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MARIANA MURTA BARBOSA DE PAULA
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E TURISMO NO
BRASIL PÓS 1995:
planejamento governamental e padrão espacial
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal
Rio de Janeiro
2009
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P324d Paula, Mariana Murta Barbosa de.
Desenvolvimento desigual e turismo no Brasil pós
1995 : planejamento governamental e padrão espacial /
Mariana Murta Barbosa de Paula. – 2009.
138 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientador: Jorge Luiz Alves Natal.
Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2009.
Bibliografia: f. 131-138.
1. Turismo – Brasil. 2. Turismo e Estado - Brasil.
I. Natal, Jorge Luiz Alves. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional. III. Título.
CDD: 338.4791
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Mariana Murta Barbosa de Paula
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E TURISMO NO BRASIL PÓS 1995:
PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL E PADRÃO ESPACIAL
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre.
Banca examinadora
_______________________________________
Profº Dr. Jorge Luiz Alves Natal - Orientador
UFRJ – IPPUR
________________________________________
Profº Dr. Neio Lúcio de Oliveira Campos
UnB – CET – GEA
________________________________________
Profº Dr. Hermes Magalhães Tavares
UFRJ – IPPUR
2
Dedico esta dissertação de mestrado a Clara,
minha afilhada, cujo olhar curioso me encanta
e ensina...
3
AGRADECIMENTOS
Nada mais apropriado, num Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e
Regional, do que agradecer aos lugares meus.
Em primeiro lugar, dentro e fundo, nas palavras de Drummond, agradeço às Minas Gerais, de
onde vem a minha família – os Murtas e os de Paula – e um melhor entendimento da palavra
tradição. Tradição no sentido da alegria de saber pertencer, de valorizar e cuidar dessa união
tão bonita que aprendi ali. Cabe um agradecimento especial à minha mãe pela revisão
cuidadosa desta dissertação e pelo rico intercâmbio de ideias.
Agradeço também a Brasília, cidade de linhas retas e elegantes, minha casa durante 27 anos e
onde aprendi a abraçar o plural, a aceitar, a respeitar e finalmente a apreciar o que é alheio a
mim. Brasília, como insisto, é lugar cosmopolita, que me brindou com amigos para a vida. E
sem eles nada seria possível.
Agradeço ainda ao Rio de Janeiro, que tão generosamente me acolheu e me ofereceu este
Programa genial que tanto respeito, com professores e colegas inesquecíveis. Deixo aqui
também os meus agradecimentos ao meu orientador, o Profº Jorge Natal, pelas aulas
memoráveis e pela leitura precisa do texto, e ao CNPq, cujo apoio foi fundamental para a
realização desta pesquisa. Um especial obrigada à empresa LVA, laboratório estimulante de
idéias e pessoas, onde tenho aprendido todos os dias sobre os desafios e possibilidades da
práxis.
4
RESUMO
O discurso do planejamento governamental de turismo no Brasil proclama a capacidade do
setor em contribuir para a redução das desigualdades regionais do país. No entanto, alguns
autores advogam que em um contexto de descentralização política, de competitividade e
seletividade entre lugares, tende-se ao aprofundamento das assimetrias historicamente
constituídas. Esta pesquisa teve como objetivo investigar a influência do planejamento
governamental do turismo no padrão espacial da atividade a partir de 1995, verificando as
tendências de concentração/desconcentração no território nacional e sua atuação em áreas
deprimidas. O recorte temporal foi feito em função dos últimos programas responsáveis pela
descentralização da política e pela definição e organização do ‘espaço turístico’ nacional: o
Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT) (1994 a 2002), o Programa
Nacional de Regionalização do Turismo (PNRT) (2003 a 2009) e o Programa de
Desenvolvimento Regional do Turismo (Prodetur) (1994 a 2009). Para alcançar os objetivos
propostos foram realizadas: retrospectiva dos instrumentos de planejamento governamental do
turismo, avaliação dos resultados dos Programas supramencionados e do padrão espacial do
setor, mediante revisão teórica, pesquisa documental e análise de indicadores
socioeconômicos, da política setorial e da atividade turística, por macrorregião, estado e
Distrito Federal. Do cruzamento e da interpretação destes indicadores, concluiu-se que, de
forma geral, a espacialização resultante do PNMT e do PNRT não priorizou áreas com baixo
IDH e tampouco aquelas de baixo dinamismo turístico. O Prodetur, por sua vez, concentrou
investimentos no Nordeste, o que pode explicar em parte a significativa evolução do turismo
na região durante o período analisado.
Palavras-chave: Turismo. Desenvolvimento desigual. Planejamento governamental.
5
ABSTRACT
Tourism planning in Brazil boasts about the power of the sector to contribute towards the
reduction of regional inequalities in the country. Some scholars, however, defend the view
that in a framework of political decentralization, of competition and selectivity among places,
the historically asymmetries tend to deepen themselves. This research investigates the
influence of governmental planning of tourism on the spatial pattern of the activity since
1995, analyzing the tendencies of concentration and deconcentration, as well as its impact on
deprived areas. The temporal cut is justified by the latest official programmes which were
responsible both for the decentralization of policies and for the definition and organization of
the national “tourism space”: the National Programme of Municipalization of Tourism
(PNMT-1994-2002), the National Programme of Regionalization of Tourism (PNRT-2003-
2009), and the Programme for Regional Tourism Development (Prodetur-1994-2009). In
order to reach the proposed goals this study encompassed a retrospective of the main
instruments of Brazilian tourism planning, an evaluation of the results of the referred
programmes, and of the spatial pattern of the sector, through a theorethical review,
documental research and the analysis of socioeconomic indicators, of sector policies and of
the tourist activity, by macroregion and by the states of the federation plus Federal Disctrict.
From crossing data and interpretation of the resulting indicators, it was concluded that in
general the spatialization resulting from PNMT and PNRT did not give priority to areas with
low HDI nor to those with low tourism dynamism. On the other hand, Prodetur concentrated
investments in the Northeast of the country, which can explain the significant evolution of
tourism in the region during the period under study.
Palavras-chave: Tourism. Uneven Development. Government planning.
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Participação do PIB por Macrorregião 1985-2004 .................................................24
Gráfico 2: Percentual de distribuição do PIB (2004) e taxa de crescimento (1995-2004), por
UF.............................................................................................................................................25
Gráfico 4: IDH-M 1991 e 2000, por UF...................................................................................27
Gráfico 5: Chegadas de turistas em 2007, por regiões e sub-regiões mundiais.......................30
Gráfico 6: Entrada de turistas no Brasil – 1970 a 2007............................................................35
Gráfico 7: Distribuição percentual dos municípios turísticos e com potencial turístico do
PNMT, por estado ....................................................................................................................68
Gráfico 8: Número de municípios engajados no PNMT e não turísticos, por estado e
macrorregião.............................................................................................................................70
Gráfico 9: Grau de aproveitamento turístico estadual, segundo municípios engajados no
PNMT.......................................................................................................................................71
Gráfico 10: Distribuição do número de regiões e municípios turísticos do Programa de
Regionalização, por macrorregião (2009)................................................................................77
Gráfico 11: Distribuição percentual de regiões e municípios turísticos do Programa de
Regionalização, por estado.......................................................................................................78
Gráfico 12: Distribuição do número de municípios turísticos e não turísticos, segundo o
Programa de Regionalização, por estado..................................................................................79
Gráfico 13: Investimento total do Prodetur/NE I, por estado e fonte (em US$ mil)................88
Gráfico 14: Distribuição percentual dos municípios engajados no Prodetur/NE II, por estado
..................................................................................................................................................92
Gráfico 15: Distribuição dos investimentos do Prodetur/NE II (em US$ mil), por estado e
fonte..........................................................................................................................................93
Gráfico 16: Distribuição do investimento total do Prodetur Nordeste (em US$ mil), por
estado, fase e fonte ...................................................................................................................94
Gráfico 17: Distribuição dos investimentos previstos do Prodetur Nacional (em US$ mil), por
estado e fonte............................................................................................................................96
Gráfico 18: Estados prioritários e não prioritários para o planejamento governamental do
turismo......................................................................................................................................99
Gráfico 20: Distribuição da mão de obra ocupada nas ACTs em 2006, por estado...............106
Gráfico 21: Evolução da distribuição do número de estabelecimentos ‘hotéis e similares’, por
região e ano.............................................................................................................................108
Gráfico 22: Taxa de crescimento dos estabelecimentos ‘hotéis e similares’, por estado e ano
................................................................................................................................................109
7
Gráfico 23: Evolução da distribuição do número de estabelecimento ‘hotéis e similares’, por
estado e ano ............................................................................................................................110
Gráfico 25: Evolução da entrada de turistas internacionais no Brasil, por macrorregião e ano
................................................................................................................................................112
Gráfico 26: Evolução da entrada de turistas internacionais no Brasil, por estado e ano........113
Gráfico 24: Taxa de crescimento da entrada de turistas internacionais no Brasil, por estado e
período....................................................................................................................................114
Gráfico 29: Distribuição do número de pacotes ofertados pelos associados da Braztoa, por
região......................................................................................................................................116
Gráfico 30: Estados consolidados e estagnados, segundo indicadores de mão de obra,
estabelecimentos e produtos...................................................................................................118
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000, por município.....................28
Mapa 2: Regionalização do turismo 2009................................................................................76
Mapa 3: 65 destinos indutores de desenvolvimento turístico regional.....................................81
Mapa 4: Pólos do Prodetur/NE II.............................................................................................91
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Periodização do planejamento governamental do turismo.......................................40
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BRAZTOA – Associação Brasileira de Operadoras de Turismo
CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CNTur – Conselho Nacional de Turismo
CONFIEX – Comissão de Financiamentos Externos do Governo Federal
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
CVSF – Comissão do Vale do São Francisco
DPF – Departamento de Polícia Federal
EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo
EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FINAM – Fundo de Investimento da Amazônia
FINOR – Fundo de Investimento do Nordeste
FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômica
FISET – Fundo de Investimentos Setoriais
FUNGETUR – Fundo Geral de Turismo
GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
HDI – Human Development Index
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
OMT – Organização Mundial de Turismo
PDITS – Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
PIB – Produto Interno Bruto
PLANTUR – Plano Nacional de Turismo de 1992
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNMT – Programa Nacional de Municipalização do Turismo
PNRT – Programa Nacional de Regionalização do Turismo
9
PNT/2003 – Plano Nacional de Turismo de 2003
PNT/2007 – Plano Nacional de Turismo de 2007
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPA – Plano Plurianual
PRODETUR – Programa de Desenvolvimento Regional do Turismo
PRODETUR/NE I – Primeira fase do Prodetur Nordeste
PRODETUR/NE II – Segunda fase do Prodetur Nordeste
PROECOTUR – Programa para o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia
Legal
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais
RINTUR – Roteiro de Informações Turísticas
SNT – Sistema Nacional de Turismo
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TVA – Tenessee Valley Authority
UNDP – United Nation Development Programme
WTTC – World Travel and Tourism Council
10
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 15
INTRODUÇÃO – DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E
TURISMO: REPERCUSSÕES ESPACIAIS NO BRASIL E
NO MUNDO .................................................................................................. 18
1. INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL
DO TURISMO: INSTITUCIONALIZAÇÃO, ESTRATÉGIA DE
DESENVOLVIMENTO E ESPACIALIZAÇÃO – EIXOS
ESTRUTURANTES PARA UMA RETROSPECTIVA ............................ 41
1.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE TURISMO:
CONSOLIDAÇÃO DO PODER CENTRAL E
DESCENTRALIZAÇÃO ................................................................................ 45
1.1.1 Consolidação do poder central: o planejamento turístico
apropriado pelo Estado brasileiro ...............................................................
.
45
1.1.2 Descentralização e desregulamentação: a emergência
de novos atores ............................................................................................... 47
1.2 A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO:
CRESCER E DISTRIBUIR ............................................................................
.
52
1.2.1 Desenvolvimento desigual e a questão distributiva:
segmentação e incentivos públicos ...............................................................
.
57
1.3 A ESPACIALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO:
ESCALAS EM DISPUTA ..............................................................................
.
63
2. A DEMARCAÇÃO DO ‘ESPAÇO TURÍSTICO’ NACIONAL
PELO PODER PÚBLICO ............................................................................ 70
2.1 PROGRAMA NACIONAL DE MUNICIPALIZAÇÃO DO
TURISMO (PNMT): MUNICÍPIO TURÍSTICO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL ...................................................................
.
70
2.2 PROGRAMA DE REGIONALIZAÇÃO DO TURISMO:
REGIÃO TURÍSTICA E INTEGRAÇÃO ...................................................... 77
2.3 PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO
TURISMO (PRODETUR): PÓLO TURÍSTICO E
HOMOGENEIZAÇÃO ...................................................................................
.
90
2.4 2.4 SÍNTESE DOS RESULTADOS: NOTAS SOBRE
HEGEMONIA E A NATUREZA DO ‘ESPAÇO TURÍSTICO’ ...................
.
101
3. A EVOLUÇÃO DO PADRÃO ESPACIAL DO TURISMO
NO BRASIL A PARTIR DE 1995: UMA AVALIAÇÃO DE
INDICADORES TURÍSTICOS ................................................................... 106
CONCLUSÃO ................................................................................................. 123
REFERÊNCIAS...............................................................................................
.
129
11
APRESENTAÇÃO
Historicamente, o capitalismo avança criando desigualdades sociais, setoriais e
espaciais. O setor de turismo é particularmente afetado por esse processo, distribuindo-se no
espaço mundial, nos países e regiões de forma assimétrica. Ao mesmo tempo, o setor ganhou
força econômica e política nas últimas décadas com a promessa de valorizar lugares e regiões
e de torná-los mais competitivos frente à economia-mundo, sobretudo nos ditos países
periféricos.
No Brasil, mais especificamente, o turismo penetrou efetivamente na agenda pública
na década de 1960 e desde então foram criados instrumentos de planejamento com o
propósito de aproveitar o potencial econômico do setor e contribuir para a mitigação dos
desequilíbrios sociais e espaciais existentes no país. O discurso político parte do princípio que
o turismo, não obstante a sua própria ocorrência concentrada no território, teria a capacidade
de levar desenvolvimento às regiões menos dinâmicas, elevando seus padrões de qualidade
socioeconômica. O Plano Nacional de Turismo de 2003, por exemplo, repete sete vezes a
importância do setor para a diminuição das desigualdades regionais.
Assim, muitos programas foram lançados no sentido de desenvolver a atividade
turística e distribuí-la no território. Ao fazer isso, eles concederam uma espacialidade própria
para o setor, privilegiando diferentes recortes e porções territoriais. A tendência
descentralizadora consagrada na Constituição Federal de 1988 teve impactos profundos na
determinação desta espacialidade. Desde 1995, a política de turismo no Brasil vem sendo
intensamente descentralizada, tendo como resultado a participação crescente dos estados,
municípios e da iniciativa privada. Isto fez emergir uma geopolítica de grande
competitividade, cuja lógica é concorrer por recursos internacionais e nacionais no sentido de
implementar infraestrutura e atrair a iniciativa privada, disputando a atenção de grandes
corporações e governos.
Diversos autores apontam que em um quadro de descentralização política e de
competitividade entre os lugares, o território nacional sofre fragmentação e aprofundamento
de suas desigualdades (BRANDÃO, 2003; ARAÚJO, 1999; DINIZ, 2000; PACHECO,
1998).
É oportuno, pois, investigar como se deu a construção do planejamento público do
turismo no Brasil e compreender a visão de desenvolvimento ali contida. Cabe perguntar
12
quais são as possibilidades que o turismo tem de efetivamente contribuir para reverter o
quadro de profundas desigualdades espaciais, histórica e socialmente construídas, e como as
políticas governamentais se posicionaram e impactaram o padrão espacial do turismo no
Brasil nos últimos anos.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar a influência da política pública setorial
de turismo no padrão espacial da atividade a partir de 1995, verificando as tendências de
concentração/desconcentração do turismo no território nacional e a sua atuação em áreas
deprimidas. Para isso foram focalizados três elementos principais:
a) As desigualdades espaciais do país;
b) a definição, delimitação e priorização do ‘espaço turístico’ brasileiro pelo
planejamento governamental do setor;
c) o padrão espacial e a dinâmica do turismo no território brasileiro.
Do diálogo entre esses três blocos de investigação resultam as respostas às seguintes
questões fundamentais: a espacialização levada a cabo pelo planejamento governamental de
turismo priorizou regiões com baixos indicadores socioeconômicos?; esta espacialização
guardou correspondência com as regiões onde o turismo está mais avançado?; e, as regiões
mais dinâmicas e consolidadas do ponto de vista turístico correspondem àquelas mais
‘desenvolvidas’?
O recorte temporal foi feito em função dos últimos programas de corte espacial do
planejamento governamental do turismo, cujos objetivos incluíam a descentralização da
política e a definição do ‘espaço turístico’ nacional: o Programa Nacional de Municipalização
do Turismo (PNMT) (1994 a 2002), o Programa Nacional de Regionalização do Turismo
(PNRT) (2003 a 2009) e o Programa de Desenvolvimento Regional do Turismo (Prodetur)
(1994 a 2009). Apesar de todos eles serem resultado e condicionante da descentralização, é
curioso notar que os Programas governamentais responsáveis pela espacialização do setor
sofrem rupturas e permanências e divergem no que se refere à figura do gestor, à escala e ao
método de atuação.
Para alcançar os objetivos propostos foi realizada uma retrospectiva dos instrumentos
de planejamento governamental do turismo, a avaliação dos resultados dos Programas
supramencionados e da evolução do padrão espacial do turismo no Brasil durante o período
proposto, buscando intersecções, divergências e convergências. Isto foi realizado mediante
pesquisa documental, revisão teórica e a avaliação de indicadores socioeconômicos, da
13
política setorial e da atividade turística propriamente dita, por macrorregião, estado e Distrito
Federal.
A introdução que segue na próxima página apresenta as premissas teóricas assumidas
no trabalho, discutindo a natureza do desenvolvimento desigual, sua repercussão no Brasil e
no setor de turismo, bem como a sua relação com as políticas públicas. Para isso, foi traçado
um breve panorama sobre a concentração/desconcentração produtiva no Brasil e sobre a
dinâmica do turismo mundial, a distribuição do fluxo turístico global e o posicionamento do
país nesse sistema.
O primeiro capítulo traça uma retrospectiva dos instrumentos de planejamento
público do turismo a partir de 1966, ano em que se celebra a primeira política do setor no
Brasil. A análise em questão foi realizada mediante a eleição de eixos estruturantes para a
análise documental, que apontam para i) a institucionalização da política pública de turismo,
ii) a estratégia de desenvolvimento e iii) a espacialização do planejamento.
O segundo capítulo descreve em detalhe o PNMT, o Prodetur e o Programa de
Regionalização do Turismo, aprofundando a avaliação de seus resultados espaciais por
macrorregião e estado, a partir de indicadores de municípios (e outros recortes) engajados e de
recursos alocados, no caso do Prodetur.
Finalmente, o terceiro capítulo trata da evolução do padrão espacial da atividade
turística de 1995 a 2007, mediante análise de indicadores relativos às ocupações, fluxos,
equipamentos e produtos turísticos, desagregados por estado e macrorregião.
Por fim, na conclusão, são traçadas as convergências entre as análises realizadas,
verificando o impacto espacial dos programas no território nacional, buscando sua relação
com as áreas de menor dinamismo socioeconômico e turístico.
14
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E TURISMO: REPERCUSSÕES ESPACIAIS NO
BRASIL E NO MUNDO
A desigualdade é a "lei mais geral do processo histórico"
(TROTSKY apud NOVACK, 1988)
Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
74,7% da população do planeta vive em países com PIB per capita abaixo da média mundial
anual, de US$ 9.316. O resultado é, no extremo, a existência de países com PIB per capita 274
vezes maiores que outros, a exemplo de Luxemburgo (US$ 77.089) e da República
Democrática do Congo (US$ 281). Esta disparidade tende a aumentar se considerada as altas
taxas de natalidade dos países mais pobres. As pessoas que nascem em países situados nos
primeiros 20 lugares do ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
1
possuem esperança de vida de pelo menos 80 anos e taxa de analfabetismo adulto próximo a
zero, enquanto nos países posicionados ao final da lista a expectativa de vida cai para 49 anos,
sendo dois em cada três adultos analfabetos. Isto significa que uma criança nascida hoje em
certos países tem chance de viver até duas vezes mais do que aquela nascida na Zambia, por
exemplo (UNDP, 2008).
O capitalismo avança criando desigualdades. Isto é, alguns grupos sociais, setores e
territórios colhem os frutos do crescimento econômico (oriundos de um mercado cada vez
mais ‘globalizado’), enquanto outros não se apropriam de seus benefícios. O desenvolvimento
socioespacial é, portanto, essencialmente assimétrico.
Esta abordagem encontra-se do lado oposto da teoria clássica, cuja concepção
“equilibrista” acredita que as distorções e desigualdades são naturalmente corrigidas pelo
progresso do capitalismo, isto é, pelas leis de mercado da oferta e demanda
2
. O debate se
esgotava em uma questão de distribuição locacional, “em um ambiente não construído, mas
1
O IDH mede o desempenho médio em três dimensções básicas do desenvolvimento humano: uma vida longa e
saudável, acesso ao conhecimento e um padrão desente de vida. Quanto às limitações inerentes ao índice em
questão, o PNUD afirma: “At the heart of the human development concept is equality of opportunities for all
groups in society: rich and poor alike. The reality is that in many societies inequalities are widespread. (…) the
HDI, as an aggregate index, masks these disparities between rich and poor, and women and men, in terms of
access to education, health and a decent standard of living. A country may perform well in the aggregate HDI
even if its people experience large disparities in opportunities” (UNDP, 2008, p. 52).
2
A economia clássica é uma tradição de pensamento que remonta a David Ricardo e Adam Smith. No plano
espacial, pode-se dizer que ela se expressa na teoria da localização, inclusive com a elaboração de modelos de
desenvolvimento equilibrado, segundo a qual as atividades econômicas se distribuem no espaço de forma ótima,
levando progressivamente desenvolvimento a todos os setores e lugares.
15
dado “naturalmente”, inerte, isto é, conformado pelas leis mercantis, sendo apenas o receptor
de decisões individuais” (BRANDÃO, 2003, p. 26). Segundo Brandão, foi essa concepção
que norteou o perfil dos estudos da chamada ciência regional, com foco no tamanho do
mercado e nas distâncias e que teve como expoentes, Von Thunen, Alfred Weber, Walter
Christaller, entre outros.
Existem duas grandes correntes teóricas que assumem o desenvolvimento espacial
como essencialmente desequilibrado. A primeira delas surgiu na década de 1950 com Myrdal
e Perroux, que criticavam a abordagem clássica sem, contudo, abandoná-la completamente.
Com inspiração Keynesiana, tais autores assumiram um perfil reformista, propondo ao Estado
capitalista soluções voltadas ao planejamento do território com vistas à redução das
disparidades espaciais neles existentes. Tanto Myrdal como Perroux, acreditavam que o
desenvolvimento é um processo de desequilíbrio ou equilíbrio instável, determinando a
existência de centros e áreas que exercem efeitos propulsores ou de impulsão, de um lado, e
regressivos ou de frenagem, de outro
3
(TAVARES, 1987; DINIZ, 2001; PERROUX, 1977,
BRANDÃO, 2003). Segundo Brandão (2003), a riqueza destes autores
reside na perspectiva avançada do tratamento analítico destas macrodecisões por um
agente privilegiado – o Estado ou outra unidade dominante (a grande empresa, por
exemplo) – em um contexto ou ambiente econômico resultante da interação de uma
pluralidade de decisões cruciais. Seria o Estado o agente privilegiado para avaliar e
realizar a síntese das inúmeras cadeias de reações provocadas pelas múltiplas
decisões (BRANDÃO, 2003, p. 33)
Para Myrdal e Perroux, a intervenção estatal seria necessária para conter esses
últimos efeitos negativos, diminuindo as desigualdades espaciais. Os dois autores convergem,
portanto, na crença do aprimoramento do capitalismo mediante a atuação do Estado
4
. No
entanto, Tavares (1987, p. 27) alerta para o fato de que o “Estado, nessas visões, aparece
3
Segundo Myrdal, o jogo das forças de mercado tende, em geral, a aumentar e não a diminuir as desigualdades
regionais, uma vez que o desenvolvimento é um processo de equilíbrio instável. Para ele, o equilíbrio seria
somente possível mediante interferências políticas planejadas Já para Perroux, o desenvolvimento é
conseqüência de uma sucessão de desequilíbrios, provocados por atividades dinâmicas (motrizes), que
constituem centros ou pólos de desenvolvimento, cabendo ao Estado a função de intervir para evitar o aumento
das disparidades (TAVARES, 1987). Segundo Perroux (1977), “o fato, rude mais verdadeiro, é o seguinte: o
crescimento não aparece simultaneamente em toda a parte. Ao contrário, manifesta-se em pontos ou pólos de
crescimento, com intensidades variáveis, expande-se por diversos canais e com efeitos variáveis sobre toda a
economia” (PERROUX, 1977, p. 146).
4
Apesar de ressaltar a importância do Estado na redução das desigualdades espaciais, Perroux (1977) aponta o
conflito existente entre espaços econômicos e espaços politicamente organizados, criticando os entraves
impostos pelo Estado Nação: “enquanto persistirem políticas nacionais e nacionalistas em um mundo em que são
sobrepujadas pela técnica e pelo desdobramento da vida econômica, subsistirão dissipações que constituem,
mesmo na ausência de conflitos violentos, entraves ao crescimento” (PERROUX, 1977, p. 156).
16
como uma entidade neutra, situando-se acima das classes” - o que, nem de longe, se coaduna
com a realidade.
A segunda corrente que assume o desenvolvimento como essencialmente desigual
incorpora a crítica marxista e visa à superação do sistema capitalista. Nesta linha, Lênin
cunha, pela primeira vez, o termo desenvolvimento desigual, referindo-se à maturação
diferenciada do modo de produção capitalista e de suas forças produtivas, levando, inclusive,
à sobrevivência de estruturas pretéritas.
Trotsky aprofunda essa idéia, formulando a lei do desenvolvimento desigual e
combinado ao analisar os determinantes da Revolução Russa de 1917. Segundo Novack
(1998), esta é uma lei científica de larga aplicação, constituída pela fusão de dois processos
distintos e interdependentes: de um lado, a existência de diferentes graus de evolução da vida
social e, de outro, a correlação destes fatores desigualmente desenvolvidos.
A desigualdade é o pré-requisito para a combinação de características diferenciadas,
que, por sua vez, é condição essencial para a superação da desigualdade pré-existente. Tal
superação ocorre mediante "saltos" no fluxo histórico, possíveis graças à coexistência de
diferentes níveis de organização social. Isso porque, como exposto por Trostsky, “a dialética
histórica não conhece nada semelhante ao atraso absoluto ou ao progresso quimicamente
puro” (TROTSKY apud NOVACK, 1998). O caráter dual e contraditório da lei reside no fato
do desenvolvimento, enquanto processo irregular, mesclar elementos atrasados e modernos,
podendo, mediante a combinação, inverter as condições pré-existentes. Segundo Tavares
(1987), a combinação ocorre porque há convergência de interesses entre países ‘avançados’ e
‘atrasados’.
Não esqueçamos que o atraso histórico é uma noção relativa. Se há países atrasados
e avançados, há também uma ação recíproca ente eles; há a pressão dos países
avançados sobre os retardatários; há a necessidade para os países atrasados de
juntar-se aos países progressistas, de tomar-lhes de empréstimo a técnica, a ciência,
etc. Assim, surge um tipo combinado de desenvolvimento; traços de atraso se
acoplam à última palavra da técnica mundial (TROTSKY apud TAVARES, 1987, p.
32).
Assim como Lênin, Trotski acreditava que o desenvolvimento desigual tendia a
aprofundar-se na etapa imperialista do capitalismo, assumindo, com o aumento da
mobilidade, da rapidez e da financeirização, um caráter universal e essencial. De certa forma,
os dois autores foram capazes de antever no imperialismo elementos da ‘globalização’
contemporânea do capital e o consequente aprofundamento das desigualdades.
17
Com uma rapidez e uma profundidade até então desconhecidas, o imperialismo liga
em um todos os diversos conjuntos nacionais e continentais, criando entre eles uma
estreita e vital dependência, aproximando seus métodos econômicos, suas formas
sociais e seus níveis de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o imperialismo
prossegue sua meta com processos tão contraditórios, provocando tantos saltos e se
dando a tal vandalismo nos países e regiões retardatários, que a unificação e o
nivelamento da economia mundial são obtidos com mais violência e convulsões do
que em todas as épocas precedentes (TROTSKY apud TAVARES, 1987, p 32).
Se o capitalismo avança de forma desigual e combinada, não há territórios excluídos
na economia de mercado; ao contrário, eles são parte intrínseca do movimento geral do
capital, cuja reprodução determina espaços desenvolvidos e atrasados. Os territórios com
baixos indicadores socioeconômicos, portanto, não estão à margem da economia de mercado;
são, antes, peças fundamentais de sua engrenagem.
A desigualdade observada na escala global estende-se aos grupos nacionais que são,
em última instância, a cristalização particular de um processo universal. Trotsky concluiu que
as peculiaridades nacionais são os produtos mais gerais do desenvolvimento histórico
desigual, seu resultado final (apud NOVACK, 1988)
5
.
Por isso, para analisar o processo de desenvolvimento desigual na escala nacional, é
indispensável discutir o papel que o Estado desempenha neste processo. Tavares (1988) mais
uma vez chama a atenção para este importante fator, afirmando que “com o capitalismo
monopolista, o Estado assume um papel crucial na acumulação do capital, e esse, como outros
elementos da superestrutura, não está contemplado na lei do desenvolvimento desigual”
(TAVARES, 1987, p. 32). Ainda segundo o autor, quem enfrenta esta questão, afirmando o
papel relevante da superestrutura, é Gramci, que busca as razões para as diferenças tão
marcantes entre o norte industrializado e o sul agrícola da Itália, destacando a estrutura de
classes e seus processos políticos. Conclui que a “política estatal contribui para acentuar essas
diferenças, reforçando (...) os interesses do bloco industrial-agrário, que tinham
progressivamente se consolidado e reforçado, a partir da unificação do país” (TAVARES,
1987, p. 33).
Em Gramci, o Estado assume papel diferente daquele apontado por Myrdal ou
Perroux. Aqui, ele é parte inerente de um sistema que ao se reproduzir provoca e aprofunda
5
Atenta-se aqui ao fato de que a história das nações não é determinada inteiramente a partir de processos gerais
do capital, posto que cada lugar é constituído a partir de formações sociais diferentes, determinando trajetórias
únicas e singulares. É preciso lembrar, portanto, que as particularidades precedem e influenciam o
desenvolvimento do capitalismo, que não se dá em um espaço vazio, homogêneo e a-histórico.
18
desigualdades. O Estado é um agente necessário não ao combate, mas à produção de
assimetrias.
Segundo Cruz (2009), a idéia de desenvolvimento desigual está relacionada à divisão
territorial do trabalho, base histórica da diferenciação espacial de níveis e condições de
desenvolvimento.
Considerando a imanência do modo de produção capitalista como a produção social
da riqueza e sua apropriação privada, é mister reconhecer que o desenvolvimento se
dá no âmbito de um processo contraditório, entre outras razões porque o capital é
seletivo do ponto de vista espacial. Como assevera Chesnais, “não é todo o planeta
que interessa ao capital, mas somente partes dele” (1996: 18) (CRUZ, 2009, p. 94)
Ao concluir pela impossibilidade de uma teoria geral de desenvolvimento regional
por rejeitar leis de validade universal que não consideram a história e as múltiplas
determinações que fazem o concreto, Brandão (2003) propõe a divisão social do trabalho
como categoria explicativa básica da investigação da dimensão espacial. O autor sugere que a
análise do movimento desigual do capital no espaço requer o entendimento dos processos de
homogeneização, de integração, de polarização e de hegemonia.
O processo de homogeneização remete ao movimento uniformizador do capital, que
busca criar condições básicas para a valorização capitalista e sua reprodução ampliada,
fixando uma base para a penetração do capital. A integração é abordada pelo autor como a
‘coerência’ imposta pela concorrência capitalista por meio da formação de um mercado
nacional sobre uma base desigual, colocando em evidência a assimetria do desenvolvimento
das regiões. Desta assimetria, resulta o terceiro processo: a polarização de espaços menos
desenvolvidos por um centro, onde prevalecem formas superiores de acumulação e
reprodução econômica. O último deles – a hegemonia – é entendido como o poder de coerção
e enquadramento, como a direção persuasiva cultural e ideológica sobre o conjunto nacional.
Tais processos serão retomados ao longo do trabalho.
As duas abordagens, reformista e marxista, assumem o desenvolvimento desigual
como inerente ao capitalismo. A primeira, entretanto, deposita no Estado a iniciativa de
minimizar tais disparidades, enquanto a segunda entende que somente a superação do modo
de produção capitalista seria capaz de enfrentar à questão.
No capitalismo, portanto, nunca se trata de eliminar desigualdades socioespaciais. Ou
seja, é preciso reconhecer os limites da atuação estatal no sentido de perseguir a equidade e a
justiça social, posto que no seio do sistema capitalista encontram-se suas limitações.
19
Restrições à parte, é fato que o Estado assumiu no século XX papel de destaque no
enfrentamento das desigualdades sociais e espaciais. Há muito tempo políticas públicas vem
sendo criadas com esse propósito, sobretudo a partir da década de 1930. Datam daí as
primeiras iniciativas de desenvolvimento regional postas em prática como resposta à crise de
1929 e às consequencias da Segunda Guerra, a exemplo do Tenessee Valley Authority (TVA),
a primeira agência de desenvolvimento regional dos Estados Unidos criada em 1933, um
marco em ações desta natureza.
BRASIL: UM TERRITÓRIO HISTORICAMENTE MARCADO POR DESIGUALDADES
ESPACIAIS
No Brasil, o desenvolvimento ‘desequilibrado’ teve repercussões espaciais
profundas, expressando-se na existência de territórios dinâmicos e deprimidos. A
desigualdade no país tem raízes históricas no seu processo de formação econômico e social.
