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DissertaçãodeMestrado
Sertãomundo
Territóriomito-poéticoculturalde ArianoSuassuna
Reginaldo AparecidodeFreitas
UniversidadeFederaldeSantaCatarina
ProgramadePós-Graduaçãoem
Literatura
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REGINALDO APARECIDO DE FREITAS
SERTÃOMUNDO
O território mito-poético e retórico de Ariano Suassuna
Dissertação de mestrado apresentada ao
Curso de Pós-Graduação em Literatura,
área de concentração em Teoria
Literária, linha de pesquisa Teoria da
Modernidade, da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), como
requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Literatura.
Orientadora: Profª Drª Ana Luiza Andrade
Florianópolis
2010
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária
da
Universidade Federal de Santa Catarina
.
F866s Freitas, Reginaldo Aparecido de
Sertãomundo [dissertação] : território mito-poético
cultural de Ariano Suassuna / Reginaldo Aparecido de Freitas ;
orientadora, Ana Luiza Andrade. - Florianópolis, SC, 2010.
206 p.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Programa de Pós-
Graduação em Literatura.
Inclui referências
1. Suassuna, Ariano, 1927. 2. Literatura. 3. Cultura
popular. 4. Sertão. I. Andrade, Ana Luiza. II. Universidade
Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em
Literatura. III. Título.
CDU 82
Território
mito-poético
eultural
de Ariano
Suassuna
Reginaldo
Aparecido
de Freitas
Esta
dissertação foijulgada
adequada
para
a obtenção do
título
MESTRE
EM LITERATURA
Area
de
concentração
em
Teoria
Literaria
e aprovada na
sua
forma
Íinal
pelo
Programa
de
Pós-Graduação
em
Literatura
da Universidade Federalde
Profa.
Dra. Ana
ORIENTADORA
Profa.
Dra. Ana
PRESIDENTE
Y*^p
\--"4-.
V"*=
\>-r3\
Prof.
Dr.
Stélio Furlan
COORDENADOR
DO
CURSO
. Dra.Taiza
Mara
Raven
Morais
(UNIVILLE)
Scramim
(UFSC)
Capela
(UFSC)
Ao meu pai, Euclides de Freitas, in memorian.
AGRADECIMENTOS
Chama-se de alegria quando o
encontro de um corpo se compõe
com nossa alma, quando uma ideia
se encontra com nossa alma e com
ela se compõe, aumentando assim
nossa potência de agir. Assim, as
afecções positivas geram alegria,
as negativas redundam em
tristeza, contudo, “somente a
alegria é válida, a alegria
permanece e nos aproxima da
ação e da beatitude da ação”.
Nunca estive sozinho ao longo dessa
caminhada. Muitos foram os que me
afetaram ao longo dessa jornada. Se
nem todos geraram alegria, eu soube de
alguma forma deslizar por entre a
tristeza transformado esses eventos em
alguma forma de aprendizagem.
Foram tantos os que contribuíram
para a realização desse trabalho,
seja com indicações teóricas ou, o
mais importante, com a
demonstração de carinho e
amizade. Então, desejo agradecer:
Aos meus pais, Euclides (in memorian) e
Elza, por me terem possibilitado o
acesso ao mundo das letras, e mais do
que tudo, pelo exemplo de seres
humanos que sempre foram.
À minha amiga-irmã, Juliana de
Jesus Baumhardt, por sempre
acreditar, mesmo quando às vezes
eu duvidava; pelo
companheirismo e companhia ao
longo dessa estrada que me trouxe
até aqui.
Àqueles que contribuíram de alguma
forma para a concretização desta
dissertação: Rita Pabst Martins, Maria
Eleuda de Carvalho, Elenita Rodrigues
Penz, Eliza Manarin Cardoso, Helaine
Kasemodel Ennulat, Fabene Kassiá da
Cruz e Cristiano de Souza.
Um agradecimento especial à
equipe de funcionários que tão
atenciosamente me atendeu na
Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
À Elba Maria Ribeiro, pela atenção,
compreensão e paciência com que
sempre me atendeu.
Aos professores Carlos Eduardo
Capela e Suzana Scramim, que
participaram da banca de
qualificação e trouxeram novos
olhares sobre esse texto.
E fundamentalmente, à Profª Ana Luiza
Andrade, pelos diálogos e pela forma
sempre prestimosa com que me atendeu
e me ouvi durante esses mais de dois
anos de convivência. Todo meu respeito
e carinho.
Figura 1 – Xilogravura “Ariano no Sertão”, de J. Borges.
Vivo extraviado em meu tempo por acreditar em
valores que a maioria julga ultrapassados.
ARIANO SUASSUNA
Nada surge do nada, e sobretudo na arte.
Na realidade, está presente sempre o homem
e o homem carrega em si a forma
humana da inteira condição.
FRANCISCO BRENNAND
Articular historicamente o passado não significa
conhecê-lo “como ele de fato o foi”. Significa
apropriar-se de uma reminiscência, tal
como ela relampeja no momento de um perigo.
WALTER BENJAMIN
RESUMO
A arte de Ariano Suassuna está em estreita ligação com a sua vida
pessoal, tal a indissociabilidade característica das duas. Pensar a sua
produção escrita, poética, teatral, teórica, estética e política é pensar
o Sertão nordestino, pois assim como o homem Ariano Suassuna,
sua obra foi forjada ao sol abrasador do Sertão. Contudo, o Sertão
suassuniano é um espaço idealizado, um universo mítico-poético de
resistência a supostas influências descaracterizantes externas.
Assim, o pensamento suassuniano dialoga com o passado e com as
tradições estabelecidas no Sertão nordestino, primordialmente
aquelas ligadas às raízes ibero-mouras, indígenas e negras da nossa
formação. O presente estudo buscará localizar, num primeiro
momento, a postura cultural suassuniana como resquício de um
discurso mistificador próprio do período romântico, principalmente
através da idealização de um espaço intocado, que preservaria uma
suposta “essência de uma brasilidade incontaminada”. Nesse
sentido, a postura cultural de Ariano Suassuna ao falar de uma
“nação” e um “povo” como sujeitos imanentes, que teriam na cultura
popular seu estrato mais “autêntico”, nega qualquer forma de
negociação e diálogo com a diversidade cultural que existe dentro
do próprio país. Hoje é inviável continuar a afirmar as culturas
populares como imunes ao processo histórico e ao intrincado mapa
das trocas culturais. Dessa forma, Ariano Suassuna caminha na
contramão dos vários discursos da modernidade, que tentam
apontar a impossibilidade, hoje, desse tipo de manifestação que visa
à restauração nostálgica e utópica de uma tradição, de uma nação e
de um povo. A obra de Suassuna ainda procura erigir um sentido de
nação baseada em símbolos que constituem uma suposta identidade
partilhada de povo e cultura, símbolos que povoam e animam a
geografia imaginária suassuniana, e que dão sentido ao seu
trabalho. Então, imerso no fabulário regional, Ariano Suassuna
estabelece no Sertão nordestino o centro de gravidade de sua obra,
desenvolvendo assim um mundo mítico único onde dominarão as
imagens do Sertão. É a partir desse posicionamento dialético que de
um olhar do massapê sonha o sertão, em que a presença simultânea
de dois elementos, o popular e o erudito, erige-se o local consagrado
pelo autor à defesa e à proteção de uma arte que se diz
autenticamente brasileira. os elementos simbólicos que
constituem a paisagem da geografia imaginária de Ariano estão
presentes em todo o conjunto de sua obra. Contudo, será nos
trabalhos denominados pelo autor de iluminogravuras uma forma
de arte muito pessoal e ainda pouco conhecida do público – em que
nos debruçaremos. Estas iluminogravuras são um tipo de poesia
visual na qual o autor une o texto literário a imagens que exploram
motivos da cultura brasileira, recolhidos da arte popular nordestina.
Resgataremos, então, nas iluminogravuras, aqueles elementos que
caracterizariam a visão suassuniana de mundo, expressa através de
um universo regido pela recriação, reinvenção e pelo
reencantamento dos mitos do reino do sertão.
Palavras-chave:
Ariano Suassuna; sertão; cultura popular; iluminogravuras.
ABSTRACT
Ariano Suassuna’s art is deeply related with his life, so that both can
not be dissossiated. Think about his writing, his poetry, his plays, his
theorical, stetical and politics productions is to think about the
northweastern midland in Brazil, called Sertão Nordestino, because
as the man Ariano Suassuna, his opus was shaped under de hot sun
of this Midland. Although Suassuna’s Midland is not the real one, but
an idealized place, a poetic and mythical universe of staying power
against abroad influences. So, the Suassuna’s ideas are related with
the past and the traditions stabished in northweastern midland,
specially with those connected to the iberian-moors, indigene and
black source of our building up. So, this essay intend to determinate
firstly Suassuna’s cultural posture as a remaining of the mythical
discurse of the romantic period, specially throughout the
idealization of an untouched space, that would preserve a suposed
“essence of an untouched essential nature or character of Brazil”.
This way, the cultural posture of Ariano Suassuna while speaking
about a “nation” or “people” as intrinsic actors, that would have in
popular culture their most authentic layer, rejects any kind of
negociation and diolog with cultural diversity lasting in his own
country. Nowadays it is impossible to afirm popular cultures
untouched by the historical course of the tangled map of cultural
exchanging. In this way, Ariano Suassuna is pointing toward the
opposite direction of the modernity discourses, that try to show the
impossibility, for now, of that kind of manifestation that wants the
nostalgic and visionary restauration of a tradition, of a nation and
the people. Suassuna’s opus still tries to build up a meaning for a
nation based on simbols the make part of a suposed identity shared
by people and culture, simbols that compose and encourage the
fictional Suassuna’s geography, and that give reason to his work.
Than, imersed in the regional fables, Ariano Suassuna stablishes in
northwestern midland the center of gravity of his writing,
developing therefore a single mythical world where the overcoming
images are the midland ones. It is from this dialetical positioning on
of a view of a townsman that he dreams the midland , simultaneous
presence of two elements, the popular and the erudite one, place
consecrated by the author in the advocacy and protection of one art
that is called authentically brazilian. There the simbolic elements
that make part of the landscape in the fictional geography of Ariano
are present in all his opus, nevertheless there are going to be just
the works called by the author as iluminogravuras a kind of very
personal art and still unknown by the common people – that we are
going to write about. These iluminogravuras are a kind of visual
poetry in wich the author links the literary text and the pictures that
look into the elements of brazilian culture, collected from the
northwestern popular art. We are going to rescue, than, in this
iluminogravuras, those ingredients that distinguish Suassuna’s view
of the world, expressed through an universe determined by the
recriation, the reinventation and again the enchant by the myhs of
the kingdom of northwestern.
Keywords:
Ariano Suassuna; midland; popular culture; iluminogravuras.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
-
Xilogravura “Ariano no Sertão, de J. Borges ..........
9
Figur
a 2
-
Bandeira da Onça ..............................................................
103
Figura
3
-
Alfabeto Sertan
e
jo ou Alfabeto Armorial ...............
107
Figura 4
-
Ferro de marcar da família Suassuna ......................
107
Figura 5
-
Logotipo d
e grifes famosas ...........................................
108
Figura 6
-
Fac
-
símile do Emblema 38, de Herman Hugo ......
119
Figura 7
-
Ilustração da capa do livro
As sentenças do
tempo (Maximiliano Campos), criada por Ariano
Suassuna ............................................................................... 128
Figura 8
-
Ilustração do conto “O grande pássaro”, do livro
As sentenças do tempo .....................................................
128
Figura
9
-
Reprodução de uma das pranchas da
estilogravura inédita de Ariano Suassuna,
publicada pelo Cadernos de Literatura Brasileira
(n.10, 2000) .........................................................................
133
Figura 10
-
Imagem reproduzindo as iluminogravuras,
possivelmente do álbum Sonetos com mote
alheio (1980) ...................................................................... 151
Figura 11
-
Iluminogravura “O Campo” ..........................................
158
Figura 12
-
Iluminogravura “A Acahuan
A malhada da
Onça” ...................................................................................... 159
Figura 13
-
Conjunto de insculturas modeladas da Pedra do
Ingá (PB) ...............................................................................
165
Figura 14
-
Ilumino
gravura “A Morte
A Moça Caetana” .......
169
Figura 15
-
A figura representa um escudo ou brasão, e
uma das suas possíveis divisões ou partições
internas ................................................................................. 174
Figura 16
-
Iluminogravura “Lápide” ...............................................
180
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .......................................................................................... 7
RESUMO ................................................................................................................ 13
ABSTRACT ........................................................................................................... 15
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................ 17
Entrando no território .................................................................................... 21
PARTE UM – TERRITÓRIO DISCURSIVO ................................................. 31
Percorrendo territórios arcaicos ................................................................ 33
A dureza do cactus versus a doçura da cana .......................................... 48
Contra o marasmo oficial ............................................................................... 65
PARTE DOIS – TERRITÓRIO MÍTICO-POÉTICO ................................... 85
Cosmovisão sertaneja...................................................................................... 87
Uma heráldica sertaneja ................................................................................ 98
O espírito mágico dos folhetos .................................................................... 110
Imagem da palavra ........................................................................................... 126
O universo em uma folha de papel ............................................................ 143
Saindo do território .......................................................................................... 185
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 191
Entrando no território...
Nosso conhecimento do mundo
acompanhou a exploração que nossa
sensibilidade fazia do universo com o qual
ela tentava identificar-se.
LUC BENOIS
Conheci o trabalho de Ariano Suassuna, como acho que a
maioria das pessoas nesse país conheceu, quando da adaptação da
peça Auto da Compadecida, realizada por Guel Arraes, para a Rede
Globo de Televisão, em janeiro de 1999
1
. Antes disso, pouco ou
quase nada havia ouvido falar sobre o autor.
Embora outras peças de Ariano tivessem ganhado a
visibilidade por meio da televisão, foi provavelmente o Auto que
acabou chamando mais a atenção sobre o autor, por causa das suas
qualidades técnicas e artísticas, sendo aclamado na época tanto pela
crítica como pelo grande público. Na época eu estava fazendo a
faculdade de Letras, e não me lembro de em nenhum instante os
1
Quando a minissérie O auto da Compadecida foi ao ar em janeiro de 1999 pouca gente
fora dos meios acadêmico e artístico conhecia o nome de Ariano Suassuna. Novidade
então para o grande público, a primeira encenação da peça teatral que deu origem à
minissérie ocorreu em 11 de setembro de 1956, no Teatro Santa Isabel, no Recife, sob a
direção de Clênio Wanderley.
[22]
meus professores falarem sobre aquele autor, Ariano Suassuna. Isso
talvez se devesse ao fato de, na época, o foco maior estar sobre um
autor de língua portuguesa, o primeiro autor dessa língua, que
acabara de ganhar o Nobel de Literatura – José Saramago.
Terminado o curso universitário (2003), através de um colega
que havia se formado comigo, vim fazer uma disciplina de mestrado
aqui na UFSC. Na época até gostaria de entrar efetivamente no
curso, mas ainda não tinha ideia alguma para um possível projeto.
Em 2005 fui fazer uma especialização aqui mesmo na minha
cidade, Joinville. Quando da época de conclusão do curso, vi-me
diante da escolha de um tema para desenvolver a monografia final
do curso. Sempre tive um interesse muito grande no cinema e na
sua forma de narrativa, e nessa época eu vinha lendo muita coisa
sobre adaptações literárias para o cinema e para a televisão, o que
acabou por me despertar o interesse em fazer algum trabalho nesse
sentido. Então, revendo o filme O auto da Compadecida
2
me veio a
ideia de trabalhar justamente essa obra. Escolha motivada por dois
gostos pessoais: a literatura e o cinema.
Decidida a escolha do tema, apresentei à professora que seria
minha orientadora da especialização a ideia, e ela a achou muito
interessante. Na época, uma colega de curso também havia
manifestado interesse semelhante em trabalhar com adaptações
literárias para o audiovisual; trocamos ideias e resolvemos
trabalhar juntos. Acabamos por fazer um trabalho a quatro mãos
2
A minissérie O auto da Compadecida, exibida pela Rede Globo, com uma duração de 157
minutos, divididos em quatro capítulos, teve posteriormente seu texto condensado e
tempo reduzido para aproximadamente 104 minutos, para ganhar as telas dos cinemas.
Vale ressaltar também que a minissérie em questão, que tinha o roteiro assinado por Guel
Arraes, bem como pela dupla Adriana e João Falcão, foi baseado na obra
homônima de Ariano Suassuna, contudo, com elementos de O santo e a porca e Torturas
de um Coração, também de Suassuna. Um filme já havia sido realizado sobre essa peça de
Suassuna, pelo então grupo Os Trapalhões, encabeçado por Renato Aragão; sob a direção
de Roberto Farias, o filme se chamou Os Trapalhões no auto da Compadecida (1987).
Contudo, data dos anos 60 a primeira adaptação do Auto para o cinema. Realizado sob a
direção de George Jonas, com o título de A Compadecida, contava no elenco com os jovens
Antônio Fagundes e Regina Duarte.
[23]
Do texto/teatro de Suassuna à minissérie de Arraes: as personagens
do “Auto da Compadecida” na literatura a na televisão (2006).
Como eu tinha interesse em prosseguir meus estudos e
ingressar no curso de mestrado, resolvi aproveitar algumas das
leituras e referências teóricas do meu trabalho anterior para a
elaboração de um projeto. O tema ainda seria sobre a adaptação de
obras literárias para o audiovisual, e na época eu me propusera a
trabalhar com o filme Lavoura Arcaica, adaptado por Luiz Fernando
Carvalho. Esse filme me chamara muito a atenção um tempo antes.
Gostei tanto do filme que fui atrás do livro, pois de Raduan Nassar
eu apenas tinha lido Um copo de cólera, ainda na faculdade. Fiquei
deslumbrado com o livro e com o filme, e escrevi uma proposta de
projeto que inscrevi no processo de seleção naquele mesmo ano de
2006.
O projeto não foi aprovado, contudo, na época da entrevista
de seleção, conversando com a Profª Ana Luiza Andrade, mencionei
que tinha realizado um trabalho sobre Ariano Suassuna para a
minha especialização. Ela me questionou por que eu não tinha dado
prosseguimento à essa ideia, e aprofundado mais o tema da minha
monografia, pois a obra de Suassuna constituía um rico material
para ser trabalhado, e ela inclusive teria o interesse em orientar um
trabalho sobre esse autor.
Fui para a casa com essa ideia. Coincidentemente naquele ano
outra adaptação da obra desse autor ganhava as telas da Rede
Globo, a microssérie A Pedra do Reino. E, o que me chamou mais a
atenção: sob a direção do mesmo realizador do filme Lavoura
Arcaica (Luiz Fernando Carvalho), o qual eu me propusera trabalhar
anteriormente.
Bem, acabei ingressando no Curso de Pós-Graduação da UFSC
em 2007, como aluno especial, na disciplina “Os gestos como meios:
o romance-crônica, o romance-cinema, autobiografia, auto-retrato”,
ministrado pela Prof.ª Ana Luiza. Elaborei um projeto, que na época
se chamou: Entre a página e a tela “O auto da Compadecida” e “A
[24]
pedra do reino”: textos ficcionais televisivos, e o submeti ao processo
de seleção em 2007. Acabei ingressando como aluno regular no ano
seguinte.
As disciplinas cursadas durante esse período me abriram
novos horizontes, que me fizeram repensar muitos pontos do
trabalho. Aos poucos ele foi se modificando, através do contato com
outros professores nas disciplinas cursadas, bem como com as
conversas com os colegas de curso, e principalmente, com os
diálogos mantidos com a Profª Ana Luiza.
Na banca de qualificação, onde estiveram presentes os
professores Carlos Eduardo Capela e Suzana Scramim, várias
questões me foram colocadas, principalmente vários
questionamentos sobre as leituras que eu havia realizado até ali.
Acho que uma das questões fundamentais levantadas foi a de
que eu havia realizado muitas leituras de autores muito próximos,
ou de alguma forma ligados a Ariano Suassuna, e que, por isso
mesmo, não viam a obra do autor paraibano com o distanciamento
crítico que ela merecia. De certa forma, eu me deixara envolver pelo
discurso desses comentadores, bem como havia sido seduzido pela
retórica suassuniana, e, em nenhum momento no meu texto, eu me
colocava criticamente em relação aos argumentos levantados por
esses autores.
Outra questão levantada pela banca de qualificação era a de
que eu não devia me focar tanto na pessoa de Ariano Suassuna,
como havia feito, dedicando-me mais em contrapor as posturas
ideológicas do autor com os discursos mais recentes sobre as
questões levantadas pelo próprio Suassuna sobre temas como
nacionalismos e cultura popular, por exemplo. E também que eu
deveria me focar em um trabalho específico do autor, pois até
aquele momento não estava claro exatamente o que eu me
propunha fazer, nem que obra específica do autor eu trabalharia.
Surgiu, então, a questão das iluminogravuras como uma forma
muito interessante de estudar o universo mítico-poético do autor.
[25]
Ouvidas essas considerações parti para novas leituras, que
me fizesse aprofundar mais essas questões e buscar novas formas
de abordagem.
Contudo, falar de Ariano Suassuna acaba certamente caindo
sempre em algum tipo de polêmica. Polêmicas inclusive que o autor
faz questão de alimentar, pois o mantém na mídia até hoje. Sua
figura radical é presença constante na telinha da televisão nos
últimos anos. Televisão aparelho de massa por excelência,
presente em quase todos os lares do país. Contraditoriamente o
maior ícone da indústria cultural e de uma cultura de massa que
Suassuna diz combater com unhas e dentes. Contudo, o mesmo
Suassuna permite a adaptação de suas obras para esse veículo, bem
como para o cinema. Como mencionei, diversas obras do autor
foram adaptadas para a televisão, entretanto, conforme gosta de
deixar claro esse autor, essas adaptações devem sempre seguir os
parâmetros estabelecidos por ele.
Assim, são poucos os profissionais aos quais Ariano entrega
um texto seu para adaptação, sendo que na maioria das vezes ele
participa também do processo de produção desses trabalhos. Ele
quer ter a certeza de que essas pessoas não vão acabar
desvirtuando sua obra de alguma forma. Os poucos contemplados
foram Guel Arraes (filho do seu amigo pessoal Miguel Arraes,
governador e prefeito em algumas ocasiões do Estado de
Pernambuco e da cidade do Recife, mandatos sob os quais Ariano
ocupou as pastas de Secretário de Educação e de Cultura), que
adaptou o sucesso Auto da Compadecida; e Luiz Fernando Carvalho,
que além da microssérie A Pedra do Reino (2007), tinha realizado
Especiais para a mesma Rede Globo, com as adaptações de Uma
mulher vestida de sol (1994) e A farsa da boa preguiça (1995).
Como vinha mencionando, falar em Suassuna acaba por
resvalar sempre em temas polêmicos, entre eles a visão nacionalista
radical desse autor. Mas como falar em Ariano sem, contudo, sequer
mencionar esse assunto? Em minha opinião não para falar da
[26]
obra de Ariano Suassuna sem tocar na questão do nacional, pois
todo o trabalho desse autor é sobre a busca de afirmação do
nacional (através da defesa da cultura popular, como uma pretensa
representação da essência de uma brasilidade) frente às influências
externas.
Essa, inclusive, foi uma das principais críticas ao meu
trabalho. Assim, se num primeiro momento acabei dando uma
dimensão maior do que o tema requeria, foi talvez por pura
teimosia. (Teimosia eventualmente advinda por influência das
diversas leituras da obra suassuniana).
A intenção, entretanto, sempre foi colocar que esse tipo de
pensamento e posicionamento do autor paraibano não tem mais
lugar nos dias de hoje, representando muitas vezes um perigo no
mundo em que vivemos. Os discursos identitários extremados têm
originado diversas formas de fundamentalismos nesse início de
milênio, seja dentro de países europeus, considerados até bem
pouco tempo como nações plenamente consolidadas, seja através do
diversos tipos de populismo que ressurgem atualmente em alguns
países latino-americanos. Como nos alerta Alessandro Bracht, o
“nacionalismo já serviu e continua servindo a muitos patrões. É fato
que esse arlequim ideológico e usualmente ruidoso se prestou a
tantas causas, que o passar do tempo tornou incapaz sua teorização
unívoca [...]”
3
.
Entretanto não se pode fechar os olhos para os discursos
nacionalitários, como se eles tivessem deixado de ter importância
ou que saíram de pauta na atualidade. Assim, tanto como um objeto
estético, a obra de Suassuna deve ser encarada como o
prosseguimento de um discurso sócio-histórico-ideológico que
segue a mesma linha de pensamento dos intelectuais e pensadores
sociais brasileiros como Gilberto Freyre (apesar de este último ter
sido reavaliado recentemente como pós-moderno), Prado Júnior,
3
BRACHT, Alessandro. O nacionalismo dos “skinheads” brasileiros. Saeculum – Revista de
História, João Pessoa (PB), n.12, jan/fev.2005, p.95.
[27]
Sérgio Buarque de Holanda, Araripe Júnior, Sílvio Romero entre
tantos outros nomes. Um discurso que nasce num período
determinado da formação da história do Brasil, mas que ainda vige
em muitas obras da produção literária contemporânea
4
e não
apenas na produção brasileira.
Dessa forma, ouvindo essas críticas, procurei abordar no
início desse ensaio a questão essencialmente dentro do que julgo
necessário para adentrar na obra suassuniana. Isso se faz necessário
para entender a importância que esse espaço geográfico
denominado Sertão exerce dentro da obra de Ariano Suassuna. Ele
não somente é o lugar sagrado e consagrado onde a vida de seus
personagens se desenrolam uma existência marcada pelas
simbologias que constituem o universo mítico-poético e telúrico
suassuniano –, simboliza também esse território o escudo de
resistência às supostas influências vindas de uma civilização de
empréstimo, descaracterizantes de uma pretensa essência cultural
brasileira.
Igualmente, como será visto, embora Suassuna privilegie o
Sertão em seu discurso, o nordeste não é o Sertão. É também a
Zona da Mata Zona do Açúcar –, de Gilberto Freyre, universo
antípoda ao mundo suassuniano. Nesse ponto surge uma nova
contradição no homem Ariano Suassuna. Ele fala do Sertão, sim, em
sua obra, ela é onipresente em todo o seu trabalho. Entretanto, seu
discurso parte da zona da mata, do mesmo litoral que o autor
considera aberto às influências desagregadoras que vêm de fora.
Litoral que acaba gerando no húmus social recifense um movimento
como o Manguebeat, de jovens que buscam voz e vez contra o
marasmo vigente dentro de uma política cultural (da qual Ariano faz
parte), que beneficia apenas as produções culturais conservadores e
tradicionais dos artistas armoriais.
4
OLIVEIRA, Wilton Fred Cardoso de. Imaginário de nação no romance brasileiro
contemporâneo: “Os rios inumeráveis” e “A república dos Bugres”. Tese (Doutorado em
Teoria Literária) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. p.20.
[28]
Não obstante, como frisei, o Sertão acaba se constituindo o
personagem principal dentro da produção artística de Ariano
Suassuna. É esse mundo, ao mesmo tempo real e mítico que
predominará na estética armorial do autor paraibano. Uma
paisagem nordestina e sertaneja marcada pela dureza e aridez da
terra. É o Sertão o arcabouço que sustenta a obra suassuniana, e
sem o qual ela não existiria. Logo, o intelectual Ariano Suassuna vai
em busca do Sertão, e torna-se o porta-voz “de uma terra agreste,
árida, de sol abrasador, de vegetação pobre e ‘pedras selvagens’”
5
,
pois “é necessário que o homem decifre o sertão, e que lhe imponha
um sentido”
6
. Para Suassuna, o sertão “é a esfinge a resolver, a Onça
a domar, mesmo sabendo que essa fera, bela como seja, é hostil e
feroz e terminará por nos despedaçar com suas garras
7
.
No entanto, o Sertão suassuniano não é o sertão real, mas um
espaço mitificado onde a realidade sertaneja, em sua “matéria
vivida”, é transfigurada em “matéria imaginada
8
. Dessa forma,
Suassuna erige um Reino onde “o real é transfigurado em um
mundo menos cruel”
9
, institui um espaço idílico e pastoral de uma
infância remota, recomposição da presença/ausência paterna. Esse
espaço nasce na cabeça do homem Ariano e nas suas narrativas.
Utopia? Certamente um devaneio, que “idealiza ao mesmo tempo o
seu objeto e o sonhador”
10
, transformando-o numa figura
quixotesca nessa modernidade líquida
11
.
5
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado: Ariano Suassuna e a
Universidade da Cultura. São Paulo: Palas Athena, 2002. p.41.
6
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.41.
7
SUASSUNA, Ariano apud NOGUERIA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado.
p.41.
8
FARIAS, Sônia Lúcia Ramalho de. O sertão de José Lins do Rego e Ariano Suassuna: espaço
regional, messianismo e cangaço. Recife: Ed. Universitária da UPFE, 2006. p.75.
9
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.201.
10
BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. Trad. Antonio de Padua Danesi. São Paulo:
Martins Fontes, 1988. p.54.
11
Termo cunhado pelo sociólogo Zygmunt Bauman para definir o tempo presente, “em
vez do batido termo ‘pós-modernidade’, que, segundo ele, virou um qualificativo
ideológico”. In: OLIVEIRA, Dennis de. A utopia possível na sociedade líquida. Revista Cult,
ano 12, n.138, p.14-18, ago. 2009. p.14.
[29]
E é nos trabalhos denominados iluminogravuras, uma arte
muito pessoal criada pelo próprio Suassuna, e inspiradas nas
iluminuras medievais e nas gravuras xilográficas (estas encontradas
nas capas dos folhetos do Romanceiro popular do nordeste), que
encontraremos aqueles elementos simbólicos que constituem seu
castelo sertanejo, seu território afetivo-existencial e mítico-poético.
É no trabalho com as iluminogravuras que vamos perceber,
igualmente, a influência que a arte heráldica exerce na obra
suassuniana, que esse tipo de arte aqui no Brasil com uma
característica inteiramente popular ao invés de burguesa. Heráldica
expressa desde os distintivos dos times de futebol, até os emblemas
e estandartes desses mesmos times e das escolas de samba, bem
como dos estandartes e bandeiras das cavalhadas, que evocam os
antigos torneios medievais e as batalhas entre mouros e cristãos.
O objetivo ao analisar duas dessas iluminogravuras será
apontar nessas obras os elementos que permeiam toda a produção
artística desse autor. Contudo, aqui ela se realiza de forma mais
plena na fusão de imagens e texto, unido os dotes de poeta,
gravurista e pintor de Ariano Suassuna, numa complementaridade
das disciplinas artísticas, um dos fundamentos que vinham sendo
buscadas pelo Armorial desde a sua criação.
Finalmente, acredito que todas as escolhas que fazemos ao
longo da vida são absolutamente pessoais, subjetivas. No final, o que
resta é nosso livre-arbítrio, para o bem ou para o mal. As escolhas
que empreendi nesse trabalho não foram diferentes, e se falhas,
elas se devem inteiramente a mim e as minhas escolhas.
PARTE UM
T
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E
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V
V
O
O
No encontro das culturas do mundo, precisamos ter a força
imaginária de conceber todas as culturas como agentes de
unidade e diversidade libertadoras, ao mesmo tempo. É por
isso que reclamo para todos o direito à opacidade. Não
necessito mais “compreender” o outro, ou seja, reduzi-lo ao
modelo de minha própria transparência, para viver com esse
outro ou construir com ele. Nos dias de hoje, o direito à
opacidade seria o indício mais evidente da não-barbárie.
ÉDOUARD GLISSANT
in: Introdução a uma poética da diversidade
Percorrendo territórios arcaicos
O território é assombrado por uma voz
solitária, que a voz da terra ecoa e percute,
mais do que lhe responde.
GILLES DELEUZE
Ariano Suassuna erige ao mesmo tempo um território mítico-
poético, existencial-afetivo e de resistência representado pelo
fechamento estético de um espaço geográfico – o Sertão nordestino.
Espaço de fechamento que nos remete ao ritornelo de Deleuze &
Guattari, quando o Armorial de Suassuna representa (ao menos
para o autor e para os artistas que seguem professando essa ideia)
uma instância consagrada à defesa e proteção de uma arte que se
diz essencialmente representativa da nossa brasilidade. Nesse
sentido, “[e]is que as forças do caos são mantidas no exterior tanto
quanto possível, e o espaço interior protege as forças germinativas
de uma tarefa a ser cumprida, de uma obra a ser feita”
12
.
Assim, Ariano é a “criança no escuro” de Deleuze & Guattari:
12
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. Trad.
Suely Rolnik. São Paulo: Editora 54, 1997. p.116.
[34]
Uma criança no escuro, tomada de medo,
tranqüiliza-se cantarolando. Ela anda, ela ra,
ao sabor de sua canção. Perdida, ela se abriga
como pode, ou se orienta bem ou mal com sua
cançãozinha. Esta é como o esboço de um
centro estável e calmo, estabilizador e
calmante, no seio do caos
13
.
Ariano compõe sua canção armorial, lugar de fuga e de
proteção de tudo o que ele julga sagrado e pelo qual vale a pena
lutar, em nome dos valores da terra e da tradição
14
.
Conforme destacam Deleuze & Guattari, o ritornelo é um
agenciamento territorial. “O ritornelo pode ganhar outras funções,
amorosa, profissional ou social, litúrgica ou cósmica: ele sempre
leva terra consigo, ele tem como concomitante uma terra, mesmo
que espiritual, ele está em relação essencial com um Natal, um
Nativo
15
. Assim, Armorial é o canto de pássaro de Ariano, que dessa
forma (de)marca seu meio de (re)ação contra as influências
descaracterizantes externas.
Quando falo aqui em território, falo a partir de uma
interpretação “para quem os seres existentes se organizam segundo
territórios que os delimitam e os articulam aos outros seres
existentes e aos fluxos cósmicos”
16
. Dessa forma, o “território pode
ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema
percebido no seio do qual um sujeito se sente ‘em casa’”
17
.
Igualmente, o “território é sinônimo de apropriação, de subjetivação
13
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. p.116.
14
FALCÃO, Lúcia; DIDIER, Maria Thereza. Do amor e da esperança em Ariano Suassuna.
In: NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. Ode a Ariano Suassuna: celebração dos 80 anos do
autor na Universidade Federal de Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007.
p.33.
15
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: vol. 4. p.118. [grifo meu]
16
MOELLWALD, Branca Cabeda Egger. A “poiesis” da nação em Mia Couto: fragmentos de
um olhar. Tese (Doutorado em Teoria Literária) Universidade Federal de Santa
Catarina, 2008. p.21 [nota de rodapé]
17
MOELLWALD, Branca Cabeda Egger. A “poiesis” da nação em Mia Couto. p.21 [nota de
rodapé]
[35]
fechada sobre si mesma”
18
. Dessa forma, para Suassuna o Sertão
nordestino será sempre visto como o espaço privilegiado dentro da
sua estratégia discursiva de compor imagens, cenários, paisagens de
uma experiência compartilhada. “A terra seria, então, o palco
mesmo dos conflitos do homem; por isso, essa intensa e íntima
correlação e/ou identificação entre Ariano e sua terra-sertão, um
estranho emaranhado que os transforma num mesmo e único ser
[...]”
19
.
Entretanto, esse território também pode ser concebido como
o palco da resistência de Ariano Suassuna. Assim, para Deleuze &
Guattari:
O território é primeiramente a distância crítica
entre dois seres de mesma espécie: marcar
suas distâncias. O que é meu é primeiramente
minha distância, não possuo senão distâncias.
Não quero que me toquem, vou grunhir se
entrarem em meu território, coloco placas
20
.
Será esse gesto de resistência de Ariano que marcará
indelevelmente sua vida e sua obra, e que não raras vezes o
estigmatizará como o arcaísmo ambulante que alguns setores
insistirão em rotulá-lo. Ariano Suassuna empunha a sua concepção
fechada e essencialista de cultura e identidade brasileiras como
arma e símbolo de resistência a tudo que é relacionado à uma
civilização de empréstimo, delineando o moderno como sendo seu
oposto”
21
, isto é, o “sertão armorial exerce, portanto, um poder de
resistência aos cosmopolitismos da sociedade industrial”
22.
Para
18
MOELLWALD, Branca Cabeda Egger. A “poiesis” da nação em Mia Couto. p.21 [nota de
rodapé]
19
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.44.
20
DELEUZE, Gilles; Félix Guattari. Mil platôs: vol. 4. p.127.
21
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial: Ariano Suassuna e o
Movimento Armorial (1970/6). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2000. p.158.
22
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.158.
[36]
Suassuna, “[t]rata-se de manter à distância as forças do caos que
batem à porta
23
.
Contudo, um meio nunca é isolado em relação aos outros
meios “todas as espécies de meios deslizavam umas em relação às
outras, umas sobre as outras”
24
. Desse modo estaria Suassuna
inserido em uma batalha quimérica por algo que foge
exclusivamente do seu poder? Basta afirmar que, não importa até
que ponto o agenciamento de formas e forças de resistência
empreendidos pelo Armorial, os meios sempre estarão abertos ao
caos, e sendo ameaçados de esgotamento ou de intrusão
25
. Assim, se
para o teatrólogo paraibano é preciso preservar a autenticidade e
originalidade de nossa cultura contras as influências deletérias da
sociedade de consumo, para Stuart Hall, a “política identitária
essencialista aponta para algo que vale lutar, mas não resulta
simplesmente em libertação da dominação”
26
.
Claro que também levo em consideração que a ideia de
identidade está referenciada a diversos outros fatores. Segundo
Milton Santos: “Sabemos que toda identidade é uma construção
simbólica que se faz em relação a um referente, e certamente
uma multiplicidade deles: étnicos, nacionais, de gênero etc.”
27
.
