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Magda Cristina Santin Hübner
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:
PROCESSO DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
NO CONTEXTO ESCOLAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Faculdade de
Educação, da Universidade de Passo Fundo, como
requisito parcial e final para a obtenção do grau de
Mestre em Educação, tendo como orientadora a
Profª Drª Neiva Ignês Grando.
Passo Fundo
2010
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Agradeço a minha orientadora professora Drª Neiva Ignês Grando, pelo
acolhimento, compreensão, confiança e por conduzir-me com
competência neste trabalho, dando as contribuições essenciais para sua
realização.
Aos professores Dr. Méricles Thadeu Moretti, Dr. Eldon Henrique
Mühl e Drª Ocsana Sônia Danyluk, pelas valiosas contribuições e
sugestões oferecidas no exame de qualificação.
À UPF e à Capes, por proporcionarem a realização de um curso de
qualidade.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em
Educação, em especial aos professores Dr. Altair Alberto Fávero e
Drª Adriana Dickel.
Ao Colégio São José, em nome da diretora Ir. Cassilda, e aos queridos
estudantes que participaram como protagonistas desta pesquisa.
A todos os colegas de mestrado, pelos momentos agradáveis que
vivenciamos juntos, mas, em especial, às colegas e amigas do coração
Ana Maria de Oliveira Pereira e Ana Lúcia Paniz, pela amizade, pelo
carinho e pela solidariedade.
À minha querida família, meus pais Ernesto e Maria (in memorian) e
meus irmãos Lúcia, Alencar, Antônio, Lázaro, Marcos e Mônica, pela
troca de experiências e convivência, que muito contribuíram no meu
crescimento pessoal e profissional.
Ao meu amado filho João Paulo, que está sempre torcendo por mim e
que é a minha força e motivação para prosseguir em meus estudos, mas,
especialmente, por fazer parte da minha vida.
Ao meu querido e amado esposo Paulo, pelo amor, carinho,
ensinamentos e por todo incentivo, força e coragem proporcionados nos
momentos difíceis e alegres. Obrigada pela compreensão nesse período
de limitações. Você é meu porto seguro!
Agradeço a todos, por fazerem parte da minha história!
Muito obrigada!!!
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A capacidade de aprender se compõe, de muitas
perguntas e de algumas respostas.
Fernando Savater
A sutileza do ensino da resolução de problemas
matemáticos reside no equilíbrio do desafio e do sucesso,
sem que nenhum deles se sobreponha.
John Mason
A resolução de problemas foi e é a coluna vertebral da
instrução matemática desde o Papiro de “Rhind”.
George Polya
4
RESUMO
O estudo objetivou investigar a própria prática pedagógica como educadora matemática,
analisando na modalidade de interações ocorridas em situações reais da sala de aula o
processo de resolução de problemas matemáticos, identificando possíveis variáveis didáticas
potencializadoras do aprendizado. Os sujeitos de pesquisa foram 26 estudantes da série do
ensino fundamental de uma escola da rede privada de ensino de Erechim/RS. A pesquisa é de
abordagem qualitativa, aliada ao procedimento de autoscopia, que conta com material de
estudo coletado nos meses de setembro a novembro/2009, por meio de gravações de vídeo e
áudio, das memórias de docente de matemática; do diário de classe e planos de aula e da
produção escrita de estudantes registradas nas atividades de resolução de problemas. Desses
foram selecionados cinco, que deram origem aos cinco episódios analisados. As informações
coletadas foram organizadas em episódios estruturados em sequências de diálogo, tendo como
referência para a análise relevâncias da heurística da resolução do problema matemático e
peculiaridades do processo de resolução. As análises evidenciam que, quando as atividades
propostas de resolução de problemas despertam nos estudantes características de um
“verdadeiro” problema matemático, favorecem o aprendizado. Da mesma forma ocorre em
relação ao uso de uma heurística para resolução e as peculiaridades do processo de resolução
no que tange à intervenção docente, às interações entre pares e aos aspectos metodológicos do
fazer pedagógicos, todas variáveis didáticas favorecedoras e potencializadoras do
aprendizado. Das análises processadas, foi possível concluir sobre a importância da
participação efetiva nas interações em sala de aula, do diálogo entre sujeitos, da diversidade
de formas de solução, da conexão dos conhecimentos matemáticos, da variação dos tipos de
problemas e da importância de o educador matemático rever o contrato didático que apoia sua
prática docente.
Palavras-chave: Prática pedagógica. Resolução de problemas. Interações. Aprendizagem
matemática.
5
ABSTRACT
The current study had the objective of investigating the pedagogical practice itself as a
mathematics teacher, analyzing the mathematical problems solving process within the
modality of interactions which happened in real situations in the classroom to identify
possible didactic variable to enhance learning. The subjects of the study were 26 students
from the sixth grade of elementary school from a private school in Erechim/RS. This research
is a qualitative approach associated to the autoscopy procedure which has a study material
collected from September to November/2009 through video and audio recordings, math
teacher’s memories, the class reports and the lesson plans and the student’s written production
registered in the problems solving activities. Among these problems, five of them were
selected and originated the five episodes which were analyzed. The collected information was
organized in episodes that were structured in dialogue sequences using the relevance of
heuristic math problems solving and peculiarities of the resolution process. The analysis
verifies that when the proposed problem solving activities evoke at students characteristics of
a true math problem, they promote learning. The same happens related to the use of heuristic
problem solving and the peculiarities of the resolution process associated to the interventions
of the teacher, the pair interactions and the methodological aspects of teaching. All of them
were recognized as didactic variable to encourage and enhance learning. From the analysis, it
was possible to think about the importance of effective participation in the classroom
interaction, the dialogue between subjects, the diversity of resolution forms, the connection of
math knowledge, the variation of kinds of problems and also the importance of the math
teacher reviewing the didactic background of their teaching.
Key words: Pedagogical practice. Problem solving. Interaction. Math learning.
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Quadro das diferenças entre exercícios e problemas.............................................31
Figura 2 – Problema matemático: características relevantes..................................................38
Figura 3 – Problemas curriculares e problemas extracurriculares. ........................................41
Figura 4 – Síntese das relevâncias do processo de resolução de um
problema matemático.............................................................................................54
Figura 5 – Simbologia para as sequências transcritas.............................................................72
Figura 6 – Segmento de reta numérica....................................................................................87
Figura 7 – Elaborações a partir da reta numérica....................................................................88
Figura 8 – Modelo matemático da velocidade média............................................................96
Figura 9 – Processo de resolução com tempo arredondando................................................100
Figura 10 – Processo de resolução com tempo 4h e 15min....................................................101
Figura 11 – Esquema do quadro-negro da hipótese de seis dias.............................................112
Figura 12 – Desenho e cálculos do caderno do Mateus,
transcritos no quadro-negro.................................................................................113
Figura 13 – Estudantes digitando............................................................................................120
Figura 14 – Estratégia utilizada pela estudante Paula........ ....................................................126
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................9
1 CENÁRIO DA PESQUISA: OPÇÃO E METODOLÓGIA...................................16
1.1 Investigando a própria prática..................................................................................16
1.2 Aspectos metodológicos .............................................................................................18
1.2.1 Abordagem e sujeitos da pesquisa...............................................................................19
1.2.2 Coleta, análise e interpretação dos dados ..................................................................22
2 FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA..................................................................27
2.1 Algumas reflexões sobre problemas matemáticos....................................................27
2.1.1 Problemas e exercícios: lgumas diferenças................................................................28
2.1.2 O que é problema matemático?...................................................................................31
2.1.3 Tipos de problemas.......................................................................................................38
2.1.4 Relevância da resolução de problemas matemáticos..................................................42
2.1.4.1 Linha do tempo: abordagem histórica .....................................................................42
2.1.4.2 Processo de resolução: heurísticas e peculiaridades ...............................................46
2.2 Alguns aspectos relevantes sobre a teoria histórico-cultural..................................55
2.2.1 Aprendizagem e desenvolvimento no contexto escolar...............................................55
2.2.2 Zona de desenvolvimento proximal.............................................................................57
2.2.3 Formação de conceitos................................................................................................60
2.3 Contribuições de pesquisas realizadas......................................................................63
2.3.1 Pesquisas focalizadas nas interações entre pares.......................................................63
2.3.2 Pesquisas focalizadas na resolução de problemas......................................................65
3 PROBLEMAS MATEMÁTICOS: ANÁLISE DO PROCESSO
DE RESOLUÇÃO.......................................................................................................71
3.1 Episódio 1 – Procurando idades................................................................................74
3.2 Episódio 2 – Números consecutivos...........................................................................82
3.3 Episódio 3 – A viagem de estudo................................................................................94
3.4 Episódio 4 – A persistente lesma..............................................................................108
3.5 Episódio 5 – Enigma on-line.....................................................................................117
CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS...............................129
REFERÊNCIAS....................................................................................................................135
8
APÊNDICES..........................................................................................................................143
ANEXOS................................................................................................................................147
9
INTRODUÇÃO
Quando penso no binômio matemática-sala de aula, penso logo na importância de se
promoverem o aprendizado e o desenvolvimento do estudante. Esses dois processos são
movidos pela curiosidade, pelos desafios e pelo interesse pela disciplina, permeados pela
interação social seguindo o viés da Educação Matemática. E tratando-se de educação-
matemática-contexto escolar, recupero a lembrança mais significativa que tenho de meu
período escolar, um recorte do ensino fundamental.
Nesse período, ainda adolescente, eu “não tinha nascido” para a matemática (era isso
que os professores diziam e em que meus pais acreditavam). Essa ideia se reforçava a cada
vez que eu recebia como resultado uma nota abaixo da média. Confesso que isso era muito
frequente e, sinceramente, a cada novo fracasso eu me considerava ainda mais incapaz de
aprender a matemática.
Na série, entretanto, tudo começou a mudar. Lembro-me com carinho do primeiro
dia de aula. A irmã Delize Sfredo, com simplicidade, competência, afeto e duas barras de giz,
definiu a matemática desenhando uma planta no quadro, comparando-a a essa área do
conhecimento e dizendo que a matemática era como uma planta que deveria ser regada
diariamente. Segundo a educadora, da mesma forma que a planta, se bem cuidada,
desenvolve-se naturalmente, resultando numa exuberante árvore, sustentada por raízes fortes e
entrelaçadas, a ciência matemática se constrói progressivamente ao se entrecruzarem
conceitos e atribuir-lhes significado.
Foi nesse cenário que a professora Delize conduziu suas aulas durante o ano de 1978.
E eu, que não gostava de matemática, comecei a pensar nela de forma diferente, passando a
vê-la com bons olhos. Relembrando essa experiência, percebo a verdade nas palavras de
Imenes ao apontar a importância do contato positivo com o componente curricular para
apreciá-lo: “Como tudo na vida, quem goste de Matemática e quem não a veja com bons
olhos. Mas, para gostar de alguma coisa, é preciso conhecê-la. É preciso experimentá-la e ter
a chance de sentir algum prazer neste contato”. (1992, p. 3).
Essa chance prazerosa surgiu quando passei a dar significado para a matemática,
finalmente atribuindo um sentido para o x e o y no momento em que se tornou possível
explicar os conceitos e entender para que serviam e onde se utilizavam no dia a dia. A
professora Delize ia desenvolvendo suas aulas desse modo, e eu pude, então, conhecer uma
matemática significativa e associada, formando uma rede de conhecimentos. Era uma forma
10
diferente de ver a matemática, pela qual um conteúdo ou conceito completava o outro,
formando uma malha de informações significativas.
Nessa época descobri a importância de o professor compreender e gostar de ensinar
matemática, assim como o valor e a necessidade de aliar a teoria à prática. Percebi também
que, por meio do desafio, da pesquisa, da interação e do lúdico, é possível construir
conhecimento. Assim, ficou evidente o quanto a percepção inicial que eu tivera da matemática
era equivocada: aquela ideia de que o estudante era uma espécie de arquivo cheio de gavetas,
onde o professor depositava explicações, listas de exercícios de um mesmo conteúdo e depois
fazia a prova, fechando esta gaveta e abrindo logo depois uma nova, com outro conteúdo, e
assim seguindo o processo, o que não conduz à construção de conhecimentos matemáticos,
nem a uma efetiva aprendizagem.
Atualmente, percebo a matemática de forma bem diferente: como uma ciência viva,
dinâmica. Essa nova percepção nasceu, repito, na série, durante o contato com a educadora
Delize, e desenvolveu-se ao longo do processo de minha formação como professora de
matemática, especialmente pelo contato que tive com teorias de grandes estudiosos e
experiências vivenciadas com os estudantes, bem como pelas valiosas contribuições de
mestres que foram deixando suas marcas no meu caminho. Para representá-los, cito os
professores Dario Fiorentini, que para ensinar funções partia de um problema vivenciado por
nós, no caso, deslocar-se de ônibus até a UPF, sempre iniciando sua aula com uma
problematização; Luiz Roberto Dante, que, abordando a resolução de problemas matemáticos
e sua importância no ensino, orientava-nos a dar ao estudante a oportunidade de se envolver
com as aplicações da matemática; Dionísio Burak, que nos desafiava a explorar a matemática
existente na brincadeira juvenil de carrinho de rolimã, por meio da modelagem matemática.
Quem diria?! Aquela adolescente que “não tinha nascido” para a matemática, hoje,
adulta, é professora de matemática do ensino fundamental, e na mesma escola em que
conheceu a professora Delize, em 1978. Cabe aqui parafrasear o estudioso George Polya:
tendo o estudante experimentado o prazer no estudo da matemática, não a esquece facilmente
e há uma grande probabilidade de que ela se torne algo a mais em sua vida, desde um simples
hobby até sua profissão (1995, p. 5).
Minha formação acadêmica deu-se a partir da graduação em licenciatura de grau em
Ciências, pelo Centro de Ensino Superior de Erechim (1982-1984); licenciatura de grau,
com habilitação em Matemática, pela Universidade de Passo Fundo (1985-1987). Seguindo
uma necessidade de aperfeiçoamento, busquei os cursos de pós-graduação lato sensu em
Ensino de Matemática e Ciências de 1ª a 4ª série, na Fundação Faculdade Estadual de
11
Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava (1988-1990), e em Matemática, na Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões-Campus de Erechim (1995-1997). Ainda
objetivando maior aprimoramento profissional, participei em 2007, como aluna especial, do
Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Educação da UPF, no qual ingressei como aluna
regular em 2008.
Minha atuação profissional contempla, além de vários anos de docência de
matemática, principalmente no ensino fundamental, a representação da 15ª Delegacia de
Educação e da Fundação Alto Uruguai para a Pesquisa e o Ensino Superior (Fapes),
ministrando curso de formação continuada aos professores da rede pública da região Alto
Uruguai no período de 1987 a 1997, e uma breve experiência na docência no ensino superior,
nos cursos de Matemática e Pedagogia da URI - Campus de Erechim. Desse período
rememoro frases como: “não gosto de ensinar matemática, porque meu professor não
gostava” e “ah, se eu tivesse aprendido matemática dessa forma!”
1
Atualmente exerço minha
profissão no Colégio São José/Erechim, como professora de matemática do ensino
fundamental, no qual realizei minha pesquisa, e na 15ª Coordenadoria Regional de Educação
(15ª CRE), na função de professora convidada, ministrante de cursos e oficinas pedagógicas
de formação continuada para professores indígenas kaingangues.
Assim, visualizando as experiências vividas em vários anos de sala de aula no ensino
fundamental da rede pública e privada de escolas erechinenses e na docência do laboratório de
matemática de a série, percebi a dificuldade apresentada pelos estudantes em relação à
resolução de problemas convergências de um ensino fragmentado, como geralmente se
trabalham os conceitos matemáticos na sala de aula, o que muitas vezes é um fator gerador do
fracasso escolar. Por meio de leituras, participação em eventos e congressos, pude perceber a
importância de me dedicar ao estudo do tema, em razão da sua relevância no ensino de
matemática, caracterizando-se como foco de pesquisa de muitos educadores, além de,
atualmente, ser uma das tendências da Educação Matemática. Como afirma Dante, “não basta
saber fazer mecanicamente as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, é
preciso saber como e quando usá-las convenientemente na resolução de situações-problemas”.
(1989, p. 13).
Com a intenção de investigar a prática dos professores de matemática, analisando a
forma como trabalham os conteúdos e quais priorizam, além de identificar suas visões acerca
da resolução de problemas, ingressei no mestrado em Educação levando na bagagem essa
1
Depoimentos dados por professores de escola primária unidocente do meio rural da cidade de Erechim, RS,
durante o encontro de formação continuada ministrado pela autora em 1994.
12
inquietação. Participei do seminário avançado Linguagem Matemática e Formação de
Conceitos, sob a orientação da professora Drª Neiva Ignês Grando, vivência que, sem dúvida,
fez toda diferença no meu encaminhamento profissional e na definição da pesquisa, a realizar.
Passo a passo, fui conhecendo a teoria histórico-cultural, os estudos de Vygotsky, valiosas
contribuições a respeito da zona de desenvolvimento proximal e a importância da interação
social, como aspectos fundamentais do processo ensino-aprendizagem, contribuições que
incentivam o educador a refletir e remodelar sua prática pedagógica. Partindo dessas
vivências, naturalmente minha atuação profissional foi se reorganizando e fui percebendo o
valor da interação em sala de aula, a importância do momento interpessoal, seguido do
intrapessoal, para a potencialização dos significados dos conceitos matemáticos.
Munida de minha intenção inicial de investigar a prática dos professores de
matemática, identificando sua visão acerca da resolução de problemas, e incentivada também
a refletir sobre a minha prática segundo o viés da teoria interacionista, optei por investigar a
temática professor-pesquisador da própria prática, aglutinando as minhas inquietudes
referentes à resolução de problemas e ao papel das interações no contexto escolar como vias
potencializadoras do fazer pedagógico norteado pela aprendizagem e desenvolvimento.
Refletindo sobre a própria prática, torna-se necessário refletir, inicialmente, sobre a
matemática escolar. Os índices das pesquisas educacionais revelam dados muito preocupantes
sobre esse fracasso escolar e refletem uma realidade conhecida há longo tempo, em diferentes
níveis sociais. Ao rememorar fatos e situações de meu trabalho como educadora, percebo uma
série de dados significativos, além de me deparar com muitos questionamentos sobre o
trabalho com a matemática no ensino fundamental. Por exemplo: Por que parece tão difícil
aprender matemática? O que é possível fazer para tornar a prática docente mais adequada,
favorecendo o processo ensino-aprendizagem? Quais variáveis didáticas se configuram como
potencializadoras do aprendizado segundo viés da Educação Matemática?
São muitos os estudos de pesquisadores que procuram respostas e justificativas para
esses questionamentos. Essas dúvidas sempre estiveram muito presentes no meu agir
pedagógico, porque de fato é difícil na prática docente diária não ter clareza sobre como
encaminhar atividades em sala de aula, especificamente a de resolução problemas
matemáticos, objetivando o aprendizado e o desenvolvimento dos estudantes. Assim, na busca
pelo aprender a fazer, torna-se necessário pesquisar.
A investigação da própria prática pedagógica surgiu da necessidade de refletir,
repensar e reconstruir minha docência para promover meu desenvolvimento profissional e
uma maior autonomia no fazer matemático de sala de aula, visando aos princípios da
13
Educação Matemática, que é, sem dúvida, uma importante modalidade de formação
continuada. São muitas as contribuições que se apresentam para a aprendizagem na
modalidade de interações que ocorre na prática pedagógica baseada no processo de resolução
de problemas matemáticos. Nesse sentido, pergunta-se: Como tem sido trabalhada a resolução
de problemas no ensino da matemática? Qual é a visão do profissional da educação acerca da
resolução de problemas matemáticos? Quais são seus saberes e quais priorizam no seu fazer
pedagógico?
A urgência de os educadores matemáticos refletirem sobre esses questionamentos
justifica a importância desta pesquisa, que se organiza norteada pela seguinte questão: Quais
são as variáveis didáticas pontencializadoras do aprendizado no processo de resolução de
problemas matemáticos, na modalidade de interações? Partindo dessa problemática de
investigação, analisa-se o processo de resolução de problemas matemáticos na modalidade de
interações ocorridas durante a prática pedagógica entre professor/estudante e entre
estudante/estudante, com vistas a identificar variáveis didáticas potencializadoras do
aprendizado, proporcionando aos estudantes a ampliação e apropriação dos significados dos
conceitos matemáticos em situações reais de sala de aula.
Apoiada no pressuposto de que as interações são fundamentais para o aprendizado e o
desenvolvimento do estudante, a temática em estudo tem por objetivo principal investigar a
própria prática pedagógica como educadora matemática, analisando na modalidade de
interações ocorridas em situações reais da sala de aula o processo de resolução de problemas
matemáticos, para identificar potencializadores da aprendizagem e desenvolvimento dos
estudantes. Para tanto, outros objetivos são relevantes neste estudo, tais como: analisar na
modalidade de interações ocorridas entre professor/estudante e entre estudante/estudante,
variáveis didáticas potencializadoras do aprendizado e desenvolvimento no processo de
resolução de problemas matemáticos; ampliar conhecimentos com aporte teórico sobre o tema
segundo o viés da Educação Matemática e refletir sobre possíveis mudanças na ação
pedagógica a partir do ingresso no mestrado em Educação.
A pesquisa foi desenvolvida numa turma de série do ensino fundamental do Colégio
São José de Erechim-RS no período de setembro a novembro de 2009, no qual atuei como
professora. Para atingir os objetivos propostos foram realizadas gravações em vídeo e áudio
das aulas de matemática, cujas transcrições serviriam de material para a análise que se propõe
a pesquisa, assim como as memórias como docente de matemática, o diário de classe, os
planos de aula e a produção escrita dos estudantes durante as atividades de resolução dos
problemas. Utilizaram-se como referencial para as análises conhecimentos específicos sobre
14
os problemas matemáticos e seu processo de resolução, aspectos essenciais da teoria
histórico-cultural e contribuições de pesquisas relacionadas às interações e à resolução de
problemas no viés da Educação Matemática.
O texto está organizado em três capítulos, além da introdução e considerações finais. No
primeiro explica-se a opção pela temática professor-pesquisador da própria prática e faz-se a
descrição dos sujeitos de pesquisa, do método de coleta e análise de dados. No segundo,
abordam-se aspectos fundamentais para a realização, embasamento e análise da pesquisa.
Abordam-se, inicialmente, os problemas matemáticos a partir dos questionamentos: O que é
problema matemático? Quais são os tipos de problemas e as diferenças existentes entre
problema e exercício matemático? Trata-se de aspectos relevantes referentes à abordagem
histórica, a heurísticas e peculiaridades do processo de resolução de problemas matemáticos.
Com esses questionamentos é possível proceder às reflexões sobre a prática docente, a
importância da formação continuada do professor, o baixo rendimento escolar, o desinteresse
pela aprendizagem, a organização linear dos conteúdos, entre outros aspectos relevantes.
Na sequência, têm-se reflexões sobre a teoria histórico-cultural, com base nas
contribuições vigotskianas, destacando a importância da interação social no processo ensino-
aprendizagem. Vigotski estabelece relações entre aprendizagem e desenvolvimento no
contexto escolar, as zonas de desenvolvimento proximal e a formação de conceitos
matemáticos e promove reflexões sobre atividades pedagógicas alicerçadas nas interações que
ocorrem na sala de aula. Esclarece o papel da escola como promotora de desenvolvimento,
onde a interferência do outro (colegas e professores) no processo ensino-aprendizagem
possibilita que o estudante que já iniciou o processo de desenvolvimento vá realmente
consolidando sua aprendizagem.
A seguir, analisam-se as contribuições das interações entre pares e da resolução de
problemas, com base em pesquisas realizadas segundo o viés da educação e da Educação
Matemática. Destacam-se também, no cenário da resolução de problemas, grupos de estudos
organizados por educadores matemáticos, que são geradores de atividades de
aperfeiçoamento, investigações e produção científica na temática.
No terceiro capítulo apresenta-se a análise dos cinco episódios selecionados no processo
de resolução de problemas, na modalidade de interação. Neles estão presentes os principais
conteúdos programáticos curriculares que essa etapa do ano letivo privilegia e os dois tipos de
problemas que fazem parte do fazer pedagógico da professora, neste trabalho denominados de
“problemas curriculares e extracurriculares”. A análise privilegia o processo de solução
ocorrido durante as atividades de resolução, realizadas em pequenos grupos, e
15
individualmente, seguidas de momentos coletivos durante a correção. A análise dos episódios
foi norteada por dois eixos temáticos: a heurística da resolução do problema matemático e as
peculiaridades do processo de resolução.
Por fim, elaboram-se considerações finais destacando aspectos no processo de resolução
de problemas e identificando implicações pedagógicas provenientes da pesquisa realizada, a
fim de contribuir no processo ensino-aprendizagem. Ressalta-se também que esta pesquisa se
configura como um aporte à ampliação dos conhecimentos acerca de resolução de problemas
segundo o viés da Educação Matemática, permitindo refletir sobre possíveis mudanças na
ação pedagógica como educadora matemática.
16
1 CENÁRIO DA PESQUISA: OPÇÃO E METODOLOGIA
Neste capítulo aborda-se, inicialmente, a opção pela temática professor-pesquisador da
própria prática, destacando nesse contexto os pressupostos do binômio prática reflexiva/
professor reflexivo. A seguir, apresenta-se a justificativa da escolha de pesquisa com
abordagem qualitativa, aliada ao procedimento de autoscopia, assim como a descrição dos
sujeitos de pesquisa, destacando-se relevâncias do diálogo no viés da relação entre sujeitos.
Após, faz-se a apresentação de técnicas e métodos de coleta, análise e interpretação de dados.
1.1 Investigando a própria prática
A investigação da própria prática pedagógica surgiu da necessidade de refletir,
repensar e reconstruir minha docência, alicerçada, sobretudo, no ensino de matemática no
ensino fundamental, a fim de promover meu desenvolvimento profissional e alcançar maior
autonomia no fazer matemático de sala de aula, visando aos princípios da Educação
Matemática, focando o processo de aprendizagem. Sobre a importância de se investigar o
próprio fazer pedagógico, Perez afirma que “investigar sobre a sua própria prática de
formação é uma condição para o progresso profissional. É, também, a única forma de ser
coerente no seu discurso e na sua ação”. (2005, p. 251). Assim, essa escolha me proporcionou
iniciar a trajetória de professora-pesquisadora
2
.
Conforme Elliott, na década de 1960 surgiu o movimento do professor como
pesquisador, a partir de reflexões organizadas por um grupo de profissionais. Esclarece que “a
ideia de professores pesquisadores surgiu, na Inglaterra, aproximadamente 30 anos, num
contexto de desenvolvimento curricular nas escolas secundárias” (1998, p. 137). Esse
movimento marca o interesse de muitos educadores de refletir a respeito da temática
professor-pesquisador da própria prática.
A insatisfação de muitos educadores com sua preparação profissional, que muitas
vezes não contempla determinados aspectos importantes da prática educativa, tem motivado
movimentos de reflexão e de desenvolvimento do pensamento sobre as próprias práticas.
2
Significa a ideia do professor como pesquisador de sua própria prática (ZEICHNER, 1993).
17
Assim, vários autores focalizam o tema, porque é com essa reflexão que o professor poderá se
avaliar e terá condições de modificar suas ações, seu fazer pedagógico.
Miranda defende a ideia de que o professor reflexivo é um investigador da sua própria
prática da sala de aula, que constata problemas, viabiliza possíveis soluções e sugere
mudanças curriculares, assumindo a responsabilidade no desenvolvimento educacional. É
“aquele que reconstrói reflexivamente seus saberes e sua prática” (2006, p. 132). Nesse
sentido, afirma que “a reflexão é um processo que ocorre antes, depois e durante a ação do
professor, constituindo um processo de reflexão na ação e sobre a ação”. (p.134). Sendo a
reflexão um procedimento indispensável na prática pedagogia, é uma tarefa muito mais
criativa do que técnica.
O conceito de prática reflexiva surge como um modo possível de os professores se
interrogarem a respeito das suas práticas de ensino. A reflexão fornece oportunidade para se
voltar atrás e rever acontecimentos e práticas e (re)elaborá-las. A expressão “prática
reflexiva” também aparece associada à investigação sobre a própria prática docente. Uma
prática reflexiva confere aos professores oportunidade para o seu desenvolvimento
profissional, uma formação continuada, nunca estática, mas em permanente construção. As
investigações em torno da prática reflexiva têm aumentado nos últimos anos, contribuindo
para a clarificação de conceitos e proporcionando um modelo de fundamentação do processo
de ensino, contrapondo-se, assim, a uma visão tecnicista da prática profissional.
Como essa temática faz parte de um conjunto bastante complexo e variado de fatores e
apresenta teorias diversificadas, torna-se um tema, sem dúvida, rico para mais pesquisas e
estudos. É perceptível que há entre os educadores que ousam defender a temática professor-
pesquisador da própria prática e querem tecer contribuições referentes à prática reflexiva e
professor reflexivo no contexto escolar, pelo menos, um aspecto de convergência no que
tange ao reconhecimento da importância desse tema. Ampliando essa ideia, Dickel contribui
assinalando que
os professores como meros executores passivos de ideias concebidas em outra parte,
mas, sim, como sujeitos que produzem, em suas práticas, uma riqueza de
conhecimento que precisa ser, juntamente com as suas experiências, assumida
como ponto de partida de qualquer processo de aperfeiçoamento de seu trabalho e
de mudança na escola (1998, p. 41).
18
Em síntese, a discussão sobre as práticas e a postura do professor reflexivo não é uma
questão fechada, ou conclusiva, e nos remete a muitas perguntas que ainda precisam ser
respondidas: Como é compreendido pelos educadores o processo de reflexão sobre as suas
práticas? Como os professores podem potencializar o processo reflexivo? Os professores
reconhecem o seu papel no processo educativo? Que atitudes efetivamente estão sendo
tomadas para-se apropriar de suas especificidades?
É imprescindível que os professores tenham atitude, seguindo uma lógica reflexiva.
No entanto, esse movimento leva a outros tipos de questões de natureza epistemológica, que
podem ser apresentadas da seguinte forma: Que tipo de conhecimento é criado pelas práticas
reflexivas? Quem irá utilizá-lo?
É desejável que ações pedagógicas reflexivas, no viés da educação matemática,
estabeleçam-se envolvendo grupos de profissionais, conduzindo a um agir coletivo que, com
as suas trocas de experiências, possam elaborar um modo de ação para enfrentar as incertezas
inerentes ao processo de ensino-aprendizagem e, também, trabalhar de forma competente e
ética na marcha da grande obra, a educação. Isso porque a expressão professor reflexivo”
nos sugere muito mais que um adjetivo, mas, sim, uma prática urgente e necessária ao
educador matemático.
A fim de fundamentar essa escolha de professora como pesquisadora da própria
prática, numa abordagem apresentada no texto pelas expressões “professor pesquisador” e
“professor reflexivo”, é necessário pesquisar sobre o tema e ampliar as reflexões sobre minha
própria prática. Para isso, destaco como referencial teórico as ideias e considerações sobre o
tema dos autores Elliott, Miranda, Perez, e Zeichner, por entender que ao refletir sobre a
prática o professor possibilita ao estudante o aprendizado da matemática nas relações do dia a
dia, por meio de comparações, representações, estimações, simulações e soluções de
problemas. Dessa forma, a pesquisa fornece subsídios para que o professor pense não somente
naquilo que se ensina, mas também no processo de aprendizagem, ou seja, no como se ensina.
1.2 Aspectos metodológicos
A pesquisa desenvolvida analisa o processo de resolução de problemas matemáticos
na modalidade de interação que ocorre durante a prática pedagógica entre professor/estudante
e entre estudante/estudante, com vistas a identificar variáveis potencializadoras da
19
aprendizagem-desenvolvimento, proporcionando aos estudantes a ampliação e apropriação
dos significados dos conceitos matemáticos em situações reais de sala de aula, segundo o viés
da Educação Matemática.
1.2.1 Abordagem e sujeitos da pesquisa
Para viabilizar esta proposta, a pesquisa foi realizada seguindo a abordagem
qualitativa, por se compreender que contempla melhor a variedade de sentidos presentes no
meio escolar e as narrativas docentes, que “aprofunda-se no mundo dos significados das
ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas”. (MINAYO, 2004, p. 22).
Diante dessa concepção de Minayo, entende-se que a pesquisa qualitativa reúne as
características essenciais para aprofundar a análise das relações e dos significados, pois o foco
principal do presente estudo apoia-se no processo, não no resultado produzido por técnicas ou
medições estatísticas, envolvendo processos de relação e interação entre o pesquisador e os
estudantes que participam do objeto de estudo. A abordagem qualitativa caracteriza-se pelos
procedimentos de coleta que permitem registrar os fenômenos no meio natural em que
ocorrem, assim como o ponto de vista dos sujeitos pesquisados. E “pesquisar, em educação,
significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles mesmos, em seu próprio
processo de vida”. (GATTI, 2002, p. 12).
Nesse sentido, o autor aponta para a constatação de que para compreender e interpretar
questões da área educacional é necessário ter o aporte de um conjunto de técnicas e métodos
de análise que insiram o pesquisador no processo, diferentemente das técnicas pelas quais o
pesquisador se distancia do objeto da pesquisa. Para uma análise real do cotidiano da sala de
aula esse olhar interno só se torna possível analisando-se também a prática do próprio
pesquisador.
Ao contrário da investigação quantitativa, na qualitativa o pesquisador não necessita
se manter distante do objeto e dos sujeitos estudados, nem precisa se despir de seus princípios
e ideias. Há, sim, um trabalho ativo do pesquisador, comprometido e impregnado de suas
concepções, que busca referencial não somente no contexto em que ocorre a pesquisa, mas
também na sua constituição histórica. Assim, fotografias, videogravações, gravações em
áudio são recursos muito utilizados no processo investigativo.
20
Considerando os diversos tipos de abordagens qualitativas, o presente trabalho está
centrado numa pesquisa de cunho bibliográfico, aliada ao procedimento de pesquisa chamado
“autoscopia”, que “consiste em realizar uma vídeo-gravação do sujeito, individualmente ou
em grupo e, posteriormente, submetê-lo à observação do conteúdo filmado para que exprima
comentários sobre ele”. (SADALLA, 1997, p. 33). Assim, o professor vai tecendo
comentários num processo de autorreflexão.
Optou-se por uma metodologia qualitativa também por permitir, com as gravações em
vídeo e áudio, o registro da imagem e dos comentários do professor e dos estudantes durante
as atividades de matemática em sala de aula envolvendo a resolução de problemas
matemáticos, objetivando que, em sessões posteriores, se pudesse analisar a prática
desenvolvida. Analisa-se de forma reflexiva o processo de resolução de problemas
matemáticos a partir das interações, com vistas a obter variáveis didáticas potencializadoras
da aprendizagem e ao desenvolvimento no contexto pedagógico.
No estudo foi realizada a pesquisa na cidade de Erechim/RS, no ensino fundamental do
Colégio São José, pertencente à Congregação Franciscana. O educandário foi fundado no dia
19 de março de 1923 pelas Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, com o
objetivo de educar crianças, adolescentes e jovens, completando em 2010 87 anos de atuação
educativa na cidade e região. Conta com, aproximadamente, 1.200 estudantes nos diferentes -
níveis educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e EJA -, sendo suas atividades
desenvolvidas nos turnos da manhã, tarde e noite. Além do currículo escolar, os estudantes
contam com atividades extraclasse nas áreas esportiva e musical; aulas complementares à
aprendizagem; apoio de psicologia e fonoaudiologia escolar; ambientes específicos, como
bibliotecas; laboratórios e salas especiais, assim como recursos tecnológicos.
Trata-se de uma escola particular, localizada no centro da cidade e bem conceituada, que
atende a uma clientela privilegiada no aspecto sociocultural-econômico. A escolha da escola
deu-se em razão de ser local de atuação da pesquisadora desde 1995 e por ser o foco da
pesquisa exatamente a própria prática docente. A fim de desenvolver esse trabalho de
investigação, busca-se interpretar o que ocorre na sala de aula, desvelando novas formas de
desenvolver os conteúdos e as atividades de matemática, especificamente, o processo de
resolução de problemas matemáticos. Freire afirma que “é pensando criticamente a prática de
hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática [...] e, quanto mais me assumo
como estou, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, do estado de curiosidade
ingênua para o de curiosidade epistemológica”. (1996, p. 39).
21
Com base nessas considerações, o caminho metodológico percorrido aliou-se à
autoscopia, na qual
,
num primeiro momento,
realizam-se as videogravações da prática
docente em sala de aula; a seguir, assiste-se às gravações e tecem-se comentários sobre o que
vê, num processo de autorreflexão. (TASSONI, 2008). Desse modo, o professor e os
estudantes assumem o papel de sujeitos da pesquisa, visto que, num processo reflexivo de sua
própria prática, aquele analisa a posteriori as gravações em vídeo e áudio, tecendo os
comentários que considerar relevantes, de acordo com o foco da pesquisa. Observar a si
mesmo e aos demais por meio de imagens e sons, nas gravações em situação real vivenciada
durante uma atividade de matemática em sala de aula, possibilita ao autor reflexões,
comentários, relatos significativos no que tange à importância das interações no processo de
ensino-aprendizagem que ali ocorreu, ou seja, vendo os sujeitos é possível recuperar o que foi
vivido e experienciado, verbalizando suas percepções a respeito do objeto de pesquisa. Leite e
Colombo (2006) destacam que no procedimento metodológico de autoscopia a escolha dos
sujeitos pesquisados deve ser completamente intencional, pois, em razão das especificidades
do procedimento metodológico, a pesquisa não se refere às escolhas aleatórias.
A pesquisa foi realizada com os estudantes da 6ª série do ensino fundamental do
Colégio São José, no período de setembro a novembro de 2009. A opção por essa turma foi
intencional e o fator que influenciou na escolha foi o perfil dos estudantes, que apresentam
gosto pela expressão oral, o que é importante em razão de a proposta de pesquisa estar
alicerçada nas interações e, consequentemente, nos diálogos no ambiente escolar. Entende-se
que
o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o
refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformados e
humanizados, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no
outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias (FREIRE, 1983, p. 93).
