Download PDF
ads:
LUANA ROBERTA OLIVEIRA DE MEDEIROS PEREIRA
AS ATIVIDADES DE APRECIAÇÃO MUSICAL EM DIÁLOGO COM O DESENHO Uma
análise das primeiras expressões do conhecimento musical por crianças de 3 a 6 anos
Belo Horizonte
Escola de Música da UFMG
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
LUANA ROBERTA OLIVEIRA DE MEDEIROS PEREIRA
AS ATIVIDADES DE APRECIAÇÃO MUSICAL EM DIÁLOGO COM O DESENHO Uma
análise das primeiras expressões do conhecimento musical por crianças de 3 a 6 anos
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em Música da Universidade
federal de Minas Gerais como requisito à
obtenção de grau de Mestre em Música.
Linha de Pesquisa: Estudo das práticas
musicais
Orientadora: Profa. Dra. Wanda de Paula
Tofani
Belo Horizonte
Escola de Música da UFMG
2010
ads:
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 15
CAPÍTULO 1 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA CRIANÇA ............................. 18
1.1 A PSICOLOGIA COGNITIVA DE JEAN PIAGET ......................................................... 18
1.1.1. Introdução Conceitos Centrais ............................................................. 18
1.1.2. A inteligência representativa e a inteligência sensório motora ............. 22
1.1.3. A natureza do pensamento pré-operacional .......................................... 23
1.1.4. Problematizando Piaget e a música ........................................................ 27
1.2 VYGOTSKY E OS CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO REAL, POTENCIAL E A ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL ................................................................................. 29
1.3 A TEORIA ESPIRAL DE DESENVOLVIMENTO MUSICAL DE SWANWICK E TILLMAN ......... 32
CAPÍTULO 2 O DESENHO INFANTIL ......................................................................... 35
2.1 A CONTRIBUIÇÃO DE LUQUET .............................................................................. 37
2.2 AS IDÉIAS DE PIAGET ............................................................................................ 43
2.3 A VISÃO DE LOWENFELD ...................................................................................... 45
2.4 FORMAS DE PENSAR O DESENHO DE ACORDO COM EDITH DERDYK .................. 53
2.4.1. O grafismo e o gesto ............................................................................... 53
2.4.2. O corpo é a ponta do lápis ...................................................................... 56
2.4.3. A sugestão do gesto ................................................................................ 56
2.4.4. O primeiro círculo ................................................................................... 59
2.4.5. O desenho, a fala e a escrita ................................................................... 61
2.4.6. Imitação e cópia ...................................................................................... 62
2.4.7. Observação, memória e imaginação ...................................................... 63
2.5. A APRECIAÇÃO MUSICAL E O DESENHO .............................................................. 64
CAPÍTULO 3 METODOLOGIA ................................................................................... 71
3.1 OBJETO DE PESQUISA ........................................................................................... 71
3.2 MÉTODO ............................................................................................................... 72
3.2.1. Delineamento.......................................................................................... 72
3.2.2. Amostra ................................................................................................... 73
3.2.3. Procedimentos ........................................................................................ 74
3.2.4. Análise de dados ..................................................................................... 75
CAPÍTULO 4 ANÁLISE DOS DESENHOS REALIZADOS APÓS A ATIVIDADE DE
APRECIAÇÃO MUSICAL .............................................................................................. 76
4.1 DVORÁK Sinfonia n. 9 (Novo Mundo) Primeiro Movimento .......................... 76
4.2 SAINT-SAËNS Carnaval dos Animais Galinhas e Galos .................................. 103
4.3 VILLA-LOBOS O trenzinho do caipira (da Bachiana Brasileira no. 2) ............... 122
4.4 RICHARD WAGNER A cavalgada das Valquírias ............................................... 143
4.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ANÁLISES ............................................................... 163
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 203
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 208
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Bonecos sem tronco .................................................................................. 40
Figura 2 - Transparência ............................................................................................. 41
Figura 3 Rebatimento (rodas e carroça) e planificação (bonecos) .......................... 41
Figura 4 Transparência e Rebatimento ................................................................... 42
Figura 5 Realismo visual........................................................................................... 43
Figura 6 Garatuja desordenada ............................................................................... 47
Figura 7 Garatuja ordenada ..................................................................................... 47
Figura 8 Garatuja ordenada ..................................................................................... 47
Figura 9 Linha de base ............................................................................................. 50
Figura 10 Dobragem ............................................................................................... 50
Figura 11 Raio X ....................................................................................................... 51
Figura 12 Verdadeiras coreografias no espaço do papel ........................................ 55
Figura 13 Íris 3 anos e 6 meses ............................................................................. 58
Figura 14 Olha eu aí - Marina .................................................................................. 60
Figura 15 Desenho 1 ............................................................................................... 78
Figura 16 Desenho 2 ................................................................................................ 79
Figura 17 Desenho 3 ............................................................................................... 80
Figura 18 Desenho 4 ................................................................................................ 81
Figura 19 Desenho 5 ................................................................................................ 82
Figura 20 Desenho 6 ................................................................................................ 83
Figura 21 Desenho 7 ................................................................................................ 84
Figura 22 Desenho 8 ................................................................................................ 85
Figura 23 Desenho 9 ................................................................................................ 86
Figura 24 Desenho 10 .............................................................................................. 87
Figura 25 Desenho 11 .............................................................................................. 89
Figura 26 Desenho 12 ............................................................................................. 90
Figura 27 Desenho 13 .............................................................................................. 91
Figura 28 Desenho 14 .............................................................................................. 92
Figura 29 Desenho 15 .............................................................................................. 93
Figura 30 Desenho 16 .............................................................................................. 94
Figura 31 Desenho 17 .............................................................................................. 95
Figura 32 Desenho 18 .............................................................................................. 97
Figura 33 Desenho 19 .............................................................................................. 98
Figura 34 Desenho 20 .............................................................................................. 99
Figura 35 Desenho 21 ............................................................................................ 100
Figura 36 Desenho 22 ............................................................................................ 101
Figura 37 Desenho 23 ............................................................................................ 102
Figura 38 Desenho 24 ............................................................................................ 104
Figura 39 Desenho 25 ............................................................................................ 105
Figura 40 Desenho 26 ............................................................................................ 106
Figura 41 Desenho 27 ............................................................................................ 107
Figura 42 Desenho 28 ............................................................................................ 108
Figura 43 Desenho 29 ............................................................................................ 109
Figura 44 Desenho 30 ............................................................................................ 110
Figura 45 Desenho 31 ............................................................................................ 111
Figura 46 Desenho 32 ............................................................................................ 112
Figura 47 Desenho 33 ............................................................................................ 113
Figura 48 Desenho 34 ............................................................................................ 114
Figura 49 Desenho 35 ............................................................................................ 115
Figura 50 Desenho 36 ............................................................................................ 116
Figura 51 Desenho 37 ............................................................................................ 117
Figura 52 Desenho 38 ............................................................................................ 118
Figura 53 Desenho 39 ............................................................................................ 119
Figura 54 Desenho 40 ............................................................................................ 120
Figura 55 Desenho 41 ............................................................................................ 121
Figura 56 Desenho 42 ............................................................................................ 123
Figura 57 Desenho 43 ............................................................................................ 124
Figura 58 Desenho 44 ............................................................................................ 125
Figura 59 Desenho 45 ............................................................................................ 126
Figura 60 Desenho 46 ............................................................................................ 127
Figura 61 Desenho 47 ............................................................................................ 128
Figura 62 Desenho 48 ............................................................................................ 129
Figura 63 Desenho 49 ............................................................................................ 130
Figura 64 Desenho 50 ........................................................................................... 131
Figura 65 Desenho 51 ............................................................................................ 132
Figura 66 Desenho 52 ............................................................................................ 133
Figura 67 Desenho 53 ............................................................................................ 134
Figura 68 Desenho 54 ........................................................................................... 135
Figura 69 Desenho 55 ............................................................................................ 136
Figura 70 Desenho 56 ............................................................................................ 137
Figura 71 Desenho 57 ............................................................................................ 138
Figura 72 Desenho 58 ............................................................................................ 139
Figura 73 Desenho 59 ............................................................................................ 140
Figura 74 Desenho 60 ............................................................................................ 141
Figura 75 Desenho 61 ............................................................................................ 142
Figura 76 Desenho 62 ............................................................................................ 144
Figura 77 Desenho 63 ............................................................................................ 145
Figura 78 Desenho 64 ............................................................................................ 146
Figura 79 Desenho 65 ............................................................................................ 147
Figura 80 Desenho 66 ............................................................................................ 148
Figura 81 Desenho 67 ............................................................................................ 149
Figura 82 Desenho 68 ............................................................................................ 150
Figura 83 Desenho 69 ............................................................................................ 151
Figura 84 Desenho 70 ............................................................................................ 152
Figura 85 Desenho 71 ............................................................................................ 153
Figura 86 Desenho 72 ............................................................................................ 154
Figura 87 Desenho 73 ............................................................................................ 155
Figura 88 Desenho 74 ............................................................................................ 156
Figura 89 Desenho 75 ............................................................................................ 157
Figura 90 Desenho 76 ............................................................................................ 158
Figura 91 Desenho 77 ............................................................................................ 159
Figura 92 Desenho 78 ............................................................................................ 160
Figura 93 Desenho 79 ............................................................................................ 161
Figura 94 Desenho 80 ............................................................................................ 162
Figura 95 Exemplos de grafias de direcionalidade sonora .................................... 175
Figura 96 Desenho da criança 10 “Cabana” ....................................................... 175
Figura 97 Desenho da criança 13 “Árvore de Natal” ......................................... 176
Figura 98 Desenho da criança 9 “Montanha” .................................................... 176
Figura 99 Desenho da criança 16 .......................................................................... 176
Figura 100 Desenho da criança 17 ......................................................................... 176
Figura 101 “O som alto” ........................................................................................ 179
Figura 102 “O som pequeno” ............................................................................... 180
Figura 103 “Fiz baixa e alta, baixa alta e depois muito alta e altão!” .................. 180
Figura 104 “O palhaço e a bailarina” .................................................................... 180
Figura 105 “Desenhei o lobo verde” ..................................................................... 180
Figura 106 “Uma menina tocando violino” .......................................................... 181
Figura 107 “Desenhei o piano” ............................................................................. 181
Figura 108 “Árvore de natal, com um piano perto e chuva” ................................ 182
Figura 109 “Duas meninas e um piano rápido” .................................................... 182
Figura 110 “Um violino” ........................................................................................ 183
Figura 111 “Uma menina tocando violino” .......................................................... 183
Figura 112 “Desenhei uma noiva, sentada na cadeira, escutando música” ........ 184
Figura 113 “Desenhei as notas que é grosso ou fino, depende da hora” ............ 184
Figura 114 “Uma flauta, trompa, trombone e violino” ........................................ 184
Figura 115 “Desenhei o tambor seguindo a música” ........................................... 185
Figura 116 “Notas musicais ................................................................................. 185
Figura 117 “Um rei, ouvindo o som da guerra, o soldado do rei...”...................... 185
Figura 118 “Os riscos são a música forte e devagar...” ......................................... 185
Figura 119 “Desenhei uma menina gritando” ...................................................... 186
Figura 120 “Desenhei uma nave, um monte de carinha da Terra...” ................... 186
Figura 121 “Desenhei as notas musicais” ............................................................. 187
Figura 122 “Desenhei uma noiva, sentada na cadeira, escutando música” ......... 187
Figura 123 “Desenhei um rapaz tocando tambor e uma menina tocando violino”187
Figura 124 “Fiz alta e baixa, baixa e alta e depois muito alta e altão” ................. 188
Figura 125 “O vermelho é fraco e o amarelo e rosa é o forte” ............................ 188
Figura 126 “O som altão” ...................................................................................... 189
Figura 127 “A música parece com o desenho que eu fiz!” .................................... 189
Figura 128 “O tambor e o som” ............................................................................ 189
Figura 129 “O som” ............................................................................................... 190
Figura 130 “Desenhei a guerra” ............................................................................ 190
Figura 131 “Flauta tambor e violino tocando junto” ............................................ 190
Figura 132 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais ......................................... 191
Figura 133 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais .......................................... 192
Figura 134 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais .......................................... 192
Figura 135 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais .......................................... 192
Figura 136 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais .......................................... 192
Figura 137 “Um homem assobiando desesperado. Um piano. Lenta.” ............... 193
Figura 138 “Desenhei a noiva. Estava com vontade de colorir a folha.” .............. 193
Figura 139 “Violino, flauta, piano” ........................................................................ 195
Figura 140 “Tambor, clarineta, chocalho e as notas musicais” ............................ 195
Figura 141 “Desenhei um tambor” ....................................................................... 196
Figura 142 “Chocalho, cascavel, tambor, trompa, piano, clarineta, violino” ....... 196
Figura 143 “Uma mulher, flauta, tambor e depois trompa” ................................ 197
Figura 144 “Um homem ensinando o filho a tocar um instrumento” ................. 197
Figura 145 “Uma menina, um violino e um piano” .............................................. 197
Figura 146 “Eu tocando violino e piano” ............................................................... 198
Figura 147 “Um homem tocando piano” ............................................................. 198
Figura 148 “Um homem tocando piano” ............................................................. 199
Figura 149 “Desenhei o violino e uma menina escutando o tambor” ................. 199
Figura 150 “Uma bailarina” .................................................................................. 200
Figura 151 “Eu escutando a música agitada e depois calma, e a flauta” .............. 200
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Classificação dos relatos sobre a obra de Dvorák de acordo com a Teoria
Espiral ....................................................................................................................... 163
Gráfico 2 Classificação dos relatos sobre a obra de Saint-Saëns de acordo com a
Teoria Espiral ............................................................................................................ 165
Gráfico 3 Classificação dos relatos sobre a obra de Villa-Lobos de acordo com a
Teoria Espiral ............................................................................................................ 166
Gráfico 4 Classificação dos relatos sobre a obra de Wagner de acordo com a Teoria
Espiral ....................................................................................................................... 167
Gráfico 5 Classificação dos relatos do Grupo A ..................................................... 169
Gráfico 6 Classificação dos relatos do Grupo B ..................................................... 170
Gráfico 7 Classificação dos relatos do Grupo C ..................................................... 171
Gráfico 8 Classificação dos relatos do Grupo D ..................................................... 172
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo investigar o desenvolvimento cognitivo-
musical de crianças de três a seis anos de idade, alunos da Educação Infantil de escola
regular da rede privada de Belo Horizonte, avaliando a eficácia do uso de desenhos em
atividades de apreciação musical com crianças nesta faixa etária.
Com a análise dos desenhos e relatos individuais coletados em atividades
metodologicamente controladas, pretende-se observar a relação entre os desenhos
produzidos pelas crianças e os relatos sobre os mesmos.
Para a realização das análises dos desenhos pretende-se estabelecer relações
entre as teorias de Luquet (1927), Piaget (1948) e Lowenfeld (1977) sobre o
desenvolvimento do desenho infantil e os desenhos produzidos. Há um consenso entre
as três teorias de que o desenvolvimento do desenho está ligado ao desenvolvimento
cognitivo da criança; embora os teóricos em momento algum explicitem os processos
cognitivos responsáveis pelo desenvolvimento do desenho infantil.
Para analisar os níveis de compreensão musical dos relatos das crianças,
empregou-se o modelo Espiral do Desenvolvimento da Compreensão Musical proposto
por Swanwick e Tillman (1986).
A partir de um conhecimento profundo do processo de desenvolvimento do
desenho infantil e do desenvolvimento cognitivo das crianças em estudo, aliado aos
conhecimentos acerca da compreensão musical, poderemos encontrar meios que nos
ajudem a analisar e estabelecer relações nas criações e relatos apresentados pelas
crianças a partir de atividades de apreciação.
ABSTRACT
This research aims to investigate the cognitive and musical development of
children from three to six years old, students from kindergarten of a regular private
school in Belo Horizonte, evaluating the effectiveness of the use of drawings in music
appreciation activities with children in this age.
With the analysis of individual reports and drawings collected in
methodologically controlled activities, we intend to observe if through the drawing
(allied to report about this drawing) the child can express what and how she
understands the music heard.
To carry out the analysis of the drawings we intended to establish
relationships between theories of Luquet (1927), Piaget (1948) and Lowenfeld (1977)
on the development of children's drawing and the drawings produced. There is a
consensus between the three theories of the development of the design linked to
cognitive development, although the theorists at no time explicit cognitive processes
responsible for the development of children's drawing. To examine the levels of
musical understanding of the reports of the children, we used the model of Spiral
Development of Musical Understanding proposed by Swanwick and Tillman (1986).
From a deep knowledge of the development process of children's drawing and
cognitive development of children in the study, combined with the knowledge of the
musical understanding, we can find ways to help us to analyze and establish
relationships in the drawings and reports made by children from activities of
assessment.
15
INTRODUÇÃO
O uso de desenhos é bastante comum em aulas de musicalização,
especialmente em se tratando de atividades de apreciação. De um modo geral, está
presente no senso comum a idéia de empregar esta atividade com o objetivo de
“relaxar” a turma, para que as crianças possam descansar ao final de uma aula longa e
cansativa, ou mesmo para que o próprio professor descanse de aulas extenuantes.
Este emprego dos desenhos também é visto como uma atividade que está sempre
disponível como uma “carta na manga” para quando tudo o que foi planejado para a
aula parece dar errado. Entretanto, pensar o desenho como uma atividade de
relaxamento significa colocá-lo em um patamar inferior a qualquer atividade de
experimentação artística. O desenho é uma área de conhecimento como outra
qualquer no campo das artes e ele consolida a experiência visual. Nesta pesquisa,
desenvolvo um estudo que investiga a potencialidade do desenho em consolidar ou
ampliar a experiência musical, uma vez que ele também, como a música, desenvolve a
refina a sensibilidade das crianças.
Sempre utilizei os desenhos nas atividades de apreciação por acreditar que eles
eram importantes no processo de acomodação dos conteúdos, uma vez que fui
percebendo que os alunos fixavam melhor estes conteúdos depois de realizarem
atividades como esta.
A verificação dos conteúdos musicais aprendidos é mais simples, objetiva,
direta, mais facilmente observável em atividades envolvendo a performance e a
composição. Contudo, na apreciação torna-se mais complicado averiguar como os
conteúdos estão sendo assimilados pelas crianças. Foi na tentativa de buscar
ferramentas que permitissem verificar o quê e como os conteúdos estavam sendo
assimilados/acomodados que passei a utilizar os desenhos nas atividades de
apreciação.
Inicialmente, e por influência de vários cursos e disciplinas com professores
especialistas da área, passei a realizar as atividades de apreciação mediadas pela
16
narração de histórias especialmente pensadas para enfatizar algum conteúdo musical
que fosse marcante na peça selecionada (como a forma, contrastes expressivos,
dinâmica, etc.). Um estudo de caso foi realizado para verificar se a atividade era
realmente pertinente e se as crianças apreendiam e interiorizavam os conceitos que a
história pretendia enfatizar (cf. SANTOS 2008, SANTOS e PEREIRA, 2009). Neste estudo,
comparei a produção gráfica de duas crianças: a primeira participando da atividade de
apreciação mediada pela história e a segunda sem a narração de história. Os
resultados indicaram claramente que a compreensão musical da criança que participou
da atividade mediada pela história foi muito mais profunda do que a da outra criança.
Mesmo a complexidade do desenho foi bastante contrastante, apontando para
direções similares às dos conteúdos musicais.
Ainda assim pairava no ar outra questão: seriam os desenhos ferramentas úteis
que pudessem demonstrar a forma com a qual as crianças interiorizavam os conteúdos
aprendidos em sala de aula? Como poderia perceber nestes desenhos indícios de
compreensão musical que tivessem sido acomodados pelos alunos, sem que eles
fossem induzidos a representar determinados conceitos (como no caso da narração de
histórias)? Como as crianças seriam capazes de demonstrar alguns conceitos musicais
interiorizados espontaneamente através dos desenhos? Ou os desenhos seriam
realmente apenas um adereço à atividade musical?
Na tentativa de encontrar respostas a estas perguntas é que esta dissertação
foi escrita. É importante ressaltar que a atividade aqui analisada é resultado de todo
um processo anterior de musicalização. Não se pretende generalizar informações
sobre a relação entre o desenho das crianças e a música, mas sim observar a produção
de desenhos neste caso específico como parte de um processo de musicalização que já
vinha acontecendo anteriormente.
No primeiro capítulo busca-se apoio teórico em autores que versam sobre o
desenvolvimento cognitivo das crianças, especialmente Piaget e Vygotsky. No segundo
capítulo, apresenta-se um corpus teórico específico sobre o processo de
desenvolvimento do desenho infantil, bem como pesquisas realizadas na área da
música envolvendo desenhos de crianças e adultos. No terceiro capítulo encontra-se
17
explicitada a metodologia aplicada a esta investigação. Neste capítulo a atividade de
apreciação é descrita, bem como os diferentes grupos de crianças sujeitos da
pesquisa. No quarto capítulo encontram-se as análises dos desenhos coletados e as
conclusões a que elas nos conduziram.
18
CAPÍTULO 1 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA CRIANÇA
1.1 A PSICOLOGIA COGNITIVA DE JEAN PIAGET
1.1.1 Conceitos Centrais
Jean Piaget (1896 1980), biólogo suíço, é um pesquisador de grande
relevância na área da psicologia, tanto por suas pesquisas na área cognitiva, quanto
pelas possibilidades que se abriram a partir de seus estudos em diferentes áreas do
conhecimento.
Piaget desenvolveu uma teoria que busca explicar a maneira pela qual se dá o
processo cognitivo nos seres humanos: como é possível aprender, conhecer e atribuir
significado ao mundo que nos cerca.
Para Piaget (1967), a gênese do conhecimento está no próprio sujeito: o
pensamento lógico é construído na interação homem-objeto, não sendo inato ou
tampouco externo ao organismo. Desta forma, tanto a experiência sensorial quanto o
raciocínio são fundamentais no processo de constituição da inteligência, ou do
pensamento lógico do homem.
Para que o desenvolvimento aconteça é necessário tanto a estrutura biológica
do ser humano que o possibilita desenvolver-se mentalmente, quanto a interação do
sujeito com o objeto a conhecer.
Na obra Seis Estudos de Psicologia, Piaget (1967) apresenta o conceito de
equilibração que explica todo o processo do desenvolvimento humano. O equilíbrio
para Piaget se caracteriza por sua estabilidade, o que não significa imobilidade. Cada
estrutura cognitiva interna pode sofrer perturbações exteriores que tendem a
modificá-la. Para Piaget equilíbrio quando estas perturbações exteriores são
compensadas pelas ações do sujeito orientadas no sentido da compensação. Visto
desta maneira, o “equilíbrio é sinônimo de atividade” (PIAGET, 1967, p. 127).
19
A teoria de Piaget leva em conta a atuação de dois elementos básicos ao
desenvolvimento humano: os fatores invariantes e os fatores variantes.
a) Os fatores invariantes: Segundo Piaget, o indivíduo apresenta ao nascer
uma série de estruturas biológicas - sensoriais e neurológicas - que permanecem
constantes ao longo da sua vida. A partir dessas estruturas biológicas é que será
possível surgir certas estruturas mentais. Flavell (1986, p. 44) afirma que, de acordo
com a teoria piagetiana, considera-se que o indivíduo apresenta duas características
inatas: a tendência natural à organização e à adaptação. Assim, todo ser vivo se adapta
ao seu ambiente e possui propriedades de organização que possibilitam a adaptação.
A organização é inseparável da adaptação: são os dois processos complementares de
um único mecanismo; o primeiro é o aspecto interno do ciclo do qual a adaptação
constitui o aspecto externo.
b) Os fatores variantes: Estes fatores são representados pelo conceito de
esquema que constitui a unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo
piagetiano. O esquema seria um elemento que se cria, amplia e modifica no processo
de interação com o meio, sempre visando à adaptação do indivíduo ao real que o
circunda (FLAVELL, 1986, p. 51-52).
Neste processo contínuo de interação como meio, o organismo do ser
humano busca sempre o equilíbrio. Quando o equilíbrio é rompido, o organismo
realiza esforços para que a adaptação se restabeleça. Para que ocorra esta adaptação
é necessário que aconteçam dois mecanismos distintos, porém indissociáveis e
complementares: a assimilação e a acomodação.
A assimilação é um processo de modificação dos elementos do meio, de
modo a incorporá-los à estrutura do organismo. Ocorre, desta forma, um ajustamento
do objeto. A assimilação pode ser entendida como a tentativa do indivíduo em
solucionar uma determinada situação a partir da estrutura cognitiva que ele possui
naquele momento específico da sua existência. Como o processo de assimilação
representa sempre uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos
esquemas previamente estruturados, ao entrar em contato com o objeto do
20
conhecimento o indivíduo busca retirar dele as informações que lhe interessam
visando sempre a restabelecer a equilibração do organismo.
A acomodação, por sua vez, ocorre quando o organismo precisa ajustar seu
funcionamento às características específicas do objeto que está tentando assimilar.
Assim, é um ajustamento ao objeto. A acomodação seria a capacidade de modificação
da estrutura mental antiga para dar conta de dominar um novo objeto do
conhecimento.
Pode-se sintetizar os processos de adaptação da seguinte forma: toda
experiência é assimilada a uma estrutura de idéias existentes (esquemas) podendo
provocar uma transformação nesses esquemas, ou seja, gerando um processo de
acomodação.
Embora sejam conceitualmente distintas, assimilação e acomodação são
indissolúveis na realidade concreta de qualquer ação adaptativa. Toda assimilação de
um objeto ao organismo, envolve simultaneamente uma acomodação do organismo a
esse objeto. Inversamente, toda acomodação é, ao mesmo tempo, uma modificação
assimilativa do objeto ao qual o organismo se acomoda. Juntas elas constituem os
atributos das ações adaptativas mais elementares.
A equilibração é, dessa forma, um mecanismo de organização de estruturas
cognitivas em um sistema coerente que visa levar o indivíduo à construção de uma
forma de adaptação à realidade (FLAVELL, 1986, p. 248-249).
Nesta linha de raciocínio percebe-se a importância das condições do ambiente
para o avanço do desenvolvimento: um ambiente desafiador e propiciador de conflitos
cognitivos que levem o ser humano a se esforçar para superá-lo, restabelecendo o
equilíbrio do seu organismo através de experiências que desencadeiem processos de
assimilação e acomodação.
Este processo de equilibração é fortemente ligado ao nível de
desenvolvimento cognitivo que o ser humano apresenta nos diversos estágios de sua
21
vida. Assim, Piaget considera quatro períodos no processo evolutivo da espécie
humana:
Sensório-motor (0 a 2 anos)
Pré-operatório (2 a 7 anos)
Operações concretas (7 a 11 ou 12 anos)
Operações formais (11 ou 12 anos em diante)
Cada período se caracteriza pelas formas diferentes de organização mental
que possibilitam as diferentes maneiras do indivíduo relacionar-se com a realidade que
o rodeia. De acordo com Piaget, todos os indivíduos passam por estas quatro fases
nesta mesma sequência, porém podem ocorrer variações no início e no término de
cada uma dessas fases de acordo com as características biológicas de cada um bem
como dos estímulos proporcionados pelo meio no qual cada um se encontra inserido.
Desta forma, a divisão por faixa etária seria mais uma referência e não uma norma
rígida.
Como o presente estudo focaliza crianças de três a seis anos, abordaremos
mais detalhadamente o período no qual se insere esta faixa etária: o período p-
operacional, sem deixar de comentar, no entanto, o período anterior.
(a) Período Sensório-motor (0 a 2 anos)
Nesta fase ocorre uma indiferenciação entre o eu e o mundo desenvolvendo-
se para uma organização relativamente coerente de ações sensório-motoras diante do
ambiente imediato (FONSECA, 2005, p. 17). De acordo com a tese piagetiana, a criança
nasce em um universo para ela caótico, habitado por objetos evanescentes (que
desapareceriam uma vez fora do campo da percepção); também o tempo e o espaço
são sentidos de maneira subjetiva. No recém nascido, portanto, as funções mentais
limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos. O desenvolvimento cognitivo
evolui desta maneira, a partir da ação da criança sobre o meio.
22
Progressivamente, a criança vai aperfeiçoando os movimentos reflexos, como
preensão e sucção, por exemplo, e adquirindo habilidades e chega ao final do período
sensório-motor já sendo capaz de representar o mundo mentalmente.
(b) Período pré-operatório (2 a 7 anos)
O período pré-operatório ou pré-operacional é dividido em duas fases: a p-
conceitual (2 aos 4 anos) e a intuitiva (4 aos 7 anos). Para Piaget, o que marca a
passagem do período sensório-motor para o pré-operatório é o desenvolvimento da
função simbólica, no qual a criança faz uso de símbolos para representar aspectos do
mundo outrora conhecido apenas através da ação.
Durante o período pré-operacional a criança deixa de ser um organismo, cujas
funções mais inteligentes são ações sensório-motoras e explícitas e se transforma num
organismo, cujas cognições superiores são manipulações internas e simbólicas da
realidade (FLAVELL, 1986, p. 152).
1.1.2 A inteligência representativa e a inteligência sensório-motora
A inteligência representativa difere profundamente da inteligência sensório-
motora por abranger a função simbólica, ou seja, a capacidade de diferenciar
significantes de significados. A criança torna-se capaz de evocar internamente um
significante (uma imagem, uma palavra, etc.) que simbolize um acontecimento
perceptualmente ausente (o significado), do qual o significante não seja, de algum
modo, uma parte concreta, ou seja, do qual o significante seja nitidamente diferente.