Até o início do século XX, o mercado interno do Brasil não estava integrado. A metáfora
cunhada nesse período foi “economia de arquipélago”, que traduz a imagem de várias ilhas
que não se interconectavam e cuja produção era voltada para o mercado externo. Alguns
condicionantes foram responsáveis por aquela conformação peculiar até a década de 1930,
como a precária infraestrutura de transporte, que prejudicava a mobilidade interna de produtos
e pessoas, e, principalmente, a economia primário-exportadora, caracterizada então pela
hegemonia do café, marcadamente na região Sudeste, notoriamente indicativa da inserção
problemática da economia brasileira na divisão internacional do trabalho.
No contexto da crise de 1929, da Revolução de 30, do governo Vargas e da II Grande
Guerra, presencia-se a falência da produção cafeeira, o aumento dos interesses urbanos e
industriais, em oposição aos agrários, e o investimento em produtos voltados para o mercado
interno (substituição de importações).
É assim que, na década de 1930, parcela significativa do capital antes aplicado na
agricultura cafeeira migra para a indústria. Mais: a região Sudeste transforma-se na base
territorial para o setor industrial, com destaque para São Paulo, que passa, então e
definitivamente, a cumprir o papel de articulador do mercado interno e de suas regiões,
atraindo também fluxos migratórios nacionais e internacionais.
20
Brandão (2003), ao analisar o processo de redefinição histórica do relacionamento
entre as regiões do país, que passa de uma lógica imposta pelo capital mercantil para o capital
industrial, cita:
Se, por um lado, estes processos envolvem rupturas, inerentes à profunda
transformação material, como estabelecimento de fortes laços de
complementaridades inter-regionais, por outro, envolvem também marcantes
persistências, sobretudo das formas arcaicas de domínio sobre a terra e da
preservação dos espaços de reprodução do capital mercantil em suas diferentes faces
(imobiliário, comercial, transportes urbanos e outros serviços, etc). Diversas frações
desse capital passam a comandar as regiões e cidades brasileiras, perpetuando o
atraso estrutural da situação de subdesenvolvimento (BRANDÃO, 2003, p. 4).
A questão regional emerge da constatação da enorme disparidade historicamente
constituída entre as regiões do país. Esta configuração espacial diferenciada, caracterizada por
um abismo socioeconômico ente Nordeste e Sudeste, impôs uma ameaça à integração
nacional e despertou o Estado para a adoção de políticas de corte regional. A constatação de
que as disparidades interregionais do Brasil estavam aumentando
6
, da necessidade de
combater a concentração da riqueza e dos riscos de uma crise federativa, levaram o Estado
brasileiro a atuar no sentido de corrigir as desigualdades espaciais, sobretudo a partir da
década de 1950.
O foco da atuação governamental foi a região Nordeste, que possuía, além de baixos
indicadores socioeconômicos, parcela expressiva da população. O relatório GTDN
7
desenvolvido por Celso Furtado em 1958, por exemplo, relatou o acirramento da dependência
do Nordeste em relação ao exterior e também ao Centro Sul do país
8
, apontando a
industrialização como solução para a região (GTDN, apud DINIZ, 2001). Um dos resultados
deste documento foi a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE)
9
em 1959, um marco das políticas regionais no Brasil.
Além da SUDENE, na década de 1950 foram criadas outras entidades públicas
voltadas para o enfrentamento da questão regional, como a Comissão do Vale do São
6
A participação do Nordeste na produção industrial caiu entre 1907 a 1970 de 16,7% para 5,7%, enquanto a
produção do sudeste cresceu de 28,2% para 80,8%.
7
O Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) foi criado para diagnosticar e propor ações
para o desenvolvimento da região.
8
A região Nordeste, além de constituir importante mercado consumidor do Centro Sul, produzia superávits que
eram investidos nesta região mais desenvolvida, aprofundando a assimetria interregional.
9
A Sudene tem inspiração teórica da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), criada
em 1948 pelas Nações Unidas. A instituição acreditava que o atraso dos países da América Latina, assentava-se
nas relações de trocas comerciais desvantajosas, que adquiria produtos industrializados do centro e exportava
produtos primários e propunha o desenvolvimento “para dentro”, isto é, a solução proposta pela instituição, que
influenciou as políticas da região, era a industrialização apoiada decisivamente na ação estatal.
21
Francisco (CVSF) e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), com
ações, recursos e incentivos públicos a elas atrelados. Datam daí também a criação de
empresas estatais, como a Petrobrás e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No período
desenvolvimentista, marcado pelo governo JK e, posteriormente, pela ditadura e o milagre
econômico, foram postas em prática iniciativas voltadas para a interiorização do país, tais
como a construção de Brasília e de grandes obras de infraestrutura, sobretudo de acesso
rodoviário. Além disso, a expansão da fronteira agrícola e mineral para as regiões Centro
Oeste e Norte em 1950 e 1970, respectivamente, também constituíram ações públicas que
buscavam efeitos desconcentradores.
O resultado foi a desconcentração produtiva a partir de meados da década de 1970,
com o desaceleramento progressivo do crescimento da economia de São Paulo em relação aos
outros estados, e a relativa perda da produção industrial da sua Área Metropolitana
10
(DINIZ,
2001; PACHECO, 1998; NETO, 1997).
Pacheco (1998), ao tratar da problemática regional do Brasil faz uma revisão dos
determinantes da desconcentração econômica. Os fatores mais consensuais entre os autores
pesquisados, além daqueles supramencionados, foram: a integração do mercado nacional, os
efeitos agravantes da crise de 1980 nas áreas mais industrializadas e as deseconomias de
aglomeração (DINIZ, CANO, NETO, PACHECO, apud PACHECO, 1998, p. 221).
Esta tendência, entretanto, perde fôlego a partir de 1985, devido, sobretudo, ao
enfraquecimento das ações estatais. Além disso, se por um lado a Área Metropolitana de São
Paulo perdeu participação industrial, por outro, ela amplia a sua função como centro de
serviços e de comando econômico nacional e global. Assim, os autores apontam que a
desconcentração teria ficado mais cada vez mais problematizada a partir deste período
11
.
Ao se aprofundar no entendimento sobre a natureza da desconcentração no Brasil,
Pacheco (1998) afirma que o processo não muda o sentido da polarização por São Paulo, e
10
A concentração industrial no estado de São Paulo presencia seu pico em 1970, quando acumulou 39% do PIB
e 58% da produção industrial, sendo 44% localizada na sua Área Metropolitana. A partir da segunda metade da
década de 1960, entretanto, esta última região começa a perder participação, caindo para 24% em 1999.
11
“Do balanço que se pode fazer do período 1985-94, [...] pode-se dizer que, se havia uma tendência
reconhecidamente desconcentradora entre 1970 a 1985, [...] ela se prolongaria até 1990. Contudo, ela já não se
coloca de forma tão clara com os dados do período 1990-1994. Nele, enquanto a indústria de transformação do
Brasil acumulou um crescimento de 9,2% a de SP superou-a atingindo 10,5%. Por pequena que seja a diferença
entre esses números, ela podia estar revelando não só a inflexão do processo de desconcentração, como talvez, o
início de uma suave reconcentração. Ao acumular-se os dados de 1994/1993, ao período 1990/1993, a tendência
à desconcentração muda de sentido” (Cano Apud Pacheco, 1998, p. 223).
22
que se deflagra na forma da fragmentação da economia nacional
12
. O autor afirma que a
desconcentração passa a assumir um formato heterogêneo com territórios e segmentos
pontuais e dinâmicos da economia, que “ganham autonomia em relação ao desempenho
econômico agregado, sustentando trajetórias de melhor desempenho para algumas sub-regiões
específicas” (PACHECO, 1998, p. 243).
Assim, a partir de 1985 o movimento desconcentrador, tão explícito no período
anterior, fica difuso, sendo objeto de avaliações e reflexões divergentes. Neto (1997), por
exemplo, aponta para a estagnação da desconcentração. Segundo ele:
a instabilidade econômica e a quase ausência do mais importante protagonista da
desconcentração – o setor público – nas economias regionais, apoiando ou
realizando diretamente projetos de grande repercussão econômica, [...] explicam a
persistência, entre 1985 e 1995, dos mesmos percentuais de participação das regiões
e dos estados no PIB. (NETO, 1997, p. 68).
As políticas regionais de industrialização e infraestrutura foram o foco da atuação
governamental até o fim do regime militar. A orientação política do Estado até então era
voltada para promover a desconcentração produtiva. A partir de 1990, intensifica-se a atuação
neoliberal, marcada por privatizações das empresas estatais e pela guerra fiscal entre
instâncias subnacionais. Observando este contexto, Diniz (2000) afirma que as mudanças
estruturais em curso e a ausência do Estado em termos de política regional seguramente
contribuirão para que a lógica do mercado amplie as desigualdades regionais e sociais, com
graves conseqüências sociais e políticas para o país.
Brandão (2003) também chama a atenção para o risco da redução do papel do Estado
frente às pressões neoliberais, que estimulam a competitividade nociva e desigual de
territórios com diferentes graus de desenvolvimento socioeconômico. O autor denuncia a
corrosão das bases da esfera pública e a desarticulação de ações construtivas da Nação e do
espaço nacional, expressas na profunda crise federativa brasileira e na guerra dos lugares e
das escalas que se instala, ressaltando a necessidade da reconstrução da escala nacional.
Nessa mesma linha, Araújo (1999) advoga a necessidade de uma política que ofereça
um contraponto à proposta neoliberal que, segundo ela, amplia as desigualdades e contribui
para a fragmentação espacial. A autora chama a atenção para a importância da presença do
12
Apesar de não haver elementos que apontem para uma real reconcentração, Pacheco (1998, p. 224) adverte
que “há desconcentração, mas não reversão da polarização porque fundamentalmente não existem alternativas de
polarização externas a São Paulo”. E complementa: “...há desconcentração sim, mas ela se manifesta mais sob a
forma de uma flagrante fragmentação da economia nacional, do que no crescimento solidário das regiões, com
acréscimo de capacidade produtiva nos principais espaços econômicos da nação” (Pacheco, 1998, p. 226).
23
Estado para enfrentar a tendência de inserção passiva do Brasil no mercado globalizado,
processo que ela nomeia de desintegração competitiva.
A atuação de um mercado auto-regulado, num contexto desigual [...], e num quadro
mais geral de globalização e inserção competitiva do país na economia
internacional, embora possa significar, para as regiões e sub-regiões privilegiadas e
já integradas aos fluxos econômicos internacionais, fonte de dinamismo e de
modernização, para as demais regiões e sub-regiões poderá dar lugar à
marginalização econômica, com custos sociais intoleráveis, traduzidos em
desemprego e aumento dos níveis de pobreza e miséria (ARAÚJO, 1999, p. 22)
Ainda segundo Araújo, o processo histórico de desenvolvimento brasileiro
determinou - e mais recentemente, a desintegração competitiva aprofundou - as disparidades
regionais, caracterizadas pela emergência e fortalecimento de territórios competitivos na
economia mundo, que coexistem com áreas deprimidas. Para a autora, cabe ao Estado o papel
de reduzir as disparidades regionais e a seletividade territorial que a nova lógica global impõe.
***
Diante da existência de avaliações e estudos divergentes para o período pós 1985,
optou-se pela eleição de indicadores que permitissem analisar os resultados do
desenvolvimento desigual e seu padrão espacial de concentração/desconcentração até os anos
recentes.
Analisando os dados relativos à evolução da participação do PIB regional do Brasil
para o período de 1985 a 2004
13
, nota-se que o Norte, com menor participação, cresceu
progressivamente 37,7%, seguido pelo Centro Oeste, que apresentou a maior taxa de
crescimento do período, de 56,3%. O Nordeste, em terceiro lugar, manteve a sua participação
em torno de 14%, oscilando para baixo na década de 1990. A região Sul, com 18% da
participação total, cresceu 6,5%, enquanto a região Sudeste perdeu participação, decrescendo
8,7%, atingindo 55% de participação em 2004, contra 60,2% em 1985. Ou seja, o Sudeste
perdeu participação enquanto o Norte e o Centro Oeste cresceram progressivamente, mas não
o suficiente para saírem das últimas posições.
13
Em 2004, o PIB do país atingiu R$ 1,766 trilhões (IBGE, 2006)
24
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
SE
S
NE
CO
N
Gráfico 1: Participação do PIB por Macrorregião 1985-2004
Fonte: Elaboração própria com base em IBGE (2006).
Ao analisar a evolução regional do PIB até o ano de 2000, o movimento de
desconcentração não fica tão evidente. Na década de 1990, o Norte perdeu participação em
quase 7% e, entre 1985 a 1995, o Nordeste também seguiu esta tendência, recuperando-se no
período seguinte até alcançar em 2004, a mesma posição de 1985. São Paulo vem perdendo
participação progressivamente desde 1985, mas com notável aceleração a partir de 2000. O
Sul também perde participação na década de 1990, recuperando-se a partir de 2000.
Ou seja, de acordo com o gráfico 1, é possível verificar, por um lado, a persistência
de profundas diferenças macrorregionais na geração de riqueza do país e, por outro, um
movimento geral de (alguma) desconcentração de 1985 a 2004, que se acelera no período
entre 2000 e 2004. Algumas ações públicas que contribuíram para o crescimento de regiões
mais pobres no período pós 2002 foram o aumento das transferências do governo federal,
mediante programas sociais como o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo e a
democratização do crédito (ARAÚJO, 2008).
Quanto à dinâmica estadual, apresentada no gráfico 2, no período de 1995 a 2004 os
estados com as maiores taxas de crescimento do PIB concentraram-se nas regiões Centro
Oeste, Norte e Nordeste, destacando-se Mato Grosso, que cresceu 57%. Sete estados
pertencentes às regiões Nordeste, Sudeste e Sul apresentaram taxas negativas, destacando-se
São Paulo, que perdeu 12,7% em participação no período. Mesmo assim, em 2004, este estado
25
concentrava 31% do PIB do país, percentual maior que o de toda a região Sul, seguido do Rio
de Janeiro com 12,6%, Minas Gerais (9,4%), Rio Grande do Sul (8,1%) e Paraná (6,2%). As
onze últimas posições foram ocupadas por estados pertencentes às regiões Norte e Nordeste,
com participação menor que 1% cada.
Gráfico 2: Percentual de distribuição do PIB (2004) e taxa de crescimento (1995-2004), por UF
Fonte: Elaboração própria com base em IBGE (2006)
É preciso, entretanto, estar atento ao fato de ser o PIB um indicador que mede a
geração de riqueza absoluta; logo, sensível ao tamanho da população, e que informa pouco
sobre outros aspectos relacionados ao desenvolvimento, como lembra trecho de relatório do
PNUD:
Na última década, muitos países, notadamente o Brasil, a China, a Ìndia e outros,
registraram um expressivo crescimento econômico, alcançando níveis de PIB per
capita que os coloca na categoria média de renda. No entanto, o hiato entre ricos e
pobres está aumentando em muitos países, assim como estão se aprofundando as
diferenças entre grupos socioeconômicos, em termos de índices de desenvolvimento
humano (UNDP, 2008, p. 13, tradução nossa).
Ao deslocar o foco da análise para a qualidade socioeconômica medida de forma
relativa, elegeu-se para esta pesquisa o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que
agrega variáveis de educação, longevidade e renda, conforme citado anteriormente.
26
O Brasil teve desempenho digno de nota na evolução de seu IDH, posicionando-se
em 2006 no 70º lugar no ranking do PNUD, na categoria de alto desenvolvimento humano, ao
lado de países com desempenho ótimo, como Islândia e Austrália. Entre 1980 e 2006, o IDH
do país cresceu aproximadamente 18%, devido, sobretudo à década de 1990, responsável por
11,5% deste progresso, contra 3,5% da década de 1980 e 2,3% entre 2000 e 2006 (UNDP,
2008).
Ao buscar a medição deste índice em instâncias subnacionais do país, o PNUD
desenvolveu um Atlas, que mapeou o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-
M)
14
no Brasil – seus subíndices e agregados para estados e regiões – nos anos de 1990 e
2000. Segundo o estudo, neste período, seis estados nordestinos tiveram os maiores avanços
proporcionais, acima da média nacional de 10%, embora continuem ocupando as mais baixas
colocações no ranking: Alagoas, Ceará, Paraíba, Maranhão, Rio Grande do Norte e Bahia. Do
lado oposto, São Paulo obteve a menor taxa de crescimento (de 5,4%), caindo da 2
a
para a 3
a
colocação, superado por Santa Catarina, cujo IDH aumentou 9,9% e pulou do 5
o
para o 2
o
lugar. O estado que conquistou mais posições foi Mato Grosso, que registrou avanço de
12,8% e passou da 13
a
para a 9
a
colocação, desempenho que pode ser atribuído ao aumento do
PIB. O Acre, apesar do crescimento de 11,7%, caiu da 17
a
para a 21
a
colocação e foi
ultrapassado por Ceará, Pernambuco, Tocantins e Rio Grande do Norte. Amapá, Roraima e
Amazonas também tiveram taxas de crescimento abaixo da média nacional e desceram na
escala do IDH-M.
14
IDH-M é obtido pela média aritmética simples de três sub-índices, referentes às dimensões longevidade,
educação e renda, calculado a partir dos indicadores: renda per capita, esperança de vida ao nascer, taxa de
alfabetização e taxa bruta de freqüência à escola (PNUD, 2009).
27
Gráfico 3: IDH-M 1991 e 2000, por UF
Fonte: Elaboração própria com base em PNUD (2003)
Em 2000, os estados com IDH-M acima ou igual à média nacional – de 0,766 –
foram, em ordem decrescente: Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul,
Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais. No entanto, é
importante frisar que a taxa média de crescimento destes estados foi de 9%, bem abaixo dos
13,8% verificados nos 17 estados com IDH-M abaixo da média brasileira. Isto pode ser
indicativo de movimentações futuras no ranking, apesar dos nove estados do Nordeste
persistirem nas mais baixas posições (PNUD, 2003).
28
Mapa 1: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000, por município
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano do PNUD (2003)
As regiões Norte e Centro Oeste representam grandes vazios no território nacional:
apesar de ocuparem uma área de 5,4 milhões de km², ou quase 65% do território nacional,
abrigam apenas 15% da população, concentram 16% dos municípios do país e produzem 13%
do PIB. Ambas apresentaram as maiores taxas de crescimento do PIB entre 1995 e 2004, mas
variam no que se refere ao desempenho no IDH-M: enquanto o Norte possui a segunda pior
colocação no ranking de regiões, o Centro Oeste ocupa a segunda melhor posição, atrás
apenas do Sul.
Sul e Sudeste, por outro lado, são as regiões mais dinâmicas do país, concentrando
57% da população, 73% do PIB e 51% dos municípios em área que corresponde apenas a
18% do território. As duas regiões, todavia, apresentaram taxas de crescimento menores do
que as outras regiões tanto em relação ao PIB (1995 a 2004) quanto ao IDH-M (1991 a 2000).
O Nordeste, por sua vez, representa um caso particular: concentra em 18% do
território (1,5 milhões de km²), 30% da população e 32% dos municípios, que produzem
apenas 14% do PIB. O resultado é que em 2000, a região detinha o pior IDH-M, apesar da
elevada taxa de crescimento deste indicador verificada na década de 1990.
29
O que depreende desse conjunto de indicadores e percentuais é que o território
nacional não é um espaço homogêneo e uniforme; ao contrário, as avaliações subseqüentes
reconhecem as profundas diferenças do país, histórica e socialmente construídas. O Estado é
agente decisivo na produção do espaço e, por conseguinte, desempenha papel central na
redução/aprofundamento das desigualdades regionais, posto que define e direciona políticas,
ações e investimentos. Como coloca Natal (2006, p. 5): “o Estado é elemento essencial de
punição ou premiação das classes sociais, de setores da atividade econômica, de regiões, etc.”
O AVANÇO DESIGUAL DO TURISMO NO ESPAÇO-MUNDO
A repercussão espacial do desenvolvimento desigual também se manifesta no plano
setorial. A atividade turística, objeto de investigação desta pesquisa, é notavelmente
concentrada no espaço mundial. Dados da Organização Mundial de Turismo (OMT) indicam
que o fluxo turístico global em 2007 foi de 900 milhões, cerca de 300 milhões de turistas a
mais do que há dez anos antes. O crescimento mais vigoroso foi no período de 2003 a 2007,
quando o mercado evoluiu 30%, ou a uma taxa média de 6,7% ao ano, muito acima daquela
verificada no período de 1997 a 2003, de 2,2% ao ano. Estima-se que o setor de viagens
contribui com 9,4% do PIB mundial (US$ 5,474 bilhões), emprega quase 220 milhões de
pessoas (7,6% da mão de obra), sendo responsável por 10,9% do valor total de ‘exportações’
(US$ 1,980 bilhões). Não obstante o arrefecimento econômico do setor previsto para os
próximos anos em decorrência da crise recente, estimativas apontam para o incremento da
participação do turismo no PIB e no mercado de trabalho mundial para o ano de 2019
(WTTC, 2009).
Tal impacto econômico decorreu do avanço da atividade turística sobre o espaço
mundial, com a inclusão de novos territórios antes alienadas do mercado turístico. A
progressão se explica, segundo Cazes (1996), pela mundialização contínua de fluxos e
territórios:
30
O turismo internacional enriqueceu-se, simultaneamente, de novos países emissores
(Japão e novos países industriais da Ásia, Autrálasia, América Latina, Europa do
Leste, etc) e de novas destinações receptoras recentemente abertas (Ásia e Pacífico,
oceano Índico, África, Antilhas e América Central) ou reabertas após interrupção
(China, Cuba, península Indochinesa, Madagascar, etc) (CAZES, 1997, p. 78).
Segundo dados da OMT, em 2007 a Europa captou mais da metade do fluxo turístico
mundial, seguida pela região da Ásia e Pacífico, com participação de 20,4%. No outro
extremo, África e Oriente Médio, juntos, atraíram somente 10,2%. Apesar da pequena
participação, eles tiveram, respectivamente, taxas de crescimento de 45% e 59% entre 2003 e
2007, atrás apenas da região da Ásia e Pacífico, que cresceu 61% no período. No mesmo
período, as Américas captaram 15,8% dos turistas internacionais e tiveram crescimento
superior apenas àquele verificado na Europa, que teve o pior desempenho. A maior parte do
fluxo receptivo das Américas, entretanto, destinou-se à América do Norte, e somente 2,2%
visitaram a América do Sul (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008).
Gráfico 4: Chegadas de turistas em 2007, por regiões e sub-regiões mundiais.
Fonte: Elaboração própria com base em dados da OMT constantes em Ministério do Turismo (2008)
Apesar de chamar a atenção para a redistribuição mundial do turismo e para os
avanços dos países do terceiro mundo, Cazes (1997) ressalta a forma desigual do processo,
atribuindo a três causas essenciais: a posição privilegiada dos países próximos dos grandes
31
focos emissores, explicada pela predominância esmagadora de deslocamentos de curta
distância; a progressão expressiva da área do Sudeste Pacífico; e a concentração do fluxo
sobre um número reduzido de países líderes de grande envergadura econômica. Segundo o
mesmo autor, as disparidades existentes tendem a aumentar, assim como o grau de
dependência de países do terceiro mundo em relação aos países centrais, com a entrada do
capital internacional e com as tendências de redução da atuação estatal.
O turismo
15
é uma atividade de grande alcance espacial, uma vez que a atratividade,
valor que estabelece o seu potencial de consumo, reside na existência de atributos territoriais.
Segundo Cruz (2006), o principal objeto de consumo do turismo são os lugares.
Considerando que a matéria-prima do turismo é o espaço, reconhecemos desde logo
um diferencial entre a atividade econômica do turismo e outras atividades
econômicas, ou seja, teoricamente, todos os lugares são potencialmente turísticos já
que a atratividade turística dos lugares é uma construção cultural e histórica.
Considerar a atratividade turística como construção histórica e cultural resguarda
implicações importantes. Em primeiro lugar, implica em fluidez, isto é, em aceitar que a
atratividade não é um elemento essencial, estanque e determinante, variando sobremaneira no
espaço-tempo e sujeita a modismos. Por isso, expressa também a possibilidade de ser
inventada, construída por agentes produtores do espaço turístico. Por fim, ela não depende
apenas de fatores naturais/culturais pré-existentes, uma vez que um destino é estruturado
mediante investimentos em infraestruturas, equipamentos e serviços.
Cabe lembrar aqui que a relação entre turismo e território é íntima já que de sua
intersecção são demandadas e demarcadas novas territorialidades. O conceito de território
que embasa esta pesquisa não é mero substrato ou sítio fixado, mas uma construção social que
implica um determinado uso do espaço, consubstanciado em mecanismos de
apropriação, de controle e de defesa por agentes públicos e privados, através dos
15
O conceito de turismo adotado pela Organização Mundial de Turismo compreende as atividades desenvolvidas
pelas pessoas ao longo de viagens e estadias em locais situados fora de sua residência habitual, por um período
consecutivo que não ultrapasse um ano, para fins recreativos, de negócios, ou outros. Tal definição se alinha a
uma perspectiva economica, não abarcando todas as dimensões envolvidas com o turismo. Quando se amplia a
compreensão sobre o fenômeno, o resultado é uma palavra polissêmica que tem sido, em decorrência de sua
natureza multifacetada, objeto de várias conceituações provenientes de fontes diversas. Rodrigues (1996, p. 17)
discute o conceito em um esforço de síntese: “Afinal, o que é o turismo além de um fluxo de pessoas? O que é o
turismo além de uma atividade econômica? É certamente um fenômeno complexo, designado por distintas
expressões: uma instituição social, uma prática social, uma frente pioneira, um processo civilizatório, um sistema
de valores, um estilo de vida – um produtor, consumidor e organizador de espaços, uma indústria, um comércio,
uma rede imbricada e aprimorada de serviços”. Apesar de reconhecer a natureza complexa e abrangente do
turismo e suas múltiplas implicações, esta dissertação analisa o turismo sobre o marco de sua existência
enquanto atividade econômica.
32
quais se viabilizam práticas de poder. Nessa concepção inclui-se também a noção de
"espaço vivido", que implica a idéia de pertencer e de identificação de grupos
populacionais com o lugar, ao qual é, deste modo, imprimida uma territorialidade.
[...] O conceito de território implica, ainda, a idéia de um dado recorte espacial,
envolvendo áreas geográficas específicas, que representam parcelas ou domínios
territorializados (DADVIDOVICH, 1992).
Em outras palavras, a noção de território transfere um uso a determinado recorte
espacial e o subordina a práticas de poder. Neste sentido, o turismo pode ser considerado uma
atividade que imprime territorialidade. Knafou (1996) evidencia três fontes de
“turistificação”: os turistas, por meio da prática social; o mercado, por através de seus
produtos e operações; e, por último, os planejadores e promotores territoriais, única fonte
verdadeiramente vinculada ao lugar
16
. Ainda segundo o autor, as relações entre território e
turismo podem ser analisadas de acordo com três tipos de situação: territórios sem turismo,
turismo sem território e os territórios turísticos, isto é “territórios inventados e produzidos
pelos turistas, mais ou menos retomados pelos operadores turísticos e pelos planejadores”
(KNAFOU, 1996, p. 71, 73).
Ora, um grande planejador, que identifica, define os limites e normatiza os supostos
‘territórios turísticos’, é o Estado. Neste sentido, Cazes (1996) afirma que a maturidade
progressiva da questão turística levou à consideração global da função desta atividade nas
políticas de planejamento e gestão do território e ao estudo de seu papel na redução das
desigualdades regionais. De forma semelhante, Cruz (2006) diz que do ponto de vista espacial
o turismo pode, teoricamente, acontecer em todos os lugares do planeta, o que lhe confere
uma competência, maior do que outras atividades econômicas, de distribuir espacialmente a
riqueza. E complementa em outro momento: “nenhuma outra atividade consome,
elementarmente, espaço, como faz o turismo e esse é um fator importante da diferenciação
entre turismo e outras atividades produtivas. É pelo processo de consumo dos espaços pelo
turismo que se gestam os territórios turísticos” (CRUZ, 2002, p. 17).
Esta característica particular do turismo - ser uma prática genuinamente territorial –
representa grande potencial para sua ocorrência em muitos pontos de um globo cada vez mais
integrado.
16
Segundo o autor, as duas primeiras fontes – os turistas e o mercado – são externas ao lugar. Já os planejadores
estariam ligados ao lugar, sendo uma fonte territorializada. As três fontes tem lógicas distintas mas são
fundamentais para a criação do turismo e não devem ser ignoradas, apesar de estarem os turistas na origem do
turismo.
33
Num mundo globalizado o turismo apresenta-se em inúmeras modalidades, sob
diversas fases evolutivas, que podem ocorrer sincronicamente num mesmo país, em
escalas regionais ou locais. Expande-se em nível planetário, não poupando nenhum
território – nas zonas glaciais, nas cadeias terciárias, até nas regiões submarinas – na
cidade, no campo, na praia, nas montanhas; nas florestas, savana, campos, desertos;
nos oceanos, lagos, rios, mares e ares (RODRIGUES, 1996a, p. 17).
Tal amplitude abre também a possibilidade para a extensão do turismo a territórios
até então desvalorizados, isto é, pouco atraentes para a reprodução do capital. Neste sentido,
países ditos periféricos vislumbram no turismo um imenso potencial de desenvolvimento, e
lançam-se neste novo mercado com a vontade de quem identifica ali a única possibilidade,
enfim, de se tornar um país desenvolvido. Para além desta vontade, há o fato de tais lugares
possuírem moedas desvalorizadas, bem como extensões de áreas verdes preservadas, praias e
culturas ‘exóticas’ no imaginário ocidental, atributos materiais e simbólicos grandemente
apreciados no mercado turístico atual.
No período atual são os grandes geossistemas, até então preservados do mundo
tropical, em particular dos continentes africano e latino americano – espaços de
reserva de valor – que são agora chamados a entrar em cena. Nessas regiões [o
turismo] expressa-se como verdadeiro processo civilizatório, podendo ser
comparado às conquistas expansionistas das metrópoles nos territórios coloniais, na
fase do capitalismo concorrencial, seja na exploração dos minérios, seja na
monocultura de produtos tropicais de exportação. Mesmo em sítios os mais
inacessíveis o turismo se instala com voracidade e alta tecnologia causando total
revolução no lugar, que passa a assumir nexos sofisticadamente urbanos
(RODRIGUES, 1996a, p. 18).
Assim, o turismo emerge como uma – às vezes única – alternativa atraente, como o
redentor de lugares abandonados por outras atividades econômicas, tornando-se muitas vezes
a principal fonte da economia nacional. É preciso, entretanto, compreender as conseqüências
da opção pelo turismo como matriz de desenvolvimento, posto que a atividade é dotada de
efeitos positivos, como a geração de divisas, empregos e impostos, mas também tem impactos
perversos, tais como os danos ambientais, a aculturação, a exploração do turismo sexual, a
ocupação desordenada e a exclusão social, dentre tantos outros. Tais conseqüências vem
sendo exaustivamente estudadas por diversos autores, mas não serão tratadas em
profundidade aqui. Frisa-se, entretanto, a importância deste debate e de se fugir de uma visão
maniqueísta que prevalece nos estudos da área, que oscila da demonização à hipervalorização
do turismo, reconhecendo seus efeitos positivos e negativos.
Cruz (2006) reflete sobre os limites da distribuição espacial da atividade turística,
lembrando que não se trata de distribuição estrutural da riqueza.
34
Muitos lugares pobres, capturados pela atividade do turismo, viram suas economias
dinamizadas e assistiram a profundas transformações em seus territórios sem que,
necessariamente, suas populações se tivessem tornado automaticamente detentoras
de melhores condições de vida e de renda. Ingenuidade teórica ou manipulação
inescrupulosa de dados e informações, é isso, todavia, que o discurso dominante
sobre o turismo quer fazer crer (CRUZ, 2006, p. 339).
No Brasil, ‘a descoberta’ do turismo como atividade econômica estratégica data da
década de 1990, apesar de constar das políticas públicas desde a década de 1960. A seguir,
será traçado um panorama geral do posicionamento e articulação do turismo brasileiro com o
sistema-mundo.
Em 2007 o Brasil captou aproximadamente cinco milhões de turistas internacionais,
o equivalente a 26,8% dos 18,7 milhões de turistas que se destinaram a América do Sul. Isto
corresponde, entretanto, a 0,56% do fluxo mundial, participação pequena quando comparado
aos países líderes no ranking, como a França (81,9 milhões de turistas), a Espanha (59,2
milhões de turistas), os EUA (56,0 milhões de turistas), a China (54,7 milhões de turistas), a
Itália (43,7 milhões de turistas) e o Reino Unido (30,7 milhões de turistas). É preciso ressaltar
que tais países se beneficiam de localização privilegiada, próximos aos grandes centros
emissores de turistas, vantagem locacional que evidentemente não gozam os países da
América do Sul.
Analisando os dados de 1998 a 2007, percebe-se que o Brasil vem perdendo
participação tanto no mercado mundial como no mercado sul americano. Em 1999, por
exemplo, o país atraiu aproximadamente 0,8% do fluxo global e, em 2000, 35% do fluxo da
América do Sul (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008).
Apesar de perder participação, o setor de turismo ganhou importância política e
econômica no país, sob a promessa de angariar divisas e contribuir para a mitigação das
desigualdades socioespaciais. Cano (Apud PACHECO, 1998, p. 223) cita como determinante
para a continuidade da desconcentração produtiva no período pós 1980 as políticas de
incentivo ao turismo nacional, notadamente para o Nordeste.
Por ser um bem de consumo supérfluo, o setor de viagens é muito sensível às crises
econômicas, às oscilações cambiais e de poder de compra do consumidor. O gráfico abaixo
permite visualizar três quedas acentuadas na entrada de turistas no Brasil: de 1980 a 1982, de
1987 a 1990 e de 2000 a 2002.
35
Gráfico 5: Entrada de turistas no Brasil – 1970 a 2007
Fonte: Embratur (2008)
Na década de 1980, o turismo internacional cresceu no país em função do cambio
favorável. Na virada dos anos 1990, a entrada de visitantes sofre queda em função da crise
econômica mundial e do destaque da imprensa internacional à violência no Rio de Janeiro, o
principal portão de entrada do país na época. O resultado foi que, em 1990, o Brasil recebeu a
metade do número de turistas que em 1987. Apesar de inibir as viagens de lazer ao país em
decorrência da valorização da moeda, o Plano Real recupera uma imagem de confiança no
Brasil, atraindo fluxos de turismo de negócios. A década de 1990 presenciou vigoroso
crescimento na entrada de turistas internacionais, impulsionada pela desvalorização do Real
em 1999. A partir de 2000, entretanto, a crise da Argentina e os atentados de 11 de setembro
nos Estados Unidos repercutem de forma muito negativa na entrada de turistas internacionais
do Brasil.