As contribuições do autor destacam a relevância do diálogo no viés da relação entre
sujeitos. Benincá endossa essa ótica e a amplia em sua reflexão intitulada O diálogo como
princípio pedagógico, esclarecendo que a relação entre sujeitos “significa dizer que é uma
relação horizontal. Se a relação se estabelecer de forma assimétrica, assume a dicotomia entre
sujeito-objeto e não a dialogicidade de sujeito-sujeito”. (2002, p. 114). Presume-se, pois, que
no processo de diálogo deve ser levada em consideração a existência de saberes nos dois
sujeitos que compõem a relação. O autor, referindo-se ao contexto escolar, intensifica sua
22
reflexão esclarecendo que “o professor, para entrar no processo dialógico com o aluno,
deverá, necessariamente, admitir que o seu saber pode não ser totalmente verdadeiro,
condição para que possa criar espaços para o diálogo com o aluno”. (2002, p. 114). Portanto,
se o professor parte da premissa de que o seu saber não é obrigatoriamente o único e/ou o
mais válido, compreendendo a variedade de contribuições possíveis de emergir dos
estudantes, provavelmente desenvolverá mais enfaticamente o ser fazer pedagógico no viés
dialógico, promovendo a interação entre sujeitos, professor/estudante e estudante/estudante.
Percorrendo essas reflexões sobre o que vem a ser um diálogo autêntico e a dificuldade
de se proceder na práxis pedagógica, participaram desse processo dialógico-coletivo em que a
proposta de pesquisa se embasa 26 estudantes, 14 meninos e 12 meninas, com idade entre 11
e 12 anos. Como assinalado, a coleta de dados foi feita em gravações de vídeo e áudio, em
aulas de matemática envolvendo atividades de resolução de problemas matemáticos que
fazem parte da rotina de sala de aula e, a posteriori, em sessões de “autoscopia”, pela
professora pesquisadora, a fim de possibilitar a análise e reflexão sobre o processo de
resolução ocorrido a partir das interações. Esclarece-se que antes de iniciar as referidas
gravações foi solicitada autorização institucional junto à escola (Apêndice A) para
formalmente viabilizar o início do trabalho; a seguir, foi enviada aos pais ou responsáveis dos
estudantes uma carta apresentando o objetivo da pesquisa (Apêndice B) e, na sequência, um
termo de autorização (Apêndice C), para que pudessem formalmente autorizar ou não a
participação dos seus filhos na coleta de dados.
1.2.2 Coleta, análise e interpretação dos dados
Segundo Triviños, são muitas as técnicas e métodos de coleta e análise de dados. A
“multiplicidade de recursos de que pode lançar mão o investigador qualitativo na realização
de seu estudo” (1987, p. 138) permite que se utilize a técnica da triangulação na coleta de
dados. O autor esclarece que se torna relevante considerar, indistintamente, para análise uma
diversidade de dados e materiais, como percepções do sujeito, comportamento e ações do
sujeito, observações livres, além de entrevistas, questionários, autobiografias, diários, livros,
fotografias, documentos internos e externos, entre outros. Ainda esclarece que
23
a técnica da triangulação tem por objetivo básico abranger a máxima amplitude na
descrição, explicação e compreensão do foco em estudo. Parte de princípio que
sustentam que é impossível conceber a existência isolada de um fenômeno social,
sem raízes históricas, sem significados culturais e sem vinculações estreitas e
essenciais com uma macrorrealidade socail (TRIVIÑOS, 1987, p. 138).
A fim de realizar a técnica de triangulação de dados, destacada por Triviños e um dos
veículos importantes para que o pesquisador atinja os objetivos a que se propôs, ao iniciar a
pesquisa foram utilizadas para coleta de dados as gravações, as memórias como docente de
matemática, assim como o diário de classe, os planos de aula e a produção escrita dos
estudantes durante as atividades de resolução dos problemas.
Sobre a análise e interpretação dos dados, Minayo afirma que essa etapa poderá ter três
finalidades: “estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os
pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas, e ampliar o conhecimento
sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte” (2004, p.
69). Para a autora, tais finalidades se complementam no que diz respeito ao conhecimento do
assunto pesquisado.
Nesse sentido, os dados foram analisados após a transcrição literal do conteúdo,
releitura e autorreflexão do conteúdo, a fim de detectar temas relevantes ao objeto de
pesquisa. Da mesma forma se procedeu em relação às memórias docentes e à análise dos
planos de aula, diários de classe e cadernos dos estudantes.
Nas gravações em áudio utilizaram-se quatro gravadores de som, distribuídos
aleatoriamente entre grupo de trabalho. Desse modo, garantia-se maior clareza do modo como
os estudantes estavam desenvolvendo o processo de resolução do problema matemático
proposto, pelos comentários e diálogos realizados no grupo. Nas gravações em vídeo
utilizou-se uma filmadora, que nas atividades era posicionada próxima a um ou outro grupo,
registrando detalhes de trocas de idéias, diversidade de caminhos para solução, formulação de
hipóteses, construção de alternativas certas e erradas e, mesmo, o momento em que ocorria o
“estalo”, ou seja, em que estudante conseguia entender e explicar o processo aos demais
colegas do grupo. A formação desses grupos variou nas diferentes atividades, tendo sido
organizados aleatoriamente com dois, três e quatro estudantes. As gravações, seguidas do
procedimento de “autoscopia”, foram fundamentais na pesquisa, pois permitiram a percepção
de detalhes relevantes do aprendizado que em observação direta em sala de aula nem sempre
são perceptíveis.
24
O material foi coletado em diferentes dias durante o terceiro trimestre escolar, nos meses
de setembro a novembro, por meio de gravações de vídeo e áudio, registrando-se atividades
de resolução de problemas, parte da rotina das aulas de matemática. De um total de
aproximadamente, sessenta problemas trabalhados com os estudantes selecionaram-se cinco
para análise.
Numa análise preliminar, durante sessão prévia de “autoscopia” realizada pela
pesquisadora constatou-se que, pelas características que esses problemas apresentam, podem
ser tipificados em dois grupos. Num primeiro grupo os problemas relacionam-se aos
conteúdos matemáticos trabalhados numa unidade específica, no período em que tais
conteúdos estão sendo desenvolvidos ou logo após o seu término, como fixação, ou seja, no
decorrer do processo ensino-aprendizagem contemplando a lógica dos programas curriculares,
classificados como “problemas curriculares. No segundo enquadram-se problemas que não
têm, necessariamente, relação com os conteúdos trabalhados num determinado momento, nem
obedecem à gica dos programas curriculares, classificados como “problemas
extracurriculares.
Os dois tipos de problemas enquadram-se no Plano de Estudos da Matemática da
série no período do terceiro trimestre, o qual contempla basicamente os estudos de equação do
grau; proporcionalidade; medidas de tempo, de volume e capacidade; ângulos e resolução
de problemas. No item de resolução de problemas, foco desta pesquisa, estrutura-se a partir
de:
- problemas que envolvam e enfatizem os conteúdos trabalhados;
- problemas que priorizam raciocínio lógico;
- problemas diversos que interligam os saberes matemáticos acumulados.
Baseando-se no exposto, foram selecionados cinco problemas, que deram origem aos
cinco episódios analisados. A seleção dos problemas foi norteada por dois critérios: primeiro,
que entre os cinco problemas estivessem presentes os principais conteúdos programáticos do
trimestre; segundo, que os dois tipos de problemas, curriculares e extracurriculares,
estivessem presentes. Dessa forma, os cinco episódios analisados nesta pesquisa foram:
- Episódio 1 – Procurando idades.
- Episódio 2 – Números consecutivos.
- Episódio 3 – A viagem de estudo.
- Episódio 4 – A persistente lesma.
- Episódio 5 – Enigma on-line.
25
Objetivando delinear um fio condutor para a futura análise dos episódios, organizaram-
se dois eixos temáticos, fundamentados nas reflexões e questionamentos gerados nas sessões
de autoscopia e nas contribuições dos autores que se fizeram presentes nesse diálogo.
Um eixo focaliza a heurística da resolução do problema matemático, contemplando
relevâncias da compreensão do problema; da organização do plano de estratégias de ação; da
execução e da verificação do plano de ação, norteadas pelos autores Lester (1980), Polya
(1995) e Schoenfeld (1985), entre outros, apresentados no decorrer do trabalho. Outro eixo
focaliza as peculiaridades do processo de resolução, contemplando do problema relevâncias
características e metodologia docente utilizada, em que se destacam como referencial os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e os autores Brito (2006), Dante (2003), Onuchic
(1999) e (2005), Pereira (2007), Pires (2000) e Wood (2003).
Na análise dos episódios, os aspectos relevantes aos eixos temáticos não serão
necessariamente apresentados de forma linear, ou seja, numa ordem preestabelecida e pontual,
mas poderão se apresentar entrelaçados entre si, em razão das particularidades em análise.
Paralelamente a eles, contemplar-se-ão também relevâncias das interações ocorridas entre
professor/estudante e entre estudante/estudante, destacando-se como aporte teórico as
contribuições dos autores Antunes (2002), Garnier, Bednarz e Ulanovskaya (1996), Oliveira
(1999), Tudge (1996) e Vigotski (1998) e (2000).
Sobre a técnica de triangulação de dados, destaca Triviños (1987) que tem
por objetivo básico abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e
compreensão do foco em estudo. Parte de princípio que sustentam que é impossível
conceber a existência isolada de um fenômeno social, sem raízes históricas, sem
significados culturais e sem vinculações estreitas e essenciais com uma
macrorrealidade social (1987, p. 138).
Diante das concepções apresentadas, o presente trabalho configura-se de acordo com a
abordagem qualitativa, aliada ao procedimento metodológico de autoscopia, analisando-se os
episódios mencionados com objetivo de identificar variáveis didáticas potencializadoras do
aprendizado no processo de resolução de problemas matemáticos, na modalidade de
interações, foco desta pesquisa em que a pesquisadora atuou como professora.
26
A fim de fundamentar as futuras ponderações sobre o tema e conduzir as reflexões da
pesquisa, a seguir apresenta-se o segundo capítulo.
27
2 FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA
Neste capítulo abordam-se algumas definições e aspectos que se consideram relevantes
para a realização, embasamento e análise da pesquisa. O texto organiza-se em três tópicos.
O primeiro enfoca o problema matemático e propõe alguns questionamentos: O que é
problema matemático? Quais são os tipos de problemas? Quais são as diferenças existentes
entre problema e exercício matemático? Qual é a relevância do processo e resolução de
problemas? A partir disso, é possível refletir sobre a prática docente, a importância da
formação continuada do professor, o baixo rendimento escolar, o desinteresse pela
aprendizagem, a organização linear dos conteúdos, entre outras abordagens sobre o tema em
questão.
No segundo tópico apresentam-se reflexões sobre a teoria interacionista e a teoria
histórico-cultural, por meio das contribuições de Vigotski a respeito do tema, destacando as
interações entre os pares como algo muito importante no processo de aprendizagem e no
desenvolvimento dos estudantes. Sobre isso, Wood afirma que “as crianças constroem seu
próprio conhecimento agindo sobre os objetos no espaço e no tempo. As interações sociais
(particularmente as que ocorrem entre as próprias crianças) podem facilitar o curso do
desenvolvimento.” (2003, p. 33). As contribuições de Vigotski abordadas estabelecem
relações entre aprendizagem e desenvolvimento no contexto escolar, as zonas de
desenvolvimento proximal e a formação de conceitos.
No final do capítulo abordam-se as contribuições das interações entre pares e sua
relação com o tema resolução de problemas com base em pesquisas realizadas no universo da
educação e da Educação Matemática. Destacam-se também nesse cenário os grupos de
estudos organizados por educadores matemáticos, os quais são geradores de atividades de
aperfeiçoamento, de investigações e de produção científica dessa temática.
2.1 Algumas reflexões sobre problemas matemáticos
Termos muito frequentes utilizados para definir as atividades desenvolvidas nas aulas
de matemática são provas, exercícios e problemas.
28
Quem não traz, em suas memórias de estudante, a lembrança de alguma prova de
matemática em que as questões propostas eram tão difíceis que essa situação provocava muita
ansiedade ou até medo? Ou ainda, quem não traz recordações das listas intermináveis de
exercícios, cálculos e mais cálculos utilizados para fixar o conteúdo, conforme justificava a
professora. Eram cálculos que iniciavam na letra a e geralmente chegavam até a letra r ou s;
outras vezes, iam da letra a até x ou z. E sem contar os problemas matemáticos. Esses, com
certeza, marcaram pela quantidade, ou pelo nível de dificuldade, e ficaram registrados em
nossa história escolar. Iniciados ainda no primário, tornavam-se uma constante nas aulas de
matemática. Eram problemas que, pelas características citadas, podiam causar desmotivação
ou provocar no estudante certa aversão às atividades de matemática. Algumas vezes eram tão
simples que nem se caracterizavam como problemas, envolvendo atividades comuns e sem
desafios, algo monótono, interminável, quando não extremamente repetitivo. Outras vezes,
sim, aguçavam a curiosidade e instigavam o desejo do estudante de solucioná-las.
Mas, afinal, o que é um problema? O que é um exercício? O que se processa na
resolução de um problema matemático?
A fim de fundamentar esses questionamentos, sem pretensão alguma de esgotá-los, e
com o objetivo de refletir sobre isso, é relevante conhecer algumas contribuições teóricas de
diferentes estudiosos dessa temática para, assim, conduzir a reflexão.
2.1.1 Problemas e exercícios: algumas diferenças
Problema, palavra de origem grega, problematis, que significa obstáculo, diferencia-se
de exercícios. Como Pozo esclarece, “um problema se diferencia de um exercício na medida
em que, neste último caso, dispomos e utilizamos mecanismos que nos levam, de forma
imediata, à solução” (1998, p. 16). O autor também esclarece que a mesma situação pode,
para um sujeito, representar um problema, mas para outro, não. Isso porque certo sujeito, por
possuir recursos automáticos para resolvê-lo, não precisa de muito esforço, tanto que o
soluciona quase imediatamente, tornando-se, assim, um simples exercício.
Dessa forma, o autor explica que a diferença entre exercício e problema está
diretamente relacionada com quem vai solucioná-lo (estudante) e com o contexto da tarefa
apresentada. Destaca, assim, que a realização de exercícios limita-se a enfrentar atividades
29
conhecidas, rotineiras, que nada apresentam de novo e podem ser resolvidas de forma
automática, por caminhos conhecidos.
Sternberg (2000) endossa a ideia de que o ponto de partida para se caracterizar um
problema é suscitar uma situação desconhecida e afirma que, “quando a resposta pode ser
rapidamente recuperada da memória, a tarefa não se configura como um problema” (apud
BRITO, 2006, p. 17). E segundo Ponte, Brocardo e Oliveira, a distinção entre exercícios e
problemas foi formulada por Polya e tem se mostrado muito útil para analisar os diferentes
tipos de tarefas matemáticas. Segundo os autores, “um problema é uma questão para a qual o
aluno não dispõe de um método que permita a sua resolução imediata, enquanto que um
exercício é uma questão que pode ser resolvida usando um método conhecido” (2009, p.
23).
Dante, em sua obra Didática da resolução de problemas de matemática, distingue
“exercício” de “problema”:
Exercício, como o próprio nome diz, serve para exercitar, para praticar um
determinado algoritmo ou processo. O aluno o exercício e extrai as informações
necessárias para praticar uma ou mais habilidades algorítmicas.
problema ou problema-processo, [...] é a descrição de uma situação onde se procura
algo desconhecido e não se tem previamente nenhum algoritmo que garanta sua
solução (2003, p. 43).
O autor também elucida em sua obra a importância do equilíbrio entre o número de
exercícios e de problemas matemáticos apresentados nas atividades de sala de aula. Destaca a
importância do fazer pedagógico nas aulas de matemática, no qual estejam presentes
exercícios que objetivam a repetição de técnicas operatórias, de conhecida valia para a
aprendizagem matemática. Assim, os problemas e a busca por suas resoluções favorecem o
processo educativo, já que proporcionam o desenvolvimento no estudante de suas capacidades
de pensar, planejar, organizar estratégias, testar e avalizar as soluções encontradas.
Em relação às diferenças entre problemas e exercícios, é relevante destacar que
“questões rotineiras não podem ser consideradas como problemas tais questões são meros
exercícios, como os que proliferam na maioria dos livros didáticos” (VIANNA, 2008, p. 403),
e, “na verdade, muito do que se denomina problema na escola deveria ser chamado de
exercício de fixação.” (MIGUEL, 2010, p. 13). Essa ideia é ampliada por Pavanello, ao
afirmar que “na maioria dos livros didáticos os problemas propostos não têm, em geral, as
30
características que a comunidade da educação matemática pretende estejam presentes numa
verdadeira situação-problema. Mas são esses os problemas que são propostos para os alunos”.
(2010, p. 3).
Tratando-se dos problemas apresentados nos livros didáticos, Smole esclarece que a
maioria concentra-se em exemplos classificados como problemas tradicionais, que “são, na
verdade, simples exercícios de aplicação ou de fixação de técnicas ou regras”. E amplia sua
ideia afirmando que “tais problemas aparecem sempre depois da apresentação de um
conteúdo, e é exatamente este conteúdo que deve ser aplicado na resolução dos problemas”.
(2001, p. 99). Segundo a autora, esses problemas tradicionais, também denominados de
“problemas convencionais”, quando trabalhados de forma exclusiva na sala de aula, geram
nos estudantes atitudes inadequadas diante do que significa aprender e pensar em matemática.
Levando-se em consideração os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), cujas
análises se embasam nas atividades propostas pela maioria dos livros didáticos,
“tradicionalmente, os problemas não têm desempenhado seu verdadeiro papel no ensino, pois,
na melhor das hipóteses, são utilizados apenas como forma de aplicação de conhecimentos
adquiridos anteriormente pelos alunos”. (BRASIL, 1998, p. 40).
Percebe-se, assim, que existem diferenças específicas entre problemas e exercícios, mas
essas nem sempre são consideradas, pois na maior parte das atividades matemáticas
apresentadas nos livros didáticos denominadas de “problemas” os autores consideram-nas
apenas como exercícios matemáticos. A respeito, Toledo afirma que a dúvida entre o que são
exercícios e o que são problemas é muito comum. Esclarece que exercícios são
[...] atividades em que aplicamos conhecimentos e/ou habilidades conhecidos, ou
seja, apenas utilizamos conhecimentos prévios para resolver situações semelhantes
às que foram apresentadas anteriormente na ocasião do aprendizado. Exercícios
envolvem apenas a reprodução de situações de aprendizagem fixadas, enquanto o
problema exige o desenvolvimento de novos caminhos (2006, p. 2).
Os autores citados Pozo, Ponte, Brocardo e Oliveira, Polya, Dante, Vianna, Miguel e
Toledo possuem opiniões semelhantes a respeito das diferenças existentes entre exercício e
problema. Essa diferenciação nem sempre é precisa e clara para os estudantes ou mesmo para
os professores de matemática. Pereira reforça as distinções possíveis entre os dois e afirma
que “o exercício é uma atividade de adestramento no uso de alguma habilidade ou
conhecimento matemático conhecido pelo resolvedor, como a aplicação de algum
31
algoritmo ou fórmula conhecida”, resumindo-se a uma simples aplicação de resultados
teóricos, ao passo que o problema necessariamente envolve invenção e/ou criação
significativa”. (2007, p. 4).
As abordagens apresentadas neste item, fundamentadas nas diversas contribuições dos
estudiosos citados, destacam algumas das possíveis diferenças existentes entre exercícios e
problemas. Diante dessas abordagens, entende-se que a expressão “exercício” pode ser assim
conceituada por apresentar as características de aplicação/fixação de noções conhecidas, ao
passo que a expressão “problema” se caracteriza pela busca do desconhecido, não se obtendo
a resposta de imediato. Nessa perspectiva, sistematiza-se o quadro que segue.
Conceitos
Conhecimentos
Caminhos
Objetivo central
Exercícios
Focalizam-se nas
noções já adquiridas
Reproduzir os já
aprendidos
Fixar
Problemas
Impulsionam a
aquisição de novas
noções
Potencializar os já
aprendidos e
desenvolver novos
Desafiar
para ampliar
Figura 1 – Quadro das diferenças entre exercícios e problemas.
Com base nessas abordagens e definições, faz-se necessário explicitar o que é um
problema matemático.
2.1.2 O que é problema matemático?
Na sociedade o termo “problema” é empregado com uma conotação como pessimista,
quando a pessoa está com dificuldade, e se diz que ela está com um “problema”, ou seja, é
uma visão negativa do significado da palavra e que está arraigada na cultura e na língua. Essa
mesma conotação é levada para a sala de aula. Procura-se, então, desmistificar a significação
negativa da palavra, mostrando que o uso de problemas na Educação Matemática pode ser
uma possibilidade de descoberta para os estudantes, de busca de novos caminhos, do encontro
com respostas diferentes, inclusive de uma manifestação de sua criatividade. Procura-se
32
pesquisar o processo de resolução de problemas matemáticos durante as atividades propostas
no cotidiano escolar a partir das interações que ocorrem em sala de aula, entre professor e
estudante e entre estudantes. Analisa-se o processo de resolução desenvolvido nos diferentes
tipos de problemas matemáticos trabalhados, no que tange à potencialização e apropriação dos
significados dos conceitos matemáticos, motivando o estudante para o interesse pela
disciplina em relação à aprendizagem, no viés da Educação Matemática.
Nesse sentido, não basta apenas diferenciar problema de exercício. É preciso saber: O
que é mesmo um problema?
Alguns estudiosos procuram definir o que é um problema e o que é um problema
matemático no contexto escolar. Toledo, por exemplo, define o problema matemático como
“toda e qualquer situação onde é requerida uma descoberta de informações matemáticas
desconhecidas para a pessoa que está tentando resolvê-lo, ou ainda, é o desenvolvimento da
demonstração de um dado resultado matemático”. (2006, p. 2). Portanto, com base em
Toledo, a conotação de um problema matemático é de uma situação em que um indivíduo se
sinta desafiado a investigar, descobrir e resolver determinada questão.
Onuchic entende que problema é “tudo aquilo que não se sabe fazer, mas que se está
interessado em resolver” (1999, p. 208); também é qualquer situação que estimule o estudante
a pensar, que possa lhe despertar curiosidade, que não lhe seja trivial e, sim, desafiadora. No
contexto dos problemas matemáticos, a autora afirma que o sabor da descoberta do resultado
de um determinado problema pode despertar o gosto e estimular o interesse pela matemática,
além de ampliar seus conhecimentos e sua criatividade.
Como diz o ditado popular, “o que é para uns, problema, para outros é um simples
exercício e ainda para outros é somente distração”. A esse respeito, em sua obra A solução de
problemas: aprender a resolver, resolver para aprender, Pozo esclarece que existe um
problema quando o sujeito que o está resolvendo encontra “alguma dificuldade que o obrigue
a questionar-se sobre qual seria o caminho que precisaria seguir para alcançar a meta”. (1998,
p. 48). O autor amplia essa definição afirmando que, num contexto clássico, problema é “uma
situação que um indivíduo ou um grupo quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de
um caminho rápido e direto que o leve à solução”. (1998, p. 15).
Levando em conta essa afirmação de Pozo, infere-se que para que a atividade proposta
tenha a característica de problema é necessário que provoque os estudantes a questionamentos
e dúvidas para os quais eles não tenham, de imediato, respostas seguras para a solução.
Segundo o autor, somente dessa forma podemos garantir que a atividade proposta aos
estudantes seja considerada efetivamente um problema. Ao concordar com as ideias de Pozo
33
sobre essa questão, acrescenta-se a importância de estimular os estudantes durante o processo
de resolução de problemas matemáticos para se desafiarem e buscarem por si mesmos as
respostas aos questionamentos oriundos da atividade, não apenas aguardarem as contribuições
dos colegas e/ou do professor. assim se tornarão agentes ativos no processo investigativo
em busca pela solução do problema, aspecto fundamental para o processo da aprendizagem
com apropriação e ampliação dos significados dos conceitos matemáticos.
Medeiros esclarece que “os problemas matemáticos são fundamentais no
desenvolvimento da matemática, mas em sala, são trabalhados como exercícios repetitivos,
resolvidos por meio de procedimentos padronizados, previsíveis por aluno e professor”.
(2001, p. 32). Destaca que, para serem assim denominados, precisam ser desafiadores para os
estudantes e não podem ser resolvidos por meio de procedimentos padronizados, ou seja, o
estudante não pode simplesmente procurar palavras no enunciado do problema que indiquem
a ou as operações a serem utilizadas na resolução. Quando o problema se apresenta não como
exercício de fixação, mas como problema, desperta no estudante o desejo de resolvê-lo,
porque sente dificuldade para tal. É possível que nesse processo de resolução ele encontre
várias alternativas, múltiplas possibilidades, pois muitas vezes um problema não tem uma
única resposta e/ou uma única solução.
Segundo Charnay, “só há um problema se o aluno perceber uma dificuldade: uma
determinada situação, que ‘provoca problema’ [...] então, uma ideia de obstáculo a ser
superado”. (1996, p. 46). Para o autor, deve haver entre os estudantes e o problema
matemático uma relação que conduza a que os estudantes cresçam em conhecimento. Afirma
também que a atividade exigida por um verdadeiro problema “deve oferecer uma resistência
suficiente para fazer com que o aluno evolua dos conhecimentos anteriores, questione-os e
elabore novos conhecimentos” (p. 45).
Esse sentimento de desafio intelectual vivenciado pelo estudante, segundo o autor,
alavanca suas habilidades, promovendo valiosas possibilidades de aprendizagem e ativando
sua iniciativa para utilizar os recursos disponíveis no momento, juntamente com o uso da sua
criatividade e o desapego às regras convencionais. Assim, acaba motivando o estudante a
buscar variadas estratégias de solução para os problemas que se apresentam no contexto
escolar e/ou no seu cotidiano.
Dante relata que “é muito comum os alunos saberem efetuar todos os algoritmos (as
“continhas” de adição, subtração, multiplicação e divisão) e não conseguem resolver um
problema que envolva um ou mais desses algoritmos”. (2003, p. 8). Fundamentando-se em
afirmativas como essas, as quais são realidades atuais no contexto escolar, a resolução de
34
problemas tornou-se uma tendência da Educação Matemática, sendo, assim, foco de pesquisa
e estudo entre educadores matemáticos. A respeito do que é um problema, o autor ainda
destaca que “é qualquer situação que exija o pensar do indivíduo para solucioná-la” (p. 9). E
continua explicando que um problema matemático “é qualquer situação que exija a maneira
matemática de pensar e conhecimentos matemáticos para solucioná-lo” (p. 10).
Ainda Dante afirma que no ensino da matemática um dos principais objetivos é fazer o
estudante pensar produtivamente, e a melhor maneira de alcançar isso é apresentando-lhe
situações-problema que o desafiem e o motivem a querer resolvê-las. Assim, um problema
pode estimular a curiosidade do estudante e fazê-lo se interessar pela matemática.
Baseando-se nas pesquisas de muitos estudiosos que têm refletido sobre o que é um
problema, apresentando relevâncias de sua caracterização e definição, Figueiredo e Palhares
citam em Resolução de problemas e pensamento crítico algumas dessas importantes
contribuições:
Hayes (1980) definiu problema como a fenda que separa um estado presente de um
estado almejado. Por sua vez, Gil Pérez (1988) considera problema como uma
situação para a qual não soluções evidentes. Já Perales (1993) considera-o uma
situação qualquer que produz, de um lado, um certo grau de incerteza e, de outro,
uma conduta em busca de uma solução. Para Newell e Simon (1972), uma pessoa é
confrontada com um problema quando pretende algo e não sabe que acções deve
empreender para o conseguir. Também Clement (1978), considera que uma pessoa é
confrontada com um problema quando pretende algo e não sabe que acções deve
empreender para o conseguir. Charles e Lester (citados por Palhares, 1997) referem
três reacções do resolvedor para que uma determinada actividade proposta, seja
considerada um problema, são elas: que o resolvedor necessite ou queira encontrar
uma solução; que este não tenha desde logo um procedimento imediato, previamente
definido e que ele tente pelo menos resolver (2009, p. 5).
Nas concepções apresentadas por Figueiredo e Palhares ao definir “um problema”
observam-se convergências de ideias. Ambos destacam que problemas são situações em que o
sujeito não resolve mecanicamente a questão e não tem, de imediato, a resposta, ou seja, um
problema matemático exige do sujeito atitudes múltiplas e significativas, como pensar,
procurar alternativas e conhecimentos que o levem à resposta e, ainda, raciocinar para
encontrar a solução. As equivalências de opiniões desses autores continuam ao se referirem
ao problema como uma forma de suscitar a motivação e o desejo de encontrar a solução; sem
contar que outro ponto em comum: o que pode ser problema para um sujeito, pode não sê-
lo, necessariamente, para outro. Dessa forma, devemos pensar o que é um problema de
35
acordo com aquilo que motiva e coloca necessidades para os sujeitos ... os nossos alunos, e
não para nós, os professores”. (VIANNA, 2008, p. 402).
Com base nesses pressupostos, observa-se que a complexidade e a subjetividade são
aspectos muito importantes, quando se quer determinar o que vem a ser mesmo um problema
matemático. Assim, surgem mais questionamentos: Um problema é problema para um
estudante, mas o será para outro? Situações assim trazem recordações de meu tempo como
docente de matemática no ensino fundamental, especificamente, como professora de
estudantes de 4ª, e séries. Muitos minimercados, minilojas, minifeiras foram
reproduzidos em sala de aula para proporcionar aos estudantes o contato com problemas
matemáticos que lhes despertassem o interesse, a curiosidade e novos desafios. Nessas
situações eles se envolviam com problemas, com compras e vendas, à vista e a prazo, cálculos
envolvendo troco, descontos e acréscimos e seus respectivos percentuais.
Essas memórias, associadas às contribuições apresentadas pelos diferentes autores
citados, destacam que um problema existe somente quando desencadeia nos estudantes, não
no professor, motivação e interesse, como especifica Vianna (2008).
Assim, sustentada por essas memórias, acrescidas das contribuições do autor, é possível
refletir e questionar: Será que os estudantes, apesar desse divertido cenário de minimercado e
tudo mais, percebiam essas atividades como verdadeiros problemas matemáticos? O
professor, ao planejar atividades desse tipo, tinha objetivos bem definidos e uma proposta
pedagógica clara? Será que se atribuíam às atividades o real sentido de problema? E os
estudantes, como consideravam essas atividades? Eram realmente desafiadoras e promoviam
a reflexão, o questionamento e a investigação?
Está explicitado um senso comum sobre o que vem a ser um problema: o estudante
precisa ser seduzido e ter interesse pela questão, sentir dificuldade para, assim, movimentar-se
na direção de uma possível solução. Parra e Saiz, em sua obra Didática da matemática:
reflexões psicopedagógicas, registram que o termo “problema” envolve uma tríade: situação-
aluno-meio. “Só problema se o aluno percebe uma dificuldade: uma determinada situação
que ‘provoca problema’ para um determinado aluno pode ser resolvida imediatamente por
outro (e então não será percebida por este último como sendo um problema)”. (1996, p. 46).
Portanto, no problema há o aspecto da dificuldade a ser superada. Nesse sentido, Vianna
afirma que “um sujeito está diante de um problema quando se confronta com uma questão à
qual não sabe dar resposta ou quando está diante de uma situação que não sabe resolver
usando os conhecimentos de que já dispõe” (2008, p. 402). E amplia a ideia afirmando:
36
1. Um sujeito está diante de um problema quando:
a) tem uma questão para resolver;
b) quer ter uma resposta para essa questão;
c) não tem, previamente, uma resposta para essa questão.
2. Um problema é uma situação em que um sujeito é solicitado a realizar uma tarefa
para a qual não possui um método de resolução determinado.
3. É problema tudo o que, de uma maneira ou de outra, implica da parte do sujeito a
construção de uma resposta ou de uma ação que produza um certo efeito. A noção
de problema não tem sentido se o sujeito puder aplicar um sistema de respostas
inteiramente constituído (2008, p. 403).
Em relação às afirmações feitas por Vianna, novamente se infere que uma situação
apresentada pode ser considerada um problema quando o estudante precisa construir uma
solução, pois não disponibiliza de imediato dos meios para atingir o seu objetivo e, dessa
forma, busca alternativas, informações, diferentes caminhos para realizar a tarefa de
resolução. Assim, as características essenciais de um verdadeiro problema são aguçar o desejo
de resolver o problema e as dificuldades a serem superadas para encontrar a resolução, o que
envolve a variedade de estratégias que perpassam pela subjetividade de cada resolvedor.
Pereira destaca que o problema tem um papel importante no processo de ensino-
aprendizagem da matemática e “tem seu grau de importância relacionado à quantidade de
ideias novas que ele traz à matemática e o quão ele é capaz de impulsionar os diversos ramos
da Matemática, sobretudo aqueles em que ele não está diretamente relacionado”. (2007, p. 2).
Diante dessa concepção de Pereira, é possível entender que um problema quando o
estudante está empenhado em resolvê-lo e encontra-se com dificuldade para fazê-lo,
característica própria de problema segundo os autores citados anteriormente. Como ele não
percebe de imediato qual a estratégia ou cálculo deve desenvolver para atingir o objetivo, a
solução, essa situação de dificuldade, de dilema, que se apresenta ao estudante favorece-lhe o
desenvolvimento de novas ideias e de estratégias diferenciadas para encontrar a solução.
Dessa forma, ele amplia e se apropria de novos conhecimentos direta ou indiretamente
relacionados. Nessa tônica, o ensino da matemática apresenta-se não como uma ciência pronta
e acabada, mas como uma ciência viva, em construção, em que o estudante é um sujeito ativo
no processo da aprendizagem.
Parafraseando Polya, um grande problema se resolve com uma grande descoberta, mas
não se pode esquecer que na resolução de qualquer tipo de problema sempre uma parcela
de descoberta. O autor esclarece que, se o professor aguçar a curiosidade de seus estudantes
apresentando-lhes problemas que se relacionam com o conhecimento que eles já detêm,
37
auxiliando-os por meio de questionamentos motivadores, poderá gerar neles o gosto e o
interesse pelo raciocinar, avaliar, comparar, mesurar, pensar, medir, analisar, desafiar, enfim,
pelo matematizar. O autor, em sua obra A arte de resolver problemas, destaca que
o problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as
faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios, experimentará a
tensão e gozará o triunfo da descoberta. Experiências tais, numa idade susceptível,
poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e deixar, por toda a vida, a sua marca na
mente e no caráter (1995, p. 5).
Baseando-se nas ideias apresentadas sobre o tema “O que é problema matemático?”,
com fundamento nos autores Charnay (1996), Dante (2003), Figueiredo e Palhares (2009),
Medeiros (2001), Onuchic (1999), Parra e Saiz (1996), Pereira (2007), Polya (1995), Pozo
(1998), Toledo (2006) e Vianna (2008), compreende-se que um problema matemático pode
ser assim denominado quando apresentar para o resolvedor características bem específicas, as
quais os autores relacionados abordam de forma explícita e convergente e se sintetizam no
trinômio desejo-desafio-pluralidade. Em outras palavras, um verdadeiro problema matemático
caracteriza-se por conter tríplice dimensão: o desejo pela busca de uma solução, o desafio
para superar as dificuldades inerentes à situação e as múltiplas possibilidades para encontrar a
solução, em razão da subjetividade de cada resolvedor. Interligando essas três dimensões,
impulsiona-se o processo de ampliação e apropriação dos significados conceitos matemáticos
a partir do desejo, do desafio e da pluralidade de estratégias, desenhada pela subjetividade de
cada estudante e ilustrado pela interpretação hermenêutica
3
de cada um deles. Mediante a
compreensão do que é um problema matemático, apresenta-se a Figura 2
,
que explicita essa
questão.
3
Aqui a autora se utiliza da expressão “interpretação hermenêutica”, baseada na ótica gadameriana, para a qual o
estudante, ao interpretar o enunciado de um problema, traz em sua bagagem histórico-cultural pré-
compreensões. Isso justifica que num determinado grupo de estudantes ocorram diferentes formas de
interpretação e de alternativas de solução, cuja validade ou não pode ser evidenciada ao serem colocados à
prova. Nesse sentido, Gadamer afirma que "quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que
ele lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciência educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente
sensível à alteridade do texto. Essa sensibilidade não pressupõe 'neutralidade' objetiva nem esquecimento de si
mesmo, mas implica numa precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos próprios pré-
juízos". (apud PIERRE, 2010, p. 3-4).
38
É importante destacar que o gráfico foi elaborado pela pesquisadora com base numa
visão dinâmica de movimentos, em que as três características estão interligadas e
entrelaçadas, tendo como centro o problema matemático e desenvolvendo esse processo por
meio de movimentos variados. Conforme ocorrem, esses movimentos acabam impulsionando
a ampliação e apropriação dos significados dos conceitos matemáticos e produzindo
aprendizagem-desenvolvimento, não somente no âmbito dessa disciplina.
Faz-se necessário, após as abordagens apresentadas a respeito do que é um problema
matemático, investigar os tipos de problemas propostos pelos estudiosos do tema em questão.
2.1.3 Tipos de problemas
O ensino da matemática visando aos processos educativos baseados na Educação
Matemática, à interação social e à apropriação do significado dos conceitos matemáticos
requer, sem dúvida, a utilização de verdadeiros problemas matemáticos, como definido nas
Problema
Matemático
Desejo de
resolver
Pluralidade
de
estratégia
Desafio de
superar as
Fonte: Elaboração da autora.
Figura 2 – Problema matemático: características relevantes.
39
abordagens apresentadas anteriormente. Nesse sentido, os estudiosos apresentam diferentes
tipos de problemas matemáticos para o ensino da matemática.
Dante organiza os tipos de problemas em quatro categorias: problemas-padrão,
problemas-processo ou heurísticos, problemas de aplicação e problemas de quebra-cabeça. A
primeira categoria aborda o problema-padrão, que pode ser simples ou composto, geralmente,
não aguça a curiosidade, nem desafia o estudo; objetiva recordar-fixar aspectos básicos da
matemática por meio dos algoritmos. “São os tradicionais problemas de final de capítulo nos
livros didáticos. A solução do problema está contida no próprio enunciado [...]”. (2003, p.
17). A segunda categoria, a do problema-processo ou heurístico, requer dos estudantes um
tempo para montar estratégias e um plano de ão que os levarão à solução. Ao contrário da
categoria anterior, “aguçam a curiosidade do aluno e permitem que ele desenvolva sua
criatividade, sua iniciativa e seu espírito explorador”. (p. 18). A terceira categoria é
constituída pelos problemas de aplicação, “aqueles que retratam situações reais do dia-a-dia e
que exigem o uso da Matemática para serem resolvidos”. (p. 20), também denominados de
situações-problema; são aqueles apoiados em pesquisa, levantamento de dados, gráficos e que
procuram matematizar uma situação real. Sobre a quarta categoria, os problemas de quebra-
cabeça, o autor esclarece que “são problemas que envolvem e desafiam grande parte dos
alunos”. (p. 21); são aqueles que fazem parte da Matemática dita recreativa, pois sua solução
está geralmente vinculada a “um golpe de sorte ou de facilidade em perceber algum truque,
que é a chave da solução” (p. 21).