Contudo, quando falo aqui, principalmente no que concerne à obra
de um intelectual como Ariano Suassuna, falo irremediavelmente
em relação a um lugar – uma identidade territorial. Pois quando nos
debruçamos sobre a obra desse autor, como me propus a fazer neste
trabalho, é fácil perceber a convergência do pensamento
suassuniano para um dispositivo espacial que está, explícita e
implicitamente, presente ao longo de toda a sua produção
intelectual o Sertão nordestino. Entretanto, como veremos
23
DELEUZE, Gilles; Félix Guattari. Mil platôs: vol. 4. p.128.
24
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: vol. 4. p.118.
25
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: vol. 4. p.119.
26
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed.
UFMG; Brasília: UNESCO, 2003. p.12.
27
ORTIZ, Renato. Anotações sobre o universal e a diversidade. Revista Brasileira de
Educação, v.12, n.34, p.7-16, jan./abr. 2007. p.13.
[37]
adiante, esse Sertão que Suassuna privilegia em seu discurso, em
detrimento de todos os demais territórios, constitui-se apenas uma
das partes de dispositivos maiores chamados Nordeste e Brasil.
Dessa forma, a obra suassuniana estabelece e institui o sertão
nordestino como o local onde residiria a nossa pretensa
“originalidade” como povo, a “essência” do Brasil e de um “ser
brasileiro”. Logo, não se pode pretender entender o trabalho do
autor paraibano sem fazer referência à esse dispositivo espacial e
territorial denominado Sertão, pois em Ariano podemos confirmar
como é mais do que evidente o que nos atesta Marc Augé: “[n]ascer
é nascer num lugar, ser designado à residência. Nesse sentido, o
lugar de nascimento é constitutivo da identidade individual [...]”
28
.
Ainda segundo o etnólogo francês:
[...] o dispositivo espacial é, ao mesmo tempo, o
que exprime a identidade do grupo (as origens
do grupo são, muitas vezes, diversas, mas é a
identidade do lugar que o funda, congrega e
une) e o que o grupo deve defender contra as
ameaças externas e internas para que a
linguagem da identidade conserve um
sentido
29
.
Assim, o autor paraibano construiu toda uma vida e um
movimento estético que tem o Sertão como símbolo maior. Poder-
se-ia aqui fazer a analogia de Suassuna com a de um pintor de uma
paisagem uma paisagem nordestina e sertaneja, marcada pela
dureza e aridez da terra. Essa paisagem é onipresente em sua obra,
é o arcabouço que sustenta toda sua concepção estética e política. A
noção de Sertão
30
acabou se tornando tão primordial na obra de
28
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 6.ed.
Trad. Maria Lúcia Pereira. Campinas: Papirus, 2007. (Coleção Travessia do Século). p.52.
29
AUGÉ, Marc. Não-lugares. p.45.
30
Tal é a importância do Sertão sobre o espaço brasileiro, que se tornou uma “referência
institucionalizada”. Segundo Janaina Amado: “o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), designa [sertão] oficialmente uma das subáreas nordestinas, árida e
pobre, situada a oeste das duas outras, a saber: ‘agreste’ e ‘zona da mata’”. In: AMADO,
[38]
Suassuna como o é para o povo nordestino. Para a estudiosa Janaina
Amado, a categoria Sertão “entre os nordestinos, é tão crucial, tão
prenhe de significados, que, sem ele, a própria noção de ‘Nordeste
se esvazia, carente de um de seus referenciais essenciais”
31
, tal o
investimento nos atributos existenciais e afetivos que vem sendo
engendrados há um longo tempo sobre essa região
32
.
Como vimos, no caso específico de Suassuna uma
identificação do autor com seu local de origem, sua terra natal.
Velho habitante de uma região, com uma visão nostálgica do lugar
lugar este marcado por visões da infância –, Ariano se recusa a
aceitar o diálogo com a exterioridade e luta contra as mudanças
objetivadas pela modernidade. Assim, nasce a relação de Ariano
Suassuna com o Sertão, através de um sentimento ao mesmo tempo
de perda e de saudade, que ficará marcado como ferro em brasa ao
longo de toda a sua obra “desejo de reconciliação entre passado e
presente, desejo de retorno a um espaço circunscrito, que protege e
é protegido”
33
.
Dessa forma o Nordeste, e o Sertão em particular, torna-se o
símbolo representativo do universo suassuniano, o suporte axial da
sua produção literária, estética e política. Uma paisagem imaginária,
Janaina. Região, sertão, nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.8, n.15, 1995.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/169.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2008.
p.1.
31
AMADO, Janaina. Região, sertão, nação. p.1.
32
Foi “o discurso romântico” que engendrou uma imagem do sertão como paraíso terreal,
seguindo o pensamento de Rousseau, onde o sertanejo passou a encarnar o estereótipo
do bom selvagem. De acordo com Ricardo de Oliveira, “[...] a produção do sertão como
símbolo de originalidade do Brasil está intimamente relacionado ao processo de
construção do discurso nacional no país”. Nesse período, acontece a articulação, onde
“[f]icção e história imaginaram o sertão tendo a priori a crença de que se trata de alguma
coisa íntima, genuína, autêntica, de raiz, ou seja, algo realmente brasileiro”, sendo
responsáveis (historiografia e ficção), pela “instituição desta mitologia no imaginário
social”. In: OLIVEIRA, Ricardo. Ficção, ciência, história e a invenção da Brasilidade
Sertaneja. Ipotesi – Revista de Estudos Literários, Juiz de Fora, MG, v.4, n.1, 2000. p.39.
33
VENTURA, Leonardo Carneiro. Música dos espaços: “paisagem sonora” do Nordeste no
Movimento Armorial. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2007. p.51.
[39]
“fruto de um discurso fundado ‘na saudade e na tradição’”
34
. É o
Sertão que Ariano Suassuna erige como símbolo de resistência:
[...] contra a invasão de seu território, a
maculação de seu espaço, sendo esse
imaginado e transformado futuramente num
espelho daquele Nordeste idílico, pastoral, lar
de sua infância remota, governada, em sua
memória, por seu pai, grande aristocrata da
região
35
.
O homem Suassuna não foge da sua biografia; cria uma
topografia e uma heterotopia
36
próprias, cheias de referências a um
mundo ibérico que é transplantado para o sertão nordestino sua
geografia imaginária – privilegiando, na sua criação, aspectos do
mundo medieval, renascentista e barroco. Para o autor, o sertão
nordestino se constitui no depositário do acervo cultural que nos
chegou da Europa, mantido “intocado” graças ao
isolamento prolongando em que a região
permaneceu; pelo encontro e cruzamento
contínuo de raças e culturas; pela estabilidade
e longa duração de uma organização social
semi-feudal de latifúndio e patriarcalismo,
perpetuadora das tradições herdadas
37
.
Essa visão que autores como Ariano Suassuna e os artistas
armoriais defendem da relação de um lugar (Sertão) como “berço
34
VENTURA, Leonardo Carneiro. Música dos espaços. p.65.
35
VENTURA, Leonardo Carneiro. Música dos espaços. p.34.
36
Penso numa interpretação de heterotopia suassuniana no sentido atribuído a esse
termo por Michel Foucault, ao refletir na postura de Ariano Suassuna de instituir um
“lugar-outro” (sertão), que serve como espaço de contestação “simultaneamente mítica e
real”. Para Ariano, essa heterotopia denominada Sertão seria o “lugar onde as coisas
encontravam as suas bases e estabilidades naturais”. – FOUCAULT, Michel. De outros
espaços. Tradução de Pedro Moura. Virose Arte, teoria, prática. Disponível em:
<
http://www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html>. Acesso em: 5 abr. 2010.
37
VASSALO, Ligia apud SZESZ, Christiane. Uma história intelectual de Ariano Suassuna:
leituras e apropriações. Tese (Doutorado em História) – Universidade de Brasília, Brasília,
2007. p.2.
[40]
sagrado”, essa ideia de pertencimento a um grupo ainda não deixou
de ter forte ressonância em nossos dias. Isso ocorre porque o sujeito
sente necessidade de pensar em si como algo mais amplo, “como um
membro de uma sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum
arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome, mas que ele
reconhece instintivamente como seu lar”
38
. Segundo Stuart Hall,
No mundo moderno, as culturas nacionais em
que nascemos se constituem em uma das
principais fontes de identidade cultural. [...]
Essas identidades não estão literalmente
impressas em nossos genes. Entretanto, nós
efetivamente pensamos nelas como se fossem
parte de nossa natureza essencial
39
.
Esse tipo de posicionamento se deve, segundo José Luís
Pardo, porque ainda
Tendemos a pensar que no princípio eram os
lugares, que os lugares são algo assim como
coisas naturais, produtos espontâneos da
natureza que proporcionam aos homens e às
coisas uma significação própria e reta, uma
origem, uma morada e um destino que o são
frutos de eleições ou convenções, que não estão
submetidos às arbitrariedades das conjunturas
históricas, que são algo sagrado e, de certo
modo, eterno.
40
Igualmente Milton Santos nos atesta: “Vivemos com uma
noção de território herdada da Modernidade incompleta e do seu
38
SCRUTON, Roger apud HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.
Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 8.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.48.
39
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p.47.
40
PARDO, José Luis. A qualquer coisa chamam Arte. Ensaio sobre a falta de lugares. In:
LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença.
Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.215.
[41]
legado de conceitos puros, tantas vezes atravessando os séculos
praticamente intocados”
41
.
Contundo, acredito que o “que faz um lugar é uma impureza
na origem”
42
. Por isso a impossibilidade de se pensar em uma
originalidade cultural brasileira, como o quer Ariano Suassuna e
outros pensadores do gênero. A própria noção de Brasil não deixa
de ser “meio falsa, meio convencional”
43
. Essa ficção chamada Brasil
faz parte de um contexto muito maior onde coexistem e se
compartilham “semi-falsidades” e ficções denominadas Argentina,
Uruguai, Paraguai, Venezuela, para ficarmos pela vizinhança. As
fronteiras entre esses países ou nações são o resultado de um
complexo jogo político e econômico que assim as consolidou, ou
melhor, as convencionou, que a palavra “consolidar” pode dar a
perceber uma falsa estabilidade que na realidade não existe. As
mesmas leis que convencionaram essas fronteiras, como as
conhecemos atualmente, podem ser revogadas e reescritas, visto
que
não é a tradição o que legitima essas fronteiras
não é o fato de “haver sido” ou de ser “coisa
do passado” –, fronteiras que nada têm de
natural ou genuíno, senão que os acordos
internacionais exigem – enquanto exijam – a
obrigação e o direito de respeitá-las. Ou seja,
que de certo modo são ficções, porém ficções
consolidadas pela convenção e pela submissão
voluntária
44
.
Como vimos no começo desse ensaio, Ariano é descendente
de um pensamento recorrente na nossa história, de uma geração na
qual “[...] os sentimentos de pertencimento territorial vêm sendo
41
SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; Souza Maria Adélia A. de;
SILVEIRA, Maria Laura (org.). Território: globalização e fragmentação. 4.ed. São Paulo:
HUCITEC: ANPUR, 1998. (Geografia: Teoria e realidade, 30). p.15.
42
PARDO, José Luis. A qualquer coisa chamam Arte. Ensaio sobre a falta de lugares. p.224.
43
PARDO, José Luis. A qualquer coisa chamam Arte. Ensaio sobre a falta de lugares. p.222.
44
PARDO, José Luis. A qualquer coisa chamam Arte. Ensaio sobre a falta de lugares. p.222.
[42]
‘pintados’ pelos sujeitos sociais em paisagens metonímicas
transformadas em ‘monumentos culturais’, com toda a ênfase
possível”
45
. Dessa forma, as identidades territoriais encontram nas
paisagens uma fonte de simbolismos e um meio de expressão
privilegiados. Logo, a compreensão do que representaria para
Ariano Suassuna essa paisagem sertaneja, constituir-se-ia um
instrumento de apreensão dos sentidos e tensões dos processos de
simbolização envolvidos na construção do sentimento de pertencer
à uma região.
Conforme Albuquerque Júnior atesta em A invenção do
Nordeste e outras artes, o Nordeste foi o espaço privilegiado para
onde os olhares de autores como Suassuna se voltaram quando se
passou a imaginar uma identidade para a nação. De acordo com esse
autor: “O Nordeste não é recortado só como unidade econômica,
política ou geográfica, mas, primordialmente, como um campo de
estudos e produção cultural, baseado numa pseudo-unidade
cultural, geográfica e étnica”
46
. E dentro desse dispositivo maior
denominado Nordeste, o Sertão acaba por tornar-se uma categoria
central na invenção do Brasil.
A instituição do espaço Nordeste carrega em si um
sentimento de perda. “O Nordeste nasce da construção de uma
totalidade político-cultural como reação à sensação de perda de
espaços econômicos e políticos por parte dos produtores
tradicionais de açúcar e algodão, dos comerciantes e intelectuais a
eles ligados”
47
. Em verdade a unidade imagético-discursiva
Nordeste tem sua origem na tentativa de se manter privilégios e
garantir espaços sociais ameaçados pela nova ordem. São os filhos
dessa elite em decadência, oriundos do patriarcalismo rural, e
educados principalmente no Recife, então o “centro comercial e
45
MACIEL, Caio Augusto Amorim. Qual é a do Cariri?: questões de identidade regional e
caricatura. Tendências: Caderno de Ciências Sociais, edição suplementar (jun/2009),
Universidade Regional do Cariri – URCA, Crato, 2009. p.11.
46
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife:
FJN/Massangana; São Paulo: Cortez, 1999. (Estudo e pesquisas, 104). p.23.
47
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do nordeste e outras artes. p.67.
[43]
exportador, centro médico, cultural e educacional”
48
da região, que
darão voz a um discurso de resgate de uma tradição que estava se
perdendo, e com ela todo um referencial social e existencial. “A
perda é o processo pelo qual estes indivíduos tomam consciência da
necessidade de construir algo que está se acabando”
49
. Na saudade e
na tradição nasce uma unidade imagético-discursiva denominada
Nordeste, fruto da reação de uma elite que vinha perdendo força e
espaço. Entretanto, sabemos que a região não é algo dado, espaço
homogêneo, que sempre existiu, como muitos tentam propagar,
visando, lógico, os próprios interesses, sejam eles políticos ou
econômicos, ou mesmo sentimentais.
Logo, o Nordeste, como identidade espacial, nasce do
“entrecruzamento de práticas e discursos ‘regionalistas’”
50
. Nos seus
estudos, Caio Augusto Amorim Maciel já vem tratando há algum
tempo do “problema da identidade territorial e sua relação com
discursos regionalistas através da hermenêutica das paisagens,
tomando-as enquanto fontes de simbolismo e meios de expressão
do caráter de espaços culturalmente específicos”
51
. Dessa forma
segundo esse autor, “[p]ersonalidades como Ariano Suassuna, para
o sertão da Paraíba e Pernambuco, ilustram bem a habilidade desses
guardiões da memória socioterritorial de um povo, ainda que
representem o olhar de uma classe”
52
. E como já vimos, de uma
classe que vinha perdendo o espaço que tradicionalmente ocupava
dentro da realidade sócio-econômica do lugar. Logo, esse Nordeste
que conhecemos hoje se trata
da produção histórica de um espaço social e
afetivo, ao longo de muitas décadas, a partir de
diferentes discursos que lhe atribuíram
determinadas características físicas e que o
48
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do nordeste e outras artes. p.71.
49
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do nordeste e outras artes. p.77.
50
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do nordeste e outras artes. p.22.
51
MACIEL, Caio Augusto Amorim. Qual é a do Cariri? p.9.
52
MACIEL, Caio Augusto Amorim. Qual é a do Cariri? p.14.
[44]
investiram de inúmeros atributos morais,
culturais, simbólicos, sexualizantes, às vezes,
enervantes
53
.
De qualquer forma, o Nordeste acaba incorporado ao
imaginário popular como um lugar de subdesenvolvimento,
povoado de figuras míticas de cangaceiros (Lampião e Maria
Bonita), da religiosidade exacerbada (Padre Cícero), que muitas
vezes acaba gerando o surgimento de movimentos messiânicos
(Canudos), das figuras autoritárias dos coronéis, das secas
inclementes que afetam a região e seu povo. Mas também como uma
região rica através das manifestações culturais desse mesmo povo,
manifestações essas originárias de uma tradição que remonta,
segundo alguns insistem em alardear, à origem mesma do Brasil,
vindo daí sua importância. É essa vertente de pensamento, e sobre a
importância da temática popular, que vai originar, em diversos
momentos da nossa história, uma retomada dos valores
emblemáticos (e porque não, problemáticos) de uma verdadeira
cultura nacional, sendo o Nordeste e o Sertão núcleos privilegiados
desse discurso. Vertente essa que dará origem ao pensamento
arcaico ou arcaizante de um Ariano Suassuna.
Essa é sempre uma questão polêmica de se tocar, contudo,
como esclareci no começo desse ensaio, não se pode querer
analisar a obra de Ariano Suassuna sem ao menos resvalar pelo
tema do que representaria o nacional dentro da obra do autor
paraibano. Como afirmei, é em defesa dessa pretensa
nacionalidade, de uma suposta originalidade cultural brotada do
solo pedregoso e áspero do Sertão nordestino, que Ariano acaba
erigindo meu universo mítico-poético. Logo, essa idealização de seu
lugar de origem fruto muito mais da emoção do que da razão é
fundamental para a compreensão da estética armorial e de todo o
discurso retórico que ela acaba suscitando e alimentando. As
53
RAGO, Margareth. Prefácio: Sonhos de Brasil. In: ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A
invenção do nordeste e outras artes. p.14.
[45]
posições de Ariano Suassuna são radicais, mais imprescindíveis
para o entendimento da produção artística desse autor.
Nesse sentido, faço minhas as palavras de Leyla Perrone-
Moisés que afirma: “Ainda hoje, em várias partes do mundo, certos
intelectuais continuam defendendo, no campo da cultura, uma
‘identidade nacional’ que só existia, no passado, como imaginário
útil ao Estado-nação”
54
. Discurso este hoje insustentável, pois
segundo essa mesma autora: “[...] a busca de uma essência nacional,
visando a conquistar um lugar honroso no conjunto das nações,
esbarra sempre no paradoxo de reforçar o localismo e o
provincialismo, embora o objetivo maior seja provar o valor
universal dessa particularidade”
55
. E embora Suassuna e os
armoriais não gostem de ser tachados de “regionalistas estreitos”,
seu posicionamento apenas reforça esse tipo de “localismo
mencionado por Perrone-Moisés. Nesse sentido, a posição
ideológica de Ariano ao adotar unicamente as manifestações de uma
denominada cultura popular, sendo essa cultura representada por
aqueles elementos que, segundo escolha do próprio autor,
simbolizariam uma pretensa originalidade, acaba deixando de fora
todo um mundo que não cabe nessa atitude museológica
suassuniana. A posição de Suassuna acaba reproduzindo uma visão
estagnada de cultura, nega-lhe o diálogo com a diversidade cultural
que constitui o país, diversidade essa que é a própria fonte de
criação, renovação e transformação de uma cultura. E como nos
atesta Marc Augé,
Uma cultura que se reproduz de maneira
idêntica (uma cultura de reserva ou de gueto) é
um ncer sociológico, uma condenação à
morte, assim como uma língua que não se fala
mais, que não inventa mais, que não se deixa
contaminar por outras línguas, é uma língua
54
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe, nacionalismo: paradoxos do nacionalismo
literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.15.
55
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe, nacionalismo. p.36.
[46]
morta. Portanto, há sempre um certo perigo em
querer defender ou proteger as culturas e uma
certa ilusão em querer buscar sua pureza
perdida. Elas só vivem por serem capazes de se
transformar
56
.
E é ainda em Perrone-Moisés que acabo encontrando:
“Opondo-se ao ‘mundo’, a cultura teimosamente nacional se
reconhece como menor, como aldeã”
57
. Devemos, então, seguir
rumo a “abertura para uma nova hermenêutica”, como sugere
Heloisa Toller Gomes, ao afirmar que
Setores progressistas da intelectualidade
internacional têm buscado novas abordagens
capazes de melhor dar conta da produção
cultural do presente e do passado, sem as peias
do “temor reverencial” que, tradicionalmente,
cerceava a leitura dos fenômenos culturais em
nossa cultura
58
.
Uma mudança de paradigma deve ser alcançada pois, se ao
longo dos séculos caminhamos em busca “da antiga comunhão
individual dos lugares com o Universo”, hodiernamente seguimos
rumo a uma maior comunhão global, uma maior interrelação
planetária, dessa forma “a interdependência universal dos lugares é
a nova realidade do território”
59
.
Finalmente se, nos dizeres de Wilton Fred Cardoso de
Oliveira, “[t]odo discurso é datado e sustentado por condições que o
tornam possível”
60
, essa postura ideológica de Suassuna e de outros
pensadores talvez fizesse sentido em um momento histórico de
56
AUGÉ, Marc. A guerra dos sonhos: exercícios de etnoficção. Trad. Maria Lúcia Pereira.
Campinas: Papirus, 1998. p.24-25.
57
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe, nacionalismo. p.36.
58
GOMES, Heloisa Toller. Quando os outros somos nós: o lugar da crítica Pós-Colonial na
universidade brasileira. Acta, Ciências Humanas, Maringá, v.29, n.2, 2007. p.99 e 100.
59
SANTOS, Milton. O retorno do território. p.15.
60
OLIVEIRA, Wilton Fred Cardoso. Imaginários de nação no romance brasileiro
contemporâneo. p.2.
[47]
formação do povo brasileiro, no qual uma pretensa unidade e
estabilidade deveriam ser sustentadas. Ela possuía a força do mito, e
como Stuart Hall nos esclarece, são os mitos dominantes que tem o
potencial “de moldar nossos imaginários, influenciar nossas ações,
conferir significado às nossas vidas e dar sentido à nossa história”
61
.
Entretanto, a realidade atual é bem diversa, e exige novas posturas
políticas e ideológicas, novas formas de se pensar nossas
identificações em termos locais e globais. Félix Guattari nos
alertava em As três ecologias, que essa mudança consiste em “[...]
desenvolver práticas específicas que tendam a modificar e a
reinventar maneiras de ser no seio do casal, da família, do contexto
urbano, do trabalho etc.”
62
. Igualmente, conforme esse autor
[...] seria inconcebível retornar a fórmulas
anteriores, correspondentes a períodos nos
quais, ao mesmo tempo, a densidade
demográfica era mais fraca e a densidade das
relações sociais mais fortes que hoje. A questão
será literalmente reconstruir o conjunto das
modalidades do ser-em-grupo
63
.
Dessa forma, Ariano Suassuna caminha na contramão dos
vários discursos da modernidade surgidos em diferentes direções
do globo, e que tentam apontar a impossibilidade, hoje, desse tipo
de manifestação que visa a restauração nostálgica e utópica de uma
tradição e da origem edênica de uma nação e de um povo, como se a
ideia de um lugar sagrado, que existiu desde sempre, desde o
começo dos tempos, devesse ser resgatada e preservada dos
influxos degenerativos da pós-modernidade.
61
HALL, Stuart. Da diáspora. p.29.
62
GUATTARI, lix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt; revisão da trad.
Suely Rolnik. 11.ed. Campinas, SP: Papirus, 2001. p.15-16.
63
GUATTARI, Félix. As três ecologias. p.16.
A dureza do cactus versus a doçura da cana
A doçura das terras de massapé contrasta com o
ranger da raiva terrível das areias secas dos sertões.
GILBERTO FREYRE
Como venho mencionado ao longo desse ensaio, meu objetivo
aqui é estudar a obra de Ariano Suassuna a partir do elemento que
considero essencial dentro do universo desse autor a idealização
que ele faz do Sertão nordestino. Lugar ideal primeiro por
representar o espaço perdido de uma infância remota e das
lembranças por ela suscitadas. Ideal igualmente por se caracterizar
como o fechamento estético de um território que supostamente
preservaria uma cultura essencialmente brasileira. É no sertão que
brota o que existe, segundo Suassuna, de mais autêntico na nossa
cultura, resultado da fusão dos contrários que seria a característica
mais marcante do povo brasileiro. União que se completaria de
forma mais evidente nesse espaço sertanejo, resultado do amálgama
dos elementos ibero-mouros, negros e indígenas de nossa formação
cultural. É o Sertão igualmente o que Suassuna empunha como
defesa contra as influências de uma cultura de massa vinda com o
processo de globalização. Cultura essa vista como responsável
[49]
muitas vezes pela deterioração e desconfiguração das raízes
nacionais.
Contudo o Nordeste não é só o Sertão como se poderia pensar
ao estudar a obra de Ariano Suassuna. O Nordeste é também o
agreste, essa terra de transição entre dois mundos sertão e zona
da mata. E o Nordeste é também a Zona da Mata – Zona do Açúcar –,
de Gilberto Freyre, universo que poderíamos caracterizar como
antípoda ao mundo suassuniano.
Em seu livro Nordeste: aspectos da influencia da cana sobre a
vida e a paisagem do Nordeste do Brasil (1937), o sociólogo recifense
nos revela, em sua linguagem poético-intuitiva, a existência desses
dois mundos:
Os sertões de areia seca rangendo debaixo dos
pés. Os sertões de paisagens duras doendo nos
olhos. Os mandacarús. Os bois e os cavalos
angulosos. As sombras leves como umas almas
do outro mundo com medo do sol.
Mas esse Nordeste de figuras de homens e de
bichos se alongando quase em figuras de El
Greco é apenas um lado do Nordeste.
64
E continua a sua descrição:
O outro Nordeste. Mas velho que ele é o
Nordeste de árvores gordas, de sombras
profundas, de bois pachorrentos, de gente
vagarosa e às vezes arredondada quase em
sanchos-panças pelo mel de engenho, pelo
peixe cozido com pirão, pelo trabalho parado e
sempre o mesmo, opilação, pela aguardente,
pela garapa de cana, pelo feijão de coco, pelos
vermes, pela erisipela, pelo ocio, pelas doenças
64
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influencia da cana sobre a vida e a paisagem do
Nordeste do Brasil. 2.ed. rev.aum. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. p.35.
[50]
que fazem a pessoa inchar, pelo proprio mal de
comer terra.
65
Quanta diferença desse Nordeste de Gilberto Freyre para
aquele outro de Ariano Suassuna! O próprio Ariano reconhece que o
seu “Sertão é pobre, pardo, espinhento, pedregoso e empoeirado”
66
.
para Freyre o seu Nordeste é aquele onde “nunca deixa de haver
uma mancha dágua: um avanço de mar, um rio, um riacho, o
esverdeado de uma lagoa. Onde a água faz da terra mais mole o que
quer: inventa ilhas, desmancha istmos e cabos, altera a seu gosto a
geografia convencional dos compendios”
67
.
Já no prefácio de Nordeste, Gilberto Freyre adverte ao seu
leitor que tratará apenas de um dos Nordestes, o “Nordeste agrário
o seu Nordeste. O Nordeste agrário é o da “cana de açúcar, que se
alonga por terras de massapê e por varzeas, do Norte da Bahia ao
Maranhão, sem nunca se afastar muito da costa”
68
. Segundo o
sociólogo recifense, com esse livro ele tivera o objetivo de “esboçar
a fisionomia daquele Nordeste agrário, hoje decadente, que foi, por
algum tempo, o centro da civilização brasileira”
69
.
Para Freyre foi nesse Nordeste que nasceu a civilização
brasileira. Explica:
A verdade é que foi no extremo Nordeste por
extremo Nordeste deve entender-se o trecho
da região agraria do Norte que vai de Sergipe
ao Ceará e ao Recôncavo baiano nas suas
melhores terras de barro e humus que
primeiro se fixaram e tomaram fisionomia
brasileira, os traços, os valores, as tradições
portuguesas que junto com as africanas e as
65
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.35.
66
SUASSUNA, Ariano apud NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado,
p.44.
67
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.35-36.
68
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.11.
69
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.11.
[51]
indígenas constituiram aquele Brasil profundo,
que hoje se sente ser o mais brasileiro
70
.
Para o autor, nada esclarece metaforicamente melhor a
facilidade de fixação do elemento português nessas terras do litoral
do que a presença, nessa região, do solo de Massapê. Pois,
[o] massapê é acomodaticio. É uma terra doce
ainda hoje. Não tem aquele ranger da areia dos
sertões que parece repelir a bota do europeu e
o pé do africano, a pata do boi e o casco do
cavalo, a raiz da mangueira da India e o broto
da cana, com o mesmo enjoo de quem repelisse
uma afronta ou uma intrusão. A doçura das
terras de massapê contrasta com o ranger da
raiva terrível das areias secas do sertão
71
.
E completa:
O massapê tem outra resistência e outra
nobreza. Tem profundidade. É terra doce sem
deixar de ser terra firme: o bastante para que
nela se construa com solidez engenho, casa e
capela.
Nessas manchas de terra pegajenta foi possível
fundar-se a civilização moderna mais cheia de
qualidades, de permanencia e ao mesmo tempo
de plasticidade que já se fundou nos trópicos
72
.
Escrito em 1937, o livro de Freyre também demonstrava
um pensamento preocupado com as questões ambientais do seu
tempo, em aproximação ao discurso ecológico que hoje é tão
comum. Esse foi um dos pioneirismos de Gilberto Freyre escrever
sobre essas questões “em uma época ainda despreocupada com
70
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.43.
71
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.37-38.
72
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.38.
[52]
assuntos de ecologia”
73
. Posteriormente, em Homens, engenharias e
rumos sociais, o próprio Freyre reconhece esse pioneirismo ao
afirmar que foi em Nordeste que “pela primeira vez em língua
portuguesa, falou-se em ‘ecologia’, em ‘equilíbrio ecológico’, em
‘desequilíbrio ecológico’, em ‘poluição’ (de águas, de rios, de
ambientes)
74
. Segundo Ana Luiza Andrade,
Nordeste retoma preocupações atuais, tocantes
aos problemas da falta de água que ameaça o
planeta e à violência urbana, cujas origens
históricas de tensões sociais formam-se desde
um processo de urbanização, em suas falhas
oriundas da escravidão, causando o
descompasso entre centros urbanos
progressistas e desenvolvidos versus periferias
atrasadas e pobres
75
.
em sua época o sociólogo recifense acreditava na
importância de um estudo de “critério ecológico” sobre a região
Nordeste. Estudo que tivesse como interesse o “homem colonizador
em suas relações com a terra, com o nativo, com as águas, com as
plantas, com os animais da região ou importados da Europa ou da
África”
76
. A principal preocupação de Freyre era com a degradação
imposta àquela região pelas grandes propriedades de monocultura
da cana, que, desde o período colonial, instalaram-se na Zona da
Mata. Traça, o autor, um perfil de como era essa região antes do
cultivo da cana: “um arvoredo ‘tanto e tamanho e tão basto e de
tantas prumagens que o podia homem dar conta’”
77
. Depois da
instalação da cultura da cana, a paisagem passou a ser outra:
73
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre: voltas duras/dóceis ao cotidiano
dos brasileiros. São Paulo: Nankin, 2007. p.71.
74
FREYRE, Gilberto. Homens, engenharias e rumos sociais. Rio de Janeiro: Record, 1987.
p.21-22.
75
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.45-46.
76
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.11.
77
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.95.
[53]
O canavial hoje tão nosso, tão da paisagem
desta sub-região do Nordeste que um tanto
ironicamente se chama “a zona da mata”,
entrou aqui como um conquistador em terra
inimiga: matando as árvores, secando o mato,
afugentando e destruindo os animais e até os
índios, querendo para si toda a força da terra.
a cana devia rebentar gorda e triunfante do
meio de toda essa ruína de vegetação virgem e
de vida nativa esmagada pelo monocultor
78
.
De acordo ainda com a interpretação de Ana Luiza Andrade,
Nordeste constitui-se um
[...] livro ensaístico de Gilberto Freyre sobre a
catastrófica devastação ecológica exercida pela
imposição da monocultura da cana, quanto ao
seu poder de estender-se na paisagem, faz dela
e do processo do engenho de extração de
açúcar, em todo o seu conjunto, os grandes
culpados pela extinção, dentre outros, mas,
principalmente, dos rios e dos peixes, das
madeiras, acirrando desigualdades sociais
entre o senhor e o escravo e mesmo limitando
os animais praticamente ao cavalo e ao boi
79
.
Igualmente, a monocultura da cana que se implantara nas
terras do Nordeste logo no início da colonização trazia em seu
processo produtivo características de um empreendimento
industrial, “não obedecendo à etapa técnica dos meios de produção
que passa da manufatura à indústria”
80
. Desde o período colonial o
processamento da cana passava por uma série de casas de máquina
– “a casa da moenda, a casa da fornalha, a casa da caldeira, a casa de
purgar [...] [que] equivaliam ao modo seriado, ou seja, o que se
produz em séries, característico de uma produção industrial”
81
. Em
78
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.95.
79
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.68.
80
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.46.
81
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.46.
[54]
Outros perfis de Gilberto Freyre, Ana Luiza Andrade assinala que a
produção açucareira “sempre objetivou o lucro, ou seja, maior
quantidade em menor tempo de produção, obedecendo à economia
de tempo de trabalho capitalista, mesmo que seu ciclo orgânico
natural de plantio e colheita fosse mais longo”
82
.
Também em Nordeste, se Freyre por um lado “afirma o poder
civilizatório do açúcar, em detrimento dos danos ecológicos,
causados pelas relações cana/mata, cana/água, cana/animais,
cana/homem”, no sentido inverso “denuncia os irreparáveis danos
acarretados pelo transplante da cana para o Brasil”
83
. Logo, o
sociólogo recifense focava seu olhar para o desastre ambiental
que as atitudes puramente mercantilistas dos homens do tempo
produziam. O autor prenunciava, em 1937, o que hoje pode nos
parecer mais do que evidente: “Cada vez mais, os equilíbrios
naturais dependerão das intervenções humanas”
84
.
É nesse Nordeste da cana que Freyre também situa a maior
contribuição que a terra deu para fundamentar a originalidade do
nosso “caráter nacional” a mestiçagem. Segundo o sociólogo
recifense:
A história social do Nordeste da cana de açucar
está ligada, como talvez a de nenhuma outra
região do Brasil, ao esforço do mestiço, ou
antes, do cabra. Um esforço que se tem
exercido debaixo de condições duramente
desfavoraveis. Mas mesmo assim, notavel pelo
que tem construido e realizado.
85
A ênfase que Freyre dá à mestiçagem – ao mesmo tempo
sanguínea e cultural o autor retoma dos trabalhos de Sílvio
Romero. Contudo, se as teorias raciológicas do final do século XIX
82
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.48.
83
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.45.
84
GUATTARI, Félix. As três ecologias. p.52.
85
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.245-246.
[55]
lançavam “dúvida e pessimismo quanto à formação da nação
brasileira”
86
devido a essa miscigenação –, para Freyre, “o
mestiço” transforma-se “num símbolo identitário do ser nacional”
87
.
Assim, segundo Maria Thereza Didier, o “resgate da tradição para
Gilberto Freyre tem um forte elo com as características étnicas da
região”
88
.
É nessa região da monocultura da cana que se forma, segundo
o autor, “pela especialização regional de condições de vida, de
trabalho e de alimentação [...] um tipo rural de homem do povo,
caracteristicamente brasileiro”
89
. E complementa mais adiante:
Para esse tipo concorreram diferentes figuras,
hoje quase desconhecidas na sua pureza, do
antigo sistema agrario e patriarcal: o cabra de
engenho, o muleque da bagaceira, o capanga
(de ordinario caboclo ou mulato), o mulato
vadio caçador de passarinho, o malungo, o
pajem, o branco pobre, o ‘amarelo’ livre, a mãe-
preta, a mucama, o negro velho, o curandeiro, o
caboclo conhecedor da mata e dos seus bichos,
a ama de leite tapuia ou negra, a ‘cabra-
mulher’.
90
Nessas questões sobre miscigenação as ideias de Suassuna e
Freyre voltam a convergir. Suassuna também elabora, a partir da
característica da miscigenação, a designação de povo castanho
brasileiro, que, segundo ele, traduz o amálgama das influências
ibero-mouras, negras e índias que formaram o nosso povo. Ariano,
com a “idéia de ‘Castanho’ pretende expressar a síntese da cultura
brasileira”
91
. Mas diferente de Freyre, que localiza essa fusão na
zona da mata, para Suassuna é o Sertão o palco privilegiado onde
86
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.144.
87
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.144.
88
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.143.
89
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.163.
90
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.163-164.
91
NOGUEIRA, Maria Aparecida. O cabreiro tresmalhado. p.105.
[56]
essa utopia Castanha, que é o “sonho inconsciente perseguido por
todo o povo brasileiro”
92
, forja-se.
De maneira geral, apesar das profundas dissensões que os
separam, Freyre e Suassuna fazem parte de um grupo de
intelectuais que resolveu pensar a questão da identidade nacional a
partir da defesa de uma identidade regional, definindo a “região
Nordeste como a guardiã da verdadeira brasilidade”
93
. Ambos os
autores manifestaram a necessidade, e buscaram a união de vários
artistas, para empreender “o desenvolvimento cultural de sua
região, do seu país”
94
.
Contudo, mais do que Freyre, pode-se destacar que cabe a
Euclides da Cunha a influência decisiva no trabalho de Ariano
Suassuna. O próprio Suassuna o diz: “[...] nunca escondi, por
exemplo, que entre Euclides da Cunha e Gilberto Freyre prefiro o
autor de ‘Os Sertões’”
95
. Pois foi Euclides, segundo Suassuna, o
primeiro a enxergar no Sertão a possibilidade de interpretação do
Brasil profundo e real, distante dos centros cosmopolitas e
litorâneos da época, por isso mesmo livre das influências
estrangeiras que grassavam nesses centros. Também Freyre
testemunho da íntima ligação de o autor d’Os Sertões com essa
geografia sertaneja: “Impossível separar Euclides dessa paisagem-
mãe que se deixou interpretar por ele, e pelo seu amor e pelo seu
narcisismo, como por ninguém”
96
. E acrescenta ainda:
Antes de Euclides a paisagem brasileira tivera
entre os poetas e os romancistas os seus
simpatizantes entusiastas: o maior deles José
92
NOGUEIRA, Maria Aparecida. O cabreiro tresmalhado. p.37.
