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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
VALDENILDA LOPES FRANÇA DA CONCEIÇÃO
A INTERDISCIPLINARIDADE: UMA PROPOSTA DE HUMANIZAÇÃO NO
PROCESSO DO APREENDER DO INDIVÍDUO
POR UMA EDUCABILIDADE DO SER: O DESAFIO DO CURRÍCULO
GLOBALIZANTE
São Leopoldo
2010
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VALDENILDA LOPES FRANÇA DA CONCEIÇÃO
A INTERDISCIPLINARIDADE: UMA PROPOSTA DE HUMANIZAÇÃO NO
PROCESSO DO APREENDER DO INDIVÍDUO
POR UMA EDUCABILIDADE DO SER: O DESAFIO DO CURRÍCULO
GLOBALIZANTE
Trabalho Final de
Mestrado Profissional
Para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Programa de Pós-Graduação
Linha de pesquisa: Educação comunitária
com infância e juventude
Orientadora: Marga Janéte Ströher
Segundo Avaliador: Remí Klein
São Leopoldo
2010
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha elaborada pela Biblioteca da EST
C744i Conceição, Valdenilda Lopes França da
A interdisciplinaridade : uma proposta de
humanização no processo do apreender do indivíduo.
Por uma educabilidade do ser: o desafio do currículo
globalizante / Valdenilda Lopes França da Conceição ;
orientadora Marga Janete Ströher ; co-orientador Remí
Klein . – São Leopoldo : EST/PPG, 2010.
94 f. ; il.
Dissertação (mestrado) – Escola Superior de
Teologia. Programa de Pós-Graduação. Mestrado em
Teologia. São Leopoldo, 2010.
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na
educação. 2. Interdisciplinaridade na educação. I.
Ströher, Marga Janete. II. Klein, Remí. III. Título.
VALDENILDA LOPES FRANÇA DA CONCEIÇÃO
A INTERDISCIPLINARIDADE: UMA PROPOSTA DE HUMANIZAÇÃO NO
PROCESSO DO APREENDER DO INDIVÍDUO
POR UMA EDUCABILIDADE DO SER: O DESAFIO DO CURRÍCULO
GLOBALIZANTE
Trabalho Final de
Mestrado Profissional
Para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Programa de Pós-Graduação
Linha de pesquisa: Educação comunitária
com infância e juventude
Data:
Marga Janéte Ströher - Doutora em Teologia - Escola Superior de Teologia
Remí Klein - Doutor em Teologia - Escola Superior de Teologia
À Professora Maria de Fátima Luz, mestra,
amiga e irmã, exemplo de profissional que, com
serenidade, humildade e competência, sabe
transformar as adversidades em oportunidades
para garantir conquistas, vencendo desafios e
deixando pegadas que se tornam marcas na
história de nossa Educação
AGRADECIMENTOS
A Deus, Supremo arquiteto do Universo, Senhor de todas as coisas, que me
legou o dom da vida e o privilégio de servi-lo, que sendo a essência do saber,
oportunizou-me momentos de amadurecimento intelectual, sensibilizando-me para a
importância do saber a serviço do ser humano e transformação do mundo. A Ele,
toda honra glória e louvor para sempre!
Ao esposo, Pedro Nunes, pela cumplicidade, amor, compreensão e
incentivo, mesmo nas dificuldades e momentos distantes. Meu especial carinho e
amor!
Aos queridos filhos, Jeiel, Jeisiele e Reinam, pelo amor e compreensão nos
momentos em que me fiz ausente do lar para manter a dedicação aos estudos. Meu
carinho, amor e gratidão!
A minha querida mãe, Valdelice, com seu jeito especial, sempre estivera ao
meu lado, encorajando-me nesta árdua caminhada e nunca economizou seu
cuidado e orações ao meu favor. Meu eterno agradecimento!
Aos professores da Escola Superior de Teologia, exemplo de mestres, que
ensinam com a própria vida, inspirando confiança com sensibilidade, humildade,
esperança e, acima de tudo, amor por uma educação integral, transformadora...
Ajudaram-me a enxergar mais longe, arriscar... Sonhar... Realizar... Percorrer
caminhos ainda desconhecidos em busca do conhecimento que promove vida.
Minha intensa consideração e respeito!
Ao professor Dario Loureiro e sua esposa, professora Ana Lúcia, Diretores
da FACE, grandes amigos, incentivadores e idealizadores de uma nova educação
local, que acreditam, lutam e constroem novas perspectivas de vida melhor para
nosso povo. Meu sincero reconhecimento!
Ao pastor Joel Leal, líder espiritual, sempre soube com palavras sinceras e
inspiradoras, professar bênçãos, conquistas e vitórias para nossas vidas. Meu
estimado agradecimento.
Aos colegas da turma MP2, de longe e de perto, que compartilharam
momentos de dificuldades, sempre acreditando na possibilidade de vencer. Jamais
esquecerei de vocês. Muito obrigada!
6
Ao colega Ulisses, notável amigo, idealizador e incentivador desse
auspicioso projeto, por seu altruísmo e espírito solidário, por acreditar que um
grande sonho pode se tornar realidade. Meu profundo reconhecimento e estima!
À querida sobrinha Evelyn, doce, questionadora, sonhadora.... Seu desejo
de conhecer e ser me incentivaram a trilhar caminhos ainda mais longos. Meu
carinho!
Às pessoas que foram presenças amiga e solidária durante toda essa
jornada. Minha sincera gratidão!
“Um novo tipo de exigência impõe-se ao
professor atual: a capacidade de atuar de
forma interdisciplinar. Não é possível mais
dissociarmos competência no trabalho
educacional com interdisciplinaridade, isto é,
competente hoje é o professor apto a atuar
de forma interdisciplinar em todas as
dimensões das diferentes práticas”.
Ivani Catarina A. Fazenda
RESUMO
O presente trabalho dissertativo é o resultado de uma pesquisa na tentativa de
elucidar de que forma a interdisciplinaridade podecontribuir para uma nova visão
epistemológica e metodológica na transformação curricular, em prol de uma
educação integral do ser. Tem como título: A interdisciplinaridade: uma proposta de
humanização no processo do apreender do indivíduo: por uma educabilidade do ser,
o desafio do currículo globalizante. Foi efetivado utilizando como metodologia a
pesquisa bibliográfica exploratória e o estudo documental. Apoiou-se em referenciais
teóricos na área do currículo e interdisciplinaridade e projetos, tendo como base de
interlocução e diálogo autores como: Fazenda, Japiassu, Morin, Lück, Freire,
Gadotti, Boaventura, Torres e Hernandez, dentre outros, com o objetivo de enfatizar
a relevância da interdisciplinaridade como um movimento de superação da
fragmentação do conhecimento e elucidar de que forma esta poderá contribuir para
uma nova visão epistemológica e metodológica na transformação curricular, em prol
de uma aprendizagem significativa para educabilidade do ser. Proporciona como
foco de discussão o pensamento cartesiano: paradigma da modernidade e sua
influência para a tendência pedagógica liberal tradicional, que norteou o pensamento
moderno. Analisa a evolução do movimento de ruptura com o modelo cartesiano e a
renovação interdisciplinar como um movimento de renovação do conhecimento.
Discorre sobre a interdisciplinaridade e o currículo globalizante, seus pressupostos
objetivos, impactos, valores, características, variações e desafios na educação pós-
moderna a serem aprendidos e operacionalizados no contexto da complexidade.
Aborda sobre os novos saberes que emergem frente aos desafios no contexto s-
moderno, apontando a prática de projetos educacionais, como um mecanismo de
superação do conhecimento fragmentado para a formação integral do ser. Os
resultados mostram que a tendência interdisciplinar na educação desponta como
uma realidade na superação da fragmentação histórica do conhecimento e permite
concluir que tanto a didática quanto o currículo, numa perspectiva interdisciplinar,
poderão contribuir sobremaneira para um novo pensar e agir, por parte daqueles
que ainda acreditam nos novos caminhos de uma educação transformadora e
comprometida com a vida.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Aprendizagem. Currículo. Conhecimento.
ABSTRACT
This research is the result of a study that attempts to clarify the way in which the
interdisciplinarity can contribute to a new epistemological and methodological vision
within the curricular transformation, in favor of an integral education of the being. The
title is: The interdisciplinarity: a proposal of humanization in the learning process of
the individual: towards an educability of the being, the challenge of the globalizing
curriculum. It was accomplished through a methodology based on exploratory
bibliographical research and studies of documents. It sought support in theoretical
references in the area of the curriculum, interdisciplinarity and projects, and the basis
of interlocution and dialog were found in the following authors: Fazenda, Japiassu,
Morin, Lück, Freire, Gadotti, Boaventura, Torres and Hernandez, among others. The
objective is to emphasize the relevance of the interdisciplinarity as a movement to
overcome the fragmentation of knowledge and to elucidate how it can contribute to a
new epistemological and methodological vision towards the transformation of the
curriculum in favor of a meaningful learning in the educability of the being. It provides
a discussion centered in the Cartesian thought: paradigm of modernity and its
influence on the traditional liberal educational trend which has guided the modern
thought. It analyses the evolution of the movement of rupture with the Cartesian
model and the interdisciplinary renovation as a movement to renew knowledge. It
discusses the interdisciplinarity and the globalizing curriculum, its presupposed goals,
impacts, values, characteristics, variations and challenges in post-modern education
which need to be learned and operationalized in the context of complexity. It
addresses the new knowledge which emerges in the post-modern context, pointing to
the practice of educational projects as a mechanism to overcome the fragmented
knowledge in order to form the integral being. The results show that the
interdisciplinary tendency in education dawns as a reality in the overcoming of the
historical fragmentation of knowledge and allows us to conclude that both the
didactics and the curriculum, in an interdisciplinary perspective, can greatly contribute
to the occurrence of new thoughts and actions of those who still believe in a new
education, which is transforming and committed to life.
Keywords: Interdisciplinarity. Learning. Curriculum. Knowledge.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11
1 O PARADIGMA DA MODERNIDADE: PENSAMENTO CARTESIANO E SUA INFLUÊNCIA
NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA................................................................................. 16
1.1 Concepção e historicidade da educação: uma breve análise a partir da tendência
pedagógica liberal tradicional........................................................................................... 17
1.2 A evolução do movimento de ruptura com o modelo cartesiano e as novas tendências
educacionais.................................................................................................................... 23
1.3 O surgimento de uma nova realidade......................................................................... 30
2 A INTERDISCIPLINARIDADE NO CURRÍCULO ESCOLAR: DESAFIOS, OBJETIVOS E
CONTRIBUIÇÕES NA SOCIEDADE APRENDENTE.......................................................... 37
2.1 Análise dos conceitos: interdisciplinaridade, disciplinaridade, multi/pluri e
transdisciplinaridade na sociedade aprendente ............................................................... 37
2.2 O currículo e a didática numa perspectiva interdisciplinar: uma exigência para o
contexto pós-moderno ..................................................................................................... 45
2.3 O aprender interdisciplinar: uma mudança de atitude no contexto da complexidade.. 51
3 SABERES NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
............................................................................................................................................ 56
3.1 A arte de educar para a competência e sensibilidade solidária planetária: um desafio
........................................................................................................................................ 57
3.2 A educação holística/transcendente: possibilidade para a educabilidade do ser........ 59
3.3 Breves reflexões sobre a importância de projetos educacionais interdisciplinares em
espaços educacionais: desafios e avanços possíveis...................................................... 62
3.4 Projeto Pedagógico Interdisciplinar na Academia: uma experiência possível............. 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 71
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 73
ANEXO A: Projeto Pedagógico Interdisciplinar: conhecer para transformar ........................ 77
INTRODUÇÃO
As profundas mudanças ocorridas na sociedade, caracterizadas por muitos
teóricos como pós-modernidade, exigem de todos os segmentos das ciências
humanas, sobretudo da educação, como dimensão de influência determinante na
sociedade, uma profunda análise e reflexão filosófica, objetivando atitudes coerentes
que correspondam de forma efetiva aos anseios subjacentes do momento e às
novas exigências do contexto atual.
Faz-se necessário considerar que o processo civilizatório e a humanização
se apresentam em contínuo movimento a partir de novas “ideias forças”, permitindo
profundas mudanças na história da humanidade.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade é um movimento que se apresenta
como uma ideia força para quebrar velhos paradigmas pedagógicos e encontrar o fio
condutor na busca de sua interioridade no re-encontro entre o pensar e o existir, o
aprender e o agir.
Portanto, esse trabalho dissertativo é o resultado de uma pesquisa na
tentativa de elucidar de que forma a interdisciplinaridade poderá contribuir para uma
nova visão epistemológica e metodológica na transformação curricular, em prol de
uma educação integral do ser, tendo como título A interdisciplinaridade: uma
proposta de humanização no processo do apreender do indivíduo: por uma
educabilidade do ser, o desafio do currículo globalizante.
Os resultados finais a serem alcançados pelo presente trabalho envolvem os
seguintes objetivos:
Investigar de que forma a interdisciplinaridade poderá contribuir para uma nova
visão epistemológica e metodológica na transformação curricular e educabilidade
do ser no contexto pós-moderno;
Evidenciar os obstáculos epistemológicos existentes na tendência pedagógica
tradicional, que constituiu a cultura educacional e por muito tempo cristalizou o
conhecimento de forma disciplinar e fragmentada;
Analisar o sentido da interdisciplinaridade no desenvolvimento de uma pedagogia
de superação do currículo fragmentado, comprometida com a formação plena do
ser;
Discutir os saberes necessários à educação na constituição do currículo
globalizado para a educabilidade do ser em tempos de incertezas.
12
Para melhor compreensão do trabalho, no que se refere aos objetivos
propostos, a pesquisa se estruturou da seguinte forma: primeiro, a contextualização
e apresentação do problema, constatando-se que a educação ocupa cada vez mais
espaço na vida das pessoas, à medida que aumenta seu papel como
desempenhado na dinâmica da sociedade. A interdisciplinaridade é um movimento
que se apresenta para quebrar velhos paradigmas pedagógicos, de forma a
encontrar o fio condutor na busca de sua interioridade para o conhecimento da
totalidade, num reencontro entre o pensar e o existir, o aprender e o agir.
Esse re-encontro é o ponto de convergência que possibilitará uma ação
educativa, humana, crítica e transformadora e aqueles que internalizarem e
apreenderem seu fundamento serão os protagonistas de uma nova história.
É inegável a grandiosidade que essa visão tem promovido em diferentes
áreas da atuação humana, permitindo uma verdadeira interação
entre as diversas
áreas do conhecimento, possibilitando a quebra de paradigma em prol da
construção do ser.
Entretanto, nota-se o grande desafio na superação das dicotomias do saber
que, por séculos, caracterizaram e cristalizaram as ciências humanas, no campo
epistemológico, teórico–metodológico, que reflete na educação formal, um modelo
positivista cujo saber é compartimentado em áreas específicas do conhecimento,
currículos educacionais engessados, cristalizados, sem nenhuma relação com a
vivência humana e, portanto, desvinculados da realidade existencial.
Esses reflexos são visíveis, tornando-se urgente a necessidade de uma
base de sustentação para o fazer pedagógico, respaldado na interdisciplinaridade,
na busca da superação do currículo fragmentado, descontextualizado, classificatório,
excludente e descompromissado com a vivência humana. Falta ao educador atual,
de acordo com Fazenda, apropriar-se dessa nova visão, a fim de assumir uma
atitude,
1
frente aos desafios e complexidades que o novo contexto apresenta.
Ao se buscar respostas para
a fragmentação do conhecimento escolar e
para a superação do conteúdo pelo conteúdo, provisoriamente, foram apontadas
algumas hipóteses, a saber: existe a possibilidade de que o ensino tradicional tenha
1
FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 2. ed. São Paulo:
Papirus, 1995. p. 132.
13
contribuído para uma práxis pedagógica fragmentada. É provável que uma
educação fundamentada nos princípios da interdisciplinaridade evidencie uma
concepção educacional globalizante. É possível desenvolver uma estratégia
curricular baseada em saberes inter e transdisciplinares que atenda a formação do
ser de forma integral, numa perspectiva que abarque os novos saberes e desafios
da pós-modernidade.
A justificativa procurou destacar a relevância dessa pesquisa, primeiro como
uma inquietação da pesquisadora que, diante de sua prática pedagógica, vem ao
longo dos anos buscando o caminho da superação do saber fragmentado que
permeia a educação em seus diferentes níveis e modalidades. Segundo, pela
importância que esse trabalho deverá apresentar a educadores dos diferentes
segmentos na superação do currículo fragmentado para uma proposta educacional
integralizadora, que promova o encontro do conhecimento em sua totalidade entre o
pensar e o existir, o aprender e o agir, tornando-se imprescindível o aprofundamento
para uma compreensão desses processos como eixo norteador de uma educação
global e transformadora.
Para que esse trabalho dissertativo tivesse o êxito necessário, buscou-se em
toda pesquisa fundamentá-lo em teóricos reconhecidos pelos inúmeros trabalhos
realizados em torno dessa temática, a saber: Japiassu apresenta um enfoque
histórico e epistemológico da interdisciplinaridade, considerando a fragmentação do
saber uma patologia a ser vencida.
Fazenda, considerada pelos críticos teóricos da educação como a mãe da
interdisciplinaridade no Brasil, enfatiza que a interdisciplinaridade o é uma nova
ciência, nem ciências das ciências, mas é o ponto de encontro entre o movimento de
renovação da atitude frente aos problemas de ensino e pesquisa e a aceleração do
conhecimento científico, ainda defende que a interdisciplinaridade não é categoria
de conhecimento, mas de ação e se faz necessário cultivar uma perspectiva e
atitudes voltadas para a superação das visões fragmentadas de qualquer ordem.
Lück defende a necessidade de superação da dicotomia entre pedagogia e
epistemologia, entre ensino e produção do conhecimento científico e a forma como
tem gerado um conhecimento descontextualizado da vida. Discute e apresenta
propostas relacionadas ao ensino e à pesquisa e caracteriza a interdisciplinaridade
como uma ideia força para a superação de uma prática pedagógica fragmentada
14
O sociointeracionismo de Vygotsky, para quem o conhecimento se dá a
partir das relações, apresenta o ser humano como um ser ativo, capaz de construir
seu conhecimento, criando e elaborando hipóteses sobre o meio em que vive. A
construção do pensamento humano nessa concepção se de acordo com o meio
ambiente histórico e social, portanto integral.