Pereira também apresenta quatro categorias distintas de problemas: problemas de
sondagem, problemas de aprendizagem, problemas de análise e problemas de revisão e
aprofundamento. E assim os explica:
- problemas de sondagem: para a introdução natural e intuitiva de um novo
conceito;
- problemas de aprendizagem: para reforçar e familiarizar o aluno com um novo
conceito;
- problemas de análise: para a descoberta de novos resultados derivados de
conceitos já aprendidos e mais fáceis que os problemas de sondagem; e
- problemas de revisão e aprofundamento: para revisar os picos já vistos e
aprofundar alguns conceitos (2007, p. 6).
Medeiros, em seu estudo sobre o tema, apresenta duas categorias de problemas: problemas
abertos e problemas fechados. A autora esclarece que os problemas abertos não têm vínculo
com os últimos conteúdos estudados; possuem uma ou mais soluções; podem ser
40
trabalhos em grupo, o que pode aumentar a produção, nos quais o papel do professor é o
de incentivador, para que os estudantes cheguem a uma ou mais soluções, de acordo como
suas estratégias e interpretações. É o tipo de problema em que “o aluno desenvolverá a
capacidade de tentar, supor, testar e provar o que for proposto como solução para o problema,
[...], o objetivo do aluno é obter o resultado, superando os obstáculos inerentes a um
verdadeiro problema” (2001, p. 34).
Quanto aos problemas fechados, são os usualmente trabalhados em sala de aula, também
conhecidos como problemas-padrão ou problemas clássicos da matemática. São utilizados no
processo ensino-aprendizagem, mas de uma forma que limita a criatividade do estudante.
Aparecem geralmente no final do conteúdo, para fixar os assuntos que acabaram de ser
estudados e, podem ser resolvidos pela aplicação de um ou mais algoritmos; o objetivo central
é encontrar a operação certa, de tal modo que o estudante procura palavras no enunciado que
indiquem essa operação (ganhar adição e perder subtração). Assim, segundo a autora,
esses problemas se caracterizam como atividades de sala de aula que pouco contribuem para o
processo de ensino-aprendizagem e não colaboram efetivamente para a apropriação dos
significados dos conceitos matemáticos.
Karam e Pietrocola concordam com a autora e reforçam o conceito de problemas
fechados afirmando que
tradicionalmente, esses problemas [...] podem ser resolvidos pela “simples” e cega
aplicação de fórmulas matemáticas. Muitos autores (GIL-PÉREZ et al., 1992,
PEDUZZI e PEDUZZI, 2001, entre outros) criticariam prudentemente a abordagem
dos mesmos, classificando os como problemas fechados, e destacando que, ao
resolvê-los, o aluno não é levado a formular hipóteses ou desenvolver estratégias.
(2009, p. 196).
Concordamos com os autores Medeiros, Karam e Pietrocola quanto às abordagens
referentes aos problemas fechados. Esses estudos promovem a reflexão sobre problemas do
sistema educacional, mais especificamente, sobre o ensino da matemática, no viés da
aprendizagem-desenvolvimento.
Sintetizando as contribuições apresentadas pelos estudiosos da temática que nesse
diálogo se fizeram presentes, compreende-se que os problemas podem ser organizados em
dois grandes grupos. Num grupo estão aqueles problemas que o estudante geralmente se sente
aguçado a resolver e encontra dificuldades para chegar à solução, podendo desenvolver
41
diferentes estratégias de acordo com sua interpretação na busca do objetivo final. Eses não
estão necessariamente relacionados ao conteúdo desenvolvido em determinada unidade de
trabalho, mas nem sempre são apresentados nos livros didáticos; quando constam nos livros
de uso tradicional, geralmente são apresentados como um apêndice, ou seja, no final das
atividades propostas, como um módulo separado do proposto curricular, com a conotação de
atividade extra, denominados pelos autores dos livros didáticos por diferentes nomenclaturas.
Para representá-los cito algumas destas denominações: para Giovanni, Castrucci e Giovanni
Jr. (2007), Munhoz, Nazareth e Toledo (2006), Silveira e Marques (2008), “desafio”; para
Giovanni e Parente (2007), “estratégias e desafios”; para Ribeiro e Soares (2005), utilizam-se
da expressão “algo a mais”.
No outro grupo estão aqueles problemas que geralmente aparecem no final do
conteúdo, para fixar o conhecimento recentemente adquirido ou ampliá-lo. Despertam no
estudante, geralmente, a conotação de exercício de fixação/revisão, pois estão sempre
diretamente relacionados ao conteúdo recentemente trabalhado. São problemas amplamente
apresentados em todos os livros didáticos, fazendo parte do corpo principal da proposta
curricular; apresentam-se sempre na sequência de uma nova noção, a partir da introdução de
um novo conhecimento, com o objetivo específico de fixar o aprendido; a cada novo conteúdo
apresentado segue a lista de fixação/revisão, em que os mesmos autores denominam esse tipo
de problemas por lista de “exercícios”, “exercícios de fixação”, atividades” ou, ainda, pela
expressão “trabalhando os conhecimentos adquiridos”.
Denomina-se, nesta pesquisa, o primeiro grupo de problemas como “problemas
extracurriculares”, pelas próprias características que apresentam, já citadas anteriormente, e
ao segundo grupo, por “problemas curriculares”. A partir do exposto, sistematiza-se essa
organização no quadro.
Conceito Situação Finalidade
Problemas
Curriculares
Apresentam-se
geralmente no final de
cada conteúdo, num perfil
de revisão/fixação.
Estarem relacionados
diretamente ao conteúdo
recentemente desenvolvido
ou em desenvolvimento.
Problemas
Extracurriculares
Apresentam-se em
qualquer momento,
num perfil de
desafio/curiosidade.
Não estarem relacionados
necessariamente ao conteúdo
recentemente desenvolvido
Figura 3 – Problemas curriculares e problemas extracurriculares.
42
As abordagens apresentadas revelam a existência de diversos tipos de problemas,
apresentando características diferentes para cada categoria. Faz-se necessário investigar
relevância da resolução de problemas matemáticos, norteando-se pelos estudiosos do tema em
questão.
2.1.4 Relevância
4
da resolução de problemas matemáticos
Na atualidade, a resolução de problemas apresenta-se como um diferencial no contexto
escolar, que seu grande desafio é realizar um ensino que promova o aprendizado e o
desenvolvimento do educador, esse o foco desta pesquisa. Assim, investigar os aspectos
históricos da resolução de problemas é uma das formas de compreender melhor esse conceito
na atualidade. Portanto, a partir dessa proposta busca-se nos próximos capítulos resgatar
dados fundamentais sobre a história da matemática, da Educação Matemática e da resolução
de problemas, considerados relevantes para desenvolver a pesquisa. É necessário também
analisar as ideias de diferentes estudiosos sobre as peculiaridades da resolução de problemas,
com vistas a identificar aspectos relevantes do seu processo.
2.1.4.1 Linha do tempo: abordagem histórica
Conhecer a história da matemática, sobretudo os dados mais importantes de sua
trajetória no que se refere à resolução de problemas, contribui para um melhor entendimento
de sua importância, de seu significado e sua evolução. Essa compreensão se faz necessária
para tecer relações potencializadoras ao ensino-aprendizagem e à apropriação do significado
dos conceitos matemáticos, que é a temática central desta pesquisa.
A resolução de problemas tem se destacado cada vez mais como uma alternativa
metodológica para a docência matemática, um elemento promotor do processo ensino -
aprendizagem, que vem conquistando grande espaço no cenário da Educação Matemática
4
Aqui a autora, baseando-se em Houaiss, utiliza-se do termo "relevância", como do significado relacionado a
importância, saliência, grande valor, que está condicionado ao significado mais geral do verbo relevar, que se
traduz como “tornar saliente; fazer sobressair”, ou seja, “tornar algo importante”. (2010).
43
brasileira. Esse destaque é sugerido nos Parâmetros Curriculares Nacionais e confirmado por
alguns estudiosos, como Onuchic (2005) e Pires (2000). Hoje, é considerada uma tendência
metodológica e tornou-se um dos focos centrais da matemática escolar, porém a história nos
mostra que nem sempre foi assim.
Determinados elementos históricos, segundo D’Ambrosio, relevam que no século XIX
os professores acreditavam que a resolução de problemas matemáticos deveria ocorrer como a
aplicação de conteúdos aprendidos, sendo o objetivo “exercitar e fortalecer os músculos do
cérebro”. (2009, p. 1). Dessa forma, o professor ensinava os conteúdos programáticos e o
estudante exercitava-os a partir de sua aplicação. A autora esclarece que, apesar das variadas
percepções que a linha histórica da resolução de problemas matemáticos apresenta, essa visão
tem predominado no ensino da matemática por mais de 150 anos.
Por sua vez, Onuchic lembra que, no início do século XX, o método pedagógico
brasileiro da matemática centralizava-se em ensinar os conteúdos da disciplina por meio da
repetição, priorizando a memorização e o treinamento. Mais tarde surgiu outro
encaminhamento, tornando necessário, então, desenvolver a compreensão e o entendimento
desses conteúdos. A autora afirma que “essas duas formas de ensinar não lograram sucesso
quanto à aprendizagem dos alunos. Na verdade, alguns alunos aprendiam, mas a maioria não”.
(2005, p. 214). Nessa época, já se falava da resolução de problemas como uma forma de
aprender matemática e dava-se ênfase aos produtos, não aos processos de resolução, porém
ainda não era considerada uma metodologia de ensino.
Nas décadas de 1960 e 1970 vários países, inclusive o Brasil, foram influenciados pelo
movimento denominado “Matemática Moderna”, que tem sua base na teoria dos conjuntos,
focada nos procedimentos e apoiada numa matemática estruturada. Segundo a autora, essa
reforma acentuava o ensino de símbolos e uma terminologia complexa que comprometia o
aprendizado. Nessa reforma o ensino era trabalhado com um excesso de formalização,
distanciando-se das questões práticas”. (p. 215). Por essa razão, não atingiu as expectativas às
quais se propusera e surgiram muitos questionamentos sobre sua eficiência quanto à
aprendizagem e à busca do ensino da matemática voltada para a construção da cidadania.
Nesse contexto, na década de 1970, em meio a muitas pesquisas, surgiu a resolução de
problemas como uma metodologia de ensino de matemática, a qual, como esclarece Onuchic
(2009), apesar de ter uma longa história na matemática escolar, até então não tinha sido objeto
de pesquisa, como metodologia. A resolução de problemas passou a ganhar espaço e na
década de 1980 se destacou no cenário da Educação Matemática no Brasil e do mundo como
uma nova tendência para melhor ensinar e aprender matemática.
44
Ainda se referindo à década de 1980, o National Council of Teachers of Mathematics
(NCTM Conselho Nacional de Professores de Matemática)
5
e colaboradores, por meio do
documento Na Agenda for Action (Agenda para Ação), apresentaram importantes
recomendações no que diz respeito ao fazer matemático, buscando melhorias na Educação
Matemática, focada na educação para todos. A autora esclarece que a primeira recomendação
do documento é que “resolver problemas deve ser o foco da Matemática escolar para os anos
80”. (2005, p. 214).
Huamán também trata disso ao assinalar:
A “era da resolução de problemas”, fundamentada a partir de recomendação feita no
documento “Uma Agenda para a Ação”, do NCTM, em 1980, diz que Resolução de
Problemas deveria ser o foco da matemática escolar nos anos 80. No início da
década de 90, a UNESCO, através da sua declaração mundial sobre Educação para
todos, também declara claramente que a resolução de problemas deve ser um
instrumento essencial da aprendizagem, do mesmo modo que a leitura, a escrita e o
cálculo (2006, p. 20).
O NCTM publicou, no final da década de 1980 e início da de 1990, uma série de
documentos, denominados Curriculum and Evaluation Standards for School Mathematics,
Professional Standards for Teaching Mathematics e Assessment Standards for School
Mathematics, objetivando uma revolução na Educação Matemática.
Esses documentos, os standards, visavam “estimular políticas educacionais, pais,
professores, administradores, comunidades locais e conselhos escolares a melhorar os
programas de Matemática em todos os níveis educacionais”. (ONUCHIC, 2005, p. 217).
Portanto, para atingir esse objetivo foi necessário um novo encaminhamento dos currículos
escolares. A autora esclarece que “a característica encontrada nesses currículos é o uso de
contextos na Resolução de Problemas como um meio de desenvolver os conteúdos
matemáticos e fazer conexões com outras áreas”. (p. 217). Pires endossa essa ideia e a amplia
descrevendo a partir dos standards curriculares do NCTM a lista das cinco necessidades
centrais a todos os estudantes do ensino fundamental:
5
O NCTM é uma organização profissional, sem fins lucrativos. Conta com mais de 125000 associados e é a
principal organização para professores de matemática desde K-12 (Pré-primário-escola secundária).
(ONUCHIC, 2005, p. 215).
45
que os alunos aprendam a valorizar a Matemática;
que se sintam seguros de sua capacidade de fazer Matemática;
que cheguem a resolver problemas matemáticos;
que aprendam a comunicar-se por meio da Matemática;
que aprendam a raciocinar matematicamente (2000, p. 158, grifo nosso).
A lista apresentada por Pires novamente reforça a importância central da resolução de
problemas no ensino da matemática no que tange ao aprendizado e ao desenvolvimento do
estudante.
É nesse contexto de reformas e pesquisas que a resolução de problemas no Brasil
alicerça-se como método de ensino, como nova metodologia para se atingir o ensino-
aprendizagem da matemática, e proposição de problemas é a unidade desencadeadora desse
processo, favorecendo a apropriação do significado de conceitos e a conexão dos conteúdos
matemáticos entre si e com outras áreas.
Fica claro pelas abordagens apresentadas que a matemática não é uma ciência pronta e
acabada, mas, sim, fruto de um processo histórico-político-cultural que se desenhou ao longo
do tempo, com grandes movimentos, registrados por meio de evoluções, transformações,
reformas e mudanças marcantes, algumas destacadas neste breve retrospecto histórico. É
nesse sentido que os movimentos marcantes em prol do ensino e da aprendizagem continuam
acontecendo. Agora é a vez dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), os PCNs, que
nascem fundamentados nos princípios do standards do NCTM.
Sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, Onuchic esclarece que
os objetivos gerais da área de Matemática nos PCN, buscam contemplar várias
linhas para trabalhar o ensino de Matemática. Esses objetivos m como propósito
fazer com que os alunos possam pensar matematicamente, levantar idéias
Matemática, estabelecer relações entre elas, saber se comunicar ao falar e escrever
sobre elas, desenvolvendo formas de raciocínio, estabelecer conexões entre temas
matemáticos e de fora da Matemática e desenvolver a capacidade de resolver
problemas, explorá-los, generalizá-los e até propor novos problemas a partir deles.
[...] Especificamente no que se refere à Matemática, os PCN indicam a Resolução de
Problemas como ponto de partida das atividades Matemáticas e discutem caminhos
para se fazer Matemática na sala de aula (2005, p. 218).
De acordo com a autora, o fazer matemático deveria ter como ponto de partida a
formulação e resolução de problemas, a fim de proporcionar a ampliação e apropriação dos
conceitos matemáticos.
46
Em síntese, na história da matemática, no que se refere à resolução de problemas, além
das marcas desenhadas pelas reformas e mudanças, pelos padrões americanos e parâmetros
nacionais, também se registraram as contribuições de Polya, as quais tomaram grande
proporção e têm orientado muitos daqueles que buscam neste modelo um caminho para
conduzir o processo do aprendizado, tornando-se, inclusive, fonte de pesquisas matemáticas
realizadas até hoje.
Apresentou-se neste item uma retrospectiva histórica sobre a resolução de problemas,
considerando a linha do tempo da matemática. Torna-se necessário agora investigar
heurísticas e peculiaridades do processo da resolução de problemas matemáticos, dialogando
com estudiosos e pesquisadores do tema.
2.1.4.2 Processo de resolução: heurísticas
6
e peculiaridades
Resolver problemas é uma habilidade prática, como
nadar, esquiar ou tocar piano: você pode aprendê-la
por meio de imitação e prática [...] se você quer
aprender a nadar você tem de ir à água e se você
quer se tornar um bom resolvedor de problemas, tem
que resolver problemas.
Polya
O pensamento de Polya serve como mote para se tratar o tema desta pesquisa, por ter
sido o primeiro matemático a apresentar uma heurística de resolução de problemas específica
para a matemática, tornando-se, assim, uma referência no assunto. Muitas de suas ideias são
consideradas até hoje, servindo na contemporaneidade como alicerce para muitos estudos na
temática. A heurística de Polya organiza o processo de resolução de problema em quatro
etapas, como descrito a seguir.
A primeira etapa, intitulada “compreensão do problema”, destaca a necessidade de
entender o problema e fazer questionamentos: “Qual é a incógnita? Quais são os dados?
6
Aqui a autora, baseando-se em Pereira, utiliza-se do termo “heurística”, a partir do significado relacionado com
a resolução de problemas, que traduz “a arte de inventar, de fazer descobertas”. É o conjunto de sugestões e
estratégias que ajude os estudantes a entenderem um problema matemático e a conduzir seus recursos para
resolvê-lo. Nesse sentido, o autor esclarece que se referir à heurística de resolução de problemas é referir-se a
“métodos e regras que conduzem à descoberta, inovação, investigação e resolução de problemas”. (PEREIRA,
2007, p. 6)
.
47
(POLYA, 1995, p. 12). Ainda: Quais são e como são as condições? Essas são suficientes ou
não para determinar a incógnita? São redundantes ou contraditórias? Nesta etapa, construir
esquemas, figuras e organizar as condições apresentadas no problema pode ser muito útil.
A segunda etapa caracteriza-se pelo “estabelecimento de um plano”, que enfoca a
construção de uma estratégia de resolução, encontrando-se conexões entre os dados e a
incógnita; aqui, torna-se muitas vezes conveniente o apoio de problemas auxiliares,
objetivando as conexões e instigando alguns questionamentos: “Já o viu antes? Ou viu o
mesmo problema apresentado sob uma forma ligeiramente diferente?” (p. 12). Ainda: Você
conhece um problema parecido? Observe atentamente os detalhes do problema, ele é familiar?
Você recorda alguma estratégia já conhecida e/ou utilizada em outros problemas que possam
auxiliar na resolução desse? É possível você resolver uma parte do problema? E agora, quais
são os dados que não foram ainda considerados? Do que mais precisamos para a solução
completa? Nesta etapa é importante estimular o estudante a buscar conexões entre os dados e
o que é solicitado, objetivando estabelecer um plano de ação e definindo prioridades
necessárias para a resolução.
A terceira etapa é a “execução do plano”, momento em que se prioriza a execução das
estratégias escolhidas e, “ao executar o seu plano de resolução, verifique cada passo. É
possível verificar claramente que o passo está correto? É possível demonstrar que ele está
correto?” (p. 13). Este é o momento de executar o plano idealizado. Vale lembrar que, se as
outras etapas do processo de resolução do problema foram bem desenvolvidas, esta etapa será,
provavelmente, a mais fácil. Durante esta fase é muito importante que o estudante seja
incentivado a realizar cada etapa do processo de resolução com muita atenção e possa
averiguar, passo a passo, se está correto, confirmando assim sua aprendizagem.
A quarta e última etapa é denominada de “retrospectiva” e objetiva examinar a solução
obtida, verificando o resultado encontrado a partir do processo desenvolvido. Alguns
questionamentos são relevantes nesta etapa: “É possível chegar ao resultado por um caminho
diferente? É possível utilizar o resultado, ou o método, em algum outro problema?” (p. 13).
Segundo o autor, esta etapa é a mais importante, porque propicia uma depuração e abstração
da solução do problema. A depuração tem a finalidade de verificar os procedimentos
utilizados, simplificando-os e buscando outras estratégias mais simples de solução; a
abstração, de refletir sobre o processo propriamente dito realizado pelo resolvedor,
objetivando destacar a essência do problema e do método empregado para resolvê-lo, com o
fim de se apropriar do aprendizado adquirido nesse problema e favorecer o processo de
resolução de outros problemas.
48
Diante desses princípios heurísticos do processo de resolução de problemas matemáticos
definido por Polya, entende-se que a solução de um problema exige o entendimento deste, a
elaboração de um plano de ação que leve a uma meta, a execução do plano idealizado e a
análise com vistas a investigar se a meta foi alcançada. Todas as etapas assumem papel
importante no processo, mas a quarta se destaca pelas possibilidades existentes de ampliar o
poder do resolvedor, ou seja, favorece as possibilidades de fertilização da matemática. Diante
dessa realidade, os educadores matemáticos não podem ficar à margem dessa reflexão. Por
isso, pergunta-se: como estão sendo trabalhados no cotidiano escolar os problemas
matemáticos? Os educadores conhecem a importância de os estudantes percorrerem essas
etapas para garantir seu aprendizado e desenvolvimento? E, especificamente sobre a quarta
etapa, são conhecedores do seu poder de potencialização para ampliação e apropriação dos
significados dos conceitos?
Contribuindo com essa ideia, Pinto esclarece que, tendo como pano de fundo o modelo
apresentado por Polya, estudiosos contemporâneos
como Lester e Schoenfeld fazem referência
à importância dos processos mentais na resolução de problemas, seja por meio das quatro etapas
heurísticas de Polya, seja por seus próprios princípios. Segundo o autor, Lester (1980) vai mais
longe ao apresentar um modelo heurístico composto por seis etapas, pois
concebe um modelo onde tem em linha de conta os processos mentais envolvidos na
resolução de problemas de Matemática, o que até aqui não tinha sido considerado. O
seu modelo é constituído por seis fases: (i) Fase da consciencialização; (ii) Fase da
compreensão; (iii) Fase da análise do(s) objectivo(s); (iv) Fase do desenvolvimento
do plano; (v) Fase da implementação do plano; (vi) Fase de avaliação dos
procedimentos e da solução (PINTO, 2010, p. 3).
Com uma visão praticamente equivalente ao vel dos processos mentais envolvidos na
resolução de problemas, o autor informa que Schoenfeld (1985) apresenta um modelo
caracterizado por “quatro categorias do conhecimento e comportamento: (i) Recursos; (ii)
Heurísticas; (iii) Controle; (iv) Concepções (percepções/pré-conceitos)” (p. 3). Destaca que,
segundo Schoenfeld, essas categorias se encontram interligadas, sobrepondo-se e interagindo
entre si; logo, o sucesso da resolução de problemas matemáticos está diretamente ligado a
essas quatro categorias.
Em relação às abordagens destacadas por Pinto, Lester apoia-se na proposta heurística
de Polya, enfatizando o papel central da resolução de problemas no ensino da matemática,
49
numa alusão heurística ao processo de resolução. Schoenfeld apresenta um modelo enbasado
nas quatro etapas de Polya, porém acrescentando-lhe outras duas: como selecionar as
estratégias apropriadas e como aplicá-las.
Finalizando a temática referente à heurística de resolução de problemas segundo o
modelo polyano, é importante esclarecer que Polya não tinha como pretensão que as etapas
apresentadas no seu método percorressem, necessariamente, um caminho sequencial, uma
após a outra, nem que representassem uma “fórmula mágica” para a resolução de problemas
matemáticos. Partindo dessas premissas, o autor afirma que as etapas do processo
não mencionam diretamente a idéia brilhante, mas, de fato, todas se relacionam
com ela. Para compreender o problema, preparamo-nos para tê-la, para conceber um
plano, provocamo-la; uma vez provocada, a idéia brilhante, levamo-la adiante;
fazendo o retrospecto e examinando a solução, procuramos aproveitá-la melhor
(1995, p. 131).
Na perspectiva de que, quando temos ideias organizadas, o processo de resolução de
um problema matemático torna-se mais eficaz do que quando não o estão, a heurística de
Polya, endossada e ampliada por Lester e Schoenfeld, auxilia o estudante a ser um bom
resolvedor de problemas. Defende-se a ideia de que é importante saber organizar as ideias,
definir as estratégias de ação e ter criatividade para trilhar novos caminhos para a solução.
Baseando-se nessas considerações e objetivando o ensino-aprendizagem, para favorer
a criatividade dos estudantes e encorajá-los a realizar novas estratégias, destacam-se a seguir
peculiaridades da resolução de problemas com vistas a identificar aspectos otimizadores desse
processo.
Valorizar o problema no sistema de ensino-aprendizagem e as possibilidades que fluem
durante a resolução ao entrecruzar os saber matemáticos é o que Pires defende, afirmando que
o processo de resolução de um problema engloba diversas ações: “a exploração do contexto
da situação, a elaboração de novos algoritmos, a criação de modelos, a formulação e a própria
criação de novos problemas e não meramente a escolha ou a combinação de algoritmos ou
métodos conhecidos” (2000, p. 165). A autora refere-se ao fazer pedagógico do ensino de
matemática por meio da exploração de problemas, defendendo o conceito de resolução de
problemas. Esclarece que “a resolução de problemas não é, portanto, apresentada como um
tema diferenciado, e sim como um processo que deve impregnar todo o trabalho e
proporcionar o contexto em que se pode apreender conceitos e habilidades” (p. 165).
50
Em relação às abordagens feitas por Pires sobre os aspectos que englobam um problema
matemático, compreende-se que, numa atividade assim nomeada, ocorrem diversas ações,
pois os estudantes se envolvem ativamente no processo de resolução e realizam variados
movimentos em busca de possibilidades de solução. Esses movimentos se entrelaçam,
desenhando a partir dos saberes envolvidos um cenário de rede, ou, como a própria autora
nomeia, uma ideia de rede. Ao referir-se à ideia de rede, Pires faz uma analogia com o
entrelaçamento de múltiplas relações, interpretações, estratégias e conexões, que, estando ou
não relacionadas ao âmbito dos conhecimentos matemáticos, em forma de fios conectados,
por malhas e nós, tecem uma teia. Essa analogia representa os movimentos que os estudantes
vão realizando enquanto buscam a solução do problema. A autora esclarece que a ideia de
rede, no campo cognitivo, “comparece cada vez que se pretende demonstrar que a
compreensão do tema é constituída por meio de múltiplas relações, que podem ser
estabelecidas entre ele e outros temas”. (p. 117). Utilizando o mesmo contexto, explica que o
conhecimento também “é apresentado como uma rede cujos pontos vão se construindo em
várias direções, em vários sentidos, cuja formação se altera e se reestrutura praticamente a
cada vez que um ponto é incorporado a ela; é um sistema” (p. 117).
Diante dessa perspectiva de rede, pode-se visualizar o problema matemático como
provedor de uma grande teia, uma malha matemática, na qual numa gica rizomática
7
se
desenvolvem numerosas possibilidades, estratégias e conexões, interligando os conceitos
adquiridos aos links de potencialização e de construção de novos conceitos. Assim, toda a
dinâmica que produz um problema matemático compõe-se a partir da subjetividade de cada
resolvedor, uma pluralidade de conexões. Essa é também a proposta sugerida nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que ressaltam a importância de se buscarem várias
conexões entre os conteúdos matemáticos, assim como com outras disciplinas, endossando a
ideia de rede, teia matemática.
Os Parâmetros Curriculares também esclarecem que, no processo de resolução de um
problema matemático, pressupõe-se que o estudante “elabore um ou vários procedimentos de
resolução (como realizar simulações, fazer tentativas, formular hipóteses), compare seus
resultados com os de outros alunos e valide seus procedimentos”. (BRASIL, 1998, p. 42). E
reforçam que
7
A autora utiliza-se da expressão lógica rizomática a partir das equivalências presentes, que traduzem uma
lógica da multiplicidade, compreendendo-se que num rizoma entra-se por qualquer lado, pois cada ponto se
conecta com qualquer outro: “é feito de direções móveis, sem início ou fim, mas apenas um meio, por onde ele
cresce e transborda, sem remeter a uma unidade ou dela derivar em suma, o rizoma é uma multiplicidade”
(PELBART apud CABRAL; BORGES, 2009, p. 5).
51
aprender a dar uma resposta correta, que tenha sentido, pode ser suficiente para que
ela seja aceita e até seja convincente, mas não é garantia de apropriação do
conhecimento envolvido. Além disso, é necessário desenvolver habilidades que
permitam provar os resultados, testar seus efeitos, comparar diferentes caminhos
para obter a solução (p. 42).
O documento PCNs esclarece que a centralidade da resolução do problema matemático
não é mais apenas a resposta correta, mas o processo de resolução, que inclui a resposta.
Outro aspecto apontado é a resolução de problemas como eixo organizador do processo de
ensino-aprendizagem de matemática, considerando que
a situação-problema é o ponto de partida da atividade matemática e não a definição.
No processo de ensino e aprendizagem, conceitos, ideias e métodos matemáticos
devem ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situação em
que os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las [...] a
resolução de problemas não é uma atividade para ser desenvolvida em paralelo ou
como aplicação da aprendizagem, mas uma orientação para a aprendizagem, pois
proporciona o contexto em que se pode apresentar conceitos, procedimentos e
atitudes matemáticas (BRASIL, p. 40-41).
Como base nas contribuições dos parâmetros, infere-se que o ponto de partida para o
ensino da matemática o é a definição, mas o problema, indicando uma prática pedagógica
que se constrói baseada na interpretação, na compreensão e na apropriação dos significados
dos conceitos. Tradicionalmente, no fazer matemático as atividades de resolução de
problemas são apresentadas sempre depois de se ensinar o conteúdo, objetivando a aplicação
dos conceitos aprendidos. Nesse processo, servem exclusivamente para o estudante exercitar
os modelos matemáticos ensinados pelo professor. Contrastando com esse cotidiano escolar,
os parâmetros orientam que a resolução de problema deve ser indicada como ponto de partida
da aprendizagem, ou seja, uma estratégia que conduz e proporciona o aprendizado,
promovendo investigação e exploração. Desse modo, os estudantes podem se apropriar dos
conhecimentos e dos procedimentos matemáticos.
Nesse contexto, os educadores matemáticos são convidados a repensar sua práxis, pois o
foco deixa de ser a tradicional definição dos conceitos, seguida da fixação por meio de
exercícios e problemas, passando a ser a problematização a desencadeadora do processo da
aprendizagem. Neste caso, um conceito matemático vai se construindo e se articulando com
outros conceitos. Isso exige no problema a ideia de novidade e de desafio, não explicitando
52
todas as informações necessárias para a resolução, o que proporciona condições para a
elaboração de novos conhecimentos. Essa é uma prática pedagógica que se aproxima da ideia
de rede, já apresentada anteriormente.
Os pesquisadores recomendam que os educadores matemáticos ensinem os conceitos,
sempre que possível, partindo de uma situação-problema. Nesse sentido, Dante afirma que
um dos principais objetivos do ensino de Matemática é fazer o aluno pensar
produtivamente e, para isso, nada melhor que apresentar-lhe situações-problemas
que o envolvam, o desafiem e o motivem a querer resolvê-las. Esta é uma das razões
pela qual a resolução de problemas tem sido reconhecida no mundo todo como uma
das metas fundamentais da Matemática no 1º Grau (2003, p.11).
Nessa mesma ótica, ensinar matemática valorizando a resolução de problemas como
um processo de ensino-aprendizagem significativo é uma tendência atual. A esse respeito,
Brito confirma que as atuais propostas e sugestões para matemática escolar “têm posto uma
grande ênfase no ensino através da solução de problemas” (2006, p. 30). Essa é encontrada
nos Parâmetros Curriculares Nacionais e também nos Principles and Standards for School
Mathematics (2000), mencionados anteriormente.
Em relação às abordagens apontadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e pelos
autores citados, compreende-se que o ensino da matemática deveria partir de uma
problematização e no processo de resolução não se deveria analisar linearmente somente a
resposta encontrada, mas também as variadas estratégias e hipóteses construídas durante o
processo de resolução.
O estudioso Wood contribui com o tema e esclarece que países que promovem um
olhar totalmente focalizado nos saberes matemáticos, através da aprendizagem e da formação
dos conceitos. Relata que uma das maneiras de os estudantes russos e japoneses
desenvolverem sua competência matemática é variando os tipos de problemas e as soluções,
ou seja, eles procuram desenvolver a resolução do mesmo problema de maneiras diferentes,
analisando as diversas possibilidades e muitas vezes “inventam métodos de solução mais
elegantes do que os sugeridos pelo professor”. (WOOD, 2003, p. 259). Nas escolas russas, por
exemplo, “é uma prática comum ‘misturar’ diferentes tipos de problemas matemáticos, para
que o aprendiz não se veja diante de longas sequências de problemas que podem ser
resolvidos pela aplicação repetitiva do mesmo procedimento ou estratégia” (p. 258). Nessa
perspectiva, o autor afirma que, quanto mais o estudante vai praticando a mesma estratégia,
53
mais esta vai se tornando automática e a capacidade do resolvedor de visualizar novas e mais
elaboradas soluções vai diminuindo. Assim, essas estratégias ajudam a combater a aplicação
mecânica de regras meramente decoradas e, provavelmente, também auxiliam o estudante a
perceber a aprendizagem matemática como um processo de construção.
Wood apresenta outras importantes contribuições sobre essa temática, como: a
importância da ajuda do outro, por menor que seja, no processo de resolução do problema,
motivando o resolvedor a pensar e a trilhar o caminho do sucesso da solução. O autor justifica
dizendo que situações em que, deixando o estudante agir sozinho, ele “agiria
impulsivamente e, ao fazer isso, não conseguiria mobilizar seus recursos para abordar
problemas que é capaz de resolver” (p. 257), o que, provavelmente, faria com competência
interagindo com outro sujeito. De forma crítica, refere-se à ênfase dada à velocidade da
solução de problemas e esclarece que “resolver vários problemas do mesmo tipo em rápida
sucessão levam os alunos a ver o ato de ‘fazer’ matemática como um caso de lembrar e
aplicar regras sem reflexão” (p. 258), recorrendo, assim, a um caminho inverso da construção
e da apropriação do conhecimento matemática, o que, segundo ele, não é recomendável.
Em relação às abordagens feitas por Wood, percebe-se a importância de promover
espaços na aula de matemática para trabalhos em grupo, nos quais os estudantes trabalham
juntos na solução de problemas, interagindo e promovendo a aprendizagem também
interpessoalmente, como sugere a teoria histórico-cultural. Aliado a esse processo, o estudante
pode dispor de duas ou mais maneiras processos para resolver o mesmo problema e todas
produzirem a mesma resposta. Essa estratégia se apresenta muito favorável para o seu
aprendizado e seu desenvolvimento.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e os autores Brito (2006),
D’Ambrósio (2009), Dante (2003), Huamán (2006), Onuchic (2005) e (2009), Pinto (2010),
Pires (2000), Polya (1995) e Wood (2003), compreende-se que, além das características de
um problema matemático ilustradas anteriormente no trinômio desejo-desafio-pluralidade,
outros aspectos são relevantes nesse processo, tais como a heurística, a ideia de rede, a
centralidade no processo, a problematização inicial, as estratégias, os tipos de problemas e a
interação.
Sintetizando as diferentes contribuições, entende-se que a heurística organiza as ideias,
tornando mais eficaz o processo de resolução; a ideia de rede contempla diferentes conexões,
interligando os saberes matemático, e o objetivo central da resolução do problema está,
sobretudo, no processo, que inclui a resposta encontrada. Também sugestão de se iniciar o
ensino por uma problematização, de modo que um problema seja o ponto de partida da
54
aprendizagem, não o conceito propriamente dito, prática esta ainda pouco comum nas aulas de
matemática. A respeito do desenvolvimento das capacidades matemáticas, destaca-se a
importância de variar os tipos de problemas e incentivar os estudantes a desenvolverem
soluções variadas para o mesmo problema, como também é importante proporcionar
atividades de grupo, nas quais eles possam contar com a ajuda do outro, interagindo
professor/estudante e estudante/estudante.
Vale reforçar a ideia de que as múltiplas possibilidades e estratégias de solução de um
problema matemático, agregadas à subjetividade de cada resolvedor, retratam a interpretação
hermenêutica de cada estudante. É exatamente essa interpretação que favorece as conexões
entre os saberes matemáticos e auxilia no desenvolvimento das competências matemáticas,
promovendo a efetiva aprendizagem.
Mediante essa interpretação referente ao processo de resolução de um problema
matemático, apresentam-se essas ideias na forma de gráfico (Figura 4) para melhor explicitar
esse processo.
Heurística: etapas
que conduzem à
solução
Características de
problema:
desejo, desafio e
pluralidade
Ponto de
partida:
problematização
Fonte: Elaboração da autora.
Figura 4 – Síntese das relevâncias do processo de resolução de um problema matemático.
Resolução
de
Problema
Matemático
Ideia de rede:
conexões de
saberes
Centralidade:
no processo
Tipos de
problemas:
variados
Contar com
ajuda:
interação
Estratégias:
soluções
variadas para o
mesmo problema
55
É importante destacar que a figura, foi elaborada pela pesquisadora, segundo uma lógica
rizomática, em que as oito sínteses nela configuradas se apresentam interligadas e
centralizadas no processo de resolução de um problema matemático. No decorrer desse
processo ocorrem movimentos circulares e/ou rizomáticos, desenhando uma malha de
saberes, o que impulsiona à ampliação e apropriação dos significados dos conceitos
matemáticos, produzindo aprendizagem-desenvolvimento não somente no âmbito dessa
disciplina.
Faz-se necessário, após as abordagens apresentadas a respeito do processo de resolução
do problema matemático, analisar algumas peculiaridades sobre a importância da interação
entre sujeitos, além de pesquisar a relevância da teoria interacionista proposta pelos
estudiosos do tema em questão.
2.2 Alguns aspectos relevantes sobre a teoria histórico-cultural
O aporte teórico que embasa esta pesquisa, como explicitado anteriormente, é a teoria
histórico-cultural, por estar fundamentada na interação social. As interações entre pares são
destacadas na pesquisa porque, ao analisar minha prática pedagógica como educadora
matemática, proponho-me estudar as situações que ocorrem a partir das interações entre
professor/estudante e entre estudante/estudante em situações didáticas reais de sala de aula no
processo de resolução de problemas matemáticos, otimizadoras do aprendizado e do
desenvolvimento. Assim, apresentam-se algumas contribuições vigotskianas referentes à
aprendizagem e ao desenvolvimento no contexto escolar, zonas de desenvolvimento e
formação de conceitos.