Em primeiro lugar, a inteligência sensório-motora é capaz apenas de ligar, uma por
uma, as ações sucessivas ou os estados perceptuais com os quais trabalha:
Piaget a compara a um filme em câmara lenta, que apresenta um quadro
estático após o outro, sem poder dar uma visão simultânea e completa de
todos os quadros. De outro lado, o pensamento representativo, através de
sua capacidade simbólica, é capaz de abranger simultaneamente, numa
síntese interna e única, toda uma extensão de eventos isolados. Trata-se de
um procedimento muito mais rápido e móvel, capaz de evocar o passado,
representar o presente e antecipar o futuro, através de um ato organizado e
temporalmente curto. (FLAVELL, 1986, p. 153)
23
Como a inteligência sensório-motora é uma inteligência da ação, restringe-se
à busca de objetivos concretos de ação, não abrangendo, desta forma, a procura do
conhecimento ou da verdade como tais. o pensamento representativo, dada a sua
própria natureza, pode refletir (embora, de acordo com Flavell (1986, p. 153) isto nem
sempre aconteça), sobre a organização de seus atos, enquanto estes se aplicam aos
objetos, em lugar de simplesmente registrar o sucesso ou o fracasso empírico. Ocorre,
portanto, a possibilidade de ser ativo-contemplativo, no lugar de simplesmente ativo.
A cognição sensório-motora, por se limitar a ações na realidade e não a
representações da realidade, é inevitavelmente um acontecimento privado, individual
e não compartilhado. Por outro lado, a inteligência conceitual, de outro lado, pode-se
socializar e com o tempo socializa-se através de um sistema de símbolos
codificados que toda uma cultura pode compartilhar.
Para Piaget, a criança adquire a capacidade simbólica através de
desenvolvimentos especiais de assimilação e, particularmente, da acomodação. Um
importante produto evolutivo da função geral de acomodação é a imitação, ou seja, a
reprodução acomodativa ativa de algum acontecimento externo que serve de modelo
para a criança. De acordo com Flavell (1986, p. 154) o ponto principal da
argumentação de Piaget, no entanto, é que a acomodação-como-imitação é a função
que proporciona à criança seus primeiros significantes que lhe possibilitam representar
internamente o significado ausente. Para Piaget, com o crescimento e o refinamento
da capacidade de imitar, a criança finalmente torna-se capaz de fazer imitações
internas do mesmo modo como faz imitações externas e observáveis. É capaz de
evocar mentalmente imitações ocorridas no passado, sem precisar reali-las
concretamente.
1.1.3 A natureza do Pensamento Pré-Operacional
São características do pensamento pré-operacional:
a) Egocentrismo Neste período a criança é egocêntrica em relação às
representações, da mesma forma como o recém nascido era egocêntrico em
relação às ações sensório-motoras. O egocentrismo pré-operacional é uma
24
característica bastante geral que possui numerosas conseqüências. A criança
demonstra frequentemente uma relativa incapacidade de assumir o papel de
outra pessoa, ou seja, de considerar seu próprio ponto de vista como um entre
muitos outros e de tentar coordená-lo com estes outros pontos de vista. Este
fenômeno é manifestado nitidamente na área da linguagem e da comunicação,
onde a criança parece fazer pouco esforço no sentido de adaptar sua linguagem
falada às necessidades do ouvinte. O egocentrismo da criança decorre em duas
outras dificuldades. Em primeiro lugar, a criança na ausência da capacidade
de se orientar assumindo o papel do outro não sente necessidade nem de
justificar seu raciocínio para os outros, nem de procurar possíveis contradições
em sua lógica. Consequentemente, ela acha extremamente difícil tratar seus
próprios processos mentais como objeto de pensamento. Em outras palavras,
ela é incapaz de reconstruir uma cadeia de raciocínios que acabou de fazer; ela
pensa, mas é incapaz de pensar sobre o seu próprio pensamento.
b) Centração e descentração Uma das características mais marcantes do
pensamento pré-operacional é a sua tendência a centrar, segundo Piaget, a
atenção num aspecto único e saliente do objeto sobre o qual o raciocínio
incide, em detrimento de outros aspectos importantes, o que produz uma
distorção no raciocínio. Desta forma, a criança é incapaz de descentração, ou
seja, de levar em consideração aspectos que poderiam equilibrar e compensar
os efeitos distorsivos da centração em um aspecto particular. A criança pré-
operacional limita-se à superfície dos fenômenos sobre os quais tenta
raciocinar, assimilando apenas aqueles aspectos superficiais que mais chamam
a sua atenção.
c) Estados e transformações As reações das crianças a estados e a
transformações de estado são muito semelhantes à dependência da
configuração da centração. Assim, a criança tende a focalizar a atenção nos
25
estados ou configurações sucessivos de um acontecimento, em lugar de prestar
atenção nas transformações pelas quais um estado se converte em outro.
Portanto, o pensamento pré-operacional é estático e imóvel. É um tipo de
pensamento que pode focalizar impressionística e esporadicamente esta ou
aquela ação momentânea e estática, mas que não consegue ligar
adequadamente um conjunto de condições sucessivas num todo integrado,
levando em conta as transformações que as unificam, e as tornam logicamente
coerentes. Quando presta atenção nas transformações, a criança se depara
com grandes dificuldades; geralmente ela acaba por assimilá-las a seus próprios
esquemas de ação, em vez de inseri-las num sistema coerente de causas
objetivas.
d) Equilíbrio De acordo com Flavell (1986, p. 160), uma das características
principais do pensamento pré-operacional é uma ausência relativa de equilíbrio
entre a assimilação e a acomodação. A rede assimilativa a organização
cognitiva da criança tende a se romper e a se deslocar no processo de
acomodação a situações novas. A criança é incapaz de se acomodar ao novo,
assimilando-o ao velho de uma maneira racional, coerente, que preserve
intactos os aspectos fundamentais da organização assimilativa anterior. As
mudanças sucessivas empurram a criança para todos os lados, lançando-a em
contradições flagrantes com as cognições anteriores e geralmente destroem
qualquer equilíbrio momentâneo entre a assimilação e a acomodação que ela
possa ter atingido no momento anterior. A vida cognitiva da criança pré-
operacional, bem como sua vida afetiva, tende a ser instável, descontínua e
momentânea.
e) Ação O pensamento pré-operacional tende a operar mais com imagens
concretas e estáticas da realidade do que com sinais abstratos e altamente
esquemáticos. Por isso, embora a criança represente a realidade, em vez de
simplesmente agir sobre ela, suas representações estão muito mais próximas
26
das ações explícitas, em seus aspectos formais e funcionais, do que costuma
acontecer nos casos de crianças mais velhas e adultos. Em lugar de
esquematizar, reordenar e refazer os acontecimentos, tal como o faz a criança
mais velha, a criança pequena simplesmente imprime as sequências de fatos
em sua mente tal como fazia com as ações explícitas. Portanto, o pensamento
pré-operacional é extremamente concreto. Uma das formas que esta
concreticidade assume é o realismo. As coisas são aquilo que parecem ser na
percepção imediata, egocêntrica; os fenômenos insubstanciais (sonhos, nomes,
pensamentos, obrigações morais, etc.) são concretizados sob a forma de
entidades quase tangíveis.
f) Irreversibilidade Flavell (1986, p. 160) aponta que talvez a irreversibilidade
seja a característica isolada mais importante do pensamento pré-operacional.
Uma organização cognitiva é reversível, em oposição à irreversibilidade,
quando ela é capaz de percorrer um caminho cognitivo (seguir uma série de
raciocínios, uma série de transformações num determinado evento, etc.) e
então inverter mentalmente a direção, para reencontrar um ponto de partida
não modificado (a premissa inicial, o estado inicial do evento). De um modo
geral, uma forma de pensamento que é reversível, é flexível e móvel, em
equilíbrio estável, capaz de corrigir distorções aparentes através de
descentrações sucessivas e rápidas. Mas o experimento mental rígido, vagaroso
e extremamente concreto do pensamento p-operacional não é reversível,
pois se limita a repetir os acontecimentos irreversíveis da realidade. Assim, as
crianças deste período caem constantemente em contradição, porque não são
capazes de manter suas premissas inalteradas durante uma sequência de
raciocínio. Seu pensamento é irreversível, na medida em que lhes é negada a
possibilidade permanente de voltar (a operação inversa) a uma premissa inicial
inalterada.
Esta enumeração não esgota os traços pré-operacionais que Piaget descobriu
ao longo de toda uma vida de teorizações e experimentações. Os resultados dos
27
estudos de Piaget sobre esta faixa etária mostram ainda que a criança é animista e
artificialista em sua visão de mundo, tem conceitos primitivos de moral e justiça, e
apresenta uma imaturidade generalizada nas tentativas de enfrentar intelectualmente
problemas relativos a tempo, causalidade, espaço, mensuração, número, quantidade,
movimento, velocidade, e outros. Entretanto, é preciso mencionar uma característica
muito geral que tem efeitos profundos sobre todas as demais: a criança p-
operacional não distingue claramente a atividade lúdica e a realidade como áreas
cognitivas diferentes que possuem “regras” diferentes.
Flavell (1986, p. 163) considera ainda o pensamento pré-operacional como
um pensamento que traz as marcas de sua origem sensório-motora, ou seja, que está
saturado de aderências sensório-motoras. É uma forma de pensamento extremamente
concreta, e suas imagens-significantes têm muito mais características de repetições
internas de ações concretas do que de verdadeiros sinais; é lenta e estática e muito
mais centrada em configurações imóveis que chamam a atenção do que em
componentes mais sutis e menos óbvios; é relativamente não-socializada, não
necessita de provas ou de justificativas lógicas e, de modo geral; é inconsciente do
efeito de suas mensagens sobre os outros. Em resumo, o autor afirma que, na maioria
de seus aspectos, esta forma de pensamento assemelha-se a uma ação sensório-
motora que foi simplesmente transposta para um novo campo de funcionamento.
1.1.4 Problematizando Piaget e a Música
O foco do presente estudo é investigar o que crianças de três a seis anos,
portanto no período pré-operacional, conseguiram acomodar em matéria de
conhecimento musical após cerca de dezoito meses de aulas de musicalização. Desta
forma, estes conhecimentos deverão ser demonstrados naturalmente sem
interferência do professor em atividades de apreciação que resultam na coleta de
desenhos e de relatos individuais de cada criança. A análise de desenhos e relatos
deverá demonstrar o que as crianças já assimilam das obras ouvidas a estruturas
criadas previamente no decorrer das aulas de musicalização. A metodologia de coleta
e análise de dados será descrita de maneira mais detalhada em capítulo posterior.
28
Como foi descrito anteriormente, de acordo com Piaget (1952), crianças de 2
a 11 anos encontram-se no período de preparação e de organização das operações
concretas. Mais especificamente, as crianças em estudo encontram-se na chamada
fase pré-operacional, que compreende crianças de 2 a 7 anos de idade. Esta fase trata
do período onde a criança realiza suas primeiras tentativas relativamente
desorganizadas e hesitantes de enfrentar um mundo novo e estranho de símbolos.
Neste período, a função simbólica que a criança começa a desenvolver é algo bastante
significativo para o estudo em questão, uma vez que a criança torna-se capaz de fazer
uma representação, ou seja, evocar um significante para fazer surgir ou se referir ao
significado.
Ora, falar sobre a sica que se escuta é uma ação extremamente abstrata,
uma vez que a sica, em si, não é um objeto concreto, visível e palpável. Devido a
isto, a criança demonstrará certa dificuldade de se expressar acerca da música ouvida,
necessitando, pois, de um estímulo mais concreto. Como a linguagem ainda está se
desenvolvendo na criança desta faixa etária (aliado ao fato de que o egocentrismo pré-
operacional faça com que a criança ainda não apresente um esforço em adaptar sua
linguagem falada às necessidades do ouvinte), o desenho surge como um estímulo
concreto que permitirá, aliado aos relatos individuais, uma expressão mais completa
do seu nível de compreensão musical. Desta maneira o desenho também será um
indicador do pensamento representacional das crianças com relação à música, ou seja,
a análise dos desenhos coletados procurará encontrar, nestes desenhos, padrões de
representação gráfica de pensamentos musicais (ou seja, formas de pensar
relacionadas a idéias / conceitos musicais) sejam eles induzidos pelas atividades
anteriores de musicalização ou não.
Através destas representações gráficas, aliadas aos relatos orais tanto sobre o
desenho quanto sobre a música, pretende-se observar como os conteúdos
desenvolvidos nas atividades de musicalização foram internalizados, ou seja,
acomodados; contribuindo, desta maneira, para o estudo da construção do
conhecimento musical nas crianças desta faixa etária.
Pretende-se observar também como a centração é demonstrada em
atividades de apreciação musical, ou seja, em que aspecto único e saliente da obra
musical ouvida incide o raciocínio das crianças em estudo em detrimento de outros.
29
Desta forma, como a criança pré-operacional se limita à superfície dos fenômenos
sobre os quais tenta raciocinar, busca-se observar qual é esta superfície em matéria de
música.
Também se pretende observar como, neste caso em estudo, as crianças lidam
com os estados e transformações em música, ou seja, de que forma o pensamento
pré-operacional destas crianças lida com as transformações musicais, ou seja, se este
pensamento tem dificuldades ao lidar com um conjunto de transformações sucessivas,
como a criança manifesta estas dificuldades na apreciação musical.
1.2 VYGOTSKY E OS CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO REAL, POTENCIAL E A
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
O psicólogo russo Lev Vygotsky (1896 1934) trabalha as questões relativas à
aprendizagem e ao desenvolvimento cognitivo de crianças em idade escolar com um
interesse nas influências da cultura neste processo. De acordo com Barbosa (2009, p.
41) as teorias de Piaget e Vygotsky têm alguns pontos comuns, uma vez que ambos
consideram a interação da criança com o ambiente como o propulsor do
desenvolvimento. Entretanto, de acordo com a autora, Piaget enfatiza os esforços
auto-gerados da criança em compreender o mundo, enquanto Vygotsky considera a
interação social como fator decisivo para o desenvolvimento cognitivo. Desta forma,
segundo Barbosa, as crianças não se desenvolvem de maneira universalmente
equivalente como Piaget acreditava, mas o desenvolvimento pode variar
consideravelmente de acordo com formas de pensamento e comportamento
culturalmente determinados.
Para Vygotsky (2003, p. 111), ao investigar as relações reais entre o processo
de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado das crianças não podemos nos
limitar à determinação de níveis de desenvolvimento. É necessário, entretanto,
determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento.
O primeiro nível Vygotsky chama de nível de desenvolvimento real:
... o vel de desenvolvimento das funções mentais da criança que se
estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento
completados. (VYGOTSKY, 2003, p. 111)
30
Assim, o desenvolvimento real caracteriza-se por aquilo que as crianças
conseguem fazer por elas mesmas.
o outro nível, o nível de desenvolvimento potencial, que aponta as funções
mentais que as crianças apresentam em situações de atividades realizadas sob a
orientação de um adulto ou mesmo com a colaboração de companheiros em níveis de
desenvolvimento posteriores.
Desta maneira, Vygotsky chama a atenção que, nos estudos da psicologia da
educação, por muito tempo mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram o
fato de que aquilo que a criança consegue fazer com a ajuda dos outros poderia ser, de
alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo
que consegue fazer sozinha.
Vygotsky (2003, p. 112) apresenta, então, o conceito de zona de
desenvolvimento proximal:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento de problemas, que se
costuma determinar através da solução independente de problemas, e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes.
Desta forma, se nos perguntarmos o que revela a solução de problemas pela
criança de forma mais independente ou, de acordo com Vygotsky (2003) o que é
nível de desenvolvimento real a resposta mais comum, para Vygotsky, seria que o
nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que amadureceram,
ou seja, os produtos finais do desenvolvimento. Se uma criança pode fazer tal e tal
coisa, independentemente, isso significa que as funções para tal e tal coisa
amadureceram nela. De acordo com este raciocínio, o que é definido pela zona de
desenvolvimento proximal (ZDP), determinada através de problemas que a criança não
pode resolver independentemente, fazendo-o somente com assistência? Segundo
Vygotsky (2003), a ZDP define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que
estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão
presentemente em estado embrionário. Essas funções Vygotsky as chama de “brotos”
31
ou “flores” do desenvolvimento (2003, p. 113), ao invés de tê-las como “frutos” do
desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento
mental retrospectivamente, enquanto que a ZDP caracteriza o desenvolvimento
mental prospectivamente.
A Zona de Desenvolvimento Proximal de hoje será o Desenvolvimento Real de
amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela poderá
fazer sozinha amanhã.
Uma compreensão plena no conceito de ZDP deve levar, para Vygotsky, à
reavaliação do papel da imitação no aprendizado. Se antes os pesquisadores
levavam em consideração, ao medir o desenvolvimento, o que a criança fazia sozinha,
a imitação não era, portanto, considerada. Entretanto, segundo Vygotsky (2003, p.
114), os psicólogos têm demonstrado que uma pessoa consegue imitar aquilo que
está no seu nível de desenvolvimento, por isso a reavaliação da imitação no processo
de aprendizado / desenvolvimento.
O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um
processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que a
cercam. O aprendizado orientado para os níveis que foram atingidos é ineficaz do
ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Assim, a noção de ZDP capacita-
nos a propor uma nova fórmula, a de que o “bom aprendizado” é somente aquele que
se adianta ao desenvolvimento.
Desta forma, para Vygotsky, os processos de desenvolvimento não coincidem
com os processos de aprendizado: o processo de desenvolvimento progride de forma
mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam as ZDP.
Cabe, aos professores, atuarem nesta ZDP, fazendo com que o aprendizado favoreça o
desenvolvimento.
Na presente investigação deve-se ressaltar que, no decorrer das aulas de
musicalização que antecederam o início da pesquisa, atuamos na zona de
desenvolvimento proximal das crianças promovendo o aprendizado de conteúdos
musicais básicos. Assim, tarefas que as crianças inicialmente não eram capazes de
32
realizar sozinhas foram sendo dominadas e logo as crianças passaram a realizá-las de
maneira independente.
Entretanto o que propomos nesta pesquisa é investigar até que ponto esta
zona de desenvolvimento proximal das crianças tornou-se desenvolvimento real, em
outras palavras, verificar o que as crianças conseguem identificar sozinhas, em matéria
de música, nas atividades de apreciação.
1.3 A TEORIA ESPIRAL DE DESENVOLVIMENTO MUSICAL DE SWANWICK E
TILLMAN
A Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical proposta pelo educador inglês
Keith Swanwick (1994) fundamenta as nossas aproximações no que se refere ao
desenvolvimento cognitivo-musical das crianças. É esta a principal referência teórica
que orienta a análise da compreensão musical das crianças manifestadas em seus
relatos e desenhos, principalmente no que se refere aos parâmetros (ou critérios) para
a análise de seus relatos da apreciação musical.
Swanwick e Tillman (1986) elaboraram uma teoria do desenvolvimento musical
a partir da análise de composições de crianças. Esta teoria contempla os elementos
comuns a toda experiência musical significativa: material sonoro, caráter expressivo,
forma e a possibilidade de se conceber a música como um sistema simbólico
(Swanwick e Tillmann, 1986, p. 305 309). Estes estudos, após uma extensa
investigação e análise qualitativas, revelaram que o desenvolvimento musical acontece
a partir de níveis ordenados e cumulativos. O que se observou foi a progressiva
consciência das “camadas” constitutivas do discurso musical: material sonoro,
expressividade, forma e valor simbólico, a qual, em condições apropriadas, deverá se
manifestar na performance, na apreciação e na composição. Estas quatro camadas
foram divididas em dois níveis, seguindo tendências ora assimilativas e intuitivas, ora
acomodativas e analíticas. Em cada volta desta espiral foi identificada uma tensão
dialética entre tendências mais idiossincráticas e tendências mais convencionais
33
(França, 1998) e é justamente devido a estas tensões dialéticas que os oito níveis
foram organizados numa espiral e não numa seqüência linear. A forma espiral também
indica que as camadas superiores integram as inferiores (França, 1998).
De acordo com Swanwick (1994), as crianças deste estudo encontram-se num
período de transição entre a camada dos Materiais e do Caráter Expressivo, mais
precisamente entre os níveis Manipulativo e Pessoal. Entretanto, como as crianças em
estudo já tiveram contato com aulas de musicalização em período anterior ao da
realização desta pesquisa, seus relatos referentes à apreciação das peças escolhidas
poderá variar por entre os níveis da espiral, pois, segundo Swanwick:
...há indícios de que níveis refinados podem ser alcançados por crianças
mais novas se essas estiverem dentro de um ambiente que promova a
estimulação musical (SWANWICK, 1994, p.93).
No livro Ensinando Música Musicalmente, Swanwick (2003, p. 93 94)
apresenta alguns critérios como instrumentos de avaliação da apreciação musical:
Nível 1 (Sensorial) O aluno reconhece qualidades e efeitos sonoros, percebe
claras diferenças de níveis de intensidade, altura, timbre e textura. Nada disso é
analisado tecnicamente, e não existe consciência do caráter expressivo ou das relações
estruturais.
Nível 2 (Manipulativo) O aluno percebe tempos constantes ou flutuantes,
identifica sons vocais e instrumentais específicos e estratégias relacionadas ao
tratamento do material musical, como glissandos, ostinatos e trinados; ainda não
relaciona esses elementos ao caráter expressivo e estrutural da peça.
Nível 3 (Pessoal) O aluno descreve o caráter expressivo, a atmosfera geral, o
humor ou caráter e as qualidades de sentimento de uma peça, talvez por meio de
associações não musicais e imagens visuais. Relaciona mudanças no manuseio do
material sonoro, especialmente velocidade e intensidade, com mudanças no nível
expressivo, mas sem atentar para as relações estruturais.
34
Nível 4 (Vernacular) O aluno identifica lugares-comuns na organização
métrica, sequências, repetições, síncopes, bordões, agrupamentos, ostinatos; percebe
o gesto musical convencional, a forma e o tamanho da frase.
Nível 5 (Especulativo) O aluno percebe relações estruturais, o modo como
os gestos e as frases musicais são repetidas, transformadas, contrastadas ou
conectadas. Identifica o que não é usual ou inesperado em uma peça musical, percebe
mudanças de caráter pela referência à cor instrumental ou vocal, à altura, velocidade,
intensidade, ritmo e tamanho da frase, sendo capaz de discernir em que proporção
isso acontece, se de maneira gradual ou súbita.
Nível 6 (Idiomático) O aluno coloca a música num contexto estilístico e
demonstra consciência dos expedientes técnicos e procedimentos estruturais que
caracterizam um idioma, tais como harmonias distintas e inflexões rítmicas, sons
vocais e instrumentais específicos, ornamentaçãom transformação por variação,
seções intermediárias contrastantes.
Nível 7 (Simbólico) O aluno tem consciência de como o material sonoro está
organizado para produzir um caráter expressivo específico e relações formais
estilisticamente coerentes. Existem insights individuais e apreciação crítica
independente. Revela um sentimento de valoração da música que pode ser
evidenciado por um compromisso de envolvimento pessoal em uma área musical
escolhida e/ou um compromisso pessoal com determinadas obras, compositores e
intérpretes.
Nível 8 (Sistemático) A pessoa revela uma profunda compreensão do valor
da música, devido a uma sensibilidade desenvolvida com materiais sonoros, à
habilidade de identificar expressões ou compreender a forma musical. Existe um
compromisso sistemático com a música como uma forma significativa de discurso
simbólico.
Segundo Swanwick (2003, p. 94), estes critérios “são confiáveis como um
instrumento para avaliar e, como podemos ver, podem ser muito úteis para avaliar o
ensino e a aprendizagem musical”. Dessa forma, estes critérios serão utilizados como
parâmetros para a avaliação dos relatos das crianças envolvidas no presente estudo.
35
CAPÍTULO 2 O DESENHO INFANTIL
O ato de desenhar envolve o conjunto das potencialidades e necessidades da
criança (ILARI, 2004; BAMBERGER, 1990; SALLES, 1996). Muitas são as teorias que
interpretam a produção gráfica infantil, que pode ser analisada sob vários aspectos
como: aplicação de testes de inteligência, desenvolvimento mental, simbolismo, e
atitude psíquica emocional. Para Derdyk (1989, p. 48), vários são os possíveis enfoques
quando se analisa a produção gráfica infantil: seja pelo aspecto revelador da natureza
emocional e psíquica da criança, seja pela análise da linguagem gráfica tomada em seu
aspecto puramente formal ou simbólico.
Ferreira (1986, p. 559) define o desenho como uma representação de formas
sobre uma superfície, por meio de linhas, pontos e manchas, com objetivo lúdico,
artístico, científico ou técnico. Luquet (1927), célebre estudioso do desenho infantil,
define o desenho como “um sistema de linhas cujo conjunto tem uma forma”. Para
ele, a criança desenha para se divertir, o desenho é para ela um jogo como qualquer
outro.
Para Derdyk (1989, p. 43), o desenho é uma atividade perceptiva, algo que
não se completa, mas que nos convida, sugere, evoca. Citando Steinberg, Derdyk
afirma ser o desenho uma forma de raciocinar sobre o papel. (STEINBERG apud
DERDYK, 1989, p. 43)
O desenho infantil oferece acesso direto à visão de mundo da criança através
de suas tentativas de reproduzi-lo (HARGREAVES, 1986, p. 36). Desta forma, no ato de
desenhar a criança se identifica com seus traços e linhas, sendo esta uma forma de
comunicar suas idéias, imagens e signos.
Piaget e Inhelder (1995, p. 56) afirmam que “o desenho é uma forma de
função semiótica que se inscreve a meio-caminho entre o jogo simbólico, cujo mesmo
prazer funcional e cuja autotelia
1
apresenta, e a imagem mental. Com a qual partilha o
esforço de imitação do real”. Esta função semiótica, ou função simbólica refere-se
justamente ao uso de símbolos ou signos. As imagens mentais são representações
1
Autotélico Diz-se do que não tem finalidade ou sentido além ou fora de si (FERREIRA, 1986, p. 204)
36
internas, símbolos de objetos ou de experiências perceptivas passadas, embora elas
não sejam cópias fiéis daquelas experiências. A imagem mental é, portanto, um
modelo interior, a representação mental que a criança possui do objeto a ser
desenhado. Goodnow (apud PILLAR, 1996, p. 39) afirma que “o desenho nos fornece
informações tanto sobre o trabalho gráfico da criança como sobre a natureza do seu
pensamento.”
Derdyk (1989, p. 50) afirma que a criança desenha, entre outras coisas, para
divertir-se. Um jogo que não exige companheiros, onde a criança é dona de suas
próprias regras. Nesse jogo solitário, ela vai aprender a ser só, “aprender a só ser”:
O desenho é o palco de suas encenações, a construção de seu universo
particular. A brincadeira lida com as experiências através de situações
artificialmente criadas, no ensejo de dominar a realidade. O desenho é a
manifestação de uma necessidade vital da criança: agir sobre o mundo que a
cerca, intercambiar, comunicar. (DERDYK, 1989, p. 51).
Ainda segundo esta autora, a criança projeta no desenho o seu esquema
corporal, deseja ver a sua própria imagem refletida no espelho do papel. Os traços, os
rabiscos, as garatujas estão ali, à mostra, escondendo os índices de uma realidade
psíquica não imediatamente acessível exibindo uma atividade profunda do
inconsciente. Existe uma vontade de representação como também existe uma
necessidade de trazer à tona desenhos interiores, comunicados, impulsos, emoções e
sentimentos. (DERDYK, 1989, p. 51)
Derdyk traz ainda outras concepções de desenho, definindo-o também como
uma dança no espaço, um percurso assumido ao entrarmos numa sala cheia de gente,
formas de se explorar um espaço novo. Ilustra esta afirmação citando MOREIRA (1984)
que afirma ser o desenho a maneira como a criança organiza as pedras e as folhas ao
redor do castelo de areia, ou como organiza as panelinhas, os pratos, as colheres, na
brincadeira de casinha. “Entendendo por desenho o traço no papel ou em qualquer
superfície, mas também a maneira como a criança concebe o seu espaço de jogo com
os materiais de que dispõe.” (MOREIRA apud DERDYK, 1989, p. 51).
De acordo com Mèredieu (1974),
o desenho bem como o sonho pode participar de dois níveis de leitura.
Podemos detectar o conteúdo manifesto do desenho, que seriam as
imagens ali presentes no papel e o conteúdo latente, que trata das
37
mensagens subliminares, escondidinhas também ali no papel. (MÈREDIEU
apud DERDYK, 1989, p. 54)
Desta forma, esta possível interpretação sugere ser o desenho uma atividade
que, além de envolver uma operacionalidade prática, o manejo de materiais e
instrumentos, pode envolver um resgate de uma simbologia complexa que existe por
detrás da representação visual por meio de signos gráficos, fruto do intenso exercício
mental, emocional e intelectual que o ato de desenhar promove (DERDYK, 1989, pá.
54).
O desenho também é a manifestação da inteligência. Para Derdyk, a criança
vive a inventar explicações, hipóteses e teorias para compreender a realidade. O
mundo para a criança é continuamente reinventado, ela reconstrói suas hipóteses e
desenvolve sua capacidade intelectiva e projetiva, principalmente quando existem
possibilidades e condições físicas, emocionais e intelectuais para elaborar estas
“teorias” sob forma de atividades expressivas.
Os desenhos infantis se tornaram objeto de estudos e pesquisas de
especialistas, entre os quais destacamos as contribuições de Luquet (1927), Piaget
(1948) e Lowenfeld e Brittain(1977).
2.1 A CONTRIBUIÇÃO DE LUQUET
O francês Georges-Henri Luquet (1896 1965), pesquisador do desenho
infantil, foi um dos primeiros estudiosos a se interessar pelo desenho da criança e pela
sua relação com a questão da sua evolução cognitiva.
Segundo Iavelberg (2006, p. 37), Luquet considera o desenho um jogo ao qual
a criança se entrega, jogo tranqüilo com função lúdica, que pode exercer sozinha,
manter ou abandonar. Para ele, assim como para Piaget, o desenho tem “finalidade
sem fim”, é autotélico, não tem funcionalidade prática.
Para Luquet (1927, p.123) o desenho é como “um sistema de linhas cujo
conjunto tem uma forma”. Ao estudar o desenho infantil buscou compreender o quê a
criança desenha e como ela o faz. Para ele, o realismo é uma das maiores
38
características do desenho infantil, em seus desenhos a criança transpõe um realismo,
ou seja, desenha o objeto como ela o vê e não como a realidade se apresenta.