Torres Santomé discute a globalização e a interdisciplinaridade. Analisa a
base ideológica, filosófica, científica e profissional que permeia o discurso e as
práticas de organização das tarefas escolares em disciplina, apresenta e analisa as
temáticas da interdisciplinaridade e do currículo integrado como possibilidades de
superação do saber fragmentado e dominante, a partir do currículo por projeto de
unidade didática integrada.
Hernández enfoca a dimensão de se trabalhar a organização do currículo
escolar a partir de atividades, temas ou projetos pedagógicos para a superação do
currículo fragmentado, desvinculados de problemas e situações da prática. Defende
a proposta escolar por projeto de trabalho como uma estratégia para o
conhecimento globalizado e relacional, estabelecendo uma conexão entre o ensino e
a aprendizagem, objetivando a aprendizagem significativa.
Freire ressalta a importância dos saberes necessários à prática docente que
promova a libertação. Reforça o educar numa dimensão social de formação humana
com um pensamento fortemente orientado por um projeto educacional, cuja
ideologia é a emancipação, a libertação, o respeito à identidade e à autonomia do
ser em todas as dimensões.
Quanto à metodologia aplicada, o presente trabalho pode ser caracterizado
como uma pesquisa bibliográfica, em parte de caráter qualitativo. Na pesquisa, foi
realizado um levantamento bibliográfico, com exploração de diferentes fontes:
bibliográficas e históricas; informações nos trabalhos acadêmicos já existentes;
pesquisas na internet atendendo aos seguintes procedimentos metodológicos:
revisão bibliográfica, leitura e fichamento, análise e produção textual; pesquisa
documental, com estudo e análise de documentos normativos da educação
brasileira, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, dentre outros.
Na elaboração sistemática desse trabalho, os capítulos se estruturam da
seguinte forma: a introdução abarca toda a proposta a que esta dissertação se
15
destina. O primeiro capítulo discorre como a concepção tradicional constituiu a base
da educação ocidental, formação do conceito epistemológico e suas implicações na
educação. Analisa ainda a evolução do movimento de ruptura com o modelo
cartesiano e a renovação interdisciplinar como um movimento de renovação do
conhecimento.
O segundo capítulo analisa a interdisciplinaridade e o currículo globalizante,
seus pressupostos objetivos, impactos, valores, características, variações e desafios
na educação pós-moderna a serem aprendidos e superados no contexto da
complexidade.
Por fim, o terceiro capítulo aborda os novos saberes educacionais que
emergem frente aos desafios no contexto pós-moderno e aponta a importância da
prática de projetos educacionais em espaços escolares e comunitários, como um
mecanismo de superação do conhecimento fragmentado na busca da formação
integral do ser.
1 O PARADIGMA DA MODERNIDADE: PENSAMENTO CARTESIANO E SUA
INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
O presente capítulo tem o objetivo de discorrer sobre o surgimento da
educação na modernidade. Faz uma análise da influência do pensamento de René
Descartes, que se constituiu como o paradigma cultural, educacional e social do
mundo ocidental moderno e, por muito tempo, cristalizou o conhecimento de forma
disciplinar e fragmentada, desvinculando o saber do ser, evidenciando
consequências nas diferentes dimensões humanas. Busca-se nesse trabalho,
explicitá-la de forma mais detalhada no contexto da educação.
De acordo com William E. Doll Jr., utilizando-se da física e da matemática,
pôde-se estruturar a história do pensamento ocidental delineada em períodos
conhecidos como metaparadigmas, a saber: pré-moderno, moderno e pós moderno.
2
O primeiro surge com a própria civilização humana e se estende até as revoluções
científica e industrial. Caracteriza-se com base na visão de equilíbrio humano e
harmonia cosmológica, incluindo a natureza, o conhecimento e o transcendente.
o paradigma moderno tem início a partir do século XVI, marcado por uma
cosmologia científica com base na ordem das leis naturais, sendo identificado e
explicitado através da linguagem matemática. Nessa visão, a natureza perde sua
hegemonia e passa a ser controlada pelo ser humano.
Através do método científico de Descartes e do empirismo de Newton, todo
fenômeno deveria passar pelo crivo da racionalidade, ser testado e mesurado para
constitui-se como verdadeiro e, assim, digno da credibilidade. Elevando-se, a
partir daí, uma filosofia positivista e uma ciência cientificista, de dimensão quase
divina e imutável, como explica Smith:
Ela cumpriu tão bem e tão efetivamente a tarefa de controle, que durante
este século, a ciência se expandiu, de uma disciplina ou procedimento, para
um dogma, “transformando rapidamente seus métodos numa metafísica” e
assim criando o cientificismo.
3
A adoração da ciência e sua deificação provavelmente atingiram seu ápice
de influência no início da década de 1960, com o início da reforma curricular
que
2
DOLL Jr., Willian E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
p. 34.
3
SMITH apud DOLL Jr., 1997, p. 18.
17
contribuiu com a valorização profissional, com o conhecimento especializado e
influenciou diretamente a concepção de educação, ensino e escola, cujos reflexos
ainda estão presentes na atualidade.
1.1 Concepção e historicidade da educação: uma breve análise a partir da
tendência pedagógica liberal tradicional
São muitas as concepções que buscam definir o termo educação. Essa
variação se a partir dos diferentes contextos: ideológico, filosófico, sociopolítico e
econômico em que a educação se insere. Segundo o dicionário Aurélio, educação
se define como: “o processo e desenvolvimento da capacidade física, intelectual da
criança e do ser humano em geral, visando a sua melhor integração individual e
social”.
4
De acordo com Luckesi,
Em nossa cultura, o processo de conhecer, específico do ser humano, está
profundamente vinculado à escola, componente básico do sistema
educacional, em nosso país. Educar é preparar e capacitar o homem para
que o seu relacionamento com o meio ambiente possa ser em harmonia
tanto para ele como para os que o cercam.
5
Educação, como ciência, é estudada a partir da ótica da pedagogia e,
segundo Ximenes, entende-se como: “a arte e a ciência da educação e do ensino”.
6
Enquanto o Aurélio ainda define pedagogia como sendo “teoria e ciência da
educação e do ‘ensino’ ou ainda ‘conjunto’ de doutrinas, princípios e métodos de
educação e instrução que tendem a um objetivo prático”.
7
Para alguns autores, como Libâneo, a educação é, entre as atividades
humanas, uma das mais complexas e mais importantes. Ele a define como complexa
por estar presente nas necessidades dos indivíduos e por confluir para ela diversos
interesses humanos.
8
A importância acontece, segundo Carvalho, “porque ela
contribui para a formação humana, nasce enquanto processo que participa da
própria constituição humana”.
9
Percebe-se, com isso, que o ser humano não pode
estar dissociado da educação.
4
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário escolar de Língua Portuguesa. Curitiba:
Positivo, 2005.
5
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 2001. p. 29.
6
XIMENES, Sérgio. Dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. São Paulo: Ediouro, 2001.
7
FERREIRA, 2005.
8
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública. São Paulo: Loyola, 2005.
9
CARVALHO, R. E. Temas em educação especial. Rio de Janeiro: WVA, 1998.
18
Na Idade Moderna, Francis Bacon (1561-1626), “considerado um dos
criadores do método cientifico e da ciência experimental”,
10
acreditava que o ser
humano poderia compreender e apreender as situações que ocorrem na
realidade se tivesse uma ideia bem clara a respeito dos fatos. Foi ele, segundo
Vianna, um dos primeiros a entender que o todo científico poderia dar ao ser
humano poder sobre a natureza e, portanto, o avanço da ciência poderia ser usado
para promover em escala inimaginável o progresso e a prosperidade humana.
11
Nesse mesmo período, o filósofo John Locke (1632-1704) acreditava e
defendia que a educação é parte do direito à vida, pois só assim poderão ser
formados seres conscientes, livres e senhores de si.
12
para o filósofo Montaigne
(1533-1592), a finalidade primordial da educação se encontra no desenvolvimento
da virtude humana, sua máxima residia na moral e não no intelecto.
13
Com as profundas transformações ocorridas na sociedade, a educação
também sofre essa influência e, através das tendências pedagógicas, busca-se
imprimir em cada momento um modelo distinto de educação que atenda às
exigências e ideais estabelecidos.
Foi com o surgimento do liberalismo econômico que a pedagogia liberal se
tornou evidente, inaugurando um novo modelo de educação para a sociedade
daquela época. Porém, é bom lembrar que a presença de uma tendência não
elimina a manifestação de outra em um determinado contexto social.
O pensamento liberal burguês do século XVIII está centrado na ideia de
liberdade econômica e essa ideia serve como base de sustentação da educação
durante toda a Modernidade.
A pedagogia liberal o surge por acaso. Ela é resultado das profundas
mudanças que marcam a sociedade na Modernidade
. Primeiro, com o
Renascimento, a partir do século XV e XVI, movimento caracterizado por um enorme
interesse pelo passado greco-romano, principalmente da arte, como também pelo
humanismo, que deu continuidade à busca pelo conhecimento por meio da razão
10
CHOSSOT apud AHLERT, Alvori. A eticidade da educação: o discurso de uma práxis solidária /
universal. Ijuí: Unijuí, 1999. p. 84.
11
VIANNA, Carlos Eduardo Souza. Evolução histórica do conceito de educação e os objetivos
constitucionais da educação brasileira. Janus, Lorena, v. 3, n. 4, p. 128-138, 2006. Disponível em:
<http://www.fatea.br/seer/index.php/janus/article/view/41/44>. Acesso em: 15 jan. 2009.
12
VIANNA, 2006.
13
AHLERT, 1999, p. 84.
19
humana. Fundamentava-se no racionalismo e positivismo cientificista, que se
manifestou notadamente na cultura, arte e astronomia, com a teoria heliocêntrica, e,
de forma específica, na matemática e nas ciências da natureza.
Em seu aspecto mais amplo, o liberalismo se trata de uma negação à
intervenção do Estado na economia, base fundamental da política econômica
adotada pelas monarquias absolutistas, chamada pelos próprios pensadores liberais
de mercantilismo. Serviu como base de justificação para a implantação do sistema
capitalista, dando ênfase à defesa da liberdade dos direitos e interesses
individualistas na sociedade e na forma de organização social, baseada na
propriedade privada e dos meios de produção.
O pensamento liberal burguês do século XVIII tem em Rousseau (1712-
1778) um de seus principais percussores. Em sua ótica, a educação começa pelo
desenvolvimento das sensações e dos pensamentos, pela valorização da
espontaneidade e das experiências. Nesse sentido, a educação das crianças fica
por conta do “desenvolvimento natural”. Em uma de suas principais obras, o
Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, tornou-se notável como
defensor da pequena burguesia:
Rousseau glorificou os valores da vida natural e atacou a corrupção, a
avareza e os vícios da sociedade civilizada. Fez inúmeros elogios à
liberdade que desfrutava o selvagem, na pureza do seu estado natural,
contrapondo-a à falsidade e aos artifícios do homem civilizado.
14
Alinhado a esses novos conceitos, a pedagogia liberal vai se beneficiar da
ideia de liberdade econômica, eixo condutor do pensamento econômico do século
XVIII, que tem
como principal expoente o escocês Adam Smith (1723-1790). Sua
obra fundamental, A riqueza das nações, articula-se ao pensamento dos fisiocratas
ao defender a liberdade econômica e ao conceber a riqueza como algo dinâmico,
passível de ser produzida. Para Luckesi, essas tendências são interpretadas da
seguinte forma: “educação como redenção, educação como reprodução e educação
como transformação da sociedade. [...] A perspectiva redentora se traduz pelas
pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias
progressistas”.
15
Dessa classificação, deriva-se, na educação brasileira, a educação
14
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 2001.
15
LUCKESI, 2001, p. 53.
20
conservadora e a progressista, mediante os critérios que adotam em relação às
funções sociais e políticas da escola.
Libâneo propõe a seguinte classificação dessas tendências, para melhor
compreensão de suas características: pedagogias liberais: tradicional, renovadora,
progressista renovadora não-diretiva, tecnicista; pedagogias progressistas:
libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos.
16
No entanto, para fins de
análise dessa pesquisa, busca-se evidenciar a tendência tradicional conservadora.
Na visão de Libâneo, a pedagogia liberal tradicional sustenta a ideia de que
a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis
sociais, de acordo com as aptidões individuais. O destaque no aspecto cultural
oculta a realidade das diferenças de classes, pois, embora defenda a ideia de
igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições dos
sujeitos na sociedade.
17
Libâneo, ao analisar as tendências, apresenta seis aspectos
que variam de acordo com sua classificação conforme ideologia, a saber: papel da
escola, conteúdos de ensino, método, relacionamento professor aluno, pressupostos
da aprendizagem e manifestações da prática escolar.
18
A tendência liberal tradicional é marcada pela concepção do ser humano em
sua essência, seu intuito é dar expressão à sua própria natureza, preocupa-se com a
universalização do conhecimento. O treino intensivo, a repetição e a memorização
são as formas pelas quais o educador, elemento principal desse processo, transmite
o acervo de informações a seus alunos, considerados agentes passivos aos quais
não é permitida nenhuma forma de manifestação. Os conteúdos são verdades
absolutas, dissociadas da vivência dos alunos e de sua realidade social, portanto,
fragmentado e pobre de sentido.
Quando aos métodos de ensino, a tendência liberal tradicional se baseia
tanto na exposição verbal quanto na demonstração dos conteúdos, que são
apresentados de forma linear e numa progressão lógica, sem levar em consideração
as características próprias dos alunos, muitas vezes encarados como adultos em
miniatura. O professor é considerado o dono do saber e avalia o aluno através de
instrumentos mesuráveis: provas escritas, orais, exercícios e trabalhos de casa.
16
LIBÂNEO, 2005.
17
LIBÂNEO, 2005.
18
LIBÂNEO, 2005, p. 179.
21
Esse tipo de avaliação quase sempre vem regado com um esforço negativo de
classificação, punição e exclusão.
A pedagogia renovada, conhecida também como Pedagogia Nova,
Escolanovismo ou ainda Escola Nova, é uma tendência que surge paralelamente à
pedagogia tradicional. Com a necessidade de democratizar a sociedade, fez com
que reformas educacionais urgentes ocorressem, emergindo da própria população a
necessidade de uma consciência nacional. Conforme Libâneo, as tendências
tradicionais renovadas se revelam por meio de duas versões: renovada progressista
ou programática, que tem em Anísio Teixeira seu principal expoente; renovada não-
diretiva, com o psicólogo Carl Roger como autor de destaque, o qual enfatiza
também a equidade e o sentimento de cultura como desenvolvimento de aptidões
individuais. Porém, não se pode esquecer nessa tendência a supervalorização dos
aspectos psicológicos dos sujeitos, como pré-requisitos indispensáveis no processo
de desenvolvimento da aprendizagem.
19
Como explicita Luzuriaga: “Por educação
nova entendemos a corrente que trata de mudar o rumo da educação tradicional,
intelectualista e livresca, dando-lhe sentido vivo e ativo. Por isso se deu também a
esse movimento o nome de escola ativa”.
20
Na Escola Nova, os objetivos de ensino
estão focalizados no aluno. Os educadores que adotam essa concepção acreditam
em uma sociedade mais justa e igualitária. A esse respeito, Fusari e Ferraz
apresentam o seguinte ponto de vista:
Do ponto de vista da Escola Nova, os conhecimentos obtidos pela ciência
e acumulados pela humanidade não precisariam ser transmitidos aos
alunos, pois se acreditava que, passando por esses métodos, eles seriam
naturalmente encontrados e organizados.
21
A pedagogia escolanovista rompe com as “cópias de modelos”, com relação
às teorias e práticas estéticas, e parte para a criatividade e a livre expressão. A
estética moderna privilegia a inspiração e a sensibilidade, acentuando o respeito à
individualidade do aluno.
De acordo com a concepção renovada progressista, compete à escola
adequar as necessidades do indivíduo ao meio social em que está inserido,
19
LIBÂNEO, 2005.
20
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e de pedagogia. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1980. p. 227.
21
FUSARI, Maria F. R.; FERRAZ, Maria H. C. T. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1992.
p. 28.
22
tornando-se mais próxima da vida. a concepção renovada não-diretiva outorga à
escola o papel de formar atitudes e, para isso, esta deve estar mais preocupada com
os aspectos psicológicos em detrimento dos aspectos pedagógicos ou sociais.
Nesse sentido, ela deve buscar estratégias que evidenciem e valorizem as
potencialidades psicológicas do sujeito.
Não se pode negar a importância desses aspectos para o rompimento com
os padrões estéticos e metodológicos tradicionais. No entanto, criou-se uma postura
não-diretiva, espontaneísta. Seu objetivo principal é o desenvolvimento da
criatividade. Porém, na tentativa exagerada de busca da criatividade do aluno, de
forma livre e espontânea, muitos professores se desviam da real proposta da Escola
Nova, promovendo um empobrecimento da atuação pedagógica.
A pedagogia liberal tecnicista nasce nos Estados Unidos na segunda metade
do século XX e é inserida no Brasil entre 1960 e 1970. Nessa percepção, o ser
humano é considerado um produto do meio. É uma consequência das forças
existentes em seu ambiente. A consciência do ser humano é formada nas relações
acidentais que ele estabelece com o meio ou controlada cientificamente através da
educação, sem, no entanto, necessitar manifestar a sua subjetividade.
A educação atua, assim, no fortalecimento da ordem social vigente (o
sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo. Para tanto,
emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia
comportamental, que atua na disciplina do sujeito, sem preocupação com o
desenvolvimento da criticidade. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos
“competentes para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações
precisas, objetivas e rápidas”.
22
A prática escolar nessa pedagogia tem como função
especial adequar o sistema educacional com a proposta econômica e política do
regime militar, preparando, dessa forma, mão de obra para ser aproveitada pelo
mercado de trabalho.
Nesse sentido, a escola pública se adéqua, objetivando o ser humano para o
trabalho, para a disciplina, fragmentando o conhecimento acumulado através de um
currículo multidisciplinar, fragmentando o próprio ser humano, para atender tão
22
LIBÂNEO, 2005, p. 290.
23
somente aos interesses de uma classe dominante em detrimento da identidade e
interioridade do ser.
