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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
VANESSA CHIMIRRA
A IMAGEM DO CENTRO: HOSPITALIDADE E
ARQUITETURA NA CIDADE DE SÃO PAULO
São Paulo
2010
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VANESSA CHIMIRRA
A IMAGEM DO CENTRO: HOSPITALIDADE E
ARQUITETURA NA CIDADE DE SÃO PAULO
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora,
como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Hospitalidade, área de concentração
Planejamento e Gestão Estratégica em Hospitalidade, da
Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação da Profª Drª
Sênia Regina Bastos.
São Paulo
2010
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VANESSA CHIMIRRA
A IMAGEM DO CENTRO: HOSPITALIDADE E
ARQUITETURA NA CIDADE DE SÃO PAULO
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora,
como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Hospitalidade, área de concentração
Planejamento e Gestão Estratégica em Hospitalidade, da
Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação da Profª Drª
Sênia Regina Bastos.
Aprovada em:
_______________________________________________
Profª Drª Sênia Regina Bastos
_______________________________________________
Prof. Dr. Airton José Cavenaghi
_______________________________________________
Prof. Dr. Pedro de Alcântara Bittencourt Cezar
DEDICATÓRIA
A Maria por ser tão especial.
Ao Jean pela compreensão.
A meus pais por tudo que fizeram por mim.
AGRADECIMENTOS
Faço questão de agradecer em primeiro lugar à professora Drª Sênia Bastos, minha
orientadora, pela intervenção em todas as horas, pelo carinho, pela nova visão de arquitetura e
hospitalidade e por todos os esclarecimentos que deram melhor rumo à minha pesquisa.
Aos professores Dr. Airton José Cavenaghi e Dr. Luiz Octávio de Lima Camargo, que
participaram da minha banca de qualificação, com preciosas contribuições na indicação de
bibliografia e análise do trabalho, como forma de dar continuidade a essa pesquisa.
Aos professores do programa de Mestrado de Hospitalidade, agradeço pela nova visão
de mundo que me foi dada.
Aos colegas do mestrado, pela amizade e incentivo.
A Laura Alberto que fez a revisão de parte desta pesquisa. A Silvana Furtado, por todo
apoio e carinho.
Aos moradores entrevistados, Ina, Ninie, Pacheco e Antônio, que dispuseram de seu
tempo e contribuíram para a realização desta pesquisa.
Ao meu novo grande amigo Cesar Vilaça, pelas infindáveis conversas sobre a minha
pesquisa, e ao Gilberto Back pela elaboração dos mapas.
A meu amigo Marcelo Chagas, por tudo.
À minha melhor amiga, Miriam Lona, por ter me apoiado e dado força em todos os
momentos em que precisei e por ter me ajudado em todas as minhas exclamações,
interrogações e reticências.
À senhora Therezinha, por todo o carinho dedicado a mim e a minha filha.
Aos colegas de mestrado: Sergio Moliterno, Ortiz, Alcides, Heloisa Rodrigues,
Suzanne, Roberta Sogayar, Quelson e Marcos, pela grande torcida.
Aos coordenadores do curso de hotelaria, Thais Funcia, Karin Decker e Francisco de
Canindé, pelo incentivo no ingresso no Mestrado e por terem compreendido este momento.
Aos meus estagiários do CTH, pela paciência que tiveram comigo.
À minha irmã, cunhado e sobrinhos por terem me ajudado com minha filha. Agradeço
à minha sogra, pela força dada em casa.
Ao Tobias, por ter compreendido que nossos passeios tiveram de ser mais curtos.
RESUMO
Esta pesquisa exploratória de caráter qualitativo tem por objetivo identificar a imagem do
centro da cidade de São Paulo, por meio de registros fotográficos da arquitetura e da
hospitalidade. Para a realizão desta pesquisa de campo foi delimitado o centro da cidade de
São Paulo, cuja área encontra-se restrita ao vale do Anhangabaú, tendo como extensão
máxima as praças da e da República. Segue-se a produção de fontes orais, baseadas em
entrevistas com os autores desses registros, moradores da cidade de São Paulo. Como recurso
metodológico utilizaram-se registros fotográficos dos moradores, mapas de localização do
centro e entrevistas, para o entendimento da percepção humana com relação ao espaço e seu
cotidiano. Os resultados obtidos demonstraram um vínculo entre o indivíduo e o espaço
urbano, a partir da relação de cada um dos entrevistados com a cidade, de forma afetiva,
sendo que, ao observarem e comentarem suas imagens, remeteram-se a suas próprias histórias
de vida, no contexto da hospitalidade.
Palavras-chave: Hospitalidade. Arquitetura e Urbanismo. Imagem. Sociabilidade. Centro da
cidade de São Paulo/SP.
ABSTRACT
This qualitative exploratory research aims to identify the image of São Paulo
downtown, through photographic records of architecture and hospitality. For this research São
Paulo downtown was the limit, whose area is restricted to Anhangabaú valley, with the
maximum extension of the Sé’s and República’s squares. It follows the production of
testimonials, based on interviews with the authors of those records, citizens of São Paulo. As
a methodology the photographic records of citizens were used, the center location maps and
interviews, to the understanding of human perception in relation to space and life. The results
demonstrated a link between the individual and the urban space from the relation of each of
the citizens with the town, so affectionate, and, to observe and comment on their images, sent
back to their own life stories in context of hospitality.
Key-words: Hospitality. Architecture and urbanism. Image. São Paulo downtown.
Sociability.
LISTA DE FOTOS
Fotografias 1 e 2: Viaduto do Chá em 1902 e em 1923................................................22
Fotografias 3 e 4: Viaduto do Chá em 1930 e em 1940 .................................................. 22
Fotografia 5: Viaduto do Chá em 1962 ........................................................................ 22
Fotografia 6: Edifício Martinelli e Banco do Estado de São Paulo ............................ 23
Fotografia 7: Igreja de Santo Antônio ......................................................................... 52
Fotografia 8: Viaduto do Chá ....................................................................................... 53
Fotografia 9: Shopping Grandes Galerias ..................................................................... 54
Fotografia 10: Interior do Shopping Grandes Galerias ................................................. 55
Fotografia 11: Cine Cairo ............................................................................................. 56
Fotografia 12: Marco Zero ........................................................................................... 61
Fotografia 13: Rua General Carneiro........................................................................... 62
Fotografia 14: Igreja de Santo Antônio ........................................................................ 63
Fotografia 15: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ............................ 64
Fotografia 16: Catedral da Sé ....................................................................................... 65
Fotografia 17: Rua Barão de Itapetininga ..................................................................... 69
Fotografia 18: Galeria Olido ......................................................................................... 70
Fotografia 19: Edifício Alexandre Mackenzie ............................................................. 71
Fotografia 20: Teatro Municipal ................................................................................... 72
Fotografia 21: Vale do Anhangabaú ............................................................................. 73
Fotografia 22: Edifício Martinelli ................................................................................. 77
Fotografia 23: Edifício dos Correios ............................................................................ 78
Fotografia 24: Edifício João Brícola ............................................................................. 79
Fotografia 25: Edifício Alexandre Mackenzie ............................................................. 80
Fotografia 26: Escola Estadual Caetano de Campos .................................................... 81
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia ............................................... 20
Figura 2 - Mapa do centro da cidade de São Paulo ...................................................... 43
Figura 3 - Percurso e fotos da senhora Ina ................................................................... 50
Figura 4 - Percurso e fotos da senhora Ninie ................................................................ 59
Figura 5 - Percurso e fotos do senhor Pacheco ............................................................. 67
Figura 6 - Percurso e fotos do senhor Antônio ............................................................. 75
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Caracterização dos principais projetos e gestões públicas .......................... 28
Quadro 2: Etapas da pesquisa de campo ....................................................................... 44
Quadro 3: Percepção da hospitalidade da senhora Ina ................................................. 51
Quadro 4: Percepção da hospitalidade da senhora Ninie .............................................. 60
Quadro 5: Percepção da hospitalidade do senhor Pacheco ........................................... 68
Quadro 6: Percepção da hospitalidade do senhor Antônio ........................................... 76
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO: O CENTRO DA CIDADE ............................................................... 14
1.1 PANORAMA URBANÍSTICO DO CENTRO DA CIDADE DE SÃO PAULO ............................................... 18
1.2 PANORAMA ATUAL ........................................................................................................................ 24
CAPÍTULO 2 - ARQUITETURA E HOSPITALIDADE .................................................................. 30
2.1 A IMAGEM, A ARQUITETURA E A HOSPITALIDADE .......................................................................... 37
2.2 A IMAGEM DO CENTRO E SUAS PERCEPÇÕES .................................................................................. 42
CAPÍTULO 3 - ENTREVISTAS E ANÁLISES ................................................................................. 48
3.1 ENTREVISTADA 1 ........................................................................................................................... 48
3.2 ENTREVISTADA 2 ........................................................................................................................... 58
3.3 ENTREVISTADO 3 ........................................................................................................................... 66
3.4 ENTREVISTADO 4 ........................................................................................................................... 74
3.5 ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................................................................................... 82
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 85
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 87
11
INTRODUÇÃO
O estudo da hospitalidade tem sido aplicado para o entendimento do relacionamento
humano. Por essa razão, pode ser utilizado em cenários privados ou esferas sociais mais
amplas. Por um lado, isso nos remete às inter-relaçoes humanas, por outro, nos permite o uso
da hospitalidade para o estudo da relação do homem com o espaço em que está inserido.
No âmbito dessa relão, que caracteriza um processo complexo, a imagem é uma das
etapas e serve como fonte de informação para a compreensão das múltiplas atividades dos
homens e de sua ação sobre os outros e sobre o espaço, talvez um dos primeiros impactos
informacionais que desafiam o ser humano a se situar em seu lugar na sociedade.
Os espaços internos ou externos produzem uma linguagem cultural que rompe a
característica física do local em que foi projetado. A história do uso urbano nos ensina que o
indivíduo pensa, despreza, deseja, escolhe suas tendências e prazeres, por isso, a cidade é
também a construção da mentalidade urbana.
Com base nessas considerações, o objetivo geral desse trabalho foi identificar a
imagem da hospitalidade e da arquitetura do centro de São Paulo, por meio de registros
fotográficos e de depoimentos, bem como qualificar os valores que estão presentes nessa
representação: afetivo, histórico, arquitetônico e tradições.
Nesse contexto, constituiu-se a indagação: de que forma o indivíduo define a imagem
do centro da cidade de São Paulo? Para respondê-la, foram produzidas fontes visuais e orais,
baseadas nos depoimentos e imagens coletadas por quatro antigos moradores.
Na mesma perspectiva, entender o uso do espaço (interno e externo) é uma prática que
concretiza certa compreensão da imagem física, que este espaço ficou entendido como
fragmentos habituais do indivíduo. Esta imagem pode ser interpretada de maneira homogênea
ou não. A decodificação e a compreensão da imagem permitem apreender como o sujeito
incorpora esse espaço e o percebe como forma de informação e percepção social do indivíduo
dentro de uma sociedade (LE GOFF, 1998).
O espaço é informado pelo uso que o transforma em lugar, em ambiente público ou
privado, o seu uso pode ser visto como fonte de informação, entretanto, é por este mesmo uso
que o homem se apropria do espaço, identificando-se com ele; é o uso que dinamiza e
concretiza a sua materialidade.
12
O sujeito reconhece o espaço a partir da lembrança que conserva, composta, antes de
tudo, por sua função preservada em virtude da importância que lhe atribuiu. A imagem e o
que ela representa para o sujeito condicionam sua posição social.
Segundo Ferrara (1993), a representação urbana é caracterizada na medida em que
o interpretante é capaz de produzir, sobre os significados, uma ação crítica de intervenção
sobre o urbano. Toda imagem é uma representação, mas nem toda representação é uma
imagem; desta forma, o sujeito recebe imagens, identifica, interpreta, conhece o objeto e, por
meio de seu pensamento, absorve-as. A transformação dessa imagem para o indivíduo
depende, pois, da sociedade em que se encontra inserido, dos valores e do seu grau de
inclusão; nesse contexto, considera-se que atualmente a exclusão não é somente para os
pobres que não consomem, mas também para gordos, feios, outras etnias etc.
Consequentemente, este estudo pretendeu problematizar as relações entre a
hospitalidade e a arquitetura, por meio de imagens e representações da área central da cidade,
constituindo uma espécie de interpretação desse espaço.
O referencial teórico constituiu-se de Ferrara (1993) e Lynch (1982), estudiosos que
trabalham as sensações por meio de imagens e mapas sensoriais; Frúgoli Júnior (2000) e seu
estudo sobre as centralidades da cidade; Bauer e Gaskell (2000) e Kossoy (2002) nas técnicas
de pesquisa qualitativa com imagem; Bosi (1999) e Silva (2001), para compor a análise das
representações urbanas legadas por seus moradores; Zevi (2009) e Ferrara (2002) com o
estudo da arquitetura urbana; Zmitrowicz (1996) e Campos Júnior (1996), com registros das
transformações ocorridas em São Paulo desde os primeiros anos do século XX até os anos
1990.
A pesquisa de campo iniciou-se com a captação de imagens (fotografia) feitas pelos
moradores, no centro da cidade, cuja área encontra-se restrita ao vale do Anhangabaú, tendo
com extensão máxima as praças da e da República. Em seguida, foram realizadas
entrevistas para conhecer suas percepções e interpretações. Trata-se de momento privilegiado
porque reúne o pensamento, por meio da visualização das imagens da primeira etapa
realizada, em que os materiais coletados e a ação do grupo observado permitiram a elaboração
do conhecimento acerca da imagem e da hospitalidade da área central. Depois de registradas,
as fotografias foram selecionadas pelos autores. Desta forma, cumpriram-se as etapas
necessárias da pesquisa para a elaboração da análise, reflexões e considerações finais. Ao
longo do processo, intervenções e adequações pertinentes à pesquisa foram efetuadas, de
maneira a obter a integridade das informações necessárias à análise.
13
Esta dissertação é composta por três capítulos: o primeiro trata das mudanças
ocorridas no centro da cidade de São Paulo a partir do ―Plano de Avenidas‖ até o panorama
atual. Aqui, o propósito é o de contribuir para o estudo das transformações urbanísticas
realizadas nas diferentes gestões municipais da cidade. Vale lembrar que essa pesquisa não se
propôs a realizar um estudo exaustivo das intervenções públicas na área central da cidade de
São Paulo
No capítulo 2, em que é apresentado o referencial teórico metodológico com autores
que trabalham imagem, arquitetura e hospitalidade, estudou-se a relação do indivíduo com o
meio e suas percepções sobre os espaços em que conviveram por muitos anos. Os autores
citados enfatizam que a hospitalidade na cidade é sentir-se acolhido, reconhecer o belo, o
diferente, o que era conhecido e que mudou. A importância deste capítulo é a de destacar que
a cidade possui história, memória e cultura e que a hospitalidade urbana é resultado de um
convívio das pessoas nos seus espaços.
O capítulo 3 mostra que a coleta de dados para a análise constituiu-se de: registro das
fotografias pelos sujeitos da pesquisa, entrevistas coletivas e individuais. Foram utilizadas
diferentes fontes de evidências para que a análise tivesse diferentes abordagens. Foram
utilizadas quatro categorias para estudo das percepções de hospitalidade por parte dos
entrevistados, sendo elas: vínculos humanos, odores, sabores e conforto ambiental. As
categorias permitiram que, ao percorrerem o centro da cidade de São Paulo, os entrevistados
pudessem resgatar a memória da cidade, o que levou ao estímulo de relatarem suas vivências.
14
CAPÍTULO 1 - SÃO PAULO: O CENTRO DA CIDADE
Este capítulo trata do desenvolvimento urbano do centro da cidade de São Paulo, a
partir do Plano Avenidas‖. Para uma compreensão acerca da formação e constituição do
urbanismo dessa região, é necessário investigar também as transformações ocorridas na
sociedade, assim como as relações com os movimentos políticos e culturais.
São Paulo, mais que qualquer outra cidade brasileira, cresceu muito rapidamente a
ponto de a cada reconstrução feita ocorrerem mudanças nas vias públicas, nas edificações e
que se tornaram cada vez mais incoerentes para as antigas gerações.
um século a Imperial Cidade São Paulo guardava ainda sua feição
colonial. Todas as principais funções se concentravam num triângulo cujos
vértices eram balizados pelos conventos de São Francisco, São Bento e
Carmo‖[...] Apesar de ―melhoramentos‖ em algumas das vias, as ruas
estreitas e irregulares, as ladeiras íngremes e mal articuladas com acanhados
largos, constituem, talvez, a única herança colonial, porque edifícios de
séculos anteriores só sobraram alguns e severamente reformados. Até a
Segunda Grande Guerra, os escritórios, consultórios, bancos, hotéis,
restaurantes, cinemas, comércio, praticamente, não saíram dessa área. Essa
colina era centro de convergência de caminhos de tropeiros ao longo dos
quais surgiam pequenos sítios e chácaras. Apesar do nome, essas
propriedades, que chegaram até o nosso século, não tinham
preponderantemente funções agrárias; eram, antes, moradias desafogadas e
implantadas em meio a pomares e denso arvoredo. Uma forma de viver, nem
urbana nem rural, ou conciliadora de ambas. Até que chegou a ferrovia.
(TOLEDO, 1983. p. 13.).
São Paulo é uma cidade que teve, desde o seu início, um desenvolvimento muito
rápido por conta de sua localização geográfica que recebia grande fluxo de pessoas e isso
contribuiu para seu crescimento socioeconômico. De acordo com Toledo (1983), apesar de
melhoramentos realizados nas vias públicas, a herança arquitetônica da época colonial foi
quase inexistente porque muitos edifícios sofreram reformas que os tornaram praticamente
irreconhecíveis.
Como se pode observar em Toledo (1983), apesar de o centro da cidade ter sido
escolhido para moradia com o surgimento de sítios e chácaras, ele sempre se mostrou eclético,
pois todos queriam e/ou precisavam estar lá, para ir ao médico, cinema, teatro, etc.
Observa-se, então, que a cidade de São Paulo foi reconstruída várias vezes. Desde a
primeira construção dos jesuítas, na região do Pátio do Colégio, que marcou a sua fundação,
15
até os dias de hoje, a cidade passou por modificações, algumas necessárias, outras tantas por
questões políticas (CAMPOS JÚNIOR, 1996).
O centro histórico da cidade de São Paulo tem sido alvo da ação de diversos
planos de recuperação, por parte do poder público e da iniciativa privada.
Programas de revitalização e de requalificação se alternam constituindo
apenas uma variação semântica, pois, na prática, nota-se ausência de um
projeto permanente que valorize seu patrimônio histórico e cultural
(BASTOS, 2003).
Segundo Zmitrowicz (1996), por muitos anos, São Paulo de Piratininga foi uma cidade
pobre em que prevaleceu a arquitetura colonial, com casas térreas, de paredes grossas e
poucas janelas. O primeiro arquiteto paulista foi o padre Afonso Brás, que, em meados do
século XVI, ampliou o Colégio Jesuíta e ergueu habitações na vila. O grande problema na
época era a carência de materiais construtivos e de mão de obra especializada; a taipa de pilão
(barro socado entre duas pranchas de madeira) e o pau-a-pique (trama de paus preenchida
com argila) foram os principais métodos construtivos.
As casas, construídas de taipa muito sólida, são todas brancas e cobertas de
telhas côncavas; nenhuma delas apresenta grandeza e magnificência, mas
um grande número que, além de andar térreo, tem um segundo andar e
fazem-se notar pelo aspecto de alegria e de limpeza. Os telhados não
avançam desmesuradamente além das casas, mas têm bastante extensão para
dar sombra e garantir as paredes contra as chuvas (TOLEDO, 1983. p. 22).