93
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.145.
94
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. O decifrador de brasilidades. Cadernos de
Literatura Brasileira, Instituto Moreira Salles, São Paulo, n.10, nov.2000. p.102.
95
SUASSUNA, Ariano. Euclides da Cunha e o Brasil. Folha de S.Paulo, São Paulo, 7 ago.
2000. Ilustrada, Almanaque Armorial. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0708200021.htm>. Acesso em: 7 jul.
2008.
96
FREYRE, Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis. 2.ed.aum. Rio de Janeiro: Record,
1987. p.20
[57]
de Alencar. O autor d’Os sertões foi o primeiro
caso de verdadeira empatia. Simpatia só, não:
empatia. Ele não acrescentou-se aos sertões
como acrescentou os sertões para sempre à sua
personalidade e ao caráter brasileiro”, de que
ficou um dos exemplos mais altos e mais vivos.
Uma espécie de mártir
97
.
Em Euclides, assim como posteriormente em Suassuna,
predomina o verticalismo das paisagens, as “figuras de homens e de
bichos se alongando quase em figuras de El Greco”
98
, da areia que
range sob os pés, da terra agreste e pobre, espinhenta e pedregosa,
do sol abrasador do qual se desprende um sopro ardente, dos
mandacarus, dos xique-xiques e das cabeças-de-frade, de
cangaceiros, beatos e profetas. em Freyre predominam a
horizontalidade de figuras gordas e arredondas “quase em sanchos-
panças”, a vegetação tropical, “o farto, o satisfeito, o mole das
formas; seus macios como que de carne; o pegajento da terra; a
doçura do massapê”
99
, a predominância na paisagem dos engenhos
de açúcar, da casa-grande e da senzala, da sedentária aristocracia
agrária, da Sinhá, do pajem, da mãe-preta e da mucama. Também
Ana Luiza Andrade já observara:
Com a plasticidade do pincel, Freyre observa,
nas figuras, como nas paisagens de Euclides,
uma tendência para o alongamento
engrandecedor do monumento, descobrindo na
ossatura do sertanejo vulgar e até na do
caboclo desconhecido, “as linhas terrivelmente
esculturais” em que “a resistência ao sol, à
coragem, à dor, à doença ou simplesmente à
fome os alongue em figuras de grandes da
Espanha”
100
.
97
FREYRE, Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis. p.20
98
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.35.
99
FREYRE, Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis. p.24.
100
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.60.
[58]
Nesse sentido, pode-se asseverar o que diz o estudioso Irley
Machado,
Sabe-se que a literatura inventa, cria mitos, ou
ainda os reproduz como uma emanação do
inconsciente coletivo do homem. Mas os mitos
que vão alimentar os discursos imaginários
têm acima de tudo uma ligação estreita com o
mundo mítico, particular a cada autor
101
.
Assim, imerso no fabulário regional, Ariano Suassuna
estabeleceu no Sertão nordestino o centro de gravidade de sua obra.
“O escritor da Paraíba desenvolverá um mundo mítico único onde
dominarão as imagens do sertão”
102
. Já o mundo de Freyre foi outro,
a paisagem que inspirou e orientou sua produção é bem diversa de
Suassuna o Nordeste “de terra gorda e ar oleoso”
103
, da cana, da
zona da mata.
Segundo Suassuna, as divergências de ideias entre ele e
Freyre podem ser localizadas temporalmente quando da escritura
da sua primeira peça teatral – Uma mulher vestida de sol. Como
relata Suassuna, essa peça ganhou um concurso no qual Gilberto
Freyre era julgador, sendo que Freyre votou em outra das peças
concorrentes. Esse acontecimento registrava, para Suassuna, dois
fatos que o separava irremediavelmente de Gilberto Freyre:
[...] em primeiro lugar, Gilberto Freyre é antes
um romântico do que um clássico; êle próprio
considera o movimento regional-
tradicionalista como neo-romântico, sem suas
tendências gerais”; depois, êle é um homem da
zona do açúcar, visceralmente ligado às formas,
101
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. Línguas & Letras, v.6, n.11,
2º sem. 2005. p.185-186.
102
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.186.
103
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.36.
[59]
côres e coisas de sua região, enquanto eu sou
um sertanejo da civilização do couro
104
.
Essas diferenças explicariam, para Ariano, a preferência de
Freyre por outra peça em vez da sua. Explica:
Ora, minha peça, sertaneja, com tendências
antes clássicas do que românticas, concorria
com outra da zona da mata, em que o
sexualismo dos engenhos estava presente,
através do amor incestuoso entre pai e filha. E,
entre duas experiências falhadas, é natural que
Gilberto Freyre tenha se inclinado por aquela
que aflorava seu mundo, novamente
impaciente de -lo vivificado e eternizado nas
formas da arte
105
.
Desse modo, Ariano Suassuna e Gilberto Freyre são, embora
homens nordestinos e ligados indissociavelmente à essa terra,
representantes de mundos geograficamente diversos. Um,
“visceralmente ligado” à “zona do açúcar”. Outro, com suas raízes
profundamente entranhadas no solo agreste do sertão nordestino.
Assim como o homem Ariano Suassuna, sua obra foi forjada
essencialmente ao sol abrasador do Sertão. Gilberto Freyre é o
homem da Zona da Mata, do “Nordeste do massapê, da argila, do
humus gorduroso”, ou seja, de tudo o que “pode haver de mais
diferente do outro, de terra dura, de areia seca”
106
.
Entretanto, o projeto estético de Suassuna está inegavelmente
vinculado ao pensamento de intelectuais como Sílvio Romero,
Euclides da Cunha e Gilberto Freyre, mas nem por isso ele deixa de
seguir um caminho próprio. Não desconsidera a dívida do
Movimento Armorial com a Escola do Recife, de Tobias Barreto e
Silvio Romero, nem com os Modernistas de 22, tampouco com
104
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. In: ________. Almanaque armorial. Seleção,
organização e prefácio Carlos Newton Júnior. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. p.53-54.
105
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.54.
106
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.37.
[60]
Gilberto Freyre e os Regionalistas de 26, mas não se coloca frente a
esses nomes na posição de quem não tem coragem de discordar
abertamente de suas posições
107
. Assim, a postura de Suassuna
coadunava-se com os Modernistas e Regionalistas em relação
principalmente com a preocupação com a cultura brasileira. No
entanto, “fazia ressalvas à abordagem de ambos os grupos”
108
. Em
relação ao movimento modernista o autor chega a afirmar:
[...] antipatizo terrivelmente com o movimento
modernista. Minha simpatia, no âmbito dêste
movimento, vai mais para aquêles que
renegaram o fundamental das idéias de 22,
como acontece, a meu ver, com Carlos
Drummond de Andrade. Eu detesto aquilo que
se chama “arte de vanguarda”. Não dois
anos, a arte de vanguarda vira retaguarda. Esta
aversão, levou-me a procurar a tradição,
voltando-me para aquêles mestres que são
“eternamente nossos contemporâneos”
109
.
Para Maria Thereza Didier, ao “revés dos modernistas, que
trilhavam sob imagens de rupturas, Suassuna enveredava-se por um
reencontro com o passado e a tradição, sem, no entanto, retomar o
aspecto naturalista da abordagem regionalista”
110
. Para Ariano, o
Regionalismo era uma espécie de Neo-Naturalismo e a sua obra,
com influências vindas de Gil Vicente, do Barroco e do Romanceiro
Popular possuía “um elemento mágico e poético”
111
, que o afastava
dos regionalistas.
107
SUASSUNA, Ariano. Gilberto Freyre e eu. Folha de S.Paulo, São Paulo, 28 ago. 2000.
Ilustrada, Almanaque Armorial. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2808200025.htm>. Acesso em 7 jul.
2008.
108
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.137.
109
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.483.
110
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.137.
111
SUASSUNA, Ariano. O Movimento Regionalista e o Armorial. Folha de S.Paulo, São
Paulo, 4 set. 2000. Ilustrada, Almanaque Armorial. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0409200022.htm>. Acesso em 7 jul.
2008.
[61]
Divergências a parte, Suassuna sabe da dívida de sua geração
para com os Regionalistas, principalmente com Gilberto Freyre, um
dos seus mentores. Dívida expressa principalmente, segundo o
autor paraibano: na “magnífica lição de independência que Gilberto
Freyre deu a todos nós, numa época em que ela deve ter-lhe custado
muito mais do que nos custa hoje, quando os caminhos já estão
desbravados, quase todos por êle, neste campo da autonomia de
nossa cultura”
112
. Ressalta também a relação de proximidade entre
as ideias armoriais e a posição de Gilberto Freyre, quando este
“também faz questão de distinguir entre o artista que se serve da
arte popular como fonte, superando-a, e o que fica no que êle chama
de ‘folclorismo’ [...]”
113
.
Discorda, entretanto, Ariano, da maioria dos críticos quando
afirmam, sobre Freyre, que “sua sociologia não é científica”. Para
Suassuna, pelo contrário, esta se tornava mais simpática exatamente
por estar “caminhado num sentido cada vez mais aberto, mais
filosófico e, por isso mesmo, mais profundo e verdadeiro”
114
. E
completa: “Assim, discordando da maioria, acredito que os grandes
momentos de Gilberto Freyre são aquêles quase todos em que
êle deixa falar o intuitivo que há nêle”
115
.
No artigo “Teatro, região e tradição”, escrito por Suassuna em
1962, para o livro Gilberto Freyre: sua ciência, sua filosofia, sua arte,
o autor deixa claro que não se “comportaria diante dele [Gilberto
Freyre] e de sua obra como os que não tinham coragem nem
disposição para qualquer discordância”
116
. Em artigo escrito para a
Folha de S.Paulo (28/8/2000), relembrando o texto citado
anteriormente, Suassuna diz o seguinte: “[...] nele eu afirmava que
iria evitar tanto a atitude dos que negavam a importância de
112
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.474.
113
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.478.
114
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.479.
115
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.479.
116
SUASSUNA, Ariano. Gilberto Freyre e eu.
[62]
Gilberto Freyre quanto a dos que nunca discordavam dele”
117
. Dessa
forma, conforme Ariano, ele estaria prestando sua homenagem
“àquele que foi o primeiro a chamar, de modo sistemático e
constante, a nossa atenção para o fato de que significávamos algo,
dando dignidade a uma cultura, a uma maneira de vida e a uma Arte
até então desprezadas e colocadas de lado”
118
.
Suassuna igualmente atesta que a maior influência recebida
do Movimento Regionalista veio ainda na sua infância, do romance
nordestino principalmente com os de José Lins do Rego –, cujo
surgimento o movimento deflagrou. Esses romances traziam um
significado especial para o menino Ariano, pois se referiam a lugares
(Itabaiana e Pilar) próximos de onde o autor morava – “eram nomes
familiares às conversas” que ele ouvia na infância. E explica o autor:
“um romance passado naquele lugar mergulhava de repente tudo
aquilo que eu conhecia no universo fascinante da arte, cujo papel de
‘solenizar a vida’ aqui se tornava efetivo, diante de meus olhos”
119
.
Todavia Ariano o se deixa classificar simplesmente como
regionalista, que para ele a criação artística deve partir, sim, da
realidade circundante do artista, mas essa é somente uma posição
inicial. O artista Ariano Suassuna quer falar primeiramente da sua
Região preferindo empregar esse termo em vez de Regionalismo,
sob o qual, segundo ele, “tem-se englobado tanta coisa de qualidade
diferente que é impossível tomar pé ante êle”
120
. Para Ariano, o
“regionalismo é uma posição inicial: a daquele que quer criar a
partir da realidade que o cerca. A partir daí, porém, cada um toma
seu caminho”. E completa o autor paraibano: “O que é ótimo, pois
afirma-se, de tal modo, que afinal de contas cada artista revela um
mundo que é sòmente seu”
121
.
117
SUASSUNA, Ariano. Gilberto Freyre e eu.
118
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.475.
119
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.482.
120
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.476.
121
SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e tradição. p.476.
[63]
Assim, uma atitude característica do intelectual Ariano
Suassuna sempre foi a de, sem receios, confessar abertamente as
suas influências
122
que muitas vezes foram usadas para criticar
suas posições. Tampouco ele deixa de expressar as discordâncias
que encontra no pensamento, mesmo daqueles que influenciaram
diretamente no seu trabalho. Em algumas ocasiões, ao expressar
suas discordâncias, em relação a Freyre, por exemplo, acaba
gerando mal-entendidos. E um desses momentos é quando Freyre
afirma “que a arte portuguesa é produto da cultura de uma raça
adiantada em relação aos negros e aos índios”
123
. Ariano discorda
dessa ideia, pois para ele, Gilberto Freyre não leva em conta a
distinção entre “civilização” e “cultura”. Conforme Suassuna:
“Evidentemente, os portugueses tinham o poderio militar e
tecnológico, mas do ponto de vista da cultura isso não significa
superioridade”
124
.
Dessa forma, esses dois intelectuais, com seus pensamentos
que se dobram em convergências e divergências, procuraram, cada
qual a seu modo e do seu local de origem, um entendimento do
Brasil, de nossa cultura e de nosso povo. Suassuna e Freyre
procuraram “criar, a partir de sua própria cultura e com os meios
disponíveis, mesmo que reduzidos, uma cultura original, peculiar,
com a qual a comunidade poderia identificar-se e participar
plenamente”
125
. Cada qual viu na sua terra, no seu entorno, as
qualificações necessárias para o engendramento de uma cultura que
se dizia autenticamente brasileira. Se Suassuna privilegia o Sertão, é
por uma questão que fala mais à emoção que à razão. Como
mencionei, é a tentativa de reconstrução de uma infância marcada
122
Segundo o próprio Suassuna: “[...] não temerei confessar influências recebidas, dele
[Gilberto Freyre] como de outros: esta é uma atitude pouco generosa e tola. Aliás, se fosse
me referir a todas elas, seria um nunca-acabar”. In: SUASSUNA, Ariano. Teatro, região e
tradição. p.474.
123
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Ao sol da prosa brasiliana [entrevista]. Cadernos de
Literatura Brasileira, São Paulo, n.10, nov.2000. p.37.
124
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Ao sol da prosa brasiliana [entrevista]. p.37.
125
FREYRE, Gilberto. Nordeste. p.102.
[64]
pela perda. Perda primeira da própria terra de infância, quando o
autor já mais crescido vai estudar no Recife, e passa apenas as férias
na fazenda da família, no sertão da Paraíba. Perda da figura paterna
quase esquecida, e que inconscientemente Ariano liga ao passado
vivenciado e imaginado nessa terra sertaneja. Duas perdas que se
cristalizarão em sua visão trágica de um mundo que deve ser
protegido.
Assim, Ariano Suassuna é o homem do Sertão, mas nele reside
apenas virtualmente. É da zona da mata que ele lança seu discurso,
contraditório. Pois ao mesmo tempo em que lança severas críticas
ao mundo litorâneo e sua abertura para a assimilação de elementos
estrangeiros (como farão os mangue boys, como veremos a seguir),
nesse ambiente ganha o pão. É a fama vinda da sua popularidade no
mundo urbano moderno que permite ao autor clamar pela sua terra,
pela proteção de um sertão simbólico mais do que real.
Contra o marasmo oficial
Um passo à frente... e você não está mais
no mesmo lugar!
CHICO SCIENCE
No documento denominado Projeto Cultural Pernambuco-
Brasil, de maio de 1995, norteador da sua gestão como secretário de
Estado da Cultura, Ariano Suassuna rebate as críticas que lhe são
feitas afirmando que “é também um mero preconceito considerar
estreita e arcaica toda obra de arte que se preocupe com a
identidade nacional”
126
. Neste mesmo documento ainda sustenta-se
que “de início toda obra de arte é ligada a um local determinado,
toda arte é nacional”
127
. A proposta de trabalho de Suassuna como
Secretário da Cultura afirma que “no Brasil como nos demais países
da América latina, a cultura ibérica romanizou o país, tornando-se
base da cultura chamada erudita. E ao ser reinterpretada por
negros, índios e mestiços, deu origem à cultura popular”
128
. Dessa
forma, esse documento evidencia que a ação daquela Secretaria
126
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. Recife: Secretaria de
Cultura, maio/1995. p.4.
127
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. p.3-4.
128
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. p.5.
[66]
teria “como centro a arte popular brasileira, ou então aquela que,
não sendo popular de origem, é porém nacional por ser
visceralmente ligada ao popular”
129
.
Os autores do referido documento
130
, todos eles próximos,
pertencentes ou simpatizantes do Armorial e da ideologia que
produziu esse movimento, procuraram de alguma forma se eximir
de qualquer acusação de estarem privilegiando um nicho específico
de artistas em detrimento de todas as demais manifestações
artística da sociedade. Assim afirmam que o
[...] Projeto, o faz qualquer discriminação
entre arte “arcaica” e arte “moderna”, entre
arte “nacional” ou “universal’, entre arte
“erudita” e arte “popular”. Todas elas são
encaradas como pertencentes a uma imensa
fraternidade, na linha da riqueza e variedade
das diversas etnias que compõem nossa
população. A única restrição dirige-se contra os
servis e imitadores, isto é, aqueles que,
confundindo inovação com renovação, se
curvam ansiosos diante de qualquer
“novidade” que nos vem de fora como se fosse
verdadeiramente de vanguarda
131
.
O próprio Ariano já declarou diversas vezes que luta, sim,
pelos “seus” e que qualquer tipo de manifestação artística que não
se enquadre dentro do seu posicionamento estético não receberá
qualquer apoio da sua parte. Isso lhe vale muitas vezes severas
críticas, por muitos verem no fato de Ariano se aproveitar de cargos
e verbas públicas para financiar amigos e grupos de artistas que
tenham alguma ligação com o Movimento Armorial, uma forma de
129
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. p.5.
130
Assinam também o documento Projeto Cultural Pernambuco-Brasil: Carlos Fontes,
Raimundo Carrero, Brivaldo Campelo Filho.
131
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. p.6.
[67]
injusta de favorecimento em detrimento de todas as outras
manifestações artísticas
132
.
O autor sempre teve acesso a um púlpito privilegiado para
divulgar seu pensamento e ampliar o campo de atuação do
Armorial: primeiro com diretor do Departamento de Extensão
Cultural da UFPE (1969-1974) que aliás coincide com o
surgimento do Movimento Armorial –; posteriormente ocupando
cargos públicos como secretário de Educação e Cultura do Recife
(1975-1978), secretário de Cultura do Estado de Pernambuco no
governo de Miguel Arraes (1995-1998), e atualmente como
secretário Especial da Cultura no governo de Eduardo Campos
(desde 2007). Assim, quando da sua posse como Secretário
Municipal da Educação e Cultura, em 1975, no seu discurso de posse
Ariano já afirmava:
Me preocupo muito com o Brasil e com a
cultura brasileira. O cargo de secretário abre
para mim um campo largo, onde posso, entre
outras coisas, ajudar à criação de uma dança,
de um teatro, de um romance ou de um cinema
autenticamente brasileiro
133
.
Como podemos ver no relato de Maria Thereza Didier, em
Emblemas da sagração armorial:
O escritor mostrou-se empenhado em ampliar
o campo de atuação armorial. No cargo de
Secretário de Educação e Cultura, Suassuna
pretendia realizar vários projetos no setor
artístico, entre eles a formação de uma
132
Conforme Idelette Fonseca: “Com a chegada de Suassuna à direção do DEC da
Universidade Federal de Pernambuco, em 1969, instaura-se uma época de compras,
encomendas e bolsas de pesquisa que permitem a numerosos jovens artistas dedicar-se à
própria arte durante alguns meses ou anos. Essa política de subvenção, sob formas
diversas, permite a revelação de vários talentos e a confirmação de outros”. In: SANTOS,
Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o
Movimento Armorial. Campinas (SP): Ed. Unicamp, 1999. p.55-56.
133
SUASSUNA, Ariano apud DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.41.
[68]
Orquestra Armorial Brasileira e um grupo de
dança armorial. Para a literatura de cordel – “o
traço de ligação de todo o movimento
armorial o escritor planejou restaurar o
Mercado de São José (mercado municipal do
Recife, que é o ponto de venda dos
folhetinistas) e isentar de impostos os poetas
populares
134
.
Percebe-se, pois, através do exposto por Didier, o objetivo de
Ariano, no cargo de secretário, em privilegiar artistas ou grupos que
estivessem de alguma forma ligados ao Movimento Armorial, sendo
essa posição muitas vezes criticada pelo meio artístico em geral, que
não encontrava junto à administração pública o mesmo tipo de
subvenção paternalística. Dessa forma, nesse mesmo Projeto
Cultural Pernambuco-Brasil (1995), anteriormente mencionado,
podemos conferir o favorecimento de artistas, atividades e grupos
que comungam de alguma forma com o projeto estético-ideológico
de Ariano Suassuna. Assim, estão contemplados no documento
nomes como Amaro Francisco (que faz gravuras em madeira);
Gilvan Samico (gravurista); Mestre Galdino, de Caruaru (ceramista);
Francisco Brennand (ceramista e artista plástico) todos eles com
obras que possuem ligação com a cultura popular, como a concebe
Ariano e o Movimento Armorial
135
.
Menciona ainda esse documento: “Para iniciar as atividades
que, no Projeto, se ligam à Música e às Artes Cênicas, criou-se o
Grupo Romançal, onde se reúnem músicos, atores e dançarinos”
136
.
Idelette Muzart Fonseca dos Santos, no Em demanda da poética
popular, nos esclarece que o “Romançal”
137
acabou se constituindo
134
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.41-42. [grifos meus]
135
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. p.5-6.
136
SUASSUNA, Ariano et al. Projeto Cultural Pernambuco-Brasil. p.7.
137
“A fase Romançal revelar-se-ia como uma das mais fecundas do Movimento. O trabalho
da Orquestra Romançal, o lançamento do Balé Armorial (origem do atual Balé Popular do
Recife) e a estréia de Antônio Carlos Nóbrega de Almeida como teatrólogo, com o
espetáculo A Bandeira do Divino, podem ser caracterizados como alguns marcos desta
fase”. Disponível em:
[69]
na terceira fase do Movimento Armorial, e teve início em “18 de
dezembro de 1975, quando a Orquestra Romançal Brasileira foi
apresentada pela primeira vez ao público pernambucano
138
. Logo,
essa indicação comprova a filiação do mencionado Grupo
Romançal, a ser criado pelo documento Projeto Cultural
Pernambuco-Brasil, ao Armorial de Suassuna. O documento ainda
prevê a criação de um Conjunto Romançal de Câmara, sob a direção
de Antônio Madureira, maestro ligado desde o início ao Movimento;
bem como a criação de uma Trupe Romançal de Teatro.
Dessa forma podemos perceber que as atividades ligadas ao
Movimento sempre tiveram apoio e subsídios de Ariano Suassuna
quando este esteve à frente de cargos públicos ao longo de sua
carreira. É também em uma edição do jornal O Estado de São Paulo
(14/3/1975), regatado por Maria Thereza Didier, que podemos
conferir a simpatia do então Ministro de Educação e Cultura, Ney
Braga, ao Movimento Armorial. Segundo aquela publicação:
“Suassuna foi convocado a Brasília pelo ministro da Educação, Ney
Braga, que pretende ajudar o movimento e patrocinar excursões do
Quinteto Armorial, que se apresentou ontem no auditório do
MEC”
139
. Para Maria Thereza Didier esse apoio do então ministro
deu-se porque “muitas das idéias estruturadas na Política Nacional
de Cultura implementada na gestão Ney Braga coadunavam-se com
os pressupostos armoriais”
140
. Segundo essa autora:
É oportuno lembrar que os programas
oficiais de cultura, no início dos anos 70,
procuravam tematizar a questão da cultura
brasileira pelo veio do registro e da
preservação do caráter autêntico das tradições
através da cultura popular, como meio de
<http://www.arianosuassuna.com.br/userfiles/file/HISTORICO_movimento_armorial2.p
df>. Acesso em: 18 jan. 2010.
138
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.30.
139
Apud DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.42-43.
140
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.43.
[70]
garantir uma determinada memória
nacional
141
.
Dessa forma, Suassuna vê sua luta refletida nos interesses
governamentais daquele período, através de objetivos que
comungavam ideologias similares, na busca de um presumível
“‘âmago do homem brasileiro’, a fim de verificar a ‘própria essência
da nossa cultura’”
142
. Ou seja, os interesses do governo casavam de
vez com a interpretação que Ariano Suassuna fazia da cultura e da
identidade nacional.
Críticas não faltaram e ainda não faltam às “atitudes
museológicas do homem público Suassuna. Para o escritor
pernambucano Jomard Muniz de Brito, essa “atitude paternalista de
intelectuais (entre eles, o escritor Ariano Suassuna) com o
patrimônio folclórico”
143
, “não passa de uma desapropriação
cultural”
144
, fruto de um “discurso arcaizante e medievalista”
145
.
Segundo Maria Thereza Didier: “Jomard Muniz de Britto, em
contraposição à visão armorial, considera que o discurso de
valorização dos antepassados culturais se coloca contra tudo o que
vinha de novo, o que para ele empobrecia o entendimento da
cultura brasileira”
146
. Muniz de Britto representava, então, na cena
cultural pernambucana, o contraponto ao pensamento suassuniano.
Esse escritor e cineasta, ao contrário do autor do Auto da
Compadecida, faz uma defesa da cultura de massa como “uma
possibilidade de ‘embaralhar’ ou ‘misturar o que ele considerava
como dicotomia clássica, expressa no pensamento nordestino, entre
cultura popular e cultura erudita”
147
. Conforme Didier: “Muniz de
Britto argumentava que a ‘cultura de massa’ não é fatalmente
141
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.75.
142
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.81.
143
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.47.
144
BRITTO, Jomard Muniz de apud DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração
armorial. p.47.
145
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.47.
146
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.47.
147
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.48.
[71]
unificadora e propunha transformar as potencialidades técnico-
funcionais, desenvolvidas na cultura de massa, em técnico-
reflexivas, captando o real como processo evolutivo e criador”
148
.
Dessa forma, essas ideias o aproximam do pensamento de Walter
Benjamin.
Para Benjamin “o sentido da arte pode estar em todas as
manifestações (objetos) tanto as denominadas artes pela tradição,
quanto as massificadas. Pois, o que define o sentido artístico é a
função política com que o objeto contradiz a lógica capitalista”
149
. A
preocupação de Benjamin com as relações entre arte e tecnologia
pode ser vista no conhecido ensaio “A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica”. Neste texto, Benjamin esclarece que, “em
sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os
homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens”
150
. O
que agora se constituía novidade era a forma mecânica e industrial
como isso passou a acontecer, o que representava maior
“autonomia” do que a reprodução manual possibilitara até então.
Assim, se a obra de arte perdeu, a partir desses modernos processos
de reprodução, o que Benjamin chamou “aura”
151
que
representaria sua autenticidade
152
e unicidade –, esses mesmos
processos promoveram uma maior aproximação entre a arte e o
indivíduo. Através, por exemplo, da fotografia, do disco, do cinema, a
“existência única da obra” seria substituída “por uma existência
148
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.48.
149
JULIANO, Dilma Beatriz Rocha. Telenovelas brasileiras: narrativas alegóricas da
indústria cultural. Tese (Doutorado em Teoria Literária) – Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2003. p.5.
150
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Trad.
Sérgio Paulo Rouanet. In: _______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. – (Obras escolhidas; v.1). p.166.
151
Contudo, é em outra obra “Pequena história da fotografia” (1931) que Benjamin
mencionaria pela primeira vez a questão da “aura”. (cf. BENJAMIN, Walter. Pequena
história da fotografia. In: _______. Magia e técnica, arte e política. p.101)
152
“A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido da
tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho
histórico”. In: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade
técnica. p.167.
[72]
serial”
153
, o que satisfaria a cada vez maior tendência do homem de
querer fazer “as coisas se aproximarem”
154
de si, alimentando o
sentimento de posse da mercadoria. Nas palavras de Benjamin,
“cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto de
tão perto quanto possível, na imagem, ou melhor, na sua
reprodução”
155
.
O que os avanços tecnológicos, que refletiam nas modernas
técnicas de reprodução, colocavam em jogo, segundo Benjamin,
eram mudanças profundas nas formas de concepção e percepção
das obras de arte. Contudo, conseguia ainda enxergar esse autor, na
perda da aura, uma compensação através das “capacidades
emancipatórias das novas tecnologias de reprodução”
156
. Segundo
Susan Buck-Morss, “Benjamin sugeria que a tendência objetiva (e
progressista) do industrialismo é a de fundir arte e tecnologia,
fantasia e função, símbolo significativo e instrumento útil, e que essa
fusão é, em realidade, a essência mesma de uma cultura
socialista”
157
. Já para Martha D’Angelo, em “A modernidade pelo
olhar de Walter Benjamin”:
A dessacralização da arte aurática tem um
aspecto liberador, pois permitiu o rompimento
com a postura reverente que a antiga aura
impunha; mas tem também um aspecto
opressor, pois submeteu a arte à economia de
mercado
158
.
153
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. p.167.
154
BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. p.102.
155
BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. p.102.
156
COETZEE, J.M. As maravilhas de Walter Benjamin. Trad. José Rubens Siqueira. Novos
Estudos, n.70, nov.2004, p.104.
157
BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o Projeto das Passagens.
Trad. Ana Luiza de Andrade. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Chapecó: Argos, 2002.
p.162.
158
D’ANGELO, Martha. A modernidade pelo olhar de Walter Benjamin. Estudos Avançados,
20 (56), 2006, p.249.
[73]
Dessa forma é possível pensar que as novas tecnologias
vieram para mudar – e mudaram – radicalmente a vida do homem e
a forma como ele se (inter)relaciona nos diversos âmbitos da sua
existência – política, cultural, econômica, científica e socialmente.
Mas Ariano Suassuna continua a apegar-se a velhas noções, e
tem sérias restrições em aceitar o diálogo com o novo, com tudo
aquilo que não seja a reprodução da sua “representação
substancialista e imóvel de identidade e da cultura”
159
. Apega-se o
autor à uma realidade que efetivamente desapareceu (se é que ela
um dia existiu) ou transformou-se: velho habitante de uma região
com uma visão nostálgica do lugar, marcada por visões da infância, e
que se recusa a ver as mudanças objetivadas na paisagem que fazem
com que não seja mais o local no qual vivia. A visão suassuniana
ainda procura resgatar e cristalizar uma cultura popular que teria
sua força de resistência na tradição camponesa, como única fonte
autêntica de “brasilidade”, posição que o popular como “resíduo
elogiado: depósito da criatividade camponesa”
160
, como dito por
Canclini. Dessa forma, raras vezes Suassuna faz qualquer referência
a uma cultura popular urbana. Novamente é Nestor Garcia Canclini
que nos faz ver, nesse tipo de pensamento de Suassuna, aqueles
resquícios ainda do período romântico:
Ao decidir [os românticos] que a especificidade
da cultura popular reside em sua fidelidade ao
passado rural, torna-se cegos às mudanças que
a redefiniam nas sociedades industriais e
urbanas. Ao atribuir-lhe uma autonomia
imaginada, suprimem a possibilidade de
explicar o popular pelas interações que tem
com a nova cultura hegemônica. O povo é
‘resgatado’, mas não conhecido
161
.
159
AUGÉ, Marc. A guerra dos sonhos. p.28.
160
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. Trad. Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa. 4.ed.4.reimp. São Paulo:
EDUSP, 2008. (Ensaios Latino-Americanos, 1). p.209.
161
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas. p.210.
[74]
Nesse sentido, “a visão positiva de Ariano Suassuna sobre
cultura popular não admite nessa noção a inclusão de quaisquer
manifestações oriundas da classe trabalhadora”
162
. Assim, o
posicionamento do autor paraibano, que o aproxima da visão dos
primeiros folcloristas
163
, mencionados por Renato Ortiz, faz
referência à apenas uma parcela de “povo”, ou seja, aquele que,
segundo Ariano, está imune às influências da modernidade,
identificando, assim, a cultura popular com o tradicional e o
primitivo, e excluindo todas as demais manifestações. Isso
pressupõe, então, a existência do que Renato Ortiz chama de “os
excluídos do organismo-nação”, pois “[n]ão é a cultura das classes
populares, enquanto modo de vida concreto, que suscita a atenção,
mas sua idealização através da noção de povo”
164
. E não é toda a
“cultura popular” que cabe nessa designação, como vimos, mas
somente aquela que tem “relação com um passado imemorial”
165
.
Assim, para Renato Ortiz,
Os costumes, as baladas, as lendas, os
folguedos, são contemplados, mas as atividades
do presente são deixadas de lado. Movimento
de imigração para a cidade, formas de
produção, inserção do camponês na sociedade
nacional, são esses os temas ausentes, tabus;
162
MARQUES, Roberta Ramos. Deslocamentos armoriais: da afirmação da épica do
popular na “Nação Castanha” de Ariano Suassuna ao corpo-histórico do Grupo Grial. Tese
(Doutorado em Teoria da Literatura) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
2008. p.59.
163
Segundo Renato Ortiz: “Os românticos são os responsáveis pela fabricação de um
popular ingênuo, anônimo, espelho da alma nacional; os folcloristas são seus
continuadores, buscando no Positivismo emergente um modelo para interpretá-lo.
Contrários às transformações impostas pela modernidade, eles se insurgem contra o
presente industrialista das sociedades européias e ilusoriamente tentam preservar a
veracidade de uma cultura ameaçada”. – ORTIZ, Renato apud MARQUES, Roberta Ramos.
Deslocamentos armoriais. p.57.
164
ORTIZ, Renato; RIBEIRO, Jorge Claudio. Românticos e folcloristas: cultura popular. São
Paulo: Olho d!Água, [1992]. p.26.
165
MARQUES, Roberta Ramos. Deslocamentos armoriais. p.53.
[75]
eles escapam à própria definição do que seria o
popular
166
.
Consonante com esse sentimento de exclusão, surge em
Pernambuco, na década de 1990, “uma efervescência cultural e
musical” que acabou se espalhando por todo o Brasil o Movimento
Manguebeat
167
. Segundo Paula Tesser, “o Mangue Beat vai se
distinguir pelo fato de ter sido puxado por jovens nascidos nas
camadas populares dessa região”
168
, ao contrário do Regionalismo e
do Armorial que tem entre os seus idealizares elementos oriundos
da aristocracia e do patriarcado rural. Os “mangue-boys” liderados
por Francisco Assis de França (Chico Science) vão empreender um
diálogo mais radical entre a tradição e a modernidade, procurando
fugir da apatia cultural que segundo alguns reinou em Pernambuco
na década de 1980. O depoimento do cantor Alceu Valença,
publicado no Suplemento Literário do Diário Oficial de Pernambuco
(março/1992) é emblemático:
Pernambuco está velho. O novo é Jomard
Muniz de Britto, Alceu Valença, Flaviola e Ave
Sangria. Por que eu falo esses nomes? Eu estou
louco que apareça o novo, mas não está
aparecendo. O que acontece em Pernambuco é
que nós somos extremamente conservadores.
A gente quer que o forró seja exatamente do
mesmo jeito. Nós amamos Luiz Gonzaga, e nós
não temos uma noção de que Gonzaga morreu,
que Alceu e Jomard vão morrer. O problema é
que Pernambuco não quer a nova ordem,
Pernambuco está morrendo de mofo. E nós, os
grandes loucos, com tantos anos e cabelos
166
ORTIZ, Renato; RIBEIRO, Jorge Claudio. Românticos e folcloristas. p.26.
167
Foram encontradas várias formas de grafar o nome do movimento: Manguebeat,
Mangue Beat e Manguebit. Neste trabalho preferi adotar a forma Manguebeat sempre que
faço menção a esse Movimento.
168
TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. Logos: comunicação e
universidade, ano 14, n.26, semestre de 2007. Disponível em:
<http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/05_PAULA_TESSER.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2010.
p.72.
[76]
brancos, estamos atrasados. Pernambuco tem
que abrir o olho
169
.
O Movimento Manguebeat aparece justamente nesse quadro
de apatia que se instalara no estado naquele período, e como foi
mencionado, foi constituído por jovens que vinham das periferias
das cidades da região, originários de uma realidade de exclusão
social e cultural. Segundo Nara Aragão Fonseca, “o mangue era
apenas a tradução da inquietude de um grupo de jovens que
queriam ver a cidade sair do marasmo cultural em que se
encontrava”
170
. Dessa forma, a geração que estava por traz do
Movimento Mangue não se sentia representada na cena cultural
pernambucana “pois sua convivência com a cultura pop estava
sendo ignorada”
171
. As políticas oficiais do governo somente
incentivam a produção cultural que pregava a “conservação dos
valores tradicionais”
172
, sendo que o “discurso armorial, liderado
pelo discurso de Ariano Suassuna, reforçava a crença de que,
qualquer referência vinda de uma cultura de massa, tinha caráter
alienante”
173
. O movimento vinha, assim, para afrontar as
tendências culturais que reinavam por vários anos em Pernambuco
(Movimento Armorial e Regionalismo), reivindicando “que a cena
cultural saísse do marasmo em que se encontrava e abrisse os olhos
para o potencial que havia ali”
174
.
no manifesto de criação do movimento, chamado
Caranguejos com cérebro, Fred 04 (ou Fred Zero Quatro), apontava o
caminho:
169
VALENÇA, Alceu apud SILVEIRA, Roberto Azoubel da Mota. Mangue: uma ilustração da
grande narrativa pós-moderna. Dissertação (Mestrado em Letras) Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. p.54.