Na modernidade, essa característica sustentou o pensamento positivista e,
nesse aspecto, o filósofo e historiador francês Michel Foucault, numa série de
estudos realizados sobre a “genealogia do sujeito moderno”, declara:
O poder disciplinar está, em primeiro lugar, com a regulação, a vigilância é o
governo da espécie humana ou de populações inteiras e, em segundo lugar,
do indivíduo e do corpo. Seus locais são aquelas novas instituições que se
desenvolveram ao longo do século XIX e que policiam e disciplinam
populações modernas.
23
Nessa perspectiva, a educação conservadora ou pedagogia tradicional
serviu para legitimar e fortalecer o modelo econômico liberal. Ela imprimiu o poder
simbólico de dominação econômica em que as instituições educacionais, como
representantes legais do poder governamental, buscaram controlar, através da
disciplina e dos métodos coercitivos, atitudes e comportamentos indesejáveis. Criou-
se assim uma escola para atender a um padrão “ideal”, deixando à margem aqueles
que não conseguiam se adequar às exigências impostas por esse modelo.
Assim, tanto na ciência quanto nas disciplinas escolares, houve uma
fragmentação do saber para fortalecer e empoderar as partes, pois, com a
modernização, a escola se transforma em um espaço que prioriza o conhecimento
racional em detrimento do ser. Um espaço em que as diferentes áreas o
interagiam entre si, distanciando-se do sentido real da vida.
1.2 A evolução do movimento de ruptura com o modelo cartesiano e as novas
tendências educacionais
No final do século passado, inicia-se a terceira onda, conhecida como a
Revolução do Conhecimento, quebrando o velho paradigma do conhecimento
fragmentado.
24
Nesse momento, é mais do que imprescindível a busca do
pensamento filosófico platônico, em que todas as ideias se convergem para a
unidade de equilíbrio das ciências, ressignificando todas as estruturas do
pensamento humano.
23
FOUCAULT apud HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001. p. 42.
24
TOFFLER, Alvin. O desenvolvimento da humanidade em onda. São Paulo: Record, 1995.
Segundo o autor, a humanidade se desenvolve através de ondas, apresentando características
específicas para cada período de evolução.
24
Inicia-se o processo de reflexão do saber, nas atitudes dos indivíduos e na
dinâmica da sociedade moderna, como afirma Sampaio: “surge uma nova escola
para educar um homem novo que supere as contradições dos nossos dias. É uma
educação flexível mais ampla que sai às ruas, invade os lares e todos os setores da
sociedade”.
25
É evidente que, com o racionalismo de Descartes e o empirismo de Newton,
e suas possíveis combinações ao pensamento científico no final do século XIX, se
acreditava ter encontrado o embasamento sólido para o conhecimento, ou seja, o
método científico. Com ele, a razão seria também autônoma em relação ao ser
humano que a abriga. A razão autônoma se considera isenta da subjetividade
humana, constitui-se no sujeito que transforma a realidade em objeto de seu
conhecimento.
Tanto o sujeito quanto o objeto não mais integram o todo da realidade,
mas são elementos dela retirados pela razão e pelo método científico. Neste caso, o
sujeito que conhece não é mais o ser humano que faz parte da realidade como
um todo. O objeto que ele procura conhecer também não faz mais parte da realidade
como um todo.
A consequência latente negativa dessa trajetória para a educação em busca
do conhecimento, de acordo com Morin, mostrou-se paradoxalmente “disjuntivo”,
26
uma vez que para eliminar ao máximo as interferências e obter o conhecimento
seguro foi necessário compartimentar a realidade em porções cada vez menores.
Em decorrência disso, surge a especialização, que garantiu o sucesso do
empreendimento científico moderno. Ao mesmo tempo, o sujeito, ao olhar para a
realidade como composta por diversos objetos separados uns dos outros,
desenvolve diferentes ciências especializadas, que foram se afastando cada vez
mais umas das outras e do objeto pesquisado. Clóvis Nunes faz uma crítica às
consequências para a educação, desse modelo fragmentado do conhecimento,
ressaltando:
O enfoque disciplinar da educação na atualidade pode ser considerado um
dos principais efeitos do condicionamento materialista, mecanicista e
25
SAMPAIO, Dulce. Pedagogia do ser: educação dos sentidos e dos valores humanos. Petrópolis:
Vozes, 2004. p. 77.
26
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 11,21.
25
reducionista que empobreceu e circunscreveu a cultura do ocidente,
limitando a ciência ao paradigma cartesiano newtoniano de que se
constituiu a contemporaneidade.
27
No final do século XIX, acreditava-se que a razão, com seu todo
científico, tinha o acesso à realidade como tal, como também era a possuidora
exclusiva deste acesso. O pensamento científico classificava e menosprezava todos
os outros tipos de conhecimento como não verdadeiros, não confiáveis, em
detrimento da ciência mensurável.
28
A verdade científica era exaltada principalmente pelos grandes feitos
alcançados, por meio do método científico, nas ciências físico-matemáticas e na
tecnologia, por conta de seus grandes e inegáveis benefícios à humanidade.
Incentivados por esse sucesso e apoiando-se na crença da ordem universal, as
diferentes ciências procuraram aplicar o método científico para não serem excluídas
da “verdade” científica.
29
Assim, a tentativa de mecanização, a exemplo da física, impôs-se também
nas outras ciências sem, no entanto, alcançar o mesmo sucesso. Procurou-se
explicar até mesmo o ser humano como sendo uma máquina que funcionaria
segundo as leis físicas, químicas, biológicas, psicológicas e sociais. Estas leis de
fato existem e é por isto que o ser humano e a natureza continuam sendo estudados
desta maneira. Porém, ao lado dos significativos resultados desse empreendimento,
a especialização fragmentou tanto o ser humano quanto a natureza, como enfoca
Nunes:
A vitoriosa metáfora do homem máquina ficou legitimada como muito bem
demonstrada na genial sátira de Chaplin em seu filme “Tempos Modernos”.
Embora o mesmo tenha alertado: “Não sois máquinas homens é que
sois”. A fragmentação do saber robotizou a moderna civilização, reduzindo o
homem, com seu complexo mistério, a um conjunto de engrenagens.
30
27
NUNES, Clóvis Souza. Educação pela paz: um guia para pais, professores e todos os estudantes
da vida. 2. ed. João Pessoa: Qualifraf, 2002. p. 59. Idealizador e coordenador do Movimento e Não
Violência Internacional Paz pela Paz - MOVPAZ. Autor do projeto Paz pela Paz , que contém 21
ações práticas em favor da Paz.
28
REALE, Geovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo:
Paulus, 1990. p. 23.
29
Para uma breve história da ciência que revela o seu início mitológico/religioso, ver: CHASSOT,
Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 2004.
30
NUNES, 2002, p. 59-60.
26
A racionalidade empregada pelo método científico de Descartes, da razão
conduzida corretamente”, não estava sujeita a qualquer outra autoridade a não ser à
sua própria lei, pois só desta forma estaria livre de qualquer interferência e apta para
o conhecimento verdadeiro e imutável. Coerentemente com esse aspecto, as
explicações mitológicas e o conhecimento religioso passaram a ser questões
impossíveis de conciliar com o conhecimento científico, pois, além de não serem
passíveis de verificação segundo seu método, pressupunham outro fundamento.
Para a razão autônoma, os deuses e a religião não eram mais necessários e, mais
ainda, não eram realidade, assim como os sentimentos, a emoção e a subjetividade
do ser. Conforme ressalta Doll Jr.,
Na separação categórica de Descartes do objetivo e do subjetivo os seres
humanos pelos menos em termo de seus sentidos passaram a ser um
amontoado confuso de qualidades secundárias. Sentimentos, intuições e
experiências pessoais não eram uma fonte de conhecimento. O
conhecimento existia “foraimutável imutável inalterável residindo nas
grandes leis na natureza.
31
A sujeição à nova autoridade e a adoção do novo fundamento para o
conhecimento verdadeiro, o método do conhecimento científico, libertaria o ser
humano de sua própria ilusão subjetiva.
No entanto, é importante ressaltar que, na trajetória da emancipação da
razão e do sujeito, existiam os sistemas filosóficos que se opunham à primazia da
razão diante da realidade. Alguns pensadores questionaram a capacidade da razão
chegar ao conhecimento do objeto, o que não abalou a crença na hegemônia da
razão. Alfred Northwhitehaed (1925/1967) critica essa posição como “uma razão
com apenas um olho, deficiente em sua visão de profundidade”.
32
O pensamento
romântico incorporava e valorizava outras formas de cognição como a fantasia, os
sentimentos, a vontade, etc. Com estas faculdades aliadas aos sentidos e à razão, o
romantismo também buscava a ordem e o sentido.
De acordo com Tillich,
33
até a teologia cristã procurou adequar-se à nova
realidade. Essa Adequação teve como consequência o afastamento cada vez maior
das outras ciências ou sua conformação ao espírito científico que resultou na perda
de sua essência e identidade religiosa.
31
DOLL Jr., 1997, p. 59.
32
NORTHWHITEHAED apud DOLL Jr., 1997, p. 59.
33
TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. São Paulo: ASTE, 2000.
27
Mesmo existindo dúvidas quanto a sua aplicação universal, a razão
autônoma e o método científico reinavam no final do século XIX. O conhecimento
mitológico primitivo que integrava toda a realidade e o ser humano em suas
explicações evoluiu para um conhecimento no qual o sujeito que conhece deve estar
necessariamente distanciado do objeto conhecido. Assim, no final do século XIX, a
razão científica se elevou sobre a realidade. Concernente a esse modelo, Fazenda
elabora a seguinte crítica:
O mim mesmo, o eu são reduzidos ao penso. Somente conheço quando
penso. Conheço com o intelecto, conheço com a razão, não com os
sentimentos. Conheço minha exterioridade e nele construo meu mundo, um
mundo sem mim. Um mundo que é eles, porém não sou eu, nem somos
nós. A razão alimenta-se até exaurir-se da objetividade. Quando nada mais
resta, tenta lançar mão da subjetividade, porém ela o é alimento
adequado, porque adormecida porque entorpecida.
34
A consequência natural desse processo foi a fragmentação da realidade e
dos saberes, a hierarquização das ciências segundo sua capacidade de alcançar o
conhecimento verdadeiro (objetivo) e a exclusão dos saberes (subjetivo), nos quais
não era possível usar o método consagrado.
Com isso, a razão autônoma e o método científico foram consagrados como
detentores únicos do conhecimento e da verdade em detrimento de quaisquer outras
formas de saberes e assim foi possível as grandes conquistas da ciência, o que
resultou na depreciação, quando não invalidação, de outras dimensões
fundamentais da vida.
Porém, a autodecretação de exclusividade no acesso ao conhecimento
verdadeiro pela razão autônoma, sustentada pelo método científico, foi
profundamente abalada a partir do final do século XIX, crise que se consolidou
durante o século XX, principalmente com a Segunda Grande Guerra. Esse abalo
atingiu a ciência que parecia inabalável, em toda sua supremacia, decretando a
morte do modernismo, conforme explica Doll Jr.
A Segunda Guerra Mundial mudou tudo isso; depois da guerra houve um
colapso dos padrões intelectuais, sociais e morais que haviam sustentado a
burguesia e realçado o avant-garde. Atualmente diz Bell “não existe mais o
avant-garde, porque ninguém... está do lado da ordem e da tradição. Existe
apenas um desejo do novo”. não existe uma contracultura. Em certo
sentido o avant-garde venceu eliminando não só os valores burgueses
34
FAZENDA, 1995, p. 16.
28
como também ele mesmo. [...] “O modernismo está morto” ele tem muito
pouco a oferecer em sua forma presente.
35
O mundo começa a se articular em torno de um progresso bélico sem
precedentes, apresentando uma proposta ameaçadora para toda a humanidade. O
que até então era visto na ciência e na tecnologia como uma ação nobre e neutra,
passa ser visto paradoxalmente como valor de uso, abarcando em si o valor da
troca, submissa ao capital e ao Estado.
A pós-modernidade também é considerada por alguns teóricos como
ruptura, por outros, como continuidade. Alguns a consideram um período histórico
específico que questiona todas as formas e modelos padronizados de progresso
desenvolvimento pregado e defendido pela modernidade.
O paradigma da pós-modernidade, embora cheio de suas próprias
contradições, deve ter algum avanço para oferecer. É isto que uma perspectiva mais
esperançosa enfatiza, algumas novas possibilidades especificamente pós-modernas,
tendendo a ceder a outra, mais negativa, de obras posteriores. Existe então, na
desestabilização pós-moderna dos padrões rígidos da vida social da modernidade,
algo de salutar ou potencialmente emancipatório. A nova possibilidade de “conviver
com a ambivalência” traz seus perigos, mas também um desafio que talvez valha a
pena: há consciência. Como ressalta Bauman,
É na sua pluralidade e não na ‘sobrevivência dos mais aptos’ (isto é, na
extinção dos ‘menos aptos’) que reside agora a esperança. Mas o desafio, e
os perigos, são enormes, pois: ao contrário da ciência e da ideologia
política, a liberdade não promete certeza nem garantia de nada.
36
Segundo Lampert, não existe um conceito exato desse novo momento, não
se define como um fenômeno ou uma mudança paradigmática nem um movimento
cultural ou uma reavaliação crítica do pensar e agir da modernidade, talvez seja tudo
isso e aquilo que não se consegue conceituar.
37
O discurso dos críticos apresenta
muitas razões para justificar a pós-modernidade como um movimento que critica
algo fragmentado, contraditório e incompatível, que permeia a história da civilização
ocidental.
35
DOLL Jr., 1997, p. 22.
36
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 259.
37
LAMPERT, Ernani. Pós-modernidade e educação. Porto Alegre: Sulina, 2005.
29
De acordo Lampert, é na teoria da arquitetura e crítica literária que se
encontra a melhor definição, sendo considerada a transição de uma cultura de
certeza para a cultura de incertezas e ainda a ideia do filósofo Jean-François
Lyotard, que define como uma mudança geral na condição humana.
38
Harbermas,
em seu discurso na conferência Modernidade um projeto incompleto, criticou de
forma veemente o neoconservantismo social e o pós-modernismo artístico. Jaeson
enfatiza o conflito estético entre o realismo e o modernismo, e Harvey, em sua obra,
apresenta os impactos ideológicos do pós-modernismo.
39
Conforme Lampert, o pós-modernismo teve início em 1960 a partir dos
movimentos estudantis, com o desenvolvimento da tecnologia e a nova visão de
consumo, capital e esvaziamento da modernidade, por outro lado, como uma
condição histórica e assinala todas as mudanças subsequentes a esse contexto.
40
uma leitura paradoxal, do paradigma pós-moderno referente a esse
movimento em Di Giorgi, que considera uma sensação da falência de modernidade
com toda sua forma de racionalização da vida e uma aposta. uma crença dos
pós-modernistas na importância das diferenças em todos seus aspectos e
dimensões, bem como a descrença na hegemonia do estado e da dominação de
classes. Para Gomes, “o mundo pós-moderno é descentralizado, dinâmico e
pluralista”.
41
As regras absolutas são cada vez mais ignoradas, as minorias de
classe estão alcançando direito à expressão.
Percebe-se que uma ênfase na diferença em detrimento ao
universalismo, em que se evidencia o diálogo, culturas, etnias, identidades
nacionais, étnicas, sexuais ou regionais. A cultura depende de articulação política,
enfraquecendo-se como bem maior da sociedade. Desaparece a pretensão de
neutralidade e inocência cultural, sendo reduzida a uma prática cultural e a defesa
das diferenças culturais.
Santos comenta que o modernismo conseguiu destruir muitas formas de
saberes, principalmente dos povos dominados, reduzindo-os ao silêncio, tornando-
38
LAMPERT, 2005.
39
JAESON e HARVEY apud LYOTARD, Jean-Francois. A condição pós-moderna. 5. ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1998.
40
LAMPERT, 2005.
41
GOMES, C. A. A educação no mundo pós-guerra fria: o enfoque da educação comparada e
internacional. Em Aberto, Brasília, v. 14, n. 64, 1994, p. 517.
30
os impronunciáveis, imperceptíveis, sem vez nem voz, em nome da “ciência, da
razão, da civilização”.
42
A pós-modernidade é considerada a terceira grande mudança paradigmática
na civilização. Segundo Santos, a pós-modernidade apresenta muitas
características, da necessidade de sistemas abertos, indefinição da ciência,
denúncia da mídia, explosão da informação e tecnologia, humanização do mundo
em seus diferentes aspectos, globalização, integração do Estado com a economia,
às tendências de hegemonia do mercado, queda do sujeito, surgimento de uma
nova concepção de tempo e história e, ainda, rejeição de visão de uma
racionalidade global, como forma de explicação de todos os fenômenos.
43
Esta
última característica afetou diretamente a cultura ocidental em seus diferentes
aspectos. Todos os pensamentos embasados no racionalismo cartesiano, no
positivismo e no socialismo marxista, veem sua estrutura completamente abalada,
assim como o eurocentrismo e as formas internas e externas do colonialismo, pois
não conseguem responder à complexidade dos fenômenos e manter a hegemonia
do conhecimento.
A ciência perde sua onipotência, ocasionando a descrença e o caos. A
verdade se torna relativa, sendo questionado e duvidoso todo discurso
universalizante, desvinculado da diversidade.
44
Percebe-se a necessidade de uma
visão interdisciplinar para apreender e interagir com as mudanças na sociedade. É
preciso descobrir novos caminhos e aprender novas atitudes para entender e admitir
essa pluralidade ideológica.
1.3 O surgimento de uma nova realidade
No final do século passado, as “grandes certezas” do cientificismo começam
a ruir. Os átomos não eram mais os menores e indestrutíveis componentes da
matéria e a matéria pode se tornar em energia e vice versa. Com a teoria da
relatividade, o espaço e o tempo deixaram de ser absolutos. Depois da mecânica
quântica, não é mais possível falar em observação objetiva e nem verificar uma
42
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na
transição paradigmática. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
43
SANTOS FILHO, J. C. Universidade, modernidade e pós-modernidade. Brasília: Educação
Brasileira, 1998.
44
TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE,
1999. p. 22.
31
causalidade estritamente mecanicista em todos os fenômenos físicos. Assim, caíram
os últimos absolutos e com eles a última base sólida, instalando-se, em seu lugar, a
incerteza.
A tomada da consciência da incerteza histórica acontece hoje com a
destruição do mito do progresso. O progresso é certamente possível, mas é
incerto. A isso se acrescentam todas as incertezas devidas à velocidade e à
aceleração dos processos complexos e aleatórios da nossa era planetária,
que nem a mente humana, nem um super computador, nem um demônio de
Laplace poderiam abarcar.