Os séculos XVI e XVII foram marcados pela dominação de três ordens religiosas na
cidade: as dos beneditinos, as dos carmelitas e dos franciscanos, e dos seus respectivos
conventos, que ocupavam pontos estratégicos conhecidos como triângulo central, delimitado
pelas ruas São Bento, Direita e XV de Novembro. No interior da área desse triângulo é que se
desenvolvia a cidade, com suas outras igrejas, a Matriz da Sé, a de Santo Antônio e a dos
Jesuítas (SIMÕES JUNIOR, 2004).
A partir de 1765, o açúcar surgiu como produto de exportação importante, quando o
interior paulista começou a produzir quantidade suficiente para suprir o comércio externo.
Para o escoamento da produção açucareira do interior, era fundamental a existência de
caminhos entre o planalto e o litoral. Desta forma, a conservação das estradas passou a ter
uma importância maior. Por esse mesmo caminho chegavam também produtos vindos de fora
(MENDES, 2008).
No século XVIII, São Paulo passou à categoria de cidade, e as casas ganharam outro
andar e balcões. Com o advento da ferrovia, uma nova cidade foi erguida, pois o mesmo trem
que transportava o café ao porto de Santos trazia à capital: gradis, janelas, tesouras, assoalhos,
mármores, vitrais, entre outros materiais novos e prontos para serem usados.
16
Com o aquecimento da economia no local por meio do comércio do algodão, açúcar,
tabaco e café, a cidade sofre uma grande transformação urbana. Os engenheiros da época
queriam que no lugar da cidade modesta surgisse um grande centro urbano com ambientes
modernos e construção de ruas largas, pontes e estradas. (MENDES, 2008)
Entre os séculos XVII e XIX, o estilo barroco, com elementos curvos e retos, marcou a
arquitetura religiosa, como, por exemplo, o Mosteiro da Luz. A mudança da arquitetura pôde
ser percebida pelo cidadão da cidade de São Paulo e foi assim descrita no relato de Firmo de
Albuquerque Diniz, em 1828:
Em minha passagem de bonde por várias ruas da cidade, e de carro por
outras, notei desde logo a profunda diferença que ela apresenta em relação
ao tempo de minha residência aqui: o seu aspecto é, sem dúvida, bem outro.
Vi grande número de lojas de fazendas, de ferragens, armazéns de molhados,
armarinhos, casas de modas, de cabeleireiros, de chapeleiros, de pianos e de
outros instrumentos de música, ourivesarias, oficinas de alfaiates, de
sapateiros, hotéis, restaurantes, cafés, alogios (pequenos hotéis italianos),
confeitarias, fábricas de carros, depósitos de mobílias, marcenarias, e tantos
outros estabelecimentos, muitos deles embelezando as ruas com suas
vitrinas, exibindo objetos de bom gosto, de subido valor (DINIZ, 1978. p.
37).
Em meados do século XIX, apareceram as manifestações ecléticas, com uso de vários
materiais e estilos, entre eles: vidro, tijolo, telha plana, frontão, colunas e balaústres. Esse
período é marcado pela instalação da São Paulo Railway ou ―Companhia Inglesa‖, com o
objetivo de construir uma estrada de ferro unindo Santos a Jundiaí, o que iria alterar as bases
econômicas da província de São Paulo por conta do trinômio café-ferrovia-imigração.
Configuram-se assim, no espaço urbano de São Paulo, três pontos de extrema importância
constituídos por Estação da Luz, como conexão dos fazendeiros e também ponto dos
estrangeiros investidores; a Estação Sorocabana (depois Júlio Prestes), como ponto terminal
da ferrovia; e a Estação do Norte, que fazia a ligação São Paulo-Rio de Janeiro, onde
desembarcavam os viajantes provenientes da capital do país (SIMÕES JÚNIOR, 2004).
São Paulo estava deixando de ser uma cidade de tropeiros. Agora, o café
chegava a Santos mais rapidamente. A viagem da fazenda para a capital é
rápida e confortável. Será possível, sem grande transtorno, passar parte do
ano em São Paulo e, talvez por que não? - morar na capital. O trem que
desceu carregado de café pode, agora, subir com material de construção para
se fazer uma casa igual àquela vista em alguma capital europeia. É possível
morar com desafogo e conforto na capital. Como na sede da fazenda, como
na Europa (TOLEDO, 1983. p.78).
Desta forma, a expansão da economia impôs um ritmo de urbanização acelerado que a
cidade São Paulo nunca havia visto antes.
17
No início do século XX, São Paulo foi governada por representantes de camadas altas
da sociedade, o que influenciou na forma de organização dos seus espaços.
Os contínuos alargamentos e retificações viárias ocorridos nas gestões
Antônio Prado (1899-1911) e Raimundo Duprat (1911-1914) tinham como
objetivo maximizar a utilização do espaço das vias públicas para o
deslocamento de mercadorias e agentes de produção. Parte do casario velho
e feio do período colonial e imperial foi então desapropriado para dar
lugar a projetos de estilo arquitetônico bastante pretensioso. Os projetos e
construções públicas, principalmente, corporificavam os valores das
camadas hegemônicas: o Teatro Municipal, o Paço Municipal (não
construído), a Catedral, o Centro Cívico (jamais executado) e o parque do
Anhangabaú (CAMPOS JÚNIOR, 1996. p. 43).
Para Lemos (2001), a vida cotidiana paulista sofria influência de imigrantes o que era
percebido e aceito pela população local, com novidades como o uso de ternos escuros de
casimira inglesa, chapéu coco, cartolas e palhetas, parecendo europeus de espírito. Esse
quadro sofreu alterações por conta da Primeira Grande Guerra Mundial quando, por exemplo,
na arquitetura, durante este período, o ecletismo, com influência neorrenascentista, foi
esquecido. As novidades apareceram nos anos 1920, com reação aos estrangeirismos e que
puderam ser notadas na Semana de Arte Moderna de 1922 e nos movimentos antropofágico e
verde amarelo, entre outros.
Leis aprovadas naqueles anos passaram a estimular a construção de edifícios próximos
ao Teatro Municipal, e, em 1910, foi aprovada uma lei que permitia a construção de prédios
de 32 metros de altura na Rua Direita considerados símbolos de progresso.
No que se refere à transformação da cidade, a perspectiva da construção de
um centro urbano de porte, no lugar da cidadezinha modesta existente até
então, implicava a emergência de propósitos centralizadores e
expansionistas, amparados na modernização do ambiente material e
centrados na aglomeração paulistana. Tais intenções ganharam força no
último quartel do culo XIX e acabariam prevalecendo nas décadas
seguintes, sua afirmação foi custosa no início (CAMPOS, 2002. p. 40).
Esta pesquisa mostrará que, passados cem anos, o centro da cidade sofreu
transformações urbanísticas, vivenciando um período de deterioração e que, atualmente,
existe um movimento de revitalização para atribuição de valor ao centro por parte da
comunidade que o utiliza.
18
1.1 Panorama urbanístico do centro da cidade de São Paulo
A partir do século XX, acontece uma reformulação do panorama do centro da cidade,
refletindo uma mudança radical na identidade da capital.
Pode-se dizer que no início do século o centro da cidade de São Paulo que
englobava espaços como a Praça da Sé, Pátio do Colégio, Largo São
Francisco, Praça João Mendes, Largo da Memória, Largo de São Bento, ou
seja, toda a área desenvolvida em torno do Triângulo Histórico (formado
pela confluência das ruas Direita, XV de Novembro e Boa Vista) constituía
então ―local de consumo, comércio e negócios das elites‖. (FRÚGOLI
JÚNIOR, 2000. p. 53)
Passados alguns anos, com a construção de edifícios residenciais, o centro passa a
abrigar uma quantidade muito grande de pedestres e veículos. Tal panorama faz com que, na
gestão do prefeito Antônio Prado (1899-1910), ocorra uma intervenção no centro com
replanejamento urbanístico. Isto contribuiu para o desafogamento do triângulo histórico‖,
ampliando o Largo do Rosário (atual Praça Antônio Prado), além de ligar o ―triângulo
histórico‖ com o Pátio do Colégio e arborizar várias praças (como a da Luz e a da República),
reformar e alargar a Praça da Sé, criar a Praça do Patriarca e o Viaduto Santa Ifigênia, além
do projeto paisagístico entre o parque do Carmo e o Anhangabaú (FRÚGOLI JÚNIOR,
2001).
Na virada do século XIX para XX, o vale, situado entre a colina histórica e o
Morro do Chá, apresentava aspecto quase rural: por trás dos fundos
descuidados do casario baixo das ruas Líbero Badaró e Formosa, hortas e
capoeiras ocupavam as margens do canal aberto que continha o córrego
Anhangabaú, retificado por volta de 1890. Pairando acima do mato‖, a
estrutura metálica do Viaduto do Chá de Jules Martin. Nenhum edifício se
voltava para este espaço aberto, mas um fundo de vale ladeado de quintais,
edículas e casebres, como tantos outros em São Paulo (CAMPOS, 2002.
p.110).
Em 1906, o então vereador Silva Teles apresenta à Câmara Municipal um projeto de
grande importância para o melhoramento da área central da cidade. Seu plano de intervenção
se estende do vale do Anhangabaú e Rua Líbero Badaró, incluindo um tratamento
paisagístico, à região do fundo do vale, passando assim a ser caracterizado como o ―Jardim da
Frente‖ e interligando o centro velho ao centro novo. É importante ressaltar que a proposta do
vereador Silva Teles continha elementos importantes, tais como: a transformação do vale em
um parque ajardinado; o alargamento da Rua Líbero Badaró; a obrigatoriedade de fazer com
que as casas que se construíssem na face ímpar da Rua Líbero Badaró tivessem uma segunda
frente voltada para esse vale (SIMÕES JÚNIOR, 2004).
19
Percebe-se que o vale do Anhangabaú, juntamente com a várzea do Carmo, definiu o
entorno espacial e visual do centro da cidade, sendo ambos extremamente importantes no
processo de remodelação da capital.
Nas primeiras décadas do século iniciou-se a discussão de um extenso
programa de remodelação da área central. Um grupo de cidadãos propôs-se a
realizar um plano de reurbanização do vale do Anhangabaú. Foram
oferecidos dois projetos alternativos. Na administração do Barão de Duprat
(1991-1914), a prefeitura resolveu convidar o arquiteto Bouvard a opinar
sobre as prioridades. Bouvard foi mais longe, elaborando por sua vez outro
esquema. Ao final, foi executado um projeto que reunia contribuições das
diversas propostas apresentadas sob a orientação de Bouvard. O
ajardinamento é de Bouvard e Cochet. Os palacetes marcaram, então, a
fisionomia da cidade. O conjunto apresentava admirável harmonia
(TOLEDO, 1983. p.112).
Com a construção do Parque do Anhangabaú e do Viaduto do Chá, a travessia entre os
dois centros velho e novo permitiram a ligação entre as partes mais valorizadas da cidade, o
que definiu algumas rotas que determinaram investimentos públicos urbanos.
A valorizão do vale do Anhangabaú teve início durante a construção do Teatro
Municipal, considerada a construção mais importante de todo o estado de São Paulo,
aumentando a importância do vale e criando assim as condições para o surgimento de um
projeto de melhoramento para toda a região. Nos anos 1910, o Anhangabaú se transformaria
no lugar mais importante de cidade (SIMÕES JÚNIOR, 2004).
Segundo Frúgoli Júnior (2000), o poder público sempre teve planos para uma
reurbanização da cidade e, em 1911, foi criado um concurso que teve por objeto um ―Plano de
Avenidas‖, para solucionar o congestionamento existente num centro pequeno e que
necessitava de alargamento de ruas, e um plano de expansão no vale do Anhangabaú.
Enquanto a iniciativa privada se preocupava com o crescimento e desenvolvimento dos
subúrbios, por meio da construção de ferrovias, os arquitetos e engenheiros travavam longos
debates sobre o centro.
O esquema teórico da figura mostra os anéis viários e vias radiais, cuja
função seria desempenhada pelas vias preconizadas pelo Plano de Avenidas
de 1930. Observe-se a pretendida recolocação das estradas de ferro para a
margem norte do rio Tietê, os três anéis viários completos em volta do
centro (perímetro de radiação‖, ―bouvelards exteriores e circuitos de
parkways‖) e os circuitos parciais secundários, completando a malha
(ZMITROWICZ, 1996. p. 30).
20
Figura 1 Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia, 1935
Fonte: http://www.respirasaopaulo.com.br/MAPA%20PLANO%20DE%20AVENIDAS.JPG
Em 1929, Prestes Maia, arquiteto, apresentou o ―Plano de Avenidas‖ que
contemplava, basicamente, duas propostas: adequação da estrutura viária da cidade e
sugestões de uma nova cenografia urbana, ou seja, mais estética (figura 1). Foi considerado,
em relação aos planos propostos anteriormente, o mais abrangente, pois enfrentava os
problemas paulistanos com uma visão global. Apesar disso, todos os planos consideravam que
seria inevitável o crescimento populacional das cidades, e que, portanto, deveriam ser
consideradas adaptações frequentes do sistema viário aos meios de transporte público e
individual.
Prestes Maia, como prefeito de São Paulo, de 1938 a 1945, ―imprimiu nas fachadas‖
dos edifícios colunas, pilastras e cúpulas, além da influência europeia de parques, praças e
21
avenidas amplas e com monumentos comemorativos, construídos em sua administração para
conquistar a sociedade burguesa da época. Com isso, coloca em prática o plano idealizado por
ele mesmo, em 1929, através de uma parceria financeira com o governo estadual, visando a
uma intervenção urbanística que influiu em boa parte da configuração urbana de São Paulo,
com reflexo até os dias de hoje.
As posições muito sintéticas até aqui expostas evidenciam, quanto à gestão
Prestes Maia, os primórdios de um crescimento metropolitano e, ao mesmo
tempo, a reafirmação da importância do centro, que, nesse período, além de
expandir-se efetivamente do triângulo para além do Anhangabaú, passou a
ser ponto nodal do complexo sistema viário da cidade (FRÚGOLI JÚNIOR,
2000. p. 55).
Na época de Prestes Maia, o problema dos sistemas de transporte coletivo ganhava
destaque, fazendo com que a solução das questões urbanas passasse por uma reforma viária
como elemento da transformação urbanística, incluindo reformas em alguns viadutos do
centro da cidade. Um deles foi o Viaduto do Chá.
O primeiro Viaduto do Chá foi construído para ligar a Praça do Patriarca com a Praça
da República, por isso, entre elas se abriu, como continuação do futuro viaduto, a rua que hoje
se denomina Barão de Itapetininga, em homenagem ao dono daquelas terras. Em 1938, foi
inaugurado o novo Viaduto do Chá, com desenho art déco, tornando-se ponto de referência da
região, que foi reconstruído para a travessia de bondes elétricos, e por isso foram substituídas
as tábuas de madeira dos passeios laterais e a malha viária por concreto para suportar o peso.
A Rua Barão de Itapetininga vai aos poucos atraindo o comércio mais
elegante. Em 1937 fora aberta a Rua Marconi com edifícios destinados
principalmente a escritórios médicos. Em 1939, as lojas Mappin, até então
no outro extremo do Viaduto do Chá, na Praça do Patriarca, fazem a
travessia do Anhangabaú, alojando-se na Praça Ramos de Azevedo, em
frente ao Teatro Municipal (OLIVEIRA; COSTA, 1996. p. 110).
As fotografias de 1 a 5 representam o Viaduto do Chá em diferentes épocas. A
fotografia 1 retrata o viaduto durante as obras de reestruturação de seu leito para trânsito de
bondes elétricos. A fotografia 2 tem ao fundo o Teatro Municipal e o Hotel Esplanada. A
fotografia 3, de 1930, mostra o Viaduto do Chá e seu entorno, com um grande edifício,
chamado Alexandre Mackenzie, sede da Light. Nesta época, o fotógrafo se dedicava aos
registros dos cartões-postais da cidade. A fotografia 4 mostra também o vale do Anhangabaú,
o prédio da Light e o edifício João Brícola (ex-Mappin). A fotografia 5 tem ao fundo o
Viaduto Santa Ifigênia, o edifício à direita é o Conde Prates, erguido no local de um dos
palacetes Prates.
22
Fotografia 1: Viaduto do Chá em 1902 Fotografia 2: Viaduto do Chá em 1923
Fonte: Marc Ferrez (IMS, 2004) Fonte: Autor desconhecido (IMS, 2004)
Fotografia 3: Viaduto do Chá em 1930 Fotografia 4: Viaduto do Chá em 1940
Fonte: Gustavo Prugner (IMS, 2004) Fonte: Pierre Verger (1940)
Fotografia 5: Viaduto do Chá em 1962
Fonte: Domingos de Miranda Ribeiro (IMS, 2004)
23
Próximo ao Viaduto do Chá encontra-se o Teatro Municipal. Segundo Oliveira e Costa
(1996), o Municipal foi levantado em um terreno onde se plantava chá e a obra foi
comandada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, que mais tarde daria nome à praça em frente
ao teatro. Seu edifício é uma réplica do Ópera de Paris e sua arquitetura exterior tem traços
renascentistas barrocos do século XVII.
O edifício Martinelli também merece destaque, pois, em 1929, era o edifício mais alto
da cidade de São Paulo, com 105 metros de altura e estilo francês (Fotografia 6). Nesta época,
as leis aprovavam a construção de edifícios de muitos andares, pois constituíam evidentes
símbolos de progresso e, 12 anos depois, era inaugurado o prédio do Banco do Estado de São
Paulo, com estilo norte-americano, inspirado no Empire State Building de Nova Iorque, mais
alto que o Martinelli. Ao criar um ambiente mais sofisticado, a cidade impedia que as pessoas
de baixa condição socioeconômica aproveitassem os seus espaços. Desta forma, começou a
surgir uma cidade embelezada e valorizada, sem pobres circulando pela área central, pronta
para ser comparada a grandes cidades do exterior e aberta à visitação de estrangeiros
(FRÚGOLI JÚNIOR, 2000).
Fotografia 6: Edifício Martinelli (à direita) e Banco do Estado de São Paulo (à esquerda)
Fonte: Pierre Verger (1940)
Entre 1940 e 1955, as indústrias da cidade aumentaram muito a sua produção. Como
era período de guerra, por conta dos conflitos, havia a dificuldade de envio de mercadorias,
24
abrindo espaço para a indústria nacional. Em São Paulo, além das indústrias, que se
concentravam nos bairros do Brás, Mooca e Bom Retiro, foram construídos prédios com
escritórios no centro da cidade (FRÚGOLI JÚNIOR, 2000).
O prefeito Prestes Maia sofreu uma grande influência da arquitetura e urbanismo
clássicos, de forma a querer difundir o classicismo entre a população da cidade, com o uso de
estátuas e esculturas em edifícios públicos, ao que se infere um caráter pedagógico. Mas, em
1950, ocorre um tipo de urbanismo que não valorizava mais o espaço urbano através de
projetos embelezadores, e sim, somente o planejamento urbano (CAMPOS JÚNIOR, 1996).
1.2 Panorama atual
A partir da década de 1960, a cidade viveu mudanças com relação a sua característica
visual urbana, com o adensamento da ocupação urbana e a verticalização. Esta última foi
favorecida pela tecnologia do concreto e elevadores, que ampliaram, assim, a forma de
utilização urbana e transformaram um centro primitivo em um território com uma nova
relação da função e seus lugares, como, por exemplo, a instalação de escritórios, comércio e
serviços.
São Paulo adquire linhas modernas em seu estilo e forma, e o centro se
verticaliza, com os prédios do Estado, além de tantos outros, das instituições
financeiras. Nesta época, a população ultrapassa os dois milhões de pessoas,
e os parques propostos por Bouvard são substituídos por vias expressas
(CÉSAR, 2007. p. 213).
A partir dos anos 1960, o governo federal intervém nos grandes centros, sobretudo a
partir do Plano Urbanístico Básico do Município de São Paulo (1968). Na gestão do prefeito
Faria Lima, iniciou-se a construção do metrô, do complexo viário D. Pedro II, do Museu de
Arte de São Paulo (Masp) e a Catedral da Sé foi finalizada.