Luquet (1927) propôs em seus estudos quatro estágios da evolução gráfica da
criança. Cada um desses estágios contém uma espécie determinada de realismo.
a) Realismo Fortuito
O realismo fortuito é caracterizado como a primeira fase da evolução do
desenho. Inicialmente, o desenho da criança não é um traçado executado para fazer
uma imagem, mas um traçado executado simplesmente para fazer linhas (LUQUET,
1969, p. 136). Este estágio inicia-se por volta dos dois anos de idade e, segundo
Iavelberg (2006, p. 37), Luquet o trata como uma necessidade de descarga com prazer,
o que leva a criança a desenhar novamente. Para a autora, o interessante é observar
que esta repetição nasce da relação da criança com a própria ação e, para Luquet, a
criança desenha por imitação do adulto e repete a ação por prazer. A criança desenha
linhas de maneira espontânea e em diversas direções, sem ter a consciência de que
essas linhas traçadas por ela podem igualmente representar objetos (LUQUET, 1927, p.
211).
Inicialmente, sem esta preocupação de desenhar alguma coisa previamente
definida, pouco a pouco percebe, por acaso, que pode haver uma analogia entre seu
desenho e um objeto real. É o momento em que passa a considerar o desenho como
representação dos objetos. Assim sendo, ela atribui um nome ao seu desenho. De um
gesto involuntário a ação passa a um gesto premeditado: a descoberta da analogia
gráfica leva o desenhista à intenção. Para Luquet, esse fazer consolida-se como
desenho propriamente dito regido por: intenção, execução e interpretação segundo a
intenção.
b) Realismo Falhado ou Gorado
Este estágio pode ser chamado também de realismo fracassado, que acontece
por volta dos três e quatro anos de idade, com a descoberta da identidade forma-
objeto. Por não terem os mecanismos motores refinados, os desenhos apesar de
39
serem realistas possuem “falhas”, por este motivo são considerados fracassados se
comparados a arte adulta.
Como ressalta Iavelberg (2006), Luquet observou as questões conceituais
subjacentes aos atos de desenho à luz dos suportes teóricos de sua época, analisando
as produções infantis na relação com a produção realista da arte adulta.
Assim, para Luquet, a criança quer ser realista, mas encontra obstáculos. Cada
apresentação gráfica é, desta maneira, um devir realista e não um fazer atualizado de
cada desenhista.
Iavelberg (2006) afirma que estas idéias nos remontam “à época em que a
pré-escola era uma preparação para a escola primária” (IAVELBERG, 2006, p. 38). Os
modelos desta pré-escola foram os Kindergartens criados por Froebel, cuja tradução
mais aproximada do termo alemão seria “jardins-de-infância” e, sua implantação no
Brasil foi concretizada, segundo a autora, por Rui Barbosa em 1886. Entretanto a
autora aponta que hoje a educação infantil apresenta objetivos, conteúdos e métodos
próprios, com finalidades próprias dentro do ciclo de escolaridade que não visam ao
ingresso no ensino fundamental, mas realmente ao desenvolvimento pleno da
infância.
Luquet aponta dois obstáculos que resultam nas “falhas” do realismo das
crianças: físico (deficiência na execução) e psíquico (caráter descontínuo da atenção ou
incapacidade sintética, quando a criança percebe o geral dos detalhes, mas não
consegue executar).
Com relação a esta incapacidade sintética, característica desta fase, observa-
se as “imperfeições” nitidamente no que se refere às proporções. Luquet (1969, p.
151) ressalta que:
É assim que nos desenhos de várias crianças os senhores têm cabelos mais
compridos que as pernas. Essa desproporção pode ser o resultado de causas
múltiplas, por exemplo, a imperfeição gráfica, a impotência da criança para
interromper os traços no momento desejado.
Observa-se que, nos primeiros desenhos, a criança reproduz um número
restrito de pormenores, ou seja, somente alguns elementos do objeto representado.
Ela apenas tem a intenção de fazê-lo, mas não chega a desenhá-los efetivamente.
Destaca-se também, como marca desta fase, o desenho do badameco, que é
uma representação de figura humana. Esse processo é também chamado por Luquet
40
de “badamecosgirino”. Este consiste de um boneco de forma circular, de onde saem os
braços e pernas, mas sem o tronco. A Figura 1, abaixo, apresenta exemplos de
“badamecos”.
Figura 1- Bonecos sem tronco (LUQUET, 1927, p. 150)
c) Realismo Intelectual
Este estágio começa por volta dos quatro e estende-se até os dez, doze anos
de idade. Caracteriza-se pela superação da “incapacidade sintética” que torna o
desenho cada vez mais realista (IAVELBERG, 2006, p. 38). Entretanto esse realismo é
diferente da criança para o adulto, que analisa o realismo como sendo uma fotografia
do objeto. O desenho traz agora todos os elementos dos objetos reais, mesmo os que
não são vistos. A criança desenha do objeto não aquilo que vê, mas o que sabe, isto é,
o modelo interno daquilo que sabe do objeto: é a construção mental do sujeito em
relação ao objeto. Além da mistura de diversos pontos de vista (perspectivas) a criança
utiliza em seus desenhos diferentes processos para reproduzir suas sensações como:
1) A transparência: Coloca em evidência elementos invisíveis de um objeto
exemplo: desenha um ovo com um pintinho dentro quando na verdade
quer desenhar apenas o pintinho.
41
Figura 2 Transparência (LUQUET, 1927, p. 157)
2) A planificação: o objeto desenhado é representado como se fosse em linha
reta em projeção ao solo. Para essa representação, a criança utiliza outro
processo chamado rebatimento, de maneira que ela possa mostrar os dois
lados de um objeto, como se ela estivesse no centro deste. De acordo com
Luquet (1927, p. 172), o processo de rebatimento é aplicado sobretudo ao
que poderíamos chamar os suportes dos objetos (pés de animais ou de
móveis, rodas de viaturas), e que “consiste em rebatê-los de cada parte do
corpo como se lhe estivessem unidos por um eixo, à volta do qual se
poderia fazê-los girar”. Por exemplo: desenha um carro como se estivesse
deitado e desenha uma roda de cada lado como se estivessem deitadas
também.
Figura 3 Rebatimento (rodas e carroça) e planificação (bonecos) LUQUET, 1927, p. 171
42
3) Transparência e/ou Rebatimento: A criança muda seu ponto de vista, mas
precisa dos processos anteriores para representar seus desenhos exemplo:
desenha uma casa, mas, desenha dentro dela pessoas, mesa, cadeira etc...
Figura 4 Transparência e rebatimento (LUQUET, 1927, p. 169)
Luquet considera o desenvolvimento como aproximação sucessiva à
eficiência de execução e semelhança com objetos reais, por isso acredita no
erro, apesar de afirmar que as crianças os abstraem (IAVELBERG, 2006, p.
39)
d) Realismo Visual: Este estágio começa por volta dos doze anos de idade e é
marcado por um melhor refinamento dos desenhos e também pelo
desaparecimento gradual dos processos anteriores: a transparência segue para
a opacidade, que é a exclusão de pormenores que são invisíveis; o rebatimento
e a mudança de ponto de vista são substituídos pela perspectiva. Luquet (1927,
p. 190) afirma que “a substituição do realismo visual pelo realismo intelectual,
a aquisição do sentido sintético e outros progressos gráficos não se fazem de
uma só vez”. Logo, o realismo visual não se fixa logo a seguir à sua aparição. Há
também um enxugamento progressivo do grafismo que tende a se juntar às
produções adultas. De acordo com Luquet (1927, p. 190), o realismo visual
exclui os diferentes processos impostos pelo realismo intelectual. A criança
43
representa apenas aspectos visíveis do objeto. Por exemplo, na figura 5, uma
intenção do realismo visual: desenha-se uma árvore e uma águia que espia um
pássaro que está escondido na árvore, mas este não foi representado, por não
se poder vê-lo.
Figura 5 Realismo visual (LUQUET, 1927, p. 189)
Estes estágios definem, de maneira geral, as várias formas de desenhar das
crianças, que são bastante similares apesar de suas diferenças individuais de
temperamento e sensibilidade. A variação da maneira própria de desenhar varia a
cada idade e de cultura para cultura. Segundo Iavelberg (2006, p. 39), a tese de Luquet
foi brilhante para a sua época, mas não considera que a compreensão que a criança
tem sobre desenho está ligada ao sistema de significações da linguagem e sua
construção cultural.
2.2 AS IDÉIAS DE PIAGET
Piaget (1948), ao tratar do desenvolvimento do desenho esponneo infantil,
adota os estágios que haviam sido propostos anteriormente por Luquet, porém sua
interpretação começa a partir do nível chamado por Luquet de realismo fortuito, que
tem como ponto de vista a representação do espaço. Segundo Piaget, os estágios são:
1- Garatuja (0 a 3 anos): Faz parte da fase sensório-motora (0 a 2 anos) e pré-
operacional (2 a 7 anos). Nesta fase a criança desenha por puro prazer. A
44
escolha de cores tem papel secundário e a figura humana ainda não aparece a
não ser de forma imaginária. Esta fase se divide em:
A- Desordenada: Os movimentos são amplos, desordenados, e o reflexo da
imitação.
B- Ordenada: Os movimentos são circulares e longitudinais; existe aqui uma
coordenação viso motora e interesse pelas formas.
2- Pré-esquematismo (4 a 5 anos): nesta fase uma relação entre desenho,
pensamento e realidade. Os desenhos o dispersos e não se relacionam, mas
aos poucos aparecem as primeiras noções espaciais. A escolha das cores ainda
não está relacionada com a realidade. Surge a procura da figura humana, que
depende ainda do seu conhecimento ativo.
3- Esquematismo (6 a 8 anos): Esta é a fase das operações concretas. A definição
de espaço é representada por linhas de base, a figura humana tem certa
definição, apesar de exageros. A escolha da cor agora estabelece relações e
pode expressar suas experiências emocionais. Esta é também a fase da regra,
do jogo simbólico coletivo ou dramático.
Há ainda os estágios do Realismo (por volta de 7, 8 anos e 9 anos de idade) e o
Pseudo Naturalismo (de 10 anos de idade em diante), que fogem dos limites de idade
dos sujeitos desta pesquisa. Para Piaget, os níveis da evolução do desenho infantil,
além de constituírem um estudo da imagem mental, “revelam uma convergência com
a evolução da geometria espontânea da criança”, ou seja, o desenvolvimento do
desenho é “solidário com a estruturação do espaço pela criança”. Assim, as primeiras
representações das crianças são “topológicas, antes de serem projetivas”. Essa
perspectiva nos leva a uma melhor compreensão e valorização do desenho
espontâneo infantil. Evidencia a importância da atividade de desenhar e o papel do
desenho na construção da significação e no desenvolvimento de sua capacidade
semiótica ou função simbólica. A função simbólica ou semiótica está ligada ao uso de
signos ou símbolos (WADSWORTH, 1993, p.51). A criança desenha de acordo com um
45
modelo interno de suas experiências embora as cópias não sejam totalmente fiéis às
experiências.
2.3 A VISÃO DE LOWENFELD
Austríaco, Viktor Lowenfeld (1903 1960) foi um estudioso do campo da
educação artística que lecionou na Pensilvânia, EUA. De acordo com o autor, à medida
que a criança se desenvolve, seu desenho também se transforma.
Lowenfeld e Brittain (1977) consideram as etapas desse desenvolvimento
como um reflexo do desenvolvimento intelectual e emocional das crianças:
Cada desenho reflete os sentimentos, a capacidade intelectual, o
desenvolvimento físico, a acuidade perceptiva, o envolvimento criador, o
gosto estético e até a evolução social da criança como indivíduo.
(LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 37)
De acordo com Lowenfeld (1977, p. 95) traçar riscos em qualquer direção,
significa, para a criança, alegria e felicidade, além de contribuir para o domínio da
coordenação de seus movimentos. A criança quando descobre que pode ser criadora
de sua própria história, desenvolve suas potencialidades e se organiza no contexto
espaço-temporal. Ao relacionarem-se mais estritamente com o mundo, seus desenhos
vão evoluindo cada vez mais, de formas cada vez mais previsíveis, que passam por
várias fases. Por isso a importância de expressar-se livremente em seus desenhos.
O autor não preconiza apenas a livre ação do sujeito, como se a arte da
criança fosse a concretização de sua condição inata; mas situa a necessidade da ação
pedagógica como um incentivo ao desenvolvimento do potencial criador da criança
por meio de temas, técnicas e consideração ao momento de desenvolvimento do
aluno (IAVELBERG, 2006, p. 39).
O incentivo ao ato criador, segundo Lowenfeld, visa principalmente os seus
processos e não os seus produtos, pois, em relação aos últimos, a visão estética adulta
espera resultados coerentes com seus paradigmas, desrespeitando, desta forma, a
46
estética infantil. Ao definir o conceito de apreciação artística, Lowenfeld fala de temas,
técnicas e de respeito ao estágio de desenvolvimento do sujeito em suas produções
individuais (IAVELBERG, 2006, p. 40).
As fases evolutivas do desenho infantil, segundo Lowenfeld, são:
I. Garatuja (2 a 4 anos)
Esta fase apresenta uma tendência em seguir uma ordem previsível. “Todas as
crianças começam com rabiscos, mesmo que sejam chinesas ou esquimós,
americanas ou européias” (KELLOGG apud LOWENFELD e BRITTAIN, 1977 p. 120).
As garatujas ocorrem entre as idades de dois e quatro anos, aproximadamente e,
segundo Lowenfeld classificam-se em três categorias:
A- Garatuja desordenada: Ainda não existe uma relação consciente do traço com o
gesto; e na maioria das vezes a criança nem observa o que está desenhando. Ao
explorar o material rabiscando tudo o que vê pela frente, sente prazer e muitas das
vezes não tem controle ao segurar o lápis. Os primeiros traços são geralmente
fortuitos, as linhas ocorrem ao acaso, em diferentes direções e comprimento. A
criança segura o lápis de várias maneiras, sem controle. Lowenfeld e Brittain (1977,
p. 118) ressaltam que, na idade das garatujas, as crianças ainda não desenvolveram
um controle muscular perfeito, com isso, frequentemente, somente os
movimentos mais amplos se repetem. Não existe nenhuma tentativa de
representação: a criança desenha pelo simples prazer da ação. Na figura 6 que se
segue, um exemplo de garatuja desordenada:
47
Figura 6 Garatuja desordenada (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 118)
B- Garatuja ordenada: Nesta fase, a criança adquire um controle sobre seus traços,
observando sua forma, seu tamanho e sua localização no papel. Essa nova
descoberta a estimula a variar seus movimentos, as linhas podem ser repetidas
quase sempre traçadas com energia, horizontalmente, verticalmente ou
apresentando formas circulares. Descobrindo a relação do traço com o gesto, a
criança observa atentamente o que faz, começando a controlar o tamanho, a
forma e local onde deseja desenhar. Surgem então as formas circulares espiraladas
e a variação das cores, começando a segurar o lápis como adulto. Também nesta
fase a criança descobre a variedade das cores e também gosta de preencher todo o
espaço da folha, sendo que, anteriormente, apresentava dificuldade de
permanecer dentro dos limites da própria gina (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977,
p. 120). Exemplos de garatujas ordenadas são mostrados a seguir nas figuras 7 e 8:
Figuras 7 e 8 Garatuja ordenada (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 121)
48
C- Garatuja nomeada: Esta fase representa o momento em que as crianças começam
a nomear os seus traços. Passam do movimento motor, para o imaginário,
representando o objeto concreto por meio de uma imagem gráfica. Antes a criança
se satisfazia com seus movimentos, mas agora passa a conectar esses movimentos
ao mundo à sua volta (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 123). As garatujas
tornam-se mais diferenciadas e os traços às vezes serão acompanhados de uma
descrição verbal do que está acontecendo no papel (LOWENFELD e BRITTAIN,
1977, p. 125). A criança anuncia o desenho que vai fazer, descreve o que fez e
relaciona com o que ou viu. Contudo, o resultado do seu desenho somente é
compreensível por ela mesma. As cores agora passam a ser usadas com diferentes
significados (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 126). Começa a dar forma à figura
humana. Tem consciência do que desenha, sendo que o seu significado é
inteligível para ela mesma.
II. Pré-esquemática (4 a 7 anos): Ocorrem nesta fase as primeiras tentativas de
representação. Existe uma evolução dos movimentos circulares, perdendo suas
relações com os movimentos corporais, estabelecendo uma relação com o que
pretende desenhar de formas um pouco mais reconhecíveis e definidas
(LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 147). A criança estabelece uma relação com
o que pretende desenhar, o que lhe proporciona uma grande satisfação. Os
movimentos circulares e longitudinais transformam-se em formas
reconhecíveis, surgindo as primeiras experiências representativas: a figura
humana. De acordo com Sans (2007, p. 48), o espaço vazio central dos círculos
e mandalas desenhados pelas crianças parece pedir que o preencham, o que é
feito com pontos e pequenos círculos. A criança então desvenda a fórmula para
produzir uma imagem representativa que a satisfaz, começando uma nova fase,
descobrindo o rosto humano. Mesmo tendo a criança descoberto a face, os
demais membros da figura humana (corpo, dedos, pernas e outros detalhes)
são acrescentados aos poucos, de maneira natural (SANS, 2007, p. 49). Aos seis
anos a criança consegue, frequentemente, desenhar um homem de maneira
organizada. A criança desenha o que sabe do objeto e suas características. Essa
49
forma de representação agora passa por um processo mental ordenado. De
acordo com Lowenfeld e Brittain (1977, p. 154), os desenhos infantis
apresentam uma organização espacial diferente da visão do adulto. Os objetos
desenhados aparecem acima, abaixo, ou ao lado dos outros, da forma como a
criança os compreende. O uso da cor, nesta fase, não estabelece uma relação
exata entre a cor do objeto real e o objeto representado pela criança.
III. Esquemática (7 a 9 anos): existe uma afirmação consciente entre a forma
desenhada e o objeto representado. Lowenfeld e Brittain (1977, p. 181)
afirmam que, embora qualquer desenho possa ser considerado como um
esquema ou símbolo de um objeto real, os autores referem-se ao esquema
como “o conceito a que a criança chegou, e que repetirá outra vez.” Encontra-
se um esquema puro no desenho da criança quando a sua representação se
limita ao objeto: “isto é uma árvore”, “isto é um homem” (LOWENFELD e
BRITTAIN, 1977, p. 183). Quando se apresentam intenções que alteram formas,
ou quando há modificações no esquema, sabe-se que a criança retratou algo
importante para ela. A representação da figura humana evolui complexa e
organizadamente, ela retrata as diferentes partes do corpo, usando símbolos
para identificação de detalhes como boca, nariz e olhos. A roupa é desenhada
frequentemente em lugar do corpo, acrescenta-se cabelo e até pescoço, entre
outros. Nesta fase a criança começa a organizar seus desenhos. Inclui uma linha
de base para apoiar os objetos: “A linha de base é universal e pode ser
considerada parte tão inerente ao desenvolvimento infantil quanto o ato de
aprender a correr ou pular”(LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 185). Uma cópia
da linha de base aparece também como linha do horizonte, usualmente
desenhada na parte superior da folha. A figura 9 mostra como tudo está
organizado em uma linha de base. As mãos estão ampliadas, por causa da
importância delas para a tarefa de colher flores.
50
Figura 9 Linha de base (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 186)
A dobragem é outro processo usado frequentemente nesta fase, quando os
objetos são desenhados perpendicularmente à linha de base, e parecem ser
colocados de pernas para o ar (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 191), como
pode se notar na figura 10 a seguir.
Figura 10 Dobragem (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 192)
A criança representa, num mesmo desenho, diferentes sequências de tempo
ou de impressões espacialmente distintas. Essas são reconhecidas como
representações de espaço e tempo (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 196). Em
uma sequência de desenhos podem-se encontrar representações de
acontecimentos diferentes, isto é, as imagens ou quadros podem estar
separados, como nas histórias em quadrinhos, mesmo não sendo divididos por
51
linhas. Outra maneira de representar espaço-tempo ocorre quando a criança
representa diferentes fases temporais em um desenho. Ela procura
transmitir no desenho, aquilo que considera mais característico a respeito da
ação representada. Nesta fase também pode ser ressaltado outro aspecto
importante o meio não visual de representação que é usado para mostrar
aspectos diferentes que não poderiam ser vistos ao mesmo tempo
(LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 200). A criança mistura dentro de seu
desenho os conceitos de “dentro” e “fora” e frequentemente são apresentadas
uma parte do interior e outra do exterior, como se fosse transparente. É uma
representação do tipo “raio-X”. A figura 11 mostra esse tipo de representação,
indicando características internas e externas num único desenho.
Figura 11 Raio X (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p. 200)
ainda as fases denominadas Realismo (entre 9 e 12 anos de idade),
Pseudonaturalismo (entre 12 e 14 anos de idade) e Decisão (entre 14 e 17 anos) que
extrapolam os limites de idade dos sujeitos desta pesquisa. Lowenfeld (1977), a partir
da análise da evolução do desenho infantil, verificou que a criança, quando estimulada
a vivenciar diversas experiências, no decorrer das faixas etárias, começa a representar
seu realismo visual, chegando a estabelecer uma inter-relação entre seus desenhos e a
figura humana.
Pode-se elaborar o seguinte quadro sinóptico das fases do desenho infantil:
52
IDADE
(anos)
LUQUET (1927)
PIAGET (1948)
LOWENFELD
(1977)
1
Realismo
Fortuito
Garatuja
Garatuja
2
3
Realismo Falhado
4
Pré-esquematismo
5
Realismo
Intelectual
Pré-esquemática
6
Esquematismo
7
8
Esquemática
9
Realismo
10
Pseudonaturalismo
Realismo
11
12
Realismo Visual
13
Pseudonaturalismo
14
15
Decisão
16
17
53
2.4 FORMAS DE PENSAR O DESENHO DE ACORDO COM EDITH DERDYK
Edith Derdyk fez o curso de Licenciatura em Artes Plásticas pela FAAP
Fundação Armando Álvares Penteado (1977/1980). Realizou inúmeros trabalhos
gráficos como capas de livro, capas de disco e ilustrações.
Tem participado de exposições coletivas e individuais desde 1981 no Brasil e no
exterior. Em 1996 foi convidada para ser uma das 4 artistas representando o Brasil na
mostra Arte através dos oceanos, Copenhague, Dinamarca. Tem participado de Feiras
Internacionais (Arco, Miami Basel) representada pela Marília Razuk Galeria de Arte,
onde realizou a individual Ângulos, em 2004.
Entre sua produção bibliográfica, figuram três livros infantis: Estória Sem
Fimmm (Summus Editorial/1980), O Colecionador de Palavras e A Sombra da Sandra
Assanhada (ambos editados pela Editora Salesianas / 1986 e 1987 respectivamente).
Atualmente está coordenando a Coleção Siricutico com as canções do selo Palavra
Cantada, editados pela Cosac&Naify. Além das obras direcionadas ao público infantil, a
autora publicou dois livros teóricos: Formas de Pensar o Desenho e O Desenho da
Figura Humana, ambos editados pela Editora Scipione no final da década de 80.
Lançou o livro Linha de Costura, pela Editora Iluminuras em 1997. Produziu o livro Vão
(Edição Independente/1999); O que fica do que escapa (Edição Independente/2000);
Fresta e Fiação (Edição Independente/2004). Em 2001 lançou pela Editora Escuta o
livro Linha de Horizonte por uma poética do ato criador. Utilizaremos o seu primeiro
livro, Formas de pensar o desenho, como referência teórica para esta pesquisa.
2.4.1 O grafismo e o gesto
Para Derdyk (1989), espernear, andar, correr, saltar, gritar, equilibrar-se,
atirar objetos, sorrir, entoar, chorar, balançar-se, são “encenações corporais da criança
que acontecem no espaço” (p. 55). Nesta perspectiva, o corpo inteirinho se expressa,
expandindo-se, recolhendo-se.
O movimento corporal acontece e se esvai no ar; mas a linha, o ponto, a
mancha ficam ali agrupados no papel. Segundo a autora é comum observar crianças
que olham do outro lado do papel para ver o que aconteceu ali depois que se
desenhou: passam a o no papel para se certificar que suas marcas não desgrudam,
ou então fazem um círculo e terminam num ponto, “amarrando-o” para o círculo não
se desfazer.
54
Ao rabiscar obsessivamente, a ponta do lápis acaba. A criança pega outro
lápis, sua mão desliza pelo papel, a ponta acaba novamente. A criança olha para o lápis
e o sabe de onde nasceu a linha: se foi da mão, do lápis, ou do fundo do papel.
(DERDYK, 1989, p. 56).
A criança rabisca pelo prazer de rabiscar, de gesticular, de se afirmar. Este
grafismo que daí surge é, desta forma, essencialmente motor, orgânico, biológico,
rítmico.
Derdyk afirma que a criança é um ser ativo, agindo impulsivamente para uma
aventura ousada e curiosa. A repetição de um gesto jamais desencadeia o mesmo
resultado: não existe ainda um controle do instrumento. Assim, o trabalho é
essencialmente energético, não possuindo nenhum compromisso com a figuração
(1989, p. 57).
A excitação motora conduz a outros gestos, ficando implícita, aí, uma
atividade mental na medida em que a criança associa, relaciona, subtrai ou adiciona
um gesto a outro. O desenho poderá ser indecifrável para nós, mas, provavelmente,
para a criança, naquele instante, qualquer gesto, qualquer rabisco, além de ser uma
conduta sensório-motora, vem carregado de conteúdos e significações simbólicas
(DERDYK, 1989, p. 57).
É a partir de rabiscos iniciais que, futuramente, irão surgir certas formas
básicas. Citando Kellogg (1969), Derdyk (1989, p. 58) diz que o rabisco requer
percepção e percepção requer cérebro. Assim, as garatujas funcionam como unidades
gráficas, abstratas, sígnicas e que estarão contidas em qualquer desenho figurativo.
O desenho, além de ser fruto de uma ação motora, manifesta um ritmo
biopsíquico de cada indivíduo, encadeado com uma repetição proveniente de uma
ordem imperiosa que vem de dentro. Para Derdyk (1989, p. 59), a repetição visa
automatizar, incorporar, dominar um gesto adquirido, um movimento inventado, um
rabisco criado. Mas reflete também uma ordem inerente de movimentos naturais tal
como certas alternâncias que se dão na natureza: o ciclo dia/noite, dormir/acordar,
movimento/repouso, inverno/verão. A criança ainda não é capaz de operar sobre a
realidade, mas existe uma interação direta da criança com o meio ambiente.
55
Figura 12 “Verdadeiras Coreografias no espaço do papel” (DERDYK, 1989, p. 62)
Inicialmente a criança garatuja desordenadamente, caoticamente,
casualmente, longitudinalmente em todas as direções. Ainda não tem noção do campo
total do papel. Para Derdyk o prazer motor, aos poucos, torna-se aliado do prazer
visual.
56
2.4.2 O corpo é a ponta do lápis
De acordo com Derdyk (1989, p. 63), mesmo sendo indecifráveis para nós, as
garatujas das crianças provêm de uma intensa atividade do imaginário. O corpo inteiro
está presente na ação, concentrado na ponta do lápis. Esta funciona como ponte de
comunicação entre corpo e papel. “A pontinha é o instrumento medidor da
manifestação física e vivencial da criança, espelho de sua ebulição interna, tal como o
sismógrafo, que mede os movimentos interiores da Terra” (idem).
Para Winnicott (1982), a criança, em suas garatujas, obedece às necessidades
do sistema nervoso afinado com um desejo de significação e afirmação de seu ser no
mundo.
O gesto vai se aprimorando, à medida em que a criança afirma o seu corpo,
combinando e ampliando possibilidades expressivas. A precisão do gesto no papel está
ligada à apreensão e domínio corporal como um todo, à sua capacidade de encontrar
apoios, entender os mecanismos corporais de equilíbrio e desequilíbrio.
A criança percebe, em um dado momento, que tudo aquilo que está
depositado no papel partiu dela. Não lhe foi dado, foi inventado por ela mesma.
Inaugura-se o terreno da criação (DERDYK, 1989, p. 64). Desenhar concretiza material
e visivelmente a experiência de existir.
2.4.3 A sugestão do gesto
A criança passa a visualizar, perceber e aceitar a sugestão que o próprio traço
lhe dá, o que promove um grande diálogo entre a criança e o acontecimento do papel.
Em meio a todos aqueles traços, a criança visualiza um jacaré de boca aberta, o
pontinho ali no meio da folha é o pingo de chuva que cai rapidamente e se transforma
numa tempestade, por exemplo. Tudo isto sugere que a criança observa e é capaz de
reter em sua memória uma grande quantidade de informação visual. Sugere a
capacidade de associar, relacionar, combinar, identificar, sintetizar, nomear. Suas
associações são processadas ora por analogia visual, ora por analogia intelectual,
manifestando uma agilização de seus conteúdos formais (DERDYK, 1989 p. 68).
57
A criança evidencia a capacidade natural do homem de imaginar, seja através
do desenho, seja através do teatro ou de qualquer outra atividade expressiva. É
importante ressaltar que nas atividades do imaginário estão contidas referências do
cotidiano, alusões à fantasia, lembranças. Edith Derdyk faz uma bela metáfora que
descreve bem esta nova transformação pela qual passa o desenho infantil: o olho que
acompanhava a mão, tal como acompanhamos um guia numa estrada que não
conhecemos, assume outra postura; agora o olho também pode ser o comandante do
barco, fazendo com que a mão seja sua passageira. (DERDYK, 1989, p. 69).
Com o “olho comandante”, a criança passa a perceber os limites espaciais do
papel: o dentro e o fora, o “eu” e o “outro”, o campo da representação e o campo da
realidade. Para Derdyk, o discernimento do campo retangular do papel, onde tudo
pode acontecer, inaugura a era do faz-de-conta. Inaugura-se o jogo.
O desenho vai da ação à representação na medida em que evolui da sua
forma de exercício sensório-motor para a sua forma segunda de jogo simbólico. O
desenho entra na categoria de jogo simbólico ou imaginário quando permite à criança
exprimir um pensamento individual (REDIEU apud DERDYK, 1989, p. 76).