45
De acordo com Fazenda, Descartes apresentou a razão como fator
primordial para a obtenção do conhecimento e como base da objetividade, a lógica
formal.
46
Toda teoria deveria ser comprovada, testada, sequenciada e avaliada.
Dessa forma, toda ideia deveria ser mensurada, pois, em Descartes, o eu tem
sentido no pensar, o ato de pensar é razão e a razão se alimenta da objetividade.
A objetividade começa a perder esse sentido quando as inquietações do ser
humano se intensificam em busca de respostas e conclusões para suas indagações.
Sem essa resposta tão esperada na ciência objetiva, fragmentada e mensurada,
anuncia-se um novo caos nas ciências e a subjetividade passa a estar acordada e
entra em cena,
Começa aparecer uma epistemologia da alteridade” em que razão e
sentimento se harmonizem, em que objetividade e subjetividade se
completem, em que o intelecto conviva em que ser e estar, co-habitem em
que tempo e espaço se intersubjetivem.
47
Com a quebra de paradigmas, o modelo social não atendia às novas
exigências. A escola que surgiu na Inglaterra do século XVlll objetivando preparar o
ser humano para o trabalho, para a fábrica, não conseguia atender às novas
exigências, com profundas transformações que acontecem a todo instante, como
ressaltado por Rosamaria Andrade: “historicamente temos que considerar que
vivemos hoje a era da informática com suas contradições, seus paradoxos, como
45
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários a educação do futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2003. p. 80.
46
FAZENDA, 1995.
47
FAZENDA, 1995, p. 17.
32
afirmava Heráclito: ‘no mundo tudo flui, tudo se transforma, pois a essência da vida é
a mutalidade e não a permanência’”.
48
A teoria da interdisciplinaridade se torna mais evidente quando as
proposições teóricas, como a evolução de certas teorias totalizantes, vão ampliando
seu foco de investigação. Como exemplo: a dialética, que se fundamenta no
concreto e busca respaldo no abstrato; a fenomenologia, que avança para a
subjetividade do espírito e objetividade da pesquisa; e a psicologia da
transcendência, que se amplia em direção das evidências.
O contexto histórico e sociopolítico contribuiu muitíssimo para a quebra do
paradigma positivista, principalmente o período após a Segunda Guerra Mundial,
quando a teoria considerava “verdadeiro” os fatos observáveis, mensuráveis. A
Segunda Guerra Mundial trouxe sérias complicações para toda humanidade e
consequentemente para as ciências humanas, cujo objeto não é tão mensurável
quanto o das ciências naturais.
Neste contexto, a interdisciplinaridade vem com promessas de, mesmo
sendo fiel aos princípios positivistas, romper com esta epistemologia. Com os fatos
que sucederam durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente pela nação que
se orgulhava como mãe da racionalidade – Alemanha – uma interrogação pairava na
sociedade: o que estaria errado nas ciências, na pesquisa e na educação?
Com o surgimento da pedagogia do diálogo, Gadotti faz o seguinte
comentário: “a interdisciplinaridade aparece como preocupação humanista além de
preocupação com as ciências”.
49
A partir daí, todas as correntes de pensamentos se
envolvem com a interdisciplinaridade, com a tecnologia fenomenológica (Ladriere,
em Louvain, lgica) existencialismo (Rogers e Gusdorf), a epistemologia (Piaget) e
o marxismo (Goldman).
Paralelamente, tornou-se evidente que alguns dos produtos da ciência não
são apenas positivos, mas são também potencialmente negativos, a ponto de
colocarem em risco a sobrevivência de toda a humanidade. Exemplos disto são as
questões ambientais, as guerras e a inquietante constatação de que o ser humano é
capaz de não apenas construir mas também detonar uma bomba atômica.
48
ANDRADE, Rosamaria C. Educação, ética e cidadania. Porto Alegre: Artmed, 2002.
49
GADOTTI, Moacir. Interdisciplinaridade: atitude e método. Porto Alegre: Artmed, 2000a. p. 221.
33
Transparece aqui a frustração da expectativa do pensamento científico de promover
um comportamento mais ético.
Por outro lado, também pela filosofia, história e sociologia, a ciência se
mostrou incapaz de sustentar sua crença de possuir um método isento de
interferências. Popper aponta que a ciência somente consegue apresentar teorias
falsificáveis, ou seja, uma teoria nunca pode ser declarada verdadeira.
50
Kuhn
assinala que a ciência precisa de ambientes conceituais, os paradigmas, que
ensinam ao cientista qual o dado a escolher, como construir uma teoria e como
interpretar os resultados.
51
Assim, o Ocidente perdia mais uma aposta de conhecer verdadeiramente o
mundo: as ciências. Elas, nas palavras de Fourez, “não descrevem de modo algum o
mundo tal como é, mas apenas um mundo tal como pode ser relatado, narrado e
controlado de um lugar a outro”.
52
Desta forma, ignoram todos os desvios dos
raciocínios científicos, todas as negociações da observação, todos os componentes
afetivos, religiosos, econômicos e políticos da prática científica, a fim de reter
somente uma imagem relativamente abstrata.
Nessa perspectiva, o ser humano, quando não consegue se libertar do olhar
unilateral da realidade imposto pela ciência, é obrigado a viver como que em
compartimentos distintos, no “mundoesquematizado para e pela ciência, que não
consegue responder com pertinências aos anseios subjetivos e metafísicos do ser
humano. Sobre este aspecto, Morin apresenta o seguinte diagnóstico:
A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à
atrofia da disposição mental, natural de contextualizar e de globalizar. A
inteligência parcelada compartimentada, mecanicista disjuntiva e
reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona
os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o
multidimensional. É uma inteligência míope que acaba por ser normalmente
cega. Destrói no embrião as possibilidades de compreensão e de reflexão,
reduz as possibilidades de julgamentos corretivo e de reflexão a longo
prazo.
53
Nesse sentido, quanto mais os “desvios dos raciocínios científicos” forem
significativos para a pessoa, tanto mais se instalam nela realidades diferentes que
50
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1974.
51
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1990.
52
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São
Paulo: UNESP, 1995. p. 166.
53
MORIN, 2003.
34
precisam ser integradas para que a unidade psicológica da pessoa não seja
quebrada, pois, de acordo com Morin, no ser humano “[...] existe ao mesmo tempo
unidade e dualidade entre Homo faber, Homo ludens, Homo sapiens e Homo
demens. E no ser humano, o desenvolvimento racional-empírico-técnico jamais
anulou o conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético”.
54
Por outro lado, a pessoa que fez da prática científica vigente seu
fundamento e sobre ela construiu sua visão de mundo tem sua unidade quebrada
porque precisa ignorar ou sufocar os “desvios”. Nesses casos, a solução para a
pessoa pode ser: não fazer determinadas perguntas por saber de antemão que elas
não têm resposta sem lançar o de outros saberes (não-científicos). Essa atitude,
que contradiz o próprio espírito científico, aponta para a fragmentação da pessoa.
Uma questão crucial é: será possível ao ser humano viver significativamente e em
harmonia consigo e com seu mundo, ignorando ou sufocando seu lado artístico,
afetivo, comunitário e religioso?
A preocupação em torno da unidade do ser humano, da unidade da natureza
e das consequências negativas dos pressupostos das ciências tem levantado a
questão da religação dos saberes. Esta unidade, vale lembrar, tem forte conotação
de saúde em todos os sentidos.
A fim de buscar atenuar estes efeitos negativos, são apontados como
possíveis soluções a reaproximação entre a cultura humanista e cultura cienfica e
religiosa, a revalorização das qualidades e realidades do ser humano e da natureza.
A concentração em torno deste assunto tem suscitado termos como
inter/transdisciplinaridade,
55
holismo,
56
reencantamento do mundo pela educação,
57
sistema, pensamento sistêmico, complexidade e pensamento complexo,
58
dentre
outros. Todos expressam, a partir do estado atual das coisas, cada qual a seu modo,
o anseio pelo todo perdido.
54
MORIN, 2003, p. 58-59.
55
FAZENDA, 1995.
56
Segundo Rafael Yus, o termo educação holística foi proposto por R. Miller (1997) para designar o
trabalho de um conjunto heterogêneo de liberais, de humanistas e de românticos que têm em
comum a convicção de que a personalidade global de cada criança deve ser considerada na
educação
57
ASSMANN, Hugo. Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança. Petrópolis:
Vozes, 2000.
58
MORIN, 2003. Nesta obra, Morin apresenta a ideia da incerteza da humanidade, evidenciado
através de fatos históricos, denominando o futuro de incerteza.
35
Uma das consequências notáveis perceptíveis a partir das reflexões sobre
os limites da ciência e do conhecimento é a possibilidade de buscar uma afluência,
ainda que não se saiba exatamente como, desses diferentes saberes, antes
anulados pela ciência, que finalmente podem ser utilizados de forma global.
Esta possibilidade se constitui também a sua dificuldade. É possível
perceber em muitos livros de metodologia científica. Eles nomeiam os tipos de
conhecimento com termos semelhantes aos usados por Marconi e Lakatos:
conhecimento popular, conhecimento científico, conhecimento filosófico e
conhecimento religioso (teológico).
59
Isto significa que os conhecimentos popular,
filosófico e religioso têm sua existência reconhecida. Porém, na classificação das
ciências adotada pelas autoras do livro citado, não espaço para a filosofia nem
para a teologia.
A abordagem sócio-histórica da aprendizagem, cujo principal precursor foi
Vygostky, aprofundou os estudos sobre o desenvolvimento da aprendizagem
humana a partir dos aspectos sócio-históricos, incluindo não apenas a interação
entre pessoas. Essa interação era também entre subjetividades, sempre
historicamente situadas, mediatizadas por ferramentas sociais desde os objetos
até os conhecimentos historicamente produzidos, acumulados e transmitidos.
60
A
abordagem construtivista de Piaget focou a aprendizagem na ação do sujeito,
também contribuindo para as discussões sobre a interdisciplinaridade. A teoria
construtivista de Piaget e a teoria sócio-histórica da aprendizagem de Vygotsky
oportunizaram no contexto educacional que o aluno se tornasse o agente construtor
de seu conhecimento, sendo uma condição primordial para a viabilização da prática
pedagógica, interdisciplinar e intervencionista, focalizando o sujeito na relação com
seu contexto.
Nos anos 1970, a interdisciplinaridade é colocada à frente das discussões
como uma das soluções para as dificuldades apresentadas pela escola. Na França,
em setembro de 1970, realizou-se o primeiro Seminário Internacional sobre
Pluridisciplinaridade e Interdisciplinaridade nas Universidades.
59
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2001.
60
DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vygotsky. São Paulo: Autores
Associados, 1999. p. 98.
36
A maioria dos países ocidentais vem debatendo a questão da
interdisciplinaridade, tanto no que se refere à organização profunda dos currículos,
quanto à forma como se aprende e quanto à formação de educadores. Embora,
desde a década de 1970, as reformas na educação brasileira acusem a necessidade
de uma proposição interdisciplinar, ela não tem sido bem compreendida mesmo nas
décadas de 1980 e 1990
.
Até os anos 1980, contava-se com um mero reduzido de pesquisas na
temática da interdisciplinaridade e com uma bibliografia pouco difundida. No final da
década de 1980 e início da de 1990, começaram a surgir centros de referência
reunindo vários pesquisadores em torno do assunto. É o caso do Centro de
Pesquisa Interuniversitária sobre a Formação e a Profissão/Professor (CRIFPE), e
do Grupo de Pesquisa sobre Interdisciplinaridade na Formação de Professores
(GRIFE), coordenados por Yves Lenoir, no Canadá, e do Centro Universitário de
Pesquisas Interdisciplinares em Didática (CIRID), coordenados por Maurice Sachot,
na França.
Tais grupos influenciaram e direcionaram as reformas de ensino
fundamental e médio em diferentes instituições. Nos Estados Unidos, a partir dos
estudos de Julie Klein, da Wayne State University, e William Newell, da Miami
University, as pesquisas sobre interdisciplinaridade se disseminaram no país,
interferindo diretamente nas reformas educacionais.
Na década de 1990, Gerard Fourez, na Bélgica, ampliou seus estudos sobre
as questões da interdisciplinaridade na educação, unindo-se aos grupos canadenses
de Montreal, Vancouver e Quebec. Outros grupos importantes são os de Maritza
Carrasco, da Universidade Santa Fé, na Colômbia, e Heloísa Bastos, da
Universidade Federal do Recife, no Brasil, dentre tantos outros que têm se aplicado
ao estudo e à pesquisa da interdisciplinaridade em seus diferentes aspectos.
2 A INTERDISCIPLINARIDADE NO CURRÍCULO ESCOLAR: DESAFIOS,
OBJETIVOS E CONTRIBUIÇÕES NA SOCIEDADE APRENDENTE
O presente capítulo busca discorrer sobre a interdisciplinaridade como foco
da pesquisa educacional na construção do conhecimento científico, apresenta
elementos substanciais para a compreensão desse novo momento socioeducacional
que questiona os modelos pré-estabelecidos de uma educação respaldada no
pensamento cartesiano, compartimentalista e racionalista do “penso, logo existo”.
Outrossim, a interdisciplinaridade contribui de forma inequívoca para a
superação do saber pelo saber, pois, embora seja uma invenção humana para a
superação de problemas, a ciência se tornou na modernidade um organismo
autônomo em detrimento do ser humano e seus agentes seguiram a lógica do “saber
pelo saber”, desvinculado da vida.
61
Nessa perspectiva, apresenta-se nesse capítulo uma abordagem geral
referente ao conceito de interdisciplinaridade e seu impacto na educação escolar; as
implicações decorrentes dessa nova ideia, modo de construir e interagir o
conhecimento, tão necessária nesse novo contexto de uma sociedade aprendente.
2.1 Análise dos conceitos: interdisciplinaridade, disciplinaridade, multi/pluri e
transdisciplinaridade na sociedade aprendente
Parece admissível dizer que, embora no século XXI seja bastante discorrido
por diferentes áreas das ciências humanas e exatas, o termo interdisciplinaridade
não desfruta de uma real clareza conceitual e metodológica.
O termo interdisciplinaridade é um neologismo, embora não seja um campo
recente de indagações. Seu significado e sua ação nem sempre são compreendidos
de forma homogênea. Porém, apesar de todas as diferenças terminológicas o
princípio delas continua sendo o mesmo:
A Interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os
especialistas e pelo grau de integração das disciplinas no interior de um
mesmo projeto de pesquisa. Interdisciplinaridade é um termo utilizado para
61
LADRIÈRE apud GALLO, Sílvio. Conhecimento, transversalidade e educação: para além da
interdisciplinaridade. 2001, p. 167. Disponível em:
<http://www.hipernet.ufsc.br/foruns/autonomia/pedago/gallo/contrans.htm>. Diversos acessos.
Esse artigo é a primeira síntese de dois trabalhos que Gallo apresentou ao Grupo de Trabalho
Currículo da ANPED em 1995 e 1996.
38
caracterizar a colaboração existente entre disciplinas diversas ou entre
setores.
62
“Não é ciência, nem ciências das ciências, mas é o ponto de encontro entre
o movimento de renovação da atitude frente aos problemas de ensino e pesquisa e
a aceleração do conhecimento científico”.
63
A palavra “interdisciplinaridade” deriva
da palavra primitiva disciplinar, que diz respeito à disciplina, por prefixação (-inter,
que significa interação recíproca, comum) e sufixação (-dade, qualidade, estado ou
resultado da ação).
O termo disciplina vem do signo lingüístico latino discere, disciplina quer
dizer aprender e, por derivação, discipulus, aquele que aprende. Apresenta
significados distintos. Primeiro, no campo organizacional, refere-se à ordem
conveniente a um funcionamento regular ou ainda submissão ou subordinação a um
regulamento superior. É uma palavra muito presente em instituições como o
exército, a fábrica e a Igreja, que valorizam a disciplina na formação de seu pessoal,
de seu papel.
64
Segundo, na ciência, significa matéria”, campo de conhecimento
que se destaca para fins de estudo. E, em terceiro lugar, na educação é tratada
didaticamente com ênfase na aquisição do conhecimento no desenvolvimento de
habilidades intelectuais.
Para Gadotti, “a interdisciplinaridade visa garantir a construção de um
conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas”.
65
Fazenda
ressalta a importância de assumir uma postura diante do conhecimento, aqueles que
buscam por mudanças. Assim, considera a interdisciplinaridade:
[...] como atitude a ser assumida no sentido de alterar os hábitos
estabelecidos na compreensão do conhecimento, passou-se a um
questionamento pedagógico, ou seja: na mudança em que implica a
interdisciplinaridade no que se refere aos aspectos pedagógicos.
66
É importante salientar que a interdisciplinaridade aqui discutida está voltada
tanto para a ciência quanto para a educação escolar. Nesse sentido, Fazenda
defende que: ”interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação e
62
JAPIASSU apud FAZENDA, Ivani C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro:
efetividade ou ideologia. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1996. p. 25.
63
FAZENDA, 1996, p. 41.
64
FAZENDA, 1996, p. 47.
65
GADOTTI, 2000a, p. 221.
66
FAZENDA, 1996, p. 20.
39
se faz necessário cultivar uma perspectiva e atitudes voltadas para a superação de
visões fragmentadas de qualquer ordem”.
67
Japiassu reforça que a
interdisciplinaridade, “consiste num trabalho em comum, tendo em vista a interação
das disciplinas cientificas, de seus procedimentos, de seus dados e da organização
de seu ensino”.
68
A interdisciplinaridade é uma decorrência natural da origem do ato de
conhecer e a integração das disciplinas é necessária para sua efetivação. Essa
integração não significa dizer a superação de uma em detrimento da outra, ao
contrário, significa, sim, uma interconexão de saberes que se como um processo
interno no aprendente. Sendo uma ação construtiva, permite ao sujeito cognocente
se apropriar do conhecimento, percebendo suas interconexões entre as diferentes
áreas, tornando-se sensível para perceber e compreender a realidade de forma
totalizante. Assim, o ato interdisciplinar é algo que se vive, podendo representar um
meio de transformação da prática pedagógica.
69
É uma questão de atitude que parte de uma liberdade do pensamento,
alicerça-se no diálogo e na colaboração entre os elementos envolvidos e se
fundamenta no desejo de inovar e de se exercitar na arte de investigar. Sua prática
não visa apenas a valorização técnica produtiva ou material, mas permite também
desenvolver a capacidade criativa de transformar a realidade concreta em um
instrumento para a formação do estudante.