Criadas em um contexto político autoritário, algumas obras resultaram em espaços
degradados, como a Avenida São João, com a construção do Elevado Costa e Silva, popular
―Minhocão‖, que corta a cidade da zona leste à zona oeste, e atinge numerosos prédios
residenciais com automóveis transitando muito próximos a suas janelas (FRÚGOLI JÚNIOR,
2000). Mas, nesta reformulação urbana da cidade, é criada a lei n. 8.328, de 1975, que
objetivou a conservação e proteção de imóveis e logradouros considerados de grande
importância para a preservação da memória e cultura da cidade de São Paulo. Com a nova lei,
o centro da cidade sofreu menos alterações urbanísticas e demolições de edifícios importantes
25
para a memória da cidade e de seus moradores, como será mostrado no capítulo 3, com os
registros fotográficos dos entrevistados, que mostram locais que eles frequentavam em outra
época.
A partir da década de 1970, a cidade também passou a receber um grande número de
migrantes nordestinos que ocuparam de forma crescente as áreas centrais, praticando
atividades informais para sua sobrevivência como camelôs, prostitutas, engraxates,
artistas de rua, entre muitos outros. Isso demonstra uma diversidade cultural no uso dos
espaços do centro, o que dificulta a sua reconstrução, uma vez que membros das classes
média e alta que trabalham nas empresas e escritórios cruzam com as pessoas das classes
populares que trabalham e moram na mesma região.
O processo de crescente popularização do centro, a partir de meados dos
anos 1960, foi concomitante ao início da evasão de empresas e bancos para
outros subcentros, à deterioração de parte de seus equipamentos urbanos e ao
declínio de seu valor imobiliário (FRÚGOLI JÚNIOR, 2000. p. 61).
Pode parecer que a degradação do centro ocorra por influência das classes populares,
mas observa-se que, na verdade, é resultado de decisões do poder público, tais como,
autorizar a construção de viadutos e prédios que interferem no fluxo da cidade, criando uma
linha de separação imaginária. Para Raffestin (1993), a conceituação de território assume
diversas formas de poder, nas quais ele considera que uma rede pode ser abstrata ou concreta,
visível ou invisível. São as redes que asseguram o controle do e no espaço geográfico através
da circulação material e de informações. As redes, nessa perspectiva, dão ao sistema territorial
status de produto e meio de produção, além de condição das determinações históricas do
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os homens experimentam o produto territorial por
intermédio de suas atividades diárias, nas quais existem interações entre os atores em suas
relações cotidianas. São inevitáveis as relações de poder porque em um território possuímos
os atores e os ―diretores‖. Por conta da divisão social, existem diferentes formas de
apropriação do espaço, ou seja, configuram diferentes arranjos territoriais.
Nesta perspectiva, a malha urbana não suportou o trânsito que a modernidade trouxe e
o poder público não adotou nenhuma política urbana que melhorasse essa situação, como
novas leis de uso e ocupação do solo; códigos de obras não foram adequados, assim como
planos diretores não se preocuparam com as reais necessidades sociais. Além disso, a
iniciativa privada, que sempre visou ao lucro, foi buscar novas frentes, transferindo seus
investimentos para outros polos corporativos, como a região da Avenida Paulista e do
Brooklin.
26
Em meados da década de 1970 foi dado xeque-mate, com a criação
desmesurada de ruas de pedestres. Com a mania brasileira de tudo copiar,
sem avaliar as condições locais, ignorando até os erros cometidos pelo
modelo alemão no qual se inspirou, o novo projeto fez o tiro sair pela
culatra. Foi assim que várias corporações que ocupavam edifícios inteiros
foram abandonando o centro: a Rua Sete de Abril abrigava os Diários
Associados, o Ibope e o velho Masp. A Rua Barão de Itapetininga
concentrava construtoras, grandes escritórios de engenharia, a Acrópole,
além de elegantes casas no estilo madame Rosita, Los Angeles de Esportes e
Banco de Boston. Na Rua Líbero Badaró predominavam sedes de indústrias
químicas como Rhodia e Sanbra. A Rua Major Quedinho sediava redação e
gráfica do jornal O Estado de São Paulo. A Praça Antônio Prado abrigava o
The First National City Bank... Os mais ricos, impedidos de ir ao centro com
seus carros, e nunca dispondo de ônibus de qualidade, fizeram com que os
bancos, comércios e serviços mais caros fugissem para a Paulista.
Essa evasão de corporações (pessoas jurídicas) que ocupavam o centro foi
substituída por pessoas físicas, isto é, pequenos escritórios de advogados,
despachantes, prestadores de serviço, pequenas representações etc. como
hoje se vê (YÁZIGI, 2006. p. 55).
Também para Yázigi (2006), em meados do século XX, a deterioração urbana do
centro da cidade estimulou a saída da classe alta em busca de bairros nobres com melhor
condição social. A região da Avenida Paulista ganhou destaque nos anos 1970, sendo um
importante subcentro da metrópole e utilizado de várias formas por elites e grupos de alto
poder aquisitivo.
Por outro lado, apesar do processo de declínio do centro, ele se manteve dinâmico do
ponto de vista econômico, por possuir diversidade sociocultural, farta infraestrutura,
disponibilidade de transporte público, bom índice de emprego na área do comércio varejista,
além da grande presença da população de rua. No início dos anos 1990, a permanência da
Bolsa de Valores de São Paulo e da Bolsa de Mercadorias & Futuros representou um marco
na reversão da evasão das empresas do centro.
Segundo Frúgoli nior (2001), a Associação Viva o Centro (criada em 1991) passou a
assumir o papel de mediadora nos interesses do poder público, privado e da população nas
ações de revitalização do centro. A primeira relação foi estabelecida na gestão Luiza Erundina
(1989-1992), em que houve contatos iniciais considerados satisfatórios, que tal gestão
possuía alguns projetos para a área, tais como a ida da sede do governo municipal para o
Parque D. Pedro II. Para Yázigi (2006), a prefeita Luiza Erundina, em 1992, iniciou a
renovação do vale do Anhangabaú: uma grande praça sob a qual circulam os carros e onde as
enchentes se repetem. Após as reformas, o vale era utilizado para shows musicais e
manifestações públicas que foram proibidos ainda durante o seu mandato.
27
Para Frúgoli Júnior (2001), a gestão de Paulo Maluf (1993-1996) foi, claramente,
dirigida para outras áreas da cidade, como a construção da Nova Faria Lima. Somente no final
de sua gestão apoiou e patrocinou um concurso para a revitalizão do centro, mas que
acabou atrapalhando um processo iniciado pelo projeto Viva o Centro, em que uma
consultoria contratada havia planejado grandes mudanças na área central da cidade de São
Paulo. O projeto vencedor propunha uma grande intervenção do ponto de vista viário, mas a
prefeitura decidiu pela adoção de partes de outras propostas, também premiadas, o que
levantou sérias dúvidas quanto à legitimidade dos critérios usados. Já a gestão de Celso Pitta
(1997-2000) foi marcada pela inoperância, corrupção e ilegitimidade, que beneficiou a aliança
do capital especulativo com a gestão municipal.
Segundo Yázigi (2006), Martha Suplicy (2001-2004), desde sua eleição, oficializou
uma política urbana para as regiões da Sé, República e bairros centrais, tais como: Bom
Retiro, Pari e Brás. A administração atual de Gilberto Kassab (2006-2010) foi considerada no
seu início, pela população, como a instauração de um processo de enobrecimento e de
higienização social, em virtude da expulsão da população pobre e/ou de rua do centro. Em
2010, a prefeitura lançou o ―Programa de Habitação e Requalificação do Centro Renova
Centro, e desapropriou 53 edifícios abandonados para a construção de 2.500 habitações
populares.
O quadro 1 reúne algumas melhorias realizadas no centro da cidade de o Paulo e as
respectivas gestões em que aconteceram. Nota-se que, durante a gestão de Olavo Setúbal
(1975-1979), foi adotado um Plano de Revitalização do Centro, com ampliação das ruas de
uso exclusivo para pedestres, além de restaurações, tais como o edifício Martinelli, Viaduto
Santa Ifigênia e Pátio do Colégio. Na gestão seguinte, de Reinaldo de Barros (1979-1982), a
principal medida para revitalizar o centro foi o concurso para a remodelação do vale do
Anhangabaú. Na gestão de Mário Covas (1983-1985), a prioridade de investimentos foi na
periferia urbana, o que ocasionou a interrupção de obras na área central. A gestão de Jânio
Quadros (1986-1988), com relação ao centro, destacou a retomada do projeto Anhangabaú. A
gestão seguinte, de Luiza Erundina (1989-1992), foi marcada pela mudança da sede da
prefeitura para o Palácio das Indústrias, limpeza urbana e restauração de edifícios históricos.
Paulo Maluf (1993-1996) se preocupou com a expansão da periferia da cidade e linhas de
metrô, dando pouca importância à área central, apesar de construir a passagem Tom Jobim.
Celso Pitta (1997-2000) teve uma gestão conturbada e apresentou somente um projeto na área
de transportes (Fura-fila), parcialmente finalizado durante seu mandato. Marta Suplicy (2001-
-2004) transferiu a sede da prefeitura de São Paulo para o edifício Matarazzo, localizado
28
próximo ao Viaduto do Chá, e suas melhorias foram a criação do bilhete único (transporte) e
os Centros Educacionais Unificados (CEU). Gilberto Kassab (2006-2010) promoveu a
transformação do espaço urbano central, por meio da higienização social para a valorizão
imobiliária, criou o Museu da Língua Portuguesa e a Sala São Paulo.
PREFEITO
PROJETOS
Olavo Setúbal (1975-1979)
Inventário geral das edificações de valor histórico, arquitetônico e cultural
para posterior tombamento. Plano de revitalização do centro.
Reinaldo de Barros (1979-
1982)
Proposta de substituir o grande eixo viário norte-sul que dividiu o vale do
Anhangabaú ao meio, com a construção de uma passagem subterrânea e uma
enorme praça de lazer.
Mário Covas (1983-1985)
Parte do princípio que o centro está pronto e investe mais nas periferias.
Proposta de mudança da sede da prefeitura para o Palácio das Indústrias
(Parque D. Pedro II).
Jânio Quadros (1986-1988)
Retomada do projeto Anhangabaú, com a construção da passagem
subterrânea sob o vale, sentido norte-sul.
Luiza Erundina (1989-1992)
Mudança da sede da prefeitura para o Palácio das Indústrias, limpeza da
paisagem urbana, restauração dos edifícios de valor histórico: Teatro
Municipal, Biblioteca rio de Andrade, edifício dos Correios e igreja São
Bento.
Paulo Maluf (1993-1996)
Preocupação com a expansão da periferia da cidade, do metrô e a construção
da passagem Tom Jobim no centro.
Celso Pitta (1997-2000)
Apresentou projeto na área de transportes (Fura-fila), parcialmente finalizado
depois de sua gestão.
Marta Suplicy (2001-2004)
Mudança da sede da prefeitura de São Paulo do Palácio das Indústrias no
Parque D. Pedro II para o edifício Matarazzo, no Viaduto do Chá.
Criação do bilhete único e dos Centros Educacionais Unificados (CEU).
Gilberto Kassab (2006-2010)
Unificação do bilhete único com o metrô, criação do Museu da Língua
Portuguesa; criação da Sala São Paulo; processo de ―enobrecimento‖ urbano
e de higienismo social da região do centro; Programa de Habitação e
Requalificação do Centro Renova Centro.
Quadro 1: Caracterização dos principais projetos e gestões públicas
Fonte: Elaborado pela autora, a partir dos dados contidos em Frúgoli Júnior (2000) e Yázigi (2006)
As gestões de 1989 a 2000 coincidem com a criação e atuação da Associação Viva o
Centro Sociedade Pró-Revalorização do Centro de São Paulo, que incentiva a volta das
empresas para o centro da cidade, evitando a deterioração de vários equipamentos urbanos e,
neste sentido, contando também com intervenções do poder público na forma de propostas
articuladas para o centro, favorecendo o comércio imobiliário.
Dessa forma, tivemos na gestão petista um conjunto de propostas para a área
central realizadas em maior ou menor número, e legitimadas, como vimos,
porque essa área representa importante espaço de trabalhadores durante o
dia, ainda que o centro não tenha constituído uma área propriamente
prioritária naquela gestão. Concluindo, o centro situa-se num quadro geral
marcado pela expansão de outras centralidades, a fuga de empresas e a
deterioração de vários equipamentos urbanos, sendo um espaço de ocupação
interclasses com o predomínio de diversos usos pelas classes populares ,
29
dispondo ainda de um razoável dinamismo econômico com a geração de
empregos , além de contar com seguidas intervenções do poder público nas
últimas décadas, incapazes de reverter o processo mais amplo de
deterioração, mas que de toda forma vêm dotando essa área de uma razoável
infraestrutura urbana. Foi no início dos anos 1990, sob uma gestão municipal
que procurou realizar um conjunto específico de propostas articuladas para o
centro, buscando contemplar seu caráter popular e de massa, ainda que tal
área fosse prioritária, que surgiu a Associação Viva o Centro (FRÚGOLI
JÚNIOR, 2000, p. 65).
Portanto, observa-se que a Associação Viva o Centro, desde que foi criada, assumiu
um importante papel de mediadora, pressionando a administração do investimento do poder
público e da iniciativa privada, em busca de soluções para deter o movimento de deterioração
do centro e sem perder a sua identidade.
Uma cidade então, do ponto de vista da construção imaginária do que
representa, deve responder, ao menos, por condições físicas naturais e físicas
construídas; por alguns usos sociais; por algumas modalidades de expressão;
por um tipo especial de cidadãos em relação com os de outros contextos,
nacionais, continentais ou internacionais; uma cidade faz uma mentalidade
urbana que lhe é própria (SILVA, 2001. p. 25).
A percepção dos espaços é diferente de uma pessoa para a outra. Apesar de todas as
melhorias realizadas para o embelezamento do centro ou para torná-lo hospitaleiro, não se
pode qualificá-lo, pois não olhamos somente como expectadores, mas sim como cidadãos, que
irão interagir de formas diferentes com este ambiente, e, portanto, perceber a hospitalidade de
maneiras diferentes. O centro de São Paulo atualmente não é alterado em suas formas
arquitetônicas. Mas a alteração ocorre através dos novos usos dos espaços, com o resgate ou
não da sua história.
30
CAPÍTULO 2 - ARQUITETURA E HOSPITALIDADE
Este capítulo, em consonância com o objetivo geral desta pesquisa, apresenta o
referencial teórico e metodológico utilizado para o seu desenvolvimento. Alguns autores
trabalham na construção da hospitalidade, na apreensão de imagens e representações dos
equipamentos arquitetônicos, tais como: Bosi (1994), Lynch (1982) e Dencker (2007), porém,
ao se observarem os espaços arquitetônicos da cidade de São Paulo, em termos de arquitetura
e hospitalidade, nota-se a necessidade da proposta de uma nova interpretação, e por isso a
busca de conteúdo que venha a contribuir com esta inovação, ou seja, um novo olhar sobre a
arquitetura do centro, sob a óptica da hospitalidade.
O perímetro de análise da área do centro da cidade de São Paulo foi definido a partir
do vale do Anhangabaú, tendo como extensão máxima as praças da e da República e com
o objetivo de, com a observação de imagens resultantes da visita dos moradores, apreender a
compreensão do significado da percepção urbana.
Segundo Ferrara (1993), a percepção urbana é uma prática cultural que permite a
compreensão física dos espaços urbanos. A utilização e a visão criam as imagens da cidade
que se sobrepõem ao projeto arquitetônico e estabelecem uma relação de qualificação e
reconhecimento dos seus espaços constitutivos, cuja natureza pode ser qualificada para que
possam ser considerados heterogêneos e legíveis. Desta forma, a percepção do indivíduo
sobre o espaço que o cerca, pode ser interpretada de diferentes formas.
Estudar a cidade é ir além de constatações obvias sobre o real que se
manifesta no urbanismo; é considerar outras importantes variáveis que dão
referências e valores ao espaço urbano, seu caráter hospitaleiro ou não, a
partir de sua referência visual, de sua história, onde a compreensão de
patrimônio deixou de corresponder apenas à qualidade estética do bem em
si, ampliando-se o conceito ao cotidiano da vida, no exercício da cultura e do
desenvolvimento socioeconômico das comunidades urbanas, responsável
pela sua identidade e sua qualidade (GRINOVER, 2006. p. 33).
A teoria da gestalt, uma das mais importantes da psicologia, desenvolvida no início
do século XX, procurou explicar como os processos perceptivos levavam os indivíduos a
interpretar as formas e dar-lhes um significado e um sentido. Leis estudadas por teóricos dessa
corrente determinariam, por exemplo, a possibilidade da compreensão de formas complexas,
decodificadas nas suas formas mais simples e registradas na mente, ou, ainda, levariam o
indivíduo a perceber um círculo, mesmo que ele esteja com o traçado incompleto algumas
31
partes, apenas, de uma linha circular levariam à percepção de um todo, cuja forma já existe no
pensamento (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2005).
Assim, gostar de uma cor, de uma paisagem, ou de uma pessoa, em um primeiro
momento, é possível porque a percepção traz sensações e emoções determinadas pelo que as
imagens, os sons, a textura evocaram na memória.
O local de residência, a paisagem envolvente, as cores, os sons e os cheiros
das ruas ou do bairro, as narrativas da nossa gente, as tradições e os
hábitos da nossa comunidade funcionam como nutrientes preciosos do
caldo de humanidade que fecunda a singularidade subjetiva e faz a
identidade dos lugares (BAPTISTA, 2008, p. 14).
A partir desse conteúdo cognitivo e emocional, o indivíduo segue na sua relação com
o meio, reconstruindo, a partir de novas impressões e novos sentimentos. Ecléa Bosi (1994),
apresentando relatos de pessoas idosas, discute a questão da memória, não apenas como
registros físicos, mas, sim, como registros perceptivos, com conotão e sentido, e sua
importância na construção do mundo social e cultural no próprio indivíduo.
Por mais tida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a
mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os
mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas
ideias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o
passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro,
e propõe a sua diferença entre termos de ponto de vista (BOSI, 1994. p. 55).
Portanto, existem aqui duas formas de observar a relação imagem e indivíduo; a
primeira é que, conforme vamos envelhecendo, nossa percepção se modifica, por conta das
nossas novas experiências, apesar das lembranças de quando éramos mais jovens. A segunda
é que a paisagem urbana não é fixa e, na medida em que se passa a observá-la novamente, ela
pode se conflitar com a lembrança que tínhamos dela. Percebemos edificações que não foram
notadas num primeiro momento.
O objeto arquitetônico tem, como valores simbólicos, os estilos elaborados
por uma sociedade, em seu respectivo espaço social. Envolvido, engendrado
no espaço arquitetônico, impondo suas técnicas, definindo seus partidos,
suas funções, atuando e envolvendo os processos que desenvolvem as
tendências edificáveis de transformar, reconstruir e estabelecer uma
articulação que alimenta as necessidades da sociedade e que justificam o seu
próprio papel (CÉSAR, 2007, p.99).
No capítulo 1, foi mostrado que o centro da cidade de São Paulo possui como
característica principal da sua arquitetura o ecletismo, nem sempre observado ou apreciado
pela maioria das pessoas, pois desconhecem que ela sofreu grande influência da arquitetura e
do urbanismo neoclássicos que perduraram no Brasil por quase um século. Segundo Lemos
32
(1999), somente no século XIX é que começaram os projetos de edificações com esse estilo
europeu na cidade de São Paulo, tendo como maior representante o arquiteto Ramos de
Azevedo. Infelizmente, essa arquitetura também não foi valorizada como patrimônio
histórico, e muitas edificações desapareceram, embora correspondam a um período de
crescimento econômico-social e espacial do centro. Precisa-se, então, buscar a compreensão
do símbolo urbano, usando a imagem do centro como a construção social de uma lembrança,
já que esse estudo trata de experiências que surgem da própria vida social do indivíduo.
