margens do rio, uma cena feita cuidadosamente
como representação solone de um “momento de passagem” no eterno ciclo da vida.
Posteriormente, Maria se empenhará em libertar o seu homem-pássaro, congelado pelo
demônio Asmodeu, e numa cena que nos relembra a imagem clássica de lenda e o cisne
( na mitologia grega, na pintura de Da Vinci e Rubens), enlaça-o entre as pernas e com
seu calor devolve a vida ao ser amado. (Claudio Paiva – Revista eletrônica Temática).
Continuando a estória e o pai de Maria sonha com a morte:
O pai se revira na cama . Está sonhando (Roteiro: p.311).
A morte, um novo símbolo arquetípico aparece na fígura de uma Gralha.
Gralha: - Construíste teu barco? Construíste teu barco?
Pai: - Quê barco?
Gralha: - É outono, os frutos caem e há uma longa viagem para ser feita que
começa agora. Já construíste teu barco?
Pai: - Por causa de quê eu careço de um barco?
Gralha - Constrói teu barco e nele coloca alimento, pão e vinho. É com o vigor de
um coração tranqüilo parte para a maior aventura. (Roteiro: p.312)
Pai: Quem é ocê. O que diz num consigoentender?
Constrói o teu barco porque o mar é escuro e mistrioso do fim está lavando
nossas feridas.
Constrói o teu barco da morte, da morte bela e profunda.
Constrói teu barco para a viagem rumo ao esquecimento. (Roteiro: p.314).
Após essa dinâmica onírica, Pai parte junto com Mãe para o mar do esquecimento,
ou seja, retornam como imagens primordiais para a área inconsciente da psiquê de Maria.
Maria encontra o corpo de Pai morto e se desespera, mas Rosa lhe diz que é
necessário que ela o deixe partir.
Ao partir em busca de Amado, Maria encontra mais uma personagem de Asmodeu,
o Poeta:
Asmodeu Poeta:
“Ele tem um ar de desamparo, é simpático, e se veste com simplicidade, mas é
Asmodeu , o poeta...(Roteiro: p.3213).
Asmodeu:
152
Um sorriso desse é que vale
E pede que minha boca fale
E que eu mude meu caminho
Frô sertaneja deste inverno
Ouve o pedido ousado e terno
De quem também anda sozinho
(Roteiro: p. 323).
Continua Asmodeu com sua poesia com a finalidade de ganhar o coração de Maria;
Asmodeu:
Quarquê sonho, quarquê delícia.
Descanso sem fim, prazer sem desalento
Tudo em troca de morá em seu coração
Por um só momento
Maria:
Por um só momento?
Asmodeu:
Não mais que um segundo
Maria:
O que é meu de direito ninguém vai se apossar!
(Roteiro: p. 324).
Então Maria retira sua chavinha que estava no pescoço de Asmodeu.
Novamente na jornada da pequena Maria a Chave está presente. O símbolo que
aparece também na Bíblia, no evangelho, (livro de Mateus, capítulo 16, vers.19): “Eu te
darei as chaves do reino dos céus: Tudo que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo
que desligares na terra, será desligado no céu”.
A chave que abre, a chave que fecha, a que liga e desliga. Presente no nosso dia-
a-dia, que abre o portão, a porta de nossa casa e que, segundo o evangelho, pode abrir a
porta de nossa alma. “Eis que estou à sua porta e bato”.(Apocalipse: capítulo,3:1).
Isto é, a porta está fechada e precisa da chave para abri-la. Este símbolo aparece
por trás do texto bíblico, ou seja, subentende-se que uma chave e que está com o
dona da casa e, somente ele poderá abri-la. A porta d”alma para aquele que bate entre.
E Maria continua enfrentando Asmodeu corajosamente.
Maria:
153
foi-se o tempo que lhe tinha medo. Mardito que até atrás das palavras bonitas
se oculta?