Mesmo perdendo participação no mercado mundial, o Brasil vem captando número
crescente de turistas desde 2002. Em 2007 o país captou 5.025.834 turistas internacionais, um
incremento de 153% em relação a 1995, ou seja, mais de três milhões de turistas. Este
desempenho é atribuído, sobretudo, ao período de 1995 a 2001, que respondeu por 139% do
crescimento. Já o período de 2001 a 2007 apresentou uma variação de apenas 5%, apesar das
altas taxas de crescimento mundiais
17
.
Com relação à conta de turismo, apesar da receita crescer consistentemente, o país
apresentou de 1995 a 1998, alcançando valores negativos da ordem de US$ 2,8 bilhões em
1997. Com a valorização do dólar, a partir de 1999, o saldo começa a ser superavitário e
mantêm-se desta forma até 2004. No entanto, nos últimos anos, de 2005 a 2009, a conta de
17
Entre 2003 e 2007, o turismo mundial cresceu 30%
36
turismo tornou a ficar deficitária. A conta de viagens internacionais em janeiro deste ano, por
exemplo, teve saldo negativo de US$ 251 milhões. Apesar do constante aumento no número
de entradas de turistas estrangeiros e, por conseguinte, de divisas ao país, a valorização do
Real estimulou a viagem de brasileiro ao exterior. Também como resultado, o turismo cai do
terceiro produto na pauta de ‘exportações’ do país em 2003 para a quinta posição em 2005.
No Brasil, a partir da década de 1960, o Estado passa gradativamente a assumir o
processo de inserção do país como destino turístico no mercado global, por meio de ações de
marketing e de programas voltados para o desenvolvimento da atividade no território
nacional. No entanto, planejar o turismo no contexto nacional implica lidar com um espaço
desigualmente desenvolvido e dali selecionar lugares que serão beneficiados pela política
pública. O Estado cuida, então, de definir ou mediar a demarcação dos ‘espaços turísticos’,
que serão objeto de ações governamentais visando o seu desenvolvimento.
Antes de investigar os efeitos do desenvolvimento desigual do turismo no território
nacional, indicando os movimentos espaciais de concentração/desconcentração do setor, é
preciso entender em profundidade o papel que a política pública setorial atribui a si mesma
nesse processo. Para isso, será traçada uma retrospectiva do planejamento governamental do
turismo no Brasil, a fim de se identificar seus principais movimentos gerais, buscando a
articulações entre a formulação do discurso político e as questões ora levantadas.
37
1 INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO TURISMO:
INSTITUCIONALIZAÇÃO, ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO E
ESPACIALIZAÇÃO – EIXOS ESTRUTURANTES PARA UMA RETROSPECTIVA
No Brasil, ao longo do século XX, o setor de turismo desenvolveu e consolidou
importante aparato institucional e normativo, cuja evolução sofreu inúmeras mutações. Neste
capítulo far-se-á primeiramente uma leitura ampla do planejamento governamental do turismo
no país por corte cronológico e, posteriormente, por eixos analíticos de forma a capturar os
seus movimentos gerais, desvelando as intersecções entre a formulação da política e as idéias
e teorias hegemônicas de cada época, observadas tanto na literatura relacionada quanto nas
tendências mundiais de desenvolvimento e planejamento público.
Não se trata, ainda, de levantar os resultados ou impactos desses instrumentos –
tratados no capítulo seguinte –, mas sim de analisar o seu teor e significado. Isto é, a ênfase da
investigação neste capítulo se assenta na dimensão discursiva da política pública.
A pesquisa baseou-se nos instrumentos de planejamento público nacional do setor de
turismo (sobretudo políticas e planos) e na legislação relacionada
18
, a partir do Decreto-Lei nº
55 de 1966, pedra fundamental da política do setor. A periodização resultou em três
momentos que apontam para movimentos gerais que são, antes, a manifestação setorial de
tendências da política econômica nacional e global e pelas ideias-força das diferentes épocas.
O primeiro deles, de 1960 a 1985, caracteriza-se pela centralização da formulação e
execução da política de turismo, pela normatização e controle do setor pelo poder público. A
ditadura militar que vigorou de 1964 a 1985 marcou profundamente este período, reforçando
uma forma de planejar autoritária, tecnocrática e centralizada, a partir de ideais
desenvolvimentistas e de modernização. A década de 1970 foi marcada pelo chamado milagre
econômico brasileiro, quando a economia cresceu vigorosamente e grandes investimentos
públicos em infraestrutura foram realizados no país. O turismo, em especial, foi beneficiado
pela expansão da malha rodoviária e pela inauguração de aeroportos internacionais. É
18
Os documentos ora apresentados foram obtidos em duas fontes principais: o acervo da Embratur (para planos e
políticas) e o site da Presidência da República (para leis e decretos). Como a Embratur não possuía exemplares
ou sequer uma listagem de seus instrumentos históricos de planejamento, procedeu-se a uma pesquisa
documental no acervo do Instituto, que se encontra hoje sob a responsabilidade da Biblioteca do Centro de
Excelência em Turismo da Universidade de Brasília – CET/UnB. Apesar dos esforços atualmente empreendidos
na recuperação e organização dos documentos históricos da Embratur por parte do CET, a catalogação do acervo
ainda está em andamento. Dessa forma, e contanto com a cooperação da equipe da Biblioteca, foi realizada a
identificação e localização dos instrumentos nacionais de planejamento turístico no acervo catalogado e não
catalogado. É possível, portanto, que alguns documentos estejam omissos.
38
importante lembrar que a construção dos planos setoriais de turismo desta época guardou
íntima consonância com as diretrizes governamentais explicitadas pelos segundo e terceiro
Planos Nacionais de Desenvolvimento (II e III PND).
Entre 1985 a 2002, o planejamento governamental é marcado por intensa
descentralização e desregulamentação. Não é à toa que o período coincide com a emergência
do neoliberalismo, cujas premissas se assentavam em um Estado mínimo e na maior
confiança quanto às tendências do mercado.
...a hegemonia ideológica do neoliberalismo e a crise do welfare state representam
um enfraquecimento (e não apenas uma transformação), tanto efetivo quanto
ideológico, do planejamento, até então estreitamente associado a um Estado
intervencionista (...) Se, antes os planejadores eram criticados por contribuírem para
a reprodução do stauts quo, que comumente de maneira apenas indireta (e não
plenamente consciente), por terem que ir, muitas vezes, contra os interesses
imediatos de frações do capital, agora eles passam a dar suporte direto (e muito
consciente) aos interesses capitalistas (Souza, 2003).
No Brasil, a década de 1980 foi marcada pela desaceleração do crescimento
econômico, pela inflação, pela redemocratização e pelo início da liberalização econômica do
país, que se consolida na década de 1990. Aqui, o neoliberalismo torna-se mais visível no
governo Collor (com a abertura do mercado), e ganha força e se consolida com/na a gestão
Fernando Henrique Cardoso (com a venda de grandes empresas estatais, dentre outras
iniciativas). Se antes o Estado era o agente por excelência do planejamento no país, agora
outros atores ganham espaço como as instâncias subnacionais e a iniciativa privada. Assim, as
expectativas otimistas de crescimento do turismo no Brasil também são afetadas por crises
como a do petróleo, acarretando na elevação dos preços dos combustíveis, dos custos da
aviação e na retração da demanda turística. Com isso, a estrutura legal e institucional do setor
a partir da década de 1990, espelhada na tendência neoliberal, associada à globalização e à
estabilização econômica, leva à desregulamentação da atividade, à abertura do mercado e ao
abandono do controle rígido das empresas turísticas, de suas operações, tarifas e concorrência.
Já no terceiro momento, de 2002 em diante, a tendência descentralizadora assume
um novo formato, acompanhada pelo fortalecimento institucional do poder central e pela nova
regulamentação do setor. A transição política marcada pela posse do Presidente Lula parece
mudar a direção do planejamento governamental observado nas décadas precedentes, ou seja,
a partir do fortalecimento da administração e das políticas públicas. Nesta ambiência, o
turismo ganhou um Ministério próprio, que passou a atuar no sentido de estruturar e
normatiza o setor. Sobre vários aspectos, o Plano Nacional de Turismo de 2003 representa
39
uma inflexão no movimento geral observado, posicionando-se do outro lado das tendências
verificadas ao longo das ultimas décadas; isto é, ele assinala um contraponto, sobretudo à
Política Nacional de Turismo de 1995, encarnação máxima da influência neoliberal no
planejamento setorial de turismo. O movimento é de um planejamento que caminhava para a
descentralização radical e para a desregulamentação de serviços para o fortalecimento do
poder central e nova normatização da atividade.
O quadro sintético abaixo apresenta uma breve descrição da periodização e dos
documentos analisados.
Periodização Instrumentos legais e de planejamento governamental
1960-1985
Planejamento
centralizado:
institucionalização e
normatização
Decreto-Lei nº 55 de 1966: define a política nacional de turismo, cria o Conselho Nacional de Turismo e a Empresa Brasileira de Turismo.
Decreto nº 60.224 de 1967: regulamenta o Decreto-Lei nº 55 de 1966.
Decreto-Lei nº 1.191 de 1971: dispõe sobre os incentivos fiscais ao turismo.
Plano Nacional de Turismo de 1975 (versão preliminar): alinha-se ao II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND (1975-1979),
posicionando o turismo enquanto instrumento para a realização das metas nacionais.
Lei 5.505 de 1977: dispõe sobre as atividades e serviços turísticos.
Lei nº 6.513 de 1977: dispõe sobre a criação de Áreas Especiais e de Locais de Interesse Turístico e sobre o Inventário com finalidades
turísticas dos bens de valor cultural e natural.
Plano Diretor de Turismo de 1983: alinha suas diretrizes aos objetivos do III Plano Nacional de Desenvolvimento – PND (1980-1985).
1986-2002
Planejamento
descentralizado:
desregulamentação e
municipalização
Lei nº 2.294 de 1986: dispõe sobre o exercício e a exploração de atividades e serviços turísticos.
Política Nacional de Turismo de 1986: composto pela transcrição dos trechos do Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República
relativos à atividade turística.
Estratégias para o Desenvolvimento do Turismo no Brasil de 1990: documento elaborado para servir de subsídio a ação pública no Setor.
Lei nº. 8.181 de 1991: dá nova denominação à Empresa Brasileira de Turismo – Embratur.
Política Nacional de Turismo de 1992 (Decreto nº 448/1992): regulamenta a Lei n° 8.181 de 1991 e dispõe sobre a Política Nacional de
Turismo.
Plano Nacional de Turismo (Plantur) de 1992: elaborado a partir do documento Estratégias para o Desenvolvimento do Turismo no Brasil
(1990) e da Política de Turismo (Decreto nº 448 de 1992).
Política de Turismo de 1995: elaborada em consonância com o documento Mãos a Obra, que pretende concretizar o programa de governo de
Fernando Henrique Cardoso.
Medida Provisória nº 2.216-37 de 2001: dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios.
2003-2009
Descentralização
centralizada:
fortalecimento do
poder central,
regulamentação e
regionalização
Plano Nacional de Turismo (PNT) de 2003: elaborado segundo os vetores de governo da Gestão do Governo Lula.
Decreto nº 4.898 de 2003: transfere as competências da EMBRATUR para o Ministério do Turismo.
Decreto 5.406 de 2005: Regulamenta o cadastro obrigatório de empresas e profissionais de turismo.
Plano Nacional de Turismo 2007/2010 – Uma Viagem de Inclusão: cuja conteúdo espelhou-se no Plano de Aceleração do Crescimento do
Governo Lula.
Política Nacional de Turismo de 2008 (
Lei nº 11.771/2008): dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, define as atribuições do Governo
Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico
Tabela 1: Periodização do planejamento governamental do turismo
41
A revisão dos instrumentos de planejamento público estruturou-se em eixos
analíticos, ‘desenhados’ após a leitura dos documentos e da sistematização dos pontos chaves
para a presente investigação, que apontam para: a) a institucionalização da política pública de
turismo; b) a estratégia de desenvolvimento; e c) a espacialização do planejamento.
1.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE TURISMO: CONSOLIDAÇÃO DO
PODER CENTRAL E DESCENTRALIZAÇÃO
Todo estudo tem um marco histórico, que delimita a necessidade de contextualização
temporal da investigação e a sua relevância no presente. O marco, neste caso, é o Decreto-Lei
nº 55 de 1966, que institui a primeira Política Nacional de Turismo. Antes disto, as iniciativas
públicas de ordenamento da atividade turística eram pontuais e podiam ser resumidas à
regulamentação dos setores de transporte e agenciamento, e às ações de divulgação.
Entretanto, entre 1930 e 1960 alguns acontecimentos que não se vinculam diretamente à
política governamental do setor merecem destaque por terem sido decisivos para o surgimento
do turismo de massa, como a criação das leis trabalhistas e a instituição de férias, a ascensão
da classe média, o desenvolvimento da indústria automobilística e da malha rodoviária, além
do surgimento e expansão da aviação comercial. Isto é, antes de 1966 o turismo já existia
enquanto realidade socioeconômica no Brasil, mas não contava com um planejamento público
que o orientasse, nem com externalidades que o favorecessem.
1.1.1 Consolidação do poder central: o planejamento turístico apropriado pelo Estado
brasileiro
O passo que marca a atuação mais direta do Estado no sentido de disciplinar e
controlar o setor foi a já citada Política Nacional de Turismo de 1966, regulamentada um ano
depois pelo Decreto nº 60.224. Segundo este último, a Política seria formulada e executada
pelo Sistema Nacional de Turismo (SNT), constituído pelo Conselho Nacional de Turismo
(CNTur), como órgão formulador; pela Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), como
executora; e pelo Ministério das Relações Exteriores, para tarefas de divulgação turística
nacional. Mediante delegação, integraram o SNT os órgãos regionais de turismo, para
execução de tarefas nos Estados, Territórios e Municípios, e entidades públicas e privadas,
bem como uma instituição de pesquisa.
42
A Embratur é criada como Empresa Pública, vinculada ao Ministério da Indústria e
Comércio, com patrimônio próprio e autonomia administrativa e financeira. A finalidade
dessa nova entidade era “incrementar o desenvolvimento do turismo e executar, no âmbito
nacional, as diretrizes traçadas pelo Governo”, através do CNTur (Decreto nº 55). É curioso
perceber que não foi à Embratur e sim ao CNTur
19
que coube a primeira e grande atribuição
de formular, coordenar e dirigir a Política Nacional de Turismo, definir suas diretrizes e,
inclusive, disciplinar e fiscalizar a Empresa. Assim, a margem de atuação da Embratur, em
seu nascedouro, é restringida pelo CNTur, que traça as diretrizes e controla as ações a serem
executadas pela Empresa, pelos órgãos estaduais e municipais de turismo e pela iniciativa
privada. Isso significa que o poder decisório e o planejamento da atividade turística
encontravam-se totalmente centralizados na figura do Conselho.
A composição do CNTur, registrada no Decreto-Lei nº 55, incluía representantes do
setor público e privado, o que lhe deveria conferir uma capacidade de articulação setorial e
público-privada significativa. Acompanhando a evolução do CNTur ao longo do período
analisado, nota-se a passagem de uma representação mais voltada para o setor público
(Decreto nº 55/1966) para um perfil mais privado, com intensa participação de entidades de
classe de empresas turísticas em 2003 (Decreto nº 4.686/2003)
20
. Além disso, houve a
incorporação de representantes de outras temáticas como a de meio ambiente, integração
regional, desenvolvimento agrário, etc.
O peso do Conselho no planejamento do setor também flutua ao longo dos anos: ele
é criado com a ambição de formular e coordenar a Política de Turismo (Decreto nº 55/1966),
é extinto em 1991 (Lei nº 8.181/1991) e, por fim, ganha novamente destaque a partir de 2003,
com o Governo Lula, apesar de restrito a funções consultivas
21
. Não é coincidência que a
Embratur acompanha essa flutuação, ganhando e perdendo poderes de forma inversamente
proporcional ao CNTur. Em 1991, a mesma Lei que extingue o CNTur, transforma a Empresa
em Instituto, vinculando-o à Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da
República. A mudança de nome vem acompanhada de incremento significativo de poderes,
19
Nota-se que a Embratur nasce junto, porém subordinada a esse Conselho: ela deve executar a política por ele
concebida. Os poderes atribuídos ao CNTur pelos diplomas legais acima referidos compreendem, ainda, a
aprovação de incentivos fiscais, a regulamentação e normatização da atividade e o controle orçamentário e
administrativo da Embratur, colocando em questão até mesmo a suposta autonomia da Empresa, garantida pelo
Decreto-Lei nº 55
20
O Decreto-Lei nº 55/1966 estabeleceu a constituição do Conselho por 5 delegados de órgãos federais e 3
representantes de iniciativa privada. Já a composição instituída pelo
Decreto nº 4.686/2003 incluiu 23
representantes do setor privado e 19 do setor público
.
21
Criado como órgão colegiado de assessoramento superior pelo Decreto nº 4.686 de 2003.
43
incorporando as competências do CNTur e passando a “formular, coordenar, executar e fazer
executar a política de turismo” (Lei nº 8.181 de 1991).
Com o Decreto nº 448 de 1992, que cria uma nova Política Nacional de Turismo, a
Embratur amplia ainda mais seus poderes e autonomia, passando a subordinar ações e
decisões (planos, programas, projetos e convênios) de outras entidades da Administração
Federal (agências de desenvolvimento regional, entidades de crédito e responsáveis pela
administração de parques nacionais, de bens patrimoniais e culturais). A década de 1990
representa o momento áureo da Embratur, que só terá seus poderes reduzidos em 2001,
quando é transformada em autarquia do recém-criado Ministério do Esporte e Turismo,
passando a apoiar a formulação e execução da política (Medida Provisória nº 2.216-37)
22
. Em
2003, a redução da participação da Embratur na formulação da política pública se intensifica
com a criação de um Ministério próprio para o setor de turismo, culminando no total
esvaziamento do papel decisório e formulador do Instituto, que tem suas funções reduzidas à
promoção, marketing e apoio à comercialização do país. Neste mesmo ano, o Decreto nº
4.898/2003 transfere as competências de cadastramento, classificação e fiscalização de
empreendimentos dedicados às atividades turísticas da Embratur para o Ministério do
Turismo.
Tais mudanças foram regulamentadas em 2008, por meio da Lei nº 11.771, que
institui a Política Nacional de Turismo e atribui ao Ministério a responsabilidade por planejar,
fomentar, regulamentar, coordenar e fiscalizar a atividade turística, bem como promover e
divulgar institucionalmente o turismo em âmbito nacional e internacional.
Assim, ao longo do período analisado, o planejamento nacional do setor de turismo
passa progressivamente das mãos de um Conselho para uma Empresa Pública e, desta, para
um Ministério próprio. Isto representa a conquista gradativa de um aparato institucional
centralizado que ofereceu suporte à importância crescente que o turismo foi adquirindo na
agenda pública do país.
1.1.2 Descentralização e desregulamentação: a emergência de novos atores
O poder de decidir sobre o desenvolvimento do setor de turismo, entretanto, não é
disputado somente no sentido horizontal, entre instituições do Governo Federal. Um embate
vertical também pode ser observado no período analisado, principalmente a partir da década
22
Mesmo tendo as suas competências reduzidas em Lei, a Embratur continua exercendo um papel de destaque
no desenvolvimento do setor até 2003.
44
de 1990. Apesar de ser um movimento único, ele percorre dois ‘caminhos’ desconcentradores:
a descentralização, caracterizada por uma participação crescente das regiões, estados e
municípios no desenvolvimento do setor; e a desregulamentação, que marca a liberalização do
mercado turístico, com o desmantelamento de parte de seu aparato normativo, e uma atuação
mais proeminente da iniciativa privada em relação ao Estado.
É preciso entender que até o final da década de 1970 o planejamento do turismo
estava totalmente centralizado no Governo Federal, na figura do CNTur, que empreendeu
esforços no sentido de normatizar e disciplinar o setor por meio da expedição de diplomas
legais e de um controle rígido das empresas privadas que atuavam no mercado turístico.
O movimento em direção à descentralização pode ser percebido nas configurações
assumidas pelo Sistema Nacional de Turismo. De um formato altamente centralizado, com
participação dos órgãos regionais de turismo apenas para “execução de tarefas nos Estados,
Territórios e Municípios” (Decreto nº 60.224/67), para um perfil mais cooperativo. A Política
Nacional de Turismo de 1986 marca esta mudança, por meio da ampliação do papel das
instâncias de planejamento subnacionais e da iniciativa privada. Apesar de permanecer
centralizado no nível político, a configuração sistêmica do SNT faz transbordar os limites
meramente executivos dos poderes local e regional, que passam a assumir o desenvolvimento
de programas, contando com iniciativas das comunidades e do setor privado. Pela primeira
vez, outras instâncias de planejamento ganham relevo, como conselhos comunitários
municipais, comissões de turismo integradas (para ações de abrangência regional) e regiões
geoturísticas. Tudo indica que esse plano representa uma tentativa que visa conferir maior
capilaridade às ações do setor. Entretanto, apesar de articular e ampliar o alcance territorial de
suas ações, a descentralização ainda não se manifesta em sua totalidade, uma vez que o
movimento continua essencialmente descendente (com decisões sendo tomada de cima para
baixo).
Os planos da década de 1980 revelam o início da tendência descentralizadora,
sacramentada na Constituição Federal de 1988, que concedeu maior autonomia às instâncias
subnacionais, notadamente a municipal, fazendo inclusive referência ao turismo em seu texto:
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o
turismo como fator de desenvolvimento social e econômico” (Art. 180).
45
Em 1995, a transição do Governo Collor para o Governo Fernando Henrique
Cardoso foi demarcada pela criação de outra Política para o setor
23
. Dentre as
macroestratégias ali definidas merece destaque a “descentralização da gestão turística, através
do fortalecimento dos órgãos estaduais, da municipalização do turismo e da terceirização de
atividades por intermédio do setor privado”. Ali é criada uma Política de Descentralização
que assinala o seguinte:
O turismo é indiscutivelmente uma atividade municipal, pois utiliza os serviços do
município, gera impostos municipais diretos e, portanto, deve ser implementada
como resultado de uma decisão local, com o envolvimento da comunidade.
Entretanto, o desconhecimento de seu potencial econômico e social muitas vezes
dificulta a melhoria da qualidade do produto turístico. Através de um trabalho de
conscientização junto aos municípios potencialmente turísticos brasileiros, procura-
se adequar as ações de planejamento, operacionalização e gerenciamento com a
capacitação de técnicos municipais para o desempenho da atividade, garantindo
desta forma, sua continuidade. Define-se como prioridade nesta política o Programa
Nacional de Municipalização do Turismo.
Nasce o Programa Nacional de Municipalização do Turismo - PNMT, representante
máximo desse movimento descentralizador e cerne da política pública do setor nos oito anos
subseqüentes. Segundo o documento, o PNMT justifica-se pela necessidade de descentralizar
a gestão da atividade turística e de melhorar a qualidade de vida a partir da base. Seus
objetivos gerais incluem descentralizar as ações de planejamento, conscientizar a sociedade
para a importância do turismo, dotar os municípios brasileiros de condições técnicas e
organizacionais para promover a atividade turística e elaborar seus próprios planos de
desenvolvimento.
A descentralização sai da órbita executiva e adentra o âmbito da decisão, com
aumento indiscutível do nível de autonomia do planejamento turístico municipal. É uma
mudança radical na forma de fazer essa política, que assume assim caráter ascendente com
decisões sendo geradas a partir do local. Desse modo, o papel do Governo Federal passa a ser
o de preparar o município para pensar, planejar e desenvolver o “seu próprio turismo”, mais
adequado às diferentes realidades sócio-espaciais.
Essencialmente, esta política representa uma inflexão no padrão do planejamento: de
um modelo altamente centralizado para uma real descentralização. A partir do Plano Nacional
de Turismo de 2003, entretanto, ocorre importante inversão na atomização do planejamento
turístico engendrada pelo PNMT. O Ministério do Turismo passa a preconizar a
23
Não obstante a instituição, em Lei, de uma Política menos de três anos antes (Decreto nº 448 de 1992). O
documento propõe a criação de uma nova Lei e apresenta, em seu anexo, a proposta de seu texto integral,
elaborado com base no seu conteúdo.
46
regionalização como estratégia fundamental para o desenvolvimento turístico no território
nacional e cria, em 2004, o Programa de Regionalização, mais tarde incorporado ao Plano
Nacional de Turismo de 2007 e transformado em Macroprograma. A partir desse período, a
política caracteriza-se, sobretudo, pelo fortalecimento do aparato institucional do setor, que
passa a adotar uma nova espacialização para o desenvolvimento turístico, reunindo
municípios e estados em roteiros integrados.
A outra direção assumida pela disputa vertical do poder de planejar – a
desregulamentação – consolida-se na década de 1990, mas desponta no Plano Diretor de
1983, ainda com um formato ambíguo, característico dos períodos de transição. Por um lado,
o plano discorre sobre os benefícios da maior liberalização do mercado turístico, fazendo
alusão aos efeitos positivos de uma menor intervenção estatal no setor. Ideias como
desregulamentação, desburocratização, eficiência e modernização administrativa estréiam
nesse plano
24
e ganham espaço e força durante toda a década de 1990 nas políticas
subseqüentes. Por outro lado, advoga o controle da concorrência como ferramenta para
superar a crise instaurada no país durante as décadas de 1970 e 1980
25
. O plano é paradoxal:
ao mesmo tempo em que estabelece ressalvas quanto à concorrência nociva, também inicia a
discussão sobre os efeitos positivos da desregulamentação
26
.
Durante a segunda metade da década de 1980, entretanto, a política deixa de ser
dúbia, passando a assumir caráter explicitamente desregulamentador. Coerente com essa
ambiência, a Lei nº 2.294 de 1986 marca a transição do controle estatal para uma maior
liberação do mercado turístico, fixando em seu artigo primeiro: “são livres, no País, o
exercício e a exploração de atividades e serviços turísticos, salvo quanto às obrigações
tributárias e às normas municipais para a edificação de hotéis”. Vale lembrar que desde 1977
as empresas turísticas eram obrigadas a obter registro junto à Embratur (Lei nº 6.505).
Nesta mesma linha, a Política Nacional de Turismo de 1986 pontua a importância de
reduzir substancialmente o apoio a projetos públicos e de ampliar a capacidade de fomento da
Embratur por meio da atração de capitais privados nacionais e estrangeiros. O documento
24 Sobre as causas da baixa competitividade turística brasileira o documento comenta: “... o Brasil que já se
encontra desfavorecido pela grande distância, em relação ao principais pólos emissores de turistas, sofre ainda os
efeitos do cartel aeronáutico, que mantém elevadas as tarifas no Atlântico Sul, ao contrário do Atlântico Norte,
onde a política de “desregulation” acirrou a concorrência entre as companhias aéreas e, consequentemente,
promoveu a redução substancial das tarifas.”
25 Cita como problemas que prejudicam o setor a concorrência nociva das agências de turismo que se ligam a
agentes financeiros para a prática do financiamento e das companhias aéreas que negociam diretamente com os
consumidores. Além disso, propõe como estratégia para melhorar a qualidade da oferta turística: a
regulamentação, o registro, a classificação, a inspeção e o controle de qualidade.
26 A partir daí, a política de competição controlada caracterizada por uma forte intervenção estatal no controle
de rotas e tarifas, vigente desde os anos de 1960, é gradativamente abandonada (EMBRATUR, 2006).
47
Estratégias para o Desenvolvimento do Turismo no Brasil (1990) e o Plano subseqüente
(Plantur, 1992) também enfatizam a maior participação da iniciativa privada através da
desregulamentação do setor de turismo, que figura nas estratégias, programas e metas do
primeiro documento, que incluem ainda a desburocratização e a auto-regulamentação do
registro e classificação dos empreendimentos e profissionais.
O programa [Desregulamentação das Atividades Turísticas] objetiva a eliminação de
entraves burocráticos à expansão dos serviços, bem como a melhoria de sua
qualidade pela ação controladora dos próprios prestadores de serviços (...) Estão
previstos dois conjuntos de medidas. O primeiro, envolvendo o estudo conjunto de
órgãos da administração pública, a fim de identificar e revogar normas e
procedimentos que inibem a expansão do setor. O segundo, diz respeito à
transferência para a iniciativa privada de controles anteriormente exercidos pelo
Estado.
O Plantur de 1992 incorpora algumas ideias do documento que o precede, reiterando,
em suas diretrizes e programas, o compromisso com a eficiência administrativa, a interação
com a iniciativa privada, bancos e organismos internacionais, a modernização operacional, a
desregulamentação e a facilitação das atividades turísticas
27
. O Decreto nº 448 de 1992
também reforça esta tendência ao afirmar que “a Embratur celebrará convênio com os órgãos
e entidades da Administração Pública Federal, visando adotar os critérios necessários à
racionalização e desregulamentação dos serviços oferecidos aos turistas”.
Além da descentralização, a Política de 1995 dá relevo à necessidade de estabelecer
parcerias e de reformular a estrutura da Embratur. A sua Política de Desenvolvimento e
Integração Regional parte do princípio que “a integração União-Estados-Municípios e Setor
Privado é uma das formas mais seguras de desenvolver a indústria de turismo e viagens”,
enquanto a sua Política de Articulação reforça a defesa ao trabalho conjunto com outras
entidades
28
.
O Plano Nacional de Turismo de 2003, entretanto, retoma a necessidade da
regulamentação do setor através do seu Programa de Normatização, iniciativa que ganha
continuidade no Plano de 2007. Segundo o primeiro, “o Estado tem papel importante a
cumprir na regulamentação do setor, normatizando e fiscalizando segmentos e a atividade
turística e orientando a formação profissional”. Os objetivos propostos pelo Programa
incluem ações de certificação, estabelecimento de normas, padrões e regulamentos para os
27 O seu subprograma Desregulamentação e Facilitação das Atividades Turísticas, por exemplo, visa “a retirada
de entraves burocráticos, a facilitação para a atividade turística e a transferência a entidades representativas de
parte do controle da qualidade e gestão, favorecendo o funcionamento harmônico das atividades turísticas”.
28 Prevê a articulação com instancias e esferas governamentais e privadas, Bancos nacionais e regionais e
Fundos regionais, Sebrae, estados e Comissões de Turismo Integrado.
48
serviços turísticos e fiscalização de forma descentralizada. Não é surpresa, portanto, que em
2005 o Decreto nº 5.406 tenha tornado novamente obrigatório o cadastro de empresas
turísticas e profissionais ligados à atividade, permitindo ainda a transferência desta
competência para outros órgãos da administração pública
29
.
A Lei 11.771 de 2008 representa, por fim, a materialização deste esforço de
regulamentação do setor, por meio da disciplina da prestação de serviços turísticos, do seu
cadastro, classificação e fiscalização.
No decorrer deste relato, verificou-se a existência de um movimento geral e
contraditório que aponta para uma descentralização centralizada da gestão pública do turismo.
Por um lado, existe o esforço no sentido de criar um aparato institucional com progressiva
penetração, importância e autonomia na administração pública; por outro, este ganho de
envergadura é acompanhado pela crescente participação de instâncias subnacionais e da
iniciativa privada em relação ao Governo Federal e pela disseminação de ideias como reforma
do Estado, descentralização e desregulamentação do setor. Parece, entretanto, haver uma
inflexão deste movimento com a criação do Plano Nacional de Turismo em 2003. Isto porque
o Estado volta a assumir maior controle sobre o desenvolvimento do turismo no país com a
normatização de iniciativas e ações, e a regionalização, que representa, em última instância,
uma inversão na atomização do planejamento engendrada pelo PNMT.
1.2 A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO: CRESCER E DISTRIBUIR
Crescimento econômico e distribuição de benefícios são os eixos que sustentam o
discurso do planejamento público do turismo no período analisado. No entanto, apesar de se
encontrarem lado a lado na agenda política do setor, assumem peso e enfoque diferenciados.
A seguir, será lançada luz sobre esses dois aspectos, que serão analisados, neste primeiro
momento, relacionalmente e a partir dos objetivos e metas dos instrumentos analisados.
A primeira Política Nacional de Turismo compreende as diretrizes e normas dos
aspectos ligados ao desenvolvimento do turismo desde que reconhecido o seu interesse
econômico para o país (Decreto-Lei nº 55/1966) e seu equacionamento como fonte de renda
nacional (Decreto nº 60.224/1967). É relevante observar que desde o seu nascimento a
formulação da política setorial de turismo sempre esteve fundamentalmente sustentada no seu
29
As funções de cadastramento e fiscalização das empresas e profissionais de turismo são delegadas hoje aos
órgãos estaduais de turismo.
49
impacto econômico, característica que acompanha todos os instrumentos analisados,
perdurando até os dias de hoje.
A maioria desses instrumentos marca a importância econômica do turismo, mas faz
ressalvas quanto ao desempenho modesto da atividade no Brasil, principalmente quando
considerado o potencial do país e os crescentes indicadores mundiais.
A principal justificativa para o investimento público no turismo está ancorada na sua
capacidade de geração de emprego e renda. Segundo a Política Nacional de Turismo de 1986,
por exemplo, “o fortalecimento do turismo se concretiza através do impacto econômico da
atividade, a nível regional e nacional, com especial destaque na criação de empregos e
geração de riquezas”. Já a finalidade da Política de Turismo de 1995 é promover e
incrementar o turismo como fonte de renda, de geração de emprego e de desenvolvimento
socioeconômico.
Em geral, as estratégias desenvolvidas para alcançar os objetivos e metas propostas
nos documentos analisados incluíam o aumento do tempo de permanência e gasto médio do
visitante, além da diversificação e incremento do produto turístico nacional
30
. A fórmula para
o crescimento econômico também não se modificou substancialmente, mantendo seu foco no
balanço de pagamentos
31
, tanto na busca pelo superávit durante as décadas de 1960 e 1970
32
,
quanto no aumento da participação do setor no PIB. Isto envolvia a captação de divisas do
turista internacional, inclusive com a tentativa de restrição ao turismo emissivo do país
33
.
Com a intensificação dos fluxos de pessoas, capital e mercadorias, advindos da
globalização, e a conquista do superávit no setor a partir de 1981, os objetivos da política
passam a se concentrar na busca por um melhor posicionamento da atividade na pauta de
exportadora. Assim, planos mais recentes optam por objetivos como o aumento do número de
visitantes internacionais e a dinamização do mercado doméstico.