A interdisciplinaridade surgiu no século passado como resposta à
fragmentação promovida pela supervalorização e expansão do pensamento
positivista. Naquele momento, as ciências foram divididas em diversos ramos. A
interdisciplinaridade surge timidamente para manter o diálogo entre elas, sem, no
entanto, existir a unidade e a totalidade necessárias. Para muitos teóricos, essa
fragmentação era essencial para “entender melhor a relação entre o todo e as
partes”.
70
No entanto, conduziu à segregação do conhecimento, afastando o ser
humano de sua vivência, resumindo-se em razão e existência.
Entretanto, com os primórdios da civilização, encontra-se resposta
inequívoca quanto à totalidade do conhecimento no próprio Sócrates, ao declarar:
67
FAZENDA, 1995, p. 89.
68
FAZENDA, 1996, p. 14.
69
FAZENDA, 1996.
70
GOLDMAN apud GADOTTI, 2000a, p. 221.
40
“conhece-te a ti mesmo”. Essa expressão conota um sentido interdisciplinar, pois a
busca do ato de autoconhecimento é possível pela busca da interioridade e,
nessa busca, é possível perceber a limitação, a fragilidade e, acima de tudo, a
pequenez do ser, “conduzindo-nos a um profundo exercício de humildade,
fundamento maior e primeiro da interdisciplinaridade”.
71
A interdisciplinaridade surge na Europa, mais precisamente na França e na
Itália, em meados da década de 1960, fruto de movimentos estudantis que lutavam
por um novo estatuto da universidade.
72
Chega, em princípio, como uma busca de
tornar evidente a classificação temática das propostas educacionais, deixando
latente a responsabilidade de alguns professores que buscavam o rompimento com
o tipo de educação fragmentada que acontecia nas universidades.
Esse posicionamento nasceu como oposição a todo o conhecimento que
privilegiava o capitalismo epistemológico de certas ciências, como oposição
à alienação da academia às questões da cotidianidade, às organizações
curriculares que evidenciavam a excessiva especialização e a toda e
qualquer proposta de conhecimento que incitava o olhar do aluno numa
única, restrita e limitada direção, a uma patologia do saber.
73
Essa atitude vem como oposição à fragmentação dos currículos com
supervalorização da especialização e todo tipo de ensino que incitava o olhar do
aluno numa única direção, reduzindo o saber a um estado patológico. Fazenda faz
uma crítica a essa situação ao declarar:
O destino da ciência multipartida seria a falência do conhecimento, pois na
medida em que nos distanciássemos de um conhecimento em totalidade,
estaríamos decretando a falência do humano, a agonia de nossa
civilização.
74
Diante de todo esse movimento, o que caracterizou a interdisciplinaridade
naquela década foi o conceito de totalidade. Conforme Fazenda, o projeto de
pesquisa interdisciplinar nas ciências humanas, apresentado à UNESCO pelo
pesquisador Georges Gusdorf em 1961, defendia o seguinte: “a idéia central do
projeto seria reunir os cientistas com uma ampla gama de saber, realizar um projeto
71
FAZENDA, 1995, p.15.
72
FAZENDA, 1995.
73
FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 5. ed. São Paulo:
Loyola, 2002. p. 19.
74
FAZENDA, 1995, p. 20.
41
de pesquisa interdisciplinar nas ciências humana”.
75
Esse projeto pretendia diminuir
o distanciamento teórico entre as ciências humanas, trabalhar para a convergência e
unidade das ciências humanas.
Foi publicado em 1968, por outro grupo de estudiosos, outro trabalho
patrocinado pela UNESCO, retomando as ideias da interdisciplinaridade
apresentadas por Gustdorf. Com outras diretrizes, a principal hipótese era indicar as
principais tendências da pesquisa nas ciências humanas e, assim, levantar questões
para a construção das ciências do futuro.
Entretanto, diante das mudanças que a interdisciplinaridade representava
em todas as dimensões nas universidades, muitas dificuldades foram encontradas,
pois estaria sendo mexido em toda uma estrutura, quebrando conceitos pré-
estabelecidos. Para isso, seria necessário formar pesquisadores com uma nova
atitude. Naquele momento, tudo era ainda muito difuso.
Outros pesquisadores alertavam para o perigo de se converter a
interdisciplinaridade numa mera “ciência aplicada” ou “ciência das ciências” e ainda
para os “perigos ideológicos” produzidos pela própria ciência. Para Fazenda, a
problemática suscitada nas décadas de 1960 e 1970 com relação às investigações
em interdisciplinaridade reflete hoje sua importância para que ela não caia num
modismo efêmero. O conceito interdisciplinar se torna inovador, protagonizando um
“redimensionamento teórico das ciências”. Na prática das pesquisas, oportuniza um
novo fazer em educação.
76
O processo de maturação da teoria interdisciplinar, nas décadas de 1970,
1980 e 1990, pode ser avaliado sob várias perspectivas. Fazenda estuda essa
evolução a partir de um olhar epistemológico, com base na visão das influências
disciplinares recebidas, ou ainda sob uma organização teórica do movimento da
interdisciplinaridade, conforme sintetiza o quadro abaixo:
75
FAZENDA, 1995, p. 19.
76
FAZENDA, 1995, p. 22.
42
Quadro 1: Evolução da Interdisciplinaridade nas décadas de 1970, 1980 e 1990
Recorte epistemológico
1970: Construção epistemológica da interdisciplinaridade
1980: Explicitação das contradições epistemológicas dessa
construção
1990: Busca-se construir uma nova epistemologia, própria da
interdisciplinaridade
Ótica das Influências
Disciplinares Recebidas
1970 – Busca de uma explicação filosófica
1980 – Busca de uma diretriz sociológica
1990 – Busca de um projeto antropológico
Organização teórica no
movimento da
interdisciplinaridade
1970 – Busca de uma definição de interdisciplinaridade
1980 – Tentativa de explicação um método para a
interdisciplinaridade
1990 - Início da construção de uma teoria da
interdisciplinaridade
Fonte: FAZENDA, 1995.
Para Lenoir, a Interdisciplinaridade se categoriza a partir de quatro
finalidades: científica, escolar, profissional e prática. Cada uma destas finalidades se
organiza a partir dos objetivos desejados tanto de natureza da pesquisa, quanto do
ensino e de sua aplicabilidade no contexto da sala de aula.
77
Com relação à fase de mudança do pensamento epistemológico científico
dentro das universidades, Fazenda deixa bem claro que “a interdisciplinaridade não
seria apenas uma panácea para assegurar a evolução das universidades, mas um
ponto de vista capaz de exercer uma reflexão multi, pluri, inter e transdisciplinar”.
78
Neste sentido, Lück esclarece ainda:
Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e engajamento
de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do
currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a
fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim
de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global
de mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e
globais da realidade atual.
79
Um melhor entendimento do conceito da interdisciplinaridade pressupõe
uma análise entre os diferentes termos, apresentados no quadro abaixo. Embora
parecidos, apresentam diferenças conceituais que devem ser desmistificadas por
aqueles que buscam compreender e exercer com clareza na práxis o verdadeiro
77
LENOIR apud FAZENDA, 1995.
78
FAZENDA, 1995, p. 22.
79
LÜCK, Heloisa. Pedagogia interdisciplinar. fundamentos teóricos e metodológicos. 10. ed.
Petrópolis: Vozes, 1994. p. 67.
43
sentido da interdisciplinaridade.
80
É importante ressaltar que os conceitos analisados
não constituem um novo método para a ação pedagógica e, sim, uma nova forma de
ver as ciências, interligando os sujeitos envolvidos no conhecimento.
Quadro 2: Diferentes conceitos utilizados
Descrição geral Conceito Tipo de sistema
Multidisciplinaridade
Gama de disciplinas propostas de
forma simultânea, mas sem fazer
aparecer as relações que podem
existir entre elas
Sistema de um nível e de
objetivos múltiplos; nenhuma
cooperação
Pluridisciplinaridade
Justaposição de diversas
disciplinas situadas geralmente no
mesmo nível hierárquico e
agrupadas de modo a fazer
aparecer as relações existentes
entre elas
Sistema de um nível e de
objetivos múltiplos; cooperação,
mas sem coordenação
Interdisciplinaridade
Axiomática comum a um
grupo de disciplinas conexas e
definida no nível hierárquico
imediatamente superior, o que
introduz a noção de finalidade
Grupo de disciplinas conexas;
sistema de dois níveis e de
objetivos múltiplos; coordenação
procedendo do nível superior
Transdisciplinaridade
Coordenação de todas as
disciplinas e interdisciplinas do
sistema de ensino inovado, sobre a
base de uma axiomática geral
Sistema de níveis e objetivos
múltiplos; coordenação com vistas a
uma finalidade comum dos
sistemas
Fonte: JAPIASSU, 1976.
Conforme o Quadro 2, fica evidente que os conceitos de
multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são característicos de um programa
curricular clássico com a divisão por disciplinas, sem o estímulo à troca de
informações, fundamentados em conjuntos de dados estáticos e sem interação entre
eles.
A interdisciplinaridade e transdisciplinaridade surgem como uma forma de
reação ao modelo clássico de ensino, sendo, ao mesmo tempo, uma inovação, mas
também um enorme desafio tanto para a pesquisa quanto para o ensino. Enquanto a
interdisciplinaridade busca a interação entre diferentes especialistas, procedimentos
e conteúdos no interior de um projeto, a transdisciplinaridade vai além: propõe um
sistema sem fronteiras, no qual deixa de existir um limite de abrangência de uma
disciplina para uma dimensão de integração global, sendo impossível distinguir onde
80
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
44
começa e termina uma disciplina com finalidades comuns de disciplinas e
interdisciplinas.
81
“É o reconhecimento da interdependência de todos os aspectos da
realidade”.
82
“É uma visão integrada do conhecimento que amplia as dimensões dos
conteúdos de cada disciplina para uma compreensão integral da vida”.
83
no que se refere à conceituação de interdisciplinaridade e
transversalidade, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacional, ambas se
fundamentam na crítica de uma concepção de conhecimento que transforma a
realidade num conjugado de dados estáveis, fora do contexto real e distanciado do
verdadeiro sentido de aprender. Apresentam a complexidade do real e a
necessidade de se conhecer e analisar as interações e condições contraditórias
existentes na teia de relações de um determinado objeto de estudo.
84
No entanto, não se pode deixar de observar que a interdisciplinaridade e a
transversalidade são distintas, uma vez que a primeira se refere a uma abordagem
epistemológica dos componentes de conhecimento, a segunda diz respeito à
dimensão da didática. Como enfatizam os Parâmetros:
A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos
de conhecimento, produzida por uma abordagem que não leva em conta a
interrelação e a influência entre eles - Questiona a visão compartimentada
(disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida,
historicamente se constitui. E a transversalidade diz respeito à possibilidade
de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender
conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e
as questões de vida real e de sua transformação (aprender na realidade e
da realidade). É uma forma de sistematizar esse trabalho e incluí-lo explicita
e estruturalmente na organização curricular, garantindo sua continuidade e
aprofundamento ao longo da escolaridade.
85
Porém, concernente às práticas pedagógicas, fortalecem-se entre si, pois os
temas de ordem transversal provocam a interação entre as áreas de conhecimento,
sendo impossível se desenvolver um trabalho pedagógico com base na
transversalidade pautado apenas em uma única disciplina, uma vez que a
transversalidade permite uma abrangência de diferentes objetos de conhecimento e
81
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo ao
desenvolvimento das múltiplas inteligências. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.
82
JANTSCH apud NUNES, 2002, p. 61.
83
NUNES, 2002, p. 61.
84
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 2001.
85
BRASIL, 2001, p. 30.
45
amplia a percepção dos envolvidos na produção do saber, superando a
fragmentação entre as disciplinas.
86
Ainda referente à transversalidade, o pesquisador Rafael Yus esclarece:
Os temas transversais são uns conjuntos de conteúdos e eixos condutores
de atividade escolar que, não estando ligados a nenhuma matéria em
particular, pode-se considerar que o comuns a todos de forma que mais
que criar disciplinas novas, acha-se conveniente que seu tratamento seja
transversal num currículo global da escola.
87
Cabe, porém, aqui ressaltar a observação feita por Gallo, em seu artigo
“Interdisciplinaridade e transversalidade”, no que se refere ao fato de se usar esses
conceitos para garantir a perpetuação do currículo disciplinar, pois, embora através
da interdisciplinaridade se possa minimizar os efeitos epistemológicos e didáticos da
disciplinarização, as implicações de dominação política muitas vezes ficam
mascaradas.
Nesse sentido, ele propõe uma educação e um currículo não
disciplinares, através de um modelo transversal e rizomático do conhecimento, como
a solução da fragmentação do saber.
88
2.2 O currículo e a didática numa perspectiva interdisciplinar: uma exigência
para o contexto pós-moderno
Sabe-se que definir currículo não é um trabalho muito fácil, sobretudo para
os profissionais da educação, pois esse termo tem sido apropriado de maneiras
diversas, e amesmo contraditórias, por aqueles que se dizem especialistas nessa
área. Tal apropriação tem levado à luta constante que envolve os próprios objetivos
da educação.
Ao se pesquisar a própria etimologia da palavra currículo, verifica-se que ela
deriva da palavra latina scurrere e apresenta vários significados como: ato de correr,
atalho, pista de corrida. Daí surge a compreensão do currículo escolar como um
caminho, um curso ou uma listagem de conteúdos que devem ser seguidos.
89
Nessa
perspectiva, o termo está intimamente vinculado à ideia de sequencialidade e de
prescrição.
86
BRASIL, 2001.
87
YUS, Rafael. Em busca de uma nova escola. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 17.
88
GALLO apud ENDIPE. Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. 2. ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
89
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
46
A perspectiva contemporânea, em oposição à condição acima, propõe que o
currículo seja visto como uma ferramenta escolar de produção de conhecimento, de
caráter essencialmente político e social, em função da qual o background cultural
dos sujeitos educacionais se encontra presente na construção de significados. Sua
compreensão deve partir do concreto, buscando-se as múltiplas determinações da
realidade em que o processo curricular se insere.
O currículo pressupõe uma concepção científica e construção do
conhecimento no contexto escolar resultante dos distintos saberes: saber cotidiano
de professores e alunos, trazido das respectivas vivências familiares e sociais;
conceitos e leis científicas; elementos estéticos e culturais; reflexões filosóficas,
religiosas, sociológicas etc., além de determinações legais e diretrizes curriculares.
Essa construção é feita criteriosamente em condições especiais que o
decorrentes do contato de alunos com alunos e de alunos com professores e com o
envolvimento com a comunidade escolar. Nessa visão, de acordo com William, “o
currículo, nessa nova estrutura, não é um pacote; ele é um processo dialógico e
transformativo, baseado nas interações ou transações peculiares aos locais”.
90
Para que isso ocorra, de acordo com a visão de Dewey, faz-se necessário
que aconteça a experiência, com ênfase na reflexão, interação e transação pelo
processo de orientação para a prática - epistemologia experiencial. Essa reflexão,
segundo ele, dá-se por meio da recursão, em que os indivíduos são transformados
pelo próprio processo. “Aqui o papel do currículo não é o de predeterminar
experiências e sim o de transformar as experiências vividas”.
91
Essas experiências,
segundo Dewey, não são para tornar os alunos peritos em atividades manuais, mas
sim proporcionar uma base para experiências mais amplas, reflexivas e
transformativas, dando à atividade comunal a capacidade de operar de maneira
auto-organizadora, possibilitando direção e padrões.
92
Segundo ele, as experiências
presentes de um aluno, a partir dessa estrutura reflexiva e transformativa, vão
acontecer de maneira efetiva se o processo de reflexão for crítico, público e
comunal, de maneira crítica e rigorosa que agem não só definindo o processo
reflexivo, mas como características ideais para o currículo em sala de aula,
93
em que
90
DOLL Jr., 1997, p. 156.
91
DEWEY apud DOLL Jr., 1997, p. 157.
92
DOLL Jr., 1997, p. 157.
93
DOLL Jr., 1997, p. 157-158.
47
os envolvidos no processo atuem pela cooperação mútua, explorando alternativas,
consequências e suposições .
Nesse aspecto, é essencial romper com a velha ideia da teoria desvinculada
da prática do cotidiano escolar. A promoção dessas condições se não apenas
pelo conhecimento dos conteúdos pelo professor, mas é fundamental que ele seja
comprometido com o que faz e possua o domínio do instrumental correspondente
aos fazeres pedagógicos para sua atuação na sala de aula, promovendo
transformações significativas.
A discussão dos problemas contemporâneos do currículo e da didática se
remete inevitavelmente à discussão dos problemas da pós-modernidade. Pensando
por essa ótica, também se fazem necessários uma análise do currículo escolar e do
avanço que o campo pedagógico apresenta. De acordo com Santos, a questão
mais profunda da interdisciplinaridade é promover o reconhecimento das diferentes
formas de saberes e as inter-relações comunicativas entre elas.
94
O que possibilita
uma ressignificação do currículo escolar, tendo como ponto de partida os envolvidos
nesse processo: professor-aluno. Existe certo anacronismo entre a educação e os
atuais modelos socioculturais. A educação não corresponde de forma satisfatória as
necessidades emergentes, visto que o currículo escolar se distancia de forma
considerável do cerne conjuntural que a contemporaneidade exige.
A respeito do novo currículo escolar, Doll Jr. apresenta a ideia de uma
estrutura de contingência: “eu acredito que em nossas explorações do conhecimento
não estamos lidando com uma realidade já estabelecida ‘lá fora’ para ser descoberta
por nós e sim com múltiplas maneiras de interpretar o eco de Deus”.
95
Nesse ideário
metafórico, o currículo escolar passa a ser compreendido como um processo de
explorar o desconhecido e, como tal, possibilita uma cumplicidade entre professor e
alunos. Eles buscam juntos se autotransformar através da disponibilidade,
interatividade e cumplicidade, em que a aprendizagem e o entendimento podem
acontecer se, enquanto educador, “negociarmos passagens”, a partir do diálogo e da
reflexão. Defende ainda:
94
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.
São Paulo: Cortez, 2002.
95
DOLL Jr., 1997, p. 157-158.
48
O papel do currículo como processo é o de nos ajudar a negociar essa
passagem, para este fim ele deve ser rico, recursivo, relacional e rigoroso.