2.2.1 Aprendizagem e desenvolvimento no contexto escolar
Segundo Vigotski, a aprendizagem e o desenvolvimento estão interligados e são
interdependentes, ainda que constituam conceitos distintos. Destaca que a aprendizagem das
crianças inicia bem antes do seu ingresso na escola. A criança traz uma bagagem de vida
56
(familiar, cultural, ambiente social, histórica) e muitas experiências que constituem parte
significativa de seu aprendizado, o que deve ser considerado na escola. Exemplificando, “as
crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma
experiência com quantidade _ tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração
[...]”. (1998, p. 110). Pelas experiências vividas no seu dia a dia, ao interagir com pessoas,
objetos, símbolos e situações do cotidiano, a criança vai formando conceitos espontâneos, que
utiliza, inicialmente, de forma natural, através da fala, do diálogo, de imitações, das atividades
que pratica. mais tarde, com os conceitos científicos que vai conhecendo na escola, é que
se apropria conscientemente dos conceitos aprendidos.
Vigotski apresenta algumas considerações relevantes para essa análise:
[...] o aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente
organizado resulta em desenvolvimento mental e e em movimento vários
processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer.
Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e
especificamente humanas (1998, p. 118).
Assim, é fundamental compreender o conceito de indissociação da aprendizagem e do
desenvolvimento, pois não levar isso em consideração traz consequências muito sérias à
prática pedagógica. Uma delas é que a aprendizagem se torna um processo de aquisição de
conhecimento linear e não progressivo, muito diferente do que se denomina “ensino em
espiral”, em que aprender promove desenvolvimento mental e, assim, proporciona-se
aprendizagem, gerando, então, um movimento espiralado.
Para discutir a formação de conceitos matemáticos promovendo aprendizagem-
desenvolvimento no contexto escolar, segundo Miguel (2010), é necessário levar em
consideração três aspectos fundamentais norteadores do fazer pedagógico: contextualização,
historização e enredamento. Sobre o primeiro e o segundo aspectos, cabe destacar
semelhanças à teoria histórico-cultural. Quando os saberes escolares são trabalhados de forma
contextualizada, consideram-se e valorizam-se as experiências trazidas pelos estudantes, sua
bagagem de vida; também se respeita sua cultura e, assim, promove-se sua participação
através de suas vivências, pois, para Vigotski, “o aprendizado das crianças começa muito
antes de elas freqüentarem a escola. Qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança
se defronta na escola tem sempre uma história prévia”. (1998, p. 110). Ocorre, dessa forma,
57
uma verdadeira interação com o processo de formação de novos conceitos, que se constrói de
forma realmente significativa. Isso também acontece quando se trata a aprendizagem como
um processo em formação, uma história que está se construindo, pois o estudante participa
como protagonista da história, contribuindo com suas experiências e aprendendo com o
processo.
O terceiro aspecto justifica-se pela necessidade de relacionar os conteúdos entre si
com outros conteúdos e com outras disciplinas. Os próprios Parâmetros Curriculares
Nacionais sugerem a importância desse entrelaçamento dos conteúdos. Na atualidade, sendo
exemplo da preocupação que se deve ter em organizar os conteúdos em redes de significados,
ou seja, os saberes escolares precisam estar interligados, contextualizados, não fragmentados.
Dessa forma, aprendizagem e desenvolvimento no contexto escolar, na perspectiva
vigotskiana, exigem um pensar pedagógico no qual educador é um promotor do processo
ensino-aprendizagem, propondo e orientando atividades pedagógicas que proporcionem ao
estudante o exercício de sua capacidade de resolver problemas e a formação de novos
conceitos, alicerçados nas interações que ocorrem no ambiente escolar.
Essa mudança de olhar, descentralizando o papel do professor, conduz a que o
estudante seja mais agente e menos espectador no seu processo de ensino-aprendizagem.
Contudo, isso se consolidará na prática pedagógica quando os grupos de professores tiverem
consciência da necessidade dessa mudança. Ao se optar por essa nova perspectiva de
educação, encontram-se as melhores alternativas para superar as dificuldades. Nesse sentido,
é de grande importância a formação contínua dos professores, por meio de estudos de
atualização e do contato com significativas teorias sobre ensino-aprendizagem.
As abordagens apresentadas sobre aprendizagem e desenvolvimento no contexto
escolar provocam reflexões sobre atividades pedagógicas alicerçadas nas interações que
ocorrem no ambiente escolar, tornando, assim, necessário investigar sobre as zonas de
desenvolvimento estudadas e apresentadas por Vigotski e seus seguidores.
2.2.2 Zona de desenvolvimento proximal
Na definição de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), Vigotski (1998) considera
desenvolvimento potencial aquilo que o sujeito poderá construir com auxílio, pois ainda
precisa de orientação, e desenvolvimento real, como aquilo que já foi construído, está
58
consolidado pelo indivíduo, aquilo que ele é capaz de fazer por si só. O autor destaca
também a importância dos dois níveis de desenvolvimento na criança, apresentando como um
aspecto fundamental em sua teoria a necessidade da interferência do outro nesse processo,
como um agente que possibilita mudanças no desenvolvimento do sujeito.
Oliveira esclarece que Vigotski, em seus estudos, aborda a ZDP como o “caminho que
o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento
e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real
(1999, p. 60). Segue assinalando que “aquilo que uma criança é capaz de fazer com a ajuda de
alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã” (1999, p. 60). Vigotski ainda esclarece
que
a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da
criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não
somente ao que foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo
que está em processo de maturação (1998, p. 113).
Assim, a ZDP é, numa mesma situação de aprendizagem, a distância existente entre a
capacidade do indivíduo de resolver um problema sem necessitar de ajuda e o momento em
que ainda necessita da colaboração de outro. Trata-se, então, do ponto intermediário do
processo de desenvolvimento.
Carrara, a respeito, expõe:
Podem-se ilustrar essas etapas, estabelecendo-se a relação com o esquema abaixo.
Desenvolvimento em espiral: a criança traz à tona suas potencialidades, a partir de
estímulos externos e da motivação.
59
•O traço contínuo representa aquilo que acriança é capaz de fazer por si só (NDR);
•O tracejado, por sua vez, representa uma determinada tarefa que a criança é capaz
de realizar, desde que mediada e estimulada adequadamente (ZDP);
•O ziguezague representa, nesse momento do desenvolvimento, algo que a criança é
incapaz de fazer, mesmo com auxílio de outrem.
Após essa ilustração, é importante que se visualize o que acontecerá com essa
figura, a partir do momento em que a criança já construiu o seu conhecimento,
mediada pelo grupo e/ou educador:
Note que, o que anteriormente caracterizou-se por ZDP passa a integrar o NDR,
demonstrando que houve aprendizado e que a criança está pronta para avançar mais
uma etapa. E, assim, sucessivamente em todas as fases de seu desenvolvimento, em
todas as áreas do conhecimento (2008, p. 2).
Baseando-se na perspectiva vigotskiana a respeito da ZDP, fica clara a importância da
interferência do outro (colegas e professores) no processo ensino-aprendizagem, pois é
exatamente na zona de desenvolvimento proximal que a contribuição do outro se faz mais
necessária. É a partir disso que o estudante que já iniciou o processo de desenvolvimento vai
realmente consolidar sua aprendizagem.
O papel que a escola assume nesse sentido é de promotora de desenvolvimento. Para
isso, deve considerar o vel de desenvolvimento real em que o estudante se encontra no
processo ensino-aprendizagem e, a partir desse ponto, fazer contribuições e interferências,
promovendo o seu desenvolvimento e respeitando seu potencial. Assim se realizando, a
escolarização, portanto, deixa de lado o ensino linear, conteudista, fragmentado, concentrando
seus esforços num processo dinâmico, que envolve o aprender para se desenvolver e o se
desenvolver para aprender. Oliveira, sobre esse aspecto, assinala que “o professor tem o papel
explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços
que não ocorreriam espontaneamente. O único bom ensino, afirma Vygotsky, é aquele que se
adianta ao desenvolvimento”. (1999, p. 62).
Considerando a ideia central da teoria histórico-cultural, de que o aprendizado se
“de fora para dentro”, ou seja, primeiro acontece em nível social-interpessoal e, depois, em
60
nível individual-intrapessoal, fica fácil concluir sobre a importância do fazer pedagógico
baseado em trabalho de grupo, no qual os estudantes podem interagir uns com os outros.
Dessa forma se está proporcionando um momento para que os estudantes que “sabem”
“ensinem” os que ainda “não sabem”. Esse contato direto e autônomo dos estudantes nos
grupos desempenha um importante papel na formação do ser humano, pois, como apontam
Garnier, Bednarz e Ulanovskaya, “trabalhar com várias pessoas permitem também a presença
conjunta de estratégias diversas com as quais um indivíduo sozinho não se confrontaria e leva
o indivíduo a examinar sua proposta de solução em relação a outras”. (1996, p. 42).
Oliveira também defende essa ideia: “É através da relação interpessoal concreta com
outros homens que o indivíduo vai chegar à interiorização das formas culturalmente
estabelecidas de funcionamento psicológico”. (1999, p. 38). Nessa concepção, para se
desenvolver, o outro é necessário.
Faz-se necessário, considerando as abordagens vigotskianas apresentadas, referentes à
zona de desenvolvimento e à importância da interferência do outro no processo ensino-
aprendizagem, investigar sobre os diferentes níveis de desenvolvimento, os estágios, segundo
Vigotski (2000), pelos quais o sujeito passa no processo de formação de conceitos.
2.2.3 Formação de conceitos
Para Vigotski (2000), a ideia norteadora da formação de conceitos está fundamentada
num processo de construção que se a partir da interação do sujeito com o meio em que
vive, estando, assim, diretamente relacionado com a ZDP. Esse processo faz parte do
desenvolvimento cognitivo do indivíduo e acontece nas relações sociais, sobretudo em seus
aspectos histórico-culturais, os quais que disponibilizam ao sujeito uma rede simbólica que
expressa o mundo real, proporcionando, dessa forma, uma leitura mediada da sua realidade.
Segundo o autor, o processo de aprendizagem não ocorre apenas com a ação do indivíduo
sobre o mundo, mas, sobretudo, pelas intervenções realizadas por outros indivíduos, pois é
com essa relação interpessoal que o sujeito internaliza as experiências vividas.
Assim, é indispensável para o desenvolvimento de conceitos que ocorra a
internalização, que é nesse processo que parte das vivências externas que os conceitos são
realmente aprendidos. Cabe lembrar também que não se trata apenas de uma operação de
transferência de uma parte da experiência externa para o âmbito interno, mas que, ao
61
transferir uma informação externa, esta necessariamente passa pela subjetividade do
indivíduo, como uma forma de “reconstrução interna” como muitos estudiosos de Vigotski
apresentam o processo de aprendizagem – e final dessa operação, em que o que é interpessoal
passa a ser intrapessoal.
Aprendizagem e desenvolvimento se complementam à medida que o sujeito interage
com o seu meio sócio-histórico-cultural, apropriando-se de forma gradual de novas
ferramentas de mediação, e a linguagem é um dos principais instrumentos de internalização,
pois, segundo Vigotski, é por meio da fala que se chega ao pensamento. O desenvolvimento
se pela reconstrução interna, uma operação que ocorre no campo psicológico, onde se
desenvolvem funções mais avançadas, as quais se aliam às funções psicológicas tradicionais,
criando uma rede de relações com funções diversas e distintas. Assim, o desenvolvimento de
conceitos ocorre por meio de um movimento que parte do nível social para o nível individual,
e nesse processo que vai da relação interpessoal para a intrapessoal forma-se o conhecimento.
As concepções apresentadas por Vigotski descrevem o processo no qual se dá a
formação de conceitos, relacionando-os com o pensamento e a linguagem. Quando um
conceito é sintetizado em uma palavra, como, por exemplo, uma caneta, abstraem-se desse
objeto também as suas características, dimensões, qualidades, etc. Essa função de
generalização permite a comunicação entre as pessoas. Assim, quando uma pessoa conversa
com outra pessoa referindo-se a uma caneta, não importa se é esferográfica ou hidrográfica, se
é metálica ou de plástico, pois, mesmo que as duas pessoas que estão dialogando tenham em
mente imagens de diferentes canetas, ocorrerá o entendimento. Isso acontece porque no
conceito caneta está preservada, de forma geral, a sua característica essencial, ou seja, não é
necessário visualizar a caneta para que seja objeto do diálogo. Assim, a linguagem é uma das
ferramentas para a aquisição dos conceitos e sua internalização, especialmente na relação e no
diálogo com os outros.
Vigotski também esclarece em sua obra A construção do pensamento e da linguagem
que a formação de conceitos percorre um caminho marcado por etapas específicas. A primeira
é denominada de “sincretismo”, que se refere ao pensamento sincrético, cuja característica
está no agrupamento desordenado de objetos em relação às palavras que servem para nomeá-
los, sem elo entre eles. A segunda etapa, denominada de “pensamento por complexos, difere
da anterior, porque os objetos começam a ser agrupados de acordo com relações que existem
entre eles. Observa-se nesta fase do processo o desenvolvimento de um pensamento coerente
e com menos subjetividade, mas ainda pouco lógico. Nessa construção, o processo passa por
etapas: a primeira é a associação dos objetos em razão de qualquer semelhança, evoluindo-se
62
para associações mais complexas e relacionando um grande número de semelhanças; mais
adiante ocorre a formação de cadeias na forma de elos, tomando posteriormente
características de comunidade. Assim vai ocorrendo até a última das etapas, que é quando o
pensamento está no hall de entrada da formação de conceitos, ou seja, caracteriza-se como um
passo anterior ao da formação do conceito: o “pseudoconceito”.
O método de busca desenvolvido por Vigotski fundamentou a sua teoria sobre a
formação de conceitos e caracteriza-se por oferecer, simultaneamente, ao indivíduo objetos e
palavras. Objetos de diferentes formas, cores, tamanhos e espessuras, nomeados por palavras
que não têm nenhum sentido lógico conceitual e que não possuem nenhuma relação entre si,
são apresentados ao sujeito de forma desordenada. Depois de realizar suas experiências com
crianças, jovens e adultos, Vigotski concluiu que a formação de conceitos se inicia na
infância, mas se fortalece na adolescência, evoluindo conforme o amadurecimento, o que está
diretamente ligado aos conhecimentos adquiridos e ampliados com a intervenção de outros
sujeitos.
Apesar de essa etapa estar muito próxima à formação de conceitos, ainda não ocorreu
a abstração e a ntese. A terceira etapa refere-se ao “pensamento conceitual”, fase do
processo em que acontece a abstração. Nesta, os conceitos, são formados, desenvolvidos e
influenciados tanto por fatos externos como por processos internos, entre os quais a atenção
intencional, a memória, a abstração para comparação e diferenciação, a sistematização e a
simbolização por meio de signos.
Com base nessas análises e nos fatores envolvidos no processo de aprendizagem,
percebe-se que não é possível atribuir à escola toda a responsabilidade pela formação
conceitual de um sujeito. Vigotski sinaliza em sua obra que o papel principal reservado ao
professor, com sua linguagem, é o de assumir a função de mediador no processo, pois são os
próprios estudantes que formam os seus conceitos. Cabe-lhe, pois, instrumentalizar o
estudante, colocando-o em contato com as diversas formas de símbolos, significados e
valores, orientando-o para que se aproprie das informações de forma que, ao internalizá-las,
venha a concretizar o processo de construção conceitual. Faz-se necessário refletir sobre a
função do diálogo na da relação entre sujeitos, em virtude de a pesquisa estar alicerçada nas
interações e, consequentemente, nos diálogos no ambiente escolar.
Nesse sentido, torna-se necessário fazer reflexões e conhecer algumas contribuições de
pesquisas já realizadas referentes à temática em questão.
63
2.3 Contribuições de pesquisas realizadas
O universo de pesquisas realizadas no contexto da educação e, especificamente, na
Educação Matemática é vasto e suas contribuições são as mais variadas possíveis. Aqui se
destacam alguns desses resultados e análises referentes a duas temáticas: interações entre
pares e resolução de problemas.
2.3.1 Pesquisas focalizadas nas interações entre pares
A produção no campo das interações entre pares num ambiente interativo de
aprendizagem, mais especificamente entre professor e estudante e entre estudante e estudante,
ocorrida no contexto escolar, é numerosa e apresenta significativas contribuições para a
qualificação do fazer pedagógico.
Referindo-se às interações entre pares, Bonilla (2005) descreve o atual perfil dos
estudantes, esclarecendo que não gostam da monotonia, muito menos da repetitividade;
portanto, as atividades escolares precisam ser organizadas de forma criativa e interessante,
num processo de interatividade entre professor e estudantes. Com esse fim, algumas pesquisas
enfatizam a importância de se criarem espaços de interação que promovam o aprendizado, por
meio de intervenções e de diálogos entre professor/estudante e entre estudante/estudante.
Nessa perspectiva cita-se a pesquisa de Raupp (2009), intitulada Educação
matemática: processos interativos em situações de jogo no ensino fundamental, com o qual a
autora investigou sua própria prática de docente de matemática do ensino fundamental num
processo de professor-reflexivo, analisando, com base na teoria histórico-cultural, atividades
de aula que retratavam momentos do processo ensino-aprendizagem tendo como recurso o
jogo. A problematização pesquisada foi: “Que modalidades de interação podem ser
proporcionadas pelo jogo, para promover o aprendizado e o desenvolvimento dos
estudantes?”, objetivando analisar as interações ocorridas em situações de jogo e identificar
possíveis mudanças na sua prática pedagógica durante o período de pesquisa. Participaram
das atividades investigadas estudantes de quarta a sexta série do ensino fundamental de uma
escola da rede privada de ensino, da cidade de Passo Fundo/RS. A autora afirma que,
64
além do aspecto cognitivo, os jogos permitiram desenvolver maior autonomia na
execução das tarefas, uma vez que a professora não ficava no centro do processo
intervindo o tempo todo nas jogadas, mas estimulava os estudantes a tomarem suas
próprias decisões e analisarem as consequências de suas ações. Este tipo de atitude
diante da situação proposta permitiu observar que eles ficaram mais atentos e
interessados no que estavam fazendo. O uso de jogos contribuiu também para o
desenvolvimento afetivo nos momentos em que a cooperação e a solidariedade
estiveram presentes; o desenvolvimento moral, ao ser debatida a questão da
honestidade e do respeito às regras, e o desenvolvimento social, em razão das
diversas formas de interações que se estabeleceram entre estudantes e
estudante/professora. Porém, todo e qualquer tipo de desenvolvimento cognitivo,
afetivo, moral ou social é possível mediante interações entre as pessoas (RAUPP,
2009, p. 122).
Os processos interativos propostos por meio do jogo devem ser vistos como algo
importante no fazer pedagógico, pois por trás da forma lúdica do jogo encontra-se um
elemento fundamental da experiência hermenêutica
8
. No jogo o estudante tem um objetivo e
uma meta; assim, para alcançá-los, submete-se voluntariamente às regras, cumprindo-as e
fazendo-as cumprir. No entanto, ressalta-se que o jogo em si, embora não garanta a
compreensão dos conceitos matemáticos, configura-se como elemento catalisador na
compreensão desses, servindo como uma ferramenta auxiliar para a compreensão da
linguagem, para a ampliação e apropriação dos significados dos conceitos.
A pesquisa realizada por Fanizzi (2010), com o título A interação nas aulas de
matemática: um estudo sobre aspectos constitutivos do processo interativo e suas implicações
na aprendizagem, teve como objetivo analisar os componentes presentes nas relações
interativas da sala de aula entre professor e estudantes e entre os próprios estudantes e suas
possíveis implicações na aprendizagem da matemática. O
cenário utilizado para a realização
da pesquisa foi uma escola municipal do município de São Paulo, em que os estudantes
apresentavam um desempenho escolar insatisfatório em matemática. A pesquisadora verificou
uma diversidade de situações em que o processo interativo influenciou na aprendizagem dos
alunos e concluiu que se expressar oralmente nas aulas de matemática nem sempre está
relacionado ao desenvolvimento direto do raciocínio sobre os conceitos e as ideias da área;
ainda assim, a expressão dos conteúdos não matemáticos deve ter a devida valorização na sala
de aula, na medida em que pode significar uma preparação para a discussão sobre as ideias
matemáticas.
8
A experiência hermenêutica, segundo Gadamer, compreendida pela pesquisadora é um movimento de
interpretação. O estudante, ao submeter-se às regras do jogo e às múltiplas variáveis de jogadas, não se limita
à sua leitura (conceitual) do jogo. Nesse sentido, é convidado a ouvir, observar e analisar as jogadas de seu
time e também a dos adversários. Assim, muitas vezes vai se dar conta de que a sua ideia não é a melhor, mas,
sim, a do colega e que juntos podem construir uma estratégia vencedora.
65
2.3.2 Pesquisas focalizadas na resolução de problemas
São muitas as dificuldades que se apresentam no ensino da matemática quando se
objetiva aprendizagem-desenvolvimento. A fama da disciplina e o baixo desempenho
escolar dos estudantes são realidades conhecidas a longo tempo e abrangem variados níveis
sociais. Mas, afinal, por que parece ser tão difícil aprender matemática? Questionamentos
como esse têm gerado grande interesse entre os educadores em estudar possibilidades que
venham a contribuir no processo de aprendizagem da disciplina. Nesse sentido, as pesquisas
sobre matemática, Educação Matemática e suas tendências têm crescido. Atualmente, a
resolução de problemas é uma das tendências em Educação Matemática e tem sido alvo de
grupos de estudos de educadores matemáticos cadastrados no CNPq.
O Grupo de Trabalho e Estudos em Resolução de Problemas (GTERP), da Universidade
Estadual Paulista – Rio Claro/SP, formado em 1992 e coordenado pela professora Dra.
Lourdes de la Rosa Onuchic, tem sido o núcleo gerador dessas pesquisas. O GTERP, segundo
Onuchic
9
(2005), tem desenvolvido inúmeras investigações e produções na linha de resolução
de problemas, objetivando gerar subsídios para o contexto escolar relacionado ao processo de
ensino-aprendizagem em todos os níveis de ensino. Recentemente, o grupo organizou e
realizou o I Seminário em Resolução de Problemas - I SERP, com a temática “Múltiplos
Olhares sobre Resolução de Problemas Convergindo à Aprendizagem”, com o objetivo de
propiciar aos participantes momentos de reflexão e trocas de experiências, compartilhando
diferentes olhares sobre a resolução de problemas e visando atingir efetivamente a sala de
aula.
Tratando-se de estudos que focalizam a resolução de problemas, a pesquisa realizada
por Medeiros (1999) teve como cenário principal os problemas resolvidos por meio de
procedimentos padronizados esperados pelo estudante e pelo professor, aos quais a autora
denominou de “problemas fechados”, e de “problemas abertos” aos que apresentavam
características opostas aqueles. A pesquisa realizou-se numa escola pública de Pernambuco
com o objetivo de observar o funcionamento do contrato didático em duas atividades: uma de
resolução de problemas fechados e outra de resolução de problemas abertos. Os resultados
obtidos indicam mudanças significativas no contrato didático durante a atividade de resolução
9
Algumas dissertações, teses e artigos produzidos pelo GTERP, sob a orientação da coordenadora do grupo,
são: Pironel (2002), Azevedo (2002), Bolzan (2003), Paulette (2003), Pereira (2004), Allevato (2005), Huaman
(2006) e Onuchic e Allevato (2005).
66
de problemas abertos. A autora relata que durante as sessões de problemas abertos o professor
“queria que o aluno se apropriasse do significado do problema, para poder resolvê-lo” e
algumas vezes “queria saber como o aluno chegou à resposta, estando essa busca, relativa ao
modo de o aluno resolver, ausente nas sessões com problemas fechados” (p. 160). Medeiros
ilustra ainda mais essa mudança ao esclarecer que
[...] ao longo das sessões com problemas fechados, o professor sempre enfatizava
que os alunos deviam escrever o problema na linguagem matemática e tentar
analisar que tipo de operação que iriam utilizar em cada problema. Os alunos
perguntavam se era "de mais" ou "de menos". Portanto, parece claro que a busca da
operação "certa" era uma das regras do contrato didático, presentes em cada uma das
sessões. [...]
Nas sessões com os problemas abertos, o professor, em quase todas
elas, tentava realizar a devolução do problema, evitando dar pistas que induzissem a
resposta, como ocorria nas sessões com problemas fechados (p. 159).
Na pesquisa A resolução de problemas através de projetos: possibilidades e
limitações, Souza (2006) desenvolve um estudo centrado no ensino voltado para o
desenvolvimento do pensar, com a resolução de problemas por meio de projetos, tendo como
base a teoria vigotskiana. A pesquisa realizou-se em três escolas públicas, sendo duas da
cidade de Blumenau e uma de Indaial, com a participação de, aproximadamente, 350
estudantes e 10 professores. O objetivo era
identificar a resposta dos estudantes a uma
proposta educacional baseada na atuação com projetos voltados para a resolução de
problemas em diferentes níveis de escolarização. Os resultados obtidos oferecem subsídios
para que os educadores possam trabalhar com o conceito de problema sem sobressaltos, como
vem acontecendo na maioria das escolas. A respeito, a autora esclarece que geralmente na
escola “problema e resolução de problemas são conceitos a princípio utilizados de maneira
equivocada” (p. 20). E amplia seu esclarecimento afirmando que
as questões colocadas para o aluno primam geralmente pelo artificialismo ou a
ingenuidade, pelo excesso de valores numéricos ou pelo contexto em que são
colocadas; são pré-fabricadas e pouco tem a ver com o cotidiano do aluno; seguem
uma sequência linear que induz a resolução; possuem resolução única fora da qual
ocorre “erro”. [...] Neste sentido, eles não podem ser considerados efetivamente
“problemas”, mas sim, meras tarefas a serem repetidas exaustivamente (p. 21).
67
Buscando proporcionar ao acadêmico de matemática, futuro profissional, experiências
de ensino com resolução de problemas e verificar se esta metodologia torna a aprendizagem
da matemática mais significativa para os alunos, Araújo (2010), no estudo Resolução de
problemas: possibilidade de criação de um ambiente propício ao ensino e aprendizagem da
matemática, contribui para a formação do professor com propostas de atividades visando à
melhoria do processo de ensino-aprendizagem. Para o desenvolvimento do trabalho foram
pesquisadas e formuladas atividades baseadas na resolução de problemas, aplicadas a um
grupo de alunos do ensino fundamental. O processo de pesquisa, formulação e aplicação foi
realizado juntamente com acadêmicos de um curso de Matemática, proporcionando ao futuro
professor a vivência de uma prática de ensino experienciada pela resolução de problemas. A
autora esclarece que “o trabalho em torno da resolução de problemas exige mais do professor
do que o esquema tradicional, pois requer preparação das atividades propostas, tendo visto
que deverá enfrentar situações inesperadas em sala de aula” (p. 2). E prossegue afirmando que
a resolução de problemas tem sido indicada como um método ideal para desenvolver o
raciocínio e motivar os alunos para o estudo da matemática. Por esse motivo,
deve ser dada importância à resolução de problemas na formação dos futuros
professores de Matemática. Muitas vezes, apesar de terem tido disciplinas que
abordam a resolução de problemas quando vão para a sala de aula, são mantidas as
concepções do tempo de alunos, no qual nunca tinham resolvido problemas.
Mostram assim que a relação entre a formação inicial e a prática de ensino acaba
sendo reduzida, prevalecendo o modelo anterior quando vão preparar e implementar
uma aula. Portanto é necessário estar consciente que se aprende a resolver
problemas resolvendo problemas e que se transfere para as aulas procedimentos
que são dominados e praticados (p. 4).
Concorda-se com a autora, por se entender que o educador matemático, é um
profissional, que deve ensinar o que traz em sua bagagem cultural, construída pelas inúmeras
experiências vivenciadas desde a infância até a fase em que se encontra atualmente.
A pesquisa Resolução de problemas e pensamento crítico, de Figueiredo e Palhares
(2004), destaca a importância da resolução de problemas aliada ao pensamento crítico nas
aulas de matemática. O trabalho de investigação teve como objetivo geral averiguar a
existência de relação entre a capacidade de resolução de problemas de processo
10
e a
10
“Problemas de Processo são, tal como refere Fernandes (1989), ‘problemas não rotineiros’, ou seja, não existe
um processo mecânico ou estandardizado, que o aluno possa utilizar para encontrar a solução. Os Problemas de
Processo são todos aqueles em que o aluno chega à solução utilizando uma ou mais que uma estratégia de
resolução. Estas podem ser, fazer um desenho, uma tabela, usar a dedução lógica, descobrir um padrão, etc. Ou
68
capacidade de pensamento crítico
11
em estudantes do sexto ano de escolaridade. Os dois
temas contemplados na pesquisa têm sido objeto de muito interesse de investigação na
educação nos últimos anos. O crescimento acelerado das tecnologias, a quantidade
impressionante de informações e a necessidade de lidar com as mais diversas situações do dia
a dia, de modo a conviver de forma racional, crítica e ética, respeitando os princípios de
cidadania, sugerem questionamentos e reflexões, como o de se saber qual é o papel da escola
como formadora de cidadãos em meio a essa realidade tecnicista.
Diante desse questionamento, é desnecessário justificar a importância de se promover
um ensino que habilite os estudantes a serem atuantes na realidade. Baseando-se nessas
considerações, a pesquisa relata que o pensamento crítico assume um papel determinante na
resolução de muitos problemas enfrenta no dia a dia pelas pessoas. Diante dessa realidade, os
autores inferem que
[...] a importância do desenvolvimento da capacidade de Resolução de Problemas e
da capacidade de Pensamento Crítico nos alunos advém da necessidade de preparar
estes alunos para uma diversidade de funções e responsabilidades que a sociedade
lhes exige, dado que esta se encontra em constante mudança, onde, o que hoje é
amanhã, poderá deixar de o ser. É, pois, preciso dotar os alunos de um conjunto de
estruturas que lhes sejam úteis por toda a sua vida, independentemente da profissão
ou atividade que venham a exercer (FIGUEIREDO; PALHARES, 2004, p. 2).
Assim, com base nos autores citados, o objetivo primeiro, e talvez o mais singular, do
ensino da matemática deveria ser o de possibilitar aos estudantes o desenvolvimento de suas
capacidades de pensamento, ou seja, a capacidade de resolução de problemas, juntamente com
a capacidade de pensamento crítico. A sociedade atual necessita de indivíduos que saibam
resolver problemas e enfrentar os desafios. Nesse sentido, nas aulas de matemática os
estudantes devem, além de adquirir conhecimentos científicos, desenvolver a capacidade de
pensamento crítico ao resolver problemas matemáticos, essencial para que possam lidar de
seja, o aluno terá que estruturar o seu pensamento tendo em conta os dados do problema e o que se pretende
saber, traçando posteriormente um plano de resolução, para esse problema. Neste estudo, o conceito de
Problemas de Processo é entendido como sendo todos aqueles problemas que requerem o uso de estratégias de
resolução, estratégias estas que podem ser: identificação de um padrão, uso de dedução lógica, etc,”
(FIGUEIREDO; PALHARES, 2004, p. 8).
11
“Apesar de serem inúmeras as definições de Pensamento Crítico, que foram surgindo com o passar dos anos,
aquela que foi adotada neste estudo, foi a proposta de Ennis. Segundo este autor, ‘o Pensamento Crítico é um
processo, cujo objetivo é tomar decisões racionais acerca do que acreditar e do que fazer’ (Ennis, 1996, p. 17).
Ou seja, para o autor, o Pensamento Crítico é uma actividade reflexiva que tem como meta uma crença ou a
uma ação racional e sensata” (FIGUEIREDO; PALHARES, 2004, p. 7).
69
forma eficaz com os novos conhecimentos adquiridos. Como resposta às exigências do
mundo atual, compete aos educadores matemáticos ensinar os estudantes “a pensar e a usar as
suas próprias capacidades para refletirem e tomarem decisões, consciente e autonomamente”
(p. 3) e evidenciar “a necessidade urgente de intervir ao nível da sala de aula, construindo
para isso atividades que desenvolvam o pensamento crítico e que ajudem o aluno
simultaneamente a resolver problemas”. (p. 4).
Sobre esse contexto é possível questionar: Que
competências/capacidades/conhecimentos/conteúdos estão sendo trabalhados e desenvolvidos
nas aulas de matemática? E quais estão sendo esquecidos? Os educadores não podem ficar à
margem dessa reflexão. Sem a intenção de esgotar as análises, mas de buscar refletir sobre
esse assunto, os autores apontam a pertinência de se trabalhar no ambiente didático de
matemática entrelaçando as duas vertentes, resolução de problemas de processo/pensamento
crítico, a fim de preparar o estudante para questionar, refletir, transformar, mudar a sociedade,
enfim, prepará-lo para a vida adulta. Os resultados obtidos na pesquisa apontam para a
validação dessa convergência, destacando a importância no processo de ensino-aprendizagem
de atividades centradas no desenvolvimento de capacidade de pensar, que se faz presente na
resolução dos problemas de processo, pelas características que apresenta. Tais características
já foram enunciadas no item 3.1.2 e, segundo os autores, ajudam a tecer esse diálogo,
classificando-o como um verdadeiro problema matemático. Também valida o trabalho o
desenvolvimento nas aulas do pensamento crítico, que, segundo Kurfiss, citado pelos autores,
é uma forma de resolução de problemas, mas com uma importante diferença: “o Pensamento
Crítico envolve raciocínio acerca de problemas abertos ou pouco estruturados, enquanto que a
resolução de problemas é normalmente considerada uma forma mais restrita” (p. 3). Logo,
presume-se que seria muito importante propor no fazer matemático diário atividades que se
valham das características de um verdadeiro problema e, paralelamente, desenvolver nos
estudantes a sua capacidade de pensamento crítico.
No contexto apresentado na pesquisa, compreende-se que se, de fato, existe o desejo
de desenvolver nos estudantes a capacidade de pensar criticamente, os educadores
matemáticos devem lhes proporcionar situações que enfatizem obstáculos, dilemas e
dissonâncias a partir de problemas matemáticos, os quais devem esforçar para resolvê-los.
Dessa forma, estarão praticando na sala de aula o que na pesquisa foi nomeado como
“pensamento crítico”, ou seja, estará se desenvolvendo a capacidade de pensamento que lhes
permite decidir sobre o que fazer ou em que acreditar. Com esse pressuposto, a educação
assume dois papéis indispensáveis: o de ensinar conteúdos e o de proporcionar o
70
desenvolvimento de capacidades do pensar. Com certeza, ambas serão úteis ao longo da vida
dos indivíduos.
Neste item apresentou-se uma síntese da contribuição de algumas pesquisas referentes à
temática resolução de problemas. É possível obter as mais variadas abordagens e pesquisas
sobre o tema na bibliografia
12
específica sobre educação e em Educação Matemática.
A fim de fundamentar a futura análise dos cinco episódios selecionados no processo de
resolução de problemas durante as aulas de matemática na modalidade de interação,
destacam-se neste capítulo como referência os autores Brito (2006), Dante (2003), Figueiredo
e Palhares (2004), Garnier, Bednarz e Ulanovskaya (1996), Medeiros (2001), Oliveira (1999),
Parra e Saiz (1996), Pereira (2007), Polya (1995), Pozo (1998), Toledo (2006), Vianna (2008)
e Vigotski (1998 e 2000). É necessário conhecer algumas contribuições teóricas de
diferentesestudiosos da temática para, assim, conduzir a ponderações e reflexões da pesquisa.
12
Com o objetivo de exemplificar essa variada bibliografia, apresenta-se o livro Educação Matemática:
pesquisa em movimento, que traz as pesquisas produzidas e em produção pelos professores pesquisadores do
Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista, e o livro Solução
de problemas e a matemática escolar, composto por trabalhos desenvolvidos por integrantes do grupo de
pesquisa em Psicologia da Educação Matemática (ANPEPP).
71
3 PROBLEMAS MATEMÁTICOS: ANÁLISE DO PROCESSO DE RESOLUÇÃO
Neste capítulo analisa-se o processo de resolução de problemas matemáticos ocorrido
a partir das interações do ambiente escolar entre professor/estudante e entre
estudante/estudante. São situações vivenciadas nas aulas de matemática com os estudantes de
série do ensino fundamental no período de setembro a novembro de 2009, nas quais a
pesquisadora foi a própria professora. O material que apoiou a análise compreende as
gravações das aulas em vídeo, as gravações em áudio e, respectivamente, as transcrições das
aulas gravadas, as memórias da docente, assim como seu diário de classe, os planos de aula e
a produção escrita dos estudantes durante as atividades foco desta pesquisa.
A análise privilegia o processo de solução ocorrido durante as atividades de resolução
realizadas em pequenos grupos e individualmente, seguidas de momentos coletivos para a
correção dessas, destacando variáveis didáticas potencializadoras do aprendizado e do
desenvolvimento matemático.
A fim de organizar o material para análise reuniram-se as atividades propostas em
episódios, extraídos das gravações em vídeo e áudio, das quais foi transcrito um total de
sessenta episódios
13
. Desses, foram selecionados cinco para análise, por evidenciarem
aspectos relevantes ao foco da pesquisa, bem como por favorecerem a potencialização do
aprendizado e desenvolvimento dos estudantes pelo viés da educação matemática. Neles estão
presentes os principais conteúdos programáticos curriculares que essa etapa do ano letivo
privilegia e os dois tipos de problemas que fazem parte do fazer pedagógico da professora,
neste trabalho denominados de “curriculares e “extracurriculares. Alguns desses episódios
apresentam mais de uma sequência
14
. Nas sequências analisadas foram mantidas as
transcrições literais, apresentando-se apenas as partes que se revelam importantes para o
objeto de pesquisa. Preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, seus nomes foram
substituídos por nomes fictícios. Para auxiliar na análise, localizando melhor os trechos de
diálogo, os turnos
15
foram enumerados e foi utilizada uma simbologia (Figura 5),
organizando-se os dados apresentados.
13
Entende-se por episódio “um conjunto de atividades e discussões que têm por objetivo a aprendizagem de um
determinado conhecimento por parte significativa dos alunos”. (ANDREOLLA, 2003, p. 48).
14
Episódios menores.
72
Símbolo Significado
[...] Parte da sequência omitida
(...) Parte da sequência inaudível
... Pausa - curto espaço de tempo sem falas
( ) Explicações acrescentadas à transcrição para melhor
esclarecimento dos detalhes da situação
Estudantes
Quando for a voz de mais de um estudante
Profª Quando for a voz da professora de Matemática
Figura 5 – Simbologia para as sequências transcritas
Os cinco episódios analisados nesta pesquisa seguem os critérios da simbologia
descrita. Faz-se necessário, antes de analisá-los, destacar a estrutura escolar em que se apoiam
os planos de aulas e os objetivos da disciplina.