30 Complementarmente, propunham-se ações de promoção, divulgação e marketing; qualificação e capacitação;
classificação, cadastramento e fiscalização de empreendimentos e profissionais; valorização e preservação de
elementos culturais e naturais; formatação de produtos e roteiros; criação de um sistema de informação, pesquisa
e estatística; normatização, regulamentação e planificação; concessão de investimentos e incentivos;
implementação de infra-estrutura, entre outros.
31 O cálculo da receita turística é incluído na balança de pagamentos no início da década de 1980. A
contribuição do setor é calculada em função do resultado das divisas trazidas pelos turistas internacionais ao país
e da remessa de capital nacional ao exterior nas viagens internacionais realizadas por brasileiros.
32 Em 1963 os turistas brasileiros levaram para fora do Brasil US$ 24 milhões, enquanto os turistas estrangeiros
deixaram no país US$ 9 milhões (EMBRATUR, 2006).
33 Na década de 1970, por exemplo, foi instituído temporariamente o depósito compulsório para viagens no
exterior (na época, o pagamento de mil dólares), inibindo, assim, a saída internacional de turistas brasileiros. Os
primeiros planos também faziam explícita referência à inibição destas viagens, como o Plano Nacional de 1975,
que incluiu em seus objetivos “a redução do déficit e posterior equilíbrio do saldo da conta turismo no balanço
de pagamentos”, projetando a substituição, até 1979, de 10% das saídas de turistas nacionais para o exterior pelo
turismo doméstico. Já o Plano Diretor de Turismo 1986 propôs como meta a reversão da tendência de
crescimento da saída de brasileiros em viagem ao exterior, em pelo menos 30% até 1989.
50
Os exemplos são fartos e estão presentes, em especial, nos instrumentos elaborados a
partir da segunda metade da década de 1980. O Plano Diretor de 1983, por exemplo,
propunha o aumento do fluxo turístico internacional e doméstico, como também a melhoria da
qualidade do produto turístico nacional. Já a Política Nacional de Turismo de 1986 concentra-
se em dois objetivos gerais: o desenvolvimento do turismo interno e a geração de divisas para
o Brasil, visando aumentar o superávit da conta de turismo. O primeiro pretendia “promover o
turismo nas regiões mais carentes (...) contribuindo para a elevação dos padrões de bem-estar
das classes de menor poder aquisitivo e para o crescimento da renda e do emprego, melhor
distribuição de renda e redução de críticas disparidades sociais, culturais e econômicas de
ordem regional”
34
. Já a realização do segundo objetivo – geração de divisas – reforçava a
posição do turismo como fator de equilíbrio do balanço de pagamentos e a contenção do
endividamento externo, proporcionando ainda o crescimento da renda e do emprego, a
redução de disparidades regionais e atuando como fator dinamizador da distribuição de renda.
Apesar de o primeiro objetivo advogar o aquecimento do turismo interno mediante a
promoção de regiões carentes, a importância atribuída à geração de divisas e ao superávit,
como forma de reduzir as disparidades regionais e distribuir renda, corrobora a ideia de que é
preciso crescer para distribuir, atribuindo uma relação causal entre crescimento econômico e
distribuição de benefícios. Coerente com esta tendência, a “redistribuição de renda individual
e regional” perde centralidade no documento Estratégias para o Desenvolvimento do Turismo
no Brasil (1990), não figurando diretamente em sua pauta de objetivos, ficando reduzida a um
mero efeito do desenvolvimento econômico. Entretanto, na sua introdução e conclusão, ela
aponta a distribuição de renda como justificativa para o empenho do setor público na
promoção do turismo
35
.
Já o Decreto nº 448 de 1992, que cria a Política de Turismo, dá ênfase à questão
distributiva, citando dentre os seus objetivos: democratizar o acesso ao turismo, reduzir as
disparidades sociais e econômicas de ordem regional, difundir novos pontos turísticos com
34
O Plano Nacional de 1975 fez, pela primeira vez, referência à redução dos desequilíbrios sócioespaciais em
sua pauta de objetivos, “tendo em vista o fato de que áreas com vocação e aptidão turística apresentam,
normalmente, condições de total ausência de estrutura urbana ou acentuado atraso socioeconômico, dado que se
desenvolvem a partir de pequenos e dispersos aglomerados populacionais”.
35
O documento cita em sua introdução: “ao longo deste trabalho procura-se mostrar a total factibilidade da
construção da atividade turística, como uma das mais consentidas formas de contribuição para a economia
nacional, somando-se ao esforço de incrementar a captação de divisas no exterior e a possibilidade de promover
a redistribuição de renda”. Na conclusão, o documento reforça “como aspectos econômicos que justificam o
empenho do setor público para promover a indústria do turismo o fato de ser é a indústria que melhores
condições apresenta para efetivar a desejável distribuição de renda e, consequentemente, desenvolver as regiões
Norte e Nordeste, diminuindo os indesejáveis desequilíbrios observados no País”.
51
vistas a diversificar os fluxos e beneficiar especialmente as regiões de menor nível de
desenvolvimento. No mesmo ano, o Plantur traçou como resultados econômicos esperados até
1994 o aumento da receita cambial do turismo e do seu impacto no PIB, colocando-o entre os
três primeiros itens da pauta de exportação brasileira. O Plano também resgata a questão
distributiva ao afirmar, em seus objetivos, que a utilização dos recursos públicos deveria ser
voltada para o bem-estar social através do desenvolvimento regional do turismo. Este deveria
promover a diversificação de bens e serviços, a geração de emprego, o aporte de divisas, a
integração, a proteção do patrimônio, a propagação dos benefícios e a redução das
desigualdades regionais, através da distribuição da renda entre as diversas regiões.
Aqui existe uma clara inversão da lógica até então predominante, que atribuía uma
relação de subordinação da questão distributiva ao crescimento econômico. Os dois últimos
documentos citados rompem com essa ideia, concedendo autonomia e centralidade à
distribuição de benefícios.
A Política de Turismo de 1995 tem como finalidade “promover e incrementar o
turismo como fonte de renda, de geração de emprego e de desenvolvimento sócioeconômico
do país”, complementando na sua pauta de objetivos que
o turismo alicerçado nas potencialidades naturais do maior país tropical do mundo
pode cooperar de maneira substantiva como instrumento de desenvolvimento
regional sustentável, tendo como resultados, (...) a melhoria da qualidade de vida de
milhões de brasileiros que vivem em regiões de potencial turístico e a redução das
desigualdades regionais; a geração de novos empregos, o maior aporte de divisas ao
balanço de pagamentos.
Mais recentemente, nos Planos Nacionais de 2003 e 2007, apesar da questão
distributiva ter sido citada inúmeras vezes como justificativa para o desenvolvimento do setor
em exame, ela não figura diretamente no rol de objetivos gerais e específicos e nas metas dos
documentos. Estas reúnem ações voltadas para o aumento do número de empregos, de turistas
internacionais e domésticos, de divisas e de produtos turísticos de qualidade
36
.
Tais metas indicam um retrocesso aos primeiros planos, focados na balança de
pagamentos e na captação de divisas. A última delas, entretanto, faz referência à atuação nas
diferentes regiões do país, mas não consegue retomar a questão distributiva, tão presente no
discurso institucional do documento. Ao contrário, privilegia uma abordagem indiscriminada
36
O PNT 2003 pretendia criar condições para gerar 1.200.000 novos empregos e ocupações; aumentar para 9
milhões o número de turistas estrangeiros no Brasil; gerar 8 bilhões de dólares em divisas; aumentar para 65
milhões a chegada de passageiros nos vôos domésticos; ampliar a oferta turística brasileira, desenvolvendo no
mínimo três produtos de qualidade em cada Unidade da Federação. Já o PNT 2007 propõe promover a realização
de 217 milhões de viagens no mercado interno; criar 1,7 milhões de novos empregos e ocupações; estruturar 65
destinos turísticos com padrão de qualidade internacional; gerar 7,7 bilhões de dólares em divisas.
52
no território, no PNT 2003, com a estruturação de três produtos de qualidade em cada
Unidade da Federação, sem levar em conta as desigualdades existentes entre elas. Já no PNT
2007, opta por uma abordagem competitiva, por meio da seleção de 65 (sessenta e cinco)
destinos indutores de desenvolvimento, que possuem maiores vantagens frente ao mercado
internacional.
Na Política Nacional de Turismo, instituída em 2008, entretanto, a questão
distributiva ganha força e centralidade, estando presente em suas disposições preliminares
37
e
na pauta de objetivo
38
.
A partir da segunda metade do século XX, o conceito de desenvolvimento sofreu
mutações que foram apropriadas na formulação das políticas públicas. É possível observar
como este movimento mais geral acompanha e determina algumas das discussões realizadas
neste subcapítulo. O termo desenvolvimento vem sendo adotado como um modelo a ser
seguido pelas nações subdesenvolvidas, apesar de seus resultados destrutivos, como o
aprofundamento das desigualdades, o endividamento de países, o corte de recursos em
políticas sociais e a degradação ambiental. É neste sentido que Sachs (1990) o chama, ao
mesmo tempo, de doença e terapia, posto ser ele um modelo que não obstante as suas
contradições e fracasso vem sendo alargado e amplamente disseminado.
Sachs (1990), ao criticar o conceito de desenvolvimento, faz um histórico de sua
evolução realçando as suas principais mutações. Segundo o autor, durante os anos 1950, o
discurso hegemônico sugeria que o desenvolvimento poderia ser alcançado mediante
investimentos diretos, ou seja, por intermédio da simples transferência de capital do ‘centro
aos países subdesenvolvidos. Durante os anos 1960, o conceito passa a incluir a necessidade
de qualificação e assistência técnica para a melhor aplicação destes investimentos. Nos anos
1970 o reconhecimento do aprofundamento das desigualdades mundiais tornou nítidas as
limitações desse tipo de abordagem. Com isto, o conceito assimilou uma abordagem mais
37
“O Poder público atuará, mediante apoio técnico, logístico e financeiro, na consolidação do turismo como
importante fator de desenvolvimento sustentável, de distribuição de renda, de geração de emprego e da
conservação do patrimônio natural, cultural e turístico brasileiro”.
38
Em linhas gerais, os objetivos incluem, entre outros: democratizar o acesso ao turismo; reduzir as disparidades
sociais e econômicas de ordem regional; ampliar os fluxos turísticos, a permanência e o gasto médio dos
turistas; estimular a criação, a consolidação e a difusão dos produtos e destinos turísticos brasileiros, buscando
beneficiar, especialmente, as regiões de menor nível de desenvolvimento econômico e social; promover,
descentralizar e regionalizar o turismo, estimulando estados e municípios a planejar a atividade turística de
forma sustentável; propiciar a prática de turismo sustentável nas áreas naturais; desenvolver, ordenar e promover
os diversos segmentos tusticos; aumentar e diversificar linhas de financiamentos para empreendimentos turísticos e
para o desenvolvimento das pequenas e microempresas; contribuir para o alcance de política tributária justa e
equânime para as a cadeia produtiva do turismo; promover a integração do setor privado como agente
complementar de financiamento em infraestrutura e serviços públicos.
53
equitativa, que incluísse também a distribuição da riqueza e levasse em conta as áreas rurais.
Já os anos 1980, marcados pelo despertar da questão ecológica e pelo surgimento do conceito
de desenvolvimento sustentável, impuseram novas mudanças ao conceito, que passa a assumir
mais um condicionante: a questão ambiental.
É curioso perceber que o setor de turismo assimila esta discussão, dando
centralidade, em um primeiro momento, ao crescimento econômico para em seguida incluir a
necessidade da distribuição de seus benefícios e, na década de 1990, apropriar-se das
discussões sobre ecologia e sustentabilidade.
Em síntese, existe uma inversão na lógica causal entre crescimento econômico e
distribuição de benefícios, sobretudo a partir de 1992, quando a dimensão distributiva ganha
mais centralidade e autonomia. Entretanto, parece que, em muitos planos, os esforços
discursivos empreendidos em sustentá-la não encontram correspondência nos instrumentos
necessários para a sua implementação. De outra forma: apesar de haver nítida preocupação
retórica com a questão distributiva nos documentos analisados, pouco se fez no sentido de
garantir que o turismo possa, de fato, contribuir para a redução das desigualdades sociais e
espaciais. Isso porque a temática perde força na medida em que as políticas e planos avançam
em suas proposições. A valorização da dimensão discursiva também pode ser encontrada na
temática de segmentação e incentivos públicos para o setor.
1.2.1 Desenvolvimento desigual e a questão distributiva: segmentação e incentivos
públicos
Como visto, todos os documentos de planejamento analisados, sem exceção,
pontuam a importância crescente do turismo, principalmente no tocante ao seu desempenho
econômico. Mas além da questão econômica, a preocupação relativa ao desenvolvimento
desigual do setor também sempre esteve presente na história discursiva do planejamento
público do setor. Ela deflagra-se enquanto uma questão distributiva, mas que aparece, muitas
vezes, de forma marginal, apesar dos esforços discursivos empreendidos em sustentá-la, ou
como uma conseqüência natural ou resultado esperado do crescimento econômico. Isto é, as
políticas públicas reconhecem os efeitos do desenvolvimento desigual no turismo, mas nem
sempre perseguem os caminhos para enfrentá-lo, alinhando-se à abordagem clássica.
No entanto, estratégias foram desenhadas no sentido de desenvolver e tornar mais
equitativo o setor de turismo nas últimas cinco décadas. Para melhor compreendê-las, a
54
questão distributiva será analisada a partir de dois grandes temas: a segmentação turística e os
incentivos públicos.
Antes, porém, registre-se que o desenvolvimento desigual e a questão distributiva no
turismo é multidimensional, manifestando-se em seu caráter espacial, setorial, temporal e
social. Espacial porque a sua ocorrência é diferenciada no país e tende a privilegiar porções
específicas do território, concentrando os benefícios provenientes da atividade. Setorial
porque os diferentes segmentos da oferta turística – o ecoturismo, o turismo cultural, o
turismo de sol e mar, entre outros – também são objetos de desejo diferenciados por parte dos
consumidores, que mantêm preferências mais ou menos hegemônicas. Temporal também, já
que a sazonalidade é um elemento característico do setor, determinando altas e baixas
temporadas. Finalmente, a questão distributiva no turismo passa também por sua dimensão
social, aqui apresentada em sua dupla face. A primeira diz respeito à democratização do
“fazer turismo”, ou seja, à quantidade de pessoas que possuem condições de praticar a
atividade. Já a segunda refere-se à forma pela qual a riqueza proveniente da atividade é
repartida nas comunidades receptivas.
Estes desdobramentos se refletem na planificação do setor, que tenta capturar tal
complexidade através da segmentação e do desenvolvimento de programas específicos.
Segmentação turística é uma forma de dividir e agrupar conjuntos com características
homogêneas, tanto a partir da demanda, ou seja, dos turistas propriamente ditos, quanto da
oferta, composta pelos diversos receptivos, produtos e atrativos turísticos. Não obstante a
inclusão de todas as dimensões e segmentos nos instrumentos de planejamento analisados, a
distribuição do ponto de vista espacial é, sem dúvida, dominante, relacionando-se, sobretudo,
à questão regional.
O Plano Nacional de Turismo de 1975 reconhece o turismo como a forma de lazer
mais evoluída das sociedades desenvolvidas, tendo como foco a ampliação da base de pessoas
que praticam a atividade, através do desenvolvimento de programas para os segmentos das
camadas sociais menos favorecidas e a classe média. É a primeira vez que o turismo é tratado
como produto de consumo de massa, tendo repercussões até hoje na formulação da política
pública. Propõe, ainda, como um de seus instrumentos, a promoção do turismo nos períodos
de baixa estação, como forma de conceder maior regularidade à atividade turística.
Os objetivos do Plano Diretor de 1983 incluíam o desenvolvimento de regiões mais
carentes e o estímulo aos fluxos de turismo social de massa
39
. Aqui também a temática
39
A ampliação do turismo interno e a democratização da atividade também estavam presentes nos objetivos
setoriais.
55
distributiva estendia-se ao plano temporal, com a proposta de reescalonamento de férias
escolares para combater os efeitos da sazonalidade. Entretanto, propunha a ativação de fluxos
turísticos interioranos para as grandes capitais, abrindo espaço para uma maior concentração
do setor. A dubiedade do binômio concentração/desconcentração está igualmente presente na
Política Nacional de Turismo de 1986 e no Plano Nacional de Turismo de 1992. A primeira
propõe a “redução do custo do produto turístico, mediante a criação e consolidação de
destinos mais próximos dos mercados emissores” e o segundo sugere o desenvolvimento do
turismo social com “melhoria da oferta de seus equipamentos específicos, principalmente
próximos a grandes centros urbanos”. É curioso, portanto, perceber como uma política
distributiva do ponto de vista social pode ser concentradora do ponto de vista espacial.
O Plantur de 1992 projeta uma estimativa de crescimento otimista para o setor, em
decorrência, inclusive, do interesse despertado pelo turismo ecológico. Surgem aqui novas
ideias para o desenvolvimento e para a melhor distribuição espacial da atividade, como a
implementação de pólos turísticos integrados e o segmento do ecoturismo. Este último ganha
destaque, já que para ele se dirigem as expectativas políticas de interiorização da atividade
turística, intensamente concentrada no litoral e no segmento de sol e praia. O peso atribuído
ao ecoturismo também guarda correspondência com o boom da temática ambiental,
principalmente a partir desse ano, com a realização da emblemática Conferência Eco-92 na
cidade do Rio de Janeiro, marco do novo paradigma da sustentabilidade. Assim, ecologia,
meio ambiente, ecoturismo, agendas verdes e outros desdobramentos do tema ganham espaço
na sociedade e nas políticas públicas, inclusive de ordem setorial.
De fato, reconhecer a inter-relação entre turismo e meio ambiente, assim como a
potencialidade do turismo ecológico é dar um passo no sentido da desconcentração de uma
atividade historicamente concentrada no sul, sudeste e litoral, já que o segmento permite uma
maior interiorização da atividade em destinos como os Parques Nacionais e a inclusão de
diferentes ecossistemas, como o Pantanal, a Amazônia e o Cerrado.
O Plantur marca uma mudança na relação entre turismo e meio ambiente. Mas é
preciso atentar que antes dele já existia uma preocupação com a proteção do meio ambiente
natural e cultural, considerado ‘matéria-prima’ do setor, necessária à sua reprodução e
sobrevivência. A partir de 1992, entretanto, o ‘turismo sustentável’ passa a ser a estratégia de
desenvolvimento a ser perseguida.
O Programa Pólos Turísticos proposto pelo mesmo Plano é voltado à ampliação e à
diversificação da capacidade instalada em áreas pré-direcionadas, identificadas pela Embratur.
A proposta inclui a instalação de meios de hospedagem nos pólos turísticos, na Amazônia e
56
Pantanal (para a promoção do turismo ecológico) e no interior do país (hotéis econômicos). Já
o Programa Turismo Interno prevê a intensificação do fluxo interregional e a sua distribuição
mais equilibrada ao longo do ano, por meio da segmentação dos produtos destinados ao
mercado doméstico: educativo, rural, cultural, náutico, saúde, ecológico, além do turismo
social, voltado para os segmentos trabalhador, jovem e maior idade.
Em sua apresentação, a Política de Turismo de 1995 propõe desenvolver o turismo
dentro de alguns tópicos, incluindo democratizar o acesso ao turismo, incentivar programas
regionais integrados e apoiar o turismo ecológico. O documento estabelece políticas e
programas específicos, também lançando mão da segmentação. A sua Política de
Desenvolvimento e Integração Regional inclui muitos programas e projetos que têm em
comum a temática distributiva: Programa Nacional de Ecoturismo, Pesca Esportiva (com
promoção do Pantanal e Amazonas), Clube da Maior Idade (voltado para idosos e
aposentados), Albergues da Juventude (voltado para o público jovem) e Dias Azuis (oferta de
pacotes de turismo mais baratos na baixa estação). Todos eles buscam a democratização do
turismo, o aumento e a melhor distribuição do fluxo turístico, por meio do estímulo a
segmentos específicos.
O Programa Nacional de Ecoturismo, especificamente, aplica pela primeira vez o
conceito de sustentabilidade em uma política do setor ao afirmar que “o ecoturismo configura-
se como uma importante alternativa de desenvolvimento econômico sustentável,
proporcionando a promoção do desenvolvimento social nas comunidades onde se
desenvolve”.
É no âmbito desta Política de 1995 que também nasce o Programa de Ação para o
Desenvolvimento Integrado do Turismo – Prodetur, relevante para a investigação ora em
curso, por se tratar do maior programa de desenvolvimento regional do setor, ainda em vigor e
com resultados expressivos. Segundo o documento, o Prodetur tem como foco a implantação
de melhorias, sobretudo infraestruturais (acesso rodoviário e aéreo, saneamento básico,
capacitação profissional e suporte institucional), nos pólos tusticos selecionados. Subdivide-
se em regiões e segmentos específicos: Prodetur Nordeste (focado no segmento de praia, sol,
entretenimento e lazer), Prodetur Amazônia e Centro Oeste (com ênfase no ecoturismo),
Prodetur Sul (voltado para o Mercosul) e Prodetur Sudeste (com enfoque individualizado
sobre cada estado)
40
.
40
Apesar de ser previsto para todas as regiões, até recentemente o Prodetur priorizou a região Nordeste. Maiores
informações sobre os resultados desse programa serão apresentados no capítulo seguinte.
57
O Prodetur tem continuidade nos Planos de 2003 e de 2007. No primeiro, ele propõe
a implementação de infraestrutura básica e de acesso no Prodetur Nordeste II, Prodetur Sul,
Prodetur Centro, Proecotur Amazônia, Programa Pantanal, com financiamento do BID. Já no
PNT/2007, ele passa a se chamar Programa de Apoio ao Desenvolvimento Regional do
Turismo, subordinado ao Macro Programa de Regionalização. O trecho seguinte detalha a sua
área de atuação:
O PRODETUR Nordeste II, que abrange todos os estados da região mais Minas
Gerais e Espírito Santo, refere-se à continuidade da fase I do programa, com apoio
institucional e contrapartida na operação de crédito internacional. O PRODETUR
Sul refere-se ao apoio institucional e participação na preparação dos Programas nos
estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O
PRODETUR JK abrange seis estados das Regiões Centro Oeste, Sudeste e o Distrito
Federal e se encontra em fase inicial, devendo ser viabilizado o financiamento
externo com alocação de contrapartida local. (...) O PROECOTUR tem como
objetivo a geração de empregos e de atividades econômicas sustentáveis nos nove
estados da Amazônia Legal. A Fase I de pré-investimentos foi realizada com
recursos do BID e sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. A Fase II,
denominada PRODETUR Norte, será responsabilidade do Ministério do Turismo.
A segmentação também está presente nestes dois Planos mais recentes, na forma de
um Programa e como subsídio à estruturação de roteiros turísticos integrados. O último
detalha os principais segmentos da oferta turística a serem trabalhados: turismo cultural,
turismo rural, ecoturismo, turismo de aventura, turismo de esportes, turismo náutico, turismo
de saúde, turismo de pesca, turismo de estudos e intercâmbio, turismo de negócios e eventos,
turismo de sol e praia. E complementa: “nesse processo [da segmentação], insere-se
transversalmente o Turismo Social, como uma forma inclusiva de conduzir e praticar a
atividade turística com vistas à melhor distribuição de benefícios”. O Plano Nacional de
Turismo de 2007 resgata e dá centralidade à ideia da inclusão social, tendo como foco
principal democratização do turismo e a dinamização do mercado interno.
A outra forma de distribuir benefícios, adotada pelos instrumentos analisados, foram
os incentivos e investimentos, que obedecem a duas lógicas distintas. A primeira lança mão
de linhas de crédito, isenções e demais incentivos para empreendimentos e projetos
relacionados ao desenvolvimento turístico. Já a segunda possui um viés distributivo do ponto
de vista espacial, relacionando-se principalmente com a questão regional e a orientação de
investimentos e incentivos para porções determinadas do território.
A primeira menção sobre incentivos para o setor pode ser encontrada em 1966, na
primeira Política do setor (Decreto-Lei nº 55), que cita: “o Poder Público atuará, através de
financiamentos e incentivos fiscais, no sentido de canalizar para as diferentes regiões
turísticas do País as iniciativas que tragam condições favoráveis ao desenvolvimento desse
58
empreendimento”. Os poderes atribuídos ao CNTur pelo diploma legal acima referido inclui a
aprovação de incentivos fiscais para a construção e reformas de hotéis, obras e serviços
específicos de finalidades turísticas.
Segundo o Plano Nacional de Turismo de 1975, a contribuição da ação pública para a
diminuição dos desequilíbrios regionais inclui a captação e distribuição de recursos e a
orientação de investimentos públicos e privados.
Embora certas regiões ainda estejam longe de manifestarem todo o seu potencial
devido à distância dos centros emissores e/ou à ausência de equipamentos turísticos
ou urbanos, a identificação de uma programação bem definida permitirá, com a
adequada orientação de recursos, o impulso inicial dessas áreas e a conseqüente
intensificação de seu desenvolvimento.
Já o Plano Diretor de 1983 propõe desconcentrar a atividade turística, dando ênfase
ao direcionamento dos incentivos fiscais e financeiros para investimentos, realização de
eventos, promoção, parcerias e outros estímulos para as regiões mais carentes (Norte,
Nordeste e Centro Oeste). A estratégia de investimentos da Política de 1986 também reforça a
necessidade de reorientar o incentivo governamental, em função de regiões, tipos e padrões de
empreendimentos. Consoante com essa tendência, a Política de 1992 dá ênfase a questão
distributiva, enfatizando, em seu artigo 4º:
O Poder Público atuará, através de apoio técnico e financeiro, no sentido de
consolidar a posição do turismo como instrumento de desenvolvimento regional, de
forma a reduzir o desequilíbrio existente entre as distintas regiões do País.
Por fim, tanto o PNT de 2003 como o de 2007 possuem um Macroprograma de
Fomento onde estão detalhadas iniciativas como as de criação de linhas de crédito e
financiamento, fortalecimento do mercado interno com o financiamento do consumidor final,
ampliação de infraestrutura por meio do incentivo à iniciativa privada e cadastramento de
projetos atrativos e captação de investidores.
É possível notar que, apesar dos esforços discursivos empreendidos pelas políticas e
planos nacionais no sentido de vincular incentivos à questão distributiva e de orientar
investimentos para regiões mais carentes, quase nenhum instrumento real (Leis, Decretos,
fundos, etc) foi criado com esse fim específico. Uma exceção é o Decreto-Lei nº 1.191 de
1971, que dispõe sobre os incentivos fiscais ao turismo
41
e traça uma abordagem
verdadeiramente distributiva do ponto de vista espacial, com atuação diferenciada no
território nacional. Propõe a dedução do imposto de renda em até 50% para investimentos
41
Na forma de dedução no imposto de renda para a construção de hotéis e obras e serviços específicos de
finalidade turística, desde que aprovados pelo CNTur
59
realizados em áreas de atuação da Sudene e Sudam, configurando uma ação relevante para a
indução da desconcentração e interiorização da atividade turística no país, intensamente
localizada nas regiões Sul e Sudeste.
Essa mesma Lei cria o Fundo Geral de Turismo (Fungetur)
42
, destinado a fomentar e
prover recursos para o financiamento de obras, serviços e atividades turísticas, mediante
contrapartida municipal ou estadual. Quatro anos depois, o turismo é contemplado pelo Fundo
de Investimentos Setoriais (Fiset)
43
, que institui a dedução de 12% do imposto de renda das
pessoas jurídicas para aplicações em projetos de interesse turístico
44
. Pórem, nenhum desses
dois instrumentos de incentivos fiscais tem reais pretensões distributivas, uma vez que não
prioriza setores, segmentos, pessoas e áreas beneficiadas. Trata-se, portanto, de uma atuação
indiscriminada, quer do ponto de vista social quer espacial, que pode fomentar e aquecer
economicamente o setor, mas não se define pela sua natureza distributiva.
1.3 A ESPACIALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO: ESCALAS EM DISPUTA.
A escala por excelência do planejamento turístico até a década de 1980 foi a
nacional. Isto porque as duas décadas precedentes foram responsáveis pela institucionalização
e normatização do setor, por meio da regulamentação da atividade, da criação de um aparato
legal, do controle sobre as empresas turísticas, da consolidação de uma estrutura institucional
e de um quadro administrativo no âmbito do governo federal. Nesta época, a política setorial
pensava o território nacional em sua totalidade e estava intensamente concentrada nas mãos
do CNTur, responsável pelo planejamento, desenvolvimento e controle do turismo, de seus
empreendimentos, equipamentos e profissionais, em todo o território nacional. Assim, as
décadas de 1960 e 1970 representaram o nascimento e a consolidação do turismo na agenda
pública nacional, assim como a criação de uma estrutura que lhe desse suporte.
Logo fica latente a necessidade de definir o território turístico, objeto de intervenção
da nova política. O processo de conferir espacialidade ao turismo ganha um aliado em 1977
com a Lei nº 6.513, que trata do inventário turístico e da instituição de Áreas Especiais e
42
Gerido pela Embratur e constituído de: capital da Empresa, recursos da receita resultante do registro de
empresas da indústria do turismo; recursos provenientes dos depósitos deduzidos do imposto de renda e
adicionais não restituíveis e não utilizados nos prazos regulamentares; rendimentos derivados de suas aplicações;
dotações orçamentárias da União; auxílios, doações, subvenções, contribuições e empréstimos de entidades
públicas ou privadas; quaisquer depósitos de pessoas físicas ou jurídicas realizadas a seu crédito.
43
Criado pelo Decreto Lei Nº 1.439 de 1975.
44
O Fiset, entretanto, tem uma limitação de ordem legal, não permitindo sua aplicação direta nas regiões Norte e
Nordeste, devido à existência de outros fundos como o Finor e o Finam (Plano Diretor de Turismo, 1983).
60
Locais de Interesse Turístico. O significado mais profundo desta Lei é a normatização do
espaço turístico e a disciplina de seu uso. Isto é, o Governo Federal, na figura da CNTur,
passa a ter poderes, baseado nos critérios ali estabelecidos, de delimitar as fronteiras entre
espaço turístico e não turístico, que serão objetos de políticas diferenciadas.
Esta primeira tentativa de capturar e normatizar uma espacialidade própria para a
atividade turística definiu o espaço turístico nacional como: bens de valor histórico, artístico,
arqueológico ou pré-histórico; reservas e estações ecológicas; áreas destinadas à proteção dos
recursos naturais renováveis; manifestações culturais ou etnológicas e os locais onde ocorram;
paisagens notáveis; localidades e acidentes naturais; fontes hidrominerais aproveitáveis;
localidades que apresentem condições climáticas especiais e outros. Tal qualificação,
entretanto, abre margem para a ocorrência do turismo em grande parte do território nacional,
já que estabelece condições muito amplas, que abrangem desde vocações culturais até
condições climáticas.
Segundo a Lei, as Áreas Especiais e os Locais de Interesse Turístico são trechos do
território nacional e devem ser instituídas por Decreto. Entretanto, a abordagem continua
essencialmente descendente, centralizada no âmbito federal, que passa a decidir quais trechos
serão merecedores do novo status fixado em Lei e de seus conseqüentes estudos, incentivos,
planos e projetos de desenvolvimento.
Seis anos depois, o Plano Diretor de Turismo reafirma a necessidade de localizar e
organizar o turismo no território, proclamando a urgência de um Projeto de Identificação do
Espaço Turístico Nacional. Em 1986, a Política Nacional de Turismo propõe a criação de
regiões geo-turísticas para ações de abrangência regional.
Para enfrentar a baixa performance do setor, verificada na década de 1980, e melhor
orientar as ações de governo, o documento Estratégias para o Desenvolvimento do Turismo
no Brasil (1990) sugere a identificação de Pólos Turísticos, que “de forma integrada e sem
dispersão de recursos passa a ter prioridade de investimentos, tendo como resultado, uma
natural concentração da oferta de serviços complementares, sem a necessidade de novas
inversões para implantação de serviços urbanos”. Esta ideia é consagrada no Plantur (1992),
por meio do Programa Pólos Turísticos, voltado à ampliação e diversificação da capacidade
instalada em áreas pré-direcionadas.
61
Pressupõe-se que o conjunto de atividades turísticas concentradas em um pólo
exerça efeitos atrativos sobre outras atividades no mesmo espaço econômico e
geográfico, de forma que a infra-estrutura instalada em pólos enriquecerá o produto
turístico e favorecerá o processo de desenvolvimento sustentado.
A Política de Turismo de 1995 lança o Programa de Municipalização do Turismo
(PNMT) e o Programa de Ação para o Desenvolvimento Integrado do Turismo (Prodetur). O
primeiro, como já foi dito, é extremamente localizado, partindo do recorte municipal. Dentre
os seus objetivos específicos, cita “incentivar as atividades do conselho municipal de turismo,
difundir os modelos de conselhos, fundos e outros instrumentos de municipalização”. Já o
Prodetur consolida a ideia dos pólos turísticos e sua abrangência institucional privilegia o
recorte macrorregional, com atuação no Nordeste, Norte, Centro Oeste, Sul e Sudeste.
A implementação de Programas Regionais Integrados possibilitará a consolidação
de pólos turísticos existentes e a criação de novos pólos, refletindo de forma
significativa na geração de empregos e rendas para regiões menos favorecidas e
contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das comunidades e pra a redução
das desigualdades sociais. Com isso, investimentos privados virão na construção de
equipamentos turísticos. As ações voltadas a esta política dão ênfase aos aspectos de
infra-estrutura básica para a consolidação de destinos turísticos.
Por fim, o Plano Nacional de Turismo de 2003 cria o Programa de Roteiros
Integrados, incorporado em 2004 ao recém criado Programa de Regionalização, responsável
pela atual articulação descentralizada da política do turismo. Propõe a estruturação,
qualificação e diversificação da oferta turística brasileira, por meio da organização,
planejamento e gestão das atividades turísticas por regiões. Com essa proposta, os estados
brasileiros e o Distrito Federal figuram como os principais agentes executores da política
descentralizada. Este Programa ganha continuidade no Plano de 2007, reafirmando a
regionalização como a abordagem que melhor dá conta de capturar a espacialidade do setor de
turismo, por permitir o agrupamento de municípios e estados através da composição de
roteiros integrados. Outro Programa que ganha continuidade, tanto no PNT 2003 como no
PNT 2007, é o Prodetur.