170
FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat” como política de representação. Disponível
em: <
http://rodrigomedeiros.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/02/artigo-
nara.pdf>. Acesso em 12 maio 2010. p.1.
171
FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat” como política de representação. p.5.
172
FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat” como política de representação. p.4.
173
FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat” como política de representação. p.5.
174
FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat” como política de representação. p.6.
[77]
Emergência! Um choque rápido ou o Recife
morre de infarto! Não é preciso ser médico
para saber que a maneira mais simples de
parar o coração de um sujeito é obstruindo as
suas veias. O modo mais rápido, também, de
infartar e esvaziar a alma de uma cidade como
o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus
estuários. O que fazer para não afundar na
depressão crônica que paralisa os cidadãos?
Como devolver o ânimo, deslobotomizar e
recarregar as baterias da cidade? Simples!
Basta injetar um pouco de energia na lama e
estimular o que ainda resta de fertilidade nas
veias do Recife
175
.
Ficou conhecido o debate que foi travado na época entre os
Armoriais, representados por Ariano Suassuna, e o Movimento
Mangue Beat, encabeçado na figura do cantor e compositor Chico
Science. Para os armoriais, “o Mangue estava carregado demais de
características culturais de influência americana (a começar pelo
próprio nome do seu fundador: “Science”) e por esse motivo o
podia representar, nem ser considerado como uma expressão
cultural tipicamente brasileira”
176
. Os tradicionalistas afirmavam
que, o “que encontramos nas músicas do Mangue Beat é o efeito da
tecnologia na arte popular”
177
, o que vem exatamente contra tudo o
que Suassuna e os armoriais vinham lutando. Representava assim, o
Movimento Mangue, o oposto do discurso armorial. Para Paula
Tesser:
O confronto entre Armorial vs Mangue pode ser
entendido como uma representação da
transição entre a modernidade e a pós-
modernidade. O movimento Armorial com a
175
FRED ZERO QUATRO. Caranguejo com cérebro. Disponível em:
<http://www.fafich.ufmg.br/manifestoa/pdf/caranguejos>. Acesso em: 7 mar. 2010.
176
TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. p.78.
177
TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. p.78.
[78]
sua concepção de tradição, que procura afirmar
sua identidade puramente nordestina e
brasileira, com certa nostalgia, se caracterizaria
como um movimento de base moderna.
Enquanto o Mangue vai num sentido oposto,
nele o regional surge como uma ponte, uma
ferramenta que permite se abrir para o mundo.
Não existem nele pressupostos estéticos e/ou
territoriais. Heterogeneidade das expressões e
absorção antropofágica dos conteúdos
culturais impulsionados por uma necessidade
gulosa, este é o princípio
178
.
Enquanto os Armoriais se fecham numa concepção
preservada e estagnada de cultura, negando seu diálogo com as
influências que vêm de fora e combatendo o que chamavam de
“colonização cultural”, os mangue boys utilizam-se das mesmas
referências culturais que os Armoriais sentiam necessidade de
“preservar”, como o maracatu, a ciranda, o côco, o repente e a
embolada, para mostrar como se faz a inserção do velho no novo.
Dessa forma, com “a imagem da antena parabólica fincada na lama
os mangue boys querem, com esse símbolo, estimular os artistas e a
comunidade para que se mantenham em sintonia com o mundo
exterior, sem, no entanto perder suas raízes”
179
. Para o jornalista
Renato Lins, um dos colaboradores do movimento, “o impulso
primordial” que levará o mangue a descobrir “o côco, o maracatu e
outros ritmos locais” não seria “uma suposta necessidade de se
preservar a cultura popular”, nisso residindo a diferença
instransponível entre o Movimento Mangue e o Movimento
Armorial
180
. Para o jornalista,
A tentação de colocar numa espécie de solução
em formol as manifestações populares nunca
178
TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. p.78.
179
TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. p.78.
180
LINS, Renato apud FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat como política de
representação. p.7
[79]
fez parte de nossos planos. Muito pelo
contrário, a idéia era dar condições para que
elas pudessem dialogar com o mundo
contemporâneo, fertilizando-se no processo e
assim voltando à vida
181
.
Mesmo com a morte do seu principal colaborador, Chico
Science, em um acidente de carro na rodovia que liga as cidades de
Recife e Olinda, em 1997, o movimento continua, talvez não com a
repercussão que teve então. A banda original de Science, Nação
Zumbi, continua em atividade na cena musical. Outros grupos
relacionados ao movimento e que também continuam produzindo
são Mundo Livre S/A e Bonsucesso Samba Clube. Mais recentemente
o Cordel do Fogo Encantado e o cantor, compositor e percursionista
Otto (que participou inicialmente do grupo Nação Zumbi), também
guardam influências do Movimento Mangue.
Não obstante, Ariano Suassuna diz que ao longo dos anos
passou por um processo crítico de revisão de muitas das posições
que anteriormente defendia. Assim o autor chega aos anos 1980
revendo alguns de seus antigos conceitos, principalmente a visão
dicotômica que tinha entre o mundo rural, representado pelo sertão
(bem) e a cidade (mal). Para Ariano muito dessa ideia foi fruto de
uma interpretação equivocada que ele acabou fazendo sobre um
episódio da sua infância, e que envolvia seu pai, João Suassuna.
Segundo Ariano revelou em uma entrevista:
Na Paraíba de 1930, houve a cisão entre as
forças rurais e as urbanas. Meu pai liderava as
forças rurais e o presidente João Pessoa, na
época o governador se chamava presidente, as
forças urbanas. Então, um município do sertão
da Paraíba, chamado Princesa, declarou
independência e o líder da insurreição era um
dos liderados de meu pai. Quando isso
181
LINS, Renato apud FONSECA, Nara Aragão. O “Manguebeat como política de
representação. p.7
[80]
aconteceu, a luta se tornou armada. Eu,
menino, leio todo Os Sertões e vejo as forças
urbanas e capitalistas cercando Canudos e
metralhando todo o povo do Brasil. No meu
juízo de garoto, comecei a identificar Princesa
com Canudos. Eu não percebia que havia uma
diferença fundamental entre Canudos e
Princesa, porque em Canudos eram forças do
Brasil privilegiado atirando no povo. E, em
Princesa, eram privilegiados do campo lutando
contra privilegiados da cidade
182
.
Segundo o autor, essa constatação o fez cair numa crise muito
grande, ao perceber que tinha se deixado levar por uma paixão mais
do que pela razão dos fatos. Esse erro de interpretação o fizera, por
muitos anos, posicionar-se de forma equivocada, como havia feito
seu pai, em idealizar que “o bem era o sertão, e a cidade era o
mal”
183
. Conforme o próprio autor faz menção: “Com essa reflexão
comecei a descobrir que o povo do Brasil real eram os despossuídos,
na cidade ou no campo”
184
.
No entanto, Suassuna continua a ver o país através de uma
lógica binária
185
, ao dividir o panorama social e cultural nacional em
“dois Brasis”
186
. No seu discurso de posse na Academia Brasileira de
182
CARTA CAPITAL. Ontem era Canudos, hoje é a favela [entrevista]. Carta na Escola, fev.
2008, Ed. 23. p.7.
183
CARTA CAPITAL. Ontem era Canudos, hoje é a favela. p.7.
184
CARTA CAPITAL. Ontem era Canudos, hoje é a favela. p.7.
185
A postura ideológica de Ariano Suassuna se enquadraria na “lógica binária” comentada
por Deleuze & Guattari, lógica essa que se constitui como “a realidade espiritual da
árvore-raiz”. É característico desse modelo de pensamento a relação de um “dentro” e um
“fora”, assim ele é “constituído pela interioridade de uma substância ou de um sujeito”.
Trata-se, então, do modelo de concepção essencialista de Ariano Suassuna e demais
autores que ainda seguem por essa via. Para Deleuze & Guattari: “Isto quer dizer que este
pensamento nunca compreendeu a multiplicidade: ele necessita de uma forte unidade
principal, unidade que é suposta para chegar a duas, segundo um método espiritual”. In:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia: vol. 1. Trad.
Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de janeiro : Ed. 34, 1995.
186
Essa divisão do país em dois Brasis já não é de agora. Também Marilene Chauí chama a
atenção para essa “divisão natural do Brasil em litoral e sertão” como “uma tese de longa
persistência” por aqui. Segundo a autora, essa tese foi “reafirmada com intensidade pelos
integralistas dos anos 20 e 30, quando opõem o Brasil litorâneo, formal, caricatura
letrada e burguesa da Europa liberal, e o Brasil sertanejo, real, pobre, analfabeto e
[81]
Letras, em 1990, o autor adverte para a existência de um “Brasil
real” e um “Brasil oficial”, em alusão às palavras de Machado de
Assis “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos. Mas o
país oficial, esse é caricato e burlesco”
187
. Dessa forma, para Ariano,
o “Brasil real teria, na verdade, não um, mas dois emblemas, pois o
Arraial do Sertão tinha seu equivalente urbano na Favela da
cidade”
188
. Assim, Suassuna passa a contrapor o que aconteceu no
arraial de Canudos à realidade do que acontece hoje nas grandes
cidades brasileiras – o choque do Brasil real com o Brasil oficial.
Contudo, o autor não deixa de esclarecer que ele mesmo é
fruto da formação do Brasil oficial. Assim, “[e]gresso do Patriarcado
rural derrotado pela Burguesia urbana em 1889, 1930 e 1964,
ingressei no Patriarcado das cidades com o escritor e professor que
sempre fui”
189
. E o autor declara em determinado momento: “Não
me coloco hipocritamente fora do Brasil oficial, nem se trata de nos
opormos à verdadeira modernidade”
190
. Para Suassuna, no entanto,
essa modernidade consiste em “recriar as instituições do Brasil
oficial de acordo com a verdade do Brasil real”
191
, e não essa
modernidade falsa que muitos setores estão tentando impor, como
assegura Ariano. Assim, para o autor paraibano, “a falsa
modernização, no campo ou na cidade, descaracteriza, assola,
inculto”. De acordo com Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB), o
sertão “é uma mentalidade, um estado de espírito, a brasilidade propriamente dita como
sentimento da terra”. Porém, trata-se da inversão da visão que o colonizador tinha da
terra quando aqui chegou. Para este, segundo Marilene Chauí, a natureza do Mundo Novo
estava dilacerada entre o litoral e o sertão. Assim, “[o]s poemas e autos de Anchieta são os
primeiros a construir a fratura da Natureza entre a costa litorânea, lugar do bem onde a
palavra de Deus começa a frutificar, e a mata bravia, lugar do mal onde o demônio
espreita, sempre pronto a atacar”. In: CHAUI, Marilena de Souza. Brasil: mito fundador e
sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. p.67, 68 e 66,
respectivamente.
187
MACHADO DE ASSIS apud SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia
Brasileira de Letras. p.230
188
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. p.244-245.
189
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. p.231.
190
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. p.247.
191
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. p.247.
[82]
destrói e avilta o povo do Brasil real”
192
, sendo que, conforme
Ariano, “[a]tualmente, o que estamos conseguindo é um pacto
demoníaco, através do qual vendemos a alma sem nada conseguir
para o corpo
193
.
Mesmo reconhecendo seus erros, o autor não deixa de fazer
alusão à um pensamento que continua a privilegiar a cultura
campesina em detrimento de uma cultura urbana, sendo que esta
última estaria por demais aberta as “inovações” e “contaminações”
da cultura de massa, principalmente na incorporação de elementos
como o rock’n roll, o rap e o hip hop, como o fizeram mangue boys do
Movimento Manguebeat. Suassuna não aceita que o popular esteja
em diálogo com o massivo
194
, mas continua a ver naquele os
vestígios de uma pureza que deve ser preservada, sendo dessa
forma mantido à margem do processo histórico, que no entanto,
não sustenta mais visões essencialistas desse tipo.
Atualmente, conforme Teixeira Coelho, trata-se de pensar o
relacionamento da cultura popular com a cultura de massa não em
termos de subordinação e exclusão, mas sim de complementação.
Em relação a isso, expõe:
[...] muitos não conseguem entender que a
cultura popular é uma das fontes de uma
cultura nacional, mas não a fonte, não havendo
razão para usá-la como escudo num combate
192
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. p.247.
193
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. p.247.
194
Para Jesús Martín-Barbero, não podemos mais pensar a cultura popular como uma
forma autônoma e distante, que se desenvolve “na ausência de contaminação e de
comércio com a cultura oficial, hegemônica”, pois o popular não é algo externo ao
massivo, mas sobrevive dentro dele. Ainda segundo Martín-Barbero: “Continuar a pensar
o massivo como algo puramente exterior ao popular como algo que faz parasitar,
fagocitar, vampirizar – só é possível, hoje, a partir de duas posições. Ou a partir da
posição dos folcloristas, cuja missão é preservar o autêntico, cujo paradigma continua a
ser rural e para os quais toda mudança é desagregação, isto é, deformação de uma forma
voltada para sua pureza original. Ou a partir de uma concepção da dominação social que
não pode pensar o que produzem as classes populares senão em termos de reação às
induções da classe dominante. In: MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações:
comunicação, cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Prefácio Nestor
García Canclini. 4.ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2006. p.40 e 310, respectivamente.
[83]
contra a cultura de massa, dita também cultura
pop (denominação que se pretende pejorativa).
Para esses, a cultura popular (soma dos valores
tradicionais de um povo, expressos em forma
artística, como danças e objetos, ou nas
crendices e costumes gerais) abrange todas as
verdades e valores positivos, particularmente
porque produzida por aqueles mesmos que a
consomem, ao contrário do que ocorre com a
cultura pop
195
.
195
COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 2003. p.20.
PARTE DOIS
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Por que não poderíamos começar postulando um sonho, um
poema, uma sinfonia como instâncias paradigmáticas da
plenitude do Ser, e considerar o mundo físico como um modo
deficiente do Ser – em vez de ver as coisas de maneira
inversa, em vez de ver, no modo imaginário (isto é, humano)
de existência, um modo de ser deficiente ou secundário?
CORNELIUS CASTORIADIS
Há lugares que, por razões especiais, distinguem-se do
grande espaço contínuo ordinário. A distinção entre esses
dois espaços é de origem mítica.
LÉVI-STRAUSS
In: Mito e significado
Cosmovisão sertaneja
Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se
forma mais forte do que o poder do lugar.
GUIMARÃES ROSA
Como venho salientando até aqui, a produção artística,
estética e política de Suassuna tem como eixo principal um
dispositivo espacial denominado Sertão. Contudo, como já vimos
também, o Nordeste não é somente esse Sertão suassuniano, mas
também o agreste e a Zona da Mata de Gilberto Freyre, universos
que se atraem e distanciam contraditoriamente nas dobras do
discurso territorial suassuniano. Pertencente ao mundo urbano-
litorâneo da Zona da Mata, Suassuna permanece virtual e
sentimentalmente ligado ao território sertanejo erigido como forma
de um ritornelo existencial, supostamente ao abrigo das forças
caóticas da modernidade.
Contudo, esse espaço denominado Nordeste, como o
concebemos hoje, é uma construção recente na nossa história, fruto
do discurso patriarcal saudosista de uma geração que perdia espaço,
tanto social como econômico, como nos mostra Albuquerque Júnior
em A invenção do Nordeste e outras artes. E um dos principais
representantes desse discurso é o escritor, dramaturgo e poeta
[88]
Ariano Suassuna. Discurso que não obstante exclui a zona da mata
freyriana, privilegiando o sertão com paisagem discursiva da
formação brasileira
196
. É o autor paraibano talvez o último dos
grandes nordestinos, a figura mais representativa ainda viva
daquele grupo que criou e faz mover essa máquina chamada
Nordeste. Um grupo e uma geração que instituiu um imaginário de
Nordeste e Sertão, e que, por conseguinte, o acaba difundido para o
restante do país. Logo: Nordeste/Sertão dispositivo espacial,
afetivo e existencial, “onde a terra dura e seca recusa o do
homem e o ferro da enxada, um Nordeste sem água nem vegetação...
um Nordeste definido em termos de carência e de necessidade, um
Nordeste chamado sertão”
197
. Para esse grupo o “sertão não encolhe
frente ao avanço da civilização ‘modernizadora’, como se supunha,
mas cresce e se expande no imaginário: ‘O sertão é o mundo’, dizia
Guimarães Rosa”
198
.
Dessa forma, o Nordeste e o Sertão tornam-se visíveis no
conjunto da obra de um Ariano Suassuna, bem como nas obras de
toda uma geração de artistas armoriais que Suassuna inspirou.
Como nos confirma uma das maiores estudiosas sobre o autor,
Idelette Muzart Fonseca dos Santos:
O Nordeste e o sertão estão presentes nas
obras armoriais: inventário da terra, dos rios,
da fauna e da flora, das casas e dos homens, em
Marcus Acioly; paixão das paisagens, das cores,
dos cheiros e dos ruídos, tanto do sertão
quando da zona da Mata, em Maximiliano
Campos; enfim, sertão cotidiano e eterno,
histórico e mítico, vivo e resistindo às modas,
em Ariano Suassuna
199
.
196
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.66.
197
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.65-66.
198
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.66.
199
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.66.
[89]
Assim, imerso no fabulário regional, Ariano Suassuna
estabeleceu no Sertão nordestino o centro de gravidade de sua obra.
Nesse sentido o “escritor da Paraíba desenvolverá um mundo mítico
único onde dominarão as imagens do sertão”
200
. Os símbolos e
imagens com os quais Ariano construirá o seu castelo sertanejo têm
origem na “cosmologia medieval”, pois, para o autor d’A Pedra do
Reino, são esses “elementos da imagética armorial que a relacionam
com um passado de tradições autênticas brasileiras”
201
. Dessa
forma, na sua “busca de imagens míticas milenarmente repousadas
no coração de nossa própria terra”
202
, Suassuna realiza um trabalho
de reelaboração simbólica desse Sertão. Perseguirá, o autor, os
elementos míticos que constituiriam uma pretensa cultura
brasileira, uma suposta singularidade que caracteriza nossa gente e
nossa gênese cultural. Não foi o único, como vimos, outros já haviam
se empenhado numa tentativa de “resgatar a cultura nacional,
construindo universos simbólicos habitados por elementos ditos
imanentes ao povo brasileiro: cordialidade, mestiçagem, tristeza e
tantas outras características”
203
. Para Maria Aparecida Lopes
Nogueira: “Com base no seu lugar real e mítico, a Taperoá de sua
infância, esse profeta alucinado inventa um mundo cujo núcleo
central é a presença simultânea de dois elementos, o popular e o
erudito [...]”
204
. É essa paisagem sertaneja que Suassuna privilegia
no seu discurso territorial, sendo o local consagrado pelo autor à
defesa e proteção de uma arte que se diz autenticamente brasileira.
Como vimos anteriormente, representa essa paisagem o
fechamento estético de um espaço geográfico, que remete ao
ritornelo de Deleuze & Guattari, enquanto agenciamento territorial.
É agenciamento territorial visto tratar-se de “um conjunto de
200
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.186.
201
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.180.
202
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. In: _______. Diálogos do
paraíso perdido. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 1990. p.92.
203
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.18.
204
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.105.
[90]
relações materiais e de um regime de signos”
205
que tenta instituir
um espaço de resistências às supostas influências deletérias de uma
cultura de exportação, representada pela cultura de massa.
Como também foi dito aqui, esse espaço geográfico Sertão,
essa unidade territorial idealizada pelo armorial (ritornelo
existencial), pode “ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a
um sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente ‘em
casa’”
206
. Dessa forma, o “território é sinônimo de apropriação, de
subjetivação fechada sobre si mesma”
207
. E como havia afirmado
Bachelard: “[...] a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz
amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos”
208
,
logo, a “casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou
ilusões de estabilidade”
209
.
Volto a insistir que representaria, esse fechamento estético de
uma região geográfica, na concepção de autores como Suassuna,
uma forma de proteção ao processo histórico moderno de
desagregação cultural, que segundo alguns, estaria impingindo às
culturas periféricas uma forma de desconfiguração de suas raízes.
Outrossim, reforço aqui a ideia de que o Sertão seria uma
espécie de heterotopia suassuniana, um “lugar-outro”, ao mesmo
tempo real e mítico que, segundo Ariano, deve ser salvaguardado
em nome de sua suposta “pureza cultural”, ainda não corrompida
pelas forças externas. Segundo Foucault:
[...] a ideia de conseguir acumular tudo, de criar
uma espécie de arquivo geral, o fechar num
lugar todos os tempos, épocas, formas e gostos,
205
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Trad. André Telles. Rio de Janeiro,
2004. p.9 [versão eletrônica]. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/corpoarteclinica/obra/voca.prn.pdf>. Acesso em: 23 jan 2010.
206
MOELLWALD, Branca Cabeda Egger. A “poiesis” da nação em Mia Couto. p.21 [nota de
rodapé]
207
MOELLWALD, Branca Cabeda Egger. A “poiesis” da nação em Mia Couto. p.21 [nota de
rodapé]
208
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Padua Danesi. São Paulo:
Martins Fontes, 1989. p.24.
209
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. p.36.
[91]
a ideia de construir um lugar de todos os
tempos fora do tempo e inacessível ao desgaste
que acarreta, o projecto de organizar dessa
forma uma espécie de acumulação perpétua e
indefinida de tempo num lugar imóvel, enfim,
todo esse conceito pertence à modernidade
210
.
Modernidade esta que nos legou o conceito, para alguns
ultrapassado, de Nação e dos sentimentos nacionalistas que esta
ficção chamada Estado-nação suscitaria ao incutir um sentimento de
pertencimento a um local, a um povo e a uma cultura. São essas
mesmas ideias que vemos refletidas na atitude “museológica” de
Ariano e dos folcloristas do século XIX, que buscavam fundamentar
os discursos nacionalitários no estabelecimento de um vínculo
indissociável que uniria povo e nação, vínculo que deveria
preservar: um passado imemorial; um espaço sagrado, local de
origem, morada e destino; a fonte de uma cultura que representaria
toda “atividade criadora que não se aliena, que não perde a sua cor,
e seu caráter local”
211
.
Entretanto, volto a frisar, um meio nunca é totalmente isolado
em relação aos outros meios, como querem supor alguns pensadores
essencialistas, sempre um deslizamento de um meio em relação
aos outros. Dessa forma, os meios sempre estarão abertos ao caos, e
sendo ameaçados de esgotamento ou de intrusão
212
. Ao contrário do
que insiste o pensamento suassuniano, esse lar “originário”, essa
“casa” estrutura que abrigaria supostas essências e purezas
culturais não é algo pré-dado, como se ali estivesse desde o
começo dos tempos. Assim, o “estar em-casa não preexiste: foi
preciso traçar um círculo em torno do centro frágil e incerto,
organizar um espaço limitado”
213
.
210
FOUCAULT, Michel. De outros espaços. Tradução de Pedro Moura. Virose – Arte, teoria,
prática. Disponível em: <http://www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html>.
Acesso em: 5 abr. 2010.
211
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. p.82.
212
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: vol. 4. p.119.
213
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: vol. 4. p.116.
[92]
Assim, esse espaço limitado e frágil seria ocupado pelo Sertão
na obra de Ariano Suassuna. Então, o Sertão se constituirá o
“símbolo primário”
214
de construção de toda a sua estética armorial,
e o referente de uma fictícia gênese cultural, que brotaria deste solo
rústico, pedregoso e árido, mas nem por isso infértil, pois, como
atesta Suassuna, o sertão é “ao mesmo tempo desértico, grandioso e
épico na Seca, belo, gracioso e fértil quando fecundado pelas chuvas
de inverno”
215
. É essa terra “lugar privilegiado de reunião de
contrários e por isso o mais representativo da cultura brasileira”
que fornece ao autor paraibano o “universo simbólico de pesquisa e
criação”, onde ele vislumbra uma possível “fusão de todos os mitos
que habitaram e deram força de expressão à cultura brasileira”
216
. É
Francisco Brennand que vem corroborar essa ideia:
É no aproveitamento de nossas raízes próprias,
no ambiente e no clima tropical em que
vivemos, na força rejuvenescedora, na
originalidade, na sabedoria com que saibamos
explorar a nossa própria tradição, é nessas
forças, todas conjugadas, que podemos criar
uma arte verdadeiramente brasileira, rica em
símbolos, alegorias, emblemas e mitos
217
.
Assim, nas imagens organizadoras do pensamento
suassuniano a presença de elementos paradoxais, que
dialeticamente interagem o sertão e o massapê, o bem e o mal, o
sagrado e o profano, o espiritual e o corporal, o cômico e o trágico, o
sublime e o grotesco –, num jogo de contrastes que podemos
encontrar também na arte barroca, uma das principais influências
214
Segundo Bezzera Coutinho: “Toda a cultura que nasce, se manifesta pela escolha de um
‘símbolo primário’, imagem extraída da natureza envolvente, da paisagem circundante e
que é utilizada como motivo primeiro de toda a cultura artística”. In: COUTINHO, Bezzera
apud BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. p.122-123.
215
SUASSUNA, Ariano apud DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial.
p.158.
216
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.158
217
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. p.120.
[93]
do autor. Então, essas “imagens alimentam um simbolismo mítico
onde se conjugam o tempo, o espaço e a religião”
218
. E se a
“interpretação dos símbolos é significativa da maneira pessoal de
ver o mundo”
219
, vamos encontrar na simbologia empregada por
Suassuna os elementos formadores da sua cosmovisão sertaneja.
Outrossim, para Brennand, a dimensão simbólica expressa
pela arte é de fundamental importância na constituição de um povo.
Diz ele: “Acredito que as forças espirituais de uma nação devem
orientar as ações criadoras, a elaboração de mitos, de lendas, de
utopias, de formas alegóricas e sobretudo simbólicas, que é
igualmente uma tarefa da arte”
220
. E complementa:
Para que um povo possa vir a ser efetivamente
grande é essencial que não lhe falte uma
vigorosa capacidade para a criação de símbolos
e mitos. A função simbólica e a função mítica do
espírito são forças que funcionam à
semelhança de mapas, guiando a ão humana
através da história, criando tudo aquilo que vai
sendo antecipado pela linguagem, sempre
renovada pela ação fabuladora dos artistas:
pintores, compositores e poetas
221
.
Joseph Campbell já havia alertado para a importância do mito
na elaboração artística ou de qualquer empreendimento do gênio
humano. Segundo ele:
Em todo o mundo habitado, em todas as épocas
e sob todas as circunstâncias, os mitos
humanos têm florescido; da mesma forma,
esses mitos têm sido a viva inspiração de todos
218
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.186.
219
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.186.
220
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. p.120.
221
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. p.112.
[94]
os demais produtos possíveis das atividades do
corpo e da mente humanos
222
.
Dessa forma, ao artista caberia a criação de um mundo além
da realidade imediata. No ato criador há uma apropriação do mundo
por parte do artista, um mundo que ele passa a interpretar e
representar a partir de sua capacidade metal de simbolizar. Assim,
Mais do que homo sapiens, o homem é um
animal simbólico, como definiu o filósofo
alemão Ernst Cassirer (1874-1945). Somos
seres simbólicos, e isso faz com que sejamos
capazes de inventar e criar símbolos,
ordenando e interpretando o mundo por meio
de um sistema de representação
223
.
Segundo Cornelius Castoriadis: “Tudo o que se nos apresenta,
no mundo social-histórico, está indissociavelmente entrelaçado com
o simbólico”
224
. Entretanto, ainda segundo esse autor, existe um
componente essencial no símbolo que deve ser observado: “é o
componente imaginário de todo símbolo e de todo simbolismo, em
qualquer nível que se situem”
225
. Dessa forma, para Castoriadis, “o
imaginário deve utilizar o simbólico, não somente para ‘exprimir-
se’, o que é óbvio, mas para ‘existir’, para passar do virtual a
qualquer coisa a mais”
226
. Essa afirmação é confirmada por Michel
Maffesoli: “Não é a imagem que produz o imaginário, mas o
contrário. A existência de um imaginário determina a existência de
conjuntos de imagens
227
. Um conjunto de imagens que, na
222
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Trad. Adail Ubirajara Sobral. São Paulo:
Cultrix/Pensamento, 2000. p.15.
223
MARTINS, Mirian et.al. Didática do ensino da arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e
conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. p.36.
224
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 3.ed. Trad. Guy
Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p.142.
225
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. p.154.
226
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. p.154.
227
MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. Revista Famecos, Porto Alegre, n.15,
ago. 2001. p.76.
[95]
cosmovisão sertaneja de Ariano Suassuna, irá se refletir na
configuração de um sertão telúrico e mítico. Ainda podemos
encontrar em Michel Maffesoli que, o “imaginário é algo que
ultrapassa o indivíduo, que impregna o coletivo ou, ao menos, parte
do coletivo”
228
. Dessa forma: “O imaginário é o estado de espírito de
um grupo, de um país, de um Estado-nação, de uma comunidade,
etc. O imaginário estabelece vínculo. É cimento social. Logo, se o
imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode ser
individual”
229
. Refletindo essas palavras pode-se situar todo aquele
grupo de pensadores e intelectuais que tomaram para si a tarefa de
instituir um imaginário de nação brasileira, grupo do qual Ariano
Suassuna herda sua forma de narrar a Nação. Ideal que ele leva
adiante ao lançar sua proposta de interpretação da cultura
brasileira, através do Movimento Armorial.
Os armoriais, capitaneados por Ariano Suassuna, ainda
procuram recriar os símbolos de uma suposta consciência nacional
no Sertão e na cultura popular nordestina, especificamente naqueles
elementos que, segundo eles, seriam os mais representativos dessa
cultura, pois, ainda de acordo com Brennand:
em cada sociedade humana um padrão
próprio de atividade criadora que não se
aliena, que não perde a sua cor, e seu caráter
local. Pertence ao espírito de seu povo e é,
muitas vezes, o único elemento capaz de
configurar a consciência coletiva da Nação
230
.
Assim, a citação acima espelha o mesmo tipo de ideia que
discuti na primeira parte desse trabalho os armoriais ainda
acreditam em uma cultura popular que seria o resíduo autêntico de
um povo e de uma nação, como “atividade criadora que não se
aliena” por se manter, esse tipo de manifestação, às margens do
228
MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. p.76.
229
MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. p.76.
230
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito. p.82.
[96]
processo histórico. Mas como foi salientado, esse tipo de
pensamento, que fecha a cultura em um compartimento estanque,
com a justificativa de preservá-la, produziria uma cultura
condenada à morte pois, ao tentar preservar sua suposta pureza,
estaria lhe sendo negado o diálogo com a diversidade cultural, que
possibilitaria a sua renovação e transformação, e como nos
atestou Marc Augé, as culturas “só vivem por serem capazes de se
transformar”
231
.
Entretanto, é em busca desse Sertão, berço e casa do que
representaria para ele nossa suposta essência como povo, que
Ariano Suassuna empreende sua tarefa de dizer a nação. É no Sertão
nordestino, mesmo como um resultado de um pensamento dialético
em relação ao massapê, que ele buscará os elementos que
constituiriam nossa originalidade cultural. Então, ele se atribui a
tarefa de decifrar esse solo sagrado, de lhe impor um sentido
232
.
Para Suassuna, o sertão se constituirá “a esfinge a resolver, a Onça a
domar, mesmo sabendo que essa fera, bela como seja, é hostil e
feroz e terminará por nos despedaçar com suas garras
233
.
Conforme foi mencionado aqui, “os discursos imaginários
tem acima de tudo uma ligação estreita com o mundo mítico,
particular a cada autor”
234
. E o mundo de Suassuna é o mundo
nordestino-sertanejo, este é o centro de gravidade de sua obra. É a
partir desse mundo e das imagens que ele evoca, que o escritor
paraibano vai desenvolver todo o seu trabalho como artista, como
teórico, como pensador da cultura brasileira. Para Maria Aparecida
Lopes Nogueira, “o universo suassuniano, em todas as suas
dimensões, [é] um universo fenomenal regido pela recriação e
reinvenção, pelo reencantamento dos mitos do reino do sertão”
235
.
231
AUGÉ, Marc. A guerra dos sonhos. p.25.
232
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.41.
233
SUASSUNA, Ariano apud NOGUERIA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado.
p.41.
234
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.185-186.
235
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.77.
[97]
Entretanto, o Sertão suassuniano não é o sertão real, mas um
espaço mitificado onde a realidade sertaneja, em sua “matéria
vivida”, é transfigurada em “matéria imaginada”
236
. Dessa forma,
Suassuna erige um Reino onde “o real é transfigurado em um
mundo menos cruel”
237
, institui um espaço idílico e pastoral de uma
infância remota, recomposição da presença/ausência paterna. Esse
espaço nasce na cabeça do homem Ariano e nas suas narrativas.
Utopia? Certamente um devaneio, que “idealiza ao mesmo tempo o
seu objeto e o sonhador”
238
, transformando-o numa figura
quixotesca nessa modernidade líquida.
Deleuze afirmara que, “[...] o mundo inteiro é apenas uma
virtualidade que só existe atualmente nas dobras da alma que o
expressa, alma que opera desdobras interiores pelas quais ela a
si própria uma representação do mundo incluída”
239
. O mundo
suassuniano é a representação dessa geografia imaginária urdida
pelo autor na dor, na saudade e na tradição, e “os mitos que
emergem de suas narrativas se imbricam e nos enredam nesse
sertão sonhoso”
240
.
Virtualidade e devaneio, paisagem sentimental e existencial
de uma “criança no escuro”, seja lá o que ela for, é “[n]a aspereza do
sertão pedregoso, [que] irrompe o encanto, o mistério, o divino, a
sagração e a transcendência dos homens e das coisas”
241
. É sobre
essa mitologia e simbologia suassuniana e sertaneja que me
debruçarei nas linhas que se seguem.
236
FARIAS, Sônia Lúcia Ramalho de. O sertão de José Lins do Rego e Ariano Suassuna. p.75.
237
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.201.
238
BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. p.54.
239
DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o barroco. 4.ed. Trad. Luiz B.L. Orlandi. Campinas,
SP: Papirus, 1991. p.45.
240
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.41.
241
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.147.
Uma heráldica sertaneja
Cavalo de noite, tecido de escuro,
Sem sela, sem peia, sem cilha, sem medo,
Cavalo de treva, forjado em segredo,
Marcado nas ancas do fogo mais puro [...]
SILVIO ROBERTO DE OLIVEIRA
Suassuna criou, ao longo de sua carreira, uma obra rica e
altamente simbólica. De fato, a inclinação de Suassuna para o
simbólico pode ser vista, de início, na escolha do nome que
atribuiu ao Movimento
242
do qual foi um dos mentores. Segundo o
autor:
Em nosso idioma, “armorial” é somente
substantivo. Passei a empregá-lo também com
adjetivo. Primeiro, porque é um belo nome.
Depois, porque é ligado aos esmaltes da
Heráldica, limpos, nítidos, pintados sobre metal
ou, por outro lado, esculpidos em pedra, com
animais fabulosos, cercados por folhagens, sóis,
luas e estrelas. Foi que, meio rio, meio
242
Segundo Idelette Muzart Fonseca dos Santos: “Armorial... palavra sonora, que evoca
brasões e emblemas, palavra um pouco misteriosa que provoca estranhamento e chama a
atenção”. In: SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.13.
[99]
brincando, comecei a dizer que tal poema ou tal
estandarte da Cavalhada era “armorial”, isto é,
brilhava em esmaltes puros, festivos, nítidos,
metálicos, coloridos, como uma bandeira, um
brasão ou um toque de clarim. Lembrei-me, aí,
também, das pedras armoriais dos portões e
frontadas do Barroco brasileiro, e passei a
estender o nome à Escultura com a qual
sonhava para o Nordeste. Descobri que o nome
“armorial” servia, ainda, para qualificar os
“cantares” do Romanceiro, os toques de viola e
rabeca dos Cantadores toques ásperos,
arcaicos, acerados como gumes de faca-de-
ponta, lembrando o clavicórdio e a viola-de-
arco da nossa Música barroca do século
XVIII
243
.
Assim, Suassuna cria um neologismo para identificar a arte
que defendia e defende, uma arte erudita que vai buscar na cultura
popular a fonte de sua elaboração. Segundo o próprio Ariano
justifica, a escolha de tal nome partiu primeiramente por um motivo
estético, pela própria beleza e sonoridade que a palavra inspirava. O
segundo motivo seria ligado à sua visão heráldica
244
, pois essa arte,
para o autor, no Brasil seria uma arte essencialmente popular e não
burguesa.
Segundo nos atesta Newton Júnior, futuramente, quando o
Movimento começa a ganhar mais visibilidade e conquistar mais
243
SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. Separata da Revista Pernambucana de
Desenvolvimento, Recife, v.4, n.1, p.39-64, jan./jun. 1977. Movimento Armorial: regional e
universal. Recife: Maga Multimídia, 2008. 1 CD-ROM.
244
Segundo Luiz Marque Poliano: “A palavra heráldica vem de arauto, e este do latim
heraldus, que por sua vez é originário de um primitivo germânico, herold, que significava
anunciador ou pregoeiro, e, mais modernamente, Arauto ou Rei de Armas”. A ciência ou
arte Heráldica é o conjunto de regras ou preceitos a que se subordinam os escudos de
armas em todos os seus aspectos. “Por armas se entende a apresentação, em escudo, de
peças, figuras e ornamentos constitutivos dos emblemas privativos de um Estado, de uma
corporação, de uma família ou de uma autoridade civil ou eclesiástica. Tais elementos – e
seu sentido especial e simbólico se subordinam a uma codificação de uso universal,
assim entendida e aplicada em todos os países, com pequena diferença entre eles”. In:
POLIANO, Luiz Marques. Heráldica: escritos heráldicos-genealógicos: monografia de
concurso. São Paulo: GRD; Rio de Janeiro: Instituto Municipal de Arte e Cultura, 1986. p.5.