A professora, objetivando desenvolver o Plano de Estudos da série, organizado pela
área de Matemática e constante no Projeto Político-Pedagógico da escola, organizou os planos
de aulas com base nas exigências curriculares que a estrutura escolar prevê para esse período
letivo. Diante dessa realidade, procedeu-se a um recorte no Plano de Estudo de Matemática, a
fim de apresentar o objetivo geral da disciplina e a lista dos principais conteúdos
desenvolvidos durante as atividades no período de coleta das informações.
PLANO DE ESTUDO
IDENTIFICAÇÃO
1. Escola: Colégio São José.
2. Área de Estudo/Disciplina: Matemática.
3. Professora/série: Magda Cristina Santin Hübner - 6ª série.
OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA
O ensino da matemática tem por objetivo proporcionar situações significativas que
promovam o pensamento lógico, a formulação e resolução de situações-problema, a
relação de ideias, a formação de conceitos e procedimentos, o comunicar-se
matematicamente, considerando que os conceitos matemáticos são necessários para
tornar o estudante um cidadão ativo, crítico e autônomo na sociedade na qual está
inserido.
QUADRO GERAL DOS CONTEÚDOS
3º trimestre
Equação:
- Equação do 1º grau com uma incógnita e duas incógnitas.
- Inequação do 1º grau com uma incógnita.
- Introdução de sistemas de duas equações do 1º grau com duas incógnitas.
Proporcionalidade:
- Razão e proporção.
15
Entende-se por turno aquilo que um indivíduo faz e diz, na vez de falar. Cada turno é um passo dado por um e
outro falante na evolução do processo conversacional (HILGERT, 2010, p. 9), ou seja, falas dos sujeitos da
pesquisa num determinado momento transcritas literalmente.
73
- Grandezas diretamente e inversamente proporcionais.
- Regra de três simples.
Medida de tempo.
Medidas de volume e capacidade:
- Unidade padrão
- Múltiplos e submúltiplos.
- Transformação de unidades
Ângulos:
- Tipos de ângulos.
- Traçado de ângulos.
- Uso do transferidor.
- Medida de ângulos e operações.
- Construção de gráfico de setores.
Resolução de problemas:
- Problemas que envolvam e enfatizem os conteúdos trabalhados.
- Problemas que priorizam raciocínio lógico.
- Problemas diversos que interligam os saberes matemáticos acumulados
16
.
Obs.: Esses conteúdos serão desenvolvidos durante cinco períodos semanais. A
sequência dos conteúdos é flexível, podendo ser alterada no decorrer do ano
(COLÉGIO SÃO JOSÉ, 2009).
As atividades desenvolvidas, das quais algumas são focos de análise nesta pesquisa,
abordam noções matemáticas inerentes aos conteúdos apresentados no quadro geral. É nesse
contexto que se apoiaram as atividades de resolução de problemas matemáticos realizadas no
cotidiano escolar pelos sujeitos da pesquisa e que geraram os cinco episódios em análise.
Com o fim de ter um fio condutor para a análise dos cinco episódios selecionados,
organizaram-se eixos temáticos: um contemplando aspectos relevantes da heurística da
resolução do problema matemático; outro relacionado às peculiaridades do processo de
resolução conforme mencionado na metodologia. Para identificar as variáveis didáticas
potencializadoras do aprendizado, o eixo temático relacionado à heurística da resolução do
problema contempla a relevância da compreensão do problema da organização do plano de
estratégias de ação da execução e da verificação do plano de ação, apoiando-se nas
contribuições dos autores apresentadas no capítulo anterior. Por na vez, o eixo relacionado às
peculiaridades do processo de resolução contempla a relevância das características do
problema e da metodologia utilizada pelo docente, fundamentando-se nas ponderações
destacadas pelos autores mencionadas anteriormente.
16
Esse item foi incluído no plano de estudos a partir do ano de 2008, por sugestão da pesquisadora, porque, em
sua participação no mestrado, realizou estudos sobre a temática de resolução de problemas matemáticos. Tais
estudos influenciaram diretamente no seu fazer pedagógico, dos quais se destacam principalmente as
contribuições da obra Como as crianças pensam e aprendem: os contextos sociais do desenvolvimento
cognitivo, do pesquisador David Wood, e também as disponibilizadas no livro didático Tudo é matemática, de
Luiz Roberto Dante, tanto no manual pedagógico do professor como as descritas no texto da obra.
74
Na análise dos episódios, os aspectos relevantes aos eixos temáticos não serão
necessariamente apresentados de forma linear, ou seja, numa ordem preestabelecida e pontual
mas, sim, poderão se apresentar entrelaçados entre si, em razão das particularidades em
análise. Paralelamente a esses contempla-se a importância das interações ocorridas entre
professor/estudante e entre estudante/estudante, por ser nessa modalidade que as atividades de
resolução de problemas foram desenvolvidas.
A fim de realizar a técnica de triangulação de dados, destacada por Triviños (1987)
como importante para no processo de análise, por contemplar aspectos de diversos setores e
conceber, assim, um melhor estudo do objeto em estudo, a análise dos cinco episódios
selecionados apoia-se nas sequências destacadas em cada um, assim como nos diversos
materiais coletados apresentados na metodologia, conforme se descreve na sequência.
3.1 Episódio 1 – Procurando idades
Neste episódio, inicialmente, a professora destacou a importância de os estudantes
discutirem no grupo as diferentes possibilidades de solução para os problemas matemáticos e
informou-os de que, após o trabalho em grupo, haveria um segundo momento, no qual cada
pequeno grupo apresentaria ao grande grupo o que pensara e produzira para solucionar os
problemas. Destacou que o objetivo da atividade era, com o trabalho em grupo, incentivar o
debate, as trocas de informações e estratégias para solucionar o problema, para que os
estudantes pudessem auxiliar uns aos outros e solicitar ajuda quando fosse preciso, além de
fixar conteúdos recentemente aprendidos.
Nessa ocasião, os estudantes tinham se apropriado do conceito de equação e
realizavam exercícios de fixação envolvendo cálculos sobre equação de grau equações
com uma incógnita, como também já haviam resolvido alguns problemas de abordagem
inicial, num nível de dificuldade simples, referentes ao conteúdo.
Cada estudante recebeu uma folha de ofício com seis problemas (Anexo A), retirados
do livro didático de Matemática de Silveira e Marques (2008). Para este estudo selecionou-se
um deles, que deu origem ao episódio em análise.
75
Problema 1: A idade do pai é o triplo da idade de seu filho. Qual é a idade de cada
um, sabendo que juntos eles têm 60 anos?
O problema envolve o conteúdo de equação de grau com uma incógnita,
contemplando aspectos trabalhados em aula, favorecendo a fixação do conteúdo
recentemente desenvolvido, sendo, por isso denominado nesta pesquisa de problema
curricular. Segundo Medeiros (2001), é classificado como um problema fechado, por se
apresentar no final do conteúdo, para fixar os assuntos que acabaram de ser estudados. Dessa
forma, este tipo de problema adquire aspecto de exercício, como esclarece Pozo (1998), pois
os estudantes geralmente se utilizam de mecanismos que levam à solução de forma imediata.
Apresentam-se a seguir a atividade proposta aos estudantes e aspectos norteadores do
plano de aula da professora.
Objetivos principais da atividade: revisar e fixar o conteúdo de equação de 1º grau, até
então desenvolvido.
Objetivo do problema: identificar a idade do pai e do filho.
Local e disposição dos estudantes: no Laboratório de Matemática, em grupos de três e
quatro estudantes, distribuídos em mesas redondas.
Recursos: folha de atividades, na qual está apresentado o problema 1 e material
escolar diário.
Estratégias de resolução previstas para os estudantes: representação do problema em
linguagem matemática algébrica, cálculos e solução da equação e revisão do processo
de resolução para verificação da solução encontrada.
Saberes anteriores a serem mobilizados: espera-se que os estudantes utilizem os
conhecimentos já aprendidos, referentes principalmente ao conteúdo de equações de
grau, estudado recentemente nas aulas.
Observa-se, na sequência a seguir, que, mesmo sendo classificado, segundo os autores,
como “problema fechado”, com características de exercício de fixação, a interação entre os
três estudantes foi importante para o processo de elaboração e organização de idéias e,
consequentemente, para a solução do problema. Constata-se que a resposta não foi encontrada
de forma imediata. Foi no momento das discussões e elaborações de hipóteses, nas interações
ocorridas entre eles, que eles chegaram à forma de resolução do problema. Neste episódio
destacou-se uma sequência por sua importância no objeto de pesquisa.
76
Primeira sequência
1. Profª: Vamos lá, turma, discutir as ideias no grupo.
[...]
2. Estudantes: (O grupo lê mais de um vez o problema).
3. Gabriel: (lê novamente devagar, raciocinando junto) Oh, é bem fácil, é trinta
(leem parte do problema), mas olha só 20 + 20 + 20, vai dá 60.
4. João: Calma, concentração, então o pai tem 40? 20 vezes 3, da quanto? 60.
5. Lucas: Lê de novo.
6. Gabriel: Ah, faz uma equação.
7. Estudantes: Verdade! Faz, faz uma equação.
8. Lucas: Oh, o triplo da idade de seu filho é 3 x.
9. Estudantes: É! 20. Então é a idade do pai, é 20!
10. Lucas: Não, ... não, é do filho, que é 15.
11. Gabriel: Não, o filho tem 15, e ... não, pera aí, ..., não é o filho, não é,
vocês boiam, boiam (risos)
[...]
12. Lucas: Olha, cara! Vamo lá, vamo. A idade do pai é igual ao triplo, então
é três x ... mais x.
13. Estudantes: Ah! É, ... tá certo. O Lucas tá mais esperto.
14. Lucas: Então é 60 dividido por 4, igual a ?
15. Gabriel: Ah! Eu falei que era 15.
16. João: Não, eu falei que era 15! Aaaaaaaaaa....
17. Gabriel: O filho tem 15 e o pai 25.
18. Lucas: Não, o pai é 45.
19. Gabriel: Ah é! É! (...)
20. Estudantes: (Os estudantes desenvolveram no caderno a equação e conversando
apresentaram a resposta). Então, o filho tem 15 anos e o pai 45 anos.
603
=
+
xx
604
=
x
460
÷
=
x
15
=
x
Então: o filho
15
=
x
e o pai, o triplo,
451533
=
×
=
x
Resposta: O filho tem 15 anos e o pai tem 45 anos.
Na análise desta sequência destacam-se relevâncias relacionadas à heurística da
resolução do problema. Com relação aos aspectos importantes à
compreensão do problema
,
observa-se que os estudantes não a obtiveram imediatamente, pois fica evidente no início do
diálogo a dificuldade de entenderem e identificarem a estrutura do problema. Depois de
muitas elaborações, eles iniciaram a tradução do problema reescrevendo-o da linguagem
77
corrente para a linguagem simbólica; assim, organizaram uma sentença matemática, no caso,
uma equação. Conforme se observa nos turnos 2, 3 e 5, os estudantes tiveram necessidade de
ler mais de uma vez o problema; então, lendo e relendo o enunciado, foram abstraindo dados
relevantes e organizando suas análises para encontrar-lhe a solução. A respeito, Smole destaca
que “é necessário voltar muitas vezes ao texto a fim de lidar com os dados e analisá-los,
selecionando os que são relevantes e descartando aqueles supérfluos”. (2001, p. 107).
Verifica-se que a cada nova leitura os estudantes identificavam aspectos importantes e,
com base nesses, iam entendendo o enunciado e equacionando a situação. Essa articulação,
como destaca Smole, é potencializadora na organização de estratégias de solução. A respeito
dessa articulação, assistindo à gravação da sua prática docente referente a essa sequência,
como sugere a autoscopia, observou-se que se constitui no interesse e empenho do estudante
em desafiar-se diante das dificuldades geradas para a compreensão do problema. Entende-se
que, como o interesse dos estudantes para resolver o problema estava aguçado, eles
procederam a várias leituras, a fim de definir estratégias para solução.
Constata-se no turno 12, no momento em que a estrutura do problema foi
compreendida efetivamente, que os estudantes definiram a equação e, na sequência,
rapidamente utilizaram conhecimentos já adquiridos sobre equação de 1º grau e encontraram a
solução. Percebe-se que as estratégias elaboradas como um plano de ação para a resolução do
problema foram surgindo naturalmente, seguindo as contribuições indicadas pelo membros do
grupo.
No diálogo transparece a autonomia do estudante Lucas, que, independentemente das
contribuições dos colegas, vai desenvolvendo seu raciocínio e verbalizando ideias,
provocando em seus colegas novas elaborações. É perceptível a importante participação do
estudante nos turnos 8, 10, 12, 14 e 18, nos quais visualizam suas contribuições ao auxiliar
significativamente os colegas de grupo no processo de internalização dos conceitos
matemáticos. Assim, os membros do grupo, acompanhando o raciocínio de Lucas, procuraram
desenvolvê-lo em seu caderno, tornando-se, visível a influência do colega nas elaborações
desses. Observa-se também que os estudantes facilmente compreenderam as contribuições do
colega e foram reorganizando-as, chegando à equação matemática. Tanto é assim que eles
percebem a importância das contribuições de Lucas e expressam esse sentimento: “[...] O
Lucas tá mais esperto” (turno 13).
Essa situação promoveu uma importante mudança nas estratégias de resolução do
problema pelos estudantes do grupo, que se apropriaram do processo operatório realizado por
Lucas. Torna-se visível na descrição dessa sequência que, em virtude da interação do menino
78
com seus colegas, ocorreu um movimento interno, o que promoveu o desenvolvimento
desses. Por meio das trocas, os membros do grupo, inicialmente, observaram o colega que
demonstrava ser mais experiente e, gradativamente, foram resolvendo sozinhos o problema.
Segundo Vigotski (1998), esse processo se caracteriza pela reconstrução interna de uma
operação externa” (p.74), o que chama de “internalização”. O autor esclarece que essa
reconstrução implica uma série de transformações.
a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e
começa a ocorrer internamente. [...] b) Um processo interpessoal é transformado
num processo intrapessoal.[...] c) A transformação de um processo interpessoal
num
processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos
ao
longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a
mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes
de internalizar-se definitivamente (p. 75).
Percebe-se também que as intervenções de Lucas assumiram naturalmente uma
posição de destaque no processo interativo. Tudge esclarece que a interação com um
parceiro mais competente tem-se mostrado eficiente na indução do desenvolvimento
cognitivo”. (1996, p. 154). Sublinhando essa concepção, o autor também apresenta a
contribuição de Vygotsky, que em relação às interações entre pares afirma que “trabalhar com
um parceiro mais competente pode promover o desenvolvimento da criança menos
competente” (p. 154). Em relação às abordagens destacadas por Tudge, compreende-se que,
trabalhando no processo de resolução de um problema em parceria com colegas mais
“competentes”, pode-
se desenvolver melhor o aprendizado, situação perceptível no
episódio descrito e protagonizado pelo estudante Lucas com os demais colegas do grupo.
Verifica-se que, mesmo já tendo estudado o conteúdo de equação de 1º grau, os
estudantes não identificaram recursos imediatos para a solução, como se observa na busca
realizada por eles por alternativas corretas para organizar um plano de ação. Exemplificando,
no turno 4, a hipótese para a idade do pai era de 40 anos, ao passo que no turno 9 já era de 20
anos e, no turno 16, de 25 anos. Smole destaca que “é considerado como problema toda
situação que permite alguma problematização. Essas situações podem ser atividades
planejadas, jogos, busca e seleção de informações, resolução de problemas não convencionais
e mesmo convencionais
17
, desde que permitam o processo investigativo”. (2001, p. 90).
17
Tais problemas aparecem sempre depois da apresentação de um conteúdo, o qual exatamente deve ser aplicado
na resolução dos problemas (SMOLE, 2001, p. 99).
79
Assim, na sequência observa-se que, mesmo que o problema se concretize como
convencional, pode suscitar investigação, questionamento, problematização, assumindo
algumas características de “verdadeiro problema”, conforme as elaborações que se constroem;
assim, pode promover nos estudantes uma ampliação dos significados dos conceitos nele
presentes.
Nota-se que os estudantes organizaram e executaram uma única estratégia em busca de
solucionar o problema e, concluindo o processo de resolução, escreveram a resposta
encontrada, como mostra o turno 20. Dessa forma, demonstraram estar tão convictos da
solução encontrada que passaram diretamente para a escrita da resposta, ou seja, em nenhum
momento duvidaram do resultado, nem cogitaram explicitamente, de analisar a solução
obtida. Essa atitude demonstra a certeza dos estudantes sobre seu desempenho em relação à
atividade. De fato, como se trata de um problema de pouca complexidade, os estudantes
puderam proceder de forma rápida à validação da solução.
A esse respeito, contamos com as ideias de Polya (1995), que alerta sobre a
importância de se verificar o resultado encontrado sempre que possível, pois essa atitude
propicia a depuração e a abstração da solução do problema. Depuração explica-se no sentido
de se verificar o caminho utilizado no processo de resolução, objetivando simplificá-lo e até
mesmo buscar outras maneiras de solução, as quais podem ser matematicamente mais
“elegantes”. Quando à abstração, é no sentido de identificar a essência do problema e da
estratégia de resolução para poder utilizá-la em outros problemas, semelhantes ou não.
Segundo Polya (1995), o processo de análise de cada situação e abstração dos
elementos necessários para estabelecer o plano de estratégias de ação potencializa o
aprendizado da matemática. Com base nessas considerações, infere-se que, quando o
problema tratar de grandes complexidades, uma revisão sistemática torna-se indispensável; no
entanto, deve ser adotada para todos os tipos de problemas, de diferentes complexidades, em
razão de sua validade no processo de aprendizagem.
Referindo-se às peculiaridades do processo de resolução, a problemática que gerou
esse episódio, denominada nesta pesquisa de “problema curricular, apresenta ligação direta
com os conteúdos trabalhados no momento e faz parte de uma lista com seis problemas, todos
com as mesmas características. Assim, no processo de resolução desse problema ocorre a
aplicação repetitiva de semelhantes estratégias. Nesse sentido, Wood (2003) sublinha a
importância do papel do educador, que não deve em todas as atividades de resolução de
problemas utilizar as mesmas estratégias, pois, se assim ocorre, os estudantes aplicam
mecânica e rapidamente as regras decoradas. Assim, a repetição de um mesmo
80
procedimento matemático, ao contrário de promover aprendizagem, “acaba por ‘cegar’ o
pensador para abordagens alternativas (e melhores)” (p. 258).
Em relação à abordagem feita pelo autor, é possível fazer reflexões e questionamentos.
O educador matemático tem conhecimento dessas variáveis didáticas potencializadoras da
aprendizagem e do desenvolvimento dos estudantes? Se a resposta for afirmativa, utiliza-se
delas no seu fazer pedagógico, diversificando as modalidades e usufruindo beneficamente de
cada uma delas? Caso a resposta seja negativa, disponibiliza-se a adquirir novos saberes, por
exemplo, por meio da formação continuada?
Constata-se que foi organizado para realização dessa atividade um ambiente diferente
daquele de sala de aula. Assim em grupos, nas mesas redondas do Laboratório de Matemática,
bem motivados, os estudantes puderam realizar as tarefas com dedicação e de forma
colaborativa. Assim, “a motivação, nesse caso, o desejo de conseguir soluções em conjunto ou
em grupo para os problemas, é vista como altamente relevante”. (TUDGE, 1996, p. 164).
Observou-se nessa atividade os estudantes empenhados durante sua realização, num processo
colaborativo. Referentemente à relevância da aprendizagem, o autor também contribui
informando que “estudos sobre grupos de aprendizagem cooperativa concluíram que as
crianças agrupadas tiveram um aproveitamento significativamente melhor do que as crianças
que realizaram estudos individuais” (p. 164).
Como a atividade foi proposta em grupo, objetivando que pelo do trabalho coletivo os
estudantes pudessem auxiliar uns aos outros, construindo juntos planos de ação para
resolução, a professora, ao planejá-la, não considerou a possibilidade de alguns grupos de
estudantes necessitarem de mais tempo para realização de suas trocas e busca de estratégias
para solução do problema. Assim, assistindo à gravação em vídeo, observou que, ao iniciar o
segundo momento da aula, em que cada grupo iria apresentar suas produções ao grande
grupo, um grupo de quatro membros ainda não havia finalizado suas produções. A esse
respeito, Garnier, Bednarz e Ulanovskaya elucidam que um “tempo muito curto não permite
que se desenvolva uma interação efetiva: períodos de ‘latência’ são necessários para a
assimilação por parte de um parceiro das proposições e argumentos de outros” (1996, p.43-
44) e esclarecem que “a situação é ainda mais complexa, quando o grupo é de três ou quatro
alunos” (p. 44). Para minimizar essa situação, seria importante que a professora, ao planejar
suas atividades, considerasse a necessidade de maior tempo de interação entre os estudantes
dos grupos, para que todos pudessem fazer suas trocas e desenvolver suas estratégias de
solução. Partindo do princípio de que os grupos de estudantes podem ser heterogêneos, torna-
81
se necessário delimitar um período de tempo suficiente para que todos os grupos possam
desenvolver suas interações.
O objetivo central da aula era fixar o conteúdo recentemente desenvolvido, referente à
equação de grau, o que se avalia como atingido. É perceptível que durante o processo de
resolução os estudantes mobilizaram conhecimentos matemáticos aprendidos, não somente
os relacionados ao conteúdo de equação, assim como os seus conhecimentos aritméticos
acumulados. Quanto às estratégias de resolução previstas, focalizavam a escrita da sentença
com linguagem simbólica, cálculos, solução e revisão do resultado encontrado. Avalia-se que
as metas foram concretizadas efetivamente, inclusive a revisão do resultado encontrado, pois
os estudantes realizaram-na de forma implícita, que espontaneamente validaram a solução.
Eles mobilizaram os conhecimentos estudados recentemente sobre equação de grau, tais
como noções gerais sobre o conceito, operações inversas e ideia de equilíbrio. Pôde-se
observar que, durante o processo de resolução dos outros cinco problemas propostos na
mesma folha de atividade (Anexo A), eles não apresentaram dificuldades significativas para
transcrevê-los da linguagem corrente para a linguagem matemática, nem para desenvolver a
solução. Apoiando-se na aprendizagem construída no estudo de equações e também
provenientes das elaborações organizadas no processo de resolução do problema em questão,
os estudantes, habilmente, nos outros cinco problemas matematizaram os enunciados,
organizaram e resolveram as seguintes equações:
3604
=
+
xx
715
=
+
+
xx
742)5(2
=
+
+
xx
785
=
+
xx
504)3(2)2(2
=
+
+
+
+
xxx
Baseando-se nessas considerações, entende-se que o processo de resolução do
problema matemático que gerou o episódio em análise proporcionou aprendizagem a partir
das relevâncias que nele se fizeram presentes, apoiando, inclusive, as novas resoluções.
A seguir, baseando-se nos eixos temáticos norteadores anteriormente mencionados,
apresenta-se o segundo episódio em análise.
82
3.2 Episódio 2 – Números consecutivos
Neste episódio a professora iniciou a atividade com uma breve revisão sobre equação,
conteúdo que os estudantes estavam trabalhando em várias aulas, durante as quais eles
participaram ativamente, contribuindo com várias ideias. No decorrer dessa retomada a
professora apresentou dicas que auxiliam a comunicação matemática por meio da linguagem
algébrica, assim como para equacionar e resolver os problemas, tais como:
- Leia com atenção a situação dada, verificando o que se conhece e o que se vai
determinar.
- Represente um valor desconhecido por uma letra.
- Escreva uma equação envolvendo essa letra, seguindo as informações da situação.
- Resolva a equação, obtendo o valor da letra.
- Faça a verificação, conferindo a solução encontrada.
- Avalie a existência de outras maneiras de resolver o problema.
Também sugeriu aos estudantes que, inicialmente, resolvessem os problemas usando
recursos simples, ou seja, sem usar equações e, num segundo momento, desafiaram-se a usar
a linguagem algébrica utilizando-se de equação.
Os estudantes já tinham se apropriado do conceito, faziam exercícios e resolviam
problemas que envolvem equação, porém nas atividades anteriores em sala de aula ainda não
tinha sido exigido o nível de abordagem solicitada nesses problemas. A opção por esses
problemas, retirados de um livro didático tradicional, deveu-se exatamente para proporcionar-
lhes momentos de desafio, de modo a utilizarem seus conhecimentos iniciais de equação e
aprofundarem suas elaborações. Por esse motivo, optou-se pelo trabalho em grupo, por se
acreditar que o desafio, o diálogo e as trocas nos grupos seriam variáveis importantes na
construção e apropriação dos significados dos novos conceitos. Dessa forma, o objetivo da
atividade era, com o trabalho em grupo, incentivar o debate e as trocas de informações.
Também se objetivava desenvolver estratégias para solucionar o problema por meio da
linguagem simbólica, levando-os elaborar sentenças matemáticas que expressassem igualdade
e ampliando os conhecimentos até então aprendidos de equação.
Cada estudante recebeu uma folha de ofício com quatro problemas (Anexo B),
retirados do livro didático de Matemática de Giovanni e Castrucci (2007). Para este estudo
selecionou-se um deles, que deu origem ao episódio em análise:
83
Problema 2: A soma de três números inteiros e consecutivos é igual a 54. Quais são
esses números?
O problema envolve o conteúdo de equação de grau com uma incógnita,
contemplando alguns aspectos ainda não estudados em aula e favorecendo a ampliação do
conteúdo recentemente desenvolvido. Por isso, é denominado nesta pesquisa de problema
curricular.
O problema é classificado por Dante (1989) como heurístico, ou problema-processo,
por requerer dos estudantes a montagem de estratégias, permitindo atitudes de iniciativa e
espírito explorador como ferramentas básicas para a sua solução. Dessa forma, adquire
aspecto de um problema matemático, por propor desafios e obstáculos no processo de
resolução, e também de exercício, por estar atrelado parcialmente ao conteúdo recentemente
estudado.
Apresentam-se a seguir aspectos norteadores do plano de aula da professora.
Objetivos principais da atividade: ampliar o conhecimento de equação do grau,
interpretando mensagens matemáticas de linguagem corrente, apresentadas nos
problemas. Transcrevê-las para linguagem simbólica de sentenças abertas de
igualdades, as equações, e resolvê-las.
Objetivo do problema: identificar os números desconhecidos.
Local e disposição dos estudantes: na sala de aula, em grupos de dois e três
estudantes, distribuídos em suas mesas de trabalho, voltadas umas para as outras.
Recursos: folha de atividades, na qual estão apresentados o problema 2 e material
escolar diário.
Estratégias de resolução previstas para os estudantes: interpretação do problema;
organização da equação; utilização da linguagem matemática escrita - equação;
desenvolvimento de cálculos e revisão do processo resolução, verificando-se a solução
encontrada.
Saberes anteriores a serem mobilizados: espera-se que os estudantes utilizem os
conteúdos e conhecimentos já aprendidos sobre equação de grau nas aulas
anteriores.
O episódio aqui analisado reproduz partes dos diálogos realizados entre os grupos de
estudantes durante o processo de resolução do problema 2. Deste episódio foram destacadas
84
três sequências pela importância que representam para o objeto de pesquisa. Segue a primeira
delas, que apresenta um recorte do diálogo entre três estudantes.
Primeira sequência
1. Jéssica: Bom, coloca (...), nós estamos progredindo, x é igual a 54, pera
x+x+x+1 = 54.
2. Marcelo: Calma aí, Jéssica! Agora tem que botar 2 + 1. Olha 54 dividir por 3,
(...) não vai ficar?
3. Gustavo: Vai dá o quê? 51 ou 54?
4. Jéssica: Tu vai dividir por 3 depois, 18 depois +1, é porque cada x (...).
5. Marcelo: Tá certo, vou colocar direto a resposta, depois vou ver com a profe.
6. Estudantes: certo! (risos) agora descobri né, é 17, 18 e 19 (risos). Profe vem
aqui. Tá certo?
7. Profª: Vocês resolveram? (espaço de tempo) O resultado fecha com a ideia?
(espaço de tempo). São 3 números consecutivos? (espaço de tempo) Vocês
escreveram 17, 18 e 19. Ok! Ótimo. Como chegaram a essa resposta? (espaço de
tempo) outra maneira de chegar à resposta? (espaço de tempo) Agora, um
desafio para essa galera ... como resolver o problema usando equação?
8. Marcelo: Profe! Usando letras?
9. Profª: Isso! ... Que bom que já sabem o resultado, usem esse resultado para orientar
as ideias, certo! Bom trabalho! Se precisarem é só falar, o “pronto-socorro” vem
rapidinho! (risos)
Na análise dessa sequência destacam-se aspectos relevantes à compreensão do
problema. Observa-se que os estudantes se esforçaram para identificar dados relevantes
(turnos 1, 2, 3 e 4) em busca de estratégias para a solução; compreenderam a estrutura e
identificaram os conhecimentos inerentes ao problema. No entanto, não conseguiram traduzir
a linguagem corrente para a linguagem simbólica algébrica, ou seja, não formularam a
equação. Apenas se visualiza uma tentativa ingênua (turno 4) de início de uma expressão
algébrica, que, contudo, não foi estruturada; Contudo, isso não impediu os estudantes de
chegarem à resposta certa do problema. A solução foi desenvolvida colaborativamente, de
forma aritmética e não algébrica, conforme havia sido proposta. Assim, os estudantes
entenderam que a atividade estava concluída e correta e solicitaram a presença da professora
(turno 6) apenas para se certificar da veracidade da resposta. Essa solicitação viabilizou à
professora um momento importante para desafiar os estudantes (turno 7), por meio de
questionamentos, a formularem uma equação que representasse a estrutura do problema e
permitisse a busca da solução algebricamente, foco principal da atividade proposta.
85
Transparece no turno 7 a importância da participação efetiva do educador nas
interações, cuja intervenção proporcionou um importante diálogo entre ele e os estudantes.
Quando (turno 7) questiona se há outras maneiras de chegar à resposta e desafia os estudantes
a trilharem o caminho algébrico, demonstra a importância da aquisição de conceitos
científicos, os quais se relacionam com os objetivos da atividade proposta. Nesse diálogo está
presente a importância de encontrar a resposta correta, assim como de descobrir diferentes
formas de solução. Como aponta Smole, “a resposta correta é tão importante quanto a ênfase a
ser dada ao processo de resolução, permitindo o aparecimento de diferentes soluções,
comparando-as entre si [...]”, e prossegue esclarecendo que “enfrentar e resolver uma
situação-problema não significa apenas a compreensão do que é exigido, a aplicação das
técnicas ou fórmulas adequadas e a obtenção da resposta correta, mas, além disso, uma atitude
de ‘investigação científica’ em relação àquilo que esta pronto” (2001, p. 92).
Fica claro, então, o valor da interação do profissional para o estudante avançar na
investigação de novos caminhos para a solução do problema, respeitado numa linha crescente
de elaborações. Conforme Bruner, é importante “estabelecer uma compreensão intuitiva da
matéria, antes de expormos os alunos a métodos mais tradicionais e formais de dedução e
prova” (1976, p. 54). Entende-se que as considerações de Bruner ilustram o ocorrido nessa
sequência, visto que, no momento em que os estudantes, de forma natural, sem se utilizar de
recursos algébricos, resolvem o problema, estão, de certa forma, organizando intuitivamente
seus saberes para, num segundo momento, incentivados pela professora, formalizar seus
conhecimentos. É esse um processo fundamental para que os estudantes avancem nos
conhecimentos matemáticos rumo aos conceitos científicos.
Destacando a importância do papel do professor especificamente no contexto da
linguagem matemática, Nacarato e Lopes contribuem informando que
é na interface das duas formas de linguagem (a corrente e a matemática) ou dessas
diferentes orientações que se manifestam na aula de Matemática que o professor
atua para enfrentar conflitos no uso das linguagens, da comunicação e da
construção de conceitos matemáticos (2005, p. 123).
A ideia destacada pelos autores ilustra que a tarefa do professor de proporcionar o
desenvolvimento da linguagem matemática aos estudantes, no caso em estudo, sobre a
86
linguagem algébrica, não é um processo que ocorre sem obstáculos. Daí a importância do
trabalho colaborativo da professora juntos aos grupos de trabalho.
Baseando-se nessa análise, entende-se que a professora cumpriu o seu papel no
processo interativo, instigando os estudantes a se desafiarem à procura da linguagem formal
da matemática. De fato, eles se sentiram desafiados e sua curiosidade foi aguçada em busca de
novos caminhos, contemplando dessa forma o aprofundamento do conteúdo em questão e
potencializando a aprendizagem. A respeito, Grando e Marasini afirmam que
os processos educativos que privilegiam a interação, tanto entre professores e
estudantes como entre os próprios estudantes, potencializam o aprendizado. Por sua
vez, o aprendizado forma uma unidade com o desenvolvimento, ou seja, possibilita
que sejam veiculados diversos conhecimentos, que vão se agregar aos significados,
de conceitos anteriormente apropriados, gerando uma nova síntese (2008, p. 15).
Concorda-se com os autores que as interações podem potencializar o aprendizado.
Ilustrando a afirmação de Grando e Marasini, destaca-se que os estudantes deste e de outros
grupos foram, gradativamente, formalizando a escrita simbólica na linguagem algébrica, em
forma de equação, e posteriormente acabaram encontrando a solução correta do problema,
utilizando-se de recursos algébricos. Partindo da solução apresentada de forma natural para
elaborações e escritas formais, o aprendizado foi se aprimorando, saindo de conceitos
espontâneos rumo aos conceitos científicos. Isso é endossado e ampliado por Antunes, quando
ao afirmar que, no papel do professor,
[...] cabe destacar sua responsabilidade em relação aos elementos específicos do
conteúdo do programa que está trabalhando em última análise o professor não vai
intervir na ZDP do aluno apenas para fazê-lo pensar e aprender, mas para pensar e
aprender fundamentos e elementos da disciplina que trabalha, na série em que a
trabalha (2002, p. 34).
Nesse sentido, entende-se que o profissional tem a responsabilidade de proporcionar o
estudo e o desenvolvimento minucioso dos elementos que envolvem o conjunto dos
conteúdos programáticos previstos para série em questão. Expressar-se algebricamente está
previsto no currículo matemático da a série em estudo; portanto, é de responsabilidade do
87
profissional proporcionar atividades que objetivem o desenvolvimento e a ampliação da
linguagem matemática.
Baseando-se no que foi exposto, quando o educador pretende desenvolver e enriquecer
as habilidades matemáticas dos estudantes nos domínios algébricos, na dinâmica de resolução
de problemas, as interações ocorridas entre a professora e estudantes favorecem a
potencialização do aprendizado dos estudantes.
A seguir apresenta-se a segunda sequência destacada no episódio em análise.
Segunda sequência
A segunda situação que mereceu destaque aconteceu em outro grupo, composto por
quatro meninas, no momento em que se desafiavam a formular uma equação que representaria
a estrutura do problema. Elas leram todo o enunciado do problema várias vezes e outras vezes
parte dele procurando seu entendimento; fizeram diversas tentativas e, ao testar os resultados
encontrados, perceberam que não era a resposta certa. Então, chamaram a professora,
solicitando ajuda. A professora sugeriu que traçassem um segmento de reta numérica e, a
partir do desenho, observassem os números e seus consecutivos. Ela permaneceu junto ao
grupo enquanto cada estudante realizava a tarefa sugerida no seu caderno. Nesta primeira
etapa as estudantes traçaram o segmento de reta com os seus números ordenados, conforme
mostra a Figura 6.
Figura 6
Segmento de reta numérica.
A professora seguiu sua interlocução com as estudantes, destacada na sequência a
seguir:
1. Profª: Muito bem! E agora, ... como seria a representação de qualquer número, na
reta numérica, obedecendo a uma sequência de números desconhecidos?
2. Joana: (Pensa e conversa com as colegas do grupo) É x que representa um número
qualquer.
3. Profª: Ótimo Joana, um número é x ... e os outros números? São 3 números
consecutivos! Como podemos escrever o segundo e o terceiro número, a partir
dessa ideia?
4. Estudantes: (Conversas entre elas)
88
5. Joana: (Com ar de dúvida diz, olhando para reta numérica desenhada no caderno)
Um número é o maior e o outro é o menor ...
6. Profª: Isso, Joana! E ...
(silêncio)
7. Joana: Um na frente ... e um atrás.
8. Profª: Então?
9. Joana: Só um pouco ... um x ... outro menos 1 e ... o outro mais um.
10. Profª: Ótimo, Joana! Isso mesmo! É isso aí!
11. Estudantes: Siiiiiiiiiiiiim. É isso, agora sim. Valeu, Joana!
12. Joana: (Nesse momento a Joana sorri, em sinal de satisfação e mostra o caderno
para a professora) Profe, é assim!?
(a Figura 7 mostra as elaborações realizadas pela estudante Joana durante as
interações ocorridas com a professora).
Figura 7 – Elaborações a partir da reta numérica.
13. Profª: Parabéns, Joana! Exatamente assim!
[...]
14. Profª: Beleza, meninas! Testem agora o resultado ... verifiquem a resposta final.
(Nesse momento as estudantes formulam corretamente a equação no caderno,
resolvem e verificam que a resposta encontrada está correta).
Na análise desta sequência, visualizando a heurística da resolução do problema,
constatam-se relevâncias sobre a compreensão do problema. Observa-se que as estudantes
apresentaram dificuldade para formular a equação e necessitaram de ajuda da professora para
estruturar essa elaboração. É perceptível que os questionamentos da educadora (turnos 1 e 3) e
a sugestão dada de que representassem geometricamente, por meio da reta numérica, a ideia
central do problema proporcionaram às estudantes diferentes reflexões e o desenvolvimento
de suas habilidades matemáticas no âmbito algébrico, na dinâmica do processo de resolução,
objetivo principal da atividade. A respeito, Pires (2000) apresenta uma lista de necessidades
centrais a todos os estudantes do ensino fundamental, dos quais dois são observados nessa
sequência: conseguir a resolver problemas matemáticos e aprender a se comunicar
matematicamente. Dessa forma, nota-se a importância das peculiaridades desse diálogo, que
contemplam efetivamente as duas premissas do ensino de matemática. A primeira baseia-se
89
na construção pelas estudantes a partir da representação geométrica da equação, da resolução
e solução correta encontrada para o problema, demonstrada a seguir:
Equação
(
)
(
)
5411
=
+
+
+
xxx
Desenvolvimento
5411
=
+
+
+
xxx
543
=
x
354
÷
=
x
18
=
x
Então,
18
=
x
,
(
)
191
=
+
x
e
(
)
171
=
x
Solução: Os três números consecutivos são 17, 18 e 19.