Os anos 1990, conforme colocado anteriormente, viram emergir e consolidar-se o
paradigma da descentralização da gestão e, atrelado a ele, as escalas regional e local
como escalas prioritárias da ação pública. Se o PNMT é o representante mais fiel,
naquela década, da valorização da escala local no planejamento governamental do
turismo, o Programa de Regionalização do Turismo, do governo Lula, tem o mesmo
significado no que diz respeito à escala regional, para esses primeiros anos do século
XXI (CRUZ, 2006).
Nos últimos quinze anos diferentes arranjos escalares direcionaram a intervenção
descentralizada da política pública de turismo no território nacional a partir de três
62
‘recortes’
45
: o município turístico, a região turística e o pólo turístico. No entanto, segundo
Brandão (2003, p. 5), “nenhum recorte espacial é natural, como querem os conservadores. As
escalas são construções históricas, econômicas, culturais, políticas e sociais e desse modo
devem ser vistas na formulação de políticas”. Tais escolhas tem conseqüências na geometria
de poder estabelecida entre as instâncias municipais, estaduais, regionais, nacionais e
supranacionais.
Antes, é preciso entender que escala não é sítio fixado; ao contrário, ela “demarca o
sítio da disputa social, tanto o objeto quanto a resolução dessa disputa” (SMITH, apud
BRANDÃO, 2003, p. 60), entendida como “estratégia de apreensão da realidade, (...) que
define os fenômenos e dão sentido ao recorte espacial objetivado” (CASTRO apud Brandão,
2003, p. 60). É o nível de abstração que indica a pertinência, a visibilidade - a existência
mesmo – de um fenômeno e o melhor lugar para observá-lo e analisá-lo (BRANDÃO, 2003,
p. 61).
As mudanças escalares na política de turismo do Brasil se espelham em uma
discussão mais abrangente sobre os limites e configuração do ‘espaço ótimo’ para o
desenvolvimento. Os estudos acerca do desenvolvimento espacial podem ser divididos em
duas grandes correntes: uma que acredita na existência de uma escala ótima para o
desenvolvimento e outra que nega a ideia de uma escala a priori. Na primeira corrente há
dissenso sobre a melhor resolução da escala de ação e análise, que se projeta no campo
acadêmico e também no político. Este foi um assunto vastamente debatido, especialmente por
geógrafos e economistas, e conformou teorias e campos do conhecimento como a geografia
econômica, a geografia regional, a economia locacional, entre outros.
No entanto, não se trata somente de uma disputa conceitual; o embate pelo poder
político também determina escalas preferenciais. Os “pulos” escalares das políticas setoriais
de turismo possuem correspondência com as mudanças de gestão governamental. Assim, é
nos períodos de transição que eles se tornam mais visíveis. Este é o caso da Política de 1995,
no início da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que consagra a
municipalização em oposição à atuação mais abrangente que vigorava até então. Por outro
lado, a mudança de poder ocorrida com a posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
também é demarcada pela eleição de outra escala – a região como ponto de partida. A
descentralização, neste caso, é usada como ‘coringa’ na política, adquirindo funcionalidade
45
Município turístico, região turística e pólo turístico são conceitos que demarcam recortes territoriais
específicos. No entanto, somente o primeiro é fixado a priori, uma vez que os dois últimos não remetem a um
recorte pré-existente, ao contrário são inventados de forma variada, tendo o município como unidade básica para
a sua composição.
63
particular em cada caso, de acordo com os momentos de sua enunciação e com os interesses
envolvidos.
O único Programa que se manteve nos planos e políticas dos últimos quinze anos,
apesar das mudanças de governo, foi o Prodetur. Isto pode ser atribuído à sua subordinação ao
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A vinculação a uma instância
supranacional pode ter garantido a continuidade e estabilidade ao Prodetur no decorrer das
mudanças administrativas. Aqui o Governo Federal transforma-se em mero espectador de
políticas concebidas na esfera global e materializadas nos pólos turísticos pelos estados. A
escala, antes regional, toma proporções globais, posto que a vinculação ao BID confere nova
pertinência ao Programa. É preciso estar atento ao peso adquirido pelas organizações
supranacionais na modernidade, que justificam intervenções a partir de princípios tomados
como universais, legitimados por uma ética (democracia, paz, direitos humanos) que não é
aparentemente a do interesse. A ideologia aí presente firma-se como o novo discurso
hegemônico, que transforma em inimigos a pobreza, o subdesenvolvimento, os privados e
excluídos, a violação dos direitos. Na verdade essa nova narrativa universalizante esconde
idéias como a obsolescência do Estado-Nação face à globalização e a à internacionalização do
capital. Não é coincidência, portanto, que o Prodetur deslancha no governo FHC, coerente
com o perfil neoliberal e desregulamentador da administração.
É curioso notar que apesar de se tratar de políticas públicas, sobre o marco nacional,
as escalas de análise dos Programas nunca se encerram ali, sendo necessárias mediações.
Brandão (2003) faz ressalvas à abordagem antológica das escalas, que parecem não atentar
para o fato que
O sistema capitalista recorrentemente aprofunda e complexifica a divisão social do
trabalho, em todas suas dimensões, inclusive na espacial. Aperfeiçoa
compulsivamente sua capacidade de manejar as escalas espaciais em seu benefício.
É por isso que nenhuma escala é melhor ou pior, per si. Na verdade, elas ganham
nova significação em cada momento histórico particular (BRANDÃO, 2003, p. 2).
O autor critica o que denomina de pensamento único localista, chamando a atenção
para a importância das escalas intermediárias que ganham novo sentido nesta fase do
capitalismo. Isso porque
64
as forças capitalistas têm inerente capacidade de manejar bem todas as escalas.
Desse modo, qualquer política de controle ou regulação destas forças deve
necessariamente utilizar de forma adequada as diversas escalas espaciais, em sua
luta diuturna (BRANDÃO, 2003, p. 7).
Seguindo essa ideia, delimita-se uma corrente que nega a eleição a priori de uma
escala por excelência de desenvolvimento e que confere ênfase ao processo social.
Swyngedouw (1997, p. 138) faz uma reflexão esclarecedora para compreender esta realidade
ao afirmar que “as análises narrativas escalares tornam-se metáforas para discursos
explicativos”, revelando, portanto, posições políticas e ideológicas, conflitos sociais e
relações de poder. Para o autor, as escalas são fluidas e dinâmicas, não são ontológicas,
tampouco neutras ou a priori. A escala é o resultado da disputa de poder e controle e da
dinâmica sócio-espacial, sendo, portanto, sempre redefinida, contestada e reestruturada.
Eu insisto que a vida social é baseada no processo que é um estado de constante
mudança e reconfiguração. Começar a análise, portanto, a partir de uma dada escala
geográfica parece-me ser profundamente antagônico para apreender o mundo em
uma maneira dinâmica, baseada no processo (SWYNGEDOUW, 1997, p. 141,
tradução nossa).
A escala, portanto, deve ser pensada como algo socialmente produzido, que pode
expressar, portanto, mudanças na ordem social, concedendo poder a uns e tirando de outros.
Isto é, as alterações na geometria de poder acarretam na mudança das formas regulatórias (de
normas, rotinas, instituições), que desalinha uma transformação das relações socioespaciais e
da escala em que operam. O modo de regulação, por sua vez, é definido como a prática que
assegura a dinâmica de reprodução das relações sociais, apesar de seu caráter conflitante. Para
garantir essa continuidade se mostra necessário em cada momento um acordo que previna o
caos e a revolução. Para Swyngedouw, a escala é um desses acordos que amortece e direciona
o conflito. Assim, a troca de poder leva a mudanças nas configurações escalares, tanto em sua
concepção como em na extensão territorial (SWYNGEDOUW, 1997).
No turismo, isso é particularmente relevante uma vez que se trata de um processo
que nunca se encerra no local de sua ocorrência – o destino turístico –, posto que remete a
uma variável exógena – o turista –, pressupondo fluxos e deslocamentos. Além disso, o
turismo não é um processo único; ao contrário, ele desvela processos essencialmente
diferentes em cada lugar. Da interação entre os agentes que produzem o território turístico –
os turistas, o mercado e os planejadores – surgem múltiplas possibilidades de formatos e
trajetórias para os destinos. Por isso, entende-se que eleger uma escala a priori para o turismo
é reduzi-lo a um processo único e homogêneo.
65
Se as escalas estão em dissenso e em disputa, é de se esperar que o os programas
governamentais que as embalam também estarão. Segundo Cruz (2002, p. 9), “o modo como
se dá a apropriação de uma determinada parte do espaço geográfico pelo turismo depende da
política de turismo que se leva a cabo no lugar”. No caso do turismo, o embate político revela
e determina escalas, transformando-as em unidades estanques e premissas para o
desenvolvimento. É oportuno, pois, investigar em profundidade, os programas que
determinaram a espacialidade do planejamento governamental do turismo no Brasil: o PNMT,
o Prodetur e o PNRT.
66
2. A DEMARCAÇÃO DO ‘ESPAÇO TURÍSTICO’ NACIONAL PELO PODER
PÚBLICO
Neste momento, os Programas delimitados no capítulo anterior serão analisados
buscando-se evidenciar a atuação espacial do planejamento governamental de turismo no
território nacional, por estado e macrorregião, no que se refere aos municípios engajados e
priorizados, aos recortes territoriais preferenciais e aos recursos alocados, no caso do
Prodetur. Cabe enfatizar que tais Programas, de forma geral, foram os responsáveis pela
identificação, delimitação e organização do ‘espaço turístico’
46
nacional nos últimos quinze
anos, priorizando porções do território nacional. A premissa adotada é que a ação pública
setorial é voltada prioritariamente para tais lugares.
Os quatro processos de homogeneização, integração, polarização e hegemonia,
concebidos por Brandão (2003) para a análise da dimensão espacial no desenvolvimento
desigual do capitalismo, servirão como chaves de leitura para este capítulo.
Apesar de cada programa trabalhar com recortes e instâncias de gestão diferentes, o
município foi considerado como a principal unidade de medida, adotada para fins
comparativos entre os programas, os estados e macrorregiões do país. A instância municipal
ainda mantém uma posição de destaque no planejamento do setor, uma vez que representa a
unidade indivisível da qual se moldam outros recortes.
2.1 PROGRAMA NACIONAL DE MUNICIPALIZAÇÃO DO TURISMO (PNMT):
MUNICÍPIO TURÍSTICO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
O PNMT foi criado oficialmente em 1994, pela Portaria Nº 130 do então Ministério
da Indústria, Comércio e Turismo, que instituiu o seu Comitê Executivo Nacional,
coordenado pela Embratur. Constou ainda da Proposta de Governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, aí elevado à condição de Programa Estratégico do Avança Brasil
47
.
Tinha como objetivo “fomentar o desenvolvimento turístico dos municípios, com
base na sustentabilidade econômica social, ambiental, cultural e política” (EMBRATUR,
46
Espaço turístico é aqui definido como aquele demarcado pela política pública para fins de planejamento e
gestão. Não se confunde, portanto, com território turístico, que pressupõe a existência prévia de turistas, tal como
definido por Knafou (1996). É preciso estar atento para o fato de que o espaço da política nem sempre
corresponde àqueles lugares onde o turismo efetivamente ocorre. Isto é, o espaço turístico é demarcado também
enquanto expectativa.
47
Dentre os programas do Avança Brasil, 54 foram selecionados como estratégicos, por terem objetivos
fundamentais para o desenvolvimento eqüitativo e sustentável.
67
2002, p 83). Para isso, possuía estrutura descentralizada nas três instâncias de governo: o
Comitê Executivo Nacional, os Comitês Estaduais e os Conselhos Municipais de Turismo,
que incluíam representantes da comunidade. O Programa articulava ainda parcerias com
universidades, associações, órgãos públicos, empresas e o terceiro setor (MINISTÉRIO DO
TURISMO, 2007). Por meio dessa rede, o Programa constituiu-se enquanto um novo modelo
de gestão da atividade turística com enfoque participativo, que visava
conscientizar, sensibilizar, estimular e capacitar monitores municipais, para que
despertem e reconheçam a importância e a dimensão do turismo como gerador de
emprego e renda, conciliando o crescimento econômico com a preservação e a
manutenção dos patrimônios ambiental, histórico e cultural, e tendo como resultado
a participação e a gestão da comunidade no Plano Municipal de Desenvolvimento do
Turismo Sustentável (BRASIL, 2002).
O foco do Programa, portanto, era criar nas comunidades um ambiente de
mobilização e entendimento sobre as possibilidades do turismo enquanto alternativa de
desenvolvimento. Partia-se do princípio de que pensar e planejar o desenvolvimento do
turismo local de forma participativa era premissa indispensável para a intervenção. Assim, o
Programa defendia que “o turismo só existirá na cidade, de maneira planejada e eficiente, se
as soluções e os caminhos percorridos forem encontrados por seus moradores” (BRASIL,
2002). Para isso, o PNMT foi estruturado com base nos princípios da descentralização,
sustentabilidade, parcerias, mobilização e capacitação, tendo como referência instrumentos
operacionais da OMT, adaptados à realidade brasileira (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2007).
Para participar do Programa, os municípios tinham que preencher e atualizar
anualmente o questionário ‘Roteiro de Informações Turísticas’ (RINTUR), com o objetivo de
inventariar a oferta turística local
48
. A adesão do município e da comunidade era voluntária e,
inicialmente, não havia aporte financeiro
49
, o que, segundo relatório da Embratur, criava
“uma espécie única de cumplicidade, com reflexos positivos sobre as ações posteriores
desenvolvidas pelo PNMT” (EMBRATUR, 2002, p. 45). De acordo com a pontuação obtida
no referido questionário, o município era considerado turístico ou de potencial turístico.
Os municípios turísticos são aqueles consolidados, determinantes de um turismo
efetivo, capazes de gerar deslocamentos e estadas de fluxo permanente. Os
municípios com potencial turístico são aqueles possuidores de recursos naturais e
48
O formulário levantava dados sobre os atrativos naturais e culturais do município, a capacidade hoteleira, as
pessoas, equipamentos e serviços ligados ao turismo, eventos, dentre outras informações (EMBRATUR, 2002, p
45).
49
Com o PPA 2000/2003 o Programa sofreu transformações e passou a lidar com ações que apresentavam
despesas de capital, não previstas originalmente, como: estudos; compra de matéria-prima para artesãos;
construção de centros de formação; formatação de produtos turísticos; recuperação da infra-estrutura turística ou
urbana; entre outros (BRASIL, 2002).
68
culturais expressivos, encontrando no turismo as diretrizes para o seu
desenvolvimento socioeconômico. Com essa classificação, o governo federal tem
condições de estabelecer ordem de prioridade na alocação estratégica de recursos
públicos para o financiamento de empreendimentos turísticos (EMBRATUR, 2002,
p. 30).
Uma vez identificado o município, dava-se início às oficinas de capacitação que
ocorriam em três fases: conscientização e sensibilização sobre os princípios fundamentais do
Programa; capacitação para a criação do Conselho e do Fundo Municipal de Turismo e, por
fim, elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Turismo. As oficinas treinavam
agentes multiplicadores nacionais, estaduais e municipais e possuíam enfoque participativo:
compostas por um grupo de trabalho liderado por um moderador, e eram voltadas para a
construção conjunta de um corpo de ideias consensuais. Como resultado desse processo,
1.529 municípios turísticos e com potencial turístico foram engajados no PNMT, assim
distribuídos:
Gráfico 6: Distribuição percentual dos municípios turísticos e com potencial turístico do PNMT, por estado
50
Fonte: Elaboração própria com base em Embratur (2002)
Grande parte dos municípios concentrou-se no Sudeste (31%), seguida pelas regiões
Sul (26%) e Nordeste (23%), enquanto o Centro Oeste (9%) e o Norte (11%) figuraram nas
50
O Distrito Federal foi considerado ao longo da análise, salvo em exceções devidamente explicitadas, como um
estado e um município, de forma a garantir a comparação dos dados com as outras unidades da federação.
69
últimas posições. Estes dois últimos juntos concentravam número de municípios engajados no
PNMT inferior àquele verificado na região Nordeste, em terceiro lugar.
A posição da região Sudeste é fortemente influenciada por São Paulo e Minas Gerais,
estados com mais municípios do Brasil. Juntos, eles respondem por quase 25% de todos os
municípios engajados no Programa, enquanto o Rio de Janeiro e o Espírito Santo participam
com somente 4,4% e 2,2%, respectivamente. Em seguida, os três estados do Sul apresentam
os maiores percentuais, com destaque para o Rio Grande do Sul, com 11,8%. No Nordeste,
Ceará, Bahia e Pernambuco têm os melhores resultados, com percentuais variando entre 3,8%
e 4,6%, enquanto Sergipe, Paraíba, Maranhão e Piauí participam com menos de 2%. Pará e
Tocantins lideram a região Norte e no Centro Oeste, Goiás e Mato Grosso acumulam grande
parte dos municípios turísticos e com potencial turístico da região, ao passo que o Mato
Grosso do Sul tem participação reduzida. Com a exceção do caso particular do Distrito
Federal, os estados de Roraima, Amapá, Acre, Amazônia, Roraima, na região Norte, e
Sergipe, Paraíba, Maranhão e Piauí, na região Nordeste, apresentaram as mais baixas
colocações no ranking nacional.
Dos 1.529 municípios engajados no PNMT, 603 foram considerados turísticos e 926
foram classificados como de potencial turístico. Como já foi dito, tal classificação definiu
prioridades para ação da política setorial, cujo foco voltou-se para os municípios turísticos.
Analisando somente estes últimos, percebe-se uma mudança na participação de regiões e
estados. Enquanto o Sudeste continuou a concentrar grande parte dos municípios turísticos
(34%), o Nordeste passou para a segunda colocação (30%), seguido pelo Sul (19%). Apesar
dos percentuais serem distantes daqueles encontrados na avaliação geral, o Norte (10%) e o
Centro Oeste (7%) não somente seguem nas últimas colocações como perdem participação.
A maior concentração continua ocorrendo em São Paulo (15,3%) e Minas Gerais
(11,1%), seguidos por Santa Catarina (7,5%), Rio Grande do Sul (7%), Bahia (6%) e Ceará
(5,8%). Nas últimas colocações do ranking persistem os estados no Norte, com exceção do
Pará. Apesar de beneficiar o Nordeste, a priorização do Programa agudiza a distribuição
espacial irregular dos municípios turísticos, incrementando a participação do Sudeste, em
detrimento de Sul, Norte e Centro Oeste.
Isso tudo reflete, é claro, a própria configuração político-administrativa do país, que
possui distribuição extremamente desigual de estados e municípios. Para capturar o grau de
aproveitamento turístico, utilizou-se a proporção de municípios engajados nos Programas
analisados neste capítulo em relação ao total de municípios em cada estado chegando-se
percentuais que vão de zero (nenhum município turístico) a cem (todos eles municípios
70
turísticos)
51
. O grau de aproveitamento turístico revela-se aqui como um indicador da política
de turismo, isto é, como a relação entre recortes (neste caso, o município) classificados como
turísticos e não turísticos pelo poder público.
Gráfico 7: Número de municípios engajados no PNMT e não turísticos, por estado e macrorregião
Fonte: Elaboração própria com base em Embratur (2002) e IBGE (2009)
De um total de 5.565 municípios existentes no Brasil, 27% participavam do PNMT
em 2002. Em uma perspectiva macrorregional, o grau de aproveitamento turístico foi em
ordem decrescente: Norte (37%), Sul (33%), Centro Oeste (29%), Sudeste (28,8%) e, por
último, o Nordeste (19,7%). Estadualmente, este grau oscilou significantemente, de 75%
(Amapá) a 10,3% (Paraíba). Entre os dez estados localizados abaixo da média nacional de
27%, seis pertenciam ao Nordeste (Paraíba, Piauí, Maranhão, Bahia, Rio Grande do Norte e
Sergipe), além de Minas Gerais, Goiás, Amazônia, Rio Grande do Norte e Sergipe. No outro
extremo, Amapá, Rio de Janeiro, Roraima e Acre apresentaram alto grau de aproveitamento
turístico, acima de 50%.
51
A análise a seguir tomou por base o total dos municípios brasileiros em 2009. Isso porque a diferença entre os
municípios existentes em 2003, ano que sucedeu o fim do PNMT, e 2009, ano base para a avaliação do PNRT, é
muito pequena, com variação de apenas cinco municípios: em 2003 haviam 5.560 municípios no Brasil,
enquanto em 2009 foram contabilizados 5.565 (IBGE).
71
Gráfico 8: Grau de aproveitamento turístico estadual, segundo municípios engajados no PNMT
Fonte: Embratur (2002); IBGE (2009)
Nota: Não consta o DF
Ao longo dos doze anos de vigência, o Programa engajou 1.529 municípios, realizou
674 oficinas e treinou 27.483 pessoas (EMBRATUR, 2002). A grande capilaridade do
Programa resultou em intensa e profunda mobilização, que despertou a nação, de capitais a
pequenos municípios, para a discussão relativa a temas até então marginais sobre o turismo e
a sustentabilidade. Essa “evolução silenciosa”, nas palavras de Silveira, Paixão e Cobos
(2006), e o alcance territorial do Programa foram inéditos e certamente lançaram as bases para
que novas políticas e programas setoriais de turismo pudessem atuar a partir de uma
sociedade mais consciente das possibilidades do desenvolvimento turístico.
No entanto, os municípios participantes pouco conseguiram materializar a
mobilização em ações concretas de desenvolvimento e estruturação de destino. Somente 196
municípios alcançaram à terceira fase das oficinas de capacitação, etapa na qual estava
prevista a elaboração de seus Planos, que constituem a base para a intervenção (EMBRATUR,
2002). Isto é, muitos municípios que aderiram ao programa não tiveram continuidade das
atividades previstas, em função da falta de recursos técnicos e financeiros, além da
dependência de profissionais qualificados nas etapas seguintes às discussões, para a
elaboração de planos e projetos. Isto indica a fragilidade da participação concebida no
Programa, cuja viabilidade, em alguns momentos, dependia em grande medida do poder
político e de profissionais da área.
72
Além disso, a estruturação de destinos turísticos, sobretudo em regiões carentes,
pressupõe investimentos em infraestrutura não previstos pelo PNMT. Neste sentido, Silveira,
Paixão e Cobos (2006) afirmam que:
a grande fatia de recursos financeiros foi destinada aos grandes destinos receptores
de turistas do país; a grandes projetos de empresas ou a grupos corporativos do
setor, relegando aos pequenos municípios o papel de meros participantes de
exaustivas discussões sobre a importância do turismo e outras questões que talvez
nunca se transformassem em realidade para os setores, tanto públicos, quanto
privados locais (
SILVEIRA; PAIXÃO; COBOS, 2006, p. 129).
Tudo indica que a insistência na autonomia municipal, tida como o maior trunfo do
Programa, também determinou parte de seu fracasso. Isso decorre das próprias limitações do
desenvolvimento local, como exposto a seguir.
O PNMT nasceu como um eco da redemocratização do país quando o tema da
autonomia esteve em destaque e encontrou inspiração na literatura acerca do desenvolvimento
local. Esta literatura ganha espaço e destaque na atualidade, elegendo a escala local como
lócus privilegiado para se pensar e fazer o desenvolvimento. Se durante anos a nação foi o
recorte sobre o qual o desenvolvimento se ancorava, ao longo do século XX a escala local
ganha popularidade, influenciada, notadamente, pela passagem do modelo industrial fordista,
baseado na produção em massa, para a acumulação flexível, que permitiu a relativização dos
fatores locacionais industriais tradicionais. Atualmente muitas políticas públicas alinham-se a
esta concepção teórica, que celebra o fim da centralização estatal, propagando as vantagens
inerentes à escala local.
Essas ideias foram assimiladas por autores contemporâneos que oferecem uma
miscelânea de abordagens e teorias sobre o tema, além de nomenclaturas variadas:
desenvolvimento local, ascendente, endógeno, bottom-up, comunitário, entre outros.
Independentemente das diferenças semânticas e teóricas, os autores que advogam este tipo de
abordagem convergem sobre a escala do desenvolvimento, que deve partir das
potencialidades ou vocações locais e contar com o envolvimento da comunidade
52
. De forma
geral, são abordagens que elegem o local como a escala por excelência do desenvolvimento,
em resposta à nova configuração politicoeconômica mundial.
Brandão (2003), entretanto, critica essa corrente que denomina de “pensamento
único localista”, denunciando incoerências conceituais.
Há um enorme paradoxo subjacente à maioria destas formulações teórica. Ou bem o
espaço local é um mero nó entrelaçado em uma imensa rede (i.e., um quase-anônimo
52
Para maior aprofundamento dos autores e abordagens sobre desenvolvimento local ver Brandão (2003)
73
ponto a mais, submisso em um conjunto gigantesco, funcional à determinação
instrumental de uma totalidade onipresente); ou bem o espaço local aparece como
um recorte singular, dotado de vantagens idiossincráticas e únicas, capaz de
autopropulsão, identidade e autonomia. Ora o local se apresenta como uma entidade
do futuro, à mercê de uma razão instrumental avassaladora. Ora se cai no
anacronismo de proclamar o ressurgimento de um agrupamento comunitário e
solidário, baseado em relações de reciprocidade e onde as relações mercantis foram
subordinadas pelo consenso cívico e cidadão, onde parece não ter lugar para
conflitos. Ora há estrutura sem sujeito, ora sujeito sem estrutura (BRANDÃO, 2003,
p. 13)
Para o autor, em um contexto em que tudo depende da força comunitária, do
empreendedorismo, da cooperação, da eficiência e das vontades coletivas, dos fatores
endógenos e da atmosfera sinergética, restaria apenas ao Estado o papel de oferecer
externalidades positivas e à desobstrução de entraves. Esta abordagem localista deposita em
um recorte e na vontade dos atores todos os requisitos para a superação do
subdesenvolvimento. Aniquila-se, portanto, todas as possibilidades de tratamento adequado às
heterogeneidades estruturais dos países subdesenvolvidos.
Brandão (2003) lembra que na esteira do desenvolvimento não atuam somente forças
endógenas, mas também fatores exógenos, ligados à macroeconomia, aos macroprocessos, às
macrodecisões, à história, à hierarquia de poder e à dependência. Nesse sentido, ressalta a
necessidade da reconstrução da escala nacional, denunciando o perigo eminente do fim das
escalas intermediárias e das mediações entre local e global.
Segundo Swyngedouw (1997, p. 144, tradução nossa), a “escala do dia-a-dia
expressa configurações comunitárias, urbanas, regionais, nacionais, subnacionais e globais,
cujo conteúdo é fluido, contestado e perpetuamente transgredido.
2.2 PROGRAMA DE REGIONALIZAÇÃO DO TURISMO: REGIÃO TURÍSTICA E
INTEGRAÇÃO
Com a transição governamental ocorrida em 2003, foi criado em 2004 o Programa de
Regionalização – Roteiros do Brasil, parte do Macroprograma Estruturação e Diversificação
da Oferta Turística do PNT/2003. Na época “percebeu-se que o modelo de gestão apoiado na
regionalização do turismo, incorporando a noção de território e de arranjos produtivos,
transformou-se em eixo estruturante dos Macroprogramas do Plano” (MINISTÉRIO DO
TURISMO, 2004b, p. 7). Tanto que no PNT/2007 o Programa ganhou destaque, constituindo-
74
se enquanto Macroprograma e um dos principais elementos da execução da política do
turismo e referência para todas as ações do Ministério. Assim, ele
(...) ganha mais notoriedade e se consolida como estruturante e transversal. (...)
norteia todos os outros Macroprogramas, programas e ações do Plano. Ou seja, a
regionalização do turismo ganha status dentro do PNT e se estabelece como um
instrumento que contribui para o alcance de todas as metas estabelecidas para o
turismo brasileiro até o ano de 2010 (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2007, p. 23).
Atualmente, o Macroprograma de Regionalização incorpora quatro programas:
Planejamento e Gestão da Regionalização, Apoio ao Desenvolvimento Regional do Turismo
(Prodetur), Estruturação dos Segmentos Turísticos e Estruturação da Produção Associada ao
Turismo
53
. Propõe a estruturação, o ordenamento e a diversificação da oferta turística no País,
definindo as regiões turísticas como estratégicas na organização do setor. Segundo o
Ministério do Turismo, a regionalização deve ser entendida como “a organização de um
espaço geográfico em regiões para fins de planejamento, gestão, promoção e comercialização
integrada e compartilhada da atividade turística” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004a, p.
11). Seus objetivos são: dar qualidade ao produto turístico; diversificar a oferta turística;
estruturar os destinos turísticos; ampliar e qualificar o mercado de trabalho; aumentar a
inserção competitiva do produto turístico no mercado internacional; ampliar o consumo do
produto turístico no mercado nacional; aumentar a taxa de permanência e gasto médio do
turista (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004b, p. 11).
Ele obedece aos princípios da flexibilidade, articulação, mobilização, cooperação
intersetorial e interinstitucional, estruturando-se enquanto um modelo de gestão de política
pública descentralizada que abarca todas as esferas institucionais e políticas até a comunidade.
No âmbito nacional, é coordenada pelo Ministério do Turismo por meio da Câmara Temática
de Regionalização, que estabelece canais de interlocução com os estados, por meio de seus
Órgãos Oficiais de Turismo, apoiados pelos Fóruns Estaduais de Turismo e pelas Câmaras
Temáticas de Regionalização Estaduais. Os Órgãos Oficiais de Turismo, por sua vez, se
relacionam com as regiões turísticas por meio das Instâncias de Governança Regionais,
instaladas ou em fase de instalação, e com os Municípios, mediante os Órgãos Municipais de
53
No interior do Programa Estruturação da Produção Associada ao Turismo, foi criado o Programa Estruturação
do Turismo em Áreas Priorizadas, que consiste no apoio a projetos em áreas de investimentos com impactos
socioeconômicos e em territórios de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Para se enquadrarem, os
projetos devem ser voltados para a economia solidária, turismo comunitário, formação de jovens e estudos e
pesquisas. A seleção é feita por chamada pública ou edital, cooperação técnica internacional ou identificação de
oportunidades no âmbito do Ministério, executados em sua maioria por meio do apoio a projetos do governo
estadual e municipal e de entidades sem fim lucrativo.
75
Turismo e seus colegiados locais ou os Conselhos Municipais de Turismo (MINISTÉRIO DO
TURISMO, 2004a, p. 17).
Por meio dessa rede de interlocução, foram realizadas oficinas de planejamento em
cada estado para definir estratégias e identificar as regiões turísticas do País, com base em
critérios variados. Isto é, foram os estados, juntamente com Ministério do Turismo, que
criaram critérios, identificaram os municípios turísticos e os agruparam em regiões,
posteriormente formatadas em roteiros destinados ao mercado.
Para fazer a interface com o mercado e promover a comercialização dos novos
destinos (ou melhor, os novos formatos de destinos), o Ministério promove anualmente, desde
o ano de 2006, o Salão de Turismo na cidade de São Paulo, uma grande feira turística que
apresenta as regiões e roteiros turísticos ao trade, sobretudo às operadoras turísticas. Consiste,
portanto, em uma grande vitrine dos destinos turísticos do Brasil, comandada e financiada por
um órgão público.
Como os municípios, as regiões e os roteiros turísticos são inúmeros, como veremos
a seguir, o Ministério do Turismo procedeu à priorização de destinos. Primeiramente, no
PNT/2003, foram selecionados roteiros para obtenção do padrão de qualidade internacional e,
em seguida, no PNT/2007, propôs-se a identificação de destinos com capacidade de induzir o
desenvolvimento turístico regional
54
. As demais regiões e municípios identificados seguem o
processo de planejamento e organização das regiões turísticas, considerando os Módulos
Operacionais do Programa de Regionalização
55
, que constituem “um processo permanente de
qualificação, que deverá se estender por todo o território turístico nacional, propiciando a
inserção, nos mercados nacional e internacional, da riqueza e da diversidade do patrimônio
turístico brasileiro” (MINISTÉRIO DO TURISMO; FGV, 2009, p. 17). Tais módulos são
subsidiados por documentos do Ministério do Turismo, não sendo necessariamente
seqüenciais e considerando os vários estágios de desenvolvimento em se encontram as regiões
turísticas (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004a). Frisa-se aqui a orientação de se criar
instâncias de governança regional e de elaborar o plano estratégico de desenvolvimento do
turismo regional.
54
Em 2006, 396 roteiros turísticos, envolvendo 149 regiões turísticas e 1.207 municípios, foram apresentados no
primeiro Salão do Turismo. Na época, 87 roteiros (que contemplam 474 municípios de 116 regiões turísticas)
foram priorizados pelas Unidades da Federação para obtenção de padrão de qualidade internacional. No PNT
2007, a partir destes 87 roteiros, foram selecionados 65 destinos indutores do desenvolvimento regional,
integrantes de 59 regiões turísticas.
55
São nove módulos operacionais divididos em sensibilização, mobilização; institucionalização da instância de
governança regional; elaboração do plano estratégico de desenvolvimento do turismo regional; implementação
do plano; sistema de informações turísticas; roteirização turística; promoção e apoio à comercialização; sistema
de monitoria e avaliação do programa (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004a).
76
O último mapeamento do Programa de Regionalização, apresentado no Salão de
Turismo em 2009, resultou em 276 regiões turísticas que compreendem 3.635 municípios.
Isso representa duas vezes mais regiões e três vezes mais municípios do que aqueles definidos
pela primeira vez, em 2006. O resultado é que hoje 65% dos 5.565 municípios brasileiros são
turísticos. Para melhor compreender as implicações dessa nova geografia, será analisada a
distribuição espacial dessas regiões e municípios no território nacional.
Mapa 2: Regionalização do turismo 2009
Fonte: Ministério do Turismo (2009)
O gráfico aponta para uma concentração maior de municípios turísticos no Sul
e Sudeste e de regiões turísticas no Sudeste e Nordeste, o que significa grande variação na
dimensão e na composição destas regiões. A média brasileira é de 13 municípios por região
turística, mas enquanto o Sul mantém uma média de 37 municípios, no Norte, a média cai
para seis. Isso é indicativo do recorte políticoadministrativo do Brasil, posto que os
municípios do Sul tendem a ser menores que aqueles da região Norte.
