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QUADRO 18
Trechos das narrativas relacionados à categoria “religião e fé como recurso de enfrentamento”
COLABORADORA NARRATIVA
ESTEFANOTE
Eu achei que a vontade de Deus era essa mesmo, então, nunca eu questionei isso.
HORTÊNSIA Então, eu senti muito a morte dos meus filhos. No mesmo ano os dois morreram.
Ele morreu em janeiro, o outro morreu em setembro. Ah, se não fosse a minha fé!
O que seria de mim nessa hora? [...] Graças a Deus, Jesus estava comigo! E
aguentei a morte dele. Custei muito, custei muito a me sentir bem. Custei muito. [...]
Nunca joguei tudo por água abaixo! [...] Tudo o que me apareceu, sempre com fé,
muita fé e espiritualidade, porque eu procurava resolver tudo o que aparecia,
porque problemas não faltam na vida da gente, não! Problemas não faltam.
Ele vive comigo! [...] Nas horas mais tristes eu tive Ele comigo.
LIS Bom, com 75 eu perdi meu marido, que eu achava que era a razão da minha vida. E
já uma companheira muito mais nova do que eu, quando eu dizia que não poderia viver
sem meu marido, ela me dizia: “nós vivemos e morremos para Deus, não para
nossos maridos”. Então, eu só compreendi isso muito tarde. Depois que meu
marido morreu então, eu vi como é importante celebrar a vida.
[...] Depois quando ele morreu, foi à mesma sensação de abandono. E foi uma morte
que ninguém esperava, nem os próprios médicos e me afetou muito. E nessa hora
é que eu falo, em todas essas etapas o que me sustentou muito foi a fé. É nisso que
minha filha me chama de orgulhosa, que eu tenho orgulho de ter fé. Não é
orgulho, é agradecimento. Eu sei que a fé é dom e eu agradeço a Deus ter tido essa
força. Agora quanto haver as mortes em volta, irmãs, irmãos, amigas,
companheiras de trabalho, a gente parece que vai ficando mais encouraçada pra
receber essas notícias.
ROSA Em 2002, tem sete anos (viuvez). Depois de 60 anos de casado e vivendo bem, isso
pra gente é sempre doloroso. Sempre difícil. Como eu aceito a morte muito bem,
sempre a religião me ajudou muito e a espiritualidade nesse ponto.
VIOLETA
(a viuvez) 1998, há onze anos. A fé ajuda, mas acho que uma perda dessa não há
nada que compense. Dizem que o tempo melhora. Melhora nada!
LÓTUS [...] E um dia até, que eu fiquei muito assim, triste, chorando muito e tudo, me
disseram: “Olha!” Eu falei: “Mas meu marido morreu, eu estou sozinha! Seu marido
morreu, mas você está viva!” Aquilo me acordou. Seu marido morreu, mas você está
“viva”! Então, não pode ficar presa ao morto. Eu vou ter que ter uma vida
diferente, mas eu quero ter, mas eu estou viva. Senti que a gente está viva a cada
dia é muito importante. Que não morreu. Você pode morrer pro passado, é muito
importante. Coincidentemente, naquela época eu já estava estudando muitas
filosofias orientais, que dão um sentido diferente pra morte. Prolongamento da
vida, essa coisa toda. E ao mesmo tempo, eu tinha lido muito, além dos místicos
orientais, eu tinha lido muito sobre as ideias do Krishnamurti, que fazia esse:
”liberta-se do passado, seja seu próprio mestre”. Uma coisa assim, que dá força
pra pessoa ir pra frente, sem ficar muito remoendo aquilo que passou.
MARGARIDA E eu ia levá-la até para fazer um exame, que ela estava com o coração assim, muito
fraquinho, quando eu cheguei, ela já tinha morrido. Eu chamei, mas... morreu assim.
Muito suave, tranquilo. A gente sente, mas dá graças a Deus de não ficar na cama,
toda vida doente.