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CAPÍTULO I - FAMÍLIA E PODER
1.1 Origens da Família
De acordo com Lévi-Strauss (1980), a espécie humana só pôde se perpetuar mediante a
afirmação do social, das alianças estabelecidas com base na troca
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, da negação da família
como ordem natural, ou seja, através das alianças estabelecidas entre os grupos humanos não
ligados entre si pela consangüinidade. Destaca-se, portanto, a afirmação decisiva de Lévi-
Strauss:
Só se permite a vida das famílias restritas que durem senão por um período limitado de tempo, curto ou
longo segundo o caso, mas sob a estrita condição de que seus membros sejam incessantemente
deslocados, emprestados, apropriados, dados ou devolvidos, de modo a que novas famílias restritas
possam ser permanentemente criadas ou destruídas. Assim, as relações entre o grupo social como um
todo e as famílias restritas que parecem constituí-lo não são estáticas [...] É antes um processo dinâmico
de tensão e oposição com um ponto de equilíbrio muito difícil de encontrar [...] Mas, as palavras das
escrituras – ‘Deixarás o teu pai e a tua mãe' – proporcionam a regra de ferro para o funcionamento de
qualquer sociedade (LÉVI-STRAUSS, 1980, pp.378-379).
Para o autor, a família restrita contradiz a sociedade e a aliança, que requer previamente a
existência de duas famílias, dispostas ao contato com outros grupos, mediante a negação do
incesto
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, sob cujo pilar se estruturam as bases para a existência da sociedade, bem como se
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O autor salienta que o sistema de troca estabelece a aliança entre os grupos. A aliança ocorre pelo matrimônio,
que acontece quando há uma mulher e dois homens: um que oferece a mulher de sua unidade familiar e outro
que recebe instalando-se, portanto, a relação exogâmica. Porém, a exogamia é um tema controverso no que
concerne ao papel das mulheres nos sistemas de trocas. Lévi-Strauss (1982), alega a existência empiricamente
observável, embora não universal, da supremacia masculina. Para ele, o fato fundamental reside em homens
trocarem mulheres. Na remissão que Bourdieu (2003), realiza a Lévi-Strauss (1982), tanto homens quanto
mulheres circulavam entre os grupos. Não seriam apenas as mulheres os instrumentos de troca ou de aliança
entre os povos, mas também os homens, nas chamadas comunidades fraternais. Gayle Rubin (1986), ressalta que
à teoria da aliança de Lévi-Strauss (1982), coloca a mulher no lugar de objeto de troca sem valor equivalente ao
homem.
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Tanto Freud (1913), quanto Lévi-Strauss (1982), corroboram o tabu do incesto como regra universal. Mead
(1999), refuta a proposição apresentada por ambos, a partir do estudo de povos como os do Egito, da Pérsia, do
Sião, da Birmânia e do Havaí. Acorde a autora, nesses grupos o incesto seria permitido e mesmo incentivado
devido a interesses econômicos e políticos. Cultivavam a tradição de casamentos entre irmãos e irmãs, e mesmo
entre pais e filhos, a fim de manter intacta a linhagem das casas reais. Porém, a explicação lévi-straussiana para a
relevância do tabu do incesto consiste no fato de o tabu, não ter como fundamento um impedimento biológico
Ou seja, não há nada que ameace a reprodução da espécie humana. No entanto, tendo em vista a prática natural
feita dentro da família, prática que impõe aos adultos educar os filhos, o incesto viria desorganizar as distinções
de idade e a manutenção de uma ordem estável entre gerações; sob esse ângulo o incesto desorganizaria os
sentimentos e traria uma violenta troca de papéis, num contexto em que a família é o principal agente
educacional e de mediação social.