[100]
espaço, em diversas entrevistas, ao ser questionado sobre o nome
Armorial, Suassuna, em tom de brincadeira, acrescentava um
terceiro motivo pela escolha do nome – “a curiosidade que este
desperta devido ao desconhecimento do seu significado”
245
. Assim,
em uma entrevista concedida a um jornal do Rio Grande do Sul,
quando questionado sobre a escolha do nome Armorial, o autor
afirma:
Primeiro, porque é bonito. Segundo, porque
sendo um nome estranho, o pessoal pergunta
como você: “o que é?” e ouvida a explicação,
não esquece mais. Terceiro, porque significa
esta palavra a coleção de brasões, emblemas e
bandeiras de um povo
246
.
Conforme salientei anteriormente, Suassuna enxerga na arte
heráldica brasileira uma manifestação de arte essencialmente
popular e não burguesa. Assim,
Ariano Suassuna chamava a atenção para a
existência, no Brasil, de uma rica heráldica,
presente desde os ferros de marcar bois do
Sertão nordestino aos emblemas dos clubes do
futebol das nossas cidades grandes, passando
pelas bandeiras das Cavalhadas, pelos
estandartes dos Maracatus, dos Caboclinhos ou
das Escolas de Samba
247
.
Dessa forma, podemos notar a importância da arte heráldica
na produção do autor paraibano, principalmente na sua
manifestação, conforme entrevê Suassuna, através de uma heráldica
popular brasileira, atestado pela citação anterior. Para o professor
Newton Júnior, a “ligação com essa heráldica seria um dos pontos de
245
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino: a poesia armorial de Ariano
Suassuna. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1999. p.88.
246
SUASSUNA, Ariano apud NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.88.
247
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. In: MAIA, Virgilio. Rudes
brasões: ferro e fogo das marcas avoengas. 2.ed. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2004. p.xi.
[101]
partida para a realização de uma arte nova, erudita e de caráter
brasileiro – a arte armorial”
248
.
É principalmente uma dessas manifestações em específico de
uma heráldica popular que vai chamar a atenção de Ariano
Suassuna – a que se refere aos ferros de marcar bois do Sertão
nordestino. Segundo Newton Júnior, foi a partir de uma ideia
anterior, do escritor cearense Gustavo Barroso, que Suassuna
começa a notar a existência de uma heráldica sertaneja nesses
ferros. Conforme Newton Júnior nos informa,
[Gustavo Barroso] havia constatado, na
tradição sertaneja de criar ferros novos a partir
de diferenças que os filhos acrescentavam aos
ferros dos pais, do apego a uma mesa
249
familiar, a existência de uma verdadeira
heráldica. Uma heráldica adquirida não por
mercês dos poderosos, mas forjada na luta
diária do sertanejo com a Fera-sangradora que
é o mundo
250
.
Esse tema acaba se revestindo de grande importância na
fundamentação e elaboração da arte armorial – sendo, inclusive,
uma das origens do nome do movimento, como vimos. O tema
chama tanto a atenção de Ariano, que a ele o autor dedica um livro
inteiro – Ferros do Cariri: uma heráldica sertaneja (1974).
Para Ariano, “[n]a [sua] condição de sertanejo, os ferros o
fascinavam desde menino. Primeiro, como elemento de fidelidade
familiar. Depois, na fase adulta, como assunto artístico [...]”
251
. É
Virgílio Maia quem também atesta essa fascinação que a arte de
ferrar bois acaba exercendo nos meninos sertanejos. Segundo Maia:
248
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xi.
249
Conforme Virgílio Maia, “[...] as marcas dos membros de uma mesma família, pegando
às vezes da de um trisavô, guardam, sempre, uma certa semelhança, algo em comum e
que não se modifica, por mais que sejam as diferenças adotadas. A esta base se chama, no
sertão, de caixão ou mesa da marca”. In: MAIA, Virgílio. Rudes brasões. p.37.
250
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xi.
251
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
[102]
O gesto de ferrar um boi, aquele movimento
todo, o corre-corre, os desenhos das marcas, o
cheiro do pêlo, de couro e de carne queimados,
parecem ficar indelevelmente guardados na
lembrança de quem em menino, decerto
encarapitado no gato da porteira do curral,
presenciou aquilo tudo. E aqui acolá essa
recordação aflora
252
.
E é o mesmo Virgílio Maia quem nos informa que essa atração
de Ariano pelos ferros de marcar bois do sertão nordestino já estava
presente antes mesmo da escritura desse Ferros do Cariri. Conforme
Maia, Suassuna “havia deixado entrever, naquele continente do
universo cultural brasileiro que é A Pedra do Reino, sua atávica
lembrança das marcas de gado”
253
. Isso se deu no romance em duas
passagens. Primeiro quando o seu narrador, Dom Pedro Diniz
Ferreira-Quaderna, o Decifrador, vai comparecer diante do juiz-
inquisidor para realizar o seu depoimento, justamente na descrição
do traje com o qual o narrador comparece na dita sessão: “[...] minha
calça parda, minha camisa gandola de cor caqui e bordada nas
mangas com os ferros dos Quadernas [...]”
254
. Depois, no desenho
da bandeira da onça, que aparece no “Folheto LI O crime
indecifrável”. No centro dessa bandeira está a figura emblemática da
onça, cercada nos quatros cantos do retângulo que a constitui, pelos
ferros dos Garcia-Barreto e dos Ferreira-Quadernas (Figura 2).
252
MAIA, Virgilio. Rudes brasões. p.19.
253
MAIA, Virgilio. Rudes brasões. p.20.
254
SUASSUNA, Ariano apud MAIA, Virgilio. Rudes brasões. p.21. [grifo meu]
[103]
Figura
2
Bandeira da Onça. Em cada canto da bandeira, os ferros formados a partir das
iniciais do nome das duas famílias Garcia-Barreto e Ferreira-Quaderna.
Ainda em relação ao livro escrito por Ariano Suassuna a partir
das marcas de ferrar bois, Newton Júnior comenta a excelência
dessa publicação:
O livro de Suassuna, escrito a primor,
revelando a mestria de quem já criara obras
como Auto da Compadecida e Romance d’A
Pedra do Reino, além de introduzir o leitor no
universo dos ferros (levantando considerações,
ainda, sobre os sinais de corte nas orelhas do
gado, usados atualmente apenas nas miunças
ovelhas, cabras e porcos), registra o quanto as
marcas de ferros podem servir de Fonte-do-
[104]
Cavalo
255
para diversos trabalhos no campo das
Artes Plásticas
256
.
Podemos concluir dessas palavras de Newton Júnior, que
Suassuna via nesses ferros e suas formas enigmáticas, uma das
fontes de inspiração para a elaboração das artes armoriais, pois:
Do mesmo modo que ferros novos surgem a
partir das diferenças apostas a um ferro
anterior, os artistas poderiam basear-se no rico
acervo de desenhos e sinais enigmáticos dos
ferros para criar novas formas, no campo da
Gravura, da Pintura e das Artes Gráficas, de
uma maneira geral
257
.
Vislumbrava também Suassuna, no desenho desses ferros um
legado dos antepassados dos homens que habitavam aquela região
sertaneja, constituindo-se, desse modo, o vestígio de uma
ancestralidade que se perderia na noite dos tempos. Logo,
Estariam assim provavelmente, vinculando-se
a uma herança anterior à chegada dos
europeus, já que as origens de alguns desses
sinais podem muito bem estar associadas às
insígnias que os nossos mais remotos
antepassados pintaram e insculpiram, nas
itaquatiaras
258
que os sertanejos vão encontrar
tempos depois, Sertão adentro
259
.
255
Referência à fonte de Hipocrene, ou Fonte de Cavalo. Na mitologia grega essa fonte
jorrava do monte Hélicón, e era consagrada às musas. É consagrada pelos poetas como
símbolo de inspiração.
256
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
257
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
258
De acordo com o Dicionário Eletrônicos Houaiss, itaquatiara é uma “pedra pintada ou
em que foram talhadas inscrições, desenhos rupestres (incisos, esculpidos ou
simplesmente pintados), us. no passado pelos indígenas como sinais de orientação,
registros indicativos de migrações ou de recursos encontráveis no lugar, e que revelam a
existência de uma pictografia autóctone americana”.
259
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
[105]
Isto posto, essa visão só vem reforçar ainda mais o caráter, ao
mesmo tempo histórico e mítico, que Suassuna tenta conferir ao
Sertão nordestino, atribuindo-lhe uma origem quase edênica.
A importância que Suassuna atribuiu ao tema dos ferros de
marcar, ao escrever o livro Ferros do Cariri, também pode ser visto
no esmero da sua concepção enquanto um “objeto ligado às Artes
Gráficas”
260
. Segundo nos atesta Newton Júnior: “Não se trata de um
livro convencional, e sim de um álbum, veiculado numa caixa
forrada com tecido, um verdadeiro livro-de-arte [...]”
261
. Igualmente,
os ferros de marcar ocupam uma visibilidade e um espaço
privilegiados dentro da obra, encontrando-se “presentes do início
ao fim, da capa ao miolo, das bordas das folhas à subdivisão do
texto”
262
. Na ocasião do lançamento desse livro, Olívio Tavares de
Araújo, escrevendo para a revista Veja (4/9/1974), confirma que a
publicação do referido livro, realizado pela editora Guariba (uma
editora de arte recém-criada, na época, em Pernambuco) resultou
em “uma cuidada, quase luxuosa edição”. Araújo descreve assim a
publicação: “O texto vem impresso em papel importado, em duas
cores, com várias ilustrações paralelas, desenhadas pelo autor. E há,
no fim, pranchas avulsas, que reproduzem, em prensa manual, com
originais xilográficos, algumas das marcas mais sugestivas”.
Entretanto, conforme a opinião desse comentarista, embora a
pesquisa realizada por Suassuna tenha sido válida, o preço com que
foi comercializado esse álbum acabou se constituindo “num
requinte não muito acessível”
263
.
Virgílio Maia também nos desenhos dos ferros de marcar
uma forma de arte. Segundo esse estudioso:
260
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
261
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
262
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
263
A revista Veja assim descrevia a publicação na época: “FERROS DE CARARIRI: UMA
HERÁLDICA SERTANEJA, de Ariano Suassuna; Guariba; álbum com 16 páginas de texto e
10 pranchas com reproduções; 600 cruzeiros”. In: ARAÚJO, Olívio Tavares de. Design
primitivo. Veja, n.313, 4 set. 1974. p.98.
[106]
O desenho da marca pode ser qualquer coisa,
as letras iniciais do nome da pessoa, um
número, um desenho sem maior sentido, um
hieróglifo, um caju com castanha e tudo ou uma
runa, um símbolo astrológico, até. Mas sua
plasticidade chega, com não pouca freqüência,
ao artístico
264
.
Também é nessa obra Ferros do Cariri que Ariano faz uso do
que ele chama alfabeto sertanejo, que seria utilizado posteriormente
pelo autor em muitos outros trabalhos, entre eles as
iluminogravuras e estilogravuras, conforme veremos adiante.
Segundo Newton Júnior, Suassuna criou esse alfabeto “a partir dos
ferros pesquisados no livro-diário de um seu parente do século XIX,
que tinha o costume de desenhar os ferros de cada boi que
comprava”
265
. Outro item que chama a atenção, segundo Newton
Júnior, refere-se a própria capa do álbum. Esta também é
diferenciada, sendo “marcada com o ferro dos Suassunas, ferro do
bisavô paterno de Ariano, usado depois por seu avô e eu pai, sem
nenhuma diferenciação”
266
. Ariano também utilizará esse
expediente muitas vezes nas suas obras subsequentes em vez de
assiná-las com a tradicional caligrafia, marcará seus trabalhos
(tapetes, pinturas e gravuras), com o ferro dos seus antepassados.
Esse gesto também será imitado futuramente por muitos dos
artistas ligados ao Movimento Armorial
267
.
264
MAIA, Virgilio. Rudes brasões. p.29.
265
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
266
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xii.
267
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma heráldica de rudes brasões. p.xiv.
[107]
Figuras 3 e 4 As figuras acima mostram: (D) o alfabeto sertanejo ou alfabeto armorial,
criado por Ariano Suassuna a partir dos ferros de marcar do sertão nordestino; (E) o
ferro de marcar dos Suassunas, usado em muitas obras do autor como substituto da
assinatura de autoria.
Assim, as marcas não são usadas apenas para ferrar os
animais. Acabam por se constituir uma forma de assinatura entre os
sertanejos, torna-se a “marca um sinal de propriedade”
268
. E
segundo nos atesta Virgílio Maia, ferram-se de tudo no sertão:
Mas não se ferra tão-somente o gado. O sopesar
do ferro candente na mão uma vontade
danada de experimentá-lo em outras coisas,
num pedaço de tábua, por exemplo. Ou numa
de sola. E assim se fazia e se faz, “pois o ferro
do cidadão tanto tinha valia em papel como em
couro de bicho, móveis, queijos de manteiga,
fôrmas de rapadura, arreios, panos,
chocalhos...”
Não se imprime o ferro quente apenas sobre o
couro dos bichos, ferram-se muitas outras
coisas, ferra-se de um tudo
269
.
Isto posto, essa visão de uma forma heráldica popular, como a
vislumbrada por Suassuna nos ferros de marcar, ou nos distintivos
268
MAIA, Virgilio. Rudes brasões. p.25.
269
MAIA, Virgilio. Rudes brasões. p.28.
[108]
dos clubes de futebol e nos estandartes das escolas de samba e de
cavalhada revestir-se-á em uma dimensão de grande importância
dentro da obra do autor paraibano. Também no livro dos Ferros do
Cariri se pode entrever a preocupação de Suassuna em realizar a
fusão de diversos gêneros artísticos num só, o que será uma das
marcas principais do Armorial, conforme veremos a seguir.
Ainda poderíamos relacionar os desenhos emblemáticos dos
ferros de marcar bois, que funcionam como meio arcaico de indicar
a propriedade, a posse de determinando animal ou objeto, como
possuidores de uma ur-forma de algumas das moderníssimas
marcas das mercadorias industriais. Encontramos essas marcas
estampadas nos logotipos das grifes de alta costura, de roupas e de
sapatos, bem como de automóveis e materiais esportivos (Figura 5).
Também Olívio Tavares de Araújo observara, em relação aos
Ferros do Cariri: “Mais curioso, entretanto, é que o trabalho de
Suassuna demonstra o quanto parece haver de uma espécie de
design primitivo nessa arte nordestina e cruel”
270
.
Figura 5 Logotipos de grifes famosas. As montadoras de automóveis: Honda,
Volkswagen e Rolls-Royce, na parte superior; logo abaixo, as empresa de vestuário e
acessórios: Louis Vuitton, Giorgio Armani e Chanel S.A.
270
ARAÚJO, Olívio Tavares de. Design primitivo. Veja, n.313, 4 set. 1974. p.98. [grifo meu]
[109]
Igualmente, essa aproximação entre os “extremos do arcaico e
do moderno”
271
, havia sido apontado por Ana Luiza Andrade em
relação ao uso do ferro, em Outros perfis de Gilberto Freyre. Segundo
Ana Luiza, quando esse material é “superado por outros tipos de
materiais, descontinua-se em seu uso, para ser recuperado mais
tarde em outras variedades estéticas”
272
. A ironia, no entanto, está
no fato de que, as novas tecnologias, ao fazerem o resgate do uso
desse material, acabarão por “imitarem as velhas formas que
estavam destinadas a suplantar [...]”
273
. Assim, segundo nos relata a
autora: “o ferro recém-processado pela forja, usado para ornamento
e não para apoio estrutural, tinha a forma orgânica e arredondada
das folhas naturais, como exemplifica o seu uso doméstico
decorativo e funcional, em maçanetas, cinzeiros, corrimões de
escadas [...]”
274
.
Também Susan Buck-Morss, lendo Walter Benjamin, havia
apontado essa analogia das formas naturais que retornam nos
produtos industrializados da cultura de massa. Segundo Buck-
Morss, “a natureza, antecipando as formas da tecnologia humana,
tem sido nossa aliada durante todo o tempo!”
275
. Conforme cita essa
autora: “Ur-formas de arte sim, com certeza. Mas o que mais estas
podem ser senão ur-formas da natureza? Formas, quer dizer, que
nunca foram um modelo para a arte, mas desde o começo, ur-
formas ativas em tudo o que é criativo”
276
.
271
BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar. p.186.
272
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.137
273
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.137
274
ANDRADE, Ana Luiza. Outros perfis de Gilberto Freyre. p.137
275
BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar. p.195.
276
Apud BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar. p.199.
O espírito mágico dos folhetos
A expressão popular,
Riqueza da humanidade,
Mantida através dos tempos,
N’áurea da simplicidade,
Contudo os grandes sábios
Vêem nela grandiosidade.
Um dos grandes defensores
Deste saber popular,
Ariano Suassuna,
Vate, nobre, salutar,
Hoje aqui neste cordel,
Quero homenagear.
FRANCISCO DINIZ
277
O simbolismo na obra de Ariano Suassuna pode ser
encontrado tanto nas peças teatrais, como em sua poesia (ainda
pouco conhecida), bem como, mais recentemente, nas
iluminogravuras e nas estilogravuras, sendo que sobre estas tratarei
mais adiante. O que interessa ressaltar no momento é que, nesses
trabalhos, revela-se toda a faceta do Ariano Suassuna artista
277
Parte do texto Suassuna em Cordel, de autoria de Francisco Diniz. Disponível em:
<http://www.tonomundo.org.br/upload/opara/docs/Suassuna%20em%20Cordel.doc>.
Acesso em: 10 mar. 2009.
[111]
plástico. É nessas obras que Ariano alia seus dotes de escritor e
poeta ao de gravador e pintor, ao criar um trabalho único e original
no qual o autor cria “textos verbo-visuais que unem poema e
imagem”
278
. Também se constitui essa uma das marcas recorrentes
do Armorial, em todas as suas vertentes artísticas “o pensar por
imagens”
279
.
Essa ligação entre texto e imagem pode ser encontrada nos
folhetos de cordel, sendo que estes se constituem, de acordo com
Ligia Vassallo a “bandeira armorial” por excelência. Como nos faz
ver essa autora, a escolha do folheto de cordel como ponto de
convergência para a arte armorial se deu pelo fato do folheto reunir,
em sua concepção, “três setores normalmente separados: o literário,
teatral e poético dos versos e narrativas; o das artes plásticas em
associação com as xilogravuras da capa do folheto; o musical dos
cantos e músicas que acompanham a leitura ou a recitação do
texto”
280
. Assim, na conceituação do movimento, Ariano
salientava a importância do folheto de cordel dentro Movimento
Armorial. Dessa forma, para o autor paraibano,
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem
como traço comum principal a ligação com o
espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro
Popular do Nordeste (Literatura de Cordel),
com a Música de viola, rabeca ou pífano que
acompanha seus “cantares”, e com a
Xilogravura que ilustra suas capas, assim como
o espírito e a forma das Artes e espetáculos
278
CAMPOS, Maria Inês Batista. Iluminogravuras de Suassuna: cartografia com letra e
pincel. In: MICHELETTI, Guaraciaba (org.). Discurso e memória em Ariano Suassuna. São
Paulo: Paulistana, 2007. p.123.
279
BRITO, Sônia Maria Prieto Romolo. A reconfiguração do mito sebastianista no
“Romance d’A Pedra do Reino”. Tese (Doutorado em Teoria Literária) – Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2004. p.166.
280
VASSALLO, Ligia. O grande teatro do mundo. Cadernos de Literatura, Instituto Moreira
Salles, São Paulo, n.10, nov.2000. p.148.
[112]
populares com esse mesmo Romanceiro
relacionados
281
.
Outrossim, quanto à sua denominação, ao invés de Literatura
de cordel
282
, Suassuna prefere a forma Romanceiro Popular do
Nordeste, por ser esse nome mais representativo da herança do
romanceiro medieval ibérico que lhe deu origem, e que foi
absorvido por nossa cultura. Esse termo também abrangeria “a
oralidade, aspecto típico dos cantadores brasileiros (cujas histórias,
ou romances, muitas vezes são impressos no formato de
folhetos)”
283
.
Para o estudioso Jesús Martín-Barbero, foi a literatura de
cordel que marcou a passagem do oral para o escrito. Segundo o
autor, foi essa literatura que, “ausente por inteiro das bibliotecas e
livrarias de seu tempo, foi contudo a que tornou possível para as
classes populares o trânsito do oral ao escrito, e na qual se produz a
transformação do folclórico em popular
284
. Martín-Barbero
esclarece que, essas literaturas, “chamada na Espanha de cordel e na
França de colportage”, foram as mesmas que
inauguraram uma outra função para a
linguagem: a daqueles que, sem saber escrever,
sabem contudo ler. Escritura portanto
281
SUASSUNA, Ariano apud SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética
popular. p.13.
282
Não existe, contudo, uma denominação única para o que os estudos acadêmicos
brasileiros chamaram e difundiram com o nome de literatura de cordel. Segundo a
estudiosa Ana Maria de Oliveira Galvão, embora a maior parte da população da região
nordestina reconheça essa denominação, ela não é utilizada por eles. Segundo Galvão:
“Folheto, para os mais finos, e romance, para aqueles que tinham um número maior de
páginas, eram, efetivamente, as maneiras pelas quais os poemas impressos eram
conhecidos”. Segundo a mesma autora: “A denominação ‘literatura de cordel’ foi atribuída
aos folhetos brasileiros, pelos estudiosos, a partir de um tipo de literatura semelhante
encontrada em Portugal. Câmara Cascudo (1988) situa na década de 60 a difusão dessa
denominação no país para se referir aos ‘folhetos impressos’ no território brasileiro, até
então somente utilizada no caso português”. In: GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Cordel:
leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.27.
283
SUASSUNA, Ariano apud SZESZ, Christiane Marques. Uma história intelectual de Ariano
Suassuna. p.41.
284
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.148-149.
[113]
paradoxal, escritura com estrutura oral. E isso
não por estar em boa parte escrita em verso,
pois transcreve canções e romances, coplas e
refrões, mas também porque está
sociologicamente destinada a ser lida em voz
alta, coletivamente
285
.
É o mesmo autor que descreve:
Ainda nas aldeias mais remotas alguém que
sabe ler, e ao anoitecer, quando retornam as
pessoas dos trabalhos no campo, homens e
mulheres, menores e adultos se reúnem junto
ao fogo para escutar aquele que em voz alta,
enquanto as mulheres remendam ou tecem e
os homens limpam ferramentas de trabalho
286
.
Desse modo, a transmissão da literatura de cordel ainda é
eminentemente oral, pois ainda o público que dominava a língua
escrita era bem restrito no período, como foi apontado por Martín-
Barbero. Nesta época, muitos ainda procediam como faz saber o
sociólogo espanhol: “os rudes lavradores anarquistas da Andaluzia
[por exemplo] comprovam o jornal mesmo sem saberem ler, para
que alguém os lesse para sua família”
287
. Tratava-se, então, de uma
“leitura oral ou auditiva”, porém “muito distinta da leitura silenciosa
do letrado [...]
288
.
Conteria em si, a literatura de cordel, o germe do que
representaria o romance no período moderno, através da morte de
uma forma de narrar? Segundo nos fez ver Walter Benjamin, no
ensaio “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”,
a forma tradicional de narrativa estaria em vias de extinção. Para
Benjamin, as narrativas escritas seriam responsáveis pela perda de
uma das faculdades que parecia (para o pensador alemão) segura e
285
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.149.
286
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.153.
287
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.154.
288
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.154.
[114]
inalienável – “a faculdade de intercambiar experiências”
289
. Segundo
esse pensador, o narrador tradicional tiraria da experiência o que
ele conta, a “origem do romance é o indivíduo isolado, que não
pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais
importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los”
290
.
Conforme esclarece Benjamin:
O que distingue o romance de todas as outras
formas de prosa contos de fada, lendas e
mesmo novelas – é que ele nem procede da
tradição oral nem a alimenta. Ele se distingue,
especialmente, da narrativa. O narrador retira
da experiência o que ele conta: sua própria
experiência ou a relatada pelos outros. E
incorpora as coisas narradas à experiência dos
ouvintes. O romancista segrega-se
291
.
Assim, “os homens já não contam mais histórias que emergem
de suas entranhas”
292
. O saber transmitido pelos anciãos não
constitui mais o modelo a ser seguido, perdeu a sua importância.
O que importa hoje é a novidade fugaz e momentânea. Dessa forma,
“o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a
informação sobre acontecimentos próximos”
293
. Para Benjamin: “O
saber, que vinha de longe do longe espacial das terras estranhas,
ou do longe temporal contido na tradição –, dispunha de uma
autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela
experiência. Mas a informação aspira a uma verificação imediata”
294
.
Hoje a “aventura está no cinema, na televisão, no vídeo, na
técnica”
295
, ela nos chega mastigada, pronta para o consumo “os
289
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.198.
290
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.201.
291
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.201.
292
OLIVEIRA, Wilton Fred Cardoso. Imaginários de nação no romance brasileiro
contemporâneo. p.12.
293
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.202.
294
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.202-203.
295
OLIVEIRA, Wilton Fred Cardoso. Imaginários de nação no romance brasileiro
contemporâneo. p.13.
[115]
fatos nos chegam acompanhados de explicações”
296
. E para
Benjamin: “Metade da arte narrativa está em evitar explicações”
297
.
Logo, os aventureiros de outros tempos foram substituídos pelos
homens sedentários de nossa época:
Findaram os viajantes que vinham de longe e
traziam em suas retinas o phaós de suas
aventuras: daquilo que vislumbraram os seus
sentidos e seu coração, contando as ouvintes
suas façanhas ou “Odisséias”, atribuindo ao
conto um ar fantástico, heroicizando-se diante
de suas narrativas
298
.
Entretanto, como ressalta Walter Benjamin: “Quem escuta
uma história está em companhia do narrador; mesmo quem a lê
partilha dessa companhia. Mas o leitor de um romance é
solitário”
299
. Assim, a literatura de cordel pode ser vista como uma
fase de passagem entre um mundo no qual as narrativas
tradicionais ainda tinham espaço, através da leitura coletiva, como
nos fez ver Martín-Barbero (sendo que nesse tipo de leitura ainda
para ver a presença de um narrador que partilha a sua
companhia com os ouvintes), e o mundo da leitura silenciosa e
solitário, que viria com o surgimento do romance burguês (e sua
consequente perda de uma experiência compartilhada).
Ainda no que concerne à literatura de cordel, Márcia Abreu,
no livro Histórias de cordéis e folhetos, faz saber que a chamada
literatura de cordel, na sua forma de divulgação de textos dos mais
variados gêneros, está presente em várias e diferentes culturas,
podendo ser encontrada em “publicações similares em quase todos
os países europeus basta que se pense nos chapbooks ingleses, na
littérature de colportage francesa, nos pliegos sueltos espanhóis
296
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.203.
297
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.203.
298
OLIVEIRA, Wilton Fred Cardoso. Imaginários de nação no romance brasileiro
contemporâneo. p.12.
299
BENJAMIN, Walter. O narrador. p.213.
[116]
etc.”
300
. Segundo a autora, a designação dessa literatura como sendo
de cordel “prende-se ao fato de os folhetos serem expostos ao
público pendurados em cordéis”
301
. Dessa forma, para Martín-
Barbero, o cordel assinala[ria] o modo de difusão”
302
desses textos
que eram comercializados nas praças e feiras públicas. Segundo
Martín-Barbero, diferentemente do livro, e de forma similar ao
periódico, temos um meio que vai buscar seus leitores diretamente
nas ruas
303
. Essas palavras subentendem que, incipientemente,
poderíamos enxergar nos meios de produção e divulgação do cordel
o germe de um empreendimento voltado ao mercado e ao consumo,
tão característico de nossa época. Dessa forma, a comercialização do
cordel apresentava vários expedientes que objetivavam atrair a
atenção do público. Assim, essa literatura “apresenta uma feitura na
qual o título é reclame e motivação, publicidade; segue-se ao título
um resumo que proporciona ao leitor as chaves do argumento ou as
utilidades a que se presta, e uma gravura que explora a ‘magia’
das imagens
304
. Em relação a esse uso de imagens, Martín-Barbero
declara: as “imagens foram desde a Idade Média o ‘livro dos pobres’,
o texto em que as massas aprenderam uma história e uma visão do
mundo”
305
.
Por conseguinte, essa forma de incorporar imagens e texto,
como o faz a literatura de cordel, pode ser visível também, nos
chamados livros de emblemas. Esses eram “coletâneas de lemas e
provérbios acompanhados de imagens” sendo “difundidas entre o
público culto na Europa do século XVI e principalmente do século
XVII”
306
. Segundo Carlo Ginzburg, “os livros de emblemas, como se
300
ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas, SP: Mercado das Letras:
Associação de Leitura do Brasil, 2006. (Coleção Histórias de Leitura). p.23.
301
ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. p.19.
302
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.151.
303
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.151.
304
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.151. [grifo meu]
305
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.158.
306
GINZBURG, Carlo. O alto e o baixo: o tema do conhecimento proibido nos séculos XVI e
XVII. In: _______. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Trad. Federico Carotti. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.100.
[117]
centravam em imagens, podiam transpor facilmente as fronteiras
lingüísticas, mesmo quando não eram escritos numa língua
internacional como o latim”
307
. Segundo nos mostra Alfredo Grieco,
o “livro de emblema trazia uma abundância de imagens. Cada página
tinha uma ilustração, e algumas vezes até mais, impressas por
pequenas xilogravuras de grande requinte formal e visual”
308
. Para
o estudioso, este foi o período na Europa em que
a arte da xilogravura atingia um ponto alto, e
livros bem pequenos podiam conter ilustrações
feitas por matrizes de apenas seis centímetros,
como é o caso do livro Imagines Mortis (mais
conhecido como A Dança da Morte), ilustrado
por Hans Holbein, um dos melhores exemplos
da técnica de trabalhar a madeira com imagens
em miniatura
309
.
Ainda segundo Grieco, “os emblemas ainda jogam luz sobre a
história da produção gráfica e do livro, sobre a criação e utilização
das alegorias, e sobre a questão lingüística da relação entre palavra
e imagem”
310
. Conforme este autor, é nessa época e nessas
sociedades em que surgem os livros de emblemas, “que o visual,
significativamente, começa a participar do dia-a-dia do cidadão”, o
que poderia ser encarado “como uma espécie de antecipação da
expressão contemporânea audiovisual”
311
.
307
GINZBURG, Carlo. O alto e o baixo: o tema do conhecimento proibido nos séculos XVI e
XVII. p.103.
308
GRIECO, Alfredo. Livros de emblemas: pequeno roteiro de Alciate à “Iconologia” de
Cesare Ripa. Alceu, v.3, n.6, jan/jun. 2003, p.72-92. Disponível em:
<http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n6_Grieco.pdf>. Acesso em:
26 out. 2007. p.81.
309
GRIECO, Alfredo. Livros de emblemas: pequeno roteiro de Alciate à “Iconologia” de
Cesare Ripa. p.81.
310
GRIECO, Alfredo. Livros de emblemas: pequeno roteiro de Alciate à “Iconologia” de
Cesare Ripa. p.81.
311
GRIECO, Alfredo. Livros de emblemas: pequeno roteiro de Alciate à “Iconologia” de
Cesare Ripa. p.89 e 82, respectivamente.
[118]
Em relação à xilogravura
312
, Franklin Maxado localiza o seu
uso entre os monges medievais. Segundo o autor, esses monges
“imprimiam estampas de santos, utilizando a técnica da
xilogravura”
313
. Ainda segundo nos relata o autor: “Algumas dessas
estampas continham um pequeno texto. Na Alemanha, essas
reproduções eram chamadas de heiligen. Proliferaram bastante
entre as massas analfabetas da Europa, muito antes de 1423, data
da xilogravura mais antiga que se conhece”
314
. Igualmente, é
Maxado que nos mostra que é um erro identificar a invenção de
Gutenberg, a imprensa, com a invenção dos tipos móveis. Segundo o
autor: “Esses existiam, feitos de madeira, para imprimir letras,
números e outros caracteres sobre diferentes materiais. Ou, para
estampar tecidos”
315
. Dessa forma: “Antes, havia livros impressos
por processo tabular ou xilográfico, como a “bíblia dos pobres”, que
eram impressas em pranchas de madeira, gravadas com letras,
números e figuras em alto-relevos”
316
.
Também Walter Benjamin assinalava, no ensaio sobre “A
obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, a importância
da xilogravura como forma de reprodução do desenho. Segundo
Benjamin, com “a xilogravura, o desenho tornou-se pela primeira
vez tecnicamente reprodutível”
317
, antes mesmo que a imprensa
fizesse o mesmo em relação à escrita. Ainda de acordo com
Benjamin, “à xilogravura, na Idade Média, seguem-se a estampa na
chapa de cobre e a água-forte, assim como a litografia, no início do
século XIX”
318
. Martín-Barbero corrobora o enunciado por Benjamin
e acrescenta:
312
Segundo Franklin Maxado: “A denominação do processo veio do grego: xylon
(madeira) e graphein (escrever)”. In: MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações.
Rio de Janeiro: Codecri, 1982. p.19.
313
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.19.
314
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.19.
315
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.19.
316
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.19.
317
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. p.166.
318
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. p.166.
[119]
no século XVI, porém mais claramente a
partir do XVII, a reprodução de imagens sofre
uma forte transformação. Da xilografia, que
permitia a impressão de cerca de 400 folhas
por matriz, passa-se à água-forte, que, ao usar
soluções de ácido nítrico sobre pranchas de
cobre, permite texturas não mais nítidas
como também variadas e um aumento
considerável de folhas por pranchas. Ao mesmo
tempo a produção, ainda artesanal, se
aproxima da indústria mediante uma
especialização das funções: o desenhista, o
iluminador, o gravador, o impressor
319
.
Figura
6
Fac
-
símile
do
E
mblema 38, de Hermann Hugo
,
onde se vê o
corpo
a imagem
,
o mote em latim - Infelix ego homo, quis me liberabit de corpore mortis huius (Infeliz de
mim! Quem me libertará deste corpo de morte? (Romanos 7, 24) –, e a alma o texto
epigramático – que, neste emblema, estende-se por dez páginas.
319
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. p.159.
[120]
Dessa forma, esse processo de “ilustrar a vida cotidiana” vai
desenvolver-se tecnicamente até chegar à fotografia, quando, “pela
primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi
liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que
agora cabiam unicamente ao olho”
320
.
Como foi mencionado, o folheto de cordel ocupa uma
posição de destaque dentro da estética armorial. Assim, a
importância do cordel na obra do autor do Auto da Compadecida
pode ser notada principalmente a partir d’ Romance d’A Pedra do
Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971). É, pois, nesse
romance que Ariano une, pela primeira vez, seu talento literário ao
de gravurista, ao realizar todas as ilustrações do livro. Este era um
sonho antigo do autor, e uma das prerrogativas que já fazia parte da
proposta do Movimento Armorial. O movimento desde início buscou
essa fusão,
unir o texto literário e a imagem num
emblema, para que a Literatura, a Tapeçaria, a
Gravura, a Cerâmica e a Escultura falem, todas,
através de imagens concretas, firmes e
brilhantes, verdadeiras insígnias das coisas.
Insígnias de qualquer maneira desenhadas,
gravadas e iluminadas – sobre superfícies de
pedra, de barro-queimado, de tecido, de couro,
de áspero papel, ou, então, modeladas pela
forma e pela imagem da palavra
321
.
Essa “complementaridade entre as disciplinas artísticas”
322
também pode ser encontrada num depoimento de Suassuna de
1973, quando a ele foi solicitado uma definição do que seria a
pintura armorial. Segundo Idelette Fonseca, Ariano definiu tal
pintura “a partir de três elementos essenciais da estética
320
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. p.167.
321
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma autobiografia poética. In: SUASSUNA, Ariano.
Iluminogravuras. Recife: SESC, 2000.
322
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.56.
[121]
armorial”
323
, que também constitui em si uma síntese de todos os
elementos que o autor procurará imprimir em sua obra:
a) o parentesco com o espírito mágico e poético
do romanceiro, das xilogravuras e da música
sertaneja;
b) a semelhança com os brasões, bandeiras e
estandartes dos espetáculos populares, ou seja,
a dimensão emblemática e heráldica;
c) a complementaridade das disciplinas
artísticas, que – como a poesia, a música e a
gravura se encontram e se interpenetram no
folheto – devem manter estreitas e contínuas
inter-relações: a pintura com a cerâmica e a
tapeçaria, a arquitetura com a pintura e a
cerâmica, a gravura com a pintura e a escultura
etc.
324
Assim, para Idelette Fonseca: “No folheto de cordel, como
foi dito, imagem e palavra estão em estreita correlação e participam
de um mesmo conjunto, perfazendo uma mesma unidade poética”. E
a autora esclarece mais adiante que é “a partir desta relação que
podem ser compreendidos os intercâmbios entre escritura e
imagem na literatura armorial [...]”
325
. Também na visão de Idelette
Fonseca, é n’O Romance de Pedra do Reino, onde as “relações entre
texto literário e imagem” na obra suassuniana se configuram da
forma mais representativa. Assim, por influência direta do cordel, a
estruturação dessa obra não se faz em capítulos, mas em folhetos,
como naquela literatura, sendo também todo o livro entremeado de
gravuras inspiradas nas xilogravuras dos folhetos.
Em relação ao material iconográfico contido n’O Romance da
Pedra do Reino, vale colocar algumas considerações. Assim, segundo
Idelette Muzart, o que chama a atenção nesse trabalho é o número e
as dimensões das ilustrações “26 gravuras, entre as quais 21
323
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.56.
324
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.56.
325
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.213.