Asmodeu irado diz a Maria:
Debaixo da neve, ué! E fica com sua chavinha que sua mãe le deu, coisica de
criança. Chave de tesouro! Nenhum tesouro há de vale até o momento, de oc^vim de
rasto implorá pra eu mora no seu coração. (Roteiro: p. 325).
Maria olha em volta , indecisa sem saber para onde se dirigir.
É Asmodeu que irado tortura a cabeça de Maria, Faz com ela fique confusa sem
saber qual rumo tomar
Maria sustenta a emoção e as lágrimas que querem aflorar em seus olhos. Fecha
os olhos e diz para si mesma:
Meu coração vai me guiar.
Pai! Mãe! Agora que ocês tão juntinhos. Sustentem o meu caminho!
Vamos , Maria, que esperança num é esperá! Esperança é caminhá.”
Maria continua a sua caminhada, Asmodeu a acompanha , olha irritado para a
direção que Maria tomou e segue seu rumo. A lua começa a nascer e Maria a observa,
como se estivesse fazendo uma súplica, começa cantar baixinho uma melodia
sentimental, ( A floresta do Amazonas, de Vila Lobos).
Maria:
Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura.
(Roteiro: p. 327).
Maria encontra o Amado morto , na forma do pássaro incomum, preso dentro de
um bloco de gelo, corre para o bloco de gelo e o abraça dizendo:
Oh, amado
Toma-me e aquece-te.
É tua a min há noite mais delicada
Toma-me! E vive, vive uma vez mais!!!
Asmodeu, de longe observa Maria.
Maria está emocionada,começa a sorrir e arranha o gelo na tentativa de libertar o
seu amado.
Asmodeu continua observando Maria ao longe, aproveita a oportunidade e
154
sorrateiramente, vai até a estátua de gelo e ouvi bem baixinho as batidas fracas do
coração do amado de Maria.
Asmodeu:
Mas é a batida do coração! É o coração que num pára de batê!
(Roteiro: p. 328).
O calor da fogueira de gravetos que Maria fez para derreter o gelo e libertar o
amado faz com que o gelo derrete lentamente, ficando uma fina camada que deixa
perceber, na altura do peito do pássaro, uma pequena fechadura e Maria percebe que é
justo ao tamanho de sua chave. Então, coloca imediatamente a chave no buraco da
fechadura e vai girando-a delicadamente, até que uma pequena portinhola se abre,
revelando o coração ainda fraco, que ela pega em suas mãos.
(Roteiro: p.329).
Maria diz:
Vem, renasce ainda mais forte e belo como o nosso amor.
Maria, beija o coração e devolve ao peito do amado enquanto fala:
Aquece-te! Toma-me! Pega todo o meu calo
(Roteiro: p.330).
O coração pulsa mais forte. O Pássaro renasce e logo se transforma no amado.
Podemos comparar o renascimento do Pássaro Incomum com o renascimento de
Fenix, o pássaro que ressurgiu das cinzas. O coração do amado estava congelado e ele
bem dizer morto, somente a força do amor, impulsionado por um gesto de Maria pode
devolver-lhe a vida, isto é, deu-lhe a vontade de viver, a mesma vontade de viver que
teve o pássaro Fenix. O amor de Maria devolveu a vida ao amado e o amor de Fenix por
ele mesmo fez com ele voltasse a viver das cinzas.
Asmodeu furioso vê a transformação.
Que poder tem essa muiê de mu a mardição e bença, desandê o mal que faço,
sorvete todo destino que traço?
Asmodeu rosna furioso; Lança uma ultima maldição e convoca todas as suas
imagens. (Roteiro: p.330).
Asmodeu:
Mai num va tripudiá, num vai se alçá com poder maior que o meu! Eu sou o pai de
todo o dano, aquele que embaraça os caminhos e turtuvia o coração humano.
O que eu lhe roubei, eu posso devorve. E, agora, Maria, pra desfazê esse
amor, como castigo e mardição eu le devolvo a infância.