58
Figura 13 Íris 3 anos e 6 meses (DERDYK, 1989, p. 77)
Aproximadamente entre três e quatro anos, as crianças combinam os
elementos gráficos, tais como a cruz diagonal, a cruz perpendicular, o círculo, o
quadrado, arcos, triângulos, gerando novas configurações gráficas: os diagramas. Esta
59
operação demonstra uma habilidade quanto ao uso da linha e da memória, na medida
em que a criança congrega elementos, compondo-os. É possível constatar, também,
uma certa maturidade intelectual para perceber as diferenças e semelhanças, para
generalizar, abstrair, classificar, envolvendo conceitos. O ato de desenhar, até então,
era fruto de uma ação e de uma percepção. Agora ele passa a processar a percepção
emitindo conceitos (DERDYK, 1989, p. 82).
As correspondências formais e gráficas espelham a organização interna do
universo da criança. A possibilidade de identificar os objetos, suas qualidades e
estados, suas semelhanças e diferenças, a necessidade de referências externas sólidas
estimulam a criança a conceber uma noção autônoma do objeto, tal como concebe
uma noção autônoma de si mesma (ibidem).
2.4.4 O primeiro círculo
A partir dos dois anos, a criança torna-se capaz de extrair do fundo móvel de
suas sensações elementos mais permanentes. Na medida em que adquire uma noção
de si mesma, ela passa a operar, interferir, reapresentar, estabelecendo analogias,
detectando semelhanças e diferenças. (DERDYK, 1989, p. 86).
60
Figura 14 “Olha eu aí!” – Marina (DERDYK, 1989, p. 86)
A criança passa, desta forma, do domínio das sensações imediatas e das
estruturas elementares ao mundo das relações, da permanência, das analogias. Ela
passa da ação em si à noção de si, da percepção indiferenciada à capacidade de emitir
conceitos.
Segundo Derdyk (1989), nos rabiscos intermináveis, aos poucos, os gestos vão
naturalmente se arredondando. Surgem espirais e caracóis que nascem de dentro para
fora, de fora para dentro. ensaios de toda ordem até o aparecimento do primeiro
círculo fechado. O gesto circular comparece em várias sociedades e culturas: das mais
primitivas às contemporâneas. Derdyk constata que, além de ser uma conquista
individual, o gesto circular é um gesto arquetípico, que pertence ao coletivo: o gesto
circular é inerente ao homem (1989, p. 89).
Para a autora, o aparecimento do círculo é o aparecimento da forma fechada.
Algo permanente que se distingue do todo, nascendo uma relação subliminar entre
figura e fundo. A criança tem uma percepção inata das formas, mas seu sistema
61
fisiológico precisa estar maduro para tal conhecimento. O círculo elevado ao estatuto
de forma fechada, segundo Derdyk, ganha importância. Gera noção de autonomia,
atribuindo a cada signo gráfico um sentido de permanência.
As formas circulares amadurecem, se desenvolvem, associam-se entre si,
relacionam-se com outros elementos gráficos até que surgem as mandalas, desenhos
circulares de formas geométricas concêntricas. São figuras que revelam grande
elaboração construtiva, possuindo significado religioso para as civilizações orientais:
são representações do uno, do universo.
Segundo Derdyk, dos círculos nascem tensões internas e externas, direções
convergentes e divergentes: são as radiais, os sóis, as variações do desenvolvimento
formal do círculo.
A gênese do círculo, do quadrado e do triângulo possui motivações diferentes.
Apesar de o círculo, o quadrado e o triângulo constituírem formas fechadas, elas
elaboram-se em níveis operacionais diferentes. (DERDYK, 1989, p. 93)
Segundo a autora, o círculo nasce dos movimentos contínuos, este gesto
circular se caracteriza por um traçado motor instintivo, biológico, inerente. o
quadrado nasce de movimentos descontínuos e coincide com a aquisição do ponto de
partida e do ponto de chegada. A execução do quadrado exige maior controle visual,
uma comunhão total entre olho, cérebro e mão (DERDYK, 1989, p. 93).
Conceitualmente, estas principais formas geométricas elementares revestem-se, em
seu aparecimento, de um significado similar: permitem à criança conjugar novos
espaços, novas figuras, novas construções.
2.4.5 O desenho, a fala e a escrita
Ao acabar o desenho, geralmente a criança pára e olha o que fez. O resultado
também é importante para a criança. O desenho vai receber de seu autor uma
interpretação, aliada a um comentário verbal, como se esse fosse o prolongamento de
sua ação. Para Derdyk (1989, p. 95), a criança irá expressar surpresa ao ver ali,
configurado concretamente, aquilo que se passava dentro de sua cabecinha é a
intimidade exposta e revelada.
62
A autora afirma que a interpretação verbal que a criança realiza ao ver ou
fazer o seu desenho muitas vezes se transforma numa outra estória. Às vezes é pura
constatação, às vezes é atribuição de valor. Muitas vezes a interpretação verbal
efetuada pela criança é mais rica e criativa que o próprio desenho, sendo este o
suporte da fala, da narração verbal.
A aquisição da fala propicia uma nova relação da criança com o universo, com
os objetos, situações e seres. Derdyk afirma até que, para a criança, a palavra é
verdadeiramente poderosa, tal como o é para as sociedades onde a oração é capaz de
evocar espíritos (DERDYK, 1989, p. 96). A palavra torna-se um instrumento para a
criança elaborar seus medos, angústias e emoções.
A aquisição verbal redimensiona a relação que a criança mantém com o
desenho e com o ato de desenhar. Nomear desencadeia ações: a ação gráfica no papel
sugere figuras; a palavra representa o objeto; a pessoa, o fato. Assim, para a autora
desenhar e falar são duas linguagens que interagem, são duas naturezas
representativas que se confrontam, exigindo novas operações por correspondência. A
linguagem verbal e a linguagem gráfica participam de uma natureza mental, cada uma
com sua especificidade e sua maneira particular de participar uma imagem, uma idéia,
um conceito.
Derdyk associa a escrita pictórica ao nascimento da escrita (analisando
exemplos primitivos chineses e os hieróglifos). E observa que é patente o
emprobrecimento da expressão gráfica quando a criança passa pelo processo de
alfabetização, principalmente quando não há um respaldo que dê garantias para a
continuidade da experimentação gráfica. A ênfase na palavra escrita inibe, desta
forma, a produção gráfica infantil. (DERDYK, 1989, p. 104).
2.4.6 Imitação e cópia
De acordo com Derdyk, todo o ensino que se baseia na cópia não é um ensino
inteligente. O aprendizado que depende basicamente do desempenho eficiente da
capacidade de copiar é um ensino que o considera a criança como um ser cognitivo.
(DERDYK, 1989, p. 107). Desta forma, a criança torna-se um depósito de informação
sem reflexão, exercício do poder e da dominação. Fornecer um “modelo” a ser copiado
63
exclui a possibilidade de a criança selecionar seus interesses e necessidades reais. No
ato da seleção está inclusa uma leitura da realidade, que, em si, é um exercício
reflexivo e criativo.
Para Derdyk, o ensino inteligente e sensível depende do ensaio e erro, de
pesquisa, investigação, experimentação na busca de solução de problemas que geram
dúvidas, incertezas. A autora afirma ainda que a estratégia educacional visando apenas
o adestramento motor exclui o entendimento do desenho como um forma de
construção do pensamento através de signos gráficos, maneira de apropriação da
realidade e de si mesmo (DERDYK, 1989, p. 108).
Entretanto, a autora ressalva que a imitação possui um significado distinto da
cópia. Ela decorre da experiência pessoal, orientada pela seleção natural que a criança
efetua dos “objetos”, para então apropriar-se deste ou daquele conteúdo, forma,
figura, tema, através da representação. A capacidade de imitar é possível quando a
criança está apta a reproduzir e simbolizar imagens mentais internas (DERDYK, 1989, p.
110).
A criança também imita outras crianças: são estímulos que lhe impulsionam o
desejo da apropriação, são trocas de experiências. Assim, imitar não implica
necessariamente ausência de originalidade e de criatividade, mas o desejo de
incorporar objetos que lhe suscitam interesse.
2.4.7 Observação, memória e imaginação
O desenho pode revelar a estrutura e o grau de desenvolvimento do
mecanismo intelectual, mas também nasce de uma visão. Citando Francastel (1975),
Derdyk afirma que o desenho não reproduz as coisas, mas traduz a visão que delas se
tem (FRANCASTEL apud DERDYK, 1989, p. 112).
O desenho não é mera cópia, reprodução mecânica do original. É sempre uma
interpretação, elaborando correspondências, relacionando, simbolizando, significando,
atribuindo novas configurações ao original. O desenho traduz uma visão porque traduz
um pensamento, revela um conceito.
O observador é aquele que olha atentamente, examina, considera, reflete,
guarda, contém, especula. De acordo com Derdyk, observar pertence a um estágio de
64
desenvolvimento do pensamento visual, quando, precisamente, a criança manifesta a
capacidade de reter, guardar, conter uma informação. ela está observando e
processando os elementos observados. A observação trabalha conjuntamente com a
memória (DERDYK, 1989, p. 118).
O desenho lida com os elementos do tempo e do espaço. O ato de desenhar
congrega o presente com um passado e um futuro. As imagens nascem da observação,
da memória, da imaginação. Assim, a autora relaciona a observação com o presente, a
memória com o passado e a imaginação com o futuro. Citando Décio Pignatari (1974),
a autora afirma que o ato de desenhar envolve “um raciocínio que liga aquilo que se
acaba de aprender com o conhecimento adquirido, de tal modo que, dessa forma,
aprendemos o que antes era desconhecido” (PIGNATARI apud DERDYK, 1989, p. 118).
2.5 A APRECIAÇÃO MUSICAL E O DESENHO
A partir da visão de alguns estudiosos sobre a evolução do desenho infantil,
pode-se perceber o importante papel do desenho para a expressividade da criança e,
conseqüentemente, para a compreensão mais profunda a respeito de sua forma de
agir, pensar e de se relacionar com o mundo. Da mesma maneira alguns estudiosos
como Bamberguer (1990), Streiff (1990), Salles (1996), Pacheco (2007), entre outros,
investigaram sobre a representação gráfica do som, símbolos gráficos e as diversas
maneiras de representar a música criada pelas crianças.
Em seus estudos, Bamberger (1990) realizou três etapas de verificação sobre a
notação de ritmo espontânea, onde os pesquisados deveriam escrever os ritmos
produzidos por palmas, sem diferença de altura. Na primeira etapa foram selecionadas
crianças de oito e nove anos de idade. Na segunda, crianças de quatro a doze anos;
enquanto que na terceira etapa foram selecionados adultos sem formação musical.
O resultado desse estudo revela que:
A- As crianças entre quatro e cinco anos desenham como se estivessem “tocando”
no papel, seus movimentos estão intimamente ligados ao corpo. As crianças
não assimilam a ação de bater palmas. Dessa forma, para representar o que
65
estão ouvindo, acabam reproduzindo “os movimentos dos braços e das mãos
que produzem palmas” (BAMBERGER, 1990, P. 106). Para Bamberger, essas
reproduções são consideradas “garatujas rítmicas” ou “forma primitiva”,
apesar dos vários autores mencionados anteriormente considerarem que as
garatujas são típicas do início da infância, geralmente aos dois ou três anos de
idade.
B- as crianças entre seis e sete anos revelam dois estilos opostos de reproduzir
o que ouviram. Esses estilos foram nomeados por Bamberger como: “figurale
“métrico”. No figural a escrita está diretamente relacionada à ação, as
representações são articuladas e o lápis acompanha os movimentos rápidos e
lentos, evidenciando a duração dos sons. Na notação métrica, existe a intenção
de representar a quantidade de palmas ouvidas. Dessa forma inicia-se o que
Bamberger chama de construção de “figuras” e a construção de “Unidades”
(por contagem) (BAMBERGER, 1990, P. 106, 107).
C- As crianças entre nove e doze anos que tiveram um contato com a notação
musical convencional mostraram uma recusa na reprodução informal do ritmo
executado, pois elas consideram “errada” outro tipo de notação, que não a
musical tradicional. (BAMBERGER, 1990, P. 99).
D- Os adultos sem formação musical tiveram suas representações no mesmo nível
de semelhança das crianças entre nove e doze anos. Isso se deve ao fato de que
os adultos em geral, mesmo que não saibam ler ou escrever música
convencionalmente conhecem ou já viram uma partitura, então a escrita destes
tentaram a todo momento representar os símbolos de uma partitura.
A importância deste estudo não reside apenas em suas conclusões, mas
principalmente pelo fato de ser um estudo pioneiro envolvendo a apreciação e os
desenhos produzidos a partir dela.
Ao pesquisar notações a partir de melodias extraídas de canções populares
em escolas públicas de Genebra com crianças entre sete e doze anos, Marguerite
Streiff afirma que, mesmo com as dificuldades na interpretação de sua pesquisa por
causa de “algumas particularidades gráficas que não puderam ser interpretadas com
66
exatidão e outras que ficaram obscuras” (STREIFF, 1990, p. 133), foram encontrados
seis estilos de notação sugeridos pelas crianças. Sua pesquisa consiste no estudo da
notação de partes extraídas de duas melodias consideradas silábicas, onde cada sílaba
do texto coincide com cada som da melodia. As canções utilizadas foram:
1- Au Clair de La Lune melodia que é estruturada em duas partes semelhantes
(AB, A’B’).
2- II Était une Bergère melodia de forma AB.
Em geral, os resultados encontrados mostram que as notações têm uma
ordem crescente de complexidade, e isso se deve à conceitualização das canções. As
notações coletadas sugerem: intenções de escrita de cada unidade cantada;
caracterização da melodia a partir de grafias alternativas como flechas e letras, dentre
outras; inserção de espaços que caracterizam a forma; indicação de ritmos,
movimentação melódica e alturas. Após sua experiência Streiff (1990) conclui que “o
som não tem, ou pouco tem, significação para a criança; nem em relação à sua
atividade de cantar nem em relação às composições musicais que lhe são familiares”.
A criança percebe a melodia como um todo, não compreendendo, entretanto, o som
como unidade de construção melódica.
No Brasil, podemos citar o estudo que Pacheco (2007) realizou com crianças
de 6 a 12 anos em cinco comunidades de Curitiba (PR). Utilizando três estilos
musicais variados para uma apreciação por parte das crianças, a pesquisadora buscou
estabelecer conexões entre a percepção musical e o desenho infantil. A pesquisa
dividiu-se em três partes:
1- A primeira experiência foi com a música egípcia, e isso se deve ao fato de essa
sica fugir do padrão musical ocidental.
2- Na segunda experiência foi utilizada a música contemporânea.
3- A terceira experiência foi com a sica clássica ao vivo, verificando se existe
diferença de percepção entre música ao vivo e gravações.
Cada experiência apresentou uma distinção nos resultados devido às
diferenças das propostas. Pacheco (2007, p. 131) conclui que “o uso dos desenhos das
crianças parece constituir uma estratégia interessante para os estudos da percepção
musical”.
67
No artigo Gênese da Notação Musical na criança os signos gráficos e os
parâmetros do som, Pedro Paulo Salles procura sistematizar e interpretar as idéias, os
processos e os resultados de um trabalho, realizado com crianças de 6 a 11 anos, em
sala de aula, que visava ao delineamento de uma pedagogia musical, cujo
desdobramento em direção a uma gênese da notação musical da criança é um de
seus aspectos mais interessantes e originais, não devido aos processos articulados
pelas crianças, que possibilitaram uma visibilidade do invisível, processos próprios da
imaginação e de seu desenvolvimento na criança mas principalmente aos possíveis
musicais que se abrem, num crescendo, à criança, favorecendo-a tanto no plano do
intelecto e da construção, como também no plano da intuição e da imaginação
criadora.
Segundo o autor, a dinâmica do trabalho em sala de aula compreendeu
situações coletivas e individuais de percepção, exploração, improvisação, composição,
criação de grafias; análises, discussões, registros diários das descobertas feitos pelas
crianças; debates, reflexões e questionamentos (SALLES, 1996, p. 150).
Salles afirma que o ensino tradicional de música apresenta, para a criança, um
repertório limitado e pré-determinado. A notação musical, que necessariamente está
vinculada a esta escolha de sons, é introduzida diretamente por meio da imitação, no
que o autor chama de “uma verdadeira injeção, uma ‘aquisição’ mecânica e sem
vivência e sem pensamento” (SALLES, 1996, p. 150).
Para Salles, a liberdade e a objetividade necessárias para a exploração, a
descoberta e a construção do conhecimento sonoro e musical lhe são negadas em
favor da obediência e da ação repetitiva ou exploratória sem sentido, restando, assim,
músicas esqueléticas e uma notação revestida de sons sem vida:
Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito, que se acaba
obscurecendo a linguagem escrita como tal. Ao invés de se fundamentar as
necessidades naturalmente desenvolvidas nas crianças, e na sua própria
atividade, a escrita lhes é imposta de fora vinda das mãos dos professores
[...] como por exemplo o tocar piano. O aluno desenvolve a destreza de seus
dedos e aprende quais teclas deve tocar ao mesmo tempo que a
partitura; no entanto, ele o está, de forma nenhuma, envolvido na
essência da própria música. (VYGOTSKY apud SALLES, 1996, p. 151)
O autor afirma que a notação musical tradicional em sua utilização errônea
tem sido um dos obstáculos mais firmes diante de um progresso da criança na
aquisição da linguagem musical. Para ele, o ensino da música considerada como uma
68
estrutura fechada de conceitos e técnicas ou como um código arbitrário, tanto de
condutas, como de materiais sonoros e grafias trabalha com formas prontas, muitas
vezes impróprias para exprimir as necessidades ou as experiências vividas do eu. É
indispensável à criança que ela possa dispor igualmente de um meio de expressão
próprio, isto é, de um sistema de significantes construídos por ela e dóceis às suas
vontades (SALLES, 1996, p. 152).
No artigo, o autor procura mostrar as implicações dos parâmetros do som
intensidade, altura e timbre na invenção dos signos pela criança e na constituição de
sua dinâmica. Salles categoriza a grafia musical das crianças em pictografia musical
principalmente desenho da fonte sonora, desenho de imaginação, descrição figurativa
e simbólica; notação lingüística descrição verbal e onomatopéia escrita; notação
plástica desenho abstrato; notação analógica linear e geométrica, grafismo; e as
notações mistas (SALLES, 1996, p. 153-154).
Segundo Salles, a intensidade e a altura, nas grafias, percorrerão um caminho
que vai do figurativo à abstração, da noção de estados estanques até à transformação.
O autor identifica uma forte relação entre a intensidade do som e sua presentificação,
pois determina, através de suas flutuações, a própria sensação (auditiva e tátil) da
presença do som nos domínios do espaço e do silêncio. Aí, a intensidade se confunde
com a própria vibração sonora, em que a noção de som forte e fraco é análoga à de
som e silêncio. Se, por um lado, aliamos a intensidade à idéia de uma presentificação e
de uma proximidade do som, principalmente pelo impacto dos sons fortes e dos
crescendos, e também por ser o som forte o primeiro a ser percebido pela criança, por
outro lado, o som fraco demanda maior trabalho, depende de uma experiência da
criança com a sociabilidade de tal modo que o som do outro seja ouvido e com o
silêncio de tal modo que a presença microscópica de um sussurro seja tão
impactante quanto à de um trovão (SALLES, 1996, p. 156).
O autor afirma que, no início, a criança busca imagens ou signos que já
conhece para representar um som mais forte ou mais fraco, utilizando então desenhos
ou escrita. São comuns as associações de elefante/sons fortes/tambores
passarinho/sons mais fracos/gaita ou flauta. Com relação à onomatopéia, na notação
plástica e na notação analógica, uma analogia entre a noção de presença (ou
proximidade) do som e o tamanho do signo também se dará: som mais forte = mais
69
próximo (portanto signo maior); som mais fraco = som mais distante (portanto signo
menor) (SALLES, 1996, p. 159).
A notação plástica e a analógica ainda usam três outros expedientes para
representar as variações de intensidade do som: a intensidade do traço (linhas mais
calcadas e nítidas representam os sons mais fortes, e linhas mais apagadas ou fracas,
os sons mais fracos, onde a analogia é articulada pela idéia de uma força empregada
na produção da intensidade, tanto do som, quanto do traço); a cor do traço ou do
espaço pictórico (em que as cores quentes ou as de tons mais escuros representam
sons mais fortes, e as cores mais frias ou as de tom mais claro apresentam sons mais
fracos), e o movimento ou direção do traçado (em que sons fracos são a linha em
repouso horizontal, e os sons fortes são momentos de verticalidade mais intensa,
quase como um eletrocardiograma ou como se passou a chamar na notação
contemporânea, “grafismo”.
De acordo com Salles (1996, p. 164) a altura, na onomatopéia, é representada
de duas maneiras: na oscilação de cima para baixo, tal como na notação analógica, e,
mais comumente, na variação de vogais. Por exemplo, as crianças utilizam morfemas
com “i”, tanto para representar sons agudos quanto sons metálicos (representando
timbre e altura com o mesmo critério); e morfemas como “o” ou “utanto para sons
graves quanto para sons de tambor. O autor afirma ainda que, na notação plástica, as
alturas aparecem representadas por cores e texturas, naquilo que elas têm de
timbrístico. O autor continua dizendo que se pode dizer, genericamente, que as
crianças vêem nos sons mais graves matizes do preto e do azul, e nos sons mais
agudos, matizes do vermelho e do amarelo. Também a notação plástica aponta para a
notação analógica, na medida em que suas variações de traçado ascendente e
descendente, sugerem as flutuações de altura. Quando ocorre o desenho de
imaginação, a criança poderá, através da metáfora, fazer a representação da altura.
Por exemplo, as crianças, não raro, representam um som grave com o desenho de um
elefante e um som agudo com o de um pintinho, num princípio semelhante ao da
representação das intensidades forte e fraca. O autor estabelece uma relação destas
metáforas com a constituição elástica dos materiais: sons graves são emitidos por
materiais mais elásticos, geralmente grandes, e sons mais agudos por materiais menos
elásticos, geralmente menores (SALLES, 1996, p. 165).
70
No que diz respeito ao timbre, Salles (1996) afirma que a concepção da
textura gráfica resultante de um traçado tipo “dente de serra”, ocorre tanto a partir de
uma imitação motora por exemplo dos movimentos gestuais de um violinista a
friccionar rapidamente as cordas com suas unhas quando a partir de uma imitação
sonora mesmo devido ao som produzido pelo lápis friccionando rapidamente o
papel, por exemplo.
O autor conclui dizendo que, no início, as escolhas gráficas são setorizadas,
formando pequenos “dialetos” semiográficos: um grupo de crianças faz sica em
quadrinhos desenhados, outro faz roteiros descritivos, outro usa notação analógica e
outro se utiliza de notações mistas. Aos 7 anos de idade as crianças adquirem a
capacidade de estabelecer convenções e regras, o que possibilita que a sistematização
avance até uma convenção coletiva. Assim, a notação nunca está definitivamente
pronta enquanto digo. Para Salles (1996, p. 179) esta notação se transforma em
adaptações constantes às demandas da composição, da percepção, da prática musical
e da compreensão e construção de conceitos. Estas transformações também ocorrem
em função das demandas históricas e sociais de cada grupo, seja àquelas relativas à
faixa etária ou época histórica, seja àquelas relativas à sua cultura ou modo de
produção. Salles diz que a passagem de uma música simbólica e referenciada a seus
dados visuais fonte sonora e imaginação para uma música lúdica, referenciada aos
próprios sons em jogo, também é nítida nas grafias: no início com predomínio da
pictografia e do uso da linguagem evolui para um predomínio de notação plástica e
analógica. Esta evolução nem sempre é linear ou em bloco. A pictografia e a linguagem
irão inserir-se na notação analógica enquanto signos acessórios ou auxiliares,
delineando-se assim, desde o início, uma notação mista. A evolução gráfico-musical da
criança se cadencia em uma sucessão de estados em transformação: com variados
métodos de grafar e, antes, de imaginar o som, a criança modula-os à sua vontade e de
acordo com seu desenvolvimento cognitivo (SALLES, 1996, p. 181).
71
CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA
3.1 OBJETO DE PESQUISA
Esta pesquisa tem como objetivo investigar o desenvolvimento cognitivo-
musical de crianças de três a seis anos de idade, alunos da Educação Infantil de escola
regular da rede privada de Belo Horizonte, avaliando a eficácia do uso de desenhos em
atividades de apreciação musical com crianças nesta faixa etária.
Com a análise dos desenhos e relatos individuais coletados em atividades
metodologicamente controladas, pretende-se observar a relação entre os desenhos
produzidos pelas crianças e os relatos sobre os mesmos.
Com base na teoria piagetiana, buscamos compreender nesta investigação se
os conteúdos trabalhados previamente em aulas de musicalização foram acomodados
de maneira que possam ser demonstrados, espontaneamente, nas atividades de
apreciação através dos desenhos e relatos sobre a obra ouvida. Além da acomodação /
assimilação, pretende-se também observar a centração característica do período
pré-operacional nestas atividades, bem como a relação das crianças com as
transformações musicais, uma vez que neste período pré-operacional as crianças
manifestam dificuldades em observar tais transformações, focando seu raciocínio
sobre momentos estáticos. Também relacionado à teoria de Piaget está a observação
do desenho como representação do pensamento musical das crianças, ou seja, como
manifestação da função simbólica que está sendo desenvolvida nesta faixa etária.
Com relação à teoria vygotskyana relativa à zona de desenvolvimento
proximal, salientamos que durante as aulas de musicalização atuamos na ZDP para
promover o desenvolvimento cognitivo-musical e, na presente investigação, o foco
está no desenvolvimento real das crianças. Ou seja, pretende-se verificar se a
musicalização tem realmente promovido avanços no desenvolvimento cognitivo-
musical avaliando-se a situação atual das crianças ao observar o que elas conseguem
fazer por si mesmas.
72
As análises dos relatos sobre os desenhos e sobre a sica estão
fundamentadas nos critérios propostos por Swanwick (1994, 2003) na Teoria Espiral de
Desenvolvimento Musical.
No que tange ao estudo do desenho infantil, são levadas em consideração as
contribuições de Georges Henry-Luquet (1927 1969), Viktor Lowenfeld (1903 1960)
além dos estudos de Piaget sobre o desenho infantil.
A partir destes pressupostos iniciais formularam-se as seguintes perguntas:
O que as crianças conseguem perceber sozinhas nas obras musicais
durante as atividades de apreciação?
Após 18 meses de musicalização, o que as crianças realmente
acomodaram dos conceitos trabalhados?
Como as crianças manifestam a sua compreensão musical através de
desenhos sobre a música que estão ouvindo?
De que maneira estes desenhos e também os relatos sobre estes
desenhos manifestam características de um pensamento musical
dentro das características do período pré-operacional?
O desenho em aulas de apreciação realmente auxilia no processo de
manifestação da compreensão musical? De que maneira?
3.2 MÉTODO
3.2.1 Delineamento
A pesquisa caracteriza-se em um estudo de caso instrumental, com crianças
da Educação Infantil de uma escola regular da rede privada de Belo Horizonte de
Minas Gerais.
73
No estudo de caso instrumental, de acordo com Alves-Mazzotti (2006), o
interesse no caso deve-se à crença de que ele poderá facilitar a compreensão de algo
mais amplo, uma vez que pode servir para fornecer insights sobre um assunto ou para
contestar uma generalização amplamente aceita, apresentando um caso que nela não
se encaixa.
A parte empírica da pesquisa consiste na avaliação do fazer musical de
crianças de três a seis anos, através da coleta de desenhos e relatos em atividades de
apreciação musical.
3.2.2 Amostra
O estudo empírico foi realizado com crianças regularmente matriculadas em
uma escola da rede privada da cidade de Belo Horizonte Minas Gerais. Nesta escola
havia aulas de música na grade curricular antes mesmo da aprovação da lei
11769/2008 que prevê a obrigatoriedade do ensino de Música nas escolas da
educação básica.
As 24 crianças (13 meninas e 11 meninos) foram separadas em 4 grupos,
obedecendo-se um critério de faixa etária:
Grupo A 8 (oito) crianças com 3 anos de idade
Grupo B 3 (três) crianças com 4 anos de idade
Grupo C 5 (cinco) crianças com 5 anos de idade
Grupo D 8 (oito) crianças com 6 anos de idade
As crianças tiveram, como afirmado anteriormente, 18 meses de aulas de
musicalização, tendo contato com conceitos sicos da teoria musical, como
direcionalidade sonora, altura (grave e agudo), dinâmica (forte e fraco), timbre
(conheceram, ouviram o som e por vezes manipularam instrumentos musicais que
compõem a orquestra), noções rudimentares de forma (reconhecimento de frases,
repetições, contrastes no caráter expressivo relacionados à mudanças de seções, etc.),
74
caráter expressivo de frases e seções, noções básicas de ritmo (sons curtos e longos),
etc.
3.3.3 Procedimentos
Para a realização desta pesquisa foram selecionadas 4 obras musicais de 4
compositores diferentes com caráteres estilísticos constrastantes, que serão
detalhadas a seguir. A coleta foi feita em quatro aulas consecutivas (sendo uma aula
por semana). A cada aula foi utilizada uma obra musical diferente.
A aula de música nesta escola acontece em uma sala especial, uma espécie de
“sala multimeios” da escola, onde ocorrem aulas de balé e reforço de matemática, por
exemplo. Esta sala conta com um armário onde ficam guardados alguns instrumentos
(tambores, flautas doce, chocalhos, pandeiros, paus de chuva, pratos, teclado,além de
instrumentos confeccionados com materiais alternativos), o aparelho de som e alguns
CDs infantis. As crianças sentam-se no chão, que é forrado com um tapete de EVA e
almofadas, apesar de haver carteiras disponíveis.
Com cada grupo, a atividade de apreciação foi conduzida da seguinte maneira:
Sentadas no chão, as crianças eram estimuladas a ouvir uma das obras selecionadas,
sem que a professora
2
fizesse nenhum comentário especial sobre a música. Por
estarem habituadas com este tipo de exercício, as crianças permaneciam atentas por
todo o tempo e algumas delas experimentavam alguns comentários sobre a música.