[122]
ocupam uma página inteira, e sete vinhetas, reproduções reduzidas
das gravuras, apresentadas fora do texto”
326
. Importante também é
a simbologia presente nas ilustrações dessa obra, síntese de todos
os elementos que compõem o universo armorial de Ariano
Suassuna. Não é sem motivo que o próprio Suassuna considera essa
obra, sua maior realização no campo artístico. Assim, a presença
do
[...] popular, em primeiro lugar, através das
bandeiras das festas e procissões religiosas,
com suas cores brilhantes, cuidadosamente
descritas pelo narrador, e reproduzidas em
preto-e-branco; através da própria xilografia,
que é considerada aqui não como simples
técnica ilustrativa ou modelo poético, mas
como objeto em si. A dimensão heráldica,
tradicional nas descrições em linguagem
codificada dos escudos e bandeiras, aparece
“nordestinada” no caso das marcas de animais.
O elemento astrológico e, finalmente, o tarô
unem a simbólica e até mesmo o hermetismo
da heráldica e da astrologia à imagem popular
e familiar dos naipes do baralho
327
.
Ainda como ressalta Idelette Muzart, na maioria das vezes
A ilustração de obras literárias é geralmente
concebida como reforço, complemento ou
suplemento do texto, ornamento do livro que
uma nova edição, do tipo econômica ou de
bolso, poderá suprimir sem contudo mutilar o
texto, sem modificar a sua significação
328
.
Não é o que acontece na obra de Suassuna. Nela, a imagem
estabelece uma relação direta com o enunciado textual, pelo menos
no que se refere ao romance considerado. Dessa forma, a “ilustração
326
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.217-218.
327
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.218.
328
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.217.
[123]
suassuniana elabora-se a partir da gravura popular, num jogo em
que texto e imagem vão se construindo reciprocamente, numa troca
permanente de referências e reflexos”
329
. (Contudo, vale ressaltar
que, como veremos mais adiante, em relação ao segundo álbum de
iluminogravuras lançado por Suassuna, nem sempre as imagens
coincidem ou remetem ao texto do poema.)
Idelette Muzart ainda trata dessa correlação da imagem com o
texto na literatura de folheto. Segundo a autora, nessa literatura
muitas vezes a imagem também se constitui um mero acessório, não
tendo relação com a história narrada. Assim, segundo Idelette
Muzart: “[...] na literatura de folheto, a imagem não é sentida como
parte integrante do texto, como o comprovam numerosos folhetos
que, por motivos de economia, reutilizam xilogravuras antigas,
concebidas para outros textos [...]”
330
.
Para Franklin Maxado, a literatura de folheto passou a fazer
uso de imagens como uma forma de atrair o público. Na opinião do
autor, na exibição que era realizada em praça pública e em feiras
livres, os impressos chamavam atenção de formamais apelativa
com a ilustração xilográfica de partes, cenas, figuras ou lugares do
texto”
331
. Contudo, como foi dito, por uma questão de economia
na hora da impressão, muitas dessas imagens passaram a ser
reaproveitadas, sendo deslocadas dos seus textos de origem para
ilustrar outros, que muitas vezes não tinham qualquer relação com a
temática do primeiro. Outrossim, como faz notar Idelette Muzart:
Lembramos que a xilogravura não é senão uma
das possíveis ilustrações do folheto, e sua
quase generalização é recente. Nos folhetos
anteriores a 1940-1950, as capas eram
geralmente ornamentadas, com desenhos,
vinhetas, fotografias de atores famosos ou
329
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.219.
330
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.217.
331
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.20.
[124]
reproduções de cartões postais com
personagens
332
.
Em relação à ilustração dos folhetos brasileiros, algumas
hipóteses são levantadas. Assim, “os que acham que foram
usadas xilogravuras na capa” dos primeiros folhetos impressos no
país. Contudo, os mais velhos [folhetos] existentes, porém,
apresentam apenas arranjos com vinhetas, filetes e com letras ou
figuras ornamentais”
333
. Segundo Franklin Maxado, coube ao poeta
João Martins d’Athayde a criação da primeira tipografia destinada à
impressão de folhetos de cordel no Brasil, isso em Recife. “O seu
tempo de editor, de 1920 a 1950 foi o auge dessa literatura,
explorando temas como romances, ao lado do jornalismo sobre o
cangaço e o padre Cícero Romão”
334
. Entretanto, como faz saber
Maxado, João Martins preferiu imprimir as capas dos seus folhetos
“com reproduções de fotos de artistas de cinema, de cartões postais
e de desenhos”
335
. Também, João Martins d’Athayde “preferiu suas
publicações com clichês, procurando dar uma feição mais
sofisticada e personalística para seus folhetos. Diferenciou-os assim
das impressões mais pobres que usavam tipos gastos e xilogravuras,
sem muita nitidez”
336
.
Durante algum tempo a xilogravura passou por um processo
de esquecimento frente aos modernos processos de impressão que
foram surgindo, como a “gravura em metal e litografia (em
pedra)”
337
. Segundo Maxado, isso fez com que o gravador e
colecionador Jean Michel Papillon publicasse, em 1766, “um tratado
sobre gravura em madeira, tentando reabilitar essa arte”
338
.
Contudo, como relata Maxado: “Essa reabilitação só se deu no século
332
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.233. [nota]
333
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.32.
334
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.36.
335
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.35.
336
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.40.
337
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.25.
338
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.25.
[125]
XIX, com a descoberta da gravação sobre blocos de topo de madeira.
Isto é, madeira cortada transversalmente, possibilitando figuras
mais nítidas na impressão”
339
.
No entanto, nos fins do século passado [séc.
XIX] a xilogravura atingiu seu mais alto
esplendor, influenciada pela gravura japonesa.
Nomes de artistas como Vallaton, Gauguin,
Maurice Denis, Emile Bernard, Maillol, Edmund
Munch, Matisse, André Derain e Picasso
compuseram o seu primeiro time
340
.
Pode-se afirmar que foram os Armorial, no que concerne ao
Brasil, que acabaram por empreender, nos últimos anos, um resgate
e revalorização da xilogravura enquanto forma popular e artesanal
de impressão. Muitos artistas armoriais, incluindo Suassuna,
utilizam essa cnica na recriação de uma arte de inspiração
popular, dando-lhe, no entanto, uma roupagem erudita. O seu maior
realizador, dentro da estética armorial, está na pessoa de Gilvan
Samico. Idelette Muzart atribui a esse artista decisiva influência
sobre Ariano Suassuna quando da fundamentação teórica da pintura
no Movimento Armorial.
339
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.25.
340
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.25.
Imagem da palavra
O cansaço de uma sociedade não implica
necessariamente a extinção das artes nem provoca
o silêncio do poeta. O mais provável é que ocorra o
contrário: suscita o aparecimento de poetas e
obras solitárias.
OCTÁVIO PAZ
Na juventude, Ariano Suassuna foi uma espécie de jovem
renascentista – tocava piano, pintava, escrevia... Contudo, foi sempre
a literatura o seu caminho predestinado, e, em determinada época
da sua vida, o autor paraibano fez sua escolha por ela. Segundo
Anna Paula Soares Lemos há duas formas de
catarse de expressão e revolução popular no
Nordeste: ou pela revolução sanguinária
[sic] exemplo do cangaço, ou pelo messianismo
religioso, como o sebastianismo. Mas Suassuna
constrói uma terceira forma de grito de vida e
impedimento de sofrimento por intermédio da
poesia e da arte [...]
341
.
341
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. p.57.
[127]
A literatura foi a forma com a qual Suassuna resolveu
enfrentar e encarar o trágico da vida, e essa entidade “bela, imortal e
eternamente jovem, dotada daquela beleza ao mesmo tempo cruel,
terrificante e fascinadora que é a própria hierarquia divina”
342
a
morte, ou Moça Caetana
343
, como a chama o autor paraibano.
Entretanto, mesmo tendo a produção literária como foco
principal, isso não impediu Ariano Suassuna de transitar por outros
gêneros artísticos. Como vem sendo citado, o autor realizou
trabalhos em tapeçaria, pintura e gravura. Esse, inclusive, era um
dos pressupostos da arte armorial a fusão de diversos gêneros
numa complementaridade entre as disciplinas artísticas. O
professor Carlos Newton Júnior situa que foi a partir da bem
sucedida realização das ilustrações n’O Romance da Pedra do Reino,
que Suassuna passou “a dividir seu tempo de criação literária com
trabalhos de desenho, pintura, programação visual e tapeçaria,
trabalhos que vem realizando até hoje”
344
. Ainda segundo nos faz
ver Newton Júnior, esse trânsito de Suassuna por diversas outras
artes, “demonstra, com bastante clareza, como um talento artístico
privilegiado consegue materializar a mesma intuição, a mesma visão
de mundo”
345
, em atividades artísticas tão diversas. Ou seja, assim
como a literatura do autor paraibano, sua “pintura, gravura e
tapeçaria encontram-se profundamente fincadas no seu universo
interior”
346
.
Tanto Idelette Muzart, como Newton Júnior fazem referência
à um mesmo trabalho de Suassuna na campo das gravuras. Segundo
esses autores, Ariano, atendendo a um pedido de um amigo seu,
Maximiliano Campos, realizou as ilustrações do livro de contos
342
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
p.57.
343
Na mitologia sertaneja a morte seria representada por uma mulher, e essa mulher tem
nome: Caetana. Falarei sobre isso mais adiante.
344
NEWTON JÚNIOR. Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.121.
345
NEWTON JÚNIOR. Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.121.
346
NEWTON JÚNIOR. Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.121.
[128]
deste, As sentenças do tempo. Segundo Idelette Muzart, as imagens
criadas por Ariano para esse trabalho lembram as xilogravuras
“grandes massas brancas e pretas, contrastes violentos,
achatamento do desenho, ausência de perspectiva”
347
–, com as
mesmas características das ilustrações d’A Pedra do Reino. Ainda
conforme nos alerta a autora, Suassuna não fez a ilustração de todos
os contos do livro, somente daqueles de sua preferência temática
(cinco contos no total). Assim, Ariano faz sua escolhas pelos contos
que desenvolvem os seguintes temas: “a morte, o tempo destruindo
os vestígios da infância, a nostalgia do passado, a criação literária, o
sonho e o real, o circo”
348
. para Newton Júnior, em relação a esse
trabalho, “adentrando por um universo que não era o seu, parece
que Suassuna se viu em grandes dificuldades para trabalhar”, pois
segundo esclarece esse autor, “excetuando-se a gravura da capa
[Figura 5] e a que ilustra o conto O Grande Pássaro [Figura 6], as
demais não atingiram a qualidade das que foram feitas para os seus
próprios livros”
349
.
Figuras 7 e 8
Reprodução de duas das
ilustrações realizadas por Suassuna para o livro
de Maximiliano Campos. A figura à esquerda, segundo Newton Júnior, pertence à capa do
livro; já a figura à direta, ilustra o conto “O grande pássaro”.
347
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.224.
348
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.224.
349
NEWTON JÚNIOR. Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.121.
[129]
Como venho mencionado, Suassuna criou duas formas
pessoais e características de arte, ainda pouco conhecidas do
público, que chamou de iluminogravuras e de estilogravuras,
respectivamente. Nestas obras o autor cria “textos verbo-visuais
que unem poema e imagem”
350
. No presente ensaio tratarei mais
especificamente da questão das iluminogravuras, entretanto, não
convém deixar de fora o que Suassuna chama de estilogravuras, até
porque, segundo o próprio autor declarou, estas acabam muitas
vezes por se constituir um primeiro momento na elaboração das
iluminogravuras. Segundo o autor do Auto da Compadecida
esclarece:
Criei um negócio que tem dois nomes,
estilogravura e iluminogravura. Estilogravura é
em preto-e-branco, mesma técnica de J. Borges,
poeta e gravador, que fazia pobremente sua
arte nobre, só com tábua e canivete. Aí eu pinto
à mão e vira iluminogravura, partindo da idéia
da iluminura medieval, onde os monges faziam
o texto e ilustravam. Eu faço a mesma coisa
351
.
Logo, o que Suassuna denomina de estilogravura difere das
iluminogravuras propriamente ditas, pelo uso que Ariano faz da cor.
O Cadernos de Literatura Brasileira (2000), do Instituto Moreira
Salles, publicou a reprodução de uma estilogravura inédita de
Suassuna (Figura 9). Segundo essa publicação, a estilogravura em
questão é constituída por um poema na forma “martelo gabinete
“forma poética típica dos cantadores populares do Nordeste, com
350
CAMPOS, Maria Inês Batista. Iluminogravuras de Suassuna: cartografia com letra e
pincel. p.123
351
O ESTADO DE S.PAULO. Suassuna ilumina o Brasil com suas cores. 18 dez. 2000.
Caderno 2, Variedades. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2000/not20001218p6440.htm>.
Acesso em: 10 abr. 2010.
[130]
estrofes de seis versos de dez sílabas” sendo o “trabalho em preto
e branco, feito à mão com ponta de metal sobre papel”
352
.
Em relação às iluminogravuras, como o próprio Suassuna
deixa claro, elas têm inspiração nas iluminuras medievais. Esse tipo
de arte era comum nos manuscritos medievais, sendo que a sua
elaboração “aliava a ilustração e a ornamentação, por meio da
pintura a cores vivas, ocupando parte do espaço comumente
reservado ao texto, na folha do pergaminho”
353
. Era frequentemente
aplicada às letras capitulares no início dos capítulos dos códices de
pergaminho medievais. Segundo Franklin Maxado: “Além das letras
bem desenhadas e ornamentadas, as iluminuras eram inspiradas em
formas de animais, edifícios, retratos, móveis, brasões, ornamentos,
monstros mitológicos, flores, folhas, arabescos etc.”
354
. Esses
documentos eram produzidos principalmente nos conventos e
abadias medievais, sendo que sua elaboração era considerada um
ofício refinado e bastante importante no contexto da arte daquele
período. No século XIII, iluminura referia-se sobretudo ao uso de
douração e portanto, um manuscrito iluminado seria, no sentido
estrito, aquele decorado com ouro ou prata. Já Maxado esclarece que
as iluminuras eram “feitas com tinta vermelha, produzida pelo
mínio (óxido de chumbo). Daí, a sua denominação em miniatura ou
iluminura”
355
. As iluminuras chegaram ao seu apogeu na
Renascença, contudo, com o advento da imprensa seu uso foi sendo
reduzido. Mesmo assim, conforme Maxado, alguns dos primeiros
livros impressos “continham espaços em branco para que os
iluminadores exercitassem a sua arte, sob encomenda”
356
.
Vale lembrar que o neologismo iluminogravura criado por
Suassuna é composto por dois elementos. Um deles, como já foi
352
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Inédito/Manuscrito/Iluminogravuras. Cadernos de
Literatura Brasileira, n.10, nov.2000. p.73.
353
LEÃO, Ângela Vaz. “A Tigre Negra”: uma iluminogravura de Ariano Suassuna. Scripta,
Belo Horizonte, v.7, n.13, p.13-24, 2º sem. 2003. p.14.
354
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.17.
355
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.17.
356
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.17.
[131]
explicitado, refere-se a inspiração dessas obras nas iluminuras
medievais. Entretanto, conforme ressalta Ângela Vaz Leão:
O segundo elemento da composição é a própria
palavra “gravura”, arte que, por incisões,
entalhes, ou meios químicos, grava, em
madeira, metal ou pedra, não só desenhos e
letras, mas também ornamentos rios, que,
por entintamento e estampagem, são
reproduzidos e multiplicados sobre papel ou
outro material
357
.
Conforme foi visto, a elaboração de ilustrações por meio
das xilogravuras eram utilizadas na impressão das capas dos
folhetos de cordel, segundo alguns estudiosos. É essa arte que
Ariano Suassuna procura resgatar quando da produção das suas
iluminogravuras, sendo as ilustrações inspiradas nas gravuras
xilografadas dos folhetos de cordel. A elaboração das
iluminogravuras igualmente reafirma a posição estética do autor, ao
aliar uma arte erudita, com traços marcadamente medievais, a uma
forma eminentemente popular, presente no Sertão nordestino.
Outrossim, podemos encontrar nos Cadernos de Literatura
Brasileira (nº 10, 2000), do Instituto Moreira Salles, versão temática
sobre Ariano Suassuna, uma definição do que seriam as
iluminogravuras do autor paraibano. Segundo aquela publicação:
As iluminogravuras combinam iluminura
medieval com modernos processos de gravação
em papel. Primeiro, Ariano faz o desenho e
escreve o texto, sempre à mão, em nanquim
sobre papel branco. Depois, produz cópias
dessa matriz off-set. Por fim, pinta à o, com
guache e/ou óleo, cada cópia (as tiragens, em
geral, são de 50 exemplares)
358
.
357
LEÃO, Ângela Vaz. “A Tigre Negra”: uma iluminogravura de Ariano Suassuna. p.14.
358
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Inédito/Manuscrito/Iluminogravuras. p.73.
[132]
Conforme o exposto acima, a produção das iluminogravuras
por parte de Suassuna não constituem um processo puramente
artesanal, embora em sua maior parte isso ocorra. Suassuna acaba
se rendendo aos modernos processos de gravação e impressão?
Segundo Maxado, o processo off-set é derivado da litografia.
“Consiste ele numa chapa plana metálica, ou de papelão, na qual
as partes salientes podem imprimir
359
. De acordo com Maxado,
quando o processo passou a se utilizado na impressão dos folhetos
“viabilizou altas tiragens com mais velocidade e economia, tornando
o sistema tipográfico quase antieconômico e obsoleto”
360
.
vimos com Walter Benjamin que a xilogravura, antes
mesmo da invenção da imprensa, tornou o desenho reprodutível
tecnicamente pela primeira vez. Constituiu a xilogravura o primeiro
momento de um processo que foi se aperfeiçoando ao longo do
tempo, até chegar hoje em dia aos modernos sistemas de impressão.
359
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.22.
360
MAXADO, Franklin. Cordel, xilogravura e ilustrações. p.22.
[133]
Figura 9 Reprodução de uma das onze pranchas que compõe a estilogravura publicada
no Cadernos de Literatura Brasileira (2000), do Instituto Moreira Salles.
[134]
Pelo jeito, nem Suassuna é totalmente imune às facilidades
trazidas pela modernidade. Embora as pranchas de cada
iluminogravura, na fase de produção de sua matriz, passem por um
cuidadoso e detalhado processo manual de elaboração do desenho e
do texto, e posteriormente de pintura, o trabalho, como vimos, não
se constitui puramente artesanal, que em determinado momento
Ariano se vale de um moderno processo de reprodução para fazer
as cópias de cada prancha que vão constituir o álbum propriamente
dito de iluminogravuras.
Isso posto, cabe abrir um parêntese. Essa relação do autor das
iluminogravuras com o processo de reprodução de sua arte, remete
à questão, apontada aqui, da perda da aura da obra de arte
tecnicamente reproduzida. Como foi visto, para Walter Benjamin:
“Mesmo a reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o
aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que
ela se encontra”
361
. Ainda segundo Benjamin, essa aura constituiria
a autenticidade da obra, e para o pensador: “A autenticidade de uma
coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição a
partir de sua origem, desde sua duração material até o seu
testemunho histórico”
362
.
No referido ensaio “A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin ainda esclarece que,
“em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os
homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens”
363
. O
que agora se constituía novidade era a forma mecânica e industrial
como isso passou a acontecer, o que representava maior
“autonomia” do que a reprodução manual possibilitara até então. Se
a obra de arte perdeu, a partir desses modernos processos de
reprodução o que Benjamin chamou “aura” que representaria sua
autenticidade e unicidade –, esses mesmos processos promoveram
361
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. p.167.
362
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. p.168.
363
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. p.166.
[135]
uma maior aproximação entre a arte e o indivíduo, através, por
exemplo, da fotografia, do disco, do cinema, que possibilitaram que
a “existência única da obra” fosse substituída “por uma existência
serial”
364
. Dessa forma, é possível pensar que as novas tecnologias
vieram para mudar decisivamente a vida do homem e a forma como
ele se (inter)relaciona nos diversos âmbitos da sua existência –
política, cultural, econômica, científica e socialmente. E como vimos,
nem mesmo Ariano Suassuna, do alto da sua postura tradicionalista
de ver o mundo, não está imune a ela.
Fechando o parêntese, e voltando às iluminogravuras,
segundo Newton Júnior, “todo esse trabalho anterior, em desenho,
pintura e tapeçaria, dará subsídios para que Suassuna inicie, a partir
de 1980, os álbuns de iluminogravuras, nos quais aprofunda ainda
mais suas experiências em integrar texto e ilustração”
365
. Dessa
forma, as iluminogravuras de Suassuna estão reunidas em dois
álbuns Sonetos com Mote Alheio (1980) e Sonetos de Albano
Cervonegro (1985). Cada um desses álbuns estão assim
configurados:
[...] cada livro artesanal é composto por dez
sonetos escritos à o e decorados com
imagens coloridas. A maioria das pranchas de
papel-cartão tem 44 x 66 cm e todas são
acondicionadas em caixas de madeira, sem
encadernação. Muitas o comercializadas
isoladamente; somente Sonetos de Albano
Cervonegro pode ser adquirido como álbum
completo
366
.
São obras consideradas raras hoje em dia, pois, para cada um
dos álbuns, Ariano produziu uma tiragem de cinqüenta exemplares,
364
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. p.167.
365
NEWTON JÚNIOR. Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.123.
366
CAMPOS, Maria Inês Batista. Iluminogravuras de Suassuna: cartografia com letra e
pincel. p.123.
[136]
como foi mencionado, sendo que, somente raras vezes, Suassuna,
a pedidos, fez reprodução de uma ou outra prancha
367
.
É também Newton Júnior que nos informa de uma
curiosidade em relação ao segundo álbum Sonetos de Albano
Cervonegro. O tal Albano Cervonegro, de quem é atribuída a autoria
dos sonetos desse álbum de iluminogravuras, é um pseudônimo de
Ariano Suassuna
368
. Conforme Newton Júnior esclarece:
Notar que o nome Ariano não rima com
Albano como pode ser pronunciado dentro da
mesma métrica, se falado em Portugal. Ariano
havia usado o pseudônimo Albano muito
antes, em 1951, em carta-poema endereçada ao
poeta popular Manuel de Lira Flores, presente
em O Pasto Incendiado. A construção do
nome Albano Cervonegro procura homenagear
as três raças formadoras da cultura brasileira.
Albano é uma variante de albino, e provém do
latim albus (branco, alvo). Cervonegro, por sua
vez, é a tradução portuguesa da palavra tupi
suassuna, composta por suassu (su=bicho;
assu=grande ou seja, cervo ou veado) e una
(negro)
369
.
Não obstante a importância que o trabalho com as
iluminogravuras acabou ganhando dentro da obra de Suassuna, o
autor não deixa de ressaltar, em relação a esse trabalho que, “a obra
plástica vem da literatura. É das imagens da literatura que surgem
as ilustrações, e não o contrário”
370
. Assim, é “o signo verbal que
ativa a imagem”
371
.
Dessa forma, uma característica que deve ser ressaltada no
trabalho com as iluminogravuras é em relação à sua configuração
367
LEÃO, Ângela Vaz. “A Tigre Negra”: uma iluminogravura de Ariano Suassuna. p.14.
368
Conforme Newton Júnior, suassuna foi o “apelido familiar adotado como nome pelo
bisavô de Ariano, é uma palavra tupi, que significa cervo negro”. In: NEWTON JÚNIOR,
Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.132.
369
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.132. [nota de rodapé]
370
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Ao sol da prosa brasiliana [entrevista]. p.37.
371
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.186.
[137]
“textual”. A produção poética de Ariano Suassuna é pouco conhecida
do público, mesmo nos dias de hoje
372
. Embora seja mais conhecido
do público por suas peças em que o cômico prevalece, ou sua
produção como prosador, principalmente através d’O Romance da
Pedra do Reino, foi com um poema “Noturno”, publicado no Jornal
do Commercio (Recife, 7/10/1945)
373
– que Ariano começou sua
carreira literária, então com 18 anos de idade. Inclusive, Suassuna já
disse, “inúmeras vezes, em entrevistas e artigos, que sua poesia é a
fonte profunda de tudo o que ele escreve”
374
. Também na sua
produção poética, como em todos os seus demais trabalhos,
podemos observar referências ao universo mítico e simbólico
construído pelo autor, sempre tendo o Sertão nordestino como
tema
375
. A sua obra poética está impregnada dessa simbologia, ao
ponto de considerarem essa parte de sua produção como demasiada
hermética, requerendo “para ser melhor compreendida, alguma
familiaridade com o universo literário do autor”
376
.
372
Um dos poucos escritos sobre a poesia de Ariano Suassuna trata-se do livro O pai, o
exílio e o reino: a poesia armorial de Ariano Suassuna, do professor Carlos Newton Júnior.
Escrito originalmente sob a forma de dissertação de mestrado, apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), o ensaio permanece como uma das poucas referências sobre a poesia de
Suassuna.
373
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. Cadernos de Literatura Brasileira, Instituto Moreira Salles, São Paulo, n.10,
nov.2000. p.129.
374
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.130.
375
Foi o geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan, que em seu livro, Topofilia: um estudo da
percepção, atitudes e valores do meio ambiente, publicado em 1974, cunhou a expressão
topofilia, que pode ser atribuída a essa relação que vemos estabelecida entre Ariano
Suassuna e o Sertão nordestino. Um dos objetivos do geógrafo no referido livro, era
estudar os sentimentos de apego das pessoas ao ambiente natural ou construído, pois
“topus” é uma palavra grega que significa “lugar”, enquanto “filo” significa amor, amizade,
afinidade. Segundo Yi-Fu Tuan: “A palavra topofilia é um neologismo, útil quando pode
ser definida num sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com
o meio ambiente material. [...] A resposta ao meio ambiente pode ser basicamente estética
[...]. A topofilia não é a emoção humana mais forte. Quando é irresistível, podemos estar
certos de que o lugar ou o meio ambiente é percebido como um símbolo”. In: TUAN, Yi-Fu.
Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Trad. Lívia de
Oliveira. São Paulo/Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. p.107.
376
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.130.
[138]
Também em relação ao gênero poético, vale ressaltar que
Suassuna nunca concordou com alguns pressupostos delineados
pelo Modernismo o verso livre, por exemplo. Analisando a obra
poética de Suassuna, Carlos Newton Júnior declara: “considerando
sua produção poética como um todo, em poucas ocasiões o autor
fará uso do verso não metrificado ou escreverá poemas sem rima e
estrofação regulares
377
. Além disso, já nos seus primeiros trabalhos
da juventude, “ouvem-se os ecos dos seus mestres de então”
378
que seriam Camões e Dante, além dos poetas românticos ingleses,
Shelley e Keats.
Porém, a grande inspiração veio um tempo depois, quando
Ariano conhece a poesia de Federico García Lorca. Lorca era “um
grande escritor erudito cuja fonte de inspiração transbordava de
uma água cristalina e de veio popular, jorrada principalmente
através do Romanceiro ibérico”
379
. Segundo Newton Júnior:
A partir da poesia de Lorca, cujas paisagens
eram povoadas de ciganos, bois e cavalos,
Suassuna percebe que poderia fazer, em
relação ao sertão do Nordeste brasileiro, o que
Lorca fazia em relação ao mundo rural da
Espanha ou seja: falar com o sangue do que
lhe era tão familiar para ser compreendido pela
comunidade da raça humana
380
.
A partir do conhecimento da obra de Lorca, Suassuna se
aprofundará no estudo da poesia popular, partindo principalmente
do Romanceiro popular nordestino. São de 1946 a 1948 suas
primeiras tentativas poéticas baseadas nesse Romanceiro. Ainda
377
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.131.
378
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.131.
379
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.131.
380
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.132.
[139]
segundo Newton Júnior, “em vez da quadra ibérica (quatro versos
de sete sílabas, rimadas de ABCB), Ariano dá preferência à sextilha,
ou repente, a estrofe mais usada pelos cantadores do sertão
nordestino, formada por seis versos de sete sílabas, rimadas em
ABCBDB”
381
. Como exemplo, vemos abaixo as duas primeiras
estrofes do poema “Os Guabirabas”, de autoria de Ariano Suassuna:
Lá vai na estrada,
em seu cavalo Alazão.
Cascos ferrados, nas pedras,
chispando Fagulhas vão,
na roseta das Esporas,
na Laça de seu ferrão.
Cirino, cuida da vida,
cuida nas pedras da Estrada!
Não foste há pouco avisado
de que a vida é uma Emboscada?
Não durmas tendo inimigo,
Cirino da Guabiraba!
382
Newton Júnior é quem igualmente ressalta, que a maioria dos
poemas de Ariano que tem ligação com a arte popular, possuem um
aspecto “emblemático”. Diz esse autor:
São poemas nos quais o espírito armorial se
evidencia pelo caráter de insígnia do texto, nas
alusões a bandeiras, estandartes e ornatos em
relevo, nas imagens recriadas em tom épico,
que brilham como os esmaltes da heráldica,
com se cada poema fizesse às vezes de um
escudo de armas, ou de uma xilogravura
popular, com sua fantasia tosca, impolida, mas
brilhante e forte
383
.
381
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.132.
382
SUASSUNA, Ariano apud NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do
poeta brasileiro desconhecido. p.132.
383
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.135.
[140]
Nessas palavras do professor Newton Júnior, podemos
confirmar a postura de Suassuna, quando este se refere aos
elementos que melhor caracterizariam ou deveriam caracterizar a
produção do Armorial
384
. Mais adiante esse autor cita um poema de
Suassuna, no qual, “o próprio mundo do sertão pode ser visto como
um grande brasão”
385
. Abaixo faz-se a transcrição desse poema:
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e desmedida.
No Campo rubro, a Asna azul da vida:
à cruz de Azul, o Mal se desmantela.
Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal-partidas
e a Marca negra, esquerda, inesquecida,
corta a Prata das folhas e fivelas.
E enquanto o fogo clama à Pedra rija,
que até o fim serei desnorteado,
que até no Pardo o Cego desespera,
o Cavalo castanho, na cornija,
tenta alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
386
Dessa forma, conforme nos foi atestado anteriormente, quem
pretende empreender um trabalho de análise das iluminogravuras
384
É Idelette Muzart quem nos informa que muitos jovens artistas que começaram a
produzir sob o signo do Armorial, influenciados pela figura de Ariano Suassuna, com o
tempo buscaram novos caminhos, novas formas de expressar a sua arte, talvez como uma
forma de “evolução ou fuga”. Cita, a estudiosa, o depoimento de Fernando Lopes da Paz,
escultor que pertenceu ao Movimento: “Revolvi iniciar este trabalho de cerâmica por
estar cansado de mestres, escolas e estilos, numa procura boba em que meu pensamento
era sempre truncado na execução para atender programas absolutamente exteriores à
minha vontade artística”. Mais adiante Idelette Muzart adverte: “Atraídos pela órbita
armorial, alguns artistas podem ter sentido a impressão de se perderem”. In: SANTOS,
Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.57 e 58.
385
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.135.
386
SUASSUNA, Ariano apud NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do
poeta brasileiro desconhecido. p.135.
[141]
de Ariano Suassuna não deve preterir as “reflexões pertinentes aos
campos da gravura e da pintura, sem um confronto da literatura
com as artes plásticas”
387
. Pois, como bem afirmou Suassuna quando
do lançamento do Movimento, nessa arte armorial a “idéia de
integração das artes, contrariamente ao princípio da autonomia,
defendido pela estética que surgiu com o modernismo”
388
, deveria
prevalecer.
Como já me referi aqui, Gilvan Samico exerceu em Ariano
Suassuna uma influência decisiva quando da fundamentação teórica
da pintura no Armorial. Conforme Idelette Muzart, essa influência se
deu principalmente através do “achatamento dos traços, a figuração
estática, a utilização de cores puras e, evidentemente, com a
temática do romanceiro onipresente, nas xilogravuras, serigrafias e
pinturas”
389
. Suassuna assim se refere à obra de Samico:
Seu segredo consistiu apenas em o gravador
voltar a certos processos que os novidadeiros
julgavam esgotados; em voltar ao uso do
material mais puro, nobre e primitivo da
Gravura a madeira; em regressar a suas
raízes, recriando, com grande liberdade e
imaginação, o espírito e as formas da
Xilogravura do seu Povo; em contornar as
figuras de um limpo traço negro, que se destaca
nos puros espaços brancos, por entre massas
negras e tramas delicadamente interpostas, e
toques de vermelho, verde, azul ou amarelo,
que a Gravura popular o usa mas que ele fez
muito bem em introduzir para recriá-la. À
primeira vista, parece fácil, mas quem fizesse
essa apreciação superficial demonstraria
apenas que é incapaz de invenção, que nunca
experimentou, por dentro, o que é a áspera e
complexa escalada em direção à beleza
390
.
387
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.17.
388
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.17.
389
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.55.
390
SUASSUNA, Ariano apud SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética
popular. p.55.
[142]
Segundo relata o próprio Samico, ele era um artista
armorial, antes mesmo que esse movimento viesse a surgir, pois,
mesmo sem o saber, ele produzia dentro de uma estética a qual
Ariano nomearia, posteriormente, como Armorial. Assim:
Sobre essa história de ser chamado de
“gravador armorial”... Eu fazia uma gravura
inspirada no popular, ainda que eu nunca tenha
querido ser artista popular. Sou um artista
erudito. Um dia, Ariano me apareceu e disse:
“Eu acabei de criar um movimento e você está
nele”. É claro que ele sabia que eu iria me
engajar, era uma questão de coerência. Agora,
Ariano nunca pegou na minha mão pra fazer
um trabalho meu. Então, eu não aderi ao
Movimento Armorial: eu era armorial antes,
sem saber!
391
391
MUSEU OSCAR NIEMEYER. Samico: do desenho à gravura. Curitiba, 4 ago. a 6 nov.
2005. p.56.
O universo numa folha de papel
Todo mundo objetivo funciona como
fetiche, quando percebido pelo homem.
Todos nós, mesmo contra a nossa vontade,
praticamos magia.
FLÁVIO DE CARVALHO
Como já mencionei, é a partir da obra O Romance da Pedra do
Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971), que Suassuna
une pela primeira vez seus talentos de escritor e artista plástico. Um
dos maiores conhecedores da obra suassuniana, Carlos Newton
Júnior, afirmara que foi a partir d’A Pedra do Reino que Ariano
passou a se dedicar mais seriamente ao seu trabalho como gravador
e pintor, trabalho esse que iria culminar na elaboração das
estilogravuras e iluminogravuras.
Devo, esclarecer que o fato de estar constantemente me
reportando a essa obra específica de Ariano Suassuna, justifica-se
por ela conter em sua elaboração, aquela convergência de
disciplinas artísticas buscadas por Ariano e pelo Armorial desde o
início do Movimento, constituindo-se, então, ao meu ver, de
fundamental importância seu entendimento para pensarmos a
produção das iluminogravuras. O próprio Suassuna já afirmou que A
[144]
Pedra do Reino se constitui seu trabalho mais completo, logo,
acredito que muitas das características que iremos encontrar nas
ditas iluminogravuras já estão presentes nessa obra. Logo, essa obra
é fundamental para se entender a reconfiguração que Ariano
empreende ao criar esse espaço idealizado que ele chama de Sertão.
Sertão mítico-poético e telúrico, que se constitui o centro de sua
vida e obra.
Conforme nos mostra Leonardo Carneiro Ventura: “Ariano
passou décadas na construção desse imaginário pedregoso do
Nordeste, construção sublimada com a conclusão de sua obra-mor o
Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta
[...]”. Ainda conforme nos esclarece esse autor:
Escrito durante os anos anteriores ao
lançamento do Movimento Armorial, ou seja,
em plena maturação do autor e de seu
pensamento armorial, o Romance d’A Pedra do
Reino representa a própria formação desse
solo “granítico”, “rochoso” que é o imaginário
suassuniano, repleto de lutas, de sangue, de
miséria, mas também de beleza, de humor, de
uma resistência tenaz, de “pedra” do homem
sertanejo, que a tudo sobrevive, inclusive às
investidas da sociedade moderna que seria
inimiga dos ditos valores da terra, da tradição
nordestina.
392
Isto posto, cabe lembrar que O Romance da Pedra do Reino e o
Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, que tem sua primeira publicação
em 1971, pela editora José Olympio, e que estava sendo escrito pelo
autor desde 1958, constitui-se a primeira parte de uma trilogia
denominada A Maravilhosa Desventura de Quaderna, o Decifrador, e
a Demanda Novelosa do Reino do Sertão. A partir de 1975 Suassuna
“começa a publicar no Diário de Pernambuco folhetins semanais de
A história do rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça
392
VENTURA, Leonardo Carneiro. Música dos espaços. p.60.
[145]
Caetana, planejado para ser o primeiro livro da segunda parte da
trilogia”
393
. A publicação dessa história, sob a forma de folhetim, se
estenderia até o ano seguinte (1976). Somente em 1977 O rei
degolado ganha o formato de livro. A terceira parte dessa trilogia – O
Romance de Sinésio, o Alumioso, Príncipe da Bandeira do Divino do
Sertão permanece inédito até hoje. Segundo Anna Paula Soares
Lemos, o trabalho está “em produção desde o fim da década de 1970
e [...], segundo Suassuna, terá mais de oitocentas páginas”
394
.
Entretanto, conforme informa Newton Júnior, há anos Ariano
vem anunciando um novo romance, iniciado
em 1981. O livro daria continuidade à trilogia
Quaderna, o Decifrador, cuja publicação foi
interrompida no início d’O Rei Degolado. Em
algumas entrevistas, Suassuna afirma que,
nesse novo livro, em andamento, todo o seu
trabalho de escritor vem sendo revisado
trata-se, portanto, de um livro-síntese de sua
obra, que uma vez concluído incluirá teatro,
poesia e prosa. “Síntese”, também, porque, a
exemplo das iluminogravuras, a relação texto-
ilustração será muito mais profunda,
principalmente se comparada à relação
encontrada n’A Pedra do Reino
395
.