155
Transformada de novo em uma criança Maria caí na estrada, a mesma estrada
onde ela, transformada em adulta, perdeu a infância. Ela se ergue do chão e, atônita, olha
à sua volta. (Roteiro: p. 331).
Maria ao retornar à sua condição anterior (de criança) lembra da chave:
A chave que também é citado em outros contos de fadas como por exemplo:
“Os dois Andarilhos”; resumindo a história que é de um casal de velhos que não podiam
ter filhos devido a tenra idade, mas finalmente, apesar da esterilidade da mulher tiveram
este filho tão desejado. O casal de idosos queriam batizar a criança, mas, devido a
pobreza, não encontraram padrinhos que aceitassem batizá-la; então, nessa procura
encontraram um velho muito pobre que aceitou ser o padrinho da criança. Como não tinha
nada de valor para presentear o afilhado, deu ao menino uma chave de presente, a qual
deveria guardar aos 14 anos, quando então, avistaria um castelo na campina. A chave
era do castelo e tudo que existisse ali pertenceria ao menino, seu afilhado. (Franz: 2002;
p.65).
Maria:
Nossa Senhora! Minha chavinha ficou pra trais?
Maria eu tô vindo de onde?
Mascate :
Dia, mrnina!
O Mascate vai abrindo sua mala e remexendo dentro. A mala está cheia de
tecidos, brocados, fitas, jóias, coisas muito bonitas e brilhantes. No meio de tudo isso,
um espelho de Vênus, coberto com um pano ordinário, um objeto, sem nhum atrativo.
(Roteiro: p. 335).
O Mascate conversa com Maria e depois de algum tempo de prosa, Maria
pergunta:
O seor , siô mascate? Já conheceu o amo?
(Roteiro: p. 336).
O mascate fica ainda mais sem jeito com a pergunta de Maria. Rapidamente, tenta
chamar a atenção dela para os objetos. O mascate lhe oferece um de seus objetos, mas
Maria olha e, entre todos os objetos, o espelho de Vênus chama sua atenção. Aponta
para ele. Rapidamente o mascate pega o espelho e o dá a Maria.
(Roteiro: p. 337).
Maria pega o espelho e, quando vai descobri-lo, o mascate a impede e diz a Maria
que só deve descobrir o espelho quando o seu coração mandar.
156
Maria baixa a cabeça para guardar o espelho em seu bornal.
(Roteiro: p. 337).
Mais tarde, Maria encontra Asmodeu que caminha pela mesma estrada, o demo vê
brilhar alguma coisa no chão, é a chave que Maria procura.
Asmodeu:
A chave! Ara! Ela voltou no tempo, mas no lugar errado.
Asmodeu põe-se a correr com sua perna manca. Maria percebe Asmodeu, solta
uma exclamação de alarme e chega mais rápido, conseguindo pegar e recuperar a
chave.
(Roteiro: p.339).
Maria continua a sua caminha e entra num vilarejo, onde está montado um
parquinho de diversão bem simples e encontra-se com Cangaia que é um misto de
porteiro e também vendedor de algodão doce. Ela reconhece o amigo e o abraça
alegremente. Conversam sobre vida, a saudade, o amor e ela faz várias perguntas como:
Maria:
Vivê é assim mesmo, Zé? É essa coisa doída que muda sempre? É a separação
de quem a gente quê, andança sem parada? Parece tudo sonho! Vivê é isso, Zé?
E o amor Zé? Quando ele é de verdade?
E a felicidade? Quando é de verdade?
E na vida, Zé? O que vem depois da morte, Zé?
Zé Cangaia:
Ocê escolhe as minha resposta pra cada pergunta. Maria:
Não sei, num sei, não sei! Esqueci de aprendê!
Maria, ainda em lágrimas repreende Zé Cangaia.
(Roteiro: p.343).
Zé Cangaia responde a Maria que não ficou magoada com a reação dela:
Zé Cangaia:
magoado de ocê, não, Mariazinha! É que essas coisas a gente sabe
perguntá...NUm sabe respondê, não. Mai vamos...Chega, que tristeza num é beleza!