A segunda, manifestada na Figura 7, demonstra claramente a aprendizagem das
estudantes na comunicação matemática escrita, neste acaso, algebricamente.
Considerando que o objetivo principal da aula era ampliar o conhecimento de equação
do grau, expressando simbolicamente os dados dos problemas e resolvendo-os
algebricamente, avalia-se que foi atingido. Considera-se para sua validação que as estudantes
resolveram corretamente o problema por meio de linguagem algébrica e se apoiaram nas
elaborações e no aprendizado adquirido nesse processo para organizar o plano de estratégias
de ação nos demais problemas apresentados na mesma proposta de atividade (Anexo B).
No entanto, para a estudante Joana o significado dessa atividade parece estar além das
especificidades matemáticas. Quando a estudante sorriu com satisfação (turno 12), deixou
transparecer sua alegria por ser a promotora das elaborações e das ideias construídas. Portanto
transparece a sua satisfação por ser líder do processo de aprendizagem. Pires amplia esse ideia
enfatizando que
a recompensa de um problema resolvido não é apenas sua solução, mas a satisfação
do aluno em resolvê-lo por seus próprios meios. É a imagem que ele pode ter de si
mesmo, como alguém capaz de resolver problemas, de fazer Matemática, de
aprender. A imagem de si diante da Matemática, do saber escolar, do mundo adulto,
do futuro (2000, p. 65).
O exposto pela autora reforça as contribuições já mencionadas sobre os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998), que enfatizam a centralidade da resolução do problema não
exclusivamente na resposta, mas também, com igual atenção, nos aspectos relevantes do
processo de resolução.
A voz da Joana destaca-se no diálogo com a professora, assumindo um papel relevante
no processo de interação. As demais estudantes do grupo acompanharam atentamente esse
diálogo e, em com conversas paralelas entre si, procuraram fazer as mesmas elaborações que
90
Joana ao interagir com a professora. Fica, assim, visível a influência de Joana na ação das
colegas do grupo, que não apresentaram dificuldades em compreender as ideias que a colega
ia construindo e, paralelamente, também iam organizando suas elaborações e formulando seus
novos conceitos. A partir dessa situação, aconteceu uma significativa mudança no
comportamento das estudantes quanto à solução do problema, pois eles iam internalizando as
elaborações construídas por Joana. Ilustrativamente, no turno 11 “Siiiiiiiiiiiiim. É isso, agora
sim”, faz-se nítida a síntese da mudança de comportamento ocorrida durante a internalização.
Na descrição desta sequência revela-se o processo de internalização, que, segundo
Vigotski, consiste numa série de transformações, pelas quais “um processo interpessoal é
transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança
aparecem duas vezes: primeiro, no vel social, e, depois, no nível individual; primeiro entre
pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)” (1998, p. 75).
Assistindo à gravação da sua prática docente referente a essa sequência, como sugere a
autoscopia, a professora fez análises e teceu comentários. Analisando as interações ocorridas
entre professor/estudante num processo reflexivo, observou que o diálogo com as estudantes
tornou-se uma conversa restrita a ela e a Joana, não favorecendo as demais colegas como
sujeitos do processo de interação. Para minimizar essa situação, a professora poderia, entre as
contribuições apresentadas por Joana, registradas nos turnos dessa sequência, ter dirigido
questionamentos às demais estudantes do grupo, solicitando que respondessem às questões;
assim agindo, possibilitaria a explicitação de contribuições de mais estudantes, as quais
poderiam ser as mesmas, ou outras de igual validade para a solução do problema.
Terceira seqüência
Esta sequência é produto da segunda parte da atividade proposta sobre o problema em
questão. Após o trabalho em grupos, os estudantes voltaram aos seus lugares e iniciou-se o
segundo momento do trabalho. De forma coletiva, eles apresentaram para o grande grupo as
soluções encontradas, trabalhando coletivamente, ou seja, estudantes e a professora. O
objetivo deste segundo momento era que todos interagissem, apresentando suas hipóteses,
acrescentando possibilidades e, também, revendo as soluções encontradas, se não estivessem
corretas.
91
Nesse momento utilizava-se a oralidade dos estudantes e também o quadro para
expressar as soluções encontradas. Quando se solicitou aos estudantes a solução algébrica do
problema, dois apresentaram sugestões diferentes, como mostra o recorte da descrição da
terceira sequência.
1. Gabrieli: (escreve no quadro) (x) (x+1) (x+2)
2. Francisco: (sugeriu falando e escrevendo no quadro) (x+1) + (x-1) + x
[...]
3. Estudantes: (os colegas ficaram rindo da sugestão do Francisco que nesse
momento, fica constrangido, de cabeça baixa). Da onde isso, não pode. (risos)
Nada a vê.
Na análise dessa sequência observam-se aspectos relevantes quanto às diferentes
possibilidades de solução do mesmo problema, baseando-se nas duas estratégias planejadas
pelos estudantes (turnos 1 e 2).
No momento em que a situação descrita na sequência ocorreu, a professora solicitou-
se a atenção e a ajuda dos estudantes e resolveram-se no quadro as duas sugestões com a
participação da turma.
Sugestão de Gabrieli Sugestão de Francisco
(
)
(
)
(
)
5421
=
+
+
+
+
xxx
5421
=
+
+
+
+
xxx
5433
=
+
x
3543
=
x
513
=
x
351
÷
=
x
17
=
x
Então:
(
)
17
=
x
(
)
181171
=
+
=
+
x
(
)
192172
=
+
=
+
x
(
)
(
)
5411
=
+
+
+
xxx
5411
=
+
+
+
xxx
543
=
x
354
÷
=
x
18
=
x
Então:
(
)
18
=
x
(
)
191181
=
+
=
+
x
(
)
171181
=
=
x
Conforme o desenvolvimento acontecia, os estudantes iam percebendo que as duas
alternativas estavam certas (conversas paralelas), e no rosto de Francisco abriu-se um sorriso.
A educadora, durante a sua fala, salientou as várias possibilidades de solução, a riqueza e a
importância dessa variedade no processo de ensino quando se objetiva uma aprendizagem-
desenvolvimento. Aqui se destaca a importância de, nesse momento, dar oportunidade ao
estudante de expor, de apresentar suas ideias, repensar sua produção e, consequentemente,
fazer novas elaborações a partir dessa interação coletiva.
Antunes aponta que o professor, na verdade, ajuda o estudante na tarefa de construção,
“intermedia a relação entre o aluno e o saber, mas é uma ajuda essencial, imprescindível, pois
92
é graças a ela que o aluno, partindo de suas possibilidades, pode progredir na direção das
finalidades educativas”. [...] “Dessa forma, o aluno vai construindo sua aprendizagem não
porque possui determinados conhecimentos, mas porque existe a figura do professor e é
exatamente na dimensão dessa figura e na estrutura dessa ajuda é que entram as explicações
de Vygotsky sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal” (1998, p. 22).
Recorrendo às contribuições vigotskianas, ao analisar essa sequência destacam-se a
intervenção do adulto, no caso, da professora, as interações com os colegas, mediadas pelo
diálogo durante o desenvolvimento no quadro, e as duas sugestões apresentadas por Francisco
e Gabrieli como determinantes no processo de aprendizagem e desenvolvimento. No
momento em que os estudantes percebem que as duas alternativas estão corretas,
compreendem a estratégia do Francisco e reorganizam as elaborações feitas inicialmente; logo
vivenciam nesse momento interações que constituem a zona de desenvolvimento proximal.
Segundo Vigotski, “a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro
imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não
somente ao que foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em
processo de maturação”. (1998, p. 113). O autor esclarece que a zona de desenvolvimento
proximal hoje será real amanhã. Exemplificando, as elaborações em que os estudantes
precisaram do auxílio da professora, descritas nessa sequência, poderão ser realizados por eles
sozinhos em momentos futuros. Esse comentário reforça o valor de se apresentarem várias
vezes atividades do mesmo nível, proporcionando diferentes oportunidades para que ocorra o
processo de desenvolvimento.
Analisando essa sequência na perspectiva vigotskiana, referindo-se à zona de
desenvolvimento proximal, fica evidente a importância da interferência do outro (colegas e
professores) no processo ensino-aprendizagem, pois é exatamente nesse que a contribuição do
outro se faz necessária. É desse modo que o estudante que iniciou o processo de
desenvolvimento vai realmente consolidar sua aprendizagem.
Referindo-se às peculiaridade do processo de resolução, o problema que gerou esse
episódio, sobre o qual foram selecionadas três sequências, denomina-se nessa pesquisa de
“problema curricular, por se apresentar ligado ao conteúdo desenvolvido no momento, num
perfil de fixação/ampliação. É classificado por Smole como problema convencional, por
“estar ligado a um conteúdo específico” (2001, p. 106), e por Pereira (2007) na categoria dos
problemas de revisão e aprofundamento, por suscitar revisão de conhecimentos estudados,
no caso os de equação, com ampliação desses e outros conhecimentos.
93
Observando-se as três sequências apresentadas e os demais materiais que apoiam a
análise, é possível constatar que o problema promoveu nos estudantes da turma o desejo de
resolvê-lo; houve o desafio em relação às dificuldades inerentes à situação e várias
possibilidades de solução. Baseando-se nessa constatação, infere-se que o problema
caracterizou-se para esses estudantes como um “verdadeiro” problema matemático, por
apresentar o trinômio desejo-desfio-pluralidade (Figura 1), síntese das características
destacadas pelos autores que dialogaram sobre o tema, classificando-o como um “problema
matemático”.
As contribuições a seguir, de diferentes autores, retomam as três principais
características de um problema matemático. Em relação ao desejo, Polya (1995) afirma que é
fundamental ter interesse em resolver, estimular no estudante o pensar e despertar-lhe
curiosidade, pois, assim, “gozará o triunfo da descoberta” (p. 5). Em relação ao desafio, Pozo
(1998) endossa que o resolvedor precisa se encontrar em dificuldades, que exijam dele
questionar-se sobre qual estratégia precisa utilizar para alcançar a meta, a solução correta,
impulsionando-o na aprendizagem. Em relação à terceira característica, a pluralidade de
possibilidades, Vianna (2008) esclarece que, de acordo com a compreensão de cada estudante,
organiza-se uma variedade de estratégias que perpassam a subjetividade de cada resolvedor,
enunciando-se uma interpretação hermenêutica, o que gera múltiplas possibilidades de ação.
Percebe-se que nas três sequências apresentam-se formas diferentes de resolução do
mesmo problema, pois em cada uma os estudantes formularam diferentes hipóteses, ou seja,
organizaram diferentes planos de estratégias de ação, mobilizando diversos conhecimentos.
Essa situação é destacada e valorizada por Wood (2003), que esclarece os benefícios de se
dispor de várias estratégias para resolver o mesmo problema:
Obter a mesma resposta por mais de um meio inspira confiança na validade de cada
estratégia empregada. A comparação e o contraste de estratégias com base em
fatores como facilidade de execução, elegância e generalização também ajudam a
promover reflexão matemáticas e a oferecer um meio de inibir a aplicação cega de
regras à estrutura superficial dos problemas (p. 259).
As abordagens apresentadas pelo autor reportam-se à terceira característica
apresentada anteriormente de um problema matemático, que são as relevâncias da
interpretação hermenêutica. A validade disso está no fato de cada estudante, em razão da
complexidade dos aspectos subjetivos presentes em cada sujeito, construir estratégias
94
diferentes para a mesma situação e socializá-las posteriormente. Verifica-se essa situação no
decorrer da primeira e da segunda parte da atividade proposta, quando cada grupo de
estudantes elaborou suas alternativas de solução de acordo com a interpretação de cada um e
as apresentou para o grande grupo num segundo momento.
Segundo Wood, é comum nas salas de aula japonesas “grupos pequenos de crianças
trabalham juntas na solução de problemas e, depois, cada grupo apresenta para toda a classe
sua própria solução e faça comentários sobre as soluções dos outros” (2003, p. 259). Esse
fazer pedagógico é um método potencializador do aprendizado do estudante em matemática.
Ainda, o autor contribui esclarecendo que, “numa perspectiva vygotskiana, isso ajuda a trazer
a reflexão matemática e os processos de auto-regulação e avaliação para o ‘plano social’,
proporcionando, assim, oportunidade para que as crianças aprendam como suas próprias
atividades” (p. 259). Novamente, portanto, as abordagens endossam a potencialização da
aprendizagem.
Baseando-se nessa análise, entende-se que as características que o problema apresenta
para os estudantes são o desejo, as dificuldades e as múltiplas interpretações, variáveis que
diferenciam a potencialização do aprendizado matemático.
A seguir, baseando-se nos eixos temáticos norteadores anteriormente mencionados,
apresenta-se o terceiro episódio para análise.
3.3 Episódio 3 – A viagem de estudos
Este episódio iniciou com um diálogo entre a professora e os estudantes sobre a
viagem de estudos que haviam realizado, parte do projeto “Vivências e Saberes”, promovido
na escola anualmente e cujo objetivo é proporcionar aos estudantes e educadores, através de
viagens, a vivência em diferentes lugares, visando à formação social, cultural e ambiental. Os
estudantes viajaram no dia 21/10/09, acompanhados por três professores da escola, para a
Serra Gaúcha, onde participaram de uma intensa programação: fizeram o passeio dos
Caminhos das Pedras; conheceram o Parque dos Vinhedos; passearam de Maria Fumaça;
passaram pela cidade de Bento Gonçalves e visitaram a Vinícola Aurora.
Objetivando utilizar dados dessa vivência para futuras elaborações matemáticas,
solicitou-se aos estudantes que coletassem determinadas informações durante a viagem,
como:
95
- a quilometragem percorrida do início da viagem (Erechim) até a primeira parada
oficial para o café da manhã (Bento Gonçalves). Para obterem essas informações a professora
sugeriu que anotassem a quilometragem registrada no painel do ônibus nos dois momentos
mencionados;
- os horários de partida e de chegada no mesmo trecho da viagem;
- os horários de início e término do passeio de Maria Fumaça no trecho Bento
Gonçalves/Garibaldi/Carlos Barbosa e a distância percorrida;
- a quantidade de uva necessária para a fabricação de um litro de suco.
Os estudantes anotaram essas e outras informações em seus diários de bordo, trazido
para as aulas de matemática, para análise dos dados quando necessário.
A educadora pretendia, com base nessas informações, num processo de diálogo,
introduzir novas noções matemáticas de proporcionalidade, programadas no plano de estudos,
tais como razão, proporção e grandezas. Assim, o objetivo central da atividade era
desencadear novos conceitos matemáticos aproveitando a experiências reais vivenciadas pelos
estudantes durante a viagem de estudos. Como afirma Pires, “a Matemática é uma ferramenta
fundamental para resolver situações da vida diária, para compreender melhor o próprio
ambiente que nos rodeia [...]. Portanto, deve-se apresentar assim na aula” (2000, p. 46). Por
entender o ensino de matemática na perspectiva apresentada pela autora, a professora planejou
a atividade descrita.
Até esse momento do ano letivo, os estudantes tinham adquirido inúmeros
conhecimentos matemáticos relacionados aos conteúdos programáticos curriculares da escola,
tais como área de figuras geométricas planas, números inteiros, números racionais, média
aritmética, equação do grau e, parcialmente, os relacionados aos estudos de ângulos. Desse
modo, contando com as anotações dos estudantes nos diários de bordo, desenvolveu-se a
atividade planejada. A primeira etapa foi apresentar os dados coletados referentes à
quilometragem percorrida e ao tempo de deslocamento do ônibus, que gerou a sequência
apresentada a seguir.
Primeira sequência
1. Profª: Qual foi o horário de saída?
2. Francisco: De saída ... 3 e 15.
3. Profª: E, que quilometragem marcava no odômetro?
4. Francisco: 128 mil, 914 quilômetros.
96
5. Profª: E aí, pararam para o café que horário?
6. Estudantes: 7 e meia.
7. Profª: E estava marcando?
8. Carlos: 129 mil, 159.
[...]
9. Bruno: Profe! Como é mesmo o nome desse aparelho que marca os quilômetros.
Procurei na internet mas, não encontrei.
10. André: Meu pai, me falou ... mas, agora não lembro.
11. Profª: Alguém sabe o nome correto? ... Alguém pesquisou? ... Não? ... Eu
pesquisei na internet. Este equipamento tem nos carros, caminhões, ônibus ... é
chamado de odômetro, esse é o nome (conversa). Vamos anotar no caderno essas
ideias!? ... (a professora dita para os estudantes o texto pesquisado) “odômetro é
um instrumento usado a bordo por qualquer meio de transporte, para indicar a
distância percorrida” (LEXICO, 2009). (nesse momento a professora explica que o
velocímetro dos veículos, trabalha em conjunto com o odômetro. Que o cálculo é
feito entre a distância percorrida e o tempo de deslocamento, resultando a
velocidade daquele instante. E comenta que atualmente a função do odômetro
pode ser calculada também através do GPS).
[...]
12. Profª: Então, o que é velocidade média?
13. Francisco: A média de velocidade que o ônibus fez.
14. Marcelo: Como se fosse uma velocidade padrão.
15. Profª: Mais alguma ideia? ... Sugestão?
16. Paulo: Como se fosse uma parte da viagem andando a 100 e outra a 80, ... nem 100
nem 80, a velocidade média vai ser ... (vários estudantes respondem juntos) 90.
17. Profª: Isso! ... Agora, temos que relacionar a distância desse trecho da viagem,
com o tempo gasto ... aí vamos saber a velocidade média da viagem de estudos ...
Então, vamos estudar agora razão, para podermos entender a velocidade média. (a
professora inicia uma exposição de ideias básicas sobre razão).
Nesse momento introduziram-se noções básicas de proporcionalidade e,
especificamente, de razão. Utilizaram-se exemplos do dia a dia para definir a razão entre duas
grandezas de mesma espécie: “o quociente dos números que exprimem as suas medidas
sempre tomadas na mesma unidade” (GIOVANNI; PARENTE, 2007, p. 227). Nessa
abordagem, explicou-se que a velocidade média é uma razão especial e exemplificou-se a
noção esclarecendo que a velocidade média de um veículo é a razão entre a distância total
percorrida por ele e o tempo gasto para percorrê-la. Então, apresentou-se o modelo
matemático (Figura 8) a seguir, que organiza a razão:
Figura 8 – Modelo matemático da velocidade média
97
A educadora apresentou o modelo matemático e desenvolveu alguns exemplos
sintetizando essas noções. A seguir, sob sua orientação, os estudantes trocaram ideias,
consultaram as informações coletadas, efetuaram as subtrações
128914129159
(desenvolvida no caderno) e 7h e 30min 3h e 15min (desenvolvida mentalmente) e
formularam juntos a seguinte problemática:
Problema 3: Na nossa viagem de estudos, o ônibus percorreu a distância de 245 km
em 4 horas e 15 minutos. Qual foi a velocidade média do ônibus nesse percurso da viagem?
Esse problema é fruto de momentos de interação entre os estudantes, mediados pela
professora, de criatividade e de agilização, do pensamento; também um espaço de
necessidades de elaborações, culminando na organização de um questionamento, ou seja, com
o que surgiu, a problemática apresentada. Esse movimento que gera a problematização,
segundo Mendes e Grando, “caracteriza-se como uma fase essencial no processo de
aprendizagem, em que ocorre o surgimento de ideias e ações em diferentes direções” (2007, p.
100). Isso aguça o desejo de superação, norteando o processo de resolução em busca da
solução.
O problema envolve o conteúdo de razão, recentemente introduzido, favorecendo o
desenvolvimento propriamente dito das noções matemáticas em questão. Segundo Pires,
“deve-se dar aos alunos oportunidades para que construam o seu próprio conhecimento
matemático, trabalhando amplamente sobre problemas concretos que lhes permitam dar
significados à linguagem e as idéias matemáticas” (2000, p. 46). A autora destaca a
importância de se introduzirem no ensino de matemática problemas concretos, os quais
podem partir de situações reais, ou seja, vivenciadas pelos estudantes. Ainda se referindo à
proposta de ensino, destaca que, atualmente, os “educadores e matemáticos colocam a
atividade matemática como criação, produção, fabricação, não mais como olhar e desvelar”
(p. 63). Amplia ainda mais esse aspecto ao esclarecer que “surgem propostas em que a
expressão fazer Matemática
18
é palavra-chave e isso significa não mais receber coisas prontas
para memorizar e sim desenvolver um trabalho em que o pensamento constrói conceitos para
resolver problemas” (p. 61). Com base nesse pressuposto apresentado pela autora,
compreende-se a importância de, no fazer pedagógico, fazerem-se presentes a elaboração e a
18
Fazer matemática significa construí-la, fabricá-la, produzi-la, seja na história do pensamento humano, seja na
aprendizagem individual (PIRES, 2000, p. 61).
98
formulação das ideias matemáticas a partir da problematização, não centralizando o processo
apenas na sua resolução.
Apresentam-se a seguir, aspectos norteadores do plano de aula da professora.
Objetivos principais da atividade: desencadear e estudar ideias básicas de razão e de
proporção a partir das experiências reais vivenciadas pelos estudantes durante viagem
de estudos.
Objetivo do problema: calcular a velocidade média do ônibus nesse percurso da
viagem.
Local e disposição dos estudantes: na sala de aula, todos os estudantes trabalhando
coletivamente, distribuídos no formato de semicírculo, em suas mesas de trabalho.
Recursos: diário de bordo com as informações coletadas, pesquisa na internet e
material escolar diário.
Estratégias de resolução previstas para os estudantes: relações e procedimentos
matemáticos referentes a razão, desenvolvimento de cálculos e revisão do processo de
resolução, verificando-se a resposta encontrada.
Saberes anteriores a serem mobilizados: espera-se que os estudantes utilizem as
noções de proporcionalidade e ideias de razão recentemente desenvolvidas.
Observa-se, na sequência a seguir, que o problema elaborado pelos estudantes suscitou
trocas de ideias e elaborações, bem como apresentou-lhes dificuldades e desafios no processo
de resolução. Não apresentando no enunciado dados diretamente relacionados à solução,
aguçou o desejo e a necessidade de mobilizar novos conhecimentos para superar as
dificuldades encontradas e chegar à solução. Por apresentar essas características, classifica-se
como um verdadeiro problema matemático. A interação entre os estudantes e os
questionamentos da professora foram importantes para a elaboração e organização de ideias e,
consequentemente, para o processo de resolução do problema. Além de desencadear ideias
relacionadas com o estudo de razão, objetivo da atividade, a atividade gerou noções de bases
numéricas, as quais foram de muita validade no processo de aprendizagem dos estudantes.
Como a resposta não foi encontrada de forma imediata, durante as discussões surgiram
elaborações de hipóteses e a compreensão de novas noções e relações matemáticas,
provocadas pela busca de resolução do problema. Nesse episódio destacam-se duas
sequências: a primeira, apresentada, gerou a problematização; a segunda é apresentada a
seguir.
99
Segunda sequência
1. Estudantes: São 245 quilômetros percorridos até a parada.
2. Pedro: É, ... então vamos dividir.
3. Dani: Dividindo por 4, ... dá quilometro por hora.
4. Profª: Porque dividir por 4?
5. Dani: Porque é quatro horas de viagem (...).
6. Sandra: Mas ... o tempo é de 4h e 15 min!?
[...]
7. Marcelo: A divisão por 4, não dá bem certo ... tem os 15 minutos. E aí?
8. Carlos: Simples, arredonda!
9. Profª: É uma possibilidade arredondar, ... mas essa preocupação do Marcelo é
importante.
10. Marcelo: Olha, nós temos aqui 4 horas e mais os 15 minutos. O quatro é hora e o
quinze é minuto (o estudante quer esclarecer que horas e minutos são unidades de
medidas de tempo diferentes, por isso argumenta que não pode ser escrito 4,15). A
questão é, os 60 minutos da hora. (conversa)
11. Profª: Fala Fê! (a estudante estava cochichado com o Marcelo, a respeito da
mesma ideia).
12. Fê: Não sei se tá certo! Faz tudo em minutos.
13. Profª: Poderíamos fazer a velocidade em minutos. Mas pensando no dia a dia, é
comum usar a ideia de km por minuto ou é km por hora? Vamos pensar, como são
as placas que indicam a velocidade nas estradas? Vocês já observaram?
14. Estudantes: km por hora ... (conversa).
15. Profª: Quilômetro por hora, né! Então, a primeira informação que precisamos é
quilômetros, que já sabemos ... é 245. E, agora precisamos as horas, que já
sabemos que ... é 4 horas e um pouco, os 15 minutos. Também já sabemos que não
pode ser escrito 4,15. Então, qual é o numero decimal que representa 4 horas e 15
minutos? (conversa).
16. Franco: Quinze minutos de uma hora, ... é ... ?
17. Sandra: Um quarto!?
18. Profª: Vocês concordam?
19. Estudantes: É, ... é a quarta parte.
20. Marcelo: Mas, ... a hora não anda de 60 em 60!?
21. Profª: Então, se uma hora tem 60 minutos e 15 minutos ... é a quarta parte. Como
fica o número decimal? (conversa).
Nesse momento a professora explicou aos estudantes, resgatando aspectos históricos
da matemática, as diferentes bases numéricas. Reforçou noções sobre o sistema número de
base decimal e introduziu noções de base vigesimal e de base sexagesimal, foco deste estudo.
Ampliou o conhecimento dos estudantes a respeito das diferentes bases dos sistemas de
numeração e sua utilidade no dia a dia do mundo moderno. Exemplificou usando os códigos
de barra das embalagens de produtos e falou sobre a linguagem dos computadores e das
calculadoras, destacando a base binária utilizadas nesses sistemas.
100
Baseando-se nessas elaborações, os estudantes solucionaram o problema de duas
maneiras (Anexo C). Uma foi usando o arredondamento sugerido pelo estudante Carlos (turno
8), dividindo por 4 a quilometragem, como ilustrado na Figura 9.
Na segunda maneira, o processo de resolução envolveu dividir a quilometragem de
245 pelo número decimal
25,4
, ou seja, o tempo de 4h 15min, escrito na forma de número
decimal, 4,25, a partir das associações dos estudantes de 15 minutos equivaler a
4
1
de hora,
portanto
100
25
0,25. E ainda, outra forma de elaboração, a partir da ideia de proporção,
introduzida nesse momento partindo dessa situação.
Essa maneira conduziu os estudantes a relembrarem a noção de frações, estudada
(turno 19) e desencadeou o estudo de novo conteúdo, a proporção. Assim, eles iam
desenvolvendo a solução do problema, recordando e ampliando noções e relações conhecidas
e, paralelamente, iam aprendendo noções novas sobre proporção, conforme mostra a Figura
10.
Figura 9
Processo de resolução com tempo arredondando.
101
Figura 10 – Processo de resolução com tempo 4h e 15 minutos.
Na análise desta sequência se evidencia que a utilização dos 15min trouxe grande
contribuição para o processo de aprendizagem dos estudantes. Utilizando-se exatamente 4h, o
problema apresenta-se de forma simples, caracterizando-se por um exercício. No entanto com
a utilização dos 15min, mudaram-se totalmente as estratégias de solução, que proporcionaram
um diferencial no problema, caracterizando-o por um “verdadeiro” problema matemático,
trazendo inúmeros benefícios para o aprendizado dos estudantes. A respeito, quando Moretti
19
aborda a didática francesa, esclarece que se caracteriza por variável didática, quando essa é
19
Méricles Thadeu Moretti é professor da UFSC. Comunicação proferida na III Jornada Nacional de Educação
Matemática e XVI Jornada Regional de Educação Matemática: tendência, desafios e perspectiva, promovido
pelo Curso de Matemática da UPF e ocorrido em maio de 2010.
102
capaz de mudar as estratégias da resolução de um problema (informação verbal). Sendo
assim, baseando-se no esclarecimento do autor, entende-se que nesse problema a utilização
dos 15min, no processo de resolução, caracteriza-se por variável didática potencializadora por
ter revolucionado as estratégias de resolução dos mesmos.
Também se constatam na análise evidências da heurística do problema. Cabe aqui
destacar a importância das noções matemáticas, que devem ser revistas e ampliadas em
diferentes momentos, o que nessa sequência ocorreu em relação às bases dos sistemas
numéricos e frações. Isso ocorre porque, à medida que se noções aprendidas durante o ano
letivo ou nos anos anteriores, garante-se melhor compreensão, além de que ano a ano a
compreensão do estudante referente a determinado conhecimento vai se aprimorando e se
aprofundando, gerando a apropriação dos significados dos conceitos matemáticos em níveis
de ascensão. Essa ideia é preconizada por Vygostky (2005), ao esclarecer que a formação de
conceitos percorre um caminho marcado por etapas específicas, ou seja, inicia-se na fase
infantil, com o pensamento sincrético e vai se fortalecendo e amadurecendo nas fases de
adolescência e adulta, objetivando a abstração e a síntese do conhecimento, que é o
pensamento conceitual. A respeito o autor afirma que
o desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na formação de conceitos
começa na fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais que, numa
combinação específica, formam a base psicológica do processo da formação de
conceitos amadurece, se configura e se desenvolve somente na puberdade (p. 72).
Baseando-se nas elaborações destacadas pelo autor, infere-se que para a
potencialização do aprendizado matemático dos estudantes nas diferentes etapas de ensino, é
preciso que retornem os conceitos inicialmente precoces para que, gradativamente, se
encaminhem para o pleno desenvolvimento na adolescência.
Partindo desse pressuposto, cabe ao educador proporcionar em aula momentos
adequados para que esse processo aconteça. Dessa forma, considerando que os estudantes
geralmente têm as noções iniciais do sistema numérico nos primeiros anos do ensino
fundamental, em que uma compreensão parcial da noção na série, torna-se possível
elevar sua compreensão, ampliando e aprofundando o seu aprendizado. Tecendo comentário
sobre essa ideia, Pires informa que “os parâmetros destacam a importância de se buscar as
várias conexões que podem ser feitas entre os diferentes blocos e de se estabelecer níveis de
103
aprofundamento dos conteúdos em função das possibilidades de compreensão dos alunos”
(2000, p. 58).
A proposta dos parâmetros destacada pela autora é visualizada no processo de
resolução, nas conexões que o problema envolveu, ilustradas na Figura 10. Partindo de um
simples cálculo de velocidade média, trouxe à tona o resgate da história da matemática no que
se refere à construção dos sistemas de numeração de diferentes culturas e povos. Além disso,
proporcionou a análise de sua utilização na modernidade através das novas tecnologias, que
agilizam o ritmo da sociedade atual e desencadeiam a necessidade de estudar novas relações,
no caso, a proporção. Formou-se, então, na aula uma espécie de teia de informações, com
variadas ramificações, ampliando e desenvolvendo conceitos e configurando conexões.
Nesse sentido, retomam-se as palavras de Pires ao esclarecer que, “no campo
cognitivo, a ideia de rede comparece cada vez que se pretende demonstrar que a compreensão
do tema é construída por meio de múltiplas relações, que podem ser estabelecidas entre ele e
outros temas, estejam ou não as fontes de relação no âmbito de uma dada disciplina” (2000,
p.117).
A afirmação da autora permite inferir que, quando se desenvolveu os conhecimentos
matemáticos por meio de várias possibilidades, atribuindo diferentes interpretações e relações,
o processo cognitivo acaba desenhando uma rede de conexões.
Pelo que foi exposto, referentemente às relevâncias das interligações matemáticas
ocorridas no processo de resolução do problema, compreende-se essa situação como favorável
e potencializadora do aprendizado da matemática. Destaca-se que o educador matemático
deve planejar atividades de forma que no seu fazer pedagógico ocorram possibilidades de
construção e ampliação dos conceitos numa lógica rizomática, que busque o aprendizado e o
desenvolvimento do estudante. Mas a questão é: Os profissionais têm ciência dessa premissa?
Abordam no seu fazer matemático esse princípio? Que olhar vislumbram no seu cotidiano
escolar segundo o viés das potencialidades possíveis no processo de resolução de problemas?
Nos vários momentos de interação aqui apresentados nos turnos da sequência observa-
se um conjunto de hipóteses e questionamentos formulados a partir de trocas e múltiplas
interpretações. Percebe-se que a atividade proporcionou, de forma colaborativa, conexões e
elaborações criativas e críticas. Nos turnos 7 e 10 fica evidente a capacidade de argumentação
do estudante Marcelo, quando anuncia, com convicção, a necessidade de outras elaborações
para seguir o caminho de resolução do problema. Essas indagações provocaram reflexões nos
demais colegas e a busca de variadas possibilidades de solução; geraram retomadas sobre
noções de fração, ampliação de sistema numérico de diferentes bases e, em especial,
104
introdução do conteúdo programático de proporção. Nesse sentido, concorda-se plenamente
com Carvalho ao argumentar que
as interações entre o professor e os alunos e entre os próprios alunos, por
estimularem a sua actividade criativa e os levarem a novas formas de compreensão
das idéias matemáticas, são essenciais no processo de aprendizagem e um indicador
do ambiente de aprendizagem que se vive numa sala de aula (2005, p. 23).
Ressalta-se, diante da afirmação da autora, que as experiências matemáticas
vivenciadas na prática de sala de aula, num processo de interação entre os sujeitos, suscitam a
criatividade e conduzem a amplas elaborações, as quais são providenciais para o aprendizado
e o desenvolvimento do estudante.
Constatam-se nessa sequência evidências de um diálogo não tradicional ocorrido
durante a atividade entre a professora e os estudantes, o qual não foi centralizado pelo
professor nem se limitou a um conjunto de perguntas fechadas, preestabelecidas. Essa
conotação é comum no fazer pedagógico do professor de matemática, desenhando um ensino
linear, rotineiro, embasado em atividades de fixação. Ao contrário, ocorreu o diálogo entre
sujeitos, que Benincá (2002) esclarece ser uma relação horizontal, que se estabelece de forma
simétrica, assumindo a dialogicidade de sujeito-sujeito. Compreende-se, então, que no
processo de diálogo deve ser levada em consideração a existência de saberes nos dois sujeitos
que compõem a relação, no caso, da professora e do estudante.
Auxiliando nesse entendimento, conta-se com a contribuição esclarecedora de Gadamer,
que, em relação ao diálogo pedagógico, ou seja, entre professor e estudante, enfatiza que é
frequente o profissional apresentar muita dificuldade de manter-se numa relação dialógica
com os estudantes. Segundo o autor, o senso comum na docência é de que “aquele que tem
que ensinar acredita dever e poder falar, e quanto mais consistente e articulado for sua fala,
tanto mais imagina estar se comunicando com seus alunos” (2002, p. 248). Revela-se, assim,
que a incapacidade para dialogar parte, sobretudo, do professor.
Com base nesse pressuposto, infere-se que um diálogo entre sujeitos, professor e
estudantes, com variadas contribuições, configura implicações pedagógicas favoráveis ao
processo de aprendizagem e ampliação de conceitos matemáticos.
Percebe-se que essa prática dialógica entre sujeitos pode ser constatada em vários
turnos dessa sequência. Trata-se de uma situação que não se faz presente no dia a dia das
105
aulas de matemática e que acabou gerando contribuições valiosas ao processo de
aprendizagem dos estudantes, na medida em que proporcionou a apropriação dos significados
dos conceitos matemáticos, que era o objetivo da atividade. Como esse processo se
desenvolveu num clima de motivação e interesse dos estudantes, entende-se que o fato
ocorrido rompe com vários aspectos do contrato didático tradicional existente em sala de aula,
explícitos ou implícitos aos estudantes. A esse respeito Ponte contribui esclarecendo que
não basta quando se oferece aos alunos experiências matemáticas mais interessantes.
Na verdade, ao pretender que os alunos desenvolvam a capacidade de formular
problemas, de explorar, de conjecturar e de raciocinar matematicamente, que
desenvolvem o seu espírito crítico e a flexibilidade intelectual é-se levado a um
modo de conceber o ensino e a criar um outro ambiente de aprendizagem (apud
CARVALHO, 2005, p. 22).
Portanto, segundo o autor, o diferencial não está focado exclusivamente em apresentar
atividades não rotineiras aos estudantes, no seu melhor desempenho, mas, mais do que isso,
na forma como se trabalha a atividade. Para minimizar essa situação, entende-se que seria
importante que a educadora, além de planejar as atividades, proporcionasse experiências
diferentes das tradicionais. Também é importante estabelecer um novo contrato didático nas
aulas de matemática, que possibilite a construção do conhecimento numa forma colaborativo-
dialógica. Segundo Carvalho, estudos sobre a temática revelam que, “quando no contrato
didático que o professor estabelece com os alunos é explicitado que têm de colaborar, de
discutir entre si até encontrarem uma solução com que ambos concordem, eles apresentam
desempenhos mais ricos comparativamente a alunos onde isto não acontece” (2005, p. 24). A
autora esclarece que o comportamento do estudante quando está trabalhando com colegas,
resolvendo um problema matemático, por exemplo, se constrói e reconstrói dinamicamente, à
medida que o jogo das interações vai acontecendo. Em relação às abordagens feitas sobre o
contrato didático, é possível fazer reflexões e questionar: Quais são as cláusulas que devem
constar no contrato didático do educador matemático quando objetiva potencializar o processo
de aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes?
Referindo-se às peculiaridades da metodologia utilizada pela professora, é perceptível
que a atividade não foi apresentada de forma tradicional. Em vez de uma lista de problemas
curriculares presentes nos livros didáticos, partiu-se da experiência vivenciada pelos
estudantes para que construíssem de forma colaborativa a problemática em questão. Mesmo
106
sendo elaborado um problema curricular relacionado ao conteúdo em estudo, no caso,
proporção, o processo que envolveu a formulação do problema e a sua resolução tornou-se
tanto ou mais valioso que uma longa lista de problemas. A respeito dessa ideia, Smole
observa que “essa atividade e as problematizações propostas substituem com grande
vantagem as listas de problemas convencionais” (2001, p. 92), tradicionalmente frequentes
nas aulas de matemática.
Constata-se que os estudantes estavam motivados a aprender as noções de
proporcionalidade e a resolver o problema que eles mesmos formularam. No entanto, o que se
avalia como mais importante é que se mostraram envolvidos efetivamente na atividade,
contribuindo com as informações coletadas na viagem; refletindo e analisando
constantemente em cada nova etapa ou desafio que se apresentava e, colaborativamente,
interferindo e auxiliando no processo de ensino-aprendizagem. Além de motivados, eles
participaram ativamente de sua aprendizagem e da dos colegas. Referindo-se à aprendizagem
escolar, Brito afirma que a “construção do conhecimento deve ser ativa; partir de situações
desafiadoras para o estudante”. Ampliando sua contribuição, esclarece que
a aprendizagem de novos conceitos e princípios através da solução de problemas
está atada a um processo de descoberta, que é mediado interna e socialmente; trata-
se de uma construção pessoal e de significados compartilhados pelos diversos
participantes da situação, principalmente através da troca de experiência (BRITO,
2006, p. 47).