Estes quatro R’s que estou propondo são decididamente diferentes dos três
R’s empregados no final do século XIX e início do século XX, como uma
base para o currículo escolar elementar e, diferente dos princípios lógicos
de Tyler que utilizamos como fundamentos gerais curriculares nas últimas
quatro décadas, aproximadamente. Conforme trocamos o nosso século e
paradigma, precisamos desenvolver um novo conjunto de critérios, relativos
ao que constitui um bom currículo.
96
Uma característica que deve ser levada em consideração nesse paradigma
pós-moderno para o currículo escolar é a auto-organização. Segundo Doll Jr., ela
resulta das múltiplas qualidades, substâncias e ideologias que se combinam de
forma dinâmica num processo sempre transformativo de auto-organização,
diferentemente da ideias newtoniana, pois Newton supunha que os seres
modificavam seu estado mediante as forças externas e, nesse modelo, o currículo
educacional do mundo ocidental foi estruturado e estabelecido colocando sempre os
envolvidos em uma posição de meros receptores.
97
No currículo educacional, a partir de uma estrutura de sistema aberto de
auto-organização em processo, os professores desenvolvem atitudes que impelem
seus alunos aos desafios constantes mediante uma ação interativa de pensar e agir,
enquanto compartilham juntos de todos os procedimentos da ação investigativa,
favorecendo a autodescoberta, a dúvida, as conexões, as elaborações, as re-
elaborações, as construções, as desconstruções e as reconstruções... O
conhecimento se constrói e se inter-relaciona em seus diferentes aspectos num
processo permanente e inacabado.
Severino nega a pós-modernidade como um novo período histórico, porém
não recusa a configuração de um novo contexto, no qual a questão do conhecimento
pedagógico deve ser colocada sob o ponto de vista de uma prática efetiva, concreta
e histórica.
98
Ao avançar nessa linha, o autor exprime a disposição em se colocar o
problema do conhecimento pedagógico a partir de uma visão epistemológica que se
vincule à análise curricular.
Para Severino, é crucial colocar a questão do ponto de vista prático, pois a
educação se põe como uma prática a ser vivenciada e experenciada, estabelecendo
96
DOLL Jr., 1997, p. 157-158.
97
DOLL Jr., 1997, p. 157-158.
98
SEVERINO, A. J. O campo do conhecimento pedagógico e a interdisciplinaridade. Inter-Ação, v.
21, n. 1-2, p. 23-37, jan./dez., 1997.
49
a essência do existir humano como sendo a prática, fundamental na formação de
uma consciência, pensamento e conhecimento.
99
No entanto, ao analisar a prática
da educação, o autor identifica o caráter fragmentário que se manifesta sob diversas
formas, entre as quais estão os conteúdos dos diversos componentes curriculares, a
não-integração das atividades didáticas, a desarticulação da vida da escola com a
vida da comunidade, a desarticulação das atividades docentes, cnicas e
administrativas no interior da escola, dentre outras.
100
A superação desse estado de fragmentação do saber escolar somente pode
se concretizar com a constituição de um projeto educacional que compreenda um
conjunto articulado de propostas e planos de ação em função de finalidades
baseadas em valores previamente explicitados e assumidos, ou seja, de propostas e
planos fundados numa intencionalidade. Com base nesse conjunto de ideias, o
conhecimento interdisciplinar se torna uma exigência intrínseca ao projeto
pedagógico. O sentido do interdisciplinar deve ser redimensionado no saber teórico
e construído como uma prática.
Há uma tendência didático-pedagógico-prescritiva na produção brasileira,
defendida por Hilton Japiassu, Pedro Demo e Ivani Fazenda. Esta tendência
expressa a interdisciplinaridade como uma questão atitudinal frente ao
conhecimento e como uma questão psicológica de interação entre os atores
pedagógicos. Nesse sentido, Lenoir ressalta que a interdisciplinaridade escolar exige
um movimento crescente em três níveis: curricular, didático e pedagógico. O
primeiro nível, curricular, funda-se com:
O estabelecimento de ligações de interdependência, de convergência e de
complementaridade entre as diferentes matérias escolares que formam o
percurso de uma ordem de ensino ministrado, a fim de permitir que surja do
currículo escolar – ou de lhe fornecer – uma estrutura interdisciplinar.
101
Porém, tomando como base a própria educação brasileira, somente o
estabelecimento de ligação entre as diferentes matérias não é suficiente para a
superação da fragmentação do conhecimento. Faz-se necessária a
interdisciplinaridade didática, cujo objetivo básico é articular o que apresenta o
currículo e sua execução nas situações de aprendizagem. É o espaço de reflexão da
99
SEVERINO, 1997, p. 28.
100
SEVERINO, 1997, p. 28-31.
101
LENOIR apud FAZENDA, 1995, p. 57.
50
práxis pedagógica e sobre ele, planejando e revisando estratégias de ação e de
intervenção. Porém, é no terceiro nível, o da interdisciplinaridade escolar,
considerado como o nível pedagógico, que acontece a concretização em sala de
aula da interdisciplinaridade didática, definida, desta forma, como uma categoria de
ação, pois leva em conta toda dinâmica e interação teórico-prática e metodológica
manifesta em sala de aula:
Os aspectos ligados à gestão da classe e ao contexto no qual se
desenvolve o ato profissional de ensino, mas também as situações de
conflitos tanto internos quanto externos às salas de aula, tendo por exemplo
o estado psicológico dos alunos, suas concepções cognitivas e seus
projetos pessoais, o estado psicológico do professor e suas próprias
visões.
102
Segundo Lenoir, a interdisciplinaridade escolar (curricular, didática e
pedagógica) pode ser estruturada em três bases de aprendizagem: a
interdisciplinaridade no nível curricular, a interdisciplinaridade no nível didático e a
transdisciplinaridade no nível pedagógico. Só através do diálogo esse processo
acontecerá, efetivamente, pois o processo pedagógico precisa se fundamentar no
diálogo entre as pessoas e entre as disciplinas: “hoje, mais do que nunca,
reafirmamos a importância do diálogo, única condição possível de eliminação das
barreiras entre as disciplinas. Disciplinas dialogam quando as pessoas se dispõem a
isto”.
103
A necessidade desse diálogo entre as disciplinas do Núcleo Comum do
Currículo Nacional é explicada da seguinte forma:
O ensino de história deve procurar cultivar valores, atitudes e hábitos que
libertem o indivíduo do isolamento cultural ao qual a civilização ocidental o
condenou. Nesse sentido, a história, vista sob perspectiva interdisciplinar,
deve ser mais que simples ordenação seqüencial e manuseio de certos
materiais para consulta, deve plantar a semente do futuro pesquisador e do
cidadão que luta por seus direitos e deveres. A geografia, vista
interdisciplinarmente, ao lado das habilidades de descrever, observar e
localizar pode contribuir também para um processo de comparação que
conduza a novas explicações.
104
Para a matemática,
[...] ensinar matemática é, antes de mais nada, ensinar a “pensar
matematicamente”, a fazer uma leitura matemática do mundo e de si
102
LENOIR apud FAZENDA, 1995, p. 59.
103
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003.
p. 50.
104
FAZENDA, 2003, p. 62.
51
mesmo. É uma forma de ampliar a possibilidade de comunicação e
expressão, contribuindo para a interação social, se pensada
interdisciplinarmente.
105
Em ciências naturais:
Numa proposta interdisciplinar, o professor de ciências que não tivesse seu
problema de domínio do conteúdo completamente resolvido, poderia adotar
em sala de aula a postura de quem faz ciência, ou seja, não ter todas as
respostas prontas, mas apresentar disponibilidade intelectual para procurar
soluções que envolvam outras esferas e pessoas que não a sala de aula e o
professor.
106
Em linguagem:
O ensino da língua é empobrecido, restringindo-se ao formal e educação
artística e educação física não são mais obrigatórias; a comunicação torna-
se sem expressão e a expressão sem comunicação; os livros didáticos
garantem a memorização e as regras gramaticais por elas mesmas”
reprisadas em exercícios estéreis. O som, as mãos, as formas, as cores, os
espaços, os materiais plásticos não fazem parte da programação; as
expressões são vazias, a linguagem desordenada, o corpo ausente.
107
No entanto, é preciso enfatizar que nenhum trabalho terá resultado
satisfatório se o houver a atitude assumida dos envolvidos nesse processo
interativo de promover o conhecimento.
2.3 O aprender interdisciplinar: uma mudança de atitude no contexto da
complexidade
A educação, em conformidade com a comissão do relatório inferido pela
UNESCO, tem nesse novo século um enorme desafio, pois não se trata apenas de
ensinar. É preciso que professores desenvolvam competências e habilidades,
conjugando saber e saber fazer evolutivos, para uma atuação propositiva do ser
humano na sociedade, que ultrapasse as ondas das informações para um projeto de
desenvolvimento individual e coletivo, contemplando suas diferentes dimensões.
Nesse sentido, Freire ressalta:
Quem forma se forma e re-forma ao for-mar e quem é formado forma-se e
forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir
105
FAZENDA, 2003, p. 62.
106
FAZENDA, 2003, p. 63.
107
FAZENDA, 2003, p. 60.
52
conhecimentos, conteúdos, nem formar é ão pela qual um sujeito criador
dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.
108
Assim, “à educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo
complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita
navegar através dele”.
109
E Morin ressalta ainda:
É preciso que ela tenha a idéia da unidade da espécie humana, sem
encobrir sua diversidade. uma unidade humana, que não é dada
somente pelos traços biológicos do ser, assim como a diversidade
marcada por outros traços que não os psicológicos, culturais e sociais.
Compreender o ser humano é entendê-lo dentro de sua unidade e de sua
diversidade. É necessário conservar a unidade do múltiplo e a multiplicidade
do único. A educação, e esse é o desafio que se coloca para os professores
do futuro, deve ilustrar o princípio de unidade e de diversidade em todos os
seus domínios.
110
Fica evidente que no século considerado da complexidade não basta à
educação uma preocupação somente com a quantidade de conhecimentos. É
necessário promover no aprendente uma atitude de busca e adaptação permanente
pelo novo, a fim de atender às constantes transformações. Nesse contexto, não só o
educando mas também o educador deve assumir uma nova postura diante do
conhecimento, da sociedade e da vida. Isso requer mudanças na forma de pensar e
agir, pois “não há práticas interdisciplinares sem que haja disposição prévia do
educador em romper com as práticas pluridisciplinares”.
111
Diante desse cenário, o professor necessita de uma formação contínua,
pautada em seu desenvolvimento profissional e pessoal, na valorização da reflexão
e da coletividade, tendo a escola como espaço fértil para essa interação, como
defende Candau: “para que o educador acompanhe as transformações na sociedade
atual, é necessário que sua formação continuada promova também a melhoria da
qualidade do trabalho educativo na escola”.
112
Entretanto, essa disposição para
aprender modos “diferentes” de ensinar só terá o real valor se despertar no educador
uma nova atitude de busca e comprometimento com diversas formas de saberes.
108
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.
109
DELORS, Jacques Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão
Internacional sobre a Educação para o Século XXI. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO,
1999.
110
MORIN, 2003.
111
FAZENDA, 1995.
112
CANDAU, V. M. F. Formação continuada de professores: tendências atuais. In: CANDAU, V. M. F.
(Org.). Magistério: construção cotidiana: Petrópolis: Vozes, 1997. p. 51-68.
53
A atitude que adotamos frente às questões da interdisciplinaridade tem sido
de respeito às práticas cotidianas dos professores, às suas rotinas. Porém,
esse respeito impele-nos a fazê-los acreditar e conhecer novos saberes,
novas técnicas, novos procedimentos. Nosso trabalho partiu do pressuposto
que as práticas dos professores não se modificam a partir de imposições,
mas exige um preparo especial no qual os mesmos sintam-se participantes
comprometidos. Trabalhamos a partir da descoberta e valorização de quem
são os professores, de como atuam, indicando caminhos alternativos para
seus fazeres.
113
É a partir da compreensão do saber numa perspectiva interdisciplinar e
global que, articulada aos quatros pilares da educação, aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser, poderá promover a
educação globalizada e transformadora. Os quatro pilares do conhecimento são uma
nova forma de entender os saberes que devem fazer parte da vida humana em
sociedade, devendo se manifestar na educação em forma de um ensino estruturado
que apareça como uma experiência global, durante toda a vida, numa relação
intrínseca entre o saber teórico e o fazer prático. A comissão da UNESCO buscou
ampliar a concepção de educação para atender às exigências do presente século,
no qual se faz necessário descobrir e fortalecer o potencial que existe dentro de
cada um. É preciso ultrapassar a dimensão puramente instrumental da educação
para uma dimensão global do ser.
Para poder dar respostas ao conjunto das suas missões a educação deve
organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo
de toda vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do
conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da
compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente;
aprender a viver juntos a fim de participar e cooperar com os outros em
todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que
integra as três precedentes.
114
De acordo com a Comissão, aprender a conhecer está ligado não somente à
aquisição de saberes codificados, mas à compreensão e domínio dos próprios
instrumentos do conhecimento que permitem agir com autonomia, com
discernimento, tomar decisões com responsabilidade e viver dignamente.
Contudo, como o conhecimento é múltiplo e evolui infinitamente, torna-se
cada vez mais inútil tentar conhecer tudo e depois do ensino básico, a
omnidisciplinaridade é um engodo. Aprender para conhecer supõe, antes de
113
FAZENDA, Ivani C. A. Formando professores para a interdisciplinaridade. In: FAZENDA, I. C. A. et
al. Interdisciplinaridade e novas tecnologias: formando professores. Campo Grande: UFMS, 1999.
p. 158.
114
DELORS, 1999, p. 90.
54
tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o
pensamento.
115
Assim, entende-se que nesse contexto existe a necessidade de um
conhecimento vasto, valorizando a profundidade de cada assunto, pois o
especialista fechado em seu próprio mundo do saber, desintegrado das outras áreas
científicas e da cultura geral, “cimento das sociedades no tempo e no espaço”, corre
o risco de alienação e fracasso. Por outro lado, a interação entre as áreas científicas
produz avanços para a ciência e para toda a humanidade. É preciso compreender
que, na sociedade dominada pelo jogo das imagens, da informação superficial e
imediatista, é fundamental ensinar ao jovem a desenvolver sua atenção para as
pessoas e para as coisas, ensinar a olhar além dos fetiches, ensinar a olhar para a
busca da essência.
Cultivar cuidadosamente o exercício da memória, não como um mero
depositário de informações, mas como uma faculdade humana capaz de promover a
seletividade de armazenamento para uma memorização associativa, daquilo que
tem um verdadeiro sentido para vida. Aprender a conhecer e aprender a fazer são,
em largas medida, indissociáveis”.
116
Por fim, o pensamento concreto e abstrato, que
começa desde as primeiras fases da vida, com os pais, depois com os professores e
se estende tanto no ensino quanto na pesquisa, se utiliza de dois todos: indutivo
e dedutivo, por vezes considerado antagônicos. Porém, para o encadeamento do
pensamento, os dois se combinam, dando sentidas às ideias, sendo a base dessas
ideias que motivará as pessoas a aprenderem durante toda sua vida. A educação
básica será considerada exitosa se conseguir esse resultado.
Aprender a fazer, nesse novo modelo educacional, não se resume ao
processo meramente técnico de copiar práticas rotineiras ou simplesmente preparar
alguém para repetir uma prática durante toda a vida. É saber transformar a evolução
do conhecimento cognitivo em inovações geradoras, para a indústria e para os
novos serviços do segundo e do terceiro setor, num processo de renovação
permanente. É notório que os diferentes setores empregatícios estão substituindo
cada vez mais os profissionais que possuíam uma determinada competência
material por aqueles versáteis, capazes de combinar qualificação, relacionamento
115
DELORS, 1999, p. 91.
116
DELORS, 1999, p. 93.
55
intra e interpessoal, aptidão, capacidade de iniciativa e criatividade, denominado
“saber ser” que, junto com o saber e o saber-fazer, compõe a competência exigida.
Dessa forma, exige-se da educação do momento um novo entendimento da
concepção de conhecimento e, partindo desse princípio, a utilização de estratégias
que privilegiem os diversos aspectos de aprendizagem. Numa perspectiva
interdisciplinar para a formação do ser humano, Lück defende:
A educação tem por finalidade contribuir para a formação do homem pleno,
inteiro, uno, que alcance níveis cada vez mais competentes de integração
das dimensões básicas o eu e o mundo a fim de que seja capaz de
resolver-se, resolvendo os problemas globais e complexos que a vida lhes
apresenta, e que seja capaz também de produzindo conhecimentos,
contribuir apara a renovação da sociedade e a resolução dos problemas
com que os diversos grupos sociais se defrontam.
117
117
LÜCK, 1994, p. 83.
3 SABERES NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS NUMA PERSPECTIVA
INTERDISCIPLINAR
Este capítulo busca apresentar saberes que, diante das profundas
transformações ocorridas no último século, têm se manifestado não como
instrumento de reprodução do conhecimento mecanizado, fragmentado,
condicionado, distante da realidade e, portanto, distante da vida, mas de saberes
que resultam do movimento de renovação do ideário educacional, numa dimensão
global e que se manifestam a partir de uma proposta de humanização no processo
do apreender do indivíduo, compreendendo sua contextualidade, diversidade,
complexidade, espiritualidade, etc.
Para iniciar, verifica-se o significado da palavra “perspectiva”, do latim tardio
perspectivus”, que emana de dois verbos: perspecto, que significa “olhar até o fim,
examinar atentamente”, e perspicio, que denota “olhar através, ver bem, olhar
atentamente, examinar com cuidado, reconhecer claramente”.
118
A palavra
“perspectiva” é rica em significações. Segundo o Dicionário de filosofia, do filósofo
italiano Nicola Abbagnano, perspectiva seria “uma antecipação qualquer do futuro:
projeto, esperança, ideal, ilusão, utopia”.
119
O termo revela o mesmo conceito de possibilidade, mas de um ponto de
vista mais genérico e que menos compromete, dado que podem aparecer como
perspectivas coisas que não têm suficiente consistência para serem possibilidades
autênticas. Para o Dicionário Aurélio, perspectiva é:
A arte de representar os objetos sobre um plano tais como se apresentam à
vista; pintura que representa paisagens e edifícios a distância; aspecto dos
objetos vistos de uma certa distância; panorama; aparência, aspecto;
aspecto sob o qual uma coisa se apresenta, ponto de vista; expectativa,
esperança.