O espaço é uma categoria mutável na história do tempo. No entanto, é
possível pensá-la deslocando-a através de espaços que se organizaram de
múltiplas maneiras, mas construíram representações que os indicam
enquanto espaços de história: assim é possível falar em história da cidade
antiga, em tempo de catedrais, história do espaço privado, etc. O espaço se
concretiza no tempo, mas através das formas que nele surgem (FERRARA,
2002. p.118).
Neste contexto, a identidade dos espaços não está concentrada apenas no aspecto
material, mas, sim, nas relações que se desenvolvem nestes espaços, na partilha das coisas e
que adquirem valor e sentido, afinal os espaços pertencem aos indivíduos que criam suas
raízes. Para Godbout (1999, p.16), ―a dádiva serve antes de mais nada para estabelecer
relações‖. E esses lugares são constituídos de cenários em que nossas lembranças se situam,
em que nossas experiências se tornam uma realidade e possibilitam a criação do nosso
significado com relação ao espaço. Também para Baptista (2008, p.15), ―a um nível essencial,
mais do que a posse, é a dádiva o que verdadeiramente define a relação interpessoal enquanto
experiência de hospitalidade‖. Percebe-se, então, que os espaços, por meio de sua
representação simbólica, fazem com que o observador tenha uma lembrança, e esta lembrança
fará com que aconteçam as experiências de hospitalidade e permitam a relação interpessoal
entre o observador e o espaço.
Para Raffestin (2008), algumas cidades oferecem informações em que até mesmo um
estrangeiro consegue se localizar sem dificuldade, pois são cidades que buscam se identificar
e serem identificadas. Para o autor, a hospitalidade geral da cidade passa pelo urbanismo, ou
seja, pelo arranjo geral das paisagens urbanas e pela organização dos lugares públicos. Ao se
dar importância ao acolhimento da exterioridade e da alteridade sempre mediatizado, o que
está na raiz da hospitalidade na cidade é o face a face, o observar, o se sentir acolhido, o
reconhecer na cidade o belo, o diferente, aquilo que era conhecido e que mudou.
A cidade foi, de fato, a formação e o estabelecimento de novas
descontinuidades espaciais temporais e culturais resultante de uma
ecogênese humana instauradora de uma complexidade trazida pelas
33
mutações políticas, econômicas e sociais que condicionaram uma
territorialidade original que é lícito/possível definir como um conjunto das
relações que uma sociedade mantém, não com ela mesma, mas também
com a exterioridade e a alteridade com o auxílio de mediadores para
satisfazer suas necessidades na perspectiva de adquirir maior autonomia
possível, tendo em conta os recursos do sistema (RAFFESTIN, 2008. p. 10).
As cidades possuem, além dos elementos físicos, história, memória e cultura. Somam-
-se a isso, as leis, diferenças sociais e econômicas, que as definem. A complexidade é que as
cidades não são somente territórios, são também os locais onde as pessoas se encontram, onde
habitam, trabalham, passeiam e vivem suas existências. Neste contexto, uma cidade pode ser
mais agradável a uma pessoa e menos a outra, por conta do primeiro momento em que a
pessoa vê a cidade ou talvez das lembranças que possuía daquele lugar ou das pessoas que ali
viveram, e reconhece nisso uma história. A hospitalidade urbana pode vir da lembrança do
indivíduo.
Todavia, a hospitalidade urbana pode ser considerada como resultado da diversidade
cultural que os espaços e serviços urbanos oferecem para o convívio das pessoas que os
habitem. Segundo Matheus (2002), o espaço urbano é difícil de ser mensurado, mas a
combinação de determinadas características gerais como segurança, mobilidade, lazer, cultura
exprime o espaço urbano não somente como um lugar de produção, mas, sim, como um
espaço de sociabilidade onde, de certa maneira, frui a hospitalidade. Desta forma, o design
urbano irá influenciar na percepção do espaço como instrumento da hospitalidade. Segundo
Grinover (2007), a cidade é lugar de comunicação urbana que é interpretado do ponto de
vista antropológico, porque formas e modelos culturais constituem as diferenças existentes e
são estendidos ao modo de pensar, de sentir e de agir.
Lynch (1999), ao propor um método para um design urbano, trata de qualidades da
forma que deveriam ser consideradas pelo designer em seu projeto, levando a uma imagem
legível e clara das cidades para seus habitantes, facilitando sua orientação no espaço por meio
das paisagens urbanas e seus espaços arquitetônicos, além de organizar os elementos desses
espaços de forma a permitir um sistema de referências, um organizador da atividade, da
crença ou do conhecimento‖ (LYNCH, 1999. p. 5). Esse autor deixa clara sua certeza quanto
ao ―uso e organização consistentes de indicadores sensoriais inequívocos a partir do ambiente
externo‖, que seriam fundamentais para a sobrevivência e para a liberdade de movimentos do
indivíduo, bem como para a hospitalidade. Ele escreve:
No processo de orientação (dos indivíduos no ambiente), o elo estratégico é
a imagem ambiental, o quadro mental generalizado do mundo físico exterior
de que cada indivíduo é portador. Essa imagem é produto tanto da sensação
34
imediata quanto da lembrança das experiências passadas, e seu uso se presta
a interpretar as informações e orientar a ação. A necessidade de padronizar
nosso ambiente é tão crucial e tem raízes tão profundamente arraigadas no
passado que essa imagem é de enorme importância prática e emocional para
o indivíduo (LYNCH, 1999, p. 4).
A procura por um ambiente acolhedor poderia ser orientada pela necessidade de
encontrar determinados padrões nos meios de satisfação das necessidades humanas. Um
exemplo claro é a escolha de um tipo de loja para realizar uma compra, na qual o ambiente é
muitas vezes determinante, antes mesmo que a compra de uma roupa ou sapato seja possível.
Vários outros exemplos de espaços podem ser adotados, como também as praças, que
sempre tiveram como característica promover o encontro das pessoas, até por facilitar a
circulação e agregar no mesmo espaço o coreto, a igreja, a quermesse e, em sua volta, o
comércio do local. Essa realidade permanece nas pequenas cidades. Grandes centros urbanos,
como São Paulo, perderam esse encantamento pela praça e, junto com isso, perderam espaços
de convivência.
Na cidade tradicional, a praça, enquanto centro vital da cidade histórica
reunia funções que induziam múltiplas práticas. O fórum romano foi muito
tempo a matriz original das diversas praças: praça da catedral, praça cívica,
praça do mercado. Foram lugares exteriores fundamentais na e para a
interioridade. A praça clássica era um vazio organizado que tomava forma e
o caráter de tudo o que lá se fazia segundo as horas do dia e das estações do
ano. Ela era, em suma, um resumo do passado que nela tinha deixado traços
do presente que a fazia viver de acordo com certos ritmos, e do futuro que,
frequentemente se anunciava por diversas manifestações (RAFFESTIN,
2008. p. 11).
Conforme observado no capítulo 1, o centro de São Paulo dispôs de projetos
grandiosos para aproveitamento do espaço com praças, parques e avenidas, mas que sofreram,
entre outros fatores, com gestões públicas desinteressadas em sua conservação e criação de
novas praças, o que ocasionou a deterioração da região central. Somadas a esses fatos, a
iniciativa privada e a população da cidade seguiram os caminhos da expansão, delineados
conforme o crescimento da cidade de São Paulo.
O espaço construído tem uma dupla caracterização: de um lado, demarca as
formas de apropriação do espaço urbano; de outro, estas marcas representam
o elemento comum de mútuo pertencer entre o espaço e a coletividade que o
dinamiza. Nesta dimensão, o design do espaço é sua apropriação e
identidade social (FERRARA, 2002. p. 15).
A diversificação do ambiente urbano permite ao cidadão vivenciar experiências
estéticas que qualificam o lugar em suas representações visuais. As representações mentais
também irão sofrer mudanças, a partir do momento em que o espaço urbano não é uma
35
representação estática. Para Grinover (2007), a imagem mental do espaço urbano é uma
referência, é uma estrutura gramatical e sintática que se exprime através da codificação e
decodificação de mensagens cuja interpretação se dará conforme a compatibilidade da leitura.
O ambiente tem um tratamento, uma qualidade, uma estética que é incorporada pelo
munícipe, ao vivenciar, ao percorrer a cidade ao longo de sua existência. Tais lugares são
incorporados e passam a constituir, integrar sua memória individual, que é, ao mesmo tempo,
coletiva.
A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações
do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas
mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de
pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos
diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias,
nações etc. A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e
das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar
respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis
(POLACK, 1989. p.7).
Quando o autor ressalta a manutenção da coesão dos grupos, trata, na verdade, de uma
maneira de defender as fronteiras do espaço que o grupo tem em comum, uma vez que, ao
considerar o território em que eles estão inseridos e a memória comum do grupo, faz com que
possuam e compartilhem suas referências. Para Nora (1983), a memória coletiva é também
cercada pelo patrimônio arquitetônico que está presente ao longo de nossas vidas nas
paisagens, datas comemorativas, personagens históricos, de que sempre somos lembrados,
tradições, costumes, folclore e até mesmo lembranças gastronômicas.
O espaço construído tem uma dupla caracterização: de um lado, demarca as
formas de apropriação do espaço urbano; de outro, estas marcas representam
o elemento comum de mútuo pertencer entre o espaço e a coletividade que o
dinamiza. Nesta dimensão, o design do espaço é a sua apropriação e
identidade social.
Entre o espaço e o design de suas arquiteturas produz-se uma densidade
complexa e única. Complexa, porque o espaço não é apenas o cenário das
tramas sociais, mas, ao contrário, sua constituição as incorpora e ele é, ao
mesmo tempo, cenário e ator da relação encenada. Única, porque ela se
processa sempre nova e singular para cada espaço e para cada lugar das
cidades do planeta (FERRARA, 2002. p.15).
Deve-se notar que as representações mentais do ambiente, que serão decisivas para o
comportamento, desenhando as atitudes em relação ao ambiente vivenciado, são provenientes
não apenas da história vivida pelo indivíduo com aquele espaço.
Faltam, também, às cidades espaços de diálogo entre os antigos e novos
habitantes para criar uma ponte entre as diferentes comunidades estrangeiras
e a comunidade nacional.
36
Muito dos conflitos que sobrevêm, têm por origem as incompreensões
nutridas pela concepção e práticas diferenciadas do espaço público, do
espaço privado e os ritmos de vida que se enraízam nos comportamentos
julgados naturais no lugar de origem, mas mal aceitos e mesmo reprovados,
no lugar de acolhimento (RAFFESTIN, 2008. p.12).
Os lugares ganham forma, textura, cheiros e cores não apenas pela vivência, a
percepção dos elementos físicos, transformados em gostos, sensações de conforto, prazer
etc., mas pelas representações deles que chegam aos indivíduos através de um texto, de uma
foto, de uma história contada por alguém. O conteúdo que se forma a partir dessas
informações gera uma expectativa em relação ao ambiente, a qual influenciará a percepção do
próprio quando o confrontar.
Essa é a grande contribuição da história e da cultura na formação das representações
dos lugares. No processo de socialização primária, quando as crianças recebem de seus pais o
conjunto de valores sociais, o conjunto de referenciais que as guiará no resto de suas vidas, os
lugares ganham vida e conotações positivas e negativas, partindo apenas de imagens mentais,
não de lembranças de ambientes vividos no decorrer da vida. Ao longo dos processos de
socialização secundária que se seguem, o conjunto de valores se amplia e se diversifica,
levando a novos meandros na interpretação do lugar.
A reação humana ao ambiente é, então, resultado de uma atitude gerada a partir do
processamento de informações recebidas pela experiência sensorial e pelos registros
guardados e resgatados pela memória, relativos a experiências anteriores, envoltas nas
emoções e sentimentos que geraram, e representações mentais, construídas no decorrer dos
processos de socialização.
Entretanto, é essa unidade que atribui ao espaço uma sintaxe, uma lógica que
explica o design do lugar no espaço e supõe definir seus componentes e o
processo que o atualiza. Estes componentes sintetizam-se em informação,
imagem e memória. Porém, esses três elementos não operam isoladamente,
pois, como caracterizam aquela unidade complexa, atuam em simbiose e, à
maneira de um sistema, são vetores operativos e construtivos dos lugares da
cidade (FERRARA, 2002. p.16).
Indivíduos desenvolvem modelos mentais de lugares e os associam aos papéis que
devem ser desenvolvidos, e um lugar específico define o seu papel. Por outro lado, o seu
papel cabe em um lugar específico. Espera-se que para um determinado papel corresponda um
determinado cenário, conforme a analogia feita por Goffman (2003) em seu ensaio A
representação do eu na vida cotidiana, no qual trata do comportamento do homem em
sociedade, dando grande ênfase ao cenário, à fachada, termos que se relacionam à formatação
37
do ambiente, que delimita e influencia a representação do indivíduo o seu papel e sua
própria identidade.
As sociedades urbanas, à medida que se desenvolvem e complexificam, vão
perdendo o sentido da vida em comunidade, requerido por uma solidária
convivência entre pessoas. É certo que o anonimato próprio da vida urbana
oferece a vantagem de garantir certa privacidade, necessária também à
afirmação de uma liberdade pessoal. Mas, ao inviabilizar os tradicionais
espaços de encontro, a vida urbana, por outro lado, põe em risco a
emergência e a consolidação dos laços sociais. Não é por acaso que muitas
vezes escolhemos a metáfora da selva para designar os modos de vida na
cidade que, em muitos casos, tendem a reduzir-se à luta pela sobrevivência
(BAPTISTA, 2002. p.162).
Entende-se, assim, que o lugar está intrinsecamente ligado ao comportamento do
indivíduo e à percepção de hospitalidade diretamente ligada ao quadro de referenciais que o
indivíduo amealhou em sua vida, com os valores recebidos das gerações anteriores, de suas
experiências sensoriais e cognitivas, gerando predisposições subjetivas para sentir-se bem ou
não em determinado ambiente.
2.1 A imagem, a arquitetura e a hospitalidade
Ao definir arquitetura, deve-se considerar o estudo das artes e da construção através
de técnicas que permitam a organização e ordenação de espaço.
Pode-se então definir arquitetura como construção concebida com a intenção
de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma
determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e
de um determinado programa (COSTA, 1995. p. 608).
A arquitetura ainda considera a época, o meio e os aspectos sociais, podendo ser
considerada a associação da organização do homem no espaço, ou seja, é a arte ou técnica de
projetar e edificar um ambiente habitado pelo ser humano.
A falta de uma história da arquitetura que possa ser considerada satisfatória
deriva da falta de hábito da maior parte dos homens de entender o espaço, e
do insucesso dos historiadores e dos críticos da arquitetura na aplicação e
difusão de um método coerente para o estudo espacial dos edifícios (ZEVI,
2009. p. 17).
Seguramente, a arquitetura em seu caráter essencial reflete a imagem através de um
vocabulário tridimensional, que inclui o homem, porque nas outras expressões artísticas o
homem sempre fica de fora; na pintura, a atuação é em duas dimensões e na escultura é
38
tridimensional, mas não existe uma interação humana. O arquiteto representa o volume
arquitetônico, decompondo os planos, criando a visão de praças, espaços públicos ou
fechados, entre outros, com o uso de planos verticais ou horizontais. Em outras palavras, o
arquiteto utiliza a representação arquitetônica através de desenho e imagens para que o
indivíduo consiga perceber a poesia do conjunto e do contexto.
Embora as imagens, objetos e comportamentos possam significar e, de fato
significam, eles nunca fazem isso autonomamente: ―todo sistema
semiológico possui sua mistura linguística‖. Por exemplo, o sentido de uma
imagem visual é ancorado pelo texto que a acompanha, e pelo status dos
objetos, tais como alimento ou vestido, visto que sistema de signos necessita
da ―mediação da língua, que extrai seus significantes (na forma de
nomenclatura) e nomeia seus significados (na forma de usos, ou razões)‖
(BAUER; GASKELL, 2002. p. 321).
Para os autores, a imagem ancorada pelo texto tira a sua ambiguidade, fazendo com
que o observador tenha a interpretação da imagem pelo texto, o que gera uma relão
complementar, que faz uma unidade na interpretação dos fatos.
Ao empreender uma análise semiológica na imagem urbana, percebe-se que esta não é
somente visual, mas, sim, uma representação construída no cotidiano do indivíduo, a partir da
informação existente em sua vivência e variáveis contextuais do seu dia a dia. Ao
considerarmos que as paisagens edificadas são carregadas de informações e significados, para
o observador o seu cotidiano se torna mais representativo. Segundo Ferrara (1993), as
variáveis contextuais urbanas são processadas como informação, sendo responsáveis por um
modo de viver, dando origem à percepção ambiental. Assim, a percepção ambiental acontece
em dois tempos: pela imagem, enquanto sua representação (significante) e pelo significado
desta imagem. Nesse sentido, pode-se dizer que o cenário urbano é cheio de formas, conflitos,
revelações e fatos.
O que torna a cidade bonita e hospitaleira é sua capacidade de expressar um
microcosmo social e arquitetônico ordenado, no qual cada edifício, por sua
dimensão, por seu refinamento e seu esplendor, mostra não sua própria
importância, mas também a importância de quem o encomendou e que ali
vive (GRINOVER, 2006. p. 36).
A reação humana ao espaço urbano é, então, resultado de uma atitude gerada a partir
do processamento de informações recebidas pela experiência sensorial e pelos registros
guardados e resgatados pela memória, relativos a experiências anteriores, envoltas nas
emoções e sentimentos que geraram as representações mentais, construídas no decorrer dos
processos de socializão, fazendo com que o sentimento de espaço urbano se desperte na
39
forma concreta de sua representatividade, e se torne uma fonte de informação, que será aceita
e interpretada pelo observador, que se dispõe a conhecê-la.
Os processos de socialização podem ser associados à hospitalidade, que em seu
entendimento mais amplo é fundamentalmente o relacionamento construído entre anfitrião e
hóspede. O estudo no domínio social trata da conexão ou desconexão com a comunidade, e,
ao ―exprimir-se socialmente em espaços públicos, os indivíduos revelam tanto sua ligação
com a sociedade quanto sua cultura e compreensão relativamente às normas comuns‖
(LASHLEY; MORRISON, 2004. p. 12).
Também para Camargo (2004), a hospitalidade pode ser definida como um ato
humano, exercido num contexto doméstico, público e profissional, de recepcionar, hospedar e
entreter pessoas temporariamente deslocadas de seu hábitat natural. As práticas sociais no
processo da hospitalidade podem ser percebidas de duas formas: primeiro nos tempos sociais
(receber, acolher, hospedar, alimentar e entreter) e segundo, nos espos sociais (doméstico,
público, comercial e virtual).
Além dos aspectos individuais, comportamentais ou sociais observados, o indivíduo
em espaço interno ou externo pode ter a sensação de hospitalidade ou hostilidade, dependendo
de aspectos relacionados à arquitetura do lugar: imponência das formas, disposição dos
objetos dentro do espaço, cores, texturas. Para Grinover (2007), ao se analisar os espaços
urbanos com relação ao indivíduo, pode-se separá-los por categorias de análises por meio de
princípios da hospitalidade, e esta análise nos coloca à frente de resultados concretos sobre a
cidade e seus moradores. A aceitação e valorização das características dessas categorias
apresentadas dependem do uso esperado e percebido como possível e devido pelo indivíduo e
por sua comunidade. Dentre as categorias propostas, podemos ressaltar a da acessibilidade e
da legibilidade.
A acessibilidade evoca diversos conceitos ligados às possibilidades de
acesso dos indivíduos, ou de grupos sociais, a certas atividades ou a certos
serviços que estão presentes na cidade, devendo proporcionar a igualdade de
oportunidades aos usuários urbanos: o acesso à cidade é um direito de todos.