Com base nesse pressuposto, cabe ao educador a tarefa de proporcionar no ambiente
escolar condições que favoreçam a aprendizagem, objetivando o desenvolvimento do
estudante. Tais condições não podem estar atreladas a uma aula expositiva convencional, nem
provocar a passividade do estudante, mas, sim, o desenvolvimento da criatividade e das
habilidades dos discentes para construírem e ampliarem seus conhecimentos.
Observa-se que o objetivo principal da atividade - desencadear e estudar noções
iniciais de razão e de proporção a partir das experiências reais vivenciadas pelos estudantes
durante a viagem de estudos - foi atingido, assim como o objetivo do problema: calcular a
velocidade média do ônibus (Figura 10). Nota-se que os estudantes utilizaram as noções de
proporcionalidade e de razão recentemente estudadas para calcular a velocidade média. Aqui
aparecem várias relações matemáticas que os estudantes estabeleceram, desde uma simples
simplificação da fração
6015
ou divisão
25,4245
÷
, até a mobilização de novos
107
conhecimentos, no caso, proporção. Analisando essas elaborações e outras que os estudantes
desenvolveram a seguir com os dados do trem, também coletados na viagem, elaborando
outros problemas de nível equivalente e resolvendo-os corretamente, avalia-se que ocorreu
efetivamente aprendizagem. Entende-se nessa análise que a proposta apresentada na atividade
levou o estudante a ampliar seus conhecimentos matemáticos de forma integrada,
encaminhando-se, assim, uma aprendizagem com apropriação dos significados dos conceitos.
Em relação e essa ideia, Pires relembra que “evitar a fragmentação e facilitar a boa
estruturação dos conhecimentos e dos métodos, abrem-se portas para uma organização dos
conteúdos mais rica em interligações que aquela sugerida nos modelos lineares
20
(2000, p.
37). Para tanto, “o professor deve propor questões e atividades que motivem o estudante e,
para isso, os problemas propostos devem despertar a atenção do aluno, engajá-lo na tarefa e
ser visto como um desafio ao pensamento” (BRITO, 2006, p. 48). Concordamos com a autora
quando afirma que o estudante precisa ser motivado para se envolver e se desafiar na
atividade como o episódio em análise demonstra.
Percebe-se, pelas ideias destacadas em relação à metodologia utilizada nessa atividade,
que a matemática se torna mais interessante e significativa para o estudante quando se apoia
em experiências vivenciadas por eles. Consequentemente, ampliam-se as interligações e
viabiliza-se a apropriação dos significados dos conceitos matemáticos. Fica, portanto,
evidente que a metodologia utilizada favoreceu a aprendizagem dos estudantes. No entanto
assistindo à gravação da sua prática docente referente a essa sequência, como sugere a
autoscopia, a professora fez análises e reflexões. Observando a diversidade de noções e
relações matemáticas que se configuram no problema em questão, num processo reflexivo,
avalia que em futuras atividades semelhantes a essa, é importantíssimo estimular os
estudantes a fazerem diferentes representações do mesmo problema. A educadora entende que
seria interessante se eles fizessem, por exemplo, nesse problema representações das
velocidades médias entre as cidades e da velocidade média geral de todo percurso, com
registros em tabelas, gráficos e cálculos de distância, podendo envolver também noções da
área e etc. Tal entendimento é apoiado em Moretti (2010), quando destaca que o professor
proporcionando ao estudante variedades de representações, potencializa a sua aprendizagem.
O autor amplia a ideia esclarecendo que, quanto mais o professor estimular os estudantes a
usar outras representações do mesmo problema, mais potencializa a capacidade do estudante
20
Modelos lineares: cada conteúdo aparece como consequência de um outro, determinado, que o antecedeu, e
como causa de outro, determinado, que o sucederá (PIRES, 2000, p. 37).
108
de resolver problemas; assim, nos próximos problemas, o estudante poderá ir direto à
representação construída e raciocinar baseando-se nelas. Mas para isso ser possível, como
Moretti alerta, o estudante deve ser orientado pelo professor a fazer os movimentos
necessários em prol dessa construção de diferentes representações e, consequentemente, o uso
das mesmas. Apoiando-se nas contribuições destacadas pelo autor, a professora elabora seu
entendimento reflexivo a respeito da importância de o estudante transitar por distintos
registros da mesma ideia. Com base nesse pressuposto, compreende-se a valia das diferentes
representações do mesmo problema e o universo de relações que cada uma representa no que
tange à potencialização da capacidade do discente em resolver problemas.
A seguir, baseando-se nos eixos temáticos norteadores anteriormente mencionados,
apresenta-se o quarto episódio em análise.
3.4 Episódio 4 – A persistente lesma
Neste episódio a professora, inicialmente, dialogou com os estudantes, esclarecendo
que a atividade seria desenvolvida em momentos distintos. O objetivo, num primeiro
momento, foi que o estudante fizesse individualmente uma interpretação inicial do problema;
num segundo momento, compartilhando e trocando ideias com alguns colegas, deveria
ampliar essa interpretação de forma colaborativa, assim como, em parceria, elaborar hipóteses
e estratégias de solução. E no último momento, o trabalho seria coletivo, com a participação
de todos os estudantes da turma, quando, espontaneamente, cada um apresentaria suas ideias,
estratégias, planos de ação e soluções encontradas, de acordo com suas interpretações.
Considerou-se que depois desses três momentos o estudante elaboraria uma síntese individual,
organizando a solução do problema num processo intrapessoal.
A atividade foi planejada nesses moldes por se entender que tanto os processos
interativos quanto as elaborações e percepções individuais são fundamentais para a
aprendizagem e o desenvolvimento do estudante. De fato, quanto mais momentos de interação
forem proporcionados aos estudantes nas aulas de matemática, proporcionalmente maiores
serão a participação, o envolvimento, o interesse e o gosto pelo aprender dos estudantes.
O problema norteador desse episódio não elucida conexões diretas e/ou indiretas com
conteúdos trabalhados durante o ano letivo, mas, sim, relaciona-se com raciocínio lógico
matemático e intuitivo. O enunciado não deixa evidentes os caminhos que permitem chegar
109
diretamente à solução, gerando a necessidade de buscar criativamente as possibilidades de
solução. Por apresentar essas características, que compreendem a dissociação do problema
com os conteúdos curriculares programáticos, nesta pesquisa é classificado como “problema
extracurricular”.
Para a realização dessa atividade, cada estudante recebeu uma folha de ofício com
quatro problemas (Anexo D): um, retirado do livro paradidático de matemática de Dante
(2003) deveria ser desenvolvido em sala de aula, foi selecionado para este estudo e deu
origem ao episódio em análise; os demais eram tarefas a serem realizadas em casa.
Problema 4: Uma lesma está no fundo de um poço de 12 metros de profundidade.
Durante o dia sobe 5 metros e, à noite, dormindo, escorrega 3 metros. Depois de quantos
dias chegará em cima do poço?
O processo de resolução do problema foi desenvolvido em três momentos: no
primeiro, os estudantes leram individualmente o problema, buscando interpretá-lo; em
seguida, trocaram ideias com os colegas mais próximos, objetivando debater hipóteses de
solução, o que possibilitou, pela socialização, promover o aprendizado dos estudantes
interpessoalmente; num terceiro momento, depois de terem construído e desenhado suas
hipóteses com os colegas próximos, a professora solicitou a parceria de todos os estudantes
num trabalho coletivo, objetivando discutir no grande grupo as hipóteses elaboradas por eles.
Apresentam-se, a seguir, aspectos norteadores do plano de aula da professora.
Objetivos principais da atividade: Pensar logicamente; relacionar ideias; desenvolver
raciocínio intuitivo; fazer uso de conceitos e procedimentos matemáticos, para
solucionar o problema.
Objetivo do problema: Identificar quantos dias a lesma levará para chegar ao topo do
poço.
Local e disposição dos estudantes: Na sala de aula, onde os estudantes estavam
distribuídos individualmente nos seus lugares de rotina, deslocando-se até seus colegas
para interagir sempre que considerassem necessário, durante todos os momentos da
atividade.
Recursos: Folha de atividades, na qual estão apresentados o problema 4 e material
escolar diário.
110
Estratégias de resolução previstas para os estudantes: Leitura e interpretação;
formulação de hipóteses; teste e validação das hipóteses e elaborações a partir do
pensamento intuitivo. A esse respeito, Bruner (1976) contribui esclarecendo que
através do pensamento intuitivo, o indivíduo poderá, muitas vezes, chegar a solução
para problemas que não conseguiria alcançar de modo algum ou, quando muito,
mais lentamente, através do pensamento analítico
21
. [...] Infelizmente, o formalismo
da aprendizagem escolar tem, de certo modo, desvalorizado a intuição
22
(p. 54).
Saberes anteriores a serem mobilizados: Espera-se que os estudantes utilizem
raciocínio lógico e, se necessário, conhecimentos operatório básicos de números
naturais.
A sequência aqui analisada refere-se ao terceiro momento da atividade, quando a
professora questionou os estudantes dizendo: “Então, depois de quantos dias a lesma chegará
em cima do poço?” Os estudantes, então apresentaram suas hipóteses.
Primeira sequência
1. Profª: É um dia?
2. Estudantes: Não é dois! ... É três! ... Não é.
3. Guilhermo: É cinco!
4. Profª: O Mateus está dizendo que não tem como ser cinco dias!
5. Mateus: Profe, não pode! Não pode, ser cinco. (conversas)
6. Profª: Marina, quantos dia são? (essa estudante estava com a mão erguida,
pedindo espaço para se manifestar).
7. Marina: Seis.
8. Profª: Opa! Eu estou escutando uns rapazes com outra sugestão ... sete dias.
9. Marina: (a estudante argumenta com certeza) Tem que ser seis, porque ela anda
cinco, escorrega três e rende dois por dia, então tem que ser seis.
10. Profª: É um bom argumento. Muito bem, Marina! Turma, então é cinco? Seis? ...,
Sete?
11. Joana: Como é na vida real, no quinto dia ela sai do poço, ela não precisa esperar
de noite para escorregar de novo (conversas e risos).
21
O pensamento analítico caracteriza-se por caminhar passo a passo.
22
Apreensão ou cognição imediata. “A intuição implica o ato de captar o sentido, o alcance ou a estrutura de um
problema ou situação, sem dependência explícita do aparelho analítico do ofício de quem o faz” (BRUNER,
1976, p. 55).
111
Na análise dessa sequência destacam-se relevâncias relacionadas à metodologia
utilizada e ao papel da professora no processo de resolução do problema. Nota-se que os
estudantes tinham reorganizado suas hipóteses durante a interação com seus colegas, no
segundo momento da atividade, porém ainda existiam várias hipóteses, como ilustram os
turnos 3, 7 e 8, todas muito bem argumentadas, como se visualiza nos turnos 9 e 10. Diante
dessa variedade de hipóteses, criou-se um impasse, pois os estudantes, conversando
paralelamente e interagindo em pequenos grupos, posicionaram-se por duas hipóteses. A
maioria afirmava que a solução eram seis dias e justificava sua opção com argumentos
convincentes; poucos optaram pela solução de cinco dias, mas e também argumentavam com
convicção. Diante desse conflito, convidaram-se dois estudantes para defenderem
argumentativamente, perante de todos os colegas, suas opções, incentivando-os a representar
no quadro-negro suas hipóteses por meio de desenhos esquemas e auxiliando suas
argumentações. A respeito, conta-se com as contribuições de Smole ao esclarecer que, quando
os estudantes desenham,
explicitam mais facilmente os significados presentes no texto – palavras, cenas,
informações, operações, etc. e assim constroem uma representação mental dos
mesmos. O desenho também fornece ao professor pistas sobre a criança, como ela
pensou e agiu para solucionar determinado problema, e à criança fornece um meio
de manifestar como age sobre o problema, como expressa suas idéias e comunica-se
(2001, p. 128).
Diante de tal afirmação, infere-se que nas aulas de matemática o desenho serve como
recurso de interpretação e de registro das estratégias de solução. A autora também esclarece
que é importantíssimo que o professor proponha “situações nas quais desenhar implique a
discussão com parceiros, a troca de ideias, o ato de ouvir e emitir impressões sobre as ideias
que o desenho suscitou” (p. 128). Essa situação está retratada no episódio em análise, em que
os estudantes Roberto e Mateus apoiam-se nos seus desenhos no quadro-negro para explicar
suas ideias e argumentações aos demais colegas da turma.
Roberto concordou registrar no quadro-negro seu raciocínio e, a explicar seu
desenvolvimento, defendendo a hipótese de seis dias, e Mateus argumentou explicando
oralmente e desenhando no quadro a hipótese de cinco dias. Dessa forma, conduziu-se o
trabalho de modo que os estudantes pudessem, por meio de interação (orais e escritas)
112
envolvendo o grande grupo, paulatinamente, internalizar as ideias envolvidas no problema e
desenvolver seu processo de aprendizagem.
O primeiro estudante a apresentar seus argumentos, com apoio em seu desenho no
quadro-negro (Figura 11), foi Roberto, o que esclareceu que a lesma a cada dia se deslocava
apenas 2 m, pois durante o dia “andava” 5 m, mas à noite escorregava 3 m, afirmando que
bastava fazer o cálculo:
1262
=
×
para encontrar a solução, ou seja, a lesma chegará em cima
do poço depois de 6 dias. Os colegas reagiram com uma salva de palmas, dando a entender
que a resposta apresentada era a certa.
Figura 11 – Esquema da hipótese de seis dias desenhada no quadro-negro
Em seguida, Mateus apresentou seus argumentos, também esclarecendo, como
Roberto, que a lesma durante o dia se deslocava 5 m, mas à noite escorregava 3 m; logo, de
fato, deslocava-se apenas 2 m por dia. No entanto, ampliou a ideia esclarecendo que no quinto
dia a lesma chegaria ao topo do poço, ou seja, já percorrera os 12 m de profundidade,
comprovando sua argumentação pela simulação dos dias da semana ao desenvolver os
seguintes cálculos (Figura 12):
- 1º dia – segunda-feira:
235
=
- 2º dia – terça-feira:
43752
=
=
+
- 3º dia – quarta-feira:
63954
=
=
+
- 4º dia – quinta-feira:
831156
=
=
+
- 5º dia – sexta-feira:
1358
=
+
113
Figura 12 – Desenho e cálculos do caderno do Mateus, transcritos no quadro-negro.
Assim, por meio desses cálculos Mateus confirma que no quinto dia a lesma já
percorrera 13 m, portanto chegará em cima do poço depois de 5 dias. Durante sua
apresentação, os colegas, atentos, ouviam seus argumentos, acompanhando os desenhos e
anotações no quadro para ilustrar sua hipótese de solução. Desse modo, foram percebendo,
gradativamente, que a hipótese do colega estava certa e que a solução verdadeira para o
problema não eram seis dias, mas cinco. Depois de ocorrerem conversas paralelas entre os
colegas, alguns foram mudando sua opção. Nesse momento, a professora, observando o fato,
comentou: “Opa! Já tem gente mudando de lado, quem optou por seis dias, agora está
mudando para cinco!? Podem mudar à vontade, não problema nenhum nisso!” Então, o
próprio Roberto, que defendera no quadro a outra hipótese e até então estava convencido de
seus argumentos, também mudou de opinião.
Baseando-se no exposto, em relação ao papel da professora, percebeu-se a
interferência da educadora ao sugerir que fosse feito o desenho no quadro, por ser relevante
no processo de aprendizado. De fato, é perceptível que essa estratégia favoreceu a
compreensão dos estudantes como ferramenta de apoio no processo de aprendizagem. Quando
Mateus apresenta seus argumentos oralmente, objetivando dar maior clareza à sua explicação,
apoiando-se no seu desenho e em suas anotações do caderno transcritas para o quadro-negro
(Figura 12), observa-se que os estudantes vão acompanhando o raciocínio do colega, ouvindo
e visualizando suas argumentações. Como se verificou, a expressão do rosto dos colegas foi
mudando à medida que Mateus desenhava e explicava sua hipótese. Portanto, utilizar o
quadro com um desenho, por mais simples que seja, favoreceu aos estudantes a rápida
aprendizagem e a solução correta do problema. Infere-se como foi fundamental criar uma
representação do problema. A representação é um meio heurístico e, é também uma outra
114
forma de (re)escrever o problema. A respeito, quando Moretti (2010) aborda a importância
das representações afirma que no fazer matemático devem-se potencializar representações
distintas do mesmo objeto matemático. Esclarece que, quanto mais possibilidades de
representações forem organizadas de um mesmo problema, maior será a capacidade do
estudante em resolvê-lo, e isso é válido para qualquer tipo de problema proposto nas
atividades de matemática.
Destaca-se também como favorável no papel de docente o momento em que recebe
dos estudantes as diferentes respostas (turnos 4, 8 e 10), mas não as classifica como certas ou
erradas, mas utilizando-as como ideias diferentes em busca da solução mais correta. Essa
mediação da educadora é considerada por Antunes (2002) pertinente para gerar um processo
de avanço na ZDP dos estudantes. O autor ilustra sua ideia afirmando: “Ao aceitar uma
explicação do aluno, não recebê-la gelidamente como ‘certa’, ‘meio-curta’ ou ‘errada’, mas
ainda que expressa de maneira não usual, desafiando-o a descrevê-la com outras palavras [...]
desenhos, gráficos” (p. 37), estimula a disponibilidade dos estudantes em intervir, propor,
sugerir, analisar, criar e reelaborar as estratégias do seu plano de ação.
No diálogo representado desse episódio fica visível que o estudante Mateus
desempenhou, durante as interações ocorridas no terceiro momento da atividade, o papel de
líder. Esse, segundo Garnier, Bednarz e Ulanovskaya (1996), é importantíssimo, pois, para
que aconteçam as trocas durante a interação social, é necessário “que os alunos não se portem
todos da mesma maneira no debate”. Para os autores no ambiente escolar
os líderes sempre se dividiram entre as diversas posições existem, acarretando uma
divisão da classe. Ora, essa é uma condição do procedimento geral: para o debate, a
divisão é imprescindível, pois, caso contrário, o professor é obrigada a suprir ele
próprio essa lacuna, a fim de gerar contradições (p. 73).
A respeito do papel de liderança, o autor afirma ainda que se mostram realmente
líderes os estudantes que, pelo peso da argumentação e/ou clareza da exposição, transformam-
se em porta-vozes de uma determinada posição. Nesse aspecto, destaca-se a atuação de
Mateus como um líder que, desenhando e argumentando com clareza, apresenta sua hipótese e
torna-se porta-voz da turma, potencializando o seu aprendizado e a dos seus colegas.
Revendo as anotações dos planos de aula, relendo as transcrições e assistindo às
gravadas em vídeo, numa sessão de “autoscopia”, observa-se que durante a atividade
115
ocorreram importantes momentos de interação, como na segunda parte, quando os estudantes,
em grupos menores, trocaram ideias com os colegas, próximos, ou na última parte, com a
participação da professora e todos os estudantes, reelaborando suas hipóteses durante o
processo de debate. Percebe-se, assim, como as interações sociais no contexto escolar são
valiosas, pois “permitem aumentar a quantidade e a qualidade dos elementos efetivamente
apreendidos (o intake), e serve de mediação entre o input (a linguagem apresentada) e o intake
(a linguagem apreendida)”. (GARNIER; BEDNARZ; ULANOVSKAYA, 1996, p. 97). Os
autores ampliam ainda mais sua reflexão esclarecendo que “a interação social é considerada
algo capaz de pôr em movimento os processos internos, permitindo a formação de vínculos
entre o conhecimento que o indivíduo possui e os novos conhecimentos a serem
adquiridos” (p. 97). Dessa forma, entende-se ser muito importante a dimensão que as
interações assumem no cotidiano escolar.
Destaca-se também, nesse momento reflexivo, que os três momentos da atividade
proporcionaram aos estudantes a oportunidade de elaborarem sínteses sobre o problema de
acordo com a sua compreensão. Num primeiro momento, eles levaram e interpretaram o
problema proposto individualmente, organizando ideias e estratégias como plano de ação com
base no seu entendimento; foi o momento em que cada estudante organizou mentalmente uma
síntese inicial da situação, de acordo com sua ZDP. No segundo momento, no qual trocaram
ideias com alguns colegas, reelaboraram suas sínteses iniciais, agora se favorecendo das
elaborações dos colegas e construindo novas sínteses. Entende-se, na perspectiva
vygotskyana, que nesse momento de interação os estudantes podem intervir positivamente na
ZDP de seus colegas, construindo-se dessa forma novas e mais avançadas elaborações. No
terceiro momento proposto na atividade, quando o grupo apresentou e debateu a validação das
duas hipóteses, revela-se a síntese das sínteses, ou seja, as duas hipóteses em discussão
representam no contexto o produto de elaborações mais avançadas, o resumo essencial das
trocas realizadas pelos estudantes. Assim, é hora de avançar mais ainda, com as novas
trocas e elaborações surgidas durante o debate, construindo-se uma nova síntese; novamente
os colegas e a professora, interagindo, possibilitam um processo de avanço ainda maior na
ZDP dos sujeitos envolvidos.
Baseando-se nessas observações, compreende-se que a metodologia de trabalho
apresentada para essa atividade potencializou significativamente o aprendizado dos
estudantes. Os três momentos propostos possibilitaram aos estudantes vivenciarem a
construção e ampliação de conhecimentos matemáticos nos processos interpessoais e
intrapessoais, destacados como favoráveis para a aprendizagem e o desenvolvimento do
116
estudante segundo o viés vygotskyano. Nesse sentido, Antunes relembra que, para Vygotsky,
“o desenvolvimento humano é bem mais que simples e pura formação de conexões reflexas
ou associativas pelo cérebro, e muito mais um desenvolvimento social que envolve, portanto,
uma interação e uma mediação qualificada entre o educador e o aprendiz”. (2002, p. 27).
Partindo dessa premissa, entende-se que as características metodológicas presentes nessa
atividade, mencionadas, viabilizam um avanço na ZDP dos estudantes, gerando
aprendizagem matemática.
Referindo-se às peculiaridades do processo de resolução, o problema que gerou esse
episódio denomina-se nesta pesquisa de “problema extracurricular” por não estar diretamente
relacionado ao conteúdo desenvolvido no momento. Observa-se no processo de resolução que
o problema desencadeou nos estudantes as características típicas de um verdadeiro problema
matemático, ou seja, estimulou o desejo de resolvê-lo; o desafio em relação às dúvidas e
dificuldades que se apresentaram e as diferentes hipóteses, representando a interpretação
hermenêutica inerente aos estudantes. A manifestação dessas características era esperada
pela professora, em razão de o problema classificar-se como extracurricular. Os objetivos
principais da atividade eram pensar logicamente; relacionar ideias; desenvolver o raciocínio
intuitivo; fazer uso de conceitos e procedimentos matemáticos para solucionar o problema, os
quais foram alcançados. Destaca-se que para obter a solução do problema os estudantes
pensaram, refletiram, elaboraram, compararam, intuíram, desenharam e sistematizaram muitas
ideias colaborativamente. O raciocínio lógico se fez presente no processo de resolução, assim
como na mobilização de conhecimentos operatórios básicos de números naturais.
É perceptível que a ênfase do papel da professora nesse episódio não focaliza o ensino
de novos conhecimentos matemáticos, o qual envolve noções estudadas, principalmente
cálculos de números naturais, com exigência aritmética um tanto simplória, mas concentra-se
nos aspectos metodológicos privilegiados pela docente, pois nesse tipo de atividade com
enunciados objetivos a ênfase está no como desenvolver a atividade para que atinja os
objetivos a que se propõe. Na análise nota-se o quão importantes foram as intervenções da
educadora para que no processo de resolução no problema se evidenciasse progresso na ZDP
dos estudantes, as quais foram marcadas especificamente em alguns momentos da atividade,
tais como:
- quando recebe as diferentes hipóteses dos estudantes sem classificá-las como certa
ou errada;
- quando sugere aos estudantes que utilizarem o quadro desenhando e sistematizem
suas argumentações;
117
- quando organiza os três momentos da atividade em que os estudantes (re)elaboram
suas sínteses, fazendo-os avançar em sua ZDP.
Em momentos como esses é possível perceber como são válidas e indispensáveis as
intervenções do profissional no cotidiano escolar, quando o objetivo é construir o
conhecimento, gerando aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Na medida em que o
professor ajuda nessa construção, intermedeia a relação entre o estudante e o saber, ajuda essa
essencialmente “imprescindível, pois é graças a ela que a aluno, partindo de suas
possibilidades, pode progredir na direção das finalidades educativas” (ANTUNES, 2002, p.
22). Constata-se, assim, que a ajuda do professor é relevante para se construírem efetivamente
os significados de um novo saber.
Baseando-se no exposto, entende-se que as metodologias e o papel desempenhado pela
professora nesse episódio, com articulações potencializadoras do processo do aprendizado,
suscitaram avanços na ZDP dos estudantes.
A análise do episódio revela que a resolução do problema proporcionou ampla de
interação, pois os estudantes tiveram a oportunidade de trocar informações, ouvir os colegas,
expor e defender suas ideias, atribuindo, assim, novo sentido ao seu aprendizado. A respeito
da ressignificação do conhecimento, Andreolla esclarece que isso não ocorre pela
memorização de informações acumuladas, e, sim, “por meio de um processo de compreensão
responsiva(ativa) que se constitui no diálogo com as diferentes perspectivas” (2003, p. 156)
entre os estudantes, relevante na aprendizagem.
A seguir, baseando-se nos eixos temáticos norteadores anteriormente mencionados,
apresenta-se o quinto episódio em análise.
3.5 Episódio 5 – Enigma on-line
Neste episódio, inicialmente, solicitou-se aos estudantes que se organizassem em
grupos e, a seguir, comentou-se sobre a origem da atividade. Explicou-se que esse problema
tinha sido uma contribuição de um estudante do ano anterior, que o enviara por e-mail, com
um caráter lúdico, desafiando a professora a acrescentar seu nome na lista dos acertadores,
além de sugerir que o desafio se estendesse também para os demais colegas. Assim, a
professora propôs aos estudantes a atividade numa aula de matemática e, em razão da
validade da experiência, estava propondo-o novamente.
118
Trata-se de um problema que não está diretamente relacionado aos conteúdos
trabalhados durante o ano letivo nem deixa evidente no enunciado os caminhos que permitem
chegar diretamente à solução. É um tipo de problema que geralmente aguça a curiosidade dos
estudantes, levando-os a desenvolver sua criatividade na busca de sua solução, além de
mobilizar diferentes ideias, noções e procedimentos matemáticos, estudados ao longo do
ensino fundamental.
Para a realização da atividade os estudantes receberam uma folha de ofício com o
problema 5 (Anexo E) selecionado e que deu origem ao episódio em análise.
Problema 5: Um homem chega numa igreja que tem 3 santos. Ele se dirige ao
primeiro santo e fala:
- Se você dobrar o que eu tenho no bolso, lhe dou 20 reais.
O santo dobra o que ele tem no bolso e o homem lhe os 20 reais. Parte para o
segundo santo, e fala:
- Se você dobrar o que eu tenho no bolso, lhe dou 20 reais.
O santo dobra o que ele tem no bolso e o homem lhe os 20 reais e parte para o
terceiro santo. Ao chegar, ele fala:
- Se você dobrar o que eu tenho no bolso, lhe dou 20 reais.
O santo dobra o que ele tem no bolso e o homem os 20 reais para o santo e fica
sem nada no bolso.
Pergunta: Como pôde ele dobrar 3 vezes o que tinha no bolso e acabar duro? Com
quanto dinheiro o homem chegou à igreja?
A resposta está no arquivo anexo, para abri-lo deverá digitar o resultado. Caso esteja
correto, o arquivo abrirá, caso contrário, não abrirá.
Por não estar relacionado ao conteúdo recentemente desenvolvido, o problema pode
ser apresentado em qualquer momento, sem ter de obedecer a uma sequência curricular, sendo
classificado como problema extracurricular, já definido anteriormente. Dessa forma, adquire
aspecto de ludicidade e desafio, visto que os estudantes devem se utilizar estratégias variadas
e criativas na busca da solução, sem necessariamente obedecer a uma lógica conteudista.
Após o recebimento da folha com a descrição do problema, os estudantes passaram a
ler, interpretar e discutir possíveis soluções. Foram disponibilizados, de início,
aproximadamente, 15min para que ocorressem as primeiras interações entre os estudantes de
cada grupo, com o objetivo de construir hipóteses de solução. Na sequência, foram
convidados aqueles que haviam chegado a um consenso sobre o resultado no seu grupo,
para que digitassem no computador a sua hipótese de resposta e averiguassem se correspondia
ou não à senha válida, para, então, abrir o arquivo exposto. No caso, ao ser digitada a resposta
correta, aqui chamada de “senha válida”, abre-se uma planilha do Excel, possibilitando aos
estudantes digitarem seus nomes na lista que contém os acertadores do problema. Se
119
desejassem, ainda poderiam enviar o problema a amigos e familiares, desafiando-os à solução,
dando, assim, continuidade a esse processo ludicamente.
Apresentam-se a seguir aspectos norteadores do plano de aula da professora.
Objetivos principais da atividade: mobilizar e ampliar alguns conceitos,
procedimentos e conexões matemáticas desenvolvidos no decorrer do ensino
fundamental.
Objetivo do problema: encontrar a senha correta e cadastrar o nome na lista dos
acertadores.
Local e disposição dos estudantes: Salão Madre Bernarda sala com recursos
tecnológicos, agrupados em duplas e um trio, distribuídos no ambiente.
Recursos: folha de atividades, na qual está apresentado o problema 5, material escolar
diário, computador e Data Show.
Estratégias de resolução previstas para os estudantes: leitura e interpretação;
formulação de várias hipóteses; cálculos mentais e/ou escritos; recapitulação de
conceitos e procedimentos; desenvolvimentos com soluções certas e erradas.
Saberes anteriores a serem mobilizados: espera-se que os estudantes utilizem os
essenciais conhecimentos matemáticos até então acumulados e também,
especificamente, noções operatórias básicas dos números naturais e decimais.
A seguir, o episódio analisado reproduz os diálogos ocorridos entre pequenos grupos
de estudantes durante as suas elaborações e com o grande grupo, envolvendo todos os colegas
e a professora no período em que digitavam suas alternativas de respostas no computador.
Durante a atividade, projetou-se na parede, com auxílio do Data Show, a lista dos acertadores
até o momento, constando, além do nome da professora, o de vários estudantes das outras
turmas de série da escola que haviam participado da atividade. Durante o processo de
resolução incentivou-se os estudantes a trocarem ideias no grupo e a se desafiarem a resolver
o problema, encontrando a senha correta. Nesse episódio destacou-se a sequência a seguir, em
razão de sua importância para o objeto de pesquisa.
Primeira sequência
1. Estudantes: Senha fornecida inválida
2. Profª: Vamos pensar, turma. Leiam com atenção e organizem as sugestões.
3. Marcelo: Senha inválida.
120
4. Pedro e Mateus: Senha válida ... é isso aí, cara! Legal! Beleza! (risos, alegria e
satisfação).
5. Profª: Vamos lá, vamos pensar.
6. Ana: (digita a senha) Iiiiiiiiii, senha inválida.
7. Paula: (diz para Ana, sua colega de grupo) Eu disse que tava errado, a minha
certa. (a seguir, Paula digita a sua resposta) Viu, acertei!
8. Profª: Eu disse que ia ter muitos nomes da turma 63 aqui na planilha. Já temos dois
grupos, vamos lá, pensando, calculando ... (Nesse momento os estudantes, dão
uma salva de palmas para os grupos que chegaram à senha correta. Mais um grupo
digita a resultado e novamente a senha está correta. É visível o interesse e o desejo
de acertar, estão todos muito empolgados, a Figura 13 ilustra esse momento).
Figura 13 – Estudantes digitando
Na análise desta sequência destacam-se relevâncias metodológicas no que tange à
utilização de elementos tecnológicos, no caso o computador. É possível observar a satisfação
e a alegria dos estudantes (turno 4) quando visualizam na tela do computador a validação de
sua resposta. No rosto de cada um que encontra a senha válida brota um sorriso de vitória,
como registrado pelas filmagens. De fato, quando um grupo encontrava a senha certa, todos
batiam palmas e a empolgação era geral, pois todos queriam obtê-la.
Ensinar e aprender Matemática pode e deve ser uma experiência feliz. Curiosamente
quase nunca se cita a felicidade dentro dos objetivos educativos, mas é bastante
evidente que poderemos falar de um trabalho docente bem feito quando todos
alcançarmos um grau de felicidade satisfatório (
CORBALÁN apud MARCO, 2004,
p. 44).
Concorda-se com o autor na ideia de que a felicidade é um dos elementos importantes
no fazer pedagógico, quando se objetiva a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes.
No entanto, é importante salientar que, embora essa atividade não tenha sido proposta aos
121
estudantes em forma de jogo, foi interpretada por eles como uma disputa de quem conseguiria
abrir o arquivo primeiro, razão dos aplausos dos colegas. De fato, observaram-se toda a
dinâmica, os regramentos e rituais característicos de um jogo seguido pelos grupos,
trabalhando em parceria e reorganizando suas hipóteses, características marcantes da
dinâmica do jogo.
Também é importante destacar que os elementos tecnológicos entram nesse tipo de
atividade como instrumento de operacionalização. No episódio em análise pode-se
perfeitamente substituir o computador por outro elemento, como, por exemplo, um cadeado
com senha, que abriria uma caixa, onde os estudantes que a acertassem escrevessem os seus
nomes em uma lista. Assim, a satisfação e a alegria percebidas nas imagens seriam as
mesmas, desde que outro tipo de ferramenta também aguçasse nos estudantes a sensação de
estarem participando de um jogo. No entanto, considera-se importante utilizar elementos
tecnológicos porque fazem parte da realidade dos estudantes e, inclusive, vêm ao encontro dos
interesses e objetivos da disciplina de matemática, sendo recomendados pelos estudiosos da
temática e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Nesse sentido, Smole afirma que “atividades que podem ser executadas com lápis e
papel ganham nova vida quando realizadas com o computador. Não se trata de substituir esses
recursos, e sim de utilizar a máquina como ferramentas que complementa e facilita o ensino
para alcançar a aprendizagem” (2001, p. 178). E questiona: “Por que não aproveitar o
interesse que o computador desperta nos estudantes para torná-lo um aliado nas tarefas de
ensinar e aprender?” (p. 178) Em resposta a esse questionamento, Antunes (2002) esclarece
que o professor é imprescindível no processo ensino-aprendizagem, mas, por melhor que seja
sua competência, “será ainda mais nítida quando puder prover sua ação de apoios e suportes
essenciais, [...] quando dispuser de meios eletrônicos, computadores e recursos audiovisuais
[...]” (p. 25-26). Partindo desse princípio, é importante que o professor que realmente
acredita que o computador pode ser um grande aliado ao seu trabalho, influenciando na ação
didático-pedagógica e promovendo situações de aprendizagem eficientes e mais satisfatórias”
(BRANDÃO; TEIXEIRA, 2006, p. 32), utilize esse recurso no contexto escolar, quando
entender conveniente, para possibilitar o aprendizado dos estudantes.
Referindo-se ao uso do computador em sala de aula, Pires afirma que, quando se
deseja sinalizar caminhos mais ricos em significado para a educação matemática, “é
importante recorrer a novas tecnologias e, em particular, aos ordenadores (computadores)
como fonte de renovação das atividades de ensino-aprendizagem” (2000, p.45). A autora
esclarece também que
122
os parâmetros fazem referência ao uso das tecnologias da informação, responsáveis
pelas mudanças nos ritmos e nas modalidades da comunicação, recomendando a
utilização de computadores, quando possível, e de calculadoras como instrumentos
motivadores na realização da tarefas exploratórias e de investigação, de verificação
de resultados e de auto-avaliação (p. 59).
Diante das concepções destacadas nos documentos nacionais e das considerações
feitas pelos autores que contribuíram nesse diálogo, referendando o uso dos elementos
tecnológicos como recursos valiosos no processo de ensino-aprendizagem, entende-se que o
computador, se bem utilizado, pode, paralelamente a outras variáveis didáticas, auxiliar na
potencialização da aprendizagem no processo de resolução de problema.
Partindo do princípio de que a atividade proposta centralizava-se em levar os
estudantes a desenvolver o raciocínio lógico e enfrentar situações novas, num ambiente
interessante e motivador, assim como mobilizar conceitos, procedimentos e conexões
matemáticas desenvolvidas no decorrer do ensino fundamental, pode-se avaliar que os
objetivos principais da aula foram atingidos. Como a atividade foi proposta com o auxílio do
computador, analisando o episódio visualiza-se que esse recurso contribuiu no processo
ensino-aprendizagem, aguçando o interesse e a motivação nos estudantes.
Em razão de essas tecnologias fazerem parte do dia a dia da maioria dos estudantes, os
quais têm facilidade em manipular os equipamentos, visto que estão familiarizados com esse
recurso, compreende-se que a professora poderia, ao planejar suas atividades, incluir mais
frequentemente o uso do computador e da calculadora. Considerando esses recursos e
ferramentas como auxiliares no processo ensino-aprendizagem e no desenvolvimento das
atividades de aula, a inclusão, por exemplo, de calculadora nas atividades propostas sem
dúvida é uma estratégia interessante. Nessa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais
orientam que,
quanto ao uso da calculadora, constata-se que ela é um recurso útil para verificação
de resultados, correção de erros, podendo ser um valioso instrumento de auto-
avaliação. A calculadora favorece a busca e percepção de regularidades matemáticas
e o desenvolvimento de estratégias de resolução de situações-problemas pois ela
estimula a descoberta de estratégias e a investigação de hipóteses, uma vez que os
alunos ganham tempo na execução dos cálculos. Assim elas podem ser utilizadas
como eficiente recurso para promover a aprendizagem de processos cognitivos
(BRASIL, 1998, p. 45).
123
Compreende-se, então, que o uso da tecnologia no ambiente escolar na atualidade é de
fato interessante. No entanto, o desafio do educador matemático é como utilizar didaticamente
os elementos tecnológicos a serviço da aprendizagem no fazer matemático.