77
Gráfico 9: Distribuição do número de regiões e municípios turísticos do Programa de Regionalização, por
macrorregião (2009)
Fonte: elaboração própria, com base em Ministério do Turismo (2009)
A distribuição de regiões turísticas é mais equilibrada que a de municípios turísticos,
do ponto de vista macrorregional. O Sul, Norte e Centro Oeste possuem pequena variação,
com 11%, 12% e 13% do total de regiões, respectivamente; enquanto Sudeste (35%) e
Nordeste (29%) disputam as primeiras posições. Em se tratando da distribuição de municípios
turísticos, a região Sul aumenta significativamente a sua participação em detrimento,
sobretudo, do Norte e Centro Oeste.
O significado dos indicadores relativos aos municípios turísticos e às regiões
turísticas é sensivelmente diferente. O primeiro remete a um recorte políticoadministrativo
que deve comportar a atividade turística tanto territorialmente quanto institucionalmente. Já a
região turística aponta para o processo de roteirização, isto é, para a formatação e a
comercialização do produto turístico
56
. Segundo o Ministério do Turismo, região turística é o
espaço geográfico que apresenta características e potencialidades similares e complementares,
capazes de serem articuladas e que definem um território. Já o roteiro turístico é um itinerário
caracterizado por um ou mais elementos que lhe conferem identidade.
56
Apesar do Programa prever a criação de instâncias de governança regional, é o município que comporta e
administra a infraestrurura e os serviços básicos e turísticos, além de suas funções de alocar recursos, planejar e
fiscalizar o uso e ocupação do solo.
78
Gráfico 10: Distribuição percentual de regiões e municípios turísticos do Programa de Regionalização, por
estado
Fonte: elaboração própria com base em Ministério do Turismo (2009)
O Norte e Nordeste são as regiões que possuem menor grau de aproveitamento
turístico (46%), seguidas pelo Centro Oeste com 57% e Sudeste com 72%. A região Sul é a
que apresenta maior percentual: 94%. Isto é, quase a totalidade de seus municípios foi
demarcada como turística pelo Programa de Regionalização. Estes resultados foram reflexo
da composição de cada estado, que variou muito, com graus oscilado de 20% (Goiás) a 100%
(Alagoas, Sergipe, Amapá, Roraima, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio de
Janeiro, São Paulo)
57
. Os territórios desses nove estados são considerados integralmente
turísticos, pois todos os seus municípios constaram da regionalização. Isto pode apontar para
a não compreensão, a ausência de critério ou a falta de clareza política – nos vários níveis –
do que constitui o espaço turístico efetivo ou potencial.
57
Excluí-se desta análise o Distrito Federal, que devido ao seu perfil federativo particular possui uma única
região turística, composta por suas regiões administrativas.
79
Gráfico 11: Distribuição do número de municípios turísticos e não turísticos, segundo o Programa de
Regionalização, por estado
Fonte: elaboração própria com base em Ministério do Turismo (2009) e IBGE (2009)
A intensa concentração de municípios turísticos em algumas regiões é reflexo da
divisão territorial do país, onde menos de 17% dos municípios pertencem ao Norte e Centro
Oeste juntos. No entanto, os altos graus de aproveitamento turístico verificados no Sudeste e
Sul contribuem para o desequilíbrio ainda mais intenso. Assim, a distribuição de municípios
turísticos torna-se ainda mais desigual: somente 13% dos municípios turísticos concentram-se
na região Norte e Centro Oeste.
Além dos estados considerados 100% turísticos, o Mato Grosso, o Espírito Santo, o
Rio Grande do Sul, a Amazônia e o Acre estão acima da média brasileira de 65%. No outro
extremo, Goiás, Ceará, Maranhão, Pará Tocantins, Bahia e Pernambuco apresentaram os
menores graus de aproveitamento turístico, inferior a 30%.
Como era de se esperar, os estados que possuem menos municípios tiveram maior
grau de aproveitamento turístico, com exceção de Rondônia (56%). Por outro lado, alguns
estados com muitos municípios também apresentaram coeficientes significativos – este foi o
caso de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. Minas Gerais, entretanto,
estado que possui maior número de municípios do Brasil, apresentou grau de aproveitamento
de 45,5%. Em termos absolutos, esses cinco estados são os que mais possuem municípios
turísticos no país, enquanto todos os estados do Norte ocupam as últimas posições.
80
Tanto em termos absolutos como relativos, parece que o mapa da regionalização
agudiza ainda mais a distribuição desigual de municípios do território nacional, apresentando
alto grau de aproveitamento turístico no Sul e Sudeste e menor grau no Centro Oeste,
Nordeste e Sul. Os estados que possuem poucos municípios e alto grau de aproveitamento
turístico, como alguns da região Norte pouco contribuem em termos absolutos. Isto é, graus
de aproveitamento elevados no Sul e no Sudeste possuem impacto maior na configuração
espacial do turismo no território.
Recentemente, 65 destinos indutores de desenvolvimento turístico regional foram
selecionados pelo Ministério do Turismo para serem priorizados na instituição de parcerias,
investimentos técnicos, financeiros, planos e instâncias de governança, tendo como
responsabilidade “propagar o desenvolvimento nos roteiros dos quais fazem parte e,
conseqüentemente, nas regiões turísticas que perpassam”. Segundo o Ministério do Turismo,
esses destinos têm alcance em 59 regiões turísticas e 740 municípios. A identificação foi
realizada de forma que todas as Unidades da Federação fossem contempladas com sua capital
e com no mínimo um e no máximo cinco destinos (MINISTÉRIO DO TURISMO; FGV,
2009, p. 18). Sendo que:
os destinos indutores de desenvolvimento turístico regional deverão ser aqueles que
possuem infra-estrutura básica e turística e atrativos qualificados, que se
caracterizam como núcleo receptor e/ou distribuidor de fluxos turísticos, isto é,
aqueles capazes de atrair e/ou distribuir significativo número de turistas para seu
entorno e dinamizar a economia do território em que estão inseridos (MINISTÉRIO
DO TURISMO; FGV 2009, p. 18).
81
Mapa 3: 65 destinos indutores de desenvolvimento turístico regional
Fonte: Ministério do Turismo; FGV (2009)
O Nordeste concentra 23 dos 65 destinos indutores brasileiros, mais de 35% do total.
Em seguida, com pequena margem entre eles, estão o Norte (19%), Sudeste (17%), Centro
Oeste (15%) e, por último, Sul (14%). O resultado parece acompanhar, em parte, o número de
estados de cada macrorregião, já que cada um deles conta com pelos menos um destino
indutor. Mesmo assim, é significativo o fato do Nordeste concentrar, com grande margem de
diferença, a maior participação dos destinos prioritários para a política pública de turismo do
país. Os estados que possuem maior número – quatro ou cinco destinos – são Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Goiás. No outro extremo, oito estados foram contemplados
com apenas um destino indutor, quatro deles situados na região Norte: Roraima, Amapá, Acre
e Rondônia. Além de concentrado regionalmente, 29 destinos prioritários estão localizados no
litoral do país.
A opção pela escala regional como ponto de partida para o desenvolvimento turístico
traz implicações importantes. Em primeiro lugar, ela permite recortes variados, fugindo da
rigidez da fronteira político-administrativa municipal e não estabelece critérios rígidos e
82
homogêneos para a sua demarcação. No turismo, isso revela uma oportunidade, posto que a
atividade em si pressupõe a movimentação de pessoas, dos pontos emissores aos receptores,
mas também dentro dos destinos. A escala permite agregar municipalidades, com exploração
de sinergias entre as suas diferentes potencialidades, reforçando laços complementares e o
trabalho conjunto. Em geral, os destinos turísticos “abrangem uma região, ou um roteiro
turístico que engloba, de forma complementar, atrativos, serviços e segmentos turísticos de
distintas localidades” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2007, p. 21).
A expansão do espaço turístico advindo do Programa de Regionalização também
reflete essa natureza ampliada do recorte eleito, que pode abranger também municípios
limítrofes à área para onde se destinam fluxos de visitantes. Em teoria, isso poderia contribuir
para a distribuição intraestadual dos benefícios gerados pela atividade turística. É neste
sentido que Cruz (2006) afirma que
o planejamento regional do turismo pode significar, para muitas municipalidades, a
única possibilidade de inserção no seleto rol de lugares que conseguiram fazer do
turismo um instrumento de seu desenvolvimento econômico e social, já que a
presença de um atrativo ou de um conjunto de atrativos nem sempre é capaz de
mobilizar fluxos de turistas (CRUZ, 2006, p. 343).
É preciso estar atendo, entretanto, ao fato de que enquanto o PNMT especificava os
critérios para eleição de municípios turísticos e os diferenciava dos municípios com potencial
turístico, o PNRT não estabelece regras explícitas e uniformes para a nomeação de seus
municípios e regiões, que são negociadas individualmente com cada estado. Essa ausência de
clareza também pode ter contribuído para o aumento notável de municípios engajados no
Programa em relação ao PNMT.
A região turística do Programa de Regionalização configura um recorte que celebra a
escala regional, concedendo o poder decisório de demarcação desses espaços aos estados e ao
Distrito Federal juntamente com o Ministério do Turismo. No entanto, como anota Raffestin
(1993), região é um conceito polissêmico e permanece mais um objeto de discurso que de
prática, apesar da aparente consistência atribuída a esta noção por políticas e leis.
83
Para o Estado, a região é uma expressão da qual se conserva sábia e sutilmente a
polissemia. É um jogo difícil, mas no qual o Estado se distingue, tanto mais que o
discurso permita agir alternadamente em diferentes escalas: da pequena à grande
escala, segundo necessidades do momento. Trata-se de dar a impressão da
diversidade na uniformidade
58
(RAFFESTIN, 1993, p. 183).
Outra diferença entre os PNMT e o PNRT reside da própria definição de território
turístico, tal como abordado por Knafou (1996). O primeiro alinha o seu recorte – o município
turístico – ao conceito do autor, uma vez que os diferencia dos municípios com potencial
turístico, estabelecendo daí uma priorização para ação pública. O mesmo não pode ser dito do
PNRT, que não explicita a diferença, dentre seus inúmeros municípios engajados, entre
territórios efetivamente turísticos e territórios sem turismo – seja ele com potencial turístico
ou dotado de serviços complementares. Para o planejamento, isso pode ter repercussões
negativas, posto que as intervenções são diferenciadas para cada um deles.
Por outro lado, a natureza ampliada da região turística permite melhor interface com
o mercado, já que subsidia diretamente a composição de rotas e roteiros, formato final de
comercialização do produto turístico, além de aumentar a possibilidade de inclusão de
territórios marginais.
Se, por um lado, expandir os limites municipais pode revelar possibilidades, por
outro, a necessidade de criar novas instâncias para a gestão das regiões turísticas impõe novos
desafios. Desenvolver um ambiente institucional adequado no âmbito da região turística
significa dialogar, negociar, planejar e executar os caminhos do desenvolvimento turístico
com mais um intermediário entre instâncias já criadas e consolidadas no âmbito municipal,
estadual e federal.
Talvez o maior desafio do Programa de Regionalização em detrimento à
Municipalização (...) seja que enquanto esta última restringia o processo político a
um núcleo organizado em termos político-administrativos (i.e. o município); o êxito
da política atual ainda depende da criação e do bom andamento de arranjos
produtivos locais e regionais que gerem capacidade gerencial numa nova esfera que
não dispõe de representantes tradicionais (SILVEIRA; PAIXÃO; COBOS, 2006, p.
131).
Aumentar a abrangência da escala de planejamento significa também ampliar a
dinâmica de poderes em disputa, uma vez que no território, os setores, agentes, instituições e
ideias não estão coordenados como supõe a política
59
, mas constituem um campo de forças.
58
Porque não remete a nenhum significante, o termo região e os discursos que se constroem em torno são
independentes de qualquer relação com o real (DULONG apud REFFESTIN, 1993, p. 183).
59
A noção de território [compreendida no Programa de Regionalização] supõe formas de coordenação entre
organizações sociais, agentes econômicos e representantes políticos (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004b, p.
11).
84
Talvez por isso que, após sete anos de gestão do Programa, muitas instâncias de governança
das regiões turísticas ainda não estão estruturadas.
Não podemos fazer uma avaliação com base numa espacialidade abstraída das
relações de poder – o que está sempre em questão é o poder social espacializado; são
as relações de poder na construção do espaço que devem ser analisadas, ao invés do
espaço em si (MASSEY, 1999, p. 291, tradução nossa).
Não é à toa que no momento de priorização de destinos, optou-se pela eleição de
municípios e não de regiões. Isso porque o aparato institucional nesse recorte já está
desenvolvido, facilitando inclusive a ação integrada nos três níveis de governo. Ademais, o
turismo ocorre de fato em pontos localizados do território, o que muitas vezes dificulta a sua
abstração na escala regional.
Ainda sobre as dificuldades de caráter institucional enfrentadas pela regionalização,
Cruz (2006, p 343) afirma que “requer a abdicação, por parte dos poderes públicos
municipais, de parte de seus projetos individuais em prol de um projeto coletivo, que requer a
superação de vaidades pessoais e o desenvolvimento da capacidade de diálogo”.
A ênfase no mercado também parece inverter uma relação já consolidada no PNMT
com a máxima “a cidade só é boa para o turista quando é boa para o cidadão”. Isto é, o
entendimento de que organizar o espaço municipal é premissa fundamental para a
comercialização do destino. No Programa de Regionalização, o foco está na comercialização,
que se coloca à frente do planejamento e organização do território turístico. Não é
coincidência que a eleição pela região resulta diretamente em um formato – o roteiro – pronto
para ser repassado às operadoras via Salão de Turismo. A comercialização virou o fim último
de uma política cujo objetivo é estruturar o espaço turístico nacional. É neste sentido que Beni
(2006) anota que:
o que temos visto com muita freqüência são cenários de roteirização regionalizada
em vez de regionalização sustentável do turismo, este sim, o alvo e a meta do
governo federal (...) A velocidade com que se pretendeu criar ao menos três dos
produtos turísticos brasileiros por estado da federação parece que nos levou a uma
precipitação conceitual que insiste equivocadamente em se perpetuar. A roteirização
regionalizada pode servir momentaneamente para o marketing de destinos e para
ampliar o fluxo turístico para algumas regiões a curto prazo, mas de maneira
nenhuma é o caminho para estabelecer e consolidar o turismo como instrumento de
desenvolvimento sustentável (BENI, 2006, p. 32)
Ou seja, se antes o PNMT não chegava ao final do planejamento por insistir na
autonomia e na organização do espaço municipal, hoje o PNRT comercializa o destino antes
de um planejamento prévio.
85
O processo de integração, concebido por Brandão (2003) como a ‘coerência’ imposta
pela concorrência capitalista por meio da formação de um mercado nacional sobre uma base
desigual, parece ganhar pertinência neste momento. Segundo ele, a coerção concorrencial
contribui para o desenvolvimento de fronteiras a partir de uma dinâmica produtiva
intersetorial e interregional, segmentando frações do espaço como territórios particulares.
O mercado turístico se consolidou nos últimos 15 anos, dando visibilidade e
relevância a um mercado antes disperso e fragmentado. A política tenta capturar e dar
‘coerência’ e sentido a esta nova totalidade, sobretudo, mediante o PNRT. Se antes, no
PNMT, o mercado turístico era um mosaico de lugares desconectados, hoje, a regionalização
promove um mercado integrado e ‘coerente’.
No entanto, como apontado por Brandão (2003), a integração é sempre relativa, já
que põe em evidência a assimetria do desenvolvimento das regiões. Isto é, o processo
integrativo resulta no acirramento da concorrência interregional em um quadro de
desigualdades, que, por sua vez, resulta no estabelecimento de interdependência e hierarquias.
Desta assimetria, gerada pela natureza desigual e combinada do processo de
desenvolvimento capitalista, resulta outro processo eleito por Brandão – a polarização.
Segundo o autor, espaços menos desenvolvidos são polarizados por aqueles onde prevalecem
formas superiores de acumulação e reprodução econômica. A hierarquização do espaço
estabelece periferias e centros, que concentram infraestrutura, serviços e investimentos,
demarcando estruturas de dominação que são reforçadas pela inércia dos investimentos de
capital fixo, pelas forças aglomerativas e econômicas de escala e pela proximidade de meios
de consumo. Como veremos, a polarização do mercado turístico reflete a hierarquização do
mercado nacional. O Sudeste figura como o centro, concentrando a maior parte do mercado
consumidor (emissor) e receptivo, de equipamentos e serviços turísticos, além de sofisticado
sistema de transporte e acessos, tão importantes para o setor. A polarização do Sudeste será
ilustrada no capítulo três, que discute o movimento da atividade turística no território
nacional.
É curioso perceber que tanto PNMT como PNRT assumem uma posição tão central
que se confundem mesmo com a política setorial mais abrangente. Segundo Silveira, Paixão e
Cobos (2006):
os dois últimos Governos deixaram marcas inquestionáveis de evolução, ainda que
em ambos os casos as “criaturas” tenham superado os “criadores”, ou seja, os
programas (PNMT e Roteiros do Brasil), que seriam por definição instrumentos de
política, tornaram-se mais fortes que a Política Nacional de Turismo 1996-1999 e
86
que o Plano Nacional de Turismo 2003-2007 (SILVEIRA; PAIXÃO; COBOS,
2006, P. 133).
É preciso lembrar, entretanto, que tanto a regionalização como a municipalização são
programas de gestão do espaço turístico e de descentralização da política setorial, organizando
o território para fins de planejamento. No entanto, o país tem grande carência e uma má
distribuição de infraestrutura básica e turística, fundamental para a estruturação de destinos e
para a valorização do espaço para o capital. O Prodetur foi criado para enfrentar tais questões
e seus resultados serão a seguir analisados.
2.3 PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO (PRODETUR):
PÓLO TURÍSTICO E HOMOGENEIZAÇÃO
No âmbito dos instrumentos de planejamento governamental de turismo previamente
analisados, o Prodetur é citado pela primeira vez na Política de Turismo de 1995
60
, que o
subdividiu em regiões e segmentos específicos. No entanto, ele nasceu um ano antes, em
1994, como um programa de financiamento do BID voltado para a região Nordeste
61
tendo o
Banco do Nordeste como órgão executor e mutuário (BANCO DO NORDESTE, [200-]).
Assim, a abrangência espacial do Programa até recentemente foi o Nordeste,
incluindo os seus nove estados, o norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. A expansão do
Programa prevista a partir de 2003, no âmbito do Ministério do Turismo, com a criação do
Prodetur Sul, do Prodetur JK e a inclusão da segunda fase do Proecotur
62
nunca saiu de fato
do papel. Segundo relatório do Ministério do Turismo, somente o Prodetur Nordeste contou
com recursos de financiamento internacional expressivos, tendo sido o único realmente
implantado.
60
Além da Política de 1995, a Lei Nº 9.276 de 1996, que dispõe sobre o PPA 1996/1999, fixou como um de seus
objetivos o apoio a programas regionais integrados para consolidação de pólos turísticos, a exemplo do
Prodetur/NE (BRASIL, 1996).
61
O Prodetur tem suas raízes no Programa Nordeste Competitivo (PNC), criado pelo BNDES para financiar
áreas estratégicas para o desenvolvimento da região, dentre as quais se destacou o turismo. Em dezembro de
1994 foi assinado entre o Banco do Nordeste (Mutuário) e o BID o Contrato 841-OC/BR, referente ao Programa
de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – Prodetur/NE (BANCO DO NORDESTE, 2005).
62
Além da segunda fase do Prodetur Nordeste, outras variações do Programa foram criadas voltadas para
diferentes regiões: o Prodetur Sul (estados da região Sul e Mato Grosso do Sul), o Proecotur (estados brasileiros
da Amazônia Legal), e o Prodetur JK (estados da região Sudeste, Goiás e Distrito Federal). O Proecotur foi
concebido para ser executado em duas fases: a Fase I de pré-investimentos, focada no planejamento estratégico,
foi executada pelo Ministério do Meio Ambiente, e a Fase II de investimentos seria executada pelo Ministério do
Turismo, visando estruturar a atividade turística nos Pólos, incluindo ações de infra-estrutura (MINISTÉRIO DO
TURISMO, 2008, p. 13).
87
Os demais Programas, embora tenham recebido recursos federais para a realização
de estudos e pesquisas para seu planejamento e até mesmo para a execução de ações
pontuais, não contaram com aporte significativo de recursos de financiamento para a
realização de ações estruturantes (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008, p. 6).
Dessa forma, o Prodetur JK foi extinto antes mesmo de começar, e o Prodetur Sul e o
Proecotur realizaram a fase de planejamento, mas não firmaram contratos de empréstimo.
Todos eles foram reunidos em 2008 sob a rubrica do Prodetur Nacional, uma linha de crédito
firmada em 2008 entre o Governo Federal e o BID, destinado a todo o território. Assim, a
partir de 2009, o Prodetur passa a ser executado através de duas ações: Prodetur Nacional e
Prodetur Nordeste II, em fase de finalização (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008).
O objetivo inicial do Programa, estabelecido no contrato de 1994, foi o de reforçar a
capacidade da região Nordeste em manter e expandir sua crescente indústria turística,
contribuindo assim para o desenvolvimento socioeconômico regional através de
investimentos em infraestrutura básica e serviços públicos em áreas de expansão turística
(BANCO DO NORDESTE, [200-]). Este objetivo mudou ao longo de seus 17 anos de
vigência, passando a assimilar o conceito de sustentabilidade a partir de 2002, com o início da
segunda fase do Prodetur Nordeste, e a englobar todo o território nacional. Hoje, seu objetivo
é alcançar as metas do PNT/2007, ampliando a importância do setor turístico no
desenvolvimento do País por meio da geração de novos empregos e redução das
desigualdades regionais e ainda “assegurar o desenvolvimento turístico ambientalmente
sustentável e integrado, melhorar a qualidade de vida da população, aumentar as receitas do
setor e melhorar a capacidade de gestão em áreas de expansão e potencial turístico”
(MINISTÉRIO DO TURISMO; BID, [200-]).
O Prodetur Nordeste foi dividido em duas fases, totalizando um empréstimo de
aproximadamente US$ 637,1 milhões e investimentos de mais de US$ 1,284 bilhão, somadas
as contrapartidas. De 1993 a 2005, durante a primeira fase (Prodetur/NE I), o investimento foi
da ordem de US$ 736 milhões, US$ 399 milhões dos quais financiados pelo BID. Tais
recursos foram comprometidos no período de 1995 a 2005, com pico de desembolso entre
1997 e 1999.
O Prodetur/NE I se dividiu em três componentes: obras múltiplas em infraestrutura
básica e serviços públicos, desenvolvimento institucional e melhoramento de aeroportos
(BANCO DO NORDESTE, 2005). Mais da metade dos recursos (50,6%) foram aplicados em
obras múltiplas, que incluíram ações em saneamento, transporte, recuperação e proteção
ambiental e do patrimônio cultural. Dos demais componentes, 30,6% foi alocado em
88
aeroportos e somente 3% do montante foi aplicado em desenvolvimento institucional, o que
reforça o foco do programa em melhorias da infraestrutura regional.
Gráfico 12: Investimento total do Prodetur/NE I, por estado e fonte (em US$ mil).
Fonte: elaboração própria com base em Banco do Nordeste (2005).
Nota: O empréstimo adquirido pelo município de Maceió foi contabilizado no estado de Alagoas.
Entre 1995 e 2002, foram assinados 17 contratos de subempréstimos entre o BNB e
submutuários (estados e municípios). Levando em conta a área de abrangência definida
originalmente, somente o Espírito Santo e Minas Gerais não assinaram contratos. Este último
por “não atender, na época, aos critérios da legislação nacional quanto à capacidade de
pagamento/endividamento” (BANCO DO NORDESTE, 2005). Para a solicitação do recurso
levou-se em conta as estratégias estaduais de turismo, não havendo, portanto, uniformização
dos critérios de planejamento e delimitação das áreas priorizadas.
Bahia e Ceará foram os estados que, com grande margem, receberam mais
investimentos, responsáveis respectivamente por 34,6% e 22,4% dos recursos aplicados na
primeira fase do Programa. Sergipe e Pernambuco captaram pouco mais de 8%, seguidos por
Alagoas (7,6%), Rio Grande do Norte e Maranhão com 6,1%, cada. Com os menores aportes
de recursos, Paraíba e Piauí contaram com 4,7% e 2% do total, respectivamente. A
contrapartida média foi de 45% do valor total do investimento, oscilando de 40% (Piauí,
Paraíba, Maranhão) a 51% no caso de Alagoas.
89
A segunda fase do Prodetur Nordeste (Prodetur/NE II) começou oficialmente em
2002 com a assinatura de outro Contrato de Empréstimo com o BID (1392/OC-BR), tendo
novamente o BNB como mutuário e órgão executor. Todavia, foram necessários dois anos
para que os submutuários (estados e municípios) se adequassem às novas exigências para a
adesão ao Programa, que incluíam: a criação de Pólo Turístico, de Unidade Executora
Estadual (UEE), do Conselho de Turismo do Pólo, elaboração e aprovação dos Planos de
Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS) e atendimento das condições de
elegibilidade financeira e de projetos. Por isso, somente em 2004 iniciou-se de fato o processo
de subcontratação do financiamento, cuja conclusão da execução está prevista para 2010.
No Prodetur/NE II, o Governo Federal tem uma atuação mais proeminente do que na
primeira fase, uma vez que o Ministério do Turismo participa com contrapartida e integra o
Grupo de Trabalho para a análise dos planos turísticos e projetos por ele apoiados (BANCO
DO NORDESTE, [200-]).
Além do incremento de infraestrutura, o Prodetur/NE I também resultou em impactos
negativos ambientais e sociais. Por isso, a estratégia do Prodetur/NE II foi dar continuidade à
primeira fase do Programa, priorizando as áreas afetadas, com o objetivo estratégico de
consolidar, completar e complementar todas as ações necessárias para tornar o turismo
sustentável, em benefício da população local.
Da avaliação dos resultados do referido programa, surgiram alguns aspectos os quais
foram abordados com maior cuidado na concepção da segunda fase, em que se
destaca, por exemplo, a necessidade de redução dos impactos ambientais negativos,
ocorridos em função do planejamento municipal inadequado e da execução e
supervisão de obras sem a devida atenção para a adoção de medidas que pudessem
amenizar esses impactos. O PRODETUR/NE - II pretende alcançar parte dos seus
objetivos por meio da promoção do fortalecimento da capacidade de gerenciamento
administrativo, fiscal e ambiental, incluída a capacitação dos recursos humanos para
gerenciar os fluxos turísticos e operar e manter os investimentos realizados nos
municípios. Com base nestes conceitos, portanto, foi definida a estratégia do
Programa, que estabelece que todos os investimentos estejam inseridos em um plano
integrado de desenvolvimento do turismo, de pólos com limites geográficos
claramente definidos, com ênfase na priorização das ações e atividades relacionadas
com o fortalecimento da capacidade local de gestão do turismo, necessariamente
antes de iniciado qualquer novo investimento em infra-estrutura (BANCO DO
NORDESTE, [200-], p. 8).
Como foi dito anteriormente, para aderir ao Programa cada estado deveria delimitar a
sua área de atuação, definida como Pólos Turísticos. Para cada um deles, instituía-se um
Conselho de Turismo e um Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
(PDITS), instrumento norteador de ações e investimentos. Os PDITS eram elaborados por
uma Unidade Executora Estadual (UEE) a partir de consultas as comunidades, validados pelo
90
respectivo Conselho de Turismo do Pólo, e aprovados pelo BNB e BID (BANCO DO
NORDESTE, [200-]). As novas condições demonstram maior preocupação em promover a
participação comunitária, na figura dos Conselhos, e em criar capacidade institucional e
estrutura adequada para o planejamento, gestão e monitoramento das ações financiadas pelo
Programa.
A inserção dos estados e municípios no Programa tomará como base a política de
turismo adotada, focada no conceito de pólos de turismo e detalhada em PDITS (...)
Os estados definirão os Pólos de Turismo (...), identificando os grupos de
municípios com atrações similares ou complementares (BANCO DO NORDESTE,
[200-], p. 16)
Definiu-se como Pólo de Turismo os “grupos de municípios contíguos, com atrações
turísticas similares ou complementares, e compromisso de desenvolver a capacidade local de
gerenciar o fluxo de turismo sustentável, em benefício da população local” (BANCO DO
NORDESTE, [200-], p. 4).
Assim, os governos estaduais, em parceria com o BNB, identificaram áreas com
vocações turísticas semelhantes, que originaram os 14 Pólos do Prodetur/NE II, destacados no
mapa abaixo.
91
Mapa 4: Pólos do Prodetur/NE II
Fonte: Banco do Nordeste (2009)
Até hoje, foram elaborados 15 PDITS, que abrangeram 14 Pólos, 11 estados e 230
municípios. As áreas delimitadas pelo Programa são concentradas no litoral do Nordeste e do
Espírito Santo, com exceção do Pólo Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e do Pólo
Chapada Diamantina, na Bahia. Isto é, apesar do Programa alocar recursos em uma região
economicamente deprimida, eles concentram-se intrarregionalmente no litoral onde, regra
geral, existe maior dinamismo econômico.
Cada estado possui um pólo, com exceção da Bahia, que conta com quatro. Dos
municípios engajados no Programa, 30% estão localizados na Bahia, 16% no Ceará, 13% em
Minas Gerais, 7% em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Participando com um menor
número de municípios, estão os estados do Piauí, Alagoas, Espírito Santo e Paraíba, conforme
demonstra o gráfico a seguir.
92
Gráfico 13: Distribuição percentual dos municípios engajados no Prodetur/NE II, por estado
Fonte: elaboração própria com base em Banco do Nordeste (2009)
O volume total de recursos é de US$ 550 milhões, US$ 237,8 milhões
63
provenientes
de financiamento do BID e US$ 310,4 milhões de contrapartida, que inclui recursos da União,
via Ministério do Turismo, dos estados e demais órgãos executores. Os componentes do
Programa, diferentes daqueles definidos na primeira fase, foram: planejamento estratégico,
treinamento e infraestrutura para o crescimento turístico; fortalecimento da capacidade
municipal de gestão do turismo; promoção de investimentos do setor privado. Sozinho, o
primeiro componente concentra 63,5% dos
investimentos executados e previstos. Em seguida,
o fortalecimento da gestão municipal responde por 16,3% dos recursos, aporte muito maior do
que aquele verificado na primeira fase em desenvolvimento institucional de apenas 3%. Como
o primeiro componente compreende ações diversificadas, não se sabe qual o peso real de cada
item, o que dificulta a comparação na alocação de recursos destinados à infraestrutura em
relação ao Prodetur/NE I.
Com relação à alocação espacial dos recursos do Programa apresentada no gráfico
seguinte, Pernambuco foi o estado mais beneficiado, captando 30% dos investimentos,
seguido pela Bahia e Ceará, com aproximados 20% cada. Minas Gerais, que não assinou
63
Em julho de 2009, 98,7% destes recursos estavam comprometidos em obras e serviços concluídos, em
execução, licitados e em processo de licitação para contratar.
93
contrato na primeira fase do Programa, foi contemplada com 13% do total. Na quinta posição,
o Rio Grande do Norte responde por 9%, seguido por Piauí (7%) e Sergipe (6,6%). Nas
últimas posições, Espírito Santo e Alagoas captaram respectivamente 2,2% e 0,2% dos
recursos. Os estados da Paraíba e do Maranhão não foram contemplados, uma vez que o
primeiro não apresentou condições de elegibilidade em tempo hábil e o segundo não
submeteu qualquer proposta.CURSOS (US$ mil)CATEGORIAS
Gráfico 14: Distribuição dos investimentos do Prodetur/NE II (em US$ mil), por estado e fonte
Fonte elaboração própria com base em Banco do Nordeste (2009)
Quando analisado conjuntamente a distribuição espacial dos investimentos alocados
nas duas fases do Programa, percebe-se intensa concentração na Bahia (28%), Ceará (21%) e
Pernambuco (14%), que juntos captaram 63% do montante total. Sergipe, Rio Grande do
Norte, Minas Gerais e Alagoas captaram respectivamente 8%, 7%, 6% e 5% do total
investido. Por outro lado, nos 15 anos de vigência do Prodetur Nordeste, o Espírito Santo
beneficiou-se de quantia muito pequena (apenas 0,1%), assim como Paraíba (3%), Maranhão
(4%) e Piauí (4%).
94
Gráfico 15: Distribuição do investimento total do Prodetur Nordeste (em US$ mil), por estado, fase e fonte
Fonte: elaboração própria com base em Banco do Nordeste (2005, 2009)
Hoje, denominado Programa de Apoio ao Desenvolvimento Regional do Turismo,
uma vez que se subordina ao Macroprograma de Regionalização do Ministério do Turismo, o
Prodetur Nacional continua a ser financiado pelo BID, mas os estados e municípios
64
exercem
a função de mutuários, que solicitam recursos e assinam os contratos de empréstimo
diretamente com o BID. Neste cenário, cabe ao Ministério do Turismo o apoio técnico na
preparação das propostas estaduais e na execução de ações, além da contrapartida federal
(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008).
O Prodetur Nacional é uma Linha de Crédito Condicional do BID e inclui ações nos
âmbitos regional, estadual e municipal, tendo por objetivo contribuir para o
fortalecimento da Política Nacional de Turismo, bem como consolidar a gestão
turística cooperativa e descentralizada, avançando rumo a um modelo de
desenvolvimento turístico a partir do qual os investimentos dos governos estaduais e
municipais respondam tanto às especificidades próprias como a uma visão integral
do turismo no Brasil (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008, p. 7).
As vantagens do novo formato institucional do Prodetur anunciadas pelo Ministério
do Turismo são: a negociação direta e individualmente com o BID, a agilidade do acesso aos
recursos, o apoio técnico do Ministério, a redução dos custos de captação do financiamento e
a responsabilização do Ministério pelas ações nacionais e internacionais. Os critérios para
acesso à linha de crédito levam em conta a aprovação da Comissão de Financiamentos
64
Podem se candidatar estados, o Distrito Federal, capitais e municípios com mais de um milhão de habitantes.
95
Externos do Governo Federal (CONFIEX), a seleção de áreas prioritárias pelo estado ou
município e a elaboração para cada área do Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo
Sustentável (PDITS) que, como no Prodetur/NE II, orientará a execução do financiamento e
deve ser validado pelos respectivos Conselhos de Turismo. Cabe ressaltar que, neste caso, os
pólos não são eleitos como única demarcação possível para o ‘espaço turístico’, permitindo
recortes variados, desde que definidos no PDITS.