Como venho afirmando, n’A Pedra do Reino encontraremos
muitos dos elementos imagéticos que caracterizarão a maior parte
do universo suassuniano. Assim, segundo confirma Maria Thereza
Didier, é nessa obra que encontraremos aqueles elementos
imagéticos que “assinalam o remetimento do universo castanho
armorial à cosmologia medieval”
396
. Nesse sentido, é seu próprio
narrador, d. Pedro Diniz Ferreira-Quaderna, autointitulado
393
INSTITUTO MOREIRA SALLES. As infâncias (e juventudes e maturidades) de
Quaderna. Cadernos de Literatura Brasileira, n.10, nov.2000. p.12.
394
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
p.13.
395
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.94.
396
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.175.
[146]
Cronista-Fidalgo, Rapsodo-Acadêmico e Poeta-Escrição, quem as
semelhanças entre os “fidalgos normandos” e os “cangaceiros”, as
“fazendas sertanejas” e os “Reinos”. Dessa forma, seriam os
fazendeiros, “Reis, Condes ou Barões”, sendo que “Princesas”
também não faltam nesse mundo mítico-sertanejo idealizado pelo
personagem-narrador
397
. Todavia, esses elementos foram somente
“reaproveitados” por Suassuna em sua obra, pois eles apareciam
nos folhetos e na literatura popular:
Castelos, damas, cavaleiros e princesas povoam
os folhetos populares do interior nordestino,
contando-nos sobre batalhas e reis entre os
quais se encontram Carlos Magno e seus
vassalos, cristãos e mouros, reis e imperadores
vislumbrando histórias de amores e fantasias.
Símbolos e cores nos estandartes das
cavalhadas fazem referência a um mundo
religioso povoado de anjos e demônios, onças e
cobras
398
.
São esses símbolos de uma Europa medieval que, vindos para
o Brasil sob “a vertente ibero-moura e misturando-se aqui com os
negros e índios
399
que constituirão, para os armoriais, nossa
suposta individualidade e originalidade enquanto povo. Assim
sendo, é “nesse cadinho cultural e étnico que Suassuna encontra a
singularidade da cultura brasileira e privilegia a sua análise”
400
,
elegendo o Sertão como o local onde a cultura nacional melhor se
conservou no seu estado “originário” das influências externas.
Dessa maneira, “o romance D’A Pedra do Reino se volta para o
subterrâneo, as visagens, lendas e fatos desse mundo [...] pedregoso,
áspero e ensolarado”
401
que é o Sertão Nordestino. Pela
397
SUASSUNA, Ariano apud DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial.
p.179.
398
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.178.
399
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.180.
400
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.153.
401
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.180.
[147]
manipulação da pena do seu narrador-protagonista, Suassuna pinta,
diante de nossos olhos, essa “terra sagrada”:
Daqui de cima, no pavimento superior, pela
janela gradeada da Cadeia onde estou preso,
vejo os arredores da nossa indomável Vila
sertaneja. O Sol treme na vista, reluzindo nas
pedras mais próximas. Da terra agreste,
espinhenta e predregosa, batida pelo Sol
esbraseado, parece desprender-se um sopro
ardente, que tanto pode ser o arquejo de
gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e
Profetas, assassinados durante anos e anos
entre essas pedras selvagens, como pode ser a
respiração dessa Fera estranha, a Terra esta
Onça-Parda em cujo dorso habita a Raça
piolhosa dos homens. Pode ser, também, a
respiração fogosa dessa outra fera, a
Divindade, Onça-Malhada que é dona da Parda,
e que, há milênios, acicata a nossa Raça,
puxando-a para o alto, para o Reino e para o
Sol
402
.
Nesse pequeno trecho da obra podemos encontrar uma
infinidade de insígnias da mitologia sertaneja erigida por Suassuna.
Da janela da prisão onde se encontra, Quaderna delineia diante de
nossos olhos aqueles objetos simbólicos e emblemáticos do Sertão
nordestino: o Sol (sempre grafado com iniciais maiúsculas,
personificando a função capital que esse elemento tem na vida do
povo sertanejo, e, como veremos adiante, no próprio universo
suassuniano), as pedras, a terra agreste, espinhenta e pedregosa.
Também notamos a presença de Cangaceiros, Beatos e Profetas
personagens arquetípicos da história sertaneja. a referência,
também nesse parágrafo, a um dos elementos de fundamental
importância na obra do autor paraibano a do simbolismo
402
SUASSUNA, Ariano. O romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta.
8.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p.31.
[148]
representado pelas Onça-Parda e Onça-Malhada –, sobre a qual
tratarei detalhadamente mais adiante.
Contudo, conforme vem sendo reforçado, o Sertão
suassuniano não é o sertão real, mas um espaço mitificado onde a
realidade sertaneja, em sua “matéria vivida”, é transfigurada em
“matéria imaginada”
403
. Dessa forma, a “geografia suassuniana,
como a dos folhetos, desenha-se num espaço literário e constrói-se
com palavras”
404
. No Em demanda da poética popular, ao comentar
sobre a obra O Romance da Pedra do Reino, Idelette Muzart Fonseca
dos Santos afirma que:
[...] Suassuna e seu narrador, Quaderna, pouco
se preocupam com realismo ou com realidade
sociopolítica; compõem uma obra literária,
vêem o sertão e representam-no com palavras,
gravuras e poemas. Se devemos falar de um
real observado, a posição do observador é
fundamental: situa-se aqui do lado da poesia.
Sua visão do sertão está, portanto, deformada,
mas tanto quanto o seria uma visão
exclusivamente sociológica ou geográfica.
Suassuna deixa aos historiadores, sociólogos,
jornalistas, a responsabilidade de informar,
compreender, analisar o sertão. Ele quer tão-
somente cantá-lo, na alegria e na pena
405
.
Também Silviano Santiago nos assevera:
[...] em Suassuna o existe a intenção de fazer
um levantamento artístico-sociológico da
região nordestina, dentro dos moldes da escola
naturalista, mas antes busca ele uma recriação
poética do Nordeste por meio dos textos do
403
FARIAS, Sônia Lúcia Ramalho de. O sertão de José Lins do Rego e Ariano Suassuna. p.75.
404
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.76.
405
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular. p.72-73.
[149]
romanceiro popular, graças aos folhetos da
literatura de cordel
406
.
Isto posto, vamos observar, a partir de agora, como Ariano
Suassuna constrói seu universo mítico-poético, principalmente
através das obras que o autor denomina de iluminogravuras, uma
forma de arte muito pessoal criada pelo autor paraibano, e que se
constitui a síntese de seu universo e dos temas consagrados à sua
produção artística.
Não obstante, uma observação deve ser feita logo de início.
Para esse trabalho tomei como base principalmente as
iluminogravuras reproduzidas no Cadernos de Literatura Brasileira
(nº 10, 2000), do Instituto Moreira Salles. Como mencionei, esse
trabalho de Suassuna teve uma tiragem muito reduzida (cinquenta
exemplares para cada prancha), tornando-se hoje em dia artigo raro
de ser encontrado ou adquirido. Segundo nos assegura Newton
Júnior:
Após o lançamento dos álbuns, muitas das
iluminogravuras foram comercializadas
isoladamente, e ainda hoje é possível
encontrar, em algumas galerias do país, uma ou
outra iluminogravura isolada e em moldura,
como se tratasse de um trabalho independente.
É possível, também, encontrar algumas
pranchas cujas datas não correspondem
àquelas dos lançamentos dos álbuns (1980 e
1985). É que, esgotada a edição inicial, outros
exemplares foram produzidos, para atender a
pedidos de amigos e familiares, exemplares
datados à medida que foram concluídos
407
.
Dessa forma, como ponto de partida, tomo os trabalhos
reproduzidos no Cadernos de Literatura, até por julgar que, pela
406
SANTIAGO, Silviano. Situação de Ariano Suassuna. In: SUASSUNA, Ariano. Seleta e
prosa e verso. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. p.22.
407
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.123-124.
[150]
qualidade gráfica da publicação, pode-se ter uma ideia bem próxima
do que correspondem as iluminogravuras originais. Algumas dessas
obras até podem ser encontradas na internet, mas devido à
qualidade das imagens (baixa resolução) não é possível tomá-las
como base para a realização de um trabalho mais minucioso.
Ainda em relação aos dois álbuns de iluminogravuras
lançadas por Suassuna, Newton Júnior nos faz uma revelação: “Dos
vinte sonetos presentes nos dois álbuns de iluminogravuras,
dezesseis foram originalmente escritos para a Vida-Nova
Sertaneja, trabalho elaborado entre os anos de 1970 e 1974, e que
Suassuna não chegou a divulgar”
408
. Conforme esclarece o autor,
esse trabalho foi elaborado sob a influência da Vida Nova, de Dante.
Da mesma forma que Dante havia feito em sua obra, no seu Vida-
Nova Sertaneja Ariano intercala aos poemas pequenos textos em
prosa, nos quais “procura fornecer indicações sobre os poemas,
revelando fatos da biografia do autor e de que forma esses fatos
influenciaram a visão de mundo expressa nos sonetos”
409
.
Constituir-se-ia, assim, a obra, numa espécie da “autobiografia
poética”. Entretanto, diferente do texto de Dante, que segundo
Newton Júnior era um texto de juventude, a obra de Ariano seria
uma obra de maturidade, “escrito após suas maiores experiências
no teatro e no romance”
410
.
408
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.126.
409
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.126-127.
410
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.126.
[151]
Figura 10 Imagem disponível na internet, reproduzindo as iluminogravuras que
possivelmente comporiam o álbum Sonetos com mote alheio (1980).
Outro ponto que deve ser ressaltado é que deterei minha
análise, principalmente, em duas das seis iluminogravuras
reproduzidas no Cadernos “O Campo” e “Lápide”. Isto, no entanto,
não impedirá de fazer ocasionalmente referência a outros trabalhos
que não constam dessa publicação, como forma de apontar nessas
obras elementos importantes dentro do universo mítico-poético
suassuniano.
Assim, para começar, um dos primeiros elementos que mais
chamam a atenção quando nos deparamos com as iluminogravuras
de Ariano Suassuna, é o uso que o autor faz da cor
411
. Pode-se notar
411
Para Olga Ostrower, “o valor exato de uma cor dependerá do conjunto em que é vista.
Dependerá, portanto, sempre de um contexto colorístico”. Então, a função espacial que a
cor determinará dentro da superfície da obra, dependerá das relações entre as diversas
cores, relação que deverá ser tomada dentro do contexto específico da obra. “Quer dizer,
[152]
que a predominância colorística nas iluminogravuras (e o
somente nas que foram escolhidas para análise) sempre remeterá a
uma coloração ocre, de terra, cores que transitam do marrom, a um
tom vermelho-amarronzado, formando uma espécie de cor
castanha. Na simbologia das cores o marrom representa a terra. Em
algumas culturas orientais acredita-se que o marrom incorpore toda
a força natural do elemento terra. Na Idade Média era a cor
designada aos camponeses, e portanto é associada à humildade. Nos
ambientes, a impressão de algo sólido, seguro e calmo. Também
pode ser associada a ideias de natureza, rusticidade, estabilidade,
estagnação, peso e aspereza. Logo, essa cor seria das mais
representativa do mundo mítico-telúrico suassuniano. O espaço
pictórico das iluminogravuras passa a ser, então, a representação da
terra agreste e pedregosa do Sertão, o reino sertanejo suassuniano,
onde os elementos desse universo ganham vida. Segundo Maria
Aparecida Nogueira afirma: “Como uma erupção vulcânica, num
arrebatamento lírico desmedido, brotam de sua obra as imagens da
terra, devaneio extremo de quem permanece fincado no sertão
[...]”
412
.
Igualmente, é o castanho ou a cor castanha elemento
emblemático, constituindo-se de fundamental importância dentro
do universo suassuniano. O elemento castanho também é um dos
símbolos principais que permeiam toda a obra literária, crítica e
teórica do autor paraibano. Suassuna, com a “idéia de ‘Castanho’
pretende expressar a síntese da cultura brasileira”
413
. Retomando e
reinventado “o simbolismo da miscigenação étnica abordado por
[Silvio] Romero e [Gilberto] Freyre”
414
, Ariano Suassuna criou a
de acordo com as relações colorísticas, a mesma cor pode definir o espaço de maneiras
diferentes”. In: OSTROWER, Olga. Universos da arte. 13.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1983.
p.235.
412
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.42.
413
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.105.
414
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.150.
[153]
designação de “povo castanho brasileiro”
415
, que “se traduz através
do amálgama das influências ibero-mouras, negras e índias”
416
.
Segundo Ariano:
Assim, creio não exagerar quando afirmo que a
Cultura brasileira tem que ser encarada dentro
do campo mais geral da Cultura dos povos
castanhos da Rainha do Meio-Dia, e que tal
Cultura tem um modo próprio de expressar seu
pensamento. Esse modo de pensar é mais
estético e ético do que lógico e metafísico, e
isso que pode parecer seu principal defeito nos
olhos dos rotineiros acadêmicos, é, talvez, sua
melhor qualidade, sua originalidade mais
profunda
417
.
Dessa forma, a marca maior de nossa singularidade seria
sintetizada nessa “cosmovisão castanha suassuniana. Cosmovisão
castanha que é expressão de “uma dinâmica barroca”, pois a
característica que se sobressai no barroco, sua peculiaridade mais
marcante, é a mestiçagem de signos, a mescla de contrários
418
,
características essas que vamos encontrar na produção artística de
Ariano Suassuna.
O barroco é uma das principais influências na obra de Ariano.
O autor vê nas obras desse período, e na sua representação da união
de contrários, a ideia síntese que caracterizaria de forma marcante a
415
Essa ideia foi desenvolvida por Suassuna na sua tese de docência – A Onça Castanha e a
Ilha Brasil (1976) –, apresentada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Pernambuco, para concurso à docência livre da disciplina
“História da Cultura Brasileira”. Para Maria Thereza Didier, esse trabalho é uma “obra que
elabora a construção de uma identidade brasileira, estabelecendo nculo íntimo com o
passado alegorizado como a face refletida da autenticidade cultural do Brasil”. In: DIDIER,
Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.149.
416
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.174.
417
SUASSUNA, Ariano. A Onça Castanha e a Ilha Brasil. Tese de docência livre em História
da Cultura Brasileira, apresentada ao Centro de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Pernambuco. Recife, 1976. [versão fotocopiada do original datilografado].
p.11.
418
BRITO, Sônia Maria Prieto Romolo. A reconfiguração do mito sebastianista no
“Romance d’A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna. p.164.
[154]
cultura brasileira e o povo brasileiro. Segundo o autor: “trata-se, a
meu ver, da união de contrários, da tendência para assimilar e
fundir contrastes numa síntese nova e castanha que unidade a
uma complementaridade de opostos”
419
, que resumiria a
característica mais marcante do Povo brasileiro. Na tese de docência
A Onça Castanha e a Ilha Brasil, Suassuna assim se refere: “Não foi
por acaso que o Brasil começou a se formar, como o País que é hoje,
forjando-se no fogo do Barroco [...]”
420
. Ainda conforme esclarece o
autor:
O Barroco é um estilo de vida, uma visão do
mundo e uma Cultura, que se caracteriza pela
união dialética de contrários, de elementos
clássicos e românticos. Mas precisamente,
pode-se dizer que o Barroco destruiu e
queimou no seu impulso o otimismo clássico e
preparou o pessimismo romântico, embebido
de amor pelo Caos e pelo satanismo do culto da
melancolia e da Morte
421
.
Em seus depoimentos sobre a origem do nome do Movimento
Armorial, reproduzidas aqui, o próprio Suassuna reforça essa
presença da arte barroca como inspiração para o Armorial, através,
segundo ele, “das pedras armoriais dos portões e frontadas do
barroco brasileiro”
422
. Influência que se deu também,
principalmente através do veio do barroco-ibérico medieval que
teria no nordeste brasileiro um espaço de recriação, e que pode ser
419
SUASSUNA, Ariano. A Onça Castanha e a Ilha Brasil. p.4.
420
SUASSUNA, Ariano. A Onça Castanha e a Ilha Brasil. p.6
421
Na tese de docência A Onça Castanha e a Ilha Brasil, Suassuna assim se refere: “Não foi
por acaso que o Brasil começou a se formar, como o País que é hoje, forjando-se no fogo
do Barroco [...]”. Ainda conforme esclarece o autor: “O Barroco é um estilo de vida, uma
visão do mundo e uma Cultura, que se caracteriza pela união dialética de contrários, de
elementos clássicos e românticos. Mas precisamente, pode-se dizer que o Barroco
destruiu e queimou no seu impulso o otimismo clássico e preparou o pessimismo
romântico, embebido de amor pelo Caos e pelo satanismo do culto da melancolia e da
Morte”. In: SUASSUNA, Ariano. A Onça Castanha e a Ilha Brasil. p.6
422
SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. [CD-ROM].
[155]
observado nas referências às novelas de cavalaria, aos autos
Vicentinos, ao Barroco espanhol.
Dessa forma, conforme nos atesta Maria Aparecida Nogueira:
“A intenção de Ariano é criar uma literatura que seja
simultaneamente tradicional e popular, clássica e barroca, uma
fusão entre o trágico e o cômico, marcas da alma do povo brasileiro,
dos povos da Rainha do Meio-Dia [...]”
423
. Essa união dos contrários,
característico da produção artística barroca acaba encontrando,
pois, eco na obra de Suassuna, em consonância com sua postura
ideológica e artística. Ainda segundo nos esclarece essa autora:
“Talvez Ariano queira nos pôr frente a frente com as culturas que
contribuíram para a formação brasileira, na tentativa de impedir o
esquecimento dessa ‘desordem organizadora’, dessa pulsação que
só os ‘Castanhos’ são capazes de disseminar”
424
.
Contudo, o próprio Suassuna é consciente de que esse ideal
castanho ainda é uma aspiração mais do que um fato. O ideal
castanho de Suassuna é mais uma questão estética do que um
pensamento sociológico ou científico sobre a cultura brasileira.
Conforme nos alerta Maria Thereza Didier, a “teoria étnica de
Suassuna, enfatizando os aspectos culturais, está muito mais
preocupada em elaborar uma criação estética original e identitária,
como o armorial [...]”
425
. Dessa forma: “Sob o olhar de Ariano, o
sertão tem o significado de fascinação, pela possibilidade de gestar a
beleza genuinamente nacional; no ser castanho, o escritor encontra
o subterrâneo que o armorial tenta revelar”
426
. Assim, para Ariano
Suassuna, o Sertão, passa a ser o palco privilegiado onde essa utopia
Castanha, que é o “sonho inconsciente perseguido por todo o povo
brasileiro”
427
,
se forja de forma mais consistente. Nas palavras do
próprio Ariano: “Esse castanho que, no Brasil, vem se forjando no
423
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.107.
424
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.153.
425
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.156.
426
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.156.
427
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.37.
[156]
Sertão mais do que em qualquer outra parte, é a aspiração
inconsciente, mas verdadeira e profunda, irreprimível, do Povo
brasileiro [...]”.
Notamos aqui, a ascendência que Suassuna visualiza do
mundo sertanejo em relação, por exemplo, com a Zona da Mata, de
Gilberto Freyre, como visto na primeira parte deste estudo. O sertão
é o palco privilegiado do pensamento suassuniano, é a terra mítica
onde a fusão castanha ocorre efetivamente, onde reside nossa
suposta originalidade cultural, visto que no litoral, onde “os
contingentes estrangeiros dominaram mais”
428
, as influências
descaracterizantes são mais nítidas. Assim, para Suassuna:
Apesar do progresso e do desenvolvimento, o
sertão continua ancorado em imagens que
teimam em manter a sutura natureza-cultura,
em que a natureza continua sendo o lugar de
encontro com deuses ancestrais, fonte
perpétua de representações da terra-mãe e das
mitologizações do início e do fim do mundo.
Esse conjunto expressa um modo de vida no
qual real e imaginário, razão e desrazão,
perene e oculto, científico e gico tornam-se
distinções irrelevantes.
429
Volto à primeira das iluminogravuras consideradas “O
campo” (Figura 11). Pode-se encontrar, aqui, os elementos que
representarão essa visão castanha de Ariano, de amálgama das
nossas influências “ibero-mouras, negras e índias”.
Como nas outras iluminogravuras, como já foi mencionado, há
a predominância do tom de terra na obra, sendo essa a cor
representativa do solo agreste, pedregoso e rústico do Sertão. E o
que é mais importante: sobressaindo-se, no centro da prancha, está
a figura de uma mulher negra, sendo que sua cabeça é encimada por
428
SUASSUNA, Ariano. A Onça Castanha e a Ilha Brasil. p.13.
429
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.205.
[157]
um cocar de penas indígena. A leitura parece óbvia: representaria
dois dos elementos que constituiriam a base do povo brasileiro o
negro e o indígena. Note que a mulher está usando um brinco em
forma de lua crescente na qual está “fundida” uma seta apontando
para cima. A lua crescente seria a representação da influência ibero-
moura que Suassuna aponta como um dos povos que entrariam na
fusão que resultaria o seu ideal de povo castanho, juntamente com o
indígena e o negro, já mencionados. Em relação à seta, ela é um
símbolo relacionado ao raio solar, elemento fecundante da natureza,
podendo também simbolizar o fogo e o elemento masculino; a seta
também é o símbolo de Marte e da masculinidade. Igualmente, na
mitologia suassuniana, muitas vezes a figura do Pai
430
será
representada como o Sol do Mundo, como nos atesta os versos
abaixo, os dois tercetos finais do soneto “Fazenda Acahuan”:
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia,
eu me vi, como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a Presa,
Ele, a Brasa que impele ao Fogo, acessa,
Espada de ouro em Pasto ensangüentado.
Podemos ainda ver a representação do Pai transfigurado em
Sol numa das iluminogravuras de Suassuna chamada “A Acahuan
A Malhada da Onça” (Figura 12). Esta iluminogravura não consta
das que foram publicadas pelo Cadernos. No entanto, abaixo acha-se
uma reprodução encontrada na internet, porém com uma qualidade
não muito boa da imagem.
430
Segundo nos afirmam Adriana Victor e Juliana Lins, no livro Ariano Suassuna: um perfil
biográfico: “Por causa de tumultos e disputas que acabaram deflagrando, no Brasil, a
Revolução de 1930, seu pai [João Suassuna] foi assassinado com um tiro pelas costas. O
crime aconteceu no Rio de Janeiro, quando Ariano tinha três anos”. In: VICTOR, Adriana;
LINS, Juliana. Ariano Suassuna: um perfil biográfico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
p.15.
[158]
Figura
11
Iluminogravura: “O Campo”.
[159]
Figura 12 Iluminogravura “A Acahuan A Malhada da Onça”. Detalhe para o espaço
superior, ocupado pela figura de um cavaleiro, representando João Suassuna, o pai de
Ariano. O lado esquerdo do cavaleiro, a imagem do Sol, transfiguração da imagem do pai.
Também notar os detalhes para a chuva de sangue, represando a morte violenta sofrida
pelo então Presidente da Paraíba no Rio de Janeiro, em 1933.
[160]
A imagem do pai também é uma referência simbólica
importante dentro do contexto geral da obra suassuniana. Para
Newton Júnior, é fundamental a compreensão do que representou
para o menino Suassuna a morte precoce do pai, estando esse
evento ligado aquilo que viria a constituir a visão trágica sobre a
vida que passou a nortear os primeiros trabalhos (principalmente
no campo da poesia) do autor paraibano. Segundo Carlos Newton
Júnior: “[...] para aqueles que, embora não conheçam o Suassuna
poeta, conhecem o teatrólogo ou mesmo o prosador, de parecer
no mínimo estranho o fato de falarmos em trágico em relação a um
autor que se destacou na literatura brasileira com trabalhos
pertencentes ao campo cômico”
431
. Contudo, mais adiante o mesmo
autor esclarece: “[m]as é preciso lembrar que Uma Mulher Vestida
de Sol, a primeira peça de Suassuna, é uma tragédia, diríamos até
que clássica, herdeira de toda uma tradição que vem dos gregos,
passando pelo Século de Ouro espanhol e pelas tragédias de
Shakespeare [...]”
432
.
Perdendo o Pai
433
muito cedo, Suassuna sente um profundo
desejo de recuperar sua imagem e memória, para que ela não se
perca no crepúsculo do tempo. A importância do símbolo do pai está
para Paul Ricoeur no seu potencial de transcendência
434
. Dessa
forma, o pai figura na simbologia menos como genitor igual à mãe
do que como aquele que as leis. Ele é fonte de instituição; como o
senhor e o céu, ele é uma imagem da transcendência ordenada,
sábia e justa [...]”
435
. Para Lacan, “É no Nome-do-Pai que se deve
reconhecer o suporte da função simbólica que desde o limiar dos
431
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.149.
432
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.149-150.
433
“Palavras como ‘Pai’, ‘Sertão’, ‘Cultura’, ‘Povo’ passam a serem grifadas por Ariano
Suassuna obrigatoriamente com a inicial maiúscula em qualquer posição ou período em
que apareçam, como uma forma de perpetuar, em sua literatura, a condição superior
hierárquica que para elas deseja seu autor”. In: VENTURA, Leonardo Carneiro. Música dos
espaços. p.69.
434
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.678.
435
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.678.
[161]
tempos históricos identifica a sua pessoa com a imagem da lei”
436
.
Assim, simbolicamente o “pai atinge uma grandeza cultural nos
mitos sobre as origens; sua simbologia se confunde com a do céu e
trai o sentimento de uma ausência, de uma falta, de uma perda, de
um vazio, que somente o autor dos dias poderia preencher”
437
.
Oriundo de uma sociedade ainda essencialmente patriarcal, a
ausência do pai representa também a falta de um referencial para o
resto da vida. A morte precoce do pai e a sua ausência acabam por
inculcar no menino Ariano a constituição de uma figura quase
mítica. Se em situações normais a figura paterna representa para
um menino “um ideal em que ele próprio gostaria de se
transformar”
438
, para o menino Ariano, a morte trágica, violenta e
injusta do pai acaba por transfigurá-lo na imagem do herói (Rei, Sol
ou Cavaleiro, na simbologia suassuniana, conforme podemos ver na
iluminogravura reproduzida na Figura 12). “O pai é não somente o
ser que alguém quer possuir ou ter, mas também que a pessoa quer
vir a ser, e de quem quer ter o mesmo valor”
439
. É do pai que Ariano
herda, entre outras coisas, os gostos e hábitos que levará pelo resto
da vida. Segundo Carlos Newton Júnior:
Sertanejo de nascimento e de coração,
entusiasta das manifestações artísticas
populares, notadamente aquelas ligadas ao
Romanceiro Popular Nordestino, tocador de
viola e contador de histórias, João Suassuna
jamais se deixou fascinar pela cidade grande,
morando na capital meio a contragosto.
Afastado do Sertão, sentia-se dominado por
uma nostalgia profunda e inconsolável. Para
apaziguá-la, tinha costume de promover, no
Palácio do Governo, encontros de violeiros, que
436
LACAN, Jacques apud MARTTA, Margareth Kuhn. Para além do indiferenciado:
questões contemporâneas. In: _______. Violência e angústia. Caxias, RS: Educs, 2004. p.65.
437
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.678.
438
NASIO, Juan-David. O prazer de ler Freud. Trad. Lucy Magalhães; revisão técnica Marco
Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p.66.
439
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.678.
[162]
se estendiam noite a dentro, em desafios e
pelejas. Esses encontros o deixaram de
chocar uma porção de gente
440
.
A figura do Pai está presente na obra suassuniana na “marca
da [sua] ausência”
441
, deixa rastros (nem sempre explícitos, como
disse anteriormente). Segundo Carlos Newton Júnior, é a morte
paterna “a origem mais remota da marca trágica que se fará
presente nos primeiros textos de Ariano Suassuna no campo da
Poesia, do Teatro e do Romance”
442
. Conforme esse autor, somente
após a elaboração do Romance d’A Pedra do Reino (1971) é que
Suassuna começa a tratar de forma mais aberta da morte do pai em
seus trabalhos. Os anos de escritura do romance (1958-1970)
serviram, pois, como um período de amadurecimento sobre o
assunto
443
. Por mais doloroso que fosse esse processo, Ariano não
se eximiu de “agir como um homem que escava” ao “se aproximar
do próprio passado soterrado”. Assim, não temeu “voltar sempre ao
mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se
revolve o solo. Pois ‘fatos’ nada são além de camadas que apenas à
exploração mais cuidadosa entregam aquilo que recompensa como
escavação”
444
. Não obstante, a perda precoce do pai demorará para
ser suavizada. Anos depois declara Ariano no seu discurso de posse
na Academia Brasileira de Letras, em 1990:
Foi de meu Pai, João Suassuna, que
herdei, entre outras coisas, o amor pelo Sertão,
principalmente o da Paraíba, e a admiração por
Euclydes da Cunha. Posso dizer que, como
escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo
440
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O circo da onça malhada: iniciação à obra de Ariano
Suassuna. Recife: Artelivro, 2000. p.13.
441
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.165.
442
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O circo da onça malhada. p.17.
443
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pasto iluminado ou A sagração do poeta brasileiro
desconhecido. p.139.
444
BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. (Obras
escolhidas, v.2). p.239.
[163]
menino que, perdendo o Pai assassinado em 9
de outubro de 1930, passou o resto da vida
tentando protestar contra sua morte através do
que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta
precária compensação e, ao mesmo tempo,
buscando recuperar sua imagem, através da
lembrança, dos depoimentos dos outros, das
palavras que o Pai deixou
445
.
Outro item que deve ser ressaltado, e que pode ser
visualizado em todas as iluminogravuras presentes no Cadernos de
Literatura, é o uso que Suassuna faz do chamado alfabeto sertanejo
ou alfabeto armorial (Figura 3), criado por ele a partir dos desenhos
encontrados nos ferros sertanejos de marcar bois, como foi aqui
mencionado. Relembrando, para o autor paraibano os desenhos
representados por esses ferros, comuns na realidade rural
sertaneja, caracterizariam a existência de uma heráldica popular
brasileira. Heráldica que também estaria presente nos emblemas
dos times de futebol e nas bandeiras e estandartes desses mesmos
times, bem como das escolas de samba. Nas iluminogravuras,
podemos notar o uso desse alfabeto na caligrafia elaborada dos
títulos dos trabalhos, sempre em destaque no espaço pictórico.
Dessa forma, podemos verificar nas iluminogravuras a importância
da arte heráldica na elaboração dos trabalhos de Suassuna.
Conforme Ariano atestou, o próprio movimento por ele idealizado
Armorial tem seu nome inspirado nessa arte. Logicamente que,
através de uma interpretação toda pessoal do autor, em
consonância com o seu posicionamento artístico e ideológico. Assim,
podemos notar que as pranchas encontram-se divididas em
partições internas, tal um escudo ou brasão, atestando a
importância e o conhecimento de Suassuna da arte heráldica, como
será visto mais adiante.
445
SUASSUNA, Ariano. Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. In: ________.
Almanaque armorial. Seleção, organização e prefácio de Carlos Newton Júnior. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2008. p.237.
[164]
Ainda em relação à prancha “O Campo”, algumas questões
devem ser assinaladas. Vemos, por exemplo, no seu canto superior
uma faixa de cor terra, a mesma cor que predomina na maior parte
da iluminogravura. Nessa faixa acham-se as representações de seis
luas crescentes, o cocar que havíamos visto encimando a cabeça
da mulher, e uma figura ao centro, e outra no canto direito.
O cocar, como vimos, simbolizaria o elemento indígena da
nossa cultura. Quanto às luas crescentes, duas leituras podem ser
feitas. Primeiro, esse símbolo pode representar a influência ibero-
moura na formação do povo brasileiro, conforme a atribui Suassuna.
Igualmente, na simbologia, a lua crescente é uma representação do
sagrado feminino, da fertilidade, do crescimento abundante e dos
poderes secretos da natureza. Essa também seria uma leitura
possível, que as duas fileiras de luas crescentes, uma à direita e
outra a esquerda, acabam por chamar a atenção para a figura
central a representação estilizada do símbolo de Vênus,
universalmente convencionado como o símbolo do gênero feminino.
Algo que chama ainda a atenção em relação a essa figura
central é sua possível origem rupestre. Essa foi uma das imagens
encontradas na Pedra do Ingá, sítio arqueológico localizado no
município de Ingá, na Paraíba. Como veremos adiante, Suassuna fará
uso de motivos recolhidos a partir dessas itaquatiaras (inscrições
rupestres) da Pedra do Ingá, principalmente no segundo álbum de
iluminogravuras – Sonetos de Albano Cervonegro.
Podemos encontrar também em “O Campo”, o que talvez se
constitua o elemento simbólico de maior importância no universo
suassuniano a Morte. No canto inferior da prancha ela ocupa o
lugar central, ladeada pelo cocar indígena e outra figura rupestre.
Está ela representada pelo animal de maior importância na
mitologia suassuniana – a Onça.
[165]
Figura 13 – Conjunto de insculturas modeladas da Pedra do Ingá. No canto inferior, quase
ao centro da imagem, podemos ver a representação da figura usada por Ariano Suassuna
na prancha “O Campo”. Fonte: Imagem disponível em
<http://www.viafanzine.jor.br/fonseca>.
A Onça, que também é Castanha, torna-se um dos símbolos
emblemáticos do universo mítico-poético do autor a Onça
Castanha “representa a própria mediadora entre o mundos branco,
negro e amarelo”
446
. Segundo o próprio Suassuna:
Na minha poesia, escolhi como símbolo do
Povo brasileiro a Onça Castanha ou Parda,
também chamada no Sertão de Suçuarana.
Sendo a Suçuarana de cor castanha, para mim é
uma descendente mestiça e completa da Onça
Vermelha na qual simbolizei os índios, da
Onça Tigre, de cor negra – na qual figurei a
grande Raça Negra e da Onça Malhada que
sendo fulva, com malhas pretas, bem pode
446
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.37.
[166]
simbolizar os Portugueses e Espanhóis, tocados
pelo nobre sangue semita – Judeu ou Árabe
447
.
Nas iluminogravuras reproduzidas no Cadernos de Literatura
Brasileira, a onça é presença em três, dos seis trabalhos do autor
paraibano. Esse animal também é presença constante na produção
poética suassuniana, sendo sua menção igualmente constante n’O
Romance da Pedra do Reino, seja através das visagens de Quaderna,
seja nos emblemas e bandeiras que aparecem nas xilogravuras ao
longo dessa obra (Figura 2). Conforme afirma Anna Paula Soares
Lemos: “Idelette Muzart, em prefácio a O Rei Degolado, também
destaca a importância da onça no romance de Suassuna e em sua
interpretação tal simbologia está ligada à do Leopardo e da Pantera
na heráldica medieval européia”
448
. Ainda de acordo com Lemos:
Diz-se que estes dois animais Pantera e
Leopardo são ligados e que a transformação
da pantera em leopardo, em linguagem
heráldica, é o resultado da influência da Igreja
por meio da cristalização do Graal. A pantera
era um animal heráldico tradicional e
significava animal do todo (panthér) ela
evocava o panteísmo e, pelas manchas de sua
pelagem, simbolizava todos os astros do
cosmos
449
.
Mais adiante Anna Paula esclarece que, segundo Idelette
Muzart, “a substituição da pantera pelo leopardo correspondia ao
método experimentado pela Igreja medieval que consistia em
batizar os emblemas pagãos, modificando assim o seu sentido”
450
.
447
SUASSUNA, Ariano apud NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado.
p.105.
448
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
p.97.
449
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
p.97.
450
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
p.97.
[167]
Na visão da igreja cristã o leopardo significaria um “quase-leão”,
“um animal mal diferenciado, em plena evolução, no caminho da
graça, o leão cristão”
451
.
Suassuna, com base nessa afirmação, reconfigurará na sua
mitologia o animal pantera na onça sertaneja, por ver nessa o
mesmo “peso místico e cósmico”
452
daquela, e por ser um animal
típico da fauna da região. Assim, conforme nos alerta Idelette
Muzart, para Suassuna:
No “catolicismo sertanejo” a Onça é a
encarnação da divindade múltipla, é a herdeira
direta do “animal do todo”. A simbólica
astrológica e a dimensão cósmica e heráldica
da vida e da morte se reúnem para a explicação
armorial da criação do mundo e da morte
453
.
Segundo Maria Aparecida Lopes Nogueira, a onça é “o animal
mitológico mais importante” no mundo do sertão nordestino, pois
ele é “identificado com a morte violenta, que, no sertão, é chamada
Caetana
454
. Nas palavras de Suassuna: como “divindade tapuia-
sertaneja, Caetana era bela, imortal e eternamente jovem, dotada
daquela beleza ao mesmo tempo cruel, terrificante e fascinadora
que é própria de sua hierarquia divina”
455
. É novamente Quaderna
quem descreve essa divindade, n’A Pedra do Reino:
[...] entrava na sala da Biblioteca uma moça
esquisita, vestida de vermelho. O vestido,
porém, era aberto nas costas, num amplo
decote que mostrava um dorso felino, de Onça,
451
FONSECA, Idelette Muzart dos Santos apud LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano
Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino. p.97.
452
LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino.
p.97.
453
FONSECA, Idelette Muzart dos Santos apud LEMOS, Anna Paula Soares. Ariano
Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino. p.98.
454
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado. p.36.
455
SUASSUNA, Ariano apud MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus.
p.190.
[168]
e descobria a falda exterior dos seios, por baixo
dos braços. Os pêlos de seus maravilhosos
sovacos não ficavam só neles: num tufo estreito
e reto, subiam a doce e branca falda dos peitos,
dando-lhes uma marca estranha e selvagem.