120
Perspectiva significa, ao mesmo tempo, faceta, quando se fala, por exemplo,
em perspectiva política, religiosa e possibilidade, crença em acontecimentos
considerados prováveis e bons. Falar em perspectivas é falar de esperança no
futuro.
118
FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino-português. 6. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1994.
119
ABBAGNANO Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
120
FERREIRA, 2005.
57
Diante das rápidas mudanças na sociedade, na tecnologia e na economia,
atualmente, muitos educadores, perplexos, perguntam-se sobre o futuro de sua
profissão, alguns com medo de perdê-la sem saber o que devem fazer. Então,
aparecem, no pensamento educacional, todas as palavras citadas por Abbagnano e
Aurélio: “projeto” político-pedagógico, pedagogia da “esperança”, “ideal” pedagógico,
“ilusão” e “utopia” pedagógica, o futuro como “possibilidade”.
121
Fala-se muito hoje em possíveis “cenários” para a educação, portanto, em
“panoramas”, representação de “paisagens”. Para se desenhar uma perspectiva, é
preciso “distanciamento”. É sempre um “ponto de vista”. Todas essas palavras entre
aspas indicam certa direção ou, pelo menos, um horizonte em direção ao qual se
caminha ou se pode caminhar. Elas assinalam “esperança” e pretensão que podem
ser apreendidas, capturadas, sistematizadas e colocadas em ênfase.
Partindo do sentimento de esperança presente na pedagogia libertadora
freireana, busca-se aqui neste capítulo oferecer contribuições significativas para
educadores e educadoras de todos os níveis que almejam e lutam incessantemente
para um processo de construção do saber competente e solidário que promova a
transformação social, oferecendo elementos substanciais que fortaleçam a prática
do com-viver e do existir em um processo perene de humanização.
3.1 A arte de educar para a competência e sensibilidade solidária planetária:
um desafio
Abordar os novos conceitos de educação é uma possibilidade de discutir a
essência atual que permeia o campo das ideias, dos valores e da cultura que se
inter-relacionam entre o passado e que refletem no presente e com probabilidade
para o futuro. Nessa travessia de paradigmas, muitas concepções que norteiam a
prática poderão desaparecer, dando espaço a novos conceitos e perspectivas. “A
virada se refere, portanto, a própria concepção do que é educar. Do domínio da
visão instrucional (ensinar) passou-se à ênfase nas experiências de aprendizagem
(aprender a aprender)”.
122
Nesse sentido, conforme Assmann, a relevância educacional a ser avaliada
doravante está direcionada para o desenvolvimento de competências e habilidades,
presentes em todos os segmentos da sociedade, que se manifestam através da
121
ABBAGNANO, 2000.
122
ASSMANN, 2000, p. 32.
58
cultura e da socialilidade humana, sendo que os espaços educacionais deverão ser
capazes de:
Proporcionar às novas gerações um patamar de iniciações básicas para
saber aprender;
Manter acesa a curiosidade de aprender mais e incrementar o desejo do
conhecimento;
Fazer sentir, na prática escolar, a importância de saber acessar e construir
conhecimento;
Mostrar que a informação, a ciência e a cultura deixaram de ser bens
escassos na era das redes e da Internet.
123
Assim, está posto diante desse novo contexto educacional o desafio de
romper com o dualismo histórico entre formação para o desempenho profissional, a
transformação do conceito de trabalho e a formação ética para a sociabilidade
humana, uma vez que o conjunto dessas competências que deverá marcar a nova
linguagem e ação pedagógica. Para Hugo Assmann, de se pensar no
desenvolvimento do ser não somente para atender as demandas de mercado.
124
É
preciso aguçar os sentidos do sujeito aprendente para a complexa demanda do
contexto social com questões éticas verdadeiramente radicais como: a paz, a
liberdade entendida como oportunidades sociais efetivas, a união entre interesses
próprios e a abertura aos outros.
Outro aspecto a ser considerado, de acordo com Gadotti, pelos educadores
nesse contexto é o modelo de educação popular, originalmente descortinado pelo
educador Paulo Freire, na década de 1960, e que se faz evidente na atualidade, em
que coloca em evidência o imperativo de conscientização a partir da prática e
reflexão, incorporando a necessidade de organização, pois não basta estar
consciente é preciso organização para transformação.
125
A ideologia da educação
popular freireana, com os seus fiéis seguidores, caminha em duas direções
específicas: tanto na educação pública sistematizada quanto na educação popular,
na dimensão comunitária - organizações sindicais, rurais, ONGs religiosas, etc. E,
ainda, na educação ambiental e não-governamental.
A educação popular apresenta, em seu corpo teórico, princípios de
solidariedade, conquista e respeito humano, tendo como princípio a libertação do
123
ASSMANN, 2000, p. 80.
124
GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000b.
125
GADOTTI, 2000b.
59
sujeito de suas mazelas, tornando-o cidadão de fato e de direito, alcançando
diferentes setores da sociedade, conforme explica Gadotti:
As práticas de educação popular também constituem-se em mecanismos de
democratização, em que se refletem os valores de solidariedade e de
reciprocidade e novas formas alternativas de produção e de consumo,
sobretudo as práticas de educação popular comunitária, muitas delas
voluntárias. O Terceiro Setor está crescendo não apenas como alternativa
entre o Estado burocrático e o mercado insolidário, mas também como
espaço de novas vivências sociais e políticas hoje consolidadas com as
organizações não-governamentais (ONGs) e as organizações de base
comunitária (OBCs). Este está sendo hoje o campo mais fértil da educação
popular.
126
Sendo assim, conforme o autor, a educação popular tem oferecido grandes
alternativas, incluindo as reformas dos sistemas de escolarização pública, o que
permite inéditas probabilidades para a prática de uma educação reflexiva e
contextualizada com a vida do sujeito em sua essência, corporificando a teoria e a
prática educativa. A estratégia de aprender se diante do conhecimento prévio do
sujeito. A partir daí, surgem os temas geradores que são contextualizados e
problematizados, desenvolvendo a consciência política cidadã e contribuindo para a
transformação social.
127
Precisa-se criar estratégias tanto em âmbito governamental quanto no
âmbito não governamental para a valorização desses espaços, com investimento na
formação humana, desde a formação inicial e, consequentemente, a formação
contínua dos agentes multiplicadores de uma nova proposta de desenvolvimento e
transformação humana, a exemplo dos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos
por acadêmicos em processo de estágio de participação por algumas universidades
nesses espaços, possibilitando um olhar e intervenção propositiva em torno de uma
nova prática comprometida com a dinâmica no contexto atual.
3.2 A educação holística/transcendente: possibilidade para a educabilidade do
ser
Segundo o pesquisador Moacir Gadotti, entre as novas teorias surgidas na
contemporaneidade, os paradigmas holonômicos são os que têm despertado maior
interesse e atenção por parte dos educadores. Merecem destaque os conceitos de
complexidade e holismo, palavras cada vez mais ouvidas nos debates educacionais:
126
GADOTTI, 2000b, p. 6.
127
GADOTTI, 2000b.
60
Tudo o que há na natureza, seja o homem, um minúsculo inseto, uma
molécula, ou até mesmo as grandiosas galáxias que brilham na noite, são
considerados todos, em relação às suas partes constituintes, mas também
são partes de todos maiores. E tudo isso, todos e partes, estão interligados,
são interdependentes, numa totalidade harmônica e funcional, numa
perpétua oscilação onde os todos e as partes se esclarecem mutuamente.
Essa concepção holística do Universo mostra a existência viva de uma
relação dialética entre os fenômenos e sua essência, entre o particular e o
universal, entre a base material e a consciência, entre a imaginação e a
razão.
128
O termo holismo é originário do grego holos, que significa “todo”. Os novos
paradigmas procuram se centrar na totalidade. De acordo com Rafael Yus, precursor
da introdução de temas transversais no currículo, a educação do século XXI deve
ser integral e englobar as dimensões física, mental, emocional e espiritual das
pessoas. Deve ser, portanto, holística.
Os paradigmas holonômicos pretendem restaurar a totalidade do sujeito,
valorizando a sua iniciativa e a sua criatividade, valorizando o micro, a
complementaridade, a convergência e a complexidade. Para eles, os
paradigmas clássicos sustentam o sonho milenarista de uma sociedade
plena, sem arestas, em que nada perturbaria um consenso sem fricções. Ao
aceitar como fundamento da educação uma antropologia que concebe o
homem como um ser essencialmente contraditorial, os paradigmas
holonômicos pretendem manter, sem pretender superar, todos os elementos
da complexidade da vida.
129
Nesse aspecto, engloba as ideias Morin, que critica a razão produtivista e a
racionalização moderna, propondo uma coerência da vivência humana. Esse modelo
sustenta um princípio unificador do saber e do conhecimento em torno do ser
humano, valorizando seu cotidiano, seu vivido, o pessoal, a singularidade, o entorno,
o acaso e outras categorias como: decisão, projeto, ruído, ambiguidade, finitude,
escolha, síntese, vínculo e totalidade. “Mais do que a ideologia, seria a utopia que
teria essa força para resgatar a totalidade do real, totalidade perdida”.
130
Segundo Gadotti, os defensores da educação holística sustentam que o
imaginário e a utopia são os grandes fatores determinantes da sociedade e
consideram com menor importância o modelo positivista racionalista que aniquila o
desejo, a paixão, o olhar e a escuta. Os referenciais do modelo clássico, segundo
eles, desconsideram essas dimensões da vida porque supervalorizam os fatores
externos sociais econômicos e políticos da macroestrutura do sistema, em que tudo
128
GADOTTI, 2000b, p. 20.
129
YUS apud GADOTTI, 2000b, p. 21.
130
MORIN apud GADOTTI, 2000b, p. 22.
61
é função ou efeito das superestruturas socioeconômicas ou epistêmicas, linguísticas
e psíquicas.
131
Nesse novo paradigma, a história é essencialmente possibilidade. O que
vale é o imaginário, o projeto. “Existem tantos mundos quanto nossa capacidade de
imaginar”.
132
Ressaltando que, segundo Gadotti, as categorias que os paradigmas
holonômicos abarcam não são novas no campo da educação. Porém, nesse
contexto, são vistas de forma muito mais significativa do que em outros momentos.
A base da educação personalizada é que a educação holística reconhece a
natureza multidimensional da experiência humana e respeita as
necessidades emocionais/psicológicas, físicas e espirituais, assim como as
necessidades cognitivas do aluno. Cada estudante é incentivado para a
auto-estima, a responsabilidade pessoal e coletiva de todos os aspectos de
nossas vidas.
133
Segundo Gadotti, não são poucos autores, intelectuais, filósofos e
educadores que, de diversas formas e com variados significados, se identificam com
essas categorias, embora nem todos aceitariam ser enquadrados nos paradigmas
holonômicos. Entretanto, indicam certa tendência de educação que fortalece esses
paradigmas, como, por exemplo: o “sentido do outro”, a “curiosidade” (Freire), a
“tolerância” (Jaspers), a “estrutura de acolhida” (Ricoeur), o “diálogo” (Buber), a
“autogestão” (Freinet, Lobrot), a “desordem” (Morin), a “ação comunicativa”, o
“mundo vivido” (Habermas), a “radicalidade” (Heller), a “empatia” (Rogers), a
“questão de gênero” (Viezzer, Stromquist), o “cuidado(Boff), a “esperança” (Bloch),
a “alegria” (Snyders), a unidade do ser humano contra as “unidimensionalizações”
(Marcuse), etc.
134
Os que sustentam tais paradigmas procuram detectar na coesão dos
opostos e na cultura pós-moderna um referencial como direção futurística,
denominado por eles de pedagogia da unidade.
Nesse sentido, é preciso ressaltar
que, com o paradigma holístico, se abre um leque enorme de possibilidades para o
desenvolvimento da prática escolar, respaldada numa atuação centrada no todo de
uma realidade, em que o educador poderá ampliar seu campo de atuação no
processo ensino aprendizagem, utilizando diversos elementos constituintes da
131
GADOTTI, 2000b.
132
GADOTTI, 2000b, p. 32.
133
GADOTTI, 2000b, p. 32.
134
GADOTTI, 2000b.
62
realidade social e natural, psicológica e transcendental, visto que o conhecimento se
dá por diferentes vias.
Os caminhos metodológicos com base nessa visão se respaldam na prática
de muitos educadores citados, no entanto, é bom lembrar que, como uma teoria
em plena ebulição, novas práticas elaboradas e executadas poderão fazer parte
dessa nova forma de pensar e fazer educação
.
Assim, a partir desse olhar, abre-se um leque de possibilidades para uma
atuação mais plena do educador nos diferentes níveis e modalidades educacionais,
permitindo romper com a mesmice de uma prática descontextualizada, envolvendo o
discente na busca permanente pela descoberta, pela investigação. O objetivo é
trazer elementos constituintes da vida, do subjetivo de cada indivíduo, aguçando a
sensibilidade resguardada no anonimato da indiferença de um mundo meramente
marcado pelo positivismo capitalista. Cabe principalmente ao educador perder o
medo de errar para poder acertar, trabalhar primeiro seus temores, desequilíbrios.
Encontrar-se com sua essência. Buscar entender seus limites, preconceitos e
ansiedades, não com maquilagens vãs, mas como um enfretamento real para
profundas mudanças almejadas.
Nesse sentido, é preciso desenvolver a autoestima e o amor por si mesmo, e
somente depois poderá se preparar para enfrentar as diferenças em sala de aula,
não como um obstáculo, mas como possibilidades de conquistas, de adaptações, de
aprendizagem e de bem estar. Focalizar a essência que se constrói na incerteza, no
desejo de fazer um caminho novo, ainda não percorrido, mas que deve ser
palmilhado por aqueles que acima de tudo acreditam em outras possibilidades,
talvez ainda desconhecidas a partir dessa visão holística de ser e estar aqui.
3.3 Breves reflexões sobre a importância de projetos educacionais
interdisciplinares em espaços educacionais: desafios e avanços possíveis
No contexto atual, o campo da educação tem apresentado alguns avanços,
principalmente na área da pesquisa, em que o momento atual tem sido marcado
pelo processo de busca do conhecimento que emerge das profundas necessidades
presentes da própria existência humana no espaço global. Com o processo de
globalização, existe uma demasiada necessidade de compreensão e reflexão dos
envolvidos no processo educativo, tendo em vista as exigências e complexidades
63
presente na sociedade contemporânea. É preciso desconstruir para construir novos
conceitos que se interrelacionem concretamente com o processo de
ensino/aprendizagem, de forma globalizada, criativa e significativa, pois nesse
contexto
O global e o local se fundem numa nova realidade: o glocal”. O estudo
desta categoria remete à necessária discussão do papel dos municípios e
do “regime de colaboração” entre União, estados, municípios e comunidade,
nas perspectivas atuais da educação básica. Para pensar a educação do
futuro, é necessário refletir sobre o processo de globalização da economia,
da cultura e das comunicações.
135
Nessa perspectiva, a pedagogia de projetos se caracteriza como uma
importante estratégia na construção de saberes e aprendizagem significativa, tanto
na educação formal quanto na educação informal. Segundo Santomé, projetos
curriculares “são uma maneira de estruturar as diferentes áreas do conhecimento e
experiência ou disciplina, para tornar realidade outras concepções educacionais”.
136
E tem como finalidade “estimular a renovação e inovação pedagógica nas salas de
aula e instituições escolares”.
137
“O projeto curricular serve para traduzir novas idéias
sobre o que devem ser a matemática, a ciência, os estudos sociais, junto com
colocações adequadas sobre a aprendizagem dos alunos e a metodologia do
professor, etc.”.
138
Entretanto, Santomé chama a atenção para a existência de muita
confusão sobre a expressão projeto curricular, uma vez que até o século passado
pouco se ouvia falar nessa expressão, atualmente é utilizada com muita intensidade
na educação, sem, no entanto, uma compreensão aprofundada por seus executores.
O desenvolvimento do projeto curricular requer um amplo conhecimento dos
envolvidos através de seminários de reflexões, co-ordenações e orientações para o
entendimento filosófico e prático da proposta que se pretende trabalhar, pois envolve
questões institucionais, profissionais, produção gráfica, etc. Na realidade, os
sistemas educacionais não apresentam nenhum interesse por esse tipo de
integração curricular, reduzindo-se ao modelo dicotomizado.
o método de projetos que foi formulado em 1918 por William H. Kilpatrick,
segundo Santomé, é uma filosofia curricular bastante parecida com a dos centros de
135
GADOTTI, 2000b.
136
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
137
SANTOMÉ, 1998.
138
GIMENO apud SANTOMÉ, 1998, p. 191.
64
interesses de Ovide Declory, sendo que esta apresenta mais a dimensão utilitarista
do conhecimento, ou seja, a dimensão prática. “É uma forma de integração curricular
que se preocupa pela característica de ‘interessante’ que deve acompanhar a
realização do trabalho nas salas de aula, pela proposta de problemas interessantes
que os alunos devem resolver em equipe”.
139
Com ênfase no caráter pragmático, Kilpatrick considera que um projeto é
“uma proposta entusiasta de ação a ser desenvolvida em um ambiente social”.
140
Santomé acrescenta:
[...] e deve servir para melhorar a qualidade de vida das pessoas na medida
em que estas se sentirem comprometidas com sua aprendizagem, prestarão
mais atenção, esforçar-se-ão mais com aquilo que tem de fazer e assim
desenvolverão destrezas e adquirirão conhecimentos que lhes permitirão
viver melhor.
141
O método de projeto, segundo Kilpatrick, permite aos envolvidos uma
constante ressignificação da ação desenvolvida, em processo contínuo de
aprendizagens, abrindo-se perspectivas amplas de compreensão, entendimento,
aprofundamento e construção de novas atitudes com relação a experiências vividas,
vistas e sentidas; permite também um controle sobre esses processos
experenciados sob uma direção consciente, o que contribui para os sujeitos se
inserirem melhor no meio e agir de maneira autônoma e responsável.
142
Para ele, a
realização de um projeto pedagógico pressupõe quatro passos: “decidir o propósito
do projeto. Realizar um plano de trabalho para sua resolução. Executar o plano
projetado. Julgar o trabalho realizado”.
143
Justifica-se, de acordo com Santomé, a importância do método de projetos
para a educação, uma vez que a educação tradicional desconsidera o caráter
socializador da proposta curricular, pois o aluno aprende conceitos, leis, definições.