Pode ser considerada com a disponibilidade de instalações (levando em
conta os limites de capacidade dos equipamentos urbanos) ou de meios
físicos, que permitem esse acesso (considerados, ao mesmo tempo, os meios
de transportes e o uso do solo), ou, ainda, de acessibilidade socioeconômica
(levando em conta a distribuição de renda. (GRINOVER, 2007. p. 135)
Conforme o autor, a acessibilidade deve proporcionar oportunidade e igualdade ao
usuário da cidade para que possa viver o espaço urbano como um todo.
40
Por legibilidade, entende-se a qualidade visual de uma cidade, de um
território, examinada por meio de estudos da imagem mental que dela fazem,
antes de qualquer outro, os seus habitantes. [...] Com legibilidade pretende-
se indicar a facilidade com que as partes de uma cidade podem ser
reconhecidas e organizadas num modelo coerente. (GRINOVER, 2007.
p.144).
A legibilidade é entendida como a leitura que é realizada através de elementos
arquitetônicos e culturais inseridos na cidade. Ao se analisar a cidade por categorias, tem-se a
possibilidade de estudar a hospitalidade pelo conhecimento do espaço urbano e cultural que a
compõe, e assim, reconhecê-la em sua realidade por meio da percepção do indivíduo.
Pode-se pensar que essa percepção não acontece na totalidade, mas, sim, como um
processo que se desenvolve em fragmentos chamados signos. Para apreender esses
―signos‖, a pesquisa, descrita no capítulo 3, prioriza as características físicas, por meio de três
operações, ou fases, básicas: leitura, interpretação e percepção do espaço arquitetônico na
malha urbana do centro da cidade de São Paulo. A primeira fase, a mais importante, envolve a
compreensão do espaço arquitetônico como fonte de informação e o relaciona ao acolhimento
do indivíduo na cidade, a relação do bem com a memória individual, com percursos
pregressos. A leitura e a interpretação das imagens constituem as características importantes
para a análise da relação da hospitalidade com a arquitetura do espaço urbano.
A transformação de uma imagem em algo hospitaleiro ou hostil para o indivíduo vai
depender da relação entre os aspectos subjetivos, psicológicos e os aspectos da sociedade em
que ele estará inserido: valores e grau de inclusão costumes, objetos, arquitetura, usos do
lugar que dão acesso ou não a indivíduos com determinadas características de ordem física,
social ou econômica.
A compreensão do símbolo urbano como expressão possível de ser deduzida
da imagem da cidade, entendida como construção social de um imaginário,
requer um esforço de segmentação por categorias, em princípio formuláveis
de maneira abstrata, mas não obstante com uma suficiente operatividade,
que tratamos de experiências que emergem da própria vida social.
Poderíamos pensar em um quadro de categorias com as quais não fosse
possível estabelecer um nível de formalização da relação homem-urbe, mas
que, ao mesmo tempo, tal quadro de eixos semânticos nos permitisse
observar a produção de um sentido urbano (SILVA, 2001. p. 67).
O sentido urbano é composto das experiências urbanas nos espaços, como habitação,
trabalho, estudo e divertimento que transformam o fluxo nesses espaços em lugares. Para
Tuan (1983), o lugar é um centro de significados, construídos através das experiências
afetivas, por meio da vivência do indivíduo neste espaço.
41
Ter vínculos com o espaço urbano também está relacionado com a razão pela qual se
convive naquele espaço e como isto é feito. O estilo de vida e nossas atividades também se
relacionam com onde estamos e com a importância da aparência visual deste espaço muitas
vezes alheio a outros aspectos do espaço urbano (ROAF, FUENTES, THOMAS, 2009).
Mesmo para Dencker (2007), os grupos compartilham uma preocupação de ordem
moral sobre como receber e como conviver com o diferente no espaço simbólico do outro,
pois os seres humanos são situados em espaços delimitados por fronteiras simbólicas. Isso
mostra que além dos aspectos individuais, comportamentais ou sociais observados, o
indivíduo em espaço interno ou externo pode ter a sensação de hospitalidade ou hostilidade
dependendo de sua imponência ou da disposição dos objetos dentro do espaço. Desta forma, a
arquitetura define as fronteiras simbólicas que inibem o indivíduo na sua integração com o
meio.
As fronteiras não são sempre elementos físicos ou materiais, são também frutos da
percepção, olhar e sentimento do indivíduo, que ao entender as formas arquitetônicas acaba
instigando uma nova sensibilidade e subjetividade social, levando-o a despertar a reverência,
ou não, frente às imagens projetadas. Segundo Raffestin (1997), a fronteira delimita o
território urbano, e este limite é de extrema importância porque define a cidade e a o
cidade, é o simbolismo da separação entre um mundo e o outro, fazendo o indivíduo entender
o estar protegido pela segurança que formas arquitetônicas lhe provocam, e o que coloca em
evidência as sensações existentes dentro de cada um. Ao trabalhar a sensibilidade das pessoas
e a relação entre a afetividade, o modo de ver e a realidade social, a arquitetura promove
sentimento por meio das experiências visuais.
Em muitas cidades, o cidadão espera receber do local mais do que a forma
arquitetônica, espera também informação para se sentir bem recebido, ou seja, acolhido.
Nas cidades bem identificadas, o estrangeiro se sente acolhido, até bem
recebido, ele sabe aonde ele vai, ele acha o que procura sem perda de tempo,
e ele pode se abandonar a passeios e à contemplação sem o risco de se
perder. A informação, nesse caso, está ligada ao dom. Oferecer e receber a
informação é um mecanismo de hospitalidade (RAFFESTIN, 2008. p. 9).
Para que os indivíduos possam ver realmente a cidade, ela tem que apresentar toda
informação possível e de todas as formas: por meio do morador, da sinalização, da sua
história e de suas formas arquitetônicas.
Para a amplitude do urbano, as formas arquitetônicas contribuem para uma
reorganização da cidade, promovendo mudanças na imagem do espaço. Essa reorganização é
fruto de alterações nas relações sociais e do homem com seu meio, físico e humano, mas é
42
importante que, na busca da satisfação do indivíduo, da hospitalidade, o traço arquitetônico se
preocupe em transformar linhas e materiais em lugares com significado e valor para o homem.
2.2 A imagem do centro e suas percepções
Para a realização desta pesquisa de campo foi delimitado o centro da cidade de São
Paulo, cuja área encontra-se restrita ao vale do Anhangabaú, tendo como extensão máxima as
praças da Sé e da República (Figura 2). O estudo tem como corpus fotografias registradas por
quatro moradores durante uma visita ao centro da cidade de São Paulo e, em seguida,
entrevistas com utilização de roteiro semiestruturado, inicialmente em grupo, e depois
individualmente, para conhecer suas percepções e interpretações acerca da região.
Ao considerar os diferentes pontos de vista dos indivíduos, os estudos qualitativos
possibilitam ao pesquisador manter um contato estreito e direto com a situação em que os
fenômenos ocorrem.
A pesquisa qualitativa ou naturalística, segundo Bogdan e Biklen (1982),
envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do
pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o
produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes (LUDKE;
ANDRE, 1986. p.13).
Desta forma, observa-se que a pesquisa qualitativa por meio de um processo indutivo é
rica em descrições de pessoas, situações, acontecimentos que expressam pensamentos e
sentimentos dos participantes, fazendo com que as interpretações do espaço, em relação a sua
memória e sua percepção da paisagem inicial, ganhem um novo olhar.
A escolha do centro da cidade de São Paulo se deve pela facilidade de acesso por parte
da pesquisadora e dos entrevistados, além de o centro ser uma referência urbanística e
histórica, dada a importância da cidade São Paulo em âmbito global.
A Figura 2 é um retrato atual da configuração urbanística do centro da cidade de São
Paulo, que foi utilizado pelos entrevistados para o registro do percurso realizado durante e
após o registro fotográfico.
Observa-se, no mapa, a divisão imaginária territorial do centro novo e do centro velho,
demarcada pelo vale do Anhangabaú, sendo: do vale até a Praça da República considerado
centro novo, e, do vale do Anhangabaú até a Praça da Sé, considerado centro velho.
43
Figura 2: Mapa do centro da cidade de São Paulo
Fonte: Base Cartográfica DIGIBASE 2003, organizado por Gilberto Back. Laboratório de
Planejamento Turístico da Universidade Anhembi Morumbi
44
Com a pretensão de analisar a percepção dos moradores da cidade a respeito do centro,
optou-se por depoimentos orais como importante fonte de informações, principalmente, com
relação às mudanças ocorridas no espaço urbano nos últimos 40 anos.
O contato pessoal e a constituição do corpus documental permitiram o
acompanhamento dos envolvidos ao registrarem as suas imagens, e de que maneira isso
afetou o processo de percepção da arquitetura e da hospitalidade por parte deles.
A pesquisa de campo contemplou as seguintes etapas:
Quadro 2: Etapas da pesquisa de campo
Fonte: A autora (2010)
Conforme Quadro 2, a etapa de seleção dos participantes ocorreu após a definição do
objetivo geral da pesquisa. A ideia central era selecionar pessoas que tivessem trabalhado ou
visitado com mais frequência o centro, considerando-se que cada indivíduo realiza
associações com determinadas regiões da cidade, e (re)constrói, pelas lembranças, os seus
espaços urbanos.
Desta forma, o corpus é constituído por quatro pessoas, duas do sexo feminino e duas
do sexo masculino. Três dos entrevistados são paulistanos, e um deles é natural de Lins, mas
viveu em São Paulo por cerca de 20 anos. Os entrevistados são viúvos ou divorciados, com
idade superior a 50 anos. Nomes fictícios foram atribuídos aos participantes, o que facilitou o
registro de seus relatos sobre seus percursos no centro. Registre-se que essas pessoas integram
o círculo de amizades da pesquisadora.
Embora o foco dessa pesquisa não incida sobre memória, vale ressaltar que se revelou
importante colher as impressões e memórias dos moradores da cidade e, desta forma, entender
como eles a percebem e a representam. Segundo Dantas (2008), a percepção do passado é
45
expandida por meio das lembranças ou quando em grupo as conversas giram sobre espaços
comuns do passado; desta forma, a contribuição dos entrevistados para essa pesquisa foi
justamente do resgate das lembranças de cada um.
A segunda etapa da pesquisa compreendeu a visita ao centro para registro de imagens
(fotografias). O uso de imagens para a coleta de dados justifica-se, na medida em que, para
Bauer e Gaskell (2005), a teoria de Barthes denomina que a imagem é sempre polissêmica ou
ambígua, tanto que na maioria das vezes as imagens estão acompanhadas de texto para
estabelecer um sentido completo. Nas imagens, os signos estão presentes simultaneamente e
suas relações são espaciais.
Com o aceite dos participantes, agendou-se o início do percurso para um sábado, às 9
horas, no vale do Anhangabaú. Alguns entrevistados chegaram um pouco atrasados, mas isso
não comprometeu o andamento do processo. De forma geral, todos percorreram as ruas do
centro em 2 horas, apesar de não ter sido determinado pela pesquisadora o tempo de percurso.
A cada participante foi entregue o mapa elaborado pela Associação Viva o Centro, de
2004, em comemoração aos 450 anos da cidade. O mapa reúne nomes dos logradouros e
referências culturais do centro da cidade, e é redigido em dois idiomas, português e inglês.
Para cada entrevistado foi entregue uma máquina fotográfica, descartável, de 27 poses,
de manipulação simples e fácil. Na sequência, solicitou-se a cada participante que, a partir do
ponto zero, no caso o vale do Anhangabaú, circulasse sozinho pela cidade, no perímetro
delimitado, e que registrasse imagens de edifícios, espaços ou lugares associados a
lembranças significativas ou alusivas a acontecimentos memoráveis. A hospitalidade não foi
verbalizada nesse contexto, objetivou-se questionar tais lugares na entrevista individual,
postulando-se que espontaneamente tais registros seriam realizados sem que necessário fosse
estimulá-los para os locais de sociabilidade e de encontro em seus percursos pregressos.
Na terceira etapa, após o término do percurso, o grupo se reuniu no Centro Cultural
Banco do Brasil, localizado na Rua Álvares Penteado, para a realização de uma entrevista
coletiva, destinada ao registro das primeiras impressões e de informações.
Nesta etapa, as máquinas fotográficas foram recolhidas para posterior revelação. O
grupo se mostrou entusiasmado com o percurso e com as imagens geradas por eles, e, nos
relatos, perceberam-se manifestações afetivas em relação ao centro e aos lugares registrados,
além de indicarem a redescoberta‖ do espaço visitado, apesar de muitos destes apresentarem
nova utilização.
Notou-se que dois deles (Antônio e Pacheco) estavam muito emocionados e prontos
para repetirem o percurso para resgatar seu passado e vivências no centro. O senhor Pacheco
46
reclamou do número de fotos, alegando ser insuficiente (27 poses) e afirmou: ―nunca havia
notado a cidade como neste dia‖. Em alguns momentos, foi necessária a intervenção, pois os
comentários eram feitos ao mesmo tempo, sobrepondo-se em suas demonstrações de
contentamento.
A quarta etapa da pesquisa congregou a entrevista individual, agendada para duas
semanas depois da visita ao centro, separadamente com cada entrevistado e seu conjunto de
fotografias. As entrevistas pautaram-se pela espontaneidade, apoiadas em um roteiro semi-
estruturado, composto por duas indagações: a primeira, relativa ao percurso escolhido, teve
por objetivo identificar a escolha: aleatória ou proposital; a segunda destinou-se a explicar a
imagem fotografada, precisando lembranças e/ou sensações.
Nessa ocasião, o autor do registro selecionou cinco fotografias e relatou o percurso
escolhido, justificando-o por meio de lembranças de percursos pregressos. O conjunto de
imagens de cada entrevistado permite uma abordagem comparativa dos locais fotografados e
dos percursos realizados.
A seleção de cinco fotografias de cada entrevistado teve por objetivo reunir um
número significativo de registros com boa definição gráfica e que os remetessem a alguma
lembrança ou sensação, respeitando-se a percepção de cada um.
A metodologia de análise iconográfica baseia-se nos estudos de Kossoy (2002), que
sugere duas linhas de análise multidisciplinares para a decodificação das informações no
documento fotográfico de forma explicita e implícita.
1 A reconstituição do processo que originou o artefato, a fotografia:
pretende-se, assim, determinar os elementos que concorrem para sua
materialização documental, (seus elementos constitutivos: assunto,
fotógrafo, tecnologia) em dado lugar e época (suas coordenadas de situação:
espaço, tempo);
2 A recuperação do inventário de informações codificadas na imagem
fotográfica: trata-se de obter uma minuciosa identificação dos detalhes
icônicos que compõem seu conteúdo (KOSSOY, 2002. p. 52).
Também para Kossoy (2002), o testemunho fotográfico, apesar de registrar uma dada
situação real, se constitui numa elaboração do modo de ver e compreender a visão do
fotógrafo que, na sua medida, cria e constrói a sua representação.
Além da importância das análises fotográficas registradas pelos participantes da
pesquisa, as entrevistas individuais também contribuíram para atingir os objetivos propostos.
Desta forma, as entrevistas individuais foram realizadas em locais agradáveis e de fácil acesso
47
ao entrevistado. As entrevistas fluíram com tranquilidade, os entrevistados responderam ao
que lhes foi perguntado, relatando suas histórias individuais.
A quinta etapa da pesquisa consistiu na transcrição das entrevistas e análise dos
resultados. As transcrições foram feitas logo após a realização das entrevistas, o que
contribuiu para a análise posterior. Para Bauer (2002), a transcrição das entrevistas é
importante, pois a análise deve ir além da seleção superficial de um número de citações
ilustrativas.
A certa altura o pesquisador se dá conta de que não aparecerão novas
surpresas ou percepções. Neste ponto de saturação do sentido [...] é um sinal
de que é tempo de parar (BAUER, 2002. p. 71).
As entrevistas no formato oral não são piores ou melhores que as de fonte escrita, são
de natureza diferente:
A importância das representações diz respeito ao modo como o grupo
percebe a realidade que o cerca e o significado que a essa realidade. E o
modo para se entrar em contato com estas representações é através da fala
dos informantes (DANTAS, 2008. p. 83).
Vale ressaltar que não se pretende confrontar o discurso dos entrevistados com dados
históricos, baseados em livros ou de associações (como a Viva o Centro), uma vez que essa
pesquisa tem como objetivo a análise da percepção da hospitalidade por meio da imagem
48
CAPÍTULO 3 - ENTREVISTAS E ANÁLISES
Este capítulo tem a finalidade de apresentar e analisar a visão dos entrevistados. A
análise ocorre através do registro fotográfico e de entrevistas individuais, para a elaboração de
um resultado final de um processo criativo e para que se compreenda a visão da hospitalidade
por intermédio da lembrança dos entrevistados sobre o centro da cidade de São Paulo.
Para Kossoy (2002), embora o fotógrafo registre uma situação real, o resultado final
trará uma visão particular da representação da realidade, através da sua compreensão e
interpretação.
Na sequência, apresentam-se os relatos, registros fotográficos e análise dos quatro
entrevistados, conforme apresentado no capítulo 2.
3.1 Entrevistada 1
A entrevistada Ina é paulistana, fixada no bairro da Serra da Cantareira, comerciante
aposentada, possuía uma loja de flores artificiais no centro da cidade de São Paulo, no antigo
Shopping Center Grandes Galerias, localizado na Rua 24 de Maio, onde atualmente funciona
a Galeria do Rock.
A senhora Ina estava muito feliz e emocionada. Primeiramente foi-lhe solicitado que
traçasse, no mapa da Associação Viva o Centro, o percurso realizado. Frequentadora assídua
do centro da cidade, seu relato apaixonado também se caracteriza pela saudade do tempo
pregresso:
[...] O olhar mudou!!! Quando você caminha trabalhando o olhar é um, você
tem preocupação com o que você vai fazer; quando você vai observar a
arquitetura é diferente, seu olhar paira vendo os objetos... uma observação do
passado (INA, 2010).
Bastos (2006 p. 57) enfatiza o distanciamento que move os sujeitos nos percursos
cotidianos e que ganham sentido em situações dirigidas, ao se estimular a memória, como se
apresenta na presente dissertação:
Nesse passeio induzido, poucos se detêm a contemplar as edificações que se
descortinam no percurso diário em decorrência da conservação das
fachadas, sobreposição de anúncios publicitários, ausência de informações
sobre os bens, problemas na sinalização e as diferentes modalidades de
poluição.
49
O envolvimento com o patrimônio, todavia, pode se estabelecer à medida
que ele for incorporado ao cotidiano de forma compreensível. Um dos
recursos possíveis é a mediação da memória: o passeio pelo centro ganha
colorido quando compartilhado por antigos moradores da cidade.
Rememoram acontecimentos, identificam edificações inexistentes, apontam
peculiaridades de tempos idos: o antigo cinema, hoje convertido em espaço
religioso em virtude do novo uso, o logradouro que teve seu desenho
alterado, obras de arte removidas a fim de intensificar o tráfego local. A
narrativa marcada pela recordação vem carregada de emoção e o passado
ganha coloração positiva. A paisagem é reorganizada e fica a indagação:
teria sido melhor?
Segundo Bauer e Gaskell (2005), a pesquisa social apoia-se em dados sobre o mundo
social, construídos nos processos de comunicação, informal ou formal, construídos por texto,
imagem e materiais sonoros. As pessoas espontaneamente se expressam acerca de seu
cotidiano, de seu dia a dia, sendo esta fala um importante dado para a pesquisa.
Na figura 3, observa-se o percurso de Ina: ao sair do vale do Anhangabaú, virou à
esquerda na Praça Ramos de Azevedo, seguiu até a Rua Conselheiro Crispiniano, entrou à
direita na Rua 24 de Maio, seguiu até o Largo do Paissandu, virou à esquerda na Rua Dom
José de Barros, à esquerda na Rua Barão de Itapetininga, atravessou o Viaduto do Chá, seguiu
pela Rua da Quitanda até a esquina com a Rua Álvares Penteado. Neste ponto, como
acabaram as poses da máquina fotográfica, a senhora Ina retornou ao vale do Anhangabaú.