Analisando relevâncias da heurística de resolução do problema em relação às
estratégias de ação, nota-se que, passo a passo, num processo de parceria, as duplas foram
encontrando a senha válida, ou seja, a solução certa do problema. As maneiras como
encontraram a resposta certa foram variadas, desde ideias intuitivas a respeito dos dados
presentes no problema até outras mais elaboradas a partir de procedimentos aritméticos. É
importante relatar que os grupos apresentaram ritmos bem diferentes, alguns rapidamente
atingindo o objetivo do problema, ou seja, encontrando a senha correta, no caso
50,17
e
cadastrando seus nomes na lista dos acertadores, ao passo que outros apresentaram mais
dificuldades necessitando de auxílio da professora. Esta, observando que uma dupla não
estava avançando no processo de resolução, intervinha para que os estudantes pudessem
(re)elaborar suas ideias e avançar na sua compreensão. No caso, auxiliava-os a organizar uma
heurística para a resolução e questionava-os para que, de forma colaborativa, fossem
construindo algumas reflexões, como exemplo:
- Vocês entenderam a ideia principal do problema?
- Releram e entenderam o enunciado?
- Quais são os dados, as informações importantes no problema?
- Vocês conseguem organizar esses dados um desenho, esquema, operação?
- Vocês conseguem resolver uma parte do problema?
- Se vocês dividirem o problema em partes como primeira, do primeiro santo; a
segunda, do segundo santo e a última, do terceiro santo, fica melhor para resolver.
Em alguns grupos essas intervenções da professora foram suficientes para que os
estudantes construíssem um novo plano de ação, conduzindo à resposta correta. No entanto,
para uma dupla esses questionamentos reflexivos não foram suficientes para que alcançassem
esse objetivo. Então, a professora novamente teve de intervir no grupo, agora os questinando e
sugerindo uma estratégia, um plano de ação, pelo qual, também de forma colaborativa, iam
elaborando novas percepções:
- Vocês sabem que o homem acabou sem nada no bolso!?
- Sabem também que ele chegou com um determinado valor no bolso, que é
desconhecido, exatamente o que queremos descobrir!?
- E também sabem que desde sua chegada na igreja, o homem passou por três santos,
com cada um dobrando o seu dinheiro!?
124
- Então, se conhecemos o final e o meio, mas precisamos saber o início, por que não
fazer o processo inverso!? Partindo zero – nada no bolso até o valor inicial.
Nesse momento, a professora, com suas intervenções, elaborou vários raciocínios com
os estudantes em relação às operações inversas do problema, tais como: no lugar de dobrar o
dinheiro
(
)
2$
×
R
, dividir por dois
(
)
2$
÷
R
; no lugar de dar vinte, tira-se do bolso
(
)
20$
R
,
somar vinte
(
)
20$
+
R
e, no lugar do valor inicial do cálculo, que é desconhecido, usar o final
do terceiro santo, nada (zero). Dessa forma, organizou-se e desenvolveu-se a seguinte
estratégia de solução:
- terceiro santo:
1022020200
=
÷
=
+
- segundo santo:
15230302010
=
÷
=
+
- primeiro santo:
50,17235352015
=
÷
=
+
Desse modo, a dupla de estudantes, desenvolvendo a estratégia orientada pela
professora, chegou à resposta correta, ou seja, o homem chegou na igreja com R$ 17,50.
Durante o processo operatório, houve a compreensão e teceram-se comentários a respeito.
Eles digitaram no computador a senha 17,50 e cadastraram seus nomes na lista dos
acertadores. Enquanto isso, os demais estudantes, em seus grupos, iam elaborando ideias e
reorganizando suas hipóteses, e todos, em momentos diferentes, também digitaram seus
nomes na planilha dos acertadores.
Nesse relato é perceptível o papel que exerce o professor nas intervenções necessárias
na ZDP dos estudantes. Nesse sentido, sabe-se que no ambiente escolar são muitos os sujeitos
que contribuem no processo de aprendizagem, a exemplo dos próprios colegas, pois intervêm
nas ZDP dos estudantes. Contudo, “o professor, indiscutivelmente, é o mais importante agente
gerador de ZDP” (ANTUNES, 2002, p. 42); é o responsável pela aprendizagem significativa,
considerando-se a importância da ajuda de quem sabe mais auxiliar os que sabem menos,
como afirma Vigotski (1998) em relação à zona de desenvolvimento proximal dos sujeitos.
Essa situação demonstra que “aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o
nível de desenvolvimento real amanhã ou seja, aquilo, que uma criança pode fazer com
assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (p. 113). Antunes (2002) explica
que
125
para Vygotsky é justamente na ZDP que pode produzir-se o aparecimento de novas
maneiras de pensar e onde, graças á ajuda de outras pessoas, pode desencadear-se o
processo de modificação de esquemas de conhecimentos que se tem, construindo-se
novos saberes estabelecidos pela aprendizagem escolar. Recebendo intervenções
pertinentes nesse espaço, a mente humana pode em outras e novas oportunidades
desenvolver esse mesmo esquema de procedimentos, aprendendo de maneira
autônoma (p. 28-29).
Partindo dessa premissa, entende-se ser importantíssimo, para que ocorra o avanço dos
conhecimentos, construindo-se novos saberes, considerar a natureza das interações. Nesse
processo é necessário que as intervenções sejam pertinentes, embora não se possa garantir que
sempre as interações entre os estudantes, essa conduzam ao desenvolvimento. Essa ideia é
endossada por Tudge, que contribui esclarecendo que nem sempre “o significado que é criado
quando dois parceiros interagem corresponda a um nível superior, mesmo se tratando de uma
criança mais competente do que a outra, e que esteja efetivamente fornecendo informações
dentro da zona de desenvolvimento proximal do parceiro menos competente” (2002, p. 165).
Evidencia-se, dessa forma, a importância do papel do educador no acompanhamento das
atividades em grupo dos estudantes, ao intervir sempre que necessário, para que ocorra o
aprendizado.
Diante do exposto sobre o papel da professora, que acompanha o processo interativo dos
estudantes, a fim de interferir, caso necessário, para que haja a aprendizagem, entende-se
como didática potencializadora no processo de ensino-aprendizagem.
Ao término da atividade, a professora e os estudantes, não mais organizados em grupo,
e, sim, em seus lugares individuais, conversaram sobre os raciocínios que haviam elaborado
em parceria com seus colegas de grupo e as estratégias utilizadas, tanto as certas como as
erradas, para solucionar o problema. Carraher (1990) esclarece que tanto os acertos como os
erros podem ser gerados a partir de um processo de raciocínio. No diálogo, os estudantes
revelaram que as primeiras alternativas baseavam-se em tentativas de acerto ou erro; assim,
após errarem várias vezes, começaram a elaborar melhor os dados do problema, utilizando
cálculos bem simples para resolvê-lo. Por isso, relataram, em tom lúdico, que deram muitos
“chutes” e “balões”.
Transparece no diálogo a compreensão dos estudantes de que o problema não focava
novos conhecimentos matemáticos, mas interpretação, raciocínio, atenção e cálculos de nível
simples, que poderiam ser desenvolvidos mentalmente. Também ficou nítida a presença de
um processo no qual: os estudantes se detinham à busca de resposta certa e a professora, ao
processo de resolução, para identificar o momento de intervir quando sua ajuda fosse
126
necessária, pois suas intervenções nos grupos que apresentaram dificuldade foi determinante
para que atingissem seu objetivo.
Nesse momento de diálogo, Ana e Paula comentavam sobre os raciocínios que cada
uma elaborara. Paula, o concordando com a colega de grupo, digitou o resultado produzido
a partir do seu raciocínio, constatando, assim, que estava errado. Paula, por sua vez, constatou
que seu raciocínio estava correto quando digitou seu resultado e visualizou na tela do
computador “senha válida”, entusiasmada, falou: “Viu, acertei! (turno 7). Nessa situação,
representada nos turnos 6 e 7, percebe-se a importância de realizar trabalhos coletivamente,
pois, independentemente de quem acerta ou erra, os raciocínios vão sendo desenvolvidos e as
trocas entre pares acontecem, potencializando o processo de aprendizagem e desenvolvimento
dos estudantes. As palavras de Wood sublinham essa ideia: “A contradição entre os resultados
de dois métodos também é potencialmente útil como forma de simular pensamento, reflexão e
talvez, detecção e explicação de erros”. (2003, p. 259).
A estudante Paula, no diálogo, comentou que não aceitava a resposta da Ana, porque
estava convicta da sua resolução, argumentando que não poderia ser outro valor a senha, pois
tinha certeza de que seu raciocínio estava certo, bem como os cálculos. Assim, a professora
solicitou que a estudante explicasse a estratégia que utilizara. Para surpresa da educadora,
Paula havia elaborado o mesmo plano (Figura 14) que antriormente fora sugerido para a dupla
de estudantes mencionada anteriormente, aquela que sentira maior dificuldade na resolução
do problema.
Figura 14 – Estratégia utilizada pela estudante Paula.
Observa-se na Figura 14 que a estudante Paula se utilizou dos princípios de operação
inversa, percorrendo o caminho contrário aos fatos ocorridos para solucionar o problema, o
127
que causou surpresa e satisfação à professora por dois motivos: primeiro, por ser a primeira
vez, das várias em que se havia proposto o problema em diferentes níveis de ensino, que
alguém se utilizava dessa estratégia tão rapidamente; o outro, mais relevante para a
educadora, porque Paula é uma estudante que, durante as aulas de matemática, não se destaca,
deixando a desejar em seu desempenho, pois interage pouco, não contribui significativamente
durante as análises, quase não fala, assumindo uma postura pouco participativa nas atividades.
No entanto, nesse momento ela se destacou, argumentou e caracterizou-se como uma “boa”
resolvedora de problema.
Referindo-se aos conhecimentos matemáticos, Polya (1995) esclarece que não adianta
ser bom apenas nos cálculos; é preciso também ser um bom resolvedor de problemas, o que
inclui saber organizar as suas estratégias e ter criatividade. Isso a estudante Paula demonstrou
muito bem, criativamente, pois organizou uma boa estratégia e desenvolveu-a com boa
percepção matemática. Com relação às características da estudante, Nacarato e Lopes
esclarecem que
a falta de competências verbais do alunos menos competentes nas aulas de
Matemática verifica-se ser, muitas vezes, uma falsa questão, uma vez que, quando
são confrontados com outros tipo de tarefas, instruções de trabalhos e contratos
(didácticos ou experimentais), estes alunos revelam ter competências que os
professores não consegue identificar em aulas com um contrato didáctico
tradicional (2005, p. 33).
Concordamos com as autoras quanto à manifestação de competências matemáticas
pela prática de atividades diferenciadas das descritas nos contratos didáticos tradicionais, ou
seja, das tradicionalmente contempladas nos programas curriculares. Diante dessa
constatação, evidencia-se a validade de, no planejamento das aulas de matemática, se fazerem
presentes os problemas extracurriculares, além dos tradicionais, e também importantes,
problemas curriculares. De fato, como observado no episódio em análise, o problema
despertou nos estudantes três aspectos desejo-desafio-pluralidade, classificando-se, assim,
como um “verdadeiro” problema matemático, isto é, eles se sentiram motivados a resolvê-los;
encontraram dificuldades no processo de resolução; analisaram, interpretaram, relacionaram
variáveis e utilizaram diferentes estratégias para chegar à solução, de acordo com a
subjetividade inerente de cada um. Entende-se, assim, que os problemas que se relevam para
128
os estudantes como “verdadeiros” podem auxiliar na potencialização do aprendizado e na
apropriação dos significados dos conceitos matemáticos.
É nesse contexto que o episódio convida a refletir sobre o fazer pedagógico do
educador matemático. Logo, é possível questionar: Qual é a visão do professor acerca da
resolução de problemas? Conhece as possibilidades que essa atividade proporciona? É
conhecedor dos diversos tipos de problemas? Sabe quais são as peculiaridades que os
problemas curriculares e extracurriculares podem proporcionar no aprendizado em
modalidade interativa? E ainda, como se apresenta na atualidade seu contrato didático? Está
elaborado de forma a permitir aos estudantes se revelarem como bons resolvedores de
problemas, desenvolvendo sua competência matemática?
Neste capítulo apresentou-se a análise de cinco episódios, organizada em dois eixos
temáticos. Um eixo esteve centralizado na heurística da resolução do problema matemático,
contemplando relevâncias da compreensão do problema; da organização do plano de
estratégias de ação; da execução e da verificação do plano de ação, norteadas principalmente
pelos autores Lester (1980), Polya (1995) e Schoenfeld (1985). Outro eixo centralizou-se nas
peculiaridades do processo de resolução, contemplando relevâncias das características do
problema, da metodologia utilizada e do papel desempenhado pela docente, em que se
destacam como referenciais os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e os autores Brito
(2006), Dante (2003), Onuchic (1999) e (2005), Pereira (2007), Pires (2000) e Wood (2003).
A fim de ponderar, questionar, avaliar e evidenciar relevâncias acerca de variáveis
didáticas potencializadoras do aprendizado e conduzir a reflexões sobre possíveis implicações
pedagógicas, numa análise reflexiva sobre a própria prática, a seguir apresentam-se as ideias
conclusivas desta investigação.
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
Considerando o desenvolvimento desta pesquisa e a análise realizada, apresentam-se
algumas reflexões possíveis dentre o amplo universo de possibilidades de compreensão.
Sabendo-se, segundo a hermenêutica, que todo o processo de interpretação é direcionado para
determinar sentido a algo, toda a análise e as observações deste estudo foram tomadas como
objeto interpretável, numa reflexão que mesclaria experiência como docente matemática,
leituras e aporte teórico que apoiaram o processo investigativo.
Neste estudo pesquisou-se sobre o processo de resolução de problemas matemáticos
segundo uma abordagem qualitativa, aliada ao procedimento de “autoscopia”, em que a
própria professora atuou como pesquisadora. Motivada por inquietudes referentes ao tema, à
relevância das interações no contexto escolar e na busca de refletir sobre a própria ação
pedagógica, optou-se por investigar a problemática: Quais são as variáveis didáticas
pontencializadoras do aprendizado no processo de resolução de problemas matemáticos na
modalidade de interações?
Partindo dessa problemática, o estudo teve por objetivo principal investigar a própria
prática pedagógica como educadora matemática, analisando, na modalidade de interações
ocorridas em situações reais da sala de aula, o processo de resolução de problemas
matemáticos como potencializadores da aprendizagem e do desenvolvimento dos estudantes.
Os problemas apresentados nos cinco episódios analisados fazem parte do
planejamento diário das aulas de matemática da professora pesquisadora. Esses problemas
abordaram conteúdos e noções matemáticas programadas no plano de estudo da série, tais
como equação de grau com uma incógnita, equações com parênteses, propriedades da
igualdade, linguagem simbólica, grandezas proporcionais, razão, proporção, cálculo mental,
conceito de álgebra, de proporcionalidade, de números consecutivos, bem como noções
básicas de adição, subtração, multiplicação, divisão, entre outras inerentes a cada processo de
resolução. Além desses, foram trabalhados outros aspectos relacionados a situações de
interação entre sujeitos, como as atitudes de colaboração, de trabalho em equipe e de
liderança, envolvendo aspectos de discordância, ressignificação, superação, intermediação e
interpretação, que também têm espaço na produção do conhecimento.
No processo de pesquisa, em razão da complexidade da temática, foi necessário
ampliar a reflexão a respeito dos aspectos relevantes da heurística e das peculiaridades do
processo de resolução de problemas. Evidenciou-se a importância de o educador matemático
130
ter conhecimento desses aspectos para poder proporcionar atividades no cotidiano escolar que
possibilitem mais que fixação/revisão de conteúdos, que muitas vezes remetem à simples
reprodução de procedimentos matemáticos ensinados, mas, sobretudo, promovam a
apropriação de novos significados e o desenvolvimento.
Portanto, considera-se desejável que o professor se dedique ao estudo de resolução de
problemas em razão de sua importância para o ensino de matemática, o que se confirma por já
ter se tornado o foco de pesquisa de diferentes educadores, tais como Brito (2006),
D’Ambrósio (2009), Dante (2003), Huamán (2006), Onuchic (2005) e (2009), Pinto (2010),
Pires (2000), Polya (1995), Smole (2001) e Wood (2003). Além disso, atualmente, essa é
uma das tendências da Educação Matemática, com grupos de profissionais dedicados
exclusivamente ao estudo da temática.
Baseando-se nessas considerações, abordam-se as implicações pedagógicas
evidenciadas no processo de análise com base no estudo realizado. No desenvolvimento do
estudo, buscou-se contemplar nos entremeios dos cinco episódios selecionados as relevâncias
do princípio heurístico da resolução do problema; da intervenção docente no momento
apropriado; da resolução do problema na modalidade das interações; das características do
problema; da metodologia utilizada pelo docente no processo de resolução; das contribuições
do problema para o aprendizado e para o desenvolvimento do estudante.
Na análise realizada, observou-se que a compreensão da estrutura do problema,
identificando o que é solicitado, assim como os seus dados e variáveis, viabilizou aos
estudantes, além da esquematização do problema, o estabelecimento de hipóteses de solução.
Na construção de estratégias de resolução estabeleceram-se conexões entre os dados e as
variáveis do problema, momento em que houve aproximação da linguagem corrente com a
linguagem matemática, promovendo a escrita de sentenças matemáticas, a formulação de
equações e algoritmos e possibilitando, assim, a construção de conceitos científicos. Essa
construção, segundo Vigotski, “favorece enormemente o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores” (2000, p. 131), permitindo ao sujeito fazer generalizações e, assim,
ascender para níveis mais elevados de aprendizagem e desenvolvimento.
Constatou-se que, durante o processo de análise das situações e de abstração dos
elementos necessários para estabelecer o plano de estratégias de ação, os estudantes
potencializaram o aprendizado da matemática. Na execução das estratégias foram
identificadas as variadas possibilidades de solução, destacando-se a subjetividade de cada um,
o que favoreceu a reelaboração de estratégias, quando necessário. Na verificação do plano de
ação percebeu-se o quanto essa etapa é fundamental no processo de resolução, pois foi por
131
meio dela que os estudantes encontraram maneiras mais elaboradas de solução e identificaram
a essência do problema, descobrindo a estratégia para utilizar em outros problemas
posteriormente. Portanto, é importante que se constituam no processo de resolução de
problemas as etapas de compreensão, organização do plano de ação, execução e verificação
do plano. Compreende-se, assim, que o uso de heurística na resolução de problemas é
considerado no fazer matemático escolar uma estratégia didática favorecedora e
potencializadora do aprendizado.
Considera-se também como aspecto relevante deste estudo a participação efetiva do
educador nas interações. As intervenções da professora proporcionaram importantes
momentos de diálogos entre e com os estudantes, visto que, por meio de questionamentos,
desafiou-os a trilharem novos caminhos para encontrar as soluções aos problemas e, inclusive,
para a (re)elaboração dos significados de conceitos já adquiridos, avançando nos
conhecimentos matemáticos rumo à apropriação de novos conceitos científicos. Em tais
momentos pode ser constatado como são válidas as intervenções do profissional no cotidiano
escolar quando objetiva que os estudantes construam conhecimento.
Reconhece-se que no contexto escolar a ajuda de todos os sujeitos é relevante, porém a
da professora é, indiscutivelmente, impulsionadora da zona de desenvolvimento proximal e
responsável pela aprendizagem. Entende-se que a ajuda da professora é imprescindível, na
medida em que intermediou pertinentemente a relação estudantes/saber, levando-os a
construir efetivamente significados nos novos conhecimentos, o que suscitou avanços na zona
de desenvolvimento proximal dos estudantes. Com as intervenções, a professora desenvolveu
e enriqueceu as habilidades matemáticas dos estudantes na dinâmica de resolução de
problemas, ficando evidente que por meio dessas se articula e se potencializa o aprendizado.
Aspecto importante deste estudo foram as interações ocorridas entre pares no processo
de resolução dos problemas, auxiliando significativamente os estudantes no processo de
internalização dos conceitos matemáticos. De fato, eles participaram de um processo
dialógico em pequenos e/ou grande grupos, mediados pela liderança e argumentação de
colegas, discutindo as diversas estratégias de solução, o que se configura como um processo
de aprendizagem interpessoal-intrapessoal. Percebeu-se nessa situação que para haver
aprendizagem são importantes as contribuições no âmbito social, que favorecem o
entendimento individual. A socialização de ideias, argumentos, procedimentos, estratégias e
conceitos matemáticos entre os sujeitos possibilitou um efetivo aprendizado, pois durante a
interação social alguns estudantes atuaram como líderes e, desenhando e argumentando com
clareza sua hipótese, tornaram-se porta-vozes da turma, potencializando o aprendizado seu e
132
dos seus colegas. Apoiando-se numa perspectiva vygotskyana, os estudantes intervieram
convenientemente na zona de desenvolvimento proximal de seus colegas, construindo novas e
mais avançadas elaborações.
As características dos problemas influenciaram e muito no interesse e desempenho
dos estudantes, interferindo diretamente no processo de aprendizagem.
Pode-se inferir da
análise que, ao proporcionarem desafios, desejo de resolvê-los e variadas possibilidades de
solução, eles
se sentiram motivados e se empenharam em buscar a solução correta.
Configurou-se, assim, um “verdadeiro” problema matemático, que significa favorecer o
processo ensino-aprendizagem. Por isso,
considera-se importante que um problema se apresente
como
“verdadeiro” ao educando, ou seja,
desperte
-lhe desejo, desafio e sugira diferentes
caminhos de solução, características que potencializam o aprendizado e conduzem à
apropriação e ampliação dos significados dos conceitos matemáticos. Considera-se também
que a proposta pedagógica e o planejamento das atividades de resolução de problemas
matemáticas não sejam apoiados exclusivamente nas listas de problemas retirados dos livros
didáticos, prática comum na rotina das aulas de matemática, mas, sim, que também
contemplem problemas contextualizados, vinculados à realidade dos estudantes, que tenham
como meta o problematizar.
Entende-se que a problematização que atrai a atenção do estudante, desafiando seu
pensamento, engajando-o com motivação a resolvê-la, supera em potencial os objetivos
alcançados por meio das tão comuns listas de problemas convencionais de revisão/fixação,
tradicionalmente frequentes nas aulas de matemática. Também se verifica que, além de
proporcionar no fazer matemático problematizações que viabilizem o aprendizado de
conceitos, conteúdos e procedimentos, devem-se contemplar as que permitam formular
múltiplas possibilidades de solução e valorizar a diversidade de estratégias encontradas pelos
estudantes, segundo o viés da interpretação hermenêutica. Nas situações em que se configura
uma relação entre sujeitos consideram-se de forma simétrica os saberes de cada um, assim
como os do professor. Nesse aspecto reflete-se sobre o quanto é importante que o educador
matemático contemple nos entremeios do seu fazer pedagógico, além do importantíssimo
saber matemático, a premissa de alteridade, a fim de possibilitar a formação de cidadãos.
Apresentam-se argumentos que apontam como diferencial para a potencialização do
aprendizado matemático no processo de resolução, além das já mencionadas, as relevâncias
metodológicas.
Pelas análises que se realizou pode-se apontar que problematizar e matematizar
uma situação real vivenciada conduz os estudantes
a aprenderem e ampliarem procedimentos e
habilidades significativamente,
favorecendo a apropriação do signif
icado de novos conceitos
133
matemáticos. Também se destaca a ideia
endossada por Pires (2000), sobre a importância d
o
entrelaçamento de múltiplos saberes matemáticos, desenhando várias conexões, tecendo no
processo de resolução uma teia de conhecimentos e articulando favoravelmente o aprendizado
do discente. Indica-se ainda a prática pedagógica destacada por Wood (2003) de o educador,
nas atividades propostas, “misturar” os tipos de problemas matemáticos, no caso, curriculares
e extracurriculares, para que os estudantes não se deparem com longas listas de problemas,
que exigem repetitivos procedimentos. Entende-se que a prática desenvolvida, além de aguçar
intensamente a curiosidade e o desempenho dos estudantes, articulação essa mencionada
como potencializadora do aprendizado, desenvolveu a criatividade, impedindo o
desenvolvimento mecânico das regras e dos procedimentos matemáticos; ainda, auxiliou na
percepção da aprendizagem matemática como um processo de construção, capacitando o
resolvedor a apresentar estratégias de solução mais adequadas e muitas vezes surpreendentes.
Merece destaque relatar a respeito da estratégia de variar os tipos de problemas nas
atividades propostas, prática que sempre se utilizou no fazer matemática, ainda que apoiada
numa compreensão intuitiva. Assim, apresentavam-se nos entremeios das atividades os
“desafios matemáticos” e as “charadas matemáticas” como as denominava para ilustrar
problemas que envolvessem procedimentos e estratégias diferentes das solicitadas nos
tradicionais. Foi no ingresso no mestrado, mais especificamente no processo de seleção,
através do contato com a obra de David Wood, Como as crianças pensam e aprendem: os
contextos sociais do desenvolvimento cognitivo, que se fortaleceu o conhecimento e se
ampliou a compreensão a respeito da temática. Por isso, passou-se a intensificar essa prática
nas atividades propostas de resolução de problemas no cotidiano do ensino da matemática,
agora com aporte teórico claro e definido, não mais intuitivo como anteriormente. Desse
modo, pode-se constatar nas análises que a proposição de problemas extracurriculares se
configura com objetivos claros e definidos, visando desenvolver o pensamento lógico e o
raciocínio intuitivo do estudante, que mobiliza, amplia e conecta conceitos e procedimentos
matemáticos. Assim, conduzem-se os estudantes a atingirem os objetivos previstos para a
atividade e a apresentarem estratégias de solução que surpreendam o professor.
Também se entende que o aprendizado matemático ocorreu significativamente no
desenrolar das atividades por se evidenciar que, no universo dos sessenta problemas propostos
nos planos de aula no período de pesquisa, ao matematizá-los, os estudantes construíram e
ampliaram os conceitos matemáticos, demonstrando, gradativamente, maior autonomia na
resolução dos problemas apresentados. Relata-se também que esta pesquisa se caracterizou
como um estudo que ampliou os conhecimentos acerca de resolução de problemas pelo viés
134
da Educação Matemática, além de permitir que se refletisse sobre possibilidades e
necessidades de mudanças na ação pedagógica como educadora-pesquisadora. Referindo-se à
ampliação de conhecimentos, destaca-se a importância de representar o mesmo problema de
forma multifacetária, ou seja, por meio de diferentes representações, entendimento que se
apoia em Moretti (2010), quando esclarece que variadas representações do mesmo problema
potencializam – e muito – a capacidade do estudante de resolver o problema matemático.
Refletindo sobre as análises e o papel da educadora segundo o viés da prática
reflexiva/ professor reflexivo, destaca-se a relação dialógica entre sujeitos. Entende-se que as
variáveis didáticas que neste estudo se configuraram como potencializadoras do aprendizado
caracterizam um rompimento com alguns aspectos do contrato didático tradicional, tão
comum nas aulas de matemática. Por isso, concorda-se plenamente com Nacarato e Lopes
(2005) quando esclarecem que os estudantes relevam competências e habilidades que
surpreendem os professores, mas isso só ocorre se forem possibilitados momentos e
movimentos no fazer pedagógico que contemplem aspectos de um contrato não tradicional.
Este estudo pode gerar outros, que contribuam com o fazer matemático no que tange
ao favorecimento da aprendizagem. Entende-se ser relevante identificar as variáveis didáticas,
a fim de utilizá-las para potencializar o aprendizado. Também é importante o educador refletir
e questionar: Quais são as cláusulas que devem constar no contrato didático do educador
matemático quando objetiva usufruir eficazmente dessas variáveis no seu fazer matemático?
Conclui-se, portanto, essa reflexão não com o tradicional ponto final, e sim com o de
interrogação, por se compreender que são os questionamentos que movimentam estudos e
proporcionam avanço na educação.
135
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ZEICHNER, Kenneth M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa:
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WOOD, David. Como as crianças pensam e aprendem: os contextos sociais do
desenvolvimento cognitivo. São Paulo: Loyola, 2003.
143
APÊNDICES
144
Apêndice A – Autorização Institucional
À Direção do Colégio São José
Para fins de estudo de pesquisa em Educação Matemática e para coletar dados para
dissertação de mestrado em Educação pela Universidade de Passo Fundo, orientada pela
professora Dra. Neiva Ignês Grando, eu, Magda Cristina Santin Hübner, gostaria de realizar
uma pesquisa referente à Resolução de problemas – uma via potencializadora da apropriação
dos significados dos conceitos matemáticos, com os estudantes da série, turma 63/2009 do
Colégio São José de Erechim-RS, no período de setembro a novembro de 2009. Para tanto,
necessito do consentimento formal da direção da escola, para que o projeto seja aplicado.
Esclareço que será emitido aos pais um termo semelhante, para que compreendam os
objetivos e os métodos a serem utilizados e autorizem seus filhos a participar do trabalho de
pesquisa.
Através da carta de apresentação e termo de autorização emitida aos pais ou
responsáveis dos estudantes, os mesmos poderão autorizar ou não a participação dos seus
filhos na coleta de dados, que será efetuada através de filmagem e gravação em áudio,
referentes às atividades rotineiras das aulas de matemática de minha prática docente, no que
tange à resolução de problemas matemáticos.
A pesquisa será realizada após recebimento do termo de autorização assinado pelos
pais ou responsáveis. É importante salientar que a coleta de dados da pesquisa não implicará
gastos, riscos ou desconfortos aos participantes ou para a escola.
Esclareço que as atividades do objeto de pesquisa serão realizadas em sala de aula e se
referem ao conteúdo programático estabelecido no Regimento Escolar.
Os dados coletados para a pesquisa não serão identificados para garantir o sigilo e a
privacidade dos envolvidos. Os resultados serão utilizados para fins de estudos científicos,
pesquisa e apresentação de artigos em congressos das áreas de Educação e Educação
Matemática, para aprimoramento, aperfeiçoamento e reflexão docente do processo ensino-
aprendizagem.
Desde já agradeço.
Atenciosamente
______________________________________
Magda Cristina Santin Hübner
Professora de Matemática, mestranda pela Universidade de Passo Fundo.
______________________________________
Assinatura da Direção do Colégio São José
Erechim, _____ de ____________ de 2009.
145
Apêndice B – Carta de apresentação aos pais
Senhores Pais ou responsáveis
“Por meio da experiência já adquirida da humanidade,
deve o educador traçar o roteiro do desenvolvimento individual,
dirigir o seu curso, corrigir os seus desvios,
acelerar a sua marcha, assistir, enfim,
em todos os passos, a obra da educação,
de que é o guarda e o responsável”.
Anísio Teixeira
Para fins de estudo de pesquisa em Educação Matemática e para coletar dados para
adissertação de mestrado em Educação pela Universidade de Passo Fundo, orientada pela
professora Dra. Neiva Ignês Grando, eu, Magda Cristina Santin Hübner, realizarei uma
pesquisa referente à Resolução de problemas uma via potencializadora da apropriação dos
significados dos conceitos matemáticos, com os estudantes da série, turma 63/2009, do
Colégio São José de Erechim-RS, no período de setembro a novembro de 2009.
Assim, solicito a autorização dos senhores pais ou responsáveis para a participação
dos seus filhos na coleta de dados da pesquisa, que será realizada através de filmagem e
gravação em áudio, referentes às atividades rotineiras das aulas de matemática de minha
prática docente, no que tange à resolução de problemas matemáticos.
É importante salientar que a coleta de dados da pesquisa não implicará gastos, riscos
ou desconfortos aos participantes. Esclareço que as atividades do objeto de pesquisa serão
realizadas em sala de aula e se referem ao conteúdo programático estabelecido no Regimento
Escolar.
Os dados coletados para a pesquisa não serão identificados para garantir o sigilo e a
privacidade dos participantes envolvidos nesta pesquisa. Os resultados serão utilizados para
fins de estudos científicos, pesquisa e apresentação de artigos em congressos das áreas de
Educação e Educação Matemática, para aprimoramento, aperfeiçoamento e reflexão docente
do processo ensino-aprendizagem.
Conto com a colaboração dos senhores.
Atenciosamente
_________________________________________
Magda Cristina Santin Hübner
Professora de Matemática e estudante de mestrado pela Universidade de Passo Fundo
146
Apêndice C – Termo de autorização
TERMO DE AUTORIZAÇÃO
Senhores pais ou responsáveis
Eu, professora Magda Cristina Santin Hübner, peço aos senhores, autorização para
realizar junto a seus filhos um trabalho de pesquisa que servirá para análise do meu trabalho
de dissertação de Mestrado em Educação que estou cursando na Universidade de Passo
Fundo. A pesquisa conta com filmagem e gravação de atividades das aulas de matemática.
Esclareço que as atividades realizadas em aula serão referentes ao conteúdo
programático estabelecido no Regimento Escolar, que o nome dos seus filhos não se
incluído na referente pesquisa e que as atividades pedagógicas serão desenvolvidas conforme
determina a lei que rege a educação brasileira.
Conto com sua colaboração.
Atenciosamente
________________________
Magda Cristina Santin Hübner
Nome do estudante:________________________________________
Autorizo: ( ) Sim ( ) Não
Erechim, _____ de ____________ de 2009.
________________________________________
Assinatura dos pais ou responsáveis
147
ANEXOS
148
Anexo A – Material entregue aos estudantes: Problema 1
Mostre que você é feraaa!!!
Resolva os seguintes problemas:
A idade do pai é igual ao triplo
da idade de seu filho.
Qual é a idade de cada um, sabendo que
juntos eles têm 60 anos?
Numa caixa há bolas brancas e bolas
pretas num total de 360.
Se o número de brancas é o quádruplo do
de pretas, quantas bolas brancas há?
Tenho 5 anos a mais que meu amigo e
juntos temos 71 anos.
Quantos anos eu tenho?
O perímetro de um retângulo mede 74 cm.
Quais são suas medidas, sabendo-se que o
comprimento tem 5 cm a mais que a
largura?
Num estacionamento há carros e motos,
totalizando 78. O número de carros é igual
a 5 vezes o de motos.
Quantos carros há no estacionamento?
As medidas indicadas no triângulo estão
em centímetro e o seu perímetro é 50 cm.
x
4
(
)
22
+
x
(
)
32
+
x
Qual é:
a) O valor de x?
b) A medida da cada lado?
c) A área do triângulo?
Fonte: Livro didático de Matemática de Silveira e Marques (2008).
149
Anexo B – Material entregue aos estudantes: Problema 2
Leia com atenção a situação dada, verificando o que se
conhece e o que se vai determinar.
Represente um valor desconhecido por uma letra.
Escreva uma equação envolvendo essa letra, seguindo as
informações da situação.
Resolva a equação, obtendo o valor da letra.
Faça a verificação, conferindo se acertou.
Escreva a resposta.
Sugestão: Você pode resolver inicialmente estes problemas sem usar equações
e depois, num segundo momento, use equações.
1) A soma de três números inteiros e consecutivos é igual a 54. Quais são esses números?
2) A soma de dois números ímpares consecutivos é 264. Quais são esses números?
3) A professora Magda reservou 10 folhas de papel sulfite para cada estudante da turma
61. Como naquele dia faltaram 5 estudantes, foi possível dar 12 folhas para cada um
dos que compareceram. Qual é o número de folhas de papel sulfite distribuídas pela
professora Magda?
4) Diminuindo 6 anos da idade de minha filha obtém-se os
53
de sua idade.
Qual é a idade da minha filha?
Fonte: Livro didático de Matemática de Giovanni e Castrucci (2007).
Dicas importantes para equacionar e resolver o
s problemas.
150
Anexo C – Elaborações dos estudantes: Problema 3
151
Fonte: Caderno de Matemática dos estudantes (2009).
152
Anexo D – Material entregue aos estudantes: Problema 4
A persistente lesma!!!
A persistente lesma!!!A persistente lesma!!!
A persistente lesma!!!
Uma lesma está no fundo de um poço de 12 metros de
profundidade. Durante o dia sobe 5 metros e, à noite,
dormindo, escorrega 3 metros. Depois de quantos dias
chegará em cima do poço?
Tarefa de casa!
Tarefa de casa!Tarefa de casa!
Tarefa de casa!
1) Carlos é um estudante da 6ª série muito apressado. Cometeu um equívoco na
resolução da seguinte equação. Veja:
7
2
6
9
=
+
x
x
11
11
=
x
1
=
x
{
}
1
=
S
Observe atentamente a resolução de Carlos e em seguida resolva corretamente
a equação apresentada, justifique sua resolução e circule a linha em que Carlos
cometeu o equívoco.
2) O dobro de um número, mais a próprio número, resulta 21. Qual é esse
número?
3) O perímetro do retângulo ao lado é igual a 58 cm.
Descubra as medidas do comprimento,
da largura e
a área da região retangular.
2
+
x
1
3
x
Fonte: Livros didáticos e o paradidático de Matemática de Dante (2003).
12m
mm
153
Anexo E – Material entregue aos estudantes: Problema 5
Mais um enigma para se resolver online
Mais um enigma para se resolver onlineMais um enigma para se resolver online
Mais um enigma para se resolver online
Um homem chega numa igreja que tem 3 santos, ele se dirige até o primeiro
santo e fala:
- Se você dobrar o que eu tenho no bolso, lhe dou 20 reais.
O santo dobra o que ele tem no bolso e o homem lhe dá os 20 reais para e parte
para o segundo santo, e fala:
- Se você dobrar o que eu tenho no bolso, lhe dou 20
reais.
O santo dobra o que ele tem no bolso e o homem lhe dá
os 20 reais e parte para o terceiro santo. Ao chegar,
ele fala:
- Se você dobrar o que eu tenho no bolso, lhe dou 20
reais.
O santo dobra o que ele tem no bolso e o homem dá os 20 reais para o santo e
fica sem nada no bolso.
Pergunta: Como pôde ele dobrar 3 vezes o que tinha no bolso e acabar duro? Com
quanto dinheiro o homem chegou na igreja?
A resposta está no arquivo anexo. Para abri-lo deverá digitar o resultado.
O número correto é a senha para abrir o arquivo.
ADOREI, TENTEM AÍ, MEU NOME JÁ TÁ NO FINAL DA LISTA
Obs.: A resposta deve ser digitada com a vírgula, mas sem o R$ 00,00
Fonte: E-mail enviado por um estudante para a professora (2008).
154
H879e Hübner, Magda Cristina Santin
Educação matemática : processo de resolução de problemas no
contexto escolar / Magda Cristina Santin Hübner. – 2010.
153 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Passo
Fundo, 2010.
Orientação: Profª. Drª. Neiva Ignês Grando.
1. Educação. 2. Matemática – Estudo e ensino. 3. Matemática –
Problemas, exercícios, etc. I. Grando, Neiva Ignês, orientadora. II.
Título.
CDU: 372.851
Bibliotecária responsável Priscila Jensen Teixeira - CRB 10/1867
Livros Grátis
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