encontra-se presente. Engenho tão poderoso e enraizado em experiências sociais a ponto de nunca
ter se avistado, por exemplo, um autodeclarado “ex-sambista”, “ex-chorão” que tivesse gozado da
glória de pertencer ao clube seleto dos “autênticos”.
195
A existência de um ex-sambista “autêntico”
seria como que uma traição da própria pátria, um lesa-majestade. A luta contra a desintegração
dessa “comunidade”, no sentido forte do termo, também representa a luta contra o advento da
modernidade, da perda de valores e referências imemoriais, enfim, anomia em termos de parâmetros
de julgamento que desrespeitaria o que se tornou bom pela própria natureza.
A partir do ano de 1965, Hermínio e Sérgio Cabral seriam guindados à posição de
conselheiros superiores da música popular do MIS. Após terem aceito a institucionalização oficial
de bom grado, outros empreendimentos se seguiriam, em comunhão com os demais conselheiros. O
propalado “renascimento” do choro na década de 1970, a perenização do ciclo de “descobertas” e
“redescobertas”, o “acerto de contas” da indústria do disco com os “esquecidos” e outras iniciativas
sofreram a mediação desses agora conhecidos e reconhecidos personagens.
ARTISTAS PRODUZIDOS, AUXILIADOS E/OU “(RE)DESCOBERTOS” POR SÉRGIO CABRAL E
HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO ENTRE 1960-80
196
Sérgio Cabral Hermínio Bello de Carvalho
Candeia, Elton Medeiros, Nélson Sargento, Leci Brandão,
Ismael Silva, Mano Décio da Viola, Cartola, Zé Kéti,
Nelson Cavaquinho, Haroldo Lobo, Conjunto Época de
Ouro, Carlos Cachaça, Donga, Silas de Oliveira,
Alcebíades Barcelos (Bide), Madame Satã, Clara Nunes,
Alcione, Beth Carvalho, João Nogueira, Nelson
Gonçalves, Eliana Pittman, Martinho da Vila, Velha
Guarda da Portela, Paulinho da Viola, Roberto Ribeiro etc.
Clementina de Jesus, Aracy de Almeida, Aracy Cortes,
Elizeth Cardoso, Paulinho da Viola, Pixinguinha,
Anescarzinho do Salgueiro, Élton Medeiros, Nelson
Sargento, Cartola, João da Baiana, Donga, Dalva de
Oliveira, Zimbo Trio, Marlene, Turíbio Santos, Roberto
Ribeiro, Simone, João de Aquino, Isaura Garcia, Marisa
Gata Mansa, Eduardo Marques, Zezé Gonzaga, Valzinho,
Maurício Tapajós, Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali,
Camerata Carioca, Carmen Costa, Alaíde Costa, Eduardo
Gudin, Raphael Rabello etc.
Enquanto no universo da MPB, o processo de unificação e legitimação dos estilos musicais e dos
artistas teria se valido enormemente das engrenagens movidas pelo rádio, pelo disco e pela
televisão, dando lugar a um espaço simbólico associado ao “bom gosto”, a certo refinamento
estético e ao engajamento, o samba e o choro “autênticos” teriam encontrado seu melhor abrigo em
uma travessa onde o público e o privado se retroalimentavam, conforme será visto a seguir. O ideal
seria que tais atividades de preservação pudessem ser executadas por instituições artesanais, ao
modo dos puristas que se aventuravam em pequenas gravadoras de discos, caso da Marcus Pereira.
Os selos “culturais” das grandes gravadoras, no entanto, estavam empenhados em nublar a
finalidade comercial, fazendo com que manifestações musicais “diferenciadas” pudessem vir à tona,
ainda que o impasse fosse percebido e externado por artistas e porta-vozes argutos do chamado
“primeiro time” da MPB.
197
Alguns folcloristas – teóricos afinados com os intelectuais êmicos do
195
Fato muito corriqueiro, por exemplo, com artistas filiados à reprodução de estilos musicais vanguardísticos ou
mesmo a estilos musicais que possibilitam, por conta das suas injunções históricas específicas, tais rompimentos, como
o rock.
196
Fontes: Lisboa (2003) e Pavan (2006).
197
Chico Buarque, por exemplo, em uma peça de teatro de sua lavra, o Roda-Viva, denunciaria a sanha intervencionista
203