Porém, ele desconhece a ação em equipe, memoriza conhecimentos, mas é incapaz
de relacioná-los com a própria vida, desconhecendo sua utilidade para a vida
cotidiana fora da escola e em outros espaços.
139
SANTOMÉ, 1998, p. 191.
140
KILPATRICK apud SANTOMÉ, 1998, p. 191.
141
SANTOMÉ, 1998, p. 191.
142
KILPATRICK apud SANTOMÉ, 1998, p. 191.
143
KILPATRICK apud SANTOMÉ, 1998, p. 191.
65
Para Kilpatrick, o método de projetos tem por finalidade resolver os
problemas imediatos do interesse dos alunos, como processo de aprendizagem
estímulo-resposta behaviorista.
144
Dewey contraria essa ideia comportamentalista e
traz em seu postulado o valor do legado cultural e evidencia a necessidade que as
novas gerações têm de entrar em contato com essa cultura, para reconstruí-la,
destacado a importância do sistema educacional e seus processos na transformação
da realidade social.
145
Portanto, sugere não um olhar para interesses
individualizados, mas leva em consideração todo um contexto histórico sociocultural
de cada sociedade, tornando-se realidade a relação entre disciplinas do
conhecimento curricular com o conhecimento na própria vida, sendo necessário o
pensamento reflexivo e a sistematização dessa realidade.
Nesse sentido, é fundamental compreender que o processo educacional
deve contemplar os interesses educativamente valiosos para os alunos e também
gerar novos. Porém, é bom ressaltar que um bom projeto curricular deve ser
prazeroso e educacional ao mesmo tempo, tendo em vista a necessidade de uma
aprendizagem contínua, relevante e significativa.
146
Ainda, como instrumentalização
prática, o termo projeto também é definido como:
Plano de trabalho a ser executado, uma idéia que formamos quando
desejamos realizar algo, uma intenção de realizar alguma coisa pré-
estabelecida, através de um esquema, ou então se pensarmos em termos
puramente educacionais, podemos inferir que projeto é um esboço
preparatório ou provisório de um texto, de um trabalho a ser realizado,
apresentado ou implementado ou ainda, um projeto institucional, um plano
curricular ou planos que os professores fazem para ministrar suas aulas.
147
Para melhor compreensão sobre a importância de projetos educacionais em
espaços educacionais formais, é necessário reconhecer os diferentes tipos de
projetos educacionais e suas interpelações. Hernandez se expressa dizendo:
Definitivamente a organização dos projetos de trabalho se baseia
fundamentalmente numa concepção da globalização entendida como um
processo muito mais interno do que externo, no qual as relações entre
conteúdos e áreas do conhecimento têm lugar em função da das
144
KILPATRICK apud SANTOMÉ, 1998.
145
SANTOMÉ, 1998.
146
SANTOMÉ, 1998.
147
SILVA, Maristela Alberton. O trabalho com projetos: um convite à descoberta. Disponível em:
<http://pontodeencontro.proinfo.mec.gov.br/ad3.htm>. Acesso em: 03 jan. 2005.
66
necessidades que traz consigo fato de resolver uma série de problemas que
subjazem na aprendizagem.
148
Quadro 3: Comparação dos modelos de projetos
Projetos de
Ensino
Projetos de
Aprendizagem
Projetos de
Trabalho
Projetos
Interdisciplinares
Projetos
Pedagógicos
Objetivo
Transferir
informações
Construir
conhecimento
Construir
conhecimento
Construir
conhecimento
Construir
conhecimento
Concepção
de Ensino
Ênfase no
Ensino
Ênfase na
aprendizagem
Ênfase na
aprendizagem
Ênfase na
aprendizagem
Ênfase na
aprendizagem
Concepção
de
Aprendiza
gem
A informação é
transmitida pelo
professor
Produção ativa de
conhecimentos
significativos pelo
aluno
Produção ativa
de
conhecimentos
significados pelo
aluno
Produção Ativa de
conhecimentos
significativos pelo
aluno
Produção Ativa
de
conhecimentos
significativos
pelo aluno
Papel do
professor
Detentor
absoluto do
saber e
transmissor de
informação
Orientador e
problematizador
Orientador e
problematizador
Orientador e
problematizador
Orientador e
problematizador
Papel do
Aluno
Atitude passiva;
receptor de
informação
Atitude ativa;
constroem
conhecimento e
desenvolvem a
compreensão
Atitude ativa;
constroem
conhecimento e
desenvolvem a
compreensão
Atitude ativa;
constroem
conhecimento e
desenvolvem a
compreensão
Atitude ativa;
constroem
conhecimento e
desenvolvem a
compreensão
Avaliação
Avaliação do
resultado final
Avaliação do
processo e do
resultado em
forma de revisão
crítica
Avaliação do
processo e do
resultado em
forma de
revisão crítica
Avaliação do processo
e do resultado em
forma de revisão
crítica
Avaliação do
processo e do
resultado em
forma de
revisão crítica
Modo de
execução
Exposição
oral e
exercícios de
fixação;
trabalho
individual.
Situações
concretas de
interação e
resolução de
problemas;
trabalho coletivo.
Situações
concretas de
interação e
resolução de
problemas;
trabalho
coletivo.
Situações concretas
de interação e
resolução de
problemas;
trabalho coletivo.
Situações
concretas de
interação e
resolução de
problemas;
trabalho
coletivo.
Organizaçã
o
Atividade
dirigida com
controle das
atividades e
dos resultados
Processo flexível,
contínuo e
dinâmico
Processo
flexível,
contínuo e
dinâmico
Processo flexível,
contínuo e dinâmico
Processo
flexível,
contínuo e
dinâmico
Estrutura
Singular e
repetitiva
Mutante e
inovadora
Mutante e
inovadora
Mutante e inovadora Mutante e
inovadora
Grupos
Homogêneos e
iguais, com
trajetórias
idênticas
Heterogêneos e
únicos com
trajetórias
particulares
Heterogêneos e
únicos com
trajetórias
particulares
Heterogêneos e
únicos com trajetórias
particulares
Heterogêneos e
únicos com
trajetórias
particulares
Conteúdo
Não
necessariamen-
te vinculado ao
contexto social
do aluno e às
suas
concepções
Vinculado ao
contexto social do
aluno, aos seus
interesses e as
suas concepções
prévias
Vinculado ao
contexto social
do aluno, aos
seus interesses
e as suas
concepções
prévias
Vinculado ao contexto
social do aluno, aos
seus interesses e as
suas concepções
prévias
Vinculado ao
contexto social
do aluno, aos
seus interesses
e as suas
concepções
prévias
148
HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por projeto de trabalho. 5. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998. p. 63.
67
prévias; tem
como base
currículo
escolar.
Fonte: MORESCO.
No entanto, a reflexão do enfoque principal aqui apresentado se refere ao
projeto interdisciplinar, que vem sendo estudado ao longo desse trabalho. Um dos
objetivos que se deseja alcançar com esse tipo de projeto é a integração das
disciplinas e dos diferentes saberes das várias áreas do conhecimento, sendo
fundamental que essa integração ocorra por parte de todos os envolvidos no
processo de ensino/aprendizagem, em que o sucesso maior reside justamente na
atitude assumida diante do objeto de estudo.
Implica em um compromisso de elaborar um contexto mais geral, no qual
cada uma das disciplinas em interação é modificada, passando a depender
umas das outras. Ela estabelece uma interação entre duas ou mais
disciplinas, resultando em intercomunicação e enriquecimento recíproco,
promovendo, conseqüentemente, uma transformação de suas metodologias
de pesquisa, modificação de conceitos e terminologias fundamentais.
149
Sintetizando as ideias de Nogueira, um projeto para que seja realmente
interdisciplinar precisa da formação de uma boa equipe que tem como função
“planejar, estabelecer os pontos de partida e chegada, promover troca de
informações, realizar comunicação de descobertas e aquisições, avaliar etapa do
processo e replanejar para corrigir rotas, etc.”.
150
Além disso, essa equipe deve se
reunir com certa freqüência, desde a etapa do planejamento até a finalização do
projeto para que não comprometa o resultado do projeto. Segundo Japiassu, é
preciso superar a linguagem do babelismo linguístico das disciplinas e imperar uma
linguagem comum à equipe, não se resume com isso, em apenas uma unificação
terminológica, que garante a interdependência disciplinar, mas sim o alcance dos
objetivos propostos.
151
É fundamental que haja nos envolvidos uma comunicação permanente,
clara, aberta e objetiva, para um conhecimento pleno de todas as ações a serem
percorridas pelos membros da equipe. de se pensar uma nova identidade do
149
JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucidio. (Orgs.). Para além da filosofia do sujeito. Petrópolis:
Vozes, 1995. p. 29.
150
NOGUEIRA, 2007, p. 47.
151
JAPIASSU apud NOGUEIRA, 2007.
68
professor, que precisa ser aprendida no caminho, na predisposição de enfrentar o
desafio do subjetivo, do incerto, do caos, que se instala nesse novo contexto de
incertezas.
Porém, diante de tudo o que foi exposto, é somente a partir de uma
postura interdisciplinar, predisposta a aprender com o outro, pela atitude de
humildade, conditio sine qua non da interdisciplinaridade, reconhecer-se ignorante
em determinados assuntos e estar aberto a novos saberes que se desenvolverão na
essência de projetos interdisciplinares. Só assim, de fato, um projeto interdisciplinar
poderá se efetivar, com resultados plenos e satisfatórios durante toda sua trajetória
na construção de novos saberes e de uma aprendizagem significativa que promova
a educabilidade do ser e o sentido pleno do aprender.
3.4 Projeto Pedagico Interdisciplinar na Academia: uma experiência
possível
Trabalhar Projeto Pedagógico numa perspectiva Interdisciplinar na
Academia ainda é considerado por muitos educadores um enorme desafio, pois as
raízes do positivismo fragmentado do saber ainda se encontram muito fortes nos
espaços acadêmicos. Portanto, quebrar estes velhos paradigmas do distanciamento
curricular e didático para uma interação interdependente do saber, relacionado-o
com a própria vida, constitui uma possibilidade de fundamental relevância no espaço
acadêmico.
Assim, a experiência do Projeto Conhecer para transformar,
152
desenvolvido
pela Professora Valdenilda Lopes França da Conceição, juntamente com
acadêmicos do Curso de Pedagogia do quinto semestre, nas Disciplinas
Metodológicas Ciências Naturais e Geografia, da Faculdade de Ciências
Educacionais (FACE), surgiu das inquietações, frente ao ensino fragmentado, não só
na Educação sica, mas que se repete na academia, deixando muitas vezes o
acadêmico desanimado por não ver uma relação concreta do que estuda com seu
próprio contexto, fato que torna as aulas, em determinados momentos, fragmentos
soltos, sem sentido. Por outro lado, havia uma necessidade mútua de buscar e
aprofundar em caminhos íngremes, que ainda precisam ser aplanados, mas que
ampliem os horizontes daqueles no processo permanente do inacabamento, da
152
Cf. Anexo.
69
busca, para uma ação mais propositiva e contextualizada na academia e em torno
da realidade socioeducacional.
Nesse trabalho, buscou-se desenvolver uma proposta norteada pela
concepção interdisciplinar, respaldada em teóricos como: Fazenda, Lück, Freire e
Vigotsky, dentre outros, com realização de pesquisa de campo e intervenção
pedagógica. O público-alvo foi composto por crianças e adultos da comunidade
localizada na ocupação Quilombo, no bairro Novo Horizonte, na periferia da cidade
de Valença.
O projeto teve como objetivo principal promover a interdisciplinaridade do
conhecimento através de uma relação prática e teórica, no processo ensino-
aprendizagem, desenvolvendo no acadêmico e futuro educador uma visão ampla,
coerente e sensível com relação aos componentes curriculares de Ciências Naturais
e Geografia, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, para o entendimento de
uma proposta educativa de expressiva significância a todos os envolvidos no
processo.
A pesquisa e intervenção prático-pedagógica tiveram como objeto de estudo
a interdisciplinaridade entre as disciplinas de Conteúdo e Metodologia da Geografia
e das Ciências Naturais, com base nos seus componentes e saberes curriculares e
nas práticas metodológicas que norteiam o Ensino Fundamental, nas séries iniciais.
A finalidade maior foi evidenciar o valor de uma proposta pedagógica
fundamentada na teoria da interdisciplinaridade e nas múltiplas inteligências, o que
permitiu aos acadêmicos do Curso de Pedagogia, assim como à professora,
experenciar novas aprendizagens possíveis de se constituírem, tanto na academia
quanto nas escolas públicas e particulares.
A proposta metodológica se desenvolveu em distintas etapas: pesquisa de
campo; pesquisa bibliográfica; análise de dados; estudos interativos; debates;
elaboração de projeto de intervenção pedagógica com planos de aula; realização de
seminários; oficinas com aulas práticas, etc. Em todos estes momentos, a avaliação
interativa e diagnóstica se constituiu como um elemento essencial. Nos
desdobramentos de cada etapa, para o fortalecimento da proposta no contexto
educacional escolhido, despertaram para uma ação propositiva através do
desenvolvimento de competências e habilidades para uma prática comprometida
70
com a vida nas suas diferentes dimensões: cognitiva, social, ambiental, psicológico-
afetiva e espiritual.
Os resultados foram evidenciados por todos os envolvidos. Em cada etapa
do projeto, novas descobertas aconteciam, pois o projeto permitiu, a partir da
pesquisa de campo, o confronto com a própria realidade. Os dados coletados do
ambiente natural e social ofereceram elementos substanciais para a elaboração do
projeto de intervenção, no qual não existiam fronteiras, pois os conteúdos não se
isolavam entre si, mas eram vistos de forma integrada uns com os outros, em uma
teia de total interdependência, sem, no entanto, perder sua singularidade.
Essa dimensão de totalidade e singularidade ficou clara para os acadêmicos,
principalmente nas oficinas, pois puderam relacionar de forma coerente os
conteúdos vistos antes de forma separada, tanto em Geografia quando em Ciências
Naturais, e em outras áreas. Puderam também descobrir e trabalhar na prática, de
maneira fundamentada, uma nova forma lúdica, contextualizada, significativa e
interdisciplinar de construir o conhecimento, com uma proposta de humanização no
processo de aprendizagem do indivíduo, para a educabilidade do ser.
Essa experiência é, na realidade, uma fagulha diante da grandeza que
representa a visão interdisciplinar para a educação. Porém, é importante lembrar
que o caminho está diante de todos. Basta ter coragem, humildade e muita
esperança, pois muito ainda por se fazer, pesquisar, buscar e, acima de tudo,
acreditar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente estudo, considero a relevância do tema, a partir dos
resultados obtidos na pesquisa. No contexto social, diante do advento da pós-
modernidade, com suas características e desafios, a interdisciplinaridade do saber
se faz pertinente a todas as esferas da vida humana.
Na educação, é uma questão urgente, pois a família não consegue dar conta
de seu papel e transfere para a escola todas suas atribuições. A escola também se
apresenta fragilizada, fundamentada numa estrutura arcaica, com um currículo
fragmentado, desvinculado da realidade, pautado em um modelo tradicional que não
atende mais as necessidades emergentes: espaços educacionais desestimuladores
da aprendizagem, conflituosos, marcado pela discriminação, violência e tantos
outros aspectos negativos.
A pesquisa realizada proporcionou a visualização da realidade em que a
educação se arrasta ao logo dos anos, fruto do modelo cartesiano, que se insere
também nas universidades e, com raras exceções, ainda continua a imprimir um
referencial tradicional positivista em suas propostas pedagógicas, desvinculadas das
reais necessidades que o paradigma atual exige para uma formação coerente com o
contexto.
O trabalho permitiu refletir na totalidade do conhecimento, e confirma a
importância da tendência interdisciplinar na educação: seus pressupostos, objetivos,
impactos, valores, características e variações. Na atualidade, a interdisciplinaridade
desponta como uma realidade na superação da fragmentação histórica do
conhecimento que perpassa por uma nova possibilidade de aprender e construir o
conhecimento na contemporaneidade.
Os resultados encontrados possibilitaram perceber que, por meio do
currículo e didática interdisciplinar, abrem-se perspectivas de um trabalho
educacional, que pode contribuir sobremaneira para um novo pensar e agir, por
aqueles que ainda acreditam em novos caminhos de uma educação transformadora
e comprometida com a vida, que abarque o conhecimento em suas diferentes
dimensões, a partir das inter-relações dos diversos saberes, partindo do princípio do
pensar e ser interdisciplinar, que não acontece de um dia para o outro, mas do
exercício humilde de aprender a aprender. Essa construção coletiva só se faz,
72
especialmente, com muito desejo de mudança, mas ainda com muitas dificuldades e
desafios históricos.
Pude constatar a evidência expressiva de novos saberes que emergem
frente aos desafios no contexto pós-moderno, abrindo um leque de possibilidades
para a construção do conhecimento. E, nessa busca, verifiquei também a prática de
projetos educacionais e interdisciplinares como importantes mecanismos de
superação do conhecimento fragmentado para a formação integral e educabilidade
do ser, sendo necessária uma profunda compreensão por aqueles que desejam
utilizar essa proposta.
Nesse sentido, concluo esse trabalho na certeza de que as questões
apresentadas inicialmente foram refletidas e analisadas, enfatizando que é preciso
pensar a educação para a sociedade da incerteza, uma formação integral a partir do
desenvolvimento de competência na e para a vida, em que os espaços educacionais
funcionem como ambientes solidários de múltiplas interações na construção do
conhecimento significativo e na formação de sujeitos autônomos comprometidos
com a paz, com o ambiente e com a vida em comunidade
Para isso, parafraseando Rubens Alves, é fundamental usar novas
ferramentas, já que utilizadas há décadas não conseguem mais dar conta das
necessidades emergentes.
Sobretudo ao educador, é essencial ser criativo e persistente, buscar novos
caminhos, sonhar, ser inventivo, arriscar, interagir, ser humilde e aprender com o
outro novas possibilidades de construir o conhecimento que promova vida com
sentido pleno, que o torne mais humano e solidário. Somente assim a educação
alcançará propósitos qualitativos e promoverá a educabilidade do ser.
“Seremos interdisciplinares quando formos
capazes de trocar, criar, de incluir. A harmonia
final só será possível se houver contribuição de
todos. O importante não é buscar a igualdade de
pensamento, mas a parceria na ação vivencial que
perpassa a educação”.
(Suzy Fernanda de A. da Silva)
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ANEXO A: Projeto Pedagógico Interdisciplinar: conhecer para transformar
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