Enquanto ocê tivé comigo, ocê via se adiverti! ( Roteiro: p.344)
Realmente eles se divertem, brincam de trava-lingua, vão ao castelo de espelho e
se divertem dentro do labirinto procurando a saída:
Maria:
157
Acho que encontrei uma saída...Vem comigo Zé!
Zé Cangaia:
De que jeito?
Maria:
Pra donde será que essa saída leva? Será que é pras franjas do mar?
Zé Cangaia:
Poe aí, não, Maria! Aí é aquela terra onde sol nunca se põe. É o país do sol a
Pino!
Maria:
Entonce, acho que meu destino é mesmo fazê o caminho de volta...Que seja!
Adeus Zé!
Zé Cangaia:
Oh! Menina, mai nossa sina é sempre se despedi?
Maria:
É, não Zé. Nossa sina é sempre se encontrá! Adfeus Zé!
Ze Cangaia:
Adeus, Maria. O que eu queria lhe deseja é que essa roda da fortuna comece a
gira.
(Roteiro: p.348).
Novamente aparece a roda da fortuna, simbologia citada anteriormente por
Asmodeu (Roteiro: p. 137).
Maria:
a minha não Zé. A roda do mundo! Que o mundo vire às avessa, e que
depressa toda tristeza se vá.
Zé Cangaia:
Que o mundo gira, gira-mundo! gira-mundo! E no fundo da terra e no arto do
céu, esse nosso desejo seja lei! Amém e adeus!
(Roteiro: p. 349).
Maria segue em frente e encontra os meninos do carvoeiro libertos e com suas
sombras de volta.
Carvoeiro:
Foi um minutinho só, mai aconteceu, Maria! O mundo girou. Gira-mundo! O que
tava em cima girou pra baixo, os que tavam acorrentado se libertou. Quando o demo
158
conta, vimo que nossa sombra tinham vortado. Livre e desembaraçada! Barguém deve ter
girado as coisas de mundo! ( Roteiro: p. 350).
Mais à frente reencontra o Maltrapilho, o anjo disfarçado que lhe mostra
novamente a necessidade de seu retorno.
Maltrapilho:
“Se o sór nasce toda manhã, num dizê que ele traz sempre o mesmo dia. E se ocê
vorta pelo caminho trilhado, ocê vorta diferente. E nem os caminhos num são mais os
mesmo. Arrepare bem.” ( Roteiro: p.353).
È o mesmo anjo que apareceu da primeira vez e some da mesma maneira.
Maria:
Sumiu iguarzinho da outra vez. ( Roteiro: 354).
Maria caminha cansada e encontra novamente a família de retirantes qu e dizem
que ainda não encontraram terra e lugar para viverem e que esse mundo de Deus,
parece que tem cerca e dono. Então Maria tira cabaça de água e ao retirante que
destampa a cabaça e, para espanto de Maria despeja o conteúdo dela no chão e a água
logo desaparece sugada pela terra seca.
Retirantes:
A terra tem sede. Esse chão tá assim, por essa forma, porque tudo tiramos da terra
sem nada devolvê!
Indiretamente, este trecho alerta para o cuidado com o Meio Ambiente, o qual o
homem agride a natureza sem respeito e desordenadamente. Tira á água da terra ao
desmatar, queimar os serrados, campos e florestas . Polui o ar, o mar e os rios sem se
preocupar com seu futuro, isto é, um dia a terra vai secar, a água faltar, os alimentos e o
próprio ar.
Continuando a nossa análise, depois que o retirante joga a água na terra , chove
no sertão e os retirantes dançam e gritam sob a chuva. (Roteiro: p. 355).
Realmente é o caminho de volta, pois todos os personagens que Maria havia
encontrado antes de voltar a ser criança, vítima da maldição de Asmodeu está
reencontrando na caminhada de volta.