Curioso notar também que o recorte pré-fixado no Prodetur/NE II deixa de existir,
abrindo espaço para que municipalidades possam novamente concorrer de forma autônoma
por recursos do Programa. Mais uma vez, o município volta como unidade beneficiada pela
ação pública para o desenvolvimento turístico. Além disso, não há relação direta entre o
Prodetur e o Programa de Regionalização, já que as áreas prioritárias definidas pelo primeiro
não são necessariamente os municípios e regiões turísticas estabelecidas pelo segundo, apesar
de, em geral, existir grande correspondência.
Os componentes do Programa são: estratégia de produto turístico, estratégia de
comercialização, infraestrutrura e serviços básicos, fortalecimento institucional e gestão
ambiental (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008). O Prodetur Nacional conta com recursos
que somam US$ 1,6 bilhão, sendo U$S 660 milhões de contrapartida, aporte maior do que
aquele somado nos 15 anos de Prodetur Nordeste. Do montante total, US$ 1,2 bilhões já
foram aprovados e assim distribuídos:
96
Gráfico 16: Distribuição dos investimentos previstos do Prodetur Nacional (em US$ mil), por estado e fonte.
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério do Turismo (2009)
Nota 1: Valores referentes às propostas aprovadas pela COFIEX até maio de 2009
Nota 2: Os investimentos previstos para o município de Goiânia foram contabilizados no estado de Goiás
Curiosamente, o Prodetur Nacional continua até hoje a privilegiar a região
Nordeste, que concentrou mais da metade dos recursos aprovados (51,3%), seguido pelo
Sudeste (21,5%), Centro Oeste (17,7%), Sul (4%) e Norte (3,5%). A posição do Nordeste foi
conquistada graças à captação dos estados do Ceará (21%), Pernambuco (10%), Sergipe (8%)
e Rio Grande do Norte (6%). O Rio de Janeiro (15%), Goiás (14%), Espírito Santo (6%)
também aprovaram fatias expressivas do recurso. Na ponta inferior estão situados os estados
da Paraíba (3%) e com 4%, Pará, Piauí, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina cada
65
. Tais
investimentos, entretanto, ainda não foram realizados e não repercutem nos indicadores de
desenvolvimento da atividade turística, analisados no capítulo seguinte.
O Prodetur lançou as bases para a entrada do capital internacional turístico no
Nordeste, atraindo projetos de grande envergadura. O Programa tornou o território mais
atrativo ao capital privado, tendo como resultado a valorização do solo e intensa ocupação do
litoral nordestino por condomínios de segunda residência, balneários e resorts.
65
O Ministério do Turismo aprovou proposta de 2% dos recursos que serão destinados ao fortalecimento
institucional no âmbito do Programa.
97
O Programa em tela parece contribuir para o processo de homogeneização do
território, descrito por Brandão (2003) como movimento uniformizador do capital, que busca
criar condições básicas e “igualitárias” para valorização capitalista e sua reprodução
ampliada. Igualitárias não dos níveis de desenvolvimento, mas no sentido de fixar uma base
para a penetração do capital. Contraditoriamente, cria e recria estruturas heterogêneas e
desiguais em seu movimento. Segundo o autor, o capital é indiferente ao seu lugar de
valorização, generalizando a lógica de acumulação, da produção de mercadoria e da
valorização, por meio da igualdade nas condições de exploração do trabalho e da
sociabilidade imposta pela mercantilização.
O capital precisa de condições adequadas para se afirmar enquanto capital em geral,
como universal concreto, que comanda todo o processo social de trabalho,
necessitando de um espaço unificado, homogeneizado e desobstruído, em que possa
exercer seu controle universalizante, invadindo todos os âmbitos possíveis de
sociabilidade, extravasando sua lógica sem circunscrições territoriais (BRANDÃO,
2003, p 43).
Muitas avaliações negativas foram feitas ao Prodetur Nordeste e apresentadas em
diversos estudos de caso das áreas afetadas. Neste contexto, Rodrigues (1996b, p. 159) cita
que “é preocupante que muitos pólos turísticos projetados coincidam com áreas de
ecossistemas frágeis, como sistemas dunares, lagamares, manguezais que, ao sofrerem
intervenção humana, logo são alterados irreversivelmente, como testemunham ações
passadas”. A ênfase do Programa em grandes projetos de infraestrutura ao mesmo tempo em
que ajuda a enfrentar um grande gargalo para o desenvolvimento do país, também repercute
de forma negativa com os já citados impactos ambientais e a exclusão social.
É preciso ressaltar que tais preocupações foram internalizadas, ao menos
institucionalmente, durante o desenho da segunda fase do Prodetur/NE II e do Prodetur
Nacional, que estabeleceram critérios de planejamento, participação e mitigação de impactos.
O papel do Ministério do Turismo no Prodetur Nordeste é marginal. Ele entra em
cena como intermediário e garantidor de contrapartida, mas tem pouco controle sobre o
processo e as regras do jogo, firmadas por contrato entre o BID e BNB. No entanto, o
Ministério passou a participar mais ativamente do Programa, sobretudo com o lançamento do
Prodetur Nacional, quando a instituição concentra a mediação dos investimentos entre BID e
mutuários, antes exercida por um Banco.
A mudança de escala e o novo formato do Programa terão, sem dúvidas, impactos
significativos na distribuição dos investimentos turísticos no território nacional. Isso porque a
arena de disputa foi ampliada à todas as instâncias subnacionais, acirrando a concorrência
98
entre estados e município por recursos do Programa, que tende a privilegiar, salvo exceções,
as administrações de áreas mais prósperas, dotadas de maior capacidade técnica e
institucional. O risco é que o Prodetur Nacional contribua ainda mais para a geopolítica de
competitividade que se instalou no país desde a década de 1990. No entanto, por ora, a maior
parte dos recursos aprovados continua a destinar-se aos estados nordestinos, resultado da
experiência administrativa adquirida no decorrer dos quinze anos de Prodetur Nordeste e da
adequação prévia às regras impostas pelo BID. Mesmo assim, frisa-se que o Rio de Janeiro
aprovou recentemente a segunda maior fatia dos recursos do Programa, atrás apenas do Ceará.
2.4 SÍNTESE DOS RESULTADOS: NOTAS SOBRE HEGEMONIA E A NATUREZA DO
‘ESPAÇO TURÍSTICO’
A espacialização engendrada pelo PNMT e PNRT parece em um primeiro momento
aprofundar as disparidades entre Centro Oeste, Norte e Nordeste, de um lado, e Sul e Sudeste,
de outro. Isso porque os municípios engajados no Programa concentraram-se ainda mais
nestas últimas regiões, que apresentaram alto grau de aproveitamento turístico. Além disso, a
passagem do PNMT para o PNRT diminuiu o grau de aproveitamento do Norte e Centro
Oeste em relação às outras regiões, agudizando ainda mais a assimetria. A região Nordeste
teve o menor grau de aproveitamento turístico tanto no PNMT como no PNRT, fato que pode
ser atribuído ao elevado número de municípios e ao padrão espacial do turismo regional,
intensamente concentrado no litoral.
No caso da priorização de destinos, tanto no PNMT como no PNRT, verifica-se um
aprofundamento da má distribuição de municípios eleitos, uma vez que Centro Oeste e Norte
perderam ainda mais participação nesse momento. Sabe-se que em decorrência da grande
abrangência do espaço turístico e da escassez de recursos públicos, são para os espaços
priorizados que a política volta-se de forma mais direta, inclusive com inversão de
investimentos públicos.
O Nordeste foi uma exceção, tendo sido beneficiado na priorização dos dois
Programas, alcançando maiores percentuais de municípios engajados. O Prodetur, por sua
vez, priorizou esta região, onde se concentrou 72% dos municípios engajados e 94% dos
investimentos.
Para a análise da dinâmica estadual, os indicadores dos PNMT e do PNRT (número
de municípios engajados, priorizados e o grau de aproveitamento turístico) foram sintetizados,
99
resultando em estados prioritários para a política (maioria dos indicadores – de três a seis –
acima da média) e estados não prioritários (com dois ou menos indicadores acima da média),
apresentados no gráfico a seguir.
Gráfico 17: Estados prioritários e não prioritários para o planejamento governamental do turismo
Fonte: elaboração própria (2009)
De forma geral, todos os estados da região Sul e Sudeste foram beneficiados pela
política, com exceção do Espírito Santo. A Bahia, Ceará, Pernambuco e Alagoas foram os
estados priorizados no Nordeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro Oeste e, no
Norte, somente o Pará.
O Rio Grande do Sul, Santa Catarina Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo tiveram
desempenho positivo em quase todos os indicadores. Bahia e Minas Gerais perderam posição
em decorrência do baixo grau de aproveitamento turístico obtido no PNMT e no PNRT,
enquanto Ceará foi prejudicado pelos indicadores do PNRT, com exceção daqueles referentes
aos destinos indutores. Mato Grosso não alcançou a média nos indicadores relativos à
priorização dos Programas, a saber: número de municípios turísticos do PNMT e de destinos
indutores do PNRT. Este também foi o caso de Alagoas, que contou ainda com número
abaixo da média de municípios engajados no PNMT. Mato Grosso do Sul teve baixo
desempenho nos indicadores relativos aos municípios engajados nos dois Programas e aos
100
priorizados pelo PNMT. O estado do Para foi prejudicado pelo PNRT, uma vez que nenhum
indicador relativo ao Programa ficou acima da média, assim como Pernambuco, que,
entretanto, foi priorizado no PNRT, mas não no PNMT.
Já dentre os estados não priorizados pelo planejamento governamental do setor de
turismo, Acre, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Roraima e Sergipe só ficaram acima
da média no que se refere ao grau aproveitamento turístico dos dois Programas. Amazônia,
Piauí, Goiás e Paraíba contaram com um ou dois indicadores acima da média referentes ao
PNRT. Já Roraima e Tocantins apenas foram beneficiados pelo grau de aproveitamento do
PNMT. Maranhão e Rio Grande do Norte, nas últimas colocações, não contaram com nenhum
indicador acima da média.
O Prodetur foi analisado separadamente em decorrência de seu perfil diferenciado, de
corte regional. Ao contrário do PNMT e do PNRT, aqui foram levados em conta também
além dos municípios engajados e do grau de aproveitamento turístico, os investimento
realizados. Seus resultados apontam para a priorização da Bahia e Ceará em todos os
indicadores analisados, enquanto Pernambuco se posicionou acima da média em relação aos
investimentos realizados e ao grau de aproveitamento turístico. Minas Gerais contou com
número de municípios engajados acima da média, enquanto Espírito Santo, Rio Grande do
Norte e Sergipe tiveram alto grau de aproveitamento turístico. Por outro lado, Piauí, Paraíba,
Maranhão e Alagoas não tiveram nenhum indicador acima da média regional.
É possível concluir, portanto, que a espacialização determinada pelo PNMT e,
sobretudo, pelo PNRT beneficiou o Sul e o Sudeste, o que pode sugerir concentração
potencial da atividade turística, caso o investimento e a ação pública se destinem de fato para
estas regiões. No entanto, a atuação regional do Prodetur, que priorizou o Nordeste, ofereceu
um contraponto a esta ação seletiva do Estado.
Os Programas em questão reforçam o papel hegemônico do Estado na demarcação
do espaço turístico nacional, nos recortes e caminhos mais adequados para o
desenvolvimento. A hegemonia é o último processo abordado por Brandão (2003) para a
compreensão da dimensão espacial no desenvolvimento capitalista.
101
Com esse conceito de inspiração gramsciana, quero apreender os processos
assimétricos em que um agente privilegiado detém o poder de ditar, (re)desenhar,
delimitar e negar domínio de ação e raio de manobra de outrem. “Trata-se de
práticas, costumes, normas morais, culturas, trata-se, pois, de um sistema de
influência que se exerce sobre todas as esferas da vida social (...) A hegemonia
suporia, para seu pleno êxito, um consentimento ativo (...) de um modo de vida, de
um ‘etos’ sem dúvida concebido pela classe dominante, mas para o conjunto do
corpo social; daí sua pretensão ao mesmo tempo real e ilusória de universalidade”
(Lojkine, 1997: 22) (BRANDÃO, 2003, p. 54)
Segundo o autor, a força hegemônica tem poder de enquadramento e hierarquização
de relações, processos e estruturas, além de capacidade de regulação e de administração dos
limites e possibilidades de si e dos outros. Realiza o domínio que consolida um “projeto de
incorporação de todos” em sua órbita, por meio de persuasão cultural-ideológica sobre o
conjunto nacional. O ser hegemônico articula e sustenta uma aliança para administrar e
centralizar uma coesão nacional imaginária, que se exerce sobre determinados grupos
subordinados, dando coesão e unidade a forças heterogêneas, mitigando/contornando suas
contradições. Dessa forma, as frações dominadas se tornam incapazes de encarnar e serem
portadores de um projeto e dar uma expressão centralizada às suas aspirações e necessidades
(BRANDÃO, 2003).
As profundas diferenças espaciais do país não foram consideradas nestes Programas,
que apenas refletiu e não enfrentou o quadro de desigualdades, como propunha. É preciso
atentar, como nos lembra Cruz (2006), que
o planejamento do turismo, seja ele na escala regional ou na local, não se dá sobre
um espaço “plano” e “vazio”, um receptáculo puro e simples de nossas ações. Ao
contrário, este planejamento se dá sobre um espaço concreto, herdado, histórica e
socialmente construído, e que, portanto, tem de ser considerado pela política pública
e pelos programas e projetos que dela derivam (CRUZ, 2006, p. 34).
A descentralização da política de turismo determinou a maior participação das
instâncias subnacionais no planejamento e desenvolvimento na atividade a partir de recortes
variados, que por sua vez, apodera e desapodera diferentes instâncias de governo e agentes
produtores do espaço turístico. No entanto, a descentralização é relativa, uma vez que a
decisão, o comando a coordenação, a nomeação de tipos, formatos, recortes e significados do
espaço turístico, além das etapas para o seu desenvolvimento continuam centralizadas, seja na
Embratur, no BID/Banco do Nordeste ou no Ministério do Turismo. Ignoram-se, assim, as
flagrantes diferenças espaciais, sociais, institucionais, culturais do país e suas múltiplas
possibilidades.
A análise das políticas públicas federais de turismo no Brasil mostra, claramente, a
total ignorância daqueles que as elaboraram relativamente ao significado do espaço
102
para a vida e, conseqüentemente, para o turismo. Reduzido a ‘atrativos naturais e
culturais’, o espaço foi e continua sendo compreendido pelas administrações
públicas – ao menos no que diz respeito ao turismo – como um puro e simples
receptáculo de suas ações às quais devem somar-se as ações dos agentes de
mercado. O espaço não é, todavia, um palco de ações deliberadas de atores
hegemônicos. A relação entre sociedade e espaço é, também, dialética. Como afirma
Carlos: “o espaço é condição, meio e produto da realização da sociedade em toda
sua multiplicidade ou, ainda, conforme Santos (1996: 101), o espaço não é apenas
um receptáculo da história, mas condição de sua realização qualificada” (Carlos,
2001: 11) (CRUZ, 2006, p. 349).
Ao discutir o espaço da política, Massey (1999) afirma que imaginar o espaço
constituído de diferenças e interrelações permite o reconhecimento político da possibilidade
de trajetórias alternativas. Isto é, ao fixar um caminho, uma narrativa para o desenvolvimento
turístico, a política não reconhece o espaço tal como abordado pela autora, como produto de
interações, da existência da multiplicidade e, por isso, sempre inacabado. A visão contida
nesse tipo de abordagem política é do espaço homogêneo, base para intervenções de natureza
indiscriminada. Para Massey (1999), somente por meio da mudança do entendimento do
espaço será possível construir uma política verdadeiramente engajada com a mudança e a
abertura para o futuro. Neste cenário de complexidade, uma política verdadeiramente espacial
não pode estabelecer regras espaciais universais.
De qualquer forma, é inegável o impacto que os Programas analisados tiveram no
território nacional, sobretudo o Prodetur. O capítulo seguinte busca compreender a evolução e
a configuração espacial do turismo no território nacional, o que permitirá fazer comparações
com a atuação governamental do setor.
103
3. A EVOLUÇÃO DO PADRÃO ESPACIAL DO TURISMO NO BRASIL A PARTIR
DE 1995: UMA AVALIAÇÃO DE INDICADORES TURÍSTICOS
O presente capítulo tem como intuito mapear a atividade turística no território
nacional, verificando tendências de concentração e desconcentração do setor. Apesar de
resgatar o padrão espacial registrado nos documentos analisados desde 1975, é a partir do ano
de 1995 que o esforço deste estudo se dirige. Este ano foi escolhido como ‘marco zero’ para a
análise, já que se trata do início do PNMT e do Prodetur.
O Plano Nacional de Turismo de 1975 é o primeiro a localizar os fluxos, atrativos,
equipamentos e serviços turísticos, denunciando a intensa concentração do setor no Sul e
Sudeste. Juntas, essas duas regiões detinham 80,6% das unidades habitacionais hoteleiras
cadastradas no Brasil, com destaque para São Paulo (26,2%), Rio de Janeiro (13%) e Rio
Grande do Sul (14%). Em terceiro lugar despontava a Região Nordeste com 12% das
unidades, seguida do Centro Oeste (6%) e Norte (2%).
Tal configuração espacial é revelada nos planos subseqüentes até à década de 1990,
afirmando a histórica concentração espacial da atividade econômica. O Plano Diretor de
Turismo de 1983 explicita a evolução desigual do turismo no território nacional e a
concentração da infraestrutura e serviços relacionados no Sul, Sudeste (principalmente São
Paulo e Rio de Janeiro) e nas capitais estaduais. A distribuição dos meios de hospedagem, por
exemplo, permaneceu desequilibrada, mas com queda da participação da Região Sul (23%)
Sudeste (52%) e aumento da participação das regiões Nordeste (14%) e Norte (6%). Nota-se
que a participação conjunta dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo é diretamente
proporcional à classificação do meio de hospedagem (número de estrelas), o que também
aponta para concentração qualitativa destes equipamentos. Além dos meios de hospedagem, o
plano destaca que 83% das agências de turismo e 90% das transportadoras turísticas situavam-
se na Região Sul e Sudeste em 1982.
O documento Estratégias para o Desenvolvimento do Turismo no Brasil, de 1990,
também revela esta realidade espacial ao analisar o padrão de localização da infraestrutura
turística, meios de hospedagem, transportes, equipamentos de animação e lazer. Apesar de
persistir a concentração dos meios de hospedagem no Sul (33%) e Sudeste (30%), nota-se
incremento significativo na Região Nordeste, que passou a concentrar 23% dos equipamentos
dessa natureza.
104
Em resumo, até 1990 a infraestrutura turística encontrava-se intensamente
concentrada no Sul e Sudeste, mas com aumento progressivo da participação do Nordeste a
partir da década de 1980.
Para analisar o padrão de espacialização do turismo de 1995 a 2009, recorte temporal
da pesquisa, serão aqui utilizados indicadores de: a) mercado de trabalho; b) oferta turística
(estabelecimentos e produtos) e c) fluxo turístico. Quando baseada em séries históricas, a
pesquisa abrangeu doze anos de atividade turística no Brasil, levando em conta os anos de
1995, 2001 e 2007.
Dentre as dificuldades encontradas para a realização desta tarefa, ressalte-se a
desatualização dos dados disponíveis e a carência de séries históricas, importantes para o
acompanhamento evolutivo do setor no período estudado. Ademais, vários estudos não
desagregam os dados para estados e municípios, sendo necessário recorrer a pesquisas
realizadas por instâncias subnacionais para suprir a deficiência de informação. Tais pesquisas,
entretanto, possuem metodologias diferentes, que também dificultam a realização de análises
comparativas, tendo sido descartadas para os fins da presente pesquisa.
Além disso, o turismo é um setor de difícil mensuração, já que seus limites não são
claros, tampouco consensuais: as atividades integrantes do setor quase nunca se prestam
exclusivamente ao turismo. O setor de alimentação, por exemplo, não pode ser contabilizado
integralmente como turístico, já que apenas uma parcela de seus estabelecimentos atende a
este público específico. Por este motivo, o setor de turismo vem sendo continuamente
superdimensionado no Brasil e no mundo.
Por essa razão, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou uma
pesquisa em 2006, que mapeou o número de empregos formais e informais gerados pelas
atividades características do turismo (ACTs): transportes, aluguel de transporte, auxiliar de
transporte, alimentação, alojamento, agenciamento, lazer e cultura. Para corrigir a distorção
mencionada no parágrafo anterior, a instituição realizou uma consulta, por meio de
telemarketing, a aproximadamente oito mil estabelecimentos distribuídos em cerca de 1.200
municípios. Isto possibilitou a identificação da proporção de atendimento a turistas e
residentes, bem como a construção de coeficientes de demanda turística para as sete
atividades, por estado e por mês, que foram posteriormente cruzados com os dados sobre
ocupação do Ministério do Trabalho e do IBGE
66
. A utilização do coeficiente permitiu
66
Registro Administrativo da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados - CAGED, para mensuração dos empregos formais, e do Instituto Brasileiro de Geografia
105
distinguir as proporções de atendimento a residentes e turistas pelos estabelecimentos (IPEA,
2008).
O estudo apontou que de 1,869 milhões
67
de pessoas ocupadas nas ACTs em 2006,
43,8% localizam-se na Região Sudeste, seguida da Região Nordeste, responsável por 27,7%
da mão de obra empregada no setor. A Região Sul participa com 14,8%, à frente das regiões
Norte (7,2%) e Centro Oeste (6,5%), que possuem tímida participação no mercado nacional. É
significativo o fato de mais de 70% da mão de obra, o que equivale a 1,336 milhões de
trabalhadores, estarem concentrados nas regiões Sudeste e Nordeste, com destaque para São
Paulo (19,4%), Rio de Janeiro (10,7%), Minas Gerais (10,5%), Bahia (7,5%) e Pernambuco
(5,7%). Em seguida, no ranking, estão os estados do Sul, que apresentam a menor variação
interregional. Paraná e Rio Grande do Sul respondem por 5,2%, cada, dos empregos gerados
no país, enquanto Santa Catarina abriga 4,5% dos postos de trabalho do setor. Os estados
com pior desempenho (menos de 1%), concentrados, sobretudo, na Região Norte foram
Roraima (0,3%), Acre (0,3%), Amapá (0,3%), Tocantins (0,5%), Mato Grosso do Sul (0,8%)
e Rondônia (0,8%). Juntos eles são responsáveis por apenas 3% do total da mão de obra.
O gráfico seguinte, elaborado com base nos dados do estudo do IPEA, mostra a
distribuição de mão de obra ocupada nas ACTs em 2006. Nota-se que quase 60% da mão de
obra empregada no Brasil no setor de turismo é ocupada informalmente, com destaque para o
Norte e Nordeste, que possuem mais de 70% de trabalhadores no mercado informal. Os
estados de Roraima, Tocantins, Paraíba, Piauí, Maranhão e Pará, por exemplo, apresentam
mais de três quartos de trabalhadores informais. No outro extremo desta realidade, o Rio de
Janeiro, o Distrito Federal e São Paulo são os estados que apresentaram a maior taxa de
empregos formais, acima de 50%.
Estatística - IBGE (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios - PNAD e Pesquisa Anual de Serviços - PAS),
para empregos informais.
67
Segundo o PNT/2007, existiam em 2006 dois milhões de empregos formais no turismo. O Plano estima o
número total de empregos gerados pelo setor a partir da relação de um emprego formal para cada três empregos
informais, o que resultaria em mais de seis milhões de empregos. Já o estudo do IPEA, aponta que em 2006
havia aproximadamente 770.000 empregos formais, o que significa uma proporção de 1,5 entre emprego formal
e informal. Este dado é revelador de como o mercado do turismo vem sendo continuamente superdimensionado,
inclusive pelo poder público.
106
Gráfico 18: Distribuição da mão de obra ocupada nas ACTs em 2006, por estado
Fonte: elaboração própria com base em IPEA (2008)
O desempenho da Região Nordeste aumenta consideravelmente quando analisados
somente os dados relativos aos empregos informais, inclusive aproximando-se da Região
Sudeste. Enquanto esta reúne 38% da mão de obra informal do setor, o Nordeste concentra
34%. A composição da taxa de formalidade nas regiões e estados aponta para a concentração
qualitativa da mão de obra no Sul e Sudeste e da precariedade do mercado de trabalho no
Norte e Nordeste.
Segundo o estudo, as atividades que apresentam a maior taxa de formalidade são
alojamento (68%) e aluguel de transporte (58%). Já aquelas com alto coeficientes de consumo
turístico – alojamento e agência de viagem – foram designadas como ‘núcleo das ACTs’,
conforma detalha o trecho a seguir:
Com o intuito de observar mais especificamente a dinâmica do setor de turismo,
introduz-se a noção de núcleo das ACTs, abrangendo as atividades que atendem,
essencialmente, os visitantes. Definiram-se como tal as atividades cujo coeficiente
de consumo de visitantes foi superior a 0,7, verificado nas atividades Agência de
viagem e Alojamento. As duas representavam, em dezembro de 2006, 18% do
emprego total nas ACTs e 27% do emprego formal (IPEA, 2008, p. 14).
Estas informações são de fundamental importância, pois permitem a seleção da
atividade de alojamento como indicador mais adequado para a análise histórica da evolução
espacial dos estabelecimentos turísticos no Brasil entre 1995 a 2008, período não
107
integralmente contemplado na pesquisa do IPEA. Isto porque a atividade de alojamento
apresenta a menor taxa de informalidade e o maior coeficiente de uso turístico
68
, permitindo a
investigação histórica com menor risco de distorção no banco de dados da RAIS em relação
às outras atividades
69
.
Segundo dados da RAIS, em 2007 o Brasil possuía em 20.483 estabelecimentos
classificados como “hotéis e similares”
70
, 46% a mais do que em 1995, um incremento de
quase 6.500 novos empreendimentos. O desempenho positivo é atribuído principalmente ao
período de 1995 a 2001, que apresentou taxa de crescimento de 38%, muito maior que o
percentual de 5% verificado entre 2001 e 2007.
68
Descarta-se a atividade de agência de viagem pelo fato da Classificação Nacional de Atividades Econômicas
(CNAE) não diferenciar agência de turismo emissivo e receptivo.
69
Segundo o estudo do Instituto, o setor de alojamento é responsável por 13,17% de toda a mão de obra
empregada no turismo no Brasil, atrás apenas de transporte (40%) e alimentação (33,5%).
70
O grupo da CNAE (2.0) 551 ‘hotéis e similares’ compreende atividades de alojamento de curta duração em
hotéis, motéis, pousadas, apart-hotéis usados como hotéis e outros tipos de alojamento temporário como o
aluguel de imóveis residenciais de curta duração com fins turísticos (IBGE). Apesar de desejável, a desagregação
setorial do grupo em sub-classes não foi possível no banco de dados on-line da RAIS. Sabe-se que a seleção
resulta em um dado menos preciso, pois inclui estabelecimentos que não se prestam diretamente à atividade
turística, como os motéis, e não compreende outros importantes, como o time share. No entanto, para os fins
desta pesquisa, que não pretende chegar a números absolutos, mas sim identificar a movimentação espacial mais
ampla da atividade, admitiu-se este nível de desagregação para a análise. Cabe lembrar ainda, que os dados
relativos aos meios de hospedagem trabalhando neste momento não podem ser comparados diretamente com
aqueles apresentados no início do capítulo, já que remetem a fontes diferentes. Enquanto os primeiros referem-se
aos dados da RAIS, os dados dos planos foram retirados do cadastro da Embratur.
108
Gráfico 19: Evolução da distribuição do número de estabelecimentos ‘hotéis e similares’, por região e ano
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério do Trabalho e Emprego/RAIS (1995, 2001, 2007)
Conforme ilustrado no gráfico 21, em 1995, os 14.027 estabelecimentos existentes
concentravam-se notavelmente no Sudeste (51%) e Sul (22%), com destaque para o estado de
São Paulo que abrigava 26% das unidades. Em 2001, as duas macrorregiões mantiveram seu
lugar no ranking, mas perderam participação relativa: o Sudeste ficou responsável por 47%
dos estabelecimentos hoteleiros e o Sul por 20%, percentual igual ao Nordeste, que aumentou
a sua participação em quatro pontos percentuais em relação a 1995. No período, Norte e
Centro Oeste também cresceram um ponto percentual cada, atingindo uma participação de 4%
e 9%, respectivamente. Em 2007, o Nordeste atingiu a segunda colocação no ranking, com
21% dos estabelecimentos hoteleiros do país, contra os 20% da Região Sul. O Sudeste perdeu
ainda mais participação, caindo para 43%, e as regiões Norte e Centro Oeste atingiram
patamares mais elevados em relação a 2001, com 6% e 10%, respectivamente.
De 1995 a 2007, a Região Norte, que detinha a menor participação absoluta do
Brasil, apresentou a maior taxa de crescimento (141%). Este desempenho foi impulsionado
por estados como Acre, Amapá e Tocantins que, apesar da tímida participação, tiveram
crescimento de mais de 200%. Em segundo lugar, a Região Centro Oeste apresentou um
crescimento de 106,9%, seguida pelo Nordeste (84%), Sul (33,7%) e, por último, o Sudeste
(23,4%). Os estados com menores taxas de crescimento do período (menos de 30%)
109
localizavam-se integralmente nas regiões Sul e Sudeste
71
. Minas Gerais obteve o melhor
desempenho dos estados do Sul e Sudeste, com taxa de crescimento superior a 60%, número
ainda pequeno quando considerado o resultado da maioria dos estados das regiões Norte,
Nordeste e Centro Oeste no mesmo período.
Entre 1995 e 2001, as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste apresentaram as
maiores taxas de crescimento de 71,4%, 63,3% e 64,6%, respectivamente. Destaque para os
estados de Rondônia, Tocantins, Acre, Roraima, Amapá, Maranhão, Piauí, Ceará e Mato
Grosso, que cresceram mais de 70% no período. Por outro lado, com taxa de crescimento
inferior a 30%, destacam-se Rio de Janeiro (17,8%), São Paulo (17,8%) e Paraná (22%). Já no
segundo período, de 2001 a 2007, a baixa taxa de crescimento verificada no país foi reflexo
do baixo desempenho de várias regiões, sobretudo do Sul (2,3%) e do Sudeste, que
apresentou taxa negativa de 2,7%. Os estados que mais contribuíram para este resultado foram
os seguintes: Rio de Janeiro (-12,5%), Espírito Santo (-8,24%), São Paulo (-2,24%) e Rio
Grande do Sul (-4,8%). Por outro lado, Norte (40,7%), Centro Oeste (25,7%) e Nordeste
(12,7%) apresentaram taxas de crescimento positivas, com destaque para os estados do
Amapá e Tocantins, que tiveram as melhores taxas do país de 91,6% e 60,8%,
respectivamente.
Gráfico 20: Taxa de crescimento dos estabelecimentos ‘hotéis e similares’, por estado e ano
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério do Trabalho e Emprego/RAIS (1995, 2001, 2007)
71
As taxas de crescimento por vezes otimistas do Norte e Centro Oeste devem-se também a pequena
participação que possuem no cenário nacional. É preciso lembrar que uma mesma variação sobre bases
diferentes tem efeitos estatísticos distintos. Isto significa que taxas de crescimento elevadas no Norte contribuem
muito menos em termos absolutos do que no Sudeste.
110
Quando analisada a contribuição absoluta de cada região em termos de novos
estabelecimentos hoteleiros, constata-se que o Nordeste foi a região que mais contribuiu, com
um acréscimo de 1.946 novos empreendimentos, dos quais 1.467 foram relativos ao primeiro
período, de 1995 a 2001. Neste cenário, a Bahia e Ceará tiveram grande importância com o
incremento de 706 e 309 unidades, respectivamente. O Sudeste ficou em segundo lugar com
1.671 novos estabelecimentos, em decorrência, sobretudo, do déficit de 246 unidades
verificado entre 2001 e 2007. O Centro Oeste foi o responsável por 1.132 novas unidades,
seguido pelo Sul com 1.023 unidades e Norte com 686. A perda de posição do Sul e Sudeste
deve-se ao segundo período, quando apresentaram o pior desempenho absoluto de todas as
regiões, impulsionado pelos déficits dos estados do Rio de Janeiro (-225 unidades), São Paulo
(-97 unidades), Espírito Santo (-38 unidades) e Rio Grande do Sul (-73 unidades). De 1995 a
2007, Goiás e Mato Grosso tiveram expressivo papel no desempenho do Centro Oeste com
477 e 341 novas unidades, respectivamente. É preciso ressaltar que entre 2001 e 2007, estes
dois estados foram os que mais contribuíram com novas unidades para o país, com 196 e 153
novas unidades, respectivamente, seguidos pelo Pará (129) e Bahia (127).
Gráfico 21: Evolução da distribuição do número de estabelecimento ‘hotéis e similares’, por estado e ano
Fonte: Elaboração própria com base em RAIS (1995, 2001, 2007)
111
Dando prosseguimento ao desenvolvimento do quadro evolutivo do padrão espacial
da atividade turística no país, a análise que segue toma como base o Anuário Estatístico da
Embratur, uma série histórica disponível desde a década de 1970. O documento descreve,
principalmente, a entrada de turistas estrangeiros no Brasil, por estado, mês, via de acesso
(aérea, marítima, fluvial e terrestre) e país de residência
72
.
É preciso reconhecer, entretanto, que os dados disponíveis se limitam a identificar os
principais portões de entrada dos turistas internacionais no Brasil, não revelando a
movimentação de passageiros estrangeiros dentro do país. De qualquer forma, constitui-se em
importante indicador, por revelar as principais localidades que captam e distribuem o fluxo
internacional no território, uma vez que hoje não há estudos compreensivos disponíveis que
mensurem o fluxo global estadual e municipal. Outra deficiência da fonte é que ela agrupa
vários estados na categoria “Outras Unidades da Federação”, o que não permite a
desagregação para todos os estados. Esse agrupamento mudou ao longo dos anos e por isso,
para os anos de 1995, 2001 e 2007 só poderão ser comparados nove estados, que constam nos
três anos citados
73
.
De 1995 a 2007, o Brasil apresentou taxa positiva de crescimento na entrada de
turistas internacionais de 153%, passando de 1.991.416 para 5.025.834, ou seja, um
incremento de mais de três milhões de visitantes. Assim como verificado na evolução dos
estabelecimentos hoteleiros, o desempenho positivo foi atribuído, sobretudo, ao primeiro
período (1995 a 2001), responsável por 139,6% do crescimento, enquanto o segundo período
(2001 a 2007) apresentou uma variação tímida de 5,3%.