Quando a sica acabava, folhas de papel A4 em branco eram distribuídas para cada
uma das crianças e, no centro da roda formada por elas eram disponibilizados:
canetinhas hidrocor, lápis de cor e giz de cera de todas as cores. A professora pedia
aos alunos para desenharem o que eles quisessem sobre a obra musical ouvida. As
crianças reagiam com as seguintes perguntas: para desenhar os instrumentos?"
para desenhar as notas?" para desenhar o som?", ao que a professora respondia
sempre dizendo que era para desenharem o que quisessem, o que estavam com
vontade de desenhar daquela música.
2
A professora que conduziu as atividades é a autora desta dissertação.
75
Assim, a sica era novamente ouvida enquanto as crianças desenhavam. E
quando eles pediam para parar, voltar algum trecho novamente, a professora atendia
sem questioná-los.
Assim que as crianças terminavam seus desenhos, estes eram recolhidos pela
professora, que anotava a lápis o nome da criança no verso de seu respectivo desenho.
Cada criança era convidada a falar sobre o seu desenho individualmente, em
um cantinho separado da sala, enquanto as outras crianças esperavam a sua vez
brincando com os instrumentos ou conversando entre si. A professora mostrava o
desenho da própria criança e pedia para que a mesma explicasse o que tinha
desenhado e o que ela tinha ouvido da música. Como a escola não autorizou a
gravação destes relatos, a professora anotava tudo enquanto a criança falava.
3.3.4 Análise de dados
Os desenhos coletados no decorrer das quatro aulas serão analisados em um
primeiro momento baseando-se nas teorias de Luquet (1927), Piaget (1948) e
Lowenfeld (1977) sobre o desenho infantil. Em um segundo momento, os relatos sobre
a apreciação e sobre os desenhos serão avaliados segundo os critérios para a
Apreciação delineados por Swanwick (1994) em sua Teoria Espiral de Desenvolvimento
Musical. Posteriormente, serão relacionados os resultados das análises de desenho e
relatos, buscando uma melhor compreensão de ambos. Os resultados serão
confrontados com as teorias de desenvolvimento cognitivo de Piaget no que se
refere ao período pré-operacional para um aprofundamento dos resultados.
76
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DOS DESENHOS REALIZADOS APÓS A
ATIVIDADE DE APRECIAÇÃO MUSICAL
4.1 DVORÁK Sinfonia n. 9 (Novo Mundo) Primeiro Movimento
O compositor tcheco Antonin Dvorák (1841 1904) teve sua nona sinfonia
estreada em 15 de dezembro de 1893, no Carnegie Hall de Nova Iorque, sob a regência
de Anton Seidl. De acordo com Tranchefort (1990), trata-se da grande obra americana
de Dvorák, escrita entre janeiro e maio de 1983, cuja execução obteve imenso sucesso.
Tranchefort afirma que a sinfonia conserva o caráter pessoal do compositor,
facilmente reconhecível em certos temas, na harmonia e na orquestração. Dvorák
adapta nesta sinfonia com uma notável homogeneidade elementos melódicos
americanos, ou mais exatamente imitados destes, pois segundo Tranchefort (1990) o
compositor não se utiliza de nenhum tema pré-existente. Ele emprega, de fato,
fórmulas típicas, como o ritmo pontuado e sincopado e certos modos (pentatonismo,
menor natural). O compositor declara:
Eu simplesmente escrevi temas meus, dando-lhes as particularidades das
músicas dos negros e dos peles-vermelhas; e, me servindo desses temas
como motivo, eu os desenvolvi fazendo uso de todos os recursos do ritmo,
da harmonia, do contraponto, e das cores da orquestra moderna. (DVORÁK
apud TRANCHEFORT, 1990, p. 230)
O primeiro movimento é um Adagio allegro molto, assim descrito por
Tranchefort (1990) em seu Guia da Música Sinfônica:
Alguns compassos surdos nas cordas, uma resposta nas madeiras, no meio,
um chamado longínquo de trompa; um silêncio e, repentinamente, a série
de vigorosos sobressaltos, divididos entre as cordas, os tímpanos e os
sopros. E depois, entre duas frases ornamentais, o esboço de um tema
(trompa e cordas), de ritmo pontuado e sincopado, do qual terá origem o
tema principal do Allegro que virá. Esse movimento é constituído de uma
frase de arpejo na trompa e de uma resposta das clarinetas e oboés:
Será também o tema cíclico de toda a obra, que estará presente, mais ou
menos ostensivamente, em cada um de seus movimentos. Pelo seu caráter
histórico-lendário, ele é tipicamente dvorákiano; seu ritmo, em
contrapartida, atesta a influência americana. Ele é repetido e amplificado de
várias maneiras; sua segunda parte, principalmente, é abundantemente
modificada em seu andamento. Ela servirá de célula-base para o segundo
tema, nas flautas e oboés, em sol menor. É em ritmo de polca (quando da
sua repetição em maior, encontrar-se-ão semelhanças com a núpcia
77
camponesa de O Moldávia); mas é principalmente seu modo (menor
natural) que o torna notável e que é, da sua parte, tipicamente americano. A
alegria que faz nascer influi sobre o que se seguirá. Um novo tema surge na
flauta:
Pode-se sentir aqui a referência ao tema inicial, com o qual existe em
comum uma parte do corte rítmico e algumas entonações. Ele fará parte do
desenvolvimento, no qual se reconstituirão aos poucos os elementos e os
acentos do tema inicial, que ressoará em tida a sua potência bem antes da
repetição. Nesta última, o motivo de polca empregará a tonalidade de sol
sustenido menor, enquanto o tema de flauta será em bemol maior, antes
do retorno da tonalidade de base para a fogosa e retumbante coda.
(TRANCHEFORT, 1990, p. 230 231)
Os desenhos resultantes da apreciação deste trecho, e suas respectivas análises
encontram-se a seguir.
78
a) Criança 1
Figura 15 Desenho 1
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Desordenada
Pode-se observar no desenho da criança uma diferenciação entre traços mais suaves,
fracos e traços mais fortes, que podem estar relacionados à percepção de sons fracos e
fortes.
Relato da criança “Ficou barulho, legal!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a
criança respondeu: “O som alto”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Sensorial
79
b) Criança 2
Figura 16 Desenho 2
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “Baixinho.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “O som pequeno”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Sensorial
A criança realiza traços fortes em seu desenho, ocupando todo o papel. Ocorre uma
aparente contradição entre o “som pequeno” e os traços fortes das garatujas
desenhadas.
80
c) Criança 3
Figura 17 Desenho 3
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Desordenada
Pode-se observar no desenho da criança a predominância de traços mais suaves.
A criança não quis falar sobre o desenho nem sobre a música ouvida.
81
d) Criança 4
Figura 18 Desenho 4
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Ordenada
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja Nomeada
Relato da criança “Altão!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “O som altão. O arco-íris”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Sensorial / Pessoal
O arco-íris da criança só é claro para ela mesma, o que justifica as classificações
realismo falhado / garatuja nomeada. A dúvida entre a classificação dentro da Teoria
Espiral deve-se ao significado deste “arco-íris” para a criança, que pode denotar uma
demonstração da percepção do caráter expressivo da música ouvida.
82
e) Criança 5
Figura 19 Desenho 5
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Ordenada / Desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Ordenada / Desordenada
Pode-se observar no desenho da criança uma diferenciação entre traços mais suaves,
fracos e traços mais fortes, que podem estar relacionados à percepção de sons fracos e
fortes. Os traços em laranja são mais amplos e fortes e correspondem às garatujas
mais ordenadas, mais circulares; enquanto que os demais traços são relativamente
mais fracos e disformes, correspondendo a garatujas desordenadas.
Relato da criança “Música alta!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “O som grandão”. Enquanto relatava à professora, a criança realizava a
marcação do pulso com os pés.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A classificação como Manipulativo deve-se à marcação do pulso pela criança, que
demonstra algum controle sobre os materiais sonoros.
83
f) Criança 6
Figura 20 Desenho 6
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Desordenada / Ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Desordenada / Ordenada
Pode-se observar no desenho da criança uma garatuja ordenada em azul, mais forte, e
várias linhas mais fracas, desordenadas e em outras cores.
Relato da criança “Ficou alto e baixo várias vezes!” Ao ser questionada sobre o que
desenhou, a criança respondeu: “O som de montão e agora baixinho”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Vernacular
O que confere a este relato a classificação como Vernacular é a percepção da repetição
manifestada através do várias vezes”. Podemos observar a ligação entre o azul, mais
forte, com o “som de montão”; e as outras linhas, mais fracas com o som “baixinho” .
84
g) Criança 7
Figura 21 Desenho 7
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Ordenada
Pode-se observar no desenho da criança a predominância de traços amplos,
ligeiramente repetitivos, curvos e fortes.
Relato da criança Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: “A
música alta”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Sensorial
Nota-se aqui uma possível relação do desenho com relato da criança: a música alta
sendo representada por garatujas de traçado mais forte.
85
h) Criança 8
Figura 22 Desenho 8
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-Esquematismo
A criança representa a figura humana com certa definição: a face apresenta detalhes,
aparece a representação da roupa; entretanto nota-se a ausência das mãos e dedos.
Relato da criança “Som fraco, grave. Muitos instrumentos. Forte e grave!” Ao ser
questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Um homem ensinando o
filho a tocar um instrumento”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A relação com a sica pode estar na repetição dos traços pretos aglomerados (que
podem sugerir teclas do piano). Temos nessa imagem o ritmo dos pretos e dos
vermelhos ainda que os últimos estejam servindo para colorir a blusa do pai. A partir
desse desenho é possível observar uma coisa interessante: à medida que as crianças
tentam se aproximar de uma representação “figurativa” começam a desaparecer as
86
manchas e linhas mais abstratas e aparentemente mais intuitivas. O desenho figurativo
denota que foi mais pensado, “raciocinado”, para se aproximar da realidade e as
crianças começam a representar figuras humanas que tocam instrumentos. Parece ser
uma transposição de uma experiência mais “primária” com a música através das
sensações que se desloca para uma experiência mais elaborada do ponto de vista
mental, ainda que não devamos menosprezar as sensações que a música proporciona
o tempo todo.
i) Criança 9
Figura 23 Desenho 9
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquematismo
Pode-se observar no desenho da criança a presença de uma linha de base e a
representação da figura humana, ainda sem grandes detalhes.
Relato da criança Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu:
“Uma bailarina”.
87
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
Ao desenhar uma bailarina, pode-se compreender que a criança percebeu a música
como dançante, o que revela algo de seu caráter expressivo. Neste caso, o desenho
apresenta uma relação com a música ao ser encarado como a representação do
caráter expressivo da mesma. Mesmo que a bailarina apresente uma relação com a
música através da dança e no caso da criança com o próprio corpo, parece evidenciar
menos o ritmo como nos desenhos das crianças menores que são “abstratos”. Há, no
entanto, linhas repetidas na saia e, a grande mancha azul do céu apresenta um vigor
que é diferente do resto do desenho, assim como a esfera vermelha sobre a cabeça
que se destaca também do tratamento geral com linhas mais delicadas, indicando que
o corpo adota ritmos diferentes para desenhar “coisas” diferentes.
j) Criança 10
Figura 24 Desenho 10
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquematismo
88
Relato da criança “Agudo baixo, agudo forte.” Ao ser questionada sobre o que
desenhou, a criança respondeu: “Um violino”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A representação do violino é clara apenas para a criança, o que denota um realismo
falhado. O relato revela uma articulação entre parâmetros do som (altura e dinâmica)
e, quando associado ao desenho, revela a percepção do timbre de um instrumento em
particular o violino.
Mesmo que o violino seja um realismo falhado, pode-se perceber alguma coisa da
estrutura do instrumento nessa forma alongada. Nesta fase, de acordo com Arnheim
(2002), as coisas do mundo são percebidas pela estrutura, talvez mais do que pelo
contorno do objeto. O autor afirma que é de se esperar que as primeiras
representações artísticas das crianças se refiram a generalidades, ou seja, aspectos
estruturais gerais mais simples (ARNHEIM, 2002, p. 158). No lado esquerdo do que
seria o violino, temos duas manchas azuis rabiscadas com força e uma perpendicular à
outra que parecem ser a cravelha do violino. Os traços azuis entrecortados ao longo do
“instrumento” representariam as cordas; e a forma mais recortada na outra
extremidade seria a estrutura do corpo do instrumento. A mancha preta vigorosa
poderia estar associada ao som mais forte como nos desenhos anteriores, como
também pode indicar o arco utilizado para tocar o violino.
89
k) Criança 11
Figura 25 Desenho 11
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
Relato da criança “Agudo, grave, flauta, grave, grave, piano, forte, grave, dormiu,
agudo, grave, agudo.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu:
“Uma menina, um violino e um piano”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
Observa-se no desenho da criança que ela representa aquilo que sabe do objeto não
aquilo que vê: seu piano é representado pelas teclas apenas. Percebe-se, no relato, a
percepção do caráter expressivo de uma seção da música quando a criança fala
dormiu”. A relação entre desenho e música pode ser observada pela representação
de instrumentos apesar de o piano não fazer parte da instrumentação da música
ouvida.
90
l) Criança 12
Figura 26 Desenho 12
Idade da criança 5 anos
O desenho da criança é uma representação gráfica do som, influenciada por atividades
de musicalização realizadas anteriormente. São garatujas, mas, além disso, são uma
representação de algo que não se vê, por isso, abstrata. O desenho utiliza o que Salles
(1996) chama de notação analógica, na qual a criança se utiliza de formas lineares e
geométricas (grafismos) para a representação do som ouvido.
Relato da criança “Violino, baixo, ficou diferente, agudo e baixo. Baixinho, dormiu, o
som ficou longo, grosso, agudo.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “O som”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança percebe o caráter expressivo (“dormiu”) e, apesar de perceber algumas
mudanças (“ficou diferente”), não estabelece relações entre frases, mas apresenta
seus comentários como que em slides. O desenho se pretende uma representação
gráfica da música (dos sons ouvidos). As linhas percorrendo o espaço do papel em
movimentos sempre horizontais indicam tranqüilidade, havendo correlação com
aquilo que a criança falou.
91
m) Criança 13
Figura 27 Desenho 13
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Ordenada
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja Nomeada / Pré-
esquemática
Pode-se observar o “tambor” da criança representado pelo círculo preto com dois
círculos pretos preenchidos em cima que parecem representar as baquetas. A
classificação como Pré-esquemática deve-se principalmente pelas formas definidas
que a criança desenha junto às garatujas, como os círculos (representando o tambor) e
estrelas.
Relato da criança “Agudo, forte, dormiu!” Ao ser questionada sobre o que desenhou,
a criança respondeu: “O tambor e o som”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança percebe um instrumento em particular (o tambor) e o caráter expressivo de
uma seção da peça (“dormiu”). O desenho apresenta relação com o relato através da
92
representação do instrumento percebido e da grafia dos sons, não sendo possível
estabelecer relações entre os traços e os parâmetros sonoros relatados como agudo e
forte. Talvez possa haver alguma relação entre os traços vermelhos mais fortes do que
os amarelos e violeta intermediários com a representação de sons e ritmos diferentes.
n) Criança 14
Figura 28 Desenho 14
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja nomeada / Pré-
esquematismo
Os desenhos da criança estão dispersos pela folha de papel. Existe uma primeira
tentativa de representação da figura humana bem como uma relação entre o desenho,
o pensamento da criança e a realidade.
Relato da criança Um monte de instrumento junto. Muito forte, devagar, agora
rápido, muitíssimo rápido” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “A menina e o violão”.
93
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A criança relata as suas impressões como slides, falando apenas do momento
presente. Seu desenho não apresenta relação direta com a sica ouvida, uma vez
que o violão não faz parte da instrumentação da peça. Entretanto, a criança pode ter
feito uma transposição do conhecimento que tem do violão como um instrumento que
faz música. Assim, mesmo que ela saiba que ele não está presente na instrumentação
da peça, a criança o representa em seu desenho por saber ser algo com o qual se
produz música.
o) Criança 15
Figura 29 Desenho 15
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja nomeada / Pré-
esquematismo
94
Observa-se neste desenho uma tentativa de representação da figura humana e de
tambores (cuja representação é mais “falhada”).
Relato da criança “Violão e grave.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a
criança respondeu: “Um menino tocando instrumentos, tambor”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
Apesar de apontar um instrumento que não está presente na instrumentação da obra
ouvida (o violão), a criança desenha um menino tocando um tambor, instrumento
realmente presente na música (tímpano).
p) Criança 16
Figura 30- Desenho 16
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
95
O desenho apresenta uma representação bem definida tanto da figura humana (que
tem detalhes como cabelo e sapatos) como de instrumentos (violino e piano embora
o piano não esteja tão claro). Nota-se também a presença da linha de base, em verde.
Relato da criança “Violino, agudo, levou susto! Flauta, baixo, agudo, violino agudo,
dormiu, baixinho, grave.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “Eu tocando violino e piano”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança demonstra perceber o caráter expressivo de algumas partes da música
(“dormiu” e “levou susto”) bem como de instrumentos, dinâmica e altura. Representa
o piano, embora ele não esteja presente na instrumentação da música.
q) Criança 17
Figura 31 Desenho 17
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquemático
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja Nomeada / Pré-
esquemática
96
Pode-se observar no desenho da criança alguns números (alguns representam a data)
e tentativas falhadas de desenhar os instrumentos: uma flauta (abaixo da data, com
furos), um instrumento com cordas (embaixo, na horizontal), outro com uma possível
campana (abaixo da data) que pode ser uma trompa (visto que este foi um dos
instrumentos que a professora levou para que as crianças conhecessem em aulas
anteriores). Os números que não representam a data poderiam ser uma forma de
representação do ritmo através da contagem numérica.
Relato da criança “Baixo, agora forte, forte, mudo, parece Harry Potter, forte,
trompete.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: Uma
flauta, trompa, trombone e violino”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Vernacular
A criança percebe uma variedade de instrumentos e relaciona a expressividade da
peça com algo de sua cultura um filme.
r) Criança 18
A criança não quis desenhar.
Idade da criança 3 anos
Relato da criança “Música devagar, tem flauta, câmera lenta, trompete, dormiu”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
97
s) Criança 19
Figura 32 Desenho 18
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
A criança representa os instrumentos e o som que sai deles formando a música
(representada pelas notas musicais). A criança conhece o “desenho” das notas
musicais e os sons emanam como linhas do instrumento. Pode haver correlação com
alguns esquemas observados pela criança em imagens de quadrinhos ou charges
que ilustram/representam a música. Aliás, é bom observar que as crianças começam a
desenhar e continuam a fazê-lo também através de esquemas que lhes o passados
pelos adultos ou por outros desenhos infantis. Aliam a esses esquemas sua capacidade
inventiva/criativa de formas.
Relato da criança “Música assustadora, agitada e rápida.” Ao ser questionada sobre
o que desenhou, a criança respondeu: “Flauta, violino e tambor tocando junto”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
98
Existe uma relação direta com o desenho e a música ouvida: a criança representa os
instrumentos e o som que sai deles, juntos, forma a sica. No relato demonstra ter
percebido o caráter expressivo da peça: uma música assustadora.
t) Criança 20
Figura 33 Desenho 19
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
A figura humana é bastante definida e apresenta detalhes como a roupa, os dedos,
cabelo e detalhes da face. Nota-se a presença da linha de base.
Relato da criança “Forte, rápida. A música muda toda hora!” Ao ser questionada
sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Eu escutando a música agitada e depois
calma, e a flauta”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Especulativo
99
A criança demonstra ter percebido a articulação das seções, ao dizer que a música
muda toda hora e é agitada e depois calma. Ou seja, há uma relação entre o quê muda
(o caráter expressivo agitada/calma) e o tempo (primeiro agitada e depois calma).
Parece ter representado apenas a “calma”, como se o fosse afetada pelos sons
agudos e fortes.
u) Criança 21
Figura 34 Desenho 20
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-Esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-Esquematismo
100
Aqui se tem a representação humana por meio de “badamecos”. a representação
bem definida de uma flauta (com destaque para a presença do bocal).
Relato da criança “Agudo, forte. Tem um monte de partes, dançar. A guerra do rei.”
Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Guerra de rei. Flauta,
guitarra no mar que é o som”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança faz relação com outra atividade desenvolvida anteriormente pela professora:
na apreciação do terceiro movimento desta mesma sinfonia, a professora contou uma
história que falava da guerra entre reis e índios. A criança percebe a semelhança e
menciona a “guerra do rei”. Apesar de “um monte de partes”, não há referências
sobre o que determina essas várias partes. Diversos ritmos de formas e linhas e “um
monte de partes” parecem estar no desenho através das diversas formas
compartimentadas na folha de papel. No desenho, os badamecos vêm caracterizados
com a coroa do rei, relacionando, desta maneira, desenho e música.
v) Criança 22
Figura 35 Desenho 21
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
101
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
Relato da criança “Fraquinho e violino. Parece onda, montanha.” Ao ser questionada
sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Violino, Flauta, Piano”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança representa os instrumentos ouvidos (e os não ouvidos mas conhecidos, como
o piano) apoiados, de maneira bem ordenada, sobre uma linha horizontal não-visível.
w) Criança 23
Figura 36 Desenho 22
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-Esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-Esquematismo
102
A figura humana é representada por “badamecos”. Nota-se a representação dos sons
da música saindo de algo como um rádio. Essas linhas que representam os sons podem
também indicar o caráter expressivo destes sons, uma vez que são feitas com maior
pressão sobre o papel.
Relato da criança “Música de guerra.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a
criança respondeu: “Um rei, ouvindo o som da guerra, um soldado do rei, música
agitada”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança também faz relação com a história do rei contada em outra atividade.
Percebe o caráter expressivo: música agitada. O desenho está ligado à história do rei.
x) Criança 24
Figura 37 Desenho 23
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
103
Relato da criança “Fraco, forte, agudo, agudo, grave e curto. Música de rei.” Ao ser
questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Uma mulher, flauta, tambor
e depois trompa. No fim da música achou calminha”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança representa os instrumentos percebidos e também associa a música à história
do rei. A trompa tem pístons e campana enquanto que o tambor apresenta as
baquetas e a flauta, furos. A figura da mulher não é tão bem definida. A relação
desenho/música se expressa pela representação dos instrumentos percebidos.
4.2 CAMILLE SAINT-SAENS Carnaval dos Animais Galinhas e Galos
Camille Saint-Saëns (1835 1921) foi um jovem pianista prodígio dando seu
primeiro concerto na Sala Pleyel com a idade de 11 anos antes de entrar para o
Conservatório de Paris aos 13 anos. De acordo com Tranchefort (1990), aos 25 anos
provocava admiração de Berlioz e Liszt, este último sendo responsável por influenciar
as concepções musicais de Saint-Saëns e o de propagar a sua obra. O compositor iria
tornar-se, sem demora, um “chefe de escola” para a música francesa: excelente
pedagogo, teve Fauré e Messager como discípulos.
O “Carnaval dos animais Grande Fantasia Zoológica” é uma fantasia que
garante a notoriedade de um Saint-Saëns bem pouco acadêmico. Foi escrita na Áustria
no início de 1886, sendo sua primeira audição a 9 de março do mesmo ano, por
ocasião da Terça-feira Gorda em Paris. De acordo com Tranchefort (1990, p. 703), a
execução da obra veio a se repetir a 2 de abril na casa da cantora Pauline Viardot, em
benefício de Franz Liszt. Segundo o autor, eram reuniões privadas, pois o compositor
não desejava que a obra fosse levada ao público. Muitas de suas páginas são paródias
musicais nas quais Saint-Saëns debicava de compositores célebres, e até mesmo de
seus intérpretes. Expressa nesta obra um humor por vezes ácido e uma das peças do
Carnaval foi publicada quando o compositor ainda estava vivo e imortalizada pela
bailarina Anna Pavlova: o famoso Cisne. Tranchefort (1990, p. 703) descreve Galinhas e
Galos da seguinte forma: “clarineta, pianos, violinos e viola em um brevíssimo trecho
‘à moda de Rameau’ – naturalmente, a célebre Galinha”.
Os desenhos resultantes da apreciação deste trecho, e suas respectivas análises
encontram-se a seguir.
104
a) Criança 1
Figura 38 Desenho 24
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança A música parece com o desenho que eu fiz!”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Sem parâmetros para
classificação.
A criança realiza garatujas (com predominância de garatujas do tipo ordenada) mas
não fornece parâmetros que permitam estabelecer algum tipo de análise quanto a
relação desenho/relato/música.
105
b) Criança 2
Figura 39 Desenho 25
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Desordenada
Relato da criança “É rápida igual a do palhaço.” Ao ser questionada sobre o que
desenhou, a criança respondeu: “A música rápida. Uma bola de asa”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança faz uma associação do caráter expressivo da música ouvida com outra canção
trabalhada anteriormente em sala de aula (O Palhaço e a Bailarina do CD Poemas
Musicais de Cecília Cavalieri França). Nota-se também que este caráter está associado
ao andamento da música rápida. Uma “bola de asa” também pode estar relacionada
ao andamento da peça. O desenho, aparentemente, não parece ter relação direta com
a música, mas como a criança afirma ter desenhado uma bola de asa, esta
representação (que é clara para a criança) se relaciona com o andamento/caráter
percebido da sica. O desenho privilegia um conjunto de formas diferentes, traços,
106
formas vazadas ou preenchidas e todas quase sem se sobrepor, salvo em linhas claras
no fundo. As formas estão separadas e igualmente distribuídas no espaço do papel. A
cor magenta vibra ao lado do preto, podendo indicar sons diferentes.
c) Criança 3
Não compareceu à aula neste dia.
d) Criança 4
Não compareceu à aula neste dia.
e) Criança 5
Figura 40 Desenho 26
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja Desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja Desordenada
Relato da criança “Palhaço!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “Trovão”.
107
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança faz a mesma relação com a canção O Palhaço e a bailarina, e associa este
caráter ao do trovão, que é representado em suas garatujas.
f) Criança 6
Figura 41 Desenho 27
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquemática
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja Nomeada
Relato da criança Palhaço”. Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “O palhaço e a bailarina”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
Também esta criança associa o caráter expressivo da peça à canção O Palhaço e a
bailarina e representa este caráter através da imagem dos dois personagens da
canção.
108
g) Criança 7
Figura 42 Desenho 28
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “Parece um trovão!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a
criança respondeu: “Geladeira e no meio música rápida e grande”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A percepção do caráter expressivo se dá pela relação com o trovão. A criança percebe
também o andamento da peça e faz uma associação inusitada com uma “geladeira”,
cujo significado não foi possível compreender.
109
h) Criança 8
Figura 43 Desenho 29
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Violino, agudo!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a
criança respondeu: “Um piano”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A criança percebe alguns instrumentos e associa o violino com o parâmetro altura
(agudo). No desenho, a representação de um dos instrumentos musicais, o piano, que,
aliás, se assemelha mais a um teclado apoiado por um suporte em formato de X.
110
i) Criança 9
Figura 44 Desenho 30
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
Relato da criança “Rápida. Tem hora que tem um trompete. Aguda.” Ao ser
questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Uma menina tocando
violino”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A criança percebe os materiais sonoros: andamento, altura e instrumentação. O timbre
da clarineta (presente na obra) foi confundido pelo do trompete. A criança representa
uma situação envolvendo a música, com a presença de um instrumento percebido.
111
j) Criança 10
Figura 45 Desenho 31
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Esquemático
Relato da criança ao ser questionada sobre o que desenhou: “Um homem tocando
piano, violino, em cima de uma cabana”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A criança percebe os timbres presentes na música. É interessante notar como as mãos
do pianista estão ampliadas, devido à importância delas no ato de tocar piano (cf.
LOWENFELD & BRITTAIN, 1977, p. 186). A cabana es relacionada com atividades
anteriores onde as crianças foram levadas a representar graficamente as “subidas e
descidas” dos sons. Esta representação está associada ao tema da música que
apresenta subidas e descidas a todo momento.
112
k) Criança 11
Não compareceu à aula neste dia.
l) Criança 12
Não compareceu à aula neste dia.
m) Criança 13
Figura 46 Desenho 32
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança ao ser questionada sobre o que desenhou: “Árvore de Natal, com um
piano perto e chuva”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
A criança relaciona o caráter expressivo da sica com a chuva e a árvore de natal.
Talvez seja possível estabelecer uma relação da chuva com sons curtos (bastante
113
presentes na música). O piano, percebido como um dos timbres da peça, não foi
localizado no desenho: pode ser claro apenas para a criança. A árvore de natal tem o
formato dos gráficos de “subida e descida” dos sons, como a cabana da criança 10.
n) Criança 14
Figura 47 Desenho 33
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança ao ser questionada sobre o que desenhou: “Duas meninas e um
piano rápido”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
Nota-se a tentativa de representação tanto das meninas quanto do piano (timbre
percebido e associado ao andamento rápido). Com relação à representação da figura
humana, a criança desenha um badameco (cf. LUQUET, 1927, p. 150)
114
o) Criança 15
Figura 48 Desenho 34
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquematismo
Relato da criança ao ser questionada sobre o que desenhou: “Montanha com um
homem em cima e um homem tocando violino”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A criança percebe um timbre e o representa em seu desenho. Nota-se a semelhança
dos desenhos e relatos entre esta criança e a criança 10: ambos afirmam desenhar um
homem tocando violino em cima de uma cabana/montanha. Também aqui a relação
com as “subidas e descidas” dos sons.
115
p) Criança 16
Figura 49 Desenho 35
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquematismo
Relato da criança “Aguda, rápida, mais parece um chocalho!” Ao ser questionada
sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Mulher vendo um homem tocando
violino”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
A criança percebe timbres, altura e andamento. Seu desenho possui riqueza de
detalhes na representação da figura humana: mulher com cabelo grande, vestido e
sapatos, por exemplo. Reaparece a associação do homem tocando violino em cima de
algo semelhante à cabana/montanha dos desenhos anteriores relação com a “subida
e descida” dos sons.
116
q) Criança 17
Figura 50 Desenho 36
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquematismo
Relato da criança “Sons agudos e curtos. subindo! Piano, violino devagar.