Maria encontra novamente o homem de olhar triste que é o anjo disfarçado. Os
dois vão andando, até que encontram um pequeno arbusto bem verdinho e totalmente
florido, contrastando com o terreno árido do país do Sol a Pino. Percebe-se e seus
galhos, que a pequena árvore brotou da cruz que foi fincada na sepultura. Maria olha
aquilo maravilhada. O homem de olhar triste lhe diz::
159
Isso foi Deus, agradecendo sua boa ação,. Seus sonhos vão ser atendidos. Segue,
menina! (Roteiro: p. 357).
Os executivos também aparece cobrando dívidas, perguntam a Maria se ela
pagou o que devia, ela afirma que pagou. Depois de pouca conversa pega uma carona
deles, na garupa da moto e partem, mas o percurso é cheio de manobras, como se
fosse um jogo lúdico. Após o percurso, Maria desce da moto e os executivos partem
levantando poeira.
Na beira de um rio, Maria olha para outra margem e a imagem de Nossa
Senhora que sorri para ela. Pela última vez, Maria conversa com Nossa Senhora da
Conceição, desabafa com a virgem contando-lhe sua angustia e preocupação,
porque sente que está se aproximando a sua vida perturbada e triste de antes com a
madrasta que a atormentava.
Nossa Senhora lhe dá um conselho:
Menina, na vida, tem duas épocas boas, épocas de oro. A primeira fica nos
começo da vida e a gente recebe de graça. A segunda, a gente tem de buscá, tem que
fazé”. ( Roteiro: p. 361).
Maria segue o seu caminho, quando passa em frente da antiga casa, percebe que
a madrasta está feliz e com o primeiro marido que não morreu . Acredita que algo está
errado, mas quando se aproxima de sua casa, encontra o sítio bonito e bem cuidado.
Seus irmãos estão trabalhando e a produção de polvilho está de volta.
Ao se aproximar da casa da fazenda, Maria refreia um pouco o passo, indecisa e
ao mesmo tempo anciosa. De onde ela está, pode ver nitidamente o pai e os irmãos todos
homens, envolto ao de polvilho que fabricam. Maria relembra a cena como de uma
infância há muito perdida. (Roteiro: p.366).
Quando Maria vê sua Mãe, pergunta-lhe se é realmente ela:
Mãe?! É a senhora Mãe?! Devera?!
Emocionada, chora muito e abraça a mãe.
Mãe:
Que foi, fia?
Maria ainda chorosa pergunta a mãe;
A senhora morreu...daí o pai ficou muito triste, os irmão foram tudo embora...
Mãe:
Se acarma fia...Nois tamo aqui, nois num vai deixá isso acontecê...
(Roteiro: p. 368).
160
Maria conta a todos sua aventura e os irmão ri muito da sua estória., porém o
Pai lhe diz::
“ Claro que é verdade, fia, tudo que a gente imagina é verdade também. Ué!”
Maria, já restabelecida, trabalha feliz com os irmãos na preparação do polvilho.
Conhece Ciganinho e trocam olhares amorosos, vão para o trabalho, afasta-se um pouco
dali e vai regar um botão vermelho de uma pequena roseira em seu jardim. Depois ela se
lembra de algo de seu embornal. Tira, de dentro dele, o espelho que o mascate lhe deu.
Ele ainda está encoberto por um pano, Maria se lembra das palavras do Mascate:
“So descubra o espelho quando o coração manda”.
(Roteiro:p.372).
Maria está feliz, tem certeza que chegou a hora, mas quando se refletida,
também, atrás dela o Asmodeu que lhe diz que enfeitiçará o ciganinho. Que ela nunca
mais terá paz e que fará todas as maldições contra a sua família.
Mas o feitiço vira contra o feiticeiro, porque Maria muita esperta vira os espelho
para o Asmodeu e diz:
O compradô de sombras!