Todos os estado discriminados no Anuário nos três anos analisados registraram
aumento na captação de turistas em termos absolutos entre 1995 e 2007. O campo designado
como ‘Outras Unidades da Federação’, entretanto, apresentou decréscimo, tanto absoluto
como relativo, passando de 182.066 turistas em 1995 para 105.038 em 2007, uma queda de
mais de 40%. Em 1995 os estados não contemplados no Anuário foram responsáveis pela
captação de 9% dos turistas internacionais do país e em 2007 por 2%. Isto pode ser explicado
pela desagregação de três estados, antes inseridos na categoria ‘Outras Unidades da
Federação’: Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Ceará, que, juntos, contribuíram em 2007
72
A metodologia inclui levantamentos do Departamento de Polícia Federal – DPF (postos de fiscalização de
entrada de estrangeiros), da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO (total de
desembarques internacionais mensais por aeroportos), dos Órgãos Oficiais de turismo estaduais e municipais e
da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica - FIPE (participação de estrangeiros nos vôos internacionais).
73
O Distrito Federal, por exemplo, só aparece no Anuário de 1995, Santa Catarina entra em 2001 e 2007,
enquanto o Rio Grande do Norte e Ceará somente constam em 2007. A entrada e a saída do Anuário já indicam
ganho e perda de importância de estados e regiões.
112
com 317.425 novos turistas. Tudo isto pode apontar para o aumento da importância da Região
Nordeste no mercado turístico e para a maior concentração de turistas internacionais nos
estados citados no Anuário, em detrimento da categoria ‘Outras Unidades da Federação’.
Gráfico 22: Evolução da entrada de turistas internacionais no Brasil, por macrorregião e ano
Fonte: Elaboração própria com base em Embratur (1995, 2001, 2007)
Os gráficos sugerem a consolidação da Região Sudeste como principal portão de
entrada de turistas internacionais no Brasil, não obstante ter obtido a terceira menor taxa de
crescimento entre 1995 e 2007, de 205%. Em segundo lugar, o Sul mantém a sua posição,
com crescimento de 127%, mas a sua participação cai de 31% em 1995 para 24% em 2007,
apesar da entrada de Santa Catarina
74
no anuário em 2001.
A região Nordeste apresentou a maior taxa de crescimento do país, quase 700%,
garantindo a ampliação de sua participação de 6% para 16%. Este aumento pode ser atribuído
também à entrada no Anuário dos estados do Rio Grande do Norte e Ceará em 2007,
responsáveis juntos pela entrada de 213.758 novos turistas naquele ano. A Região Centro
Oeste apresentou a segunda maior taxa de crescimento, de 351%, incrementando em um
ponto percentual sua participação, alcançando 2% do fluxo internacional em 2007. A Região
Norte cresceu 117,4% no mesmo período, a taxa mais baixa entre todas as regiões, o que
mantém o seu patamar de participação entorno de 1%.
74
Santa Catarina contribuiu com 205.286 e 103.667 novos turistas internacionais em 2001 e 2007,
respectivamente.
113
Gráfico 23: Evolução da entrada de turistas internacionais no Brasil, por estado e ano
Fonte: Elaboração própria com base em Embratur (1995, 2001, 2007)
Em 1995, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul disputavam a posição de
maior portão de entrada do Brasil, captando respectivamente 27%, 24,6% e 23,1% do fluxo
total de turistas do país. Desde 1995, São Paulo quadruplicou sua participação, com um
incremento de 1.818.864 novos turistas, ou seja, mais da metade de todo o país. Em 2007, São
Paulo captou 46,9% do fluxo total
75
, enquanto o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul
tiveram sua participação reduzida em 15,4% e 11,7%, respectivamente. O Paraná, por outro
lado, aumentou sua participação de 7,7% no fluxo internacional em 1995 para 10,3% em
2007, taxa semelhante ao Rio Grande do Sul. Apesar de se manter na quarta posição do
75
A posição de São Paulo no mercado nacional se deve, sobretudo, ao tráfego aéreo, principal meio utilizado
pelos turistas internacionais e cuja participação subiu de 67,5% em 1995 para 74,6% em 2007. Neste ano, o
estado de São Paulo captou 62% dos desembarques aéreo de turistas estrangeiros no Brasil, concentrados na
capital, que se transformou em um grande hub, responsável pela concentração e distribuição de grande parte dos
vôos internacionais e nacionais. Com o fim do Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR),
responsável pela regulação, incentivo, controle e subsídio estatal a aviação regional, a malha aérea brasileira
sofreu redução e conseqüente concentração entre 1998 e 2008, como aponta Oliveira e Silva (2008): “ao longo
dos últimos anos a malha aeroportuária brasileira sofreu uma considerável redução de tamanho. No período entre
os meses de janeiro de 1998 e de 2008, o número de aeroportos que receberam vôos regulares no país passou de
199 para 155, uma queda de 22%. Com esta redução, o número de municípios atendidos por transporte aéreo no
Brasil caiu de 1.821 para 1.437 (diminuição de 21%), o PIB coberto pela malha aérea reduziu de R$ 1.570,80
bilhões para R$ 1.486,90 bilhões (menos 5,3%) e a população coberta por este meio de transporte sofreu redução
de 7,6%, passando de 113,3 milhões em 1998 para 104,7 milhões em 2008 (Apud Almeida, 2009).
114
ranking, a taxa de crescimento verificada no período foi alta (234%), garantindo a entrada de
361.883 novos turistas, aporte somente menor do que São Paulo.
Em termos absolutos, a participação dos estados das regiões Norte, Nordeste e
Centro Oeste é pouco expressiva, mas todos apresentaram taxas de crescimento positivas no
período de 1995 a 2007. Em geral, São Paulo (338%), Paraná (234,24%) e Bahia (201,72%)
foram os estados que apresentaram as maiores taxas de crescimento, superiores àquelas
verificadas no Brasil.
O período de 1995 a 2007, portanto, afirma SP como o maior portão de entrada do
Brasil e a perda de participação tanto do Rio de Janeiro quanto do Rio Grande do Sul que, em
1995, competiam com SP. Além disso, o Paraná diminui o “gap” existente em 1995 entre o
quarto e o terceiro lugar, alinhando-se aos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Entre os outros estados, destaca-se a Bahia, que apresentou a terceira maior taxa de
crescimento do período, com a captação de 129.613 novos turistas, aporte menor apenas que o
verificado em São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro.
Gráfico 24: Taxa de crescimento da entrada de turistas internacionais no Brasil, por estado e período.
Fonte: Anuário Estatístico da EMBRATUR (1995, 2001, 2007)
O primeiro período (de 1995 a 2001) teve desempenho geral positivo, não
apresentando decréscimo na entrada de turistas em nenhum estado. As maiores taxas de
crescimento regionais concentraram-se, em primeiro lugar, no Centro Oeste com 516% e, em
115
segundo, no Sudeste, com 429%. Os estados com taxas superiores à média brasileira foram:
Mato Grosso do Sul (376%), Paraná (238,5%) e São Paulo (206%). O desempenho dos dois
primeiros pode ser atribuído ao aumento do mercado da América do Sul, que duplicou no
Brasil no primeiro período, em decorrência, sobretudo, da emissão de turistas da Argentina,
Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile. Em 2001, mais de 88% e 70% dos turistas que se
destinaram ao Paraná e ao Mato Grosso do Sul, respectivamente, eram provenientes da
América do Sul, proporção muito acima da média nacional de 50%. Juntos, eles captaram
22% dos turistas provenientes do promissor mercado sulamericano em 2001
76
, aporte superior
aos 13% captados em 1995.
No segundo período, entre 2001 e 2007, o Centro Oeste e o Sul tiveram taxa de
crescimento negativa de 27% e 16%. Os estados, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro, Paraná, integrantes das regiões Sudeste, Sul e Centro Oeste, também tiveram
desempenho negativo
77
. É importante registrar a queda do mercado sulamericano, que afetou
a entrada de turistas em todo o país, mas, sobretudo, no Rio Grande do Sul, Mato Grosso do
Sul e Paraná. Os estados que tiveram crescimento positivo neste período foram: Amazônia
(9,17%), Pernambuco (13,43%), Pará (27,3%), São Paulo (43,16%) e, em lugar de destaque, a
Bahia com um acréscimo de 118% em cima do ano de 2001. Nota-se que, com exceção de
São Paulo, todos estes estados pertencem ao Nordeste e Norte. Apesar de representarem,
juntos, somente 6,3% da captação de turistas de todo o país, isto pode apontar para uma
tendência desconcentradora.
As regiões Sul, Centro Oeste e Norte estão mais próximas dos centros emissores
sulamericanos, sendo possível, inclusive, acesso por terra. Como já foi dito, a grande maioria
das viagens são de curta distância, o que lhes conferem grande vantagem locacional em
relação ao restante do país. Apesar do Sul e Centro Oeste captarem uma fatia expressiva dos
turistas provinientes da América do Sul, o Norte captou somente 1% deste promissor mercado
em 2007.
Não obstante as mudanças na participação de estados e regiões, o ranking dos nove
estados analisados permaneceu inalterado em 1995 e 2007. Isto é, apesar das taxas de
crescimento positivas e do aumento da participação das regiões Norte, Nordeste e Centro
Oeste, inclusive com convergência da participação do Sul e Nordeste, não foi possível mudar
o quadro de supremacia do Sudeste e Sul na captação de turistas internacional.
76
Se incluído o Rio Grande do Sul, nesse somatório, chega-se a 52% da captação do mercado sulamericano por
esses três estados em 2001.
77
Santa Catarina também teve crescimento negativo, mas não figura no gráfico 24 por não constar no Anuário de
1995.
116
Em relação à oferta de produtos turísticos, uma consulta feita à Associação Brasileira
de Operadoras de Turismo (Braztoa)
78
permitiu o levantamento dos pacotes turísticos
oferecidos por seus associados no ano de 2009. Os pacotes indicam a oferta de produtos
turísticos nacionais para o mercado doméstico e internacional e revela também certo grau de
organização e consolidação de destinos. Isto porque a formatação do pacote turístico perpassa
vários componentes da cadeia produtiva do setor, apropriando-se de serviços de receptivo,
guia, transporte, hospedagem, alimentação, entretenimento, compras, entre outros.
O Nordeste responde por 57% dos 1.180 pacotes ofertados, enquanto o Sudeste
participa com 15% e o Sul com 13%. As regiões Centro Oeste e Norte representam 9% e 6%,
respectivamente. Os resultados da pesquisa apontam para uma grande concentração da oferta
de produtos turísticos no Nordeste. Era de se esperar que o Sudeste tivesse um melhor
desempenho neste indicador, uma vez que a região abriga a maior parcela do mercado
consumidor do país. Em 2005, 44% dos domicílios da região Sudeste abrigavam pessoas que
realizavam viagens domésticas, acima da média brasileira de 37%. Além disso, as viagens
tendem a ser de curta distância, o que reforçaria o fluxo no próprio Sudeste. No Brasil, por
exemplo, 47,4% das viagens domésticas correspondem a fluxos intraestaduais (EMBRATUR,
FIPE, 2006).
Gráfico 25: Distribuição do número de pacotes ofertados pelos associados da Braztoa, por região
Fonte: Elaboração própria com base em Braztoa (2009)
78
A BRAZTOA é a associação mais representativa de operadores turísticos do Brasil, com abrangência nacional
e mais de 70 associados, responsáveis por 80% dos pacotes turísticos comercializados. A consulta foi realizada
no site da empresa: http://www.braztoa.com.br.
117
Os estados da Bahia e Pernambuco, juntos, respondem por 34,4% dos pacotes
ofertados no país. A Bahia pode ter sido beneficiada por sua localização próxima ao Sudeste.
No outro extremo, Acre e Amapá não possuem produtos ofertados pelas operadoras
associadas e os estados da Paraíba, Tocantins, Distrito Federal, Espírito Santo, Piauí,
Rondônia, Roraima e Acre tem participação inferior a 1%, cada. Percebe-se que apesar da
predominância da Região Norte nesta listagem, existem estados de todas as regiões com
exceção do Sul. Os estados de São Paulo e Minas Gerais, quase empatados com o Rio de
Janeiro, possuem as melhores colocações da Região Sudeste. No Sul, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul estão mais bem posicionados do que Paraná. Mato Grosso do Sul tem a melhor
posição do Centro Oeste, seguido por Goiás. Já na região Norte, a Amazônia e Pará detêm a
maior oferta de destinos.
Os resultados dos indicadores previamente analisados guardam algumas intersecções
com a oferta de pacotes da Braztoa. Os estados que têm mais pacotes turísticos ofertados
(Bahia, Pernambuco e São Paulo), por exemplo, apresentaram crescimento notável na entrada
de turistas internacionais entre 2001 e 2007. Os três estados também possuíam expressiva
participação na distribuição de estabelecimentos hoteleiros no país em 2007.
É curioso perceber que, além de concentrados regionalmente nos estados e
macrorregiões, existe também intensa concentração intraestadual de destinos. Na grande
maioria das vezes, menos de quatro destinos são comercializados para cada estado.
***
Nos últimos treze anos, a Região Nordeste ultrapassou o Sul em termos de mão de
obra empregada, de estabelecimentos hoteleiros e de oferta de pacotes turísticos. Apesar de
ainda figurar em terceiro lugar no Anuário Estatístico da Embratur, o Nordeste tem
aumentado progressivamente a sua participação, tendo contribuído mais em termos absolutos
para o incremento da entrada de turistas internacionais que o Sul no período analisado. A taxa
de crescimento de 700%, muito acima dos 127% verificados no Sul (que teve crescimento
negativo entre 2001 a 2007), aponta para uma convergência potencial ou mesmo inversão na
participação das duas regiões.
Já a Região Sudeste continua a concentrar a atividade turística tanto em termos
relativos como absolutos. A região possui a maior fatia dos estabelecimentos hoteleiros
nacionais, com grande margem de diferença das outras regiões, mas decresceu gradativamente
a sua participação e, em termos absolutos, perdeu em contribuição para a Região Nordeste.
118
Além disso, as maiores taxas de crescimento deste indicador, verificadas na Região Norte,
Nordeste e Centro Oeste, podem indicar uma tendência à desconcentração. No entanto, a
movimentação de turistas internacionais reforça a concentração do setor no Sudeste, que
continua a crescer mais que as outras regiões, especialmente o estado de São Paulo,
impulsionado pelo transporte aéreo.
Para lançar um olhar geral sobre a dinâmica do turismo no território, foi utilizado um
conjunto de pesos na ponderação dos indicadores para cada estado
79
, cujos resultados
apontam para estados com grande participação no mercado ou em ascensão (consolidados ou
de alto dinamismo) e estados com pequena participação ou declínio (estagnados ou de baixo
dinamismo). O quadro abaixo ilustra os resultados.
Gráfico 26: Estados consolidados e estagnados, segundo indicadores de mão de obra, estabelecimentos e
produtos.
Fonte: elaboração própria com base em IPEA (2008), Ministério do Trabalho e Emprego/RAIS (1995, 2001,
2007), BRAZTOA (2009)
O Sudeste é a região turística mais consolidada do país. O maior dinamismo localiza-
se em São Paulo e Minas Gerais, que obtiveram melhor desempenho na análise dos
79
Os pesos obedecem aos seguintes critérios: a) 2 para indicadores acima da média nacional, b) 1 para
indicadores acima da média macrorregional c) 0 para indicadores abaixo da média nacional ou macrorregional.
O indicador ‘estabelecimentos’, que conta com série histórica foi mensurado a partir da pontuação média da
participação atual, taxa de crescimento e contribuição absoluta Não constou da análise os indicadores relativos
ao fluxo internacional, uma vez que não há dados para todos os estados.
119
indicadores, em detrimento do Espírito Santo e Rio de Janeiro que, apesar de consolidado,
está no limite da categoria e perdeu participação nos indicadores relativos aos
estabelecimentos hoteleiros e ao fluxo internacional. A região Sul apresenta menor
desequilíbrio intrarregional e todos os seus estados foram considerados consolidados, apesar
de o Paraná ter apresentado indicadores inferiores àqueles verificados em Santa Catarina e
Rio Grande do Sul.
No Nordeste, os estados identificados como consolidados foram, em ordem de
importância, Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Norte. Os demais foram
classificados como estagnados, apesar da taxa de crescimento significativa dos
estabelecimentos hoteleiros verificada nos estados do Piauí, Sergipe e Maranhão.
Na região Norte, somente os estados da Amazônia e do Para foram classificados
como dinâmicos, devido à significativa participação regional da mão de obra ocupada e dos
pacotes ofertados, além das altas taxas de crescimento na entrada de turistas internacionais no
período analisado. Por outro lado, Roraima, Acre, Amapá, Tocantins e Roraima foram
considerados estagnados, com as menores participações do país nos indicadores levantados,
apesar das altas taxas de crescimento de estabelecimentos hoteleiros verificadas entre 1995 e
2007.
O Centro Oeste também teve taxas de crescimento expressivas e uma dinâmica de
difícil apreensão, já que seus estados tiveram desempenhos muito variados. Somente Goiás
foi considerado consolidado, com notável participação regional na mão de obra ocupada no
setor, nos pacotes turísticos, além da participação e da taxa de crescimento significativas de
seus meios de hospedagem. Mato Grosso do Sul, situado no limite da categoria ‘estagnado’
teve o segundo melhor desempenho da macrorregião, devido à oferta de pacotes turísticos e
ao número de hotéis, entretanto, teve o pior resultado regional nos indicadores relativos à mão
de obra ocupada e à taxa de crescimento dos estabelecimentos hotéis e similares. É preciso
frisar que o estado certamente estaria na categoria ‘consolidados’ caso fosse considerada a
entrada de turistas internacionais no país, já que Mato Grosso do Sul teve uma das maiores
taxas de crescimento verificadas no período. O Distrito Federal, apesar de mal posicionado no
ranking geral, ficou em segundo lugar na participação da mão de obra regional, posição
significativa quando considerando o tamanho de sua área territorial e de sua população.
Em síntese, os indicadores analisados neste capítulo sugerem certa desconcentração
do mercado turístico do país, que até 1990 estava intensamente localizado no Sul e Sudeste. A
tendência de maior participação do Nordeste e perda da participação do Sudeste e, e, especial,
do Sul, confirmou-se. Além disso, as regiões Norte e Centro Oeste, que contribuem pouco em
120
termos absolutos, presenciaram crescimento significativo, alcançando, em alguns casos,
patamares mais elevados de participação. No entanto, é preciso reconhecer que a
desconcentração não representa ainda uma alternativa à polarização exercida pelo Sudeste,
que ainda detém grande parcela do mercado em todos os indicadores analisados e obteve um
crescimento extraordinário no que se refere à captação do fluxo turístico internacional. Isto
significa que, apesar de ganhar importância no mercado nacional, o Nordeste ainda não
interfere na posição central e estruturante que o Sudeste exerce sobre o setor.
121
CONCLUSÃO
O setor de turismo, como qualquer outro, avança de forma desigual, selecionando os
lugares mais atrativos à reprodução do capital. Neste cenário e com o crescente
reconhecimento da importância econômica do setor, os Estados Nacionais passaram a
desenhar estratégias para captar fluxos globais e desenvolver a atividade turística em seus
territórios, lançando mão de políticas públicas setoriais.
No Brasil, o turismo ganhou lugar na agenda pública a partir da década de 1960,
desenvolvendo, desde então, importante aparato institucional, além de políticas públicas e
instrumentos correlatos (legislação, planos, estratégias, programas e projetos), que afirmam a
capacidade do setor em contribuir tanto para o crescimento econômico, como para a redução
das desigualdades socioespaciais do país.
O potencial do setor em enfrentar as profundas assimetrias espaciais sempre esteve
presente na história discursiva do planejamento governamental, não obstante a própria
natureza concentrada da atividade nas regiões mais dinâmicas do país, registrada nos
diagnósticos dos planos analisados até a década de 1990. É preciso lembrar que a estruturação
de destinos se dá mediante grande aporte de investimentos em infraestrutura, qualificação,
incentivos, entre outras ações, das quais o Estado é o agente hegemônico.
Assim, o planejamento governamental do turismo passou a nomear, desenhar e
organizar o ‘espaço turístico’ nacional, alvo das intervenções públicas. A partir de 1995, três
Programas tiveram papel de destaque nesse processo: o PNMT, o Prodetur e o PNRT, que
assumiram posição central e estruturante na política setorial. A troca do poder político
nacional acarretou a descontinuidade deste Programas, além de mudanças nos arranjos
escalares, na geometria de poder e nos recortes preferenciais: município turístico, pólo
turístico e região turística. É curioso perceber, entretanto, que o município continua a
desempenhar papel central mesmo na presença de outros recortes eleitos. Ele retorna à pauta
tanto no PNRT, no momento da priorização do Programa com a escolha dos destinos
indutores, como no Prodetur Nacional, que o transforma novamente em unidade elegível ao
financiamento. Isso pode revelar a importância do papel do município no desenvolvimento
turístico e a persistente dificuldade em se desenvolver novas instâncias de gestão.
Todos os Programas elegeram a priori uma escala e um recorte preferencial. Isso é
revelador da maneira como o espaço é concebido nas políticas de turismo, como base
homogênea e condicionada. Assim, em cada momento, novos recortes foram sendo criados
para determinar os limites e configurações de um suposto território turístico, ignorando-se,
122
assim, trajetórias alternativas, calcadas nas particularidades históricas e sociais de cada lugar.
É impossível esquecer o caso de Minas Gerais que, apesar de tradicionalmente formatar os
seus destinos em ‘circuitos turísticos’, não pode, no âmbito do Programa de Regionalização,
usar a mesma terminologia – e não se trata somente de terminologia, posto que remete à
natureza mesmo de seu espaço e de sua história. Acredita-se que somente uma política que
leve em conta a multiplicidade do espaço turístico e seus vários formatos, será
verdadeiramente comprometida com, nas palavras de Massey (1999), a abertura para o futuro
e para a mudança.
De 1995 para cá o ‘espaço turístico’ brasileiro definido pelo poder público sofreu
significativa expansão, passando a abarcar não mais 27% (PNMT), mas 65% (PNRT) de
todos os municípios do país. Isto reflete, em parte, a própria natureza da regionalização que
incorporou territórios marginais, mas também pode indicar a falta de um melhor entendimento
e de critérios para eleição dos municípios e regiões turísticas no Programa. Causa espanto o
fato de grandes estados como São Paulo engajarem 100% de seus municípios no PNRT.
É preciso observar que a ampliação do ‘espaço turístico’ ocorreu paralelamente ao
incremento da atividade econômica do turismo no país, que presenciou vigorosa evolução nos
últimos 14 anos.
Observando a dinâmica macrorregional e as relações entre os indicadores
socioeconômicos, políticos e turísticos, algumas conclusões se esboçam. A espacialização
engendrada pelo PNMT e PNRT parece, em um primeiro momento, refletir as disparidades
entre Norte e Nordeste, de um lado, e Sul e Sudeste, de outro. Isso porque os municípios
engajados no Programa concentraram-se ainda mais nestas duas últimas regiões, que possuem
IDH acima da média nacional e apresentaram alto grau de aproveitamento turístico. O Centro
Oeste obteve um resultado particular, uma vez que possui alto IDH e, ao contrário do Sul e
Sudeste, não foi priorizado pela política.
A passagem do PNMT para o PNRT diminuiu o grau de aproveitamento do Norte e
Centro Oeste em relação às outras regiões, agudizando ainda mais a assimetria. Além disso, a
priorização de destinos levada a cabo pelos dois Programas – municípios turísticos e destinos
indutores – determinou o aprofundamento da espacialização desigual, uma vez que o Centro
Oeste e o Norte perderam mais participação. Sabe-se que em decorrência da grande
abrangência do espaço turístico e da escassez de recursos públicos, são para os espaços
priorizados que a política está voltada de forma mais direta, inclusive com emprego de
recursos públicos federais.
123
É preciso lembrar que nunca o potencial de distribuir a atividade turística no
território nacional foi tão grande, alcançando inclusive regiões remotas e deprimidas. Isto
porque se presencia um momento de grande valorização de áreas naturais preservadas como a
Amazônia e o Pantanal. Tais tendências revelam uma oportunidade única e urgência na
priorização pelo poder público dessas áreas sensíveis, destinadas que estão a sofrer crescente
pressão da demanda turística.
A região Nordeste representa um caso específico, uma vez que obteve o menor grau
de aproveitamento turístico no PNMT e no PNRT, mas foi beneficiada tanto no momento da
priorização deste Programas, como pelo Prodetur Nordeste que destinou 94% dos
investimentos para a região. Não é à toa, portanto, que os indicadores turísticos indicam um
aumento significativo dessa região no mercado nacional, o que pode sugerir a efetividade do
Programa. No entanto, é preciso estar atento ao modelo de turismo que se desenvolveu nas
regiões afetadas, que acarretou grandes impactos ambientais e exclusão social.
Atenta-se, neste momento, para os riscos de reconcentração espacial da atividade,
face ao surgimento do Prodetur Nacional, que ampliou a abrangência do Programa a todo o
território nacional. Essa mudança no foco regional do Programa pode aumentar a
concorrência entre instâncias subnacionais por recursos e privilegiar estados e municípios
dotados de maior capacidade técnica, institucional e de endividamento. Além disso, a
espacialização determinada pelo PNRT beneficiou as regiões Sul e Sudeste, o que pode
sugerir a intensificação da concentração da atividade turística, caso o investimento e a ação
pública sejam, de fato, destinadas para essas regiões.
No entanto, os indicadores turísticos analisados apontam para certa desconcentração
do mercado turístico nacional, marcada em especial pela perda de posição do Sul em relação
ao Nordeste. A partir de 1995, todos os indicadores turísticos analisados no capítulo três –
mão de obra ocupada no setor, estabelecimentos hoteleiros, fluxo turístico internacional e
pacotes ofertados – apontaram a pequena participação do Norte e Centro Oeste. No entanto,
registre-se que as duas regiões tiveram a melhor taxa de crescimento de estabelecimentos
hoteleiros no período de 1995 a 2007, ganhando participação no período. O fluxo turístico
internacional foi particularmente mal distribuído afetando negativamente as duas regiões que,
juntas, captaram somente 3% do fluxo total. Mas enquanto o Centro Oeste foi a região que
apresentou a segunda maior taxa de crescimento, o Norte teve a pior evolução nesse
indicador. Frisa-se que tais regiões possuem grande vantagem locacional por estarem
próximas aos mercados emissores sulamericanos.
124
Como era de se esperar, o Sudeste apresentou as maiores participações de
estabelecimentos hoteleiros, fluxo internacional e mão de obra. No entanto, foi o Nordeste o
destino da maioria dos pacotes turísticos ofertados, que também ocupou a segunda posição,
acima do Sul, nos indicadores relativos à mão de obra e estabelecimentos hoteleiros. Apesar
de haver captado um percentual menor do fluxo turístico internacional do que aquele
registrado pelo Sul, o desempenho do Nordeste sugere uma convergência potencial ou mesmo
inversão na participação das duas regiões. É preciso lembrar que até na década de 1990, o
turismo estava intensamente concentrado no Sul e Sudeste, o que sugere uma inversão da
posição entre Sul e Nordeste no período analisado.
Já as regiões Centro Oeste e Norte ganharam pequena participação no mercado,
impulsionadas pelas altas taxas de crescimento, mas persistem nas últimas colocações do
ranking em todos os indicadores turísticos analisados.
A região Nordeste, por outro lado, apesar do baixo grau de aproveitamento turístico
registrado no PNMT e PNRT e de indicadores socioeconômicos alarmantes, presenciou forte
dinamismo no setor de turismo, posicionando-se à frente da região Sul em relação aos
indicadores setoriais analisados. Isso pode ter ocorrido em função da importância que a região
assumiu no momento da priorização do PNMT e do PNRT, e certamente ao impacto
econômico do Prodetur, que também engendrou movimentos autônomos de capitais privados.
Do ponto de vista da dinâmica estadual, as relações entre indicadores
socioeconômicos, políticos e turísticos apontam para algumas convergências que permitem
responder as três questões colocadas no início desta dissertação, a saber: a espacialização
levada a cabo pelo planejamento governamental de turismo priorizou regiões com baixos
indicadores socioeconômicos? essa espacialização guardou correspondência com as regiões
onde o turismo está mais avançado? as regiões mais dinâmicas e consolidadas do ponto de
vista turístico correspondem àquelas mais ‘desenvolvidas’?
Em primeiro lugar, de forma geral, a espacialização levada a cabo pelo PNMT e
PNRT não priorizou áreas com baixo IDH. Dos dezessete estados com IDH abaixo da média
nacional, somente cinco foram priorizados pela política: Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco
e Pará. Observa-se que quatro deles pertencem à região Nordeste, que também foi priorizada
pelo Prodetur e possui os piores indicadores socioeconômicos do país. O contrário revela
mais: oito dos dez estados com o IDH acima da média nacional foram priorizados pelos
Programas. Com exceção dos dois estados do Centro Oeste, todos eles pertencem ao Sul e
Sudeste e foram considerados consolidados e dinâmicos na pesquisa relativa aos indicadores
turísticos.
125
Em segundo lugar, houve marcada correspondência entre a priorização política e as
áreas de maior dinamismo turístico. Dos treze estados prioritários para os Programas, dez
foram considerados dinâmicos e consolidados segundo a análise dos indicadores turísticos:
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará, Minas
Gerais, Pernambuco e Pará. Com exceção do Espírito Santo, todos os estados das regiões Sul
e Sudeste constam da lista. É impossível deduzir, entretanto, se tal fato reflete a efetividade
dos Programas para o desenvolvimento do setor e para a atração de investimentos privados ou
se a priorização política apenas ‘seguiu’ as áreas mais dinâmicas do ponto de vista turístico.
Por outro lado, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Alagoas, apesar de terem sido priorizados
pela política, não foram áreas consideradas turisticamente consolidadas.
O discurso do turismo-redentor-de-desigualdades-regionais parece ignorar o fato de
que o setor também é afetado pelo padrão de desenvolvimento desigual, sendo, portanto,
seletivo em relação aos lugares. Esperava-se, desta forma, que os estados mais turísticos
correspondessem àqueles com os melhores indicadores socioeconômicos. No entanto os dois
indicadores não guardaram grande correlação. Isto é, surpreendentemente, somente sete dos
treze estados com dinamismo turístico possuíam IDH acima da média. Isto decorre,
sobretudo, em função do ‘efeito Nordeste’, região que conta com quatro estados com alto
dinamismo turístico e baixo IDH: Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Norte. No
entanto, o contrário sugere maior correlação: dos dez estados com IDH acima da média, sete
foram considerados dinâmicos do ponto de vista do turismo, com exceção de Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Tal fato pode sugerir que o turismo se beneficia da
qualidade socioeconômica da área na qual está inserido, mas que este fator não é determinante
para o dinamismo do setor. Concluir, entretanto, que o turismo tem capacidade limitada em
contribuir para elevação de indicadores socioeconômicos sobre o marco regional, parece
precipitado, levando-se em conta as limitações das análises realizadas por essa pesquisa.
O Prodetur, por sua vez, teve como foco de atuação uma região com baixo IDH. O
único estado engajado no Programa com IDH acima da média nacional foi Minas Gerais,
apesar de seu pólo corresponder a uma área economicamente deprimida – o Vale do
Jequitinhonha. O Programa priorizou a Bahia, o Ceará e Pernambuco, estados beneficiados
também pelo PNMT e PNRT, e que apresentaram alto dinamismo turístico. Todos os outros
estados não priorizados pelo Prodetur, com exceção de Minas Gerais e Rio Grande do Norte,
tiveram baixo dinamismo turístico. A grande correspondência entre priorização do Prodetur e
dinamismo turístico pode indicar o impacto significativo que os recursos tiveram sobre o setor
de turismo nos estados mencionados.
126
As profundas diferenças espaciais do país não foram consideradas na política de
turismo que, com exceção do Prodetur, apenas refletiu e não enfrentou o quadro de
desigualdades, como propunha. É preciso atentar, como nos lembrou Cruz (2006), que o
planejamento do turismo se dá sobre um espaço concreto, herdado, histórica e socialmente
construído.
Esta dissertação de mestrado buscou investigar a atuação espacial do planejamento
governamental de turismo, levantando tendências de concentração/desconcentração da
atividade e sua atuação em regiões deprimidas.
Espera-se que a pesquisa represente uma contribuição no sentido de problematizar o
discurso do turismo enquanto vetor de desenvolvimento, sobretudo sobre o marco regional e a
partir de políticas que abordam o espaço de forma essencialista. Uma política que elege
escalas e, com base nelas, define recortes estanques como premissas para o desenvolvimento
do turismo, em meio à enorme multiplicidade do país, dificilmente contribuirá com estratégias
que considerem as profundas diferenças regionais, tanto sociais como institucionais. São esses
últimos elementos que devem determinar em cada momentos os limites do ‘espaço turístico’ e
forjar assim novas territorialidades. Acredita-se que uma política nacional de turismo
verdadeiramente comprometida com uma abordagem plural do espaço deve comportar limites
e configurações múltiplas para o ‘espaço turístico’, que levem em conta as particularidades
espaciais e as fundamentais mediações escalares necessárias à apreensão do fenômeno.
Lembre-se que as escalas não são construídas a priori, de forma arbitrária pelo poder público,
e sim socialmente negociadas e contestadas, remetendo, neste caso, ao processo de
constituição de territorialidades turísticas.
Não se trata, portanto, de ignorar as possibilidades que as políticas do setor possuem
em contribuir para um desenvolvimento mais equânime. Esta questão se faz presente nas
reflexões de Cruz (2006): “seria possível construir uma sociedade mais justa por meio do
turismo? Naturalmente não. Todavia, pode-se fazer do desenvolvimento do turismo um
instrumento a favor do alcance deste objetivo...”. Frisa-se que, para além das desigualdades
interregionais e interestaduais, persistem diferenças intraestaduais profundas, que não foram
captadas pela pesquisa. É preciso, pois, lembrar que a desigualdade se manifesta e se reproduz
em todas as escalas, podendo estudos posteriores contribuir para maiores reflexões sobre o
tema.
Fica a lição de Massey (1999) que, ao refletir sobre uma política do espaço, conclui
que reformular o modo de pensar o espaço e a espacialidade pode ser, em si mesmo, político.
127
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