Em cada um dos ombros, pousava um gavião,
um negro, outro vermelho, e uma Cobra-coral
servia-lhe de colar. Ela me olhava com uma
expressão fascinadora e cruel. [...] Eu, aterrado,
indagava de mim mesmo que era ela. Mas, no
fundo, sabia: era a terrível Moça Caetana, a
cruel Morte Sertaneja, que costuma sangrar
seus assinalados, com suas unhas, longas e
afiadas como garras
456
.
Ainda sobre a importância da onça no universo de Ariano
Suassuna, pude constatar que o autor a ela dedicou, inclusive, uma
das iluminogravuras do primeiro álbum (Sonetos com mote alheio).
Não tive acesso a essa prancha, pois ela não constava das
reproduções escolhidas para publicação pelo Cadernos de
Literatura. Contudo, é possível vê-la, reproduzida abaixo. A imagem
faz parte da dissertação de mestrado de Anna Paula Soares Leme,
Ariano Suassuna, o palhaço-professor e sua Pedra do Reino (UFRJ,
2007). O texto do soneto que compõe a iluminogravura está
transcrito ao lado, e lembra em muito a descrição que fez dela o
narrador Quaderna:
456
SUASSUNA, Ariano. O romance da pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta.
p.305.
[169]
A morte
A Moça Caetana
(com tema de Deborah Brennand)
Eu vi a Morte, a Moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e Amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da Desumana.
Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel
e, na esquerda, a Coral, rubi maldito.
Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas ofegantes,
que, ruflando nas pedras do Sertão,
pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, Espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.
Figura 1
4
Iluminogravura “A Morte
A Moça Caetana”.
Encontrei em Maria Inês Batista Campos a referência que
Ariano faz à Deborah Brennand, no soneto acima. Segundo Campos,
Deborah Brennand seria uma poetisa pernambucana, que também
faz parte do Movimento Armorial. Ainda segundo nos relata
Campos, essa poetisa também tratou da transitoriedade da vida.
Dessa forma, Deborah Brennand, autora “de O punhal tingido ou O
livro de horas de D. Rosa de Aragão (1965), [...] é convocada como
interlocutora do autor”
457
, nesse soneto que tem a morte por tema.
Conforme Irley Machado:
Na mitologia sertaneja de Suassuna as
representações animais são freqüentes e o
animal constitui o objeto de uma assimilação
simbólica. Os mitos em Suassuna não
457
CAMPOS, Maria Inês Batista. Iluminogravuras de Ariano Suassuna: cartografia com
letra e pincel. p.130.
[170]
representam uma fantasia irreal e anestésica,
eles vêm carregados de uma semântica moral e
religiosa. Tornam-se símbolos, mas não
pertencem simplesmente a natureza lingüística
da construção poética, o símbolo está inserido
numa dimensão arquetípica e é produto do
meio no qual nasceu
458
.
Logo, podemos notar que esse procedimento, como o fez
Suassuna, de reconfigurar a representação do leopardo, fazendo a
sua assimilação dentro do universo sertanejo por meio da onça, será
um ato recorrente na mitologia suassuniana. A simbologia dentro da
obra do autor sempre deve remeter ao Sertão e a uma realidade
sertaneja. Nas palavras do narrador Quaderna, d’A Pedra do Reino,
podemos ouvir a voz de Ariano:
[...] no meu Catolicismo, os bichos que servem
de insígnia ao Divino são todos rigorosamente
brasileiros e sertanejos. Por exemplo: na minha
linguagem nunca entram leões ou águias,
bichos estrangeiros, mas sim Onças e Galviões.
Ora, além dessa fidelidade brasileira e
sertaneja, sempre achei essa história de
representar o Espírito Santo por uma
pombinha meio inapropriado. Fique logo claro
que o Espírito Santo não tem nada com isso: a
culpa é de quem inventou! Essa história de
“pombinha” o tem nada de Profecia-
sertaneja, é idiotice desses Profetas
estrangeiros! É por isso que, no meu
Catolicismo-sertanjo, o Espírito Santo é um
Gavião, bicho macho e sangrador, e não essa
pombinha que sempre me pareceu meio sem
graça
459
.
Outro ponto que deve ser ressaltado em relação às
iluminogravuras diz respeito aos princípios da pintura e da gravura
458
MACHADO, Irley. As imagens da morte na epístola do adeus. p.186.
459
SUASSUNA, Ariano. O romance da pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta.
p.562.
[171]
armoriais que são seguidos na confecção desses trabalhos. Assim,
como vem sendo mencionado, o trabalho com as gravuras segue
especialmente as características da xilogravura popular nordestina,
em procedimento semelhante ao utilizado por Suassuna na
elaboração de outros trabalhos na área das artes plásticas, entre
eles, nas ilustrações d’O Romance da Pedra do Reino. Caracteriza-se,
essa gravura, pela “ausência de perspectiva e de profundidade, ou
perspectiva e profundidade apenas indicadas; composição simétrica
e em ‘forma fechada’; desenho tosco e forte; uso predominante de
cores puras; semelhança com os brasões, as bandeiras e os
estandartes dos nossos espetáculos populares; e assim por
diante”
460
. Vale lembra também que foi em Gilvan Samico que
Suassuna foi buscar a fundamentação do que consistiria a pintura
armorial, através da sua inspiração no romanceiro popular
nordestino e nas imagens das xilogravuras que ilustram esse
romanceiro.
Mas as iluminogravuras não se constituem somente de
gravuras xilográficas, elas aliam essas imagens a um texto,
geralmente um soneto. Trata-se, pois, de um texto verbo-visual. E
algumas considerações devem ser feitas em relação ao soneto que
compõe a iluminogravura “O Campo”, que se encontra transcrito
logo abaixo:
O Campo
Tema do Barroco Brasileiro
Um Sol-negro, de escuras. Encrespados,
refletido nas Águas que matiza.
Alvas pedras. Amena e fresca Brisa.
Um fino Capitel transfigurado.
Pardos Montes, no chão encostados.
A Fonte. A crespa Relva, na divina.
Colunas do frontal que o musgo frisa.
460
NEWTON JÚNIOR, Carlos. Uma autobiografia poética. In: SUASSUNA, Ariano.
Iluminogravuras.
[172]
O Vale que se fende aveludado.
E o Pomar: seu odor, sua aspereza.
Essa Romã, fendida e sumarenta,
com o Topázio castanho, mal exposto.
Os frutos odorantes. E a Beleza
- esta Onça amarela que apascenta
a maciez da Morte e de seu gosto
Pode-se notar uma convergência entre os símbolos
representados pelas gravuras e as ideias expressas pelo poema.
Logo, a relação texto-ilustração estabelecida nesse trabalho em
específico (“O Campo”) é mais direita do que, por exemplo, na
iluminogravura chamada de “Lápide”, que veremos a seguir. Porém,
antes de prosseguir com a análise textual do poema, deve-se
procurar entender a temática expressa pela iluminogravura
denominada “O Campo”.
Pelo exposto até aqui, é clara a importância da mulher nessa
iluminogravura. Ela não ocupa o “centro” da prancha, como há
elementos ao longo de todo o espaço pictórico que a ela remetem. A
posição central da gravura representando a mulher é importante
para a compreensão da obra como um todo, visto que o centro
simboliza a ordem e a lei organizadora. Segundo uma das definições
do Dicionário Houaiss Eletrônico, o centro, por analogia,
representaria: “função, instituição, pessoa que é essencial
relativamente a determinada atividade ou interesse”. Então, o
elemento “essencial” representado pela iluminogravura, aquele que
ocupa seu centro, não seria outro – a Mulher.
Assim, ao longo do poema encontram-se outras referências
que remetem igualmente ao universo feminino, o que confirma sua
importância dentro desse trabalho. Como visto, o elemento
feminino predomina numa série de símbolos distribuídos ao longo
do espaço pictórico. No texto eles também se sobressaem. A escolha
do léxico se faz pelo seu caráter simbólico, e mais, essas palavras
[173]
são grafadas com iniciais maiúsculas, logo, é clara a intenção de
revalorizar esses símbolos, dando-lhes ênfase dentro do poema. Ao
descrever a paisagem do campo, o poeta se vale se referências que,
implicitamente, rementem ao corpo da mulher. “Pardos Montes” e
“Pomar”, fazem alusão aos seios femininos, sendo “pardo” lido
também como mais uma menção à miscigenação que caracterizaria
a constituição do povo brasileiro, ou povo castanho, no universo
suassuniano a mulher representada na prancha é negra, ou
constituinte, como gosta de chamar Ariano, da raça castanha dos
povos da Rainha do Meio-Dia. “A Fonte”, “A crespa Relva”, “O Vale
que se fende aveludado”, são claras referências à genitália da
mulher. Encontra-se essa confirmação nos versos finais do primeiro
terceto: “Essa Romã, fendida e sumarenta,/ com o Topázio castanho
mal exposto.” pois, a romã é a designação simbólica da fertilidade
feminina, sendo que segundo o Dicionário de símbolos: “Na Ásia, a
imagem da romã aberta serve à expressão dos desejos – quando não
designa expressamente a vulva”
461
. Então, o “Topázio” que se
oferece ao poeta pode ser entendido metaforicamente como uma
forma de recompensa, a preciosidade que consistiria a sua posse, e a
do corpo dessa mulher idealizada. Também são referências ao
feminino, encontradas nos versos do segundo terceto: “Beleza”,
“Onça amarela” e “Morte”. Como foi visto, a onça possui várias
significações dentro da mitologia suassuniana, sendo uma delas a
“Morte”, que na mitologia sertaneja é uma mulher com traços
felinos.
Finalmente, conforme nos esclarece a definição do Dicionário
de símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, o “campo” ou
“campos”, representaria(m) a “antítese dos infernos, os campos são
o símbolo do Paraíso, ao qual os justos têm acesso após a morte”
462
.
461
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.787.
462
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.172.
[174]
Assim, segundo o próprio Suassuna esclarece
463
, a mulher
representaria a fonte sagrada de apaziguamento e reconciliação
ante o terror do tempo e da morte, que lhe estremecia o sangue. O
corpo feminino passa a ser, então, pressentido e sonhado como um
“campo” encantado no qual o medo do poeta se dissiparia.
Igualmente, essa iluminogravura, especificamente, pode ser
usada para entender a importância da arte heráldica
464
em Ariano
Suassuna, e o uso que ele faz desse conhecimento na elaboração do
seu trabalho, como nos atesta a figura seguinte.
Figura 15 A figura representa um escudo ou brasão, e uma das suas possíveis divisões
ou repartições.
463
São palavras do próprio Suassuna, como introdução à recitação do poema “O campo”.
Esse poema, bem como os outros quinze, que constituiriam a obra Vida-Nova Sertaneja,
foram achados por mim na internet.
464
Reitero o já mencionado: o próprio nome do Movimento Armorial Ariano foi buscar na
arte heráldica e na simbologia por ela representada, sendo que para Suassuna, no Brasil,
essa arte é essencialmente popular, e ele a tanto nos ferros de marcar bois do sertão
nordestino, como nos emblemas dos times de futebol ou nos estandartes das escolas de
samba.
[175]
Essa figura foi extraída do livro Heráldica: escritos heráldico-
genealógicos, de Luiz Marques Poliano, e representa uma das
possíveis divisões ou repartições internas de um escudo ou brasão.
Na referida obra, Poliano faz um inventário de um grande número
de formas e modelos de escudos e brasões, bem como todos os
elementos constitutivos dessa arte e sua simbologia ao longo dos
séculos. A figura em questão se importante para entender o
conhecimento heráldico de Suassuna na elaboração da
iluminogravura “O campo”, especificamente na distribuição dos
elementos que compõem essa prancha.
Segundo Poliano esclarece, a Figura 15, está dividida em nove
partições ou repartições, assinaladas pelas letras de A a I, sendo que
cada uma dessas partições tem sua ordem de importância dentro da
figura. Assim segundo o autor:
A, coração ou abismo; B, ponta ou meio do
chefe; C, ponta do escudo; D, cantão destro do
chefe; F [sic], cantão sinestro do chefe; F, flanco
destro; G, flanco sinestro; H, cantão dentro da
ponta; I, cantão sinestro da ponta. Por meio
dessa divisão metódica chegaremos a
compreender melhor a posição e o valor das
peças ou figuras que compõem o escudo,
facilitando a sua leitura
465
.
Então, se tomarmos a iluminogravura de Ariano como um
objeto estético transformado em brasão brasileiro
466
, podemos
fazer as seguintes considerações, a partir do esquema traçado por
Poliano.
No centro do escudo, ou coração (representado pela letra A)
localiza-se o espaço mais importante do emblema. Na
465
POLIANO, Luiz Marques. Heráldica. p.17.
466
Segundo Maria Inês Batista Campos: “Transformado em objeto estético, a
iluminogravura surge como um brasão brasileiro, capaz de superar esteticamente a
morte. Na construção do mundo sertanejo, as cores, ilustrações, símbolos pré-históricos e
simetrias de cavalos se misturam e inauguram uma tradição cultural”
466
. In: CAMPOS,
Maria Inês Batista. Iluminogravuras de Suassuna: cartografia com letra e pincel. p.134.
[176]
iluminogravura de Suassuna esse espaço é ocupado pela figura da
mulher, sendo que, como foi visto, o elemento feminino tem sua
referência espalhada ao longo de todo o espaço pictórico da
prancha, bem como no próprio texto do poema.
No espaço correspondente a letra B do escudo (ponta ou meio
do chefe), temos na iluminogravura o Símbolo de Vênus, e no espaço
C (ponta do escudo), a figura da Onça. Logo, no espaço central da
iluminogravura (sequência BAC), que podemos qualificar de o mais
nobre ou importante, encontramos a representação dos três
principais símbolos representando o elemento feminino dentro
desse espaço pictórico. Logo, a leitura anteriormente feita sobre
essa obra se confirma: é a Mulher o tema principal dessa
iluminogravura, é ela a fonte da vida e de apaziguamento para o
poeta atormentado frente ao mundo, ao tempo e à morte.
Os espaços de canto são ocupados respectivamente pelas
seguintes figuras: cocar (D); a imagem estilizada, possivelmente
rupestre de um corpo feminino (E)
467
; o correspondente rupestre
do corpo masculino (H)
468
, e novamente o cocar (I). Os espaços F e G
são ocupados por figuras que poderiam representar vasos de argila,
que também seria uma referência ao feminino, já que na simbologia
do vaso podemos encontrar tanto a representação do útero ou do
seio materno, bem como, numa interpretação mais livre, o próprio
sexo da mulher. Segundo o Dicionário de símbolos: “O vaso encerra,
sob diversas formas, o elixir da vida: é um reservatório de vida”.
Dessa forma, mais uma vez, há a referência da mulher como fonte da
vida, contrapondo-se, assim, a outra grande força feminina presente
na obra, a Morte (ou Onça).
467
Ainda em relação ao campo superior da prancha, no seu lado direito vemos o que
poderia ser mais uma representação de origem rupestre, do corpo de uma mulher.
Lembra a imagem, os traços estilizados do corpo feminino, sendo as posições dos seios e
o sexo ocupados pelo Selo de Salomão ou Estrela de Davi, o que mais uma vez remeteria à
origem ibero-moura de nossa formação.
468
Esta figura, ocupando na prancha o espaço diagonalmente oposto ao que representaria
o feminino, pode ser lido como uma estilização do elemento masculino, seu oposto. Mais
uma vez nota-se a importância do feminino no espaço pictórico, pois sua figura ocupa o
espaço superior, enquanto o masculino localiza-se no espaço inferior da iluminogravura.
[177]
Dessa forma, conforme o exposto acima, Suassuna
possivelmente organizou as gravuras dessa obra ao longo do espaço
pictórico de acordo com seu grau de importância dentro da
representação, conhecimento buscado a partir da arte heráldica,
como nos vez ver Poliano e a representação das partições internas
de um escudo ou brasão.
Agora, antes de partir para a análise da segunda
iluminogravura – “Lápide” –, ouçamos o que diz Newton Júnior:
Comparados os conjuntos de iluminogravuras
dos dois álbuns, podemos perceber três
diferenças básicas entre eles. Em primeiro
lugar, o uso da cor é muito mais intenso no
segundo álbum. Os espaços em branco que
ocupam boa parte das pranchas do primeiro
álbum estão quase ausentes no segundo. Por
outro lado, percebe-se ainda que os motivos
pesquisados por Suassuna na pré-história
brasileira encontram-se muito mais presentes
no segundo do que no primeiro. Finalmente, a
relação texto-ilustração é muito mais direta no
primeiro álbum, enquanto que no segundo
predominam motivos do universo armorial do
autor, sem uma preocupação em retratar cenas
ou elementos descritos nos poemas
469
.
É justamente no segundo álbum de iluminogravuras,
chamado de Sonetos de Albano Cervonegro, que Newton Júnior situa
a prancha “Lápide” (Figura 16). Encontraremos também nesse
trabalho muitas das características apontadas na primeira obra.
Assim, o uso das imagens correspondem ao processo de reprodução
das gravuras xilográficas das capas de folhetos de cordel. No título –
“Lápide” Suassuna faz uso, igualmente, do alfabeto sertanejo
criado pelo poeta a partir dos ferros de marcar gado do Sertão
nordestino, bem como no texto que vem logo abaixo do título –
“Com tema de Virgílio, o Latino, e Lino Pedra-Azul, o Sertanejo”.
469
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.129.
[178]
Nessa espécie de subtítulo do poema, podemos notar as referências
de Suassuna ao mundo erudito, representado pelo poeta latino
Virgílio, autor da Eneida, e do mundo popular, através de Lino
Pedra-Azul, cantador e repentista paraibano, portanto, conterrâneo
do autor do Auto da Compadecida. Nos dizeres, que funcionam como
uma espécie de subtítulo, notamos, pois, a representação da fusão
do erudito e do popular, atitude essa que desde o seu início
caracterizou as obras dos artistas armoriais.
Segue abaixo o componente textual da iluminogravura em
questão:
Lápide
Com tema de Virgílio, o Latino e de
Lino Pedra-Azul, o Sertanejo
Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto-incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alanceado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.
Um dos meus Filhos deve cavalgá-lo,
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste, pelo Chão pedroso e pardo,
chapas de Cobre, sinos e Badalos.
Assim, com o Raio e o Cobre-percutido,
tropel de Cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o Som de ouro-fundido,
que, em vão – Sangue insensato e vagabundo –
tentei forjar, no meu Cantar-estranho,
à tez da minha Fera e ao sol do Mundo.
Como o nome do poema que originou a iluminogravura
indica, o texto refere-se a uma espécie de epitáfio do autor. Segundo
o Dicionário Eletrônico Houaiss, literariamente considerado, o
epitáfio é um “tipo de poesia, nem sempre de inscrição lapidar, que
encerra um lamento pela morte de outrem”. Assim, esse poema do
[179]
autor paraibano é uma espécie de exortação aos seus descendentes,
e de como eles devem proceder após a sua morte.
O poeta é representado por dois animais também
emblemáticos na mitologia suassuniana o Cervo e o Cavalo (este
na imagem é dotado de asas). Essas duas figuras de animais, que em
suas feições seguem as convenções da xilogravura popular, e que
lembram igualmente uma representação rupestre, ocupam a maior
parte do espaço na prancha. Vale ressaltar também o uso que
Suassuna faz aqui do espaço, distribuindo os elementos tal qual um
escudo heráldico. Aqui, contudo, no centro da obra (coração)
predominam duas imagens ao invés de uma, como notamos na
iluminogravura “O Campo”.
O Cervo, como foi visto, entraria na composição do
pseudônimo Albano Cervonegro, usado por Ariano no segundo
álbum das iluminogravuras. Como Newton Júnior nos fez saber, o
nome suassuna, adotada pelo avô de Ariano como sobrenome, tem
origem tupi, e significada exatamente cervo negro. Logo, o poema
em questão o cervo é a representação do próprio Ariano Suassuna, é
também uma alusão ao povo indígena, um dos elementos
constituinte da nossa formação, conforme a visão castanha
suassuniana. O Cervo também é um animal heráldico por
excelência. O Cervo no contexto do poema pode indicar igualmente
a ligação entre a vida e a morte, pois nas cosmologias dos indígenas
das Américas, esse animal é visto como um elo com a árvore da
vida
470
. Nesse sentido, o cervo é também uma imagem arcaica da
renovação cíclica
471
. Seus correspondentes podem ser também,
para as comunidades ameríndias, o alce e o gamo.
470
Segundo o Dicionário de Símbolos, “às vezes, na arte indiana, a árvore é representada a
sair dos chifres bifurcados desse animal”. In: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain.
Dicionário de símbolos. p.223.
471
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.223.
[180]
Figura 1
6
Iluminogravura: “Lápide”
[181]
Simbolicamente o Cavalo tem duas leituras possíveis.
Segundo Nadia Julien: “Símbolo da vida (solar), o cavalo é também
uma figura ctoniana, imagem ou encarnação da morte em
numerosos mitos [...]”
472
. O Dicionário de símbolos de Chevalier &
Gheerbrant também confirma essa interpretação: “Filho da noite e
do mistério, esse cavalo arquetípico é um portador de morte e de
vida a um tempo [...]”
473
. No poema em questão isso fica claro,
que o poeta alude no texto à sua própria morte, ideia reforçada já no
título do poema. Porém, o Cavalo é, igualmente, um animal de
grande importância para o povo sertanejo. Simbolicamente ele “é
montaria, veículo, nave, e seu destino, portanto, é inseparável do
destino do homem”
474
. Muitos interpretaram essa ligação
homem/animal na figura do centauro. Conforme Silviano Santiago,
“Suassuna justapõe seu corpo ao do cavalo, criando esta simbiose
mitológica entre homem e animal que se encontra bem expressa
pelos seus predecessores nordestinos através da imagem do
centauro, que tão bem serviu para fotografar a figura do senhor de
engenho (por exemplo, em José Lins do Rego)”
475
.
Podemos ver a importância do cavalo na vida do homem
sertanejo através do que nos relata Virgílio Maia, em Rudes brasões.
Segundo esse autor, o cavalo sempre é poupado quando da
marcação dos animais através do picotamento de suas orelhas –
sendo esta igualmente uma forma de marcação utilizada pelos
criadores de animais do sertão. Segundo Maia:
No Brasil, usa-se, hoje em dia, do Ceará ao Rio
Grande do Sul, assinar tão-somente as
chamadas miunças, ovelhas, cabras, e, em
alguns casos, porcos. Aqui, mais para trás, o
gado vacum era também marcado na orelha.
472
JULIEN, Nadia. Dicionário dos símbolos. p.91
473
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.203.
474
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. p.203.
475
SANTIAGO, Silviano. Comentário. In: SUASSUNA, Ariano. Seleta em prosa e verso. p.187-
188 [nota].
[182]
Ferrava-se a rês e, concomitantemente,
picotava-se, com uma quicé bem amoladinha,
os sinais dos donos nas orelhas. Assim, se uma
vaca parida havia de ser solta e a cria, por
motivos óbvios, ainda não agüentaria ser
ferrada, era, no entanto, assinalada. E deste
modo, ligava-se, pelos sinais, aquela cria àquela
vaca, que por sua vez estava ferrada com a
marca do dono
476
.
Contudo, o cavalo não compartilhava desse destino dos
outros animais, pois segundo assegura Maia:
O cavalo está, via de regra, livre de ter as
orelhas picotadas, certamente por estar mais
perto do homem, tendo, às vezes, até o direito
de saborear um torrão de açúcar à mão do
dono. Sua beleza de cavalo ou de égua, sua
força, o trote macio, o galope veloz, são motivos
de envaidecimento do proprietário, que não
quer, pois, desenfeiar o seu perfil eqüino
477
.
Para Newton Júnior: “o cavalo alado é aquele cuja morte deve
acompanhar a morte do dono, lembrando a forte ligação entre o
sertanejo e seu cavalo”
478
. Os primeiros versos do poema aludem
a essa questão:
Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto-incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alanceado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.
Até aqui, podemos ver que a relação entre texto-imagem
ainda prevalece, sendo as gravuras dos animais a representação do
descrito no poema, senão explicitamente, pelo menos
simbolicamente, como o caso do cervo.
476
MAIA, Virgílio. Rudes brasões. p.48.
477
MAIA, Virgílio. Rudes brasões. p.48.
478
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.138.
[183]
Vale ressaltar ainda a existência, no interior das asas do
cavalo alado, de cinco flores-de-lis. A flor-de-lis é um dos elementos
mais populares das brasonarias. Aqui parecem meio deslocadas,
que sua representação original geralmente é associada à monarquia
francesa. Poderia ser uma forma que Ariano encontrou de atribuir
um estatuto nobre ao cavalo, por ele os possuir gravados em suas
asas. Asas que também podem ter um remetimento teológico, pois o
“alçar vôo aplica-se universalmente à alma e sua aspiração ao
estado supra-individual”. Logo o amálgama entre o cavaleiro e
seu cavalo, sendo que este deve acompanhá-lo até na morte. Poder-
se-ia estabelecer uma associação metafórica com esse movimento
para cima e a imagem da flor-de-lis, pois, como nos mostra a figura,
ela sempre aponta para cima.
Ao longo do poema encontram-se, igualmente, referências ao
cavalo através da escolha de um léxico que remete simbolicamente
a esse animal. Lembremos também que essas palavras são grafadas
com iniciais maiúsculas, o que valorizaria e daria ênfase a esses
símbolos verbais. São vocábulos que nos reportam ao universo
sertanejo de Ariano Suassuna. Assim: “Dorso”, “Espora”, “Sela”,
“tropel de Cascos” referem-se ao animal. O sertão é lembrado “pelo
Chão pedregoso e pardo”. O “sangue do Castanho”, referência ao
poeta/cavalo (centauro), sendo também o castanho a representação
do povo brasileiro, resultado da fusão das raças ibero-mouras,
negras e indígenas.
Outro dado importante a ressaltar, e que Newton Júnior
tinha chamado à atenção, é o uso que Ariano faz, principalmente no
álbum Sonetos de Albano Cervonegro (do qual consta a prancha
“Lápide”) de motivos da pré-história brasileira. Essas imagens
encontram-se distribuídas em duas faixas, uma que encima a
iluminogravura, e outra situada em baixo, numa espécie de rodapé.
Também no centro da prancha podem-se ver outras duas imagens
rupestres, dividindo-a em dois campos simétricos, tendo o cavalo de
um lado e o cervo de outro. Muitas dessas imagens foram inspiradas
[184]
por Suassuna a partir das incrustações e desenhos rupestres ou
itaquatiaras, estranhas mensagens petrogríficas, encontradas na
Pedra do Ingá, monumento arqueológico localizado na Paraíba.
Ainda segundo nos informa Newton Júnior, Suassuna “já
demonstrou possuir uma admiração especial pelo desenho da
esquerda, por lembrar a antiga forma do candelabro judaico”. E,
conforme fez com outros símbolos, Ariano acaba reconfiguando-o
para fazer parte do seu universo mítico-poético. Em outros
trabalhos como pintor e gravador, Ariano já reutilizou essa imagem,
contudo, agora batizada de candelabro sertanejo, sendo mais um dos
símbolos da influência ibero-moura em nossa cultura
479
.
Outro fato ressaltado por Newton Júnior que não devemos
esquecer: a forma como Suassuna tratou a questão da cor nesta
obra. Diferente da primeira iluminogravura analisada, nessa não
o predomínio quase total de um tom terroso, vermelho-
amarronzado. Ele ainda está presente, contudo acaba dando espaço
para outras cores, como o azul, o amarelo e o verde.
Outrossim, segundo o próprio Suassuna esclarece, esse
soneto nasceu depois de uma leitura do poeta Virgílio e de versos do
cantador Lino Pedra-Azul. Conforme atesta Ariano: “Sempre que
leio um poeta que me toca, aparece um verso que se liga a minha
vida, ao Sertão, ao sangue de meu País, à pedra do meu destino na
terra”. O soneto então é fruto da influência desses dois mestres, “um
egresso da tradição mediterrânea, outro das Caatingas e carrascais
do Sertão onde morei”
480
. O popular e o erudito, como
mencionado, que se fundem inegavelmente em toda a obra do autor
paraibano.
479
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.138.
480
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.137. [nota de rodapé]
Saindo do território
O inconsciente permanece agarrado em
fixações arcaicas apenas enquanto nenhum
engajamento o faz projetar-se para o
futuro.
FÉLIX GUATTARI
É Newton Júnior que afirma que a obra suassuniana “é como
uma grande Catedral barroca, onde o menor detalhe integra-se de
tal forma ao conjunto que se torna fundamental para a existência do
todo”
481
. Por isso, a necessidade de se conhecer a obra de Suassuna
como um todo para tentar apreender todo o rico simbolismo que ela
comporta. Simbolismo expresso através da poesia, do teatro, do
romance, do ensaio, da pintura, da escultura, da tapeçaria, da
gravura, das iluminogravuras e estilogravuras... São tantas as facetas
desse artista múltiplo, como são múltiplas também as suas
contradições.
Mesmo contra todas as tendências e discursos em contrário,
Ariano Suassuna permanece firme em suas convicções de defensor
de uma cultura que ele diz autêntica, ameaçada cada vez mais pelas
influências descaracterizantes externas. Suassuna sempre produziu
481
NEWTON JÚNIOR, Carlos. O pai, o exílio e o reino. p.142.
[186]
sob o signo da resistência. Na sua representação, a cultura popular
seria a expressão da tradição, sendo essa uma fonte de resistência à
desagregação capitalista/moderna. E embora seja considerado por
muitos como o maior autor brasileiro vivo, sua ideologia e seus
posicionamentos em relação à arte, cultura e política, o
encontram unanimidade, nem mesmo por parte dos seus
defensores. Para muitos, o autor paraibano seria o representante de
um passado já superado pela modernidade, mas que se mantém
aferrado à uma ilusão de nação que já não pode mais ser concebida.
Contudo, Suassuna não se permite qualificar como um
“regionalista estreito”. Aqueles que se posicionam a favor do autor
acreditam que, buscando seus temas na arte e na cultura popular,
Ariano procura transcender ao mero retratar do pitoresco e das
aparências superficiais de uma determinada região. É o armorial
Francisco Brennand quem nos diz:
Devemos desenvolver uma consciência de
valores, para que saibamos distinguir e
compreender a importância dos motivos
nacionais, sem nos prendermos a elementos
puramente folclóricos de nosso contexto
geopolítico ou aos estilos e formas
popularizados, porque um povo impõe sua
marca cultural a outros povos quando sabe dar
aos seus núcleos culturais de origem popular
uma dimensão intelectual universalizante
482
.
no ensaio “O decifrador de brasilidades”, Idelette Muzart
Fonseca dos Santos escreve: “A relação com a cultura oral e popular
nordestina, em vez de limitar a obra de Suassuna a um regionalismo
ou nacionalismo estreito, incentiva a uma viagem dentro das
culturas brasileiras e universais [...]”. Para essa autora, o
nacionalismo de Suassuna “apresenta-se então como uma busca da
diferença, da multiplicidade cultural, e jamais como exaltação
482
BRENNAND, Francisco. Cultura brasileira: historicidade e mito, p.86.
[187]
unanimista e nostálgica”
483
. Neste ponto reside, para Maria
Aparecida Lopes Nogueira, a grande diferença de Ariano Suassuna
sobre seus antecessores, a
[...] dialógica vida e idéias revela um Suassuna
universal, que se põe questões existenciais
comuns a todos o homens de todos os tempos e
lugares, e favorece a unidualidade que enfoca a
diferença num primeiro instante, mas
esforçando-se em ultrapassá-la, para amplificar
o olhar na direção de territórios mais
amplos
484
.
Dessa forma, Ariano Suassuna tornou-se o homem do Sertão
nordestino, aquele que tem suas raízes fincadas nessa terra, sendo o
Sertão o “símbolo primário” da sua estética armorial, em
contraposição ao massapê freyriano. É desse mundo que ele lança
seu discurso de resistência: “Minha visão é essa: uma obra terá
tanto mais interesse quanto mais ela revelar os problemas do
homem, através dos problemas locais”
485
, e complementa o autor,
“cada país tem que contribuir com sua nota particular, singular,
diferente”
486
.
Contudo, como afirmei, o pensamento de Suassuna não
encontra unanimidade, nem mesmo em relação aos que lhe são mais
próximos. Alguns dos posicionamentos do autor paraibano geram
críticas por sua radicalidade, valendo-lhe os rótulos de arcaico e
conservador. Essas críticas afirmam que o escritor tenta, de alguma
maneira “esconder a ‘verdadeira’ realidade do povo brasileiro”
487
.
Segundo Carlos Alberto Dória,
483
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. O decifrador de brasilidades. p.97.
484
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O cabreiro tresmalhado, p.17.
485
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Ao sol da prosa brasiliana [entrevista]. p.37.
486
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Ao sol da prosa brasiliana [entrevista]. p.36.
487
DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial. p.58.
[188]
[...] o armorial o passa de uma tentativa de,
eruditamente, emprestar à cultura popular
nordestina uma suposta dignidade e nobreza
que seus mentores conseguem identificar na
Idade Média européia. As elites locais sabem
muito bem que não possuem um passado o
glorioso e que jamais produziram um Carlos
Magno. É preciso inventá-lo trabalhando sobre
o imaginário popular de modo a frisar seus elos
e ligações passadas com a cultura européia, isto
é, o lado cultural da dominação colonial
diluídos pelos séculos nesta coisa amorfa que é
o folclore
488
.
Dessa forma, como venho mencionado ao longo desse ensaio,
Ariano Suassuna erige ao mesmo tempo um território mítico-
poético, existencial-afetivo e de resistência representado pelo
fechamento estético de um espaço geográfico – o Sertão nordestino.
Acredita, assim, o poeta paraibano, que conseguirá manter as forças
do caos no exterior, protegendo sua interioridade germinativa,
cerne de sua paisagem discursiva da formação brasileira. Reitero,
entretanto, que os meios não são isolados, e não importa até que
ponto o agenciamento de formas e forças de resistência
empreendidos por Ariano Suassuna, seu território sempre estará
aberto ao caos e sendo ameaçado de esgotamento ou de intrusão
489
.
Podemos pensar, a partir de Deleuze, que um indivíduo (e
porque não, uma cultura), “é antes de mais nada uma essência
singular, isto é, um grau de potência. A essa essência corresponde
uma relação característica; a esse grau de potência corresponde
certo poder de ser afetado”
490
. Nesse sentido, deve-se propor uma
abertura para a diversidade na forma de se pensar a questão
identitária atualmente, levando em conta que a sociedade e as
488
DÓRIA, Carlos Alberto apud DIDIER, Maria Thereza. Emblemas da sagração armorial.
p.58.
489
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: vol. 4. p.119.
490
DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal Lins.
Revisão Técnica. Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes. São Paulo: Escuta, 2002. p.33.
[189]
culturas não funcionam na lógica binária (livro-raiz) que estamos
acostumados a ver, mas se constituem num palco de permanente
tensão entre as diferentes forças que as compõem. Assim,
diferentemente do que pensa Ariano Suassuna,
[a]s culturas vivas são receptivas às influências
externas. Num certo sentido, todas as culturas
foram culturas de contato; mas o que elas
fazem dessas influências é que é
interessante
491
.
A postura ideológica de Ariano Suassuna ao falar de uma
“nação” e um “povo” como sujeitos imanentes, que teriam na cultura
popular seu estrato “autêntico”, nega qualquer forma de negociação
e diálogo com a diversidade cultural que existe dentro do próprio
país, resultando na tentativa de “ofuscar os conflitos e a
heterogeneidade da população, que faz com que a nação esteja
dividida no interior dela mesma”
492
. Trata-se de uma posição
extremamente frágil nos tempos atuais a defesa desse tipo de
ideologia, pois é “inviável continuar a afirmar as culturas populares
como imunes ao processo histórico e ao intricado mapa das trocas
culturais”
493
.
Assim, do meio do discurso caótico da modernidade surge
essa figura quixotesca representada por Ariano Suassuna. Radical
em muitos pontos, sim. Contestado em sua posição saudosista em
relação ao passado e a tradição, com certeza. Contudo, não deixa, o
autor paraibano, de ser uma figura emblemática que empunha,
quase solitário, um escudo (armorial, com certeza) numa luta vã,
contra forças maiores que ele. Contudo, ideologias à parte, não se
pode deixar de reconhecer a extraordinária riqueza da produção
artística de Suassuna. Ele é, certamente, o maior autor vivo do nosso
país. É também o último grande representante dessa máquina
491
AUGÉ, Marc. A guerra dos sonhos. p.25.
492
MARQUES, Roberta Ramos. Deslocamentos armoriais. p.91.
493
MARQUES, Roberta Ramos. Deslocamentos armoriais. p.26.
[190]
chamada Nordeste, que algumas gerações de pensadores,
intelectuais e artistas incutiram no imaginário do Brasil. Terra ao
mesmo tempo cheia de contrates naturais e sociais, que entretanto
nos legou nomes como Ariano Suassuna, Gilberto Freyre, Osman
Lins, Augusto dos Anjos e João Cabral de Melo Neto, para citar
alguns.
O próprio Ariano reconheceu que sua batalha é inglória.
Mas é a única forma que ele encontrou de resistir. Lembremos
Bauman, que escreve: a “identidade é uma luta simultânea contra a
dissolução e a fragmentação; uma intenção de devorar e ao mesmo
tempo uma recusa resoluta a ser devorado...”
494
. À sua maneira,
Ariano Suassuna encontrou uma forma de resistência à dissolução e
à fragmentação que o nosso tempo impõe, pois, ele é um sertanejo,
e, como se afirmou, todo “sertanejo é, antes de tudo, um forte”
495
.
E o objetivo está na luta, não na vitória.
494
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005. p.84.
495
CUNHA, Euclides. Os Sertões: campanha de Canudos. Introdução de Nelson Werneck
Sodré. 27.ed. Brasília: Editora da UnB, 1963. p.94.
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