Neste momento, Asmodeu lança um raio em Ciganinho, mas o espelho atraí o raio
e manda a um dos Asmodeu, transformando-o, depois de um estouro, num pedaço de lata
velha e enferrujada. Maria vai girando o espelho e outros Asmodeu vão aparecendo e
sendo destruídos pelo raio e assim, Asmodeu e suas personalidades são neutralizadas
até chegar ao ultimo, fincado somente, o Asmodeu original e ele tenta fazer um acordo
com Maria que corajosamente lhe diz:
Que trato nada, siô chupa-cabra, siò cafute mardito!Ocê vorta pros inferno de onde
ocê veio! Chega de me tenta!
Maria gira o espelho para o Asdmodeu original e ele explode com os outros
Asmodeu.
Maria:
Xô! Que essas águas pura e santa acaba com todo esse mal!
Os pais e os irmãos olham espantados para Maria não acreditando no que seus
olhos presenciaram.
Maria ainda lhe diz:
Num falei que era tudo verdade.
(Roteiro: p. 373-374).
Como todos os Contos de Fadas que têm personagens como: bruxas, fada
161
madrinha, vilões, maldições, feitiçarias , o bem e e o mal ” Hoje é dia de Maria”, na sua
primeira jornada tem um final feliz:
Ciganinho:
Bão, se é assim, tonce eu quero ir com ocê. Quero segui seus passos como seu
anjo da guarda. sempre junto, cortando todo o chão, inté chega nas águas
cristalinas.
Maria sorri e percebe que o menino é o Maltrapilho e o Amado e todos os que a
ajudaram em sua travessia.
E Maria e o Ciganinho,( o seu amado), emocionados, chegam diante do mar.
(Roteiro: p.377).
Claudio Paiva, conclui:
“Ao fim da estória, como se tudo não tivesse passado de um sonho, veremos que o
amado, o seu verdadeiro príncipe encantado, consiste numa transferência do objeto do
desejo originalmente fixado na figura do ciganinho, um morador da fazenda dos pais com
quem – segundo a narradora – Maria será feliz no futuro. Mas, sobretudo, trata-se de uma
narrativa que alerta para a experiência fundamental da comunicação orientada pela
amizade (como escreve Montaigne); o amor filial constitui aqui uma grande chave que
abre os caminhos da pequena Maria, cujas principais virtudes são a generosidade e a
solidariedade”.
(Claudio Paiva: Revista eletrônica Temática).
162
Enfim, Maria na sua primeira jornada, como protagonista heróica vive uma grande
aventura num universo de símbolos e personagens diferentes, com diferentes
características de personalidades.
A cultura popular está presente e também a dura realidade vivida pelas vítimas da
desigualdade social. também denuncias indiretas dos mal tratos a criança e da
exploração do trabalho infantil.
No decorrer da estória, nos deparamos com a presença da cultura pagã, da e
dos valores éticos e morais ensinados pelo cristianismo e a revalorização dos valores
femininos numa sociedade patriarcal.
Fizemos uma análise baseada em pesquisas de diversos autores de uma
microssérie que pode ser comparada aos tradicionais contos de fadas, os quais são
eternizados, passando de geração à geração em uma linguagem nova que usa todos os
recursos da tecnologia atual, como exemplo temos as grandes produções da Disney.
A microssérie “Hoje é dia de Maria”, como foi mostrado no terceiro capítulo desta
monografia, além da criatividade, se utilizou de todos os recursos tecnológicos atuais,
numa nova linguagem para a televisão.
Maria estava sonhando como Alice no país das maravilhas estava sonhando e
desperta para uma nova aventura na sua segunda jornada.
163
CONCLUSÃO
Com cuidado artístico e grande pesquisa histórica e bibliográfica, Luiz Fernando
Carvalho emprestou à minissérie televisiva brasileira uma rara finalidade. Acrescente-se
que os recursos tecnológicos que emprega o tornam ainda extremamente atual.
A cultura popular mescla-se em seu trabalho com a cultura erudita, principalmente
a literária. Nosso estudo de caso Hoje é dia de Maria é uma pefeita ilustração de sua
incursão na cultura e no imaginário popular. Consideramos notável que esse trabalho
tenha ainda um olhar para a questão da mulher e para a desigualdade social.
164
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