Instrumento diferente.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “Os riscos são a sica forte e devagar. Começa devagar e vai ficando
forte. Piano, violino e flauta”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Especulativo
A criança descreve as mudanças da música relacionando estas mudanças ao
aparecimento de novos timbres. Estabelece relações entre partes da música,
percebendo timbres, andamento, dinâmica e a direcionalidade dos sons. Esta
direcionalidade está representada da mesma forma que a cabana/montanha/árvore
de natal das outras crianças. É interessante ressaltar que esta forma apresenta orifícios
como o esquema utilizado por outras crianças para se representar a flauta. O realismo
117
é falhado porque os instrumentos que a criança afirma ter desenhado são claros
apenas para ela. No centro do desenho há uma forma que se assemelha a uma mesa e
pode ser uma tentativa de se representar o piano.
r) Criança 18
Não compareceu à aula.
s) Criança 19
Figura 51 Desenho 37
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Aguda. Clarinete. Repete. Rápido.” Ao ser questionada sobre o
que desenhou, a criança respondeu: Notas musicais.”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Vernacular
118
A criança percebe a repetição do tema da música além do timbre, altura e andamento.
Representa as notas musicais e os sons saindo do piano e do clarinete.
t) Criança 20
Figura 52 Desenho 38
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Muito repetida e rápida.” Ao ser questionada sobre o que
desenhou, a criança respondeu: “Piano, clarineta, notas musicais”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Vernacular
119
É flagrante a semelhança com o desenho da criança anterior. As duas crianças sempre
ficam muito próximas durante a realização da atividade e seus desenhos são sempre
muito parecidos.
u) Criança 21
Não compareceu à aula neste dia.
v) Criança 22
Figura 53 Desenho 39
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
120
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Rápida. Aguda!” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a
criança respondeu: “Violino, piano, clarineta”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança desenha os instrumentos cujos timbres foram percebidos.
w) Criança 23
Figura 54 Desenho 40
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Som grave. Música rápida. Violino, clarineta.” Ao ser questionada
sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Piano e um homem tocando”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo
121
A criança percebe os timbres, altura e andamento. Quanto ao desenho, mais uma vez
nota-se as mãos do pianista ampliadas devido à sua importância na ação de tocar o
piano (cf. LOWENFELD & BRITTAIN, 1977, p. 186)
x) Criança 24
Figura 55 Desenho 41
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Intelecutal
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Desesperada, falando socorro!” Ao ser questionada sobre o que
desenhou, a criança respondeu: “Um homem assobiando e desesperado. Um piano.
Lenta”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal
Percepção do caráter (desesperado) e de timbres e andamento. Interessante a
percepção do andamento como lento: no tema, o trecho executado pela clarineta é
formado por notas longas, contrastando com as curtas e rápidas do trecho anterior.
Talvez a criança tenha associado estes sons longos a um andamento mais lento.
122
4.3 VILLA-LOBOS O trenzinho do caipira (da Bachiana Brasileira no. 2)
Heitor Villa-Lobos nasceu no Rio de Janeiro a 5 de março de 1887 e morreu na
mesma cidade a 17 de novembro de 1959. Para Tranchefort (1990, p. 894), este
compositor oferece um bom exemplo da realização de síntese entre duas culturas
muito distantes uma da outra a da música popular brasileira e a da música erudita
ocidental. Seriam decisivas em sua vida as permanências do compositor em Paris entre
1923 e 1930, onde sua música “não apenas exótica, mas sim um mosaico irracional
de movimentos sonoros desconhecidos” (id, ibidem) criaria sensação e por vezes
tumulto.
A composição das Bachianas Brasileiras ocorreu por etapas de 1930 (data da
volta ao Brasil) a 1945, época da consagração oficial do músico. Essa série associa as
formas herdadas de Johann Sebastian Bach e temas brasileiros: associação esta que,
segundo Tranchefort (1990) não é devida nem ao acaso nem ao capricho, tendo Villa-
Lobos observado afinidades entre Bach e diversos aspectos da música de sua terra, e
constatados que seus compatriotas “reagiam à música do Cantor de forma
imetiata”(TANCHEFORT, 1990, p. 896). São nove ao todo a série das Bachianas
Brasileiras.
O excerto apresentado nesta atividade com as crianças é da Bachiana Brasileira
número 2, para conjunto instrumental e percussões típicas. Foi composta em 1930 e
estreada no Festival de Veneza em 3 de setembro de 1938 sob a regência de Dimitri
Miralopoulos. Segundo Tranchefort (1990), é uma peça complexa, versátil, a mais
contrastada da série. O excerto é o quarto movimento desta Bachiana, intitulado
Toccata (O Trenzinho do Caipira), que a conclui. Nele, temos as impressões de uma
viagem pelo interior do Brasil, apimentadas pelo humor e por espontâneas explosões
de alegria. Imitando uma locomotiva, apresenta uma instrumentação original e uma
eloqüência melódica que fizeram desta obra uma das mais tocadas do compositor.
Os desenhos resultantes da apreciação deste trecho, e suas respectivas análises
encontram-se a seguir.
123
a) Criança 1
Figura 56 Desenho 42
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “A música fica alta, falei!” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a música do lobo”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança faz uma associação entre a música ouvida e outra obra apreciada
anteriormente, O Pedro e o Lobo de Prokofiev. Esta associação pode ser explicada pelo
reconhecimento do timbre da trompa, que é o instrumento que realiza do tema do
Lobo na obra de Prokofiev. Na atividade realizada com esta música, cada instrumento
foi apresentado às crianças bem como o tema musical e o personagem a quem se
referiam.
124
b) Criança 2
Figura 57 Desenho 43
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja desordenada
Relato da criança “Desenhei a música alta e depois baixinha que é marronzinha.
Agora tá acabando, quer ver. Aí tem flauta por causa que eu já vi!”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
O desenho não parece apresentar relações diretas com a música. É interessante
ressaltar que a criança associa o som “mais baixo” com o marrom que seria uma cor
mais surda, menos vibrante, mesmo que seja um marrom avermelhado.
125
c) Criança 3
Figura 58 Desenho 44
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja desordenada
Relato da criança “Parece música de avião e de baleia.” Ao ser questionado sobre o
que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei estes dois sons!”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança se utiliza de duas cores para representar estes dois sons”, o de avião e de
baleia. Não foi realizada nenhuma atividade anterior que induzisse a associação dos
sons com a baleia ou o avião. Talvez poderia se supor uma associação entre o som
grave e o som do motor do avião e o som agudo aos emitidos pelas baleias. A criança
enfatiza o caráter expressivo da peça.
126
d) Criança 4
Figura 59 Desenho 45
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança Fiz baixa e alta, baixa e alta e depois muito alta e altão!”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
Percebe-se o foco da percepção da criança na dinâmica da música. No desenho
podemos perceber uma diferenciação entre círculos maiores e menores que podem
estar associados à música “baixa e alta”.
e) Criança 5
Não compareceu à aula neste dia.
127
f) Criança 6
Figura 60 Desenho 46
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja desordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja desordenada
Relato da criança “Desenhei os instrumentos altos porque cada instrumento tem uma
cor, aí sobe e desce!”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
Os “instrumentos altos” só são inteligíveis para a criança, que realiza garatujas. É
interessante notar a definição de timbre dos instrumentos associado a diferentes
cores.
128
g) Criança 7
Figura 61 Desenho 47
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja nomeada
Relato da criança “Música de mau, tem até lobo mau, pianinho plim plim plim e
depois forte.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
129
A criança representa figuras humanas em seu desenho repleto de cores, linhas, formas
indefinidas e garatujas. Também verifica-se a associação do timbre da trompa à obra
de Prokofiev (O Pedro e o Lobo).
h) Criança 8
Figura 62 Desenho 48
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Homem tocando piano, violão, violino, piano, flauta, trompete,
sax. A música forte, rápida e vai ficando devagar.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Especulativo.
No desenho a criança representa uma situação envolvendo música: Um homem
tocando um instrumento que nos parece ser o piano. A criança percebe timbres
(inclusive o do piano, que não faz parte da instrumentação da música em questão),
dinâmica, andamento e estabelece relação entre algumas frases (“rápida e vai ficando
devagar”).
130
i) Criança 9
A criança não compareceu à aula neste dia.
j) Criança 10
Figura 63 Desenho 49
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Flauta, baixa e devagar. Violino tambor.” Ao ser questionada
sobre o desenho, a criança respondeu: “Quis desenhar só o violino porque gosto mais.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
Percepção de timbres, dinâmica e andamento. No desenho, a representação de um
instrumento; observa-se também as bordas desenhadas em torno do desenho.
131
k) Criança 11
Figura 64 Desenho 50
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Garatuja Esquemática
Relato da criança “Estou escutando um prato batendo, flauta, trombone, violino,
piano, prato, rápido, grave, chocalho, parece música de dançar ballet. Agudo e
devagar. Acho que vai ser forte, chocalho e a trompa.” Ao ser questionada sobre o
desenho, a criança respondeu: “Desenhei uma menina tocando violino, um violão caído
no chão, flauta, tambor e trombone.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança percebe timbres, altura, andamento e o caráter expressivo da música
(música de dançar ballet). No desenho, retrata alguns instrumentos percebidos e uma
situação envolvendo a música (uma menina tocando violino). Presença de linhas de
base e da grafia de palavras que indicam o instrumento representado. Apenas o
violão caído no chão” é que vem com a indicação errada de “TABOR”.
132
l) Criança 12
Figura 65 Desenho 51
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho: o desenho é abstrato, e a criança procura retratar
graficamente o som e suas nuances, como em exercícios realizados em aulas de
musicalização anteriores.
Relato da criança “Dá medo tem hora. Desenhei as notas que é grosso ou fino,
depende da hora. Escutei violino, tambor, flauta e trompete.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança percebe timbres (confundindo o timbre do trompete com o da clarineta), a
altura e o caráter expressivo. O desenho representa “o caminho do som, atividade
realizada para se introduzir as crianças à grafia musical por meio de gráficos.
133
m) Criança 13
Figura 66 Desenho 52
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Flauta, violino, tambor.” Ao ser questionada sobre o desenho, a
criança respondeu: “Desenhei uma menina tomando sorvete e tocando um
instrumento.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança reconhece alguns timbres e representa uma situação envolvendo a música. A
forma humana representada não apresenta pernas e pés, mas traz a roupa no lugar
da representação do corpo, alem dos cabelos que também colaboram na definição do
sexo da menina. Observa-se uma espessa borda laranja em torno do desenho e o
instrumento na mão da menina não foi identificado.
134
n) Criança 14
A criança não compareceu à aula neste dia.
o) Criança 15
Figura 67 Desenho 53
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Violino, violão, flauta, escutei a trompa uma vez só!” Ao ser
questionada sobre o desenho, a criança respondeu: “Desenhei o tambor seguindo a
música”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança reconhece alguns timbres (inclusive o do violão, que não faz parte da
instrumentação da peça). A criança também desenha o “caminho do som”, mas não
com linhas e sim com uma sequência colorida de tambores.
135
p) Criança 16
Figura 68 Desenho 54
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Violino, tambor, flauta, trompa. A música fica forte e devagar!” Ao
ser questionada sobre o desenho, a criança respondeu: “Um homem tocando e uma
mulher vendo.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança percebe alguns timbres, dinâmica e andamento, e representa uma situação
envolvendo música. Também apresenta uma borda em torno do desenho. As figuras
humanas são representadas com detalhes como roupas e cabelos, mas sem mãos e
pés. O “morro pode ter sido influenciado por atividades anteriores envolvendo a
grafia da direcionalidade sonora.
136
q) Criança 17
Figura 69 Desenho 55
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Som forte, trombone, flauta, tambor.” Ao ser questionada sobre o
desenho, a criança respondeu: “Desenhei uma menina gritando. Tem senhor silêncio e
senhor som, chocalho, devagar, agudo, acabou pam!! forte.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança percebe alguns timbres, pausas (relacionadas a atividades em que as pausas
são chamadas de “Senhor Silêncio” em contraste com o “Senhor Som”), andamento e
dinâmica. Representa uma situação que a princípio não se relaciona com a música:
uma menina gritando; a menos que esteja relacionada ao caráter expressivo da
mesma.
137
r) Criança 18
Figura 70 Desenho 56
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja Nomeada
Relato da criança “Tem som grave e depois fica devagar. Tem flauta depois violino,
parece música de grave e forte. Devagar e baixinha demais. Acaba forte. O Verde é
fraco e o amarelo e rosa é o forte. Desenhei o som grave.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Especulativo.
A criança percebe dinâmica, altura, andamento, timbres e estabelece relações entre
estes parâmetros e as frases. Relaciona cores a dinâmicas e desenha uma forma
geométrica representando o som grave. Mais uma vez a criança associa diretamente
cores a sons, mesmo que de forma intuitiva. O verde é menos vibrante do que o
amarelo e rosa vistos como fortes. As duas últimas são cores quentes e o verde perto
delas é frio.
138
s) Criança 19
Figura 71 Desenho 57
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Parece música de terror, flauta e clarineta, achei que acaba muito
forte mas vai acabando fraquinho antes. Sempre triste, e assusta!” Ao ser questionada
sobre o desenho, a criança respondeu: Cascavel, chocalho, as notas, clarineta,
tambor, violino.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Especulativo.
A criança percebe o caráter expressivo da peça, dinâmica e timbres, e estabelece
relações entre frases no tempo. Associa o som do chocalho com a cascavel e
representa a ambos ao lado de outros instrumentos e das “notas musicais” .
139
t) Criança 20
Figura 72 Desenho 58
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Rápida e tem hora que é devagar e nem dá para escutar e tem
hora que assusta. Achei que acaba forte. Às vezes é triste.” Ao ser questionada sobre o
que havia desenhado, a criança respondeu: Tambor, clarineta, chocalho e as notas
musicais.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança reconhece alguns timbres, dinâmica, andamento e o caráter expressivo da
música. No desenho, foca-se na figura dos instrumentos, cujo som é representado pelo
desenho de “notas musicais”.
140
u) Criança 21
A criança não compareceu à aula neste dia.
v) Criança 22
Figura 73 Desenho 59
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Flauta, tambor, acabou, chocalho. Forte. No fim é alegre.
Chocalho, cascavel, tambor, trompa, piano, clarineta, violino.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança reconhece alguns timbres, dinâmica e o caráter expressivo da música, e
também associa o som do chocalho à cascavel. No desenho, representa alguns
instrumentos reconhecidos.
141
w) Criança 23
Figura 74 Desenho 60
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Música de tambor, clarineta. Acabou forte. Música triste.” Ao ser
questionada sobre o desenho, a criança respondeu: O teatro, o telhado, eles tocam
tambor e trompa. As notas musicais.”
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
142
A criança percebe timbres, dinâmica e o caráter expressivo da peça. No desenho,
representa um teatro e uma orquestra tocando no teatro. Também simboliza os sons
através das notas musicais.
x) Criança 24
Figura 75 Desenho 61
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Música assustadora, um piano, uma flauta, um tambor, tum, tum,
tum. Música desesperada, rápida, pianão, uma cobra, um menino triste na hora do
chocalho. Desenhei o chocalho, o tambor, o menino triste, uma cobra. É forte a
música.”
143
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança percebe timbres, dinâmica, andamento e enfatiza o caráter expressivo da
música. Também associa o chocalho à cascavel e representa alguns instrumentos
reconhecidos. O desenho é organizado e não demonstra o medo que ele explicita
pelas palavras. Porém o fato de haver pequenas formas no cantinho inferior direito do
papel poderia apontar para um lugar para se esconder ou ser pouco visto. Aí sim
teríamos uma expressão do medo.
4.4 RICHARD WAGNER A cavalgada das Valquírias
Richard Wagner (1813 1883) é considerado um dos gigantes do teatro lírico
do século XIX. Segundo Tranchefort (1990, p. 906), Wagner foi um idealista que se quis
primeiro poeta, escrevendo ele mesmo seus libretos e pensando a ópera antes de tudo
como um drama texto e música fundidos no mesmo cadinho, assim como todos os
elementos artísticos complementares. A “arte total” é também uma visão de mundo, e
a de Wagner, para Tranchefort (1990), musical, poética, filosófica e religiosa, se
realizará no ciclo da Tetralogia e em Parcifal. A Tetralogia, terminada em 1874,
expressará a apoteose de uma das pesquisas mais originais da música, a qual Parsifal
(1882) será o epílogo.
A Valquíria Cavalgada das Valquírias integra A Tetralogia. Esta composição é
formada de quatro partes: um prólogo (O Ouro do Reno) e três jornadas (A Valquíria,
Siegfried e o Crepúsculo dos Deuses). É o resultado de um projeto de ambição
desmedida (mais de quinze horas de música) concebido, mais ainda que qualquer
outra ópera wagneriana, como obra “total”, fusão inaudita da música e da palavra.
A Cavalgada das Valquírias situa-se no início do terceiro ato da primeira jornada
da Tetralogia que, apesar de ser bastante repetida e de ter um inegável poder
evocador, está longe de ter uma importância capital na obra, de acordo com
Tranchefort (1990). Foi estreada em Munique a 26 de junho de 1870, contra a vontade
do compositor. Sobre um rochedo escarpado, pousam Gerhilde, Helmwige, Waltraute
e Schwertleite, as Valquírias, filhas do deus Wotan, emitindo seu célebre grito
guerreiro: “Hojotoho”. Apresenta um motivo ascendente único, um ritmo ternário em
9/8, e, sobretudo, uma infinita variedade de timbres orquestrais que bastam para
evocar sua ruidosa chegada e fazer o ouvinte entregar-se ao sopro da epopéia.
Os desenhos resultantes da apreciação deste trecho, e suas respectivas
análises encontram-se a seguir.
144
a) Criança 1
Figura 76 Desenho 62
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja desordenada
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja nomeada
Relato da criança “A música é alta!” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei o lobo”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança faz uma associação entre a música ouvida e outra obra apreciada
anteriormente, O Pedro e o Lobo de Prokofiev. Como afirmado anteriormente, na obra
de Prokofiev o instrumento que realiza o tema do lobo é a trompa; logo, a criança
reconhece a trompa na obra ouvida. No desenho o lobo é representado por garatujas.
145
b) Criança 2
Figura 77 Desenho 63
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “Tem alta e baixa! Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a música baixa, cinza e amarela”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança faz uma associação entre cores e a música, representando a música “baixa
mais piano, suave através das cores cinza e amarelo. O foco da atenção da criança
está na dinâmica da peça.
146
c) Criança 3
A criança não compareceu à aula neste dia.
d) Criança 4
Figura 78 Desenho 64
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “Parece música de lobo. É o caçador?” Ao ser questionada sobre o
que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a música alta e a música baixa”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
De acordo com a criança, o desenho relaciona-se com a dinâmica da peça. Também
associa os instrumentos percebidos com a obra de Prokofiev, (lobo trompa /
caçadores tímpanos). A sica alta e a música baixa são apresentadas no desenho
através de várias pequenas formas coloridas.
147
e) Criança 5
Figura 79 Desenho 65
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Garatuja nomeada
Relato da criança “Desenhei o lobo verde”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
Também esta criança percebe a trompa como o lobo de Prokofiev. No desenho, a
representação do lobo/trompa por meio de garatujas garatujas estas mais cerradas
no canto direito e com formas mais abertas no centro, o que pode indicar alguma
analogia com os sons ouvidos.
148
f) Criança 6
Figura 80 Desenho 66
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “Música de lobo. Baixa e alta!” Ao ser questionada sobre o que
havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a música alta e colori o som dentro
dela”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
Outra vez a associação da trompa ao lobo e o foco da atenção na dinâmica. O desenho
representa a dinâmica forte, segundo a criança. O som dentro da música alta é
representado pelas linhas onduladas azuis dentro das formas ovais. Talvez formas
diferentes possam indicar sons diferentes.
149
g) Criança 7
Figura 81 Desenho 67
Idade da criança 3 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Estou com medo! A música é de alta e baixa, dois sons.” Ao ser
questionada sobre o que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei um
bonequinho da música”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança demonstra a percepção do caráter expressivo através da sensação de medo
transmitida pela música. Refere-se à dinâmica em seu relato e, no desenho, apresenta
as primeiras tentativas de representação da figura humana “o bonequinho da
música”.
150
h) Criança 8
Figura 82 Desenho 68
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Rápida!” Ao ser questionada sobre o que havia desenhado, a
criança respondeu: “Desenhei um tanque de guerra. A música tem dois times”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A percepção do caráter expressivo é dada a conhecer através do desenho de um
tanque de guerra. Quando fala apenas da música, a criança se atém ao andamento.
Seu desenho traz a figura humana e um “tanque de guerra” que curiosamente se
assemelha a um piano desenhado por outras crianças desta mesma faixa etária.
151
i) Criança 9
Figura 83 Desenho 69
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Tá piano! Tem flauta forte.” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei o piano”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
A criança demonstra a percepção de dinâmica e de timbres instrumentos musicais
(mesmo o piano, que não pertence à instrumentação da peça ouvida). Representa
justamente o piano, com cores que não correspondem às do objeto real.
152
j) Criança 10
Figura 84 Desenho 70
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Trompa, de guerra!” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei as notas musicais”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
O caráter expressivo é percebido (“de guerra”), bem como um instrumento (a trompa).
No desenho tenta representar a música através de tentativas de grafias de notas
musicais”. Essas tentativas parecem esquemas de homenzinhos que dançam”,
encenam a guerra.
153
k) Criança 11
Figura 85 Desenho 71
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Tá rápida e alta. Violino, trompa. Acaba com tambor de guerra.”
Ao ser questionada sobre o que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei uma
menina tocando violino”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança também associa o caráter expressivo à guerra. No desenho a criança
representa uma situação envolvendo música (a menina tocando violino) além de
outros instrumentos a volta dela. A figura humana é representada com detalhes como
cabelo, olhos, roupa, mas aparece sem mãos, pernas e pés. A criança percebe
dinâmica, andamento, caráter e timbres.
154
l) Criança 12
Figura 86 Desenho 72
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Tá alta e baixa! Rápida e forte. Acaba alta. Parece de enterro.” Ao
ser questionada sobre o que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a
guerra”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
O caráter percebido pela criança também relaciona-se com a guerra, além de remeter-
lhe a um enterro. Foca a percepção na dinâmica e andamento. O desenho representa o
caráter expressivo: a guerra.
155
m) Criança 13
Figura 87 Desenho 73
Idade da criança 4 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Garatuja ordenada
b) Luquet Realismo Fortuito
c) Lowenfeld Garatuja ordenada
Relato da criança “Tem violino. Música de casamento!” Ao ser questionada sobre o
que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a noiva. Estava com vontade de
colorir a folha”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A criança faz uma associação entre o caráter solene das sicas de casamento com a
peça ouvida. Seu desenho é a representação de uma noiva por meio de garatujas
coloridas. O violino é o instrumento que chama a atenção da criança e que ela guardou
na memória ao término da peça.
n) Criança 14
A criança não compareceu à aula neste dia.
156
o) Criança 15
Figura 88 Desenho 74
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Falhado
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Violão, fraco, rápido.” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei um tambor”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Manipulativo.
157
A criança percebe o timbre do tambor, que é representado no desenho, e do violão,
que não faz parte da instrumentação da peça ouvida. Também percebe a dinâmica e o
andamento.
p) Criança 16
Figura 89 Desenho 75
Idade da criança 5 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Parece música de casamento. alta. Trompa, trompete.” Ao ser
questionada sobre o que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei uma noiva,
sentada na cadeira, escutando a música”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
Também esta criança associa o caráter expressivo da peça com o caráter solene do
casamento. Reconhece alguns timbres e dinâmica. Desenha uma situação envolvendo
música que também denota o caráter expressivo percebido. Nota-se o uso de
desenhos utilizados de maneira simbólica, como o coração (relacionado com a noiva e
158
seu casamento) e as notas musicais (representando a música). A forma humana é
desenhada com vários detalhes, como olhos, boca, véu, vestido, cabelo, entre outros.
q) Criança 17
A criança não compareceu à aula neste dia.
r) Criança 18
A criança não compareceu à aula neste dia.
s) Criança 19
Figura 90 Desenho 76
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Realismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Parece música de rei.” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei um rapaz tocando tambor e uma menina
tocando violino. Quis preto e branco parecendo foto velha. Uma orquestra com
maestro e a cortina do teatro”.
159
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
A percepção da criança está focada no caráter expressivo, que é associado à
solenidade do rei. A criança descreve detalhadamente o seu desenho, que representa
uma situação envolvendo a música: um teatro com pessoas tocando instrumentos.
Interessante também é a intencionalidade no uso das cores preto e branco para
simbolizar uma foto antiga.
t) Criança 20
Figura 91 Desenho 77
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Esquemática
Relato da criança “Começa devagar e vai ficando forte.” Ao ser questionada sobre o
que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei o violino e uma menina
escutando o tambor”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Especulativo.
160
A criança estabelece relações no tempo ao referir-se às transformações musicais. Em
seu desenho, representa uma situação envolvendo música: uma menina escutando
instrumentos reconhecidos na peça: o tambor e o violino.
u) Criança 21
A criança não compareceu à aula neste dia.
v) Criança 22
Figura 92 Desenho 78
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Pré-esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Guerra, acaba alto, piano, forte.” Ao ser questionada sobre o que
havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei uma trompa que flutua, violino,
trompete, tambor e flauta”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
161
A criança também relaciona o caráter expressivo da música à guerra. Além disso,
percebe a dinâmica, andamento e timbres. Em seu desenho, representa os
instrumentos percebidos ao ouvir a peça.
w) Criança 23
Figura 93 Desenho 79
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquematismo
Relato da criança “Parece Guerra nas Estrelas. Forte.” Ao ser questionada sobre o
que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei a guerra dos alienígenas. O
conselheiro tá tocando um instrumento que sopra”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Vernacular.
162
A criança faz uma associação do caráter expressivo da música com o filme Guerra nas
Estrelas. Desenha esta guerra, com os personagens desta guerra. Um deles tocando
um instrumento de sopro que certamente foi percebido na música.
x) Criança 24
Figura 94 Desenho 80
Idade da criança 6 anos
Classificação do desenho segundo: a) Piaget Esquematismo
b) Luquet Realismo Intelectual
c) Lowenfeld Pré-esquemática
Relato da criança “Música de guerra de rei com meteoro. Parece guerra nas estrelas.
Chocalho, violino, forte, trombone é mais forte.” Ao ser questionada sobre o que havia
desenhado, a criança respondeu: “Desenhei uma nave, um monte de carinha da terra e
explodiu a nave e uma trompa, céu e lua”.
Classificação na Teoria Espiral (Swanwick e Tillmann, 1986) Pessoal.
163
A criança atribui à peça um caráter solene (“de rei”) e de guerra. Também relaciona ao
filme Guerra nas estrelas. Percebe alguns timbres e dinâmica e seu desenho retrata o
caráter expressivo (e a trompa instrumento que deve ter chamado sua atenção na
música).
4.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ANÁLISES
Após terem sido realizadas as análises de relatos e desenhos individualmente,
faz-se necessário a observação dos resultados desta análise a fim de se obter, por meio
da tabulação de dados, uma visão geral de todo o processo.
I. Os relatos e as classificações de acordo com a Teoria Espiral (Swanwick e
Tillman, 1986)
Os gráficos que se seguem apresentam as classificações dos relatos das crianças
de acordo com a Teoria Espiral proposta por Swanwick e Tillman (1986).
i. Apreciação do Primeiro Movimento da Sinfonia n. 9 (Novo Mundo) de
Dvorák
Gráfico 1 Classificação dos relatos sobre a obra de Dvorák de acordo com a Teoria Espiral
A predominância da classificação das crianças do Grupo A (3 anos de idade) na
camada dos Materiais Sonoros (Sensorial / Manipulativo) mostra-se condizente com as
0 1 2 3 4 5
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
Grupo D (6 anos)
Grupo C (5 anos)
Grupo B (4 anos)
Grupo A (3 anos)
164
idades previstas como referência no modelo de Swanwick e Tillman (1986), que
envolve crianças de 0 a 4 anos de idade.
O mesmo pode ser dito sobre as crianças do Grupo B, com 4 anos de idade, e as
do Grupo C (com 5 anos) que se encontram em momento de transição entre as
camadas Materiais Sonoros e Caráter Expressivo (este último envolvendo crianças
entre 4 e 9 anos de idade). O Grupo D (crianças com 6 anos) também se encontra
predominantemente no nível Pessoal, da Camada Caráter Expressivo, enquadrando-se
com as idades previstas como referência no modelo.
As exceções (como as crianças do Grupo A nos níveis Pessoal e Vernacular e a
criança do Grupo D no nível Especulativo) devem-se fundamentalmente às
experiências anteriores com aulas de musicalização destas crianças, que permitiram a
elas a possibilidade de perceber eventos musicais típicos das camadas posteriores,
como as relações entre frases, por exemplo. Estas crianças foram, portanto,
estimuladas na zona de desenvolvimento proximal, tendo sido possível a elas atingir
níveis mais elevados (níveis de desenvolvimento potencial) que os previstos de acordo
com a maturação de seus sistemas cognitivos (níveis de desenvolvimento real).
165
ii. Apreciação de Galinhas e Galos, do Carnaval dos Animais, de Camille
Saint-Saëns
Gráfico 2 Classificação dos relatos sobre a obra de Saint-Saëns de acordo com a Teoria Espiral
Observa-se a partir do gráfico acima que as crianças do Grupo A saíram da
camada dos Materiais Sonoros e, nesta música, atentaram-se ao seu caráter
expressivo. Não houve alterações significativas com a classificação das crianças do
Grupo B, enquanto que as do Grupo C concentraram-se na camada dos Materiais
Sonoros. No Grupo D, algumas das crianças perceberam as repetições características
da obra, o que elevou sua classificação para o nível Especulativo.
O que pode-se notar é que as crianças menores (Grupo A) atentaram-se ao
caráter expressivo da peça relacionando-o com atividades anteriores das aulas de
musicalização, principalmente a atividade com a música O Palhaço e a Bailarina do CD
Poemas Musicais de Cecília Cavalieri França. Uma das características marcantes desta
canção é o contraste entre o caráter expressivo da seção associada ao Palhaço mais
rápida e alegre, e a seção da Bailarina mais calma e melancólica. Assim, quase todas
as crianças se remeteram ao Palhaço ao se referirem à sica de Saint-Saëns, que é
realmente mais rápida e agitada.