A figura 3 foi elaborada de forma a representar a trajetória da senhora Ina, com as
fotografias dos espaços registrados por ela. Tem por finalidade, também, visualizar sua
delimitação imaginária do centro da cidade. Observa-se que, no percurso escolhido, a senhora
Ina deu preferência para a representação construída e memorizada na sua vivência.
O trajeto percorrido por ela é do centro novo da cidade de São Paulo, sendo a sua
primeira escolha. Durante a sua entrevista, ela comentou que frequentava mais o centro novo
(Praça da República e Viaduto do Chá).
O centro da cidade de São Paulo se apresenta como um lugar eclético, com edifícios
históricos, mas também com estruturas recentes, com suas ruas que vivem abarrotadas de
carros, com poucos locais para estacionamento de veículos, mas com contrastes, tais como,
amplas avenidas principais e estreitas ruas laterais. O comércio e as empresas prestadoras de
serviços intensificam o fluxo de pessoas, assim como a facilidade de acesso por transportes
públicos.
Para a senhora Ina, estes fatores não interferem em sua identidade com relação ao
centro da cidade de São Paulo, apesar de comentar em sua entrevista sobre a situação
urbanística da cidade.
50
Figura 3: Percurso e fotos da senhora Ina
Fonte: Base Cartográfica DIGIBASE 2003, organizado por Gilberto Back. Laboratório de
Planejamento Turístico da Universidade Anhembi Morumbi
51
O quadro 3 foi construído para sistematizar a percepção da hospitalidade da senhora
Ina. Os vínculos humanos reportam-na às lembranças do tempo em que frequentava o centro
da cidade para trabalhar. Os odores e sabores foram mobilizados, uma vez que a imagem é
insuficiente para traduzir a percepção da identidade do espaço que ela frequentava. O conforto
ambiental é adotado para representar a relação do ser humano com o seu entorno.
CATEGORIA
ALTO
MÉDIO
BAIXO
Vínculos humanos
x
Odores
x
Sabores
x
Conforto ambiental
x
Quadro 3: Percepção da hospitalidade da senhora Ina
Fonte: A autora (2010)
Quando questionada sobre o percurso escolhido, a senhora Ina comentou que:
Foi aleatório, mas acho que você tem as memórias... As coisas que vivemos.
Por exemplo, querer rever (INA, 2010).
Apesar de traçar um caminho aleatório, a senhora Ina, como moradora da cidade,
sentiu-se mais confortável ao caminhar por lugares frequentados no passado e que lhe
trouxeram lembranças do seu cotidiano. Preferiu locais que ela afetivamente conhecia e que
haviam marcado uma época importante de sua vida.
A paisagem desempenha, também, um papel social. O ambiente conhecido,
conhecido por seus nomes e familiar a todos, oferece material para as
lembranças e símbolos comuns que unem o grupo e permitem que seus
membros se comuniquem entre si.
A organização simbólica da paisagem pode ajudar a diminuir o medo e a
estabelecer uma relação emocionalmente segura entre o homem e seu
ambiente total. (LYNCH, 1982. p. 143).
A senhora Ina valorizou as imagens dos locais que ainda tinha na memória ao escolher
o seu percurso; tais espaços comportam lembranças de sua vida cotidiana naquele local,
durante cerca de 20 anos, e que a fizeram sentir-se acolhida. Ao revê-los, registrou-os.
Durante a entrevista individual, ela selecionou aleatoriamente cinco fotos, desprezando do
conjunto as fotos que se apresentavam desfocadas ou escuras e passou, então, a explicar as
lembranças ou sensações que advinham de cada registro.
52
Fotografia 7: Igreja de Santo Antônio
Fonte: Ina (2010)
Preocupada em selecionar os registros dos locais relacionados aos percursos cotidianos
em direção ao trabalho, deteve-se na fotografia da igreja de Santo Antônio (Fotografia 7),
localizada na Praça do Patriarca, ao lado do Viaduto do Chá, defronte à Rua Líbero Badaró, o
que foi uma surpresa. Para a ela:
[...] Aquela igreja do Santo Antônio, eu passava e rezava todo dia, para que
ele me ajudasse nos meus estudos (INA, 2010).
Ingressar na igreja para rezar permitia uma pausa no cotidiano de uma jovem cuja
jornada diária englobava atividades de trabalho e de estudo na região. Segundo Ferrara
(2002), a imagem global na cidade e seus significados são de ordem comunicativa. As igrejas
além de possuírem forte impacto visual, também carregam o simbolismo associado à fé.
Conforme capítulo 2, a hospitalidade para o indivíduo depende da relação entre os aspectos
subjetivos, psicológicos e os aspectos da sociedade em que ele estará inserido. Ao refazer sua
trajetória a senhora Ina registrou a igreja, lugar no qual se sentia acolhida no seu percurso
pregresso.
53
Fotografia 8: Viaduto do Chá
Fonte: Ina (2010)
A segunda fotografia (Fotografia 8) da senhora Ina é do Viaduto do Chá, tomada em
direção à Praça do Patriarca:
Eu atravessei o viaduto muitas vezes, porque eu tinha a loja na Rua 24 de
Maio, e vinha para cá, ou trazer mostruários ou vinha para estudar no
Álvares Penteado, onde eu fiz meu curso de Contabilidade, ali. Então eu
atravessava tudo... (INA, 2010).
No ângulo registrado, nota-se a esquina formada pelas ruas Barão de Itapetininga e
Conselheiro Crispiniano, percurso que marcou o cotidiano da entrevistada, pois o realizava
diariamente, várias vezes ao dia.
Para Camargo (2008), a liberdade de ir e vir é uma dádiva e uma lei não escrita,
assegurada dentro daquilo que, para cada indivíduo, constitui o seu território.
Para a senhora Ina o percurso feito com frequência representava um território
conhecido e incorporado ao seu cotidiano. Pode-se perceber na entrevista individual que este
lugar remete a senhora Ina às suas lembranças não somente pelo visual, mas por seus cheiros
e sons, fazendo com que ela se lembre de seus antigos hábitos e sua história.
Para Baptista (2008), a verdadeira riqueza ou identidade dos espaços não está nas suas
potencialidades materiais, mas, sim, na forma como são utilizados, percebidos, desfrutados,
amados e partilhados. Nessa relação de uso, as coisas do mundo se transformam em
conteúdos de interação, deixando de ser somente espaços construídos.
Sendo assim, podemos notar que ,para a senhora Ina, o trajeto realizado por 20 anos
foi mais que o ir e vir, foi também uma experiência sensorial.
54
Fotografia 9: Shopping Grandes Galerias
Fonte: Ina (2010)
A terceira fotografia (Fotografia 9) escolhida pela senhora Ina pertence ao Shopping
Grandes Galerias, atual Galeria do Rock, localizada na Rua 24 de Maio, número 62:
Eu fornecia flores para a Loja Elite. O senhor Roberto (o dono) fumava um
charutão, quando ele subia aquelas escadas da Grande Galeria... quando
ele pisava no primeiro degrau eu sabia que ele estava chegando por causa
do cheiro do charuto. Ele queria me adotar... (INA, 2010).
Para Machado (2008), as galerias eram naquela época o shopping center de hoje,
porque, além de ser mais barata para o lojista a instalação de uma loja dentro deste espaço, o
consumidor final também era beneficiado neste grande centro comercial ao encontrar tudo o
que desejava num espaço único, e além do consumo elas conferiam ao comprador status
social.
As Galerias de Paris, descritas tanto por Benjamin (1991) quanto por Sennet
(1998), tornaram-se centro de consumo e de luxo, configurando-se em
espaços de ostentação e de desejo de consumo. As vitrines e a disposição das
lojas em corredores distribuídos em forma de labirinto possibilitaram a
flânerie, ou seja, o ato de passear olhando vitrines, sem objetivo definido.
Flâneur é aquele passante que busca uma identidade para si através do olhar.
(PADILHA, 2006. p. 52)
Assim como em Paris, as galerias chegaram à cidade de São Paulo nos anos de 1930
para aumentar o lucro dos comerciantes da cidade e melhorar o espaço térreo interno dos
edifícios construídos na cidade e que estavam tomados pelo trânsito de automóveis,
proporcionando aos pedestres a circulação tranquila, longe do tumulto das ruas.
55
Fotografia 10: Interior do Shopping Grandes Galerias
Fonte: Ina (2010).
A quarta fotografia (Fotografia 10) é do local onde ficava a loja de flores artificiais da
senhora Ina, no interior do antigo Shopping Center Grandes Avenidas:
Antes tinha a lojinha e um banheiro... Exíguo... Hoje não tem mais o
banheiro... (INA, 2010).
As sensações despertadas na senhora Ina ao visitar o Shopping Center Grandes
Avenidas (como o odor e o visual) remeteram-na às lembranças de pessoas queridas e
situações engraçadas vividas. Em sua entrevista, destacou a galeria como um lugar de muita
importância em sua vida, pois trabalhou lá durante 20 anos.
Foi entre 1822 e 1832 que surgiram as primeiras galerias de Paris,
impulsionadas pelo desenvolvimento das indústrias têxteis, pelo uso do
ferro, nas construções, e pela utilização da fotografia como meio de
comunicação. O que caracterizava essas galerias era o fato de serem grandes
centros comerciais onde se vendiam mercadorias de luxo que, pela
quantidade, podiam ser estocadas e vendidas bem barato em diversas
promoções. Além disso, com o embelezamento das galerias, o comércio
passa a ter a arte a seu serviço (PADILHA, 2006. p. 45).
Apesar da mudança física no espaço da loja e mesmo na aparência geral da galeria, o
local ainda é representativo para a senhora Ina, que ao comentá-lo não percebeu as mudanças
ocorridas com o passar dos anos.
Durante a entrevista individual, ela comentou também:
Eu ficava falando (com as meninas que estão lá hoje) da época em que a loja
era minha e elas ficavam olhando para mim. Não entendendo nada, a única
mudança foi que elas retiraram o banheiro, mas o resto é tudo igual (INA,
2010).
56
De acordo com Ferrara (1993), a experiência coletiva não acontece apenas nas longas
horas destinadas ao trabalho, mas também na rua, nas praças, nos espaços comuns. Apesar de
atualmente não representar mais um local de trabalho e convívio social para a senhora Ina,
remete a sensações guardadas em sua memória.
De acordo com o capítulo 1, o centro da cidade de São Paulo sofreu várias
intervenções, mas a entrevistada comentou que, apesar da mudança de nome, a galeria
continua no mesmo endereço, assim como se mantém o local da loja que era de sua
propriedade.
Fotografia 11: Cine Cairo
Fonte: Ina (2010)
A quinta fotografia (Fotografia 11) é do Cine Cairo, localizado na Rua Formosa,
número 401:
Ainda bem que eu fotografei, porque eles estão demolindo... Além de dar
uma tristeza grande a decadência que está a cidade. Era muito mais bonita,
mais conservada, ela não se manteve bonita... (INA, 2010).
Ao registrar o Cine Cairo, a senhora Ina eternizou a imagem da edificação que em
breve desaparecerá; em sua entrevista lamentou a perda desse espaço, que para ela
representou importantes momentos de lazer. Segundo Silva (2001), o reconhecimento é
impulsionado por circunstâncias culturais e, em alguns casos, temos uma produção fantasmal
na memória dos cidadãos, isso significa que a história da cidade permanece na história de vida
das pessoas que ali estiveram.
57
Durante a entrevista coletiva a senhora Ina cita outros lugares, que, apesar de não ter
feito registros fotográficos, lhe geravam muitas lembranças que podem ser associadas às
categorias de sabores e odores, relacionados na percepção da hospitalidade no quadro 3.
A Salada Paulista também, eu adorava o bife à milanesa. Almoçava todo
dia quase [...]
A confeitaria Cristallo tinha uma bomba recheada de morango que eu
sempre comprava, era maravilhosa, eu sentia o cheiro da rua e a Galeria
Guatapará tinha uma torta de ricota maravilhosa, era um dos lugares que eu
frequentava (INA, 2010).
Segundo Machado (2008), a maior parte das galerias do centro de São Paulo foi
construída a partir de 1950, época na qual o estilo moderno tomava conta do centro. A Galeria
Guatapará data de 1934, numa época de glamour e sofisticação. A exemplo de outras, foi
construída após o edifício que a abriga, com funcionamento independente, valorizando a
passagem de pedestres. A senhora Ina nada comentou sobre a arquitetura do edifício, mas em
sua lembrança guarda o odor do doce fabricado em uma loja da Galeria Guatapará, conhecida
por seus restaurantes e lojas de serviços.
Segundo Grinover (2006), cada cidadão tem o direito de criar e recriar sua própria
existência. Um planejamento urbano se faz presente nos valores democráticos e direitos
culturais, assim como no compartilhar experiências sadias de sociabilidade e espiritualidade.
Quando pensamos em espaço público no centro da cidade, a rua e os ambientes a ela
agregados (galerias, shoppings, parques e praças, entre outros), funcionam como referência
para o cidadão, turista ou morador, no sentido de tornar-se um símbolo. Vê-se que no caso
específico das galerias do centro da cidade de São Paulo, estas se tornaram um marco e uma
referência para o convívio do cidadão e para a recuperação de um comércio que entrou em
decadência, com as mudanças urbanísticas realizadas e, por sua vez, comentadas no
capítulo1.
Nos ambientes das galerias, encontram-se lojas, lanchonetes, cinemas, entre outros,
fazendo com que o cidadão frequente estes espaços, permitindo a interação social, de forma a
que se estabeleça todo tipo de convívio, favorecendo a aproximação das pessoas, que se
identificam com o espaço através da informação presente neles. Compreende-se que as
galerias foram incorporadas no centro novo da cidade como um ambiente de sociabilidade.
58
3.2 Entrevistada 2
A senhora Ninie é católica, mato-grossense, hoje fixada na cidade de Ubatuba, litoral
paulista, enfermeira aposentada, morou na cidade de São Paulo de 1983 a 1989, no vale do
Anhangabaú, e trabalhou como enfermeira-chefe no hospital Padre Bento, na cidade de
Guarulhos.
O percurso real da senhora Ninie, representado na cor rosa, na figura 4, foi: saindo do
vale do Anhangabaú virou à esquerda na Rua Líbero Badaró, seguiu até o Largo São Bento,
virou à direita na Rua Boa Vista, seguindo até a Praça da Sé, entrou na Rua Benjamin
Constant, foi até o Largo São Francisco, atravessou o Viaduto do Chá e seguiu até a Praça
Ramos de Azevedo, retornando ao vale do Anhangabaú. No entanto, durante a entrevista
coletiva, a senhora Ninie desenhou no mapa outro percurso, representado pela cor vermelha,
na figura 4, sendo: saindo do vale do Anhangabaú virou à esquerda na Rua Líbero Badaró,
seguiu até o largo São Bento, virou à direita na Rua João Brícola, contornou o Largo do Café,
seguiu pela Rua São Bento, virou à esquerda na Rua José Bonifácio, virou à direita na Rua
Paulo Egídio, depois à direita no Largo São Francisco, atravessou o Viaduto do Chá e seguiu
até a Praça Ramos de Azevedo, retornando ao vale do Anhangabaú.
Pelo percurso escolhido e pela dificuldade de representar a sua trajetória real, observa-
-se que a Senhora Ninie, diferentemente dos outros entrevistados, demonstrou dificuldades em
registrar sua visita ao centro de São Paulo, tendo se concentrado no centro velho. Seu
depoimento é marcado por referências religiosas, visto que são três as igrejas destacadas em
seu relato de um conjunto de sete edificações católicas presentes em seu percurso: igreja do
Mosteiro de São Bento (Largo São Bento), igreja de Santo Antônio (Praça do Patriarca),
igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco (Ordem Terceira) e igreja de São Francisco
de Assis (Largo São Francisco), igreja do Beato Anchieta (Pátio do Colégio) e Catedral
Metropolitana (Praça da Sé).
Para Lynch (1997), a necessidade de reconhecer e padronizar nosso ambiente é crucial
e tem raízes tão profundas no passado que essa imagem é de enorme importância prática e
emocional para o ser humano. A imagem clara permite uma locomoção fácil e rápida.
Desta forma, a senhora Ninie, apesar de ter morado no vale do Anhangabaú, o tem
uma imagem mental clara do centro da cidade de São Paulo.
59
Figura 4: Percurso e fotos da senhora Ninie
Fonte: Base Cartográfica DIGIBASE 2003, organizado por Gilberto Back. Laboratório de
Planejamento Turístico da Universidade Anhembi Morumbi
60
O quadro 4 refere-se à percepção da hospitalidade da senhora Ninie, cujas categorias
apresentam, sobretudo, valores baixos. O vínculo mais forte é o religioso, que não é tratado
nesta pesquisa como categoria de análise, podendo ser confundido com o vínculo humano.
Durante a entrevista coletiva, ela quase não se reportou às lembranças do tempo em que
morava no centro da cidade. Os odores e sabores foram comentados, mas sem relevância. O
conforto ambiental foi adotado para representar a relação do ser humano com o seu entorno, e
para ela, no centro de São Paulo, ela não teve esta percepção.
CATEGORIA
ALTO
MÉDIO
BAIXO
Vínculos humanos
x
Odores
x
Sabores
x
Conforto ambiental
x
Quadro 4: Percepção da hospitalidade da senhora Ninie
Fonte: A autora (2010)
Quando questionada sobre a sua experiência e o que sentiu quando fez o percurso, a
senhora Ninie respondeu:
Tem uma memória, mas quando você chega está bem diferente do que
você imaginava. A lembrança muda. Os caminhos foram aleatórios, o que
importava era o espaço que queríamos lembrar. Uma observação mais
apurada (NINIE, 2010).
Durante a entrevista coletiva, a senhora Ninie comentou que tinha lembranças do
centro, mas achou que estava diferente do que ela se recordava da época em que viveu.
Essa confusão ela também fez em seu registro no mapa (figura 4), o que não compromete a
pesquisa, isso mostra as grandes mudanças do desenho urbanístico da região. Por conta do
registro fotográfico da senhora Ninie, considerou-se o percurso real que ela fez (cor rosa).
Os aspectos urbanísticos da cidade de São Paulo em constante transformação para a
senhora Ninie apresentaram-se como um obstáculo para o seu percurso, uma vez que o
reconhecimento ficou comprometido.
Para ela, poderíamos interpretar esta dificuldade como incapacidade de reorientar-se
nas transformações urbanísticas ocorridas no centro da cidade, contudo, é possível analisar e
aprender muito mais sobre a natureza e a estrutura da imagem urbana perante o indivíduo.
61
Fotografia12: Marco Zero
Fonte: Ninie (2010)
A primeira foto (Fotografia 12) selecionada refere-se ao Marco Zero de São Paulo, na
Praça da Sé:
O Marco Zero é impossível ignorá-lo, que é de onde se verificam as
distâncias de todas as cidades (NINIE, 2010).
Segundo o Departamento do Patrimônio Histórico (2010) da cidade de São Paulo, o
Marco Zero, instalado na Praça da Sé, tem a função de demarcar a centralidade urbana. Vale
ressaltar que o atual marco constitui a quarta tentativa de fixar uma centralidade e que foi
realizado em 1932. A obra é de Jean Gabriel Villin e Américo R. Neto e, em cada lado dele,
placas de bronze exibem figuras que representam as direções dos estados que fazem limites
com São Paulo.
A partir do Marco Zero se conta a distância de qualquer ponto da cidade em uma
direção da rodovia tronco.
Os seis pontos representados são: a araucária que lembra o Paraná; o navio que se
refere a Santos de cujo porto saía o café, maior riqueza do país no período; Mato Grosso com
a vestimenta dos bandeirantes; Goiás é lembrado por uma bateia, material de mineração de
superfície; Minas Gerais, por materiais de mineração profunda e o Pão de Açúcar representa o
Rio de Janeiro.
Para a senhora Ninie, o Marco Zero tem a representatividade de se verificar as
distâncias de São Paulo a outras cidades.
62
Fotografia 13: Rua General Carneiro
Fonte: Ninie (2010)
Na segunda foto (Fotografia 13) selecionada, destaca-se o percurso diário pregresso,
pela Rua General Carneiro, sendo que:
[...] a ladeira General Carneiro era a ligação entre o Parque D. Pedro, na
parte baixa da cidade, com a parte alta [Praça Ramos de Azevedo] com
maior circulação a pé. (NINIE, 2010)
A ladeira General Carneiro é valorizada como lugar de passagem, ponto de ligação do
Parque D. Pedro II até a Praça Ramos de Azevedo, trajeto que realizava a pé, pois morava no
Anhangabaú e utilizava-se do transporte urbano, provavelmente ônibus, cujo ponto inicial era
no parque, com destino a Guarulhos, onde trabalhava.
Conhecida por seu comércio informal e popular, a ladeira General Carneiro abrigou o
primeiro Mercado Municipal destinado ao abastecimento da cidade bem como os trilhos dos
bondes que por ali circularam.
A entrevistada Ninie registrou sua fotografia da ladeira General Carneiro, pela Rua
Boa Vista. Nota-se que atualmente a ladeira é praticamente ausente de vendedores ambulantes
e não existe tanto movimento com em tempos anteriores. O registro foi realizado num sábado,
por volta de 10 horas da manhã, e apresenta-se muito calmo, fator decorrente da nova política
adotada pela prefeitura de São Paulo, o programa ―Cidade Limpa‖, criado pelo prefeito
Gilberto Kassab, que higieniza a cidade, como se pode notar na Fotografia 12, em que as
fachadas aparecem limpas.
63
Fotografia 14: Igreja de Santo Antônio
Fonte: Ninie (2010)
A terceira foto (Fotografia 14) é a da igreja Santo Antônio, sobre a qual a entrevistada
comenta:
Como sou católica e vou muito à missa, eu aproveitava para visitar as igrejas
pela sua arquitetura, suas pinturas e suas peças esculpidas em madeira, sendo
que essas três são diferentes [igreja de Santo Antônio, Catedral da Sé e igreja
de São Francisco de Assis]. Pelo fator histórico também, porque as cidades
se desenvolviam em torno das mesmas (NINIE, 2010).
Todas as igrejas citadas por ela sofreram reformas ao longo do tempo, tendo assim
alterada sua arquitetura inicial. A igreja de Santo Antônio é uma das mais antigas do centro de
São Paulo, e constata-se a arquitetura eclética; assim, também é a igreja de São Francisco de
Assis, importante marco da arquitetura colonial da cidade de São Paulo, além de possuir
afrescos que contam a história dos padres franciscanos no Brasil. Não menos importante,
conforme registro fotográfico da senhora Ninie, tem-se a Catedral da Sé, com seu valor
arquitetônico questionável pela descaracterização do gótico, constatado pela sua imensa
cúpula, porém, como todas as catedrais, é reconhecida como sendo um ícone grandioso e
monumental (YÁZIGI, 2006).
64
Fotografia 15: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Fonte: Ninie (2010)
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco é o argumento da quarta foto
(Fotografia 15). Em seu relato, a senhora Ninie refere-se à igreja de São Francisco de Assis,
apesar de ela não integrar o registro; ressalte-se ainda que são duas igrejas e ela sequer se
referiu à igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco (Ordem Terceira):
E a igreja de São Francisco tinha ainda como referência a Faculdade São
Francisco, onde tantos políticos famosos estudaram (NINIE, 2010).
A entrevistada valoriza a igreja de São Francisco em seu relato, mas no seu registro
fotográfico nota-se dificuldade para registrá-la, na verdade, o registro mostra a Faculdade de
Direito e ao ser questionada sobre a fotografia, relata que é um lugar de grande importância
pelo fato de pessoas ilustres terem se formado. Para Kossoy (2002), a fotografia tem uma
―realidade própria‖ que não corresponde necessariamente à realidade que envolve o assunto.
Quando a senhora Ninie viu a fotografia durante a entrevista individual, ela lembrou da igreja
de São Francisco ao ver a foto da Faculdade, e também reconheceu o prédio.
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco começou a funcionar por volta de
1827. Segundo Yázigi (2006), passaram pela Faculdade de Direito nomes ilustres, tais como:
Ruy Barbosa, Prudente de Morais, Campos Salles, Washington Luís, Jânio Quadros,
Rodrigues Alves, entre tantos outros. O Largo São Francisco é um caso típico de espaço
urbano que valoriza a presença de edifícios religiosos.
65
Fotografia 16: Catedral da Sé
Fonte: Ninie (2010)
A Catedral da Sé pode ser contemplada na quinta foto (Fotografia 16) selecionada, em
meio a uma moldura composta pelo relógio e a arborização da Praça da Sé, na saída do metrô:
Eu passava sempre em frente e assistia à missa na Catedral da (NINIE,
2010).
Nota-se que, no registro fotográfico da Catedral da Sé realizado pela entrevistada, a
distância é muito grande, a altura total da edificação foi registrada, mas se encontra
parcialmente escondida atrás das árvores. Isso mostra certo receio de aproximação da
catedral. Motivo aparente é que, atualmente, a Praça da é povoada por mendigos, meninos
de rua, desocupados, engraxates e pregadores de diferentes religiões, o que leva a maior parte
das pessoas a evitar essa região, por receio de sofrer alguma violência. Apesar disso, a
senhora Ninie não deixou de registrar como um dos pontos que considera importante em sua
trajetória de vida na cidade de São Paulo.
66
As fotografias 14, 15 e 16 representam a religiosidade, focalizam as igrejas
frequentadas na época em que a entrevistada residia no vale do Anhangabaú. Percebe-se, no
entanto, que a fotografia 15 é da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mas a
senhora Ninie associou a edificação à igreja de São Francisco, enfatizando as esculturas e
pinturas religiosas admiradas.
Diferentemente dos outros entrevistados, a senhora Ninie enfatizou a arquitetura
religiosa representada pelas igrejas católicas; para os outros entrevistados a visita ao centro
desencadeou lembranças dos restaurantes, cinemas, trabalho e outros passeios.
3.3 Entrevistado 3
O terceiro entrevistado foi o senhor Pacheco, paulistano, morador do bairro da Vila
Guilherme, viúvo, aposentado; na década de 1960 tinha uma empresa no bairro do Carandiru
e frequentava o centro por conta dos seus contatos comerciais, pois os escritórios das grandes
empresas estavam localizados naquela região central.
O percurso escolhido pelo senhor Pacheco, e representado na figura 5, foi: ao sair do
vale do Anhangabaú seguiu em direção à Rua 24 de Maio, entrou nas Grandes Galerias, e
entrou à esquerda na Avenida São João e à esquerda novamente na Rua Dom José de Barros,
virou a esquerda na Rua Barão de Itapetininga, seguiu até o Viaduto do Chá, passou pela
Praça do Patriarca, tomou a Rua da Quitanda e virou à esquerda na Rua Álvares Penteado.
Pela distância percorrida, observa-se que o senhor Pacheco, a exemplo do entrevistado
número quatro, demonstrou familiaridade com o centro, provavelmente por sua profissão na
área comercial, e não teve problemas na escolha dos locais a serem registrados. Nota-se em
seu percurso que atravessou as Grandes Galerias; assim como a entrevistada senhora Ina, o
senhor Pacheco também conhecia e frequentava as galerias do centro, utilizando-as como
passagem para diminuir a distância de seu percurso.
Para Machado (2008), as galerias do centro da cidade de São Paulo tiveram inspiração
nas galerias parisienses, apesar de serem construídas em épocas diferentes e ter a forma,
tamanho e usos diferentes das originais de Paris. As construções de novos edifícios no centro
novo da cidade trouxeram a verticalização urbanística da cidade, mudando o fluxo das
pessoas através das galerias, que podiam ser atravessadas pelos pedestres, além de se firmar
como um espaço novo de consumo de mercadorias, oferecendo à população uma nova relação
entre o espaço público e privado com funções urbanas diversas.
67
Figura 5: Percurso e fotos do senhor Pacheco
Fonte: Base Cartográfica DIGIBASE 2003, organizado por Gilberto Back. Laboratório de
Planejamento Turístico da Universidade Anhembi Morumbi
68
Quando indagado sobre a experiência do registro fotográfico no centro da cidade, o
senhor Pacheco fez comentários emocionados e saudosos sobre o seu percurso e sua vontade
de possuir mais tempo e filme para os seus registros.
A sensação primeira que eu tive foi que a máquina tinha pouco filme! Essa
foi a primeira sensação, de repente foi muito curto.
A outra sensação foi que despertou interesse em pegar uma câmera mais
profissional e fazer isso mais vezes, um momento histórico, a gente vai
perguntar para as pessoas, elas não têm ideia, não têm memória (PACHECO,
2010).
O quadro 5 refere-se à percepção da hospitalidade de acordo com o senhor Pacheco, os
vínculos humanos reportam-no às lembranças do tempo em que frequentava o centro da
cidade, associadas à trajetória profissional. Os odores e sabores não foram muito comentados
pelo entrevistado, pois preferiu ressaltar os aspectos arquitetônicos da cidade. O conforto
ambiental é adotado para representar a relação do ser humano com o seu entorno que, neste
caso, foi muito ressaltado pelo entrevistado que ficou surpreendido e sentiu-se acolhido na
cidade.
CATEGORIA
ALTO
MÉDIO
BAIXO
Vínculos humanos
x
Odores
x
Sabores
x
Conforto ambiental
x
Quadro 5: Percepção da hospitalidade do senhor Pacheco
Fonte: A autora (2010)
Quando lhe foi perguntado sobre a experiência da visita ao centro e as recordações
evocadas pelos registros realizados, destacou:
Na realidade nós fomos buscar os locais da memória, ao buscar os lugares
guardados na memória comecei vislumbrar obras da arquitetura que eu pelo
menos não havia jamais reparado (PACHECO, 2010).
O senhor Pacheco foi buscar lugares que fizeram parte de sua vida, portanto, seu
caminho não foi aleatório. Ao buscar esses lugares se deparou com o objeto arquitetônico,
que, apesar de sempre ter sido parte da cidade, o entrevistado nunca lhe tinha dado
importância.
69
O homem percebe o espaço, também, por suas técnicas, o que resulta em
diferenciação de produzir, circular, residir, comunicar, ações políticas e
religiosas, o lazer, enfim, todas as atividades cotidianas (CÉSAR, 2007, p.
58).
No período em que o senhor Pacheco circulou no centro da cidade a trabalho, não se
preocupava em observar os detalhes arquitetônicos das edificações pelas quais passava, mas a
referência de espaço e função existia. Durante a entrevista, ao comentar o seu percurso para o
registro de suas fotos ele relatou que percebeu o espaço e seu estilo arquitetônico, além disso,
sentiu-se estimulado, o que o reportou a outra época de sua vida.
Fotografia 17: Rua Barão de Itapetininga
Fonte: Pacheco (2010)
A primeira foto (Fotografia 17) escolhida pelo senhor Pacheco é da Rua Barão de
Itapetininga:
A Rua Barão de Itapetininga foi um dos lugares que mais me marcaram, eu
sempre caminhava nela, para ir à Praça da República e com certeza era o
caminho para a Faculdade Mackenzie, onde eu estudava (PACHECO, 2010).
70
A Rua Barão de Itapetininga, conforme capítulo 1, foi planejada para fazer a ligação
da Praça do Patriarca à Praça da República e constituiu um marco na história da cidade; para o
senhor Pacheco, foi um lugar importante para que pudesse realizar seu trabalho e seus
estudos.
Para Machado (2008), a rua é um espaço cada vez mais destinado ao trânsito de
automóveis, com intuito de absorver o fluxo crescente desse tipo de circulação. Nas cidades
modernas as ruas destinadas a pedestres estão cada vez mais restritas, limitando a passagem, e
perdendo assim a possibilidade de novas experimentações neste espaço público. Ressalte-se
que a Rua Barão de Itapetininga preserva o fluxo de pedestres, integrando os calçadões da
área central, atualmente sem ambulantes. Nos anos 1980, porém, os camelôs foram apontados
pelos comerciantes e hoteleiros como um dos motivos de inviabilização do crescimento da
vida econômica do centro da cidade, pois movimentavam dinheiro sem obrigações fiscais,
articulavam a venda de produtos de contrabando na região, provocando acúmulo de lixo,
trazendo com eles a desorganização social, truculência e desrespeito ao cidadão que circulava
no centro de São Paulo (FRÚGOLI JUNIOR, 2000).
Fotografia 18: Galeria Olido
Fonte: Pacheco (2010)
A segunda foto (Fotografia 18) selecionada é da Galeria Olido, localizada na Avenida
São João:
O Cine Olido era o lugar que eu ia para ver os lançamentos de filmes, todos
os lançamentos de filmes aconteciam ... Ele era todo de mármore
(PACHECO, 2010).
71
Segundo Simões (1990), a construção do Cine Olido fez parte de um projeto de
elitização do centro da cidade. Tinha um lobby revestido de mármore, repleto de espelhos de
cristal, com piano e orquestra. No início da década de 1980, foi realizada uma reforma que
dividiu a única sala de 800 lugares em três. Com a decadência do centro, foi fechado e
atualmente, após complexa reforma, o prédio abriga a Secretaria Municipal de Cultura e
alguns equipamentos culturais, sala de exposição, salas de cinemas, para espetáculos musicais
e dança, centros de informática, entre outros.
Para o senhor Pacheco, o Cine Olido era um lugar de entretenimento, mas que ele
também considerava luxuoso por causa do acabamento e, nesse caso, diferente do senhor
Antônio, o mármore representa o luxo e o glamour.
Fotografia 19: Edifício Alexandre Mackenzie, atual Shopping Light
Fonte: Pacheco (2010)
A terceira foto (Fotografia 19) é do Edifício Alexandre Mackenzie, atual Shopping
Light, no Viaduto do Chá, localizado no quarteirão composto pelas ruas Formosa e Xavier de
Toledo. Em primeiro plano, a escultura em homenagem a Carlos Gomes, de Brizzolara, e dois
postes de iluminação ricamente decorados, adornam a esplanada do Municipal.
Era o meu caminho quase todo o dia, sempre passava em frente, e sem dizer
que paguei muitas contas lá. Realmente um dos lugares mais bonitos da
cidade (PACHECO, 2010).
Nota-se na fotografia selecionada pelo senhor Pacheco e na sua entrevista, que ele
considera esse prédio um lugar marcante pela beleza arquitetônica, porém o que fica
72
registrado como uso é o lugar para pagamento de contas, visto que funcionava como sede da
empresa de energia Light. Alterado o seu uso, atualmente funciona como shopping center. O
enquadramento da foto do senhor Pacheco permite visualizar todo o prédio e seu entorno,
demonstrando a significativa importância do conjunto no seu percurso.
Segundo Cesar (2007), as estruturas do espaço são incorporadas por seu vínculo
direto, não se pode relacionar o espaço somente com o local onde está inserido, mas ele é
incorporado pelo indivíduo por meio da condição social que lhe é imposta, estabelecendo
assim relações de formas e funções para a definição de sua totalidade.
Fotografia 20: Teatro Municipal
Fonte: Pacheco (2010)
Do lado oposto, ergue-se o Teatro Municipal, tema da quarta foto (Fotografia 20)
selecionada pelo senhor Pacheco, que registrou a lateral da edificação. Note-se que o prédio
encontrava-se em processo de restauro, o que dificultava a fruição dos elementos decorativos
de sua fachada:
Por exemplo, eu fiz uma foto do Municipal, da lateral, nunca tinha
observado a lateral, hoje observei e fiquei fascinado com a lateral
arquitetônica do Municipal. Eu particularmente nunca tinha observado
(PACHECO, 2010).
Nota-se que a arquitetura do Teatro Municipal sempre esteve presente na sua
lembrança, mas o detalhe da fachada lateral, nunca havia sido observado por ele, o que o
surpreendeu no dia de sua visita.
O objeto arquitetônico tem, como valores simbólicos, os estilos elaborados
por uma sociedade, em seu respectivo espaço social. Envolvido, engendrado
73
no espaço arquitetônico, impondo suas técnicas, definindo seus partidos,
suas funções, atuando e envolvendo os processos que desenvolvem as
tendências edificáveis de transformar, reconstruir e estabelecer uma
articulação que alimenta as necessidades da sociedade e que justificam o seu
próprio papel (CESAR, 2007. p. 99).
O Teatro Municipal, como objeto arquitetônico, tem valor simbólico para o senhor
Pacheco, tanto que ele o registrou durante o seu percurso; de qualquer forma, é interessante
que no seu relato ele comente sua fachada lateral, e não o prédio por seu significado perante a
sociedade e sua fachada principal, comumente retratada.
Fotografia 21: Vale do Anhangabaú
Fonte: Pacheco (2010)
A quinta foto (Fotografia 21) selecionada pelo senhor Pacheco é do vale do
Anhangabaú:
O vale do Anhangabaú é uma vida toda, da minha adolescência à vida
adulta, o conjunto Correio, cinema Cairo e Avenida São João, um dos
lugares mais importantes na minha trajetória de vida (PACHECO, 2010).
O entrevistado estava emocionado durante toda a sua entrevista. Ao falar do vale do
Anhangabaú, parece que havia voltado no tempo, para ele o significado deste espaço foi
cotejado à trajetória de sua vida.
Conforme o capítulo 1, o vale do Anhangabaú foi urbanizado na década de 1910,
concomitantemente à construção do Teatro Municipal, valorizando a região e atraindo para a
localidade: escritórios, comércio e serviços públicos. Resultou a frequência de muitos
74
moradores da cidade, que para se dirigiram para ir ao cinema, fazer compras, estudar,
trabalhar etc.
Para o senhor Pacheco, a visita ao vale do Anhangabaú, como ao centro, trouxe muitas
lembranças de sua trajetória de vida, dos momentos em que trabalhou, mas também algumas
surpresas geradas pelas imagens por ele registradas.
3.4 Entrevistado 4
O quarto entrevistado é o senhor Antônio, paulistano, divorciado, 60 anos, professor
universitário, fixado no bairro do Brás e que na década de 1960 trabalhava em uma agência de
propaganda, no centro de São Paulo, como office-boy. O entrevistado também não teve
problemas em usar a câmera fotográfica ou o mapa, e falou das ruas e lugares do centro
(cinemas, restaurantes etc.) com muita propriedade, pois trabalhou na região por mais de 30
anos.
A figura 6 refere-se ao percurso realizado pelo senhor Antônio: ao sair do vale do
Anhangabaú virou à esquerda na Rua Líbero Badaró, à direita no Viaduto do Chá, à esquerda
na Rua Conselheiro Crispiniano, à direita na Rua Sete de Abril, à direita na Praça da
República e seguiu para a Rua Pedro Américo, virando à direita na Avenida São João,
retornando ao vale do Anhangabaú.
Pela distância percorrida, observa-se que o senhor Antônio tem familiaridade com o
centro e não teve problemas para escolher os locais que queria registrar.
A exemplo dos entrevistados 1 (senhora Ina) e 3 (senhor Pacheco), o senhor
Antônio também escolheu a parte do centro novo da cidade para realizar seu percurso.
Durante toda a sua entrevista, notou-se que para ele as referências de espaço são comuns e
estáveis.
A crião da imagem ambiental é um processo bilateral entre o observador e
o observado. O que ele é baseado na forma exterior, mas o modo como
ele interpreta e organiza isso, e como dirige sua atenção, afeta por sua vez
aquilo que ele vê. O organismo humano é extremamente adaptável e flexível,
e grupos diferentes podem ter imagens muitíssimo diferentes da mesma
realidade exterior (LYNCH, 1997. p. 149).
O senhor Antônio interpreta as imagens não somente baseado na forma exterior, mas
dirige a sua atenção para a lembrança do período em que trabalhou, passeou e mesmo quando
utilizou os serviços públicos presentes no centro da cidade de São Paulo.
75
Percebe-se também que, apesar de ter passado algum tempo sem frequentar o centro, o
entrevistado possui uma identidade que foi expressa quando ele fez seus registros
fotográficos, uma vez que soube associar os novos usos dos espaços com os que ele tem em
sua lembrança.
Figura 6: Percurso e fotos do senhor Antônio
Fonte: Base Cartográfica DIGIBASE 2003, organizado por Gilberto Back. Laboratório de
Planejamento Turístico da Universidade Anhembi Morumbi
76
Segundo Grinover (2007), algumas pessoas podem se sentir abaladas com algumas
mudanças ocorridas no espaço e ter a identidade com o espaço incompleta; para outras
pessoas, como é o caso do senhor Antônio com relação à área central, mesmo com as
mudanças das dimensões espaciais e temporais, a pessoa consegue absorver o espaço como
um todo.
CATEGORIA
ALTO
MÉDIO
BAIXO
Vínculos humanos
x
Odores
x
Sabores
x
Conforto ambiental
x
Quadro 6: Percepção da hospitalidade do senhor Antônio
Fonte: A autora (2010)
Pela entrevista individual com o senhor Antônio percebe-se que todas as categorias
estão associadas com a percepção da hospitalidade, ou pelo discurso, ou pelos registros em
fotos. O quadro 4 reúne a percepção de hospitalidade do senhor Antônio. O vínculo humano
relaciona-se às lembranças do tempo em que frequentava o centro da cidade. Os odores e
sabores foram contemplados como altas lembranças, pois o senhor Antônio não teve a
percepção do centro somente pela imagem, mas pelos locais que vivenciava. O conforto
ambiental, conforme mencionado anteriormente, representa a relação do ser humano com o
seu entorno e, para o senhor Antônio, ele se apresenta em todos os momentos ao falar,
registrar e comentar sobre o centro de São Paulo, sabe explicar detalhadamente todos os
lugares e sempre com muita nostalgia.
Os cinemas da cidade, exemplo do Cine Marrocos, onde os homens tinham
que ir de terno e gravata, era todo de mármore [...].
A Salada Paulista. Na Ipiranga, né, eles marcavam a conta no balcão a
lápis... O balcão era de mármore, então ali do seu lado eles marcavam a
conta ali era duas por uma, duas salsichas com uma maionese (ANTÔNIO,
2010)
Refere-se a duas situações distintas do uso do mármore, tanto na decoração requintada
do cinema, quanto no seu uso inusitado no Salada Paulista. O entrevistado lembrou-se que ali
fazia as vezes do papel, era sobre o mármore que a consumação do cliente era anotada, apesar
da nobreza do material.
77
Questionado sobre a experiência de refazer os percursos pregressos, o senhor Antônio
comentou que:
Levou ao passado, né! Fez com que voltasse no tempo e percebesse aonde
você vivia e como você vivia e coisas que você não via, não enxergava. Hoje
com mais detalhes também pela formação, pela vivência, esse aspecto é
importante e também a conservação da cidade. Percebi que a cidade está
mais limpa, algum ponto mais conservado, algumas fachadas; então achei
isso bastante interessante porque é uma preocupação em preservar aquilo, a
história (ANTÔNIO, 2010).
Nesse caso, ao procurar pelos locais que conhecia, o senhor Antônio rememorou como
eram, e observou as mudanças ocorridas ao longo do tempo na cidade e nele próprio, quando
comenta: ―[...] pela formação, pela vivência [...]‖. Podemos perceber que para a entrevistada
senhora Ina a cidade está o oposto do comentário feito pelo senhor Antônio, pois comenta que
a cidade está degradada e suja.
Segundo o capítulo 2, percebem-se duas formas de observar a relação imagem e
indivíduo, sendo a primeira a nossa percepção que se modifica, conforme vamos
envelhecendo, inclusive por conta das nossas novas experiências. A segunda é com relação à
paisagem urbana, que o é fixa, e quando a observamos em outra época das nossas vidas,
esta paisagem pode conflitar com a lembrança que tínhamos dela
Fotografia 22: Edifício Martinelli
Fonte: Antônio (2010)
78
A primeira foto (Fotografia 22) selecionada é do edifício Martinelli, localizado à Praça
Antônio Prado:
Aquele edifício é o símbolo de São Paulo, não podia deixar de tirar uma foto
(ANTÔNIO, 2010).
Conforme capítulo 1, o edifício Martinelli constituiu uma das obras mais polêmicas de
São Paulo, nos anos 1920, e marcou a transição para a era dos arranha-céus. Até então São
Paulo possuía edifícios de, no máximo, cinco andares. Na década de 1960, o edifício
Martinelli entrou em decadência, ocupado por famílias de baixa renda, mas em 1975, o então
prefeito Olavo Setúbal desapropriou o prédio e deu início à restauração, tornando-o um dos
mais seguros da cidade, e passou a abrigar repartições municipais (FRÚGOLI JÚNIOR,
2000). Para o senhor Antônio, o edifício Martinelli, que chegou a abrigar cinemas,
restaurantes, cassino, escritórios, hotel de luxo e lojas, representa a própria cidade de São
Paulo e sua diversidade social e cultural.
Fotografia 23: Edifício dos Correios
Fonte: Antonio (2010)
A segunda foto (Fotografia 23) é do edifício dos Correios, no vale do Anhangabaú,
esquina com Avenida São João.
Este edifício me marcou porque lá, além de buscar as correspondências da
empresa, eu possuía uma caixa postal. No início quando eu era boy a
imponência do lugar me impressionava muito, eu me sentia entrando num
castelo. E isso me marcou muito (ANTÔNIO, 2010).
79
A experiência vivida pelo senhor Antônio gerou um ―laço‖ com o lugar. Para ele o
edifício dos Correios não era somente um local em que apenas pegava ou deixava
correspondências, mas, na sua lembrança o espaço era grande e imponente.
Associado à experiência de eleição intersubjetiva, o esrito que guarda os
lugares reside neste misterioso laço humano gerado na hospitalidade
recíproca e apertado por meio da responsabilidade moral. Nesta medida, o
uso da expressão ―hospitalidade urbana‖ não remete necessariamente às
condições específicas de vida da cidade, mas, sim, para um traço de caráter
humano essencial que transcende qualquer inscrição territorial ou
comunitária (CAMARGO, 2008. p. 18).
Para o senhor Antônio, a percepção gerada ao reconhecer o espaço foi como um marco
em sua vida profissional e remete a uma condição específica de grandiosidade, pois ele se
sentia como se estivesse em um castelo, remetendo-o aos laços humanos que residem neste
lugar, associados à experiência vivida por ele.
Fotografia 24: Edifício João Brícola, atualmente o edifício abriga as Casas Bahia
Fonte: Antônio (2010)
A terceira foto (Fotografia 24) é do prédio que abriga atualmente as Casas Bahia, na
Rua Barão de Itapetininga, onde ficava a loja de departamentos Mappin.
Nessa questão de moda, as lojas que existiam que eram realmente top, casas
Colombo, que eram lançadoras de tendências e até o próprio Mappin, tinham
os lançamentos, e muitas ofertas... elas não existem mais (ANTONIO,
2010).
80
Para o senhor Antônio, as lojas de departamento eram sinônimo de consumo fácil e
lançavam tendências. Como publicitário, frequentava as lojas Colombo e o Mappin e
admirava suas novidades e ofertas.
Com as novas lojas de departamentos nas capitais, até as pessoas da classe
média e os trabalhadores podiam comprar artigos que antes nem sonhavam
em ter. Na verdade, essa nova forma de comércio provocou o consumo de
coisas supérfluas ou inúteis, o que dava aos compradores a sensação de estar
participando dessa padronização das mercadorias. Mas os lojistas tinham
diante de si um novo desafio: motivar as pessoas a comprar as mais variadas
e indefinidas mercadorias (PADILHA, 2006. p. 50).
Para a hospitalidade, a oferta comercial na maioria das sociedades ocidentais não
possui um valor significativo. A hospitalidade é muitas vezes estudada na questão relativa aos
indivíduos, quando na relação comercial existe o compromisso, mas não o sacrifício
(LASHLEY; MORRISON, 2004).
Para o senhor Antônio, comprar nas lojas de departamentos como o Mappin era uma
motivação de consumo, mas na qual se observa, também, uma relação comercial e de
hospitalidade, motivada pelos contatos com outras pessoas. Outro fato importante é que estas
lojas de departamentos proporcionavam às pessoas de classe média o contato e/ou compras de
produtos que antes disso não poderiam, destacando-se também a possibilidade de conhecer as
novidades do mercado de uma só vez.
Fotografia 25: Edifício Alexandre Mackenzie, atual Shopping Light
Fonte: Antônio (2010)
81
A foto 4 (Fotografia 25) é do prédio Alexandre Mackenzie, antigo prédio da Light
(Shopping Light), localizado na Rua Formosa com Viaduto do Chá e Rua Xavier de Toledo.
Sempre o achei muito bonito e a gente tinha que pagar a luz lá... Todo
mundo pagava a luz lá (ANTÔNIO, 2010).
Conforme capítulo 1, apesar do declínio do centro ele se mostra dinâmico, é dotado de
grande infraestrutura e se caracteriza pela diversidade sociocultural. Com a criação da
Associação Viva o Centro‖, ocorreram iniciativas para a revitalização dos espaços públicos e
privados, por meio da alteração de uso de alguns bens. Atualmente, o abandono dos espaços
no centro das grandes metrópoles é intenso, e São Paulo é um exemplo deste abandono. Com
o movimento de revitalização adotado na cidade, os espaços ganham novos usos e permitem
um novo olhar do usuário perante a cidade.
Para Ortegosa (2009), os lugares na cidade constituem cenários de muitas lembranças,
e à medida que as paisagens construídas nos remetem a significados simbólicos, evocam
situações relacionadas a nossa vida. Ao interpretarmos nossas experiências em uma paisagem
construída, damos significado ao nosso mundo físico.
Fotografia 26: Escola Estadual Caetano de Campos
Fonte: Antônio (2010)
82
A quinta foto (Fotografia 26) corresponde à Escola Estadual Caetano de Campos,
atualmente sede da Secretaria do Estado da Educação, localizada na Praça da República.
Um dos famosos colégios estaduais... Gosto do prédio por causa da
arquitetura, da história e representa a educação do estado de São Paulo.
gente rica estudava lá, com poder aquisitivo alto (ANTÔNIO, 2010).
O edifício da antiga Escola Normal, projetado e executado pelo engenheiro Paula
Souza e pelo arquiteto Ramos de Azevedo, foi tombado em 1975, pelo Condephaat, por
constituir uma referência educacional na cidade. A escola Caetano de Campos tornou-se um
símbolo para a Nova República, assim como referência e polo difusor de teoria científica e
pedagógica (YÁZIGI, 2006).
Essa oscilação entre tradição e tradução escada vez mais evidente num
quadro global: as identidades culturais que estão emergindo em toda a parte
não o ―fixas‖; estão em ―transição‖, retiram seus conteúdos a partir de
diferentes tradições culturais e são produtos cada vez mais comuns num
mundo urbano globalizado.
Como ―tradução‖, descrevem-se formações de identidades compostas por
pessoas que foram ―retiradas‖ para sempre de seu lugar natal. Essas pessoas
têm fortes vínculos com suas terras de origem e suas tradições, mas sem a
ilusão de um retorno ao passado (GRINOVER, 2007. p.150).
A representatividade ou identidade do edifício da Secretaria da Cultura é marcante na
vida do senhor Antônio, justamente pelo seu uso e não somente pelo estilo arquitetônico.
3.5 Análise dos resultados
A pesquisa de campo foi desenvolvida a partir dos conceitos de hospitalidade e
arquitetura, definidos no capítulo 2, e dos fundamentos que dão sustentação à pesquisa
qualitativa, com uso de imagens, mais especificamente, a fotografia.
Foram levantados três tipos de dados diretos: os dados colhidos através do registro
fotográfico dos locais do centro da cidade que marcaram os moradores de São Paulo; a
entrevista coletiva e as entrevistas individuais.
Os dados relativos às lembranças dos entrevistados foram importantes para a análise
deste material, e contribuíram para problematizar as relações entre hospitalidade e arquitetura.
Como houve a oportunidade de utilizar múltiplas fontes de evidência, a análise possui
diferentes abordagens.
83
Objetivando-se uma análise mais apurada, trabalhou-se com quatro categorias de
percepção de hospitalidade, sendo elas: vínculos humanos, odores, sabores e conforto
ambiental.
A categoria vínculo humano trata das lembranças do entrevistado estabelecidas
durante o tempo em que frequentou o centro da cidade. Dos quatro entrevistados todos
apresentaram alto índice de percepção nesta categoria, em que uma das entrevistadas preferiu
fazer seu percurso por locais que ela afetivamente conhecia e que haviam marcado uma época
importante de sua vida (senhora Ina). Também, outro entrevistado (senhor Antônio) tirou uma
foto do prédio dos Correios, pois era o local de que lembrava ter ido várias vezes por conta do
trabalho, e citou, também, que achava o prédio parecido com um castelo.
Conforme o capítulo 1, apesar de o centro ter sofrido um processo de degradação a
partir dos anos 1960, com a saída de muitas empresas que migraram para outros locais na
cidade (como avenidas Paulista e Berrini), muitos prédios passaram por restaurações e ainda
hoje fazem parte do cotidiano das pessoas que ali frequentam. Por conta disso, ao percorrerem
o centro, mesmo que aleatoriamente, os entrevistados puderam rever os lugares que
conheciam e, ainda que diferentes, possibilitaram o resgate da memória da cidade e
estimularam o relato de suas vivências.
A transformação de uma imagem em algo hospitaleiro ou hostil para o indivíduo
depende da relação entre os aspectos subjetivos, psicológicos e os aspectos da sociedade em
que ele estará inserido: valores e grau de inclusão costumes, objetos, arquitetura, usos do
lugar que dão acesso ou não a indivíduos com determinadas características de ordem física,
social ou econômica.
Sendo assim, conforme visto no capítulo 2, a categoria vínculos humanos, apresentada
nos quadros 3, 4, 5 e 6 desta pesquisa, congrega os valores do espaço urbano e de
hospitalidade. Baseada no seu visual ou na sua história, incorpora o cotidiano das
comunidades urbanas, sendo responsável pela identidade e qualidade de vida do indivíduo, o
que ultrapassa o aspecto eminentemente arquitetônico (GRINOVER, 2006). Remete-se, pois,
que os espaços e serviços urbanos possibilitam o convívio das pessoas que os habitam. A
hospitalidade urbana pode ser considerada como resultado desta diversidade cultural, em que
o design urbano influencia na percepção do espaço como instrumento de hospitalidade.
Os odores e sabores foram categorias contempladas, uma vez que a imagem não
traduz a percepção e a identidade com relação ao espaço frequentado pelos entrevistados.
Todos tiveram percepção alta na categoria sabores, mas somente um comentou os odores.
84
No capítulo 1, vimos que o centro abriga muitos anos escritórios, estabelecimentos
comerciais e equipamentos culturais (teatros e cinemas). Isso permitiu que muitos indivíduos
pudessem frequentar tais locais para realizar suas refeições ou para o lazer, mesmo estando na
região a trabalho ou para lá se dirigindo com essa finalidade.
Conforme capítulo 2, não está concentrada apenas no aspecto material a identidade
dos espaços, mas ela também é percebida nas relações que se desenvolvem nestes espaços,
nas coisas que adquirem valor e sentido. Para os entrevistados, as lembranças dos locais em
que almoçavam, lanchavam ou simplesmente iam para comer uma torta ou doce, nos mostram
que a categoria sabor é a que mais se destacou no grupo. Principalmente na entrevista
coletiva, pois, quando um entrevistado se lembrava de um local, do seu trajeto escolhido, que
servia alguma refeição ou guloseima, imediatamente perguntava se os outros conheciam, e
quase sempre as respostas eram acompanhadas de comentários afirmativos e descrições de
momentos agradáveis passados no centro. Percebe-se que a procura por um ambiente
acolhedor pode ser orientada pela necessidade de satisfação das necessidades humanas
O conforto ambiental foi adotado como categoria porque representa a relação do ser
humano com o seu entorno, no que diz respeito às sensações causadas pelo ambiente
construído e as necessidades do indivíduo ao ambiente em que ele interage, considerando
nessa análise aspectos como: iluminação, acústica, térmica e funcional. No conforto visual,
destacam-se o nível de luz, radiação solar, cores, dimensões do ambiente, localização, entre
outros. O aspecto ruído (acústica) é muito importante para avaliar o nível de ruído e qualidade
da comunicação. O aspecto térmico está associado ao clima, à ventilação adequada, e às cores
utilizadas. A funcionalidade do espaço está ligada ao relacionamento das atividades e ao
espaço e seu efetivo uso.
Enfim, é importante existir uma relação entre a cidade e o indivíduo, para que o
visitante do centro da cidade se sinta em um ambiente confortável.
Concluindo a análise dos resultados, tem-se que as entrevistas também apresentaram
algumas surpresas, entretanto, eram esperados relatos mais ricos e interessantes para
contribuir na compreensão da imagem do centro cidade de São Paulo.
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo identificar a imagem da hospitalidade e da arquitetura
do centro de São Paulo por meio de registros fotográficos e de depoimentos de moradores.
No sentido de atingir o objetivo proposto, constatou-se que o percurso metodológico já
foi cumprido: com a pesquisa que dá base para a fundamentação teórica, pesquisa de campo e
entrevistas, e análise da coleta de imagens, informações com os entrevistados e análise final.
Os referenciais teóricos trataram de: hospitalidade, arquitetura e imagem, de forma a
estabelecer as relações entre eles, constituindo, dessa maneira, uma nova interpretação dos
espaços, além da relação das pessoas com o entorno, uma vez que, para Grinover (2006, p.
29) ―a hospitalidade supõe a acolhida; é uma das leis superiores da humanidade, é uma lei
universal.
Uma vez que foi escolhida a área central da cidade de São Paulo, por suas
características peculiares com relação à cultura e ao urbanismo, sendo referência para a
memória do morador, este estudo da hospitalidade por meio da imagem não poderia deixar de
considerar as transformações ocorridas na sociedade.
As imagens (fotografias), feitas pelos moradores, permitiram uma análise inicial da
percepção da hospitalidade e contribuíram para a conclusão desta pesquisa, de forma a
colaborar com outras pesquisas realizadas nesta área.
Ao cotejar as entrevistas com os participantes, observa-se em seus relatos que três
deles trabalharam no centro da cidade e um foi morador. Durante o período em que
conviveram nessa região, eles, além dos trabalhos, estudavam, frequentavam igrejas, cinemas
e realizavam o pagamento de contas. Pelas suas interpretações e percepções, buscaram-se
novos olhares sobre a hospitalidade na vida urbana.
Nas entrevistas e registros fotográficos, percebe-se um vínculo entre o indivíduo e o
espaço urbano a partir da relação de cada um dos entrevistados com a cidade, de forma
afetiva.
A cidade de São Paulo, apesar de suas peculiaridades, permite ao cidadão a identidade
percebida e registrada através da imagem, provocada pela motivação exterior ou interior,
pessoal ou profissional que influenciará decisivamente na concepção e construção da imagem
final. A imagem passa a ser a memória e com ela se confunde. Os entrevistados, ao
observarem e comentarem suas imagens, remetem-se a sua própria história de vida, realizando
um fascinante exercício, o de perceber que a realidade do espaço anda próxima da memória.
86
No espaço urbano, a condição do ser humano é reconhecida pelo tipo de sociabilidade
instaurada na vida contemporânea, e essa sociabilidade leva aos rituais de recepção que
tradicionalmente caracterizam o acolhimento na hospitalidade.
Ao se referenciar fotografia, hospitalidade e arquitetura, pode-se considerar que o
centro da cidade de São Paulo é um local muito rico em histórias e lembranças e, acima de
tudo, que se apresenta como excelente local para futuras investigações.
87
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