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com isso tem a ilusão que sua subjetividade é independente e apresenta uma centralidade.
Atentemos para o fragmento abaixo:
Cipriano Algor afastou-se em direcção ao forno, ia murmurando, como uma
cantilena sem significado, Marta, Marçal, Isaura, Achado, depois por ordem
diferente, Marçal, Isaura, Achado, Marta, e outra ainda, Isaura, Marta, Achado,
Marçal, e outra, Achado, Marçal, Marta, Isaura, enfim juntou-lhes o seu próprio
nome, Cipriano, Cipriano, Cipriano, repetiu-o até perder a conta das vezes, até sentir
que uma vertigem o lançava para fora de si mesmo, até deixar de compreender o
sentido do que estava a dizer, então pronunciou a palavra forno, a palavra alpendre,
a palavra barro, a palavra amoreira, a palavra eira, a palavra lanterna, a palavra
terra, a palavra lenha, a palavra porta, a palavra cama, a palavra cemitério, a palavra
asa, a palavra cântaro, a palavra furgoneta, a palavra água, a palavra olaria, a
palavra erva, a palavra casa, a palavra fogo, a palavra cão, a palavra mulher, a
palavra homem, a palavra, a palavra, e todas as coisas deste mundo, as nomeadas e
as não nomeadas, as conhecidas e as secretas, as visíveis e as invisíveis, como um
bando de aves que se cansasse de voar e descesse das nuvens, foram pousando
pouco a pouco nos seus lugares, preenchendo as ausências e reordenando os
sentidos (SARAMAGO, 2000, p.127).
Cipriano está passando por muitas dificuldades, tanto emocionais como financeiras.
Isso explicita a fragmentação de sua subjetividade. Essa instabilidade é uma característica da
pós-modernidade. Suas dificuldades são tão acentuadas que começa a falar os nomes de
vários objetos e pessoas de forma aleatória, confirmamos essa afirmação com o seguinte
enunciado: “cantinela sem significado”.
Ele precisa saber quem é, ele tinha um referencial até o momento em que o “Centro”
recusa seus produtos, mas agora não tem. Cipriano é um exemplo daquilo que está ocorrendo
com a sociedade pós-moderna, que passa de uma sociedade de produtores para uma de
consumidores, causando, assim, algumas mudanças substancias. De acordo com Bauman
(2007a, p.42):
A sociedade de produtores, principal modelo societário da fase “sólida” da
modernidade, foi basicamente orientada para a segurança. Nessa busca, apostou no
desejo humano de um ambiente confiável, ordenado, regular, transparente e, como
prova disso, duradouro, resistente ao tempo e seguro. Esse desejo era de fato uma
matéria-prima bastante conveniente para que fossem construídos os tipos de
estratégias de vida e padrões comportamentais indispensáveis para atender à era de
fábricas e exércitos de massa, de regras obrigatórias e conformidades às mesmas,
assim como de estratégias burocráticas e panópticas de dominação que, em seu
esforço para evocar disciplina e subordinação, basearam-se na padronização e
rotinização do comportamento individual.