0 1 2 3 4
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
Grupo D (6 anos)
Grupo C (5 anos)
Grupo B (4 anos)
Grupo A (3 anos)
166
As demais crianças se detiveram na instrumentação da música e algumas
apenas fizeram considerações sobre o andamento rápido sem relacioná-lo ao caráter
expressivo.
iii. Apreciação d’O Trenzinho do Caipira, das Bachianas Brasileiras n. 2 de
Villa-Lobos
Gráfico 3 Classificação dos relatos sobre a obra de Villa-Lobos de acordo com a Teoria Espiral
Interessante ressaltar aqui que nenhuma criança identificou a representação
sonora do trem tão característica dessa obra. As oscilações de andamento que ilustram
o esquentar das caldeiras da maria-fumaça foi percebida por algumas crianças:
... Achei que acaba muito forte, mas vai acabando fraquinho antes.
(Criança 19 6 anos)
Rápida e tem hora que é devagar. (Criança 20 6 anos)
Tem som grave e depois fica devagar. (Criança 18 3 anos)
A criança 20 percebe ainda o contraste entre a freiada final da maria-fumaça
(que seria o “acaba muito forte” dito por ela) e a diminuição da marcha do trem que
vinha ocorrendo antes (“vai acabando fraquinho antes”).
0 1 2 3 4
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
Grupo D (6 anos)
Grupo C (5 anos)
Grupo B (4 anos)
Grupo A (3 anos)
167
Nos relatos percebe-se ainda forte ênfase na dinâmica da peça bem como da
instrumentação materiais sonoros, e no caráter expressivo que é descrito de formas
variadas. As crianças menores associaram a presença da trompa à peça Pedro e o Lobo,
de Prokofiev. Em atividades anteriores as crianças foram apresentadas a alguns
instrumentos associando-os aos personagens da história ilustrada por Prokofiev. O
tema do lobo era tocado pela trompa e tinha um caráter assustador. Dessa feita, várias
crianças lembraram-se do lobo ao ouvir a obra de Villa-Lobos:
Desenhei a música do lobo. (Criança 1 3 anos)
Música de mau, tem até lobo mau... (Criança 7 3 anos)
Dá medo tem hora. (Criança 12 5 anos)
iv. Apreciação d’As Valquírias, de Richard Wagner
Gráfico 4 Classificação dos relatos sobre a obra de Wagner de acordo com a Teoria Espiral
Também nesta música algumas crianças reconheceram o timbre da trompa e
mencionaram o lobo da atividade com a música de Prokofiev.
A obra de Wagner suscitou nas crianças o interesse por diferentes formas de
caráter expressivo: situações de medo, guerra, enterro e casamento. O caráter solene
0 1 2 3 4 5
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
Grupo D (6 anos)
Grupo C (5 anos)
Grupo B (4 anos)
Grupo A (3 anos)
168
e imponente desta obra obteve diferentes ecos em cada criança, caráter que pode
estar associado à presença marcante de instrumentos da família dos metais,
geralmente solenes e empregados em situações de caça, guerras e casamentos.
É marcante nos relatos também a preocupação com a identificação dos
instrumentos presentes e com a dinâmica e andamento das peças.
Comparando os quatro gráficos, notamos que o foco maior das crianças
encontra-se entre os níveis Manipulativo e Pessoal, com poucas oscilações para os
outros níveis. É importante ressaltar que, devido a várias ausências dos alunos no
decorrer das aulas, não se pode definir constantes de variação dos grupos pelos
diferentes níveis. As observações feitas aqui basearam-se mais em critérios
qualitativos do que nos critérios quantitativos.
A seguir, a disposição das diferentes classificações nas várias músicas dentro de
cada grupo:
a) Grupo A
O grupo A é formado por 8 crianças com 3 anos de idade. No primeiro dia de
atividade (Dvorák) compareceram 7 crianças; no segundo (Saint-Saëns) compareceram
4 crianças, no terceiro (Villa-Lobos) 7 crianças e no último (Wagner), 6 crianças.
169
Gráfico 5 Classificação dos relatos do Grupo A
Neste gráfico, podemos perceber que as crianças deste grupo variaram
bastante no decorrer das atividades.
No primeiro dia, com quase todas as crianças presentes, predomina o nível
Sensorial, com grande foco das crianças na dinâmica, referindo-se a ela por meio de
um vocabulário bastante coloquial, como alta e baixa; som pequeno e som grandão.
no segundo dia, com metade das crianças deste grupo presentes, todas elas
apresentam relatos classificados no nível pessoal, utilizando um vocabulário extraído
de aulas anteriores referindo-se ao caráter expressivo, como palhaço, bailarina,
trovão.
No dia da apreciação d’O Trenzinho do Caipira, observa-se um equilíbrio entre
os níveis Manipulativo e Pessoal. O vocabulário utilizado mescla o coloquial (alta e
baixinha) com os nomes dos instrumentos reconhecidos. Ao referirem-se ao caráter
expressivo, utilizaram-se de palavras como música de mau e sica de avião e baleia.
Como dito anteriormente, as associações com avião e com baleia não foram
compreendidas.
0
1
2
3
4
5
6
Dvorak
Saint Saens
Villa-Lobos
Wagner
Número de crianças presentes
Grupo A
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
170
No último dia de atividades, com seis crianças presentes, predomínio do nível
Manipulativo. Ainda o uso de vocabulário coloquial (alta e baixa), o reconhecimento
do timbre da trompa através do Lobo de Prokofiev e do andamento.
b) Grupo B
O Grupo B é composto por 3 crianças com 4 anos de idade. Nos dois primeiros
dias de atividades todas as crianças compareceram, enquanto que apenas uma
compareceu no terceiro dia e duas no último.
Gráfico 6 Classificação dos relatos do Grupo B
Nota-se a partir deste gráfico que as crianças deste grupo oscilaram entre os
níveis Manipulativo e Pessoal.
No primeiro dia de atividades, o caráter pessoal foi identificado por meio de
associações com bailarina que denota uma música dançante, e com a ação de dormir
provavelmente relacionada com calma e dinâmica mais suave.
Nos demais dias o vocabulário empregado envolveu palavras características da
linguagem musical, como agudo, grave e piano, além de rápida, devagar e forte. Pode-
se ressaltar também a preocupação em identificar pelo menos um dos instrumentos
presentes nas obras ouvidas.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
Dvorak
Saint Saens
Villa-Lobos
Wagner
Número de crianças presentes
Grupo B
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
171
c) Grupo C
Este grupo é formado por 5 crianças com 5 anos de idade. Apenas no segundo
dia duas crianças não compareceram à aula. Em todos os outros, todas as
crianças estavam presentes.
Gráfico 7 Classificação dos relatos do Grupo C
Neste grupo pode-se observar o predomínio dos níveis Manipulativo e Pessoal.
Nota-se a utilização mista de termos musicais, como agudo, grave, forte e piano,
mesclando-se com termos coloquiais, como alta, baixa e grosso. As crianças deste
grupo procuram sempre descrever a música por meio dos instrumentos que
reconhecem. As descrições do caráter expressivo envolvem palavras como medo,
guerra, ballet, casamento e enterro.
d) Grupo D
O Grupo D é composto por 8 crianças com 6 anos de idade. Todas as crianças
compareceram no primeiro dia de coleta, seis crianças compareceram no segundo e
no último dia, enquanto que sete crianças compareceram no terceiro dia.
0
1
2
3
4
5
6
Dvorak
Saint Saens
Villa-Lobos
Wagner
Número de crianças presentes
Grupo C
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
172
Gráfico 8 Classificação dos relatos do Grupo D
Neste grupo predomina o nível Pessoal, mas nota-se a presença regular de
crianças no nível Especulativo. Com relação ao vocabulário utilizado nos relatos, nota-
se o emprego de termos musicais para se referir à altura, dinâmica e andamento, bem
como o uso de palavras como medo, assustadora, guerra e triste para se referir ao
caráter expressivo. Percebe-se também o emprego do termo repete, indicando a
percepção de repetições de temas e/ou frases durante a apreciação das obras.
Também há a preocupação com o reconhecimento dos timbres dos instrumentos
presentes nas músicas.
II. Relação com as atividades anteriores
Um dos objetivos do trabalho é verificar a acomodação de conhecimentos
trabalhados anteriormente à coleta dos dados com as crianças / sujeitos desta
pesquisa. A acomodação de conceitos trabalhados aparecerá, entre outros fatores, na
menção que as crianças fazem às atividades realizadas anteriormente, bem como nas
representações que as crianças fizeram ao desenhar ouvindo a música, pois:
As figurações do desenho da criança em idade pré-escolar são
indicadoras de seus conhecimentos internalizados. (FERREIRA, 1998,
p. 50)
0
1
2
3
4
5
6
Dvorak
Saint Saens
Villa-Lobos
Wagner
Número de crianças presentes
Grupo D
Sensorial
Manipulativo
Pessoal
Vernacular
Especulativo
173
Uma primeira interiorização que é geralmente feita com as crianças refere-se
ao vocabulário empregado para referir-se aos parâmetros musicais. Crianças (como
também outras pessoas) leigas ou não iniciadas em sica costumam referir-se à
dinâmica com termos como alta e baixa; ao referir-se à altura, empregam termos
como fino e grosso.
As crianças do Grupo A foram as que mais empregaram estes termos, que
chamamos no decorrer das análises de vocabulário coloquial sobre música. Em geral,
os termos mais utilizados foram os referentes à dinâmica (alta e baixa).
O Grupo B utiliza mais os termos próprios da linguagem musical, substituindo
(na maior parte das vezes) o alta e baixa por forte e fraco ou piano. Também utilizam,
de maneira mais esporádica, os termos mais “técnicos” relacionados à altura, como
agudo e grave.
Por sua vez, o Grupo C também demonstra estar mais familiarizado com os
termos técnicos, empregando o vocabulário coloquial em menor número de vezes.
Da mesma forma, o Grupo D emprega este vocabulário mais coloquial em
pouquíssimas ocasiões, predominando as palavras mais próprias da linguagem musical.
Em aulas anteriores uma outra atividade de apreciação foi realizada utilizando-
se o Terceiro Movimento da Sinfonia n. 9 (Novo Mundo) de Dvorák. Nesta ocasião, a
atividade foi conduzida de maneira ligeiramente diferente, tendo sido a apreciação das
crianças conduzida por meio da narração de uma história
3
. Dessa feita, a história foi
criada com o objetivo de ressaltar a forma do movimento da sinfonia de Dvorák,
relacionando suas seções com o caráter expressivo, a saber, uma tribo indígena e a
corte de um castelo. Duas crianças (aqui identificadas pelos números 21 e 23) fizeram
menção à guerra de rei ao ouvirem o primeiro movimento da mesma sinfonia em
atividade direcionada à coleta para esta pesquisa. Logo, pode-se depreender que estas
crianças reconheceram os temas deste movimento que também aparecem no
movimento posterior, já trabalhado.
3
Esta atividade encontra-se descrita pormenorizadamente em trabalho anterior desta autora, a saber,
sua monografia de Especialização em Música, intitulada Um estudo piloto mediado pela contação de
histórias (SANTOS, 2008)
174
Uma outra palavra que aparece várias vezes nos relatos colhidos para esta
pesquisa é dormiu. Esta palavra era utilizada nas atividades aonde a professora queria
deixar claros os contrastes entre frases e/ou seções relativos ao caráter expressivo
resultante da combinação entre uma dinâmica mais suave e o andamento mais lento.
Enquanto as crianças ouviam uma música, eles eram convidados a indicar o momento
em que ocorria alguma mudança falando Mudou na hora em que a percebessem. O
mesmo acontecia ao perceber que havia mudado para o caráter mais calmo, lento e
piano descrito anteriormente, falando Dormiu no momento em que o percebessem.
Dessa forma, as crianças de todos os grupos empregaram estas expressões em seus
relatos no decorrer desta pesquisa, como por exemplo:
Violino, baixo, ficou diferente, agudo e baixo. Baixinho, dormiu, o
som ficou longo, grosso, agudo. (Criança 12)
A apreciação da obra O Pedro e o Lobo, do compositor Sergei Prokofiev,
também possibilitou a acomodação das crianças no que diz respeito aos timbres de
alguns instrumentos. Nesta obra, o compositor associa os personagens da história a
determinados instrumentos da orquestra, a saber: Pedro toda a orquestra, Lobo a
trompa, “Passarinha” – flauta, Pata oboé, Vovô fagote, Caçadores tímpano.
Assim, grande parte das crianças associou o timbre da trompa ao personagem do
Lobo, reconhecendo-o nas peças ouvidas nas atividades desta pesquisa. Uma criança
também mencionou os caçadores:
Parece música de lobo. É o caçador? (Criança 4)
Outra canção trabalhada com as crianças em momento anterior à coleta de
dados foi O Palhaço e a bailarina, de Cecília Cavalieri França. Como explicado
anteriormente, a canção brinca com o contraste entre o caráter expressivo das seções,
ora falando do palhaço, ora da bailarina. Desta forma, várias crianças também fizeram
menção a esta atividade, como por exemplo:
É rápida igual a do palhaço. (Criança 2)
Nas atividades de musicalização baseadas nos métodos ativos de educadores
como Willems, Dalcroze, Kodály e Orff, um princípio deve ser sempre observado: o de
175
propiciar a vivência corporal dos conceitos musicais para depois levar as crianças à
abstração teórica. A partitura, sistema complexos sinais empregados para a notação
musical, não deve, portanto, ser ensinada logo no início do processo de musicalização.
As noções que fundamentam este tipo de notação amplamente empregado na música
ocidental tradicional devem ser construídas paulatinamente com as crianças. Um dos
primeiros conceitos explorados nas aulas de musicalização é o de direcionalidade
sonora. As crianças são levadas a perceber movimentos sonoros de “subida e descida”
relacionados à altura dos sons. Uma vez vivenciados corporalmente por meio de
atividades próprias, deve-se proceder à notação destas “subidas e descidas” por meio
de gráficos. Neste caso específico, o geralmente empregadas linhas diagonais
ascendentes e descendentes:
Figura 95 Exemplos de grafias de direcionalidade sonora
Várias crianças dos Grupos B, C e D mencionaram esta atividade ou em seus
relatos, ou mesmo em seus desenhos.
Sons agudos e curtos. Tá subindo! (Criança 17)
Nos desenhos, estes gráficos aparecem sob diferentes formas: cabana,
montanha e árvore de natal, ou apenas como gráficos sem atribuição de alguma
outra forma:
Figura 96 Desenho da criança 10 Galinhas e Galos (Carnaval dos Animais) Cabana
176
Figura 97 Desenho da criança 13 Galinhas e Galos (Carnaval dos Animais) “Árvore de
Natal”
Figura 98 Desenho da criança 9 Galinhas e Galos (Carnaval dos animais) “Montanha”
Figura 99 Desenho da criança 16 Galinhas e Galos (Carnaval dos animais)
Figura 100 Desenho da criança 17 Galinhas e Galos (Carnaval dos animais)
177
Uma das atividades que parece mais ter marcado as crianças foi a apresentação
dos instrumentos musicais. Foram levados em sala de aula vários instrumentos como
flauta, clarinete, trompa, trombone, trompete, tambores, chocalhos, além do fato de
as crianças terem participado de eventos em locais como o Palácio das Artes, em Belo
Horizonte MG, aonde todos os demais instrumentos da orquestra foram
apresentados às crianças. Nestas ocasiões, as crianças também puderam experimentar
cada instrumento, bem como ouvir o timbre de cada um. Assim sendo, muitas crianças
buscaram identificar os vários instrumentos presentes das mais diversas
instrumentações das obras musicais selecionadas para a coleta de material para esta
pesquisa. A grande maioria das crianças procurou desenhar os instrumentos a partir da
memória de cada um.
Pode-se, desta forma, concluir que ocorreu a acomodação de vários conceitos
musicais trabalhados; conceitos estes que foram demonstrados espontaneamente no
decorrer desta pesquisa. Muitos destes conceitos foram identificados através somente
dos relatos das crianças (como o tipo de vocabulário empregado, por exemplo) mas
também vários deles apareceram registrados nos desenhos, mesmo que em vários
momentos dependêssemos dos relatos das crianças para identificá-los nos desenhos.
III. A centração
Outro objetivo deste trabalho foi o de identificar se as crianças também
demonstrariam a centração, característica do estágio de desenvolvimento cognitivo no
qual estas crianças encontram-se inseridas de acordo com a teoria de Piaget Estágio
Pré-operacional.
Como apresentado na fundamentação teórica deste trabalho, para Piaget a
centração seria a tendência das crianças deste estágio a centrar a atenção num
aspecto único e saliente do objeto sobre o qual o raciocínio incide, em detrimento de
outros aspectos importantes, o que produz uma distorção no raciocínio.
No caso específico da centração da percepção infantil na música, não
acreditamos que este foco de atenção venha a acarretar em alguma distorção do
178
raciocínio das crianças, mas que dificultar a apreensão da totalidade do fenômeno
musical.
Através dos relatos das crianças do Grupo A, pode-se notar que ocorreu a
centração mais pronunciada nos parâmetros Dinâmica e Timbre, ocorrendo alguns
casos de centração no Caráter Expressivo e Andamento.
Na apreciação do primeiro movimento da Sinfonia Novo Mundo de Dvorák, seis
das sete crianças presentes falaram apenas de dinâmica. na apreciação de Galinhas
e Galos de Saint-Saëns, duas crianças focaram a percepção no caráter expressivo e
uma no andamento (do total de quatro crianças presentes). No terceiro dia de coleta,
com a obra O trenzinho do caipira de Villa-Lobos, duas crianças centraram sua atenção
na dinâmica e uma no caráter expressivo dentre as sete crianças presentes. As demais
falaram de dinâmica, caráter expressivo e timbre, sem focar sua atenção em algum
desses parâmetros. Na apreciação d’A Cavalgada das Valquírias, de Wagner, três das
seis crianças presentes focaram a atenção na dinâmica, duas no timbre e apenas duas
associaram estes dois parâmetros do som em seu relato.
No Grupo B o timbre foi o parâmetro no qual a maior parte das crianças
enfatizou sua percepção. Apenas uma falou apenas no timbre (caracterizando, pois a
centração) quando da apreciação da música de Villa-Lobos, e uma outra falou apenas
do caráter expressivo (também caracterizando a centração) na atividade com a obra de
Dvorák.
O Grupo C foi o grupo aonde a centração ocorreu em menor número de vezes:
em todos os dias de coleta, apenas uma criança apresentou a centração no timbre (na
atividade com a sica de Saint-Saëns) e outra no andamento (na apreciação da obra
de Wagner). A grande maioria tratou, em seus relatos, de vários parâmetros juntos.
O mesmo ocorreu no Grupo D, aonde ocorreu centração no caráter expressivo
no relato de 3 crianças (uma sobre a música de Dvorák, outra sobre a de Saint-Saëns e
a terceira na música de Wagner) e também houve centração no timbre no relato de
uma criança, na atividade com a música de Saint-Saëns. A maioria das crianças tratou
de vários parâmetros em seus relatos.
179
Assim, pode-se concluir que a centração esteve sim presente nos relatos das
crianças, especial e predominantemente nas mais jovens (com 3 e 4 anos de idade).
Com relação ao desenho, as crianças do Grupo A apresentaram centração
especialmente na dinâmica (seis das sete crianças presentes na coleta de desenhos a
partir da obra de Dvorák, duas das quatro crianças presentes na coleta com a obra de
Villa-Lobos, e três das seis crianças presentes à coleta com a obra de Wagner). Na
coleta de desenhos a partir da apreciação da obra de Saint-Sns, metade das crianças
presentes do grupo A apresentaram nestes desenhos a centração no caráter
expressivo e a outra metade no andamento. Uma criança apresentou centração na
altura e outras duas no caráter expressivo, dentre os sete desenhos coletados deste
grupo a partir da apreciação da música de Villa-Lobos. Nos desenhos a partir da
Cavalgada das Valquírias, duas crianças apresentaram centração no timbre e uma no
caráter expressivo.
Como nesta faixa etária predomina o desenho de garatujas, a aferição da
centração nos desenhos foi feita com base nos relatos das crianças lembrando que as
crianças foram questionadas, separadamente uma a uma, sobre o que haviam
desenhado. Abaixo, alguns exemplos dos desenhos (com os relatos na legenda
referente a cada um deles) das crianças deste Grupo A:
Figura 101 “O som alto” (Criança 1 – Dvorák) / Centração na Dinâmica
180
Figura 102 “O som pequeno” (Criança 2 – Dvorák) / Centração na Dinâmica
Figura 103 “Fiz baixa e alta, baixa e alta e depois muito alta e altão!” (Criança 4 Villa-Lobos)
/ Centração na Dinâmica
Figura 104 “O palhaço e a bailarina” (Criança 6 – Carnaval) / Centração no Caráter Expressivo
Figura 105 “Desenhei o lobo verde” (Criança 5 – Wagner) / Centração no Timbre (Lobo =
Trompa)
181
Com relação ao Grupo B, os desenhos das crianças apresentaram centração
principalmente no timbre e no caráter expressivo. Observe a tabela abaixo:
Grupo B
Dvorák
Saint-Saëns
Villa-Lobos
Wagner
Timbre
2 crianças (das 3
crianças
presentes)
1 criança (das 3
crianças
presentes)
1 criança (única
presente)
1 criança (das 2
presentes)
Caráter
Expressivo
1 criança (das 3
crianças
presentes)
1 criança (das 3
crianças
presentes)
1 criança (das 2
presentes)
Como os desenhos não são mais garatujas, podemos perceber as formas
descritas pela criança. A seguir, exemplos dos desenhos com centração:
Figura 106 “Uma menina tocando violino” (Criança 9 – Dvorák) / Centração no Timbre
Figura 107 “Desenhei o piano” (Criança 9 – Wagner) / Centração no Timbre
182
Figura 108 “Árvore de Natal, com um piano perto e chuva” (Criança 13 Saint-Saëns) /
Centração no Caráter Expressivo
No exemplo acima, a criança afirma ter desenhado uma árvore de natal, um
piano e a chuva. Não encontramos no desenho algo que pudesse representar o piano
(no canto inferior direito do desenho há um borrão feito por água derramada pelos
alunos na pasta aonde se encontravam os desenhos coletados pela professora. Não
havia nada desenhado ali além dos pequenos riscos em azul que certamente
simbolizam a chuva.). Dessa forma, consideramos no desenho a centração no caráter
expressivo.
Observe outra situação no exemplo abaixo:
Figura 109 “Duas meninas e um piano rápido” (Criança 14 – Saint-Saëns) / Centração no
Timbre
A criança relata um “piano rápido” em azul, o que abrange dois parâmetros
do som (timbre e andamento). A linha curva em azul que representa o piano simboliza,
para a criança, um piano rápido. Dessa forma, não consideramos a centração no
timbre, baseando-nos na afirmação da criança de ter representado, naquela linha
curva azul, tanto o timbre quanto o andamento.
183
Ferreira (1998) corrobora a importância que reside no relato da criança,
fundamentando o posicionamento adotado na análise da centração do desenho
anterior:
A estabilidade da significação é refletida pela linguagem e não pela figura
apresentada no desenho. [...]
Pela palavra, a criança apropria-se de um sistema de significações que está
pronto e elaborado historicamente. [...]
O desenho da criança, composto de figuração e imaginação, é uma atividade
mental que reflete significações, e, portanto, é dependente da palavra.
(FERREIRA, 1998, p. 34)
O Grupo C, por sua vez, apresenta em seus desenhos a centração
predominantemente no timbre. Apenas três crianças apresentam centração no caráter
expressivo, na coleta realizada na apreciação da obra de Wagner; e uma na altura, em
desenho coletado na atividade com a obra de Villa-Lobos.
Observe nos exemplos:
Figura 110 “Um violino” (Criança 10 – Dvorák) / Centração no Timbre
Figura 111 “Uma menina tocando violino” (Criança 11 – Wagner) / Centração no Timbre
184
Figura 112 “Desenhei uma noiva, sentada na cadeira, escutando música.” (Criança 16 –
Wagner) / Centração no Caráter Expressivo
Figura 113 Desenhei as notas que é grosso ou fino, depende da hora.” (Criança 12 – Villa-
Lobos) / Centração na altura
O Grupo D apresentou em seus desenhos a centração no timbre e no caráter
expressivo. Dentre todos os desenhos coletados, dezessete desenhos apresentam a
centração no timbre, enquanto que dois apresentam a centração no caráter
expressivo. É interessante ressaltar que alguns desenhos mesclam o timbre com o
caráter expressivo ou até apresentam no desenho a representação de vários
parâmetros do som.
Veja nos exemplos abaixo:
Figura 114 “Uma flauta, trompa, trombone e violino” (Criança 17 – Dvorák) / Centração no
Timbre
185
Figura 115 “Desenhei o tambor seguindo a música.” (Criança 15 – Villa-Lobos) / Centração no
Timbre
Figura 116 “Notas musicais.” (Criança 19 – Carnaval) / Centração no Timbre
Figura 117 “Um rei, ouvindo o som da guerra, um soldado do rei, música agitada” (Criança 23
Dvorák) / Centração no Caráter Expressivo
Figura 118 “Os riscos são a música forte e devagar. Começa devagar e vai ficando forte. Piano,
violino e flauta” (Criança 17 Carnaval) / Sem centração
186
Figura 119 “Desenhei uma menina gritando” (Criança 17 – Villa-Lobos) / Centração no Caráter
Expressivo
Figura 120 “Desenhei uma nave, um monte de carinha da terra e explodiu a nave e uma
trompa, céu e lua” (Criança 24 Dvorák) / Caráter expressivo e Timbre
IV. Função Simbólica
As crianças que constituem os sujeitos desta investigação estão, de acordo com
Piaget, no estágio pré-operatório, em fase de desenvolvimento da função simbólica.
Os desenhos analisados têm demonstrado o uso desta função através da
representação de instrumentos musicais; da utilização de figuras que simbolizam estes
instrumentos, como o lobo, por exemplo; de figuras que simbolizam o caráter
expressivo como o palhaço e a bailarina, reis, noivas e alienígenas; além de linhas que
pretendem representar o desenho abstrato (gráfico) dos sons. Todas estas
representações são indícios do emprego da função simbólica que vem sendo
desenvolvida por estas crianças.
Nota-se também o uso de alguns símbolos ligados especificamente com a
música, especialmente as notas musicais:
187
Figura 121 “Desenhei as notas musicais.” (Criança 10 – Wagner) / Símbolos
Outro símbolo presente nos desenhos é o coração, simbolizando o amor da
noiva escutando música:
Figura 122 “Desenhei uma noiva, sentada na cadeira, escutando música.” (Criança 16
Wagner) / Coração e Notas Musicais
Um desenho que chama a atenção é o da criança 19, a partir da música de
Wagner, que, além das notas musicais, escolhe as cores branco e preto afirmando
querer fazer com o que o desenho se assemelhe a uma foto velha:
Figura 123 “Desenhei um rapaz tocando tambor e uma menina tocando violino. Quis preto e
branco parecendo foto velha. Uma orquestra com maestro e a cortina do teatro” (Criança 19 – Wagner)
Outro desenho que traz uma simbologia interessante relacionando desenho e
música é o da criança 4, de 3 anos de idade, na atividade com a música de Villa-Lobos:
188
Figura 124 “Fiz baixa e alta, baixa e alta e depois muito alta e altão!” (Criança 4 Villa-Lobos)
Neste desenho a diferença de tamanho entre os círculos pode estar relacionada
às variações de dinâmica percebidas (alta, baixa, muito alta e altão).
Também a criança 18, de 3 anos de idade, nesta mesma atividade (com a
música de Villa-Lobos), utiliza-se das cores para simbolizar a dinâmica do som:
Figura 125 “O vermelho é o fraco e o amarelo e rosa é o forte” (Criança 18 Villa-Lobos)
V. Relação Desenho x Música
Em todos os desenhos analisados foram encontradas algumas relações entre o
desenho e a música ouvida. Alguns apresentam relações mais fortes e claras, outros
trazem relações mais subjetivas.
Neste subitem resolvemos tratar de algumas relações mais específicas
estabelecidas entre os desenhos das crianças e as músicas ouvidas.
A primeira relação a ser ressaltada é a tentativa de representação gráfica do
som nos desenhos das crianças. Nos desenhos de crianças menores (3 e 4 anos), as
garatujas muitas vezes são o reflexo do movimento destas crianças conduzido pela
música ouvida. Assim, grande parte dos desenhos coletados do Grupo A ilustram
perfeitamente estas relações:
189
Figura 126 “O som altão” (Criança 5 Dvorák) Garatujas
Figura 127 “A música parece com o desenho que eu fiz!” (Criança 1 Carnaval) - Garatujas
O mesmo acontece com os desenhos de algumas crianças do Grupo B, que
misturam as garatujas a símbolos (estrelas) e alguns esquemas que representam
instrumentos (o tambor):
Figura 128 “O tambor e o som” (Criança 13 Dvorák) Garatujas
É interessante registrar que, mesmo sendo característica das crianças menores,
uma criança do Grupo C dedicou-se à representação gráfica do som por meio de
garatujas. Entretanto, estas garatujas foram desenhadas intencionalmente, não por
incapacidade de desenhar esquemas ou formas definidas, mas por influência de
registros gráficos do som realizados em atividades anteriores:
190
Figura 129 “O som” (Criança 12 Dvorák) Representação Gráfica do Som
Figura 130 Desenhei as notas que é grosso ou fino, depende da hora.” (Criança 12 – Villa-
Lobos) Representação Gráfica do Som
Note que, no terceiro desenho produzido por esta mesma criança, ela opta por
representar a guerra, e não mais o som, como havia feito nos desenhos anteriores.
Figura 131 “Desenhei a guerra” (Criança 12 Wagner) Representação do caráter expressivo
Esta representação gráfica do som também ocorre com as crianças mais velhas,
embora em meio a outras tantas representações:
191
Figura 132 “Flauta tambor e violino tocando junto” (Criança 19 Dvorák) Representação
Gráfica do Som
Neste desenho acima, a criança de 6 anos representa o som através de linhas
roxas associadas às notas musicais saindo de cada um dos instrumentos representados
e se unindo para formar a música.
Ainda com relação à representação gráfica do som, uma importante relação
entre música e desenho deve ser ressaltada. Como pudemos observar nos estudos
específicos sobre o desenvolvimento do desenho infantil, uma das primeiras fases, a
das garatujas, seria como uma “impressão” dos movimentos das crianças no papel (de
acordo com Derdyk (1989), o corpo é a ponta do lápis). Ao ter isto em mente na
análise dos desenhos produzidos a partir de uma apreciação musical, devemos concluir
que essas garatujas são impressões no papel das reações corporais das crianças à
música. Logo, a maneira com que essas garatujas são produzidas revela muito da
sensação corporal das crianças que as produziram. Nas figuras 133, 134, 135 e 136 que
se seguem, observa-se uma similaridade que pode ser destacada. As crianças
preenchem mais ou menos o espaço do papel com linhas mais leves e repetidas, o que
indica um ritmo de linhas suave, e criam uma mancha de cor que se destaca do
conjunto de traços mais leves por ser feita com traços mais vigorosos, como se
marcassem um som mais forte. Temos estas manchas em vermelho e em azul. Parece
que ao representar um som mais forte, as crianças mudam a cor e a utilizam apenas
uma vez, ou seja, numa pequena área. Assim, é possível observar uma relação entre o
“ritmo visual” e o “ritmo musical”, bem como entre a força e cor do traçado
relacionando-se com a dinâmica sonora.
192
Figura 133 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais
Figura 134 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais
Figura 135 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais
Figura 136 Ritmo visual x Ritmo e Dinâmica Musicais
Uma das relações mais comuns observadas entre os desenhos e as sicas
ouvidas foi a representação gráfica do caráter expressivo. Como mostrado
anteriormente, várias crianças, ao serem convidadas a desenharem a música que iriam
ouvir, se sentiram impelidas a registrar situações que ilustram o caráter expressivo das
193
obras musicais. Assim sendo, vários foram os desenhos de palhaços, bailarinas,
guerras, noivas, pessoas desesperadas gritando:
Figura 137 “Um homem assobiando desesperado. Um piano. Lenta. (Criança 24 Saint-
Saëns) Representação do caráter expressivo
Figura 138 “desenhei a noiva. Estava com vontade de colorir a folha.” (Criança 13 Wagner)
Representação do caráter expressivo
A música “A Cavalgada das Valquírias”, de Richard Wagner, foi a que mais
motivou os alunos a desenharem o caráter expressivo apreendido.
A relação predominante entre os desenhos das crianças e as sicas ouvidas
foi a representação dos instrumentos percebidos (e muitas vezes imaginados, pois não
faziam parte da instrumentação da peça ouvida). A atividade de colocar as crianças em
contato com os instrumentos, e a possibilidade de explorá-los como descrito em
momento anterior foi realmente significativa e marcante, a ponto de influenciar a
maior parte dos desenhos produzidos. Esta preocupação com os timbres, o que
Swanwick (1994, 2003) considera como típica da camada Materiais Sonoros, é
bastante característica da faixa etária envolvida nesta investigação.
O fato de as crianças desenharem instrumentos que não ouviram, mas que
estão presentes na sua memória pode ser explicado a partir da teoria histórico-cultural
de Vygotsky, apresentada por Ferreira (1998):
194
... o desenho da criança não reproduz uma realidade material, mas a
realidade conceituada. Ou seja, o desenho da criança exprime o
conhecimento conceitual que a criança tem de uma dada realidade.
Conhecimento que é constituído socialmente e para o qual concorrem
memória, que possibilita o registro do que é conhecido e conceituado, e
imaginação, que, conforme Vygotsky, também está vinculada às
experiências acumuladas pelo sujeito. Assim, os desenhos materializam as
imagens mentais do que a criança conhece e tem registrado na memória,
com a contribuição da imaginação. Ou seja, criança não faz desenho de
observação, mas de memória e imaginação. (FERREIRA, 1998, p. 12)
Ainda sobre a importância da memória no ato de desenhar, Ferreira afirma que
Para pensar, a criança depende se sua memória. Seu desenho é produto de
seu pensamento. Logo, a criança precisa da memória para desenhar. Ela
pensa lembrando e desenha pensando. Na idade pré-escolar, a criança
pensa recordando e apóia-se em suas experiências anteriores para isso.
Vygotsky (1993) diz que toda intenção exige a participação da memória. Cita
Spinoza para dizer que intenção é memória. A criança, ao ter a intenção de
desenhar alguma coisa, faz isso lembrando das figuras esquemáticas
referentes a essa coisa que conseguiu memorizar. Isso, porém, não é tão
simples quanto parece. A criança memoriza o que faz sentido para ela.
Assim, os esquemas figurativos dos objetos reais, que dispõe na memória,
estão carregados de significação.
A realidade conceituada da criança é possível pela palavra e é por esta
que a criança toma consciência daquela. (1998, p. 30)
Algumas crianças representaram apenas os instrumentos, soltos, distribuídos
pela folha de papel. Estes instrumentos muitas vezes são identificados por alguma
característica marcante registrada pela criança. Muitas vezes ela não desenha este
instrumento com todas as informações que o objeto real apresenta, mas registra neste
instrumento as características que são mais significativas para ela. A criança, portanto,
“carrega” em seu desenho tudo aquilo que conhece do objeto que está simbolizando
graficamente (FERREIRA, 1998, p. 32). Dessa forma, a criança, ao ter a intenção de
desenhar alguma coisa, faz isso lembrando das figuras esquemáticas referentes a essa
coisa que conseguiu memorizar (FERREIRA, 1998, p. 33). A importância desses
desenhos reside no fato de que
Desenhando os objetos reais, a criança expressa o significado e o sentido
das coisas que vê. Portanto, o que ela desenha não é a realidade material do
objeto, mas a realidade conceituada. É essa a realidade percebida.
(FERREIRA, 1998, p. 30)
Assim, os desenhos são fundamentais para o conhecimento mais aprofundado
sobre esta realidade musical percebida pela criança. Veja abaixo alguns exemplos dos
195
esquemas internos de algumas crianças utilizados para a representação de
instrumentos musicais:
Figura 139 “Violino, flauta, piano.” (Criança 22 Dvorák) Representação dos instrumentos
percebidos
No exemplo acima, violino e flauta estão presentes da instrumentação,
enquanto que o piano não. Percebe-se os esquemas internos das crianças para a
representação dos instrumentos: a forma do violino acompanhado de seu arco, a
flauta com detalhes de bocal e os “furinhos” que controlam a emissão das diferentes
notas, e as teclas do piano.
Figura 140 “Tambor, clarineta, chocalho e as notas musicais” (Criança 20 Villa-Lobos)
Representação dos instrumentos percebidos
Nota-se os esquemas internos construídos para a representação do tambor: um
círculo com duas baquetas ao lado. A clarineta se assemelha à flauta, e o chocalho é
bastante próximo do real, semelhante ao esquema das baquetas. Veja outro exemplo
de tambor:
196
Figura 141 “Desenhei um tambor.” (Criança 15 Wagner) Representação do Tambor
Repete-se o esquema do círculo aliado às duas baquetas.
Figura 142 “Chocalho, cascavel, tambor, trompa, piano, clarineta, violino.” (Criança 22 Villa-
Lobos) Representação dos instrumentos
Observa-se o tambor, mais ovalado mas com as duas baquetas; o violino, com
formas bastante próximas do real e sempre com o arco; o chocalho (cascavel),
embaixo e mais ao centro; a flauta logo acima do chocalho, ao lado da clarineta
(sempre na posição vertical, como é tocada); a trompa, acima do piano, do lado
esquerdo, num formato mais curvo, buscando representar as voltas do instrumento.
Observe no desenho abaixo, um outro esquema para a trompa mais
elaborado que o anterior:
197
Figura 143 “Uma mulher, flauta, tambor e depois trompa. (Criança 24 Dvorák)
Representação dos instrumentos
A trompa apresenta a campana e até os pístons. A flauta aparece na posição
transversal, e não em pé como nos outros desenhos. E o tambor sempre com a
baqueta ao lado ou acima (desta vez apenas uma baqueta).
Em alguns desenhos os instrumentos não aparecem isolados, mas sempre com
uma figura humana interagindo com eles, quer sejam as próprias crianças ou outras
pessoas fruto da imaginação delas:
Figura 144 Um homem ensinando o filho a tocar um instrumento.” (Criança 8 Dvorák)
Representação da figura humana com instrumentos
Figura 145 Uma menina, um violino e um piano.” (Criança 11 Dvorák) Representação da
figura humana com instrumentos
198
No exemplo anterior, bem como no que se segue, os esquemas para
representação dos instrumentos ainda são rudimentares, mas apresentam sempre
alguma característica que identifique este instrumento: o violino, do lado esquerdo,
está colorido com a cor real do objeto (marron) e o piano, em azul, no canto direito,
apresenta algumas teclas.
Observe outra representação do piano, com as teclas, e do violino (que se
assemelha bastante ao violão). Desta vez, a criança se identifica como a figura humana
que está tocando os instrumentos:
Figura 146 Eu tocando violino e piano.” (Criança 16 Dvorák) Representação da figura
humana com instrumentos
Abaixo, outro exemplo de representação do piano (que não está presente na
instrumentação da peça ouvida), desta vez sem as teclas, mas na cor do objeto real e
com um pedestal, como se fosse um teclado (que é o instrumento que está disponível
na sala de aula da escola aonde as crianças estudam e aonde os desenhos foram
coletados):
Figura 147 Um homem tocando piano [...].” (Criança 8 Villa-Lobos) Representação do
piano
199
Outro exemplo de representação do piano, desta vez o “pianista” têm as suas
mãos ampliadas, devido à importância delas no ato de tocar o instrumento(cf.
LOWENFELD & BRITTAIN, 1977, p. 186) característica do período Esquemático do
desenho, de acordo com Lowenfeld e Brittain (1977):
Figura 148 Um homem tocando piano [...].” (Criança 10 Saint-Saëns) Representação do
piano
Além da representação de instrumentos, das próprias crianças tocando
instrumentos, outra relação encontrada entre desenhos e música foi a representação
de situações envolvendo música, como uma figura humana ouvindo a música ou
dançando, por exemplo:
Figura 149 Desenhei o violino e uma menina escutando o tambor.” (Criança 20 Wagner)
Representação de situação envolvendo música - ouvir
200
Figura 150 “Uma bailarina.” (Criança 9 Dvorák) Representação de situação envolvendo
música - dançar
Figura 151 Eu escutando a música agitada e depois calma, e a flauta.” (Criança 20 Dvorák)
Representação de situação envolvendo música - ouvir
É importante ressaltar que estas representações mais refinadas, de figuras
humanas, instrumentos e das situações envolvendo música, são características das
crianças mais velhas (5, 6 anos de idade), uma vez que estão mais aptas a
administrar sua coordenação motora a fim de representarem aquilo que intencionam
de maneira mais clara e mais próxima do real.
VI. A percepção das transformações musicais
Por último, pretendeu-se investigar, a partir dos desenhos e relatos coletados
nesta atividade metodologicamente controlada, a relação das crianças com as
transformações musicais, visto que no período pré-operacional em que se encontram
as crianças / sujeitos desta pesquisa, estas apresentam dificuldades em observar tais
transformações, focando seu raciocínio sobre momentos estáticos.
Devido a isso, de acordo com nossa hipótese inicial, poucas seriam as crianças
que estariam no nível Especulativo da Teoria Espiral de Swanwick e Tillman (1986),
uma vez que neste nível as crianças seriam capazes de estabelecer relações entre as
201
transformações musicais ocorridas entre frases e/ou seções, em contraste com os
relatos em forma de slides, que representam apenas momentos estáticos presentes
(característica do nível Vernacular, na Teoria Espiral). Assim, no nível Especulativo as
crianças são capazes de identificar o modo como as repetições acontecem, a maneira
que as transformações ocorrem, enquanto que no Vernacular elas apenas identificam
que houve repetições, ou mudanças.
A hipótese se mostrou válida no presente estudo, uma vez que apenas seis, de
um total de 80 desenhos / relatos coletados, atingiram o nível Especulativo, de acordo
com nossas análises.
Observe os relatos abaixo:
a) Relato da criança “Forte, rápida. A música muda toda hora!” Ao ser
questionada sobre o que desenhou, a criança respondeu: “Eu escutando a
música agitada e depois calma, e a flauta” (Criança 20 / 6 anos Dvorák). A
criança percebe que a música apresenta mudanças, transformações e depois
explica pelo menos uma das mudanças percebidas: primeiro a música é
agitada, depois calma.
b) Relato da criança “Sons agudos e curtos. subindo! Piano, violino devagar.
Instrumento diferente.” Ao ser questionada sobre o que desenhou, a criança
respondeu: “Os riscos são a música forte e devagar. Começa devagar e vai
ficando forte. Piano, violino e flauta” (Criança 17 / 6 anos Saint-Saëns) A
criança indica em sua fala o processo de transformação musical: a música
começa devagar e vai ficando forte.
c) Relato da criança “Homem tocando piano, violão, violino, piano, flauta,
trompete, sax. A música forte, rápida e vai ficando devagar (Criança 8 / 5
anos Villa-Lobos). Também aqui a criança explicita o processo de
transformação: música rápida e vai ficando devagar.
d) Relato da criança Tem som grave e depois fica devagar. Tem flauta depois
violino, parece música de grave e forte. Devagar e baixinha demais. Acaba
forte. O Verde é fraco e o amarelo e rosa é o forte. Desenhei o som grave
(Criança 18 / 3 anos Villa-Lobos). Aqui a transformação relaciona parâmetros
diferentes: a música apresenta sons graves (altura) e depois fica devagar
202
(andamento); além de mudanças na instrumentação: primeiro flauta e depois
violino.
e) Relato da criança “Parece música de terror, flauta e clarineta, achei que
acaba muito forte mas vai acabando fraquinho antes. Sempre triste, e
assusta!” Ao ser questionada sobre o desenho, a criança respondeu: Cascavel,
chocalho, as notas, clarineta, tambor, violino(Criança 19 / 6 anos Villa-
Lobos). A criança percebe como a sica acaba, ou seja, as transformações
musicais ocorridas ao final da obra: acaba forte, mas “vai acabando fraquinho
antes”.
f) Relato da criança Começa devagar e vai ficando forte.” Ao ser questionada
sobre o que havia desenhado, a criança respondeu: “Desenhei o violino e uma
menina escutando o tambor” (Criança 20 / 6 anos Wagner). Observe a
descrição da transformação no andamento: começa devagar e vai ficando forte.
Outras crianças não indicaram as transformações musicais, mas perceberam
mudanças relatando-as na forma de slides, ou seja, narrando apenas o momento
presente, estático:
a) Relato da criança “Ficou alto e baixo várias vezes!” (Criança 6 / 3 anos
Dvorák). Não se observa no relato uma relação temporal entre frases. A
criança apenas afirma que percebeu mudanças na dinâmica.
b) Relato da criança “Baixo, agora forte, forte, mudo, parece Harry Potter,
forte, trompete.” (Criança 17 / 6 anos Dvorák). O relato da criança é
tipicamente um relato de uma sequência de percepções de momentos
presentes, em slides.
c) Relato da criança “Aguda. Clarinete. Repete. Rápido.” (Criança 19 / 6 anos
Saint-Saëns). A criança reconhece a repetição, mas não expressa a
maneira pela qual esta repetição se dá.
d) Relato da criança “Muito repetida e rápida.” (Criança 20 / 6 anos Saint-
Saëns). A criança reconhece a repetição, mas não expressa a maneira pela
qual esta repetição se dá.
As demais crianças apenas narraram momentos estáticos, sem atentar-se a
repetições ou às transformações musicais.
203
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises de desenhos e relatos coletados nos conduziram a várias respostas
satisfatórias aos nossos questionamentos iniciais, o que indica que a metodologia
utilizada para a realização destas análises mostrou-se adequada.
A ausência de algumas crianças no decorrer das coletas não nos permitiu
realizar uma análise quantitativa relativa às informações de cada grupo, portanto,
restringimo-nos a uma análise qualitativa dos dados.
No início das atividades de análise, permanecemos incrédulos quanto a seus
resultados, uma vez condicionados aos contrastes apresentados nas atividades
mediadas pelas histórias. Acreditávamos ser pouco provável que as crianças
pudessem, espontaneamente, apresentar em seus desenhos algum indício de
compreensão musical. Todavia, ao aprofundarmos as leituras e o foco das análises, os
indícios foram aparecendo.
As crianças conseguem sim perceber sozinhas vários conceitos trabalhados
anteriormente nas aulas de musicalização, o que indica a acomodação destes
conteúdos. É flagrante a percepção dos materiais sonoros e do caráter expressivo,
inicialmente presentes nos relatos de maneira mais intuitiva, mas depois,
predominando um caráter mais analítico e técnico.
Ainda há certa confusão na utilização de alguns termos mais coloquiais sobre os
parâmetros musicais, principalmente no que se refere à música “alta” e “baixa”. Essas
palavras podem indicar tanto altura (freqüência) dos sons, como a dinâmica dos
mesmos. Mas, no decorrer da experiência, o vocabulário mais técnico foi aparecendo,
distinguindo esta ambigüidade inicial com o emprego de palavras como “grave” e
“agudo”, “forte” e “fraco”.
A acomodação dos conceitos também apareceu nos relatos e desenhos através
da menção das crianças às atividades realizadas anteriormente, o que nos leva a
concluir que estas atividades foram significativas e conduziram as crianças à
interiorização dos conteúdos. É importante ressaltar a presença da história contada na
204
atividade anterior de apreciação do terceiro movimento da Sinfonia n.9 de Dvorák nos
desenhos referentes à apreciação do primeiro movimento da mesma sinfonia. Várias
crianças atentaram para a semelhança no trato dos temas e no caráter expressivo dos
movimentos, remetendo-se, dessa forma, à história sobre reis e índios.
Também foram mencionadas as atividades com a música “O Palhaço e a
Bailarina” e “O Pedro e o Lobo” de Prokofiev. Espontaneamente, as crianças
identificavam mudanças, repetições, alterações no caráter expressivo, da mesma
forma como acontecia nas aulas, utilizando palavras como “dormiu”, “ficou diferente”,
“mudou”, “subiu”, “desceu”. A atividade que pode ser considerada como a mais
marcante de todas, devido à recorrência na maior parte dos relatos e desenhos foi a
apresentação dos diferentes instrumentos musicais às crianças. Vários instrumentos
da orquestra foram levados em sala de aula para que as crianças experimentassem,
manuseassem e conhecessem os diferentes timbres. O timbre e a representação
gráfica destes instrumentos foi o aspecto mais presente em todas as análises feitas.
Quanto às características do período pré-operacional e suas manifestações em
relatos e desenhos, observou-se que houve sim a centração em vários deles,
principalmente com as crianças mais novas, de 3 a 4 anos. As crianças de 5 e 6 anos
apresentaram a centração em menor número de vezes, revelando um processo de
transição para o próximo estágio de desenvolvimento proposto por Piaget. Como
afirmado anteriormente, o parâmetro do som que mais foi objeto da centração das
crianças foi o timbre (os intrumentos / fontes sonoras), com certa relevância também
para o Caráter Expressivo, o que condiz com o estágio da Teoria Espiral na qual as
crianças estão inseridas (Manipulativo / Pessoal). É importante lembrar que neste caso
específico da centração da percepção infantil em determinados parâmetros musicais,
não acreditamos que este foco de atenção venha a acarretar em alguma distorção do
raciocínio das crianças, mas apenas que dificultar a apreensão da totalidade do
fenômeno musical.
Com relação à percepção das transformações musicais, poucas foram as
crianças que atentaram para isso. A grande maioria demonstrou a percepção apenas
205
do presente, como um momento estático, falando da sica como que por meio de
slides, confirmando a característica do período pré-operacional.
Logo, a análise dos desenhos permitiu-nos concluir que o emprego desta
atividade nas aulas de musicalização permite verificar a acomodação de vários
conceitos aprendidos em atividades anteriores. Da mesma forma, pudemos observar
que os desenhos são indicadores de importantes características do desenvolvimento
cognitivo das crianças.
Nas atividades de performance e composição é mais fácil perceber a relação
dos alunos com os conteúdos trabalhados. As crianças demonstram o entendimento e
a interiorização destes conceitos de forma mais clara, mais perceptível. O que não
acontece com as atividades de apreciação. Assim sendo, o desenho demonstrou ser
uma importante ferramenta para a aferição da compreensão musical das crianças,
uma vez que enriquecem e complementam o que elas indicaram por meio dos relatos.
Além do fato de acreditarmos que as crianças, ao desenharem, reforçam aquilo que foi
interiorizado.
As relações encontradas entre desenho e música foram muito variadas. Nas
crianças menores, nas quais os desenhos são resultado dos movimentos e gestos
corporais, as garatujas indicam o ritmo sentido pelo corpo e manifestado por ele
através dos movimentos, bem como a dinâmica, através da força com que realizam
estas garatujas. Assim, como para Derdyk (1989) o corpo é a ponta do lápis, podemos
perceber as reações deste corpo à música ouvida através das garatujas que imprimem
estas reações no papel como um eletrocardiograma. Dessa forma, confirmamos os
resultados dos estudos de Bamberger (1990), principalmente no que diz respeito às
crianças de quatro e cinco anos que desenham como se estivessem “tocando” no
papel. Bamberger (1990) chama estes movimentos de garatujas rítmicas. À medida
que a criança vai adquirindo maior habilidade motora, e vai refinando os seus
desenhos, essa “impressão” das reações no papel vai se transformando, sendo
demonstrada por esquemas e estruturas mais pensadas. Surgem os símbolos, os
instrumentos, as situações que envolvem a música.
206
Observamos também no decorrer das análises dos desenhos a presença dos
diferentes tipos de notação indicados por Salles (1996): a notação plástica, através da
qual as crianças representam a música por figuras abstratas; a notação analógica,
linear e geométrica, caracterizada por grafismos; a notação mista, que mistura as
anteriores; e a que predominou nos desenhos analisados, a pictografia musical, na
qual a criança desenha, principalmente, a fonte sonora, ao lado de desenhos de
imaginação com descrição figurativa e simbólica. Também pudemos observar outras
similaridades com as afirmações de Salles (1996), como ao dizer que a criança busca
imagens ou signos que conhece para representar um som mais forte ou mais fraco
(no caso da presente pesquisa o avião, o trovão, a baleia, a chuva).
De maneira similar, confirmamos a constatação de Salles (1996) da relação
entre a representação das variações da intensidade sonora com a intensidade do traço
das crianças; bem como a relação entre a cor deste traço, onde cores mais quentes ou
de tons mais escuros evidenciam sons mais fortes, enquanto que as cores mais frias ou
com tons mais claros representam sons mais fracos.
Uma característica que pode ser explorada de maneira mais aprofundada em
estudos posteriores é a relação que as crianças estabelecem entre a representação
musical e a escolha das cores. Várias crianças associaram cores à sons fortes, fracos,
agudos e graves. O aprofundamento deste aspecto do desenho não foi possível dentro
dos limites desta investigação.
O que Salles (1996) chama de desenho de imaginação também está presente
nas amostras utilizadas nesta pesquisa. Em vários momentos as crianças realizam
metáforas para indicar o caráter expressivo, a dinâmica e a altura, como ao associar os
sons curtos com a chuva, ou a força dos tímpanos com a guerra.
Dessa forma, compartilhamos com este autor a noção de que a evolução
gráfico-musical da criança apresenta uma sucessão de estados que estão em contínua
transformação: das garatujas como impressão dos movimentos de reação à sica,
passando pelo desenho de imaginação e suas metáforas e pela representação
figurativa das fontes sonoras. Vários são os métodos empregados pelas crianças ao
grafar e imaginar o som. Estes métodos são transformados à medida que a criança
207
avança em seu desenvolvimento cognitivo, na apropriação de coordenação motora
cada vez mais refinada, paralelamente ao desenvolvimento da compreensão musical.
O estudo do desenho infantil e sua relação com a música é fundamental para a
compreensão do desenvolvimento da representação gráfica da sica realizada pelas
crianças, sendo uma peça chave para um bom direcionamento para o ensino da
partitura tão mitificada e temida.
Para que mais descobertas possam ser feitas a partir das análises de desenhos
produzidos pelas crianças em atividades musicais, é, portanto, imprescindível ter em
mente que não devemos estar presos somente à idéia de representação. E, no caso da
música, não existe nela uma representação direta do mundo, representação analógica
ou por meio de palavras. O diálogo entre as artes visuais e a música será sempre uma
aproximação e não uma tradução direta.
Concluímos, portanto, que as atividades envolvendo desenho e música podem
ser bem mais do que um momento relaxante, lúdico e prazeroso, mas sim momentos
importantes da relação das crianças com os conceitos musicais e até com a própria
música.
208
REFERÊNCIAS
ARNAHEIM, Rudolf. Arte & Percepção Visual: Uma psicologia da visão criadora. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Usos e abusos dos estudos de caso. Cad. Pesqui., São
Paulo, v. 36, n. 129, Dec. 2006 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742006000300007&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 19 Out. 2009.
BAMBERGUER, J. As estruturações cognitivas na apreensão e notação de ritmos
simples. In: SINCLAIR, H., org. A produção de notações da criança: linguagem,
número, ritmos e melodias. São Paulo, Cortez, 1990. P. 97 124.
BARBOSA, Karla Jaber. Conexões entre o desenvolvimento cognitivo e musical:
Estudo comparativo entre apreciação musical direcionada e não direcionada de
crianças de sete a dez anos em escola regular. Belo Horizonte: UFMG, 2009
(dissertação de mestrado).
DERDYK. Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil.
São Paulo: Editora Scipione, 1989.
FERREIRA, Sueli. Imaginação e Linguagem no desenho da criança. Campinas: Papirus,
1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2ª. Edição. 1986.
FLAVELL, John. A psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget. Tradução: Maria
Helena Souza Patto, Instituto de Psicologia da USP. São Paulo, Livraria Pioneira Editora,
1986.
FONSECA, Maria Betânia Parizzi. O canto espontâneo da criança de 3 a 6 anos como
indicador de seu desenvolvimento cognitivo musical. Belo Horizonte, UFMG, 2005
(Dissertação de Mestrado).
FRANÇA SILVA, Maria Cecília Cavalieri. Composing, performance and
audiencelisteninig as symmetrical indicators of music understanding. 1998. 297f.
Tese (Doutourado em Educação Musical PhD) . University of London Institute of
Education, 1998.
FRANCASTEL, P. Pintura y Sociedad. Nacimiento y destrucción de un espacio plástico
del Renacimiento al Cubismo. Madrid: Cátedra, 1975.
209
HARGREAVES, David J. The developmental psychology of music. Londres: Cambridge
Press, 1986.
IAVELBERG, Rosa. O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores.
Porto Alegre: Editora Zouk, 2006.
ILARI, Beatriz. Aspectos da cognição musical implícitos em notações inventadas e
desenhos de crianças e adultos. In: Revista de Educação Musical, Lisboa, n. 118/ 119,
p.27-43, 2004.
KELLOGG, R. Analysing children´s art. Palo Alto (Califórnia): National Press Books,
1969.
LOWENFELD, V.; BRITTAIN, W. L. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo:
Mestre Jou, 1977.
LUQUET, G. H. O desenho infantil. Porto, Civilização, 1969.
________. O desenho infantil. Maria Tereza Gonçalves de Azevedo (trad.). Barcelos:
Companhia Editora do Minho, 1927.
MÉREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo, Cultrix, 1974.
MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: Educação do educador. São
Paulo: Loyola, 1984.
PACHECO, Caroline Brendel. O uso de desenhos no estudo da percepção musical: um
estudo preliminar com crianças. Música Hodie, 7, 2007, p. 121 131.
PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1967.
________. A formação dos símbolos na criança. Paris: PUF, 1948.
PIAGET, J.; INHELDER, Bärber. A psicologia da criança. 14ª. Edição. Rio de Janeiro:
Editora Bertrand Brasil S.A., 1995.
________. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1948 -
1993.
________. The origins of Intelligence in children. Nova York: Humanities, 1952.
PIGNATARI, D.; CAMPOS, A. de; CAMPOS, H. de. Mallarmé. 3. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1974.
PILLAR, Analise Dutra. Desenho & escrita como sistema de representação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.
210
SALLES, Pedro Paulo. Gênese da Notação Musical na Criança: Os signos gráficos e os
parâmetros do som. IN: Revista Música, vol 7, n. ½ - maio / novembro de 1996. São
Paulo: USP, 1996.
SANS, Paulo de Tarso C. Pedagogia do desenho infantil. Campinas: Editora Alínea,
2007.
SANTOS, Luana Roberta de Oliveira. O desenho como indicador da compreensão
musical em crianças de 3 a 6 anos de idade: Um estudo piloto. Belo Horizonte: UFMG,
2008. (Monografia de Especialização)
SANTOS, Luana R. de Oliveira e PEREIRA, Marcus Vinícius Medeiros. O desenho como
indicador da compreensão musical em crianças de 3 a 6 anos de idade: Um estudo
piloto. In: Anais do IX Encontro Regional Centro-Oeste da ABEM. Campo Grande:
ABEMCO, 2009.
SWANWICK, K. Musical knowledge: intuition, analysis and music education. Londres:
Routledge, 1994.
________. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003.
SWANWICK, K; TILLMAN, J. The sequences of musical development: a study of
children´s composition. In: British Journal of Musical Education. Londres, v. 3, n. 3,
nov. 1986, p.305-39.
STREIFF, Marqueritte Frey. As estruturações cognitivas da apreensão e notação de
ritmos simples. In: SINCLAIR, H. (org.). A notação de melodias extraídas de caões
populares. São Paulo: Cortez, 1990, p. 125 168.
TRANCHEFORT, François-René. Guia da Música Sinfônica. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. 5ª.
Edição, São Paulo, 1993.
WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo